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REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL – RBDPRO


Diretores
Lúcio Delfino
Fernando F. Rossi

Conselho Editorial José Miguel Garcia Medina Luciana Cristina Minaré Pereira
José Roberto dos Santos Bedaque Luciana Fragoso Maia
Alexandre Freitas Câmara José Rogerio Cruz e Tucci Luciano Lamano
Alexandre Reis Siqueira Freire Jurandir Sebastião Luciano Roberto Del Duque
Ana Paula Chiovitti Lídia Prata Ciabotti Luiz Arthur de Paiva Corrêa
Antonio Carlos Marcato Luciano Borges Camargos Luiz Gustavo de Freitas Pinto
Antonio Gidi Luiz Eduardo R. Mourão Marcus Vinícios Correa Maia
A. João D’Amico Luiz Fernando Valladão Nogueira Paulo Leonardo Vilela Cardoso
Araken de Assis Luiz Fux Richard Crisóstomo Borges Maciel
Aristoteles Atheniense Luiz Guilherme Marinoni Rodrigo Corrêa Vaz de Carvalho
Arlete Inês Aurelli Luiz Rodrigues Wambier Wanderson de Freitas Peixoto
Arruda Alvim Marcelo Abelha Rodrigues Yves Cássius Silva
Bruno Garcia Redondo Marcelo Lima Guerra
Carlos Alberto Carmona Maria Elizabeth de Castro Lopes Conselho Internacional
Carlos Henrique Bezerra Leite Mariângela Guerreiro Milhoranza
Cassio Scarpinella Bueno Paulo Magalhães Nasser Adolfo Alvarado Velloso (Argentina)
Chedid Georges Abdulmassih Petrônio Calmon Filho Alvaro Pérez Ragone (Chile)
Claudiovir Delfino Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias Gustavo Calvinho (Argentina)
Daniel Mitidiero Sérgio Cruz Arenhart Hugo Jaime Botto Oakley (Chile)
Darci Guimarães Ribeiro Sérgio Gilberto Porto Juan Montero Aroca (Espanha)
Dierle Nunes Sérgio Luiz de Almeida Ribeiro Miguel Teixeira de Sousa (Portugal)
Djanira Maria Radamés de Sá Teresa Arruda Alvim Wambier Paula Costa e Silva (Portugal)
Donaldo Armelin Teori A. Zavascki Virginia Pardo (Espanha)
Eduardo Arruda Alvim
Eduardo José da Fonseca Costa Conselho de Redação Pareceristas ad hoc
Eduardo Talamini
Ernane Fidélis dos Santos André Menezes Delfino André Del Negri
Evaldo Marco Antônio Bruno Campos Silva Andrea Queiroz Fabri
Fredie Didier Jr. Bruno Garcia Redondo Carlos Gustavo Rodrigues Del Prá
Glauco Gumerato Ramos Carlos Eduardo do Nascimento Dnieper Chagas de Assis
Gil Ferreira de Mesquita Eduardo Carvalho Azank Abdu Marcelo Nogueira
Humberto Theodoro Júnior Frederico Paropat de Souza Mônica Cecilio Rodrigues
Jefferson Carús Guedes Helmo Marques Borges Murillo Sapia Gutier
J.E. Carreira Alvim Hugo Leonardo Teixeira Ricardo Herzl
João Batista Lopes Jarbas de Freitas Peixoto Roberta Toledo Campos
João Delfino José Carlos de Araujo Almeida Filho Rubens Correia Junior
Jorge Henrique Mattar José Henrique Mouta Sérgio Henrique Tiveron Juliano
José Carlos Barbosa Moreira Leonardo Vitório Salge Sérgio Luiz de Almeida Ribeiro
José Maria Rosa Tesheiner Leone Trida Sene

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R454 Revista Brasileira de Direito Processual : RBDPro. Território Nacional
– ano 15, n. 59, (jul./set. 2007)- . – Belo
Horizonte: Fórum, 2007- Os conceitos e opiniões expressas nos trabalhos assinados são de
responsabilidade exclusiva de seus autores.
Trimestral
ISSN 0100-2589
Esta revista está catalogada em:
Publicada do n. 1, jan./mar. 1975 ao n. 14, abr./ • RVBI (Rede Virtual de Bibliotecas – Congresso Nacional)
jun.1978 pela Vitória Artes Gráfica, Uberaba/MG. • Ulrich’s Periodicals Directory
Publicada do n. 15, jul./set. 1978 ao n. 58, abr./ • Library of Congress (Biblioteca do Congresso dos EUA)
jun. 1988 pela Editora Forense, Rio de Janeiro/RJ.
Publicação interrompida em 1988 e retomada Supervisão editorial: Leonardo Eustáquio Siqueira Araújo
pela Editora Fórum em 2007. Revisão: Lourdes Nascimento
Capa: Igor Jamur
1. Direito processual. I. Fórum. Projeto gráfico: Walter Santos
Diagramação: Virgínia Loureiro
CDD: 347.8
CDU: 347.9
Sumário

Editorial – Instituto Panamericano de Derecho Procesal – XXVI Encuentro


Panamericano de Derecho Procesal................................................................................ 11

DOUTRINA
Artigos

Iniciativa probatoria de oficio


Alejandro Abal Oliú
Introducción........................................................................................................................... 15
Los actos de proposición de la producción de medios
de prueba.............................................................................................................................. 18
Acerca de la iniciativa probatoria del tribunal............................................................................ 19
Panorama del Derecho Procesal de Uruguay respecto a la iniciativa probatoria del tribunal........... 25
Conclusiones......................................................................................................................... 31
Referencias........................................................................................................................... 32

Algunas prospectivas del proceso civil y garantismo


Andrea A. Meroi
1 Introducción............................................................................................................. 37
2 Los problemas.......................................................................................................... 37
3 Algunas soluciones propuestas.................................................................................. 40
3.1 La justicia de “menor cuantía” o de “pequeñas causas”.............................................. 40
3.2 Los denominados “procesos colectivos”..................................................................... 45
4 Conclusiones............................................................................................................ 56

Reflexiones sobre la tolerancia


Ariel Álvarez Gardiol.............................................................................................................. 59

A cooperação como alternativa ao antagonismo garantismo processual/ativismo judicial


Arlete Inês Aurelli
1 Considerações introdutórias...................................................................................... 73
2 Digressão sobre as correntes antagônicas – Garantismo processual e
ativismo judicial........................................................................................................ 74
2.1 Considerações gerais................................................................................................ 74
2.2 Garantismo processual.............................................................................................. 74
2.3 Ativismo judicial........................................................................................................ 76
3 Princípio do devido processo legal.............................................................................. 77
4 O princípio da cooperação como meio-termo entre ativistas e garantistas...................... 79
5 Conclusão................................................................................................................ 84
Referências.............................................................................................................. 84
Arquitetura racional do processo civil no Estado constitucional
Arthur Maria Ferreira Neto
Introdução................................................................................................................ 87
1 Conceito de fundamento, fim e meio de concretização de um instituto jurídico............... 88
1.1 Fundamento que explica um instituto jurídico.............................................................. 91
1.2 O fim que justifica um instituto jurídico....................................................................... 92
1.3 O meio que realiza um instituto jurídico...................................................................... 94
2 Fundamentos do processo civil no Estado constitucional – Epistemologia e
ontologia processual................................................................................................. 96
2.1 Fundamento epistemológico – Pretensão de veracidade (teoria da verdade)................... 97
2.2 Fundamento ontológico – Bens jurídicos básicos e teoria da justiça............................ 106
3 Fins do processo civil no Estado constitucional – Teleologia processual...................... 111
3.1 Fins gerais e mediatos............................................................................................ 113
3.2 Fins específicos e imediatos.................................................................................... 114
4 Os meios do processo civil no Estado constitucional – Pragmatismo processual.......... 115
4.1 Escolhas políticas do legislador............................................................................... 115
4.2 Controlabilidade das decisões políticas em matéria processual.................................. 118
Conclusão.............................................................................................................. 123
Referências............................................................................................................ 123

Processo jurisdicional democrático – Relação entre verdade e prova


Carlos Henrique Soares
I Introdução.............................................................................................................. 127
II Teorias clássicas sobre a “verdade”......................................................................... 128
III “Verdade” e prova................................................................................................... 129
IV Prova, “verdade” e o (in)consciente.......................................................................... 134
V “Verdade”, processo e decisão jurisdicional.............................................................. 137
VI Verdade, prova e o novo Código de Processo Civil..................................................... 140
VII Conclusão.............................................................................................................. 141
Referências............................................................................................................ 142

Reformas processuais: estatalismo ou privatismo? Por um modelo comparticipativo


Dierle Nunes........................................................................................................................145

Algumas considerações sobre as iniciativas judiciais probatórias


Eduardo José da Fonseca Costa........................................................................................... 153

Efetividade processual, princípio da cooperação e poderes instrutórios


Elias Marques de Medeiros Neto.......................................................................................... 175

Rumos do garantismo processual: Brasil e América Latina — Garantismo na Corte


Interamericana de Direitos Humanos
Fauzi Hassan Choukr........................................................................................................... 191

Como se derrotó en Chile cargas probatorias dinámicas – Su diferencia con el


principio de facilidad de la prueba
Francisco Pinochet Cantwell
Introducción............................................................................................................ 201
1 Concepto de carga probatoria dinámica..................................................................... 202
2 Primeras críticas a las cargas probatorias dinámicas de la doctrina en Chile................ 204
3 El apoyo de los civilistas en la lucha contra las cargas probatorias dinámicas.............. 205
4 Los efectos la confusión de la doctrina en Chile en el proyecto de ley.......................... 207
5 Las razones finales del rechazo a las cargas probatorias dinámicas en Chile............... 210

Expectativas em torno do Novo CPC. Entre o ativismo judicial e o garantismo


processual
Glauco Gumerato Ramos...................................................................................................... 213

La institución del apercibimiento en el derecho procesal civil peruano


Hílmer Zegarra Escalante
Introducción......................................................................................................................... 227
Concepto de Apercibimiento.................................................................................................. 228
Naturaleza jurídica................................................................................................................ 229
Presupuestos de aplicación del apercibimiento....................................................................... 230
Caracteres del apercibimiento............................................................................................... 233
Clases de apercibimiento...................................................................................................... 235
¿Todos los apercibimientos son ejecutables?......................................................................... 236
El apercibimiento en la institución de la prueba anticipada...................................................... 237
¿El apercibimiento se puede aplicar contra el Estado?............................................................ 237
Conclusiones....................................................................................................................... 238

Limites ou alcances do devido processo conforme a Constituição desde a ótica da


iniciativa probatória e a sentença
Hugo Botto Oakley
Introdução.............................................................................................................. 241
1 A congruência processual – Seu alcance real............................................................ 246
1.1 Definições.............................................................................................................. 246
2 Alcances e limites................................................................................................... 256
3 Incongruência......................................................................................................... 257
3.1 Classes de incongruência........................................................................................ 257
4 A arbitrariedade da sentença................................................................................... 260
5 Natureza jurídica..................................................................................................... 262
6 Fundamentos.......................................................................................................... 263
7 Estrutura da congruência processual segundo nossa postura e nosso conceito........... 265
8 A motivação da sentença......................................................................................... 266
9 Revisão da sentença............................................................................................... 266
Conclusões............................................................................................................ 270

La Reforma Procesal Civil – Una necesidad, pero no a costa de un retroceso


Hugo Muñoz Basaez............................................................................................................ 273

A ação rescisória no Novo Código de Processo Civil


Humberto Theodoro Júnior
1 Uma advertência preliminar sobre o garantismo processual e a ação rescisória........... 279
1.1 Garantismo processual e iniciativa judicial da prova................................................... 284
2 Ação rescisória e garantia de justiça......................................................................... 286
3 Conceito de ação rescisória no direito brasileiro........................................................ 287
4 Objeto da rescisória................................................................................................ 289
4.1 Rescisão parcial..................................................................................................... 290
4.2 Decisões terminativas rescindíveis...........................................................................290
4.3 Decisão terminativa que impede o reexame do mérito............................................... 291
5 Rescisória de decisão proferida em procedimento de jurisdição voluntária................... 292
5.1 Ação rescisória e ação revisional.............................................................................. 293
6 Casos legais de admissibilidade da rescisória........................................................... 294
6.1 Dolo, coação, simulação e colusão.......................................................................... 294
6.2 Violação manifesta de norma jurídica....................................................................... 295
6.3 Ofensa manifesta à norma e oscilação da jurisprudência........................................... 297
6.4 Prova nova............................................................................................................. 299
7 Legitimação do Ministério Público para a ação rescisória........................................... 301
8 Caução.................................................................................................................. 302
9 Competência.......................................................................................................... 302
10 Prazo decadencial para a propositura da rescisória.................................................... 303
11 Contagem do prazo................................................................................................. 305

Ativismo judicial na tutela jurisdicional diferenciada


João Batista Lopes
Introdução.............................................................................................................. 307
1 Breves considerações sobre o chamado ativismo judicial........................................... 308
2 Ativismo judicial na tutela jurisdicional diferenciada................................................... 310
3 Conclusões............................................................................................................ 314
Referências............................................................................................................ 314

Limitaciones al derecho de defensa en el proceso sumarísimo del código procesal


civil peruano
José Alfredo Lovón Sánchez
1 Concepto y razón de ser de los procesos sumarios.................................................... 317
2 Características de todo proceso sumario.................................................................. 318
3 Naturaleza de los procesos sumarios....................................................................... 319
4 Limitaciones en los procesos sumarios.................................................................... 321
4.1 Limitaciones propias de un proceso sumario............................................................. 321
4.2 Limitaciones inadmisibles........................................................................................ 321
5 Limitaciones en el proceso sumarísimo del código procesal civil peruano.................... 322
5.1 En cuanto a la demanda.......................................................................................... 322
5.1.1 La modificación y ampliación de la demanda (art. 428º)............................................. 322
5.1.2 Medios probatorios extemporáneos y hechos no invocados en la
demanda (artículos 429º y 440º).............................................................................. 323
5.2 En cuanto a la contestación de la demanda.............................................................. 325
5.3 En cuanto al derecho a la prueba............................................................................. 329
5.4 En la sentencia....................................................................................................... 330
5.5 En cuanto a los medios impugnatorios..................................................................... 330
5.5.1 El ofrecimiento de medios probatorios en segunda instancia...................................... 330
5.5.2 El régimen de apelaciones....................................................................................... 331
5.5.3 Efectos disuasivos en la interposición del recurso de casación................................... 333
5.6 Ausencia de un proceso de revisión o contradicción de sentencia............................... 334
6 Conclusiones.......................................................................................................... 336
O “bom litigante” – Riscos da moralização do processo pelo dever de cooperação do
novo CPC
Lenio Luiz Streck, Lúcio Delfino, Rafael Giorgio Dalla Barba, Ziel Ferreira Lopes
1 Introdução.............................................................................................................. 340
2 Neoprocessualismo(s) e otimismo antropológico....................................................... 341
3 Recuperando o debate sobre a cooperação processual brasileira................................ 343
4 Princípios como abertura versus fechamento – As diferenças entre moralidade
comum e moralidade política aplicadas ao devido processo....................................... 346
5 Positivação da cooperação processual – Restrições constitucionais à sua eficácia....... 349
6 Considerações finais............................................................................................... 352
Referências............................................................................................................ 353

Novo CPC e o Hermeneutic Turn do Direito brasileiro – Condições e possibilidades


Lenio Luiz Streck
1 Introdução.............................................................................................................. 355
2 O locus paradigmático do livre convencimento........................................................... 356
3 O livre convencimento e sua extinção....................................................................... 358
4 A exigência da integridade e da coerência no novo Código.......................................... 362
5 Crítica à ponderação............................................................................................... 366
6 Considerações finais............................................................................................... 372

La argumentación jurídica como presupuesto de legitimidad de la decisión


jurisdiccional bajo la perspectiva del garantismo procesal
Liliana Damaris Pabón Giraldo
Introducción........................................................................................................... 374
1 La argumentación jurídica como presupuesto de la decisión....................................... 374
2 La legitimidad de la decisión jurisdiccional................................................................ 376
2.1 Aproximación al concepto de legitimidad................................................................... 376
2.2 La aceptación de la decisión jurisdiccional................................................................ 378
3 La argumentación jurídica como legitimidad de la decisión jurisdiccional en el
derecho procesal contemporáneo............................................................................. 379
Conclusiones.......................................................................................................... 381
Referencias............................................................................................................ 382

Coisa julgada, Constituição Federal e o novo Código de Processo Civil


Luiz Eduardo Ribeiro Mourão
1 Conceito de coisa julgada........................................................................................ 385
2 Finalidade da coisa julgada...................................................................................... 386
3 Espécies de coisa julgada........................................................................................ 386
4 A coisa julgada formal no novo Código de Processo Civil............................................ 387

Discricionariedade judicial em matéria probatória


Maria Elizabeth de Castro Lopes
1 Considerações gerais.............................................................................................. 389
2 Poderes instrutórios no novo CPC............................................................................. 391
3 Conclusão.............................................................................................................. 394
Referências............................................................................................................ 395
Breve visión comparativa del tratamiento de la actividad probatoria en el Código
General del Proceso de Colombia, en el Novo Código de Processo Civil de Brasil y en
el proyecto de Código Procesal Civil de Chile
Miguel Ángel Reyes Poblete
I Aspectos generales................................................................................................. 397
II Iniciativa probatoria................................................................................................. 398
III Rol del juez en la producción de la prueba................................................................ 398
IV Prueba de oficio...................................................................................................... 399
V Medios de prueba................................................................................................... 401
VI Admisibilidad.......................................................................................................... 401
VII Valoración.............................................................................................................. 401
VIII Carga de la prueba.................................................................................................. 402
IX Establecimiento de los hechos en la sentencia......................................................... 403
X Corolario final......................................................................................................... 404
Referencias............................................................................................................ 404

Los nuevos desafíos doctrinarios y normativos de la teoria garantista de cara al siglo XXI
Omar A. Benabentos, Mariana Fernández Dellepiane
1 Introducción a los ejes temáticos de nuestra ponencia.............................................. 405
2 Aspiraciones y deudas pendientes de la corriente garantista...................................... 408
3 Las antinomias que exhiben los sistemas de procesamiento y
juzgamiento publicistas........................................................................................... 410
4 La teoría garantista y el derecho procesal constitucional............................................ 411
5 Referencias sobre los nuevos paradigmas que sustentan al derecho procesal
constitucional y su compatibilidad con modelo garantista o acusatorio para
el proceso civil........................................................................................................ 413
6 Conclusiones.......................................................................................................... 416
Referencias............................................................................................................ 418

Garantia da motivação das decisões no Novo Código de Processo Civil brasileiro:


miradas para um novo processo civil
Paulo Henrique dos Santos Lucon
1 Motivação das decisões no Brasil............................................................................ 419
2 Limites impostos pela motivação............................................................................. 420
3 O contraditório como princípio estruturante do processo............................................ 423
4 Identificação das decisões imotivadas...................................................................... 429
5 À guisa de conclusão.............................................................................................. 435

Processualismo tecnocrático versus processualismo tecnológico: da eficiência


quantitativa à efetividade qualitativa no direito processual civil
Ricardo Augusto Herzl, Wilson Engelmann
Introdução.............................................................................................................. 438
1 A técnica como emancipação da natureza................................................................. 439
2 Tecnologia como ideologia....................................................................................... 441
3 Tecnocracia – O governo da técnica.......................................................................... 443
4 Instrumentalidade do processo – O ovo da serpente.................................................. 444
5 Processualismo tecnocrático – Processos são apenas números?............................... 448
6 Processualismo tecnológico – A técnica a serviço da qualidade no processo............... 453
Conclusão.............................................................................................................. 462
Referências............................................................................................................ 463
A garantia a um processo sem armadilhas e o Novo Código de Processo Civil
Rogerio Mollica
Introdução........................................................................................................................... 465
As armadilhas processuais................................................................................................... 466
O Novo Código de Processo Civil e a jurisprudência defensiva.................................................. 468
Considerações finais............................................................................................................ 473
Referências......................................................................................................................... 475

O paradigma processual ante as sequelas míticas do Poder Constituinte originário


Rosemiro Pereira Leal
1 Introdução.............................................................................................................. 477
2 O sincretismo fatal dos positivistas.......................................................................... 479
3 Processo e linguagem em Popper............................................................................. 481
4 Polemização processual da legitimidade do direito.................................................... 484
5 Desprocessualização do direito no estado telemático................................................ 487
Referências............................................................................................................ 490

La administrativización de los procesos jurisdiccionales


Teresa Borges García........................................................................................................... 493

La imparcialidad y los poderes del juez según el Tribunal de Justicia de la Unión


Europea
Virginia Pardo Iranzo
I Introducción........................................................................................................... 505
II El papel del TJUE en la configuración del derecho de la Unión..................................... 506
III La ampliación de poderes del juez civil realizada por el TJUE...................................... 508
IV Conclusión............................................................................................................. 512
Editorial – Instituto Panamericano de Derecho
Procesal – XXVI Encuentro Panamericano de
Derecho Procesal

Com apoio institucional da OAB/MG, da Escola Superior da Advocacia Geral da


União (ESAGU), do Centro de Estudos Avançados de Processo (CEAPRO) e da COSAN
S/A Ind. e Com., em 28 e 29 de maio de 2015 aconteceu no Brasil, na formosa
Belo Horizonte, o XXVI Encuentro Panamericano de Derecho Procesal. Trata-se do
congresso internacional do Instituto Panamericano de Derecho Procesal (IPDP), de
caráter bienal. O último ocorreu na Cidade do México em outubro de 2013, tendo sido
lá que a Assembleia Geral deliberou por realizar este XXVI Encontro aqui no Brasil.
A iniciativa foi do professor Ronaldo Brêtas — conhecido processualista da
PUC/Minas —, que no congresso do México foi admitido como membro do Instituto
Panamericano. Na ocasião, em que também tomou posse no IPDP o professor Carlos
Henrique Soares (PUC Minas), Brêtas e Carlos Henrique estavam acompanhados da
Dra. Helena Delamonica, Diretora Secretária-Geral da OAB/MG. Num dado momento,
quando a Assembleia Geral deliberava em qual país seria realizado o XXVI Encontro,
estes três personagens confabularam mineiramente e num átimo de segundo
chamaram Glauco Gumerato de canto para que este propusesse à Assembleia que
em BH se fizesse o congresso. Glauco, por sua vez, consultou o decano dos membros
brasileiros do IPDP, o Min. Castro Filho, que imediatamente aderiu à ideia. E foi
assim, após aclamação unânime, que o Brasil foi escolhido para receber o XXVI
Encuentro Panamericano de Derecho Procesal, concretizado no final do mês de maio
de 2015 no Auditório da Seccional da OAB/MG.
O Instituto Panamericano de Derecho Procesal (<www.institutodederechoprocesal.
org>) foi fundado em 15 de novembro de 1976 na Cidade do México, por Humberto
Briseño Sierra (México), Dante Barrios de Ángelis (Uruguai), Hernando Devis Echandía
(Colômbia), Adolfo Alvarado Velloso (Argentina), Alfredo Buzaid (Brasil), dentre
outros. Atualmente, é presidido no plano internacional pelo processualista chileno e
professor titular de direito processual da Universidad Andrés Bello, em Viña del Mar,
Hugo Botto Oakley. No Brasil, a diretiva do Instituto Panamericano (2013-2015) tem
como Presidente o Min. Castro Filho (DF), como Vice-Presidente Glauco Gumerato
Ramos (SP), como Secretário-Geral Flávio Buonaduce Borges (GO), como Tesoureiro
Lúcio Delfino (MG).
O IPDP é o instituto que reúne processualistas de nosso continente que comungam
das posturas filosóficas e dogmáticas em torno no garantismo processual. Vários são
os nomes de processualistas garantistas — americanos e europeus – ligados ao
Instituto Panamericano. Mas três, em especial, são de recordação imediata: Adolfo

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 11-12, abr./jun. 2015 11
EDITORIAL

Alvarado Velloso (Argentina, cofundador e ex-Presidente do IPDP), Juan Montero Aroca


(Espanha, membro honorário do IPDP) e Franco Cipriani (Itália, membro honorário do
IPDP). Por falar em recordações, quantas não foram as polêmicas travadas entre
garantistas e ativistas, principalmente após o congresso do Instituto Iberoameriano
de Direito Processual em São José da Costa Rica, em 2000, e que fomentaram o
respectivo debate (= ativismo X garantismo), cada vez menos — por sorte de todos
nós — ignorado pela processualcivilística brasileira.
Não foi por outra razão que o XXVI Encuentro Panamericano, de Belo Horizonte,
desenvolveu-se sob este eixo temático: Rumos do Garantismo Processual: Brasil
e América Latina. Tiveram fala no conclave processualistas brasileiros de diversos
Estados da Federação, além de experimentados juristas hispanoparlantes de várias
nacionalidades, americanos e europeus.
Surgida pelas mãos idealistas de Edson Prata e Ronaldo Cunha Campos, nos
últimos anos a Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro foi aos poucos
se convertendo em repositório de artigos científicos impulsionadores do garantismo
processual no Brasil.
Por essa e outras razões, a RBDPro — desde abril de 2014, veículo oficial
de publicação do IPDP no Brasil — entende estar cumprindo o seu papel com este
volume especial, o de nº 90 de sua cadeia, que contém textos de membros do
Instituto Panamericano de Derecho Procesal dos mais diversos países, boa parte
deles representado por textos-base utilizados nas próprias exposições orais no XXVI
Encontro de BH.
Desejamos a todos uma profícua leitura.
Os Diretores

12 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 11-12, abr./jun. 2015
DOUTRINA Artigos
Iniciativa probatoria de oficio

Alejandro Abal Oliú


Profesor Titular de Derecho Procesal en la Universidad de la República de Uruguay y en el
Centro Latinoamericano de Economía Humana.

Resumen: En este artículo se plantean los términos generales del debate existente en la doctrina respecto
de la necesidad, o al menos la conveniencia, de que la búsqueda de “la verdad” o la mayor aproximación
posible a ella constituya o no un elemento esencial para la resolución del tribunal, todo ello en el marco del
debate más general respecto a cuál debe ser el rol del tribunal en el proceso. En ese debate se enfrentan
las posiciones de los generalmente denominados “activistas” y los habitualmente llamados “garantistas”.
En cuanto a la prueba estas dos concepciones del proceso jurisdiccional tienen diferencias que se reflejan
principalmente en tres áreas, de las cuales en este artículo se analiza solamente la primera: la iniciativa
probatoria del tribunal, el deber de colaboración de las partes y las cargas probatorias dinámicas.

En lo que refiere al Derecho Procesal de Uruguay resulta de diversas disposiciones del C.G.P. que — en
solución de compromiso criticable — tanto las partes como el tribunal tienen iniciativa probatoria. No obstante
lo expuesto, lo que sí ha sido y es discutido es si el sistema que admite este Derecho Procesal otorga o
impone una iniciativa probatoria amplísima tanto para los interesados principales como para el tribunal, o si
ella se encuentra limitada para este último. Todo ello es objeto de análisis en el presente trabajo.

Palabras-clave: Activismo procesal. Garantismo procesal. Iniciativa probatoria del Tribunal. Imparcialidad
del tribunal.

Sumario: Introducción – Los actos de proposición de la producción de medios de prueba – Acerca de


la iniciativa probatoria del tribunal – Panorama del Derecho Procesal de Uruguay respecto a la iniciativa
probatoria del tribunal – Conclusiones – Referencias

Introducción
El centro del debate planteado respecto a la admisibilidad o conveniencia de
la consagración legislativa de la iniciativa probatoria de oficio, guarda principalmente
relación con si la imparcialidad del tribunal —que se reconoce como el elemento que
singulariza a la función jurisdiccional— se encuentra o no afectada en el caso de que
al tribunal se le otorgue iniciativa para el aporte de fuentes de prueba a través de la
posibilidad de resolver, de oficio, la producción de medios de prueba.
Para dejar en evidencia la importancia de la imparcialidad debe recordarse que,
incluso y como ejemplo, la propia Corte Interamericana de Derechos Humanos ha
elevado a la categoría de presupuesto y no solamente de elemento del Debido Proceso,
a la exigencia contenida en el art. 8.1 de la Convención o Pacto de San José, dentro de
la cual está comprendida la de que el tribunal sea verdaderamente Imparcial.

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Alejandro Abal Oliú

Precisamente sobre la imparcialidad del tribunal la referida Corte Interamericana


de Derechos Humanos ha resuelto que “La imparcialidad exige que el juez que interviene
en una contienda particular se aproxime a los hechos de la causa careciendo, de
manera subjetiva, de todo prejuicio y, asimismo, ofreciendo garantías suficientes de
índole objetiva que permitan desterrar toda duda que el justiciable o la comunidad
puedan albergar respecto de la ausencia de imparcialidad”.1
Y también debe tenerse presente que justamente en aquellos procesos donde
están en juego los más valiosos derechos de las personas —los procesos penales —
es en los que las modernas legislaciones, incluyendo el Código del Proceso Penal recién
aprobado por el Parlamento de Uruguay, excluyen —expresa y explícitamente — toda
iniciativa probatoria del tribunal, por entenderla desvirtuadora de su imparcialidad.
Ahora bien, este debate sobre la iniciativa probatoria del tribunal existente en la
Teoría y en la Dogmática Procesales —debate que se encuentra a menudo reflejado en
disposiciones que asumen una u otra posición — es en realidad un debate respecto
a que la necesidad, o por lo menos a la conveniencia, de que la búsqueda de “la
verdad” o la mayor aproximación posible a ella, constituya o no un elemento esencial
para la resolución que culmina un proceso jurisdiccional. Y el mismo se enmarca en
una aún más amplia discusión acerca de cuál debe ser el rol del tribunal en el proceso
(y también, aunque queda su consideración fuera de esta ponencia, en el debate de
hasta dónde puede exigirse a las partes que, en atención a una regla de obrar con
buena fe, colaboren con el tribunal para intentar alcanzar la “verdad” acerca de los
hechos que forman parte del objeto del proceso).
Este debate es el que en definitiva enfrenta a las posiciones de los generalmente
denominados “activistas” (en ocasiones también llamados “solidaristas”), y los
habitualmente llamados “garantistas”.
Sin perjuicio de los a menudo notorios matices propios de cada autor, conforme
con los primeros —entre quienes se encuentran, sólo como ejemplo, el italiano Michele
Taruffo, el español Joan Picó i Junoy, el brasilero José Barbosa Moreira y el argentino
Augusto Morelo — la misión social o solidaria de los tribunales jurisdiccionales
les impone solucionar los problemas que se plantean en la vida social, “dirigiendo
activamente” el proceso, en busca de la “verdad”, abandonando así la posición más
tradicional que vendría al menos desde el siglo XIX, conforme a la cual y asumiendo
una conducta supuestamente “pasiva”, sin cumplir con una mayor intervención en el
desarrollo del proceso los tribunales se deberían limitar a resolver de acuerdo con lo
que plantean los interesados principales.

GARCÍA RAMÍREZ, Sergio, Derecho Procesal Contemporáneo, t. I, Editorial Jurídica de Chile, Santiago de Chile,
1

2010, pág. 19.

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Iniciativa probatoria de oficio

De esta forma y conforme a los activistas, siempre sin perjuicio de los diversos
matices ya apuntados (que en ocasiones resultan ser verdaderamente muy importantes),
el tribunal podría tener participación en el inicio mismo del proceso (asumiendo la
pretensión aún sin planteo de los interesados) y en su desistimiento, aunque por
cierto esto no lo sostiene prácticamente nadie en los regímenes no autoritarios; en
la determinación de cuál será el objeto de ese proceso, es decir, en la determinación
de los hechos y en la requisitoria, lo cual sí es sostenido por algunos de los autores
que pertenecen a esta corriente; en cuál debe ser el objeto (el “tema”) de la prueba,
inclusive con independencia de la conformidad de las partes en los procesos de materia
disponible, lo cual también es promovido por algunos de estos autores; y, en definitiva,
en la búsqueda de la “verdad” acerca de la existencia de los hechos (al menos respecto
de los hechos que integran el objeto de la prueba), por lo que el tribunal debería, para
esto último, disponer de una iniciativa “de oficio” que le permitiera aportar al proceso
las fuentes de prueba que entienda convenientes (principalmente para complementar la
actividad de las partes en ese sentido, y con diversas limitaciones según de qué autor se
trate). Todo esto sin perjuicio de que por su lado las partes tendrían el más amplio deber
de colaborar con buena fe en esa búsqueda de la “verdad” emprendida por el tribunal.
Por otro lado, según los procesalistas que integran la corriente denominada
“garantista” —actualmente representada, entre otros muchos y para poner solo un
par de ejemplos por todos conocidos, por el español Juan Montero Aroca y el argentino
Adolfo Alvarado Velloso, y probablemente seguida en mi país por la gran mayoría de
los procesalistas más jóvenes — de acuerdo a su naturaleza la misión y posición del
tribunal jurisdiccional no puede sino ser, siempre, la que corresponde al rol de un
“tercero” ante las partes; tercero que resolverá sólo sobre lo que estas soliciten y
conforme lo que ellas le planteen, sin apartarse nunca de esa calidad de tercero (que
precisamente por ser tercero le otorga un rol distinto al de las partes).
De esta forma y concretamente en cuanto a la iniciativa probatoria de los
tribunales, señala esta corriente de pensamiento procesal que es incompatible la
calidad de tercero imparcial que debe tener el tribunal con la de investigador de los
hechos (ni siquiera de los hechos que se encuentran en el objeto de la prueba),
lo que es propio de la tarea de las partes y que de hacerse de oficio corrompe la
imparcialidad del tribunal.
Pues bien, en lo que se refiere a la prueba estas dos concepciones del
proceso jurisdiccional tienen diferencias que se reflejan principalmente en tres áreas
particularmente sensibles: la posible iniciativa probatoria del tribunal, el posible
deber de colaboración de las partes y la posible admisibilidad de la teoría de las
denominadas “cargas probatorias dinámicas”.
De estas tres áreas en esta ponencia voy a detenerme en la primera, con
particular énfasis sobre el estado del debate y la legislación de Uruguay a su respecto.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 15-36, abr./jun. 2015 17
Alejandro Abal Oliú

Los actos de proposición de la producción de medios


de prueba
Convenido en que la veracidad o la mendacidad de las alegaciones sobre la
existencia de los hechos (sobre la existencia de los hechos que se encuentran dentro
del objeto de la prueba), debe resolverse por el tribunal mediante las resultancias de
la producción de medios de prueba (o mediante presunciones judiciales construidas
a partir del indicios), a continuación y vinculada directamente al tema que nos ocupa,
surge la pregunta referida a quién o quiénes deben tener el derecho subjetivo (o en
su caso el poder deber) de proponer tales medios de prueba; o, expresado de una
manera distinta, quienes tienen la denominada “iniciativa probatoria”.
Como es sabido y naturalmente que simplificando la presentación, pueden
señalarse tres posibles soluciones entre las que debe elegir el Derecho Positivo: a)
establecer la iniciativa exclusiva de las partes, b) establecer la iniciativa exclusiva
del tribunal, y c) establecer la iniciativa de ambas clases de sujetos (con o, sin
limitaciones para alguno de ellos).
Aún sin profundizar en este momento a tal respecto, se ha señalado en apoyo
de las opciones que otorgan iniciativa a las partes de los procesos contenciosos y a
los gestores de los procesos voluntarios:
a) que el otorgar la iniciativa probatoria a los interesados principales, que debería
ser en exclusividad, sería el necesario corolario del principio dispositivo;
desde que son sólo ellas las que pueden disponer del proceso, disponiendo
del mismo inclusive a través de un deliberado aporte o exclusión de medios
de prueba;
b) que otorgar alguna clase de iniciativa probatoria al tribunal lo conduciría a
una pérdida de su imparcialidad, imparcialidad que es una nota esencial
de la jurisdicción, y por lo tanto para que un proceso sea verdaderamente
jurisdiccional;
c) que la iniciativa (exclusiva) de las partes sería una consecuencia necesaria de
las reglas que establecen la carga de la prueba, pues una solución diferente
sería incompatible con dichas reglas; y,
d) que desde el punto de vista práctico son las partes y no el tribunal quienes
conocen mejor los hechos y, también, la mejor forma de probarlos.
A su turno, en apoyo de la opción que otorga iniciativa al tribunal se ha señalado:
a) que sería lo que mejor se compadece con un proceso cuando el derecho del
que trata es indisponible para los interesados principales (como acontece
con un proceso que verse sobre el estado civil o con un proceso penal),
desde que dejar la iniciativa probatoria en manos de estos últimos sería
como permitirles disponer del derecho;

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Iniciativa probatoria de oficio

b) que otorgar iniciativa probatoria a los interesados principales sería darles un


instrumento para que quienes así lo deseen puedan dilatar la definición del
proceso;
c) que en definitiva el tribunal, dada la que sería para esta posición su misión,
debería fallar aproximándose en cuanto sea posible a la verdad respecto a la
existencia de los hechos que están en el objeto del proceso, y que cuando
los interesados principales no han ejercido adecuadamente la iniciativa
probatoria y el tribunal advierte que ello podría haberse hecho, debe tener la
posibilidad de subsanar esa omisión.
Pues bien, es claro que la proposición de la producción de un medio de prueba
es un acto procesal por el cual un sujeto del proceso ejerce su derecho subjetivo (las
partes del proceso contencioso y los gestores del proceso voluntario), o cumple con
su poder deber (el tribunal), de proponer la producción de un medio de prueba.
A su vez, y a los efectos de precisar conceptos, en este artículo por “medio de
prueba” se entiende todo procedimiento dirigido a introducir en el proceso una fuente
de prueba, y por “fuente de prueba” a todo objeto o persona susceptible de llegar a
provocar en el tribunal una razonable convicción acerca de la verdad o la falsedad de
la existencia de un hecho (de un hecho que puede estar en el objeto de la prueba, o
de un indicio que pueda permitir construir una presunción judicial).
En todo caso es necesario tener presente que cuando la propuesta del medio
de prueba es realizada “de oficio” por el propio tribunal —es decir, cuando, en los
casos en que ello es admisible en algunas legislaciones, el tribunal ejerce iniciativa
probatoria — dicho acto de proposición se confunde con aquel acto del mismo tribunal
que resuelve acerca de la admisión (obviamente en sentido positivo) de la producción
de ese medio de prueba.
De manera entonces que, a diferencia de lo que sucede cuando la iniciativa
de la producción de un medio de prueba corresponde a las partes o gestores (en
cuyo caso a tal acto de proposición de los interesados principales sigue un acto del
tribunal resolviendo sobre la admisibilidad de tal producción), cuando la iniciativa de
la producción del medio de prueba es del tribunal ella se concreta en un único acto
en el que se confunden la iniciativa de producción y la resolución del tribunal que ya
admite esa producción.

Acerca de la iniciativa probatoria del tribunal


En orden a fundamentar esa iniciativa probatoria del tribunal principalmente en
aras de la búsqueda de la “verdad” respecto a la existencia de los hechos que están
en el objeto del proceso, y replicando de esta forma a algunas críticas referidas a la

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Alejandro Abal Oliú

pérdida de imparcialidad que dicha iniciativa probatoria “de oficio” podría conllevar,
ha expresado por ejemplo el Profesor italiano Taruffo2 que:

Si se piensa en un ‘buen juez’ capaz de ejercitar correcta y racionalmente


sus poderes, entonces no hay razón para temer que él resulte parcial,
e incapaz de valorar las pruebas, por el solo hecho de que él mismo
ha dispuesto o sugerido la adquisición. Solo si se piensa en un juez
incapaz y psíquicamente débil se puede temer que él pierda la propia
imparcialidad en el momento en que decide sobre la oportunidad de que
una prueba ulterior se adquiera, o que no esté en grado de valorar una
prueba en modo equilibrado solo porque ha sido dispuesta por él.

Intentando en igual sentido refutar algunas de las críticas que se han hecho
a la iniciativa probatoria de los tribunales postulada por el “activismo procesal”, el
español Vásquez Sotelo3 ha manifestado que:

En el importante debate, que en modo alguno debe ser ignorado ni


menospreciado ya que afecta a un tema central como es el de la prueba
y con él al modelo de juez y de proceso civil, solo hay un punto en el
que, en mi opinión, los detractores o críticos de que el juez pueda tomar
iniciativas probatorias más allá de las pruebas ofrecidas por las partes
pueden tener razón. Ese punto consistiría en que el proceso civil podría
dejar de ser dispositivo y devendría inquisitivo, si el juez, utilizando sus
iniciativas probatorias, no se limitase a resolver la duda sobre un hecho
trascendente que necesita conocer para juzgar con acierto (limitándose
a una actividad complementaria o suplementaria de la prueba producida
por las partes, sin sustituir su deber de probar ni la carga de la prueba),
sino que se valiese de ese pretexto de la duda sobre la certeza de un
hecho que necesita conocer para desencadenar una perquisición o
investigación probatoria generalizada o indiscriminada sobre los hechos
objeto del juicio. [...] Solo que la experiencia enseña que el peligro del
abuso judicial de las iniciativas probatorias no existe y que el ‘peligro’ es
más bien el de la escasa utilización por los jueces de estas iniciativas.

Desde una posición doctrinaria diametralmente opuesta, los procesalistas que


han dado impulso e integran la corriente denominada “garantista” entienden que, de
acuerdo con su naturaleza, la misión, la posición y el rol de un tribunal jurisdiccional
no pueden sino ser — siempre, en todos los caso — los que corresponden a un
“tercero” ante las partes.
Un tercero que solamente resolverá aquello que estas soliciten y conforme a lo
que ellas le planteen, sin apartarse nunca de esa calidad de tercero (que precisamente
por ser tercero le otorga un rol distinto al de las partes).

2
TARUFFO, Michele, "Poderes probatorios de las partes y del juez en Europa”, Rev. Iberoamericana de Derecho
Procesal, nº 10, 2007, Buenos Aires, pág. 339.
3
VÁZQUEZ SOTELO, José Luis, Iniciativas probatorias del juez en el proceso civil, Rev. Iberoamericana de
Derecho Procesal, nº 13, Buenos Aires, 2009, págs. 238/240.

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Iniciativa probatoria de oficio

De esta manera y bien concretamente en cuanto a la iniciativa probatoria de


los tribunales, señala esta corriente de pensamiento procesal que es incompatible
la calidad de tercero imparcial del tribunal jurisdiccional con la de investigador de los
hechos (ni siquiera de aquellos hechos que se encuentran en el objeto de la prueba).
Esto último es propio de la tarea de las partes, y de hacerse de oficio corrompe la
imparcialidad del tribunal.
¿Qué se puede intentar concluir sobre esta cuestión que tan resumidamente
planteada?
A tal respecto no deja de ser atendible lo que con un ejemplo efectista expresa
Palavecino Cáceres4 al decir: “El sentido común indica que resultaría francamente
impresentable, en cualquier proceso, ver al juez bajar de su estrado, tomar del
brazo a uno de los abogados y escuchar que le susurra bondadosamente al oído:
‘Estimado colega, olvidó usted pedir la documental, la cual es vital para el interés de
su defendido en este caso. Mas no se inquiete, pues la pediré yo en su lugar’. Como
quiera que se mire, esto es exactamente lo que ocurre cada vez que el juez llamado
a dirimir un conflicto entre privados desarrolla actividad probatoria”.
En este sentido puede recordarse que hace ya muchas décadas al respecto
enseñaba en cierto momento Chiovenda:5 “Las esferas del juez y del defensor deben
estar netamente separadas, porque existe una verdadera incompatibilidad psicológica
entre el oficio de juzgar y el de buscar los elementos de defensa de las partes”.
Lo cierto es que aún tanto tiempo después de escrito, lo que expresó en
esa oportunidad Chiovenda parecería continuar teniendo validez, por cuanto —aún
tomando en cuenta lo señalado por Taruffo en la transcripción recién efectuada —
es bien difícil que un juez que se ha puesto a indagar por su cuenta no privilegie el
resultado de aquellos medios de prueba que dispuso de oficio sobre el resultado de
los medios de prueba propuestos por las partes, además de que (al menos en los
procesos de materia disponible) la iniciativa para ordenar de oficio la producción de
medios probatorios contradice (por lo menos en alguna medida) el principio dispositivo
sobre el que se basa el proceso jurisdiccional; y por cuanto en cualquier caso parece
bastante evidente que el ejercicio de esa iniciativa probatoria — si en el supuesto
concreto en definitiva sirviera para demostrar la existencia de algún hecho— siempre
va a favorecer a alguna de las partes y, simultáneamente, a perjudicar a la otra.
Sobre esta última reflexión — que entiendo correcta — corresponde añadir
(aunque en algún momento se ha llegado a sostener lo contrario), que no será
necesariamente el actor el eventual favorecido por la iniciativa probatoria del tribunal,

4
PALAVECINO CÁCERES, Claudio, El retorno del Inquisidor. Crítica a la Iniciativa Probatoria Judicial, Fondo
Editorial de Derecho y Economía — La Ley Paraguaya (Breviarios Procesales Garantistas nº 5), Asunción, 2011,
págs. 60/61.
5
CHIOVENDA, Giusseppe, citado por PICÓ I JUNOY, Joan, “Los principios del nuevo proceso civil español”, en
XVIII Jornadas Iberoamericanas y XI Uruguayas de Derecho Procesal, F. C. U., Montevideo, 2002, pág. 204.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 15-36, abr./jun. 2015 21
Alejandro Abal Oliú

puesto que por ejemplo la duda que puede conducir al tribunal a disponer prueba de
oficio a través de “diligencias para mejor proveer” (en Uruguay arts. 193 y 194 del
C.G.P.), o a ejercer la iniciativa de oficio en otras etapas anteriores del proceso (por
entender que existen medios de prueba que podrían haberse aportado y que no
se aportaron), puede eventualmente —según el caso — favorecer tanto al actor o
como al demandado.
Así, por ejemplo, si en un proceso solamente se ha ofrecido prueba testimonial, y
aún antes de haberse diligenciado la misma el tribunal advierte que existe la posibilidad
de diligenciar prueba pericial no solicitada, las resultancias de esta última podrían
favorecer indistintamente al actor o al demandado (aunque, lo importante y cierto es que
con su iniciativa probatoria el tribunal sólo va a favorecer a uno de ellos, y lo va a hacer
en perjuicio de lo sostenido por el otro). Por otra parte, aún tratándose de diligencias
para mejor proveer la prueba de oficio podría disponerse no sólo ante la duda de si
realmente existieron los hechos alegados por el actor en su pretensión, sino inclusive
sobre si realmente existieron, por ejemplo, los hechos que configuran una prescripción
extintiva o una excepción de contrato no cumplido alegadas por el demandado (aunque
también es claro que esta prueba sólo va a poder favorecer a aquella parte que alegó
los hechos sobre los cuales existe duda, y nunca a la otra parte).
En cualquier caso, por cierto que si pudiera realmente llegarse a “la verdad”
absoluta sobre la existencia de los hechos debería considerarse seriamente la
posibilidad de que los tribunales intenten llegar a ella por cualquier medio, incluso
— quizás hasta a costa de poner en peligro su imparcialidad. Mas pareciera ser
que como afirma por ejemplo Montero Aroca,6 la aspiración de obtener la “verdad
objetiva” acerca de la existencia de los hechos es realmente de imposible realización
por los seres humanos, y ante ello de lo único que se trata es de obtener tan solo
una razonable convicción del juez, y “[...] la convicción acaba por referirse a la
probabilidad. La certeza se produce cuando la inteligencia manifiesta la realidad de
una afirmación, pero la certeza absoluta solo puede producirse en el campo de la
física o la matemática, no en el del proceso, en el que solo cabe una certeza moral,
que se resuelve en la convicción, en cuanto medida psicológica de la certeza”.
Como conclusión de un relevamiento de este debate, y aun entendiendo por
mi parte que el tribunal no debería tener ninguna iniciativa probatoria so riesgo de
corromper su imparcialidad, puede señalarse que este tema quizás no vaya a estar
nunca totalmente cerrado.
Y en este último sentido quizás deba admitirse —como señala entre otros
Taruffo y resulta de la investigación de la Jurisprudencia — que en la enorme mayoría

MONTERO AROCA, Juan, “Los poderes del Juez en el proceso civil”, Rev. Uruguaya de Der. Procesal,
6

Montevideo, 3/2001, pág. 273.

22 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 15-36, abr./jun. 2015
Iniciativa probatoria de oficio

de los procesos los tribunales ni siquiera ejercen esta iniciativa probatoria limitada
que les impone la ley, con lo cual a los efectos prácticos en cierta forma el problema
se traslada sobre todo a un encuadre general y teórico de la misión del tribunal, más
que a la discusión concreta sobre cuáles deben ser sus concretos poderes-deberes
en materia de iniciativa probatoria.
En otro orden pero vinculado a lo anterior, no me parece posible eludir el
problema que se plantea respecto a la iniciativa probatoria del tribunal cuando se
trata de procesos de materia indisponible.
Advierto sobre ello que si el proceso refiere a una materia que el legislador
considera que es indisponible para las partes, el dejar la iniciativa probatoria exclu­
sivamente en manos de los interesados principales (partes y gestores) puede
conducir, indirectamente, a dejar en manos de ellos la disponibilidad de ese derecho
que conforme a la ley es indisponible, en fraude entonces de la regla conforme a la
cual el mismo es indisponible (y ello aún cuando la actividad de esos interesados
principales no sea fraudulenta, sino simplemente indolente o equivocada).
En estos casos de procesos de materia indisponible debería o bien concluirse que
es necesario otorgar al tribunal iniciativa probatoria para complementar la prueba ofrecida
por las partes, o, en otra posibilidad que entiendo mucho más adecuada para preservar
la imparcialidad del tribunal, concluirse que debe darse intervención al Ministerio Público
para que, en caso de advertir que de hecho a través de la prueba (generalmente de su
omisión) se está disponiendo por las partes del Derecho indisponible, el mismo ejerza
por su parte iniciativa probatoria para evitar que ello ocurra.
No puedo sin embargo concluir con estas consideraciones sin dejar constancia
de que a través de una radical reforma de la legislación (y la práctica) marcadamente
inquisitorias del Proceso Penal en el Uruguay, el nuevo “Código del Proceso Penal”
sancionado recientemente por el Parlamento (ley nº 19.293 del 19 de diciembre de
2014), por decisión expresa de los proyectistas que fue unánimemente aceptada por
el Parlamento y el Poder Ejecutivo, el Tribunal no tienen nunca iniciativa para aportar
fuentes de prueba ni ordenar la producción de medios de prueba. En otras palabras,
carece totalmente de iniciativa probatoria.
Por otro lado aunque directamente vinculado a lo que he expuesto, entiendo que
constituye un grave error —que indiscutiblemente afecta la imparcialidad del tribunal
(y por lo tanto su misma caracterización como tribunal jurisdiccional) — el postular,
como lo ha hecho parte de la Doctrina Laboral en Uruguay, que en materia de Derecho
del Trabajo la ley debe otorgar una amplísima iniciativa probatoria al tribunal, como
una forma de concretar lo que llaman la “desigualdad compensatoria” que debería
darse en tales procesos, dejándose así de lado la “igualdad” en el tratamiento
procesal pese a que ella constituye un principio cardinal del proceso jurisdiccional.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 15-36, abr./jun. 2015 23
Alejandro Abal Oliú

Tal “desigualdad compensatoria” permitiría al tribunal disponer de o2ficio


la incorporación de fuentes de prueba y la consiguiente producción de medios de
prueba, justamente para quebrar, para compensar, la “desigualdad” entre las partes.
Este postulado, que a primera vista aparece como tan atractivo, en realidad no
implica sino atribuir al tribunal la función que en todo caso debería tener la asistencia
técnico jurídica o patrocinio letrado, lo cual inmediatamente conduce a concluir que
si en el caso existe desigualdad entre las partes (que por otro lado no siempre es en
perjuicio del trabajador, sino que con cierta frecuencia resulta ser a la inversa), lo que
el Estado y la Comunidad deben hacer no es quitar al tribunal su necesaria condición
de tercero imparcial, convirtiéndolo en el abogado de la parte supuestamente más
débil, sino —además de legislar estableciendo, por ejemplo, presunciones legales
simples que favorezcan al trabajador — proporcionarle a esa parte — con un sistema
mejor que el actual de patrocinio letrado gratuito — un abogado tan bueno como
el mejor. Ello sin perjuicio de que la experiencia forense permite anotar que en la
realidad así sucede sin necesidad de ninguna regulación especial en la mayoría de
los casos en los que el trabajador pertenece a un sindicato, desde que los mejores
abogados laboralistas suelen ser precisamente los abogados de estos sindicatos y
están por ello al servicio directo de los trabajadores.
El tribunal es — necesariamente debe serlo para ser jurisdiccional — imparcial,
y por ende debe tratar a las partes con absoluta igualdad, no debiendo imponérsele
(aún con la mejor intención) algo impropio de su función y de su rol, como sería el
intentar subsanar supuestas o reales desigualdades entre las partes (las que de
verdaderamente existir deben ser subsanadas por otros medios, tal cual he señalado
precedentemente).
Para finalizar con las consideraciones vertidas en este apartado, no puedo
dejar de mencionar, sin pretender ingresar directamente en él, el interesante
debate generado sobre los orígenes históricos y afinidades ideológicas del llamado
“activismo procesal”, al que directamente se atribuyen las concepciones todavía
vigentes aunque no las más actuales en la Doctrina de Uruguay, y conforme con las
cuales, según hemos visto, el tribunal debería tener un protagonismo importante en
materia probatoria (particularmente en cuanto a la iniciativa de oficio).
En tal sentido considero que los términos de dicho debate se ven probablemente
muy bien reflejados —defendiendo naturalmente posiciones opuestas — en el trabajo
de CIPRIANI donde se postula que tal sistema procesal es el fruto de regímenes
autoritarios, y en la réplica que TARUFFO hace a dicho respecto.7

Una versión de las respectivas posiciones puede verse por ejemplo en CIPRIANI, Franco, Los orígenes del
7

autoritarismo procesal: El codice di procedura civile, Fundación para el Desarrollo de las Ciencias Jurídicas,
Breviarios procesales garantistas nº 4, Neuquén, 2013, 104 págs., y TARUFFO, Michele, La Prueba, Marcial
Pons, Madrid, 2008, págs. 172/183.

24 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 15-36, abr./jun. 2015
Iniciativa probatoria de oficio

Panorama del Derecho Procesal de Uruguay respecto a la


iniciativa probatoria del tribunal
¿Qué establece actualmente el Derecho Procesal de Uruguay sobre la iniciativa
probatoria del tribunal?
Al margen de las nuevas y contundentes reglas del recientemente aprobado
“Código del Proceso Penal” a las que me he referido párrafos antes (y que excluyen
absolutamente la iniciativa probatoria del tribunal en materia Procesal Penal),
conforme resulta de disposiciones como las que dictan el numeral 4 del artículo 24 y
los artículos 25.2, 118.1, 118.2, 118.3, 131 y 350.5 del Código General del Proceso
de Uruguay, es posible afirmar que —en una solución de compromiso a mi entender
criticable — tanto las partes como el tribunal tienen en Uruguay iniciativa probatoria.
También debe concluirse ante dichas disposiciones que queda totalmente excluida
del Código la posibilidad de que también tengan iniciativa probatoria sujetos distintos de
los interesados principales o del tribunal. En nuestro Derecho Procesal esos verdaderos
terceros ajenos a los interesados principales (un testigo, un perito, etc., o aún un
sujeto que ni siquiera sea auxiliar del tribunal o de los interesados principales), carecen
totalmente de legitimación en la causa para proponer medios de prueba.
No obstante lo expuesto, lo que sí ha sido y es discutido entre nosotros es si
el sistema que admite nuestro Derecho otorga o impone una iniciativa probatoria
amplísima tanto para los interesados principales como para el tribunal, o si ella se
encuentra limitada para este último.
Se trata, en efecto, de que por un lado el numeral 4 del art. 24 y el art. 25.2
del C.G.P. (y, aunque mucho más vagamente, el art. 139.2) parecieran imponer
al tribunal el poder deber de ejercer una iniciativa probatoria ilimitada para lograr
“el esclarecimiento de la verdad de los hechos” —como reza la primera de dichas
disposiciones — o para “la averiguación de la verdad de los hechos alegados”
—como indica la segunda — y, sin embargo, otras muchas disposiciones del
mismo C.G.P. refieren a la posibilidad de que el tribunal aporte, en determinadas
circunstancias, algunos concretos medios probatorios, lo cual no parece conciliarse
con una amplísima iniciativa probatoria del mismo (que de haber querido así dársela
el legislador no requeriría de ninguna de estas otras múltiples disposiciones a las que
hacemos referencia).
No siempre con igual grado de rigurosidad en la argumentación, se han emitido
en estos cinco lustros de vigencia del C.G.P. por los menos las siguientes opiniones:
a) Entendiendo que la iniciativa probatoria del tribunal sólo es admisible
en aquellos concretos casos (oportunidades, circunstancias) en lo que
especialmente la establece la ley, se han pronunciado al menos Marabotto
Lugaro, Véscovi, Garicoits, Boragno, Alves de Simas, Tarigo, Artola Sala,
Stipanicic y Valentín, Simón, Landoni Sosa y quién escribe estás páginas.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 15-36, abr./jun. 2015 25
Alejandro Abal Oliú

b) Entendiendo que la iniciativa probatoria del tribunal es en cambio ilimitada,


se han pronunciado Gelsi Bidart, Jardi Abella, Van Rompaey, Costa Franco,
De Leon Lagurara y Xalambri.
c) Sin aclarar expresamente el alcance de nuestro Derecho Positivo al respecto,
aunque aparentemente adhiriendo a la primera posición indicada (conforme
han señalado los autores que dirige Landoni Sosa), se han manifestado
Klett y Uriarte, y adhiriendo quizás a la última posición indicada, parecerían
haberse pronunciado Barrios de Angelis y Greif.
Por mi parte y conforme recién he adelantado, he entendido en anteriores
oportunidades — y me ratifico ahora en esa conclusión — que en nuestro Derecho
la iniciativa de principio en materia probatoria la tienen los interesados principales,
y que a los efectos de precisar cual es el alcance de la iniciativa probatoria que el
C.G.P. otorga e impone al tribunal, el problema debe desagregarse en cinco preguntas
que tiene que responder el intérprete cuando analiza la regulación de dicha iniciativa
probatoria en nuestro Código: ¿ella le permite al tribunal aportar cualquier medio de
prueba?, ¿se encuentra limitada por la exigencia de un previo aporte probatorio de los
interesados principales?, ¿puede ser ejercida en cualquier momento?, ¿se encuentra
limitada por el objeto del proceso?, ¿se encuentra limitada por el objeto de la prueba?

a) ¿La iniciativa probatoria del tribunal le permite el aporte de cualquier medio de prueba?
Como he anotado, el numeral 4 del art. 24 del Código pareciera establecer una
iniciativa del tribunal que le permitiría introducir al proceso cualquier medio probatorio
(prueba documental, prueba por informes, declaración testimonial, informe pericial,
etc.). Sin embargo, el siguiente numeral del mismo artículo señala el poder deber del
tribunal para introducir de oficio sólo tres medios de prueba (los tres por declaración),
dando además a entender que se trata de una segunda convocatoria de quienes ya
antes fueron convocados a declarar por iniciativa de las partes (“disponer en cualquier
momento la presencia de los testigos, de los peritos y de las partes, para requerirles
las explicaciones que estime necesarias al objeto del pleito”).
Por otro lado, una larga serie de diferentes disposiciones del mismo Código
establecen igual poder deber del tribunal, pero vinculado sólo a algunos concretos
medios de prueba.8

Se trata de los arts. 148 (señala que la regla que el mismo establece es sin perjuicio de la posibilidad del
8

tribunal de interrogar a las partes conforme al numeral 5 del art. 24), 149.2 (establece que el tribunal puede
interrogar a las partes de oficio y en la audiencia sin necesidad de previa citación), 149.3 (indica que el tribunal
puede citar de oficio a una parte para declarar en una audiencia, en cuyo caso la no comparecencia tendrá las
consecuencias que indica el art. 149.4), 160.2 (establece que el tribunal podrá citar de oficio al testigo que la
parte asumió la carga de hacer comparecer y no compareció, remitiéndose la norma para indicar tal poder deber
al numeral 5 del art. 24), 161 (consagra el poder deber del tribunal de disponer de oficio el careo entre testigos
o entre estos y las partes), 177.2 (indica que luego de emitido un dictamen pericial a pedido de parte, el tribunal
puede disponer de oficio que se reciba un nuevo dictamen pericial), 180 (señala que al resolver sobre los puntos

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Iniciativa probatoria de oficio

Y bien, de la enumeración de concretos medios de prueba a los que puede


recurrir de oficio el tribunal, ya sea por especial mención como en los casos señalados
o por remisión indirecta en el caso de las diligencias para mejor proveer, a lo que se
debe agregar la norma que resulta del art. 350.5 (que prevé un poder deber ilimitado
de aportar medios de prueba en los procesos “de carácter social”), resulta un sentido
de la ley totalmente diferente del que podría llegar a sugerir una lectura aislada y
descontextualizada del numeral 4 del art. 24.
En efecto, conforme el intérprete dirija su atención a todo el C.G.P. la conclusión
a la que inevitablemente arribará será la de que el tribunal solamente puede introducir
de oficio algunos medios de prueba que su articulado expresamente va enumerando
(los que se amplían bastante en el caso especial de las diligencias para mejor proveer,
y como, veremos, aún más en el caso de los procesos de carácter social), quedando
así por ejemplo excluida la posibilidad de que el tribunal tenga la iniciativa para la
introducción de prueba por agregación de documento, o de prueba por informe, o de
prueba por informe pericial si antes la misma no fue solicitada por las partes; siempre
claro está que no se trate de prueba dispuesta por la vía de diligencia para mejor
proveer, en cuyo particular caso la limitación se restringiría sólo al interrogatorio de
parte por absolución de posiciones.
Y entonces ese mismo intérprete entenderá que el numeral 4 del art. 24
(como por demás lo señala explícitamente el art. 25.2 al establecer el poder deber
del tribunal de “averiguar la verdad”, pero empleando para ello las “facultades y
poderes que le concede este Código”, o sea los concretos y específicos poderes que
permitiéndole producir prueba de oficio resultan de los artículos que antes he citado),
no autoriza al tribunal a introducir de oficio cualquier medio de prueba, sino que
solamente indica la existencia de un poder deber abstracto del mismo para disponer
de oficio la producción de los concretos medios de prueba que distintos artículos del
Código le van autorizando a introducir de esa forma.
Finalmente, al sólo efecto de hacer notar que estas conclusiones que ahora
vuelvo a exponer ya han tenido amplia recepción desde los mismos comienzos de
la vigencia del C.G.P., me permito recordar que ya en 1991 se había unánimemente

que serán objeto de dictamen pericial, el tribunal podrá de oficio incluir otros diferentes), 183.3 (consagra el
poder deber del tribunal de requerir del perito propuesto por las partes las aclaraciones y ampliaciones que
estime convenientes, y disponer, también de oficio, la realización de un nuevo peritaje), 186 (establece que el
tribunal puede de oficio disponer una inspección de personas, lugares o cosas, con la finalidad de esclarecer
hechos) y 188 (indica que el tribunal puede, de oficio, ordenar la reproducción de hechos).
A estas disposiciones se deben aún añadir el art. 193.2 y la parte final del actual numeral 4 del art. 346, referidos
a las “diligencias para mejor proveer”, en cuyo ámbito y siempre que (según la Doctrina y Jurisprudencia) exista
algún aporte probatorio previo de la parte que aparentemente se verá beneficiada, es posible la producción de
oficio de cualquier medio de prueba, excluyéndose en la teoría solamente la declaración de interesado principal
por absolución de posiciones y la declaración de interesado principal bajo juramento.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 15-36, abr./jun. 2015 27
Alejandro Abal Oliú

manifestado en ocasión de las “IIas. Jornadas de Técnica Forense”9 que “El juez
tiene el poder deber de aportar por su iniciativa medios probatorios referentes a
los hechos alegados por las partes, complementando la actividad de estas y no
supliéndolas. Estos son limitados en número y oportunidad para los procesos en
general, e ilimitados en ambos rubros para los procesos de carácter social”.
Empero, distinta a la precedente es la conclusión sobre cuales medios de
prueba debe producir de oficio el tribunal según nuestra actual legislación cuando
se trata de los procesos que el art. 350 del Código denomina “de carácter social”
(procesos de familia, laborales, agrarios y quizás otros como los correspondientes a
“intereses difusos” etc.).
Como según también ya he fundado ampliamente con anterioridad (26), de
acuerdo a lo que dispone el art. 350.5 del C.G.P. (ratificado para los procesos de
materia laboral en el art. 1 de la ley nº 18.572, pero terminantemente rechazado por
el legislador en el nuevo Código del Proceso Penal), en estos procesos el tribunal
deberá producir de oficio todos los medios de prueba que estime admisibles,
pertinentes, conducentes y necesarios, sin limitación de clase alguna en cuanto a la
clase de medio de prueba de que se trate (salvo respecto al interrogatorio de parte
por absolución de posiciones).
La solución —que en el momento de proyectarse el Código aparece como una
solución de compromiso entre lo que pensaban los codificadores y lo que entendían
otros juristas (especialmente laboralistas) — la entiendo altamente criticable, y se
repite aún más intensamente en la muy criticable legislación que actualmente regula
las especialidades del proceso de materia laboral. Como ya señalé, en lugar de esta
solución que si se aplica por el tribunal torna prácticamente como no jurisdiccional
al proceso de materia laboral, lo que corresponde es que la Comunidad ponga
buenos abogados a disposición gratuita de la parte supuestamente más débil, o
consagre una mayor participación al Ministerio Público y/o establezca a través de la
ley razonables presunciones legales simples a favor de esa parte que se supone más
débil. Pero no elegir el camino más fácil de quebrar la imparcialidad del tribunal y en
definitiva terminar tornando al proceso como un procedimiento de naturaleza quizás
administrativa y no como el proceso jurisdiccional que debería ser.

b) ¿La iniciativa probatoria del tribunal se encuentra limitada por la exigencia de un


previo aporte probatorio de los interesados principales?
Se ha dicho que aún cuando los interesados principales no hayan realizado
aporte probatorio el tribunal debe disponer, de oficio, la producción de algunos de

IIAS. JORNADAS DE TÉCNICA FORENSE, “Conclusiones”, Rev. de Técnica Forense, nº 2, Montevideo, 1991,
9

pág. 155.

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Iniciativa probatoria de oficio

los medios de prueba que hemos señalado en el apartado anterior y particularmente


en la nota 8. Sin embargo, oponiéndose a ello se ha señalado que la actividad del
tribunal al respecto solamente puede ser complementaria de la desarrollada por los
interesados principales.
Por mi parte he entendido que en lo que hace a la necesidad de una previa
iniciativa probatoria de estos últimos, como presupuesto habilitante de la producción
de los medios de prueba por iniciativa del tribunal, al margen de su valoración la
solución que consagra el C.G.P. varía según cuál sea el medio de prueba que se
esté considerando.
Por la extensión limitada que se nos pide a los autores de los artículos, me
resulta imposible individualizar lo que sucede respecto a cada uno de estos medios
de prueba. De todas formas me remito a lo que he expresado al respecto en anteriores
oportunidades.10
Ahora bien, en el caso de que la producción de medios de prueba por iniciativa
del tribunal se plantee en uno de los procesos llamados “de carácter social” las
conclusiones son notablemente distintas, desde que lo que justamente distingue a
“los poderes de instrucción del juez en el sumario penal” (en el actual proceso penal,
pues en el nuevo Código del Proceso Penal que aún no está vigente, el tribunal no
tiene ninguna iniciativa probatoria) — poderes a los que accede el juez en esta clase
de procesos según el art. 350.5 del C.G.P., y en los procesos de materia laboral
también conforme al art. 1º de la ley nº 18.572 — de los poderes de instrucción que
el tribunal tiene en cualquier proceso, es precisamente la posibilidad (y el deber) de
disponer, de oficio y sin limitación alguna la producción de cualquier medio de prueba
respecto a las afirmaciones sobre la existencia de hechos que se encuentran en el
objeto de la prueba de estos procesos.

c) ¿La iniciativa probatoria del tribunal puede ser ejercida en cualquier momento?
Dejando de lado las diligencias para mejor proveer que tienen un momento
muy preciso para su ordenamiento y producción, se debe concluir que los concretos
medios de prueba que el Código establece que deben disponerse de oficio por el
tribunal pueden disponerse en cualquier momento de la primera instancia, con dos
precisiones: a) que de acuerdo a lo ya expuesto cuando se trata de algunos de
esos medios de prueba el tribunal no puede ejercer su iniciativa probatoria sin una
actividad previa que resulte del proceso (en particular, testigos, peritos y careos); y
b) que cuando concluye la Audiencia Complementaria (o la única audiencia si fuere
el caso), ya no es posible que se produzcan de oficio otros medios de prueba, salvo
a través de diligencias para mejor proveer (o luego en la etapa de liquidación de

ABAL OLIÚ, Alejandro, Derecho Procesal, tomo IV, F.C.U., Montevideo, 2014, págs. 68/71.
10

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Alejandro Abal Oliú

sentencia, particularmente en cuanto a la prueba por interrogatorio de parte bajo


juramento sobre la estimación de los daños).
En cuanto a la posibilidad de disponerse de oficio la producción de medios de
prueba en la segunda instancia, deberá estarse para el diligenciamiento a lo que
establece el art. 344.3, lo que permite concluir que esa iniciativa probatoria de oficio
debe emplearse antes o durante la audiencia de la segunda instancia, pero nunca
después de ella (salvo, nuevamente, que se trate de diligencias para mejor proveer).
Tratándose de los procesos “de carácter social”, dada la amplitud de la
expresión que emplean el art. 350.5 del C.G.P. y en su caso el art. 1º de la ley nº
18.572 sobre los procesos de materia laboral, debe concluirse que el tribunal no se
encuentra limitado en la iniciativa probatoria que el Código le impone, ni siquiera por
los límites temporales señalados precedentemente para los procesos en general.

d) ¿La iniciativa probatoria del tribunal se encuentra limitada por el objeto del proceso?
Aún para quienes, en Uruguay, postulan el llamado activismo procesal (de los
jueces), el tribunal se encuentra limitado en cuanto a su iniciativa probatoria por
el objeto del proceso. Se trata, en efecto, de que al no poder el tribunal incorporar
de oficio al objeto del proceso la existencia de ningún hecho que pudiere fundar la
requisitoria que debe resolverse, carece absolutamente de utilidad el que el mismo
pudiera disponer de oficio la producción de medios de prueba sobre tales hechos
(medios de prueba que si los hubieren propuesto las partes serían rechazados por
“manifiestamente impertinentes”).
En realidad solamente un sistema procesal con proyecciones inquisitivas — y
contrario por ello al carácter propiamente jurisdiccional que en el mismo debe tener un
tribunal — podría permitir al tribunal introducir hechos al objeto del proceso y, como
consecuencia de ello, habilitarlo a producir pruebas sobre estos hechos. Nuestro sistema
procesal (el general, pues aún subsisten rasgos fuertemente inquisitivos en otros
procesos, como por ejemplo el penal o el aduanero), claramente no tolera está posibilidad.
Cuando se considera este punto en relación a los procesos “de carácter social”
nada cabría añadir a lo expresado precedentemente.

e) ¿La iniciativa probatoria del tribunal se encuentra limitada por el objeto de la prueba?
La respuesta a esta pregunta solamente puede ser una: resulta impertinente
cualquier medio de prueba que se proponga para controlar la existencia de hechos
que no integren el objeto de la prueba (de eso trata precisamente y tal cual veremos
en la próxima sección el control de “pertinencia” de los medios probatorios). Por lo
tanto también sería impertinente un medio de prueba con tales características aún si
es dispuesto por el tribunal.
En consecuencia, en el proceso en general la iniciativa probatoria que
limitadamente otorga el C.G.P. al tribunal deberá ejercerse solamente sobre hechos

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Iniciativa probatoria de oficio

que integren no solamente el objeto del proceso, sino también el objeto de la prueba
del concreto proceso de que se trate.
En este marco del objeto de la prueba, ¿puede (y en todo caso debe) el tribunal
disponer prueba sobre hechos alegados por los interesados principales en sus
demanda y/o contestación pero, sobre los cuales ellos no solicitaron la producción
de medios de prueba?
Para responder a esta pregunta y pese a que lo que se dirá a continuación
contradice una concepción “garantista” del proceso de la que participo (pues puede
concluirse que en parte el C.G.P. efectivamente la contradice), deberá estarse a lo
que se concluyó en apartados precedentes, y conforme a ello debería expresarse que
tratándose de hechos que se encuentren en el objeto de la prueba y aunque nada hayan
propuesto las partes para probarlos, el tribunal debería ejercer la iniciativa probatoria
que le otorga e impone nuestro Código vigente, pero siempre que los medios de prueba
que dispone de oficio producir se encuentren entre aquellos que está autorizado a
disponer de esa forma, y siempre que los disponga cuando previamente medió alguna
iniciativa probatoria de las partes al respecto, y que los disponga en los momentos del
proceso en los que según hemos visto los puede disponer.
Si bien en los procesos sobre materia indisponible el objeto de la prueba es
amplísimo, no necesariamente un proceso de carácter social es un proceso sobre
materia indisponible; más en todos los casos debe concluirse que la regla a su
respecto es la misma que para los procesos en general: la iniciativa probatoria del
tribunal se encuentra siempre acotada a los hechos que integran el objeto de la
prueba, y esta regla no puede ser violentada ni siquiera en los procesos de carácter
social (aún cuando en ellos, según acabamos de señalar, muchas veces ese objeto
de la prueba — por ser en tales casos también procesos sobre materia indisponible
— sea mucho más amplio de lo normal). Por ende sigue siendo válida para estos
procesos la regla conforme a la cual todo medio de prueba que no refiera a hechos
que se encuentran en el objeto de la prueba será un medio de prueba impertinente.

Conclusiones
1) El debate existente en la doctrina respecto de la necesidad, o al menos la
conveniencia, de que la búsqueda de “la verdad” o la mayor aproximación posible a
ella constituya o no un elemento esencial para la resolución del tribunal, se enmarca
en el debate más general respecto a cuál debe ser el rol del tribunal en el proceso.
En ese debate se enfrentan las posiciones de los generalmente denominados
“activistas” y los habitualmente llamados “garantistas”.
En lo que refiere a la prueba estas dos concepciones del proceso jurisdiccional
tienen diferencias que se reflejan principalmente en tres áreas particularmente sensibles,
de las cuales en este artículo se analiza solamente la primera: la iniciativa probatoria
del tribunal, el deber de colaboración de las partes y las cargas probatorias dinámicas.

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Alejandro Abal Oliú

2) Luego de un relevamiento doctrinario sobre la iniciativa probatoria del tribunal


y aun entendiendo por mi parte que el tribunal no debería tener ninguna iniciativa
probatoria so riesgo de corromper su imparcialidad, puede señalarse que este tema
no está totalmente cerrado.
Por otro lado, conforme resulta de diversas disposiciones del Código General
del Proceso de Uruguay (C.G.P.) es posible afirmar, sin ningún género de dudas, que
— en solución de compromiso a mi entender criticable — tanto las partes como el
tribunal tienen iniciativa probatoria. No obstante lo expuesto, lo que sí ha sido y es
discutido entre nosotros es si el sistema que admite nuestro derecho procesal otorga
o impone una iniciativa probatoria amplísima tanto para los interesados principales
como para el tribunal, o si ella se encuentra limitada para este último.
En el Derecho Procesal de Uruguay la iniciativa de principio en materia probatoria
la tienen los interesados principales, mas a los efectos de precisar cuál es el alcance
de la iniciativa probatoria que el CGP otorga e impone al tribunal, el problema debe
desagregarse en cinco preguntas que tiene que responder el intérprete cuando analiza
la regulación de dicha iniciativa probatoria en nuestro Código: ¿ella le permite al
tribunal aportar cualquier medio de prueba?, ¿se encuentra limitada por la exigencia
de un previo aporte probatorio de los interesados principales?, ¿puede ser ejercida
en cualquier momento?, ¿se encuentra limitada por el objeto del proceso?, ¿se
encuentra limitada por el objeto de la prueba?

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Alejandro Abal Oliú

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

OLIÚ, Alejandro Abal. Iniciativa probatoria de oficio. Revista Brasileira de Direito


Processual — RBDPro, Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 15-36, abr./jun. 2015.

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Algunas prospectivas del proceso civil y
garantismo

Andrea A. Meroi
Profesora Titular Ordinaria de Derecho Procesal I, Facultad de Derecho, Universidad Nacional
de Rosario (Argentina). Miembro Titular del IPDP.

Palabras clave: Proceso civil. Garantismo. Prospectivas. Acceso a la jurisdicción.


Sumario: 1 Introducción – 2 Los problemas – 3 Algunas soluciones propuestas – 4 Conclusiones

1 Introducción
Allá por el año 2000, el Profesor Juan Montero Aroca publicó un pequeño gran
libro titulado El Derecho Procesal en el siglo XX1 en el que, según sus propias palabras,
intentaba una síntesis de la evolución conceptual del Derecho Procesal y una relación
de los problemas que la realidad ha ido suscitando en los procesos civil y penal, con
las respuestas ofrecidas para solucionarlos.
A quince años vista, la vigencia de ese cuadro de situación nos conmueve e
invita a reflexionar, en el ámbito del proceso civil, acerca de la profundización de esos
problemas sabiamente avizorados, de algunas respuestas ensayadas y de su relación
con el garantismo procesal.
Interesa analizar cómo se resuelve el “eterno problema del proceso civil”,2 esto
es, el balance entre acceso a la jurisdicción y efectiva protección de los derechos del
individuo, por un lado, con el derecho a ser oído, por el otro.

2 Los problemas
Evidentemente, la mayor dificultad que sigue desafiando al proceso civil y
poniendo en crisis su existencia misma es el vertiginoso aumento de la litigiosidad.
Allá por el 2000 Montero Aroca se permitió afirmar que “[m]ientras el proceso civil
fue un instrumento por el que la reducida clase media de un país solucionaba sus

MONTERO AROCA, Juan, El Derecho Procesal en el siglo XX, Valencia, Tirant-lo-Blanch, 2000.
1

CAPONI, Remo, “Transnational Litigation and Elements of Fair Trial”, en Procedural Justice, Heidelberg,
2

Gieseking, 2014, p. 493.

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Andrea A. Meroi

litigios, la doctrina pudo afrontar el estudio de las grandes cuestiones teóricas de


ese instrumento, pero cuando al mismo han accedido un número mucho mayor de
ciudadanos, tanto por la ampliación de las clases medias como por el acceso al
proceso de otras capas de la población, con lo que el proceso civil ha pasado a ser un
fenómeno de masas, se ha convertido en acuciante la efectividad práctica del mismo,
con lo que las cuestiones teóricas han quedado en un segundo plano”.3
A pesar de la inexistencia o falta de fiabilidad de las estadísticas de nuestros
países, es notoria la inadecuada ratio entre número de litigios y número de tribunales.
Por otra parte, la lista de concausas de esa mayor litigiosidad es nutrida: el
crecimiento demográfico sostenido, la ampliación de las clases medias (al menos
en ciertas sociedades), la tutela jurídica a más y nuevas situaciones (el trabajo, la
responsabilidad extracontractual, el denominado “contencioso administrativo”, el
consumo, el ambiente, la salud, etcétera), la mayor difusión de los derechos en el
marco de la sociedad de la información, la globalización e intensificación del intercambio
de bienes y servicios, la masificación de las relaciones sociales y económicas y la
correlativa masificación de los conflictos, entre muchos otros factores.
Este incremento de la litigiosidad plantea retos cuantitativos (la tan mentada
adecuada ratio entre número de causas y oferta jurisdiccional para atenderlas) pero
también cualitativos, toda vez que al exceso de conflictos se suma su diversidad.
Las respuestas a este aluvión de pretensiones no siempre han sido adecuadas
u oportunas y, por cierto, tampoco han sido siempre o cabalmente respetuosas de los
postulados del garantismo procesal.
2.1 Precisamente en torno al garantismo procesal, conviene destacar que
no es fácil dar una definición unívoca y que, cuanto más, puede ensayarse una
conceptualización que dé cuenta de las coincidencias entre diversos autores que han
abordado el tema.4
Para Ferrajoli, las garantías sustanciales del ordenamiento jurídico quedarían
incompletas sin las garantías procesales, que responden a las preguntas cuándo y
cómo juzgar. El autor distingue entre garantías orgánicas (relativas a la formación
del juez, a su colocación institucional respecto de los demás poderes del estado y
a los otros sujetos del proceso) y garantías procesales (relativas a la formación del

MONTERO AROCA, cit., p. 59.


3

Así, fue Luigi Ferrajoli quien difundió la expresión garantismo penal (pp. 33 y ss.) y garantismo procesal (si bien
4

a los fines penales, v. pp. 537 y ss.), aunque en ambos casos con acepciones “susceptibles de ser traslada-
das a todos los campos del ordenamiento jurídico” (p. 851) (FERRAJOLI, Luigi, Derecho y razón, trad. Perfecto
Andrés Ibáñez et al., 3ª ed., Madrid, Trotta, 1998, en especial v. Capítulo 13, “¿Qué es el garantismo?”, pp.
851 y ss.). Limitado al derecho procesal, podemos citar las obras de ALVARADO VELLOSO, Adolfo, Sistema pro-
cesal. Garantía de la libertad, Santa Fe, Rubinzal-Culzoni, 2009, 2 tomos; Garantismo procesal versus prueba
judicial oficiosa, Rosario, Juris, 2006; El garantismo procesal, en “Activismo y garantismo procesal”, Academia
Nacional de Derecho y Ciencias Sociales de Córdoba, Córdoba, 2009, pp. 145 y ss., así como los debates
consignados en Proceso civil e ideología, Juan MONTERO AROCA (coord.), Valencia, Tirant lo Blanch, 2006;
etcétera. También puede v. LORCA NAVARRETE, Antonio M., Estudios sobre garantismo procesal, Dijesa, 2009.

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Algunas prospectivas del proceso civil y garantismo

juicio), señalando que “algunas de estas garantías, como la orgánica de la separación


entre juez y acusación y las procesales de publicidad y oralidad y contradicción en la
formación de la prueba, son propias de manera específica del método acusatorio;
otras, como las de independencia, imparcialidad, necesidad de la prueba y similares,
son comunes a todo tipo de procesos, si bien su incidencia real resulta favorecida
por el método acusatorio y obstaculizada por el inquisitivo”.5 Existe, entonces, una
preferencia axiológica por el método acusatorio (o dispositivo).
El garantismo postula que el proceso es un instrumento de garantía para todo
ciudadano que persiga la declaración de lo que cree es su derecho o interés legítimo.
El Estado, que expropió el uso de la fuerza a los ciudadanos, debe garantizar a todas
las personas un método de solución de los conflictos a cargo de un tercero imparcial
y en condiciones de igualdad procesal.
En nuestra opinión, esos dos son los principios fundamentales del proceso: la
imparcialidad del juzgador y la igualdad de las partes. Las leyes procesales deben
propender, en el mayor grado posible, a la consecución de esos dos ideales utópicos
pero tendencialmente realizables.6 Existen diversos mecanismos para promover ese
acercamiento: la máxima vigencia del principio del contradictorio, la asistencia jurídica,
la llamada “igualdad de armas” (postulatorias y probatorias), la más amplia posibilidad
de recusación al juez, la separación de funciones entre juzgador y partes, etcétera.
Adicionalmente, para ser coherentes con la aspiración de garantía de las
promesas constitucionales, el garantismo procesal debe hacerse cargo de los aspectos
sustanciales del acceso a la justicia y el acceso a la defensa, de la existencia de vías
idóneas para el debate los derechos — particularmente, de las llamadas expectativas
positivas, de más difícil y compleja concreción7 —, de la eficacia de las decisiones
judiciales, entre tantos otros tópicos.
2.2 En suma, desde nuestra perspectiva el garantismo procesal describe un
modelo ideal de plena vigencia del derecho de acción, la inviolabilidad de la defensa
en juicio, la imparcialidad del juzgador, la igualdad de las partes, la máxima realización
del contradictorio y la eficacia de la tutela.
De ahí que, al tiempo que pasamos revista por las propuestas más destacadas o
habituales a los problemas señalados, intentaremos contrastarlas con ese estándar ideal.

5
FERRAJOLI, cit., p. 540.
6
“La proclamación de los derechos fundamentales, como por lo demás del principio de igualdad y por otro lado
de la representación, equivale a la estipulación de valores. Y contiene, por eso, un elemento de utopía, siendo
la utopía un elemento integrante de la noción de valor en el sentido de que es propio de los valores el hecho
de no ser nunca perfectamente realizables o de una vez por todas y de admitir siempre una satisfacción sólo
imperfecta, es decir, parcial, relativa y contingente. Precisamente por esto los valores son universales e impe-
recederos” (FERRAJOLI, cit., p. 866).
7
Sobre el tema, puede v. FERRAJOLI, Luigi, Derechos y garantías. La ley del más débil, trad. Perfecto Andrés
Ibáñez y Andrea Greppi, 2ª ed., Madrid, Trotta, 2001, en especial, pp. 24/25. Asimismo, puede v. nuestro
trabajo en coautoría con CHAUMET, Mario E., ¿Es el derecho un juego de los jueces?, Revista Jurídica La Ley,
2008-D, bol. 18.06.2008, pp. 1/7.

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Andrea A. Meroi

3 Algunas soluciones propuestas


De entre las múltiples alternativas procesales civiles pergeñadas para mitigar
o dar adecuada satisfacción a la demanda de tutela jurisdiccional, habremos de
destacar dos: la “justicia de menor cuantía” y los denominados “procesos colectivos”.

3.1 La justicia de “menor cuantía” o de “pequeñas causas”


Esta respuesta apunta a dar satisfacción a un universo de pretensiones que
—además de a menudo muy numerosas— son individualmente de escasa cuantía o,
incluso, insignificantes.
La factura impaga del servicio domiciliario de plomería o, a la inversa, el
incumplimiento del servicio del plomero, constituyen ejemplos paradigmáticos de
estados de insatisfacción jurídica (i.e., amparados por el derecho), que “carecen de
abogado”, “de juez”, “de justicia”. El coste de funcionamiento del sistema y de los
honorarios profesionales excede largamente el monto de la pretensión.
¿Qué hacer? Por cierto, los países de tradición hispana heredamos a los
antiguos “jueces de paz”, funcionarios legos y frecuentemente honorarios, personas
caracterizadas del pueblo, que mediaban entre vecinos y resolvían pequeñas disputas.
Hoy en día, cualquier sociedad avanzada provee a sus ciudadanos de alguna
vía de solución a este tipo de conflictos y, en situación ideal, apunta a cumplir con
tres objetivos: a) la resolución justa de disputas; b) el desaliento de la autodefensa
violenta (las “vías de hecho”); y c) la identificación de problemas sociales recurrentes
que pueden ser objeto de acción legislativa o administrativa8
El derecho comparado da cuenta de esta realidad: small claims, petits litiges,
controversie di modesta entità, Bagatellsachen... El desarrollo de métodos informales
de adjudicación en las “pequeñas causas” ha sido una de las innovaciones radicales
más extendidas en las últimas décadas. La proliferación de estos tribunales de menor
cuantía en varios países, de manera casi contemporánea y con profusas similitudes
resulta muy sugestiva. El problema central que enfrentan los sistemas jurídicos que
han intentado “acercar la justicia” ha sido facilitar el acceso de los individuos por
vía de la simplificación, la reducción de costos, la restricción a las apelaciones y
el desaliento a la representación letrada, al tiempo de asegurar que el remanente
todavía pueda ser descrito como un sistema de justicia.9
3.1.1 En nuestro continente, el intento más serio y poderoso (aun en la
actualidad) se encuentra en Brasil.

8
BESTF, Arthur; ZALESNE, Deborah; BRIDGES, Kathleen; CHENOWETH, Kathryn, Peace, Wealth, Happiness, and
Small Claim Courts: A Case Study, Fordham Urban Law Journal, Vol. 21, Issue 2, 1993, Article 4; consultado
en <http://ir.lawnet.fordham.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1390&context=ulj> el 10 de marzo de 2015.
9
Cfr. WHELAN, Christopher J. (ed.), Small Claims Courts: a comparative study, Oxford (England): Clarendon
Press; New York: Oxford University Press, 1990.

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Algunas prospectivas del proceso civil y garantismo

Inspirados en las small claims courts de los EE.UU., a iniciativa del Tribunal
Superior de Rio Grande do Sul y con el apoyo de AJURIS (la asociación de jueces de
ese estado), en 1981 comenzaron a funcionar de modo experimental unos juzgados
de pequeñas causas.
En 1984 se aprobó la ley federal 7244, que creaba los Juzgados de Pequeñas
Causas con competencia para entender en asuntos cuya cuantía no superara los
veinte (20) salarios mínimos.
La Constitución Federal de 1988 institucionalizó los juzgados especiales, “... inte­
grados por jueces togados, o togados y legos, competentes para la conciliación, juicio
y ejecución de causas civiles de menor cuantía e infracciones penales de menor
potencial ofensivo, mediante procedimientos orales y sumarísimos, permitiéndose,
en las hipótesis previstas en la ley, la transacción y el enjuiciamiento de los recursos
por grupo de jueces de primer grado” (art. 98).
La ley 9099 (26 de septiembre de 1999), reglamentaria de esta materia a nivel
federal, determinó la creación de Juzgados Especiales en todos los Estados, pero el
nombramiento de jueces legos y conciliadores quedó en el ámbito discrecional de
cada uno ellos. Algunos atribuyen a los jueces letrados todas las funciones; otros,
instituyeron sólo la figura del conciliador.10
Los Juzgados Especiales Civiles y Criminales creados por esta ley son órganos
de la justicia ordinaria con funciones de conciliación, conocimiento y ejecución en las
causas de su competencia.
Sus principios inspiradores son la oralidad, la simplicidad, la informalidad, la
economía procesal y la agilidad, con la constante búsqueda de la conciliación o transacción.
La competencia de los juzgados especiales civiles comprende la conciliación,
proceso y juzgamiento de causas civiles de menor complejidad, así consideradas: a)
las causas cuyo valor no exceda de cuarenta (40) salarios mínimos; b) las sometidas
por el Código Procesal Civil al trámite sumario; c) el desalojo para uso propio; d) las
acciones posesorias sobre bienes inmuebles cuyo valor no exceda a los cuarenta
salarios mínimos. Son asimismo competentes para promover la ejecución de sus
propias resoluciones y de títulos ejecutivos extrajudiciales cuyo valor no exceda los
cuarenta salarios mínimos. Quedan excluidas de la competencia de estos juzgados
las causas de naturaleza alimentaria, concursal, fiscal y de interés de la Hacienda
Pública, así como las relativas a accidentes de trabajo, lo concerniente al estado y
capacidad de las personas, aun de índole patrimonial. La opción por el procedimiento

“Apenas los Estados de Río Grande del Sur, del Mato Grosso del Sur, del Paraná y del Acre crearon figuras
10

de los Jueces Legos y Conciliadores” (RODYCZ, Wilson Carlos, El Juzgado Especial y de Pequeñas Causas en
la solución del problema del acceso a la justicia en Brasil, en <http://www.cejamericas.org/index.php/biblio-
teca/biblioteca-virtual/doc_view/1464-el-juzgado-especial-y-de-peque%C3%B1as-causas-en-la-soluci%C3%B3n-
-del-problema-del-acceso-a-la-justicia-en-brasil.html>, consultado el 10 de marzo de 2015).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 37-57, abr./jun. 2015 41
Andrea A. Meroi

previsto en la ley importará la renuncia al crédito excedente al límite cuantitativo


establecido, con exclusión de la hipótesis de conciliación (art. 3º).
3.1.2 En España, se ha criticado duramente la regulación del juicio verbal
(de menor cuantía)11 en la LEC 2000, que habilita la comparecencia sin abogado o
procurador cuando la cuantía no exceda de € 2.000 y para la petición inicial de los
procedimientos monitorios (art. 23, ap. 2, inc. 1º).
Sucede que el propio juicio verbal se sigue regulando con tecnicismos y
formalidades que ningún lego podría razonablemente comprender. Así, se ha afirmado
que “... es preciso reconocer que esas soluciones no han funcionado. Nadie sensato
acude solo a la vista de un procedimiento verbal, en caso de celebrarse. Y es normal,
porque el ciudadano medio no sabe Derecho, ni tiene por qué tener formación jurídica
que le permita defenderse adecuadamente en un proceso. Para eso están los
profesionales del Derecho, igual que los médicos existen para asistir a los enfermos,
siendo desaconsejable la automedicación o acudir a un curandero”.12
3.1.3 En julio de 2007 el Parlamento Europeo y el Consejo de la Unión Europea
sancionaron el Reglamento Nº 861/2007 que establece un proceso europeo
de escasa cuantía, con normas de procedimiento comunes para la tramitación
simplificada y acelerada de litigios transfronterizos relativos a demandas de escasa
cuantía en materia de consumo o de índole mercantil.13
El ámbito de aplicación material y territorial se circunscribe a supuestos de
carácter civil y mercantil que tengan naturaleza transfronteriza (aquellos en los que al
menos una de las partes esté domiciliada o tenga su residencia habitual en un Estado
miembro de la UE distinto de aquel al que pertenezca el órgano jurisdiccional del
Estado miembro de la UE que conozca el asunto), siempre que el valor de la demanda
(excluidos intereses, gastos y costas) no supere los € 2.000.
Quedan excluidos de este proceso, con carácter general, las materias fiscal,
aduanera y administrativa; asimismo, los casos en que el Estado incurra en
responsabilidad por acciones u omisiones en el ejercicio de su autoridad, es decir,
por acta iure imperii. En particular, se excluyen los asuntos que versen sobre:
- el estado y la capacidad jurídica de las personas físicas;
- los derechos de propiedad derivados de regímenes matrimoniales, obligaciones
de alimentos, testamentos y sucesiones;
- la quiebra, los procedimientos de liquidación de empresas o de otras
personas jurídicas insolventes, los convenios entre quebrado y acreedores y
demás procedimientos análogos;

11
“2. Se decidirán también en el juicio verbal las demandas cuya cuantía no exceda de seis mil euros y no se
refieran a ninguna de las materias previstas en el apartado 1 del artículo anterior” (art. 250 LEC).
12
NIEVA FENOLL, Jordi, ¿Es antieconómico litigar por menos de 1.000 euros? Planteamiento de soluciones para
las reclamaciones de pequeña cuantía, Justicia 2007, pp. 39-40.
13
Cfr. <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:32007R0861:ES:HTML>, consultado el
10 de marzo de 2015.

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Algunas prospectivas del proceso civil y garantismo

- la seguridad social;
- el arbitraje;
- el derecho laboral;
- los arrendamientos de bienes inmuebles, excepto las acciones sobre
derechos pecuniarios;
- las violaciones del derecho a la intimidad y de otros derechos de la
personalidad, incluida la difamación.
El procedimiento presenta las siguientes características:
- se trata de una vía alternativa a los distintos procedimientos que en puedan
existir en los ordenamientos nacionales y a la que puede acogerse libremente
el litigante;
- se admiten las reclamaciones de deudas pecuniarias y las no pecuniarias,
pero siempre que se puedan cuantificar económicamente;
- la legislación procesal del Estado miembro en el que se desarrolle el proceso
es supletoria de los aspectos procesales no regulados;
- la intervención de abogado u otro profesional del derecho no es vinculante;
- los Estados miembros deben garantizar que las partes reciban asistencia
práctica para completar los formularios, la cual debe incluir información técnica;
- el procedimiento es predominantemente escrito, sin perjuicio de la celebración
de vista oral si lo piden las partes o lo considera necesario el órgano
jurisdiccional;
- el órgano jurisdiccional no exigirá una valoración jurídica en la demanda,
informará a las partes sobre las cuestiones procesales y podrá conciliar
entre ellas;
- el procedimiento debe estar presidido por los principios de simplicidad, rapidez
y proporcionalidad. Es conveniente que se hagan públicos los pormenores de
los costes y que haya transparencia en los medios para establecerlos.
3.1.4 Elementalmente, la justicia especial o de pequeñas causas satisface el
postulado garantista de asegurar la real vigencia del derecho de acción. Refiriéndose
a la garantía de la defensa en juicio, Alvarado Velloso nos enseña que resulta un error
restringirla a la esfera de actuación del demandado civil o del reo penal y que, por el
contrario, rige plenamente para ambos contendientes.14
Esto es particularmente así en el momento inicial del pleito, para el que expresa
o implícitamente las cartas magnas consagran la inviolabilidad de la defensa en juicio
de los derechos del ciudadano. Quizá con términos más remozados, el inveterado
derecho de acción (derecho de instar a la autoridad) trocó en derecho a la tutela
judicial efectiva o a la jurisdicción.15

Cfr. ALVARADO VELLOSO, Introducción..., t. I, pp. 178 y ss.


14

Cfr. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan, The Worldwide Movement to Make Rights Effective, Milano, Giuffrè,
15

1978; GONZÁLEZ PÉREZ, Jesús, El derecho a la tutela jurisdiccional, Madrid, Civitas, 1984, etcétera. Rosatti

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Andrea A. Meroi

El hecho de que este tema haya sido objeto de un particular estudio —y hasta
de un “movimiento”16— obedece al impacto que esa realidad ocasionó al sistema
judicial en su conjunto. Un autor lo pintará con palabras asaz elocuentes: “Nos
referimos a la democratización del acceso a la justicia, mediante la cual, como
parte de un proceso más abarcativo, amplios segmentos de la población han podido
incorporarse al sistema jurídico-político, accionar ante los tribunales e incoar de ese
modo el procedimiento judicial. Esta transformación es consecuencia de los cambios
sociales que, por un lado, generaron la expectativa de un mayor acceso a la justicia
al compás de la redistribución de los bienes económicos a clases antes excluidas, y,
por otro, hicieron presión sobre el sistema político para que estos derechos fueran
reconocidos en las normas legales y constitucionales. La incorporación de grandes
masas ciudadanas al sistema social y político generó la recepción de las mismas
por el sistema jurídico, que comienza a estar interconectado con los anteriores.
Concomitantemente, el reconocimiento de los derechos individuales y su eficacia
vinculante resaltan la necesidad lógica de una instancia ante la cual sean exigibles por
sus titulares [...] A ello debemos sumarle que la materia justiciable, por el fenómeno
de la juridificación, se acrecentó en proyección geométrica durante la segunda mitad
de este siglo, con lo cual el ciudadano tiene acceso hoy a la justicia en una proporción
que no la tenía en tiempos pasados y que además puede someter a ella toda una
serie de cuestiones que antes le estaban vedadas”.17
Sin embargo, las altas promesas constitucionales de acceso a la jurisdicción
suelen dificultarse o desalentarse por condiciones de la realidad entre las que destaca
la inacción de los poderes públicos o la insignificancia económica. Hace ya algunos
años, Ramos Méndez se preguntaba: “¿Quién es el necio que se atreve a reclamar
estas modestas sumas ante los Tribunales de Justicia? Sin embargo, ésta es la
necesidad del ciudadano de a pie para sentir que verdaderamente toca la justicia
cuando la necesita”.18
3.1.5 En estos mecanismos de atención a las “pequeñas causas”, al tiempo que
la garantía de acceso se cumple, otras veces se resiente la imparcialidad del juzgador.
Esto ocurre particularmente en aquellos ordenamientos que superponen las funciones
de conciliación (y, aun, de mediación) y adjudicación del conflicto por autoridad.
Así, y respecto del caso brasileño, se sostiene que las mayores dificultades surgen
con la eventual confusión entre el papel de conciliador y de juez y, consiguientemente,
el desempeño insatisfactorio de ambas funciones: como conciliador, se corre el

hablará de derecho a la jurisdicción antes del proceso, como “el derecho a exigir del Estado — monopolizador
del servicio de administración de justicia — el cumplimiento de los presupuestos jurídicos y fácticos necesa-
rios para satisfacer el cometido jurisdiccional ante la eventualidad de una litis concreta” (ROSATTI, Horacio D.,
El derecho a la jurisdicción antes del proceso, Buenos Aires, Depalma, 1984, p. 47)
16
V. nota anterior.
17
THURY CORNEJO, Valentín, Juez y división de poderes hoy, Buenos Aires, Ciudad Argentina, 2002, pp.
256/257.
18
RAMOS MÉNDEZ, Francisco, El mito de Sísifo y la Ciencia Procesal, Justicia 88, Nº 2, p. 271.

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Algunas prospectivas del proceso civil y garantismo

riesgo de imponer inconscientemente un acuerdo por la amenaza latente de su


poder para decidir; como juez, puede ser compelido a permitir que su esfuerzo de
conciliación subvierta el mandato de aplicar la ley. Este riesgo en que incurren los
conciliadores, provocado por la socialización a la que son sujetos en la lógica de
la justicia formal de decisión, típica de su formación en derecho, implica lo que se
denomina el “dilema de la doble institucionalización del poder judicial”, dado que se
crean formas distintas de práctica judicial, basadas en lógicas también diferentes.
Una persigue el acuerdo entre las partes por medio de la conciliación, conducida por
un abogado que desempeña la función de conciliador; la otra busca la aplicación de
la justicia por medio del poder de decisión del juez. Tales lógicas representan una
tensión entre la justicia formal de decisión y la justicia informal de mediación, las
dos formas que asume la justicia de nuestros días.19
3.1.6 Adicionalmente, la falta de asistencia letrada puede convertir a la
oficina receptora de demandas (y aun al propio juez) en abogado de la parte actora,
sesgando desde el inicio la consideración del caso y, eventualmente, afectando la
igualdad procesal.
3.1.7 En definitiva, así como ya no hay quien dude que es menester brindar
respuesta jurisdiccional a este universo de “pequeñas causas”, siempre es posible
preguntarnos por una mejor manera de hacerlo.20
Las respuestas de políticas públicas pueden ser diversas: desde confiar en la
sociedad civil y en su activismo “no gubernamental” hasta decidir la asunción de una
función redistributiva plena, no solo afrontando los costes de “juzgados especiales” sino
de una “asistencia jurídica gratuita” y, claro, separada e independiente del órgano decisor.

3.2 Los denominados “procesos colectivos”


La existencia de pretensiones que afectan a un número muy significativo
de personas y la posibilidad de gestionarlas colectivamente ha sido una de las

19
FAISTING, André Luiz, “O dilema da dupla institucionalização do Poder Judiciário: o caso do juizado especial
de pequenas causas”, en O sistema de justiça, Maria Teresa Sadek (Org.), Série Justiça, Fundação Ford, São
Paulo, Sumaré, 1999, pp. 43-44.
20
En España, se ha afirmado que “El procedimiento verbal, actualmente existente en nuestra Ley de Enjuiciamiento
Civil, no es adecuado para que un ciudadano lego en Derecho acuda a defender sus pretensiones ante un Juez.
Su regulación está prevista pensando, en el fondo, en la presencia de abogados. Y por ello, en lugar de acudir
a un juicio jurisdiccional, se queda en casa lamentándose de la injusticia del sistema. Quizás haya llegado
el momento de asumir que estas pequeñas reclamaciones, y otras como la mayoría de las reclamaciones de
consumo, no precisan de un proceso basado en esquemas del pasado. Por ello, entiendo que estas reclama-
ciones habrían de resolverse informalmente en juicios prima facie, en presencia judicial, por supuesto, pero
en principio de ningún otro profesional del Derecho. La experiencia de estos juicios está dando unos frutos
óptimos en los arbitrajes de consumo, a la vista de las estadísticas y pese a la existencia de algunas deficien-
cias que habrán de ser solucionadas en un futuro. Pero la mayoría de los ciudadanos tienen su caso resuelto
en un plazo variable de entre pocos días o semanas, a un máximo de tres meses. Y son enormes las tasas de
satisfacción entre los ciudadanos. Tasas estas —más que otras — que tanta falta le hacen a nuestra justicia
profesional” (NIEVA FENOLL, cit., 40-41).

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características más disruptivas del Derecho Procesal de este tiempo, así como uno
de sus desafíos más importantes.
Al iniciar su trabajo, Redish y Berlow adelantan que así como hay poco consenso
en la comunidad académica acerca de por qué existe esta “isla de colectivismo en un
mar de resolución de disputas individuales”, hay un acuerdo casi universal acerca de
la necesidad de alguna herramienta para sustanciar reclamos colectivos masivos.21
La efectiva vigencia del derecho de acción para ese tipo de pretensiones es una
clara exigencia del garantismo procesal.
3.2.1 Sabido es que, una vez reconocidos por el legislador (constitucional o
infraconstitucional), los derechos materiales no pueden ser negados a base de impedir
a los ciudadanos que peticionen su tutela judicial. El legislador ordinario puede,
respecto de intereses privados, no elevarlos a la condición de derechos subjetivos
(salvo en el caso de que tengan reconocimiento en la Constitución) pero, configurado
un derecho subjetivo en la ley, no puede luego negarse la posibilidad de que su titular
inste la tutela.22 En otros términos, en la medida en que la actividad jurisdiccional
del Estado representa la respuesta dada para la prohibición de la autodefensa, es
necesario proporcionar al titular de un interés jurídicamente protegido exactamente
aquello que el Derecho sustancial le concede.23 La omisión en establecer esas vías
de tutela sería inconstitucional.24
Desde la perspectiva del particular que insta, Montero Aroca ha señalado el
principio de oportunidad —que conforma toda la actuación del derecho privado por
los órganos jurisdiccionales— como punto de partida para comprender la idea de
legitimación.25
En un sistema de derechos subjetivos privados,26 “el principio general del que
hay que partir es el de que sólo el titular del derecho puede disponer del mismo...
Desde esta perspectiva parece claro que el legislador no puede discrecionalmente
legitimar a quien no afirme la titularidad del derecho subjetivo, porque ello equivale a
permitir disponer del derecho a quien no es su titular”.27 De ahí que las excepciones
que constituyen la legitimación extraordinaria deban responder a “motivos objetivos,

21
REDISH, Martin H.; BERLOW, Clifford W., The class action as political theory, 85 Wash. U. L. Rev. 753 (2007), p.
754, consultado en <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1071191>., el 10 de marzo de 2015.
22
MONTERO AROCA, Juan, Introducción al derecho procesal. Jurisdicción, acción y proceso, Madrid, Tecnos,
1976, p. 126.
23
PÉREZ RAGONE, Álvaro J. D., Prolegómenos de los amparos colectivos, en Revista de Derecho Procesal, Nº 4,
pp. 103 y ss., Santa Fe, Rubinzal-Culzoni, 2000, p. 88, con cita de Dinamarco y Marinoni.
24
Así, se ha afirmado que “desconocer, negar, o estrangular la legitimación procesal, privando de llave de acceso
al proceso a quien quiere y necesita formular pretensiones en él para hacer valer un derecho, es inconstitucio-
nal” (BIDART CAMPOS, Germán, Tratado Elemental de Derecho Constitucional Argentino, 2ª ed., Buenos Aires,
Ediar, 1993, t. I, p. 351).
25
MONTERO AROCA, Juan, La legitimación colectiva de las entidades de gestión de la propiedad intelectual,
Granada, Comares, 1997, pp. 29/30; el destacado es nuestro.
26
Como lo es la Argentina, cfr. Constitución Nacional, arts. 14, 17, 18, 19, 28, 33, 42 y cc.
27
MONTERO AROCA, La legitimación colectiva..., cit., p. 35.

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razonables y proporcionados. Esos motivos son los que han ido cambiando, pasándose
de lo privado a lo colectivo, de supuestos de escasa trascendencia social a otros en
los que puede estar implicado gran número de personas”.28
La justificación social de estas nuevas “legitimaciones” suele plantearse,
precisamente, en términos de garantía de la defensa en juicio de los derechos
involucrados. Dice Trionfetti que “las acciones colectivas son instrumentos de protección
de la libertad (en sentido amplio) o de la propiedad que posibilitan el acceso a la tutela
efectiva de ciertos derechos que, disputados dentro del formato decimonónico de
ejercicio de la acción, serían inviables, costosos o de difícil tutela”.29 A su entender,
“la clave para optar por un proceso colectivo reside en la existencia de una suerte de
condensación de elementos que no pueden ser absorbidos o procesados en la matriz
clásica sin riesgo de ineficacia o colapso para el sistema judicial”.30
Afinando el concepto, y contemplando las peculiaridades de nuestros
ordenamientos, Maurino, Nino y Sigal justifican la existencia del “caso colectivo”
en las hipótesis de intereses supraindividuales y de intereses plurales homogéneos
de difícil acceso jurisdiccional.31 También se ha dicho que “el criterio óptimo se da
cuando sin la agregación de procesos el acceso a la justicia es inalcanzable”.32
En el derecho anglosajón —aun desde una perspectiva liberal de respeto a la
autonomía individual— se ve a las class actions como un catalizador del logro de los
fines individuales: se trata de una herramienta para ayudar a la persona a perseguir
sus propios intereses y un medio de profundización de la autonomía al proveerle la
opción de una estrategia colectiva alternativa para maximizar sus reclamos a través
de un proceso de colectivismo voluntario.33
Por lo demás, siempre será bueno recordar que “los agentes finales de los
derechos son individuos, que la identificación de grupos es ante todo una herramienta
para asegurar protección a las personas que participan de cierta situación

28
Ibídem. Por lo demás, muchas veces se confunden los conceptos de interés, legitimación y representación.
De allí que sea “menester distinguir un objeto del proceso supraindividual, un ámbito de legitimados plural
y un portador individual. Es importante distinguir, a su vez, dentro de lo que genéricamente se denomina
objeto — pretensión — supraindividual, los casos que versan sobre intereses supraindividuales en sentido
propio — colectivos o difusos — (lo cual sí constituye ya un auténtico supuesto de legitimación “colectiva”) de
aquellos en que lo que existe es una pluralidad de derechos individuales homogéneos, conexos (de titularidad
y legitimación individual, privativa), que no son, en realidad, supuestos de legitimación “colectiva” sino, en
todo caso, de acumulación de pretensiones y, eventualmente, de representación conjunta. El primero sería el
caso de un particular, miembro de un determinado grupo social, que insta la retirada o la no difusión de unas
determinadas manifestaciones injuriosas a ese grupo; el segundo el de las class actions norteamericanas”
(GUTIÉRREZ DE CABIEDES E HIDALGO DE CAVIEDES, La tutela..., cit., p. 188).
29
TRIONFETTI, Víctor Rodolfo, Aspectos preliminares sobre la tutela jurisdiccional de los derechos difusos, co-
lectivos y homogéneos, en OTEIZA, Eduardo [Coordinador], Procesos colectivos, Santa Fe, Rubinzal-Culzoni,
2006, pp. 155/156.
30
MAURINO, Gustavo; NINO, Ezequiel; SIGAL, Martín, Las acciones colectivas, Buenos Aires, Lexis Nexis, 2005,
pp. 159/160.
31
V. su lograda idea de “caso colectivo”, op. cit., pp. 199 y ss.
32
LORENZETTI, Ricardo Luis, Justicia colectiva, Santa Fe, Rubinzal-Culzoni, 2010, p. 125.
33
REDISH; BERLOW, cit., p. 806.

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colectivamente relevante; pero que al final del día, quienes viven o mueren, ganan
o pierden son las personas individuales. Esto nos lleva a sugerir que el diseño
de las acciones colectivas debería ser sensible a reconocer algunos aspectos
fundamentales del derecho de defensa que recaigan en los individuos afectados,
además de asegurarlos plenamente respecto del grupo considerado como unidad de
acción en el proceso, a través de los legitimados colectivos”.34
3.2.2 La acertada elección del legitimado es clave a la hora de garantizar el
derecho de defensa en juicio de todos los miembros del grupo o clase de afectados.
Respecto de la acreditación de la representación adecuada se han previsto,
básicamente, dos sistemas: a) aquel que confía la comprobación de la existencia
de la representación adecuada al juez del caso concreto (sistema de las class
actions estadounidenses);35 b) aquel que predetermina de antemano quiénes son
los representantes adecuados (sistema de la mayoría de los regímenes de derecho
continental, que legitiman a ciertos sujetos o categorías de sujetos: ministerio público,
defensor del pueblo, asociaciones o ciertas asociaciones, el “afectado” etc.).
Es en función de los desequilibrios que se han constatado respecto de la
legitimación activa de ciertos sujetos en nuestros sistemas36 que ha ido ganando
terreno la necesidad de controlar, en el caso concreto, la existencia de una verdadera
representación adecuada, entendiendo por tal el conjunto de condiciones personales,
profesionales, financieras, etcétera, suficientes para garantizar una apropiada
defensa de las pretensiones colectivas. Y en lugar de abandonar ese control a la
entera discrecionalidad judicial, se propicia “la previsión normativa de parámetros a
tener en cuenta... en primer lugar, para objetivar el sistema en la medida de lo posible
y, en segundo lugar, para exteriorizar la preferencia del legislador respecto de los
elementos enunciados”.37
Por nuestra parte, entendemos que si bien la caracterización del estándar
representación adecuada es perfectible, su previsión y constatación se impone como
exigencia de la garantía de la inviolabilidad de la defensa en juicio: “en la medida
en que las consecuencias del obrar del legitimado “extraordinario” (activo o pasivo)
sean capaces de repercutir favorable o desfavorablemente en la esfera de interés de

34
MAURINO; NINO; SIGAL, cit., p. 250.
35
“One or more members of a class may sue or be sued as representative parties on behalf of all only if... (4) the
representative parties will fairly and adequately protect the interests of the class...” (Federal Rule 23, a), 4º).
Adhieren al mismo sistema Canadá y Australia. V. nuestro trabajo Procesos colectivos. Recepción y problemas,
Santa Fe, Rubinzal-Culzoni, 2008, pp. 94 y ss.
36
Al respecto puede v. nuestro trabajo Posibles desequilibrios en la recepción de modelos de legitimación para
la tutela de intereses supraindividuales y plurales homogéneos, en “XX Jornadas Iberoamericanas de Derecho
Procesal: Problemas actuales del proceso iberoamericano”, Málaga, octubre de 2006, t. II, en especial pp.
326/327. Asimismo, GIDI, Antonio, A representação adecuada nas ações coletivas brasileiras. Uma proposta,
en Revista de processo, 61 (2002); PELLEGRINI GRINOVER, Ada, Ações coletivas..., pp. 11-27.
37
GIANNINI, Leandro J., La representatividad adecuada en las pretensiones colectivas, en OTEIZA, Eduardo
[Coordinador], Procesos colectivos, Santa Fe, Rubinzal-Culzoni, 2006, p. 200.

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Algunas prospectivas del proceso civil y garantismo

múltiples sujetos, sin que éstos necesariamente hayan prestado su voluntad expresa
o tácita, la salvaguarda de la garantía del debido proceso (art. 18, Constitución
Nacional; art. 8º, Convención Americana de Derechos Humanos) hace necesaria la
existencia de mecanismos que aseguren que quien va a actuar gestionando y hasta
disponiendo de intereses que no le pertenecen, lo haga apropiadamente”.38
Claro está que esto es solo un muy pequeño aspecto de la cuestión: resta
elaborar todo un sistema de controles y contrapesos relacionados con el “derecho de
defensa en juicio” que tiene que ver con el régimen de notificaciones, la posibilidad
de excluirse del grupo, la intervención de terceros, los efectos de la sentencia, el
régimen recursivo, entre otros.
3.2.3 En lo que refiere a los intereses plurales homogéneos, es habitual la
discusión en torno a si el proceso colectivo debe regularse con un mecanismo de
inclusión (opt-in) o de exclusión (opt-out) de los miembros al grupo o clase.
En el sistema opt-in los miembros del grupo deben incluirse en el proceso
colectivo a fin de que la sentencia que se dicte los alcance. En el sistema opt-out los
miembros del grupo deben excluirse del proceso colectivo a fin de que la sentencia que
se dicte no los alcance y, así, poder decidir no demandar o demandar individualmente.
El sistema opt-in, mayoritario en Europa, es la regla en Inglaterra, Suecia,
Alemania y, para algunos, en Italia. El sistema opt-out, paradigmático de las class
actions estadounidenses, rige también en Portugal y, bajo ciertas circunstancias, en
Dinamarca, Noruega y los Países Bajos.
El debate entre opt-in y opt-out plantea dificultades a la hora de equilibrar los
derechos individuales y la exigencia de eficacia procesal. Según Hodges su resolución
debe pasar, en última instancia, por una opción política que maximice la posibilidad
de una respuesta justa. A sabiendas de que la elección involucra consideraciones de
poder y de abuso, se pregunta: ¿cómo hacer para satisfacer las pretensiones legítimas
de un número significativo de personas haciendo responder a los demandados sólo
cuando corresponde?39
El mismo autor considera que esa opción política de adscribir a uno u otro
sistema reclama la consideración de tres aspectos técnicos:
a) En primer lugar, debe lograr el resultado de producir un efecto vinculante
para todos quienes tengan derecho, con un mínimo costo y demora.
En este sentido, la regla opt-in puede constituir una barrera (por falta de
conocimiento o de recursos para asumir los costos) para la satisfacción de
reclamos genuinos; por el contrario, la regla opt-out puede abultar el número
de reclamantes y aumentar la presión sobre el demandado para transigir.

Íd. íd., p. 213.


38

Op. cit., pp. 118 y ss.


39

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De alguna manera, existe la tendencia a considerar que la regla opt-out sirve


mejor a los casos de reclamos de menor cuantía.40
b) En segundo lugar, no debe conculcar derechos fundamentales. Para muchos,
el derecho a la determinación de los derechos y obligaciones civiles en un
juicio público y justo, en un tiempo razonable y ante un juez imparcial, es un
óbice al establecimiento de la regla opt-out.41
c) En tercer lugar, debe asumir el problema del financiamiento de estos
procesos. Ambos enfoques pueden involucrar altos costos para satisfacer
requerimientos de notificaciones, información y controles.42 A su turno, esos
costos están íntimamente vinculados al sistema de imposición de costas. El
“principio objetivo de la derrota” está muy arraigado en el derecho continental
y, por tanto, puede incidir a la hora de incluirse / excluirse del grupo.
En Latinoamérica, sólo algunos ordenamientos han asumido el problema de la
permanencia o inclusión de los miembros del grupo en el proceso colectivo.
Así, la Ley 472/98 de Colombia regula la integración al grupo y la exclusión
del grupo (artículo 55) aunque la primera debe entenderse sólo relacionada con la
posibilidad de participar personalmente en el proceso y no como la exigencia de
opt-in, estrictamente. Por el contrario, “en cuanto al derecho de exclusión del grupo,
su finalidad es no acogerse a los efectos de la sentencia, pues si no se ejerce
esta opción, el fallo tendrá efectos de cosa juzgada respecto de todas las víctimas
del mismo hecho dañoso que pertenezcan al grupo determinado en la demanda. Se
presume que la víctima que forma parte del grupo conoció la existencia del proceso y
al no manifestar su deseo de ser excluida de la acción, decidió acogerse a la decisión
que en ella se profiera”.43
En la reciente reforma a la Ley de Defensa del Consumidor argentina44 se
incorporó una disposición según la cual “[l]a sentencia que haga lugar a la pretensión
hará cosa juzgada para el demandado y para todos los consumidores y usuarios
que se encuentren en similares condiciones, excepto de aquellos que manifiesten
su voluntad en contrario previo a la sentencia en los términos y condiciones que el
magistrado disponga” (artículo 54), para lo cual, según Lorenzetti, “es un recaudo
elemental que sean individualizados nominativamente”.45
Para el mismo autor, el sistema de inclusión (opt-in) “preserva el derecho individual
pero deteriora seriamente la noción de acción de clase... en la práctica, cada sujeto
debe dar un consentimiento y no se diferencia demasiado de la acción individual”.46

40
Íd. íd., pp. 120/122.
41
Para conocer aspectos de la controversia en los países de la Unión Europea, v. HODGES, cit., pp. 123 y ss.
42
Íd. íd., pp. 126/127.
43
BERMÚDEZ MUÑOZ, Martín, La acción de grupo. Normativa y aplicación en Colombia, Bogotá, Editorial
Universidad del Rosario, 2007, p. 347 (bastardillas en el original).
44
Ley 24.240, reformada por la Ley 26.361.
45
LORENZETTI, Justicia..., cit., p. 136.
46
LORENZETTI, Justicia..., cit., p. 136.

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Algunas prospectivas del proceso civil y garantismo

3.2.4 Hemos visto que una de las varias justificaciones del proceso colectivo
es la insignificancia de la pretensión actora o la formidable disparidad de fuerzas
con la parte demandada (vgr. casos de daños a los consumidores, de reclamos de
ciudadanos frente al Estado, de demandas de vecinos frente a grandes conglomerados
industriales contaminantes, etcétera).
Sin embargo, la habilitación al ejercicio colectivo de esas pretensiones no implica
“asumir ni el derecho del más débil ni la responsabilidad del poderoso, por el simple
hecho de serlo”,47 por lo que se debe garantizar la efectiva igualdad de las partes.48
Más allá de otros despliegues, la expresión más paradigmática de la igualdad
procesal es la efectiva y real vigencia del contradictorio,49 que reclama singulares
concreciones en los procesos colectivos.50
Asimismo y desde otra perspectiva, consideramos que la aspiración a que el
conflicto sea resuelto definitivamente puede leerse en esta clave.
Ésa ha sido la solución del derecho estadounidense en el que —cualquiera sea
su sentido— la sentencia que recaiga en el procedimiento de class action extiende
sus efectos a todos los miembros actuales y potenciales de la clase que no hayan
ejercido oportunamente el derecho de excluirse (opt-out).
En los ordenamientos de raíz continental, en cambio, esa solución es muy
resistida. Así, en la Exposición de Motivos del Código Modelo de Procesos Colectivos
para Iberoamérica.51 leemos que “[c]on relación a los intereses o derechos individuales
homogéneos, la opción de la legislación brasileña, mantenida en el Código, es de la
cosa juzgada secundum eventum litis: o sea, la cosa juzgada positiva actúa erga
omnes, beneficiando a todos los miembros del grupo; pero la cosa juzgada negativa
sólo alcanza a los legitimados a las acciones colectivas, pudiendo cada individuo,
perjudicado por la sentencia, oponerse a la cosa juzgada, promoviendo su acción
individual en el ámbito personal”.
Sin embargo, crecen las voces a favor de la extensión de la cosa juzgada
cualquiera sea el sentido de la decisión o, dicho de otro modo, a que el conflicto sea
resuelto de manera definitiva.52 Más aún, se habla de un derecho del demandado a

47
OTEIZA, Eduardo, Comentario al Artículo 4, en “Código Modelo de Procesos Colectivos. Un diálogo iberoameri-
cano” (Antonio Gidi; Eduardo Ferrer Mac Gregor, coordinadores), México D.F., Ed. Porrúa, 2008, p. 99.
48
“El crédito o el descrédito de los procesos colectivos en gran medida dependen del aseguramiento efectivo de la
igualdad de las partes. No puede haber inferencias normativas sobre la responsabilidad de una de ellas” (ibídem).
49
Cfr. PROTO PISANI, Andrea, Lezioni di Diritto Processuale Civile, 5ª ed., Napoli, Jovene editore, 2006, pp. 200 y ss.;
PICARDI, Nicola, “Audiatur et altera pars”. Le matrici storico-culturali del contraddittorio, en Rivista Trimestrale di
Diritto e Procedura Civile, 2003, Nº 1, pp. 10 y ss.; Il principio del contraddittorio, en Rivista de Diritto Processuale,
1998, Volume LIII, pp. 674 y ss. Asimismo, puede v. nuestro trabajo Resignificación del “contradictorio” en el
debido proceso probatorio, en “Controversia Procesal”, Universidad de Medellín, 2006, pp. 69 y ss.
50
Vgr., los que asume el Código Modelo de Procesos Colectivos para Iberoamérica (Instituto Iberoamericano de
Derecho Procesal, aprobado el 28 de octubre de 2004; puede v. en <www.iidp.org>), en los artículos 5, II, par.
4º; 10, par. 2º; etcétera.
51
Ver nota anterior.
52
Cfr. UCÍN, María Carlota, El rol de la Corte Suprema ante los procesos colectivos, en Revista de Derecho
Procesal, Santa Fe, Rubinzal-Culzoni, 2009-1, p. 346.

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Andrea A. Meroi

la resolución definitiva del conflicto,53 aclarándose que, en todo caso, “[s]i el temor
de otorgarle efectos plenos de cosa juzgada a la sentencia en la acción de grupo
proviene del temor acerca de que el grupo no haya sido adecuadamente informado de
la existencia de la acción o de que no haya sido adecuadamente representado en ella,
lo que hay que tomar es medidas para asegurar que estos dos aspectos del proceso
se cumplan adecuadamente”.54
3.2.5 Ya hemos visto que el garantismo procesal pone especial énfasis en el
principio de la imparcialidad del juzgador, entendido como la exigencia de que el juez sea
un verdadero tercero respecto de las partes en litigio (impartialidad), no se encuentre en
situación de subordinación jerárquica respecto de alguna de las partes (independencia)
y no tenga interés en la solución del litigo (imparcialidad propiamente dicha).55
Claro está, se trata de un concepto cuya realización práctica presenta no pocas
dificultades, tal y como lo advirtieron varios autores.56 Por esa razón, el garantismo
considera la imparcialidad como una representación prescriptiva (y no descriptiva),
equivalente a un “conjunto de cánones deontológicos: el compromiso del juez de no
dejarse condicionar por finalidades externas a la investigación de lo verdadero, la
honestidad intelectual que como en cualquier actividad de investigación debe cerrar
el interés previo en la obtención de una determinada verdad, la actitud “imparcial”
respecto de los intereses de las partes en conflicto y de las distintas reconstrucciones
e interpretaciones de los hechos por ellas avanzadas, la independencia de juicio y
la ausencia de preconceptos en el examen y en la valoración crítica de las pruebas,
además de en los argumentos pertinentes para la calificación jurídica de los hechos
por él considerados probados”.57
El propio Ferrajoli reclama ciertas condiciones para acercarse a ese modelo
ideal de imparcialidad; a saber:

53
“El demandado tiene la obligación de someterse a la jurisdicción del Estado y debe acatar los fallos que esta
profiera, sin que resulte lógico que lo convoquemos a un proceso cuya decisión de condena lo obligará, advirti-
éndole que en el caso de ser absuelto la sentencia no será definitiva. Así como en el proceso penal aplicamos
el principio del non bis in idem que no permite juzgar a una persona dos veces por la misma causa, en el pro-
ceso civil el efecto de la cosa juzgada también debe garantizarle al demandado no ser demandado dos veces
por los mismos hechos” (BERMÚDEZ MUÑOZ, cit., pp. 373/374).
54
Íd. íd., p. 375.
55
Cfr. ALVARADO VELLOSO, Adolfo, Introducción..., t. 1, p, 261. Puede v., asimismo, nuestro trabajo La imparcia-
lidad judicial, en “Activismo y garantismo procesal”, cit., pp. 41/56.
56
Así, Werner Goldschmidt, quien reivindicaba un juez “tan imparcial como sea posible” (GOLDSCHMIDT, Werner,
La imparcialidad como principio básico del proceso [“partialidad” y “parcialidad”], discurso de incorporación
como miembro de número del Instituto Español de Derecho Procesal, publicado en “Conducta y Norma”,
Librería Jurídica, Valerio Abeledo, Buenos Aires, 1955, p. 135). Sobre la importancia y actualidad de este pen-
samiento, puede v. nuestro trabajo El principio de imparcialidad del juez (las opiniones precursoras de Werner
Goldschmidt y los desarrollos actuales del tema), en “Dos filosofías del derecho argentinas anticipatorias: ho-
menaje a Werner Goldschmidt y Carlos Cossio”, Miguel Ángel Ciuro Caldani (Coordinador), Rosario, Fundación
para las Investigaciones Jurídicas, 2007, pp. 135/145.
57
FERRAJOLI, Derecho... , cit., p. 56.

52 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 37-57, abr./jun. 2015
Algunas prospectivas del proceso civil y garantismo

- La indiferencia o desinterés personal del juez respecto de los intereses en


conflicto y, correlativamente, la más amplia recusabilidad del juez por las
partes58 y el deber de excusación de éste;
- La configuración del proceso como una relación triangular entre tres sujetos,
dos de los cuales actúan como partes y el tercero superpartes;
- La igualdad de las partes, “para que la imparcialidad del juez no se vea ni siquiera
psicológicamente comprometida por su desequilibrio de poder y no se creen
ambiguas solidaridades, interferencias o confusiones entre funciones...”.59
A menudo se sostiene que en los procesos colectivos existe un aumento
relevante de los poderes del juez.60 Sin embargo, debe distinguirse adecuadamente
entre las facultades materiales de dirección y las facultades procesales de dirección.61
Las facultades materiales se refieren a la disposición del objeto litigioso (inicio del
proceso) y a la aportación de los elementos (hechos y pruebas) que puedan influir en
la sentencia; las facultades procesales se refieren al control de la regularidad formal
del proceso, a la determinación de la posibilidad de que exista sentencia sobre el
fondo (control sobre los presupuestos procesales) y al impulso procesal.
Y es que “no obstante el interés general o colectivo que motiva la implementación
de este nuevo instrumento, no puede olvidarse que en la acción de grupo el juez
debe continuar siendo impartial e imparcial y que el debido proceso es un derecho
fundamental de las dos partes”.62
Una perspectiva garantista del proceso colectivo debe permitir al juez ejercer
sus poderes procesales para lograr, entre otros resultados prominentes, un adecuado
control de la etapa postulatoria y de sus presupuestos.63

58
“El juez... no debe gozar del consenso de la mayoría, debe contar, sin embargo, con la confianza de los sujetos
concretos que juzga, de modo que éstos no sólo no tengan, sino ni siquiera alberguen, el temor de llegar a
tener un juez enemigo o de cualquier modo no imparcial” (FERRAJOLI, Derecho..., pp. 581/582).
59
Íd. íd., p. 583.
60
Cfr. VERBIC, Francisco, Procesos colectivos, Buenos Aires, Astrea, 2007, pp. 371 y ss.; GONZÁLEZ ZAMAR,
Leonardo, Lineamientos para un proceso colectivo eficaz. Medidas cautelares, tutela anticipatoria, intervención
del juez, en “Procesos colectivos”, dir. Eduardo Oteiza, cit., pp. 328 y ss.; etcétera.
61
Cfr. MONTERO AROCA, Juan, Los principios políticos de la nueva Ley de Enjuiciamiento Civil. Los poderes del
juez y la oralidad, Valencia, Tirant lo Blanch, 2001, pp. 71, con cita de CARRERAS, La función del juez en la
dirección del proceso civil (Facultades materiales de dirección), en “Estudios de Derecho Procesal”, Barcelona,
1962; FENECH, Facultades procesales de dirección, en el mismo volumen; SERRA, Liberalización y socializa­
ción del proceso civil, en Revista de Derecho Procesal Iberoamericana, 1972; CORDÓN, En torno a los poderes
de dirección del juez civil, en Revista de Derecho Privado, 1969.
62
BERMÚDEZ MUÑOZ, cit., p. 35. El autor ejemplifica: “El juez no puede asumir el rol de defensor de los inte-
reses del grupo, e instituciones como la facultad de citar de oficio a terceros responsables atentan contra su
aludida condición de tercero en el conflicto; la tendencia de nuestra legislación de asignarle al juez funciones
que no le corresponden (como la de conciliar y la de decretar pruebas que incumbe solicitar a las partes) no
sólo atenta contra la imparcialidad del juzgador, sino que no permite que cumpla con la función de resolver los
litigios, que es la que realmente le corresponde” (todas las bastardillas son del autor).
63
V. UCÍN, cit., pp. 341 y ss. La misma autora, en coautoría, habla de la necesidad de conformar el litisconsorcio
colectivo propio de estos procesos (v. UCÍN, María Carlota; ZLATAR, Alex, “Acciones colectivas: la legitimación
procesal a la luz del Código Modelo para Iberoamérica”., X Jornadas Bonaerenses de Derecho Procesal, Junín,
noviembre de 2003, publicada en <www.eldial.com>, Suplemento de Derecho Procesal).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 37-57, abr./jun. 2015 53
Andrea A. Meroi

En las legislaciones que así lo habilitan, el control de la representación


adecuada del peticionante es un deber judicial de enorme trascendencia a esos
mismos fines: la protección de los miembros ausentes del grupo de los afectados y,
consiguientemente, la correcta integración de la litis.64 En esta línea, se destaca el
Código Modelo de Procesos Colectivos, por ejemplo en su artículo 2, par. 2º y 3º y, en
una interpretación plausible, la ley colombiana 472/1998.65
Lo propio cabe decir del control judicial en la (eventual) transacción del juicio,
prevista en la legislación estadounidense así como en el Código Modelo de Procesos
Colectivos para Iberoamérica.66 Los autores discrepan acerca del alcance de ese
control: de mérito (por las características del objeto litigioso y en defensa del interés
colectivo)67 o solamente formal (para la preservación de la imparcialidad judicial).68
3.2.6 La deseada separación de funciones entre juzgador y partes —que
coadyuva al logro de la aspiración de un juez “lo más imparcial que se pueda”—
se fortalece por la participación de un Ministerio Público (o la agencia estatal más
adecuada por el objeto del pleito) dispuesto a asumir la firme defensa del interés
tutelado, ora como legitimado activo que tomó la iniciativa del proceso, ora como
partícipe necesario en representación de los ausentes. Así lo prevé, por ejemplo, el
artículo 3 del Código Modelo de Procesos Colectivos para Iberoamérica: “... Par. 3º.
En caso de interés social relevante, el Ministerio Público, si no promoviera la acción
o no interviniera en el proceso como parte, actuará obligatoriamente como fiscal de
la ley. Par. 4º. En caso de inexistencia del requisito de la representatividad adecuada,
de desistimiento infundado o de abandono de la acción por la persona física, entidad
sindical o asociación legitimada, el juez notificará al Ministerio Público y, en la medida
de lo posible, a otros legitimados adecuados para el caso a fin de que asuman,
voluntariamente, la titularidad de la acción”.
En este mismo orden de ideas, y por vulnerar la separación de funciones entre
juzgador y partes, deben criticarse los ordenamientos que ponen la carga de la prueba
en cabeza del juzgador. Es el caso del artículo 12 del Código Modelo de Procesos

64
Más aún, el criterio debe considerarse estricto: “Por estas razones, y aun cuando lo que interesa no es tanto
la perfección formal de quien actúa, sino la producción del daño público o masivo que es preciso evitar, no es
éste un ámbito demasiado propicio para pregonar la absoluta vigencia del principio in dubio pro legitimatione”
(LORENZETTI, Justicia..., p. 139).
65
Es la conclusión a la que llega Bermúdez Muñoz al analizar el artículo 56: “Es evidente que si uno de los casos
que se establecen como excepción a los efectos de cosa juzgada erga omnes de la sentencia que se profiera
en la acción de grupo es precisamente la circunstancia de que los intereses de una de las víctimas no fueron
representados en forma adecuada por el representante del grupo, el juez está obligado a tomar medidas que
garanticen que el apoderado del grupo representa adecuadamente sus intereses...” (cit., p. 289).
66
Cfr. Federal Rule 23, (e); CMPCI, art. 11, par. 3º y 4º.
67
Vgr., VERBIC, cit., pp. 351 y ss.; v., asimismo, la doctrina brasileña citada en GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel,
Comentario al artículo 11, en “Código Modelo...”, cit., pp. 187 y ss.
68
Vgr., MUÑOZ BERMÚDEZ, cit., pp. 357 y ss.

54 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 37-57, abr./jun. 2015
Algunas prospectivas del proceso civil y garantismo

colectivos para Iberoamérica, que habilita la producción oficiosa de pruebas, bien que
“con el debido respeto de las garantías del contradictorio”.
Ello, por supuesto, no obsta a que —con los recaudos de rigor para la
preservación de la imparcialidad— el juzgador pueda ordenar medidas para mejor
proveer o diligencias finales.69
3.2.7 Desde otra perspectiva, y a fin de preservar ahora la independencia y la
adecuada separación de funciones con los demás poderes del Estado, es dable exigir
al juez que intervenga sólo ante la presencia de un caso o controversia.
El requisito pertenece a la más arraigada tradición argentina70 y también ha sido
recordado en la literatura estadounidense al criticar las llamadas “settlement class
actions”, caracterizadas por la ausencia de una disputa a ser llevada a litigio.71
Afinando el concepto, Lorenzetti recuerda que la exigencia de causa o controversia
impone tres recaudos de orden público: a) interés concreto, inmediato y sustancial;
b) acto u omisión ilegítimos; y c) perjuicio diferenciado, susceptible de tratamiento
judicial. Respecto de este último concluye que no se trata de “la exclusividad del
daño, sino de su diferenciación; lo que significa que quien invoca legitimación debe
señalar un móvil distinto del mero interés en el cumplimiento de la ley. De lo contrario,
caemos en la acción popular o en instancias de mera denuncia, o participación
ciudadana indiferenciada basada en el mero interés de legalidad objetiva”.72
Ello, para no señalar el riesgo cierto de que, al redistribuir recursos como modo
de cumplir la ley sin la adjudicación de un caso o controversia, el juez se transforme
en una autoridad (meramente) administrativa.73
La exigencia de caso o controversia facilita la toma de decisión judicial informada.
Ello es particularmente así en los procesos colectivos, donde la participación procesal
individual es impracticable y el resultado tendrá valor de cosa juzgada para los ausentes.74
3.2.8 Finalmente, y habida cuenta de que se trata de casos habitualmente
regulados por principios y reglas en las que abundan los conceptos indeterminados,

69
Al estilo, vgr., del artículo 435 de la Ley de Enjuiciamiento Española.
70
La necesidad del examen de la existencia de “causa”, “surge de los arts. 116 y 177 (100 y 101 antes de la
reforma de 1994) de la Constitución Nacional, los cuales, siguiendo lo dispuesto en la sección II del art. III
de la ley fundamental norteamericana, encomiendan a los tribunales de la república el conocimiento y deci-
sión de todas las ‘causas’, ‘casos’ o ‘asuntos’ que versen —entre otras cuestiones— sobre puntos regidos
por la Constitución; expresiones estas últimas que, al emplearse de modo indistinto, han de considerarse
sinónimas, pues ... aluden a un proceso ... instruido conforme a la marcha ordinaria de los procedimientos
judiciales” (Corte Suprema de Justicia de la Nación, Fallos 322:528, considerando 5º). En el mismo sentido,
“Es necesario que haya causa, conflicto o controversia, siendo abstracto el daño cuando el demandante no
puede demostrar un agravio diferenciado respecto de la situación en la que se hallan los demás ciudadanos y
tampoco puede fundarse su legitimación para accionar en el interés general de que se cumplan la Constitución
y las leyes” (Corte Suprema de Justicia de la Nación, Fallos 321:1352).
71
REDISH; KASTANEK, Settlement..., pp. 545 y ss.
72
LORENZETTI, Justicia..., p. 141.
73
Cfr. REDISH; KASTANEK, Settlement..., p. 552.
74
Íd. íd., p. 572.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 37-57, abr./jun. 2015 55
Andrea A. Meroi

el deber de motivación de la decisión judicial es garantía de racionalidad y


posibilidad de control.
Por ello, es elogiable el proyecto de reforma de Ley de Acción Civil Pública
brasileña que, en su artículo 3, inciso V, prevé el deber de “motivação específica de
todas as decisões judiciais, notadamente quanto aos conceitos indeterminados”.

4 Conclusiones
Como decía Montero Aroca, la realidad está condicionando nuestros estudios
procesales, demandando nuevos y eficaces instrumentos para hacer frente a una
demanda cada vez mayor de acceso a la jurisdicción. Compartimos, entonces, la
preocupación de quienes miran perplejos estos nuevos mecanismos: es cierto
que muchas de esas respuestas son incompletas y perfectibles, particularmente
en función de una serie de valores de la más alta escala en la axiología procesal.
Sin embargo, estamos convencidos de que —maguer la larga lista de debilidades,
omisiones, superposiciones e indeterminaciones que es dable constatar en la
mayoría de los “subsistemas latinoamericanos” (si se nos permite la expresión)—
estos mecanismos “han venido para quedarse”.
Bien se ha dicho que cada vez que un sector de la realidad social exige criterios
especiales de justicia, el derecho va conformándose a ese tipo de exigencias,
modificándose las ramas jurídicas existentes y, en algunos casos, constituyendo
ramas autónomas.75 En el propio ámbito del proceso, “criterios especiales de justicia”
demandaron la instrumentación de procedimientos especiales para —también—
especiales pretensiones: los juicios ejecutivos, las pretensiones cautelares, las
pretensiones de menor cuantía, el amparo (o tutela), el hábeas corpus, los interdictos
y tantos más son una clara muestra. En todos ellos, a qué dudarlo, hay sacrificios
o postergación de ciertos valores en pos de la consecución de otros, también
socialmente ponderables.
Ciertamente, la garantía más ostensiblemente involucrada es la del derecho
de acción, la del acceso a la jurisdicción para una categoría de pretensiones que,
de no contar con estos especiales mecanismos, carecen de todo tipo de respuesta
jurisdiccional. Particularmente en punto a las “acciones colectivas”, la notoria
preocupación actual del derecho procesal puede correlacionarse con el auge de los
estudios de la “acción procesal” en las postrimerías del s. XIX: entonces se luchaba
contra el poder de un Estado absoluto, ahora se ha tomado conciencia de otras

Cfr. CIURO CALDANI, Miguel Angel, Estudios de filosofía jurídica y filosofía política, Rosario, Fundación para las
75

Investigaciones Jurídicas, 1984, t. 2, pp. 174 y ss.

56 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 37-57, abr./jun. 2015
Algunas prospectivas del proceso civil y garantismo

formas de poder de extrema concentración y —a veces— de difícil identificación.


La masificación de las relaciones sociales y económicas muestra una correlativa
masificación de los conflictos a los que es menester dar cauce procesal para su
solución. Esto también es garantizar.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

MEROI, Andrea A. Algunas prospectivas del proceso civil y garantismo. Revista


Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 37-57,
abr./jun. 2015.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 37-57, abr./jun. 2015 57
Reflexiones sobre la tolerancia

Ariel Álvarez Gardiol


Profesor de Filosofía del Derecho en la Facultad de Derecho de la Universidad Nacional de
Rosario (UNR-Argentina). Miembro del Instituto Panamericano de Derecho Procesal (IPDP).

Palabras clave: Tolerancia. Justicia. Constitución. Garantismo.

El tema de la tolerancia ha sido motivo de reiterada preocupación en el campo


filosófico. Desde los tiempos venerables de los sabios del estoicismo —como Séneca
y Marco Aurelio— pasando por las cabezas más fecundas del Iluminismo renacentista
hasta su definitiva formulación en las expresiones del liberalismo en los siglos XVI
y XVII, con pensadores tan importantes como John Milton1 y John Locke, el famoso
autor del “Ensayo sobre el entendimiento humano”.
Corona todo ese ubérrimo período de la historia de la humanidad, el famoso
“Tratado de la Tolerancia” publicado por Voltaire en 1763.2
Tengo clara conciencia, de estar en un ámbito, que desconoce el espacio
académico que cultiva una corriente filosófico-jurídica, que se caracteriza por defender
un irrestricto y constante apego a la letra de la constitución política y de someterse
absolutamente a las normas, postulados y valores por ella establecidos, afanándose
por contabilizar con ellos el texto normativo que se ocupa de regular la única y suprema
garantía que la ley fundamental otorga al súbdito que es el proceso.
Me refiero naturalmente al garantismo o corriente garantizadora que se esfuerza
enérgicamente por lograr un proceso realmente acusatorio, muy diferente del inquisitivo
que se aplica en el país y que además se esfuerza intensamente en profundizarlo, no
obstante haberse demostrado con absoluta evidencia su ineficiencia.
No desconozco tampoco que los sistemas filosóficos de Kant y Hegel, fueron
las dos grandes estructuras teóricas que incorporaron al derecho como una porción
no menor de sus importantísimas estructuras del pensamiento, en las que el derecho
ocupó una posición predominante. A partir de ello, el derecho padeció en los sistemas
que le sucedieron una de las condenas más penosas: la del olvido.

1
Que ya retirado a la vida privada, pobre, ciego y olvidado, le dictó a su mujer y a sus dos hijas el inmortal poema
El Paraíso perdido.
2
Voltaire, Seudónimo de Francois Marie Arouet, Sobre la tolerancia. Traducción de Carlos Chies, Barcelona (s.f.).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 59-71, abr./jun. 2015 59
Ariel Álvarez Gardiol

Ninguna de las filosofías que le sucedieron al idealismo alemán incorporó al


derecho como una porción nada menor de la totalidad de sus teorías.
La tolerancia, comprendida como una manera de ser y de obrar diferente de la
que sentimos que nos pertenece, y de entender que “el otro” de alguna manera me
constituye como persona, es haber dado el primer paso fundamental, de empezar a
aceptar esa sensación fascinante de que al final el otro pudiera tener razón.
Para justificar tal aserto, nos ha parecido importante detenernos un momento
en la figura del filósofo conocido como Voltaire —cuyo nombre real era François Marie
Aruet— y que se constituyó en el maestro de los pensadores que transformaron
desde París el clima intelectual de Europa, a través de la Enciclopedia, que fue el gran
mausoleo de la “Ilustración” y que contribuyó vivamente a erradicar el viejo orden y a
preparar la Revolución desde el objetivo de sustituir a la religión por la ciencia y a la
fe por la razón.
En las guerras religiosas de los siglos XVI y XVII, plasmaba una actitud que
apuntaba a lograr una convivencia pacífica entre católicos y protestantes, marco
referencial dentro del cual deberíamos concluir lamentablemente en que muy poco éxito
han tenido las densas meditaciones de tan dignas inteligencias si miramos el escaso
acercamiento que se ha logrado en siglos de aproximación y, como contrapartida,
subrayamos la descontrolada progresión de violencia que padece nuestro tiempo, con
enclaves realmente vergonzosos, sin olvido de los horrores que, con el subterfugio de
honrar a sus dioses, algunas expresiones de creencias religiosas monoteístas, han
horrorizado desde Oriente al mundo Occidental.
Cristianismo, judaísmo, jainismo, budismo, confucionismo, agnosticismo,
ateísmo.... evocan el interrogante por la dimensión trascendental de la condición
humana. Amor, paz, verdad, belleza, dignidad, cortesía, justicia, compasión,
solidaridad, felicidad, alegría, fe, sabiduría, son las nociones que producen el
alumbramiento de los derechos humanos, en nuestra afanosa búsqueda de sentirnos
valorados espiritual y éticamente ante el hundimiento de la soberbia deshumanizada.
Pocas veces en el ámbito de la literatura científica se descubre que un hecho
de la realidad haya podido catapultar los desarrollos que el científico o el filósofo
producen en sus respectivos quehaceres.
Estamos acostumbrados sí, a ver qué hechos de realidad hayan sido los
motores determinantes de ensayos y libelos, como el inolvidable “J’acuse” de Émile
Zola como consecuencia del ignominioso proceso a Dreyfus, que no evoco por cierto
de casualidad, sino que tiene tanto que ver con el tema de la tolerancia.
Otro ejemplo literario sería el ensayo escrito por el presidente Reagan de los
Estados Unidos, como crítica contra el fallo de la Corte Suprema de ese país en “Roe
v/Wade”, que legitimó algunas técnicas abortivas hasta entonces vedadas.

60 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 59-71, abr./jun. 2015
Reflexiones sobre la tolerancia

Este Tratado de la Tolerancia de Voltaire que estamos reverenciando, también


se origina en un hecho de la realidad, que seguramente debe haber sido la motivación
radical de esa expresión literaria.
Sobre la Tolerancia, comienza con un breve título que se llama Historia de la
muerte de Juan Calas, que hace alusión al asesinato de Juan Calas perpetrado en
Tolosa con la espada de la justicia el 9 de marzo 1762 y que fue el motor determinante
de la preocupación socio-política de Voltaire, embanderado en la defensa de este
desdichado protestante de Toulouse, al que el Parlamento francés había hecho
responsable de la muerte de su hijo, cuando en realidad se había tratado realmente
del suicidio de un pobre muchacho enfermo de hipocondría.
Este fue un extraño asunto de religión, de suicidio, de parricidio, de investigar
si unos padres habían estrangulado a su hijo para agradar a Dios, si un hermano
había asfixiado a su hermano, si un amigo había sido cómplice del asesinato de su
compañero y, en todos esos supuestos, los jueces tenían que reprocharse la muerte
de un padre inocente, o el perdón de una pobre madre, un hermano, un amigo y hasta
una doméstica culpables.
Termina el caso motivador del libro con un pensamiento que es casi una fábula
con moraleja digna de recordar y de repetir en todos los tiempos. Dice Voltaire más
o menos así:

El género humano se asemeja a un tropel de viajeros que van en un


buque. Unos están en popa, otros en proa, algunos en la cala y no pocos
en la sentina. El buque hace agua por todas partes y el huracán que azota
las aguas es continuo. Piensan esos miserables pasajeros, entonces,
que serán inevitablemente devorados por la tempestad: ¿es preciso que
en vez de darnos los socorros necesarios para mitigar la situación de
todos, la hagamos todavía más horrible?
Pero hay que tener en cuenta que hay algunos que son nestorianos (secta
del Patriarca Nestorio que creía en la dualidad de la persona de Cristo),
aquel otro es islebe (que es una derivación del luteranismo), otros son
anabaptistas, que son una suerte de precursores de los menonitas y que
son los que creen que no se debe bautizar a una persona hasta que
no tenga uso de razón y si lo hubiese sido antes, habría que reiterarlo
después. Hay también algunos picardos, que son herejes que profesan
la creencia de que, en la Comunión, el pan y el vino son sólo emblemas
y no realmente el cuerpo y la sangre de Cristo. Más allá hay algunos
musulmanes.
Pero lo que en definitiva importa a estas sectas heréticas, es que resulta
menester trabajar todos en calafatear el buque y que cada uno, al
asegurar la vida de su vecino por algunos momentos, consolide al mismo
tiempo la suya.
Pero no lo entienden, empiezan a polemizar y a discutir y, al fin, perecen
todos.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 59-71, abr./jun. 2015 61
Ariel Álvarez Gardiol

Las cavilaciones de Voltaire en ese Tratado se despliegan esencialmente respecto


de que si había que ser tolerante o intolerante y, en todo caso, hasta qué punto era
plausible serlo y en que ámbitos específicos. Ahondan asimismo en pretender saber e
investigar si la tolerancia y la intolerancia habían sido respectivamente beneficiosas o
perjudiciales para el desarrollo de la civilización europea. Se preocupan por el abuso o
la extralimitación de la tolerancia y si los griegos y los romanos habían sido tolerantes
o fueron intolerantes.
En esa dimensión, Proudhom nos ha dejado páginas inolvidables en defensa
de la tolerancia, como paso necesario para la destrucción de las falsas opiniones,
persiguiendo la consagración de un ideal de justicia universal.3
Jeremy Bentham, fue asimismo un encendido defensor de la tolerancia como
contrapeso de otros ideales que posibilitaran el ejercicio de una auténtica libertad.
Menos cáustico, pero no por ello menos profundo tal vez, Compte proclamó la
necesidad de la tolerancia, pero defendió también la intolerancia como afirmación de
los arquetipos de la nueva edad estable.
Y así como se ha sostenido que la tolerancia ha sido uno de los más dinámicos
artilugios que pusieron en marcha una civilización tan trascendente como la europea,
haciendo posible la coexistencia de principios que generaron un equilibrio dinámico
hacia el progreso, no menos cierto es que la intolerancia encontró sus defensores al
sostener que la tolerancia anda generalmente acompañada de la idea del mal, como
cuando se toleran malas costumbres, en una sociedad que carece de los adecuados
mecanismos de defensa contra ellas.
Ser tolerante a la hora de imponer coactivamente concepciones integrales sobre
la moral no es lo mismo que ser indiferente con respecto a cualquier conjunto de
valores que profesen sus conciudadanos; y no ser indiferente a cualesquiera valores
ajenos, tampoco implica que estemos con otro conjunto de valores. El liberalismo
integral sí posee una visión de la buena sociedad, pero , en plena coherencia, con
el liberalismo político sobre el que inexorablemente descansa, no es una buena
sociedad que deba imponerse de arriba abajo, sino que debe defenderse, promoverse
y difundirse, de abajo arriba. Esta es la batalla de las ideas y de los valores.
El regreso hoy a la defensa de la tolerancia, pareciera girar como una extrapolación
de otros conceptos relacionados con los derechos humanos, como contrapartida de
los auges nacionalistas y las preocupaciones diversas por los estatutos reivindicativos
de las minorías.
Pero desde esa perspectiva, hablar de tolerancia implica la coexistencia de dos
sistemas normativos que funcionan al unísono y no precisamente en un mismo plano

Proudhom Pierre J. La sanción moral. La justicia. Catecismo Político. Estudios de Filosofía práctica, traducción
3

de Francisco, Lombardía. Valencia 1909.

62 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 59-71, abr./jun. 2015
Reflexiones sobre la tolerancia

de igualdad, ya que siempre el sujeto que tolera se encuentra en una situación de


superioridad de algún tipo —cultural, intelectual, étnica, etcétera— respecto de aquel
otro cuya conducta y persona son objetos del juicio de tolerancia; es decir que, en ese
caso, estaríamos exhortando y predicando la realización de un principio de diferencia
que abjura de un presupuesto racional de igualdad.
No se nos escapa que este postulado de igualdad juega equidistante con el
principio de discriminación, ya que estamos absolutamente persuadidos de que no
puede hablarse de igualdad sin un referente lo suficientemente objetivo y relevante
como para que nos fuerce a prescindir de las múltiples diferencias que siempre y en
muchísimos sentidos existen entre los seres humanos.
Cuando el Pacto de San José de Costa Rica, por ejemplo, postula (artículo 24)
que todas las personas son iguales ante la ley o cuando la Declaración Americana de
los Derechos y Deberes del Hombre (art. 11) consagra el postulado de la igualdad,
no están haciendo una manifestación empíricamente descriptiva, sino más bien una
prescripción normativa que debe entenderse como que todos los seres humanos
debemos ser tratados de modo uniforme salvo, naturalmente, que existiere alguna
razón significativa, objetiva, relevante y razonable para que ello no sea de ese modo.
Y huelga reconocer, correlativamente, que no sólo el principio de igualdad está
limitado a la aceptación de aquellas diferencias que no entren en el marco de la
irrazonabilidad arbitraria sino que, análogamente, es plausible distinguir entre actos
clara e inequívocamente discriminatorios y simples preferencias razonables, que no
significan violación del principio de igualdad.
En pocas palabras y muy sintéticamente, es dable afirmar que la conducta que se
tolera es siempre algo malo que se quiere permitir, como nos relaciona con pintoresca
ironía la clásica denominación de los burdeles como casas de tolerancia. Aquí está la
prueba de la veracidad del adagio de Goethe cuando afirmaba que tolerar es ofender.
Hemos avanzado hasta un punto en el que si nos despojamos de la prosopopeya,
de la pompa y de la circunstancia, y pretendemos ubicar el principio de tolerancia dentro
de la estructura de un Estado de Derecho —como todos aspiramos en el dintel de
ingreso al tercer milenio, con pleno y acabado acatamiento, por lo menos principista,
de los derechos fundamentales— la tolerancia pasa a ser algo muy diferente de aquel
mítico principio de respeto por las diferencias con el que se lo suele imitar.
Me seduce partir del concepto de tolerancia tal cual lo entiende Ferrajoli como
“el primado de la persona como valor o del valor de las personas y por tanto de
todas las diversidades de sus identidades,” que debe entenderse esencialmente
como el respeto por todas las identidades personales y por el acatamiento de todos
los puntos de vista personales, la atribución a cada persona del mismo valor, lo que
conduce a sostener a la intolerancia como el disvalor asociado a una persona como
consecuencia de su identidad, mientras que la tolerancia implica el respeto de todas

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 59-71, abr./jun. 2015 63
Ariel Álvarez Gardiol

las características que constituyen precisamente todas las diferentes identidades


personales.
Si nos aferramos a esta idea, deberíamos aceptar que el interés en defender la
institucionalización de la tolerancia como principio jurídico, desaparece allí donde se
encuentra asegurada la igualdad y la libertad de las personas y, en consecuencia, la
constitucionalización del pluralismo hace innecesaria la tolerancia.
Muy a menudo, las diferencias culturales no son sino la consecuencia de
una larga y abyecta historia de dominación avasallante y opresiva, frecuentemente
hipostasiadas en pretendidas diferencias raciales propias y naturales. Ellas se
convierten en el fundamento de los variados intentos de exclusión de algunos
sectores de la comunidad social y política, como se ha dado tanto en el racismo
norteamericano y en el moderno antisemitismo europeo, que ha llenado de estupor al
Parlamento Europeo en su declaración del 14 de julio de 1992 respecto del activismo
del neonazismo y del fascismo.
Lamentablemente —y con alguna alarma— hemos visto trasplantado todo
esto en algunos conflictos callejeros, con la aparición histérica de punks y neonazis
disputándose territorios y vidas y fama en nuestros países.4
Por eso es que el argumento de la tolerancia exige hoy, como una cuestión
absolutamente fundamental, partir de una preocupación superior y madura respecto
de ese mal sociológico del racismo en el que anida comprometidamente la necesidad
de enarbolar un principio de tolerancia
Si estos razonamientos que hemos ido encadenando tienen algún fundamento
de razonabilidad y encuentran algún respaldo de racionalidad, debemos concluir
necesariamente en que si un sistema garantiza de modo efectivo la constitucionalización
del pluralismo, de la igualdad y de las libertades, ese principio de tolerancia que hoy,
a lo mejor un poco irreflexivamente, significa o debería significar algo muy diferente
de lo que significó en tiempos de Séneca o de Voltaire.
O, si lo preferimos, debería ser sustituido por otra conceptualización en el
ámbito político que no tenga nada que ver con la tolerancia como principio político
que implica, ni más ni menos, que disminuir los derechos de aquellos a quienes
proclamamos tolerar.
Hoy deberíamos entender a la tolerancia mucho más como un punto de ubicación
para el despliegue de la acción humana que como un principio a ser aplicado en un
Estado de Derecho
Casi todas las conductas que se han reclamado en el curso de la historia como una
exigencia de la tolerancia, el pluralismo político liberal y el progreso moral de la humanidad,
han sido incorporadas como principios insoslayables de un Estado de Justicia.

Ver La Nación del 6 de mayo de 1996 y la escueta pero incisiva carta de lectores de Daniel Herrendorf que
4

transcribe la edición del mismo diario del domingo 12 de mayo de 1996.

64 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 59-71, abr./jun. 2015
Reflexiones sobre la tolerancia

Ya ni el color de la piel, ni el origen social y étnico, ni la edad, ni la capacidad


física, ni el sexo, ni el pensamiento, ni la conciencia, como tampoco las creencias, el
lenguaje, el estatuto marital, la cultura y el nacimiento, pueden encontrar respaldo a
la discriminación y están absolutamente fuera del alcance de la tolerancia.
¿Hemos llegado acaso a un punto en el que no tiene ya sentido hablar de
tolerancia?
Si escarbamos un poco, por ejemplo, adentro de nosotros mismos, encontraremos
algunas áreas adonde, en algunos pocos casos, seguimos practicando la tolerancia,
por lo menos en forma secreta.
Dentro del amplísimo territorio de las discriminaciones sexuales y más
precisamente en aquellas basadas en las orientaciones voluntarias del sexo,
toleramos —aun en espacios muy estrechos— que están limitando la frontera
infranqueable de lo intolerable.
Algunos países ya han incorporado esta forma de discriminación en sus textos
constitucionales. La reciente reforma constitucional de la República de Sudáfrica
promulgada el 8 de mayo de 1996, se introduce expresamente en esa área quizá un
poco vedada por nuestros sentimientos.
Fuerza es admitir, no obstante, que más tarde o más temprano la tendencia
conducirá a incorporar esas formas de tolerancia dentro del marco de libertad
protegida y, consecuentemente, marginadas del ámbito de la tolerancia.
Y entonces volvemos a preguntarnos: ¿para qué la tolerancia hoy?5
Empezamos con Voltaire y terminamos con él cuando sostiene que un sistema
político debe limitar la tolerancia cuando los hechos que se cuestionan son delitos
que perturban a la sociedad o inspiran el fanatismo.
Bobbio, el filósofo piamontés recientemente desaparecido, nos decía que el
único criterio plausible para limitar la tolerancia es el que deriva de la idea de que ésta
debe comprender a todos menos a aquellos que niegan sus principios esenciales.
Con todos se debe ser tolerante, menos con los intolerantes.
Creemos que hay todavía un perímetro en el que, en el área del derecho público,
podemos pensar técnicamente en la tolerancia: y es aquél que recorta el instituto de
la llamada desobediencia civil,6 interpretada en forma restrictiva. Legitimar, tolerar la

5
En Doxa nº 11 1992 pag. 117.
6
Los derechos civiles y políticos, en la terminología constitucional norteamericana, son un conjunto de faculta-
des particularmente protegidas por los ordenamientos estaduales y federales.
Los derechos políticos, son aquellos que habilitan a los ciudadanos a participar en el ejercicio del control
gubernamental.
Los derechos civiles son aún menos precisos, ya que la expresión es en realidad una abreviatura para todo un
complejo de relaciones entre los individuos entre sí y entre los grupos del que los individuos forman parte.
Genéricamente, la expresión derechos civiles se refiere en los Estados Unidos a los distintos ámbitos de
libertad individual y privada que no pueden ser obliterados por el poder del Estado.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 59-71, abr./jun. 2015 65
Ariel Álvarez Gardiol

desobediencia civil, encierra una autocontradicción, ya que no es fácil reconocer la


legitimidad de un derecho que pretende, precisamente, desobedecer al derecho.
La desobediencia civil con fundamento en una objeción de conciencia es, desde
una perspectiva jurídica, un caso típico de transgresión del derecho.
En una sociedad democrática, es dable aceptar que existen fundadas razones
— particularmente de orden moral — para postular la obediencia al derecho frente
a los modelos de sociedades no democráticas respecto de las cuales podríamos
postular la tesis contraria.
Por ello es que, aceptar la desobediencia civil con apoyo en razones morales
justificadas — con intención de protesta de las minorías o de propósito de reforma

La teoría respecto al tema es relativamente sencilla ya que en definitiva prescribe que hay ciertos derechos
individuales que son considerados tan esenciales para el despliegue integral de la personalidad, que simple-
mente no pueden ser afectados y consecuentemente toda acción del Estado dirigida en ese sentido, no puede
ser tolerada.
Sin embargo, el modelo de segregación desarrollado en el sur luego de la guerra de secesión, fue formalmen-
te aprobado por la Suprema Corte de los Estados Unidos, en una causa que sentó jurisprudencia: Plessy v/
Ferguson en el año 1896.
En ese caso se sostuvo que la ley de Luisiana que requería a los ferrocarriles la necesidad de proveer sepa-
radas pero idénticas comodidades a los pasajeros blancos y a los negros, no configuraba en la tesis de la
Corte una denegación del principio de igual protección de la ley, consagrando el principio de “iguales, pero
separados”.
Costó sin duda muchos años en la vida institucional de los Estados Unidos, que el voto disidente de aquella
decisión en la persona del Chief Justice John Marshall que, originario del Estado de Virginia, integrara la
Suprema Corte durante treinta y cuatro años (nadie superó ese límite temporal) y fraguara luego en nuevos
pronunciamientos del alto tribunal, primero tímidamente en Missouri ex. rel. Gaines v/ Canada del año 1938,
más tarde en Sipuel v/ University of Oklahoma de 1948, que logró consagración final en Brown v/ Board of
Education en 1954, en el que se estableció firmemente que en el campo de la educación pública la doctrina
del separate but equal no debería ser aplicada tardándose cuarenta y tres años en aceptar los argumentos del
JusticeMarshall en aquella memorable decisión.
Las enmiendas Décimo Tercera, Décimo Cuarta y Décimo Quinta a la Constitución de los Estados Unidos, que
se incorporaron terminada la Guerra de Secesión, fueron agregadas para proteger la recientemente ganada
libertad de los negros.
La Enmienda Décimo Tercera prohibió la esclavitud y la servidumbre involuntaria, salvo que fuese como conse-
cuencia de un castigo o un crimen.
La Enmienda Décimo Cuarta definió la ciudadanía, disponiendo que ningún Estado podría abrogar los privile-
gios e inmunidades de la ciudadanía ni privar a las personas de la vida, de la libertad o de la propiedad sino
como consecuencia de un debido proceso legal, estableciendo asimismo un mecanismo para reducir como
castigo la representación en el Congreso a los estados que limitasen el derecho de votar a los ciudadanos
varones adultos.
Por fin la enmienda Décimo Quinta dispuso que el derecho de votar no debiera ser negado, sobre la base de
raza o color o anterior condición de servidumbre. Pareciera indudable que la vaguedad y ambigüedad del texto
de las frases que integraban la Décimo Cuarta Enmienda, la constituyeron en la fuente de mayores discordias
en su aplicabilidad y fue también, como consecuencia, el objeto de la mayor cantidad de decisiones del máxi-
mo Tribunal de la Nación.
Sin embargo, la Corte fue avanzando más y más con los años sobre la adecuada interpretación de la cláusula
de protección igualitaria, no obstante que pareciera evidente que definir los términos de la expresión igual
protección de las leyes, con algún grado de precisión, era una empresa casi imposible.
No obstante, a partir de la idea de que la enmienda había sido incorporada, entre otras razones, pero priorita-
riamente, para garantizar la nueva libertad ganada por los negros, que los colocaban en situación de igualdad
de tratamiento, tanto en los derechos civiles básicos como en sus derechos políticos, es inevitable aceptar
que los términos de la enmienda que hubiesen podido dar cabida a una interpretación amplia de su texto, se
limitaron a una muy restrictiva intelección de sus preceptos.

66 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 59-71, abr./jun. 2015
Reflexiones sobre la tolerancia

de normas o aun de señalizar la presencia de una norma considerada socialmente


injusta — sólo puede apoyarse en las mismas razones que han determinado la
aceptación de la obediencia. Pero no podríamos aceptar en modo alguno que se la
formule como derecho.
Deberíamos preguntarnos — desde el punto de vista moral — si la sola
existencia de la obligación moral de obediencia es argumentación lo suficientemente
fuerte como para descalificar la acción que se le oponga a la obediencia.
Y desde un escorzo diferente, el hecho de que exista una imposición normativa,
¿es consideración bastante como para hacer al violador merecedor de una sanción
jurídica?
Si es válido el principio kantiano que hace a la conciencia la instancia final de
la conducta moral, parecería que la objeción de conciencia importaría un argumento
moral de calificada entidad como para oponerse a la obediencia. Pero tampoco nos
parece instancia suficiente como para legalizar sin más un comportamiento ilícito.
Antes bien, si pensamos en otorgar una cierta presunción de legitimidad en
quienes violen la prescripción jurídica con fundamento en una objeción de conciencia,
estaríamos dispuestos a aceptar que en esas hipótesis, en lugar de atenerse
los órganos encargados de reprimir a una simple conclusión silogística, deberían
aceptarlos como supuestos en los que se contrapone la valoración de conciencia
del obligado, con los fines o valores tenidos en miras cuando se estableció el deber
jurídico incumplido. En tal caso la decisión debería, por un principio de tolerancia,
atender más al fundamento moral de la objeción de conciencia que al valor consagrado
en el deber jurídico impuesto.
Quisiéramos avanzar un poco más en el tema de la desobediencia civil en
tanto refiere a un fenómeno que se manifiesta como una forma especial de protesta
ante intervenciones del poder público y que está realizada, siempre o casi siempre,
invocando motivos de justicia.
Queda claro, entonces, que la desobediencia civil es una forma de protesta que
infringe alguna norma del sistema y, en consecuencia, es un modo de protesta no
institucional.
Sin embargo, al lado de estos caracteres, lo típico del fenómeno es que se trata
de un modo de participación ciudadana en el manejo de la cosa pública, una forma de
compromiso y de participación política no convencional que invoca motivos de justicia.
Este fenómeno puede ser estudiado multidisciplinariamente por la sociología,
por la filosofía moral, por la filosofía política y, obviamente, por la filosofía jurídica,
que es el escorzo desde el cual haremos el análisis.
La primera pregunta que deberíamos formularnos es cuándo una desobediencia
es civil: y la respuesta debería ser la de que ese modelo se configura cuando el
infractor cumple con un requerimiento ético político que lo vincula con esa cosa

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Ariel Álvarez Gardiol

pública a lo que nos referíamos. Cumplir con esa obligación implica hablar de una
conducta civil aun cuando se trate de una conducta perturbadora del ordenamiento.
Para tratar de acercarnos con perfiles más precisos a la figura a la que queremos,
podríamos referirnos a tres claros exponentes de los que es factible llamar la tradición
de la actitud desobediente.
El primero de ellos, que es autor de una obra que se llama Desobediencia Civil
(Civil desobedience) fue Henry David Thoreau (1817-1862) y que además del plano
de lo literario lideró una acción de protesta contra la guerra invasora de EEUU contra
México y enarboló públicamente denuncias por la política esclavista y el trato injusto
hacia los indios.
Tan solo hay cinco o seis hombres, en la historia de los Estados Unidos de
Norteamérica que, para mi, tienen un gran significado. Uno de ellos es Thoreau.
Pienso en él como en un representante de un carácter que, por desgracia, hemos
dejado de forjar. De ninguna manera es un demócrata, tal como hoy lo entendemos es
lo que Lawrence llamaría: “un aristócrata del espíritu”, o sea lo más raro en encontrar
sobre la faz de la tierra: un individuo. De todos modos, no le interesaba la política; era
un tipo de persona que, de haber proliferado, hubiera provocado la inexistencia de los
gobiernos. Esta es, a mi parecer, como la mejor clase de hombre que una comunidad
puede producir. Y es por eso que siento hacia Thoreau un respeto y una admiración
desmesurados.
El secreto de su influencia, todavía latente es muy simple. El fue un hombre en
cuerpo y alma, con un pensamiento y una conducta de perfecto acuerdo. Asumió la
responsabilidad de sus acciones y de sus afirmaciones. La palabra compromiso no
existía en su vocabulario. La historia contemporánea apenas ha producido un puñado
de hombres de ese calibre.
El segundo es Nohandas Karamchand Ghandi (1869-1948) conocido
mundialmente con el seudónimo de Mahatma (alma grande), quien tomó de la literatura
de Thoraeu la actitud de desobediencia, dándole su propio perfil y universalizándolo
mediante el desarrollo de una estrategia de resistencia no violenta que se manifestó
durante todo su largo liderazgo político como activo luchador de movimientos de
protesta contra el trato degradante y la legislación discriminatoria contra los indios:
nos decía: “puesto que soy imperfecto y necesito la tole rancia y la bondad de los
demás, también he de tolerar, los defectos del mundo, hasta que pueda encontrar el
secreto que me permita ponerles remedio”.
La tercera figura representativa de este modelo o actitud desobediente es la de
Martín Luther King (1929-1968) quien encontró en sus precedentes las claves para
organizar un movimiento de resistencia no violenta contra la discriminación racial en
los EEUU donde no eran necesariamente integracionistas.
Esta fue la época en que la Suprema Corte de los EEUU elaboró la famosa
doctrina “Plessy” según la cual negros y blancos tenían los mismos derechos, pero

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Reflexiones sobre la tolerancia

debían ejercerlos separadamente. No hay incongruencia según la doctrina Plessy


entre segregación racial e igualdad ante la ley. Iguales pero separados.
Volviendo entonces a los perfiles de la desobediencia civil a partir de la
descripción de estas figuras emblemáticas, deberíamos afirmar que el carácter de
civil de la desobediencia deberá depender de cumplimiento de su compromiso que se
conoce como obligación política.
La obligación política es una obligación moral que supone, por un lado, razones
para la acción y, por otro lado, un requerimiento práctico que está referido a los
fundamentos principales del sistema jurídico político.
Respetar la obligación política no implica necesariamente acatar todas las
obligaciones impuestas por la autoridad.
Ello nos permite concluir en que el único criterio valido para fijar los límites de la
obligación política es el respeto hacia una constitución democrática.
Y una constitución democrática sólo está en consonancia con los principios de
justicia que la informa.
Entonces la acción desobediente dirigida a subvertir ese orden democrático,
nunca podrá ser civil sino absolutamente inconstitucional (golpe de estado, terrorismo,
revolución).
La desobediencia civil implica una aceptación del sistema y una apelación a los
principios básicos del constitucionalismo democrático.
Es decir que la desobediencia civil es rebeldía en cuanto transgrede una norma
jurídica pero es civil en tanto se realiza en apoyo de los propios principios y valores
del sistema democrático.
De lo expuesto podría inferirse que la diferencia que existe entre la desobediencia
civil en un Estado democrático y en un Estado que no lo es, no es sólo una cuestión
de palabras sino un asunto de contenido.
Frente a la desobediencia civil hay algunos marcos de gradación en su eficacia
que permiten distinguir diferentes niveles de protección.
El primer nivel, primero de mínima a máxima protección, sería el que podríamos
llamar moderado, que es el que atenúa la sanción que pudiera corresponder a una
violación jurídicamente injustificada.
El segundo, que podríamos llamar absolutorio podría llegar a liberar de sanción
jurídica a una conducta considerada reprochable, llegando hasta un modo convalidante
que podría implicar el reconocimiento de que una conducta no es jurídicamente
reprochable pese a haberse comprobado una infracción de un precepto taxativo.
Tal como nosotros lo vemos, podrían encontrar en nuestro derecho positivo
algún marco de justificación dentro de los niveles que hemos analizado previamente,
en algunos comportamientos que tienen que ver con el quebrantamiento o infracción
de algún derecho o garantía constitucionalmente preacordado.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 59-71, abr./jun. 2015 69
Ariel Álvarez Gardiol

Así, por ejemplo, cuando la Constitución reconoce un derecho fundamental a


cualquier ciudadano —como podría ser el que nadie puede ser obligado a declarar
en contra de sí mismo (art. 18 CN) o el pleno ejercicio de los derechos políticos (art.
37 CN)— cualquier ciudadano, naturalmente, debería poder ejercerlo sin cortapisa de
ninguna especie siempre que, también naturalmente, ese ejercicio no lleve implícito
infringir algún otro límite establecido por el ordenamiento.
Piénsese que no estamos abordando la posibilidad de una protección respecto
de un derecho fundamental, sino a una posible protección de la infracción del hecho
antijurídico, como es la desobediencia. Ello podría darse cuando fueren aplicables
causas legales de justificación de una conducta infractora.
Nos estamos refiriendo, por ejemplo, a la posibilidad de la legítima defensa o del
estado de necesidad por el ejercicio legítimo de un derecho, que harían inaplicables
las consecuencias generadas por la infracción de un deber jurídico vulnerado con
apoyo de esas causas de justificación.
Además debería aceptarse que el bien jurídico protegido por el derecho
fundamental resulte jerárquicamente superior al derecho protegido por la norma
desobedecida y en consecuencia la norma fundamental habrá funcionado con eficacia
justificante sobre la conducta desobediente.
Finalmente, no sólo debe constatar el aplicador la existencia de eventuales
causas justificantes de la desobediencia civil, sino que es imprescindible —por
lo menos para el poder judicial— la verificación de la existencia de una concreta
habilitación normativa.
En un Estado de Derecho, donde el control de constitucionalidad está ejercido
monopólicamente por un tribunal superior, no podría haber ningún órgano jurisdiccional
ordinario —salvo ese tribunal superior y esto podría a su vez ser discutible por lo
menos teórica sino prácticamente— que pueda no aplicar una ley penal a un caso
determinado aun con el argumento de dar prevalencia a una norma fundamental que
fuera aplicada al caso.
La liberación para el órgano jurisdiccional de la imposición de la sanción sólo
puede surgir de una norma que permita la aplicación de las causas legales de
justificación.
Distinto sería el caso de que pudiere sostenerse que la norma vulnerada por el
acto de desobediencia pueda ser considerada incompatible con una norma superior
del sistema, lo que ocurriría cuando se invocara la inconstitucionalidad de la norma
injusta por alguna razón legitima.
Nuestra democracia constitucional, no obstante que tiene más de ciento cincuenta
años de consolidación normativa con importantes reformas estructurales, ha sido tan
frecuente y hondamente interrumpida, que presenta un perfil de notable fragilidad
frente a las distintas formas de desobediencia civil aún débilmente institucionalizadas.

70 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 59-71, abr./jun. 2015
Reflexiones sobre la tolerancia

El tiempo, y la práctica madura de una civilidad responsable, debería ser el


único generador de su fortaleza.
Cuando Hans Kelsen terminó de escribir su famoso ensayo: ¿Qué es la justicia?
Se dio perfecta cuenta de que no había respondido al interrogante del título. En rigor
no sé si puedo decir que es la justicia, la justicia absoluta, ese hermoso sueño de la
humanidad. Debo conformarme con la justicia relativa: Tan solo puedo decir lo que
es la justicia para mí. Puesto que la ciencia es mi profesión, y por lo tanto lo más
importante de mi vida, la justicia es para mí, aquello bajo cuya protección puede
florecer la ciencia y junto con la ciencia, la verdad y la sinceridad. Es la justicia de la
libertad, la justicia de la paz, la justicia de la democracia y la justicia de la tolerancia.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

GARDIOL, Ariel Álvarez. Reflexiones sobre la tolerancia. Revista Brasileira de Direito


Processual — RBDPro, Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 59-71, abr./jun. 2015.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 59-71, abr./jun. 2015 71
A cooperação como alternativa ao
antagonismo garantismo processual/
ativismo judicial

Arlete Inês Aurelli


Mestre e Doutora em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Professora de Direito Processual
Civil nos cursos de graduação e pós-graduação scricto sensu da PUC/SP. Membro do
Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Ceapro. Advogada em São Paulo.

Palavras-chave: Ativismo judicial. Garantismo processual. Princípio do devido processo legal. Princípio da
cooperação.
Sumário: 1 Considerações introdutórias – 2 Digressão sobre as correntes antagônicas – Garantismo
processual e ativismo judicial – 3 Princípio do devido processo legal – 4 O princípio da cooperação como
meio termo entre ativistas e garantistas – 5 Conclusão – Referências

1 Considerações introdutórias
Fiquei muito honrada pelo convite para participar desse importante e essencial
debate sobre garantismo e ativismo, que é a temática que envolve o Congresso
Interamericano de Direito Processual.
Há muito tempo que venho refletindo se realmente existe, e se devemos reforçar
essa divisão, entre garantismo processual, de um lado, em contraposição ao ativismo
judicial, de outro, classificando juristas e órgãos julgadores nas categorias estanques
de “ativistas” e “garantistas”, conforme posicionamento que acolhe ou atitudes que
tomam no exercício da jurisdição.
A inquietude que sempre me assaltou com relação a esse tema advém do fato
de que ambos as escolas embasam sua visão sobre como deve se portar o juiz, no
modelo constitucional do processo e no princípio do devido processo legal.1 Ora,

Por exemplo, Glauco Gumerato Ramos afirma que se pode entender o garantismo processual como “o
1

movimento dogmático voltado a estudar e propor que a utilização e o manejo do processo civil pelo juiz e
pelo jurisdicionado, o seja na perspectiva das garantias prescritas no modelo semântico constitucional de
processo jurisdicional, sem que por razões outras que não as expressamente previstas na Constituição possa
a jurisdição (poder) subjugar, tergiversar ou se apartar do rigoroso cumprimento do devido processo legal
(=garantia) (Aspectos semânticos de uma contradição pragmática. O garantismo processual sob o enfoque

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 73-85, abr./jun. 2015 73
Arlete Inês Aurelli

se o fundamento para ambos é o mesmo, como poderiam ser antagonistas essas


escolas? Quer nos parecer que o ideal seria observar o modelo constitucional do
processo em todas as condutas dos sujeitos do processo, incluindo-se aí o juiz e
com base nesse modelo verificar se o princípio do devido processo legal está sendo
violado ou não. Acatando-se o método imposto pela própria Constituição Federal é
possível que se conceba atitudes do juiz que sejam passivas, de mero espectador,
mas também outras mais ativas, proporcionando a efetividade da tutela.
O objetivo do presente ensaio é analisar os conceitos de cada uma dessas
correntes e demonstrar que não há qualquer necessidade de propagar esse
antagonismo, sendo que, pelo contrário, há possibilidade de se encontrar um meio
termo, mais benéfico ao jurisdicionado, e a prestação da tutela jurisdicional, que se
origina do princípio da cooperação entre os sujeitos do processo.

2 Digressão sobre as correntes antagônicas – Garantismo


processual e ativismo judicial
2.1 Considerações gerais
Inicialmente, faz-se necessário tratar especificamente de cada uma das
correntes antagônicas.

2.2 Garantismo processual


Entende-se por garantismo processual a corrente doutrinária que tem por
fundamento a Constituição Federal e que ao mesmo tempo em que mitiga os poderes
do juiz, assegura às partes ampla participação na atividade jurisdicional, através do
princípio do devido processo legal.2 Essa manifestação doutrinária entende que a
limitação dos poderes do juiz é necessária para a manutenção do Estado Democrático
de Direito. Por isso, defende que o papel do juiz não é inovar, criar normas, nem ditar
regras próprias na condução do processo, mas sim atuar em atividade subsidiária e

da filosofia da linguagem. In: DIDIER JUNIOR, Fredie et al. (Coord.). Ativismo judicial e garantismo processual.
Salvador: JusPodivm, 2013. p. 252).
José Levi Mello do Amaral Junior e Juliano Ramos Monteiro, por sua vez, afirmam que o ativismo judicial é um
instrumento necessário para o estágio em que se encontra a sociedade moderna, uma vez que permite uma
melhor concretização dos direitos fundamentais e até mesmo a distribuição da justiça social (Estado de direito
e ativismo judicial. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 170).
2
Nesse sentido, Sérgio Luiz de Almeida Ribeiro define que “o garantismo é uma visão ideológica do processo,
que prestigia a imparcialidade do juiz e o sistema acusatório, em detrimento do sistema inquisitivo, tendo
como fundamento a Constituição Federal, assegurando às partes, por meio do devido processo legal, ampla
participação na atividade jurisdicional para defesa de seus interesses, e mitigando ao máximo os poderes dos
juízes”. (Por que a prova de ofício contraria o devido processo legal? Reflexões na perspectiva do garantismo
processual. In: DIDIER JUNIOR, Fredie et al. (Coord.). Ativismo judicial e garantismo processual. Salvador:
JusPodivm, 2013. p. 639).

74 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 73-85, abr./jun. 2015
A cooperação como alternativa ao antagonismo garantismo processual/ativismo judicial

complementar à das partes, obedecendo estritamente às normas processuais que


devem estar em sintonia com a Carta Magna. Privilegia, ainda, o contraditório, a ampla
defesa e a imparcialidade do juiz. Glauco Gumerato afirma que “para o garantismo, o
processo é método no qual o resultado dependerá do efetivo debate entre as partes
e de sua diligência em melhor manejar a respectiva atividade”.3
Nesse sentido, Adolfo Alvarado Velloso afirma que “o garantismo processual não
tolera tergiversação da norma fundamental; ao contrário, contenta-se modestamente
que os juízes — mais uma vez: comprometidos apenas com a Lei — declarem a certeza
das relações jurídicas conflitivas através da outorga do direito de defesa a todos os
interessados, resguardando a igualdade processual com uma clara imparcialidade
funcional, para, assim, fazer plenamente efetiva a tutela legal de todos os direitos”.4
Afirma-se5 que, no garantismo, seria privilegiado o modelo referido pela doutrina
como adversarial, que consagra o princípio dispositivo e assume a forma de um
conflito entre adversários diante de um juiz passivo, cuja principal função é decidir.
Por esse sistema toda a atividade probatória, por exemplo, fica a cargo das partes,
sendo a atividade judicial, nessa seara, meramente subsidiária. Os “garantistas”
afirmam que o objetivo seria proteger o cidadão contra possíveis abusos do Estado,
caracterizados pelo aumento de poderes, sendo que até a discussão sobre boa
fé processual revelaria traços autoritários, o que é um evidente exagero, já que o
princípio da lealdade processual, ao contrário, traria muito mais proteção aos direitos
subjetivos dos litigantes.6
Lenio Luiz Streck afirma que o garantismo “deve ser entendido como uma técnica
de limitação e disciplina dos poderes públicos e por essa razão pode ser considerado
o traço mais característico, estrutural e substancial da Democracia: garantias tanto
liberais como sociais expressam os Direitos Fundamentais do cidadão frente aos
poderes do Estado, os interesses dos mais débeis em relação aos mais fortes, tutela
das minorias marginalizadas frente às maiorias integradas”.7
É evidente que o juiz não pode extrapolar suas funções, agir com abuso de
autoridade, determinando e realizando atos que competem às partes requerer e

3
Repensando a prova de ofício na perspectiva do garantismo processual. In: DIDIER JUNIOR, Fredie et al.
(Coord.). Ativismo judicial e garantismo processual. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 260.
4
O garantismo processual. In: DIDIER JUNIOR, Fredie et al. (Coord.). Ativismo judicial e garantismo processual.
Salvador: JusPodivm, 2013. p. 29.
5
Adolfo Alvarado Velloso. O garantismo processual. In: DIDIER JUNIOR, Fredie et al. (Coord.). Ativismo judicial
e garantismo processual. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 27; RAMOS, Glauco Gumerato. Repensando a prova
de ofício na perspectiva do garantismo processual. In: DIDIER JUNIOR, Fredie et al. (Coord.). Ativismo judicial e
garantismo processual. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 260. DIDIER JUNIOR, Fredie. Os três modelos do direito
processual: inquisitivo, dispositivo e cooperativo. In: DIDIER JUNIOR, Fredie et al. (Coord.). Ativismo judicial e
garantismo processual. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 211.
6
Conforme DIDIER JUNIOR, op. cit., p. 211.
7
Ativismo e garantismo na corte interamericana de direitos humanos. In: DIDIER JUNIOR, Fredie et al. (Coord.).
Ativismo judicial e garantismo processual. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 411.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 73-85, abr./jun. 2015 75
Arlete Inês Aurelli

realizar, sob pena, inclusive, de ferir o princípio da demanda. Por outro lado, o juiz
deve sempre respeitar o contraditório. No entanto, se para preservar o direito, para
garantir a efetividade da tutela, o juiz tomar a frente, respeitando o princípio do devido
processo legal, o modelo constitucional do processo e as normas processuais, não
há o que criticar. O jurisdicionado espera e anseia por isso.

2.3 Ativismo judicial


Por ativismo judicial se entende a corrente doutrinária que defende uma postura
mais participativa da atividade judicial, outorgando ao juiz um poder mais criativo.
Assim, nas hipóteses em que não houvesse lei a regular o caso, poderia o juiz exercer
atividade criadora da norma a regular o conflito que lhe foi submetido à apreciação,
com vista a possibilitar o efetivo exercício da jurisdição. A finalidade dessa corrente é
atribuir uma maior liberdade ao juiz.
Glauco Gumerato Ramos critica o ativismo judicial de forma veemente ao afirmar
que “Ativismo é um atributo político do Estado (=Executivo e Legislativo) que ao menos
no ambiente democrático não pode corresponder às funções do juiz (=pessoa física).
O juiz ativista é juiz político e Juiz político ontologicamente não é juiz. Ora se a função
jurisdicional tem como seus atributos a imparcialidade e a impartialidade, essas
qualidades não se compadecem com o eventual — e dogmaticamente equivocado,
com todo respeito — exercício político da função jurisdicional”.8
No entanto, não nos parece que ao admitir essa postura ativa o juiz tenha que
desprezar e ignorar o texto constitucional. Muitos entendem o ativismo como uma
postura indesejada, mas a verdade é que é perfeitamente possível ao juiz ter uma
atitude mais ativa limitada às diretrizes do modelo constitucional do processo civil.
Segundo Gustavo Gonçalves Gomes o ativismo traria as seguintes vantagens:
“a) proporciona a consciência de um Estado Democrático de Direito; b) consagra uma
nova importância ao constitucionalismo; c) realça os reais valores da Constituição; d)
garante acesso ao Judiciário; e) preserva e oportuniza o exercício de direitos e garantias
fundamentais; f) amplia as conquistas sociais via determinação judicial; g) maximiza os
direitos em geral; h) efetiva o sistema de freios e contrapesos, entre outras.9
O referido autor esclarece também que “nos regimes do common Law, o ativismo
é justamente elogiado por proporcionar a adaptação do direito às novas exigências
sociais e as novas pautas axiológicas, em contraposição ao ‘passivismo’, que, guiado

8
Juiz ativista x juiz ativo: uma diferenciação necessária no âmbito do processo constitucional moderno. In:
DIDIER JUNIOR, Fredie et al. (Coord.). Ativismo judicial e garantismo processual. Salvador: JusPodivm, 2013.
p. 293-294.
9
Idem, p. 291.

76 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 73-85, abr./jun. 2015
A cooperação como alternativa ao antagonismo garantismo processual/ativismo judicial

pelo propósito de respeitar as opções do legislador ou dos precedentes passados,


conduziria a estratificação dos padrões de conduta normativamente consagrados”.10
A doutrina entende que no ativismo judicial o modelo utilizado seria o inquisitivo
porque se afirma que quanto mais poderes são concedidos ao juiz mais próximo
desse modelo o processo será. Entende-se, ainda, que nesse caso, o juiz não
precisaria observar os limites impostos à atividade do Judiciário. Na verdade mesmo,
o ideal seria um juiz mais ativo, mas não ativista. Imagine-se, por exemplo, um juiz
que, ao se iniciar o cumprimento de sentença, determinasse o valor a ser depositado
e após o executado ter feito o depósito, extinguisse a execução sem nem ao menos
dar ciência ao exequente para manifestar-se sobre os valores depositados, sob a
suposição de que se ele [juiz] concordou com o depósito, não haveria ao interessado
o que reclamar. Esse é um bom exemplo de ativismo, praticado sem que o modelo
constitucional do processo tenha sido seguido.

3 Princípio do devido processo legal


É importante analisarmos o conceito e o sentido do princípio do devido processo
legal, inserto no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, eis que se trata do
centro da dita divergência entre o ativismo judicial e o garantismo processual. Assim,
é imperioso verificar se realmente está presente a divergência nesse ponto.
O princípio do devido processo legal, consagrado como garantia constitucional,
no artigo 5º, inciso LIV, da CF possui dois âmbitos de proteção: o material e o
processual.
Nelson Nery Júnior ensina que “Genericamente, o princípio do ‘due process
of law’ caracteriza-se pelo trinômio vida-liberdade-propriedade, vale dizer, tem-se o
direito de tutela daqueles bens da vida em seu sentido mais amplo e genérico. Tudo o
que disser respeito à tutela da vida, liberdade ou propriedade está sob a proteção da
‘due process clause’”.11 E prosseguindo adverte: “A cláusula due process of law não
indica somente a tutela processual, como à primeira vista pode parecer ao intérprete
menos avisado. Tem sentido genérico, como já vimos, e sua caracterização se dá de
forma bipartida, pois há o substantive due process e o procedural due process, para
indicar a incidência do princípio em seu aspecto substancial, vale dizer, atuando no
que respeita ao direito material, e, de outro lado, a tutela daqueles direitos por meio
do processo judicial ou administrativo”.12
Paulo Henrique dos Santos Lucon, no mesmo sentido, afirma que “A questão
que se coloca hoje é saber como os princípios e as garantias constitucionais do

10
Idem, p. 294
11
Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 29-30.
12
Idem, p. 33.

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Arlete Inês Aurelli

processo civil podem garantir uma efetiva tutela jurisdicional aos direitos substanciais
deduzidos diariamente. Ou seja, não mais interessa apenas justificar esses princípios
e garantias no campo doutrinário. O importante hoje é a realização dos direitos
fundamentais e não o reconhecimento desses ou de outros direitos”, e ensina que
o devido processo legal substancial diz respeito à limitação ao exercício do poder
e autoriza ao julgador questionar a razoabilidade de determinada lei e a justiça das
decisões estatais, estabelecendo o controle material da constitucionalidade e da
proporcionalidade”.13
Em sentido processual, o princípio do devido processo é a linha mestra que
engloba todas as outras garantias constitucionais insertas na Constituição Federal,
como o contraditório e a ampla defesa, a igualdade entre as partes, o acesso à
justiça, a imparcialidade, a fundamentação das decisões judiciais, razoável duração
do processo, o princípio do juiz natural, a proibição da prova ilícita etc.
Assim, bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do dues
process of law para que daí decorressem todas as consequências processuais que
garantiriam aos litigantes o direito a um processo e sentença justa. É por assim dizer
o gênero do qual todos os demais princípios são espécies.
Dinamarco, nesse sentido, ensina que “direito ao processo justo é, em primeiro
lugar, o direito ao processo tout court — assegurado pelo princípio da inafastabilidade
do controle jurisdicional que a Constituição impõe mediante a chamada garantia da
ação. Sem ingresso em juízo não se tem a efetividade de um processo qualquer e
muito menos de um processo justo. Garantido o ingresso em juízo e até mesmo a
obtenção de um provimento final de mérito, é indispensável que o processo se haja
feito com aquelas garantias mínimas: a) de meios, pela observância dos princípios e
garantias estabelecidas; b) de resultados, mediante a oferta de julgamentos justos,
ou seja, portadores de tutela jurisdicional a quem efetivamente tenha razão. Os meios,
sendo adequadamente empregados, constituem o melhor caminho para chegar a
bons resultados. E, como afinal o que importa são os resultados justos do processo
(processo civil de resultados), não basta que o juiz empregue meios adequados se
ele vier a decidir mal; nem se admite que se aventure a decidir a causa segundo seus
próprios critérios de justiça, sem ter empregado os meios ditados pela Constituição e
pela lei. Segundo a experiência multissecular expressa nas garantias constitucionais,
é grande o risco de erro quando os meios adequados não são cumpridos. Eis o
conceito e conteúdo substancial da cláusula due process of law, amorfa e enigmática,
que mais se colhe pelos sentimentos e intuição do que pelos métodos puramente
racionais da inteligência”.14

13
Devido Processo legal substancial, artigo publicado em 16 jun. 2005. Disponível em: <http://www.
mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=6>. Acesso em: 15 nov. 2010.
14
Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p. 94.

78 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 73-85, abr./jun. 2015
A cooperação como alternativa ao antagonismo garantismo processual/ativismo judicial

É importante ressaltar que o princípio do devido processo legal estabelece para


o juiz uma série de deveres-poderes que o fazem também sujeito do contraditório,
o chamado contraditório participativo. Assim, a prestação da tutela jurisdicional, no
Estado Democrático de Direito, deve obedecer aos limites do devido processo legal.
Assim, tendo por base o princípio do devido processo legal, pode-se perceber
facilmente que tanto o ativismo judicial como o garantismo processual, em certa
medida, podem ser adotados, dentro de certos parâmetros, pelo juiz, para o
desempenho da função jurisdicional, demonstrando que pode ser encontrado um
meio termo entre as duas correntes.

4 O princípio da cooperação como meio-termo entre


ativistas e garantistas
Entendemos que entre a corrente garantista ou ativista o que realmente importa
é que a jurisdição cumpra função social.
Calmon de Passos explica que função social “... pode ser entendida como o
resultado que se pretende obter com determinada atividade do homem ou de suas
organizações, tendo em vista interesses que ultrapassam os do agente. Pouco
importa traduza essa atividade exercício de direito, dever, poder ou competência.
Relevantes serão, para o conceito de função, as conseqüências que ela acarreta para
a convivência social. O modo de operar, portanto, não define a função, qualifica-a...
3 - A palavra função, no campo do direito, adquiriu relevância com o chamado Estado
de Direito Democrático. A igualdade essencial de todos os homens — postulado
básico da democracia — implica a resultante, necessária, de que todo poder humano
é fruto de outorga, formaliza-se como competência e efetiva-se como serviço. Esse
pensamento representou um ganho no esforço civilizador de eliminar da convivência
social toda e qualquer forma de arbítrio. O processo civilizatório deu à força bruta
o caráter de dominação necessitada de justificação, transmudou a dominação em
poder como serviço aos homens, segundo a vontade (lei) divina, fundamento de sua
legitimação, até aos nossos dias em que todo poder só se legitima como serviço aos
homens — função — exercido nos estritos termos da competência e da legitimação
formalmente postas pela vontade geral, expressa nas leis (humanas) O agente público
passou a não ter vontade própria, sim a da lei — competência (atribuição) que se faz
dever (retribuição) pelo que se fala hoje, não em poder, sim, mais adequadamente,
em função legislativa, executiva e jurisdicional. A própria autonomia privada teve suas
fronteiras delimitadas pela lei — o agente privado não pode querer o que a lei lhe
proíbe nem omitir-se de querer o que ela lhe impõe”.15

PASSOS, J. J. Calmon de. Função social do processo. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 58, 1º ago. 2002.
15

Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/3198>. Acesso em: 30 out. 2010.

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Arlete Inês Aurelli

Adotando essas lições já frisamos em outro texto16 que “o Estado deve-se


garantir a todos o efetivo acesso à ordem jurídica justa, com o cumprimento dos
direitos fundamentais, expressos na Constituição Federal. Ao fazer com que a própria
jurisdição cumpra a sua função social não pode o órgão julgador deixar de lado o
princípio do devido processo legal e as garantias constitucionais por ele englobadas
como acesso à justiça, contraditório e ampla defesa, fundamentação das decisões
judiciais, apenas para, mecanicamente, dar ao processo maior celeridade”.
De fato, como salienta Teori Albino Zavascki, “o Judiciário não poderá se eximir
da sua fatia de responsabilidade, que consiste, essencialmente, em prestar jurisdição
mediante pronunciamentos que extraiam do sistema normativo soluções as mais
adequadas possíveis à produção dos resultados previstos pelo constituinte. [...] A
questão que se coloca, portanto, é a de saber que caminhos poderá trilhar o Judiciário
para que o exercício de sua missão constitucional resulte em aprimoramento do grau
de eficácia social das normas. Essa preocupação implica, por si só, uma tomada de
posição: a do abandono das orientações segundo as quais a interpretação e a aplicação
do Direito é simples operação mecânica, meramente silogística, calcada unicamente
em fórmulas e formas positivamente estabelecidas. Na verdade, os tempos atuais já
não comportam juízes de costas para a realidade, pena de dar razão aos que acham
que os juristas pelas suas tresnoitadas teorias, conceitos e formulações, sejam
olhados, pela generalidade dos demais seres humanos, como espécimes de uma
fauna em vias de extinção e, por isso mesmo, cada dia menos decisiva no curso da
vida social, enquanto juristas' [...] a busca de decisões judiciais que levem à eficácia
social do Direito deve ser empreendida exaurindo-se os mecanismos oferecidos pelo
próprio sistema jurídico do Estado de Direito Constitucional”.17
Conforme já expusemos em outro trabalho, cumprir a função social da jurisdição
pode significar também o dever do Estado prestar a devida tutela jurisdicional
resolvendo os conflitos de interesses que lhe são afetados. O Poder Judiciário não
pode se eximir de sentenciar alegando lacunas na lei ou estado de dúvida sobre
a certeza do direito pleiteado. De fato, por força do princípio inserto no artigo 5º,
inciso XXXV, da CF, que garante o acesso à justiça, o juiz não se exime de sentenciar
alegando lacunas na lei.
Assim, nessas hipóteses, conforme o artigo 125 do CPC, é o órgão julgador que
deve procurar, não somente baseando-se nas regras de hermenêutica, mas também
no seu próprio grau de valores e senso comum, criar norma que regule o conflito de
interesses submetido à apreciação judicial, resolvendo-o. O que não se pode admitir

16
AURELLI, Arlete Inês. Função social da jurisdição e do processo. In: ZEFELATO, Camilo; YARSHELL, Flavio Luiz.
40 anos da teoria geral do processo no Brasil – passado, presente e futuro. São Paulo: Malheiros editores,
2013. p. 124-146.
17
Eficácia social da prestação jurisdicional. Revista de informação legislativa, v. 31, n. 122, p. 291-296, abr./
jun. 1994.

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A cooperação como alternativa ao antagonismo garantismo processual/ativismo judicial

é a recusa do órgão julgador em resolver o conflito de interesses sob a pecha de


inexistência de norma legal que o assegure o direito da parte.
Da mesma forma, nesse mister, o órgão julgador deve sempre se ater à
realidade social existente à sua volta e julgar de acordo com essa realidade. Deve
levar em consideração os conflitos sociais existentes a respeito da demanda que
lhe foi submetida e resolver a questão como se resolvesse o próprio conflito social,
levando em consideração os mais consagrados direitos que preservam a dignidade
da pessoa humana e a paz social, que todos buscam.18
Em outro texto, já concluímos que é preciso que o órgão julgador esteja ciente
da importância do seu papel e não fique de costas para a realidade que o cerca.
Assim, não poderá deixar de prestar a tutela jurisdicional nem quando está em dúvida
quanto à ocorrência dos fatos discutidos na causa ou quanto à existência do direito
e, muito menos, pode deixar de julgar sob o argumento de que inexiste lei que regule
a matéria posta em juízo. Se não há provas suficientes para atestar a veracidade dos
fatos alegados, deve o órgão julgador deixar sua atitude passiva e tomar a frente de
sua missão, determinando a realização das provas necessárias à elucidação dos
fatos, inclusive com a efetivação da inspeção ocular, tão deixada de lado na prática
forense. Se não há norma regulando a hipótese constante dos autos, deve o juiz
produzir a lei reguladora do caso concreto, baseando-se não somente nas regras de
hermenêutica, mas também e principalmente na realidade social.19 Nesse caso a
atividade criadora do juiz é essencial para cumprir a função que lhe foi outorgada, não
havendo, em nossa opinião, nenhum autoritarismo com respeito a isso.
Glauco Gumerato Ramos esclarece que “em linhas gerais o debate ativismo
versus garantismo gira em torno: i) dos aspectos ideológicos do processo civil, ii) dos
seus sistemas de enjuizamento — inqusitivo ou dispositivo — iii) do papel do juiz e
das partes na relação processual, iv) da dimensão constitucional da jurisdição, v) do
conteúdo e do significado do devido processo legal, vi) da garantia constitucional da
ampla defesa e contraditório entre outros”.20

18
Nesse sentido, Benedito Silvério dos Santos assevera que “A CF fixa como fundamentais ao Estado
Democrático de Direito a cidadania e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, II, III), tendo por objetivos básicos
construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º I), erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais (III) e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (IV). Sendo todos iguais perante a lei, no direito à vida
(CF, art. 5.) insere-se a moradia ou habitação, necessitando a pessoa de um teto para fins civis (Ter domicilio)
o que reforça a dignidade. A moradia é um direito social (art. 6º) e a propriedade atenderá a sua função social
(art. 5º XXIII e 182, parágrafo segundo)” (Tratado de usucapião. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 989).
19
Marcos Afonso Borges, nesse sentido, afirma que o juiz tem por obrigação “atuar o direito objetivo, não por
meio de uma interpretação literal e formalista, mas atendendo aos fins sociais da lei, às exigências do bem
comum e, em não havendo norma específica, mediante aplicação da analogia, dos costumes e princípios
gerais do direito. Os poderes, os deveres e as faculdades do juiz no processo, REPRO 95/174.
20
Idem, p. 260

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 73-85, abr./jun. 2015 81
Arlete Inês Aurelli

Examinando qualquer um desses pontos de debate entre ativistas e garantistas


verifica-se que é perfeitamente possível encontrar um ponto de convergência, em
que se possa obter a função social da jurisdição através de um processo que atenda
tanto aos interesses dos jurisdicionados, com todas as garantias que lhe são dadas
pelo texto constitucional, como do Estado na busca por uma prestação da tutela
jurisdicional efetiva. E no meu modo de ver, esse ponto de convergência seria o
sistema cooperativo.
O princípio da cooperação, que é a tônica do novo código de processo civil,21
tem por base a junção dos princípios do devido processo legal, da boa-fé processual
e do contraditório e da ampla defesa. Ele preconiza a colaboração de todos os
sujeitos do processo para a efetiva busca pela justiça, redimensionando o princípio
do contraditório com a participação efetiva das partes na busca da verdade, as quais
terão o direito de influenciar na convicção do juiz. E mais, por ele, o juiz deixa de
ser mero espectador do conflito entre as partes, para passar a ter uma participação
mais ativa como sujeito do diálogo processual. Assim, há um redimensionamento do
contraditório que passará a ser mais valorizado porque deixará de ser apenas uma
regra formal para ser instrumento indispensável no aprimoramento da decisão judicial.
Busca-se uma condução cooperativa do processo pelo juiz e pelas partes, sem que
haja destaques entre um ou outro, mas com vivo e intermitente diálogo a ponto de
se poder dizer que a sentença será fruto das discussões travadas ao longo de todo
processo. No entanto, não haverá paridade no momento de proferir a decisão, eis
que as partes não decidem com o juiz, pois esta atividade é manifestação do poder.22

21
No novo CPC podem-se verificar os seguintes artigos, entre outros, onde se vê a manifestação do princípio da
cooperação:
Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.
Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável,
decisão de mérito justa e efetiva.
Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades
processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo
ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.
Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum,
resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade,
a legalidade, a publicidade e a eficiência.
Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:
I - à tutela provisória de urgência;
II - às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III;
III - à decisão prevista no art. 701.
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual
não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva
decidir de ofício.
Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as
decisões, sob pena de nulidade.
22
Conforme Fredie Didier Junior. Os três modelos do direito processual: inquisitivo, dispositivo e cooperativo.
In: DIDIER JUNIOR, Fredie et al. (Coord.). Ativismo judicial e garantismo processual. Salvador: JusPodivm,
2013. p. 211.

82 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 73-85, abr./jun. 2015
A cooperação como alternativa ao antagonismo garantismo processual/ativismo judicial

Além disso, no novo CPC, o artigo 10 determina que o juiz não poderá decidir,
em lugar algum de jurisdição, sem que se tenha oportunizado às partes o direito
de se manifestar. É mais uma manifestação do contraditório coparticipativo, ou
seja, manifestação do princípio da cooperação/colaboração. Assim, é manifestação
do princípio da cooperação quando as partes tem oportunidade de se manifestar
sobre as alegações da parte contrária. Com isso, fortalece-se o contraditório e
dessa forma tem-se uma maior colaboração dos sujeitos do processo, ou seja, das
partes juntamente com o juiz, o qual, com base no contraditório, poderá resolver
adequadamente o conflito que lhe foi submetido à apreciação.
Glauco Gumerato Ramos, nesse sentido, afirma que: “o princípio da cooperação
— ou da colaboração — reforça importância do contraditório como técnica de
concretização da dialética do processo e impõe um alto grau de comprometimento do
juiz para com as partes, e destas em relação àquele, de modo a propiciar que o fruto
da atividade desenvolvida pelo Poder Judiciário seja apto a resolver adequadamente
o litígio que lhe foi submetido”.23
Assim, a concepção de que o processo é um meio de interesse público na
busca da justa aplicação do ordenamento jurídico no caso concreto caracteriza uma
evolução do princípio do contraditório, exigindo a participação ativa das partes ao
lado de um juiz também ativo, no centro da controvérsia, primando-se pela isonomia
entre os sujeitos do processo. O dever de cooperação envolve também o juiz, que
deverá firmar sua atuação como agente colaborador do processo, inclusive como
participante ativo do contraditório, não mais se limitando a ser mero fiscal de regras.
Em consequência, não mais se pode admitir o magistrado apático, que aguarda
manifestações das partes para, somente então, atuar.
Nesse sentido Cássio Scarpinella Bueno explica com precisão que o contraditório
participativo deve ser entendido como “o direito de influir, de influenciar, na formação
da convicção do magistrado ao longo de todo o processo. Não se deve entendê-lo
somente do ponto de vista negativo, passivo, defensivo. O Estado-juiz, justamente por
força dos princípios constitucionais do processo, não pode decidir, sem que garanta
previamente amplas e reais possibilidades de participação daqueles que sentirão,
de alguma forma, os efeitos de sua decisão. Justamente em função desta nova
compreensão dos elementos ciência ou informação é que o princípio do contraditório
relaciona-se intimamente, com a idéia de participação, com a possibilidade de
participação na decisão do Estado, viabilizando-se assim, mesmo que no processo, a
realização de um dos valores mais caros para um Estado Democrático de Direito”.24

23
RAMOS, Glauco Gumerato. Repensando a prova de ofício na perspectiva do garantismo processual. In: DIDIER
JUNIOR, Fredie et al. (Coord.). Ativismo judicial e garantismo processual. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 266.
24
Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 108. v. 1.

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Arlete Inês Aurelli

Na verdade, o princípio da cooperação, se for bem aplicado e compreendido


pelos sujeitos do processo, impede que o juiz tenha ascendência sobre os interesses
e ônus das partes, evitando os abusos de autoridade, abusos de poder, e propicia,
inclusive, a observância do princípio dispositivo.

5 Conclusão
Em conclusão, entendemos que o princípio da cooperação pode ser uma
razoável solução para encontrar um meio termo entre ativismo judicial e garantismo
processual, permitindo a efetivação do princípio do devido processo legal, segundo o
modelo constitucional do processo.

Referências
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São Paulo: Quartier Latin, 2010.
AURELLI, Arlete Inês. Função social da jurisdição e do processo. In: ZEFELATO, Camilo; Yarshell,
Flavio Luiz. 40 anos da teoria geral do processo no Brasil – passado, presente e futuro. São Paulo:
Malheiros editores, 2013. p. 124-146.
BORGES, Marcos Afonso. Os poderes, os deveres e as faculdades do juiz no processo, REPRO 95/174.
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GOMES, Gustavo Gonçalves. Juiz ativista x juiz ativo: uma diferenciação necessária no âmbito
do processo constitucional moderno. In: DIDIER JUNIOR, Fredie et al. (Coord.). Ativismo judicial e
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NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1995.
PASSOS, J. J. Calmon de. Função social do processo. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 58, 1º ago.
2002. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/3198>. Acesso em: 03 mar. 2015.
RAMOS, Glauco Gumerato. O garantismo processual sob o enfoque da filosofia da linguagem. In:
DIDIER JUNIOR, Fredie et al. (Coord.). Ativismo judicial e garantismo processual. Salvador: JusPodivm,
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Salvador: JusPodivm, 2013. p. 395-427

84 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 73-85, abr./jun. 2015
A cooperação como alternativa ao antagonismo garantismo processual/ativismo judicial

VELLOSO, Adolfo Alvarado. O garantismo processual. In: DIDIER JUNIOR, Fredie et al. (Coord.). Ativismo
judicial e garantismo processual. Tradução de Glauco Gumerato. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 13-38.
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

AURELLI, Arlete Inês. A cooperação como alternativa ao antagonismo garantismo


processual/ativismo judicial. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro,
Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 73-85, abr./jun. 2015.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 73-85, abr./jun. 2015 85
Arquitetura racional do processo civil no
Estado constitucional

Arthur Maria Ferreira Neto


Mestre e Doutor em Filosofia (PUCRS). Mestre e Doutorando em Direito (UFRGS). Professor e
Coordenador do Departamento de Propedêutica Jurídica da PUCRS. Advogado.

Palavras-chave: Aristóteles. Processo civil. Estado constitucional. Fundamentos. Meios. Fins. Instituto
jurídico.
Sumário: Introdução – 1 Conceito de fundamento, fim e meio de concretização de um instituto jurídico – 2
Fundamentos do processo civil no Estado constitucional – Epistemologia e ontologia processual – 3 Fins do
processo civil no Estado constitucional – Teleologia processual – 4 Os meios do processo civil no Estado
constitucional – Pragmatismo processual – Conclusão – Referências

Introdução
O Processo Civil contemporâneo não pode ser compreendido de outra forma
que não por meio da especificação das exigências que são impostas pelo conceito de
“Estado Constitucional”. Em verdade, no contexto jurídico atual, há uma implicação
mútua entre os dois conceitos, tendo em vista duas diferentes relações de causalidade
que se estabelecem (a) tanto a partir da ideia do processo civil como um meio de
efetivação dos fins que são próprios do Estado constitucional, (b) quanto a partir
da noção do Estado constitucional como o fundamento último dos fins materiais
que são próprios do processo civil. Isso significa dizer que, em uma perspectiva, o
processo civil age como um simples meio para a concretização da ideia de Estado
constitucional, mas, em outra perspectiva, o processo civil se apresenta a partir dos
seus próprios fins, os quais somente conseguem ser explicados e justificados em
razão daquilo que o Estado constitucional representa.
De um lado, o processo civil, inegavelmente, representa ramo do direito que,
considerado em sentido estrito, assume função instrumental no que se refere à
realização e à proteção de outros fins que sejam relevantes ao direito. Isso se dá
pelo fato de ser inerente ao próprio conceito de “processo” ou de “procedimento”
a ideia de uma ordenação formal de determinadas etapas cuja execução jamais se
justifica como um fim em si mesmo, mas sempre com o propósito de se atingir outro

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 87-125, abr./jun. 2015 87
Arthur Maria Ferreira Neto

resultado final — materialmente distinto do processo em si — desejável por aquele


que submete seus esforços ao respectivo iter procedimental. Assim, em um sentido
genérico, o processo civil é tão somente meio para a realização de outros fins, na
medida em que adquire efetiva relevância em razão dos bens jurídicos que serão por
meio dele tutelados. Dito de outro modo, dentro dessa primeira relação implicativa,
o processo civil é uma das causas eficientes do Estado constitucional, já que se
apresenta como forma de promoção e proteção daqueles fins materiais que devem
ser atendidos e concretizados por um Estado Constitucional, tais como a igualdade,
a liberdade, a justiça, a dignidade humana etc.
Em outro viés, mais profundo e mais complexo, o processo civil deve ser
compreendido, não como um meio para outro fim, mas como, ele próprio, apresentando-
se a partir dos seus fins. Isso significa reconhecer que o processo civil, relacionando-
se com o conceito de Estado constitucional, manifestar-se-á autonomamente, sendo
esclarecido a partir de seus próprios fundamentos, sendo justificado a partir dos seus
próprios fins e sendo concretizado através dos meios que são a ele inerentes.1 Essa
segunda perspectiva é precisamente a que se pretende explorar no presente estudo.
Por essa razão, pretende-se aqui analisar e delinear, em termos ainda
especulativos, os possíveis fundamentos, fins e meios do processo civil que podem
ser derivados da ideia do Estado constitucional, buscando com isso estipular o que
poderia ser definido como sendo a arquitetura racional2 que atribuiria um sentido
unitário e, possivelmente, universal ao ramo processual do direito. Este trabalho,
portanto, pode ser compreendido como um esforço de esclarecimento metaético
acerca dos pré-requisitos racionais que permitem organizar as estruturas básicas que
são constitutivas da própria ideia de processo dentro do direito.

1 Conceito de fundamento, fim e meio de concretização


de um instituto jurídico
Antes de se especificar os fundamentos, fins e meios do processo civil, impõe
detalhar o significado geral desses termos, de modo a melhor esclarecer a forma
de sua aplicação a qualquer instituto jurídico. Cabe, inicialmente, apontar que se
pretende, neste estudo, valer-se do esquema explicativo conhecido como a teoria
das causas, desenvolvida por Aristóteles e seguida por Aquino, com o propósito de
identificarem-se os elementos que seriam constitutivos de um determinado objeto ou
fenômeno, permitindo assim que se definam os traços mais básicos de determinada

1
Para um estudo detalhado de autor que desenvolve essa proposta, vide MITIDIERO, Daniel. Processo civil e
estado constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
2
AUDI, Robert. The Architecture of Reason – The Structure and Substance of Rationality. Estados Unidos da
América: Oxford University Press, 2001.

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Arquitetura racional do processo civil no Estado constitucional

realidade, bem como identificar aquilo que atribui o mínimo de inteligibilidade


à prática jurídica. A utilização da teoria das causas é relevante, pois permite
reconstruir, conceitualmente, uma instância teórica na qual se é capaz de formular,
criticamente, um modelo a ser entendido como sendo o caso central de um instituto
jurídico específico. Isso é possível porque, seguindo a tradição tomista, é necessário
compreender que os conceitos jurídicos — assim como outras realidades humanas
complexas — são definíveis sempre de modo analógico,3 ou seja, jamais possuem
um campo definicional unívoco com um espectro de aplicação e concretização que
seja aprioristicamente determinável pelo intérprete e pelo aplicador do direito. Na
verdade, pensar analogicamente um instituto jurídico pressupõe admitir que exista
um caso central de sua manifestação, o qual ainda se apresenta como dotado de
contornos teóricos, mas que permitirá fixar os critérios ontológicos, epistemológicos,
teleológicos e pragmáticos que permitem analisar e avaliar todos os casos particulares
e contingentes de manifestação desse mesmo instituto jurídico concreto. Assim, se
existem situações particulares que se aproximam do caso central desse conceito, é
porque também existem ocorrências concretas que são versões “aguadas” desse
sentido pleno, i.e., manifestações desviantes ou corrompidas. Essa compreensão
analógica aplicada à estrutura básica das práticas processuais é interessante,
pois viabiliza a construção de uma instância crítica que é capaz de avaliar com que
intensidade um determinado sistema jurídico concretiza as exigências de racionalidade
que fundamentam e dão sentido pleno à atividade processual que deve ser praticada
dentro da matriz de um Estado constitucional, possibilitando, assim, argumentar-se
diante de eventuais casos deficientes, nos quais as propriedades básicas que formam
o caso central desse instituto jurídico não tenham sido concretizadas adequadamente.4
Na esteira da tradição clássica, compreender a natureza de determinado objeto (i.e.,
os elementos básicos que justificam porque determinada coisa é o que é) exige a
compreensão das suas causas, ou seja, o que funda, constitui, condiciona, o que
estrutura a coisa.5 Em um plano teórico, as causas de determinado objeto devem ser
fixadas em um número finito, sob pena de não haver limite para a definição, existindo,
pois, segundo a tradição aristotélico-tomista, quatro causas para a compreensão
mínima de um objeto. Sinteticamente, essas quatro causas explicativas são:
(i) a causa formal que dispõe sobe a estrutura de um objeto, ou seja, sobre
os traços arquitetônicos que compõem determinada coisa. Esta causa
não deve ser compreendida apenas como os elementos que, fisicamente,

3
Sobre a importância da compreensão analógica — e não unívoca — de conceitos no campo da ética e do
Direito, vide a noção de casos centrais e sentidos focais em FINNIS, John. Aquinas, p. 43-47.
4
FINNIS, John. Aquinas, p. 44-45.
5
A palavra grega Aitia é traduzida, simultaneamente, como causa e explicação, o que permite entender como,
nessa linha de raciocínio, explicar o que é um objeto é o mesmo que indicar as suas causas.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 87-125, abr./jun. 2015 89
Arthur Maria Ferreira Neto

estruturam um objeto, mas todos os elementos lógicos ou epistemológicos


que determinam os limites de um conceito.
(ii) a causa material que é indicativa da substância que se encontra agregada
à determinada forma, dispondo sobre o substrato material da coisa. A
causa material não pode ser reduzida à simples dimensão físico-corpórea
de algo, pois as realidades que se manifestam de modo complexo (i.e. que
não são simples nem homogêneas) possuem também causas materiais
complexas, sendo relevante essa consideração quando se aplica a ideia
de causa material ao direito, na medida em que os institutos jurídicos são
sempre dotados de dimensões materiais que são plurais e que não são,
necessariamente, físicas. Além disso, é importante destacar que as causas
formal e material — mesmo que possam ser teoricamente entendidas em
separado — sempre formam, na sua manifestação real, uma unidade, não
sendo, pois, elementos sucedâneos no tempo nem prioritários, logicamente,
um sobre o outro, mas sim concomitantes.
(iii) a causa eficiente, que é o princípio motriz ou a força produtora da coisa, sendo
aquilo que atribui movimento ou dá dinamicidade a determinado objeto.
Essa causa de viés pragmático, portanto, é representada pelos fatores
operacionais e instrumentais que introduzem na realidade determinada
coisa e que permite a avaliação concreta de sua eficiência no que se refere
ao atingimento do fim que o respectivo objeto pretende promover ou realizar
(i.e., a sua causa final).
(iv) a causa final, que é aquilo que ilustra o fim para o qual a coisa é direcionada,
tendo em vista as suas capacidades e as potencialidades que podem ser
promovidas por meio da realização dos propósitos de determinado objeto.
Isso significa dizer que a causa final esclarece o que dá sentido último e
direcionamento racional à coisa.6 A causa final dispõe sobre a razão de
ser do objeto, pressupondo-se que todo objeto real é capaz de, a priori,
ter as suas capacidades básicas (potências) organizadas e aperfeiçoadas
(atualizadas). A causa final, de acordo com a visão aristotélico-tomista,
representaria o princípio explicativo mais relevante, já que as demais
causas somente são capazes de explicar algo em um plano estático ou,
formalmente, dinâmico, sendo necessário compreender-se a causa final
para se visualizar a dimensão plenamente funcional e existencial da coisa.
Além disso, o traço funcional determinado pelo fim de um objeto atribui a
ele um sentido de necessidade (partindo-se do pressuposto que as coisas

MILLER JR., Fred D. Nature, Justice, and Rights in Aristotle’s Politics. Oxford: Clarendon Press, p. 339.
6

90 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 87-125, abr./jun. 2015
Arquitetura racional do processo civil no Estado constitucional

devem realizar o seu fim próprio), o que permite, por sua vez, atribuir a ele
um direcionamento normativo.7
Feitas essas considerações preliminares, cabe definir como as quatro causas
acima explicitadas podem ser úteis no esclarecimento do Fundamento (material e
formal), dos fins e dos meios de um determinado instituto jurídico.

1.1 Fundamento que explica um instituto jurídico


A busca pelo fundamento de uma prática jurídica envolve a busca pela sua causa
explicativa primária, ou seja, aquele conjunto de propriedades ou características que
dão inteligibilidade mínima ao instituto jurídico que agrega tais práticas sob uma única
denominação. Assim, quando dizemos que tal ou qual elemento ilustra — ao menos
parcialmente — o fundamento de contrato,8, propriedade,9 crime,10 ou tributo11 está
se pretendendo resgatar aquelas características mais básicas e fundantes do que,
regularmente, tomamos como sendo aquilo que explica a experiência mais comum
desses mesmos fenômenos jurídicos.
Aliás, será com base no fundamento de um instituto jurídico que se torna
possível, na maior parte das vezes, identificar a natureza jurídica da respectiva
realidade prática, mesmo que ainda delimitada de modo ainda bastante indeterminado
e exigindo especificação contingente e detalhamento positivo.12 Normalmente o
fundamento de um instituto jurídico assume a pretensão de indicar os seus traços
universais (ou, ao menos, mais gerais), os quais ou são aceitos como axiomáticos
ou são tomados como evidente, na medida em que podem atuar como premissas
primeiras (i.e., ponto de partida que não pode exigir demonstrações prévias, sob
pena de regresso ao infinito) de um raciocínio jurídico que pretenda explicar o que
é, por exemplo, contrato, propriedade, crime ou tributo. Isso significa dizer que o
fundamento de um instituto jurídico, conceitualmente falando, não pode ser aceito
como sendo aquilo que se apresenta como contingente, oscilante ou meramente

7
“Aristotle thus clearly thinks that final causes are compatible with natural necessity, in the sense that living
systems have teleological properties and also contain material components which are governed by natural ne-
cessity” (MILLER JR., Fred D. Nature, Justice, and Rights in Aristotle’s Politics. Oxford: Clarendon Press, p. 339).
8
Por exemplo, um instrumento de formalização de vínculo intersubjetivo para se transigir sobre bens e direitos
de titularidade dos partícipes dessa relação.
9
Por exemplo, o reconhecimento da posição de determinado sujeito na plena titularidade de domínio sobre
objeto disponível e lícito.
10
Por exemplo, o reconhecimento de que determinado ato praticado por agente agride ou ameaça determinado
bem ou valor digno de proteção, o que o qualifica como contrário ao direito.
11
Por exemplo, a exigência de quantia pecuniária imposta ao particular por meio de critério isonômico, não puni-
tivo, e destinada a alguma entidade estatal.
12
Em um esforço de extrema simplificação, poder-se-ia dizer que, no contrato, seria a sua natureza relacional,
intersubjetiva e dispositiva de bens e direitos; na propriedade, a sua natureza de apropriação legítima de coi-
sas disponíveis e o seu traço cogente e excludente em relação a terceiros; no crime, a natureza de ilicitude e
de agressão a bens jurídicos; e, no tributo, a sua natureza relacional, pecuniária, não punitiva etc.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 87-125, abr./jun. 2015 91
Arthur Maria Ferreira Neto

opcional (uma escolha particular do legislador, por exemplo). Se assim fosse, ou


seja, se o fundamento de um instituto jurídico pudesse sofrer constante alternância
e oscilação conforme o contexto jurídico ou de acordo com a vontade do legislador
e do aplicador do direito, a experiência jurídica como um todo deveria ser definida
como incontrolável, ingovernável e irracional. É por essa razão que os fundamentos
de um institutos jurídico devem ser compreendidos também como fatores pré-
convencionais, na medida em que representarem aquelas exigências que garantem
a própria racionalidade do sistema jurídico. O fundamento, portanto, não se encontra
à livre disposição dos operadores do direito, principalmente do legislador, o qual
deve observá-los quando da produção do respectivo material legislativo que pretende
especificar os traços contingentes e contextuais do mesmo instituto jurídico.
Exatamente por isso, os elementos fundamentais de um instituto jurídico, mesmo
que sejam normalmente tomados como a descrição de determinadas propriedades
universais, que são pontos de partida para o desenvolvimento de raciocínios jurídicos,
assumem também um traço normativo-diretivo, na medida em devem ser levados em
consideração e assumidos como vinculantes pelo legislador quando dispõe sobre
as leis referentes aos respectivos institutos jurídicos, bem como devem vinculá-los
o aplicador do direito ao dar interpretação aos mesmos dispositivos legais. Por essa
razão, fundamento de um instituto jurídico pode ser compreendido como sendo o seu
princípio operador fundamental, o qual exerce não só uma função controladora das
atividades de argumentação e interpretação no direito, mas uma função ordenadora e
coordenadora da produção do material legislativo que pretende regular as respectivas
práticas jurídicas.
Seguindo a estrutura teórica das quatro causas antes delineada, podemos
entender que o fundamento de um instituto jurídico, na medida em que fixa os seus
pressupostos lógicos/epistemológicos e ontológicos, pode ser equiparado à ideia de
causa formal e causa material. Por isso, em regra, pode-se falar no fundamento formal
(i.e., os seus pressupostos cognitivos) e no material (i.e., os seus pressupostos
existenciais) de um instituto jurídico.

1.2 O fim que justifica um instituto jurídico


O fim de um instituto jurídico representa aquilo que justifica funcionalmente a
sua necessidade ou existência. Dito de outro modo, ele ilustra aquilo que delimita os
objetivos que devem ou podem ser atingidos, protegidos, promovidos ou evitados por
meio de um determinado conjunto de práticas jurídicas. O fim, portanto, não responde
propriamente o que é o instituto jurídico, mas responde à pergunta “Para que [ele]
serve?”. Representa, em síntese, o que no tópico anterior foi definido como sendo a
causa final de determinado ente ou objeto.
O questionamento acerca do fim não exige apenas uma atitude explicativa
acerca de uma determinada prática jurídica (i.e., dizer como devemos compreender

92 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 87-125, abr./jun. 2015
Arquitetura racional do processo civil no Estado constitucional

contrato, propriedade, crime ou tributo), na medida em que não envolve a identificação


teórica nem a descrição abstrata de certas propriedades ou características que um
objeto do direito deve — universal ou genericamente — assumir. Na verdade, o
esforço para o apontamento dos fins de um instituto jurídico já pressupõe, em si, uma
atitude de valoração de determinados objetivos que são dignos de ser perseguidos,
motivo pelo qual a compreensão dos fins exige certa experiência jurídica (ou seja, a
vivência de variadas e diferentes realidades práticas contingentes) e um maior grau
de capacidade argumentativa, pois a especificação desses elementos finalísticos
envolverá a atividade de justificação de que tais objetivos devem ser perseguidos
e devem estar atrelados a determinado instituto jurídico. Assim, diferentemente do
que se mostra necessário para a compreensão de um fundamento, em que se exige
prioritariamente a execução de raciocínios teóricos e demonstrativos, a adequada
compreensão dos fins de determinada prática pressupõe o desenvolvimento, por
parte do operador do direito, de raciocínios deliberativos e prudenciais, os quais
exigirão certa maturidade e conhecimento prático para avaliar quais fins devem ser
concretizados em determinado contexto jurídico e para ponderar os meios disponíveis
para a sua efetivação.
É, por isso, que o estudo das finalidades permite que se atribua a um instituto
jurídico certa inteligibilidade axiológica, de modo a se fixar os limites funcionais que
este deverá observar. E isso ocorre pelo fato evidente de que não se pode pretender
alcançar qualquer objetivo por meio de qualquer prática jurídica. Muito pelo contrário,
já que cada conjunto de práticas sociais reguladas pelo direito somente permitirá que
os indivíduos se utilizem legitimamente dos respectivos instrumentos jurídicos com
a intenção de promover uma gama limitada de objetivos juridicamente reconhecidos.
Aliás, essa limitação funcional — determinada a partir dos fins de um instituto jurídico
— é o que garante o mínimo de previsibilidade no que se refere aos efeitos que
podem ser esperados de uma determinada prática jurídica.
Além disso, tal limitador teleológico acaba se prestando também à especificação
e à restrição no uso dos meios que devem ser assumidos como legítimos e/ou
razoáveis. Isso porque os meios disponíveis ao operador do direito (seja o legislador,
o juiz ou o intérprete) somente poderão ser justificados como necessários, adequados
e proporcionais tendo em vista os fins que sejam, previamente, considerados dignos
de promoção. Não é por outro motivo que, dentro da matriz teórica aqui desenvolvida,
os meios são sempre considerados secundários, derivados e dependentes dos fins.
Por outro lado, isso significa dizer que os fins possuem uma prioridade na ordem da
fundamentação de determinado instituto jurídico, mesmo que eles sejam, muitas
vezes, o último elemento da cadeia de conhecimento que o operador do direito
acessa no transcurso da sua formação prático-profissional. Dito de modo mais
simples, os fins são mais complexos e mais difíceis de se compreender, e, por isso,

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 87-125, abr./jun. 2015 93
Arthur Maria Ferreira Neto

quase sempre passíveis de rejeição, divergência e de contestação.13 De outro lado,


os meios são conhecidos com maior facilidade — muitas vezes por meio do seu
acesso meramente sensorial — e podem ser entendidos, na maior parte das vezes,
pela simples leitura do material legislativo ou jurisdicional, nos quais o legislador ou
o aplicador do direito explicita os instrumentos eficientes que entende corretos para
a concretização de determinado fim.
Esta última constatação, no sentido de que as práticas jurídicas podem (e
devem) ser compreendidas a partir de um conjunto de finalidades objetivas que atribui
a elas sentido axiológico e que limita as opções funcionais e aplicativas que um
instrumento jurídico pode assumir, causa certa perplexidade e estranhamento para
alguns, principalmente entre os operadores do direito que seguem as matrizes teóricas
contemporâneas que hoje são as mais influentes (i.e., as posturas construtivistas,
convencionalistas e hermenêuticas), as quais veem com certa dificuldade a ideia de
que os institutos jurídicos possam ser definidos como algo que não se encontra à
absoluta disposição dos praticantes do direito e que tocam em realidades (mesmo que
imateriais) que não se moldam livremente ao arbítrio do legislador ou do intérprete.
Isso ocorre porque o senso comum jurídico, no mundo contemporâneo, nos transmite a
firme mensagem — de viés ético sabidamente relativista — de que os fins são sempre
escolhidos e institucionalmente convencionados, de modo que nos cabe apenas
discutir questões de eficiência e praticabilidade dos meios que podem ser empenhados
na concretização daqueles objetivos que escolhemos atribuir a nós mesmos.14

1.3 O meio que realiza um instituto jurídico


Nenhuma atividade prática pode manifestar verdadeiro sentido e relevância se
aqueles que participam dessa atividade não tiverem clareza quanto aos seus modos
de concretização e efetivação. Exatamente por isso, todo e qualquer instituto jurídico
somente estará sendo definido de modo satisfatório quando forem identificados e
especificados os mecanismos e os instrumentos que devem ser utilizados com o
intuito de promover o conjunto de fins que direciona e ordena a respectiva prática
jurídica. No contexto aqui proposto, o conjunto de meios de um instituto jurídico pode
ser, em parte, compreendido como sendo a sua causa eficiente. Por essa razão,
o estudo dos meios exige o desenvolvimento, por parte do operador do direito, de
raciocínios eminentemente técnico-instrumentais, o que pressupõe a capacidade

13
Por essa razão, não se avança neste trabalho na especificação dos fins dos quatro institutos jurídicos que
foram antes invocados (contrato, propriedade, crime e tributo) como mero reforço ilustrativo do argumento
pretendido. Sabe-se que qualquer tentativa de se justificar os possíveis fins desses institutos jurídicos, princi-
palmente no espaço limitado deste trabalho, será prontamente alvo de crítica e de divergência.
14
Sobre a perda contemporânea do nosso sentido teleológico, impõe-se a leitura de REALI, Giovanni. Saber dos
antigos – Terapia para os tempos atuais. São Paulo: Edições Loyola, 1999.

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Arquitetura racional do processo civil no Estado constitucional

de análises de eficiência na produção de resultados. Isso, por sua vez, irá exigir a
habilidade de promoção de juízos de mensuração e de quantificação, bem como de
avaliação probabilística acerca da chance de acerto no atingimento de resultados
desejados, na medida em que a identificação do meio a ser utilizado em determinado
contexto (ou em determinado sistema jurídico) impõe que se verifique a intensidade e
a probabilidade com que o fim poderá ser atingido por meio do uso deste ou daquele
conjunto de mecanismos.
Tais características fazem com que os meios assumam traços menos estáveis e
menos gerais do que o fundamento e os fins que se atribuem a um instituto jurídico, razão
pela qual estes últimos permitem um maior esforço de abstração e universalização.
Já a definição dos meios que devem ser empenhados para a concretização de fins
inerentes a uma prática jurídica somente se mostra pertinente a partir do momento
em que se levam em consideração os elementos variáveis e oscilantes da realidade
concreta sobre a qual esses irão incidir. O controle, portanto, da legitimidade dos
meios exigirá verificação empírica dos resultados que podem ser produzidos por força
do seu uso e permitirá uma análise contextual das particularidades relevantes do
sistema jurídico em que deverão ser aplicados.
Por essa razão, os meios — diferentemente do fundamento e do fim de um
instituto jurídico — envolvem matéria que melhor se afeiçoa a escolhas políticas
contingentes. Por isso, os meios se revestem de traços predominantemente
convencionais, ou seja, fundam-se na manifestação volitiva daqueles operadores do
direito com competência para dispor sobre os instrumentos jurídicos que devem ser
utilizados para a promoção de determinado fim.15 Aliás, seria, sem dúvida, um tanto
contraintuitivo e implausível pensar-se em um determinado conjunto de mecanismos
que pudessem ser justificados como tendo a mesma aplicabilidade em todos os
contextos jurídicos imagináveis.
Tais características permitem vislumbrar os meios de realização de um instituto
jurídico como sendo objetos de mais fácil consensualização e aceitação pelos
operadores do direito, até porque a demonstração e a justificação da eficiência de um
instrumento podem ser, na maior parte dos casos, comprovadas empiricamente com
relativa segurança. Por outro lado, não se pode negar que o ceticismo e o relativismo
acerca da possível objetividade de fins no direito acabam, por derivação, refletindo-se
muitas vezes também em uma certa desconfiança e constante instabilidade sobre
o acerto nos meios que devem ser utilizados em determinado contexto jurídico. Isso
porque, novamente, se não definimos com antecedência e com alguma precisão

Por exemplo, exigir testemunhas para a validação de um determinado contrato, ou o registro em cartório de pro-
15

priedade imobiliária ou a fixação de pena de reclusão quando do cometimento de determinado tipo criminal ou
cobrança de tributos à alíquota de 10% representam meios eleitos pelo legislador para a efetivação dos respec-
tivos institutos jurídicos, os quais manifestam traços contingentes referentes às respectivas práticas jurídicas.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 87-125, abr./jun. 2015 95
Arthur Maria Ferreira Neto

os fins que devem direcionar a estruturação e ordenação de uma prática jurídica,


a mesma instabilidade e inconstância irá afetar a discussão acerca dos seus
respectivos meios de execução.
Com base no exposto, mostra-se plausível sintetizar as ideias desenvolvidas
até aqui por meio do seguinte quadro comparativo

Fundamento Fim Meio


Conceito Causa explicativa primá­ Objetivo que determina Mecanismos a serem
ria, que dá inteligibi­ axiologicamente o executados concre­
lidade ao instituto instituto jurídico tamente com o intuito
jurídico de promover o fim
Características * Pressuposto primário * Pretensão de * Variável e contin­
e básico objetividade gente
* Premissa evidente * Determinação fun­ * Elementos comen­
* Conteúdo parcialmente cional e por extensão suráveis
indeterminado * Prioritário na ordem * Análise métrica e
* Pretensão de uni­ de fundamentação e probabilística
ver­salidade ou gene­ último elemento na
ralidade ordem de conhecimento
Tipo de racio­ Especulativo-teórico Prático-prudencial Técnico-produtivo
cínio
Causa Formal e Material Final Eficiente

2 Fundamentos do processo civil no Estado constitucional


– Epistemologia e ontologia processual
Com base nas ideias traçadas na primeira parte deste trabalho, cabe especificar
o que poderia ser definido como o fundamento, os fins e os meios para a organização
teórica do processo civil. Este esforço especulativo tem a pretensão de apenas
fixar bases racionais que, supostamente, indicariam os elementos necessários e
gerais (portanto, ainda dotados de certa indeterminação material) que deveriam ser
pensados por aquele que pretende estruturar ou organizar o ramo do processo civil,
principalmente quando se considera tal disciplina como uma forma de se efetivar o
Estado constitucional que impõe a concretização mínima de direitos fundamentais
inerentes aos seres humanos.16

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: um teoria geral dos direitos fundamentais na
16

perspectiva constitucional. 11. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.

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Arquitetura racional do processo civil no Estado constitucional

Dito isso, cabe um primeiro alerta, qual seja: não se está aqui desenvolvendo
qualquer teoria de processo civil. Em verdade, pretende-se tão somente apresentar-
se aqui a matriz ou a moldura dentro da qual diferentes teorias processuais podem
ser expostas, discutidas e, inclusive, avaliadas em seu mérito. Agimos aqui, portanto,
apenas como o assistente do pintor que posiciona a tela, organiza os pincéis e separa
as variadas tintas para a execução do ofício daquele que irá realizar a obra de arte.
Vejamos, portanto, de modo sintético, quais poderiam ser considerados os
fundamentos formais e materiais do processo civil.

2.1 Fundamento epistemológico – Pretensão de veracidade


(teoria da verdade)
Primeiramente, impõe-se ressaltar que toda e qualquer consideração teórica
sobre o Processo Civil (i.e., sobre sua forma de organização e de operação) irá
pressupor que os participantes dessa atividade jurídica executem suas funções ou
almejando alguma pretensão de veracidade acerca da matéria disputada no litígio
ou, ao menos, não obstaculizando que a identificação de considerações verdadeiras
relevantes ao caso sejam produzidas nos autos. Mesmo que cada parte busque,
dentro do processo, fazer prevalecer o seu ponto de vista parcial com o propósito
de obter êxito no que se refere à concretização do seu interesse e de sua pretensão
jurídica, não se pode perder de vista que o processo judicial é estruturado com vistas
à produção de resultados que se aproximem, o máximo possível, do que pode ser
compreendido como a verdade prática acerca das questões litigiosas. A pretensão
de veracidade, portanto, representa o critério norteador de toda a estruturação
teórica do processo civil, indicando, com isso, o seu fundamento epistemológico ou
formal. Aliás, todos os direitos fundamentais inerentes ao processo civil (e.g., ampla
defesa, contraditório, devido processo legal etc.),17 assim como os instrumentos
processuais que visam a garantir a imparcialidade do juiz, são ordenados de modo a
facilitar a produção de juízos verdadeiros sobre a matéria jurídica relevante ao caso
ou, ao menos, almejam ampliar as chances de que proposições verdadeiras sejam
certificadas por meio das decisões judiciais.
Por óbvio, não se quer dizer, com a presente afirmação, que todo e qualquer
operador do direito, quando agindo em defesa dos interesses do jurisdicionado que
este representa nos autos, deverá espontaneamente anunciar e revelar todas as
proposições verdadeiras que sejam de seu conhecimento e que sejam pertinentes
ao caso concreto, mesmo que venham essas a prejudicar o seu representado.

MITIDIERO, Daniel. Elementos para uma teoria contemporânea do processo civil brasileiro. Porto Alegre:
17

Livraria do Advogado, 2005. p. 45/143.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 87-125, abr./jun. 2015 97
Arthur Maria Ferreira Neto

Tal postura seria exagerada, impraticável e acabaria por contradizer os próprios


fundamentos ontológicos e teleológicos do Processo Civil, na medida em que esse
suposto dever absoluto de anunciar a verdade, mesmo quando prejudicial aos
interesses de determinado litigante, poderia acabar inviabilizando o próprio exercício
do direito de defesa das partes, as quais não poderiam, logicamente, ser obrigadas
a anunciar argumentos verdadeiros que somente terão relevância à parte adversa.
Por isso, coíbe-se e penaliza-se a produção de enunciados falsos apresentados no
processo18, mesmo que não se possa punir aquele que deixa de anunciar todas as
proposições verdadeiras sobre as quais tenha conhecimento. O critério epistêmico
do processo civil ambiciona a verdade, proíbe a mentira, mas não impõe a todos o
dever categórico de apresentar, de modo irrestrito, todas as proposições verdadeiras
conhecidas pelas partes, até porque tal ônus seria impossível de se imputar,
concretamente, a todos os indivíduos, os quais muitas vezes manifestam dúvida
e ignorância sobre inúmeros aspectos tratados no processo, mesmo em relação
àqueles que podem lhe ser favoráveis.
Mesmo aqueles que possam vislumbrar o processo civil como simples
instrumento de persuasão, o qual poderia ser utilizado para a efetivação de todo e
qualquer interesse particular, ou ainda aqueles que definem a realidade processual
como simples artifício jurídico que pode ser exercitado, estrategicamente, como jogo
de poder, com o propósito de obstaculizar ou dificultar a realização da justiça particular,
assumem, mesmo que de modo inconsciente ou implícito, uma forma (negativa ou
subversiva) de teoria da verdade. Nesses casos, por óbvio, a teoria processual que se
desenvolverá — sabidamente marcada por uma atitude cínica em relação à verdade e
cética acerca da objetividade do direito — poderá ser compreendida como o caso de
estruturação corrompida ou deficiente da disciplina processual, uma vez que ninguém,
abertamente e com sinceridade, poderá aceitar participar de procedimentos que não
assumam pretensões de objetividade, imparcialidade e inteligibilidade comum entre
aqueles que são copartícipes. Não há dúvida de que o processo civil pensado a
partir da perspectiva da sua subjetividade e da manifestação apenas volitiva daqueles
que operam os instrumentos processuais podem trazer vantagens esporádicas para
aqueles que conseguem, contingentemente, ocupar posição privilegiada dentro do
processo, permitindo que esses manipulem instrumentos processuais com o intuito
de fazer prevalecer interesses que, de outro modo, não receberiam reconhecimento
objetivo, imparcial e universal pelo direito. Mesmo que um indivíduo possa,
temporária ou casuisticamente, se beneficiar de uma estrutura processual não
pautada em qualquer concepção de verdade e que possa lhe servir como mecanismo

Essa, aliás, a racionalidade por trás da condenação por litigância de má-fé prevista no artigo 17 do Código de
18

Processo Civil.

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Arquitetura racional do processo civil no Estado constitucional

de efetivação de seus interesses arbitrários ou de protelação das consequências


negativas que esse deveria arcar, não teria ele nenhuma garantia de que, em outro
momento, essa mesma ordenação processual arbitrária e sem qualquer ambição de
veracidade não lhe pudesse causar enorme prejuízo e insegurança em casos futuros.
Dito de modo mais amplo, mesmo o mentiroso contumaz age presumindo que a
maioria dos seus interlocutores estará, na maior parte das vezes, manifestando-se
de modo verdadeiro.19
Por essa razão, a pretensão de verdade que deve nortear a estruturação do
processo civil acaba lhe atribuindo — mesmo que de modo geral e abstrato —
traços de objetividade e de inteligibilidade. E, conforme sustentado na primeira parte
deste trabalho, a inteligibilidade de um instituto jurídico é fator sempre relevante, na
medida em que a presença de tal elemento esclarecedor de uma realidade facilita a
comunicação entre os agentes e se presta a minimamente preservar determinadas
expectativas no que se refere ao uso das expressões e as consequências que essas
devem provocar aos demais partícipes desse contexto de ação. É por isso que,
segundo Macintyre,20 agir de modo inteligível não seria apenas uma escolha, dentre
outras possíveis escolhas legítimas que estariam à disposição do agente, mas uma
exigência racional inerente ao próprio discurso humano, a qual se impõe a todo e
qualquer indivíduo que pretende conviver de modo, minimamente harmônico, em
sociedade. Isso porque a inteligibilidade de uma ação permite que (i) os outros
que participam da mesma esfera social de interação saibam como reagir diante
de tal conduta21 e (ii) o próprio agente possa, razoavelmente, evitar ou promover
determinadas consequências indesejadas por parte de outros, na medida em que
estará esclarecendo, antecipadamente, aos demais o propósito daquele agir (aliás,
é por isso que, dentro do esquema explicativo aqui adotado, o fundamento e o fim
de um instituto jurídico estão reciprocamente implicados). De outro lado, o agir de
modo ininteligível contém um defeito comunicativo, pois representa sempre conduta
que confunde a si mesmo e aos os demais agentes. Assim, a inteligibilidade pode
ser compreendida como uma propriedade da ação, a qual muitas vezes transcende
a mera coleção de informações relacionadas à respectiva conduta, mas apontam
para uma intencionalidade de enunciar ou produzir conteúdo verdadeiro e compatível
com a realidade.

19
WILLIAMS, Bernard. Morality. Estados Unidos da América: Cambridge University Press, 1993.
20
MACINTYRE, Alasdair. The Tasks of Philosophy – Selected Essays. Reino Unido: Cambridge University Press,
2006. p. 31. v. I.
21
Por exemplo, se entro em um Banco e grito “isto é um assalto” devo esperar reações negativas e de temor
por parte daqueles que estão interagindo nesse ambiente. Se, no processo judicial, peticiono renunciando
de modo irretratável ao direito em que se funda a ação, devo esperar que não mais obterei o acolhimento da
minha pretensão original.

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Arthur Maria Ferreira Neto

Se as afirmações anteriores estiverem corretas, no sentido de que o fundamento


epistemológico ou formal do processo civil é a sua pretensão de veracidade, a
qual deve ser pressuposta na organização dessa disciplina jurídica, bem como na
justificação dos fins que almeja e na escolha dos seus mecanismos de efetivação,
toda teoria processual deverá adotar uma determinada concepção de verdade. Cabe,
portanto, neste estudo, expor de modo sucinto as três concepções de verdade que,
em regra, são consideradas propostas viáveis tanto na filosofia, quanto na filosofia do
direito. No entanto, considerando-se o espaço limitado deste estudo, não se pretende
aqui desenvolver a defesa de uma ou outra postura, mas apenas apresentar as
alternativas disponíveis. Com efeito, tradicionalmente, as três versões rivais acerca
do conceito de verdade são: (a) verdade enquanto correspondência ou adequação, (b)
verdade enquanto coerência e (c) verdade enquanto consenso.22 Vejamos a definição
de cada proposta.
A verdade como adequação encontra seu desenvolvimento original na filosofia
clássica, mais especificamente na tradição de Aristóteles e Tomás de Aquino.23 De
acordo com essa perspectiva, a função própria do intelecto é o desvelar uma dimensão
da realidade, a qual pode ser conhecida por meio do exercício das faculdades racionais
do ser humano. A verdade, portanto, se explica como sendo o vínculo relacional que
se estabelece entre o intelecto de um sujeito cognoscente e a coisa a ser conhecida.
Por isso, a esse relacionamento que se pode estabelecer entre o intelecto humano
e um ente (objeto) posto na realidade se atribui o nome de verdade (alétheia).24 De
acordo com essa tradição, portanto, a “verdade é uma adequação do intelecto e da
coisa” (veritas est adequatio intellectus et rei).25
Essa concepção de verdade parte de uma compreensão primária acerca da
ontologia do mundo, qual seja, a de que o mundo é dotado de uma determinada
composição objetiva (essências), relativamente ordenada, que se apresenta com
antecedência aos indivíduos. A objetividade de que é dotada a realidade impõe uma
prioridade do objeto em relação ao sujeito, de modo que a dimensão veritativa de
determinada coisa sendo conhecida ou de determinada proposição a ela referente
é definida de modo relativamente independente às perspectivas subjetivas que os
indivíduos invariavelmente assumem. Dito de outro modo, mesmo que o sujeito
cognoscente seja, por certo, um elemento indispensável à captação da verdade, não

22
TUGENDHAT, Ernst; WOLF Úrsula. Propedêutica lógico-semântica: Rio de Janeiro: Vozes, 2005.
23
Contemporaneamente, tal concepção recebeu uma releitura pelo lógico e matemático polonês Alfred Tarski,
segundo o qual, formalizando o raciocínio adotado pela tradição aristotélica, reconhece que “a verdade de uma
oração consiste em seu acordo (ou correspondência) com a realidade”. Tal concepção é por ele ilustrada pela
conhecida proposição: “A afirmação ‘a neve é branca’ é verdadeira se e somente se a neve for branca” (Logic,
Semantics, Meta-Mathematics. Estados Unidos da América: Hackett Publishing Company, 1983).
24
ARISTÓTELES; BARNES, Jonathan (Editor). Nicomachaen Ethics. In: The Complete Works of Aristotle. Estados
Unidos da América: Princeton University Press, 1995. vols. 1 and 2.
25
AQUINO, Tomás de. Verdade e conhecimento. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

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é a consciência individual desse sujeito pensante que é responsável por uma fixação
autônoma de um critério de construção da “verdade”. Assim, de acordo com essa
tradição, a objetividade que se agrega ao conceito de verdade jamais poderá ser
compreendida como tendo sido propriamente constituída pelo sujeito. A perspectiva
do indivíduo é necessariamente compreendida como uma apreensão parcial e
limitada da realidade, razão pela qual não pode, coerentemente, exercer uma força
criativa plena daquilo que se reconhece como verdadeiro (coisa ou proposição), já que
“verdade” é conceitualmente definida como a instância final e plena para se atestar
a objetividade de algo como algo. Com efeito, o conceito de verdade pressupõe
que existem essências no mundo, as quais não estão à livre disposição do arbítrio
humano, razão pela qual exigem, para serem efetivamente compreendidas, que haja
uma atividade de compatibilização com o intelecto de determinado ser humano que
possui, em potência, a capacidade de apreendê-las.
Por óbvio, nem a realidade nem o seu conhecimento verdadeiro representam
elementos que estão prontos e acabados à livre disposição de todo e qualquer
indivíduo que deseja acessar e produzir proposições verdadeiras. Toda e qualquer
pretensão de veracidade pressupõe que o indivíduo cognoscente — que deseja
adquirir conhecimento verdadeiro sobre determinado objeto — tenha desenvolvido
determinadas capacidades intelectuais e práticas que o permitam promover juízos
e raciocínios verdadeiros sobre algo que não está completamente ao seu dispor.
Certamente, a verdade como adequação não propõe que haverá sempre garantia de
acesso ao conhecimento verdadeiro nem pretende justificar como verdadeira qualquer
apreensão da realidade que seja promovida pelo indivíduo. Muito pelo contrário, já
que, de acordo com essa concepção, as chances de erro no conhecimento verdadeiro
são uma possibilidade constante e recorrente, até porque as falhas cognitivas podem
ser atribuídas tanto ao intelecto do ser humano (e.g., ignorância, insuficiência de
informação ou deficiências na formação de capacidades intelectuais específicas
podem prejudicar o conhecimento verdadeiro) quanto ao contexto no qual a realidade
se apresenta (e.g., dificuldades empíricas ou destruição de evidência podem
inviabilizar o acesso verdadeiro à realidade). Esta concepção ainda permite promover
a importante diferenciação entre o acessar algo como verdadeiro e o justificar a
proposição verdadeira a si mesmo e aos demais, distinção conceitual essa que
permanece obscurecida nas duas outras concepções.26

Os conceitos de verdade e de justificação não podem ser idênticos nem podem ser sobrepostos. Isso porque
26

é possível haver veracidade de uma proposição mesmo quando não se tenha a sua justificabilidade racional.
Aliás, somente surge necessidade de justificação racional quando há disputa entre versões distintas acerca
da verdade pertinente àquele debate. A própria atividade de justificar algo somente adquire sentido relevante
quando se almeja comunicar a outros alguma proposição que tenha a pretensão de ser verdadeira. De outro
lado, em tese, acidentalmente e de modo contingente, é possível justificar a outrem uma proposição que, pos-
teriormente, se mostre como falsa (MACINTYRE, Alasdair. The Tasks of Philosophy – Selected Essays. Reino
Unido: Cambridge University Press, 2006, p. 58. v. I).

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Arthur Maria Ferreira Neto

Em segundo lugar, a concepção de verdade como coerência pressupõe que


apresentar uma proposição verdadeira exige do sujeito um raciocínio que demonstre
integral coerência ou concordância do conhecimento — não com a realidade — com o
próprio pensamento. De acordo com essa concepção, a verdade equivale à coerência
interna de uma proposição intelectual com a totalidade das demais asserções
intelectuais que já se encontram bem fundadas na mente de um sujeito racional. Isso
significa dizer que processo de busca pela verdade exige o afastamento de todas as
contradições internas que uma proposição poderia manifestar se contrastada com a
forma e com o conteúdo das demais proposições teóricas que integram o sistema
de pensamento a que se encontra submetido o sujeito cognoscente. Temos, pois, de
acordo com essa tradição, a verdade equiparada ao pensamento que se dobra sobre
si mesmo, de modo integralmente coerente. Neste contexto, portanto, a concordância
do pensamento consigo mesmo não pode ser equiparada com a mera coerência
recíproca entre algumas proposições que o indivíduo possa apresentar como certas
e evidentes, mas deve ser entendida como a unidade que se estabelece entre o
pensamento de um sujeito com aquilo que deveria ser idealmente imaginado como
sendo o pensamento objetivo total.27
A noção de objetividade que essa concepção de verdade fornece considera
como conhecimento objetivo aquilo que o pensamento é capaz de produzir sem
que manifeste qualquer incoerência ou contradição. Essa visão de objetividade,
porém, acaba reduzindo a pretensão de veracidade a um simples mecanismo de
certificação da proposições que poderiam ser universalmente válidas, sem que se
caísse em contradição, ou seja, seriam verdadeiras as proposições que poderiam
ser racionalmente aceitas como coerentes por todos os seres humanos. Tais
procedimentos de universalização que permitissem justificar a plena coerência
de uma proposição pensada diante de todas as demais proposições pensáveis
permitiria a fixação de um método ou um procedimento específico que supostamente
possibilitaria a certificação de enunciados como verdadeiros.28 Dito de modo mais
simples, a ordenação de um processo — mesmo ideal — que fosse capaz de afastar
ou ao menos reduzir incoerências e contradições deveria ser tomado por nós como
sendo o mecanismo indispensável à constituição de proposições verdadeiras, as

27
Por isso, para Hegel “A verdade é o todo” (Fenomenologia do espírito, p. 21 Apud TUGENDHAT, Ernst; WOLF.
Úrsula. Propedêutica lógico-semântica: Rio de Janeiro: Vozes, 2005. p. 188).
28
Para uma versão mais contemporânea desta visão, vide DAVIDSON, Donald. Uma teoria coerencial da verdade e
do conhecimento. In: CARRILHO. Manuel Maria. Epistemologia: posições e críticas. Portugal: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1991. “Uma forma talvez melhor de pôr a situação é dizer que há uma presunção a favor da verdade
de uma crença que coere com uma massa significativa de crenças. [...] Assim, ... se o conhecimento é uma cren-
ça verdadeira justificada, então pareceria que todas as crenças verdadeiras de um crente consistente constitui-
riam conhecimento. [...] Todas as crenças são assim justificadas neste sentido: são suportadas por numerosas
outras crenças (de outro modo não seriam as crenças que são), e têm uma presunção a favor da sua verdade. A
presunção aumenta quanto mais significativo for o corpo de crenças com a qual a crença coere. ... Do ponto de
vista do interprete, a metodologia reforça uma presunção geral de verdade..” (Op. cit., p. 332/359).

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quais não teriam qualquer independência nem anterioridade em relação ao intelecto


humano, mas seriam por meio dele produzidas. Teríamos aqui uma concepção
imanentista e construtivista da verdade, a qual “nasce e se desenvolve com o sujeito,
enquanto conhecimento em ato”.29
Cabe, por fim, analisar a concepção de verdade como consenso, a qual segue
forte influência das tradições filosóficas hermenêuticas, típicas da pós-modernidade.
Segundo essa concepção, a verdade é o resultado de um acordo sobre uma proposição
conflitiva referente à realidade, sendo que o acerto consensual que se estabelece
acerca de determinado enunciado que deverá ser tomado como verdadeiro será
aquele firmado, não necessariamente, entre seres humanos concretos, mas entre
sujeitos comunicativos que firmam vínculos intersubjetivos em um ambiente ideal de
discurso. Tal concepção é com muita frequência atribuída a Habermas,30 o qual, em
escritos mais antigos, sintetiza tal postura nos seguintes termos:

Llamamos “verdadero” a um enunciado que podría justificarse bajo


condiciones epistémicas ideales (Putnman), o que em uma situación
ideal de habla (Habermas) — o em una comunidad ideal de comunicación
(Apel) — encontraría um acuerdo alcanzado por medios argumentativos.
Verdadero es aquello que puede ser racionalmente aceptado bajo
condiciones ideales. [...] Quien entra em uma discussión com la
intención seria de convencerse de algo em diálogo con otros tiene que
suponer, en términos realizativos, que los participantes decidirán su “si”
o su “no” únicamente mediante la fuerza del mejor argumento. Pero con
ello suponen, normalmente de forma contrafáctica, una situación de
diálogo que satisface condiciones poco probables: apertura al público
e inclusión, participación igualitária, imunización frente a coacciones
externas o internas, así como orientación al entendimiento de todos
los participantes (es decir, expresiones sinceras). En estas ineludibles
presuposiciones de la argumentación se expressa la intuición de que
los enunciados verdaderos son resistentes frente a los intentos de
impugnación, sin ningún tipo de limitación espacial, social o temporal.
Aquello que tenemos por verdadero tiene que poder defenderse com
razones convincentes no sólo em otro contexto, sino em todos los

29
SPROVIERO, Mário Bruno. Verdade e a evidência — Estudo introdutório. In: Verdade e conhecimento. São
Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 88.
30
HABERMAS, Jürgen. Verdad y justificación. Espanha: Trotta, 2002. p. 246/249. Imperativo, porém, ressaltar
que, em seus escritos mais recentes, Habermas tem reconhecido exageros e equívocos de sua postura pas-
sada, afirmando a necessidade de se render, ao menos em parte, à concepção clássica de verdade enquanto
correspondência: “[A] verdade que alegamos para uma proposição aqui e agora, no nosso contexto e na
nossa linguagem, deve transcender qualquer contexto dado de justificação. Segundo uma forte intuição que
nós temos, a verdade é uma propriedade que as proposições não podem perder — uma vez que uma propo-
sição é verdadeira, ela é verdadeira para sempre e para qualquer público, não só para nós. Por outro lado,
as asserções bem justificadas podem se revelar falsas, nós associamnos à verdade de uma proposição uma
alegação que aponta para além de todos os dados justificativos disponíveis. [...] Até a pouco tempo, eu procu-
rava explicar a verdade em função de uma justificabilidade ideal. De lá para cá, percebi que essa assimilação
não pode dar certo. Reformulei o antigo conceito discursivo de verdade, que não é errado, mas é pelo menos
incompleto” (A ética da discussão e a questão da verdade. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 59/60)

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contextos posibles, es decir en todo momento y frente a cualquier. Ahí


es donde se inspira la teoría discursiva de la verdad: um enunciado es
verdadero si, bajo las exigentes condiciones de un discurso racional,
puede resistir todos los intentos de refutación. (grifou-se)

O ponto de destaque dessa tradição é a adoção de uma perspectiva


intersubjetiva, em que se dá atenção primordial ao modo como os seres humanos
compreendem e articulam linguisticamente seus enunciados em um ambiente plural
e como comunicam perante aos demais os seus argumentos (e recebem contra-
argumentos) nas situações de proposições conflitivas com o intuito de produzir
convencimento. Assim, tal enfoque intersubjetivo e comunicativo da verdade exige
que se organize, para a obtenção de um critério seguro de aferição da veracidade,
um processo discursivo ideal no qual se fixam previamente as condições epistêmicas
que produzirão, ao final, um acordo vinculante a todos. O empreendimento da verdade
consensual, portanto, exige a fixação e a observância de algum tipo de procedimento
que garantiria a certificação final de consenso acerca de proposições divergentes, o
qual, em última instância, deverá ser compreendido e aceito por todos os parceiros do
discurso como se verdade fosse. A verdade consensual pressupõe, pois, condições
idealizadas para que seja promovido o debate entre seres linguísticos.31
De acordo com essa concepção, o consenso que se forma por meio de tal
projeção idealizada de um debate entre parceiros de comunicação é o mais próximo
que poderemos, pragmaticamente, chegar da verdade. Isso porque, atualmente, já
não se poderia admitir que existam essências objetivas no mundo, além de estarmos
obrigados a aceitar que a realidade de hoje é composta por uma extensa pluralidade
de valores, muitos deles absolutamente incoerentes e contraditórios entre si, de
modo que qualquer concepção realista ou coerentista de verdade seria simplesmente
impraticável. Assim, de acordo com essa concepção, a única alternativa aceitável
seria a de vislumbrarmos os partícipes do jogo discursivo plural que hoje formaria
a nossa realidade como sendo aqueles responsáveis pelo estabelecimento de
consensos parciais que exerceriam uma força constitutiva — em maior ou menor
grau — sobre aquilo que deveriam aceitar como verdadeiro.
Conforme antes sustentado, entendemos que qualquer teoria acerca do processo
civil irá invariavelmente se pautar em uma dessas concepções de verdade. Aliás,

Sinteticamente, Habermas afirma ser necessária a presença das seguintes características para que seja de-
31

senvolvida a atividade discursiva que produzirá o consenso equiparável com a verdade:


- Todos os participantes devem ter acesso ao discurso – Acesso universal.
- Todos participantes devem ter igual oportunidade de interpretar e afirmar – Igual participação.
- Só podem participar os agentes que manifestem seus desejos e sentimentos reais – Veracidade das inten-
ções do agente.
- Entre os agentes deve haver uma reciprocidade das expectativas dos comportamentos, buscando afastar
privilégios entre os agentes do discurso.

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com grande probabilidade, muitos teóricos da disciplina processual, frequentemente,


acabam mesclando tais propostas rivais quando desenvolvem suas propostas para o
desenvolvimento do processo civil. Do mesmo modo, muitos dos institutos jurídicos
específicos que compõem o processo civil podem ser mais bem compreendidos
e esclarecidos quando analisados sob a ótica de uma ou de outra concepção de
verdade. No espaço limitado deste trabalho, podemos nos arriscar a apresentar três
ilustrações sobre como alguns conceitos ou alguns instrumentos processuais podem
se adequar melhor a uma das concepções aqui definidas.
Por exemplo, entendemos que a avaliação acerca da qualidade probatória da
manifestação de uma testemunha perante o Juízo somente pode ser bem entendida
quando pensada a partir da concepção verdade como adequação, na medida em
que a relevância e o grau de convencimento que se atribui a essas manifestações
estará dependendo, prioritariamente, do modo como elas se adéquam à realidade
sendo por ele relatada. Ou ainda pressupõe-se uma concepção de verdade como
correspondência quando da apreciação do conteúdo especializado que conste de
uma prova pericial, na medida em que o valor do que se apresenta em um laudo
pericial depende da precisão como que suas conclusões se adéquam à realidade
submetida à análise técnica do perito. De outro lado, uma testemunha que relata
fatos incompatíveis com a realidade deve ser prontamente descartada. De mesmo
modo, uma perícia que apresenta conclusões que não são correspondentes à
realidade — mesmo que as respostas do expert mantenham integral coerência entre
si e sejam plenamente compatíveis com os quesitos apresentados — também deverá
ser desqualificada nos autos.
Relativamente à concepção de verdade como coerência, vislumbramos a sua
inspiração no processo civil no que se refere ao dever de fundamentação do Juiz, o
qual, pelo seu livre convencimento, está incumbido de formular um raciocínio, em
tese, completo e integralmente coerente, livre, portanto, de lacunas e contradições.
Do mesmo modo, o próprio instrumento recursal dos Embargos de declaração,
representa mecanismo processual que segue a visão da verdade coerencial, na
medida em que se deve utilizar desse expediente apenas nos casos em que as
proposições que constam da decisão judicial manifestem deficiências no que se
refere à sua coerência e completude.
Por fim, podemos identificar a participação da concepção consensual de verdade
quando da tomada de decisões por órgãos colegiados, na medida em que, em tais
situações, se aceita que aquilo que for o resultado da manifestação majoritária dos
seus membros deverá ser aceito como sendo o mais próximo do que se poderia
obter como um julgamento justo. Ou ainda poder-se-ia sustentar que o julgamento
por Tribunal do Júri — admitindo-se a racionalidade desse modelo de jurisdição —
também segue a inspiração consensualista, pois o resultado final da matéria jurídica
em disputa será definida com base no que for convencionado a partir da manifestação
livre dos jurados.

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Arthur Maria Ferreira Neto

2.2 Fundamento ontológico – Bens jurídicos básicos e teoria


da justiça
Em segundo lugar, o processo civil, sob a ótica do Estado Constitucional,
necessita ser pensado a partir do seu fundamento ontológico, ou seja, com base em
sua causa material, o que pode ser compreendido como sendo aqueles elementos
substanciais que assumem traços, possivelmente, universais e necessários e que
seriam indispensáveis para se compreender racionalmente esse ramo do Direito. Isso
significa dizer que tais fundamentos ontológicos representam exigências mínimas de
racionalidade que deveriam ser, invariavelmente, consideradas tanto na organização
teórica do processo civil, como também deveriam representar direcionamentos a
serem observados pelo legislador quando da elaboração do direito processual positivo.
Tendo em vista que, neste curto estudo, não haveria como se detalhar todos
os fundamentos ontológicos do processo civil, entendemos que ao menos duas das
suas causas materiais não poderiam deixar de serem apontadas, mesmo que de
modo bastante sintético.
Primeiramente, qualquer teoria processual deverá especificar os bens jurídicos
que são pressupostos na ordenação da ideia de Processo Justo. Nesse contexto,
um dos fundamentos materiais do Processo Civil exigirá que sejam delineados e
especificados os direitos fundamentais que são inerentes à jurisdição e que,
universalmente, deveriam ser consagrados em favor dos jurisdicionados, como, por
exemplo, direito fundamental de acesso ao Judiciário, a garantia ao juiz natural, a
imparcialidade e a independência do Judiciário, o devido processo, o contraditório,
a ampla defesa etc.). Não há dúvida que seria teoricamente possível imaginar a
organização do processo civil sem tais elementos materiais, na medida em que não
há contradição lógica em se pensar um sistema processual (certamente arbitrário e
injusto) que não consagre determinadas garantias fundamentais do jurisdicionado.
No entanto, não se poderia negar que a realidade processual assim ordenada estará
manifestando carências de racionalidade e poderá, a longo prazo, provocar desordem
social e incorrer em certas dificuldades operativas.
Em segundo lugar, entendemos que o fundamento ontológico do Processo Civil
não pode deixar de pressupor uma determinada teoria da justiça, a qual irá fornecer
o substrato isonômico que deve estar presente na organização e na especiação dos
critérios que determinam o modo de se reconhecer e se atribuir às partes determinada
prestação jurídica que seja a elas devidas dentro de determinado contexto. Nesse
ponto, considerando a tradição de pensamento que vem sendo utilizada desde o
início deste trabalho, não se poderia utilizar outra teoria da justiça que não fosse
aquela estruturada por Aristóteles e, posteriormente, revisitada por Tomás de Aquino.
Novamente, em razão dos limites que se impõem ao presente texto, cabe aqui

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apresentar apenas uma pequena síntese da teoria da justiça aristotélica,32 visando,


com isso, ao final, exemplificar como tais critérios de justiça poderiam ser invocados
na fundamentação material de determinados institutos processuais. Assim, vejamos.
A tradição aristotélica inicia a definição de justiça partindo da compreensão
comum desse termo, ou seja, da forma como essa expressão é, em regra, conhecida
e utilizada pela maioria dos cidadãos. Partindo da significação comum e rotineira,
Aristóteles define justiça — ainda de modo incompleto — como sendo “a virtude que
nos leva a desejar o que é justo”.33 Essa primeira concepção indicaria, para Aristóteles,
a noção de justiça geral, a qual pode ser equiparada à situação da pessoa que possui
o hábito de agir em concordância com a lei.34 Diante disso, a qualificação da justiça
como geral diz respeito à sua abrangência, de modo que pode ser equiparada à
noção de moralidade em geral, ou seja, de conformidade da conduta à lei ou de
cumprimento aos deveres que são exigidos pela comunidade política (polis).35 Isto
significa que, em sentido geral, o homem justo é aquele que observa primeiramente
os padrões normativos fixados em lei (nomos).36 Nesta primeira instância de análise
o conceito de justiça a equipara à noção de legalidade.
Tendo Aristóteles definido o sentido próprio da justiça geral/legal, passa ele
então a analisar as formas de manifestação da justiça no que se refere ao dever
concreto de atribuição e de repartição dos bens juridicamente devidos aos cidadãos
em sociedade. Com efeito, novamente partindo da significação comum, poder-se-ia
identificar outra significação relevante para o termo justiça a partir do questionamento
concreto “O que é um homem justo?”. Diante de tal pergunta, a resposta que
normalmente se apresentaria seria a de que o homem justo “é aquele que tem o
costume de não pegar mais do que lhe é devido dentre os bens exteriores disponíveis
na comunidade política”. Assim, essa dimensão do justo seria caracterizada por
Aristóteles como sendo a esfera da justiça particular. A justiça particular, portanto,
deve fornecer critérios específicos que poderão guiar e controlar a atividade de justa
atribuição e distribuição de bens e encargos dentro da comunidade (polis). Como

32
Utilizaremos neste estudo a proposta de leitura da teoria da justiça aristotélica desenvolvida por Luís Fernando
Barzotto (Filosofia do direito – Os conceitos fundamentais e a tradição jusnaturalista. Livraria do Advogado,
2010). Também presente em BARZOTTO, Luis Fernando. Justiça social – Gênese, estrutura e aplicação de um
conceito. Revista da Procuradoria do Município de Porto Alegre, n. 17, 2003, p. 17/56.
33
ARISTÓTELES. Livro I da Ética a Nicômacos (1129ª). 4. ed. Brasília: UnB, 2001.
34
BARZOTTO, Luis Fernando. Filosofia do direito – Os conceitos fundamentais e a tradição jusnaturalista. Livraria
do Advogado, 2010.
35
“Assim, as ações legais são ações justas, na medida em que atribuem à comunidade aquilo que lhe é devido”.
(BARZOTTO, Luis Fernando. Filosofia do direito – Os conceitos fundamentais e a tradição jusnaturalista. Livraria
do Advogado, 2010. p. 82).
36
Esse primeiro sentido geral de justiça é atualizado por Tomás de Aquino, o qual, com frequência, reporta-se
à expressão justiça legal. Aquino, retomando a definição do Jurista Romano Ulpiano, conceitua a expressão
justiça como sendo o “hábito pelo qual, com vontade constante e perpétua, é dado a cada um aquilo que é
seu [dito de outro modo, o que lhe é devido]”.

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Arthur Maria Ferreira Neto

se vê, esse segundo sentido de justiça pauta-se em uma noção de igualdade,37 ou


seja, no critério isonômico a partir do qual será realizada a atividade de atribuição e
divisão de bens externos que devem ser destinados aos membros da comunidade.
É portanto essa instância analítica do conceito de justiça que fornece diferentes
critérios de atribuição isonômica de bens e encargos em sociedade, os quais devem
nortear tanto a produção legislativa, quanto a atividade de interpretação e aplicação
do direito. Pois bem, em uma leitura contemporânea das diferentes espécies de
justiça que são desenvolvidas dentro da tradição aristotélico-tomista,38 podemos
identificar três critérios ou três modalidades de aplicação dos critérios da justiça
particular, quais sejam:
(a) Justiça comutativa (chamada de corretiva por Aristóteles): ocupa-se das
relações transacionais ou de troca (synallagmata), estabelecidas entre os
membros da comunidade, assumindo a pretensão de regular os vínculos
jurídicos que se formam de indivíduo para com outro indivíduo (relação
parte-parte). Nas relações comutativas, não há razão para que os envolvidos
sejam, entre si, diferenciados com base em suas qualidades para que seja
possível determinar o bem que é devido ou o encargo que deve ser suportado
por cada um. Nesse contexto, os partícipes de uma relação de troca devem
ser pensados como sujeitos abstratos, o que significa dizer: são irrelevantes
para a correta aplicação desse critério isonômico as diferenças específicas
que os particulares possam manifestar. Ocupa-se, pois, em estabelecer
uma igualdade entre coisas, não entre as pessoas que integram a relação.39
Nesta espécie de justiça interessa apenas a manutenção do equilíbrio
numérico entre os bens e valores compartilhados na relação. Por essa
razão, aqui se estabelece um dever de equivalência entre bens e encargos
distribuídos, em que se busca uma igualdade absoluta entre as partes, ou
seja, independentemente de qualquer qualificação específica dos envolvidos.
Não se admite, assim, uma diferenciação dos integrantes da relação que
seja baseada em elementos peculiares dos indivíduos envolvidos, devendo
a distribuição interna dos bens e encargos ser equivalente em todas as
situações e equânime a todos que a ela se sujeitam. A justiça comutativa,

37
BARZOTTO, Luis Fernando. Filosofia do direito – Os conceitos fundamentais e a tradição jusnaturalista. Livraria
do Advogado, 2010.
38
BARZOTTO, Luis Fernando. Filosofia do direito – Os conceitos fundamentais e a tradição jusnaturalista. Livraria
do Advogado, 2010.
39
“[...] não leva em conta os sujeitos da relação igualitária, mas sim as coisas que devem ser igualadas. Em
outras palavras, a justiça diortótica, ao contrário da justiça distributiva, à qual importa os méritos das partes,
visa apenas a medir impessoalmente o dano e a perda, supondo iguais os termos pessoais” (FERRAZ JUNIOR,
Tércio Sampaio. Estudos de filosofia do direito – Reflexões sobre o poder, a liberdade, a justiça e o direito. São
Paulo: Atlas, 2002. p. 187).

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Arquitetura racional do processo civil no Estado constitucional

visando a uma igualdade aritmética, manifesta-se, pois, na fórmula “a cada


um a mesma coisa”.40
(b) Justiça distributiva: este critério está presente nas relações jurídicas em
que se realiza a distribuição de bens ou a imputação de encargos aos
cidadãos membros da comunidade. Isso ocorre porque os bens materiais
que são comuns aos membros da comunidade não podem ser tomados ou
usufruídos de modo irrestrito por todos, já que esses são, por natureza,
escassos e limitados. Assim, impõe-se a identificação de algum critério
racional que permita a distribuição equânime das coisas comuns que deverão
ser repartidas pelos participantes da comunidade política, sejam essas
vantagens/bens, sejam desvantagens/encargos. Exige-se, pois, dentro de
uma relação distributiva, nesse sentido aristotélico, a identificação de um
critério de justificação racional que se escore em características particulares e
concretas do próprio destinatário desta distribuição. Assim é o traço específico
daquele que participa da relação distributiva que permitirá atribuir-lhe um
determinado bem ou impor-lhe um determinado encargo. Para Aristóteles, o
justo envolve sempre uma relação de proporcionalidade entre fatores, sendo
que, diferentemente da justiça comutativa, em que a proporção é aritmética,
no caso específico da justiça distributiva, esta será sempre geométrica.41
Portanto, são características marcantes dessa espécie de justiça particular
tanto a necessidade de se promover uma correta qualificação das pessoas
envolvidas na relação quanto a possibilidade de se estabelecer um tratamento
diferenciado entre elas. A fórmula genérica da justiça distributiva é aquela que
estabelece “a cada um segundo [...] seu mérito ou sua necessidade ou seu
status, etc. [...]”, de acordo com o caso. Busca-se, assim, nessas relações,
uma igualdade proporcional entre as partes, a qual somente será concretizada
depois de definido o critério de proporção necessário para a distribuição de
bens e encargos na situação específica.42

40
Por exemplo, um típico contrato de compra e venda deve seguir o critério fixado pela justiça comutativa.
41
ARISTÓTELES. Nicomachean ethics, p. 1785; AQUINO, Tomás de. On Law, Morality and Politics. Estados
Unidos da América: Hackett Publishing Company, 1988. p. 167; FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Estudos
de filosofia do direito – Reflexões sobre o poder, a liberdade, a justiça e o direito. São Paulo: Altas, 2002, p.
186-187; BARZOTTO, Luis Fernando. Justiça social – Gênese, estrutura e aplicação de um conceito. Revista
da Procuradoria do Município de Porto Alegre, n. 17, 2003, p. 17/56.
42
Como exemplos de relação de justiça distributiva, podemos citar os casos jurídicos típicos de (a) um concurso
público, de (b) uma licitação, de (c) um benefício de assistência social e de (d) cobrança de impostos, todas
situações essas em que o particular será alvo de distribuição de bem ou encargos com base em uma quali-
dade concreta e específica que justifica racionalmente tal distribuição (como por exemplo, respectivamente,
(a) o mérito individual manifestado em provas e títulos, (b) o menor preço praticado pelo licitante vencedor,
(c) a carência financeira da pessoa que receberá o benefício assistencial e (d) a capacidade econômica do
contribuinte do imposto).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 87-125, abr./jun. 2015 109
Arthur Maria Ferreira Neto

(c) Justiça social: tal conceito contemporâneo de justiça, consagrado


expressamente na Constituição de 1988,43 adquiriu forte impulso por meio
da divulgação das Encíclicas sociais da Igreja Católica, as quais fundiram o
pensamento aristotélico com lições extraídas da ética cristã, em especial a
concepção da dignidade da pessoa humana.44 Em uma relação de justiça
social, identificamos o dever de interação dos indivíduos com a comunidade
política na qual estão inseridos (a qual pode ser pensada em termos locais,
nacionais ou, inclusive, em termos globais). Nessa perspectiva, portanto,
o indivíduo que participa de uma relação social não é compreendido nem
como uma entidade abstrata (justiça comutativa) nem a partir de suas
qualidades particulares (justiça distributiva), mas como um ser comunitário
que mantém elementos idênticos com todos os demais seres humanos.
Assim, a existência de relações de justiça social pode ser compreendida
como um atestado de que todos os seres humanos — nessa dimensão —
possuem um núcleo comum e universal que é compartilhável com todos os
demais. Tais relações, portanto, impõem uma exigência de reconhecimento,
por meio da qual se deve afirmar, de forma mútua e recíproca, que todo ser
humano manifesta uma dimensão mínima de dignidade — a qual é inerente
à sua humanidade — que não pode ser violada em nenhuma hipótese, nem
no caso de uma decisão majoritária do restante da comunidade política. Por
essa razão, dentro de uma relação de justiça social, estabelece-se que a
todo ser humano deve, reciprocamente, ser garantido os mesmos direitos e
os mesmos deveres45 (a todos a mesma coisa).46
Pois bem, partindo desses três conceitos, cabe identificar, com propósito
meramente ilustrativo, situações concretas de institutos jurídico-processuais que
buscam fundamentação material nos critérios de justiça particular acima especificados.
Relativamente à justiça comutativa, podemos sustentar que o pagamento de
custas judiciais e a fixação de honorários sucumbenciais de acordo com o valor da
causa segue o critério sinalagmático antes explicitado, já que o ônus que é imposto
ao jurisdicionado ou à vantagem econômica que é atribuída ao seu advogado
buscam suporte em um elemento meramente aritmético para a sua fixação, não

43
Artigos 170 e 193 da Constituição de 1988.
44
BARZOTTO, Luis Fernando. Filosofia do direito – Os conceitos fundamentais e a tradição jusnaturalista. Livraria
do Advogado, 2010, p. 95 e seguintes.
45
“Na justiça social, portanto, que trata do reconhecimento da condição de membro da comunidade e dos direi-
tos e deveres inerentes a esta condição, a reciprocidade determina o que é devido entre os membros: X deve
y a Z na medida em que Z deve y a X” (Op. cit., p. 96).
46
Podemos projetar como exemplos de relações de justiça social a proibição universal da tortura ou da
escravidão.

110 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 87-125, abr./jun. 2015
Arquitetura racional do processo civil no Estado constitucional

sendo relevante, nestes casos específicos, as qualidades concretas dos indivíduos


envolvidos nessas relações.47
Já em relação à justiça distributiva, podemos projetar a situação em que se
impõe a inversão do ônus probatório em favor de hipossuficiente, bem como os
casos em que o advogado público, em razão do interesse público que este deve
resguardar, poder exercer determinadas prerrogativas processuais mais vantajosas
(por exemplo, prazo processual diferenciado). Nessas duas situações, a atribuição
de determinada vantagem pressupõe a qualidade específica do jurisdicionado, tendo
em vista um determinado critério racional de diferenciação (a hipossuficiência e o
interesse público).
Por fim, quanto às relações de justiça social, podemos identificar os deveres
de lealdade e de colaboração dentro do processo,48 uma vez que assumem traços
universais que não apresentam exceção, na medida em que toda relação processual
deve ser pensada com base nesses deveres recíprocos.

3 Fins do processo civil no Estado constitucional –


Teleologia processual
A exposição pormenorizada dos fins do processo civil, sem dúvida alguma,
representa tema que seria merecedor de uma coletânea de obras jurídicas. Por isso,
em razão dos limites físicos deste trabalho, mostra-se inviável pretender aqui realizar
uma apresentação detalhada de todas as finalidades que devem ser promovidas no ou
por meio do processo civil, principalmente a partir da ótica do Estado constitucional.
Assim, pretendemos, neste tópico, tão somente alinhar algumas considerações
acerca do que antes se definiu como sendo a causa final da disciplina processual.
Com efeito, o campo teórico que definiríamos como teleologia processual pode
ser, em nossa visão, compreendido a partir de duas instâncias distintas, as quais,
porém, não são, de nenhum modo, excludentes uma da outra, mas sim devem ser
pensadas como complementares e reciprocamente implicantes. Isso ocorre porque,
em uma perspectiva, a realidade processual se desenvolve com o propósito de realizar
fins que, em verdade, são meios para a promoção de objetivos de maior amplitude,
mas, em outra perspectiva, a dinâmica do processo se organiza e se desenvolve com
o intuito de concretizar, de pronto, fins que podem ser compreendidos e delimitados
dentro do próprio universo jurídico do processo civil. Por isso, entendemos que o direito

47
Não se quer dizer com isso que custas judiciais e a fixação de verba sucumbencial não possam seguir outro
critério de justiça, pois nos casos especiais de assistência judiciária gratuita e a estipulação de honorários
contra a Fazenda Pública será necessário ainda recorrer-se a uma fundamentação jurídica adicional pautada
em uma relação de justiça distributiva.
48
MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 87-125, abr./jun. 2015 111
Arthur Maria Ferreira Neto

processual deve ser analisado a partir de duas instâncias diferentes, mas interligadas,
as quais poderão manifestar, inclusive, certa prioridade axiológica uma em relação
à outra, permitindo, assim, que, em determinados casos de conflito, as conclusões
extraídas da primeira instância de finalidades predetermine — parcialmente — a
forma de interpretação das finalidades que se localizam na segunda.
Para tornar mais clara essa ideia geral e mantendo-nos fiel à linha de pensamento
que inspira o presente trabalho, cabe-nos apresentar, de modo sintético, a tese
aristotélica acerca das diferentes instâncias teleológicas que ordenam e direcionam a
ação humana (aqui obviamente incluído o universo jurídico como um todo). Aristóteles
é, possivelmente, o primeiro e o mais expressivo pensador a tentar explicar a atividade
racional do ser humano por meio da descrição e da ordenação dos distintos fins que
guiam a atividade de qualquer ser humano. Para ele, tanto a execução de uma ação
humana concreta e individual quanto instauração de uma determinada prática jurídica
a ser compartilhada dentro de uma comunidade sempre almejam determinado fim.49
De acordo com essa tradição, portanto, a realização desse fim é o critério para se
atribuir sentido e bem compreender tanto a ação humana quanto a prática jurídica.
É por isso que a ação somente se torna inteligível quando compreendida e ordenada
com base nos diferentes tipos de fins que, por meio dela, se pretendem promover. A
realidade prática do Direito, portanto, indica uma pluralidade de fins que se conectam
e que atribuem valor às mais variadas atividades praticadas pelos seres humanos.
Essa pluralidade, porém, não indica a existência de fins particulares esparsos
e incomunicáveis, como dados isolados do agir humano. Pelo contrário, tais fins
particulares, para esclarecerem e garantirem sentido à ação humana, pressupõem
uma integração, mais ou menos harmônica, dentro de uma estrutura teleológica mais
compreensiva. Assim, a atribuição de valor a uma determinada ação humana ou a
uma determinada prática jurídica pressupõe a possibilidade de ajustar e reconduzir tal
experiência a um ordenamento hierárquico de fins particulares.50 Tal estrutura avalia
a ação com base em uma distinção funcional de três tipos de fins:51
(a) fins puramente intermediários e instrumentais, os quais, do ponto de
vista prático e não meramente técnico, são meios para a concretização de
outro fim. A compreensão desse fim instrumental aponta, na melhor das
hipóteses, para um bem exterior que pode ser concretizado pela ação, ou

49
“Every art and every enquiry, and similarly every action and choice, is thought to aim at some good; and for this
reason the good has rightly been declared to be that which all things aim” (ARISTÓTELES). BARNES, Jonathan
(ed.). Nicomachaen ethics, VI, 2. The Complete Works of Aristotle. Estados Unidos da América: Princeton
University Press, 1995. p. 1729. vols. I and II.
50
VIGO, Alejandro G. Aristóteles – Una Introducción. Argentina: Instituto de Estudios de la Sociedad, 2006. p. 191.
51
Op. cit., p. 192.

112 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 87-125, abr./jun. 2015
Arquitetura racional do processo civil no Estado constitucional

seja, não indicam um elemento finalístico que explique, de forma plena, o


sentido daquela ação;52
(b) fins que devem ser buscados por si mesmo e não em razão de outro fim
particular. O atingimento desse tipo de fim atribui sentido à ação humana
executada em razão da sua própria persecução, de modo que se pode
afirmar, objetivamente, que foi concretizado o bem interno daquele agir em
razão da realização daquele fim. Assim, realizar pela ação humana um fim
em si significa apontar para um elemento finalístico plenamente explicativo,
que, em tese, não exige mais razões de convencimento acerca do mérito ou
do valor daquela ação;53 e
(c) o fim último da vida prática que é representado pela correta articulação e
harmonização das outras duas instâncias teleológicas dentro de um único
plano ordenado (individual ou da comunidade como um todo). Essa instância
final é indicada pelo conceito aristotélico de eudaimonia (plena realização
humana), o que se mostra necessário, dentro dessa tradição, para que a
ação humana possua um sentido último, já que, sem isso, a justificação
racional do agir humano incorrerá em uma argumentação infinita e toda ação
concreta poderá, ao final, ser vista como vã.
Ao que interessa ao presente estudo, a distinção teleológica aqui pretendida
irá apenas pressupor a compreensão dos dois primeiros níveis teleológicos acima
expostos.
Assim, com base nessas considerações iniciais, podemos compreender os
fins do processo civil a partir daqueles objetivos que ou posicionam a atividade
processual como tendo função instrumental para a promoção de fins mais amplos
ou a qualificam como um fim em si. Vejamos, brevemente, como tais instâncias
teleológicas poderiam ser definidas no campo processual.

3.1 Fins gerais e mediatos


Primeiramente, o processo civil pode ser compreendido a partir de fins gerais que,
por óbvio, não envolvem questões que manifestam pertinência apenas ao universo
processual, mas, em verdade, ilustram objetivos dignos de serem parcialmente
promovidos por todas as áreas do direito. Nesta instância teleológica, portanto, o
processo civil opera como fim instrumental na realização daquelas que seriam as

52
Por exemplo, o fim intermediário do martelo é ser movimentado para bater ou aplicar pressão sobre outro ob-
jeto. Essa finalidade técnica e utilitária do martelo, porém, em uma perspectiva prática, é apenas o meio para
a geração de outro fim, que pode ser o de criar um utensílio ou uma obra de arte. O simples bater o martelo
com eficiência não dá sentido pleno a atividade realizada por meio desse instrumento.
53
Por exemplo, comer salada (um fim meramente instrumental) com o objetivo de gerar, por meio dessa ação, saú-
de no corpo. A busca pela saúde é, pois, um fim em si que justifica, objetivamente, a ação humana em concreto.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 87-125, abr./jun. 2015 113
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causas finais do Estado constitucional (dignidade humana, liberdade, igualdade e outros


direitos fundamentais54). Dito de outro modo, o garantir liberdade de um acusado, o
promover a igualdade entre os jurisdicionados ou o efetivar materialmente a dignidade
humana de um indivíduo que se submete ao processo judicial são todos fins inerentes
ao Processo Civil, os quais, porém, se manifestam de modo geral e mediato.
Considerando que, nesta instância teleológica, o processo civil se manifesta
como fim instrumental (i.e., ele é, em verdade, meio para a promoção dos fins mais
amplos do Estado constitucional), aquilo que se busca concretizar em última instância
por meio do processo deverá ser compreendido como tendo prioridade lógica e
axiológica em relação aos fins específicos e imediatos da disciplina processual. Por
isso, nos casos em que uma determinada regra processual tiver de ser interpretada
teleologicamente (i.e., com base nas finalidades imediatas que tal regra visa a
promover), os fins mediatos do processo civil, ou seja, aqueles que indicam meios
de efetivação do Estado constitucional deverão ter prevalência entre as alternativas
interpretativas disponíveis no caso.

3.2 Fins específicos e imediatos


Em uma segunda instância o Processo Civil, pode ser analisado a partir das
suas próprias causas finais, ou seja, considerando-se o Processo Civil com base
naquilo que poderia ser definido como o fim em si da atividade processual. Tal
questionamento pressuporia responder à pergunta “Para que serve, imediatamente,
o processo civil?”. Conforme inicialmente destacado, neste estudo de menor fôlego,
não se poderia ter a pretensão de analisar detalhadamente todos os fins específicos
e imediatos do processo civil, sob pena de se cometer a falha grave de excluir uma
ou outra finalidade indispensável a esse ramo jurídico.
Mesmo que assim seja, entendemos que se poderia citar ao menos duas grande
esferas finalísticas do Processo Civil, enquanto pensado como fim em si:
(i) a segurança jurídica diante de divergências na interpretação do direito a ser
aplicado a casos, sendo que tal fim específico tem o propósito de garantir
previsibilidade e estabilidade ao direito. Este fim imediato direciona-se
à certificação final do sentido correto do direito em disputa, bem como à
estabilização das relações jurídicas que, inicialmente, se apresentavam em
situação conflituosa; e
(ii) Efetivação da Justiça no caso concreto, visando a garantir a realizabilidade
do direito, o que irá ainda exigir (ii.1) a organização dos meios necessários à

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
54

Advogado. 2012. Vide, ainda, SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana. Revista
Brasileira de Direito Constitucional – RBDC, n. 09, p. 361-88, jan./jun. 2007.

114 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 87-125, abr./jun. 2015
Arquitetura racional do processo civil no Estado constitucional

estruturação do processo justo e (ii.2) a identificação dos critérios de justiça


necessários à adequada atribuição e distribuição de bens e encargos entre
os partícipes dessa relação processual.

4 Os meios do processo civil no Estado constitucional –


Pragmatismo processual
Tendo sido apresentadas considerações sobre o fundamento e sobre o fim do
processo civil, cabe, por último, trazer alguns apontamentos sobre aquilo que antes
foi definido como sendo a causa eficiente dessa disciplina jurídica, qual seja, os seus
meios de efetivação. Denominamos aqui de pragmatismo processual tal parcela do
ramo jurídico, sendo aqui analisado, na medida em que se busca compreender como
ingressam e como se portam os instrumentos operativos do processo civil, os quais,
mesmo que estruturados com grande margem de liberdade pelo legislador — pois
assumem traços contingentes e variáveis de acordo com cada contexto jurídico —
deverão ser submetidos a controles jurídicos no que se refere à sua eficiência e a
sua praticabilidade.

4.1 Escolhas políticas do legislador


Os instrumentos processuais que deverão ser utilizados com o propósito de
viabilizar a realização e a efetivação dos fins do processo civil partem de escolhas
políticas do legislador processual. Assim, a especificação das regras processuais que
definem se determinado prazo será de 5 ou 15 dias ou se haverá ou não limitador
à antecipação de tutela ou ainda se poderá, em determinado rito processual, o
Judiciário emitir decisões com efeitos vinculantes a todos, representam matérias que
ficam submetidas à avaliação pragmática do legislador, ao qual caberá, em primeiro
lugar, analisar a eficiência e viabilidade prática de tais instrumentos.
Nesse campo, portanto, o legislador assume relativa margem deliberativa —
podendo manifestar a sua vontade — acerca dos instrumentos processuais que
deverão ser adotados em determinado sistema jurídico. Esta é, pois, a seara da
disciplina processual em que o legislador terá maior campo de liberdade para realizar
a determinação positiva dos mecanismos processuais que deverão ser seguidos
pelos operadores do direito. Isso ocorre porque os meios de realização de um fim são,
conceitualmente, contingentes e variáveis, o que significa dizer que não assumem
eles traços necessários e universais, de modo que jamais se poderia pensar em um
instrumento jurídico que fosse sempre o mesmo em todos os contextos jurídicos
possíveis ou que um determinado mecanismo processual não pudesse, racionalmente,
ser de outro modo. Isso significa dizer que, no campo da definição dos mecanismos
processuais que deverão ser manejados pelos operadores do direito, dificilmente se

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 87-125, abr./jun. 2015 115
Arthur Maria Ferreira Neto

poderia projetar um ou outro instrumento que deveria ser justificado como sendo,
necessariamente, correto ou adequado em todos os contextos jurídicos imagináveis.
Seria impensável sustentar, por exemplo, que o prazo de 10 dias para a interposição
de determinado recurso seria o lapso temporal razoável a ser exigido em todos os
sistemas jurídicos possíveis ou ainda que determinada ferramenta de constrição do
patrimônio do executado seria legítima em todas as realidades jurídicas (mais ou
menos estáveis; mais ou menos protetivas de direitos individuais). Na verdade, todo
e qualquer instrumento processual deverá ser avaliado não apenas com base na sua
adequação normativa (i.e., a sua compatibilidade com as demais normas integrantes
do sistema jurídico), mas também com base nas condições fáticas de possibilidade
para sua aplicação, o que pressupõe a existência de determinadas expectativas e
práticas sociais que são previamente indicadas pelo contexto jurídico em que tais
mecanismos deverão ser incidir. É por isso que um instrumento processual que
funciona bem em determinada comunidade jurídica poderá ser absolutamente ineficaz
em outra realidade jurídica.
Conforme exposto no item 1.3, a causa eficiente ou instrumental de determinado
objeto pressupõe raciocínios técnicos de eficiência, nos quais se promovem juízos
de mensuração (i.e., quantitativa e qualitativa) e de probabilidade (i.e., estimativas
acerca de chance de ocorrência de resultado desejado), de modo que a avaliação
acerca da compatibilidade de um instrumento processual à realidade jurídica de sua
aplicação deverá levar em consideração as oscilações contingentes do ambiente
em que esse deverá operar, razão pela qual o legislador, quando da análise do
mecanismo processual que será alvo de positivação, terá espaço para livremente
deliberar acerca das alternativas processuais que estarão à sua disposição, de modo
a estimar a opção que possa ser mais eficiente em termos quantitativo, qualitativo
e probabilístico.
A margem de liberdade garantida ao legislador neste campo, somado ao
traço contingente e casuístico inerente aos meios de concretização de um instituto
jurídico, poderiam passar a impressão de que essa instância do processo civil não
estaria submetida a instrumentos de controle, mesmo quando organizada com base
na ideia de Estado constitucional. No entanto, dentro da matriz teórica aqui sendo
desenvolvida, tal conclusão certamente não seria procedente. Isso porque, a partir da
estrutura teórica das quatro causas aqui utilizada, a produção técnica dos meios está
submetida a, pelo menos, dois níveis de controle jurídico, os quais visam a delimitar
a margem de liberdade que o legislador pode exercitar na eleição dos instrumentos
processuais que serão positivados. Podem esses dois níveis de controle, serem
compreendidos como limites pré-positivos ao arbítrio do legislador processual.
Em primeiro lugar, os meios estão formal e materialmente subordinados aos
fundamentos do processo civil. Conforme antes analisado, qualquer exposição

116 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 87-125, abr./jun. 2015
Arquitetura racional do processo civil no Estado constitucional

teórica da disciplina processual deverá ser elaborada com base em uma teoria da
verdade e uma teoria da justiça, de modo que os meios que serão constituídos
como ferramentas processuais não poderão querer negar a pretensão de veracidade
que visa a ser reproduzida dentro do processo, do mesmo modo que não poderão
pretender contraditar a intenção básica de se atribuir às partes o que a elas é devido
com base em determinado critério isonômico que visa a distribuir encargos ou
vantagens no ou por meio do processo. A título de exemplo (hipotético), poderíamos
pensar na situação extrema de uma regra processual que fixasse determinado prazo
para que uma das partes exercitasse a prerrogativa de destruir provas relevantes
à discussão jurídica em disputa. Ou ainda poderíamos imaginar um determinado
mecanismo processual manifestamente injusto que autorizasse ao juiz atribuir ganho
de causa ao autor, apenas em razão de sua hipossuficiência, não obstante tivesse
esse reconhecido, expressamente, nos autos a improcedência de seu próprio pleito.
Tais situações, mesmo que possam ser compreendidas como reductio ad absurdum,
são, de qualquer modo, ilustrativas de como um meio — mesmo que extremamente
eficiente — pode ser ilegítimo e inválido, na medida em que contradiz determinado
fundamento do processo civil.
Em segundo lugar, não se pode perder de vista que a margem de liberdade para
a eleição casuística dos instrumentos processuais também está subordinada aos
fins do processo civil e do Estado constitucional. Por essa razão, nenhum instrumento
processual poderia ser legitimamente positivado pelo legislador que viesse a depreciar
ou a impedir a concretização plena de finalidades inerentes ao processo civil ou ainda
que viessem a agredir determinado direito básico do jurisdicionado. Com efeito, o
mecanismo processual escolhido poderá ser controlado e analisado em razão do
grau de eficiência com que realiza e promove os fins que o direcionam, bem como
poderá ser rechaçado como arbitrário em razão de violação a determinado direito
fundamental, o que não permitirá a sua utilização em nenhum contexto jurídico, não
importando quão eficiente se mostre tal instrumento processual.
Neste ponto, cabe detalhar os tipos normativos que a teoria do direito
contemporânea vem elaborando como forma de controlar os meios eleitos pela
legislador, com base em critérios jurídicos que permitem a avaliação da eficiência e
da compatibilidade com a realidade concreta em que esses deverão ser aplicados.
Para tanto, devemos aqui recorrer aos tipos normativos denominados por Ávila como
os postulados normativos da proporcionalidade e da razoabilidade, os quais, segundo
ele, são metanormas, dotadas de função metodológica, que viabilizam a correta
aplicação de regras e princípios aos casos concreto.55 No item que segue, portanto,

55
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo:
Malheiros, 2003.

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apresentamos síntese acerca do conteúdo dos referidos postulados normativos, com


o propósito de verificar como poderiam controlar as escolhas feitas pelo legislador na
elaboração de regras processuais.

4.2 Controlabilidade das decisões políticas em matéria


processual
A proporcionalidade assume uma importância cada vez maior no Direito
brasileiro, principalmente enquanto norma metódica para aplicação de regras e
princípios no controle da legitimidade dos atos do Poder Público (de forma mais
ampla e mais intensa que a simples conferência sistêmica da legalidade dos atos
normativos produzidos pelo Estado).56
Tal postulado, como aponta Ávila, deve ser utilizado naquelas situações
concretas em que há uma relação de causalidade entre dois elementos empiricamente
discerníveis, um meio e um fim, em relação aos quais se exige três exames
fundamentais, quais sejam, o exame (i) da adequação, (ii) da necessidade e (iii) da
proporcionalidade em sentido estrito:

O Exame da proporcionalidade aplica-se sempre que houver uma medida


concreta destinada a realizar uma finalidade. Nesse caso, devem ser
analisadas as possibilidade de a medida levar à realização da finalidade
(exame da adequação), de a medida ser a menos restritiva aos direitos
envolvidos dentre aqueles que poderiam ter sido utilizadas para atingir
a finalidade (exame da necessidade) e de a finalidade pública ser tão
valorosa que justifique tamanha restrição (exame da proporcionalidade
em sentido estrito).57

Analisando-se de forma esquemática as três exigências do postulado da


proporcionalidade, podemos sintetizá-las nos seguintes termos:
(i) Adequação: exigência de uma correlação empírica entre o meio escolhido
e o fim almejado, de modo que o meio que se apresenta como opção deve

56
“A doutrina identifica como típica manifestação do excesso de poder legislativo a violação ao princípio da
proporcionalidade ou da proibição de excesso (Verhältnismässigkeitsprinzip; Übermassverbot), que se revela
mediante contraditoriedade, incongruência, e irrazoabilidade ou inadequação entre meios e fins. No Direito
Constitucional alemão, outorga-se ao princípio da proporcionalidade (Verhältnismässigkeit) ou ao princípio da
proibição de excesso (Übermassverbot) qualidade de norma constitucional não-escrita, derivada do Estado
de Direito. [...] Portanto, a doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, em se tratando de imposição
de restrições a determinados direitos, deve-se indagar não apenas sobre a admissibilidade constitucional da
restrição eventualmente fixada (reserva legal), mas também sobre a compatibilidade das restrições estabe-
lecidas com o princípio da proporcionalidade” (MENDES, Gilmar Ferreira. O princípio da proporcionalidade na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: novas leituras. Revista Diálogo Jurídico, a. 1, v. 1, n. 5, p. 1-25,
ago. 2001, p. 2).
57
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros,
2003. p. 105-6.

118 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 87-125, abr./jun. 2015
Arquitetura racional do processo civil no Estado constitucional

garantir eficácia mínima que possa contribuir para a promoção gradual do


fim. Essa exigência, portanto, questiona se “o meio promove o fim?”. Pode
ser analisado a partir de três aspectos: quantitativo (intensidade; mais ou
menos), qualitativo (qualidade; melhor ou pior) e probabilístico (certeza; mais
ou menos certificação de resultados). Assim, por exemplo, um instrumento
processual que não contribua em nada para a promoção do fim que, em tese,
visa a promover, deve ser decretado como inadequado e portanto ilegítimo.
(ii) Necessidade: verificação de meios alternativos àqueles escolhidos pelo
órgão estatal para o atingimento de determinado fim. Assim, deve-se
respeitar a escolha que foi tomada pela autoridade pública competente para
realização de determinado fim, considerando-se a opção como violadora
da proporcionalidade apenas nos casos em que o meio escolhido for,
manifestamente, menos eficiente que outros disponíveis à época em que
a escolha foi realizada. Tal exigência propõe-se a responder à seguinte
pergunta: “Dentre os meios disponíveis e igualmente adequados para
a promoção do fim, não há nenhum meio menos restritivo dos direitos
fundamentais afetados?”. Por exemplo, a regra processual que exige que os
meios executórios sigam a modalidade menos gravosa e menos agressiva
à esfera jurídica do executado58 é forma evidente de concretizar a exigência
da necessidade. Por outro lado, a intenção do exequente de submeter à
constrição judicial bens indispensáveis à subsistência do executado, mesmo
que este tenha outros bens disponíveis, representará tentativa de uso de
mecanismos processuais de modo desproporcional.
(iii) Proporcionalidade em sentido estrito: exigência da comparação entre a
importância projetada pela realização do fim e a intensidade da restrição a
direitos fundamentais que a promoção de tal fim irá provocar como efeito
colateral. Com efeito, as vantagens causadas pela promoção do fim devem
ser proporcionais às desvantagens causadas em razão do meio adotado.
Responde-se por meio desta exigência se “as vantagens trazidas com a
promoção do fim corresponde às desvantagens provocadas pela adoção
do meio?”. Como exemplo paradigmático — extraído da jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal — de violação da proporcionalidade em sentido
estrito, podemos aqui citar o Habeas Corpus nº 76060/SC.59 Nesse caso,

58
Art. 620. Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo
menos gravoso para o devedor.
59
“DNA: submissão compulsória ao fornecimento de sangue para a pesquisa do DNA: estado da questão no
direito comparado: precedente do STF que libera do constrangimento o réu em ação de investigação de pater-
nidade (HC 71.373) e o dissenso dos votos vencidos: deferimento, não obstante, do HC na espécie, em que
se cuida de situação atípica na qual se pretende — de resto, apenas para obter prova de reforço — submeter
ao exame o pai presumido, em processo que tem por objeto a pretensão de terceiro de ver-se declarado o pai
biológico da criança nascida na constância do casamento do paciente: hipótese na qual, à luz do princípio da

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 87-125, abr./jun. 2015 119
Arthur Maria Ferreira Neto

pretendia-se submeter, compulsoriamente, em ação de reconhecimento de


paternidade, o pai presumido de criança com o intuito de fazer prova favorável
a terceiro, autor daquela ação, que mantinha suspeitas de que seria o pai
verdadeiro do menor. A Suprema Corte entendeu que, mesmo que fosse
meio eficiente de se resolver definitivamente a suposta divergência acerca da
verdadeira paternidade da criança, forçar aquele que já seria, juridicamente,
qualificado como pai a se submeter a retirada de sangue para exame de DNA
seria atitude violadora da dignidade da pessoa humana. Por esse motivo,
decidiu que deveria o terceiro — em favor do qual não se apresentava
nenhuma presunção de paternidade — realizar o exame de DNA por meio
da extração do seu sangue. Veja-se que, nesse importante precedente do
Excelso Pretório, não obstante a potencial eficiência do meio processual
suscitado para a produção de prova, entendeu-se que o uso de tal medida
seria atentatória a direito fundamental, razão pela qual se mostraria ilegítima.
Em segundo lugar, deve-se analisar de que maneira o postulado normativo
da razoabilidade pode contribuir como uma ferramenta de controle das regras
processuais, seja na sua criação pelo legislador, seja na sua aplicação pelo juiz.
Neste ponto, mais uma vez nos valemos das lições de Ávila, o qual, analisando-
se a invocação e a utilização da expressão “razoabilidade” nos precedentes do
Supremo Tribunal Federal, identifica, pelo menos, três distintas dimensões da
razoabilidade, quais sejam: (a) razoabilidade-equidade, (b) razoabilidade-congruência
e (c) razoabilidade-equivalência.60 Vejamos novamente de modo esquemático como
tais conceitos podem ser esclarecidos:
(a) Equidade: impõe a harmonização da norma geral ao caso individual, já que
se está diante de situação concreta excepcional ou anormal, em relação
à qual a generalidade da norma não é adequada para ser aplicada àquela
situação particular, não por defeito no processo de positivação daquela
regra, mas simplesmente porque a excepcionalidade ou a anormalidade do
caso concreto impede seja este regulado por essa norma-padrão, a qual
somente pode valer para os casos normais, ou seja, para as situações
medianas que provavelmente foram aquelas previamente imaginadas pelo

proporcionalidade ou da razoabilidade, se impõe evitar a afronta à dignidade pessoal que, nas circunstâncias,
a sua participação na perícia substantivaria” (STF, 1ª Turma, Ministro Sepúlveda Pertence, DJ, 15 maio 1998,
PP-00044).
60
“O postulado da razoabilidade aplica-se, primeiro, como diretriz que exige a relação das normas gerais com
as individualidades do caso concreto, quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer
indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas especificidades, deixa de se enquadrar na
norma geral. Segundo, como diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o mundo ao qual elas
fazem referência, seja reclamando a existência de um suporte empírico e adequado a qualquer ato jurídico,
seja demandando uma relação congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir. Terceiro,
como diretriz que exige a relação de equivalência entre duas grandezas” (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princí-
pios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 121).

120 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 87-125, abr./jun. 2015
Arquitetura racional do processo civil no Estado constitucional

legislador.61 Assim, em casos excepcionais, o caráter, a priori, absoluto da


regra pode ser reconsiderado após a análise das circunstâncias do caso
concreto. Dito de outro modo, será irrazoável o ato estatal que, atentando-se
exclusivamente à generalidade da hipótese prevista na regra, desprezar as
circunstâncias específicas do caso. Temos aqui a situação da equidade no
seu sentido aristotélico,62 ou seja, a abstração da norma deve ser corrigida
pela equidade por meio da consideração prudencial das circunstâncias do
caso particular. Podemos aqui imaginar o exemplo de regra processual
que fixa prazo de 5 dias para apresentação de documentos. Em casos
excepcionais em que a documentação é extremamente volumosa ou
apresenta-se em localidade de difícil acesso, por certo a regra processual
não pode ser interpretada de modo estanque e de aplicação absoluta,
sendo razoável que venha ela a ser, naquele caso, superada pelo Juiz
(overruled),63 de modo a garantir dilação de prazo à parte.
(b) Congruência: exige a harmonização das normas com suas condições externas
(ontológicas) de aplicação. A violação da razoabilidade, nesses casos,
envolve a inversão na ordem natural das coisas, sendo, pois, irrazoável uma
exigência estatal que se apresentar contraditória com o suporte empírico da
realidade, de modo a agredir a própria “natureza das coisas”.64 Poderíamos
imaginar a situação de aplicação incongruente de uma regra processual
em casos em que o Juiz determine a prática antecipada de ato processual
que pressuponha a realização anterior de outro ato pela parte adversa
(por exemplo, exigir a apresentação de réplica antes da contestação ou
contrarrazões antes da interposição de recurso).
(c) Equivalência: impõe que seja observada a relação de equivalência entre
a medida adotada e o critério que dimensiona tal medida. Com efeito, a
equivalência é “utilizada como critério que exige a relação de equivalência
entre duas grandezas, como ocorre no caso da exigência de correspondência
entre pena e culpa, ou entre taxa e o serviço público prestado”.65 Será,
portanto, irrazoável a aplicação de penalidade que não guarde o mínimo

61
Não se pode esquecer de que o legislador padroniza regras de conduta estimando o comportamento médio a
ser esperado da maioria dos indivíduos.
62
Vide citação transcrita no tópico referente à equidade em sentido aristotélico (ARISTÓTELES. Livro V, capítulo
10, da Ética a Nicômacos (1129ª). 4. ed. Brasília: UnB, 2001).
63
Sobre o chamado overruling no Direito contemporâneo, vide SCHAUER, Frederick. Playing By the Rules: A
Philosophical Examination of Rule Based Decision-Making in Law and in Life. Estados Unidos da América:
Oxford University Press, 1991.
64
A congruência é “empregada como diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o mundo ao
qual elas fazem referência, seja reclamando a existência de um suporte empírico e adequado a qualquer ato
jurídico, seja demandando uma relação congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir”
(ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 409).
65
Op. cit., p. 409.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 87-125, abr./jun. 2015 121
Arthur Maria Ferreira Neto

de equivalência com o grau de culpa do suposto infrator ou com o efetivo


prejuízo que tenha resultado da ação infracional. Como exemplo de afronta
à razoabilidade como equivalência no campo processual, podemos citar,
novamente da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a Representação
nº 1.077,66 em que se decretou a inconstitucionalidade de lei processual
que fixava a cobrança de custas judiciais (taxa judiciária) em percentual
fixo, o que poderia gerar excessos nos valores exigidos para a prestação
jurisdicional. Veja-se, aliás, que nesse caso, a irrazoabilidade praticada
estaria presente no fato de se cobrar valor de tributo tipicamente comutativo
(uma taxa) em quantia não equivalente ao custo presumido do serviço
público (atividade jurisdicional) colocado à disposição do contribuinte
(jurisdicionado).67 Com efeito, um dos fundamentos materiais do processo
civil (uma relação de justiça comutativa), conforme analisado no item 2.2,
serve de conteúdo para a especificação de um dos critérios do postulado
da razoabilidade.
Em nossa opinião, os postulados normativos da proporcionalidade e da
razoabilidade, mesmo que não resolvam todas as questões referentes ao controle
jurídico acerca da eficiência e da praticabilidade das regras processuais, são
instrumentos de máxima relevância no contexto do Estado constitucional, em que
não basta a mera verificação da validade formal das normas produzidas pelo poder
legislativo nem se mostra suficiente o simples controle de legalidade de tais regras
quando da sua aplicação, motivo pelo qual não poderão ser os referidos postulados
dispensados pelo operador do direito contemporâneo.

66
“Taxa Judiciária. Taxa Judiciária É Tributo Da Espécie Taxa. Essa Natureza Jurídica Não Foi Alterada Com A
Edição Da Emenda Constitucional Nº 7/77. Se A Taxa Judiciária, Por Excessiva, Criar Obstáculo Capaz De
Impossibilitar A Muitos A Obtenção De Prestação Jurisdicional, É Ela Inconstitucional, Por Ofensa Ao Disposto
Na Parte Inicial Do §4º Do Artigo 153 Da Constituição. Representação Julgada Procedente Em Parte, Para
Declarar-Se A Inconstitucionalidade Das Expressões “Dos Procuradores Do Estado Nos Casos Previstos Neste
Capitulo, Bem Como Sobre Todos Os Atos Extra-Judiciais Praticados Por Tabeliaes, Oficiais De Registros
Publicos, De Distribuição E De Protestos De Titulos, Das Serventias Oficializadas Ou Não” E “Ou Pelos
Serventuarios, Conforme Previsto Neste Artigo” Do Caput Do Artigo 112; Dos §§1º, 2º E 3º Desse Mesmo
Artigo 112; Do Inciso Viii Do Artigo 114; Do Artigo 118 E De Seus Paragrafos; Do Artigo 123; Do Artigo 124;
Do Artigo 125 E De Seus Paragrafos; Do Artigo 129; Dos Incisos I E Iii, E Das Expressões “Ou Confessada Em
Pedido Ja Existente” Do Inciso Ii, Todos Do Artigo 130; Do Artigo 133; Do Artigo 134, Caput E Incisos; Todos
Eles Na Redação Dada Pela Lei 383, De 4 De Dezembro De 1980, Do Estado Do Rio De Janeiro, A Qual Alterou
A Que Vinha Do Decreto- Lei 403, De 28 De Dezembro De 1978 E Da Lei 289, De 5 De Dezembro De 1979,
Que Ja Haviam Modificado O Decreto-Lei 5, De 15 De Marco De 1975, Do Mesmo Estado; E É Inconstitucional,
Por Fim, O Artigo 3º Da Própria Lei 383, De 4 De Dezembro De 1980, Acima Referida”. (STF, Pleno, Ministro
Moreira Alves, DJ, 28 set. 1984, PP-15955).
67
Para uma análise mais detalhada desse ponto, vide o nosso Classificação Constitucional dos Tributos pela
perspectiva da Justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

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Arquitetura racional do processo civil no Estado constitucional

Conclusão
O objetivo do presente trabalho não foi o de detalhamento e o de preenchimento
de conteúdo relacionado a um campo específico do direito. A exposição do esquema
explicativo que parte de uma tradição de pensamento específica (aristotélico-tomista)
poderia, em tese, ser utilizada no esclarecimento de qualquer ramo do direito. Neste
estudo, em verdade, buscou-se estender tais ideias ao campo do processo civil,
principalmente quando esse é pensado com base no conceito de Estado constitucional
fundado na pressuposto da existência de direitos fundamentais inerentes ao ser
humano que necessitam ser efetivados.
Portanto, pretendeu-se aqui apenas dedicar-se à tarefa de desenhar uma
moldura teórica, a qual tem a pretensão de fixar os pressupostos (epistemológicos,
ontológicos, teleológicos e pragmáticos) que podem ser pensados pelo teórico do
direito e podem ser invocados pelo operador do direito — quando diante de casos
concretos — com o intuito de atribuir um mínimo de racionalidade aos institutos
jurídicos que formatam a nossa atividade diária no direito.
O esforço de especificação do fundamento, dos fins e dos meios de qualquer
instituto jurídico presta-se a garantir não apenas mais inteligibilidade e objetividade às
nossas práticas, mas visa também a fornecer determinados critérios que se prestam
a controlar a legitimidade e a racionalidade das escolhas jurídicas particulares que
são feitas por aqueles que conduzem, com prioridade, a produção e estruturação do
nosso fenômeno jurídico (i.e., o legislador e o juiz).
Por isso, entendemos que o presente trabalho pode ser tomado como um
esforço propedêutico na organização de ideias que podem ser utilizadas por aquele
que efetivamente se dedica ao estudo sistemático do processo civil, ao qual caberá
especificar e detalhar os conceitos operadores da disciplina processual. Com efeito,
se a intuição inicial deste trabalho estiver correta no que se refere à definição de
fundamento, fim e meio e no que se refere ao seu modo de sua aplicação ao direito
processual civil, devem ser tais considerações iniciais tomadas como ponto de partida
para uma posterior e mais profunda explicitação das nossas práticas processuais.

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

FERREIRA NETO, Arthur Maria. Arquitetura racional do processo civil no Estado


constitucional. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte,
ano 23, n. 90, p. 87-125, abr./jun. 2015.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 87-125, abr./jun. 2015 125
Processo jurisdicional democrático –
Relação entre verdade e prova

Carlos Henrique Soares


Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela PUC Minas. Professor da PUC Minas de
Direito Processual Civil – Barreiro (Graduação e Pós-Graduação). Coordenador de Curso de
Pós-Graduação em Direito Processual Civil do IEC – PUC Minas – Barreiro. Membro do Instituto
Brasileiro de Direito Processual (IBDP), Instituto Pan-americano de Derecho Procesal (IPDP),
Instituto de Direito de Língua Portuguesa (IDILP) e do Instituto dos Advogados de Minas Gerais
(IAMG). Advogado e sócio da Pena, Dylan, Soares & Carsalade Sociedade de Advogados.
Escritor de diversas obras e artigos jurídicos. Palestrante. E-mail: <carlos@pdsc.com.br>.

Resumo: O texto relaciona os conceitos de prova e verdade, demonstrando que no processo jurisdicional
democrático a verdade é construída pelo consenso.
Palavras-chave: Direito Processual Democrático. Prova. Verdade. Legitimidade.

Sumário: I Introdução – II Teorias clássicas sobre a “verdade” – III “Verdade” e prova – IV Prova, “verdade”
e o (in)consciente – V “Verdade”, processo e decisão jurisdicional – VI Verdade, prova e o novo Código de
Processo Civil – VII Conclusão – Referências

I Introdução
A relação entre verdade e prova é um dos pontos mais tormentosos do direito
processual, tanto no Brasil quanto no mundo. Verificamos que a prova, muitas vezes,
leva o julgador a acreditar que ela é a representação da realidade. Tal erro em acreditar
que ela é uma representação fiel da realidade induz a inúmeros erros judiciários e
compreensões equivocadas quanto à aplicação do direito.
Este texto tem como objetivo desconstruir a ideia de que a prova é a representação
da realidade, bem como justificar que erros judiciários podem ocorrer, na análise da
prova, por conta de interpretações judiciais equivocadas sobre esta e seu objeto.
Buscaremos informar que a prova é um elemento interpretativo, que depende
da subjetividade humana. A análise da prova é uma atividade dialógica, na medida do
debate em contraditório das partes e dos fundamentos jurisdicionais.
Com essa introdução, será necessário tecer algumas considerações sobre as
principais teorias acerca da verdade existente no mundo jurídico e filosófico. Vejamos.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 127-143, abr./jun. 2015 127
Carlos Henrique Soares

II Teorias clássicas sobre a “verdade”


As teorias clássicas ou substanciais sobre a “verdade” podem ser divididas em:
a) teoria da correspondência; b) teoria da coerência; c) teoria da convenção ou do
consenso; d) teoria pragmatista; e e) teoria da verificação ideal.
A teoria da correspondência ou evidência estabelece que a verdade é a ade­
quação do nosso intelecto à coisa ou da coisa ao nosso intelecto.
A teoria da coerência estabelece que a verdade é a coerência interna, ou a
coerência lógica das ideias que, de acordo com as regras e leis dos enunciados,
formam um raciocínio.
A teoria da convenção ou do consenso estabelece que a verdade é o consenso
a que, observados princípios e convenções que estabelecem sobre o conhecimento,
chegam os membros de uma comunidade de pesquisadores ou estudiosos.
A teoria pragmática estabelece que a verdade está nos resultados e aplicações
práticas do conhecimento, sendo aferível pela experimentação e pela experiência.
E, por último, a teoria da verificação ideal estabelece que a verdade está nos
resultados obtidos dentro de situações ideais de experimentação.
A indicação das referidas teorias da verdade teve o único sentido de noticiar
a sua existência, mas não serão devidamente analisadas, por fugir ao escopo do
presente texto, que busca, justamente, trabalhar a verdade e o processo no âmbito
filosófico-processual exclusivamente. Contudo, algumas considerações são bem-
vindas, como bem ressalta Marilena Chauí (1995):

Na primeira e na quarta teoria, a verdade é o acordo entre o pensamento


e a realidade. Na segunda e na terceira teoria, a verdade é o acordo
do pensamento e da linguagem consigo mesmos, a partir de regras e
princípios que o pensamento e a linguagem deram a si mesmos, em
conformidade com sua natureza própria, que é a mesma para todos os
seres humanos (ou definida como a mesma para todos por um consenso).1

Diante de tais teorias, e fazendo um paralelo com as decisões jurisdicionais,


pode-se afirmar que a sentença é verdade se, e somente se, corresponde a um fato
(teoria da correspondência); a sentença é verdade se, e somente se, corresponde
a um conjunto de crenças internamente coerente (teoria da coerência); a sentença
é verdade se, e somente se, corresponde ao consenso dado aos membros de uma
comunidade de pesquisadores ou estudiosos (teoria do consenso); a sentença é
verdade se, e somente se, é algo útil a se acreditar (teoria pragmática); a sentença é
verdade se, e somente se, é provável ou verificável em condições ideais.

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 2. ed. São Paulo: Ática, 1995. p. 100-101.
1

128 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 127-143, abr./jun. 2015
Processo jurisdicional democrático – Relação entre verdade e prova

Em todas as teorias da verdade citadas, há um ponto comum, qual seja, a


adequação ou conformidade entre o intelecto e a realidade. O intelecto é a inteligência,
o entendimento, a razão, o conhecimento intelectual. A realidade é o ser. Na
correspondência entre o intelecto e o ser firma-se a adequação de ideias constitutivas
do objeto (adaequatio intellectus et rei).2
Por óbvio e por exclusão, podemos afirmar que a definição e o entendimento do
sentido da expressão “verdade” faz com que possamos compreender o sentido de
“falso”. Do ponto de vista processual, a verdade é sempre perquirida, e a falsidade é
sempre punida por ser considerada deslealdade e má-fé processual.
Verifica-se, também, outro ponto que merece reflexão. Todas as teorias trabalham
o conceito de “verdade” no âmbito substancial. Nessa perspectiva, admitem justificativa
para sua modificação a sentença judicial que não corresponder à verdade dos fatos.
Admitem a “flexibilização da coisa julgada”.

III “Verdade” e prova


Com base nas teorias subjetivas da verdade e relacionando com o direito
processual, podemos anotar, de forma clara, que existe uma tendência de se admitir
a subjetividade da prova e da verdade.
A valoração e valorização da prova pelo julgador de primeiro grau de jurisdição
pode ser diferente da valoração e valorização da prova pelo segundo grau de
jurisdição e isso pode modificar todas as compreensões tomadas como verdadeiras
(premissas), bem como o resultado (decisão). A subjetividade do julgador, no fim, é
o que pode nortear os elementos que serão tomados como verdadeiros nos autos.3
Ninguém dúvida de que a presença da subjetividade no momento da decisão
exista. No entanto, precisamos estabelecer os limites para que os fatos e provas
sejam tratados como verdadeiros. Qual seria o critério para que determinado fato ou
elemento possa ser tomado como verdadeiro no processo?
Apenas para ilustrar o que estamos querendo dizer, veja a decisão tomada pelo
Superior Tribunal de Justiça do Brasil, no julgamento do Recurso Especial nº 226436/
PR, que assim entendeu:

sempre recomendável a realização de perícia para investigação


genética (HLA e DNA), porque permite ao julgador um juízo de fortíssima

2
BARROS, Marco Antonio de. A busca da verdade no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002. p. 15.
3
Cf. Rosemiro Pereira Leal: “A valoração da prova é, num primeiro momento, perceber a existência do elemen-
to de prova nos autos do procedimento. Num segundo momento, pela valorização, é mostrar o conteúdo de
importância do elemento de prova para a formação do convencimento e o teor significativo de seus aspectos
técnicos e lógico-jurídicos de inequivocidade material e formal” (Teoria geral do processo: primeiros estudos.
9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 135).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 127-143, abr./jun. 2015 129
Carlos Henrique Soares

probabilidade, senão de certeza na composição do conflito. Ademais, o


progresso da ciência jurídica, em matéria de prova, está na substituição
da verdade ficta pela verdade real. A coisa julgada, em se tratando
de ações de estado, como no caso de investigação de paternidade,
deve ser interpretada modus in rebus. Nas palavras de respeitável e
avançada doutrina, quando estudiosos hoje se aprofundam no reestudo
do instituto, na busca, sobretudo, da realização do processo justo,
“a coisa julgada existe como criação necessária à segurança prática
das relações jurídicas e as dificuldades que se opõem à sua ruptura
se explicam pela mesmíssima razão”. “Não se pode olvidar, todavia,
que, numa sociedade de homens livres, a Justiça tem de estar acima
da segurança, porque sem Justiça não há liberdade”. Este Tribunal tem
buscado, em sua jurisprudência, firmar posições que atendam aos fins
sociais do processo e às exigências do bem comum.

Deduz-se, pela análise da presente decisão, que se justifica a possibilidade de


modificação da sentença e da coisa julgada sob o fundamento de que o que importa
no processo jurisdicional é justamente a busca da verdade real. Ao afirmar isso, fica
demonstrado que o Superior Tribunal de Justiça brasileiro demonstra sua afinidade à
teoria da verdade como correspondência.
A tese defendida pelo Sr. Ministro Sálvio Figueiredo Teixeira, além de adotar
uma teoria subjetiva de verdade, infelizmente, confunde os conceitos de “prova”,
“verdade” e “certeza”.
Quando se busca a “verdade” na ação de reconhecimento de paternidade, isso
não implica a certeza da paternidade. Tal afirmativa pode ser verificada nos dizeres de
Malatesta (1996), ressaltando que a verdade, em geral, é a conformidade da noção
ideológica com a realidade, enquanto a crença na percepção dessa conformidade é a
certeza; por vezes, tem-se certeza do que, objetivamente, é falso; por vezes, duvida-
se do que, objetivamente, é verdadeiro.4
A verdade é o desvelamento, a manifestação do ser, a lucidez do objeto que
só é alcançada com a inteligência e a compreensão humana. Não existe verdade
absoluta, os objetos só nos mostram parte de sua realidade.5 A verdade absoluta
poderia ser traduzida pela expressão “certeza”, ou seja, quando se crer que não há
nada mais que possa derrubar as informações tidas como verdadeiras.
No processo jurisdicional, e nas ciências em geral, a evidência que temos é
que nenhuma verdade é absoluta. Nas ciências, de um modo geral, e nas ciências
jurídicas e no processo, não existe verdade absoluta (certeza), pois a todo instante,

4
MALATESTA, Nicola Framarino dei. A lógica das provas em matéria criminal. Trad. Paolo Capitanio. 3. ed.
Campinas: Booksseller, 1996. p. 21.
5
DA COSTA, N. C. A. O conhecimento científico. 2. ed. São Paulo: Discurso Editorial, 1999.

130 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 127-143, abr./jun. 2015
Processo jurisdicional democrático – Relação entre verdade e prova

estamos desenvolvendo modos diversos e distintos para entender e responder a


novas situações fáticas e jurídicas que a complexidade humana e suas relações
trazem para o plano social.
A verdade processual, ou seja, elementos considerados existentes nos processos,
é obtida através de uma reconstrução dos fatos com a indicação de argumentos
jurídicos, provas testemunhais e documentais, perícias e presunções, que levam os
sujeitos processuais (partes, advogados,6 Ministério Público e juiz) a formarem suas
convicções particulares valorizando aqueles dados que interessam e que possuam
relevância e consequências jurídicas.
É importante ressaltar que a verdade processual sofre influência direta das
opções políticas e das subjetividades de cada sujeito processual participante do
processo jurisdicional. Isso significa que, tratando-se de observar a realidade construída
pelo autor através de apresentação de uma pretensão, verificamos que o mesmo irá
construir fatos e fundamentos jurídicos, bem como produzir provas para demonstrar
sua razão de direito e de fato no processo e obter politicamente o resultado esperado,
qual seja, a procedência do pedido. Já o réu terá a mesma conduta do autor, no
entanto em sentido contrário.
A apresentação de realidades distintas pelo autor e pelo réu, por si só, não
permite afirmar que um dos dois está trazendo argumentos falsos ao processo
para obter vantagem indevida, o que seria considerado litigância de má-fé. Apenas
demonstra, num primeiro momento, que temos a percepção da realidade e da verdade
dos fatos interpretadas de formas diferentes.
O Juiz, após ler as pretensões do autor e as pretensões resistidas do réu, pode
apresentar uma terceira via de compreensão da realidade, tomando como verdadeiros
pontos ou questões que para o autor e para o réu não foram valoradas (percebidas) ou
valorizadas. Essa terceira via de compreensão justifica que a verdade, especialmente,
nos autos, é sempre algo reconstruído, não sendo possível definir como absoluta. As
verdades são convenções e, portanto, é impossível qualquer tipo de inferência sobre
verdade sem que todos os participantes do processo tenham estabelecido algumas
premissas idênticas.
Conforme adverte Rosemiro Pereira Leal, “desservem ao Direito, na contem­
poraneidade, os estudos da prova, se concebida, como assinalado, em moldes
judiciaristas, mediante avaliação de sua eficácia probante pelo ‘poder’ da sensibilidade
e do talento da apreensibilidade jurisdicional”.7

6
Cf. Carlos Henrique Soares, em seu livro “Estatuto da advocacia e processo constitucional”, diz que há a
afirmação específica de que a participação do advogado e seus argumentos devem ser necessários para que
se possa ter um processo democrático e constitucional. Isso significa dizer que o advogado, por meio de suas
interpretações e provas, necessariamente, contribui para o processo de formação da verdade processual
(Estatuto da advocacia e processo constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2014).
7
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo. 6. ed. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p. 193.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 127-143, abr./jun. 2015 131
Carlos Henrique Soares

Nas democracias, a “prova” não é parâmetro para a busca da “verdade real”. O ato
de “provar” é entendido como “representar e documentar, instrumentando, os elementos
de prova pelos meios de prova”.8 A prova, na democracia, não pretende estabelecer a
“verdade”, mas, sobretudo, ser uma garantia do devido processo constitucional.
Para cumprir essa sua função de garantia do devido processo constitucional a
“prova” enuncia-se pelos conteúdos lógicos de aproximação dos seguintes princípios:
a) indiciariedade; b) ideação; e c) formalização. Na lição de Leal:

[...] o princípio da indiciariedade aponta o elemento de prova no espaço.


O princípio da ideação rege o meio intelectivo legal da coleta da prova
no tempo do pensar. O princípio da formalização realiza o instrumento
da prova pela forma estabelecida em lei. De conseqüência, a prova,
como instituto jurídico, enuncia-se a partir do mundo da realidade dos
elementos sensoriais pelos meios de ideação jurídica para elaboração
do instrumento de sua expressão formal.9

A busca da “verdade” dos fatos não é responsabilidade do juiz, nem do processo


e, muito menos, da prova. Todos os sujeitos processuais e interessados na decisão
jurisdicional devem construir um consenso sobre as principais premissas que serão
tomadas como verdadeiras. A participação e debate das partes são indispensáveis para o
estabelecimento que a decisão possa tomar como verdadeiros determinadas questões.10
Expressões como: “verdade real11” e “verdade formal12” não podem fazer
mais parte do vocabulário jurídico científico, pois como visto, a verdade só pode

8
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo. 6. ed. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p. 193.
9
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo. 6. ed. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p. 192.
10
Cfr. Rosemiro Pereira Leal: “Nos arts. 131 e 332 do CPC, provar é ato reconhecido pela Jurisdição, e não ativi-
dade de demonstrar pelo instituto da prova. O CPC, nesse passo, é de irretocável autocracia (1973). Não tem
eixo teórico no paradigma do Estado de Direito Democrático, não adota o instituto da prova em sua plenitude
enunciativa de operacionalização de direitos fundamentais. Assim, quando é suprimida a produção de provas
em nome do “livre convencimento” do juiz (art. 131, do CPC) ou de uma justiça rápida ou pela retórica da sin-
geleza dos casos, temos a ilusória resolução das demandas pelo delírio enganoso do consenso ou pela utopia
do diálogo inesclarecido ou a terminação do caso pelo esquecimento do conflito. Exercer jurisdição sem proce-
dimento é abolir a prova legal de existência do due process, porque, para existir Processo, é preciso produzir
procedimento (espaço-tempo-formalizado), segundo a lei asseguradora da ampla defesa, do contraditório, da
isonomia, do direito ao advogado e gratuidade dos serviços judiciários na defesa de direitos fundamentais”
(Teoria geral do processo. 6. ed. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p. 193).
11
Cf. Ada Pellegrini Grinover: “[...] a antítese “material-formal” é criticável quer do ponto de vista terminológico,
quer do ponto de vista substancial. É igualmente simplista a ulterior correlação: processo penal — verdade
material; processo civil — verdade formal. Pressupõe ela a imagem de um processo civil, imutavelmente preso
ao dogma da absoluta disponibilidade do objeto do processo e dos meios de prova, o que é inexato do ponto
de vista do direito positivo, bem como do ponto de vista histórico” (Liberdades públicas e processo penal. 2.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982. p. 82).
12
Cf. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 1. p. 37: “No
processo civil vigoram as presunções, as ficções, as transações, elementos todos contrários” à declaração de
certeza da verdade material. Se o réu, no Processo Civil, estando em jogo interesses disponíveis (que constitui
regra), reconhece a procedência do pedido, extingue-se o processo com a resolução do mérito (art. 269, II, do
CPC). No Processo Penal, não; a confissão não passa de simples meio de prova".

132 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 127-143, abr./jun. 2015
Processo jurisdicional democrático – Relação entre verdade e prova

ser entendida como elemento construído ou reconstruído pelo debate das partes
(contraditório). Daí, e somente por isso, se justifica, em alguns casos, a admissão ou
não de fato, por presunção, ou seja, sem que o mesmo pudesse ser provado. A esse
respeito, esclarece Theodoro Jr. que:

[...] somente depois de a parte não usar os meios processuais a seu


alcance é que o juiz empregará mecanismos relativos ao ônus de prova e
à ficta confessio. É, destarte, a própria parte, e não o juiz, que conduz o
processo a um julgamento afastado da verdade real.13

Ainda no intuito de tecer críticas a essa dicotomia “verdade real” e “verdade


formal”, sustenta Cambi que: “[...] A reconstrução dos fatos no processo penal não é
mais relevante do que no processo civil, mesmo porque nem todas as condenações
penais redundam na aplicação da pena de restrição da liberdade e, mesmo assim, em
contrapartida, as consequências não patrimoniais de uma condenação civil poderiam
ser tão graves quanto à restrição da liberdade (por exemplo, a perda do pátrio poder).
Portanto, tanto no processo penal quanto no civil, o melhor conhecimento possível
dos fatos constitui pressuposto para uma boa decisão”.14
Merece acolhida, portanto, a afirmativa de que não é possível estabelecer
diferenciação entre “verdade real” e “verdade formal”. A colocação da dicotomia
e suas críticas acabam por disseminar muito mais dúvidas do que, propriamente,
soluções. O termo “verdade” está diretamente relacionando com o direito processual
e com o princípio do contraditório. A verdade é um elemento construído e reconstruído
na medida da garantia do contraditório. Segundo Soares, o contraditório significa a
garantia da proibição da decisão surpresa, ou seja, decisões que não sofreram o
devido debate pelas partes. Que não foi garantido o efetivo direito de participação,
que é muito mais do que apenas dizer e contradizer nos autos, mas, sobretudo, o
direito de influenciar a decisão jurisdicional com argumentações, fatos e provas.15
Esse direito ao contraditório, como garantia de influência, impede as chamadas
“decisões surpresas”.16

13
THEODORO JR. Humberto. Curso de direito processual civil. 47. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. I. p. 33-34.
14
CAMBI, Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 72-73.
15
SOARES, Carlos Henrique. Estatuto da advocacia e processo constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2014. p. 295.
16
Cfr. José Lebre de Freitas: “a proibição da chamada decisão-surpresa tem sobretudo interesse para as ques-
tões, de direito material ou de direito processual, de que o tribunal pode conhecer oficiosamente: se nenhuma
das partes as tiver suscitado, com concessão à parte contrária do direito de resposta, o juiz — ou o relator
do tribunal de recurso — que nelas entenda dever basear a decisão, seja mediante o conhecimento do mérito
seja no plano meramente processual, deve previamente convidar ambas as partes a sobre elas tomarem
posição, só estando dispensado de o fazer em casos de manifesta desnecessidade” (Introdução ao processo
civil: conceito e princípios gerais à luz do código revisto. Coimbra: Coimbra Ed., 1996. p. 103).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 127-143, abr./jun. 2015 133
Carlos Henrique Soares

IV Prova, “verdade” e o (in)consciente


A percepção do homem sobre a realidade, especialmente sobre os fatos que
para si são tomados como verdadeiros e conscientes, não é fácil de ser conhecida
e explicada. Embora pareça claro que a maioria das atitudes do homem possa ser
fruto de sua vontade e consciência, há estudos que demonstram que muitas das
vezes aceitamos verdades e escolhas acreditando serem conscientes, mas que na
verdade foram feitas pelo nosso cérebro de maneira inconsciente e sem que assim
o percebêssemos.
A dúvida sobre a verdade e até mesmo sobre a existência do homem e das
situações fáticas vividas se constituem uma das mais difíceis e importantes perguntas
sobre a própria humanidade. Uma das principais reflexões sobre a verdade e sua
existência foi apresentada por René Descartes, em seu livro “Discurso do Método”,
onde sua dúvida sobre a existência ficou concretizada no pensamento muito difundido,
qual seja, “penso, logo existo”.17 Com tal reflexão, Descartes colocou em dúvida a
própria existência e a própria dúvida sobre os fatos da realidade, resolvendo um
conflito existencial, incluindo um elemento subjetivo, o “pensamento”. O pensamento
é para Descartes a própria prova da existência da realidade. Essa constatação de que
o pensamento constrói a realidade foi feito de modo empírico, sem conhecimento
sobre a psicanálise.
Trazendo a psicanálise para o campo de investigação do direito, é possível
entender que a prova está diretamente relacionada com o sujeito, e, portanto, com seus
pensamentos e convicções. O pensamento é o elemento que une a realidade e a prova.
Um dos autores mais consagrados dos Estados Unidos, Doutor em física e
professor do Instituto de Tecnologia da Califórnia, Leonard Mlodinow, que possui
várias estudos em parceria com o maior físico contemporâneo PH.D. Stephen Hawking,
apresentou em 2013 uma obra intitulada “Subliminar – como o inconsciente influencia
nossas vidas”, na qual verificamos, em inúmeros capítulos, a afirmação de que em
situações normais da vida em sociedade acabamos sendo influenciados com base
em fundamentos racionais e irracionais, especialmente em convicções pessoais.
Isso significa dizer que o autor sustenta a tese de que o subconsciente decide
e faz com que situações pareçam verdadeiras, influenciando o processo de tomada
de decisão das pessoas. Isso também acontece no pleno processual e, justamente,
na produção da prova.18

17
DESCARTES, René. Discurso do método. Trad. Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Editora Martins Fontes,
2001. p. 38.
18
MLODINOW, Leonard. Subliminar: como o inconsciente influencia nossas vidas. Trad. Cláudio Carina. Rio de
Janeiro: Zahar, 2013.

134 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 127-143, abr./jun. 2015
Processo jurisdicional democrático – Relação entre verdade e prova

Como afirma Mlodinow, “o comportamento humano é produto de um interminável


fluxo de percepções, sentimentos e pensamentos, tanto no plano consciente quanto
no inconsciente”.19 Com tal afirmação, transportando para o processo, temos a
constatação de que o ato de deduzir pretensões ou pretensões resistidas, provar e
decidir, muito embora pareça exclusivamente racional e técnico, contém em si muito
de percepções inconscientes, traduzindo informações e pré-compreensões.
“Fatores ambientais”, por exemplo, podem interferir no julgamento e na percepção
da prova e em sua valoração e valorização. “Fatores argumentativos” que possam
trazer emoções ou comoções pessoais podem também ajudar a condenar ou absolver
determinada pessoa. A prova e a decisão, mesmo que não pareçam, sofrem influência
direta dessa argumentação e dos fatores ambientais e emocionais dos intérpretes. No
fim, significa dizer, que no âmbito processual, a verdade ou a realidade depende de
inúmeros fatores, sendo que a racionalidade está presente, mas sofre influência da
irracionalidade ou do subconsciente.20
O que estamos querendo informar é justamente o fato de que um discurso mais
emotivo, menos técnico-jurídico, ou uma percepção da realidade de forma diferenciada,
mais dura ou mais branda, pode influenciar irracionalmente a percepção da realidade,
sem que isso possa ser percebido pelo sujeito processual, que, no fundo, acredita ter
apreendido as informações de forma racional, influenciando diretamente no discurso
apresentado no Judiciário, nas provas e nas decisões jurisdicionais.
Assim, tomando por base a necessária compreensão de que a percepção da
realidade tem um fator racional e um fator irracional, isso também deve influenciar no
processo de tomada de decisão jurisdicional. Os argumentos, fatos, provas e decisão
estão intimamente ligados ao pensamento e este é justamente o elemento subjetivo
que cria a realidade, seja racional ou irracional.
Quando tomamos para nós, como verdadeiro, determinada premissa, essa
escolha muitas vezes pode ter sido feita de modo irracional, por uma série de influências
ambientais ou de preconceitos do sujeito, e isso faz com que nossos julgamentos,
mesmo que em base racionais, possam sofrer a influência direta de elementos
irracionais, às vezes resolvidas por uma questão de simpatia ou antipatia, por exemplo.

19
MLODINOW, Leonard. Subliminar: como o inconsciente influencia nossas vidas. Trad. Cláudio Carina. Rio de
Janeiro: Zahar, 2013. p. 23.
20
Cf. Leonard Mlodinow: “Na verdade, esses elementos ambientais têm uma influência poderosa — inconscien-
te — não só no quanto escolhemos comer, mas também no sabor da comida. Por exemplo, vamos supor que
você não coma só no cinema, mas também vá a restaurantes, às vezes a restaurantes que oferecem mais do
que um menu com vários tipos de hambúrgueres. Esses restaurantes mais elegantes costumam escrever no
menu termos como “pepino crocante”, “purê de batatas aveludado” e “beterrabas gralhadas sobre o leito de
rúcula”, como se nos outros restaurantes o pepino fosse troncho, o purê de batatas tivesse textura de algodão
e as beterrabas viessem nadando em óleo. Será que um pepino crocante fica mais crocante com outro nome?
Será que um cheseburguer com bacon se torna comida mexicana se for apresentado em espanhol? Será
que uma descrição poética pode fazer com que um macarrão com queijo deixe de ser uma quadrinha para se
transformar num haicai?” (Subliminar: como o inconsciente influencia nossas vidas. Trad. Cláudio Carina. Rio
de Janeiro: Zahar, 2013. p. 28).

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Carlos Henrique Soares

Em última análise, a verdade no processo sofre influência direta de “fatores


externos”, extra-autos, que dizem muito mais sobre os sujeitos processuais do
que sobre a própria verdade em si. Fatores argumentativos, políticos, sociais e
econômicos, se bem empregados, são capazes de sensibilizar os sujeitos processuais
e podem transformar fatos improváveis em fatos verdadeiros. Isso se dá por questões
inconscientes, que dizem respeito às nossas opções políticas, sociais e econômicas,
transformam nossa percepção sobre o mundo e transformam as decisões que
tomamos. Isso, claro, tem relevância para o mundo jurídico quando se trata de discutir
no direito processual a verdade processual, que obviamente é uma disputa política
sobre valorização e valoração de prova, sobre argumentação jurídica, sobre outros
fatores externos que nem mesmo entram em discussão nos autos do processo.
Os “fatores externos” podem, por exemplo, interferir diretamente na prova
testemunhal. Isso é facilmente perceptível quando confrontamos o depoimento de
duas testemunhas que presenciaram o mesmo fato. Confrontados os depoimentos
das duas, verificamos que os mesmos fatos são narrados de formas diferentes, os
detalhes que chamaram a atenção de uma testemunha não são os mesmos que
chamaram a atenção da outra testemunha. Como dito, a percepção da realidade, por
ambas, é diferente, em razão de fatores externos, e que no inconsciente de cada um
são processados de maneira diversa. Ora, se ambas estão dizendo a verdade, é sinal
de que a verdade admite formas interpretativas diferenciadas, e todas estão corretas.
Isso também pode acontecer quando da interpretação de contratos ou quando
da elaboração de provas periciais. Mesmo que o contrato pareça ser um documento
confiável e resolutivo de um acordo de vontade, há sempre a possibilidade de trazer
à baila discussões sobre interpretações de cláusulas contratuais ou até mesmo de
todo o contrato. Isso se dá em razão de influências ou fatores externos (políticos,
econômicos ou sociais).
Também temos a subjetividade operando nas provas periciais. Acredita-se
que a prova pericial é uma prova objetiva, com probabilidade de erro pequena, uma
vez que a mesma se utiliza de conhecimentos científicos para elaborar seus laudos
periciais (instrumento técnico que contém as principais impressões sobre o objeto
de investigação). No entanto, os “fatores externos” sempre influenciam o resultado
da perícia, pois a subjetividade dos peritos não pode ser descartada, quando da
elaboração do laudo. Isso significa dizer que o perito, por razões inconscientes, acaba
direcionando o resultado de sua perícia, sem perceber, apresentando resultados
supostamente racionais.
Com essa pequena reflexão queremos indicar que “verdade” e “prova” estão
estritamente ligadas ao nosso pensamento, e muitas das vezes, o que percebemos
do mundo e da realidade são consequências de inúmeros “fatores externos”,
“subjetivos”, que interferem na interpretação da realidade.

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Processo jurisdicional democrático – Relação entre verdade e prova

O processo jurisdicional, como criação humana, é um palco para a discussão


das possíveis interpretações. Nesse palco, o que vemos é uma discussão entre fatos,
fundamentos e provas que são discutidas e debatidas pelas partes, pelos advogados
e pelo juiz, que acabam construindo uma realidade processual. Claro, esse processo
construtivo da realidade processual, também, não está isento dos fatores externos,
e isso pode influenciar diretamente o resultado da demanda.
Assim, a “verdade” é fruto da criação humana, e a prova é a tentativa do homem
de convencer todos que a melhor interpretação da realidade é aquela percebida por
ele, consciente ou inconsciente. Somente o pensamento e sua devida dedução
podem permitir a construção da realidade. Vivemos dentro dos nossos pensamentos.

V “Verdade”, processo e decisão jurisdicional


A relação entre “verdade”, “processo” e “decisão jurisdicional”, em termos
técnicos jurídicos, deve ser buscada a partir da filosofia da linguagem. Assim, a
verdade é explicada como “justificação” que permita a todos os interessados a efetiva
participação no processo de formação da decisão jurisdicional.
A compreensão de decisão jurisdicional como sendo uma “sentença” ou
“enunciado” de verdade está estritamente vinculada à linguagem. O “discurso de
aplicação” das normas aos casos concretos referem-se sempre aos interesses
das partes imediatamente envolvidas. Assim, as perspectivas particulares dos
participantes têm que manter, simultaneamente, o contato com a estrutura geral de
perspectivas que, durante os “discursos de fundamentação”, esteve atrás de normas
supostas como válidas.
Nesse sentido, sustenta Habermas que:

O mundo objetivo não é mais algo a ser retratado, mas apenas o ponto
de referência comum de um processo de entendimento mútuo entre
membros de uma comunidade de comunicação, que se entendem sobre
algo no mundo. Os fatos comunicados não podem ser separados do
processo de comunicação, assim como não se pode separar a suposição
de um mundo objetivo do horizonte de interpretação intersubjetivamente
compartilhado, no qual os participantes da comunicação desde sempre
já se movem. O conhecimento não se reduz mais à correspondência
entre proposições e fatos. É por isso que apenas a virada lingüística,
coerentemente conduzida até o fim, pode superar de uma só vez o
mentalismo e o modelo cognitivo do espelhamento da natureza.21

Os enunciados de linguagem contidos na decisão jurisdicional somente são


verdadeiros se puderem ser confrontados com os conhecimentos já preconcebidos

HABERMAS, Jürgen. Verdade e justificação. Ensaios filosóficos. São Paulo: Loyola, 2004. p. 234.
21

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Carlos Henrique Soares

e discutidos pelos interessados do ato final. Tal fato sugere “um conceito antifun­
damentalista de conhecimento e um conceito holístico de justificação”.22
Habermas, citando Rorty, salienta que “nada pode valer como justificação a
não ser por referência ao que já aceitamos” e conclui daí “que não podemos sair de
nossa linguagem e de nossas crenças para encontrar algum teste que não seja a
coerência”23 Coerência, para Habermas, é justamente a “justificação” da sentença
ou enunciado de linguagem por crenças já existentes sobre o mundo. No entanto,
saliente-se, que não basta que uma sentença ou coisa julgada seja coerente para
ser verdadeira. É necessário atender ao critério de “justificação”, que só se realiza
através do princípio do discurso.
Segundo informa Dalla-Rosa:

O discurso nada mais é do que a identificação dos modos pelo qual


o homem, pela utilização da palavra, consegue atingir a esfera de
outrem, ou modificar sua própria esfera, utilizando-se, para tanto, de
instrumentos que permitam compreender o objeto através de seus
aspectos linguísticos, aproximando-os de sua natureza ontológica e
conduzindo seu destinatário à imaginação, a decisão, a concordância ou
ao convencimento de premissa afirmada.24

Na transição do agir para o discurso, a “verdade” de uma decisão jurisdicional


se liberta do modo da certeza da ação e toma a forma de um enunciado hipotético,
cuja validade fica suspensa durante o discurso. A argumentação tem a forma de um
concurso que visa aos melhores argumentos a favor de ou contra pretensões de
validade controversas, servindo à busca cooperativa da verdade.25
Nesse sentido, argumenta Habermas que “o que consideramos verdadeiro deve
poder ser defendido com razões convincentes não só em outro contexto, mas também
em todos os contextos possíveis, ou seja, a todo momento, e contra quem quer que
seja. A teoria discursiva da verdade se inspira nisso; desse modo, um enunciado é
verdadeiro quando, nas exigentes condições de um discurso racional, resiste a todas
as tentativas de refutação".26
No modelo de democracia apresentado por Habermas, com uma visão procedi­
mentalista do direito, a decisão jurisdicional deve refletir a vontade e a opinião dos
participantes do processo. A verdade só pode ser obtida à medida que sejam garantidos
aos participantes no processo jurisdicional a possibilidade de argumentação. Toda
decisão tomada discursivamente tem que ser constitucional e democrática. O Poder

22
HABERMAS, Jürgen. Verdade e justificação. Ensaios filosóficos. São Paulo: Loyola, 2004. p. 242.
23
HABERMAS, Jürgen. Verdade e justificação. Ensaios filosóficos. São Paulo: Loyola, 2004. p. 242.
24
DALLA-ROSA, Luiz Vergílio. Uma teoria do discurso constitucional. São Paulo: Landy, 2002. p. 25.
25
HABERMAS, Jürgen. Verdade e justificação. Ensaios filosóficos. São Paulo: Loyola, 2004. p. 249-250.
26
HABERMAS, Jürgen. Verdade e justificação. Ensaios filosóficos. São Paulo: Loyola, 2004. p. 254.

138 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 127-143, abr./jun. 2015
Processo jurisdicional democrático – Relação entre verdade e prova

Judiciário tem o papel de proteger o processo de criação democrática do direito,


ou seja, de garantir o exercício da cidadania, para que os próprios interessados na
decisão jurisdicional possam chegar a um entendimento com base nos argumentos
sobre a melhor forma de resolver os problemas.27
O que vai influir no resultado de um julgamento e corresponder à “verdade” não
é a sua correspondência com a realidade, mas, sobretudo, a argumentação aplicada
ao discurso. É isso que vai possibilitar a superação do termo “justiça nas decisões”
pelo termo “legitimidade decisória”.
A legitimidade da decisão judicial é garantida na medida da respeitabilidade dos
princípios do contraditório, da ampla defesa e da fundamentação das decisões. A
aplicação da lei aos casos concretos deve ocorrer através do discurso de aplicação.
O discurso de aplicação é limitado pelo legislador político, não podendo lançar mão
de argumentos arbitrários e contrários às normas legais. Caso isso ocorra, será
formalizada uma decisão jurisdicional inconstitucional ou ilegal, mas de um ato que
não se constitui de uma decisão jurisdicional, por carência de legitimidade e por
ausência de fundamentação num discurso de aplicação.
Somente nas práxis é possível confiar intuitivamente na “verdade”, de modo
incondicional. Mas quando essa prática do mundo sofre problematização, por
argumentação, necessita-se do processo jurisdicional para avaliar se tais pretensões
de validade merecem ou não um reconhecimento racionalmente motivado.28
Verdadeira é a decisão jurisdicional justificada que foi obtida por intermédio do
consenso entre os interessados no processo jurisdicional. A verdade, em Habermas,
significa consenso obtido pelo melhor argumento. E o papel do direito processual não
se limita à instituição de procedimentos voltados para a aplicação do direito, mas,
sobretudo, a garantir um espaço discursivo no qual os interessados pela decisão
jurisdicional também se identifiquem como autores dessa norma jurídica. O direito
processual não regula a argumentação jurídico-normativa enquanto tal, porém assegura,
numa linha temporal, social e material, o quadro institucional para decorrências
comunicativas não circunscritas, que obedecem à lógica de discursos de aplicação.29
Nesse diapasão, o processo de tomada de decisão não pode ser um elemento
colocado isoladamente nas mãos do juiz, pois como dito, as escolhas e interpretações
podem acontecer de forma irracional, com falsas premissas racionais. Para evitar
interpretações equivocadas, sem consenso, só uma maneira, através do pensamento
e de sua construção por um processo jurisdicional democrático e participativo.30

27
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
v. I. p. 297 e ss.
28
HABERMAS, Jürgen. Verdade e justificação. Ensaios filosóficos. São Paulo: Loyola, 2004. p. 258.
29
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
v. I. p. 292.
30
Cf. Rosemiro Pereira Leal que “o postulado de Habermas de que a força do direito nas democracias se expres-
sa na circunstancialidade de os destinatários das normas se reconhecerem como seus próprios autores só é

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 127-143, abr./jun. 2015 139
Carlos Henrique Soares

VI Verdade, prova e o novo Código de Processo Civil


Analisando o novo Código de Processo Civil, já aprovado pelo Congresso
Nacional, mas ainda não sancionado pela Presidente da República do Brasil,
podemos perceber que a relação do elemento “prova”, com o elemento “verdade”
foi substancialmente alterado.
Percebemos que o contraditório passou a ter uma relevância, conforme estabelece
os artigos 7º e 9º do novo Código de Processo Civil, acima do que era previsto na
legislação processual de 1973 – atual CPC. O distanciamento da responsabilidade de
decidir, para além da figura do julgador, e a aproximação das partes e dos advogados
dessa responsabilidade, demonstra uma ruptura com a prática autoritária praticada
pelo Judiciário brasileiro.
Se, no atual Código de Processo Civil, o Juiz é onipresente, onisciente e
onipotente, o novo Código de Processo Civil, pelo menos em sua parte principiológica,
tende a informar que a decisão não é mais um ato judicial, proferido de cima para
baixo, mas, sobretudo, um ato de construção, participativo, em contraditório, no qual
as partes e seus advogados possuem o direito e a garantia de influenciar a decisão,
numa clara indicação de que o processo jurisdicional é um processo de criação, de
construção, de modo argumentativo.
Foi nesse sentido que o novo Código de Processo Civil brasileiro, ousado e
inovador, entendeu por bem indicar o que se entende por uma sentença fundamentada,
que não pode ser um elemento de obscuridade e de truculência ou de autoritarismo.
Assim, pela leitura do artigo 499 do novo Código, especialmente o parágrafo primeiro,
verificamos que não se considera fundamentada a decisão judicial que se limitar
à indicação, à reprodução, à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação
com a causa ou a questão decidida. Também não está fundamentada a decisão
judicial que: 1) empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo
concreto de sua incidência no caso, bem como invocar motivos que se prestariam
a justificar qualquer outra decisão; 2) não enfrentar todos os argumentos jurídicos
deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo
julgador; 3) se limitar a invocar precedente ou enunciação de súmula, sem identificar
seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se
ajusta àqueles fundamentos; por fim, 5) deixar de seguir enunciado de súmula,

acolhível num espaço-jurídico processualizados (em conotações fazzalarianas e neo institucionalistas) em que
as decisões não seriam atos jurisdicionais de algum protetor ou mero provedor dos procedimentos democra-
ticamente constitucionalizados (devido processo legal), mas atos processualmente preparados na estrutura
procedimental aberta a todos os sujeitos (partes: pessoas físicas, jurídicas, coletivas; órgãos judiciais; juízes;
instituições estatais, Ministério Público e órgãos técnicos) figurativos e operadores dessa instrumentalidade
jurídico-discursiva na movimentação efetivadora, correicional e recriativa dos direitos constitucionalizados por
uma comunidade que se candidate a se constituir, a cada dia, em sociedade jurídico-política democrática no
Estado constitucionalizado” (Teoria processual da decisão jurídica. São Paulo: Landy, 2002. p. 131).

140 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 127-143, abr./jun. 2015
Processo jurisdicional democrático – Relação entre verdade e prova

jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de


distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
Este artigo 499 do novo Código de Processo Civil, em nosso entendimento,
busca demonstrar que a verdade processual deve ser buscada pelo consenso e
justificação, através do contraditório e do direito de influenciar as decisões. E o
direito processual deve ser o instrumento que possibilite aos sujeitos processuais
(juiz, partes, advogados) desenvolverem um espaço discursivo no qual a decisão
jurisdicional seja um reflexo de uma ampla conclusão e debate das partes.
Nenhuma prova pode ser tomada como verdadeira, sem que haja a verificação de
sua legalidade, da produção dentro do prazo e do devido contraditório pelas partes.31

VII Conclusão
Diante das principais reflexões, concluímos que a prova é um elemento subjetivo.
A verdade é fruto do pensamento racional e irracional. Quando se busca provar
algo, no fundo queremos apenas convencer outros ouvintes que nossos pensamentos
devem prevalecer sobre outros. O convencimento se dá no processo jurisdicional pelo
debate, pela garantia de influência e pela fundamentação das decisões. No entanto,
deve-se ter cuidado, o pensamento possui uma parte racional e outra irracional ou
inconsciente e, portanto, a sua verdade ou realidade pode estar impregnada de
preconceitos, dos quais não está disposto a abrir mão e isso interfere diretamente
na forma como se relaciona com a realidade e com premissas tomadas como
verdadeiras. Só existe realidade e verdade dentro do pensamento humano de cada
sujeito. Somos aprisionados dentro dos nossos próprios pensamentos. Vivemos sós
com nossas verdades e realidades.
A prova, por ter um fator subjetivo, sofre influência de fatores externos e
internos, de condições ambientais e da própria pré-concepção que o sujeito possui

Cf.: Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, em seu livro Processo Constitucional e Estado Democrático de Direito,
31

antevendo a necessidade de melhor interpretar a constituição para melhor funcionamento do processo jurisdi-
cional, nos informa que uns dos principais princípios do Estado Democrático de Direito é justamente o princípio
da vinculação da jurisdição ao Estado Democrático de Direito. Informa ainda que esse princípio “[...] decorre de
imperativo lógico do próprio sistema constitucional, pois se origina da ideia de uma ordem normativa jurídico-
-fundamental resultante da conexão interna entre democracia e Estado de Direito, princípios positivamente
constitucionalizados, aos quais jungidas todas as funções e atividades exercidas pelos órgãos do Estado
sem qualquer exclusão (Constituição Federal, artigo 1º)”. Isso significa que não é possível que a jurisdição
lance mão de bases judicantes ausentes de pressupostos legais. Deve o julgador, no momento da sentença,
respeitar todos os princípios elencados e positivados pela Constituição e pelas leis, sob pena de agressão
direta ao Estado de Direito. “Assim, os órgãos jurisdicionais, ao proferirem suas decisões, cumprindo e finali-
zando a função jurisdicional, deverão fazê-lo direcionados pelo princípio da vinculação ao Estado Democrático
de Direito. Este princípio se otimizará pela incidência articulada de dois outros princípios, ou subprincípios
concretizadores (LARENZ) no ato estatal de julgar. Nesta ótica, os princípios concretizadores do princípio maior
da vinculação da jurisdição ao Estado pois nela se concretiza, em essência, a função jurisdicional exercida
pelo Estado Democrático de Direito vêm a ser o princípio da supremacia da Constituição e o princípio da re-
serva legal (ou princípio da prevalência da lei)” (Processo constitucional e Estado Democrático de Direito. Belo
Horizonte: Del Rey, 2010. p. 114).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 127-143, abr./jun. 2015 141
Carlos Henrique Soares

do mundo e de sua realidade. Isso, invariavelmente, interfere na interpretação da


realidade, assim como interfere na percepção dos fatos que podem ser utilizados
como prova nos autos.
O subconsciente ou as decisões irracionais fazem parte do elemento humano e,
dessa forma, no processo, se quisermos nos afastar dessas absurdas colocações de
certezas sobre algum dos elementos de prova (documentos, perícia ou depoimento),
faz-se necessário que o processo seja um elemento de construção da realidade, um
espaço argumentativo e de participação, no qual os sujeitos processuais (juiz, partes,
advogados, Ministério Público e terceiros) possam, a um só tempo, chegar a um
consenso, sobre quais questões devem ser tomadas com verdadeiras e quais devem
ser refutadas com falsas, pelo menos no presente caso que está em julgamento.
Nesse sentido, louváveis são as modificações do novo Código de Processo Civil
brasileiro, que não apenas informa que o contraditório é o direito de participação, de
influência na decisão, e que fala de se evitar decisões-surpresas, mas que também
informa quando uma decisão jurisdicional não se encontra fundamentada. A indicação
necessária de fundamentação, nos termos previstos pelo novo Código de Processo
Civil brasileiro são indispensáveis para que as partes possam perceber que suas
argumentações e provas foram capazes de influenciar o julgamento, ainda que no
plano pessoal suas pretensões não tenham sido deferidas.
Um processo democrático não parte de verdades absolutas e irrefutáveis. Essas
são desnecessárias para a democracia. Em um processo verdadeiramente democrático
as verdades são construídas, em contraditório, através de um espaço argumentativo e
de produção de provas que possam convencer todos que, de fato, situações narradas
realmente têm chances de ter ocorrido. Argumentando e provando ficam demonstrados
o pensamento e a existência tanto do ser humano quanto dos fatos.

Resumen: El texto se refiere a los conceptos de la prueba y la verdad, lo que demuestra que en el processo
jurisdicional democrático la verdad es construida por consenso.
Palabras claves: Procedimiento Procesal Democrático. Prueba. Verdad. Legitimidad.

Referências
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CAMBI, Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
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142 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 127-143, abr./jun. 2015
Processo jurisdicional democrático – Relação entre verdade e prova

DESCARTES, René. Discurso do método. Trad. Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes,
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THEODORO JR. Humberto. Curso de direito processual civil. 47. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. I.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. I.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

SOARES, Carlos Hennrique. Processo jurisdicional democrático – Relação entre


verdade e prova. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte,
ano 23, n. 90, p. 127-143, abr./jun. 2015.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 127-143, abr./jun. 2015 143
Reformas processuais: estatalismo
ou privatismo? Por um modelo
comparticipativo

Dierle Nunes
Doutor em Direito Processual (PUC Minas/Università degli Studi di Roma “La Sapienza”).
Mestre em Direito Processual (PUC Minas). Professor permanente do Programa de Pós-
Graduação em Direito da PUC Minas. Professor adjunto na PUC Minas e na Universidade
Federal de Minas Gerais. Secretário-Geral Adjunto do Instituto Brasileiro de Direito Processual.
Membro fundador da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional. Membro da
Comissão dos Juristas que assessorou o novo Código de Processo Civil na Câmara dos
Deputados. Advogado.

Resumo: O texto aborda os riscos de se interpretar as reformas processuais sem analisar seus fundamentos.
Palavras-chave: Reforma. Processo. Novo Código. Código de Processo Civil brasileiro.

Em tempos de nova legislação processual (o novo Código de Processo Civil)


devemos olhar para o passado, de modo a aprender com o mesmo e evitar percalços
que tendemos a reproduzir.
Tal advertência é mais que necessária quando vemos hoje, de um lado, juristas
defendendo em vertente estatalista o reforço do papel dos Tribunais Superiores
(de seu protagonismo judicial) em face da grande ênfase no estudo do Direito
jurisprudencial e, como decorrência, a defesa de (discutíveis) virtudes dos referidos
órgãos de vértice (sem controle processual pelas garantias constitucionais e por uma
teoria adequada de precedentes) e, de outro, dentro de uma vertente liberal-privatista,
juristas ressuscitando algumas teorias da vontade (já abandonadas pelos próprios
civilistas no estudo da autonomia privada) para a defesa de uma flexibilização integral
(privatista) do regramento processual, especialmente em decorrência da ampla
cláusula de negociação processual trazida na nova lei (arts. 190 e 191 do novo CPC).
Muitas vezes parece se estar lendo, sob nova roupagem e novas técnicas, o
embate entre os estatalistas-publicistas (precursores da socialização processual) e
os privatistas-liberais, austro-germânicos, no século XIX (início do processualismo
científico) em seus debates que culminaram na prevalência do entendimento dos
primeiros, a partir da nova processualística dogmática de Oskar Bülow.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 145-152, abr./jun. 2015 145
Dierle Nunes

E mesmo a “ressurreição” dos negócios processuais (processrechtliche Verträge),


com novo fôlego, não pode ser pensada como a pandectística alemã a estruturou,1 com
categorias de acordos entre as partes que mediante uma vontade ilimitada poderiam
gerar impactos no processo (como exemplificativamente, pactos de exclusão de um grau
de jurisdição e de exclusão de competência,2 relativas às regras de procedimento,3 de
inversão do ônus da prova,4 entre outras, e seus limites em face da intervenção judicial).5
Esse relevantíssimo fenômeno deve ser dimensionado em novo enfoque comparticipativo.
Como se pontuou em outra sede:6

O declínio da centralidade do Estado na produção normativa


(legiscentrismo), estudado desde os anos 1960,7 mas com impacto
processual mais emblemático desde a década de 1990, com o
desencantamento do predomínio do Estado (inclusive em face do avanço
do neoliberalismo) vem garantindo um fortalecimento e sofisticação
das cláusulas de consensualidade. Isto faz com que o paradoxo
aparente entre duas concepções tradicionalmente apresentadas como
inconciliáveis, a de contrato (que parte do acordo) e do processo (que
parte do desacordo),8 ou como preferimos, de comportamentos não
cooperativos,9 sejam postas em xeque e isto se percebe facilmente
quando se vê o avanço do uso dos compromissos para se evitar a solução
adjudicada mediante a convenção de arbitragem. Poder-se-ia então se
dimensionar acordos das partes no processo, com eficácia substancial,
como as conciliações judiciais e os acordos tácitos de não contestação;
os acordos no processo, com atos praticados fora do mesmo com
eficácia interna, inclusive sobre os poderes judiciais, como a convenção
de arbitragem e os acordos sobre provas; e os acordos no processo para
o processo, que corresponderiam aos contratos processuais, previstos,
por exemplo, no art. 764 do Nouveau Code Francês10 ou em nosso
CPC/2015. E é de se pontuar que tanto na França11 quanto no recém-
aprovado CPC/2015 tais acordos processuais devem ser analisados
em harmonia com a premissa normativa cooperativa (comparticipativa)

1
Cf. KOHLER, Josef. Ueber processrechtliche Verträge und Creationen. Gesammelte Beiträge zum Zivilprozeß.
Berlin: Scientia Verlag Aalen, 1894. Reedição: 1969.
2
KOHLER, Josef. Ueber processrechtliche Verträge und Creationen. cit. p. 130-144.
3
KOHLER, Josef. Ueber processrechtliche Verträge und Creationen. cit. p. 144-150.
4
KOHLER, Josef. Ueber processrechtliche Verträge und Creationen. cit. p. 159-163.
5
Para uma análise no campo probatório cf. PEZZANI, Titina Maria. Il regime convenzionale delle prove. Milano:
Giuffrè, 2009.
6
THEODORO JR, Humberto et al. Novo Código de Processo Civil: fundamentos e sistematização. 2. ed. Rio de
Janeiro: GEN Forense, 2015.
7
Idem.
8
CADIET, Loïc. Les conventions relatives au process en droit français. Sur la contractualisation du règlement des
litiges. cit. p. 7-8.
9
NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Processo e república: uma relação necessária. Revista Justificando.
Disponível em: <http://migre.me/mbYh3>.
10
CARPI, Federico. In: Quaderni della rivista trimestrale di diritto e procedura civile. Accordi di parti e processo.
Milano: Giuffrè, 2008. p. 2-3.
11
Na França a assertiva é de CADIET, Loïc. Les conventions relatives au process en droit français. Sur la contrac-
tualisation du règlement des litiges. cit. p. 20.

146 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 145-152, abr./jun. 2015
Reformas processuais: estatalismo ou privatismo? Por um modelo comparticipativo

e com o princípio do contraditório (art. 5º, LV, CRFB/88, e arts. 6º e 10,


CPC/2015), servindo como técnica complementar de gestão do processo
civil, com uma equilibrada extensão da incidência da autonomia privada
na conformação da atividade processual.12

Precisamos, assim, sair desta dicotomia (estatalismo versus privatismo) ao se


pensar num sistema processual efetivamente democrático13 e, para tanto, devemos
também voltar nossos olhos ao passado.
Em 09 de novembro de 1901,14 Franz Klein, idealizador do grande modelo
legislativo social e oral para o processo civil do século XX (a ZPO austríaca de 1895),
proferiu uma célebre conferência em Dresden, na qual mostrava a necessidade de
ruptura com o sistema processual então vigente, de bases individualistas e liberais
(governado tecnicamente pelas partes e advogados e que reduzia os conflitos a uma
discussão privada).15
Na preleção, o mestre austríaco apontava e defendia o papel instrumental do
processo, além de ter sido o primeiro a pontuar o enorme significado (e função)
social, político e econômico do mesmo; algo divulgado com ares de novidade no final
do século XX, por inúmeros pensadores.
Klein dizia que na segunda metade do século anterior (XIX) o grande surgimento
da economia e cultura popular continental, com suas poderosas repercussões,
geraria impacto na propriedade, na posse, no comércio e na estrutura da sociedade.
Produção, produtividade e vendas cresceram rapidamente e o intercâmbio de
bens aumentou de forma inesperada. Abarcando milhões, um comércio audacioso
estende-se para além das fronteiras nacionais e, com ajuda da estrada de ferro,
do telégrafo e de outras ferramentas, fez do globo terrestre inteiro o seu mercado.
A magia do crédito é descoberta e sua organização cria um elo entre milhares de
indivíduos que anteriormente não tinham nada em comum uns com os outros, mas
que agora compartilham o sentimento de prosperidade, assim como os tremores
da vida econômica. As necessidades de fruição do indivíduo tornaram-se múltiplas
e, juntamente com as finalidades, também se tornaram múltiplos os meios, que
consistiam, sobretudo, numa rica formação associativa e corporativa. Cresceram os
índices populacionais, os homens se movem para mais perto uns dos outros e, tal
como no intercâmbio do crédito, mostra-se na produção a divisão do trabalho entre
uns e outros e seus interesses se acoplam quase que indissoluvelmente.16

12
CAPONI, Remo. Autonomia private e processo civile. cit. p. 102.
13
NUNES, Dierle. Por un proceso civil efectivamente constitucionalizado. In: RÚA, Mónica Bustamante. Reformas
procesales em Colombia y en el mundo. Medellín: Universidad de Medellin, 2014. p. 47-49.
14
KLEIN, Franz. Zeit-und Geistesströmungen im Prozesse. Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann, 1958.
15
NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais.
Curitiba: Juruá, 2008.
16
KLEIN, Franz. Zeit-und Geistesströmungen im Prozesse. Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann, 1958.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 145-152, abr./jun. 2015 147
Dierle Nunes

Essas reviravoltas, que lançaram seus reflexos por todos os lados, colocavam,
segundo ele, evidentemente em apuros toda a vida jurídica. Nesse aspecto, o processo
não era poupado. Colocavam-se novas demandas ao seu mecanismo e à sua performance.
Não podemos negligenciar que o jurista tecia considerações acerca de uma
época na qual havia uma divisão estanque do papel das funções estatais (Judiciário/
Legislativo/Executivo) e, nesses termos, na qual o processo civil e a Jurisdição se
prestavam a dimensionar somente conflitos privados, notadamente envolvendo
questões de propriedade, posse, contratos, família e sucessões (litígios bipolares).
Tal horizonte interpretativo reduzia a discussão processual a uma perspectiva
técnica e permitia que ao processualista somente fosse necessária a análise de
institutos que permeassem sua trilogia estrutural (Processo – Jurisdição – Ação).
Apesar da já clara percepção, à época, do caráter publicístico do sistema
processual (que infelizmente reduziu, paulatinamente, a preocupação dos estudiosos
com questões meramente formais e com a tendência romântica de se acreditar que
os problemas seriam resolvidos com alterações legislativas e com o reforço do papel
dos juízes), este era pensado de modo bastante reducionista, buscando somente
resolver as tradicionais questões burocráticas, de custo, de celeridade e de acesso à
justiça (em sua versão liberal). Questões ainda vistas como técnicas.
Viveu-se, nestes termos, durante algumas décadas, uma discussão acadêmica,
legislativa e pragmática vinculada à busca de transição de um processo liberal
(liberalismo processual) para um processo social (socialização processual).17
E neste período, a incipiente constitucionalização jurídica no direito estrangeiro
(a partir da década de 1920), ao alcançar o campo processual, no entanto, impunha
uma reformulação na leitura de seus institutos.18
Após o segundo pós-guerra, começa a mudar paulatinamente o quadro até
aqui descrito, eis que se implementa a rejeição de ações políticas que visavam a
uma melhoria social, inclusive em países de regime democrático-liberal. Além disso,
configura uma maior abertura da ciência jurídica aos problemas da sociedade.19
Nos dizeres de Picardi, uma passagem de um Gesetzstaat (Estado de Leis) para
um Richterstaat (Estado de Juízes),20 com diminuição da importância do legislador e
potencialização do papel da magistratura.21

17
NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais.
Curitiba: Juruá, 2008.
18
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo e Constituição: o devido processo legal. Revista da Faculdade
de Direito da UFMG, Nova Fase, Belo Horizonte, ano XXX, n. 23/25, p. 59, 1980/1982. Segundo o autor: “os
estudos dos institutos do processo não podem ignorar seu íntimo relacionamento com a Constituição, prin-
cipalmente tendo em vista os instrumentos indispensáveis à garantia e modalidades de defesa dos Direitos
Fundamentais do homem”.
19
DENTI, Vittorio. Processo civile e giustizia sociale. Milano: Edizioni di Comunità, 1971. p. 31.
20
Perceba-se que esta tendência de desmoronamento de um Estado legislativo Parlamentar já era apontada em
1932 por Carl Schmitt (p. 3), que vislumbrava a existência de Estados Jurisdicionais onde a última palavra ao
se dirimir um conflito não era dada pelo legislador, mas, sim, pelo juiz (p. 6). Afirmava, ainda, que o ethos do
Estado jurisdicional garantia ao juiz julgar imediatamente, em nome do Direito e da Justiça, sem mediações

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Reformas processuais: estatalismo ou privatismo? Por um modelo comparticipativo

Tal situação permitiu paulatinamente a quebra de uma visão positivista (ou


mesmo exegeta) e teve o condão de colocar em pauta uma série de “novos” paradoxos
para as “novas” funções desempenhadas pela Jurisdição estrangeira, desde então
(fenômeno que passaremos a sofrer recentemente, pós-1988).21
Instaura-se a “polêmica” acerca dos poderes e papéis (antigos e novos) do
Judiciário, permitindo todo um embate acerca da adoção pelos magistrados de um
perfil ativista, para alguns, ou minimalista (self restraint), para outros.
Os diálogos institucionais entre as três funções irão potencializar o papel do
Judiciário, e de seu poder, e nos mesmos termos, aumentará a importância do
processo, agora constitucionalizado, como garantia constitucional de participação dos
interessados na formação do provimento e como viabilizador de direitos fundamentais.
Ganha destaque a denominada “comunidade de trabalho” (Arbeitsgemeinschaft
– de uma teoria normativa da comparticipação22 ou cooperação relida) entre juiz e
partes (e seus advogados), impedindo que a relação entre estes se transformasse
em conflito de categorias, e promovendo na doutrina processual a idealização do
policentrismo processual, que afasta qualquer concepção de protagonismo (das
partes e advogados no liberalismo processual e do juiz na socialização).
E não podíamos mais nos alienar dessa percepção, especialmente quando se
vislumbra que o sistema processual brasileiro traz um ambiente no qual prevalecem
os interesses não cooperativos de todos os sujeitos processuais.
O juiz, imerso na busca por otimização numérica de seus julgados, e as partes
(e seus advogados) no âmbito de uma litigância estratégica (agir estratégico)23
com a finalidade de obter de êxito. Essa patologia de índole fática não representa
minimamente os comandos normativos impostos pelo modelo constitucional de
processo, nem mesmo os grandes propósitos que o processo, como garantia, deve
ofertar. Ao se partir dessa constatação, cabe ao direito, dentro de seu pressuposto
contrafático, ofertar uma base normativa que induza um comportamento de diálogo
genuíno no qual esses comportamentos não cooperativos sejam mitigados.24


ou imposições de outros poderes não judiciais. Para tanto, o Direito e Justiça deveriam possuir um conteúdo
unívoco (SCHMITT, Carl. Legalidad y legitimidad. Madrid: Aguilar, 1971. p. 12).
21
PICARDI, Nicola. La vocazione de nostro tempo per la iurisdizione. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura
Civile, Milano, Giuffrè, 2004. p. 42.
22
NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático: uma análise critica das reformas processuais.
Curitiba: Juruá, 2008.
23
A expressão está sendo utilizada no sentido trazido em HABERMAS, Jürgen. Facticidad y Validez: sobre el de-
recho y el Estado Democrático de Derecho en términos de teoría del discurso. Trad. Manuel Jiménez Redondo.
Madrid: Trotta, 1998. cap. 1; ver ainda: PEDRON, Flávio Quinaud. A teoria discursiva do direito e da democra-
cia de Jürgen Habermas. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3935, 10 abr. 2014. Disponível em: <http://
migre.me/nJIF0>. Acesso em: 27 dez. 2014. E não como aquele veiculado ao pensamento expresso em
GOLDSCHMIDT, James. Princípios gerais do processo civil. Belo Horizonte: Líder, 2002.
24
Adotada pelo novo Código de Processo Civil. Para melhor compreensão consultar: THEODORO JR, Humberto et
al. Novo Código de Processo Civil: fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro: GEN Forense, 2015.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 145-152, abr./jun. 2015 149
Dierle Nunes

Do mesmo modo que Klein conclamou aos processualistas no início do


século XX a uma nova postura para a análise do direito processual, faz-se mister a
provocação dos juristas atuais, especialmente no Brasil, para novas perspectivas
e novas preocupações que transcendam uma análise dogmática e legal de nosso
sistema processual.
Paradoxalmente, a ciência processual se manteve alheia a essa percepção e
somente recentemente passou a perceber a mudança qualitativa das litigiosidades e
a importância de uma constitucionalização dos direitos e do processo.
No entanto, a maioria dos pensadores até recentemente estava arraigada a uma
perspectiva técnica, que se preocupava com os velhos dilemas da celeridade e eficiência,
sem perceber a referida mudança qualitativa das discussões. Buscava-se quase que
exclusivamente o aumento da produtividade, e se olvidava de que todas as digressões
da ciência processual devem ser pensadas tendo o cidadão e seus direitos fundamentais
como centrais, eis que a efetivação dos direitos destes seria seu fim maior.
Desde a década de 1990, e do Consenso de Washington, o Brasil tenta a
implementação da proposta neoliberal de busca de uma eficiência quantitativa na
justiça, em face dos novos imperativos impostos pelo FMI e Banco Mundial.
No entanto, pós-1988 e assunção do paradigma do Estado Democrático de
Direito, há de se manter em tensão (não em contraposição) as concepções liberais e
sociais, e o binômio segurança-celeridade. Antes excludentes, agora complementares.
Não seria mais possível nem mesmo reduzir o objeto da ciência processual
aos debates dogmáticos acerca da construção e reforma da legislação (Código); a
legislação representa apenas um capítulo da discussão, ao lado de questões bem
mais complexas acerca dos já indicados novos papéis assumidos pelo Judiciário e da
decorrente necessidade de se repensar seu modo de funcionamento e gerenciamento.25
Quando se percebe, na atualidade, que não lidamos somente com processos
bipolares (um autor – um réu) acerca de pretensões patrimoniais, mas com processos
multifacetados (envolvendo a litigância de interesse público: questões fundiárias,
consumidor, saúde, minorias, meio ambiente, entre outras temáticas) com vários
atores sociais, percebemos a necessidade de ampliar o enfoque de análise.26
Casos envolvendo a interferência judicial na organização e operação dos
agentes administrativos públicos encarregados de subsidiar e planejar, por exemplo,
o fornecimento de medicamentos, já vem se tornando comum aqui e em outros países
(como nos EUA), com abordagem não mais centrada no juiz e sim na interlocução ativa
de todos os envolvidos (comparticipação), inclusive reduzindo-se os riscos. Investe-se

25
Como já se disse em várias outras oportunidades, v.g. NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco. Por um
novo paradigma processual. Revista da Faculdade Direito do Sul de Minas, Pouso Alegre, n. 26, p. 79-98, jan.-jun.
2008. Disponível em: <http://migre.me/o0ukH>.
26
NUNES, Dierle et al. Curso de direito processual civil – Fundamentação e aplicação. Belo Horizonte; Fórum, 2011.

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Reformas processuais: estatalismo ou privatismo? Por um modelo comparticipativo

em um modelo deliberativo, com contraditório concentrado e participação de todos os


interessados, de experts e membros da Administração Pública para a negociação da
melhor solução possível sob condições de provisoriedade e transparência. Trabalha-
se com uma renovada processualização.
Do mesmo modo que Klein conclamava os pensadores de sua época a uma ruptura
interpretativa, é necessário proceder à análise de nosso sistema jurídico processual
dentro de uma visão constitucional democrática, que provoque o rompimento com o
paradigma (horizonte interpretativo no silêncio) até então prevalecente, especialmente
quando todos os esforços de discussão se direcionam tão somente para a leitura do
novo Código de Processo Civil, recentemente sancionado.
Precisamos nos abrir para uma visão panorâmica de nosso sistema jurídico, de
seus dilemas (e potenciais soluções) e no qual o processo constitucional27 vem se
tornando um dos grandes garantes do auferimento de direitos pelos cidadãos e da
blindagem contra o exercício decisionista do poder.
Por mais que se estudem os princípios e o modelo constitucional de processo,
é absolutamente imperativo que enxerguemos em cada forma processual sua
substância e fundamento de direitos fundamentais e que a técnica e a prática sejam
concebidas e aplicadas dentro desse pressuposto que favorecerá soluções mais
efetivas para os novos dilemas que nosso sistema vivencia.
Há bons anos se apresenta entre nós uma terceira via interpretativa que busca
romper com a antiga dicotomia abordada no início (estatalismo versus privatismo)
mediante uma teoria normativa da comparticipação, melhor explicada em outras
sedes,28 e que encontra respaldo na principiologia e premissas do novo CPC.29
Em assim sendo, não seria mais aceitável ler o novo modelo dogmático (novo
CPC) ressuscitando os mesmos embates do passado e desprezando-se todo o avanço
do estudo do direito e das ciências sociais do último século e meio. Cabe, neste
momento, seriedade, reflexão e um olhar panorâmico do sistema jurídico brasileiro
para que possamos realmente evoluir em prol de uma efetiva democratização
processual lastreada no processo constitucional com adequabilidade. E os desafios
estão apenas começando...

27
Acerca do processo constitucional. Cf. BRÊTAS DE CARVALHO DIAS, Ronaldo. Processo constitucional e Estado
Democrático de Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Processo constitucional: uma abordagem a partir dos desafios do estado
democrático de direito. Revista Eletrônica de Direito Processual, p. 236-262, jul.-dez. 2009.
28
NUNES, Dierle. Direito constitucional ao recurso: da teoria geral dos recursos, das reformas processuais e
da comparticipação nas decisões. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. NUNES, Dierle. Processo jurisdicional
democrático. cit.
29
THEODORO JR, Humberto et al. Novo Código de Processo Civil: fundamentos e sistematização. 2. ed. Rio de
Janeiro: GEN Forense, 2015.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 145-152, abr./jun. 2015 151
Dierle Nunes

Procedural Reforms: Publicism or Privatism? For a Co-participative Model


Abstract: This paper analyzes the risks to interpret the procedural reforms without analyzing its fundamentals.

Keywords: Reform. Process. New Code Civil. Procedure rules. Brazilian.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

NUNES, Dierle. Reformas processuais: estatalismo ou privatismo? Por um modelo


comparticipativo. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte,
ano 23, n. 90, p. 145-152, abr./jun. 2015.

152 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 145-152, abr./jun. 2015
Algumas considerações sobre as
iniciativas judiciais probatórias

Eduardo José da Fonseca Costa


Juiz Federal em Ribeirão Preto/SP. Especialista, Mestre e Doutorando em Direito Processual
Civil pela PUC/SP. Membro do IPDP e do IBDP. Membro do Conselho Editorial da Revista
Brasileira de Direito Processual.

Palavras-chave: Direito probatório. Iniciativas judiciais probatórias. Juiz. Prova. Verdade.

1 Até meados dos anos 1980, no Brasil, o exercício dos poderes instrutórios
pelos juízes era modestíssimo. À época, o princípio dispositivo ainda era levado
a sério. Hoje, há o inverso: no dia a dia forense, assiste-se cada vez às iniciativas
judiciais probatórias. Aliás, uma geração inteira de processualistas está formando-se
sob a crença na concepção publicística do processo como traço indelével da própria
“natureza das coisas”. Ou seja, tornou-se dogma a ideia de que o juiz deve ter amplas
iniciativas probatórias a fim de que possa descobrir a verdade e, com ela, fazer justiça
no caso. Não sem razão esse dogma se reforça quando se sabe que em nosso País o
direito probatório é relegado a um segundo plano. Quando se percorrem países latino-
americanos e anglo-saxões e neles se esmiúça o conteúdo programático dos cursos de
processo civil, de plano já se nota a importância que conferem ao estudo das normas
sobre prova. Não raro, leciona-se direito probatório como disciplina destacada. Trata-
se de epistéme que não se limita à prova nos processos das chamadas jurisdições
“contenciosa” e “voluntária”; vai além, enfrentando problemas probatórios próprios
aos processos penal e administrativo mediante reflexões fundadas em bases político-
filosóficas e dogmático-constitucionais. No Brasil, em contraposição, a matéria da prova
é quase sempre ministrada nos cursos de graduação e pós-graduação lato sensu em
um único semestre (quando não em um bimestre). Todavia, essa pouquidade não se
justifica. Afinal, o direito probatório é decerto o sub-ramo da Processualística mais
permeável a influxos ideológicos, razão pela qual é indefectivelmente termômetro para a
aferição do grau de democraticidade de um país. Nem é preciso dizer que, nas Américas
espanhola e portuguesa, é comum os juízes atuarem sob uma mescla bem-intencionada
de monarquia esclarecida com socialismo fabiano. Isso lhes dá um sem-número de
poderes, que por vezes descambam para o summum malum da arbitrariedade.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 153-173, abr./jun. 2015 153
Eduardo José da Fonseca Costa

No Brasil, porém, é ainda diminuto o grupo de juristas que se opõe a esse estado
de coisas. Aqui, o juiz superpoderoso não só é tolerado como vangloriado. Contudo,
essa exaltação deve-se mais a uma cultura inercial que a uma escolha refletida.
Até agora, são poucos os processualistas que se debruçam sobre as perigosas
implicações das iniciativas judiciais probatórias. Talvez isso explique a passividade
com a qual se aceitam em nosso país excentricidades como as teorias das cargas
probatórias dinâmicas, da parcialidade positiva do juiz e do cooperativismo processual.
Afinal, não há por essas bandas alicerce dogmático mínimo para imprimir-se uma
contraforça a essas doutrinas autoritárias. Tudo se passa como se pairasse sobre o
ativismo judicial probatório o mais absoluto consenso. Não sem razão essas doutrinas
são muitas vezes defendidas por autores que não dialogam criticamente com a nata
do garantismo processual. Isso acaba gerando um conhecimento unilateral de baixa
densidade científica. Daí a necessidade constante de realimentar-se o debate entre
ativistas e garantistas.
2 O juiz toma iniciativa probatória somente quando uma dúvida o acomete. Imbuído
de certeza, não teria motivo para dilações: proferiria imediatamente a sentença. Ela
seria de procedência se o juiz tivesse certeza a respeito da existência da pretensão
alegada pelo demandante; de improcedência seria se a certeza fosse da inexistência
da pretensão. Em regra, a cognição exauriente produz certeza. Todavia, isso nem
sempre acontece. Não por outra razão o gênio prático romano criou a vedação do non
liquet: se após apreciar todos os fundamentos e argumentos trazidos pelas partes o
juiz estiver em estado de incerteza, ainda assim terá de julgar, sob pena de indevida
denegação de prestação jurisdicional. Por isso, o engenho processual forjou a salutar
figura da sentença de improcedência por falta de provas [“actore non probante, reus
absolvitur, etiam si nihil, ipse præstiterit”]. Trata-se, na realidade, de um “juízo de
certeza por equiparação jurídica”. Afinal de contas, conquanto não seja clara para
o juiz a inexistência do direito afirmado pelo autor, julga-se como se a inexistência
fosse certa e a respectiva sentença faz coisa julgada material. É a faceta processual
civil do adágio in dubio pro reo. Daí já se nota que a improcedência por falta de
provas tem como fundamento constitucional a norma do inciso LVII do artigo 5º da
Constituição Federal (cuja incidência é infelizmente circunscrita pela processualística
tradicional ao âmbito processual penal).
Quando o juiz ordena oficiosamente uma prova para afastar seu estado de
dúvida, pode ser que: a) já saiba que ela favorecerá o autor; b) já saiba que ela
favorecerá o réu; c) não saiba quem ela favorecerá.
Em (a), verifica-se uma quebra de imparcialidade, porquanto o juiz trabalha
para o autor, não se contentando com uma sentença de improcedência por falta de
provas. Em (b), também há quebra, já que o juiz auxilia o réu, não se satisfazendo
com uma sentença de procedência. Em ambas as situações, o juiz já escolheu

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Algumas considerações sobre as iniciativas judiciais probatórias

seu favorecido, mas não pode beneficiá-lo, pois não encontra respaldo no quadro
probatório oferecido pelas partes. Por isso, ele decide abandonar a equidistância e
abraçar precipitadamente a causa de uma das partes, coadjuvando-a. Ele sente-se
estimulado a complementar as provas para que outro resultado desponte no processo.
Enfim, tenta forçar uma vitória que, embora esperada por ele, até então não vingou.
Daí por que a assimetria de forças é manifesta. Afinal, uma parte conta consigo e
com o juiz; a outra, tão apenas consigo. É indiscutível que todo juiz traz preferências
em seu mundo intrapsíquico; no entanto, é inaceitável que a preferência por uma
das partes invada o mundo extrapsíquico e se materialize em atos funcionais de
privilegiamento. O desejável “juiz neutral” é o juiz funcionalmente neutro, que não
ajuda nem prejudica. Por isso, não basta que ele seja imparcial [= imparcialidade
psicológica = imparcialidade subjetiva = imparcialidade propriamente dita]; é preciso
que também seja impartial [= imparcialidade funcional = imparcialidade objetiva =
“terceiridade”]. Ou seja, o juiz não deve ter atuação probatória, como se parte fosse.
A correlação necessária entre imparcialidade e impartialidade é indisfarçável, pois.
Os ativistas soem afirmar que o exercício dos poderes instrutórios só implicaria
quebra de parcialidade se o juiz os exercesse “de maneira parcial”, ou seja, “com
o intuito de favorecer uma parte ou outra, o que não aconteceria, contudo, quando
ele os exercita “de modo imparcial”, ou seja, com o escopo objetivo de obter
conhecimentos relevantes e úteis para a apuração da verdade. Nada é mais ingênuo.
Afinal de contas, é impossível devassar o mundo intrapsíquico do juiz para perquirir
as suas intenções e verificar se ele objetiva favorecer uma das partes ou descobrir
a verdade. A parte que foi prejudicada por uma prova ex officio nunca terá como
demonstrar com qual intenção o juiz agiu. Além do mais, ele dificilmente declarará
o seu intento de favorecimento. Por isso, o controle dos poderes instrutórios do juiz
não pode ser realizado a partir de elementos anímicos. Com isso se vê a pura retórica
que há nos excertos doutrinários e nos julgados que admitem a possibilidade de o juiz
determinar provas de ofício, “desde que o faça com imparcialidade e resguardando
o princípio do contraditório”. Daí o enorme proveito operacional da categoria da
impartialidade: mesmo que subjetivamente o juiz não queira favorecer uma das
partes [= imparcialidade], a prova por ele determinada será nula, pois objetivamente
favorecerá uma delas [= partialidade].
Na verdade, a maioria dos ativistas processuais se apega à situação (c): a
prova de oficio seria lídima quando o juiz não antevê quem dela se pode aproveitar.
Em primeiro relance, o argumento impressiona. Todavia, sua fragilidade torna-se
visível após um crivo mais cuidadoso. Quando o juiz ordena uma prova à míngua de
requerimento da parte, só pode haver cinco resultados possíveis: 1) prova de fato
constitutivo do direito do autor; 2) prova de fato impeditivo do direito do autor; 3)
prova de fato extintivo do direito do autor; 4) prova de fato modificativo do direito do

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 153-173, abr./jun. 2015 155
Eduardo José da Fonseca Costa

autor; 5) prova de nada. De pronto, percebe-se que os resultados (2), (3), (4) e (5)
revelam uma dilação probatória absolutamente inútil, o que atenta contra o princípio da
economia processual. Posto que favoreçam o réu, há tempos a demanda já poderia ter
sido rejeitada por ausência de provas. Isso revela que o magistrado sempre visou ao
resultado (1). Por conseguinte, aqui, existe apenas um único beneficiário real: o autor.
Normalmente, quando o juiz exerce seus poderes instrutórios, ele trabalha para
o proponente da demanda. Existe predisposição a isso. Quando busca a verdade,
decerto o juiz não sabe quem será o beneficiário, mas sabe perfeitamente a quem quer
beneficiar. Portanto, as iniciativas judiciais probatórias não passam de “técnica (mal
disfarçada) de provisão judicial de interesses do demandante”. Longe de prestigiar
a “máxima igualdade efetiva entre as partes” (Daniel Mitidiero), a iniciativa do juiz
no terreno probatório — a pretexto de superar a “visão individualista e privatista do
processo” — é a consagração da própria desigualdade efetiva. Em verdade, onde vige
o iudex potest in facto supplere, geralmente ali o autor é “mais igual” que o réu. O
ativismo judicial implica — de regra — um desequilíbrio ex professo em favor do autor.
Logo, não existe exercício de poderes instrutórios bacteriologicamente assépticos.
Frise-se que essa constatação é lógico-processual e, portanto, universal. Trata-
se de um raciocínio abstrato, que diz respeito a todo e qualquer sistema de direito
processual civil moderno. Ele não pressupõe que o processo civil seja um negócio
particular, voltado a um fim privado. Tampouco parte de postulados liberais para lutar
contra o aumento dos poderes do juiz. Talvez por isso os ativistas, por falta de melhor
razão, não o enfrentem.
3 O garantismo não é filho ideológico do liberalismo, assim como o ativismo
não é filho ideológico do autoritarismo. Todavia, observa-se fenômeno interessante:
nem todo sistema processual que admite poderes instrutórios oficiais pertence a um
país autoritário, mas todo país autoritário tem um sistema processual que incentiva
os poderes instrutórios oficiais. Por sua vez, todo sistema que veda a seus juízes
iniciativas probatórias pertence a um país liberal, nunca a um país autoritário. Daí
já se nota que, embora não exista uma relação determinística entre liberalismo e
garantismo e entre autoritarismo e ativismo, há indisfarçáveis afinidades eletivas
[Wahlverwandtschaften]. Liberalismo e garantismo têm como credo comum a fé nas
garantias individuais e a descrença no papel soteriológico do Estado (o que sobreleva a
categoria do processo). Em contrapartida, socialismo, fascismo e ativismo sustentam
a insuficiência das garantias individuais e a confiança no Estado (o que destaca a
categoria da jurisdição). Por isso o garantismo é processual e o ativismo é judicial. De
qualquer maneira, embora a raiz do debate não seja ideológica, na superfície algumas
polarizações desse tipo são inevitáveis.
A ala enragée do ativismo procede da seguinte maneira: (1) associa o garantismo
ao “privado” e ao “liberal”; (2) demoniza os dois termos, associando-os à inferioridade,

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Algumas considerações sobre as iniciativas judiciais probatórias

desumanização, desequilíbrio, conturbação social, antiguidade ultrapassada, mesqui­


nhez, desigualdade, competição, mentira, injustiça, egoísmo e individualismo; (3)
associa o ativismo ao “público e ao “social”; (4) diviniza os dois termos, associando-
os a altivez, superioridade, humanização, equilíbrio, pacificação social, modernidade
pujante, igualdade, cooperação, verdade, injustiça, altruísmo e coletivismo; (5) infunde
a crença neo-hegeliana de que o processo caminha evolutivamente do “privado” para o
“público”, do “liberal” para o “social”. Num passe de mágica, a “concepção privatista
do processo” (que combate os poderes instrutórios do juiz) se torna má e a “concepção
publicista do processo” (que defende os poderes instrutórios do juiz) se torna boa.
4 Isso explica porque juízes soem ser tão ativos em ações ajuizadas por vulneráveis
(e.g., trabalhadores assalariados, contratantes rurais, inquilinos residenciais,
mutuários de instituições financeiras, consumidores em geral, beneficiários de
previdência e assistência sociais, promitentes compradores de imóveis loteados). No
campo analítico, a teoria dos poderes instrutórios do juiz é construída assepticamente
para o atingimento da decantada “verdade material”; entretanto, no campo pragmático,
ele se embebe ideologicamente em visões altruístas de tipo social. Daí a enorme
afinidade eletiva entre a mencionada teoria e o chamado “socialismo processual”.
Grosso modo, essa corrente abandona a preocupação liberal de “compor litígios com
aplicação do direito” e assume a missão equalizadora de “resolver o conflito subjacente
com promoção de justiça social”. Daí a necessidade do juiz com amplos poderes,
que permitam a ele reequilibrar as forças entre as partes e fazer prevalecer uma
igualdade substancial entre elas (o que invariavelmente se faz mediante o suprimento
pro misero de lacunas probatórias). Com isso se vê que o “processualismo social” é
ideologicamente parcial, visto que atua em favor do “elo mais fraco” da relação.
Segundo o socialismo processual, a juiz deve atuar com “parcialidade positiva”.
Não é fácil precisar o conteúdo semântico dessa insólita noção. Ela geralmente se
cerca de topoi como igualdade material, preocupação com os pobres, colaboração,
prevalência do social sobre o individual, justiça social, solidariedade e planificação
(o que denota um modelo teórico-processual de indisfarçável inspiração marxista ou,
ao menos, marxiana). De qualquer modo, não se pode olvidar que a imparcialidade
está para o juiz assim como a publicidade está para a lei. Não sem motivo, juízes
parciais e leis secretas são monstros ético-jurídicos. Imparcialidade é atributo
essencial de um juiz, não acidental. Trata-se de elemento integrado ao conceito
mesmo de jurisdição. Grosso modo, o legislador cria o direito; o juiz aplica o direito
como um terceiro revestido de garantias de imparcialidade; o administrador aplica-o
como parte ou como um terceiro não revestido dessas garantias. Daí por que o
juiz deliberadamente parcial é um não juiz. É administrador travestido em juiz. É
assistente social fantasiado com toga. É insurgente, que aprisiona o processo civil
nos cárceres do direito administrativo. Como se não bastasse, “parcialidade positiva

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Eduardo José da Fonseca Costa

em favor do autor” equivale logicamente a “parcialidade negativa em desfavor do


réu”. No entanto, inúmeros textos normativos nacionais e internacionais garantem
ao réu um juiz imparcial: Constituição Federal de 1988 (art. 5º, LIV); Código de Ética
da Magistratura Nacional (arts. 1º e 8º); Convenção Americana de Direitos Humanos
de 1969 (art. 8º, 1); Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. X); Pacto
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (art. 14); Princípios de Bangalore de
Conduta Judicial (Valor 2). Se assim é, o “juiz positivamente parcial” não passa de
fonte inexaurível de nulidades.
5 Frequentemente, essa relativização da imparcialidade judicial se louva em
um dos subprodutos do neoconstitucionalismo à brasileira: o panprincipiologismo.
O raciocínio é bastante simples: a) todo jurisdicionado tem o direito fundamental a
um juiz imparcial; b) todo direito fundamental é um princípio, razão pela qual pode
eventualmente colidir com outro princípio e, por isso, ser relativizado mediante
juízo de ponderação; c) o princípio da imparcialidade pode deixar de ser satisfeito
em determinado caso se as conseqüências jurídicas do princípio colidente forem
racionalmente mais importantes. Isso permite que juízes arbitrários, a pretexto
de satisfazerem direitos sociais, se libertem das amarras da imparcialidade e se
ponham a serviço de pautas ideológicas não referendadas pela ordem constitucional
vigente (o que — dentre outras coisas — enfraquece a autonomia do direito e a força
normativa da Constituição).
No entanto, se bem que a imparcialidade judicial seja um direito fundamental,
ela não se comporta como um princípio. Afinal de contas, não se trata de um
estado ideal de coisas a ser gradualmente alcançado. Enfim, não se trata de um
fim constitucionalmente estabelecido, que, em confronto com outros fins igualmente
caros, tem de ser relativizado por razões de concordância prática. A imparcialidade
dos juízes é um ponto inflexível do sistema. Obedece a uma lógica de “tudo ou
nada”. Aplica-se mediante simples avaliação de correspondência entre a construção
conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. Se ela está
presente, há conformidade com o direito; se está ausente, há contrariedade. No plano
constitucional, a imparcialidade do juiz é uma “regra força”, robustecida pelas regras
alicerçais do juiz natural (CF, art. 5º, LIII) e da vedação de juízo ou tribunal de exceção
(CF, art. 5º, XXXVII). A “regra do juiz natural imparcial” é uma prerrogativa derivada
do princípio do devido processo legal procedimental. Já no plano infraconstitucional,
a imparcialidade judicial é cuidada como pressuposto subjetivo de validade do
processo, que dá ensejo às exceções formais de suspeição e impedimento (CPC,
artigos 134 a 138).
6 Aliás, essa é a razão pela qual a parte que se sentiu prejudicada pode opor
exceção de suspeição ao juiz que ordena prova ex officio. Se a prova favorecer o autor,
o interesse na arguição será do réu; se favorecer o réu, o interesse será do autor;

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Algumas considerações sobre as iniciativas judiciais probatórias

se o juiz alegar que não se pode prever o favorecido, o interesse será do réu, pois
aqui — como visto acima — o único beneficiário possível será o autor. Como cediço,
a jurisprudência uníssona do STJ entende que as causas de suspeição descritas no
art. 135 do CPC formam um rol taxativo (cf.,e.g., 4ª Turma, AGA 520.160, rel. Min.
Fernando Gonçalves, DJ, 16 nov. 2004, p. 285; 3ª Turma, REsp599.264, Min. Nancy
Andrighi, DJ, 18 abr. 2005, p. 314; 3ª Turma, AGA 444.085, rel. Min. Humberto
Gomes de Barros, DJ, 22 ago. 2005, p. 259; 4ª Turma, AGA 1.422.408, rel. Min.
Maria Isabel Gallotti, DJe, 21 fev. 2013; 2ª Turma, REsp 1.425.791, rel. Min. Herman
Benjamin, DJe, 19 mar. 2014). Nesse sentido, a prova ex officio não seria fundamento
para a exceptio suspiscionis.
Porém, doutrina e jurisprudência mais hodiernas vêm acertadamente
relativizando o entendimento. Desde que em 1974 os israelenses Amos Tversky e
Daniel Kahneman publicaram famoso artigo sobre algumas propensões inconscientes
da mente à tomada de decisões enviesadas (“Judgement under uncertainty: heuristics
and biases”), os grandes centros de pesquisa de psicologia comportamental
cognitiva passaram a identificar mais de quarenta dessas propensões [cognitive
biases]. No campo especificamente judicial, descobriu-se, por exemplo, que: o juiz da
liminar tende a confirmá-la em sua sentença [confirmation bias]; o juiz da instrução
tende a sentenciar contaminado pela prova oral que diante dele foi produzida
[representativeness bias]; o juiz tende a crer que os danos presentes eram previsíveis
no passado [hind-sight bias]; o juiz tem dificuldade de ignorar as provas ilícitas
[anchoring-and-adjustment bias]; o juiz tende a supervalorizar laudos produzidos por
peritos oficiais [ingroup bias]. Embora não haja ainda estudo específico sobre isso,
suspeita-se que na iniciativa probatória oficial o juiz tende a supervalorizar a prova
por ele angariada, invalidando inconscientemente as contraprovas [egocentric or self-
serving bias]. Aliás, há décadas autores como Francesco Carnelutti e Cordón Moreno
apontam que o juiz — em prejuízo à sua imparcialidade — tende a dar mais crédito a
provas por ele determinadas do que às provas trazidas pelas partes, como se a prova
ex officio fosse “sua” (o que em termos psicanalíticos equivaleria a uma espécie de
“projeção egoica” do juiz sobre a prova cuja produção determinou). Tudo isso já seria
suficiente — por força de prudência e precaução— para que as iniciativas probatórias
oficiais sejam evitadas, não temerariamente estimuladas. Afinal, de nada valeria
submeter a atividade probatória do juiz aos princípios da motivação e contraditório:
ele desprezaria as contraprovas e forjaria — o que não é difícil — a fundamentação
analítica que mais lhe aprouvesse. Nem mesmo a recorribilidade é capaz de erradicar
esses influxos de irracionalidade: as partes teriam de resignar-se a um juiz de primeiro
grau parcial e de contar somente com a imparcialidade das instâncias superiores (o
que é absolutamente inconstitucional).
Daí já se percebe que a suspeição não é um problema técnico-legislativo ou
puramente dogmático-processual, mas psicológico-cognitivo e filosófico. Não cabe à

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Eduardo José da Fonseca Costa

ciência jurídica explicar, por meio de simples cálculo de princípio e regras, o grau de
comprometimento da imparcialidade judicial pelas iniciativas probatórias oficiais. A
dogmática, porque lida com textos de direito positivo, não detém o aporte metodológico
adequado para abordar a questão. A psique dos juízes não é a “região ôntica” própria
da dogmática jurídica; enfim, não é a CF, o CPC e as leis processuais extravagantes
que responderão se a capacidade de discernimento decisório dos juízes fica total ou
parcialmente afetada quando ele ordena provas sem requerimento das partes. Em
meio aos ativistas, talvez Michelle Taruffo seja o único que se debruça sobre esses
problemas, embora sob enfoque mais epistemológico e menos psíquico-cognitivo.
De qualquer maneira, mesmo que se entenda que o art. 135 do CPC traz um
rol taxativo, é possível enquadrar a prova ex officio na hipótese descrita no inciso
V (“reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando interessado no
julgamento da causa em favor de uma das partes”) (d. n.). Tradicionalmente, entende-
se que o interesse no julgamento é o da vantagem, material ou moral, que possa
tirar o juiz, com a decisão da causa em certo sentido. Todavia, o entendimento é, por
demais, restrito. O interesse não tem de significar somente a inclinação do juiz para o
que lhe traz alguma utilidade ou proveito pessoal. O juiz tem interesse no julgamento
quando, conquanto não possa extrair qualquer vantagem para si, está imbuído de
sentimento de cuidado em relação a uma das partes e se empenha funcionalmente
para favorecê-la in casu. O juiz não quer o resultado para si, mas só para a parte que
decidiu ajudar. Aqui, o sentimento do juiz não é egoísta, mas altruísta. Quer auxiliar
uma das partes por motivos humanitários ou ideológicos.
Não se pode esquecer que a iniciativa judicial probatória gera duas consequências
jurídicas negativas: 1) o afastamento do juiz por suspeição; 2) a nulificação da prova,
que há de ser desconsiderada. Poder-se-ia argumentar que o juiz que ordena a prova
ex officio deve também afastar-se ex officio da causa para que a sentença seja ditada
por outro juiz funcionalmente imparcial. Contudo, a prova ex officio é nula e o nulo não
produz efeitos [quod nullum est nullum producit effectum]. Não é possível, a pretexto
de remover o juiz, convalidar a prova. Mesmo que se declare suspeito, o juiz não
verá referendada a prova que ordenou. Ela será irremediavelmente ineficaz. Portanto,
não basta que o juiz da prova de ofício não seja o mesmo da resolução do mérito.
Outrossim, é preciso que a prova de ofício seja desprezada.
7 Não há razão para que a proteção ao vulnerável enseje a quebra da
imparcialidade judicial. A inferioridade de armas que o assola pode ser remediada com
outros institutos. Não raro, o juiz sente-se tentado a imprimir tônus mais inquisitivo
ao processo quando a parte postula sem advogado. No Brasil, o ius postulandi da
parte é previsto para âmbitos processuais como a reclamação trabalhista (CLT, arts.
791 e 839), o habeas corpus (CPP, art. 654), o Juizado Especial Estadual (Lei nº
9.099/99, art. 9º), o Juizado Especial Federal (Lei nº 10.259/2001, art. 10), a ação
de alimentos (Lei nº 5.478/68, art. 2º), a arbitragem (Lei nº 9.307/96, art. 21,

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Algumas considerações sobre as iniciativas judiciais probatórias

§3º) e a revisão criminal (CPP, art. 623). Todos esses dispositivos são de duvidosa
constitucionalidade em face do que se prescreve o art. 133 da Constituição Federal
de 1988 (“O advogado é indispensável à administração da justiça”). De todo modo,
a atribuição de capacidade postulatória à parte garante-lhe acesso formal à justiça
[= obtenção da atenção judiciária], mas não necessariamente acesso material
[= obtenção de efetiva tutela jurisdicional]. Afinal, muitas vezes, o êxito na causa
depende de um bom desempenho probatório.
Lembre-se que a produção da prova é, ao mesmo tempo, ciência e arte. É
preciso apreender dogmaticamente os princípios e as regras do direito probatório (o
que somente é viável nos bancos das escolas de direito). Além disso, é indispensável
que se dominem a técnica probatória e as estratégias de atuação forense (o que
somente é possível com os anos de prática profissional). Ora, quase sempre, a parte
sem advogado não domina uma coisa nem outra; portanto, sua atuação probatória
costuma ser desastrosa. Com isso se vê que o ius postulandi da parte é autoflagelo
legalmente induzido. Mais: os dispositivos de lei que o preveem são meros textos a
serviço de um democratismo judiciário demagógico.
Daí a indispensabilidade do advogado (CF, art. 133), infelizmente tratada pelos
tribunais e pelo legislador ordinário federal como flatus vocis, como dicção retórica
sem consequência prática. Por essas e outras, muitos juízes condoem-se da parte
desassistida e se arvoram na condição de justiceiros, socorrendo-a. Todavia, é
possível explorar melhor as potencialidades do sistema processual civil brasileiro
vigente e minimizar o problema sem que o juiz abandone a sua equidistância. Enfim,
é plenamente viável um garantismo probatório sem dar as costas à realidade social.
É bem verdade que a desigualdade social não pode ser erradicada pelo processo.
Entretanto, atenta contra os valores do republicanismo democrático a possibilidade
de a sentença ser um prêmio a quem não tenha razão, embora conte com melhor
capacidade econômica e com a maior habilidade do seu advogado. Talvez falte ao
direito brasileiro dispositivo semelhante ao Artigo VI do Código Procesal Civil peruano,
segundo o qual “el juez debe evitar que la desigualdad entre elas personas por razones
de sexo, raza, religión, idioma o condición social, política o económica, afecte el
desarollo o resultado del proceso”. De qualquer forma, a igualação material de armas
entre as partes: a) não pode ficar ao alvedrio de avaliações subjetivas e vinculações
político-ideológicas; b) não pode ensejar a quebra da imparcialidade judicial.
No que diz respeito a (a), não há no CPC brasileiro o estabelecimento de
critérios objetivos de aferição de vulnerabilidade processual. Sem isso, não é dado
ao juiz inventar critérios unilteralmente, sob pena de atentar contra a legalidade.
Insuficiência econômica, debilidade na saúde, desinformação jurídica, falta de
advogado, deficiência na atuação probatória e ausência de discernimento podem ser
critérios de lege ferenda. Contudo, sem que estejam previstos em lei, não se podem

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Eduardo José da Fonseca Costa

guiar a atuação judicial. Hoje, no Brasil, só há previsão de igualação processual se


a parte é consumidora (Lei nº 8.078/90 — Código do Consumidor) ou idosa em
situação de risco (Lei nº 10.741/2003 — Estatuto do Idoso).
No que diz respeito a (b), a solução de lege lata pode estar em uma interpretação
extensiva das normas que, no processo civil, regulam as atuações do advogado dativo
e do Ministério Público.
No que concerne ao Ministério Público, deverá ele intervir nas causas “em que
há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte” (CPC,
art. 82, III). Ora, nas causas em que se discute interesse de vulnerável que exercita
sofrivelmente ius postulandi, pode-se divisar a presença do Ministério Público, visto
que estão em risco instituições constitucionais de garantia processual: o contraditório
e a ampla defesa, se o vulnerável litiga inabilmente sem advogado; a imparcialidade,
se o juiz decide socorrer a aludida parte. Nesse caso, o Ministério Público trabalhará
como custos legis, defendendo, de uma forma imparcial, o sistema constitucional das
garantias do processo. Ou seja, ele funcionará como o guardião do due process of
law. Intervindo como fiscal da lei, o MP: terá vista dos autos depois das partes, sendo
intimado de todos os atos do processo (CPC, art. 83, I); poderá juntar documentos e
certidões, produzir prova em audiência e requerer medidas ou diligências necessárias
ao descobrimento da verdade (CPC, art. 83, II). Como se vê, o MP — que não julga
—poderá atuar probatoriamente em lugar do juiz.
Já no que concerne ao advogado dativo, trata-se de advogado não pertencente
às Defensorias Públicas, nomeado ad hoc pelo juiz, a requerimento da parte
beneficiária da assistência judiciária gratuita, para patrocinar os interesses dela
numa determinada causa, esteja ela na posição de autora ou de ré. Com isso, busca-
se conferir dignidade processual ao vulnerável socioeconômico, que, conquanto não
tenha condições de assumir as custas ou os honorários advocatícios, tem o direito de
litigar sob amparo profissional e, assim, ver em seu favor efetivadas todas as garantias
constitucionais do processo. Tanto o credor pobre de R$100,00 quanto o credor rico
de R$1.000.000,00 têm o direito de conservar-se dignamente em juízo mediante
representação técnico-advocatícia. Assim sendo, diante do exercício insatisfatório
do ius postulandi pela parte, pode o magistrado esclarecer-lhe as vantagens de um
patrocínio profissionalizado e, mediante consentimento, nomear-lhe advogado dativo.
Pode ainda encaminhar a parte desassistida aos serviços de assistência judiciária
gratuita ou de baixo custo (serviços esses que, se forem eficientes, se mostrarão
como o meio mais apropriado para erradicar, ou ao menos atenuar, as desigualdades
das partes no processo). Agindo-se assim, preserva-se, a um só tempo, a dignidade
processual da parte e a imparcialidade funcional do juiz. Nada impede que dessa
maneira se faça. De qualquer forma, se mesmo após aconselhamentos a parte
preferir litigar sem assistência letrada, nada se poderá mais fazer: ela terá de arcar

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Algumas considerações sobre as iniciativas judiciais probatórias

com as consequências de sua escolha. Por ora, o processo civil ainda é um dos
palcos do livre-arbítrio.
Poder-se-ia cogitar da possibilidade de o juiz nomear dativo ou defensor público
— de forma cumulativa ou substitutiva — em favor da parte vulnerável já “patrocinada”
por advogado inábil.
Se a nomeação for cumulativa, todo cuidado será pouco. Ainda que haja
flagrante falência técnica no patrocínio dos interesses do vulnerável, pode o advogado
contratado melindrar-se caso seja coadjuvado a fórceps por outro profissional, o que
poderá gerar tumulto processual. Ademais, o advogado constituído pela parte e o
advogado nomeado pelo juiz podem divergir quanto à melhor forma de patrocinarem-
se os interesses da parte representada.
Se a nomeação for substitutiva, haverá grave desnaturação da representação
por advogado no processo civil. A substituição do advogado por latente falência técnica
é tão apenas possível no processo penal. Aqui, o título da atuação advocatícia não
é a outorga procuracional de poderes representacionais, mas a assunção voluntária
de um múnus público. Eventual existência de procuração ad judicia entra no suporte
fático da assunção não como elemento nuclear, mas periférico. O defensor é um órgão
autônomo da etapa judicial da persecução penal, embora órgão obrigatoriamente
parcial, uma vez que no processo penal o direito de defesa é indisponível. O
advogado recebe atribuição legal de poder-dever público-funcional para que trabalhe
exclusivamente em favor do acusado. Logo, mais do que um representante da parte,
o defensor é sujeito do processo penal. Ora, quem exerce um dever-poder funcional ou
função de maneira insuficiente, deficiente ou inexistente, tende a perder a titularidade.
Assim ensina a teoria geral do direito. É o que se passa, p. ex., com o poder familiar,
a tutela, a curatela, o poder de gerência, as funções públicas. Situação similar ocorre
no processo penal com o defensor que opera com latente falência técnica. No Brasil,
se já houver defensor dativo, é possível a nomeação de outro, podendo o acusado,
porém, a todo tempo, nomear um advogado de sua confiança (CPP, artigos 263, 422
e 449, parágrafo único); se já houver defensor constituído, é possível a nomeação ad
hoc de dativo para a prática de ato específico e determinado, sem que o advogado
escolhido pela parte seja destituído (CPP, art. 497, V). Todavia, nada disso é previsto
para o processo civil brasileiro.
8 Não se pode esquecer de que o advogado tem interesse moral e econômico
na vitória dos seus clientes. Antes de distribuir a petição inicial, ele já tece um
juízo prévio sobre os pontos de fato que se controverterão e que, por isso, serão
objetos de prova. Por isso, já sai à cata, por exemplo, de nomes de testemunhas
e meios de probatórios pré-constituídos que haverão de corroborar as alegações
contidas na exordial. Quase sempre, documentos indispensáveis faltantes já foram
procurados em vão. Mesmo assim, muitas vezes, o juiz desconfia das pesquisas
preliminares promovidas pelo advogado e determina ex officio a juntada do que antes

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já não se conseguiu juntar. Situação semelhante se dá com perícias determinadas


oficiosamente pelo magistrado, embora não requeridas pelos litigantes: não raro,
porque prescindíveis, elas sequer chegam a ser valoradas na motivação da sentença.
Isso explica por que essas complementações probatórias costumam cair no vazio.
Trata-se de dilações absolutamente inúteis, que insultam os princípios da economia
processual e da duração razoável do processo.
De qualquer maneira, aqui há algo mais grave que a mera dilação. Geralmente, a
prova de ofício é precedida de um juízo negativo de valor sobre o trabalho do advogado.
Para os ativistas, não se pode confiar plenamente no confronto de lutadores, como se
as partes soubessem cuidar melhor que ninguém dos próprios interesses, já que isso
permite que erros profissionais do advogado repercutam na sorte do pleito e na vida
do litigante; ademais, sustentam que não se pode desconfiar dos juízes. Entretanto,
conquanto cheia de intenção humanitária, a visão ativista pode perigosamente difundir a
presunção de que toda improcedência por falta de provas é provocada pela improficiência
do advogado do autor. O garantismo processual que desmerece o trabalho do juiz é
tão indesejado como o ativismo judicial que desmerece o trabalho do advogado. Afinal,
não existe hierarquia entre juiz e advogado: ambos são coprotagonistas no processo
democrático de produção da decisão final. Por isso, slogans como “confio no juiz” ou
“confio no advogado” soam como pieguice desprovida de cientificidade. Um processo
civil racionalmente estruturado não pode pressupor agentes com elevadas condições
moral e espiritual. Ao contrário: é preciso sempre tomar em consideração os erros,
as fraquezas e as deficiências. De todo modo, parte louvável dos ativistas é franca
em assumir a episódica inaptidão advocatícia [si aduocati male dicunt] como um dos
leitmotive das iniciativas judiciais probatórias.
Em contraposição, é raríssimo observar essa mesma franqueza nos
magistrados que exercem oficiosamente os seus poderes instrutórios. Nos casos
em que desmerecem da atuação do advogado, de maneira nenhuma eles explicitam
essa avaliação negativa em suas decisões. Ou seja, exercitam seus poderes, mas
não indicam o motivo determinante. São intrépidos na iniciativa, mas acanhados
na motivação. Para evadirem-se à incômoda tarefa de desqualificar o labor dos
advogados, os juízes se limitam a invocar expressões encantatórias como “princípio
da verdade real” e “concepção publicística do processo”, sem apontarem a
circunstância, a situação ou o acontecimento que anima a sua iniciativa probatória.
As razões expressas dissimulam retoricamente as razões ocultas. Ora, em um Estado
republicano e democrático, é necessário que todos os motivos decisórios sejam
expostos pelo julgador. Se assim não é, inviabilize-se qualquer controle racional sobre
as suas resoluções. Não se pode aceitar que o juiz desacredite o desempenho do
advogado e o substitua no patrocínio dos interesses da parte, mas não revele por
que desacredita. Isso mostra que as iniciativas judiciais probatórias, de maneira

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Algumas considerações sobre as iniciativas judiciais probatórias

freqüente, têm sido marcadas pelo selo da insinceridade (algo inconcebível no


exercício hodierno da jurisdição).
É possível remediar-se o error in iudicando, desde que a parte indisfarçadamente
aponte a falha cometida pelo juiz; porém, o juiz não está autorizado a remediar o
error in postulando. Ainda que assim não fosse, deveria desincumbir-se do ônus de
declinar, sem sofisma, os deslizes profissionais do advogado. De qualquer maneira,
no processo civil, a remediação de errores in postulando jamais foi institucionalizada
(ao contrário do que se passa no âmbito do processo penal, em que — ante uma
defesa abaixo do padrão mínimo tolerável — o juiz pode declarar o acusado indefeso).
Quando muito, se for o caso, o juiz poderá comunicar à OAB que o advogado cometeu
infração disciplinar (Lei nº 8.906/94, art. 34), ou noticiar à autoridade policial ou ao
Ministério Público a prática de crime contra a Administração da Justiça (CP, arts. 338
a 359). Nada mais.
Em verdade, a tentação pela prova ex officio só tem uma utilidade prática: sempre
que estiver inclinado a tomar iniciativas probatórias, o juiz estará provavelmente ante
um caso de improcedência por falta de provas. Enfim, sempre que estiver disposto a
ordenar oficiosamente uma prova, o juiz deverá respirar fundo, examinar com minudência
a causa de pedir e detectar qual fato relevante controverso não notório deixou de ser
demonstrado pelo demandante. Após esse exercício analítico — infelizmente, cada
vez menos realizado pelos julgadores —, caberá uma só atitude: a rejeição do pedido
do autor por insuficiência ou inexistência de provas (CPC, art. 269, I).
9. No Brasil, os poderes instrutórios do juiz estão previstos no art. 130 do
Código (“Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas
necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente
protelatórias”). A atribuição desses poderes ao juiz — como não poderia deixar de ser
— não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. O art. 332 do CPC traz a
norma geral de inclusão do nosso sistema probatório (“Todos os meios legais, bem
como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis
para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”). Já o inciso
LVI do art. 5º da CF traz a norma geral de exclusão (“São inadmissíveis, no processo,
as provas obtidas por meios ilícitos”). Como cediço, é inadmissível a prova obtida por
meio que desrespeita norma constitucional. Por essa razão, a produção probatória
ex officio iudicis é “meio ilícito”, uma vez que malfere o corolário da imparcialidade
judicial (inferido a partir da cláusula do devido processo legal procedimental— CF,
art. 5º, inc. LIV). É importante ressaltar, porém, que só deixou de ser recepcionada a
expressão “de ofício”, não o texto in toto. No entanto, abstraindo-se a não recepção,
não se consegue saber se a iniciativa judicial probatória é obrigatória ou facultativa.
Enfim, o dispositivo não deixa claro se os poderes instrutórios são um poder-dever ou
um poder-faculdade. Tampouco esclarece se a iniciativa probatória ex officio iudicis
há de ser supletiva ou concomitante à iniciativa das partes.

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Eduardo José da Fonseca Costa

Alguns processualistas civis, levando a necessidade de “verdade real” às


últimas consequências, entendem que os poderes instrutórios do juiz são um
“poder-dever”. No entanto, quando se entende que o exercício desses poderes é
obrigatório, criam-se duas situações indesejadas: i) faz-se tábua rasa do sistema de
autorresponsabilidade probatória das partes (o que fere o art. 333 do CPC); ii) faz-se
regra da parcialidade judicial (o que fere o art. 5º, LIV, da CF). É importante registrar
que um dos sonhos da Processualística “vanguardista” tem sido tem sido exatamente
casar esse hiperativismo de juízes com um cooperativismo de partes. Somente a
chamada “pós-modernidade” é capaz de engendrar uma excentricidade como esta:
um processo de “juiz parcial” e “partes imparciais”. Uma verdadeira triade de fous.
Em contrapartida, para conferir uma aparência menos despótica à prova ex
officio, a maioria dos ativistas sustenta que o exercício dos poderes instrutórios é
facultativo. Em idêntico sentido a jurisprudência dos nossos tribunais (cf., p. ex., STJ,
1ª Turma, REsp nº 471.857/ES, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 21.10.2003,
DJ, 17 nov. 2003, p. 207: “1. Os arts. 130 e 1.107 do CPC, mitigando o Princípio
da Demanda, conferem poderes instrutórios ao Juiz, mas não lhe impõem o dever
da investigação probatória. Mesmo porque, nos fatos constitutivos do direito o ônus
da prova cabe ao autor (CPC, art. 333, I). 2. A faculdade outorgada para instrução
probatória do Juízo milita em favor duma melhor formação da convicção do Magistrado.
No entanto, o Juiz não pode substituir as partes nos ônus que lhe competem,
inda mais quando a perícia não se realizou por inércia da parte no pagamento dos
honorários do perito”). Entretanto, o entendimento não é imune a graves problemas.
Quando se diz que o juiz é titular de uma faculdade, diz-se que as partes não
têm qualquer pretensão contra ele. Como bem demonstrou o jurista norte-americano
Wesley Newcomb Hohfeld: i) faculdade [“privilege”] e ausência de pretensão [“no
claim”] são situações correlatas; ii) pretensão [“claim”] e dever [“duty”] são situações
correlatas; iii) faculdade [“privilege”] e dever [“duty”] são situações opostas; iv)
pretensão [“claim”] e ausência de pretensão [“no claim”] são situações opostas.
Como se nota, a faculdade é a negação do dever. Por conseguinte, quando se diz
que a iniciativa judicial probatória é facultativa, diz-seque o juiz não está obrigado a
tomá-la. Toma-a ao seu talante. Se assim é, então se abrem portas para toda sorte
de arbitrariedades. Afinal, um mesmo juiz tem a faculdade de favorecer o autor da
ação A e de não favorecer o autor da ação B, posto que as circunstâncias objetivas e
subjetivas sejam semelhantes. Ou seja, conquanto se trate de pretensões idênticas,
no primeiro processo o juiz pode ordenar de ofício prova que leve à procedência
do pedido e no segundo julgar o pedido improcedente afirmando que o autor não
provou o fato constitutivo do seu direito. Enfim, o juiz pode imotivadamente escolher
o beneficiário da prova ex officio. Ora, nada mais anti-isonômico. Entretanto, aqui, não
há como exercer-se sobre o juiz qualquer tipo de controle racional.

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Algumas considerações sobre as iniciativas judiciais probatórias

10 Para os apólogos das iniciativas judiciais probatórias, age com parcialidade o


juiz que, sabendo da necessidade de uma prova, julga como se o fato a provar-se por
ela não tivesse sido provado. Todavia, aqui se confunde parcialidade com convicção.
Quando o juiz julga o pedido improcedente por falta de provas, não procede com
parcialidade, mas com a convicção ficta de que a pretensão alegada pelo autor não
existe. Ou seja, sob o império da causalidade normativa, aplicam-se consequências
negativas ao autor que não se desincumbiu de seu ônus probatório. Por outro lado,
quando o juiz deixa de julgar improcedente por falta de provas e as ordena ex officio,
atua com parcialidade, pois se recusa a prontamente reconhecer a inexistência ficta
da res in iudicium deducta. Ou seja, sob o império do voluntarismo judicial, deixam-
se caprichosamente de aplicar as consequências decorrentes da omissão autoral.
No primeiro caso, o juiz está autorizado a tomar partido, razão por que a indesejada
parcialidade dá lugar à convicção plasmada em forma de sentença. Já no segundo caso,
o juiz não está autorizado a tomar partido, razão pela qual a indesejada parcialidade
deixa de ser transformada em convicção sentencial e ganha ares de reprovável
favoritismo ao autor. No primeiro caso, há regular desempenho funcional de julgamento.
Já no segundo caso, há indevida externação funcional de pré-julgamento. Aqui existe
quebra de imparcialidade; ali, não. Na convicção, exterioriza-se oportunamente uma
preferência por meio de uma sentença; na parcialidade, exterioriza-se inoportunamente
uma preferência por meio de uma diligência probatória complementar.
Por conseguinte, não existe a “parcialidade por omissão”. Trata-se de um
monstro lógico-processual. Em verdade, só há quatro possibilidades: 1) juiz que age,
uma vez que deferiu pedido [= imparcialidade por atuação positiva] [I (+)]; 2) juiz
que age, posto que não haja pedido [= parcialidade por atuação positiva] [P (+)]; 3)
juiz que não age porque indeferiu pedido [= imparcialidade por atuação negativa] [I
(-)]; 4) juiz que não age por não haver pedido [= imparcialidade por omissão ou não
atuação] [I (0)]. Nec plus ultra. Com isso se vê que os fundamentos do ativismo
judicial probatório ferem a estrutura da realidade. Afinal, ser juiz é ser equidistante,
sereno, sábio e ponderado. Juiz que escapa a essas características deixa de ser
juiz para tornar-se justiceiro. Ativismo probatório é não jurisdição, pois. Trata-se, em
verdade, de irracionalismo.
11 A glorificação dos poderes instrutórios do juiz tem como sacramentos
eucarísticos a “justiça” e a “verdade real”. Segundo os apólogos do ativismo judicial,
não se realiza a primeira sem a segunda. Enfim, um juiz não pode ser justo se não
conhece a verdade dos fatos. Daí a necessidade dos poderes instrutórios do juiz,
que são o meio para o alcance desses fins. Porém, “justiça” e “verdade” não são
elementos essenciais da jurisdição. Há exercício de jurisdição onde há juiz (imparcial)
compondo litígios mediante aplicação do direito, não onde há juiz (parcial) conhecendo
a verdade para fazer justiça. Em um Estado pautado pelos valores do republicanismo

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 153-173, abr./jun. 2015 167
Eduardo José da Fonseca Costa

e da democracia, é viável o resguardo técnico da imparcialidade funcional do juiz


e da aplicação correta do direito; porém, é impossível controlar racionalmente os
entendimentos do juiz sobre “verdade” e “justiça”. Eis a razão por que a condução
do processo pelo juiz não deve objetivar metas político-teleológicas, mas garantir —
às partes, que se autorregulam — um debate sob a regência da lei. O juiz só há de
trabalhar com a lex, não com o ius e a veritas. Há de reconhecer, com humildade
e prudência, que não é um “guardião iluminado” e que as suas avaliações sobre o
“justo” e o “verdadeiro” não passam de opiniões subjetivas.
É importante frisar que, no processo civil, a busca da “verdade real” é um mito.
Como dizia Michael Oakeshott, do passado só nos chegam evidências circunstanciais
que sobreviveram. Algo sempre se perde. Por essa razão, quando se investiga o
pretérito de uma relação jurídica de direito material controvertida, debruça-se sobre
um “conjunto de sobreviventes”, ou seja, sobre um amálgama poroso de fragmentos
vestigiais. A prova em juízo não passa de uma complicada coletânea de pedaços —
muitas vezes, sem unidade ou contornos precisos — que perdura até o presente do
magistrado e das partes. A base de que se parte não costuma ser holográfica [do
grego “ὅλος” + “γράφος” = “registro integral”], mas merográfica [do grego “μέρος”
+ “γράφος” = registro parcial]. Daí as semelhanças entre a missão do juiz e a
do historiador. É bem verdade que tal inferência do passado é indefectivelmente
contaminada pelo interesse prático das partes, que podem manipular, ocultar,
destruir ou adulterar os “sobreviventes fragmentários” com vistas à realização de
seus objetivos. Isso não significa, entretanto, que a iniciativa probatória ex officio
iudicis possa fielmente resgatar, de per si, o passado genuíno. Afinal, o juiz também
enfrentará o problema da fragmentariedade do passado histórico e, por isso, inferir
sua própria versão dos fatos. Daí o non sense da dicotomia “verdade material”
(vinculada ao processo penal) versus “verdade formal” (vinculada ao processo civil):
a descoberta da verdade em estado bruto de pureza é impossível tanto para o juiz
civil quanto para o juiz criminal, visto que ambos sempre iniciam a investigação dos
fatos em um presente composto de registros e relatos parciais. Não por outro motivo,
alguns juristas acertadamente preferem o termo “confirmação” ao termo “prova”, já
que o segundo está castiçamente vinculado à ideia de “demonstração da verdade”:
o “meio probatório” cumpriria o simples papel de reafirmar a probabilidade de uma
afirmação. Enfim, “meios de prova” não provariam fatos, mas apenas confirmariam
afirmações sobre eles.
Por força das estruturas vestigiais do passado histórico, a “verdade processual”
é problemática. Contudo, ela é possível em outras searas. Por isso, aqui, não se
adota uma gnoseologia relativista, que vê a possibilidade de alcance da verdade
objetiva como uma utopia (visão que vinga entre inúmeros garantistas, inspirados
pelo ceticismo absolutista de Luigi Ferrajoli, para quem a verdade objetiva ou
absolutamente certa era, na realidade, uma ingenuidade epistemológica, que as

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Algumas considerações sobre as iniciativas judiciais probatórias

doutrinas jurídicas iluministas do juízo, como aplicação mecânica da lei, compartilham


com o realismo gnoseológico vulgar). Ainda permanece intocada a primazia do ser
sobre o pensar, da ontologia sobre a gnoseologia. Se assim não for, nada poderá
ser aceito como firmemente estabelecido. Todo intelectual ainda tem o dever de
medir o seu conhecimento pela realidade, numa contínua busca pela verdade das
coisas. A realidade ainda é a fonte de todos os conhecimentos e a medida da sua
verdade. Entretanto, no processo, quase sempre há uma privação, pois nem sempre
todas as evidências do passado sobrevivem. Não raro, faltam dados e do que faltou
não se pode ter uma consciência pura. Daí o risco inevitável de divergências entre
a integridade fática ocorrida e o mosaico processualmente montado. Para alguns, a
verdade jamais é o objetivo [Ferrajoli]; para outros, ela sempre é o objetivo [Taruffo].
É certo, porém, que a verdade é objetivo irrenunciável, mas não no processo. Ou seja,
o alcance da verdade no processo é possível, mas não obrigatório.
Isso mostra que no âmbito forense o termo prova não carrega um sentido analítico
(= prova como demonstratio — p. ex., prova matemática) ou semântico (= prova como
verificatio — p. ex., prova científica), mas pragmático (= prova como persuasio — p.
ex., prova judicial). Aqui, provar não significa demonstrar formalmente como se chegou
à conclusão partindo-se de operações silogístico-proposicionais sobre premissas.
Também não significa averiguar sistematicamente a verdade de um determinado fato
juntando-se evidências empíricas verificáveis — baseadas em observação sistemática
e controlada, geralmente resultantes de experiências ou pesquisas de campo — e
analisado-as com o uso da lógica. Como já dito, no processo, provar é simplesmente
reafirmar a probabilidade de uma afirmação sobre um fato. Nesse sentido, o
“conjunto probatório” não passa de um jogo de referencialidade problemática, cujo
tabuleiro é um micro-sistema autopoiético de peças, não raro descoladas dos objetos
referenciados (por desmemorização, infidelidade, ou manipulação estratégica) para
comporem uma imagem representativa possível. Esse “jogo probatório” — fundado
em bases merográficas — engendra uma instância espectral paralela, na qual se
pode só ocasionalmente chegar a uma representação imagética da verdade dos
fatos, tal como ocorreram no plano fenomênico. Todavia, aqui, a consecução do
imago verdadeiro é acidental, não essencial; trata-se de efeito colateral desejável,
mas não necessário. Aliás, a intromissão dos juízes nesse concerto pode distorcer a
eficiência imagética do jogo. É possível que o conjunto fragmentário produzido pelas
partes esteja próximo da verdade e que, ao introduzir oficiosamente uma nova peça,
o juiz provoque uma distorção na imagem.
Portanto, a “verdade” [rectius: verossimilhança] no processo assemelha-se
mais à composição de uma melodia a partir de ecos ambíguos que à reconstrução
assentada e resoluta de um quebra-cabeça. Os meios probatórios são ferramentas
mais de reinvenção que de refeitura. Quando se diz jocosamente nos corredores

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 153-173, abr./jun. 2015 169
Eduardo José da Fonseca Costa

forenses que “o juiz constrói uma meia-verdade a partir de duas mentiras”, diz-se
algo de real, que deve ser aceito com resignação pragmática, não com inconformismo
moral. Juiz que se sente responsável pela prova não descobre a verdade e, por
tabela, perde a sua imparcialidade. Por isso, ele não deve descer à realidade apesar
das partes [movimento catagnóstico — do grego “κάτα” + “γνωση” = “conhecimento
de cima para baixo”]; é a realidade que tem de dialeticamente ascender ao juiz
mediante o debate entre elas [movimento anagnóstico — do grego “ανά” + “γνωση” =
“conhecimento de baixo para cima”]. Enfim, é às partes — e somente a elas — que
cabe a adução do material de fato que há de servir à decisão judicial [iudex iudicare
debet secundum allegata et probata partium]. Decididamente, a ciência e a arte do
foro não são aléticas [do grego “αλέθεια” = “verdade”], porém, máquicas [do grego
“μάχη” = “debate”]. O processo civil não é um método investigativo, mas um método
(pacífico) de debate. Ele não possui uma dimensão propriamente “epistêmica”,
mas simplesmente compositiva. Portanto, o magistrado deve contentar-se com uma
convicção acerca dos fatos, não verificá-los, comprová-los, creditá-los, buscar a
certeza de sua existência ou procurar a verdade real do ocorrido no plano da realidade.
A verdade pode despontar no processo civil e é desejável que isso aconteça; todavia,
trata-se de probabilidade, não de necessidade. Os garantistas não são”deniers”,
“veriphobics” ou “nemici della verità”, como alega Michele Taruffo, mas não estão
dispostos a pagar qualquer preço por ela.
É evidente que os garantistas não defendem o processo civil como um âmbito
pré-ordenado a “erros e falsidades”. Porém, seriam intelectualmente desonestos se
dissessem que o direito processual civil não transige, uma vez ou outra, com equívocos
e mentiras. Se assim não fosse, não haveria como explicar, no Brasil: i) a presunção
de veracidade dos fatos afirmados pelo autor em hipótese de revelia; (CPC, art. 319);
ii) a presunção de veracidade dos fatos que, por meio da coisa ou do documento não
exibido pelo requerido, o requerente pretendia provar (CPC, art. 359); iii) a inadmissão
da prova que, conquanto elucide a verdade dos fatos, foi obtida por meio ilícito (CF,
art. 5º, LVI); iv) o trânsito em julgado de sentença irrescindível fundada em perícia
ou testemunho falso (Lei nº 9.099/99, art. 59); v) o decurso do prazo decadencial
de dois anos para rescindir sentença fundada em perícia ou testemunho falso (CPC,
art. 495); vi) a impossibilidade de ser analisado o mérito da cobrança caso o réu não
apresente embargos monitórios (CPC, art. 1.102c); vii) a presunção de confissão
dos fatos alegados contra a parte que, intimada pessoalmente, não comparece ou,
comparecendo, se recusa a depor (CPC, art. 343); viii) a sentença de improcedência
por falta de provas; ix) a proibição de utilização, pelo juiz, de sua ciência privada
dos fatos, mesmo que eles não despontem no processo; x) a impossibilidade de
testemunho de fato sob sigilo profissional. Com isso se percebe que a verdade é um
dos tantos objetivos do processo. Mas não é o único e não se sobrepõe aos demais.

170 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 153-173, abr./jun. 2015
Algumas considerações sobre as iniciativas judiciais probatórias

Não por outro motivo, p. ex., as testemunhas não se podem submeter a polígrafos
ou detectores de mentiras: haveria afronta ao princípio constitucional da dignidade
da pessoa humana.
Isso mostra que o magistrado decide o fato. A ocorrência fática dá-se per iudicis
definitionem. Não por outro motivo res iudicata pro veritate accipitur. Nesse sentido, as
eficácias ou energias emanadas das sentenças podem ser pragmaticamente divididas
em duas classes: (1) constatativas (não interferem no mundo); (2) performativas
(alteram o mundo). A partir daí chega-se a seis subclasses: (1.1) constatação de
situação jurídica [= declaração]; (1.2) constatação de ilícito [= condenação]; (1.3)
constatação de fato [= “declaração de fato”]; (2.1) constituição [= nascimento,
modificação ou extinção de situação jurídica]; (2.2) mandamento [= ordem]; (2.3)
execução [= transferência de valor da esfera do réu para a do autor].
12 É usual entre os ativistas a afirmação de que se deve hoje pensar mais em
justiça e menos em ciência processual. No entanto, durante séculos, o intelecto humano
buscou libertar o direito de incoerências sistêmicas, interpretações racionalmente
incontroladas e imprevisibilidades comportamentais. A ciência processual tal
como hoje conhecida nada mais é do que o resultado desse permanente esforço
inconcluso. A dogmática jurídica do processo civil apresenta-se fundamentalmente
como uma combinatória de três modelos: analítico (que organiza, sistematiza, define,
conceitua e classifica, fixando os pontos de compreensão do sistema); hermenêutico
(que constrói cânones de interpretação-aplicação metodologicamente estruturados);
pragmático (que diminui os espaços entre a teoria e a prática, elaborando estratégias
de atuação forense, definindo fórmulas bem-sucedidas de redação de arrazoados
e observando empiricamente o funcionamento dos institutos no quotidiano do
foro). Logo, diante de todo esse cabedal epistemológico, a apresentação da justiça
como finalidade do processo revela um angustiante atraso no desenvolvimento
do pensamento processualístico. Trata-se de um retrocesso a velhos atavismos
voluntaristas que se julgavam superados pela lógica e pela razão.
Não se nega a importância da justiça como valor para o direito. Todavia, é
preciso bem compreender o locus que ela ocupa na experiência jurídica. Para
além das regras há os princípios; para além dos princípios há os fundamentos. Os
princípios concretizam os fundamentos; as regras concretizam os princípios. É quase
infinita a quantidade de regras. São múltiplos os princípios. Todavia, só existem dois
fundamentos: justiça e segurança. Elas são o arquétipo dual universal de validade
material de todo e qualquer ordenamento jurídico. É materialmente inválida a norma
jurídica que promane segurança sem mínimo de justiça, que promane justiça sem
mínimo de segurança e que promane injustiça e insegurança. Se se tratar de uma
regra, ela fatalmente ferirá um principio. Se se tratar de um princípio, ele fatalmente
ferirá um fundamento. Note-se que a segurança e a justiça são categorias normativas

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 153-173, abr./jun. 2015 171
Eduardo José da Fonseca Costa

mais abrangentes a que se chega por indução amplificadora a partir do sistema


de princípios. Basta lembrar que há princípios que concretizam mais o valor-justiça
(e.g., capacidade contributiva, culpabilidade, celeridade processual, boa-fé, vedação
de enriquecimento sem causa, dignidade, solidariedade, igualdade, isonomia)
e outros que mais concretizam o valor-segurança (e.g., legalidade, paralelismo
de formas, anterioridade, motivação, precaução). Outros atendem igualmente
aos dois fundamentos (v. g., devido processo legal). Isso mostra claramente que
justiça e segurança estão numa infindável tensão dialética, na qual reside a matriz
reprodutora de toda a fenomenologia jurídica. Contudo, dada a profunda subjacência
dos fundamentos, a aplicação direta deles é raríssima. Só se aplica princípio onde
não há regra; só se aplica fundamento onde não há princípio. Ainda assim, é difícil
imaginar a inexistência de um princípio que já não dê conta de um caso concreto.
Por isso, a aplicação direta da justiça no processo nada mais é do que uma tentativa
mal disfarçada de permitir ao juiz fazer o que bem quiser. Quer-se afastar o valor-
segurança e tornar o processo um âmbito perigosamente justiceiro. Enfim, quer-se
infundir o “reino do altruísmo judicial”, essa atração juvenil que utopicamente casa
direito processual com poesia e, não raro, aniquila todas as garantias fundamentais
do processo. Ora, o valor-justiça não se coaduna com a ausência da verdade, assim
como o valor-segurança não se coaduna com a verdade a qualquer custo.
13 A alta cultura jurídica do liberalismo levou século e meio para eliminar
as nódoas despóticas do ordo iudiciorum publicorum e do processo inquisitório
canônico medieval. Forjou em bom metal produtos democráticos de alta sofisticação
técnica como o sistema de autorresponsabilidade probatória das partes, o princípio
dispositivo, a intangibilidade da coisa julgada, a postulação letrada obrigatória e a res
in iudicium deducta como objeto litigioso, livrando o processo civil de qualquer feição
policial. Acentuou a diversificação entre as funções do juiz e das partes. Nos casos de
interesse público e social, concedeu o poder de iniciativa ao Ministério Público, não ao
juiz. Daí por que o ativismo judicial não passa de infeliz retrocesso à brutalidade e ao
judicialismo ancestral movido por impulsos inconscientes e preconceitos ideológicos.
A força bruta da intervenção justiceira é marca do impulso irrefletido; o comedimento
da justiça equidistante é produto do pensamento reflexivo. Nesse sentido, o ativismo
probatório — ao “quebrar toda a longa escadaria, que se subiu, através de cento e
cinqüenta anos de civilização liberal” (Pontes de Miranda) — volta tristemente ao
estado de natureza. A “concepção publicística do processo” é apenas uma nova
expressão para designar velhos atavismos. Dizer que as iniciativas judiciais probatórias
são boas porque são cada vez mais adotadas pelos ordenamentos jurídicos nacionais
modernos não é justificativa: o mundo caminha para a concentração autoritária de
poderes nas mãos do Estado e nisso não há qualquer nota evolutiva. Ora, se o
moderno processo civil dos países ocidentais civilizados caminha para uma ampliação

172 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 153-173, abr./jun. 2015
Algumas considerações sobre as iniciativas judiciais probatórias

dos poderes do juiz e se esses poderes promovem a “verdadeira paz social” (José
Roberto dos Santos Bedaque), pergunta-se: por que o mundo ainda se afunda em
injustiças e perturbações? Poder-se-ia afirmar que o aumento da desagregação
tem como causas outros fatores, que suplantam a pacificação proporcionada pelo
ativismo judicial. No entanto, a afirmação não passaria de palpite incomprovado. Na
realidade, as ciências sociais — especialmente as sociologias funcionais de Parsons
e Luhmann — nos ensinam que a “verdadeira paz social” nasce da absorção dos
conflitos por procedimentos legitimados e legitimadores de resolução de disputas.
Isso nada tem a ver com a obsessão pela “verdade a todo custo”.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

COSTA, Eduardo José da Fonseca. Algumas considerações sobre as iniciativas


judiciais probatórias. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo
Horizonte, ano 23, n. 90, p. 153-173, abr./jun. 2015.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 153-173, abr./jun. 2015 173
Efetividade processual, princípio da
cooperação e poderes instrutórios

Elias Marques de Medeiros Neto


Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP (títulos obtidos em 2014 e em
2009). Pós-Doutorando em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade
de Lisboa (2014/2015), com a supervisão da Professora Catedrática Paula Costa e Silva.
MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da
Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito
dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Pós-Graduação Executiva no Programa de Negociação
da Harvard Law School (2013). Pós-Graduação em Direito de Energia (2013) e em Direito da
Regulação e Infraestrutura (2014) pelo IBDE. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor
de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado na Universidade de Marília – Unimar
(desde 2014). Professor Convidado na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós-
Graduação e Atualização (desde 2012, destacando-se a PUC-SP, a Escola Paulista de Direito
– EPD, Mackenzie). Professor assistente convidado na matéria de Direito Processual Civil na
graduação da PUC-SP (desde 2012). Advogado. Autor de livros e artigos no ramo do Direito
Processual Civil. Membro fundador e Diretor do Ceapro – Centro de Estudos Avançados de
Processo (desde 2014). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Associado
efetivo do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP). Presidente da Comissão de Direito
Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do
IASP (desde 2013). Membro da Comissão de Estudos do Judiciário do IASP (desde 2013).
Membro da Comissão de Estudos de Processo Constitucional do IASP (desde 2013). Membro
consultor da comissão especial de estudos do novo código de processo civil do conselho
federal da OAB (2013). Membro da lista de árbitros da câmara Arbitranet (desde 2015).

Palavras-chave: Efetividade processual. Devido processo legal. NCPC. Cooperação.

É constante a preocupação do processualista moderno acerca do desafio de


se obter um processo verdadeiramente efetivo, que possa assegurar igualdade de
tratamento entre os sujeitos processuais,1 bem como que possa garantir ao litigante,
na medida do possível, praticamente e exatamente aquilo que ele naturalmente teria
se não precisasse ir ao Poder Judiciário.2
A efetividade processual transformou-se em um ponto comum de estudo nos
mais diversos sistemas processuais, sendo certo que foi apontada como um dos
princípios de processo civil com validade transnacional, de acordo com o Projeto

1
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre:
Fabris, 1988. p. 15.
2
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 319.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 175-190, abr./jun. 2015 175
Elias Marques de Medeiros Neto

Unidroit/American Law Institute,3 liderado pelos professores Geoff Hazard e Michele


Taruffo. Nesse projeto, houve destacada tônica para a preocupação com uma justiça
efetiva, pronta e célere, com o dever das partes de evitar propositura de ações
temerárias e abuso do processo, de agir de forma justa e de estimular procedimentos
eficientes e rápidos, com o seu respectivo dever de cooperação.
A busca de uma tutela jurisdicional justa e efetiva também está presente nos
princípios do moderno processo civil inglês, sendo que essa diretriz já constava da obra
do professor Neil Andrews de 1994 (Principles of Civil Procedure, 1994), sendo depois
reafirmada no livro English Civil Procedure, de 2003 (Oxford University Press), além de
estar constante nas atuais CPR de 1998 (“O Código de Processo Civil Inglês”).4
No Brasil, a efetividade do processo encontra respaldo constitucional no artigo
5º, incisos XXXV, LIV, LV, e LXXVIII, da CF de 1988, bem como aparece expressamente
positivada no Novo Código de Processo de Civil de 20155 (“NCPC”):

Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução


integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-
se de acordo com a boa-fé.
Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que
se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao
exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos
ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao
juiz zelar pelo efetivo contraditório.
Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais
e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade
da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a
legalidade, a publicidade e a eficiência.

A noção de efetividade do processo tem como premissa básica a concepção de


que o Poder Judiciário tem como missão possibilitar aos demandantes uma adequada,
tempestiva e eficiente solução de controvérsias, incluindo-se a devida realização do
direito material tutelado em favor do seu titular.
Cássio Scarpinella Bueno destaca que existe uma ligação umbilical entre o
direito processual e o direito material, sendo aquele instrumento para tutelar de forma
eficaz este último, não se podendo olvidar que é missão essencial do Estado garantir
um eficaz exercício da jurisdição: entendendo-se por isso não só uma adequada e

3
ANDREWS, Neil. O moderno processo civil. Tradução de Teresa Arruda Alvim Wambier. 2. ed. São Paulo: RT, 2012.
4
ANDREWS, Neil. O moderno processo civil. Tradução de Teresa Arruda Alvim Wambier. 2. ed. São Paulo: RT, 2012.
5
Cf. redação encaminhada para sanção presidencial em fevereiro de 2015.

176 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 175-190, abr./jun. 2015
Efetividade processual, princípio da cooperação e poderes instrutórios

eficiente formal resposta do Poder Judiciário quanto à solução da lide, mas também
se compreendendo a garantia de própria realização do direito material tutelado.6
Como a jurisdição tem como fim a resolução de conflitos,7 almejando à obtenção
da paz social,8 é certo que o princípio da efetividade do processo torna-se verdadeira
essência da jurisdição; principalmente porque um processo tardio, ineficaz e sem real
impacto no mundo dos fatos, fracassando na tutela e na realização do direito material,
não terá proporcionado nem a paz social, nem o almejado adequado desfecho da
resolução de conflitos.9
O princípio da efetividade processual se relaciona com o princípio da eficiência,10
o qual, além de estar previsto no artigo 37 da CF de 1988, passa a estar positivado
no artigo 8º do NCPC.
Acerca do princípio da eficiência, Maria Sylvia Zanella Di Pietro doutrina que:
“pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se
espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores
resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a administração
pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na
prestação do serviço público”,11 e “há que se ter sempre presente a ideia de que
o processo é instrumento para aplicação da lei, de modo que as exigências a ele
pertinentes devem ser adequadas e proporcionais ao fim que se pretende atingir.
Por isso mesmo, devem ser evitados os formalismos excessivos, não essenciais
à legalidade do procedimento que só possam onerar inutilmente a administração
pública, emperrando a máquina administrativa”.12
Alexandre de Moraes, na mesma linha, ensina que o princípio da eficiência
é: “aquele que impõe à administração pública direta e indireta e a seus agentes a
persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma
imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em
busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários

6
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
p. 91. v. 1.
7
“A pacificação é o escopo magno da jurisdição e, por consequência, de todo o sistema processual (uma vez
que todo ele pode ser definido como a disciplina jurídica da jurisdição e seu exercício). É um escopo social,
uma vez que se relaciona com o resultado do exercício da jurisdição perante a sociedade” (ARAÚJO CINTRA,
Antônio Carlos de; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 23. ed.
São Paulo: Malheiros, 2007. p. 30).
8
A necessidade de a jurisdição resolver de forma eficiente a lide está na doutrina de Cândido Rangel Dinamarco:
“A força das tendências metodológicas do direito processual civil na atualidade dirige-se com grande intensida-
de para a efetividade do processo, a qual constitui expressão resumida da ideia de que o processo deve ser
apto a cumprir integralmente toda a sua função sócio político jurídica, atingindo em toda a plenitude todos os
seus escopos institucionais” (A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 277).
9
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 319.
10
BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura. Comentários à Constituição Federal de 1988.
Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 728.
11
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 83.
12
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 504.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 175-190, abr./jun. 2015 177
Elias Marques de Medeiros Neto

para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar-se


desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social”.13
O princípio da eficiência14 tem íntima ligação com a efetividade processual,
na medida em que é dever do Poder Judiciário pautar seus atos em harmonia com
os princípios consagrados no artigo 37 da CF de 1988; devendo se organizar para
garantir que a tutela jurisdicional possa ser conferida ao titular do direito material de
maneira oportuna, econômica e tempestiva.
Fredie Didier Jr.,15 neste contexto, pontua que: “o processo, para ser devido, há
de ser eficiente. O princípio da eficiência, aplicado ao processo, é um dos corolários
da cláusula geral do devido processo legal. Realmente, é difícil conceber um devido
processo legal ineficiente. Mas não é só. Ele resulta, ainda, da incidência do art. 37,
caput, da CF/88. Esse dispositivo também se dirige ao Poder Judiciário”.
A efetividade processual também se relaciona com a celeridade processual.16
J. J. Gomes Canotilho já teve a oportunidade de observar que: “... a existência
de processos céleres, expeditos e eficazes [...] é condição indispensável de uma
protecção jurídica adequada”.17
A duração razoável do processo e a celeridade certamente são importantes
componentes do conceito de efetividade processual. Mas não são expressões
sinônimas, sendo a celeridade um dos elementos para que o processo possa ser
considerado efetivo, mas nunca o único elemento. Um processo célere, mas que
agrida o devido processo legal, não pode ser considerado efetivo, como bem alertam
Maria Elizabeth de Castro Lopes e João Batista Lopes,18 em artigo referência sobre o
tema: “Tem-se observado, em trabalhos acadêmicos, certa confusão entre celeridade
e efetividade. Talvez em razão da constante preocupação com a morosidade da
justiça, a efetividade muitas vezes é identificada com celeridade ou com presteza
da atividade jurisdicional. Nada, porém, menos exato, já que a celeridade é apenas
um aspecto da efetividade. Com maior rigor técnico e à luz da Emenda nº 45, aos
jurisdicionados se deve garantir a razoável duração do processo que, entre outros
aspectos, terá de levar em consideração a complexidade da causa. Por exemplo, se
o desate da lide exigir prova pericial, e o juiz a dispensar, em nome da celeridade
processual, a efetividade do processo estará irremediavelmente comprometida: o

13
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 300.
14
Fábio Soares de Melo enfatiza que “o princípio da eficiência tem por finalidade principal a obrigatoriedade de que
a atuação da administração pública obtenha resultados de forma satisfatória e eficiente” (MELO, Fábio Soares
de. Processo administrativo tributário: princípios, vícios e efeitos jurídicos. São Paulo: Dialética, 2012. p. 54).
15
DIDIER JR., Fredie. Apontamentos para a concretização do princípio da eficiência do processo. In: FREIRE,
Alexandre (Org.). Novas tendências do processo civil. Salvador: Podium, 2013. p. 433.
16
WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000. p. 142.
17
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 652-653.
18
CASTRO LOPES, Maria Elizabeth de; LOPES, João Batista. Princípio da efetividade. In: OLIVEIRA NETO, Olavo
de; CASTRO LOPES, Maria Elizabeth de (Coord.). Princípios processuais civis na Constituição. São Paulo: Ed.
Campos Jurídico, 2008. p. 244-245.

178 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 175-190, abr./jun. 2015
Efetividade processual, princípio da cooperação e poderes instrutórios

julgamento não será antecipado, mas precipitado... Tem-se, pois, que a celeridade
processual não pode vulnerar as garantias constitucionais entre as quais se colocam
a ampla defesa e a produção da prova”.
José Roberto dos Santos Bedaque,19 na mesma direção, doutrina que: “Processo
efetivo é aquele que, observado o equilíbrio entre os valores segurança e celeridade,
proporciona às partes o resultado desejado pelo direito material. Pretende-se aprimorar
o instrumento estatal destinado a fornecer a tutela jurisdicional. Mas constitui perigosa
ilusão pensar que simplesmente conferir-lhe celeridade é suficiente para alcançar a
tão almejada efetividade. Não se nega a necessidade de reduzir a demora, mas não
se pode fazê-lo em detrimento do mínimo de segurança, valor também essencial ao
processo justo. Em princípio, não há efetividade sem contraditório e ampla defesa. A
celeridade é apenas mais uma das garantias que compõem a ideia do devido processo
legal, não a única. A morosidade excessiva não pode servir de desculpa para o sacrifício
de valores também fundamentais, pois ligados à segurança do processo”.20
Portanto, a duração razoável do processo e a celeridade são fundamentais para
que a efetividade processual possa ser garantida, mas tais qualidades não devem
mitigar os importantes princípios inerentes ao due process of law, sendo este outro
fundamental elemento para a conquista da efetividade processual: “a celeridade não
pode atropelar ou comprometer o processo giusto de que nos fala Comoglio, ou seja,
o reconhecimento e a garantia dos direitos, a fundamental exigência de efetividade
técnica e qualitativa, o contraditório, o juiz natural etc. Sobre preocupar-se com a
celeridade, deverá o magistrado indagar, em cada caso, qual deva ser a duração
razoável do processo. Em outras palavras, o processo deve durar o tempo necessário
e suficiente para cumprir seus escopos, nem mais, nem menos”.21

19
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo: Malheiros,
2007. p. 49.
20
Não são diferentes os magistérios de João Batista Lopes e Cássio Scarpinella Bueno: “Como se pretende sus-
tentar, porém, efetividade não é sinônimo de celeridade, ainda que deva ser considerada aspecto importante
daquela, como se exporá mais adiante. [...]. Verifica-se, para logo, que o conceito de efetividade é mais com-
plexo do que geralmente se supõe, não se identificando, pura e simplesmente, com o resultado do processo.
É necessário que o resultado alcançado obedeça ao princípio do devido processo legal, isto é, que as garantias
do processo sejam observadas, que se tenha um processo equo e giusto, como dizem os italianos. Também
não se pode confundir efetividade com celeridade processual. Se é certo que a celeridade constitui um valor a
ser perseguido, especialmente ante o quadro atual de morosidade da justiça, também é exato que a idéia de
efetividade não se exaure na de celeridade” (LOPES, João Batista. Princípio da proporcionalidade e efetividade
do processo civil. In: MARINONI, Luiz Guilherme (Coord.). Estudos de direito processual civil. Homenagem ao
Professor Egas Dirceu Moniz de Aragão. São Paulo: RT, 2006. p. 135); e “O grande norte a ser seguido pelo
legislador e, consequentemente, pela técnica processual é o do princípio da efetividade da jurisdição, ou do
acesso à justiça ou à ordem jurídica justa, constante do artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, sempre equi-
librado e dosado, como bom princípio que é, pelos princípios do devido processo legal e do contraditório e da
ampla defesa (artigo 5º, LIV e LV, da Constituição Federal)”. (BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado
de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 148. v. 1). No mesmo sentido: DINAMARCO, Cândido
Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 360.
21
LOPES, João Batista; CASTRO LOPES, Maria Elizabeth. Novo Código de Processo Civil e efetividade da jurisdi-
ção. Revista de Processo 188. São Paulo: RT, 2010. p. 173-174.

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Elias Marques de Medeiros Neto

O devido processo legal está previsto na CF de 1988, em seu artigo 5º, LIV.
É o princípio base para todo o sistema processual,22 tendo em sua essência a
orientação de respeito às garantias processuais positivadas em favor das partes na
Constituição Federal e nas demais normas infraconstitucionais. Dentre tais garantias,
se destacam o direito ao contraditório23 e à ampla defesa,24 o respeito ao princípio
da legalidade,25 o dever de os magistrados motivarem suas decisões e a publicidade
dos atos processuais26 (artigo 93, IX, da CF de 1988), o direito à prova,27 a proibição
à prova ilícita,28 o dever de se conferir tratamento igualitário às partes,29 o direito ao
juiz natural e imparcial.30 Nelson Nery Jr.,31 com didática, sintetiza: “E é nesse sentido
unicamente processual que a doutrina brasileira tem empregado, ao longo dos anos,
a locução devido processo legal', como se pode verificar, v.g., da enumeração que se
fez das garantias dela oriundas verbis: a) direito à citação e ao conhecimento do teor
da acusação; b) direito a um rápido e público julgamento; c) direito ao arrolamento
de testemunhas e à notificação das mesmas para comparecimento perante os
tribunais; d) direito ao procedimento contraditório; e) direito de não ser processado,
julgado ou condenado por alegada infração às leis ex post facto; f) direito à plena
igualdade entre acusação e defesa; g) direito contra medidas ilegais de busca e
apreensão; h) direito de não ser acusado nem condenado com base em provas
ilegalmente obtidas; i) direito à assistência judiciária, inclusive gratuita; j) privilégio
contra a auto-incriminação. Especificamente quanto ao processo civil, já se afirmou

22
“Em nosso parecer, bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do due process of law para que
daí decorressem todas as conseqüências processuais que garantiam aos litigantes o direito a um processo
e a uma sentença justa. É, por assim dizer, o gênero do qual todos os demais princípios constitucionais do
processo são espécies. Assim é que a doutrina diz, por exemplo, serem manifestações do “devido processo
legal” o princípio da publicidade dos atos processuais, a impossibilidade de utilizar-se em juízo prova obtida
por meio ilícito, assim como o postulado do juiz natural, do contraditório e do procedimento regular” (NERY JR.,
Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 60).
23
“O que caracteriza fundamentalmente o processo é a celebração contraditória do procedimento, assegurada
a participação dos interessados mediante exercício das faculdades e poderes integrantes da relação jurídica
processual. A observância do procedimento em si próprio e dos níveis constitucionalmente satisfatórios de
participação efetiva e equilibrada, segundo a generosa cláusula due process of law, é que legitima o ato final
do processo, vinculativo dos participantes” (DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo.
São Paulo: Malheiros, 2008. p. 77).
24
NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 172.
25
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 400.
26
OLIVEIRA.NETO, Olavo de. Princípio da fundamentação das decisões judiciais. In: OLIVEIRA NETO, Olavo de;
CASTRO LOPES, Maria Elizabeth de (Coord.). Princípios processuais civis na Constituição. São Paulo: Ed.
Campos Jurídico, 2008. p. 201.
27
LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. 3. ed. São Paulo: RT, 2006. p. 166-168.
28
SHIMURA, Sérgio. Princípio da proibição da prova ilícita. In: OLIVEIRA NETO, Olavo de; CASTRO LOPES, Maria
Elizabeth de (Coord.). Princípios processuais civis na Constituição. São Paulo: Ed. Campos Jurídico, 2008. p.
263-264.
29
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p.
118. No mesmo sentido: BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. 6. ed.
São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1.
30
NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: RT, 2004.
31
NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 70.

180 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 175-190, abr./jun. 2015
Efetividade processual, princípio da cooperação e poderes instrutórios

ser manifestação do due process of law: a) a igualdade das partes; b) garantia do jus
actionis; c) respeito ao direito de defesa; d) contraditório. Resumindo o que foi dito
sobre esse importante princípio, verifica-se que a cláusula procedural due process
of law nada mais é do que a possibilidade efetiva de a parte ter acesso à justiça,
deduzindo a pretensão e defendendo-se do modo mais amplo possível, isto é, de ter
his day in Court, na denominação genérica da Suprema Corte dos Estados Unidos”.
Um processo que observa o devido processo legal, pautado pelo respeito às
garantias constitucionais, mas que também observa a necessidade de eficiência,
celeridade e duração razoável, demonstra a preocupação com a efetividade na
solução do conflito.
A efetividade processual também mantém íntima relação com a noção de
acesso à justiça, termo este muito presente quando se examina o inciso XXXV do
artigo 5º da CF de 1988.
Para a adequada compreensão do que se entende como acesso à justiça, é
inevitável a observância das ondas de transformação de que sabiamente falam Mauro
Cappelletti e Bryant Garth.32
Pela lição dos referidos mestres, o pleno acesso à justiça pode ser obtido pela
preocupação em possibilitar aos menos favorecidos economicamente o acesso à
informação e ao uso das ferramentas processuais necessárias para a proteção dos
seus direitos. Essa seria a primeira onda de transformação, garantindo-se o acesso à
justiça para aqueles que tradicionalmente são excluídos, por fatores econômicos, do
sistema de proteção dos direitos.
A segunda onda de transformação está na busca de proteção aos interesses
difusos e coletivos, almejando-se tutelar os interesses da sociedade como um todo,
e não só o direito individual de cada cidadão.
A terceira onda reside no desafio de o Estado e o Poder Judiciário atuarem
efetivamente na resolução dos conflitos que são apresentados; sendo missão do
sistema jurídico não só entregar ao jurisdicionado uma formal resposta para o conflito
através de uma decisão ou sentença, mas também conferir a ele todas as ferramentas
processuais necessárias para a efetiva realização do seu direito.
José Roberto dos Santos Bedaque,33 acerca da relação entre o acesso à justiça
e a efetividade processual, disserta que “entre os direitos fundamentais da pessoa
encontra-se, sem dúvida, o direito à efetividade do processo, também denominado
direito de acesso à justiça ou direito à ordem jurídica justa, expressões que pretendem
representar o direito que todos têm à tutela jurisdicional do Estado. Essa proteção

32
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre:
Fabris, 1988.
33
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (ten-
tativa de sistematização). 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 341.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 175-190, abr./jun. 2015 181
Elias Marques de Medeiros Neto

estatal deve ser apta a conferir tempestiva e adequada satisfação de um interesse


juridicamente protegido, em favor do seu titular, nas situações em que isso não se
verificou de forma natural e espontânea”.
E como narra Cassio Scarpinella Bueno,34 a terceira onda traz o desafio de
o sistema processual se adaptar aos novos tempos dos conflitos modernos; ser
flexível, prever procedimentos que possam atender às especificidades de cada lide,
ter, enfim, as condições necessárias para atuar de forma concreta e real na proteção
ao direito material que está sendo violado no caso concreto.
O jurisdicionado, dentro da ótica da terceira onda de Cappelletti e Garth,
não pode se deparar com um sistema processual rígido, formal, distante e pouco
preocupado com a eficaz solução da lide.
Pelo contrário, passa a ser missão essencial do Poder Judiciário garantir a
efetividade do processo. O sistema processual como um todo deve trabalhar para
a melhor compreensão do litígio e para conferir os meios processuais necessários
para atender a especificidade do direito a ser garantido; tudo de modo a se poder ir
além da mera e simples resolução formal do litígio, de tal sorte que todos que atuam
com o processo devem se sentir protegidos pelos mecanismos existentes e estarem
cientes de que o direito ameaçado será, de fato, eficaz e concretamente tutelado.
Mauro Cappelletti e Bryant Garth35 já propunham as seguintes mudanças para
que o acesso à justiça pudesse ser observado: (i) reformas dos procedimentos
judiciais, de modo a reduzir custos, simplificar os atos processuais e atender-se
a natureza e as especificidades dos diferentes conflitos levados ao Judiciário; (ii)
incentivo aos métodos alternativos de resolução de conflitos, tais como o juízo
arbitral e a conciliação; (iii) instituição de procedimentos e cortes especiais para
casos economicamente diferenciados, bem como para casos que tenham matérias
mais específicas.
Como bem destaca Rodolfo de Camargo Mancuso,36 o desafio para o Poder
Judiciário, e também para o processualista, é a obtenção de uma tutela jurisdicional
de qualidade, a qual deve revestir-se dos seguintes atributos: “ser justa (resolução
da pendência em modo equânime), jurídica (tecnicamente hígida e convincente),
econômica (boa relação custo benefício), tempestiva (prolatada num processo
sem dilações excessivas), razoavelmente previsível (apta a permitir um verossímil
prognóstico sobre o desfecho da causa) e efetiva (idônea a assegurar a exata fruição
do direito, valor ou bem da vida reconhecidos no julgado)”.

34
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
p. 91. v. 1.
35
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre:
Fabris, 1988.
36
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à justiça. São Paulo: RT, 2011. p. 475.

182 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 175-190, abr./jun. 2015
Efetividade processual, princípio da cooperação e poderes instrutórios

A meta é transcender o mero debate científico dos institutos processuais,


contribuindo-se para que surjam instrumentos de maior eficiência para a proteção
dos direitos tutelados.37
A eficaz proteção do direito material, conferindo-se os instrumentos necessários
para a sua efetiva garantia e realização, é a diretriz da moderna ciência processual;
é o verdadeiro desafio do Poder Judiciário e do processualista dos tempos
contemporâneos.
Para Rodolfo de Camargo Mancuso38 algumas medidas são salutares e precisam
ser observadas na linha de se conferir maior força aos comandos condenatórios
do Poder Judiciário: (a) adequação das possibilidades de impugnação na fase de
cumprimento de sentença e das matérias impugnáveis nos embargos do devedor,
em respeito e homenagem à fase satisfativa que é inerente ao procedimento de
execução; (b) incentivo à resolução consensual dos conflitos; (c) adoção de técnicas
de incentivo para o adimplemento espontâneo do julgado por parte do devedor; (d)
fomento aos meios alternativos de resolução de conflitos; (e) incremento dos meios
de coerção aptos a forçar o cumprimento específico dos comandos judiciais; (f)
valorização da decisão condenatória de primeiro grau; e (g) valorização do precedente
judicial e uniformização da jurisprudência.
Vale lembrar a clássica doutrina de José Carlos Barbosa Moreira,39 para quem
a efetividade do processo pode se materializar quando os seguintes elementos
estiverem presentes: “a) o processo deve dispor de instrumentos de tutela adequados,
na medida do possível, a todos os direitos (e outras posições jurídicas de vantagem)
contemplados no ordenamento, quer resultem de expressa previsão normativa, quer
se possa inferir do sistema; b) esses instrumentos devem ser praticamente utilizáveis,
ao menos em princípio, sejam quais forem os supostos titulares dos direitos (e das
outras posições jurídicas de vantagem) de cuja preservação ou reintegração se cogita,
inclusive quando indeterminado ou indeterminável o círculo dos eventuais sujeitos; c)
impende assegurar condições propícias à exata e completa reconstituição dos fatos
relevantes, a fim de que o convencimento do julgador corresponda, tanto quanto
puder, à realidade; d) em toda a extensão da possibilidade prática, o resultado do
processo há de ser tal que assegure à parte vitoriosa o gozo pleno da específica
utilidade a que faz jus segundo o ordenamento; e) cumpre que se possa atingir
semelhante resultado com o mínimo de dispêndio de tempo e energias”.

37
Não sendo outra a doutrina de Kazuo Watanabe: “O direito e o processo devem ser aderentes à realidade, de
sorte que as normas jurídico-materiais que regem essas relações devem propiciar uma disciplina que responda
adequadamente a esse ritmo de vida, criando mecanismos de segurança que reajam com agilidade e eficiência
às agressões ou ameaças de ofensa. E, no plano processual, os direitos e pretensões materiais que resultam
da incidência dessas normas materiais devem encontrar uma tutela rápida, adequada e ajustada ao mesmo
compasso” (WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000. p. 141).
38
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à justiça. São Paulo: RT, 2011. p. 115.
39
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Efetividade do processo e técnica processual. Revista de Processo. São
Paulo: RT, 1995. n. 77, p. 168.

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Elias Marques de Medeiros Neto

Neste contexto, especial destaque merece o princípio da cooperação, o qual,


além de se relacionar de forma íntima com a efetividade processual, contribui para
a formação de uma diferente perspectiva sobre o papel do magistrado na condução
do processo.
Este princípio está hoje previsto no artigo 6º do NCPC: “Todos os sujeitos do
processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão
de mérito justa e efetiva”.
A ideia da cooperação processual não deve ser direcionada somente às partes,
na medida em que este importante princípio também atinge os magistrados.
O princípio da colaboração para a obtenção de um processo efetivo também se
alinha com os deveres do magistrado, o qual deve atuar pautado pelos princípios da
eficiência, da economia processual e da duração razoável do feito, promover, sempre
que possível, a aproximação das partes para uma solução conciliatória, além de ter a
missão de cuidar da adequada instrução do processo; valendo-se para tanto dos seus
poderes instrutórios, sempre com a direção de atingir a verdade real e aproximar ao
máximo o mundo dos autos do mundo dos fatos.
Ou seja, “deve o juiz ir à procura da verdade; tentar descobri-la. Por isso, não se
pode admitir que a vontade dos litigantes seja um empecilho à atividade instrutória
oficial. O que não se pode mais aceitar é a suposta vinculação do juiz civil à denominada
verdade formal, porque a denominada verdade real deveria apenas existir no âmbito
penal. Tais expressões incluem-se entre aquelas que devem ser banidas da ciência
processual. Verdade formal é sinônimo de mentira formal, pois ambas constituem as
duas faces do mesmo fenômeno: o julgamento feito à luz de elementos insuficientes
para verificação da realidade jurídico material”.40
Não se propõe aqui o esquecimento do princípio dispositivo,41 mas sim uma
leitura equilibrada do mesmo, sempre com o contexto de o magistrado ser mais
participativo, próximo das partes e dos fatos objeto da lide, com o pleno exercício dos
poderes que lhe são conferidos pela chamada governança judicial, também conhecida
como active case management da common law.
Sobre o active case management, esclarecedora é a lição de Kazuo Watanabe:42
“uma atividade processual que fortalece o controle judicial sobre: (a) identificação
das questões relevantes; (b) maior utilização pelas partes de meios alternativos de
solução de controvérsias; (c) tempo necessário para concluir adequadamente todos
os passos processuais. O juiz planeja o processo e disciplina o calendário, ouvindo
as partes. Pelo contato frequente que ele mantém com as partes, e destas entre

40
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 5. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 19.
41
CASTRO LOPES, Maria Elizabeth de. O juiz e o princípio dispositivo. São Paulo: RT, 2006.
42
WATANABE, Kazuo. Cultura da Sentença e Cultura da Pacificação. In: YARSHELL, Flávio Luiz; MORAES, Mauricio
Zanoide de (Coord.). Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, 2005. p. 689.

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Efetividade processual, princípio da cooperação e poderes instrutórios

si, promove a facilitação para uma solução amigável da controvérsia. E, mesmo não
ocorrendo o acordo, as técnicas do case management permitem ao juiz eliminar as
questões frívolas e planejar o processo, fazendo-o caminhar para o julgamento com
eficiência e sem custo exagerado”.
Não há dúvida de que o princípio da cooperação também é destinado ao
magistrado na sua relação com os demais sujeitos processuais, sendo esta a leitura
que bem faz a doutrina processual portuguesa: “A ideia de cooperação no CPC de
Portugal como um dever processual é bem ressaltada pelo processualista português
Miguel Teixeira de Sousa, para quem se pode extrair desse princípio positivado
basicamente quatro principais deveres do órgão judicial: a) dever de esclarecimento; b)
dever de prevenção; c) dever de consultar as partes; e d) dever de auxiliar as partes”.43
No direito processual português, o princípio da cooperação está positivado
no artigo 7º do CPC de 2013: “na condução e intervenção do processo, devem
os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si,
concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio”.
Fredie Didier Jr., acerca do princípio da cooperação no direito processual português,
bem sinaliza que “é fonte direta de situações jurídicas ativas e passivas, típicas e
atípicas, para todos os sujeitos processuais, inclusive para o órgão jurisdicional”.44
Abílio Neto,45 ainda sobre o princípio da cooperação no direito processual
português, ressalta que a aplicação deste princípio vincula o órgão jurisdicional em
sua relação com as partes, transformando-se em verdadeiro dever, o qual “desdobra-
se em dois deveres essenciais: um é o dever de esclarecimento ou de consulta, isto
é, o dever de o tribunal esclarecer junto das partes as eventuais dúvidas que tenha
sobre suas alegações ou posições em juízo, de molde a evitar que a sua decisão
tenha por base a falta de esclarecimento de uma situação e não a verdade sobre
ela apurada; o outro é o dever de prevenção ou de informação, ou seja, o dever de
o tribunal prevenir as partes sobre eventuais deficiências ou insuficiências das suas
alegações ou pedidos e de as informar sobre aspectos de direito ou de fato que por
elas não foram considerados”.
E conforme leciona com maestria Fredie Didier Jr.,46 o modelo de um processo
pautado pelo princípio da cooperação apresenta uma diferente perspectiva de estudo
sobre o papel dos sujeitos processuais, com um olhar além da tradicional dicotomia
existente entre o princípio dispositivo e o princípio inquisitivo, facilitando, talvez, uma

43
ZUFELATO, Camilo. Análise comparativa da cooperação e colaboração entre os sujeitos processuais nos proje-
tos de novo CPC. In: Freire, Alexandre et al. Novas tendências do processo civil. Salvador: JusPodivm, 2013.
p. 113).
44
DIDIER JR., Fredie. Fundamentos do princípio da cooperação no direito processual civil português. Coimbra:
Coimbra Ed., 2010. p. 109.
45
NETO, Abilio. Novo Código de Processo Civil Anotado. 2. ed. Lisboa: Ediforum, 2014. p. 92.
46
DIDIER JR., Fredie. Fundamentos do princípio da cooperação no direito processual civil português. Coimbra:
Coimbra Ed., 2010. p. 42.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 175-190, abr./jun. 2015 185
Elias Marques de Medeiros Neto

leitura mais equilibrada desses princípios, pautada no intenso diálogo entre os sujeitos
processuais no trâmite do processo: “A organização do processo não prescinde de
uma distribuição das funções que devem ser exercidas pelos sujeitos processuais.
Cada um deles exerce um papel, mais ou menos relevante, na instauração, no
desenvolvimento e na conclusão do processo. A doutrina costuma identificar dois
modelos de estruturação do processo: o modelo adversarial e o modelo inquisitorial
[...]. Em suma, o modelo adversarial assume a forma de competição ou disputa,
desenvolvendo-se como um conflito entre dois adversários diante de um órgão
jurisdicional relativamente passivo, cuja principal função é a de decidir. O modelo
inquisitorial organiza-se como uma pesquisa oficial, sendo o órgão jurisdicional o
grande protagonista do processo. No primeiro sistema, a maior parte da atividade
processual é desenvolvida pelas partes; no segundo, cabe ao órgão oficial esse
protagonismo. [...]. Nada impede que o legislador, em relação a um tema, encampe
o princípio dispositivo e, em relação ao outro, o princípio inquisitivo. Por exemplo:
no direito processual civil brasileiro, a instauração do processo e a fixação do objeto
litigioso são em regra atribuições da parte. Já em relação à investigação probatória,
o CPC admite que o juiz determine a produção de provas ex officio. Difícil portanto
estabelecer um critério identificador da dispositividade ou da inquisitoriedade que
não comporte exceção. [...]. Assim, talvez seja mais adequada a proposta de Daniel
Mitidiero, para quem há um terceiro modelo de processo civil: o modelo cooperativo...
Este modelo caracteriza-se pelo redimensionamento do princípio do contraditório,
com a inclusão do órgão jurisdicional no rol dos sujeitos do diálogo processual, e
não mais como um mero espectador do duelo das partes. O contraditório volta a ser
valorizado como instrumento indispensável ao aprimoramento da decisão judicial, e
não apenas como uma regra formal que deveria ser observada para que a decisão
fosse válida. A conclusão do processo deixa de ser determinada pela vontade das
partes. Também não se pode afirmar que há uma condução inquisitorial do processo
pelo órgão jurisdicional, em posição assimétrica em relação às partes. Busca-se uma
condução cooperativa do processo, sem protagonismos”.
Uma maior cooperação entre as partes, em soma com uma intensa participação
do magistrado na relação com as partes e na busca da melhor e mais efetiva solução
para a lide está na essência do NCPC; o qual nada mais objetiva do que traduzir o
anseio de dar a cada ato processual o máximo de rendimento possível, possibilitando
ao titular do direito material obter a realização deste último, em prazo razoável, dentro
dos princípios da eficiência, economia processual, celeridade e devido processo legal.
Um grande exemplo da adoção, pelo NCPC, do modelo cooperativo do processo
civil, está no artigo 357, o qual permite a adoção de acordo procedimental (com a
necessidade de homologação do acordo pelo magistrado), bem como incentiva o
saneamento compartilhado, pautado pelo intenso diálogo entre os sujeitos processuais:

186 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 175-190, abr./jun. 2015
Efetividade processual, princípio da cooperação e poderes instrutórios

Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o
juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo:
I - resolver as questões processuais pendentes, se houver;
II - delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade
probatória, especificando os meios de prova admitidos;
III - definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373;
IV - delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito;
V - designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento.
§1º Realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir
esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de 5 (cinco) dias,
findo o qual a decisão se torna estável.
§2º As partes podem apresentar ao juiz, para homologação, delimitação
consensual das questões de fato e de direito a que se referem os incisos
II e IV, a qual, se homologada, vincula as partes e o juiz.
§3º Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de
direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito
em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso,
convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações.

A adoção da técnica do saneamento compartilhado exige fluência do magistrado


quanto aos fatos debatidos no processo, além de requerer um pleno diálogo entre
os sujeitos processuais quanto aos pontos controvertidos do caso, diálogo este que
deve ser regido pelo princípio da cooperação.
Em interessantíssima decisão proferida no Processo nº 0000241-40.2012.8.26.0426
(426.01.2012.000241-2/000000-000), nº ordem: 000088/2012, da 1ª Vara de
­
Patrocínio Paulista, o magistrado deu um exemplo da adoção do princípio da cooperação
no processo civil, em um verdadeiro convite para que os sujeitos processuais exerçam com
responsabilidade o direito ao contraditório e dialoguem sobre os pontos controvertidos
do caso concreto:

2. Em vista da complexidade da matéria em debate por força do objeto do


conflito (sistema de extração de sacarose por difusor composto por 14
equipamentos e pesando, aproximadamente, 2.000 toneladas), do valor
da ação (R$28.285.648,00) e do valor da reconvenção (R$4.792.780,58)
— que recomendariam, inclusive, a solução do conflito pela via arbitral
(lei 9.307/96) -, adotarei, no caso presente, a técnica do saneamento
compartilhado, que no Brasil pode ser sacada da adequada interpretação
do art. 331, §2º, do CPC, bem como do principio da cooperação
processual. De acordo com a doutrina sobre o tema, o saneamento
compartilhado representa a ideia de que o saneamento do processo
não deve ser proferido pelo juiz isoladamente, sem a participação
das partes, mas, sim, sempre em conjunto com elas e da forma mais
negociada possível. Propugna-se, “efetivamente, pelo desaparecimento
das decisões de gabinete, isoladas, sem a participação das partes”, vez
que o juiz, “na medida do possível, devera postergar todas as decisões

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 175-190, abr./jun. 2015 187
Elias Marques de Medeiros Neto

para a audiência de saneamento, num moderno procedimento de


ampla colaboração, participação e ética? (Paulo Hoffman. Saneamento
compartilhado. Sao Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 94). 3. Por essa razão,
designo audiência preliminar (art. 331 do CPC) para o próximo dia 10
de outubro de 2013, as 13 horas, intimando as partes (representantes
legais), na pessoa de seus advogados (que também ficam intimados
para o ato), para comparecimento no salão do Júri dessa Comarca
(em ato que será aberto ao público, garantindo-se, assim, a adequada
publicidade processual). Destaco que sendo infrutífera a prévia tentativa
de conciliação e instituição de juízo arbitral (compromisso arbitral), as
partes serão chamadas a esclarecer o juízo sobre dados, ainda nebulosos,
atinentes as questões controvertidas do conflito, bem como debater
a admissibilidade e pertinência da postulação probatória documental,
oral e pericial de fls. 1.182/1.183 e 1.185/1.188, custos, prazos,
ônus da prova, etc. Portanto, espera-se que os procuradores e partes
compareçam ao ato devidamente preparadas e dispostas a executar a
tarefa proposta. 4. Desde já autorizo a requerida/ reconvinte, na forma
do requerimento de fls. 1.187, a demonstrar, por ocasião da abertura da
audiência supra designada, o funcionamento do sistema de extração de
sacarose por difusor (objeto central das demandas oposta e contraposta)
através de recursos audiovisuais e de multimídia (o que facilitara,
inclusive, a compreensão dos fatos e o próprio saneamento do feito).
Fica reservado para o ato aproximadamente 60 minutos (que poderão
ser ampliados, a juízo do defensor do requerido/reconvinte, mediante
fundamentado requerimento prévio), devendo o material exibível ser
juntado aos autos ao menos 10 (dez) dia antes da audiência (em duas
vias de mídia), a fim de propiciar o adequado contraditório (que será
garantido a autora/reconvinda, inclusive, na própria audiência preliminar
e entender necessário), bem como análise dos dados apresentadas
pelas eventuais instancias superiores. O requerido/reconvinte deverá
contatar a administração dessa unidade judicial (Servidora Ruth —
16.3145-1333) para os competentes acertamentos técnicos, desde já
destacando que o salão do Júri da unidade e equipado com Datashow
e computador para projeção. Estabeleço que se houver intervenção oral
durante a apresentação, competira ao requerido/reconvinte efetuar
a gravação audiovisual completa do ato — inclusive das eventuais
intervenções que serão franqueadas aos representantes/advogados
da autora/reconvinda — a fim de que, também, seja ela juntada aos
autos. 5. Pese o que consta no art. 407 do CPC, determino que as
partes apresentem, ate 10 (dez) dias antes da audiência preliminar
supra designada, o rol completo de testemunhas que pretendem ouvir e
o nome de seus representantes para fins de depoimento pessoal, isso a
fim de que, em conjunto, possamos todos deliberar sobre a pertinência
da colheita da prova oral, eventuais suspeições/impedimentos, etc. 6.
Também determino que as partes — e para os mesmos fins supra -, já
apresentem, nos 10 (dez) dias que antecedem a audiência designada,
os quesitos para eventual realização de nova perícia (com o equipamento
eventualmente funcionando), a ser objeto de decisão no ato. 7. Ficam
sugeridos os seguintes pontos controvertidos (da ação e reconvenção),
que serão modificados/complementados por sugestão das partes na
audiência. 7.1. Algum equipamento contratado pela autora/reconvinda

188 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 175-190, abr./jun. 2015
Efetividade processual, princípio da cooperação e poderes instrutórios

não foi entregue ou instalado pela requerido/reconvinte ate 31.04.2010


(09 meses apos o prazo originalmente avençado — 31.06.2009)?
Quais? Ou a entrega foi feita 72 dias antes do prazo contratual final?
7.2. Algum equipamento contratado pela autora/reconvinda e instalado
pela requerida/reconvinte apresentou desempenho incompatível com
o prometido? Qual? Por que? 7.3. A autor/reconvinda contratou outras
empresas ou adquiriu produtos para compensar eventual falta de
desempenho ou mau funcionamento do equipamento adquirido? Quais
empresas/equipamentos? A que custo? 7.4. Qual a quantidade de
cana de açúcar eventualmente deixou de ser processada pela autora/
reconvinda por conta do suposto defeito no equipamento adquirido? Qual
quantidade de derivados (etanol e energia elétrica) que deixou de ser
comercializada em virtude do evento? 7.5. Qual a quantidade de cana
efetivamente moída pela autora/reconvinda na safra de 2010, sem o uso
do equipamento fornecido pela requerida/reconvinte, frente ao total de
cana a ser moída estimada para a safra?.

Essa decisão convida o processualista a refletir se ainda faz sentido debater


com tanta intensidade se o magistrado deve ou não produzir provas de ofício, como,
inclusive, autoriza o artigo 370 do NCPC: “Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a
requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito”.
Parece que a reflexão maior está em como o magistrado deve adotar uma
postura de intensa participação com os demais sujeitos processuais, promovendo
um amplo contraditório, se aproximando dos debates travados nos autos, e, pautado
pelo princípio da cooperação entre todos os sujeitos processuais, decidindo a melhor
forma de o rito processual prosseguir em seu trâmite; e aí se incluindo quais provas
devem ser produzidas nos autos.
Fredie Didier Jr.,47 neste cenário, pontua que no modelo de cooperação:
“surgem deveres de conduta tanto para as partes como para o órgão jurisdicional,
que assume uma dupla posição: mostra-se paritário na condução do processo, no
diálogo processual, e assimétrico no momento da decisão; não conduz o processo
ignorando ou minimizando o papel das partes na divisão do trabalho, mas sim em
uma posição paritária, de equilíbrio. No entanto, não há paridade no momento da
decisão, as partes não decidem com o juiz; trata-se de uma função que lhe é exclusiva.
Pode-se dizer que a decisão judicial é fruto da atividade processual em cooperação;
é resultado das discussões travadas ao longo de todo o arco do procedimento; a
atividade cognitiva é compartilhada, mas a decisão é manifestação do poder, que é
exclusivo do órgão jurisdicional, e não pode ser minimizado”.
O NCPC traz, portanto, o desafio de o processualista estudar o processo civil
com base em um novo modelo, que transcende o duelo entre o princípio inquisitivo

DIDIER JR., Fredie. Fundamentos do princípio da cooperação no direito processual civil português. Coimbra:
47

Coimbra Ed., 2010. p. 48.

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Elias Marques de Medeiros Neto

e o princípio dispositivo. O NCPC encampa o modelo cooperativo do processo


civil, pautado no contraditório amplo e na intensa participação do magistrado na
organização e comando do processo, o que resulta naturalmente no exercício dos
poderes instrutórios por parte do magistrado e conforme autoriza o NCPC.
Este modelo de cooperação, ressalta-se, não significa violação ao princípio do
devido processo legal,48 sendo que o próprio NCPC frisa com vigor que:

Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja
previamente ouvida. Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:
I - à tutela provisória de urgência;
II - às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III;
III - à decisão prevista no art. 701.
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em
fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade
de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir
de ofício.

O modelo de cooperação é uma forma de ampliar o contraditório entre os


sujeitos processuais, aí se incluindo o magistrado, sempre na busca de promoção da
efetividade processual, a qual apenas pode ser obtida com o pleno respeito ao devido
processo legal.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

MEDEIROS NETO, Elias Marques de. Efetividade processual, princípio da cooperação


e poderes instrutórios. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo
Horizonte, ano 23, n. 90, p. 175-190, abr./jun. 2015.

SOUZA, André Pagani. Vedação das decisões – surpresa no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 178.
48

190 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 175-190, abr./jun. 2015
Rumos do garantismo processual: Brasil
e América Latina — Garantismo na Corte
Interamericana de Direitos Humanos

Fauzi Hassan Choukr


Pós-Doutor pela Universidade de Coimbra. Doutor e Mestre em Processo Penal pela
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especializado em Direitos Humanos
pela Universidade de Oxford — New College. Especializado em Direito Processual Penal pela
Universidade Castilla La Mancha — Espanha. Promotor de Justiça no Estado de São Paulo.

Palavras-chave: Garantismo processual. América Latina. Brasil. CIDH.

Por ocasião do XXVI Encontro Pan-americano de Direito Processual organizado


pelo Instituto Panamericano de Direito Processual e realizado em Belo Horizonte
(Minas Gerais), Brasil, 28-29 de maio de 2015, coube-me a grata satisfação de
intervir abordando o tema do garantismo no âmbito da Corte Interamericana de
Direitos Humanos. Indissociáveis na sua essência, dado que é impossível falar na
própria razão de ser da existência dessa Corte fora de um contexto de proteção
de direitos humanos/fundamentais e, por extensão, do “garantismo”, é por demais
oportuna a temática escolhida se observamos as resistências quase viscerais que
muitos segmentos de praticantes do Direito no sistema penal brasileiro vêm opondo
à mínima construção do Sistema Interamericano de Direitos Humanos entre nós.
O discurso será, então, construído em dois grandes eixos: a formação de
um sistema “garantista” no âmbito latino-americano que encontra seu espaço de
proteção nas atividades específicas da Corte Interamericana de Direitos Humanos
e a projeção desse espaço protetivo para o direito interno brasileiro, em particular
na estrutura do processo penal que, carente de uma conversão profunda a um
modelo adequado à tutela de direitos fundamentais de todos os envolvidos, reproduz
cotidianamente práticas que lhe são antagônicas reforçando um modelo estatal de
violências práticas e simbólicas.
No primeiro aspecto tem-se a evolução histórica da própria compreensão de
“garantismo” que no léxico político antepõe uma visão de separação dos direitos
fundamentais do texto formal de uma constituição àqueloutra que defendia a alocação
desses direitos no interior dos textos constitucionais, dissenso representado,
respectivamente, pelas posições de Constant e Rousseau até alcançar, numa longa e

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 191-200, abr./jun. 2015 191
Fauzi Hassan Choukr

nem sempre linear evolução de conteúdo, uma de suas muitas formas de compreensão
como a “[d]o nome da teoria liberal do direito penal, ou seja, do paradigma normativo
— de matriz iluminista — do “direito penal mínimo”.1
Contudo, restringir “garantismo” à esfera do sistema penal não faz eco à
complexidade do pensamento do autor que tem sua produção largamente identificada
com o vocábulo, Lugi Ferrajoli, que constrói uma teoria do Direito na qual o ponto
de partida — submissão ao primado da Constituição — se desenvolve de forma a
separar o direito da moral (como decorrência direta da legalidade estrita) e, no campo
hermenêutico, a evitar o emprego de ponderações à maneira de um constitucionalismo
principiológico que leva à expansão do ativismo judicial como consequência lógica —
e inevitável — de uma teoria do Direito e da Constituição banhada por decisionismos
fruto de ponderação e proporcionalismos.
Temos que é adequado concluir como possível a extensão do conceito de
consti­tucionalismo apregoado por Ferrajoli ao movimento contemporâneo de
supranacionalidade das fontes do Direito na construção de um modelo jurídico
(interno e internacional) que tenha como eixo político de sua concepção a proteção
aos direitos fundamentais/direitos humanos de modo que não se tornem apenas
promessas vazias, mas que traduzam uma realidade concreta que possa superar a
potencial apatia pela sua irrealidade/ineficácia.2
E, neste ponto, o constitucionalismo-garantista defendido por Ferrajoli nas bases
apontadas, ao se deparar com o diálogo supranacional de textos abarcadores de direitos
humanos pode ter algo de limitado na medida em que necessitará de abordagens mais
“abertas” na tarefa hermenêutica, dada a natureza dos direitos incorporados.
Disso se pode depreender que, malgrado se concorde com as posturas
garantistas na forma preconizada pelo autor, é difícil deixar de reconhecer que a
dinâmica de construção dos direitos humanos na forma como compreendida nesta
quadra do estado das sociedades democráticas é mais dinâmica que àquela
encontrada no Iluminismo que se poderia dizer “clássico” a exigir uma expansão que
o neojuspositivismo pode não conseguir responder.
Recorde-se que as condições políticas após o fim da Guerra Fria propiciaram o
surgimento de uma fase de expansão de compromissos internacionais voltados para
a proteção dos “direitos humanos” que, malgrado a polissemia que lhes cerca não
se trata, reduzidamente, de uma noção “confusa, ilusória” e, possivelmente, “efeito

1
A respeito o fundamental texto de IPPOLITO, Dario. O garantismo de Luigi Ferrajoli. Revista de Estudos
Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD) 3(1): 34-41 janeiro-junho 2011. Nesse artigo
encontra-se esclarecedora evolução do vocábulo e os caminhos que levaram à sua concepção atual.
2
NEVES, Marcelo. A Força Simbólica dos Direitos Humanos. Revista Eletrônica de Direito do Estado, n. 4.
Salvador: Instituto de Direito Público da Bahia, out./dez. 2005, 35 p.

192 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 191-200, abr./jun. 2015
Rumos do garantismo processual: Brasil e América Latina — Garantismo na Corte ...

de uma incultura, e de uma regressão da ciência jurídica”,3 mesmo porque, em nome


dessa “incultura” vidas humanas são valorizadas e se tenta (re)construir, também no
âmbito judiciário,4 uma rede de mecanismos que vai muito além daquela estabelecida
no período anterior ao da própria criação do tecido internacional que uniria nações
em torno de uma organização, malgrado as condições políticas peculiares a cada
situação possam servir, ainda, de freio à plena efetividade desses direitos.5
Melhor, portanto, acompanhar Bobbio ao se referir ao marco inicial dessa
“incultura”, a dizer, a Declaração Universal quando afirma que:

Com essa declaração, um sistema de valores é — pela primeira vez na


história — universal, não em princípio, mas de fato, na medida em que o
consenso sobre sua validade e sua capacidade para reger os destinos da
comunidade futura de todos os homens foi explicitamente declarado. [...]
Somente depois da Declaração Universal é que podemos ter a certeza
histórica de que a humanidade — toda a humanidade — partilha alguns
valores comuns; e podemos, finalmente, crer na universalidade dos
valores, no único sentido em que tal crença é historicamente legítima, ou
seja, no sentido em que universal significa não algo dado objetivamente,
mas subjetivamente acolhido pelo universo dos homens.6

Compartilhamento de valores que, reconhecidos normativamente desde um


plano exterior (mundial, regional ou comunitário) se reproduz no plano interno e, por
tal razão, passa a ser concebido como “fundamental” um direito que, prioritariamente
fora concebido como “humano”.
Neste ponto, o Brasil, como integrante do sistema interamericano de direitos
humanos,7 assina e ratifica8 a Convenção Interamericana de Direitos Humanos,9 bem
como aceita a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos desde
1998.10 Ao mesmo tempo, é signatário e ratificador do pacto de direitos civis e
políticos de Nova Iorque,11 bem como adere às Convenções de Genebra referentes

3
E esse é somente o inicio da crítica. VILLEY, Michel. O direito e os direitos humanos. SP: Martins Fontes,
2007.p. 17
4
A propósito, Lutz, Ellen e Kathryn Sikkink. The Justice Cascade: The Evolution and Impact of Foreign Human
Rights Trials in Latin America. Chicago Journal of International Law 2 (1):1-34, 2001.
5
Ratner, Steven R. and Jason S. Abrams. Accountability for Human Rights Atrocities in International Law:
Beyond the Nuremberg Legacy. New York: Oxford University Press, 1997.
6
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 28.
7
O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos teve seu início formal com a Declaração
Americana dos Direitos e Deveres do Homem, aprovada pela Nona Conferência Internacional Americana
(Bogotá, Colômbia, 1948), durante a qual também foi criada a Organização dos Estados Americanos – OEA.
8
Ratificada pelo Brasil em 25.09.1992.
9
O sistema interamericano fortaleceu-se com a Convenção Interamericana, assinada em San José, Costa Rica,
em 22 de novembro de 1969, tendo entrado em vigor em 18 de julho de 1978, nos termos do artigo 74, inciso
2, da Convenção, quando foi depositado o décimo primeiro instrumento de ratificação e registrado na ONU em
27 de agosto de 1979, sob o nº 17.955. No texto será designada também por CADH.
10
Desde 10 de dezembro de 1998.
11
Adotado pela Resolução nº 2.200-A da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 191-200, abr./jun. 2015 193
Fauzi Hassan Choukr

ao denominado “direito internacional humanitário”12 e, de resto, integra formalmente


toda uma ordem internacional voltada para a defesa dos direitos humanos.13
Particularmente sensível no que diz respeito à proteção dos direitos humanos, a
estrutura normativa internacional acima mencionada se projeta para o direito interno
não apenas nas dimensões de compatibilidade (texto internacional em cotejo com
direito interno),14 forma de sua inserção (texto internacional incorporado ao direito
interno)15 ou inserção vertical do texto internacional (posição hierárquica em relação à
Constituição e demais textos normativos) mas, de forma expressa, como condicionante
do processo legislativo que, de um lado, (i) não pode afrontar explicitamente a
tessitura internacional e, de outro (ii) deve empreender a nova legislação com a maior
conformação possível ao disposto nas normas internacionais visando extrair-lhe a
eficácia mais abrangente com o emprego de técnicas (processuais penais, para o
caso do presente texto) que assegurem esse objetivo.
Mas para alcançar um “mínimo grau” de efetividade necessita-se, dentre
outros aspectos — da projeção no plano interpretativo pela atuação do ator judicial,
particularmente neste ponto a figura do Juiz e, com igual importância, do ator

Aprovado pelo Decreto Legislativo nº 226, de 12.12.1991. Ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992.
Em vigor no Brasil em 24.04.1992. Promulgado pelo Decreto nº 592, de 06.07.1992.
12
Adotada em 12 de agosto de 1949 pela Conferência Diplomática destinada a Elaborar as Convenções
Internacionais para a proteção das Vítimas da Guerra, que reuniu em Genebra de 21 de abril a 12 de agosto
de 1949, com entrada em vigor na ordem internacional: 21 de outubro de 1950, tendo havido a adesão pelo
Brasil em 29 de junho de 1957.
13
Assim, por exemplo: Convenção sobre Asilo (assinada em 1928; ratificação ou adesão em 03 de setembro de
1929); Convenção sobre Asilo Político (assinada em 1933; ratificada em 23 de fevereiro de 1937); Convenção
para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio (assinada em 1948 e ratificada em 04 de setembro
de 1951; Convenção (nº 98); Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (assinada em 1951 e ratificada
em 13 de agosto de 1963); Convenção sobre Asilo Diplomático (assinada em 1954; ratificação ou adesão
em 17 de setembro de 1957); Convênio Suplementar sobre a Abolição da Escravidão, do Tráfico de Escravos
e das Instituições e Práticas Análogas à Escravidão (assinada em 1956; adesão em 06 de janeiro de 1966);
Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados (1966; assinado em 1967; adesão em 07 de março de 1972);
Convenção contra a Tortura e Outros Instrumentos ou Penas Cruéis Desumanas ou Degradantes (assinada
em 1984 e ratificada em 28 de setembro de 1989); Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura
(1965; assinada em 1985 e ratificada em 20 de julho de 1989).
14
Ver, dentre outros, TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. “A interação entre direito internacional e o direi-
to interno na proteção dos direitos humanos. Arquivos do Ministério da Justiça, Brasília, v. 46, n. 182, p.
27-54, jul./dez. 1993. No mesmo sentido, PIOSEVAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional
Internacional, São Paulo: Max Limonad, 1996. BASTOS, Celso; MARTINS, Yves Gandra da Silva. Comentários
à Constituição do Brasil, São Paulo: Saraiva, 1988-1989; ROCHA, Fernando Luiz Ximenez. A incorporação
dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos no direito brasileiro. Revista de Informação
Legislativa, ano 33, n. 130 abr./jun. 1996, p. 77-81.
15
Veja-se a posição de Carvalho Ramos, André, que, juntamente com outros autores, anotava a autoexecu-
toriedade dos tratados versados sobre direitos humanos e sua inserção em nível constitucional e, apoiado
em vasta lição doutrinária, afirmava ter a Constituição de 1988 incorporado automaticamente as normas de
tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, mas, em face das divergências com a
jurisprudência (vide tópico supra) e da própria doutrina sugeria a adoção de uma “terceira via”, qual fosse, “a
aceitação da compatibilidade das normas constitucionais com a normatividade internacional de proteção aos
direitos humanos como presunção absoluta, em face dos princípios da Constituição de 1988» (O estatuto do
Tribunal Penal Internacional e a Constituição Brasileira. In: CHOUKR, Fauzi Hassan; AMBOS, Kai (Org.). Tribunal
penal internacional, São Paulo, RT, 2000, p. 263-264).

194 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 191-200, abr./jun. 2015
Rumos do garantismo processual: Brasil e América Latina — Garantismo na Corte ...

acadêmico no processo de aculturamento da comunidade profissional atuante.16 E,


se já não bastasse a dificuldade ínsita à construção de um saber jurídico (por via
da dogmática jurídica) para os direitos “humanos”, isso se acentua no cenário dos
direitos “fundamentais”.
Isto porque, a afirmação daquilo que, para o campo jurídico se denomina de
“direitos humanos” pressupõe uma forma de saber apta para o reconhecimento de
mutações sociais contínuas, formadora de um espaço “aberto” que se completa —
sempre momentaneamente — por demandas sociais que se modificam em velocidade
diferente daquela que o saber jurídico tradicional (dogmático) sempre acolheu.
Neste ponto, a dogmática tida como “tradicional”, fruto de um saber verticalizado
e responsivo às estruturas normativas jamais foi capaz de dotar de efetividade a
fruição dos “direitos humanos” e, tampouco, dos “fundamentais”. Esse saber,
ademais, tende por tal razão ao engessamento dessas mesmas estruturas, tornando-
as pouco permeáveis às mutações sociais que reclamam o (re)conhecimento jurídico.
Neste ponto, a dogmática tradicional, de natureza “criptnormativa” (FERRAZ
JR.) voltada para a reprodução da segurança por meio da construção de um saber
capaz de “garantir expectativas” com variações controláveis e mínimas, não parece
se prestar suficientemente para o reconhecimento de tais direitos quando vistos “em
ação”, a dizer, postulados por forças sociais “em juízo”.17
A dogmática somente tem algo a acrescer aos níveis de efetividade dos “direitos
fundamentais” quando se encontra capaz de reconhecer que tais direitos fundam
uma determinada ordem política fornecendo um mínimo estrutural (RAWLS) para a
construção de uma ordem internacional e interna e que acabam por condicionar a
própria razão de Estado, na figura construída por Delmas-Marty.
Assim, essa dogmática, “aberta” em suas bases, faz eco à própria fundamentação
desses direitos em contínua gestação e, num certo sentido, evolução. Neste sentido
será muitas vezes a única capaz de gerar respostas minimamente satisfatórias
para o reconhecimento, em juízo, de situações sociais normativamente carentes
de regulação posto que a velocidade social necessariamente não vem no mesmo
ritmo que a produção de um saber específico predeterminado e condicionante para
orientação do julgador.

16
Por certo essa maximização interpretativa exige um ambiente cultural próprio para sua semeadura e colheita,
a dizer, a formação juridical cumpre também aqui um (ou “o”) papel primordial. A extensão do presente ar-
tigo não permite o devido aprofundamento e desdobramentos nesse sentido. Ver, para início de discussão,
LOUREIRO, M. F.; CHOUKR, F. H. Ensino jurídico, críticas e novas propostas: paisagem no horizonte?. In:
RODRIGUES, Horácio Wanderlei; MEZZAROBA, Orides; MOTTA, Ivan Dias da (Org.). XXII Encontro Nacional do
CONPEDI/UNICURITIBA – Tema: 25 anos da Constituição Cidadã: os atores sociais e a concretização susten-
tável dos objetivos da República. Florianópolis: FUNJAB, 2013. p. 266-290.
17
E o mesmo poderia ser refletido para seu reconhecimento por outros espaços de poder institucionalizado,
reflexão esta que escapa aos objetivos do presente texto que se cinge a nuances do tema focados especifica-
mente em relação ao saber jurídico e sua exigibilidade judicial.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 191-200, abr./jun. 2015 195
Fauzi Hassan Choukr

Como decorrência, espera-se que esse saber forneça aptidões, capacidades


e ferramentas conceituais, ao interprete jurídico, de lidar com temas que estão, na
sua essência, fora do campo jurídico e que, quando projetados para esse campo,
exigem instrumentos mais refinados conceitualmente e operacionalmente que os
fornecidos pela dogmática “tradicional”. Esse é, no limite, o grande desafio da
intelectualidade jurídica.
Projetando as observações anteriores àquilo que compõe a segunda parte da
intervenção e recordando que o as estruturas garantistas se projetam como “técnica
de tutela idônea a minimizar a violência e a maximizar a liberdade, e sob o plano
jurídico, como um sistema de vínculos impostos a função punitiva do Estado em
garantia dos direitos dos cidadãos”,18 é no palco do sistema penal que de forma mais
imediata que elas podem se fazer sentir.
O campo processual penal é aquele em que estamos absolutamente defasados
por termos optado manter a espinha dorsal de um Código concebido nas estruturas
político-jurídicas fascistas dos anos 30 sob a égide formal da Constituição de 1937,
para atender “ao estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista,
que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios, de caráter
radical e permanente” conforme afirmava seu próprio preâmbulo, e sob influência
do regime fascista italiano, o direito processual penal brasileiro conheceu, fora do
Parlamento e pelas mãos práticas de Francisco Campos, sua reunificação legislativa
e com uma compreensão de democracia profundamente distinta da atual.19
Do ponto de vista normativo significou a superação dos Códigos estaduais,
fenômeno que teve seu nascedouro com a Constituição de 1891, a qual possibilitou
aos Estados-Membros a competência legislativa em matéria de processo ao dispor,
em seu artigo 34, §23, entre as atribuições do Congresso, a de “legislar sobre direito
civil, comercial e criminal da República e o processual da justiça federal”, abrindo-se
assim, por exclusão, a legislação estadual que observados a partir de um ponto de vista
retrospectivo, tais leis não foram suficientes para consolidar uma cultura Republicana.
Porém, quando da superação do estado de exceção em 1985/1988, a
reconstrução democrática haveria de impor a necessária reconstitucionalização do
país e, por consequência, uma nova ordem infraconstitucional em todas as áreas do
direito, particularmente no sistema penal e, dentro deste, a ordenação processual
penal. Essa nova conformação não haveria, contudo, de limitar-se à adaptação da
legislação frente à Constituição de 1988 mas, igualmente, aos tratados e convenções
internacionais assinados pelo Brasil que têm regência na matéria20 e, de maneira um

18
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica et al. 3. ed.
rev. Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
19
Para uma demonstração dessa diferença, veja-se LOSSO, Tiago Bahia. Estado Novo — discurso, instituições
e práticas administrativas. Campinas, SP: [s. n.], 2006.
20
A esse respeito, Barroso, Luís Roberto. Constituição e tratados internacionais: alguns aspectos da relação
entre direito internacional e direito interno. In: MENEZES DIREITO, Carlos Alberto; TRINDADE, Antonio Augusto

196 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 191-200, abr./jun. 2015
Rumos do garantismo processual: Brasil e América Latina — Garantismo na Corte ...

tanto mais ampla, pela observância, nos limites da margem nacional de apreciação,21
das decisões dos tribunais internacionais, notadamente a Corte Interamericana de
Direitos do Homem.22
No entanto, no direito brasileiro houve uma opção técnico-política pelas reformas
segmentadas, cujas supostas virtudes são sobejamente suplantadas por suas
deficiências estruturais23 e a reconstrução do modelo24 processual penal brasileiro
trilha caminhos distintos quando comparado àqueles observáveis no contexto geral
da América Latina, em especial aos da América do Sul e mesmo alguns europeus.
Tais diferenças importam quando são analisados fatores determinantes das
reformas, destacando-se os seguintes aspectos: (i) opção pelo método das reformas;
(ii) participação da comunidade acadêmica; (iii) participação dos atores intervenientes
no sistema penal e da comunidade acadêmica; (iv) participação da sociedade civil e,
finalmente, (v) o modo de atuação do Parlamento e do Poder Executivo na condução
dos movimentos reformistas.
A metodologia das reformas processuais penais no Brasil é explicada a partir
da divisão proposta por parte da doutrina,25 que a fez em “quatro perspectivas: a)
pontual; b) setorial; c) parcial; d) global”, sendo que “a primeira modifica, suprime
ou amplia determinados dispositivos, atendendo a interesses localizados quanto à
natureza do bem jurídico afetado, aos meios ou modos de execução do ilícito e à
resposta penal...”.
A segunda, como a própria designação indica, afeta setores do Código, como
ocorreu com a Lei nº 6.416, de 24.05.1977. A “parcial”, não definida com exatidão
no texto citado, é apenas exemplificada pela edição das Leis nºs 7.209/1984 e

Cançado; PEREIRA, Antonio Celso Alves. Novas perspectivas do direito internacional contemporâneo: estu-
dos em homenagem ao Professor Celso D. de Albuquerque Mello. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. Ainda:
Mazzuoli, Valerio de Oliveira. Teoria geral do controle de convencionalidade no direito brasileiro. RT 889/105.

21
A esse respeito ver, por todos, DELMAS-MARTY, Mireille. Les forces imaginantes du droit – Le relatif et
l’universe. Paris: Seuil, 2004.

22
Sobre a observância de forma vinculante das decisões das cortes internacionais ao direito interno, RAMOS,
André de Carvalho. Direitos humanos em juízo. São Paulo: Max Limonad, 2001. v. 1. 573 p. Ainda: PIOVESAN,
Flávia. Força integradora e catalizadora do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos: desafios
para a pavimentação de um constitucionalismo regional RIASP 25/321.

23
Inúmeros trabalhos procuram demonstrar a incongruência entre o modelo constitucional e aquele proveniente
do estado autoritário que gerou o código “em vigor”. A título ilustrativo, veja-se CHOUKR, Fauzi Hassan. A
ordem constitucional e o processo penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, v. 2, n. 8,
p. 57-68, out./dez. 1994; COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Introdução aos princípios gerais do direito
processual penal brasileiro. Porto Alegre, Revista de Estudos Criminais, v. 1, 2001, p. 26-51; PRADO, Geraldo
Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2006.

24
Observe-se com DELMAS-MARTY, Mireille. Modelos e movimentos de política criminal. Trad. de Edmundo
Oliveira. RJ: Ed. Revan, 1992: “o modelo deve... respeitar certas regras: de coerência lógica (critério de vali-
dade interna) e de adequação à realidade (validade externa). em outras palavras, a construção de um modelo
supõe a elaboração de um esquema tão próximo quanto possível da realidade, sem deixar de obedecer a uma
lei elementar de composição” (p. 51).

25
DOTTI, René Ariel. A reforma do código penal (história, notas e documentos) RBCCRIM 24/179. Disponível em
<www.revistasrtonline.com.br>.

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Fauzi Hassan Choukr

7.210, de 11.07.1984 e, por fim, as reformas globais são mencionadas pela mesma
fonte de forma exemplificativo, com “a) com a outorga do Código Criminal do Império
(1830), substituindo o direito das ordenações ...; b) com o Código Penal de 1890,
que nasceu com a mudança da forma política do Estado (da Monarquia para a
República)” e, por fim, “com o Código Penal do Estado Novo (1940) que teve como
bases fundantes o regime autoritário de Governo e paradigmas da Escola Técnico
Jurídica que orientou o Codice Penale de 1930”.
A classificação parece inofensiva e suas premissas/consequências jurídico-
políticas não são explicitadas no texto mencionado nem tampouco aparecem de
forma clara nos textos acadêmicos sobre o assunto.26
Desta forma, o Brasil se coloca tardiamente na rota das reformas globais
empreendidas pela imensa maioria dos países latino-americanos27 que reconstruíram
suas bases politico-jurídicas no Estado de Direito,28 bem como em relação a alguns
países paradigmáticos para a cultura processual brasileira, como Itália e Portugal que,
com maior ou menor velocidade, adaptaram por completo sua estrutura processual
às bases constitucionais condizentes com a reforma política, assim como com os
textos internacionais29 diretamente aplicáveis ao tema30 e buscaram dar, assim, vida
prática — e não meramente retórica — à clássica concepção de ser o processo penal
“o sismógrafo da constituição,”31 ao que devemos acrescer nesta quadra histórica,
também, o “sismógrafo dos textos internacionais de direitos humanos”.

26
Algumas das manifestações críticas a essa “opção”podem ser encontradas em COUTINHO, Jacinto Nelson
de Miranda. Legibus solutio: a sensação dos que são contra a reforma global do CPC. Boletim IBCCrim, São
Paulo, v. 18, n. 210, p. 8-9, maio 2010.
27
Para uma ampla visão do cenário reformista na América Latina, consulte-se AMBOS, Kai; CHOUKR, Fauzi
Hassan. A reforma do processo penal no Brasil e na América Latina. São Paulo: Método, 2001.
28
Para uma análise crítica dos projetos reformistas, inclusive quanto à importância nesse processo dos integran-
tes das carreiras jurídicas, bem como a crítica à posição brasileira, consulte-se LANGER, Máximo. Revolución
en el proceso penal latinoamericano: difusión de ideas legales desde la periferia. Disponível em: <www.cejaa-
mericas.org>.
29
A propósito veja-se CHIAVARIO, Mario, “Les mouvements de réforme du procès pénal et la protection des
droits de l’homme en Italie”, (1993) 64(3-4) Revue internationale de droit pénal/International Review of Penal
Law 1193-1211; CHIAVARIO, Mario. Le procès pénal en Italie, [S.n.t.], 1992, [15] p.; in Mireille Delmas-Marty,
sous la direction de, Procès pénal et droits de l’homme; vers une conscience européenne: travaux du colloque
organisé au Centre Georges-Pompidou/par la Bibliothèque publique d’information et le journal “Le Monde”, 26
et 27 mars 1991, Paris: P.U.F., 1992, 311 p., à la p. 81 (collections; Les voies du droit), ISBN: 2130443044.
30
Neste ponto a seguinte observação: el Derecho procesal penal de los países latinoamericanos, observado
como conjunto, ingresó, a partir de la década del’80, en un período de reformas totales, que, para el lector
europeo, puede compararse con la transformación que sufrió el Derecho procesal penal de Europa continental
durante el siglo XIX. No se trata, así, de modificaciones parciales a un sistema ya adquirido y vigente, sino, por
lo contrario, de una modificación del sistema según otra concepción del proceso penal. Descrito sintéticamen-
te, se puede decir que este proceso de reformas consiste en derogar los códigos antiguos, todavía tributarios
de los últimos ejemplos de la Inquisición — recibida con la conquista y la colonización del continente —, para
sancionar, en más o en menos, leyes procesales penales conformes al Estado de Derecho, con la aspiración
de recibir en ellas la elaboración cumplida en la materia durante el siglo XX. MAIER, Julio B. J.; e STRUENSEE,
Eberhard, Las reformas procesales penales en América Latina, Buenos Aires: Ad-Hoc, 2000, p. 17.
31
Expressão construída no direito comparado (ROXIN, Claus. Derecho procesal penal. Buenos Aires: Editores Del
Puerto, 2003. p.10, entre outros) e que recorrentemente surge em determinados segmentos da doutrina na-
cional ganhando, contemporaneamente, espaço na jurisprudência do STF. Nesse sentido: “7. A boa aplicação
dos direitos fundamentais de caráter processual, principalmente a proteção judicial efetiva, permite distinguir

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Rumos do garantismo processual: Brasil e América Latina — Garantismo na Corte ...

Acompanha-se, assim a lição trazida por Miranda Coutinho32 ao afirmar que


“não há que se temer as eventuais deficiências do Parlamento e os jogos políticos,
muitos menos fazendo de conta que eles não existem ou não têm importância porque
não dizem respeito à questão. Por essa dimensão, é inescurecível discurso político
aquele que avança contra a reforma global com a ideia da dificuldade de conseguir,
no Parlamento, uma mudança de gênero. Mas nenhum mal há nisso, em se fazer um
discurso político; muito pelo contrário. No atual estágio do direito, espaço não há para
propostas neutrais e alheias à ideologia”.
E neste cenário de estagnação substancial diante da Convenção Americana
e seus compromissos político-jurídicos o processo penal brasileiro se depara
corriqueiramente com inadequações normativas e deficiências interpretativas em
cotejo com o sistema interamericano, como é o mais recente exemplo da, entre nós,
denominada “audiência de custodia”, obrigação de apresentação imediata do preso
ao juiz (competente) que, nada obstante ser objeto do PLS 544 de 2011, acabou por
ser determinada para a cidade de São Paulo por meio do Provimento 03/2015.
Sem embargo das objeções que possam existir pela forma normativa como o tema
“entrou em vigor” no direito brasileiro, na sua essência busca acompanhar o quanto
decidido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em vários precedentes33
acerca da imprescindibilidade da presença imediata da pessoa presa e que não se
confunde com a mera comunicação formal e por escrito na forma como se dá na
legislação brasileira, mesmo reformada em 201134 na esteira do quanto decidido pela
Corte35 a demonstrar o longo caminho a ser trilhado pelo Brasil nesta seara.

o Estado de Direito do Estado Policial. O prestígio desses direitos configura também elemento essencial de
realização do princípio da dignidade humana na ordem jurídica, impedindo que o homem seja convertido em
objeto dos processos estatais. 8. Os direitos de caráter penal, processual e processual-penal cumprem papel
fundamental na concretização do moderno Estado Democrático de Direito. 9. A aplicação escorreita ou não
dessas garantias é que permite avaliar a real observância dos elementos materiais do Estado de Direito e
distinguir civilização de barbárie. A diferença entre um Estado totalitário e um Estado Democrático de Direito
reside na forma de regulação da ordem jurídica interna e na ênfase dada à eficácia do instrumento processual
penal da prisão preventiva. 10. O direito processual penal é o sismógrafo da Constituição, uma vez que nele
reside a atualidade política da Carta Fundamental. O âmbito de proteção de direitos e garantias fundamentais
recebe contornos de especial relevância em nosso sistema constitucional. 11. A ideia do Estado de Direito
também imputa ao Poder Judiciário o papel de garante dos direitos fundamentais. É necessário ter muita cau-
tela para que esse instrumento excepcional de constrição da liberdade não seja utilizado como pretexto para
a massificação de prisões preventivas. Em nosso Estado de Direito, a prisão é uma medida excepcional e, por
essa razão, não pode ser utilizada como meio generalizado de limitação das liberdades dos cidadãos (STF. HC
91386 / BA. 
Rel. Min. Gilmar Mendes.
Julgamento: 19.02.2008).
32
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Glosas a verdade, dúvida e certeza de Francesco Carnelutti. Revista da
Academia Paranaense de Letras Jurídicas, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 97-121, 2001.
33
Caso Acosta Calderón vs. Equador; Caso López Álvarez vs. Honduras e Caso Palamara Iribarne vs. Chile, entre outros.
34
Lei nº 12.403 de 2011 que, após 11 anos de tramitação não previu essa providência, por sinal ignorada no
anteprojeto elaborado pela comissão de juristas instituída à época.
35
Caso Acosta Calderón Vs. Equador. Sentença de 24.06.2005: Tal y como lo ha señalado en otros casos, este
Tribunal estima necesario realizar garantía establecida en el artículo 7.5 de la Convención son claros en cuanto

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 191-200, abr./jun. 2015 199
Fauzi Hassan Choukr

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

CHOUKR, Fauzi Hassan. Rumos do garantismo processual: Brasil e América Latina


— Garantismo na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Revista Brasileira
de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 191-200, abr./
jun. 2015.

a que la persona detenida debe ser llevada sin demora ante un juez o autoridad judicial competente, conforme
a los principios de control judicial e inmediación procesal. Esto es esencial para la protección del derecho a la
libertad personal y para otorgar protección a otros derechos, como la vida y la integridad personal. El simple
conocimiento por parte de un juez de que una persona está detenida no satisface esa garantía, ya que el
detenido debe comparecer personalmente y rendir su declaración ante el juez o autoridad competente.

200 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 191-200, abr./jun. 2015
Como se derrotó en Chile cargas
probatorias dinámicas – Su diferencia
con el principio de facilidad de la prueba

Francisco Pinochet Cantwell


Abogado. Licenciado en la Facultad de Derecho de la Pontificia Universidad Católica de Chile.
Magíster en Derecho Procesal por la Universidad Nacional de Rosario, Argentina. Profesor de
Derecho Procesal la Facultad de Derecho de la Pontificia Universidad Católica de Chile. Miembro
Titular del Instituto Panamericano de Derecho Procesal. En la actualidad es Presidente del
Capítulo Chileno de dicho Instituto.

Palabras clave: Cargas probatorias dinámicas. Principio de facilidad de la prueba. Chile.


Sumario: Introducción – 1 Concepto de carga probatoria dinámica – 2 Primeras críticas a las cargas
probatorias dinámicas de la doctrina en Chile – 3 El apoyo de los civilistas en la lucha contra las cargas
probatorias dinámicas – 4 Los efectos la confusión de la doctrina en Chile en el proyecto de ley – 5 Las
razones finales del rechazo a las cargas probatorias dinámicas en Chile

Introducción
Resulta asombroso constatar como la doctrina nacional y extranjera tienden a
confundir el concepto de cargas probatorias dinámicas —en adelante CPD— con el
concepto del principio de la facilidad o disponibilidad de los medios de prueba.
Esta confusión tuvo un efecto gravitante en como la doctrina Chilena en un sector
mayoritario se convenció de la inconveniencia de las CPD, según pasamos a explicar.
A esta altura de la evolución de la ciencia del Derecho Procesal, nadie duda que
la carga de la prueba debe ser atribuida, por regla general, a la parte que alega el
hecho en que se funda la norma jurídica que lo beneficia. Además la doctrina también
coincide en que en ciertos casos excepcionales, corresponde la carga de la prueba
a la parte que se encuentre en mejores condiciones de probar, entendiendo por tal
circunstancia la disponibilidad de los medios probatorios, siempre y cuando esta
reversión sea realizada por la ley y no por el juez.
Si la inversión de la carga de la prueba es realizada por el juez, nos encontramos
en presencia de una carga probatoria dinámica. Este es nuestro concepto, el cual
debe ser considerado como correcto según explicaremos.
En efecto, las CPD han sido concebidas, desde su origen, con ciertos elementos
que resultan sustanciales a esta teoría.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 201-211, abr./jun. 2015 201
Francisco Pinochet Cantwell

El primer elemento consiste en que la inversión de la carga de la prueba debe


ser realizada por el juez.
En seguida, otro elemento que esta doctrina plantea es que la reversión probatoria
debe ser efectuada una vez que ya se ha iniciado el proceso, particularmente al momento
de sentenciar. En efecto, la teoría de los CPD sostuvo desde sus inicios que la inversión
de la carga probatoria no debe estar prevista desde antes del inicio del proceso como
sí puede y debe ocurrir con el principio de la facilidad y disponibilidad de los medios de
prueba. Este último principio ha sido concebido desde muy antiguo, como demostraremos,
como una regla procesal que debe ser existente, en forma previa al inicio del proceso.
Nunca se ha propuesto, por los seguidores de los CPD que la inversión de
la carga de la prueba deba ser realizada por el legislador, lo cual resulta lógico en
aquellos casos en que existe consenso en que se debe invertir la carga normal de la
prueba, atribuyéndola a quien esté en mejores condiciones de probar.
La existencia de reglas legales establecidas en forma previa al inicio del proceso,
sean estas normas legales o, incluso de jurisprudencia de los tribunales superiores
de justicia —la que actúa como fuente del derecho— en los países del Civil Law, o
lo que es más habitual, en los países del Common Law a través de la existencia de
precedentes, es la única forma de garantizar a las partes que conozcan cuáles son
las obligaciones que deben cumplir al actuar y desarrollar el tráfico jurídico y comercial
que, eventualmente puede generar responsabilidad contractual o extracontractual.
Sólo el conocimiento previo de las obligaciones a que están sujetas al participar en los
actos que generan dicho tráfico, otorga seguridad jurídica y, en consecuencia, garantiza
la existencia posterior del debido proceso, cuando se deba resolver la controversia
jurídica que pueda originarse como consecuencia del tráfico jurídico mencionado.
Revisemos ahora en detalle las ideas que hemos planteado.

1 Concepto de carga probatoria dinámica


Al tratar de entregar un concepto sobre carga probatoria dinámica la doctrina
incurre nuevamente en una imprecisión, ya que mayoritariamente se estima necesario
definirla entregando el concepto del principio de facilidad o disponibilidad probatoria
La carga dinámica de la prueba, como se sabe, es una doctrina que surge como
consecuencia de un complejo caso de responsabilidad médica en Argentina, y de las
construcciones teóricas en torno a este tema consolidadas por el profesor Jorge Peyrano,
a quien debe reconocerse la autoría de la misma en su obra “Cargas Probatorias
Dinámicas”, la que comparte con otros autores, elaborando toda una sistematización al
respecto. Esta doctrina sustenta que “más allá del carácter de actor o demandado, en
determinados supuestos la carga de la prueba recae sobre ambas partes, en especial
sobre aquella que se encuentre en mejores condiciones para producirla”.1

1
PEYRANO, Jorge Walter et al. Cargas Probatorias Dinámicas. Argentina: Rubinzal-Culzoni, Editores, 2008. p. 638.

202 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 201-211, abr./jun. 2015
Como se derrotó en Chile cargas probatorias dinámicas – Su diferencia con el principio de facilidad de la prueba

De acuerdo a su creador “esta nueva teoría no desconoce las reglas clásicas de la


carga de la prueba, sino que trata de complementarla o perfeccionarla, flexibilizando su
aplicación en todos aquellos supuestos en que quien debía probar según la regla tradicional
se veía imposibilitado de hacerlo por motivos completamente ajenos a su voluntad”.2
La concepción del autor se completa agregando lo que es la característica
esencial de la doctrina de las cargas probatorias dinámicas, la cual “puede y debe
ser utilizada por los estrados judiciales en determinadas situaciones en las cuales no
funcionan adecuada y valiosamente las previsiones legales que, como norma, reparten
los esfuerzos probatorios. La misma importa un desplazamiento del onus probando,
según fueren las circunstancias del caso, en cuyo mérito aquel puede recaer,
verbigracia, en cabeza de quien está en mejores condiciones técnicas, profesionales o
fácticas para producirlas, más allá del emplazamiento como actor o demandado o de
tratarse de hechos constitutivos, impeditivos, modificativos o extintivos”.3
Precisamente, dentro del concepto de cargas dinámicas de la prueba desarrollado
por el autor, cobra especial relevancia las particularidades de cada litigio, las cuales,
alejándose de la clásica imputación basada en los hechos constitutivos, modificativos,
impeditivos y extintivos, pueden exigir una distribución diferente de la carga de la
acreditación, cobrando especial relevancia factores tales como la normalidad de los
hechos alegados e, incluso, la disponibilidad de las fuentes de prueba.
Precisamente, en el sentido antes indicado, el profesor Jorge W. Peyrano,
citando las conclusiones de las Quintas Jornadas de Derecho Bonaerenses, señala:

Cuarta conclusión. Se estima que la invocación judicial oficiosa al momento


de sentenciar de la doctrina de las cargas probatorias dinámicas o de
concepciones afines, puede prima facie, entrañar algún riesgo para la garantía
de la defensa en juicio. Empero, tal aplicación, quedaría cohonestada, por
constituir aquella un corolario de las reglas de la sana crítica en materia
de valoración de la prueba; preceptos que pueden y deben meritar los
tribunales. Además, contribuye en el mismo sentido la normativa legal que
consagra la posibilidad de apreciar la conducta procesal de las partes [...].4

Ya hemos dicho cómo se ha confundido por la doctrina la circunstancia de que la


facilidad probatoria se refiere a la relación de la parte con el hecho, que no tiene nada
que ver con la disponibilidad u ofrecimiento de la fuente de prueba, a tal punto que
se confunde incluso la obligación de entregar los documentos o los demás medios
probatorios que se encuentran en poder de una las partes, con la carga de la prueba.
Este aspecto ya había sido advertido por Maximiliano García el año 2005 en su
obra ya citada.

2
PEYRANO, Jorge Walter et al. Cargas Probatorias Dinámicas. Op. cit., p. 60.
3
PEYRANO, Jorge W. Nuevos Lineamientos de las Cargas Probatorias Dinámicas. En: Cargas Probatorias Dinámicas.
Peyrano, Jorge W. (Director) Lépori White, Inés (Coordinadora). 2008. Rubinzal-Culzoni Editores. p. 20.
4
PEYRANO, JORGE W., op. cit. (n. 5). p. 22.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 201-211, abr./jun. 2015 203
Francisco Pinochet Cantwell

De la misma forma, Juan Montero enfatiza que la disponibilidad de facilidad


probatoria, se está refiriendo no a la regla general de la carga de la prueba sino a
“algunas matizaciones” bajo criterios de “normalidad, flexibilidad y facilidad” que puede
tener que probar la parte que tiene mayor facilidad para ello, independientemente de
la naturaleza del hecho afirmado. Realmente la facilidad se refiere a la relación de la
parte con el hecho (no a la disponibilidad de la fuente de prueba).5 Así la STS de 13
de febrero de 1992, y respecto de la liquidación de la sociedad de gananciales en la
que se desconocía el importe de una operación económica realizada por el marido,
sostiene que el marido debía probar ese importe porque para él era más fácil al ser
él quien había realizado la operación. La anterior es ya doctrina consolidada (así STS
de 27 de octubre de 2004, RJ 2004, 7042).6
El establecimiento de cargas probatorias después que se han desarrollado los
actos que han generado la responsabilidad contractual o extracontractual mencionadas
—es decir dinámicas — constituye el establecimiento de obligaciones no previstas
por las partes, dándoles a estas el carácter de verdaderas “obligaciones con efecto
retroactivo” que gravan, en consecuencia, de manera injustificada el patrimonio de
los ciudadanos, dejando patente además la inconstitucionalidad de la doctrina en
análisis desde esta perspectiva.

2 Primeras críticas a las cargas probatorias dinámicas de


la doctrina en Chile
En Chile la doctrina comenzó a pronunciarse tempranamente en contra de
la doctrina de la carga probatoria, principalmente por abogados y académicos que
habían estudiado en el extranjero —un grupo muy importante en la Facultad de
Derecho de la Universidad Nacional de Rosario, Argentina, en la carrera de Magister
de Derecho Procesal que dirige el Dr. Adolfo Alvarado Velloso— y que habían conocido
esta doctrina y la polémica que siempre la ha caracterizado.
Desde luego la primera crítica que surge respecto de la carga probatoria es la
alteración del régimen de presunciones legales.
Entre los primeros que plantearon este problema y que fue objeto de particular
atención por la doctrina chilena se encuentra el autor Maximiliano García Grande, quien
en su libro “Las Cargas Probatorias Dinámicas. Su inaplicabilidad” señala que esta
teoría hace surgir en forma inmediata la siguiente contradicción: de aplicarse la “carga
probatoria dinámica” tendrá la carga de probar aquella parte que tiene el beneficio de

5
Algunos casos son muy significativos. En la SAP Alicante de 4 de marzo de 2002 (AC 2002, 825) se trataba
de una reclamación de cantidad hecha por Telefónica respecto de una facturación absolutamente despropor-
cionada y del deber de la compañía de comprobar el correcto funcionamiento del teléfono.
6
MONTERO AROCA, Juan, op. cit., p. 132.

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Como se derrotó en Chile cargas probatorias dinámicas – Su diferencia con el principio de facilidad de la prueba

la duda de las presunciones ya enunciadas: o sea, mientras que el derecho de fondo


otorga ante la duda la presunción a favor de liberación, las reglas de forma cargan a
dicha parte con demostrar tal liberación. Más claro aún: el derecho procesal carga a la
parte demandada a que demuestre la liberación que el derecho de fondo presume”.7
El dinamismo mencionado hace que las cargas probatorias no sean más la
consecuencia directa de las presunciones del derecho de fondo, sino que ahora entren
a oponerse a éstas. En esta contraposición, entre las cargas probatorias dinámicas
y las presunciones del derecho de fondo, es donde se encuentra una de las críticas
más importantes a esta teoría, señala Maximiliano García.8
La carga probatoria “nunca cambia per se —ni debería hacerlo, ella es trascendental
para destruir una presunción en contra. Las presunciones legales influyen y determinan
la carga probatoria. Por eso creemos que el concepto de carga probatoria dinámica es
inexacto, puesto que las cargas probatorias no se dinamizan sino son la contrapartida de
cada presunción y se rompería tal vínculo si eso sucediera. No puede el derecho material
presumir la liberación o inculpabilidad de una persona, y el derecho de forma exigir a esa
persona que prueba tal liberación o inculpabilidad pronosticando una desventaja en el
litigio si no puede demostrar aquello que el derecho material presume”.9
Desde entonces y al alero de la carrera de Magister de Derecho Procesal
dirigida, como recién mencionamos, por el Dr. Adolfo Alvarado, diversos procesalistas
Chilenos siguieron dando la voz de la alerta respecto de las cargas dinámicas. Se
trata de una batalla que venimos dando los procesalistas desde hace muchos años.
Sólo por citar una actividad, podemos mencionar el seminario sobre reforma
procesal civil, organizado por la Universidad Andrés Bello, en octubre de 2005, al
cual asistieron los Profesores Adolfo Alvarado, de Argentina, Jorge Federico Lee,
de Panamá, Hugo Botto y el suscrito, como expositores.10 Esta es fue una de las
primeras actividades académicas —públicas — donde se cuestionó esta teoría y fue
el profesor chileno Hugo Botto quién lo hizo. El ha sido, por tanto, el primero profesor
en oponerse a esta teoría en nuestro país.

3 El apoyo de los civilistas en la lucha contra las cargas


probatorias dinámicas
Un apoyo muy importante recibió el procesalismo de parte de los profesores de
derecho civil de nuestro país.

7
GARCIA GRANDE, Maximiliano. “Las cargas probatorias Dinámicas. Su inaplicabilidad”. Editorial Juris, Rosario,
Argentina, 2008, p. 77.
8
GARCIA GRANDE, Maximiliano, op. cit., p. 78.
9
GARCIA GRANDE, Maximiliano, op. cit., p. 79.
10
Memorable fue la asistencia del Profesor Eugenio Benítez Profesor de Derecho Procesal Civil de la Facultad de
Derecho de la Pontificia Universidad Católica, con todo los alumnos de su curso Derecho Procesal, quién, por
lo tanto, es testigo.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 201-211, abr./jun. 2015 205
Francisco Pinochet Cantwell

Para ellos el proyecto de nuevo CPC trastoca de manera grave la regulación


civil. La Declaración de Santa Cruz señala que la reforma “altera gravemente normas,
principios e instituciones fundamentales del Derecho Privado, afectando la seguridad
jurídica y repercutiendo de manera no calculada ni prevista en algunas de las relaciones
patrimoniales y extrapatrimoniales básicas entre personas”. Los puntos críticos que
plantean en común los tres documentos son: la carga dinámica de la prueba, la
reforma a la casación y el reconocimiento de capacidad procesal a entidades sin
personalidad civil propiamente tal.11
Los profesores de derecho civil han criticado duramente la incorporación de una
nuevo Código Procesal Civil. Los civilistas hacen énfasis en la carga probatoria dinámica
bajo su modalidad de facilidad o disponibilidad. Acusan que tales disposiciones alteran
gravemente las normas del derecho sustantivo cambiando de modo trascendente la forma
como los particulares contratan y se relacionan entre sí, impidiendo que puedan prever
con suficiente anticipación sobre quién recaerá la carga de probar. En consecuencia,
la carga dinámica afecta los principios cuidadosamente construidos por la doctrina y la
jurisprudencia sobre el artículo 1698 (“Incumbe probar las obligaciones...”) como del
1547 que distribuye la carga de la diligencia y el caso fortuito.12
El profesor Mauricio Tapia haciendo un exhaustivo análisis de la materia recuerda que
la regulación actual de la prueba de las obligaciones se encuentra, primordialmente, en el
artículo 1698 del Código Civil, al que se suman el inciso tercero del artículo 1547 del mismo
cuerpo legal y las normas probatorias contenidas en el título XXXV del libro IV, referido a los
delitos y cuasidelitos civiles, las que contemplan algunas presunciones legales de culpa.13
Luego señala también como se altera el sistema de presunciones “en el inciso
segundo del artículo 294, la regla de la carga probatoria dinámica, y en consecuencia, todo
el sistema de prueba del Código Civil, por rebote. Esta norma, advierte, pasa por encima
de todas las reglas sobre prueba de las obligaciones, por lo que habrá una contradicción
entre textos legales sustantivos y adjetivos. En efecto, el juez, a través de la regla de la
carga probatoria dinámica, puede vulnerar las presunciones legales de culpa tanto en
materia contractual (inciso tercero del artículo 1547 del Código Civil), como en materia
extracontractual (entre otros, los artículos 2320, 2326 y 2329 del Código Civil)”.14
Coincidente con las opiniones que venimos señalando, el profesor Miguel Ángel
Reyes sostiene que si bien podría estimarse que la carga probatoria dinámica “ha sido

11
Cuestiones orgánicas también fueron objeto de crítica por parte de los profesores. Ellos juzgan negativamente
la inclusión de disposiciones que establecen de forma inequívoca que el precedente, tratándose de la Corte
Suprema, tendrá el carácter de vinculante. Lo expuesto constituye una clara vulneración a una disposición que
sirve de sustento esencial para todo el ordenamiento jurídico, se trata del artículo 3º del Código que Civil que
establece el efecto relativo de las sentencias judiciales.
12
Declaración pública sobre Reforma Procesal Civil. X Jornadas Nacionales de Derecho Civil, Santa Cruz, 11 de
agosto de 2012.
13
TAPIA RODRIGUEZ, Mauricio, Observaciones al Proyecto de Ley que establece un nuevo Código Procesal Civil,
a la Comisión de Constitución, Legislación y Justicia de la Cámara de Diputados, recogidas por la Secretaria
de la Comisión en el Boletín 8197-07, p. 107.
14
TAPIA RODRIGUEZ, Mauricio, op. cit. p. 108.

206 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 201-211, abr./jun. 2015
Como se derrotó en Chile cargas probatorias dinámicas – Su diferencia con el principio de facilidad de la prueba

morigerada si se la compara con la establecida en Argentina, donde se aplica recién al


momento de dictar sentencia, presenta, sin embargo, los siguientes problemas: (i) es
muy subjetiva, al dar lugar a diferencias entre los distintos tribunales y los casos de
que conocen, provocando incertidumbre. Se persiste en la costumbre de procurar que
una causa se radique en un tribunal determinado, para lo cual se recurre al expediente
de aprovechar el turno en aquellos lugares donde no hay Corte de Apelaciones, o de
presentar la demanda en reiteradas oportunidades hasta que recaiga en un juez que
se sepa tiene una opinión cercana a los intereses del demandante”.
Si se considera que un juez puede ser más o menos proclive a acoger una
demanda o a utilizar la carga probatoria dinámica, “se agudizará la incertidumbre,
lo que es contrario a la idea que inspira la normativa procesal en orden a generar
seguridad, certeza y previsibilidad. (ii) Se aplica una vez que las partes han planteado
sus acciones y excepciones, habiéndose trabado la litis y ofrecido toda la prueba; (iii)
implica que el juez adopte necesariamente una decisión respecto del conflicto, previo
al estudio que precede a la sentencia, afectando su imparcialidad, y (iv) soslaya las
presunciones de responsabilidad del Código Civil. Por tal motivo, debería eliminarse
del proyecto, al ser suficientes las mencionadas presunciones que, en último caso,
podrían establecerse en general, para todos los casos similares, en una ley”.15
En el ámbito de ilícitos civiles de incidencia procesal, el profesor Reyes Poblete
considera que la regulación del Proyecto es insuficiente y dispar. Insuficiente, porque
“no establece una normativa clara y absolutamente coherente de la materia, lo que
sería deseable considerando que la regulación del Código Procesal Civil es de carácter
general. Dispar, porque en el Proyecto es posible encontrar tres regímenes distintos
de responsabilidad: el del artículo 50 (que es la regla general de responsabilidad en el
Proyecto, que radica en la mala fe o temeridad el título de imputación), el del artículo 177
(a propósito de las medidas cautelares, cuyo título de imputación es el dolo o abuso), y
uno que funciona sobre la base de una regla de responsabilidad estricta (artículo 241, a
propósito de la revocación de la sentencia cuya ejecución provisional se ha obtenido)”.

4 Los efectos la confusión de la doctrina en Chile en el


proyecto de ley
La confusión de la doctrina que venimos analizando contaminó la norma sobre
carga probatoria dinámica contenida en el Proyecto de Ley de nuevo Código Procesal
Civil, norma que fue eliminada de este Proyecto en la Cámara de Diputados el cual
todavía se encuentra en tramitación en el Senado de nuestro país.
Como dijimos, la doctrina no entiende que la facilidad probatoria se refiere a la
relación de la parte con el hecho, y esto no tiene nada que ver con la disponibilidad

15
REYES POBLETE, Miguel Angel. Observaciones a proyecto de ley que establece un nuevo Código Procesal Civil,
a la Comisión de Constitución, Legislación y Justicia de la Cámara de Diputados, recogidas por la Secretaria
de la Comisión en el Boletín 8197-07, p. 113.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 201-211, abr./jun. 2015 207
Francisco Pinochet Cantwell

u ofrecimiento de la fuente de prueba. Nada impide a una parte ofrecer una prueba
determinada, más allá que para su producción ulterior tenga que actuar la contraria;
si no lo hace, debieran entrar a jugar presunciones en su contra. Nada impide a la
parte demandante, por más que haya estado anestesiada en un quirófano, ofrecer
prueba pericial médica para probar una mala praxis. Ahora si no lo hace y el juez del
proceso aplica una carga probatoria dinámica, directamente se está favoreciendo a
esa parte a costa del derecho de defensa de la contraria.
Como se ve, son dos cosas muy diferentes
Esta confusión de la doctrina nacional, incluso en foros y seminarios también ha
sido evidente. Ocurrió particularmente en el caso de los profesores que asesoraron y
redactaron la norma sobre carga probatoria dinámica contenida en el Proyecto de Ley
de nuevo Código Procesal Civil, que absolutamente inconscientes de los efectos que
esta doctrina puede tener sobre el régimen general de presunción de pruebas no sólo
alterando sino que incluso derogándolo tácitamente —quedando en consecuencia sin
efecto—, pusieron inadvertidamente una norma similar a la excepción del Nº 6 del
artículo 217 a Ley de Enjuiciamiento Civil Española que sí soluciona adecuadamente
la alteración del régimen de presunciones.16
No advirtieron los autores del Proyecto de Ley Chileno que esta norma del
artículo 217 Nº 6, al decir que “las normas contenidas en los apartados precedentes
se aplicarán siempre que una disposición legal expresa no distribuya con criterios
especiales la carga de probar los hechos relevantes”, estaba al final del artículo
mencionado que es el que regula la carga de la prueba en la LEC.
En cambio en el proyecto de nuestro país, esta norma venía al comienzo del
artículo 294 del Proyecto, encontrándose la carga probatoria dinámica establecida

16
Un sector de la doctrina argentina ha señalado que las cargas probatorias dinámicas, que claramente tuvieron
su origen en las ideas del doctor Jorge W. Peyrano en Argentina, habrían pasado posteriormente a países como
España, donde estarían recogidas en la Ley de Enjuiciamiento Civil Española en su artículo 217, en sus Nº 4 y
Nº 5, cuando dicha disposición lo que contiene en realidad, son distintas hipótesis legales en las que el peso
de la prueba es invertido por el propio legislador.
En efecto, las hipótesis señaladas son aquellas que tienen lugar en juicios sobre competencia desleal, sobre
publicidad ilícita y sobre discriminación en razón del sexo, en los cuales corresponderá al demandado la carga
de la prueba. En las primera dos hipótesis le corresponde acreditar la exactitud y veracidad de las indicaciones
y manifestaciones realizadas y de los datos materiales que la publicidad exprese respectivamente. En tanto que
la última hipótesis, corresponde al demandado probar la ausencia de discriminación en las medidas adoptadas.
Es decir, el artículo 217 inciso 6 de la Ley de Enjuiciamiento Civil Española, atribuye en forma clara y precisa, en
sus Nº 4 y 5 al demandado la carga de la prueba respecto de los supuestos de hecho que menciona en cada caso.
Entonces no se trata de una carga probatoria dinámica, porque nada ordena el juez, es la propia ley la que está
invirtiendo el peso de la prueba.
En consecuencia, las partes de estos juicios no pueden ser cualquier justiciable sino los que se individualizan
específicamente. Es decir aquellas que están relacionadas con ciertas actividades económicas, en las cuales
se puede producir actos de competencia leal, publicidad ilícita o discriminación en razón del sexo de la persona.
Cabe tener presente que el Nº 6 del artículo análisis señal que para la aplicación de lo dispuesto en los apar-
tados anteriores de este artículo, el tribunal deberá tener presente la disponibilidad y facilidad probatoria que
corresponde a cada una de las partes del litigio.
Cómo se observa del tenor literal de la norma transcrita, en ninguna parte se está entregando al juez la facul-
tad de invertir la carga probatoria, facultad que ya hemos dicho, es la esencia de la carga probatoria dinámica.
La norma simplemente le indica al juez que debe tener presente la disponibilidad y facilidad probatoria que
corresponde a cada una de las partes del litigio, para aplicar lo dispuesto en los artículos anteriores.

208 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 201-211, abr./jun. 2015
Como se derrotó en Chile cargas probatorias dinámicas – Su diferencia con el principio de facilidad de la prueba

en el inciso segundo de la misma norma, con lo cual por un simple problema de


ubicación del inciso, se destrozaba el régimen general de presunciones, dejándolo
seriamente alterado y/o derechamente derogado.
En efecto, señala el artículo 294 del Proyecto, que lleva por título “La carga de la
prueba”, en su inciso primero que “corresponde la carga de probar los fundamentos
de hecho contenidos en la norma jurídica a la parte cuya aplicación le beneficie, salvo
que una disposición legal expresa distribuya con criterios diferentes o de una manera
diversa la carga de probar los hechos relevantes entre las partes”.
En el inciso segundo se contenía la carga probatoria dinámica de la siguiente
forma: “El tribunal podrá distribuir la carga de la prueba conforme a la disponibilidad y
facilidad probatoria que posea cada una de las partes en el litigio lo que comunicará
a ellas, con la debida antelación, para que asuman las consecuencias que les pueda
generar la ausencia o insuficiencia de material probatorio que hayan debido aportar o
no rendir la prueba correspondiente de que dispongan en su poder”.
Como se pudo observar como en un seminario sobre la reforma procesal civil
realizada en la Facultad de Derecho de la Pontificia Universidad Católica, con fecha 27 de
septiembre de 2012, la profesora Carmen Domínguez, al señalar cómo se distorsionaba
el régimen de presunciones del Código Civil recibió el inmediato comentario de unos de
los profesores redactores de la norma, señalando que esa situación estaba prevista
en el propio artículo 294, no advirtiendo este que la ubicación del inciso segundo hacía
imposible evitar el riesgo señalado por la profesora Domínguez.17
Tampoco ha advertido la doctrina nacional, con suficiente atención, el riesgo de
que la inversión de la carga de la prueba no se encuentre regulada con anterioridad
al inicio del proceso, considerando suficiente que dicha inversión de la carga sea
realizada por el juez al inicio de la etapa de rendición de prueba.
Es el caso de la autora María de Los Ángeles González Coulon, quien en su obra
“La carga dinámica de la prueba y sus límites”,18 sostiene que entre los tres requisitos
principales que deben cumplirse de forma esencial para que pueda aplicarse la carga
dinámica de la prueba, “se encuentra la necesidad de que la parte posicionada de
mejor manera para rendir la prueba de la cual excepcionalmente se le impondrá la
carga de probar deberá saberlo con anterioridad por medio de la advertencia que se
le debe efectuar por el juez antes de la etapa de la rendición de prueba en el proceso,
para así no producir inseguridad jurídica”.19
La autora no se percata de que la inseguridad jurídica se producirá siempre, porque
antes del proceso las partes de este ignoran que deben cumplir determinadas obligaciones
necesarias para reunir anticipadamente medios de prueba para un eventual litigio.

17
Seminario sobre Reforma Procesal Civil realizado con fecha 27 de septiembre de 2012en el Aula Magna
Manuel José Irarrazaval de la Pontificia Universidad Católica de Chile.
18
GONZÁLEZ COULON, María de Los Ángeles. “La carga dinámica de la prueba y sus límites”, Editorial Thomson
Rheuters, Edición agosto 2013, Santiago de Chile, Editorial LegalPublishing Chile.
19
GONZÁLEZ COULON, María de Los Ángeles. op. cit., p. 58.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 201-211, abr./jun. 2015 209
Francisco Pinochet Cantwell

Pero ni aún empezado el juicio y el inicio de este resulta útil para la seguridad
jurídica de las partes, porque dentro del esquema de juicio oral esta advertencia va
a tener lugar en la audiencia preparatoria, de tal forma que la única oportunidad de
la cual dispondrían las partes para determinar cuáles son los medios de prueba que
requerirán en esa misma audiencia y ni siquiera eso. En efecto, como los medios
de prueba deben acompañarse en conjuntamente con la demanda y, a su turno, el
demandado conjuntamente con su contestación, tal advertencia preliminar resulta
completamente ilusoria o, si se prefiere, derechamente ineficaz.
El peligro de esta inadvertencia antes del litigio ha sido señalado también por el
profesor Diego Palomo para quién “la simple verificación de la oportunidad procesal
del aviso que se contempla, esto es la audiencia, debiera hacer saltar los alarmas
ya que la regulación propuesta no asegura esta efectividad y puede generar hipótesis
de indefensión que debieran ser repudiadas en un modelo procesal que pretende
levantarse desde el respeto a los principios jurídicos del proceso.20

5 Las razones finales del rechazo a las cargas probatorias


dinámicas en Chile
El debate generado en Chile hizo evidente ciertas conclusiones respecto de
los problemas que generan las CPD —que para nosotros son además de carácter
inconstitucional —. En síntesis las CPD infringen el principio del debido proceso, por
las siguientes razones:
(i) Se produce la pérdida de la presunción de inocencia, que de acuerdo con
la doctrina sentada por la Corte Interamericana de Derechos Humanos, rige
no sólo en materia penal, sino también en sede civil, pues se impone una
presunción en contra de una de las partes al considerar, por ejemplo, existente
una obligación antes de que se realice cualquier actividad probatoria, con
lo cual se afecta gravemente la posibilidad de que aquélla contra la cual se
invierte la carga de la prueba obtenga una sentencia absolutoria.
(ii) Se afecta el derecho a la libertad probatoria, al privar a cada una de las
partes del control de su estrategia de defensa en juicio, obligándola a
realizar actuaciones que pueden resultar contrarias a sus propios intereses;
(iii) Se afecta la relación de confianza entre el abogado y su representado,
desde el momento en que el legislador impone al primero el deber de
servir a los intereses de la contraparte, al exigirle, so pena de tener por
acreditado el hecho según la apreciación que realice el tribunal, incorporar
la prueba oportunamente ofrecida, aún cuando con ello afecte los intereses
de su representado;

20
PALOMO VELEZ, Diego. Las cargas probatorias dinámicas: Es indispensable darse todas estas vueltas?
Revista Ius et Paxis, año 19, Nº 2 2013, p. 447-464.

210 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 201-211, abr./jun. 2015
Como se derrotó en Chile cargas probatorias dinámicas – Su diferencia con el principio de facilidad de la prueba

(iv) Se afecta la imparcialidad del tribunal llamado a resolver el asunto, pues


la inversión de la carga de la prueba implica un quebrantamiento de la
igualdad con que ambas partes merecen ser tratadas en el proceso, como
consecuencia de un mal entendido afán de protección de aquélla que se
considera está en una situación de desigualdad.
La carga probatoria dinámica implica imponer a los ciudadanos obligaciones
en forma retroactiva, que no sabían de antemano que tendrían que cumplir para su
eventual defensa en juicio, lo que atenta contra el debido proceso y la seguridad con
que las partes enfrentan sus relaciones jurídicas, impidiéndoles prever cuáles son
los resultados esperables de una acción intentada y cuál es la mejor estrategia para
proteger sus propios intereses.
Todos los ciudadanos deben conocer sus obligaciones en materia probatoria
con antelación a la entrada en juicio y ojalá antes de la ocurrencia de los hechos que
pueden ser generadores de responsabilidad contractual y extracontractual.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

CANTWELL, Francisco Pinochet. Como se derrotó en Chile cargas probatorias diná­


micas – Su diferencia con el principio de facilidad de la prueba. Revista Brasileira
de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 201-211, abr./
jun. 2015.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 201-211, abr./jun. 2015 211
Expectativas em torno do Novo CPC.
Entre o ativismo judicial e o garantismo
processual 1

Glauco Gumerato Ramos


Membro dos Institutos Brasileiro (IBDP), Iberoamericano (IIDP) e Panamericano (IPDP) de
Direito Processual. Professor da Faculdade de Direito Anhanguera – Jundiaí. Vice-Presidente
para o Brasil do Instituto Panamericano de Direito Processual. Advogado em Jundiaí.

Palavras-chave: Novo CPC. Expectativas. Ativismo judicial. Direito processual.

I
Falar em “justiça”, “justiça civil”, “justiça penal”, “processo justo” e outras
coisas do gênero acaba por dissimular uma orientação solipsista-autoritária no
vislumbre e na concretização do fenômeno processual, civil ou penal. Explico: é uma
ilusão supor que no plano epistemológico o direito e o processo trabalhem com a ideia
de “justiça”. Mas não é só. Quando se diz que “a Justiça no país está congestionada
pelo acúmulo de processos”, a ideia de “Justiça” é aí utilizada no plano semiótico-
pragmático como sinônimo de Poder Judiciário. Aqui se alevanta um paralogismo:
a (falsa) ideia de que ao Judiciário e aos seus juízes cabe fazer “justiça”. Nada
contra aos que assim pensam. Somos constitucionalmente livres para pensar. Mas a
observação da realidade nos revela a implosão da premissa.
O Direito — fruto do imperfeito racionalismo humano, e não da perfeição que
é própria da divindade — tem dois atributos empíricos que justificam a sua razão
de ser: (i) estabelecer vinculatividade nas relações intersubjetivas; (ii) proporcionar
segurança jurídica.
A “justiça”, ainda que possa sugerir algo eticamente “para o bem”, no fundo
reflete um sentimento pessoal-idiossincrático-subjetivo que nos acomete diante
de uma determinada situação. Quando vemos nos noticiários que políticos ditos
corruptos, motoristas supostamente irresponsáveis causadores de acidentes no

Texto-base da minha intervenção no XXVI Encontro Panamericano de Direito Processual, o congresso interna-
1

cional do Instituto Panamericano de Direito Processual (IPDP), ocorrido em 28-29 de maio de 2014, na sede
da OAB/MG.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 213-225, abr./jun. 2015 213
Glauco Gumerato Ramos

trânsito, sujeitos acusados de hediondezes em geral foram levados ao Poder Judiciário


para submeter-se ao devido processo, imediatamente muitos afirmam com soberba
convicção: “nada mais quero além de que seja feita a justiça!”. Sem que se dê conta,
atitudes como essa revelam que o que de fato se quer é transferir ao Poder Judiciário
o sentimento humano de vingança, já que a “justiça”, como sentimento intrínseco
ao espírito, evidentemente, varia a depender de quem a sente. Se existe algo que
devasta a segurança jurídica que o Direito existe para proporcionar é exatamente
o sentimento intrínseco de “justiça” que afeta a racionalidade que deve orientar a
decisão judicial. De resto, não há nada mais antidemocrático e antirrepublicano —
posto que autoritário — do que pronunciamentos jurisdicionais determinados pelo
sentimento de “justiça” (=justiça-vingança; justiça-equidade; justiça-retribuição etc.).
De minha parte devo dizer que diuturnamente busco mostrar aos moços de
quem sou preceptor na Faculdade de Direito essa realidade das coisas. Não os
iludo ensinando-lhes que seria papel do direito ou do processo jurisdicional que
o concretiza fazer “justiça” nas relações sociais, onde o juiz seria uma espécie
de herói, a surgir de capa e espada e a quem caberia redimir todos os males que
contaminam o tecido social, posto que agiria em nome da “justiça”, do “processo
justo”, do “bem comum”, da “paz social”.
A dogmática processualcivilística tradicional, altamente propensa a pensar
o processo jurisdicional mais pela ótica do Poder (=jurisdição) e menos pela ótica
da Garantia (=processo),2 é permeada por um discurso metajurídico legitimador da
realização da “justiça” através do processo. Isso fomenta o malsinado ativismo judicial
que afeta o paradigma no qual está radicado o modelo semântico-constitucional3
de processo, indiscutivelmente projetado para viabilizar o garantismo processual
decorrente do arquétipo republicano a que estamos submetidos por força do pacto
assemblear-constituinte-originário.
Penso que seja de rigor que nós, processualistas, conscientizemo-nos de
uma vez por todas que direito é direito e que ética é ética, cujos esquemas de
organização e funcionamento nem sempre se intercambiam e/ou se relacionam. É
recomendável — não se nega isso — que as regras jurídicas estabelecidas pelo
legislador democrático abarquem aos postulados éticos da sociedade para a qual

2
Cf. o meu “Poderes do juiz: ativismo (=autoritarismo) ou garantismo (=liberdade) no projeto do Novo CPC”, em
DIDER JR; Fredie (Org.). Leituras complementares de processo civil. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2011.p. 507-
514. Publicado também em espanhol (Poderes del juez: activismo (=autoritarismo) o garantismo (=libertad)
en el Proyecto de nuevo CPC de Brasil) no livro em homenagem a Juan Montero Aroca. El derecho procesal
Español del siglo XX a golpe de Tango — “Liber Amicorum, en homenaje y para celebrar su LXX cumple-
años”. Coord.: COLOMER, Juan-Luis Gómez, VILAR, Silvia Barona, CUADRADO, Pía Calderón. Valencia: Tirant lo
Blanch, 2012. p. 363-372.
3
Cf. o meu “Aspectos semânticos de uma contradição pragmática. O garantismo processual sob o enfoque da
filosofia da linguagem”. RBDPro 82/217, abr.-jun. 2013. Publicado também em Ativismo judicial e garantismo
processual. In: DIDER Jr, Fredie et al. (Coord.). Salvador: JusPodivm, 2013. p. 245-253.

214 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 213-225, abr./jun. 2015
Expectativas em torno do Novo CPC. Entre o ativismo judicial e o garantismo processual

são criadas. Isso acontecendo, maiores serão as chances de o Direito que daí resulta
também representar, por via reflexa, os postulados éticos inspiradores das regras
jurídicas que lhe deram origem. Mas ainda assim o respectivo fenômeno (=Direito
que reflete postulados éticos) será mais uma “coincidência” que propriamente uma
“consequência natural” de um dever ser. Se determinada Lei é eticamente “boa” ou
“ruim” na visão desta ou daquela pessoa física titular do poder jurisdicional, isso não
lhe permite subverter o estabelecido pelo legislador democrático para, a la postre, fazer
valer a própria orientação ética quando do proceder e do julgar no curso do processo.

II
Trago comigo a diretriz principiológica extraída da experiência e da racionalidade
que mostra que as ocorrências de grande dimensão social, política, econômica,
jurídica etc. nunca são exclusivamente boas ou excessivamente ruins. Sempre haverá
os dois lados: o bom e o ruim, revelando uma espécie de maniqueísmo sociológico
capaz de redirecionar condutas muitas vezes já estabilizadas pela inércia. Foi assim
após o naufrágio do Titanic, no Mar do Norte, na década de 10 do século XX, onde
foram radicalmente mudadas, para melhor, algumas regras que regiam a construção
de transatlânticos. Recentemente, em março de 2015, após o desastre aéreo nos
Alpes franceses do voo que seguia Barcelona-Dusseldorf, acusou-se o copiloto de
ter se trancado na cabine do avião e provocado sua queda num momento em que o
comandante teria se ausentado. Imediatamente após essa revelação, passou-se a
anunciar que várias Companhias áreas estavam declarando que mudaria a regra que
permite ao piloto ou ao copiloto se ausentar da cabine, deixando-a com apenas um
condutor. Ou seja: são ocorrências de grande dimensão que provocam uma adaptação
para melhor nas regras de regência da respectiva atividade.
Algo parecido passa com os grandes esquemas legislativos, como um grande
código, por exemplo. Aqui, especificamente me refiro ao novo CPC, Lei nº 13.105,
de 17 de março de 2015. É evidente que o novo regramento processual civil não é
exclusivamente bom ou excessivamente ruim. Não é panaceia, como também não é o
colapso de tudo. Afirmam os artífices do projeto de lei que o antecedeu, que além de
ter sido positivado sob um regime democrático — ao contrário do que se passou com
o Código Buzaid4 —, o novo CPC também foi fruto de um amplo debate democrático,
já que juristas em geral, processualistas em especial, setores dos mais diversos da
sociedade civil puderam opinar para dar o seu pitaco. Se as sugestões foram aceitas
ou não, isso é outro tema. Mas o fato é que a possibilidade de sugerir as mais

Cf. o meu “Alfredo Buzaid”, RePro 183/319, maio 2010. Também publicado em Processualistas históricos
4

do Brasil, v. I, Coord. CALMON, Petrônio, HOFFMAN, Paulo. Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP):
Brasília, 2010. p. 21.

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Glauco Gumerato Ramos

diversas alterações ao projeto originário realmente existiu. Não se nega isso. Mas
entre um amplo debate democrático e um CPC de viés efetivamente democrático — e
republicano, claro! — em todas as suas várias e multifacetadas dimensões, há uma
distância generosamente larga que a realidade posta não é capaz de ocultar. Alguns
me dirão — e já me disseram — “que é muito difícil uma mudança de paradigma na
maneira como as autoridades conduzem o processo jurisdicional”. Daí eu pergunto:
“para que então fazer um “novo CPC”? Esse dilema me faz lembrar Giuseppe Tomasi
di Lampedusa: “Se vogliamo che tutto rimanga come è, bisogna che tutto cambi”.
Num só golpe: seria uma espécie de gattopardismo processual.5
Por isso não é unânime a adesão ao “novo CPC” entre os processualistas civis
brasileiros, seja quanto à conveniência, seja quanto ao conteúdo.6 O fato, rigorosamente
não impressiona. Como toda e qualquer questão da vida, as grandes movimentações
legislativas também são capazes de dividir opiniões, posto que a dimensão multifacetada
das ideias que compõem e integram o ambiente social projeta as inclinações humanas
para direções diversas, algo, em suma, demasiadamente normal.
Mas um fato que particularmente me chama a atenção é a euforia de alguns
setores da doutrina processualcivilística que revela uma aparente ingenuidade juvenil,
pois procura fazer crer que o novo CPC fará uma revolução na estrutura da chamada
“justiça civil” do país, com um processo mais célere, mais efetivo, mais justo, com
pessoas mais felizes, e outras tantas palavras motivacionais de incentivo e de
esperança que parecem ignorar a experiência daqueles que militam e estudam sobre
as coisas do foro cível brasileiro, em qualquer de suas instâncias.
Rigorosamente é como se ignorassem que desde 1994 — portanto, há mais
de duas décadas — o CPC Buzaid foi sendo reformado, reformado, reformado por
inúmeras leis que também tiveram a missão de “viabilizar a celeridade processual”,7
com o “enaltecimento do poder do juiz e/ou do relator” para, com isso, proporcionar
a todos um processo “justo” e “efetivo”. Ou seja: reformou-se fomentando o
hipertrofismo da autoridade, mas sem que isso trouxesse os resultados esperados.
Todos sabem que a experiência ficou aquém do almejado pelos artífices da reforma
do CPC. Tanto é que agora mudar-se-á novamente, só que desta vez a fúria legiferante
não se contentou em apenas reformar. Encontrou ambiente político para a aprovação
de um novo código, um “novo” CPC, radicado no mesmo paradigma epistemológico
de seu antecessor.

5
Cf. o meu O processo civil gattopardista dos Juizados Especiais. SERAU JR., Marco Aurélio; DONOSO, Denis
(Coord.). RBDPro 77/37, jan.-mar. 2012. Também em Juizados Especiais Federais — Reflexões nos dez anos
de sua instalação. Curitiba: Ed. Juruá, 2012. p. 33-40.
6
Cf. o meu Garantismo processual e poderes do juiz do projeto de CPC. DIDIER JR, Fredie et al (Coord.). Novas
tendências do processo civil – Estudos sobre o Projeto de Novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm,
2014. p. 641-643. v. 2.
7
Cf. o meu “Crítica macroscópica ao fetiche da celeridade processual. Perspectivas do CPC de hoje e no de
amanhã”, RePro 239/421, jan. 2015.

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Expectativas em torno do Novo CPC. Entre o ativismo judicial e o garantismo processual

III
Fazer torcida contra a realidade posta seria desbragada tolice. Na essência,
contraproducente. Afinal de contas o novo CPC está aí e a partir dele teremos o
regramento geral do processo civil. Mas certas coisas devem ser ditas para que se
possa bem avaliar a dimensão da Lei processual geral que temos e a que estaremos
submetidos tão logo cessada a vacatio legis de 1 (um) ano (NCPC, art. 1.045). Em
suma: é de se perguntar o que efetivamente há de novo no “novo” CPC.
Quando se faz essa pergunta e se arrota analiticamente a lei que partirá e a lei
que virá, salta aos olhos que estamos diante: i) de uma nova numeração topográfico-
legal de artigos que já existiam, ii) de um amontoado de enunciados prescritivos
redacionalmente repetidos e/ou reescritos com equivalente conteúdo, iii) da inclusão
de uma ou outra técnica procedimental (=ex.: incidente de resolução de demandas
repetitivas; NCPC, art. 976 e ss.), iv) da supressão de técnicas procedimentais (=ex.:
reconvenção em peça autônoma, será deduzida na peça contestatória; NCPC, art.
343, caput), v) da redução das hipóteses de intervenção de terceiros (=ex.: não mais
existirão a nomeação à autoria e a oposição, sendo que esta última foi convertida em
ação autônoma de procedimento especial; NCPC, art. 119 e ss.; art. 682-686), vi)
da adoção da técnica instrutória da direct examination; NCPC, art. 459, caput), vii) da
advertência legal para que o juiz faça aquilo que sempre deveria ter feito (=ex.: dever
de fundamentar as decisões; NCPC, art. 489, §1º, inc.), viii) de alguma alteração/
supressão de técnicas ligadas ao procedimento recursal (=ex.: prazo de interposição
comum de 15 dias; NCPC, art. 1.003, §5º; supressão dos embargos infringentes), ix)
da adoção de técnica voltada à harmonização da jurisprudência — positivamente —
posta a serviço da segurança jurídica (=ex.: o já mencionado incidente de resolução
de demandas repetitivas, NCPC, art. 976 e ss.), e assim por diante.
São mudanças cosméticas que retocam o que já se tem e/ou que determinam o
que já era para ser do modo que legislativamente agora se propõe. Afinal, não parece
que seria necessário dizer aos juízes que a uniformidade-integridade da jurisprudência
deve orientar o rumo das decisões judiciais, ou mesmo que suas decisões devem ser
fundamentadas. Valores constitucionais que determinam o modo de ser do processo
já nos advertem sobre como devemos operar essa atividade complexa regida pela
ampla defesa, pelo contraditório e pelos recursos que lhe são próprios, ainda mais se
tivermos em conta que o quadrante esquemático onde funcionam essas engrenagens
é de caráter republicano.
Enquanto arquétipo, enquanto estrutura de funcionamento democrático e
republicano voltada a acomodar a ação (=liberdade), o processo (=garantia) e a
jurisdição (=poder), o novo CPC segue fundado no mesmo paradigma de autoridade
— leia-se: de protagonismo judicial — do seu antecessor, igualmente esquálido
em acusatoriedade, o que de resto é uma fraqueza que jamais poderia “alquebrar

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as pernas” do processo jurisdicional, posto que garantia constitucional em prol do


indivíduo e da sociedade.
Foi louvável o esforço e o empenho dos processualistas civis que pessoalmente
se empenharam na construção legislativa desse novo CPC. Quantas não foram as
idas e vindas de Brasília, com sacrifício patrimonial próprio, para que esses bem
aventurados processualistas — homens e mulheres — pudessem, cada um dentro
dos limites da própria magnitude intelectual, depositar o seu tijolo na construção do
projeto de lei que posteriormente se converteu no novo CPC. Conheço a maioria deles
e sei da boa-fé intelectual que os moveu. Mas a minha impressão pessoal — e digo
“minha” apesar de saber que são várias as opiniões que convergem ao mesmíssimo
sentido — é de que se perdeu a oportunidade de verdadeiramente criar um “novo”
CPC, não apenas novo porque “nova” é a Lei que o regerá, mas “novo” por refundar o
paradigma ideológico do processo jurisdicional civil que praticamos e das respectivas
técnicas processuais daí advindas.
Francamente não creio que seja digno de ser cognominado de “novo” um
CPC: (i) que segue autorizando ao juiz deferir tutela de urgência inaudtia altera parte
quando a Constituição da República exige contraditório prévio8 para o exercício do
poder jurisdicional; (ii) que segue permitindo que o mesmo juiz pessoa física defira
tutela de urgência, presida o procedimento instrutório e, por fim, profira sentença,
quando a Constituição exige imparcialidade;9 iii) que segue autorizando o juiz a ter
iniciativas probatórias ofício quando a Constituição exige impartialidade no exercício
da jurisdição;10 11 iv) que segue estabelecendo a técnica inquisitiva da prevenção
no procedimento recursal, fazendo com que o juiz “prevento” torne-se uma espécie
de “sábio-senhor” sobre o qual o código deposita a fé de que resolverá aquele
caso concreto da melhor, mais imparcial e mais “justa” maneira possível; v) que
inova sobre a dispositividade (=liberdade) determinante ao exercício da ação e ao
desenvolvimento do processo, ao dar ao juiz uma espécie de “varinha de condão” que
lhe permite transformar em coisa julgada uma questão incidente sem que sobre ela
tenha havido pedido (NCPC, art. 503, §1º).

8
Cf. “Juiz contraditor?”, DELFINO, Lúcio, ROSSI, Fernando, RBDPRo 82/229, abr.-jun. 2013. Publicado também no
Ativismo judicial e garantismo processual. DIDER Jr, Fredie et al. (Coord.) Salvador: JusPodivm, 2013, p. 443-463.
9
Cf. o meu “Sistema de enjuizamento escalonado (ou procedimento judicial funcionalmente escalonado).
Repesando o modelo de processo”, RBDPro 71/65, jul.-set. 2010.
10
Cf. o meu “Repensando a prova de ofício”, RePro 190/315, dez./2010. Publicado também na coletânea
Ativismo judicial e garantismo processual. DIDER Jr, Fredie et al (Coord.). Salvador: JusPodivm, 2013, p.
255-272. V. ainda, em espanhol (Repensando la prueba de oficio), em Derecho Procesal Contemporáneo —
Ponencias de las XXII Jornadas Iberoamericanas de Derecho Procesal, Tomo II, Instituto Iberoamericano de
Derecho Procesal. Cord. OLIVEIROS, Raúl Tavolari. Santiago de Chile: Editorial Thomson Reuters Puntolex,
2010, p. 947-961.
11
Cf. “Atuação dos poderes instrutórios do juiz fere a sua imparcialidade? SIM”, COSTA, Eduardo, CHOUKR,
Fauzi Hassan, RAMOS, Glauco Gumerato. RBDPro 70/220, “Seção Direto ao Ponto”, abr.-jun. 2010.

218 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 213-225, abr./jun. 2015
Expectativas em torno do Novo CPC. Entre o ativismo judicial e o garantismo processual

Enfim, são apenas alguns exemplos de como no plano do processo jurisdicional


a opção infraconstitucional-legislativa continua se orientando por postulados
historicamente oxidados da Teoria Geral do Processo,12 que valorizam sobremaneira
a jurisdição e que parecem ignorar solenemente a ordem constitucional vigente.
Vale dizer, no plano analítico seguiremos tendo um processo civil a serviço do
ativismo judicial que faz — ou pretende fazer — da jurisdição um pretenso caminho
de “melhora do mundo”, através da busca da “verdade” para a realização da
“justiça”, numa dinâmica de atuação que viabiliza ao Poder Judiciário resolver as
questões que lhe são apresentadas pelo processo civil de maneira dirigista, e não
garantista, quanto aos interesses dos terceiros (=indivíduo e sociedade) para o qual
foi chamado a resolver.
Uma vez mais parece que se ignora que o Judiciário, através do processo
jurisdicional, e diferentemente do que ocorre com o Executivo, não resolve em prol dos
interesses do Estado macroscopicamente considerado, mas, sim, sobre interesses
alheios à função que lhe é própria. Logo, a ideia de “escopos do processo” vislumbrados
em perspectiva estatal (=ex parte principis) é forma de dirigismo incompatível com a
liberdade viabilizada pela Constituição. Em miúdos: o Poder Judiciário não resolve para
si, ou para algum interesse político seu, enquanto poder estatal; o faz, ainda que como
poder estatal, sempre mediante o instar do autor da ação e para resolver o problema
que este lhe propõe e nos limites em que lhe fora proposto.

IV
Aos poucos a processualcivilística brasileira vem se inteirando e deixando de
ignorar o debate que a doutrina internacional há algum tempo vem estimulando em
torno do ativismo judicial e do garantismo processual.13 Sem dúvida, duas formas
opostas de vislumbrar os fenômenos decorrentes do processo e que seguramente
estão radicadas em paradigmas ideológicos diversos, cujo problema, mais do que
meramente ideológico, acaba por mostrar importantes reflexos de ordem técnico-
processual. Não me desfiz da crença de que ativistas e garantistas pretendem uma
melhora geral dos resultados obidos através do processo jurisdicional. Não obstante,

12
Cf. o meu “Proceso jurisdiccional, república y los institutos fundamentales del derecho procesal”, RBDPro
88/251, out.-dez./2014.
13
Cf. o meu “Ativismo e garantismo no processo civil: apresentação do debate”. Publicado originalmente na
Revista MPMG Jurídico, n. 18, out./nov./dez. 2009, p. 8-15, publicação oficial do Centro de Estudos do
Ministério Público de Minas Gerais. Posteriormente também na RBDPro 70/83, abr.-jun. 2010, na Revista da
AGU 24/79, e na Revista Jurídica UNUJUS (UNIUBE – Universidade de Uberaba) 13/19, maio 2010. Publicado,
ainda, nas coletâneas Ativismo judicial e garantismo processual. DIDER Jr., Fredie et al. (Coord. ). Salvador:
JusPodivm, 2013, p. 273-286, e Processo Civil – Nas tradições brasileira e iberoamericana. FREIRE, Alexandre
et al. (Coord.). Florianópolis: Conceito Editorial, 2014. p. 222-230.

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Glauco Gumerato Ramos

cada qual por caminhos diferentes. Daí surge o viés ideológico da celeuma entre uma
e outra dessas correntes do pensamento processual.14
Utilizando-me de termos linguísticos que viabilizam a compreensão pragmática
do que pretendo dizer, afirmo que os ativistas querem que o processo sirva para a
atuação solipsista do juiz voltada a ministrar “justiça” no caso concreto, que será
atingida se fizer “justiça social” (=ativismo socialista) ou se fizer a “justiça” que
atenda aos interesses gerais pretendidos pelo direito objetivo derivado da vontade
do Estado (=ativismo fascista).15 Para os garantistas, a “justiça” é feita quando
são respeitadas as garantias constitucionais decorrentes da ampla defesa, do
contraditório, da imparcialidade, da impartialidade, da legalidade, da motivação das
decisões, da separação dos poderes e assim por diante. Nesses singelos arremedos
de tentativa de sugerir conceitos porosos para que se identifique de partida uma
ou outra dessas concepções que moldam o pensamento dogmático processual, de
imediato se observa a forte carga ideológica que por ventura possa estar dissimulada
em cada uma dessas concepções. É por isso que o ativismo judicial, por exemplo,
permite: (i) que o juiz defira tutela antecipada inaudita altera parte, (ii) que o juiz tenha
amplos poderes instrutórios de ofício, (iii) que o juiz prevento siga tendo o controle
do processo para ao final resolvê-lo etc. Do mesmo modo que, também por conta de
parâmetros ideológicos, o garantismo processual, por exemplo: (i) não aceita tutela de
urgência sem o contraditório prévio, (ii) não aceita que o juiz tenha poderes instrutórios
de ofício por que isso lhe afeta a imparcialidade e lhe retira da impartialidade, (iii)
não aceita que o processo gire como uma espécie de turbilhão decorrente da força
centrípeta-inquisitiva que atrai todas as resoluções incidentais e finais para as
mãos do onipotente juiz prevento. Nota-se, portanto, que o ativismo potencializa a
jurisdição e com isso reforça a autoridade do poder estatal. Por sua vez, o garantismo
concebe o processo para que, somente a partir dele, o poder jurisdicional possa ser
concretizado de maneira legítima, democrática e republicana, o que naturalmente
acontecerá conforme forem sendo cumpridas as etapas procedimentais garantidoras
das regras constitucionalmente previstas para tal fim.
O fato é que muito além das questões ideológicas que porventura se escondem
ou se revelam nos discursos dogmáticos antagônicos entre ativistas e garantistas,
estão as questões técnicas que atingem o processo jurisdicional visto por cada uma
dessas duas correntes de pensamento.

Cf. o meu “Actual debate en el procesalismo brasileño: garantismo o activismo?”, RePro 221/381, julho/2013.
14

Cf. AROCA, Juan Montero. “Sobre el mito autoritario de la buena fe procesal”, em Proceso civil e ideología —
15

Un prefacio, una sentencia, dos cartas y quince ensayos (coordinador Juan Montero Aroca), Tirant lo Blanch:
Valencia, 2006, p. 294-353. V. ainda, com muito proveito, COSTA, Eduardo, “Los criterios de la legitimación
jurisdiccional según los activismos socialista, fascista y gerencial”, RBDPro 82/205, abr.-jun./2013.

220 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 213-225, abr./jun. 2015
Expectativas em torno do Novo CPC. Entre o ativismo judicial e o garantismo processual

Independentemente da ideologia que possa dissimular/enaltecer este ou


aquele discurso ativista ou garantista, existem regras previstas na Constituição que
determinam a forma de ser do processo, posto que fenômeno jurídico a ser pensado e
operado sobre as bases dos principais atributos das coisas que ao Direito pertencem:
(i) vinculatividade das relações intersubjetivas, (ii) segurança jurídica. A técnica de
funcionamento do processo jurisdicional não pode ficar à mercê de gatilhos ideológicos
desconectados dos parâmetros constitucionais que forjam o modelo semântico de
processo. Se o processo jurisdicional é garantia, e não meio para o exercício arbitrário
da jurisdição, como é que poderia haver espaço ao justicialismo redentor fomentado/
praticado pelo ativismo judicial em todas as instâncias do Poder Judiciário?!
É importante que se tenha presente que eventuais disputas ideológicas entre
ativistas e garantistas não revelam a exata dimensão do problema que lhe subjaz e
que está radicado na técnica procedimental de desenvolvimento do processo. Ora,
se o processo tem seu standard de funcionamento previsto na Constituição, e se
este é nitidamente de recorte republicano e democrático, é rigorosamente irracional
e inconcebível que se atue no procedimento com técnicas que desprezem as regras
constitucionais. Processo jurisdicional no qual o juiz esteja pragmaticamente autorizado
a proceder e a decidir, incidental ou definitivamente, sem que paute sua conduta
nas diretrizes vinculativas que a ordem constitucional estabelece para o exercício do
poder, é um processo nitidamente contrário ao que está previsto na Constituição. No
ambiente do processo não é lícito ou legítimo à autoridade judicial proceder de forma
ativista, ainda que sua visão ideológica de mundo lhe diga que deve atuar de modo
a realizar “justiça” no caso concreto. Ambiente técnico voltado para a observância
da ampla defesa, do contraditório e das demais garantias inferidas da cláusula
do due process of law, o processo jurisdicional não se compadece com investidas
arbitrárias da jurisdição, ainda que o sentimento idiossincrático de “justiça” deixe o
juiz genuflexo diante da tentação de justiçar o caso concreto. Jurisdição é exercício
de poder democrático e republicano vinculado, não fazendo parte de seus atributos
a possibilidade de escolha (=discricionariedade), algo próprio dos poderes Executivo
e Legislativo cujos representantes foram devidamente ungidos pelo sufrágio popular
para “escolher” em nome daqueles que representam.
Portanto, ainda que no plano ideológico seja possível sustentar-justificar
posturas ativistas e garantistas, cada uma delas fundadas nos paradigmas que lhe
são próprios, no plano dogmático da técnica processual a racionalidade afasta, em
definitivo, o discurso metajurídico que procura justificar o ativismo judicial. Daí avulta
o garantismo processual, posto que consequência daquilo que a Constituição nos
estabelece. Entenda-se o ponto: ativistas e garantistas podem pensar conforme as
próprias inclinações ideológicas e respectivo eruditismo dogmático. Sem embargo,
quando se salta do plano das ideais para o plano da realidade, o racionalismo

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 213-225, abr./jun. 2015 221
Glauco Gumerato Ramos

decorrente do ambiente constitucional-republicano-democrático a que estamos


submetidos determinará o logos do funcionamento técnico do processo (=garantia)
e da jurisdição (=poder). A partir daí não haverá espaço para escolha(s) subjetivo-
idiossincrática(s) no atuar da autoridade, salvo nas hipóteses expressamente
autorizadas pelo legislador e devidamente precedidas da necessária fundamentação
(=v.g.: fixação de honorários advocatícios na sentença, fixação do quantum em
condenação por danos morais).
Em miúdos: o problema do debate entre o ativismo judicial e o garantismo
processual vai muito além dos topoi ideológicos que comumente marcam os
respectivos discursos. A raiz do debate deve ser buscada nas consequências de ordem
técnica que as posturas ativistas e garantistas acarretam ao dia a dia do processo
jurisdicional, ou seja, se os respectivos procedimentos pragmáticos seriam, ou não,
verticalmente compatíveis com a racionalidade do paradigma republicano-democrático
da Constituição. Detalhe: que se tenha presente o fato de que se algo ocorre “na
prática” do dia a dia do processo, isso não significa que o respectivo “proceder” seja
tecnicamente compatível com a racionalidade constitucional. Tampouco o argumento
retórico no sentido de que “assim se faz por que assim está previsto no CPC” — o
que pode ocorrer mesmo quando a previsão legal afronte a racionalidade da regra
constitucional — poderá servir de motivo determinante para se concluir que o que se
faz na “prática” seja correto tecnicamente.

V
Como dito acima, fazer torcida contra a realidade posta seria desbragada tolice.
Por outro lado, exagerar na torcida por algo ainda inerte, quando muito incipiente,
seria o triunfo da crença sobre a experiência. Portanto, ainda não há nada o que se
comemorar no que diz respeito ao novo CPC, rigorosamente nada. Mas diante da
nova realidade que será inaugurada a partir de segunda metade do mês de março
de 2016, tão logo vencida a vacatio legis imposta pela Lei nº 13.105/2015, não se
poderá deixar passar em branco o fato de que no plano analítico estaremos, sim,
diante de um novo regramento legal, de um novo CPC, portanto.
A carga emblemática que um evento como esse pode ter na realidade é algo
sintomático. Afinal de contas, as grandes ocorrências do mundo da vida nunca
serão exclusivamente boas ou excessivamente ruins. A partir da entrada em vigor no
“novo” CPC, tornar-se-á possível a formação dogmática de uma processualcivilística
verdadeiramente comprometida com as regras constitucionais que formam o
modelo semântico de processo jurisdicional, viabilizando que se compatibilize esse
modelo semântico ao modelo pragmático do processo que praticamos. É dizer: uma
processualcivilística comprometida com o garantismo processual. Assim agindo, a
competente doutrina brasileira estará colaborando para que possamos seguir na

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Expectativas em torno do Novo CPC. Entre o ativismo judicial e o garantismo processual

crença de que, realmente, teremos um novo CPC, não apenas fruto de um projeto de
lei gerado do debate democrático, como alardeiam os seus artífices, mas acima de
tudo democrático — e republicano, claro! — na maneira de ser pensado, operado e
concretizado, viabilizando que o direito produzido a partir de suas regras seja o resultado
do equilibro constitucional e contínuo da liberdade (=ação), da garantia (=processo) e
do poder (=jurisdição), e jamais a consequência irracional da arbitrariedade fomentada
pelo sentimento subjetivo-idiossincrático de “justiça” que possa conduzir ativamente
o proceder e o decidir materializados a partir da autoridade.
Não tenho dúvida de que uma das dimensões positivas (=boas) da vinda do
novo CPC é que, por mais uma vez, nos está sendo dada a chance de operarmos com
suas regras dentro do marco constitucional republicano e democrático da atualidade,
e isso passa pelo garantismo processual.
Luigi Ferrajoli é um importante teórico do garantismo jurídico ainda que suas
ideias tenham versado de maneira mais pormenorizada sobre as coisas das ciências
penais. Mas o fato é que suas profundas reflexões também podem servir para dar
suporte às especulações sobre o garantismo processual (=civil ou penal), até porque
este é espécie daquele.
Ferrajoli propõe três significados à ideia de garantismo. O primeiro designa um
modelo normativo de Direito baseado na estrita legalidade, algo próprio do Estado de
Direito; o segundo designa uma teoria jurídica da “validade” e da “efetividade”, onde
aparecem separados o “ser” (=jurídico) do “dever ser” (=moral) no Direito; o terceiro
significado tem o garantismo como filosofia política baseada na doutrina laica de
repartição entre “direito” e “moral”, assim como entre “validade” e “justiça”.16
Em síntese de simplificação, e confessadamente sob inspiração dessa tríplice
divisão efetuada pelo mestre italiano, proponho as três dimensões do garantismo
processual de forma coerente com o que até aqui foi desenvolvido: (i) a filosófica e
crítica do direito processual, (ii) a da atuação pragmática no dia a dia do processo, iii)
a das alterações e reformas legais.
A primeira dimensão do garantismo é a filosófica e crítica do direito processual.
Aqui, faz-se necessário que os processualistas e os operadores do processo
partam para uma revisitação-reformulação dos conceitos até agora aprendidos
com a dogmática tradicional. Temos aprendido, temos ensinado e temos praticado
um direito processual onde se legitima o protagonismo judicial. Temos aprendido
assim porque se acredita que esse protagonismo viabiliza o alcance do “justo”, mas
temos nos esquecido que para que se atinja a meta (=sentença) há um método
(=processo) organizado a partir de um feixe de garantias constitucionais pautadas

Cf. FERRAJOLI, Luigi, Direito e razão – Teoria do garantismo penal. Tradução: SICA, Ana Paula Zomer et al. 3.
16

ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 785-788.

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pela racionalidade e, portanto, refratárias às posturas de caráter metajurídico. Ainda


que se tenha a “tentação” de “justiçar” as situações concretas através do poder
exercido por meio do processo, o fato é que há limites para a atuação do poder e
esses limites estão bem desenhados na Constituição, pródiga que foi em estabelecer
a garantia do devido processo e suas decorrências.
A segunda dimensão do garantismo é a da atuação pragmática no dia a dia do
processo. É verdade que muitos CPCs enaltecem a autoridade do juiz, criando um
grave desequilibro entre o poder e a liberdade garantida pela ordem constitucional.
Quando isso acontece, o ativismo judicial surge como excesso de autoridade que gera
um protagonismo judicial diretamente proporcional à esqualidez da segurança jurídica.
Mas não se pode perder de vista que as Constituições da atualidade estabelecem
modelos semânticos de processo com fortes e explícitos aspectos garantistas, com
a valorização do devido processo, da imparcialidade, da impartialidade, da liberdade,
da legalidade, da separação dos poderes etc. Por isso é necessário que em sua
atuação pragmática os operadores do processo, juízes e advogados, manejem-no de
modo a legitimá-lo dentro do ambiente republicano e democrático onde funcionarão
as suas engrenagens.
A terceira dimensão do garantismo é a das alterações e reformas legislativas.
Muito além de se pensar diferente e criticamente o direito processual que temos
praticado, e muito além de empreendermos uma atuação prática do processo sob as
diretrizes impostas pela Constituição, é de fundamental importância que o Legislador
democrático faça a sua parte com as alterações e reformas legislativas que ponham
o direito processual — civil ou penal — em sintonia com as prescrições garantistas
estabelecidas no nível constitucional. Dessa forma, a margem para o excesso de
autoridade e para o arbítrio será reduzida, de modo a que se tenha uma maior
densidade jurídica no trato das coisas do processo, expurgando-se ao máximo as
concepções processuais construídas a partir de elementos metajurídicos. Em suma,
alterações ou reformas na legislação processual feitas sob a perspectiva garantista
ainda terão a virtude de viabilizar mais segurança jurídica ao jurisdicionado.
A hora para reorganizarmos o nosso pensamento sobre o processo, vinculando-o
à realidade e às garantias expostas na Constituição, é agora. O novo CPC nos oferece
uma nova base analítica e, a partir dela, é possível reformularmos nossas bases
hermenêuticas para que sejam atingidos os resultados procedimentais pragmáticos
desejados pela ordem constitucional vigente, de modo que o processo jurisdicional de
concretização do direito seja pautado pelas garantias que lhe são próprias.

VI
O ativismo judicial é forte na crença de que o juiz maneja o processo —
ou deve manejá-lo — como um “redentor” de todos os males sociais, ainda que

224 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 213-225, abr./jun. 2015
Expectativas em torno do Novo CPC. Entre o ativismo judicial e o garantismo processual

para isso tenha que se afastar das garantias constitucionais. Ou seja: confia-
se demasiadamente no sentimento de “justiça” do juiz pessoa física e tal fato
potencializa o protagonismo judicial.
Por seu turno, o garantismo processual — meu postulado como jurisdicionado,
cidadão e processualista — concebe o processo como um método de debate
republicano e democrático, onde o poder não pode subjugar ou ir mais além das
garantias constitucionais das partes demandantes. É dizer: maneja-se o processo
jurisdicional de acordo com o previsto no plano das garantias estabelecidas contra
o eventual arbítrio que irracionalmente pode partir do poder estatal. Os poderes do
Estado são e devem ser harmônicos entre si e por isso o garantismo processual
é forte na convicção de que o protagonismo judicial fomentado pelo ativismo é —
sem prejuízo de outros — um obstáculo à concretização da regra constitucional da
separação dos poderes.
Os argumentos retóricos de caráter metajurídicos que há mais de um século
vêm insuflando o ativismo judicial já deram mostras que, muito provavelmente, o
rumo por ele proposto não é o mais adequado à realidade social e constitucional. Se
assim não fosse, não estaríamos mudando outra vez as leis do processo. Já é tempo
de empreendermos esforços no sentido de um processo civil garantista, posto que
racionalmente adequado ao paradigma republicano e democrático. E o novo CPC está
aí para nos testar. Caberá a nós aceitar o desafio.
Jundiaí-SP, março de 2015

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

RAMOS, Glauco gumerato. Expectativas em torno do Novo CPC. Entre o ativismo


judicial e o garantismo processual. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro,
Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 213-225, abr./jun. 2015.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 213-225, abr./jun. 2015 225
La institución del apercibimiento en el
derecho procesal civil peruano

Hílmer Zegarra Escalante


Ex Decano de la Facultad de Derecho. Profesor Principal de la Universidad Privada del Norte,
Trujillo, Perú.

Palabras clave: Apercibimiento. Derecho procesal civil. Perú.


Sumario: Introducción – Concepto de Apercibimiento – Naturaleza jurídica – Presupuestos de aplicación del
apercibimiento – Caracteres del apercibimiento – Clases de apercibimiento – ¿Todos los apercibimientos
son ejecutables? – El apercibimiento en la institución de la prueba anticipada – ¿El apercibimiento se
puede aplicar contra el Estado? – Conclusiones

Introducción
Somos conocedores que son poderes de la Jurisdicción, el Coertio, como
facultad del Juez de emplear los medios necesarios dentro del proceso, para que se
cumpla sus mandatos judiciales; así como el Executio; como facultad de los jueces
para hacer cumplir sus resoluciones inclusive con el apoyo de otras autoridades;
cuyas facultades de los Órganos Jurisdiccionales se encuentran previstos en el
Código Procesal Civil, en forma expresa, así como en forma tácita.
El poder de coerción que tienen los Jueces; es el hecho de constreñir la voluntad
ajena o emplear toda clase de apremios dentro del proceso, ofrece medidas de
carácter disciplinario, que se pueden practicar contra las partes del proceso, así como
contra funcionarios, testigos, peritos etcétera; permitiendo que la administración de
justicia, sea realizable.
Con esta introducción, nos estamos refiriendo al instituto del derecho procesal
conocido por los franceses como Astreintes, y nosotros como Apercibimiento; que
constituye el paradigma de los medios compulsorios procesales y se singulariza por
involucrar la amenaza de una sanción; ante el incumplimiento de un mandato judicial.
Como veremos más adelante esta institución ha suscitado entusiasmos; pero
también opiniones dubitativas sobre su real eficacia y su aplicación no ha sido del
todo lo amplia y difundida que sería de desear; es así que no hemos encontrado
estudios por parte de procesalista reconocidos, con el rigor científico que se merece
esta institución procesal.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 227-239, abr./jun. 2015 227
Hílmer Zegarra Escalante

Concepto de Apercibimiento
Si nos apoyamos en los diccionarios de la lengua española al igual que
los especializados sobre la materia del derecho; el apercibimiento tiene dos
acepciones principales:
a) la que se hace alusión a una corrección disciplinaria y;
b) la que indica una prevención especial, porque se concreta en una advertencia
conminatoria, respecto de una sanción también especial. Esta advertencia
es intimada por la autoridad judicial; con potestad para el acto preventivo.
En el lenguaje legislativo de apercibimiento y prevención, se estima como de
conceptos equivalentes; en ambos casos se da la medida preventiva que tienen por
finalidad corregir la incorrección de una conducta o la ilicitud y aun la inmoralidad de
la misma, en la esfera del Derecho; a cuyo efecto se hace uso de la conminación de
una sanción en potencia, en el acto mismo del apercibimiento.
Esto quiere decir, que en las esferas jurídicas de la organización del Estado
se practica disciplinariamente el apercibimiento como medida consecutiva a la
amonestación simple, para los casos en que el funcionario sea reincidente en una
falta o incorrección que no llegue a constituir un delito.
Esto quiere decir; que cualquier orden judicial, puede asumir el rango de dicha
medida conminatoria, que será siempre un mandato derivado como nos dice el
profesor Peryano; es decir, “que presupone la existencia de, al menos, un mandato
anterior desobedeciendo al que se busca hacer cumplimentar en homenaje al valor
eficiencia en el proceso”.
En este contexto, en la administración de justicia en el campo constitucional,
civil, penal, laboral, administrativo etcétera se concede facultades al Juez como
director del proceso; bajo el presupuesto de “conservar una conducta procesal
correspondiente a la importancia y respeto de la actividad judicial; entre otras: aplicar
las sanciones disciplinarias que el Código Procesal y otras normas establezcan”.
Así tenemos que, de acuerdo al artículo 53 del mismo Código Procesal Civil
Peruano y en atención al fin promovido, se faculta al Juez a:
a) imponer multa compulsiva y progresiva destinada a que la parte o quien
corresponda, cumpla con sus mandatos con arreglo al contenido de su
decisión;
b) la multa es establecida discrecionalmente por el Juez dentro de los límites
que fija este Código, pudiendo reajustarla o dejarla sin efecto sin considerar
que la desobediencia ha tenido o tiene justificación; y
c) disponer la detención hasta por veinticuatro horas de quien resista su
mandato sin justificación, produciendo agravio a la parte o a la majestad del
servicio de justicia.

228 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 227-239, abr./jun. 2015
La institución del apercibimiento en el derecho procesal civil peruano

En atención a la importancia y urgencia de su mandato, el Juez decidirá la


aplicación sucesiva, individual o conjunta de las sanciones, reguladas en este artículo.
Las sanciones se aplicarán sin perjuicio del cumplimiento del mandato.
De otro lado, tenemos leyes orgánicas, que han considerado otro tipo de
apercibimientos, como ocurre con la Ley Orgánica del Poder Judicial, que en su
artículo 9º con la denominación de facultad sancionadora, los jueces pueden además
llamar la atención, o sancionar con apercibimientos, multas, pedidos de suspensión
o destitución etcétera; apercibimientos que inclusive pueden aplicarse contra los
abogados y todo operador del derecho.

Naturaleza jurídica
Si nos apoyamos en la historia del derecho, nos daremos cuenta que el origen
histórico de esta medida conminatoria fue pretoriano; desde el derecho romano y a
posteriori del dictado de una resolución judicial; y en lo que corresponde a nuestro
País, tenemos el Diccionario del siglo IXX, del Dr. Francisco García Calderón quien
nos dice que: “el apercibimiento es el requerimiento que hace el Juez a alguno
para que ejecute lo que le manda o tiene mandado o para que proceda como debe,
conminándolo con multa, pena o castigo , si no lo hiciere. En este sentido se manda
al deudor para que pague, bajo apercibimiento de embargo, se obliga al litigante a que
conteste el traslado pendiente, bajo apercibimiento de contumacia”.
El Diccionario de Guillermo Cabanellas nos dice: “El apercibimiento es el
requerimiento hecho por el Juez, para que uno ejecute lo que le manda o tiene mandado
o para que proceda como debe, conminándolo con multa, pena o castigo si no lo hiciere.
– El término “bajo apercibimiento” es una expresión usual en ciertos documentos
judiciales, como cédulas, requerimientos, notificaciones, y emplazamientos. Se utiliza
para significar que puede tener consecuencias desfavorables, e incluso sanciones,
por decir el llamamiento hecho; así tenemos: “bajo apercibimiento de tenerla por
confesa si deja de comparecer sin alegar justa causa ... bajo apercibimiento de seguir
el juicio en rebeldía, si no contesta la demanda, dentro del término legal”.
El Diccionario Jurídico Omeba, nos da a conocer que: “el apercibimiento es
la potestad del poder jurisdiccional para imponer correcciones disciplinarias a los
litigantes abogados y funcionarios, con la finalidad de mantener el decoro y buen
orden en los juicios”.
El profesor Peyrano nos ilustra al respecto, cuando nos da a conocer que:
“el apercibimiento, constituye una especie del género de los medios compulsorios
procesales; así como intentando profundizar en el análisis de su naturaleza, se ha
afirmado que la misma es muy próxima a la de una medida cautelar”; sin llegar a
ser dicha medida.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 227-239, abr./jun. 2015 229
Hílmer Zegarra Escalante

Filosóficamente Edgar Bodenheimer, en su obra “Teoría del Derecho”, nos da


a conocer que sin la existencia, reconocimiento e imposición de ciertas reglas de
conducta, sería imposible la vida ordenada en sociedad. En las sociedades civilizadas
es muy grande la variedad de tales reglas de conducta; por decir la manera de
vestirse, hombres y mujeres, está bajo la fuerte influencia de la moda. Asimismo, la
coacción es un factor poderoso en la aplicación de todas las normas sociales, aunque
la especie y los grados de coacción puedan ser muy variados. La coacción, continúa
el mismo autor, al decirnos que es un elemento común a todos los instrumentos de
control social; entre ellos tenemos al Derecho; de tal forma que sin la coacción no se
podría defender a los derechos de un ser humano, entre otros a la propiedad, la vida
misma, sus derechos fundamentales o no etcétera.
De acuerdo a lo expuesto, arribamos a la conclusión que la naturaleza jurídica
del apercibimiento: “es un acto procesal por el que se autoriza expresamente al Juez
de un proceso, con la finalidad de mantener el decoro y buen orden así como de
ejecutar sus resoluciones”. Siendo un acto procesal el apercibimiento, debe reunir
todos los requisitos propios a un acto jurídico procesal.
- Manifestación de la voluntad del Juez: si tenemos en cuenta que los actos
procesales del órgano jurisdiccional son la expresión de la voluntad del
Juez; esta debe ser manifestada; espontánea, expresa y reglada a ley.
Manifestación de voluntad que se hace mediante los actos procesales del
Juez: decretos, autos y sentencias y en las audiencias respectivas.
- Agente capaz: el Juez que expida la resolución que contenga un apercibimiento
debe ser el Juez Natural, es decir debe ser competente, por razón de la
materia, cuantía, grado función y territorio.
- Objeto física y jurídicamente posible: lo que manda u ordena el Juez en el
apercibimiento debe ser realizable físicamente y que no contravenga la ley, al
orden público ni a las buenas costumbres; entendiéndose por este requisito
la prestación ordenada principalmente en la sentencia: que es un dar, hacer
o no hacer, de actuación inmediata; conforme a lo prescrito en el artículo 122
del Código Procesal Civil.
- Fin lícito: el acto procesal que contiene el apercibimiento, debe contener un
fin lícito, no debe atentar contra la ley, las buenas costumbres ni contra el
orden público.
- Observancia prescrita por la ley: el mandato judicial debe cumplir con todos
los requisitos procesales, tanto de forma como de fondo; de lo contrario se
incurriría en nulidad.

Presupuestos de aplicación del apercibimiento


De acuerdo a la naturaleza jurídica del apercibimiento sus condiciones o
presupuestos son las siguientes:

230 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 227-239, abr./jun. 2015
La institución del apercibimiento en el derecho procesal civil peruano

1. De legalidad: para informarnos sobre este presupuesto, es necesario tener


presente sus dos aspectos:
a) En cuanto a los Jueces: como es de nuestro conocimiento de conformidad con
lo prescrito en el primer extremo del artículo 138 de la Constitución Política vigente:
“La potestad de administrar justicia emana del pueblo y se ejerce por el Poder Judicial
a través de sus órganos jerárquicos con arreglo a la Constitución y a las leyes”.
Esta función se cumple con las especificidades y garantías que corresponde de
acuerdo con los procesos que la Constitución y las leyes establecen; esto es respecto
de la capacidad del Poder Judicial de ejercer la jurisdicción; que viene a ser un poder-
deber del Estado, previsto para solucionar conflictos de intereses intersubjetivos,
controlar las conductas antisociales y especialmente el de aplicar el derecho que
corresponde al caso concreto, utilizando su imperio para que sus decisiones se
cumplan de manera ineludible y promoviendo a través de ellas una sociedad con paz
social en justicia, como nos dice el profesor Juan Monroy Gálvez.
Queda en esta forma establecida que, los jueces están facultados legalmente,
para aplicar en el caso dado el apercibimiento que corresponda; siempre y cuando
la medida conminatoria, ordenada también cumpla con lo que corresponde al acto
jurídico procesal.
b) En lo que corresponde a las personas que intervienen en el proceso.
Si tenemos en cuenta que toda persona tiene derecho a la libertad y a la
seguridad personales; y por el hecho que la ejecución de un apercibimiento, puede
afectar dichos derechos constitucionales, estando a lo prescrito en el artículo 2º inciso
24 de la Constitución Política: “Nadie puede ser condenado por acto u omisión que
al tiempo de cometerse no esté previamente calificado en la ley, de manera expresa
e inequívoca, como infracción punible; ni sancionado con pena no prevista en la ley”.
Este principio guarda estricta concordancia; con otros principios constitucionales
que son el derecho que tiene toda persona al debido proceso.
Queda en esta forma establecido que el Juez al aplicar un apercibimiento tiene
que hacerlo mediante un mandato legal expreso; no puede crear un apercibimiento,
menos que contravenga a la ley; más aún si de acuerdo al artículo 22 del Código
Procesal Constitucional, las sentencias dictadas por los jueces constitucionales
tienen prevalencia sobre las restantes órganos jurisdiccionales y deben cumplirse,
bajo responsabilidad.
2. Expedición de una resolución: como se tiene expresado la expedición de una
resolución por parte de un magistrado debe imponer un deber jurídico, no requiriéndose
de una sentencia en sentido estricto; como puede ocurrir con la expedición de un auto
interlocutorio; de acuerdo al artículo 426 y 427 del Código Procesal Civil y declarar in
limine el juez la inadmisibilidad o improcedencia de una demanda, determinando en
el primer caso que el demandante subsane la omisión anotada; bajo apercibimiento
de archivarse el expediente.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 227-239, abr./jun. 2015 231
Hílmer Zegarra Escalante

Nada importa que ese deber tenga o no carácter patrimonial, pero debe tratarse
de una obligación de cumplimiento posible. De otro modo, solo se lograría agravar
una imposibilidad objetiva de cumplimiento.
3. Es necesario un incumplimiento de ese deber, el Apercibimiento es un
Mandato Derivado: el incumplimiento del deber impuesta en la resolución; debe ser
recalcitrante, es decir injustificado; en el proceso judicial debe existir la presencia
de una postura persistencia y obstinada del deudor que ante el incumplimiento, lo
que torna recalcitrante la negativa de éste a satisfacer el derecho de su acreedor y
especialmente la voluntad del Juez, que interviene como director del proceso. Sin
embargo, no debe ser cualquier incumplimiento, para que se autorice la aplicación del
apercibimiento, especialmente su ejecución; ya que puede utilizarse otros medios más
comunes y menos gravosos, para forzar la voluntad del deudor y llevarlo al cumplimiento,
sin recurrir a las sanciones conminatorias que contiene el apercibimiento, en cuanto a
su ejecución. Podemos decir, a modo de comparación que el apercibimiento son los
efectos de los antibióticos, en el caso de las enfermedades; el hecho de recurrir en
forma ilimitada ante cualquier afección, es el de sanar provisionalmente al enfermo,
al precio de reducir las defensas de la enfermedad y no dejarlo expuesto a eventuales
infecciones futuras más graves.
En conclusión; debe reservarse el uso de los apercibimientos para la oportunidad
en que los medios normales o de todos los días se demuestren ineficaces para
combatir el mal que se pretende derrotar.
Esto quiere decir que el Apercibimiento es un “mandato derivado”; es decir la
consecuencia de haberse desobedecido previamente otra orden judicial, respecto de
la cual se pretende su acatamiento; de allí que la finalidad del apercibimiento es el
valor en eficacia del proceso.
4. La expedición de una resolución sancionadora: ante el hecho que el deudor
- sujeto del deber - persista en el incumplimiento de la prestación ordenada en la
primera resolución, se faculta la expedición por parte del Juez de otra segunda
resolución sancionadora.
5. Las resoluciones a expedirse son facultativas, e imperativas: tanto la resolución
que contiene el apercibimiento como la sancionadora, son facultativas, no son de
obligación por parte del Juez; este criterio son propios de las facultades coercitivas,
de acuerdo a la primera parte del artículo 52 del Código Procesal Civil; contexto que
también lo concibe las citadas normas jurídicas del Código Procesal Constitucional.
Asimismo son imperativas, en la medida que la norma jurídica contenga una
ordenanza; aplicándose los principios procesales de vinculación y de formalidad;
reconocidos en el numeral IX del Título Preliminar del Código Procesal Civil Peruano.
Sin embargo es de anotar que si el Juez no aplica el apercibimiento en el
momento procesal, como director del proceso; puede perder autoridad y eso es fatal
en lo que corresponde al ejercicio de sus funciones; y como correlato el Juez puede
ser sancionado disciplinariamente.

232 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 227-239, abr./jun. 2015
La institución del apercibimiento en el derecho procesal civil peruano

Caracteres del apercibimiento


De acuerdo a la doctrina que sirve de base al Código Procesal Civil Peruano; el
apercibimiento tiene los siguientes caracteres:
1. Son Conminatorias
Si tenemos en cuenta que las resoluciones, sean sentencias o autos que
contienen el apercibimiento; tienen por finalidad la compulsión y no el resarcimiento;
en cuanto a su monto si son de naturaleza patrimonial por el hecho que son
provisionales; persiguen un objetivo muy importante que es sojuzgar la voluntad del
deudor de la prestación; de allí que son mecanismos de generación que tienen por
causa y por intención el de lograr el cumplimiento de una obligación.
2. Son Pecuniarias o Personales
Si bien es cierto que la doctrina afirma que el apercibimiento puede consistir
en dinero u otra ejecución patrimonial; sin embargo también con su ejecución aunque
fuere temporal puede perseguir un objetivo personal; por ejemplo respecto de una
prestación de naturaleza no patrimonial como puede ocurrir en el orden administrativo
propio del Derecho Público e inclusive en el Derecho Procesal Civil que se ordene que
una institución pública expida una resolución con dicho objetivo.
De esta forma el apercibimiento, guarda correlato con los actos procesales que
son materia del litigio, en un proceso judicial.
3. Son discrecionales, mutables, sustituibles y variables
Es decir los jueces pueden o no imponerlas a si como puede aumentarlas,
disminuirlas,o sustituirlas y aún, disponer su cese. o cancelación; criterio asumido
por el acotado artículo 22 del Código Procesal Constitucional al igual que nuestro
Código Procesal Civil.
4. Son arbitrarias
En el sentido que su monto debe guardar relación alguna con la prestación
debida, y con el eventual daño a sufrir. Aplicándose la doctrina que contiene el artículo
22 del Código Procesal Constitucional: la ejecución del apercibimiento se graduará
en proporción al caudal económico de quien deba satisfacerla, requisito este que
persigue por naturaleza el hecho del deber incumplido, y el grado de resistencia a
cumplir el mandato judicial.
Esta arbitrariedad no es antojadiza; sino resultante de las facultades discrecionales
del juez para llegar a resolver la pretensión postulada y amparada; cuidando que se
llegue a la paz social en justicia.
Es de anotar que si bien estamos comentando el apercibimiento respecto de
nuestro Código Procesal Civil; sin embargo, al no existir facultades expresas; puede
aplicarse por analogía lo que corresponde al Código Procesal Constitucional.
5. Son ejecutables
Como nos dice el profesor Llambías, la ejecución de los apercibimientos
necesariamente deben ejecutarse por la propia naturaleza de ser actos jurídicos

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Hílmer Zegarra Escalante

procesales de lo contrario serían semejantes a “sables de papel que no sirven para


amenazar a nadie” y agregando por parte nuestra, amenazar con un pañuelo.
Cabe resaltar la combinación de este carácter con el de su provisionalidad;
plantea interrogantes si la ejecución del apercibimiento de naturaleza patrimonial
se incorpora en beneficio del acreedor de la prestación; al respecto se sostiene las
siguientes posiciones doctrinales:
a) no existe beneficio a favor del acreedor de la prestación porque el aperci­
bimiento no tutela el interés privado del acreedor, sino el interés público; que
ha sido vulnerado por la ofensa a la justicia que significa la desobediencia
de un mandato judicial;
b) permite el apercibimiento, se incremente o se mantenga el patrimonio del
acreedor de la prestación, propio del derecho material porque se satisface su
cumplimiento, especialmente con las obligaciones de dar;
c) existe una teoría mixta que considera ambas concepciones; esto es que
la ejecución del apercibimiento por un lado no incorpora el patrimonio del
acreedor porque restituye el derecho a la desobediencia del mandato del
juez; sin embargo también beneficia al acreedor de la prestación porque se
ejecuta a su favor la ejecución de una sentencia.
Nuestro Código Procesal Civil, deja plena libertad al Juez, para que expida la
resolución pertinente; cuidando que el apercibimiento, guarde congruencia con la
prestación debida
6. Son subsidiarias
Alguna doctrina sostiene que el apercibimiento solamente se aplica en ausencia
de otros medios para obtener el cumplimiento de la obligación o de la prestación; es
decir el apercibimiento procede en su ejecución cuando no existe otro medio legal o
material para evitar una burla a la autoridad de la justicia, o bien de impedir que el
pronunciamiento se torne meramente teórico.
Sin embargo cabe resaltar que el apercibimiento no puede practicarse frente a
todo incumplimiento de una resolución judicial cuando pudiera emplearse previamente
otras medidas como puede ocurrir con el caso de la resolución de un contrato y
el acreedor va por el pago de los daños y perjuicios; porque ya no le interesa el
cumplimiento de la prestación.
7. Son aplicables solamente a favor del acreedor procesal
Este carácter es relativo, en la medida que la aplicación beneficie al acreedor;
más no el de tutelar el interés público como ya lo hemos analizado anteriormente;
relatividad que se presenta marcadamente en los procesos de nuestro Código
Procesal Civil; por decir cuando se declara la inconstitucionalidad de una norma; en
cuyo proceso no se puede determinar la calidad de acreedor procesal; porque bien
puede ser el demandante, demandado o un tercero legitimado criterio que también lo
reconoce nuestra legislación constitucional.

234 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 227-239, abr./jun. 2015
La institución del apercibimiento en el derecho procesal civil peruano

8. Son aplicables en contra del deudor procesal, o de un tercero


Este carácter es razonable porque el apercibimiento debe ejecutarse contra
alguien y en este caso tendría que ser el deudor de la prestación o de tratarse de
un tercero si es que este pueda estar involucrado en su ejecución e inclusive contra
órganos del Estado (Congreso, Poder Ejecutivo) y órganos municipales y regionales.
En términos generales, el apercibimiento se puede ejecutar contra las partes
del proceso, e inclusive contra terceros, así como sus apoderados representantes
y abogados.
9. Su ejecución debe ser claro, preciso y concreto
Si tenemos como antecedente que los mandatos de toda resolución en
cuanto a su expresión debe ser clara y precisa (no oscura ni ambigua); tanto el
apercibimiento como su ejecución deben cumplir dichos requisitos; caso contrario
se tornaría en inejecutables.
10. Es proporcional
Si bien es cierto el apercibimiento tiene por carácter ser arbitrario, sin embargo,
entre el mandato y su ejecución tiene que existir proporcionalidad, especialmente con
la naturaleza del objeto sobre el que se ejercitará; que puede ser un dar, un hacer o
un no hacer; de allí que si el objeto es un dar no puede ejercitarse el apercibimiento
un hacer, menos un no hacer; salvo la excepcionalidad que lo exija, a fin de que el
derecho no deje de realizarse.

Clases de apercibimiento
Para conocer su clasificación, tendremos en cuenta los siguientes aspectos:
a) Personal
Por sus efectos, el apercibimiento, se orienta a conminar o constreñir la
voluntad del deudor de la prestación; llamándosele la atención, e inclusive disponer
su detención hasta por 24 horas.
b) Patrimonial
Por sus efectos, el apercibimiento se orienta afectar el patrimonio del deudor,
bien con la imposición de multas o de otras medidas de la misma naturaleza; inclusive
practicándose las medidas cautelares, correspondientes.
c) Por la naturaleza de la prestación
Este aspecto es muy importante, porque el Juez debe tener en cuenta el principio
de congruencia; esto es, que no puede ir más allá del petitorio que contiene el escrito
de apercibimiento, ni fundar su decisión en hechos diversos de los que han sido
alegados por las partes.
d) Por sus categorías
Uno de los temas más importantes dentro de la categoría del apercibimiento, lo
constituye sin lugar a dudas el tópico cuándo es expreso o virtual; de tal forma que
puede tener las siguientes categorías:

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 227-239, abr./jun. 2015 235
Hílmer Zegarra Escalante

1. El apercibimiento expreso
Es aquel apercibimiento declarado directamente por la norma jurídica, por lo
general con las expresiones: de declararse la rebeldía, de imponerse una multa, de
ordenarse una detención de trabarse una medida cautelar; como por ejemplo el de
archivarse el expediente.
El Código Procesal, entre otros casos de apercibimiento; considera dentro de este
contexto, el apercibimiento de inadmisibilidad y de improcedencia de una demanda
interpuesta; conforme a lo prescrito en el artículo 128 ; e inclusive para que se declare
infundada una demanda, conforme al artículo 200 del mismo cuerpo de leyes.
En igual forma se aplica el apercibimiento expreso, en los demás procesos
concebidos por el Código Procesal; referente a los requisitos de forma y de fondo; a
que se refieren los artículos 424,425 y 426 del citado código.
Al respecto; dejo constancia mi inquietud , se puede declarar rebelde si no
contesta la demanda de inconstitucionalidad al Congreso o a la Comisión Permanente
(en caso que no se encuentre en funciones, si se trata de Leyes y Reglamentos
del Congreso); al Poder Ejecutivo, o a los otros órganos del Estado a que se hace
referencia en dicha norma jurídica, si existe el presupuesto doctrinario, referente a
la rebeldía, que no pueden ser declarados rebeldes dichos órganos, porque tienen la
obligación de contestar la demanda; bajo responsabilidad de sus funcionarios.
2. El apercibimiento tácito
Es aquel apercibimiento, conocido como virtual, que sin ser declarada directamente;
por el supuesto de hecho de una norma jurídica, se deduce o infiere indubitablemente
de una actitud o de circunstancias de comportamiento que revelen su existencia; o por
contravenir el orden público, las buenas costumbres o normas imperativas.
En iguales términos se presenta el apercibimiento tácito, cuando la parte
demandada no contesta la demanda se declarará rebelde al emplazado de acuerdo al
artículo 458 del Código en comento.
En esta misma situación tenemos a los representantes del Ministerio Público
y al Curador Procesal; a quienes no se les puede declarar rebeldes, porque tienen la
obligación de apersonarse y de contestar, una demanda.

¿Todos los apercibimientos son ejecutables?


Como hemos analizado por el hecho que el apercibimiento es una medida
conminatoria y es un mandato derivado, así como que tienen tendencia a ser
ejecutables y así se pueda realizar el derecho; sin embargo algunos apercibimientos
consignados en nuestra legislación, de ejecutarse son inoficiosos; es decir no tienen
una razón práctica como ocurre por ejemplo con el artículo 232 del Código Procesal
Civil que sanciona: “el testigo que sin justificación no Referencia Procesal, sin perjuicio
de ser conducido al Juzgado con auxilio de la fuerza pública, en la fecha que fije el

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La institución del apercibimiento en el derecho procesal civil peruano

Juez para su declaración, sólo si lo considera necesario”, cuya detención lo ordenaría


el Juez , con el apoyo de la policía judicial, de acuerdo con lo prescrito en el artículo
282 de la Ley Orgánica del Poder Judicial.
Si establecemos como presupuesto que el Juez ordena la detención del testigo,
éste es conducido al despacho del Juez en la audiencia de pruebas y no contesta
las preguntas del interrogatorio ¿cómo se le va a obligar a declarar?. No hay forma,
porque de hacerlo el Juez, estaría afectando derechos fundamentales del testigo.
En conclusión la mencionada norma procesal, es inoficiosa , porque su
ejecución no da lugar para los fines del proceso y más bien tiene un sustento propio
del sistema inquisitivo.

El apercibimiento en la institución de la prueba anticipada


Si tenemos en cuenta que las etapas de la prueba son: ofrecimiento, admisión,
actuación y valoración, que deben guardar congruencia con las etapas del proceso;
sin embargo en la prueba anticipada, la prueba se ofrece y se actúa anticipadamente;
aplicándose sustancialmente el principio inquisitivo; por ello tiene un procedimiento
especial regulado desde el artículo 284 al 299 del Código Procesal Civil.
De tal forma que el legislador, ha previsto apercibimientos especiales, para
aquellas pruebas que se tramitan en este proceso; apercibimientos que están previstos
expresamente en el artículo 296.
Así tenemos, lo siguiente:
Que cuando el emplazado no cumpliera con actuar el medio probatorio, para el
que fue citado, se aplicaran los siguientes apercibimientos:
a) en el reconocimiento se tendrá por verdadero el documento;
b) en la exhibición se tendrá ´por verdadera la copia presentada o por ciertas las
afirmaciones concretas sobre el contenido del documento; y
c) en la absolución de posiciones se tendrá por absueltas en sentido afirmativo
las preguntas del interrogatorio presentado.
Como se advierte; estos apercibimientos no son de aplicación para la actuación de
dichas pruebas, en los otros tipos de proceso y se sustentan en el sistema inquisitivo

¿El apercibimiento se puede aplicar contra el Estado?


De acuerdo al artículo 59 del Código Procesal Civil el Estado y sus dependencias,
o las empresas públicas y privadas con participación económica; deben someterse al
Poder Judicial sin más privilegios que los expresamente señalados en el citado Código.
El problema que se presenta, es cuando ante la ejecución de un apercibimiento
de naturaleza patrimonial, no se podría ejecutar vía medida cautelar, por la prohibición
contenida en el artículo 616 del mismo cuerpo de leyes, no proceden medidas

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 227-239, abr./jun. 2015 237
Hílmer Zegarra Escalante

cautelares contra los Poderes Legislativo, Ejecutivo y Judicial, el Ministerio Público, así
como los órganos constitucionales autónomos, los Gobiernos Regionales y Locales y
las Universidades.
Asimismo, la mencionada norma jurídica prescribe que, tampoco proceden las
medidas cautelares contra bienes de particulares asignados a servicios públicos
indispensables que presten los Gobiernos referidos en el párrafo anterior, cuando
con su ejecución afecten su normal desenvolvimiento.
En estos casos, el apercibimiento simplemente es un “sable de papel”; no surte
ningún efecto para lo de la finalidad del proceso
Sin embargo de acuerdo a los principios que regulan el Código Procesal Civil,
los apercibimientos se pueden aplicar contra el Estado; especialmente contra los
funcionarios que lo representen; quienes inclusive pueden ser destituidos.

Conclusiones
Primera
El Apercibimiento, contribuye que se practique la tutela jurisdiccional efectiva y a
la consecuencia de la eficacia en el proceso; permitiendo que el derecho se realice; y
por consiguiente se efectivice los derechos sustanciales; postulados por las partes, es
decir contribuye para que se dé cumplimiento al numeral III del Código Procesal Civil.
Segunda
El Apercibimiento, apunta a un mejor cumplimiento de las órdenes judiciales,
previendo los obstáculos que pudieran dificultar su materialización o adoptando las
medidas necesarias para removerlas; es decir es un elemento facilitador, para que
se realice la justicia; contribuyendo la ejecución de la autoridad, propia de todo
órgano jurisdiccional.
Tercera
El apercibimiento, siendo una medida conminatoria, no es una diligencia
cautelar, sino un “mandato derivado” que, puede entre otras cosas propender a la
eficacia de una medida precautoria.
Cuarta
Por la naturaleza jurídica y los principios reguladores de la rebeldía, no se
puede declarar rebeldes al Congreso, al Poder Ejecutivo; al igual que a los órganos
regionales o municipales; así como a los representantes del Ministerio Público y el
Curador Procesal; porque tienen obligación de contestar una demanda.
Quinta
La institución del apercibimiento, tendrá eficacia jurídica, en la medida que los
organismos jurisdiccionales, de todas las instancias, hagan uso de su aplicación
correcta y oportuna.

238 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 227-239, abr./jun. 2015
La institución del apercibimiento en el derecho procesal civil peruano

Sexta
El apercibimiento contiene toda una filosofía de la prueba; ya que si bien
es cierto ésta es producto de la inteligencia razonadora, es problema axiológico y
normativo; especialmente es la realización del derecho. Tan bien es cierto, que sin el
apercibimiento, el derecho muchas veces no llegaría a realizarse.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

ESCALANTE, Hílmer Zegarra. La institución del apercibimiento en el derecho procesal


civil peruano. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte,
ano 23, n. 90, p. 227-239, abr./jun. 2015.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 227-239, abr./jun. 2015 239
Limites ou alcances do devido processo
conforme a Constituição desde a ótica
da iniciativa probatória e a sentença

Hugo Botto Oakley


Doutor e Mestre pela Universidade Nacional de Rosario (UNR-Argentina). Presidente do
Instituto Panamericano de Direito Processual (IPDP).

Palavras-chave: Devido processo. Iniciativa probatória. Sentença. Constituição. Congruência.


Sumário: Introdução – 1 A congruência processual – Seu alcance real – 2 Alcances e limites – 3
Incongruência – 4 A arbitrariedade da sentença – 5 Natureza jurídica – 6 Fundamentos – 7 Estrutura da
congruência processual segundo nossa postura e nosso conceito – 8 A motivação da sentença – 9 Revisão
da sentença – Conclusões

Introdução
Na primeira metade do século XX, os grandes temas do Direito Processual eram
compostos pela conhecida trilogia de ação, jurisdição e processo. Na segunda metade
do mesmo, referiram-se principalmente à prova e à iniciativa probatória do juiz.
Atualmente, estimamos que os grandes temas do Direito Processual é e será o
devido processo conforme a Constituição e a congruência processual.
Neste trabalho, pretendemos realizar um desenvolvimento dos temas indicados,
desde a ótica das chamadas medidas para resolver melhor a prova de ofício e os ônus
dinâmicos da prova e a sentença válida.
a) Medidas para resolver melhor
Sabemos que estas são de iniciativa do juiz, na etapa da citação para ouvir
sentença, e a análise que submetemos à consideração do leitor consiste em estudar
os prováveis resultados produzidos como consequência de decretar-se alguma
medida para resolver melhor.
a) Se o juiz não tem dúvidas ou bem se tem convicção probatória dos funda­
mentos da ação, dará lugar à demanda em cumprimento de seu dever. Aqui
é desnecessário decretar medidas para resolver melhor.
b) Se tem dúvidas ou falta de convicção probatória dos fundamentos da ação,
em cumprimento desse mesmo dever, recusará a demanda.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 241-271, abr./jun. 2015 241
Hugo Botto Oakley

c) Se decreta medidas para resolver melhor, podem dar-se os seguintes resultados:


c.1) Que não se cumpra dentro de prazo legal e se deixe sem efeito ou, em
termos legais, tenha-se por não decretada.
Neste caso, voltando a seu estado anterior a decretá-la, o juiz deve recusar a
demanda e, portanto, nenhum efeito ou mudança provocou o decretá-la, quanto aos
resultados do juízo. Situação e resultado: rejeição — rejeição.
c.2) Que o resultado da medida decretada seja neutro, isto é, que não favoreça
nem prejudique ambas partes do processo.
Também neste caso o juiz deverá recusar a demanda e não existe efeito ou
mudança algum do estado do resultado do juízo anterior a decretá-la. Situação e
resultado: recuso – rejeição.
c.3) Que o resultado da medida favoreça ao demandado.
Nesta situação também não existe alteração ou mudança do resultado do juízo.
Antes recusaria a demanda por falta de convicção probatória para condenar. Agora a
recusará igualmente porque a prova rendida por esta via favoreceu ao demandado.
Situação e resultado: rejeição – rejeição.
c.4) Que o resultado da medida favoreça ao demandante. Aqui terá uma
manifesta mudança no resultado do juízo; de recusar-se a demanda por falta
de convicção probatória para dar lugar à ação (em rigor, processualmente
pretensão) de acolher a demanda por adquirir convicção probatória para dar
lugar a ela em razão precisamente desta nova prova rendida por esta via.
Situação e resultado: rejeição – tem lugar.
Em rigor processual, a descrição realizada desde a ótica de que sempre que se
decreta uma medida para resolver melhor, em matéria civil, se favoreceria potencialmente
só ao demandante, isso não é assim, toda vez que ocorre tal situação de favorecimento,
dependerá de quem tenha ou não tido de seu cargo o onus probandi. Assim, por
exemplo, se o demandado opõe a exceção de pagamento e não a prova, toda medida
para resolver melhor que se decrete, potencialmente, só pode favorecer a dita parte.
Por sua vez, a prova de ofício vai além das medidas para resolver melhor,
afetando com maior gravidade o direito de defesa das partes, já que não só com estas
se pode decretar prova por decisão do juiz, senão que este o pode fazer ao longo de
todo o processo, sendo evidente que pode transformar-se num ator contraparte de
uma das partes e pior ainda, das duas partes.
b) Ônus "dinâmicos" da prova – O que são?
Os ônus da prova são condutas impostas no processo a uma das partes, a fim
de provar legalmente a verdade dos fatos controvertidos pela contrária, de forma tal
que de não o fazer, suportará resultado adverso, por decisão da Lei (não do juiz).
Sabemos que os fatos de um juízo podem ser constitutivos, extintivos,
invalidativos, convalidativos e impeditivos e segundo seja o que respectivamente

242 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 241-271, abr./jun. 2015
Limites ou alcances do devido processo conforme a Constituição desde a ótica ...

demandante e demandado proponham em suas defesas o ônus da prova, conforme a


universal regra de que quem alega uma obrigação ou sua extinção deve provar aquela
ou esta (art. 1.698 do Código Civil).
c) Os ônus da prova são estáticos?
Sim. Entendemos por estática a existência de regras predeterminadas que
os litigantes — demandante ou demandado — conhecem de antemão (antes do
probatório ou período de confirmação), com base no mérito do período de discussão
e resolução que recebe a causa da prova e também quanto a como afeta a cada uma
das partes (por isso são ônus) particularmente (não às duas partes).
d) Sempre são estáticas?
Não. O legislador altera-as em alguns casos, como presunções legais, simplesmente
legais (admitem prova em contrário) ou de direito (não admitem prova em contrário).
Mas, predeterminados.
e) Que são os ônus “dinâmicos” da prova?
Com base na definição dos ônus da prova, os ônus “dinâmicos” deveriam ser
conceituados como uma “conduta imposta no processo às duas partes, a fim de
provar legalmente a verdade de todos os fatos controvertidos, de forma tal que se
não o fizer, uma das partes suportará resultado adverso, segundo decida o juiz ao
momento de ditar sentença”.
f) Antecedentes doutrinários e legais
Existe abundante doutrina que não só fez eco, senão que ademais propugna pela
regulação legal dos chamados “ônus dinâmicos da prova”, e desde um ponto de vista
legal, certos Códigos Processuais qualificados de modernos recolheram essa teoria,
como o Código Processual Civil, Comercial, Trabalhista, Rural e Mineiro da Província
de Terra do Fogo, Antártida e Ilhas do Atlântico Sul e o Código Geral do Processo da
República Oriental do Uruguai, em seu artigo 139.2, que assinala: “Artigo 139. Ônus
da prova 139.1 Corresponde provar, a quem pretende algo, os fatos constitutivos
de sua pretensão; quem contradiga a pretensão de seu adversário terá o ônus de
provar os fatos modificativos, impeditivos ou extintivos daquela pretensão. 132.2 A
distribuição do ônus da prova não obstará a iniciativa probatória do tribunal nem sua
apreciação, conforme as regras da sã crítica, das omissões ou deficiências da prova”.
De repente, poderá convir ao leitor que, além da iniciativa probatória que regula
o inciso segundo recém-transcrito, permitir a apreciação das omissões ou deficiências
da prova, conforme as regras da sã crítica dão azo para sustentar que sob esse
regime probatório não existe nenhuma possibilidade, sequer próxima, à certeza ou à
predição do resultado judicial.
g) Panorama atual de alguns países americanos e europeus, em matéria de iniciativa
probatória
França
Artigo 10, Código de Procedimento Civil: O juiz: “Tem o poder de ordenar de
ofício todos os meios de instrução legalmente admissíveis”.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 241-271, abr./jun. 2015 243
Hugo Botto Oakley

Suíça
Artigo 37 da Lei Processual Federal de 1947: “O Juiz pode dispor prova que não
emana das partes”.
Alemanha
O juiz tem faculdades para dispor de ofício de todos os meios de prova,
exceto testemunhal, podendo ordenar de ofício às partes e a terceiros a exibição de
documentos referidos pelas partes e também dispor inspeção de coisas, conforme
artigos 142 e 144 introduzidos por modificação do ano 2001.
Estados Unidos da América
O juiz pode dispor de ofício de provas testemunhais não apresentadas
pelas partes e interrogar as testemunhas. Também pode dispor da assessoria de
testemunhas experientes nomeando os peritos: regras 614(a), 614 (b) e 706 das
Federal Rules of Evidence.
Inglaterra
Não existe faculdade para dispor de prova de ofício, mas conforme as Civil
Procedure Rules de 1998, o juiz pode indicar às partes as questões de fato sobre
as que se requer prova, que tipo de prova e como se desenvolvem no juízo, bem
como também como se desenvolvem as testemunhais escritas, autorização de
depoimentos e sua ampliação e ordenar às partes aclarações e relatórios, incluindo
ordenar que uma parte forneça informação à outra e também designar peritos sobre
evidências técnicas: Rules 321; 325; 181; 359; 3515.
Espanha
Artigos 429 e 435 do ano 2000.

Artigo 429: Proposição e admissão da prova. Assinalamento do juízo.


Se não houver acordo das partes para finalizar o litígio nem existir
conformidade sobre os fatos, a audiência prosseguirá para a proposição
e admissão da prova.
Quando o tribunal considerar que as provas propostas pelas partes podem
resultar insuficientes para o esclarecimento dos fatos controvertidos,
porá de manifesto às partes indicando o fato ou fatos que, a seu juízo,
poderiam ver-se afetados pela insuficiência probatória. Ao efetuar esta
manifestação, o tribunal, se amoldando aos elementos probatórios cuja
existência resulte dos autos, poderá assinalar também a prova ou provas
cuja prática considere conveniente.
No caso referido pelo parágrafo anterior, as partes poderão completar ou
modificar suas proposições de prova à vista do manifestado pelo tribunal.
Artigo 435: Diligências finais. Procedência.
1. Só a instância de parte poderá o tribunal decidir, mediante auto,
como diligências finais, a prática de atuações de prova, conforme as
seguintes regras:
1.ª Não se praticarão como diligências finais as provas que tivessem
podido propor-se em tempo e forma pelas partes, inclusas as que

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Limites ou alcances do devido processo conforme a Constituição desde a ótica ...

tivessem podido propor-se depois da manifestação do tribunal a que se


refere o apartado 1 do artigo 429 .
2.ª Quando, por causas alheias à parte que a tivesse proposto, não se
tivesse praticado alguma das provas admitidas.
3.ª Também se admitirão e praticarão as provas pertinentes e úteis, que
se refiram a fatos novos ou de nova notícia, previstos no artigo 286.
(Caso de Ius Super Veniens).
2. Excepcionalmente, o tribunal poderá decidir, de ofício ou a instância
de parte, que se pratiquem de novo provas sobre fatos relevantes,
oportunamente alegados, se os atos de prova anteriores não tivessem
resultado conducentes por causa de circunstâncias já desaparecidas e
independentes da vontade e diligência das partes, sempre que existam
motivos fundados para crer que as novas atuações permitirão adquirir
certeza sobre aqueles fatos.
Neste caso, no auto em que se decida a prática das diligências terá que
expressar-se detalhadamente aquelas circunstâncias e motivos.

A leitura da exposição de motivos da Lei Espanhola, que dá luzes claras para


critérios de interpretação e história fidedigna da Lei, assinala expressamente que se
revogam as medidas para resolver melhor, substituindo-se pelas chamadas diligências
finais que, no dizer de autores tão importantes como o jurista espanhol Juan Montero
Aroca, nascem só como consequência de uma solução de compromisso de caráter
parlamentar, ao que me atrevo agregar que por mais imaginação que ponhamos em
jogo, as restrições àquelas diligências finais, estabelecidas pela própria Lei, fazem-
nas praticamente inaplicáveis.
Chile
A Carta Magna assinala no texto pertinente que Chile é uma república
democrática (art. 4); com pleno respeito aos direitos e garantias que estabelece a
própria Constituição (art. 1); que esses direitos e garantias estão contidos no art. 19,
onde se assegura a toda pessoa a igualdade ante a lei (Nº 2); a igual proteção da
lei no exercício de seus direitos (Nº 3); a defesa jurídica na forma que a lei assinale
(Nº 3); com a devida intervenção de letrado (Nº 3); que se proíbe a aplicação de toda
urgência ilegítima; que ninguém pode ser julgado por comissões especiais senão pelo
tribunal que assinale a lei e que se ache estabelecido com anterioridade por esta;
que toda sentença deve fundar-se num processo prévio legalmente tramitado; que
se garante um procedimento e uma investigação racional e justa; que a lei não pode
presumir de direito a responsabilidade penal; que nenhum delito se castiga com pena
distinta à que assinala a lei promulgada com anterioridade a sua realização (a não
ser que seja mais benigna); que ninguém pode ser privado de sua liberdade pessoal
nem esta restringida... (Nº 7).
Assim, nossa proposta pode se resumir da seguinte maneira: o procedimento
racional e justo, para constituir um devido processo, requer respeitar os princípios

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 241-271, abr./jun. 2015 245
Hugo Botto Oakley

processuais denominados transitoriedade da série procedimental, eficácia, moralidade


no debate, igualdade das partes e imparcialidade subjetiva e objetiva do juiz, de modo
tal que coincidindo ademais os requisitos de racionalidade e coerência, possa-se
concluir que foi respeitada a congruência processual.

1 A congruência processual – Seu alcance real


1.1 Definições
Um breve repasse na opinião da doutrina internacional sobre a definição jurídica
de congruência demonstra-nos o acertado ensino do jurista mexicano Humberto
Briceño Sierra acerca da necessária aplicação do método que deve concorrer, para
evitar confusões insanáveis no intercâmbio linguístico, sobre cada instituição jurídica.
Efetivamente, Hernando Devis Echandía a define como “O princípio normativo
que delimita o conteúdo das resoluções judiciais que devem proferir-se, de acordo com
o sentido e alcance das petições formuladas pelas partes, para que exista identidade
jurídica entre o resolvido e as pretensões e exceções ou defesas oportunamente
alegadas, a não ser que a lei outorgue faculdades especiais para separar-se delas”.1
Roland Arazi, por sua vez, a define como “a necessária conformidade que deve
existir entre a sentença e as pretensões deduzidas em juízo”.2
Jaime Guasp define-a como a “Conformidade que deve existir entre a sentença
e a pretensão ou pretensões que constituem o objeto do processo, mais a oposição
ou oposições quanto delimitam este objeto”.3
Eugenio Prieto e Beatriz Quintero referem-se a ela assinalando que “Esta noção
como tal delimita o conteúdo e alcance das providências do juiz em relação às
petições formuladas pelas partes, com a finalidade de que exista identidade jurídica
entre o resolvido ou decidido e o pedido”.4
Ortells Ramos M. e outros afirmam que a congruência é “a conformidade que
deve existir entre a sentença e a pretensão ou pretensões que constituem o objeto
do processo, mais a oposição ou oposições quanto delimitam este objeto” e como
“a adequação entre as pretensões das partes, formuladas oportunamente, e a parte
dispositiva da resolução judicial”.5
O jurista colombiano Devis Echandía reconhece um maior alcance à congruência
processual, já que a estende a todo tipo de resoluções judiciais e não somente à
sentença.

1
ECHANDÍA, Teoría General del Proceso..., p. 433.
2
ARAZI, Derecho Procesal Civil y Comercial, p. 139.
3
GUASP, Jaime. Derecho Procesal Civil. 3. ed. Madrid, España: Instituto de Estudios Políticos, 1968. Tomo I. p. 535.
4
QUINTERO y PRIETO, ob. cit.
5
ORTELL RAMOS, M. y otros. Derecho Jurisdiccional II, p. 281.

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Limites ou alcances do devido processo conforme a Constituição desde a ótica ...

Por sua vez, podemos afirmar que recorrer aos dicionários gerais ou especializados
não arroja melhores luzes de uniformidade a respeito do conteúdo e alcance da
congruência.
Vejamos três exemplos:
O Dicionário da Real Academia Espanhola a define como “do latim congruentia,
de congrúnus, congruente. Conformidade de extensão, conceito, e alcance entre a
sentença e as pretensões das partes formuladas no juízo”.6
Por sua vez, Luis Ribo Durán define-a da seguinte forma: “É a qualidade
técnica mais importante que deve ter toda sentença; consiste na vinculação entre
a pretensão processual e o decidido na sentença. Por isso, diz-se que há sentença
congruente com a demanda e com as demais pretensões oportunamente deduzidas
no litígio, quando a sentença faz as declarações que aquelas exijam, condenando ou
absolvendo ao demandado e decidindo todos os pontos litigiosos que tenham sido
objeto do debate”.7
E, em terceiro lugar, De Santo define-a como a “Conformidade de expressão,
conceito e alcance entre a sentença e as pretensões das partes formuladas no juízo”.8
Seguindo com as citações doutrinárias referidas expressa ou tacitamente, direta
ou indiretamente, ao conceito de congruência processual, merecem destacar-se de
uma lista quase inumerável, para os efeitos desta investigação, as seguintes:

O termo congruência é equivalente ao de conformidade entre a sentença


e a pretensão ou pretensões deduzidas em forma e ocasião adequadas.9
Conformidade que deve existir entre a sentença e a pretensão ou
pretensões que constituem o objeto do processo, mais a oposição ou
oposições quanto delimitam este objeto.10
É, pois, uma relação entre dois termos, um dos quais é a sentença
mesma e, mais concretamente, sua sentença ou parte dispositiva, e
outro, o objeto processual em sentido rigoroso; portanto, nem a demanda,
nem as questões, nem o debate, nem as alegações e as provas, senão
a pretensão processual e a oposição à mesma quando a delimita ou
circunscreve, tendo em conta todos os elementos identificadores de tal
objeto: os sujeitos que nele figura, a matéria sobre que recai e ao título
que juridicamente o perfila.11
Por congruência deve-se entender aquele princípio normativo dirigido a
delimitar as faculdades resolutórias do órgão jurisdicional pelo qual deve
existir identidade entre o resolvido e o controvertido, oportunamente,

6
REAL ACADEMIA ESPAÑOLA, ob. cit.
7
RIBO DURAN, ob. cit.
8
DE SANTO, ob. cit.
9
DE LA PLAZA, Manuel. La Casación Civil, Editorial Revista de Derecho Privado, Impresiones Gráficas, Madrid,
España, 1944, p. 323.
10
GUASP, ob. cit., p. 517.
11
Idem, p. 517.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 241-271, abr./jun. 2015 247
Hugo Botto Oakley

pelos litigantes, e em relação aos poderes atribuídos em cada caso ao


órgão jurisdicional pelo ordenamento jurídico.12
Quanto à iniciativa processual corresponde às partes, a todos os atos
destas em consubstanciar uma petição tácita de que o juiz as atenda.
E atendê-las é equivalente a resolvê-las nos limites em que tais atos se
produzem.13
Otrosí dezimos que si el demandador demandasse a otri cauallo, o siervo
quel mandara o le prometiera, non le nombrando, ni señalando ciertamente
qual; e el juez diesse después juicio contra el demandado, que diesse
al demandador Fulan sieuo, señalando por nombre, o Fulan cauallo,
señalando por color o por sus faziones: tal juyzio como éste non sería
valedero: porque, bien assí como fue fecha antel la demanda en general,
en aquella misma manera deue dar el juyzio. Otrozí dezimos, que cuando
fazen demanda antel Juzgador, de alguna bestia, o siervo que fiziera daño
en campo o viña o en alguna cosa de otri, e piden al dueño de la bestia
o del siervo que peche el daño, o que le dé la bestia o el siervo que lo
fizo; que si lo prouare, deue el Judgador dar el juyzio en la manera que fué
puesta la demanda, diziendo assi: Mando que el demandado peche tanpor
enmienda del daño, que su bestia, o su sierou fiziera en la cosa de Fulan, o
quel de, o quel entregue al demandador aquella cosa quel fizo el daño. Ca
si de otra guisa judgasse, condenando señaladamente al demandado en
alguna de estas cosas sobredichas, tal juyzio como éste non es valedero.
E esto non decimos tan solamente en estas cosas sobredichas, mas aun
en todas las otras semejantes dellas.14
Semelhante vinculação, autêntico e fundamental requisito da sentença
mesma, leva no direito positivo espanhol o nome, muito apropriado, de
congruência.15
Conquanto os tribunais possam basear suas resoluções em fundamentos
jurídicos diferentes, esta faculdade, limitada estritamente às questões de
direito, não autoriza a ditar as sentenças fundando-as em fatos que, por
não ter sido objeto de alegação e prova, não podem ser discutidos nem
recusados pela parte adversa.16
A adequação entre as pretensões e a sentença se refere à parte desta
que é constitutiva de um ato de jurisdição, isto é, à sentença. Parece
ocioso discutir sobre este ponto, que é consequência de separar, o que
há na resolução de esforço lógico-jurídico e o que nela é expressão do
poder jurisdicional do qual o juiz está investido.17
Os efeitos que produz a inobservância do requisito da congruência são,
evidentemente, não os de inexistência da sentença, mas sim os de
nulidade, e dentro dela sua anulabilidade, que permite ao interessado
invalidá-la. A invalidação se obtém utilizando os recursos que podem

12
ARAGONESES, ob. cit., p. 87.
13
Idem, p. 10-11 (texto citado do original).
14
RIVADENEYRA, M. Los Códigos Españoles Concordados y Anotados. Madrid, España: Editorial La Publicidad,
1848. Tomo II. p. 291 y ss.
15
GUASP, ob. cit., p. 516.
16
DE LA PLAZA, ob. cit., pp. 327 y 328.
17
DE LA PLAZA, ob. cit., p. 329.

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Limites ou alcances do devido processo conforme a Constituição desde a ótica ...

fazer-se valer contra a sentença; tipicamente a apelação. O recurso de


cassação se abre também em tal suposto...18
A causa petendi não é norma de direito de maneira que é lícito mudar o
ponto de vista jurídico sem incorrer em incongruência, a condição de que
se mudem os fundamentos de fato de que tem de partir-se para converter
em vontade concreta a abstrata vontade da lei.
A norma de congruência obriga a não alterar substancialmente as
pretensões das partes e a respeitar em absoluto os fatos processuais,
mas consente sua atuação livre e de ofício na esfera do direito, aplicando
a regra jurídica que estime procedente, sem que por isso se altere a
causa petendi.19
O objeto da litis não é simplesmente a existência atual do direito, senão
sua existência ou inexistência em dependência do fato alegado, porque
o problema que o juiz deve resolver não é se existe uma determinada
relação jurídica, senão se de um determinado fato alegado se deriva uma
determinada relação jurídica.20
Existe tal incongruência quando a parte dispositiva da sentença concede
mais do pedido pelo ator ou mais do resistido pelo demandado.21
O órgão jurisdicional descumpre seu ofício, dando lugar ao vício de
incongruência quando não resolve todos os pontos litigiosos que tenham
sido objeto do debate... é, pois uma exigência legal a resolução de todas
as questões que tenham sido debatidas no processo.22
Do seguinte princípio a congruência não precisa ser literal se pode deduzir
que a concessão de parte do pedido supõe implicitamente a denegação
do restante, e esse critério se aplicou reiteradamente pela jurisprudência
do Tribunal Supremo à incongruência por defeito quantitativo, entendendo
que se pode conceder, menos do pedido pela parte; e, portanto, se o ator
solicita a condenação do demandado à entrega de 10.000 pesetas, a
sentença em que se lhe condena ao pagamento de 6.000 não incorre no
vício da incongruência.23
É a qualidade técnica mais importante que deve ter toda sentença;
consiste na vinculação entre a pretensão processual e o decidido na
sentença. Por isso, diz-se que há sentença congruente com a demanda e
com as demais pretensões oportunamente deduzidas no litígio, quando
a sentença faz as declarações que aquelas exijam condenando ou
absolvendo ao demandado e decidindo todos os pontos litigiosos que
tenham sido objeto do debate.24
Conformidade de expressão, conceito e alcance entre a sentença e as
pretensões das partes formuladas no juízo.25

18
GUASP, ob. cit., p. 518.
19
DE LA PLAZA, ob. cit. p. 328.
20
ROCCO, Alfredo. La Sentencia Civil. Traducción del Dr. Eduardo Ozeiros. Madrid, España: Ediciones La España
Moderna, sin fecha.
21
ARAGONESES, ob. cit., p. 89.
22
Idem, p. 116.
23
Idem.
24
RIBO DURÁN, ob. cit., p. 34.
25
DE SANTO, ob. cit., p. 78.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 241-271, abr./jun. 2015 249
Hugo Botto Oakley

Esta noção como tal delimita o conteúdo e alcance das providências do juiz
em relação com as petições formuladas pelas partes, com a finalidade de
que exista identidade jurídica entre o resolvido ou decidido e o pedido.26
É a necessária conformidade que deve existir entre a sentença e as
pretensões deduzidas em juízo.27
Conformidade que deve existir entre a sentença e a pretensão ou
pretensões que constituem o objeto do processo, mais a oposição ou
oposições quando delimitam este objeto.28
O princípio normativo que delimita o conteúdo das resoluções judiciais
que devem proferir-se, de acordo com o sentido e alcance das petições
formuladas pelas partes, para que exista identidade jurídica entre o
resolvido e as pretensões e exceções ou defesas oportunamente alegadas,
a não ser que a lei outorgue faculdades especiais para separar-se de elas.29
Toda pretensão tem que ser examinada nos limites em que foi combatida.30
Com o que o princípio de congruência assinala ao juiz a obrigação de não
sentenciar além do pretendido nem menos do concedido nem sobre coisa
diferente. Mas tal relação, tem de referir-se à relação da sentença sobre o
campo do controvertido.31
Aquele princípio normativo dirigido a delimitar as faculdades resolutórias
do órgão jurisdicional pela qual deve existir identidade entre o resolvido
e o controvertido, oportunamente, pelos litigantes, e em relação
com os poderes atributivos em cada caso ao órgão jurisdicional pelo
ordenamento jurídico.32
Princípio normativo que exige a identidade jurídica entre o resolvido,
em qualquer sentido pelo juiz na sentença e as pretensões e exceções
propostas pelas partes.33
Vê no dever de congruência uma garantia dupla, porque, de um lado,
estabelece as regras às que deve de submeter-se o juiz, evitando a
possível arbitrariedade judicial, e, de outro, supõe também segurança
para os litigantes, pelo que o dever de congruência se funda no princípio
jurídico natural de audiência.34
Dever de congruência quando sua raiz última se reduz à tutela e proteção
dos direitos do homem como ser individual frente aos interesses da
coletividade.35
A violação da congruência implica a transgressão daquele direito, já que
a atividade probatória, as exceções ou simples defesas se orientam
logicamente pelas pretensões formuladas no processo.36

26
QUINTERO Y PRIETO, ob. cit., p. 120.
27
ARAZI, Derecho Procesal Civil y Comercial, ob. cit., p. 139.
28
GUASP, Derecho Procesal Civil, ob. cit., p. 535.
29
ECHANDÍA, Teoría General del Proceso, ob. cit., p. 433.
30
ARAGONESES, ob. cit., p. 30.
31
Idem, p. 43.
32
Idem, p. 87.
33
ECHANDÍA, ob. cit., p. 76.
34
MILLÁN, ob. cit., p. 21.
35
Idem, p. 18.
36
ECHANDÍA, ob. cit., p. 76.

250 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 241-271, abr./jun. 2015
Limites ou alcances do devido processo conforme a Constituição desde a ótica ...

As partes possuem o domínio completo tanto sobre seu direito substantivo


como sobre os direitos processuais implícitos no juízo no sentido de que
são livres de exercitá-los ou não. Neste sentido, é indubitável a íntima
conexão entre o princípio dispositivo e o de congruência já que nem a
atividade processual pode versar sobre outra coisa nem a sentença ir
além da pretensão deduzida na demanda.37
A falta de resolução sobre os pontos litigiosos ou combatidos no pleito
origina a incongruência e ninguém pode dizer com fundamento que isto
seja um excesso dos poderes do juiz, senão ao invés, a falta de uso das
faculdades e correlativos deveres que lhe estão conferidos.38
A relação jurisdição compreende tanto a ação e a contradição com a
pretensão e a exceção que em exercício destes direitos se formulam ao
juiz para determinar os fins mediatos e concretos do processo, e desta
maneira fixa a matéria sobre a que deve versar a sentença.39
Por existir a regra geral de que as condutas regularmente produzidas
pelas partes no processo têm que ser atendíveis, o órgão jurisdicional
tem de resolver sobre quantas questões proponham oportunamente as
partes. Pelo princípio de que tal atendibilidade tem de ser imparcial, o
órgão jurisdicional tem que resolver dentro dos limites que as partes
estabelecem sua controvérsia, porque a elas corresponde vigiar seu
interesse, e toda intromissão do órgão jurisdicional na esfera de
disponibilidade das partes é perigosa sem que isto seja obstáculo para
que o órgão jurisdicional possa atuar, rebaixando a atividade das partes
naqueles supostos nos que o ordenamento jurídico lhe confere a vigilância
de ofício de tais extremos.40
A relação de conformidade ou de uma adequação entre dois termos, um
dos quais é a sentença e outro a pretensão ou pretensões das partes.
Para saber se existe ou não congruência é preciso atender primeiramente
à sentença mesma, o que é lógico, pois se trata de um requisito dela.
Mas das diversas partes de que a sentença se compõe não há que ter
em conta senão a sentença, isto é, a parte dispositiva, o que quer dizer
que uma sentença não é incongruente se sua sentença se conforma às
pretensões das partes ainda que não o faça sua fundamentação.41
Se deseja do juiz que acolha, estude e decida sobre uma pretensão
extraprocessual e a execute; isto é, que exista um processo no qual
o juiz declare, por meio de uma decisão ou sentença, se a pretensão
extraprocessual é ou não fundada no direito objetivo e, de sê-lo, satisfaça
devidamente ao demandante.42
Os elementos da pretensão processual são os de toda pretensão jurídica;
um sujeito ativo, um sujeito passivo, uma manifestação de vontade ou
elemento externo, uma causa e um bem jurídico desejado.43

37
ARAGONESES, ob. cit., p. 141.
38
ARAGONESES, ob. cit., p. 142.
39
ECHANDIA, ob. cit., p. 435.
40
ARAGONESES, ob. cit. p. 144.
41
GUASP, Jaime, Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Civil. Segunda edición. Madrid, España: Editorial Aguilar,
1948. Tomo I. p. 935 y ss.
42
AVSOLOMOVICH, Alex, Lürhrs, Germán y Noguera, Ernesto: Nociones de Derecho Procesal. Valparaíso, Chile:
Editorial Jurídica de Chile, 1965. p. 29.
43
Idem.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 241-271, abr./jun. 2015 251
Hugo Botto Oakley

São aqueles que (quanto à pretensão processual se refere) habilitam para


obter uma sentença ou decisão sobre a fundamentação da pretensão
extraprocessual.44
Em matéria civil os pronunciamentos devem limitar-se ao que foi objeto de
litígio entre as partes, pois a sentença que desconheça ou decida direitos
não debatidos é, como princípio, incompatível com as garantias dos artigos
19 Nº 24 (propriedade) e 19 Nº 3 (defesa em juízo) da Constituição.45
É demasiado simplista reduzir o total de operações racionais que fazem
parte de uma sentença a um silogismo integrado por duas premissas e uma
conclusão; a comparação nem sequer em princípio pode admitir-se, a não ser
que se faça imediatamente a escusa de que cada uma daquelas premissas
pode estar, a sua vez, integrada por outras figuras análogas; de aqui as
tentativas feitas para desenvolver as figuras do silogismo, desdobrando
as premissas que o compõem, estabelecendo múltiplas correntes lógicas
com enlaces entre si, ou assinalando a ordem de operações que tem de
percorrer o juiz em seu caminho mental à sentença.46
Esta vontade da lei é manifestada em relação a fatos que tenham ocorrido
e que são anteriores ao processo. No fundo toda sentença nada mais
é do que um juízo sobre a existência ou inexistência de uma concreta
vontade da lei em relação com os fatos ocorridos.47
O princípio de congruência se aplica a toda resolução judicial que deva
responder a uma instância de parte, e assim o encontramos na apelação
de autos interlocutórios, que só dá competência ao superior para decidir
sobre o ponto objeto do recurso e no desfavorável ao recorrente, salvo
que a outra parte se tenha aderido à apelação ou que exija a reforma
pedida em razão de sua necessária conexão com os outros pontos.48
A motivação da sentença é a fonte principal do controle sobre o modo de
exercer os juízes seu poder jurisdicional. Sua finalidade é fornecer uma
garantia e excluir o arbitrário.49
Uma prova é ilegal quando o ato que a contém é nulo ou inadmissível. Se
a sentença se apoia numa prova essencialmente viciada (sempre que o
vício não tenha sido reparado), estará defeituosamente motivado.50
À invocação da demanda corresponde um preâmbulo da sentença, ao
capítulo de fatos corresponde o capítulo de resultados; ao capítulo de direito
corresponde os considerandos; e à petição corresponde a sentença.51
A ambos os tipos de motivos (motivos de tipo fático e motivos de tipo
normativo) se lhes denomina afirmações, isto é, as participações do
conhecimento de fatos ou direitos que se fazem ao juiz por uma parte e

44
Idem, p. 34.
45
POZO SILVA, Nelson. La sentencia. El juez y la Sentencia. Santiago, Chile: Ediciones Jurídicas La Ley, 1993. p. 274.
46
GUASP, ob. cit.
47
POZO SILVA, ob. cit. p. 265.
48
ECHANDÍA, ob. cit.
49
DE LA RUA, Fernando. Teoría General del Proceso. Ediciones Depalma, Buenos Aires, Argentina, 1991, p. 146.
50
Idem, p.153.
51
COUTURE, ob. cit.

252 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 241-271, abr./jun. 2015
Limites ou alcances do devido processo conforme a Constituição desde a ótica ...

que são destinadas e, por sua própria natureza, adequada para obter a
resolução solicitada.52
Ao ator lhe corresponde provar os fatos constitutivos fundamentadores da
pretensão, que são normalmente os que produzem os efeitos jurídicos, e o
demandado deve render prova dos fatos impeditivos ou extintivos que opõe
para eliminar os efeitos jurídicos, e fazer ineficaz a pretensão exercitada.53
Na maioria das ações a identidade dos fatos só pode estabelecer-se em
função da relação jurídica deduzida em juízo. Ademais do que dentro de uma
mesma categoria jurídica, a norma material pode conceder diferentes ações
em base a fatos idênticos. A tutela jurídica que se pretende dependerá da
norma material que se invoque e a ação exercitada será uma ou outra.54
A não designação da norma pela parte ou sua alegação errônea não
terá repercussão para a eficácia da pretensão ou defesa, se o fato
fixado se encaixa a norma que o julgador estime correta, a menos ou a
salvo de engano evidente, fundamento de cassação e isso pela ação se
individualiza pelo fato e, em consequência a incongruência só é possível
por alteração da causa petendi e não pela mudança de vista jurídica.55
O direito o sabe o juiz, ele é livre para aplicar o Direito, é livre para
concordar com o ato, dissentir com ele, e inclusive reparar suas omissões
em matéria de Direito, é livre para pesquisar, interpretar dentro das regras
legais e aplicar o Direito.56
O que vincula ao tribunal é o conteúdo das pretensões, não sua
fundamentação jurídica, pois o tribunal não se obriga a adaptar em sua
sentença as alegações em direito que formulem as partes, sendo livre
para aplicar o direito, ainda sem alegação de parte, mas sempre se
atendo a suas pretensões.57
A congruência não significa conformidade rígida e literal com os pedidos
deduzidos, senão adequação aos fatos alegados e à pretensão esgrimida
com esta base fática sempre sem alterar a causa de pedir nem a ação
exercitada nem outorgar nada que não tenha sido instado, e, portanto,
guardando as identidades, pois os elementos subjetivos e objetivos da
demanda e contestação determinam o âmbito da controvérsia e, portanto,
também o que se pede (petitum) e as ocorrências em cuja virtude se
formula a petição (causa petendi).58
A designação do pedido tem de fazer-se com precisão qualitativa e
quantitativa; o petitum deve deixar reconhecer que modalidade do
exercício da potestade jurisdicional se solicita (condenação, declaração,
constituição, etc.) e o conteúdo material de dito exercício de modo claro e
preciso. Este duplo aspecto da precisão tem como fim evitar no possível
a incongruência por excesso ou por defeito na futura sentença.59

52
MILLÁN, ob. cit., p. 52.
53
VELASCO SANTELICES, Rodrigo: La Pretensión en el Proceso Civil. Santiago, Chile: Editorial Jurídica Ediar-
ConoSur, 1998. p. 42.
54
MILLÁN, ob. cit., p. 57.
55
ARAGONESES, ob. cit.
56
FARREN CORNEJO, Fernando, La Congruencia Procesal, Revista de Derecho de la Universidad Católica de
Valparaíso, Valparaíso, Chile, p. 47.
57
MILLÁN, ob. cit., p. 57.
58
Idem.
59
MILLÁN, ob. cit.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 241-271, abr./jun. 2015 253
Hugo Botto Oakley

A falta de congruência não se produz por consequência do âmbito do


julgador do correspondente órgão jurisdicional, senão pela circunstância
de que a sentença não guarde acatamento à substância do solicitado e
aos fatos propostos, isto é, às pretensões oportunamente deduzidas nas
súplicas dos escritos reitores do processo e não a seus raciocínios.60
A reconvenção ou contrapretensão amplia notória e efetivamente o âmbito
objetivo do processo, já que sua formulação produz efeitos análogos aos
da pretensão preexistente. Equivalente, pois, a iniciar um novo processo
referido ao mesmo processo, no que se investiram os papéis das partes.
Funda-se no princípio da economia processual, já que, bem como a lei
permite que o demandante formule diversas pretensões compatíveis em
forma conjunta, igualmente permite que o demandado faça o próprio em
contra do ator, com o fim de reuni-las no mesmo processo. Terá então
dois ou mais pretensões opostas numa mesma litis, com o qual se evita
a multiplicidade de juízos.61
O juiz, quanto ao fato, não pode ter a iniciativa, não pode tê-la de maneira
alguma; sua decisão deve basear-se unicamente nos fatos que as partes
credenciaram; só pode esclarecer aqueles que estas alegaram. A missão
do juiz consistirá em reduzir os fatos expostos e credenciados pelas
partes a um tipo jurídico, a fim de determinar o direito aplicável. É o
denominado processo de subsunção, é o enlace lógico de uma situação
particular, específica e concreta com a previsão abstrata, genérica e
hipotética contida na lei.
A citação equivocada que faça o ator de disposições legais não altera
a substancial da demanda, nem a fisionomia da ação, erro de citação
não obriga ao juiz da causa, pois, é este a quem corresponde aplicar
independentemente o Direito, podendo até chegar a qualificar a ação em
diferente forma que o ator, sempre que se ata à ação mesma, sem variar os
fatos constitutivos da causa, nem as petições que constituem seu objeto.62
Cabe então distinguir, entre a questão essencial, cuja consideração não
pode omitir-se, e os meros argumentos das partes dos quais o juiz não
está obrigado a pronunciar-se sobre eles.63
Tende a assegurar a eficácia da defesa: de nada valem as alegações se
o tribunal não se digna a considerá-las.64
O tribunal deve abster-se de considerar questões alheias à litis. Não se
pode omitir, de uma parte, a consideração de uma questão essencial;
não se pode introduzir, da outra, uma questão estranha ao processo. Se
contraviria a regra setentia debet esse conformis libello.65
A falta de congruência não produz a inexistência da sentença, senão sua
anulabilidade por meio da utilização dos recursos que possam fazer-se contra
a sentença.66

60
Idem.
61
VELASCO SANTELICES, ob. cit., p. 37.
62
Revista de Derecho y Jurisprudencia, Tomo LII, Sec. 1ª, p. 81.
63
POZO SILVA, ob. cit. p. 237.
64
Idem, p. 238.
65
Idem, p. 238.
66
ARAGONESES, ob. cit. p. 222.

254 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 241-271, abr./jun. 2015
Limites ou alcances do devido processo conforme a Constituição desde a ótica ...

A incongruência é um erro in procedendo ou um defeito processual e não


um erro substancial da sentença. Mas esse defeito não vicia de nulidade à
sentença, senão que impõe a necessidade de que seja corrigida mediante
o oportuno recurso de apelação ou cassação.67
Quando o juiz denega o não pedido incorre, mais do que num vício de
incongruência por ultra petita, em incongruência por extra petita, que se dá
quando se concede como quando se denega o não pedido pelas partes,
pelo que a sentença que excede quantitativamente da pretensão dos
litigantes incorre, primariamente, em incongruência por extra petita, uma
vez que a sentença se pronuncia em primeiro termo a respeito de questões
não suscitadas, o que motiva o aumento quantitativo do petitum.68
A maneira de constatar se existe ou não ultra petita, na sentença que
se trata de casar, é analisando a questão controvertida no pleito com
a parte resolutiva da sentença mesma; e a questão controvertida a
achamos, por regra geral, consignada à conclusão, em forma de petições
concretas, nos escritos fundamentais da demanda e de contestação, e,
excepcionalmente, nos de réplica e tréplica, se se trata da única ou
primeira instância e no escrito de apelação e adesão, quando o pleito se
acha em alçada.69
Existe incongruência quando a parte dispositiva da sentença concede
mais do pedido pelo ator ou mais do resistido pelo demandado.70
Incorre em incongruência por extra petita, ou excesso de poder, a decisão
judicial que, apartando-se das pretensões formuladas pelos litigantes,
concede coisa diferente à pedida. Assim, por exemplo, quando tendo-se
solicitado na demanda que se condene aos demandados a “fazer outras
reparações” a sentença condena “ao pagamento de uma determinada
quantidade de dinheiro”.71
Se produz por uma omissão tanto qualitativa como quantitativa, dando-se a
primeira quando a sentença não decide num ou em outro sentido alguma das
petições que integram cada pretensão, como, por exemplo, quando se pede a
rescisão e a indenização de prejuízos, mas se decide afirmativamente sobre
o primeiro e se omite o pronunciamento do segundo. E terá incongruência por
um defeito quantitativo quando se decide sobre uma pretensão em extensão
menor que o solicitado, por exemplo, quando se pede a entrega de uma
quantidade como preço de uns serviços ou de uma compra, e a sentença
concede ou nega uma quantidade menor do que a solicitada.72
O vício de incongruência por infra petita não surge por pronunciamento
menor do que o solicitado em extensão qualitativa, já que em tal caso
entranharia mais bem uma incongruência por citra petita e não por infra
petita, quando o órgão jurisdicional se abstém de pronunciar-se sobre
algum extremo da demanda dos contendentes, o que dá lugar a uma

67
ECHANDÍA, ob. cit., p. 433.
68
MILLÁN, ob. cit., p. 105.
69
CASARINO VITERBO, Mario: Manual de derecho procesal. Tercera edición. Santiago, Chile: Editorial Jurídica de
Chile, 1974. Tomo IV. p. 314.
70
ARAGONESES, ob. cit. p. 889 y ss.
71
MILLÁN, ob. cit.
72
Idem.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 241-271, abr./jun. 2015 255
Hugo Botto Oakley

omissão de pronunciamentos. Assim que a incongruência infra petita só


se dá no aspecto quantitativo da pretensão e não qualitativo, tal suposto,
em puridade, não origina em modo algum incongruência, salvo que a
sentença concede menos do admitido pelo demandado.73
Os motivos para a solução não precisam ser propostos expressamente
pelo demandado, já que pode advertir o juiz a inexistência dos fatos
constitutivos, seja por sua inexistência absoluta ou porque não foram
provados, ou lhe conste a presença de outros fatos extintivos ou
impeditivos, devendo desestimular a demanda e absolver ao demandado.74
Esta incongruência por citra petita ou por omissão de pronunciamento,
pode-se dar por falta de resolução; por ser a sentença incompleta, por adiar
a decisão ou por reserva inoportunamente a ação para outro processo.75
Ao existir esta incongruência se terá uma sentença negatória de justiça
ou só incompleta, com a qual o julgador não cumpre o dever que o estado
lhe impõe o direito de ação e de contradição. O primeiro ocorrerá quando
se denegue a decisão no fundo, sem ser procedente a inibição; quando
se adie a resolução ou se diga que será pronunciada em outro processo,
sem que assim o ordene a lei. O último quando se dite sentença de fundo,
mas se deixa de estudar alguma petição ou exceção.76
Nem quando se trata de petições alternativas a vontade do demandado
ou a juízo do juiz e se acolha a escolhida guardando silêncio sobre a
outra; nem quando as petições estão formuladas tão defeituosamente
que não é possível entendê-las e resolver sobre elas; nem quando se
profere sentença inibitória porque existe uma indevida acumulação de
pretensões ou falte a legitimação na causa ou o interesse substancial
para fazer, ou exista coisa julgada (mas se equivoca o juiz ao invocar
estas causas de sua abstenção e em realidade a sentença de fundo era
procedente, aparecerá a citra petita).77

2 Alcances e limites
De todos os conceitos expostos se pode extrair o seguinte em relação aos
alcances e limites reconhecidos tradicionalmente a respeito da congruência processual:
a) limite por ultra petita;
b) limite por extra petita;
c) limite por citra petita.
Em todos esses limites, que poderíamos qualificar de internos ou propriamente
de congruência processual, a definição de sua participação, por sua vez, tem um
limite externo e que é o necessário para a comprovação do respectivo limite interno,

73
MILLÁN, ob. cit.
74
Idem.
75
ARAGONESES, ob. cit., p. 121.
76
ECHANDÍA, ob. cit.
77
ECHANDÍA, ob. cit.

256 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 241-271, abr./jun. 2015
Limites ou alcances do devido processo conforme a Constituição desde a ótica ...

o qual está determinado pela correlação específica entre as pretensões deduzidas


pelas partes do juízo, com relação ao formalmente resolvido na sentença a respeito
de tais pretensões, no sentido de que aquela não pode ir além dos limites que lhe
determinam estas.
Em consequência, esses limites são meramente formais e a comprovação da
participação de incongruência sobre a base daqueles determina-se exclusivamente
por uma análise comparativa e não de mérito entre a sentença e as pretensões.
Tradicionalmente, então, não se considera dentro dos limites da congruência
processual a correlação entre a prova legalmente rendida e o resolvido sobre aquela,
na sentença, o qual sustentamos quanto a que dita correlação faz parte dos limites
da congruência processual, já não meramente formais senão que como limites
substantivos dela.
Adiantamos, quanto a seus alcances, que a correlação entre a prova e a
sentença, em nosso conceito, está definida pela origem da prova, as regras do ônus
probandi e as regras de sua valoração.
Assim, afirmamos a existência de um quarto limite, propondo a criação de um:
d) limite por “ultra prova”, o qual segue o que propomos como limites formais à
ultra petita, extra petita e citra petita e como limite substantivo à ultra prova
em razão de sua origem, regras do ônus probandi e regras de sua valoração.

3 Incongruência
3.1 Classes de incongruência
Revisada a doutrina mais clássica a respeito da incongruência, tratando de
estabelecer um ponto de partida, parece-me que a classificação de Jaime Guasp em
positiva, negativa ou mista é a mais clara.
A incongruência é positiva, quando “a sentença concede ou nega o que ninguém
pediu, dando ou recusando mais quantitativa ou qualitativamente do que se reclama”.
É negativa quando “a sentença omite decidir sobre algumas das pretensões
processuais”.
É mista quando concorre “uma combinação da positiva e da negativa”, isto é,
naqueles casos em que “as sentenças decidam sobre objetos diferentes ao pretendido”.
Segundo sabemos, partindo de sua origem românica, a classificação de
incongruência mais conhecida é:

Incongruência por Ultra Petita (ne eat judex ultra petita partium)
Incongruência por Extra petita (ne eat extra petita partium)
Incongruência por Infra petita (ne eat judex infra petita partium)
Incongruência por Citra petita (ne eat judex citra petita partium).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 241-271, abr./jun. 2015 257
Hugo Botto Oakley

Guasp também estende o conceito de incongruência a razões quantitativas


e a razões qualitativas, segundo se a sentença dá ou nega o que não se pediu,
destacando o aspecto qualitativo.
Por sua vez, Millán expressa que quando “o juiz denega o não pedido incorre,
mais do que num vício de incongruência por ultra petita, em incongruência por
extra petita, que se dá quando se concede como quando se denega o não pedido
pelas partes, pelo que a sentença que excede quantitativamente da pretensão dos
litigantes incorre, primariamente, em incongruência por extra petita, uma vez que a
sentença se pronuncia em primeiro termo a respeito de questões não suscitadas,
o que motiva o aumento quantitativo do petitum”, o que significaria uma espécie de
incongruência por extra petita.
Em relação à incongruência por infra petita, para Guasp se “produz por uma
omissão tanto qualitativa como quantitativa, dando-se a primeira quando a sentença
não decide num ou em outro sentido alguma das petições que integram cada pretensão,
como por exemplo, quando se pede a rescisão e a indenização de prejuízos, mas se
decide afirmativamente sobre o primeiro e se omite o pronunciamento do segundo. E
terá incongruência por um defeito quantitativo quando se decide sobre uma pretensão
em extensão menor que o solicitado, por exemplo, quando se pede a entrega de uma
quantidade como preço de uns serviços ou de uma compra, e a sentença concede ou
nega uma quantidade menor do que a solicitada”.78
No entanto, sobre dito tópico, Millán sustenta coisa diferente, ao indicar que “o
vício de incongruência por infra petita não surge por pronunciamento menor do que
o solicitado em extensão qualitativa, já que em tal caso entranharia mais bem uma
incongruência por citra petita e não por infra petita, quando o órgão jurisdicional se
abstém de pronunciar-se sobre algum extremo da demanda dos contendentes, o que
dá lugar a uma omissão de pronunciamento. Assim que a incongruência infra petita
só se dá no aspecto quantitativo da pretensão e não qualitativo, tal suposto, em
puridade, não origina em modo algum incongruência, salvo que a sentença concede
menos do admitido pelo demandado”.79
Segundo Aragoneses, a incongruência por citra petita “se pode dar por falta
de resolução; por ser a sentença incompleta, por adiar a decisão ou por reservar
inoportunamente a ação para outro processo”.80
Por sua vez, Devis Echandía ensina a respeito da citra petita que quando
coincida “se terá uma sentença negatória de justiça ou só incompleta, com a qual o
julgador não cumpre a plenamente o dever que o estado lhe impõe o direito de ação e
de contradição. O primeiro ocorrerá quando se denegue a decisão no fundo, sem ser

78
GUASP, ob. cit.
79
MILLÁN, ob. cit.
80
ARAGONESES, ob. cit., p. 121.

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Limites ou alcances do devido processo conforme a Constituição desde a ótica ...

procedente a inibição; quando se adie a resolução ou se diga que será pronunciada


em outro processo, sem que assim o ordene a lei. O último quando se dite sentença
de fundo, mas se deixa de estudar alguma petição ou exceção”.81
De outra parte, também em matéria de incongruência, distinguiu-se entre a
chamada omissão parcial e omissão total do pronunciamento da sentença, sobre o
qual Millán, citando a Calvosa, expressa que “A omissão parcial será com a mesma
ação, e no mesmo processo se propõem ao juiz várias demandas, e na sentença se
decide só com respeito a alguma, omitindo-se a decisão das restantes”.82
O mesmo Millán, sobre a postura que comenta, expressa que não se trataria
de uma omissão parcial senão total, “... já que, se toda ação supõe um processo
e todo processo exige uma resolução, a omissão de pronunciamento sobre alguma
das ações interpostas implicam omissão total de resolução”, agregando que, “as
ações acumuladas se exercitam e resolvem através de um mesmo procedimento e
mediante um único ato resolutório”.83
Finalmente, tenhamos presente a regra de origem romana da congruência “judex
judicare debet secundum allegata et probatia partium”, que não somente refere ao
alegado, aduzido ou pretendido pelas partes: “allegata partium”, senão também
ao provado pelas partes: “probatia partium”, origem que permite sustentar desde
um começo, com certeza, a tese que afirmamos, no sentido de que a congruência
processual não se limita à correlação só do pretendido e o sentenciado, senão
também à correlação entre o provado legalmente e o sentenciado ao efeito.
A sentença congruente, por sua vez, só responde à exigência de validez da
mesma e a nenhum outro aspecto relacionado com a justiça ou verdade representado
na decisão jurisdicional, devendo coincidir com a correlação entre as pretensões e a
sentença, identidade das partes do processo, a respeito do objeto pedido e também
com relação à causa de pedir.
Aquela que só considera dentro da congruência a correlação entre as
pretensões e o resolutivo da sentença é a congruência processual, que poderíamos
chamar clássica ou tradicional e a chamamos formal. Isso e ponto ou nada mais é a
congruência processual no entendimento doutrinal e jurisprudencial histórico. Nossa
postura, declarando que não conhecemos outra anterior, afirma que a congruência
processual também inclui, como dissemos antecedentemente, a correlação entre
prova e sentença, onde, e de ali sua importância, já não só o é com relação ao
resolutivo da sentença, senão também com relação ao considerativo da sentença,
especificamente com relação aos considerandos relativos com a prova legalmente
rendida. A chamamos congruência substantiva.

81
ECHANDÍA, ob. cit.
82
MILLÁN, ob. cit., p. 155.
83
MILLÁN, ob. cit., p. 28.

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Hugo Botto Oakley

4 A arbitrariedade da sentença
A pergunta natural é: Quando a sentença é ou não arbitrária?
Dois conceitos são os que deveríamos analisar, para tentar responder à pergunta
anterior. Eles são: razão ou razoável e arbítrio ou arbitrário.
Razoável significa aquilo que se apresenta como o conjeturável ou previsível,
conforme o processo, sistema, direito, e, arbitrário aquilo em que coincide uma vontade
não governada pela razão, “apetite” ou capricho ou impulso instintivo motivado por
um desejo ou por puro desejo, apartado das regras ordinárias e comuns.
Já vimos que a jurisprudência mecânica, representada pela fórmula N X H =
Decisão, muito própria da análise do chamado realismo jurídico norte-americano,
qualificou a essa forma de raciocinar como “fundamentalismo jurídico”, “formalismo”,
“dedutivismo” ou “teoria fonográfica do direito”.
Também dissemos que a rejeição da aplicação da lógica redutiva levou à busca
dos fundamentos da decisão do juiz em fatores como:
- intuicionismo;
- personalidade do juiz;
- teoria da gastronomia jurídica.
Agora, distinguindo entre processo de descoberta e processo de justificativa, a
lógica dedutiva e independente das críticas que se possam formular, a nosso modo
de ver, podem e devem ser aplicáveis em todo processo, conseguindo-se assim ou
ao menos se tentando que a decisão judicial, à parte de incorporar elementos da
personalidade ou intuições ou ambientais, incorpore necessariamente os chamados
parâmetros do razoável.
Também já citamos aos autores Miller e Howell, que com toda razão, em nosso
conceito, sustentaram que “A razão... não é a vida do direito. É parte do direito, mas
a vida? Não”.84
Se por razão entendemos a derivação lógica a partir dos princípios gerais e
abstratos, então o processo não atua assim; no entanto, se entendemos por razão
um processo de observação disciplinado unido a um reconhecimento de que existe
uma eleição entre valores alternativos e o estudo das possíveis consequências da
decisão, então a razão tem um papel de primeira ordem.
Mas, cuidado, a razão não é a solução exclusiva para resolver a arbitrariedade
da sentença, pois, seguindo a Paul Freai, a quem já também citamos e reproduzimos,
“uma sentença pode ser racional e, no entanto, não merecer aprovação, por não ser
correta nem justa”.85

Millar y Howell, ob. cit.


84

Frenad, ob. cit.


85

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Limites ou alcances do devido processo conforme a Constituição desde a ótica ...

Recordemos a citação que já fizemos de Luis Recaséns, quem distinguiu entre


racionalidade, no sentido da lógica tradicional e que considera noções de generalidade,
coerência, dedução e indução, com o logos do razoável, que incorporando realidade
social, valores, valores concretos e reais, valores para formulação de propósitos ou
finalidades, mas condicionados pelas possibilidades que depõe a realidade humana
social concreta, faz que os logos do humano ou do razoável estejam regidos por
razões de congruência ou adequação:
1) entre realidade social e valores;
2) entre os valores e os fins;
3) entre os fins e a realidade social concreta;
4) entre os fins e os meios, quanto à conveniência dos meios para os fins;
5) entre os fins e os meios a respeito da correção ética dos meios; e
6) entre os fins e os meios no que se refere à eficácia dos meios, chegando a
afirmar que “A produção do Direito (normas gerais ou jurisprudenciais) deve
estar inspirada pelo logos do razoável”.
E assim, portanto, se o logos do razoável está regido por razões de congruência
ou adequação, já no plano processual a congruência, como manifestação do
princípio de igualdade das partes, ao dizer de Omar Benabentos, é a essência de
uma sentença não arbitrária. Assim, se pensamos nas possibilidades, aplicação
e vigência do sistema processual dispositivo e da defesa processual, conjugando
justiça e liberdade pessoal, pode e deve entender-se e aceitar-se a participação de
uma decisão jurisdicional legítima; legítima em razão de sua congruência e legítima
por sua consequencial razoabilidade e inexistência de arbitrariedade.
Em concreto, a sentença congruente deve ser conforme o Direito e à Constituição,
para evitar que sob uma aparência ou roupagem de racionalidade incorra-se em
decisionismo que sempre é e será arbitrário.
Quanto à arbitrariedade, na Argentina, a Corte Suprema da nação sentenciou
em diferentes oportunidades que uma sentença incorre naquela quando estas são
“determinadas pela só vontade do juiz”,86 ou “sofrem de manifesta irrazoabilidade”87
ou de “desacerto total”.88
Tais tipos de arbitrariedades afetam a garantia constitucional do devido
processo em sua manifestação relacionada com o direito de defesa, sendo de
destacar o expressado por Genaro Carrió,89 citado ao igual que as três sentenças
indicadas precedentemente pela Doutora Cecilia Maio de Ingaramo, que assinala:
“o que realmente faz a Corte quando utiliza como ferramenta a noção de sentença

86
Tomo 238, p. 73.
87
Tomo 238, p. 566.
88
Tomo 242, p. 179.
89
CARRIÓ, Genaro: El recurso extraordinario por sentencia arbitraria. Argentina: Editorial Abeledo Perrot, 1978.
p. 315.

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Hugo Botto Oakley

arbitrária e, valendo-se dela, opera com o recurso extraordinário dentro do âmbito


excepcional deste, é desqualificar pronunciamentos ou decisões que vêm rotulados
como sentenças. Desqualifica-os em tanto tais porque, a juízo da Corte não chegam
a ser sentença em termos que satisfaçam os reclamos da Constituição Nacional”.90
Eduardo Couture e Clemente Díaz, ambos citados também pela Doutora Cecilia
Maio Deingaramo, referem-se à razoabilidade da sentença nos seguintes termos:
enquanto o primeiro ensina que “o estudo deste tema constitui, conjuntamente com
a ação e a exceção, a base sobre a que se assenta a ciência do processo. Em certo
modo as conclusões às que cheguei nesta matéria não só significam debater o tema
da sentença em si mesma, senão também o tema da jurisdição. O conteúdo e a
função da sentença são o conteúdo e a função da jurisdição”;91 o segundo ensina que
“a motivação da sentença judicial consiste na exposição, coerente e raciocinada das
causas que induzem ao juiz a qualificar juridicamente uma situação fática ou legal que
considera credenciada no processo”.92
Por último, Devis Echandía, analisando o dever dos juízes, de fundamentar as
sentenças, expressa que: “é uma maneira de evitar sentenças arbitrárias e permitir
às partes usar adequadamente o direito de impugnação contra as sentenças”, ao que
agrega Sagüés: “que mais de uma vez se distinguiu entre fundar uma sentença (isto
é referi-la a normas de direito positivo, que servirão à sentença) e motivá-la (apreciar
criticamente o material fático do pleito: questões de fato e de prova). A diferenciação
que se comenta, aceitada entre outros por Rafael Bielsa93 e Miguel A. Passi Lanza,94
não é terminante nem rígida, e com essa advertência, resulta sumamente atraente
sobretudo como critério de análise e exposição do discutido tema dos cuidados que
deve cobrir um pronunciamento judicial para ser constitucionalmente válido”. Estes
dois últimos autores também foram citados pela Doutora.
Neste contexto, afirmo que uma sentença incongruente é essencialmente
arbitrária e, portanto, anulável.

5 Natureza jurídica
O caráter de princípio normativo da congruência processual é a opinião uniforme
existente por parte da doutrina ibero-americana.

90
MAYO DE INGARAMO, Cecilia: Las reglas del sentenciar. trabajo expuesto en el Tercer Congreso Nacional de
Derecho Procesal Garantísta en la Provincia de Azul, Argentina, 2001.
91
COUTURE, ob.cit., p. 277.
92
DÍAZ, Clemente.
93
BIELSA, Rafael: Nociones generales de derecho procesal civil. Madrid, España: Editorial Aguilar, 1966. p. 66.
94
PASSI LANZA, Miguel A. El Recaudo de la fundamentación como condición de la sentencia constitucional. LL,
Tomo 97, p. 943.

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Limites ou alcances do devido processo conforme a Constituição desde a ótica ...

Devis Echandía assinala que a congruência “é o princípio normativo que exige a


identidade jurídica entre o resolvido, em qualquer sentido pelo juiz na sentença e as
pretensões e exceções propostas pelas partes”.
Por sua vez, Manresa, citado por Carlos Millán, acercando-se ao constitucional,
expressa que o “dever de congruência tem uma garantia dupla, porque, de um
lado, estabelece as regras às que deve de submeter-se o juiz, evitando a possível
arbitrariedade judicial, e, de outro, supõe também segurança para os litigantes, pelo
que o dever de congruência se funda no princípio jurídico natural de audiência”.95
Ainda Millán, num conceito mais generalista e antropológico, expressa que “o
dever de congruência quanto sua raiz última se deduz à tutela e proteção dos direitos
do homem como ser individual frente aos interesses da coletividade”.96
Portanto, a congruência processual, quanto à sua natureza jurídica, é um
princípio-base ou essencial, segundo todos, da relação entre as pretensões e a
sentença e, também, da relação da sentença com a prova ou entre a prova legalmente
rendida e o sentenciado sobre ela, na sentença.
Assim, quanto à natureza jurídica da congruência processual, sustentamos que
efetivamente é uma garantia fundamental da legitimidade da sentença que arranca
de um nível próprio do devido processo constitucional.

6 Fundamentos
Sobre os fundamentos jurídico-processuais da congruência processual, sustentou-
se que o princípio de congruência é uma derivação do princípio dispositivo. Aragoneses
expressa que “as partes possuem o domínio completo tanto sobre o direito substantivo
quanto sobre os direitos processuais implícitos no juízo no sentido de que são livres
de exercitá-los ou não. Neste sentido, é indubitável a íntima conexão entre o princípio
dispositivo e o de congruência já que nem a atividade processual pode versar sobre
outra coisa nem a sentença ir além da pretensão deduzida na demanda”.97
Também se sustentou que o princípio de congruência é um derivado do princípio
de contradição, expressando a este efeito Devis Echandía: “o juiz não pode impor uma
condenação maior ou diferente, ou deixe de resolver. Em certo sentido pode dizer-se
que se o juiz condena a algo não pedido, o demandado não teve ocasião de contradizer
esse ponto; mas a observação é aparente, porque a contradição da prova em geral e
a oportunidade de fazer-se ouvir permanecem incólumes nessa hipótese”.98

95
MILLÁN, ob. cit., p. 21.
96
Idem, p. 18.
97
ARAGONESES, ob. cit., p. 141.
98
ECHANDIA, ob. cit., p. 435.

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Hugo Botto Oakley

Concorre também a teoria que funda o princípio da congruência na necessidade


de impedir um excesso de poder por parte do juiz.
Por sua vez, Aragoneses ensina “que a falta de resolução sobre os pontos
litigiosos ou combatidos no pleito origina a incongruência e ninguém pode dizer com
fundamento que isto seja um excesso dos poderes do juiz, senão ao invés, a falta de
uso das faculdades e correlativos deveres que lhe estão conferidos”.99
Jaime Guasp sustenta o que se denominaria o princípio de congruência e que
se relaciona com o conceito mesmo de processo e sentença, expressando que “o
processo é um instrumento jurídico destinado à atuação de pretensões, do que se
deduz que toda pretensão dirigida ao órgão jurisdicional dá lugar a um processo e,
ao inverso, que não é concebível um processo sem a existência de uma pretensão;
agora bem: sendo a sua vez a sentença o ato de terminação normal ou de decisão de
um processo de cognição, compreende-se que em dita sentença deverão refletir-se
os dois princípios recém-assinalados; toda pretensão dirigida ao órgão jurisdicional
deve ser resolvida na sentença e, ao inverso, não é concebível uma sentença sem
que em seu conteúdo se refira a uma pretensão. Este é precisamente o significado
do requisito da congruência positiva, negativa e mista. A sentença que incorre
numa incongruência positiva não é verdadeira sentença porque não se refere a uma
pretensão anterior; a sentença que incorre numa incongruência negativa deixa de
recolher uma pretensão ou parte de uma pretensão; a sentença que incorre numa
incongruência mista reúne os dois vícios anteriores”.100
Sobre este tópico e princípio, recordemos que Devis Echandía expressa que
“a relação jurisdição compreende tanto a ação e a contradição com a pretensão e a
exceção que em exercício destes direitos se formulam ao juiz para determinar os fins
mediatos e concretos do processo, e desta maneira fixa a matéria sobre a que deve
versar a sentença”.101
Por último, recorrendo novamente a Pedro Aragoneses, pode sustentar-se que
o fundamento do princípio de congruência está ancorado no de uma atendibilidade
imparcial, já que, segundo ele, “por existir a regra geral de que as condutas
regularmente produzidas pelas partes no processo têm que ser atendíveis, o órgão
jurisdicional tem de resolver sobre quantas questões proponham oportunamente
as partes. Pelo princípio de que tal atendibilidade tem de ser imparcial, o órgão
jurisdicional tem que resolver dentro dos limites nos que as partes estabelecem sua
controvérsia, porque a elas corresponde vigiar seu interesse, e toda intromissão do
órgão jurisdicional na esfera de disponibilidade das partes é perigosa sem que isto
seja obstáculo a que o órgão jurisdicional possa atuar, rebaixando a atividade das

99
ARAGONESES, ob. cit, p. 142.
100
GUASP, Comentarios a la Ley de..., ob. cit.
101
ECHANDÍA, ob. cit., p. 435.

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Limites ou alcances do devido processo conforme a Constituição desde a ótica ...

partes naqueles supostos nos que o ordenamento jurídico lhe confere a vigilância de
ofício de tais extremos”.102
Assim proposta a congruência processual quanto a seus fundamentos,
sustentamos que é base essencial para que exista uma sentença legítima.

7 Estrutura da congruência processual segundo nossa


postura e nosso conceito
Entramos no tema do conceito a respeito da congruência processual com relação
à prova, citando o jurista colombiano, já tantas vezes aludido nessa investigação,
Hernando Devis Echandía, que expõe uma opinião diametralmente oposta a esta
tese, a respeito da relação existente entre a prova e a congruência processual, ao
assinalar que “a iniciativa ou passividade do juiz na investigação dos fatos não fazem
parte da congruência, que olha só a atividade de resolver. Aquelas se relacionam com
os princípios inquisitivo e dispositivo do procedimento e determinam a legalidade
ou ilegalidade da conduta do juiz em matéria de provas, mas não se referem à
congruência da sentença, que olha só a harmonia entre decisão e pretensão-exceção,
ou entre imputação ou decisão (o último no processo penal)”.103
Em nossa postura, a estrutura da congruência processual apresenta rasgos ou
bases de razoabilidade e coerência indispensáveis que, sem os quais, transforma-a
automaticamente em incongruência.
Graficamente, segundo já dissemos, a congruência processual como princípio
normativo do direito processual, em rigor, do procedimento ou do direito procedimental, é:

CONGRUÊNCIA PROCESSUAL

RAZOABILIDADE COERÊNCIA

Dessa forma, a congruência processual é a relação coerente e lógica que deve


coincidir entre as pretensões das partes e o resolvido na sentença e também entre a
prova rendida pelas partes e o resolvido sobre ela na sentença.
Como se vê claramente, nosso conceito amplia o campo de ação da congruência e,
isso, por verdadeiro, com a mesma consequência, isto é, será incongruente e portanto
anulável aquela sentença que não só desrespeite a relação entre as pretensões e a
sentença, senão também aquela em que não resolve conforme a prova legalmente
rendida exclusivamente pelas partes, em base a prova decretada pelo juiz ou em que
não se respeitam as regras de ônus e apreciação ou valoração da prova.

ARAGONESES, ob. cit., p. 144.


102

ECHANDÍA, ob. cit., p. 439.


103

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Hugo Botto Oakley

Reiteramos, sustentamos e afirmamos que será anulável, ou sofrerá de um vício


de nulidade, aquela sentença ditada em contravenção às regras de iniciativa probatória,
ônus probatório e valoração probatória e que é equivocada a posição doutrinal daqueles
que sustentam que não é um vício de incongruência ou in procedendo, senão que de
fundo ou in iudicando.
Não podemos terminar esta parte sem antes reafirmar nossa postura num sólido
argumento histórico da congruência processual, estabelecido no conhecido brocardo,
já citado parcialmente e que agora completo: “sententia debet esse conformis, libello;
ne eat judex, ultra, extra aut citra petita partium; tantum legatum quantum judicatum;
judex judicare debet secundum allegata et probatia partium” cuja tradução é: “A
sentença deve estar conforme a reclamação escrita, para que o juiz não vá além, fora
ou mais cá das demandas das partes; tanto o imputado como o sentenciado; o juiz
deve julgar de acordo com as razões alegadas e provadas pelas partes”.

8 A motivação da sentença
Proposto que a sentença do tribunal ad quem pode ser confirmatória ou revogatória
da de primeira instância, sob a só condição de que esta seja válida ou isenta de vício
de nulidade como o é a incongruência, é necessário estabelecer os limites do raciocínio
jurídico lógico e coerente que permita legitimar a sentença além de sua validez formal.
Aqui, pensamos, surge o grande tema da motivação da sentença ou do chamado
raciocínio motivado da sentença, onde se requer uma fundamentação íntegra ou
completa, além de logicamente raciocinada, para que se possa concluir a respeito de
sua validez de fundo.
Neste contexto, toda e cada pretensão proposta pelas partes, seja do demandante
ou demandado, bem como toda prova rendida sobre os fatos controvertidos, requerem
um raciocínio lógico e coerente para poder entender por que o juiz aceita ou recusa
umas ou outras, devendo explicar isso pormenorizadamente de forma tal que qualquer
indivíduo possa compreender o raciocínio coerente e lógico do sentenciador que o
levou a decidir em tal ou qual sentido.
Poderá não ser de nosso gosto o resultado da decisão expressado na sentença
e inclusive não compartilhar ou estar em desacordo com o raciocínio do sentenciador,
mas sua análise tem que levar qualquer um a concluir que é um resultado de
decisão jurisdicional motivado lógica e coerentemente e conforme o direito. Só assim
poderemos concluir a existência de uma sentença congruente e, portanto, legítima,
ainda que, reiteramos, não concordemos com sua decisão e motivações.

9 Revisão da sentença
Sabemos, até agora que o vício de incongruência exclusiva e excludentemente
só pode coincidir na sentença. Assim se entendeu por toda a doutrina processual,

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Limites ou alcances do devido processo conforme a Constituição desde a ótica ...

aplicado pela jurisprudência e regulado normativamente nas legislações positivas de


ajuizamento dos países ibero-americanos.
Em consequência, será na revisão que se faz da sentença pelas partes ou pelo
tribunal ad quem onde se concluirá acerca da participação do vício de incongruência.
Antes não seria possível, por consequência lógica.
Para comprovar aquela, na perspectiva de nossa tese, isto é, que a incongruência
da sentença também coincide quando não existe uma correlação entre ela e a
prova legalmente rendida, é necessário que consideremos as normas de valoração
dos diferentes meios de prova e a apreciação comparativa entre eles, à parte, por
verdadeiro, do mesmo quando se permite iniciativa probatória jurisdicional ou o uso
dos chamados ônus dinâmicos da prova.
Em base à organização piramidal, se nos ensinou que na primeira instância o juiz
tem competência sobre os fatos e o direito; que na segunda instância o tribunal tem
também competência sobre os fatos e o direito e, finalmente, ante a Corte Suprema,
que este Tribunal tem competência apenas sobre o direito e excepcionalmente sobre
os fatos se se infringiram as chamadas leis reguladoras da prova.
Vejamos, para esses efeitos, a revisão da sentença por parte do tribunal ou de
segunda instância, já que na postura exposta tem igual competência do tribunal de
primeira instância, isto é, sobre os fatos e o direito, a diferença da Corte Suprema
é que sua competência é mais restringida e, portanto, menos extensiva, o que faz
menos enriquecedora a possibilidade da análise do exemplo.
Para isso, a pergunta-chave é a seguinte: qual o alcance da função fiscal da
sentença de primeira instância por parte do tribunal ad quem?
Coincidimos e não conhecemos opinião em contrário, que o objetivo de uma
sentença passa por sua legalidade e, portanto, qualquer seja o grau do tribunal que
atua frente a uma sentença, revisará e velará pela legalidade daquela, tendo faculdades
legais para atuar de ofício, se for o caso, a fim de velar pela legalidade da sentença.
Diria que a legalidade da sentença faz, à essência desta, de modo tal que uma
sentença ilegal, ainda que se considere justa, não pode subsistir numa função fiscal
de um tribunal superior.
Agora, pensemos no caso de uma sentença de primeiro grau que se baseando nos
dois únicos meios de prova rendidos, resolva em determinado sentido, descartando
o valor probatório da prova testemunhal rendida por uma parte, em forma correta,
e dando mérito probatório ao único relatório pericial rendido pela outra parte, o que
apreciou conforme as regras da sã crítica.
Em dito caso, pode o tribunal revogar essa sentença, aplicando os juízes fiscais
suas próprias máximas de experiência, constitutivas da sã crítica com que devem
apreciar o valor probatório da peritagem rendida e que não coincide com o critério
sobre aquelas do juiz de primeira instância?

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 241-271, abr./jun. 2015 267
Hugo Botto Oakley

Os exemplos assim podem multiplicar-se e só resta perguntar-nos acerca do


alcance ou extensão da função jurisdicional de revisão das sentenças, por via recursiva.
É nosso parecer a circunstância de que o tribunal tenha tanto competência
acerca dos fatos como do direito, isso não quer dizer que esteja facultado para aplicar
seu próprio e novo critério na revisão da sentença, senão que o que deve fazer é
velar, em primeiro lugar, pela legalidade da sentença, revisando que o raciocínio do
juiz de primeira instância seja conforme a extensão e alcance das normas legais que
regulam dito raciocínio, em relação à prova rendida.
Nos dois exemplos assinalados precedentemente, ocorreria que em caso de
não coincidir as duas sentenças, a de primeiro e segundo grau, não obstante isso e
resolver de maneira absolutamente oposta, ambas seriam corretas e nos parece que o
sistema recursivo, por uma questão de mera lógica processual baseada na coerência
e predição, não pode “suportar” duas sentenças contraditórias, ambas corretas.
Assim efetuada a proposta ou visto o problema, cabe perguntar-se o que justificaria
a existência da primeira instância, se o tribunal de segunda instância pode revogar o
de primeira instância, não obstante a correção da sentença ditada por aquele?
Só o seria para que as partes tivessem a possibilidade de conformar-se com
dita sentença de primeira instância e decidir não recorrer, em especial e sempre a
parte perdedora, razão limitada que não resulta justificada.
Pois bem, esta proposta relativa ao alcance da função fiscal da sentença
pelo tribunal superior daquele que a ditou, acerca da sentença com relação à prova
legalmente rendida no juízo, tem direta relação com o alcance ou extensão que
propusemos nesta investigação acerca da congruência. Efetivamente, se a função
fiscal da sentença por parte do tribunal inclui velar pelo adequado e correto raciocínio
do juiz de primeira instância em relação à prova legalmente rendida no processo
(raciocínio legal em relação à prova que conduz à uma sentença válida), isso quer
dizer necessariamente que em caso de uma falta de adequação lógica na relação da
sentença com dita prova, isso constituirá um vício de incongruência da sentença e,
portanto, de nulidade dela e só uma vez declarada dita nulidade, poderá o tribunal
partir de um novo raciocínio diferente ao empregado pelo juiz ad quo, aplicando então
desde zero ou desde um novo e inteiramente diferente raciocínio, os fatos e o direito.
Prática comum é que os tribunais descartem a nulidade e “reparem” o vício
pela via ordinária da apelação, mas isso não é o juridicamente correto e tal prática
processual deveria ser desterrada, se pensamos que não se pode pela via ordinária
de apelação, que supõe uma sentença válida, erradicar-se um vício de nulidade, pois
se a sentença tinha o vício, simplesmente a sentença não era válida e deveu anular-
se e ditar-se uma nova sentença e não simplesmente revogar-se ou confirmar-se,
segundo corresponder, pois a revogação ou confirmação da sentença de primeiro
grau por via da apelação supõe uma sentença válida.

268 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 241-271, abr./jun. 2015
Limites ou alcances do devido processo conforme a Constituição desde a ótica ...

Caso contrário, ocorre que sobre uma sentença nula, raciocina-se para confirmá-
la ou revogá-la, o que em si é juridicamente incorreto.
E isso não é menor nem intransponível, já que no alcance que demos nesta tese
à congruência processual, além do tradicional, limitado à correlação entre o pedido e o
sentenciado, isto é, também incluindo naquela a correlação entre a prova legalmente
rendida e o sentenciado em base a ela, só pode o tribunal entrar a resolver corretamente
na revisão da sentença de primeira instância, confirmando-o ou revogando-o, se está
frente a uma sentença válida. Concorre-se um vício de incongruência, como o seria
em caso a sentença resolvesse sem a adequada correlação com a prova legalmente
rendida, primeiro deve anular a sentença e depois ditar uma inteira e nova sentença
sobre os fatos e o direito respectivo. Caso contrário, mistura-se uma sentença nula
com um raciocínio confirmatório ou revogatório que requer uma sentença válida para
que o mesmo possa plasmar-se em dita sentença.
Portanto, na correlação entre a prova legalmente rendida e a sentença, a busca
de dita correlação o será com respeito ao raciocinado sobre ela, com o qual neste
alcance da congruência o importante será a parte considerativa da sentença e não
sua parte resolutiva, a fim de verificar se a sentença é congruente ou incongruente,
isto é, nem mais nem menos, que se é legal ou ilegal.
Nada mais que essa é a transcendência de nossa tese. Também, nada menos
que isso.
Nosso conceito: a congruência processual é a relação coerente e lógica que
deve coincidir entre as pretensões das partes e o resolvido na sentença e também
entre a prova rendida pelas partes e o resolvido sobre ela na sentença.
Como se vê claramente, nosso conceito amplia o campo de ação da congruência
e isso, por verdadeiro, com a mesma consequência, isto é, será incongruente e
portanto anulável aquela sentença que não só desrespeite a relação entre as
pretensões e a sentença, senão também aquela que não resolve conforme a prova
legalmente rendida exclusivamente pelas partes, em base à prova decretada pelo juiz
ou em que não se respeitam as regras de ônus e apreciação ou valoração da prova.
Reiteramos, sustentamos e afirmamos que será anulável ou sofrerá de um
vício de nulidade, aquela sentença ditada em contravenção às regras de iniciativa
probatória, ônus probatório e valoração probatória e que é equivocada à posição
doutrinal daqueles que sustentam que não é um vício de incongruência ou in
procedendo, senão que de fundo ou in iudicando.
Assim, entendemos por congruência processual a necessária coerência e razoa­
bilidade que deve coincidir em todo ato processual em si e a respeito do conjunto
de atos processuais constitutivos do procedimento, tanto desde a perspectiva de
suas origens como desde a perspectiva de seus resultados potenciais e possíveis,
passando por seus desenvolvimentos e delimitados somente pelos pressupostos dos
fatos que os possibilitam, a norma que os regula e o valor que os justifica.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 241-271, abr./jun. 2015 269
Hugo Botto Oakley

Por sua vez, a sentença (continente e conteúdo que resolve dando a cada um
o seu no caso concreto) deve ser o resultado de um método (processo) congruente e
seu mérito resolutivo (meta) deve também basear-se num raciocínio lógico e coerente
(congruente) dentro do marco legal estabelecido, do que segue que só na medida
em que as instituições processuais do procedimento e o raciocínio fundamento da
sentença sejam congruentes, aquela, qualquer seja seu resultado, será legítima.
Portanto, não resulta possível pensar numa sentença de segundo grau côngrua em
base a uma sentença de primeiro grau incongruente, pois sobre o nulo não pode
raciocinar-se corretamente, devendo sempre, em áreas da necessária estrutura lógica
e coerente que deve ter toda sentença, realizar-se um raciocínio completo em base
a uma estrutura válida. Caso contrário, corre-se o sério risco do raciocínio incoerente
e ilógico e, portanto, arbitrário. Tratar de compatibilizar um raciocínio válido com um
baseado numa estrutura nula, além de perigoso, na maioria dos casos, se não em
todos, provocará um resultado incoerente e ilógico, isto é, não congruente.

Conclusões
1) Deve-se legislar o termo de “ultra prova”, como causa de nulidade da sentença,
a respeito dos casos em que se decrete prova de ofício, se alterem as regras do ônus
da prova ou se alterem as regras de valorização ou apreciação da prova.
2) Devem incorporar-se ao Código Processual Civil os seguintes artigos: “é nula
a sentença que raciocina sobre prova agregada de ofício”, “é nula a sentença que
altere as regras do ônus da prova” e “é nula a sentença que altera as regras de
valoração ou apreciação da prova”.
3) A congruência processual é base fundamental da estrutura orgânica do
procedimento e coincidindo neste cumpre-se sistematicamente com a exigência base
do devido processo constitucional de razoabilidade e justiça. Assim, deve coincidir
entre as pretensões das partes e o resolvido na sentença e também entre a prova
legalmente rendida pelas partes e o resolvido sobre ela na sentença.
Três citações importantes finais:
1. “As resoluções judiciais não devem “surpreender” às partes, afetando sua
defesa. (Augusto Morello, La Prueba, Editora Platense, 1991, p. 69).
2. “A primazia do princípio de economia não pode fazer-se com sacrifício da
segurança, bilateralidade e certeza que subjaz na base do sistema processual dispositivo
vigente”. (Augusto Morello, La Eficacia del Proceso, 2. ed., Hammurabi, p. 376-377).
3. Fraates, o rei de partos, propôs a Pompeyo passar por alto o tratado com
os persas e tirar-lhes terras para que o limite fosse o Eufrates. Pompeyo contestou:
“Nós, os romanos, preferimos como limite o Direito”.

270 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 241-271, abr./jun. 2015
Limites ou alcances do devido processo conforme a Constituição desde a ótica ...

Agregamos: enquanto nosso limite seja o Direito, podemos confiar no devido


processo que a Constituição nos oferece e assegura.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

OAKLEY, Hugo Botto. Limites ou alcances do devido processo conforme a


Constituição desde a ótica da iniciativa probatória e a sentença. Revista Brasileira
de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 241-271, abr./
jun. 2015.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 241-271, abr./jun. 2015 271
La Reforma Procesal Civil – Una
necesidad, pero no a costa de un
retroceso

Hugo Muñoz Basaez


Magister en Derecho Procesal Universidad Nacional de Rosario, Argentina.

Palabras clave: Reforma Procesal Civil. Debido Proceso. Procedimiento. Retroceso.

Hay total acuerdo en el foro chileno acerca de la necesidad de modernizar el


servicio judicial para que éste responda adecuadamente a la comunidad. Me sumo
fervorosamente a ese diagnostico y a la motivación de la modificación.1
Así, la decisión del conflicto requiere ser efectiva y oportuna y nuestra comunidad
pueda avanzar y obtener una “justicia más pronta y eficaz”. Y hablo de servicio judicial
pues el Poder Judicial es un servicio público, creado al igual que todo el aparato del
estado en su origen para servir a la comunidad.
En el caso del Poder Judicial, para desarrollar la función jurisdiccional, que no es
sino la de resolver los conflictos de relevancia jurídica que ocurren en nuestra comunidad.
El ciudadano que acude en busca de solución, el justiciable, debe ser atendido y
su problema (su pretensión) debe tener una pronta y oportuna respuesta del sistema.
Esto no está ocurriendo con la justicia civil en nuestro país.
Me parece que también hay unánime opinión en que es posible avanzar en
procedimientos concentrados, en los cuales la oralidad sea el instrumento de interacción
de los intervinientes entre sí y/o con el Tribunal.
Podemos también estar de acuerdo en que se debe evitar y también sancionar
la morosidad procesal, el abuso de derecho y el fraude procesal. Estas cuestiones
es necesario que sean abordadas y para ello los Tribunales disponen de facultades
correctivas y disciplinarias en la Ley Procesal actual.
Cosa muy distinta es implementar técnicas legislativas “modernas” y
“progresistas” provenientes de otras latitudes, copiar o pretender copiar en nuestra
tradición jurídica y judicial, institutos de relativo y dudoso “éxito” y amparados en
aquella justificación, la cual por lo demás es totalmente opinable y criticable, y a partir

La necesidad de modernizar la justicia es un clamor en toda nuestra Latino America.


1

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 273-278, abr./jun. 2015 273
Hugo Muñoz Basaez

de aquellas premisas, dotar de facultades probatorias sin contrapeso al Tribunal y


en definitiva restituir en la práctica conductas, normas y reglas de corte inquisitivo,
autoritario y que desnaturalizan la finalidad y justificación libertaria, democrática y
pacífica del proceso judicial.
Partamos de un mito que es necesario desterrar. Los sistemas procesales son
Dispositivos y por ello serán entonces de corte Libertarios, o son sistemas Inquisitivos
y por tanto de origen o impronta totalitarios. Escapa a la finalidad de este artículo un
análisis histórico y descriptivo de los sistemas, pero el sistema Inquisitivo y el Dispositivo
(acusatorio en lo Penal), tienen características, elementos constitutivos y modelos en los
que la Doctrina tanto nacional como internacional está totalmente de acuerdo.
Dicho esto, afirmo en consecuencia, que no existen entonces sistemas mixtos.
Las cosas son o no son. La coherencia es una característica tan escasa en nuestra
comunidad jurídica que me parece debe comenzar a instalarse y debemos decir las
cosas tal cuales son y llamarlas de tal manera. En consecuencia, un sistema que
tenga elementos autoritarios, es un sistema que ya no es dispositivo, no puede ser
considerado como tal. Parte de la doctrina moderna, alguna corriente del Derecho
Procesal justifica esta mixtura y habla de sistemas “dispositivos mayormente” o
en los que predomina tal o cual sistema y esto no es correcto y aquella confusión
conceptual tiene nocivas consecuencias que deben ser remediadas desde ya.
La otra alternativa es optar por un sistema inquisitivo y sincerar aquella posición
y actuar en esa lógica y posterior consecuencia. Desde ya invito entonces a sincerar
esta cuestión.
Y me refiero a cuestiones que se regulan en el Proyecto, muy concretas, nada
etéreas, nada rebuscadas.
Si se trata de modificar el modelo de debate en materia civil, entonces hablemos
de ello.
El proyecto formula un cambio de paradigma. Se quiere mutar hacia un sistema
en que la interacción y el debate se realicen en audiencias orales, con presencia
ininterrumpida del Tribunal, en que la concentración y la continuidad rijan aquellos
actos procesales. Se habla también y además de Tutela Jurisdiccional, Iniciativa,
Dirección e Impulso Procesal, Buena Fe procesal, Igualdad de Oportunidades.
Y acá comienzan los problemas, pues el Proyecto agrupa todos esos conceptos
como “Principios Generales” y no todos ellos son precisamente principios.
Es evidente, me parece, que constituye avance muy interesante, transitar de
un sistema ritualista en exceso, con formalidades propias de la escrituración del
siglo IXX y XX, a un modelo de interacción en que la Oralidad, la Concentración y la
Inmediación sean la característica del sistema. El soporte tecnológico además hoy
aparece como imprescindible.
Sin perjuicio de ello, es a mi modesto entender y como cuestión de orden de
apropiación intelectual, debe quedar claro y quizás para que no vuelva a discutirse

274 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 273-278, abr./jun. 2015
La Reforma Procesal Civil – Una necesidad, pero no a costa de un retroceso

más, que tales características no son patrimonio exclusivo del Sistema Inquisitivo o
del Sistema Acusatorio, respectivamente, ya que tales aspectos (que solo son reglas
técnicas y no principios) pueden o no concurrir en uno o en el otro Sistema.
Lo que realmente distingue a uno u otro sistema son aquellas cosas, instituciones
o características, y más propiamente denominados Principios, que son o no compatibles
con aquellos, como lo son por una parte la Igualdad ante la Ley (llamada también
igualdad de las partes, también igualdad de armas) y en segundo lugar el requisito
excluyente del órgano que ejerce jurisdicción que es la Imparcialidad del Juzgador.
Respecto del primer principio señalado, la “igualdad de armas”, poderosa y
elocuente proyección de la igualdad ante la ley, llamado por algunos como la igualdad
de oportunidades, se parte de la base de la existencia y respeto de una regla de oro,
partimos de la garantía de las garantías y esta no es otra sino que aquel tratamiento
que la autoridad debe dispensarles a los justiciables en un proceso judicial que
no puede ser sino precisamente tratar como iguales a quienes concurren ante la
autoridad para que les dé solución pacífica y hetero compositiva a su conflicto.
Como señala dilecta y acertada doctrina, la gran virtud del proceso es que a
través de ese instrumento, puedo igualar a los que por definición son desiguales.
Esta afirmación no es un capricho ni apropiación del Garantismo Procesal. Esta
afirmación descansa precisamente en el motor del Estado de Derecho que consagra
con precisión la declaración constitucional de que todas las personas somos iguales
en dignidad y derechos y tratándose de una situación jurídica en que ambos se
encuentran en pie de igualdad, la autoridad así debe comportarse respecto de ambos
y tratarlos en consecuencia.
Por desgracia, esto que es tan evidente, y que nadie podría hoy en pleno siglo XXI
discutir, en la normativa que se propone, el Proyecto hoy en sede del H. Senado, se ve
duramente alterada y peligrosamente consagrada, abriendo una puerta a la arbitrariedad,
de la forma que explico a continuación respecto del segundo principio señalado.
En relación a la Imparcialidad, este atributo imprescindible de respeto, libertad
y de congruencia con el Debido Proceso, el proyecto lo reglamenta y desconoce en la
forma legislativa propuesta, en los artículo 288 inciso 2º, 289, 290, 342 parte final,
345 y 350 inciso 2ºdel proyecto, los cuales deben ser eliminados o sustancialmente
reformulados.
Esta critica formal, se funda precisamente en que otorgan facultades probatorias al
Juez que debe resolver el conflicto. Esta potestad otorgada al Juez Civil, puede afectar y
yo afirmo que afecta gravemente la debida y necesaria imparcialidad que la Constitución
garantiza a las partes y exige del Juez, a través del Debido Proceso que regula.
Como es sabido, la Constitución Política de la Republica de Chile, consagra una
serie de derechos y garantías entre otras normas en su artículo 19, y dentro de éstas,
se consagra de manera implícita el “Debido Proceso”. Esta situación probablemente

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 273-278, abr./jun. 2015 275
Hugo Muñoz Basaez

no redactado de la forma más feliz o apropiada la refiere a “La igual protección de


la ley en el ejercicio de sus derechos” disponiendo que “Corresponderá al legislador
establecer siempre las garantías de un procedimiento y una investigación racionales y
justos”. Esta es la manera como nuestro constituyente consagra el “Debido Proceso”.
La pregunta obvia surge de inmediato; ¿Si al otorgarse facultades probatorias al
Juez que debe resolver el conflicto, se puede afectar o no esa garantía?
Sostengo que es evidente que esa garantía se ve peligrar ante tales facultades.
Aclaro que afirmo que se puede afectar, no que se afecta necesariamente, ya que
ello dependerá de la eficacia o capacidad probatoria de la respectiva prueba. En otras
palabras, puede que determinada prueba decretada de oficio, sea probatoriamente
ineficaz, en cuyo caso ningún efecto relevante provocará pero, si por el contrario
produce algún efecto probatorio, sí afectará siempre la imparcialidad del Juez y ello
es grave e además nos parece que es inconstitucional.
De la simple lectura y análisis de texto, la Constitución Política, opta en
reconocer el llamado Debido Proceso, encargando a la Ley, establecer las garantías
de un procedimiento racional y justo y, por tanto, lo que corresponde preguntarse,
para definir si una institución procesal, o un modelo de enjuiciamiento cumple con
aquello, es si como consecuencia de su aplicación práctica los efectos que produce
son racionales y justos.
¿Para quién? Para ambas partes del proceso (procedimiento dice la norma),
ya que se trata de una disposición constitucional que está dentro de aquellas que
“La Constitución asegura a todas las personas”. En consecuencia, la pregunta a
responder es si es racional y justo que un Juez llamado a conocer de un conflicto
jurídico y sentenciarlo, pueda producir prueba que puede favorecer a una parte y, en
ese caso específico, puede perjudicar, necesariamente, a la otra.
La reforma al modelo de enjuiciamiento es totalmente necesaria y de ello no hay
dos opiniones. Me sumo a aquella tarea.
Parece apropiado reiterar que no existen los sistemas mixtos como se pretender
ejemplificar en el mensaje o se nos quiere atenuar con expresiones tales como que
el nuevo proceso civil es de corte dispositivo con elementos necesarios para dotar al
juez de facultades probatorias y así obtener una decisión mas pronta, oportuna y con
la meta de la búsqueda de la verdad.
Por ello que en este breve comentario acerca del proyecto, cita textualmente
a propósito de la facultad probatoria de oficio del Juez la norma del articulo 288
inciso párrafo 2º; “Hasta antes del término de la audiencia preliminar, el tribunal,
de oficio, podrá ordenar las diligencias probatorias que estime necesarias para el
esclarecimiento de la verdad de los hechos controvertidos, respetando el derecho de
defensa de las partes. En ejercicio de este derecho, las partes podrán solicitar, en el
mismo acto, una contraprueba a la solicitada por el tribunal, conforme a lo previsto en
el artículo 290. (Los subrayados, y los énfasis de texto, son nuestros).

276 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 273-278, abr./jun. 2015
La Reforma Procesal Civil – Una necesidad, pero no a costa de un retroceso

De esta simple norma colocada en la parte final de un artículo queda de marcada


evidencia, que la parte litiga entonces en contra del Juez.
¿Eso es correcto? Me parece que no es correcto. ¿Las partes contra quien
litigan? No es que acaso el conflicto de relevancia jurídica se produce entre las partes
y por qué entonces las partes pueden verse enfrentadas a litigar contra el mismo Juez
que debe resolver aquel conflicto. ¿Quiénes son los que tienen el conflicto? Obvio
que son las partes, demandante y demandado. ¿Quiénes son los que han formulado
afirmaciones acerca de los hechos del proceso? Es evidente que las partes en la
etapa de discusión.
Esta cuestión en el Derecho Penal, especialmente en el Juicio Oral, reglamentado
en el Código Procesal Penal, que si es un Modelo Acusatorio, está absolutamente
prohibido y el Tribunal, imparcial, impartial e independiente, no puede producir prueba
de ninguna especia, bajo sanción de Nulidad del Procedimiento y del Juicio, por alterar
la regla de garantía básica, esto es la Imparcialidad del Juzgador.
Si un mimbro del Tribunal oral, a pretexto de aclarar dudas que a ese Juez le
surgen de la declaración de un testigo o de un Perito, formula una pregunta, está ese
Tribunal produciendo prueba, a lo menos está propiciando que se rinda prueba, se
está provocando la prueba, cuestión que corresponde realizarla a las partes. Es que
acaso, en el Juicio Oral Penal, luego de una pregunta formulada por el Tribunal, las
partes pueden repreguntar o contra interrogar, por supuesto que no y es por ello que
cuando el Tribunal Oral lo hace, luego el Tribunal superior que conoce del Recurso
de Nulidad, declara nulo el juicio y ordena que se sustancie un nuevo juicio con
integrantes de aquel Tribunal que no estén inhabilitados por haber emitido ya opinión.
Ultima reflexión de este breve análisis. ¿Si esta cuestión tan simple y hoy
evidente, es aplicación sin discusión en el Juicio Oral Penal, porque le otorgamos
entonces aquella facultad al Juez Civil, además, sin contrapeso y control alguno?
De ello es que nos parece que dotar al Juez en el Proyecto de estas facultades
constituye un enorme retroceso, una verdadera involución, que además está en una
abierta incoherencia y notoria contradicción con las Reglas del Debido Proceso, que
explícitamente consagra el Pacto de San José de Costa Rica, pues el Juez que ordena
y produce prueba, hace labor propia de una de las partes y es evidente que vulnera su
necesaria e imprescindible cualidad, condición y garantía de Imparcialidad.
La búsqueda de la verdad, como lo dispone el artículo 288 parte 2º del Proyecto,
no puede ser la excusa que habilite al Juez a realizar labor propia de las partes y ello
debe ser motivo de reforma o a lo menos de readecuación legislativa.
No puede ni debe ser excusa porque además, la finalidad del proceso es
resolver el conflicto de relevancia jurídica, otorgando a las partes satisfacción de su
pretensión, decisión que debe aproximarse en la mayor medida de posible a la verdad
y así hacer Justicia en el caso concreto.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 273-278, abr./jun. 2015 277
Hugo Muñoz Basaez

El fin jamás puede justificar los medios empleados en su obtención.


Estamos totalmente de acuerdo en la imperiosa necesidad de modernizar el
Procedimiento en Materia Civil. De ello no debe haber duda alguna.
No puede justificarse una justicia pronta y oportuna, vulnerando las garantías
del Debido Proceso.
Hacerlo en la forma propuesta por el Proyecto, nos parece debe ser motivo de
nuevo análisis.
Aun estamos a tiempo.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

BASAEZ, Hugo Muñoz. La Reforma Procesal Civil – Una necesidad, pero no a costa
de un retroceso. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte,
ano 23, n. 90, p. 273-278, abr./jun. 2015.

278 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 273-278, abr./jun. 2015
A ação rescisória no Novo Código de
Processo Civil

Humberto Theodoro Júnior


Professor Titular Aposentado da Faculdade de Direito da UFMG. Desembargador Aposentado
do TJMG. Membro da Academia Mineira de Letras Jurídicas, do Instituto dos Advogados
de Minas Gerais, do Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro, do Instituto Brasileiro
de Direito Processual, do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual e da International
Association of Procedural Law. Doutor em Direito. Advogado.

Palavras-chave: Garantismo processual. Ação rescisória. Novo CPC. Prova.


Sumário: 1 Uma advertência preliminar sobre o garantismo processual e a ação rescisória – 2 Ação
rescisória e garantia de justiça – 3 Conceito de ação rescisória no direito brasileiro – 4 Objeto da rescisória
– 5 Rescisória de decisão proferida em procedimento de jurisdição voluntária – 6 Casos legais de
admissibilidade da rescisória – 7 Legitimação do Ministério Público para a ação rescisória – 8 Caução – 9
Competência – 10 Prazo decadencial para a propositura da rescisória – 11 Contagem do prazo

1 Uma advertência preliminar sobre o garantismo


processual e a ação rescisória
Está em voga em certos círculos de estudos processuais colocar em confronto
o que se convencionou chamar de garantismo processual e o ativismo judicial. Nessa
experiência, aponta-se, a partir de um enfoque maniqueísta, para um antagonismo
total entre as duas ideias, em que uma exigiria a anulação da outra, de modo que
cada qual só teria possibilidade de ser adotada se o fosse de forma plena e exclusiva,
com o que se exclui qualquer possibilidade de convivência entre ambas.
É bom ressaltar, desde logo, que não participo de semelhante radicalismo, pois
levados ao extremo, tanto o garantismo como o ativismo não merecem figurar como
padrão ou medida do processo civil contemporâneo. É que no mundo dialético do
direito, instituto algum pode ser entendido e imposto em caráter exclusivo e absoluto.
Ademais, o terreno explorado pelos que se intitulam garantistas é hoje pertencente
mais ao plano filosófico do que ao jurídico, já que, nas concepções vigentes no direito
positivo organizado pelos estados democráticos, não se recusam poderes ao juiz de
iniciativa no comando do processo, seja para, de ofício, dinamizar sua marcha, bem
como para perseguir os meios probatórios necessários ao esclarecimento possível da
verdade material em torno dos fatos relevantes alegados pelos litigantes.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 279-306, abr./jun. 2015 279
Humberto Theodoro Júnior

O próprio termo garantismo, aliás, não tem correspondido a uma noção histórica
unívoca, pois filosoficamente, em suas origens, reportava-se apenas à garantia de um
processo estritamente fiel às conquistas do devido processo legal, tal como definido
pela ordem constitucional.1 Mais modernamente foi que a crítica feita em nome da
filosofia garantista se concentrou, de forma mais direta, sobre a necessidade de não
se confundir, como ocorria no jusnaturalismo, justiça com direito e efetividade com
validade normativa, e outros problemas da espécie ligados às ideologias políticas. A
superação deles é que deveria ocorrer através de adoção de um modelo normativo de
direito, “concebido pela estrita legalidade”, de acordo com aquilo que se passou a ter
como “um primeiro significado” para a noção de garantismo.2
Para o garantismo assim visto, procede-se à maximização da exigência de
tutelar, na ordem constitucional, os direitos fundamentais do indivíduo, como
liberdade pessoal, liberdade de imagem, liberdade religiosa, liberdade da propriedade
privada,3 liberdades essas que haveriam de prevalecer no processo civil, limitando os
poderes e faculdades do juiz.
Para início de ponderação convém considerar, nesse conflito — que é mais
ideológico do que normativo — que, segundo os garantistas, o mal a combater seria
o aumento sempre crescente dos poderes do juiz, os quais o colocam num patamar
superior ao das partes. A publicização do processo teria reduzido a liberdade de ação
dos litigantes, tornando o juiz — como comandante supremo do procedimento e da
pesquisa probatória —, um agente autoritário da justiça, um verdadeiro ditador judicial.
Em nome do combate a esse autoritarismo, o movimento garantístico preconiza
medidas como: (i) redução do protagonismo judicial, de modo a diminuir seu papel
no comando do processo; (ii) ampliação da disponibilidade das partes sobre seus
direitos em jogo no processo; (iii) reconhecimento da ampla liberdade das partes para
escolher os remédios processuais de seu interesse e para definir e produzir os meios
de prova que considerem úteis e adequados à defesa de seus interesses disponíveis;
(iv) reconhecimento do descompromisso do Judiciário com a apuração da verdade
(matéria que só diz respeito aos litigantes), devendo limitar-se à avaliação da prova
trazida ao processo pelas partes, ou seja, o juiz, para se manter imparcial, deve ser
privado de iniciativa probatória.
Reconhece-se a existência de doutrinadores de peso, mas não numerosos, que
se empolgam na defesa dessa garantia ampla da autonomia e liberdade das partes

1
CANTEROS, Fermín. Estrutura básica de lós discursos garantista e ativista del derecho procesal. In: Temas pro-
cesales conflitivos - 6. Rosario: Ed. Juris, 2012, p. 8. Cf. JOUVIN NETO, Armênio Clovis. Garantismo processual
X ativismo judicial. Algumas reflexões sobre o conflito entre as duas teorias. In: Arlete Inês Aurelli et al. (Org.).
O direito de estar em juízo e a coisa julgada. Estudos em homenagem a Thereza Alvim. São Paulo: RT, 2014.
p. 66.
2
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 4. ed. São Paulo: RT, 2014. p. 785-788.
3
IPPOLITO, Dario. O garantismo de Luigi Ferrajoli. Revista de estudos constitucionais, hermenêutica e teoria do
direito, n. 3(1), p. 36; apud JOUVIN NETO, op. cit. p. 65.

280 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 279-306, abr./jun. 2015
A ação rescisória no Novo Código de Processo Civil

e na luta contra o ativismo judicial, por entendê-lo comprometedor da imparcialidade


do juiz, valor havido como supremo, que se teria de preservar a todo custo, a bem da
melhor qualidade da prestação jurisdicional.
Não é, todavia, nesse rumo que se construiu a atual constitucionalização das
garantias básicas do processo concebidas pelo Estado Democrático de Direito. Em
síntese, o que se entrevê na ordem constitucional é o intuito evidente de implantar
um sistema democrático e cooperativo, em que o esforço para se alcançar uma justa
composição dos litígios seja exercido paritariamente pelos litigantes e pelo juiz.
Impõe-se, nessa altura, reconhecer que o direito de nosso tempo é pensado
mais a partir das funções dinâmicas que deve desempenhar no meio social, do
que das estruturas estáticas com que a ordem jurídica se organiza. Os apriorismos
conceituais são de pequena e escassa relevância, nessa perspectiva, pois o que
cumpre revelar e interpretar é o papel que se almeja desempenhar e o objetivo a ser
alcançado. O que importa para o jurista, no dizer de Bobbio, não é saber o que é o
direito, mas para que serve o direito.
Nesse prisma, após a completa constitucionalização do processo, transformado
que foi num complexo de garantias fundamentais, todas institucionalizadas como
instrumento destinado a produzir a pacificação social, mediante a justa composição
dos litígios, o importante deixa de ser o enfoque isolado do papel do juiz. Passa a
ser a visualização de como deve ser construída a composição justa do conflito, que
ameaça a paz social, dentro do sistema processual democrático.
O que se constata nessa visão dinâmica e funcional do processo constitucionalizado
é que não mais se cogita de neutralizar e minimizar a função do juiz, nem tampouco
de erguer as partes a uma posição de exacerbada hegemonia na determinação do
destino da prestação jurisdicional. Entre o completo neutralismo reclamado pelos
garantistas e o indesejável autoritarismo a que pode conduzir o ativismo desenfreado
do juiz, o que hoje se preconiza, por força da constitucionalização do processo, é uma
técnica mista. A tônica dessa sistemática centraliza-se no diálogo e na comunhão de
esforços entre partes e juiz, em todos os momentos processuais e especialmente na
instrução probatória, sempre em mira de atingir, em tempo razoável, a tutela justa e
efetiva para o direito material lesado ou ameaçado (CF, art. 5º, XXXV).
Na verdade o processo justo concebido na ordem constitucional de hoje impõe
uma comparticipação de todos os seus sujeitos no iter de construção do provimento
com que o juiz definirá a solução do litígio. O processo, portanto, não é obra nem
do juiz nem das partes, já que se transformou num sistema de cooperação, em
simetria de posições entre as partes e o órgão judicante. No estágio de preparação
do provimento não há hierarquia entre os sujeitos do processo. Só no estágio final,
isto é, na decretação do ato de autoridade com que a composição do conflito será
alcançada, é que se quebrará a simetria, porque esse ato jurisdicional derradeiro
implica exercício de soberania estatal, que, dentro do processo, apenas o juiz detém.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 279-306, abr./jun. 2015 281
Humberto Theodoro Júnior

Mas, a sujeição do processo ao princípio democrático de participação efetiva


das partes na construção do provimento judicial, de certa forma, se faz presente até
mesmo no próprio ato decisório, porque a Constituição exige que seja devidamente
fundamentado, sob pena de nulidade (CF, art. 93, IX). E exigir que o provimento seja
adequadamente motivado implica dizer que o juiz, ao decidir, não poderá ignorar as
alegações, razões e provas das partes; e se não as acolher, terá de demonstrar,
racional e juridicamente, por que as rejeita.
A par disso, o controle e censura das partes sobre o ato do julgador também
ocorre a posteriori, por meio do duplo grau de jurisdição, de sorte que pela via dos
recursos, erros, abusos e injustiças do juiz da causa poderão ser corrigidos pelo
Tribunal, órgão judicial hierarquicamente superior, cuja função consiste justamente
em rever e controlar a higidez do julgamento das causas.
É assim que o processo moderno garante, àquele que faz jus à tutela jurisdicional,
uma composição justa e efetiva do conflito deduzido em juízo, e não pela redução do
juiz à condição de mero expectador do duelo entre as partes.
Por isso mesmo, o confronto maniqueísta entre ativismo judicial e garantismo
processual contém um dilema superado pela atual sistemática do processo
democrático, em cujo seio o autoritarismo ou ditadura do juiz se contorna e combate
pelo dinamismo do contraditório sem surpresa, em que o juiz tem forçosamente de
participar do diálogo com as partes, antes de qualquer decisão, e pelo reconhecimento
de que aos litigantes não se acha garantido apenas o direito de falar no processo,
mas de ser ouvido e de influir efetivamente na preparação e formulação do ato judicial
que ditará a justa composição do litígio.
As correntes doutrinárias amplamente majoritárias e os mais modernos Códigos
europeus não aceitam a figura do juiz indiferente à busca da verdade e à justiça do
provimento, como insistem em defender os que minoritariamente se batem pela
teoria do garantismo. O direito, como um todo, acha-se constitucionalizado por inteiro;
e as constituições democráticas de nosso tempo são estatutos acentuadamente
éticos, e não puro repositório de regras frias e preceptivas. Valores como justiça,
solidariedade social, dignidade da pessoa humana passaram à categoria de
fundamentos do Estado Democrático.
A justiça, num Estado assim fundamentado, pode alhear-se da verdade, pode
ser indiferente à conformidade, ou não, da sentença com a moralidade e com a justiça
intrínseca de seus provimentos? Como admitir que o juiz possa, responsável pela
justiça da sentença, cruzar os braços e permanecer inerte diante de uma instrução
probatória incompleta e não reveladora dos fatos relevantes da causa, quando tem
condições de determinar a produção de meios de convencimento adequados à
formação de um convencimento mais seguro?
Justiça e verdade são ideias indissociáveis, da mesma forma que não se pode
dissociar injustiça e mentira ou falsidade.

282 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 279-306, abr./jun. 2015
A ação rescisória no Novo Código de Processo Civil

Falso e injusto, portanto, é o juiz que resolve um litígio, ciente de que a prova
do fato básico da causa não foi produzida, embora nada houvesse a impedi-la. A
imparcialidade não pode manietá-lo, bloqueando o acesso à verdade, quando nada o
impedia de conhecê-la. Parcialidade realmente grave, e incompatível com o processo
justo, é a que comete o juiz que decide a demanda em favor de uma das partes,
consciente de que o faz por falta de uma prova que estaria perfeitamente ao seu
alcance, e que só não veio aos autos por ignorância ou desamparo técnico daquele
que perdeu a causa.
É preciso não confundir ativismo judicial com gestão do processo pelo juiz.
Não se pode, realmente, tolerar o juiz que se torna advogado de uma das partes,
diligenciando ostensivamente pela defesa de seus interesses, de maneira desleal
e desigual em relação ao tratamento dispensado ao outro litigante. Imparcialidade,
em processo, quer dizer igualdade no modo de velar pelo exercício dos direitos e
garantias de ambas as partes.
A busca da verdade das alegações dos litigantes não é tarefa apenas deles;
é missão também do juiz, a quem cabe fazer justiça aos contendores, e não se
consegue fazer justiça ao arrepio da verdade. Logo, tanto ou mais que as partes,
o juiz tem de buscar, pelas provas, a apuração da verdade que interesse à justa
composição do litígio, missão suprema do Poder Judiciário.
Diante de um quadro fático-jurídico relevante em que as necessárias provas não
foram diligenciadas pelas partes, ou o foram de maneira insuficiente para formar um
razoável convencimento, o juiz, como diretor do processo e responsável pela justa
composição do conflito, não pode ser inibido na iniciativa probatória. Não se trata, in
casu, de simples faculdade judicial, “mas sim de um dever de esclarecer os fatos não
explorados ou que não estão suficientemente esclarecidos”.4
Aliás, toda dinâmica do direito processual codificado conspira para que o
juiz não se alheie da direção da fase instrutória do processo. Assim é que, após
a litiscontestação, compete-lhe, por força de lei, sanear e organizar o processo,
resolvendo as questões processuais pendentes e “delimitando as questões de
fato”, ocasião em que especificará “os meios de provas admitidos”, a seu respeito
(CPC/1973, art. 331, §2º; NCPC, art. 357, II). É, pois, ato de seu ofício, definir e
determinar os meios de prova úteis ao esclarecimento dos fatos deduzidos pelas
partes na fase postulatória do processo. No Código Novo acrescenta-se a possibilidade
de complementar essa tarefa com a definição da “distribuição do ônus da prova”
(NCPC, art. 357, III), quando entender que a partilha legal não seja adequada às
particularidades dos casos dos autos (NCPC, art. 373, §1º).

CAHALI, Cláudia Elisabete Schwerz. O gerenciamento de processos judiciais – em busca da efetividade da


4

prestação jurisdicional. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013, p. 184.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 279-306, abr./jun. 2015 283
Humberto Theodoro Júnior

Para o direito positivo, como se vê, o importante não é tanto o poder do juiz
de iniciativa probatória — o qual de resto é consagrado por texto expresso do CPC
de 1973 (art. 130) e do Novo CPC (art. 370) —, é a forma democrática com que
esse poder haverá de ser exercitado: tenham ou não as partes requerido certa
modalidade probatória, o juiz determinará sua produção, se entender necessária para
o esclarecimento das alegações deduzidas no processo, e definirá, se for o caso,
a quem caberá o ônus de produzi-la. Tudo isso será discutido e resolvido à luz do
contraditório, e dentro da sistemática de cooperação entre partes e juiz, na tarefa
comum de obter a justa composição do litígio.
O Novo CPC, aprimorando a técnica do Código atual, procura tornar tão real
esse sistema cooperativo que prevê que seja o saneamento, nas causas complexas,
realizado em audiência, na qual o juiz “convidará as partes a integrar ou esclarecer
suas alegações” (NCPC, art. 357, §3º), antes de delimitar as questões de fato sobre
as quais recairá a atividade probatória e de determinar os meios de prova a utilizar.

1.1 Garantismo processual e iniciativa judicial da prova


A boa doutrina moderna adverte para a necessidade de distinguir entre juiz ativo
e juiz ativista. O ativismo que se combate como indesejável é aquele praticado pelo
juiz que “ultrapassa as balizas legais quando profere a sua decisão [...]. No âmbito da
ciência do direito, ele é utilizado para designar aquelas situações nas quais o Poder
Judiciário está agindo além dos Poderes que lhe são conferidos pela ordem jurídica”
[...]. Já o juiz ativo, “ressalte-se, é o que se espera de todo julgador, ou seja, que ele
não se porte como um mero convidado de pedra, mas deve dar rumo ao processo,
oportunizando às duas partes que se manifestem, com as mesmas oportunidades,
e sempre respeitando a imparcialidade”. Ao defender o juiz ativo, a doutrina busca
promover “a justiça da decisão no caso concreto. Com essa busca pela justiça, eles [os
defensores da tese do juiz ativo] propõem conferir ainda mais poderes ao magistrado,
sempre visando à busca pela tão almejada verdade real”.5 Entre as medidas de
incremento dos poderes judiciais, “o ativismo judicial se caracteriza por depositar nas
mãos dos juízes a faculdade de determinar provas, oficiosas ou para melhor prover”.6
Fala-se, às vezes, em contradição no sistema de direito positivo, quando
confere ao juízo o poder de determinar provas, de ofício (CPC/1973, art. 130; NCPC,
art. 370) e, por outro lado, institui a divisão entre as partes do ônus de provar os
fatos alegados (CPC/1973, art. 333; NCPC, art. 373). Entretanto, inexiste qualquer
tipo de contradição entre tais dispositivos legais. É que a iniciativa probatória se

JOUVIN NETO, Armênio Clovis. Garantismo processual X ativismo judicial, cit., p. 67-68.
5

PEYRANO, Jorge Walter. Sobre el activismo judicial, activismo e garantismo procesal. Academia Nacional de
6

Derecho y Ciencias Sociales de Córdoba, 2009, p. 12; apud JOUVIN NETO, op. cit, p. 68.

284 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 279-306, abr./jun. 2015
A ação rescisória no Novo Código de Processo Civil

exerce durante o estágio da coleta dos elementos de convicção, do qual participam


todos os sujeitos do processo em cooperação no empenho de apurar a verdade dos
fatos afirmados ou negados na fase postulatória. Já a instituição dos ônus da prova
configura regra aplicável à fase final de julgamento da causa, ou seja, depois de
encerrada a instrução probatória, com ou sem sucesso.
De acordo com essa última sistemática, o juiz, para acolher as alegações de
uma parte, terá de verificar se ela logrou ou não trazer para os autos a comprovação
dos fatos a respeito dos quais a lei lhe imputou o encargo de comprovar. Se a prova
necessária não se fez, quem sofrerá o prejuízo de sua falta nos autos será aquela
parte que tinha o ônus da prova. Suas alegações serão havidas como não provadas,
e, por isso, o julgamento de mérito lhe será desfavorável. Se, porém, o fato afirmado
restou provado, a sentença o levará em conta, não importando se o meio de prova
foi carreado para os autos por iniciativa do juiz, do autor ou do réu. A prova, uma vez
incorporada aos autos, não é de uma ou outra parte, nem do juiz, é do processo.
Dessa maneira, não cabe divisar espécie alguma de contradição entre as
faculdades investigatórias da verdade das alegações relevantes ao julgamento
da causa e a dinâmica dos ônus probatórios, já que a atuação dessas diferentes
faculdades e poderes se dá em momentos distintos e com funções diversas.
Não se entrevê, portanto, autoritarismo algum no comportamento que a lei
processual preconiza para o juiz, no que se refere à iniciativa probatória. A disciplina
legal quer realmente que a preparação do provimento jurisdicional, que irá solucionar
o litígio, seja realizada, no que toca à precisão do objeto litigioso e à definição das
provas a produzir, sob direção do juiz, não autoritária, mas em estreita cooperação
com as partes. É assim, em suma, que se idealiza, no Estado Democrático de Direito,
o processo comparticipativo, lastreado no esforço conjunto e democrático de todos
os seus sujeitos. Não cabe dentro de tal desiderato nem a anulação ou redução dos
poderes de gestão processual do juiz, nem a ampliação estremada da liberdade com
que as partes dispõem de seus direitos e faculdades processuais, em detrimento da
tutela jurisdicional justa e efetiva assegurada constitucionalmente.
Afirmar, portanto, que o processo não passa de simples técnica ou método
de aplicação da lei, e que ao Judiciário compete apenas compor os conflitos e não
fazer justiça, é desconhecer os fundamentos e os fins do atual Estado Democrático
de Direito e, dentro dele, a função atribuída às garantias constitucionais do acesso à
justiça e do processo que o instrumentaliza e o faz realidade.
O autoritarismo judicial não se combate suprimindo as iniciativas do juiz na
busca da composição justa dos litígios, mas por meio de mecanismos democráticos
como o do contraditório pleno enriquecido pelo princípio da cooperação, pela exigência
rigorosa de adequada fundamentação dos decisórios, e pelo seu controle e censura
das partes, através da garantia do duplo grau de jurisdição.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 279-306, abr./jun. 2015 285
Humberto Theodoro Júnior

A meu ver e salvo melhor juízo, o garantismo por que anseia a sociedade
democrática de nosso tempo não é o que afasta o juiz da preocupação pelo destino
do processo, mas aquele que assegura seu comando firme à frente do processo,
imparcial, mas não indiferente à justiça do provimento a ser produzido, sempre dentro
do clima de efetiva cooperação entre todos os sujeitos da relação processual.

2 Ação rescisória e garantia de justiça


Costuma-se afirmar que, tendo a causa se encerrado por sentença transitada
em julgado, não seria a via excepcional da ação rescisória remédio próprio para
rever a injustiça acaso cometida no julgamento primitivo. A assertiva é correta, se se
trata de avaliar o ato decisório apenas quanto à análise judicial do quadro fático do
litígio, desde, é claro, que o processo tenha se formado e desenvolvido regularmente
e o julgamento tenha sido pronunciado com observância de todas as garantias
constitucionais do processo.
Mas, as garantias do processo, impostas pela ordem constitucional, não se
restringem ao procedimento ou rito legal. Envolvem, também, e superiormente,
normas fundamentais que repercutem sobre o conteúdo da solução de mérito, e que,
uma vez infringidas, contaminam a sentença de vício profundo, que a coisa julgada
não consegue sanar. Garantias de alto relevo constitucional, como as da legalidade,
da moralidade, da justiça e da segurança jurídica, entre outras, quando violadas, em
grau intolerável, ensejam rescisão do decisório judicial, sem embargo de achar-se
este revestido da autoridade da res iudicata.
Muito embora a intangibilidade da coisa julgada se ampare em garantia
constitucional, outros princípios também constitucionais podem entrar em confronto ou
concorrência com aquela primeira garantia. É, assim, pelo critério da proporcionalidade,
que outros princípios fundamentais podem, em certos casos, ensejar a rescisão de
sentenças passadas em julgado. A possibilidade é excepcional, mas existe, e, nos
casos que a lei taxativamente arrola, justifica-se pela imperiosa necessidade de sanar
injustiça judicial grave, capaz, portanto, de macular irremediavelmente a sentença
passada em julgado. É, aliás, a própria Constituição que prevê a rescindibilidade
dessas sentenças, incluindo-a entre os poderes exercitáveis pelos Tribunais, em
ações de competência originária.
Na prestação jurisdicional entram em jogo predominantemente duas garantias
— a de segurança jurídica e a de justiça. As duas coexistem, prevalecendo ora uma ora
outra. Na discussão, instrução e julgamento da causa há uma relativa superioridade
da garantia de justiça. Uma vez encerrado o processo, a coisa julgada se apresenta
como imposição de segurança jurídica, porque é intuitivo que os conflitos jurídicos
não podem perdurar eternamente.

286 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 279-306, abr./jun. 2015
A ação rescisória no Novo Código de Processo Civil

É por isso que se reconhece não ser a rescisória remédio adequado para
reabertura da busca de solução mais justa para o litígio. O tempo de prevalência da
justiça já se encerrou. Após a res iudicata, a garantia constitucional prevalente é a da
estabilidade da relação jurídica composta em juízo. É por isso que são excepcionais
e de interpretação estrita os casos em que a lei processual abre oportunidade para a
ação rescisória (CPC/1973, art. 485; NCPC, art. 966).

3 Conceito de ação rescisória no direito brasileiro


A sentença pode ser atacada por dois remédios processuais distintos: pelos
recursos e pela ação rescisória.
O que caracteriza o recurso é ser, na lição de Pontes de Miranda, uma
“impugnativa dentro da mesma relação jurídico-processual da resolução judicial que
se impugna”.7 Só cabem recursos, outrossim, enquanto não verificado o trânsito
em julgado da sentença. Operada a coisa julgada, a sentença torna-se imutável e
indiscutível para as partes do processo (CPC/1973, art. 467; NCPC, art. 502).
Mas a sentença, tal como ocorre com qualquer ato jurídico, pode conter um vício
ou uma nulidade. Seria iniquidade privar o interessado de um remédio para sanar o
prejuízo sofrido. É por isso que a ordem jurídica não deixa esse mal sem terapêutica.
E, “quando a sentença é nula, por uma das razões qualificadas em lei, concede-se ao
interessado ação para pleitear a declaração de nulidade”.8
Trata-se da ação rescisória, que não se confunde com o recurso justamente
por atacar uma decisão já sob o efeito da res iudicata. Estamos diante de uma ação
contra a sentença, diante de um remédio “com que se instaura outra relação jurídica
processual”, como ressalta Pontes de Miranda.9
Recurso, coisa julgada e ação rescisória são três institutos processuais que
apresentam profundas conexões.
O recurso visa a evitar ou minimizar o risco de injustiça do julgamento único.
Esgotada a possibilidade de impugnação recursal, a coisa julgada entra em cena
para garantir a estabilidade das relações jurídicas, muito embora corra o risco de
acobertar alguma injustiça latente no julgamento. Surge, por último, a ação rescisória
que colima reparar a injustiça da sentença transitada em julgado, quando o seu grau
de imperfeição é de tal grandeza que supera a necessidade de segurança tutelada
pela res iudicata.
A ação rescisória é tecnicamente ação, portanto, visa a rescindir, romper, cindir
a sentença como ato jurídico viciado. Conceituam-na Bueno Vidigal e Amaral Santos

7
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado das ações. São Paulo: RT, v. IV, p. 527.
8
MARTINS, Pedro Batista. Recursos e processos de competência originária dos tribunais. Rio de Janeiro:
Forense, 1957, n. 54, p. 78.
9
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Op. cit., loc. cit.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 279-306, abr./jun. 2015 287
Humberto Theodoro Júnior

como “a ação pela qual se pede a declaração de nulidade da sentença”.10 Assim,


hoje, não se pode mais pôr em dúvida que a rescisória “é ação tendente à sentença
constitutiva”11 (muito embora o direito atual a afaste do campo das nulidades
propriamente ditas).
O termo “nulidade”, antigamente empregado pelos processualistas para
caracterizar a sentença rescindível, tem, na verdade, um significado diferente daquele
que se atribui aos vícios dos demais atos jurídicos. O que é nulo, como se sabe,
nenhum efeito produz e não reclama desconstituição judicial.
Não obstante, salvo o caso de sentença inexistente — como aquela à que falta
o dispositivo —, a sentença rescindível, mesmo nula, como a classificavam vários
doutores, produz os efeitos da res iudicata e apresenta-se exequível enquanto não
revogada pelo remédio próprio da ação rescisória.12 Em outras palavras, enquanto
não rescindido, o julgado prevalece.13
Se fosse o caso de adotar a classificação civilística das invalidades, a mais
adequada colocação da rescindibilidade da sentença seria, como adverte Barbosa
Moreira, entre os atos anuláveis, pois sua eficácia invalidante só opera depois de
judicialmente decretada.14 Na verdade, porém, não se trata nem de sentença nula
nem de sentença anulável, mas de sentença que, embora válida e plenamente
eficaz, porque recoberta da coisa julgada, pode ser rescindida. Rescindir, em técnica
jurídica, não pressupõe defeito invalidante. É simplesmente romper ou desconstituir
ato jurídico, no exercício de faculdade assegurada pela lei ou pelo contrato (direito
potestativo). A se comparar com os mecanismos do direito privado, a rescisão da
sentença tem a mesma natureza da rescisão do contrato por inadimplemento de
uma das partes. Desfaz-se o contrato válido porque, em tal conjuntura, a lei confere
à parte prejudicada o direito de desconstituir o vínculo obrigacional. Assim, também,
acontece com a parte vencida por sentença transitada em julgado, se presente
alguma das situações arroladas no art. 485.
Nessa ordem de ideias, o Novo Código de Processo Civil (art. 966), reproduzindo
norma do atual (art. 485), age com melhor técnica, ao substituir a superada afirmativa
do CPC/1939 (art. 798), de ser “nula” a sentença rescindível pela de que “pode ser
rescindida” a decisão de mérito transitada em julgado nas hipóteses que menciona
(NCPC, art. 966). Consolidou-se, assim, a superação da imprópria qualificativa de
sentença “nula”, outrora aplicada à decisão suscetível de revogação em ação rescisória.

10
AMARAL SANTOS, Moacyr. Primeiras linhas de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Max Limonad, 1973,
v. III, p. 446.
11
VIDIGAL, Luís Eulálio de Bueno. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 1974, v. VI, p. 39.
12
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil (de 1939). 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1960, v. X, p. 149.
13
VIDIGAL, Luís Eulálio de Bueno. Op. cit., p. 36.
14
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2009, v. V, n. 68, p. 108-109.

288 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 279-306, abr./jun. 2015
A ação rescisória no Novo Código de Processo Civil

Na verdade e com exclusão das sentenças inexistentes, após o trânsito em


julgado, há apenas poucos casos em que a sentença, formalmente perfeita, apresenta-
se, no entanto, eivada de nulidade absoluta. É, por exemplo, o caso em que a decisão
foi proferida sem o pressuposto da citação inicial válida ou mediante citação inicial nula,
sendo revel o demandado. Mas, em tal situação, em decorrência da natureza do vício
do processo e, em consequência, da sentença, não terá de valer-se, obrigatoriamente,
da rescisória, para furtar-se aos efeitos da res iudicata. Nos próprios embargos à
execução (CPC/1973, art. 741, I), ou em simples impugnação (CPC/1973, art. 475-L,
I), conseguirá a declaração de nulidade de todo o processo, inclusive da sentença.15
Sobre a impropriedade da qualificativa de nulidade para a sentença rescindível
convergem as lições dos processualistas brasileiros, como as de José Inácio Botelho
de Mesquita,16 Sérgio Sahione Fadel17 e Frederico Marques,18 entre outras.
Por afastar o inconveniente de identificar a sentença rescindível com o ato nulo
e por abranger a possibilidade de cumulação do judicium rescindens com o judicium
rescissorium, agora expressamente adotada pelo Código, deve-se reconhecer como
completa a definição de Barbosa Moreira, para quem: “Chama-se rescisória à ação
por meio da qual se pede a desconstituição de sentença trânsita em julgado, com
eventual rejulgamento, a seguir, da matéria nela julgada”.19

4 Objeto da rescisória
O CPC de 1973 previa o cabimento da rescisória contra “sentença de mérito
transitada em julgado” (art. 485, caput). Reconhecia-se, porém, a impropriedade do
enunciado legal, já que não apenas as sentenças ressalvem o mérito das causas,
também podem fazê-lo os acórdãos dos tribunais e as decisões interlocutórias em
primeiro grau de jurisdição.
O novo CPC aprimora o texto permissivo da ação rescisória, dispondo que é
suscetível de rescisão “a decisão de mérito transitada em julgado” (art. 978). Duas
consequências podem-se extrair do dispositivo legal inovador:
(a) o mérito não é solucionável apenas pela sentença, ou pelo acórdão que a
substitui, em caso de recurso; pode, também, ser enfrentado, pelo menos
em parte, em decisão incidental (NCPC, art. 356, I), que não ponha termo
ao processo (pense-se no indeferimento em parte da petição inicial pelo
reconhecimento da prescrição de algumas das pretensões cumuladas

15
Dispositivos equivalentes constam dos arts. 535, I e 525, §1º, I, do Novo CPC.
16
MESQUITA, José Inácio Botelho de. Da ação civil. São Paulo: RT, 1975. p. 99.
17
FADEL, Sérgio Sahione. Código de Processo Civil comentado. Rio de Janeiro: J. Konfino, 1974, v. III, p. 72.
18
MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. Campinas, Bookseller, 1997, v. III, n. 704,
p. 257.
19
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Op. cit., n. 65, p. 100.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 279-306, abr./jun. 2015 289
Humberto Theodoro Júnior

pelo autor; e nos pedidos cumulados, quando apenas um ou alguns são


contestados);
(b) decidindo parte do litígio antes da sentença, a decisão interlocutória fará
coisa julgada material (NCPC, art. 502) e se tornará suscetível de eventual
ataque por ação rescisória (NCPC, art. 966).

4.1 Rescisão parcial


Outra hipótese não contemplada no Código de 1973, e que mereceu acolhida
pelo Projeto, é a de autorização expressa para que a rescisória se limite a apenas
algum capítulo destacado da sentença (art. 978, §3º). Mesmo sem previsão legal, já
havia consenso acerca da viabilidade da rescisão parcial da sentença.20

4.2 Decisões terminativas rescindíveis


Terminativas são as sentenças (ou acórdãos) que extinguem o processo sem
resolução do mérito da causa, como as que o fazem em reconhecimento da falta de
pressuposto processual ou de condição da ação (NCPC, art.485, IV e VI).21
Diante de sentenças dessa natureza não se forma a coisa julgada material,
razão pela qual a parte não fica impedida de repropor a ação, desde que suprida a
falha processual cometida na primeira demanda (NCPC, art. 486, §1º).22 Com isso,
faltaria interesse para justificar a ação rescisória. Daí restringir a lei o cabimento
dessa ação especialíssima aos casos de sentença ou decisão de mérito.
Já ao tempo do CPC de 1973, porém, se ensaiava abrir exceção para permitir
a rescisória contra sentença que não era de mérito, mas que impedia a renovação
da ação, como se passa, por exemplo, com a que extingue o processo por ofensa à
coisa julgada.23 O posicionamento do STF era, no entanto, contrário à tese.24

20
DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador:
JusPodivm, 2012, v. 3, p. 385.
21
CPC/1973, art. 267, IV e VI. 3. “’Por não impugnar decisão de mérito, não cabe ação rescisória contra decisão
que apenas extinguiu o processo, pela ocorrência de ilegitimidade ativa ad causam’ (Supremo Tribunal Federal,
QO na AR nº 1.203/PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 02.05.03)” (STJ, 1ª Seção, AR 2381/RJ,
Rel. Min. Castro Meira, ac. 09.12.2009, DJe, 1º fev. 2010). No mesmo sentido: “[...] Assim, não pode verdejar
a pretensão de através de Ação Rescisória, se rescindir decisão que acolhendo alegativa de litispendência,
extinguiu o processo com base no artigo 267, V do Código de Processo Civil, com aplicação de multa por
litigância de má-fé” (STJ, 1ª T., REsp 182.906/PE, Rel. Min. José Delgado, ac. 20.10.1998, DJU, p. 112, 15
mar. 1999).
22
CPC/1973, art. 268.
23
Admitindo a rescisória, na espécie: CF. YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória. São Paulo Malheiros, 2005,
p. 163/164; SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. 2. ed. Belo
Horizonte: Mazza Edições, 2001. p. 501. Na jurisprudência a tese também já foi acolhida: "[...] 3. O rigor da
expressão ‘sentença de mérito’ contida no caput do artigo 485, do CPC, tem sido abrandado pela doutrina e
jurisprudência. 4. O acórdão confirmatório de sentença que decreta extinto o processo sob alegação de inci-
dência de coisa julgada, quando esta não ocorreu, é passível de reforma via ação rescisória" (STJ, 1ª T., REsp
nº 395.139/RS, Rel. Min. José Delgado, ac. 07.05.2002, DJU, p. 149, 10 jun. 2002).
24
STF, AR 1.056-6/GO, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJU, 25 maio 2001; REPRO 104/263-272.

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A ação rescisória no Novo Código de Processo Civil

O NCPC toma posição expressa sobre o problema, dispondo que, nas hipóteses
previstas para a rescindibilidade, admitir-se-á seja rescindida, também, “a decisão
transitada em julgado que, embora não seja de mérito, impeça nova propositura da
demanda” ou inadmita recurso contra o julgamento de mérito (art. 966, §2º).25

4.3 Decisão terminativa que impede o reexame do mérito


Ainda sob o regime do CPC de 1973, defendíamos o entendimento de que
poderia acontecer a necessidade de recorrer-se à rescisória, quando a decisão última
(rescindenda), embora não sendo de mérito, importou tornar preclusa a questão de
mérito decidida no julgamento precedente.26
Assim, se, por exemplo, o Tribunal recusou conhecer de recurso mediante
decisão interlocutória que violou disposição literal de lei, não se pode negar à parte
prejudicada o direito de propor a rescisória, sob pena de aprovar-se flagrante violação
da ordem jurídica.
É certo que a decisão do Tribunal não enfrentou o mérito da causa, mas foi por
meio dela que se operou o trânsito em julgado da sentença que decidiu a lide e que
deveria ser revista pelo Tribunal por força da apelação não conhecida.
Não se pode, outrossim, dizer que se na sentença existir motivo para a rescisória,
esta deveria ser requerida contra a decisão de primeiro grau e não contra o acórdão do
Tribunal, cujo conteúdo teria sido meramente terminativo.
É que nem sempre é possível fazer-se o enquadramento da sentença nos
permissivos da rescisória (CPC/1973, art. 485; NCPC, art. 966). Mas, se houve o
error in iudicando no acórdão, o apelante sofreu violento cerceamento do direito de
obter a revisão da sentença de mérito, pela via normal da apelação, que é muito mais
ampla do que a da rescisória.
Tendo-se em vista a instrumentalidade do processo e considerando-se que o
error in iudicando, embora de natureza simplesmente processual, afetou diretamente
uma solução de mérito, entendo que, nessa hipótese excepcional, a mens legis
deve ser interpretada como autorizadora da ação rescisória, a fim de que, cassada a
decisão ilegal do Tribunal, se possa completar o julgamento de mérito da apelação,
cujo trancamento se deveu à flagrante negação de vigência de direito expresso.27

25
No regime do Código de 1973, já defendíamos a tese ora adotada pelo NCPC (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Curso de direito processual civil. 55. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, v. I, n. 601, p. 787).
26
Op. cit., loc. cit.
27
Nessa linha, o STJ chegou a decidir: “Ação rescisória. Apelação não conhecida por deserção. Precedentes
da Corte. 1. Precedentes da Corte considerando admissível a rescisória quando não conhecido o recurso por
intempestividade, autorizam o mesmo entendimento em caso de não-conhecimento da apelação por deserção.
Ressalva do Relator. 2. Recurso especial conhecido e provido” (STJ, 3ª T., REsp nº 636.251/SP, Rel. Min.
Menezes Direito, ac. 03.02.2005, DJU, 11 abr. 2005). Em sentido contrário: STJ, 4ª T., REsp nº 489.562/SE,
Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, ac.19.08.2003, DJU, p. 277, 06 out. 2003.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 279-306, abr./jun. 2015 291
Humberto Theodoro Júnior

Também esse caso excepcional de cabimento da rescisória contra decisão


terminativa foi contemplado pelo NCPC, que prevê tal possibilidade quando a decisão
não foi sobre o mérito, mas impediu, ilegalmente, o reexame recursal do mérito
(art. 966, §2º, II). É o que se passa, por exemplo, nas incorretas decisões sobre
descabimento ou deserção de recurso. Rejeitou, o novo Código, dessa forma, a tese,
às vezes defendida pela jurisprudência, de que a rescisória só poderia se voltar contra
a decisão de mérito recorrido, e nunca contra a decisão terminativa que ilegalmente
não admitira o recurso.28
Como se vê, o novo CPC é mais liberal no trato dos casos de cabimento da
rescisória, enfrentando e superando as polêmicas existentes cuja solução jurisprudencial
era, quase sempre, de cunho restritivo, muito embora nem sempre se mostrassem
razoáveis em seu rigorismo.

5 Rescisória de decisão proferida em procedimento de


jurisdição voluntária
Embora os procedimentos de jurisdição voluntária não pressuponham um litígio,
pois, em regra, não existe nem mesmo contraparte, mas apenas um requerente, o
certo é que neles se veicula um pedido endereçado ao juiz. Esse pedido revela o
objeto do procedimento, cuja solução caberá ao órgão judicial. Assim, mesmo não
havendo um contencioso entre partes, o pleito terá sempre um mérito, ou seja, um
problema de fato e de direito a ser resolvido judicialmente. Esse mérito, contudo, nem
sempre se confunde com aquele que se cogita no art. 502, quando o NCPC define
a coisa julgada material passível de ataque por meio da ação rescisória (art. 966).
A sentença pronunciada no âmbito da jurisdição voluntária exerce função
administrativa, que consiste na aprovação ou autorização de atividade negocial
privada, controlada ou fiscalizada pelo Poder Público através da Justiça. Ocorrendo,
pois, ato administrativo de natureza integrativa, o negócio sobre o qual incide a
jurisdição voluntária, é, na essência, ato do interessado, apenas legitimado pela
homologação do juiz. Assim, quando se pretende desconstituí-lo, o caso não é de
ação rescisória, mas de ação anulatória, nos termos da lei civil (NCPC, art. 966, §4º).
Todavia, é bom lembrar que, embora formulado sem litigiosidade prévia, o
pedido de provimento próprio da jurisdição voluntária pode eventualmente sofrer
contestação. Com tal resistência, o procedimento perde o feitio administrativo e
se torna litigioso, como qualquer outro processo contencioso. A sentença, dessa
maneira, resolverá um litígio, e o fazendo, será de natureza igual àquela pronunciada
em conclusão de um processo originariamente contencioso. Portanto, o manejo da
ação rescisória contra ela não ocorrerá contra decisão de procedimento de jurisdição
voluntária, mas sim contra verdadeira sentença de mérito de processo contencioso.

STJ, 4ª T., REsp nº 489.562/SE, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, ac. 19.08.2003, DJU, p. 277, 06 out. 2003.
28

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A ação rescisória no Novo Código de Processo Civil

5.1 Ação rescisória e ação revisional


Prevê o art. 505 do NCPC que nenhum juiz decidirá novamente as questões
já decididas relativas à mesma lide, salvo nos casos de relação jurídica de trato
continuado, quando sobrevier modificação no estado de fato ou de direito. Verificada
essa hipótese, a parte poderá pedir a revisão do que foi estatuído pela sentença,
mesmo após o trânsito em julgado.
Na espécie, não se terá de manejar a ação rescisória do art. 966, mas uma
ação comum, que, de forma alguma, atingirá a coisa julgada, visto que incidirá sobre
situação jurídica nova e não sobre aquela vigorante ao tempo da primeira decisão
judicial. É por isso que não cabe ação rescisória para alcançar-se a composição
da situação instalada posteriormente à res iudicata, mas apenas ação de revisão
ordinária. É que, perante relações jurídicas dessa natureza, a solução judicial é
sempre pronunciada rebus sic stantibus (i.e., com eficácia programada para durar
enquanto permanecer o mesmo quadro de fato e de direito).
O sistema do novo Código, portanto, não suprimiu a ação revisional aplicável
às alterações de fato e de direito acontecidas após a sentença transitada em julgado
em procedimento contencioso ou administrativo, se o objeto do provimento judicial for
“relação jurídica de trato continuado” (NCPC, art. 505, I).
Quanto às sentenças homologatórias, a invalidação não é do ato judicial, mas
do ato negocial das partes, que apenas foi objeto de aprovação em juízo. A orientação
do NCPC, art. 966, §4º, em admitir a ação anulatória, e não a rescisória, corresponde
a entendimento que já se achava consolidado pela jurisprudência formada sob o
regime do CPC de 1973.29
Da mesma forma, justifica-se a previsão do novo Código de que a invalidação
de atos negociais praticados pelas partes ou por outros participantes do processo,
e homologados pelo juízo, bem como a dos atos homologatórios praticados no curso
da execução, deve dar-se por via de ação anulatória comum (art. 966, §4º), regra a
ser observada, seja nos processos contenciosos, seja nos administrativos, como
também já se achava assentado na jurisprudência atual.30

29
“1. A sentença judicial que, sem adentrar o mérito do acordo entabulado entre as partes, limita-se a aferir a
regularidade formal da avença e a homologá-la, caracteriza-se como ato meramente homologatório e, nessas
condições, deve ser desconstituída por meio da ação anulatória prevista no art. 486 do CPC, sendo descabida
a Ação Rescisória para tal fim. 2. Agravo regimental improvido” (STJ, 4ª T. AgRg no REsp 1.440.037/RN, Rel.
Min. Antônio Carlos Ferreira, ac. 09.09.2014, DJe, 18 set. 2014). 1. “É cabível a ação anulatória nos termos
da lei civil, diversa da rescisória, contra ato judicial que não dependa de sentença, ou em que esta for me-
ramente homologatória, conforme o art. 486 do CPC” (STJ, Corte Especial, AgRg na Pet 9.274/BA, Rel. Min.
Arnaldo Esteves Lima, ac. 07.08.2013, DJe, 13 ago. 2013).
30
“2. Conforme jurisprudência sedimentada no STJ, é cabível ação anulatória para atacar arrematação realizada
em feito executivo. Precedentes: REsp. n. 66.596 / RS, Terceira Turma, Rel. Min. Waldemar Zveiter, julgado
em 28.11.1995; REsp. n. 11.535 / RS, Quarta Turma, Rel Min. Athos Carneiro, julgado em 10.12.1991;
REsp. n. 150.115/DF, Terceira Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 3.12.1998; REsp.
n. 442.238/PR, Terceira Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 27.05.2003; AgRg no Ag

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Humberto Theodoro Júnior

6 Casos legais de admissibilidade da rescisória


Os casos de cabimento da ação rescisória são excepcionais e sua enumeração é
taxativa, de modo a não admitir ampliação por analogia ou interpretação ampliativa.31
É que, in casu, está em jogo a invalidação de uma garantia constitucional, que a todo
custo deverá ser evitada fora das expressas exceções abertas pela lei.
O novo Código alterou o casuísmo traçado pelo estatuto processual anterior em
seu art. 485, às vezes de maneira superficial, e outras mais profundamente. Para a
lei projetada (NCPC, art. 966) somente será rescindível a sentença quando:
I - se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão
ou corrupção do juiz;
II - for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente
incompetente;
III - resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da
parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes,
a fim de fraudar a lei;
IV - ofender a coisa julgada;
V - violar manifestamente norma jurídica;
VI - se fundar em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo
criminal, ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória;
VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova
cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por
si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;
VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.
Anotaremos, a seguir, as inovações relevantes.

6.1 Dolo, coação, simulação e colusão


O Código de 1973 autoriza a rescisória quando a decisão tiver resultado (i) de
dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou (ii) de colusão entre as

n. 638.146/GO, Quarta Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, julgado em 21.06.2005; REsp. n. 859.614 / RS,
Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 04.12.2008; REsp. n. 130.588 / SP, Quarta Turma, Rel. Min.
Fernando Gonçalves, julgado em 16.08.2005” (STJ, 2ª T., REsp 1.254.590/RN, Rel. Min. Mauro Campbell
Marques, ac. 07.08.2012, DJe, 14.08.2012).
31
CPC/1973: “Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: I - se verificar
que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; II - proferida por juiz impedido ou absolutamente
incompetente; III - resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as
partes, a fim de fraudar a lei; IV - ofender a coisa julgada; V - violar literal disposição de lei; Vl - se fundar em
prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal, ou seja provada na própria ação rescisória; Vll
- depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso,
capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável; VIII - houver fundamento para invalidar confissão,
desistência ou transação, em que se baseou a sentença; IX - fundada em erro de fato, resultante de atos ou
de documentos da causa”.

294 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 279-306, abr./jun. 2015
A ação rescisória no Novo Código de Processo Civil

partes, a fim de fraudar a lei (art. 485, III). O novo Código ampliou as duas hipóteses:
(i) não só o dolo, mas também a coação praticada pelo vencedor, pode autorizar
a rescisão; e (ii) além da colusão entre as partes, também a simulação, quando
arquitetada para fraudar a lei, é causa justificadora da rescisória (NCPC, art. 966, III).
A configuração do dolo — ato voluntário da parte vencedora em prejuízo do
vencido —, não mais exige, na evolução do direito processual, necessariamente,
a má-fé do litigante, bastando que seja revelada uma ofensa ao princípio da boa-
fé objetiva, que o novo Código adota, como “norma fundamental” (art. 5º). Assim,
para efeito da rescisão da sentença, bastará, por exemplo, o silêncio ou a conduta
omissiva da parte vencedora, acerca de fato ou comportamento relevante para a
solução da causa, para que sua conduta desleal e desonesta, frente ao adversário
sucumbente, se torne causa para a rescisão do decisório.32
Colusão (ou conluio) e simulação são ambas figuras de fraude na atividade
processual, sempre com a finalidade de fraudar a lei. A diferença está em que a
colusão se dá sempre por meio de ato bilateral, envolvendo as duas partes do
processo, enquanto a simulação pode ser praticada por ambas ou apenas uma
delas. Além disso, a colusão pode consumar-se mediante ato puramente omissivo,
quando, por exemplo, autor e réu combinam em que a ação de cobrança de dívida
inexistente não será contestada com o objetivo de fraudar credores. Já a simulação
exige atividade concreta de criação de um negócio jurídico que aparente confere ou
transmite direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem ou
transmitem (Cód. Civ., art. 167, §1º, I); ou em que conste declaração, confissão,
condição ou cláusula não verdadeira (idem, II); ou ainda, aqueles cujos instrumentos
sejam antedatados ou pós-datados (idem, III).

6.2 Violação manifesta de norma jurídica


A lei vigente admite a rescisória da decisão que viola “literal disposição de lei”
(art. 485, V). Agora, a nova regra fala em “violar manifestamente norma jurídica” (NCPC,
art. 966, V). Já era esse o entendimento assentado na vigência do Código de 1973:

Sobre a aplicação da boa-fé objetiva no julgamento de ação rescisória fundamentada em dolo processual, c.f.
32

DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso, cit., v. III, p. 418-419. Na mesma linha, para o
STJ restou configurado dolo processual no caso em que as partes ajustaram transação mediante a qual cum-
prida certa condição por uma delas, a outra desistiria da demanda. No entanto, malgrado cumprida a condição
pelo réu, o autor deixou de requerer a desistência, acabando a ação por ser julgada procedente nos termos da
inicial, por falta de defesa. Assentou o acórdão do STJ: “4 - In casu, o réu foi induzido a quedar-se inerte na
esfera da ação originária, o que culminou com a decretação de sua revelia e a prolação de sentença que julgou
procedentes os pedidos insertos na inicial, o que evidencia a violação ao art. 485, III, 1ª parte, do diploma
processual civil [CPC/73]. 5 - A doutrina interpreta que a noção de dolo traz ínsita, ainda, a idéia de que a parte
sucumbente sofreu impedimento ou gravame em sua atuação processual para que reste delimitada a causa de
rescindibilidade, tal como se descortina no presente caso. 6 - Assim, uma vez constatada a ocorrência de afron-
ta ao dispositivo indicado, dá-se provimento ao presente recurso especial para determinar a desconstituição
da r. sentença de mérito, com a retomada do julgamento da ação originária pelo órgão jurisdicional de 1º grau”
(STJ, 4ª T., Resp nº 656.103/DF, Rel. Min. Jorge Scartezzini, ac. 12.12.2006, DJU, p. 595, 26 fev. 2007).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 279-306, abr./jun. 2015 295
Humberto Theodoro Júnior

“Lei”, no dispositivo sob exame [art. 485, V] há de entender-se em sentido


amplo. Compreende, à evidência, a Constituição, a lei complementar,
ordinária ou delegada, a medida provisória, o decreto legislativo, a
resolução (Carta da República, art. 59), o decreto emanado do Executivo,
o ato normativo baixado por órgão do Poder Judiciário.33

Andou bem o novo CPC ao substituir, nos casos de cabimento da rescisória,


violação “da lei” por violação da “norma jurídica”, pois, como bem advertia Cássio
Scarpinella Bueno, a propósito do Código de 1973:

Doutrina e jurisprudência não divergem quanto à ampla abrangência


que deve ser dada ao termo lei referido no inc. V do art. 485. Lei,
tal qual empregada no dispositivo, é sinônimo de norma jurídica,
independentemente de seu escalão. Isto é, tanto pode se conceber
a rescisória para impugnar decisão que violou a Constituição, leis
propriamente ditas (incluindo as medidas provisórias que têm força de
lei), bem assim atos infralegais como decretos, regulamentos. O STJ
já admitiu a rescisória calcada no inciso V do art. 485 por ofensa a
dispositivo de seu próprio Regimento Interno.34

Andou bem, ainda, o novo Código quando substituiu, no permissivo da rescisória,


a expressão violação de “literal disposição de lei” (que sempre foi polêmica) por violação
“manifesta”. Doutrina e jurisprudência já se harmonizavam em torno do entendimento
de que, para o fim de cabimento da rescisória, “viola-se a lei não apenas quando se
afirma que a mesma não está em vigor, mas também quando se decide em sentido
diametralmente oposto ao que nela está posto, não só quando há afronta direta ao
preceito, mas também quando ocorre exegese induvidosamente errônea.35
Quando a lei vigente fala em violação à literalidade de disposição de lei, quer
realmente exigir, para cabimento da rescisória, que a sentença haja cometido uma
ofensa frontal, evidente, à norma legal, de modo aberrante ao preceito nela contido; e
não cogita do modo com que os fatos foram analisados, nem tampouco do modo de
interpretar a lei, quando mais de um entendimento dela se poderia extrair.36

33
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 15. ed. Rio de Janeiro, Forense,
2009, v. V, n. 78, p. 131.
34
BUENO, Cássio Scarpinella. In: MARCATO, Antônio Carlos (Coord.). Código de Processo Civil interpretado. São
Paulo: Atlas, 2004. p. 1.477.
35
STJ, 2ª Seção, AR 236/RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, ac. 31.10.1990, DJU, 10 dez. 1990, p. 14.790;
STJ, 3ª Seção, AR 3.382/PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, ac. 23.06.2010, DJe, 02 ago. 2010.
36
“Não cabe rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em
texto legal de interpretação controvertida nos tribunais” (Súmula 343/STF). “A rescisão baseada no art. 485,
V, do CPC [NCPC, art. 966, V] só se mostra possível quando a lei é ofendida em sua clara literalidade, eviden-
ciando exegese absurda” (STJ, 2ª Seção, AgRg na AR 4.180/RS, Rel. Min. Sidnei Benetti, ac. 25.03.2009, DJe,
02 abr. 2009). “Para que a ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC [NCPC, art. 966, V] , prospere é ne-
cessário que a interpretação dada pelo decisum rescindendo seja de tal modo aberrante que viole o dispositivo
legal em sua literalidade. Se, ao contrário, o acórdão rescindendo elege uma dentre as interpretações cabíveis,

296 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 279-306, abr./jun. 2015
A ação rescisória no Novo Código de Processo Civil

Violação manifesta, referida pelo art. 966, V, do novo Código exprime bem a
que se apresenta frontal e evidente à norma, e não a que decorre apenas de sua
interpretação diante da incidência, sobre determinado quadro fático.
Por último, também andou corretamente o novo Código quando optou por
apontar, com vistas ao cabimento da rescisória, para a violação à norma jurídica, e
não mais para a violação à disposição de lei.
Dispositivo é texto, mero enunciado, que pode servir de caminho para, através
da interpretação, descobrir e revelar a norma a ser aplicada em determinado caso.
Mas, pode existir norma que não esteja expressa em texto explícito e direto, como
acontece com a aplicação dos princípios gerais e com o preenchimento das lacunas
da lei. Assim, “normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos
construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos”.37
Assim, com a adoção da ideia de normas jurídicas, em lugar de disposição de
lei, o novo Código supera a divergência outrora existente sobre ser cabível ou não a
rescisória por violação de princípio. Se tanto regras (leis) como princípios são normas,
restou certo que o regime atual autoriza a rescisória para a violação manifesta tanto
das regras legais como dos princípios gerais.

6.3 Ofensa manifesta à norma e oscilação da jurisprudência


Em jurisprudência sumulada antiga, o STF assentou que “não cabe rescisória
por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado
em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais” (Súmula nº 343). Muito,
porém, se tem discutido sobre a subsistência de tal súmula, no regime atual de
constitucionalização do direito processual.
A nosso ver, enquanto perdura a controvérsia nos tribunais acerca da
interpretação de uma lei, é razoável admitir que permanece válida a tese da Súmula
nº 343, visto que a decisão que eventualmente opte por um dos entendimentos em
confronto não tem condições de ser qualificada como manifestamente violadora da
norma de sentido não unívoco. Uma vez, porém, que a jurisprudência se pacifique
(mormente por meio de súmulas ou de posicionamento firme dos tribunais superiores),
não haverá mais razão para cogitar-se das controvérsias do passado para continuar
negando cabimento à rescisória.

ainda que não seja a melhor, a ação rescisória não merece vingar, sob pena de tornar-se ‘recurso’ ordinário com
prazo de interposição de dois anos (REsp 9.086/SP). A ação rescisória não se destina a revisar a justiça da
decisão” (STJ, 2ª Seção, AR 464/RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, ac. 28.05.2003, DJU, 19 dez. 2003, p. 310.
No mesmo sentido: STJ, 1ª Seção, AR 3.244/SC, Rel. Min. Luiz Fux, ac. 11.02.2009, DJe, 30 mar. 2009).
37
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5. ed. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 30.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 279-306, abr./jun. 2015 297
Humberto Theodoro Júnior

Desde que a decisão rescindenda seja conflitante com a jurisprudência


consolidada, tornar-se-á passível de rescisão. Mas, em nome da segurança jurídica,
a consolidação jurisprudencial não deverá ter eficácia retroativa. Se ao tempo do
julgamento a sentença não poderia ser qualificada como contrária à literal disposição
de lei, não haverá de sê-lo posteriormente à coisa julgada, em virtude de entendimento
pretoriano novo que, na maioria das vezes, retratará as condições de momento, sob
impacto de forças e valores jurídicos sociais renovados e redirecionados em processo
evolutivo constante.
Dir-se-á que, negada a rescisória para os casos pretéritos, estabelecer-
se-ia, diante dos processos novos, a desigualdade de tratamento legal, entre
aqueles que foram julgados antes da consolidação jurisprudencial e os que se
submeteram a decisões posteriores. Isto, porém, é fato inevitável, no plano da
prestação jurisdicional. A própria segurança jurídica, ao impor a indiscutibilidade dos
julgamentos transitados em julgado, sem perquirir de sua justiça ao não, e ao só
permitir, muito excepcionalmente, sua rescisão, em casos restritos, e sujeita a prazo
decadencial curto, assinala para a possibilidade, frequente, de perdurarem imutáveis
e intangíveis decisões intrinsecamente injustas e conflitantes. É uma contingência
da justiça humana, que jamais poderá alcançar a perfeição, e nem mesmo pode
pautar-se, invariavelmente, pelo compromisso com o justo absoluto. Quando é a
segurança jurídica a razão de ser de um instituto processual, ficam em plano inferior,
lamentavelmente, questionamentos em torno de justiça e isonomia.
Da mesma forma, que não é razoável rescindir-se, por ofensa manifesta a norma
jurídica, sentença transitada em julgado que tenha se lastreado em lei envolvida em
clima de controvérsia interpretativa nos tribunais, também não se há de agir de outra
forma diante das mudanças radicais da jurisprudência anteriormente consolidada.
Seria atentatório à confiança depositada pelo jurisdicionado, de maneira justa, na
orientação firme dos tribunais, permitir que o decisório, trânsito em julgado em
consonância com a jurisprudência de seu tempo, se tornasse, da noite para o dia,
ilícito e vulnerável, apenas porque a exegese pretoriana tenha, ulteriormente, alterado
seu modo de interpretar a norma aplicada.
O problema das divergências e das oscilações da jurisprudência é complexo
e de difícil solução, quando se busca encontrar regra geral para o respectivo
equacionamento. O mais razoável é deixar seu enfrentamento à decisão dos casos
concretos, submetendo-o sempre a um balanceamento entre as exigências dos
princípios de justiça e de segurança, a ser feito à luz dos interesses públicos e
particulares em jogo na demanda. Importante é o juízo de ponderação a ser feito
segundo os critérios da razoabilidade e proporcionalidade, aplicáveis sempre que a
interpretação se passe em torno de princípios constitucionais.
Assim, deve-se tomar como ponto de partida que a rescisória é remédio excepcional
não concebido como instrumento de uniformização da jurisprudência, mas apenas

298 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 279-306, abr./jun. 2015
A ação rescisória no Novo Código de Processo Civil

para eliminar ilegalidades e injustiças graves, cometidas por sentenças definitivas e,


em princípio, intocáveis e imodificáveis, vícios esses arrolados e identificados pela lei
de forma taxativa.
Em respeito à segurança jurídica — razão de ser da garantia constitucional da
coisa julgada —, nada aconselha tratar a ação rescisória com excessiva liberalidade,
sob risco de transmudá-la em nova instância recursal, a todos os títulos inconveniente
e indesejável. A rescindibilidade, ou não, da sentença que sofreu, após a res iudicata,
impacto de divergência jurisprudencial superveniente ou de mudança de entendimento
dos tribunais, não convém ser submetida à regra apriorística rígida. Melhor será
abordar o problema caso a caso, procurando visualizar in concreto os interesses em
jogo, bem como avaliar as proporções da repercussão que a ruptura da coisa julgada
acarretará sobre os princípios e garantias constitucionais aplicáveis à espécie.

6.4 Prova nova


O art. 485, VII, do Código de 1973 admite a rescisória quando, depois da sentença,
o autor obtiver documento novo, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento
favorável. O novo Código amplia o permissivo, substituindo documento novo por prova
nova (NCPC, art. 966, VII).
A jurisprudência, no regime anterior, já vinha ampliando a concepção de documento
novo, de modo a compreender outras provas que não fossem testemunhais. As perícias
de DNA, por exemplo, mesmo quando realizadas após a coisa julgada, passaram a
ser admitidas como “documento novo”, capaz de autorizar a rescisão de sentenças
sobre paternidade.38 A doutrina aplaude essa exegese pretoriana, reconhecendo
que se procedeu a uma flexibilização conceitual “perfeitamente razoável”, do que se
poderia ter como “documento novo” para efeito de ação rescisória.39
O art. 966, VII, do novo CPC consolidou e ampliou a tendência jurisprudencial,
prevendo o cabimento da rescisória, não mais com fundamento em documento novo,
mas em prova nova, que seja capaz, por si só, de reverter o julgamento anterior.
Qualquer prova, portanto, inclusive a testemunhal, pode ser utilizada para tal fim. O
que importa é a força de convencimento do novo elemento probatório, diante da qual
seria injusta a manutenção do resultado a que chegou a sentença.

38
STJ, 2ª Seção, REsp nº 300.084/GO, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, ac. 28.04.2004, DJU, 06
set. 2004, p. 161; STJ, 4ª T., REsp nº 189.306/MG, Rel. p/ac. Min. Cesar Asfor Rocha, ac. 25.06.2002,
DJU, 14.10.2002, p. 231; STJ, 4ª T., REsp nº 653.942/MG, Rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro, ac.
15.09.2009, DJe, 28 set. 2009.
39
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Considerações sobre a chamada “relativização” da coisa julgada material.
Revista Forense, v. 377, p. 56-57. Cf., também, DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso
de direito processual civil, cit., v. 3, p. 439/440; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual
civil. 55. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, v. I, n. 610, p. 794-795.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 279-306, abr./jun. 2015 299
Humberto Theodoro Júnior

O dispositivo atual, embora tenha ampliado a possibilidade de recorrer a provas


novas, conserva a exigência de que (i) sua existência fosse ignorada pela parte; ou
(ii) mesmo sendo de seu conhecimento, não lhe tenha sido possível utilizá-las antes
do trânsito em julgado da sentença rescindenda.
Dessa maneira, não se deve conservar o entendimento de que a prova
constituída após a sentença não se presta para a rescisória. O que não se tolera é o
não uso tempestivo da prova disponível, quando nada impedia a parte de produzi-la
na instrução da causa, a tempo de influir no respectivo julgamento.
Se, porém, a testemunha-chave só veio a ser encontrada depois da coisa
julgada, ou se o julgamento criminal decisivo para a solução da lide civil, só veio a ser
pronunciado também posteriormente ao encerramento do processo civil, nada impede
que essas provas sejam tomadas como base para rescisão da decisão injusta. Afinal,
não tinha o demandante mesmo como fazer uso de tais provas enquanto pendia a
ação de que resultou a sentença injusta.
Não condiz, portanto, com o conceito de processo justo e tutela efetiva,
prevalente no acesso à justiça assegurado pelo Estado Democrático de Direito, a tese
antiga de que o documento formado após a sentença não poderia ser considerado
documento novo para efeito de autorizar a rescisória.
De tal sorte, a partir da evolução jurisprudencial operada no STJ ─ de que foi
exemplo o tratamento dispensado à perícia de DNA40 e aos documentos exigidos
para comprovação dos requisitos para aposentadoria dos trabalhadores rurais, por
idade41 ─, “a correta interpretação da expressão documento novo [para efeito de ação
rescisória] deve ser tal, que possa atingir a proteção de um terreno mais amplo aos
direitos dos jurisdicionados. Dessarte, o fato de ser posterior ao trânsito em julgado
da ação originária não é empecilho para fundamentar ação rescisória”.42
Uma outra novidade do novo Código é a substituição do momento de
disponibilidade do documento (ou prova) pela parte. A lei em vigor (CPC/1973)
fala em documento obtido “depois da sentença”, enquanto o Novo CPC refere-se a
documento obtido “posteriormente à coisa julgada”. A intenção da norma inovadora,
destarte, é não considerar documento novo aquele obtido após a sentença, mas a
tempo de ser utilizado em recurso contra ela. Aliás, existe previsão no próprio Código
de 1973 que autoriza a produção de documento novo na fase recursal (art. 397,
reproduzido no art. 435, do NCPC).

40
“[...] O laudo do exame de DNA, mesmo posterior ao exercício da ação de investigação de paternidade, consi-
dera-se “documento novo” para aparelhar ação rescisória (CPC, art. 485, VII) (STJ, 2ª Seção, REsp 300.084/
GO, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, ac. 28.04.2004, DJU, 06 set. 2004, p. 161). No mesmo sentido:
STJ, 4ª T., REsp 653.942/MG, Rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro, ac. 15.09.2009, DJe, 28 set. 2009.
41
STJ, 3ª Seção, AR 1.427/MS, Rel. Min. Gilson Dipp, ac. 08.09.2004, DJU, 11 out. 2004, p. 231; STJ, 3ª
Seção, AR. 1.135/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, ac. 28.04.2004, DJU, 1º jul. 2004, p. 169.
42
OLIVEIRA, Pedro Miranda. A rescisória fundada em documento novo e o início da contagem do prazo deca-
dencial. In: AURELLI, Arlete Inês et al. (Coord.). O direito de estar em juízo e a coisa julgada – Estudos em
homenagem a Thereza Alvim. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 939.

300 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 279-306, abr./jun. 2015
A ação rescisória no Novo Código de Processo Civil

Logo, se por desleixo a parte não produziu o documento disponível por ocasião
do recurso, não poderá utilizá-lo como base para a ação rescisória. Terá ele perdido a
qualidade de documento novo, para os fins de ataque à sentença transitada em julgado.
Essa restrição, contudo, só se aplica aos recursos ordinários, porque são apenas
eles que devolvem ao tribunal ad quem a reapreciação do suporte fático e probatório
da decisão impugnável. No estágio dos recursos extraordinários, a descoberta de
documento capaz de modificar a convicção formada no decisório recorrido, mesmo
sendo anterior à formação da coisa julgada, não ensejaria sua reforma.
Assim, embora a regra geral seja a desqualificação, para a rescisória, de
documento obtido antes do trânsito em julgado, haverá casos em que a literalidade do
art. 966, VII, do Novo CPC não será observada: tal acontecerá quando a descoberta do
documento acontecer em momento que o priva da possibilidade de influir no recurso
especial ou extraordinário. Segundo o objetivo institucional da ação rescisória, que é
o de invalidar a sentença contaminada de grave injustiça, a regra em exame terá de
ser flexibilizada para recepcionar como documento novo aquele obtido mesmo antes
do trânsito em julgado do decisório rescindendo.

7 Legitimação do Ministério Público para a ação rescisória


O Código de 1973 (art. 487) prevê a legitimação do Ministério Público para
propor a ação rescisória em dois casos:
- quando não foi ouvido no processo, em que lhe era obrigatória a intervenção; e
- quando a sentença foi efeito de colusão das partes, a fim de fraudar a lei.
O novo Código traz duas novidades: a) a legitimação do MP não se dá apenas
quando não foi ouvido, mas ocorre também em relação ao julgamento de todo processo
em que sua atuação fosse obrigatória, tenha sido ou não ouvido (NCPC, art. 967, III,
“c”). Portanto, se a sentença incorreu em algum dos vícios autorizadores da ação
rescisória (NCPC, art. 966), e a causa era daquelas em que o Ministério Público teria
de atuar como custos legais, sempre terá legitimação para promover-lhe a rescisão.
Não sendo autor, o Ministério Público será ouvido nas rescisórias das sentenças
oriundas de processos em que nos termos do art. 178, cabe sua atuação como fiscal
da lei (NCPC, art. 967, parágrafo único). Ressalva, porém, a lei nova, tal como já vinha
entendendo a jurisprudência,43 que “a participação da Fazenda Pública não configura, por
si só, hipótese de intervenção do Ministério Público” (NCPC, art. 178, parágrafo único).

“O interesse público, hábil a determinar a intervenção obrigatória do Ministério Público, não se configura pela
43

simples propositura de ação em desfavor da Fazenda Pública” (STJ, 5ª T., REsp 702.875/RJ, Rel. Min. Arnaldo
Esteves Lima, ac. 19.02.2009, DJe, 16.03.2009); “A intervenção do Parquet não é obrigatória nas demandas
indenizatórias propostas contra o Poder Público. Tal participação só é imprescindível quando se evidenciar
a conotação de interesse público, quer não se confunde com o mero interesse patrimonial-econômico da
Fazenda Pública. Precedentes deste Tribunal e do Pretório Excelso» (STJ, 2ª T., REsp 465.580/RS, Rel. Min.
Castro Meira, ac. 25.04.2006, DJU, 08 maio 2006, p. 178. No mesmo sentido: STJ, 1ª T., REsp 801.028/DF,
Rel. Min. Denise Arruda, ac. 12.12.2006, DJU, 08 mar. 2007, p. 168; STF, 1ª T., RE nº 96.899/ES, Rel. Min.
Néri da Silveira, ac. 03.09.1985, DJU, 05 set. 1986, p. 15.834).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 279-306, abr./jun. 2015 301
Humberto Theodoro Júnior

O Código de 1973 não cuidava da intervenção do Ministério Público na ação


rescisória, como custos legis. Nada obstante, a doutrina entendia ser obrigatória,
em função da “natureza da lide”.44 Penso que, tendo o novo CPC disciplinado a
matéria, prevendo que tal intervenção se daria nas hipóteses do art. 178, não o fez
no sentido de generalizar a atuação do Ministério Público. Se fosse essa a intenção
do legislador, a norma simplesmente teria disposto que sua audiência se daria em
toda ação rescisória, em que o parquet não fosse autor.
Se, todavia, a regra legal condicionou sua intervenção aos limites do art. 178,
prevalecerão para a rescisória, as restrições que esse dispositivo traça, como, por
exemplo, a de que a participação da Fazenda Pública não configura por si só, hipótese
de intervenção do Ministério Público (parágrafo único do art. 178). Portanto, se o
regime interventivo do MP na ação rescisória é o geral do processo civil, não se pode
ter como obrigatória a sua atuação de fiscal da lei em toda demanda da espécie, mas
apenas naquelas em que o interesse público se fizer efetivamente presente. Esse é
o regime geral traçado para a atuação do Ministério Público em processo inter alios,
definido pelo art. 178 do NCPC, e que o parágrafo único do art. 967 manda observar
também nas ações rescisórias.

8 Caução
Dispõe a lei vigente que o ajuizamento da rescisória deve ocorrer mediante
depósito de 5% do valor da causa, para garantir pagamento de multa aplicável no
caso de improcedência ou inadmissibilidade da demanda, decretada por unanimidade
de votos pelo tribunal competente (CPC/1973, art. 488, II). Essa exigência, que
funciona como pressuposto processual, é afastada quando a rescisória for proposta
pela União, Estado, Município ou Ministério Público (art. 488, parágrafo único).
O novo CPC amplia a isenção, estendendo-a para a União, os Estados, o Distrito
Federal, os Municípios, suas respectivas autarquias e fundações de direito público,
o Ministério Público, a Defensoria Pública e todos os beneficiários da gratuidade de
justiça (art. 968, §1º).
Por outro lado, o valor da caução, e consequentemente, da multa, fica submetido
a um teto, não podendo ultrapassar mil salários mínimos (art. 968, §2º).

9 Competência
Regra importante, asseguradora do princípio de economia processual e de
garantia de efetivo acesso à tutela jurisdicional, foi instituída pelo §5º do art. 968

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009,
44

v. V, n. 120, p. 201; DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Processo Civil, cit., p. 466.

302 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 279-306, abr./jun. 2015
A ação rescisória no Novo Código de Processo Civil

do NCPC: o reconhecimento da incompetência do tribunal a que a rescisória foi


endereçada não será motivo de imediata extinção do processo, sem resolução de
mérito. Caberá ao Tribunal, ou ao relator, em tal circunstância, intimar o autor “para
emendar a petição inicial, a fim de adequar o objeto da ação rescisória”.
A regra aplica-se aos seguintes casos:
- ação em que se postula rescisão de decisão que não apreciou o mérito, e
não se enquadra nas hipóteses do §2º do art. 966 (NCPC, art. 968, §5º, I);
- ação rescisória que enfoca decisão que tenha sido posteriormente substituída
por outra, como ocorre nos julgamentos recursais (NCPC, art. 1.005).45
A demanda em questão decorre do equívoco da parte cometido na indicação
do decisório que realmente pretende desconstituir. De várias maneiras ele pode
acontecer: (i) quando, por exemplo, a decisão é confirmada por tribunal superior, e
a rescisória é proposta contra o acórdão da instância de segundo grau e não contra
o acórdão do STJ ou do STF; (ii) quando o autor visa desconstituir acórdão que não
chegou a ser reexaminado pelo tribunal superior, em virtude de não conhecimento
do recurso, e não obstante a ação rescisória é proposta perante o tribunal que
pronunciou o último acórdão; (iii) quando o ato judicial é daqueles que devem ser
objeto de ação anulatória comum e não de ação rescisória; e (iv) qualquer outro
caso em que, observado o correto enquadramento do objeto da pretensão rescisória,
a competência caberá a outro órgão jurisdicional, que não aquele ao qual o autor
endereçou sua demanda.
A diligência prevista no §5º do art. 968, na verdade, tem duplo objetivo: primeiro,
corrigir o defeito da petição que configurou mal o objeto do pleito rescisório; depois,
definir adequadamente o tribunal competente, que, uma vez melhor identificado o
objeto litigioso, será outro, e não aquele perante o qual a ação foi aforada. Nesse
caso, após a retificação da inicial, os autos serão remetidos ao tribunal competente
(§6º do art. 968).

10 Prazo decadencial para a propositura da rescisória


O prazo decadencial de dois anos para propor a ação rescisória (CPC/1973, art.
495) foi mantido pelo novo Código (art. 975). Estipulou-se, porém, que sua contagem
se daria, não mais do trânsito em julgado da decisão rescindenda, e, sim, a partir
do “trânsito em julgado da última decisão proferida no processo” (NCPC, art. 975,
caput). Com isso, pretendeu-se seguir a orientação preconizada pela Súmula nº 401
do STJ, segundo a qual a rescisória não obedece ao fracionamento da solução do
mérito por capítulos, em diversas decisões, devendo ocorrer uma única vez, ou seja,

CPC de 1973: “Art. 512- O julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou a decisão recorrida no
45

que tiver sido objeto do recurso” (a regra se acha repetida no art. 1.005 do NCPC).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 279-306, abr./jun. 2015 303
Humberto Theodoro Júnior

depois que o processo já tenha se encerrado, mesmo que a última decisão transitada
em julgado não tenha sido um julgamento de mérito.
Esse entendimento, todavia, atrita com a clássica posição da doutrina e do
Supremo Tribunal Federal, que sempre consideraram possível o fracionamento do
julgamento do mérito, do qual decorreria a formação também fracionária da coisa
julgada e, consequentemente, o estabelecimento de prazos distintos para manejo de
rescisória contra cada um dos capítulos autônomos com que a resolução do objeto
litigioso se consumou.
Aliás, o dispositivo do art. 975, que unifica o prazo da ação rescisória, sem respeitar
a formação parcelada da res iudicata, padece de inconteste inconstitucionalidade. O
STF, analisando justamente a Súmula 401 do STJ, que serviu de base para a regra
do NCPC, abordou o seu conteúdo para, reconhecendo a natureza constitucional do
tema, reafirmar que, à luz da garantia do art. 5º, XXXVI, da CF, não é possível recusar
a formação de coisa julgada parcial, quando as questões de mérito se apresentem
como autônomas e independentes entre si, e foram submetidas a julgamento que
fracionadamente se tornaram definitivos em momentos processuais distintos.46
Entre os fundamentos do aresto do STF, merecem destaque os seguintes:
a) Precedente recente da Suprema Corte havia concluído pela executoriedade
imediata de capítulos autônomos de acórdão condenatório, reconhecendo o
respectivo trânsito em julgado, com exclusão apenas daqueles capítulos que
teriam sido objeto de embargos infringentes.47
b) O mesmo entendimento estaria contido nas Súmulas 354 (“em caso de
embargos infringentes parciais, é definitiva a parte da decisão embargada em
que não houve divergência na votação”) e 514 (“admite-se ação rescisória
contra sentença transitada em julgado, ainda que contra ele não se tenha
esgotado todos os recursos”).
c) O STF admite a coisa julgada progressiva, ante a recorribilidade parcial
prevista no processo civil.48
d) No plano constitucional, a coisa julgada, reconhecida no art. 5º, XXXVI,
da CF, como cláusula pétrea, constitui aquela que pode ocorrer de forma
progressiva, quando fragmentada a sentença em partes autônomas.
e) Ao ocorrer, em datas diversas, o trânsito em julgado de capítulos autônomos
da sentença ou do acórdão, ter-se-á a viabilidade de rescisórias distintas,
com fundamentos próprios. Em tal caso, a extensão da ação rescisória não

46
STF, 1ª T., RE 666.589/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, ac. 25.03.2014, DJe, 03 jun. 2014.
47
STF, Pleno, AP 470-11ª QO/MG, Rel. Min. Joaquim Barbosa, ac. 13.11.2013, DJe, 19 fev. 2014.
48
CPC/1973: “Art. 505. A sentença pode ser impugnada no todo ou em parte” (NCPC, art. 1.002). CPC/1973:
“Art. 512. O julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou a decisão recorrida no que tiver sido
objeto de recurso” (NCPC, art. 1.008, g.n.).

304 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 279-306, abr./jun. 2015
A ação rescisória no Novo Código de Processo Civil

seria dada pelo pedido, mas pela sentença, que comporia o pressuposto da
rescindibilidade.
f) O acórdão do STF, por fim, prestigiou a Súmula nº 100 do TST, cujo inciso
II dispõe que “havendo recurso parcial no processo principal, o trânsito em
julgado dá-se em momentos e em tribunais diferentes, contando-se o prazo
decadencial para a ação rescisória do trânsito em julgado de cada decisão,
salvo se o recurso tratar de preliminar ou prejudicial que possa tornar
insubsistente a decisão recorrida, hipótese em que flui a decadência a partir
do trânsito em julgado da decisão que julgar o recurso parcial”.

11 Contagem do prazo
Embora decadencial (e, por isso, fatal), o prazo para propor a rescisória não vence
durante férias forenses, recesso, feriados ou em dia em que não houver expediente,
como deixa claro o §1º do art. 975 do NCPC. Ocorrida a hipótese, o vencimento dar-
se-á no primeiro dia útil imediatamente subsequente à ultrapassagem do embaraço.
Outra novidade é a previsão do termo inicial diferenciado, estabelecido em
função da causa petendi:
A regra geral é contar-se o prazo da ação rescisória a partir da data do trânsito
em julgado (art. 975, caput).
No caso, porém, do inc. VII do art. 966, “o termo inicial do prazo será a data
de descoberta da prova nova”. Não se poderá, todavia, eternizar a possibilidade de
descobrir tal prova, porque isso fragilizaria, excessivamente, a segurança jurídica
que é a base da garantia constitucional prestada à coisa julgada. À vista disso, o
dispositivo que permite contar o prazo da rescisória a partir da descoberta da prova
nova estabelece o prazo máximo para que a ação seja proposta, que é o de cinco anos,
contados do trânsito em julgado (art. 975, §2º). Atingido esse marco, encontrada ou
não a prova nova, consumada estará a caducidade do direito potestativo de propor a
ação rescisória.
Outra regra especial é a que, na hipótese de rescisória baseada em simulação
ou colusão das partes, prevê a contagem do prazo em cogitação a partir do momento
em que se tem ciência da fraude. Mas essa alteração do dies a quo aplica-se apenas
ao terceiro prejudicado, e ao Ministério Público, quando não tenha intervindo no
processo (art. 975, §3º). Àquele que figurou como parte ou interveniente no feito
em que se pronunciou a decisão rescindenda (inclusive o MP) não se estende a
contagem privilegiada.
A lei nova não repetiu, no §3º, a estipulação de prazo máximo, tal como havia
feito no §2º, relativamente à descoberta da prova nova. A razão de deixar aberto
ilimitadamente o prazo para a rescisória, enquanto os estranhos ao processo não
têm ciência da simulação ou da colusão para fraudar a lei, prende-se à circunstância

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 279-306, abr./jun. 2015 305
Humberto Theodoro Júnior

de se deparar com atos contaminados por nulidade e não apenas por anulabilidade
(Código Civil, arts. 166, VI e 167), agravados ainda, pelos reflexos nocivos produzidos
para além dos interesses dos sujeitos da relação processual.
Belo Horizonte, 31 de março de 2015

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

THEODORO JÚNIOR, Humberto. A ação rescisória no Novo Código de Processo Civil.


Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 23, n. 90,
p. 279-306, abr./jun. 2015.

306 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 279-306, abr./jun. 2015
Ativismo judicial na tutela jurisdicional
diferenciada

João Batista Lopes


Professor dos Cursos de Mestrado e Doutorado da PUC-SP. Desembargador aposentado.
Consultor Jurídico.

Palavras-chave: Ativismo judicial. Tutela jurisdicional. Atuação do juiz.


Sumário: Introdução – 1 Breves considerações sobre o chamado ativismo judicial – 2 Ativismo judicial na
tutela jurisdicional diferenciada – 3 Conclusões – Referências

Introdução
O advento do novo Código de Processo Civil suscita numerosos debates
doutrinários a respeito dos poderes do juiz na direção e instrução do processo.
Sem analisar, em profundidade, as vertentes que se formaram a respeito do
tema, é possível afirmar-se que os autores pátrios se inclinam, majoritariamente, no
sentido de conferir ao magistrado o papel de protagonista principal do processo, e
não o de simples convidado de piedra.1
Daí, porém, a conceder-lhe poderes de investigação ou a considerá-lo “dono do
processo”2 vai uma distância abissal.
Com efeito, o processo deve ser visto como um sistema, ou seja, um conjunto
orgânico de elementos, e não a simples reunião ou soma deles. Como todo sistema,
possui alguns atributos dentre os quais sobrelevam a unidade, a organização e a harmonia.
Posto que doutrina autorizada atribua ao juiz a função de diretor material do
processo,3 tal condição não lhe confere poderes ilimitados no exercício da atividade
jurisdicional. Assim, por exemplo, ao juiz não é dado decidir com base em suas
impressões pessoais, nem escorar-se em elementos estranhos ao processo,

1
Expressão utilizada por Santiago SentísMelendo (La prueba. Buenos Aires: EJEA, 1978. p. 323).
2
Maria Elizabeth de Castro Lopes é categórica ao assinalar que o juiz não é “dono do processo (dominus pro-
cessi), pois este é um instrumento público”. Ressalta, também, que ele “não é investigador, pois tal função
pode comprometer psicologicamente o ato de julgar” (O juiz e o princípio dispositivo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006. p. 152).
3
Assim, CAPPELLETTI (La oralidade y las pruebas en el processo civil. Trad. Santiago SentísMelendo. Buenos
Aires: EJEA, 1972. p. 124).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 307-315, abr./jun. 2015 307
João Batista Lopes

cumprindo-lhe fundamentar sua decisão no conjunto dos autos e nas normas do


sistema jurídico.
Contudo, a pretexto de atribuir ao juiz papel relevante e dinâmico na condução do
processo, pretendem alguns conferir-lhe poder assistencial e convertê-lo em patrono
da parte mais fraca, o que é inadmissível.
Tais considerações sugerem análise do chamado ativismo judicial, particu­
larmente no que respeita à tutela jurisdicional diferenciada
É o que se pretende fazer nos itens seguintes.

1 Breves considerações sobre o chamado ativismo judicial


Sobreleva notar, inicialmente, que o processo civil brasileiro atravessa fase de
grande evolução científica como se comprova com o grande número de teses e de
obras doutrinárias publicadas nos últimos anos.
A preocupação com a principiologia do direito processual tem sido uma constante
e, como corolário, os institutos fundamentais do processo têm sido revisitados pelos
estudiosos.
A partir da elevação a status constitucional de algumas garantias processuais
(contraditório, ampla defesa, publicidade, juiz natural, razoável duração do processo)
formulou-se o chamado modelo constitucional de processo para que a Lei Máxima
seja seu ponto de partida e de chegada
Se a constitucionalização do processo não constitui propriamente uma
novidade —recorde-se que Couture e Cappelletti já haviam acenado com ela em
obras clássicas4 — forçoso é reconhecer que, com a Constituição de 1988, ela
ganhou, entre nós, notável impulso.
Contudo, tem-se observado nos trabalhos acadêmicos a superestimação
das garantias constitucionais do processo em prejuízo das normas processuais
infraconstitucionais. Assim, não é incomum a tentativa de resolver todos os problemas
processuais com aplicação direta de princípios constitucionais, notadamente a
dignidade da pessoa humana.
Nos limites estreitos dessa exposição, não há espaço para se discutir a natureza
da dignidade da pessoa humana: princípio, postulado, garantia ou valor. Cumpre,
porém, ressaltar que ela não pode funcionar como uma panaceia milagrosa capaz de
substituir todo o ordenamento processual civil.
Impende, pois, compreender adequadamente o sentido das garantias consti­
tucionais e sua aplicação na solução dos conflitos de interesses. Também é

Cf. COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del derecho procesal civil. Buenos Aires: Depalma, 1972. p. 151,
4

e CAPPELLETTI, Mauro. Proceso, ideologías, sociedad. Trad. Santiago SentísMelendo e Tomás A. Banzhaf.
Buenos Aires: EJEA, 1974. p. 523.

308 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 307-315, abr./jun. 2015
Ativismo judicial na tutela jurisdicional diferenciada

necessário pôr em relevo os limites do processo que, ao revés do que sustentam


alguns, não tem o condão de garantir o acesso à ordem jurídica justa, mas apenas
à ordem jurídica tout court (v.g., mesmo em se considerando que o salário mínimo
vigente não garante as necessidades vitais do trabalhador, o juiz não tem o poder de
aumentar seu valor).
É nesse cenário que se põe a questão da admissibilidade do chamado ativismo
judicial, expressão de conteúdo indeterminado que, em mãos inexperientes, pode
conduzir ao desprezo da técnica processual e ao autoritarismo judicial.
Sobreleva notar que o sufixo ismo tem, em alguns vocábulos, sentido pejorativo5
(v.g., falamos, com frequência, em continuísmo para criticar a permanência de um
mesmo partido no poder por muitos anos; em tecnicismo para designar o exagerado
apego à técnica e em egoísmo para indicar o culto ao ego). Assim,costuma-se
denominar ativista o juiz que não se prende às regras processuais, mas procura
guiar-se por posições pessoais inspirando-se no que considera o ideal de justiça. Em
sentido oposto, garantista é o magistrado que atua observando estrita e fielmente as
garantias constitucionais do processo.
Glauco Gumerato esclarece o ponto:

[...] ativismo e garantismo pretendem o mesmo, cada qual desde um


respectivo ponto de vista, seja fortalecendo a jurisdição (= ativismo), seja
com o fortalecimento das regras que ordenam o processo (= garantismo).
Apesar da carga ideológica que possa estar por detrás de cada uma
dessas posturas dogmáticas – eventual autoritarismo na condução
ativista do processo pelo juiz, ou eventual liberdade na condução do
processo com a observância irrestrita das garantias constitucionais – não
se pode perder de vista que no atual ambiente constitucional dos povos
ocidentais espera-se que o Poder Judiciário atue de modo a evitar lesão
ou ameaça a direitos, sempre com a observância do devido processo
legal. E é nessa perspectiva que se deve pensar e concretizar o processo
civil. Não temos como fugir disso.6

Com efeito, o que importa é a preservação do devido processo legal (rectius, devido
processo constitucional), de modo que não se vê inconveniente na utilização do adjetivo
ativista para indicar o juiz dinâmico e preocupado com a efetividade do processo.
O debate acerca do ativismo ganha especial relevo em matéria probatória, mas
também se reveste de importância em tema de tutela jurisdicional diferenciada, como
veremos adiante.

5
Cf. CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário Etimológico Nova Fronteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
p. 448.
6
RAMOS, Glauco Gumerato. Ativismo e garantismo no processo civil. Apresentação do debate (texto disponível
no Google, p. 14).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 307-315, abr./jun. 2015 309
João Batista Lopes

2 Ativismo judicial na tutela jurisdicional diferenciada


Em escrito anterior, assim discorremos sobre o conceito de tutela jurisdicional
diferenciada:

[...] em certas hipóteses, a tutela comum ou padrão não resolve a


situação de crise do direito material, tornando inafastável tutela diversa, a
que PISANI denominou tutela jurisdicional diferenciada Tutela jurisdicional
diferenciada pode ser explicada como o conjunto de técnicas e modelos
para fazer o processo atuar pronta e eficazmente, concedendo efeitos
práticos para garantir a adequada proteção dos direitos segundo as
necessidades de cada caso, obedecidos os princípios, regras e valores
da ordem jurídica.
Mais explicitamente: em muitas hipóteses, a demora na solução da
causa poderá fazer perecer o direito; em outras, as provas já existentes
aconselham decisão imediata, ainda que em caráter provisório. A tutela
comum, nessas situações, não seria adequada, nem suficiente.
Exemplos: (1) se alguém falsifica minha assinatura numa nota promissória
e a leva a cartório, não posso esperar a longa tramitação do processo
para me ver livre do protesto. A sustação de protesto, medida urgente,
proteger-me-á até a discussão final da lide; (2) se o hospital se recusa
a atender a caso de urgência a pretexto de ambiguidade em cláusula
de plano de saúde, necessita o paciente de tutela imediata para pôr a
salvo sua saúde ou integridade física; (3) se disponho de prova escrita
da dívida, que não constitua título executivo (por exemplo, um vale ou
um fax), posso utilizar-me de um tipo de tutela diferenciada (a tutela
monitória), não necessitando percorrer o árduo caminho da tutela comum;
(4) se meu vizinho insiste em produzir ruídos no período noturno, posso
valer-me de tutela especial para, de imediato, fazer cessar o incômodo.7

Importa ressaltar, pois, que tutela jurisdicional diferenciada não significa


simplesmente a variedade de procedimentos, mas tem relação direta com a
efetividade do processo na medida em que procura atender às situações de crise do
direito material.
Os estudos acerca da matéria estão bastante desenvolvidos, tendo o novo CPC
disciplinado a tutela antecipada, a cautelar e a de evidência.
Contudo, a tutela inibitória não figurou ao lado das três espécies mencionadas,
tendo sido contemplada somente no parágrafo único do art. 497, que se utiliza
do verbo inibir, razão por que houvemos por bem apresentar ao Ceapro (Centro de
Estudos Avançados de Processo) enunciado com o seguinte teor:

Não obstante a ausência de alusão expressa, é admissível a tutela


inibitória com fundamento no parágrafo único, do art.497, do novo CPC,

Curso de direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2005. v. I. p. 22.


7

310 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 307-315, abr./jun. 2015
Ativismo judicial na tutela jurisdicional diferenciada

tanto nas obrigações de fazer como nas de não fazer, seja para evitar a
ocorrência do ilícito, seja para impedir sua continuação.

Justificativa – Nas versões anteriormente divulgadas, o PNCPC silenciara a respeito


da tutela inibitória,8 mas o novo CPC, após aludir, no caput do art. 497, às obrigações
de fazer e de não fazer, houve por bem contemplar, no parágrafo único, tal modalidade
de tutela jurisdicional diferenciada, valendo-se de terminologia utilizada por Marinoni.
A orientação adotada pelo legislador não merece apenas elogios, porque o rigor
sistêmico recomendava fosse a matéria disciplinada ao lado das demais formas de
tutela diferenciada (cautelar, antecipada, de evidência, monitória).
De qualquer modo, modificou-se o panorama de contrastes apresentado pela
doutrina, uma vez que se reconheceu a autonomia da tutela inibitória, tanto nas
obrigações de fazer como nas de não fazer, já que, consoante regra de hermenêutica,
as disposições dos parágrafos subordinam-se ao comando do caput. Assim, a medida
é cabível seja para obstar a prática do ilícito, seja para impedir sua continuação,
independentemente da prova de dano ou de culpa.
Nem colhe o argumento de que a lei se vale do verbo impedir, o que recomendaria
interpretação restritiva do texto, ou seja, circunscrita às obrigações de não fazer,
porquanto o caput do artigo, de modo claro e inequívoco, inclui ambas as espécies
de obrigações.
Alguns exemplos confirmam o acerto da posição adotada no novo Código:
“a) obrigações de fazer: decisão judicial ordenando a publicação de livro objeto de
contrato de edição ou a inclusão de capítulo excluído pela editora; b) obrigações de
não fazer: ordem para cessar o ruído em casa noturna; proibição de apresentação de
programa de televisão que exponha crianças a situação humilhante etc.”.
Expostas, em apertada síntese, as espécies de tutela jurisdicional diferenciada,
cabe indagar sobre como deve atuar o juiz nessa província do direito processual.
Põe-se, pois, a questão de saber se o juiz deve agir nos estritos limites da lei ou
se dispõe de poderes especiais para tornar efetiva a tutela jurisdicional. A premissa
a ser adotada é a seguinte: a toda situação de crise do direito material deve ser
deferido um tipo de tutela adequado para restabelecer o império da ordem jurídica.
A Constituição Federal garante não só a reparação da lesão como a prevenção de

Breve consulta à jurisprudência demonstra a ampla utilidade da tutela inibitória. Assim, a providência tem
8

sido adotada em várias hipóteses entre as quais: a) contra o descumprimento de ordem judicial para exclusão
do nome do devedor do cadastro de inadimplentes (v.g., TJSP-Agr. Instr. 0154707-72-2013.8.26.0000 – 4ª
Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Teixeira Leite, j. 17.10.2013; desrespeito a determinação judicial
para realização de cirurgia (TJSP-Agr.2057/74-45.2014.8.26.0000 – 4ª Câm.de Direito Privado – Rel. Fábio
Quadros – j. 26.06.2014) ou para cessar utilização de som mecânico e ao vivo sem isolamento acústico (TJPR
-Agr. Instr. 66.1140300-0 – 4ª Câm. Civel – Rel. Des. Guido Döbeli – j. 20.05.2014); mandado para entrega
de móveis sob pena de multa (TJSP-Agr. Instr. 2063877-26.2013.8.26 – 29ª Câm. de Direito Privado – Rel.
Des. Francisco Thomaz – j. 09.04.2014) ou para abstenção de desconto em folha de empréstimo bancário
(TJPR-Agr. Instr. 48.1215053-9 – 16ª Câm. Cível – Rel. Des. Gilberto Ferreira – j. 26.05.2014).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 307-315, abr./jun. 2015 311
João Batista Lopes

ofensa ao direito, donde se conclui que, mesmo na ausência de texto legal expresso,
a proteção constitucional existe e ao juiz são conferidos poderes para tornar concreta
essa proteção. Assim: a) para impedir que a demora na prestação jurisdicional faça
perecer o direito ou comprometer seu pleno exercício, o sistema indica a tutela cautelar;
b) para obtenção de efeitos práticos do provimento antes do exame do mérito, a tutela
antecipada;c) para hipótese de o credor estar munido de prova escrita que não constitua
título executivo, a tutela monitória; d) para hipótese de pedido lastreado em prova
documental segura, a que o réu não oponha impugnação séria, a tutela de evidência;e)
para impedir a ocorrência do ilícito ou obstar seu prosseguimento, a tutela inibitória.
O poder conferido ao juiz na tutela jurisdicional diferenciada não se confunde
com discricionariedade, pelo menos no sentido que esse termo é empregado no
Direito Administrativo.
A doutrina tradicional conceitua o ato discricionário como aquele em que há
liberdade de escolha por parte do administrador segundo alguns critérios como a
conveniência e a oportunidade.9
Concepção mais recente inclina-se no sentido de que, na discricionariedade,
há certa margem de liberdade conferida ao administrador para escolher um dos
comportamentos possíveis segundo critérios de razoabilidade para atender à
finalidade da lei.10
Importa ressaltar que essa margem de liberdade tem diminuído na medida em
que são aprovadas e aplicadas políticas públicas que têm de ser respeitadas pelo
administrador.
É inquestionável, porém, que no plano judicial a liberdade de atuação é menor
que no administrativo. Por exemplo, o Secretário da Educação pode optar pelo
emprego de verba para reforma de uma escola em lugar de construir uma nova. Já o
juiz, ao apreciar um pedido de liminar, não pode fugir da observância dos requisitos
exigidos para sua concessão (por exemplo, o fumus boni iuris e o periculum in mora
na tutela cautelar). Presentes os requisitos legais, não há espaço para opção do juiz,
que tem o dever de deferir a medida.
Igual raciocínio se faz em outra modalidade de tutela diferenciada, a tutela inibitória.
Desde que demonstrada a iminência da prática de um ilícito (independentemente de prova
do dano), o juiz não terá possibilidade de optar pela concessão, ou não, da providência.

9
Assim, Hely Lopes Meirelles: “Atos discricionários são os que a Administração pode praticar com liberdade de
escolha de seu conteúdo, de seu destinatário, de sua conveniência, de sua oportunidade e do modo de sua
realização" (Direito administrativo brasileiro. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981. p. 143).
10
Celso Antonio Bandeira de Mello escreve: “Discricionariedade é a margem de liberdade que remanesça ao
administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois com-
portamentos cabíveis perante cada caso, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à
satisfação da finalidade da lei, quando por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no
mandamento dela não se possa extrair objetivamente uma solução unívoca para a situação vertente” (Direito
administrativo brasileiro.11. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 641-642).

312 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 307-315, abr./jun. 2015
Ativismo judicial na tutela jurisdicional diferenciada

Daí por que não parecer adequada a utilização do termo discricionariedade no


âmbito judicial e, particularmente, no campo da tutela jurisdicional diferenciada. É que
a tutela jurisdicional tem como fundamento a necessidade ou utilidade do provimento
para resolver situação de crise do direito material, razão por que, preenchido esse
requisito, não sobra para o juiz margem de liberdade para optar por solução que não
seja o deferimento do pedido.
De outra parte, não há que se confundir discricionariedade com interpretação.
A primeira consiste na escolha da solução mais adequada dentro das indicadas
expressa ou tacitamente na lei visando ao atendimento do interesse público; a
segunda conceitua-se como a fixação do sentido e alcance da norma, ou seja, da
ratio legis com aplicação dos métodos teleológico e sistemático.11
A partir do conceito de jurisdição — poder (rectius, manifestação do poder) de
declarar e fazer atuar o direito — chega-se à conclusão de que o juiz não pode julgar
segundo suas impressões ou opiniões pessoais, uma vez que a aplicação da norma
tem como pressuposto sua interpretação segundo os métodos científicos indicados.
Tem-se, pois, que não prevalece, na espécie, o princípio da livre convicção,
do mesmo modo que ele não vigora no campo probatório, regido pelo princípio da
persuasão racional.
Do exposto se conclui pela inadmissibilidade da denominada discricionariedade
judicial.
Concede-se que doutrina respeitável se inclina em sentido contrário.
Assim, o monografista italiano Raselli12 propugna pela existência de discricio­
nariedade tanto no âmbito administrativo como no judicial. Contudo, é extenso o rol
de autores que recusam a existência de discricionariedade judicial, orientação que
se mostra mais adequada, porquanto, como foi remarcado, a tutela jurisdicional tem

11
O clássico FERRARA assinala: “O texto da lei não é mais do que um complexo de palavras escritas que servem
para uma manifestação de vontade, a casca exterior que encerra um pensamento, o corpo de um conteúdo
espiritual.
A lei, porém, não se identifica com a letra da lei. Esta é apenas um meio de comunicação.
[...] A missão do intérprete é justamente descobrir o conteúdo real da norma jurídica, determinar em toda a
plenitude o seu valor, penetrar o mais que é possível (como diz Windscheid) na alma do legislador, reconstruir
o pensamento legislativo.
Só assim a lei realiza toda a sua força de expansão e representa na vida social uma verdadeira força normati-
va”. (Interpretação e aplicação das leis. 3. ed. Trad. de Manuel Domingues de Andrade. 1978. p.127/128.
12
RASELLI. Alessandro. Studi sul potere discrezionale del giudice civile. Milão: Giuffrè, 1975. p. 263. No Brasil,
Barbosa Moreira defendeu a tese em clássico estudo apontando como exemplos o modo de pagamento da
pensão alimentar e a fixação do rumo de passagem em favor do prédio encravado (cf. Regras de experiência
e conceitos juridicamente indeterminados. Rio de Janeiro: Revista Forense, 261/15). No mesmo diapasão
Eduardo Melo de Mesquita: “Na discricionariedade há uma prerrogativa, mercê do ‘espaço livre’ destinado ao
aplicador da norma, para que pronuncie o direito sem exorbitar desse intervalo, nem extrapolar os limites do
razoável, do exigível, do adequado, do proporcional. Dentro dos quais a adjudicação do poder fora outorgada”
(Tutelas cautelar e antecipada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 342).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 307-315, abr./jun. 2015 313
João Batista Lopes

como requisito essencial a necessidade ou utilidade da jurisdição, sem que o juiz


possa declinar do dever que lhe impõe o sistema jurídico.13
À luz dessas considerações podemos chegar às conclusões que seguem.

3 Conclusões
O processo deve ser visto como um sistema, ou seja, um conjunto orgânico de
elementos, e não a simples reunião ou soma deles.
Posto que doutrina autorizada atribua ao juiz a função de diretor material do
processo, tal condição não lhe confere poderes ilimitados no exercício da atividade
jurisdicional.
É necessário pôr em relevo os limites do processo que, ao revés do que
sustentam alguns, não tem o condão de garantir o acesso à ordem jurídica justa,
mas apenas à ordem jurídica tout court.
Não obstante a ausência de disposição legal expressa, deve ser admitida a
tutela inibitória, tanto nas obrigações de não fazer como nas obrigações de fazer, seja
para evitar a ocorrência do ilícito, seja para impedir sua continuação.
Não se deve superestimar as garantias constitucionais a ponto de sacrificar as
normas da legislação infraconstitucional que rege o processo.
A tutela jurisdicional, do mesmo modo que a tutela comum, tem como
fundamento a necessidade ou utilidade do provimento para resolver situação de crise
do direito material, razão por que, preenchido esse requisito, não sobra para o juiz
margem de liberdade para optar por solução que não seja o deferimento do pedido.
Não há que se falar, assim, em discricionariedade na tutela jurisdicional diferenciada.

Referências
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Direito administrativo brasileiro. 11. ed. São Paulo: Malheiros,
1999.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Regras de experiência e conceitos juridicamente indeterminados.
Rio de Janeiro: Revista Forense 261/15.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo:
Malheiros, 2007.
CAPPELLETTI, Mauro. Proceso, ideologías, sociedad. Trad. Santiago SentísMelendo e Tomás A.
Banzhaf. Buenos Aires: EJEA, 1974.
CAPPELLETTI, Mauro. La oralidade y las pruebas en el processo civil. Trad. Santiago SentísMelendo.
Buenos Aires: EJEA, 1972.

Entre outros, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Omissão judicial e embargos de declaração. São Paulo: Revista
13

dos Tribunais, 2005, p. 361/362. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica pro-
cessual. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 108-109 e LEITE. Luciano Ferreira. Interpretação e discricionariedade.
São Paulo: RCS Editora Ltda., 2006. p. 82/162.

314 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 307-315, abr./jun. 2015
Ativismo judicial na tutela jurisdicional diferenciada

COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del derecho procesal civil. Buenos Aires: Depalma, 1972.
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário Etimológico Nova Fronteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
FERRARA, Francesco. Interpretação e aplicação das leis. 3. ed. Trad. de Manuel Domingues de
Andrade, 1978.
RAMOS, Glauco Gumerato. Ativismo e garantismo no processo civil. Apresentação do debate. Texto
disponível no Google.
LEITE. Luciano Ferreira. Interpretação e discricionariedade. São Paulo: RCS Editora Ltda., 2006.
LOPES, João Batista. Curso de direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2005. v. I.
LOPES, Maria Elizabeth de Castro. O juiz e o princípio dispositivo. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006.
MEIRELLES, Helly Lopes. Direito administrativo brasileiro. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1981.
MELENDO, Santiago Sentís. La prueba. Buenos Aires: EJEA, 1978.
MESQUITA, Eduardo Melo de. Tutelas cautelar e antecipada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
RASELLI. Alessandro. Studi sul potere discrezionale del giudice civile. Milão: Giuffrè, 1975.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Omissão judicial e embargos de declaração. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

LOPES, João Batista. Ativismo judicial na tutela jurisdicional diferenciada. Revista


Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 307-
315, abr./jun. 2015.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 307-315, abr./jun. 2015 315
Limitaciones al derecho de defensa
en el proceso sumarísimo del código
procesal civil peruano

José Alfredo Lovón Sánchez


Mgter. en Derecho Civil por la Universidad Católica Santa María de Arequipa y Mgter. en
Derecho Procesal por la Universidad Nacional de Rosario Argentina. Docente Principal de la
Facultad de Derecho y de la Escuela de Postgrado de la UCSM.

Sumario: 1 Concepto y razón de ser de los procesos sumarios – 2 Características de todo proceso sumario
– 3 Naturaleza de los procesos sumarios – 4 Limitaciones en los procesos sumarios – 5 Limitaciones en
el proceso sumarísimo del código procesal civil peruano – 6 Conclusiones

1 Concepto y razón de ser de los procesos sumarios


Según el Diccionario Jurídico de Guillermo Cabanellas la palabra sumario significa:
“Breve, resumido, compendiado. Nombre de ciertos procedimientos en los cuales se
prescinde de algunas formalidades y se tramitan con mayor rapidez.”1
Otra idea de proceso sumario la encontramos en el Diccionario Jurídico Mexicano:
“La necesidad de llegar a una decisión rápida en atención a la índole misma del litigio,
impone el conocimiento limitado por parte del juez y restringe la procedencia de los
medios de prueba, sin perjuicio de que la cuestión de fondo pueda ser examinada en
plenitud en juicio distinto”.2
Considero que la definición precedente es acertada. Más allá de las variadas
formas de definir al proceso sumario, o sumarísimo como singularmente ha sido
llamado por el legislador peruano, debe quedar claro que todo proceso sumario, para
garantizar el derecho de defensa de las partes, debe ser susceptible de revisión en un
proceso ulterior y amplio, como se analizará posteriormente con mayor detenimiento.

1
CABANELLAS, Guillermo. Diccionario Enciclopédico de derecho usual: Tomo VII, 15ª edición, Editorial Heliasta
S.R.L., Buenos Aires, 1982. p. 567.
2
DICCIONARIO JURÍDICO MEXICANO. Instituto de Investigaciones Jurídicas, 8ª edición, Editorial. Porrúa S.A.
1872. p. 195.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 317-337, abr./jun. 2015 317
José Alfredo Lovón Sánchez

2 Características de todo proceso sumario


Por su propia naturaleza, todo proceso sumario se caracteriza por:
a) Plazos cortos
La principal característica de todo proceso sumario, como su nombre lo
indica, es que tiene que ser mucho más breve que los procesos ordinarios y ello
para cumplir, precisamente, con su finalidad de proteger jurídicamente a quien tiene
urgente necesidad de tutela de sus intereses.
Debido a ello, los plazos en los procesos sumarios van a verse recortados,
pero lógicamente de manera prudencial, ya que de ningún modo deben ser plazos
asfixiantes que ni siquiera permitan a las partes poder defenderse de una forma
aceptable. Deben siempre garantizar el derecho constitucional de defensa.
De otro lado es muy relativo asumir que un proceso sumarísimo sea breve en su
duración. En el Perú el plazo promedio de duración de un proceso sumarísimo es de
tres años. Por tanto, la referida “urgencia de tutela jurisdiccional” es relativa pues, no
se cumplen los plazos previstos en el Código.
b) Minimización de formalidades
Para Caravantes3 este proceso: “es el que no sigue el orden lento y solemne del
juicio ordinario, sino trámites más breves, marcados por convenir así la naturaleza
del negocio o la urgencia que el mismo reclama”. Mas estos trámites comprenden,
no obstante su brevedad —según este autor—, las formalidades esenciales de
Derecho natural o de gentes necesarios para averiguar la verdad y sólo se admiten
las accidentales o accesorias de puro derecho positivo que son necesarios para la
justicia de la decisión.
Se trata de un procedimiento simple, con exigencias básicas.
c) Se ventilan asuntos más simples
Se tramitan “aquellos juicios o procesos que por la forma o estructura en que
están normados pueden considerarse más breves y acelerados pudiendo ser orales,
escritos o mixtos”. En realidad los juicios sumarios, y al igual los sumarísimos (especie
del anterior), se caracterizan por una preponderancia del principio de economía y
celeridad, por el cual no se puede exigir un dispendio procesal superior al valor de
los bienes litigiosos o que están en debate, es decir que debe existir una necesaria
proporción entre el fin y los medios que debe presidir la economía del proceso, a fin
que sean substanciados sin dilación.4
Es lógico que asuntos complejos requieren de mayores plazos.
d) Admiten una revisión

CARAVANTES en Enciclopedia Jurídica Omeba. p. 484-485.


3

Idem. p. 485.
4

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Limitaciones al derecho de defensa en el proceso sumarísimo del código procesal civil peruano

Algunos procesos como los ejecutivos y los sumarios o sumarísimos al ser


bastante cortos y por eso mismo contener varias limitaciones de medios de prueba
o de plazos, tanto para el juez como para las partes, pueden ser susceptibles de
errores que afectan a las partes. Errores que pueden ser subsanados y corregidos en
un posterior proceso amplio, iniciado por quién eventualmente se sienta agraviado en
el proceso sumario.
Este segundo proceso que puede ser denominado “de revisión”, “de contradicción
de sentencia” o similar, debe estar previsto en la legislación procesal para que cualquier
sujeto que haya sido protagonista de un proceso sumario, acuda a él si es que lo cree
necesario y justo a sus intereses. Constituye una garantía de justicia y legalidad. Lo
contrario implicaría que queden perennizadas decisiones injustas.

3 Naturaleza de los procesos sumarios


Los procesos sumarios en la doctrina procesal tienen según varios autores
diversa naturaleza jurídica, por eso, para un mejor estudio, el Dr. Elmer Contreras
Campos5 los ha clasificado en:
Los que consideran a los procesos sumarios como simple reducción de plazos
y formas procesales, esto en contraposición al juicio ordinario:
Dentro de esta posición encontramos a los profesores Jaime Guasp, Piero
Calamandrei, Vicente Caravantes, Santiago López Moreno, Remigio Pino Carpio,
Mario Alzamora Váldez. Para ellos la diferencia de los procesos sumarios con los
ordinarios es simplemente la reducción de plazos y formas procesales. Por ejemplo,
para los que sostienen esta postura, el proceso sumarísimo del C.P.C. peruano sería
un proceso sumario, debido —a que a diferencia del proceso de conocimiento que es
el juicio modelo— éste presenta características como la concentración de los actos
procesales, reducción de los plazos y supresión de algunas actuaciones.
Los que definen a los procesos sumarios como procesos con cognición
incompleta producto de la limitación de las alegaciones:
Entre los procesalistas que definen así a los sumarios tenemos a los profesores
Víctor Fiaren Guillén, Leonardo Prieto Castro, Juan Montero Aroca, Mauro Miguel
y Romero, entre otros. Para éstos autores los procesos sumarios tienen como
característica esencial la limitación de la cognición a través de la limitación de las
alegaciones (a través de éste se limita el objeto del debate). Por ejemplo, en el
interdicto de recobrar del C.P.C. peruano, el objeto del debate se ha restringido
a debatir la posesión del demandante sobre el bien (esto anterior al despojo), la

CONTRERAS CAMPOS, Elmer E. La inconstitucionalidad del proceso sumarísimo del Código Procesal Civil pe-
5

ruano, hacia una teoría general de los procesos sumarios. Revista Cathedra, año VI, Nro. 10, Lima 2003. p.
372-373.

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José Alfredo Lovón Sánchez

desposesión del demandante por actos del demandado y la época en que se realizaron
los hechos. Como los medios probatorios deben estar dirigidos a acreditar sólo tales
alegaciones, la cognición ha sido limitada.
Aquellos que definen a los procesos sumarísimos como producto de la
indeterminación procesal:
El profesor italiano Andrea Proto Pisan es el jurista que sostiene esta posición.
Para este autor los procesos sumarios son aquellos en los que el legislador no ha
regulado de manera expresa el procedimiento, sino que ha dejado a la discrecionalidad
del juzgador la formación del iter procesal, de acuerdo a las exigencias del caso
materia de litis.
Los procesos sumarios en Italia tienen como característica peculiar la
indeterminación (a diferencia de España y Perú), los procedimientos son dejados a
criterio del juez. El legislador no ha regulado la estructura de los procesos sumarios,
ni la actividad de las partes ni la del juez, ante esta indeterminación, es el juez quién
asume la dirección del proceso. La indeterminación procedimental está dirigida a
abreviar la resolución del conflicto.
Aquellos que definen a los procesos sumarios como procesos con cognición
incompleta debido a la limitación de las alegaciones o por la brevedad del procedimiento:
El profesor Giuliano Scarselli reconoce que la cognición incompleta en los
procesos sumarios se origina de dos formas: la primera, cuando el legislador de
manera conciente restringe el número de alegaciones que pueden oponerse durante
el proceso (p.e., el juicio ejecutivo). La segunda variante de los procesos sumarios
se origina por la brevedad del procedimiento; la reducción de los plazos ocasiona que
las partes, en algunos casos, no puedan presentar todos los medios probatorios que
crean que acrediten su derecho.
Como por ejemplo de este proceso sumario, Scarselli ha tomado a la famosa
Clementina Saepe Contingit.

La opinión del profesor Giuliano Scarselli sobre la sumariedad es


importante, pues nos permite detenernos en un aspecto que la doctrina
española (Fairen, Prieto Castro, Montero Aroca, etc.) no toma en cuenta;
nos referimos a la limitación de la cognición que se produce por la brevedad
del procedimiento. Aquí el legislador no ha limitado las alegaciones ni el
objeto de prueba; pero por la rapidez del procedimiento, se ha limitado la
cognición. Para nosotros esto no necesariamente conduce a un proceso
sumario, pero su reconocimiento ya es un avance con respecto a las
opiniones que afirman la limitación de la cognición sólo por la restricción
en las alegaciones. Además nos ha permitido volver los ojos hacia los
procesos plenarios: por intentar limitar los plazos o actos procesales tal
vez estemos limitando la cognición y ocasionando indefensión a las partes.

Definición del Dr. Elmer Contreras:

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Limitaciones al derecho de defensa en el proceso sumarísimo del código procesal civil peruano

Los procesos sumarios son aquellos que tienen como finalidad la


búsqueda de la eficacia del proceso, a través de la reducción de plazos,
actos procesales y / o limitación de las alegaciones; por eso, aceptan la
composición parcial del litigio, debido a que el juicio está basado en una
gran probabilidad y no en la certeza (propia de los procesos plenarios).
Para el Dr. Contreras la finalidad, es un elemento importante para
diferenciar los procesos sumarios de los plenarios, ya que los sumarios
no se dirigen a acabar el litigio de manera definitiva, sino que por la
búsqueda de efectividad en la tutela, aceptan esta solución provisional,
que posiblemente puede ser definitiva. Además de la finalidad se hacen
presentes estas características: la cognición limitada, la sentencia
provisional, la necesidad de acelerar la solución de los conflictos y el
remedio a la sumariedad.

Comparto la opinión del Dr. Elmer Contreras Campos y debo resaltar la


característica de la sentencia provisional, pues no es admisible, desde ningún punto
de vista, que un proceso sumario no pueda ser objeto de revisión ulterior.

4 Limitaciones en los procesos sumarios


4.1 Limitaciones propias de un proceso sumario
En realidad no se tratan de limitaciones, sino de ciertos parámetros que deben
ser observados para poder cumplir con la finalidad de estos procesos cortos, que es
su tramitación. Por ello, las “limitaciones” serían todas aquellas que se deriven de
las características de estos procesos, revisadas anteriormente, como son: los plazos
cortos, minimización de formalidades, entre otras.
Claro está que dichos parámetros o “limitaciones”, no deben llegar a volverse
irracionales o excesivas para no violar los derechos esenciales de las partes, a un
proceso justo.

4.2 Limitaciones inadmisibles


Consideramos como “limitaciones inadmisibles” a aquellas que violen el
ejercicio de defensa, cualesquiera que lesionen garantías constitucionales del debido
proceso como son:
1. Derecho a obtener la tutela efectiva de los jueces y tribunales;
2. Derecho a la no indefensión;
3. Derecho al juez ordinario predeterminado por ley;
4. Derecho a la defensa;
5. Derecho a la asistencia de letrado;
6. Derecho a ser informado de la acusación;

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José Alfredo Lovón Sánchez

7. Derecho a un proceso público;


8. Derecho a un proceso sin dilaciones indebidas;
9. Derecho a un proceso con todas las garantías;
10. Derecho a utilizar los medios de prueba pertinentes;
11. Derecho a no declarar contra sí mismo y a no confesarse culpable.
Corresponderá ahora delimitar si el proceso sumarísimo del Código Procesal
Civil peruano, contiene “limitaciones inadmisibles” y si por tanto viola la garantía
constitucional del Debido Proceso.

5 Limitaciones en el proceso sumarísimo del código


procesal civil peruano
El proceso sumarísimo del C.P.C. peruano contiene una serie de limitaciones
que, en mi opinión, violan el derecho de defensa de las partes, y por consiguiente, el
derecho a un debido proceso. Enumeraré algunas.

5.1 En cuanto a la demanda


5.1.1 La modificación y ampliación de la demanda (art. 428º)
Modificar la demanda significa cambiar su estructura en cuanto a las pretensiones
del actor y sólo es procedente hasta antes de la notificación de la demanda. Esta
posibilidad no ha sido contemplada para el proceso sumarísimo y sin sustento alguno
a mi modo de ver, ya que las modificaciones a la demanda no extenderían el proceso
si aún no se ha notificado ésta, y más aún si se trata de un derecho en favor del actor.
En cuanto a la ampliación de la demanda, el artículo 428º establece como
excepción la facultad de ampliar la cuantía de las pretensiones hasta antes de
pronunciarse la sentencia, siempre y cuando la parte haya reservado este derecho
en su demanda. Pero en los procesos sumarios tampoco se puede ampliar la cuantía
de lo pretendido; esta limitación va en contra de los intereses del pretensor que no
puede cobrar las sumas derivadas de las obligaciones futuras que se venzan durante
el transcurso del proceso y deberá plantear nuevas demandas conforme vayan
venciendo las nuevas cuotas. Nuevamente otra limitación sin sentido, que perjudica
únicamente al actor y paradójicamente se entiende que este proceso está previsto
para beneficiarlo.
Se debe tener presente que conforme al inciso 6 del artículo 546º del Código
Procesal Civil cualquier pretensión que requiera urgente tutela jurisdiccional puede
ser tramitada como proceso sumarísimo, pero estas limitaciones podrían persuadir
de no recurrir a esta vía procedimental.

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Limitaciones al derecho de defensa en el proceso sumarísimo del código procesal civil peruano

5.1.2 Medios probatorios extemporáneos y hechos no


invocados en la demanda (artículos 429º y 440º)
Conocido en la doctrina como hechos nuevos, el autor Carlos Escribano los
define de la siguiente manera: “una simple integración probatoria de los hechos
alegados como fundamento de la demanda, sin desvirtuar la acción entablada y debe
referirse al pleito ya trabado a la acción o demanda tal como está entablada, sin
implicar un nuevo pleito, esto es, ninguna acción o demanda nueva”.6
Significa que los hechos nuevos tienden a demostrar mejor las acciones ya
alegadas, pero que no van a constituir por sí solas una pretensión nueva, en todo caso, la
segunda autorizará a entablar una demanda nueva que debe promoverse por separado.
El referido autor precisa que los hechos nuevos tienen triple función:
- Cuando son una mera integración probatoria de los hechos invocados
en la demanda, reconvención o contestación, es decir, que es un hecho
desprovisto en sí mismo de carácter agraviante, pero demostrativo de alguno
de los hechos articulados en la demanda;
- Cuando son una reiteración de los hechos mencionados en la demanda,
o sea, un nuevo agravio que podría comprometer el éxito de la demanda,
convertido en una “concausa” de la acción;
- El hecho nuevo como causa sobreviniente, que es el caso de un hecho de
la misma naturaleza de los invocados en la demanda, pero constitutivo, por
sí solo, de la causal invocada. Si la demanda fuera rechazada en primera
instancia por falta de prueba o falta de idoneidad de los hechos acreditados,
la acción se podría salvar por efecto de la causa sobreviniente.7
Por lo tanto, no se concibe racionalmente por qué la referida norma procesal
restringe (o prohíbe) la alegación de nuevos hechos en el proceso sumarísimo. En el
proceso denominado “de conocimiento” y en el abreviado no se tiene esta singular
restricción. El perjudicado es nuevamente el demandante.
El Dr. Contreras se pregunta, ¿Por qué el legislador no admitió los medios
probatorios extemporáneos en los procesos sumarísimos? ¿Es que acaso en estos
procesos no son necesarios? Con respecto a los hechos nuevos, tal vez el legislador
creyó que debido a la brevedad (en teoría) del proceso sumarísimo no sería necesario;
pero la realidad es que el proceso sumarísimo se dilata, y en muchos casos con
justa razón, pues no es posible actuar las pruebas en un plazo tan breve como el
de diez días, que es el que ha previsto el legislador para realizar la audiencia única,
entonces, como ésta audiencia se produce dos o tres meses después, sí ocurren
hechos nuevos al igual que en los procesos de conocimiento y abreviados.

ESCRIBANO, C. Demanda, Reconvención y Hechos Nuevos, Ghersi Editor, 2ª edición, Buenos Aires. p. 123.
6

ESCRIBANO, C. Reconvención y hechos nuevos, ob. cit. p. 124.


7

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José Alfredo Lovón Sánchez

El mismo autor indica que en el siguiente supuesto, los hechos mencionados por
la otra parte al contestar la demanda son frecuentes. El demandado, al contestar la
demanda, acompañará junto a su alegaciones otros medios probatorios que permitan
probar su derecho, pero el demandante está imposibilitado de ofrecer nuevas pruebas.
Esto afecta su actividad probatoria y le causa indefensión. Ejemplo: Juan y Pedro
son comerciantes y, como tal, realizan múltiples transacciones, hasta que surge un
conflicto entre ellos. Juan demanda a Pedro por el pago de 5 000 nuevos soles
acreditando su derecho con un contrato de mutuo. Al contestar la demanda, Pedro
acepta la deuda de 5 000 nuevos soles, pero señala que no le paga a Juan porque
éste le debe la suma de 6000 nuevos soles en virtud de un contrato de compraventa,
acreditando su derecho con el documento respectivo el instituto que alega Pedro para
no pagar la deuda es la compensación.
Este proceso, por la cuantía, se tramitará conforme al proceso sumarísimo,
donde se prohíbe los medios probatorios extemporáneos, y como las pruebas dirigidas
a probar los hechos alegados en la contestación de la demanda se consideran medios
probatorios extemporáneos, Juan ya no tendrá derecho a ofrecer nuevas pruebas.
Imaginemos que Juan ya hubiera pagado 5 500 nuevos soles, e incluso, tuviera
los recibos; ya no se le admitirá estos medios probatorios por ser extemporáneos.
En conclusión, la prohibición a ofrecer medios probatorios extemporáneos, es
una forma más de limitar la posibilidad de proponer los medios de prueba, derecho
que se encuentra protegido por la garantía de defensa procesal.8
A continuación se transcriben los artículos 428º, 429º y 440º del C.P.C.:

Artículo 428º. Modificación y ampliación de la demanda


El demandante puede modificar la demanda antes que ésta sea notificada
Puede, también, ampliar la cuantía de lo pretendido si antes de la
sentencia vencieran nuevos plazos o cuotas originadas en la misma
relación obligacional, siempre que en la demanda se haya reservado tal
derecho. A este efecto, se consideran comunes a la ampliación los trámites
precedentes y se tramitará únicamente con un traslado a la otra parte
Iguales derechos de modificación y ampliación tiene el demandado que
formula reconvención
Artículo 429º. Medios probatorios extemporáneos
Después de interpuesta la demanda, sólo pueden ser ofrecidos los
medios probatorios referidos a hechos nuevos y a los mencionados por la
otra parte al contestar la demanda o reconvenir
De presentarse documentos, el Juez concederá traslado a la otra parte
para que dentro de cinco días reconozca o niegue la autenticidad de los
documentos que se le atribuyen

CONTRERAS CAMPOS, Elmer E. La inconstitucionalidad del proceso sumarísimo del Código Procesal Civil
8

peruano. En Revista Cathedra Espíritu del Derecho, revista de los estudiantes de derecho de la Universidad
Nacional Mayor de San Marcos, año VI, Nro. 10, Lima 2003. p. 380.

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Limitaciones al derecho de defensa en el proceso sumarísimo del código procesal civil peruano

Artículo. 440. Hechos no invocados en la demanda


Cuando al contestarse la demanda o la reconvención se invocan hechos
no expuestos en ellas, la otra parte puede, dentro del plazo establecido
en cada proceso, que en ningún caso será mayor de diez días desde que
fue notificado, ofrecer los medios probatorios referentes a tal hecho

5.2 En cuanto a la contestación de la demanda


Pasemos a analizar los plazos señalados para el proceso sumarísimo que no
son razonables por lo excesivamente cortos, en lo que respecta a la contestación de
la demanda:
a) En primer lugar, el emplazado tiene cinco días para contestar la demanda, o
mejor dicho cuatro días y medio si tomamos la hora de despacho del Poder
Judicial, que en el Perú concluye a las 14:30 horas del último día, como se
puede observar, no se tienen cinco días para contestar sino menos;
b) El demandado, al ser notificado con una demanda puede sufrir una fuerte
sorpresa producto de lo inesperado que le resulta verse como demandado,
del desagrado o inconformidad con los términos de la demanda que se
interpone en su contra, etc. Esto puede influir a que no sea inmediata su
reacción para contestarse;
c) Seguidamente, después de haberse repuesto de esa sorpresa, necesita
encontrar un abogado a fin de tomar sus servicios profesionales; sin embargo,
esta tarea no es fácil si no tiene un abogado a su disposición o un abogado
de la familia, sin tomar en cuenta que éste disponga del tiempo para redactar
la contestación de la demanda en los días restantes. Por consiguiente todo
el proceso de hallar a un abogado de su confianza le tomará cierto tiempo;
d) No hay que olvidar los honorarios profesionales del abogado, es posible que
el emplazado no tenga la posibilidad económica de pagar sus servicios, y
tenga que conformarse con un abogado que no sea de su confianza, o en el
peor de los casos que se abstenga de seguir el proceso, lo que provocaría
un estado total de indefensión de la parte demandada. La ausencia de
capacidad económica es un caso grave de no acceso a la justicia, que no es
objeto de análisis en este trabajo;
e) Por otro lado, para ejercer este derecho de contradicción a través de la
contestación a la demanda, es necesario fundamentar los hechos que se
alegan con los medios probatorios pertinentes. La recolección de las pruebas
pueden tomar más tiempo del previsto por el Código si se encuentran fuera
de la ciudad o si la institución que deba expedir un documento no lo hace en
menos de cinco días;

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José Alfredo Lovón Sánchez

f) El plazo de cinco días para la contestación de la demanda y, además plantear


tachas, oposiciones, excepciones y defensas previas, considero que no es
razonablemente suficiente para hacer uso del derecho de defensa que tiene
todo emplazado o demandado, como derecho constitucional.
Sobre el mismo aspecto, el Dr. Contreras indica que la contestación de la
demanda contiene, entre otros, las alegaciones del demandado, el ofrecimiento de
los medios probatorios, y como anexos, los medios probatorios que estuvieran a su
disposición. Este acto de parte tiene una gran trascendencia, ya que las alegaciones
contenidas en a contestación de la demanda sirven para que el juez fije los puntos
controvertidos, el objeto de la prueba y los medios probatorios a actuarse. El juez
de oficio no puede incluir hechos no alegados por las partes, pues el principio de
oportunidad se lo impide.
El mismo autor precisa que las alegaciones y el ofrecimiento de pruebas son
actos que están muy vinculados, el abogado que asesore a la parte tiene que basar sus
alegaciones en pruebas que van a poder presentar válidamente en el proceso, pero, en
el proceso sumarísimo, debido a lo reducido de los plazos, el asesor del demandado
no podrá realizar las alegaciones disponiendo de todos los medios probatorios que
pudieran estar a su favor. Entonces con este plazo reducido para contestar la demanda,
se está afectando el derecho a un plazo suficiente para presentar las pruebas, así
como el derecho a un plazo suficiente para formular las alegaciones.
El Dr. Contreras se pregunta ¿por qué un acto procesal tan trascendente dentro
del proceso tiene sólo cinco días de plazo?, en comparación de otros actos procesales
como: los exhortos, las notificaciones, la elevación del expediente para que sea
absuelto en segunda instancia, los proveídos etc., en los que en muchos casos se
emplea más de diez días.
Otra interrogante que se formula es por qué los plazos para contestar la demanda en
los otros procesos de conocimiento, (conocimiento y abreviado) son de treinta y diez días
respectivamente. ¿Acaso la complicación de los procesos es directamente proporcional a
la cuantía o al monto de la controversia? Esa es una falacia que debe superarse.
Por último indica que si se quiso reducir la duración de los procesos se ha tomado
un camino equivocado, ya que la disminución del plazo para contestar la demanda
es una limitación tan esencial que afecta directamente al derecho de defensa. A los
litigantes se les obliga a cumplir estrictamente con los plazos, ¿pero qué sucede con
los plazos que deben ser cumplidos por el órgano jurisdiccional (tal como la fijación
de la fecha para la realización de la audiencia única o para dictar sentencia)?. Estos
no son cumplidos, escudándose en la carga procesal existente, pero cuando se trata
de plazos a ser cumplidos por la partes no hay justificación que valga.9

CONTRERAS CAMPOS, Elmer. ob. cit. p. 378.


9

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Limitaciones al derecho de defensa en el proceso sumarísimo del código procesal civil peruano

Las cuestiones probatorias, excepciones y defensas previas


En cuanto a las tachas, oposiciones, excepciones y defensas previas en el
proceso sumarísimo, deberán ser planteadas en la contestación de la demanda.
Como ya se apuntó en el ítem anterior, el plazo de cinco días resulta muy
corto para que el abogado analice con detenimiento el fondo y la forma como fue
planteada la demanda y prepare su defensa, además de otras limitaciones que se
verán a continuación.
En este punto, otro aspecto importante es el referido a los medios probatorios
de actuación inmediata para acreditar o sustentar tachas y oposiciones, excepciones
y defensas previas. En el proceso sumarísimo sólo se permiten medios probatorios
de “actuación inmediata” en el caso de interponer tachas, oposiciones, excepciones
y defensas previas; aquí surge la pregunta ¿Qué se entiende por medio probatorio de
actuación inmediata?, el Código Procesal Civil no lo señala. Sin embargo, se puede
deducir que el único medio probatorio de actuación inmediata es la prueba documental
y así quedan restringidos el resto de los medios probatorios.
Contreras Campos10 establece que: la sola denominación “medios probatorios
de actuación inmediata” implica una limitación a la actividad probatoria. Nosotros
(precisa el indicado autor) lo definimos como aquéllos que se actúan durante la
audiencia única, que no necesitan de un plazo mayor para ser incorporados. Si
tomamos en cuenta que el plazo para celebrar la audiencia es de diez días después
de contestada la demanda, bajo responsabilidad del juez, estamos hablando de una
seria limitación a la actividad probatoria. Pero, ¿qué pruebas pueden actuarse durante
la audiencia? Esto tendrá que analizarse caso por caso, por ejemplo, las pruebas que
no están en posesión de la parte que la ofrece y que no han sido presentadas hasta
la realización de la audiencia, no deben ser tomadas en cuenta, pues para que sean
actuadas se tendría que fijar nueva fecha, circunstancia que no desea el legislador.
La pericia es un medio probatorio que no podrá ser actuada por las razones de
plazo ya expuestas; lo mismo ocurrirá con la inspección judicial y con otros medios
probatorios, que por la rapidez del proceso no se tomarán en cuenta. Por ejemplo,
en la demanda de otorgamiento de escritura pública, el demandado puede tachar el
medio probatorio presentado por el demandante alegando que la firma que aparece en
el documento privado de compraventa no le pertenece, y ofrece la pericia grafotécnica
del documento, ya que ésta le permitiría desvirtuar la pretensión del demandante,
pero como ésta no es una prueba de actuación inmediata en la audiencia, según
nuestro C.P.C. debe ser declarada improcedente.
En conclusión, para el Dr. Contreras el legislador —al prever que las excepciones,
defensas previas y cuestiones probatorias sean probadas sólo con medios probatorios

CONTRERAS CAMPOS, Elmer E. ob. cit. p. 379-380.


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José Alfredo Lovón Sánchez

de actuación inmediata— está afectando el derecho de las partes a la posibilidad de


proponer los medios de prueba que crea conveniente. Esta limitación es causal de
indefensión en el proceso sumarísimo.
Esta limitación vulnera el derecho a la prueba que ya fue explicado anteriormente.
Considero que las limitaciones son evidentes.
Veamos un ejemplo derivado de la praxis cotidiana:11 en un proceso de obligación
de dar bienes muebles, tramitado bajo la vía del proceso sumarísimo, la parte
demandada interpone tacha de documentos por falsedad, en contra de unas boletas
de venta presentadas por el demandante, debido a que la empresa que emitió dichas
boletas no tenía autorización de la SUNAT12 para hacerlo. Por ello, presenta como medio
probatorio, de dicha tacha, el informe que deberá emitir la SUNAT, respecto a la validez
o falsedad de las boletas de venta. Sin embargo, en virtud del artículo 553º del C.P.C.
que establece que las tachas u oposiciones sólo se acreditan con medios probatorios
de actuación inmediata, el juez declaró improcedentes los informes solicitados.
Como se puede observar, en este caso son insustituibles los informes que
debió emitir la SUNAT para determinar si las boletas de venta cuestionadas son
verdaderas o falsas. Pero gracias a los artículos mencionados, la parte demandada
no podrá probar fehacientemente lo que con justicia argumentó. Esto es una violación
al derecho de defensa.
A continuación se trascriben los artículos con respecto a las excepciones,
defensas previas y cuestiones probatorias en el proceso sumarísimo:

Articulo 552º. Excepciones y defensas previas


Las excepciones y defensas previas se interponen al contestar la demanda.
Sólo se permiten los medios probatorios de actuación inmediata.
Artículo 553º. Cuestiones probatorias
Las tachas u oposiciones sólo se acreditan con medios probatorios de
actuación inmediata, que ocurrirá durante la audiencia prevista en el
artículo 554º.

La reconvención
Es el derecho que asiste a la parte demandada para que pueda en el mismo
proceso en que ha sido demandado, interponer su propia demanda y que sea
tramitada conjuntamente con la demanda originaria. Es previsible que la tramitación
conjunta de las dos pretensiones pueda generar un proceso más complejo y por
tanto más lato. Si el demandado puede, perfectamente, interponer su demanda en
proceso independiente, no nos parece desacertado que el legislador haya optado

Expediente judicial Nº 2003-0774, tramitado ante el Primer Juzgado de Paz Letrado de Arequipa.
11

Institución del Estado peruano administradora de los tributos y encargada también de otorgar autorizaciones
12

para emitir comprobantes de pago, como lo son las boletas de venta.

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Limitaciones al derecho de defensa en el proceso sumarísimo del código procesal civil peruano

por excluir a la reconvención por los motivos señalados, como improcedente en el


proceso sumarísimo.
No consideramos, entonces, la falta de reconvención como una limitación
violatoria, pero si es importante hacer la aclaración del párrafo anterior.

5.3 En cuanto al derecho a la prueba


El proceso sumarísimo acusa, por la brevedad de sus plazos, una seria limitación
al derecho a la prueba judicial. Concede el plazo de diez días para la realización de la
audiencia única. Este plazo, es de rigor, limitante para poder actuar todos los medios
probatorios. Sin embargo, en la práctica —al no cumplirse los plazos, y llevarse a
cabo las audiencias únicas en plazos más latos— se viabiliza también la actuación de
medios probatorios; sin embargo ello no es razón para no señalar la grave limitación
referida que una vez más lesiona derechos constitucionales.
Opina el Dr. Contreras Campos13 que el problema se origina con aquellos
medios probatorios que no están en posesión del demandado (y especialmente con
la prueba pericial). Con respecto a la prueba documental, en el supuesto de que el
demandado no estuviera en posesión de los documentos, éstos serán ofrecidos al
contestar la demanda, para esto se describirá el contenido (el juez debe resolver la
procedencia de la prueba), el lugar en que se encuentran y solicitar las medidas para
su incorporación al proceso. Aquí pueden presentarse problemas, pues esta regla
se acomoda mejor para procesos con trámite más dilatado, como el conocimiento
o el abreviado, ya que en el sumarísimo sólo se otorga diez días para presentar los
documentos (plazo para la realización de la audiencia), entonces, es poco probable
que esto se cumpla si se quiere respetar los plazos.
Como se dijo, continúa Contreras, el problema se hace más evidente cuando se
ofrecen las pericias: debido al poco tiempo en que se deben realizar, es improbable
que el legislador las haya tomado en cuenta para incorporarse al proceso sumarísimo.
El plazo de diez días para la celebración de la audiencia única hace impensable que
el legislador haya previsto la pericia como un medio probatorio a actuarse dentro
del proceso sumarísimo, ya que el artículo 265º señala la expresamente que los
dictámenes de los peritos se deben presentar “cuando menos ocho días antes de
la audiencia”, si sólo tenemos un plazo de diez días entre la contestación de la
demanda y la audiencia única, es improbable que se elabore un dictamen pericial en
tan sólo dos días.
Concluye Contreras en el sentido de que si el derecho de defensa asegura que se
otorgue un plazo probatorio suficiente para que las partes prueben sus alegaciones,

Idem. p. 379.
13

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José Alfredo Lovón Sánchez

el proceso sumarísimo está regulado como un proceso que causa indefensión, pues
los plazos que otorga para incorporar los medios probatorios son muy breves.
En los procesos sumarísimos existen, además, una serie de limitaciones
expresadas en cada una de las materias reguladas. Por ejemplo, si el desalojo se
sustenta en la causal de falta de pago o vencimiento del plazo, sólo son admisibles
como medios probatorios el documento, la declaración de parte y la pericia, ¿Por
qué? Porque el legislador, haciendo una valoración abstracta considera que el pago
solo se puede probar a través de tales medios probatorios. Sin embargo no existe
ninguna razón por la cual, debe excluirse a priori los demás medios probatorios. Esta
circunstancia constituye una violación flagrante del derecho de tutela judicial, pues se
le cierra la puerta a una de las partes de poder alegar y probar lo que le favorezca con
las pruebas pertinentes, que juzgue convenientes.
Así como sucede esto en el proceso de desalojo, existen otros procesos como
las tercerías, en las que el demandante debe probar su derecho con documento
público o privado pero de fecha cierta, y ningún otro medio probatorio es admisible.
Estos son otros casos de restricciones en el proceso sumarísimo.

5.4 En la sentencia
El plazo para expedir la sentencia establecido por el legislador de diez días es
demasiado corto, tanto así que en la realidad nunca se cumple. Debería establecerse
un plazo mayor, que sea más razonable para que el juez pueda juzgar adecuadamente
cada caso, y para que se pueda cumplir en la realidad.

5.5 En cuanto a los medios impugnatorios


5.5.1 El ofrecimiento de medios probatorios en
segunda instancia
En los procesos de conocimiento y abreviado las partes sí pueden ofrecer
medios probatorios en segunda instancia conforme lo señala el artículo 374º del
C.P.C., en los siguientes casos:
- Cuando los medios probatorios estén referidos a la ocurrencia de hechos
relevantes para el derecho o interés discutido, pero acaecidos después de
concluida la etapa de postulación del proceso;
- Cuando se trate de documentos expedidos con fecha posterior al inicio del
proceso, o que comprobadamente no se hayan podido conocer y obtener con
anterioridad.
Estas circunstancias son propias del proceso judicial como tal. Los procesos
sumarios no son la excepción, ¿entonces que motivo tuvo el legislador peruano

330 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 317-337, abr./jun. 2015
Limitaciones al derecho de defensa en el proceso sumarísimo del código procesal civil peruano

para prescindir de este medio natural de defensa en el proceso sumarísimo? Lo


desconocemos. Pero sí conocemos y asumimos, que esta limitación causa un estado
de indefensión a las partes, en este caso particularmente a la partes demandada,
que tuvo sólo cinco días para preparar su defensa y ahora se ve imposibilitada de
ofrecer medios probatorios en segunda instancia.
Sobre el mismo punto se pronuncia el Dr. Contreras y comenta que “el
ofrecimiento de los medios probatorios en segunda instancia ha sido previsto por el
legislador en los procesos de conocimiento y abreviado. Todo el contrario ha ocurrido
en el proceso sumarísimo donde de manera tajante se ha negado toda posibilidad
de ofrecimiento. Ahora nos preguntamos,14 ¿las partes en un proceso sumarísimo
no necesitan ofrecer medios probatorios en segunda instancia? ¿Acaso no hay
nada nuevo que pueda ocurrir? o ¿algún documento emitido después de la etapa
postulatoria? Sostenemos, que al igual que en los otros procesos de conocimiento,
la necesidad de ofrecer medios probatorios en segunda instancia existe, aspecto
que no fue tomado en cuenta por nuestro legislador al regular el proceso sumarísimo
como un proceso de cognición plena.
En conclusión precisa —el mismo autor el prohibir— el ofrecimiento de medios
probatorios en segunda instancia es una forma más de limitar el derecho a la prueba,
derecho que se encuentra protegido por la garantía de defensa procesal.

5.5.2 El régimen de apelaciones


Efectivamente, en el Perú existe todo un sistema de impugnaciones, regulado
en el Título XII de la Sección Tercera del C.P.C. que establece cuatro medios
impugnatorios, como son: la reposición, la apelación, la casación y la queja.
Asimismo, respecto a la apelación, tenemos que una vez interpuesta puede ser
concedida con los siguientes efectos:
- Con efecto suspensivo: quiere decir que la eficacia de la resolución recurrida
queda suspendida hasta que se produzca la notificación en primera instancia
de lo que haya resuelto el órgano superior que conoció del recurso (artículo
368º, inc. 1, C.P.C.).
- Sin efecto suspensivo: por lo que la eficacia de la resolución impugnada
se mantiene, lo que significa que si la resolución contiene un mandato
ejecutable el mismo se ejecuta o se cumple (artículo 368º, inc. 2, C.P.C.),
las clases son:
- Sin efecto suspensivo y sin la calidad de diferida: el trámite en primera
instancia continúa, pero la apelación sin efecto suspensivo, a través de la

CONTRERAS CAMPOS, Elmer E. ob. cit. p. 381.


14

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José Alfredo Lovón Sánchez

formación de un expedientillo con las copias pertinentes, se eleva a segunda


instancia para que sea resuelta por el superior.
- Sin efecto suspensivo y con la calidad de diferida: el Juez ordena que se
reserve el trámite de la apelación sin efecto suspensivo, para que sea resuelta
por el órgano superior conjuntamente con la sentencia o la resolución que el
Juez señale por tanto no se formará ningún expedientillo.

A) El recurso de apelación en el proceso sumarísimo


En el proceso sumarísimo el recurso de apelación procede con efecto suspensivo
sólo en los siguientes casos:
- El auto que declara improcedente la demanda conforme al artículo 559º del
C.P.C.
- El auto que declara fundada una excepción o defensa previa.
- La sentencia.
Todas las demás resoluciones son apelables sin efecto suspensivo y con la
calidad de diferidas, lo que significa que la resolución apelada será resuelta en forma
conjunta con la sentencia u otra resolución (que el juez debe decidir en cada caso)
sólo si son apeladas, caso contrario esto es que no se formule apelación contra la
sentencia, la apelación diferida no tendrá pronunciamiento alguno por el superior y
por lo tanto quedarán sin efecto en el proceso.
En este punto es pertinente mencionar la conclusión de la Dra. Eugenia Ariano15
—respecto al origen y a la inclusión en el ordenamiento procesal peruano de esta
apelación— concedida “sin efecto suspensivo y con la calidad de diferida”: La Dra.
Ariano para ubicar el origen de este tipo de apelación se remonta hasta el Código
italiano de 1940 en el cual las “sentencias parciales” es decir, aquellas resoluciones
que no resolvían en forma total el litigio, eran inmediatamente impugnables, salvo
que la parte hiciera reserva de impugnación con lo cual dicha reserva constituía un
derecho de la parte, la cual si quería impugnaba inmediatamente, y también, si quería
podía reservarse e impugnarla junto con la definitiva.
Y continúa la misma autora peruana, manifestando que nosotros los latino­
americanos, sin saber muy bien lo que ocurría en Italia en 1940, leímos y mal
entendimos el Códice di procedura civile creyendo ver en él la descripción de nuestras
deficiencias procesales y sus correspondientes remedios”. De manera tal que,
tergiversando un derecho de las partes, se creó una limitación para ellas, basada
en principios como la concentración, inmediación, economía procesal e unidad del
procedimiento de impugnación.

ARIANO DEHO, Eugenia. Idem. p. 235-236.


15

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Limitaciones al derecho de defensa en el proceso sumarísimo del código procesal civil peruano

Pero en realidad diferir la tramitación de la apelación no ahorra tiempo, trabajo


ni dinero. Ya que la parte apelante tendrá que pagar la tasa. El ad quem no ahorra
esfuerzo alguno ya que posteriormente tendrá el mismo trabajo. Sólo que concentrado.
Finalmente las partes pierden la oportunidad de que el ad quem vea lo más rápidamente
posible su apelación, resolviendo la misma varios meses después de impugnarla.

B) Efectos perjudiciales del sistema de apelaciones en el proceso sumarísimo


Cuando el Código Procesal Civil estipula que en los procesos sumarísimos las
resoluciones son apelables sin efecto suspensivo y con la calidad de diferidas (con
excepción de la sentencia y la que declara fundada una excepción o defensa previa),
no ofrece un proceso con todas las garantías, ya que la parte tiene que esperar varios
meses que su apelación sea resuelta cuando termine el proceso (que no pocas veces se
prolonga por más de un año), es decir, cuando el Juez dicte sentencia y se apele de esa
sentencia. Muchas veces por efecto de una apelación diferida se anula todo lo actuado.
Por ejemplo en el caso de interponerse una apelación del auto admisorio de
la demanda, si se trata de un proceso sumarísimo, el juez concederá la apelación
“sin efecto suspensivo y con calidad de diferida”. Siendo así se reserva la apelación
“diferida” hasta la sentencia. ¿Ahora qué puede ocurrir un año y medio después,
cuando se expide sentencia? Que el superior ampare la apelación diferida y declare
que la demanda es inadmisible o improcedente. Nos preguntamos entonces; ¿no
resulta mejor la apelación común en la que se forma el cuadernillo de apelación y se
eleva inmediatamente al superior? Creo que sí. Una justicia lenta, no sólo derivada
del exceso de procesos judiciales sino, además, por la propia regulación legal, no
contribuye a hacer efectivos los derechos sustantivos que se ellos se ventilan.

5.5.3 Efectos disuasivos en la interposición del recurso de


casación
El recurso de casación es disuasivo pues impone una multa al litigante que
pierde el mismo, a pesar de que no haya obrado de mala fe, pues la regulación legal
(artículo 398º del C.P.C.) establece que si el recurso fuese denegado por razones
de inadmisibilidad o improcedencia, la Sala que lo denegó condenará a quien lo
interpuso al pago de una multa no menor de tres ni mayor de diez unidades de
referencia procesal; si concedido el recurso la sentencia no fue casada, el recurrente
pagará una multa de una unidad de referencia procesal, la referida multa se duplicará
si el recurso fue interpuesto contra una resolución que confirmaba la apelada. Es
aplicable lo dicho al proceso sumarísimo y también al de conocimiento y al abreviado,
pero de todas maneras es importante mencionarlo también en este punto.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 317-337, abr./jun. 2015 333
José Alfredo Lovón Sánchez

5.6 Ausencia de un proceso de revisión o contradicción de


sentencia
El derogado Código de Procedimientos Civiles del Perú de 1912 establecía
un procedimiento denominado “Contradicción de Sentencia”, mediante el cual
disponía que las sentencias recaídas en los juicios ejecutivos y sumarios podían
ser contradichas en un juicio ordinario, dentro de los seis meses siguientes a la
notificación de la sentencia que se contradice. Este proceso de revisión (como recurso
extraordinario de impugnación de la sentencia final) tenía un sustento bastante lógico,
ya que algunos procesos, como el sumarísimo, al ser bastante cortos y contener
distintas limitaciones al derecho de defensa de las partes, pueden incurrir en errores
que al ser reclamados por la parte agraviada en un posterior proceso amplio pueden
ser subsanados.
Transcribo el numeral pertinente:

Artículo. 1083º. “La sentencia recaída en el juicio ejecutivo; en los


interdictos; en el juicio de divorcio; en el de desahucio, con la reserva
establecida en el artículo 973; en el de alimentos; pérdida de la patria
potestad; remoción, excusa y renuncia de los guardadores; así como
las resoluciones que ponen fin al procedimiento para la declaración
de herederos; apertura de testamentos cerrados y comprobación de
testamentos privados o verbales, guarda y posición de los bienes del
ausente; adopción; inscripción y rectificación de partidas en los Registros
del estado civil e interdicción de incapaces, pueden ser contradichas en
juicio ordinario”.

Según el Dr. Remigio Pino Carpio,16 las situaciones que debían concurrir concurrir
para que proceda la contradicción, eran las siguientes:
- La contradicción de una sentencia sólo está expedita para que se vuelva a
debatir la parte sustantiva, esto es, la causa jurídica por la que ha habido
necesidad de iniciarse el juicio, y que por deficiencia de la prueba o porque
el juicio se siguió en rebeldía del demandado, la pretensión de éste no ha
podido alcanzar un fallo justo;
- No está expedita la contradicción por ninguna irregularidad procesal, porque
si éstas no se corrigen, oportunamente, dentro del mismo juicio, quedan
convalidadas; salvo el caso de una nulidad absoluta, que dará lugar a que
se anule todo los actuado ya sea de oficio, o a solicitud de parte en el
mismo proceso o en vía incidental, mientras las sentencia no haya quedado
consentida.

PINO CARPIO, Remigio. Nociones del Derecho Procesal y Comento del Código de Procedimientos Civiles, tomo
16

IV. Tipografía Peruana. Lima, 1964. p. 298.

334 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 317-337, abr./jun. 2015
Limitaciones al derecho de defensa en el proceso sumarísimo del código procesal civil peruano

Como se puede apreciar, el derogado Código Procesal del Perú si permitía a


los justiciables la posibilidad de encontrar tutela plena a sus derechos en los casos
derivados de procesos sumarios o ejecutivos. Este elemento garantista ya no está
previsto lamentablemente, en el actual código.17
Este proceso de revisión tiene concordancia con las figuras denominadas cosa
juzgada “material” y cosa juzgada “formal” que revisaremos a continuación pero,
previamente, precisemos el concepto de cosa juzgada, por ser de suma importancia.
La Enciclopedia Jurídica Omeba nos remite al Derecho romano como antecedente
de la cosa juzgada: “Ya en el Derecho Romano, cuna de todas nuestras instituciones
jurídicas, una vez formalizado el proceso (judicial) no le era dable a las partes, reiterar
su demanda, respecto a la cuestión resuelta, conforme al viejo principio non bis in
idem. Ese efecto principal de las sentencias firmes, de impedir su revisión y hacerlas
inmutables, es lo que se designa con el nombre de cosa juzgada, que significa juicio
dado sobre la litis.18
Existen autores que le denominan también caso juzgado, en referencia a la
eficacia de la sentencia en cuanto norma de las relaciones de derecho sustancial que
ella decide.19
Asimismo, es importante tener presente que sólo las sentencias que resuelven
la cuestión de fondo producen los efectos de cosa juzgada.20
Finalmente, otro requisito inherente a la cosa juzgada es la firmeza; mientras
exista la posibilidad de impugnar la sentencia recaída, existe la posibilidad de que sea
modificada o anulada por otra posterior y, en consecuencia, no existe una decisión
propuesta. Sólo cuando la sentencia alcanza la firmeza, cuando no cabe contra ella
recurso alguno, cabe decir que la decisión obtenida es la última, la firme.21
Ahora bien, se dijo anteriormente de hay que diferenciar entre cosa juzgada
formal y cosa juzgada material. Para ello, resulta útil la clara explicación del tratadista
Hugo Alsina:22 “la primera refiere a la imposibilidad de reabrir la discusión en el
mismo proceso sea porque las partes han consentido el pronunciamiento de primera
instancia, sea por haberse agotado los recursos ordinarios y extraordinarios cuando
ellos procedan; pero sin que obste su revisión en un juicio posterior. La segunda,
en cambio, se produce cuando a la irrecurribilidad de la sentencia se agrega la
inmutabilidad de la decisión. Puede así, haber cosa juzgada formal sin cosa juzgada

17
Idem. p. 9.
18
Enciclopedia Jurídica Omeba. Tomo IV. Bibliografía Omeba. Argentina, 1984. p. 971.
19
QUINTERO, Beatriz y PRIETO, Eugenio. Teoría general del Proceso. Tercera Edición. Editorial Temis S.A. Bogotá-
Colombia. 2000. p. 503.
20
GIMENO SENDRA, Vicente, MORENO CATENA, Víctor y CORTÉS DOMÍNGUEZ, Valentín. Derecho Procesal Civil.
Editorial Colex. Madrid., 1996. p. 313.
21
Idem. p. 313.
22
ALSINA, Hugo. Tratado Teórico Práctico de Derecho Procesal civil y Comercial. Tomo IV. Ediar S.A. Editore.
Buenos Aires, 1961. p. 124-125.

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José Alfredo Lovón Sánchez

material, pero no a la inversa, porque la cosa juzgada material tiene como presupuesto
a la cosa juzgada formal. Por ejemplo, la sentencia dictada en juicio ejecutivo tiene
fuerza de cosa juzgada formal y permite su ejecución, pero carece de fuerza de
cosa juzgada material, porque queda a salvo al vencido el derecho a promover juicio
ordinario para obtener su modificación; y lo mismo ocurre en los juicios sumarios
en general. Por el contrario, la sentencia dictada en juicio ordinario produce cosa
juzgada material, porque supone la inadmisibilidad de todo recurso, y tiene como
consecuencia la imposibilidad de modificar la decisión”.
El actual Código Procesal Civil de 1993 no contempla un proceso de contradicción
de sentencia, por lo tanto las sentencias recaídas en juicios ejecutivos y sumarísimos
no pueden ser contradichas o revisadas en ningún proceso ulterior. Las partes que se
vean afectadas por una sentencia que los agravia, no pueden recurrir de la misma en
un proceso amplio de contradicción, a pesar que en los procesos sumarísimos, como
hemos analizado durante este trabajo, sus plazos son muy breves además de las
otras limitaciones ya expuestas y no permiten acreditar en muchos casos, en forma
fehaciente, las pretensiones de los justiciables, de manera que cause convicción en
el juez al momento de sentenciar.
Si en un proceso sumario la prueba ha sido deficiente porque este procedimiento no
permite otras pruebas que no sean de actuación inmediata o porque no se puede ofrecer
pruebas sobre hechos que surgieron después de la postulación al proceso ni siquiera en
segunda instancia, ¿no estaríamos frente a un caso que amerita la necesidad de debatir
la parte sustantiva de un proceso en otro proceso contradictorio y amplio para debatir los
hechos que causan agravio para una de las partes? Creemos que sí.
Ahora, ¿qué motivaciones tuvo el legislador del Código para suprimir este
proceso? Las desconocemos. Por lo pronto, sólo nos queda recordar el concepto de
este tipo de proceso que nos dice que “la necesidad de llegar a una decisión rápida
en atención a la índole misma del litigio, impone el conocimiento limitado por parte
del juez y restringe la procedencia de los medios de prueba, sin perjuicio de que la
cuestión de fondo pueda ser examinada en plenitud en juicio distinto”, y esto no
sucede en el Código Procesal peruano, limitando una vez más el derecho de defensa
de las partes y por eso, también una vez más, consideramos que es inconstitucional.

6 Conclusiones
Las conclusiones preliminares del presente capítulo son las siguientes:
Primera: Los plazos legales excesivamente cortos impiden al demandado
preparar la contestación a la demanda, además de interponer tachas, oposiciones,
excepciones y defensas previas, de manera tal que tenga la oportunidad de
contradecir con amplitud suficiente en un plazo razonable los hechos alegados por
el demandante; consecuentemente los plazos muy breves vulneran el derecho a la
tutela judicial efectiva, al debido proceso y al derecho de defensa.

336 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 317-337, abr./jun. 2015
Limitaciones al derecho de defensa en el proceso sumarísimo del código procesal civil peruano

Segunda: En el proceso sumarísimo no se contempla la posibilidad de informar


sobre hechos, ofrecer prueba en segunda instancia, ampliar y modificar la demanda,
y de ofrecer medios probatorios referidos a hechos nuevos. Todo lo cual lesiona el
derecho de defensa de las partes.
Tercera: La limitación a las pruebas a sólo las de actuación inmediata (prueba
documental) en lo que se refiere a tachas, oposiciones, excepciones y defensas
previas en el proceso sumarísimo, dificulta el derecho de probar tales tachas,
oposiciones, excepciones y defensas previas; y en consecuencia, restringe el derecho
a la prueba y a la defensa.
Cuarta: El régimen de apelaciones en el proceso sumarísimo es lesivo para la
parte que se considera afectada con una resolución, porque contempla apelaciones
sin efecto suspensivo y con la calidad de diferidas, que postergan el derecho de que
se revisen las resoluciones de primera instancia por el órgano superior en forma
oportuna y que pueden traer nefastas consecuencias, prolongar la duración del
proceso y afectar la idoneidad de la prueba.
Quinta: La ausencia de un proceso de revisión o de contradicción de sentencia
para los procesos sumarios en el actual código procesal peruano, elimina la posibilidad
de contradecir en un proceso amplio una sentencia que causó agravio a alguna de las
partes por las limitaciones de prueba y plazos cortos, y por tanto se causa agravio
irreparable a los justiciables.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

SÁNCHEZ, José Alfredo Lovón. Limitaciones al derecho de defensa en el proceso


sumarísimo del código procesal civil peruano. Revista Brasileira de Direito Processual
— RBDPro, Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 317-337, abr./jun. 2015.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 317-337, abr./jun. 2015 337
O “bom litigante” – Riscos da
moralização do processo pelo dever de
cooperação do novo CPC

Lenio Luiz Streck


Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Pós-Doutor
pela Universidade de Lisboa. Professor titular do Programa de Pós-Graduação em Direito
(Mestrado e Doutorado) da UNISINOS. Professor permanente da UNESA-RJ, de ROMA-TRE
(Scuola Dottorale Tulio Scarelli), da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra FDUC
(Acordo Internacional Capes-Grices) e da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Procurador de Justiça aposentado. Advogado.

Lúcio Delfino
Pós-Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Doutor em
Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Membro do Instituto Brasileiro
de Direito Processual. Membro do Instituto Pan-Americano de Direito Processual. Diretor da
Revista Brasileira de Direito Processual. Professor universitário. Advogado.

Rafael Giorgio Dalla Barba


Bacharelando no curso de ciências jurídicas e sociais pela Universidade do Vale do Rio dos
Sinos (UNISINOS). Bolsista de iniciação científica (UNIBIC) sob a orientação do Prof. Dr. Lenio
Luiz Streck.

Ziel Ferreira Lopes


Bacharel em ciências jurídicas e sociais pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
Mestrando em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), sob a
orientação do Prof. Dr. Lenio Luiz Streck.

Resumo: Discute-se a positivação do dever da cooperação no art. 6º do novo Código de Processo Civil.
Numa abordagem fenomenológica, objetiva-se criticar sua apropriação moralista do contraditório substancial,
com prejuízo da autonomia do Direito. Procede-se historiando o debate em torno da categoria cooperação e
comparando o pan-principialismo ao fechamento da discricionariedade judicial pelo devido processo. Ao final,
verifica-se a necessidade de dimensionar a eficácia do dispositivo, restringindo sua aplicabilidade ao juiz.
Palavras-chave: Cooperação. Novo Código de Processo Civil. Pan-principiologismo.

Sumário: 1 Introdução – 2 Neoprocessualismo(s) e otimismo antropológico – 3 Recuperando o debate


sobre a cooperação processual brasileira – 4 Princípios como abertura versus fechamento – As diferenças
entre moralidade comum e moralidade política aplicadas ao devido processo – 5 Positivação da cooperação
processual – Restrições constitucionais à sua eficácia – 6 Considerações finais – Referências

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 339-354, abr./jun. 2015 339
Lenio Luiz Streck, Lúcio Delfino, Rafael Giorgio Dalla Barba, Ziel Ferreira Lopes

1 Introdução
É hoje lugar-comum em escritos doutrinários a tratativa entusiasta da cooperação
processual, cuja suposta matriz basilar seria o contraditório em sua feição substancial,
que, para além do binômio informação-reação, revela um “direito de influência” na
construção dos provimentos jurisdicionais. Percebeu-se que, em uma democracia, a
efetiva participação de todos os sujeitos que operam no âmbito processual é inexorável,
sobretudo a daqueles que experimentarão as consequências das respostas ofertadas
por juízes não eleitos e cujo cargo lhes foi entregue via concurso público. Elementar
isso. De há muito deveríamos ter dado adeus ao solipsismo.
Mais do que isso, é inerente ao contraditório um vigor democrático que eleva
sobremaneira a sua função de controlar a jurisdição: a imperatividade proveniente
da norma constitucional constrange o juiz a curvar-se diante dela, a respeitar seu
conteúdo, a observá-la em atenção aos seus novos matizes, o que em última análise
quer significar mais segurança jurídica, transparência e previsibilidade, garantia
no sentido de que se encontra vedada a produção de decisões em desatenção à
dialética processual.
O contraditório é um tributo à liberdade das partes no processo — exercitada
nos limites da lei, obviamente —, um coringa que lhes avaliza a autoridade do
seu discurso, do seu labor argumentativo e probatório em prol de seus interesses
pessoais, certificação de que a decisão judicial seguirá rumo previsível, alheio à
surpresa e a raciocínios solipsistas. É um direito em favor dos litigantes contra o
arbítrio estatal. Em outros termos: o contraditório traduz-se em direito fundamental e,
deste modo, sua observância (= dever de cumprimento, de respeito) cumpre ao juiz,
que representa o Estado no âmbito do processo judicial.
Feito o introito, cabe indagar: o que é isto — a cooperação processual? Estando
a resposta no arranjo previsto no novo CPC, o que se pode dizer, com segurança,
é que se trata de algo que não se encaixa bem com o que diz a Constituição e sua
principiologia. Insistimos: cooperação não é princípio. Posto no novo CPC, o art. 6º
diz que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha,
em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. Sugere o dispositivo, numa
primeira leitura, que a obtenção de decisões justas, efetivas e em tempo razoável
— diretrizes relacionadas umbilicalmente com o que está previsto nos incisos XXXV
e LXXVIII do artigo 5º da Constituição — não seria propriamente direito dos cidadãos
brasileiros e estrangeiros residentes no país, mas também deveres a eles impostos.
É o legislador, de modo sutil, depositando sobre as costas do jurisdicionado parcela
imprevisível do peso da responsabilidade que compete ao Estado por determinação
constitucional. Uma “katchanga” processual. Você quer uma decisão justa, efetiva e
tempestiva? Então, caro utente, para o fim de consegui-la deverá cooperar com o juiz
e, sobretudo, com a contraparte, e esperar igual cooperação de ambos.

340 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 339-354, abr./jun. 2015
O “bom litigante” – Riscos da moralização do processo pelo dever de cooperação do novo CPC

2 Neoprocessualismo(s) e otimismo antropológico


Então agora as partes deverão cooperar entre si? Parte e contraparte de mãos
dadas a fim de alcançarem a pacificação social. Sem ironias, mas parece que
Hobbes foi expungido da “natureza humana”. E Freud também. O novo CPC aposta
em uma vulgata de Rousseau e no seu “homem bom”. Ou seja, com um “canetaço”,
num passe de mágica, desaparece o hiato que as separa justamente em razão do
litígio. Nem é preciso dizer que o legislador pecou ao tentar desnudar a cooperação
aventurando-se em setor cuja atuação merece ficar a cargo exclusivo da doutrina. E o
fez mal porque referido texto legislativo está desacoplado da realidade, pois espelha
visão idealista e irrefletida daquilo que se dá na arena processual, onde as partes
ali se encontram sobretudo para lograr êxito em suas pretensões. Isso é natural,
pois não? Disputar coisas é algo natural. Não fosse assim não haveriam conflitos
e não haveria “Direito”. Direito é interdição. É opção entre civilização e barbárie.
Desculpem-nos nossa franqueza.
E ainda mais: a legislação projetada institui espécie de álibi normativo cujo
manejo avalizará a invasão da moral no direito, passaporte para o absolutismo e seu
princípio epocal revelado pela vontade de poder (Wille zur Macht), como bem denuncia
Heidegger.1 Escudado na cooperação, terá o juiz condições de atuar solapando (ou
relativizando) a ampla defesa das partes (artigo 5º, LV, CF/88), em interferência
na liberdade que possuem, elas e seus advogados, para elegerem as linhas de
argumentação narrativa e estratégica que melhor atendam aos seus interesses.
E não há exagero nisso, bastando verificar que a doutrina autorizada já advoga,
precisamente com assento na cooperação segundo moldes do novo CPC, a possibilidade
de quebra de certos deveres de sigilo ou confidencialidade, a consagração de o juiz
suprir insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de fato alegada por
quaisquer das partes, bem assim de suprimir obstáculos procedimentais à prolação
da decisão de mérito.2 Com a devida vênia aos artífices e entusiastas desse estado
de coisas, é enorme o risco de, sob a insígnia da cooperação, açular-se desmedido
protagonismo judicial. Trata-se dos fantasmas de Büllow, Menger e Klein atormentando
o processo civil do século XXI.
As palavras “entre si” do artigo 6º podem servir para uma instrumentalização
epistemológica do processo pelo Estado-Juiz, numa ética narrativa tão penosa e
desventurada que não é endossada nem mesmo por Michelle Taruffo3 — entusiasta

1
HEIDEGGER, Martin. Tempo e ser. Trad. de Ernildo Stein. In: Conferências e escritos filosóficos. São Paulo:
Nova Cultural, 1996. (Coleção Os Pensadores).
2
CUNHA, Leonardo José Carneiro. O processo civil no Estado constitucional e os fundamentos do Projeto do
Novo Código de Processo Civil Brasileiro. Revista de Processo, São Paulo: RT, v. 209, jul., 2012. Disponível
em: <www.idb-fdul.com/uploaded/files/2013_09_09293_09327.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2014.
3
TARUFFO, Michelle. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. São Paulo: Marcial Pons, 2012. p.
65-66 e 199.

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Lenio Luiz Streck, Lúcio Delfino, Rafael Giorgio Dalla Barba, Ziel Ferreira Lopes

da “discricionariedade racionalizada” (o que se equipara ao livre convencimento


motivado) e do ativismo processual como método truth acquiring centrado no juiz.
É nada mais nada menos que normatizar uma porta de entrada para o já superado
socialismo processual, modo de retorno ao “mito Oskar Bülow”, um salto em direção
ao passado que se quer definitivamente suplantar.
Não se nega utilidade social à cooperação nem se instiga aqui a litigiosidade.
Mas, até onde pode avançar o juiz, em seu diálogo com as partes, alicerçado em
seu dever de cooperar? Qual o limite a ser respeitado por ele a fim de que não se
torne também um contraditor?4 Acredita-se que as intervenções do juiz, até para
que o devido processo legal permaneça incólume, devem se pautar pela discrição,
pois: i) cumpre-lhe o dever de esclarecimento; ii) compete-lhe prevenir as partes do
perigo de frustração de seus pedidos pelo uso inadequado do processo (dever de
prevenção); iii) é dever do órgão jurisdicional consultar as partes antes de decidir
sobre qualquer questão, ainda que de ordem pública, assegurando a influência de
suas manifestações na formação dos provimentos (dever de consulta); e iv) por fim, é
seu papel auxiliar as partes na superação de dificuldades que as impeçam de exercer
direitos e faculdades ou de cumprir ônus ou deveres processuais (dever de auxílio).5
Afora isso, é enorme o risco que se corre de transmudar o juiz em um contraditor, com
prejuízo às próprias bases fundadoras do Estado Democrático de Direito.
Uma comunidade de trabalho com a finalidade de regulamentar o diálogo entre
juiz e partes é algo bem diferente de inserir a todos num mesmo patamar, como se
o primeiro exercesse juntamente com as últimas o contraditório, debatendo teses,
argumentando e rebatendo argumentos, levando fatos (ou obrigando as partes a levá-
los) para o processo, produzindo provas e contraprovas. Algo também bem diferente
que “confiar às partes deveres de cooperar entre si” (sic) e de instituir em favor do
juiz poderes para obrigá-las, contra vontade delas, a atuar cooperativamente. Sim,
corremos esse risco. Esse é o busílis da questão.
É um modelo que não deve ser pensado à distância da realidade, sem considerar
que no processo há verdadeiro embate (luta, confronto, enfrentamento), razão pela
qual as partes e seus advogados valem-se — e assim deve ser — de todos os meios
legais a seu alcance para atingirem um fim parcial. Não é crível (nem constitucional),
enfim, atribuir aos contraditores o dever de colaborarem entre si a fim de perseguirem
uma “verdade superior”, mesmo que contrária àquilo que acreditam e postulam em
juízo, sob pena de privá-los da sua necessária liberdade para litigar, transformando-
os, eles mesmos e seus advogados, em meros instrumentos a serviço do juiz na
busca da tão almejada “justiça”.

4
DELFINO, Lúcio; ROSSI, Fernando F. Juiz contraditor? Revista Brasileira de Direito Processual. ano 15, n. 59,
jul./set., Belo Horizonte: Fórum, 2007.
5
SOUSA, Miguel Teixeira de. Estudos sobre o novo processo civil. 2. ed. Lisboa: Lex, 1997. p. 67.

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O “bom litigante” – Riscos da moralização do processo pelo dever de cooperação do novo CPC

Inexiste um espírito filantrópico que enlace as partes no âmbito processual, pois


o que cada uma delas ambiciona é resolver a questão da melhor forma possível, desde
que isso signifique favorecimento em prejuízo do adversário. Aliás, quando contrato
um advogado, é para que ele lute por mim, por minha causa. Não quero que ele abra
mão de nada. Os direitos são meus, e o meu advogado deles não dispõe. Se meu
advogado for obrigado a cooperar com a outra ou com o juiz, meu direito constitucional
de acesso à justiça estará sendo violado, além de meu direito à propriedade e todo o
elenco de direitos personalíssimos de que constitucionalmente disponho.

3 Recuperando o debate sobre a cooperação processual


brasileira
A palavra cooperação detém poder icônico, denota um agir conjunto, participação,
apoio, conectando-se, de modo bastante acentuado, com a democracia. Cai por terra,
todavia, sua simbologia e seus aspectos positivos se o seu uso servir apenas de
maquiagem para um “neoprotagonismo”.
A discussão sobre a cooperação não é nova.6 Há tempos a Crítica Hermenêutica
do Direito travou um debate sobre sua (in)sustentabilidade jurídica com a escola
processual do formalismo-valorativo, uma das defensoras e desenvolvedoras da
tese no país.
Nesse aspecto, é necessário explicitar que o “princípio da cooperação proces­sual”
(sic) é apresentado no interior das teses denominadas de “formalismo-valorativo” como
uma concepção nova elaborada por Carlos Alberto Álvaro de Oliveira com o objetivo de
contrapor o excesso de formalismo na lida com o processo. Mais especificamente, o seu
propósito fundamental era o de solucionar a grande disputa entre o formalismo jurídico
e questões axiológicas, problemática esta que se atravessaria como um obstáculo à
concretização da “adequada realização do direito material e dos valores constitucionais”.7
Na concepção como é elaborada pelo processualista gaúcho, o formalismo diz
respeito à totalidade formal do processo, compreendendo não apenas as formalidades,
mas especialmente a delimitação dos poderes, faculdades e deveres dos sujeitos
processuais (juízes, partes, Ministério Público e terceiros intervenientes lato sensu),
coordenando sua atividade, ordenando o procedimento e organizando o andamento
processual. Todos esses elementos direcionados no sentido de que sejam atendidas
as finalidades primordiais do processo.

6
STRECK, Lenio Luiz; MOTTA, Francisco José Borges. Um debate com (e sobre) o formalismo-valorativo de
Daniel Mitidiero, ou “colaboração no processo civil” é um princípio? Revista de Processo, v. 213, São Paulo:
RT, 2012. p. 13.
7
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo. Revista
da Ajuris, Porto Alegre, n. 104, 2006. p. 55/57.

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Lenio Luiz Streck, Lúcio Delfino, Rafael Giorgio Dalla Barba, Ziel Ferreira Lopes

Nesse viés, a forma teria a tarefa de indicar “as fronteiras para o início e o
fim do processo, circunscrever o material a ser formado, e estabelecer dentro de
quais limites devem cooperar e agir as pessoas atuantes no processo para o seu
desenvolvimento”, trazendo a noção de previsibilidade a todo o procedimento. Assim,
seria a forma que impediria que a realização do procedimento fique deixada ao
simples arbítrio do juiz, servindo como controle aos “[...] eventuais excessos de uma
parte em face da outra, atuando por conseguinte como poderoso fator de igualação
(pelo menos formal) dos contendores entre si”.8
Todavia, nessa linha teórica o formalismo e o próprio processo seriam direcio­
nados a um telos, a uma finalidade que são os valores histórica e culturalmente
situados. Nesse sentido, o processo refletiria “[...] toda uma cultura”, constituindo-se
na expressão “das concepções sociais, éticas, econômicas, políticas, ideológicas e
jurídicas, subjacentes à determinada sociedade e a ela características, e inclusive de
utopias”.9 Desse arcabouço teórico é que emergem os fundamentos do formalismo-
valorativo e da proposta do “princípio da cooperação processual”.
Trabalhando nesse marco teórico legado por Alvaro de Oliveira, Daniel Mitidiero
tentaria uma refundação de toda a processualística cível (depois do que denomina de
processos isonômico e assimétrico), sob o princípio da cooperação:

O processo cooperativo, por derradeiro, é o processo do Estado


Constitucional. O direito deixa de ser compreendido apenas como scientia
juris e volta a assumir o caráter de juris prudentia, de modo que à cena
judiciária vai convocada, novamente, uma racionalidade prática, do tipo
material, cujo desiderato precípuo está em alcançar a justiça no caso
concreto sob discussão, pautando-se o discurso e legitimando-se a decisão
pela observância e promoção dos direitos fundamentais (tanto materiais
quanto processuais). No plano da ética, a colaboração entre aqueles que
participam do processo pressupõe absoluta e recíproca lealdade entre as
partes e o juízo, entre o juízo e as partes, a fim de que se alcance a maior
aproximação possível da verdade, tornando-se a boa-fé pauta-de-conduta
principal no processo civil do Estado Constitucional.10

Lenio Luiz Streck questionaria o caráter deontológico desse suposto princípio,


que ficava entre a retórica e o axiologismo.11 A pergunta que sobrava no cooperativismo

8
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo. Revista
da Ajuris, Porto Alegre, n. 104, 2006. p. 57.
9
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo. Revista
da Ajuris, Porto Alegre, n. 104, 2006. p. 59.
10
MITIDIERO, Daniel. Bases para a construção de um processo civil cooperativo: o direito processual civil no
marco teórico do formalismo valorativo (Tese de doutorado). Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, 2007. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/han dle/10183/13221/00064277
3.pdf?...1>. Acesso em: 10 ago. 2014. p. 11-12.
11
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4 ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. p. 528.

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era: “e se as partes não quiserem cooperar com o Estado? O cidadão tem o dever
de cooperar com sua parte adversa? Em que condições um standard normativo
desse teor pode efetivamente ser aplicado em um Estado Constitucional? E ainda,
haverá sanções no caso de não cooperação?”. Evidentemente, se princípios são
normas, isto é, se são enunciados normativos que prescrevem condutas, não podem
simplesmente fazer sugestões para que as partes cooperem processualmente.
A “cooperação processual” não é um princípio; não está dotada de densidade
normativa; as regras que tratam dos procedimentos processuais não adquirem
espessura ontológica face à incidência desses standard. Dito de outro modo, a
“cooperação processual” — nos moldes que vem sendo propalada — “vale” tanto
quanto dizer que todo processo deve ter instrumentalidade ou que o processo deve
ser tempestivo ou que as partes devem ter boa fé. Sem o caráter deontológico,
o standard de não passa de elemento que “ornamenta” e fornece “adereços” à
argumentação. Pode funcionar no plano performativo do direito. Mas, à evidência,
não como “dever ser”.12
Segue-se um artigo de Mitidiero, replicando que a cooperação funcionaria:

[...] mediante a instituição de regras de conduta para o juiz. E aqui


importa desde logo deixar claro: a colaboração no processo civil não
implica colaboração entre as partes. As partes não querem colaborar.
A colaboração no processo civil que é devida no Estado Constitucional
é a colaboração do juiz para com as partes. Gize-se: não se trata de
colaboração entre as partes. As partes não colaboram e não devem
colaborar entre si simplesmente porque obedecem a diferentes
interesses no que tange à sorte do litígio (obviamente, isso não implica
reconhecer o processo civil como um ambiente livre dos deveres de boa-
fé e lealdade, assunto correlato, mas diverso).13

Assim, abre ainda mais frentes de divergência com a CHD. Por um lado, diz
restringir a cooperação ao juiz; por outro, há sempre essa ameaça axiológica rondando
as partes, com o juiz eventualmente assumindo o segundo plano da tese.

[...] o processo pautado pela colaboração é um processo orientado pela


busca, tanto quanto possível, da verdade, e que, para além de emprestar
relevo à boa-fé subjetiva, também exige de todos os seus participantes a
observância da boa-fé objetiva, sendo igualmente seu destinatário o juiz.14

12
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 5. ed. São Paulo:
Saraiva, 2014. p. 593.
13
MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil como prêt-à-porter: um convite ao diálogo para Lenio Streck.
Revista de Processo, v. 194, São Paulo: RT, 2011. p. 62.
14
MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil como prêt-à-porter: um convite ao diálogo para Lenio Streck.
Revista de Processo, v. 194, São Paulo: RT, 2011. p. 62.

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Lenio Luiz Streck, Lúcio Delfino, Rafael Giorgio Dalla Barba, Ziel Ferreira Lopes

Numa tréplica, Streck e Francisco Borges Motta mostrariam os embaraços


operacionais dessa proposta. Apesar das preocupações democráticas de Mitidiero,
não tematiza suficientemente o decisionismo judicial, faltando-lhe parâmetro de
controle democrático das decisões.15
Nada obstante, a cooperação não apenas sobreviveu às contestações como foi
apropriada para além de qualquer referencial, no estado de natureza hermenêutico do
chamado paradigma neoprocessualista. Saltou, então, de suposto fundamento “ético-
lógico-social” para o próprio ordenamento jurídico positivo. Já se tratava de categoria
problemática, por precisar recorrer à Moral para não esvaziar-se em mero ornamento.
Ora, positiva-se uma “cláusula genérica” limitando garantias processuais. Num
Código de Processo, tem-se uma sombra de “não processo”: sob coerção estatal, os
litigantes devem praticar certa autocontenção. Em que medida? Como se determinará
o que é litigar ilegitimamente e o que é cooperar? Através da ponderação? Poderão
as partes se valer deste artigo para fazer o juiz cooperar? E a magistratura, como
se apropriará dessa norma, a prevalecer o imaginário “decido-conforme-a-minha-
consciência”? Imporá uma espécie de Pax Romana do Direito?

4 Princípios como abertura versus fechamento – As


diferenças entre moralidade comum e moralidade
política aplicadas ao devido processo
Como um dos subscritores deste artigo já vem denunciando há anos,16 em Terrae
Brasilis mesmo no campo das matrizes “críticas” do Direito, ainda há setores que
acreditam na tese de que “é com princípio que o juiz deixa de ser a boca da lei” (sic),
como se os princípios jurídicos fossem um componente “libertário” da interpretação
do Direito e da decisão dos tribunais. Dito de outra maneira, seria como se a fórmula
para superar o velho positivismo legalista, para usar a expressão de Castanheira
Neves, fosse retornar para a Jurisprudência dos Valores (Wertungsjurisprudenz) alemã.
Com efeito, o advento da “era dos princípios”, expressão que alcançou lugar
comum especialmente nas teorias neoconstitucionalistas (e que se ramifica no
tal neoprocessualismo), parcela considerável dos juristas optou por considerar
os princípios jurídicos como uma espécie de continuação dos princípios gerais do
Direito, ou como sendo o “suporte dos valores da sociedade contemporânea”.
Essa “positivação dos valores”, anunciada pelos teóricos neoconstitucionalistas,

15
STRECK, Lenio Luiz; MOTTA, Francisco José Borges. Um debate com (e sobre) o formalismo-valorativo de
Daniel Mitidiero, ou “colaboração no processo civil” é um princípio? Revista de Processo, v. 213, São Paulo:
RT, 2012.
16
Cf. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do
Direito. 11 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 78.

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nada mais representa do que uma circunstância que facilita a “criação”, em um


segundo momento, de uma série de argumentos retóricos que se revestem com o
nome de “princípio”. É como se sob as bases do Estado Democrático a Constituição
representasse uma espécie de “pedra filosofal” da legitimidade principiológica da
qual pudessem ser extraídos tantos “princípios” (sic) quantos necessários para
solver os casos difíceis, ou, ainda, “corrigir” as ambiguidades da linguagem.
É nesse contexto que identificamos um incontrolável elenco de “princípios”
utilizados amplamente na cotidianidade das práticas judiciárias (e inclusive da
“doutrina”), sendo que em sua esmagadora maioria consistem em tautologias ou
argumentos retóricos com nítida pretensão corretiva. O ponto central, portanto, é o
de que a proliferação de “princípios”, bem como a ausência de critérios para a sua
identificação acaba se colocando como um embaraço para as teorias que tratam
das condições de possibilidade da institucionalização de princípios efetivamente de
caráter constitucional. Assim, a discussão acaba terminando em um paradoxo, pois
no âmago da teoria integrativa de Ronald Dworkin, criticando o modelo de regras
de Hart, introduz os princípios no universo jurídico justamente para combater a
discricionariedade judicial e para restringir as possibilidades interpretativas.17
Seguindo no âmbito dessa discussão sobre princípios jurídicos, segue-se que
ao combate à vulgarização da invocação de princípios nas práticas jurídicas aparece
a referência ao intitulado e conhecido “princípio da cooperação processual”, tese
que pretende prescrever as condutas das partes para que colaborem mutuamente no
decorrer do processo com o juiz da causa a fim de alcançarem um resultado mais justo.
A partir daquilo que se denomina de Crítica Hermenêutica do Direito,18
os princípios jurídicos (e não simplesmente um enunciado retórico com o prefixo
“princípio da...”) instituem o mundo prático no Direito, de modo que os princípios são
reconhecidos pela sua índole efetivamente constitucional, fechando as possibilidades
de interpretações diversas a fim de que seja aplicada aquela para a qual aponta o
texto constitucional. Com Dworkin, podemos dizer que se trata do dever de (has a
duty to) decidir da maneira adequada à Constituição, e não de simplesmente um
dever fraco-sugestivo (ought to).19
Sendo mais claro: a legitimidade de uma decisão judicial, em um Estado Demo­
crático de Direito, será auferida no momento em que se demonstre que a regra a ser
aplicada é constituída, no caso concreto, por uma fundamentação que se embasa
em um princípio constitucional, como a presunção de inocência, devido processo
legal, juiz natural, legalidade ou a ampla defesa. Desse modo, há não regra sem

17
Cf. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
Especialmente os capítulos sobre o modelo de regras I e II (model of rules I and II).
18
Construção de Lenio Streck, que pode ser vista em Lições de crítica hermenêutica do direito. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2014, passim.
19
DWORKIN, Ronald. Levando os dreitos a sério. Trad. de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2011. p. 78.

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um princípio constitucional que a institua e, da mesma maneira, sem um princípio


constituinte, a regra não pode ser simplesmente aplicada, uma vez que não contém,
no caso em questão, o caráter de legitimidade constitucional.
Note-se, portanto, que o próprio conceito de princípio é um conceito interpretativo,
como diz Dworkin. O jusfilósofo americano refere, ao tematizar sua tese do Direito
enquanto integridade, que quando um juiz identifica determinado padrão jurídico
como uma questão de princípio, isso deve ser compreendido como uma possibilidade
interpretativa que blinda as demais por exercer um caráter de moralidade pública, e
não simplesmente pessoal. Como diz Dworkin, “o princípio se ajusta a alguma parte
complexa da prática jurídica e a justifica; oferece uma maneira atraente de ver, na
estrutura dessa prática, a coerência de princípio que a integridade requer”.20
Vejamos: ao comentar essa temática no caso Farber, em que litigava a Justiça
Pública contra Dr. Mário Jascalevich e que no fundo se debatia qual direito deveria ser
aplicado — o da garantia processual de acesso às provas pelo réu criminal ou o da
liberdade de imprensa ao recusar as fontes e documentos sobre o acusado, Dworkin
refere que a questão levantada não se trata de como conciliar direitos conflitantes,
mas de até que ponto a eficiência do trabalho dos repórteres deve ser sacrificada
para assegurar ao cidadão o direito à ampla defesa e ao devido processo legal.
Dworkin refere que no caso Farber deveriam ter sido observados os dois tipos
de argumentos que são usados para justificar uma norma jurídica ou decisão política:
(i) as justificativas de princípios argumentam que uma norma específica é necessária
para proteger um direito individual que alguém (ou um grupo) tenha contra outras
pessoas ou contra a sociedade ou o governo; (ii) as justificativas de política, por outro
lado, sustentam que uma norma específica deve ser aplicada porque trabalhará pelo
interesse geral, isto é, pelo benefício da sociedade como um todo. 21
Os argumentos apresentados por Farber e pelo New York Times eram embasados
em uma questão meramente política, pois, se suas fontes confidenciais forem
protegidas da revelação, mais pessoas que tem conhecimentos de delitos e temem
ser expostas entrarão em contato com a imprensa a fim de denunciar o ocorrido,
e, assim, a sociedade se beneficiará. Ou seja, a posição especial da imprensa é
justificada não porque os repórteres tenham, nesse caso, direitos genuinamente
fundamentais, mas porque se acredita que a comunidade como um todo irá beneficiar-
se de seu tratamento. Porém, o argumento de política que sustenta a posição de
Farber, por mais forte ou fraco que seja, deve ceder aos direitos constitucionais do
réu a um julgamento que garanta a ampla defesa e o devido processo legal, mesmo
que com certo custo para o bem-estar geral.

DWORKIN, Ronald. O império do direito. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 274.
20

DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Trad. de Luis Carlos Borges. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes,
21

2005. p. 548 e seguintes.

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5 Positivação da cooperação processual – Restrições


constitucionais à sua eficácia
Exigir que as partes “cooperem” ou “colaborem” é ir muito além das balizas
profissionais devidas para o exercício advocacia. Dentro da licitude penal e cível o
processo segue por ônus. Mesmo o abuso na litigância é mais bem controlado por
ulterior penalização financeira dos atos manifestamente protelatórios do que por
cerceamento das garantias fundamentais processuais.
Queremos crer que, neste estranho desenho institucional do artigo 6º, houve
uma apropriação indevida daquilo que defendem os mais destacados doutrinadores
da cooperação/colaboração/comparticipação. Lembre-se que mesmo um defensor
“estatalista” da cooperação como Daniel Mitidiero não concorda com a tese de que
as partes devam colaborar entre si.22
Em todo caso, cooperação ou colaboração não parecem mesmo ser os melhores
“nomen juris” para designar o processualismo pós-liberalista e pós-socialista, ora
sob recomposição paradigmática no Estado Democrático de Direito. Nosso aparente
preciosismo terminológico é sutileza que se ora esgarça no artigo 6º. Mesmo quando
calcadas apenas no juiz (o que não é o caso da redação do novo CPC), “cooperação”
e “colaboração” parecem ficar aquém do dever de prestar uma resposta adequada à
Constituição.23 É dizer, no sentido usual do termo: o juiz não deve apenas “cooperar”
ou “colaborar” com as partes; não se trata de liberalidade, de (“boa”) vontade judicial,
mas de correlação forçosa entre direitos-garantias das partes e deveres-poderes do
juiz, escapando esses últimos a qualquer uso discricionário. Juiz decide e não escolhe.
É claro que nos agrada a formulação da coparticipação por Dierle Nunes,
enquanto garantia de influência e não surpresa24 (que encontra lugar no artigo 10 do
novo CPC): as partes têm direito fundamental a participar do provimento jurisdicional
a que se submetem. Nisto, aporta as “auto-nomias” privada e pública habermasianas
à dogmática processual. Equaciona bem o agir predominantemente estratégico das
partes (orientado por interesses) com as limitações impostas pela estruturação
comunicativa (orientada por entendimento), necessária à articulação racional de
pretensões jurídicas na esfera pública formal.25 Por aí se entende Dierle e Alexandre
Bahia, quando dizem que: “reconhece-se que há papéis distintos, mas que todos

22
MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil como prêt-à-porter: um convite ao diálogo para Lenio Streck.
Revista de Processo, v. 194, São Paulo: RT, 2011. p. 62.
23
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 5. ed. São Paulo:
Saraiva, 2014. p. 610 e seguintes.
24
NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba:
Juruá, 2009.
25
A coordenação dos planos de ação pela “regulação normativa das interações estratégicas, sobre as quais os
próprios atores se entendem” Cf. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tomo
I. Trad. Flavio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p. 46.

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Lenio Luiz Streck, Lúcio Delfino, Rafael Giorgio Dalla Barba, Ziel Ferreira Lopes

cooperam para o resultado final”.26 Cada sujeito já tem seu papel institucionalizado
para que possa concorrer, à sua maneira, para a formação do provimento comum.
Sobre isso, Habermas rebate Robert Alexy:

As partes não estão obrigadas à busca cooperativa da verdade, uma


vez que também podem perseguir seu interesse numa solução favorável
do processo “introduzindo estrategicamente argumentos capazes de
consenso”... Contra isso é possível objetar, com grande plausibilidade,
que todos os participantes do processo, por mais diferentes que sejam
seus motivos, fornecem contribuições para um discurso, o qual serve,
na perspectiva do juiz para a formação imparcial do juízo. Somente essa
perspectiva é constitutiva para a fundamentação da decisão.27 (grifamos)

Ora, somente por boa delimitação valeria falar em cooperação das e entre
as partes: se fosse tomada em um sentido “fraco” (da legalidade e dos standards
profissionais) e/ou “oblíquo”, quando a diferenciação funcional no processo,
respeitada em suas especificidades, transcende no resultado final os papéis
concretos dos sujeitos. Há nisso uma reserva liberal: seguindo seus interesses,
cada parte concorre numa “mão invisível” para o bem da comunidade processual. Na
perspectiva de Habermas, é verdade que:

para que o processo democrático de estabelecimento do direito tenha


êxito, é necessário que os cidadãos utilizem seus direitos de comunicação
e de participação num sentido orientado também para o bem comum, o
qual pode ser proposto politicamente, porém não imposto juridicamente.28

Mais do que isso, diríamos que esses interesses pessoais não precisam sequer
ser virtuosos, bastando que os vícios privados submerjam nos benefícios públicos,
como na “Fábula das Abelhas”29 de Bernard de Mandeville. As partes têm o direito de
participar na decisão judicial (coisa pública), mas o juiz não pode intervir na defesa técnica

26
NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Processo e república: uma relação necessária. Disponível em: <http://
justificando.com/2014/10/09/processo-e-republica-uma-relacao-necessaria/>. Acesso em: 18 dez. 2014.
27
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tomo I. Trad. Flavio Beno Siebeneichler.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p. 288.
28
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tomo II. Trad. Flavio Beno Siebeneichler.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p. 323.
29
“Por fim, valemo-nos de uma fábula liberal, a das abelhas, de Mandeville. Elas viviam prosperamente em sua
colmeia, até que um grupo de abelhas “neovirtuosas” decidiu dar um fim aos vícios (corrupção era o menor
deles!). Foram à rainha e pediram que fosse decretada a virtude. E assim se fez. Todos virtuosos. Bom?
Não. Ruim. Sem vícios, a sociedade começou a ruir. Advogados ficaram sem trabalho, procuradores não
tinham quem denunciar, médicos sem pacientes, policiais ociosos. Fracasso total. As abelhas se reuniram
e pediram à rainha o restabelecimento dos vícios. Moral da história? É impossível uma sociedade formada
apenas por virtuosos” Cf. STRECK, Lenio Luiz; KARAM TRINDADE, André. Vícios privados, benefícios públicos.
Folha de S. Paulo [coluna Opinião], São Paulo, 13 dez, 2014. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.
br/opiniao/2014/12/1561785-lenio-streck-e-andre-karam-vicios-privados-beneficios-publicos.shtml>. Acesso
em: 26 fev. 2015.

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O “bom litigante” – Riscos da moralização do processo pelo dever de cooperação do novo CPC

de uma parte (coisa privada), senão para velar pelos mínimos limites assegurados à
ação da contraparte. As partes não têm responsabilidade política. O juiz, sim.
Numa palavra final: se o “dever de as partes cooperarem” não for fulminado
(ou mitigado mediante interpretação conforme a Constituição) pelo STF, poderemos
estar repristinando um protagonismo de mais de 100 anos atrás. Não se ignora a
filiação habermasiana da expressão, segundo a verte Dierle Nunes.30 Contudo, além
das divergências hermenêuticas quanto à ética do discurso,31 preocupa-nos essa
positivação do que seria um pressuposto teórico (“busca cooperativa da verdade”
como “única motivação”).32 Seria, talvez, problemático prescrever normativamente na
ordem dos motivos, num ter-de-agir, onde há apenas uma “coerção transcendental
fraca”.33 Ademais, pode-se arriscar a própria garantia de influência das partes ao
positivar esse artigo, propiciando um álibi legislativo para o solipsismo judicial. Esse
suposto dever (ético) de cooperação poderia comprometer o direito (jurídico mesmo)
à comparticipação.
Considerando o habitus jurídico herdado, não é difícil imaginar o juiz, como
presidente dos trabalhos (sim, paradoxalmente, quer-se a democracia e o regime
processual, neste caso, continua “presidencialista”), dizendo: vocês têm de cooperar
para que eu possa decidir com justiça. Consequentemente... E aí começa o drama
das partes. Vai sobrar para os advogados.
Não estamos de implicância. Preocupam-nos as palavras, que não valem
como signos “em si”, mas por toda rede simbólica que entretém e que não fica
esquecida: a tradição vem à fala. Eis a tarefa hercúlea de lidar com a “consciência
dos efeitos da história” (Wirkungsgeschichtliches Bewußtsein), como nos ensina
Gadamer, deixando com que o fenômeno seja desvelado ao intérprete.34 Aqui não
vai qualquer metodologização para abrir a interpretação, senão o reconhecimento
de que os princípios a fecham, acabando com discricionariedades do juiz e também
do legislador. Assim, para não expungir o artigo 6º do novo CPC e salvá-lo, a única
solução parece ser uma “interpretação conforme a Constituição”, em algo como:
“Todos os sujeitos do processo [leia-se: o juiz] devem cooperar entre si [leia-se:
com as partes] para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e
efetiva” (tachado, grifo e interpolação nossas). Somente aí se poderia assentir com

30
NUNES, Dierle. Para além do Novo Código de Processo Civil ... e para sua leitura.... In: Justificando, nota de
rodapé nº 11. Disponível em: <http://justificando.com/2015/01/08/para-alem-do-novo-codigo-de-processo-
-civil-e-para-sua-leitura/>. Acesso em: 1º mar. 2015.
31
Cuja projeção contrafática se afastaria de um a priori existencial.
32
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tomo I. Trad. Flavio Beno Siebeneichler.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p. 215.
33
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tomo I. Trad. Flavio Beno Siebeneichler.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p. 216.
34
GADAMER, Hans-Georg. Wahreit und Methode: Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik. 6. ed. Tübingen:
J. C. B. Mohr (Paul Siebeck), 1990. p. 346.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 339-354, abr./jun. 2015 351
Lenio Luiz Streck, Lúcio Delfino, Rafael Giorgio Dalla Barba, Ziel Ferreira Lopes

Dierle e Alexandre num “processo democrático lastreado numa teoria deontológica de


coparticipação/cooperação”.35
Mas isso não tira o brilho do conjunto do novo CPC. Afinal, seria impossível
hermeneuticamente construir um código perfeito. Ajustes e filtragens hermenêutico-
constitucionais podem vir a aperfeiçoá-lo. Nesse sentido, é contraproducente lançar
a pecha de “catastrofista” ao dissenso democraticamente compromissado. Se o
juiz deve interpretar o direito como um todo coerente, o legislador deve prover essa
coerência na ordem jurídica positiva — tanto mais onde o juiz pressupõe a incoerência
da lei, sendo emblemático o exemplo do que se fez com o art. 212 do CPP. A doutrina
cumpre um papel decisivo para o bom funcionamento desse sistema: “constranger
epistemologicamente”.36

6 Considerações finais
É notória a tendência em se vincular o contraditório substancial à cooperação.
Não se trata apenas de correlação desnecessária à democratização da relação
jurisdicional; por todo o exposto, verifica-se o antagonismo entre as propostas.
No enfoque pan-principialista, apela-se à cooperação como corretivo moral
da litigiosidade, com prejuízo para a autonomia do Direito. Num excurso sobre o
caso Farber, vê-se com Dworkin a apresentação genuína de um princípio na práxis
processual, desafiando até o apelo ao bem-estar geral.
Quanto ao cooperativismo teoricamente referenciado — para além de nossas
divergências jusfilosóficas —, o art. 6º parece ter sido positivado contrariando até
mesmo suas propostas. Nisso, registre-se que sua redação contempla a cooperação
entre partes, possibilidade rechaçada pela escola do formalismo-valorativo. Igualmente,
vale pensar nos contratempos que suscita para a teoria da comparticipação,
entendida enquanto garantia de influência das partes na decisão judicial: na medida
em que atravessa a ordem dos motivos com um ter-de-agir positivado em “cláusula
genérica”, municia a parcela da magistratura que “decide-conforme-a-consciência”
com um álibi legal para assediar a defesa técnica. Quando o legislador condiciona
o comportamento dos sujeitos processuais a que se obtenha em “tempo razoável,
decisão de mérito justa e efetiva”, não parece exagero imaginar que daí se siga o
sacrifício das partes como solução para a tal crise funcional do sistema de justiça.
Afinal, a validade do artigo 6º deve ser constitucionalmente limitada à
“cooperação pelo juiz”. Diríamos, inclusive, que o juiz deve fazer muito mais que

35
NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Processo e república: uma relação necessária. Disponível em: <http://
justificando.com/2014/10/09/processo-e-republica-uma-relacao-necessaria/>. Acesso em: 18 dez. 2014.
36
Expressão cunhada por Lenio Luiz Streck em O que é isto – decido conforme minha consciência? 2. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 110.

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O “bom litigante” – Riscos da moralização do processo pelo dever de cooperação do novo CPC

cooperar. Sua responsabilidade transcende qualquer especificação doutrinária ad hoc


desse conceito. Deve prestar à resposta correta.
Eventualmente, seguir-se-ão respostas no sentido de não termos enfrentado aqui
“a verdadeira cooperação”. Longe de uma solução, essa poluição semântica depõe
contra a categoria. Nesta oportunidade, foram analisadas acepções emblemáticas
desta, em sua difusão e consolidação na processualística. Se no NCPC se não
levava em conta nada parecido quando da positivação do multicitado artigo 6º, temos
realmente um problema.

The “Good Litigant” – Risks of Moralizing the Process by the Duty to Cooperate in the New Civil
Procedure Code
Abstract: It discusses the legal regulation of the duty to cooperate in the article 6 of the new Civil Procedure
Code. In a phenomenological aproach, aims to criticize its moralistic appropriation of the substantial
contradictory, with losses to the autonomy of law. Proceeds reporting the debate about the category and
comparing the pan-principialism view to the elimination of judicial discretion by the due process. After all,
verifies the need to limit its applicability to the judge.

Keywords: Cooperation. New Civil Procedure Code. Pan-principiologism.

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projeto do Novo Código de Processo Civil brasileiro. Revista de Processo, São Paulo: RT, v. 209, jul.,
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Lenio Luiz Streck, Lúcio Delfino, Rafael Giorgio Dalla Barba, Ziel Ferreira Lopes

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

STRECK, Lenio Luiz et al. O “bom litigante” – Riscos da moralização do processo


pelo dever de cooperação do novo CPC. Revista Brasileira de Direito Processual –
RBDPro, Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 339-354, abr./jun. 2015.

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O Novo CPC e o Hermeneutic Turn
do Direito brasileiro – Condições e
possibilidades

Lenio Luiz Streck


Professor titular da UNISINOS e UNESA. Doutor e Pós-Doutor em Direito. Ex-Procurador de
Justiça-RS. Advogado.

1 Introdução
A palavra hermenêutica deriva do grego hermeneuein, adquirindo vários
significados no curso da história. Por ela, busca-se traduzir para uma linguagem
acessível àquilo que não é compreensível. Daí a ideia de Hermes, um mensageiro
divino, que transmite — e, portanto, esclarece — o conteúdo da mensagem dos
deuses aos mortais. Ao realizar a tarefa de hermeneus, Hermes tornou-se poderoso.
Na verdade, nunca se soube o que os deuses disseram; só se soube o que Hermes
disse acerca do que os deuses disseram. Trata-se, pois, de uma (inter)mediação.
Desse modo, a menos que se acredite na possibilidade de acesso direto às coisas
(enfim, à essência das coisas), é na metáfora de Hermes que se localiza toda a
complexidade do problema hermenêutico. Trata-se de traduzir linguagens e coisas
atribuindo-lhes um determinado sentido.
Na história moderna, tanto na hermenêutica teológica como na hermenêutica
jurídica, a expressão tem sido entendida como arte ou técnica (método), com efeito
diretivo sobre a lei divina e a lei humana. O ponto comum entre a hermenêutica
jurídica e a hermenêutica teológica reside no fato de que, em ambas, sempre houve
uma tensão entre o texto proposto e o sentido que alcança a sua aplicação na
situação concreta, seja em um processo judicial ou em uma pregação religiosa. Essa
tensão entre o texto e o sentido a ser atribuído ao texto coloca a hermenêutica diante
de vários caminhos, todos ligados, no entanto, às condições de acesso do homem
ao conhecimento acerca das coisas. Assim, ou se demonstra que é possível colocar
regras que possam guiar o hermeneuta no ato interpretativo, mediante a criação, v.g.,
de uma teoria geral da interpretação; ou se reconhece que a pretensa cisão entre o
ato do conhecimento do sentido de um texto e a sua aplicação a um determinado
caso concreto não são de fato atos separados, ou se reconhece, finalmente, que as
tentativas de colocar o problema hermenêutico a partir do predomínio da subjetividade
do intérprete ou da objetividade do texto não passaram de falsas contraposições
fundadas no metafísico esquema sujeito-objeto.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 355-372, abr./jun. 2015 355
Lenio Luiz Streck

A crise que atravessa a hermenêutica jurídica possui uma relação direta com
a discussão acerca da crise do conhecimento e do problema da fundamentação,
própria do início do século XX. Veja-se que as várias tentativas de estabelecer regras
ou cânones para o processo interpretativo a partir do predomínio da objetividade
ou da subjetividade ou, até mesmo, de conjugar a subjetividade do intérprete com
a objetividade do texto, não resistiram às teses da viragem linguístico-ontológica
(Heidegger-Gadamer), superadoras do esquema sujeito-objeto, compreendidas a partir
do caráter ontológico prévio do conceito de sujeito e da desobjetificação provocada
pelo circulo hermenêutico e pela diferença ontológica.
A viragem hermenêutico-ontológica, provocada por Sein und Zeit (1927), de
Martin Heidegger, e a publicação, anos depois, de Wahrheit und Methode (1960), por
Hans-Georg Gadamer, foram fundamentais para um novo olhar sobre a hermenêutica
jurídica. A partir dessa ontologische Wendung inicia-se o processo de superação dos
paradigmas metafísicos objetivista aristotélico-tomista e subjetivista (filosofia da
consciência), os quais, de um modo ou de outro, até hoje têm sustentado as teses
exegético-dedutivista-subsuntivas dominantes, naquilo que vem sendo denominado
de hermenêutica jurídica.
Assim, o mundo é como é porque existem e existiram paradigmas filosóficos.
Queiramos ou não. Achemos Kant ou Heidegger uns chatos ou herméticos. Digamos
até bobagens como “para que serve essa coisa complicada que é a Filosofia.”... Ou
coisas como “até a aula anterior, vocês estudaram o sexo dos anjos; agora vocês
vão estudar direito comigo”, como faz, por exemplo, o protótipo do professor que se
orgulha em desdenhar a Filosofia. A propósito, veja-se o problema que a ausência
da Filosofia na discussão acerca do que é positivismo acarreta. Autores importantes
discutem “casos fáceis” e “casos difíceis” como se não existissem paradigmas
filosóficos. Como se, por exemplo, acreditar no positivismo exclusivo (ou excludente)
não tivesse relação com a tese de que só há normas gerais... e como se isso não
tivesse relação com o paradigma metafísico-clássico.

2 O locus paradigmático do livre convencimento


Efetivamente, nunca foi fácil entender o que a dogmática jurídica entendia
como “busca da verdade” ou “qual é o melhor modo de o juiz exercitar o seu livre
convencimento”. Por vezes, parece que os juristas estão inseridos na busca de uma
verdade ontológica clássica, uma adeaquatio intellectum et rei (ou seja, a adequação
do intelecto à coisa); em outras, fica-se convencido que a verdade (“real” ou não) é o
corolário da filosofia da consciência (adeaquatio rei et intellectum — que quer dizer
adequação da coisa ao intelecto) ou, na verdade, de sua vulgata.
Por isso, ainda que a voo de pássaro, quero lembrar os caminhos filosóficos
que devem ser trilhados e conhecidos para chegar ao local da discussão acerca da

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O Novo CPC e o Hermeneutic Turn do Direito brasileiro – Condições e possibilidades

busca da verdade e da produção da prova (e de suas condições de possibilidade).


Quando falamos em livre convencimento ou livre apreciação da prova — e é disso que
tratava o artigo 131 do CPC de 1973 — estamos tratando da modernidade. O sujeito
da modernidade é descoberta de Descartes. Aquilo que se mostrava nos sofistas
ou no nominalismo ainda não é “o sujeito”. Ainda na modernidade, Kant mostra a
impossibilidade da apreensão da coisa em si. O que precisamos para compreender
algo não vem da coisa (em si), mas da autonomia do sujeito, liberto do “mito do
dado”, por assim dizer.
Talvez um dos grandes problemas tenha sido a incorporação desmesurada do
antirracionalismo nietzschiano, raiz do pragmati(ci)smo que assola principalmente o
Direito. Isso quer dizer que o jurista, longe de estar disposto ao real, dispõe ele para si,
como que a repetir a sofista frase de Protágoras de que o homem é a medida de todas
as coisas. No pragmati(ci)smo, a decisão particular passa a ser a medida de tudo...
Daí o voluntarismo (vontade de poder) que tomou conta das correntes “críticas” do
Direito. O que se diz sobre “a verdade” é fruto de tudo isso: da metafísica clássica, da
filosofia moderna e das teses e teorias que buscaram ultrapassar aquilo que superou
o objetivismo (realismo) pré-moderno. É nesse caldo de cultura que nos movemos.
Tudo isso aponta para a complexidade do tema. Afinal, quando tratamos de
“provas”, estamos tratando das condições de possibilidade de dar sentido a um
determinado fenômeno. Uma passada d’olhos nos mais variados livros de processo
civil e penal nos mostra que a verdade ora é confundida com um dado bruto (o fato em
si?) ao qual o sujeito cognoscente deve se amoldar, ora é resumida a uma construção,
erguida — a partir de uma pseudo “consciência metodológica” — pelo sujeito
cognoscente, algo que aparece claramente no conceito de “livre convencimento” ou
“livre apreciação da prova”.
Onde entra a livre apreciação da prova que, agora, foi expungida do NCPC? Há
um livre convencimento pelo qual é possível se deduzir, autônoma e racionalmente,
através do método construído pela subjetividade, aquilo que é verdadeiro ou não
(chamemos a isso, de forma bem generosa,1 de filosofia da consciência)?
Como resposta, há que se dizer que um ponto decisivo para compreensão do
direito e da hermenêutica contemporânea é a compreensão do papel assumido pelo
sujeito na modernidade. É preciso compreender que a modernidade efetivamente
“cria” o sujeito (e o sujeito “cria” a modernidade). Antes da vigorosa ruptura filosófica

1
Aqui faço, outra vez, um corte epistemológico para explicar que o que se tem visto no plano das práticas jurí-
dicas nem de longe chega a poder ser caracterizada como “filosofia da consciência”; trata-se de uma vulgata
disso. Em meus textos, tenho falado que o solipsismo judicial, o protagonismo e a prática de discricionarie-
dades se enquadram paradigmaticamente no “paradigma epistemológico da filosofia da consciência”. Advirto,
porém, que é evidente que o modus decidendi não guarda estrita relação com o “sujeito da modernidade” ou
até mesmo com o “solipsismo kantiano”. Esses são muito mais complexos. Aponto essas “aproximações”
para, exatamente, poder fazer uma anamnese dos discursos, até porque não há discurso que esteja “em
paradigma nenhum”, por mais sincrético que seja.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 355-372, abr./jun. 2015 357
Lenio Luiz Streck

operada por Descartes — que é quem institui a modernidade filosófica — o conceito


de sujeito cobria uma outra esfera de significados. É preciso, portanto, encontrar
um meio de conseguir notar como as transformações no conceito do hipokeimenon
aristotélico e do sub-jectum medieval acontecem na configuração do sujeito moderno.
Nesse sentido, Koselleck oferece um importante instrumento de análise para
colocação de temas histórico-filosóficos no direito. De todo modo, é importante
lembrar que aquilo que chamo de “filosofia da consciência” no direito é, na verdade,
uma vulgata, porque se trata de um voluntarismo praticado a partir da concepção
individual (ou daquilo que se pensa ser a subjetividade do intérprete).2
O fator talvez mais inusitado que se projeta a partir de todo esse quadro é que,
em nenhum aspecto, os argumentos da dogmática processual se aproximam das
discussões contemporâneas sobre o conceito de verdade. Continuamos a discutir as
questões a partir do modo como eram levadas a cabo no final do século XIX e início
do século XX.
Esse relativismo démodé, bem como essa profissão de fé em um caráter unitário
da verdade, não atinge o ponto de estofo da questão que, no contexto atual, se
situa no campo da linguagem. Como afirma Lorenz Puntel, um dos grandes filósofos
contemporâneos, verdade quer dizer a revelação da coisa mesma (Sache selbst) que
se articula na dimensão de uma pretensão de validade justificável discursivamente.3
Isto só para iniciar a discussão, é claro.
No campo do direito processual civil, o legislador encerrou um ciclo. Desde o
socialismo processual (Menger, Klein, Büllow) se pensava que o juiz era o protagonista
e que tinha livre convencimento. Em outras palavras, ele era livre para decidir, desde
que, depois, justificasse. Como se a justificação ou motivação conseguisse suprir
o problema fulcral que residia, exatamente, no livre atribuir de sentidos, corolário
do paradigma da subjetividade. É disso que se trata. De forma bem simples: o CPC
de 1973 apostava em um tipo de paradigma filosófico; o de 2014-2015 aposta na
intersubjetividade, ao expungir — espero que para sempre — esse resquício de um
paradigma ultrapassado, autoritário, fundado na consciência individual do intérprete.
Sim, é disso que se trata.

3 O livre convencimento e sua extinção


O novo Código de Processo Civil inovou pouca coisa em relação ao de 1973 no
tocante às provas. Segue com a atipicidade das provas, o que quer dizer que não há

2
Ver, também, Gadamer, Verdade e método II: a história do conceito como filosofia. Ainda, Heidegger, Nietzsche II.
3
Cf. Wahrheitstheorien in der neueren Philosophie. Eine kritisch-systematische Darstellung. Wissenschaftliche
Buchgesellschaft, Darmstadt 1978; Auflage 1993; Grundlagen einer Theorie der Wahrheit. W. de Gruyter,
Berlin/New York 1990.

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O Novo CPC e o Hermeneutic Turn do Direito brasileiro – Condições e possibilidades

taxação e tampouco a explicitação dos meios de provas que as partes podem lançar
mão. Os meios moralmente ilegítimos não podem ser utilizados. Isso quer dizer que
a prova não pode ser ilícita, questão regulada pela Constituição no art. 5º., LVI.
A parte efetivamente inovadora está em um silêncio legislativo e não em um
enunciado explícito. Para tanto, basta uma leitura atenta do Art. 369:
O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que
a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.
Uma olhada atenta nos dirá que o dispositivo é praticamente igual ao art. 131
do CPC derrogado, com uma sutil diferença. O art. 131 dizia que “o juiz apreciará
livremente a prova”. Foi expungida a expressão “livremente”, colocando uma pá de
cal sobre o assim denominado “principio do livre convencimento”, que, na realidade,
jamais fora um princípio.
Observe-se que não foi somente nesse dispositivo que ocorreu a substancial
alteração. Também o artigo 401 do Projeto oriundo do Senado dizia que “A confissão
extrajudicial será livremente apreciada pelo juiz”. E no artigo 490 lia-se que “A
segunda perícia não substitui a primeira, cabendo ao juiz apreciar livremente o valor
de uma e outra”.
Em comum a todos eles a eliminação do livre convencimento. Portanto, não
poderá o juiz ou tribunal referir que a decisão x foi exarada desse modo em face da
livre apreciação da prova ou de seu livre convencimento. Isso implica outra questão
absolutamente relevante: por uma decorrência lógica, não poderá o juiz fundamentar
a decisão alegando que “julgou segundo sua consciência,” (temos o clássico voto do
Ministro Humberto Barros, em que disse “não se importar com o que diz a doutrina”)
uma vez que isso seria repristinar a expressão derrogada, conspurcando, assim,
a vontade legislativa. Isso também fará com que se altere, substancialmente, a
jurisprudência sobre a “fundamentação nos embargos de declaração”. Vedadas,
portanto, decisões do tipo: “O sistema normativo pátrio utiliza o princípio do livre
convencimento motivado do juiz, o que significa dizer que o magistrado não fica preso
ao formalismo da lei [...] levando em conta sua livre convicção pessoal” (Recurso
Cível 5001367-22.2011.404.7119). Do mesmo modo, inadmissíveis de agora
em diante decisões como esta: “O juiz, na linha de precedentes do STF, não está
obrigado a responder a todas as questões articuladas pelas partes. As razões de meu
convencimento são suficientemente claras. Rejeito os embargos”.
O NCPC, ao retirar o poder de livre convencimento ou livre apreciação, assume
um nítido sentido “não protagonista”, afastando o velho instrumentalismo e os
fantasmas do antigo “socialismo processual” (Büllow, Menger, Klein). Não se pode
mais invocar, igualmente, o princípio (sic) da presunção racional. O novo Código não
compactua com presunções, mesmo que venham com epítetos como “racional” etc.
Trata-se de uma opção paradigmática feita pelo legislador. A decisão judicial exige
exercício prático, senso de dever, capacidade de se adotar uma atitude reflexiva em

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Lenio Luiz Streck

relação às próprias pré-compreensões, garantia de coparticipação dos destinatários


da decisão no processo deliberativo, aprendizado institucional e debate público. Isso
não quer dizer que o juiz se transforme em um exegeta do século XIX ou que esteja
proibido de interpretar.
O CPC apenas passou a lhe exigir responsabilidade política e suspensão
de seus prejuízos sobre o mundo e os fatos a interpretar-julgar. Todos temos pré-
compreensões. Mas isso não significa que somos reféns delas. E, como fica claro em
Verdade e Consenso, pré-compreensão (Vorverständnis) não é igual a preconceitos
no sentido vulgar.4 O que o legislador do novo CPC quer é que as decisões judiciais
sejam ditadas segundo o direito e não conforme o pensar individual dos julgadores.
E o que é “direito”? Direito é um conceito interpretativo e é aquilo que é emanado
pelas instituições jurídicas, sendo que as questões e ele relativas encontram,
necessariamente, respostas nas leis, nos princípios constitucionais, nos regulamentos
e nos precedentes que tenham DNA constitucional, e não na vontade individual do
aplicador (mesmo que seja o STF).
Exemplo interessante que pode servir de indicativo da diferenciação entre o velho
e o novo CPC: antes, poder-se-ia aceitar um julgado dando conta de que “oposta como
defesa pelo réu a prescrição aquisitiva de imóvel urbano instituída na CF, o silêncio do
autor sobre tais fatos não impede o juiz de dar-se por insatisfeito com a prova e rejeitar
a pretensão, pois o CPC acolhe o princípio do livre convencimento” (RSTJ 78/295;
JSTJ 71/233). Ocorre que, com a nova redação, esse tipo de julgado afrontaria lei
federal. Na verdade, é contra isso que o legislador resolveu mudar o papel do juiz.
Expungir a livre apreciação e/ou o livre convencimento é sepultar o que restou
do socialismo processual do final do século XIX - início do século XX. É ônus da
democracia e do devido processo legal que o autor perca essa demanda. O juiz não
deve se substituir à parte. Na época de Klein e Menger (ou de Büllow), poderia ser
sustentável que assim se fizesse. Mas em uma democracia e com uma Constituição
compromissória como a brasileira, não é possível pensar a figura do juiz como “acima
das partes” ou o “guardião-da-parte-que-falhou”.
Do mesmo modo, julgados (RT 500/180) assentando que o juiz pode dar a prova
o valor que entender adequado, podendo considerar a testemunha superior à escritura
pública, deverão sofrer uma forte censura epistemológica por parte da doutrina. Isto
é, poderá ocorrer uma hipótese em que a escritura valha menos que um depoimento
testemunhal. Só que isso terá que ser demonstrado por uma fundamentação que,
obviamente, não exsurge do livre convencimento do juiz. Portanto, inadequado dizer,
diante do novo CPC, que “o juiz pode dar a prova o valor que entender adequado”.

4
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 486.

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O Novo CPC e o Hermeneutic Turn do Direito brasileiro – Condições e possibilidades

A discussão acerca do papel do juiz e das partes e sua relação com a iniciativa
probatória ainda está longe de terminar. Em face do silêncio eloquente do legislador
do novo CPC no sentido de o juiz não mais ter livre apreciação da prova e livre
convencimento, tudo está a indicar uma viragem hermenêutica na doutrina e na
jurisprudência pátrias.
Nesse sentido, assume relevância a crítica que deve ser feita ao ativismo
judicial. É preciso ter claro que há uma significativa diferença entre ativismo e
judicialização da política, sendo o primeiro behaviorista, quando o juiz se substitui
ética e moralmente ao legislador, e o segundo é contingente, ocorrendo de forma
excepcional por incompetência-inércia dos demais poderes da República.
Registre, por absoluta relevância, que a nova redação do capítulo atinente ao
papel do juiz e à apreciação da prova é incompatível com atitudes ativistas. Nesse
sentido, a desconfiança que Arruda Alvim já tinha com o ativismo mesmo na vigência
do CPC revogado, dando como exemplo os casos em que se permite às partes
renunciarem de seus direitos materiais, ocasião em se torna questionável a iniciativa
probatória do juiz.5 Neste aspecto, parece, a partir de agora, inconcebível um julgado
como o do STJ, na lavra do relator Min. Helio Quaglia Barbosa (RESP 629.312-DF), em
que, sustentado em Candido Dinamarco, sustentava que o “sadio ativismo judicial”
(sic) não era incompatível com a imparcialidade do juiz.
Por evidente — repito — não se está, a partir de uma leitura “originalista” do
novo CPC, dizendo que o juiz, agora, é uma figura inerte, apenas assistindo a luta
entre as partes. Uma leitura em conjunto dos dispositivos do CPC indica que isso não
é assim. Continua a existir o poder de buscar provas de ofício, por exemplo. Além
disso, a própria substancialidade do devido processo legal não permite que haja
manipulação probatória pelas partes.
O que há de novo é a responsabilidade política do juiz; o que é novo é que ele
não é o protagonista do processo; o que é inovador é que houve uma opção legislativa
por um novo paradigma de compreensão dos objetos e do mundo. A fundamentação é
a condição de possibilidade para a legitimidade da decisão, sendo que esta não pode
estar baseada no sentimento pessoal do julgador.
Trata-se da assunção da tese de que o julgamento deve se dar por princípios e
não por questões políticas, por convicção moral ou outros argumentos teleológicos.
Simplesmente o legislador quis dizer: o cidadão, quando vai ao Judiciário, não vai
pedir a opinião pessoal do juiz sobre determinado assunto; ele quer que o juiz diga
o que o direito tem a dizer para ele. O legislador despersonalizou a aplicação da lei;
em outras palavras: em uma democracia, não se pode depender da bondade ou da
maldade de quem vai dizer o direito. Afinal, todo o poder emana do povo e em seu
nome será exercido.

5
ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. 16. ed., São Paulo: RT, 2013. p. 988.

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Lenio Luiz Streck

4 A exigência da integridade e da coerência no novo Código


Uma mudança que me parece paradigmática e que foi viabilizada devido à
sugestão minha e abraçada por outros colegas de academia e pela Relatoria do
projeto na Câmara é a exigência da coerência e integridade. Assim, o art. 926 do
NCPC passará a dispor que: “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e
mantê-la estável, íntegra e coerente” [grifei].
A atenção que foi dispensada pelo atento relator na Câmara, deputado Paulo
Teixeira, e o apoio inestimável de Fredie Didier e Luiz Henrique Volpe, foram cruciais
para o acatamento dessa minha sugestão de que o NCPC passasse a exigir “coerência
e integridade” da e na jurisprudência. Isto é: em casos semelhantes, deve-se
proporcionar a garantia da isonômica aplicação principiológica. Trata-se da necessária
superação de um modelo estrito de regras, sem cair no pan-principiologismo que
tanto critico. Simples assim... e complexo.
Antes de “minha emenda”, o projeto continha a obrigação de os tribunais
manterem apenas a “estabilidade” da jurisprudência (artigo 882,6 do PLS 166/2010).
Assim, haverá coerência se os mesmos preceitos e princípios que foram aplicados
nas decisões o forem para os casos idênticos; mais do que isso, estará assegurada
a integridade do direito a partir da força normativa da Constituição. A coerência
assegura a igualdade, isto é, que os diversos casos terão a igual consideração por
parte do Poder Judiciário. Isso somente pode ser alcançado através de um holismo
interpretativo, constituído a partir de uma circularidade hermenêutica. Já a integridade
é duplamente composta, conforme Dworkin: um princípio legislativo, que pede aos
legisladores que tentem tornar o conjunto de leis moralmente coerente, e um princípio
jurisdicional, que demanda que a lei, tanto quanto possível, seja vista como coerente
nesse sentido. A integridade exige que os juízes construam seus argumentos de forma
integrada ao conjunto do direito, constituindo uma garantia contra arbitrariedades
interpretativas; coloca efetivos freios, através dessas comunidades de princípios,
às atitudes solipsistas-voluntaristas. A integridade é antitética ao voluntarismo, do
ativismo e da discricionariedade. Água e azeite.
Coerência e integridade não são o mesmo que segurança jurídica. Não
surpreenderão comentários de que a questão já se achava bem dimensionada nos
termos de “segurança jurídica/certeza” (ou justiça). Parecerá assim ao dogmaticismo
ingênuo e raso, com o qual — espero — pretendemos romper. Ignora-se aí, nesse
apego a categorias jurídicas pré-modernas, todo o contexto teórico metafísico
(clássico) em que submergem a discussão doutrinária.

6
“Art. 882. Os tribunais, em princípio, velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência, obser-
vando-se o seguinte: [...]”

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O Novo CPC e o Hermeneutic Turn do Direito brasileiro – Condições e possibilidades

Sigo. Coerência não é simplesmente se ater ao fato de que cada nova decisão
deve seguir o que foi decidido anteriormente. Claro que é mais profunda, porque exige
consistência em cada decisão com a moralidade política (não a comum!) instituidora
do próprio projeto civilizacional (nos seus referenciais jurídicos) em que o julgamento
se dá. A ideia nuclear da coerência e da integridade é a concretização da igualdade,
que, por sua vez, está justificada a partir de uma determinada concepção de dignidade
humana. Entre igualdade e liberdade, devemos ficar com a igualdade. Não posso, por
exemplo, transferir recursos dos outros para fazer a felicidade de um.
A integridade quer dizer: tratar a todos do mesmo modo e fazer da aplicação
do direito um “jogo limpo” (fairness — que também quer dizer tratar todos os casos
equanimemente). Exigir coerência e integridade quer dizer que o aplicador não pode
dar o drible da vaca hermenêutico na causa ou no recurso, do tipo “seguindo minha
consciência, decido de outro modo”. O julgador não pode tirar da manga do colete um
argumento que seja incoerente com aquilo que antes se decidiu. Também o julgador
não pode quebrar a cadeia discursiva “porque quer” (ou porque sim).
Um exemplo parafraseado de Dworkin: suponhamos que por algum tempo
o Judiciário vinha declarando que os membros de diversas profissões (médicos,
engenheiros, dentistas) eram responsáveis por danos causados por negligência, mas
que os advogados eram imunes. Chega ao Judiciário uma nova causa envolvendo,
agora, a responsabilidade civil de causídicos. Por coerência, os advogados deveriam
ficar imunes naquela causa. Afinal, é assim que as cortes vinham decidindo, inclusive
a Corte Suprema. Só que, em face da integridade do direito, a tal imunidade feria a
igualdade. Logo, a coerência deve ser quebrada pela integridade, passando também
os advogados a responderem civilmente. Bingo!
Examinando o dispositivo que exige coerência e integridade, devemos lê-lo em
consonância com o parágrafo 4º do artigo 927, que exige também que os juízes
e tribunais, nos casos de mudança de enunciado de súmula, de jurisprudência
pacificada ou da tese adotada em julgamento de casos repetitivos, observarão a
necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da
segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia. Veja-se: não basta falar
em segurança jurídica, proteger a confiança e falar da isonomia, se as decisões não
obedecerem à coerência e a integridade. Ou seja: sem atentar para a integridade, por
exemplo, a principiologia e a Constituição poderiam ser violadas, mesmo preservando
a isonomia ou a confiança. Uma cadeia sucessiva de erros somente é contida com o
apelo à integridade. Por isso, a leitura terá que ser feita em conjunto.
Portanto, sob esta chave de leitura, o novo regime de precedentes aparece
vocacionado a superar a padronização insensível, que há tempos vinha orientando
um autoritário modelo de “gestão judicial”. Para além do explicitado pelo legislador,
o art. 926 descortina um horizonte democrático para todo o resto do Código, por

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exemplo: potencializando o art. 10 em suas “garantias de influência e não surpresa”7


e estabelecendo um controle público do perigoso poder cautelar do juiz.
A coerência e a integridade são, assim, os vetores principiológicos pelos quais
todo o sistema jurídico deve ser lido. Em outras palavras, em qualquer decisão judicial
a fundamentação — incluindo as medidas cautelares e as tutelas antecipadas — deve
ser respeitada a coerência e a integridade do Direito produzido democraticamente sob
a égide da Constituição. Da decisão de primeiro grau à mais alta corte do país. Se
os tribunais devem manter a jurisprudência estável, íntegra e coerente, logicamente
os juízes de primeiro grau devem julgar segundo esses mesmos critérios, a partir da
“chave de leitura” estabelecida no parágrafo 4º do art. 927, que sequencia o art.
926, holding hermenêutico do capítulo e de todo o NCPC.
Então, de um modo mais simples, o que quer dizer “coerência e integridade”?
Vamos lá. Da mesma forma em que no nosso cotidiano não podemos sair por aí
trocando o nome das coisas e fazendo o que queremos, também no direito não
podemos trocar o nome dos institutos e atribuir sentidos às coisas segundo nossos
sentimentos pessoais. Assim como o mundo não nos pertence e nele nos situamos
a partir de uma intersubjetividade, também no direito a linguagem não é privada. Não
é nossa. Não dizemos, em uma discussão “seja coerente e assuma o que você disse
ontem?” Mas não basta ser coerente com o que se disse ontem, se o que você disse
ontem estava equivocado. A coerência, assim, deve ceder à integridade.
Fazendo uma alegoria: você pode mentir e ser coerente em (e com as) suas
mentiras. Como se dá um basta nessa “mentirança”? Mostrando a verdade. A
verdade quebra a mentira. Ou seja, a integridade serve para quebrar uma cadeia
falsa e equivocada acerca da interpretação de uma lei. Onde se lê “verdade”, leia-se
a Constituição em seu todo principiológico.
Decisão íntegra e coerente quer dizer respeito ao direito fundamental do
cidadão frente ao Poder Público de não ser surpreendido pelo entendimento pessoal
do julgador, um direito fundamental a uma resposta adequada à Constituição, que
é que, ao fim e ao cabo, sustenta a integridade, como defendo no meu Verdade
e Consenso. Na feliz construção principiológica de Guilherme Valle Brum, sempre
que uma determinada decisão for proferida em sentido favorável ou contrário a
determinado indivíduo, ela deverá necessariamente ser proferida da mesma maneira
para os outros indivíduos que se encontrarem na mesma situação.8
Decidir com coerência e integridade é um dever e não uma opção ou escolha: o
direito não aconselha meramente os juízes e outras autoridades sobre as decisões

7
NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá, 2009.
8
Cf. BRUM, Guilherme Valle. Uma teoria para o controle judicial de políticas públicas. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2014. p. 124-150. Outro livro recomendado é de Rafael Tomás de Oliveira, Decisão judicial e conceito
de princípio. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2008.

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O Novo CPC e o Hermeneutic Turn do Direito brasileiro – Condições e possibilidades

que devem (ought to) tomar; determina que eles têm um dever (have a duty to) de
reconhecer e fazer vigorar certos padrões.9
Lido em sua melhor luz, o NCPC abre as portas para que se adote, finalmente,
uma teoria da decisão judicial efetivamente democrática. Penso, como venho deixando
claro em alguns textos especializados, que o problema da democracia, no processo,
deve ser equacionado de dois modos: primeiro, por meio de um procedimento em que
se garanta, via contraditório, uma decisão participada (na linha daquilo que Marcelo
Cattoni e Dierle Nunes, para citar apenas estes, sugerem); segundo, através dos
fundamentos que compõem a decisão jurídica (e aqui é que aparece, de forma mais
nítida, o dever judicial de manter a coerência e a integridade de princípios). Levadas
essas exigências mais a fundo é possível concordar com a tese de Francisco Motta,
de que a interpretação construtiva da Constituição leva à tese de que uma decisão
jurídica e democraticamente correta deve ter a sua legitimidade confirmada por uma
dupla dimensão da resposta correta: procedimento constitucionalmente adequado e
a interpretação dirigida à integridade.10
Quais as vantagens de se manter íntegra a jurisprudência? Simples: Integridade
quer dizer o entrelaçamento com a legalidade e a constitucionalidade. O Poder
Público deve ter uma só voz. Quer dizer: a integridade está ligada à questão da
legitimidade da coerção oficial.11 Compreenderam? É disso que trata, afinal, a
“emenda streckiana-dworkiniana” do NCPC: de trazer o problema da democracia
para o coração do Direito. Essa é, digamos assim — e se me permitem dizer — a
“minha interpretação autêntica da emenda”.
Quero ser mais claro ainda: são justamente as dimensões de ajuste e valor
(fit e value), componentes integridade (uma virtude política, para Dworkin), que
fornecem o material necessário para que se considerem, da forma correta, os
argumentos dos sujeitos processuais (reconhecidos enquanto membros de uma
comunidade política genuína).
Trazer a integridade para o âmago do processo não é, portanto, fazer uma
perfumaria jurídica, ou criar um cosmético destinado a cair em concursos públicos ou
a impulsionar a venda de novos livros. É, isto sim:
- Levar a sério o processo e os direitos de seus participantes;
- É uma mudança de postura, ou de atitude interpretativa com relação ao
processo e as disposições que lhe dizem respeito;
- É enxergar nos contraditores não meros opositores ou adversários, mas sim
membros de uma comunidade política genuína, que são governadas por princípios

9
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2011. p. 78.
10
Cf. Motta, Francisco. Ronald Dworkin e a decisão jurídica. Tese de doutoramento defendida na Unisinos-RS,
Capes 6, sob minha orientação. Livro no prelo.
11
DWORKIN, Ronald. O império do direito. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 227-32.

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comuns (e não apenas por regras criadas pelo jogo político) e que, justamente por isso,
aceitam a integridade, já que aceitam “a promessa de que o direito será escolhido,
alterado, desenvolvido e interpretado de um modo global, fundado em princípios”.12
É entender que coerência é um conceito intercambiável; um tribunal pode decidir
coerentemente, só que de forma equivocada; portanto, coerência necessariamente
não quer dizer acerto; por isso a integridade é a garantia para a interrupção de uma
coerência equivocada.
Penso que poderemos viver tempos de accountabillity. De prestação de contas.
Depende de nós. E que não transformem o NCPC em instrumento a ser ensinado
por intermédio de funk ou sertanejo universitário. Peço, portanto, ao pessoal do
direito facilitado, mastigado, flambado, tuitado, glaceado, em palavras cruzadas,
simplificado, resumidinho e resumidinho do resumidinho, assim como aos professores
que ensinam cantando: “muita calma nessa hora”. Não façam nada errado: consultem
um advogado! Vamos dar uma chance ao Direito.

5 Crítica à ponderação
O texto do novo CPC tem muitos avanços, expressivos avanços, como venho
dizendo. Mas tem algumas coisas esquisitas. Bizarras. Nesse rol está o parágrafo 2º
do art. 489, vazado nos seguintes termos:

§2. No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e


os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que
autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que
fundamentam a conclusão.

Devo dizer, desde logo, que o direito se constitui em e com uma linguagem que
adquire especificidade própria. Assim, se a lei diz que três pessoas disputarão uma
cadeira no (para o) Senado, nenhum jurista pensará que a disputa se travará sobre o
móvel de quatro pernas. Então a palavra normas não pode ser lida como sinônimo de
leis ou regras. Do mesmo modo, parece evidente que a palavra ponderação também
não pode ser entendida como simplesmente alguém dizendo “ponderando melhor,
vou fazer tal coisa”...
Se estamos entendidos, quando o legislador fala em “ponderação”, podemos
estar certos de que está se referindo a longa tradição representada pela recepção
(embora absolutamente equivocada), em terrae brasilis, da ponderação (Abwägung)
da Teoria da Argumentação proposta por R. Alexy.13 Com certeza, nosso legislador,

12
DWORKIN, idem, ibidem.
13
Posso, aqui, usar até um adversário de Gadamer, E. D. Hirsch Jr (in Validity in Interpretation. New York, Yale
University Press, 1967. p. 70 e ss.), para dizer que um conceito compartilhado pode unir a particularidade do

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O Novo CPC e o Hermeneutic Turn do Direito brasileiro – Condições e possibilidades

ao invocar uma “colisão entre (sic) normas” (sic), reportou-se a isso, o que acarreta
gravíssimas consequências. Já falei muito e já critiquei sobremaneira o ab-uso disso
que por aqui chamamos de “ponderar”. Posso afirmar, com dados empíricos, que seu
(ab)uso — em terras brasileiras — tem sido problemático. Para termos uma ideia,
Fausto de Moraes, Premio Capes 2014, sob minha orientação, mostra, em tese
doutoral, que a nossa Suprema Corte, nas quase duzentas vezes que lançou mão da
ponderação nos últimos dez anos, em nenhum dos casos o fez nos moldes propostos
por seu criador alemão.
Surpreende, portanto, que o novo CPC incorpore algo que não deu certo. Pior:
não satisfeito em falar da ponderação, foi mais longe na tropelia epistêmica: fala
em colisão entre normas (seria um abalroamento hermenêutico?) o que vai trazer
maiores problemas ainda, pela simples razão de que, na linguagem jurídica, regras
e princípios são...normas. E são. Já ninguém duvida disso. Logo, o que vai haver
de “ponderação de regras” não tem limite. Ou seja, sem exageros, penso que o
legislador cometeu um equívoco. Ou as tais “normas-que-entram-em-colisão” seriam
os tais “postulados”, “meta-normas” pelas quais se faz qualquer coisa com o direito?
Isso tem nome: risco de estado de natureza hermenêutico, eis o espectro que ronda,
no mau sentido, o direito brasileiro.
Robert Alexy é um autor sofisticado. Originalmente, desenvolve uma teoria
jurídica orientada ao reconhecimento de elementos axiológicos no texto constitucional
alemão, uma vez que assume a tese professada no Tribunal Constitucional alemão
de que a Constituição seria uma “ordem concreta de valores”. Alexy não diz que a
ponderação que o Tribunal Alemão faz seria irracional, mas que ela seria passível
de racionalidade pela teoria que ele propôs. Assim, pode-se dizer que Alexy é um
defensor da possibilidade de fundamentação racional argumentativa das decisões
que ponderam (embora ele não critique as decisões do Tribunal). Para tanto, elabora o
seu conceito e validade do Direito a partir da conjugação dos elementos da legalidade
conforme o ordenamento jurídico, da eficácia social e, ao final, de uma correção
material que chamará de pretensão de correção.
Assim, o ponto central sobre a relação entre Direito e Moral em Alexy se dá
a partir da incorporação de direitos fundamentais ao sistema jurídico, uma vez que
se trata de enunciados com uma vagueza semântica maior que a das meras regras
jurídicas. Desenvolve, assim, uma teoria dos direitos fundamentais que tem como
uma de suas características centrais a noção de que nos casos em que o litígio
jurídico pode ser resolvido pela mera previsão de uma regra, aplica-se a técnica da
subsunção (casos fáceis); no entanto, devido à abertura semântica das normas

significado com a sociabilidade da interpretação. Com isso, fica difícil dizer que a palavra “ponderação” nada
tem a ver com Alexy.

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Lenio Luiz Streck

de direitos fundamentais, o autor acrescentará a noção de que estes se tratam


de princípios com natureza de mandamentos de otimização, tendo em vista que
podem entrar em colisão e, para resolver o conflito, deve o intérprete recorrer a uma
ponderação (nos casos difíceis).
O sopesamento (ponderação), através do que Alexy chamará de máxima da
proporcionalidade, será o modo que o autor encontrará para resolver os conflitos
jurídicos em que há colisão de princípios [atenção, juristas de Pindorama: é colisão
de princípios e não, genericamente, de normas], sendo um procedimento composto
por três etapas: a adequação, necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito
[atenção juristas pindoramenses: há um procedimento composto por três etapas].
Enquanto as duas primeiras se encarregam de esclarecer as possibilidades fáticas,
a última será responsável pela solução das possibilidades jurídicas do conflito,
recebendo do autor o nome de lei do sopesamento (ou da ponderação) que tem a
seguinte redação: “quanto maior for o grau de não satisfação ou de afetação de um
princípio, tanto maior terá que ser a importância da satisfação do outro”.
Recorrendo ao simbolismo lógico, o autor vai elaborar, então, a sua “fórmula
do peso”, uma equação que representa a máxima da proporcionalidade em sentido
estrito e através dela permitir ao intérprete atribuir graus de intervenção e importância
(leve, moderado ou sério-forte) a cada um dos princípios a fim de estabelecer qual
prevalecerá [atenção, Pindorama: entenderam como é “simples” isso?]. A resposta
obtida pela ponderação resultará numa norma de direito fundamental atribuída14
(zugeordnete Grundrechtnorm) que, fruto da resolução dessa colisão, será uma regra
aplicada subsuntivamente ao caso concreto (e que servirá para resolver também
outros casos). Aliás, levada a ferro e fogo, em Alexy sempre haverá subsunção
(tanto nos casos fáceis, resolvidos por regras, como nos casos difíceis, quando ao
final é uma regra atribuída que será aplicada também por subsunção). Entretanto,
Alexy reconhece que os direitos fundamentais não são passíveis de serem
logicamente refinados a ponto de excluir impasses, admitindo, de fato, que há uma
discricionariedade interpretativa, tanto do Judiciário como do Legislativo, para chegar
ao resultado do impasse.
Refutando a objeção de que a tal ponderação seria um procedimento realizado
de forma precipitada ou que consistiria em uma “fórmula vazia”, Alexy sustenta que
mesmo que a ponderação não estabeleça um parâmetro pelo qual se termine com
a discricionariedade, ela oferece um critério racional ao associar a lei de colisão que
deverá ser conjugado com uma teoria da argumentação jurídica racional que inclui uma
teoria da argumentação prática geral. Essas considerações fazem Alexy assumir uma
teoria do discurso jurídico não apenas analítica, mas também normativa, uma vez que

14
Roberto Ludwig traduz como “norma de direito fundamental associada”.

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O Novo CPC e o Hermeneutic Turn do Direito brasileiro – Condições e possibilidades

não se restringe à análise formal da estrutura lógica das proposições em questão,


marchando em direção da busca por “critérios para a racionalidade do discurso”.
Dessa forma, tendo em vista que a argumentação jurídica depende de argumentos
do discurso prático geral, a sua incerteza não pode nunca ser eliminada por completo,
ainda que ocorra sob “condições que elevam consideravelmente seus resultados”.
Alexy conclui que “a racionalidade da argumentação jurídica, na medida em que
é determinada pela lei, é por isso sempre relativa à racionalidade da legislação”,
encontrando seus limites no âmbito de um ordenamento jurídico que pressupõe como
válido um conceito de Direito vinculado a uma Moral que atua como pretensão de
correção de forma a impedir situações de notória injustiça. Peço desculpas, mas
tinha que explicar isso, para mostrar a complexidade da TAJ, da qual a ponderação é
um dos componentes fulcrais.
Pronto. Entenderam? Pois então, me digam: É disso que trata o novo CPC? Ou é
de uma ponderação tupiniquim de que fala o legislador? Uma ponderação fake? Uma
gambiarra hermenêutica? Uma ponderação “tipo-o-juiz-escolhe-um-dos-princípios-ou-
regras-em-colisão” e...fiat lux, eis-aí-o-resultado-ponderativo? Parece, assim, que a
ponderação do novo CPC está a quilômetros-luz do que propõe Alexy (e também à
mesma distância da ponderação inventada originalmente no início do século XX por
Philipe Heck, na sua Jurisprudência dos Interesses).
Preparemo-nos para o risco da institucionalização do amplo poder discricionário,
que vai na contramão do art. 93, X, da CF e do dispositivo que determina que a
jurisprudência seja estável, coerente e íntegra e daquele que diz que as partes não
podem ser surpreendidas (art. 10), e que só poderá ser corrigido pelo respeito ao
processo constitucional.
Ou seja: de um lado, ganhamos excluindo o livre convencimento do novo CPC;
de outro, poderemos perder, dando poderes ao juiz de dizer: aqui há uma colisão
entre normas (quando todos sabemos que regras e princípios são normas); logo, se
o juiz alegar que “há uma colisão entre normas” (sic), escolhe a regra X ou o princípio
Y. Bingo: e ali estará a decisão. E tudo começará de novo. Teremos perdido 20 anos
de teoria do direito.
Observe-se que, por si só, já é de duvidosa cientificidade a expressão “colisão
de (ou “entre” — sic) normas”. O sopesamento de que fala Alexy nem de longe é o
balancing de que fala Dworkin. Ele e Alexy não tem nada a ver. Logo, há, aqui, um grave
equívoco teórico. Quem disse que a ponderação (seja lá o que o legislador quis dizer com
essa expressão) é necessária? Por exemplo, é possível demonstrar que essa história
de colisão não passa de um álibi retórico para exercer a escolha arbitrária. Posso
demonstrar que onde se diz existir uma “tal” colisão, na verdade o que existe é apenas
um artifício para exercitar uma “livre escolha”. Jusfilósofos como Juan Garcia Amado
ironizam essa “manobra pseudoargumentativa” que é lançar mão da ponderação.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 355-372, abr./jun. 2015 369
Lenio Luiz Streck

Insistindo: dizer que primeiro busca a conclusão e depois vai à procura do


fundamento é confessar que nesta parte (parágrafo 2º do art. 489), o NCPC continua
refém de um paradigma filosófico ultrapassado (desculpem-me insistir nisso, mas
direito é um fenômeno complexo): a filosofia da consciência e/ou a suas vulgatas
voluntaristas. Não se interpreta para compreender, mas, sim, se compreende para
interpretar. Quero dizer, em síntese, que não gostaria que o Brasil fosse motivo de
comentários jocosos no mundo, ao ser o único país que colocou uma tese ou teoria
(pela metade, na verdade, uma vulgata do original) no texto de seu CPC.
O dispositivo é contrário ao interesse público por dez razões:
I - Há lesão à segurança jurídica uma vez que favorece um relativismo
interpretativo — lembremos, aqui, da Katchanga Real — que tenderia a
produzir decisões díspares sobre a mesma matéria, algo que é rechaçado
por outros dispositivos do próprio projeto do novo CPC.
II - Colisão (de — ou entre — normas) não é um conceito despido de intenções
teóricas prévias. É diferente de alguns consensos que já temos, como a
garantia da não surpresa, o respeito à igualdade e a coerência que devem
ter as decisões etc. A ponderação ainda depende do esgotamento de um
debate teórico, circunstância que prejudica sua colocação em um texto de
lei nesses moldes.
III - Portanto, não é aconselhável ao legislador conferir status legislativo a
questões polêmicas como essa (novamente, há risco de lesão à segurança
jurídica). Para termos uma ideia de que “ponderação” é um conceito
absolutamente ambíguo e despido de clareza, consultado o Google — o
amansa-nescio pós-moderno que dá uma boa amostra do que os juristas
estão pensando e escrevendo — lê-se, por exemplo, tudo colocado
entre aspas (quando a pesquisa é mais exata): ponderação tem 593 mil
resultados; princípio da ponderação tem 42.880; regra da ponderação,
11.770; ponderação de valores, 67.700; colisão de normas, 25.000.
Mesmo admitindo que a maioria dos alimentadores do Google não sejam
versados (o Google não discrimina néscios), a-torre-de-babel-aponta-
para-o-que-está-por-vir (e que não será um porvir!). Veja-se: ponderação,
nos termos originais, é uma regra e não um princípio, até porque ela
é o resultado — complexo — de uma colisão de princípios. Pois é. No
Google, ponderação como princípio aparece com quase quatro vezes mais
de indicações. Há: vi um texto no Google que me assustou, indicando a
algaravia em que nos encontramos: uma colisão de princípios pode ser
apresentada como uma colisão de regras e toda colisão de regras como
uma colisão de princípios.

370 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 355-372, abr./jun. 2015
O Novo CPC e o Hermeneutic Turn do Direito brasileiro – Condições e possibilidades

IV - No Brasil, enquanto o NCPC fala em “colisão entre normas” a serem


ponderadas, há inúmeros autores que falam em ponderação de valores,
de interesses, de princípios, de regras, de bens. Afinal, o que é isso — a
ponderação?
V - Não existe ponderação de normas; o termo “norma” é equivocado, porque
engloba regras e princípios;
VI - Se em Alexy não há aplicação direta de princípios, como que o juiz poderá
dizer que, entre dois princípios, escolheu um?
VII - Ainda que se desconsiderasse o debate teórico em torno do conceito de
colisão, a teoria que defende sua possibilidade de aplicá-lo somente para
um tipo de norma (os princípios), a outra espécie normativa - as regras -
tecnicamente, não colidem, porque conflitam. Assim, em caso de conflitos
entre regras, o resultado de sua equalização será uma determinação
definitiva da validade de uma sobre a outra. Já no caso dos princípios,
a prevalência de um sobre o outro em um caso concreto não implica seu
afastamento definitivo para outros casos (seria possível dizer que, nesse
caso, estamos para além da determinação da validade, investigando-se a
legitimidade). Se todas as normas lato sensu puderem colidir, perderemos
o campo de avaliação estrito da validade, algo que, novamente, prejudica
a segurança jurídica.
VIII - O que fazer se não estiver justificada a ponderação? Anular a decisão? Mas,
o que quer dizer “justificar a ponderação”? Existe “justificar a ponderação”?
Veja-se o imbróglio: o CPC diz que o juiz — e, consequentemente, os
tribunais, inclusive o STF — devem fazer uma coisa que ninguém sabe o que
é e se soubessem, seria inviável, porque o enunciado ficaria sem sentido.
IX - Como no original de Alexy a ponderação é para colisão de princípios e isso se
dá apenas nos casos difíceis e como o NCPC diz que a ponderação será feita
sempre que existir colisão de normas (sic), tem-se que, no NCPC, caberá
ponderação mesmo nos casos fáceis, bastando que ele, juiz, entenda haver
a tal “colisão de normas” (ora, façam-me o favor, isso é patético).
X - Como tudo na vida envolve também a política e a teoria da democracia,
estes aspectos também não podem ficar de fora. Há montanhas de
livros e ensaios a criticarem o Judiciário por seu ativismo, especialmente
quando se substitui ao legislador. Outra montanha de livros defende que
a ponderação nada tem a ver com substituição do legislador, e juízes e
tribunais estariam certos ao recorrer à ponderação. Os primeiros tinham
razão: com esse dispositivo do NCPC, os juízes e tribunais podem,
autorizados pela própria lei — o que mais surpreende — substituir-se ao
legislador. Pronto: dilema resolvido, com a democracia, claro, fora da festa.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 355-372, abr./jun. 2015 371
Lenio Luiz Streck

Se ao fim e ao cabo disseram que a tal “ponderação do NCPC” não é aquilo


que se vem falando do que seja a “ponderação”, fica a pergunta: então por que não
substituem a palavra ponderação por “escolha”, “discricionarismo”, “consciência
do julgador”...ou, simplesmente, coloquem qualquer palavra no lugar, por exemplo,
“canglingon”. Não vai mudar nada mesmo. Do jeito que está, é a porta para a
arbitrariedade interpretativa. Meia volta, volver!

6 Considerações finais
Foi um passo importante para a teoria do direito a expulsão do livre convencimento
do Código de Processo Civil. Foi um longo trabalho de convencimento que tive que
fazer junto ao Relator do projeto na Câmara, Deputado Paulo Teixeira. A emenda
supressiva da livre apreciação da prova tem um conteúdo histórico-paradigmático.
Ao lado da retirada do livre convencimento, consegui também convencer o Relator
a incluir a obrigação de a jurisprudência obedecer aos princípios da coerência e da
integridade, problemática já sedimentada de há muito por autores do porte de Ronald
Dworkin e Neil MacCormick.
Por tais razões, deve haver uma chave de leitura do novo CPC, constituída pela
conjunção dos arts. 10, 926 e a consciência das consequências da retirada do poder
de livre apreciação da prova.
Para tanto, a doutrina deve assumir o seu papel fulcral: doutrinar. Isso
significa dizer que a doutrina deve criar aquilo que denomino Verdade e Consenso de
“constrangimentos epistemológicos”. Uma democracia necessita de controles sobre
as Instituições. Elas devem ser livres, mas não autóctones e tampouco autoritárias. A
construção dos sentidos das leis — e do novo CPC — implica esse ressuscitamento
da doutrina. O direito não é — e não pode ser — aquilo que os tribunais dizem que
é. Ele é um produto intersubjetivo. E o primeiro passo foi dado com a inserção dessa
relação sujeito-sujeito no novo CPC, superando o velho esquema sujeito-objeto.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

STRECK, Lenio Luiz. O Novo CPC e o Hermeneutic Turn do Direito brasileiro –


Condições e possibilidades. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro,
Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 355-372, abr./jun. 2015.

372 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 355-372, abr./jun. 2015
La argumentación jurídica como
presupuesto de legitimidad de
la decisión jurisdiccional bajo la
perspectiva del garantismo procesal*

Liliana Damaris Pabón Giraldo


Abogada, Magíster en Derecho Procesal de la Universidad de Medellín. Magíster en Derecho
Procesal Garantista de la Universidad Nacional de Rosario (Argentina). Doctora en derecho
de la Universidad Nacional de Rosario (Argentina). Docente Investigadora de la Maestría
en Derecho Procesal de la Universidad de Medellín — Colombia, Líder del Grupo de
Investigaciones en Derecho Procesal. Jefe de la Maestría en Derecho procesal extensiones
Universidad de Medellín. Correo electrónico: <ldpabon@udem.edu.co>.

La motivación de la sentencia es el canal de legitimación


de la decisión1

Resumen: Cuando se alude a la necesidad de una argumentación jurídica en la decisión jurisdiccional, lo


que se pretende es una correcta manifestación de las razones de la decisión, de tal forma que se garanticen
los principios procesales a las partes dentro del proceso; es tratar de garantizar un perfecto contradictorio
en un proceso dialógico, es una garantía para los individuos, destinada a generar un convencimiento
no sólo frente a quien se dirige, sino frente a la sociedad en general; lo que permite un mayor control
de la actividad jurisdiccional por parte de los diversos órganos de control de la decisión, trátese de la
opinión general, las partes, la academia, la comunidad científica y los superiores jerárquicos en grado de
conocimiento de quien emite la decisión. Circunstancia que necesariamente conduce a afirmar que sólo
con la argumentación jurídica de la decisión se establecen claramente las razones de la decisión y por ende
se elimina la arbitrariedad, siempre que se haga con parámetros racionales, para que finalmente conforme
a ese criterio de racionalidad se torne aceptable, en tanto lo racional es lo que lleva al acuerdo y es éste
el que finalmente da legitimidad a la decisión.
Palabras clave: Argumentación jurídica. Legitimidad. Legitimación. Decisión jurisdiccional. Acuerdo.
Consenso. Racionalidad.

Sumario: Introducción – 1 La argumentación jurídica como presupuesto de la decisión – 2 La legitimidad de


la decisión jurisdiccional – 3 La argumentación jurídica como legitimidad de la decisión jurisdiccional en el
derecho procesal contemporáneo – Conclusiones – Referencias

*
Este artículo hace parte del proyecto de Investigación institucional denominado: "Implicaciones de la teoría
de la argumentación jurídica para un debido proceso probatorio", financiado por la Universidad de Medellín y
desarrollado por la autora del mismo en calidad de investigadora.
1
DE ASIS ROIG, Rafael. Jueces y normas. La decisión judicial desde el ordenamiento. Editorial Marcial Pons,
ediciones jurídicas S.A. Madrid, 1995. Pág. 110.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 373-383, abr./jun. 2015 373
Liliana Damaris Pabón Giraldo

Introducción
Las diversas decisiones que profieren los funcionarios jurisdiccionales en
Latinoamérica en ocasiones no son fundamentadas, o lo son de forma insuficiente
o de forma contradictoria, lo cual ha llevado a que las mismas gocen de falta de
credibilidad, o poca aceptabilidad entre los sujetos procesales frente a las cuales se
profirió y frente a la comunidad en general; lo que conduce a afirmar que la función
jurisdiccional y su decisión se encuentran en crisis. Es por ello que se hace necesaria
la aplicación de la argumentación jurídica, como aquella que permite un mayor control
de la decisión jurisdiccional. Pues es precisamente en la decisión jurisdiccional
donde la argumentación jurídica cumplirá su papel, como garantía de justicia, como
expresión de la voluntad general, como actividad dialéctica, que se da producto de la
interacción de los sujetos procesales, para que permee la actividad jurisdiccional y la
dote de racionalidad.
De ahí que la argumentación jurídica en todo tipo de procesos y actualmente
con la entrada en vigencia de los sistemas orales en Brasil y en América Latina,2
específicamente en Colombia,3 debe ser una herramienta útil de razonamiento judicial,
que erradique la arbitrariedad del órgano judicial, que sea una garantía efectiva e
imparcial de aplicación del derecho y de las demás fuentes, que facilite el control
de la actividad judicial por parte de los ciudadanos y de los órganos en general, que
sea un sistema de mejoramiento y de perfeccionamiento de las providencias de los
funcionarios jurisdiccionales, y que sea presupuesto indispensable para garantizar
una serie de derechos, como el debido proceso, el derecho de defensa, el derecho de
contradicción y los demás que lo componen, en vista de que a través de ésta, se dan
las razones y los elementos principales para controvertir y defenderse.4
Sólo de esa manera se llega a una decisión en donde se imponen cargas argu­
mentativas a los funcionarios jurisdiccionales, de tal forma que exista transparencia en sus
decisiones, para que éstas sean coherentes y tengan consistencia, en aras de no caer en
el ilusionismo, lograr aceptabilidad y de esa forma lograr que se legitime la decisión.

1 La argumentación jurídica como presupuesto de la decisión


Presupuesto equivale a requisito de algo. Según el diccionario de la real academia
española, requisito es una “Circunstancia o condición necesaria para algo”.5

2
Un sistema oral es aquél sistema basado en el lenguaje oral, verbal, hablado, no en el lenguaje escrito.
3
En Colombia con la Ley 906 de 2004 se modificó el código de procedimiento penal, tendiente a un sistema
acusatorio, cuya característica principal es la oralidad, lo mismo que La ley 1149 de 2007, código de proce-
dimiento laboral, Ley 1437 de 2011 en materia de lo contencioso administrativo y mediante la Ley 1395 de
2010 y el código general del proceso Ley 1564 de 2012, se proyecta la oralidad en materia civil.
4
RAMÍREZ GÓMEZ, José Fernando. Principios Constitucionales del Derecho Procesal Colombiano; investigación
en torno a la Constitución Política de 1991. ed. 1ª. Medellín, Señal Editora. 1999. Pág. 197.
5
Diccionario de la real academia de la lengua española. Vigésima segunda edición. En: <http://www.rae.es/
rae.html>. Consultado el 7 de septiembre de 2009 a las 4.51 p.m.

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La argumentación jurídica como presupuesto de legitimidad de la decisión jurisdiccional bajo la...

En todo proceso existen presupuestos del proceso, tales como los presupuestos
procesales, los materiales y los de bilateralidad de la audiencia, denominados por
Beatriz Quintero como “condiciones para la constitución de la relación jurídica procesal,
como requisitos a los que debe sujetarse su nacimiento, condiciones de existencia
del proceso”;6 requisitos que se exigen para adelantarlo de forma válida y finalmente
proferir una decisión, como manifestación jurídica o voluntad plasmada para dar
solución a una causa de fondo, lo que supone necesariamente el agotamiento de un
proceso interno.
En esa medida, las decisiones jurisdiccionales que el juez adopte dentro del
proceso también tienen requisitos, de tal forma que el proceso se desarrolle como
método de debate dialéctico entre los sujetos procesales que en él participan, y así
propenda por garantizar una serie de principios procesales, como son el derecho de
defensa, el derecho de contradicción o bilateralidad de la audiencia, el derecho de
publicidad, el derecho de impugnación, entre otros, previstos en el debido proceso.
Precisamente, el mecanismo principal por medio del cual se logra la efectiva aplicación
de los principios procesales relacionados, es a través de la motivación de las decisiones.
Es importante advertir que se ha tratado indistintamente la motivación y la
argumentación de la decisión y no obstante ambos buscar fundamentarla, es necesario
aclarar que aunque son términos diversos, no se excluyen, más si se complementan.
En la actualidad, en el derecho procesal contemporáneo debe hacerse referencia
a la necesidad de argumentar las decisiones, más que de dar una motivación de ellas;
consistente no sólo en expresar motivos basados en la persuasión, en aspectos
subjetivos, emotivos o en la intuición del funcionario jurisdiccional, sino en expresar
razones, es decir, dar motivos de la decisión pero bajo criterios racionales, de tal
forma que permitan dar una respuesta o solución más convincente a la mayoría de
personas de lo debatido y decidido, en tanto la racionalidad es el parámetro de la
argumentación jurídica.
Al respecto expresa Habermas,7 “Sólo se puede considerar que un enunciado
es un enunciado verdadero racionalmente fundamentado si todos los interlocutores
potenciales pueden llegar a un acuerdo sobre ese enunciado en una discusión que
cumpla las condiciones de la situación del discurso ideal”, que para él consiste en el
consenso fundamentado.
De lo anteriormente expuesto, se puede colegir, que la argumentación jurídica
consiste en argumentar, esto es, en dar razones con claridad, coherencia, precisión y
pertinencia de las ideas por medio de las cuales se pretende solucionar un problema.
Argumentar es dar razones en la decisión y de la decisión, la primera constituye las

6
QUINTERO, Beatriz y PRIETO, Eugenio. Teoría general del derecho procesal. Cuarta edición. Editorial TEMIS S.A.
Bogotá – Colombia. 2008. Pág. 399.
7
FETERIS EVELINE T. Fundamentos de la argumentación jurídica. Revisión de las teorías sobre la justificación de
las decisiones judiciales. Traducción Alberto Supelano. Universidad Externado de Colombia. Bogotá Colombia.
Octubre de 2007. Pág. 107.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 373-383, abr./jun. 2015 375
Liliana Damaris Pabón Giraldo

razones internas, esto es, la corrección lógica de los argumentos; en tanto la segunda
son las razones externas, encargadas de la fundamentación de las premisas. Sólo
así, cuando se haga uso de una justificación interna y de una justificación externa, tal
como la clasifica Wroblewski, es cuando se puede afirmar que en la decisión se aplicó
una argumentación jurídica.
Esto, por cuanto la decisión jurisdiccional no es un asunto interno del proceso,
lo que allí se decide trasciende diversos escenarios como acto de comunicación
por excelencia dentro del proceso jurisdiccional, tiene diversos destinatarios y esas
decisiones deben ir impresas de determinados requisitos y cualidades con la finalidad
de que tengan legitimidad y eficacia; y uno de esos requisitos es la argumentación
jurídica, en tanto constituye una condición necesaria en el proceso, que permitirá un
control de la decisión y generará en la sociedad aceptabilidad de la decisión.

2 La legitimidad de la decisión jurisdiccional


2.1 Aproximación al concepto de legitimidad
Cuando se hace referencia al concepto de legitimidad, generalmente se alude
a la legitimidad del poder, del sistema político, de los gobernantes, a la legitimidad
de quien hace uso de la fuerza, pero pocas veces se piensa si la decisión que se
expide en un proceso tiene legitimidad y específicamente la decisión jurisdiccional. Es
por ello que es necesario hacer primero una aproximación a diversas concepciones
acerca del término legitimidad:

Una primera manifestación de la legitimidad, se evidencia en las doctrinas


contractualistas medievales, en donde entre el príncipe y la comunidad
se construía una argumentación que explicara el poder como un acuerdo
entre ellos.8

Jacqueline Jongitud Zamora se refiere a la legitimidad diferenciándola de la


legalidad y de la legitimación, ubicando la legalidad en el derecho formalmente válido,
a la legitimación como un espacio de reconocimiento, por contar con la aceptación y
la adhesión de los destinatarios de las normas y la legitimidad la ubica en el espacio
del derecho válido, con un contenido necesariamente axiológico y que compete a la
filosofía jurídica.9
Hobbes se refiere a la legitimidad como consentimiento, manifestando que los
hombres para salir del estado de guerra y encontrar la seguridad y la paz se someten

8
GARCÍA, Eloy. “El último triunfo de la libertad”: la democracia constitucional ante su momento maquiavélico.
1ra. Edición. Temas de derecho público Nro. 58. Universidad externado de Colombia. Instituto de estudios
constitucionales Carlos Restrepo Piedrahita. Bogotá-Colombia. Junio 2000. Pág. 34.
9
<http://www.bibliojuridica.org/libros/4/1650/21.pdf>. JONGITUD ZAMORA, Jacqueline. Legalidad, legitimi-
dad y legitimación. Implicaciones éticas. Consultado el 1 de septiembre de 2009 a las 11.41 p.m. Pág. 1.

376 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 373-383, abr./jun. 2015
La argumentación jurídica como presupuesto de legitimidad de la decisión jurisdiccional bajo la...

a la voluntad de otro hombre; y es precisamente ese consentimiento o consenso lo


que legitima el poder del monarca. Por su parte Locke considera que la legitimidad
del poder está dada por el consenso de los miembros de la comunidad a someterse
a ese poder; es su propio consentimiento el que legitima y justifica el poder. Para
Rosseau la legitimidad se encuentra en el consenso de cada particular de someterse
a esa voluntad general.
De otro lado, Weber entiende la legitimidad como la justificación pero por estar
investido de mando, razón por la cual considera que el poder debe estar legitimado.
Para Ferrero la legitimidad “no es otra cosa que la obediencia, el consentimiento
libremente expresado— de manera consciente o inconsciente —por los gobernados
respecto de los gobernantes”.10
Según Eloy García11 “la legitimidad se caracteriza, por tanto, como una forma de
obediencia construida en el consentimiento, en la aceptación pacífica del gobernante
por el gobernado”.12
De lo expuesto, se observa que la legitimidad tiene que ver más con la ideología
de una sociedad, en la forma que se ejerce el poder, que necesariamente implica
reconocimiento, consenso y aceptación; pero el consentimiento individualmente
considerado de aceptar ese poder sin resistencia alguna o con la más mínima resistencia.
Otro elemento a este concepto lo da Juan Antonio García Amado13, cuando
afirma que la legitimidad tiene relación con la idea de obediencia política y cuando
esa obediencia deriva de una justificación determinada. De donde deduce que será
legítimo aquello en donde exista una “expresión de la voluntad libre de los ciudadanos,
voluntad que se forma de acuerdo con unas reglas procedimentales que aseguran la
ausencia de distorsión, manipulación o coacción”,14 y lo que las partes obedecen
son fruto de un consenso. Estableciendo que para ello se requiere de un diálogo, de
una argumentación intersubjetiva, de un intercambio de razones entre los sujetos,
del consenso o acuerdo general entre los interlocutores; y para este autor, solo será
racional el consenso que “se alcance en el seno de una argumentación regida por
el respeto de cierto procedimiento en el que determinadas reglas formales, que son
reglas de la argumentación racional garantizan la igual libertad y los iguales derechos
argumentativos de todos los interlocutores reales o potenciales”.15

10
GARCÍA, Eloy. “El último triunfo de la libertad”: la democracia constitucional ante su momento maquiavélico.
Op. cit. Pág. 21.
11
Ibíd. Pág. 36.
12
Ibíd. Pág. 36.
13
GARCÍA AMADO, Juan Antonio. Legitimidad y derechos humanos. En: R. Soriano, C. Alarcón, J. Mora (Coords.),
Diccionario crítico de los derechos humanos, La Rábida, Universidad Internacional de Andalucía. Sede
Iberoamericana, 2000. Disponible en: <http://www.geocities.com/jagamado/currypub.html#ponencias>.
Consultado el día 2 de septiembre de 2009 a las 4.31 p.m. Pág. 1.
14
Ibíd. Pág. 6.
15
Ibíd. Pág. 7.

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Liliana Damaris Pabón Giraldo

La legitimidad en ese sentido, trátese de ideología social o política o de legitimidad


en la decisión, necesariamente se relaciona con las razones que conducen a que una
decisión sea obedecida.16 La legitimación se pregunta por los motivos por los cuales
una sociedad acepta un hecho y supone una aceptación real; se ha afirmado que
“la legitimación de un orden jurídico vendría dada por la adhesión y respaldo de los
destinatarios de las normas a los contenidos y procedimientos en ella inmersos”.17
De esta manera, la legitimidad implica de por sí un consenso, una aceptabilidad
en torno a la decisión, lo que envuelve además su validez, su justicia y su eficacia
(La decisión será válida si se emite por quien es competente, justa si es racional y
eficaz si cumple el fin o produce el efecto para el cual fue concebida o creada). La
legitimidad implica aceptabilidad universal, y sólo se tendrá aceptación cuando se
tenga una justificación.

2.2 La aceptación de la decisión jurisdiccional


Cuando se habla de decisión jurisdiccional, es porque previamente existió un
proceso, una forma heterocompositiva de resolver los conflictos, que conlleva en su
desarrollo múltiples decisiones jurisdiccionales que inciden en la decisión final; no
son las decisiones para que el proceso avance, sino las decisiones que el juez toma
y lo van guiando en su decisión final, que es el acto jurisdiccional por excelencia.
A través de las decisiones se resuelven diversos aspectos que conducen a
resolver un conflicto intersubjetivo de intereses sometido a conocimiento del funcionario
jurisdiccional, esa decisión debe ser proferida por quien tiene función jurisdiccional,
esto es, porque quien tiene la función soberana del Estado para ejercer jurisdicción,
para administrar justicia y por tanto para decidir sobre el derecho debatido, puesto que
él es quien tiene el deber poder de decidir el derecho.
Pero la decisión, además de ser proferida por quien tenga jurisdicción y competencia,
quien hace uso de una dialéctica y una discusión, requiere de ciertos presupuestos
para que sea considerada legítima, justa y acorde a derecho. Esa decisión debe ser
racional, esto es, que en la misma se expresen los motivos y razones que llevaron al
juez a adoptar la decisión planteada, y esas razones se darán cuando se hace uso de la
argumentación jurídica, pues es esta la que verdaderamente le da legitimidad.
En ese orden de ideas, la sentencia que profiera un juez debe ser:
- legítima, es decir, estar basada en pruebas válidas y sin omisión de las que
son esenciales para adoptar una decisión; es además legítima según Adolfo

16
<http://www.fride.org/publicacion/457/comentario>. MOLINERO ALVAREZ, Natalia. Legalidad y legitimidad en
el uso de la fuerza. Universidad de Aberdeen. FRIDE. Comentario, julio de 2008. Consultado 1 septiembre de
2009 a las 2.35 p.m. Pág. 9.
17
<http://www.bibliojuridica.org/libros/4/1650/21.pdf>. JONGITUD ZAMORA, Jacqueline. Legalidad, legitimi-
dad y legitimación. Implicaciones éticas. Op. cit. Pág. 9.

378 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 373-383, abr./jun. 2015
La argumentación jurídica como presupuesto de legitimidad de la decisión jurisdiccional bajo la...

Alvarado Velloso, porque “la realiza el Estado conforme con un orden jurídico
esencialmente justo y como consecuencia de un proceso”;18
- lógica, esto es, adecuada a las reglas del pensamiento lógico y la experiencia
común;
- motivada, es decir, tener una derivación razonada del derecho vigente con
relación a la pretensión esgrimida y en función de los hechos probados en el
proceso; además debe ser congruente, o sea, versar exclusivamente sobre
lo pretendido y resistido por las partes.
Lo que conduce a afirmar, que en el campo del derecho y específicamente del
derecho procesal, se debe adoptar en la actualidad una decisión racional en pro
de la legitimidad. Y solo se verá legitimada tal decisión, cuando exista un grado de
aceptabilidad entre sus destinatarios. Legitimidad que descansa en un consenso
real.19 Y es precisamente esta aceptación la que se mide con credibilidad y confianza;
tal como lo establece Ferrero citado por Eloy García,20 cuando afirma que un pueblo
necesita más que fuerza para mantenerse unido y ese algo es la legitimidad, ya que
ésta es una forma de aceptación, confianza y obediencia, por parte del pueblo hacia
el gobierno. Esa aceptación debe serlo por la mayoría, y es precisamente por ello que
la legitimidad engloba los valores de un Estado constitucional democrático, en tanto
se buscan decisiones justas para todos, y no decisiones buenas para algunos, figura
que sólo se consigue a través del Estado Democrático de Derecho.

3 La argumentación jurídica como legitimidad de


la decisión jurisdiccional en el derecho procesal
contemporáneo
La decisión jurisdiccional de fondo ha de ser un resultado de un proceso
garantista, que respete los derechos fundamentales y que tenga por fundamento
el derecho. Ello porque el proceso es un sistema de garantías de los derechos de
los ciudadanos, es el medio jurídico para que las partes debatan en condición de
igualdad y contradicción sus conflictos, de tal forma que se abandone el proceso que
tenga como eje principal el autoritarismo y se erija como una garantía de los sujetos
procesales en él intervinientes. El proceso debe convertirse en un método de debate
dialogal, en donde se erradique la fuerza, se asegure la paz y la convivencia;21 por lo

18
ALVARADO VELLOSO, Adolfo. Garantismo procesal contra actuación judicial de oficio. Valencia. Tirant lo blanch.
2005. Pág. 449.
19
<http://www.bibliojuridica.org/libros/4/1650/21.pdf>. JONGITUD ZAMORA, Jacqueline. Legalidad, legitimi-
dad y legitimación. Implicaciones éticas. Op. cit.. Pág. 10.
20
<http://www.usergioarboleda.edu.co/derecho/derecho_constitucional/resena_eloy_garcia.htm>. GARCÍA, Eloy.
“El último triunfo de la libertad”: la democracia constitucional ante su momento maquiavélico. Consultado el 2
de septiembre de 2009 a las 4.37 p.m.
21
ALVARADO VELLOSO, Adolfo. Garantismo procesal contra actuación judicial de oficio. Op. cit. Pág. 47.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 373-383, abr./jun. 2015 379
Liliana Damaris Pabón Giraldo

tanto hoy en América Latina, debe propenderse por un proceso que sirva de tutela de
los derechos y garantías constitucionales y controle además el poder; solo de esta
forma la función jurisdiccional aunada a la argumentación jurídica, será el motor que
otorgue confianza a la comunidad.
Al respecto cabe decir que, la Teoría de la Argumentación jurídica es una
herramienta racional, que juega un papel fundamental en la decisión, buscando que la
misma se ajuste a un modelo procesal garantista, que se convierta en sustento de los
procesos de elaboración lógica y dialéctica de las decisiones. En el campo jurídico, es
una herramienta que ayudará a que los jueces tomen en cuenta su discrecionalidad y
límites en sus decisiones judiciales, pero sin caer en la arbitrariedad; es dar un mayor
sentido argumentativo y valorativo a los hechos y medios de prueba existentes en un
proceso para proferir con base a estos una decisión racional. Por eso, la decisión
jurisdiccional debe ser producto de un debido proceso que le imprima un sello de
racionalidad, pero además debe ser formalmente correcta.22
La argumentación jurídica como medio de comunicación entre los sujetos
procesales, permite llegar al consenso, a la aceptabilidad, a la adhesión y al
reconocimiento de la decisión proferida por el funcionario jurisdiccional. En palabras
de Michelle Taruffo:

debido al imperativo de motivación que deben cumplir los jueces, es


la ciudadanía en general la que en la actualidad puede “controlar” la
actuación democrática de los órganos administradores de justicia;
en consecuencia, la motivación ahora no sólo cumple aquella doble
vertiente de legalidad, por un lado, material de fondo y, por otro, formal
de motivación, sino que también se pretende que los operadores jurídicos
tomen en cuenta, al momento de dictar sus decisiones, factores “extra-
procesales” como el de la publicidad de su decisión y, en consecuencia,
justifiquen sus decisiones para las partes en conflicto, para los demás
tribunales, y para un auditorio mayor que es susceptible de manifestarse
a favor (o en contra) de su decisión; de ahí en la insistencia de la
motivación, pero aún más, en las razones que justifican una decisión.23

Y sólo cuando se dan razones en la decisión, se permite que cada una de


las partes del proceso, así como la comunidad en general conozca el sentido del
fallo, los fundamentos y la justificación de la decisión, de tal forma que garantice la

22
Artículo 1 Constitución Política de Colombia de 1991: “Colombia es un estado social de derecho organizado
en forma de República unitaria, descentralizada, con autonomía de sus entidades territoriales, democrática,
participativa y pluralista, fundada en el respeto de la dignidad humana, en el trabajo y la solidaridad de las
personas que la integran y en la prevalencia del interés general”.
23
VÁSQUEZ SÁNCHEZ, Omar. De lo que la teoría de la argumentación jurídica puede hacer por la práctica de la
argumentación jurídica. En: Revista Telemática de Filosofía del Derecho, Nro. 12, 2009, pp. 99-134. <http://
www.filosofiayderecho.com/rtfd/numero12/04-12.pdf>. Consultado el 12 de mayo de 2009 a las 1.38 p.m.
Pág. 106.

380 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 373-383, abr./jun. 2015
La argumentación jurídica como presupuesto de legitimidad de la decisión jurisdiccional bajo la...

publicidad en el proceso, la contradicción, la impugnación y finalmente permita una


mayor aceptabilidad de la misma.
De donde se concluye que la argumentación jurídica es un camino racional
por el cual debe pasar el funcionario jurisdiccional para imprimirle racionalidad a su
decisión, en donde claramente justifique los hechos probados para que de esa forma
se considere fundado su fallo. Y sólo allí, tal como lo afirma Rodrigo Uprimy es cuando
“... la población tiene también oportunidad de entender mejor cuáles son las razones
éticas, políticas y económicas que justifican determinadas decisiones públicas, lo
cual estimula la democracia, pues incrementa el control ciudadano a las autoridades
y alimenta el debate y la deliberación política”.24
Motivar exige entonces aportar razones sólidas y convincentes que descarten
cualquier factor de arbitrariedad del funcionario jurisdiccional.25 Debe éste tomar en
cuenta que se siente observado por un auditorio y ello lo debe inducir necesariamente
a poner más cuidado en la decisión que profiera.26

Conclusiones
La legitimidad es la adecuación de un ordenamiento jurídico a valores y principios
y la legitimación, es entendida como consenso, aceptación, adhesión y reconocimiento.
La argumentación jurídica más que una forma de persuasión, es una forma de
convencer, para lograr adhesión de un auditorio, basándose en criterios racionales.
Cuando la decisión jurisdiccional se encuentra argumentada, se logrará
fácilmente su aceptación, y es precisamente este aspecto el que le da legitimidad
como expresión de la racionalidad; ya que no habrá legitimidad si hay tiranía; y solo
si no hay arbitrariedad, entonces habrá legitimidad.

La justificación de la decisión cuando ésta no es la única que puede


adoptarse, condicionará el sentido de su apelación, pero también servirá
para legitimar su significado frente a los ciudadanos... Ciertamente basta
con que la decisión se ajuste a la legalidad.27

Cuando se dan razones de la decisión, la discrecionalidad es más legítima, en


tanto se hace más pública y más responsable, de tal forma que es precisamente es

24
UPRIMY YEPES, Rodrigo. Legitimidad y conveniencia del control constitucional de la economía. cablemodem.
fibertel.com.ar/seminario/uprimny.doc. Consultado el 2 de septiembre a las 4.47 p.m. Pág. 10.
25
GASCÓN ABELLAN, Marina. Los hechos en el derecho. Bases argumentales de la prueba, editorial Marcial
Pons, Ediciones jurídicas y sociales S.A. Madrid – Barcelona. 1999. Pág. 225.
26
GHIRARDI A., Olsen. FERNANDEZ E., Raúl. ADRUET S, Armando. GHIRARDI, Juan C. La naturaleza del razona-
miento judicial (El razonamiento débil). Ediciones Alveroni. Córdoba – República Argentina. 1993. Pág. 42.
27
DE ASIS ROIG, Rafael. Jueces y normas. La decisión judicial desde el ordenamiento. Op. cit. Pág. 105.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 373-383, abr./jun. 2015 381
Liliana Damaris Pabón Giraldo

circunstancia la que permite la deliberación y educación ciudadana, porque “Nada hay


sin una razón suficiente”.28

Referencias
ALVARADO VELLOSO, Adolfo. Garantismo procesal contra actuación judicial de oficio. Valencia. Tirant
lo blanch. 2005.
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GHIRARDI A., Olsen. FERNANDEZ E., Raúl. ADRUET S, Armando. GHIRARDI, Juan C. La naturaleza del razona-
28

miento judicial (El razonamiento débil). Op. cit. Pág. 26.

382 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 373-383, abr./jun. 2015
La argumentación jurídica como presupuesto de legitimidad de la decisión jurisdiccional bajo la...

RUBIA CARRACEDO, José. ¿Democracia o representación? Poder y legitimidad. Centro de estudios


constitucionales en Rousseau. Madrid 1990.
UPRIMY YEPES, Rodrigo. La motivación de las sentencias y el papel del juez en el Estado social y
democrático de derecho. En Pensamiento Jurídico. 4ª ed. Bogotá: Universidad Nacional. 1995.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

GIRALDO, Liliana Damaris Pabón. La argumentación jurídica como presupuesto de


legitimidad de la decisión jurisdiccional bajo la perspectiva del garantismo procesal.
Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 23, n. 90,
p. 373-383, abr./jun. 2015.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 373-383, abr./jun. 2015 383
Coisa julgada, Constituição Federal e o
novo Código de Processo Civil

Luiz Eduardo Ribeiro Mourão


Especialista em Processo pela USP. Mestre e Doutor em Processo Civil pela PUC-SP. Pos-
Doutorando em Processo Civil pela UFES. Membro do Instituto Panamericano de Direito
Processual (IPDP). Advogado em São Paulo.

Palavras-chave: Coisa julgada. CF. Novo CPC.


Sumário: 1 Conceito de coisa julgada – 2 Finalidade da coisa julgada – 3 Espécies de coisa julgada – 4 A
coisa julgada formal no novo Código de Processo Civil

1 Conceito de coisa julgada


A coisa julgada é um dos mais antigos institutos jurídicos. Sua origem vai além
da Lei das XII Tábuas e inspira-se no brocardo latino bis de eadem re ne sit actio
que, traduzido livremente, significa: sobre uma mesma relação jurídica não se pode
exercer duas vezes a ação da lei, isto é, o processo.
Infelizmente, em decorrência de uma análise isolada do art. 467 do CPC em vigor
(reproduzido, em parte, no art. 502 do novo CPC), a coisa julgada tem sido abordada,
com muita frequência, apenas sob o viés da imutabilidade e indiscutibilidade do
conteúdo da decisão judicial transitada em julgado.
Entretanto, o referido texto não pode ser interpretado de forma isolada, mas
deve ser analisado em conjunto com as normas do art. 301, §§1º e 3º do CPC (artigo
337, §§1º e 4º do novo CPC).
A ideia de proibição da repetição está bastante clara no §1º do art. 301 do
CPC em vigor, assim redigido: verifica-se a coisa julgada quando se reproduz ação
anteriormente ajuizada. No parágrafo terceiro, de forma mais clara ainda, está dito que
há coisa quando se repete ação que já foi decidida (art. 337, §§1º e 4º do novo CPC).
Acreditamos que a proibição de repetição da ação, bem como o selo da
imutabilidade e indiscutibilidade que se agregam à decisão judicial transitada em
julgado são apenas técnicas para se proibir a repetição do exercício da jurisdição,
sobre o mesmo objeto, pelas mesmas partes.
Assim, com base nos referidos dispositivos legais, conceituamos a coisa
julgada como uma “situação jurídica que se caracteriza pela proibição de repetição

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 385-388, abr./jun. 2015 385
Luiz Eduardo Ribeiro Mourão

do exercício da mesma atividade jurisdicional, sobre o mesmo objeto, pelas mesmas


partes (e, excepcionalmente, por terceiros), em processos futuros” (conf., do autor,
Coisa julgada. Belo Horizonte: Fórum, 2006. p. 29). Atualmente, com os chamados
processos sincréticos, podemos dizer que essa proibição também se consolida para
cada fase do processo.

2 Finalidade da coisa julgada


A finalidade da res iudicata está atrelada aos valores jurídicos que se pretende
proteger. O professor Miguel Reale, com muita precisão, demonstra a profunda relação
entre as perspectivas teleológica e axiológica no Direto: “Um fim outra coisa não é
senão um valor jurídico posto e reconhecido como motivo de conduta. Não existe
possibilidade de qualquer fenômeno jurídico sem que se manifeste este elemento de
natureza axiológica, conversível em elemento teleológico” (Filosofia do direito. 20. ed.
São Paulo: Saraiva, 2002. p. 544, grifos nossos).
O valor protegido pela coisa julgada é, sem sombra de dúvida, a segurança
jurídica, um dos mais importantes imperativos do Estado de Direito. O estabelecimento
da res iudicata visa conferir estabilidade e firmeza ao exercício da jurisdição, para
segurança do jurisdicionado. Se, de um lado, o preceito do art. 5º, inciso XXXV, da CF,
abre as portas do Poder Judiciário para a apreciação de todas as lesões ou ameaças
de lesão aos direitos subjetivos, a coisa julgada, de outro lado, impede que essa
atividade seja exercida em duplicidade.
A busca desse objetivo é tamanha que nem mesmo a lei, principal critério de
avaliação da conduta humana no Estado de Direito (art. 5º, inciso II, da CF), pode alterar
a coisa julgada. A Constituição Federal deixa clara essa questão no seguinte preceito:
“a lei não prejudicará [...] a coisa julgada” (art. 5º, XXXVI, CF). É inegável, pois, o status
constitucional da res iudicata, como direito e garantia fundamental do cidadão.

3 Espécies de coisa julgada


A finalidade da jurisdição é o julgamento da lesão ou ameaça de lesão aos
direitos subjetivos afirmados pelas partes (art. 5º, XXXV, CF). O meio utilizado para se
conseguir esse objetivo é o processo. Nosso sistema jurídico não permite o exercício
da jurisdição sem o devido processo legal (art. 5º, LV, CF).
O processo, entretanto, não é um fim em si mesmo, mas um meio (instrumento)
para o julgamento das lides. Nesse sentido, podemos dizer que o processo é forma,
cujo objetivo é veicular um determinado conteúdo, tecnicamente chamado de mérito.
A relação lógica entre este e aquele é de continência: o processo, como forma, é o
continente; o mérito, como a matéria, é o conteúdo.

386 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 385-388, abr./jun. 2015
Coisa julgada, Constituição Federal e o novo Código de Processo Civil

O tão propalado princípio da instrumentalidade do processo, no fundo, nada


mais é do que a percepção de que na relação entre forma e matéria (continente e
conteúdo), esta deve ser priorizada em relação àquela.
Tendo em vista essa duplicidade lógica entre forma e conteúdo, o exercício da
jurisdição não se restringirá à análise do mérito, mas também se projetará sobre
a forma. Erros formais, que descaracterizem o devido processo legal, impedem o
exercício da jurisdição sobre o mérito.
Justamente porque o exercício da jurisdição incidirá sobre as questões formais e
sobre o conteúdo do processo, os doutrinadores modernos reconhecem a existência de
dois tipos diversos de sentenças: a) a definitiva, que julga o mérito e b) a terminativa,
que julga a forma (pressupostos processuais e condições da ação).
A consequência inevitável dessa dualidade produz reflexos no instituto da coisa
julgada, que pode ser classificada em duas espécies: a) a coisa julgada formal e b)
a coisa julgada material.
Com base no conceito acima apresentado, podemos dizer que a coisa julgada
material é a situação jurídica que se caracteriza pela proibição de repetição do exercício
da mesma atividade jurisdicional, sobre decisão de mérito, pelas mesmas partes (e,
excepcionalmente, por terceiros), em processos futuros (art. 331, §§1º e 3º cc com o
art. 467 do CPC, reproduzidos no art. 337, §§1º e 4º cc com o art. 502 do novo CPC).
A coisa julgada formal, por seu turno, pode ser definida como “a situação jurídica
que se caracteriza pela proibição de repetição do exercício da mesma atividade
jurisdicional, sobre decisão terminativa, pelas mesmas partes (e, excepcionalmente,
por terceiros), em processos futuros (art. 486, §1º, do novo CPC)” (conf., do autor,
Coisa julgada. Belo Horizonte: Fórum, 2006. cap. 4).
Como espécies do mesmo gênero, ambas guardam pontos de identidade e de
diferenciação. A diferença reside no conteúdo da decisão judicial: a coisa julgada
material incide sobre decisões de mérito, chamadas definitivas; a coisa julgada
formal acoberta decisões relativas a questões formais, chamadas terminativas.
O ponto de identidade é a capacidade que têm de produzirem efeitos externos ao
processo (ou fase procedimental) em que foi proferida a decisão judicial. Esta eficácia
externa impede a repetição do exercício da mesma atividade jurisdicional, em processos
futuros, ou em fases distintas do processo sincrético, sobre o mesmo objeto.

4 A coisa julgada formal no novo Código de Processo Civil


Na vigência do CPC/73 os doutrinadores, em geral, desenvolveram um conceito
equivocado de coisa julgada formal, que a equiparava a preclusão. Combatemos essa
doutrina pelos seguintes motivos: a) porque profliga a essência do conceito de coisa
julgada, que se destina a produzir efeitos externos ao processo (ou a fase do processo)
em que foi proferida a decisão judicial; b) porque confunde o conceito de preclusão e

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 385-388, abr./jun. 2015 387
Luiz Eduardo Ribeiro Mourão

coisa julgada; c) porque se vincula ao preconceito de que as sentenças terminativas


não podem produzir efeitos para fora do processo em que foram proferidas.
O Projeto para um novo Código de Processo Civil acolheu a tese por nós
desenvolvida e desvinculou-se do preconceito de que as sentenças terminativas não
podem gerar efeitos extraprocessuais. Nesse sentido, a norma do §1º do art. 486 do
referido texto preceitua que no caso de extinção do processo, em razão de litispendência
e nos casos dos incisos I, IV, VI e VII do art. 485, a propositura da nova ação depende
da correção do vício que levou à extinção do processo sem resolução do mérito.
Ora, a proibição de repetição da ação, com o mesmo vício que foi declarado em
processo anterior, decorre, sem sombra de dúvida, da autoridade da coisa julgada formal.
Portanto, após a entrada em vigor do novo texto procedimental, as decisões
terminativas, que tenham por conteúdo: a) o indeferimento da petição inicial; b) a falta
dos pressupostos processuais; c) a ilegitimidade e a falta de interesse processual;
e d) o acolhimento da alegação da existência de convenção de arbitragem ou quando
o juízo arbitral reconhecer sua competência, ficarão imutabilizadas pela coisa julgada
formal, produzindo efeitos externos ao processo, ou à fase procedimental, nos
processos sincréticos.
Essas, em breve palavras, são nossas considerações sobre a coisa julgada
formal no novo Código de Processo Civil, que deverá entrar em vigor no futuro recente.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

MOURÃO, Luiz Eduardo Ribeiro. Coisa julgada, Constituição Federal e o novo Código
de Processo Civil. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte,
ano 23, n. 90, p. 385-388, abr./jun. 2015.

388 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 385-388, abr./jun. 2015
Discricionariedade judicial em matéria
probatória

Maria Elizabeth de Castro Lopes


Mestre e Doutora pela PUC-SP. Membro do IPDP. Membro do Ceapro.

Palavras-chave: Discricionariedade. Matéria probatória. Ativismo e garantismo. Participação de autor e réu.


Sumário: 1 Considerações gerais – 2 Poderes instrutórios no novo CPC – 3 Conclusão – Referências

1 Considerações gerais
Ao ensejo da realização do XXVI Encontro do Instituto Panamericano de Direito
Processual (IPDP), em Belo Horizonte, com o eixo temático “Rumos do garantismo
processual: Brasil e América Latina”, afigura-se relevante a discussão de um dos
aspectos que envolve a atuação do juiz no processo, qual seja, a admissibilidade da
discricionariedade judicial em matéria probatória.
O tema dos poderes do juiz e, particularmente, dos seus poderes instrutórios
já foi objeto de detidos estudos por ilustres doutrinadores, não sendo esta a sede
própria para aprofundar o exame da questão.
Contudo, parece oportuno recordar a posição de Cappelletti a respeito do
princípio dispositivo e dos poderes do juiz no processo, constante de suas obras La
oralidad y las pruebas en el proceso civil1 e La testimonianza della parte nel sistema
dell’oralità,2 que já tivemos oportunidade de examinar em estudo anterior, em que
ressaltamos a sua contribuição científica sobre o assunto em tela.
O grande processualista refere-se ao tema ao defender a chamada direção
material do processo. Para isso, procedeu a uma grande revisão dos conceitos,
principalmente no que se refere a aforismos como nemo iudex sine actore e iudex
debet iudicare secundum allegata et probata a partibus.

1
CAPPELLETTI, Mauro. La oralidad y las pruebas en el proceso civil. Trad. Santiago Sentís Melendo. Buenos
Aires: EJEA, 1972.
2
CAPPELLETTI, Mauro. La testimonianza della parte nel sistema dell’oralità. Primeira parte. Milano: Giuffrè,
1974.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 389-395, abr./jun. 2015 389
Maria Elizabeth de Castro Lopes

A sua maior preocupação advém do aforismo iudex debet iudicare secundum


allegata et probata a partibus e, a partir dessa sua resistência, passa a sustentar
que além de o juiz assumir a direção formal do processo, também deve ser o diretor
material do processo. Desse modo, as partes continuam com o poder de disposição
e de exceção, mas ao juiz conferir-se-ia o poder de “auxiliar” as partes (no sentido de
colaboração), para mostrar, ampliar, trocar e até corrigir a posição processual, sem
tocar, abalar ou mexer no pedido. Por essa função “auxiliar” ou “assistencial” do
juiz desenvolvida com base na “direção material do processo” (presente com mais
rigor no interrogatório livre), o juiz poderia ajudar as partes com o objetivo de tornar
mais transparentes e claras suas alegações, suas vontades, suas petições, suas
defesas etc. Também ficou clara nas obras indicadas a posição do autor no sentido
de que o princípio dispositivo deveria ser reformulado para que ao juiz fosse possível
determinar provas de ofício.
No Brasil, prevalecia a posição de Moacyr Amaral Santos3 no sentido de que
na atividade probatória o juiz tem função supletiva ou complementar, uma vez que
às partes incumbe o ônus da prova de suas alegações e ao juiz o dever de atuar
subsidiariamente. Em seu entendimento deve haver uma harmonia entre o princípio
da iniciativa das partes e o princípio da iniciativa oficial por força do disposto no
art. 130 do CPC.
Barbosa Moreira,4 porém, considerou o art. 130 um marco da ampliação dos
poderes instrutórios do juiz e não viu, com isso, um comprometimento do princípio da
imparcialidade simplesmente pelo fato de o juiz exercer poderes instrutórios de ofício.
Sustentou sua tese em não interessar ao Estado se é o autor ou o réu o vencedor da
demanda, mas sim qual deles efetivamente tem razão, ou seja, o que realmente não
importa é quem produziu a prova, mas sim que o fato alegado foi provado, podendo,
assim, o juiz proferir a sentença sem abalar o princípio da imparcialidade. Porém,
para isso, o juiz deverá observar o princípio do contraditório.
Seguiu-se Vicente Miranda,5 mais contido, para quem o juiz não pode substituir
as partes na produção das provas, porém pode agir de ofício quando se tratar de
matéria de ordem pública ou em hipótese de perplexidade.
Bedaque6 posicionou-se firmemente a favor dos poderes instrutórios do juiz,
sustentando que o princípio dispositivo deve limitar-se ao campo do direito material,
advertindo que a produção das provas não está restrita às partes, uma vez que o

3
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1977. v. 2. p.
303 e ss.
4
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O juiz e a prova. RePro 35/178-184, São Paulo: Revista dos Tribunais,
1984.
5
MIRANDA, Vicente. Poderes do juiz no processo civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 217.
6
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001. p. 158 e ss.

390 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 389-395, abr./jun. 2015
Discricionariedade judicial em matéria probatória

juiz também pode produzir provas junto com as partes, pois considera o juiz como
interessado no resultado do processo. Para ele, o juiz deve ter participação ativa com
poder investigativo.
A seu turno, João Batista Lopes,7 embora se filiando à doutrina que propugna
pelo fortalecimento dos poderes do juiz e de suas iniciativas probatórias, faz restrições
quanto à prova documental e testemunhal, que, salvo exceções expressas na lei,
deve competir às partes, uma vez que não cabe ao juiz sair a campo para obtê-las.
Para nós, não se pode converter o juiz em investigador de fatos, pois a função
de julgar é incompatível com a de investigar. Além disso, impor aos juízes o dever de
pesquisar provas conflita com a realidade do dia a dia forense, pois não se ignora que
eles, de modo geral, possuem carga de processos acima do razoável e, assim, não
tem condições materiais para fazer investigações.
O juiz é sujeito da relação processual, mas não pode ser o único protagonista
dela. Por outras palavras, o processo não tem dono, mas apenas um diretor ou
condutor, razão por que não se pode desprezar os ônus que competem às partes,
inclusive no campo probatório.
Contudo, reconhecemos que existe uma forte tendência doutrinária no sentido do
fortalecimento dos poderes do juiz e de conferir-lhe plenos poderes para determinação
de provas de ofício.

2 Poderes instrutórios no novo CPC


O art. 370 do novo CPC dispõe:

Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas


necessárias ao julgamento do mérito.
Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências
inúteis ou meramente protelatórias.

Se a norma é praticamente a mesma do Código anterior, o tema ganha novos


contornos em face da discussão sobre o chamado ativismo judicial.
O que se entende por ativismo judicial? Há diferença entre juiz ativo e juiz ativista?
O conceito de ativismo judicial foi amplamente estudado por Berizonce, que
procura mostrar a diferença entre o juiz ativo e o juiz ativista:

Activo significa protagónico, por su virtud de obrar, operante, actuante,


ejecutante, y además dinámico. Activista, en cambio, denota no una
cualidad puramente mecanicista o física, cual sería la aceleración o la
diligencia, sino un sentido mucho más profundo que deriva del actuar

LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 76.
7

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 389-395, abr./jun. 2015 391
Maria Elizabeth de Castro Lopes

activo pero, además, enderezado a la obtención de una finalidad en la


que predominan los valores fundamentales.

E na conclusão de seu estudo assinala:

...el denominado activismo judicial intenta responder a las reales y


concretas exigencias de una sociedad democrática, pluralista, dinámica
y participativa.
[...]
Los jueces, actores visibles de semejante transformación, lejos de ser
dictadores y sin la pretensión de ángeles guardianes de la sociedad, se
han encumbrado como la tercera rama política del gobierno, especialmente
porque ejercen el control de las otras ramas y modelan el comportamiento
colectivo a través de la razón y la persuasión, con vivo espíritu de justicia.8

Como vemos, o ativismo judicial não significa concessão de poderes ilimitados


ao juiz, mas está direcionado a atender aos valores fundamentais e aos interesses
da sociedade.
Glauco Gumerato Gomes esclarece com precisão a diferença entre ativismo
judicial e garantismo judicial, verbis:

...o ativismo judicial defende uma postura mais contundente da atividade


judicial para resolver problemas que às vezes não contam com adequada
solução legislativa. É dizer: outorga-se ao juiz um poder criativo que em
última análise valoriza o compromisso constitucional da jurisdição, e isso
ainda que não haja previsão legal que o autorize na respectiva atuação.
Já o garantismo processual defende uma maior valorização da categoria
fundamental processo, e consequentemente da cláusula constitucional
do due process, de modo a valorizar a ampla defesa, o contraditório
e a imparcialidade do juiz, como os pilares de legitimação da decisão
jurisdicional a ser decretada.9

A lei confere ao juiz os poderes de direção e de instrução, mas ao exercê-los, deve-


se observar o princípio da isonomia, o que o impede de beneficiar um dos litigantes.
Assim, do mesmo modo que o juiz não pode dar início ao processo, também
não deve transformar-se em advogado de uma das partes, nem pode alterar o quadro
fático ou o fundamento jurídico do pedido, nem julgar fora dos limites da lide, nem
converter-se em investigador dos fatos.

8
El activismo de los jueces. In: Derecho procesal civil actual. La Plata: Librería Editora Platense, 1999. p.
364/402.
9
RAMOS, Glauco Gumerato. Ativismo e garantismo no Processo Civil. Apresentação do debate. Disponível no
Google, p. 3.

392 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 389-395, abr./jun. 2015
Discricionariedade judicial em matéria probatória

Deve-se, pois, distinguir juiz ativista de juiz ativo. Ser ativista não é assumir a
defesa de uma das partes, mas sim dirigir o processo de forma dinâmica para que ele
cumpra efetivamente seus objetivos: alcançar a justiça e a segurança das relações
jurídicas com espírito de pacificação dos conflitos.
A discussão sobre o ativismo judicial suscita indagação sobre a admissibilidade
do poder discricionário do juiz em matéria probatória.
Em primeiro lugar, nos parece importante saber se existe o chamado poder
discricionário judicial. Para isso, buscamos em doutrina assentada a classificação
de ditos poderes e encontramos na lição de Vicente Miranda o que buscamos. Ele
propõe a seguinte classificação essencial dos poderes do juiz:

a) poder geral de direção;


b) poderes ordinatórios;
c) poderes instrutórios;
d) poderes decisórios;
e) poderes executórios.

Em seguida, alude a classificações secundárias e nelas inclui os poderes


discricionários e os vinculados, assinalando que os primeiros “conferem ao julgador a
possibilidade de, ao exercê-los e praticar os atos correspondentes, valorar a conveniência
e oportunidade da ação a ser efetivada e valorar e escolher o conteúdo dessa ação”.10
Discorrendo sobre regras de experiência e conceitos juridicamente indeter­
minados, Barbosa Moreira, em conhecido artigo, admite a discricionariedade judicial,
nestes termos:

“...Costuma-se apontar a atividade administrativa como o campo de


eleição de tal poder; mas a verdade é que também o juiz não raro se
vê autorizado pelo ordenamento a opções discricionárias”. E dá, entre
outros exemplos, o modo de cumprimento da obrigação de prestar
alimentos e a fixação do rumo da passagem forçada em benefício do
prédio encravado.11

Também Eduardo Melo de Mesquita que, em mensagem a nós enviada, ressalta:

[...] analiso primeiramente a afirmação de Dworkin quanto à obrigatoriedade


do magistrado chegar à resposta certa.
Defendo, com Alexy, que o objetivo da decisão é otimizar a solução,
quando se está diante de colisão de princípios e, consequentemente, de
direitos fundamentais.

Ob. cit., p. 118 e seguintes.


10

Regras de experiência e conceitos juridicamente indeterminados. Revista Forense, 261/15, jan./mar. 1978.
11

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 389-395, abr./jun. 2015 393
Maria Elizabeth de Castro Lopes

[...] a discricionariedade judicial resulta da inexorável constatação que


quando os elementos sopesados e relativos a um dos princípios equivalem
aos do outro aí haverá discricionariedade.

Na doutrina estrangeira, encontramos a obra de Raselli, que, após ressaltar que


o poder discricionário consiste “na faculdade dos órgãos do Estado de determinar
a própria linha de conduta na atividade externa, na falta de normas imperativas
particulares que a regulam, segundo avaliações de oportunidade”, conclui pela
existência desse poder nas várias atividades do juiz.12
Em polo oposto, Teresa Arruda Alvim Wambier, José Roberto dos Santos
Bedaque e Luciano Ferreira Leite13 posicionam-se contra a discricionariedade judicial.
Para esses autores a atividade do juiz tem características próprias, razão por que nela
não há a mesma margem de liberdade admitida na atividade administrativa.
Vale ressaltar que a admissibilidade de conceitos vagos ou indeterminados
não pode ser considerada discricionariedade, do mesmo modo que a interpretação
jurídica com ela não se confunde.
Como vemos, o tema se reveste de grande complexidade e já foi enfrentado por
ilustres doutrinadores.
Contudo, não nos furtaremos em resumir nossa posição que constará do item
seguinte.

3 Conclusão
O juiz não é dono do processo e também não é investigador de fatos, pois esta
função é incompatível com a de julgar com serenidade.
Não vemos problema na utilização da expressão juiz ativista se a intenção for
designar o juiz dinâmico que assume a direção do processo.
Contudo, recusamos a proposta de conferir ao juiz o poder de decidir à margem
da lei, fazendo prevalecer suas convicções pessoais. Também não aceitamos a figura
do juiz assistente social que toma partido em favor de uma das partes.
Por outro lado, não aceitamos a chamada discricionariedade judicial em matéria
probatória. O que a lei estabelece é que cabe ao juiz determinar as provas necessárias
à instrução do processo e não aquelas que ele, sponte propria, achar convenientes
ou oportunas. Além disso, a concessão de poder ilimitado para determinação de
provas de ofício mesmo na hipótese de direitos disponíveis conflita com a ideia de
que o juiz não é o único personagem da relação processual, que deve contar também
com a participação do autor e do réu na tarefa de esclarecimento dos fatos.

12
Studi sul potere discrezionale del giudice civile. Milão: Giuffrè, 1975. p. 263.
13
Omissão judicial e embargos de declaração. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 361/362,

Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo: Malheiros, 2007, p.108/109 e Interpretação e dis-
cricionariedade. São Paulo: RCS Editora Ltda., 2006. p. 82-162.

394 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 389-395, abr./jun. 2015
Discricionariedade judicial em matéria probatória

Referências
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O juiz e a prova. RePro 35/178-184, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1984.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 3. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo:
Malheiros, 2007. p. 108-109.
BERIZONCE, Roberto. El activismo de los jueces. In: Derecho procesal civil actual. La Plata: Librería
Editora Platense, 1999.
CAPPELLETTI, Mauro. La oralidad y las pruebas en el proceso civil. Trad. Santiago Sentís Melendo.
Buenos Aires: EJEA, 1972.
CAPPELLETTI, Mauro. La testimonianza della parte nel sistema dell’oralità. Primeira parte. Milano:
Giuffrè, 1974.
LEITE, Luciano Ferreira. Interpretação e discricionariedade. São Paulo: RCS Editora Ltda., 2006.
LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
MIRANDA, Vicente. Poderes do juiz no processo civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1993.
RAMOS, Glauco Gumerato. Ativismo e garantismo no processo civil. Apresentação do debate. Disponível
no Google.
RASELLI, Alessandro. Studi sul potere discrezionale del giudice civile. Milão: Giuffrè, 1975.
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva,
1977. v. 2.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Omissão judicial e embargos de declaração. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

LOPES, Maria Elizabeth de Castro. Discricionariedade judicial em matéria probatória.


Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 23, n. 90,
p. 389-395, abr./jun. 2015.

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Breve visión comparativa del
tratamiento de la actividad probatoria
en el Código General del Proceso
de Colombia, en el Novo Código de
Processo Civil de Brasil y en el proyecto
de Código Procesal Civil de Chile

Miguel Ángel Reyes Poblete


Abogado, Magister en Derecho Procesal, Doctor (c) en Derecho. Miembro del Instituto
Panamericano de Derecho Procesal (IPDP).

Resumen: El presente artículo analiza, desde una perspectiva garantista, los principales aspectos de la
actividad probatoria en las más recientes normativas procedimentales civiles de América del Sur, así del
proyecto de Chile en esta materia.
Palabras clave: Prueba. Procedimiento. Civil.

Sumario: I Aspectos generales – II Iniciativa probatoria – III Rol del juez en la producción de la prueba – IV
Prueba de oficio – V Medios de prueba – VI Admisibilidad – VII Valoración – VIII Carga de la prueba – IX
Establecimiento de los hechos en la sentencia – X Corolario final – Referencias

I Aspectos generales
Con la progresiva fijación de parámetros mínimos a respetar en la sustanciación
de los procedimientos judiciales conforme al debido proceso, establecidos por los
tribunales y organismos internacionales de derechos humanos, las normativas
nacionales han debido adecuarse a éstos, sea espontáneamente o gracias a condenas
o recomendaciones de estas entidades.
Este fenómeno se ha venido desarrollando en todo el mundo occidental con
mayor o menor intensidad.
Dentro de este escenario se comprende en forma central la actividad probatoria,
que siempre ha sido el corazón de los procedimientos, independiente de las
pretensiones que se ventilen, de la autoridad que resuelva y de la época.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 397-404, abr./jun. 2015 397
Miguel Ángel Reyes Poblete

En el presente artículo analizaré, bajo un prisma garantista, las más recientes


normativas autónomas1 de América del Sur en este ámbito, el Código General del
Proceso de Colombia (2012), en adelante CGPC, el Novo Código de Processo Civil
de Brasil (2015), en lo sucesivo NCPC, y el proyecto de Código Procesal Civil de
Chile (presentado al Congreso el 2012), en el texto PCPC, particularmente desde una
perspectiva de la actividad probatoria.
Respecto del proyecto de ley de Chile cabe señalar que todas las referencias se
hacen al boletín 8197-07, aprobado a la fecha de envío de este artículo por la Cámara
de Diputados y que se encuentra para segundo trámite en el Senado.

II Iniciativa probatoria
Todas las normativas analizadas coinciden en conferir a los litigantes un rol
principal en el ofrecimiento y procedimiento de material probatorio (Art. 169 CGPC,
Art. 369 NCPC así como los arts. 2 y 288 PCPC).
Sin embargo, a renglón seguido confieren una amplia iniciativa en este ámbito
al tribunal, pues todas ellas coinciden en concebirlo como una suerte de “director del
debate” como establecen en términos generales los Arts. 42 Nº4, 169 y 170 CGPC,
Arts. 139 VIII NCPC, y Arts. 288 inciso 2º PCPC, sin perjuicio de desarrollo que hago
detalladamente a continuación.

III Rol del juez en la producción de la prueba


Del análisis comparativo de las normas tenidas a la vista se puede apreciar que
todos ellos tienen un asignado un rol al juez en la producción de la prueba, con mayor
o menor intensidad y control por parte de los litigantes.
En el proyecto de Chile una serie de artículos demuestran esta injerencia:
- El Art. 319 permite que, por regla regla general, sea el juez quien interrogue
a los niñas, niños y adolescentes que declaren como testigos. Conforme al
Art. 337 y siguientes el juez de oficio o a petición de parte podrá realizar la
inspección judicial o reproducción de hechos;
- El Art. 328 permite al juez limitar la cantidad de peritos cuando resultaren
excesivos o pudieren entorpecer la realización del juicio. Misma facultad le
confiere el Art. 333 respecto de las declaraciones de parte, cuando sean
muchos litigantes;

Entendiendo a este efecto como tales los cuerpos legislativos íntegramente nuevos y no modificaciones, aún
1

sustanciales, de textos preexistentes.

398 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 397-404, abr./jun. 2015
Breve visión comparativa del tratamiento de la actividad probatoria en el Código General del Proceso ...

- El Art. 343 inciso 2º faculta al tribunal para determinar la forma de producción


de la prueba no regulada expresamente;
- El juez puede rechazar las preguntas formuladas a los declarantes si no
cumplen los requisitos en su formulación, de oficio o a petición de parte;
- El Art. 348, a propósito de la fuente de prueba personas, manifestada a
propósito del interrogatorio de testigos, peritos y partes, permite al juez:
A) efectuar preguntas a estas personas, luego del interrogatorio de los
litigantes, con la finalidad de pedir aclaraciones, precisiones o adiciones a
sus respuestas.
B) Reducir el número de testigos de cada parte, e incluso prescindir de este
medio probatorio, cuando estime que las declaraciones puedan ser una
“manifiesta reiteración sobre hechos suficientemente esclarecidos en la
audiencia de juicio, por este u otros medios de prueba;”
C) En caso de que incurran “en graves contradicciones en sus declaraciones”,
de oficio o a petición de parte, disponer que se realice un careo, o consulta
simultánea sobre éstos, respecto del punto específico en que se hubiere
suscitado la discrepancia;
- El Art. 351 permite al juez autorizar la lectura resumida o prescindir de lectura
de otros medios de prueba, no regulada expresamente.
Por su parte, el Código colombiano se refiere al tema en varios pasajes:
- En el Art. 221 Nº1 a 4 dicho cuerpo legal manifiesta de forma palmaria
el rol fundamental que se le atribuye al juzgador en la prueba testimonial,
permitiendo en el último número indicado que sólo después del juez puedan
preguntar los litigantes;
- Como resulta evidente, su rol es fundamental a propósito de la inspección
judicial, como refieren los arts. 236 y siguientes;
- Respecto a los instrumentos, en particular a la exhibición, el Art. 266 inciso
final dispondrá que se transcriba o reproduzca para efectos de incorporarse
al registro o expediente, fundamentalmente.
La norma brasileira hace referencia al rol del juez en varios pasajes:
- 464 §2 permitiéndole reemplazar la prueba pericial por una prueba técnica
simplificada cuando el tema controvertido sea de menor complejidad;
- 480 lo faculta para disponer una nueva pericia cuando la materia objeto de
la prueba técnica no está suficientemente esclarecido;
- Art. 481 le permite disponer inspección judicial, en cualquier estado del
procedimiento.

IV Prueba de oficio
Todos los textos analizados permiten, en mayor o menor medida, prueba de
oficio, de la forma que brevemente se pasa a exponer.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 397-404, abr./jun. 2015 399
Miguel Ángel Reyes Poblete

El Código colombiano es el más amplio a la hora de regular la prueba de oficio,


señalando:
- El supuesto de aplicación Art. 169 inciso 1º: “ cuando sean útiles para la
verificación de los hechos relacionados con las alegaciones de las partes”.
Sin embargo, el Art. 170 inciso 1º parte final restringe un poco la disposición
de esta prueba al permitirla “cuando sean necesarias para esclarecer los
hechos objeto de la controversia”.
- Limitación general: Que opera sólo respecto de los testigos, requiriendo que
para que se disponga su testimonio deban haber aparecido mencionadas
en pruebas diversas o “en cualquier acto procesal de las partes”. Art. 169
inciso 1º segunda parte.
- Control: Conforme al Art. 169 inciso 2º parte inicial, las resoluciones que
las decretan no son impugnables, pero sí lo es la producción de las pruebas
decretadas de acuerdo al Art. 170 inciso 2º.
- Costos: Son de cargo de las partes, por igual, “sin perjuicio de lo que se
resuelva sobre costas”.
- Oportunidad: en la misma oportunidad del litigio principal o de los incidentes,
y antes de resolver Art. 170 inciso 1º parte inicial.
Este cuerpo legal plasma esta institución a propósito de varios medios de prueba:
- En el Art. 198 es que el juez puede disponer el interrogatorio de parte,
relacionado con el Art. 203 inciso 7º relativo a decretar el interrogatorio de
quienes se encuentren presentes;
- Por su parte el Art. 230 se refiere a la prueba pericial decretada de oficio,
respecto de honorarios, plazos y apercibimientos.
- Por último, el Art. 275 permite que se solicite la prueba de oficios.
El Código de Brasil habilita al juez a decretar prueba de oficio respecto de los
siguientes medios:
- Testigos, Art. 385 en general y 461 NºI respecto de las personas que
aparezcan mencionados en los escritos de las partes,
- Careo, conforme al Art. 461 NºII entre testigos o partes cuando difieran sus
declaraciones sobre hechos fundamentales para resolver;
- Documental, disponiendo la exhibición parcial de éstos, conforme al Art. 421.
Por último, el texto de Chile aborda el tema en varios pasajes:
- En el Art. 325 inciso final, permite al juez decretar prueba pericial cuando
ninguna de las partes lo ha ofrecido.
- El Art. 337 faculta al tribunal para disponer el reconocimiento judicial y el 339
para decretar la reproducción de hechos.

400 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 397-404, abr./jun. 2015
Breve visión comparativa del tratamiento de la actividad probatoria en el Código General del Proceso ...

V Medios de prueba
Todos los textos analizados contemplan una apertura para la producción de
cualquier medio idóneo para lograr la convicción del tribunal (Art. 165 CGPC,2 369
NCPC3 y Art. 286 PCPC).
En el caso del proyecto chileno, la referencia es genérica.4 En cambio la
normativa de Brasil menciona los medios de prueba legales y otros legítimamente
obtenidos, para en el caso de Colombia mencionar detalladamente los mecanismos
normativos y una referencia genérica final.

VI Admisibilidad
El proyecto de Chile contempla, al igual que leyes previas (Código Procesal
Penal, Ley de Tribunales de Familia y código del trabajo) la posibilidad de pedir la
exclusión de las pruebas ofrecidas. En este caso, en el Art. 292 y ello:
- Impedirá que sean rendidas en juicio;
- Por “que fueren manifiestamente impertinentes o no idóneas; las que
tuvieren por objeto acreditar hechos públicos y notorios; las que resultaren
sobreabundantes; las que hayan sido obtenidas con infracción de garantías
fundamentales o hubieren sido declaradas nulas y aquellas que recaigan
sobre hechos no controvertidos, a menos que, en este último caso, se tratare
de cuestiones indisponibles para las partes”.
En Brasil se contempla expresamente la admisibilidad de la prueba testimonial,
salvo regla legal que lo restringa, arts. 442 a 444.
En Colombia, el Código permite al juez inadmitir la petición de documentos
cuando éstos se pudieran haber obtenido en virtud del derecho de petición, art. 173
inciso 2º. El mismo cuerpo legal prohíbe admitir prueba pericial sobre puntos de
derecho, salvo derecho extranjero y costumbre.

VII Valoración
Todos los cuerpos legales analizados establecen como forma de valoración de
la prueba la sana crítica, aunque con diversa redacción (Arts. 176 CGPC, Arts. 371 y
375 NCPC, Art. 298 inciso 1º PCPC).

2
Son medios de prueba la declaración de parte, la confesión, el juramento, el testimonio de terceros, el dicta-
men pericial, la inspección judicial, los documentos, los indicios, los informes y cualesquiera otros medios que
sean útiles para la formación del convencimiento del juez”.
3
As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não
especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir
eficazmente na convicção do juiz.
4
“Art. 286 inciso 1º “Todos los hechos y circunstancias pertinentes para la adecuada solución del conflicto
sometido a la decisión del tribunal podrán ser probados por cualquier medio obtenido, ofrecido e incorporado
al proceso en conformidad a la ley”.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 397-404, abr./jun. 2015 401
Miguel Ángel Reyes Poblete

Cabe destacar las particularidades que presentan las normas indicadas:


En la norma colombiana se aprecian interesantes precisiones:
- Se exige que las pruebas se aprecie en conjunto;
- Además conforme a la sana crítica, “sin perjuicio de las solemnidades
prescritas en la ley sustancial para la existencia o validez de ciertos actos”.
- Se impone al juzgador un deber permanente (que se colige de la palabra
“siempre”) de exponer razonadamente el mérito que le asigne a cada prueba.
Por su parte, el reciente Código de Brasil en dos artículos establece en términos
generales la forma de valorar la prueba:
- Exige analizar toda la prueba existente en el expediente, lo que emana de la
parte inicial del Art. 371 “O juiz apreciará a prova constante dos autos”
- Ese análisis se debe hacer independientemente de quien haya aportado ese
medio;
- El tribunal debe indicar en su decisión las razones de la formación de su
convencimiento.
- En cuanto a la valoración propiamente tal, el juez debe aplicar las reglas de la
experiencia suministradas por la observación de lo que ordinariamente acontece
y las de la experiencia técnica, salvo que exista prueba pericial Art. 375.
Por último, en el caso de Chile:
- Se establece como regla general, “Salvo que la ley atribuya un valor
determinado a un medio probatorio;”
- Se señala que en ese caso debe estarse a los “principios de la lógica, las
máximas de la experiencia y los conocimientos científicamente afianzados,
salvo texto legal que expresamente contemple una regla de apreciación
diversa”.
- Exceptúa de esta forma de establecer la convicción al “acto o contrato
solemne”, el que “solo puede ser acreditado por medio de la solemnidad
prevista por el legislador”.

VIII Carga de la prueba


En lo referente a la carga de la prueba es necesario realizar algunas precisiones:
En general, los textos de Colombia y Chile establecen que incumbe probar los
supuestos de hecho de las normas que consagran el efecto jurídico que se pretende
por la parte que lo esgrime (Art. 167 inciso 1º CGPC y Art. 294 PCPC);
En el caso de Brasil, la norma es más específica: Se impone la carga de la prueba
de los hechos constitutivos 1al actor así como al demandado de los impeditivos,
modificativos o extintivos del derecho del demandante (Art. 373 Nº I y II NCPC);
El Código de Brasil permite que convencionalmente se pueda acordar distribuir
en forma diversa esta carga, lo que excepcionalmente no es admisible cuando recaiga
sobre el derecho indisponible de una de las partes (Art. 373 §3º NCPC);

402 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 397-404, abr./jun. 2015
Breve visión comparativa del tratamiento de la actividad probatoria en el Código General del Proceso ...

Los Códigos de Colombia y Brasil contemplan la distribución de la carga de la


prueba por el tribunal en determinados supuestos, institución conocida como “carga
probatoria dinámica”.
En Brasil el Art. 373 §1º, NCPC permite que en los casos previstos en la ley o
en casos donde las peculiaridades hacen imposible o excesivamente dificultoso de
cumplir la regla general o existe una mayor facilidad en la obtención de pruebas, el
juez pueda atribuir el onus probandi a la contraparte, resolución que es impugnable
por regla general. No señala la oportunidad, sólo le exige fundamentación.
En Colombia el Art. 167 inciso 2º del CGPC establece en términos bien
particulares esta carga:
- Se puede disponer de oficio o a petición de parte;
- Puede decretarse durante su práctica o en cualquier momento del
procedimiento, previo a resolver;
- Se puede distribuir la carga de la prueba exigiendo “probar determinado
hecho a la parte que se encuentre en una situación más favorable para
aportar las evidencias o esclarecer los hechos controvertidos”.
Al efecto dicho legislador precisa que se entiende por tal supuesto

... en virtud de:


- su cercanía con el material probatorio,
- por tener en su poder el objeto de prueba,
- por circunstancias técnicas especiales,
- por haber intervenido directamente en los hechos que dieron lugar al
litigio, o
- por estado de indefensión o de incapacidad en la cual se encuentre la
contraparte,
- entre otras circunstancias similares.

En Chile, el proyecto originalmente consideraba tal institución,5 pero fue eliminada


en su primer trámite constitucional por la Cámara de Diputados.

IX Establecimiento de los hechos en la sentencia


Como es de toda lógica, el material probatorio producido debe ser considerado
por el juez al resolver el conflicto que le fue planteado. Esta cuestión es abordada por
todos los textos analizados.
El proyecto de Chile en su Art. 206, referido a la fundamentación de las resoluciones,
establece que el juez debe fundar sus resoluciones, siendo necesario que exprese

Art. 294 inciso 2º “El tribunal podrá distribuir la carga de la prueba conforme a la disponibilidad y facilidad
5

probatoria que posea cada una de las partes en el litigio lo que comunicará a ellas, con la debida antelación,
para que asuman las consecuencias que les pueda generar la ausencia o insuficiencia de material probatorio
que hayan debido aportar o no rendir la prueba correspondiente de que dispongan en su poder”.

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Miguel Ángel Reyes Poblete

sucinta, pero “con precisión, los motivos de hecho y de derecho en que se basaren
las decisiones tomadas”, no bastando la “simple relación de actuaciones o piezas del
registro desmaterializado”.
Por su parte, la norma colombiana en el Art. 280 requiere que la motivación se
limite al “examen crítico de las pruebas con explicación razonada de las conclusiones
sobre ellas, y a los razonamientos constitucionales, legales, de equidad y doctrinarios
estrictamente necesarios para fundamentar las conclusiones, exponiéndolos con
brevedad y precisión, con indicación de las disposiciones aplicadas”, exigiendo al tribunal
“calificar la conducta procesal de las partes y, de ser el caso, deducir indicios de ella”.
Por último, el nuevo código del Brasil en su art. 489 establece como elemento
esencial de la sentencia de mérito, en lo pertinente a este texto: Los fundamentos en que
el juez analizará las cuestiones de hecho, Nº II. A contrario sensu, no se considera fundada
si sólo indica el material probatorio sin explicar su relación con la cuestión decidida §1 Nº I.

X Corolario final
Del análisis de los textos indicados cabe colegir que en general la tendencia
ha sido ampliar las funciones de los jueces, particularmente en materia probatoria.
Ello tiene detractores, fundamentalmente por parte del garantismo en virtud de la
aplicación de la constitucional igualdad ante la ley, y adeptos, por el “deber de buscar
la verdad real”, ambas tesis que exceden con creces este breve análisis normativo.

Comparative Vision of Evidence Activity Regulation General Process Code of Colombia, Brazilian New
Civil Procedure Code and the Project of Civil Procedure Code of Chile
Abstract: This article analyzes from a guarantee perspective, the main aspects of the presentation of
evidence in the most recent civil procedural regulations of South America and chilean project in this area.

Keywords: Evidence. Procedure. Civil.

Referencias
ALVARADO VELLOSO, ADOLFO, La prueba judicial, Editorial Tirant Lo Blanch, Valencia, España, 2006.
REYES POBLETE, MIGUEL ANGEL, Medios de Prueba, editorial Librotecnia, Santiago, Chile, 2014.
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VALENZUELA NAVARRO, JORGE, la carga de la prueba y la iniciativa probatoria de oficio, en reforma a la
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

REYES POBLETE, Miguel Ángel. Breve visión comparativa del tratamiento de la actividad
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Civil de Brasil y en el proyecto de Código Procesal Civil de Chile. Revista Brasileira de
Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 397-404, abr./jun. 2015.

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Los nuevos desafíos doctrinarios y
normativos de la teoria garantista de
cara al siglo XXI

Omar A. Benabentos
Miembro Titular del Instituto Panamericano de Derecho Procesal.

Mariana Fernández Dellepiane


Miembro Titular del Instituto Panamericano de Derecho Procesal.

Palabras clave: Teoría garantista. Desafíos doctrinarios y normativos. Siglo XXI. Derecho procesal
constitucional.
Sumario: 1 Introducción a los ejes temáticos de nuestra ponencia – 2 Aspiraciones y deudas pendientes
de la corriente garantista – 3 Las antinomias que exhiben los sistemas de procesamiento y juzgamiento
publicistas – 4 La teoría garantista y el derecho procesal constitucional – 5 Referencias sobre los nuevos
paradigmas que sustentan al Derecho procesal constitucional y su compatibilidad con modelo garantista o
acusatorio para el proceso civil – 6 Conclusiones – Referencias

1 Introducción a los ejes temáticos de nuestra ponencia


En el marco del trascendente y prestigioso XXVI Encuentro Panamericano de
Derecho Procesal, que se desarrollará bajo la consigna “Rumbos del Garantismo
Procesal en Brasil y en América Latina” a celebrarse los días 28 y 29 del mes de
mayo del 2015, en la Ciudad de Belo Horizonte, Brasil, hemos tenido el honor de ser
convocados —en nuestro carácter de miembros del Instituto y ponentes generales—
para que expongamos ante este calificado auditorio nuestro pensamiento sobre
algunos de los nuevos caminos que debería tomar la teoría del garantismo procesal
luego de consumidos por primeros quince años de este Siglo XXI. Anticipamos que
el garantismo tiene un desafío mayúsculo: debe reproducir, los logros alcanzados en
los ámbitos teóricos, posicionándose, de modo urgente, con propuestas efectivas y
concretas que se traduzcan, por caso, en la elaboración de un modelo de Código para
los Procesos “no penales de la región”. El mismo debería ser expresivos de nuestro
ideario, o mejor aún, hacer visible el discurso mediante la inserción de normas
positivas al interior de los sistemas de procesamiento y juzgamiento en Latinoamérica.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 405-418, abr./jun. 2015 405
Omar A. Benabentos, Mariana Fernández Dellepiane

Es que si bien no debemos desatender las “ideas fuerza”, construidas con


un notable esfuerzo, por la corriente procesal garantista, a riesgo de quedar en la
declamación doctrinaría, debemos apostar en nuevos y más ambiciosos desafíos.
El Instituto Panamericano de Derecho Procesal debería, reflotar, proponer y
encomendar por ser un ámbito institucional adecuado, por el prestigio que emana
de su larga prosapia y porque muchos de sus miembros están consustanciados con
los ideales garantistas, la urgente redacción del mentado Modelo de Código Procesal
Civil, que debería tener un perfil netamente dispositivo —en relación a las partes— y
decididamente cognoscitivo hacia el juzgador para auxiliarlo en la delicada tarea de
fallar el litigio con la máxima correspondencia posible de alcanzar entre la realidad
procesal y el conflicto de relevancia jurídica ocurrido en el plano social.
Esa sería una primera meta a cumplir, y de concretarla, tenemos la certeza que
nos sacaría del estancamiento operativo en el que hemos caído. A su vez, y como
contrapartida, de no concretarse esta operatividad es muy posible que profundicemos
la ausencia en ciertos espacios que deberíamos ocupar imperativamente.
Y la segunda meta, para reforzar nuestro posicionamiento en el mundo procesal
contemporáneo, supone apelar a otros anclajes de los que podemos sacar varios
réditos. En esa línea, se propone integrar la teoría y la normativa del ideario garantista
con otras ramas del procesalismo moderno que. Así, debemos apostar por alcanzar
una mayor comunidad con el Derecho Procesal Constitucional (por los beneficios que
esa empatía mutua nos puede proporcionar), afinidades que serán desarrolladas en
el curso de la ponencia.
Sobre estos dos ejes temáticos incursionaremos de ahora en más. Y un buen
comienzo, compatible con nuestros enunciados, supone exhortar a una “apelación
a la sinceridad” y poner sobre el tapete los logros alcanzados por el garantismo,
pero sin dejar de colocar el acento en las carencias de las que no hemos podido
desembarazarnos y que venimos denunciando. Entonces, tomaremos el “guante
intelectual” que nosotros mismos estamos arrojando.
Inmersos ya en ese desafió se nos debe permitir una reflexión en cierto modo
intimista, pero que tiene que ver, con el renovado contexto dogmático que se propugna.
Tuvimos afanes en el pasado que hoy entendemos superados. Cuando en los años
2001 y 2005 culminamos las redacción y, luego, pasamos a la defensa ante los
respectivos jurados de las tesis de magister (Teoría Unitaria del Derecho Procesal),
y la tesis doctoral: (“El Garantismo Procesal”), nuestros desafíos epistémicos eran
muy diferentes a los temas que prohijamos en la actualidad. A trece y diez años vista
de haber concluido con esas exigencias formales (agotadas luego del cursado del
postgrado en la Facultad de Derecho de la Facultad Nacional de Rosario), el contenido
de ambos productos intelectuales y los ejes de la construcción doctrinaria de ese
entonces los hicimos pasar por otro sitio y para atender otras necesidades científicas

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Los nuevos desafíos doctrinarios y normativos de la teoria garantista de cara al siglo XXI

y iusfilosóficas. Aspirábamos a ampliar, explicar y ratificar el núcleo ideológico de la


corriente doctrinal garantista para el proceso civil. Es que considerábamos que los
aportes debían apuntar en esa excluyente dirección, por entender que la estructura
teorética del garantismo, en ese entonces, no estaba suficientemente consolidada.
Y esta ausencia de solidez o consolidación se evidenciaba en las duras batallas
libradas remitidas a los espacios puramente doctrinarios. Es que la irrupción de la
teoría garantista para el proceso civil tenía la intención de imponer un ideario propio,
pero, a la par buscaba descalificar los paradigmas introducidos por la dogmática y
normativa levantadas pacientemente por el “publicismo” o “activismo judicial”.
Y en la medida que una teoría apunta a metas tan ambiciosas, debe asumir a
lo que va enfrentarse con de la comunidad científica “agredida” y que, por tanto, se
debe estar preparado para enfrentar la repulsa y hasta de mofa, como una respuesta
que no se justifica, pero si se entiende, por ser la connatural reacción de quien siente
amenazada su atalaya científica.
Nos queda claro que el publicismo no cedió (ni cederá), en cuanto pueda,
ninguno de los lugares alcanzados en los terrenos de dogmática y en la codificación
procesal —no penal— en la región. En todo caso, solo admitirá concesiones
—resignadamente— si es que la “grieta” que producen sus propias teorías (y la
aplicación de las normas para procesar y los modos de juzgar) resultan perjudiciales
o auto-contradictorias con los fines que proclaman o, en última instancia, reconozca
que su esquema vuelve cada vez menos creíble para los justiciables.
Por lo expuesto, la dura resistencia y previsible descalificación que sufría nuestro
ideario por parte de amplias capas de la comunidad científica “publicista”, “activista” o
“solidarista”, nos llevaba a otro afán complementario, para tratar de discutir en paridad
con contrincantes que son de fuste (por ejemplo, tenemos en mente a Michele Taruffo,
en Italia y nuestro querido amigo Jairo Parra Quijano). Entonces, también nos ocupamos
de rebatir al modelo y demostrar que su varios núcleos de su ideología como en la
traducción normativa no resistían análisis de validez, de congruencia y de logros positivos.
Para ir resumiendo: las batallas no ha sido de tono menor, y no podían ser leves,
si se tiene presente que la corriente publicista se había encarnado en el pensamiento
mayoritario de la dogmática procesal y se hacía también expresiva en los modelos
normativos afines a sus ideas. Luego de décadas de disputa el publicismo hoy luce un
menor vigor que antaño. Por lo pronto, el modelo procesal penal moderno (tanto en el
pensamiento como en la codificación), el viejo ideario, tan caro al publicismo, de un
proceso en donde las partes no ocupen un rol principal y la judicatura no sea el garante
de la disputa entre las mismas, se ha extinguido, felizmente, de un modo definitivo.
Pero la refriega sigue quedado en pie en el ámbito del pensamiento y la lucha
por imponer las mismas normas y similar ideología, para los procesos “no penales”
en la región.

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Omar A. Benabentos, Mariana Fernández Dellepiane

2 Aspiraciones y deudas pendientes de la corriente


garantista
Se han invertido demasiadas energías, en nuestro concepto, en seguir discu­
tiendo en los planos teóricos, y así se fue desdibujando un viejo anhelo que nunca
terminó por encontrar su cauce: exigir que los paradigmas garantistas se aplicaran
normativamente, es decir, que se hicieran operativos en los procesos no penales, en
sustitución de aquellos que animaban a los códigos publicistas. Pero este requerimiento
encerró varios errores que lo llevaron a no fructificar en la medida de lo esperado
(como una paradoja, si tuvo recepción en la ley de enjuiciamiento civil española del
año 2000, que recibió, entre otras, dos propuestas centrales de nuestra corriente:
la recepción del principio de inocencia para los procesos civiles y la prohibición de
despachar pruebas de oficio por el Tribunal para sustituir la negligencia de las partes).
Lo que no se logró en América si se consiguió en Europa, que no es poco.
Pero aquí, en América, el anhelo de generar codificación garantista fue formulado,
reiteramos, sin brindar las herramientas concretas para llevar a cabo nuestra sentida
aspiración. Y todavía hoy la subrayamos como una deuda pendiente de nuestra
corriente de pensamiento. Así, en nuestro discurso parece que hemos quedado a
mitad de camino. Si bien es cierto que no son pocos los logros y la filosofía que
inspira el Garantismo Procesal, ya que obtuvo carta de ciudadanía doctrinaria, lo
cierto es que no se ha conseguido la otra carta, la de “ciudadanía normativa”. En
la actualidad sigue instalada esta situación que, para nuestro ideario, es más que
negativa. Seguimos en esta anomia, bien sea por la inexistencia de propuestas para
un modelo de código procesal civil dispositivo que sirviera de “musa inspiradora” a
esos fines, o bien por la indolencia en hacer operativas nuestras ideas trabajando en
los distintos países para generar códigos alineados con esta filosofía.
Podríamos concluir que los garantistas procesales civiles estamos animados
de un rosario de buenas intenciones, pero de pocas concreciones. Si se nos permite
la comparación, nos parecemos a esos buenos opositores políticos que presentan
plataformas muy potables y diferentes a las que sostienen los que ejercen el
gobierno, que a luces vista parecen inapropiadas, pero aun así no logran insertarlas
o hacerlas prosperar.
Este es nuestro presente, y para reforzar nuestra explicación de por qué estamos
instalados en esta realidad no querida, volveremos hacia el pasado, motivados por la
extrañeza que nos depara la ineficacia operativa-normativa (luego de haber conseguido
una notoria eficacia en el seno teórico del discurso procesal moderno).
Pues bien, es verificable que en la última década del siglo XX, el Garantismo
Procesal era motivo de grandes ilusiones. Nos entusiasmábamos con una “nueva”
corriente dogmática y filosófica que venía a confrontar a una casi hegemónica línea de
pensamiento instalada en la doctrina y en la codificación procesal civil iberoamericana.

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Los nuevos desafíos doctrinarios y normativos de la teoria garantista de cara al siglo XXI

Y la irrupción de los paradigmas garantistas dando un marco teórico sobre el modo


de procesar y juzgar “conforme constitución” fue un hecho muy beneficioso para el
pensamiento científico y para el progreso epistémico de la rama procesal. Es que
supuso, entre otras bondades, no dejar asentar “dogmas”. También se “atrevió” a
poner en tela de juicio supuestas “verdades de puño” que, por cierto, son propias de
la fe, pero no de las especulaciones en las ciencias que, en la búsqueda de la “noria
del conocimiento”, deberían renegar de la petrificación de pensamientos y de modelos
cristalizados, sencillamente porque suponen la negación de la especulación que
siempre debe estar presente en el rigor de todo disciplina que se precie de conformar
una ciencia. Si esto vale en general, para el derecho, tantas veces descalificado como
una expresión científica, tiene todavía mayor entidad.
Que se entienda: buena parte de los “tiempos de la historia” del garantismo han
sido bien consumidos. Es que los datos nos indican que los postulados centrales que
las tesis garantistas encierran para los procesos no penales deben, por lo pronto,
dejar satisfechos a quién ha sido su mentor y ferviente sostenedor hasta el presente:
Adolfo Alvarado Velloso, en la medida que gradual —pero progresivamente— se
han consolidado con suficiente grado de penetración entre los pensadores más
progresistas de Latinoamérica.
Y tan bien han sido consumidos los espacios teóricos que, en nuestro concepto, la
tesis garantista deja poco margen científico y filosófico para aportar algo de originalidad,
y menos aún construir un discurso que no fuera, en definitiva, una repetición de ideas
anteriores. Es que a las ideas fuerza de Alvarado se le fueron sumado prestigiosas
voces, en todos los foros de la región. A ello se sumaron extensos trabajos de doctrina
que pulieron finamente las bases estructurales del pensamiento garantista para el
proceso civil. Por citar a solo dos referentes más allá de los confines de la América que
contribuyeron a esa faena de consolidación de esta revolucionaria iusfilosofía, evocamos
al español Juan Montero Aroca y, en Italia, al lamentablemente fallecido Franco Cipriani.
Ellos han enriquecido y completado el ideario garantista de un modo difícil de superar.
Por si esto no fuera bastante, hoy son tantos procesalistas en Iberoamérica
los propagadores del ideario garantista que por su número y calidad nos resulta
imposible consignarlos sin cometer injusticias por su omisión. Ellos han logrado, no
sin grandes esfuerzos, que la plataforma doctrinal luzca cada vez más completa. En
suma, todos y cada uno de ellos han contribuido para hacer de la doctrina garantista
para el proceso civil un acabado producto científico y iusfilosófico.
Y si este es el panorama actual (y lo es), ratificamos que pecaríamos por defecto
(y además por sobreabundancia) si centramos nuestra labor en explicar (nuevamente)
los ejes del discurso garantista, las bases sobre las que sustenta y los objetivos que
persigue para los sistemas de procesamiento y juzgamiento no penales de la región.

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Omar A. Benabentos, Mariana Fernández Dellepiane

Por lo que llevamos expuesto, siempre que recorramos el camino de la


dogmática garantista caeremos, casi inexorablemente, en el terreno de los logros. Pero
asentarnos sobre los mismos, cuando la faena luce muy inconclusa en “lo operativo”
no es lo recomendable. Es tiempo de salir de esta “ámbito de confort” para posar la
vista con la mayor profundidad posible sobre las carencias que exhibimos y venimos
denunciando. Si no existe un razonable grado de “correspondencia” entre las refinadas
especulaciones científicas y las metas no alcanzadas en la legislación procesal
positiva la deuda sigue en pie y no saldremos de esta situación con voluntarismos.
Por lo pronto, ya lo anticipamos, debemos ser conscientes que necesitamos de otros
apoyos para impulsar y dar más vigor a los planos teoréticos ya decantados pero, a
riesgo de ser repetitivos, con escasos logros para el justiciable (que sigue padeciendo
modos de procesar y juzgar absolutamente vetustos), y sin “toma de registro” para los
que tienen el deber de dictar las normas para los procesos no penales para la región.
En otras palabras, y con vocación de síntesis: las necesidades de en una
época lejana en la que se instaló el árido debate doctrinal entre el “garantismo”
y “publicismo”, “activismo judicial” o “solidarismo” justificó que —otrora— fuera
necesario presentar, exponer y fundar las bases o paradigmas propios de la nueva
plataforma, que debía ser presentada para que percutiera sobre la comunidad
científica y los legisladores de turno. Si bien la comunidad científica mira con respeto
los avances teóricos del Garantismo (aunque los publicistas no los compartan, pero
si los consideran como planteos dotados de seriedad), los legisladores regionales,
lo iteramos a riesgo de ser reterativos, no han tomado nota de los beneficios que
representaría un proceso en el que las partes re-asuman una posición central, y en
donde los sistemas de procesamiento y juzgamiento dejen de lado las ficciones que
son connaturales con los sistemas publicistas y posibiliten al juez una tarea mucho
más cognoscitiva que la que hoy detenta. Y no se llegará a conocer sobre el conflicto
apelando a una suerte de salida facilita: ni las pruebas de oficio (que se usan muy
raramente) ni las medidas para mejor proveer (también poco utilizadas) lograrían
tumbar los muros ficcionales que en los procesos publicitas quedan acorralados los
jueces. Es todo el modelo que encarna un código publicista el que genera un marco
de alejamiento del juez del universo cognitivo.

3 Las antinomias que exhiben los sistemas de


procesamiento y juzgamiento publicistas
En los sistemas publicistas, en los que se proclama que el juez debe acceder
a la “verdad real”, esta jamás podrá alcanzarse con las vetustas normas (de los
también vetustos) códigos procesales, que apuntan en sentido contrario. Al calor del
ideario que el “proceso es un mal en sí mismo”, que es un “mal para la sociedad”,

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Los nuevos desafíos doctrinarios y normativos de la teoria garantista de cara al siglo XXI

que ese mal es superior al mal de la disputa entre los litigantes no podrá arribarse a
buen puerto en modo alguno.
Así, institutos como la acumulación de cargas procesales, que exigen la afirmación
y el ofrecimiento de los medios de prueba en el mismo acto, situación que impide exponer
adecuadamente la teoría del caso y exige que las partes salgan a probar en un esfuerzo
inútil y desmedido, ya que la prueba no recae sobre los hechos contradichos sino sobre
sus propias afirmaciones; notificaciones ficcionales (notificación automática), en donde
las partes no toman real conocimiento de actos esenciales del proceso, la caducidad de
instancia, que implica la negación a resolver el conflicto, las negligencias probatorias, la
limitación en el número de testigos, límites para denunciar hechos nuevos, trabas que
alejan al juez del conocimiento de los hechos, entre otras vallas que ponen lejos, muy
lejos la proclamada meta de la verdad real.
Y el abismo se profundiza, como ya lo dijimos, cuando los publicistas pretenden
compatibilizar la falsaria idea de la verdad real o la justicia pantónoma (que en sus
creencias puede ser alcanzada en procesos no penales), con el paradigma que
venimos denunciando que es quizás el que más daño a provocado al pensamiento
procesal contemporáneo. Ese paradigma por sí solo, y mucho más al ser replicado
en normas positivas (todas las denunciadas en el parágrafo anterior), tornan muy
inconsistentes a los códigos forjados en la falsaria tesis…que el proceso es un
mal en sí mismo... (sic). Esta extravagancia dogmática lo ha descalabrado todo. La
concepción proviene de Frank Kleín (tantas veces alabado por la doctrina publicista),
sin advertir que, o se busca la verdad real y ese es el ideario de un código publicista,
(y, por tanto, se eliminan todas las ficciones antes denunciadas), o se colocan todas
estas ficciones porque, terminamos convencidos que “el proceso, al ser un mal en
sí mismo, es un mal para la sociedad aún mayor que para los propios litigantes” y si
esto es así, debe terminar cuanto antes (y “a como fuere”) sin importar casi en nada
que correspondencia tiene la verdad procesal con lo acontecido en la realidad.
Concluyendo: si toma por este rumbo del proceso como un “mal” es casi
obligatorio dejar de lado la “pancarta” del deber del juez de arribar a esa inasible
verdad. De modo indudable, el cúmulo de ficciones no le permiten alcanzar a la
jurisdicción los grados mínimos de conocimiento necesarios para fallar con las
herramientas que necesita para acceder a ciertos niveles de correspondencia
entre los hechos expuestos por las partes y el producto que generan los procesos
publicitas-ficcionales.

4 La teoría garantista y el derecho procesal constitucional


Frente a tanto desmadre doctrinario y normativo es claro se debían transitar
otros senderos. El éxito del garantismo haber demostrado las inconsistencias de
la teoría y la codificación procesal no penal publicista, bien mirado, es un punto de
partida no una meta. Pero existen otros puntos de partida a los que debemos apelar.

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Omar A. Benabentos, Mariana Fernández Dellepiane

Parece inexorable (para auto-fortificarnos) que la corriente procesal garantista


exprese su correspondencia, es más, su integración con una nueva rama de estudios
de nuestra ciencia (y de reciente factura): el Derecho Procesal Constitucional. Es
que la hermandad propuesta no convendría solo por la empatía entre las consignas
dogmáticas, es un espejo que conviene reflejarnos por otras razones. Una de ellas
es porque los procesalistas constitucionales sí están haciendo bien sus tareas. En
ese camino, están produciendo códigos procesales constitucionales en varios países
de la región, y a estos productos normativos le debemos sumar nuestra impronta
garantista. Tenemos una deuda para convocar los mentores de esta disciplina que la
alimentan lejos de nuestra mirada. Tenemos en mente a Eduardo Mc Gregor, Osvaldo
Gozaini, García Belaunde, Jorge Sagúes, Daniel Sabsay; Adelina Loiano, entre tantos
otros connotados impulsores de esta rama.
Entonces, y como mínimo, aspiramos a integrar ambos planos epistémicos de
estas ramas y esbozar una línea conductora común a este nuevo espacio intelectual.
De nada nos sirve entrar en la estéril discusión si el derecho procesal constitucional
tiene autonomía científica, es un apéndice del derecho procesal, o una vertiente del
derecho Constitucional. Lo dicho, y sin mezquindades: esta disputa no lleva a nada
positivo. Es que es exacto que el derecho procesal (civil y penal), como lo expresara
—hace años— Franciso D Albora: “es una suerte de “sismógrafo” que detecta si las
garantías que emanan del bloque constitucional son respetadas por la codificación
procesal vigente”. La referencia, además de ser muy válida, alimenta una de las
apuestas urgentes para el proceso civil del siglo XXI y, en especial, para nuestra
corriente (que nos llevaría a acortar los caminos para saldar alguna de las deudas
pendientes). Es que sería un buen modo de comenzar a saldarlas el lograr, para los
procesos no penales, la misma compatibilidad (y respeto) que se alcanzó entre el
derecho constitucional y el moderno derecho procesal penal de cuño acusatorio (hoy
plenamente congraciado con el diseño Constitucional actual).
Se exhorta a tomar nota que las alteraciones filosóficas, dogmáticas y normativas
que han producido, reposicionado y expandido al derecho procesal constitucional
deberían repotenciar —a la par y por ser afín— al derecho procesal no penal. El
derecho procesal constitucional es un ámbito amigable, y deberíamos verlo como
una campo propicio en donde podemos incursionar desde el procesalismo los que
estamos alineados a las filas garantistas.
Adicionalmente, resulta más que peligroso ceder en este campo, en el del derecho
procesal constitucional, y no dar allí también nuestra batalla ideológica, precisamente
donde deberíamos estar presentes. Los procesalistas de origen garantista —casi
extrañamente— no nos hemos sumado a la corriente de constitucionalistas y
procesalistas que se enrolan en esa parcela de nuestra ciencia. Por esa enigmática
ausencia, y porque tenemos claro que debemos inscribir nuestra presencia activa en
este nuevo segmento del pensamiento procesal, es que nos sentimos especialmente

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Los nuevos desafíos doctrinarios y normativos de la teoria garantista de cara al siglo XXI

autorizados para sostener esta urgente alineación. La cercanía nos servirá para
demostrar que la doctrina publicista se encuentra con graves problemas para
demostrar como un “derecho constitucional procesalizado” puede ser conciliable con
normas positivas inspiradas en la rancia corriente activista.
Si ese pensamiento se hace carne entre nosotros, el de ocupar espacios, proponer
códigos procesales constitucionales (desde otra mirada, ya varios códigos procesales
constitucionales contienen propuestas publicistas, con el riesgo que ello conlleva), y
si tenemos presente que el derecho procesal constitucional es la parcela de nuestra
ciencia que más empuje ha tomado en estas últimas décadas, podemos mantener la
esperanza que la teoría garantista, siendo compatible en un todo con el derecho procesal
constitucional (y dejando los recelos menores de lado) servirá para ampliar el ámbito
de debate y llevarnos tanto a la redacción conjunta, no sólo de códigos procesales no
penales, sino a la construcción de los Códigos Procesales Constitucionales que se
están esparciendo por la región con nuevos paradigmas epistémicos.

5 Referencias sobre los nuevos paradigmas que sustentan


al derecho procesal constitucional y su compatibilidad
con modelo garantista o acusatorio para el proceso civil
Así planteados los hechos, hurgar en la historia y en el nacimiento del derecho
procesal constitucional es en alguna medida hablar también de la historia del
Garantismo Procesal y proponer y dar lugar a nuestras exhortaciones es aplicable
a ambos espacios. Así que el análisis que se efectúa comprende ambos ámbitos y
tiene fertilidad, en nuestro concepto para reubicarnos y expandir nuestros fueros, pero
además cumple con el norte de poner en alerta a los procesalistas constitucionales
sobre valor que deben darle a sus conquistas y los riesgos que se tienen de perderlas.
Nuestra visión crítica del poder, de todo poder, ayuda y mucho en esta empresa.
El pensamiento ilustrado, que se ha renovado a partir de la mitad del siglo
XX, generó otros espacios en el discurso jurídico, impregnándolo de un ideario neo-
humanista. El dato relevante es que estos remozados paradigmas reposicionaron
al hombre, a la persona humana, como el núcleo del que nacen, convergen y se
irradian un haz de derechos fundamentales. En paralelo, impuso a los gobernantes
de turno un poderoso freno para la negación o recorte de esos derechos humanos
fundamentales (entre ellos —de suyo— los procesales).
Se trata de un esquema discursivo satisfactoriamente consolidado que reposa
en la dogmática y la normativa constitucional de estas últimas décadas. En la misma
línea, en ese respeto irrestricto por la dignidad de la persona humana, no se ha
desentendido de un plano más que sensible: cuando el individuo se transforma

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Omar A. Benabentos, Mariana Fernández Dellepiane

en justiciable, por verse afectado por un conflicto de relevancia jurídica. En esta


instancia las garantías procesales han sido elevadas al rango de derechos humanos
fundamentales y, en nuestro entender, sólo se encuentran lo suficientemente
amparadas por los sistemas de procesamiento penal de cuño acusatorio que hacen
operativo el discurso jurídico sustancial del constitucionalismo.
Y estas atalayas no han sido el producto de situaciones casuales, sino de una
cadena causal de hechos, algunos de ellos inmersos en la tragedia de la especie
humana. En efecto, para que se produzca ese esperado florecimiento de ideas
progresistas, la humanidad tuvo que superar y aprender de unas de sus más amargas
experiencias históricas: el cataclismo de las dos guerras mundiales y, en especial,
de la segunda de estas contiendas “pandémicas”. La sin razón del conflicto bélico
planetario dejó tras sí la trágica estadística de más de cincuenta millones de personas
inmoladas e, indudablemente, marcó “un antes y un después” en pensamiento
jurídico contemporáneo. El después es la era de “los derechos en serio” que nos
habla Dorkwin. Los exóticos idearios del Facismo, Nazismo y del Comunismo, con sus
perversas consignas encarnadas en la supremacía del “Estado” sobre el individuo
(al insuflo de filosofías de corte Hegeliano o Marxistas) se derrumbaron como un
castillo de naipes conjuntamente con la derrota militar de las “derechas” y, luego,
terminó su demolición con la paulatina extinción de los totalitarismos de izquierda.
Sobre las ruinas humeantes de una Europa desbastada ya no quedaba margen a
la especulación filosófica-jurídica que coqueteó, si se nos permite la expresión,
con peligrosas doctrinas, en donde el individuo quedaba empequeñecido frente al
aparato del poder estatal. Se adquirió la certeza de hasta qué extremos puede llegar
la perversidad de quién ostenta el poder sin límites, y se tomó nota de la fascinación
de las masas hacia “líderes del mal” que llevan al estupor, por haberse instalado
pensamientos autoritarios en naciones centrales que tenían un pasado impregnado
de tintes democráticos (Italia y Alemania).
Hoy se ha aprendido hasta donde la legislación paleo-positivista, como le gusta
denominarla a Ferrajoli, entre otros factores, hace de “las suyas”, y como fue (y
todavía puede ser) capaz de instalar modelos que potencian o hacen abdicar a las
personas frente al “poder” (sea este ejecutivo, legislativo o judicial).
Otorgar cheques en blanco al “poder” y a los hombres de carne y hueso que
lo ostentan nunca fue ni será una idea buena. Hacerlo es pecar de una ingenuidad
absoluta o, en todo caso, es demostrativa de la resignación del hombre, que no
asume su libertad existencial y busca ceder la misma frente al poderoso de turno.
Esa “fascinación de las masas” que nos habla Erich Fromm, en su libro quizás más
preciado, “El Miedo a la Libertad”, demuestra cómo las mismas pueden ser seducidas
—hasta con cierta facilidad— y conducidas a un auto-asumido holocausto, una vez
que se ha producido esa transferencia de nuestra libertad a quienes entienden deben

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Los nuevos desafíos doctrinarios y normativos de la teoria garantista de cara al siglo XXI

gobernar, legislar o juzgarnos sin límites razonables. Esto ocurrió en el pasado,


pero con otra intensidad —y sin tan funestas consecuencias— la transferencia de
nuestra libertad sigue estando entre nosotros. Esto explica por qué sistemas de
procesamiento autoritarios han sido bendecidos sin mayores críticas por quienes en
última instancia deben sufrirlos.
Sin embargo no todo es tan oscuro, advertimos que, cuando la humanidad
se aproxima al abismo, el espíritu de supervivencia de la especie provoca una
natural reacción. Tanto en el ámbito interno como en el concierto de las Naciones,
las respuestas jurídicas apuntaron urgentemente a poner freno al poder y, por fin,
tomó suficiente cuerpo y vigor la tesis sobre los derechos humanos fundamentales,
inalienables e imprescriptibles como los tipifica Luigi Ferrajoli.
De cualquier forma, hoy, lo que se ha construido pacientemente en torno a
los derechos humanos y a los derechos humanos procesales debería ser tomado
con cierta prevención, y no confiarnos que “la batalla esté ganada”. Es que el grado
de autenticidad o complacencia del poder político para ceder espacios a favor del
“hombre de pie” y la resignación a ceder una parte de su potestad, puede ser un acto
genuino o, bien, expresa tan solo la resignación ante lo “inevitable”. No somos ni
debemos ser cándidos con el ejercicio y el manejo del poder. La historia enseña que
casi siempre el mismo no se utiliza a favor de los pueblos, sino de quién lo detenta.
Si a esto le sumamos la tendencia denunciada a “ceder poder al poder”, el cocktail
es bien que preocupante.
De allí que la faena de los juristas y del saber de nuestra ciencia debe ser de
una actitud de prudente reparo y de chequeo para que no se debilite un andamiaje de
legalidad, de constitucionalidad y, en lo que nos interesa en especial, de racionalidad
en el modo de procesar y juzgar a las personas en un ámbito de pleno respeto de
sus garantías para debatir. Los sistemas de enjuiciamiento acusatorios en el ámbito
del proceso penal han librado duras batallas por imponer un concepto que debió
decantarse mucho más fácilmente (de no tener que lidiar con culturas autoritarias). En
un ámbito donde el hombre ocupe el centro del sistema de procesamiento, el imputado
de un delito (o el demandado en los procesos civiles), a partir del reconocimiento de
su estado de inocencia, sea procesado y juzgado con todas las garantías del debido
proceso legal para que, sencillamente, cuando recaiga la sanción (penal o civil),
cuando se prive o se adjudique un bien de la vida jurídica al término de ese proceso,
la expresión de la jurisdicción este suficientemente legitimada o validada.
Y si nos detenemos en el modo que (aún) se siguen comportando los centros
de “poder planetario” (para decirlo en las palabras Eugenio Zaffaroni), si observamos
cómo funcionan las supuestas democracias, en mucho de los casos solo se remiten
al modo de elección de los que los gobernarán, pero que, una vez ungidos de esa
potestad para conducir nuestros inciertos destinos, son los pueblos quienes deben

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 405-418, abr./jun. 2015 415
Omar A. Benabentos, Mariana Fernández Dellepiane

sufrir a los dirigentes que, una vez electos, se transforman en “aristócratas”, se


apropian del “Estado” y se embriagan con las mieles del “poder”.
Otro tanto ocurre en amplias capas de la judicatura regional que, con las
honrosas excepciones, no suelen escapar a las variables perversas que alimentan
el ejercicio del poder, en este caso, del ominoso poder de decidir sobre los bienes
jurídicos que afectan a los enfrascados en un litigio. Si se alienta al que decide, al
juez, a que pude hacerlo sin asumir el estricto respeto por un cúmulo de garantías
que no pueden quebrarse (si es que se quiere legitimar el derecho a punir penal
o civilmente), a santo que su fallo debe ser justo y compatible con la verdad, se
vuelve a recorrer ese sendero de ingenuidad y de complacencia frente al poderoso,
y se cae en el no menos riesgoso sendero de presumir que quien los juzga es un
ser “bueno” y que utilizará esa bondad funcionalmente. Y si, para ello, se reitera,
debemos cederle mayores espacios de poder, no deberíamos preocuparnos, porque
ese juez será justiciero y virtuoso en todos los casos. Se insiste, razonar así es una
auténtica ingenuidad epistemológica, psicológica, sociológica y, de suyo, jurídica.
Estas ideas que vamos expresando conforman un mínimo muestrario de los
peligros de coquetear con el “poder”. Por cierto que justifica que tomemos hoy tantas
o más precauciones como las que se generaron otrora (mientras se terminaban de
depositar la cenizas de las deflagraciones universales y se pensaba que el autoritarismo
había firmado su carta de defunción). Hoy, en el mundo civilizado, no hay espacio para
más tentaciones de ceder el poder a los gobernantes, pero si persiste la antinomia de
depositarlo con toda candidez cuando ese poder es el judicial. Desde siempre hemos
quedado absortos ante esta ingenuidad y resabio de la “fascinación hacia el poder”.

6 Conclusiones
Para ir resumiendo sobre el sentido y razón de ser de nuestra ponencia
expresamos que la filosofía, la dogmática, el ideario y la imposición de “los blindajes
constitucionales” y el respeto a las mandas de los derechos humanos fundamentales
de todas las personas, si bien son conquistas muy valiosas, no nos alejan de nuestras
cavilaciones sobre la permanente tensión entre el individuo y los que gobiernan, que
son los que pueden poner en serios riesgos de ser suprimidos o atenuados estos
logros. Y esa tensión es verificable, muy a nuestro pesar, frente a la seducción que
sigue ejerciendo el aceptarlos en lo formal, pero negarlos en la realidad, en especial
por parte de los poderes ejecutivos de ciertos Estados de la región (aunque en el
discurso político se proclame lo contrario).
Y desde el costado que más nos interesa: es un dato concreto que el poder
judicial también puede contaminarse de este ideario y entender que los derechos
fundamentales procesales ceden si el precio de su respeto puede mellar el “ideal
de justicia” que tiene ese juez y la “búsqueda de la verdad en el proceso” que ese

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Los nuevos desafíos doctrinarios y normativos de la teoria garantista de cara al siglo XXI

juez proclama como valor absoluto. Sabemos desde donde venimos (en nuestro
pasado remoto y reciente), y desde donde venimos no es precisamente una fuente
de tolerancia, de democracia auténtica y sentido de la responsabilidad de las clases
gobernantes (de todos los poderes), sino todo lo contrario. Estará en nosotros
identificar hacia donde van realmente las democracias constitucionales, y prestar
más atención aún a la posición que se le adjudique a quienes tienen la ominosa
misión de juzgarnos. Nos debe quedar en claro hacia a donde apunta La juridicidad,
el modo de procesar y juzgar que impera o imperará en la región. Está en juego que
el discurso sobre los derechos humanos procesales no se quede sólo en expresiones
de deseos intangibles para el justiciable.
En todo caso la apuesta nos trasciende: que todo lo que se construya de
ahora en más, y todo lo construido, no sea para alimentar nuestra vanidad científica.
Esencialmente debe mirar a los destinatarios del sistema, ellos son los que deben
recobrar la confianza perdida, y más concretamente el justiciable, sobre todo en aquello
que hemos edificado los procesalistas para la solución de los conflictos jurídicos. No
tomar nota que todo lo que se ha diseñado en los sistemas normativos procesales
no penales en la región y todo lo actuado por la judicatura merece para el hombre
de la calle un serio y sostenido reproche. En últimas, ignorar el reproche es una
huida hacia delante y ser fugitivos de una realidad que no queremos (o no podemos)
cambiar. En las ciencias no se insiste (o no se debería insistir) en recetas que no
trajeron los resultados esperados. Algo diferente, tanto en lo normativo, como en los
nuevos espacios del procesalismo moderno debemos ocupar, y urgentemente, los
enrolados en la corriente garantista. Es lo que se nos está exigiendo. Sencillamente
deberíamos redoblar nuestros esfuerzos para “dar la talla”. Será en todo caso en el
ámbito de estos Congresos, en donde concurren lo más distinguido del pensamiento
procesal de la región, el espacio adecuado para la auto-reflexión, o mejor aún, para
las críticas, las apuestas, la exhortación a tomar los riesgos que, más temprano que
tarde, deben ser tomados por la comunidad científica para mantener un estándar
mínimo de credibilidad (que hoy decididamente no hemos alcanzado).
Nos permitimos, para cerrar, apelar a unas reflexiones vertidas en la tesis
doctoral (para cobijarnos en reconfortante ámbito de las ideas son propias de la
pura la teoría, que en este caso nos hemos negado a abordar, pero, finalmente, nos
tentamos de no cerrar nuestra ponencia sin una breve incursión por este sendero y
expresar algo sobre el ideal que expresa el garantismo).
Si, compelidos por buscar en unas pocas palabras que entendemos o cual es
la esencia del “Garantismo Procesal”, diríamos:…El proceso es garantía de libertad.
Si el proceso se resolviera en consideración al subjetivismo del juzgador, como fruto
de su voluntad, sería arbitrariedad y opresión. La sentencia, dictada de acuerdo a lo
afirmado, negado y confirmado en la causa es garantía y prenda de libertad. No es

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Omar A. Benabentos, Mariana Fernández Dellepiane

el producto del capricho o el libertinaje del Juzgador, no es turbulencia del alma. La


sujeción a las reglas del debido proceso es opción y elección. Un proceso que se falla
de acuerdo a sus constancias coloca al juzgador en una conducta de conformidad con
un sistema de legalidad. Para poder ser libres en una sociedad los juzgadores deben
garantizarnos que serán esclavos de la ley, no de sus ideas, tendencias, caprichos
y valores propios”. Esa apuesta a la libertad bien entendida es la que le otorga
legitimidad y sustancia al derecho procesal garantista. En todo caso, representa una
visión compatible con el estado de derecho democrático y liberal y, en la medida que
propone una sujeción de los poderes del Estado al orden constitucional y legal que
juraron aplicar, desmitifica a la labor jurisdiccional, la aleja de objetivos quiméricos
y busca insertarla en la realidad, la humildad y la sensatez que concede el saber (la
función cognoscitiva del juez) y que el “poder” (la función autoritaria del juzgador) de
ordinario suprime.

Referencias
BENABENTOS, Omar Abel, Teoría General Unitaria del Derecho Procesal, 1ª. ed., Ed. Juris, 2001,
Rosario, Argentina
BENABENTOS, Omar Abel, El Garantismo Procesal, Tesis Doctoral, Biblioteca de la Facultad de Derecho
de la Universidad nacional de Rosario (sin publicar editorialmente).
CIPRIANI, Franco, En el centenario del reglamento de klein (EI proceso civil entre libertad y autoridad).
Bari, Italia, 1995. Separata publicada por la Academia de derecho y de altos estudios judiciales,
Biblioteca virtual, año 2000.
FERRAJOLI, Luigi, Derecho y Razón, 3ª. ed., Ed. Trotta, 1998, Madrid, España
FROMN, Erich, El miedo a la Libertad, Editorial Paidós, España, 2006.
FERNANDEZ DELLEPIANE, Mariana, tesis de Magister, Concepto Moderno de la Acción Procesal,
Biblioteca de Facultad de Derecho, Universidad Nacional de Rosario.
MANTILLA PINEDA, Benigno, Filosofía del Derecho, Ed. Temis, 1996, Bogotá, Colombia.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

BENABENTOS, Omar A.; FERNÁNDEZ DELLEPIANE, Mariana. Los nuevos desafíos


doctrinarios y normativos de la teoria garantista de cara al siglo XXI. Revista
Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 405-
418, abr./jun. 2015.

418 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 405-418, abr./jun. 2015
Garantia da motivação das decisões no
Novo Código de Processo Civil brasileiro:
miradas para um novo processo civil1

Paulo Henrique dos Santos Lucon


Professor Doutor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP) nos Cursos de
Graduação e Pós-Graduação, Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual,
Vice-Presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo. Especializou-se em Direito
Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade Estatal de Milão junto ao Professor
Giuseppe Tarzia. Integrou a Comissão Especial do Novo Código de Processo Civil na Câmara
dos Deputados. Foi Juiz do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo de 2004 a 2011.

Sumário: 1 Motivação das decisões no Brasil – 2 Limites impostos pela motivação – 3 O contraditório como
princípio estruturante do processo – 4 Identificação das decisões imotivadas – 5 À guisa de conclusão

1 Motivação das decisões no Brasil


No Brasil, a motivação constitui requisito de validade das decisões jurídicas
por expressa determinação constitucional (CF/88, art. 93, inc. IX). No âmbito
infraconstitucional, o Código de Processo Civil brasileiro de 1973 estabelece como
um dos requisitos das decisões judiciais a exposição pelo juiz dos fundamentos que
conduzem ou não ao acolhimento do pedido do autor (CPC/1973, art. 458, inc. II).
A mesma ideia consta do Novo Código de Processo Civil, mas com uma amplitude
bem maior, já que, além de mencionar que são elementos essenciais da sentença os
fundamentos “em que o juiz analisará as questões de fato e de direito” (CPC/2015,
art. 489, inc. II), estabelece em seis incisos o que não se considera motivação
(CPC/2015, art. 489, §1º, incs. I a VI). No exercício de sua jurisdição, os tribunais
brasileiros de sobreposição, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de
Justiça, na tentativa de dar concretude a esses dispositivos, elaboraram algumas
máximas para orientar a sua aplicação. O Supremo Tribunal Federal, por exemplo,
considera motivada decisão mesmo que dela não conste um exame pormenorizado de
cada uma das alegações ou provas suscitadas e produzidas pelas partes.2 De acordo

1
Agradeço ao mestrando e colega de Escritório, André Gustavo Orthmann, pelo auxílio na pesquisa e pelos
debates que redundaram nas conclusões do presente ensaio.
2
Ver: STF, Repercussão Geral na QO no AI nº 791.292/PB, rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 23.06.2010; STF,
RE nº 418.416/SC, rel. Min Sepúlveda Pertence, j. em 10.05.2006; STF, MS nº 26.163/DF, rel. Min. Cármen
Lúcia, j. em 24.04.2008. Cumpre, no entanto, registrar entendimento divergente do Min. Marco Aurélio

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 419-436, abr./jun. 2015 419
Paulo Henrique dos Santos Lucon

com essa orientação, para esse Tribunal, também deve ser considerada motivada
decisão que se limita a se reportar aos fundamentos de outra decisão, a chamada
e tão controvertida motivação per relationem.3 O Superior Tribunal de Justiça, a seu
turno, não considera nula a decisão motivada de maneira sucinta ou deficiente.
Da análise que se faz dessas máximas e das decisões que as deram origem,
constata-se que a preocupação maior dos tribunais brasileiros ao julgarem adequada
ou não determinada motivação é não sobrecarregar os magistrados no exercício de
sua função judicante. O excesso de processos no Brasil é uma realidade terrível; são
quase 100 milhões de processsos, muitos dos quais o próprio Estado figura como
litigante. Essa pressão para dar vazão à demanda provoca uma inegável perda de
qualidade das decisões judiciais, pois uma fundamentação exauriente de todos os
elementos da controvérsia exige dedicação do magistrado à causa.
Este ensaio procura analisar a adequação da motivação, não sob essa
perspectiva, preocupada com o gerenciamento do Poder Judiciário, mas sim sob a
ótica do garantismo, ou seja, da proteção dos jurisdicionados, com o propósito de
demonstrar o seguinte teorema: não pode ser considerada motivada a decisão que
de alguma forma impossibilite o exercício do contraditório.

2 Limites impostos pela motivação


A necessidade de justificar determinada escolha impõe restrições ao
subjetivismo de qualquer tomador racional de decisões. Ciente de que deve explicitar
o seu convencimento, o julgador que se pretende racional é constrito a não decidir
com base em fundamentos que não podem por ele ser expostos, sob pena de se
caracterizar como arbitrária a sua decisão. Se essa lógica se aplica em qualquer
âmbito decisional, com maior razão isso ocorre nos casos em que se estabelece
uma relação que revela determinada forma de manifestação do poder estatal.4 Os

externado quando do julgamento do AI nº 791.292/PB QO-RG: “Presidente, reporto-me ao voto proferido no


caso antecedente e ressalto cumprir ao Judiciário emitir entendimento explícito sobre todas as causas de
defesa, sobre todos os pedidos formulados pela parte. O órgão judicante não está compelido a fazê-lo apenas
quando o que articulado se mostre incompatível com o entendimento já adotado no pronunciamento judicial.
Lembro-me de que certa vez me deparei, em nota de rodapé de uma publicação do Código de Processo Civil,
com um precedente que considerei perigosíssimo. Segundo assentado, o juiz não é um perito e, portanto, não
precisa se manifestar sobre todas as matérias de defesa veiculadas pela parte. Digo que o juiz é um perito na
arte de proceder e na de julgar e que não existe prestação jurisdicional aperfeiçoada se não se examinarem,
até para declarar a improcedência, todos os pontos enfocados pela parte” (grifos nossos).
3
Ver: STF, AgRg no RE nº 628.511/SP, rel. Min. Celso de Mello, j. em 26.08.2014; STF, EDcl no AgRg no AI nº
825.520/SP, rel. Min. Celso de Mello, j. em 31.05.2011; STF, AgRg no AI nº 738.982/PR, rel. Min. Joaquim
Barbosa, j. em 29.05.2012; STF, AgRg no AI nº 816.840/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 02.12.2010.
4
Ver: “[N]ella societa piu progredita l’imperium non ama scendere ai cittadini con la veste rude d’una volonta
che se impone violentamente, ma in ogni campo dell’attivita dello Stato cerca l’aiuto d’un ragionamento che gli
dia un imponderabile forza di natura ben diversa, una forza che parla all’anima e la convince e le fa riconoscere
giusto il provvedimento dell’autorita” (MENESTRINA, Francesco. La pregiudiziale nel processo civile. Milano:
Giuffre, 1963. p. 31). Nesse mesmo sentido: “La motivazione è prima di tutto la giustificazione, che vuol

420 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 419-436, abr./jun. 2015
Garantia da motivação das decisões no Novo Código de Processo Civil brasileiro...

agentes públicos em um Estado Democrático de Direito devem não só atuar segundo


os ditames da sua Constituição como devem também tornar público o porquê de agirem
assim. Essa tarefa, contudo, torna-se cada vez mais complexa nos dias atuais diante
da hiperinflação legislativa e, em especial, da utilização pelo legislador de termos
jurídicos indeterminados para regulamentação das condutas sociais. A investigação
sobre as causas desses fenômenos extrapola os limites deste ensaio. Interessa-nos
tão somente a análise de seu impacto na atividade judicial de justificativa das decisões.
Instado a aplicar dispositivos versados em termos indeterminados, o magistrado
não mais passa a dispor da subsunção como técnica por excelência de seu raciocínio.
A mera aplicação da lei ao caso concreto, a exigir do julgador a explicitação do nexo
de pertinência entre as fattispecie abstrata e concreta, é então substituída por
uma atividade complexa de justificação em que o magistrado deve, dentre outras
atividades, (i) demonstrar o significado por ele atribuído a cada um desses termos
indeterminados, (ii) realizar juízo de ponderação, quando diante de conflito entre
normas com caráter de princípio e (iii) indicar o estado ideal de coisas a ser promovido
com a sua decisão. Caso assim não proceda, o magistrado tende a justificar suas
decisões com base em expressões vazias que bem poderiam ser empregadas em
uma miríade de casos diversos.5
Diante desse contexto normativo, o maior desafio dos juízes, em especial
daqueles que compõem os Tribunais Superiores, é utilizar em suas decisões
fundamentos universalizáveis, não particularistas, que possam ser replicados em
decisões futuras, promovendo-se, com isso, a dispensa de tratamento isonômico
aos jurisdicionados.6 Esse reconhecimento dos Tribunais Superiores como Cortes
de Precedentes, responsáveis também pela criação de direito na medida em que
dão concretude aos dispositivos legais, implica dever correspondente imposto aos

essere suasiva, della bontà della sentenza. Da quando la giustizia è scesa dal cielo in terra e si è cominciato
ad ammettere che il responso del giudice è parola umano e non oracolo sovrannaturale e infallibile che si
adora e non si discute, l’uomo ha sentito il bisogno, per accertar la giustizia degli uomini, di ragioni umane; e
la motivazione è appunto quella parte ragionata della sentenza che serve a dimostrare che la sentenza è giusta
e perchè è giusta: e a persuadere la parte soccombente che la sua condanna è stata il necessario punto di
arrivo di un meditato ragionamento e non frutto improvvisato di arbitrio e di sopraffazione” (CALAMANDREI,
Piero. Processo e democrazia. Padova: CEDAM, 1954. p. 96).
5
Ver: “A observação de Franz Neumann no Behemoth [1942: 360-361] é primorosa: as frases ‘são nulos os
contratos contrários à ordem pública, ou que sejam contrários à razão ou à moral’ e ‘será punido quem pratique
um ato que a lei declara punível ou que, de acordo com os princípios de uma lei penal e de acordo com um
saudável sentimento popular, merece punição’ não são regras jurídicas. Não são racionais e representam uma
universalidade falsa, apesar do caráter geral de sua expressão. É frequente que a sociedade contemporânea
não possa chegar a algum acordo quanto a determinada ação ser contrária à moral ou não razoável, se uma
punição corresponde ou não ao saudável sentimento popular. Em outras palavras, esses conceitos carecem
de conteúdo inequívoco. E conclui: ‘um sistema legal que construa os elementos básicos de suas normas
a partir dos chamados princípios gerais ou padrões jurídicos de conduta não é senão um escudo que oculta
medidas individuais” (GRAU, Eros Roberto. Por que tenho medo dos juízes (a interpretação/aplicação do direito
e os princípios). 6. ed. refundida do ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo:
Malheiros, 2013. n. 11. p. 22-23).
6
Ver: MACCORMICK, Neil. Rhetoric and the rule of law. New York: Oxford, 2005. p. 78-100.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 419-436, abr./jun. 2015 421
Paulo Henrique dos Santos Lucon

magistrados das instâncias inferiores de justificar de maneira adequada a aplicação


da ratio decidendi de um julgado anterior aos casos em análise. A aplicação
desarrazoada de um precedente judicial produz decisões tão injustas como aquelas
que aplicam a lei para fatos nela não previstos.7
Independentemente desses novos desafios impostos aos magistrados, algumas
noções a respeito da atividade de justificação das decisões judiciais possuem caráter
atemporal, como, por exemplo, a necessidade de a motivação ser (i) expressa, sendo
vedada motivação implícita, por conta da violação que isso representaria ao imperativo
da publicidade dos atos estatais; (ii) clara, ou seja, desprovida de ambiguidades e
contradições; e (iii) logicamente sustentável. Na motivação deverão constar, portanto,
os fundamentos pelos quais o julgador decidirá desta ou daquela forma os pedidos
deduzidos pelo autor na petição inicial. Isso significa que a motivação tenderá a
espelhar o convencimento do julgador sobre o caso concreto, devendo ela, portanto,
abranger (i) a interpretação das normas legais e jurisprudenciais aplicadas; (ii) o
reconhecimento dos fatos; (iii) a qualificação jurídica da fattispecie e (iv) a declaração
das consequências jurídicas derivantes da decisão.8 Atendidos esses requisitos
mínimos pode-se afirmar que a motivação cumpre as funções que dela são esperadas.
A motivação, por um lado, tem grande importância sob o aspecto político de
legitimação do poder estatal, pois é exigência fundamental do Estado Democrático
de Direito e uma garantia contra o arbítrio:9 se os casos submetidos aos órgãos
jurisdicionais devem ser julgados com base em fatos provados e com a correta e
imparcial aplicação do direito vigente, só podem assim ser por meio da exposição
clara do caminho lógico que se percorreu para chegar à decisão.10A função precípua
da motivação, portanto, consiste em tornar possível o controle externo, exercido pela
opinião pública e pela sociedade em geral, sobre a correção da decisão judicial.
Essa é a chamada função extraprocessual da motivação.11 Sob o ponto de vista
endoprocessual, a motivação é reconhecida como um instituto que assegura um
melhor funcionamento do mecanismo processual. Isso porque, ao persuadir as
partes da justiça da decisão, a motivação reforça a autoridade da decisão tomada, e,
com isso, desestimula a parte sucumbente a impugná-la.12 Se isso não ocorrer e a

7
Ver: TARUFFO, Michele. Idee per una teoria della decisione giusta. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura
Civile. Milano, v. 51, n. 2, p. 315-328, 1997.
8
Ver: TARUFFO, Michele. La motivazione della sentenza civile. Padova: CEDAM, 1975, n. 5. Esp. p. 450.
9
Ver: é possível afirmar que essa função extraprocessual da motivação só se manifesta em um Estado de
Direito. Tanto é assim que a obrigatoriedade da motivação somente passou a ser prevista na legislação dos
países europeus a partir da segunda metade do século XVIII no arvorecer do iluminismo (TUCCI, José Rogério
Cruz e. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1987. n. 1. p. 1 e ss.).
10
Ver: LIEBMAN, Enrico Tulio. Do arbítrio à razão. Reflexões sobre a motivação da sentença. Teresa Alvim (trad.).
Revista de Processo, v. 29, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983. p. 80.
11
Ver: TARUFFO, Michele. La motivazione della sentenza civile. Padova: CEDAM, 1975. p. 334.
12
Ver: TARUFFO, Michele. La motivazione della sentenza civile. Padova: CEDAM, 1975. p. 374-375. A respeito
dos escopos da motivação — subjetivo, técnico e público —, TUCCI, José Rogério Cruz e. A motivação da
sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1987. n. 5. p. 21-24.

422 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 419-436, abr./jun. 2015
Garantia da motivação das decisões no Novo Código de Processo Civil brasileiro...

parte decidir impugnar a decisão que lhe é prejudicial, é a motivação que permitirá a
individuação de modo preciso dos vícios da decisão que constituirão os fundamentos
da impugnação, e por isso, conforme se verá nos próximos itens que seguem a este,
não deverá ser considerada motivada a decisão que subtraia da parte que sucumbiu
as informações necessárias ao exercício do contraditório.13
A motivação suficiente, assim, é garantia de um contraditório efetivo, capaz
de, por um lado, tutelar a parte beneficiada de maneira adequada, e por outro,
possibilitar uma reação da parte contrária com fundamentos mais sólidos, se eles
existirem. Apenas pontos colaterais ao litígio, não essenciais ou de importância
menor, irrelevantes ou de escassa relevância para o julgamento da causa é que
podem deixar de ser analisados pelo magistrado em seu exercício de justificação.
O que não se tolera, contudo, são as omissões no essencial, naquilo que poderia
inverter o resultado do julgamento. Isso viola os princípios, fórmulas e regras de
direito positivo atinentes à motivação da sentença, chocando-se de frente com a
garantia político-democrática do devido processo legal.14

3 O contraditório como princípio estruturante do processo


A concepção de processo como procedimento em contraditório15 ressalta o caráter
estrutural desta norma para o instrumento estatal de resolução de controvérsias.
Ausente contraditório, inexiste processo.16 Se há contraditório, mas este não é

13
Ver: TARUFFO, Michele. La motivazione della sentenza civile. Padova: CEDAM, 1975. p. 375-379; LUISO,
Francesco Paolo. Diritto processuale civile. 6. ed. Milano: Giuffrè, 2011. p. 43 e ss. v. I. José Rogério Cruz e
Tucci assim resume todas as funções desempenhadas pela motivação das decisões judiciais: “a motivação
deve ser expressa, clara, coerente e lógica, para demonstrar que o julgamento é legítimo, válido e justo. No
plano subjetivo, o órgão dotado de jurisdição, evidenciará a ratio scripta que se construíra em sua mente.
Persuadirá, outrossim, a parte sucumbente, mostrando-lhe que o decisum é resultado de verdadeira atuação
do ordenamento jurídico. Os motivos da sentença, já quanto à vertente de natureza técnica, propiciam a análise
crítica dos horizontes do julgado, ensejando, desse modo, a correta interposição de eventual recurso, bem como
melhor exame, pelo órgão ad quem, da justiça e legalidade das decisões a ele submetida. Do ponto de vista
constitucional, e, portanto, extraprocessual, vimos que a obrigatoriedade da motivação da sentença, sob controle
generalizado e difuso, pressupõe a efetividade das normas que garantem o direito de defesa e a imparcialidade
e independência do juiz” (A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1987. p. 147).
14
Ver: “non sarà necessário che la motivazione si soffermi su tutti i punti discussi dalle parti, ma dovrà dare
sufficiente e convincente ragione della conclusione a cui Il giudice è per venuto nella decisione della causa”
(LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile. 4. ed. Milão: Giuffrè, 1981. n. 270. p. 221. II).
15
Ver: FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale civile. 8. ed. Padova: CEDAM, 1996. p. 29.
16
Ver: O contraditório, portanto, pode ser considerado exemplo de norma a induzir comportamentos mesmo não
havendo um dispositivo específicos que lhe seja diretamente correspondente. Nesse sentido: “Em alguns
casos há normas mas não há dispositivo. Quais são os dispositivos que prevêem os princípios da segurança
jurídica e da certeza do Direito? Nenhum. Então há normas, mesmo sem dispositivos específicos que lhes
deem suporte físico” (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. cap. 2. n.
2.1. p. 30-31). Ver, nesse mesmo sentido: “La causa giustificatrice del principio del contraddittorio si rinviene
nel normale carattere bilaterale della domanda che ha per destinatari il giudice e colui nei cui confronti chi
propone la domanda pretende che il provvedimento richiesto produca i suoi effetti. La legge dialettica cui è
ispirato il processo imprime carattere recettizio alla domanda, nel senso che il provvedimento non può essere
emanato se la domanda non è stata portata a conoscenza sia del giudice sia della controparte” (PISANI,
Andrea Proto. Lezioni di diritto processuale civile. 5. ed. Napoli: Jovene, 2012. cap. V. n. 3. p. 200 e ss).

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Paulo Henrique dos Santos Lucon

respeitado como deveria, está-se, então, diante de um processo que não pode ser
definido como justo.17 De acordo com a atual configuração do Estado Constitucional,
não se pode conceber que qualquer decisão judicial, independentemente da matéria
nela versada, inclusive aquelas que versem a respeito de questões cognoscíveis
de ofício, seja tomada sem prévia manifestação das partes a respeito. Essa é uma
diretriz a ser observada em todo e qualquer processo, ainda que observada em graus
de jurisdição distintos. A propósito, já há muito tempo o art. 16 do Novo Código de
Processo Civil francês estabelece o dever de o juiz fazer observar o contraditório,
inclusive no que diz respeito às matérias suscitadas de ofício, ocasião em que deve
às partes ser franqueada ampla participação.18 O mesmo ocorre, aliás, no Brasil, com
o Novo Código de Processo Civil, já que de acordo com o art. 10 desse novo diploma
“o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a
respeito do qual não se tenha dado à partes oportunidade de se manifestar, ainda
que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.
O contraditório, assim, não é a ciência apenas bilateral (pelos sujeitos parciais
do processo) dos atos e termos do processo, mas é a ciência de tais atos por todos
os sujeitos da relação jurídica processual. O principal destinatário do contraditório é o
juiz, que deve observá-lo a todo o momento ao longo do arco procedimental. Eventual
infringência ao contraditório não permite o exercício da ampla defesa e provoca
violação frontal à garantia do devido processo legal. É certo que o contraditório é
pautado pelo binômio informação-reação, mas enquanto a informação deve estar
sempre presente, a reação é eventual e depende da iniciativa da parte, nunca de
um ato de poder, que seria absolutamente ilegítimo. Assim, poder-se-ia definir mais
precisamente o contraditório pelo binômio informação necessária-reação possível. Por
isso, a citação, por exemplo, assume um papel de extrema relevância no processo
civil, pois ela viabiliza o contraditório. Nulidade e inexistência de citação são vícios
tão graves, portanto, que podem ser aduzidos a qualquer tempo no processo, e até

17
Ver: a doutrina italiana se ocupa deste tema em especial por conta do art. 111 de sua Constituição: “Se,
allora, l’accento cade — più che sulle caratteristiche di completezza o sui profile di analiticità della rispettiva
regolamentazione per legge — sulla variabile (cioè, maggiore o minore) ‘effettività’ dell’attuazione di quelle
garanzie minime, ne deriva un’importante conseguenza. Qualsiasi ‘processo’ (o modelo e tipo di ‘processo’)
è (o puo essere) ‘giusto’, solo se ed in quanto la ‘legge’ vi abbia previsto o comunque ‘regolato’ un’adeguata
attuazione di tutte quelle condizioni minime coessenziali, che (in base all’art. 111, secondo comma) si
intendono all’uopo, in termini assoluti e inderogabili, necessarie e sufficienti” (COMOGLIO, Luigi Paolo. Etica e
tecnica del “giusto processo”. Torino: Giappichelli, 2004. p. 60).
18
Ver: “le juge doit, en toutes circonstances, faire observer lui-même le principe de la contradiction. Il ne peut
retenir, dans sa décision, les moyens, les explications et les documents invoqués ou produits par les parties
que si celles-ci ont éte à même d’en débattre contradictoirement. Il ne peut fonder sa décision sur les moyens
de droit qu’il a relevés d’office sans avoir au préalable invité les parties à présenter leur observations”. Como
observado por Roger Perrot e Henry Solus, “a partir du moment où le juge est appelé à participer activement à
l’instruction de la cause en relevant d’office certains moyens ou en modifiant de sa propre autorité la qualifi-
cation des faites, des devoirs s’imposent à lui comme aux parties elles-mêmes et, en particulier, le devoir de
provoquer les observations des parties sur les moyens dont peut dépendre la solution d’un litige qui met en
cause leurs propres intérets” (Droit judiciaire privé, v. I, p. 22).

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Garantia da motivação das decisões no Novo Código de Processo Civil brasileiro...

mesmo após o trânsito em julgado por meio de ação autônoma (ação declaratória de
inexistência de relação jurídica processual).19
O contraditório está precisamente no direito de participação no processo com
a utilização de todos os meios legítimos e disponíveis destinados a convencer o
julgador a outorgar uma decisão favorável a quem tem direito. A defesa em juízo
é garantia do contraditório e a igualdade de armas assume o valor de condição de
legitimidade constitucional da norma processual. Deve-se sempre ter em mente
que o postulado do due process of law, do qual os princípios do contraditório e da
ampla defesa são corolários, há de ser sempre observado. Não se pode conceber um
processo unilateral, em que somente uma parte age no sentido de obter vantagem
em relação ao adversário, sem que este apresente suas razões ou, pelo menos,
sem que se lhe dê efetiva oportunidade de manifestar-se. Fundamentalmente, o
processo é caracterizado pelo contraditório estabelecido no procedimento adequado
às particularidades do direito material, sendo a participação assegurada aos
interessados por meio do exercício das faculdades e poderes que integram a relação
jurídica processual.20
Enquanto princípio jurídico,21 o contraditório produz efeitos sobre outras normas
jurídicas de forma direta e indireta. Por conta da eficácia direta os princípios exercem
uma função integrativa, pois agregam elementos não previstos em subprincípios ou
regras. Assim, ainda que não haja regra expressa determinando a oitiva das partes a
respeito de ato judicial com “potencial” de influir na esfera jurídica de uma delas, deverá
ser oportunizada a sua manifestação por conta justamente dessa função integrativa
do contraditório.22 É o que ocorre, v.g., nos casos em que os juízes têm de modificar
sua própria decisão por conta de algum vício interno a ela (omissão, obscuridade
ou contradição). Tal modificação não pode se dar sem a prévia manifestação das
partes a respeito. Diz-se “potencial”, pois, em hipóteses excepcionais, quando tal
característica não se fizer presente, há de ser considerada legítima a dispensa de
manifestação da parte. É o que ocorre, por exemplo, no direito brasileiro com a
possibilidade de resolução imediata do processo com o decreto de improcedência
no caso de processos repetitivos. O art. 285-A do Código de Processo Civil brasileiro
de 1973 estabelece que “quando a matéria controvertida for unicamente de direito

19
Cfr. LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Garantia do tratamento paritário das partes. In: Garantias constitucio-
nais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, n. 5. p. 102-108.
20
Cfr. LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Garantia do tratamento paritário das partes. In: Garantias constitucio-
nais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, n. 5. p. 102-108.
21
Ver: na definição de Humberto Ávila “os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente
prospectivas e com pretensão de complementariedade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda
uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta
havida como necessária à sua promoção” (Teoria dos princípios. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. cap. 2.
n. 2.4.3. p. 78-79).
22
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. cap. 2. n. 2.4.8.1.2. p. 97 e ss.

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e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos


idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se
o teor da anteriormente prolatada”. Dispositivo semelhante está no art. 332 do
Novo Código de Processo Civil, que estabelece que “nas causas que dispensem a
fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente
improcedente o pedido que contrariar: I - enunciado de súmula do Supremo Tribunal
Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; II - acórdão proferido pelo Supremo
Tribunal Federal em julgamento de recursos repetitivos; III - entendimento firmado em
incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; IV -
enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local”. O §1º do art. 332 do
Código de Processo Civil de 2015 autoriza, como não poderia deixar de ser diferente,
já que isso também era permitido pelo CPC anterior, o juiz a “julgar liminarmente
improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de
prescrição”. Ao contrário do que possa parecer a partir de uma primeira análise,
referido dispositivo não viola o contraditório, mas disciplina hipótese de verdadeiro
julgamento antecipadíssimo do mérito, já que antes mesmo da citação o julgador
profere sentença inaudita altera parte. O contraditório é apenas diferido para o caso
de o autor apelar. Mais ainda: há a possibilidade de o juiz se retratar da sentença
proferida, reconsiderando a sua decisão e determinando de imediato a citação do
demandado. É o que se verifica da redação do §1º do art. 285-A do Código de Processo
Civil de 1973 de acordo com o qual “se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir,
no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento
da ação”, bem como do §3º do art. 332 do Novo Código de Processo Civil, segundo
o qual, “interposta a apelação, o juiz poderá retratar-se em 5 (cinco) dias”. Por
sua vez, o §2º do art. 285-A do Código de Processo Civil de 1973 estabelece que
“caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao
recurso”, e o §4º do art. 332 do Novo Código de Processo Civil, por sua vez, dispõe
que “se houver retratação, o juiz determinará o prosseguimento do processo, com a
citação do processo, com a citação do réu, e, se não houver retratação, determinará
a citação do réu ara apresentar contrarrazões, no prazo de 15 (quinze) dias”. O art.
332 do Novo Código de Processo Civil é aplicável quando a matéria controvertida
for unicamente de direito. Isso não significa que a matéria versada na causa deva
ser exclusivamente jurídica; pode a discussão ser de fato e de direito, mas os fatos
constitutivos do direito do demandante já devem estar esclarecidos para o julgador
em razão de já ter proferido sentença em outros casos absolutamente semelhantes.
Nesse caso, o demandante não poderá alegar violação do direito à prova, porque, na
convicção do julgador, nada mais há de ser esclarecido ou provado relativamente aos
fatos. Assim, os pontos controvertidos devem ser exclusivamente atinentes à matéria
jurídica. Se a controvérsia já é conhecidíssima pelo julgador, está ele autorizado

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Garantia da motivação das decisões no Novo Código de Processo Civil brasileiro...

a proferir sentença imediata de improcedência. Como está claro, a norma incide


em processos repetitivos em que a causa de pedir e o pedido guardam bastante
similitude a ponto de o julgador ter elementos suficientes para a rejeição. Entretanto,
se o entendimento do julgador for pela procedência dos pedidos formulados, deve ser
necessariamente observado o contraditório, ou seja, o sistema processo não admite
o julgamento antecipado do mérito a favor do autor sem que se proceda à citação
do demandado (poder-se-ia cogitar, de lege ferenda, de uma norma que autorizasse
o julgamento imediato de procedência, com um contraditório posticipado ou diferido
– sem cogitar, portanto, da violação de tal garantia). O Novo Código de Processo Civil
brasileiro, como visto, seguindo essa mesma orientação, amplia o rol de hipóteses
que autorizam o julgamento liminar de improcedência do pedido com a dispensa do
contraditório valorizando em particular a força normativa das decisões dos Tribunais.
Nesse sentido, dispõe o art. 332 do Novo Código de Processo civil que, nas causas
que dispensem a fase instrutória o juiz, independentemente da citação do réu, julgará
improcedente o pedido que contrariar: (i) enunciado de súmula do Supremo Tribunal
Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; (ii) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal
Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;23
(iii) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de
assunção de competência; (iv) enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre o direito
local. Apesar de tal julgamento antecipadíssimo da lide, o contraditório se manifesta,
não obstante seja diferido ou posticipado, o que legitima o provimento jurisdicional na
exata medida em que se outorgou ao demandado a possibilidade de reação.
Além dessa eficácia direta, o contraditório, como princípio jurídico, também
exerce uma eficácia indireta sobre outras normas jurídicas. Uma dessas funções é
a chamada função definitória, segundo a qual o contraditório cumpriria o papel de
definir, ou seja, delimitar, o comando de um sobreprincípio que lhe é axiologicamente
superior.24 Sob essa ótica, tem-se que o contraditório concretiza o princípio da
soberania popular, na medida em que assegura a participação dos cidadãos na

23
Ver: No direito brasileiro há previsão legal que autoriza o julgamento por amostragem de processos repetitivos
no âmbito do Supremo Tribunal Federal (CPC/1973, art. 543-B; CPC/2015, art. 1.036) e do Superior Tribunal
de Justiça (CPC/1973, art. 543-C; CPC/2015, art. 1.036). Assim, quando houver multiplicidade de recursos
com fundamento em idêntica questão de direito, caberá ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal de
origem admitir 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados aos
Tribunais Superiores, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo dos
Tribunais Superiores (CPC/2015, art. 1.036, §2º). Ou então, o relator do julgamento do recurso no Tribunal
Superior ao identificar que sobre a controvérsia já existe jurisprudência dominante, poderá selecionar 2 (dois)
ou mais recursos representativos da controvérsia para julgamento da questão de direito independentemente da
iniciativa do presidente ou do vice-presidente do tribunal de origem (CPC/2015, art. 1036, §5º) e determinará
a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre
a questão e tramitem no território nacional (CPC/2015, art. 1.037, inc. II). Julgada a decisão paradigmática
nos recursos afetados, os órgãos colegiados declararão prejudicados os demais recursos versando sobre
idêntica controvérsia ou os decidirão aplicando a tese firmada (CPC/2015, art. 1.039, caput).
24
Ver: ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. cap. 2. n. 2.4.8.1.3. p. 98 e ss.

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administração da justiça. É por isso que uma decisão que não observa o contraditório
– uma decisão surpresa – possui natureza antidemocrática. Traçando um paralelo com
os outros poderes estatais, pode-se afirmar que se a legitimidade desses agentes
decorre da representação popular que se manifesta por meio de eleições periódicas,
a legitimidade dos membros do Poder Judiciário está condicionada ao dever de
oportunizar a possibilidade de os cidadãos se manifestarem em juízo quando sujeitos
ao imperium estatal.
Além dessa função definitória, também por conta da eficácia indireta dos
princípios, o contraditório desempenha uma função interpretativa, uma vez que ele é
utilizado na atividade de interpretação de normas construídas a partir de outros textos
normativos, restringindo ou ampliando seus sentidos. Por exemplo, o dispositivo do
Código de Processo Civil brasileiro que estabelece a presunção de veracidade dos fatos
não contestados pelo réu deve ser interpretado com granus salis, em especial nos
casos em que o réu comparece em juízo a posteriori. Nessas hipóteses, em respeito
ao contraditório, ao revel, por exemplo, deve ser oportunizado, se não encerrada a
fase instrutória, o ônus de produzir as provas que possam eventualmente infirmar as
alegações do autor. Se o juiz possui poderes instrutórios para tanto, por que não permitir
ao revel que melhor conhece os elementos da controvérsia que também o faça?
Por fim, e esta é a função do contraditório que mais de perto interessa aos
propósitos deste ensaio, tem-se que os princípios jurídicos exercem uma função
bloqueadora que consiste na capacidade de afastar elementos incompatíveis
com o estado ideal de coisas a ser por eles promovidos. Desse modo, caso uma
determinada regra, por exemplo, preveja a concessão de certo prazo para a prática
de um ato processual, mas no caso de tal prazo ser incompatível com a natureza
do ato a ser praticado, para garantir o regular exercício do contraditório e a efetiva
proteção dos direitos do cidadão, um prazo adequado deverá ser garantido pelo juiz
em razão dessa função bloqueadora do princípio do contraditório. Da mesma forma,
em virtude dessa função bloqueadora do contraditório, é que se deve considerar não
motivada decisão que de alguma maneira impossibilite o exercício do contraditório.
Isso ocorrerá quando a parte que sucumbiu ficar impossibilitada de se insurgir contra
decisão que lhe foi desfavorável por conta de alguma omissão do julgador que deixou
de explicitar como deveria o seu convencimento. Vale dizer, a função bloqueadora do
princípio do contraditório faz com que seja considerada imotivada a decisão que leve
a parte que sucumbiu a não dispor de informações suficientes para se insurgir contra
a decisão que lhe foi desfavorável, e isso se dá, conforme veremos no item a seguir,
quando o juiz se descola dos fatos e das particularidades do caso em análise. A
motivação e o contraditório, portanto, estão interligados de modo que a primeira não
pode ser considerada adequada se o segundo não puder ser exercido.

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Garantia da motivação das decisões no Novo Código de Processo Civil brasileiro...

4 Identificação das decisões imotivadas


Fixadas essas premissas respeitantes ao conteúdo da motivação e do
contraditório, cumpre-nos neste item relacionar esses institutos a fim de identificar
aquelas decisões que devem ser consideradas imotivadas. Como visto, não se pode
considerar motivada a decisão que de alguma forma impeça o exercício regular do
contraditório. Para cumprir essa tarefa, utilizaremos como fonte primária de análise a
novel legislação brasileira, consistente no Código de Processo Civil de 2015. Em função
dessa opção metodológica, cumpre, ainda que sumariamente, descrever o processo
de elaboração desse novo diploma responsável por regulamentara administração da
justiça civil brasileira. Nos últimos vinte anos, diversas reformas legislativas alteraram
vários dispositivos do Código de Processo Civil brasileiro de 1973, comprometendo
com isso a sua sistematicidade.25 Muitas dessas reformas se deram especialmente
a partir de novas exigências sociais oriundas da Constituição Federal brasileira de
1988. Sentiu-se, a partir daí, em alguns setores da sociedade civil organizada, a
necessidade de se elaborar um novo diploma legislativo para regulamentar o processo
civil brasileiro. Surgiu, então, o Projeto de Lei do Senado nº 166 de 2010, elaborado
por uma Comissão de Juristas especialmente designada para esse fim. Vale ressaltar
que referida Comissão não apenas procurou sistematizar os dispositivos do Novo
Código, como propôs também uma série de inovações a fim de tornar mais célere e
efetiva a prestação da tutela jurisdicional, conforme determina a Constituição Federal
brasileira de 1988. A título de ilustração cabe destacar, dentre outras inovações
inicialmente sugeridas, (i) a criação do chamado incidente de resolução de demandas
repetitivas, inspirado no Musterverfahren do direito alemão, que, na prática, terá
a aptidão de tornar mais célere a prestação da tutela jurisdicional e promover a
isonomia entre os jurisdicionados, na medida em que tende a assegurar a dispensa

De maneira mais precisa, 65 (sessenta e cinco) leis alteraram o Código de Processo Civil de 1973 desde a
25

sua entrada em vigor, são elas: 1. Lei nº 5.925/1973; 2. Lei nº 6.246/1975; 3. Lei nº 6.314/1975; 4. Lei
nº 6.355/1976; 5. Lei nº 6.515/1977; 6. Lei nº 6.745/1979; 7. Lei nº 6.771/1980; 8. Lei nº 6.780/1980;
9. Lei nº 6.820/1980; 10. Lei nº 6.851/1980; 11. Lei nº 7.005/1982; 12. Lei nº 7.019/1982; 13. Lei nº
7.219/1984; 14. Lei nº 7.270/1984; 15. Lei nº 7.359/1985; 16. Lei nº 7.363/1985; 17. Lei nº 7.513/1986;
18. Lei nº 7.542/1986; 19. Lei nº 8.038/1990; 20. Lei nº 8.079/1990; 21. Lei nº 8.455/1992; 22. Lei nº
8.637/1993; 23. Lei nº 8.710/1993; 24. Lei nº 8.718/1993; 25. Lei nº 8.898/1994; 26. Lei nº 8.950/1994;
27. Lei nº 8.951/1994; 28. Lei nº 8.952/1994; 29. Lei nº 8.953/1994; 30. Lei nº 9.028/1995; 31. Lei nº
9.040/1995; 32. Lei nº 9.079/1995; 33. Lei nº 9.139/1995; 34. Lei nº 9.245/1995; 35. Lei nº 9.280/1996;
36. Lei nº 9.415/1996; 37. Lei nº 9.307/1996; 38. Lei nº 9.462/1997; 39. Lei nº 9.668/1998; 40. Lei
nº 9.756/1998; 41. Lei nº 9.868/1999; 42. Lei nº 10.173/2001; 43. Lei nº 10.352/2001; 44. Lei nº
10.358/2001; 45. Lei nº 10.444/2002; 46. Lei nº 11.112/2005; 47. Lei nº 11.187/2005; 48. Lei nº
11.232/2005; 49. Lei nº 11.276/2006; 50. Lei nº 11.277/2006; 51. Lei nº 11.280/2006; 52. Lei nº
11.341/2006; 53. Lei nº 11.382/2006; 54. Lei nº 11.418/2006; 55. Lei nº 11.419/2006; 56. Lei nº
11.441/2007; 57. Lei nº 11.672/2008; 58. Lei nº 11.694/2008; 59. Lei nº 11.965/2009; 60. Lei nº
11.969/2009; 61. Lei nº 12.008/2009; 62. Lei nº 12.122/2009; 63. Lei nº 12.125/2009; 64. Lei nº
12.195/2010; 65. Lei nº 12.322/2010. Como se constata, desse total, 46 (quarenta e seis) leis foram
editadas após a década de 1990.

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do mesmo tratamento jurídico àqueles que compartilham do mesmo substrato fático,


(ii) o incentivo à autocomposição, por meio das técnicas da conciliação e da mediação,
e a (iii) valorização dos precedentes judiciais. Após a aprovação no Senado Federal
em 15 de dezembro de 2010, o projeto seguiu para a Câmara dos Deputados onde
foi aprovado no dia 26 de março de 2014 com diversas modificações em relação ao
projeto inicial. Em seguida, nova votação ocorreu no Senado Federal e o Novo Código
foi encaminhado para sanção da Presidência da República, que ocorreu no dia 16 de
março de 2015 (Lei nº 13.105).
Dentre os dispositivos do Novo Código, o art. 489 estabelece como elementos
essenciais da sentença (i) o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação
do caso, com a suma do pedido e da contestação, bem como o registro das principais
ocorrências havidas no andamento do processo; (ii) os fundamentos, em que o juiz
analisará as questões de fato e de direito; e (iii) o dispositivo, em que o juiz resolverá
as questões principais que as partes lhe submeteram. Com relação à motivação, o
legislador brasileiro adotou técnica peculiar de estabelecer hipóteses em que não
se considerará fundamentada a decisão. O art. 489, §1º, nesse sentido, estabelece
que não será considerada fundamentada a decisão que: (i) se limitar à indicação, à
reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicitar sua relação com a causa
ou a questão decidida; (ii) empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar
o motivo concreto de sua incidência no caso; (iii) invocar motivos que se prestariam
a justificar qualquer outra decisão; (iv) não enfrentar todos os argumentos deduzidos
no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
(v) se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus
fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta
àqueles fundamentos; (vi) deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência
ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no
caso em julgamento ou a superação do entendimento. Além disso, o art. 489, §2º,
estabelece que “no caso de colisão entre normas, o órgão jurisdicional deve justificar
o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que
autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam
a conclusão”. A seguir analisamos cada uma dessas hipóteses a fim de demonstrar
o quanto elas delimitam o exercício do contraditório:
a) Indicar, reproduzir ou parafrasear ato normativo sem explicitar sua relação
com a causa ou a questão decidida. No afã de resolver os casos considerados fáceis,
os magistrados costumam justificar suas decisões muitas vezes reportando-se ao
texto normativo aplicável ao caso, seja por meio de mera indicação, reprodução
literal, ou então, nos casos de maior sofisticação, por meio de simples paráfrase.
Justificativas dessa natureza nada significam, porque não aportam à decisão nenhuma
informação significativa a respeito da incidência ou não de referido dispositivo legal

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Garantia da motivação das decisões no Novo Código de Processo Civil brasileiro...

ao caso concreto. De maneira didática, pode-se afirmar que os direitos são deduzidos
no processo por meio da alegação de fatos, que, se subsumidos na previsão da
norma jurídica abstrata, são considerados aptos ou não a produzir os efeitos jurídicos
pretendidos pelas partes. A decisão judicial deve constituir, portanto, o fruto de uma
atividade cognitiva do juiz que se debruça sobre estes três elementos em conjunto:
fato, norma e efeito jurídico. Em linha máxima é possível distinguir as decisões sobre
uma questão de fato das decisões que envolvem uma questão de direito.26 Enquanto
as primeiras pressupõem uma atividade de caráter cognitivo, fundada sobre provas,
que visa a acertar a verdade ou falsidade dos fatos da causa, as do segundo tipo
pressupõem uma atividade hermenêutica, cujo escopo é individuar o significado de
uma norma e as consequências jurídicas que dela derivam no caso concreto.27 Diz-
se que a decisão judicial não pode versar apenas sobre uma questão de fato ou
apenas sobre uma questão de direito, pois ambas não são merecedoras de tutela
pelo ordenamento jurídico.28 Em realidade, porém, o fundamento maior da vedação às
justificativas que se limitam a analisar as questões de fato ou as questões de direito
de maneira isolada e estanque não é nenhuma incompatibilidade de caráter lógico. O
que se pretende com essa vedação nada mais é do que tutelar o exercício do direito
de defesa e do contraditório. Um único fato, como se sabe, pode ser subsumido em
mais de uma fattispecie legal, e desse modo originar diversos efeitos jurídicos. Se o
juiz não indicar precisamente qual é a fattispecie, a parte que sucumbiu não saberá
quais desses efeitos atingirão a sua esfera jurídica. Por outro lado, também será
violado o direito de defesa e o contraditório se o conteúdo da motivação limitar-se à
análise de uma simples norma jurídica, geral e abstrata. Normas desse tipo, como
se sabe, por definição, podem ser aplicadas em uma série indefinida de fattispecie
concreta. Se o juiz, ao justificar sua decisão, limitar-se à indicar a norma aplicável ao
caso e não indicar o porquê da sua incidência ao caso concreto, a parte que sucumbiu
não terá condições de conhecer qual é o bem da vida efetivamente outorgado à

26
Ver: “[A]ffermare che tale distinzione esiste non significa affermare che essa sia sempre facilmente individuabile,
ne tanto meno che la complessa attivita che va sotto il nome di ‘giudizio’ sia topograficamente separabile in
due zone al loro interno omogenee, l’una corrispondente al giudizio di fatto e l’altra al giudizio di diritto. Al
contrario, i due tipi di giudizio si connettono ed intersecano in vari modi secondo uno schema dialettico,
soprattutto nela decisione finale, e non sempre è agevole la distinzione tra l’uno e l’altro; tuttavia, osservare
che giudizio di fatto e giudizio di diritto sono intrinsecamente connessi e dialetticamente interdependenti
non significa che il primo coincida col secondo, ne tanto meno che entrambi si confondano in un tertium
genus indeterminato ed indefinibile sul piano razionale” (TARUFFO, Michele. Giudizio (teoria generale). In:
Enciclopedia Giuridica Treccani, vol. XV, Roma, 1988).
27
Ver: TARUFFO, Michele. Giudizio (teoria generale). In: Enciclopedia Giuridica Treccani, vol. XV, Roma, 1988.
28
Ver: “Oggetto [...] di qualsiasi forma di tutela giurisdizionale contenziosa, possono essere solo diritti,
situazioni giuridiche soggettive concrete (anche se future) e non meri fatti (anche se giuridicamente rilevanti)
o norme: i fatti e le norme sono elementi indispensabili che devono essere conosciuti dal giudice per potersi
pronunciare sulla esistenza o inesistenza del diritto fatto valere in giudizio, ma l’accertamento contenuto in
ogni provvedimento giurisdizionale ha ad oggetto unicamente i diritti” (PISANI, Andrea Proto. Lezioni di diritto
processuale civile. 5. ed. Napoli: Jovene, 2006. p. 138-140).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 419-436, abr./jun. 2015 431
Paulo Henrique dos Santos Lucon

parte vitoriosa, não conhecerá qual o fato principal que levou àquela decisão nem
tampouco a prova que foi determinante para esse resultado.
b) Utilizar conceitos indeterminados sem explicar o motivo concreto de sua
incidência no caso. Como visto, torna-se cada vez mais rotineira a utilização pelo
legislador de termos jurídicos indeterminados para a regulamentação das condutas
sociais. Isso implica o deslocamento de competência decisória do Legislativo para
o Judiciário que passa, portanto, a ter o dever de materializar esses termos à luz
das especificidades de cada caso concreto que lhe é submetido.29 Por exemplo, o
art. 422 do Código Civil brasileiro estabelece que “os contratantes são obrigados a
guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da
probidade e boa-fé”. Referidos princípios, contudo, manifestam-se de maneira diversa
em cada espécie contratual, por isso incumbe ao magistrado em sua justificação
explicitar cada um dos deveres de conduta esperados em função da incidência desses
princípios. Se não for explicitada a materialização atribuída pelo juiz ao termo jurídico
indeterminado, a parte que sucumbiu não terá, em suma, conhecimento da conduta
reputada reprovável pelo magistrado.30
c) Invocar motivos que justificariam qualquer outra decisão. Apenas frases
prontas na motivação merecem repúdio, porque nada elucidam e dão a nítida e
frustrante impressão de que o julgador nada examinou nos autos. Algumas decisões
são, infelizmente, compostas por frases que poderiam estar em todo e qualquer

29
Ver: Carlos Ari Vieira Sundfeld assim resume o desafio do julgador diante da necessidade de aplicar os
princípios jurídicos: “ao deliberar com base em textos normativos de extrema indeterminação (em princípios),
o juiz tem de suportar o ônus da competência e o ônus do regulador. Como não há fundamento algum para
a presunção absoluta de que é do Judiciário, e não de outros órgãos, a competência para construir soluções
jurídicas específicas a partir de princípios, sua intervenção em cada caso depende de elementos especiais
de ordem institucional que a justifiquem, e eles têm de ser identificados pela decisão (ônus da competência).
Ademais, a simples pertinência do princípio ao caso não é bastante para justificar a solução específica, sendo
indispensável formular de modo explícito a regra geral que se vai aplicar, justificando-a com a análise profunda
das alternativas existentes, de seus custos e ainda de seus possíveis efeitos positivos e negativos (ônus do
regulador)” (Princípio é preguiça. In: Direito e interpretação. Racionalidade e instituições. São Paulo: Saraiva,
2011. p. 287 e ss).
30
Ver: “Ao julgarem com base em princípios, os juízes exercem função regulatória — e não podem fazê-lo
superficialmente. Nosso sistema pode suportar a delegação da tarefa de regular ao Judiciário. Pode até admitir
a substituição de regulações legais ou administrativas por outras, criadas pelos juízes. Mas é preciso que
estes cumpram os mesmos ônus que têm os reguladores. Elaborar e enunciar com clareza e precisão a regra
que, a partir dos princípios, entendem dever ser utilizada para resolver os casos concretos, do mesmo modo
que o regulador faz regulamentos, com suas especificações, antes de sair tomando atitudes caso a caso.
Estudar com profundidade a realidade em que vão mexer, entender as características e razões da regulação
anterior, identificar as alternativas regulatórias existentes, antever os possíveis custos e os impactos, positivos
e negativos, em todos os seus aspectos, da nova regulação que se cogita instituir, comparar as características
da regulação existente e da cogitada. Tudo isso tem de aparecer na motivação da decisão judicial. Em suma,
é preciso que o Judiciário, transformado em regulador, comporte-se como tal, com todos os ônus que isso
envolve. Do contrário, teremos decisões puramente arbitrárias, construídas de modo voluntarista, gerando
uma jurisprudência capaz de flutuar ao sabor das intuições e dos azares — em resumo: pura feitiçaria. É
preciso insistir nisto: citar múltiplos, belos e vagos princípios, transcrever páginas e páginas de elogios a eles,
manifestar propósitos generosos, nada disso é motivar; é soltar fumaça” (SUNDFELD, Carlos Ari Vieira. Princípio
é preguiça. In: Direito e interpretação. Racionalidade e instituições. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 304 e ss.)

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Garantia da motivação das decisões no Novo Código de Processo Civil brasileiro...

ato decisório e nada trazem de novo. Daí a necessidade da inteireza da motivação


(completezza) com o exame das peculiaridades de cada caso. Por óbvio, “o parâmetro
com base no qual deve ser avaliada a inteireza da motivação é constituído pelas
exigências de justificação surgidas em relação à decisão, sendo pois um parâmetro
cujo significado varia sensivelmente em cada caso concreto, o que consequentemente
torna pouco pertinentes eventuais critérios formulados de modo genérico e abstrato”.31
d) Não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em
tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador. Esse vício de motivação representa
acima de tudo uma negativa de prestação da tutela jurisdicional e uma violação direta
ao princípio do contraditório, pois este também deve ser compreendido como o direito
das partes de obterem manifestação judicial a respeito das alegações que sustentam
suas pretensões. Afinal, de que adianta as Constituições democráticas consagrarem
o acesso à justiça como um de seus direitos fundamentais, se os juízes deixarem
de cumprir a sua missão de resolver os conflitos com justiça, respondendo sim ou
não aos anseios das partes. Fragilizado resta assim, também, o escopo social da
jurisdição, pois a parte que não teve seu argumento apreciado tende a manter seu
status de litigiosidade com o seu adversário. A pacificação social, desse modo, um
dos escopos da jurisdição, resta muito prejudicada.
e) Limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar
seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se
ajusta àqueles fundamentos. Costuma-se fazer a distinção entre os ordenamentos
de common law e civil law com base na diversa autoridade que seria conferida por
cada um deles aos precedentes judiciais. Enquanto nos ordenamentos de common
law os precedentes seriam vinculantes, de acordo com a regra do stare decisis,
nos ordenamentos de civil law eles possuiriam apenas um caráter persuasivo. A
jurisprudência, nos ordenamentos de civil law, portanto, não costuma ser considerada
uma fonte primária de direito, a ponto de não se considerar adequada a motivação
de uma sentença em que apenas se faz referência a um precedente judicial aplicável
ao caso, sendo necessária também a indicação do dispositivo legal que o embasa.32
Essa distinção, contudo, não representa mais do que um antigo estereótipo.33 Isso
porque, por um lado, os juízes de common law, ao decidirem uma controvérsia, não
são obrigados a se ater sempre ao teor de um precedente. São, aliás, por todos

31
Ver: TARUFFO, Michele. La motivazione della sentenza civile. Padova: CEDAM, 1975. n. 5. Esp. p. 450.
32
Ver: PICARDI, Nicola. Appunti sul precedente giudiziale. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. Milano:
Giuffre, 1985, ano XXXIX.
33
Ver: “Constata-se realmente que, considerando o valor, in abstracto, dos precedentes judiciais, a influência
destes é deveras similar em ambos os sistemas: de fato, enquanto naqueles países que seguem o modelo de
common law, a força vinculante dos anteriores julgados tem-se tornado mais flexível, nos dos ordenamentos
codificados é incontestável a difusa e constante tendência de os juízes aterem-se aos precedentes na
fundamentação da ratio decidendi”. (TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 26).

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Paulo Henrique dos Santos Lucon

conhecidas as técnicas que eles utilizam para evitar tal vínculo quando consideram
que o precedente é injusto ou já tenha sido superado (distinguishing, overruling). Não
bastasse isso, por outro lado, nada impede que um precedente de civil law tenha
caráter formalmente vinculante com expressa previsão legal inclusive. Em algumas
hipóteses essa previsão está contida até mesmo no próprio texto constitucional. As
decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro na esfera do controle
abstrato de constitucionalidade, por exemplo, possuem essa característica. Para as
decisões definitivas de mérito proferidas nessa sede, o art. 102, §2º, da Constituição
Federal brasileira estabelece que elas produzirão eficácia contra todos e efeito
vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e aos órgãos e entidades
da Administração Pública em todas as esferas da Federação. Independentemente
dessa discussão a respeito da natureza jurídica das manifestações judiciais, sejam
elas consideradas fontes de direito ou não, fato é que cada vez mais a elas se faz
referência nas decisões judiciais, seja porque, por um lado, isso diminui o esforço
argumentativo dos magistrados, seja porque, por outro lado, agindo assim, maior
é a probabilidade de ser dispensado tratamento isonômico aos jurisdicionados.
Ademais, observar a chamada ratio decidendi de um julgado anterior no julgamento
de novos casos tem sempre grande relevância, na medida em que isso assegura
benefícios para o sistema, como, por exemplo, a previsibilidade de uma determinada
interpretação jurisprudencial, outra forma de manifestação do princípio da segurança
jurídica.34 Os magistrados, contudo, para que suas decisões sejam reputadas como
justas, ao utilizarem determinada norma jurisprudencial, têm o ônus de demonstrar
as razões da sua aplicação ou não ao caso concreto, o que implica a necessidade de
analisar as particularidades de cada caso, do precedente e do caso em exame, para
demonstrar que em função da similitude fática entre eles é justificável a aplicação
da mesma razão de decidir. Além disso, caso se considere que o entendimento
jurisprudencial aplicável a princípio ao caso encontra-se superado, tem o magistrado
o ônus de demonstrar, no caso de superação do entendimento, quais as razões que o

Ver: “A ratio decidendi [...] constitui a essência da tese jurídica suficiente para decidir o caso concreto (rule of law).
34

É essa regra de direito (e, jamais, de fato) que vincula os julgamentos futuros inter alia. Sob o aspecto analítico,
três são os elementos que a integram: a) a indicação dos fatos relevantes (statement of material facts); b) o
raciocínio lógico-jurídico da decisão (legal reasoning); e c) o juízo decisório (judgement). Cumpre esclarecer que
a ratio decidendi não é pontuada ou individuada pelo órgão julgador que profere a decisão. Cabe aos juízes, em
momento posterior, ao examinarem-na como precedente, extrair a ‘norma legal’ (abstraindo-a do caso) que poderá
ou não incidir na situação concreta. [...] Para a correta inferência da ratio decidendi, propõe-se uma operação
mental, mediante a qual, invertendo-se o teor do núcleo decisório, se indaga se a conclusão permaneceria a
mesma, se o juiz tivesse acolhido a regra invertida. Se a decisão ficar mantida, então a tese originária não pode
ser considerada a ratio decidendi; caso contrário, a resposta será positiva. Como regra necessária à decisão, não
se confunde com o obiter dictum, vale dizer, passagem da motivação do julgamento que contém argumentação
marginal ou simples opinião, prescindível para o deslinde da controvérsia. O obiter dictum, assim considerado, não
se presta para ser invocado como precedente vinculante em caso análogo, mas pode perfeitamente ser referido
como argumento de persuasão” (TUCCI, José Rogério Cruz e. Perspectiva histórica do precedente judicial como
fonte do direito. Tese apresentada para concurso ao cargo de Professor Titular de História do Direito da Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003. p. 171-175).

434 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 419-436, abr./jun. 2015
Garantia da motivação das decisões no Novo Código de Processo Civil brasileiro...

levaram a não aplicar a regra jurisprudencial ao caso concreto. Só assim a parte que
sucumbiu terá condições de se insurgir contra essa decisão para demonstrar que a
superação apontada pelo magistrado não encontra correspondência na realidade e,
portanto, não se justifica.
f) No caso de colisão entre normas, o órgão jurisdicional deve justificar o objeto
e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam
a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a
conclusão. É ínsito aos princípios jurídicos, independentemente da teoria que se adote
para explicar a natureza dessas normas jurídicas, um estado latente de tensão e
de conflito uns com os outros. A opção pelo predomínio de um princípio sobre o
outro, contudo, não pode se dar de maneira arbitrária, conforme a conveniência do
magistrado. É preciso que ele explicite cada um dos passos por ele realizados no juízo
de ponderação para optar por um ou outro dos princípios em conflito de acordo com
os valores atuais de uma nação, respeitado sempre os direitos fundamentais. Esse
juízo, como se sabe, compreende uma análise da adequação, da necessidade e da
proporcionalidade em sentido estrito da medida adotada. Sob a ótica da adequação o
juiz deve demonstrar, em síntese, que a medida por ele adotada é apta a realização do
fim almejado, e sob a ótica da necessidade ele deve analisar as medidas alternativas a
essa e que possam promover o mesmo fim sem restringir, na mesma intensidade, os
direitos fundamentais em conflito, e por fim, ao realizar o exame da proporcionalidade
em sentido estrito, o magistrado deve responder em síntese às seguintes perguntas
para que sua decisão possa ser considerada motivada: “o grau de importância da
promoção do fim justifica o grau de restrição causada aos direitos fundamentais?”.35

5 À guisa de conclusão
A atividade de justificação das decisões judiciais acompanha o contexto
sociocultural em que está inserido o procedimento estatal de resolução de
controvérsias. Na atual configuração dos Estados Democráticos de Direito, típicos
da civilização ocidental, em que estão consagrados direitos humanos de primeira,
segunda e terceira gerações, não se pode conceber a figura de um juiz que resolva
os conflitos jurídicos que lhe são submetidos sem explicitar de maneira adequada os
motivos determinantes que o levaram a agir dessa maneira. Neste ensaio, procurou-
se analisar a adequação da motivação sob a óptica do princípio do contraditório.
Buscou-se também demonstrar que por conta da função bloqueadora desempenhada
por esse princípio não deve ser considerada motivada a decisão que de alguma
maneira impossibilite a insurgência da parte que sucumbiu porque dela foi suprimida

Ver: ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. cap. 2, n. 2.4.8.1.3. p. 175 e ss.
35

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 419-436, abr./jun. 2015 435
Paulo Henrique dos Santos Lucon

informação relevante de convencimento judicial. Nos dias atuais, por conta de


um contexto normativo incerto, caracterizado pela predominância de dispositivos
legais versados em termos jurídicos indeterminados e pela valorização das normas
jurisprudenciais, o risco de serem proferidas decisões dessa natureza é elevada.
Por isso, o Novo Código de Processo Civil brasileiro andou bem ao adotar técnica
de estabelecer hipóteses em que não serão consideradas motivadas as decisões
judiciais. Se todas essas hipóteses, analisadas no item anterior, puderem ser
agrupadas sob um só lema, podemos afirmar que não será considerada motivada a
decisão que não se atenta às peculiaridades do caso concreto, porque isso implica
violação ao princípio do contraditório.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Garantia da motivação das decisões no Novo
Código de Processo Civil brasileiro: miradas para um novo processo civil. Revista
Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 419-
436, abr./jun. 2015.

436 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 419-436, abr./jun. 2015
Processualismo tecnocrático versus
processualismo tecnológico: da
eficiência quantitativa à efetividade
qualitativa no direito processual civil

Ricardo Augusto Herzl


Doutorando em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Mestre
em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Tutor e Conteudista do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) em cursos de EAD para a formação de servidores e magistrados.
Professor em cursos Pós-graduação e Extensão, das disciplinas Direito Processual Civil,
Direito Constitucional e Direito Previdenciário. Analista da Justiça Federal junto à 4ª Vara
Federal de Blumenau (SC). Críticas, dúvidas ou sugestões: E-mail: <prof.herzl@gmail.com>.

Wilson Engelmann
Doutor e Mestre em Direito Público pelo Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado
e Doutorado) da Universidade do Vale do Rio dos Sinos — UNISINOS/RS/Brasil; Professor
deste Programa das atividades: “Transformações Jurídicas das Relações Privadas” (Mestrado)
e “Os Desafios das Transformações Contemporâneas do Direito Privado” (Doutorado);
Professor de Metodologia da Pesquisa Jurídica em diversos Cursos de Especialização em
Direito da UNISINOS. Professor de Teoria Geral do Direito e Introdução ao Estudo do Direito
do Curso de Graduação em Direito da UNISINOS. Líder do Grupo de Pesquisa JUSNANO
(CNPq); Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq.

Resumo: Efetividade do (e no) processo não se confunde com a mera eficiência. A eficiência do processo
busca o máximo de resultados com um mínimo de esforço. Ocorre que a efetividade do processo sob um
viés econômico (ou quantitativo) enfraquece a qualidade do processo, da fundamentação do julgamento
e, por fim, da busca pela pacificação social. Assim, vive-se hoje no limiar entre o choque de duas formas
de processualismo: de um lado o que doravante denominaremos de processualismo tecnocrático, a partir
do qual o processo se revela como uma técnica de aceleração na resolução das demandas judiciais
(sentido quantitativo); e, de outra banda, o processualismo tecnológico, que se utiliza do atual estado da
técnica — em especial dos sistemas informatizados — para contribuir com a hermenêutica (filosófica) na
concretização da efetividade do processo (sentido qualitativo).
Palavras-chave: Processo. Tecnologia. Tecnocracia. Eficiência. Efetividade do processo. Processualismo
tecnocrático. Processualismo tecnológico.

Sumário: Introdução – 1 A técnica como emancipação da natureza – 2 Tecnologia como ideologia


– 3 Tecnocracia – O governo da técnica – 4 Instrumentalidade do processo – O ovo da serpente – 5
Processualismo tecnocrático – Processos são apenas números? – 6 Processualismo tecnológico – A
técnica a serviço da qualidade no processo – Conclusão – Referências

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 437-464, abr./jun. 2015 437
Ricardo Augusto Herzl, Wilson Engelmann

Introdução
Este trabalho tem por objetivo colocar em xeque alguns paradigmas que têm
norteado grande parte da doutrina processual civil na elaboração de mecanismos
que buscam e defendem, a todo custo, a aceleração das demandas judiciais como a
sendo a solução da lavoura.
Todavia, para além da celeridade processual como um valor em si representado,
partimos da hipótese de que a obtenção da qualidade da prestação da tutela jurisdicional
não está ligada ao seu desenvolvimento no menor tempo possível, construído a partir
de fórmulas genéricas, mas sim no transcorrer do tempo necessário para que haja o
desvelar, o revelar, o florescer da resposta mais adequada à Constituição, o que só
é possível a partir da facticidade, do caso em concreto.
Pressupomos, também, que o tempo necessário ao amadurecimento da causa
depende de fatores endógenos e exógenos ao processo. Sem dúvida um dos fatores
exógenos (e que, aos poucos, transmuta-se em endógeno) relaciona-se com o grau
de evolução e o uso do aparato tecnológico que se encontra à disposição dos juristas
à sua época.
Assim, nossa breve investigação tentará responder a algumas perguntas que,
dada a relevância do tema, tornam-se fundamentais. No que consistiria a efetividade do
processo? Até que ponto estaríamos dispostos a sacrificar a qualidade das decisões
judiciais em nome de uma pretensa “eficiência”? A tecnologia, neste contexto, pode
ser um aliado na busca pela efetividade do processo ou apenas mais um meio de
dominação e justificação de uma justiça institucionalizada?
Neste sentido, a pesquisa será perspectivada pelo ângulo do método
fenomenológico-hermenêutico. Sabendo-se que o método de abordagem visa aproximar
o sujeito (pesquisador) e o objeto a ser pesquisado. Por isso, cabem algumas
considerações sobre a metodologia que sustenta o projeto e a pesquisa propriamente
dita: o “método” fenomenológico-hermenêutico.1
Vale dizer, não se fará uma análise externa, como se o sujeito e o objeto
estivessem cindidos. Pelo contrário, o sujeito (o pesquisador) está diretamente
implicado, pois relacionado, com o objeto de estudo, o qual interage com ele e sofre
as consequências dos seus resultados (suas descobertas e potencialidades). Logo,
não se trata de uma investigação alheia ao pesquisador: ele está inserido no mundo
onde a pesquisa será desenvolvida. Aí o significado do fenômeno.2

1
STEIN, Ernildo. Introdução ao método fenomenológico heideggeriano. In: Sobre a essência do fundamento.
conferências e escritos filosóficos de Martin Heidegger. Tradução de Ernildo Stein. São Paulo: Abril Cultural,
1979. (Coleção Os Pensadores).
2
É por isso que se concorda com o Professor Lenio Luiz Streck quando afirma: o verdadeiro caráter do método
fenomenológico não pode ser explicitado fora do movimento e da dinâmica da própria análise do objeto. [...]
Em decorrência disso, a introdução ao método fenomenológico somente é possível, portanto, na medida em
que, de sua aplicação, forem obtidos os primeiros resultados. Isto constitui sua ambigüidade e sua intrínseca

438 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 437-464, abr./jun. 2015
Processualismo tecnocrático versus processualismo tecnológico...

1 A técnica como emancipação da natureza


Para Aristóteles, em Metafísica, a técnica (do grego techne), representada em
latim pela expressão ars, consiste em um conceito do trabalho sem a existência de
uma matéria. Assim, a técnica compreende como um logos, uma razão, que precede
e passa a compor a ação humana.3
Mais do que um mero projetar, planejar, tal capacidade (técnica) é um atributo
exclusivo do homem que, por meio de uma ação sobre determinada matéria a
transforma em um produto, decorrente do seu pensamento.
Embora ligada ao sentido experimental, a técnica — para a concepção
aristotélica — não se limita ao mero fazer transformador da natureza pelo homem, mas
permite a este perquirir as causas (os porquês), buscando um conceito universal de
comportamento, aplicável a todos os casos semelhantes. Em síntese, técnica revela-
se como um compreender racional da função produtiva do homem sobre a natureza.
Immanuel Kant4 busca distinguir a técnica a partir de uma pretensa causalidade:
a technica intentionalis e a technica naturalis. Enquanto as técnicas da natureza
(não intencionais), a partir das leis mecânicas, em determinadas condições de
tempo, calor, umidade e pressão podem transformar formas brutas em cristais, por
intermédio de mecanismos pertencentes a ela mesma, por outro lado as técnicas
humanas (intencionais), limitadas às leis do mundo natural (imperativo objetivo),
podem transformar a natureza a partir de uma finalidade, uma destinação, um ato
decorrente de uma ideia, de uma consciência.
Assim, para Kant, o homem tecniciza a natureza, porquanto o limite da
imaginação humana criativa encontra-se nas leis naturais. Logo, o conhecer das leis
naturais, das regras do jogo, acumulado pela cultura, permitem-lhe cada vez mais
expandir sua tecnicidade, em um processo contínuo de evolução técnica.

circularidade. Ao se aplicar esse movimento, constata-se que a sua explicitação somente terá lugar no momen-
to em que tiver sido atingida a situação hermenêutica necessária. Atingida esta, descobre-se que o método se
determina a partir da coisa mesma. No movimento do círculo hermenêutico, onde a pré-compreensão antecede
a compreensão/interpretação/aplicação que se dará sentido aos resultados da pesquisa, onde o investigador
(o aluno) estará diretamente implicado. Portanto, isto somente será possível a partir da experiência do pesqui-
sador, mediante sua pré-compreensão de mundo, da vida e dos resultados que a pesquisa poderá produzir na
sociedade (STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2. ed.
rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 4).
3
VIEIRA PINTO, Álvaro. O conceito de tecnologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005. p. 137-139. v. 1.
4
Chamaremos técnica ao procedimento da natureza (a causalidade) em razão da semelhança com fins, a qual
encontramos nos seus produtos. Aquela técnica por sua vez divide-se em intencional (technica intentionalis) e
em não intencional (technica naturalis). A primeira significará que a faculdade produtora da natureza segundo
causas finais teria que ser considerada como uma espécie particular de causalidade; a segunda significará
que ela é em absoluto idêntica, quanto ao fundamento, ao mecanismo da natureza, e que ajuizar a sua con-
junção contingente com os nossos conceitos de arte e com as respectivas regras, como simples condição
subjetiva para a ajuizar, será falsamente interpretado como uma espécie particular de produção natural. (In:
KANT, Immanuel. Crítica da faculdade do juízo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. item 72).

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Ricardo Augusto Herzl, Wilson Engelmann

Todavia, o enfoque sobre o método de investigação científica e a possibilidade


de pensar logicamente sobre os objetos de sua realização técnica geram a ilusão de
descolar a técnica do sujeito, parecendo que os objetos transformados passem a
detê-la, ou seja, como se os artefatos contivessem em si uma técnica corporificada.
Deste modo, a técnica como produto de uma consciência acaba sendo imaginada
na condição de realidade objetiva e o mundo passa a se transformar no lugar natural
da técnica.
Por meio da técnica, o homem se emancipa do natural e do divino. Neste sentido:

[...] Isto é, o homem se adaptava à lei da natureza que ele continuava


a proclamar imutável, modificando continuamente a estabilidade da
natureza para adaptá-la a si. Esse processo, jamais declarado, mas
sempre praticado, levou o homem tão longe das suas origens que o
afastou daquele patrimônio de costumes em que se criara e no qual
formara a própria mente, quando a natureza era o seu limite, e nesse
limite o homem reconhecia o arcabouço das suas certezas.
Hoje não é mais assim: a natureza não é mais o horizonte. Céu e Terra não
funcionam mais como perímetros, porque as coisas situadas no Céu e na
Terra se tornaram flexíveis com os instrumentos da ciência e da técnica,
que, nesse ponto, são muito mais fortes do que a necessidade. [...].5

Já para Heidegger, em A questão da técnica,6 a essência da técnica consiste no


desvelamento, na desocultação do ser, correspondente à verdade procurada pelos
gregos que corresponde à palavra alétheia. Para o autor, o essencial da técnica não
está no fazer e sim tem o significado de trazer ao lume, revelar, desvendar.

Uma árvore é cortada e dividida, e as suas partes são dispostas em


relações diferentes da anterior e num outro ambiente; nascem assim a
mesa, a porta, a cadeira. A natureza da madeira é chamada a aparecer
num outro contexto e, por força desse aparecer diverso, a assumir um
significado que não possuía quando era só árvore no meio da floresta.
Aparece um outro composto que a natureza, antes da intervenção técnica,
não deixava transparecer, mas guardava sua latência. O composto
será utilizado, mas a essência da produção técnica não está na sua
instrumentalidade, na utilização de outro produto, mas na condução de
algo da latência para a não latência, na sua provocação, que chama
o oculto a desvelar-se nesse horizonte do aparecer que o pensamento
grego antigo chamava de alétheia.7

5
GALIMBERTI, Umberto. Psiche e Techne: o homem na idade da técnica. São Paulo: Paulus, 2006. p. 30.
6
HEIDEGGER, Martin. A questão da técnica. Palestra proferida em 18.11.1983. Revista Scientiae Studia,
São Paulo, v. 5, n. 3, p. 375-398, 2007. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/ss/article/downlo-
ad/11117/12885>. Acesso em 04 dez. 2014.
7
Ibidem, p. 385.

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Processualismo tecnocrático versus processualismo tecnológico...

O estado da técnica torna-se um espelho do grau de evolução da civilização


humana. Trata-se daquilo que o homem toma para si como conquista técnica e,
doravante, encara-o como sendo culturalmente natural. Interessante exemplo
trata-se da energia elétrica: qualquer perturbação na sua disponibilidade é julgada
como antinatural, na medida em que a escuridão ou a paralisação de aparelhos
eletrônicos interferem diretamente em nossa realidade. O que nos pareceria hoje
uma anormalidade tratar-se-ia, em verdade, em um retorno à normalidade antiga,
quando o homem não dispunha de tal arcabouço técnico.8
Vieira Pinto traz-nos um exemplo interessante desta sensação de maravilhamento
seguida da impressão de normalidade:

O desenvolvimento acelerado das forças produtivas impõe, a título


de consequência, não apenas o desgaste da admiração motivada por
um engenho ou um feito definidos, rapidamente tornados caducos,
insensibilizantes, por efeito do que se pode chamar a queda da
naturalidade, mas o encurtamento do prazo durante o qual uma
realização técnica, por mais engenhosa e repleta de saber que seja,
permanece capaz de suscitar pasmo e maravilhamento. Nada documenta
melhor esta asserção do que o acontecimento destes dias, quando a
humanidade, depois de maravilhar-se com a primeira descida do homem
na Lua, somente passados quatro meses dessa façanha, inconcebível
para gerações precedentes, manifesta quase total indiferença com
a repetição da mesma viagem espacial, embora em condições talvez
tecnicamente mais admiráveis. Quatro meses foram suficientes para
desgastar nossa capacidade de nos maravilhar com essa surpreendente
conquista da ciência e da técnica. É que já agora consideramos natural
essa proeza e somente algo ainda inteiramente novo, que por enquanto
nos pareça irrealizável, poderá surpreendê-los.9

E o homem, a cada conquista, maravilha-se por suas obras, mas também por
um menor prazo de estupefação e em um ritmo cada vez mais acelerado. Imagine-se,
hoje, com um telefone celular do tamanho de um tijolo ou com o acesso à internet
por meio de um modem com rede discada? Há vinte anos tratavam-se das grandes
novidades que revolucionaram a comunicação global.

2 Tecnologia como ideologia


A expressão tecnologia, consoante Vieira Pinto, pode assumir quatro significados
principais: a) o modo de produzir alguma coisa; b) equivale a alguma técnica ou
know how; c) corresponde ao conjunto de todas as técnicas de que dispõe uma

VIEIRA PINTO, Álvaro. O conceito de tecnologia. Rio de janeiro: Contraponto: 2005. p. 29-41. v. I.
8

Ibidem, p. 38.
9

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Ricardo Augusto Herzl, Wilson Engelmann

determinada sociedade; d) há ideologização da técnica, o que leva a uma ciência


(epistemologia) da técnica.

[...] Se a técnica configura um dado da realidade objetiva, um produto


da percepção humana que retorna ao mundo em forma de ação,
materializado em instrumentos e máquinas, e entregue à transmissão
cultural, compreende-se tenha obrigatoriamente de haver a ciência que
o abrange e explora, dando em resultado um conjunto de formulações
teóricas, recheadas de complexo e rico conteúdo epistemológico. Tal
ciência deve ser chamada tecnologia, conforme o uso generalizado na
composição das denominações científicas.10

Ainda, Vieira Pinto denuncia a evidente distância entre teoria e práxis tecnológica,
porquanto os técnicos são especialistas em ramos da atividade fabricadora, o que
lhes retira a abstração necessária à percepção da realidade, típica dos filósofos. Por
deficiência de uma acurada formação crítica, os técnicos mostram-se incapacitados
para apreciar a natureza do trabalho que desenvolvem e qual a importância de sua
função em um contexto maior.
Todavia, com a globalização do conhecimento e o desenvolvimento de técnicas
cada vez mais complexas, a atitude cognoscitiva do técnico irá se transformando
qualitativamente. Cada vez mais, portanto, o técnico será forçado a se defrontar e
assumir posições críticas. De outra banda, os teóricos terão que se desprender da
completa abstração idealista para se moldar às técnicas e objetos artificiais que
recobrem a realidade social.11

Cria-se assim uma epistemologia da técnica que, em vez de fundá-la


na relação do homem com a natureza, definidora do aspecto essencial,
variando unicamente segundo as condições determinadas pelo progresso
científico, funda-a nas relações dos homens uns com os outros, que são
acidentais, enquanto formações históricas sucessivas. Descortina-se
nesta observação a inevitável conexão estabelecida, consequentemente,
entre o estado de desenvolvimento das técnicas e a elevação delas à
categoria de ideologia social [...].12

Para Marilena Chauí, ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de


representações, composta de ideias e valores, e de regras de conduta que prescrevem
aos membros da sociedade o que e como devem pensar, valorizar, sentir e fazer.13
Quando se fala em ideologia, pressupõe-se um conjunto de ideias ou de visões de mundo
de um indivíduo ou de um grupo, orientado para ações sociais, políticas e econômicas.

10
Ibidem, p. 221.
11
Ibidem, p. 222.
12
Ibidem, p. 225.
13
CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia? São Paulo: Brasiliense, 2001, passim.

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Processualismo tecnocrático versus processualismo tecnológico...

Assim, o conceito de tecnologia, como ideologia, descola-se da mera técnica


e passa a fazer parte de uma constante necessidade humana que dirigem todos
os meios de produção a uma corrida evolucionista constante, no mais das vezes
utilizada para manter o consumo em massa e justificar a troca do velho pelo novo.
Se por um lado a tecnologia possibilita a obtenção de uma melhor qualidade de
vida, por outro torna-nos refém da sua constante utilização. Mas frise-se: a tecnologia
não deve ser entendida como um mal. Ao contrário, representa o triunfo do homem
sobre a natureza. É um bem. Uma conquista da humanidade. Por meio da tecnologia
podemos viver mais e melhor.
O que se pretende criticar, aqui, é uma espécie de endeusamento da tecnologia
ou um fundamentalismo tecnológico, quando a tecnologia deixa de ser vista como
um meio e ganha feições de sujeito (ou um fim em si mesmo). Eis o perigo. Qualquer
tentativa de afastar a tecnologia de sua finalidade humanitária a transforma em
instrumento de dominação.

A tecnologia converte-se em teologia da máquina, à qual, imitando


casos clássicos de outras formas de alienação, o homem, o técnico ou
o operário se aliena, faz votos perpétuos de devoção. Daí em diante
desconhecerá ter transferido para ela, a título de valor transcendente,
o que era inerente à sua realidade pessoal. Esquece que a máquina
não passa de sua obra, produto de suas finalidades interiores, realizado
mediante as ideias que adquiriu, e acredita ao contrário dever deixar-se
possuir pela tecnologia, porque só assim poderá adquirir um nome e uma
essência humana, a de técnico.14

Quando a técnica racional de planejamento tende a se emancipar da reflexão


de seus meios e fins, em função de sua base humana, transformando-a em um mero
objeto de si própria, torna-se necessário proteger a racionalidade técnica dela mesma
e, neste momento, nossa humanidade deve ser questionada.

3 Tecnocracia – O governo da técnica


Tecnocracia pode ser entendida como a forma de governo que tem por base o
conhecimento técnico-científico. Trata-se da tentativa de emprego dos métodos da
ciências físicas e matemáticas para a solução dos problemas sociais. É o governo
dos técnicos, por meio dos números, das estatísticas e de uma busca incansável
pela máxima da eficiência.
Essa tendência de matematizar o humano e a racionalização da sociedade acaba
por transformar os indivíduos em engrenagens pertencentes a uma grande máquina

PINTO, Álvaro Vieira. O conceito de tecnologia. Rio de janeiro: Contraponto, 2005, p. 291. v. 1.
14

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Ricardo Augusto Herzl, Wilson Engelmann

em movimento. A tecnocracia, portanto, está intimamente ligada à ideia de organismo


produtivo. Problemas sociais, morais e jurídicos são tratados como se fossem, também,
problemas tecnológicos. Resultado: corre-se o risco de coisificar o humano.

O característico da tecnocracia se acha em que se propugna e trata de


realizar desde o governo de um Estado a racionalização quantitativa de
todas as atividades, desde o ensino e a informação até às econômicas,
trabalhistas e recreativas, partindo de uma concepção ideológica de
mundo que admite sua mecanização dirigida centralmente por cérebros
capazes de impulsioná-la do modo mais eficaz.15

No âmbito do Direito Processual Civil a busca pela eficiência (que muitas vezes é
confundida com efetividade) torna-se traço distinto, inegável e aclamado, proveniente
tanto dos mandamentos legais — fonte primária — como da práxis construída pelos
operadores do direito. Como reduzir o crescente número de demandas a tramitar
pelos tribunais? Como tornar mais céleres os meios de prestação jurisdicional?
Assim, é perfeitamente possível fazer um importante contraponto que se
estabelece no atual cenário do Direito Processual Civil: quando técnicas processuais
transformam o processo tecnológico (qualitativo) em processo tecnocrático
(quantitativo). É o que veremos adiante.

4 Instrumentalidade do processo – O ovo da serpente


Quanto mais a sociedade torna-se próspera, urbana e tecnologicamente
avançada, mais complexo torna-se o papel do Estado na missão de tentar controlar os
efeitos colaterais e não desejados em matéria de produção e consumo (externalities).16
Não é mais possível confiar na mão invisível que orienta a economia, porquanto
a lei que orienta o mercado é orientada pela maximalização dos lucros. Torna-se
imperioso que o Estado interfira nos domínios da economia. O welfare state, para
poder controlar a sociedade complexa, transforma-se aos poucos de estado legislativo
em estado administrativo.17
Também é certo que a legislação com finalidade social em muito se distingue
da legislação tradicional. A promoção dos direitos sociais exige execução gradual,
prolongada no tempo. Neste sentido, não há espaço simplesmente para legislação
que diga o que é certo ou errado, que seja oito ou oitenta.
A legislação social possui nítidos contornos programáticos, mormente porque
define a finalidade e os princípios que orientam os direitos sociais, exatamente para
permitir a transformação do presente sem prejudicar a formação do futuro.

15
GOYTISOLO, Juan Vallet de. O perigo da desumanização através do predomínio da tecnocracia. São Paulo:
Mundo Cultural, p. 159.
16
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1993. p. 23-25.
17
Ibidem, p. 39.

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Processualismo tecnocrático versus processualismo tecnológico...

O Estado do Bem-Estar Social, em resposta aos anseios de uma nova realidade


econômica e social, foi criado pelo legislador, não pelos juízes. E, pior, o legislador
não é capaz de acompanhar, no exercício da função legislativa, as necessidades que
a realidade impõe.
Muitas das leis são tardias e, com isso, tornam-se obsoletas; outras são
ineficazes, não pegam; pior, muitas ainda criam confusão, obscuridade e descrédito
da lei. Trata-se do overload (sobrecarga) do Poder Legislativo.
Para compensar a paralisia do legislativo, criou-se um aparato grandioso no
Poder Executivo, composto de órgãos, autarquias e agências reguladoras, a quem
foram confiadas tarefas normativas e fiscalizadoras.
Assim, os Poderes Legislativo e Executivo transformaram-se em dois gigantes: o
primeiro lento e ineficaz, e, o segundo, potencialmente paternalista e repressivo. Tais
consequências trazem para o Poder Judiciário o aumento da sua função e responsabilidade:
o controle da legalidade e da constitucionalidade dos atos do Poder Público.
Neste momento histórico surge a afirmação de um terceiro gigante,18 a fim
de manter o equilíbrio entre os poderes: o Poder Judiciário ultrapassa a tarefa de
solucionar conflitos privados e passa a exercer importante papel de controle político
à luz dos novos direitos, proporcionando o proliferar do ativismo judicial.
No Brasil, Cândido Rangel Dinamarco (1984) propôs, com esteio em doutrina
italiana da década de 1970, um teoria para o direito processual, investindo na
ampliação dos poderes em torno da figura do juiz. A instrumentalidade do processo19
compreende o processo como um meio, legitimado a partir dos fins a que se destina
(raciocínio teleológico).
Neste contexto, a jurisdição — o poder de dizer o direito — passa a ser exercida
mediante a persecução de três escopos fundamentais: o escopo social (o poder dos
juízes em educar os membros da sociedade acerca dos seus direitos e obrigações);
o escopo político (o poder dos juízes em decidir imperativamente e definitivamente,
valorizando a liberdade, limitando os poderes do estado e assegurando a participação
dos cidadãos); e o escopo jurídico (o poder dos juízes em aplicar a vontade concreta
do direito, como um fim ideal, tendo como limite de atuação as leis e a Constituição).
Ainda, Dinamarco buscou determinar o conteúdo da instrumentalidade do
processo, desdobrando-a em seus sentidos negativo (o processo não é um fim em si
mesmo) e positivo (extrair do processo, como instrumento, o máximo proveito quanto
à obtenção dos escopos da jurisdição).
O sentido positivo da instrumentalidade confunde-se, portanto, com a efetividade
do processo, resumindo-a na ideia de que o processo deve ser apto a cumprir

Ibidem, p. 46.
18

DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
19

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Ricardo Augusto Herzl, Wilson Engelmann

integralmente toda a sua função sócio-político-jurídica, por meio de quatro aspectos


fundamentais: a) ampla admissão em juízo (possibilidade de acesso universal à tutela
jurisdicional); b) modo-de-ser do processo (o processo deve respeitar o contraditório,
repudiar a litigância de má-fé, buscar a imparcialidade, obter a conciliação, pautar pela
informalidade, buscar a verdade real, conceder liminares etc.); c) justiça das decisões
(o instante da tomada de decisão pelo magistrado é um momento valorativo — o juiz
tem o dever de optar pelo caminho que represente e satisfaça ao sentimento social
de justiça); e, d) efetividade das decisões judiciais (o juiz deve ter força bastante para
concretizar suas decisões).
Ocorre que a demora na solução dos litígios postos à baila do Poder Judiciário,
em tempos de expansão da luta pelos direitos fundamentais sob a égide da então
promulgação da Constituição Cidadã serviu de combustível para acelerar a difusão
da concepção instrumental no meio jurídico, mormente em uma sociedade pós-
ditadura, extremamente carente de democracia e justiça social e, por isso, sedenta
por mecanismos processuais pautados no discurso da efetividade do processo.
Neste contexto, várias alterações legislativas ampliaram os poderes dos juízes,
mormente após a década de 1990, o que proporcionou expressivo aumento do
ativismo judicial no sistema processual civil brasileiro, dentre as quais se destacam:
a) Antecipação dos efeitos da tutela (CPC, art. 273, incluído pela Lei nº 8.952/94); b)
Efetivação da tutela específica (para obrigações de fazer, não fazer ou entregar coisa
diferente de dinheiro): pela coação física ou moral, busca-se a obtenção do resultado
prático equivalente, por meio de multa, busca e apreensão, remoção de pessoas
ou coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva ou requisição
de força policial (CPC, arts. 461 e 461-A, incluídos pelas Leis nºs 8.952/94 e
10.444/2002); c) Multa por ato atentatório ao exercício da jurisdição, quando todos
aqueles que participem do processo (partes ou terceiros) não cumprirem com exatidão
os provimentos mandamentais ou criarem embaraços à efetivação de provimentos
judiciais (CPC, art. 14, V, c/c, parágrafo único, incluído pela Lei nº 10.358/2001).
Aqui surge o primeiro grande problema trazido pela visão instrumental do processo:
como estabelecer limites ao juiz? Melhor dizendo: como evitar que em situações
idênticas sejam proferidas decisões conflitantes? Eis a inevitável consequência: o
aumento e a concentração de poder na figura do juiz proporcionam, naturalmente,
maior espaço para a utilização (indevida) da discricionariedade no ato de julgar.
Lenio Streck ensina que decidir não é sinônimo de escolher.20 E a razão é muito
simples: a escolha sempre será parcial. O termo técnico para as escolhas de juiz
chama-se discricionariedade. Aí reside o solipsismo judicial.21 O juiz solipsista acredita

20
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 4. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2013. p. 107.
21
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011.

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Processualismo tecnocrático versus processualismo tecnológico...

que as razões de decidir estão fundadas em suas experiências interiores e pessoais,


sem conseguir estabelecer uma relação entre seu ser interior e o conhecimento
para além de si mesmo. Toda decisão discricionária acaba por consequência sendo
arbitrária, portanto.
Ora, se por um lado a instrumentalidade tenta transformar, performaticamente, o
juiz em um Hércules do processo, fomentando o direito lotérico — onde a distribuição
para o juízo competente revela-se como um predicativo de “sorte ou azar” — por outra
banda o sistema processual como um todo agoniza e começa a impor grilhões ao
semideus por meios de mecanismos de objetivação do processo.
Agora, precisamos acorrentar Hércules, pois não? Súmulas vinculantes, técnicas
de sobrestamento de recursos, técnicas de filtragem às instâncias superiores (por
exemplo, a repercussão geral), incidente de resolução de demandas repetitivas... Um
tecnocrata certamente chamaria isso de ação e reação (ou feedback) em um sistema
autopoiético, na tentativa de equilibrar-se e, assim, evitar o colapso.
O segundo grande problema reside na construção e sedimentação cada vez
maior de um conceito econômico de efetividade do processo. A partir de tal visão
equivocada, efetividade confunde-se com eficiência: trata-se de buscar o máximo de
resultados com um mínimo de esforço.
Neste sentido apregoa José Roberto dos Santos Bedaque:

[...] processo efetivo é aquele que, observado o equilíbrio entre os valores


segurança e celeridade, proporciona às partes o resultado desejado pelo
direito material. Pretende aprimorar o instrumento estatal destinado a
fornecer a tutela jurisdicional. Mas constitui perigosa ilusão pensar que
simplesmente conferir-lhe celeridade é suficiente para alcançar a tão
almejada efetividade. Não se nega a necessidade de reduzir a demora,
mas não se pode fazê-lo em detrimento do mínimo de segurança, valor
também essencial ao processo justo.22

Ora, a eficiência do processo liga-se a um critério meramente quantitativo: como


julgar mais processos com o menor esforço possível? A efetividade do processo, sob
um viés econômico, enfraquece a qualidade do processo, do julgamento e, por fim,
da busca pela pacificação social.
Não se defende aqui o formalismo processual, longe disso. Mas ao tratar a
efetividade do processo como sinônimo de eficiência busca-se atalhos processuais
que, por mais das vezes, podem subverter todo um sistema de garantias processuais.
Ora, o respeito a um procedimento previamente fixado é, acima de tudo, uma garantia
contra a arbitrariedade e o oportunismo.

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 2. ed. São Paulo:
22

Malheiros, 2007. p. 49-50.

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Ricardo Augusto Herzl, Wilson Engelmann

Se por um lado o formalismo exagerado deve ser repensado no sistema processual,


de outra banda deve ser combatida formas de flexibilização procedimental que, sem
nenhum critério objetivo, transmuta ao julgador a capacidade de criar seus próprios
procedimentos, ao arrepio da segurança jurídica. Se aplicarmos a instrumentalidade
do processo ao extremo, só nos preocupando com a finalidade ou a obtenção dos
objetivos, poderemos aceitar que uma citação, mesmo que haja a compreensão
alheia, seja feita por meio de arco e flecha, o envio de um pombo-correio ou, quiçá, por
sinais de fumaça? Certamente que não, porquanto o procedimento traz consigo uma
garantia implícita de previsibilidade (não surpresa) e isonomia de tratamento.
Assim, vive-se hoje no limiar entre o choque (aparente) de duas formas de
processualismo: de um lado o processualismo tecnocrático, a partir do qual o
processo se revela como uma técnica de aceleração na resolução das demandas
judiciais (sentido quantitativo); de outra banda o processualismo tecnológico, que se
utiliza do atual estado da técnica — em especial, dos sistemas informatizados —
para buscar efetividade do processo (sentido qualitativo).

5 Processualismo tecnocrático – Processos são apenas


números?
Já podemos, portanto, conceituar o processualismo tecnocrático como o conjunto
de técnicas processuais ou de administração judiciária voltadas unicamente à obtenção
de resultados numéricos: busca-se o máximo de resultados com um mínimo de esforço.
O processualismo tecnocrático também representa uma visão de mundo na
medida em que confunde efetividade do processo com eficiência do processo,
porquanto aposta em soluções quantitativas para acelerar as demandas processuais
e, com isso, diminuir o tempo de duração das lides postas à baila do Poder Judiciário.
Como consequência, para atingir determinados objetivos, o processualismo
tecnocrático parte da busca de uma verdade projetada, fabricada, artificial. Cria-se
o mito da obtenção da justiça pela simples obediência ao procedimento, ou seja,
pela realização de uma ritualística que, uma vez cumprida, conduzirá à melhor
solução. Essa verdade revela-se um modus metajurídico, porque antecipa o sentido
da ação humana para a realização de metas ou de procedimentos que, se cumpridos,
aparentam um alto grau de racionalidade e estabilidade.
Essa verdade produzida aproxima-se, em muito, com que os gregos chamavam
de verdade como eficácia (kraínei) — decorrente da fusão da verdade procurada
(alétheia) com a palavra justiça (díke) —, verdade que “faz ser”, “realiza”, e no
sentido poético significa “produzir” (poîein).23

O tema verdade como eficácia — explicitamente declarado pela palavra poética, arbitrária, como diz Píndaro,
23

do éthimos do deus ou do herói, ou seja, do seu verdadeiro significado — funde imediatamente a palavra

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Processualismo tecnocrático versus processualismo tecnológico...

Em suma, trata-se do mito de obtenção do justo, a partir de uma ritualística


institucionalizada, porque simplesmente tratam-se de técnicas que advém do Poder
Judiciário. Ao perseguir objetivos preestabelecidos de modo quantificável (metas)
é muito possível que a mera legitimação pelo procedimento leve a um gradativo
processo de desumanização: aos poucos os processos se tornam números e as
pessoas, agora camufladas pelo processo, transformam-se em mera estatística.
Coisificam-se as pessoas e os seus interesses.
Ora, os homens não são coisas. Se do ponto de vista institucional trata-se de
apenas mais um processo, talvez esse mesmo processo represente tudo que há de mais
importante na vida de alguém ou de sua família. Será que os fins justificam os meios?
Pior, será que os fins institucionalizados coincidem com as finalidades dos processos?
A seguir serão expostos alguns exemplos de técnicas que manifestam o que,
doravante, chamaremos (criticamente) de processualismo tecnocrático.
Quando se fala em metas no Poder Judiciário, em princípio, pode-se ter a falsa
impressão de uma atitude positiva do ponto de vista organizacional, como se as boas
práticas do setor privado estivessem a migrar para o setor público.
Todavia, tais metas — embora não possam se reduzir apenas a números —,
acabam por sugerir a tentativa de quantificar e controlar o fluxo de um trabalho de
inteligência humana que, por mais das vezes, exige um grau de complexidade variado
e que está regado de nuances capazes de tornar impossível a mensuração abstrata
do tempo de processamento de cada processo.
Primeiro sonha-se com algo, com elevado grau de abstração. Depois se
transforma o sonho em um objetivo, a partir da identificação daquilo que se pretende
alcançar. Por fim, é necessário estabelecer quais e como serão os próximos passos,
na forma de metas, normalmente mais concretas, tangíveis e quantificáveis que
permitirão tal realização. As metas surgem da necessidade de racionalização do agir
humano para a busca de determinadas pretensões. Logo, precisamos de metas.

verdade (alétheia) com a palavra justiça (diké), porque onde a palavra é eficaz, no sentido de “faz ser” ou “não
ser”, não se dá verdade que não seja conforme à justiça. [...] Guardião do mito, o poeta canta para descrever
aquilo que é antes do tempo, para arrancar as vidas da dissolução do tempo, para reproduzir na terra a ordem
que o tempo não arranha. Esses três cantos referem-se respectivamente aos deuses, aos heróis e às regras
rituais, que a palavra poética “faz ser” (kraínei) arrancando-os do Esquecimento, que de outra forma os absor-
veria. Sua missão é transcender o tempo e ganhar o eterno. [...] Desse modo, a verdade mítica desenvolve, em
termos de eficácia, uma dupla função, que consiste em inaugurar um horizonte representativo estável em que
todas as coisas já encontraram sua solução, e em des-historicizar o devir histórico, cuja dramaticidade nasce
quando não há mais uma meta-história que contém um sentido ulterior em relação àquele que a irrupção do
negativo faz aparecer como sentido último. Como horizonte da crise, a verdade mítica controla a negatividade
do negativo evitando que se expanda; como lugar da des-historização do devir a relativiza, permitindo enfrentar
as perspectivas incertas como se tudo já estivesse resolvido no plano metafísico, segundo os modelos que
o mito expõe e o rito reforça. A eficácia do rito não é verificada a posteriori, com procedimentos de controle,
mas é garantida a priori, pela persuasão mítica. Em casos de fracasso ou falta de resultado, a justificação que
salvaguarda as regras da eficácia é buscada ou na incorreção do gesto ritual ou na não-idoneidade do executor
do gesto, quer pode ser puro ou impuro, digno ou indigno, onde no nível pessoal antecipa-se aquele sistema
de duplas que a filosofia, ao despedir o mito, instituirá o nível impessoal na polaridade verdadeiro-falso (In:
GALIMBERTI, Umberto. Psiche e Techne: o homem na idade da técnica. São Paulo: Paulus, 2006. p. 395-396).

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Ricardo Augusto Herzl, Wilson Engelmann

Assim, as metas não são um problema em si. Mas podem se tornar a depender
de como são elaboradas e aplicadas. Nesse ponto, algumas perguntas surgem: Quem
decide o que deve ou não fazer parte de uma meta do Judiciário? Como as metas são
construídas (será que existe alguma criteriologia)? Até que ponto as metas podem
guiar e melhorar o nosso trabalho sem que nos tornemos reféns delas mesmas?
O sistema de metas para o Poder Judiciário, como um todo, nasce em 2009
após o 2º Encontro Nacional do Judiciário, realizado no dia 16 de fevereiro de 2009,
em Belo Horizonte. Este evento reuniu os Presidentes de todos os tribunais brasileiros
com a finalidade de delinear o Planejamento Estratégico do Poder Judiciário, sob a
coordenação do Conselho Nacional de Justiça.24
Inicialmente foram estabelecidas dez metas para o ano de 2009:25

1. Desenvolver e/ou alinhar planejamento estratégico plurianual (mínimo


de 05 anos) aos objetivos estratégicos do Poder Judiciário, com aprovação
no Tribunal Pleno ou Órgão Especial.
2. Identificar os processos judiciais mais antigos e adotar medidas
concretas para o julgamento de todos os distribuídos até 31/12/2005
(em 1º, 2º grau ou tribunais superiores).
3. Informatizar todas as unidades judiciárias e interligá-las ao respectivo
tribunal e à rede mundial de computadores (Internet).
4. Informatizar e automatizar a distribuição de todos os processos e
recursos.
5. Implantar sistema de gestão eletrônica da execução penal e mecanismo
de acompanhamento eletrônico das prisões provisórias.
6. Capacitar o administrador de cada unidade judiciária em gestão de
pessoas e de processos de trabalho, para imediata implantação de
métodos de gerenciamento de rotinas.
7. Tornar acessíveis as informações processuais nos portais da rede
mundial de computadores (Internet), com andamento atualizado e conteúdo
das decisões de todos os processos, respeitado o segredo de justiça.
8. Cadastrar todos os magistrados como usuários dos sistemas eletrônicos
de acesso a informações sobre pessoas e bens e de comunicação de
ordens judiciais (Bacenjud, Infojud, Renajud).
9. Implantar núcleo de controle interno.
10. Implantar o processo eletrônico em parcela de suas unidades judiciárias.

Pelo que se pode observar, com exceção da meta 2, a estabelecer um critério


temporal (julgar até o final de 2009 todos os processos distribuídos até 31.12.2005),
as metas nasceram não com a finalidade de impor quantidades, mas sim de modo a
orientar questões administrativas, gerenciais e estruturais do interesse de todo o Poder

<http://www.cnj.jus.br/gestao-e-planejamento/eventos/encontros-nacionais/2-encontro-nacional-do-judiciario>.
24

<http://www.cnj.jus.br/images/metas_judiciario/2009/relatorio_cnj_formato_cartilhav2.pdf>.
25

450 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 437-464, abr./jun. 2015
Processualismo tecnocrático versus processualismo tecnológico...

Judiciário, a fim de modernizar, informatizar e democratizar o acesso à informação por


meio da rede mundial de computadores. Parabéns: busca-se qualidade.
Entretanto, não se pode afirmar o mesmo a partir das metas de 2010,26 definidas
a partir do 3º Encontro Nacional do Judiciário. As metas começaram a traduzir-se em
números. Por exemplo, a meta 3: reduzir em pelo menos 10% o acervo de processos
na fase de cumprimento ou de execução e, em 20%, o acervo de execuções fiscais
(referência: acervo em 31 de dezembro de 2009).
Da mesma forma, as metas estabelecidas nos anos de 2011,27 2012,28 e
2013.29 Observam-se metas que passam a pressionar a atuação de juízes e servidores,
pouco se importando com qual qualidade o serviço jurisdicional será prestado. Nesse
sentido, alguns exemplos:
Julgar quantidade igual a de processos de conhecimento distribuídos em 2011
e parcela do estoque, com acompanhamento mensal (Meta 3, CNJ, 2011).
Designar 10% a mais de audiências de conciliação do que as designadas no ano
anterior (2011) (Meta 10, CNJ, 2012)

Julgar, até 31/12/2013, pelo menos, 80% dos processos distribuídos em


2008, no STJ; 70%, em 2010 e 2011, na Justiça Militar da União; 50%,
em 2008, na Justiça Federal; 50%, em 2010, nos Juizados Especiais
Federais e Turmas Recursais Federais; 80%, em 2009, na Justiça do
Trabalho; 90%, em 2010, na Justiça Eleitoral; 90%, em 2011, na Justiça
Militar dos Estados; e 90%, em 2008, nas Turmas Recursais Estaduais,
e no 2º grau da Justiça Estadual. (Meta 2, CNJ, 2013)
Justiça Militar Estadual - Julgar 90% dos processos originários e recursos,
ambos cíveis e criminais, e dos processos de natureza especial em até
120 dias. (Meta 3, CNJ, 2013)

Justiça do Trabalho - Aumentar em 15% o quantitativo de execuções encerradas


em relação a 2011 (Meta 13, CNJ, 2013).
O que pode parecer um arauto da racionalidade “metafísica” e da boa gestão
pode conter em si o que há de mais perverso e ultrajante. Se alguém passa pela
rua e lhe é perguntado se concorda com um incremento de 15% no quantitativo de
execuções trabalhistas em 2013, se comparado a 2011, a resposta parece óbvia:
sim senhor! Bingo! Mas o leigo jamais poderá responder — exatamente por não
possuir pré-compreensão suficiente acerca da facticidade que se impõe — qual o
custo operacional e qualitativo que tal medida ad hoc pode provocar.
Algumas poucas perguntas são capazes de colocar em cheque a referida Meta
13 de 2013 do CNJ. Existem variáveis econômicas, sociais e culturais que podem

26
<http://www.cnj.jus.br/gestao-e-planejamento/metas/metas-prioritarias-de-2010>.
27
<http://www.cnj.jus.br/gestao-e-planejamento/metas/metas-2011>.
28
http://www.cnj.jus.br/evento/eventos-realizados/5-encontro-nacional-do-judiciario/metas-2012>.
29
http://www.cnj.jus.br/gestao-e-planejamento/metas/metas-2013>.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 437-464, abr./jun. 2015 451
Ricardo Augusto Herzl, Wilson Engelmann

interferir nos números: Por que as execuções trabalhistas, dentro de um determinado


contexto social, não são cumpridas? A crise do setor têxtil em razão dos produtos
importados da china ou o aumento do índice de inadimplência no comércio podem
interferir diretamente na meta. Também existem variações estruturais: podemos
estar diante de uma Vara com o quadro completo ou incompleto de funcionários ou a
variação na quantidade e a qualidade dos equipamentos de informática.
Assim, quando é estipulada uma meta percentual sobre a quantidade do
trabalho produzido, traduzindo-o em números de processos julgados, simplesmente,
estamos colocando as mais variadas realidades dentro de um mesmo saco, na
esperança (ingênua) de que tenhamos maravilhosas decisões. Ora, as coisas não
são tão simples assim.
A imposição de metas percentuais parte de duas presunções: primeiro, se
servidores e juízes são acomodados e, por isso, trabalham menos do que podem,
devemos apertá-los...; ou, segundo, se todos já “produzem” no limite da capacidade
humana — e aqui já se encontra o paradoxo de tentar quantificar o inquantificável —,
o aumento numérico exigirá necessariamente uma queda na qualidade do trabalho.
No tocante à qualidade, mormente aos defensores da obtenção de apenas uma
resposta correta, calcada na integridade e coerência da decisão, não há o que se
relativizar ou transigir.
E, no tocante à quantidade, sem descurar da qualidade, eventual desmotivação ou
acomodação de juízes e servidores deve ser corrigida por soluções gerenciais, estudadas
a partir das peculiaridades do material humano, da estrutura de trabalho e das variáveis
econômicas e sociais de uma dada comunidade. Jamais de forma genérica.30

Neste sentido, o desabafo do magistrado federal Vilian Bollmann: Logicamente que o Judiciário tem que usar
30

as ferramentas administrativas para melhor gerir seus recursos. É natural que, sem utilizar as modernas técni-
cas de gestão (como também não estão os demais Poderes do Estado Brasileiro), o Poder Judiciário, ao iniciar
os seus debates, sinta a necessidade de fazê-lo em alto grau de cobrança, o que levou a uma primazia na exi-
gência de um juiz administrador. Porém, o pêndulo entre o “juiz gestor” e o “juiz que faz justiça” tem que voltar
para um ponto médio, pois, como já alertava Aristóteles, a virtude é um meio termo entre dois excessos. Aliás,
o relatório Justiça em Números de 2012 (ano base 2011) demonstra que houve um aumento de produtividade
do Judiciário (7,7 %), mas o aumento ainda maior do número de demandas (8,8%)! Com isso, tendo a mesma
estrutura e fazendo mais do mesmo, sujeitos a cobranças cada vez maiores, os juízes e servidores atingirão
um ponto que, na Engenharia, seria chamado de fadiga de material, se é que isso já não está ocorrendo, dado
o número crescente de lesões por esforço repetitivo atingindo os juízes e servidores integrantes do Judiciário.
Por fim, sobrevoando as reflexões apresentadas, é possível traçar algumas conclusões. A primeira é a de que
o processo de elaboração das Metas Nacionais do Poder Judiciário deve envolver não apenas os Tribunais,
mas também os juízes, servidores e cidadãos, para que elas reflitam, de fato, aquilo que é possível e neces-
sário para uma Justiça de qualidade. Além disso, este envolvimento gerará metas mais condizentes com a
situação real do Judiciário e um comprometimento no seu cumprimento, uma vez que aqueles que decidem em
conjunto se sentem mais responsáveis pelo resultado. A segunda é que as Metas não devem ser buscadas
cegamente, pois não são um fim em si mesmo, mas sim um instrumento para identificar os obstáculos para
a Justiça e, a partir deste diagnóstico, promover sugestões de ações administrativas e reformas legais que
permitam a melhoria do serviço Judiciário. A terceira é que as Metas devem ir além da visão gerencial, dos
meios, para buscar os fins, que são a promoção da paz social e a afirmação da Justiça como algo concreto
para todos os cidadãos. A valorização do Judiciário é importante tanto para os juízes quanto para a instituição
e para o cidadão, que depende do Estado-Juiz para cumprir as promessas dadas pela Constituição de 1988

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Processualismo tecnocrático versus processualismo tecnológico...

6 Processualismo tecnológico – A técnica a serviço da


qualidade no processo
A qualidade das decisões (por intermédio do processo) liga-se sempre à
obtenção de uma verdade31 (no sentido de alétheia) — que, nos dizeres de Lenio
Streck, é uma metáfora, porquanto não é a única, nem a melhor —, e que para sua
obtenção exige um tempo natural de amadurecimento.32
Se o tramitar é muito célere, sem que o processo tenha se desenvolvido
regularmente (dentro das “regras do jogo”, previamente estabelecidas) e ausente
um ambiente de comparticipação responsável, sem que tenha havido a produção das
provas essenciais para o desvelamento — elementos indispensáveis à prolação de
uma decisão íntegra e coerente —, corre-se o risco de uma dupla injustiça: primeiro,
no tocante aos reflexos sobre o direito material; segundo, pelo desrespeito ao direito
processual, mormente no que diz respeito ao contraditório e ao devido processo legal.
Por outro lado, se a estrutura posta à disposição dos atores processuais
não for condizente com as técnicas necessárias ao desvelamento (v.g., demora no
cumprimento de uma carta precatória, demora na expedição de um ofício, demora na
análise dos autos postos à conclusão decorrente do acúmulo de trabalho etc.), tal
procrastinação só serve para amplificar os sentimentos de injustiça e ineficácia da
atuação estatal.
Neste ponto, pergunta-se: no que consiste (ou como medir) a razoável duração
de um processo? Ora, cada processo, em face de suas peculiaridades, terá seu
próprio tempo razoável de duração. Mas para além das causas endógenas do tempo
de duração processual — como se a celeridade do processo dependesse apenas das
técnicas processuais postas à disposição dos operadores —, existem também causas
exógenas, relacionadas com a estrutura (humana, administrativa e tecnológica), a
depender do grau de evolução do estado da técnica.
Assim, o tempo de amadurecimento da causa nunca será imutável ou absoluto.
Ao contrário, é extremamente volátil ou relativo, também a depender do grau de
evolução do estado da técnica e de como se faz uso do aparato tecnológico.

(In: BOLLMANN, Vilian. CNJ deve rever definições de metas para o Judiciário. Revista Consultor Jurídico,
29 nov. 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-nov-29/vilian-bollmann-cnj-rever-definicoes-
-metas-judiciario>. Acesso em 06 jan. 2015).
31
[...] Em Dworkin, a garantia contra a arbitrariedade está no acesso a uma moralidade institucional; em Gadamer,
essa “blindagem” se dá através da consciência da história efetual, representada pela suspensão de todo o juízo
e o questionamento dos próprios pré-juízos por parte do outro e pelo texto. Em Dworkin, há uma única resposta
correta; na hermenêutica, a partir dos seus dois teoremas fundamentais (círculo hermenêutico e diferença
ontológica) e na leitura que faço de Gadamer, há uma resposta verdadeira, correta; nem a única e nem uma
entre várias corretas; apenas “a” resposta, que se dá na coisa mesma. [...] (In: STRECK, Lenio Luiz. Verdade e
consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 67).
32
Sobre o tempo no direito recomenda-se consulta à obra de François Ost (O tempo do direito. Lisboa: Instituto
Piaget, 2001).

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Ricardo Augusto Herzl, Wilson Engelmann

Evidentemente, o tempo razoável não está no processo em si, apenas, mas


sim nas condições em que ele se dá. Redigiam-se sentenças à mão. Depois, por
intermédio da máquina de escrever. Hoje, temos os computadores, os tablets, os
smartphones. Portanto, a duração razoável do tempo do processo (qualitativo) e o
grau de evolução tecnológica encontram-se, necessariamente, imbrincados.
Diante do esboço desses elementos, podemos conceituar o processualismo
tecnológico como aquele capaz de fornecer uma resposta qualitativa (hermenêutica) do
processo no menor tempo possível, sem atropelar a boa técnica processual (respeitando
as formalidades necessárias e as garantias constitucionais), por meio do uso otimizado
e integrado de todos os recursos tecnológicos disponíveis à luz de seu tempo.
O processualismo tecnológico, portanto, respeita a dignidade das partes
processuais e, ao mesmo tempo, potencializa institucionalmente a Justiça.
O processo eletrônico proporcionou uma revolução institucional na seara judicial.
Muito do material humano era dispensado em atividades meramente mecânicas:
procurar processos nas prateleiras, furar o papel e juntar petições, carimbar o decurso
de prazo ou o trânsito em julgado. Hoje, os processos eletrônicos são localizados
rapidamente com um “click”, as petições constam dos autos automaticamente
quando da sua anexação pelas partes, os carimbos foram suplantados pelos eventos
lançados automaticamente pelo sistema.
Além da relativização temporal, o uso dos mais recentes instrumentos
tecnológicos relativizam, também, o espaço. É como se fosse possível atravessar por
um “buraco de minhoca” e acessar um processo a quilômetros de distância por meio
de um hiperlink. Com o processo eletrônico, portanto, dobramos o plano espaço-
tempo do tramitar processual.
Neste sentido, o Projeto de Código de Processo Civil33 traz consigo consideráveis
avanços no sentido da construção e da sedimentação de um processualismo
tecnológico. Todo um vocabulário empregado encontra-se em sintonia com modernas
expressões. Por exemplo: a expressão “rede mundial de computadores” é empregada
por 16 vezes; a palavra “eletrônico”, 84 vezes; e “sistema”, 17 vezes.
Logo, a linguagem utilizada na elaboração do Projeto de Código já revela a sua
inserção na denominada era digital. Doravante vamos procurar identificar quais os
mais importantes avanços contidos na referida legislação, ainda em gênese.

O projeto de novo Código de Processo Civil tramitou primeiramente no Senado Federal (Projeto de Lei do
33

Senado nº 166 de 2010). Na Câmara dos Deputados, a proposição foi renumerada, passando a tramitar
como Projeto de Lei nº 8.046, de 2010, sendo o texto final aprovado e reenviado ao Senado Federal em mar-
ço de 2014. Por fim, após a aprovação do relatório do Senador Vital do Rêgo e a votação de alguns poucos
destaques, o Senado Federal aprovou o novo CPC determinando a sua remessa à sanção presidencial, em
17.12.2014 (In: BRASIL. Código de Processo Civil. Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei
do Senado 166 de 2010. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_
mate=116731>. Acesso em 28 de dezembro de 2014).

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Processualismo tecnocrático versus processualismo tecnológico...

A primeira grande mudança diz respeito à forma de comunicação dos atos


processuais. A citação de entes públicos da Administração direta (União, Estados e
Municípios) e indireta (autarquias e fundações públicas), bem como das empresas
em geral (públicas ou privadas), com exceção das empresas de pequeno porte e
as microempresas, deverá em regra ser feita por meio eletrônico. Para tal, ficam
obrigadas a manter cadastro atualizado junto aos sistemas de processo em autos
eletrônicos.34 E, ainda quando a citação se der por edital, será necessária a sua
divulgação pela internet.35
As intimações36 e a expedição de cartas (precatórias e de ordem),37 também, via
de regra, passam a ser realizadas por meio eletrônico (envio de e-mail). E, a depender
da finalidade do ato processual a ser praticado, a expedição da carta precatória ou de
ordem pode dar lugar à realização de videoconferência.38
Alguns dos vários exemplos relacionados ao uso da tecnologia para a
comunicação dos atos processuais são: na comunicação entre os conciliadores e
o centro judiciário de solução de conflitos e cidadania,39 na intimação eletrônica da
advocacia pública40 e na intimação da parte quanto à adjudicação de bem penhorado
quando não tiver procurador constituído nos autos.41
Para que as citações e intimações eletrônicas se tornem possíveis, tanto da
procuração do advogado42 quanto da petição inicial43 deverão constar o endereço

34
Art. 244. A citação será feita: [...] V - por meio eletrônico, conforme regulado em lei. §1º Com exceção das
microempresas e das empresas de pequeno porte, as empresas públicas e privadas ficam obrigadas a manter
cadastro junto aos sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e inti-
mações, as quais serão efetuadas preferencialmente por esse meio. §2º O disposto no §1º aplica-se à União,
aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e às entidades da administração indireta. [...]
35
Art. 255. São requisitos da citação por edital: [...] II - a publicação do edital na rede mundial de computadores,
no sítio do respectivo tribunal e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça, que deve ser certi-
ficada nos autos. [...]
36
Art. 268. As intimações realizam-se, sempre que possível, por meio eletrônico, na forma da lei. Parágrafo úni-
co. Aplica-se ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à Advocacia Pública o disposto no §1º do art. 244.
37
Art. 230. Nos atos de comunicação por carta precatória, rogatória ou de ordem, a realização da citação ou
intimação será imediatamente informada, por meios eletrônicos, pelo juiz deprecado ao juiz deprecante. [...]
Art. 261. As cartas deverão, preferencialmente, ser expedidas por meio eletrônico, caso em que a assinatura
do juiz deverá ser eletrônica, na forma da lei.
38
Art. 234. Os atos processuais serão cumpridos por ordem judicial. [...] §3º Admite-se a prática de atos processu-
ais por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real.
39
Art. 171. No caso de impossibilidade temporária do exercício da função, o conciliador ou mediador informará
o fato ao centro, preferencialmente por meio eletrônico, para que, durante o período em que perdurar a impos-
sibilidade, não haja novas distribuições.
40
Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de
direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá
início a partir da intimação pessoal.
41
Art. 874. É lícito ao exequente, oferecendo preço não inferior ao da avaliação, requerer lhe sejam adjudicados
os bens penhorados. §1º. Requerida a adjudicação, o executado será intimado do pedido: [...] III - por meio
eletrônico, quando, sendo caso do §1º do art. 244, não tiver procurador constituído nos autos. [...]
42
Art. 285. A petição deve vir acompanhada de procuração, que conterá os endereços do advogado, eletrônico e
não-eletrônico, para recebimento de intimações. [...]
43
Art. 317. A petição inicial indicará: [...] II - os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união es-
tável, a profissão, o número no cadastro de pessoas físicas ou no cadastro nacional de pessoas jurídicas, o
endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu; [...]

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Ricardo Augusto Herzl, Wilson Engelmann

eletrônico do representante e do representado judicialmente. Normalmente, para que


o advogado obtenha a senha de acesso ao processo eletrônico deve realizar prévio
cadastramento, incluindo seu e-mail, e assinar termo em que se declara ciente que
a comunicação dos atos processuais ocorrerá na forma digital. Mais que isso, a
procuração poderá ser assinada, pelo cliente — além da petição inicial, pelo advogado —,
por meio de certificação digital.44
Outro ponto importante diz respeito à acessibilidade democrática do público e dos
advogados ao meio digital. Neste sentido, as unidades judicantes deverão facilitar o
acesso ao processo eletrônico, por meio da disponibilização gratuita de computadores
à disposição do público e com acesso à rede mundial de computadores.45
Os tribunais deverão disponibilizar na rede mundial de computadores importantes
informações ligadas ao desenvolvimento do processo. Por tal iniciativa o cidadão
poderá fiscalizar se haverá respeito à ordem cronológica de processos levados à
conclusão46 ou em tramitação na secretaria da Vara,47 sob pena de o servidor ou juiz
vir a responder administrativamente.
Ainda haverá acesso público a um banco de precedentes jurisprudenciais,48 o
que facilitará a análise destes pelos atores processuais, desde a análise da petição
inicial para fins de improcedência liminar do pedido até para fins de repercussão geral
ou identificação da existência de incidente de resolução de demandas repetitivas.49
Também um banco de dados contendo as informações de todos os peritos cadastrados
de acordo com as suas especialidades.50

44
Art. 105. [...] §1º A procuração pode ser assinada digitalmente, na forma da lei. [...]
45
Art. 196. As unidades do Poder Judiciário deverão manter gratuitamente, à disposição dos interessados,
equipamentos necessários à prática de atos processuais e à consulta e ao acesso ao sistema e aos docu-
mentos dele constantes. Parágrafo único. Será admitida a prática de atos por meio não eletrônico no órgão
jurisdicional onde não estiverem disponibilizados os equipamentos previstos no caput. Art. 197. As unidades
do Poder Judiciário assegurarão às pessoas com deficiência acessibilidade aos seus sítios na rede mundial de
computadores, ao meio eletrônico de prática de atos judiciais, à comunicação eletrônica dos atos processuais
e à assinatura eletrônica.
46
Art. 12. Os juízes e os tribunais deverão obedecer à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença
ou acórdão. §1º A lista de processos aptos a julgamento deverá estar permanentemente à disposição para
consulta pública em cartório e na rede mundial de computadores. [...]
47
Art. 153. O escrivão ou chefe de secretaria deverá obedecer à ordem cronológica de recebimento para publica-
ção e efetivação dos pronunciamentos judiciais. §1º A lista de processos recebidos deverá ser disponibilizada,
de forma permanente, para consulta pública. [...]
48
Art. 925. [...] §2º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica
decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.
49
Art. 976. A instauração e o julgamento do incidente serão sucedidos da mais ampla e específica divulgação
e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça. §1º Os tribunais manterão
banco eletrônico de dados atualizados com informações específicas sobre questões de direito submetidas
ao incidente, comunicando-o imediatamente ao Conselho Nacional de Justiça para inclusão no cadastro. §2º
Para possibilitar a identificação das causas abrangidas pela decisão do incidente, o registro eletrônico das
teses jurídicas constantes do cadastro conterá, no mínimo, os fundamentos determinantes da decisão e os
dispositivos normativos a ela relacionados. §3º Aplica-se o disposto neste artigo ao julgamento de recursos
repetitivos e da repercussão geral em recurso extraordinário.
50
Art. 156. O juiz será assistido por perito quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou cientí-
fico. [...] §2º Para formação do cadastro, os tribunais devem realizar consulta pública, por meio de divulgação

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Processualismo tecnocrático versus processualismo tecnológico...

No mais, também serão disponibilizados editais na rede mundial de computadores


com a finalidade de dar maior publicidade à existência de bens arrecadados na herança
jacente,51 na ausência52 e na declaração de interdição.53 Todas as informações
constantes do sistema de automação processual gozarão de presunção de veracidade
e confiabilidade.54
No tocante aos prazos, a prática de atos processuais poderá ocorrer a qualquer
momento e será considerado tempestivo àquele praticado até às vinte e quatro
horas da data final, de acordo com o fuso horário do local do juízo onde tramitam os
autos.55 Para tal, as manifestações e petições serão automaticamente juntadas ao
processo, sem a necessidade de qualquer interferência de serventuário da justiça.
E, no caso de litisconsórcio com diferentes procuradores, já que o acesso aos autos
será simultâneo, não mais se justifica o prazo em dobro,56 como ora reza o artigo 191
do CPC de 1973.
O documento eletrônico poderá ser autenticado ou não. Ao documento
autenticado, haverá presunção (evidentemente relativa) de veracidade das suas
informações.57 Os documentos das repartições públicas poderão ser certificados e
disponibilizados, com o mesmo valor dos documentos escritos.58 Os documentos

na rede mundial de computadores ou em jornais de grande circulação, além de consulta direta a universidades,
a conselhos de classe, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à Ordem dos Advogados do Brasil, para
a indicação de profissionais ou órgãos técnicos interessados.
51
Art. 739. Ultimada a arrecadação, o juiz mandará expedir edital, que será publicado na rede mundial de compu-
tadores, no sítio do tribunal a que estiver vinculado o juízo e na plataforma de editais do Conselho Nacional de
Justiça, onde permanecerá por três meses, ou, não havendo sítio, no órgão oficial e na imprensa da comarca,
por três vezes com intervalos de um mês, para que os sucessores do falecido venham a habilitar-se no prazo
de seis meses contados da primeira publicação. [...]
52
Art. 743. Feita a arrecadação, o juiz mandará publicar editais na rede mundial de computadores, no sítio do
tribunal a que estiver vinculado e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça, onde permanecerá
por um ano; não havendo sítio, a publicação far-se-á no órgão oficial e na imprensa da comarca, durante um
ano, reproduzida de dois em dois meses, anunciando a arrecadação e chamando o ausente a entrar na posse
de seus bens.
53
Art. 753. [...] §3º A sentença de interdição será inscrita no registro de pessoas naturais e imediatamente pu-
blicada na rede mundial de computadores, no sítio do tribunal a que estiver vinculado o juízo e na plataforma
de editais do Conselho Nacional de Justiça, onde permanecerá por seis meses, na imprensa local, uma vez,
e no órgão oficial, por três vezes, com intervalo de dez dias, constando do edital os nomes do interdito e do
curador, a causa da interdição, os limites da curatela e, não sendo total a interdição, os atos que o interdito
poderá praticar autonomamente.
54
Art. 195. Os tribunais divulgarão as informações constantes de seu sistema de automação em página própria
na rede mundial de computadores, gozando a divulgação de presunção de veracidade e confiabilidade. [...]
55
Art. 211. A prática eletrônica de ato processual pode ocorrer em qualquer horário até as vinte e quatro horas
do último dia do prazo. Parágrafo único. O horário vigente no juízo perante o qual o ato deve ser praticado será
considerado para fim de atendimento do prazo.
56
Art. 227. Os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, terão
prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo ou tribunal, independente-
mente de requerimento. §1º Cessa a contagem do prazo em dobro se, havendo apenas dois réus, é oferecida
defesa por apenas um deles. §2º Não se aplica o disposto no caput aos processos em autos eletrônicos.
57
Art. 408. Considera-se autêntico o documento quando: [...] II - a autoria estiver identificada por qualquer outro
meio legal de certificação, inclusive eletrônico, nos termos da lei; [...]

58
Art. 435. O juiz requisitará às repartições públicas em qualquer tempo ou grau de jurisdição: [...] §2º As repartições
públicas poderão fornecer todos os documentos em meio eletrônico, conforme disposto em lei, certificando, pelo
mesmo meio, que se trata de extrato fiel do que consta em seu banco de dados ou do documento digitalizado.

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Ricardo Augusto Herzl, Wilson Engelmann

não autenticados, por sua vez, não possuirão tal presunção, mas seu valor probante
será apreciado pelo magistrado à luz do caso em concreto. Logo, a ausência de
certificação não desqualificará, em princípio, as informações constantes dos
documentos eletrônicos particulares.59
A nova lei processual presume a autenticidade das fotografias extraídas
da Internet,60 dos extratos bancários eletrônicos e dos documentos digitalizados
pelos servidores da Justiça, pela promotoria, pela defensoria, pelos procuradores
públicos e pelos advogados, devendo o detentor preservar os documentos originais
em seus arquivos — caso haja discordância quanto ao seu conteúdo — até o final
da marcha processual.61
A videoconferência, certamente, será uma das maiores ferramentas da qual fará
uso o processo eletrônico. Poderá ser utilizada na colheita do depoimento pessoal
quando a parte residir em outra comarca ou subseção judiciária,62 na colheita de prova
testemunhal,63 na acareação entre testemunhas ou testemunhas e partes,64 durante
a realização de prova pericial65 e até mesmo quando da entrevista de interdição.66

59
Art. 436. A utilização de documentos eletrônicos no processo convencional dependerá de sua conversão à for-
ma impressa e de verificação de sua autenticidade, na forma da lei. Art. 437. O juiz apreciará o valor probante
do documento eletrônico não convertido, assegurado às partes o acesso ao seu teor.
60
Art. 419. [...] §1º A fotografia digital e as extraídas da rede mundial de computadores fazem prova das imagens
que reproduzem; se impugnadas, deverá ser apresentada a respectiva autenticação eletrônica ou, não sendo
possível, realizada perícia. [...]
61
Art. 422. Fazem a mesma prova que os originais: [...] V - os extratos digitais de bancos de dados públicos e
privados, desde que atestado pelo seu emitente, sob as penas da lei, que as informações conferem com o
que consta na origem; VI - as reproduções digitalizadas de qualquer documento público ou particular, quando
juntadas aos autos pelos órgãos da justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pela
Defensoria Pública e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas em geral e por advo-
gados, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração. §1º Os originais dos documentos
digitalizados mencionados no inciso VI deverão ser preservados pelo seu detentor até o final do prazo para
propositura de ação rescisória. §2º Tratando-se de cópia digital de título executivo extrajudicial ou de documen-
to relevante à instrução do processo, o juiz poderá determinar seu depósito em cartório ou secretaria. [...]
62
Art. 382. Cabe à parte requerer o depoimento pessoal da outra, a fim de ser interrogada na audiência de instru-
ção e julgamento, sem prejuízo do poder do juiz de ordená-lo de ofício. [...] O depoimento pessoal da parte que
residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser colhido
por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real,
o que poderá ocorrer, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento. [...]
63
Art. 450. [...] §1º A oitiva de testemunha que residir em comarca, seção ou subseção judiciárias diversa da-
quela onde tramita o processo poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico
de transmissão de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a realização da
audiência de instrução e julgamento. §2º Os juízos deverão manter equipamento para a transmissão e recep-
ção dos sons e imagens a que se refere o §1º.
64
Art. 458. [...] §2º A acareação pode ser realizada por videoconferência ou outro recurso tecnológico de trans-
missão de sons e imagens em tempo real.
65
Art. 461. [...] §4º O especialista, que deverá ter formação acadêmica específica na área objeto de seu depoi-
mento, poderá, ao prestar seus esclarecimentos, valer-se de qualquer recurso tecnológico de transmissão de
sons e imagens com o fim de esclarecer os pontos controvertidos na causa.
66
Art. 749. O interditando será citado para, em dia designado, comparecer perante o juiz, que o entrevistará mi-
nuciosamente acerca de sua vida, negócios, bens, vontades, preferências, laços familiares e afetivos, e sobre
o que mais lhe parecer necessário para convencimento quanto a sua capacidade para prática de atos da vida
civil, devendo ser reduzidas a termo as perguntas e respostas. [...] §3º Durante a entrevista, é assegurado o
emprego de recursos tecnológicos capazes de permitir ou auxiliar o interditando a expressar suas vontades e
preferências e a responder às perguntas formuladas. [...]

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Processualismo tecnocrático versus processualismo tecnológico...

A percepção do gestual, da expressão facial, das reações às perguntas,


proporcionadas pela troca de sons e imagens em tempo real, mormente no tocante
à colheita de prova testemunhal ou depoimento, vão permitir ao julgador maior
fidedignidade para formação de seu julgamento.
As audiências, de conciliação67 ou não,68 serão, na medida do possível,
gravadas em imagem e áudio. O advogado também poderá gravar a audiência,
independentemente de prévia autorização do juiz. Ainda, com a finalidade de
preservação de provas na fase extrajudicial, é permitida a lavratura de ata notarial a
fazer uso de imagem ou som gravados eletronicamente.69
Para o cumprimento provisório de uma sentença sem o trânsito em julgado, ao
se tratar de processo eletrônico, não mais será necessária a lavratura de carta de
sentença, já que o juízo executor terá acesso a todas as informações necessárias ao
cumprimento da decisão.70
Podemos elencar, ainda, como importantes aplicações da tecnologia no tramitar
da fase de cumprimento de sentença ou da execução, a realização e fiscalização
da penhora online de valores bancários71 ou no cadastro público de bens móveis e
imóveis,72 diretamente sem a necessidade de expedição e cumprimento de ofício, na

67
Art. 331. [...] §7º A audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se por meios eletrônicos, nos ter-
mos da lei.
68
Art. 364. [...] §5º A audiência poderá ser integralmente gravada em imagem e em áudio, em meio digital ou
analógico, desde que assegure o rápido acesso das partes e dos órgãos julgadores, observada a legislação
específica. §6º A gravação a que se refere o §5º também pode ser realizada diretamente por qualquer das
partes, independentemente de autorização judicial.
69
Art. 381. A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requeri-
mento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião. Parágrafo único. Dados representados por imagem
ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial.
70
Art. 519. O cumprimento provisório da sentença será requerido por petição dirigida ao juízo competente. Não
sendo eletrônicos os autos, será acompanhada de cópias das seguintes peças do processo, cuja autentici-
dade poderá ser certificada pelo próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal: I - decisão exequenda;
II - certidão de interposição do recurso não dotado de efeito suspensivo; III - procurações outorgadas pelas
partes; IV - decisão de habilitação, se for o caso; V - facultativamente, outras peças processuais consideradas
necessárias para demonstrar a existência do crédito.
71
Art. 852. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, o juiz, a requerimento
do exequente, sem dar ciência prévia do ato ao executado, determinará às instituições financeiras, por meio
de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, que torne indisponí-
veis ativos financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a indisponibilidade ao valor indicado
na execução. [...] §6º Realizado o pagamento da dívida por outro meio, o juiz determinará, imediatamente, por
meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, a notificação da
instituição financeira para que, em até vinte e quatro horas, cancele a indisponibilidade. §7º As transmissões
das ordens de indisponibilidade, de seu cancelamento e de determinação de penhora, previstas neste artigo
far-se-ão por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional.
[...] §9º. Quando se tratar de execução contra partido político, o juiz, a requerimento do exequente, determi-
nará às instituições financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido por autoridade supervisora do sistema
bancário, que torne indisponíveis ativos financeiros somente em nome do órgão partidário que tenha contraído
a dívida executada ou que tenha dado causa à violação de direito ou ao dano, ao qual cabe exclusivamente a
responsabilidade pelos atos praticados, na forma da lei.
72
Art. 835. Obedecidas as normas de segurança instituídas sob critérios uniformes pelo Conselho Nacional de
Justiça, a penhora de dinheiro e as averbações de penhoras de bens imóveis e móveis podem ser realizadas
por meios eletrônicos.

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alienação por leilão eletrônico,73 e na transferência eletrônica de valores depositados


em contas judiciais para a satisfação do crédito.74
Os recursos serão distribuídos eletronicamente75 e os votos e acórdãos
serão registrados e assinados digitalmente.76 A sustentação oral também poderá
ser realizada por videoconferência, o que democratiza o acesso dos advogados do
interior perante as cortes, localizadas nas capitais.77 Todo o julgamento dos recursos
pode ocorrer eletronicamente, sem a necessidade da presença física dos juízes e
desembargadores,78 podendo interagir em sistema de videoconferência. E todos os
atos de comunicação, entre diferentes tribunais, deverão ocorrer, preferencialmente,
por meio eletrônico.79
Podemos destacar a dispensabilidade do comprovante de porte e remessa nos
autos eletrônicos80 e a dispensa de necessidade de formação dos autos do agravo
— cópia de peças obrigatórias e facultativas —, porquanto com um simples click
o julgador terá, no tribunal, acesso a todo o processo (incluindo a vista de seus
documentos) nas instâncias inferiores.81

73
Art. 880. Não sendo possível a sua realização por meio eletrônico, o leilão será presencial. §1º A alienação
judicial por meio eletrônico será realizada, observando-se as garantias processuais das partes, de acordo
com regulamentação específica do Conselho Nacional de Justiça. §2º A alienação judicial por meio eletrônico
deverá atender aos requisitos de ampla publicidade, autenticidade e segurança, com observância das regras
estabelecidas na legislação sobre certificação digital. [...]
74
Art. 904. Ao receber o mandado de levantamento, o exequente dará ao executado, por termo nos autos, quita-
ção da quantia paga. Parágrafo único. A expedição de mandado de levantamento poderá ser substituída pela
transferência eletrônica do valor depositado em conta vinculada ao juízo para outra indicada pelo exequente.
75
Art. 928. Far-se-á a distribuição de acordo com o regimento interno do tribunal, observando-se a alternativida-
de, o sorteio eletrônico e a publicidade.
76
Art. 940. Os votos, os acórdãos e os demais atos processuais podem ser registrados em documento eletrôni-
co inviolável e assinados eletronicamente, na forma da lei, devendo ser impressos para juntada aos autos do
processo, quando este não for eletrônico. [...]
77
Art. 935. [...] §4º É permitido ao advogado cujo escritório se situe em cidade diversa daquela onde está
sediado o tribunal realizar sustentação oral por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de
transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que o requeira até o dia anterior ao da sessão.
78
Art. 942. A critério do órgão julgador, o julgamento dos recursos e das causas de competência originária que
não admitem sustentação oral poderá realizar-se por meio eletrônico. §1º O relator cientificará as partes, pelo
Diário da Justiça, de que o julgamento far-se-á por meio eletrônico. Qualquer das partes poderá, no prazo de
cinco dias, apresentar memoriais ou oposição ao julgamento por meio eletrônico. A oposição não necessita de
motivação, sendo apta a determinar o julgamento em sessão presencial. §2º Caso surja alguma divergência
entre os integrantes do órgão julgador durante o julgamento eletrônico, este ficará imediatamente suspenso,
devendo a causa ser apreciada em sessão presencial.
79
Art. 1.035. O relator poderá requisitar informações aos tribunais inferiores a respeito da controvérsia; cumpri-
da a diligência, intimará o Ministério Público para manifestar-se. §1º Os prazos respectivos são de quinze dias
e os atos serão praticados, sempre que possível, por meio eletrônico. [...]
80
Art. 1004. [...] §3º É dispensado o recolhimento do porte de remessa e retorno no processo em autos eletrônicos.
81
1.014. [...] §5º Sendo eletrônicos os autos do processo, dispensam-se as peças referidas nos incisos I e II
do caput, facultando-se ao agravante anexar outros documentos que entender úteis para a compreensão da
controvérsia.

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Processualismo tecnocrático versus processualismo tecnológico...

E, no que tange à demonstração o dissídio jurisprudencial para fins de recurso


especial82 ou de embargos de divergência,83 bastará a indicação do hiperlink da rede
mundial de computadores.
Os valores decorrentes das sanções pecuniárias processuais (v.g., no casos
dos atos atentatórios ao exercício da jurisdição) passarão a compor um fundo de
modernização84 do Poder Judiciário.
Nesse processo de gradual informatização, ao lado dos tribunais, o Conselho
Nacional de Justiça85 exercerá importante papel de coordenação e integração dos
avanços tecnológicos em busca de uma maior interoperabilidade na tentativa de
unificação dos diversos sistemas eletrônicos.86

82
Art. 1.026. [...] §1º Quando o recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente fará a prova da diver-
gência com a certidão, cópia ou citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em
mídia eletrônica, em que houver sido publicado o acórdão divergente, ou ainda com a reprodução de julgado
disponível na rede mundial de computadores, com indicação da respectiva fonte; em qualquer caso, as circuns-
tâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados devem ser mencionadas. [...]
83
Art. 1040. [...] §4º O recorrente provará a divergência com certidão, cópia ou citação de repositório oficial ou
credenciado de jurisprudência, inclusive em mídia eletrônica, onde foi publicado o acórdão divergente, ou com
a reprodução de julgado disponível na rede mundial de computadores, indicando a respectiva fonte, e mencio-
nará as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados.
84
Art. 97. A União e os Estados podem criar fundos de modernização do Poder Judiciário, aos quais serão re-
vertidos os valores das sanções pecuniárias processuais destinadas à União e aos Estados, e outras verbas
previstas em lei.
85
Art. 194. Compete ao Conselho Nacional de Justiça e, supletivamente, aos tribunais, regulamentar a prática
e a comunicação oficial de atos processuais por meio eletrônico e velar pela compatibilidade dos sistemas,
disciplinando a incorporação progressiva de novos avanços tecnológicos e editando, para esse fim, os atos
que forem necessários, respeitadas as normas fundamentais deste Código.
86
Importante artigo publicado recentemente sob o título de "OAB e CNJ lançam projeto para unificar processos
virtuais no país" dispõe que: O Conselho Nacional de Justiça e a Ordem dos Advogados do Brasil lançaram
nesta terça-feira (02/12/2014) o projeto Escritório Virtual do Processo Eletrônico. O objetivo é permitir que
qualquer pessoa possa acessar os processos virtuais por meio de um único sistema e endereço eletrônico
utilizando um software desenvolvido pelo CNJ. A ideia é que o usuário possa acompanhar processos de seu
interesse de forma unificada, sem precisar entrar no sistema do Processo Judicial Eletrônico (PJe) ou nos
específicos dos tribunais. A OAB e o CNJ querem que as informações de todos os processos estejam reunidas
em um único endereço na internet, facilitando a busca e o acompanhamento por advogados, procuradores,
defensores públicos, membros do Ministério Público e pela população em geral. O protocolo conjunto foi
assinado pelo presidente do CNJ, ministro Ricardo Lewandowski, e pelo presidente da OAB, Marcus Vinícius
Furtado Coêlho, durante a realização da 200ª Sessão Ordinária do Conselho. “O ideal que nós queremos
atingir é a unificação de todos os sistemas, pois não achamos correto nem eficiente que cada tribunal tenha
o seu próprio sistema”, afirmou Lewandowski. A primeira parte do projeto deve ser concluída em março de
2015, quando haverá a possibilidade de comunicação entre os vários sistemas e processos de diferentes
tribunais do país, diz o protocolo. O ministro afirmou que o sistema unificado facilitará o acesso de recursos
aos tribunais superiores. “São passos em direção à meta da unificação”, acrescentou Lewandowski. Além da
participação da advocacia no processo de implantação do Escritório Virtual, Coêlho destacou a agilidade que
o software poderá trazer para a comunidade jurídica. “O diálogo entre os sistemas facilitará a vida dos advo-
gados, dos membros do Ministério Público, da Procuradoria e da Defensoria Pública”, pontuou o presidente
da OAB. [...] O Escritório Virtual pretende ser de fácil utilização e acessibilidade. Em um primeiro momento,
o usuário poderá fazer consultas em todos os tribunais que já operam o PJe. Posteriormente, o projeto será
aprimorado para incluir todos os tribunais participantes do Modelo Nacional de Interoperabilidade (MNI), pre-
visto na Resolução Conjunta nº 3/2013. O sistema deverá permitir localização de processos de interesse, a
apresentação de qualquer manifestação processual, bem como a entrega de petição inicial (Revista Consultor
Jurídico, 02 de dezembro de 2014. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-dez-02/oab-cnj-lancam-
-projeto-unificar-processos-virtuais-pais>. Acesso em 05 dez. 2014.

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Ricardo Augusto Herzl, Wilson Engelmann

De todo o modo, até que a referida unificação aconteça e seja implantado em


definitivo o sistema de certificação digital, o novo CPC enfatiza nas disposições
finais e transitórias que ficam convalidados todos os atos processuais praticados
por meio eletrônico.87

Conclusão
A efetividade (hermenêutica) do processo manifesta-se pela qualidade
da prestação da tutela jurisdicional. Qualidade significa respeito às dimensões
democrática, responsável e comparticipativa, em que o juiz não é compreendido
apenas como um mero observador, estranho ao processo, mas sim participa (junto)
com as partes na busca e construção da (metáfora da) resposta correta, o que se dá
pelo desvelamento.
E, exatamente por existir apenas (um)a alétheia, para que um processo seja
considerado efetivo jamais poderá prescindir da qualidade dos meios processuais e
das decisões, o que pode ser obtido pelos vetores da integridade (respeito às leis e à
Constituição) e coerência (em relação à doutrina e aos julgamentos anteriores). Não
há, portanto, o que se relativizar ou se transigir, em nome de números.
E a razão é muito simples: o processo jamais pode ser encarado como um
meio institucionalizado de simulacro da verdade. Ora, assim como não existem meias
justiças e tampouco existem meias verdades, também não existem meias sentenças.
Não é possível abrir mão da qualidade, jamais, sob pena de a Justiça produzir injustiça
(enrustida e qualificada).
A tecnologia, por sua vez, aplicada ao processo, pode se tornar a mocinha ou o
vilão da história, a solução ou o problema. Trava-se hoje, portanto, a grande batalha
entre duas formas de processualismo: o processualismo tecnocrático (sentido
quantitativo) e o processualismo tecnológico (sentido qualitativo).
Caberá à doutrina e, em especial à academia, dialogar com — e, se necessário,
constranger — o Legislativo e o Judiciário para evitar que o processo não se revela apenas
como uma técnica (econômica) de aceleração na resolução das demandas judiciais.
Neste contexto, torna-se imprescindível aproximar humanidade e tecnologia, com
a utilização do atual estado da técnica — em especial, dos sistemas informatizados
— para contribuir na concretização da efetividade do (e no) processo.

Art. 1.050. Os atos processuais praticados por meio eletrônico até a transição definitiva para certificação digital
87

ficam convalidados, ainda que não tenham observado os requisitos mínimos estabelecidos por este Código,
desde que tenham atingido sua finalidade e não tenha havido prejuízo à defesa de qualquer das partes.

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Processualismo tecnocrático versus processualismo tecnológico...

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

HERZL, Ricardo Augusto; ENGELMANN, Wilson. Processualismo tecnocrático versus


Processualismo tecnológico: da eficiência quantitativa à efetividade qualitativa no
direito processual civil. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo
Horizonte, ano 23, n. 90, p. 437-464, abr./jun. 2015.

464 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 437-464, abr./jun. 2015
A garantia a um processo sem armadilhas
e o Novo Código de Processo Civil

Rogerio Mollica
Mestre e Doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Membro do Instituto
Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e do Centro de Estudos Avançados de Processo (Ceapro).

Resumo: O presente artigo tem por objetivo apresentar o tema da “jurisprudência defensiva”, que foi a
forma que os Tribunais, principalmente os Superiores, encontraram para eliminar recursos. Não podendo
julgar todos os recursos que lhes eram enviados, os Tribunais passaram a criar armadilhas processuais
para eliminar recursos antes de seu julgamento. Foi a verdadeira seleção natural em que somente os
recursos mais fortes e bem preparados sobreviveriam a esse filtro informal. Na sequência, analisa-se de
que forma o Novo Código de Processo Civil abordou o problema e como procurou eliminar ou ao menos
mitigar as armadilhas hoje existentes.
Palavras-chave: Jurisprudência defensiva. Armadilhas processuais. Formalismo. Novo Código de Processo Civil.

Sumário: Introdução – As armadilhas processuais – O Novo Código de Processo Civil e a jurisprudência


defensiva – Considerações finais – Referências

Introdução
O nosso sistema permite o amplo acesso ao Judiciário. A própria Constituição
Federal garante que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito” (art. 5º, XXXV). Existem outros mecanismos para que esse acesso
se efetive, como os juizados especiais, nos quais em ações de pequeno valor não é
necessária a presença de um advogado e o benefício da justiça gratuita1 caso a ação
seja ajuizada na Justiça Comum.
Com a proliferação de ações individuais, é claro que tivemos um enorme
congestionamento no Judiciário, com uma grande demora na tramitação dos feitos.
Dezenas de reformas pontuais foram efetuadas para tentar dar maior agilidade aos
processos, entretanto, foram meros paliativos frente à enxurrada de ações individuais
que passaram a inviabilizar nossos Tribunais.
Desta forma, resolveu-se pela elaboração de um novo Código de Processo
Civil que previsse uma nova forma de tramitação para as ações repetitivas, visando

A Lei nº 1.060/50 permite o exercício do benefício da justiça gratuita mediante uma simples declaração de
1

insuficiência de recursos.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 465-475, abr./jun. 2015 465
Rogerio Mollica

à obtenção de uma maior celeridade processual. O Novo Código de Processo Civil


acaba de ser aprovado e estará em vigor no primeiro trimestre de 2016.
Além de pretender dar um maior dinamismo ao sistema, o novo Código, em
muito boa hora, veio a tentar eliminar muitas das barreiras que haviam sido criadas
ao julgamento do mérito dos recursos. De fato, mais do que garantir o amplo acesso
ao Judiciário, o nosso sistema deve permitir que essas pessoas que ajuízam ações
possam sair do Judiciário com seus problemas resolvidos por meio do julgamento
do mérito das demandas. Ao se afastar do julgamento do mérito para a prolação
de decisões que abordam somente a forma, o Judiciário acaba se afastando da
população e não faz o seu papel de pacificador social e de distribuidor da Justiça.
Em artigo escrito em homenagem aos 50 anos do Instituto Brasileiro de Direito
Processual (IBDP) tive oportunidade de criticar o formalismo excessivo, que afetava
a segurança jurídica das partes e a própria celeridade processual.2 Agora passados
sete anos de sua elaboração, faz-se importante revisar os principais temas abordados
e verificar de que forma o Novo Código de Processo Civil enfrentará o problema.
De fato, o Novo Código de Processo Civil tem como pilares a preservação da
segurança jurídica e a celeridade processual. Assim, temos um aumento da importância
dos precedentes judiciais, que geram previsibilidade de resultado para as partes e
seus procuradores, o combate a formalismos inúteis e uma melhor adequação das
demandas repetitivas procurando gerar maior celeridade processual.

As armadilhas processuais
O processo não pode ser um campo minado, no qual se espalham várias
armadilhas para que os recursos sejam eliminados antes do seu julgamento. Não se
pode mais conceber que os Tribunais passem mais tempo procurando por eventuais
defeitos do que para o julgamento dos recursos propriamente ditos.
Atualmente o recurso que sobrevive a todas as armadilhas processuais que
lhe são impostas já deve ser tido como um vitorioso e certamente o advogado que o
preparou despendeu mais tempo tentando evitar equívocos formais e procedimentais do
que abordando o mérito. É a verdadeira seleção natural aplicada aos recursos, já que
somente os mais fortes e bem preparados sobrevivem e podem ter o seu mérito julgado.
Sendo impossível o julgamento dos milhares de processos que chegavam aos
Tribunais, esses passaram a adotar a estratégia de eliminar processos em massa,
para que com a artificial substancial redução de feitos, eles pudessem continuar
julgando os poucos casos escolhidos e que conseguiram passar pelo estreito funil da

O excesso de formalismo como obstáculo à celeridade processual. In: CARNEIRO, Athos Gusmão; CALMON,
2

Petrônio (Coord.). Bases científicas para um renovado direito processual. Brasília: Instituto Brasileiro de Direito
Processual, 2008.

466 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 465-475, abr./jun. 2015
A garantia a um processo sem armadilhas e o Novo Código de Processo Civil

admissibilidade recursal. Mesmo diante da calamitosa situação enfrentada, não se


pode concordar com a solução simplista adotada pelos Tribunais, principalmente os
Superiores.3 Parece claro que essa não é a solução ideal, pois tolhe abruptamente
o direito das partes e cria pseudovícios que acabam por atingir os advogados e a
relação destes com os seus clientes.
A prestação jurisdicional não pode ser negada pelo rigor técnico e formalista do
processo. Não se pode, a pretexto dele, impedir a justa e correta aplicação do direito
material. Do contrário, estar-se-ia permitindo o estabelecimento de uma verdadeira
insegurança jurídica.4 O processo deve ser tido como um meio para a obtenção da
pacificação social almejada pelo direito e não um fim em si mesmo.
De acordo com os modernos princípios de direito processual, não se pode admitir
que a severidade processual implique numa supressão de direitos juridicamente
reconhecidos, ademais quando se adota um sistema processual instrumentalista. O
processo deve ser efetivo e não uma barreira à aplicação do direito material. Não se
pode admitir que para que se tenha um julgamento célere, seja necessário eliminar
recursos e obstar o julgamento do mérito das questões deduzidas em juízo.5
Existindo muitos recursos a serem julgados devemos criar novos filtros ou mesmo
aprimorar os filtros já existentes, tais quais as Súmulas Vinculantes, Repercussão
Geral, Processos Repetitivos etc. Entretanto, não parece correta a criação de filtros
ilegítimos e não previstos em lei, sob pena de ofensa à segurança jurídica. Dessa
forma não se pode aceitar que um recurso não seja conhecido pela falta de uma mera
cópia ou mesmo pelo preparo ter sido efetuado em uma guia diferente da prevista.

3
Para Fernanda Mercier Querido Farina “A solução patológica da “jurisprudência defensiva” vem como verdadei-
ro escudo à avalanche de processos que ingressa nos Tribunais Superiores todos os dias e que se acumula
mês a mês. É a resposta jurisprudencial incorreta a um problema que mereceria uma solução legislativa coe-
rente — quiçá constitucional”. Para a Autora, a solução seria a introdução do requisito da repercussão geral
também para os Recursos Especiais (Jurisprudência defensiva e a função dos Tribunais Superiores. Revista
de Processo, n. 209, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012, p.139/140).
4
Esse é o entendimento de José Roberto dos Santos Bedaque ao defender que “O culto à forma favorece aquele
que pretende valer-se do processo para obter resultados que o direito material não lhe concede. O desprezo
à técnica gera insegurança e eterniza os processos. Já se disse que piores que a complexidade causada pelo
formalismo excessivo são a incerteza e a insegurança decorrentes da imperfeita ou obscura formulação das
regras formais, bem como a completa ausência de sanção pela não-observância da forma. É preciso, pois, har-
monizar esses interesses conflitantes. Não abandonemos o formalismo processual, porque útil à obtenção de
determinados objetivos. Mas não o transformemos no fim último do processo, pois, se o fizermos, estaremos
encobrindo a injustiça com uma capa de legalidade. A forma visa exclusivamente a conferir aos litigantes aquilo
que os meios primitivos de solução dos conflitos — especialmente a autotutela — não asseguravam: um me-
canismo apto a proporcionar-lhes o resultado justo, entendido este como aquele resultante da real participação
dos interessados na formação do convencimento do juiz. Acesso à ordem jurídica justa é o que o formalismo
processual pretende garantir. Só isso nada mais.” (Efetividade do processo e técnica processual, p. 101/102).
5
Neste ponto é de se concordar com Glauco Gumerato Ramos quando defende que “Nessa perspectiva a
celeridade processual não deveria ser tão cultuada, tal qual fetiche, onde muitas vezes dá o tônus de certas
tomadas de posição pela jurisprudência. Nossa preocupação deveria estar concentrada na razoável duração
no processo, e não na celeridade-aceleração-finalização de um problema trazido à solução do Judiciário pelo
jurisdicionado, ainda mais quando essa pressa em exterminar mais um caso não é diretamente proporcional à
qualidade do remédio — ou do veneno — ministrado para acabar com o problema”. (Crítica macroscópica ao
fetiche da celeridade processual. Perspectiva do CPC de hoje e no de amanhã. Revista de Processo, n. 239,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 428).

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Rogerio Mollica

O Novo Código de Processo Civil e a jurisprudência


defensiva
O Novo Código de Processo Civil, de forma bastante salutar, procura eliminar ou
ao menos mitigar a jurisprudência defensiva em nosso ordenamento processual. De
fato, a análise dos dispositivos que serão a seguir expostos demonstra claramente
que o legislador procurou fechar cada uma das brechas que poderiam justificar a
manutenção das referidas armadilhas.
É fato que as partes procuram o Judiciário visando que seus pedidos sejam
apreciados e não almejando decisões que se neguem a analisar o mérito das
questões discutidas por minúcias processuais. A ausência de decisão sobre o mérito
da questão posta em juízo por problemas processuais frustra as partes e não traz a
paz social almejada.6
Cumpre ressaltar que o Novo Código de Processo Civil foi recentemente enviado
para a sanção presidencial. Assim sendo, é de se esperar que o seu texto ainda
sofra algumas transformações em razão de eventuais vetos presidenciais. Desse
modo, passaremos a listar as principais previsões visando a afastar a jurisprudência
defensiva, lembrando que tais previsões ainda podem ser alteradas e a numeração
dos artigos se refere à versão enviada à sanção presidencial em 24.02.2015.
Neste sentido, passa-se a analisar alguns dos dispositivos do Novo Código de
Processo Civil que procuraram anular ou ao menos mitigar as armadilhas processuais
atualmente existentes.
a) Prazo para as partes sanarem vícios
O art. 76, §2º, permite a correção de vícios de incapacidade processual ou
irregularidade na representação da parte também em grau recursal. Já o art. 932,
parágrafo único, prevê que antes de considerar inadmissível o recurso, o relator

Segundo o professor Barbosa Moreira a “Atividade judicial que deixe de conduzir à decisão do mérito (da causa
6

ou do recurso) é causa de frustração. O ideal seria que sempre se pudesse chegar àquela etapa final. Isso
obviamente ressalta quando se cuida do meritum causae, já que só o pronunciamento da justiça acerca dele é
capaz de resolver definitivamente o litígio e, tanto quanto possível, assegurar ou restaurar o império do direito.
Mesmo a respeito de outras questões (interlocutórias), porém, seria sempre desejável, em linha de princípio,
que o itinerário do recurso prosseguisse até a definição do them decidendum: quando nada, isso contribuiria
para a formação de um corpo de jurisprudência sobre questões (incidentes) que podem assumir ponderável
relevância, como as concernentes à legitimação ad causam, à admissibilidade de certa prova etc. É inevitável
o travo de insatisfação deixado por decisões de não-conhecimento; elas lembram refeições em que, após os
aperitivos e os hors d´oeuvre, se despedissem os convidados sem o anunciado prato principal. A essa luz,
o que se espera da lei e de seus aplicadores é um tratamento cuidadoso e equilibrado da matéria que não
imponha sacrifício excessivo a um dos valores em jogo, em homenagem ao outro. Para usar palavras mais
claras: negar conhecimento a recurso é atividade correta — e altamente recomendável — toda vez que esteja
clara a ausência de qualquer dos requisitos de admissibilidade. Não devem os tribunais, contudo, exagerar na
dose; por exemplo, arvorando em motivos de não conhecimento circunstâncias que o texto legal não cogita ,
nem mesmo implicitamente, agravando sem razão consistente exigências por ele feitas, ou apressando-se a
interpretar em desfavor do recorrente dúvidas suscetíveis de suprimento” (Restrições ilegítimas ao conheci-
mento dos recursos, p. 270).

468 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 465-475, abr./jun. 2015
A garantia a um processo sem armadilhas e o Novo Código de Processo Civil

concederá o prazo de cinco dias ao recorrente para que seja sanado vício ou
complementada a documentação exigível. Por sua vez o art. 938, §1º, versa que
constatada a ocorrência de vício sanável, inclusive aquele que possa ser conhecido
de ofício, o relator determinará a realização ou a renovação do ato processual, no
próprio Tribunal ou em primeiro grau de jurisdição, intimadas as partes.
Com a entrada em vigor do artigo 76, §2º, perderá sentido a Súmula 115 do STJ,
que prevê que na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado
sem procuração nos autos.
Já a previsão do artigo 938, §1º seria a ampliação da extensão do atual artigo
515, §4º do CPC a todos os recursos, já que a previsão atual, a princípio, só seria
cabível ao recurso de apelação.
Em suma tais previsões são extremamente benéficas ao jurisdicionado, pois
vão permitir que vícios sejam sanados possibilitando o julgamento dos recursos.
b) Fim do Recurso Prematuro
O art. 218, §4º, estabelece que será tempestivo o ato praticado antes do termo
inicial do prazo, afastando assim a tese tão difundida em nossos Tribunais do não
conhecimento do recurso prematuro. Já o artigo 1024, §5º, afasta a necessidade
de ratificação de recurso interposto anteriormente ao julgamento de embargos de
declaração opostos pela parte contrária, desde que esses sejam rejeitados ou não
alterem a conclusão do julgamento anterior.
Os Tribunais Superiores também acabaram criando a tese do Recurso
Prematuro, isto é, o protocolizado antes da publicação da decisão recorrida. Neste
caso, os Tribunais também entendiam que o recurso seria intempestivo. Por esse
entendimento, o recurso pode ser intempestivo se interposto antes de iniciado ou
depois de expirado o prazo recursal.7

O professor Cândido Rangel Dinamarco critica o referido entendimento, pois segundo o Mestre “As decisões
7

tomadas pelos órgãos colegiados de um tribunal são sujeitas a um complexo iter de formação, principiando
pela discussão da causa ou recurso em sessão de julgamento, eventual sustentação oral pelos advogados
das partes, tomada dos votos dos julgadores, proclamação do resultado pelo presidente e intimação desse
resultado pela imprensa, seguindo-se a tudo isso uma série de providências destinadas à lavratura, assina-
tura e registro do acórdão, o qual será afinal anexado aos autos. Nesse momento o acórdão está publicado,
ou seja, a partir daí existe no mundo jurídico um julgamento que poderá ser objeto do recurso em que cada
caso o sistema processual admitir. Estamos no campo da existência de um ato jurídico processual perfeito e
acabado, o qual poderá então ter a eficácia que a lei lhe atribuir. A outra publicação, aquela que pelo jornal
oficial se faz, não se confunde com aquela primeira. O acórdão cuja ementa e conclusões são enviados à
imprensa já está previamente publicado, no sentido de que já é um ato público, um ato processual perfeito e
acabado e, portanto, recorrível conforme as disposições legais pertinentes (recorrível pela via de embargos de
declaratórios, dos infringentes, recurso especial, extraordinário etc.). O reclamo ao escopo aceleratório dos
prazos recursais entra no presente contexto como um poderoso reforço de raciocínio, servindo para demons-
trar como a posição do Supremo Tribunal Federal opera uma inversão lógica ao sustentar que não tem direito
ao recurso aquele que se antecipa à sua própria intimação mediante uma iniciativa que imprime ao processo
ainda mais celeridade que aquela exigida pelo sistema. Se tenho diante de mim uma sentença ou acórdão
já juridicamente existente porque tornado público no processo, e se esse ato às vezes já é capaz de produzir
imediatamente efeitos inconvenientes ao meu interesse, o recurso que interponho antes de ser intimado pela
imprensa concorre para uma aceleração maior, vindo ao encontro do objetivo de aceleração concebido pelo
legislador, não de encontro a ele” (Tempestividade dos recursos, p. 22/23).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 465-475, abr./jun. 2015 469
Rogerio Mollica

Recentemente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, talvez até sob o auspício


do Novo Código de Processo Civil, reformulou entendimento até então pacificado e
afastou a intempestividade de um recurso interposto antes de iniciado o prazo recursal.8
Entretanto, mesmo com esse julgamento recente, a inovação mostra-se importante
para colocar fim a toda discussão em razão dos recursos tidos como prematuros.
c) Fim das armadilhas no Preparo Recursal
O art. 1007, §2º, estabelece que no caso de insuficiência do preparo o
Recorrente será intimado para recolher a diferença em até 5 dias. Já o §4º, prevê que
o recorrente que não comprovar, no ato de interposição do recurso, o recolhimento do
preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, será intimado, na pessoa de seu
advogado, para realizar o recolhimento em dobro, sob pena de deserção. Já o §7º do
referido artigo prevê que o equívoco no preenchimento da guia de custas não resultará
na aplicação da pena de deserção, cabendo ao relator, na hipótese de dúvida quanto
ao recolhimento, intimar o recorrente para sanar o vício no prazo de cinco dias.
As referidas inovações se mostram muito importantes, pois muitas vezes o
preparo efetuado de uma maneira equivocada pode gerar o não conhecimento do
recurso.9 De fato, os Tribunais são muito exigentes com o preparo, chegando até a
impossibilitar a juntada posterior das custas recolhidas dentro do prazo recursal.10
Cumpre observar que o Novo Código inova e permite o pagamento integral das custas
após a interposição do recurso, desde que o pagamento se dê em dobro.
d) Possibilidade de juntar cópias faltantes no Agravo de Instrumento
O art. 1017, §3º, define que na falta da cópia de qualquer peça ou no caso de
algum outro vício que comprometa a admissibilidade do agravo de instrumento, deve
o relator conceder o prazo de cinco dias para a regularização ou complementação.
Com essa providência busca-se evitar o entendimento expresso em alguns julgados
de que deveria ser negado seguimento ao agravo de instrumento que não venha
instruído com peças facultativas úteis à compreensão da causa em julgamento.11

8
AI nº 703269, Rel. Min. Luiz Fux, julgado, à unanimidade, em 06.03.2015. O antigo posicionamento do
Plenário do Supremo Tribunal Federal pode ser verificado nos Embargos de Declaração na ADIn nº 2.075-7/RJ,
DJU, 27 jun. 2003.
9
Para um apanhado de todos os problemas envolvendo o preparo dos recursos, recomenda-se a leitura do texto
de Márcio Carvalho Faria intitulado: O Formalismo exacerbado quanto ao preenchimento de guias de preparo.
Revista de Processo, n. 193, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 231/252).
10
O professor Barbosa Moreira critica “o excesso de rigor. Pode suceder que, efetuado o preparo dentro do prazo
recursal, o recorrente, por uma ou por outra razão, deixe de juntar à petição o comprovante do pagamento. Isso
ocorrerá com maior probabilidade, mas não exclusivamente, quando o recurso seja interposto antes do dies
ad quem. A jurisprudência firme do STJ repele a possibilidade de que aproveite ao recorrente a comprovação
posterior da realização tempestiva do preparo: se o comprovante não acompanhou a petição de interposição,
o recurso estará fatalmente deserto. Parece-nos criticável o apego à letra do art. 511, caput, na redação
dada pela Lei nº 9.756, de 17-1-1998. Ao nosso ver, o essencial é que o recurso seja preparado no prazo da
interposição. Caso o haja sido, não há razão bastante para impedir que a simples comprovação venha depois”
(Restrições ilegítimas ao conhecimento dos recursos, p. 282).
11
Sobre o problema entende José Carlos Barbosa Moreira que a “Questão que se vem pondo, e nem sempre re-
solvendo bem, é a atinente às peças não obrigatórias. Alude o art. 525, nº II, a “outras peças que o agravante

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A garantia a um processo sem armadilhas e o Novo Código de Processo Civil

Esse realmente é um problema recorrente e que muitas vezes obrigava os


agravantes a juntar a integralidade das peças da ação principal para evitar surpresas.
Com isso, temos gastos maiores com cópias e dificuldade no manuseio do agravo.
Dessa forma mais uma vez andou bem o novo Código ao prever expressamente a
possibilidade de juntar cópias eventualmente faltantes. Com a nova previsão também
se elimina outro problema concernente à juntada de cópias eventualmente ilegíveis e
que poderiam comprometer o conhecimento do agravo de instrumento.
e) Embargos de Declaração e Prequestionamento
O art. 1025 prevê que se consideram incluídos no acórdão os elementos que
o embargante pleiteou, para fins de prequestionamento, ainda que os embargos
de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere
existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.
Um dos maiores óbices ao conhecimento dos Recursos Extraordinário e
Especial sem dúvida nenhuma é o prequestionamento.12 Sob a ausência do temido
prequestionamento milhares de Recursos aos Tribunais Superiores não são admitidos
pelos Tribunais de origem ou têm seu conhecimento negado pelo Supremo ou pelo
Superior Tribunal de Justiça.13

entender úteis”, para estabelecer que podem, “facultativamente”, instruir a petição. O art. 544, §1º, não repe-
te a cláusula; ao falar, porém das “peças apresentadas pelas partes”, especifica as que “obrigatoriamente”
constarão do instrumento, e com isso admite, sem sombra de dúvida, que se juntem outras: serão, é óbvio,
aqui também, aqueles que “o agravante entender úteis”. Concebe-se que ao relator, ou ao órgão julgador, pa-
reça ainda obscuro algum ponto, em relação ao qual se presuma que haja elementos esclarecedores em peça
não obrigatória nem juntada pelo agravante. A providência adequada consistirá em determinar que se junte
a peça; não andará bem o tribunal caso negue conhecimento ao recurso por causa da falta desta. É pouco
razoável exigir do agravante que preveja in totum as eventuais dúvidas do relato ou do órgão julgador, para
juntar todas as peças que aquele ou este, por seu turno, venha acaso a reputar úteis, ou mesmo necessárias.
Afinal de contas, a facilidade de compreensão varia enormemente de uma para outra pessoa...” (Restrições
ilegítimas ao conhecimento dos recursos, p. 279).
12
Para o conceito, origens e caracterização do prequestionamento vide Luis Guilherme Aidar Bondioli,

Embargos de Declaração, p. 252 e seguintes.
13
Hugo de Brito Machado levantou o referido problema e diz não entender “que um tribunal superior, ou su-
premo, deixe de conhecer de um recurso ao mesmo interposto, apenas porque deixou de ser indicado um
dispositivo de lei, ou órgão oficial em que foi publicado o julgado apontado como divergente, quando o as-
sunto questionado tornou-se de pleno conhecimento dos julgadores, e se sabe que o julgado recorrido está
em franca desarmonia com a lei, ou com a jurisprudência. O tempo dos julgadores é gasto, mas a injustiça é
prestigiada, por conta do formalismo. lamentavelmente, é significativo o número de casos nos quais termina
prevalecendo um julgado contrário ao Direito, mesmo tendo sido interposto o apelo extremo, e discutido longa-
mente a questão no STJ e no STF. Não ocorre economia processual, nem se evita a perda de tempo. Apenas
se presta homenagem ao formalismo. Entre as restrições ao cabimento dos recursos especial e extraordinário
merece destaque o problema do prequestionamento, que se assemelha, de certo modo, à questão do duplo
grau de jurisdição. Sustentam os defensores do formalismo que o prequestionamento é indispensável para
evitar a supressão das instâncias ordinárias. mais importante, porém, do que a preservação de tais instâncias
é a prevalência do Direito material. Assim, é inadmissível prevaleça uma decisão que impõe maus tratos ao
Direito, apenas porque alguma questão, importante para ensejar o cabimento do apela extremo, não foi co-
locada nos graus ordinários da jurisdição”. Logo em seguida o autor conclui que “Melhor seria considerar-se
ocorrido o prequestionamento com a colocação da questão pela parte. Examinada, ou não, poderia a questão
ser colocada ao exame da instância especial. Essa fórmula teria pelo menos as seguintes vantagens: a) me-
nos demorada seria a solução definitiva do caso, sem a penalização da parte por uma falta que é do julgador;
b) estaria eliminada a extrema injustiça, que se consuma nos casos em que a jurisprudência do STJ, quanto

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Rogerio Mollica

Assim, as partes, no afã de ter os seus recursos admitidos e conhecidos,


se veem obrigadas a ajuizar com grande constância Embargos de Declaração para
prequestionar no Tribunal de Origem todos os pontos que serão levantados nos futuros
Recursos Extraordinário e Especial. Tal é o montante de embargos de declaração que
o recurso foi desnaturado e nossas Cortes passaram a ter uma grande ojeriza em
relação aos Embargos de Declaração prequestionadores.
Esses embargos são na maioria das vezes improvidos, muitas vezes sob o
fundamento “padrão” de que a Corte não está obrigada a analisar todas as questões
levantadas pelas partes ou citar todos os artigos de lei e da Constituição que teriam
sido violados. Assim, a parte fica em um dilema, se ajuizar novos embargos de
declaração pode ser multada, ao ajuizar o Recurso aos Tribunais Superiores sem
esse “prequestionamento expresso” corre o risco de ter os seus recursos obstados
e se ajuizar recurso especial por ofensa ao artigo 535 do CPC pode passar anos
discutindo se o Tribunal de Origem deveria ou não ter expressamente analisado os
pontos que foram objeto de embargos.
f) Possibilidade de sanar vícios inclusive nos Tribunais Superiores
O art. 1029, §3º, prevê que o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal
de Justiça poderá desconsiderar o vício formal de recurso tempestivo ou determinar
a sua correção, desde que não o repute grave. O problema é que o artigo é bastante
subjetivo e sua aplicação vai depender muito do que o Ministro repute como sendo
vício grave.14 Seria muito melhor se o artigo não previsse essa condição quanto à
gravidade do vício.
Entretanto, tal previsão pode ser tida como um grande avanço, pois os Tribunais
Superiores veem entendendo que tais vícios só poderiam ser sanados nas instâncias
ordinárias.15
g) Fungibilidade entre os Recursos Extraordinário e Especial
O art. 1032 prevê que se o Superior Tribunal de Justiça entender que o Recurso
Especial versa sobre matéria constitucional, deverá conceder prazo de 15 dias para

ao mérito, é favorável á tese do recorrente, e seu recurso resta não examinado á míngua de embargos de
declaração; c) reduziria em cerca de cinqüenta por cento o número de recursos especiais nesses casos” (O
processualismo e o desempenho do Judiciário, p. 34/35).
14
Neste sentido é o entendimento de José Welligton Bezerra da Costa Neto “É óbvio que a regra mencionada
deixa válvula de escape que poderá ser mal utilizada, qual seja, a menção de que a legitimidade do sanea-
mento depende de não se reputar “grave” o vício formal, conceito indeterminado que poderá ainda servir às
barricadas soerguidas na instância extraordinária”., (O esforço do projeto de Código de Processo Civil contra a
jurisprudência defensiva. Revista de Processo, n. 233, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2014, p. 142).
15
Mais uma vez se socorre ao entendimento do professor José Carlos Barbosa Moreira quando defende que
“incorre em excesso de rigor o tribunal que nega conhecimento ao recurso por mero fato de não estarem
assinadas as razões. Nem será forçosamente insuprível a falta de assinatura do advogado na própria petição
de interposição. A tal respeito, averbe-se que não encontra amparo na lei a distinção entre instâncias, que se
costuma fazer, para sustentar que o suprimento é viável até o segundo grau de jurisdição, mas deixa de o ser
no recurso especial e no extraordinário. Nenhum texto legal consagra, em termos explícitos ou implícitos, a
diferença de tratamento” (Restrições ilegítimas ao conhecimento dos recursos, p. 278).

472 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 465-475, abr./jun. 2015
A garantia a um processo sem armadilhas e o Novo Código de Processo Civil

que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste sobre a


questão constitucional, enviando em seguida os autos ao Supremo Tribunal Federal,
que, em juízo de admissibilidade, poderá devolvê-lo ao Superior Tribunal de Justiça.
Já o art. 1033 prevê que se o Supremo Tribunal Federal entender como reflexa
a ofensa à Constituição, por pressupor a revisão da interpretação da lei federal ou
de tratado, remeterá o recurso ao Superior Tribunal de Justiça para o seu julgamento
como Recurso Especial.
Essa fungibilidade visa a evitar a dificuldade que existe hoje no manejo dos
recursos aos Tribunais Superiores. De fato, é muito comum o Superior Tribunal de
Justiça entender que no caso em julgamento a ofensa seria à Constituição e não
à Lei. Com a chegada do Recurso ao Supremo Tribunal Federal, o julgamento se
dava no sentido oposto, isto é, que a ofensa a Constituição seria reflexa e que não
ensejaria a interposição de Recurso Extraordinário. Assim, as parte se viam obrigadas
a interpor os dois recursos na esperança de que ao menos um deles pudesse ser
conhecido pelos Tribunais Superiores.16
Pelo menos um dos pontos relacionados à jurisprudência defensiva não foi
alterado pelo Novo Código de Processo Civil. Trata-se da previsão existente no artigo
1003, §6º, de que o recorrente deverá comprovar a existência de feriado local no ato
da interposição do recurso.17

Considerações finais
Parece claro que nem todos os problemas da morosidade do Judiciário podem
ser resolvidos por meio de reformas processuais, pois a maioria dos problemas é
estrutural e demanda um maior investimento governamental no Poder Judiciário.
Portanto, em que pese a recente edição do Novo Código de Processo Civil, é difícil
acreditar que teremos um processo seguro e célere só pela sua edição.

16
O problema é muito bem relatado por José Wellington Bezerra da Costa Neto “Na verdade este novo postulado
visa contornar a problemática definição da real natureza da questão debatida, por vezes entendida como de
ofensa reflexa à Constituição, o que obstaculiza o conhecimento do extraordinário, e por outras, entendendo-se
que a par da questão federal suscitada, haveria fundamento constitucional suficiente para manter a decisão
recorrida e a parte não interpôs o extraordinário, o que impediria o conhecimento do especial. A este respeito
convém lembrar o teor das Súmulas 126 do STJ e 283 do STF que respectivamente dizem: “É inadmissível
recurso especial quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional,
qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário”
e “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento
suficiente e o recurso não abrange todos eles” (O esforço do projeto de Código de Processo Civil contra a
jurisprudência defensiva. Revista de Processo, n. 233, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2014, p. 143/144).
17
Neste sentido Oliveira Júnior, Zumar Duarte de, Roque, André Vasconcelos, Gajardoni, Fernando da Fonseca
e Dellore, Luiz defendem que seria muito melhor que o referido parágrafo tivesse a seguinte redação: “§2º A
ocorrência de feriado local ou a suspensão de expediente forense na instância inferior poderá ser comprovada
após o ato de interposição do recurso”. (A Jurisprudência defensiva ainda pulsa no novo CPC. Site Consultor
Jurídico, 06 set. 2013. Disponível em: <www.conjur.com.br>, p. 3).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 465-475, abr./jun. 2015 473
Rogerio Mollica

Também não bastam inovações legislativas e um maior investimento em


instalações e pessoal se não ocorrer a mudança na mentalidade dos operadores
do direito. É necessário que todos tenham em mente a importância de um processo
seguro, célere e sem dilações indevidas.
O formalismo acaba levando o processo a discussões inúteis e que acabam
afastando o processo de seus escopos e não promovendo a almejada pacificação
social. Tal apego a dogmas e questões processuais sem relevância não pode ser tido
como uma forma de se garantir a segurança no processo e a satisfação do interesse
público.18 De fato, os quesitos segurança e previsibilidade são abandonados quando
se passa a prever armadilhas para que o processo não chegue até o seu final com o
julgamento de mérito.19
De outro lado, o excesso de formalismos também não pode servir para barrar o
processamento de diversas ações e recursos sob o fundamento de ajudar a reduzir o
número de julgamentos e a celeridade processual. Tal expediente só acirra os ânimos
dos litigantes, afasta o processo do direito material em discussão e se mostra inócuo
pelo ajuizamento de novos recursos ou de ações rescisórias para a discussão da
mesma matéria.
Como se verificou, o Novo Código de Processo Civil muito se esforçou para
que as aberturas utilizadas pela jurisprudência defensiva dos Tribunais para barrar o
processamento de recursos fossem fechadas. Entretanto, resta saber se os Tribunais
não criarão novas formalidades para tentar barrar o processamento dos Recursos.

18
Para o professor José Roberto dos Santos Bedaque “não é convincente a tese da relação necessária entre
procedimento e interesse público, o que determinaria a observância rigorosa do rito, sob pena de nulidade do
processo. Ao prever as regras procedimentais, o legislador imagina ser aquela a forma mais adequada para
o correto desenvolvimento do processo. Mas se, em determinada situação concreta, o descumprimento de
determinada exigência formal relacionada ao rito não comprometedor o objetivo imediato da norma, nem o
escopo maior do processo, e desde que respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa, não há
por quê reconhecer relevância ao vício” (Efetividade do processo e técnica processual, p. 67). Mais para frente
o Professor prossegue dizendo que “Processo não é coisa das partes. São múltiplos os interesses envolvidos
em uma demanda judicial, ainda que seu objeto seja exclusivamente privado. Além do aspecto econômico —
afinal de contas, a jurisdição é mantida com os impostos pagos por todos —, as soluções podem transformar-
-se em orientação jurisprudencial sobre determinado tema, o que acaba influindo na própria segurança das
relações jurídicas” (p. 69).
19
Assim, é de se concordar com a conclusão de Hugo de Brito Machado de que “o formalismo no trato das ques-
tões é um fator significativo de descrédito do Judiciário, tanto porque aumenta consideravelmente a demora
na solução dos litígios, como e especialmente porque enseja soluções diversas para casos absolutamente
iguais do ponto de vista do direito material, violentando flagrantemente o princípio da isonomia e isto as pes-
soas em geral não podem assimilar. E o que é pior, o formalismo contamina e praticamente inutiliza, ou reduz
a utilidade das medidas com as quais se tenta melhorar o desempenho do Poder Judiciário. Por tal razão,
parece-nos que o ponto de partida para uma solução compatível com os desafios do século que se aproxima
está especialmente no combate ao formalismo, emprestando-se aos julgado maior conteúdo axiológico, e
especialmente maior atenção aos fins do Direito, e ao caráter apenas instrumental do processo” (O processu-
alismo e o desempenho do Poder Judiciário, p. 44).

474 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 465-475, abr./jun. 2015
A garantia a um processo sem armadilhas e o Novo Código de Processo Civil

Referências
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direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2007. 9ª série.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo:
Malheiros, 2006.
BONDIOLI, Luis Guilherme Aidar. Embargos de declaração. São Paulo: Saraiva, 2005.
COSTA NETO, José Welligton Bezerra da. O esforço do projeto de Código de Processo Civil contra a
jurisprudência defensiva. Revista de Processo, n. 233, São Paulo, Revista dos Tribunais.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Tempestividade dos recursos. Revista Dialética de Direito Processual
Civil, n. 16, 2004.
FARIA, Márcio Carvalho. O Formalismo exacerbado quanto ao preenchimento de guias de preparo.
Revista de Processo, n. 193, São Paulo, Revista dos Tribunais.
FARINA, Fernanda Mercier Querido. Jurisprudência defensiva e a função dos Tribunais Superiores.
Revista de Processo, n. 209, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012.
MACHADO, Hugo de Brito. O processualismo e o desempenho do Poder Judiciário. Revista do Instituto
de Pesquisas e Estudos, Bauru, n. 20, 1998.
MOLLICA, Rogerio. O excesso de formalismo como obstáculo à celeridade processual. In: CARNEIRO,
Athos Gusmão; CALMON, Petrônio. Bases científicas para um renovado direito processual. Brasília:
Instituto Brasileiro de Direito Processual, 2008.
OLIVEIRA JÚNIO, Zumar Duarte de et al. A Jurisprudência defensiva ainda pulsa no novo CPC. Site
Consultor Jurídico, 06 set. 2013. Disponível em: <www.conjur.com.br>.
RAMOS, Glauco Gumerato. Crítica macroscópica ao fetiche da celeridade processual. Perspectiva do
CPC de hoje e no de amanhã. Revista de Processo, n. 239, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

MOLLICA, Rogerio. A garantia a um processo sem armadilhas e o Novo Código de


Processo Civil. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte,
ano 23, n. 90, p. 465-475, abr./jun. 2015.

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O paradigma processual ante as
sequelas míticas do Poder Constituinte
originário

Rosemiro Pereira Leal


Professor da UFMG. Professor de Direito Processual do Bacharelado, Mestrado e Doutorado
da PUC Minas.

Resumo: A afirmação de uma teoria do discurso, sem apontar qual teoria se elege para a compreensão
do que seja discurso, transforma o discurso numa expressão autopoiética que oculta suas origens teórico-
linguísticas, passando a significar mero elo comunicativo-intersubjetivo, não construído pela principiologia
do devido processo, a propiciar vigência eternizante de um direito dito material egresso da autoridade
mítica ou histórico-estatal (poder constituinte originário) e de uma sociedade civil e política pressupostas
que se reforçam no imaginário do espaço cibernético.
Palavras-chave: Paradigma processual. Poder Constituinte originário. Direito material. Discurso. Estado
telemático.

Sumário: 1 Introdução – 2 O sincretismo fatal dos positivistas – 3 Processo e linguagem em Popper – 4


Polemização processual da legitimidade do direito – 5 Desprocessualização do direito no estado telemático
– Referências

1 Introdução
Os resquícios do poder constituinte originário é que nos remetem, em planos
históricos mais remotos, ao horizonte mítico, tradicional e utópico dos atualmente
chamados direitos materiais (maternais) surgidos de poderes, juízos ordálicos,
simulacros, forças onipotentes, vontades coletivas naturais e de sistemas normativos
de fundo organicista, num sincretismo fundante (ativação) de uma imaginária
maternidade (matricialidade) normativa em que os pontos jurídicos se operam num
total anonimato que ganha nome, nas metáforas criticistas e sociologistas, de
liberdade de pensamento e de “relações humanas e sociais” a criarem uma pauta
primordial de direitos a ser recebida, como adequada, por uma suposta sociedade
política ou transmitida em forma de leis parlamentarizadas para o povo praticar e
cumprir. Por isso, muitos estudiosos da teoria do direito (principalmente do direito
constitucional e civil) não se desapegam da palavra “poder” em todas as suas
narrativas, porque nela vão costurar outras mais grandiloquentes como “força, fluxo
normativo, vontade popular, tomada de decisões”, a ocultar a explicação do que

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 477-491, abr./jun. 2015 477
Rosemiro Pereira Leal

é constituinte no exercício do que se pode exercer. O mais grave de todas essas


cogitações é contrapor a esses direitos materiais (substantivos-essencialistas) uma
ordem de normas processuais que seriam meramente instrumentais (adjetivas) ao
manejamento (pós-ativação) jurisdicional das primordialíssimas normas materiais.
Por conseguinte, impõe-se, na teoria linguístico-problematizante do direito,
esclarecer, como excludente do caráter retórico do princípio da legalidade, que a norma
de processo é precedente-originária e legiferativa (criadora) do ainda apelidado direito
material que só se constitui de conteúdos institutivos do ser, ter e haver, pela teoria
linguística do discurso processual, não se limitando, como querem os antigos juristas,
aos significados do proceder para conduzir e aplicar o maternal direito material pela
atividade judicial (judicacional) dos juízes. A teoria da norma no direito processual
democrático não acolhe uma deontologia prescritiva imanente, porque o devido da
norma é posto no devir de seus enunciados criativos (principiologia do processo) como
direitos fundamentais de conjectura e refutação sobre as causas, efeitos e riscos, dos
atos a serem juridicamente criados quanto à preservação continuada da discursividade
jurídico-processual de vida, liberdade e dignidade humanas (teoria neoinstitucionalista).1
O conceber vida, liberdade, dignidade, como direitos humanos fora dos direitos
fundamentais da discursividade jurídico-processual ou numa hierarquia de precedência
de uns sobre outros, cria lugares imunes ao direito legislado onde se aloja uma
vontade dita soberana (poder excepcionalizante) por uma atividade jurisdicional
equivocadamente acolhida como subjetividades controladoras do direito. Ora, em nome
dos direitos humanos, nega-se vigência (por juízos de flexibilidade, proporcionalidade,
razoabilidade, ponderabilidade e adequabilidade) a direitos fundamentais do processo
ou, em nome destes, põem-se em restrição os direitos humanos pelos juízos de
aplicabilidade da reserva do possível com negativa da autoexecutividade dos direitos
de vida, liberdade, dignidade. Idênticos desastres normativos ocorrem, no direito
processual democrático, ao se colocar o Estado como círculo mítico-protetor da
Sociedade ou conceber esta como fundadora histórica do Estado, porque o paradigma
construtivo de ambos é o processso na constitucionalidade democrática, sendo que
uma hermenêutica constitucional só poderia considerar-se adequada a este Estado
ou sociedade se construída pela principiologia do processo como teoria discursiva
criticamente escolhida no nível instituinte e constituinte do direito.
Com efeito, a compreensão adequada da Constituição brasileira, ainda que
passe pelas conjecturas argumentativas de filósofos ou juristas estrangeiros ou
brasileiros, não pode, em qualquer hipótese, perder seu eixo temático-hermenêutico
numa teoria do processo que ofereça compatibilidade com a imediata efetivação

LEAL, Rosemiro Pereira. Principiologia jurídica do processo na teoria neo-institucionalista. In: DIDIER JR, Fredie;
1

JORDÃO, Eduardo Ferreira. Teoria do processo – Panorama doutrinário mundial. BA: Podivm, BA, 2008. p. 905-916.

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O paradigma processual ante as sequelas míticas do Poder Constituinte originário

(realização) dos direitos líquidos, certos e prontamente exigíveis e com a sustentação


continuada e incessante dos direitos fundamentais do processo ali assegurados.
Discursos de justificação e aplicação de direitos (Gunther) ou mandados de otimização
interpretativa (Alexy) que não se ajustem a essa teoria do processo a ser disponibilizada
a todos na operacionalização de direitos não podem ser acolhidos em sua estrutura
informativa e construtiva de argumentações em face das peculiaridades que definem
a sistemática constitucional brasileira. O que se busca adequar é uma teoria do
processo a reger a operacionalidade constitucional brasileira (teoria processual da
constituição) e não uma teoria do discurso retirada de linguagens naturais que nada
exibem sobre estudos e delineamentos teóricos de processo como paradigma de
Estado Democrático. Para sair da linguagem normativa, basta entrar nas filosofias e
nos giros linguísticos e achar que de um lugar não jurídico-normativo (exossomático
e pragmático-anormativo) se possa forjar na intersubjetividade lúcidos comandos
interpretativos adequados para o nosso discurso jurídico constitucionalizado que
ainda está, sem qualquer patriotismo, na dianteira, à construção de uma sociedade
democrática, de todas as escrituras constitucionais no mundo conhecidas. O que
nos falta são operadores de estoque teórico qualificado (desalienado) à atuação e
aplicação do direito no Brasil.

2 O sincretismo fatal dos positivistas


O equívoco dos positivistas para equacionar uma hermenêutica congruente
à operacionalização do direito no Estado Democrático está em que continuam
atuando uma lógica jurídica que, ao tempo que adotam o princípio da reserva
legal, que é incambiável nos sistemas jurídicos constitucionalmente formalizados,
deslocam o princípio, por uma jurisdicional plasticidade exossomático-anormativa,
para uma dimensão extrassistêmica onde se acolhe um vigia (tutor-depositário) da
lei privilegiadamente lúcido e sábio (o juiz ou o operador administrativo-governativo
do Estado). Essa confusão de positivismo jurídico e positivismo sociológico (Kelsen-
Weber) tem trazido sérios embaraços para os que se apresentam como positivistas
convictos, a exemplo de Dimitri Dimoulis2 que preconiza uma “interpretação objetiva”
denominada pragmático-político-jurídica com a qual se candidata a enfrentar problemas
da enunciação e atuação do direito.
Não é difícil antever as complicações a serem equacionadas pelos positivistas
que, convencidos de uma engenhosa articulação das vertentes etiológicas dos
positivismos lato e stricto sensu, isto é, apropriação de “elementos” morais, políticos
e formais, apontam perspectivas de melhor compreensão do direito. Certamente ao se

DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico – Introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-
2

-político. São Paulo: Método, 2006. p. 14.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 477-491, abr./jun. 2015 479
Rosemiro Pereira Leal

mencionar, como rumo hermenêutico, uma compreensão para o direito no horizonte


pragmático-político-jurídico é cair fatalmente na rede comunicativa de Habermas que,
ao contrário da ubiquidade da fita de Moebius, permite estar, ora fora, ora dentro, do
sistema jurídico aos moldes de Gadamer, Apel, Rorty, Dworkin, Rawls, Alexy, Gunther,
para ficarmos com os mais midiáticos a manejar direitos em esferas públicas por
“normas” morais e ético-políticas contíguas a esferas (sistemas) legais formalizados
numa flutuação entre elementos (direitos) materiais e formais (hibridismo weberiano)
que torna realmente descentrada a sociedade pressuposta dos positivistas.
E porque convencidos desse descentramento insuperável, já que sitiam o
processo pela jurisdição , como salvadora intervenção do Estado-Juiz provedor dos
horrores do non-liquet, trabalham ainda a falácia naturalista aceita por Kelsen e
Hart e pioneiramente denunciada por Hume e lembrada por Carrió,3 de migrarem
livremente (sem norma jurídico-enunciativa pré-formalizada) da esfera do ser dos
saberes solipsistas do decisor ou interventor intuitivo-analítico-natural para um dever-
ser que, embora não esteja juridicamente pré-normado pelo sistema jurídico, torna-se
deontológico por uma interpretação dita construtiva ou reconstrutiva (sistemático-
analógico-ideológica) do operador superdotado ou autorizado (autoritário) do direito.
O ceticismo radical dos positivistas sociológicos decorre dessa inevitável entrega do
direito à tutoria jurisdicional, tornando-se-lhes irredutível a convicção zetética de que
“não é possível construir um saber unitário e coerente sobre o direito, oferecendo
respostas no âmbito de uma única teoria”.4
Assim, fecham a porta de entrada do Estado Democrático de Direito que às
vezes emocionalmente defendem pelo teor sonoro da expressão ou pelo irretorquível
aspecto de que esse tipo de Estado segue rigorosamente o princípio da reserva legal,
sem o qual não seria Estado Constitucional de Direito, nem teria fins sociais, políticos
e morais. Em consequência dessas ilações, imaginam uma inexorável pluralidade
teórica para o direito em seus campos de produção, atuação, aplicação, reforma e
extinção, que vai da filosofia parmenídica ao maquínico dos esquisoanalistas, sem
perceberem que o paradigma do Estado Democrático de Direito é o processo: uma
teoria linguístico-jurídica (medium-linguístico) já constitucionalizado no Brasil, que se
distingue por discursos (teorias) que lhe são próprios, impondo-se, como conditio
para a enunciação pelo melhor argumento no Estado Democrático, uma escolha
paradigmática de maior teor autocrítico-linguístico-problematizante entre os discursos
(teorias) do processo e não entre as várias teorias sociais e culturais, paradigmas
históricos, ideologias e filosofias do direito. Com efeito, o melhor argumento no
Estado Democrático deriva de escolha teórico-discursiva no âmago do paradigma
linguístico-jurídico denominado processo.

CARRIÓ, G. Sobre los Límites del Lenguaje Normativo. Buenos Aires: Editorial Astrea, 1973. p. 78-85.
3

DIMOULIS, Dimitri. Ob. cit., p. 36.


4

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O paradigma processual ante as sequelas míticas do Poder Constituinte originário

O que o processo possibilitou, e que hoje frustra as pretensões da filosofia de


secular guardadora e julgadora privilegiada do saber e da verdade, é a construção
de uma argumentação jurídica, extraída das teses do conhecimento objetivo de
Karl Popper, que se desvencilha da falácia naturalista e do triunfo legitimante do
poder constituinte originário — as afiadas guilhotinas que continuam ceifando a
superveniência de uma sociedade democrática em moldes teórico-linguísticos. Com
o advento da Constituição de 1988, esse empreendimento se vislumbrou para os
juristas brasileiros que acompanhavam por décadas o espaço de constitucionalização
de um direito de cunho emancipatório e principalmente para os países periféricos,
ainda colonizados por formas diáfanas e sofisticadas de dominação, em que as
escravaturas tecnológicas se sucedem com nomes e artefatos arrojados e atrativos.
A esperança em acontecimentos naturalmente benévolos da vingança histórica contra
os opressores ou que estes, por uma lei universal que a todos iguala, morrerão
algum dia no mesmo chão dos oprimidos, é aumentar com indiferença a carga de
sofrimento humano deixando às próximas gerações o ônus de um futuro sobre o qual
nos recusamos a pensar e realizar.
Com Popper, a teoria do discurso saiu das garras da tópica e da retórica, da
erística e da heurística, da razão categórica, da epagoge que impunha secularmente
a ideologia da verdade por indução (pragmática ou transcendental-criticista) a partir
da observação (metafísica), da mímesis (comunidade natural de pré-linguagens que
se imitam e se interagem na base empática das estruturas atávicas, universais
e eternas), da magia e do positivismo sociológico, para se instalar nos pontos de
privação (repressão) verbal pela teorização do não pensado (o terceiro mundo de
Popper) como proposta de modificar a “sintaxe do mundo” (expressão de Rouanet)5
pela oferta de um mundo objetivo de teorias onde estas, ao se rivalizarem numa
concorrência continuada, pudessem ser adotadas, substituídas, destruídas ou morrer
no lugar dos homens, seus teorizadores.

3 Processo e linguagem em Popper


Em resumo, a teoria da linguagem de Popper comporta quatro estágios: a função
expressiva, sinalizadora, descritiva e argumentativa, sendo que as duas primeiras são
comuns a homens e animais e as últimas exclusivas do homem chamadas “funções
superiores”. Entretanto, Popper destaca a função argumentativa da linguagem que
pode ser vista em funcionamento, em sua mais elevada forma de desenvolvimento,
numa bem disciplinada discussão crítica6 que se põe pró ou contra uma proposta,

5
ROUANET, Sérgio Paulo. Édipo e o Anjo – Intinerários freudianos em Walter Benjamin. 2. ed. Rio de Janeiro:
Biblioteca Tempo Universitário, n. 63, 1990. p. 139.
6
POPPER, Karl. Conhecimento objetivo. Belo Horizonte: Editora Itatiaia e Editora das USP, 1975. p. 216 e
seguintes.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 477-491, abr./jun. 2015 481
Rosemiro Pereira Leal

mas também pró ou contra alguma proposição da proposta. É possível descrever sem
argumentar e as funções inferiores da linguagem (expressiva e sinalizadora) estão
sempre presentes quando se utilizam as superiores, tendo estas o “controle plástico”
das inferiores, mas às vezes as inferiores se mostram mais agradáveis (piada, riso)
e experimentam uma vitória passageira sobre as superiores. Diz Popper que “não só
nossas teorias nos controlam, como podemos controlar nossas teorias (e mesmo
nossos padrões; existe aqui uma espécie de retrocarga). E se nos sujeitamos a
nossas teorias, fá-lo-emos então livremente, após deliberação”.7
Em Popper, como se infere, não há proibição, pela via da discussão crítica
(linguístico-evolucionária-problematizante), de eleger uma entre várias teorias como
marco de controle de nosso pensar, como também, a partir da teoria adotada,
podemos controlar as nossas teorias. Não quer dizer que teorias não possam ser
trocadas, substituídas, eliminadas. Porém, entre teorias concorrentes, há de se
buscar o melhor padrão teórico-regulador para não abolir emocionalmente o sistema
que se sustenta por uma testificação teórica continuada à realização de propósitos
e objetivos. No direito democrático, a linguagem teórico-processual apresenta uma
relação de inclusão com as ideias humanas de vida, liberdade e dignidade, daí não
se conceber vida humana sem concomitante abertura ao contraditório, ampla defesa
e isonomia. Humana não seria a vida se vedado ao homem descrever e argumentar.
A consciência humana, em Popper, só é possível de formação e crescimento
se, na antítese dos contrários, o homem se deparar com a irritabilidade (incômodo,
desconforto, apreensão, mal-estar) ante um problema a resolver, a solicitar um sentido
no sem-sentido ou vice-versa de tal sorte a gestar significações nos pontos diacríticos
do desespero linguístico e, daí para frente, numa linha evolucionária de significação
crescente, “a consciência começa a antecipar meios possíveis de reagir a movimentos
possíveis de experiência e erro e seus possíveis resultados”. A consciência gera
“sistemas linguísticos exossomáticos”8 que, fora da consciência, podem tornar-se
“sistema legal” para controle e crescimento da própria consciência e, por óbvio, tais
“sistemas” equivalem a antecipação de meios (universo de significados preventivos)
de sua própria preservação. Não é dado na democracia discursivo-processual excluir
alguém da formação exossomática de sua consciência teórico-coletiva.
A constituição democrática, quanto a direitos fundamentais, nos moldes
colocados pela teoria neoinstitucionalista do processo, não suplica grandes indagações
ou alentadas obras para se concluir que tais direitos são imediatamente exequíveis,
porque a lidar com esses direitos pelas hipóteses criticistas ou historicistas (não
críticas no sentido de Popper) da reserva do possível, não se tem estatuto definidor

POPPER, Karl. Ob. cit., p. 220.


7

POPPER, Karl. Ob. cit., p. 229-230.


8

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O paradigma processual ante as sequelas míticas do Poder Constituinte originário

do Estado Democrático de Direito. Uma teoria de vida, e não a vida entitiva (zoé-
byos) ou o pragmatismo da vida, é que há de ser adotada e não mais uma vida dita
social por aperto de mãos ou abraços (byos-polytikos), mas por escolha entre teorias
como modelos linguístico-construtivos a expressarem o homem na sua complexa
existência, outorgando-lhe continuadamente a oportunidade de desistir de suas
teorias, substituindo-as, eliminando-as, fiscalizando-as, modificando-as a serviço da
formação de uma sociedade de falantes (parlêtres)em que o sentido da conduta de
cada qual e de todos seja processualmente pactuado (constitucionalizado) se a escolha
recair na teoria da democracia em suas acepções pós-modernas. É por isso que o
controle de constitucionalidade há de se fazer de modo difuso, incidental-concreto
e abstrato, incessante e irrestrito, porque é este que vai propiciar a testificação
teorizada do sistema jurídico, conferindo-lhe legitimidade pela oportunidade sempre
aberta a todos de eliminação de erros que possam causar entraves à fruição dos
direitos fundamentais.
Por isso o equívoco de Chalmers9 é grosseiro ao supor que Popper havia
sustentado que existiria uma teoria conclusivamente (exaurientemente) testada. Ora,
se Popper assim o dissesse, certamente não poderia ter, como fez, distinguido uma
sociedade aberta de uma sociedade fechada. Claro que a pior troca é trocar a vida
por um direito à vida pior que a zoé-byos e o byos polytikos, porque o direito, como
forma milenar de dominação, só recentemente sofreu uma refutação problematizante
nos fundamentos de seus conteúdos normativos para que o direito à vida não fosse
o dique linguístico que vedasse a abertura para a vida humana. Apontar um “mundo
da vida” como esfera pública ofensiva de um agir comunicativo autopoiético entre
falados na “Outridade” (contexto de sentidos pragmatizados) não trabalha vida pela
possibilidade linguística do contraditório na criação do direito à vida e este como
vida vivida no direito ao contraditório. É prestante o pensamento de Popper quanto
à falibilidade e transitoriedade dos paradigmas que se enunciam por via do embate
entre “teorias concorrentes” com preferência por uma delas (ou por várias) após
rigorosa testificação teorizada.
A mera escolha de uma teoria forte feita por uma comunidade científica como
núcleo irredutível a merecer relevância, a exemplo do que ensina Thomas Kuhn,10
não implica necessariamente testificação, porque o ímpeto histórico da comunidade
pode ser de ideológica progressividade e não de possibilidades de degenerescência
do núcleo temático eleito. Em Popper e Lakatos, como anota Chalmers,11 a ousadia
das proposições não se contigenciam historicamente e, em Popper especialmente,
as teorias devem errar ou apresentar erros mais rapidamente possível (Wheeler) para

9
CHALMERS, A. F. O que é a ciência afinal? 2. reimpr. São Paulo: Editora Brasiliense, 1997, p. 95.
10
KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 6. ed. Editora Perspectiva, 2001. p. 246.
11
CHALMERS, A. F. ob.cit., p. 124.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 477-491, abr./jun. 2015 483
Rosemiro Pereira Leal

que se fortaleçam. Daí, uma sociedade (que é uma teoria), que se queira aberta,
construir-se-á ante teorias rivais, mas, para isso, é necessário problematizá-las, o que,
em direito, para uma sociedade aberta, no discurso de testificação, impõe escolher
uma entre as teorias processuais do discurso como a melhor (mais resistente) a
tornar constitucionalmente disponíveis, para todos, conjecturas falseabilizantes
(argumentações) continuadas com o fim de instituir e constituir juridicamente
(estabilizar) uma forma linguística de compartilhamento de sentidos de vida, liberdade
e dignidade. Com efeito, uma Teoria da Constituição democrática, na concepção pós-
moderna da falibilidade dos sistemas, há de passar pela compreensão curricular
da teoria do processo como enunciativa (descritiva-argumentativa) dos direitos
fundamentais (fundantes) da correlação humana contraditório-vida, ampla defesa-
liberdade e isonomia-dignidade.12

4 Polemização processual da legitimidade do direito


À medida que se entenda discurso como dis-curso, há de se indagar sobre
a teoria encaminhadora desse discurso para enunciar as pretensões de validade
de nossas falas, opiniões e vontades. É certo que Habermas13 já afirmou, em
1976, que a legitimidade “é uma exigência de validade contestável”, sendo que”
esse conceito encontra aplicação sobretudo nas situações em que a legitimidade
de um ordenamento torna-se objeto de polêmica: no qual, como dizemos, surgem
problemas de legitimação. Uns afirmam e outros contestam a legitimidade”.
Entretanto, na fase atual do direito marcada por interrogações teóricas que o
lançam em estruturas linguístico-discursivas, são essas estruturas que devam ser
refletidas em suas variadas vertentes discursivas para colocarem em dissenso uma
“polêmica”. Afirmar a existência da “teoria do discurso” como se esta fosse uma
e única teoria é trabalhar um “decurso” (percurso) e não dis-curso. Para que, como
quer Habermas, a legitimidade seja “uma exigência de validade” do ordenamento
jurídico, é preciso que essa “exigência” seja de validade contraditoriável e não “de
validade contestável”, porque a contestatio supõe, à sua realização, uma teoria do
contraditório (testemunhável procedimentalizado) para que haja dis-curso, isto é: a
possibilidade de desconstrução reconstrutiva (controle pelo processo) dos conteúdos
da legalidade pela via de argumentos de identificação teórica dos enunciados
institutivos dos sentidos de um sistema normativo e sua correlação com a faticidade
a que se propõe juridificar ou jurisdicizar (reconhecer).

12
LEAL, Rosemiro Pereira. Direitos fundamentais do processo na desnaturalização dos direitos humanos. In: O
Brasil que queremos, PUC Minas, 2006.
13
HABERMAS, Jürgen. Para a reconstrução do materialismo histórico. 2. ed. São Paulo: Editora Brasiliense,
1990. p. 220.

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O paradigma processual ante as sequelas míticas do Poder Constituinte originário

Não se pode confundir legitimidade com legitimação, porquanto esta é a


qualidade de quem é legitimado ao processo (instituição linguístico-jurídica) de
autoinclusão numa comunidade jurídica para fruir e praticar direitos por esta instituídos
coinstitucionalmente (constitucionalmente) a partir da criação dos direitos pelo
processo nos níveis instituinte, constituinte e constituído. Habermas não distingue
legitimidade e legitimação e trabalha Estado como cinturão (crença na unidade) de
uma “sociedade” pressuposta que se deseja preservar, sendo-lhe estranha uma
sociedade a ser construída pela comunidade jurídica constitucionalizada que, ao se
denominar povo, é o conjunto de legitimados ao processo como sustentamos na teoria
neoinstitucionalista: a maneira de proteger a almejada “sociedade” da desintegração
é criando-a e recriando-a a partir da comunidade jurídica coinstitucionalizada. Por isso,
a expressão “poder legítimo” é, em Habermas paradoxal se “poder” emana de um
povo ou Estado mítico que “toma a si a tarefa de impedir a desintegração social por
meio de decisões obrigatórias” ou a tarefa de “ao exercício do poder estatal a intenção
de conservar a sociedade em sua identidade normativamente determinada em cada
oportunidade concreta”14 porque aqui se trabalham “sociedade” e “desintegração
social” pressupostas na esfera de um Estado doador de um modo de ser social
(Estado emoldurante) a partir de um “ordenamento político” não jurídico-processual-
constitucionalizado. É que o paradoxo da expressão “poder legítimo” não cessa ao
ser transferido para “um nível reflexivo de justificação”15 quando se entende que a
“força legitimadora cabe hoje somente às regras e às premissas da comunicação,
que permitem distinguir entre um entendimento ou acordo alcançado entre livres e
iguais, por um lado, e, por outro, um consenso contingente ou forçado”,16 tendo em
vista que não se explicaria o que fosse “livres e iguais” a não ser por uma estrutura
de discurso teórico- processual (ampla defesa e isonomia) fundante desses modelos
teóricos de liberdade e igualdade.
A ideia ainda perseguida pelas convicções sociologistas de que seja possível
lidar com “livres e iguais” como portadores naturais de liberdade e igualdade brotadas
de um espaço público a partir de acordos firmados que buscam sua força legitimadora
numa intersubjetividade de sentidos já historicamente (culturalmente) cristalizado é
que multiplica a carga da angústia humana à fundação de uma sociedade de falantes
e não de falados. A recusa de processualização do espaço-linguístico vem agravando
por milênios o padecimento do pensamento humano que se chafurda na técnica como
forma de autoesquecimento prazeroso, estrangulando o simbólico pelo imaginário, o
enunciativo pelos ditos utópicos dos delírios e alucinações coletivas. As doxas tornam-
se apolíticas em seus saberes absolutos, homologando verdades retóricas de que o

14
HABERMAS, Jürgen. ob. cit., p. 221.
15
HABERMAS, Jürgen. ob.cit., p. 228.
16
HABERMAS, Jürgen. ob.cit., p. 228.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 477-491, abr./jun. 2015 485
Rosemiro Pereira Leal

homem é um ser condenado ao pesadelo trágico do viver minando o seu próprio sonho.
O que lhe restaria era colorir o sonho para amenizar a sua fatal e absurda existência.
Esse discurso de dominação que tanto agrada as mentes liberalizantes e
assegura eternamente a liderança carismática burocratizada em perfis de Estado,
União e Poder Público é que forjou uma novíssima dimensão da linguagem (a
midiática) que, por artifícios eletroeletrônicos, é atualmente o eco chamativo de todos
os desesperados onde a voz imagética do virtual se magistraliza em sua jornada
secular de alienação das massas eruditamente ignorantes. Os multimeios são as
veias flamejantes do organismo estatal que, em nome dos avanços da informática,
penalizam e vigiam pelas vias postais eletrônicas (e-mails) ou concedem defesas
em tempos unilateralmente preclusivos e fazem dos usuários os serviçais não
remunerados da operacionalização computadorizada de suas máquinas contábeis
e estatísticas. Cognominar, como quer Habermas, essa mixórdia de “sociedade
complexa” é conferir um prêmio ao absurdo da atuação social autoalienante onde os
sistemas, aos moldes de Luhmann, pensam e espoliam os homens.
Ora, a chamada sociedade complexa, além de não ser sociedade, e sequer
complexa, porque centrada em marcos de crenças coletivas já ideologicamente
sistematizadas, é um conglomerado mítico em que se despontam os componentes
ditos identificatórios do dinheiro, poder e solidariedade, que as comporiam em sua
atuação integrativo-política. O que se demonstra facilmente nos dias atuais é que
ao homem não foi possível ainda construir uma Sociedade Humana a qualquer
título, porque a tentativa de construí-la na ágora (espaço natural da esfera pública)
ou por princípios universalizantes e transcendentais pressupostos vem fracassando
secularmente. O desespero é tal que, com o advento da cibernética, o pseudocidadão
dos sociologistas e cientistas políticos de todas as tendências transformou-se num
net: um navegante que troca as águas, a terra e o ar da realidade nua (espaço telúrico-
atmosférico), pela dimensão das imagens que saem do milagre eletroeletrônico das
partículas e ondas estruturais da natureza (cibermetafísica desterritorializante) para
aí viver uma “second-life” com seus ícones e avatares ficticiamente construídos
(comunidades virtuais). Essa evitação da angústia do natural para o artificial torna o
virtual um natural indolor, prazeroso e agradável em substituição ao natural realístico
onde os que matam não escapam da morte. Lá no ciber o espaço é liso, sem rugas
e de várias cores escolhidas, sem obstáculos irremovíveis, onde se plantam mortes
e vidas imunes a punições, leis, sanções. Lá o liberal realiza o sonho delirante de
se liberar integralmente, dando máxima potência à sua livre vontade. Lá a proteção
e o abandono podem ser imagetizados em suas mais inventivas e indiscriminadas
versões: dos “games” românticos, líricos e lúdicos, aos mais cruéis e promíscuos.
A fuga para uma “second-life” em face da vida desumana da “first-life” é outro
salto mortal da ainda lamentável impotência teórica dos homens para a construção

486 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 477-491, abr./jun. 2015
O paradigma processual ante as sequelas míticas do Poder Constituinte originário

de uma Sociedade Humana. O aceno dessa possibilidade veio pela Filosofia da


Linguagem (a Epistemologia do Saber Humano) que da Linguística à Psicanálise tem
convidado em vão os juristas a inovarem suas concepções jurídicas, a refundarem a
sua arcaica ciência. O que está em reflexão e posto ao secular abandono é o espaço-
tempo do processo como modelo discursivo-jurídico-construtivo de uma sociedade
humana em níveis nacionais (nativistas), internacionais, supranacionais ou mundiais
(planetários). A vida humana como expressão monetária só seria cogitável se o
lastro do dinheiro fosse o incremento da dignidade humana, porque de outra forma
se cairia no alçapão de Weber.17 Entretanto, essa dignidade, para ser humana,
haveria de ser compreendida como direito fundamental de autoilustração sobre os
fundamentos agônicos dessa realidade estruturalmente antropofágica e fabricante
autopoiética (pragmática) de solidariedade, justiça, bom-senso, razão, verdade,
certeza, juízos do bem e do mal, pensamentos, ensinos, em sentidos mitificados e
utopizados a cristalizarem as civilizações dos liberais (paternalistas ou escatologistas
como titulares de um poder eternizante). Criou-se o Estado como lugar e instrumento
mítico desse poder eternizante onde todas as possibilidades de esclarecimento da
trama pragmática da dominação social são vedadas. O Estado é fetichizado como
lugar da equilibração social e segurança pública dentro do qual o liberalismo medra
numa concepção mítica de liberdades sem fronteiras à realização escolástica de uma
justiça social metajurídica.

5 Desprocessualização do direito no estado telemático


É de grande valia o ensino de André Lemos18 que, em excelente texto, sobre a
territorialização e desterritorialização na cibercultura, ao lembrar o fato do blogueiro
iraniano Derakhshan ter sido “barrado na entrada dos EUA após seu nome ser
googleado pelos oficiais da imigração”, observou que o iraniano foi “territorializado,
controlado pela polícia americana”, tendo em vista a sua criação de “novos formatos
midiáticos”, porque, nesses formatos, o iraniano criou “um espaço de liberdade
no espaço estriado das redes telemáticas” onde fez restrições ao governo e, por
isso, o seu território acabou “sendo utilizado como forma de controle e vigilância”.
Aqui o Estado opressor (status espacial-de-significados-equívocos)19 já é dono do
espaço de fuga do seu próprio prisioneiro que é o homem originalmente despojado
de uma linguagem discursiva em seu habitat humano-natural. Essa violência punitiva

17
WEBER, Max. Economia e sociedade. 3. ed. UNB, 1994. v. I. p. 141-161.
18
LEMOS, André. Imagem – Visibilidade a cultura midiática. Livro da XV COMPÓS. Porto Alegre: Editora Sulina,
2007. p. 277-293.
19
LEAL, Rosemiro Pereira. Uma pesquisa institucional de Estado, Poder Público e União na constitucionalidade
brasileira — Significados equívocos e a interpretação do direito. Busca de um novo médium linguístico na
teoria da constitucionalidade democrática. Belo Horizonte: Universidade FUMEC-FCH, Editora Del Rey, 2007.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 477-491, abr./jun. 2015 487
Rosemiro Pereira Leal

sobre a autorreterritorialização promovida pelo iraniano deixa claro que a possível


contestação de fatos ou atos ocorridos no espaço físico formulada pela via (infovia)
do espaço eletrônico (virtual) é frustante na medida em que o espaço eletrônico
é uma criação tecnológica regulada e encampada pelo Estado soberano em seus
poderes governativos que já pré-decidem com qual “mídia” (medium linguístico) há de
se comportar (ser comunicativo) o “cidadão” sob a sua jurisdição. A cena narrada por
André Lemos é contributiva ao nosso estudo no sentido de explicitar, com auxílio das
anotações de Musso, a ilusão de liberdade de quem possa achar-se um navegante
num espaço “liso, livre de controle e de terror” pensando que “o território rugoso e
resistente” do espaço físico é “apagado” para apenas subsistir “um espaço liso,
fluido, feito para circulação”.
A brilhante exposição que, em Heidegger, o autor faz da “des-re-territorialização”,
mostrando que o homem difere do animal por construir seu próprio espaço no
“fazer-aparecer” de sua ação prática (tecknè), acentuando que a “ferramenta, feita
de uma pedra, é a pedra reterritorializada pela mão” do homem, traz indagações
não somente sobre a grandeza da técnica humana, mas no que esta impede de se
exercitar uma Ciência submetida a teorias que coloquem em permanente suspeita
a sua dominação ideológica. Certamente que o “terroir” como linha de fuga às
territorializações mantidas por um Estado de cunho liberalizante-republicanista-
repressivo-corretivo (Estados Vigilantes e Assistencialistas) não concorre à formação
social des-re-territorializante que engendre, por si, uma dinâmica de autoilustração
sobre os fundamentos dos controles exercidos secularmente pelos não sentidos
dos mitos, religiões, arte, culturas, que fazem do homem um ginasta secular de um
voo cego ante o seu destino. O desenraizamento do sujeito pela desterritorialização
é mais um degrau de angústia e desespero do que de liberdade virtual, porque o
ciberespaço sofre a vigilância estriada do espaço estatal onde o “nômade” não
consegue saltar a cerca de sua escravatura corporal (bio-sócio-político-econômica),
porque as estruturas maquínicas (Deleuze e Guattari) são miméticas quanto às suas
formas mutantes e não di-alógicas na criação dos sentidos do significado de sua
própria atuação. Vedam-se, nessa conjuntura, eixos teóricos a partir dos quais seria
possível a autoconstrução dos modelos de vida humana, restando apenas a paranoia
(maquinação) das pragmáticas seculares.
A comunicação social cibernetizada pelo medium linguageiro advindo da
imagética natural mitificada do Estado, como fonte autorizativa das informações, não
cria, por si mesma, uma rede linguística de estabilização da vida humana, tendo em
vista que o homem não pode abandonar o “portal do corpo” (Valery) para se mostrar
ao “outro” que lhe é inatamente assemelhado em espaço-tempo não cibernético. A
“linha de fuga ao poder instituído”, a que se refere André Lemos, parece-nos uma
linha que se amarra no eixo de um Estado ainda concebido em paradigmas arcaicos

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O paradigma processual ante as sequelas míticas do Poder Constituinte originário

(Estado-de-significados-equívocos),20 conforme discorremos, cuja reestruturação


não se fará pelas meras insurgências no âmbito do espaço reterritorializante da
cibernética que, por ausência de linguagem processual discursiva, se equipara
ao espaço físico-orgânico-atmosférico-pragmático. O lugar do pensar discursivo se
inscreve em infinitas possibilidades da fala procedimental processualizada21 só
escolhíveis pelas teorias que possamos previamente conjecturar e coletivamente
testificar sobre os fundamentos da linguagem que elegemos para nos reger na
construção de sociedades não mitificadas e não metabolizadas em gestos e imagens
cujas fundações se edificam no anonimato das técnicas de dominação.
A desterritorialização que se faça por mobilidades em espaços que, compressivos,
não permitem o esclarecimento (problematização) dos seus fundamentos estruturantes,
repete o pragma da criação do sentido da vida embutido no fluir de um fazer historicamente
alienante. O entupimento do espaço físico por uma dinâmica de “aparecimento” de
coisas não adrede consensadas é que cria a sensação de que é possível fugir (pulsão-
deriva de morte?) por um buraco que dispense qualquer compreensão da existência.
A ausência de um discurso processualizado torna o homem ausente de si mesmo,
impossibilitando-o criar (teorizar) um compartilhamento de sentidos para a sua própria
vida social, o que leva à fragmentação do espaço-humano que não é físico, nem
cibernético. De conseguinte, é da pós-modernidade a reflexão sobre a normatividade
de nossas próprias invenções antes mesmo que elas possam acontecer e assumirem
versões de um progresso delirante e irrefreável. O direito, em concepções processuais
democráticas, cuidará desses intricados entornos que, de certo, estão a merecer
estudos continuados em prol de uma concepção de homem que não se circunscreva
nos ditames de uma história que ainda não foi integralmente problematizada.
Por conseguinte, uma Teoria da Constituição, que se proponha como disciplina
científica, há de explicar qual paradigma de Estado está encaminhando à compreensão
de seus conteúdos programáticos. Não há uma teoria de uma constituição universal
separada das teorias fundantes das instituições que compõem sua enunciação
jurídica. Esse aspecto é relevante à elucidação das bases de normação jurídica
instituintes das intervenções das Administrações-Governativas (Estados) nos espaços
natural e virtual de modo a não tolher pelo panóptico o ontóptico em seu “deixar-fazer-
aparecer” por direitos fundamentais de proceder-ser-ter-haver nos espaços-tempos de
compartilhamento linguístico. A permitir que o Estado seja o mesmo em sua ortodoxia
opressiva e todista, a açambarcar todos os níveis de liberdade e privacidade em nome
de uma segurança pública, a Constituição em que esse Estado estivesse inserido não
teria sido construída a partir do espaço-tempo-processualizado, não se revestindo de

LEAL, Rosemiro Pereira. Ob. cit., Pesquisa FUMEC.


20

ALMEIDA, Andréa Alves. Processualidade jurídica e legitimidade normativa. Belo Horizonte: Fórum, 2005.
21

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 477-491, abr./jun. 2015 489
Rosemiro Pereira Leal

qualificação democrático-econômica na concepção pós-moderna de Democracia aos


moldes teóricos aqui desenvolvidos.
A informatização dos serviços forenses e administrativos no âmbito de um
estado arcaico cria, como registra André Lemos, “territorializações” a excluírem o
exercício de direitos fundamentais do PROCESSO a pretexto retórico de “justiça rápida”
e “celeridades efetivas” de direitos. Portanto, há de se pré-definir prioritariamente
o paradigma (teoria processual) de Estado numa teoria constitucional antes de se
acolherem as ditas prodigiosas e progressistas revoluções científicas.

The Procedural Paradigm before the Mythical Sequels of the Original Constituent Power
Abstract: The affirmation of a discourse theory, without pointing which theory one elects to understand
what discourse is, transforms the discourse in an autopeitical expression that hides its theoretic-linguistic
origins, coming to mean a mere inter-subjective-communicative link, not constructed by the due process
principle. This gives eternal operation of a said material law that egresses from a mythical authority or state-
historic (constituent original power) and of a civil and political society in a presupposition that is empowered
in the cyber space imaginary.

Keywords: Procedural Paradigm. Constituent Original Power. Material Law. Telematics State.

Belo Horizonte, fevereiro de 2008

Referências
ALMEIDA, Andréa Alves. Processualidade jurídica e legitimidade normativa. Belo Horizonte: Fórum,
2005.
CARRIÓ, G. Sobre los Límites del Lenguaje Normativo. Buenos Aires: Editorial Astrea, 1973.
CHALMERS, A. F. O que é a ciência afinal? 2. reimpr. São Paulo: Editora Brasiliense, 1997.
DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico – Introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo
jurídico-político. São Paulo: Método, 2006.
HABERMAS, Jürgen. Para a reconstrução do materialismo histórico. 2. ed. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1990.
KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 6. ed. Editora Perspectiva, 2001.
LEAL, Rosemiro Pereira. Direitos fundamentais do processo na desnaturalização dos direitos humanos,
In O Brasil que Queremos, PUC Minas, 2006,
LEAL, Rosemiro Pereira. Principiologia jurídica do processo na teoria neo-institucionalista. In: DIDIER
JR., Fredie; JORDÃO, Eduardo Ferreira (Coord.). Teoria do processo – Panorama doutrinário mundial.
BA: Podivm, 2008.
LEAL, Rosemiro Pereira. Uma pesquisa institucional de Estado, Poder Público e União na
Constitucionalidade brasileira – Significados equívocos e a interpretação do direito. Busca de um
novo médium linguístico na teoria da Constitucionalidade Democrática. Belo horizonte: Universidade
FUMEC-FCH, Editora Del Rey , 2007.

490 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 477-491, abr./jun. 2015
O paradigma processual ante as sequelas míticas do Poder Constituinte originário

LEMOS, André. Imagem – Visibilidade a cultura midiática. Livro da XV COMPÓS. Porto Alegre: Editora
Sulina, 2007.
POPPER, Karl. Conhecimento objetivo. Belo Horizonte: Editora Itatiaia e Editora das USP, 1975.
ROUANET, Sérgio Paulo. Édipo e o anjo – Itinerários freudianos em Walter Benjamin. Rio de Janeio:
Biblioteca Tempo Universitário, n. 63, 2. ed. 1990.
WEBER, Max. Economia e sociedade. 3. ed. UNB, 1994. v. I.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

LEAL, Rosemiro Pereira. O paradigma processual ante as sequelas míticas do


Poder Constituinte originário. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro,
Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 477-491, abr./jun. 2015.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 477-491, abr./jun. 2015 491
La administrativización de los procesos
jurisdiccionales

Teresa Borges García


Miembro del Instituto Panamericano de Derecho Procesal (IPDP). Abogada, UCAB, 1984;
Directora Ejecutiva de la Fundación Venezolana de Derecho Inquilinario; Miembro del Instituto
Panamericano de Derecho Procesal; Co-proyectista del Decreto Ley de Arrendamientos
Inmobiliarios de 1999; Profesora de Práctica Jurídica II (pre-grado) UCV y de Derecho Inquilinario
(post-grado) USM; abogado en ejercicio miembro de Borges, Schnell & Asociados; miembro
honorario de la Comisión de Infraestructura de la Academia Nacional de Ingeniería y Hábitat.

Palabras clave: Procesos jurisdicionales. Garantismo. Administrativización.

En esta oportunidad, queremos referirnos a nuestra preocupación derivada de


las constantes y recientes modificaciones legislativas, mediante las cuales se están
creando nuevos procedimientos sustitutivos de lo que deberían ser procesos donde
los ciudadanos debatan y solucionen sus controversias —al menos en nuestro país—
en las cuales se observan ciertas líneas distintivas lesionantes de los derechos de
los ciudadanos (justiciables – administrados) en la resolución de sus controversias, y
que a grandes rasgos resumimos así:
- Sustracción a la jurisdicción del debate y resolución de las controversias y otras
pretensiones de los ciudadanos en el ámbito del derecho civil y mercantil.
- Sustitución del proceso por procedimientos cuyo conocimiento o competencia
se le atribuye a la Administración Pública, en materias propias de derecho
privado.
- Procedimientos administrativos-jurisdiccionales: dos partes contrapuestas y la
Administración como juez y parte, como se expondrá.
- Complejidad y multiplicidad de procedimientos administrativos imposibles
de cumplir (por el ciudadano), con amplias facultades inquisitivas por parte
de la Administración tanto de oficio como a instancia de parte; con total
competencia para investigar, imputar, probar, en fin, una actividad totalmente
identificable con la desarrollada en su día por el Santo Oficio.
- Procedimientos que culminan en la mayoría de sus decisiones imponiendo
sanciones excesivas, criminalizando la actividad civil-mercantil —al considerar
delito penal— la infracción del derecho sustantivo contenido en las nuevas
leyes especiales, e incluso llegando al extremo de violentar la reserva legal

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 493-503, abr./jun. 2015 493
Teresa Borges García

propia de la competencia penal, permitiendo a la Administración al aplicar los


procedimientos sin respetar las debidas garantías procesales constitucionales,
violar el principio de inocencia, dictar incluso medidas cautelares definitivas
(anticipativas) que destruyen toda posibilidad de resarcimiento al afectado
llegando al extremo de no requerirse la decisión final, y mediante procedimientos
oscurecidos en el respeto de principios fundamentales de un debido proceso
(en absoluto detrimento de las garantías mínimas).
- Control de toda la actividad privada con una amplitud desmesurada de la
facultad “discrecional” por parte de la Administración, lo cual a su vez lesiona
el derecho fundamental de igualdad ante la ley, pues estas potestades
discrecionales conferidas a la Administración, lo son para decidir las
controversias civiles que debieran conocerse en un proceso jurisdiccional en
un procedimiento administrativo.
- Discrecionalidad Administrativa sin limitación, lo que aunado a la amplitud de
competencias como policía, investigador, acusador y decisor, degenera en
violaciones a los principios de imparcialidad e igualdad ante la Ley que deben
regir en los procedimientos contradictorios, propios del proceso.
- Subversión del orden constitucional de atribución de competencias, lo que
genera en strictu sensu la nulidad absoluta de los actos generados por la
Administración, por decir lo menos.
¿Por qué nos angustia y preocupa con creces esta nueva línea legislativa?
En las últimas leyes promulgadas en nuestro país, Venezuela, se ha observado
cada vez más una tendencia legislativa de “evadir” la jurisdicción.
En principio y desde la consolidación del Estado de Derecho, fundado en el
principio de la separación de poderes, el conocimiento de las controversias entre
los ciudadanos se atribuyó a la jurisdicción. Incluso, uno de los grandes avances en
la protección de derechos ciudadanos consistió en reconocer que la Administración
interactúa con éstos, y al hacerlo, debe ser a través de procedimientos que cumplan
los preceptos de un “debido proceso” y apegados a la Ley, como de hecho la
Constitución de la República Bolivariana del año 1999 lo reconoció en su artículo 49,
controlada además dicha actuación administrativa en beneficio de los administrados,
a través del sistema de la “jurisdicción contencioso administrativa”.
Amén que hoy en día se cuestione en nuestro país la nueva Ley Orgánica
del Contencioso Administrativo, lo cierto es que su razón de ser es, justamente,
el control vía jurisdiccional de la actuación administrativa frente al ciudadano como
mecanismo de garantía de su legalidad y constitucionalidad, en respeto y resguardo
de las más esenciales garantías en un estado moderno, entre la interacción
Administración- ciudadano.

494 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 493-503, abr./jun. 2015
La administrativización de los procesos jurisdiccionales

Reconociendo que incluso la actividad administrativa debe —y así lo está—


regulada y controlada por el sistema jurisdiccional contencioso administrativo, nos
llama cada día más la atención este proceso de administrativización del proceso civil.
Sin ánimo de entrar en disquisiciones sobre política, es innegable que ésta
influye en el proceso, y por ende en el procedimiento, así como en la promulgación
de nuevas leyes que lo rigen así como su interpretación, y en ese orden de ideas, lo
cierto es que no podemos dejar de reconocer lo que el Maestro Juan Montero Aroca
nos ha enseñado,1 cuyos comentarios transcribimos a la postre:

...una ley o código, sea cual fuere la materia que regula, es siempre
expresión de la concepción ideológica propia de la sociedad en que se
hace y de la sostenida por los responsables políticos que lo hacen... [...]
...el pretender desterrar la política del derecho, se basa en una opinión
deformada de lo que aquélla sea; el pretender reducir el derecho a
política, se basa en una concepción totalitaria de ésta, desconocedora de
las garantías de aquél...

La ideologización no puede obviarse.


Constancia de ello es nuestro país, a través del cual nos permitimos estas
referencias. Administrativizar los asuntos controversiales propios del ordenamiento
civil, a través de procedimientos administrativos, supliendo al proceso jurisdiccional,
atribuyendo tales competencias propias de la jurisdicción a la Administración, va de
la mano de un manejo y control inquisitivo de los debates ciudadanos impuesto por
una ideología por todos conocida.
Veamos algunos ejemplos, entre otros:
- En la nueva legislación especial en materia de arrendamiento de vivienda integrada
por los siguientes textos: Decreto Ley contra el Desalojo y la Desocupación
Arbitraria de Viviendas (Gaceta Oficial No. 39.668 del 6 de mayo de 2011);
Ley para la Regularización y Control de los Arrendamientos de Vivienda (Gaceta
Oficial No. 6.053 Extraordinario del 12 de noviembre de 2011); y su Reglamento
(Gaceta Oficial No. 39.799 del 14 de noviembre de 2011):
Si bien, ya de vieja data esta materia fue legislada de manera especial, y en
una época se le atribuyeron competencias a la Administración, nunca se le restaron
competencias a la jurisdicción quien en definitiva conocía y resolvía las controversias
sobre la materia, a través de procesos.
No se violentó el debido proceso administrativo (y es interesante resaltar,
que para la fecha no se había promulgado la nueva Constitución que lo consagra

1
MONTERO AROCA, Juan. Separata titulada: “El proceso civil llamado ‘social’ como instrumento” contenida en
la obra Proceso civil e ideología. Un prefacio, una sentencia, dos cartas, quinces ensayos. Moción de Valencia
y Declaración de Azul. Segunda edición. Editorial San Marcos, Lima, Perú, 2009. (pp. 134 y ss., 152 y ss.).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 493-503, abr./jun. 2015 495
Teresa Borges García

expresamente). Al contrario, con el devenir del tiempo, el procedimiento administrativo


especial se volcó a la búsqueda y perfeccionamiento del cumplimiento de garantías
esenciales en materia de: acceso al procedimiento, conocimiento pleno de hechos
que se sometían a control o conocimiento en debate y al expediente (público, vale
destacar); a realizar alegatos ambas partes y fueran conocidos y expresamente
decididos; derecho a la prueba, estableciéndose amplitud en materia de tipos
probatorios, control y contradicción de las pruebas; jueces, que aún siéndolo en
el ámbito contencioso administrativo, reconocieron que la actividad probatoria en
estos procesos era de las partes y que era exclusivamente su carga procesal; la
posibilidad de recursos claramente establecidos. Todo esto, conscientes que era un
procedimiento atípico administrativo, en el cual las partes debatían sus controversias
y que se sometía el acto administrativo al control jurisdiccional, por lo que debían al
menos mantenerse imparciales e impartiales.
En la nueva legislación en comento, podemos resaltar:
El conocimiento incluso de la controversia en sí misma, pareciera que competerá
al órgano administrativo creado (Superintendencia Nacional de Arrendamiento de
Viviendas – SUNAVI), ello conforme sentencia del 20 de noviembre de 2013 (T.S.J. –
Sala Plena, Expediente Nº AA10-L-2013-000086), en la cual se dispuso refiriéndose
a una pretensión de ejecución de un acto administrativo de SUNAVI, lo que se cita
textualmente de seguidas:

...La Sala observa que dicha Resolución expresamente indica que fue
dictada con ocasión “...del Procedimiento Previo a las Demandas, contenido
en los artículos 94 al 96, ambos inclusive de la Ley para la Regularización
y Control de los Arrendamientos de Vivienda, los artículos 7 al 10, ambos
inclusive de la Ley Contra el Desalojo y Desocupación Arbitraria de
Viviendas, los artículos 35 al 46, ambos inclusive del Reglamento de la
Ley para la Regularización y Control de los Arrendamientos de Vivienda...”
(corchetes de esta Sala) ...
...De la cita anterior se desprende que, (refiriéndose al artículo 10 del
Decreto Nº 8.190) habiéndose agotado en sede administrativa la fase
conciliatoria en forma infructuosa, es decir, “...cuando no hubiere acuerdo
entre las partes...”, “el funcionario administrativo actuante “...deberá
motivar la decisión que correspondiere, con base a los argumentos y
alegatos presentados por éstas “ (artículo 9), tal y como en efecto lo hizo
la SUNAVI en el caso que nos ocupa y se encuentra reflejado en el texto
de la Resolución No. 00151-12/12/2012 cuya copia certificada cursa
en autos, la cual indica que en fecha 25 de octubre de 2012 celebró
la Audiencia Conciliatoria con la presencia de ambas partes, asistidas
de abogado y, en conformidad con el artículo 9 del Decreto con Rango,
Valor y Fuerza de Ley Contra el Desalojo y la Desocupación Arbitraria de
Viviendas resolvió declarar “...procedente la petición de desocupación
realizada por la Arrendadora”...
Luego de analizar las normas del Decreto Ley, concluye:

496 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 493-503, abr./jun. 2015
La administrativización de los procesos jurisdiccionales

...Ello así, esta Sala declara, con fundamento a los argumentos expuestos,
que las actividades prescritas en el Decreto con Rango, Valor y Fuerza de
Ley contra el Desalojo y la Desocupación Arbitraria de Viviendas, a ser
ejecutadas por funcionarios judiciales deben ser ejecutadas por un juez
civil, bien que los realicen en el marco del proceso judicial o con ocasión
o a consecuencia del procedimiento administrativo que sustancia la
SUNAVI, como sucede en el caso que nos ocupa. Así se establece...

La citada sentencia, ha sido el fundamento a partir de su publicación para que


los actos administrativos dictados por la SUNAVI —o el órgano delegado— sean
ejecutados directamente por los Tribunales sin que éstos a través de un proceso la
hayan conocido, ni se hayan pronunciado en las controversias que luego se les ordena
ejecutar. Es concluyente entonces que se les “usurpó” su competencia natural y a las
partes el debate de tales controversias a través del proceso.
Más grave aún es que en dicho procedimiento, si bien se exige la asistencia
de letrado al inquilino o sujeto objeto de protección, no se exige para el accionante,
así como no tiene previsión de un lapso probatorio, y sí se dispone que se dicte una
decisión en el referido procedimiento administrativo, lo que lesiona desde toda óptica
el derecho a la defensa y viola el principio de igualdad a la parte solicitante, y asimismo,
se vulnera gravemente el orden lógico de cualquier procedimiento contradictorio.
De igual manera, el órgano administrativo, que se entiende debería ser especial
por su ámbito de competencias atribuidas en materia de arrendamiento de viviendas,
y ampliamente desarrolladas en la Ley, deberá conocer y pronunciarse sobre otras
pretensiones distintas, debiendo ser dichas decisiones ejecutadas como antes
se expusiera. En efecto, en sentencia del 17 de abril de 2013 (T.S.J. – Sala de
Casación Civil, Expediente. No. AA20-C-2013-0000712), que interpreta el alcance
en la aplicación del procedimiento previo del Decreto Nº 8.190, caso de ejecución
de hipoteca, en el cual el accionante pretendía entre otros se determinara si era
pertinente o no la aplicación del artículo 5º y siguientes del Decreto Ley contra el
Desalojo y la Desocupación Arbitraria de Viviendas, antes de la interposición de la
demanda, o después de admitida la solicitud de “traba hipotecaria” y durante su
tramitación, en las instauradas antes de la promulgación del Decreto Ley ¿se deberá
aplicar el artículo 12, en la oportunidad que proceda la medida de desposesión
material luego de rematado el inmueble?
Luego de un análisis exhaustivo del derecho a la vivienda, del nuevo régimen
legal, expresó:

“...la ley no se agota en las relaciones arrendaticias, sino que comprende


los juicios de otra naturaleza, en los cuales puedan resultas afectados
los derechos constitucionales y legales de quienes ocupan o habitan un
determinado inmueble destinado a vivienda principal.”.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 493-503, abr./jun. 2015 497
Teresa Borges García

...Como se evidencia del contenido del transcrito artículo 5º, el mismo


establece literalmente que “previo al ejercicio de cualquier acción judicial o
administrativa” que pudiere derivar en una decisión cuya práctica material
comporte la pérdida de la posesión o tenencia de un inmueble destinado
a vivienda, en este caso familiar, contra los sujetos amparados por la Ley,
es decir, las arrendatarias y arrendatarios, comodatarios, usufructuarios
y ocupantes de bienes inmuebles destinados a vivienda, así como los
adquirentes de viviendas nuevas o en el mercado secundario, el interesado
en obtener la restitución de la posesión del inmueble en cuestión debe
ineludiblemente cumplir con el procedimiento administrativo previsto en
los artículos ut supra, ante el Ministerio del Poder Popular con competencia
en materia de vivienda y hábitat. Asimismo, cabe agregar que la Ley para
la Regularización y Control de Arrendamientos de Vivienda estableció
que la función administrativa en esta materia es competencia exclusiva
del Ejecutivo Nacional, la cual se ejerce a través de la Superintendencia
Nacional de Arrendamiento de Vivienda, órgano éste que integra al ut
supra mencionado Ministerio y la cual está encargada de sustanciar los
procedimientos administrativos dispuestos en la materia, de conformidad
con lo previsto en los artículos 16 y 94 de esta última Ley.
[...] En todo caso, para comprender el supuesto previsto en la norma es
fundamental distinguir entre la pretensión civil y la administrativa, toda
vez que la primera sin duda debe ser examinada por sus jueces naturales,
es decir, la jurisdicción ordinaria, mientras que la segunda, competen
en primer orden al Ministerio del Poder Popular en materia de Vivienda
y Hábitat, a través de la Superintendencia Nacional de Arrendamiento
de Vivienda, la cual ejerce la supervisión y control por parte del Estado
en relación con las solicitudes de ocupación del inmueble destinado a
vivienda familiar y, en todo caso, analizará y ponderará objetivamente
las razones que invoquen los interesados para ocupar el inmueble en
cuestión y solicitar la restitución de la posesión o el desalojo...
...Por lo tanto, aun cuando no exista en los términos del recurrente “...
inminente actividad de desalojo o desocupación ...”, pero sí amenaza
de perder la posesión o tenencia de un inmueble destinado a vivienda
por parte de los ocupantes, tenedores, poseedores y demás sujetos
comprendidos en la Ley por causa de medidas judiciales, bien cautelares o
ejecutivas que signifiquen desposesión, desalojo o pérdida de la tenencia,
deberá cumplirse con el procedimiento especial previo a las demandas de
cualquier naturaleza siempre y cuando se trate de un inmueble destinado
a vivienda familiar, en los términos descritos en el citado Decreto con
Rango, Valor y Fuerza de Ley... [...]
...El Decreto con Fuerza de Ley objeto de interpretación no sólo resulta
aplicable a las relaciones arrendaticias, sino que comprende los juicios
de otra naturaleza, verbigracia ejecución de hipoteca, en los cuales
puedan resultar afectados los derechos constitucionales y legales de
quienes ocupan o habitan un determinado inmueble destinado a vivienda
principal... (Destacados nuestros)

Del anterior fallo debemos rescatar:


El órgano competente —independientemente de la pretensión— lo es la
Superintendencia Nacional de Arrendamiento de Vivienda en lo atinente al procedimiento

498 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 493-503, abr./jun. 2015
La administrativización de los procesos jurisdiccionales

previo, pero no debería ser así en lo correspondiente al conocimiento y pronunciamiento


del fondo del asunto, que corresponde a la jurisdicción ordinaria a través de un proceso
garantista para ambas partes. Ahora bien, por cuanto dicho procedimiento no sólo
procede en materia de arrendamiento, sino en todos aquellos que puedan conllevar
a la desocupación de un inmueble destinado a vivienda, concatenando este fallo
con el antes citado, tendremos que la SUNAVI, decidirá también el fondo del asunto,
inclusive siendo lo debatido materia distinta al arrendamiento, en un procedimiento
administrativo, con las carencias antes indicadas, obviando el proceso jurisdiccional
que debería tener lugar para el debate de las controversias de los ciudadanos.
En dicha legislación se le atribuye una gran amplitud discrecional a la Administración
(investiga, busca pruebas, acusa de oficio, sanciona penalmente, expropia).
En el Capitulo V de la Ley para la Regularización y Control de los Arrendamientos de
Vivienda, al establecer la Estructura del Sistema Nacional para la Defensa en Materia
Civil y Administrativa Especial Inquilinaria y del Derecho a la Vivienda (creada para la
defensa de los inquilinos, considerando éstos como débiles jurídicos) sí incluyen el
órgano administrativo SUNAVI, y a los Tribunales; lo que llama la atención en cuanto al
principio de imparcialidad que debe regir todo procedimiento contradictorio, y máxime
cuando se creó una Defensa Pública especializada a quien compete justamente la
defensa del área. Pero peor aún, se ha observado que es la propia SUNAVI la que sin
cumplirse el proceso cognoscitivo correspondiente ante la jurisdicción, procede ante
ésta a solicitar la ejecución del acto administrativo que dicta si declara procedente la
solicitud de desocupación. Se convierte en la parte solicitante de la ejecutoria.
Nos preguntamos entonces: ¿cómo puede un arrendador o accionante que
requiera la desocupación como secuela de un juicio de partición, defenderse cuando
se enfrenta ya no sólo a su contraparte sino al organismo que dirime la controversia
quien funge ejerciendo ambos roles? Es decir, pierde dos elementos primordiales
que le son propios al proceso donde debería debatirse el conflicto de intereses y el
contradictorio, a saber, la imparcialidad y la impartialidad.
¿Le es propio a la Administración ser juez y parte? ¿Le es propio conocer y
pronunciarse sobre materias jurisdiccionales? ¿Le es propio investigar, buscar
pruebas y acusar de oficio a través de un procedimiento, en beneficio de una sola de
las partes? ¿Resulta ajustado pronunciarse sin el correspondiente y debido debate
probatorio? La Administración que fue juez, se convierte en parte pretendiendo una
ejecución de una decisión de derecho privado, dictada en un procedimiento; ejecución
que se debe tramitar ante un juez que no conoció a través del proceso contradictorio
ni el fondo del asunto, ni desempeñó una labor cognitiva, formando parte del sistema
de protección administrativo inquilinario.
En este paquete de leyes, se prevé multiplicidad de procedimientos que debe
cumplir y agotar el arrendador, ante un órgano incapaz de dar respuesta, ante el cual

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 493-503, abr./jun. 2015 499
Teresa Borges García

es casi imposible acceder, y todo incumplimiento acarrea sanciones graves, inclusive,


la expropiación, configurada ahora como una nueva sanción, y se presume culpable al
ciudadano ya desde antes del inicio de cualquier procedimiento.
Por el mismo transitar, tenemos también la recién promulgada Ley Orgánica
de Precios Justos (Gaceta Oficial 40.340 del 23 de enero de 2014), la cual
lamentablemente derogó la Ley para la Defensa de las Personas en el Acceso a
los Bienes y Servicios, no obstante ésta última a nuestro juicio fue el inicio de la
administrativización usurpatoria de la jurisdicción y del proceso. La misma incurría
en la reiteración de vicios antes denunciados, pero establecía todo el régimen de
protección al consumidor que se había venido desarrollando tanto legislativa como
jurisprudencialmente.
Esta Ley, para entender y poder resaltar los aspectos que nos interesan,
pretende determinar precios justos por rubros, para ello:
El objetivo de la ley, es regular y controlar toda relación de producción, mediación
y comercialización de productos y servicios.
Criminaliza y define delitos propios del Derecho Penal, lo que crea un doble
sistema de calificación delictual en Derecho Penal y su tratamiento procesal.
Hasta la presente fecha, sólo se maneja el margen de ganancias genérico que
dispone la Ley: treinta por ciento (30%) máximo, sobre la estructura de costos, los
cuales serán a su vez establecidos y aceptados por el organismo administrativo a
su criterio (discrecionalidad), salvo las establecidas en algunas áreas con ocasión
a la promulgación de la Ley de Costos y Precios Justos del 28 de julio de 2011, hoy
derogada por la legislación que comentamos.
Se reconoce que las declaraciones en medios de comunicación efectuadas por
el Ejecutivo Nacional son “leyes o normas a cumplir” (Véase la Disposición Transitoria
Décima Primera de la ley, en la cual reconocer que los precios justos a regir serán los
“alcanzados con motivo de la ofensiva económica desplegada por el Presidente de la
República, entiéndase, vigente la Ley de Costos, la cual se implementó tan solo en
algunas áreas, mediante la ofensiva económica el Presidente fijó precios sin legislar,
que posteriormente dio lugar a procedimientos administrativos sancionatorios y
penales, confiscatorios y expropiatorios).
¿Cómo defenderse el ciudadano ante la carencia de fijación de la normativa?
¿Cómo defenderse el ciudadano de medidas cautelares que constituyen medidas
anticipativas que prevé la ley, cuando no sabe ni siquiera cuáles son los parámetros
que debe respetar y a través de un procedimiento administrativo en la cual quien
debe decidir es la parte misma? ¿No constituye esto una violación a las garantías
constitucionales del proceso? A nuestro juicio constituye un ejemplo idóneo de un
procedimiento administrativo fundado en principios netamente inquisitivos.

500 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 493-503, abr./jun. 2015
La administrativización de los procesos jurisdiccionales

Se crean nuevos procedimientos, y su incumplimiento acarrea sanciones penales


y administrativas, en procedimientos donde la Administración lesiona el derecho a la
defensa, viola el principio de igualdad, de imparcialidad y de impartialidad.
Se confiere facultad al órgano administrativo para decretar medidas preventivas
de tal naturaleza que llegan a la expropiación-sanción y la confiscación, aún
contrariando la normativa constitucional inherente a la propiedad privada, todo esto
en un procedimiento administrativo, y anticipativo cautelar.
En el mismo sentido, tenemos la Ley contra la Estafa Inmobiliaria (Gaceta Oficial
No. 39.912 del 30 de abril de 2012).
La finalidad de este texto legal, es sancionar el delito de estafa y otros fraudes
afines al sector inmobiliario, delitos ya previstos y sancionados en la legislación
penal, atribuida el conocimiento de los mismos a Tribunales Penal, mas sin embargo
regula el régimen de contratación entre las partes.
En este cuerpo legal se redefinen los tipos penales, entre otras infracciones,
desconociendo las conceptualizaciones doctrinarias preexistentes, originadas en
derecho universal y patrio.
Atribuye competencias al Ejecutivo Nacional, tanto en lo relativo a los permisos
necesarios para proceder a una construcción como su control en todo el proceso;
control de los contratos a celebrar entre los distintos participantes desde el inicio
de la construcción hasta la protocolización de las ventas; contenido y aprobación de
contratos-tipo; procedimientos por ilícitos, sanciones. Y para variar, procedimientos a
cargo del ciudadano, como registro, y solicitar autorizaciones para iniciar obras.
Control del precio, y todo lo concerniente a la negociación entre partes.
Reiterando la intervención de la administración sustrayendo competencias
a la jurisdicción, previendo que las controversias entre las partes del negocio de
compraventa, sean solucionadas a través de un procedimiento administrativo y no a
través de un proceso.
Todas estas leyes, tienen en común que le sustraen a la jurisdicción y al proceso,
en el cual deben cumplirse las garantías procesales que casi todas las constituciones
modernas ahora establecen, el conocimiento de las controversias del derecho
privado en general, y atribuyen su conocimiento a la Administración para que se
sean debatidas a través de procedimientos en los cuales se les conceden facultades
discrecionales a la Administración (inquisitorias); la Administración se convierte
en una parte activa en la búsqueda de una concreción de sus intereses políticos,
esgrimiendo como justificación la protección de un parte, quedando la otra indefensa
ante todo el poder del Estado y de la contraparte misma, decidiendo y vulnerando
principios de la imparcialidad y la impartialidad, se enfrenta a dos partes: una toda
poderosa —la Administración— y la contraparte misma; procedimientos donde se
obvian los más elementales principios garantistas de postulados constitucionales,

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 493-503, abr./jun. 2015 501
Teresa Borges García

y donde se confieren al órgano administrativo facultades totalmente inquisitivas


mediante las cuales puede perseguir de oficio y sin que exista presunción alguna
en favor del ciudadano, sancionando antes de concluir el procedimiento, dictando
medidas cautelares anticipativas de difícil o imposible reparación.
De ello, a nuestro juicio, podemos concluir, que esta usurpación o administrativización
del proceso jurisdiccional, va de la mano de una ideología legislativa inquisitiva, pues
resulta hoy día más cuesta arriba, que a través de un proceso jurisdiccional ajustado
a las garantías constitucionales y jueces formados bajo criterios de imparcialidad
y del deber de decidir previo un debido proceso, se ajusten y acomoden a criterios
empañados por lineamientos netamente filosófico-políticos que se pueden influir y
manejar ampliamente al convertirlos en procedimientos administrativos, en los cuales,
la administración juega un doble rol: Juez y Parte.
Cuestionamos pues, que a través de la administrativización del proceso, lo que
se pretende es la desaparición de éste último, pues el proceso entendido desde el
punto de vista garantista debe regirse por el principio dispositivo, entender que el
proceso es la garantía de la paz social y que la actividad del juez o quien decida debe
apegarse estrictamente a los criterios de imparcialidad e impartialidad.
Resulta interesante destacar lo que nos dice el procesalita Girolamo Monteleone:2

Indudablemente la autonomía y la independencia de la magistratura tienen


gran importancia, pero adquieren su más específico significado jurídico y
constitucional solo porque dirigidas a garantizar la imparcialidad del juez, y
de ésta, que también por expreso dictado de la Constitución es su primera,
indefectible y esencial calidad, son simplemente sus corolarios. [...]
Autonomía e independencia, extraídas y separadas de la imparcialidad,
no solo son una contrasentido lógico y jurídico en materia de justicia, sino
que serían fuente de un seguro trastoque del ordenamiento civil y político,
porque serviría para encubrir el arbitrio del juez y permitirle usar el poder
jurisdiccional para finalidades de lucha política y/o de parte...

El proceso requiere de su expresión tridimensional: dos partes contrapuestas


con posiciones antagónicas en un plano de igualdad, y un tercero imparcial e impartial.
El juez no puede aportar hechos al proceso, no puede practicar pruebas no propuestas
por las partes, y debe regir el principio dispositivo con la dirección del juez controlando
éste los presupuestos procesales.
Como reflexión y parte final de este ensayo, quisiéramos citar al Maestro Juan
Montero Aroca:

2
MONTELEONE, Girolamo. Separata titulada: “Principios e ideologías del proceso civil, Impresiones de un “revi-
sionista”” contenida en la obra Proceso civil e ideología..., Ob. cit. (pág. 105).

502 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 493-503, abr./jun. 2015
La administrativización de los procesos jurisdiccionales

Durante el último siglo la sociedad ha visto nacer y desarrollarse varios


intentos, no ya de hacer predominar lo colectivo sobre lo individual en
todos los órdenes de la vida, sino de favorecer lo colectivo hasta el
extremo de suprimir los derechos fundamentales de las personas, lo que
en el proceso ha incidido con claras manifestaciones autoritarias y que
en el proceso civil se ha llamado publicización. Es ya hora de dejar atrás
esa etapa y de abrir nuevos caminos, si el pasado es la publicización y el
autoritarismo, en el futuro está la concepción del proceso, también civil,
como garantía.3

La gran pregunta de este siglo es: ¿será que para eludir un proceso garantista,
la nueva filosofía procesal será legislar administrativizando los procesos, para
convertirlos en procedimientos administrativos donde rijan los superados principios
inquisitoriales del Santo Oficio, en su época de máximo terror?
Marzo, 2015

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

BORGES GARCÍA, Teresa. La administrativización de los procesos jurisdiccionales.


Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 23, n. 90,
p. 493-503, abr./jun. 2015.

3
MONTERO A., Juan. El proceso civil llamado “social”..., Ob. cit. (pág. 165).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 493-503, abr./jun. 2015 503
La imparcialidad y los poderes del juez
según el Tribunal de Justicia de la Unión
Europea

Virginia Pardo Iranzo


Prof. Titular (Acreditada a Catedrática) de Derecho Procesal en la Universitat de València.

Palabras clave: Imparcialidad. Poderes del juez. TJUE.


Sumario: I Introducción – II El papel del TJUE en la configuración del derecho de la Unión – III La ampliación
de poderes del juez civil realizada por el TJUE – IV Conclusión

I Introducción
Es por todos sabido que la distinta naturaleza de los intereses en juego en un
proceso civil y en uno penal determina la diferente configuración del uno y del otro.
Frente al proceso informado por el principio de oportunidad — el civil — se erige
ese otro, el penal, en el que la naturaleza pública de los intereses en juego hace
desembocar en un proceso necesario o informado por el principio de legalidad.
Tal y como recoge el artículo 216 de la Ley de Enjuiciamiento Civil española,
principio base del proceso civil es el dispositivo o de justicia rogada. En virtud del mismo
el inicio de proceso civil no se produce ex oficio por el órgano jurisdiccional sino que es
a instancia de parte. El particular decide libremente si desea acudir a juicio para obtener
la tutela de su derecho o si, en cambio, prefiere dejarlo insatisfecho — o incluso, si
opta por acudir a soluciones alternativas de resolución de conflictos como la mediación
o el arbitraje —. Pero además, y en virtud también del principio dispositivo, del mismo
modo que es a la parte a la que le corresponde decidir sobre el inicio del proceso
también a ella compete determinar sobre qué quiere que verse el mismo, es decir, es
a ella también —en concreto, al demandante — a quien corresponde fijar el objeto del
proceso, delimitando el demandado el objeto de debate a través de su resistencia.
Junto con el principio de justicia rogada, el de aportación de parte impide al
juez aportar hecho alguno al proceso; no solo es que no pueda introducir los hechos
determinantes del objeto del proceso sino que ni siquiera puede aportar hechos
accesorios o complementarios. La aportación de la prueba a instancia de parte
también (con alguna matización, vid. arts. 429.1, II, y 435 LEC) cierra el círculo de las
facultades materiales de dirección en el proceso civil.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 505-513, abr./jun. 2015 505
Virginia Pardo Iranzo

En definitiva, son las partes quienes fijan el objeto del proceso y de debate
correspondiéndoles a ellas, salvo puntuales excepciones, introducir los hechos
constitutivos, impeditivos, extintivos y excluyentes (arts. 19, 217, 399 y 405 LEC).
Por su parte, el artículo 218 LEC impone al juez el deber de congruencia: “Las
sentencias deben ser claras, precisas y congruentes con las demandas y con las
demás pretensiones de las partes, deducidas oportunamente en juicio”.
Teniendo en cuenta que el proceso civil es dispositivo, que los intereses en
juego son privados, no puede desconocerse la existencia de procesos civiles de
carácter no dispositivo, es decir, de procesos civiles en los que los intereses públicos
priman sobre los privados, en los que la existencia de normas imperativas de derecho
civil hace que lo esencial no sea la autonomía de la voluntad sino la aplicación de
dichas normas y en los que los principios propios del proceso civil ceden, dando
lugar a la existencia de características más propias del proceso penal (por ejemplo,
concediendo legitimación al Ministerio Fiscal). Es lo que ocurre, por ejemplo, en los
procesos sobre el estado civil de las personas o sobre la capacidad.

II El papel del TJUE en la configuración del derecho de la


Unión
a) Breve aproximación al TJUE
El órgano que ostenta la potestad jurisdiccional en el ámbito de la Unión Europea
es el Tribunal de Justicia de la Unión Europea (TJUE) (artículo 13 del Tratado de la
Unión Europea), denominado, hasta el Tratado de Lisboa, Tribunal de Justicia de las
Comunidades Europeas. Esta institución, con sede en Luxemburgo, está compuesta,
a su vez, por el Tribunal de Justicia (antes Tribunal de Justicia de las Comunidades
Europeas), el Tribunal General (anteriormente denominado Tribunal de Primera
Instancia) y el Tribunal de la Función Pública; órganos que conocen de los distintos
procesos o “recursos” que se interponen ante dicho órgano jurisdiccional (recursos
de anulación, omisión, excepción de ilegalidad, incumplimiento, responsabilidad
extracontractual y cuestión prejudicial). A través de dichos mecanismos el Tribunal
controla la legalidad de los actos de la Unión, el cumplimiento por parte de los Estados
Miembros de sus obligaciones comunitarias y se pronuncia sobre la responsabilidad
—generadora de daños y perjuicios— en la que puedan incurrir las instituciones
comunitarias en sus actuaciones, así como sobre la interpretación que debe darse
al Derecho de la Unión, con la finalidad de que dicha interpretación sea uniforme por
parte de todos los Estados Miembros.
La función del Tribunal, con carácter general, es garantizar el respeto del Derecho
en la interpretación y aplicación de los Tratados, es decir, controlar que la propia UE
—sus instituciones, órganos y organismos— y los Estados Miembros respetan los
Tratados así como el Derecho derivado. No debe confundirse la misma con la labor

506 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 505-513, abr./jun. 2015
La imparcialidad y los poderes del juez según el Tribunal de Justicia de la Unión Europea

de los órganos jurisdiccionales de los distintos Estados Miembros; éstos son los
jueces ordinarios en la aplicación del Derecho de la Unión, lo que conlleva el riesgo
de generar interpretaciones diferentes del Derecho de la unión. Es decir, mientras
que son los jueces nacionales los que aplican la normativa emanada de la Unión
en los procesos sujetos a su conocimiento, el TJUE controla en líneas generales
la conformidad del Derecho derivado de la Unión con los Tratados pero también la
adecuación de los ordenamientos jurídicos internos de los Estados miembros con el
derecho “comunitario”.
Si bien inicialmente la Unión Europea se limitó a establecer normativa de carácter
sustantivo, quedando el derecho procesal a la competencia exclusiva del legislador
interno de cada Estado, con el paso de los años los aspectos procesales que han
sido tratados por la Unión han ido en aumento. Sirvan de ejemplo, el Reglamento (CE)
1206/2001 del Consejo, de 28 de mayo de 2001, relativo a la cooperación entre los
órganos jurisdiccionales de los Estados miembros en el ámbito de la obtención de
pruebas en materia civil o mercantil, o la Directiva 2011/99/UE del Parlamento y del
Consejo de 13 de diciembre de 2011 sobre la orden europea de protección.
Pero además de estas normas europeas de carácter procesal —que deben ser
acatadas por los diferentes Estados Miembros—, en los últimos tiempos, a través de
diversas sentencias —”prejudiciales”—, el TJUE ha tocado un tema adjetivo de suma
importancia, que afecta a la propia conformación del proceso civil, cual es el relativo
a los poderes del juez, llegando a soluciones que a veces encajan mal con el reparto
de funciones entre el juez y las partes realizada por nuestra ley procesal civil y que, a
pesar de ello, obligan a los jueces españoles.
b) La cuestión prejudicial
Como decimos, ha sido el TJUE, a través de varias sentencias resolviendo
cuestiones prejudiciales, planteadas por jueces muchas veces españoles, quien
está moviendo los cimientos del proceso civil español ampliando las funciones que
tradicionalmente el juez tiene encomendadas en el mismo.
La cuestión prejudicial tal vez sea el instrumento más importante dentro del
sistema de control jurisdiccional establecido por el derecho de la Unión.1 A través de
ella, regulada en el artículo 267 del Tratado de Funcionamiento de la Unión Europea
(TFUE), el órgano jurisdiccional de un Estado Miembro, que está conociendo de
un proceso en el que debe aplicarse una norma de la Unión, pregunta al TJUE
sobre la validez de dicha norma (cuestión prejudicial de validez) o le pide que la
interprete (cuestión prejudicial de interpretación). Se trata, como vemos, de un
instrumento de colaboración o cooperación de los órganos jurisdiccionales de los
Estados Miembros y el TJUE.

LIÑAN NOGUERAS, D., Instituciones y Derecho de la Unión Europea, Tecnos, 2010, con MANGAS MARTÍN, A.
1

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 505-513, abr./jun. 2015 507
Virginia Pardo Iranzo

El juez nacional que quiere plantear una cuestión prejudicial ante el TJUE lo
hace por escrito tras haber suspendido su procedimiento hasta que el TJUE resuelve.
El procedimiento prejudicial, que no es otra cosa que un incidente procesal, no
tiene carácter contradictorio —aunque se permite a las partes del litigio principal
a los Estados Miembros interesados y a las Instituciones de la Unión presentar
observaciones—. Lo importante, con todo, es la fuerza que la sentencia del Tribunal
de Luxemburgo respondiendo a la cuestión prejudicial tiene. La sentencia prejudicial
de interpretación da la interpretación correcta de la norma, vinculando con autoridad
de cosa juzgada no solo al juez que formuló la pregunta —que ha de resolver su
litigio siguiendo la interpretación realizada por el Tribunal de Justicia— sino a todos
los órganos jurisdiccionales de todos los Estados Miembros. Es importante también
destacar que los efectos son ex tunc, es decir, desde que se dicta la resolución, no
extendiéndose los mismos a supuestos juzgados con anterioridad a la sentencia del
tribunal de Luxemburgo.

III La ampliación de poderes del juez civil realizada por el


TJUE
a) En general: la especial protección de los consumidores
En el marco del establecimiento progresivo de un mercado interior se dicta la
Directiva 93/13/CEE del Consejo, de 5 de abril de 1993, sobre cláusulas abusivas
en los contratos celebrados con consumidores. Se considera que la eliminación de
dichas cláusulas constituye elemento necesario para la consecución de un mercado
único y para la protección del ciudadano en su papel de adquirir bienes y servicios.
La finalidad de la Directiva es aproximar las disposiciones de los Estados
Miembros sobre este tipo de cláusulas en los contratos celebrados entre profesionales
y consumidores (art. 1. DC) considerando que son abusivas aquéllas no negociadas
individualmente si causan un desequilibrio importante entre las partes en detrimento
del consumidor. Los Estados Miembros no solo han de fijar que ese tipo de cláusulas
no vincularán al consumidor (art. 6 DC) sino que también han de velar por el cese en
el uso de las mismas (art. 7 DC). A la Directiva se acompaña un anexo en el que se
recogen de manera no exhaustiva cláusulas que pueden ser declaradas abusivas.
En definitiva y según el TJUE el sistema de protección establecido por la Directiva
se basa en la idea de que el consumidor se halla en situación de inferioridad respecto
al profesional, situación que le lleva a adherirse a las condiciones redactadas
de antemano por aquél sin poder influir en su contenido, siendo necesario, para
compensar dicho desequilibrio, una intervención positiva del órgano jurisdiccional
(SSTJUE de 27 de junio de 2000 y de 21 de noviembre de 2002, entre otras).

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La imparcialidad y los poderes del juez según el Tribunal de Justicia de la Unión Europea

A nivel interno es la Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios


(Ley 26/1984, de 19 de julio) la que protege a los consumidores frente a este tipo de
cláusulas. Esta norma ha sido modificada en diversas ocasiones con la finalidad de
adaptar del derecho nacional a los imperativos de “Europa”.
b) Sobre el control de las cláusulas abusivas
Como venimos diciendo la jurisprudencia del Tribunal de Luxemburgo ha
ido ampliando las facultades materiales del juez civil y lo ha hecho respecto de
los procesos entre consumidores y usuarios fundamentándolo en el principio de
efectividad —efectividad de la protección que pretende garantizar la Directiva, o lo
que es lo mismo, se vulnera el principio de efectividad cuando la normativa nacional
hace imposible o excesivamente difícil aplicar la protección que la Directiva pretender
conferir a los consumidores2—. Esa ampliación de facultades se ha producido, en
un primer momento, respecto del control que el juez puede realizar de las cláusulas
abusivas. A grandes rasgos, los pronunciamientos sobre el tema son los siguientes:
- El juez en el momento inicial del proceso, es decir, cuando examina la
admisibilidad de la demanda puede apreciar de oficio el carácter abusivo de una
cláusula (STJ de 27 de junio de 2000; asuntos C-240/98, C-241/98, C-242/98,
C-243/98; y de 4 de junio de 2009, asunto C-243/08). En este supuesto en concreto
se consideró abusiva la cláusula de sumisión territorial a los órganos jurisdiccionales
del domicilio social de las demandantes. Esta cláusula perjudicaba gravemente al
consumidor cuyo domicilio no se encuentra en dicho territorio y, en consecuencia,
hace mucho más dificultosa su comparecencia.
El examen in limine litis, para que no se vulnere la Directiva debe poderse hacer
incluso en el momento en el que el juez conoce de una demanda en un proceso
monitorio (STJ de 14 de junio de 2012, asunto C-618/10).
- Incluso es posible el control de oficio por el órgano jurisdiccional aunque haya
transcurrido el plazo de preclusión establecido para ello: “en aquellos procedimientos
que tengan por objeto el cumplimiento de cláusulas abusivas incoados por
profesionales contra consumidores la fijación de un límite de tiempo a la facultad del
juez para no aplicar tales cláusulas, de oficio, o a raíz de una excepción propuesta
por el consumidor puede atentar contra el principio de efectividad” (STJ de 21 de
noviembre de 2002, asunto C-473/00).
- El Tribunal que conoce del “recurso” de anulación frente a un laudo arbitral
ha de apreciar la nulidad del convenio arbitral y anular el laudo si estima que dicho
convenio contiene una cláusula abusiva y ello aún cuando el consumidor no haya

Según el propio TJUE “cada caso en el que se plantee la cuestión de si una disposición procesal nacional hace
2

imposible o excesivamente difícil la aplicación del Derecho de la Unión debe analizarse teniendo en cuenta el
lugar que ocupa dicha disposición en el conjunto del procedimiento y el desarrollo y las peculiaridades de éste
ante las diversas instancias nacionales (entre otras, Sentencia de 14 de junio de 2012, C-618/10 y de 14 de
marzo de 2013, C-415/11).

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Virginia Pardo Iranzo

alegado esta cuestión en el procedimiento arbitral, sino únicamente en el recurso de


anulación (STJ de 26 de octubre de 2006 - asunto C-168/05). Incluso parece que la
STJ de 4 de junio de 2009 da poderes en ese sentido al juez conoce de la ejecución
del laudo (asunto C- 243/08).3
- Pero es que, además, el juez nacional debe acordar de oficio las diligencias de
prueba que entienda oportunas para determinar si una cláusula es o no abusiva. En
concreto, en el supuesto resuelto en la sentencia se dice al juez que ha de acordar de
oficio diligencias de prueba para determinar si una cláusula atributiva de competencia
territorial exclusiva es abusiva (STJ de 9 de noviembre de 2010 - asunto C-137/08).
Es más, “el juez nacional que haya comprobado de oficio el carácter abusivo
de una cláusula contractual no está obligado, para poder extraer las consecuencias
de esa comprobación, a esperar a que el consumidor presente una declaración por
la que solicite que se anule dicha cláusula”. Lo que sí es necesario, para respetar el
principio de contradicción, es que “el juez nacional que haya comprobado de oficio el
carácter abusivo de una cláusula contractual informe de ello a las partes procesales
y les ofrezca la posibilidad de debatir de forma contradictoria según las formas
previstas al respecto por las reglas procesales nacionales” (STJ de 21 de febrero de
2013, asunto C-472/11).
Realizado lo anterior debe proceder a anular de oficio la cláusula abusiva (STJ
de 30 de mayo de 2013, asunto C-397/11).
- Finalmente, el Tribunal de Justicia concede poderes al Tribunal que conoce de
la apelación para “apreciar cualquier causa de nulidad que derive con claridad de los
elementos presentados en primera instancia, y para apreciar el carácter abusivo de
las referidas cláusulas” (STJ de 30 de mayo de 2013 - asunto C-397/11).
Es decir, desde la base de que nos encontramos ante una cuestión de interés
público, se considera que solo si las cláusulas abusivas son en cualquier caso
inefectivas los profesionales dejarán de ponerlas en los contratos firmados con
consumidores. Para ello se precisa una intervención positiva por parte del órgano
jurisdiccional puesto que, en caso contrario, el desconocimiento de sus derechos por
el consumidor haría que no los ejercitara y ello podría suponer, en muchos supuestos,
que cláusulas viciadas de nulidad acabaran por surtir efectos.
Debe, por otro lado, advertirse que a pesar de que el TJUE, en ocasiones, utiliza
el término “podrá” en vez de “deberá” para referirse al control de oficio por parte del
órgano jurisdiccional, no está concediendo una potestad sino una obligación en el
sentido de que el juez está obligado a vigilar la no existencia de cláusulas abusivas.

Para un análisis crítico de dichas resoluciones véase PARDO IRANZO, V., “La especial protección de los consu-
3

midores por la Directiva 93/13/CEE del Consejo: el control judicial de la nulidad de la cláusula arbitral”, en La
Armonización del Derecho Procesal tras el Tratado de Lisboa, Thomson Reuters, 2012, pp. 485 y ss.

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c) Un paso más: sobre la posibilidad de conceder una tutela no pedida


La STJ de 3 de octubre de 2013 (asunto C-32/12) difiere de las anteriores
en cuanto al objeto: no va referida a la existencia de cláusulas abusivas y a su
posible control de oficio por el juez (Directiva 93/13/CEE sobre cláusulas abusivas
en los contratos celebrados con consumidores) sino a la interpretación de la
Directiva 1999/44/CE del Parlamento y del Consejo, de 25 de mayo de 1999, sobre
determinados aspectos de la venta y las garantías de bienes de consumo. Aunque sí
coinciden ambas Directivas en cuanto a la finalidad última de garantizar un alto nivel de
protección de los consumidores. La Directiva fue transpuesta al ordenamiento español
por la Ley 23/2003, de 10 de julio, de garantías en la venta de bienes de consumo.
El supuesto de hecho al que se refiere la sentencia fue el siguiente: la Sra. Duarte
adquirió de Autociba un vehículo con techo corredizo que resultó estar defectuoso,
de manera que cuando llovía se filtraba el agua por el techo. Ante esta situación la
consumidora llevó en varias ocasiones a reparar el coche a la empresa vendedora
sin obtener resultados eficaces por lo que solicitó su sustitución. Al no obtenerla
presentó demanda reclamando, simplemente, la resolución del contrato y la condena
a la devolución del precio.
Es preciso advertir que, en atención al artículo 7 de la Ley 23/2003, “la rebaja
del precio y la resolución del contrato procederán, a elección del consumidor, cuando
éste no pudiera exigir la reparación o la sustitución y en los casos en que éstas no
se hubieran llevado a cabo en plazo razonable o sin mayores inconvenientes para
el consumidor. La resolución no procederá cuando la falta de conformidad sea de
escasa importancia”.
Si nos fijamos, el anterior precepto establece dos posibles y diferentes acciones
susceptibles de ser ejercitadas por el perjudicado: por un lado, exigir la rebaja del
precio o, por otro, la resolución del contrato, teniendo en cuenta que esta última no
procederá si la falta de conformidad con el bien adquirido es de escasa importancia.
De las dos, la Sra. Duarte, defendida por letrado —no lo olvidemos—, optó por solicitar
solo una, la segunda, sin pedir, ni siquiera subsidiariamente, la rebaja del precio.
El Juez de Primera Instancia considera que la resolución del contrato no es
procedente por ser de escasa importancia el defecto que dio origen al litigio. Así
las cosas, y ante la imposibilidad de reconocer la reducción del precio porque la
consumidora no la solicitó ni con carácter principal ni accesorio (principio de
congruencia), el juez suspende el procedimiento y le pregunta al TJUE lo siguiente:
“si un consumidor, tras no obtener la puesta en conformidad del bien —porque pese
a pedirla de forma reiterada, la reparación no ha sido llevada a cabo—, reclama
judicialmente con carácter exclusivo la resolución del contrato y tal resolución no es
procedente por estarse ante una falta de conformidad de escasa importancia ¿puede
el Tribunal reconocer de oficio al consumidor una reducción adecuada del precio?”.

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Virginia Pardo Iranzo

El TJUE en la citada resolución considera que “La Directiva 1999/44/CE del


Parlamento Europeo y del Consejo, de 25 de mayo de 1999, debe interpretarse en
el sentido de que se opone a la normativa de un Estado Miembro que cuando un
consumidor que tiene derecho a exigir una reducción adecuada del precio de compra
de un bien se limita a reclamar judicialmente únicamente la resolución del contrato de
compraventa, resolución que no va a ser acordada porque la falta de conformidad del
bien es de escasa importancia, no permite que juez nacional que conoce del asunto
reconozca de oficio la reducción del precio, y ello a pesar de que no se concede al
consumidor la posibilidad de modificar su pretensión inicial ni de presentar al efecto
una nueva demanda”.
No hay que olvidar que “el sistema español obliga a los consumidores, en lo
esencial, a anticipar el resultado de la calificación jurídica de la falta de conformidad
del bien, cuyo análisis definitivo corresponde al juez competente, lo que supone
que la protección que el artículo 3, apartado 5, de la Directiva 1999/44 atribuye al
consumidor resulte meramente aleatoria y, en consecuencia, inadecuada”.4
En definitiva, parece claro que la resolución da un paso de gigante respecto
de las resoluciones anteriores ampliando sobremanera los poderes del juez civil al
permitir conceder una tutela que ni siquiera ha sido pedida por el consumidor.

IV Conclusión
Sobre la base de la existencia de intereses de carácter público —no, por tanto,
meramente individuales— el órgano jurisdiccional de la UE ha ido ampliando los
poderes del juez civil en los procesos entre consumidores y profesionales. Todos
los ciudadanos, a entender del TJUE, —en cuanto que potenciales consumidores—
estamos interesados en la desaparición de las cláusulas abusivas; una manera
adecuada de luchar contra ellas es permitir al juez que incluso de oficio pueda
decretar su invalidez garantizando así el principio de efectividad de la protección que
la norma europea dispensa.

4
El juez que plantea la cuestión prejudicial alega que con arreglo al artículo 400 de la Ley de Enjuiciamiento
Civil al demandante no se le concedería ni siquiera la posibilidad de acudir a un proceso posterior en el que
presentara una nueva demanda para hacer valer pretensiones que hubiesen podido deducirse, cuando menos
con carácter subsidiario, en un primer procedimiento, puesto que en virtud de la cosa juzgada dicha demanda
resultaría inadmisible. Es decir, que finalizado el proceso relativo a la resolución del contrato no podría iniciar-
se uno nuevo solicitando la rebaja del precio y ello porque, al haberse podido interponer esta pretensión, al
menos de manera subsidiaria, en el primer procedimiento, quedaría cubierta por la cosa juzgada.
Debe advertirse, como ya ha hecho parte de la doctrina, que es, cuanto menos, discutible que el no ejercicio
en un proceso de una pretensión subsidiaria impida su ejercicio posterior por quedar cubierto por la cosa
juzgada. El artículo 400 LEC obliga a alegar los distintos hechos o fundamentos o títulos jurídicos en que se
base lo que se pide en la demanda pero no se refiere a la necesidad de alegar las distintas pretensiones
(CORDÓN MORENO, F., “La posibilidad de que el juez otorgue de oficio una tutela jurisdiccional no pedida por
el consumidor (STJUE de 3 de octubre de 2013)”, en <www.uclm.es/centro/cesco>, 29 de octubre de 2013;
CALDERÓN CUADRADO, M. P., “Derechos, proceso y crisis de la justicia”, Discurso de ingreso en la Real
Academia Valenciana de Jurisprudencia y Legislación. Cuaderno núm. 85, 2014.

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De esta manera, y aunque el vicio no sea alegado por el consumidor, puede ser
tenido en cuenta por el juez de oficio y en cualquier momento: al admitir la demanda,
posteriormente aunque haya precluido el momento para hacerlo, incluso al conocer
de los recursos. También el juez de la ejecución —y fíjense que la función del juez
ejecutor es bien distinta a la de decir el derecho— podría hacerlo. Aunque nos parece
que puede aceptarse que en algún momento de la declaración el juez de oficio revise
el carácter abusivo de una cláusula, desde luego, y a pesar de la existencia de
ese interés público, que el juez que ejecuta pueda realizar ese control, cuando ni
siquiera ha sido alegado el carácter abusivo de la cláusula durante el procedimiento
declarativo, nos parece más que discutible.
Con todo, la última de las sentencias da un salto cualitativo en cuanto a la
ampliación de los poderes del juez civil. Ya no se trata solo de conceder la facultad de
apreciar de oficio hechos impeditivos o extintivos —tengamos en cuenta que, en los
supuestos a los que se refieren las sentencias que se pronuncian sobre el control de
las cláusulas abusivas, hay una tutela jurisdiccional pedida por la parte y al juez se le
atribuye el control de oficio de los hechos impeditivos o extintivos para la concesión
o no de dicha tutela—, sino de introducir una tutela nueva no pedida por la parte. Es
evidente, entonces que el principio de justicia rogada se desvanece, o lo que es lo
mismo, el principio dispositivo base del proceso civil queda anulado y además, en
un supuesto en el que ni siquiera se advierte la existencia de un interés público, al
menos desde nuestro punto de vista.
Nos parece, en consecuencia, que si el propio juez puede introducir en el proceso
la tutela a conceder, si puede otorgar algo ni siquiera pedido por la parte, su posición
se aleja de ese punto neutro de tercero imparcial para acercarse peligrosamente a la
condición de parte. No parece descabellado concluir que, en cierta manera, el tribunal
está supliendo la inoperancia o, incluso, la falta de diligencia de la parte (o, mejor,
de su abogado) y ello se hace, qué duda cabe, en detrimento de la parte contraria.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

PARDO IRANZO, Virginia. La imparcialidad y los poderes del juez según el Tribunal
de Justicia de la Unión Europea. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro,
Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 505-513, abr./jun. 2015.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 90, p. 505-513, abr./jun. 2015 513
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