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REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL - RBDPro

ano 20 . n. 78 . abril/junho 2012 - Publicação trimestral


78
ISSN 0100-2589

Revista Brasileira de
DiReito PRocessual RBDPro 78
Revista Brasileira de
DiReito PRocessual

Artigos Revista Brasileira de RBDPro

Revista Brasileira de DIREITO PROCESSUAL


O mais completo, exclusivo, moderno,
dinâmico e atualizado conteúdo jurídico
• Acervo completo com o conteúdo de
Aplicação do Direito objetivo e tutela de direitos subjetivos nas ações transindividuais e homogeneizantes
José Maria Tesheiner
DiReito PRocessual Adormecida por aproximadamente 16 anos,
todos os periódicos publicados pela
a tradicional Revista Brasileira de Direito Processual
Editora Fórum

RBDPro
Fórmula de problematização do discurso em Popper e teoria processual da democracia – RBDPro renasce. Inicialmente produzida no seio
• Atualização permanente Andréa Alves de Almeida da cidade de Uberaba, MG, pela Editora Vitória, e,
• Nova e exclusiva ferramenta de acesso
depois, editada, por muitos anos, pela Forense,
às informações The Electronic Judicial Proceeding in Brazil – Brunela Vieira de Vincenzi, Luiza Saito Sampaio agora, nesta novíssima fase, a empreitada é
• Todos os periódicos publicados e
assumida pela entusiasta equipe da Editora Fórum.
atualizados pela Editora Fórum em formato O conceito de sentença no Novo Código de Processo Civil e suas implicações no processo de
E a novidade surge em boa hora. Afinal,
digital, disponíveis sempre que necessário execução – O acerto do Projeto nº 8.046/10 – Rafael de Oliveira Guimarães
as mudanças na legislação processual são uma
• Atualização com elevado padrão científico
• Informação de valor, atualizada e precisa Aplicabilidade da multa do art. 475-J do CPC condicionada à espécie de liquidação exigida pela sentença
DoutRiNa e ReseNHas constante. Na busca de maiores celeridade e efe-
tividade, as alterações legislativas assumem a
• Leitura em dispositivos móveis* condenatória – Maurício Zandoná dianteira e obrigam o jurista a revisitar institutos
• Autores renomados
e conceitos, muitos dos quais já se tinham por
• Conteúdos exclusivos Repensando a (in)constitucionalidade da penhora online – Vanessa Bezerra Maneschy
consolidados, para, se necessário, conferir-lhes
• Geração de PDF
um novo colorido, mais adequado aos novos
(Neo)Processualismo e (Neo)CPC – Reflexões sobre a nova interpretação processual
* Consulte-nos sobre suportes compatíveis tempos. À doutrina e aos veículos editoriais res-
Rafael José Nadim de Lazari
ponsáveis por sua divulgação atribui-se respon-
PERIÓDICOS Liquidação de títulos executivos extrajudiciais – Rodrigo Ramina de Lucca sabilidade inquestionável nesse propósito.
É diante desse cenário de transformações
• Interesse Público – IP que a RBDPro ressurge. Sua aparência encontra-
• Fórum Administrativo – FA A aplicabilidade da multa por litigância de má-fé aos advogados atuantes no processo
Gabriel Freitas Maciel Garcia de Carvalho se renovada, mas seus propósitos, seus objetivos
• Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP
• Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA permanecem os mesmos que levaram à sua
• Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT Ius postulandi na Justiça do Trabalho – Acesso à justiça ou injustiça? – Lícia Bonesi Jardim criação, quando dirigida pelos notáveis Edson

RBDPro
• A&C – Revista de Direito Administrativo Prata e Ronaldo Cunha Campos. Enfim, o que se
& Constitucional O momento do interrogatório do réu na Lei de Tóxicos sob a perspectiva da garantia fundamental pretende é proporcionar um espaço, de alcance
• Revista Brasileira de Direito Municipal – RBDM da ampla defesa – Alcenir José Demo, Carlos Henrique Bezerra Leite nacional e internacional, apto a fomentar o debate
• Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro científico e a contribuir com o desenvolvimento
• Revista Brasileira de Direito Público – RBDP Resenhas da ciência processual, mediante a difusão de
• Revista Brasileira de Estudos
Constitucionais – RBEC ideias inovadoras e de qualidade comprovada.
• Revista de Direito Público da Economia – RDPE FONSECA, João Francisco Naves da. Exame dos fatos nos recursos extraordinário e especial. São Paulo:
• Revista de Direito de Informática e Saraiva 2012 – Eduardo Henrique de Oliveira Yoshikawa E-mail para remessa de artigos, pareceres e
Telecomunicações – RDIT contribuições: editorial@rbdpro.com.br
• Revista de Direito do Terceiro Setor – RDTS MARTINS, Sandro Gilbert. Processo, procedimento e ato processual: o plano da eficácia. Rio de Janeiro:

ano 20 . abr./jun. 2012


• Revista Brasileira de Direito Eleitoral – RBDE Elsevier, 2012 – Pedro Henrique Pedrosa Nogueira
• Atualidades Jurídicas – Revista do Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ROQUE, Andre Vasconcelos; DUARTE, Francisco Carlos. Mandado de segurança: comentários à Lei 12.016/09.
• Revista de Direito Empresarial – RDE Curitiba: Juruá, 2011 – Zulmar Duarte de Oliveira Junior
• Revista Brasileira de Infraestrutura – RBINF
• Revista Brasileira de Estudos da Função Pública –
RBEFP
• Revista Fórum Trabalhista – RFT Assinaturas
• Revista do Instituto de Hermenêutica
Jurídica – RIHJ 0800 704 3737
(31) 2121-4949

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REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL – RBDPro
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Conselho Editorial
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Maria Elizabeth de Castro Lopes
Chedid Georges Abdulmassih João Batista Lopes Mariângela Guerreiro Milhoranza
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Daniel Mitidiero Jorge Henrique Mattar Petrônio Calmon Filho
Darci Guimarães Ribeiro José Alfredo de Oliveira Baracho (in memoriam) Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias
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R454 Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro. ano 15,


n. 59, jul./set. 2007. Belo Horizonte: Fórum, 2007.

Trimestral
ISSN 0100-2589

Publicada do n. 1, jan./mar. 1975 ao n. 14, abr./jun.1978
pela Vitória Artes Gráfica, Uberaba/MG.
Publicada do n. 15, jul./set. 1978 ao n. 58, abr./jun. 1988
pela Editora Forense, Rio de Janeiro/RJ.
Publicação interrompida em 1988 e retomada pela
Editora Fórum em 2007.
1. Direito processual. I. Fórum.
CDD: 347.8 CDU: 347.9

© 2012 Editora Fórum Ltda.


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Luís Cláudio Rodrigues Ferreira


Presidente e Editor
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Distribuída em todo o Território Nacional Bibliotecários: Fábio Jaderson Miguel Reis - CRB 3025P - 6ª Região
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Os conceitos e opiniões expressas nos trabalhos assinados
são de responsabilidade exclusiva de seus autores.
Sumário

Editorial ..........................................................................................................................................................7

DOUTRINA
Artigos

Aplicação do Direito objetivo e tutela de direitos subjetivos nas ações transindividuais


e homogeneizantes
José Maria Tesheiner.....................................................................................................................................................13
Introdução...................................................................................................................................... 13
1 Indivisibilidade dos interesses difusos e coletivos stricto sensu................................ 15
2 Interesses difusos e aplicação do Direito objetivo........................................................... 16
3 Direitos subjetivos de grupos, categorias ou classes de pessoas............................... 18
4 Divisibilidade dos direitos individuais homogêneos...................................................... 19
5 Ações individuais com eficácia reflexa coletiva................................................................ 20
6 Relevância do pedido para a qualificação........................................................................... 21
7 Função pública e presentação................................................................................................. 22
8 Substituição processual............................................................................................................. 22
9 Interesses que não são direitos............................................................................................... 27

Fórmula de problematização do discurso em Popper e teoria processual


da democracia
Andréa Alves de Almeida............................................................................................................................................29
1 Problematização do discurso e conhecimento................................................................. 29
2 Posição epistemológica e democracia................................................................................. 35
3 Transposição da falibilidade discursiva em Popper para a teoria processual
da democracia............................................................................................................................... 37
4 Conclusão....................................................................................................................................... 42
Referências..................................................................................................................................... 43

The Electronic Judicial Proceeding in Brazil


Brunela Vieira de Vincenzi, Luiza Saito Sampaio............................................................................................45
I Introduction................................................................................................................................... 46
II A brief historical overview – How Brazilian legislation introduced information
technology communication in judicial proceedings...................................................... 48
III The Brazilian Digital Procedural Law..................................................................................... 50
IV Technology and its benefits..................................................................................................... 51
V Technology and its difficulties................................................................................................. 51
VI Concluding remarks.................................................................................................................... 52

O conceito de sentença no Novo Código de Processo Civil e suas implicações no


processo de execução – O acerto do Projeto nº 8.046/10
Rafael de Oliveira Guimarães....................................................................................................................................55
1 Considerações iniciais................................................................................................................. 56
2 Breves reflexões acerca de mérito da ação......................................................................... 56
3 O mérito nos processos de conhecimento, executivo e cautelar............................... 57
4 Dos provimentos meritórios que transitam em julgado............................................... 60
4.1 Do trânsito em julgado das sentenças de processo de conhecimento.................... 60
4.2 Do trânsito em julgado das sentenças de processo de conhecimento
no processo de execução.......................................................................................................... 61
4.3 Do trânsito em julgado das sentenças de processo de execução.............................. 64
4.4 Do trânsito em julgado das decisões cautelares.............................................................. 66
4.5 Do trânsito em julgado das sentenças de processo de conhecimento no
processo cautelar......................................................................................................................... 67
5 Dos pronunciamentos judiciais de acordo com a sistemática vigente.................... 68
5.1 Os despachos judiciais............................................................................................................... 68
5.2 A distinção entre decisão interlocutória e sentença na sistemática vigente......... 71
6 Da natureza do art. 795 do CPC vigente e do art. 880 do Novo CPC –
O pronunciamento que põe fim à execução...................................................................... 81
7 O conceito de sentença na sistemática do Projeto n° 8.046/10 –
O Novo Código de Processo Civil........................................................................................... 84
8 Conclusões..................................................................................................................................... 87
Referências..................................................................................................................................... 89

Aplicabilidade da multa do art. 475-J do CPC condicionada à espécie de liquidação


exigida pela sentença condenatória
Maurício Zandoná..........................................................................................................................................................93
1 Introdução...................................................................................................................................... 94
2 Exigibilidade da sentença condenatória e sua liquidação............................................ 95
3 Cumprimento voluntário e execução de sentença.......................................................... 99
4 Natureza jurídica da multa do art. 475-J do CPC............................................................101
5 Momento processual de incidência da multa.................................................................103
6 Conclusão.....................................................................................................................................105
Referências...................................................................................................................................107

Repensando a (in)constitucionalidade da penhora online


Vanessa Bezerra Maneschy .................................................................................................................................... 109
1 Considerações iniciais .............................................................................................................109
2 Penhora “genérica” x penhora online .................................................................................110
3 Procedimento da penhora online .......................................................................................112
4 Princípios ofendidos com o advento da penhora online............................................113
4.1 Princípio da menor onerosidade ao executado .............................................................113
4.2 Princípio da legalidade ............................................................................................................116
4.3 Princípio da segurança jurídica ............................................................................................117
4.4 Princípio da inviolabilidade de dados pessoais .............................................................119
4.5 Princípio da isonomia ..............................................................................................................119
5 Considerações finais..................................................................................................................120
Referências...................................................................................................................................122

(Neo)Processualismo e (Neo)CPC – Reflexões sobre a nova interpretação processual


Rafael José Nadim de Lazari................................................................................................................................... 123
1 Linhas preliminares e metodológicas.................................................................................123
2 O neoprocessualismo no Brasil.............................................................................................126
3 A iminência de um Novo Código de Processo Civil neoprocessual.........................129
4 A nova interpretação das normas processuais................................................................134
5 Linhas derradeiras......................................................................................................................136
Referências...................................................................................................................................137
Liquidação de títulos executivos extrajudiciais
Rodrigo Ramina de Lucca........................................................................................................................................ 141
1 Introdução....................................................................................................................................141
2 Atributos da obrigação contida no título executivo.....................................................142
2.1 Obrigação certa..........................................................................................................................143
2.2 Obrigação exigível.....................................................................................................................144
3 A liquidez das obrigações contidas nos títulos executivos extrajudiciais.............145
3.1 A utilização de elementos externos ao título para a obtenção de liquidez..........146
4 Liquidação de títulos executivos extrajudiciais..............................................................148
4.1 Liquidação de títulos executivos judiciais.........................................................................149
4.2 O título executivo e os atributos da obrigação nele contida.....................................150
4.3 A injustificável distinção de tratamento entre títulos executivos judiciais
e extrajudiciais............................................................................................................................152
4.4 Títulos executivos extrajudiciais “inexequíveis”..............................................................153
4.5 O processo monitório em caso de obrigação ilíquida..................................................154
4.6 O elevado número de títulos executivos extrajudiciais no ordenamento
jurídico brasileiro........................................................................................................................155
5 Conclusão.....................................................................................................................................156

A aplicabilidade da multa por litigância de má-fé aos advogados atuantes


no processo
Gabriel Freitas Maciel Garcia de Carvalho....................................................................................................... 157
1 Introdução....................................................................................................................................158
2 A litigância de má-fé.................................................................................................................159
3 O dever do Estado de garantir a lealdade no processo................................................165
4 Litigância de má-fé e a atuação do procurador..............................................................169
5 Conclusão.....................................................................................................................................178
Referências...................................................................................................................................179

Ius postulandi na Justiça do Trabalho – Acesso à justiça ou injustiça?


Lícia Bonesi Jardim..................................................................................................................................................... 183
1 Introdução....................................................................................................................................183
2 Ius postulandi das partes no ordenamento jurídico brasileiro, em
especial no processo trabalhista..........................................................................................184
3 Acesso à justiça e ius postulandi das partes – Benefício ou prejuízo?....................191
4 Conclusão.....................................................................................................................................196
Referências...................................................................................................................................197

O momento do interrogatório do réu na Lei de Tóxicos sob a perspectiva da garantia


fundamental da ampla defesa
Alcenir José Demo, Carlos Henrique Bezerra Leite...................................................................................... 199
1 Introdução....................................................................................................................................200
2 Estado, jurisdição e processo – Breves considerações..................................................201
3 O princípio da ampla defesa sob o paradigma do Estado Constitucional
Democrático de Direito............................................................................................................202
4 O momento ideal do interrogatório do acusado no processo diante da
garantia constitucional da ampla defesa .........................................................................209
5 Da (in)constitucionalidade do momento do interrogatório na Lei de Tóxicos,
à luz da garantia da ampla defesa do acusado...............................................................215
6 Considerações finais..................................................................................................................224
Referências...................................................................................................................................226
RESENHAS

FONSECA, João Francisco Naves da. Exame dos fatos nos recursos extraordinário e especial.
São Paulo: Saraiva, 2012
Eduardo Henrique de Oliveira Yoshikawa....................................................................................................... 231

MARTINS, Sandro Gilbert. Processo, procedimento e ato processual: o plano da eficácia.


Rio de Janeiro: Elsevier, 2012
Pedro Henrique Pedrosa Nogueira..................................................................................................................... 237

ROQUE, Andre Vasconcelos; DUARTE, Francisco Carlos. Mandado de segurança:


comentários à Lei 12.016/09. Curitiba: Juruá, 2011
Zulmar Duarte de Oliveira Junior........................................................................................................................ 239

ÍNDICE ............................................................................................................................................................................... 241

INSTRUÇÕES PARA OS AUTORES.............................................................................................................................245


Editorial
Este ano tem sido pródigo na oferta de eventos jurídicos de grande porte,
atinentes ao direito processual, por aqui e no exterior.
Noticie-se, de início, a ocorrência do XXIV Encuentro Internacional del
Instituto Panamericano de Derecho Procesal, em La Plata, Argentina, entre 18 e 20 de
abril. Por lá aportaram estudiosos brasileiros, espanhóis, argentinos, chilenos, peruanos,
paraguaios, uruguaios, porto-riquenhos, colombianos e panamenhos. Destaque espe-
cial há de ser conferido às palestras de Juan Montero Aroca, Adolfo Alvarado Velloso,
Federico Guillermo Domínguez, e também aquelas proferidas pelos brasileiros Glauco
Gumerato Ramos e Flávio Buonaduce Borges.
Já entre 06 e 09 de junho, ocorreram, de maneira conjunta, a I Conferência
Internacional e as XXIII Jornadas Ibero-Americanas. O megaevento, realizado
na cidade de Buenos Aires, foi prestigiado por juristas de diversas partes do pla-
neta, e entre tantas conferências especial atenção refletiu-se sobre aquelas proferi-
das pelos professores, mundialmente conhecidos, Burkhard Hess (Alemanha), Rolf
Stürner (Alemanha), Sergio Chiarloni (Itália), Neil H. Andrews (Inglaterra), Federico
Carpi (Itália), Michele Taruffo (Itália), Manuel Ortells Ramos (Espanha), Ada Pellegrini
Grinover (Brasil), Kazuo Watanabe (Brasil), Samuel Issacharoff (EUA), Yukiko Hasebe
(Japão), Jorge W. Peyrano (Argentina) e Roberto Berizonce (Argentina).
Em 12, 13 e 14 de setembro acontecerá o XXXIII Congresso Colombiano de
Derecho Procesal, em Cartagena, Colômbia — informações no site <www.icdp.org.co/
esp/congreso/index.html> —, hoje, com certeza, o maior evento jurídico da América
Latina, com conferencistas da Espanha, Chile, Peru, Brasil e Argentina. Também, no
mesmo mês, entre os dias 18 e 21, terá lugar o Colóquio de Moscou, na Rússia, orga-
nizado pela Internacional Association of Procedural Law, com a participação de juristas
de 40 (quarenta) países.
No Brasil, realizou-se, entre 26 e 28 de abril, o Congresso Internacional de
Direito Constitucional, em homenagem ao Ministro Gilmar Ferreira Mendes, com
enfoque no tema Jurisdição Constitucional, Democracia e Direitos fundamentais, que
interessou diretamente àqueles que se debruçam no estudo do direito processual. Ali
estiveram renomados constitucionalistas e processualistas, a exemplo dos professores
Eros Roberto Grau, Alexandre Freitas Câmara, Clèmerson Clève, Marcelo Neves, Paulo
Gustavo Gonet Branco, Daniel Sarmento, André Ramos Tavares, Ives Gandra da Silva
Martins, Ingo Sarlet, Peter Häberle (Alemanha), Miguel Carbonell (México), Lenio Streck,
Marcelo Novelino, Fredie Didier Jr. e Luís Roberto Barroso.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 7-10, abr./jun. 2012
8 Editorial

Também prometem as IX Jornadas de Direito Processual, cuja organização


cabe ao prestigiado Instituto Brasileiro de Direito Processual, e que ocorrerá nos dias
29, 30 e 31 de agosto, na cidade do Rio de Janeiro. Com uma programação bastante
versátil — já disponível na internet pelo site <http://www.jornadasibdp.com.br> —,
contará com a participação de renomados processualistas, entre eles Eduardo
Talamini, Nelson Nery Jr., Teresa Arruda Alvim Wambier, Ada Pellegrini Grinover,
Flávio Luiz Yarshell, Sidnei Beneti, Antonio Carlos Marcato, Arruda Alvim, José Roberto
dos Santos Bedaque, Paulo Henrique dos Santos Lucon, Sérgio Shimura, Leonardo
Greco, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, José Roberto Cruz e Tucci, Fredie Didier Jr.,
Humberto Theodoro Jr., Cassio Scarpinella Bueno, Alexandre Freitas Câmara, Petrônio
Calmon, Cândido Rangel Dinamarco, João Batista Lopes, Luiz Fux e José Carlos
Barbosa Moreira.
Por fim, noticie-se a realização do Congresso de Uberaba de Direito Processual
– 6ª edição, a ocorrer nos dias 20 e 21 de setembro, que inclui em sua programação
palestras de variados temas, a serem proferidas por juristas nacionais e estrangeiros.
Já estão confirmados os nomes dos ilustres Professores Humberto Theodoro Jr., Juan
Montero Aroca (Espanha), Adolfo Alvarado Velloso (Argentina), Gustavo Calvinho
(Argentina), Guido Aguila Grados (Peru), Flávio Yarshell, José Roberto dos Santos
Bedaque, Sebastião de Oliveira Castro Filho, Carlos Henrique Bezerra Leite, Ronaldo
Brêtas de Carvalho Dias, Rosemiro Pereira Leal, Daniel Amorim Assumpção Neves,
Dierle Nunes, Luiz Eduardo Ribeiro Mourão, Eduardo José da Fonseca Costa, Glauco
Gumerato Ramos, José Herval Sampaio Júnior, Dhenis Cruz Madeira e Humberto Dalla.
No que tange à edição da RBDPro que ora se apresenta, abaixo estão as sinopses
do material doutrinário nela disponibilizado:
1 Aplicação do Direito objetivo e tutela de direitos subjetivos nas ações transindivi-
duais e homogeneizantes: José Maria Tesheiner demonstra que interesses difusos não
são propriamente direitos subjetivos, no sentido próprio da expressão. Ademais, evi-
dencia a distinção entre “presentação” e “substituição processual” a fim de demonstrar
que o papel exercido pelo Ministério Público, ainda quando atua em prol dos direitos
individuais, se ajusta à primeira categoria.
2 Fórmula de problematização do discurso em Popper e teoria processual demo-
crática: Andréa Alves de Almeida mostra que a teoria neoinstitucionalista do processo
(Rosemiro Pereira Leal), ao transpor e desenvolver a teoria epistemológica de Popper
(racionalismo crítico eliminacionista) para a ciência jurídica, esclarece o contraditório,
a ampla defesa e a isonomia como referentes lógico-jurídicos de problematização
qualificadora da Constituição democrática.
3 The Eletronic Judicial Proceeding in Brazil: Brunela Vieira de Vincenzi e Luiza Saito
Sampaio trazem apontamentos sobre como o sistema judiciário brasileiro tem enfrentado

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 7-10, abr./jun. 2012
Editorial 9

sérios problemas em termos de eficiência e efetividade, sobretudo em razão da morosi-


dade crítica para a obtenção de uma decisão final. Evidenciam a adoção de importantes
iniciativas visando reduzir a lentidão associada a procedimentos burocráticos e pontuam
que a informatização é cada vez mais uma realidade viva no cotidiano dos operadores
jurídicos brasileiros. Tratam, ato contínuo, daquela que consideram a principal legislação
sobre o tema: a Lei de Informatização do Processo Judicial (Lei nº 11.419/06).
4 O conceito de sentença no Novo Código de Processo Civil e suas implicações no
processo de execução – O acerto do Projeto 8.046/2010: Rafael de Oliveira Guimarães tra-
balha o conceito de sentença com foco na atividade executiva, trazendo interessantes
conclusões alinhadas ao Projeto do Novo Código de Processo Civil.
5 A aplicabilidade da multa do art. 475-J do CPC condicionada à espécie de liqui-
dação exigida pela sentença condenatória: Maurício Zandoná apresenta artigo em que
trata da aplicabilidade da multa do art. 475-J do CPC, pontuando seus posicionamen-
tos sobre diversas problemáticas: (i) a exigibilidade da sentença condenatória; (ii) o
cumprimento voluntário e a execução da sentença; (iii) a natureza jurídica da multa e
o seu momento processual de incidência.
6 Repensando a (in)constitucionalidade da penhora online: Vanessa Bezerra
Maneschy questiona a constitucionalidade da penhora on line, hoje de largo uso na
praxe forense nacional.
7 (Neo)processualismo e (Neo)CPC – Reflexões sobre a nova interpretação proces-
sual: Rafael José Nadim de Lazari discorre sobre a importância do chamado “neopro-
cessualismo” e pontua que o Projeto do Novo Código de Processo Civil intenta adotar
algumas medidas ditas “neoprocessuais”, elencando-as ao longo de seu trabalho.
Também trata do tema inter­pretação processual.
8 Liquidação de títulos executivos extrajudiciais: Rodrigo Ramina de Lucca defende
que o procedimento de liquidação de sentença — usado para converter obrigações
de dar, fazer e não fazer em perdas e danos — deve ser igualmente manejado no pro-
pósito de liquidar títulos executivos extrajudiciais que contêm obrigação ilíquida. Em
sua ótica, os procedimentos monitório e ordinário não são alternativas a tal finalidade.
9 A aplicabilidade da multa por litigância de má-fé aos advogados atuantes no
processo: Gabriel Freitas Maciel Garcia de Carvalho defende exegese que autoriza a
aplicação da multa pela litigância de má-fé também aos advogados.
10 Ius postulandi na Justiça do Trabalho – Acesso à Justiça ou Injustiça?: Lícia
Bonesi Jardim analisa o instituto do ius postulandi no processo do trabalho e o aborda
(i) em seus aspectos gerais; (ii) na sua nova concepção; e (iii) no que toca à injustiça ou
não do direito de postular sem o auxílio de um advogado.
11 O momento do interrogatório do réu na Lei de Tóxicos sob a perspectiva da ga-
rantia fundamental da ampla defesa: Alcenir José Demo e Carlos Henrique Bezerra Leite

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 7-10, abr./jun. 2012
10 Editorial

enfrentam interessante tema e defendem a possibilidade de aplicação da previsão ati-


nente ao interrogatório do réu na Lei nº 11.719/08 também a outros procedimentos,
sobretudo aquele regulado pela Lei de Tóxicos.
Ao fim da edição, são apresentadas algumas resenhas como sugestão de leitura.
Esperamos que a edição esteja ao gosto dos leitores.
Os Diretores

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 7-10, abr./jun. 2012
DOUTRINA
Artigos
Aplicação do Direito objetivo e tutela
de direitos subjetivos nas ações
transindividuais e homogeneizantes
José Maria Tesheiner
Professor de Processo Civil na Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça
do Estado do Rio Grande do Sul.

Resumo: Interesses difusos, indivisíveis, não são direitos subjetivos,


no sentido próprio da expressão, visando às ações correspondentes à
aplicação do Direito objetivo. Há sim, direitos subjetivos de grupos, ca-
tegorias ou classes de pessoas, também indivisíveis, em oposição aos
direitos individuais homogêneos, que são divisíveis. Distinguem-se
“presentação” e substituição processual. O Ministério Público exerce
função de “presentação” mesmo quando atua em prol de direitos indivi-
duais homogêneos.

Palavras-chave: Ação civil pública. Processos coletivos. Interesses difu-


sos. Direitos indivisíveis de grupos. Direitos individuais homogêneos.
Ministério Público.

Sumário: Introdução – 1 Indivisibilidade dos interesses difusos e coletivos


stricto sensu – 2 Interesses difusos e aplicação do Direito objetivo – 3 Direitos
subjetivos de grupos, categorias ou classes de pessoas – 4 Divisibilidade dos
direitos individuais homogêneos – 5 Ações individuais com eficácia reflexa
coletiva – 6 Relevância do pedido para a qualificação – 7 Função pública e
presentação – 8 Substituição processual – 9 Interesses que não são direitos

Introdução
Disse Shakespeare que uma rosa é uma rosa, seja qual for o nome que se lhe dê.
Entretanto, isso não nos livra de explicar a que nos queremos referir, quando
dissemos “rosa”: flor da roseira? Nossa amiga Rosa?
Podemos com alguma facilidade apontar o objeto de nosso estudo: as ações a
que se refere o art. 81, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor,1 isto é,
as ações relativas a interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Mas que nome dar ao conjunto dessas três ações e a cada uma delas?

1
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida
em juízo individualmente, ou a título coletivo.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 13-28, abr./jun. 2012
14 José Maria Tesheiner

“Ação civil pública” é um nome equívoco. Costuma-se denominar de ação civil


pública, por exemplo, a ação proposta pelo Ministério Público em prol de uma criança
determinada2 ou para o fornecimento de remédios a um doente indicado. São ações
individuais. Não são ações transindividuais.
Costuma-se também chamar de “ação civil pública” a proposta pelo Ministério
Público para a proteção de direitos individuais homogêneos. Poder-se-ia concluir então
que ação civil pública é toda ação civil proposta pelo Ministério Público. Mas a própria
Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85), assim denomina a proposta para a proteção
de interesses difusos, seja qual for o seu autor. A expressão indicaria, pois, uma espécie,
e não o gênero. Contra essa solução milita, porém, o fato, de que se chama da ação civil
pública a ação proposta para a proteção de direitos individuais homogêneos, especial-
mente quando proposta pelo Ministério Público.
“Ações coletivas” é outra expressão equívoca, porque utilizada tanto para indicar
o gênero, ou seja, o conjunto das três espécies de ação, como para indicar precipua-
mente as ações relativas a direitos individuais homogêneos.3
Optamos por chamar de “ações transindividuais” as ações relativas a interesses
ou direitos difusos e coletivos stricto sensu, baseando-nos no fato de que a lei aponta
a transindividualidade como característica dessas duas ações, e de “ações homoge-
neizantes” as relativas a direitos individuais homogêneos, que não são coletivas em
sentido estrito, mas visam a dar tratamento igual a direitos individuais controvertidos,
no que tange a alguma questão de fato ou de direito comum.
Destacamos, assim, de um lado, os interesses ou direitos, difusos e coletivos
stricto sensu, que são interesses ou direitos coletivos e, de outro, os direitos individuais
homogêneos, que são direitos individuais.
Além do fundamento legal, nossa opção tem fundamento doutrinário na tese de
Teori Albino Zavascki, que separa, de um lado, a tutela de direitos coletivos (interesses


Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindivi-
duais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstâncias de fato;

II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindivi-
duais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas
entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de
origem comum.
2
“Pacífico no Superior Tribunal de Justiça o entendimento segundo o qual o Ministério Públi-
co possui legitimidade para a defesa, em juízo, via ação civil pública, do direito à saúde (e, em
última instância, do direito à vida) de menor carente” (STJ, 2ª Turma, AgRg nos EDcl no REsp
nº 1.075.839, Min. Mauro Campbel Marques, relator, j. 04.05.2010).
3
Sobre o tema, ver: SAVIO, Manuela Pereira. Ação civil pública e ação coletiva: problema
terminológico. Disponível em: <http://www.processoscoletivos.net/ve_artigo.asp?id=11>.
Acesso em: 06 nov. 2011.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 13-28, abr./jun. 2012
Aplicação do Direito objetivo e tutela de direitos subjetivos nas ações transindividuais e homogeneizantes 15
difusos e coletivos stricto sensu) e, de outro, a tutela coletiva de direitos (direitos indivi-
duais homogêneos).4 A ideia fundamental é a de que direitos individuais homogêneos
são direitos individuais5 (contra: Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.).
Atendendo, porém, ao uso, não deixamos de chamar de ação civil pública a pro-
posta pelo Ministério Público para fornecimento de medicamentos, por exemplo, a um
menor, embora se trate, aí, de ação individual.
Por igual razão, eventualmente utilizamos as expressões “ação civil pública” e
“ações coletivas” como gênero, a indicar as que visam à tutela de interesses ou direitos
difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos, especialmente nas citações
diretas e indiretas de obras de outros autores e de acórdãos.

1 Indivisibilidade dos interesses difusos e coletivos stricto


sensu
Interesses ou direitos difusos e coletivos stricto sensu são indivisíveis. Não podem
ser gozados ou apropriados individualmente. Direitos individuais homogêneos são
divi­síveis, cabendo a cada integrante do grupo, categoria ou classe a parcela que lhe é
própria. Interesses ou direitos coletivos stricto sensu não podem ser reivindicados senão
coletivamente; direitos individuais homogêneos podem ser objeto de ações individuais.
O caso mais claro de interesse difuso é o relativo ao meio ambiente.
Também constitui direito difuso a livre concorrência, podendo a ação corres-
pondente ser proposta pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômico (CADE),
autarquia federal.6
Constituem exemplo de interesses difusos, em sede trabalhista, diz Carlos
Henrique Bezerra Leite,

as contratações irregulares (ausência de concurso público) de servidores


públicos celetistas. Em tais casos, há nítida lesão aos interesses dos po-

4
ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de
direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
5
A tutela dos direitos individuais homogêneos “não se restringe aos direitos individuais das
vítimas. Vai além, tutelando a coletividade mesmo quando os titulares dos direitos individuais
não se habilitarem em número compatível com a gravidade do dano, com a reversão dos
valores ao FDD. Assim, não se pode continuar afirmando serem esses direitos estruturalmente
direitos individuais, sua função é notavelmente mais ampla. Ao contrário do que se afirma
com foros de obviedade, não se trata de direitos acidentalmente coletivos, mas de direitos
coletivizados pelo ordenamento para os fins de obter a tutela jurisdicional constitucional-
mente adequada e integral” (DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes. Curso de direito
processual civil: processo coletivo. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2010. v. 4, p. 81).
6
PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Tutela coletiva da livre concorrência. Revista de Direito
do Consumidor, v. 49, p. 11, jan. 2004.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 13-28, abr./jun. 2012
16 José Maria Tesheiner

tenciais postulantes (sujeitos indeterminados ligados por relação fática


e momentânea) aos empregos públicos irregularmente preenchidos,
assim como há, também, violação aos princípios constitucionais (objeto
indivisível) da legalidade e da moralidade, sendo este último difuso por
natureza.7

No caso de pedido de indenização, o fim que se lhe pretende dar (recolhimento


a um Fundo ou distribuição entre os prejudicados, determina a natureza da ação cor-
respondente (ação transindividual ou ação homogeneizante). Se o valor pago a título
de dano moral destina-se a ser distribuído entre os prejudicados, a hipótese não é de
dano moral coletivo, podendo configurar bis in idem (dupla condenação por dano moral
individual). Contra: Guilherme Guimarães Feliciano.8

2 Interesses difusos e aplicação do Direito objetivo


A tutela jurisdicional de interesses difusos é mais bem definida como aplicação
(às vezes, criação) do Direito objetivo, abrindo-se mão de qualquer ideia de subjetivação.
Trata-se de bens protegidos pelo Direito, nada importando no interesse de quem.
O Direito protege os animais; nem por isso devemos pensar em direitos sub-
jetivos dos animais. O Direito protege as florestas; nem por isso devemos pensar em
legitimação para a causa das florestas.
Só os homens são titulares de direitos subjetivos, porque só eles, dotados de
razão e de vontade, podem ter sua conduta regulada pelo Direito.
O Direito protege as futuras gerações que, por inexistentes, não podem ser havidas
como titulares de direitos; nem por isso por elas se desinteressa o Direito.
É irrelevante a indicação dos interessados, quando se trata de aplicação (eventual­
mente, de criação) do Direito objetivo, pois, como observa Mazzilli, há interesses difusos

a) tão abrangentes que chegam a coincidir com o interesse público


(como o do meio ambiente como um todo); b) menos abrangentes que

7
LEITE, Carlos Henrique. Tendências do direito processual do trabalho e a tutela dos interesses
metaindividuais. Revista de Direito do Trabalho, v. 105, p. 24, jan. 2002.
8
“A reversão aos fundos é o único equacionamento possível quando se trata de salvaguardar
interesses difusos ou coletivos stricto sensu, nos quais a titularidade é sempre indeterminada.
Já no caso das ações civis coletivas em matéria trabalhista (interesses individuais homogêneos),
parece-nos mais apropriado que as indenizações pelos danos morais coletivos revertam em
favor das pessoas prejudicadas (os trabalhadores), mediante distribuição proporcional que
observe, em sede de liquidação, as necessidades e/ou os danos sofridos por cada titular
determinado. Não tem sido este, porém, o entendimento dominante” (FELICIANO, Guilherme
Guimarães. Tutela processual dos direitos humanos nas relações de trabalho. Revista de Direito
do Trabalho, v. 121, p. 59, jan. 2006).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 13-28, abr./jun. 2012
Aplicação do Direito objetivo e tutela de direitos subjetivos nas ações transindividuais e homogeneizantes 17
o interesse público, por dizerem respeito a um grupo disperso, mas que
não chegam a confundir-se com o interesse geral da coletividade (como
o dos consumidores de um produto); c) em conflito com o interesse da
coletividade como um todo (como os interesses dos trabalhadores na
indústria do tabaco); d) em conflito com o interesse do Estado, enquan-
to pessoa jurídica (como o interesse dos contribuintes); e) atinentes a
grupos que mantêm conflitos entre si (interesses transindividuais reci-
procamente conflitantes, como os dos que desfrutam do conforto dos
aeroportos urbanos, ou da animação dos chamados trios elétricos car-
navalescos, em oposição aos interesses dos que se sentem prejudicados
pela correspondente poluição sonora).9

Observa Arruda Alvim que

A ação civil pública nasceu para proteger novos bens jurídicos, referin-
do-se a uma nova pauta de bens ou valores, marcados pelas caracterís-
ticas do que veio a ser denominado de interesses e direitos difusos ou
coletivos, dos quais se pode dizer, serem profundamente diferentes ou
“opostas” às da categoria clássica dos direitos subjetivos, que marcaram
o direito privado e o processo civil tradicional.10

“A idéia central do Direito subjetivo”— diz o autor — “é a sua rigorosa indivi-


duação e atribuição de poder subjetivo a uma pessoa ou ente jurídico, em si mesmo e
em relação à titularidade, o que se projetou no Código de Processo Civil, encontrando o
direito subjetivo sua longa manus no art. 6º desse diploma, marcadamente individualista”.
O direito subjetivo é um poder de vontade conferido a alguém ou um interesse
individual juridicamente protegido. Não há tutela de direitos subjetivos, mas aplica-
ção do Direito objetivo quando se protegem florestas e animais em prol das gerações
futuras. Não se diga que se trata de direitos subjetivos das florestas ou dos animais
ou de gerações ainda inexistentes. Isso não faz sentido. Basta dizer-se que se trata de
aplicação do Direito objetivo.
Álvaro Luiz Valery Mirra e Édis Milaré já assinalaram que a ação civil pública
não se funda em direito subjetivo: “A ação civil pública rompe com esse princípio tra-
dicional, tendo natureza especialíssima: não é direito subjetivo, mas direito atribuído

9
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor,
patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 53-54.
10
ALVIM, Arruda. Ação civil pública: sua evolução normativa significou crescimento em prol da
proteção às situações coletivas. In: ASSIS, Araken de et al. (Org.). Processo coletivo e outros
temas de direito processual: homenagem: 50 anos de docência do Professor José Maria Rosa
Tesheiner, 30 anos de docência do Professor Sérgio Gilberto Porto. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2012.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 13-28, abr./jun. 2012
18 José Maria Tesheiner

a entes públicos e privados para a tutela de interesses não individuais stricto sensu”.11
Complementa-se essa observação, com a afirmação de que se trata de ação que visa à
aplicação do Direito objetivo, proposta por entes públicos e privados que assim exer-
cem função pública.
Filiamo-nos, assim, à teoria clássica, que afirma a existência de direito subje­
tivo somente quando há interesse juridicamente protegido de um sujeito passível de
deter­minação.
Sem adotar essa posição, explica Antônio Lenza que “a doutrina clássica (...)
prefe­re utilizar a terminologia direito somente quando a titularidade do interesse juri-
dicamente protegido pertencer a um sujeito perfeitamente determinável”.12
O entendimento contrário, de Antonio Gidi,13 que é também o da legislação,
afirmando a existência de direitos subjetivos da titularidade de “pessoas indetermina-
das e ligadas por circunstâncias de fato”,14 não é errado, já que resulta de uma opção
terminológica, mas constitui indevida transposição, para o âmbito dos processos cole-
tivos e serve antes para obscurecer o fenômeno de que as ações relativas a interesses
difusos visam à aplicação do Direito objetivo, e não à tutela de supostos direitos indi-
viduais. Reflete o preconceito de que o Poder Judiciário somente poderia atuar para
a tutela de direitos subjetivos, impondo-se a ampliação desse conceito para justificar
sua atuação em prol de interesses difusos.

3 Direitos subjetivos de grupos, categorias ou classes de


pessoas
No caso de interesses ou direitos coletivos stricto sensu, cabe, sim, apontar para
a titularidade do interesse ou do direito: um grupo, categoria ou classe de pessoas
ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.

11
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. 7. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011. p. 1409.
12
LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2005. p. 47.
MORAIS, Jose Luis Bolzan de. Do direito social aos interesses transindividuais: o Estado e o
direito na ordem contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. p. 109.
13
GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995.
p. 17-18.
14
Código de Defesa do Consumidor, art. 81, parágrafo único:
“A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os
transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e
ligadas por circunstâncias de fato;”

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 13-28, abr./jun. 2012
Aplicação do Direito objetivo e tutela de direitos subjetivos nas ações transindividuais e homogeneizantes 19
José Carlos Barbosa Moreira aponta como exemplo os interesses de um
condomí­nio, composto por uma coletividade determinada, unida pelo vínculo de
copro­priedade de um imóvel.15
Outro exemplo é o de uma categoria de trabalhadores que, por seu sindicato,
pleiteia uma revisão geral de salários (dissídio coletivo de natureza econômica). Trata-se
de um interesse que se transforma em direito da categoria, se acolhido o pedido.
“Em sede trabalhista”, diz Carlos Henrique Bezerra Leite, “o interesse coletivo stric-
to sensu é revelado historicamente pelo conceito de categoria. Exemplos: o piso salarial
da categoria; a realização de exames médicos admissionais, periódicos e demissionais; a
eliminação e redução de insalubridade ou periculosidade no âmbito da empresa etc.”16
O direito de greve é um direito coletivo. Não há greve de um homem só, assim,
como não há exército de um homem só. A paralisação do trabalho por um só trabalha-
dor, em defesa de sua saúde e de sua segurança pode caracterizar-se como direito de
resistência individual.17

4 Divisibilidade dos direitos individuais homogêneos


Os direitos individuais homogêneos (aqui, não cabe falar em “interesses”) são
direitos individuais, motivo por que podem ser objeto de ações individuais.
Se um sindicato pede a condenação do réu no pagamento de uma quantia em
dinheiro a ser recolhida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, a hipótese é de interesse
(ou direito) coletivo stricto sensu. Se o sindicato pede a condenação do réu no paga-
mento da mesma quantia em dinheiro, para ser dividida entre os trabalhadores, trata-se
de direitos individuais homogêneos.
Em algumas circunstâncias, a caracterização de um direito como individual ou
coletivo pode depender da interpretação que se dê ao direito correspondente. Assim, o
pedido de anulação de uma cláusula contratual relativa a um consórcio para a aquisição
de algum bem móvel ou imóvel dirá respeito a um direito coletivo do grupo consórtil,
somente se adotado o entendimento de que a cláusula deverá ser válida ou inválida
para todos (critério da indivisibilidade). Em nosso atual sistema jurídico, ainda marca-
damente individualista, nada impede que uma cláusula seja declarada válida em uma
ação homogeneizante e nula, em ações individuais.

15
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ação popular do direito brasileiro como instrumento de tutela
jurisdicional dos chamados interesses difusos. In: MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de
direito processual. São Paulo: Saraiva, 1977.
16
LEITE, Carlos Henrique. Tendências do direito processual do trabalho e a tutela dos interesses
metaindividuais. Revista de Direito do Trabalho, n. 105, p. 24, jan. 2002.
17
Sobre o tema: AIRES, Mariella Carvalho de Farias. Direito de greve ambiental no ordenamento
jurídico brasileiro. Revista de Direito do Trabalho, n. 129, p. 147, jan. 2008.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 13-28, abr./jun. 2012
20 José Maria Tesheiner

5 Ações individuais com eficácia reflexa coletiva


Em algumas circunstâncias, a sentença (não a coisa julgada) pode beneficiar
terceiros, como observa Ada Pellegrini Grinover:

…é certo também que, por intermédio de uma demanda individual,


podem ser protegidos direitos e interesses coletivos lato sensu.
Veja-se o seguinte exemplo: numa demanda individual, o autor pede à
autoridade pública a interdição de um local noturno, vizinho à sua resi-
dência, que infringe o direito ao silêncio, tutelado pela lei. Trata-se de uma
demanda individual, mas de efeitos coletivos, porquanto a interdição — ou
não — do local vai ter efeitos sobre todos os membros da comunidade que
vive na vizinhança. A ação individual serviu para a tutela de um direito difuso.18

Outros casos são apontados por Kazuo Watanabe, como a ação do sócio para anu-
lar deliberação de assembleia geral, a de qualquer do povo para fazer cessar poluição
gerada por determinada indústria e a dos usuários de serviços telefônicos impugnando
tarifas de assinatura.
Com referência às últimas, informa Watanabe que num só Juizado Especial Cível
da capital de São Paulo foram distribuídas mais de 30.000 demandas dessa espécie,
concluindo que, pela natureza unitária e incindível e pelas peculiaridades do contrato
de concessão, qualquer modificação na estrutura de tarifas, inclusive por decisão do
Judiciário, somente poderá ser feita de modo global e uniforme para todos os usuários.
Jamais de forma individual e diversificada, com exclusão de uma tarifa em relação apenas
a alguns usuários e sua manutenção em relação aos demais.19
São, diz Watanabe, “ações pseudoindividuais”.
Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti discordam, afirmando a existência, no caso, de
direito e ação individuais,20 o que nos parece mais correto.
Para efeito de raciocínio, tomamos como hipótese paradigmática a ação de sócio
para anular deliberação de assembleia geral.
No sistema tradicional das ações individuais, chega-se a um resultado paradoxal:
julgado procedente o pedido, a sentença, por efeito reflexo, atinge todos os sócios,
inclusive os interessados na declaração de validade da deliberação; julgado improcedente,
a eficácia da sentença é restrita ao autor, podendo, pois, outros sócios, propor outra ação,

18
GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle de políticas públicas pelo poder judiciário. Revista de
Direito Bancário e do Mercado de Capitais, n. 42, p. 11, out. 2008.
19
WATANABE, Kazuo. Relação entre demanda coletiva e demandas individuais. Revista de
Processo, São Paulo, n. 139, p. 29-35, 2006.
20
DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes. Curso de direito processual civil: Processo
Coletivo. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2010. v. 4, p. 93.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 13-28, abr./jun. 2012
Aplicação do Direito objetivo e tutela de direitos subjetivos nas ações transindividuais e homogeneizantes 21
com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir. Em consequência, há coisa julgada
secundum eventus litis, uma aberração, em termos de ações individuais. A solução de
esten­der-se a autoridade da coisa julgada aos demais sócios encontra óbice na regra de
que a sentença faz coisa julgada às partes às quais é dada.
Concebendo-se a hipótese como a de uma ação coletiva, admitindo-se a legiti-
midade de titular de direito individual, como no sistema norte-americano, chega-se a
um resultado igualmente insatisfatório, porque, no sistema vigente, o julgamento de
improcedência não impede ações individuais.
Resultado satisfatório apenas se obteria com o sistema da ação popular: coisa
julgada erga omnes, pro et contra, salvo se julgado improcedente o pedido por insufi-
ciência de provas. Mas, é claro que, na hipótese considerada, não nos encontramos no
âmbito de incidência da ação popular.
A conclusão, pois, é que não temos como obter um resultado razoável, ainda que,
negando a existência de direito individual, qualificássemos como coletiva essa ação.
Parece, pois, indispensável intervenção legislativa, seja para o caso específico
de ações “pseudoindividuais”, seja pela alteração do sistema de nossas ações coletivas,
com legitimidade individual de representante adequado e com formação de coisa jul-
gada pro et contra.

6 Relevância do pedido para a qualificação


É ao pedido que se deve prestar atenção, porque do mesmo fato podem derivar
pretensões de diversa natureza. Assim, o pedido de proibição da produção e comer-
cialização de um produto, porque nocivo, diz respeito a um interesse difuso; o pedido
de indenização a ser paga individualmente aos prejudicados diz respeito a direitos
individuais homogêneos.
O pedido de reajuste de proventos à categoria dos aposentados configura ação
relativa a direitos coletivos stricto sensu; o pedido de pagamento de proventos de apo-
sentadoria aos aposentados, ação relativa a direitos individuais homogêneos.
Observa Nelson Nery Junior:

O que determina a classificação de um direito como difuso, coletivo, indivi-


dual puro ou individual homogêneo é o tipo de tutela jurisdicional que se
pretende quando se propõe a competente ação judicial. Ou seja, o tipo de
pretensão que se deduz em juízo. O mesmo fato pode dar ensejo à pretensão
difusa, coletiva e individual. O acidente com o Bateau Mouche IV, que teve
lugar no Rio de Janeiro no final de 1988, poderia abrir oportunidade para a
propositura de ação individual por uma das vítimas do evento pelos prejuí­
zos que sofreu (direito individual), ação de indenização em favor de todas
as vítimas ajuizada por entidade associativa (direito individual homogê-
neo), ação de obrigação de fazer movida por associação das empresas de
turismo que têm interesse na manutenção da boa imagem desse setor na

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 13-28, abr./jun. 2012
22 José Maria Tesheiner

economia (direito coletivo), bem como ação ajuizada pelo Ministério Pú-
blico, em favor da vida e segurança das pessoas, para que seja interditada
a embarcação a fim de se evitarem novos acidentes (direito difuso). Em
suma, o tipo de pretensão é que classifica um direito ou interesse como
difuso, coletivo ou individual.21

Pode haver cumulação de pedidos de diversa natureza, como o de suspender,


em caráter geral, a cobrança ou o recebimento de mensalidades escolares que conte-
nham parcela indevida (direito coletivo stricto sensu) cumulado com o de devolver os
valores pagos a maior a quem os efetuou (direitos individuais homogêneos).
Essa é uma razão para que, sem forte fundamento legal, não se limite a atuação
dos legitimados aos interesses difusos, aos coletivos stricto sensu, ou aos individuais
homogêneos.

7 Função pública e presentação


O titular da ação relativa a interesses difusos exerce função pública. Não há substi-
tuição processual,22 mas legitimação autônoma, pela simples razão de que, tratando-se
de aplicação (eventualmente, criação), do Direito objetivo, não há “substituídos”.
No caso de interesses ou direitos coletivos stricto sensu, o legitimado ativo, ou
exerce função pública (caso, por exemplo, das ações propostas pelo Ministério Público
do Trabalho, para a tutela do meio ambiente do trabalho), ou “presenta”, o grupo,
categoria ou classe (caso, por exemplo, do sindicato), tanto quanto o diretor de uma
empresa atua, em juízo, como a voz da própria empresa. Não há representação, nem
substituição processual, mas “presentação”.

8 Substituição processual
No âmbito dos processos individuais, são ordinariamente legitimados para a cau-
sa: ativamente aquele que se autoafirma titular de um direito subjetivo e passivamente
aquele que aponta como devedor, no caso de afirmado direito de crédito ou como
sujeito passivo, no caso de afirmação de direito formativo. Excepcionalmente, a Lei
legitima para a causa alguém que não é sujeito da relação material afirmada. É o que
ocorre, por exemplo, no caso de alienação da coisa ou direito litigioso, em que o alienan-
te (autor ou réu) permanece no processo, embora transmitida a coisa ou o direito para o

21
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 4. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1997. p. 114-115.
22
O substituto processual atua em juízo em nome próprio em defesa de alegado direito alheio.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 13-28, abr./jun. 2012
Aplicação do Direito objetivo e tutela de direitos subjetivos nas ações transindividuais e homogeneizantes 23
adquirente. Diz-se, então, no primeiro caso, que a legitimação é ordinária; no segundo,
que extraordinária.
Não é outra a ideia de “substituição processual”: o substituto está em juízo a
defender, em nome próprio, direito que não é seu, mas do substituído.
Há, contudo, quem faça distinção entre legitimação extraordinária e substituição
processual. Álvaro Luiz Valery Mirra, por exemplo, afirma que nem todo caso de legi-
timação extraordinária é substituição processual, embora todo caso de substituição
processual seja legitimação extraordinária. Sustenta que só há substituição processual
nos casos de legitimação extraordinária exclusiva, pois é somente nela que alguém
atua em nome próprio na defesa de direito alheio, excluindo a participação do titular
do direito material, e, portanto, substituindo-o. Não há substituição processual nos
casos de legitimação extraordinária concorrente, casos em que o legitimado extraor-
dinário não exclui o ordinário e vice-versa, porque a simples possibilidade de o legi-
timado ordinário participar do processo já descaracteriza a substituição processual.
Exige, ainda, um vínculo jurídico entre o substituto e o substituído. Assevera que é
ordinária a legitimação do autor, na ação popular, tanto porque legitimados outros a
intervir no feito como litisconsortes como por inexistir vínculo jurídico entre o autor e
a coletividade.23
Mais comumente, legitimação extraordinária e substituição processual são
expressões empregadas como sinônimas.
Diz Alfredo Buzaid:

Coube aos autores alemães, observa Alfredo Buzaid, o mérito de haverem


definido a substituição processual como instituto autônomo, denomi-
nando-o KOHLER PROZESSSTANDRECHT, isto é, o direito de conduzir o
processo em seu próprio nome como parte, discutindo relações jurídicas
alheias; ele é parte e intervém como tal. O que caracteriza a substituição
processual é a cisão entre a titularidade do direito subjetivo e o exercício
da ação judicial. Nos casos ordinários fundem-se numa mesma pessoa o
titular do direito e o titular da ação, ou, em outras palavras, quem move
a ação é geralmente o titular da relação jurídica de direito material. Esta
coincidência denota a legitimidade normal. Quando, porém, a lei autoriza
que pessoa alheia à relação de direito material possa ajuizar a ação que
competiria em princípio àquele, temos uma legitimação anômala, que
recebe o nome de substituição processual.24

23
MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Um estudo sobre a legitimação para agir no direito processual civil:
a legitimação ordinária do autor popular. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 76, n. 618, p. 34,
abr. 1987.
24
BUZAID, Alfredo. Considerações sobre o mandado de segurança coletivo. São Paulo: Saraiva,
1992. p. 63-64.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 13-28, abr./jun. 2012
24 José Maria Tesheiner

Na substituição processual clássica, supõe-se uma conexão entre os interesses


do substituto, isto é, um interesse também do substituto, como no caso da alienação
do direito litigioso, em que o alienante, que permanece no processo como substituto
processual, responde pela evicção. Era também o caso da ação movida pelo marido,
para a defesa dos bens dotais da mulher.25
Antônio Carlos de Araújo Cintra, com base na doutrina italiana, assevera que o
substituto precisa ter um interesse próprio na vitória do substituído. Diz:

…do reconhecimento da legitimação do substituto decorre sua possi-


bilidade de exercer a ação sem anuência do substituído, independente-
mente de sua vontade e até contra sua vontade, tanto mais que sua legi-
timação decorre da circunstância de o substituto postular a tutela de um
interesse alheio, mas visando através deste, a proteção de um interesse
material próprio.26 Esse interesse material do substituto, embora consti-
tua condição indispensável da substituição processual, não é por si só
bastante para legitimá-lo.27 A lei estipula, hipótese por hipótese, os casos
em que a intensidade do interesse secundário (do substituto) merece a
tutela especial de autorizar a substituição processual.28

Também J. J. Calmon de Passos refere a exigência de interesse do substituto:

...somente na substituição processual se defere a alguém o poder de, em


nome próprio, postular direito alheio, isto ocorrendo não em virtude de
incapacidade jurídica ou hipossuficiência econômica do titular do direito,
nem por motivo de outorga negocial de poderes, sim em razão de haver
um interesse juridicamente protegido do substituto que, sem a outorga
legal da legitimação extraordinária, poderia sofrer prejuízo jurídico. Em
nome da economia processual e da segurança dos direitos próprios, a
ordem jurídica defere, como bem situado por Allorio, um modo técnico
de proteção, mediante o exercício da pretensão de outrem apta a refletir,
também em termos de tutela, na esfera jurídica do substituto.29

25
Ver: SANTOS, Alfeu Gomes dos. Aspectos peculiares da substituição processual no direito do
trabalho. Revista Âmbito Jurídico, Rio Grande, RS, n. 79, ago. 2010. Disponível em: <http://www.
ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8174>.
Acesso em: 1º fev. 2012.
26
Cf. GARBAGNATI, op. cit., p. 230; MOSCONE, Cesare. Sostituzione processuale. In: ENCICLOPEDIA
Forense. Milano: Casa Editrice Dr. Francesco Vallardi, 1962.
27
ALLORIO, op. cit., p. 419; ROSENBERG, Leo. Tratado de derecho procesal civil. Tradução de
Angela Romera Vera. Buenos Aires: Jurídicas Europa-América, 1955. v. 1.
28
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Estudo sobre a substituição processual no direito brasileiro.
Revista dos Tribunais, n. 809, p. 743, mar. 2003.
29
PASSOS, J. J. Calmon de. Especificidade das ações coletivas e das decisões de mérito nelas
proferidas. Revista de Direito do Trabalho, v. 123, p. 284, jul. 2006.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 13-28, abr./jun. 2012
Aplicação do Direito objetivo e tutela de direitos subjetivos nas ações transindividuais e homogeneizantes 25
A existência de interesse do substituto é apontada por José Augusto Delgado
interesse do substituído:

Não se pode deixar de se enxergar nos casos excepcionais de substituição


processual a presença de um interesse conexo da parte processual como
da parte material como bem identificou Humberto Theodoro Júnior, em
Processo de Conhecimento, p. 83, Forense. Esse liame é ditado pela norma
positiva, conforme já afirmado no art. 6º, em haver a restrição de só ser
admitida a substituição processual quando a própria lei reconhecer ao
terceiro uma, condição especial para demandar direito alheio.30

Mário Aguiar Moura refere a existência de interesse do substituto processual,


mas não aponta sua existência como requisito para a configuração do instituto. Diz:

Dada essa dissociação da parte em sentido material, que será o substi-


tuído, e a parte em sentido formal ou processual, o substituto, indaga-se
das causas que determinaram o estabelecimento da legitimação extraor-
dinária, denominação que também se atribui à substituição, processual.
Nos casos típicos da admissão legal da substituição, às mais das vezes,
detecta-se interesse do substituto (parte no sentido formal) conexo com
o interesse do substituído (parte em sentido substancial). Todavia, o
interesse que se constitui em núcleo da res in iudicium deducta é o do
substituído. O objeto mediato da ação, o bem da vida pretendido, está
referido tão-somente ao interesse do substituído. O possível interesse
do substituto não repercute diretamente na relação jurídica processual.
Não faz parte do Direito Material deduzido através da pretensão. Se e
quando existe tal interesse, conexo com o do substituído, fica na sombra
ou, é posto entre parênteses no plano processual, porque o substituto
alega unicamente o interesse do substituído, embora o faça em seu pró-
prio nome. Conclui-se que, além de principal, o interesse posto na lide é
unicamente o do substituído.31

Exigido o requisito do interesse do substituto ou o de algum vínculo jurídico


com o substituído, não são casos de substituição processual a ação de nulidade de
casamento proposta pelo Ministério Público (Código Civil, art. 1.549)32 e a ação popular,

30
DELGADO, José Augusto. Substituição processual. Revista de Processo, v. 47, p. 240, jul. 1987.
31
MOURA, Mário Aguiar. Substituição processual. Revista de Processo, v. 47, p. 240, jul. 1987.
32
“Art. 1.548. É nulo o casamento contraído:
I – pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil;
II – por infringência de impedimento.
Art. 1.549. A decretação de nulidade de casamento, pelos motivos previstos no artigo
antecedente, pode ser promovida mediante ação direta, por qualquer interessado, ou pelo
Ministério Público”.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 13-28, abr./jun. 2012
26 José Maria Tesheiner

que são mais propriamente casos de exercício de função pública, voltada primordialmente
à aplicação do Direito objetivo.
Pode-se então dizer que o Ministério Público não é nunca substituto processual,
o que o transformaria numa espécie de advogado gratuito da parte.
Ainda, porém, que não se exija o requisito do interesse para se ter configurada
hipótese de substituição processual, cabe distinguir as hipóteses em que o substituto
age com interesse próprio daqueles em que busca a aplicação do Direito objetivo.
O Ministério Público é “fiscal da Lei”, mesmo quando atua como parte e ainda
que de sua ação possa resultar a satisfação de algum direito individual.
O Ministério Público apresenta-se no processo como órgão do Estado e voz da
sociedade. Ele, mais do que representa, “presenta” a sociedade. É a voz da sociedade
que se faz ouvir no processo.
Nessa linha de pensamento é que se justifica a legitimidade do Ministério
Público, reconhecida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, em ação
proposta pela Procuradoria do Trabalho da mesma região, objetivando a condena-
ção da reclamada “ao integral pagamento das verbas rescisórias (saldo de salários,
aviso prévio, décimo terceiro salário, férias vencidas e proporcionais, acrescidas de
um terço, multa de 40% sobre o saldo do FGTS, multa prevista no art. 477, §8º, da
CLT, pagamento direto aos empregados dos valores concernentes ao FGTS, não efe-
tivados em época própria — art. 18 da Lei nº 8.036/90), devidos a todos os seus em-
pregados que, prestando serviços junto a agências do Banco do Brasil, neste Estado,
tiveram seus contratos de trabalho rescindidos”, bem assim “o salário referente ao
mês de novembro de 1996 e a gratificação natalina, relativa ao mesmo ano, àque-
les empregados que, continuando a prestar serviços à demandada, com atividade
junto ao Banco do Brasil, não receberam tais verbas...” (TRT, 12ª Região, 1ª Turma,
RO nº 5.786/97, Acórdão nº 3.121/98, Dilnei Ângelo Bilésimo, relator, j. 30.03.1998).
No Recurso Especial nº 794.752, o Superior Tribunal de Justiça restabeleceu a
sentença de 1º grau que julgou procedente ação proposta pelo Ministério Público con-
tra instituições financeiras, proibindo-as de cobrar remuneração ou tarifa por boletos,
fichas ou documento bancário equivalente, sob pena de multa diária (matéria que se
enquadra como interesses difusos), desacolhendo, porém, o pedido de devolução, aos
consumidores, dos valores indevidamente cobrados (matéria que se enquadra entre
os direitos individuais homogêneos). Afirmou o acórdão que o requerimento de devo-
lução dos valores indevidamente cobrados tem caráter subjetivo individual, devendo
ser postulado por seus próprios titulares em ações próprias, não se vislumbrando, em
relação a este ponto, o interesse coletivo a ser tutelado (STJ, 16.03.2010, Recurso Especial
nº 794.752, Min. Luís Felipe Salomão, relator, j. 16.03.2010).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 13-28, abr./jun. 2012
Aplicação do Direito objetivo e tutela de direitos subjetivos nas ações transindividuais e homogeneizantes 27
Ora, admitida, como se admitiu no acórdão, a legitimidade do Ministério Público
para a proteção de direitos individuais homogêneos do consumidor, impunha-se a
prolação de sentença genérica, como prevê a lei, para condenar as instituições finan-
ceiras a restituir os valores indevidamente cobrados. Apenas a liquidação e a execução
é que exigiriam iniciativa individual dos prejudicados (CDC, arts. 95 e 97).33
Em ações como essa, ainda que qualificada como relativa a direitos individuais
homogêneos, o Ministério Público exerce função pública, com vistas à aplicação
do Direito objetivo. A consequente tutela de direitos individuais é apenas um sub-
produto. Já se foram os tempos em que a tutela de direitos individuais era sempre
dependente da iniciativa da parte. Em certas situações, como a da existência de muitos
lesados, o Estado, por ação proposta pelo Ministério Público ou por outro legitimado,
impõe a observância da lei e o pagamento aos prejudicados.

9 Interesses que não são direitos


Interesses e direitos não são expressões sinônimas. Direitos subjetivos são inte-
resses (parciais) juridicamente protegidos, isto é, interesses merecedores de proteção
jurisdicional. No plano lógico, supõe-se uma norma pré-existente que, no plano do
Direito objetivo, protege um interesse individual, ou melhor, parcial, porque o interesse
pode ser de um grupo, categoria ou classe de pessoas. Eventualmente, pode existir
um interesse econômico ou moral insuscetível de proteção jurisdicional. Assim, o inte-
resse do credor na integridade do patrimônio do devedor, garantia de seu crédito, de
regra não é levado em conta na ação de reivindicação proposta por terceiro contra o
devedor. Há interesse, não direito, do credor oponível à reivindicação.
Interesses difusos são protegidos pelo Direito, mas não são direitos subjetivos.
As ações correspondentes visam à aplicação do Direito objetivo.
O interesse coletivo de uma categoria profissional na fixação de um piso salarial
mínimo transforma-se em direito da categoria, se acolhido o pedido na ação corres-
pondente. Pode-se, pois, falar em interesses e em direitos coletivos stricto sensu.
Direitos individuais homogêneos são direitos individuais. Nas ações correspon-
dentes, o pedido será rejeitado, se a hipótese for de interesses não protegidos pela
ordem jurídica.

“Art. 95. Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a


33

responsabilidade do réu pelos danos causados.


Art. 96. (Vetado).
Art. 97. A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus
sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82”.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 13-28, abr./jun. 2012
28 José Maria Tesheiner

Temos, pois, interesses difusos, interesses ou direitos coletivos stricto sensu, e


direitos individuais homogêneos.

Class Actions in Brazilian Law

Abstract: Diffuse indivisible interests are not rights, in the proper sense
of the term. Class actions related to them intend to enforce the Law. There
are subjective indivisible rights of groups, categories or classes of people
in opposition to divisible homogeneous rights. The Public Prosecution
represents the whole society even in actions related to homogenous
rights.

Key words: Class actions. Diffuse interests. Indivisible rights of classes.


Homogeneous rights. The Public Prosecution.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

TESHEINER, José Maria. Aplicação do Direito objetivo e tutela de direitos subjetivos nas ações
transindividuaisehomogeneizantes.RevistaBrasileiradeDireitoProcessual–RBDPro,BeloHorizonte,
ano 20, n. 78, p. 13-28, abr./jun. 2012.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 13-28, abr./jun. 2012
Fórmula de problematização do
discurso em Popper e teoria processual
da democracia
Andréa Alves de Almeida
Doutora em Direito Processual pela PUC Minas.
Professora da Pós-Graduação lato sensu da UNIUBE
e UNIFEMM. Professora da Graduação na UNIFEMM.
Sócia fundadora e pesquisadora do Instituto
Popperiano de Estudos Jurídicos (INPEJ).

Resumo: O texto busca demonstrar que a posição epistemológica que


assumimos está diretamente relacionada ao tipo de sociedade que se
pretende construir e que a teoria neoinstitucionalista do processo, ao
transpor e desenvolver a teoria epistemológica de Popper (racionalismo
crítico eliminacionista) para a ciência jurídica, esclarece o contraditório,
a ampla defesa e a isonomia como referentes lógico-jurídicos de proble-
matização qualificadora da Constituição democrática.

Palavras-chave: Teoria de falibilidade do discurso. Teoria neoinstitucio-


nalista. Teoria processual da democracia.

Sumário: 1 Problematização do discurso e conhecimento – 2 Posição epis-


temológica e democracia – 3 Transposição da falibilidade discursiva em
Popper para teoria processual da democracia – 4 Conclusão – Referências

1 Problematização do discurso e conhecimento


A fim de ressaltar os desdobramentos que Rosemiro Leal fez da epistemologia
popperiana na teoria processual da democracia, apresentaremos, primeiramente, ainda
que de modo resumido, como Karl Popper concluiu pela fórmula de problematização
do discurso. Em seguida, aproximaremos os princípios constitucionais do processo e as
teses apresentadas por Popper tanto na teoria do conhecimento como na compreensão
da sociedade aberta.
Karl Popper,1 com o racionalismo crítico-dedutivo-eliminacionista, denuncia
que o conhecimento tem sido encarado como um tipo especialmente seguro de crença
humana e que há um endeusamento das filosofias, o que as tornam pouco criticadas.

POPPER, karl. Conhecimento objetivo: uma abordagem evolucionária. Tradução de Milton


1

Amado. Belo Horizonte: Itatiaia, 1999.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 29-44, abr./jun. 2012
30 Andréa Alves de Almeida

Popper elucida que é necessário erradicar a teoria de senso comum do conhecimento,


chamada por ele também de teoria do balde mental2 (ou ainda asneira subjetivista),
que tem como objeto a busca da justificação e como fundamento a crença na certeza.
Ainda esclarece que o método indutivo e o seu reverso, dedutivismo, assim como a
teoria do senso comum de conhecimento, se iludem na procura de observações posi-
tivas para justificar as suas hipóteses e ideias, devendo ser substituídos por uma teoria
objetiva do conhecimento essencialmente conjectural, que tem como eixo o princípio
universal da crítica como racionalidade.
Com o objetivo de substituir a teoria subjetiva do conhecimento por uma teoria
objetiva do conhecimento é que Popper conclui pela fórmula P1 → TT → EE → P2...
P1 é o problema inicial, podendo ser prático ou teórico; TT teoria experimental
ou solução experimental destinada a resolver o problema; EE eliminação de erros por
meio de ensaios, testes experimentais ou discussões críticas; e P2 representa os novos
problemas que emergem das discussões críticas e da nova situação que os originou,
portanto difere do problema anterior e assim por diante, formando uma sequência e
não um ciclo. A fórmula de problematização do discurso popperiano ressalta que o
conhecimento começa e termina com problemas, devendo prevalecer a teoria que
mais resistiu aos testes, mas que mesmo assim ela é provisória, pois não podemos ter
certeza se acertamos.
Além da falibilidade como critério de demarcação da ciência, Popper ainda fala em
falsificabilidade como condição para a cientificidade da teoria. Significa que a teoria tem
que permitir ser demonstrada como falsa pelo método de eliminação de erro. Uma teo-
ria não falsificável é aquela que tem a pretensão de poder explicar tudo, de ser infalível.3
Para chegar a esta fórmula de problematização do discurso, Popper reformula
o problema filosófico tradicional (P1) apontado por David Hume4 e não respondido

2
Por meio da teoria do balde mental ou teoria da mente como recipiente, Popper explica que
a atitude crítica se opõe à atitude de crença. Utilizando a ilustração de um balde com olhos,
nariz e boca, explica que o maior obstáculo à critica é a concepção de que o conhecimento
é obtido por meio dos sentidos. É como se os órgãos dos sentidos, após serem atingidos por
estímulos vindos do mundo exterior, se transformassem em dados sensoriais ou perceptivos,
os quais, depois de muitos estímulos e repetições, passariam a estar aptos a descobrir
similitudes (regularidades) e a estabelecer generalizações e regras simplesmente pela crença
no hábito e no costume. A teoria do balde mental é uma maneira bem óbvia de demonstrar
como o empirismo se volta para o registro passivo da observação da realidade, inibindo o
ativismo e a criticabilidade intelectual (POPPER, Karl. O conhecimento e o problema corpo-
mente. Tradução de Joaquim Alberto Ferreira Gomes. Lisboa: Edições 70, 1996. p. 28; POPPER,
karl. Conhecimento objetivo: uma abordagem evolucionária. Tradução de Milton Amado. Belo
Horizonte: Itatiaia, 1999. p. 14-15).
3
POPPER, Karl. O racionalismo crítico na política. Tradução de Maria da Conceição Côrtes-Real.
Brasília: Universidade de Brasília, 1981. p. 58.
4
HUME, David. Investigação sobre o entendimento humano. Tradução de Leonel Vallandro. São
Paulo: Abril Cultural, 1973. (Os Pensadores).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 29-44, abr./jun. 2012
Fórmula de problematização do discurso em Popper e teoria processual da democracia 31
pelos indutivistas: “Qual a justificativa para a crença de que o futuro será amplamente
como o passado?”, ou “qual a justificativa para as inferências indutivas?” Os indutivistas
não respondem porque creem nas regularidades, dão ênfase a exemplos positivos.
David Hume, tentando responder a P1, explica que os indutivistas não conseguem jus-
tificar racionalmente as crenças, ou seja, que há uma racionalidade nas crenças, o que
o faz formular outro problema (P2): “Por que mesmo não havendo lógica no hábito e
na crença nas repetições elas guiam nossos pensamentos e ações?” Hume responde
a P2 afirmando que somos condicionados pelas repetições, senão difícil sobreviver.
Popper, ao testificar (EE) a teoria de Hume (TT), percebe que Hume transformou-se
num cético e, ao mesmo tempo, num crente (crente numa epistemologia irracionalista)
e que a aporia está na abordagem do problema da indução, por isso as respostas até
então eram insatisfatórias.
Peirce5 também sustenta que, no aspecto psicológico, todo pensamento tem
por fim a produção de crença porque esta aplaca a irritação da dúvida com a criação de
um hábito e regras de ação, repousando por um momento o pensamento. Peirce pre-
tendeu esclarecer um método de investigação científica que pudesse clarear as ideias,
aplacando as dúvidas com crenças determinadas não por algo humano, mas por algo
externo e estável. Seu procedimento consistia em afastar, na formação do significado,
três métodos: o método a priori, que leva a conclusões fáceis porque acolhe qualquer
crença a que nos sintamos inclinados; o método da autoridade, que suprime por
coação ou terrorismo moral o pensamento ameaçador; e o método da tenacidade,
que escolhida uma crença, simplesmente se fecha a qualquer outra.6
No plano lógico, Peirce destaca o raciocínio por abdução como o método mais
adequado para explorar os significados de um texto. Acentua que, embora o raciocínio
dedutivo tenha a característica de não ser arriscado e seja útil para aplicar regras gerais
a casos individuais, carece por completo de criatividade, pois não adiciona coisa alguma
ao já conhecido.7 Quando se deseja um raciocínio mais criativo, é comum se utilizar a
indução, que permite muitas premissas menores constatáveis sem dificuldade para se
saltar do particular para o geral. Como esse raciocínio se baseia em dados empíricos e

5
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica e filosofia. Tradução de Octanny Silveira da Mota e
Leonidas Hegenberg. São Paulo: Cultrix, 1972. p. 49-59.
6
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica e filosofia. Tradução de Octanny Silveira da Mota e
Leonidas Hegenberg. São Paulo: Cultrix, 1972. p. 84-89.
7
Peirce ilustra, mediante o exemplo da bolsa de feijões, o que seria regra, caso e resultado na
dedução. Sendo a regra “todos os feijões desta bolsa são brancos”, o caso seria “estes feijões
são desta bolsa” e o resultado “estes feijões são brancos” (PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica
e filosofia. Tradução de Octanny Silveira da Mota e Leonidas Hegenberg. São Paulo: Cultrix,
1972. p. 111-149).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 29-44, abr./jun. 2012
32 Andréa Alves de Almeida

não apenas nas leis da lógica, acaba carecendo de segurança, sendo útil apenas para
criar hipóteses e não convicções.8
Para Peirce, nossa compreensão do texto e, de modo geral a semiose, não se
satisfazem somente com um raciocínio dedutivo que “demonstra que algo deve ser”,
nem com um raciocínio indutivo que “demonstra que algo é realmente operativo”. O
raciocínio que atua no momento em que se trata de extrair significado de um texto é a
abdução. A abdução se limita a “sugerir que algo pode ser”.9 Na abdução, a hipótese está
na base da parte final do raciocínio e é um caso, não uma regra; é a hipótese de um caso.

Uma Abdução é um método de elaborar Previsão geral sem qualquer


garantia positiva de que ela se concretizará, seja no caso especial, seja
nos casos comuns; sua justificação está em ela ser a única esperança
possível de regular racionalmente nossa futura conduta e em que a
Indução, com base na experiência passada, nos fornece forte estímulo
para esperar que venha a ter êxito no futuro.10

Para Peirce, a abdução é a forma de raciocínio mais valiosa para o progresso e a


criatividade do pensamento científico, por investigar a crença, que considera indispen-
sável para repousar o pensamento, sem apelar para a individualidade do intérprete.
Contudo, esse afastamento pretendido por Peirce com a subjetividade não
ocorre. A abdução não rompe com a subjetividade do intérprete na construção do
significado, pois, assim como a dedução e a indução, também parte da eleição de um
pressuposto inquestionável, aceito como verdade. Em Peirce,11 para se chegar à ideia
de verdade, basta o método experimental de assentar opinião. O progresso que a
abdução proporciona é apenas do pragmatismo e não do conhecimento objetivo,
pois o pragmatismo ainda é método colonizado pela subjetividade e conveniência.
Este contraponto dos fundamentos das lógicas em Peirce e Popper é explicado
por Rosemiro Leal:

8
Peirce também utiliza, para explicar a indução, o exemplo da bolsa de feijões. Parte-se do
caso “estes feijões são desta bolsa” e do resultado “estes feijões são brancos” para se chegar
à regra “todos os feijões desta bolsa são brancos” (PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica e
filosofia. Tradução de Octanny Silveira da Mota e Leonidas Hegenberg. São Paulo: Cultrix, 1972.
p. 111-149).
9
No exemplo da bolsa de feijões, a abdução parte da regra “todos os feijões desta bolsa são
brancos”, em que o resultado é “estes feijões são brancos” e o caso “estes feijões são desta
bolsa” (PEIRCE, Charles Sanders Semiótica e filosofia. Tradução de Octanny Silveira da Mota e
Leonidas Hegenberg. São Paulo: Cultrix, 1972. p. 111-149).
10
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica e filosofia. Tradução de Octanny Silveira da Mota e
Leonidas Hegenberg. São Paulo: Cultrix, 1972. p. 112.
11
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica e filosofia. Tradução de Octanny Silveira da Mota e
Leonidas Hegenberg. São Paulo: Cultrix, 1972. p. 65-68.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 29-44, abr./jun. 2012
Fórmula de problematização do discurso em Popper e teoria processual da democracia 33
[...] a proposição em Peirce não serve à lógica deôntica na perspectiva
jurídico-democrática, porque o dever-ser que com ela se pudesse conferir
às normas é válido por testes indutivos a partir de um real experienciado
(um real por si lícito ou ilícito, ou seja, juridicidade ou antijuridicidade
concreta) por inferências dedutivas (sempre supondo fatos), indutivas
(observando fatos), abdutivas (cogitando explicações hipotéticas sobre
fatos insólitos e invulgares), enquanto que, em Popper, não existem
descrições (explicações hipotéticas em qualquer concepção) isentas de
teorias, porque “não existe nenhuma ciência puramente observacional”,
por isso não podemos justificar integral e absolutamente, a partir
da realidade nua, as nossas teorias ou provar em definitivo que são
faticamente irrefutáveis, mas, segundo Popper, podemos no entanto
refutá-las gradual e evolucionariamente por problematizações (testes
concorrenciais com outras teorias) para situar uma “racionalidade crítica”
como escolha proposicional da mais resistente entre várias. Portanto,
em Popper, os testes de validação se fazem por via de possibilidades
argumentativas (asserções) a serem levantadas teoricamente em face de
atos, fatos, situações, apreensões e compreensões de mundo ou mundos
conjecturais. As inferências lógicas não se confrontam diretamente com
as coisas, mas as teorizam (arriscam-se a conjecturar como as coisas são,
poderiam ou deveriam ser).12

Popper é que reformulou o método de abordagem do problema da indução,


traduzindo os termos subjetivos ou psicológicos e crenças do problema lógico em ter-
mos objetivos. O problema da indução (P1) reformulado (P3) por Popper é: “Pode a
alegação de que uma teoria explanativa universal é verdadeira ou é falsa ser justificada
por ‘razões empíricas’”? Popper13 responde sim quanto à falsidade e não quanto à ver-
dade, esclarecendo que a indução é responsável pela eliminação de erros e não pela
construção de teorias verdadeiras e absolutas. É impossível ser conclusivo acerca da
verdade de um enunciado que se pretende universalidade irrestrita ou categórica com
base na observação de fatos restritos, finitos, limitados, pois a única resposta audível
que a natureza dá às nossas teorias é não. A indução não deve condicionar as teorias,
pois a experiência no sentido científico é sempre uma experiência construída. O que um
observador vê depende de seu conhecimento anterior, de suas expectativas e predis-
posições. As expectativas surgem sem qualquer repetição ou antes de qualquer uma,
porque a repetição pressupõe similaridade e a similaridade pressupõe um ponto de
vista (uma teoria ou uma expectativa). Assim, Popper responde a Hume esclarecendo

12
LEAL, Rosemiro Pereira. Processo como teoria da lei democrática. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
p. 156.
13
POPPER, Karl. Conhecimento objetivo: uma abordagem evolucionária. Tradução de Milton
Amado. Belo Horizonte: Itatiaia, 1999.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 29-44, abr./jun. 2012
34 Andréa Alves de Almeida

que a repetição não cria verdades; a repetição e a similaridade conotam verdade


pressuposta. A crença estanca a possibilidade de discurso crítico.
Importa observar, para evitar falsos rótulos ou análises reducionistas, que a crí-
tica de Popper ao empirismo o aproxima do dedutivismo, mas o diferencia ao mesmo
tempo dele, porque dá destaque à eliminação de erros, ou seja, as hipóteses criadas
para terem validade científica terão de se oferecer incessantemente a testes por meio
da busca de instâncias negativas.
A testificação das hipóteses na epistemologia popperiana não ocorre por meio
da intersubjetividade (comunicação e expressão), mas da “interenunciatividade (con-
frontos de enunciação)”.14 Enquanto a intersubjetividade é exercida com as funções
expressiva e comunicativa da linguagem, na interenunciatividade instaura-se um
debate crítico apreciativo com as outras duas funções da linguagem, a descritiva e
argumentativa.15
Como não é possível ordenar um saber pressuposto, resta criar uma ordem pelas
teorias a serem produzidas na desordem encontrada pela natureza física e humana. O
que deve ser abandonado é a busca da justificação no sentido de justificar que uma
teoria é verdadeira. Todas as teorias são hipóteses; o que não se confunde com a pro-
cura da verdade. Assim como as teorias devem ser criticadas, os testes e os fatos também
devem ser criticados, pois o objeto da ciência é o esclarecimento da realidade.
Habermas, segundo Álvaro Cruz,16 tenta refutar o princípio da demarcação
popperiana apresentando o seguinte problema: “o que garante que essa experiência
empírica de valor negativo, que contraria e falsifica uma ‘teoria universal’, irá se repe-
tir”? Acrescenta ainda: “E, se esse evento não se repetir, como será possível estabelecer
uma preferência entre teorias concorrentes”? Ao contrário do indutivismo, que pre-
cisa da repetição do evento e de várias observações positivas, o racionalismo crítico
popperiano (indutivismo eliminacionista) precisa apenas de uma experiência negativa
para descartar a teoria como aproximação da verdade. Por isso não é necessário garantir
a repetição do evento negativo para falsear a teoria, não havendo, portanto, um retorno
ao problema da indução.
A teoria que foi submetida a testes mais severos e resistiu ao falseamento sobre-
vive, embora também possa ser eliminada a qualquer momento, já que a teoria resisten-
te deve se expor à crítica de modo continuado. A concorrência de várias teorias,

14
LEAL, Rosemiro Pereira. Processo como teoria da lei democrática. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
p. 186.
15
POPPER, Karl. O conhecimento e o problema corpo-mente. Tradução de Joaquim Alberto
Ferreira Gomes. Lisboa: Edições 70, 1996.
16
CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. O discurso científico na modernidade: o conceito de paradigma
é aplicado ao direito?. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 198.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 29-44, abr./jun. 2012
Fórmula de problematização do discurso em Popper e teoria processual da democracia 35
simultaneamen­te, na tentativa de resolver um problema é que gera um debate
crítico apreciativo.
Pelo método de eliminação podemos dar com uma teoria verdadeira, mas em
nenhum caso o método pode estabelecer uma verdade. Nunca podemos justificar
empiricamente (por asserções de teste) a alegação de que uma teoria é verdadeira.
A questão de preferência surge com respeito a um conjunto de teorias concorrentes
(teorias oferecidas como soluções para os mesmos problemas). A melhor teoria é
encarada como possivelmente verdadeira no tempo em que não é refutada — “a melhor
das testadas”. O grau de ousadia de uma teoria também depende de sua relação com
suas predecessoras — explanação da velha teoria para contradizê-la.
Assim, ao se remeter à teoria semântica da verdade de Tarski17 (1972, p. 12)
“de que a verdade de uma oração consiste em sua correspondência com a realidade”,
Popper não está se rendendo ao observacionismo, mas ressaltando que a verdade
como correspondência com os fatos somente significa que ainda não se encontrou
observação negativa para a asserção descritiva. Sendo assim, essa correspondência
não é absoluta nem exata, trata-se de aproximação da verdade, pois as observações e
as asserções de observação têm caráter conjectural e teórico.
Popper elucida que a lógica (teoria das teorias) não é juízo sintético a priori;
consiste na preferência a teoria mais resistente à crítica. A atitude crítica é característica
da atitude racional e somente uma teoria formulada (diferente de teoria crida) pode
ser objetiva, pois é a formulação e objetividade que tornam a crítica possível. Daí a
necessidade do animal para ser racional e manter a sua racionalidade, criar o terceiro
mundo, o mundo dos conteúdos lógicos.

2 Posição epistemológica e democracia


O verificacionismo (dedutivismo) e o justificacionismo (indutivismo) tendem ao
probabilismo e se afastam da problematização das questões encontradas, uma vez
que o primeiro se apoia nas observações positivas e o segundo no hábito e na crença
nas repetições. Por esse motivo, ao invés de inspirarem o funcionamento de institui-
ções democráticas, acabam fomentando teorias dogmáticas, inibindo o ativismo, o
criticionismo intelectual e freando o exercício pleno da liberdade, já que partem da
observação passiva da realidade e do registro das regularidades.
Toda a ideologia liberal e republicana de democracia se apoia no indutivismo ou no
dedutivismo, que recebem outros nomes, como positivismo sociológico, positivismo jurí-
dico, moralismo, realismo, pragmatismo, pós-positivismo ou neopositivismo, dependendo

TASRKI, Alfred. La concepción semántica de la verdad y los fundamentos de la semántica.


17

Traducción de Emilio Colombo. Buenos Aires: Nueva Visión, 1972. p. 12.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 29-44, abr./jun. 2012
36 Andréa Alves de Almeida

da ênfase que é dada aos fenômenos sociais, à lei natural, à lei legislada ou à justiça
do juiz. Nessas vertentes, a fundamentação decisória se reduz em justificar o contexto
historicista utilitarista das necessidades e dos interesses e a verdade não passa de con-
senso, “acordo”, aceitação social. Ao centrarem o discurso jurídico nos valores sociais e
na figura do juiz como salvaguarda da justiça, assentam a ciência do direito e a prática
judicial ainda mais numa teoria subjetivista do conhecimento.
Por outro lado, o racionalismo crítico eliminacionista popperiano, ao se apoiar
na problematização e numa concorrência conteudística de teorias, possibilita a cons-
trução de uma sociedade aberta,18 uma vez que a institucionalização da crítica é con-
dição para a construção de uma sociedade político-jurídico-democrática.
Com base na fórmula de problematização do discurso, Popper formula a teoria
do terceiro mundo.19 O mundo 1 representa o mundo físico ou de estados materiais. O
mundo 2, as experiências conscientes, o conhecimento subjetivo e as disposições com-
portamentais para agir. E o mundo 3 representa os sistemas teóricos, sendo os argu-
mentos críticos os moradores mais importantes e os problemas o elemento mais fértil.
A primeira tese nesta teoria do terceiro mundo é de que o mundo 2 (conhecimento
subjetivo) é irrelevante para o conhecimento científico. A segunda tese é de que o mundo
3 é autônomo embora seja produto nosso e de ter efeito de retrocarga sobre nós, isto é,
gera seus próprios problemas e o impacto sobre nós excede vastamente o impacto que
qualquer de nós possa produzir sobre ele. A terceira tese é que há uma retrocarga do
mundo 3 sobre o mundo 2 e o mundo 1, ou seja, a epistemologia objetivista que estuda
o mundo 1 pode lançar imensa soma de luz sobre o mundo 2 de consciência subjetiva.
A partir da fórmula de problematização do discurso e da tese da retrocarga
que o mundo 3 (mundo das teorias) exerce sobre o mundo 2 e mundo 1, podemos
concluir que o critério popperiano de demarcação científica, além de abordar razões
técnicas em epistemologia, tem o mérito de demonstrar que a institucionalização da
crítica é condição de possibilidade para a existência da sociedade democrática e que o
autoritarismo está diretamente ligado à predominância do probabilismo indutivista.
Logo, o ideal de ordem defendido e construído para a sociedade, quer seja autocracia
ou democracia, sustenta-se nas posições epistemológicas que assumimos.
A democracia se desenvolve no mundo 3 em que as argumentações críticas são os
moradores mais importantes e os problemas o elemento mais fértil. Em outras palavras, a
ampla defesa, o contraditório e a isonomia consistem no recinto argumentativo.

18
POPPER, Karl. A sociedade aberta e seus inimigos. Tradução de Milton Amado. Belo Horizonte:
Itatiaia-EDUSP, 1998. v. 1, 2.
19
POPPER, karl. Conhecimento objetivo: uma abordagem evolucionária. Tradução de Milton
Amado. Belo Horizonte: Itatiaia, 1999. p. 151-179.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 29-44, abr./jun. 2012
Fórmula de problematização do discurso em Popper e teoria processual da democracia 37
A concepção da racionalidade como abertura e submissão incondicional à crítica
está tanto na base do falseacionismo quanto na base da concepção de democracia. Por
isso, Popper sinaliza a necessidade de uma teoria que estabilize a democracia numa
órbita de discursividade reconstrutiva incessante, o que vem ressaltar a imprescindibi-
lidade da principiologia da ampla defesa, do contraditório e da isonomia (devido pro-
cesso constitucional) como referente hermenêutico de problematização qualificadora da
Constitucionalidade Democrática. Este é o grande mérito da teoria neoinstitucionalista,20
que tem como objetivo o esclarecimento do Processo como referente-lógico jurídico
para testificar as teorias e provimentos que se rotulam democráticos.

3 Transposição da falibilidade discursiva em Popper para a


teoria processual da democracia
A fim de ressaltar os aspectos da epistemologia popperiana na teoria processual
da democracia, enfocarei a transposição de alguns pontos da epistemologia popperiana
para o discurso jurídico feitos pela teoria neoinstitucionalista, que é a teoria processual
com maior grau de corroboração (medida da severidade dos testes pelos quais a teoria
passou) para o esclarecimento da democracia, tendo em vista que apresenta êxito onde
as teorias predecessoras falharam.21
A tese de que apenas as teorias formuladas verbalmente ou, melhor ainda, por
escrito (mundo 3), se expõem à crítica elucida que somente a existência de um texto
constitucional (Princípio da Reserva Constitucional, art. 5º, inc. II da CB/88) torna o direito
acessível à crítica e o ordenamento jurídico testificável no âmbito da produção (devido
processo legislativo), e no âmbito da aplicação e testificação (devido processo legal). A
Constituição escrita é o ponto de partida do discurso normativo, que se legitima nas
democracias pela ampla defesa, contraditório e isonomia, pois não se argumenta numa
realidade nua (voluntariosa ou subjetiva) de assembleias especiais.22

20
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 9. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2010; LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. São Paulo:
Landy, 2002; LEAL, Rosemiro Pereira. Processo como teoria da lei democrática. Belo Horizonte:
Fórum, 2010; LEAL, Rosemiro Pereira. A principiologia jurídica do processo na teoria neo-
institucionalista. Disponível em: <http://www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/2_2006/Docentes/
pdf/Rosemiro.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2006.
21
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 9. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2010.
22
A interpretação do ordenamento jurídico por mentes judicantes a serviço da ética derivada de
supostos discursos políticos preservadores da integração social é defendida pela dogmática
jurídica. Afirma Menelick Carvalho Netto: [...] “ao nosso Poder Judiciário em geral, ao Supremo
Tribunal Federal em particular, compete assumir a guarda da Constituição de modo a densificar
o princípio da moralidade constitucionalmente acolhido” (A hermenêutica constitucional sob
o paradigma do estado democrático de direito. In: CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade.
(Coord.). Jurisdição e hermenêutica constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004. p. 44).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 29-44, abr./jun. 2012
38 Andréa Alves de Almeida

É mesmo impossível a formação de um Estado Democrático que não seja


Estado de Direito, que não tenha como fonte para decidir a Lei Constitucional. Por
isso que a proposição neoinstitucionalista vem elucidando a necessidade de ado-
ção do non linquet (impossibilidade de decidir o mérito na ausência de lei), já cons-
titucionalizado (art. 5º, II, CB/88). O direito fundamental da legalidade, “ninguém
será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, não
poderá ser abolido no Estado de Direito nem sequer por emenda constitucional
(art. 60, §4º, IV da CB/88), quanto mais por lei ordinária.
Analogia, equidade, costume, princípio não legislado, são ainda incompatíveis
com o exercício do contraditório, pois não há como exercer contraditório se o espaço de
discursividade não estiver demarcado. É a lei, princípio da reserva legal,23 que demarca
o espaço de discursividade no direito, mas, na democracia, não basta a lei. Para que a
lei se torne legítima é ainda imprescindível que o espaço de discursividade por ela de-
marcado seja aberto à testificação incessante por meio do Devido Processo. O costume,
a equidade, a analogia e o princípio não legislado, assim como também os juízos de
adequabilidade, proporcionalidade, razoabilidade, ponderação e reserva do possível
são metajurídicos e não permitem a demarcação da discursividade porque são colhi-
dos no âmbito da subjetividade ou do consenso coletivo.
A tese popperiana de que apenas as teorias formuladas objetivamente se sujeitam
à crítica é importante ainda para esclarecer que não basta a lei escrita e a oportunidade
igual de dizer e contradizer. A discursividade tem que ser estabelecida no mundo 3 das
teorias, pois a lei não traz por si só o seu significado e este não poderá ser retirado do
código social (horizonte histórico de sentido), senão o devido processo será apenas for-
malizador da tópica e da comunicação dialética, a lei escrita será meramente instrumento
de dominação dos valores prevalentes num determinado contexto social e a linguística o
modo de dominação mais perverso, como alerta Lopes:

Analisados, um a um, todos os modos de dominação que o homem inven-


tou ao longo dos séculos para relacionar-se com o próximo, nenhum é

Lemos em José Alfredo de Oliveira Baracho: “A interpretação judicial constitucional exige


muito dos magistrados que chegam aos Tribunais Constitucionais, ou às Cortes Supremas,
que, como intérpretes finais das disposições supremas, devem ter grande sensibilidade
pelos problemas que lhe são levados para a definição da jurisprudência constitucional.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal do Brasil apresentou, através de toda a sua his-
tória, figuras que marcam a nossa evolução jurídica e política” (Direito processual constitucio-
nal: aspectos contemporâneos. Belo Horizonte: Fórum, 2006. p. 792). Nesse sentido também
em CITTADINO, Gisele. Pluralismo direito e justiça distributiva: elementos da filosofia consti-
tucional contemporânea. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 21-44.
23
Nesse sentido, Ronaldo Brêtas de C. Dias explica que o princípio da reserva legal erigiu-se
em princípio constitucional de racionalidade na prolatação das decisões judiciais e vincula-
ção ao Estado Democrático de Direito (Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional.
Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 131-145).

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Fórmula de problematização do discurso em Popper e teoria processual da democracia 39
mais eficiente do que o da manipulação dos sentidos. Aquele que ma-
nipula o sentido do discurso transforma-se no árbitro todo-pode­roso da co-
munidade para a qual define o que venha a ser valor e antivalor; é ele quem
assinala os objetivos a serem perseguidos pelo grupo, dita as regras de com-
portamento que hão de dirigir a ação singular dos indivíduos na tentativa de
realização de seus valores, pune e recompensa. Pois como os mitos de sempre
demonstraram, só o que sabe quer, só o que sabe pode, só o que sabe faz.24

A tese popperiana de que não há uma fonte de conhecimento a privilegiar implica,


do ponto de vista jurídico, a indispensabilidade do direito-garantia da ampla defesa (argu-
mentação irrestrita), ou seja, que nenhum argumento deve ser liminarmente rejeitado na
estrutura técnico-jurídica de construção do provimento, nem mesmo a pretexto de cele-
ridade como se tem justificado para a súmula vinculante, a súmula impeditiva de recurso, o
julgamento liminar de improcedência do pedido. Não há argumento de razão que permita
uma inferência de um caso para outro, por mais similares que possam ser as condições e
qual órgão jurisdicional a tenha proferido (argumento de autoridade).
Na atualidade, assistimos cada vez mais no espaço jurídico a julgamentos
conforme o caso concreto, decisões “clonadas” de ações consideradas idênticas, e
ainda a recursos contrários à jurisprudência dos tribunais, que são impedidos de
serem julgados como se o esgotamento do direito à ampla defesa pudesse ser feito
limitando a argumentação. No espaço procedimental processualizado é a definição
proposicional do prazo que permite esgotar a ampla defesa, e não o entendimento
dos tribunais superiores ou a definição intuitiva ou cronológica dos prazos.
Já a tese do princípio universal da crítica como racionalidade corresponde à
processualidade jurídica como referente hermenêutico da problematização qualificadora
da Constitucionalidade Democrática. A crítica, além de instrumento de liberdade, permite
que a liberdade seja selecionada. Nesse sentido, a teoria neoinstitucionalista25 escla-
rece que as decisões na democracia somente serão válidas se observada a regra su-
prema de proibição de vedação de liberdade. Essa regra significa que na democracia
temos que reservar para o outro a ocupação dos espaços de refutação. A ocupação
do espaço processual pelo outro tem por fim a intervenção no erro-problema, pois
aí está a oportunidade de elaborar (enunciar) conjecturas. Por isso o seu fim não se
limita a alcançar consenso e retratar a opinião pública.
A liberdade na sociedade aberta consiste na possibilidade de fiscalização ampla
e irrestrita das decisões do Estado por meio do método de eliminação de erro, e não por

24
LOPES, Edward. Discurso, texto e significação: uma teoria do interpretante. São Paulo: Cultrix,
1978. p. 4.
25
LEAL, Rosemiro Pereira. Processo como teoria da lei democrática. Belo Horizonte: Fórum, 2010.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 29-44, abr./jun. 2012
40 Andréa Alves de Almeida

meio da dialética. Isto se dá porque a liberdade demanda possibilidade de se desgarrar


do dado da realidade (da condição dada), não para anular a realidade, mas para que o
homem possa construir o seu próprio mundo de significados.
O princípio universal da crítica como racionalidade e a falibilidade do conheci-
mento também impõem a rejeição das ações de declaração de constitucionalidades e de
incidente de coletividade, pois limitam o controle difuso (irrestrito) de constitucionalidade.
Utilizando o método eliminacionista, que não se preocupa em encontrar a
verdade, a teoria neoinstitucionalista esclarece que a principiologia do processo é o re-
cinto argumentativo de construção e exercício da democracia. Ao testificar as teorias
que se pretendem democráticas pelo devido processo constitucional, esclarece que o
processo é referente lógico-jurídico nas democracias e não meio pelo qual o Estado,
corporificador da filosofia subjetivista, revela o direito justo, ditando uma jurisdição
constitucional por autoridades presumidamente supremas, infalíveis.
A processualidade jurídica26 possibilita que o discurso na democracia seja ins-
talado num espaço em que os problemas, as teorias e os argumentos críticos sejam os
principais fundamentos para tomada de decisão, e não as expectativas da tradição e
as probabilidades, pois, como já discorremos, o probabilismo inibe a crítica e ofusca o
contraditório e a ampla defesa, reduzindo-os à dialética.
A dialética não contribui para a implementação e o exercício da democracia por-
que se situa no vasto campo das opiniões opostas, a fim de se decidir com equilíbrio e
prudência para evitar as contradições.
Não é o procedimento dialético (more geometrico mais tópica) que irá garantir a
regra suprema de proibição de vedação de liberdade e a ocupação do espaço proces­
sual pelo outro, porque a dialética é regida por uma hermenêutica comunicacional. O
que se enuncia dialeticamente está no percurso consciência-existência. Na dialética não
há espaço para refutação, pois a contraposição da antítese à tese não é para eliminar a
tese, o que se pretende é harmonizar os contrários. O lugar do outro está sempre ocu-
pado pelo princípio aristotélico da não contradição, por isso é que se diz “a tese cria a
sua antítese”, “a síntese mantém os pontos melhores da tese e da antítese”.27 Aristóteles
desenvolveu a harmonia dos contrários para se contrapor à adoção do princípio da
contradição, defendido por Protágoras28 como meio para buscar a não contradição.
No método de eliminação de erro, não nos limitamos apenas a duas teses
contrárias (tese e antítese); instala-se uma concorrência entre teorias e somente se

26
ALMEIDA, Andréa Alves de. Processualidade jurídica e legitimidade normativa. Belo Horizonte:
Fórum, 2005.
27
POPPER, Karl. O racionalismo crítico na política. Tradução de Maria da Conceição Côrtes-Real.
Brasília: Universidade de Brasília, 1981. p. 28-29.
28
PROTÁGORAS DE ABDERA. Dissoi logoi: textos relativistas. Edición José Solana Dueso.
Madrid: Akal, 1996.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 29-44, abr./jun. 2012
Fórmula de problematização do discurso em Popper e teoria processual da democracia 41
chega à aceitação de uma teoria prevalente depois de submeter as teorias concor-
rentes a testes severos de refutação e puder se constatar que a teoria resistiu ao teste.
Popper esclarece que os equívocos da dialética resultam de como os dialéti-
cos se referem a contradições. Embora reconheçam que as contradições são da maior
importância, acabam retirando toda a vantagem das contradições em contribuir para o
progresso intelectual com a atitude de tolerar contradições. Se estivermos dispostos a
tolerar contradições, a descoberta de contradições já não nos levará a modificá-las e toda
a crítica (que consiste sempre na indicação de contradições) perde então a sua força.29
No que diz respeito à dialética, é interessante lembrar que Hegel, a fim de rejeitar
o racionalismo kantiano, que adota a lei da não contradição, afirmou que o mundo está
cheio de contradições e que elas fazem parte do desenvolvimento do pensamento e da
razão, pois, para o hegelianismo, tudo se dá por meio da dialética. Popper30 esclarece
que o sistema dialético de Hegel não passa de um dogmatismo reforçado (pode ser
usado para apoiar outros sistemas dogmáticos), uma vez que, por se basear na tese, na
antítese e na síntese, está disposto a conviver com as contradições. O problema ocorre
porque, na tríade, a síntese resulta numa teoria em que os melhores pontos da tese e
da antítese ficam preservados, o que coloca o sistema dialético e todo pensamento ao
abrigo de qualquer espécie de crítica ou ataque.
Recorrendo à dialética é possível sustentar qualquer ideia, mesmo que haja
contradições; é sempre possível argumentar com aparente razoabilidade a favor de
qualquer ideia, pois as críticas (contradições) que forem apontadas fazem parte do
desenvolvimento (evolução) da razão e do mundo.
A dogmática jurídica e a jurisprudência são campo vasto para o raciocínio dialético.
Assim se sustentam também os juízos de proporcionalidade, razoabilidade, ponderação,
adequabilidade como síntese de contrários.
Para que o espaço de refutação esteja reservado para o outro, a lide tem que
ser compreendida como campo de problematização e o processo como recinto de
eliminação de erro antes de ser recinto de conciliação, pois a atividade de cognição é
uma intervenção no erro-problema, cujo objetivo é esvaziar o conflito na estrutura da
sociedade por ganho de eficiência sistêmica de todo o ordenamento jurídico.31 A cam-
panha judiciária de que “conciliar é legal” gera um descrédito no próprio ordenamento
jurídico, afinal pode se questionar para que cumprir a lei se depois o juiz é o primeiro a

29
POPPER, Karl. O racionalismo crítico na política. Tradução de Maria da Conceição Côrtes-Real.
Brasília: Universidade de Brasília, 1981. p. 30.
30
POPPER, Karl. O racionalismo crítico na política. Tradução de Maria da Conceição Côrtes-Real.
Brasília: Universidade de Brasília, 1981. p. 44-49.
31
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. São Paulo: Landy, 2002.

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42 Andréa Alves de Almeida

insistir para que as partes façam acordo, estimulando, a cada processo que se põe fim,
o nascimento de tantos outros.32
O aperfeiçoamento do controle democrático é obtido no espaço jurídico pro-
cessualizado, que é recinto de discursividade proposicional (conjectura testificada
aberta à critica incessante) e legítimo da metalinguagem (linguagem para arguir a
linguagem natural) e não em espaços desprocessualizados como os da Ágora pública
e do Lebenswelt (mundo da vida).33 Decisões com base em jurisprudência majoritária,
súmula, presunção absoluta de verdade, experiência do juiz, casos repetitivos, juízo de
probabilidade, proporcionalidade, ponderação de valores, razoabilidade, adequabilidade,
reserva do possível, não passam de justificacionismo ou verificacionismo, de recusa de
trabalhar o futuro;34 o que significa um retrocesso, e não progresso na democracia. Essas
justificativas não são nem sequer falseáveis, porque respondem a qualquer pergunta,
não importa como. Servem mesmo é para um procedimento arbitrário ou discricioná-
rio em que temos poucas perguntas e resposta para tudo, nem que seja para silenciar
os opoentes, e não para a democracia, em que temos mais demanda do que respostas,
já que é possível testificar todas as decisões e omissões.

4 Conclusão
A adoção do método indutivo (observacionismo/justificacionismo) ou do mé-
todo dedutivo (verificacionismo) inibe o ativismo, o criticionismo intelectual e freia o
exercício pleno da liberdade, fomentando o autoritarismo, já que são construídos a
partir da observação passiva da realidade e do registro das regularidades (repetições).
O racionalismo crítico eliminacionista popperiano, por não se apoiar no mundo
das subjetividades e das disposições comportamentais, ocupado pelas expectativas
individuais, coletivas e culturais (comunidade pressuposta de sentido), possibilita a
construção de uma sociedade aberta, democrática. A fim de afastar a subjetividade (e
intersubjetividade) que aumenta o poder de mando do decididor, Popper esclarece
a necessidade de se construir e exercer a democracia no mundo 3 das teorias, em
que as argumentações críticas desempenham um importante papel e os problemas
assumem uma função criativa.
Por conseguinte, o exercício da democracia já constitucionalizada está na
dependên­cia de uma virada epistemológica do justificacionismo e do verificacionismo

32
MESQUITA, José Ignácio Botelho de. Teses, estudos e pareceres de processo civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005. v. 1, p. 290.
33
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. v. 1, 2.
34
HABERMAS, Jürgen. Passado como futuro. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1993.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 29-44, abr./jun. 2012
Fórmula de problematização do discurso em Popper e teoria processual da democracia 43
para o racionalismo crítico, e não de um giro pragmático-transcendental na filosofia da
linguagem nem mesmo na dialética (harmonia dos contrários) liberalismo-republicanismo.35
Com base nas teorias de Popper de falibilidade discursiva e do mundo 3, a
teoria neoinstitucionalista do processo esclarece que o contraditório, a ampla defesa
e a isonomia consistem no espaço jurídico argumentativo de testificação das leis e das
teorias que se rotulam democráticas.

Belo Horizonte, 24 de janeiro de 2012.

Key words: Theory of the discourse fallibility. Neoinstitutionalist theory.


Theory of the democracy procedural.

Referências
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Fórum, 2005.
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DIAS, Ronaldo Brêtas de C. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional. Belo Horizonte:
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Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. v. 1, 2.
HABERMAS, Jürgen. Passado como futuro. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1993.

De modo diverso, CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito, política e filosofia: contri-
35

buições para uma teoria discursiva da constituição democrática no marco do patriotismo


constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 144-148; CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo
Andrade. Teoria discursiva da argumentação jurídica de aplicação e garantia processual
juris­dicional dos direitos fundamentais. In: CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade (Coord.).
Jurisdição e hermenêutica constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004. p. 211; NUNES,
Dierle José Coelho. Direito jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá, 2008. p. 59, 224, 251,
259), com apoio em Habermas, destacam a importância do giro linguístico para a recons-
trução da teoria da constituição e entendem que a democracia resulta de um procedimento
dialético entre o liberalismo e o comunitarismo, isto é, que “a manutenção da concorrência
das perspectivas argumentativas liberais e sociais, consideradas reflexiva e criticamente,
assegurará a defendida democratização”.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 29-44, abr./jun. 2012
44 Andréa Alves de Almeida

HUME, David. Investigação sobre o entendimento humano. Tradução de Leonel Vallandro. São
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LEAL, Rosemiro Pereira. A principiologia jurídica do processo na teoria neo-institucionalista.
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TASRKI, Alfred. La concepción semántica de la verdad y los fundamentos de la semántica. Traducción
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

ALMEIDA, Andréa Alves de. Fórmula de problematização do discurso em Popper e teoria


processual da democracia. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano
20, n. 78, p. 29-44, abr./jun. 2012.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 29-44, abr./jun. 2012
The Electronic Judicial Proceeding
in Brazil
Dr. Brunela Vieira de Vincenzi, LL.M.
Doutora em Direito pela Goethe Universität
(Frankfurt am Main, Alemanha). Mestre em Direito
Civil e Direito Processual Civil pela Universidade
de São Paulo. Membro da Associação de Juristas
Alemanha-Brasil (DBJV), da DIS (instituição alemã
para arbitragem na Alemanha e no Brasil) e da
Comissão de Mediação e Arbitragem da OAB/
SP. Head do Brazil Desk no escritório Noerr LLP
(Frankfurt am Main, Alemanha).

Luiza Saito Sampaio, LL.M.


Mestre em Direito Transnacional e Finanças
pela Universidad de Deusto (Bilbao, Espanha),
Universiteit van Tilburg (Tilburg, Holanda) e
Institute for Law and Finance da Goethe Universität
(Frankfurt am Main, Alemanha). Bacharel em Direito
pela Universidade de São Paulo.

Abstract: The Brazilian judicial system has been struggling with serious
efficiency and effectiveness shortcomings mostly as a result of the crit­
ical delay in obtaining a final decision. During the past two decades
remarkable initiatives have been adopted aiming at mitigating these
time costs associated with highly bureaucratic proceedings. The digital­
ization of court proceedings has progressively taken place by means of
the enactment of laws introducing information technology communica-
tion in procedural acts. In this sense, the most important statute is the
Brazilian Digital Procedural Law (Law n. 11,419/2006), which scope of
application and main features are analyzed in this paper. Furthermore,
considering that moving judicial proceedings to digital platforms is an
ongoing process, the benefits and the challenges currently faced by the
Brazilian judicial system are also addressed.

Key words: Brazil. Judicial system. Electronic proceeding. Information


technology. Brazilian digital procedural law.

Summary: I Introduction – II A brief historical overview – How Brazilian


legislation introduced information technology communication in judicial
proceedings – III The Brazilian Digital Procedural Law – IV Technology and
its benefits – V Technology and its difficulties – VI Concluding remarks

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 45-53, abr./jun. 2012
46 Brunela Vieira de Vincenzi, Luiza Saito Sampaio

I Introduction
The Brazilian judicial system has been struggling with serious, challenging
efficiency and effectiveness shortcomings. Besides the lack of social confidence
in the system actually achieving justice goals, judicial delay is a major problem in
Brazil. On the one hand, extremely lengthy proceedings cause final decisions to be
rendered only after a considerable period of time. On the other hand, and as subse-
quent problem, enforcement of such judicial final decisions is mostly only accom-
plished at the cost of undesired delays.
There is widespread consensus that such time costs — ultimately, depending of
the nature of the litigation, translated into financial costs to the parties and unjustified
impairment to justice — result basically from a) the overly formalistic nature of judi-
cial proceedings in Brazil, which unfortunately might even make it possible for parties
willing to pursue procrastination strategies to resort to appeal mechanisms of a purely
procedural nature, and b) work overload born by Brazilian judges, who face an increas-
ing number of pending cases from year to year. Even in proceedings pending before
the Brazilian Small Courts, which were created to allow a brighter access to the judicial
system by those who would not have the financial means to pay for expensive fees and
professional legal advise, the situation is the same.
In addition to the over formalistic nature of judicial proceedings, the 1988
Constitution and the Brazilian Code of Civil Proceeding (“Código Brasileiro de Processo
Civil”)1 allows virtually every sentence (including even minor civil, family and criminal
matters which have been transformed into constitutional cases) to be appealed all the
way up to the higher constitutional and Federal courts.2 Indeed, as a research conducted
by Fundação Getulio Vargas indicates, 91.64% of all lawsuits filed before the Federal
Supreme Court (“Supremo Tribunal Federal”) between 1988 and 2009, corresponding
to a total of 1,120,597 lawsuits, were appeals.3
In reference to the work overload born by Brazilian judges, it is worth noting
the great imbalance between the number of lawsuits and the number of magistrates.
According to a report prepared by the National Council of Justice (“Conselho Nacional
de Justiça”) in 2010, there are only 0.9 federal magistrates for every 100,000 Brazilian
citizens. Furthermore, caseload and backlog ratios displayed in such report provide
clear evidence of the referred work overload, which is aggravated by the rigorous selec-
tion of magistrates and the resulting growing number of vacant court positions. At the

1
Law n. 5,869 of January 11th, 1973.
2
ZIMMERMANN, Augusto, “How Brazilian Judges Undermine the Rule of Law: A Critical
Appraisal”, 2008, 11 International Trade and Business Law Review, p. 179-217.
3
I Relatório Supremo em Números” [“First Report – The Supreme Court in Numbers”], FGV
DIREITO RIO, Escola de Matemática Aplicada – EMAp-FGV, April 2011.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 45-53, abr./jun. 2012
The Electronic Judicial Proceeding in Brazil 47
first instance, the average caseload in 2009 amounted to the impressive figure of 5,493
lawsuits per magistrate. The backlog ratio (i.e. percentage of lawsuits being processed
which have not yet been closed in definite) was equivalent to 59.6% for pre-trial law-
suits and to 86.6% for execution stage lawsuits. At the second instance, the caseload and
backlog ratios in 2009 were respectively 2,623 cases per magistrate and 51.7%.4 In the
State of Sao Paulo, where the situation is very critical in terms of the number of pending
proceedings and time delay for the decision process, the current challenge is to recruit
new judges. To recruit new judges in Brazil, it is necessary that each jurisdiction proceed
to a public contest. In the State of Sao Paulo during the past years, there were always
remaining places, since not all candidates were qualified to become a judge.
Thus, being litigation in Brazil a very often undesired procedure, arbitration
proceedings have emerged as an effective method for resolving disputes in the
last years. Since the enactment of Law n. 9,307 of September 23rd, 1996 (“Brazilian
Arbitration Law”) and after 2001, when the Federal Supreme Court held such law consti-
tutional, arbitration has attained an increasing level of use in Brazil. In terms of inter-
national arbitration, this trend has been further reinforced by the adoption of the UN
Convention on the Recognition and Enforcement of Foreign Arbitral Awards of 1958
(“New York Convention”) in 2002 and of the Agreement on International Commercial
Arbitration of Mercosur in 2003. Since foreign companies are aware of the challenges of
the Brazilian judicial system, specially in the overburdened State of Sao Paulo, where
most of the investments are done, arbitration clauses have been increasingly included
in agreements with Brazilian counterparties. Therefore, for very complex issues or
special business investments in Brazil, there is a tendency to use and rely more in
arbitration proceedings than years before, which can been confirmed not only by
empirical studies but also by recent court decisions.
Nevertheless, arbitration is still an expensive alternative to the judicial system and
is not available for everyman’s pocket. For that reason, it is important to observe that a
remarkable development in the Brazilian judicial system seeking to mitigate the time
costs associated with highly bureaucratic, cumbersome proceedings has been taking
place during the last two decades, which is the deformalizing and digitalization of court
proceedings, by means of what we will call here the Electronic Proceeding.
Based on the principle of efficiency and on the fundamental rule that procedural
acts must not follow a specific form (unless otherwise prescribed by law), both principles
embraced by the Brazilian Code of Civil Proceeding, a series of legislative reforms have
been implemented in order to speed up and simplify judicial proceedings. However, it is

4
Justice in Numbers 2009 – Indicators of the Judiciary Power, National Council of Justice
(Conselho Nacional de Justiça), September 2010.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 45-53, abr./jun. 2012
48 Brunela Vieira de Vincenzi, Luiza Saito Sampaio

important to note that reforms have not only taken the form of innovative legislation,
but also effective, positive experiences of Brazilian courts have reinforced such mod-
ernization trend, as for instance, initiatives by the Special Federal Courts (“Tribunais
Especiais Federais”) of the Federal Regional Court of the 4th Region (“Tribunal Regional
Federal da 4ª Região”).5
Section II presents a brief historical overview of laws enacted with the purpose
of modernizing judicial proceedings and literally bringing Brazilian courts to the XXI
century by progressively introducing information technology communication in pro-
cedural acts. The true turnaround came about with the enactment of Law n. 11,419 of
December 19th, 2006 — the so-called Brazilian Digital Procedural Law — which scope of
applicability and main features are analyzed in Section III.
Section IV and Section V discuss, respectively, the perceived benefits and the
persisting challenges faced by the Brazilian judicial system in view of the ongoing
process of moving judicial proceedings and courts to virtual, digital platforms. Finally,
Section VI summarizes some concluding remarks.

II A brief historical overview – How Brazilian legislation


introduced information technology communication in judicial
proceedings
As a first albeit shy step towards the use of digital technologies in procedural
acts, Law n. 9,800 of May 26th, 99 has created the possibility of submitting procedural
documents via facsimile. Although such innovation definitely eased compliance with
legal deadlines excluding possible inconveniences and costs implied in having to file
procedural documents in person, Article 2 of the referred law provides that an original,
physical counterpart of the document sent via facsimile had to be delivered to the court
in up to five days after the end of the deadline.6
A further step was taken by Law n. 10,259 of July 12th, 2001, which then stimu-
lated the use of information technology to procedural acts before the federal courts
set up by such law, and not only to the transmission of procedural documents.7 In this

5
LAZZARI, João Batista, “O Processo Eletrônico como Solução para a Morosidade do Judiciário”
[“The Electronic Proceeding as a Solution to Judiciary Delay”], Revista de Previdência Social:
RPS, São Paulo: LTr, Ano 30, n. 304, March 2006, p.173-174.
6
REINALDO FILHO, Demócrito, “A Informatização do Processo Judicial - Da “Lei do Fax” à Lei
11.419/06: Uma Breve Retrospectiva Legislativa” [“The Digitalization of the Judicial Proceeding
– From the “Facsimile Law” to Law n. 11,419/06: A Brief Legislative Retrospective”], December
2006, available at <http://www.fiscosoft.com.br/main_index.php?home=home_artigos&m=
_&nx_=&viewid=151157>.
7
It should be emphasized that Article 19 of Law n. 9,099/1995 already provided for service of
process in special proceedings to be conducted by any sound, proper means. In this case,

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 45-53, abr./jun. 2012
The Electronic Judicial Proceeding in Brazil 49
sense, Article 8, §2 of Law n. 10,259/01 authorizes the implementation of electronic
services for the communication of procedural acts and allows for the submission of
digital documents without the subsequent need to deliver a printed counterpart of
such documents. A very pragmatic, interesting rule was set by Article 14, §3, according
to which judges responsible for standardizing the case law (“Turma de Uniformização
Jurisprudencial”) and residing in different cities should set meetings to be conducted
by distance, digital means.
A subsequent development came about with the enactment of Law n.
11,280/06, which introduced a sole paragraph to Article 154 of the Brazilian Code of
Civil Proceeding. According to this new provision, courts may, within the ambit of their
respective jurisdictions, discipline the practice and official communication of proce-
dural acts by electronic means, with due regard to the requirements of authenticity,
integrity, legal validity and interoperability of the Brazilian Public Keys Infrastructure
(“Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP – Brasil”).
It is important to note that this general rule represents an effort towards the
increasing adoption of electronic means and digital technologies for the purpose of
improving and modernizing the Brazilian judicial system; however, such effort is not
free of restrictions specifically imposed by law. In other words, in cases where the law
requires a special form for a specific act, as for example, proof of real estate property
(which depends on the registration of the title deed with the competent real estate
property register), information technologies might not be resorted to. In this specific
example, even if it is possible to attach the electronic copy of a real estate deed, the
legal validity of such document will be contingent on the effective presentation of the
deed issued by the notary office. Therefore, if the real estate register cannot electron­
ically issue the deed, no completely electronic procedure would be possible.
Finally, two important new laws paving the way to an increasing use of IT
resources applied to judicial proceedings in Brazil were enacted in 2006. The first
one, Law n. 11,341 of August 7th, 2006, changed the wording of Article 541 of the
Brazilian Code of Civil Proceeding, in order to authorize the use of judicial decisions
available online as a means of proof in extraordinary and special appeals based on
jurisprudential conflicts. Secondly, Law n. 11,382 of December 6th, 2006 introduced
two important, innovative mechanisms in the enforcement proceeding of extrajudi-
cial deeds: the online seizure (Article 655-A) and the online auction (Article 689-A).

including also electronic communication means as asserted by Oscar Valente Cardoso in


“O Processo Judicial Eletrônico Tributário nos Juizados Especiais Federais” [“The Electronic
Judicial Tax Proceeding before Federal Special Courts”], Revista Dialética de Direito Tributário,
n. 146, November 2007, p. 109-125.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 45-53, abr./jun. 2012
50 Brunela Vieira de Vincenzi, Luiza Saito Sampaio

III The Brazilian Digital Procedural Law


Law n. 11,419 of December 19th, 2006 provides for the digitalization of judicial
proceedings and fosters the use of technology by judicial courts in a definitive, ground-
breaking fashion, as its broad scope of application set forth in Article 1 expressly allows
for procedural acts to be performed electronically, as well as the conduct of a proceeding,
with all phases being communicated and implemented electronically in civil, criminal and
labor judicial procedures by both lower and upper courts.
The purpose of this law was clearly not only to reduce the large number of paper
court files, thus, meeting a legitimate environmental concern, but also to fundamentally
simplify and speed up proceedings by applying IT resources to merely bureaucratic
tasks and eliminating redundant work which could be simply automated.
It is important to note that the implementation of digital procedural systems
and solutions does not change the structure of Brazilian procedural law, but simply
promotes innovation in order to have procedural acts put in progress in the most
efficient and modern way possible. In fact, such innovation concerns judicial pro-
ceedings solely from a formal perspective.8 The court website and the documents
must be certified by the Brazilian Public Keys Infrastructure and, therefore, have the
same authenticity and validity as the printed, original version.9
Article 4 of Law n. 11,419/06 allows each court to create its own electronic
official gazette (“Diário da Justiça Eletrônico”), which certainly facilitates procedural
follow-up and search to be conducted by attorneys. This is not compulsory, as one
could logically understand that in Brazil (which is a country with continental dimen-
sions and displaying considerably contrasting regions in terms of economic and
social development) there are judicial districts where the adoption of information
technologies still represents a real challenge or the costs of implementation do not
compensate for the resulting benefits. In this vein, Article 5 and Article 12 of Law n.
11,419/06 provide for carve-out rules which, respectively, allow courts to resort to
traditional, non-electronic means of communication and establish that any proce-
dural documents and files sent to such courts be printed.

8
For a critical analysis about this formal reform of the judicial procedure in Brazil, please refer
to CAVALCANTE, Montavanni Colares, “A Supremacia da Imagem no “Processo Eletrônico” e a
Ameaça à Inteligência do Texto Escrito” [“The Image Supremacy in the “Electronic Procedure”
and the Threat to the Meaning of the Written Text”], Revista Dialética de Direito Processual,
n. 100, 2011, p. 69-77.
9
AQUINO, Ramon Ramos Ferreira de, “O Processo Eletrônico no Direito Brasileiro: A Lei de Infor-
matização do Processo Judicial e Breves Comentários à Informatização do Processo Adminis­
trativo” [“The Electronic Procedure in the Brazilian Law: the Digitalization of Judicial Proceed-
ings Law and Brief Comments to the Digitalization of Administrative Proceedings”], available at
<http://www.iesb.br/ModuloOnline/Atena/arquivos_upload/TCC_Ramon%20Ramos.pdf>.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 45-53, abr./jun. 2012
The Electronic Judicial Proceeding in Brazil 51
IV Technology and its benefits
IT resources, as discussed above, offer more alternatives to achieve the goal of
effectiveness and efficiency in judicial proceedings. In addition, electronic systems pro-
vide the extremely useful mechanism to automatically store precise data that can be
further used to monitor and feedback the system. The civil society, and specifically legal
practitioners, may have access to an online case law research database, which further
serves the fundamental principles of transparency and publicity of procedural acts.10
There are other important advantages, which must be highlighted here. Among
these is the flexibility in filing new claims, eliminating costs involved in travelling to the
competent forum. There is also the possibility of using the data upon receipt of docu-
ments in digital form, eliminating the retyping by the registration of new processes,
work that is normally done by court clerks. Also a considerable benefit is the saving of
time due to the integration of all state courts to the digital process, including upper
courts. Finally, a notable achievement is the increase of the access of the parties and
their lawyers to justice, since the digital process allows the filling of a suit from any
computer terminal with internet access.

V Technology and its difficulties


As any other innovation, digital procedures and distance communication has its
downside. First of all and often discussed since the internet became the most impor-
tant means of communication and data storage, there are pressing issues of electronic
means security, as for instance hackers and viruses which compromise data protection.11
As a note of caution, it should be mentioned that believing in the digitalization
of the judicial proceedings as a final, sufficient solution for the judicial delay problem
certainly comes across as naïve. The use of IT resources serves the goal of simplifying
plain bureaucratic tasks; however that does not necessarily result in more effective
judicial proceedings if the State apparatus itself remains essentially inefficient.12
Additionally, broad acceptance of the use of IT resources as a mean of commu-
nication has been questioned when it comes to the fundamental principle of access

10
It is important to highlight a possible conflict of constitutional guarantees, where fostering
great publicity and transparency of procedural acts might result in damage to intimacy and data
protection rights. For an interesting discussion about this matter, please refer to MENDONÇA,
Priscila Faricelli, “Notas sobre o Princípio da Publicidade Processual na Atualidade: Processo
Eletrônico e Mídia” [“Notes on the Procedural Publicity Principle Nowadays: Electronic Proceed-
ings and Media”], Revista Dialética de Direito Processual, n. 101, 2011, p. 114-132.
11
ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo, “A Segurança da Informação no Processo Eletrônico e a
Necessidade de Regulamentação da Privacidade de Dados” [“Information Safety in Electronic
Proceedings and the Need to Regulate Data Privacy”], Revista de Processo, 2007, p. 165-180.
12
MADEIRA, Dhenis Cruz, “Processo Eletrônico e Cognição no Direito Democrático” [“Elec­
tronic Proceedings and Cognition in Democratic Law”], Revista de Direito Processual, n. 55,
2007, p. 51-68.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 45-53, abr./jun. 2012
52 Brunela Vieira de Vincenzi, Luiza Saito Sampaio

to justice. In this sense, it is important to discuss the question related to the access to
information by the parties and its lawyers. It will be important that the Brazilian courts
define an objective and clear system to calculate the beginning and the end of dead-
lines in a digital proceeding in order to avoid fraud or unjust preclusions.13

VI Concluding remarks
The use of technology has given courts, judges and legal practitioners the tools
to conduct and to participate in judicial proceedings in a more efficient manner, such
as the digital filing of documents and online seizures abovementioned. Besides that,
recent institutional cooperation between courts and the Federal Revenue Secretariat,
the Central Bank and the National Registers of Automobiles has, for instance, granted
judges the possibility of having computer access to debtors’ tax information without
disrespecting any fundamental rights.14
The legislative developments discussed above and the recent experience of
Brazilian courts demonstrates, therefore, that (even where there might be challenges to
be overcome) the use of information technology shall be intensified in the years to come.

Resumo: O sistema judiciário brasileiro tem enfrentado sérios problemas


em termos de eficiência e efetividade, principalmente em decorrência da
morosidade crítica para a obtenção de uma decisão final. Durante as últi-
mas duas décadas, importantes iniciativas foram adotadas visando redu-
zir tal lentidão associada a procedimentos excessivamente burocráticos.
A informatização de procedimentos judiciais tem sido progressivamen-
te implementada por meio da edição de leis introduzindo tecnologia
da informação e da comunicação em atos processuais. Neste sentido, a
norma mais relevante é a Lei de Informatização do Processo Judicial (Lei
nº 11.419/2006), cujo escopo de aplicação e cujas principais características
são analisados no presente artigo. Além disto, tendo em vista que a mi-
gração de procedimentos judiciais para plataformas digitais encontra-se
em progresso, os benefícios e os atuais desafios enfrentados pelo sistema
judicial brasileiro também são abordados.

13
Further critics to the digitalization of judicial proceedings have been presented by the
Brazilian Bar Association (OAB) in connection with a possible breach of the constitutional
principles of legality, due process of law and publicity. For a detailed analysis of these
critics (and why they could be dismissed in most cases), please refer to VIANNA, Túlio, “A
Constitucionalidade do Procedimento Eletrônico Frente à Nova Redação do Artigo 154 do
Código de Processo Civil” [“The Constitutional Rule of the Electronic Proceedings in View
of the New Wording of Article 154 of the Brazilian Code of Civil Proceeding”], RT/Fasc.Civ.,
Vol. 874, August 1998, p. 103-108.
14
FRAGALE FILHO, Roberto, “The use of ICT in Brazilian Courts”, Electronic Journal of
e-Government, Volume 7, Issue 4, 2009, p. 349-358, available at <www.ejeg.com>.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 45-53, abr./jun. 2012
The Electronic Judicial Proceeding in Brazil 53
Palavras-chave: Brasil. Sistema judiciário. Procedimento eletrônico.
Tecnologia da informação. Lei de informatização do processo judicial.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

VINCENZI, Brunela Vieira de; SAMPAIO, Luiza Saito. The electronic judicial proceeding in Brazil.
Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 45-53, abr./jun. 2012.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 45-53, abr./jun. 2012
O conceito de sentença no Novo Código
de Processo Civil e suas implicações
no processo de execução – O acerto do
Projeto n° 8.046/10
Rafael de Oliveira Guimarães
Mestre e Doutorando em Direito Processual
Civil pela PUC-SP. Membro do Instituto Brasileiro
de Direito Processual Civil. Professor de Direito
Processual Civil na Universidade Estadual de
Maringá (UEM). Professor na Pós-Graduação da
PUCPR, UNIPAR (Umuarama) e UNIVEL (Cascavel).
Advogado em Maringá/PR.

Resumo: O breve estudo visa trazer os conceitos referentes aos pronuncia-


mentos judiciais passíveis de recurso, bem como a evolução dos mesmos.
Os mencionados conceitos são trazidos com base na análise da sistemática
anterior à Lei nº 11.232/05, passando pela sistemática vigente, e expondo
ideias contidas no Projeto de Novo Código de Processo Civil. Os pronun-
ciamentos judiciais em análise serão estudados sob o prisma da conceitua-
ção, recorribilidade e possibilidade de serem revestidos pela qualidade de
coisa julgada material. O texto traz ainda os posicionamentos doutrinários
e jurisprudenciais sobre o tema, e sinaliza como poderão ser entendidos os
pronunciamentos judiciais numa sistemática futura, caso seja aprovado o
Projeto do Novo CPC.

Palavras-chave: Atos judiciais. Conceito. Recorribilidade. Sistemática


vigente. Projeto do Novo Código de Processo Civil.

Sumário: 1 Considerações iniciais – 2 Breves reflexões acerca de mérito


da ação – 3 O mérito nos processos de conhecimento, executivo e cau-
telar – 4 Dos provimentos meritórios que transitam em julgado – 5 Dos
pronunciamentos judiciais de acordo com a sistemática vigente – 6 Da
natureza do art. 795 do CPC vigente e do art. 880 do Novo CPC. O pro-
nunciamento que põe fim à execução – 7 O conceito de sentença na
sistemática do Projeto nº 8.046/10 (o Novo Código de Processo Civil) –
8 Conclusões – Referências

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56 Rafael de Oliveira Guimarães

1 Considerações iniciais
Certamente, uma das grandes discussões em direito processual civil é o
pronunciamento judicial denominado sentença, e a sua possibilidade de detectá-la
na execução civil. Surgem indagações se o referido pronunciamento possui iden­
tidade com a execução civil, se há sentenças no processo de execução, ou mesmo se
há como um processo de execução ter fim sem uma sentença que assim declare. Para
isso, impor­tante um visita ao conceito básico de sentença, a sua evolução e as senten-
ças que eventualmente têm caráter meritório, para somente assim se opinar sobre a
espécie de pronunciamento judicial que põe fim à execução e a natureza do mesmo.
Após essas definições, mister fazer uma análise dos conceitos relacionados aos
pronunciamentos judiciais dentro da sistemática anterior a 2005, a vigente, e a que
provavelmente entrará em vigor com o Novo Código de Processo Civil, cujo projeto se
encontra em trâmite na Câmara dos Deputados.
Por fim, se definirá a natureza do ato do juiz que põe fim à execução com base
no art. 795 do CPC (art. 880 do Novo CPC), se este é sentença, decisão interlocutória,
despacho ou ato meramente ordinatório, tudo dentro da sistemática atual e o que
dispõe o Projeto do Novo Código de Processo Civil.

2 Breves reflexões acerca de mérito da ação


Para fundamentar a posição posteriormente defendida, cumpre primeira-
mente passar à apreciação de um brevíssimo conceito de mérito, pois com base nesse
conceito é que serão traçadas as características de outros institutos, tal como o da
coisa julgada.
Como bem lembra Cândido Rangel Dinamarco,1 mérito ou meritum provém do
verbo latim mereo (merere), que, entre outros significados, tem o de “pedir, pôr preço”, ou
seja, etimologicamente pode ser definido como o ato de alguém exigir uma avaliação,
postular o exame de algo.
O mesmo autor2 dá uma lição de humildade ao afirmar que, “momentaneamente”,
nada conclui sobre o conteúdo e a natureza da pretensão processual representativa do
objeto do processo, e que se satisfaz com a parcial conclusão de ser a pretensão proces-
sual o objeto do processo, já que é sobre ela que recairá a decisão judicial. E termina por
dizer que “se a pretensão que vem assim para ser alvo da medida judicial e constituir o
mérito é representada pela afirmação ou pelo pedido, ou se a causa petendi também se
considera incluída nela para esse efeito (e mais: a causa de pedir é caracterizada segundo

1
Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 2000. v. 1, p. 202.
2
DINAMARCO. Fundamentos..., p. 219.

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O conceito de sentença no Novo Código de Processo Civil e suas implicações no processo de execução... 57
a ‘substanciação’, ou ‘individuação’?) —, tais dúvidas constituem um desafio, a ser ain-
da enfrentado convenientemente em nossa doutrina”.
É forçoso concluir que o conceito de mérito abrange a causa de pedir e o pedido,
ou objeto litigioso. Pode ser o mérito identificado com o objeto do processo, como deno­
mina Arruda Alvim. Integram o mérito ainda todas as questões sobre as quais incidirão a
cognição do juiz, ao julgar. Ou seja, as prejudiciais que integram o mérito. E isso decorre do
próprio sistema. O art. 474 do CPC, que contém o princípio do deduzido e dedutível, é
mostra disso. O ordenamento, ao vedar que as argumentações não utilizadas pela parte
(causa de pedir próxima, segundo a teoria da substanciação do pedido) sejam deduzidas
em outra demanda com o mesmo pedido, deixa claro que a causa de pedir integra o
mérito, e é indissociável do pedido. E ressalte-se, isso ocorre mesmo sob o sacramento
da coisa julgada, que atinge somente o pedido, pois se agrega ao comando judicial que
dispõe sobre ele.
O mérito, nos dizeres do Prof. Arruda Alvim,3 e o conceito que adotará neste breve
trabalho é “a questão principal e quase sempre a última a ser decidida”, é a questão que
põe solução à lide.
Entende-se ser esta a definição mais simples e correta de mérito em direito
processual civil.

3 O mérito nos processos de conhecimento, executivo e


cautelar
Um dos costumes em direito processual civil é adotar classificação para todos os
pronunciamentos judiciais ou atos processuais. Muitas disposições legais, ou mesmo
pronunciamentos judiciais são estabelecidos somente para o caso analisado, não há
porque “encaixá-los” em qualquer classificação. Isso acontece, por exemplo, com o art.
488, inc. II, do CPC, onde há o estabelecimento de um depósito inicial de 5% sobre o
valor da condenação da ação rescindenda para o ajuizamento da rescisória. Não há
porque se atribuir a qualidade de caução legal (já que é um depósito previsto em lei),
ou mesmo pressuposto processual (pois leva ao indeferimento da inicial no caso de
ausência), o que importa é somente a função de tal dispositivo como método de inibi-
ção de demandas rescisórias sem a devida fundamentação e certeza. Outro exemplo
é trazido pela Profa. Teresa Arruda Alvim Wambier, quando expõe que cientistas aus-
tralianos atribuíram uma tarefa a cientistas americanos para definir a classificação do
ornitorrinco como ovíparo ou vivíparo, os americanos entenderam que não existia o

3
ARRUDA ALVIM, José Manuel de. Manual de direito processual civil. 8. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004. v. 1, p. 470.

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58 Rafael de Oliveira Guimarães

ornitorrinco porque não se encaixava em nenhuma classificação!4 Um absurdo que foi


feito, justamente, pelo raciocínio viciado de se tentar atribuir uma classificação a tudo.
Na questão do mérito (e coisa julgada como posteriormente se verá) nos tipos
de processo, acontece o mesmo. O mérito, como afirmado anteriormente, é a questão a
ser decidida, integra o mérito ainda todas as questões sobre as quais incidirão a cognição
do juiz, ao julgar.
Como o conceito de mérito foi concebido tendo como setentrião o processo de
conhecimento, grande parte da doutrina não admite a existência de mérito nos pro-
cessos executivo e cautelar, justamente porque não há declaração de direito nesses
outros dois processos tidos como acessórios do processo de conhecimento.
Admitindo-se que uma decisão seja de mérito, eventualmente dever-se-ia admitir
a sua qualidade de coisa julgada material, e a sua posterior possibilidade de ser rescindida
via ação rescisória, o que, como se verá posteriormente, nem sempre acontece com as
decisões meritórias.
No entanto, não admitir a presença de mérito nos processos de execução e cau-
telar seria o mesmo que admitir que possa não haver atividade jurisdicional nos Livros
II e III do CPC. Seriam demandas ocas no caso da admissão de não haver pretensão e
resposta do judiciário nestas modalidades de processo. O que definitivamente não se
concorda, já que pode ocorrer de a tutela jurisdicional ser prestada somente nestes pro-
cessos ditos “acessórios”. Há uma pretensão deduzida em juízo em tais processos, e tais
demandas necessitam de uma resposta às referidas pretensões, só que pretensões com
naturezas e objetivos diferentes do previsto no Livro I do CPC, como se verá a seguir.
Uma decisão de mérito no processo declaratório parece ser de bem simples
definição. Seria a simples declaração da existência ou inexistência de direito material
posto a juízo. Frise-se, estas decisões de mérito de processo de conhecimento podem
ocorrer, eventualmente, tanto no processo de execução (art. 794 do CPC) quanto no
processo cautelar (art. 810 do CPC).
Nas decisões do processo de execução já ocorre a diferenciação. Na demanda
executiva, como é cediço, em regra, o juiz não realiza qualquer declaração de direito,
mas sim realiza atos visando à satisfação desse direito. Realiza uma cognição parcial e
exauriente sobre a existência do título executivo, e define como a execução será guiada,
seguindo os princípios jurídicos e dispositivos legais que lhe são peculiares.
É de grande respaldo a doutrina hodierna no sentido de admitir que “a atividade
realizada pelo juiz com o fito de conferir se há título executivo é atividade cognitiva”.5

4
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O agravo e o conceito de sentença. Revista de Processo, São
Paulo, n. 144, p. 256, fev. 2007.
5
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 97.

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O conceito de sentença no Novo Código de Processo Civil e suas implicações no processo de execução... 59
Da mesma forma, a cognição judicial está presente no desenvolver da execução, na
verificação da validade dos atos executivos, tendo em vista o menor sacrifício do
deve­dor e a satisfação efetiva do credor. Tais atos também são revestidos de cognição
judicial,6 e sendo a cognição uma resposta à pretensão do exequente posta em juízo,
de mérito se trata, mesmo este mérito na execução não sendo necessariamente jul-
gado na “sentença” do art. 795,7 conforme afirma o Prof. José Miguel Garcia Medina e
Leonardo José Carneiro da Cunha.8
Este último traz exatamente essa dificuldade da doutrina constatar o mérito no
processo de execução, pois “se a ação, na concepção adotada pelo Código de Processo
Civil brasileiro, é o direito a uma sentença de mérito, a doutrina revela uma dificuldade
de enquadrar-se, nesse conceito de ação executiva, pois não se pode concebê-la como
voltada a outra coisa senão a satisfação prática do direito do credor representado em
título executivo, no que consiste, como se sabe, a razão de ser da tutela executiva”.9
Enquanto a concepção de mérito no processo de conhecimento é exatamente a res-
posta judicial ao pedido do jurisdicionado, tendo em vista o silogismo entre petição
inicial e sentença, no processo de execução o mérito é diluído, ocorre com a constata-
ção do título executivo, a verificação da correção de atos executivos como a penhora,
avaliação e alienação, e por consequência, atos que não serão atingidos pela coisa
julgada material, mas sim atos impugnáveis pela via de ação autônoma como a ação
anulatória do art. 486 do CPC.
No processo cautelar, o fenômeno meritório também se impõe, isso pelo fato
de que a auferição de fumus boni iuris e periculum in mora trata-se da resposta judicial à
pretensão do requerente. Há um pronunciamento judicial, mediante cognição sumária,

6
“Em nosso sentir, o mérito da execução é a satisfação do credor (o que foi pedido, no moldes e
nos limites em que foi)” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. A sentença que extingue a execução.
In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Processo de execução e assuntos afins. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1998. p. 397). “Há cognição judicial no curso do processo de execução,
também quando o juiz verifica a validade dos atos executivos realizados, bem como quando
determina a sua correção” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O
dogma da coisa julgada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 97).
7
“Entendo, data maxima venia dos doutos entendimentos transcritos retro, que existe, realmente,
mérito no processo de execução, resultante da delimitação traçada pelo autor da demanda, em
sua peça exordial. Todavia, esse fator não vincula a sentença a ser proferida no processo exe-
cutivo, pois essa sentença não resolve a lide, mas apenas declara extinto o processo executivo”
(MEDINA, José Miguel Garcia. O art. 795 do CPC. Revista de Processo, São Paulo, n. 88, p. 245).
8
“Existe, sim, mérito na execução. O detalhe é que ele é atendido antes da sentença. Satisfeito
o crédito do exeqüente, o juiz irá extinguir a execução por sentença. E tal sentença irá, ape-
nas, declarar que o mérito já foi atendido e que o crédito já foi satisfeito, estando extinta a
execução” (CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Mérito e coisa julgada na execução. In: BRUSCHI,
Gilberto Gomes; SHIMURA, Sérgio. Execução civil e cumprimento de sentença. São Paulo: Método,
2009. v. 3, p. 404).
9
Idem, p. 403.

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sobre a presença ou não do direito substancial de cautela. Quando se admite a presença


dos requisitos da cautelar, se está julgando procedente uma ação, ou seja, julgando o
pedido, apreciando o mérito,10 porém, tendo em vista a ser provisórias,11 sendo que
não se perduram no tempo, ser uma das características do processo cautelar, não significa
afirmar que as decisões proferidas em tal processo transitam em julgado.

4 Dos provimentos meritórios que transitam em julgado


Como dito, o mérito no processo de conhecimento incide na resposta ao
jurisdicionando com base no art. 269 do CPC; no processo de execução quando há
uma resposta do Judiciário quanto à existência de título executivo, ou à regulari-
dade dos atos executivos; e no processo cautelar quando da verificação do direito
substancial de cautela.
Pois bem, mas nem todos os pronunciamentos de mérito estão acobertados
pela qualidade de coisa julgada material. Coisa julgada material é a qualidade que se
agrega aos efeitos do decidido no dispositivo da sentença não mais sujeita a recurso.
Para facilitar as reflexões e detectar tal qualidade, deve-se fazer uma pequena distin-
ção de sentenças que apreciam o mérito: a) sentenças de processo de conhecimento;
b) sentenças de processo de conhecimento no processo de execução; c) sentenças de
processo de execução; d) sentenças de processo cautelar; e e) sentenças de processo
de conhecimento no processo cautelar.

4.1 Do trânsito em julgado das sentenças de processo de


conhecimento
O primeiro grupo delas, as sentenças de mérito no processo de conhecimento,
é o exemplo mais elementar de uma sentença que transita em julgado. As hipóteses
trazidas pelo art. 269 do CPC justificam a existência de uma sentença de mérito. Tanto
o é que é comezinho em nosso ordenamento que “a sentença rescindível é a que jul-
gou o mérito (CPC, 269) e que se encontra acobertada pela autoridade da coisa julgada
material (CPC, 467 e 468)”.12 Deste modo, a sentença de mérito do art. 269 é definida
pelo próprio Código como a que transita em julgado, assim possuindo a qualidade de

10
Cf. CARPENA, Márcio Louzada. Do processo cautelar moderno. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2005. p. 145.
11
SILVA, Ovídio Baptista da. Do processo cautelar. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 68 et seq.
12
NERY JUNIOR, Nelson. Ação rescisória em matéria tributária: a dimensão dos juízos rescindente
e rescisório e o creditamento do IPI de insumos isentos, não tributados e tributados à alíquota
zero. Revista de Processo, São Paulo, n. 127, p. 172, set. 2005.

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coisa julgada material, pois, entre as tutelas jurisdicionais, são as únicas que efetivamente
declaram o direito material.

4.2 Do trânsito em julgado das sentenças de processo de


conhecimento no processo de execução
O segundo exemplo, o das sentenças de conhecimento no processo de execução,
possui como fundamento, praticamente, os mesmos motivos do art. 269, só que com a
ressalva de serem proferidas no processo executivo. Isso acontece, por exemplo, quando
o juiz reconhece a prescrição da pretensão executiva, hodiernamente matéria de ordem
pública e passível de cognição de ofício. Tal sentença é motivadamente de mérito não
com base em qualquer preceito estampado no Livro II do CPC, mas sim com funda­mento
no art. 269, IV, do CPC. Ou seja, é uma sentença de processo de conhecimento, porém, no
curso do processo de execução.
Tal fenômeno também acontece com as decisões com base no art. 794. Apesar de
estarem localizadas no Livro II do CPC, tais decisões guardam relação com o processo de
conhecimento, pois declaram direitos, ou no caso, extinguem obrigações. A decisão com
base no art. 794 do CPC não decide sobre o título executivo, mas sim sobre a relação de
direito material que originou o título, seja extinguindo a obrigação, renunciando a direito
ou reconhecendo a procedência dos embargos à execução (ação de conhecimento).
É preciso ter em mente duas expressões: “ato” e “crédito”. Essa primeira refere-se
à formalização do crédito, ao título executivo objeto do processo executivo. Já o crédito
(obrigação) é a origem do ato, é o principal que quando sofre uma causa impeditiva
fulmina o ato (seu acessório).
Apesar de o pedido na ação executiva não envolver o crédito, mas somente
a satis­fação deste em virtude da existência do ato, eventualmente, pode haver o
reconhe­cimento da inexistência daquele (recibo de pagamento, por exemplo) tor-
nando inexigível o título executivo. Ocorre o trânsito em julgado com relação ao
crédito, impos­sibilitando a sua discussão em ação de conhecimento em virtude da
coisa julgada, mas também impossibilitando uma ação executiva por inexigibilidade
do título executivo.
A doutrina vem reconhecendo cada vez mais a existência de coisa julgada mate­
rial nas decisões de processo de conhecimento no processo de execução, em espe­cial
as com base no art. 794 do CPC. Isso porque “se o juiz, após cognição adequada e sufi­
ciente à extensão da controvérsia, reconhece extinta a obrigação, é preciso superar
a idéia segundo a qual não há declaração de direito no processo de execução e que,
portanto, a sentença que lhe põe fim seria apta à formação da coisa julgada formal.
Se o órgão exerce, no caso concreto, cognição que exaure a controvérsia (inclusive,

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62 Rafael de Oliveira Guimarães

repita-se, considerando-se seus próprios termos), não há porque recusar ter havido
apreciação do mérito e que, portanto, houve declaração, apta a projetar efeitos para
fora do processo e a se revestir da autoridade da coisa julgada material”.13 Amílcar de
Castro14 entende que a coisa julgada material incide no caso por “imposição iniludível
de justiça”. Não pelo mesmo fundamento, mas a ocorrência de coisa julgada material
quando da existência de uma sentença de processo de conhecimento no de execu-
ção é opinião compartilhada por Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia
Medina que entendem que em “ocorrendo declaração judicial reconhecendo que a
dívida foi paga, afirma-se na doutrina que há na referida sentença, pronunciamento
ou iudicium do magistrado, que não deixa de ser de mérito. Semelhantemente, é o que
se dá, por exemplo, quanto à sentença que reconhece a ocorrência de prescrição na
própria ação de execução. Nesse caso, extraordinária e excepcionalmente, acaba o juiz
por manifestar-se acerca da (in)existência do próprio crédito exeqüendo”.15
Em se tratando da formação de coisa julgada das decisões de processo de
conhe­cimento no processo executivo, entre elas, as do art. 794 do CPC, surge uma
pequena controvérsia doutrinária, justamente em seu inciso I que reza pela extinção
da execução quando o devedor satisfaz a obrigação. Flávio Luiz Yarshell16 e Araken de
Assis17 entendem que em tal pronunciamento não possui carga de cognição suficiente
para ser acobertada pela coisa julgada material. Ocorre que o que há é a satisfação

13
YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória e decisões proferidas no processo de execução. In:
LOPES, João Batista; CUNHA, Leonardo José Carneiro da (Coord.). Execução civil: (aspectos
polêmicos). São Paulo: Dialética, 2005. p. 151.
14
CASTRO, Amílcar de. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1976. v. 8, p. 398.
15
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Coisa julgada na execução e na exceção de pré-executividade.
In: BRUSCHI, Gilberto Gomes (Coord.). Processo de execução: temas polêmicos e atuais. São Paulo:
RCS, 2005. p. 203.
16
“Tais considerações, por outro lado, não endossam tese segundo a qual o juiz extingue o
processo de execução, na forma do art. 795, com fundamento nas hipóteses do art. 794,
ambos do CPC, ocorreria sempre coisa julgada de mérito. O que justifica a estabilidade da
declaração expressa no processo de execução não é simplesmente a afirmação formal de
que o devedor satisfez a obrigação (art. 794, I), mas sim o objeto e o grau de cognição
compreendida para que se chegasse a essa declaração. Se, no processo de execução, não
houve cognição adequada e suficiente porque i) aí não foram deduzidas alegações defensi-
vas ou; ii) as alegações aí apresentadas exigiam cognição incompatível com aquela possível
e adequada à estrutura e fins desse processo, então realmente não há que se cogitar de
julgamento do mérito e, nessa medida, descarta-se a ocorrência de coisa julgada material”
(YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória e decisões proferidas no processo de execução. In:
LOPES, João Batista; CUNHA, Leonardo José Carneiro da (Coord.). Execução civil: (aspectos
polêmicos). São Paulo: Dialética, 2005. p. 152).
17
“Em realidade, o provimento extintivo da demanda executória, porque o devedor
satisfez a obrigação (art. 794, I), não exibe carga declaratória suficiente para redundar na
indiscutibilidade do art. 467, do CPC” (ASSIS, Araken de. Manual da execução. 9. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004. p. 382).

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da obrigação — o pagamento — que por ser uma forma de extinção das obrigações,
torna-o impossibilitado de ser pleiteado em outra demanda. Seria o mesmo que se
afirmar que quando feita uma transação no processo de conhecimento, o mesmo crédito
poderia ser rediscutido posteriormente. Entende-se que tal discussão é impossibilita-
da por ter havido manifestação de vontade do executado concordando com o débito,
e assim ocorrendo uma composição da lide. Deste modo, filia-se ao entendimento de
José Carlos Barbosa Moreira quando afirma que “em todos os incisos do art. 794, há
um denominador comum: trata-se, em qualquer deles, de atos suscetíveis de extin-
guir a relação jurídica material entre as partes”.18
A similitude entre as decisões proferidas nos arts. 269 e 794 é evidente con-
forme expõe Teresa Arruda Alvim Wambier.19 Ou, com mais profundidade analisa
Leonardo José Carneiro da Cunha,20 “os incisos I, II e III do art. 794 do CPC correspon-
dem aos incisos I, III e V do art. 269 do mesmo diploma legal, sendo inegável que há,
em todos esses casos, atendimento do mérito”.
Vê-se que, de acordo com o art. 269, haverá resolução de mérito quando as
partes transigirem, hipótese prevista no art. 794, II, do CPC; quando o autor renunciar
ao direito que se funda a ação, hipótese prevista no art. 794, III; e nas demais hipóte-
ses previstas no art. 269 do CPC, ou seja, se houver uma ação de embargos à execu-
ção, poderá ocorrer a hipótese do inc. I do art. 269, ou se houver uma declaração de
prescrição, a hipótese do inc. IV.
A hipótese do inc. I, do art. 794, seria uma hipótese anômala, mas é caso ocor-
rente quando o devedor realiza o pagamento, independente de expropriação, ou seja,
por sua vontade manifesta, assim se assemelhando à remição ou mesmo à transação,
é hipótese de pagamento, inserindo-se no inc. II do próprio art. 794 do CPC.
Portanto, todas as hipóteses de extinção da execução com base no art. 794 do
CPC são sentenças meritórias, mas de processo de conhecimento, embora seja realizada
no processo de execução.
Desta forma, as decisões (sentenças) de processo de conhecimento no processo
de execução, e somente essas, entre elas as do art. 794, transitam em julgado,21 conforme

18
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Notas sobre a extinção da execução. In: ASSIS, Araken de
(Coord.). O processo de execução. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1995. p. 183.
19
“Anote-se, por oportuno, a similitude dos incisos do art. 794 com os do art. 269 do mesmo
Código” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 6. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007. p. 122).
20
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Mérito e coisa julgada na execução. In: BRUSCHI, Gilber-
to Gomes; SHIMURA, Sérgio. Execução civil e cumprimento de sentença. São Paulo: Método,
2009. v. 3, p. 405.
21
“A decisão que extingue a execução pelo pagamento, reveste-se de conteúdo material,
sendo, portanto, atacável pela ação rescisória” (STJ, 6ª T., Resp 238.059-RN, 21.03.00, Rel.
Min. Fernando Gonçalves, DJU, p. 144, 10 abr. 00).

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defendido pela Profa. Thereza Alvim,22 impossibilitando a discussão posterior em outra


ação em virtude do efeito negativo da coisa julgada.

4.3 Do trânsito em julgado das sentenças de processo de


execução
O terceiro grupo analisado é o das decisões executivas. Tais decisões, como já
dito, se dividem em decisões atinentes à validade dos atos executivos, e à existência
do título executivo.
Esse primeiro subgrupo, o das decisões que verificam a validade dos atos exe-
cutivos são de mérito, pois são respostas aos jurisdicionados, no entanto não transitam
em julgado ante o fato de não serem ventiladas sem sentença. As referidas decisões
são realizações da penhora, avaliação do bem por preço vil, etc. Estas podem sofrer
impugnação mediante ação anulatória do art. 486, não por rescisória, só o poderiam
se houvessem embargos de primeira ou segunda fase, assim, terminando em sentença
de mérito e habilitando a impugnação via ação desconstitutiva do art. 485 do CPC.
O outro exemplo de decisões executivas de mérito ocorre quando o juiz verifica
a existência do título executivo. Ressalte-se que tais decisões ocorrem somente quando
há a manifestação expressa do magistrado acerca do título executivo, já que inexistem
decisões implícitas de acordo com o art. 93, IX, da CF/88, que prega que todas as deci-
sões judiciais devem ser fundamentadas.
Aí surge uma questão capciosa, a de saber se tal decisão executiva transita em
julgado. Como é cediço, a grande maioria da doutrina entende que “a execução, em si
mesma, é inapta a gerar coisa julgada. Portanto, a não interposição de embargos não
impe­dirá que, mesmo depois do fim do processo executivo, proponha-se ação autônoma

22
Sobre o assunto, impõe-se ceder a palavra a Thereza Alvim, segundo quem a sentença que
extingue o processo de execução (CPC, 795), por qualquer dos motivos elencados no art. 794,
entre eles a satisfação do crédito (inciso I), é abrangida pelos efeitos da coisa julgada material,
somente podendo ser rescindida ou modificada por meio de ação rescisória, sujeita ao prazo
decadencial de dois anos. Eis o teor de sua lição: “Muito se discute sobre a sentença que põe
termo à execução, tida como essencial pelo art. 795 do Código de Processo Civil. Esta pode
ter como conteúdo quer as hipóteses enumeradas no artigo anterior, quer outras. Todavia,
tratando-se de sentença que extingue a execução, porque o devedor satisfez a obrigação, por
o devedor obter, por o devedor obter mediante transação ou qualquer outro meio, a remissão
total da dívida ou por o credor ter renunciado ao crédito inegavelmente, ficará ela abrangida
pela imutabilidade própria da coisa julgada material. Esse o motivo pelo que nos parece só
poderá ser desconstituída através de ação rescisória. (...) Assim, discordamos da afirmação de
que, se a execução não foi embargada, necessariamente inexiste sentença, só cabendo ação
anulatória eis que o seu uso está restrito às hipóteses enquadráveis no art. 486 do Código de
Processo Civil” (ALVIM, Thereza. Notas sobre alguns aspectos controvertidos da ação rescisó-
ria. Revista de Processo, São Paulo, n. 39, p. 15, jul./set. 1985 apud CUNHA, Leonardo José Carneiro
da. Mérito e coisa julgada na execução. In: BRUSCHI, Gilberto Gomes; SHIMURA, Sérgio. Execu-
ção civil e cumprimento de sentença. São Paulo: Método, 2009. v. 3, p. 407).

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O conceito de sentença no Novo Código de Processo Civil e suas implicações no processo de execução... 65
para que se reconheça que, com a inexistência da sentença, faltava título executivo e
se peça cumulativamente o desfazimento do resultado do resultado material do pro-
cesso executivo (por ex., a repetição do montante entregue ao exeqüente)”.23
Agora, chega-se à seguinte questão: se o juiz se manifesta expressamente pela
inexistência de título executivo (falta de assinatura em uma nota promissória, por
exemplo), tal decisão, que é de mérito e expressada mediante sentença não faz coisa
julgada? Como já dito, a grande parte da doutrina entende que não. Ocorre que é deci­
são que responde a uma pretensão, mesmo que seja executiva; e é tomada mediante
cognição exauriente, mesmo que parcial. Se tal decisão não for acobertada pela coisa
julgada, o exequente poderia adentrar novamente no judiciário visando à satisfação
do crédito que este supõe ter sem ter tornado exigível o título pela assinatura do título
ou declaração de exigibilidade do mesmo. Tal fato não ocorre, o exequente somente
pode buscar a satisfação do seu crédito se o título for “corrigido”, ou seja, mudar a situ-
ação fática, passar de inexistência do título executivo para existência.
Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, em posição muito
bem fundamentada, entendem neste sentido, no de formação de coisa julgada material
quanto à pretensão executiva. Entendem tais processualistas que quando “não se está
diante de um título executivo, ante a nulidade do ato jurídico, não fica esta questão —
a nulidade do ato jurídico — sujeita à coisa julgada. Dentre outras razões, pode-se
dizer a resolução da questão figuraria dentre os motivos da decisão, ou, quando muito,
questão prejudicial relativa à inexistência do título executivo, abrindo ensejo à inci-
dência do disposto no art. 469 do CPC.
Além disso, impõe-se seja feita a distinção entre ato e o crédito. O ato pode
ser, por exemplo, o contrato do qual tem início a dívida executada — o documento
será o instrumento particular ou a escritura pública. Quando alguém diz que está ‘exe-
cutando um contrato’, v. g., o objeto da execução é o crédito do contrato. Ou seja, o
crédito está contido no ato — não pode o juiz conhecer, na ação de execução, como
já se firmou antes. Deste modo, o que fica acobertado pela coisa julgada, na hipótese,
é apenas se aquele ato, tal como configurado, significa ou não um título executivo,
mesmo porque outra coisa não foi decidida pelo juiz.
Nada obsta, assim, que a dívida eventualmente existente seja cobrada por outra
via processual, porquanto nada se disse a respeito de sua existência, na sentença pro-
ferida no processo de execução.”24
Portanto há possibilidade de haver coisa julgada nas sentenças de processo de
execução, mas somente quando o juiz se manifesta acerca da existência do título, e

23
TALAMINI, Eduardo. A coisa julgada e a sua revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 373.
24
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 106.

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66 Rafael de Oliveira Guimarães

sendo estes efeitos panprocessuais estendidos além da demanda executiva daquele


título tido como inexistente. Pode muito bem o exequente ajuizar ação de conheci-
mento para dar a qualidade de título, como na ação monitória,25 ou ainda corrigir o
defeito do ato jurídico se houver a possibilidade.
Na hipótese de não haver a manifestação acerca da existência do título executi-
vo, a execução é impossibilitada de ter a qualidade de coisa julgada material, restando
o ne bis in idem como meio de se evitarem execuções simultâneas.26
Tecnicamente, e para se subsumir na legislação vigente, apesar da hipótese ser
de inexistência de título executivo, pois não houve manifestação quanto ao crédito,
mas sim com relação ao título executivo em si, de acordo com o breve estudo, não se
trata de sentença de mérito, julgando improcedente um pedido, mas sim uma decla-
ração de inexistência de uma das condições da ação, qual seja, do interesse de agir,
assim sendo uma sentença com base no art. 267, VI, do CPC.

4.4 Do trânsito em julgado das decisões cautelares


No processo cautelar, quando a decisão se atém simplesmente à verificação do
direito substancial de cautela, a coisa julgada material cautelar inexiste. Isso porque tal
provimento é embasado em cognição sumária e sempre poderá ser sobreposto pela
cognição exauriente, baseia-se somente em existência de fumaça do direito, jamais
em convicção deste. “O juiz ao decidir a causa, limita-se à simples plausibilidade da
relação jurídica de que o autor se afirma titular e à existência de uma relação de fato
de perigo”,27 não decide com base em provas da existência do direito efetivamente ao
ponto de exarar a certeza jurídica que faça uma relação ser imutável.
Outro argumento para a não incidência da qualidade de coisa julgada material
sobre o processo cautelar está na sua própria instrumentalidade, o processo cautelar é
“provisório, com a emissão de mandamentos revogáveis a posteriori, mas com efeitos
retroativos à época de sua emissão. Essa é a essência e somente isso justifica a não
formação da coisa julgada na lide acautelatória”.28 Como poderia uma lide provisória e
instrumental formar coisa julgada material?

25
Idem, p. 101.
26
“No tocante à dupla execução provocada pelo credor aventureiro, revela-se inócua a alegação
de coisa julgada proveniente do primeiro processo já extinto. Rejeitar-se-á a tentativa exorbi-
tante com fundamento do princípio ne bis in idem, pois o sistema processual é infenso à reite-
ração inútil e abusiva do que se consumou satisfatoriamente. Este obstáculo não se funda na
coisa julgada, de resto instituto inaplicável à demanda executória” (ASSIS, Araken de. Manual
da Execução. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 384).
27
CARPENA, Márcio Louzada. Do processo cautelar moderno. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
p. 167-168.
28
CARPENA, op. cit., p. 349-350.

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O conceito de sentença no Novo Código de Processo Civil e suas implicações no processo de execução... 67
Poderia se imaginar tal possibilidade em virtude do art. 808, parágrafo único,
onde se obsta a propositura de nova ação sem a modificação da causa de pedir, o que
não induz à ideia de formação de coisa julgada material. Tal dispositivo legal apenas
traz uma ideia de coisa julgada secundum eventum litis, fazendo ser lícito à propositura
com a mudança da situação acautelanda, o que não traz a certeza jurídica de uma
coisa julgada material.
O dispositivo do parágrafo único do art. 808 do CPC, que preceitua pela possibi-
lidade de poder-se ajuizar medida cautelar somente com fundamento diferente, pode
levar a erro quanto à formação de coisa julgada material. Isso não ocorre, a situação
de direito substancial de cautela pode mudar constantemente, diferente de uma ação
que seja acobertada pela qualidade de coisa julgada material.
O princípio esculpido no art. 808, parágrafo único, é uma verdadeira disposição
do ne bis in idem,29 que veda a provocação do judiciário para se discutir o mesmo direito,
ainda que o substancial de cautela.

4.5 Do trânsito em julgado das sentenças de processo de


conhecimento no processo cautelar
A formação de coisa julgada material no processo cautelar é vedada, mas tal
preceito admite exceções, tal como na possibilidade de se conhecer, desde logo, a
prescrição ou decadência da pretensão afirmada pelo autor da ação cautelar, de tal
modo que essa decisão produza coisa julgada material e extinga a futuro processo
principal. A inserção do art. 810 do CPC atende a uma exigência de celeridade e
economia processual.
Tal possibilidade de formação de coisa julgada material no processo cautelar
para o principal no caso em tela é observada pelos processualistas Teresa Arruda Alvim
Wambier e José Miguel Garcia Medina, tais doutrinadores entendem que “o art. 810 do
CPC dispõe que o juiz pode acolher a alegação de prescrição ou decadência do direito
do autor no próprio processo cautelar. Obviamente, assim o fazendo, a proferir sentença
de mérito que faz coisa julgada”.30
Outro exemplo é quando se faz um acordo nos autos ainda na cautelar prepa-
ratória. Tal pronunciamento judicial que homologa tal acordo é nada mais do que uma
sentença que reconhece a transação (CPC, 269, III).
Sendo assim, existe a coisa julgada material no processo cautelar, não porque
existem exceções ao preceito de que as decisões cautelares não formam coisa julgada, mas
sim porque são decisões de processo de conhecimento tomadas no processo cautelar.

29
CARPENA, op. cit., p. 32.
30
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 134.

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68 Rafael de Oliveira Guimarães

Concluindo, em se tratando de sentenças que transitam em julgado, estas, apesar


de se dividirem em sentenças de processo cautelar e de processo de conhecimento,
somente com conteúdo decisório desse último, transita em julgado, embora possa
ser um fenômeno que possa ocorrer em qualquer um das três modalidades de tutela
jurisdicional (de conhecimento, executiva e cautelar).

5 Dos pronunciamentos judiciais de acordo com a sistemática


vigente
5.1 Os despachos judiciais
Os atos processuais úteis ao presente estudo são aqueles praticados pelo
magistrado, atos que submetem o sujeito da relação jurídico-processual à sucum-
bência, que propicia a impugnação via recurso. No entanto, não são todos os atos
judiciais que abrem a via recursal, já que existem vários atos judiciais que não são
objeto de recurso. José Carlos Barbosa Moreira, ao abordar as características dos atos
judiciais para fins de recorribilidade, traz vários exemplos que não se encaixam em
qualquer dos atos elencados no art. 162 do CPC.31
Constata-se que os atos judiciais encontram-se em vários outros momentos no
processo, de modo a apontar que os atos enumerados no art. 162 do CPC vigente não os
exaurem, mas somente exemplificam os atos judiciais sujeitos a recurso, e, mesmo assim,
sendo somente os atos presentes no referido dispositivo legal que normalmente decidem
sobre direito da parte, independentemente se sobre incidente ou questão de mérito.
O supracitado artigo preceituava, anteriormente a 2005, que os atos judiciais
eram: a) a sentença, como sendo ato que colocava fim ao processo (§1º); b) a decisão
interlocutória, como sendo o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve ques-
tão incidental (§2º); c) despachos, como sendo os atos praticados no processo, a cujo
respeito a lei não estabeleça outra forma (§3º); e d) os atos meramente ordinatórios,
como a vista obrigatória, que independem de despacho (§4º).
De tais atos, já se percebia primeiramente a irrecorribilidade dos despachos, por
ordem do art. 504 do CPC. Esse artigo preceituava que os despachos de mero expediente
eram irrecorríveis, o que abarcava os preceituados nos §§3º e 4º do art. 162.

31
“[...] em verdade, dentre os atos que o juiz pratica no processo, há muitos outros — alguns de
superlativa importância — que não consistem nem em sentenças, nem em decisões inter­
locutórias e nem em despachos: por exemplo, a inquirição de testemunha (art. 416) ou da
parte (art. 344), a inspeção de pessoa ou coisa (art. 440), a tentativa de conciliação das partes
(art. 331 e 448, princípio), a audiência dos cônjuges sobre o motivo da separação consensual
(art. 1.122, caput, com a redação dada pelo art. 39 da Lei n. 6.515), a abertura de testamento
cerrado (art. 1.125), a arrecadação dos bens da herança jacente (art. 1.145), o exame do inter-
ditando (art. 1.181) e assim por diante” (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código
de Processo Civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. 5, p. 241).

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O conceito de sentença no Novo Código de Processo Civil e suas implicações no processo de execução... 69
Arruda Alvim define de outra maneira o preceituado pelo art. 162, ainda na
redação anterior a 2005. Esclarece que “ainda, o art. 162, §3º, deve ser considerado em
face do disposto no art. 504, em que se alude a despachos de mero expediente, es-
pécie esta que, desde logo, e pelo menos nominalmente, é diversa da dos despachos
(pois estes albergam conteúdo decisório). E os despachos são realmente decisões, no
plano sistemático do CPC, uma vez que a lei processual só exclui de recorribilidade os
despachos de mero expediente. Os despachos, portanto, são recorríveis por agravo,
assimiláveis que são, neste particular, às decisões interlocutórias. Quanto aos de mero
expediente, todavia, se o CPC procurou torná-los irrecorríveis, é porque não lesam.
Inocorre lesão — afirma-se — porque são eles destituídos de conteúdo decisório,
ainda que mínimo”.32
Assim, constata-se que, em regra, todos os despachos preceituados pelos §§3º e
4º do art. 162 são irrecorríveis. No entanto, mesmo sendo nominadas despachos, existem
decisões propriamente ditas, proferidas durante o processo, que realmente decidem ques-
tões, e aí não seriam mais despachos, mas decisões interlocutórias, segundo José Carlos
Barbosa Moreira.33 Os despachos tidos como de mero expediente, pela redação posterior
a 2005, podem ser proferidos pelo próprio escrivão, não ensejando maiores discussões
acerca da recorribilidade dos despachos proferidos pelo juiz, eventualmente terão
conteúdo decisório.

32
ARRUDA ALVIM, José Manuel de. Notas a respeito dos aspectos gerais e fundamentais da
existência dos recursos: direito brasileiro. Revista de Processo, São Paulo, n. 48, p. 12.
33
“Quanto ao tradicionalmente chamado ‘despacho liminar’ (o art. 285 emprega ‘despachará’),
mesmo quando tenha conteúdo positivo — isto é, deferirá a citação do réu —, já sob o regime
anterior se pusera em relevo, na doutrina, o seu teor decisório, pelo menos em certos processos.
Em resumo: todo e qualquer ‘despacho’ em qualquer órgão judicial que decida questão, no
curso do processo, pura e simplesmente não é despacho, ainda que assim lhe chame o texto:
encaixando-se no conceito de decisão interlocutória (art. 162, par. 2º), ipso facto deixa de
pertencer à outra classe. Absurdo lógico seria conceder-lhe lugar em ambas” (MOREIRA, José
Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
v. 5, p. 245). “Nesse esquema, os ‘despachos’ são unicamente os verdadeiros despachos, isto é,
os aludidos nos arts. 504 (redação antiga), com a expressão ‘despachos de mero expediente’, e
189, n. II, verbis ‘despachos de expediente’: atos de puro e simples impulso processual, como
os que o órgão judicial pratica quando assina prazo a qualquer das partes para falar nos autos,
ordena a remessa destes ao contador, manda proceder à anotação de reconvenção ou de
intervenção de terceiro pelo distribuidor (art. 253, parágrafo único), designa dia, hora e lugar
para ouvir a parte ou a testemunha impossibilitada de comparecer à audiência (art. 336,
parágrafo único) etc. Todos esses atos — despachos em sentido próprio — são irrecorríveis,
ex vi do art. 504 (cf., infra, os comentários a esses dispositivos). A classe, aliás, sofreu sensível
esvaziamento em conseqüência do acréscimo de um parágrafo 4º ao art. 162 (Lei n. 8.952, de
13.12.1994), a cuja luz ‘os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória,
independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz
quando necessário’” (Ibidem, p. 246).

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70 Rafael de Oliveira Guimarães

No tocante à recorribilidade dos despachos, não é somente a caracterização


decisória neles presente que o fazem ser “transportados” do §3º para o §2º do mencio-
nado dispositivo legal, ou seja, classificá-los como decisões interlocutórias, e aí serem
recorríveis. Há despachos que continuam sendo despachos e, devido ao seu descom-
passo com a lei, se tornam despachos “errados”;34 assim, propiciam a via recursal,
segundo Teresa Arruda Alvim Wambier.35
Tal fenômeno é visto, por exemplo, na Lei de Improbidade Administrativa
(Lei nº 8.429/92). Essa legislação, em seu art. 17, §7º, preceitua que antes da ação
propriamente dita ser instaurada há uma notificação do requerido para responder
sobre o possível ato ímprobo, e o juiz, ao analisar a prova documental e se con-
vencer de que há a probabilidade da ocorrência de improbidade, recebe a petição
inicial e determina a citação do requerido para contestar. Ou seja, vê-se que há um
direito do requerido de não sofrer uma ação sem qualquer fundamento, obrigando
a uma verificação prévia. Nesse âmbito, se o juiz, ao analisar a petição inicial sem
a manifestação anterior do requerido, determina a citação, estará não somente in-
fringindo a legislação, como também lesando direito do réu. Nesse caso, estaria
proferindo um despacho errôneo e abrindo a via recursal do agravo de instrumento.
Outro caso encontra-se na Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/65), na qual está
estabelecido que o prazo para a contestação é de 20 (vinte) dias (art. 7º, §2º, IV) e não
15 (quinze). Desta forma, o despacho que determina a citação para contestar, na ação
popular, e fixa o prazo de 15 (quinze) dias é um despacho contra a legislação aplicável
à espécie, já com o prejuízo presumido, também passível de recurso.
Razão assiste aos dois processualistas, seja quando afirmam que um despacho
pode ter características de decisão, abrindo a via recursal, seja quando um despacho sem
qualquer conteúdo decisório, se proferido erroneamente, também abre a via recursal,
mesmo tratando-se de despacho.
Entretanto, entende-se que não é unicamente a característica de ser decisão
interlocutória que abre a via recursal do agravo de instrumento, mas também quando
o despacho, mesmo que não contenha conteúdo decisório, seja errôneo e cause dano à
parte. Assim, detecta-se o critério do “prejuízo” para a recorribilidade dos atos judiciais.
Gleydson Kleber Lopes de Oliveira já constatou tal critério.36 Daí a feliz afirmação da

34
ARRUDA ALVIM, José Manuel de. Notas a respeito dos aspectos gerais e fundamentais da
existência dos recursos: direito brasileiro. Revista de Processo, São Paulo, n. 48, p. 12.
35
“Este critério tem sido utilizado de modo profícuo na jurisprudência, para distinguir os despa-
chos que, como tais, não podem ser impugnados por recurso daqueles que, por causar prejuízo à
parte, ou por serem manifestamente errados, são, por isso, agraváveis” (WAMBIER, Teresa Arruda
Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 142).
36
“O que caracteriza ser determinado pronunciamento uma decisão é o prejuízo jurídico dele
decorrente para uma ou ambas as partes. Os critérios do prejuízo e o topológico orientam o

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O conceito de sentença no Novo Código de Processo Civil e suas implicações no processo de execução... 71
Profa. Teresa Arruda Alvim Wambier, de que objetivo para se detectar quais são os
pronunciamentos judiciais não deve ser verificar o conteúdo decisório ou não em um
despacho para detectar se é despacho ordinário ou de mero expediente, até porque
todos seriam de mero expediente, o enfoque é demonstrar a ocorrência de prejuízo, ou
a sua classificação como “errôneo”, o que seria um prejuízo presumido, e classificá-lo
como decisão interlocutória, e aí sim abrir a via do agravo de instrumento para a
impugnação.37

5.2 A distinção entre decisão interlocutória e sentença na


sistemática vigente
Para se chegar aos conceitos de sentença e decisão interlocutória que o Código
de Processo Civil preconiza hodiernamente, necessário ventilar a transição ocorrida
dos mencionados conceitos ocorridos anteriormente a 2005, e as suas transformações
para os dias de hoje.
A Lei nº 11.232/05 não provocou alterações quanto à recorribilidade dos despa-
chos, mas mudanças substanciais nos conceitos de sentença e decisão interlocutória.
Essa lei determinou que sentença não é mais o ato que põe fim ao processo, porém o ato
que tenha conteúdo de sentença, ou seja, que decida com base nos arts. 267 e 269 do
CPC, enquanto, por exclusão, as decisões interlocutórias ficaram sendo as decisões inci-
dentais, que não contenham um dos fundamentos dos arts. 267 e 269 do CPC. A caracte-
rização de sentença e decisão interlocutória não mais obedece ao critério da finalidade,
mas do conteúdo da decisão judicial, como já era preceituado na Itália e no Brasil.38
Pois bem, seguindo à risca o preconizado pelo §1º do art. 162 do Código de
Processo Civil, sentença passou a ser o pronunciamento judicial que decide com base
nos arts. 267 ou 269 do Diploma Processual.

legislador na indefinição do gênero decisão — do qual são espécies a sentença e a decisão


interlocutória — e do respectivo recurso interponível” (OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de.
Recurso especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 61).
37
“Despachos, dizíamos, são todos os atos do juiz que não chegam a consubstanciar-se em de-
cisão. Todos são, por isso, de mero expediente. Se não o forem, serão, então, decisões interlo-
cutórias” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 6. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007. p. 38).
38
“Nenhuma característica extrínseca caracteriza a sentença” (ROCCO, Alfredo. La sentenza civile.
Milão: Giuffré, 1962. n. 28, p. 65). “Há que dar voltas à tautologia, a que dá azo a própria lei e, cer-
tamente, o único elemento por meio do qual se podem identificar as sentenças é seu conteúdo”
(WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O conceito de sentença no CPC reformado. In: FABRÍCIO, Adroaldo
Furtado (Coord.). Meios de impugnação ao julgado civil: estudos em homenagem a José Carlos
Barbosa Moreira. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 532). A processualista paulista já defendia há
muito tempo a ideia em outra obra (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da
sentença. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 33-34).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 55-91, abr./jun. 2012
72 Rafael de Oliveira Guimarães

Tendo em vista a alteração ora mencionada, boa parte da doutrina brasileira


entendeu como tendo havido uma radical mudança na conceituação dos pronuncia-
mentos judiciais, adotando a mencionada doutrina o critério material, do conteúdo
do ato judicial. Renato Castro Teixeira Martins, por exemplo, opina claramente que “de
acordo com a nova redação do art. 162, §1º, do CPC, ‘sentença é o ato do juiz que
implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei’. Talvez fosse melhor
ter se utilizado da expressão ‘contém’ em vez de ‘implica’. De qualquer forma, não resta
dúvidas de que acolheu a tese da doutrina e definiu sentença de acordo com o conteúdo
do provimento judicial, restando abandonado o critério topológico”.39 Tal opinião é
compartilhada por Teresa Arruda Alvim Wambier,40 Breno Silveira de Oliveira41 e Fábio
Milman,42 sendo que este último afirma que não poderia ser outra a conclusão tendo
em vista a interpretação do CPC, e que inclusive na vigência do revogado art. 162, §1º,
o conceito já deveria ser este. O mesmo entendimento foi compartilhado por parte de
jurisprudência, principalmente do sul do país, que entendeu o conceito de sentença
pela leitura simples do §1º do art. 162 do CPC, e passou a adotar a apelação cível como
recurso cabível em todos os casos, mesmo quando a decisão com base nos arts. 267 e 269
não extinguir o processo como um todo.43

39
MARTINS, Renato Castro Teixeira. Apelação por instrumento. In: MEDINA, José Miguel Garcia
et al. (Coord.). Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais: estudos em homenagem à
Professora Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 841.
40
“Cumpre notar, inicialmente, que os arts. 267 e 269 do CPC dizem respeito quer a sentença, quer
o acórdão, quer às decisões interlocutórias proferidas pelo relator, cujo conteúdo seja de uma
sentença” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 6. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007. p. 32). “E, agora, a Lei n. 11.232 diz que no art. 162, na nova redação
que deu ao art. 162, diz: sentença é ato do juiz que implica uma das situações do art. 267 ou 269.
O que me parece absolutamente correto. Para mim sempre foi assim, embora a lei reduzisse o
intérprete a um raciocínio viciado” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O agravo e o conceito de sen-
tença. Revista de Processo, São Paulo, n. 144, p. 255, fev. 2007). No mesmo sentido: “houve, assim,
aparente substituição do critério para definição de sentença: o critério formal (finalístico) teria
sido substituído pelo critério material (conteúdo)” (CORTEZ, Cláudia Helena Poggio. O novo con-
ceito de sentença visto pelos Tribunais. Revista de Processo, São Paulo, n. 171, p. 283, maio 2009).
41
“A nova redação conferida ao art. 162, §1º, alterou o conceito de sentença. Pelo novo conceito, a
sentença é toda e qualquer decisão que, proferida por um juiz de primeiro grau, tenha seu con-
teúdo subsumido a alguma das hipóteses contidas nos arts. 267 e 269” (OLIVEIRA, Breno Silveira
de. Um novo conceito de sentença?. Revista de Processo, São Paulo, n. 149, p. 136, jul. 2007).
42
“Retomada a atual redação do art. 162, §1º, do CPC (Sentença é o ato do juiz que implica alguma das
situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei), outra não poderá ser a conclusão senão a de que
o ato que afastou um dos litisconsortes, determinando curso ao processo com os remanescentes
sujeitos parciais, é (e sempre foi!) uma sentença sem resolução de mérito” (MILMAN, Fábio. O
novo conceito de sentença e suas repercussões recursais: primeiras experiências com a apelação
por instrumento. Revista de Processo, São Paulo, n. 150, p. 165, ago. 2007).
43
“Ademais, mesmo que se aplicasse à hipótese a regra prevista no art. 191 do CPC, o provimento
jurisdicional ora impugnado pelo agravo de instrumento homologou o acordo entabulado
pelas partes, extinguindo o processo com resolução do mérito, nos termos do disposto

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O conceito de sentença no Novo Código de Processo Civil e suas implicações no processo de execução... 73
O ponto nervoso da aceitação do conceito de sentença pelo critério material
reside justamente na recorribilidade do pronunciamento judicial.
Tome-se como exemplo uma decisão que rejeitava a pretensão de litisconsorte
ativo, por exemplo. Tal decisão era, teoricamente, uma sentença, mas para o Código
continuava uma decisão interlocutória, pois o processo ainda não tinha se encerrado e
a recorribilidade facilmente se encontrava no agravo de instrumento. Hodiernamente,
a dúvida já se encontra presente. É uma decisão que julga com base nos arts. 267 e 269
(267, mais precisamente) do CPC; no entanto, não encerra o processo como um todo,
mas somente uma das relações jurídico-processuais. Pelo Código, restaria a apelação
cível como meio recursal, mas será que os autos do processo “subiriam” ao segundo grau
de jurisdição para a apreciação de tal feito? Haveria então a suspensão do processo? Em
caso negativo, dever-se-ia impugnar pela via da “apelação por instrumento”?
Parte da doutrina adotou justamente essa última hipótese, passou a defender o
cabimento da apelação por instrumento para impugnar os pronunciamentos judiciais que
não colocassem fim ao processo, mas que decidissem com base no art. 267 e 269 do CPC.
O referido posicionamento é defendido por Luiz Guilherme da Costa Wagner Junior44 e
Renato Castro Teixeira Martins,45 sendo que este, inclusive, entende que não se deve fazer
qualquer alteração legislativa para se admitir a apelação por instrumento, mas somente
uma adaptação do art. 525 ao 513 do CPC. O argumento básico para a compreensão do
critério material para a conceituação de sentença é a sua fácil compreensão ante uma
leitura somente do §1º do art. 162 do CPC, e claro, o principal, está-se classificando
o ato judicial pela atividade cognitiva do juiz. Se o juiz decide um pedido, seja com
acolhimento de mérito, seja extinguindo o processo sem resolução de mérito, tal ato
deve ser tido como sentença, independentemente do momento em que é prolatado.

no art. 269, III do CPC. Trata-se, portanto, de sentença, que desafia recurso de apelação e não
agravo de instrumento” (TRF da 4ª Região, AgIn n. 2008.04.00.016722-7, rel. Des. Fed. Maria
Lúcia Luz Leiria, j. 14.04.2010, DJe, 06 maio 2010).
44
“Outro reflexo prático da aceitação da apelação como o recurso cabível diante dessas mani-
festações diz respeito à necessidade da formação de instrumento para este recurso, pois, do
contrário, não haverá meio de a apelação chegar ao conhecimento do tribunal uma vez que,
recorde-se, o feito irá prosseguir em primeiro grau, já que a decisão é apelável, ainda que preen-
chendo o novo conceito de sentença, não haverá colocado fim ao processo” (WAGNER JUNIOR,
Luiz Guilherme da Costa. O novo conceito de sentença e os reflexos na escolha dos meios de
impugnação cabíveis diante dos pronunciamentos judiciais: aplicação do princípio da fungibili-
dade. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; NERY JUNIOR, Nelson (Coord.). Aspectos polêmicos e
atuais dos recursos cíveis e assuntos afins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v. 11, p. 245).
45
“Assim, não há que se falar em necessidade de alteração legislativa para admitir-se a interposição
do recurso de apelação por ou na forma de instrumento, já que não se trata de recurso novo, mas
apenas de utilização, por analogia, de regime ou forma já prevista para outro recurso” (MARTINS,
Renato Castro Teixeira. Apelação por instrumento. In: MEDINA, José Miguel Garcia et al. (Coord.).
Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais: estudos em homenagem à Professora Teresa
Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 842).

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74 Rafael de Oliveira Guimarães

O que pode ocorrer num processo de dois autores contra um réu seria a prolação
de uma sentença num momento (declaração de prescrição do pedido contra um dos
autores, por exemplo) e outra no fim do processo (a mesma declaração de prescrição
com relação ao outro autor). Em admitindo ser uma sentença esse primeiro pronun-
ciamento judicial, mas agravável, e o último pronunciamento, indiscutivelmente uma
sentença, e claro, apelável, segundo Fábio Milman46 e Teresa Arruda Alvim Wambier,47
de acordo com interes­sante fundamentação, atentar-se-ia contra um princípio consti-
tucional: a isonomia.
Isso porque essa primeira sentença, impugnável via agravo de instrumento, teria
um procedimento muito mais criterioso, tendo em vista as peças obrigatórias a serem ane-
xadas (cf. art. 525), a declaração de autenticidade das peças pelo advogado, e a informação
ao juízo a quo acerca da apresentação do recurso perante o tribunal regional (cf. art. 526
do CPC), e em contrapartida, tem um processamento com menos garantias ao devido pro-
cesso legal, como a impossibilidade de conclusão ao revisor (cf. art. 551 do CPC) e de sus-
tentação oral (cf. 554 do CPC). Ainda, no recebimento da apelação cível, em regra, tem-se
o efeito suspensivo ope legis, e no agravo de instrumento, tal ato depende de decisão do
relator (cf. art. 527, III, do CPC) não sujeita a recurso (cf. art. 527, parágrafo único, do CPC).
Desse modo, verifica-se a disparidade e muito maior benefício de o seu direito
reconhecido no caso de apresentação de apelação cível do que quem apresenta o

46
“Ocorre que a própria lei outorga maiores vantagens no uso da apelação do que no manejo do
agravo de instrumento. Assim está no art. 520, caput, do CPC ser regra o recebimento da apela-
ção no efeito suspensivo, enquanto no agravo de instrumento tanto poderá ou não ser alcan-
çado conforme decisão irrecorrível do relator (art. 527, III e parágrafo único, do CPC; art. 558 do
CPC). A possibilidade de sustentação oral das motivações recursais é admitida na apelação e
vedada no agravo de instrumento (art. 554 do CPC). Eventual recurso extraordinário ou recurso
especial que tiver sido interposto ‘contra decisão interlocutória em processo de conhecimento,
(...) ficará retido nos autos’ (art. 542, §3.º, do CPC), enquanto as mesmas espécies, se interpostas
contra acórdãos que tenham julgado apelações, terão tramitação imediata, sem dependência
de atos ou possibilidades futuras. Por fim, no julgamento da apelação prevê o art. 551 do CPC
prévia submissão do feito a revisor, figura excluída em se tratando de agravo” (MILMAN, Fábio.
O novo conceito de sentença e suas repercussões recursais: primeiras experiências com a ape-
lação por instrumento. Revista de Processo, São Paulo, n. 150, p. 166, ago. 2007).
47
“Eu coloquei essa idéia debaixo do travesseiro, pensei melhor, pensei sob essa ótica muito
contemporânea de se analisar o direito processual, a partir de uma perspectiva constitucional,
do Princípio da Isonomia, e realmente cheguei à conclusão de que essa é a melhor solução.
Porque essa realmente é a solução que preserva o princípio da isonomia, o princípio da iso-
nomia no sentido amplíssimo, quer dizer, a parte não pode ter uma solução diferente com
relação ao pedido que foi decidido precocemente e ao pedido que vai ser decidido depois.
Porque se houver um agravo de instrumento com efeito suspensivo, a parte vai ficar privada
de revisão, vai ficar privada de fazer sustentação oral, o recurso não é o mesmo. Tem que ser
também uma apelação, só que, procedimentalmente, a forma da apelação tem que ser por
instrumento” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O agravo e o conceito de sentença. Revista de
Processo, São Paulo, n. 144, p. 252, fev. 2007).

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O conceito de sentença no Novo Código de Processo Civil e suas implicações no processo de execução... 75
agravo de instrumento, mesmo se tratando de decisão com mesmíssimo conteúdo.
Por isso ser perfeitamente defensável a utilização da apelação por instrumento o caso.
No entanto, outra problemática surge com a eventual utilização da apelação
por instrumento: está-se criando um recurso inexistente no sistema processual civil.
Por mais que se defenda que a apelação cível já é um recurso previsto nos arts. 496 e
513 do CPC, não necessitando mais de previsão, mas sendo a sua forma de instrumento
somente uma regulamentação procedimental, tal fundamento não se sustenta. Isso
porque o Código de Processo Civil, quando entende ser um caso de apresentação de
um recurso na forma de instrumento o faz expressamente (cf. arts. 522, 525 e antigo 544
do CPC), não deixando isso para arbítrio das partes ou de regimentos internos, também
pelo fato de que a lei processual estabelece regras para o trâmite desses recursos na
forma de instrumento.
O Prof. Nelson Nery Junior traça argumentos interessantes contra a adoção da
apelação por instrumento, além do já trazido. Entende o processualista que “inventar-se
apelação por instrumento, inexistente no direito brasileiro e absolutamente alheia à
tradição do processo civil luso-brasileiro; burla-se o regime jurídico da apelação, dado
pelo CPC 514, que não prevê a possibilidade de sua interposição por instrumento,
sendo, portanto, contra legem mandá-la processar por instrumento; cindir-se o julga-
mento da lide com a ‘sentença parcial’, não prevista no sistema do CPC (poderia, con-
forme alguns, ser prolatada no sistema revogado do CPC/39 287)”.48 Vê-se o acerto da
posição do Prof. Nelson Nery Junior justamente no que tange à compreensão prática
do conceito de sentença e do manejo de uma apelação por instrumento. O eventual
recurso praticamente admite a possibilidade da existência de várias sentenças num
mesmo processo, o que já tinha sido extirpado do ordenamento jurídico processual
com a promulgação do CPC de 1973. Seria um retrocesso naquilo que Alfredo Buzaid
arquitetou e trouxe vários benefícios, principalmente no que tange à recorribilidade
dos pronunciamentos judiciais.
O critério para a classificação dos pronunciamentos deve ser o processo e não a
ação,49 justamente para se admitir somente uma sentença e, consequentemente, uma
apelação cível de cada processo.

48
NERY JUNIOR, Nelson. Conceito sistemático de sentença: considerações sobre a modificação
do CPC 162, §1.º que não alterou o conceito de sentença. In: JAYME, Fernando Gonzaga; FARIA,
Juliana Cordeiro; LUANAR, Maira Terra (Coord.). Processo civil: novas tendências: estudos em
homenagem a Professor Humberto Theodoro Júnior. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 529.
49
“O parâmetro para a classificação do ato judicial é o processo e não a ação” (NERY JUNIOR,
Nelson. Conceito sistemático de sentença: considerações sobre a modificação do CPC 162, §1.º
que não alterou o conceito de sentença. In: JAYME, Fernando Gonzaga; FARIA, Juliana Cordeiro;
LUANAR, Maira Terra (Coord.). Processo civil: novas tendências: estudos em homenagem ao
Professor Humberto Theodoro Júnior. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 523).

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76 Rafael de Oliveira Guimarães

Os processualistas Jorge Eustácio da Silva Frias50 e Leonardo Ferres da Silva


Ribeiro trazem argumentos valiosíssimos no que tange a entender sentença como ato
do pronunciamento judicial que põe fim à fase conhecimento em primeiro grau de
jurisdição. Tais processualistas entendem que o conceito de sentença foi alterado em
2005, não só pela necessidade de adoção do critério material como o definir do ato
judicial, mas sim pela adaptação do processo às novas reformas dos arts. 475-J e 461
do CPC, que estabeleciam um dito processo sincrético, ou seja, no caso do art. 475-J, o
processo se mantinha o mesmo, então a sentença não poderia ser o ato que colocava
fim ao processo, pois esse seria o ato final da fase executiva, mas a sentença, que efeti-
vamente declara direitos, seria o ato que decide a fase cognitiva, por isso da alteração
legislativa do art. 162, §1º do CPC. E quando o CPC viu hipóteses claras de sentenças
ainda sem o fim do processo, estabeleceu o agravo de instrumento como o recurso
cabível, como nas hipóteses do art. 475-H, que é uma decisão que julga a liquidação
de sentença e art. 475-M, §3º, o que julga a impugnação ao cumprimento de sentença.
O segundo desses dois processualistas citados afirma que “referindo-nos espe-
cificamente às sentenças podemos afirmar que o seu conteúdo atual — que a define
pelo conteúdo — surgiu da necessidade de adaptação à nova sistemática de execução
de títulos judiciais.
Com efeito, a Lei nº 11.232/05 alterou radicalmente a carga de eficácia da sen-
tença condenatória, permitindo sua efetivação (rectius execução) sem necessidade de
processo autônomo de execução. Extinguiu-se, portanto, a execução ex intervallo.
Diante da unificação dos processos de conhecimento e de execução (sincretismo
processual), não se poderia mais afirmar que a sentença era o ato pelo qual se extingue
o processo (redação primitiva do Código de Processo Civil de 1973), pois após a Lei nº
11.232/05 o processo que tenha por objeto o pagamento de uma quantia certa passou
a contar com uma fase de conhecimento e, após a sentença, uma fase de execução,
repita-se, ambas dentro da mesma relação processual, como, aliás, já se entendia com
relação às ações de obrigação de fazer, não-fazer e entrega de coisa (arts. 461 e
461-A do CPC). Nessa situação, não há extinção do processo com a prolação da
sentença, mas sim do seu cumprimento”.51

50
FRIAS, Jorge Eustácio da Silva. A multa pelo descumprimento da condenação em quantia
certa e o novo conceito de sentença. In: SANTOS, Ernani Fidélis dos et al. (Coord.) Execução
civil: estudos em homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2007. p. 167.
51
RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. A definição dos pronunciamentos judiciais (sentença, deci­
sões interlocutórias e despachos) após as últimas alterações legislativas: impacto e efeitos no
plano recursal. In: MEDINA, José Miguel Garcia et al. (Coord.). Os poderes do juiz e o controle
das decisões judiciais: estudos em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim Wambier.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 379.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 55-91, abr./jun. 2012
O conceito de sentença no Novo Código de Processo Civil e suas implicações no processo de execução... 77
Portanto, uma das razões de ser da mudança trazida pela Lei nº 11.232/05 não
é a simples adaptação ao critério material no que tange ao conceito de sentença, mas
a adaptação do conceito à nova sistemática do processo sincrético ao se afirmar que
sentença é o pronunciamento judicial pelo qual se põe fim à fase cognitiva em primei-
ro grau de jurisdição, e não mais ao processo, porque esse envolve a fase executiva e
eventualmente o processamento no tribunal estadual também.
Outro fator interessante é que o §1º do art. 162 não pode ser interpretado
isolada­mente para se conceber o conceito de sentença, mas sim em conjunto com o
§2º, que permaneceu inalterado. Mais uma feliz afirmação é feita por Jorge Eustácio
da Silva Frias ao trazer que “se a lei define como sentença o ato que implica umas das
hipóteses descritas nos arts. 267 e 269 (art. 162, §1º), por outro lado, o §2º do referido
art. 162 (inalterado) continua a dizer que ‘decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz,
no curso do processo, resolve questão incidente’. Ora, ‘questão’ é todo ponto contro-
vertido, de direito ou de fato. Quando decidido no curso do processo, isto é, antes da
solução integral da lide, o ato do juiz será decisão interlocutória; quando tal solução
vier como definição do juiz para a lide, por forma a que, em primeiro grau, o mérito da
causa não poderá mais ser revisto (salvo, naturalmente, por meio de embargos decla-
ratórios, no âmbito que lhe é próprio, ou se o tribunal anular o julgamento), o ato, para
efeito recursal, deverá ser qualificado como sentença. Noutras palavras, sentença será
o ato do juiz, hábil a extinguir o processo e a relação processual, quando proferida na
forma do art. 267 do Código, assim como será o ato que encerra (hábil a encerrar) a
fase de acertamento do direito, a etapa de solução da lide”.52 Por isso, não bastassem
as questões de recorribilidade e adaptação ao sistema que levam a entender sentença
utilizando um critério misto, topológico-finalístico para a definição, a própria leitura do
art. 162, §2º, também deve nortear o intérprete. Ora, se o conceito de decisão interlocutó-
ria permanece inalterado, como sendo uma questão incidente, o §1º deve ser interpretado
sendo utilizado como fonte o segundo, e não ler o §2º somente nas hipóteses em que
não incida o primeiro. A sentença é o ato que decide com base nos arts. 267 e 269, mas
desde que não seja questão incidental, por interpretação do §2º do art. 162, do CPC.
Ainda, pensando numa aplicação pragmática do conceito de sentença, não há
como entendê-lo como o pronunciamento judicial que decide com base nos arts. 267
e 269 do CPC somente. Tendo em vista o já explanado, principalmente com relação à
impossibilidade de existência de um recurso de apelação por instrumento para impugnar
decisões que julgam pedidos, mas não põem fim ao processo. Por mais que se entenda que

52
FRIAS, Jorge Eustácio da Silva. A multa pelo descumprimento da condenação em quantia
certa e o novo conceito de sentença. In: SANTOS, Ernani Fidélis dos et al. (Coord.) Execução
civil: estudos em homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2007. p. 169.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 55-91, abr./jun. 2012
78 Rafael de Oliveira Guimarães

há um rigor técnico-doutrinário na utilização do conceito de sentença levando em conta


somente o critério material, a sua aplicação prática se torna praticamente impos­sível, e
é sempre com esse objetivo, o de tornar cada vez mais simples o manejo do Código de
Processo Civil e tutelar o direito material que deve ser interpretada uma norma do CPC.
O Prof. Tércio Sampaio Ferraz Junior opina justamente nesse sentido ao afirmar
que “a Ciência do Direito, de modelo hermenêutico, tem por tarefa interpretar textos e
suas intenções, tendo em vista uma finalidade prática. Esta finalidade prática domina a
tarefa interpretativa. Por isto esta se distingue de atividades semelhantes das demais
ciências humanas, à medida que o propósito básico do jurista, não é simplesmente com-
preender um texto, como faz, por exemplo, o historiador ao estabelecer-lhe o sentido e
o movimento no seu contexto, mas também determinar-lhe a força e o alcance, pondo
o texto normativo em presença dos dados atuais de um problema. A intenção do jurista
não é apenas conhecer, mas conhecer tendo em vista as condições de aplicabilidade da
norma enquanto modelo de comportamento obrigatório (questão da decidibilidade)”.53
Assim é também na questão de interpretar o art. 162 do CPC. O intérprete tem
por uma leitura simples do §1º a ideia de que sentença é o pronunciamento judicial
que decide com base nos arts. 267 e 269, independentemente do momento proces-
sual em que isso é realizado. Tal ideia é inaplicável por estar impossibilitado dos autos
subirem ao tribunal estadual no caso de apresentação de apelação cível, e impossibili-
tado está o manejo da apelação por instrumento por falta de previsão legal. Ainda, no
caso de se admitir que se trataria de uma sentença, mas agravável, seria ferida a corres­
pondência recursal, no caso, o art. 513 do CPC, que determina que se há sentença, o
recurso cabível é a apelação cível.
Por tal motivo, é muito mais salutar já se admitir, antes de se adentrar nessas
questões, a sentença como sendo um pronunciamento judicial que decide com base
nos arts. 267 e 269, mas coloca termo final na fase de cognição do processo como um
todo. Isso evitaria uma série de polêmicas, e traria uma maior segurança jurídica na apli-
cação do dispositivo legal. Não bastasse, tem-se outros fundamentos, digamos, sistêmi-
cos, que fazem o conceito misto de sentença ser o mais adequado: a) o fato do CPC ter
sido modificado, sendo entendido o processo como sincrético (cf. art. 475-J do CPC), e
o fim dele se dar somente no encerramento da fase executiva, então, a sentença deve
ser o ato pelo qual se põe fim à fase cognitiva; b) o §2º do art. 162 também deve ser
levado em consideração, já que ele preceitua como sendo decisão interlocutória como
sendo uma decisão incidental, o §1º deve ser entendido como sentença sendo o ato
que julga com base nos arts. 267 e 269, e não é decisão incidental. Por essas e por outras
que grande parte da doutrina adotou o critério misto como o definidor do conceito de

53
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1980. p. 73-74.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 55-91, abr./jun. 2012
O conceito de sentença no Novo Código de Processo Civil e suas implicações no processo de execução... 79
sentença, entendendo sentença como o pronunciamento judicial que decide com base
nos arts. 267 e 269, e põe fim à atividade cognitiva em primeiro grau de jurisdição.
Nelson Nery Junior foi um dos primeiros a definir tal conceito. Entende, desde
2006, o processualista que “o pronunciamento do juiz só será sentença se a) contiver
uma das matérias previstas no CPC 267 ou 269 (CPC 162 §1º) e, cumulativamente,
b) extinguir o processo (CPC 162 §2º, a contrario sensu), se o pronunciamento for pro­
ferido no curso do processo, isto é, sem que lhe coloque termo, deverá ser definido
como decisão interlocutória, impugnável por agravo (CPC 522), sob pena de instaurar-se
o caos em matéria de recorribilidade desse mesmo pronunciamento. [...] Sentença
é pronunciamento do juiz que contém alguma das circunstâncias descritas no CPC
267 ou 269 e que, ao mesmo tempo, extingue o processo ou procedimento no pri­
meiro grau de jurisdição, resolvendo ou não o mérito. A modificação trazida pela Lei
nº 11.232/05 não alterou o ‘sistema’ do CPC no que tange aos pronunciamentos do
juiz e sua recorribilidade”.54 No mesmo sentido defendido pelo Prof. Nelson Nery, se
posicionaram Humberto Theodoro Junior55 e Leonardo Ferres da Silva Ribeiro.56
A jurisprudência brasileira, em sua grande maioria, adotou tal conceito com o crité-
rio misto, justamente para uma adaptação do sistema recursal ante a impossibilidade de se
manejar a apelação cível de decisões que não coloquem fim ao processo como um todo.57

54
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 427.
55
“As situações previstas nos arts. 267 e 269 somente serão sentença (e a desafiar apelação)
quando põem fim ao processo ou quando resolvem por inteiro o objeto principal do processo
pendente de acertamento em juízo” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. As novas reformas do
Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 45)
56
“Com efeito, deve ser considerada sentença, para fins de apelação, o pronunciamento judi-
cial que encerrar uma das hipóteses do art. 267 ou 269, e cumulativamente, der fim à fase de
conhe­cimento em primeiro grau de jurisdição” (RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. A definição
dos pronunciamentos judiciais (sentença, decisões interlocutórias e despachos) após as últi-
mas alterações legislativas: impacto e efeitos no plano recursal. In: MEDINA, José Miguel Garcia et al.
(Coord.). Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais: estudos em homenagem à Profes-
sora Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 380).
57
“Embora a Lei nº 11.232/2005 tenha redefinido o conceito de sentença, no artigo 162, §1º, do
CPC, melhor interpretação, considerando-se toda a sistemática processual civil, aponta para
a atualidade da classificação tradicional, com base no conteúdo e finalidade do ato, a concei-
tuar como decisão interlocutória aquela que resolve questão incidental surgida no curso do
processo, enquanto sentença põe fim à atividade de declaração do direito, encerrando a fase
de conhecimento em primeiro grau de jurisdição. Sustentar, para a hipótese, o cabimento do
recurso de apelação, processado nos próprios autos e remetido à Segunda Instância, acarre-
taria paralisação da marcha processual no tocante às partes legitimadas para agir, ferindo o
princípio da celeridade processual” (TRF3, 8ª T., AgIn n. 317.813, rel. Des. Fed. Terezinha Cazerta,
j. 25.08.2008, DJe, 07 out. 2008). “O ato judicial que homologa a transação quanto a alguns
autores-exeqüentes, mas permite o prosseguimento da execução dos honorários de advo-
gado quanto aos litisconsortes remanescentes, tem a natureza jurídica de decisão interlocu-
tória, impugnável através de agravo de instrumento. 2. Inaplicabilidade, ao caso, do princípio

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 55-91, abr./jun. 2012
80 Rafael de Oliveira Guimarães

O Superior Tribunal de Justiça, na sua atribuição constitucional de uniformizador


da interpretação das normas infraconstitucionais, devido ao número de julgados envol-
vendo a questão, já vem decidindo há anos ser o conceito misto o mais correto para se
definir sentença, inclusive afirmando ser erro grosseiro a utilização do critério exclusiva-
mente material para se definir sentença.58
Com a assimilação de tal conceito, o Prof. Nelson Nery Junior afirma que nada
mudou no sistema processual, que houve somente uma pequena mudança no con-
ceito de sentença para o CPC, e que nada interfere quanto à recorribilidade dos
pronunciamentos judiciais.59
Com o máximo respeito ao processualista, tal afirmação não é a mais caute-
losa. Antes da mudança do art. 162 do CPC, o critério para se definir sentença era
somente o critério topológico ou finalístico, ou seja, bastava o pronunciamento do
juiz colocar fim ao processo que tal ato judicial seria uma sentença. Portanto, alguns
atos como a decisão do juiz de primeiro grau de jurisdição, que não admitia apelação

da fungibilidade recursal, por se tratar de erro inescusável. 3. Inadmissível apelação que, no


caso, impossibilitaria que os demais litisconsortes passivos facultativos prosseguissem com a
execução, principalmente porque não há objeção da apelante quanto aos valores devidos aos
demais exeqüentes. 4. Apelação não conhecida” (TRF1, 2ª T., ApCív n. 200238000487377, rel.
Juiz Pompeu de Souza Brasil, j. 30.07.2008, DJe, p. 45, 04 set. 2008).
58
“A sentença que homologa transação realizada entre alguns litisconsortes, determinando o
prosseguimento do feito em relação aos demais, desafia recurso de agravo de instrumento. 2.
Não tem aplicação os princípios da fungibilidade recursal ou instrumentalidade das formas,
porquanto a interposição do recurso de apelação ao invés de agravo de instrumento consiste em
erro grosseiro. 3. Agravo regimental improvido” (STJ, 6ª T., AgIn no Resp n. 1046295, rel. Min.
Maria Thereza Assis de Moura, j. 25.09.2008, DJe, 13 out. 2008). “Recurso Especial. Processo
Civil. Recurso Cabível. Fungibilidade. Exclusão Por Ilegitimidade. Decisão Interlocutória.
Agravo de Instrumento. 1. “(...) I - O ato pelo qual o juiz exclui litisconsorte tem natureza jurí-
dica de decisão interlocutória, sujeita, portanto, a interposição do recurso de agravo. II - não
se admite o princípio da fungibilidade recursal se inexistente dúvida objetiva na doutrina e na
jurisprudência a respeito do cabimento do recurso na espécie. Inaplicável, ademais, referido
princípio, em virtude do recurso inadequado não ter sido interposto no prazo próprio” (REsp
nº 164.729/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira). 2. Ainda que observadas as alterações
produzidas no Código de Processo Civil pela Lei n. 11.232/2005, máxime a redação dada ao
§1º do artigo 162, percebe-se que o legislador manteve a referência às decisões extintivas
do processo, com ou sem a resolução do mérito. Todavia, o que se verifica na espécie, como
fartamente destacado, é a continuidade do feito; daí, porque, o manejo do recurso de apelação,
ao invés do agravo de instrumento, não autoriza a adoção da fungibilidade recursal, porque con-
substancia erro grosseiro. 3. Recurso não conhecido” (STJ, 4ª T., REsp nº 645.388/MS, rel. Min.
Hélio Quaglia Barbosa, 15.03.2007, DJU, p. 277, 02 abr. 2007, grifos nossos).
59
“Por isso, anima-nos a escrever sobre o tema concluindo que, relativamente ao conceito de
sentença e de sua recorribilidade, nada foi modificado no sistema do Código de Processo Ci-
vil, a despeito da superveniência da alteração do CPC 162, §1º pela Lei n. 11.232/2005” (NERY
JUNIOR, Nelson. Conceito sistemático de sentença: considerações sobre a modificação do
CPC 162, §1º que não alterou o conceito de sentença. In: JAYME, Fernando Gonzaga; FARIA,
Juliana Cordeiro; LUANAR, Maira Terra (Coord.). Processo civil: novas tendências: estudos em
homenagem a Professor Humberto Theodoro Júnior. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 522).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 55-91, abr./jun. 2012
O conceito de sentença no Novo Código de Processo Civil e suas implicações no processo de execução... 81
cível por intempestividade ou falta de preparo, poderia muito bem ser uma sentença
por colocar fim ao processo,60 caso não fosse manejado o recurso de agravo de instru-
mento. Ou ainda, a decisão que colocava fim à execução com base exclusivamente no
art. 795, sem ter ocorrido alguma das hipóteses previstas no art. 794 do CPC. Tal ato
seria uma sentença, pois coloca fim ao processo.
Nos dois casos, a alteração do conceito de sentença trouxe mudanças. No pri-
meiro, agora, sem qualquer dúvida, o ato reveste-se de caráter de decisão interlo-
cutória, pois: a) sentença não seria porque não é decisão com base nos arts. 267 e
269 do CPC; b) decisão interlocutória pura não seria, pois não é questão incidental
no processo; c) mas seria uma decisão interlocutória porque mesmo que se admi-
tisse como despacho, a comprovação do mesmo ser errôneo seria condição para
classificá-lo como decisão interlocutória. Portanto, já vê-se a influência da mudança
do conceito de sentença nesse caso.
O caso do art. 795 do CPC é uma das questões centrais do presente estudo. Desde
já, afirma-se que o atual conceito de sentença que se retira de uma interpretação sistêmica
tem substanciais influências na natureza do art. 795 CPC, o que se verá no item seguinte.

6 Da natureza do art. 795 do CPC vigente e do art. 880 do


Novo CPC – O pronunciamento que põe fim à execução
O presente estudo teve a tarefa de justificar que a sentença é o pronunciamento do
juiz que coloca fim ao procedimento em primeiro grau de jurisdição, e decide com funda-
mento dos arts. 267 e 269 do CPC. Portanto temos sentenças nos processos cautelar e de
conhecimento, sendo que há trânsito em julgado somente nesse último, embora possa
ocorrer sentença de processo de conhecimento nas duas outras modalidades de processo.
A afirmação é feita tendo em vista justamente as mudanças que ocorreram com
a Lei nº 11.232/05. Com o conceito de sentença acima transcrito, o desafio surge em
amoldá-lo na sistemática do art. 795 do CPC. Tal pronunciamento (pôr fim à execução)
existe por uma necessidade de eliminar o processo em trâmite, mas não por ser uma
decisão de extrema importância para o processo de execução. As fases mais impor-
tantes no processo de execução, sem dúvida, são a postulatória (instrução da petição
inicial, ajuizamento e verificação do título executivo nos moldes do art. 614), ins-
trutória (penhora na forma dos arts. 655 e seguintes do CPC e avaliação) e satisfati-
va (entrega do dinheiro e adjudicação). O “pôr fim” à execução não possui qualquer
conteúdo decisório ou mesmo importância para o processo de execução em si. É um

60
“Não bastasse, levada a extremos a definição de sentença contida na redação anterior do dispo-
sitivo ora examinado, haver-se-ia de concluir que a decisão do juiz que indeferia apelação seria
sentença” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 6. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007. p. 31).

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82 Rafael de Oliveira Guimarães

pronunciamento judicial que somente era qualificado como sentença porque antes
das reformas instituídas pela Lei nº 11.232/05, sentença era o ato que colocava fim ao
processo, desta forma sendo sentença o mencionado ato final do processo de execução.
Lembrando que quando ocorre alguma das hipóteses dos arts. 794 ou 269 do CPC,
de sentença se trata, pois há um pronunciamento sobre o crédito exequendo, extinguindo
a obrigação, sendo uma sentença de processo de conhecimento (art. 162, §1º, do CPC),
extinguindo o processo de execução de forma anômala.
Estudiosos do art. 795, como Marcelo Porpino Nunes,61 já se manifestaram sobre
a natureza de sentença de tal pronunciamento judicial, seguindo o preconizado pelo
CPC. Ocorre que várias questões surgem de tal afirmação. A primeira vem com a refle-
xão de que o pedido da execução não é apreciado na “sentença” do art. 795, tampouco
uma prejudicial do mesmo, ou seja, não guarda relação com o objeto da lide executiva;
ainda, se uma sentença é o ato decisório principal, como poderia um ato que não contém
“decisão” nenhuma poder ser classificado como uma sentença?
Certamente, a atribuição de sentença a este pronunciamento judicial ocorria
em virtude da antiga redação do art. 162, §1º, que estabelecia que sentença era o ato
que colocava termo ao processo. Definição esta, que alguns doutrinadores quiseram
trazer do processo de conhecimento para o de execução, o que, segundo o defendido
neste estudo, não é a mais adequada.
A Profa. Teresa Arruda Alvim Wambier trazia para a época a definição mais correta
para a natureza do art. 795 do CPC. Dizia a processualista paulista que “o pronuncia-
mento judicial que declara extinta a execução não é sentença (no sentido técnico em
que a expressão é usada para o processo de conhecimento), não é sentença para fins
de rescindibilidade e o é para o efeito de sua apelabilidade e de produzir coisa julgada
formal, não sendo de mérito (no sentido que a expressão mérito é compreendida no
processo de conhecimento) e não transitando em julgado”.62
Alfredo Rocco,63 ao estudar a natureza da sentença, se pronunciou no sentido
de que não é a característica extrínseca do ato judicial que identifica a sua natureza.
Ou seja, não porque o código de processo determinava ser uma sentença, algo que se
verificada a natureza do decidido em tal decisão (e normalmente não se decide nada)
verifica-se que não o é, que tal ato vai ser sentença. Deve se verificar se o ato decide o
pedido ou prejudicial deste para ser considerado uma sentença.

61
“Que é uma sentença, não temos a menor dúvida” (NUNES, Marcelo Porpino. A sentença do
art. 795 do CPC. Revista de Processo, São Paulo, n. 72, p. 279).
62
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. A sentença que extingue a execução. In: WAMBIER, Teresa
Arruda Alvim (Coord.). Processo de execução e assuntos afins. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1998. p. 401-402.
63
“Nenhuma característica extrínseca caracteriza a sentença” (ROCCO, Alfredo. La sentenza civile.
Milão: Giuffré, 1962. n. 28, p. 65).

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O conceito de sentença no Novo Código de Processo Civil e suas implicações no processo de execução... 83
Desconfianças estas que passam a se tornar certezas com o advento da Lei nº
11.232/05, que mudou o art. 162, §1º, do CPC, passando este a ter a seguinte redação,
verbis: “Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts.
267 e 269 desta Lei”. Portanto, independentemente do momento processual em que
se decida, só será sentença a decisão final que tiver como base os arts. 267 e 269 do
CPC. Da mesma forma, não é porque um ato judicial é realizado no final do processo é
que tal ato deve ser qualificado como sentença. Assim, o pronun­ciamento do art. 795
não é sentença, seja por sua natureza, seja pela simples interpretação gramatical da
nova redação do art. 162 do CPC.
A Profa. Teresa Arruda Alvim Wambier mais uma vez acerta ao afirmar que “a
tênue carga declarativa a que se refere Araken de Assis, na sentença que extingue a
execução, é irrelevante. Não tem aptidão para gerar coisa julgada. Não há o que deva se
tornar imutável”.64
Portanto vê-se que o ato final da execução, quando não fundamentado nas
hipóteses anômalas dos arts. 794 e 269 do CPC, de sentença não se trata, pois não
decide qualquer pedido, qualquer relação obrigacional, tampouco possui conteúdo
meritório, pois somente põe fim ao processo executivo sem se pronunciar sobre qual-
quer das matérias dos arts. 267 e 269 do CPC.
Pois bem, se de sentença não se trata, do que se trataria então? De decisão inter­
locutória pura, mesmo esta sendo a alternativa mais aparente de ser adotada para se
classificar o pronunciamento do art. 795, com esta, também não há identidade. Isso ante
o fato de a decisão interlocutória ser uma resolução de questão incidente que possa cau-
sar prejuízo à parte, não um ato judicial obrigatório para dar eficácia à execução. Não há
carga declaratória no pronunciamento do art. 795, seja para decidir com base nos arts.
267 e 269, seja para se denominar como ato decisório sem a presença de tais matérias.
Desta forma, também não se encaixa no conceito de decisão interlocutória pura.
Sendo assim, até mesmo por exclusão, parece ser a mais adequada a classifica-
ção do pronunciamento do art. 795 como o de despacho, isso porque é um ato judicial
que é realizado de ofício e por previsão legal, pronunciamento este sem qualquer
conteúdo decisório, como um despacho. E lembre-se, não é pelo fato de ser um
despacho que tal pronunciamento judicial seria irrecorrível, se constatado o pre-
juízo a qualquer das partes no referido despacho, perfeitamente cabível o agravo
de instrumento, seja pela recorribilidade dos despachos “errôneos” ou que possam
causar prejuízos, ou porque nesses casos assume tal pronunciamento o caráter de
decisão interlocutória imprópria.

64
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 6. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2007. p. 124.

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84 Rafael de Oliveira Guimarães

7 O conceito de sentença na sistemática do Projeto


n° 8.046/10 – O Novo Código de Processo Civil
No presente estudo, viu-se uma grande problemática envolvendo o conceito
de sentença, já que: a) a sistemática anterior à vigência da Lei nº 11.232/05 trazia um
conceito não adequado tecnicamente, mas topológico, sendo sentença o ato que põe
fim ao processo, portanto, as decisões finais, tanto em processo de conhecimento
como de execução, eram recorríveis via apelação cível, independentemente do seu
conteúdo; b) com a sistemática trazida pela Lei nº 11.232/05 ao art. 162, §1º, o con-
ceito de sentença passou a ser misto, pois além do pronunciamento judicial ser final,
deve decidir com base nos arts. 267 e 269 do CPC, por critérios de recorribilidade e a
aplicabilidade propriamente ditos; c) o ato final do processo de execução, desde que
não implique numa das extinções anômalas dos arts. 794 e 269 do CPC, não contém as
matérias dos arts. 267 e 269 do CPC, não podendo ser sentença; d) portanto, a tentativa
de adoção da técnica ao conceito de sentença, em certa dose, somente dificultou a
compreensão e aplicabilidade do novo conceito sistêmico.
Pois bem, desde já o breve trabalho se posiciona pelo acerto da Comissão
de Juristas e Revisores do Novo Código de Processo Civil, materializado no Projeto
nº 8.046/10, hodiernamente na Câmara dos Deputados.
Os dispositivos de lei que envolvem a matéria assim preceituam no menciona-
do Projeto:

Art. 170. Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentença, decisão


interlocutória e despacho:
§1º Ressalvadas as previsões expressas nos procedimentos especiais, sen-
tença é o pronunciamento pelo qual o juiz, com fundamento nos arts. 472
e 474, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como a que
extingue a execução.
§2º Decisão interlocutória é todo pronunciamento judicial de natureza
decisória, que não se enquadre na descrição do parágrafo primeiro.

A primeira dúvida encontrada é no tocante à interpretação gramatical do


dispositivo legal. Não se apreende facilmente da leitura da mencionada norma jurí-
dica como é feita a separação dos conceitos, se sentença é todo pronunciamento
que julgue com base nos arts. 472 e 474 (atuais arts. 267 e 269), encerrando tanto
fase cognitiva quanto processo de execução, o que não traria mudanças com rela-
ção à aplicação hodierna, mas simplesmente colocaria fim a qualquer controvér-
sia, ou se sentença é o ato que julga com base nos arts. 474 e 476 e coloca fim à fase
cognitiva, ou o ato que põe fim ao processo de execução.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 55-91, abr./jun. 2012
O conceito de sentença no Novo Código de Processo Civil e suas implicações no processo de execução... 85
Entende-se pela segunda opção, ou seja, de que o Novo Código de Processo
Civil optou por conceituar dois tipos de sentença, uma que é a genuína tutela juris-
dicional, com uma decisão com base em preliminares ou mérito para decidir a fase
cognitiva no seu total, e outra, por facilidade prática, como sendo o ato que põe fim ao
processo de execução, seja pela extinção típica (art. 795 do CPC),65 sem qualquer con-
teúdo decisório e consequentemente sem a possibilidade de estar acobertada pela
coisa julgada material, ou pela forma anômala, com base nas matérias ventiladas nos
arts. 794 e 795 do CPC, essa última hipótese já com a possibilidade de gerar coisa jul-
gada material pelos motivos já anteriormente expostos no item 4.2, retro.
O Prof. José Miguel Garcia Medina, um dos autores do Anteprojeto que originou o
Projeto nº 8.046/10, parece se posicionar no mesmo sentido ao defender que o Novo CPC
preconiza que do pronunciamento do art. 795 caberá apelação cível. Afirma o proces­
sualista paranaense que “são apeláveis as sentenças proferidas em ações proferidas em
ações de conhecimento, seja comum ou especial o procedimento, ou ainda, quer se
trate de procedimento comum ordinário ou sumário. Cabe apelação também contra a
sentença proferida no art. 795 (processo de execução) e 810 (processo cautelar). O NCPC
também atentou ao conteúdo do pronunciamento judicial para proferir a sentença, mas
também agregou a circunstância de tal pronunciamento encerrar a fase cognitiva do
procedimento comum. Ressalvadas as previsões expressas nos procedimentos especiais,
sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 472 e
474, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como o que extingue a
execução (art. 170, §1º, do NCPC).
Se o pronunciamento tiver por fundamento os arts. 472 ou 474 do NCPC (que
correspondem aos arts. 267 e 269 do CPC/73), mas não puser fim à fase cognitiva do
procedimento comum, não se tratará de sentença, mas de decisão interlocutória (cf.
§2º do art. 170 do NCPC). Vê-se que o NCPC definiu os pronunciamentos judiciais sob
a perspectiva da recorribilidade. Assim, por exemplo, se o juiz julgar um dos pedidos
(isto é, proferir decisão que tem conteúdo de sentença de mérito) sem pôr fim à fase

65
No Projeto do Novo CPC, os arts. 794 e 795 estão referidos nos arts. 880 e 881:

“Art. 880. Extingue-se a execução quando:
I - a petição inicial é indeferida;
II - o devedor satisfaz a obrigação;
III - o devedor obtém, por transação ou por qualquer outro meio, a remissão total da dívida;
IV - o credor renuncia ao crédito;
V - ocorrer a prescrição intercorrente;
VI - o processo permanece suspenso, nos termos do art. 877, incisos III e IV, por tempo sufi-
ciente para perfazer a prescrição.
Parágrafo único. Na hipótese de prescrição intercorrente, deverá o juiz, antes de extinguir a
execução, ouvir as partes, no prazo comum de cinco dias.
Art. 881. A extinção só produz efeito quando declarada por sentença.”

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 55-91, abr./jun. 2012
86 Rafael de Oliveira Guimarães

cognitiva do procedimento comum, tal pronunciamento será considerado decisão


interlocutória pelo novo CPC”.66
Antes de se comentar sobre as duas possibilidades de sentenças, imprescindível
tecer outro elogio ao Novo Código de Processo Civil. Como comentou-se, talvez o maior
argumento pela defesa da utilização da apelação por instrumento na sistemática atual é
a de que uma decisão que aprecia o mérito mas não coloca fim ao processo será impug-
nável via agravo, ou seja, sem o direito à sustentação oral que a impugnação via apela-
ção cível poderia proporcionar. Assim vê-se que a mesma decisão, se fosse proferida no
fim do processo teria a sustentação oral que uma intermediária, embora com as mesmas
características, não teria.
Tal problema, em tese, já foi solucionado. Isso porque o art. 892, V, do Projeto
prevê a sustentação oral no caso de agravo de instrumento contra decisão que aprecie
tutela de urgência, ou no caso de matéria que não seja necessária apreciação urgente,
tendo em vista a exclusão do agravo retido pelo art. 948, II, não é mais necessário se
impugnar uma decisão interlocutória pelo simples fato de haver necessidade de evitar
a preclusão. Pode-se aguardar a decisão final, manejar o recurso de apelação, e ter
todas as garantias de uma apelação cível.
Por fim, cabe mencionar que a uniformização dos prazos recursais do parágrafo
único do art. 948 demonstra a equivalência de direitos entre os postulantes de agravo
de instrumento e apelação cível.
Pois bem, vê-se que, primeiramente, o Novo CPC definiu a sentença como sendo
“o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 472 e 474, põe fim
à fase cognitiva do procedimento comum”. Esta sentença, se não for respondendo uma
pretensão cautelar, é a única sentença que transita em julgado por ser uma efetiva decla-
ração de um direito com base no art. 474. Esse conceito de sentença é a assimilação do
que a doutrina majoritária e o e. Superior Tribunal de Justiça dizem na sistemática atual.
Além da mencionada sentença, o Novo CPC também pacificou o entendimento
acerca da natureza da decisão que põe fim ao processo de execução. Este dispõe que
será sentença o ato que coloca fim à execução, independentemente se o pronunciamento
seja simplesmente para pôr fim à execução já finda pela expropriação ou impossibilidade
dela (cf. art. 795 do CPC atual), essa modalidade não transitando em julgado, ou se for
uma extinção anômala da execução, com base em um pronunciamento de natureza
cognitiva (cf. arts. 794 e 269 do CPC atual), essa última sim, mas por ser uma sentença
de processo de conhecimento. A primeira modalidade nesse parágrafo referida não é

66
MEDINA, José Miguel Garcia. Código de Processo Civil comentado: com remissões e notas
comparativas ao Projeto do Novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 551.

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O conceito de sentença no Novo Código de Processo Civil e suas implicações no processo de execução... 87
sentença na atual sistemática, porém, passará a ser por um bom motivo: porque a sis-
temática que vigerá tem a nobre preocupação em simplificar o processo, em especial,
sob o aspecto da recorribilidade.
Ou seja, de acordo com os pensamentos aqui trazidos sobre o pronunciamento
final da execução, haverá diferenciação no tocante ao trânsito em julgado somente,
mas não mais com relação à recorribilidade, uma grande preocupação para se evitar
recursos incabíveis. Todos os pronunciamentos finais na execução serão recorríveis via
apelação cível. O Prof. José Miguel Garcia Medina já tinha identificado tal preocupação
no Novo CPC. Entendeu o doutrinador que “o NCPC definiu os pronunciamentos judi-
ciais sob a perspectiva da recorribilidade”67 justamente para dirimir qualquer dúvida
acerca do recurso cabível e mais facilmente aplicável o Código de Processo Civil que
está por vir.
Outro argumento importante para que toda decisão final de processo de exe-
cução seja impugnada via apelação cível é que não há motivo para se formar um
instrumento com um processo findo. Não se justifica que se forme um instrumento
com 200-300 cópias, sendo que o processo (uma execução encerrada) não vai ter
andamento ou mesmo utilidade na instância de origem.
Sendo assim, vê-se o acerto do Projeto nº 8.046/10, que não se preocupou com
tecnicidade ou perfeição dos conceitos. Como é cediço, o pronunciamento que põe fim
à execução não tem características de sentença, mas pra facilitar sua recorribilidade, deve
sim ser qualificada como tal, justamente para a facilidade da aplicação do sistema recursal.
O Novo CPC não se preocupou com a perfeição de suas definições, mas sim
com a sua aplicabilidade, com a busca do direito material, esse sim o objetivo de um
código de processo civil.

8 Conclusões
Após uma revisitada num dos institutos mais polêmicos e importantes do direito
processual civil brasileiro, o do mérito, chegou-se à breve conclusão de que este é
cognição sobre as questões apresentadas ao juiz e decididas como questões de fundo.
Detectou-se facilmente que o mérito existe no processo de conhecimento nas
decisões do art. 269 do CPC, tanto o é que para este Livro do CPC que o instituto do
mérito foi concebido. Mas, há a ressalva de que estas decisões de conhecimento conti-
nuam a ter o caráter meritório, e, por consequência, com a qualidade da imutabilidade

Disponível em: <http://professormedina.wordpress.com/2011/01/10/conceito-de-sentenca-


67

no-ncpc-e-recurso-cabivel/>. Acesso em: 19 jan. 2011.

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88 Rafael de Oliveira Guimarães

da coisa julgada, mesmo quando realizadas no processo de execução (art. 794), e no


processo cautelar (art. 810).
No tocante ao processo de execução, quando as decisões forem puramente de
processo de execução, estas também possuem caráter meritório como na apreciação
da validade dos atos executivos e na existência de título executivo.
E no processo cautelar, também se detectou o mérito, já que a constatação dos
requisitos da medida cautelar (fumus boni iuris e periculum in mora) nada mais é do que
a procedência da ação cautelar, e resposta ao jurisdicionado.
Quando se feriu o assunto da coisa julgada material nos pronunciamentos de
mérito, percebeu-se que nem todos os pronunciamentos de mérito possuem a qua-
lidade de coisa julgada material. Nas decisões de conhecimento entendeu-se que
essas transitam em julgado em qualquer circunstância, seja em decisão no processo
de conhecimento, de execução ou cautelar.
Nas decisões de processo de execução, verificou-se que o pronunciamento
do art. 79568 se trata de despacho já que é ato obrigatório do juiz e está desprovido
de cunho decisório. Não mais cabe a classificação do pronunciamento que põe fim à
execução como sentença já que a Lei nº 11.232/05 modificou o art. 162, §1º, do CPC.
Hodiernamente, sentença não é mais o pronunciamento que põe termo ao processo,
mas sim a decisão que se baseia nos arts. 267 e 269 do CPC e põe fim ao procedimento
em primeiro grau de jurisdição, e como, em regra, a decisão do art. 795 não se funda-
menta em tais dispositivos legais, de sentença não se trata.
Pois bem, o Novo Código de Processo Civil ainda em votação visa justamente
solucionar tais controvérsias e simplificar principalmente a recorribilidade de tal ato.
Por isso, em seu art. 170, define sentença como sendo o pronunciamento judicial que
decide com base nos arts. 472 e 474 do CPC (atuais arts. 267 e 269 do CPC) e coloca fim
à fase cognitiva do procedimento comum, bem como o ato que coloca fim à execu-
ção, independentemente da natureza. Ou seja, num futuro próximo, todos os atos que
encerrem um processo (seja de conhecimento, cautelar ou execução) será sentença e
recorrível via apelação cível.

Abstract: The brief study aims to bring on the concepts about appeal-
able judicial pronouncements, as well as its evolution and development.
The aforementioned concepts are brought based on systematic analysis
previous of the Law n. 11.232/05, going through the actual systematic,
and its exposes the ideas contained in the Project of The New Federal
Rules of Civil Procedure. The judicial pronouncements in question will be
studied from the perspective of conceptualization, appeal possibility and

68
Isso quando não houver uma manifestação acerca da existência do título executivo ou uma
sentença de processo de conhecimento (arts. 794 e 269 do CPC).

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O conceito de sentença no Novo Código de Processo Civil e suas implicações no processo de execução... 89
possibility of being covered by the quality of res judicata. The paper also
brings on the doctrinal and judicial precedents positions on the subject,
and indicates how the judicial pronouncements could be understood in
a systematic future, if approved the Project of The New Federal Rules of
Civil Procedure.

Referências

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Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 55-91, abr./jun. 2012.

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Aplicabilidade da multa do art. 475-J
do CPC condicionada à espécie de
liquidação exigida pela sentença
condenatória
Maurício Zandoná
Mestrando em Direito Processual e Cidadania pela
Universidade Paranaense (UNIPAR). Especialista
em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade de
Itapiranga (FAI). Graduado em Ciências Jurídicas
e Sociais pela Universidade de Passo Fundo (UPF).
Advogado. E-mail: <itiozandona@hotmail.com>.

Resumo: A incidência e exigência da multa prevista no art. 475-J do


Código de Processo Civil esta condicionada a vários aspectos processuais
pertinentes. A sentença condenatória que impõe pagar quantia certa
pode ser exigida com o advento do trânsito em julgado e independe
do prazo concedido ao devedor para pagamento. A exigência do débito
é autônoma ao da multa processual, porquanto esta pode ser descon-
siderada pelo próprio credor. Tem-se que a única forma do devedor se
desincumbir da incidência da multa é efetuar o pagamento do débito
de forma voluntária, antes mesmo de qualquer manifestação do credor,
já que tal atribuição está descaracterizada pela voluntariedade deter-
minada em lei. Apesar de encontrar-se divergência doutrinária, ver-se-á
que a natureza punitiva da multa se revela por suas próprias característi-
cas. Por fim, o presente trabalho demonstrará que a incidência imediata
da multa, independente de nova intimação, parece estar condicionada
quando se tratar de liquidação de sentença por mero cálculo aritmético,
do qual o próprio devedor tem por obrigação conhecer os valores que
fora condenado a pagar.

Palavras-chave: Exigibilidade e liquidação de sentença. Cumprimento


voluntário e execução da sentença. Natureza jurídica da multa. Incidência
da multa

Sumário: 1 Introdução – 2 Exigibilidade da sentença condenatória e


sua liquidação – 3 Cumprimento voluntário e execução de sentença – 4
Natureza jurídica da multa do art. 475-J do CPC – 5 Momento processual de
incidência da multa – 6 Conclusão – Referências

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94 Maurício Zandoná

1 Introdução
Desde a última reforma processual que introduziu no ordenamento jurídico a
denominada fase de cumprimento de sentença, várias polêmicas foram, e ainda estão
sendo, levantadas nos debates jurídicos, especialmente no que tange à aplicabilidade
da multa de dez por cento do artigo 475-J do Código de Processo Civil. Umas das ques-
tões mais discutidas é a necessidade de nova intimação do devedor, dando-lhe ciência
do valor atualizado da sentença condenatória, a fim de determinar o termo inicial da
contagem do prazo de quinze dias para a incidência da referida multa.
A fim de estudar e compreender a fase de execução do julgado, faz-se necessário
abordar os principais aspectos acerca da exigibilidade da sentença condenatória, ava-
liando os momentos processuais cabíveis para tanto, inclusive nas formas definitivas e
provisórias, tendo em vista a novíssima permissão legal desta última.
Além de abordar o requisito exigibilidade, é imprescindível que a pesquisa
estude as formas de liquidação de sentença, bem como analise o entendimento
doutrinário dado a cada uma delas, para então, delimitar quais as possibilidades
de definição do termo ou condições para a incidência da multa do artigo 475-J do
Código de Processo Civil.
Aproveitando a distinção elaborada pelos processualistas mais atuais acerca
das fases do cumprimento de sentença e da execução da sentença propriamente dita,
deve-se estabelecer, com exatidão, os momentos processuais para cada fase conside-
rada, onde verificar-se-á, inicialmente, a obrigação do devedor em cumprir voluntaria-
mente os mandamentos da sentença condenatória e, após, a obrigação do credor em
promover a execução do julgado através dos requerimentos pertinentes.
Ainda, oportuno trazer ao conhecimento do leitor recente decisão jurispru-
dencial sobre o assunto, em que se pretende informar o posicionamento do Tribunal
Superior competente para enfrentamento do tema, bem como, possibilitar auferir se
o entendimento da Corte atende às expectativas sociais e ao princípio da máxima
efetividade processual.
Os objetivos da presente pesquisa recaem em delimitar os casos de necessidade
de nova intimação do devedor — que não a da sentença condenatória —, para definir
o termo inicial do prazo para pagamento da condenação, bem como estudar e definir
qual a natureza jurídica que a multa do artigo 475-J do Código de Processo Civil corres-
ponde e, ainda, perquirir acerca da obrigação do devedor conhecer o débito do qual foi
condenado, independente de manifestação do credor, quando se tratar de liquidação
de sentença por mero cálculo aritmético.

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Aplicabilidade da multa do art. 475-J do CPC condicionada à espécie de liquidação exigida pela sentença... 95
2 Exigibilidade da sentença condenatória e sua liquidação
Como é cediço, o artigo 586 do Código de Processo Civil,1 com redação
determina­da pela Lei nº 11.382/06, exige como requisito indispensável para a execu-
ção do crédito a existência de título de obrigação certa, líquida e exigível. Nesse com-
passo, Luiz Rodrigues Wambier (2008, p. 79) explica que tal preceito não se trata de
averiguar a existência do título em si, pois este materialmente existe ou não, porquanto
os requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade são atributos de representação do
direito que vem elencado no título.
Sem desprezar a importância do requisito certeza, ciente de que sua compreensão
é de extrema necessidade nos bancos acadêmicos, importa-nos, aqui, compreender pre-
viamente os aspectos dos requisitos exigibilidade e liquidez do título para, então, prosse-
guir com o objetivo da presente pesquisa, com a pretensão de relacionar tais requisitos
diretamente com a sentença condenatória.
Segundo Wambier (2008, p. 79) “estará satisfeito o requisito de exigibilidade se
houver a precisa indicação de que a obrigação já deve ser cumprida”. A exigibilidade
do direito elencado na sentença condenatória se revela por ocasião em que a obrigação
do devedor não se submete mais a nenhuma condição ou termo, ou, no caso de con-
dições ou termos já implementados pelo credor.
No que tange ao segundo requisito ora abordado, Wambier (2008, p. 79) leciona
que haverá liquidez quando se permitir verificar a exata definição da quantia estabele-
cida no título, seja porque venha diretamente indicada, seja porque o valor final possa
ser aritmeticamente apurado mediante critérios constantes do próprio título. Nas pala-
vras de Ernani Fidélis dos Santos (2007, p. 11) “também há liquidez quando o quantum
se apura por mera dedução, ou, tratando-se de acessórios móveis, são apuráveis tam-
bém no momento do pagamento. É o que ocorre com os juros e a correção monetária”.
Verificada a presença da exigibilidade da obrigação constante na sentença, o
passo a seguir é analisar de que forma se apurará o quantum determinado pelo dispo-
sitivo final da decisão judicial, o qual poderá ser feito através das três espécies de liqui-
dação de sentença previstas em nosso ordenamento jurídico, quais sejam: a liquidação
por mero cálculo aritmético, a liquidação por arbitramento e a liquidação por artigos.
Em uma análise histórica superficial, Vicente Greco Filho (2003, p. 44-47) nos
ensina que a liquidação por cálculo aritmético foi substituída pela antiga liquidação
por cálculo do contador judicial, restando por iniciativa do credor apresentar o pedido
juntamente com a memória discriminativa atualizada do cálculo, quando, para isso,
possuir todos os dados inerentes à elaboração. A liquidação por arbitramento se faz

Art. 586. A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título de obrigação
1

certa, líquida e exigível.

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96 Maurício Zandoná

necessária quando o julgado não puder determinar quantitativamente e qualitativamente


os dados para a elaboração do cálculo, sendo imprescindível para essa espécie, a fixação
do quantum por perito judicial. Por fim, utiliza-se a liquidação por artigos para determinar
o valor da condenação, quando houver necessidade de alegar e provar fato novo.
Nas liquidações por arbitramento ou por artigo, é plenamente possível compreen-
der a necessidade de se instaurar o incidente de liquidação para se conhecer os valores
devidos, já que nestes casos, as informações e dados não estão à disposição das partes
quando da prolação da sentença. Contudo, no que diz respeito à liquidação por mero
cálculo aritmético, é possível afirmar que, desde logo, tanto o credor quanto o devedor
podem chegar ao valor atualizado da condenação apenas com os elementos declinados
na sentença ou com dados em documentos que se encontre em seu poder.
Comumente, quando se trata de sentença condenatória que obriga a pagar
quantia certa, a atualização do débito se dá com a incidência de juros moratórios e
correção monetária com índices oficiais já conhecidos e ao alcance de todos, inclusive
pelo devedor.
Nesse ponto se revela uma questão processual de relevante importância
prática, que talvez possa solucionar várias questões divergentes acerca do assunto.
Analisando o dispositivo legal do artigo 475-J do Código de Processo Civil2 (segun-
da parte), percebe-se que o legislador atribui ao credor a obrigação de apresentar a
memória de cálculo juntamente com o requerimento de execução de sentença. Não
é diferente o posicionamento da doutrina majoritária, a qual aponta para o mesmo
sentido, declinando pela obrigação do credor em elaborar a memória discriminada
quando se tratar de liquidação de sentença por mero cálculo aritmético, tendo em
vista o disposto no artigo 475-B3 do Código de Processo Civil.

2
Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liqui-
dação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de
multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto
no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.
§1º Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de
seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por
mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias.
§2º Caso o oficial de justiça não possa proceder à avaliação, por depender de conhecimen-
tos especializados, o juiz, de imediato, nomeará avaliador, assinando-lhe breve prazo para a
entrega do laudo.
§3º O exeqüente poderá, em seu requerimento, indicar desde logo os bens a serem penhorados.
§4º Efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput deste artigo, a multa de dez
por cento incidirá sobre o restante.
§5º Não sendo requerida a execução no prazo de seis meses, o juiz mandará arquivar os au-
tos, sem prejuízo de seu desarquivamento a pedido da parte.
3
Art. 475-B. Quando a determinação do valor da condenação depender apenas de cálculo
aritmético, o credor requererá o cumprimento da sentença, na forma do art. 475-J desta Lei,
instruindo o pedido com a memória discriminada e atualizada do cálculo.

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Aplicabilidade da multa do art. 475-J do CPC condicionada à espécie de liquidação exigida pela sentença... 97
Contudo, se tratando de mero cálculo aritmético, data venia entendimento
diverso, entende-se que o conhecimento da obrigação deve recair sobre o devedor,
pois é este que possui, na maioria das vezes, todos os dados pertinentes à elabora-
ção do quantum a ser apurado. E essa obrigação de conhecer o valor correto a ser
pago vem expressamente declinada na própria lei processual. Tanto isso é verdade
que o próprio legislador elencou, como matéria de defesa no artigo 475-L, inciso V
do Código de Processo Civil,4 a alegação de excesso de execução, sendo que no §2º
do citado artigo, determinou a obrigação do devedor em “declarar de imediato o
valor que entende correto sob pena de rejeição liminar dessa impugnação”.
O objetivo do legislador ao lançar o dispositivo legal acima citado, sem sombra
de dúvidas, é atribuir ao devedor a obrigação de conhecer imediatamente os valores
que fora condenado, para então, voluntariamente, efetuar o pagamento da dívida. O
prazo de quinze dias estabelecido no artigo 475-J do Código de Processo Civil, para
pagamento voluntário do débito, parece declinar esse mesmo entendimento, de que
o dever de conhecer os valores da condenação é obrigação do próprio devedor.
Note que, no caso em que a elaboração do cálculo depender de documentos
em poder do próprio devedor, razão maior existe para exigir que este efetue o paga-
mento voluntário do valor da condenação, já que possui em mãos todos os dados
necessários para conhecer a quantia devida atualizada, até mesmo porque se coloca
em melhores condições materiais do que o próprio credor.
É nesse sentido que alguns doutrinadores já começam a se posicionar, o que se
pode verificar no texto de Luiz Guilherme Marinoni.

[...] nos casos em que a apuração do quantum depender de mero cálcu-


lo, poderá o próprio devedor, prontamente, realizar por si a ‘liquidação’ da
condenação, depositando em juízo (ou entregando diretamente ao cre-
dor) a importância encontrada. Note-se que, em se tratando de título líqui-
do, ou cuja liquidez se possa atingir mediante simples cálculo, é obrigação
do devedor promover o imediato cumprimento da prestação, não se cogi-
tando de qualquer providência a cabo do credor para tornar a condenação
exigível. (MARINONI, 2008, p. 237-238)

§1º Quando a elaboração da memória do cálculo depender de dados existentes em poder do


devedor ou de terceiro, o juiz, a requerimento do credor, poderá requisitá-los, fixando prazo
de até trinta dias para o cumprimento da diligência.
4
Art. 475-L. A impugnação somente poderá versar sobre: [...]
V – excesso de execução; [...]
§2º Quando o executado alegar que o exeqüente, em excesso de execução, pleiteia quantia
superior à resultante da sentença, cumprir-lhe-á declarar de imediato o valor que entende
correto, sob pena de rejeição liminar dessa impugnação.

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98 Maurício Zandoná

Resta evidente que, em se tratando de condenação passível de liquidação por


mero cálculo aritmético não seria viável imputar ao credor a obrigação de apresentar
planilha de cálculo para, então, somente em momento posterior, exigir do devedor o
pagamento do débito. Ao se entender dessa forma, estar-se-ia concedendo ao deve-
dor privilégio que não condiz com o princípio da máxima efetividade processual.
Veja o que Araken de Assis entende a respeito do tema.

Tratando-se de dívida pecuniária e, portanto, passível de liquidação por


intermédio de cálculo aritmético, o vencido requererá o depósito nos
próprios autos do processo, aplicando-se, conforme a atitude tomada
pelo credor, o art. 581 [...]. Mas, nos casos em que se mostra necessá-
ria liquidação do título por arbitramento ou por artigos, legitimar-se-á
o vencido, ativamente, para pleiteá-la, segundo os procedimentos dos
artigos 475-C e 475-E. (ASSIS, 2006, p. 113)

Pode-se observar que o doutrinador declina entendimento revelando a obrigação


do próprio devedor em conhecer os valores em que foi condenado, ressalvando, ainda,
a possibilidade de o vencido promover as liquidações por arbitramento e por artigos no
caso de inércia do credor, desincumbindo-se, dessa forma, dos ônus do inadimplemento.
Assim, cabe distinguir, nesse aspecto, o momento processual das respectivas
obrigações de conhecer a quantia determinada pela sentença. Em primeiro lugar, cabe
ao próprio devedor efetuar o depósito do valor da condenação quando se tratar de
liquidação por mero cálculo, em razão dos motivos acima explicados. Após, diante da
inércia do devedor em efetuar o pagamento, aí sim, cabe atribuir ao credor a obri-
gação de apresentar requerimento de execução de sentença acostando aos autos a
memória discriminada de cálculo.
Deve-se ter em mente que o mesmo não ocorre nos casos em que a execução
do julgado exige a liquidação por arbitramento ou por artigos, bem como nos casos de
liquidação por cálculo, em que os dados se encontram em poder de terceiros, ocasião
em que a obrigação de conhecer os valores da condenação só acontecerá quando às
partes tiverem acesso aos respectivos dados e documentos.
No entanto, parte da doutrina não entende pela obrigação do devedor em
conhe­cer previamente o quantum da condenação e eventual pagamento indepen-
dente de nova intimação. Para José Miguel Garcia Medina (2008, p. 222) “a intimação
do réu para o cumprimento da sentença deve ser precedida de apresentação de memória
discriminada e atualizada do cálculo pelo credor”, interpretação esta dada em razão do
disposto no artigo 475-B do Código de Processo Civil.
Luiz Fux (2008, p. 245) ressalta que “o credor deve aguardar o prazo quinzenal
de que dispõe o devedor para pagar a quantia certa” para, então, promover os atos

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de execução através de requerimento acostado por memória de cálculo que inclua a
multa do artigo 475-J do Código de Processo Civil, juros e correção monetária.
Data venia tem-se por discordar dos posicionamentos doutrinários acima men-
cionados — isso por uma razão muito simples. Ocorre que a exigibilidade da sentença
condenatória se dá imediatamente com o advento do trânsito em julgado, momento
a partir do qual o credor já pode requerer a execução do julgado promovendo os atos
executórios, desde que o devedor não satisfaça a obrigação consubstanciada no título.
É o que estabelece o artigo 580 do Código de Processo Civil.5 Ainda, há de se levar em
conta a possibilidade de o credor propor a execução provisória da sentença pendente
de recurso, nos termos do artigo 475-O do Código de Processo Civil.6
Como já dito, o credor não necessita aguardar prazo algum para promover a
execução da sentença, porquanto pode não ter interesse na aplicação da multa do
art. 475-J do Código de Processo Civil, razão pela qual a exigibilidade da sentença se
vislumbra imediata, logo após o trânsito em julgado. O prazo quinzenal previsto em
lei não se configura uma espécie de moratória ao devedor, pois durante tal prazo de
pagamento voluntário, ele não pode deixar de cumprir a obrigação determinada no
título sem sofrer os encargos do inadimplemento.
Veja que, no caso em análise, está-se diante de dois direitos estabelecidos pelo
ordenamento jurídico. O primeiro direito está no prazo de quinze dias concedido ao
devedor para pagamento voluntário do débito, direito esse que lhe impõe a sanção de
uma multa de dez por cento sobre o valor atualizado da condenação caso não cumprida
dentro do referido prazo. O segundo direito, o qual nos parece maior, é a faculdade
de o credor aguardar o transcurso do prazo de quinze dias ou promover a execução
imediata da sentença, abrindo mão da incidência da multa do artigo 475-J do Código
de Processo Civil.
Para uma melhor compreensão da questão ora abordada, devemos ressaltar a
distinção que a doutrina moderna faz entre o cumprimento voluntário da sentença
condenatória e a execução de sentença propriamente dita, ensinamentos de relevante
valor jurídico.

3 Cumprimento voluntário e execução de sentença


Ponto relevante quando se discute a aplicação do art. 475-J do Código de Processo
Civil é saber diferenciar quando está se tratando, evidentemente, de cumprimento volun-
tário da sentença ou quando está a se falar de execução da sentença propriamente dita.

5
Art. 580. A execução pode ser instaurada caso o devedor não satisfaça a obrigação certa,
líquida e exigível, consubstanciada no título executivo.
6
Art. 475-O. A execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do mesmo modo que
a definitiva, observadas as seguintes normas:

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100 Maurício Zandoná

A respeito disso, pertinente são as palavras de José Miguel Garcia Medina


(2008, p. 214), quando distingue “o cumprimento da sentença pelo réu, que se realiza
antes de iniciada a atividade executiva, e que evita a incidência da multa, e a execução
da sentença, que se dá após a apresentação de requerimento pelo exequente, nos
termos do art. 475-J, caput e §5º, do CPC”.
A passagem doutrinária acima esclarece que o referido dispositivo legal deter-
mina que a sentença condenatória não pode ser executada de ofício pelo juiz, dependen­
do de requerimento da parte credora para a instauração de uma nova demanda, sem
o qual não se poderá dar início à execução forçada do julgado. Veja a respeito que o
§5º do citado artigo 475-J do Código de Processo Civil determina o arquivamento dos
autos caso não seja requerida a execução no prazo de seis meses, do que se extrai a
impossibilidade de execução de ofício nas sentenças condenatórias.
No mesmo sentido, apenas utilizando-se de comparativo com as outras espé-
cies de obrigações, Ernani Fidélis Santos (2007, p. 03) ensina que, “se o julgado não
for cumprido voluntariamente, com simples manifestação do credor, passa-se à fase
executória, manifestação que até se dispensa quando se trata de obrigação de fazer
ou de não fazer e de entrega de coisa”.
O doutrinador retro citado é atento ao observar a desnecessidade de requeri-
mento da parte credora quando se tratar de ação de obrigação de fazer, não fazer ou
entregar coisa, já que, nesses casos, o próprio comando judicial determinará na sen-
tença os meios pertinentes para a execução do julgado, ao contrário do que acontece
com a sentença condenatória de pagar quantia certa.
Fredie Didier Jr. explica que o procedimento executivo de obrigação de pagar
quantia certa calcada em título executivo judicial se apresenta em duas fases distintas.

A primeira, denominada de fase inicial ou fase de cumprimento voluntá-


rio, por meio da qual se defere ao devedor um determinado prazo para
que cumpra, espontaneamente, o dever que lhe foi imposto; a segun-
da, denominada de fase de execução forçada, em que se praticam atos
tendentes à satisfação compulsória do direito de prestação do credor.
(DIDIER JUNIOR, 2010, p. 516)

A distinção das duas fases processuais efetuada pela doutrina é de grande


valia quando se discute a aplicação do artigo 475-J do Código de Processo Civil,
tendo em vista as diversas interpretações que se tem dado ao texto do dispositivo,
especialmente quando se fala no termo inicial da contagem do prazo de quinze
dias e da necessidade de intimação do devedor para efetuar o pagamento sob pena
da incidência da multa de dez por cento.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 93-107, abr./jun. 2012
Aplicabilidade da multa do art. 475-J do CPC condicionada à espécie de liquidação exigida pela sentença... 101
Diz-se voluntário, conforme Aurélio Buarque de Holanda (2008, p. 822), “aquele
que age espontaneamente. Derivado da vontade própria, espontâneo”. Assim, pode-se
afirmar que o requisito voluntariedade, exigido pelo artigo de lei, representa o agir do
devedor para a efetivação do pagamento, incluindo aí o conhecimento do quantum
atualizado da dívida e os encargos sucumbenciais do julgado, tratando-se, é lógico, de
liquidação de sentença por mero cálculo aritmético.
Assim, diante da inércia do devedor no prazo de quinze dias, transfere-se, então, a
obrigação para o credor, o qual deverá apresentar requerimento de execução de sentença,
juntamente com a planilha de cálculo e solicitar os atos expropriatórios pertinentes.

4 Natureza jurídica da multa do art. 475-J do CPC


Ainda não está assente na doutrina a definição da natureza jurídica da multa do
artigo 475-J do Código de Processo Civil, já que diversos entendimentos são lançados
na tentativa de definir se a referida multa é uma medida coercitiva, que visa pressionar
o devedor a efetuar o pagamento do débito, ou se ela tem natureza punitiva, de modo
que venha a ser comparada a uma cláusula penal.
Com o intuito de tentar desvendar a questão, cabe, inicialmente, analisar as
espécies de medidas executivas trazidas por nossa doutrina — conhecidas como
medi­das executivas por sub-rogação e medidas executivas por coerção —, para
então, aprofundar-se na pesquisa da natureza jurídica da norma ora estudada.
As medidas executivas por sub-rogação, também chamadas de execução direta,
nas palavras Luiz Guilherme Marinoni (2008, p. 70), “são aquelas concebidas por atos juris-
dicionais que substituem a vontade do devedor, fazendo com que o direito seja realizado
independentemente do adimplemento deste. Fala-se, nesse caso, de execução forçada”.
Acrescenta a doutrina o papel de substituto, do qual o Estado se reveste, mediante
a atividade jurisdicional, quando profere os meios de sub-rogação. Veja-se a respeito a
seguinte transcrição doutrinária.

Já nos meios de sub-rogação, o Estado atua como substituto do devedor


inadimplente, procurando, sem sua colaboração e até contra sua vontade,
dar satisfação ao credor, proporcionando-lhe o mesmo benefício que para
ele representaria o cumprimento da obrigação ou um benefício equivalente.
(THEODORO JUNIOR, 2009, p. 113)

Na execução por quantia certa, oriunda de sentença condenatória, as medidas


executivas por sub-rogação são melhor vislumbradas na medida em que o Estado,
através da atividade jurisdicional, exerce os atos de expropriação dos bens do devedor
para a satisfação da pretensão do credor, como a penhora, a avaliação, depósito do
bem e posterior ato de alienação, culminando com a satisfação final do débito.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 93-107, abr./jun. 2012
102 Maurício Zandoná

As medidas executivas por coerção, também chamadas de execução indireta, são


aquelas que “não realizam, por si só, o direito material, mas apenas atuam sobre a von-
tade do devedor com o objetivo de convencê-lo a adimplir” (MARINONI, 2008, p. 71).
Ensina o autor (2008, p. 71) que a doutrina clássica entende que as medidas de coerção
indireta não constituem execução propriamente dita justamente porque não realizam o
direito material do credor. Contudo, não há como negar que a execução indireta consti-
tui autêntica forma de execução, dado o resultado que ela pode proporcionar.
Ao contrário do que defende a doutrina majoritária, afirma José Miguel Garcia
Medina que as medidas de coerção constituem uma modalidade de execução, por-
quanto o que se busca com a tutela jurisdicional é o bem jurídico pretendido.

A execução por coerção é modalidade de tutela jurisdicional executiva,


nada impedindo que esta modalidade de execução ocorra em decorrência
da sentença condenatória. Não é a modalidade de sentença que permite
distinguir a medida executiva que será realizada, mas, sim, o bem devido
que se pretende obter com tal atividade jurisdicional. (MEDINA, 2004, p. 403)

Acrescenta, ainda, Humberto Theodoro Junior (2009, p. 112) que os meios de


coação “se apresentam como instrumentos intimidatórios, de força indireta, no esfor-
ço de obter o respeito às normas jurídicas. Não são medidas próprias do processo de
execução, a não ser em feito acessório ou secundário”.
Previamente compreendidas as espécies de medidas executivas, o desafio agora
é definir qual a natureza jurídica da multa ora pesquisada.
Interpretando de maneira instantânea e objetiva o artigo 475-J do Código
de Processo Civil, Luiz Fux (2008, p. 245) afirma que “a letra da lei deixa entrever de
forma inequívoca que a multa tem natureza de meio de coerção e reverte em favor
do credor”. Percebe-se que o autor, nesse momento, direcionou o foco de seu estudo
diretamente no texto legal.
No mesmo sentido, ensina José Miguel Garcia Medina (2008, p. 216) que “a multa
referida no art. 475-J, à semelhança da multa que pode ser fixada em ações fundadas
nos arts. 461 e 461-A do CPC, tem função coercitiva”. Contudo, segue o autor explicando
acerca das importantes diferenças entre as referidas multas acima comentadas, para
deixar claro as peculiaridades de ambas as multas processuais.

No caso do art. 475-J, está-se diante de multa legal, cuja incidência


não depende de deliberação judicial; nos casos dos arts. 461 e 461-A,
a incidência da multa depende de decisão do juiz. Tem-se, assim, que a
multa a que se refere o art. 475-J é efeito legal da sentença condenatória.
(MEDINA, 2008, p. 216)

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 93-107, abr./jun. 2012
Aplicabilidade da multa do art. 475-J do CPC condicionada à espécie de liquidação exigida pela sentença... 103
O autor coloca muito bem que a multa do artigo 475-J do Código de Processo
Civil se trata de uma multa legal, cuja incidência independe de qualquer determinação
por parte do juiz, já que provém da própria lei. Importante ressaltar que a referida multa
se refere apenas às sentenças condenatórias que determinam o pagamento de quantia
certa, o que não ocorre com as demais situações jurídicas.
Ao contrário do que afirmam os autores supracitados, afastando o entendimento
de que a multa do artigo 475-J do Código de Processo Civil tem natureza coercitiva,
Luiz Guilherme Marinoni (2008, p. 241) entende que “a multa em exame tem natureza
punitiva, aproximando-se da cláusula penal estabelecida em contrato”.
Adiante o autor explica seu entendimento doutrinário, demonstrando suas razões
em declinar a natureza punitiva para a multa do artigo 475-J do Código de Processo Civil.

Esta multa não tem caráter coercitivo, pois não constitui instrumento
vocacionado a constranger o réu a cumprir a decisão, distanciando-se,
desta forma, da multa prevista no art. 461, §4º, do CPC. O conteúdo coer-
citivo que pode ser vislumbrado na multa do art. 475-J é comum a toda e
qualquer pena, já que o devedor, ao saber que será punido pelo descum-
primento, é estimulado a observar a sentença. (MARINONI, 2008, p. 241)

Nesse desentender doutrinário, parece assistir razão Marinoni, pois viável atribuir
à multa do artigo 475-J do Código de Processo Civil natureza punitiva, isso por vários mo-
tivos. Em primeiro momento, veja-se que a referida multa não é fixada pelo magistrado,
e sim, já vem expressamente prevista em lei. O magistrado não tem a discricionariedade
de afastar a incidência dessa se assim desejar, isso porque sua incidência é instantânea
logo após o transcurso do prazo de quinze dias sem o pagamento voluntário do débito.
O percentual da multa se reverte em favor do credor, e só por este pode ser exigida —
lembre-se que o credor pode não exigir a multa, mas isso é uma faculdade dele. Dessa
forma, entende-se que a multa do artigo 475-J do Código de Processo Civil tem natureza
punitiva, e só não incidirá no caso de pagamento do débito dentro do prazo legal.

5 Momento processual de incidência da multa


Consoante o texto legal, o artigo 475-J do Código de Processo Civil não define
com precisão o termo a quo para a incidência da multa prevista, limitando-se a afirmar,
que, no caso de não pagamento voluntário pelo devedor no prazo de quinze dias, o
montante da condenação será acrescido de multa de dez por cento.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, modificando posicionamento
anterior vislumbrado em suas Turmas, decidiu no REsp nº 940.274/MS7 que o termo

Ementa: Processual civil. Lei nº 11.232, de 23.12.2005. Cumprimento da sentença. Execução


7

por quantia certa. Juízo competente. Art. 475-P, inciso II, e parágrafo único, do CPC. Termo

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104 Maurício Zandoná

inicial para a incidência da multa do artigo 475-J do Código de Processo Civil se dará
com a intimação do devedor, na pessoa de seu advogado, através de publicação pelos
meios oficiais, momento em que o credor já apresentara o requerimento de execução
juntamente com a memória discriminativa de cálculo. O entendimento do Tribunal é
que, a partir de então, o devedor terá o prazo de quinze dias para efetuar o pagamento
sob pena do acréscimo do percentual de dez por cento previsto no dispositivo legal.
Note que a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, no que diz
respeito à prescindibilidade de intimação pessoal do devedor para cumprimento da
obrigação, vem em contradição à Súmula 4108 da própria Corte Superior, quando, até
então, entendia pela necessidade de intimação pessoal do devedor.
É importante distinguir o momento processual de incidência da referida multa
e o momento oportuno para sua cobrança. Nesse aspecto, aproveitamos os ensina-
mentos de José Miguel Garcia Medina.

Distinguem-se nitidamente, contudo, os momentos de incidência e de


cobrança da multa: incide a multa quando o réu, condenado, não cumpre
o disposto na sentença; tendo incidido a multa, sua cobrança poderá
ocorrer, se e quando for requerida a execução da sentença. (MEDINA,
2008, p. 218)

No que diz respeito à incidência da multa do artigo 475-J do Código de Processo


Civil, o entendimento de Medina (2008, p. 219-221) é pela necessidade de intimação
pessoal do executado para que este cumpra a sentença, tendo em vista que se trata
de ato personalíssimo da parte, o que poderá ser feito através de via postal. Afirma o

inicial do prazo de 15 dias. Intimação na pessoa do advogado pela publicação na imprensa


oficial. Art. 475-J do CPC. Multa. Juros compensatórios. Inexigibilidade. 1. O cumprimento
da sentença não se efetiva de forma automática, ou seja, logo após o trânsito em julgado da
decisão. De acordo com o art. 475-J combinado com os arts. 475-B e 614, II, todos do CPC,
cabe ao credor o exercício de atos para o regular cumprimento da decisão condenatória,
especialmente requerer ao juízo que dê ciência ao devedor sobre o montante apurado,
consoante memória de cálculo discriminada e atualizada. 2. Na hipótese em que o trânsito
em julgado da sentença condenatória com força de executiva (sentença executiva) ocorrer
em sede de instância recursal (STF, STJ, TJ E TRF), após a baixa dos autos à Comarca de origem
e a aposição do “cumpra-se” pelo juiz de primeiro grau, o devedor haverá de ser intimado na
pessoa do seu advogado, por publicação na imprensa oficial, para efetuar o pagamento no
prazo de quinze dias, a partir de quando, caso não o efetue, passará a incidir sobre o montante
da condenação, a multa de 10% (dez por cento) prevista no art. 475-J, caput, do Código de
Processo Civil. Acordam os Ministros da Corte Especial, por unanimidade, conhecer do recurso
especial e, por maioria, dar-lhe parcial provimento. 7.4.2010. Recurso Especial nº 940.274-MS
(2007/0077946-1) Relator Ministro Humberto Gomes de Barros.
8
Súmula 410 – STJ. A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária
para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Rel.
Min. Aldir Passarinho Junior, em 25.11.2009.

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Aplicabilidade da multa do art. 475-J do CPC condicionada à espécie de liquidação exigida pela sentença... 105
autor que, na ausência de intimação pessoal do réu para o cumprimento da obrigação,
a multa não poderá ser cobrada.
Corrobora esse entendimento Fredie Didier Jr. (2010, p. 519) dizendo que, “para
que a multa do art. 475-J incida, é preciso que, antes, o executado tenha sido intimado
para cumprir espontaneamente a obrigação”.
Já para Luiz Guilherme Marinoni (2008, p. 361), “se a sentença, no caso em que
o recurso não é recebido com efeito suspensivo, produz efeitos imediatos, o prazo de
quinze dias para o devedor cumpri-la corre a partir do momento em que o advogado
é dela intimado, o que ocorre com a sua publicação no Diário Oficial”. Aqui, o autor
entende que o prazo inicial para a contagem dos quinze dias concedidos ao devedor
se dá a partir da publicação da sentença nos órgãos oficiais, da qual seu advogado,
devidamente constituído, restará ciente dos efeitos condenatórios.
Do mesmo entendimento coaduna Humberto Theodoro Junior (2009, p. 48),
quando explica que a incidência da multa de dez por cento do artigo 475-J do Código
de Processo Civil se dará “sempre que o devedor não proceder ao pagamento volun-
tário nos quinze dias subseqüentes à sentença que fixou o valor da dívida (isto é, a
sentença condenatória líquida, ou a sentença de liquidação da condenação genérica)”.
No que pese o entendimento recente do Supremo Tribunal de Justiça acerca
do tema, diante dos aspectos levantados no presente trabalho, entende-se que, pri-
meiramente, deve-se verificar a necessidade de proceder, ou não, às liquidações por
arbitramento ou por artigos, bem como no caso em que os dados necessários para
a confecção do cálculo estiverem em poder de terceiros, ocasiões em que haverá a
necessidade de nova intimação e abertura do prazo de quinze dias para pagamento,
no momento em que se conhecer o quantum apurado, o que, necessariamente, não
deverá ocorrer quando se tratar de liquidação de sentença condenatória por mero
cálculo aritmético.

6 Conclusão
Diante dos argumentos expostos durante o texto, verificou-se que a exigibi-
lidade da sentença condenatória pode se efetivar com o trânsito em julgado ou até
mesmo na forma provisória, onde a lide ainda restar pendente de recurso. Por esse
motivo, o credor pode imediatamente proceder ao requerimento de execução de
sentença, sem necessidade alguma de aguardar o prazo de quinze dias estabelecido
para pagamento do devedor. Como dito no decorrer do estudo, a exigência do débito
principal pelo credor independe e é autônoma em relação à incidência da multa do
artigo 475-J do Código de Processo Civil. O credor pode ou não aguardar o prazo con-
cedido legalmente, e, por conseguinte, exigir ou não a multa legal de dez por cento
prevista no dispositivo legal.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 93-107, abr./jun. 2012
106 Maurício Zandoná

Considerando também a distinção entre a fase de cumprimento voluntário da


sentença e a fase de execução forçada da sentença, tem-se que se concederá ao deve-
dor o prazo, impreterível, de quinze dias, para que o mesmo efetue o pagamento volun-
tário do débito pelo qual foi condenado. O aspecto comportamental de voluntariedade
deverá ocorrer independentemente de qualquer manifestação do credor, porquanto,
assim não sendo, já se estará falando de execução forçada da sentença condenatória.
Apesar de toda a divergência doutrinária vista no texto, sobressai a ideia de que
se deve dar à multa do artigo 475-J natureza punitiva, já que, de acordo com o estudo,
a incidência desta decorre de lei; o prazo é previsto e determinado em lei; é facultado
ao credor efetuar sua cobrança e, por fim, não se trata de poder discricionário do juiz,
razões pelas quais declina-se a esse entendimento.
Assim, por relevância maior, transcorrido o prazo de quinze dias após o trânsito em
julgado da sentença condenatória, a incidência imediata da multa, e sem nova intimação,
parece estar condicionada quando se tratar de liquidação de sentença por mero cálculo
aritmético, ao qual o próprio devedor tem por obrigação proceder, mormente que está a
seu alcance todos os dados pertinentes para a elaboração do cálculo atualizado, inclusi-
ve nos casos em que os documentos necessários estão em seu exclusivo poder. Deve-se
ressaltar que o mesmo não ocorre quando se exigir a liquidação por arbitramento ou por
artigos, bem como na liquidação por cálculo em que os dados estão em poder de tercei-
ros. Nesses casos, devem-se efetuar os procedimentos liquidatórios e, após, dar ciência ao
devedor dos valores encontrados e julgados perfeitos pelo juiz para, então, ser concedido
o prazo legal de quinze dias sob pena da incidência da referida multa.

Abstract: The incidence and demand the fine provided for in art. 475-J of
the Code of Civil Procedure is subject to various procedural matters perti-
nent. The sentence that imposes a certain amount paid may be required
with the advent of res judicata and is independent of the period granted
to the debtor for payment. The requirement of debt is fine for standalone
procedure, because it can be disregarded by the lender. It has to be the
only way to discharge the debtor of the impact of the fine is to pay the
debt voluntarily, even before any manifestation of the creditor, since this
assignment is uncharacteristic willingness determined by law. Despite
finding themselves doctrinal disagreement, it will see that the punitive
nature of the fine is revealed by its own characteristics. Finally, this paper
will demonstrate that the immediate impact of the fine, regardless of the
new order, seems to be conditioned in the case of liquidation sentence
for mere arithmetic, of which the defendant has an obligation to know
the values that had been ordered to pay.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 93-107, abr./jun. 2012
Aplicabilidade da multa do art. 475-J do CPC condicionada à espécie de liquidação exigida pela sentença... 107
Key words: Enforceability of settlement and verdict. Voluntary compliance
and enforcement. Legal nature of the fine. Effect of the fine.

Referências

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BRASIL. Lei nº. 5.869/73. Código de Processo Civil. Vade Mecum. 9. ed. atual. e ampl. Saraiva, 2010.
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

ZANDONÁ, Maurício. Aplicabilidade da multa do art. 475-J do CPC condicionada à espécie de


liquidação exigida pela sentença condenatória. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro,
Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 93-107, abr./jun. 2012.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 93-107, abr./jun. 2012
Repensando a (in)constitucionalidade da
penhora online1
Vanessa Bezerra Maneschy
Mestre em Linguistica (UFPA). Pós-Graduanda em
Direito Processual (UNAMA-PA). Advogada. Perita
Criminal do “Centro de Perícia Científica Renato
Chaves”. E-mail: <vanessamaneschy@globo.com>.

Resumo: O presente artigo, na seara do direito processual civil, tem por


finalidade analisar a penhora online, introduzido pela Lei nº 11.328 de
2006. Embora a aplicação deste instituto esteja amplamente difundido
pelos tribunais brasileiros, é possível identificar a violação de alguns
princípios constitucionais por razão da inclusão desta Lei no ordenamento
jurídico. Essa análise, associada a uma pesquisa bibliográfica, motivou a
produção do presente trabalho que questiona a constitucionalidade do
instituto da penhora online.

Palavras-chave: Código de Processo Civil. Penhora online. Ofensa a


princípios. Inconstitucionalidade.

Sumário: 1 Considerações iniciais – 2 Penhora “genérica” x penhora


online – 3 Procedimento da penhora online – 4 Princípios ofendidos com
o advento da penhora online – 5 Considerações finais – Referências

1 Considerações iniciais
O nosso Código de Processo Civil já passou por várias alterações. No ano de
2006, o legislador dedicou-se a inovar o processo de execução, que teve sua estrutu-
ra significativamente modificada. Dentre as várias alterações,2 surge, com o advento
da Lei nº 11.328 de 2006, a figura da penhora por meio eletrônico, mais conhecido
como penhora online.
Classificada como penhora especial por alguns doutrinadores,3 a penhora online
nasce com a finalidade precípua de dar celeridade e efetividade à prestação jurisdicional
e sua aplicação pelo Poder Judiciário tem crescido progressivamente.

1
Por tratar-se de um empréstimo linguístico, optou-se por respeitar a grafia original do termo
online, sendo, portanto, necessário destacá-la por meio de itálico.
2
A principal alteração consiste na criação do sincretismo processual no qual a execução far-se-á
em sede de cumprimento de sentença como segunda fase do processo de conhecimento e
não mais em processo autônomo.
3
Como Wambier (2008) e Abelha (2008).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p.109-122, abr./jun. 2012
110 Vanessa Bezerra Maneschy

A penhora online vem se sedimentando no ordenamento jurídico pátrio na medida


em que a maioria dos doutrinadores4 e jurisprudências5 recentes vêm se posicionado em
favor da constitucionalidade do instituto.
Em que pese um posicionamento quase pacificado relativo à constitucionalidade
da penhora online, este artigo pretende refletir sobre os princípios que são violados
com a aplicação desse instituto e que, por conseguinte, levantam questionamentos
acerca de sua constitucionalidade.

2 Penhora “genérica” x penhora online


Segundo reza o artigo 646 do CPC, a execução por quantia certa visa a expropriar
bens do devedor a fim de satisfazer o direito do credor consagrado em título executivo.
Para que seja possível atingir a expropriação, faz-se necessário um procedimento exe-
cutivo que se inicia com a penhora.
A penhora em sentido lato, ou seja, a penhora “genérica”, enquanto instituto proces-
sual, apresenta-se como um ato de natureza executiva que tem por finalidade a identifica-
ção de um bem pertencente ao patrimônio do executado e que será alvo da expropriação.
De acordo com Abelha (2008, p. 337),6

[...] a penhora é um ato executivo instrumental (preparatório) da execução


por expropriação, e, por via dela, apreende(m)-se bem (ns) do executado,
com ou contra sua vontade, guardando-os para a expropriação final que
irá satisfazer o crédito exequendo.

4
Como por exemplo: Abelha (2008); Wambier (2008); Puchta (2009); Theodoro Junior (2007);
Didier (2009).
5
Ementa: Agravo de instrumento. Responsabilidade civil. Execução de sentença. Penhora
online. BacenJud. Segundo os princípios que orientam o processo executivo, todos os atos
nele praticados destinam-se a um desfecho único da satisfação do direito material definido
em procedimento cognitivo. No deferimento da penhora, não há ofensa ao princípio da
execução menos gravosa. Consagrando tal entendimento, a Lei 11.382/2006 fez incluir o
art. 655-A, modificando o inciso I do art. 655, trazendo a previsão normativa para a penhora em
dinheiro em instituição financeira, autorizando sua indisponibilidade. Deram parcial provi-
mento ao recurso. Unânime (Agravo de Instrumento nº 70032571937, Sexta Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luís Augusto Coelho Braga, Julgado em 11.3.2010).
Ementa: Agravo de instrumento. Cumprimento de sentença. Pleito de penhora online. Pos-
sibilidade na hipótese. Artigo 655, I do Código de Processo Civil. Possível a constrição de
dinheiro na hipótese. O requerimento se deu em conformidade com a ordem legal prevista
no art. 655 do Código de Processo Civil, após o advento da Lei 11.382/06. Desnecessidade
de esgotamento de diligências. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Agravo de ins-
trumento provido (Agravo de Instrumento nº 70033795816, Nona Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 16.12.2009).
6
ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.

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Repensando a (in)constitucionalidade da penhora online 111
Diante desses conceitos, tem-se que a penhora é um ato de identificação, de
apreensão e de guarda de um bem do patrimônio do executado, possuindo, portanto
uma natureza conservativa, e não consistindo na expropriação em si.
O efeito da individualização do bem obtido com a penhora tem por objetivo
evitar que os demais bens do executado respondam pela execução. Assim, a penhora
“genérica”, nos termos do artigo 644 do CPC, consuma-se com a identificação, seguida
da apreensão e do depósito do bem do executado.
Contudo, essa modalidade de penhora não se aplica em todos os casos.
Segundo Abelha (2008, p. 354),

Nem sempre os bens de valor econômico que compõem o patrimônio


do executado possuem natureza corpórea, e por isso mesmo não podem
ser apreendidos fisicamente. Isso significa dizer que nem todos os bens
penhoráveis são apreendidos, guardados ou conservados mediante um
procedimento padrão.

Nessa seara descrita por Abelha (2008) é que se insere a penhora online, uma
modalidade específica de penhora que tem um tratamento diferenciado da penhora
“genérica”.
A penhora online não se limita a apreender certo bem do devedor para deixá-lo
à disposição do credor, como nas clássicas penhoras de bens. O instituto tem um ob-
jetivo diferenciado conforme se pode observar pela leitura do artigo 655-A do CPC, in
verbis:

Art. 655-A. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou


aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará
à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por
meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do
executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade,
até o valor indicado na execução.
§1º As informações limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou
aplicação até o valor indicado na execução.

A penhora online descrita acima, diferentemente da penhora genérica, prevê


que o juiz, por via eletrônica, proceda, junto ao Banco Central, ao bloqueio de depósitos
e aplicações financeiras em nome do executado para garantir o crédito do exequente.
O objetivo do legislador ao criar esse instrumento processual foi, precipua-
mente, o de assegurar celeridade, efetividade da prestação da tutela executiva de
títulos judiciais e extrajudiciais.

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112 Vanessa Bezerra Maneschy

3 Procedimento da penhora online


A penhora genérica ocorre nos processos de execução por quantia certa contra
devedor solvente, execução esta que pode se dar por título executivo judicial, arrola-
dos no artigo 475-N do CPC, ou por título executivo extrajudicial elencados no artigo
585 da lei adjetiva civil.
O procedimento da penhora online é igualmente possível nos casos de execuções
fundadas em título executivo judicial, como nas fundadas em títulos executivos extraju-
diciais e, em ambos os casos, a penhora se processa do mesmo modo.
Após exauridas as oportunidades concedidas ao devedor para o cumprimento
da obrigação, o juiz dá início à execução por meio da penhora.
O artigo 655-A do CPC autoriza que o magistrado, a requerimento do exequente,
solicite ao Banco Central informações sobre a existência de numerário em nome do
executado. Neste momento, o juízo da execução utiliza-se do BaCen JUD7 para obter as
informações sobre a existência ou não de valores na conta de executado para satisfação
do crédito exequendo.
O dispositivo aduz que o magistrado deve solicitar as informações “podendo no
mesmo ato determinar sua indisponibilidade”. Em que pese a menção à possibilidade
de o juiz proceder imediatamente ao bloqueio dos valores da execução, boa parte da
doutrina8 entende que não se trata de uma faculdade, mas sim de um dever do juiz.
Nesse sentido afirma Puchta (2009, p. 197):9

[...] o magistrado não tem a faculdade de ordenar ou não a penhora on-


-line e sim, o poder-dever de fazê-lo, pois o Judiciário necessita atender os
direitos fundamentais insertos na ordem jurídica do Estado Constitucional.

Dessa feita, recebida a informação e havendo ativos nas contas do executado, o


juiz determinará imediatamente o bloqueio até o valor da execução. O bloqueio pode
ser menor do que o necessário, se houver saldo insuficiente, mas nunca superior ao
valor da execução
Para Didier (2009), o ato de bloqueio dos valores da conta do executado se
configura como um arresto executivo eletrônico.

7
Oriundo do convênio firmado entre o Poder Judiciário e Banco Central, o BaCen JUD é um
sistema de software que permite aos juízes solicitar informações sobre a movimentação dos
clientes de instituições financeiras e determinar o bloqueio de contas-correntes ou qualquer
conta de investimento.
8
Como Puchta (2009) e Theodoro Junior. (2007).
9
PUCHTA, Anita Caruso. Penhora de dinheiro on-line. Curitiba: Juruá, 2009.

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Repensando a (in)constitucionalidade da penhora online 113
Em seguida, após o bloqueio bancário, o escrivão lavra o termo de penhora
intimando o executado. De acordo com Didier (2009) é neste momento que o arresto
se converte em penhora, visto que ao executado é dado ciência do ato.
Realizada a penhora online, e lavrado o seu respectivo termo, estará indisponível
ao executado, em sua conta bancária, o valor correspondente à execução.
A desconstituição de uma penhora indevida somente poderá ser pleiteada após
lavrado o termo de penhora por meio da impugnação do executado (475-L, III), nos
casos de execução fundada em título executivo judicial, ou por embargos a execução
(art. 745, II do CPC), em caso de execução fundada em título executivo extrajudicial.

4 Princípios ofendidos com o advento da penhora online


Esta seção do presente artigo se dedica a analisar os princípios constitucionais
e processuais que são violados com a penhora online, instituto criado com o advento
da Lei nº 11.328/2006.

4.1 Princípio da menor onerosidade ao executado


O princípio da menor onerosidade ao executado é um princípio de ordem pro-
cessual e se encontra presente no artigo 620 do CPC, in verbis: “Quando por vários
meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo
menos gravoso para o devedor”.
O princípio em questão garante a humanização da execução. Essa constatação
é facilmente percebida quando analisada a trajetória histórica da execução. Evoluiu-se
do tempo no qual a dívida recaía sobre o próprio corpo do executado gerando casos
de escravidão e prisão, para um momento no qual se garante um sistema de proteção
ao devedor contra excessos na execução. Um sistema de proteção calcado em valores
de equidade e justiça que evidenciam uma tendência humanística na execução.
A lei adjetiva civil vinha abraçando veementemente uma postura humanizada da
execução e trazia, além do artigo 620, um sistema extremamente favorável ao devedor.
Com as recentes alterações do CPC, o legislador buscou minimizar esse amparo exacerbado
em face ao devedor, e acabou por adotar um posicionamento nitidamente protetivo aos
interesses do credor, sem, contudo, excluir o artigo 620 do CPC.
Nesse sentido, percebe-se que o atual modelo de execução adotado, no qual
se prioriza os princípios da celeridade e da efetividade da prestação jurisdicional,
confronta-se com o princípio da menor onerosidade ao executado.
Para exemplificar a alteração no plano de proteção, basta observar que, antes
da Lei nº 11.328/2006, a opinião do devedor era considerada antes da penhora. Com o

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114 Vanessa Bezerra Maneschy

advento da referida lei, o executado só poderá impugnar a execução após a efetivação


da penhora.
A indicação de bens a serem penhorados não mais compete ao devedor, sendo
agora, segundo o artigo 652 do CPC, atribuição do credor. A celeridade almejada com
esse dispositivo se apresenta como mais gravosa para o executado.
A Lei nº 11.328/2006 introduziu a penhora online (artigo 655-A) e alterou a ordem
de preferência de penhora, posicionando o dinheiro como primeiro na lista, o que benefi-
ciou muito o credor. Muitos doutrinadores10 comemoraram essas inovações, enaltecendo
o princípio da celeridade e da efetividade da tutela jurisdicional. Puchta (p. 195, 2009),
que defende veementemente o instituto da penhora online, aduz:

[...] a penhora de dinheiro está inscrita por primeiro na ordem legal de


preferência e isso necessita ser observado, sob pena de contrariedade
à lei processual e a princípios constitucionais do processo, aos direitos
fundamentais do exeqüente e ao interesse público da prestação jurisdi-
cional efetiva.

De acordo com a autora supracitada, nos processos de execução deverá sempre


se fazer uso do instrumento de penhora online para garantir sua efetividade. Ademais, a
execução deve atender fielmente a ordem de preferência. Puchta (2009) defende, sem
ponderações, o manejo desses institutos em prol da satisfação do crédito do credor e a
garantia de celeridade e eficiência da prestação jurisdicional.
Assim como Puchta (2009), Abelha (2008) defende a aplicação literal dos institu-
tos de modo a privilegiar o credor em detrimento do princípio da menor onerosidade
ao executado.
Contudo, para Câmara (2007), o princípio da menor onerosidade ao executado
visa buscar equilíbrio de interesses entre exequente e executado. Como este autor,
Wambier (2008) também pondera a aplicação desmedida dos princípios da efetivida-
de e da celeridade, buscando uma interpretação sistemática aos processos de execução.
Para Wambier (2008, p. 206):11

A regra do art. 655-A procura privilegiar a eficiência da execução, mas sem


desconsiderar o princípio do menor sacrifício do executado (art. 620). Pre-
cisamente por buscar o equilíbrio entre os dois princípios, tal ordem não
é rígida, nem absoluta — a despeito do que dá a entender o teor literal
do preceito. Eventualmente, admitir-se-á que a penhora recaia sobre bem
em posição posterior na ordem de preferência, pois seria excessivamente
oneroso para o devedor, se a constrição atingisse bens melhor posicionados.

10
Como por exemplo Abelha (2008) e Puchta (2009).
11
WAMBIER. Luis Rodrigues. Curso avançado de processo civil. 18. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008. v. 2.

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Repensando a (in)constitucionalidade da penhora online 115
O entendimento desse ilustre doutrinador se coaduna com a ideia de harmonização
de princípios. Se por um lado as alterações do CPC surgiram para dar mais proteção
ao exequente, por outro, o legislador manteve o artigo 620 do CPC para resguardar
o devedor, evidenciando uma certa preocupação do legislador em equilibrar os inte-
resses no processo executivo.
Contudo, não tem sido essa a interpretação adotada nos juízos de execução.
Pelo contrário. Atualmente a execução tem privilegiado, de modo exacerbado, o credor
e negligenciado os direitos expressamente garantidos ao devedor.
O uso da penhora online com a justificativa de que o dinheiro se encontra ao
topo da ordem de preferência de penhora tem se tornado uma constante.
É sabido que a nova redação dada ao artigo 655 do CPC elenca a ordem pre-
ferencial de bens suscetíveis de penhora, posicionando o dinheiro no cume da lista.
Contudo, ressalta-se que o referido dispositivo traz o termo preferencialmente, não
sendo, portanto, imperativo o atendimento à ordem da lista.
Os juízes se utilizam da penhora online de maneira desmedida sem avaliar o grau
de prejuízo para o devedor, que poderia satisfazer o crédito exequendo por outro meio.
Não é porque o dinheiro encabeça a lista de preferência da penhora que obriga-
toriamente far-se-á a penhora online de valores presentes nas contas do devedor. Esse
ato, tão utilizado nas varas de execução, só ratifica a priorização isolada do princípio da
celeridade e da efetividade.
Não se questiona, no presente trabalho, a aplicação da penhora online para os
casos de cumprimento de sentença quando há um processo de cognição exauriente
acerca da matéria. Nesses casos, o uso da penhora online na fase executiva encontra-se
em perfeita consonância com o princípio da celeridade e da efetividade.
O mesmo, entretanto, não pode ser dito para os casos de execução fundada
nos títulos executivos extrajudiciais. A violação ao princípio da menor onerosidade
ao executado se torna muito mais evidente nas execuções fundada em título executi-
vo extrajudicial. Isso porque, em virtude da natureza dessa modalidade de execução,
tem-se um procedimento muito mais célere.
Com o ajuizamento da demanda, o devedor tem apenas 3 (três) dias para efetuar
o pagamento da dívida (artigo 652). Não efetuado o pagamento, procede-se à penhora,
que pode ser realizada nos moldes do artigo 652 §2º, ou por meio eletrônico, a requeri-
mento do credor. Assim, de maneira célere, o devedor terá seu patrimônio atingido, só
podendo questionar a penhora após sua efetivação.
A utilização reiterada da penhora online nos casos de execução fundada em título
executivo extrajudicial não permite uma discussão aprofundada sobre crédito exequendo.

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116 Vanessa Bezerra Maneschy

Portanto, ao permitir, nesses casos, que se proceda sempre à penhora online


sem avaliar as causas do inadimplemento e sem avaliar qual modo de penhora será
menos gravosa ao devedor, privilegia-se em excesso uma parte na relação processual:
o exequente.
Não se advoga em favor da extinção da penhora online. O que se defende é a
compatibilização dos princípios de celeridade e efetividade com o princípio da menor
onerosidade ao executado.
Câmara (2007, p. 165),12 que defende o equilíbrio entre os princípios conflitan-
tes, examina:

[...] se a penhora incide sobre um bem que é capaz de garantir tal satisfação
do crédito e o devedor tem outro, também capaz de garantir tal satisfação,
mas que uma vez apreendido traria a ele menor gravame, deverá a penhora
incidir sobre este bem e não sobre aquele primeiro.

A aplicação irrestrita da penhora online nos casos de execução fundada em título


executivo extrajudicial tem se mostrado extremamente atentatória ao princípio da menor
onerosidade ao executado. Isso porque indisponibiliza o patrimônio do devedor tão logo
iniciado o litígio, sob o argumento de que o dinheiro constitui o primeiro bem na ordem
de preferência da penhora.
Como já dito alhures, trata-se de preferência, não de uma imposição. A penhora,
nesses casos, não precisa obrigatoriamente recair sobre as contas do devedor, prin-
cipalmente se a inversão da ordem de bens for mais benéfica ao executado e ainda
satisfizer o crédito do exequente.

4.2 Princípio da legalidade


O princípio da legalidade é a viga mestra de um Estado Democrático de Direito,
que em essência, segundo Silva (2005), subordina-se à Constituição e sujeita-se ao
império da lei.
Consagrado pelo artigo 5º, II, da Constituição Federal, o efeito do princípio da
legalidade no que diz respeito ao Estado difere do efeito que incorre sobre os indiví-
duos. As pessoas privadas podem fazer tudo o que a lei não proíbe, enquanto o Estado
só pode exercer o que a lei autorizar.
Toda a atividade do Estado deve respeitar as próprias leis que edita, caso
contrário, a atividade é ilícita.

12
CÂMARA, Alexandre. Lições de direito processual civil. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2007. v. 2.

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Repensando a (in)constitucionalidade da penhora online 117
O instituto da penhora online não viola, de per si, o princípio da legalidade haja
vista sua previsão em lei atendendo devidamente a todo o processo de elaboração
legislativa. A questão jaz na aplicação da penhora online em determinados casos de
execução.
A realização da penhora online muitas vezes ocorre imediatamente com a cons-
tatação de numerários presentes nas contas do executado. Contudo, com esse bloqueio
imediato, não há como o juiz conhecer a natureza ou da origem do dinheiro bloqueado.
Com a indisponibilização imediata de valores nas contas do executado, o juiz
pode vir a apreender “vencimentos, subsídios, remunerações, proventos de aposenta-
doria, pensões pecúlios e montepios: as quantias recebidas por liberalidade de tercei-
ros e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos do trabalhador
autônomo, e os honorários de profissional liberal (...)” todos esses, bens absolutamente
impenhoráveis de acordo com o artigo 649 IV do CPC.
O respeito ao rol de impenhorabilidade não se limita a sua disposição em lei,
encontrando amparo principiológico. Para Abelha (2008, p. 343):

[...] o motivo do legislador livrar determinados bens do executado da incidên-


cia da responsabilidade patrimonial é de origem política, visando contemplar
valores relacionados à religião, ética, humanitarismo etc., tudo com vistas a
atender ao postulado de máxima proteção à dignidade do executado.

Já não bastasse o prejuízo causado pela penhora online que indisponibiliza


valores de natureza alimentar da conta do executado, mais esdrúxulo ainda é o
recurso previsto para sanar essa arbitrariedade.
O executado só poderá questionar a penhora, enquanto ato preparatório da
execução, após sua efetivação, cabendo a este inclusive o ônus de comprovar a que
natu­reza e a origem do dinheiro penhorado se encontra no rol previsto pelo artigo 649 IV.
Nesse sentido, a penhora online de valores de natureza alimentar representa uma
ação atentatória à sobrevivência digna do executado e se configura como verdadeiro
ato contra legem, uma vez que há pelo Estado-juiz, ofensa direta ao artigo 649 IV do CPC.
O princípio da legalidade preceitua que toda a atividade do Estado deve respei-
tar as próprias leis que edita. Assim, em caso de descumprimento, a atividade estatal
praticada é nitidamente ilícita.

4.3 Princípio da segurança jurídica


O princípio da segurança jurídica está diretamente relacionado à noção de con-
fiança que, em um Estado Democrático de Direito, significa atribuir crédito aos proce-
dimentos, atos e condutas estatais em suas diversas esferas de atuação.

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118 Vanessa Bezerra Maneschy

O princípio em questão garante a estabilidade das relações jurídicas de modo a evitar


que ocorra injustificadamente a desconstituição de atos e/ou fatos jurídicos. Espera-se, por-
tanto, que o Estado atue de modo previsível declarando o que é lícito ou ilícito.
A penhora online surgiu como mecanismo para garantir a efetividade da tutela
jurisdicional. A celeridade assegurada pela aplicação desse instrumento gera satisfação
tanto para aquele que busca o êxito de sua pretensão, como para aquele que atua direto
na realização da penhora, neste caso o juiz.
Percebe-se, contudo, que, muitas vezes, o magistrado, no afã de querer compor
a lide, age indevidamente, determinando a penhora online de ofício, violando disposi-
ção literal do artigo 655-A do CPC, que exige o requerimento expresso do exequente
para a realização da penhora eletrônica.
A lei é fonte de segurança e sua violação pelo próprio Estado-juiz acarreta a de-
sestabilidade das relações jurídicas e descrédito nas condutas do Estado. O juiz não pode
atropelar a lei, mesmo que seja sob o argumento de assegurar a tutela jurisdicional.
Outro aspecto da penhora online que se demonstra ofensiva à segurança jurídica
é a penhora simultânea de contas correntes em nome do executado.
Atualmente, o magistrado, ao solicitar informações ao Banco Central via
BaCen JUD, deseja conhecer se o executado dispõe de valores em instituições finan-
ceiras para satisfazer o crédito exequendo.
Constatando a presença de numerário na conta do executado, o juiz determina
o seu imediato bloqueio.
O sistema identifica as contas do devedor e atesta a existência dos valores
referentes à execução. Ocorre que, com a determinação do bloqueio, o sistema
realiza a indisponibilização dos valores da execução de todas as contas que o exe-
cutado possuir em seu nome. Isto é, se o executado possuir mais de uma conta
e, em cada uma, contiver o valor do crédito discutido, será bloqueado o valor da
execução em cada conta.
Atualmente, se, ao requerer a penhora online, o exequente não indicar especifi-
camente uma conta única conta corrente do executado sob a qual recairá a penhora, o
BaCen JUD, ao realizar a busca junto às instituições financeiras, arrola todas as contas
em nome do executado.
Feito isso, não há como o magistrado selecionar apenas uma das contas e
proceder à penhora, o que causa excesso de execução e prejuízos que podem ser
irreparáveis ao executado.
Em que pese sua eficiência, o sistema BaCen JUD precisa ser aperfeiçoado de
modo a evitar o bloqueio simultâneo de contas correntes. Caso contrário, o modelo
vigente adotado pelo sistema permanecerá a ofender, incontestavelmente, o princípio
da segurança jurídica.

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Repensando a (in)constitucionalidade da penhora online 119
4.4 Princípio da inviolabilidade de dados pessoais
Em princípio, o dispositivo 655-A do CPC aduz que as informações prestadas pelo
sistema BaCen se limitam a indicar a existência ou ausência dos valores da execução nas
contas do executado, para que, havendo os referidos valores, estes possam ser bloquea­
dos para garantir-se a satisfação do crédito. Porém essa não é a realidade. De acordo
com o próprio manual do sistema BaCen JUD 2.0, o usuário do sistema pode “solicitar
informações, saldos, extratos, endereços, de pessoas físicas e jurídicas do SFN” (p. 4).
Isso evidencia a quebra do sigilo bancário do executado. Ao permitir acesso ao
extrato de conta corrente e poupança do executado, o sistema age contra legem, vio-
lando o disposto no artigo 655-A do CPC, que prevê somente o conhecimento quanto
à presença ou não de numerário para satisfazer a execução.
O acesso do juiz a extratos bancários de contas em nome do executado con-
figura nítida ofensa ao princípio da inviolabilidade de dados pessoais, prevista no
artigo 5º, X, da Carta Magna: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra
e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou
moral decorrente de sua violação”.
O BaCen permite o intercâmbio de informações entre o sistema bancário e o
Poder Judiciário para que se preste uma tutela jurisdicional efetiva e célere. Esse fato
não se questiona. Entretanto, a lei (mais precisamente o artigo 655-A) é clara quanto
ao objetivo do sistema.
Ao solicitar informações às instituições financeiras, o juiz tem como objetivo
único conhecer se o executado dispõe de valores para garantir a execução. Havendo
o valor pretendido, procede-se ao bloqueio. Somente. Não há razão nem fundamento
jurídico que justifique a necessidade de o juiz obter informações detalhadas acerca da
vida financeira do executado. O sistema BaCen JUD foi além do que prevê a legislação
infraconstitucional, de forma que poder-se-ia até falar em excesso na execução, nos
casos de obtenção de extratos pela via eletrônica.

4.5 Princípio da isonomia


A violação do princípio da isonomia pela aplicação da penhora online pode ser
analisada sob duas perspectivas.
A primeira diz respeito ao tratamento dado pelo legislador para a penhora que
recai sobre um bem corpóreo e a penhora online de dinheiro.
Quando a penhora recai sobre um bem corpóreo, no qual se permite a apreensão
física do bem, essa penhora não retira do executado seu domínio sobre o bem. São retira-
dos apenas alguns atributos da propriedade como o usufruto, a disposição e a posse direta.

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120 Vanessa Bezerra Maneschy

Há hipóteses, como a do artigo 666, §1º, do CPC, por exemplo, em que é


permitido que o próprio executado fique com a posse direta do bem, agindo como
depositário. Nesses casos, o devedor pode até utilizar esse bem, contanto que con-
serve a integridade de seu estado e não provoque a sua desvalorização.
Observa-se que, nessas hipóteses, o legislador relativizou o procedimento da
penhora de um bem, relativização essa que se torna impossível nos casos de penhora
eletrônica de dinheiro. Tão logo procedido o bloqueio, imediatamente o devedor fica
impossibilitado de usufruir e de dispor de seus rendimentos.
Não há, portanto, uma proporcionalidade, uma isonomia entre a penhora que
recai sobre bens materiais e corpóreos e a penhora de dinheiro online, esta última sendo
evidentemente mais gravosa ao executado.
A ofensa ao princípio da isonomia também pode ser analisada por outra
perspectiva.
Assim que o juiz afere a existência de numerário na conta do executado, o mesmo
expede imediatamente ao Banco Central, via BaCen JUD, uma ordem de bloqueio desses
valores em contas do executado. Esse bloqueio é realizado dentro de 48 horas que, em
tão exíguo prazo, fica indisponível ao devedor.
Nos casos de inconformismo, acolhidos os embargos ou a impugnação do
executado pelo juiz, o devedor pode reaver os valores penhorados em sua conta.
Contudo, a velocidade do desbloqueio dos valores apreendidos nas contas ban-
cárias das pessoas físicas ou jurídicas não é igual à velocidade do bloqueio. Isso ocorre
não pelo procedimento eletrônico em si, mas pela morosidade relativa à tramitação
processual.
Por essa perspectiva é que também a penhora online pode ser considerada
como ofensiva ao princípio da isonomia.

5 Considerações finais
Abelha (2008), defendendo a constitucionalidade da penhora online, aduz que
a mesma representa um “mero incômodo” ao executado. Os doutrinadores que advo-
gam em favor da penhora online aparentemente desconsideram os prejuízos que são
causados pela aplicação de uma medida constritiva agressiva a um indivíduo que se
encontra com dificuldades de honrar seus compromissos.
Vale ressaltar que, em razão de generalizações, todo e qualquer devedor aca-
bou recebendo um tratamento de tendência pouco humanizada. Nesse sentido é que
se assegura ao devedor o princípio da menor onerosidade ao executado, conforme
alerta brilhantemente Câmara (2007, p. 165):

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Repensando a (in)constitucionalidade da penhora online 121
[...] é bom lembrar que nem todo devedor é desidioso, nem deve ser tratado
como vilão. [...] há devedores que chegam à situação de inadimplemento
que normalmente se identifica na execução em razão das ‘dolorosas vicissi-
tudes da vida’ e é principalmente por causa desses devedores que a obser-
vância desse princípio [...]

Entende-se ser de suma importância diferenciar o devedor de boa-fé que pode


estar sofrendo um colapso patrimonial em virtude de involuntárias circunstâncias da
vida, do devedor de má-fé que ardilosamente e intencionalmente se esquiva de seus
compromissos com o ânimo de obter vantagens.
Os doutrinadores que defendem a constitucionalidade da penhora online ado-
tam sempre como parâmetro um devedor de má-fé, sem fazer as devidas ponderações
com relação ao devedor que sofre com infortúnios da vida. Com isso, geram-se posi-
cionamentos uniformizados em prol da aplicação desmedida do instituto.
É importante esclarecer que o instituto da penhora online se apresenta como um
instrumento moderno e atualizado na busca por uma prestação jurisdicional efetiva.
Sua eficácia é indubitável.
O que se questiona é o modo como se processa o instituto. O modelo adotado
pelo legislador, e a forma como o instituto tem sido aplicado, levantam questionamentos
quanta à sua (in)constitucionalidade. Até que ponto não está sendo atropelado direitos
fundamentais em prol de uma tutela jurisdicional célere e efetiva?
O presente trabalho buscou analisar o aspecto inconstitucional do instituto da
penhora online, haja vista a ofensa direta a princípios constitucionais e processuais.
Observou-se, com a aplicação da penhora online, a ofensa a, no mínimo, cinco
princípios, sendo eles: o da menor onerosidade ao executado; o da legalidade; o da
inviolabilidade de dados pessoais; o da segurança jurídica e o da isonomia.
A solução para convalidar o instituto da penhora online seria buscar uma
adequação do seu modus operandi para harmonizá-lo com garantias e proteções
constitucionais vigentes.
Urge, portanto, ajustar o equilíbrio entre os princípios conflitantes, quais sejam: o
da efetividade da execução e o da execução menos gravosa ao executado. Assim, pode-se
assegurar uma prestação jurisdicional pautada nos valores de equidade e justiça.
Para qualquer espécie de penhora defende-se uma aplicação cautelosa. No caso
da penhora online, esse cuidado é redobrado visto que dinheiro é fonte de garantia da
subsistência de um indivíduo. Ao proceder a uma penhora eletrônica, o magistrado
deve analisar cuidadosamente o caso concreto — principalmente nas execuções fun-
dadas em título executivo extrajudicial no qual o processo já e célere —, pois somente
assim poderá se garantir a aplicação mais humanizada e justa do instituto.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p.109-122, abr./jun. 2012
122 Vanessa Bezerra Maneschy

Abstract: This article, in the field of civil procedural rules, seeks to


analyze the online attachment, introduced by the Law n. 11.328 of 2006.
Although the application of this institute is widely used in Brazilian courts,
it is possible to identify the violation of constitutional principles due to
the inclusion of this law within the legal system. This analysis, associated
with a literature review, led to the production of the present work which
questions the constitutionality of the online attachment institute.

Key words: Code of civil procedures. Online attachment. Offending


principles. Unconstitutional.

Referências

ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
BRASIL. Banco Central do Brasil. BACEN JUD 2.0: sistema de atendimento do poder judiciário:
manual básico. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/fis/pedjud/ftp/manualbasico.pdf>.
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DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2005. v. 4.
PUCHTA, Anita Caruso. Penhora de dinheiro on-line. Curitiba: Juruá, 2009.
SILVA, Jose Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 41. ed. Rio de Janeiro: Forense,
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WAMBIER, Luis Rodrigues. Curso avançado de processo civil. 18. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2008. v. 2.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

MANESCHY, Vanessa Bezerra. Repensando a (in)constitucionalidade da penhora online. Revista


Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p.109-122, abr./jun. 2012.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p.109-122, abr./jun. 2012
(Neo)Processualismo e (Neo)CPC –
Reflexões sobre a nova interpretação
processual
Rafael José Nadim de Lazari
Advogado, consultor jurídico e parecerista. Professor
universitário. Mestrando-bolsista (CAPES/PROSUP
Modalidade 1) em Teoria do Estado pelo Centro
Universitário “Eurípides” de Marília/SP. Colaborador
permanente de diversos periódicos especializados de
Direito. E-mail: <rafa_scandurra@hotmail.com>.

Resumo: Através dos métodos dedutivo, comparativo e histórico, este tra-


balho tenciona discorrer sobre a importância do “neoprocessualismo” para
o saber jurídico e para a nova interpretação processual. Nesse diapasão, o
Brasil encontra-se na latência da aprovação de um “Novo” Código de Pro-
cesso Civil, que adota algumas medidas ditas neoprocessuais. Sendo assim,
após discorrer sobre o fenômeno “neo”, elencar-se-á alguns elementos do
Novo CPC com essa característica, para, ao final, traçar algumas reflexões
sobre o saber jurídico e a interpretação processuais.

Palavras-chave: Neoprocessualismo. Direito fundamental ao processo


justo. Ordem jurídica justa. Interpretação processual.

Sumário: 1 Linhas preliminares e metodológicas – 2 O neopro­


cessualismo no Brasil – 3 A iminência de um Novo Código de Processo
Civil neoprocessual – 4 A nova interpretação das normas processuais – 5
Linhas derradeiras – Referências

1 Linhas preliminares e metodológicas


“Direito fundamental ao processo justo”1 e “acesso à ordem jurídica justa”.2
Representam essas as expressões-síntese do dito “neoprocessualismo”,3 que tal qual

1
Cf. CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. In: DIDIER JUNIOR, Fredie
(Org.). Leituras complementares de processo civil. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 251. Já
DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo
de conhecimento. 12. ed. Salvador: JusPodivm, 2010. v. 1, p. 30) prefere a expressão “direito
fundamental ao processo devido”.
2
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela jurisdicional: a relativização do binômio direito-
processo, como meio de acesso à ordem jurídica justa. São Paulo: USP, 1994.
3
Cf. CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. In: DIDIER JUNIOR, Fredie
(Org.). Leituras complementares de processo civil. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 248-249.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 123-139, abr./jun. 2012
124 Rafael José Nadim de Lazari

seu símile, o “neoconstitucionalismo”, teve início a partir do fim da Segunda Grande Guerra
Mundial,4 com a superação do mero “Estado de Direito” em prol de um “Estado Democrático
de Direito”,5 bem como com a ideia de reagregação de valores às codificações ocidentais.6
Do praxismo (sincretismo) ao processualismo, foram demarcadas as frontei-
ras entre direito material e direito processual, proclamando este sua independência
daquele.7 Do processualismo ao instrumentalismo, desenvolveu-se a “Teoria Circular dos
Planos”, isto é, a noção cooperativista de integração matéria/processo.8 Do instrumen-
talismo ao neoprocessualismo parece haver, enfim, a noção perfeita de materialização
da força normativa da Constituição.9
Isso porque, ao possuírem — o agente público e o particular — a “vontade de
Constituição” (“wille zur Verfassung”) de que tratou Konrad Hesse,10 concretiza-se o
ideal de vinculação a uma Lei Fundamental que norteie não apenas materialmente, mas
também sob enfoque processual. “Trocando em miúdos”, a força normativa também
está presente para as normas procedimentais, e, portanto, devem tais normas observar
a Constituição. O “neoprocessualismo” adjetiva, pois, o direito processual, tal qual o
“neoconstitucionalismo” o faz com os preceitos materiais.

4
Cf. DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo
de conhecimento. 12. ed. Salvador: JusPodivm, 2010. v. 1, p. 29.
5
Oportunas ao contexto as palavras de J. J. Gomes Canotilho (Direito constitucional e teoria da
Constituição. 6. ed. Coimbra, Portugal: Livraria Almedina, 2002. p. 100): “O Estado constitucio-
nal é ‘mais’ do que Estado de direito. O elemento democrático não foi apenas introduzido para
‘travar’ o poder (to check the power); foi também reclamado pela necessidade de legitimação
do mesmo poder (to legitimize State power). Se quisermos um Estado constitucional assente
em fundamentos não metafísicos, temos de distinguir claramente duas coisas: (1) uma é a
da legitimidade do direito, dos direitos fundamentais e do processo de legislação no sistema
jurídico; (2) outra é a da legitimidade de uma ordem de domínio e da legitimação do exercício
do poder político. O Estado ‘impolítico’ do Estado de direito não dá resposta a este último problema:
donde vem o poder. Só o princípio da soberania popular segundo o qual ‘todo poder vem do povo’
assegura e garante o direito à igual participação na formação democrática da vontade popular.
Assim, o princípio da soberania popular concretizado segundo procedimentos juridicamente
regulados serve de ‘charneira’ entre o ‘Estado de direito’ e o ‘Estado democrático’, possibilitando a
compreensão da moderna fórmula Estado de direito democrático. Alguns autores avançam mesmo
a ideia de democracia como valor (e não apenas como processo), irrevisivelmente estruturante de
uma ordem constitucional democrática”. Também, BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado
de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 96.
6
Cf. ALVIM, Arruda. Anotações sobre as perplexidades e os caminhos do processo civil con-
temporâneo: sua evolução ao lado do direito material. Revista Jurídica, Sapucaia do Sul/RS,
n. 386, p. 11, dez. 2009.
7
Cf. DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo
de conhecimento. 12. ed. Salvador: JusPodivm, 2010. v. 1, p. 27.
8
Cf. ZANETI JUNIOR, Hermes. A teoria circular dos planos: direito material e direito processual.
In: DIDIER JUNIOR, Fredie (Org.). Leituras complementares de processo civil. 8. ed. Salvador:
JusPodivm, 2010. p. 317.
9
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991.
10
Vide nota explicativa 09.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 123-139, abr./jun. 2012
(Neo)Processualismo e (Neo)CPC – Reflexões sobre a nova interpretação processual 125
Sem maiores delongas — mesmo porque sobre o “neoprocessualismo” se vai
melhor trabalhar no tópico seguinte —, este trabalho tenciona debater a impor-
tância do fenômeno “neo” para o ordenamento brasileiro. Mais que uma tendência
doutrinária em voga, a iminência de um “Novo” Código de Processo Civil possibilitou
à Comissão de Juristas designada para elaborá-lo11 preenchê-lo com elementos que
transpassam a vulnerabilidade histórica causada pela rápida evolução social a que
sempre esteve sujeito. Assim, aquilo que constitui absoluta natureza de regra (em sua
dicotomia com os princípios12) na Lei Adjetiva vindoura pouco sofrerá influência da
onda neoprocessualista, afinal, como bem lembrado por Humberto Ávila, os princípios
(mais a ponderação) não vêm para substituir-se às regras (mais a subsunção), mas para
complementá-las.13 É isso que garante a relação de segurança jurídica entre cidadãos
pelejantes e as normas puramente procedimentais.
Por sua vez, nos dispositivos principiológicos do “Novo” CPC, bem como nos que
trazem cláusulas abertas/genéricas e conceitos jurídicos indeterminados, é grande a in-
fluência neoprocessual. Isso se pode observar, p. ex., na ampliação da esfera de atuação
do juiz, no dever de colaboração das partes, na boa-fé processual, e numa duração razoá­
vel do processo. É com base nessa gama de dispositivos que se preocupa este trabalho.
Se existe a necessidade de um“Novo”CPC,14 ou se a codificação em elaboração —
apeli­dada “Código de Fux”, em substituição ao atual “Código de Buzaid” — resolve

11
Tal Comissão foi instituída pelo ato do Presidente do Senado Federal nº 379, de 30 de setembro
de 2009. São os seguintes os juristas: Luiz Fux (Presidente), Teresa Arruda Alvim Wambier (Rela-
tora), Adroaldo Furtado Fabrício, Humberto Theodoro Júnior, Paulo Cesar Pinheiro Carneiro,
José Roberto dos Santos Bedaque, José Miguel Garcia Medina, Bruno Dantas, Jansen Fialho de
Almeida, Benedito Cerezzo Pereira Filho, Marcus Vinicius Furtado Coelho, e Elpídio Donizetti
Nunes (Cf. FUX, Luiz. O novo processo civil. In: FUX, Luiz (Coord.). O novo processo civil brasileiro:
direito em expectativa: reflexões acerca do Projeto do Novo Código de Processo Civil. Rio de
Janeiro: Forense, 2011. p. 1).
12
Cf. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y
Constitucionales, 2002.
13
Afirma Humberto Ávila (Neoconstitucionalismo: entre a ciência do direito e o direito da ciên-
cia. Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, n. 17, p. 5, jan./mar. 2009. Disponível em:
<http://www.direitodoestado.com.br/rede.asp>. Acesso em: 09 set. 2011): “[...] os princípios
não podem ter o condão de afastar as regras imediatamente aplicáveis situadas no mesmo
plano. Isto porque as regras têm a função, precisamente, de resolver um conflito, conhecido
ou antecipável, entre razões pelo Poder Legislativo Ordinário ou Constituinte, funcionando
suas razões (autoritativas) como razões que bloqueiam o uso das razões decorrentes dos prin-
cípios (contributivas). Daí se afirmar que a existência de uma regra constitucional elimina a
ponderação horizontal entre princípios pela existência de uma solução legislativa prévia des-
tinada a eliminar ou diminuir os conflitos de coordenação, conhecimento, custos e controle
de poder. E daí se dizer, por consequência, que, num conflito, efetivo ou aparente, entre uma
regra constitucional e um princípio constitucional, deve vencer a regra”.
14
Quem bem trabalha a questão é Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero (O Projeto do CPC:
críticas e propostas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 55-60).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 123-139, abr./jun. 2012
126 Rafael José Nadim de Lazari

problemas crônicos do processo pátrio,15 são questões que não se almeja aqui discutir.
Não se trata, pois, de um observar de procedimentos e terminologias, mas de um tra-
balho que busca extrair o que a Lei Adjetiva em feitura objetiva qualitativamente.
Nesse diapasão, a seguir falar-se-á do “neoprocessualismo” no Brasil, bem como
de suas principais características. Após isso, discorrer-se-á sobre a iminência de um
“Novo” Código de Processo Civil neoprocessual. Em seguida, explanar-se-á sobre a
nova interpretação processual e sua importância para o saber jurídico, para, enfim,
poder tomar uma opinião pessoal a ser colocada em nota conclusiva.

2 O neoprocessualismo no Brasil
De grande valia é a contribuição de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira para o
estudo do “neoprocessualismo”. Com efeito, defende o autor que o fenômeno “neo”
criou fase histórica do processo subsequente à instrumentalista, intitulada “formalista-
valorativa”, na qual se destaca a importância dos preceitos constitucionais — funda-
mentais ou não — para o desenvolvimento regular do processo.16
Conforme Oliveira, a fim de combater o formalismo pernicioso, mostra-se
necessária uma mudança de mentalidade,17 algo que não se restrinja à mera obser-
vância de pré-requisitos.18 E, por consequência, se além da observância de preceitos
constitucionais também se faz necessária essa “mudança de mentalidade”, significa
que há uma questão de eticidade, também, implícita nesse “formalismo-valorativo”.19

15
Neste sentido, SOUZA, Gelson Amaro de. O novo CPC (Projeto-Lei nº 8.046/2010) e o amor ao
passado. Revista Síntese Direito Civil e Processual Civil, São Paulo, p. 122-130, jul./ago. 2011.
16
Cf. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo
excessivo. In: DIDIER JUNIOR, Fredie (Org.). Leituras complementares de processo civil. 8. ed. Salvador:
JusPodivm, 2010. p. 137-148.
17
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo
exces­sivo. In: DIDIER JUNIOR, Fredie (Org.). Leituras complementares de processo civil. 8. ed. Salvador:
JusPodivm, 2010. p. 170.
18
Não que a exigência de pré-requisitos seja algo apenas pernicioso. Nesse sentido, Carlos Alberto
Alvaro de Oliveira (O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo. In: DIDIER
JUNIOR, Fredie (Org.). Leituras complementares de processo civil. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2010.
p. 151) faz a ressalva: “Das considerações até agora realizadas, verifica-se que o formalismo, ao
contrário do que geralmente se pensa, constitui o elemento fundador tanto da efetividade
quanto da segurança do processo. A efetividade decorre, nesse contexto, do seu poder orga-
nizador e ordenador (a desordem, o caos, a confusão decididamente não colaboram para um
processo ágil e eficaz), a segurança decorre do seu poder disciplinador. Sucede, apenas, que ao
longo do tempo o termo sofreu desgaste e passou a simbolizar apenas o formalismo excessivo
de caráter essencialmente negativo”.
19
Cf. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O formalismo-valorativo no confronto com o forma-
lismo excessivo. In: DIDIER JUNIOR, Fredie (Org.). Leituras complementares de processo civil.
8. ed. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 166. Em mesmo sentido, POZZA, Pedro Luiz. O processo
civil como fenômeno cultural na perspectiva do formalismo-valorativo. Revista do Programa
de Pós-graduação em Direito da UFBA, Salvador, n. 15, p. 455, 2007.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 123-139, abr./jun. 2012
(Neo)Processualismo e (Neo)CPC – Reflexões sobre a nova interpretação processual 127
Ademais, Eduardo Cambi,20 quando traça as principais características do
“neoproces­sualismo”, elenca a visão publicística do processo,21 o direito fundamental à
ordem jurídica justa,22 23 o direito fundamental ao processo justo,24 25 o direito fundamen-
tal à tutela jurisdicional, a instrumentalidade do processo, e a construção de técnicas pro-
cessuais adequadas à realização dos direitos materiais.26
Também, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux,27 ao enquadrar o
estágio atual do sistema jurídico brasileiro dentro da nova fase positivista, destaca os
princípios da dignidade humana, da razoabilidade, da impessoalidade, da eficiência, da
duração razoável dos processos, do devido processo legal, do contraditório, da ampla
defesa, da efetividade, da tutela específica e tempestiva, e do acesso à ordem jurídica
justa, todos aplicáveis ao processo.

20
CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. In: DIDIER JUNIOR, Fredie
(Org.). Leituras complementares de processo civil. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 248-264.
21
“Com efeito, o processo distancia-se de uma conotação privatística, deixando de ser um mecanismo
de exclusiva utilização individual para se tornar um meio à disposição do Estado para a realiza-
ção da justiça, que é um valor eminentemente social” (CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo
e neoprocessualismo. In: DIDIER JUNIOR, Fredie (Org.). Leituras complementares de processo civil.
8. ed. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 251). Também, MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
O Projeto do CPC: críticas e propostas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 40.
22
Vide nota explicativa 02.
23
Para o autor [CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. In: DIDIER JUNIOR,
Fredie (Org.). Leituras complementares de processo civil. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 251],
o acesso à ordem jurídica justa abrange: “i) o ingresso em juízo; ii) a observância das garantias
compreendidas na cláusula do devido processo legal; iii) a participação dialética na formação
do convencimento do juiz, que irá julgar a causa (efetividade do contraditório); iv) a adequada
e tempestiva análise, pelo juiz, natural e imparcial, das questões discutidas no processo (deci-
são justa e motivada); v) a construção de técnicas processuais adequadas à tutela dos direitos
materiais (instrumentalidade do processo e efetividade dos direitos)”.
24
Vide nota explicativa 01.
25
“Este direito ao processo justo compreende as principais garantias processuais, como as da
ação, da ampla defesa, da igualdade e do contraditório efetivo, do juiz natural, da publicidade
dos atos processuais, da independência e imparcialidade do juiz, da motivação das decisões
judiciais, da possibilidade de controle recursal das decisões etc.” [CAMBI, Eduardo. Neoconsti-
tucionalismo e neoprocessualismo. In: DIDIER JUNIOR, Fredie (Org.). Leituras complementares
de processo civil. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 251].
26
Acerca destas três últimas características, explica Cambi [Neoconstitucionalismo e neopro-
cessualismo. In: DIDIER JUNIOR, Fredie (Org.). Leituras complementares de processo civil. 8. ed.
Salvador: JusPodivm, 2010. p. 252]: “A percepção de que a tutela jurisdicional efetiva, célere e
adequada é um direito fundamental (art. 5º, inc. XXXV, CF) vincula o legislador, o administra-
dor e o juiz, isto porque os direitos fundamentais possuem uma dimensão objetiva, ou seja,
constituem um conjunto de valores objetivos básicos e fins diretivos da ação positiva do Estado.
Assim, é possível quebrar a clássica dicotomia entre direito e processo (substance-procedure),
passando-se a falar em instrumentalidade do processo e em técnicas processuais”.
27
FUX, Luiz. O novo processo civil. In: FUX, Luiz (Coord.). O novo processo civil brasileiro: direito
em expectativa: reflexões acerca do Projeto do Novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro:
Forense, 2011. p. 13-14.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 123-139, abr./jun. 2012
128 Rafael José Nadim de Lazari

Dando prosseguimento à construção do raciocínio, a Constituição Federal de


1988, seja por dispositivos originários, seja por dispositivos acrescidos por Emenda
Constitucional, traz uma série de comandos aplicáveis ao processo, em qualquer de
suas formas. Neste sentido, dentre outros se podem destacar o art. 5º, XXIV, que trata do
procedimento de desapropriação por necessidade ou utilidade pública; o art. 5º, XXX,
que garante o direito de herança; o art. 5º, XXXII, que assegura a defesa do consumidor
(a ser promovida pelo Estado); o art. 5º, XXXIV, “a”, que trata do direito de petição; o art. 5º,
XXXV, que traz o princípio da inafastabilidade do Judiciário; o art. 5º, LV, que assegura
a cláusula do devido processo legal judicial e administrativo; o art. 5º, LVI, que veda as
provas obtidas por meio ilícito; o art. 5º, LXII, que trata da comunicação da prisão ao
juiz competente e à família do preso/pessoa por ele indicada; o art. 5º, LXXIV, que trata
da assistência jurídica e integral aos que comprovarem insuficiência de recursos; o art. 5º,
LXXVII, que preconiza a duração razoável do processo; os arts. 34 a 36 que tratam da
intervenção para manter a integridade nacional, colocar fim a grave comprometimento
da ordem pública etc.; e todo o Capítulo III, do Título IV (organização dos Poderes) da
Lei Fundamental, que regula a estruturação do Judiciário bem como alguns instru-
mentos impugnativos cabíveis (reclamação constitucional, recurso especial, recurso
extraordinário, mandado de injunção, p. ex.).
Essa extensa gama de dispositivos constitucionais correlatos ao processo
denota a eficácia jurídica das Constituições defendida por Hesse — e não mais
meramente política28 —, vinculadora, consequentemente, tanto da esfera privada
como da esfera pública.
Enfim, da soma de todos os argumentos vistos — Carlos Alberto Alvaro de
Oliveira, Eduardo Cambi, Luiz Fux (dentre outros), bem como a análise da Constituição
Federal —, podem-se extrair as seguintes conclusões acerca do “neoprocessualismo” no
Brasil. A primeira, de que, apesar de há tempos vigente no mundo ocidental — lembre-se
que o fenômeno “neo” começou com o fim da Segunda Grande Guerra, junto com o
“neconstitucionalismo”29 —, no Brasil, o movimento neoprocessualista somente ganhou
força em 1988, ou seja, quase quarenta anos depois de seu surgimento. A segunda, de que
o “neoprocessualismo” representa a confirmação da ideia de que só instrumentalidade
do processo não basta, afinal, de nada adiantarão os instrumentos colocados à disposi-
ção dos indivíduos, se não houver um direito material a ser preenchido, nem houver vin-
culação absoluta de qualquer comando legal/judicial à Constituição Federal de 1988.30

28
Cf. HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991.
p. 19. Também, CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. In: DIDIER JUNIOR,
Fredie (Org.). Leituras complementares de processo civil. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 237.
29
Vide nota explicativa 04.
30
Neste sentido, MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. O Projeto do CPC: críticas e pro-
postas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 60: “Para que o direito processual civil possa

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 123-139, abr./jun. 2012
(Neo)Processualismo e (Neo)CPC – Reflexões sobre a nova interpretação processual 129
A terceira, de que a reaproximação entre direito e moral — algo típico da nova fase
positivista —, no processo representado pela eticidade, permite o acesso à ordem
jurídica justa, algo que já deveria, em verdade, ser intrínseco à própria concepção
originária de processo, mas que, por exclusiva preocupação com formas proces­
suais, acabou sendo esquecido. A quarta, de que o Princípio da Inafastabilidade do
Poder Judiciário não deve ser interpretado apenas em sua visão tradicional, qual
seja, aquela que preconiza que a função estatal não pode se eximir de dizer o direito,
evitando, assim, o “non liquet”, mas também numa visão contemporânea, de criativi-
dade jurisprudencial consciente e criteriosa.31
Isso posto, colocadas as questões sobre o “neoprocessualismo” no Brasil, passa-se
a falar, no tópico seguinte, sobre a iminência de um “Novo” Código de Processo Civil
neoprocessual.

3 A iminência de um Novo Código de Processo Civil


neoprocessual
O PLS nº 166/2010 (hoje PL nº 8.046/2010, já na Câmara dos Deputados), mon-
tado pela Comissão de Juristas supramencionada32 e aprovado no Senado no fim de
2010, representou o esboço quase definitivo do que virá a ser, provavelmente, o “Novo”
Código de Processo Civil.
Com o argumento de que as “reformas pontuais” do Código de Buzaid — como
as Leis nºs 10.444/02 (art. 461-A); 10.352/01, 11.187/05, 12.322/10 (alterações no agravo);
11.232/05 (cumprimento de sentença); 11.276/06 (súmula impeditiva de recursos);
11.277/06 (art. 285-A); 11.418/06 (arts. 543-A e 543-B); 11.672/08 (art. 543-C); dentre
outras — são insuficientes, optou-se por uma Nova Lei Adjetiva, que além de incorporar
ao seu texto original — com poucas alterações — as leis referidas alhures, abole o hoje
autônomo Livro de Processo Cautelar, extingue a reconvenção e a ação declaratória
incidental, promove reformas na execução, reposiciona alguns recursos, regulamenta
o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, dispensa especial atenção à
coletivização de conflitos idênticos, preocupa-se com a conciliação etc.
Mas, como dito logo no primeiro tópico, não são sobre essas questões procedimen-
tais que este trabalho versará, mas sobre o “neoprocessualismo” contido no “Novo” CPC.

realmente ter a sua âncora na Constituição e ser compreendido como verdadeiro instrumento
de efetiva proteção dos direitos, é fundamental que todo o processo civil seja orientado pelo
direito material”.
31
“O juiz, antes mero aplicador da lei, dada como pronta e acabada pelo legislador, passa a ser,
hoje, compreendido como elo fundamental na cadeia de produção normativa. É ele, isto não
tem porque ser negado, criador da norma jurídica” (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso siste-
matizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil. 5. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. p. 114).
32
Vide nota explicativa 11.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 123-139, abr./jun. 2012
130 Rafael José Nadim de Lazari

Indubitavelmente, uma primeira característica neoprocessual marcante do


Código de Buzaid são seus doze primeiros artigos, que tratam dos princípios e das
garantias fundamentais do Processo Civil, os quais convém transcrever:

Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme


os valores e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da
República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.
Art. 2º O processo começa por iniciativa da parte, nos casos e nas formas
legais, salvo exceções previstas em lei, e se desenvolve por impulso oficial.
Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direi-
to, ressalvados os litígios voluntariamente submetidos à solução arbitral,
na forma da lei.
Art. 4º As partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral
da lide, incluída a atividade satisfativa.
Art. 5º As partes têm direito de participar ativamente do processo, coope­
rando com o juiz e fornecendo-lhe subsídios para que profira decisões,
realize atos executivos ou determine a prática de medidas de urgência.
Art. 6º Ao aplicar a lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às
exigências do bem comum, observando sempre os princípios da dignidade
da pessoa humana, da razoabilidade, da legalidade, da impessoalidade, da
moralidade, da publicidade e da eficiência.
Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao
exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos
ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao
juiz velar pelo efetivo contraditório.
Art. 8º As partes e seus procuradores têm o dever de contribuir para a
rápida solução da lide, colaborando com o juiz para a identificação das
questões de fato e de direito e abstendo-se de provocar incidentes
desne­cessários e procrastinatórios.
Art. 9º Não se proferirá sentença ou decisão contra uma das partes sem
que esta seja previamente ouvida, salvo se se tratar de medida de urgência
ou concedida a fim de evitar o perecimento de direito.
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base
em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportu-
nidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual tenha
que decidir de ofício.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica aos casos de tutela de
urgência e nas hipóteses do art. 307.
Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão
públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.
Parágrafo único. Nos casos de segredo de justiça, pode ser autorizada so-
mente a presença das partes, de seus advogados ou defensores públicos,
ou ainda, quando for o caso, do Ministério Público.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 123-139, abr./jun. 2012
(Neo)Processualismo e (Neo)CPC – Reflexões sobre a nova interpretação processual 131
Art. 12. Os juízes deverão proferir sentença e os tribunais deverão decidir
os recursos obedecendo à ordem cronológica de conclusão.
§1º A lista de processos aptos a julgamento deverá ser permanentemente
disponibilizada em cartório, para consulta pública.
§2º Estão excluídos da regra do caput:
I – as sentenças proferidas em audiência, homologatórias de acordo ou
de improcedência liminar do pedido;
II – o julgamento de processos em bloco para aplicação da tese jurídi-
ca firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em
recurso repetitivo;
III – a apreciação de pedido de efeito suspensivo ou de antecipação da
tutela recursal;
IV – o julgamento de recursos repetitivos ou de incidente de resolução
de demandas repetitivas;
V – as preferências legais.

A simples leitura desses doze artigos sintetiza os cinco objetivos norteadores


dos elaboradores do “Novo” CPC, constantes de sua Exposição de Motivos, quais sejam,
o estabelecimento da expressa sintonia fina com a Constituição Federal, a criação de
condições para que o juiz possa decidir o mais próximo possível da realidade, a simpli­
ficação, o aumento do rendimento de cada processo em si mesmo considerado e a
coesão do sistema.
Dentre esses dispositivos, sublinha-se a duração razoável do processo (art. 4º) e
o dever de cooperação das partes (arts. 5º e 8º).
Pela “duração razoável”, entende-se como corolário dos axiomas da economia pro-
cessual33 e da eficiência,34 enquanto, pelo “dever de cooperação”, busca-se positivar a ética
que se espera quando se vai ao Judiciário.35 Acerca da tamanha preocupação com esse

33
Cf. TUCCI, José Rogério Cruz e. Garantias constitucionais da duração razoável e da economia
processual no Projeto do Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo, v. 36, n. 192,
p. 193-208, fev. 2011. p. 200.
34
Cf. COELHO, Marcus Vinicius Furtado. O Anteprojeto de Código de Processo Civil: a busca por
celeridade e segurança. Revista de Processo, São Paulo, v. 35, n. 185, p. 145-150, jul. 2010.
35
Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero (O Projeto do CPC: críticas e propostas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010. p. 72) afirmam que o Projeto “[...] é fértil em normas sobre a colabo-
ração. É possível afirmar sem qualquer dúvida que o modelo de processo civil proposto pelo Projeto
é indubitavelmente um modelo de processo civil cooperativo”. Marcelo José Magalhães Bonício
(Ensaio sobre o dever de colaboração das partes previsto no Projeto do Novo Código de Pro-
cesso Civil Brasileiro. Revista de Processo, São Paulo, n. 190, p. 210-230, dez. 2010. p. 219) entende,
contudo, que “[...] a interpretação da nova regra deve ser restritiva, especialmente porque tem
natureza limitadora do poder de disposição das partes, e porque provoca, ao menos potencial-
mente, sérias restrições à liberdade que as partes possuem no direito processual brasileiro”.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 123-139, abr./jun. 2012
132 Rafael José Nadim de Lazari

“dever de cooperação”, aliás, em caso de seu descumprimento, a multa consequente


da litigância de má-fé — sem prejuízo de indenização à parte contrária — teve, no
“novo” art. 84, seu patamar mínimo elevado de um para dois por cento sobre o valor da
causa, enquanto o valor da indenização, no parágrafo segundo do “novo” art. 84, não
mais se limita ao quantum de 20% sobre o valor da causa tal qual o atual art. 18, §2º.
E, como se não bastasse, urge lembrar que não são apenas esses doze primeiros
artigos os dispositivos da Lei Adjetiva vindoura que velam por um processo em con-
sonância com a Lei Fundamental pátria. A título ilustrativo, tem-se o “novo” art. 118 (e
seus vitaminados nove incisos), que, em substituição ao atual art. 125 e seus parcos qua-
tro incisos, consagra a parcialidade positiva do juiz36 ao prever que o magistrado deverá
promover o andamento célere da causa; prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à
dignidade da justiça e indeferir postulações impertinentes ou meramente protelatórias,
aplicando de ofício as medidas e as sanções previstas em lei; determinar todas as medi-
das indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar
o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto presta-
ção pecuniária; tentar, prioritariamente e a qualquer tempo, compor amigavelmente as
partes, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais; dilatar os
prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova adequando-os às
necessidades do conflito, de modo a conferir maior efetividade à tutela do bem jurídico;
determinar o pagamento ou o depósito da multa cominada liminarmente, desde o dia
em que se configure o descumprimento de ordem judicial; exercer o poder de polícia,
requisitando, quando necessário, força policial, além da segurança interna dos fóruns e
tribunais; determinar, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes, para ouvi-
las sobre os fatos da causa, caso em que não incidirá a pena de confesso; e determinar o
suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outras nulidades processuais.

36
Sobre a “parcialidade positiva”, oportunas as palavras de Artur César de Souza (A parcialidade
positiva do juiz. Revista de Processo, São Paulo, n. 183, p. 69, maio 2010): “Os princípios jurídicos
fundamentais, na verdade, apresentam uma dupla função: negativa, pois proíbem determinado
comportamento e, outra, positiva, porque informam materialmente os atos dos poderes públi-
cos. Em relação à imparcialidade, o componente negativo está caracterizado pela proibição de
que os juízes atuem no processo de forma a se inclinar em favor de determinada parte por inte­
resse pessoal ou outro qualquer fator discriminatório. Por sua vez, a função positiva informa o
agir do magistrado, para que ele leve em consideração no desenvolvimento válido e regular
da relação jurídica processual os aspectos instrumentais necessários para a construção de uma
sociedade mais justa, solidária, erradicando-se a pobreza e as desigualdades sociais, econômicas,
culturais etc.” Em complementação, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero (O Projeto do
CPC: críticas e propostas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 32): “Imparcialidade, porém,
não se confunde de modo nenhum com neutralidade. O juiz natural não pode ser neutro e
indiferente à sorte do direito material afirmado em juízo. Rigorosamente, o juiz que se omite
quando é o caso de agir é tão parcial quanto aquele que julga propositadamente a favor do
litigante que não tem razão no seu pleito”.

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(Neo)Processualismo e (Neo)CPC – Reflexões sobre a nova interpretação processual 133
Sobre essa atuação ativa do juiz, Gustavo Quintanilha Telles de Menezes afirma
que, assim, o magistrado assume função mais efetiva, abandonando a posição de
mero fiscalizador da observância das normas legais, “[...] passando a ativo participan-
te, a fim de evitar tanto a perda causada pela escassa habilidade da parte ou de seu
representante, quanto o perecimento indevido e involuntário de um direito relevante
do jurisdicionado”.37
Também, a distribuição dinâmica do ônus da prova, de Jorge W. Peyrano (“la regla
de la carga de la prueba”),38 tornada possível no “novo” art. 358, pode ser considerada
elemento neoprocessual. Por tal teoria, sempre que as circunstâncias e as peculiaridades
do caso concreto assim autorizarem, poderá o juiz, observado o contraditório, distribuir o
ônus da prova de maneira diversa daquela prevista no “novo” art. 357 (hoje, o art. 333).39 40
Sendo assim, em que pese as críticas que são feitas à necessidade da nova
codificação,41 ou, sendo necessária, à não-correção de equívocos que vêm desde 1973
(ou de 1939, data do Código anterior ao de Buzaid),42 o fato é que se trata o Código de
Fux de materialização neoprocessual.
É óbvio que os elementos “neo” não se exaurem naqueles que se acabou de
mencionar neste tópico, quais sejam, a principiologia inerente à relação processo/
Constituição, a duração razoável do processo, o dever de cooperação, a economia
processual, a eficiência na prestação jurisdicional, a parcialidade positiva do juiz, e
a distribuição dinâmica do ônus da prova. De toda forma, não se pode negar — ao
menos neste aspecto — o avanço da Lei Adjetiva que está por vir.
Urge a correção do percurso tomado pelo processo na contemporaneidade, de
formalismo excessivo, em favor de um estado coletivo de satisfação processual, alimentado

37
MENEZES, Gustavo Quintanilha Telles de. A atuação do juiz na direção do processo. In: FUX,
Luiz (Coord.). O novo processo civil brasileiro: direito em expectativa: reflexões acerca do Pro-
jeto do Novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 194-195. Em mesmo
sentido, POZZA, Pedro Luiz. O processo civil como fenômeno cultural na perspectiva do for-
malismo-valorativo. Revista do Programa de Pós-graduação em Direito da UFBA, Salvador, n. 15,
p. 456, 2007: “A indesejável passividade do juiz na apreciação da verdade, conforme experiên-
cia evidenciada pela concepção clássica, não se pode manter diante do novo ideário democrá-
tico concernente à reconstitucionalização dos direitos e garantias individuais”.
38
Cf. PEYRANO, Jorge W. La regla de la carga de la prueba enfocada como norma de clausura del
sistema. Revista de Processo, São Paulo, n. 185, p. 107-116, jul. 2010.
39
Em mesmo sentido, MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. O Projeto do CPC: críticas e
propostas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 102-104.
40
Sobre a “distribuição dinâmica do ônus da prova”, ver também: SOUZA, Gelson Amaro de;
LAZARI, Rafael José Nadim de. Reflexões sobre a perspectiva de uma distribuição dinâmica
do ônus da prova: análise de viabilidade. Revista Dialética de Direito Processual Civil, São Paulo,
n. 99, p. 99-109, jun. 2011.
41
Vide nota explicativa 14.
42
Vide nota explicativa 15.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 123-139, abr./jun. 2012
134 Rafael José Nadim de Lazari

por uma prestação jurisdicional de qualidade, e, sobretudo, pela conformação causada


pela certeza de que a justiça foi feita da melhor forma possível.
O único “porém” a ser aqui sobrelevado — e que causa certo incômodo, vale
o desabafo —, é o fato de, na justa regra da nova fase positivista, ser absolutamente
desnecessário fazer qualquer previsão de eticidade numa codificação para se saber que
as partes devem se comportar da melhor maneira possível dentro do processo. O bom
comportamento é algo inerente ao processo em qualquer de suas fases, seja ela neo-
processualista ou não. Mas, se assim optou o legislador, pouca diferença haverá, afinal,
o resultado é o mesmo: o que se quer é evitar que o processo seja transformado num
campo de batalha, em que os mais fortes e com melhores defensores saiam sempre
vencedores ainda que a razão não os assista.

4 A nova interpretação das normas processuais


Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero afirmam que não há Estado
Constitucional sem segurança jurídica e sem igualdade perante o Direito.43 Depois,
que não há Estado Constitucional sem direito à participação no processo.44 Em seguida,
que não há Estado Constitucional nem processo justo sem proteção à segurança ju-
rídica e à confiança legítima.45 Por fim, que no Estado Constitucional é frequente a
ocorrência de normas-princípio, sendo imprescindível, para fins de fundamentação
das decisões judiciais, que se identifique os princípios em rota de colisão, e que se explicite
adequadamente a maneira como ocorrerá a simultânea concretização dos mesmos.46
Ademais, Eduardo J. Couture entende que a lei processual não está redigida
nem como um mandamento, nem como um status, nem tampouco está escrita como
uma delimitação jurídica para determinar a conduta humana. Nela, o legislador, numa
atividade dinâmica, determina, descritivamente, a evolução e o desenvolvimento do
processo.47 O problema, segundo o autor, é que existem problemas na interpretação,
como deficiências no léxico legal (o legislador utiliza, por imperícia, uma palavra que

43
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. O Projeto do CPC: críticas e propostas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010. p. 16.
44
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. O Projeto do CPC: críticas e propostas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010. p. 19.
45
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. O Projeto do CPC: críticas e propostas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010. p. 44.
46
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. O Projeto do CPC: críticas e propostas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010. p. 42-43.
47
COUTURE, Eduardo J. Interpretação das leis processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 18.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 123-139, abr./jun. 2012
(Neo)Processualismo e (Neo)CPC – Reflexões sobre a nova interpretação processual 135
não é tecnicamente a apropriada),48 como colisões entre texto e princípios,49 bem como
o silêncio do legislador (um “silêncio cheio de vozes”, segundo Couture).50
Como último argumento antes do desenvolvimento do raciocínio, convém
lembrar que a Lei Adjetiva em feitura preceitua — como já visto — que o processo civil
será ordenado, disciplinado e regido conforme a Constituição (art. 1º), e que, ao aplicar
a lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum,
observando sempre os princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade,
da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência (art. 6º).
Posto isso, no começo do trabalho foi dito que se dispensaria especial atenção àquilo
que é principiológico no “Novo” CPC, ou, não sendo, traduz-se em cláusulas genéricas/aber-
tas e conceitos jurídicos indeterminados. Isso porque tais elementos permitem a contínua
atualização das codificações, sem que se faça necessário alterá-las por processo legislativo.
No Código Civil, bem como em outros Diplomas, como o Estatuto da Criança e
do Adolescente (Lei nº 8.069/90), a Lei “Maria da Penha” (Lei nº 11.340/06), e o Código de
Proteção e Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), tais técnicas obtiveram absoluto êxito.
Mas, numa codificação procedimental, afora as Leis que regulam a Ação Civil Pública
(Lei nº 7.347/85) e a Ação Popular (Lei nº 4.717/65) — nas quais o fenômeno ocorreu de
maneira tímida —, é a primeira vez que o Brasil vai adotar esta técnica. E, como se não
bastasse, vai fazê-lo naquele que é o Código mais importante do cotidiano forense, por
regular as relações reais, obrigacionais, sucessórias, de família, dentre outras.
A bem do pleno desenvolvimento do saber jurídico, pois, que se dê “um voto de
confiança” ao Código de Fux — ao menos nesse aspecto, neoprocessual —, a fim de
que a nova interpretação processual possa se traduzir em benefício às partes, ao juiz
e ao processo. A “desregulamentação proposital” — porém controlada — de alguns
elementos procedimentais, como é o caso da distribuição dinâmica do ônus da prova,
p. ex., pode, num futuro não muito distante, revelar-se trágica, mas, por outro lado — e
assim espera-se —, no que é mais provável, pode se revelar muito bem-sucedida.
O advento de um “Novo” Código de Processo Civil é, ao que parece, um caminho
sem volta. Logo, é o caso de desenvolver uma nova interpretação processual o mais pró-
xima possível dos já conhecidos deveres anexos da boa-fé objetiva — como a lealdade,
a eticidade, e a informação —, aqui analisados sob prisma processual (boa-fé processual).
Como se não bastasse, seguindo a tendência dos postulados instrumentais
aplicados à Constituição Federal, bem como o art. 1º do “Novo” CPC, urge que a inter-
pretação conforme a Constituição seja sempre palavra de ordem nesta relação entre o
direito material e o processual.

48
COUTURE, Eduardo J. Interpretação das leis processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 41-43.
49
COUTURE, Eduardo J. Interpretação das leis processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 43-45.
50
COUTURE, Eduardo J. Interpretação das leis processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 45-48.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 123-139, abr./jun. 2012
136 Rafael José Nadim de Lazari

Por fim, a observância do fim social a que se destina a lei é imperiosa ainda que
se trate de demanda individual. Apesar de os tempos atuais serem de coletivização
dos conflitos, há de se lembrar que as pelejas individuais sempre continuarão existindo,
e o fato de a questão não ser plural não significa que o bem comum e o fim social da
lei processual não devam ser observados.
Mais que a aplicação “neoconstitucionalista” ao direito material, portanto, faz-se
mister, também, o “neoprocessualismo” às normas procedimentais.
Se vai dar certo ou não, já é outra história.

5 Linhas derradeiras
Por todo o exposto, as conclusões que se extraem são as seguintes:
1. O “neoprocessualismo” é fenômeno surgido após o fim da Segunda Guerra
Mundial, concomitante ao “neoconstitucionalismo”, seu símile. Se o “neo-
constitucionalismo” consiste em agregar valor às normas de direito material,
o “neoprocessualismo” procura fazer o mesmo com as normas de direito
processual;
2. Este trabalho não tencionou discorrer sobre a necessidade de um “Novo”
Código de Processo Civil, tão menos se, em sendo necessário, corrigiu a Lei
Adjetiva vindoura alguns equívocos históricos que vêm de 1939 e de 1973.
Objetivou-se, apenas, tratar da influência do fenômeno neoprocessual na
codificação em elaboração;
3. Como exemplos de elementos neoprocessuais no “Novo” CPC, pode-se men-
cionar a duração razoável do processo, o dever de colaboração, a eficiên­cia,
a diminuição dos custos processuais, a parcialidade positiva do juiz e a dis-
tribuição dinâmica do ônus da prova;
4. O Código de Fux — assim apelidado em substituição ao atual Código de
Buzaid — consagra grande quantidade de princípios constitucionais, cláusu-
las genéricas/abertas e conceitos jurídicos indeterminados. Estes possibilitam
que a codificação possa se manter atual frente à rápida e constante evolução
da sociedade, sem que se faça necessária alteração legislativa. Nesse diapa-
são, urge que a nova interpretação processual observe os deveres anexos da
boa-fé objetiva — como a lealdade, a eticidade e a informação — aplicados
no campo processual, que todos os dispositivos processuais sejam interpreta-
dos conforme a Constituição (da mesma maneira que preconiza o postulado
instrumental da interpretação conforme a Constituição), e que o bem comum
e o fim social da norma processual sejam observados sempre, ainda que se
trate de demanda individual.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 123-139, abr./jun. 2012
(Neo)Processualismo e (Neo)CPC – Reflexões sobre a nova interpretação processual 137
De qualquer maneira, é óbvio que não se objetiva, aqui, exaurir o debate desde
já proposto. Tudo é sempre uma questão de opinião. Tudo é sempre uma questão de
argumentação. A decisão compete a quem lê. Qualquer semelhança com o processo é
meramente intencional.

(New)Procedural Science and (New)CPC: Reflections about the new


procedural interpretation

Abstract: Through deductive, comparative and history methods, this pa-


per intends to discuss the importance of “new science procedural” for the
legal knowledge and the new procedural interpretation. In this vein, the
Brazil is in the latency of approval a “New” Code of Civil Procedure, which
adopts some measures new procedural. So, after a discussion of the phe-
nomenon “neo”, will be seen few elements of the New CPC with this new
feature, by, in the end, draw some reflections about the interpretation
and procedural legal knowledge.

Key words: New procedural science. Fundamental right to fair process.


Fair legal system. Procedural interpretation.

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(Neo)Processualismo e (Neo)CPC – Reflexões sobre a nova interpretação processual 139
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de
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LAZARI, Rafael José Nadim de. (Neo)Processualismo e (Neo)CPC: reflexões sobre a nova inter­
pretação processual. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 20
n. 78, p. 123-139, abr./jun. 2012.

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Liquidação de títulos executivos
extrajudiciais
Rodrigo Ramina de Lucca
Advogado. Mestrando em Direito Processual Civil
pela USP.

Palavras-chave: Título executivo judicial. Liquidez. Título executivo


extrajudicial.

Sumário: 1 Introdução – 2 Atributos da obrigação contida no título


executivo – 3 A liquidez das obrigações contidas nos títulos executivos
extrajudiciais – 4 Liquidação de títulos executivos extrajudiciais – 5
Conclusão

1 Introdução
Dois são os requisitos de validade específicos do processo de execução: o
inadimplemento do devedor e a existência de um título executivo, taxativamente pre-
visto em lei. Os títulos executivos, porém, apenas terão a eficácia que lhes é inerente
quando a obrigação neles contida for certa, líquida e exigível.
O Código de Processo Civil (CPC) permite que, no processo de conhecimen-
to, sejam formulados pedidos genéricos (embora sempre certos e determinados). Em
outras palavras, é possível que se peça a condenação do réu em valor a ser apurado
posteriormente (art. 286). Nesse caso será proferida uma sentença também genérica,
a ser integrada posteriormente pela decisão proferida ao término da liquidação de
sentença (arts. 475-A a 475-H).
Todavia, não apenas a sentença como também os demais títulos executivos
judiciais e extrajudiciais (salvo algumas exceções) podem conter uma obrigação
ilíquida. O CPC nada dispõe a esse respeito.
Doutrina e jurisprudência, então, fazem uma distinção. Autorizam a liquidação
dos demais títulos executivos judiciais, mas negam-na aos extrajudiciais. Nem sempre
são expostas as razões para essa restrição; não raro defende-se que não são títulos
executivos os atos/documentos que contêm obrigações ilíquidas.
A impossibilidade de se liquidar obrigações contidas em títulos executivos ex-
trajudiciais gera um grave problema. Algumas espécies de obrigações, cujos títulos

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142 Rodrigo Ramina de Lucca

são expressamente previstos em lei como executivos, simplesmente não podem ser
executadas, pois naturalmente ilíquidas.
Surgem duas opções. Ignora-se a lei e impõe-se ao credor a instauração de um
processo de conhecimento ou monitório apenas para que seja apurado o valor de seu
crédito; dá-se efetividade ao comando legal, valendo-se dos mecanismos processuais
existentes. Dessa última hipótese é que se tratará neste trabalho.

2 Atributos da obrigação contida no título executivo


Os títulos executivos, para terem a eficácia que lhes é própria e desempenhar
adequadamente sua função (dar início à execução), devem conter obrigação certa,
exigível e líquida. Afinal, como ensina Cândido Dinamarco, “Sem o perfeito conheci-
mento da obrigação em todos os seus elementos constitutivos não é possível escolher
a espécie adequada de execução, nem direcioná-la ao bem devido, nem dimensionar
as constrições judiciais a serem impostas ao patrimônio do obrigado”.1 Ademais, consi-
derando a gravidade da expropriação patrimonial de um indivíduo, não seria razoável
permitir a execução sem saber se o crédito realmente existe, se ele é exigível ou, em
casos de obrigação fungível, qual é o seu valor.
Até a promulgação da Lei nº 11.382/2006, o Código de Processo Civil brasileiro
exigia que o próprio título fosse certo, exigível e líquido. Independentemente da natu-
reza que se lhe atribuísse (documental, ato jurídico ou ambos), tratava-se de impreci-
são técnica patente. A referida lei alterou a redação do art. 586 para determinar que “a
execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título de obrigação certa,
líquida e exigível”.
Note-se, porém, que nem mesmo uma obrigação pode ser certa, líquida e exi-
gível. Obrigação é relação jurídica entre duas ou mais pessoas que se unem por um
vínculo.2 Apenas a certeza diz respeito também à obrigação ao definir as partes da
relação, objeto etc. Os demais atributos (exigibilidade e liquidez) são referentes única
e exclusivamente à prestação obrigacional assumida pelo devedor, objeto da relação.
No entanto, por ter sido a terminologia adotada pelo legislador, amparada em vasta
doutrina, utilizar-se-á neste trabalho o termo “obrigação” indistintamente.

1
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros,
2009. v. 4, p. 225.
2
A obrigação também pode ser compreendida como situação jurídica, ou mesmo vínculo.
Ver NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 8 et seq.;
GOMES, Orlando. Obrigações. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 11 et seq.; VENOSA, Silvio
de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. São Paulo: Atlas,
2006. p. 4 et seq.

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Liquidação de títulos executivos extrajudiciais 143
2.1 Obrigação certa
Defendia-se há algum tempo que a certeza da obrigação estava associada à
sua existência. Carnelutti, por exemplo, sustentou que “o direito resultante do título é
certo quando o título não deixa dúvida a respeito de sua existência”.3 Essa concepção
foi recepcionada pelo Código Civil de 1916 em seu artigo 1.533: “Considera-se líquida
a obrigação certa, quanto à sua existência (...)”.4
Atualmente sabe-se que a certeza está relacionada não à existência, mas à
determinação, forma, objeto, sujeitos e demais contornos da obrigação.5 Obrigação
certa é obrigação precisamente delineada e delimitada de modo que se saiba, desde
logo, qual é a prestação esperada do devedor, como ela será cumprida, quem é este
devedor, quem é o credor etc.; elementos que acabam confundindo-se, muitas vezes,
com os elementos básicos de existência e validade dos negócios jurídicos.
A simples oposição do devedor ao título executivo é insuficiente para retirar a
certeza da obrigação, assim como é irrelevante a controvérsia sobre a dívida para que a
obrigação seja considerada “certa”. A vontade ulterior das partes não tem nenhum valor
neste aspecto.6 O que importa é o convencimento judicial diante do documento que lhe
é apresentado. Deve-se utilizar, aqui, a precisa distinção de Teori Albino Zavascki entre
contestabilidade intrínseca e contestabilidade extrínseca do título executivo (lem-
brando o autor que certeza não é sinônimo de incontestabilidade). Apenas é incerta
a obrigação quando a sua contestabilidade decorre de elementos internos do próprio
título, tais como omissões ou contradições nele verificadas.7

3
CARNELUTTI, Francesco. Istituzioni del processo civile italiano. 5. ed. Roma: Foro Italiano, 1956.
v. 1, p. 164.
4
Esse dispositivo não possui correspondente no Código Civil de 2002.
5
“Quando a lei impõe, como condição para executar, que o título traga a representação de obri-
gação certa, não está exigindo certeza quanto à existência do direito. (...) Se a obrigação existe
ou não, isso é matéria de que não se trata na execução. (...) Certeza da obrigação refere-se
unicamente à exata definição de seus elementos” (WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio
Renato Correa de; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007. p. 74). Igualmente, DINAMARCO. Instituições de direito processual civil, v. 4,
p. 229. José Miguel Garcia Medina chega à mesma conclusão, embora, corretamente, critique
a utilização do termo ‘certeza’ no âmbito processual (Execução civil: princípios fundamentais.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 132-147). Em sentido diverso, seguindo as lições de
Pontes de Miranda, mas reconhecendo que certeza não se confunde com incontestabilidade
(DIDIER JÚNIOR, Fredie et al. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2009. p. 153-
154). V. também THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro:
Forense, 2009. p. 141.
6
“Pouco importa que, particularmente, estejam controvertendo as partes em torno da dívida”
(THEODORO JÚNIOR. Curso de direito processual civil, p. 141).
7
ZAVASCKI, Teori Albino. Título executivo e liquidação. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001. p. 144.

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144 Rodrigo Ramina de Lucca

Ao contrário dos demais requisitos, a certeza deve estar presente já na formação


do título, pois é neste momento que serão estabelecidas as especificidades da obri-
gação.8 Pode-se dizer, por isso, que ela é o mais importante dos atributos dos títulos
executivos.9

2.2 Obrigação exigível


Exigível é a obrigação quando ausentes quaisquer “impedimentos jurídicos
para que o devedor satisfaça a pretensão do credor”.10 O conceito está intimamente
associado à ideia de pretensão material, entendida como a possibilidade do titular do
direito exigir do devedor o adimplemento da prestação devida. Nasce quando não
existe mais nenhum termo, condição ou outro óbice jurídico ao pagamento, devendo
ele ser efetuado imediatamente (art. 572 do Código de Processo Civil). Diz-se, por isso,
que a exigibilidade surge com a mora do devedor.11
Ao contrário da certeza, a exigibilidade não é “conceito intrínseco” do título
executivo,12 ou seja, não faz necessariamente parte de sua formação.13

8
Diferente era a lição de Francesco Carnelutti: “Così la certezza come la liquidità e in particolar
modo l’esigibilità debbono avverarsi nel momento in cui s’inizia l’esecuzione forzata non in quello in
cui si forma il titolo” (Istituzioni del processo civile italiano, 1956. v. 1, p. 164). Esse posicionamento
possui respaldo ainda hoje para se defender a incerteza das obrigações alternativas. Parece,
todavia, que mesmo em tais hipóteses a certeza está presente desde a formação do título, já que
todas as possíveis prestações fazem parte do objeto da mesma obrigação (objeto plural). Ver
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. São Paulo: Atlas, 2006. p. 91-93; ZAVASCKI. Título executivo
e liquidação, p. 149 et seq. Orlando Gomes refere-se a “incerteza do objeto da obrigação”, o que
não parece ser o mesmo que incerteza da própria obrigação (Obrigações, 1992, p. 88).
9
Pode-se cogitar de obrigações certas e inexigíveis, certas e ilíquidas, ou mesmo ambas, mas
não existem obrigações incertas e exigíveis ou incertas e líquidas. “A certeza constitui o pré-
requisito dos demais atributos, significando que só há liquidez e exigibilidade, se houver cer-
teza” (DIDIER JÚNIOR et al. Curso de direito processual civil, p. 153).
10
DINAMARCO. Instituições de direito processual civil, v. 4, p. 186. Segundo Francesco Carnelutti, o
direito resultante do título é exigível quando “o título não deixa dúvida em relação à sua atua­
lidade” (Istituzioni del processo civile italiano, v. 1, p. 164).O termo atualidade é reproduzido ain-
da hoje pela doutrina, como o faz Araken de Assis: “O implemento do termo, ou da condição,
outorga atualidade ao crédito” (Manual do processo de execução. 8. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002. p. 152).
11
“A rigor, não é o inadimplemento absoluto que permite o ajuizamento da execução, mas sim
a mora no cumprimento da prestação” (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz.
Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 432).
12
SHIMURA, Sérgio. Título executivo. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 143.
13
Embora apoiando-se na ideia de título executivo como condição da ação executiva, essa é a
conclusão de Lucon: “a exigibilidade é elemento estranho ao conteúdo formal do título, pois
apenas afirma que chegou o momento da satisfação da vontade concreta da lei, sem impedi-
mento legal, não tendo qualquer relação com a adequação da via executiva, mas com a neces-
sidade concreta da jurisdição” [LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Título executivo e multa de
10%. In: SANTOS, Ernane Fidélis dos et al. (Coord.). Execução civil: estudos em homenagem ao
Professor Humberto Theodoro Júnior. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 987].

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Liquidação de títulos executivos extrajudiciais 145
3 A liquidez das obrigações contidas nos títulos executivos
extrajudiciais
A liquidez das obrigações confunde-se como quantum debeatur, compreendido
como a “determinação da importância da obrigação”,14 ou “o conhecimento da quantidade
de bens devidos ao credor”.15 Conhecido o quantum debeatur, líquida é a obrigação; des-
conhecido o quantum debeatur, ilíquida é a obrigação.
A necessidade de liquidez se faz presente na execução em dois momentos:
quando são constritos os bens do executado e quando é feita a adjudicação ao exe-
quente daquilo que lhe é devido.16 Apenas as obrigações relativas a coisas “suscetíveis
de quantificação” podem ser líquidas ou ilíquidas. Obrigações de dar coisa certa, de
fazer ou de não fazer prescindem do requisito da liquidez, pois têm seus contornos e
limitações definidos pela certeza.17
Na medida em que os valores monetários alteram-se sensivelmente ao longo
do tempo, além da usual incidência de juros sobre quantias inadimplidas, dificilmente
o montante apresentado pelo título executivo será aquele devido no momento da
execução. Em muitos casos também há elevada diferença entre o quantum debeatur
quando da propositura da execução e, posteriormente, quando da adjudicação de
bens ao exequente.
Diante disso, é pacífico o entendimento de que o valor a ser executado pode ser
corrigido monetariamente, bem como acrescido de juros, comissão de permanência
ou outros índices legais ou contratuais, sem que a obrigação perca a liquidez.18 No caso
dos títulos extrajudiciais, é possível a conversão de moedas estrangeiras à nacional ou
de unidades financeiras variadas ao respectivo valor em dinheiro.19

14
SHIMURA. Título executivo, p. 138.
15
DINAMARCO. Instituições de direito processual civil, 2009, v. 4, p. 231.
16
Ibidem, p. 232.
17
“Não se concebe o predicada da liquidez em relação aos direitos que têm por objeto uma coisa
certa, ou quanto às obrigações de fazer ou não-fazer, simplesmente porque não se conceberia a
iliquidez desses direitos e obrigações. Quanto a estes, o predicado da certeza do direito cumpre
por si só toda a tarefa de fixar com precisão os contornos da execução, indicando o bem a ser
constrito; inexiste quantificação a fazer” (Execução civil. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 513).
Criticando expressamente este posicionamento, por entender que mesmo as obrigações espe-
cíficas podem ser objeto de quantificação, v. MEDINA. Execução Civil..., 2002. p. 141-142.
18
“Não padece de iliqüidez o crédito expresso em uma importância à qual se devam acrescer
juros ou ‘comissão de permanência’; ou quando há correção monetária a fazer sobre o valor
indicado; ou mesmo quando o valor deva ser atualizado mediante certos índices contratuais
ou legais (p. ex., o INPC)” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. São Paulo: Malheiros,
2002. p. 514).
19
Contrato de empréstimo em moeda estrangeira. Resolução nº 63 do Banco Central do Brasil.
Nota promissória. Abusividade. TR. Precedentes da Corte. 1. A jurisprudência da Corte “já assen­
tou a melhor interpretação do art. 1º do Decreto-lei nº 857/69, admitindo a contratação em
moeda estrangeira, desde que o pagamento seja realizado pela conversão em moeda nacional”

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 141-156, abr./jun. 2012
146 Rodrigo Ramina de Lucca

Também é dispensável que o título contenha, desde sua formação, o valor exato
a ser executado. Basta que forneça os elementos necessários à apuração do quantum
debeatur, de modo que “a quantia seja determinável, isto é, que contenha os indica-
tivos suficientes para que, mediante simples operação aritmética, chegue-se ao valor
correspondente”.20

3.1 A utilização de elementos externos ao título para a obtenção


de liquidez
Embora o título executivo não precise, necessariamente, indicar o valor exato a ser
executado, não há dúvidas de que o início da execução depende do conhecimento exato
da quantia a ser expropriada do devedor e adjudicada ao credor. Assim, deve o título exe-
cutivo indicar todos os elementos necessários à obtenção do quantum debeatur.
Discutiu-se por certo tempo se o título executivo extrajudicial poderia ser inte-
grado por outros documentos ou atos jurídicos de forma a dar liquidez à obrigação nele
contida. O tema assumiu maiores proporções na primeira metade da década de 90,
quando a jurisprudência controvertia acerca da liquidez dos contratos de abertura de
crédito bancário conhecidos como “cheque especial”.
Entendia a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, amparada em antiga
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RExt nº 91.769, por exemplo), que os
extratos apresentados pela instituição bancária para demonstrar a evolução da dívida
contraída pelo devedor eram suficientes para garantir liquidez à obrigação. Exigia-se,
apenas, que os lançamentos fossem claros, explicando-se “os cálculos, os índices e os
créditos adotados para a definição do débito” (REsp nº 71.217-RS. Igualmente, REsp
nº 11.037-DF e REsp nº 9.786-RJ).
Em voto prolatado no REsp nº 22.712-8, na data de 04 de agosto de 1992, o
Ministro Dias Trindade posicionou-se de maneira bastante clara:

(REsp nº 194.629/SP, da minha relatoria, DJ, 22 maio 00; no mesmo sentido: REsp nº 90.875/
RJ, da minha relatoria, DJ, 01 dez. 97; REsp nº 86.124/SP, Relator o Senhor Ministro Waldemar
Zveiter, DJ, 21 out. 96; REsp nº 57.581/SC, Relator o Senhor Ministro Barros Monteiro, DJ, 18 out.
99). Exemplar, esta Turma decidiu que quando o título requer, apenas, a elaboração de cálculos
aritméticos, não há falar em falta de liquidez, aí incluída a conversão de moeda estrangeira (REsp
nº 270.674/RS, da minha relatoria, DJ, 20 ago. 01). (...) (REsp 402.071/CE, Rel. Ministro CARLOS
ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 29/11/2002, DJ, p. 224, 24 fev. 2003).
20
SHIMURA. Título executivo, 1997. p. 140. Originariamente, o Código de Processo Civil previa a
hipótese de liquidação por cálculo do contador quando a condenação abrangesse juros ou ren-
dimento de capital cuja taxa fosse estabelecida em lei ou no contrato. A Lei nº 8.898/94 alterou o
art. 604 para, corrigindo essa temerária opção legislativa, autorizar a execução mediante instru-
ção da petição inicial com memória discriminada e atualizada do cálculo. A Lei nº 11.232/2005
apenas adaptou a redação anterior ao “novo” processo sincrético (art. 475-B).

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Liquidação de títulos executivos extrajudiciais 147
Ora, se é um contrato subscrito pelo devedor e pelas testemunhas, e se
o banco apresenta extratos, cabe ao devedor discutir se esses extratos
estão certos em embargos que eventualmente tenha para fazer. Negar
logo o caráter de título executivo extrajudicial a um contrato com essas
formalidades entendo que ofende a esse dispositivo legal.

Diametralmente oposto era o entendimento da Terceira Turma do mesmo


Tribunal. O Ministro Eduardo Ribeiro, no REsp nº 29.597-3, resumiu o posicionamento
então vigente:

Impossibilidade de o título completar-se com extratos fornecidos pelo


próprio credor que são documentos unilaterais. Não é dado às institui-
ções de crédito criar seus próprios títulos executivos, prerrogativa própria
da Fazenda Pública.

A matéria foi assentada no julgamento dos Embargos de Divergência no


Recurso Especial nº 108.259-RS, prevalecendo por cinco votos a quatro a ineficácia
executiva dos contratos de abertura de crédito.
O Ministro Ruy Rosado de Aguiar chegou a argumentar que “os extratos e de-
monstrativos bancários informando sobre os lançamentos efetuados pelo banco se
incorporam ao título e servem para definir o valor do débito, emprestando ao contrato
as características de um título executivo”. No entanto, a tese vencedora calcou-se no
fundamento de que os extratos bancários eram documentos produzidos unilateral-
mente pelo credor e, por isso, não teriam o condão de atribuir liquidez à obrigação.
Para o Ministro César Asfor Rocha, não se podia permitir a execução sem que o exe-
quente “esteja munido de um documento, firmado pelo próprio devedor, que retrate
claramente uma dívida por ele assumida”.
Esse julgamento foi importante não só para firmar um posicionamento acerca
de matéria largamente debatida e sobre a qual pairava forte insegurança jurídica, como
estabeleceu parâmetros para se compreender quais são os elementos passíveis de uti-
lização para que a obrigação contida em título extrajudicial seja considerada líquida.
Como se pode extrair do voto do Ministro Asfor Rocha, nada impede que docu-
mentos externos ao título sejam utilizados para atribuir-lhe eficácia executiva. No entan-
to, é indispensável que o devedor participe de sua formação.21 Vale, nesse sentido, citar

21
O entendimento tem amparo histórico, uma vez que os títulos executivos extrajudiciais surgi-
ram do resgate, durante a Idade Média, da máxima romana confessus in iure pro condemnato
habetur. Sob o fundamento de que a confissão do devedor tinha “os mesmo efeitos da feita em
juízo”, atribuiu-se aos “instrumentos de dívida lavrados perante o tabelião”, denominados de
instrumenta guarentigiata, eficácia equivalente à das sentenças judiciais. Ver LIEBMAN, Enrico
Tullio. Processo de execução. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 11-12.

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148 Rodrigo Ramina de Lucca

trecho da fundamentação do Ministro Eduardo Ribeiro nos Embargos de Divergência


já mencionados:

Os extratos emitidos pelo banco são afirmações por ele próprio feitas,
de que houve aquela movimentação. Está se dando valor, na realidade,
não ao contrato, mas sim às declarações do banco. Se assim é, mesmo
sem o contrato, extratos bancários poderiam passar a significar títulos
executivos.

Sendo assim, os documentos ou atos utilizados para a apuração do quantum


debeatur devem, assim como ocorreu com o próprio título executivo, contar com a
participação do devedor em sua elaboração.22

4 Liquidação de títulos executivos extrajudiciais


Defendeu-se acima que apenas a certeza é um atributo que necessariamente
estará presente no momento da formação dos títulos executivos, pois atrelada ao
próprio ato/documento que lhe dá origem. Pegue-se como exemplo um contrato de
compra e venda assinado por duas testemunhas. É inerente ao próprio negócio jurí-
dico que uma das partes obrigue-se a transferir o domínio de certa coisa e a outra a
pagar preço correspondente em dinheiro (art. 481 do Código Civil). Os contornos da
obrigação estão previstos no título, pois sem eles o próprio negócio que o constitui
restará viciado ou será inexistente.
No caso dos títulos executivos judiciais, isso fica ainda mais claro. Nada impede
que seja proferida sentença condenatória genérica, mas deverá ela ser sempre certa, ainda
quando decida relação jurídica condicional (arts. 286 e 460, parágrafo único, do CPC).23
Isso não quer dizer, por óbvio, que a liquidez ou a exigibilidade são dispensáveis
à validade ou existência de todos os títulos executivos. Considerem-se os títulos de

22
Exatamente isso é o que ocorre na execução dos contratos de fornecimento, aos quais
a jurisprudência recorrentemente rejeita a natureza de título executivo (TJPR, Apelação
Cível nº 0512046-7; TJSP, AI nº 990.09.300536-0). Tais contratos são contratos-padrão,
ou contratos-quadro que visam a regular uma multiplicidade de negócios jurídicos dele
decor­rentes. Quando se prevê multa compensatória pelo inadimplemento do contrato de
fornecimento (à qual também comumente se nega a eficácia executiva), calculada a partir,
por exemplo, do último fornecimento realizado (o qual consiste em um novo contrato que
integra o contrato de fornecimento e passa a dele fazer parte), fica evidente a liquidez da
obrigação. O contrato de fornecimento, ao se valer dos contratos dele derivados cumpre o
requisito de traçar diretrizes à apuração do quantum debeatur; além disso, utiliza negócio
jurídico de cuja formação participou ativamente o devedor.
23
Note-se que a sentença, em si mesma, não é líquida ou ilíquida, exigível ou inexigível. Tais
atributos dizem respeito à obrigação nela contida, como já se afirmou anteriormente. No
entanto, embora inadequada, a expressão “sentença ilíquida” já foi consagrada nos foros e
tribunais, tendo inclusive respaldo legal (art. 459, parágrafo único, do CPC).

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Liquidação de títulos executivos extrajudiciais 149
crédito, p. ex. Todos eles devem conter, sempre, a indicação precisa dos direitos que
confere (art. 889, do Código Civil), incluindo o valor correspondente (Anexo I, arts. 1º, 2,
e 75, 2, do Dec. nº 57.663/1966; art. 2º, V, da Lei nº 5.474/68; art. 1º, II, da Lei nº 7.357/85,
dentre outros). Nesse caso, a liquidez será indispensável à formação do título de cré-
dito enquanto instituto de direito material e, consequentemente, do título executivo.
Outros títulos, como é o caso do próprio contrato assinado por duas testemu-
nhas e da sentença condenatória genérica, existem e são perfeitamente válidos, ainda
quando omitido o quantum debeatur. Tendo em vista que o atributo da liquidez não
diz respeito aos títulos em si, nada interfere em sua validade, muito menos existência.
A iliquidez da obrigação implica, tal qual a exigibilidade, e enquanto perdurar o estado,
simplesmente a ineficácia do título executivo.24

4.1 Liquidação de títulos executivos judiciais


O ordenamento jurídico brasileiro autoriza que sejam formulados em juízo, em
determinadas situações, pedidos genéricos (art. 286, do CPC). Tais pedidos dizem res-
peito a uma tutela específica (devem ser certos), mas não contêm um quantum relativo
àquilo que se pretende.25 Em face deles são proferidas sentenças também “genéricas”,
sujeitas a um procedimento de liquidação.
Com a habitual precisão, Cândido Dinamarco define este procedimento como
“o conjunto de atividades processuais destinadas a revelar o valor de uma obrigação,
quando ainda não indicado no título executivo”.26 Trata-se de instrumento integrativo
da sentença que, mediante uma declaração, define o quantum debeatur.27
A liquidação era, sob o regime do Código de Processo Civil de 1939, um
procedi­mento inerente à própria execução. Dispunha o seu art. 906: “A execução terá

24
Escreve Cândido Dinamarco sobre o assunto: “A doutrina, discorrendo com freqüência sobre
a integração do título pela liquidação, não esclarece se a sentença genérica não é ainda um
título, ou se é apenas um título hábil a propiciar uma liquidação judicial, não uma execução.
Ela é um título portador de eficácia executiva diferida, condicionada a uma liquidação futura.
Os atos extrajudiciais referentes a obrigações ilíquidas não terão essa eficácia jamais, sequer
diferida” (DINAMARCO. Instituições de direito processual civil, v. 4, p. 233). Como se pode perce-
ber, a conclusão do Mestre é muito parecida com a aqui exposta. A diferença está unicamente
na crença acerca da possibilidade ou impossibilidade de liquidação dos títulos executivos
extrajudiciais.
25
Interessante notar a impropriedade terminológica do nosso Código de Processo Civil, ao
confundir certeza com liquidez. Pedido ‘certo’, ao contrário do que tentam fazer crer os arts.
286 e 459, parágrafo único, é o pedido relativo a uma tutela jurisdicional específica. O pedido
à condenação por danos materiais, por exemplo, deverá ser sempre certo, ainda quando não
se saiba o valor devido pelo réu. Trata-se da valiosa distinção entre an debeatur e quantum
debeatur.
26
DINAMARCO. Instituições de direito processual civil, v. 4, p. 713.
27
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007. p. 125.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 141-156, abr./jun. 2012
150 Rodrigo Ramina de Lucca

início pela liquidação, quando a sentença exequenda não fixar o valor da condena-
ção ou não lhe individuar o objeto”. Essa opção, porém, não era a mais apropriada.
Primeiramente porque se atribuía eficácia executiva aos títulos mesmo quando não
continham obrigações líquidas. Em segundo lugar, a liquidação tem natureza emi-
nentemente cognitiva, com função integrativa da sentença; inseri-la no processo de
execução era inadequado. Por fim, o conhecimento do quantum debeatur é um direito
tanto do credor, como do devedor.
Com o advento do Código de Processo Civil de 1973, a liquidação transformou-se
em processo autônomo, regido pelos arts. 603 a 611.28 A redação do art. 603 era a
seguinte: “Procede-se à liquidação, quando a sentença não determinar o valor ou não
individuar o objeto da condenação”.29
Após a Terceira Reforma do Código de Processo Civil e a adoção do chamado
“processo sincrético”, a liquidação passou a ser uma fase do processo, entre a fase cog-
nitiva e a fase executiva (arts. 475-A a 475-H). Por isso é que, agora, a parte contrária é
“intimada” do “requerimento de liquidação” (art. 475-A, §1º). É pacífico, no entanto, que
a liquidação serve para todos os títulos executivos judiciais (art. 475-N), de modo que,
em algumas hipóteses, a liquidação desenrolar-se-á em processo autônomo.

4.2 O título executivo e os atributos da obrigação nele contida


Inexiste no Código de Processo Civil dispositivo que regule a liquidação de
obrigações contidas em títulos executivos extrajudiciais. Inexiste, da mesma forma,
dispositivo que a vede expressamente. Ainda assim, praticamente toda a doutrina do
Direito Processual Civil defende que apenas as obrigações previstas em títulos execu-
tivos judiciais podem ser liquidadas.30
Um dos únicos argumentos utilizados para justificar a limitação do procedimento
de liquidação aos títulos executivos judiciais é o da “perda” da “natureza executiva” pelo
título extrajudicial que não preenche os atributos da obrigação nele contida. Segundo
Wambier, Talamini e Almeida:

28
Nesse sentido, WAMBIER, Luiz Rodrigues. Liquidação da sentença. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000. Passim.
29
Note-se que o dispositivo não primava pelo rigor conceitual. O objeto da condenação é a
prestação obrigacional imposta ao réu, a qual deve ser sempre individualizada. O que pode
não ser individualizado é o valor desta prestação.
30
Dentre muitos outros, DINAMARCO. Instituições de direito processual civil, v. 4, p. 714-715;
THEODORO JÚNIOR. Curso de direito processual civil, v. 2, p. 90; ZAVASCKI. Título executivo...,
p. 170; WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI. Curso avançado..., v. 2, p. 97-98; DIDIER JÚNIOR et al.
Curso de direito processual civil..., p. 111-112. Esse posicionamento vem sendo exarado desde
que promulgado o Código, como bem demonstram as lições de LIMA, Alcides de Mendonça.
Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974. v. 6, t. II, p. 407.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 141-156, abr./jun. 2012
Liquidação de títulos executivos extrajudiciais 151
O título extrajudicial, para que exista como tal, há de ser sempre líquido.
Ou é ele líquido, e então se caracteriza como título executivo, ou então,
se for ilíquido, não há título algum, ainda que em tese o documento em
questão fosse algum daqueles enumerados no rol dos títulos extrajudi-
ciais. Ou seja, não há liquidação de título extrajudicial.31

Humberto Theodoro Júnior, no mesmo sentido, considera a liquidação uma


“providência típica do título executivo judicial”. No que concerne aos títulos executivos
extrajudiciais, escreve:

Quanto aos documentos extrajudiciais, faltando-lhes a determinação


exata da soma devida, perdem a própria natureza executiva e só podem
ser cobrados pelo processo de cognição. Não há, portanto, liquidação de
título executivo extrajudicial.32

Entretanto, repete-se, não se pode confundir o título executivo com a obrigação


nele contida. Também não se pode confundir o plano da existência com o plano da
eficácia dos atos jurídicos.
O não preenchimento dos atributos necessários à execução por título extraju-
dicial não é um defeito do próprio título, embora possa, tal como dito, confundir-se
com um pressuposto de existência, no plano material, do ato jurídico ou documento
que se caracteriza como título executivo. A iliquidez ou inexigibilidade da obrigação
implicam, tão somente, a ineficácia do título executivo. Uma sentença será sempre
título executivo; mas apenas poderá dar início à execução quando contiver uma obri-
gação certa, líquida e exigível. A questão, destarte, gravita em torno da eficácia do
ato/documento. Nesse sentido é muito claro o art. 585 do Código de Processo Civil:
“São títulos executivos extrajudiciais: I – a letra de câmbio, a nota promissória (...); II – a
escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor (...); IV – o crédito
decorrente do foto e laudêmio; etc.”
A configuração de um ato ou de um documento como título executivo inde-
pende da liquidez ou da exigibilidade da obrigação. É título executivo aquilo que a
lei considera título executivo, pouco importando a obrigação que ali estiver contida. A
prevalecer entendimento contrário, ter-se-ia que aceitar que o procedimento de liquidação
de sentença, mais do que integrar o ato decisório, constitui o próprio ato. Seria a liquidação,
portanto, a responsável pela “criação” da sentença.

31
WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI. Curso avançado..., v. 2, p. 98.
32
THEODORO JÚNIOR. Curso de direito processual civil, v. 2, p. 90.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 141-156, abr./jun. 2012
152 Rodrigo Ramina de Lucca

O preenchimento dos atributos da obrigação (certeza, liquidez e exigibilidade)


é requisito de validade do processo executivo, não do título executivo.

4.3 A injustificável distinção de tratamento entre títulos


executivos judiciais e extrajudiciais
Ainda quando rejeitada a confusão entre título executivo e atributos da obrigação
nele contida, a doutrina tende a negar aos títulos executivos extrajudiciais a possibilidade
de liquidação. Sem adentrar nos motivos de tal restrição, considera-se que apenas títulos
judiciais podem ser liquidados, não obstante a lei também seja omissa quanto à liquida-
ção de títulos executivos judiciais diversos da sentença.33
Poder-se-ia argumentar que os títulos executivos judiciais são revestidos de uma
segurança muito maior do que a dos títulos executivos extrajudiciais; mas o problema
da segurança está presente no momento da eleição, pelo legislador, dos atos/docu-
mentos que constituirão títulos executivos. Ao definir que cheque é título executivo, o
legislador considerou-o apto a ensejar a execução civil, independentemente de prévia
condenação judicial. A segurança, portanto, não vem da liquidez da obrigação, mas da
crença legislativa de que a emissão de cheque significa o reconhecimento da dívida
pelo próprio devedor; e que, nesse caso, seria desnecessário impor ao credor a prévia
cobrança judicial do valor mediante processo de conhecimento.
Pouco importa se um determinado título existe, é válido, mas contém uma obri-
gação ilíquida. O fato de, e.g., um contrato não trazer desde logo o valor devido para exe-
cução não o torna menos confiável do que outro contrato que já apresente este quan-
tum.34 Importa, sim, o respeito aos requisitos de validade do negócio jurídico e a certeza
da obrigação, devidamente delineada e especificada e, salvo casos específicos em que a
lei atribui prerrogativas à Fazenda Pública (art. 585, VII, do CPC) ou o crédito é aprovado
judicialmente (art. 585, VI, do CPC), a participação efetiva do devedor em sua formação.
Reitere-se que não se questiona a importância da liquidez da obrigação
inadimplida para o início do processo executivo. É impossível realizar qualquer tipo
de execução sem conhecer quanto deve ser expropriado do devedor e adjudicado ao

33
Citem-se como exemplos deste entendimento dois trechos da obra de Alcides de Mendonça
Lima: “Se houver certeza, e for ilíquida a obrigação, sua liquidação será possível na execução
de título judicial, mediante a fase prévia da ‘liquidação da sentença’, o que não ocorre, aliás,
com os títulos extrajudiciais (...)” (Comentários..., 1974, p. 407); “se, porém, for judicial, a sua
fixação deverá ser procedida por meio de ‘liquidação de sentença’, que é exclusiva daquela
classe, conforme as regras do Capítulo II deste Tít. I do Livro II (arts. 603 a 611); se, entretanto,
for extrajudicial, não permitirá a execução, pois a fixação não pode ser feita por aquela fase
prévia, cabendo ao credor usar, então, do processo de conhecimento” (Ibidem, p. 408-409).
34
Da mesma forma que uma “sentença ilíquida” não tem autoridade inferior à da “sentença
líquida”. A diferença está na eficácia de cada uma delas.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 141-156, abr./jun. 2012
Liquidação de títulos executivos extrajudiciais 153
credor. Nada impede, porém, que o valor seja apurado anteriormente, seguindo-se
um rito com esse propósito específico.
Exigir do credor que proponha uma demanda condenatória para, unicamente,
apurar o quantum debeatur, discutindo-se um direito garantido por um documento ou
ato de cuja produção participou o próprio devedor, é absolutamente desarrazoado e
injustificável.

4.4 Títulos executivos extrajudiciais “inexequíveis”


Muitos são os títulos executivos que contêm, por sua própria natureza, obri-
gações ilíquidas. Ainda assim, preenchem todos os requisitos legais de existência e
validade, a obrigação neles contida está precisamente delineada e sua exigibilidade
só depende da apuração do quantum debeatur.
Dentre vários exemplos, tais como contrato de honorários advocatícios com
cláusula quota litis, contrato de corretagem, contrato de consórcio e os já mencionados
contratos de “cheque especial”,assume destacada relevância o termo de ajustamento
de conduta celebrado pelo Ministério Público.
Como se sabe, pode o Ministério Público celebrar com particulares um “compro-
misso”, com eficácia executiva, pelo qual estes se comprometem a ajustar suas condutas
às exigências legais, sob pena de sanções (art. 5º, §6º, da Lei nº 7.347/85). No entanto,
como notam Marinoni e Arenhart,

Quando da elaboração do termo, não se tem a exata dimensão da obri-


gação a ser executada judicialmente. Pode ser necessário — e é comum
que o seja — a liquidação deste documento para possibilitar a execução.35

Trata-se de situação problemática. A lei cria um título executivo que, na maior


parte das vezes, por características inerentes à sua própria natureza, contém uma obri-
gação ilíquida. Ademais, como afirmado, são títulos que contêm obrigações certas,
reconhecidas pelo próprio devedor, cuja exigibilidade só depende da liquidação. Por
isso é que estão com a razão Marinoni e Arenhart ao defender que “submeter estes
documentos ao processo de conhecimento para só então admitir sua exequibilidade
seria usurpar a característica que o legislador lhes outorgou”.36
Propõem os autores, então, que seja utilizado o procedimento de liquidação, na
forma dos arts. 475-A a 475-H do CPC, para a liquidação de títulos extrajudiciais que

35
MARINONI; ARENHART. Execução, p. 433.
36
Ibidem, p. 434.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 141-156, abr./jun. 2012
154 Rodrigo Ramina de Lucca

não comportam, em determinadas hipóteses, prestações líquidas de imediato.37 Assim


se posicionaram:

Note-se que o legislador, ao instituir tais documentos como títulos exe-


cutivos extrajudiciais, estava obviamente ciente da circunstância de que,
em regra, tais documentos contêm obrigações ilíquidas. Portanto, é pouco
mais do que evidente que o legislador implicitamente admitiu a possibi-
lidade da sua liquidação judicial
Portanto, há lugar para a liquidação de títulos extrajudiciais, ainda que
esta não seja a regra.38

A ideia encontra inegável respaldo legal nos artigos 627, §2º, 633, parágrafo
único e 638, parágrafo único do CPC, os quais permitem que seja utilizado o procedi-
mento de liquidação em processo de execução de título executivo extrajudicial. Tais
dispositivos, aliás, permitem a liquidação e posterior execução de obrigação que nem
mesmo consta do título executivo, pois se referem à conversão em perdas e danos de
obrigação específica inadimplida.
Note-se que o art. 643 também prevê a conversão em perdas e danos de obriga-
ção de não fazer inadimplida, mas se omite quanto à liquidação. Naturalmente, a liquida-
ção também é permitida, seja pelo local em que está inserida a norma (Capítulo III – Da
Execução das obrigações de fazer e de não fazer), seja pela vedação ao tratamento desigual
a situações idênticas.
Tudo isso demonstra a irracionalidade de exigir-se do devedor a instauração de um
processo de conhecimento apenas para que seja apurado o quantum debeatur, quando
existe um instrumento em nosso ordenamento jurídico justamente para esta finalidade.

4.5 O processo monitório em caso de obrigação ilíquida


Quando prolatou seu voto nos Embargos de Divergência acerca da exequibilida-
de dos contratos de “cheque especial”, o Ministro Asfor Rocha rejeitou que sua decisão
impli­caria perda da efetividade do processo. Sustentou, ao contrário, que o procedi-
mento monitório ensejaria “às casas bancárias reaver o crédito com a celeridade da via
executiva, mas aí deixando as partes em posição de igualdade para discuti-lo”.
Embora concorde-se com a iliquidez da prestação contida em tais títulos execu-
tivos, não parece que o procedimento monitório possa servir de alternativa à execução.
Primeiramente, os títulos executivos que contêm obrigação ilíquida não são meras
“provas escritas” (art. 1.102a); são, efetivamente, e com o perdão da redundância, títulos

37
Ibidem, p. 433-434.
38
Ibidem, p. 434.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 141-156, abr./jun. 2012
Liquidação de títulos executivos extrajudiciais 155
executivos. Em segundo lugar, o simples oferecimento de embargos monitórios pelo
devedor, os quais independem de qualquer segurança do juízo e suspendem a eficácia
do mandado de pagamento inicial, gera um verdadeiro processo de conhecimento,
processado pelo procedimento ordinário. Neste caso, que é infelizmente a regra, o
credor tem que partir do zero para receber o que lhe é devido. Daí ser facilmente
compreensível, como o próprio Ministro observara na ocasião, que o procedimento
monitório seja tão pouco utilizado e esteja, atualmente, em vias de extinção.39

4.6 O elevado número de títulos executivos extrajudiciais no


ordenamento jurídico brasileiro
Comumente se critica o exagerado número de títulos executivos extrajudiciais
em nosso ordenamento jurídico, número este muito superior ao existente em outros países.
Independentemente da correção das observações, fato é que se trata de opção
legislativa, em relação à qual doutrina e jurisprudência nada podem fazer senão, justa-
mente, criticar. Não cabe a elas a restrição do número de títulos executivos, mas sim a
busca de meios hábeis a torná-los mais efetivos.
Se, p. ex., os documentos particulares assinados pelo devedor e por duas teste­
munhas foram eleitos pelo legislador como títulos executivos, então é preciso achar
meios de garantir que eles terão eficácia, o que inclui a liquidação da obrigação neles
contida mediante o procedimento adequado. Inaceitável que alguns documentos par-
ticulares assinados pelo devedor e por duas testemunhas, dependendo da natureza da
obrigação, tenham eficácia executiva e outros não.
Aliás, vale lembrar que apenas os títulos executivos que contêm obrigação de
pagamento podem perder sua eficácia por conta de iliquidez da prestação de pagar;
títulos relativos a obrigação de dar, fazer ou não fazer dispensam quantificação, o que
cria, sem nenhuma previsão legal, distinção entre espécies de obrigações.

39
Excelente a crítica que Carreira Alvim desferiu contra o procedimento monitório brasileiro: “O
credor, na monitória, coloca-se na situação de um passageiro que embarca num avião (rito
especial), para chegar rápido a seu destino (receber o crédito), mas corre o risco de chegar
a pé (rito ordinário), se o devedor vier a opor embargos” (Ação monitória e temas polêmicos
da reforma processual. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 34). José Rogério Cruz e Tucci
há quase uma década previu o insucesso da monitória, assinalando que “à míngua de dados
estatísticos acerca do número de execuções embargadas, e tendo-se em conta a notável am-
pliação do rol de títulos executivos extrajudiciais (art. 585) efetivada pela Lei 8.953/94, o incre-
mento na utilização da demanda de natureza monitória somente será verificado com o passar
do tempo” (Ação monitória: Lei 9.079, de 14.07.1995. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001. p. 104).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 141-156, abr./jun. 2012
156 Rodrigo Ramina de Lucca

5 Conclusão
Diante da extinção em Portugal,em 1832, da ação decendiária, presente naquele
país desde as Ordenações Manuelinas, Manuel Antonio Coelho da Rocha escreveu: “hoje
o crédor, que se apresenta em juizo com a certeza na mão, não merece mais attenção, do
que o outro, que se apresenta embrulhado na capa da duvida”.40
Essa brilhante observação é perfeitamente aplicável, nos dias de hoje, ao cre-
dor que possui um título executivo ‘ilíquido’. Possui muito provavelmente um direito
violado pelo devedor, mas, ainda assim, impõe-se-lhe um processo de conhecimento
apenas para que seja apurado o valor que tem a receber. Embora tenha “a certeza na
mão”, é equiparado ao credor “embrulhado na capa da dúvida”.
A lei não exige que o título executivo ‘nasça’ com uma obrigação líquida. Exige
que a execução inicie-se com um título executivo que contenha uma obrigação certa,
líquida e exigível. Nada mais natural, portanto, que a obrigação ilíquida seja liquidada
mediante um procedimento adequado, garantindo-se ao credor a posterior satisfação
de seu direito.
Vários são os títulos executivos extrajudiciais naturalmente ‘ilíquidos’. É preciso
dar efetividade ao comando legal que os instituiu.
Nem o processo monitório nem o processo de conhecimento são alternativas
à liquidação da obrigação contida no título. A tutela condenatória serve para impor
ao devedor a obrigação de pagar em razão da existência e exigibilidade (presente ou
futura) de um direito subjetivo. Nos casos em que o credor possui um ‘título ilíquido’,
nada disso exige análise judicial (ao menos não por sua iniciativa). Quanto ao processo
monitório, reiteram-se as observações feitas no ponto 4.5 deste trabalho. O título exe-
cutivo é mais do que mera prova do crédito.
A liquidação de obrigações derivadas de títulos executivos extrajudiciais não é
estranha ao nosso ordenamento jurídico. Convertida a obrigação de dar, fazer ou não
fazer em perdas e danos, utiliza-se o procedimento de liquidação de sentença para
a apuração do quantum debeatur. O mesmo deve ocorrer quando o título executivo
extrajudicial contém uma obrigação ilíquida.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

LUCCA, Rodrigo Ramina de. Liquidação de títulos executivos extrajudiciais. Revista Brasileira de
Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 141-156, abr./jun. 2012.

40
ROCHA, Manuel Antonio Coelho da. Instituições de direito civil portuguez. 5. ed. Coimbra:
Imprensa da Universidade, 1867. t. I, p. 297. Disponível em Google Books.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 141-156, abr./jun. 2012
A aplicabilidade da multa por litigância
de má-fé aos advogados atuantes no
processo
Gabriel Freitas Maciel Garcia de Carvalho
Bacharel em Direito (UFMG). Especialista em Direito
Processual Civil (PUC Minas). Assessor Judiciário (TJMG).
E-mail: <carvalholuz@gmail.com>.

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo a investigação da


aplicabilidade da multa sancionatória da litigância de má-fé aos advo-
gados atuantes no processo quando a conduta maliciosa seja por eles
engendrada. Parte-se da interpretação atualmente conferida ao insti-
tuto pela doutrina e pela jurisprudência, buscando-se definir seus fun-
damentos e sua teleologia. Posteriormente, empreende-se estudo sobre
a vigente concepção do processo, como instrumento público de atuação
da Jurisdição, passando-se ao exame da obrigação processual de agir com
lealdade e ao dever do Estado de atuar com rigor na preservação da ética
no espaço público de discussão e aplicação do direito, já que tanto mais
legítimo será o sistema quanto mais confiável for o provimento jurisdicional
construído em contraditório. Por fim, busca-se demonstrar que inexistem
impedimentos legais à punição dos procuradores das partes, nos próprios
autos do processo em que ocorreu a conduta desleal, não passando os obs-
táculos entrevistos de uma interpretação conservadora do instituto. Assim,
conclui-se que as sanções, para bem desempenhar sua função pedagógica
de prevenção da má-fé, devem ser dirigidas contra o agente real da atuação
maliciosa, aquele que age com culpa, disso dependendo a preservação da
legitimidade Estatal na resolução definitiva dos conflitos.

Palavras-chave: Direito. Processo civil. Dever de lealdade. Obrigação


processual. Litigância de má-fé. Advogados.

Sumário: 1 Introdução – 2 A litigância de má-fé – 3 O dever do Estado


de garantir a lealdade no processo – 4 Litigância de má-fé e a atuação do
procurador – 5 Conclusão – Referências

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 157-181, abr./jun. 2012
158 Gabriel Freitas Maciel Garcia de Carvalho

1 Introdução
Este trabalho pretende, por meio do estudo do instituto da litigância de má-fé
e dos pressupostos e consequências da aplicação de suas sanções, de acordo com a
abrangência que se lhe confere, analisar a possibilidade e a necessidade da aplicação da
multa por má-fé processual aos advogados. Objetiva-se ampliar a eficácia do instituto,
de acordo com os fins a que se propõe, e, consequentemente, conferir maior efetividade
ao direito material, fim e razão de existência do processo.
Parte-se da verificação das razões de ser do repúdio às práticas de deslealdade
processual e das sanções que buscam coibir a atuação ímproba, com o fim de diag-
nosticar o potencial grau de sua eficácia de acordo com o âmbito de aplicabilidade
que é hoje reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência às sanções previstas no
art. 18 do Código de Processo Civil (CPC) e em outros dispositivos esparsos.
Posteriormente, faz-se necessário o estudo do processo como instrumento de
atuação da jurisdição e, assim, da lealdade processual como questão de ordem pública
a ser tutelada pelo Estado, de modo a garantir que a solução definitiva dos conflitos
que lhe são submetidos seja aquela que melhor efetive o ordenamento jurídico que o
sustenta, o que o legitima como tal.
Por fim, propõe-se o aprofundamento na realidade processual, pela identifica-
ção de hipóteses de condutas de má-fé imputáveis exclusivamente aos advogados
atuantes no processo, o que permitirá verificar a eficácia da abrangência limitada das
sanções previstas no CPC, de acordo com o fim estatal de promover a justiça e preservar
a legitimidade do monopólio da jurisdição.
A partir de considerações doutrinárias e do cotejo com casos já reconhecidos pela
jurisprudência como justificadores da sanção aos advogados, propor-se-á a extensão da
interpretação atualmente conferida ao instituto, para que passe a responsabilizar os reais
agentes da deslealdade processual, como forma de potencializar o grau de realização dos
seus objetivos.
Como lembra Stoco (2002, p. 45):

Ressuscitar a confiança dos operadores do direito, uns nos outros, como


sonhou Giuseppe Bettiol, e incutir-lhes um comportamento ético será
a única saída para solucionar a crise do processo e convertê-lo em ins-
trumento e meio para a solução dos conflitos de forma rápida, eficiente,
garantidora e absolutamente satisfatória.

A doutrina trata a aplicação de multas por litigância de má-fé de modo uniforme.


Não há grandes obras dedicadas ao tema, já que é geralmente comentado em manuais
de processo civil.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 157-181, abr./jun. 2012
A aplicabilidade da multa por litigância de má-fé aos advogados atuantes no processo 159
Dentre os que se dedicaram de modo mais aprofundado à questão, e, em par-
ticular, trataram da (im)possibilidade de responsabilização de advogados dentro do
próprio processo, destaca-se Stoco (2002, p. 92), cujo posicionamento é no sentido de que
“o procurador das partes em juízo (defensor ou advogado) não responde pessoalmente
por má-fé processual”. Em sentido contrário, há autores que defendem a necessidade de
alteração legislativa para que se possa avançar na aplicação das penalidades, como por
exemplo, Leão (1986).
Observa-se que o tratamento dado pela doutrina é bastante conservador e
legalista, evitando, na maioria das vezes, a crítica, que pode ensejar um aprofunda-
mento da discussão.
A partir da concepção de obrigação processual (OCHOA MONZÓ, 1997, p. 35),
buscar-se-á, por meio de fontes doutrinárias e jurisprudenciais, demonstrar os caminhos
para a efetiva utilização do instituto.

2 A litigância de má-fé
A exigência de que a lide se desenvolva baseada na ética e na verdade é princípio
consagrado no direito processual, ainda quando não se encontra positivado, já que se
trata de ordem mais elevada do que o próprio direito positivo.
O repúdio e a repressão às práticas de deslealdade processual são uma constante
em todos os Códigos de Processo Civil dos países mais civilizados, conforme Stoco
(2002). A imposição de que a tutela jurisdicional se construa sobre premissas idôneas e
seguras é consequência da necessidade de preservação do direito — e do Estado que
ele sustenta —, o que se dá pela sua aplicação da forma mais efetiva possível.
Stoco (2002) ensina que, no Brasil, o ordenamento jurídico coíbe a improbidade
processual desde o tempo do império, havendo, posteriormente, o CPC de 1939 (Decreto-
Lei nº 1.608, de 18.09.1939) traçado regras em torno do princípio da probidade e vedado
o “abuso do direito de demandar”.
A má-fé processual nasce da atuação maliciosa do litigante em juízo, em ofensa
ao dever de lealdade, que atualmente se encontra positivado no art. 14 do CPC.1 Referido
dispositivo legal estabelece parâmetros de conduta processual dirigidos a “todos aqueles
que de qualquer forma participam do processo” e orientados pela verdade e pela boa-fé,

“Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do
1

processo: I – expor os fatos em juízo conforme a verdade; II – proceder com lealdade e boa-fé;
III – não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de funda-
mento; IV – não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou
defesa do direito; V – cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar emba-
raços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final” (BRASIL, 1973).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 157-181, abr./jun. 2012
160 Gabriel Freitas Maciel Garcia de Carvalho

com vistas ao desenvolvimento processual imune a obstáculos e empecilhos criados


maliciosamente.
Nalini (1997, p. 16) ensina que (...) “a lealdade é o nome da boa-fé. É a transparência
e a sinceridade. Não se exterioriza apenas no princípio da lealdade processual, mas na
lealdade com o dever de realizar o justo, com a pacificação social, com a harmonização”.
O dever de lealdade no processo é classificado por Ochoa Monzó (1997) como
pertencente à categoria das obrigações processuais, tratando-se, no seu entender, de
uma regra de conduta humana, de comportamento leal, não malicioso nem temerário.
As obrigações, ou deveres, processuais, se diferenciam dos ônus na medida em
que estes representam a oportunidade de praticar determinado ato com o propósito
de evitar um resultado desfavorável, enquanto aquelas “podem ser definidas como
as prestações de dar, fazer ou não fazer impostas às partes ou a terceiros dentro do
processo cuja inobservância acarreta uma sanção jurídica”2 (OCHOA MONZÓ, 1997,
p. 35). Como se vê, ao contrário do que ocorre com relação aos ônus, a ideia de sanção
é ínsita à de obrigação processual, pois trata-se de mecanismo que garante a obser-
vância das normas. Segundo Costa (2005, p. 192), “a obrigação processual existe, en-
tão, juridicamente, enquanto o seu [des]cumprimento for sancionado ou através da
pena, ou por execução forçada”.
Os arts. 17 e 18 do CPC estatuem, respectivamente, hipóteses configuradoras
de má-fé processual e sanções aplicáveis quando da ocorrência de quaisquer delas.
Suas redações são as seguintes:

Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que:


I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato
incontroverso;
II – alterar a verdade dos fatos;
III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do
processo;
VI – provocar incidentes manifestamente infundados.
VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.
(BRASIL, 1973)
Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o liti-
gante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor

“pueden ser definidas como las prestaciones de dar, hacer o no hacer impuestas a las partes
2

o a terceros dentro del proceso cuya inobservancia lleva aneja una sanción jurídica” (OCHOA
MONZÓ, 1997, p. 35, tradução livre).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 157-181, abr./jun. 2012
A aplicabilidade da multa por litigância de má-fé aos advogados atuantes no processo 161
da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais
os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou.
§1º Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará
cada um na proporção do seu respectivo interesse na causa, ou
solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária.
§2º O valor da indenização será desde logo fixado pelo juiz, em quantia
não superior a 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, ou liquidado
por arbitramento. (BRASIL, 1973)

Como se observa do rol de condutas tipificadas (art. 17 do CPC), exige-se das


pessoas em juízo que as manifestações perante ele tenham conteúdo lícito, ético e de
boa-fé. Como lembra Stoco (2002, p. 87), “não se permite que sob o manto da lisura e
da legalidade, a manifestação traga a intenção do propósito de locupletar-se, benefi-
ciar-se ou de dificultar, retardar e prejudicar”.
O art. 18 do CPC dispõe sobre as sanções aplicáveis ao litigante de má-fé, preven-
do a possibilidade de aplicação de multa e de condenação ao pagamento de indeniza-
ção à parte contrária pelos prejuízos que tenha sofrido em razão da atuação ímproba.
Além de tais normas, dispositivos esparsos preveem condutas de deslealdade
processual também passíveis de sanção, tais como os arts. 129; 233; 273; 538; 557, §2º;
600; e 811, todos do CPC. Segundo Dinamarco (2009, p. 265):

A realidade do processo é a de um combate para o qual a lei municia as


partes de certas armas legítimas e de uso legítimo, mas com a adver-
tência de que será reprimido o uso abusivo dessas armas ou o emprego
de outras menos legítimas. Como em todo combate ou jogo, há regras
preestabelecidas a serem observadas (...). o Código de Processo Civil bra-
sileiro, que se mostra particularmente empenhado em cultuar a ética no
processo, traz normas explícitas quanto aos limites da combatividade
permitida e impõe severas sanções à deslealdade.

A teleologia do instituto se funda na necessidade de orientar a conduta das


partes no sentido de se chegar à solução mais próxima possível da justiça do caso
concreto. As sanções previstas na lei têm a função precípua de resguardar a dignidade
do Poder Judiciário como agente do monopólio estatal da jurisdição. Paralelamente,
possuem função pedagógica, no sentido de incutir nas partes o valor da lealdade pro-
cessual, servindo assim à prevenção da deslealdade e à recomposição resultante da
mesma deslealdade. Tais finalidades devem orientar o processo interpretativo e de
aplicação das sanções, sendo de suma importância na tese que se exporá mais adiante.
A função preventiva da sanção se expressa por meio da repressão à condu-
ta maliciosa. Tanto a imposição de multa, de até 1% sobre o valor da causa, como a
condenação ao pagamento de indenização cumprem o dever de impor à parte um

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 157-181, abr./jun. 2012
162 Gabriel Freitas Maciel Garcia de Carvalho

resultado negativo originado em sua conduta, demonstrando o repúdio do direito à


transgressão do dever de lealdade.
Previne-se a ocorrência de futuras violações da boa-fé no curso do processo, e
também de outros processos, pela certeza, incutida na mente do litigante, de que sua
conduta será identificada e punida, trazendo-lhe consequências quiçá mais danosas do
que as que poderiam advir caso não se valesse de artifícios maliciosos. Tal função se equi-
para à chamada coercitiva, pois obriga à obediência da norma pela perspectiva de uma
consequência danosa, conforme lembra Ochoa Monzó (1997, p. 43). Daí a necessidade da
ampla aplicação, pelos tribunais, do instituto da litigância de má-fé, já que somente a cer-
teza da punição torna efetiva a cominação da sanção, prevenindo-se o dano processual.
Mais do que isso, é necessário que os tribunais passem a otimizar as funções da sanção,
tornando-a eficaz pela sua aplicação de modo adequado, como se demonstrará.
Já a função de recomposição se efetiva exclusivamente por meio da condena-
ção à reparação dos prejuízos, em valor equivalente a até 20% sobre o valor da causa.
Objetiva-se reparar os danos sofridos pela parte contrária em razão da conduta de
má-fé, retornando sua situação patrimonial àquela anterior ao dano processual. Daí a
necessidade de que sejam apurados os prejuízos sofridos, não podendo o magistrado
arbitrariamente fixar um valor genérico como indenização.
Aquele que age contra os deveres de lealdade e boa-fé no processo torna-se o
chamado improbus litigatur, ou litigante de má-fé, momento a partir do qual se sujeita
às sanções previstas na lei. Para Nery Junior e Nery (1999, p. 422), “má-fé é a intenção
malévola de prejudicar, equiparada à culpa grave e ao erro grosseiro”. Sobre o conceito
de litigante de má-fé, ensinam os autores:

É a parte ou interveniente que, no processo, age de forma maldosa,


com dolo ou culpa, causando dano processual à parte contrária. É o
improbus litigator, que se utiliza de procedimentos escusos com o
objetivo de vencer ou que, sabendo ser difícil ou impossível vencer,
prolonga deliberadamente o andamento do processo procrastinando
o feito. (NERY JUNIOR; NERY, 1999, p. 422)

Armelin esclarece a posição da doutrina sobre a caracterização do litigante de


má-fé:

A violação do dever de lealdade e probidade constitui um ilícito pro-


cessual e, destarte, extranegocial, considerando-se o caráter e natureza
pública do processo e dos deveres dele emergentes. Todavia, na apli-
cação dessa sanção há de se levar em conta o elemento subjetivo para
colorir a conduta ilícita da parte. (1985, p. 228)

O conceito, adotado, com poucas variações, pela maior parte da doutrina, com-
põe-se, assim, de duas frações essenciais, que são a conduta típica (procedimentos

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A aplicabilidade da multa por litigância de má-fé aos advogados atuantes no processo 163
maliciosos) e a culpabilidade (dolo ou culpa). Tal elemento subjetivo é reco­nhecido
amplamente pela doutrina como condição para a imposição da sanção,3 já que o
ordenamento jurídico brasileiro adotou a chamada teoria subjetiva, sendo necessária
a verificação da “intencionalidade”, do “objetivo ilegal”, do “modo temerário” (STOCO,
2002, p. 93).
Segundo Stoco:

(...) poder-se-ia resumir que os critérios para a verificação da má-fé são


aqueles contidos na própria lei de regência, mas impõem e obrigam que
se faça juízo de valor para verificar se o agente, ademais da conduta anti-
jurídica, ingressou no campo da culpabilidade. (2002, p. 90)

A doutrina e a jurisprudência restringem o conceito de litigante de má-fé, excluindo


de sua abrangência as pessoas que participam do processo em qualquer condição que
não a de parte ou interveniente. Stoco, por todos, é expresso ao afirmar que “o procura-
dor das partes em juízo (defensor ou advogado) não responde pessoalmente por má-fé
processual” (STOCO, 2002, p. 92), e cita, nesse sentido, a “doutrina mais expressiva”, men-
cionando o magistério de Baptista da Silva (2000) e Alvim (1975).
Segundo Dinamarco, “infringindo deveres de lealdade no processo, caracterizados
como litigância de má-fé na lei processual, o advogado responde pessoalmente perante
a parte contrária — desde que tenha agido com dolo ou culpa (EA, arts. 32 e 34, inc. VI;
CPC, arts. 14-18)” (DINAMARCO, 2009, p. 716).
O art. 16 do CPC,4 não obstante tratar especificamente da indenização por per-
das e danos em razão de má-fé processual, não da multa, serve como parâmetro para
a doutrina e a jurisprudência entreverem a limitação da aplicação de ambas as sanções
previstas em lei somente às partes e aos eventuais intervenientes no processo.5
O próprio termo litigante de má-fé serve à limitação que geralmente se vê na
aplicação das sanções do instituto, pois litigante é aquele que vai a juízo defender sua
pretensão, ou seja, a parte que se encontra em litígio com outra.
Segundo Oliveira:

Os artigos 16 e 17 restringem a litigância de má-fé às partes e intervenien-


tes, não ao advogado, ao procurador das partes. A sua conduta processual
é regulada pelo artigo 14, quando lhe impõe deveres, e pelo Código de
Ética e Estatuto do Advogado. Se houver conduta temerária do advogado,

3
Esta noção é essencial à configuração do âmbito subjetivo de aplicabilidade das sanções por
litigância de má-fé, conforme se demonstrará adiante.
4
“Art. 16. Responde por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé como autor, réu ou
interveniente”.
5
A interpretação restritiva geralmente conferida ao instituto com base neste dispositivo deve
ser analisada de modo crítico, verificando-se se é também consentânea a uma visão sistêmica
e teleológica, o que será feito com maior cuidado mais adiante.

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164 Gabriel Freitas Maciel Garcia de Carvalho

nada mais resta ao juiz do que oficiar ao órgão de classe, à Ordem dos
Advogados do Brasil, comunicando os fatos. Na Ordem, poderá o advogado
ser processado perante a Comissão de Ética, julgado e cominadas as penas.
(...)
Para o processo não há alteração, seja na conduta do advogado ou da
parte, o mau comportamento será sempre imputado à parte e sobre ela
recairão as condenações.
Condenada por litigância de má-fé, deve a parte, em se tratando de ato do
advogado, acionar-lhe regressivamente, nos termos do artigo 14, §4º, do
Código de Defesa do Consumidor. (2000, p. 71)

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é, quase unanimemente,


neste sentido:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. BRASIL TELECOM. NULIDA-


DE NA REPRESENTAÇÃO DO CAUSÍDICO. NÃO ACOLHIMENTO. CARÁTER
PROTELATÓRIO DOS PEDIDOS. INOCORRÊNCIA. CONDENAÇÃO DO PA-
TRONO POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE. (...)
Os danos eventualmente causados pela conduta do advogado deverão
ser aferidos em ação própria para esta finalidade, sendo vedado ao magis-
trado, nos próprios autos do processo em que fora praticada a alegada
conduta de má-fé ou temerária, condenar o patrono da parte nas penas
a que se refere o art. 18, do Código de Processo Civil... (BRASIL. Superior
Tribunal de Justiça. AgRg nos EDcl no Ag 918.228/RS. Rel. Min. Paulo de
Tarso Sanseverino. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, 22 set. 2010)6

Como se vê, seja a parte pessoalmente culpada pela conduta desleal no curso do
processo ou não, responderá ela, no entender da doutrina e da jurisprudência majoritá-
rias, sujeitando-se às sanções legais. Caso seja o advogado o real culpado pela conduta de
má-fé processual, somente restará à parte ajuizar ação autônoma, pleiteando a reparação
perante seu procurador. No dizer de Leão, “a parte prejudicada, em ação regressiva,
poderá reaver, do seu procurador, o gasto que teve” (LEÃO, 1986, p. 41).
Tal solução, entretanto, deve ser observada sob um ponto de vista crítico, não
se podendo aceitar ingenuamente que o escopo do instituto da litigância de má-fé, ou
seja, a efetividade do direito discutido no processo, pela prevenção de práticas mali-
ciosas, será alcançado apenas indiretamente, pela ação voluntária de particulares que,

Do mesmo modo: “Responde por litigância de má-fé (arts. 17 e 18) quem causar dano com
6

sua conduta processual. Contudo, nos termos do art. 16, somente as partes, assim entendidas
como autor, réu ou interveniente, em sentido amplo, podem praticar o ato. Com efeito, todos
que de qualquer forma participam do processo têm o dever de agir com lealdade e boa-fé (art.
14, do CPC). Em caso de má-fé, somente os litigantes estarão sujeitos à multa e indenização a
que se refere o art. 18, do CPC” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.173.848/RS. Rel.
Min. Luis Felipe Salomão. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, 10 maio 2010).

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A aplicabilidade da multa por litigância de má-fé aos advogados atuantes no processo 165
buscando fim diverso, o de recomposição patrimonial, façam recair sobre os agentes
reais da má-fé a responsabilidade sobre sua conduta.
Mais: é por meio da interpretação sistemática e teleológica do instituto, ou seja,
de sua visualização sob a natureza publicística do processo e do dever do Estado de
levar a cabo com efetividade a função jurisdicional, que se poderá averiguar o grau de
eficácia de sua aplicação e buscar formas de torná-lo mais efetivo.

3 O dever do Estado de garantir a lealdade no processo


Estatuídas as bases sobre as quais se assentam, hoje, as abordagens doutrinárias
e jurisprudenciais sobre o dever de lealdade processual e a litigância de má-fé, cumpre
verificar se os limites vislumbrados atualmente se coadunam com a moderna concep-
ção de processo, por meio da análise do papel do Estado no seu direcionamento e na
busca da efetividade e da justiça.
O processo, conforme a concepção de Calamandrei, adotada pela grande
maioria dos doutrinadores, é a “serie de actos coordinados y regulados por el Derecho
Procesal, a través de los cuales se verifica el ejercicio de la jurisdicción” (CALAMANDREI,
1945, p. 287). Theodoro Júnior (2003) ressalta se tratar o processo de “um método
ou sistema de atuação” da jurisdição, sendo esta definida por Cintra, Grinover e
Dinamarco (2006, p. 145) como o “encargo que tem o Estado de promover a pacifica-
ção de conflitos interindividuais mediante a realização do direito justo”.
Também Marinoni e Arenhart (2006, p. 70), que veem o processo como o
“instrumento pelo qual o Estado exerce a jurisdição”, confirmam a ideia de que
o processo, não obstante a existência de discussão doutrinária a respeito da sua
concepção,7 é o meio pelo qual o Estado faz valer seu poder de decidir imperati-
vamente e de impor suas decisões, ou seja, de exercer o monopólio da jurisdição.
Tal concepção evidencia o caráter público do processo,8 que ganhou força com
a consolidação do Estado, no decorrer do século XIX, e se firmou a partir da superação
dos postulados liberais pelo modelo social de Estado.
Segundo Ochoa Monzó (1997), a repercussão dos postulados sociais alcança
o mundo jurídico e mostra que o processo não se compromete apenas com os inte-
resses particulares, mas também com o interesse público do Estado. O compromisso

7
Dentre as diferentes teorias, destacam-se a ideia de processo como garantia, ou procedimento
em contraditório (GONÇALVES, 1992, p. 148-149) e a de instituição legitimadora da jurisdição,
pelo caráter dialógico-democrático da construção do provimento (LEAL, 2004, p. 95).
8
O caráter público do processo já há muito tempo é amplamente reconhecido pela doutrina
(CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2006, p. 296), que apenas referencia sua concepção
privatista no período anterior ao século XIX, em que se desenvolveram as teorias do processo
como contrato e quase-contrato (LEAL, 2004, p. 86-87).

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166 Gabriel Freitas Maciel Garcia de Carvalho

do Estado social com valores de igualdade, liberdade e realização da justiça alterou o


papel do juiz, antes distante — como forma de preservar sua imparcialidade —, o que
também resultou na alteração da própria sistemática do processo, com a afirmação de
uma nova categoria, a das obrigações processuais, referidas no item anterior.
Dentre tais obrigações, encontra-se o dever de lealdade processual, estabelecido,
no direito brasileiro, pelo art. 14 do CPC, que se destina às partes e a todos aqueles que
de qualquer forma participam do processo.
Segundo Milhomens:

Todos os sujeitos do processo — partes, juízes, serventuários, auxiliares —


devem agir no sentido da consecução de um fim estrito: a realização do di-
reito ou, como diz Pontes de Miranda, o “prevalecimento da verdade sobre
a situação de direito deduzida em juízo”. O processo é meio, posto a serviço
do homem, para esse fim social. O Estado, que promete a prestação juris-
dicional, dá o instrumento, mas exige que se lhe dê precípua destinação.
Pratiquem-se de boa-fé todos os atos processuais. Ajam as partes lealmente;
colaborem todos com o órgão estatal, honestamente, sem abusos. Da relação
processual surgem poderes e deveres. Para o juiz e para as partes entre si,
e deveres de uma parte para com outra parte. (1961, p. 33-34)

Como afirmam Cintra, Grinover e Dinamarco (2006), diante de suas finalidades


de pacificação geral na sociedade e de atuação do direito, o processo deve se revestir
de uma dignidade que corresponda aos seus fins, o que é garantido pelo princípio da
lealdade processual. Ou seja, a dignidade do processo é condição sem a qual não pode
o Estado se legitimar como agente exclusivo da pacificação social e de defesa do direito.
Para Stoco (2002, p. 76), que relaciona a má-fé processual ao abuso de direito, deve-se
considerar “o processo como instituto de ordem pública, cujas normas e regras são
cogentes, impositivas e não ficam no poder dispositivo das partes”.
Assim, ganha relevo a ideia de que tal princípio não visa somente à proteção e à
segurança das partes em juízo, mas também, e principalmente, à viabilização da atua­
ção mais correta possível da jurisdição, ou seja, a garantia do Estado de que o direito
posto, e que lhe sustenta, será efetivado.
Por isso é que Costa (2005, p. 68) considera o Juiz como sujeito passivo do dolo
processual, já que “a declaração do juiz pode sofrer a influência maléfica do mesmo”.
Juiz, na concepção do autor, que representa, no processo, o Estado, sendo, portanto,
este, o sujeito passivo da conduta desleal.
E se é verdade que “a moderna processualística busca a legitimidade do seu
sistema na utilidade que o processo e o exercício da jurisdição possam oferecer à na-
ção e às suas instituições” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2006, p. 146), deve-se
reconhecer forçosamente que tanto mais útil será o processo, e, portanto, mais legítimo

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 157-181, abr./jun. 2012
A aplicabilidade da multa por litigância de má-fé aos advogados atuantes no processo 167
o sistema, quanto mais confiável, por se fundar na atuação leal em juízo, for o provimento
jurisdicional construído em contraditório.
Segundo Costa (2005, p. 196), “do momento em que o conceito público de pro-
cesso superou o conceito contratual, a obrigação de boa-fé da parte, com respeito ao
juiz, descende do vínculo de sujeição que liga o cidadão ao Estado, e que é a base do
sistema de composição coativa dos conflitos”. Assim, todo e qualquer cidadão atuante
no processo, por manter o mesmo vínculo com o Estado, tem a obrigação de agir de
boa-fé, sujeitando-se, portanto — já que à obrigação é ínsita a sanção —, às penalidades
previstas em lei.
Nesse sentido, a atuação dos tribunais deve ser inflexível, pois somente por
meio da efetiva coibição da má-fé processual se poderá otimizar a “utilidade” do pro-
cesso. O Supremo Tribunal Federal (STF), não obstante a ainda limitada interpretação
que confere ao instituto, reconhece este dever:

O ordenamento jurídico brasileiro repele práticas incompatíveis com o


postulado ético-jurídico da lealdade processual. O processo não pode ser
manipulado para viabilizar o abuso de direito, pois essa é uma idéia que
se revela frontalmente contrária ao dever de probidade que se impõe à
observância das partes. O litigante de má-fé — trate-se de parte pública
ou de parte privada — deve ter a sua conduta sumariamente repelida pela
atuação jurisdicional dos juízes e dos tribunais, que não podem tolerar o
abuso processual como prática descaracterizadora da essência ética do
processo. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 567.171 AgR-ED-EDv-ED/SE.
Rel. Min. Celso de Mello. Diário do Judiciário Eletrônico, 06 fev. 2009)

O reconhecimento, pela Corte Constitucional brasileira, de que o Poder


Judiciário deve repelir sumariamente a conduta de má-fé, propugnando que não seja
ela tolerada, demonstra de modo inconteste a assunção, pelo Estado, do dever de pre-
servar a ética do processo, o que não pode se dar de modo unicamente formal, mas
pela busca incessante da forma mais efetiva de realizá-la.
A atual preocupação com a efetividade do processo e com a efetiva realização
dos fins sociais do direito se liga intimamente com o dever do Estado de atuar de modo
rígido com o objetivo de garantir que a marcha processual se desenvolverá em
observância à ética e à probidade, pois só assim será possível a construção de um
provimento jurisdicional apto a pacificar o conflito e, consequentemente, realimentar
a legitimidade do direito e de si próprio.
Nesse sentido, importante lição de Grinover:

Mais do que nunca, o processo deve ser informado por princípios éticos.
A relação jurídica processual, estabelecida entre as partes e o juiz, rege-se

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 157-181, abr./jun. 2012
168 Gabriel Freitas Maciel Garcia de Carvalho

por normas jurídicas e por normas de conduta. De há muito, o processo


deixou de ser visto como instrumento meramente técnico, para assumir
a dimensão de instrumento ético voltado a pacificar com justiça. Nessa
ótica, a atividade das partes, embora empenhadas em obter a vitória, con-
vencendo o juiz de suas razões, assume uma dimensão de cooperação
com o órgão judiciário, de modo que de sua posição dialética no processo
possa emanar um provimento jurisdicional o mais aderente possível à ver-
dade, sempre entendida como verdade processual e não ontológica, ou
seja, como algo que se aproxime ao máximo da certeza, adquirindo um
alto grau de probabilidade. É por isso que os Códigos Processuais adotam
normas que visam a inibir e a sancionar o abuso do processo, impondo
uma conduta irrepreensível às partes e a seus procuradores. (2000, p. 63)

De outro modo, se o processo é o instrumento por meio do qual o Estado faz


valer o ordenamento jurídico posto, e se somente um processo comprometido com a
realização da justiça atende aos fins a que se destina, é forçoso reconhecer que somente
é legítimo o exercício da jurisdição e somente se pode efetivar o ordenamento jurídico
caso o Estado desempenhe peremptoriamente seu dever de garantir um espaço ético
de discussão propício à construção da justiça do caso.
Neste sentido, evidencia-se a possibilidade de o juiz, de ofício, aplicar as penas
ao liti­gante de má-fé, possibilidade esta que, acompanhando a evolução da concepção
de processo trazida pelo modelo social de Estado, somente foi introduzida no direito
brasileiro em 1994, por meio da Lei nº 8.952, de 13.12.1994, que alterou a redação do
art. 18 do CPC.9
Segundo Nery Junior e Nery:

A Lei 8.952/94 já deixara expresso o dever de o juiz condenar, de ofício, o


litigante de má-fé, como já exposto na 1ª edição destes comentários. A Lei
9.668/98 reafirma essa regra. O destinatário primeiro da norma é o juiz ou
tribunal, de sorte que lhe é imposto um comando de condenar o litigante
de má-fé a pagar multa e a indenizar os danos processuais que causou à
parte contrária. Isto porque o interesse público indica ao magistrado que
deve prevenir e reprimir os abusos cometidos pelos litigantes, por prática
de atos que sejam contrários à dignidade da justiça. Deve assim proceder
de ofício, independentemente de requerimento da parte. (1999, p. 427)

Redação anterior: “Art. 18. O litigante de má-fé indenizará à parte contrária os prejuízos que
9

esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou”. Nova redação,
antes da alteração realizada pela Lei nº 9.668, de 23.06.1998: “Art. 18. O juiz, de ofício ou a
requerimento, condenará o litigante de má-fé a indenizar à parte contrária os prejuízos que
esta sofreu, mais os honorários advocatícios e as despesas que efetuou”.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 157-181, abr./jun. 2012
A aplicabilidade da multa por litigância de má-fé aos advogados atuantes no processo 169
Ressalta-se que a parte prejudicada pela má-fé processual continua legitimada a
requerer a punição do ofensor e a reparação dos danos que tenha sofrido,10 sendo este
apenas mais um escopo do instituto da litigância de má-fé, mas que não pode ocultar
o seu fim principal, de preservação da legitimidade da atuação jurisdicional do Estado.
Ora, se não é mais necessário o requerimento da parte contrária para que haja a
repressão da conduta maliciosa, é evidente o reconhecimento pela lei de que não é a
ofensa ao direito de outrem que justifica a punição, mas, sim, a ofensa à ordem jurídica
como um todo e à sociedade em geral. Assim, como “a atitude ímproba é mais ultra-
jante à justiça como entidade do que à parte contrária” (STOCO, 2002, p. 100), cabe ao
Estado atuar da forma mais efetiva possível, não para remediar o dano sofrido pelo
outro litigante, mas para assegurar àquele que desobedeceu ao dever de lealdade que
sua conduta não será tolerada e que futuros desvios serão também coibidos.
Na busca dessa efetividade, faz-se necessário transcender os atuais limites que
geralmente se veem à autoridade do Estado-Juiz para aplicar as sanções por litigância de
má-fé a quem quer que tenha agido em desconformidade ao dever de lealdade, restando
averiguar a posição dos representantes diretos das partes em juízo nesse contexto.

4 Litigância de má-fé e a atuação do procurador


O reconhecimento de que o Estado tem o dever de prevenir a deslealdade
no processo é questão fundamental à interpretação da lei, com vistas à definição do
âmbito subjetivo de abrangência das sanções por litigância de má-fé, já que somente
será efetiva a sanção, e somente se alcançará seu objetivo de prevenção, caso sejam
punidos aqueles que pessoalmente empreenderam a conduta desleal.
Neste sentido, deve-se verificar se o atual tratamento conferido pela doutrina
e pela jurisprudência ao instituto possibilita o pleno alcance dos seus fins, ou se, ao
contrário, é necessária interpretação mais ampla do que aquela realizada pelo saber
vigente, que torne efetivas as penas cominadas e que promova de modo mais adequa-
do a lealdade processual.
A conduta desleal praticada no processo tem como fim último o benefício do
litigante ímprobo em prejuízo da parte contrária. Para que se atinja tal desiderato, pode
ser que a própria parte, pessoalmente, aja com culpa, seja ao decidir ajuizar ação que
desde logo sabe infundada, seja por meio de declarações falsas prestadas no curso do
processo — ao seu procurador, que as transmitirá em juízo, ou diretamente, em audi-
ência —, seja ainda criando obstáculo ao cumprimento de ordem judicial.

Neste caso, entende-se que não poderá o juiz, de ofício, determinar a indenização à parte
10

contrária, sendo necessário o requerimento e a prova dos danos, por se tratar de direito
disponível, o que não é o caso da multa, que tem cunho eminentemente punitivo.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 157-181, abr./jun. 2012
170 Gabriel Freitas Maciel Garcia de Carvalho

Entretanto, pode ser que conjuntamente com a parte, ou mesmo de modo


individual, atue seu procurador, com o objetivo de vencer a causa que se propôs de-
fender, beneficiando seu cliente, ou mesmo com o objetivo particular de obter, ao
final, honorários sucumbenciais. Em tais hipóteses, coliga-se o patrono com a parte
patrocinada para lesar a outra, em benefício próprio.
Há ainda situações em que a atuação de má-fé, ainda que beneficie exclusivamente
a parte, é empreendida unicamente pelo advogado, não influindo a parte de nenhum
modo na prática da conduta desleal. Tais situações se evidenciam principalmente no caso
de questões processuais e técnicas a que somente o causídico tem acesso, como, por
exemplo, as alegações de fatos processuais contrárias ao que consta dos próprios autos
ou a interposição de recursos e embargos de declaração com alegações meramente pro-
cessuais sabidamente infundadas.
Como se sabe, são os advogados quem orientam as partes, estimulando-as a
agirem em determinado sentido ou as incentivando a deixarem de praticar determi-
nado ato. Notadamente em uma sociedade de baixa cultura jurídica, o papel do procu-
rador ganha particular relevância tanto na forma quanto no conteúdo da participação
das pessoas em juízo.
Como conclui Leão (1986, p. 41), “o causídico é, muitas vezes, o agente provo-
cador da declaração do dolo processual. No seu elenco [do art. 14], há a previsão do
abuso processual para casos cuja prática requer conhecimento técnico-especializado e,
consequentemente, só os procuradores estão qualificados para tanto”. Ora, nesses casos
somente os advogados agem com culpa, na medida em que seu cliente geralmente des-
conhece a técnica processual ou sequer se dá conta do andamento do processo.
Apesar de geralmente o julgador não fazer distinção entre a atuação da parte e
a de seu procurador, há diversos casos, como o do Agravo Regimental interposto em
face da decisão monocrática proferida pelo relator no Recurso Especial nº 1.167.320/RS,
julgado pelo STJ,11 em que, não obstante o reconhecimento de que foi o advogado
quem infringiu as normas de lealdade processual, condena-se a parte, pessoalmente,
ao pagamento da multa por litigância de má-fé. Tal situação não se mostra contraditória

(...) “4. Ademais, houve alteração da realidade fática, o que implica litigância de má-fé, nos
11

termos do art. 17, II, do CPC. 5. O patrono da agravante afirmou em seu Agravo Regimental,
por várias vezes, que a verba honorária foi arbitrada em R$30,00 (trinta reais), o que contraria
a verdade dos fatos e desrespeita a atividade jurisdicional. 6. A atuação do advogado afasta-se
da lealdade processual e abusa do direito de ação, razão pela qual deve ser cominada a multa
prevista no art. 18 do CPC: 1% sobre o valor da causa (atribuído pelo autor em R$889,00 reais).
É indevida a indenização, pois não houve dano evidente causado à impetrante. 7. Ainda que
de pequeno valor, a multa por litigância de má-fé deve ser prescrita por este Tribunal Superior,
dado o efeito pedagógico a ela inerente, evitando futuros recursos como o presente” (BRASIL.
Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp 1.167.320/RS. Rel. Min. Herman Benjamim. Diário da
Justiça Eletrônico, Brasília, 06 abr. 2010).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 157-181, abr./jun. 2012
A aplicabilidade da multa por litigância de má-fé aos advogados atuantes no processo 171
somente dentro da ótica defendida neste trabalho, mas mesmo sob o prisma do saber
vigente, já que, segundo a atual concepção conservadora, somente deve ser apurada
a responsabilidade do causídico em ação própria.
Dado o baixo conhecimento jurídico da sociedade em geral, as pessoas não podem
exercer controle efetivo sobre a atuação de seus representantes em juízo, situação que se
agrava pelo distanciamento que se verifica entre a linguagem do Direito e a linguagem da
sociedade. Esse fato impede até mesmo que a parte, condenada em juízo por deslealdade
processual, identifique na sentença que o resultado desfavorável se deveu à atuação do
profissional por ela escolhido, o que inviabiliza, na prática, a sua responsabilização em ação
própria. Segundo Stoco (2002, p. 113), “quase sempre a parte sequer tem conhecimento da
atuação do seu representante judicial e o modo com que está se conduzindo”.
Como resultado, identifica-se a baixa efetividade das sanções aplicadas em
razão de má-fé processual, já que quando são, de fato, impostas, recaem sobre a pró-
pria parte. Prejudica-se, deste modo, tanto a função punitiva, já que não se pune o
real culpado, causando injustiça de fato, como a função preventiva, já que na grande
maioria das vezes são as partes litigantes eventuais, que vão a juízo em situações
excepcionais e, por isso mesmo, o “aprendizado” por elas adquirido não gera as con-
sequências pretendidas.
Ora, se desde logo já se pode saber que somente o advogado poderia urdir o
ato malicioso, dada a sua natureza processual e técnica, não se pode permitir, dentro
da atual concepção de processo, voltada que é para a efetividade e para a realização
da justiça, que a punição recaia sobre quem não praticou, e nem poderia, a conduta
maliciosa. Do contrário, restaria malferido um dos requisitos unanimemente reconhe-
cidos pela doutrina para a aplicação da sanção, que é a culpabilidade.
A culpabilidade em grande parte dos casos de má-fé processual recai sobre o
advogado, não se podendo afirmar que a parte, desconhecedora da técnica processual,
tenha tido a intenção de praticar a conduta contrária à boa-fé. Assim, não pode ser
punida a parte quando seja inequívoca a culpabilidade de seu representante.
Acresça-se o fato de que a limitada interpretação do âmbito de aplicabilidade da
multa constitui fator de enfraquecimento do dever de lealdade, não somente porque
a sanção deixa de atuar sobre o agente real da malícia, mas porque ela deixa, também,
de ser aplicada, já que os tribunais parecem reconhecer a injustiça de se punir a parte
em razão da conduta de seus procuradores e por isso, muitas vezes, não aplicam as
penas do art. 18 do CPC.
Já advertia Pontes de Miranda (1979, p. 392) que “no espírito de juízes estava,
quase sempre, a suspeita de que mais responsáveis eram os advogados, suscitadores
das demandas, do que as partes mesmas, e condenar a essas, e não aqueles, orçaria
por injustiça social”.

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172 Gabriel Freitas Maciel Garcia de Carvalho

Tal situação foi reconhecida também por Oliveira (2000, p. 45), para quem “os
tribunais têm sido omissos quanto à aplicação das sanções dos arts. 16 e 18 do CPC”.
Segundo a autora, são duas as principais razões da omissão:

[1] As partes não costumam requerer a condenação e os magistrados


resistem em até mesmo declarar “ex officio” o litigante, em situação de
má-fé. Negam também a condenação em perdas e danos. A tolerância
das partes talvez seja por conveniência (para que também não sofram
imputação) ou mesmo por puro descrédito no deferimento da pretensão
e sua posterior execução.
[2] Os juízes também resistem em aplicar a sanção porque é a parte a
sua destinatária, e nunca o seu procurador, ainda que muitas vezes este
tenha sido o causador do ato processual abusivo. A ação regressiva é de
difícil prática. (OLIVEIRA, 2000, p. 45)

A não aplicação da multa ao sujeito que efetivamente praticou o ato malicioso torna
inócua a disposição do art. 14 do CPC, que estabelece o dever de lealdade para todos os
que participam do processo, já que faz dela uma obrigação processual sem sanção.
É importante remarcar que o art. 18 do CPC, diferentemente do art. 16 — que
dispõe exclusivamente sobre o dever de indenizar, conforme Alvim (1996) —, não faz
qualquer menção à qualidade das pessoas sujeitas à sanção nele estabelecida, repor-
tando-se somente à expressão “litigante de má-fé”, cuja definição se encontra no art. 17,
que também não limita a amplitude subjetiva. Mais: o §1º do art. 18 do CPC12 prevê
expressamente a condenação proporcional ou solidária daqueles que se coligaram na
conduta desleal, não fazendo distinção entre partes ou demais partícipes do processo.
Assim, tanto os procuradores quanto qualquer outra pessoa coligada (peritos, serven-
tuários, curadores, etc.) devem se sujeitar à sanção.
Não obstante a constatação da inefetividade das sanções por litigância de má-
fé em razão da interpretação restritiva que se lhe dão, persistem os tribunais na resis-
tência a uma visão mais ampla, compreensiva dos modernos anseios da jurisdição, muitas
vezes amparados em concepções conservadoras e que compactuam, por omissão, com as
condutas desleais.
Os obstáculos geralmente entrevistos pela doutrina e pela jurisprudência à
aplicabilidade da multa por litigância de má-fé a advogados se fundam apenas em
interpretações limitadas de dispositivos legais, interpretações estas conservadoras e
que, como se demonstrou, não resistem a uma análise teleológica do instituto.

“§1º Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na
12

proporção do seu respectivo interesse na causa, ou solidariamente aqueles que se coligaram


para lesar a parte contrária” (BRASIL, 1973).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 157-181, abr./jun. 2012
A aplicabilidade da multa por litigância de má-fé aos advogados atuantes no processo 173
Costuma-se afirmar que o art. 16 do CPC é categórico ao limitar a autor, réu ou
interveniente o conceito de litigante de má-fé. De fato, referido dispositivo exclui de
seus destinatários pessoas outras que não as partes, parecendo não deixar margem à
recondução do instituto à sua ratio legis.
Entretanto, referida regra, interpretada com base nos postulados da efetividade
do processo e da realização da justiça, não constitui óbice intransponível à evolução
do instituto. Ao contrário, reforça afirmação aqui já referida no sentido de que quando
se tratar de reparação de danos causados por má-fé processual está-se na seara do
direito privado, limitando-se a responsabilidade às regras ordinárias do Direito Civil,
de modo que respondem somente as partes.
Isso porque a redação da norma se refere expressamente à responsabilidade
por “perdas e danos”, ou seja, fica excluída da limitação imposta pela lei a hipótese
de condenação ao pagamento de multa, sanção esta, diferentemente da indenização,
destinada à repressão da conduta maliciosa e a desestimular a sua reiteração em outras
ocasiões, seja no curso da mesma relação processual, seja em outros processos. Como
reforço à ideia, observa-se que a expressão litigante de má-fé, utilizada pelo art. 18,
foi expressamente definida pelo art. 17, não pelo art. 16 do CPC. Assim, quando não se
tratar de perdas e danos não se pode utilizar o art. 16 do CPC para excluir a responsa-
bilidade do causídico pela atuação desleal no processo.
Outro óbice geralmente levantado pela doutrina se encontra na regra do art. 32,
parágrafo único, da Lei nº 8.906, de 04.07.1994 (Estatuto da Advocacia): “em caso de lide
temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coli-
gado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria” (BRASIL,
1994). Assim, a necessidade de que a responsabilidade do advogado seja apurada em ação
própria é apontada como o grande trunfo da advocacia, incluído em sua lei corporativa,
para tornar inefetiva a regra prevista no caput do dispositivo, segundo a qual o advogado é
responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.
Entretanto, também esta hipótese não parece ter força suficiente para resistir à
premente necessidade de que o processo seja imbuído de lealdade e efetividade, para
que alcance a promoção da justiça e a pacificação social.
A leitura atenta da norma revela que se destina ela à hipótese em que um
terceiro, estranho à relação cliente/advogado, seja prejudicado pela atuação coligada
de ambos, normalmente a parte contrária ao cliente. Assim, a referida norma não
pode servir à limitação da aplicação da multa por litigância de má-fé diretamente ao
advogado, já que dela não se pode inferir a exigência de que o cliente, condenado no
processo, tenha que mover ação própria para reaver do profissional os prejuízos que
teve por sua conduta desleal, o que seria até mesmo antieconômico.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 157-181, abr./jun. 2012
174 Gabriel Freitas Maciel Garcia de Carvalho

Ressalte-se também que a norma contida no estatuto da advocacia, como é


evidente, não se trata da fonte originária da responsabilização dos advogados. Do
contrário, poder-se-ia absurdamente afirmar que antes dela estavam os advogados
isentos de responsabilidade por sua atuação culposa ou dolosa, o que não é verdade.
A fonte primeira da responsabilidade do advogado, ou de qualquer outro pro-
fissional que cause prejuízo agindo com dolo ou culpa, é o Código Civil, segundo o
qual aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado
a repará-lo (art. 927). Como o próprio Código define o ato ilícito como o que decorra
de ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, e viole direito ou cause
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral (art. 186), é forçoso se reconhecer que
a responsabilidade dos advogados já existia antes de sua previsão em lei específica.
A disposição contida no Estatuto da Advocacia, como se percebe, trata de res-
ponsabilidade civil, ou seja, da hipótese em que a premissa é “lesar a parte contrária”. Não
se poderia, com base nesta norma, impedir o Estado, como sujeito passivo do ato desleal
no processo, aplicar as sanções que visam a resguardar a legitimidade de sua atuação
jurisdicional, ainda quando não haja efetiva lesão à parte contrária.
De outro modo, não pode o Estado ser obrigado a mover ação própria contra
os advogados para vê-los punidos por sua conduta atentatória à dignidade da Justiça,
notadamente diante da clara imposição de padrões de conduta realizada pelo art. 14
do CPC, que se destina às partes e a todos aqueles que de qualquer forma participam
do processo.
Também uma análise amparada pelos princípios da efetividade e da economia
processual indicará as vantagens de se punir o real litigante de má-fé nos próprios
autos em que ocorreu a conduta desleal, já que se estará diante do mesmo juízo que
presidiu a causa e identificou a malícia, evitando-se, ainda, a instauração de outro pro-
cesso e os custos dele advindos.
Sequer o parágrafo único do art. 14 do CPC, que excepciona “os advogados,
que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB” (BRASIL, 1973), pode ser to-
mado como impedimento peremptório à aplicação da pena por litigância de má-fé
aos advogados, já que a previsão nele contida é expressa no sentido de que se limita
à “violação do disposto no inciso V deste artigo” (BRASIL, 1973), não abrangendo, por
conseguinte, a multa prevista no art. 18, caput, do CPC.
Ademais, a respeito da referida ressalva, e lamentando a sua inclusão na lei por
meio de emenda bastante casuísta, afirma Stoco (2002, p. 102):

A ressalva é frustrante e enfraqueceu o projeto e o objetivo precípuo coli-


mado de impedir a chicana e a litigância de má-fé de alguns profissionais —
por certo uma minoria — pois o advogado não se sujeita exclusivamente aos

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 157-181, abr./jun. 2012
A aplicabilidade da multa por litigância de má-fé aos advogados atuantes no processo 175
estatutos da OAB. Essa sujeição exclusiva não ocorre no plano processual,
civil e penal, senão apenas no âmbito administrativo-disciplinar, perante o
Conselho de Ética de sua entidade de classe.

A sujeição exclusiva dos advogados ao seu órgão de classe, como forma de sub-
traí-los ao controle da lealdade processual exercido pelo juiz, não se coaduna com o
dever do Estado de manter um ambiente democrático e confiável de construção do
provimento jurisdicional. Se o Estado deve zelar para que o processo se desenvolva sob
bases éticas, o controle sobre a atividade do advogado não pode ser legado exclusiva-
mente ao órgão classista, corporativista por natureza. Ademais, são distintos os escopos
do controle exercido pelo diretor do processo e aquele exercido pelo órgão de classe.
No primeiro caso, objetiva-se preservar a legitimidade da jurisdição e a justiça da
decisão, enquanto no segundo intenciona-se preservar a ética no exercício da profissão,
como forma de defesa da própria classe, já que sempre haverá outro advogado do lado
contrário e já que se trata de mecanismo de depuração dos desvios que diuturnamente
desacreditam a própria classe.
Assim, partindo-se de uma interpretação sistemática das normas processuais e
materiais, inexiste impedimento a que todos os partícipes do processo, sem exceção,
possam ser sancionados no caso de descumprimento do dever de lealdade, indepen-
dentemente do controle externo exercido por instituições de classe a que pertençam.
Não se pode concordar com a conclusão fatalista de Leão (1986, p. 42) para quem
“não há norma processual a respeito da forma de punir o advogado que agir de má-fé”. Ao
contrário, o intérprete da lei deve se orientar por considerações mais adequadas aos fins
sociais do Direito, como determina o art. 5º da Lei nº 4.657, de 04.09.1942 (Lei de Introdução
às normas do Direito Brasileiro). O próprio autor faz a crítica:

Parece-nos altamente injusto que, o advogado sendo o responsável pelo


ilícito, venha o cliente a arcar com os prejuízos. É ilusório se imaginar que
a parte tem à disposição a ação regressiva. Nunca ouvimos falar que isso
tivesse acontecido, ainda que o multicitado Estatuto diga que constitui
infração disciplinar o advogado “prejudicar, por culpa grave, interesse
confiado ao seu patrocínio” (art. 103, XV). (LEÃO, 1986, p. 43)

Acrescenta o autor que “é preciso punir o advogado sem ética, sem lei, ao invés
da tolerância e, quiçá, do elogio às suas ‘habilidades’” (LEÃO, 1986, p. 43). Nesse sen-
tido, há já decisões, mais consentâneas aos modernos anseios do Processo Civil, que
reconhecem, no próprio processo em que ocorreu o ato desleal, a responsabilidade
dos advogados nele atuantes. Cita-se, como exemplo, acórdão do Tribunal de Justiça

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 157-181, abr./jun. 2012
176 Gabriel Freitas Maciel Garcia de Carvalho

do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), relatado pelo Desembargador e doutrinador


Rui Portanova, cujo voto foi acompanhado unanimemente:

(...) Ademais, todos têm o dever de agir em juízo com lealdade e boa-fé,
inclus­ive os advogados. Além disso, o advogado, mais do que simplesmente
defender os interesses do seu cliente a qualquer custo, desempenha função
essencial à Justiça (artigo 133 da Constituição da República). E isso especial-
mente em casos como o presente, no qual o interesse prevalente não é do
autor/apelante ou o da ré/apelada, mas sim o da criança.
No caso, é tão grande a enxurrada de ações e recursos intentados pelo
apelante, e todos baseados em alegações comprovadamente falsas e
inverí­dicas, em pretensões totalmente infundadas e meramente procras-
tinatórias, que se mostra de rigor concluir pela responsabilidade solidária
do advogado, na conduta processual de má-fé aqui neste processo... (RIO
GRANDE DO SUL. TJRS. Ap. nº 70037053329, Rel. Des. Rui Portanova.
Diário da Justiça, Porto Alegre, 25 nov. 2010)

No referido caso, a condenação solidária se deveu à reiteração de ações judiciais


e recursos com os mesmos fundamentos, já rechaçados anteriormente pelo Tribunal,
hipótese em que sequer se pode vislumbrar a atuação exclusiva do advogado, já que a
decisão de prosseguir no ajuizamento de demandas e de recorrer pode ter-se devido
somente à escolha da parte, pessoalmente, havendo o causídico simplesmente com-
pactuado com a litigância que já se sabia infundada.
Também o STJ já admitiu:

Litigância de má-fé dos advogados da empresa autora, que se omitiram


em apontar a ocorrência do erro na primeira oportunidade em que se
manifestaram nos autos após o julgamento, vindo a fazê-lo somente
após o julgamento de diversos recursos, quando a decisão que iria pre-
valecer seria desfavorável à sua cliente. Imposição, aos advogados subs-
critores dos recursos, de multa de 1% do valor atualizado da causa, além
de indenização ao recorrido de 5% do valor atualizado da causa. (BRASIL.
Superior Tribunal de Justiça. EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 494.021/SC.
Rel. Min. Eliana Calmon. Diário da Justiça, Brasília, 13 set. 2004)

A hipótese retratada nesse julgamento se assemelha àquela em que a conduta


desleal se origina do contato do advogado com os autos do processo, carecendo a
parte de conhecimento técnico — no caso, sobre nulidade ocorrida anteriormente — para
que se possa decidir praticar o ato malicioso — a omissão voluntária e oportunista com o
propósito de locupletar-se.
O STJ reconheceu unanimemente a responsabilidade dos patronos pela litigância
de má-fé, impondo-lhes não somente o pagamento da multa de 1% sobre o valor da

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 157-181, abr./jun. 2012
A aplicabilidade da multa por litigância de má-fé aos advogados atuantes no processo 177
causa, mas também a indenização de 5 % do mesmo valor — que, conforme já exposto,
deveria ser precedida de prévio requerimento e apuração dos danos efetivamente sofri-
dos, além de dever ser suportada inicialmente pela própria parte.
No mesmo sentido do julgamento citado, outro acórdão relatado pela e. Ministra
Eliana Calmon:

Aplicação de multa de 1% (um por cento), além de indenização de 3%


(três por cento), ambos incidentes sobre do valor atualizado da causa, a
ser suportada pelo advogado subscritor do recurso, em razão da rasura
e da adulteração da guia, tudo com apoio nos termos do art. 14, II c/c 17,
VII e 18, caput do CPC, pois é dever das partes e dos seus procuradores
proceder com lealdade e boa-fé. (BRASIL. STJ. REsp 986.443/RJ. Rel. Min.
Eliana Calmon. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, 16 maio 2008)

Novamente, no presente caso, a conduta maliciosa consistiu na adulteração de


guia de recolhimento do preparo recursal, prática esta sobre a qual a parte, pessoalmente,
não tinha qualquer influência, decorrendo de má-fé exclusiva do próprio advogado. Em
casos tais, não pode a Justiça vestir deliberadamente sua venda para ignorar a injustiça de
fazer suportar por pessoa inocente a punição pela desobediência à obrigação processual
de agir de forma leal, obrigação esta que se destina a todos os envolvidos no processo.
A percepção que começa a ser delineada pela jurisprudência evidencia a possi-
bilidade, diante do ordenamento jurídico vigente, da responsabilização dos advogados
nos casos em que a má-fé processual decorra de sua exclusiva atuação, não passando
de conservadorismo interpretativo a vedação que geralmente se vê ao avanço herme-
nêutico aqui defendido. Assim, deve ser punido o advogado, com base no art. 18 do
CPC, sempre que a conduta desleal for engendrada por ele de modo exclusivo ou em
conluio com a parte que representa, já que o Estado tem o dever de agir contra aqueles
que atentam contra a Jurisdição, não podendo relegar a terceiros tal função.
De fato, melhor seria que o legislador pusesse fim à discussão introduzindo
no CPC norma expressa sobre a aplicabilidade das sanções por litigância de má-fé
aos procuradores das partes, como viabilizava a proposta da Comissão de Juristas
(STOCO, 2002, p. 112) para a alteração do art. 14 do CPC. Entretanto, o Anteprojeto do
Novo CPC mantém, em seus arts. 66 a 70, a mesma disciplina vigente, não trazendo
qualquer avanço na matéria (BRASIL, 2010).
Nesse contexto, deve-se incentivar a saudável reflexão sobre as formas de
preservação da lealdade processual. É a explicitação do problema, mesmo que por
meio da positivação do posicionamento conservador, que poderá promover a dis-
cussão necessária sobre o modelo de processo e de participação da sociedade que se
pretende para o bom termo da Justiça.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 157-181, abr./jun. 2012
178 Gabriel Freitas Maciel Garcia de Carvalho

5 Conclusão
A análise do instituto da litigância de má-fé e de seu âmbito subjetivo de incidência
limitado pela interpretação conservadora atualmente vigente permitiu vislumbrar o baixo
grau de efetividade das sanções previstas em lei contra a conduta desleal no processo.
Como se viu, a eficácia da sanção deve ser buscada por meio da interpretação
sistemática e teleológica do instituto, ou seja, de sua visualização sob a natureza publi-
cística do processo e do dever do Estado pós-liberal de desempenhar com efetividade
a função jurisdicional.
A partir do desenvolvimento da concepção de obrigação processual, à qual
é ínsita a ideia de sanção, como mecanismo que garante a observância das normas,
chegou-se à conclusão de que todas as pessoas envolvidas no processo se sujeitam
ao controle do Estado, que deve agir com rigor na preservação da ética no processo.
Somente assim poderá orientar a conduta das partes no sentido de se chegar à solução
mais próxima possível da justiça do caso concreto.
Tal orientação se desempenha como forma de resguardar a dignidade do
Poder Judiciário como agente do monopólio estatal da jurisdição, exercendo função
pedagógica, ao incutir nas partes o valor da lealdade processual.
Assim, não pode o Estado relegar a terceiros, sejam eles a própria parte ou
o órgão de classe, a atuação corretiva contra aqueles que se utilizam de sua função
essen­cial à Justiça para promover o locupletamento próprio ou alheio à custa do dever
de lealdade processual. Tal conclusão se assenta no reconhecimento de que não é a
ofensa ao direito de outrem que justifica a punição, mas, sim, a ofensa à ordem jurídica
como um todo e à sociedade em geral.
Destarte, a atuação mais correta possível da jurisdição, ou seja, a efetivação
do direito posto pelo Estado, e que lhe sustenta, responde aos modernos anseios do
direito processual para o qual tanto mais útil será o processo, e, portanto, mais legíti-
mo o sistema, quanto mais confiável for. Isso depende de que o Estado desempenhe
peremptoriamente seu dever de garantir um espaço ético de discussão propício à
construção da justiça no caso concreto.
Nesse sentido, como se demonstrou, a boa utilização das ferramentas processuais,
como a efetiva aplicação da multa por litigância de má-fé, possibilita ao magistrado, no
contexto do processo, promover a conscientização dos atores processuais, especialmente
dos advogados, contribuindo para o aprimoramento da distribuição da justiça, seja em seu
aspecto qualitativo, seja no que diz respeito à tempestividade da resposta jurisdicional.
Conclui-se, assim, que o ordenamento jurídico vigente possibilita a aplicação di-
reta, no curso do processo, da multa por litigância de má-fé ao advogado nele atuante
e que tenha agido com culpa na violação da obrigação processual de agir com lealdade.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 157-181, abr./jun. 2012
A aplicabilidade da multa por litigância de má-fé aos advogados atuantes no processo 179
Diante da constatação de que não são as reformas legislativas do procedimento
e a alteração da sistemática processual que promoverão a tão almejada efetividade do
Direito, mas, sim, a alteração da mentalidade dos atores sociais e processuais, afirma-
se que a evolução do instituto da litigância de má-fé poderá contribuir para o alcance
de uma Justiça adequada e que resolva o conflito a tempo de minorar os impactos da
violação do direito.
Certamente que tal situação está condicionada ao desenvolvimento cultural do
país, aos investimentos em educação e ao aprimoramento das formas de seleção e for-
mação de magistrados, serventuários, advogados e “operadores do direito” em geral.
Somente com o fim da cultura do litígio, com a valorização da resolução extrajudicial
dos litígios, por meio da mediação, e com a construção de uma sociedade mais dialógica
e democrática se poderá alcançar uma justiça que seja plena.

Abstract: The goal of this study is to investigate the applicability of


the bad faith litigation fine on lawyers when the malicious behavior
is caused by them. It starts with the analysis of the legal institute
based on the interpretation now given to it by the doctrine and
jurisprudence, attempting to define its foundations and its teleology.
Subsequently, it proposes the study of the current process conception as
a public instrument of jurisdiction action, by considering the procedural
obligation to act with loyalty and the duty of the State to act strictly in
the preservation of ethics in public space discussion and application of
law, since the more legitimate will be the system the more reliable is the
decision built in contradictory. Finally, it is shown that there are no legal
impediments to the lawyers punishment in the same procedural in which
the unfair conduct occurred and that the obstacles of this punishment
is due to a conservative interpretation of the legal institute. Thus, we
conclude that the sanctions, to perform its educational finality of bad
faith prevention, must be directed against the real agent of the malicious
action, the one who acts with guilt, depending on that the preservation
of the State legitimacy in the conflicts final settlement

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

CARVALHO, Gabriel Freitas Maciel Garcia de. A aplicabilidade da multa por litigância de má-fé aos
advogados atuantes no processo. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte,
ano 20, n. 78, p. 157-181, abr./jun. 2012.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 157-181, abr./jun. 2012
Ius postulandi na Justiça do Trabalho –
Acesso à justiça ou injustiça?
Lícia Bonesi Jardim
Mestranda em Direitos e Garantias Fundamentais
pela FDV. Especialista em Direito e Processo
do Trabalho pela FDV. Professora Universitária.
Servidora Pública Federal do Tribunal Regional do
Trabalho da 1ª Região.

Resumo: O objetivo do presente artigo é analisar o instituto do ius


postulandi no processo do trabalho. O trabalho foi dividido em três
seções. Primeiro analisou-se, em aspectos gerais, esse direito das partes
de postularem, apresentando, inclusive, dados empíricos fornecidos
pelo Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região sobre a utilização
do ius postulandi pelas partes. Após, verificou-se o conceito de acesso
à justiça em sua nova concepção para analisar se o direito de pos-
tular sem advogado seria uma forma de ampliar o acesso à justiça
das partes ou se seria uma injustiça, já que as partes não possuem
conhecimentos técnicos capazes de acompanharem a tramitação de
um processo de forma eficaz.

Palavras-chave: Ius postulandi. Acesso à justiça. Prejuízo. Benefício.

Sumário: 1 Introdução – 2 Ius postulandi das partes no ordenamento jurí­


dico brasileiro, em especial no processo trabalhista – 3 Acesso à justiça e ius
postulandi das partes – Benefício ou prejuízo? – 4 Conclusão – Referências

1 Introdução
A efetivação da garantia constitucional de acesso à justiça, constitucionalmente
prevista no art. 5º, XXXV, é bastante discutida na atualidade. Com a criação do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) com a EC nº 45/04 e com as constantes reclamações da sociedade
sobre a morosidade do Poder Judiciário, o que se busca nos dias atuais é muito mais do que
a simples propositura de uma ação, mas sim um processo efetivo e com um resultado justo.
Atualmente, para que tal garantia seja concretizada, não basta tão somente a
“entrada” no Poder Judiciário, mas sim que a saída deve ser de uma forma justa, sob
pena de total desrespeito ao art. art. 5º, XXXV da CF/88. Assim, deve-se buscar meios
para garantir a efetividade e a justiça dos processos.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 183-198, abr./jun. 2012
184 Lícia Bonesi Jardim

Criado como forma de facilitar o acesso à justiça, o ius postulandi, que significa
o direito da parte de requerer sozinha em juízo, sem a contratação de advogado, está
previsto no ordenamento jurídico brasileiro. Na seara trabalhista, por exemplo, tal ins-
tituto se encontra disposto no art. 791 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Entretanto, o que resta, a saber, é que se nos dias atuais o ius postulandi das
partes no processo do trabalho constitui um benefício para as partes no que tange à
garantia do acesso à justiça ou se é uma injustiça pelo modo como o processo se encon-
tra e como as lides são postas. O presente trabalho se propõe construir um raciocínio
que analise, a partir do conceito de acesso à justiça e de sua atual concepção, se o ius
postulandi é uma justiça ou uma injustiça.
Considerando esse pano de fundo, o artigo se desenvolve em três seções, além
desta introdução. Na primeira, faz-se um estudo sobre o ius postulandi, destacando
seu conceito, suas características e os aspectos polêmicos sobre tal instituto. A segunda
seção discorre sobre a garantia de acesso à justiça no que tange ao direito da parte
de postular, e sobre se esta faculdade das partes concretiza aquela garantia ou se, na
verdade, em face da complexidade das lides e do processo em geral, o instituto se
constitui como uma injustiça para as partes. Ao final, são apresentadas as conclusões,
sintetizando os principais argumentos aduzidos no decorrer deste estudo.

2 Ius postulandi das partes no ordenamento jurídico brasileiro,


em especial no processo trabalhista
O ius postulandi, expressão latina que significa o direito de postular, “o direito
de falar, em nome das partes, no processo”,1 constitui uma forma de acesso à justiça,
já que possibilita às partes o acesso ao judiciário sem a necessidade de advogado, ou
seja, as partes podem postular em juízo diretamente.
No ordenamento jurídico brasileiro, muitas são as possibilidades de postu-
lação em juízo sem a necessidade de advogado. De acordo com o art. 9º da Lei nº
9.099/95,2 nas causas de até vinte salários mínimos nos juizados especiais, é possível
à parte fazer uso do ius postulandi. Além disso, o credor na ação de alimentos também
pode requerer pessoalmente pensão alimentícia ao devedor de alimentos, já que o
art. 2º da Lei nº 5.478/68 assim autoriza.3

1
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito processual do trabalho: doutrina e prática forense. 32. ed. São
Paulo: Atlas, 2011. p. 185.
2
Art. 9º da Lei nº 9.099/95: “Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes compare-
cerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistên-
cia é obrigatória”.
3
Art. 2º da Lei nº 5.478/68: “O credor, pessoalmente, ou por intermédio de advogado, dirigir-se-á
ao juiz competente, qualificando-se, e exporá suas necessidades, provando, apenas, o paren-
tesco ou a obrigação de alimentar do devedor, indicando seu nome e sobrenome, residência

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 183-198, abr./jun. 2012
Ius postulandi na Justiça do Trabalho – Acesso à justiça ou injustiça? 185
Na esfera penal, de acordo com o art. 654 do CPP,4 o habeas corpus, que poderá
ser impetrado por qualquer pessoa. Ademais, o art. 623 do CPP, também autoriza a
postulação sem profissional legalmente habilitado do pedido de revisão.5
O art. 136 da Lei de Acidentes de Trabalho (Lei nº 6.367/76), por sua vez, traz
mais um exemplo de postulação pelas próprias partes, bem como o art. 1097 da Lei de
Registros Públicos (Lei nº 6.015/73) menciona hipótese de postulação sem advogado.
Outra hipótese do ius postulandi pelas partes é a prevista na Lei nº 818/49, em
seu art. 6º,8 que trata questões acerca da aquisição da nacionalidade brasileira, uma
vez que a própria parte poderá requerer a declaração da mencionada nacionalidade.
O art. 369 do CPC também permite a propositura de ação sem a presença de advogado
quando o próprio profissional estiver postulando em causa própria, na ausência de advo-
gado na localidade ou recusa ou impedimento dos profissionais que existirem na localidade.
O art. 1910 da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06) também permite requerimento
pela própria vítima das medidas protetivas de urgência. Por fim, tem-se outra hipótese
de ius postulandi prevista no processo do trabalho, art. 79111 da CLT, que dispõe do
direito das partes, no processo trabalhista, reclamante e reclamado, postularem e/ou
acompanharem as ações em que são partes, desassistidas por advogado habilitado.
Criado em 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e previsto no
art. 791 da CLT, como já mencionando, o ius postulandi significa o direito da parte de
postular sozinha em juízo, possibilitando assim um acesso à justiça pela própria parte,
diretamente. Renato Saraiva, corroborando o mesmo entendimento, afirma que “o

ou local de trabalho, profissão e naturalidade, quanto ganha aproximadamente ou os recursos


de que dispõe”.
4
Art. 654 do CPP: “O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor
ou de outrem, bem como pelo Ministério Público”.
5
Art. 623 do CPP: “A revisão poderá ser pedida pelo próprio réu ou por procurador legalmente
habilitado ou, no caso de morte do réu, pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão”.
6
Art. 13 da Lei nº 6.367/76: “Para pleitear direitos decorrentes desta lei, não é obrigatória a
constituição de advogado”.
7
Art. 109 da Lei nº 6.015/73: “Quem pretender que se restaure, supra ou retifique assentamento
no Registro Civil, requererá, em petição fundamentada e instruída com documentos ou com
indicação de testemunhas, que o Juiz o ordene, ouvido o órgão do Ministério Público e os
interessados, no prazo de cinco dias, que correrá em cartório”.
8
Art. 6º da Lei nº 818/49: “Os que, até 16 de julho de 1934, hajam adquirido nacionalidade brasi-
leira, nos termos do art. 69 números 4 e 5, da Constituição de 24 de fevereiro de 1891, poderão
requerer, em qualquer tempo, ao Juiz de Direito do seu domicílio, o título declaratório”.
9
Art. 36 do CPC: “A parte será representada em juízo por advogado legalmente habilitado. Ser-
lhe-á lícito, no entanto, postular em causa própria, quando tiver habilitação legal ou, não a
tendo, no caso de falta de advogado no lugar ou recusa ou impedimento dos que houver”.
10
Art. 19 da Lei nº 11.340/06: “As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo
juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida”.
11
Art. 791 da CLT: “Os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante
a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final”.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 183-198, abr./jun. 2012
186 Lícia Bonesi Jardim

princípio do ius postulandi da parte está consubstanciado no art. 791 da CLT, o qual
estabelece que os empregados e empregadores poderão reclamar pessoalmente
perante a Justiça do Trabalho”12 e continua, destacando que elas também poderão
“acompanhar as suas reclamações”.
De acordo com Ricardo Damião Areosa, o ius postulandi é a “capacidade postu-
latória da própria parte leiga na ciência jurídica, que tem a faculdade e o poder de agir
em um processo sem a assistência de um advogado”,13 e continua mencionando que
o ius postulandi autoriza ao reclamante “o comparecimento em audiência judicial sem
que esteja representado por um advogado, ou seja, por tal princípio não é necessário
advogado para ajuizar reclamação trabalhista”.14 Nesse sentido, escreve Carlos Henrique
Bezerra Leite que o ius postulandi “é a capacidade conferida por lei às partes, como sujei-
tos da relação de emprego, para postular diretamente em juízo, sem necessidade de serem
representadas por advogado”.15
Portanto, o direito de postular no processo do trabalho não é conferido somente
aos advogados, já que, por previsão expressa na CLT, às partes também é conferido
tal direito, como forma de facilitar o acesso à justiça no seu conceito de acesso ao
Judiciário. Thais Borges da Silva destaca que a inserção do ius postulandi no campo
processual trabalhista resultou “da preocupação do legislador com os entraves que
a situação econômica dos trabalhadores, hipossuficientes da relação trabalhista, e os
altos custos processuais ocasionam ao acesso à justiça”.16
Assim, a criação do instituto no processo do trabalho, no ano de 1943, foi com o
intuito de viabilizar o acesso do trabalhador à justiça, principalmente àquele que não
possui condições de contratar um advogado e não consegue assistência pelo Estado,
além de possibilitar o acesso ao Judiciário daquelas pessoas que não encontram advo-
gados nas localidades que residem ou laboram.
Contudo, a existência do ius postulandi no ordenamento jurídico no que tange ao
processo do trabalho, previsto na CLT desde 1943, vigorou sem qualquer controvérsia
até a Constituição Federal de 1988 (CF/88). Com a promulgação da atual Carta Magna,
passou-se a discutir se o art. 791 da CLT teria sido revogado ou não pelo art. 133 da CF/88

12
SARAIVA, Renato. Curso de direito processual do trabalho. 7. ed. São Paulo: Método, 2010. p. 202.
13
AREOSA, Ricardo Damião. Processo do trabalho: teoria geral do processo trabalhista e
processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 76.
14
Ibid., p. 76.
15
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 8. ed. São Paulo:
LTr, 2010. p. 386.
16
SILVA, Thais Borges da. A imprescindibilidade da instituição e o fortalecimento da defensoria
pública trabalhista para o alcance do acesso efetivo à justiça. Labor et Justitia – Revista do
Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região, Vitória, n. 4, p. 221, 2007.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 183-198, abr./jun. 2012
Ius postulandi na Justiça do Trabalho – Acesso à justiça ou injustiça? 187
e mais tarde, com o surgimento do Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94), a discussão se
tornou ainda maior.
O art. 133 da CF/88 dispõe que “o advogado é indispensável à administração da
justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos
limites da lei”. Já o art. 1º, I do Estatuto da OAB, prescreve que “são atividades privativas
de advocacia: I – a postulação a órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais”.
Desse modo, com o surgimento desses dois novos dispositivos legais mencio-
nando a presença obrigatória de advogado, o ius postulandi passou a ser questionado.
Alguns estudiosos passaram a entender que a possibilidade do ius postulandi teria
sido extinta, já que “o artigo 791 da CLT não teria sido recepcionado pela nova ordem
constitucional”17 e teria sido revogado pelo Estatuto da OAB.18
No entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ante essa controvérsia, foi provo-
cado, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, por meio da Ação Direta
de Inconstitucionalidade (ADI) nº 1.127-8, ajuizada pela Associação dos Magistrados do
Brasil, que tinha, como um de seus objetivos, a solução de tal cizânia. Assim, decidiu o
STF, por maioria dos votos, pela manutenção do ius postulandi em relação aos Juizados
de Pequenas Causas, a Justiça do Trabalho e a Justiça de Paz.19 Assim, o ius postulandi
no processo do trabalho continua em vigor como forma de facilitar o acesso ao Poder
Judiciário pelas partes, já que a contratação de um profissional habilitado para isso é
desnecessária.
Outro ponto que merece destaque é que em 2004, com a EC nº 45, o art. 11420 da
CF/88, que trata da competência da Justiça do Trabalho, foi significativamente modificado.
Ou seja, a Justiça Laboral que antes era competente para processar e julgar lides envol-
vendo somente relação de emprego, isto é, lides entre empregados e empregadores,
passou a ser competente para lides que envolvam relação de trabalho que é gênero,

17
Ibid., p. 386.
18
Ibid., p. 387.
19
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC nº 1.127. Julgamento em 06.10.1994. Disponível
em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=346838>. Acesso
em: 23 out. 2011.
20
Art. 114. “Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I - as ações oriundas da relação de tra-
balho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; II - as ações que envolvam exercício
do direito de greve; III - as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos
e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; IV - os mandados de segurança, habeas cor-
pus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; V - os
conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art.
102, I, o; VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de
trabalho; VII - as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pe-
los órgãos de fiscalização das relações de trabalho; VIII - a execução, de ofício, das contribuições
sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que
proferir; IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei”.

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188 Lícia Bonesi Jardim

sendo a relação empregatícia somente uma única espécie. Assim, como a competência
dessa justiça especializada foi alargada, questiona-se se o ius postulandi se estende a
todos essas hipóteses de nova competência.
Há quem entenda que, como o art. 791 da CLT é claro ao mencionar empregado e
empregador, a postulação pelas próprias partes só caberia para lides envolvendo relação
de emprego. Deste modo, para tratar das demais matérias incluídas na competência da
Justiça do Trabalho pela EC nº 45, somente com a contratação de profissional habilitado
para postulação em juízo. O art. 791 da CLT é claro ao mencionar empregados e empre-
gadores, não abrangendo, portanto, as relações de trabalho,21 de maneira que “nos casos
que envolvam ação trabalhista ligada à relação de trabalho não subordinado, as partes
deverão estar representadas por seus advogados, não sendo aplicado o art. 791 da CLT,
que fica restrito a empregados e empregadores”.22
Ocorre que essa posição não é unânime. O próprio Tribunal Superior do
Trabalho,23 na 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, ocorrida em
2007, admitiu o ius postulandi nas lides decorrentes da relação de trabalho, e não
somente nas lides da espécie relação de emprego.
Apesar de se encontrar presente no ordenamento jurídico, ou seja, de sua admis-
sibilidade pelo TST24 e pela doutrina, este instituto não é muito utilizado. No Tribunal
Regional do Trabalho (TRT) da 17ª Região, especificamente nas Varas do Trabalho
da capital, durante o ano de 2010, o ius postulandi não representou quantidade sig-
nificativa. Analisando os dados fornecidos pelo TRT do Espírito Santo, constata-se
que esse direito que as partes possuem de postularem em juízo sem a presença de
advogados não é muito utilizado. Os gráficos a seguir (após a tabela) demonstram
essa não utilização do ius postulandi nas Varas do Trabalho de Vitória/ES.
A tabela a seguir traz o demonstrativo de reclamações totais (quinta coluna) por
mês no ano de 2010, separando-as por quantidades de reclamações verbais (segunda
coluna), reclamações escritas (terceira coluna) e reclamações redistribuídas (quarta
coluna). Deve-se observar que em relação aos dados do mês de setembro, não há infor-
mações sobre a quantidade de reclamações escritas e redistribuídas (marcou-se com *),
de modo que o total de reclamações ficou prejudicado neste mês (marcou-se com **).

21
SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 291.
22
AREOSA, op cit., 2009, p. 288.
23
“JUS POSTULANDI. ART. 791 DA CLT. RELAÇÃO DE TRABALHO. POSSIBILIDADE. A faculdade de
as partes reclamarem, pessoalmente, seus direitos perante a Justiça do Trabalho e de acom-
panharem suas reclamações até o final, contida no artigo 791 da CLT, deve ser aplicada às
lides decorrentes da relação de trabalho”.
24
Súmula nº 425 do TST: “O jus postulandi das partes, estabelecido no art. 791 da CLT, limita-se às
Varas do Trabalho e aos Tribunais Regionais do Trabalho, não alcançando a ação rescisória, a ação
cautelar, o mandado de segurança e os recursos de competência do Tribunal Superior do Trabalho.”

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Ius postulandi na Justiça do Trabalho – Acesso à justiça ou injustiça? 189
Mês (2010) Verbais Escritas Redistribuídas Total
Janeiro 20 1151 0 1171
Fevereiro 25 1156 0 1181
Março 29 1648 0 1677
Abril 26 1478 0 1504
Maio 28 1539 0 1567
Junho 18 1420 0 1438
Julho 30 1509 0 1539
Agosto 24 1558 1 1583
Setembro 18 * * 18**
Outubro 20 1331 1 1352
Novembro 18 1464 1 1483
Dezembro 07 981 0 988

Os gráficos a seguir dão uma ideia da proporção das reclamações verbais


e escritas por mês durante o ano de 2010, conforme os dados apresentados na tabela
acima. Os dois primeiros trazem, respectivamente, o comparativo de reclamações verbais
e o comparativo de reclamações escritas por mês do ano de 2010 (note-se que no gráfico
de reclamações escritas não aparece o mês de setembro de 2010). O terceiro compara o
total de reclamações verbais em 2010 com o total de reclamações escritas no mesmo ano.

Total de Reclamações Verbais


jan/10
fev/10
mar/10
abr/10
mai/10
jun/10
jul/10
ago/10
set/10
out/10
nov/10
dez/10

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190 Lícia Bonesi Jardim

Por fim, o gráfico a seguir demonstra no lado esquerdo o total de reclamações


distribuídas em 2010, nelas estão computadas também as reclamações redistribuí-
das (três reclamações), enquanto que no lado direito estão, em relação a este total,

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Ius postulandi na Justiça do Trabalho – Acesso à justiça ou injustiça? 191
destacadas as reclamações verbais (aproximadamente 1,69% do total) e as escritas
(aproximadamente 98,28% do total).

Uma análise da tabela e dos quatro gráficos acima apresentados deixa clara a bai-
xíssima utilização do instituto do ius postulandi das partes para ingressar com uma
reclamação trabalhista nas Varas do Trabalho de Vitória/ES. Isso permite a discussão de
se, atualmente, a possibilidade de as partes utilizarem-se do ius postulandi que lhes é
ofertado pelo art. 791 da CLT seria uma forma de acesso à justiça ou de acesso à injustiça
com a parte que vai ao judiciário em busca da obtenção de uma tutela, porém sem a
assistência de profissional legalmente habilitado (conforme previsão do art. 36 do CPC).25

3 Acesso à justiça e ius postulandi das partes – Benefício ou


prejuízo?
Diante disso, é importante ressaltar os pontos positivos e negativos dessa forma
de acesso ao Judiciário. A CF/88 traz no rol das garantias fundamentais o acesso à jus-
tiça. De acordo com o art. 5º, XXXV da CF/88, o acesso à justiça deverá ser assegurado
a todos os cidadãos, já que “um sistema judiciário eficiente e eficaz deve propiciar a

25
Art. 36, do CPC: “A parte será representada em juízo por advogado legalmente habilitado.
Ser-lhe-á lícito, no entanto, postular em causa própria, quando tiver habilitação legal ou, não
a tendo, no caso de falta de advogado no lugar ou recusa ou impedimento dos que houver”.

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192 Lícia Bonesi Jardim

toda pessoa um serviço público essencial: o acesso a justiça”.26 Trata-se de garantia que
não significa somente o efetivo acesso ao Poder Judiciário, mas também uma presta-
ção juris­dicional de forma justa, pois, somente assim se terá realmente um acesso à
justiça, já que “todos têm a garantia constitucional de acesso à ‘justiça’. Não ao Poder
Judiciário, mas ao resultado justo que se espera do processo”.27
Mauro Cappelletti destaca que “o conceito de acesso à justiça tem sofrido uma
transformação importante, correspondente a uma mudança equivalente no estudo
e ensino do processo civil”.28 Assim, não é somente a propositura de uma ação que
garante de forma plena a garantia constitucional acima elencada. Muito mais, a presta-
ção da tutela jurisdicional pelo Estado tem que se dar de forma justa, ou seja, o processo
tem que ter uma duração razoável e um resultado justo para as partes. Deste modo,
acesso à justiça possui “um significado mais amplo, compreensivo de uma prestação
jurisdicional tempestiva (duração razoável do processo), adequada ao caso concreto,
efetiva e justa (acesso à ordem jurídica justa)”.29

Desde o momento em que foi atribuído ao Estado o poder-dever de


dizer o direito no caso concreto, o processo — concebido como um
instrumento de aplicação do direito material por meio da tutela jurisdi-
cional estatal — só é considerado efetivo quando, diante do descum-
primento do direito material entre as partes e da recusa de uma delas
em cumpri-lo amigavelmente, o Poder Judiciário consegue estabelecer
a situação anterior o mais próximo e o mais rápido possível, a ponto de
fazer com que a tutela jurisdicional estatal seja tão útil quanto seria se
o direito material fosse cumprido sem sua atuação.30

Mas o que seria justiça? Kelsen destaca que

A justiça é uma qualidade ou atributo que pode ser afirmado de diferentes


objetos. Em primeiro lugar, de um indivíduo. Diz-se que um indivíduo,
espe­cialmente um legislador ou um juiz, é justo ou injusto. Neste sentido,

26
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. O acesso à justiça na perspectiva dos direitos humanos. In:
SIQUEIRA, Julio Pinheiro Faro Homem de; TEIXEIRA, Bruno Costa; MIGUEL, Paula Castello
(Coord.). Uma homenagem aos 20 anos da Constituição Brasileira. Florianópolis: Boiteux,
2008. p. 245.
27
BRASIL JÚNIOR, Samuel. Justiça, direito e processo: a argumentação e o direito processual de
resultados justos. São Paulo: Atlas, 2007. p. 149.
28
GARTH, Bryan; CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
1988. p. 9.
29
TESHEINER, José Maria. Sobre o direito fundamental de acesso à justiça. Revista Mestrado em
Direito, Osasco, v. 9, n. 2, p. 200, 2004.
30
ESTEVES, Carolina Bonadiman. Abuso do direito e abuso do processo: existem recursos pro-
telatórios?. In: MAZZEI, Rodrigo (Coord.). Questões processuais do novo Código Civil. São Paulo:
Manole, 2006. p. 89.

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Ius postulandi na Justiça do Trabalho – Acesso à justiça ou injustiça? 193
a justiça é representada como uma virtude dos indivíduos. Como todas
as virtudes, também a virtude da justiça é uma qualidade moral; e, nessa
medida, a justiça pertence ao domínio moral. (...) A justiça é, portanto,
a qualidade de uma conduta humana específica, de uma conduta que
consiste no tratamento dado a outros homens.31

Cláudio Pedrosa Nunes, por sua vez, conceitua justiça como sendo algo que
deveria “incutir no intérprete do Direito não uma mecânica de inserção automática
dos casos concretos à letra nua das normas escritas, a exemplo do que pretendem
alguns, mas sim concentrar essencialmente as virtudes da equidade, da dinâmica, da
justa distribuição de méritos e deméritos”.32
Miguel Reale explica que a justiça surgiu como

...uma modalidade de ordem posta pelos deuses. Themis e Diké eram a per-
sonificação da ordem divina, a que os seres humanos deviam obediência,
não podendo a justiça ser senão um fato, ou melhor, fado, que é o fato
envolto no mistério.33

Assim, justiça surgiu como sinônimo de ordem, contrapondo-se ao conceito de


caos. É neste sentido que o Miguel Reale afirma que, “antes de tudo, a justiça imperou
como algo de objetivo, independente da subjetividade humana”.34 E continua

É que a ideia de justiça se confunde com o ideal de justiça, envolvendo


sempre elementos subjetivos e objetivos, cuja prevalência depende, no
fundo, da concepção que se tem do homem e do cosmos, do significado
de seu pensar e seu querer em confronto com o que, objetivamente, deve
ser pensado e querido.35

Assim, é corriqueira a confusão entre o aspecto objetivo (ideia) e o aspecto


subjetivo (ideal) da justiça, entre o que é justo e o que as pessoas creem que deva ser
justo. Anexo a isto, pode-se apontar que o problema da justiça nunca aparece isolado,

...válido em si e por si, porque sempre se acha em essencial correlação


com outros da mais diversa natureza, desde os filosóficos aos religiosos,
dos sociais aos políticos, dos morais aos jurídicos, conforme o demonstra

31
KELSEN, Hans. O problema da justiça. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 3.
32
NUNES, Cláudio Pedrosa. O conceito de justiça em Aristóteles. Revista do Tribunal Regional do
Trabalho da 3ª Região, João Pessoa, v. 8, n. 1, p. 32, 2000.
33
REALE, Miguel. Problemática da justiça. Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região,
Brasília, v. 18, n. 4, p. 25, abr. 2006.
34
Ibid., p. 25.
35
Ibid., p. 25-26.

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194 Lícia Bonesi Jardim

sua vivência ao longo da história, estando sempre inserida em distintos


conjuntos de interesses e de ideias.36

Logo, pode-se dizer que tanto a ideia (aspecto objetivo) quanto o ideal (aspecto
subjetivo) de justiça, quando problematizados podem sê-lo em virtude dos mais varia-
dos problemas, sendo o acesso à justiça apenas um deles. Portanto, justiça seria conduta
de cada um de acordo com as normas jurídicas. Assim, hoje, o acesso a esta ordem, à
justiça, não pode ser entendido apenas como propositura de ações perante o Judiciário,
mas sim uma ordem nas suas soluções.
Deste modo, há uma discussão se o ius postulandi das partes seria uma forma
de garantir e facilitar o acesso à justiça ou se contribuiria para uma injustiça. Existem
tanto teorias a favor quanto contrárias ao direito de postular das próprias partes, sem
a contratação de advogado.
No que tange ao processo do trabalho, há quem defenda que o referido instituto
possui o intuito de facilitar o acesso à justiça, ou seja, ampliar esse acesso, já que garante
às partes o acesso mais fácil ao Poder Judiciário, sem a necessidade de advogado, já que
nem todos possuem capacidade financeira para contratação de profissional, e também
existem localidades que não possuem advogados suficientes para atender toda a demanda
da população. Assim, fazendo uso do ius postulandi, há uma verdadeira segurança de que
a garantia constitucional de acesso à justiça será efetivada.
Com base na lição de José Roberto Freire Pimenta, Mauro Schiavi afirma que

É preciso observar, no entanto, que a possibilidade de atuar em Juízo pessoal


mente tem sido tradicionalmente considerada como uma das mais impor-
tantes medidas de ampliação do acesso à justiça para os jurisdicionados em
geral e uma das notas características positivas da própria Justiça Laboral.37

Enio Galarça Lima, analisando a obra de Ísis Almeida destaca que

...o exercício do jus postulandi pela própria parte, na Justiça especializada,


constitui um verdadeiro corolário da tutela jurídica que recebe o trabalhador
no ordenamento legal próprio, que surgiu, em todos os países do mundo,
como uma compensação sua hipossuficiência, face à superioridade econô-
mica do empregador.Exigir dele a constituição de advogado para ingressar
e permanecer em juízo, na defesa de seus direitos e interesses profissionais,
seria, indiscutivelmente, uma redução sensível e talvez suportável, da pro-
teção institucionalizada que se lhe concedeu na moderna sociedade.38

36
Ibid., p. 26.
37
SCHIAVI, op cit., 2011, p. 289.
38
LIMA, Enio Galarça. O acesso à justiça sob a ótica da justiça do trabalho. Revista de Processo,
ano 19, n. 73, p. 132-133, jan./mar. 1994.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 183-198, abr./jun. 2012
Ius postulandi na Justiça do Trabalho – Acesso à justiça ou injustiça? 195
Entretanto, tal posicionamento não é unânime. Há teóricos que destacam que o
ius postulandi causa muito mais malefícios que benefícios à parte que faz seu uso, pois,
atualmente, as lides trabalhistas são bem mais complexas do que eram há anos atrás,
quando o instituto foi criado. Assim, a postulação pela parte, por si só, se torna mais
uma injustiça do que realmente garantir um acesso à justiça, na sua atual concepção
de não somente propositura de ação.

Ocorre que com o aumento da complexidade do direito laboral, com o pro-


gresso das relações de emprego, com a evolução das organizações sindicais
e seus mais diversos acordos e convenções coletivas, e com o desenvolvi-
mento do capitalismo surge a dúvida: seria mesmo uma vantagem para o
trabalhador ajuizar uma reclamação sem a assistência de um advogado? Ele
não estaria se prejudicando, deixando de postular muitos direitos que des-
conhece e se perdendo em prazos e recursos que, pudera, jamais saberia
que existem? Pensando nisso chega-se à conclusão de que a intercessão de
um advogado na Justiça do Trabalho tornou-se indispensável. Isto não quer
dizer que o jus postulandi se extinguiu, mas que somente seria utilizado por
quem realmente quisesse e soubesse o que estaria fazendo.39

Outro ponto que merece realce é que o processo em geral é bastante complexo, uma
vez que existem muitos termos técnicos, prazos, recursos, impugnações etc., e isso se torna
extremamente difícil para um leigo, no caso a parte, quando utiliza o ius postulandi. Até para
o advogado, profissional que estudou para estar ali, há situações extremamente complexas.
Thais Borges da Silva destaca que foi esquecida a

...pobreza de cultura jurídica que assola os leigos, principalmente os


menos favorecidos economicamente. A falta de conhecimentos técnico-
jurídicos, aliada à complexidade das regras processuais, impossibilita aos
cidadãos comuns a correta postulação de seus direitos em juízo, contri-
buindo, sobremaneira, para a total desigualdade processual.40

Para Fabiano Negrisoli, com espeque no entendimento de Souto Maior, “...sob


a perspectiva do conceito de processo efetivo, ou seja, aquele que é eficiente para dar
a cada um o que é seu por direito e nada além disso, a presença do advogado é fator
deci­sivo para a consecução desse ideal”.41 Para Thais Borges da Silva, “a permanência do

39
CRUZ, Paulo Roberto da. A impossibilidade da utilização do jus postulandi como fundamento
para o indeferimento de honorários de sucumbência nas causas trabalhistas que versem
sobre a relação de emprego. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, n. 132, p. 131, out./dez.
2008.
40
SILVA, op cit., 2007, p. 222.
41
NEGRISOLI, Fabiano. O jus postulandi na justiça do trabalho: irracionalidade que pode impossi-
bilitar a busca da verdade ou correção e impedir a concretização de direitos. Revista de Direitos
Fundamentais & Democracia, n. 4, p. 21-22, 2008.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 183-198, abr./jun. 2012
196 Lícia Bonesi Jardim

jus postulandi em nosso sistema processual trabalhista representa um impedimento ao


alcance da tutela efetiva pelos impossibilitados de contar com o patrocínio advocatício”.42
Assim, a posição dominante destaca que o ius postulandi da parte nos dias atuais
não é capaz de garantir um efetivo acesso à justiça, causando mais prejuízos que bene-
fícios, já que ela não possui condições concretas de acompanhar a tramitação de um
processo em paridade de armas com a parte contrária assistida por advogado.

4 Conclusão
Diante do exposto, conclui-se que alguma providência tem que ser tomada para
que o acesso à justiça das partes no processo do trabalho seja assegurado de forma
plena, pois o ius postulandi, da forma como é posto no ordenamento, não assegura essa
garantia, mas sim contribui para uma verdadeira injustiça. Previsto no art. 791 da CLT, o
direito de postular sem advogado foi criado em época completamente diversa da atual,
quando as lides e a tramitação processual não eram tão complexas.
Permitir que as partes continuem a utilizar esse instituto causa muito mais
prejuízos que benefícios. Ora, a parte que postula sem o auxílio de um profissional
habilitado já parte de uma desigualdade para com a parte ex adversa, se essa tiver a
assistência de um profissional.
Ademais, em virtude da evolução da sociedade como um todo, os problemas
que originam uma reclamação trabalhista também evoluíram e, atualmente, são muito
mais complexos que de anos atrás. Deste modo, permitir um acesso por si só traz mais
desvantagens que vantagens, já que a garantia plena de acesso à justiça vai muito
além de uma simples “entrada” no Judiciário.
Na atual concepção dessa garantia, não basta garantir o ajuizamento de ações,
mas também uma tramitação processual com uma duração razoável e um resultado
para que o processo seja justo. Partes leigas, sem a assistência de profissionais habili-
tados, têm uma grande chance de não obterem uma justiça nas decisões proferidas,
ante o desconhecimento técnico para com a tramitação processual. É fato que até
advogados, que são detentores do conhecimento jurídico, enfrentam dificuldades,
quem dirá autores ou réus leigos desassistidos.
Assim, permanecer com o ius postulandi não concretiza a garantia constitucional
de acesso à justiça. Portanto, ante a essa realidade, e visando assegurar o acesso à justiça
daqueles que não possuem condições de arcar com os custos da contratação de um
advogado, o Estado deveria investir mais nas defensorias públicas para assistir essa parte
no processo do trabalho, não deixando que esta postule seu direito por si só. Além disso,
existem os sindicatos que também prestam assistência judiciária gratuita.

42
SILVA, op cit., 2007, p. 222.

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Ius postulandi na Justiça do Trabalho – Acesso à justiça ou injustiça? 197
Portanto, o ius postulandi da forma como é posto e aceito nos dias atuais não
pode prevalecer. Somente com a não autorização do ius postulandi é que as partes
poderão ter o início da concretização da garantia constitucional de acesso à justiça na
sua forma plena, já que não basta um acesso ao Judiciário, mas sim que este acesso
seja prestado de forma justa.

Abstract: The aim of this article is analyzing the ius postulandi institute
on the lights of labor procedural law. For this, the article is divided into
four sections. The first and the fourth are, respectively, the introduction
and the conclusion. The second section analyses, generally, the right of
self-litigation. It brings empirical data produced by the Labor Court of
Appeals of the 17th Region over the use by the parties of the ius pos-
tulandi. The third section brings the new conception of the access to
justice for analyzing whether the right of petitioning without a lawyer
would be a way of enlarging the access to justice by the parties or a kind
of injustice, since the parties have no technical knowledge for following
effectively a process proceduring.

Key words: Ius postulandi. Access to justice. Prejudice. Benefit.

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

JARDIM, Lícia Bonesi. Ius postulandi na Justiça do Trabalho: acesso à justiça ou injustiça?. Revista
Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 183-198, abr./jun. 2012.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 183-198, abr./jun. 2012
O momento do interrogatório do réu
na Lei de Tóxicos sob a perspectiva da
garantia fundamental da ampla defesa
Alcenir José Demo
Mestrando em Direitos e Garantias Fundamentais pela
FDV. Pós-Graduado em Direito Civil e Direito Processual
Civil pela FADISP (convênio com a CONSULTIME e
EMES). Juiz de Direito no Estado do Espírito Santo.
Ex-professor da UNILINHARES, FANORTE e UNIVC.
Professor de Direito Processual Civil no Curso de
Pós-Graduação na UNISAM e UNIVEN. Integrante do
Grupo de Pesquisa Acesso à Justiça na Perspectiva
dos Direitos Humanos do Programa de Mestrado em
Direitos e Garantias Fundamentais da FDV.
E-mail: <alcenirjdemo@uol.com.br>.

Carlos Henrique Bezerra Leite


Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP. Professor da
FDV e da UFES. Desembargador Federal do Trabalho.
Diretor da EJUD Escola Judicial do TRT da 17ª Região
(biênio 2009/2011). Membro da Academia Nacional
de Direito do Trabalho. Professor orientador do
Grupo de Pesquisa Acesso à Justiça na Perspectiva
dos Direitos Humanos do Programa de Mestrado em
Direitos e Garantias Fundamentais da FDV.
E-mail: <chbezerraleite@yahoo.com.br>.

Resumo: Uma das reformas do Código de Processo Penal brasileiro ocor-


reu com a Lei nº 11.719/08, que deu nova redação ao art. 400 do CPP, que
estabeleceu um novo momento do interrogatório do réu, passando tal
ato processual a ser realizado logo após a colheita da prova testemunhal.
O objetivo deste artigo é examinar, à luz da garantia fundamental da
ampla defesa, a possibilidade de extensão de tal procedimento a outros
processos, especialmente naquele previsto na Lei de Tóxicos, que prevê o
interrogatório do réu no início da instrução.

Palavras-chave: Interrogatório do réu. Ampla defesa. Igualdade subs-


tancial. Dignidade da pessoa humana.

Sumário: 1 Introdução – 2 Estado, jurisdição e processo – Breves con-


siderações – 3 O princípio da ampla defesa sob o paradigma do Estado
Constitucional Democrático de Direito – 4 O momento ideal do inter-
rogatório do acusado no processo diante da garantia constitucional da
ampla defesa – 5 Da (in)constitucionalidade do momento do interroga-
tório na Lei de Tóxico, à luz da garantia da ampla defesa do acusado – 6
Considerações finais – Referências

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1 Introdução
Vem de longa data a preocupação dos juristas para que seja garantido ao acusado,
diante de uma imputação criminal que lhe é feita, o direito ao contraditório e à ampla
defesa. Isto ocorre porque a liberdade afigura-se como um dos bens jurídicos inerentes à
pessoa humana, cabendo a sua proteção ao Estado. Aliás, não foi por outro motivo que o
art. III da Declaração Universal dos Direitos Humanos consagrou, ao lado do direito à vida
e à segurança pessoal, o direito de liberdade no elenco dos principais direitos humanos.
Nesse diapasão, o Estado-Juiz, enquanto detentor da jurisdição, tem o poder-
dever de garantir a todo acusado, diante da deflagração de uma ação penal, o direito
ao contraditório e à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. É o que está
preconizado na nossa Carta Magna da República, em seu art. 5º, inc. LV, devendo o ma-
gistrado, pois, estar sempre atento à efetiva observância desse preceito constitucional,
sem prejuízo, é óbvio, de outros ali consignados. De resto, a jurisdição deve ser prestada
mediante o devido processo legal, cuja realização demanda, invariavelmente, um olhar
sob a perspectiva do Estado Constitucional Democrático de Direito, tendo este por fun-
damento, dentre outros, o princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III).
Ante o exposto, pergunta-se: à luz da cláusula do due process of law: o interro-
gatório realizado no início da instrução probatória no processo penal fere (ou não) o
princípio constitucional da ampla defesa?
O presente estudo tem por escopo, portanto, fazer uma análise crítica concernente à
necessária observância, por parte do Poder Judiciário, do princípio constitucional da ampla
defesa — este integrante do Título II, que trata dos “Direitos e Garantias Fundamentais”1 —,
notadamente quando do momento procedimental da realização do interrogatório do réu,
confrontando, assim, a reportada garantia prevista na Carta Magna com a legislação infra-
constitucional, azo em que serão examinadas algumas leis brasileiras, dentre as quais des-
tacam-se: (i) a Lei nº 9.099/95 (especificamente em seu Capítulo III, cuja parte é reservada
aos juizados especiais criminais); (ii) a Lei nº 11.719/08 (esta, alterando alguns dispositivos
do Código de Processo Penal, transferiu o momento do interrogatório do acusado em juízo,
passando tal ato processual a ser realizado, agora, após a colheita da prova testemunhal); e
(iii) a Lei nº 11.343/06 (esta — denominada “Lei Antidrogas” —, prevê o interrogatório para
o início da audiência de instrução e julgamento).
Diante dessa problemática procedimental, mister se faz buscar uma solução ju-
rídica que se apresente mais factível para com o “justo processo”, tendo este por base os
princípios de justiça e os referidos direitos fundamentais. Apresenta-se, pois, o presente

A CF/88 divide o Título II — Dos Direitos e Garantias Fundamentais — em quatro capítulos


1

(direitos e deveres individuais e coletivos, art. 5º; direitos sociais, arts. 6º a 11; direitos de nacio-
nalidade, arts. 12 e 13; direitos políticos, arts. 14 a 16).

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O momento do interrogatório do réu na Lei de Tóxicos sob a perspectiva da garantia fundamental da ampla defesa 201
trabalho, indubitavelmente, como de grande relevância jurídica, a par de muito instigante
do ponto de vista teórico e jurisprudencial.
Será utilizado, para o desenvolvimento deste artigo, o método dialético,2 em razão
do tema aqui tratado suscitar debates jurídicos que se mostram antagônicos entre si.

2 Estado, jurisdição e processo – Breves considerações


É sabido que o homem, em virtude da vida em sociedade — esta é uma inclinação
natural da pessoa humana —, experimenta os conflitos de interesses intersubjetivos, sen-
do estes tanto de natureza civil quanto penal, obrigando a uma pronta intervenção de um
terceiro (alheio e imparcial) para manter a ordem pública e a paz social. Portanto, como
a comunidade, formada pelos seres humanos, deve ser organizada, e não caótica, tendo
sempre por escopo proporcionar a todos os seus membros a possibilidade de busca e rea­
lização de seus fins naturais, surgiu a necessidade de se criar o Estado, que nada mais é
que uma sociedade política e juridicamente organizada, ou “nação jurídica e politicamente
organizada”, no dizer de Darcy Azambuja.3
Cabe ao Estado, então, através da sua função jurídica — para usar a expressão da
doutrina pátria4 —, regular a conduta dos cidadãos, fazendo-o por meio de duas das
suas atividades peculiares: a primeira, na elaboração de normas jurídicas (legislação), e
a segunda, prestando a tutela jurisdicional, quando chamado para dirimir uma lide, o
que é feito mediante o processo, posto ser este “o instrumento de que se serve o Estado,
no exercício da jurisdição, para compor um conflito litigioso de interesses”.5
A jurisdição, cuja palavra significa “dizer o direito” — do latim, juris (direito) e
dicere (dizer) —, é, pois, uma das funções do Estado, através da qual este se substitui
aos litigantes para, com imparcialidade, buscar a pacificação do conflito que os envolve,
com justiça. É ela uma função estatal, mas é também, concomitantemente, poder e
atividade. É poder estatal porque a jurisdição está munida de capacidade para decidir
imperativamente e impor suas decisões de maneira coativa; também é atividade por-
que a jurisdição envolve um complexo de atos do juiz no processo, ao longo do qual
exerce o poder e cumpre a função que a lei lhe atribui. Este é o ensino de lavra dos dou-
trinadores Antônio Carlos Cintra, Ada Pellegrini e Cândido Dinamarco, esclarecendo que

2
Segundo Stalin, “dialética significa um processo dialógico de debates entre posições contrárias”,
com o qual se pretende construir afirmações (STALIN, J. Materialismo histórico e materialismo
dialético. São Paulo: Símbolo, 1982. p. 34).
3
AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. 19. ed. Porto Alegre: Globo, 1980. p. 84.
4
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria geral do processo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 38.
5
MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1980. v. 1, p. 7.

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o “poder”, a “função” e a “atividade” jurisdicional somente transparecem legitimamente


por intermédio do devido processo legal.6
Observe-se, pois, que o Estado, ao avocar a si o monopólio da jurisdição, con-
sistindo esta em uma atividade compositiva pública, assumiu, ipso facto, o dever de
garantir a todos os que recorrerem à Justiça a prestação de uma tutela jurisdicional ade-
quada e justa (CF, art. 5º, XXXV), cujo desiderato só será alcançado pelo Poder Judiciário
à medida que seja cumprido o princípio do devido processo legal, estando ínsitos nes-
te, dentre outros, os princípios do contraditório e da ampla defesa, todos com previsão
expressa na Carta Magna da República, consoante se infere da leitura abaixo:

Art. 5º (omissis)
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal.
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados
em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes.

Vê-se, destarte, que a Constituição Federal estabelece as bases principiológi-


cas do processo judicial, exigindo-se do operador do Direito, mormente do magistrado,
que tenha uma nova concepção do Direito Processual, devendo o processo ser agora
aplicado, incondicionalmente, nessa perspectiva constitucional. É que a Constituição
Federal, ao incorporar os valores humanos essenciais, o fez obrigando que muitos deles
fossem realizados dentro do processo, cumprindo a este, portanto, enquanto instru-
mento operacional da jurisdição, informá-los e conformá-los.
Destarte, objetivando alcançar uma melhor aferição da importância da garantia
constitucional da ampla defesa, a ser conferida a todo acusado no âmbito do processo
penal brasileiro, impõe-se que sua abordagem seja feita em tópico específico.

3 O princípio da ampla defesa sob o paradigma do Estado


Constitucional Democrático de Direito
Quadra mencionar, prima facie, que a Revolução Francesa, ocorrida em 1789, a
partir da “queda da Bastilha”, foi o principal marco histórico da implantação do Estado
Moderno; seguindo-se a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, cujo art. 16
é peremptório em afirmar que “toda sociedade em que a garantia dos direitos não está

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.
6

Teoria geral do processo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 129.

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O momento do interrogatório do réu na Lei de Tóxicos sob a perspectiva da garantia fundamental da ampla defesa 203
assegurada, nem a separação dos poderes está determinada, não tem Constituição”7
(grifos nossos).
Nessa esteira, Norberto Bobbio assim preleciona: “No Estado de direito, o indi-
víduo tem, em face do Estado, não só direitos privados, mas também direitos políticos.
O Estado de direito é o Estado dos cidadãos”.8
Por isso, fala-se, hoje em dia, em “Estado Constitucional Democrático de
Direito”.9 Com efeito, o Estado só se concebe, atualmente, como Estado Constitucional,
devendo este ser um Estado de Direito Democrático.
Canotilho, comentando a respeito dessas qualidades estatais, explica que elas sur-
gem muitas vezes separadas: Estado de direito e Estado democrático — existem Estados
de direito sem qualquer legitimação em termos democráticos. E conclui, in verbis: “O
Estado constitucional democrático de direito procura estabelecer uma conexão interna
entre democracia e Estado de direito”.10
Assim, o Brasil, desde 1988, com a promulgação de sua Carta Magna, passou a
viver sob a égide do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º), tendo elegido o prin-
cípio da dignidade da pessoa humana como um dos seus fundamentos (CF, art. 1º, III).
Este tem sido considerado por muitos constitucionalistas como “verdadeiro princípio
conformador de todo o sistema jurídico nacional”, conforme salientado por Carlos
Henrique Bezerra Leite, para quem a pessoa humana deve ser contemplada, sempre,
como o centro e o fim do Direito, sendo factível dizer que a dignidade da pessoa
humana é uma “qualidade intrínseca” do homem, necessitando este, por isso, dos direitos
fundamentais que o protegem.11
Tal princípio, segundo Daury Cesar Fabriz, “manifesta-se como instrumento
abalizador dos demais princípios e direitos compreendidos como superiores”.12 E diz
mais: “Os direitos fundamentais emanados da Constituição e os direitos humanos
prescritos pelas declarações de direito, tratados e convenções internacionais, devem
implicar uma nova arquitetura que possa determinar o devido respeito à dignidade da
pessoa humana”.13

7
Fala-se hoje em dia, parafraseando tal dispositivo legal, que “toda sociedade que não
reconhece e não garante a dignidade da pessoa humana não possui uma Constituição”.
8
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 61.
9
A doutrina traz a seguinte sucessão linear de modelos de Estado: Estado Estamental – Estado
Absoluto – Estado Liberal – Estado Social – Estado Constitucional.
10
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina,
2002. p. 93.
11
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 44-46.
12
FABRIZ, Daury Cesar. Bioética e direitos fundamentais: a bioconstituição como paradigma ao
biodireito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 276.
13
Ibidem, p. 281.

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Em sintonia com o acima exposto, se ao Estado-Juiz cabe o poder-dever de prestar


a tutela jurisdicional, conta cada jurisdicionado, por seu turno, com o direito fundamental
de acesso à Justiça, devendo este ser compreendido, na conhecida expressão de Kazuo
Watanabe,14 em “acesso a uma ordem jurídica justa”; o que significa dizer, especificamente
no campo do processo penal, que a toda pessoa que figurar no polo passivo de uma ação
penal faz jus ao direito do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes, conforme dispõe o inc. LV do art. 5º da CF/88. Afinal, se a ação15 é a contrapar-
tida natural da proibição da tutela privada, “não há como pensar em proibição da tutela
privada, e, assim, em Estado, sem viabilizar a todos a possibilidade de efetivo acesso ao
Poder Judiciário [...] até porque ter direitos e não poder tutelá-los” é o mesmo que não os
ter, consoante acentuado por Luiz Guilherme Marinoni.16
Exatamente por isso, o direito de defesa não pode ser obstaculizado por
entraves de ordem procedimental, requerendo do Estado-Juiz uma postura ativa
para a plena efetividade da garantia do contraditório e da ampla defesa daquele
que tem contra si uma ação penal deflagrada. Frise-se que a eficácia dos direitos
fundamentais sobre o Estado é designada de vertical; logo, o direito fundamental
de ação e de defesa incide apenas sobre o Estado, tendo eficácia vertical direta
sobre o legislador e sobre a jurisdição.17
É bem de se ver que a necessidade que tem o “homem livre” de contar com o
Estado-Juiz para garantir o seu direito mediante um “processo justo” remonta ao início
do século XIII, quando foi promulgada a Carta Magna inglesa de 1215, do Rei João
Sem Terra. E hoje em dia não é diferente, continuando o jurisdicionado a depender do
Poder Judiciário para a efetivação de seus direitos e garantias constitucionais, o que é
concretizado através do instrumento denominado “processo”, razão pela qual há, ago-
ra, uma nova postura metodológica envolvendo o processo e os princípios constitu-
cionais processuais. Dessa relação entre o processo e a Constituição, foram indicados
dois sentidos vetoriais, um envolvendo “Constituição-processo” (tutela constitucional) e
outro entre “processo-Constituição” (jurisdição constitucional).18 O que interessa neste

14
WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. In: GRINOVER, Ada Pellegrini;
DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (Coord.). Participação e processo. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1988.
15
A palavra “ação” é aqui empregada no sentido lato sensu, açambarcando, também, a defesa do
réu.
16
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2008. v. 1, p. 186.
17
Ibidem, p. 213.
18
A doutrina vem denominando o primeiro binômio de “Direito Constitucional Processual” e o
segundo de “Direito Processual Constitucional”. Nesse diapasão, de acordo com o magistério
de Frederico Marques, quando se fala em Direito Constitucional Processual, está se referindo ao
termo que “trata das normas do processo contidas na Constituição”, a exemplo dos princípios

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O momento do interrogatório do réu na Lei de Tóxicos sob a perspectiva da garantia fundamental da ampla defesa 205
trabalho é o binômio “Constituição-processo”, haja vista o seu objetivo de assegurar a
conformação dos institutos do direito processual e o seu funcionamento aos princípios
que decorrem da própria ordem constitucional, sendo aqui enfatizados os princípios
do contraditório e da ampla defesa.
É relevante observar que o contraditório e a ampla defesa devem ser assegu-
rados aos acusados em geral, sendo tais princípios corolários do princípio do devido
processo legal19 (CF, art. 5º, LIV); aliás, este é considerado pela doutrina pátria como
princípio-gênero, do qual os demais são espécies.20
Uma vez feitas tais considerações, cumpre esclarecer, neste ensejo, o que deve ser
entendido com o termo “ampla defesa”, segundo a concepção contida naquele comando
de ordem constitucional.
Para Marinoni,21 por “ampla defesa” deve se entender o conteúdo de defesa
necessário para que o acusado possa se opor à pretensão de tutela de direito (à sen-
tença de procedência). Segundo ainda tal jurista, “não é preciso esforço para concluir
que a defesa ampla é a que não é limitada. A intenção da norma é evitar que a lei ou o
juiz limitem a defesa, restringindo a possibilidade de o réu alegar, provar etc.”
Segundo Carlos Alberto Alvaro de Oliveira e Daniel Mitidiero, a doutrina tende a
vislumbrar o direito fundamental à ampla defesa com vistas não muito largas. Para eles,
o conteúdo da ampla defesa impõe, em regra, direito à cognição plena e exauriente,
a fim de que os interessados possam alegar toda a matéria disponível para tutela de
suas posições jurídicas. E mais: tal garantia constitucional não deve ser confundida
com o direito ao contraditório, nem com o direito à prova, tampouco com o direito à
motivação das decisões.22

constitucionais do processo em geral, como do contraditório, isonomia processual, acesso à


Justiça etc.; alertando para que não seja confundida tal expressão com a do Direito Processual
Constitucional, que é o conjunto de preceitos destinados a regular o exercício da jurisdição
constitucional, aí compreendido o controle judiciário da constitucionalidade das leis e dos
atos da Administração Pública e dos remédios tuteladores das liberdades públicas (MARQUES,
José Frederico. Manual de direito processual civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1980. v. 1, p. 4).
Comunga da mesma posição: NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição
Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 26-27.
19
A doutrina moderna, ao se referir ao princípio do due process of law, está se preferindo
nominá-lo de “devido processo constitucional”, por entender que ele ganhou nova dimensão,
mormente a partir da CF/88, tendo sido esta, aliás, a primeira Carta Política brasileira a prevê-
lo expressamente.
20
NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002. p. 42.
21
MARINONI, op. cit., p. 310.
22
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil: teoria geral do
processo e parte geral do direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2010. v. 1, p. 43-44.

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Cumpre ressaltar que, se por um lado, não se deve confundir a garantia da ampla
defesa com o direito ao contraditório, conforme sustentado por Alvaro de Oliveira e
Mitidiero, de outro lado, não se pode esquecer que a defesa e o contraditório “estão
indissoluvelmente legados, porquanto é do contraditório (visto em seu primeiro mo-
mento) que brota o exercício da defesa [...]. A defesa, assim, garante o contraditório,
mas também por este se manifesta e é garantida”, tendo ambos os princípios, portanto,
essa “íntima relação e interação”, consoante bem observado por Ada Pellegrini Grinover,
Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho.23
Na concepção de Pinto Ferreira,24 o privilégio da pessoa de não se autoincriminar
(privilege against self-incrimination) também é uma decorrência do direito de plena ou
ampla defesa.
Rogério Lauria Tucci, discorrendo sobre o devido processo penal (designação,
para ele, apropriada), sustenta que este deve contar com as seguintes garantias: a) de
acesso à Justiça Penal; b) do juiz natural em matéria penal; c) de tratamento paritário
dos sujeitos parciais do processo penal; d) da plenitude de defesa do indiciado, acusado
ou condenado, com todos os meios e recursos a ela inerentes; e) da publicidade dos atos
processuais penais; f) da motivação dos atos decisórios penais; g) da fixação de prazo
razoável de duração do processo penal; h) da legalidade da execução penal. Assevera o
aludido processualista, ainda, que a pessoa física integrante da coletividade não pode
ser privada de sua liberdade, ou de outros bens a esta correlatos, sem o devido processo
penal, em que se realize a ação judiciária, atrelada ao vigoroso e incindível relaciona-
mento entre as preceituações constitucionais e as normas penais — de natureza subs-
tancial e instrumental — que as complementam; de forma a tornar efetiva a atuação
da Justiça Criminal, tanto na aplicação da sanção penal respectiva, como na afirmação
do ius libertatis do acusado. Ao cuidar da ampla defesa a que faz jus o réu, diz ele que
a concepção moderna dessa garantia reclama, para a sua verificação, três realidades
procedimentais, genericamente consideradas, a saber: a) direito à informação (nemo
inauditus damnari potest); b) a bilateralidade da audiência (contrariedade); c) o direito à
prova legitimamente obtida ou produzida (comprovação de inculpabilidade). Finalmente,
agora com sustentáculo na doutrina de Alberto Suárez Sánches, salienta que esse direi-
to de defesa deve estar constituído por um conjunto de garantias, direitos e faculdades
suficientes para uma oposição efetiva à pretensão penal.25
Não há, pois, como fazer justiça no caso concreto sem a observância do devido
processo legal, principalmente restringindo a garantia constitucional da ampla defesa. Para

23
GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães.
As nulidades no processo penal. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 77.
24
FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1989. v. 1, p. 179.
25
TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do direito processual penal: jurisdição, ação e processo penal:
estudo sistemático. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 207-213.

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O momento do interrogatório do réu na Lei de Tóxicos sob a perspectiva da garantia fundamental da ampla defesa 207
a configuração do devido processo legal, ainda segundo as lições de Rogério Lauria
Tucci, mister se faz que as partes tenham efetivamente “direito ao processo, materializado
num procedimento regularmente desenvolvido, com a concretização de todos os seus
componentes e corolários, e num prazo razoável”.26
Em sintonia com o acima expendido, propõe-se aqui que o interrogatório do
acusado, como um direito de defesa que é, seja sempre realizado ao final da instrução
probatória, de modo que o processo possa efetivamente tramitar mediante um proce-
dimento em contraditório,27 conferindo-se às partes a oportunidade de comprovação
do que foi alegado por elas em suas tese e antítese — processo dialético. Só assim
poderá o Estado-Juiz cumprir a contento com o querer da Constituição Federal, garan-
tindo a todos os acusados o contraditório e a ampla defesa, ex vido art. 5º, inc. LV.
Trata-se de uma nova perspectiva na atuação do Poder Judiciário, trazida
pelo pós-positivismo e neoconstitucionalismo, impondo-se a força normativa da
Constituição (princípio da supremacia), com a máxima efetividade dos direitos fun-
damentais (princípio da efetividade). Assim, por força do neoconstitucionalismo, que
exige a compreensão crítica da lei em face da Constituição, a tarefa do jurista é de
construção, “conformação da lei”, e não mais de simples revelação, como ocorria no
passado.28
Impende registrar que, com essa mudança paradigmática de interpretar a lei,
implementada pelo neoconstitucionalismo, a hermenêutica jurídica passou a contar
com outros métodos interpretativos, além dos tradicionais (v.g., literal, sistemático,
histórico, teleológico, sociológico).29 Afinal, para que o magistrado possa levar a bom
termo uma interpretação/aplicação da lei neste momento pós-positivista, é imprescin-
dível que ele lance mão da Hermenêutica Constitucional.
Toda lei, portanto, no Estado contemporâneo, deve estar adstrita aos princípios
constitucionais. Portanto, com base nessa nova hermenêutica, cabe ao magistrado
uma tarefa de construção — não mais de simples revelação — da norma legal a ser
aplicada ao caso sub judice, tendo sempre por parâmetro interpretativo os princípios
constitucionais de justiça e os direitos e garantias fundamentais.30
Quadra aqui abrir um parêntese para salientar que o vocábulo princípio é derivado
do latim — principium —, significando o primeiro, o início de alguma coisa. Por isso, ele

26
TUCCI, op. cit., p. 205.
27
FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. Tradução de Elaine Nassif. Campinas:
Bookseller, 2006. p. 118-121.
28
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008. v. 1, p. 47-48.
29
Nesse sentido: LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2010. p. 65 et seq.
30
MARINONI, op. cit., p. 47.

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ocupa o primeiro patamar na hierarquia de qualquer ordenamento jurídico. Nesse sentido,


vale relembrar abaixo a lição do administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello:31

Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A


desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico man-
damento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave
forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do
princípio atingido, porque representa ingerência contra todo o sistema,
subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu
arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.

O princípio é, na concepção de Celso Bastos, o mandamento nuclear de um


sistema, o verdadeiro alicerce deste. Por isso, para ele, os princípios funcionam como
critério de interpretação das demais normas não principiológicas, o que faz com que
a vontade constitucional só seja atribuível a partir de uma interpretação sistemática,
levando a excluir, assim, qualquer possibilidade de uma mera leitura de um artigo
isolado. “A letra da lei é sempre o ponto de partida do intérprete, mas nunca é o de
chegada”.32
Paulo Bonavides,33 ao tratar “dos princípios gerais de direito aos princípios cons-
titucionais”, salienta que a juridicidade dos princípios passa por três fases distintas, a
saber: a jusnaturalista, a positivista e a pós-positivista. Na primeira fase, os princípios
habitam ainda a esfera abstrata, inspirando os postulados de justiça. Na segunda fase,
eles (princípios) são inseridos nos códigos como fonte normativa subsidiária (princí-
pios gerais de Direito). Já na terceira fase, que começa nas últimas décadas do sécu-
lo XX, no pós-positivismo, os princípios são elevados à categoria de normas que se
encontram no pedestal do ordenamento jurídico. Mais adiante, Bonavides assevera
que este foi o ponto central da grande mudança da normatividade inerente aos prin-
cípios, saltando dos Códigos, nos quais eles “eram fontes de mero teor supletório, para
as Constituições, onde em nossos dias se convertem em fundamento de toda a ordem
jurídica, na qualidade de princípios constitucionais”. Noutras palavras, ainda segundo
Bonavides, os princípios baixaram, primeiro, das alturas metafísicas de suas formula-
ções filosóficas para a planície normativa do Direito Civil, e, finalmente, transitou para
as Constituições, subindo ao degrau mais alto da hierarquia normativa. Doravante,
eles ocupam, no Direito Positivo contemporâneo, um espaço tão vasto que já se admite

31
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Malheiros,
1994. p. 451.
32
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 58.
33
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 259-
264, 289, 293, respectivamente.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 199-227, abr./jun. 2012
O momento do interrogatório do réu na Lei de Tóxicos sob a perspectiva da garantia fundamental da ampla defesa 209
até falar em “Estado principial”, sendo esta, portanto, uma nova fase caracterizadora do
Estado de Direito.
Dessa forma, os princípios passam a ser o ponto de partida de qualquer inter-
pretação jurídica, e, em se tratando de princípios constitucionais, são eles o coração
da Carta Magna, eis que postos no ponto mais alto da escala normativa (norma nor-
marum). É assim que devem ser os princípios vistos na perspectiva da Hermenêutica
Constitucional.
Nesse diapasão, não há como o jurista quedar-se silente, no ato de interpretar/
aplicar a lei no caso concreto, diante de qualquer norma que afronte preceito positi-
vado na Carta Magna, como, por exemplo, os princípios processuais ali consignados.
Exige-se, pois, do Estado-Juiz, presentemente, que a prestação jurisdicional que dele
emana esteja sempre voltada para o querer da Constituição. Nas palavras de Konrad
Hesse, é preciso atender à vontade de Constituição.34
Ante o exposto, é de se indagar qual deve ser o melhor momento para, à luz
do princípio constitucional da ampla defesa, realizar o interrogatório do réu, en-
quanto meio de defesa que é. Com o propósito de levar a efeito uma análise mais
percuciente acerca dessa quaestio, foi destinado o tópico subsequente.

4 O momento ideal do interrogatório do acusado no processo


diante da garantia constitucional da ampla defesa
No campo da ciência processual penal, em que se realizam muitos dos va-
lores inerentes à pessoa humana, é preciso que o operador do Direito esteja aten-
to para o cumprimento dos direitos e garantias constitucionais relacionados ao
processo, objetivando manter o necessário equilíbrio entre, de um lado, o direito de
liberdade (status libertatis) daquele que está sendo processado criminalmente e,
de outra banda, a pretensão punitiva do Estado-Administração (jus puniendi), de
maneira que o Estado-Juiz possa cumprir a contento com o seu papel preconizado
pela Carta Magna, que é o de sempre preszart. 5º, LIV),do qual emerge, dentre ou-
tros, o direito ao contraditório e à ampla defesa (CF, art. 5º, LV).
Vale aqui registrar, en passant, que o Código de Processo Penal brasileiro foi
elaborado sob a inspiração da Carta Magna de 1937, denominada de “Constituição
Polaca”, época em que imperava o famigerado “Estado Novo”, durante o Governo de

34
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991. Nesta obra, Hesse apresenta tese antagônica à
desenvolvida por Ferdinand Lassale — este define a Constituição como um “pedaço de
papel”, por perder a sua força diante dos fatores reais de Poder —, defendendo a chamada
“vontade de Constituição”, ao argumento de que a Constituição de um país conta com uma
força normativa que estimula e coordena as relações entre os cidadãos e o Estado.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 199-227, abr./jun. 2012
210 Alcenir José Demo, Carlos Henrique Bezerra Leite

Getulio Vargas.35 Por isso, inúmeros desses dispositivos processuais já deveriam ter
sido interpretados pelo operador do Direito com certa parcimônia, isto a partir de 05
de outubro de 1988, data do nascimento de uma nova ordem jurídica em nosso País,
iniciada com a promulgação da vigente Constituição Federal, em cuja Carta Política
se encontram amalgamados vários dispositivos de conteúdo jurídico-processual, a
exemplo dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Afinal, como sói acontecer
com o advento de uma Constituição num país, toda a legislação infraconstitucional
brasileira permaneceu em vigor, em princípio, por força do fenômeno da recepção,
cabendo ao jurista proceder a uma necessária releitura em nível constitucional de toda
a legislação pátria, com a perda de eficácia da norma legal que porventura não esteja
em consonância com os aludidos preceitos constitucionais.36
Por assim ser, considerando que vige no Brasil o Estado Constitucional
Democrático de Direito (CF, art. 1º), a toda pessoa que for acusada da prática de qualquer
delito, além de ser presumida como inocente até que tenha contra si uma sentença con-
denatória transitada em julgado, é garantida a ampla defesa, com os meios e recursos a
ela inerentes (CF, art. 5º, incs. LVII e LV).
Destarte, com o fito de atender a esses comandos de ordem constitucional, o
legislador brasileiro se viu, então, obrigado a elaborar as reformas na legislação infra-
constitucional, a exemplo dos códigos de processo e legislação extravagante.
No que tange às minirreformas inseridas ao Código de Processo Penal, é inte-
ressante notar que uma das primeiras alterações se deu com o interrogatório do réu,
conforme se depreende da Lei nº 10.792/03, modificando a redação dos arts. 185 et seq.
do CPP, que tratam desse ato processual; isso ocorrendo, a par de outras mudanças pon-
tuais, para adequar o processo penal ao modelo acusatório. De fato, a forma como esse
ato processual era realizado acabava por causar prejuízo ao réu, mormente em relação
à ampla defesa a que este faz jus durante a tramitação de um processo penal. Assim, foi
inserido no art. 185 que o acusado deve ser interrogado, sempre, na presença de seu
defensor, constituído ou nomeado, tendo, inclusive, antes de ser interrogado, o direito
de se entrevistar reservadamente com o seu defensor (CPP, art. 185, §2º); no art. 186,
cuja redação anterior constava que o réu, embora não fosse obrigado a responder às
perguntas, o seu silêncio poderia “ser interpretado em prejuízo da própria defesa” (sic),
foi suprimida esta parte, e acrescentado um parágrafo único, constando deste que o
silêncio do réu não poderá ser interpretado em prejuízo de sua defesa;37 o art. 187, que

35
O Código de Processo Penal foi editado através do Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de outubro de
1941, tendo entrado em 1º de janeiro de 1942, conforme estabelecido em seu art. 810.
36
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria geral do processo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 119.
37
Antes mesmo da Lei nº 10.792/2003, o Supremo Tribunal Federal, pela 1ª Turma, ao julgar o
HC 68.929-9/SP, em 22.10.1991, DJ, 28 ago. 1992, figurando como relator o Ministro Celso de

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O momento do interrogatório do réu na Lei de Tóxicos sob a perspectiva da garantia fundamental da ampla defesa 211
antes dispunha que o defensor do acusado não poderia intervir ou influir nas perguntas
e nas respostas, agora prevê que o interrogatório é composto de duas partes: a pri-
meira, com perguntas relacionadas à pessoa do acusado, e a segunda, com perguntas
referentes aos fatos; devendo ser salientado, também, que as partes poderão formular
perguntas objetivando o esclarecimento de alguns pontos, cabendo ao magistrado
avaliar quanto à pertinência e relevância delas (art. 188).
Não obstante tal mudança na forma da realização do interrogatório do réu, o
momento de sua concretização no processo penal continuava a ser no início da instru-
ção probatória, logo após o juiz concluir pelo recebimento da denúncia ou da queixa,38
conforme dispunha o art. 394 do CPP, cuja redação era de seguinte teor: “Art. 394. O juiz,
ao receber a queixa ou denúncia, designará dia e hora para o interrogatório, ordenando a
citação do réu e a notificação do Ministério Público e, se for caso, do querelante ou do
assistente” (grifos nossos).
Frise-se que o processo penal deve ser (sempre) um instrumento para a verifica-
ção da procedência ou não da pretensão acusatória, sendo o interrogatório considerado
como um dos atos processuais mais importantes para a formação do juízo de valor por
parte do magistrado. Eis a lição de Tourinho Filho a respeito, in verbis:

Um dos atos processuais mais importantes é, sem dúvida, o interrogatório,


por meio do qual o Juiz ouve do pretenso culpado esclarecimentos sobre
a imputação que lhe é feita e, ao mesmo tempo, colhe dados importantes
para o seu convencimento.
A despeito da sua posição topográfica — no capítulo das provas — o
interrogatório é, também, meio de defesa.39

É o interrogatório um ato personalíssimo, posto que somente o acusado,


pessoal­mente, deve ser interrogado, não sendo possível, no devido processo penal, a
sua representação por terceira pessoa. Esse é, portanto, o momento processual que o
magistrado terá a oportunidade de tomar contato com aquele contra quem foi proposta
a ação penal, conhecendo-lhe a personalidade, ouvindo-lhe a confissão, suas escusas
etc.40 Ademais, vale aqui consignar que, embora o interrogatório enseje a confissão do
acusado, não é lícito ao juiz forçá-lo a confessar a autoria delituosa, “nem armar ciladas,

Mello, já havia decidido que o direito do acusado de permanecer em silêncio se insere no


alcance concreto da cláusula constitucional do devido processo legal, e que nesse direito ao
silêncio está incluído a prerrogativa processual de negativa de autoria do crime, ainda que
falsamente, perante a autoridade policial ou judiciária.
38
Conforme se tratar de ação penal pública ou privada, respectivamente. Vide a respeito os arts.
24 et seq. do CPP e arts. 100 et seq. do CP.
39
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 239.
40
Ibidem, p. 243.

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212 Alcenir José Demo, Carlos Henrique Bezerra Leite

provocar contradições etc., com o fim de prostrá-lo vencido à sua dialética. Tal combate,
em que todas as vantagens estão, em regra, de um lado, não se coaduna com a majes-
tade da Justiça”. Esse alerta, feito por Magalhães Noronha, quando o interrogatório do
réu ainda era realizado exclusivamente pelo magistrado, sem que as partes pudessem
formular reperguntas, retrata muito bem como deve se portar um juiz garantista,41 à luz
do devido processo penal, durante a realização desse ato processual tão sublime.
Outrossim, impende mencionar que, apesar da discussão travada ao longo
dos anos quanto à natureza jurídica do interrogatório, se é “meio de prova” ou “meio
de defesa”, a doutrina prevalecente tem se inclinado no sentido de ser tal ato pro-
cessual, concomitantemente, meio de prova e de defesa.42 Todavia, vale aqui pontuar
que, para Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães
Gomes Filho, o interrogatório pode constituir uma fonte de prova, mas não meio de prova,
isto porque o acusado, enquanto sujeito da defesa, não tem obrigação e nem dever de
fornecer elementos de prova, podendo ele, na verdade, se defender como lhe aprouver,
falando ou calando-se; logo, esse “direito ao silêncio” garante o enfoque do interrogatório
como meio de defesa.43
Infere-se do exposto, que, dada à relevância jurídica desse ato processual, sendo
este, para além de meio de prova, primordialmente meio de defesa, deve o interroga-
tório ser concretizado, para a garantia do devido processo penal, somente depois de
produzidas todas as provas testemunhais. A contrario sensu, não estará o magistrado
cumprindo com o seu dever de juiz garantista, por não ter sido observado o princípio
constitucional da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Afinal, é o inter-
rogatório, enquanto meio de defesa, “o instante procedimental da consagração da auto­
defesa; é mecanismo para amparar a defesa, vez que, desejando, pode simplesmente

41
Luigi Ferrajoli trata dessa temática, discutindo acerca do sistema penal e processual, em
suas bases filosóficas, políticas e jurídicas, procurando, assim, destruir velhos vícios teóricos
e práticos para, em seguida, construir a sua teoria do garantismo como modelo ideal (um
sistema normativo dotado de garantias que lhe tragam racionalidade), a partir do qual são
analisados os problemas fundamentais do delito e da pena, a par do processo penal. Cf.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer,
Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002.
42
Apenas a título de exemplos: NORONHA, E. Magalhães. Curso de direito processual penal. 19.
ed. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 107; TOURINHO FILHO, op. cit., p. 239; NUCCI, Guilherme de
Souza. Provas no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 73; advogando este
jurista “constituir o interrogatório, primordialmente, um meio de defesa e, secundariamente,
um meio de prova”.
43
GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães.
As nulidades no processo penal. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 81.

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O momento do interrogatório do réu na Lei de Tóxicos sob a perspectiva da garantia fundamental da ampla defesa 213
calar-se, mantendo-se em silêncio, sem que dessa situação se possa extrair qualquer
dedução ou conclusão negativa”.44
Assim, defendemos que, diante de uma norma legal estabelecendo o momento
do interrogatório antes da oitiva testemunhal, deve o magistrado proceder a uma
interpretação conforme a Constituição e, por conseguinte, postergar tal ato proces-
sual ao cabo da audiência de instrução e julgamento, com o que estará o Estado-Juiz
realizando o “justo concreto”, em detrimento do “justo formal”. Mediante a técnica
da interpretação conforme a Constituição, o juiz poderá emitir a única interpreta-
ção da lei que não o obrigue a declarar a sua inconstitucionalidade. A interpretação
conforme a Constituição, segundo Canotilho, é um princípio geral de interpretação,
remontando “ao velho princípio da jurisprudência americana, segundo a qual os
juízes devem interpretar as leis in harmony with the constitucion”.45
Para a consecução desse poder-dever jurisdicional, impondo-se uma solução
constitucionalmente adequada para o problema a ser resolvido, exige-se, então, do
intérprete e aplicador do Direito, hodiernamente, uma postura hermenêutica episte-
mológica diversa da hermenêutica tradicional, conforme já alhures enfatizado. Nesse
ponto, vale transcrever as observações feitas por Marinoni, confrontando a maneira de
interpretação da lei no legalismo formal e no neoconstitucionalismo:

Como já foi demonstrado, o juiz, no Estado constitucional, deve interpretar


a norma geral de acordo com a Constituição, controlar a inconstituciona-
lidade da lei — inclusive através das técnicas da interpretação conforme
e da declaração parcial de nulidade sem redução de texto —, a inconsti-
tucionalidade da sua omissão e dar tutela aos direitos fundamentais que
entram em colisão no caso concreto.
Nos casos de interpretação de acordo, de interpretação conforme e de
declaração parcial de nulidade sem redução de texto, a norma geral
é visivelmente conformada — em menor (no primeiro caso) ou maior
medida (nos demais casos) — pelas normas constitucionais. Nessas três
hipóteses o juiz constrói a norma jurídica considerando a relação entre
o caso concreto, o texto da lei e as normas constitucionais.46

Tudo isso significa, em resumo, nas palavras de Canotilho, “a prevalência da


vinculação pela Constituição (princípio da constitucionalidade) em desfavor da vin-
culação da lei (princípio da legalidade)”.47 Essa mudança de paradigma no ato de

44
NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
p. 73.
45
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina,
2002. p. 1225.
46
MARINONI, op. cit., p. 105.
47
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1991. p. 600.

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214 Alcenir José Demo, Carlos Henrique Bezerra Leite

interpretar e aplicar a lei, segundo Luís Roberto Barroso,48 deve especial tributo às
concepções doutrinárias de Ronald Dworkin e Robert Alexy.49
Interessante observar que o legislador brasileiro, no ano de 1995, ao criar o mi-
crossistema dos juizados especiais cíveis e criminais (Lei nº 9.099/95), o fez, quanto a
este último juizado, estabelecendo a realização do interrogatório do infrator para o
momento posterior à inquirição das testemunhas indicadas pelas partes, conforme se
pode ver do disposto no art. 81, in verbis:

Art. 81. Aberta a audiência, será dada a palavra ao defensor para respon-
der à acusação, após o que o juiz receberá, ou não, a denúncia ou queixa;
havendo recebimento, serão ouvidas a vítima e as testemunhas de acusa-
ção e defesa, interrogando-se a seguir o acusado, se presente, passando-se
imediatamente aos debates orais e à prolação da sentença. (grifos nossos)

Essa posição topográfica do interrogatório do réu realça mais ainda o seu cará-
ter de peça de defesa, posto que, falando ele por último, terá a oportunidade de contrariar
tudo quanto afirmaram a vítima e as testemunhas da acusação.50
Lamentavelmente, apesar de o legislador brasileiro ter agido dessa forma no
tocante ao juizado especial criminal, o Congresso Nacional, ao legislar sobre normas
relativas a processo penal, continuou mantendo o mesmo sistema procedimental exis-
tente antes da promulgação da CF/88, isto no que tange ao momento da realização do
interrogatório do réu.51 Para comprovar isso, basta a citação da Lei nº 11.343/06, na qual o
interrogatório do réu foi mantido no limiar da audiência de instrução e julgamento (art. 57).
Ocorre que, agora, mais precisamente a partir do advento da Lei nº 11.719/08,
passou o Código de Processo Penal a prever que esse ato processual (interrogatório)
seja feito ao final da colheita das provas orais, surgindo, então, com isso, um aparente
conflito procedimental existente entre a Lei de Tóxico e aquele Código de Ritos.

48
BARROSO, Luís Roberto. A nova interpretação constitucional: ponderação, argumento e papel
dos princípios. In: LEITE, George Salomão (Coord.). Dos princípios constitucionais: considerações
em torno das normas principiológicas da Constituição. 2. ed. São Paulo: Método, 2008. p. 67.
49
Cf. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo:
Martins Fontes, 2002; ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. Tradução de Luís Afonso
Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
50
Pensam assim, por exemplo: TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos
juizados especiais criminais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 124; FERNANDES, Antonio
Scarance. Processo penal constitucional. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 264.
51
Tal fato pode ser verificado, por exemplo, com a edição da Lei nº 340/06, que instituiu o Juizado
de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, conhecido como “Juizado da Lei Maria da
Penha”, prevendo a aplicação, quanto aos crimes nela previstos, do Código de Processo Penal,
conforme se vê da dicção do seu art. 13.

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O momento do interrogatório do réu na Lei de Tóxicos sob a perspectiva da garantia fundamental da ampla defesa 215
Qual deve ser o posicionamento, então, do Estado-Juiz diante desse aparente
conflito de normas? Para responder a essa questão, reservou-se o próximo tópico.

5 Da (in)constitucionalidade do momento do interrogatório na


Lei de Tóxicos, à luz da garantia da ampla defesa do acusado
Conforme restou até aqui demonstrado, o Poder Judiciário desempenha o
relevante papel, sob a égide do Estado Constitucional, de proteção dos direitos
da pessoa humana, nomeadamente os direitos e garantias fundamentais. Afinal,
relem­brando o que disse Norberto Bobbio, “O problema fundamental em relação
aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los”.52
Logo, o juiz, agora, deixa de ser um autômato, mera boca que anuncia as palavras
da lei (la bouche de la loi — no dizer de Montesquieu),53 e passa a ter poder para
bem interpretá-la, quando de sua aplicação no caso concreto.
Nesse contexto, a garantia da ampla defesa a ser conferida ao acusado no processo
penal há de ser preservada pelo Estado-Juiz ao longo de todo o iter procedimental. É que
tal garantia tem pertinência direta com o direito à liberdade, considerado este como
um bem/valor jurídico inerente à pessoa humana que o Estado está obrigado a prote-
ger, conforme se deflui da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu art. III.
Segundo Norberto Bobbio, os direitos humanos nascem como direitos naturais univer-
sais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares (quando cada Constituição
incorpora Declarações de Direito), para finalmente encontrarem sua plena realização
como direitos positivos universais.54 Para Herrera Flores, “os direitos humanos são o con-
junto de processos de luta pela dignidade humana”.55
Quadra explicitar que, enquanto os direitos humanos estão contemplados na
Declaração Universal dos Direitos Humanos, nos tratados internacionais, nos costu-
mes dos povos e nos princípios jurídicos, os direitos fundamentais são todos aqueles
positivados nos ordenamentos jurídicos de cada Nação, notadamente em textos
constitucionais.56 Carlos Henrique Bezerra Leite salienta que essa distinção entre esses

52
Op. cit., p. 24.
53
Cf. MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat. Do espírito das leis. Tradução de Fernando
Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1985. (Os
Pensadores).
54
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:
Campus, 1992. p. 30.
55
FLORES, Joaquín Herrera. Teoria crítica dos direitos humanos: os direitos humanos como
produtos culturais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 213.
56
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 1998. p. 31.

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216 Alcenir José Demo, Carlos Henrique Bezerra Leite

dois blocos de direitos equivale a dizer que nem todo direito fundamental pode ser
considerado um direito humano, e vice-versa.57
Não destoou desse viés humanista a vigente Constituição Federal brasileira,
conforme se depreende da inteligência do seu art. 5º, caput, através do qual é garan-
tida aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, seguindo-se ao indi-
gitado artigo um extenso rol de incisos contendo direitos e garantias fundamentais,
individuais e coletivos.
Ante a positivação desse direito à liberdade, sempre quando houver a deflagração
de uma ação penal, impõe-se que seja conferido ao acusado o direito ao contraditório e à
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, sem prejuízo, é claro, do atendimento
de outros direitos e garantias ali consignados, como, por exemplo, especificamente
no âmbito do processo judicial penal (processo de conhecimento),58 do princípio da
presunção do estado de inocência (inc. LVII) e da possibilidade de o réu, caso queira,
“permanecer calado” (sic) durante o seu interrogatório (inc. LXIII). De resto, a jurisdi-
ção deve ser prestada mediante o devido processo legal, cuja realização demanda,
invariavelmente, um olhar sob a perspectiva do Estado Constitucional Democrático de
Direito, tendo este por fundamento, dentre outros, o princípio da dignidade da pessoa
humana (CF, art. 1º, III).
Posto isso, pergunta-se: à luz da cláusula do due process of law, o interrogatório
realizado no início da instrução probatória no processo penal fere (ou não) o princípio
constitucional da ampla defesa?
Inicialmente, é preciso considerar que o interrogatório é uma das peças mais
impor­tantes do processo penal; e sendo este (processo) um instrumento para verificação
da procedência (ou não) da pretensão punitiva estatal, e não um meio de se condenar
alguém a qualquer preço, é de todo razoável que aquele ato processual seja realizado ao
cabo da inquirição das testemunhas. Urge, pois, destarte, que seja feita pelo Estado-Juiz
uma interpretação conforme a Constituição das normas insertas no Código de Processo
Penal, bem como, de resto, de toda e qualquer legislação processual que esteja em vigor,
à luz do princípio da ampla defesa.
Segundo Fernando Capez, implica dever do Estado proporcionar a todo acusado
a mais completa defesa, seja de ordem pessoal (autodefesa), seja de ordem técnica
(através de defensor); ressaltando que do princípio da ampla defesa “também decorre

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 34.
57

O processo penal de execução conta, também, com os direitos e garantias a serem observados
58

ao réu condenado (v. g., CF/88, art. 5º, XLVI, XLVII e XLVIII; e Lei nº 7.210/84, arts. 40 e 41).

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O momento do interrogatório do réu na Lei de Tóxicos sob a perspectiva da garantia fundamental da ampla defesa 217
a obrigatoriedade de se observar a ordem natural do processo, de modo que a defesa
se manifeste sempre em último lugar”.59
Trata-se o interrogatório de um importante meio de defesa, sendo ele, na ver-
dade, um direito subjetivo do acusado; tanto que, mesmo com o transcurso in albis
do prazo para apresentação de resposta escrita (tendo sido realizada validamente
a citação do réu) e, por conseguinte, decretando-se a revelia do denunciado, prevê
o Código de Processo Penal que o acusado, caso queira e compareça em juízo, será
“qualificado e interrogado”. Senão, vejamos:

Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no


curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de
seu defensor, constituído ou nomeado.

Importa destacar, nesse ponto, que a redação atual desse artigo é oriunda da
Lei nº 10.792/03, que conferiu maiores garantias ao réu, dando, por conseguinte, har-
monia a todo o arcabouço processual penal, sempre primando pela garantia da ampla
defesa do acusado, uma vez que, agora, passou tal norma a prever, expressamente, a
presença imprescindível do defensor em tal ato processual.
Dessa forma, é nítida a intenção do legislador em conferir aos acusados maiores
direitos e garantias de ordem processual, sendo esta, aliás, a vontade da nossa Carta
Magna, na busca da realização do garantismo penal, conforme se pode inferir, por
exemplo, do princípio da presunção de inocência (CF, art. 5º, LVII).
Vê-se, portanto, quão importante é o direito do réu em ser interrogado “durante
o curso da ação penal”. A propósito, a expressão “‘no curso da ação penal’ indica o perío­
do que medeia entre o início da ação penal e o julgamento de primeira instância [...].
Depois deste termo, a critério da superior instância, o interrogatório pode ser realizado,
desde que útil para o esclarecimento dos fatos”.60 Nota-se, com isso, que tal espécie de
prova pode ser produzida ainda que encerrada a instrução criminal e proferida sentença,
desde que pendente a análise de curso de apelação. É o que estabelece o Código de
Processo Penal, em seu art. 616, conforme abaixo transcrito, textualmente:

Art. 616. No julgamento das apelações poderá o tribunal, câmara ou turma


proceder a novo interrogatório do acusado, reinquirir testemunhas ou
determinar outras diligências.

59
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 20.
60
JESUS, Damásio Evangelista de. Questões criminais. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 320.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 199-227, abr./jun. 2012
218 Alcenir José Demo, Carlos Henrique Bezerra Leite

Para Vicente Greco Filho,61 como o interrogatório representa a audiência do réu,


é ele sempre necessário, desde que o acusado se encontre presente. Deve ser realizado,
sob pena de nulidade (art. 564, III, e), a qualquer tempo, de modo que, se o acusado
não foi interrogado no momento correto, poderá sê-lo posteriormente, inclusive após a
sentença. Sustenta ainda Greco Filho que o entendimento mais aceito sobre a natureza
do interrogatório é o de ser ele ato de defesa, posto que nele pode o réu trazer a tese de
defesa, sendo também a oportunidade para apresentar sua versão dos fatos, não obs-
tante tem sido o interrogatório considerado, também, ato de instrução, porque pode
servir como prova. E mais: no interrogatório, o réu tem o direito constitucionalmente
garantido de ficar calado, não podendo o silêncio ser usado em seu desfavor, como
dispõe o art. 186 e seu parágrafo único.
A par dessas considerações acima sobre a importância jurídica do interroga-
tório do réu, cujo ato processual se apresenta como imprescindível, contanto que o
imputado se faça presente, é preciso que seja também garantido que a colheita de seu
depoimento seja postergada para o momento imediatamente seguinte ao da oitiva
testemunhal. Só assim estará o Estado-Juiz observando, quantum satis, o princípio da
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, conforme garantido constitu-
cionalmente para todo acusado em processo penal. É de se observar, en passant, que
a Constituição da República se preocupou mais em estabelecer garantias para o pro-
cesso penal do que para o processo civil, tanto que, em relação a este último, além das
garan­tias gerais, alguns dos princípios constitucionais são inferidos, de regra, mediante
a interpretação do sistema, e não por meio de textos expressos. Nessa quadra, ainda
segundo as lições de Greco Filho,

Para o desenvolvimento e estrutura do processo penal, a garantia mais


importante e ao redor da qual todo o processo gravita é a da ampla defesa,
com os recursos a ela inerentes, sobre a qual convém insistir e ampliar.
[...]
A ampla defesa se traduz, em termos objetivos, englobando a instrução
condenatória, em algumas soluções técnicas dentro do processo, as
quais, na verdade, tornam efetiva a garantia.62

Por todo o exposto, cabe à autoridade judicante decidir, quando da abertura dos
trabalhos relativos à audiência de instrução e julgamento, pela realização do interro-
gatório do réu logo após a colheita da prova vocal no procedimento da Lei de Tóxicos.
Indubitavelmente — é imperioso aqui dizer —, a realização do interrogatório no
limiar da instrução probatória no processo penal é resquício de um Estado despótico,

GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 215.
61

GRECO FILHO, op. cit., p. 55.


62

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 199-227, abr./jun. 2012
O momento do interrogatório do réu na Lei de Tóxicos sob a perspectiva da garantia fundamental da ampla defesa 219
policialesco, fruto da chamada “Era Vargas”, de cujo Governo surgiu o execrável “Estado
Novo”, de triste memória, durante o qual foi editado o Código de Processo Penal
(Decreto-Lei nº 3.689/41), e, nesse modelo, o interrogatório era visto muito mais como
um meio de prova do que como um meio de defesa.
Tem-se, portanto, como inconcebível, do ponto de vista do “processo justo”,
que, mesmo prevendo o art. 156 do CPP que a prova da alegação incumbirá a quem a
fizer, ainda exista legislação estabelecendo o interrogatório para o início da instrução
probatória (?!). E esse é o caso — repete-se — da Lei nº 11.343/06 (Lei Antidrogas),
devendo registrar que, em virtude do espaço reservado ao presente trabalho cien-
tífico, tal problemática se restringirá à análise apenas dessa indigitada legislação.
Assim, malgrado dispor o art. 57 da mencionada Lei de Tóxicos que, na audiên­
cia de instrução e julgamento, o interrogatório do acusado será realizado antes da
inquirição das testemunhas, é preciso que o Estado-Juiz promova a alteração proce-
dimental desse momento do interrogatório, passando-o para o final da colheita da
prova oral, conforme está agora previsto no Código de Processo Penal, por força da
Lei nº 11.719/08,63 que modificou a redação do art. 400, de seguinte teor:

Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo


máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do
ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela
defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código,
bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhe-
cimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.

Tal adequação procedimental é, a par de juridicamente possível, imperiosa


para que seja cumprida, em todos os seus termos, a garantia constitucional da ampla
defesa em um processo penal. Essa sublime missão está reservada aos magistrados,
responsáveis que são pelo “justo concreto”, quando da interpretação/aplicação da lei.
E para concretizar tal solução constitucionalmente adequada e justa para o
problema em pauta, deve o magistrado proceder a uma interpretação conforme a
Constituição (Hermenêutica Constitucional), rompendo, assim, de uma vez por todas,
com aquela retrógrada postura hermenêutica tradicional.
Convém abrir um parêntese e fazer aqui uma simetria interpretativa do art. 394,
§4º, do CPP, estatuindo que “as disposições dos arts. 395 a 398 deste Código apli­
cam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados

63
Quadra observar que, por força dessa minirreforma processual, o legislador demonstrou o
seu interesse em ampliar substancialmente o direito de defesa do réu, bastando citar, por
exemplo, além do art. 400, os arts. 396-A e 397, com os quais é agora possível ao acusado
“arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa”, devendo o juiz, por seu turno,
absolver sumariamente o acusado se e quando verificar a ocorrência de alguma das hipóteses
ali especificadas.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 199-227, abr./jun. 2012
220 Alcenir José Demo, Carlos Henrique Bezerra Leite

nesteCódigo”Atento a essa supratranscrita disposição legal, Tourinho Filho afirma,


peremptoria­mente, que todos os procedimentos relativos a crimes previstos em lei
especial, dentre estes o da Lei nº 11.343/06, sujeitam-se agora às regras estabelecidas
nos arts. 394 a 398 do Código de Processo Penal. Logo, conclui o referido processua­
lista, a todos os procedimentos de primeiro grau se aplicam as regras atinentes ao
recebimento e rejeição de denúncia, resposta do réu e julgamento antecipado de que
trata o art. 397 do CPP, não importando se o procedimento é sumário, sumaríssimo,
tampouco se se trata de procedimento especial, previsto ou não neste Código. Assim,
para ele, os procedimentos relativos a crimes de abuso de autoridade, contra a econo-
mia popular, entorpecentes, falimentares, lavagem ou ocultação de bens, malgrado
previstos em leis especiais, sujeitam-se às regras expostas nos arts. 395 a 398 do CPP.64
Conquanto tal posicionamento doutrinário diga respeito a outras fases proces-
suais, não há nenhum óbice jurídico a que ele possa ser também aplicado — mediante
uma interpretação sistemática e teleológica da referida norma processual — em favor
da proposta ora sub examine, visando à adequação legal quanto ao momento do inter-
rogatório do réu na Lei de Tóxico, para que, como meio de defesa que é o referido ato,
possa ser tomado o depoimento do acusado quando do encerramento da colheita da
prova testemunhal.
Guilherme de Souza Nucci, ao tratar sobre essa questão, preleciona, textualmente:

MOMENTO PROCESSUAL ADEQUADO PARA A REALIZAÇÃO DO INTER-


ROGATÓRIO: debate-se, em doutrina, se o momento mais adequado
para o juiz ouvir o réu deveria ser o início ou o final da instrução, vale
dizer, a primeira inquirição a ser feita ou a última. [...] A Lei 9.099/95
adotara procedimento diverso, prevendo a oitiva do réu, em interroga-
tório, ao final da colheita da prova (art. 81, caput). Nenhum sistema é
perfeito, contando, como já demonstramos, com vantagens e desvan-
tagens. [...] A alteração trazidas pelas Leis 11.689/2008 e 11.719/2008
passou o interrogatório para o último ato da instrução no procedimento
comum (ordinário, sumário e sumaríssimo) e no procedimento do júri.
A consequência dessa modificação tem sido sentida por vários magis-
trados, na prática: elevou-se o número de confissões.65

Não se pode deslembrar que o Estado Constitucional é o resultado dos direitos


conquistados pela humanidade ao longo da sua história, sendo exemplos os relativos
à vida, à segurança, à liberdade e à igualdade, todos eles tendo como eixo central a

64
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal comentado. 13. ed. São Paulo:
Saraiva, 2010. v. 2, p. 23.
65
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 9. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009. p. 405-406.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 199-227, abr./jun. 2012
O momento do interrogatório do réu na Lei de Tóxicos sob a perspectiva da garantia fundamental da ampla defesa 221
dignidade da pessoa humana, cujo princípio-mãe se irradia por todo o ordenamento
jurídico pátrio.
Por essa e outras razões acima alinhavadas, a decisão mais consentânea com o
querer da Carta Política de 1988 é, insofismavelmente, a que está sendo aqui defen-
dida neste trabalho, sendo tal posicionamento uma forma de garantir a efetivação do
princípio da ampla defesa (CF, art. 5º, LV) e, reflexamente, do princípio da dignidade
da pessoa humana, erigido que foi este pelo constituinte como um dos funda­mentos
da República Federativa do Brasil, conforme se pode deduzir da simples leitura ao
art. 1º, inc. III, da Lei Maior.
Em contrapartida, eventual não acolhimento da aplicação da reportada mudança
procedimental (art. 400 do CPP) àquela Lei de Tóxicos, resultará, ipso facto, em prejuízo
para com a defesa do acusado, respingando, por conseguinte, na sua própria dignidade
pessoal, isto pelo fato de se estar dando tratamento desigual para iguais. Com efeito,
uma interpretação restritiva da norma contida no art. 400 do CPP importa em um des-
crimen inaceitável na perspectiva dos direitos e garantias fundamentais, haja vista que o
acusado, em sendo interrogado num processo instaurado para apuração do delito tipifi-
cado como crime de tráfico de entorpecentes (art. 33 da Lei de Tóxicos), de acordo com
o procedimento estabelecido pelo art. 57 da Lei nº 11.343/06, terá seu direito de defesa
sobremodo restringido, posto que tal ato será realizado no limiar da audiência de ins-
trução e julgamento; ao passo que em outro processo penal, envolvendo delito diverso
daquele (até mesmo um crime hediondo ou a ele equiparado!),66 terá o réu o direito de
ser interrogado após a colheita da prova oral, ex vi do procedimento estabelecido pelo
art. 400 do CPP.
Ora, um posicionamento desse naipe está a afrontar, inclusive, o princípio da
igualdade substancial67 (CF, art. 5º, caput), além daqueles direitos e garantias funda-
mentais já especificados; sendo este, portanto, mais um móvel para que o Estado-Juiz
se posicione da forma supramencionada. A propósito, Rui Barbosa, ao comentar sobre
o princípio da igualdade, assim sentenciou: “Tratar com desigualdade a iguais, ou a
desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real”.68
Lembra Portanova69 que se costuma atribuir ao filósofo Aristóteles a máxima
segundo a qual “igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os

66
Dispõe sobre os crimes hediondos a Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990. Em seu art. 1º consta
o elenco dos crimes considerados hediondos; devendo ser ressaltado que, a teor do seu art.
2º, o crime de tortura é equiparado ao delito de hediondez, o mesmo ocorrendo com o crime
de tráfico ilícito de entorpecentes.
67
Não há falar-se, hodiernamente, em “igualdade formal”, à moda do Estado Liberal; exigindo-se,
agora, do Poder Judiciário que seja dispensado às partes um tratamento isonômico material.
68
BARBOSA, Rui. Oração aos moços. 18. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 55.
69
PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
p. 36-37.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 199-227, abr./jun. 2012
222 Alcenir José Demo, Carlos Henrique Bezerra Leite

desiguais na medida de suas desigualdades”. Enfatiza o referido jurista, mais adiante,


que “os princípios de igualdade e liberdade são sinônimos de justiça”, passando, ato
contínuo, a tratar das “Dimensões da igualdade”, in verbis:

O princípio isonômico tem dupla significação: teórico, como repulsa a


privilégios injustificados; e prático — como igualizador — ajudando a
aplicação da norma em caso de insuficiência ou inadequada igualdade
diante das peculiaridades de um caso concreto.
A igualdade, dessa forma, passou a fazer a ponte entre o direito e a reali-
dade que lhe é subjacente. A justiça distributiva, prevista por Aristóteles,
passou a ser acatada, seguindo a proporção em que os desiguais passam
a ser tratados desigualmente, mas com o sentido de pôr fim às desigual-
dades que colocassem em risco a dignidade da pessoa humana.
O princípio da igualdade, pela sua importância no direito brasileiro, está
previsto já no Preâmbulo da Constituição e em seu art. 5º: “todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Não é demasia
admitir que se está diante de princípio supraconstitucional, no sentido
de que outras disposições da Constituição lhe devem obediência.

Entrementes, constata-se que o Superior Tribunal de Justiça tem resistido em


aceitar que tal adequação procedimental seja feita pelo magistrado, baseando-se,
para tanto, no simples fato de a Lei nº 11.343/06 prever “rito especial”.70 É o que se
infere do teor dos arestos abaixo:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O


TRÁFICO DE DROGAS. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. VIOLAÇÃO AO PRINCÍ-
PIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. APLICAÇÃO DAS REGRAS DO ART.
132 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. OITIVA DO RÉU ANTES DAS TESTE-
MUNHAS. LEGALIDADE. RITO ESPECIAL PREVISTO NA LEI Nº 11.343/06.
PLEITO DE ABSOLVIÇÃO DO PACIENTE OU DESCLASSIFICAÇÃO PARA
DELITO DE USO. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVA. FIXAÇÃO DA
PENA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. ORDEM DENEGADA.

1. [...]
2. Os crimes tratados pela Lei nº 11.343/06 possuem rito próprio, no qual
o interrogatório inaugura a audiência de instrução e julgamento. Desse
modo, inexiste o sustentado cerceamento de defesa por inobservância
do art. 400 do Código de Processo Penal, que determina que a oitiva do
réu ocorrerá após a inquirição das testemunhas.

Apesar de esse dogma interpretativo, herança da hermenêutica clássica, ser ainda aplicado
70

quando o hermeneuta se depara com uma “lei especial” em confronto com uma “lei geral”, a
temática que está sendo aqui discutida envolve princípios constitucionais (v.g., devido processo
legal, ampla defesa, igualdade substancial, dignidade da pessoa humana), impondo-se, destarte,
uma solução jurídica em um âmbito maior, pertinente com os direitos e garantias fundamentais,
como é o caso da interpretação conforme a Constituição (Hermenêutica Constitucional).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 199-227, abr./jun. 2012
O momento do interrogatório do réu na Lei de Tóxicos sob a perspectiva da garantia fundamental da ampla defesa 223
3. Correto o acórdão impugnado ao afirmar que é não é possível, na via do
habeas corpus, examinar a alegação de que a sentença condenatória con-
traria as provas coligidas durante a instrução criminal, por demandar apro-
fundado exame do conjunto fático-probatório dos autos. Do mesmo modo,
inviável acolher a tese de que o Paciente é inocente ou mero usuário de
drogas, para absolvê-lo ou diminuir sua reprimenda, até porque as instân-
cias ordinárias afastaram esse argumento com fundamentação coerente.
4. O Tribunal de Justiça a quo considerou, nos exatos termos do art. 42
da Lei nº 11.343/2006, que a quantidade da substância entorpecente
apreen­dida trouxe maior reprovabilidade à conduta do agente. E, como
não resta comprovada nenhuma ilegalidade ou abuso de poder na
individu­alização da pena-base, essa via não é adequada para dizer se foi
justa ou não a reprimenda aplicada ao Paciente. 5. Ordem denegada.71
INOBSERVÂNCIA DO ART. 400 DO CPP. PREVALÊNCIA DO PROCEDIMENTO
COMUM E REALIZAÇÃO DO INTERROGATÓRIO COMO ÚLTIMO ATO DE INS-
TRUÇÃO. NULIDADES NÃO CARACTERIZADAS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
NÃO CONFIGURADO.
1. Nos termos do art. 394, §2º, salvo disposições em contrário do Código
de Processo Penal ou de lei especial, o procedimento comum será apli-
cado a todos os processos. Logo, possuindo a Lei 11.343/06 rito próprio,
afastadas estão, destarte, as normas do procedimento comum.
2. In casu, não se verifica a existência de nulidade em face da alegada
inob­servância do art. 400 do CPP, pois além do art. 57 da Lei 11.343/06 dis-
por que o interrogatório inaugura a audiência de instrução e julgamento,
ao contrário do rito do Estatuto Processual Penal que o fixou como último
ato da instrução, nos termos do seu art. 400, o juízo monocrático, no caso
concreto, seguindo o rito especial da Lei 11.343/06, aplicou algumas das
disposições estabelecidas no Código de Processo Penal, realizando uma
mescla dos procedimentos, com o escopo de concretizar o ditame consti-
tucional da ampla defesa e do contraditório, não havendo falar, portanto,
em constrangimento ilegal. [...]
2. Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão, denegada.72

Malgrado tais decisões serem em sentido contrário à posição aqui defendida,


acredita-se que, por se tratar de acórdãos proferidos em sede de Habeas Corpus, o
Egrégio Superior Tribunal de Justiça possa, brevemente, modificar essa sua interpre-
tação restritiva quanto à aplicação da norma procedimental do art. 400 do Código de
Processo Penal, passando a aplicá-la, então, a todos os delitos cujos procedimentos se
apresentarem contrários àquele, a exemplo do constante da Lei de Tóxicos.

71
Habeas Corpus nº 138.876/DF, Quinta Turma, Minª. Relª. Laurita Vaz. Data do Julgamento:
11.10.2011.
72
Habeas Corpus nº 166.728/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe, 21 set. 2011.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 199-227, abr./jun. 2012
224 Alcenir José Demo, Carlos Henrique Bezerra Leite

Enquanto isso não acontece, resta ao intérprete/aplicador da norma, caso


comungue com o entendimento aqui por nós externado, seguir as lições (sempre
atuais) de Carlos Maximiliano, para quem

O intérprete é o renovador inteligente e cauto, o sociólogo do Direito. O


seu trabalho rejuvenesce e fecunda a fórmula prematuramente decré-
pita, e atua como elemento integrador e complementar da própria lei
escrita. Esta é a estática, e a função interpretativa, a dinâmica do Direito.
[...]
Não raro, a obra renovadora parte dos juízes inferiores, por isto mesmo, não
há motivo para impor aos magistrados obediência compulsória à jurispru-
dência superior, como faziam diversos tribunais locais mediante advertências
e censuras.
Ante a impossibilidade de prever todos os casos particulares, o legislador
prefere pairar nas alturas, fixar princípios, estabelecer preceitos gerais,
de largo alcance, embora precisos e claros. Deixa ao aplicador do Direito
(juiz, autoridade administrativa, ou homem particular) a tarefa de enqua-
drar o fato humano em uma norma jurídica, para o que é indispensável
compreendê-la bem, determinar-lhe o conteúdo. Ao passar do terreno
das abstrações para o das realidades, pululam os embaraços; por isso, a
necessidade da Interpretação é permanente, por mais bem formuladas
que sejam as prescrições legais.73 (grifos nossos)

São essas, pois, algumas críticas e sugestões que vislumbramos pertinentes


trazer para um fecundo debate acadêmico, esperando que o presente artigo possa
contribuir para a realização de um “processo penal de resultado justo”. É nesse rumo, a
nosso ver, que o intérprete/aplicador do Direito deve caminhar.

6 Considerações finais
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o intérprete do Direito
passou a lidar com um anacronismo na legislação brasileira, quando esta é posta em
confronto com os princípios constitucionais, mormente aqueles constantes do elenco
do art. 5º da Carta Magna.
Nesse viés, cabe ao magistrado analisar, em cada causa que lhe é submetida a jul-
gamento, se é possível (ou não) a aplicação da norma legal em vigor pertinente ao caso
concreto, exigindo-se dele, para a prestação do serviço público jurisdicional, que lance
mão das técnicas interpretativas, a exemplo da interpretação conforme a Constituição.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense,
73

1994. p. 12-13.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 199-227, abr./jun. 2012
O momento do interrogatório do réu na Lei de Tóxicos sob a perspectiva da garantia fundamental da ampla defesa 225
Nesse diapasão, conquanto o Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689/41)
tenha sido recepcionado pela vigente Carta Política, o legislador ordinário vem promo-
vendo alterações pontuais em alguns dos seus institutos jurídicos.
Uma dessas minirreformas se deu com a Lei nº 10.792/03, modificando a redação
dos arts. 185 et seq. do CPP, que tratam do interrogatório do réu, sendo que, por força da
Lei nº 11.719/08, tal ato processual passou a ser realizado no momento imediatamente
posterior à inquirição das testemunhas, conforme se depreende de seu art. 400.
Foi aqui analisado que, em virtude do teor desse dispositivo legal, estabeleceu-se
uma nova ordem procedimental, daí surgindo a problemática que foi objeto desta nos-
sa investigação científica, a saber: se, diante do teor do art. 400 do CPP, deve (ou não)
o juiz sempre interrogar o réu após a colheita da prova oral, não importando o tipo
penal que está sendo imputado a ele. A resposta encontrada foi afirmativa, tendo sido
tomado, como paradigma, o procedimento estabelecido pela Lei nº 11.343/06 (Lei de
Tóxicos); cabendo ao magistrado, in casu, após proceder a uma interpretação conforme
a Constituição, determinar, em decisão fundamentada, logo no início da audiência de
instrução e julgamento, a inversão do momento em que se dará o interrogatório do réu,
com o que restará garantida a amplitude de sua defesa no processo penal.
Eis, pois, a grande missão que cabe a cada um de nós, operadores do Direito:
criar um “novo processo penal”, à luz do modelo acusatório, através do qual seja pos-
sível a concretização, quantum satis, dos direitos e garantias fundamentais a que faz
jus todo aquele que porventura tiver contra si uma ação penal instaurada, de modo
a poder contar o acusado, ao longo do iter procedimental, com um tratamento subs-
tancialmente justo e équo, evitando-se, por via reflexa, eventuais prejuízos no tocante
aos seus bens e valores jurídicos, a exemplo da liberdade, igualdade e dignidade da
pessoa humana, sendo esta, conforme alhures enfatizado, um dos fundamentos da
República Federativa do Brasil.
Decerto o presente trabalho não teve, como não tem, o propósito de esgotar o
tema. Muito longe disso. Objetivamos, na verdade, apenas contribuir para a análise e
estudo de uma temática tão palpitante no mundo jurídico moderno, que é o direito à
ampla defesa no processo penal.

Summary: By virtue of the Charter of 1988, there was a need to change


much legislation, example of the Decree-Law n. 3.689/41, which estab-
lished the code of criminal procedure. One of these reforms has occurred
with Law n. 11.719/08, which gave new wording to art. 400 of the CPP, set-
ting a new time of interrogation of the defendant, passing such procedural
act to be held soon after the harvest of witness evidence. As a result, the
proposal of this article is to be applied this procedure for all crimes, thereby
ensuring the accused the constitutional principle of broad defense.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 199-227, abr./jun. 2012
226 Alcenir José Demo, Carlos Henrique Bezerra Leite

Key words: Interrogation of the defendant. Defense. Substantive equality.


Human dignity.

Referências

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R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 199-227, abr./jun. 2012
O momento do interrogatório do réu na Lei de Tóxicos sob a perspectiva da garantia fundamental da ampla defesa 227
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

DEMO, Alcenir José; LEITE, Carlos Henrique Bezerra. O momento do interrogatório do réu na Lei
de Tóxicos sob a perspectiva da garantia fundamental da ampla defesa. Revista Brasileira de Direito
Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 199-227, abr./jun. 2012.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 199-227, abr./jun. 2012
RESENHAS
FONSECA, João Francisco Naves da. Exame dos
fatos nos recursos extraordinário e especial. São
Paulo: Saraiva, 2012

Em mais um volume da Coleção Theotonio Negrão, a Editora Saraiva oferece à


comunidade jurídica (e aos estudiosos do processo em particular) a Dissertação de
Mestrado defendida por João Francisco Naves da Fonseca no Largo de São Francisco,
perante banca composta pelos Professores Cândido Rangel Dinamarco (orientador),
Flávio Luiz Yarshell e Teori Albino Zavascki (este último também Ministro do Superior
Tribunal de Justiça, e, portanto, com profunda experiência — forjada no dia a dia de
quem tem a responsabilidade de dizer e aplicar o direito — a respeito das dificuldades
envolvidas no tema escolhido pelo autor).
O problema da distinção entre questão de fato e questão de direito, como se sabe,
não é novo, remontando, como lembra o autor — em breve escorço histórico a respeito
dos recursos de direito estrito1 — à criação do recurso de cassação após a Revolução
Francesa, como forma de controlar os magistrados formados pelo Ancien Régime.
Nem por isso, contudo, cuida-se de discussão superada ou meramente acadêmica.
Muito pelo contrário.
Em países que adotam recursos de tal natureza, como o Brasil (e, arriscamo-nos
a dizer, o respeito ao Estado de Direito e um de seus corolários — o princípio da legali-
dade — não nos permite imaginar que se trate de uma opção do legislador),2 a distin-
ção entre matéria de fato e de direito representa, na prática, a possibilidade concreta3
de interpor recurso contra as decisões proferidas pelos Tribunais locais (Tribunais de
Justiça e Regionais Federais), mantendo o estado de litispendência e, eventualmente,
de obter a reforma de uma decisão desfavorável à parte recorrente. É, no limite, a
diferença entre a confirmação da derrota e a manutenção da esperança de vitória.

1
Cf. Capítulo II, §2º.
2
O que torna tais recursos mais importantes do que a apelação e a ideia tradicional de “duplo
grau de jurisdição”. Cf. COMOGLIO, Luigi Paolo. Il doppio grado di giudizio nelle prospettive
di revisione costituzionale. Rivista di Diritto Processualle, 1999, p. 317-334. Aliás, não parece
haver dúvida na doutrina quanto à maior perniciosidade do erro de direito, em comparação
com o erro de fato. CF. Capítulo III, §7º, 21.
3
Obviamente que a parte recorrer mesmo sabendo que o inconformismo se dirige, no fundo,
à matéria de fato, não havendo questão constitucional ou de direito federal a ser apreciada,
sem real perspectiva de que o recurso seja provido, mas semelhante tentativa, ante a existên-
cia dos óbices (legítimos e ilegítimos) ao conhecimento dos recursos excepcionais, revela-se
vã, tornando apenas questão de tempo o trânsito em julgado da decisão recorrida.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 231-235, abr./jun. 2012
232 Eduardo Henrique de Oliveira Yoshikawa

Isso foi bem ressaltado pelo grande advogado e processualista florentino Piero
Calamandrei em seu precioso livro Eles, os juízes, vistos por um advogado,4 ao falar da
“habilidade” de alguns advogados (e às vezes dos juízes) de transformar questões de
fato em questões de direito e vice-versa:

Algumas vezes, nos processos, a preponderância dada por advogados e


juízes às questões de direito ou às questões de fato não corresponde às
reais necessidades da causa, mas é determinada por motivos táticos, que
somente os especialistas conseguem ler nas entrelinhas das motivações.
Outrora, quando as sentenças dos antigos Parlamentos franceses eram
impugnáveis apenas por erro de fato, mas não por erro de direito, a maior
habilidade dos advogados parecia ser a de transformar qualquer dúvida
jurídica em questão de fato. O contrário acontece hoje com os advoga-
dos “cassacionistas”, os quais, para poderem reformar em grau de cassa-
ção as decisões recorríveis apenas por violação da lei, extraem das mais
modestas e concretas circunstâncias de fato pretextos para dissertar de
apicibus iuris.
Mas não desejaríamos que os juízes utilizasses esses expedientes cavi-
losos. Dá pena vê-los, às vezes, para porem seus vereditos ao abrigo da
reforma, esmerarem-se em passar por alto questões essenciais de direito,
e dar à luz certas decisões tão pesadamente fundadas “no fato”, que pare-
cem revestidas de uma desajeitada couraça destinada a impedir não só os
golpes habilidosos dos advogados (o que pode ser bom), mas também
(o que sem dúvida é ruim) o olhar indagador do Tribunal de Cassação.

O que nos leva de volta ao livro, no qual o problema é tratado no Capítulo III.
O fenômeno jurídico envolve, necessariamente, fatos. “É sempre um aconteci-
mento da vida, um fato em sentido amplo (fato ou ato jurídico, conforme resulte ou não
da vontade humana), que desencadeia a criação, extinção ou modificação de direitos.
Ex facto oritur ius”.5
Nesse sentido, lembra o autor a lição de Miguel Reale (o direito é constituído de
fato, valor e norma).
Daí não se segue, porém, que não seja possível, em que pese às vezes não seja
fácil, separar no processo as questões de fato das questões de direito.
Não há direito sem fatos, mas, no processo, essa realidade pode sofrer um “recorte”,
por força da qual o objeto da investigação judicial recai apenas sobre o direito (interpre-
tação da norma jurídica ou a subsunção do fato a ela). É o que ocorre, por exemplo, no

4
CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por um advogado. Tradução de Eduardo Brandão.
São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 170-171.
5
Cf. Distinção entre questão de fato e questão de direito: reexame e valoração da prova no
recurso especial. Revista Dialética de Direito Processual, n. 43, p. 32, out. 2006, de nossa autoria.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 231-235, abr./jun. 2012
Resenha 233

julgamento antecipado da lide, na hipótese do art. 330, I, principio, do CPC, em razão da


inexistência de controvérsia a respeito da matéria fática. E também nos recursos especial
e extraordinário, com a ressalva de que uma vez conhecido o recurso e afastado o erro de
direito o Tribunal deve julgar a causa, aplicando o direito à espécie (Súmula nº 456 do STF),
isto é, examinando os fatos, dentro de certos limites.6
Com razão, assim, rejeita o autor a teoria (importada do direito norte-americano)
das chamadas questões mistas,7 conceituando a questão de fato como “a dúvida que versa
sobre a reconstituição histórica de acontecimentos ou sobre o correto entendimento de
circunstâncias passadas ou presentes, cuja solução é relevante para o julgamento da causa”.
Como observa o Prof. Cândido Rangel Dinamarco no Prefácio, “mesmo em caso
de grande dificuldade para a distinção entre questões de fato e de direito, a dicotomia
deve sempre prevalecer, apesar do desafio que a distinção oferece ao intérprete”.
Enfrentada (e a nosso juízo, vencida) a tarefa de distinguir as questões de fato das de
direito, propõe o autor o que denomina “correto dimensionamento da vedação ao reexame
dos fatos nos recursos extraordinário e especial”, sendo este o grande mérito do trabalho.
Como já salientamos, não é novo o problema da distinção entre fato e direito
nos recursos excepcionais. Nem sempre, porém, aqueles que conseguem resolver tal
problema conseguem extrair da solução resultados proveitosos, como os obtidos pelo autor.
Deveras, do resultado da investigação realizada no Capítulo III extrai o autor
conclusões úteis para evitar que julgadores menos atentos (ou mal assessorados)
possam descartar indevidamente, invocando a vedação do reexame de fatos, ques-
tões de direito constitucional e infraconstitucional que, presume-se, por sua própria
natureza são relevantes (e não apenas para as partes) e merecem ser enfrentadas
pelos Tribunais Superiores.
Assim, trata o autor na última parte da obra de cinco ordens de questões: a quali-
ficação jurídica da prova, a valoração jurídica da prova, o controle do julgamento liminar
de improcedência (art. 285-A do CPC), o controle do julgamento antecipado do mérito
(art. 330 do CPC) e o controle das decisões que concedem medidas de urgência, das
quais algumas merecem breves comentários.
Em matéria da qualificação jurídica do fato, que configura inequivocamente
questão de direito suscetível de exame em recurso especial ou extraordinário, aborda
o autor temas relativos a danos morais, honorários advocatícios e lucros cessantes,
além de ressaltar a possibilidade do controle da legalidade das cláusulas contratuais.

6
Demonstra o autor que no julgamento do recurso o Tribunal não pode julgar desde logo a
causa se houver prova a ser produzida e que igualmente deve respeitar as conclusões do
Tribunal a quo a respeito da matéria fática contida no acórdão recorrido (salvo, por exemplo,
se afastar determinada prova por reputá-la ilegal). Cf. Capítulo IV, §8º, 24.
7
Cf. Capítulo III, §5º, 16 e 17.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 231-235, abr./jun. 2012
234 Eduardo Henrique de Oliveira Yoshikawa

Merece destaque, nesse capítulo, a firme posição no sentido da possibilidade


de controle, por meio dos recursos excepcionais, de conceitos indeterminados dos
quais tem abusado o legislador, tais como boa-fé contratual e onerosidade excessiva,
sob pena de as decisões se tornarem imprevisíveis, em detrimento do princípio da
legalidade e da impostergável necessidade de segurança jurídica.
Outro tema relevante é a defesa feita pelo autor do controle pelo Superior
Tribunal de Justiça do arbitramento do valor das indenizações por dano moral, para
reduzi-las ou aumentá-las, com fundamento na ideia de razoabilidade. Neste ponto,
porém, nos arriscamos a divergir. Embora em matéria de dano moral não haja propria-
mente indenização, porquanto os direitos da personalidade violados não encontram
equivalência patrimonial, a sua compensação, não obstante, também deve observar a
regra do art. 944, caput, do Código Civil, segundo o qual a indenização mede-se pela
extensão do dano. Ora, dimensionar a extensão do dano é inequivocamente questão
de fato, ainda que envolva a utilização de máximas de experiência (v.g., para consi-
derar intenso o dano moral decorrente da morte de parente próximo, circunstância
que é presumida à luz do que costuma acontecer). Assim, salvo se o próprio acórdão
reconhecer que está concedendo indenização em montante maior ou menor do que
a extensão do dano,8 revisar o valor da indenização demandaria o reexame do fato ou,
no mínimo, de regra de experiência.9 Até porque, ao se permitir a padronização das
indenizações pelo STJ, mesmo que levando em conta apenas a extensão do dano,10
chega-se por vias tortuosas à tarifação da indenização (v.g., em caso de morte a indeni-
zação é de 100 salários-mínimos, ou pode variar entre 100 e 300 salários-mínimos), solu-
ção rejeitada pela doutrina e, o que é o pior, pelo Poder Legislativo. O controle do valor
da indenização, quando muito, poderia ser feito por meio do recurso extraordinário, sob
a alegação de ofensa ao devido processo legal (em sentido material), como sucede no
direito norte-americano.
Quanto à valoração, voltou o autor sua atenção para problemas que frequente-
mente costumam assombrar advogados e julgadores. Principiando pelo exame da lici-
tude da prova, e, portanto, da sua eficácia em juízo, questão de direito por excelência,

8
A primeira situação pode ocorrer para aqueles que entendem que a indenização por dano
moral deve ter caráter punitivo, inspirada no direito norte-americano (punitive damages). A
segunda, caso tenha sido aplicado o parágrafo único do art. 944 do CC. Em nossa opinião,
ambas são inconstitucionais, como já tivemos a oportunidade de defender. Cf. A incompati-
bilidade do caráter punitivo da indenização do dano moral com o direito positivo brasileiro
(à luz do art. 5º, XXXIX, da CF/88 e do art. 944, caput, do CC/2002). São Paulo, Revista de Direito
Privado, n. 35, p. 77-96, jul./set. 2008.
9
Como reconhece o autor, a má aplicação de regra de experiência não pode ser objeto de
recurso especial. Cf. Capítulo IV, §10, 41.
10
Abstraindo-se, assim, outros fatores que costumam ser utilizados para arbitrar o valor da inde-
nização, como o grau de culpa do agente e o seu patrimônio (com o que não concordamos).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 231-235, abr./jun. 2012
Resenha 235

segue discorrendo a respeito do controle dos meios de prova em espécie e a sua apli-
cação em situações específicas como a do mandado de segurança e da ação monitó-
ria. Merecem destaque, ainda, as discussões a respeito do exame em recurso especial
das presunções judiciais e regras de experiência, dos fatos notórios, dos fatos confes-
sados, das alegações de fatos não impugnadas e de fatos supervenientes.
Mais não é necessário dizer para demonstrar a utilidade das investigações
desenvolvidas pelo autor.

Eduardo Henrique de Oliveira


Yoshikawa
Advogado. Mestre e Doutorando em direito
processual pela Faculdade de Direito da USP. Membro
do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP).

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

FONSECA, João Francisco Naves da. Exame dos fatos nos recursos extraordinário e especial. São
Paulo: Saraiva, 2012. Resenha de: YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. Revista Brasileira
de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 231-235, abr./jun. 2012.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 231-235, abr./jun. 2012
MARTINS, Sandro Gilbert. Processo, procedimento
e ato processual: o plano da eficácia. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2012

O livro Processo, procedimento e ato processual: o plano da eficácia, prefaciado


pelo Professor Doutor Luiz Edson Fachin, representa a versão comercial da tese com
a qual o autor, Sandro Gilbert Martins, obteve o título de doutor em Direito pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
A obra se divide em seis partes: na primeira parte, cuida o autor de apresentar
algumas noções preliminares, como os conceitos de pro­cesso, procedimento, forma-
lismo e técnica processual. Na segunda, o autor problematiza a teoria do ato processual,
temática que representa, sem dúvida, ainda, um dos pontos mais tortuosos de nossa
ciência, quer pela sua relevância, teórica e prática, quer pela multiplicidade de aborda-
gens em torno do assunto, estando, sem dúvida, ainda longe de sua maturação.
No terceiro capítulo, examinam-se o processo, o procedimento e o ato processual
no plano da existência, com seus desdobramentos práticos, valendo destacar a abor-
dagem feita em torno da teoria da aparência no processo civil e dos mecanismos para
o reconhecimento judicial da inexistência.
O quarto capítulo é dedicado ao plano da validade, o que abrange os graus e
espécies de invalidades, a (in)validade dos atos processuais isoladamente considerados
e do procedimento e as técnicas para sanar a “atipicidade do ato processual”.
No quinto e sexto capítulos, ingressa-se no estudo do plano da eficácia, que
constitui a temática central da obra. Ali são abordados os tipos de eficácia, os efeitos
processuais e também a “ineficácia” no âmbito do processo civil, assunto esmiuçado
no último capítulo, com abordagem direta de questões práticas, como a ineficácia da
decisão proferida sem a citação de litisconsorte necessário, da preclusão, do título
executivo, além de alguns casos denominados de “ineficácia do ato jurídico de direito
material no processo civil”.
Cabe aqui fazer mais um registro sobre a obra: o livro, escrito de forma clara,
objetiva e com notável rigor científico, contempla ampla revisão de literatura, com
referências a autores clássicos, estrangeiros e nacionais, e contemporâneos, reve-
lando amplitude e seriedade na pesquisa desenvolvida.
O objeto central do trabalho está na análise do plano da eficácia no âmbito do pro-
cesso civil — problemática olvidada pela esmagadora maioria da doutrina nacional —,
muito embora não deixe o autor de abordar também os planos da existência e da vali-
dade, revelando, assim, a influência da obra de Pontes de Miranda no seu pensamento.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 237-238, abr./jun. 2012
238 Pedro Henrique Pedrosa Nogueira

Grandes temas do direito processual são abordados no livro, a exemplo do


conceito de ato processual, as preclusões, eficiência processual. Além disso, impor-
tantes questões práticas são visitadas a partir das premissas teóricas fixadas pelo autor,
a exemplo da eficácia dos provimentos antecipatório e cautelar, da decisão que des-
considera a personalidade jurídica, entre outras.
A eficácia e a ineficácia jurídica sob ângulo do Direito Processual Civil são assun-
tos grandiosos de nossa ciência, apesar de ainda pouco explorados. Pode-se dizer que
a Teoria do Processo, no estágio evolutivo em que se encontra, não poderia prescindir
do tratamento dos efeitos dos fatos jurídicos (lato sensu) processuais. O livro tem esse
mérito, fazendo a imersão não apenas do ato processual isoladamente considerado,
mas também do processo e do procedimento no plano da eficácia.
Trata-se, portanto, de obra de consulta obrigatória para os que estudam o
Direito Processual Civil e para os que manipulam o processo como ferramenta de
trabalho.

Pedro Henrique Pedrosa Nogueira


Doutor em Direito pela Universidade Federal
da Bahia (UFBA). Professor-adjunto de Direito
Processual Civil na Universidade Federal de Alagoas
(UFAL). Professor e Coordenador do curso de Direito
da Sociedade de Ensino Universitário do Nordeste
(SEUNE). Professor convidado da Escola Superior
de Magistratura do Estado de Alagoas (ESMAL) e
da Escola Superior de Magistratura de Pernambuco
(ESMAPE). Membro do Instituto Brasileiro de Direito
Processual (IBDP). Advogado.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

MARTINS, Sandro Gilbert. Processo, procedimento e ato processual: o plano da eficácia. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2012. Resenha de: NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Revista Brasileira de Direito
Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 237-238, abr./jun. 2012.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 237-238, abr./jun. 2012
ROQUE, Andre Vasconcelos; DUARTE, Francisco
Carlos. Mandado de segurança: comentários à Lei
12.016/09. Curitiba: Juruá, 2011

No prefácio do livro que ora apresento, os autores utilizam uma singular alegoria
do filme O Curioso Caso de Benjamin Button, adaptação do romance de 1920 do genial
F. Scott Fitzgerald.
No livro, o paralelo estabelecido pelos autores se fixa na constatação de que a
nova Lei do Mandado de Segurança (Lei nº 12.016, de 07 de agosto de 2009) nasceu
velha, eis que repete, em alguma medida, a disciplina esclerosada da Lei nº 1.533, de
31 de dezembro de 1951.
Propugnam então os autores uma hermenêutica, por assim dizer, rejuvenes-
cedora, que atualize, para o presente, a novel lei, a fim de que possa responder aos
anseios e às exigências reinantes, quiçá futuras.
Pois bem, feito o registro, embarco na feliz figuração para dizer, o livro que apre-
sento é daqueles que nasceu velho, pois experimentado, fruto de reflexão aturada,
mas não desgastado e, muito menos, esclerosado.
A obra virtuosamente aproveitou a construção doutrinária e jurisprudencial
edificada ao longo de, pelo menos, três quartéis de século, erigidas na vigência da lei
ab-rogada, sem embolorar suas páginas com citações desnecessárias, desatualizadas
e, assim, contraproducentes.
Demais disso, a obra traz aquele sopro de juventude, inovação, que se espera
daquelas que pretendam dar mais um passo no longo caminho da claridade científica,
não se limitando a compendiar ou fotografar lições doutrinárias cansadas e desgastadas
de tanto serem reproduzidas.
Portanto, merece destaque, pelo menos na minha compreensão, o esforço
empreendido, perpassante por todo o texto, de atualização das disposições legisla-
tivas, só formalmente novas, através de uma interpretação, mais que histórica, atual.
Bem trilhou a obra, ainda que inadvertidamente, as lições de Carnelutti, que no
seu monumental Sistemas posicionou como ideia capital a realidade, eis que o jurista
deve prestar contas a ela.
Pois bem, o livro acerta suas contas com a realidade, sem descurar da análise
científica dos institutos, tal qual o professor milanês, sob o duplo aspecto da estrutura
e da função.
Nesta perspectiva renovadora e compromissada, o livro passa por todos os pre-
ceptivos da atual Lei do Mandado de Segurança, tomando o cuidado de transcrever as
disposições revogadas para devida comparação.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 239-240, abr./jun. 2012
240 Zulmar Duarte de Oliveira Junior

Não escapou à análise dos autores sequer as propostas normativas constantes


do projeto aprovado, mas não chanceladas pelo Executivo (veto presidencial), para daí
extrair também o sentido e alcance da legislação perscrutada.
Difícil a tarefa de apresentar um livro, principalmente quando a amizade nos
irmana com um dos seus autores, o que, a todo momento, nos faz redobrar a atenção
na apresentação com vistas à desejada isenção científica.
Todavia, não seria justo com o livro e muito menos com seus autores uma apre-
sentação menos colorida, que, a pretexto de demonstrar distanciamento, não faria jus
à beleza da composição da obra.
Assim, resta-nos parabenizar os autores e principalmente a editora pela publi-
cação, esperando que receba a merecida acolhida pelos cultores do direito processual.

Zulmar Duarte de Oliveira Junior


Advogado. Professor da Unibave. Pós-Graduado
em Direito Civil e Processual Civil. Autor de
diversos artigos e pareceres jurídicos e do livro
Princípio da Oralidade no Processo Civil.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

ROQUE, Andre Vasconcelos; DUARTE, Francisco Carlos. Mandado de segurança: comentários à Lei
12.016/09. Curitiba: Juruá, 2011. Resenha de: OLIVEIRA JUNIOR, Zulmar Duarte de. Revista Brasileira
de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 239-240, abr./jun. 2012.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 78, p. 239-240, abr./jun. 2012
Índice

página página

Doutrina e Resenhas OLIVEIRA JUNIOR, Zulmar Duarte de


- Resenha: ROQUE, Andre Vasconcelos; DUAR-
Autor TE, Francisco Carlos. Mandado de segurança:
comentários à Lei 12.016/09. Curitiba: Juruá,
ALMEIDA, Andréa Alves de 2011..............................................................................239
- Artigo: Fórmula de problematização do
discurso em Popper e teoria processual da SAMPAIO, Luiza Saito
democracia..................................................................29 - Artigo: The Electronic Judicial Proceeding
in Brazil..........................................................................45
CARVALHO, Gabriel Freitas Maciel Garcia de
- Artigo: A aplicabilidade da multa por litigância TESHEINER, José Maria
de má-fé aos advogados atuantes - Artigo: Aplicação do Direito objetivo e tutela
no processo................................................................157 de direitos subjetivos nas ações
transindividuaise homogeneizantes..................13
DEMO, Alcenir José
- Artigo: O momento do interrogatório do réu VINCENZI, Brunela Vieira de
na Lei de Tóxicos sob a perspectiva da garantia
- Artigo: The Electronic Judicial Proceeding
fundamental da ampla defesa...........................199
in Brazil..........................................................................45
GUIMARÃES, Rafael de Oliveira
- Artigo: O conceito de sentença no Novo Código YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira
de Processo Civil e suas implicações no - Resenha: FONSECA, João Francisco Naves da.
processo de execução – O acerto do Projeto Exame dos fatos nos recursos extraordinário
nº 8.046/10...................................................................55 e especial. São Paulo: Saraiva, 2012...................231

JARDIM, Lícia Bonesi ZANDONÁ, Maurício


- Artigo: Ius postulandi na Justiça do Trabalho - Artigo: Aplicabilidade da multa do art. 475-J
Acesso à justiça ou injustiça?..............................183 do CPC condicionada à espécie de liquidação
exigida pela sentença condenatória..................93
LAZARI, Rafael José Nadim de
- Artigo: (Neo)Processualismo e (Neo)CPC – Título
Reflexões sobre a nova interpretação
processual...................................................................123 (NEO)PROCESSUALISMO e (Neo)CPC – Reflexões
sobre a nova interpretação processual
LEITE, Carlos Henrique Bezerra
- Artigo: O momento do interrogatório do réu na - Artigo de: Rafael José Nadim de Lazari.............123
Lei de Tóxicos sob a perspectiva da
garantia fundamental da ampla defesa.........199 APLICABILIDADE da multa do art. 475-J do CPC
condicionada à espécie de liquidação exigida
LUCCA, Rodrigo Ramina de pela sentença condenatória
- Artigo: Liquidação de títulos executivos - Artigo de: Maurício Zandoná..................................93
extrajudiciais.............................................................141
APLICABILIDADE da multa por litigância de
MANESCHY, Vanessa Bezerra má-fé aos advogados atuantes no processo, A
- Artigo: Repensando a (in)constitucionalidade - Artigo de: Gabriel Freitas Maciel Garcia de
da penhora online...................................................109 Carvalho.......................................................................157
NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa APLICAÇÃO do Direito objetivo e tutela de
- Resenha: MARTINS, Sandro Gilbert. Processo, direitos subjetivos nas ações transindividuais e
procedimento e ato processual: o plano da homogeneizantes
eficácia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.............237 - Artigo de: José Maria Tesheiner..............................13

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242 Índice

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CONCEITO de sentença no Novo Código de ACESSO À JUSTIÇA


Processo Civil e suas implicações no processo de - Ver: Ius postulandi na Justiça do Trabalho –
execução – O acerto do Projeto nº 8.046/10, O Acesso à justiça ou injustiça?. Artigo de:
- Artigo de: Rafael de Oliveira Guimarães.............55 Lícia Bonesi Jardim..................................................183

ELECTRONIC Judicial Proceeding in Brazil, The ADVOGADOS


- Artigo de: Brunela Vieira de Vincenzi, Luiza Saito - Ver: A aplicabilidade da multa por litigância de
Sampaio............................................................................45 má-fé aos advogados atuantes no processo.
Artigo de: Gabriel Freitas Maciel Garcia
FONSECA, João Francisco Naves da. Exame dos
de Carvalho..............................................................157
fatos nos recursos extraordinário e especial. São
Paulo: Saraiva, 2012.
- Resenha de: Eduardo Henrique de Oliveira AMPLA DEFESA
Yoshikawa...................................................................231 - Ver: O momento do interrogatório do réu na
Lei de Tóxicos sob a perspectiva da garantia
FÓRMULA de problematização do discurso em fundamental da ampla defesa. Artigo de:
Popper e teoria processual da democracia Alcenir José Demo, Carlos Henrique
- Artigo de: Andréa Alves de Almeida....................29 Bezerra Leite.............................................................199

IUS POSTULANDI na Justiça do Trabalho – Acesso ATOS JUDICIAIS


à justiça ou injustiça? - Ver: O conceito de sentença no Novo Código
- Artigo de: Lícia Bonesi Jardim...............................183 de Processo Civil e suas implicações no
processo de execução – O acerto do Projeto
LIQUIDAÇÃO de títulos executivos extrajudiciais nº 8.046/10. Artigo de: Rafael de
- Artigo de: Rodrigo Ramina de Lucca..................141 Oliveira Guimarães....................................................55
MARTINS, Sandro Gilbert. Processo, procedimento
B
e ato processual: o plano da eficácia. Rio de
BENEFÍCIO
Janeiro: Elsevier, 2012.
- Resenha de: Pedro Henrique Pedrosa - Ver: Ius postulandi na Justiça do Trabalho –
Nogueira.........................................................................237 Acesso à justiça ou injustiça?. Artigo de: Lícia
Bonesi Jardim............................................................183
MOMENTO do interrogatório do réu na Lei de
Tóxicos sob a perspectiva da garantia funda- BRAZIL
mental da ampla defesa, O - Ver: The Electronic Judicial Proceeding in Brazil.
- Artigo de: Alcenir José Demo, Carlos Henrique Artigo de: Brunela Vieira de Vincenzi, Luiza
Bezerra Leite..............................................................199 Saito Sampaio.............................................................45

REPENSANDO a (in)constitucionalidade da BRAZILIAN DIGITAL PROCEDURAL LAW


penhora online - Ver: The Electronic Judicial Proceeding in Brazil.
- Artigo de: Vanessa Bezerra Maneschy...............109 Artigo de: Brunela Vieira de Vincenzi, Luiza
Saito Sampaio.............................................................45
ROQUE, Andre Vasconcelos; DUARTE, Francisco
Carlos. Mandado de segurança: comentários à Lei
C
12.016/09. Curitiba: Juruá, 2011.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
- Resenha de: Zulmar Duarte de
Oliveira Junior..............................................................239 - Ver: Repensando a (in)constitucionalidade da
penhora online. Artigo de: Vanessa
Bezerra Maneschy...................................................109
Assunto
A CONCEITO
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Ver: O conceito de sentença no Novo Código
- Ver: Aplicação do Direito objetivo e tutela de de Processo Civil e suas implicações no
direitos subjetivos nas ações transindividuais processo de execução – O acerto do
e homogeneizantes. Artigo de: José Projeto nº 8.046/10. Artigo de: Rafael de
Maria Tesheiner..........................................................13 Oliveira Guimarães....................................................55

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CUMPRIMENTO VOLUNTÁRIO E EXECUÇÃO DA I


SENTENÇA IGUALDADE SUBSTANCIAL
- Ver: Aplicabilidade da multa do art. 475-J - Ver: O momento do interrogatório do réu na
do CPC condicionada à espécie de liquidação Lei de Tóxicos sob a perspectiva da garantia
exigida pela sentença condenatória. fundamental da ampla defesa. Artigo de:
Artigo de: Maurício Zandoná................................ 93 Alcenir José Demo, Carlos Henrique
Bezerra Leite.............................................................199
D
DEVER DE LEALDADE INCIDÊNCIA DA MULTA
- Ver: A aplicabilidade da multa por litigância - Ver: Aplicabilidade da multa do art. 475-J
de má-fé aos advogados atuantes no do CPC condicionada à espécie de liquidação
processo. Artigo de: Gabriel Freitas Maciel exigida pela sentença condenatória.
Artigo de: Maurício Zandoná................................ 93
Garcia de Carvalho.................................................157
INCONSTITUCIONALIDADE
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - Ver: Repensando a (in)constitucionalidade
- Ver: O momento do interrogatório do réu na da penhora online. Artigo de: Vanessa Bezerra
Lei de Tóxicos sob a perspectiva da garantia Maneschy....................................................................109
fundamental da ampla defesa. Artigo de:
Alcenir José Demo, Carlos Henrique INFORMATION TECHNOLOGY
Bezerra Leite.............................................................199 - Ver: The Electronic Judicial Proceeding
in Brazil. Artigo de: Brunela Vieira de Vincenzi,
DIREITO Luiza Saito Sampaio..................................................45
- Ver: A aplicabilidade da multa por litigância de
má-fé aos advogados atuantes no processo. INTERESSES DIFUSOS
Artigo de: Gabriel Freitas Maciel Garcia de - Ver: Aplicação do Direito objetivo e tutela
Carvalho....................................................................157 de direitos subjetivos nas ações
transindividuais e homogeneizantes.
DIREITO FUNDAMENTAL AO PROCESSO JUSTO Artigo de: José Maria Tesheiner.............................13
- Ver: (Neo)Processualismo e (Neo)CPC –
Reflexões sobre a nova interpretação INTERPRETAÇÃO PROCESSUAL
processual. Artigo de: Rafael José - Ver: (Neo)Processualismo e (Neo)CPC –
Nadim de Lazari......................................................123 Reflexões sobre a nova interpretação
processual. Artigo de: Rafael José
DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS Nadim de Lazari........................................................123
- Ver: Aplicação do Direito objetivo e tutela de
direitos subjetivos nas ações transindividuais INTERROGATÓRIO DO RÉU
- Ver: O momento do interrogatório do réu na
e homogeneizantes. Artigo de: José
Lei de Tóxicos sob a perspectiva da garantia
Maria Tesheiner..........................................................13
fundamental da ampla defesa. Artigo de:
Alcenir José Demo, Carlos Henrique
DIREITOS INDIVISÍVEIS DE GRUPOS Bezerra Leite.............................................................199
- Ver: Aplicação do Direito objetivo e tutela de
direitos subjetivos nas ações transindividuais IUS POSTULANDI
e homogeneizantes. Artigo de: José - Ver: Ius postulandi na Justiça do Trabalho –
Maria Tesheiner..........................................................13 Acesso à justiça ou injustiça?. Artigo de:
Lícia Bonesi Jardim..................................................183
E
ELECTRONIC PROCEEDING J
- Ver: The Electronic Judicial Proceeding in Brazil. JUDICIAL SYSTEM
Artigo de: Brunela Vieira de Vincenzi, Luiza - Ver: The Electronic Judicial Proceeding in Brazil.
Saito Sampaio.............................................................45 Artigo de: Brunela Vieira de Vincenzi, Luiza
Saito Sampaio.............................................................45
EXIGIBILIDADE E LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA
- Ver: Aplicabilidade da multa do art. 475-J do L
CPC condicionada à espécie de liquidação LIQUIDEZ
exigida pela sentença condenatória. Artigo de: - Ver: Liquidação de títulos executivos extrajudi-
Maurício Zandoná.................................................... 93 ciais. Artigo de: Rodrigo Ramina de Lucca......141

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LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ PROCESSOS COLETIVOS


- Ver: A aplicabilidade da multa por litigância de - Ver: Aplicação do Direito objetivo e tutela de
má-fé aos advogados atuantes no processo. direitos subjetivos nas ações transindividuais
Artigo de: Gabriel Freitas Maciel Garcia e homogeneizantes. Artigo de: José Maria
de Carvalho..............................................................157 Tesheiner..................................................................... 13

M PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL


MINISTÉRIO PÚBLICO - Ver: O conceito de sentença no Novo Código
- Ver: Aplicação do Direito objetivo e tutela de de Processo Civil e suas implicações no pro-
direitos subjetivos nas ações transindividuais cesso de execução – O acerto do Projeto
e homogeneizantes. Artigo de: José Maria nº 8.046/10. Artigo de: Rafael de Oliveira
Tesheiner..................................................................... 13 Guimarães................................................................... 55

N R
NATUREZA JURÍDICA DA MULTA RECORRIBILIDADE
- Ver: Aplicabilidade da multa do art. 475-J - Ver: O conceito de sentença no Novo Código
do CPC condicionada à espécie de liquidação de Processo Civil e suas implicações no pro-
exigida pela sentença condenatória. Artigo cesso de execução – O acerto do Projeto
de: Maurício Zandoná............................................. 93 nº 8.046/10. Artigo de: Rafael de
Oliveira Guimarães.................................................. 55
NEOPROCESSUALISMO
- Ver: (Neo)Processualismo e (Neo)CPC – Refle- S
SISTEMÁTICA VIGENTE
xões sobre a nova interpretação processual.
- Ver: O conceito de sentença no Novo Código
Artigo de: Rafael José Nadim de Lazari...........123
de Processo Civil e suas implicações no pro-
cesso de execução – O acerto do Projeto
O nº 8.046/10. Artigo de: Rafael de
OBRIGAÇÃO PROCESSUAL Oliveira Guimarães.................................................. 55
- Ver: A aplicabilidade da multa por litigância de
má-fé aos advogados atuantes no processo. T
Artigo de: Gabriel Freitas Maciel Garcia de TEORIA DE FALIBILIDADE DO DISCURSO
Carvalho....................................................................157 - Ver: Fórmula de problematização do discurso
em Popper e teoria processual da democracia.
OFENSA A PRINCÍPIOS Artigo de: Andréa Alves de Almeida.................. 29
- Ver: Repensando a (in)constitucionalidade da
penhora online. Artigo de: Vanessa TEORIA NEOINSTITUCIONALISTA
Bezerra Maneschy..................................................109 - Ver: Fórmula de problematização do discurso
em Popper e teoria processual da democracia.
ORDEM JURÍDICA JUSTA Artigo de: Andréa Alves de Almeida.................. 29
- Ver: (Neo)Processualismo e (Neo)CPC – Refle-
xões sobre a nova interpretação processual. TEORIA PROCESSUAL DA DEMOCRACIA
Artigo de: Rafael José Nadim de Lazari...........123 - Ver: Fórmula de problematização do discurso
em Popper e teoria processual da democracia.
P Artigo de: Andréa Alves de Almeida.................. 29
PENHORA ONLINE
- Ver: Repensando a (in)constitucionalidade da TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL
penhora online. Artigo de: Vanessa - Ver: Liquidação de títulos executivos extra­
Bezerra Maneschy..................................................109 judiciais. Artigo de: Rodrigo Ramina
de Lucca.....................................................................141
PREJUÍZO
- Ver: Ius postulandi na Justiça do Trabalho – TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL
Acesso à justiça ou injustiça?. Artigo de: - Ver: Liquidação de títulos executivos extra­
Lícia Bonesi Jardim................................................183 judiciais. Artigo de: Rodrigo Ramina
de Lucca.....................................................................141
PROCESSO CIVIL
- Ver: A aplicabilidade da multa por litigância de TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL
má-fé aos advogados atuantes no processo. - Ver: Liquidação de títulos executivos extra­
Artigo de: Gabriel Freitas Maciel Garcia de judiciais. Artigo de: Rodrigo Ramina
Carvalho....................................................................157 de Lucca.....................................................................141

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Instruções para os autores

Os trabalhos para publicação na Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro,


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gráficas em vigor desde a promulgação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa,
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respeitar a ortografia original.
Os originais dos artigos devem ser apresentados de forma completa,
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artigo, de até 250 palavras (na língua do texto e em inglês – Abstract), palavras-chave,
no máximo 5 (na língua do texto e em inglês – Key words), sumário do artigo, epí­grafe
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artigo, a data e o local em que foi escrito o trabalho de sua autoria.
Recomenda-se que todo destaque que se queira dar ao texto seja feito com
o uso de itálico e não por meio do negrito e do sublinhado. As citações (palavras,
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tra­­dutores; as citações textuais longas (mais de três linhas) devem constituir um
pará­grafo independente, com recuo esquerdo de 2cm (alinhamento justificado),
utilizando-se espaçamento entrelinhas simples e tamanho da fonte 10; as citações

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246 Instruções para os autores

textuais curtas (de até três linhas) devem ser inseridas no texto, entre aspas e sem
itálico. As expressões em língua estrangeira deverão ser padronizadas e destacadas
em itálico. O uso de op. cit., ibidem e idem nas notas bibliográficas deve ser evitado,
substituindo-o pelo nome da obra por extenso.
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(miolo) e Supremo 250g (capa) pela Gráfica e
Editora O Lutador. Belo Horizonte/MG, junho
de 2012.

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