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REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL

ano 20 . n. 77 . janeiro/março 2012 - Publicação trimestral


77
ISSN 0100-2589

Revista Brasileira de
DiReito PRocessual RBDPro 77
Revista Brasileira de
DiReito PRocessual

Artigos Revista Brasileira de RBDPro

Revista Brasileira de DIREITO PROCESSUAL


O mais completo, exclusivo, moderno,
dinâmico e atualizado conteúdo jurídico
• Acervo completo com o conteúdo de
A execução forçada no moderno processo civil - Humberto Theodoro Júnior
DiReito PRocessual Adormecida por aproximadamente 16 anos, a
todos os periódicos publicados pela O processo civil gattopardista dos Juizados Especiais - Glauco Gumerato Ramos tradicional Revista Brasileira de Direito Processual
Editora Fórum

RBDPro
(RBDPro) renasce. Inicialmente produzida no seio
• Atualização permanente Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro da cidade de Uberaba, MG, pela Editora Vitória,
• Nova e exclusiva ferramenta de acesso Felipe Scripes Wladeck
e, depois, editada, por muitos anos, pela Forense,
às informações
agora, nesta novíssima fase, a empreitada é assu-
• Todos os periódicos publicados e Tutela do consumidor na ação de exibição de documento: revisitando a Súmula nº 372 do STJ sob a
mida pela entusiasta equipe da Editora Fórum.
atualizados pela Editora Fórum em formato ótica da tutela satisfativa - Elmer da Silva Marques
E a novidade surge em boa hora. Afinal,
digital, disponíveis sempre que necessário
O princípio da colegialidade e a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 527 do CPC as mudanças na legislação processual são uma
• Atualização com elevado padrão científico
• Informação de valor, atualizada e precisa Rafael de Oliveira Guimarães DoutRiNa, Notas e coMeNtÁRios, ReseNHas constante. Na busca de maiores celeridade e efe-
tividade, as alterações legislativas assumem a
• Leitura em dispositivos móveis*
Crimes de internet à luz do princípio da proporcionalidade: proibição da proteção deficiente do Estado dianteira e obrigam o jurista a revisitar institutos
• Autores renomados
Dauster Souza Pereira, Mariana Secorun Inácio e conceitos, muitos dos quais já se tinham por
• Conteúdos exclusivos
consolidados, para, se necessário, conferir-lhes
• Geração de PDF
Notas e Comentários um novo colorido, mais adequado aos novos
* Consulte-nos sobre suportes compatíveis tempos. À doutrina e aos veículos editoriais res-
Discurso do jurista Claudiovir Delfino, homenageado na 5ª edição do Congresso de Direito Processual de ponsáveis por sua divulgação atribui-se respon-
PERIÓDICOS Uberaba (ano de 2011) sabilidade inquestionável nesse propósito.
É diante desse cenário de transformações
• Interesse Público – IP Exposição de Motivos da Proposta de Reforma do Código de Processo Civil português – Os princípios que a RBDPro ressurge. Sua aparência encontra-
• Fórum Administrativo – FA orientadores da reforma do processo civil se renovada, mas seus propósitos, seus objetivos
• Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP
• Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA permanecem os mesmos que levaram à sua
• Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT criação, quando dirigida pelos notáveis Edson

RBDPro
• A&C – Revista de Direito Administrativo Prata e Ronaldo Cunha Campos. Enfim, o que se
& Constitucional pretende é proporcionar um espaço, de alcance
• Revista Brasileira de Direito Municipal – RBDM nacional e internacional, apto a fomentar o debate
• Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro científico e a contribuir com o desenvolvimento
• Revista Brasileira de Direito Público – RBDP
da ciência processual, mediante a difusão de
• Revista Brasileira de Estudos
Constitucionais – RBEC ideias inovadoras e de qualidade comprovada.
• Revista de Direito Público da Economia – RDPE E-mail para remessa de artigos, pareceres
• Revista de Direito de Informática e Esperamos que a novidade agrade a todos.
Telecomunicações – RDIT
• Revista de Direito do Terceiro Setor – RDTS

ano 20 . jan./mar. 2012


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REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL - RBDPro
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R454 Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro. ano 15,


n. 59, jul./set. 2007. Belo Horizonte: Fórum, 2007.

Trimestral
ISSN 0100-2589

Publicada do n. 1, jan./mar. 1975 ao n. 14, abr./jun.1978
pela Vitória Artes Gráfica, Uberaba/MG.
Publicada do n. 15, jul./set. 1978 ao n. 58, abr./jun. 1988
pela Editora Forense, Rio de Janeiro/RJ.
Publicação interrompida em 1988 e retomada pela
Editora Fórum em 2007.

1. Direito processual. I. Fórum.

CDD: 347.8 CDU: 347.9

© 2012 Editora Fórum Ltda.


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Sumário

Editorial .........................................................................................................................................................................................9

DOUTRINA

Artigos

A execução forçada no moderno processo civil


Humberto Theodoro Júnior.................................................................................................................................................................13
1 Introdução..................................................................................................................................................................13
2 As reformas do direito processual ditadas pelas exigências da instrumentalidade
e da efetividade da tutela jurisdicional.....................................................................................................15
3 A modernização do processo e a atividade judicial executiva .................................................18
4 A busca da efetividade da tutela jurisdicional, como caminho para implantação
do processo justo...................................................................................................................................................19
5 Execução forçada e mandamentalidade.................................................................................................21
6 Configuração do caráter mandamental que a execução de sentença adquiriu
no direito brasileiro...............................................................................................................................................26
7 Importantes inovações no sistema expropriatório praticável nas execuções
por quantia certa....................................................................................................................................................33
8 Conclusões.................................................................................................................................................................34

O processo civil gattopardista dos Juizados Especiais


Glauco Gumerato Ramos.......................................................................................................................................................................37

Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito


processual civil brasileiro
Felipe Scripes Wladeck.............................................................................................................................................................................43
1 Considerações iniciais.........................................................................................................................................43
1.1 Relevância prática da cisão (ideológica) de pronunciamentos judiciais em
capítulos.......................................................................................................................................................................44
1.2 Limites do presente estudo.............................................................................................................................44
2 Capítulos de sentença segundo o direito processual civil brasileiro.....................................45
2.1 A estrutura da sentença.....................................................................................................................................45
2.2 Qual (ou quais) dos elementos da sentença se divide(m) em capítulos?..........................45
2.3 Capítulos de sentença no direito positivo brasileiro........................................................................46
2.3.1 O que são capítulos de sentença, segundo o direito processual civil brasileiro?..........46
2.3.1.1 A noção de capítulos de sentença aparece várias vezes no CPC (por exemplo:
arts. 459, 498, 500, 505, 515, 587)..................................................................................................................47
2.3.1.2 O conceito de capítulos de sentença e sua autonomia................................................................48
2.3.1.3 As sentenças com mais de um capítulo (o que é a regra) são chamadas de
“sentenças objetivamente complexas”.....................................................................................................48
2.3.2 As possíveis unidades autônomas do decisório da sentença....................................................49
2.3.2.1 Capítulos “processuais”........................................................................................................................................50
2.3.2.2 Capítulos de mérito..............................................................................................................................................55
2.3.2.3 Capítulos homogêneos e capítulos heterogêneos..........................................................................57

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2.3.3 A noção de autonomia e (in)dependência dos capítulos............................................................57
2.3.3.1 Dependência entre capítulos de mérito.................................................................................................58
2.3.3.2 Dependência entre capítulos de mérito e capítulos processuais............................................59
2.3.3.3 O momento da aferição da dependência entre capítulos, para o fim de saber
quais são os limites do efeito devolutivo do recurso parcial......................................................59
2.3.3.4 Breve nota sobre a nomenclatura empregada nos itens subsequentes.............................59
3 A teoria dos capítulos de sentença e sua repercussão sobre a teoria dos recursos
(aspectos e regras gerais)..................................................................................................................................60
3.1 Efeito devolutivo dos recursos e capítulos da sentença................................................................60
3.1.1 Extensão e profundidade da devolução (arts. 505, 515 e 516 do CPC)................................60
3.1.2 Recurso integral......................................................................................................................................................63
3.1.3 Recurso parcial.........................................................................................................................................................63
3.1.3.1 Irrecorribilidade de capítulos..........................................................................................................................63
3.1.3.2 Falta de legitimidade ou interesse para recorrer de capítulos...................................................63
3.1.3.3 Opção por não recorrer de capítulos.........................................................................................................64
3.2 Efeito suspensivo dos recursos e capítulos da sentença...............................................................64
3.3 O destino dos capítulos da sentença não recorridos......................................................................69
3.3.1 O entendimento da jurisprudência............................................................................................................70
3.3.1.1 O caso dos Embargos de Divergência nº 404.777/DF, do STJ, Rel. Min. Fontes
de Alencar, Rel. para o acórdão Min. Francisco Peçanha Martins, Corte Especial,
por maioria.................................................................................................................................................................71
3.3.1.2 A Súmula nº 401 do STJ......................................................................................................................................71
3.3.2 O entendimento da doutrina.........................................................................................................................72
3.3.3 As consequências práticas da adoção de um ou outro entendimento..............................74
3.3.3.1 Diante da existência de entendimentos divergentes, quando ajuizar a ação
rescisória?....................................................................................................................................................................74
3.4 A proibição da reformatio in pejus e os capítulos de sentença..................................................75
3.4.1 Recurso parcial.........................................................................................................................................................76
3.4.2 Recurso adesivo......................................................................................................................................................77
3.4.3 Existem exceções ao princípio geral da proibição da reformatio in pejus?.........................77
4 Teoria dos capítulos de sentença e sua repercussão sobre a teoria dos recursos
(questões específicas envolvendo o recurso de apelação).........................................................78
4.1 Apelação: sua escolha como paradigma para a análise das “questões específicas”
selecionadas..............................................................................................................................................................79
4.2 O caso da apelação genérica..........................................................................................................................79
4.3 Problemas relacionados aos limites do efeito devolutivo da apelação parcial...............80
4.3.1 Capítulos independentes e apelação parcial........................................................................................81
4.3.2 Capítulos de mérito entre os quais existe relação de dependência e apelação
parcial............................................................................................................................................................................81
4.3.3 Capítulos heterogêneos (capítulos de mérito e capítulos processuais) e
apelação parcial.......................................................................................................................................................90
4.3.4 Apelação parcial e questões cognoscíveis de ofício não apreciadas na origem........101
4.3.5 A apelação contra sentença citra petita................................................................................................105
4.4 A questão da apelação de apenas um dos litisconsortes
(efeito expansivo subjetivo)..........................................................................................................................112
4.4.1 Nos casos de litisconsórcio facultativo ou necessário unitário...............................................112
4.4.2 Nos casos de litisconsórcio facultativo ou necessário não unitário ou simples...........113
4.5 É possível interpor uma apelação contra cada capítulo?...........................................................113
4.5.1 O entendimento da jurisprudência.........................................................................................................114
4.5.2 O entendimento da doutrina......................................................................................................................114
4.6 A postura do juiz no ato de recebimento da apelação...............................................................115
4.7 Os efeitos do julgamento da apelação..................................................................................................117

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4.7.1 Ausência de substituição dos capítulos em relação aos quais a apelação não
é recebida/conhecida......................................................................................................................................117
4.7.2 Substituição dos capítulos em relação aos quais a apelação é conhecida e
desprovida (art. 512)..........................................................................................................................................118
4.7.3 Substituição dos capítulos em relação aos quais a apelação é conhecida e
provida (art. 512)..................................................................................................................................................118
4.7.4 Anulação ou declaração de inexistência de capítulos em decorrência do
julgamento da apelação.................................................................................................................................119
5 Encerramento........................................................................................................................................................119

Tutela do consumidor na ação de exibição de documento: revisitando a Súmula


nº 372 do STJ sob a ótica da tutela satisfativa
Elmer da Silva Marques .......................................................................................................................................................................121
1 Introdução...............................................................................................................................................................121
2 Da natureza da tutela concedida da ação de exibição de documento............................122
3 Da tutela satisfativa como permissiva da cominação de multa na ação de
exibição de documento. Releitura da Súmula nº 372 do STJ..................................................126
4 Conclusões..............................................................................................................................................................132
Referências..............................................................................................................................................................133

O princípio da colegialidade e a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 527


do CPC
Rafael de Oliveira Guimarães .........................................................................................................................................................137
1 Considerações iniciais......................................................................................................................................137
2 O princípio do juiz natural.............................................................................................................................139
3 O princípio da colegialidade........................................................................................................................140
4 A obrigatoriedade da decisão colegiada nos Tribunais no direito
comparado..............................................................................................................................................................145
5 O parágrafo único do art. 527 do CPC e a sua inconstitucionalidade................................148
6 Das formas de impugnação ao mencionado parágrafo único...............................................154
7 Conclusões..............................................................................................................................................................161
Referências..............................................................................................................................................................162

Crimes de internet à luz do princípio da proporcionalidade: proibição da proteção


deficiente do Estado
Dauster Souza Pereira, Mariana Secorun Inácio.............................................................................................................167
Introdução...............................................................................................................................................................168
1 A “nova” criminalidade......................................................................................................................................169
1.1 Crimes impróprios..............................................................................................................................................170
1.1.1 Pedofilia.....................................................................................................................................................................172
1.1.2 Crimes contra a honra: calúnia, difamação e injúria......................................................................172
1.1.3 Phishing Scan..........................................................................................................................................................173
1.2 Crimes próprios....................................................................................................................................................173
1.2.1 Furto............................................................................................................................................................................174
1.2.2 Invasão.......................................................................................................................................................................175
2 Princípios do Direito Penal clássico..........................................................................................................175
2.1 Princípio da anterioridade.............................................................................................................................176
2.2 Princípio da legalidade....................................................................................................................................176
2.3 Princípio da proporcionalidade..................................................................................................................177
3 A utilização do Direito Penal nos crimes cometidos através da informática.................178
3.1 Posicionamento jurisprudencial................................................................................................................179

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3.2 Reflexões para a atuação do Poder Judiciário diante da parcela de crimes
próprios cometidos através da internet................................................................................................180
4 Conclusão................................................................................................................................................................183
Referências..............................................................................................................................................................185

NOTAS E COMENTÁRIOS

Discurso do jurista Claudiovir Delfino, homenageado na 5ª edição do Congresso


de Direito Processual de Uberaba (ano de 2011).........................................................................................................191
Exposição de Motivos da Proposta de Reforma do Código de Processo Civil
português – Os princípios orientadores da reforma do processo civil...................................................195
A) Processo de declaração ............................................................................................................................195
1 Reforço dos poderes de flexibilização, adequação formal e direcção efectiva
do processo pelo juiz, com vista à justa composição do litígio.............................................195
2 Medidas de simplificação processual e de reforço dos instrumentos de defesa
contra o exercício de faculdades dilatórias.........................................................................................197
3 Reformulação do regime da tutela urgente e cautelar...............................................................199
4 Restrição do âmbito dos incidentes de intervenção de terceiros e reforço
dos poderes do juiz para rejeitar intervenções injustificadas ou dilatórias e
providenciar pela apensação de causas conexas...........................................................................201
5 Reformulação do regime da competência internacional dos tribunais
portugueses, articulando-a com o disposto no art. 22.º do Reg. 44/2001......................202
6 Reformulação das formas de processo declaratório comum..................................................202
7 Reforço do princípio da concentração do processo ou do recurso num
mesmo juiz..............................................................................................................................................................203
8 O modelo estabelecido para a tramitação do processo comum de declaração,
na forma ordinária: o novo figurino da audiência preliminar..................................................204
9 A fase de instrução e os meios de prova..............................................................................................206
10 A fase de julgamento........................................................................................................................................207
B) Processo executivo ......................................................................................................................................208
1 Estatuto do agente de execução..............................................................................................................208
2 Reforço do papel do juiz de execução...................................................................................................208
3 Acesso aos tribunais, simplificação e celeridade da execução...............................................209
4 Protecção dos interesses do exequente...............................................................................................210
5 Protecção dos interesses do executado...............................................................................................211
C) Normas transitórias .....................................................................................................................................212

RESENHAS

LEAL, Rosemiro Pereira. Processo como teoria da lei democrática. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
Alexandre Araújo Costa, Henrique Araújo Costa...........................................................................................................215

PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa julgada civil. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
Fernando Rossi............................................................................................................................................................................................221

BOTELHO, Guilherme. Direito ao processo qualificado: o processo civil na perspectiva do


Estado Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. 199 p.
Jonathan Iovane de Lemos................................................................................................................................................................223

ROSSI, Fernando et al. (Coord.). O futuro do processo civil no Brasil: uma análise crítica ao projeto do
novo CPC: obra em homenagem ao Advogado Claudiovir Delfino. Belo Horizonte: Fórum, 2011.
Luciano da Silva Rufino........................................................................................................................................................................225

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KLIPPEL, Rodrigo; BASTOS, Antonio Adonias. Manual de processo civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris;
Vitória: Acesso, 2011.
Lúcio Delfino..................................................................................................................................................................................................227

DELFINO, Lúcio. Direito processual civil: artigos e pareceres. Belo Horizonte: Fórum, 2011.
Welder Queiroz dos Santos...............................................................................................................................................................229

Índice .......................................................................................................................................................................................................................233

Instruções para os autores.....................................................................................................................................................................237

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Editorial
A presente edição inaugura o ano de 2012 com uma notícia gratificante. É
que a Revista Brasileira de Direito Processual manteve o estrato B2 no QUALIS, área
de avaliação “Direito”, e por isso se mantém entre os periódicos jurídicos mais bem
conceituados do País. Lado outro, obteve os estratos B4 (“Sociologia”), B5 (“Ciência
Política e Relações Internacionais”) e C (“Interdisciplinar”). É uma conquista de todos:
Editora, Diretores e sobretudo de nossos processualistas colaboradores.
A partir de agora se adotará um Editorial em formato diverso, cujo propósito
é trazer um esboço preambular de todo o conteúdo da Revista, até como forma de
facilitar a consulta e assim orientar o leitor em suas pesquisas.
Confira, abaixo, as sinopses das doutrinas aqui disponibilizadas:
1 A execução forçada no moderno processo civil – trata-se da versão escrita da
palestra proferida pelo Prof. Humberto Theodoro Júnior na ocasião do Seminário,
realizado em 2011, na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em homenagem
ao notável Prof. Cândido Rangel Dinamarco. O trabalho traça um panorama geral
da execução civil na atualidade e, deste modo, indica as alterações legislativas que
lhe conferiram novo perfil. Destaque especial é atribuído ao sincretismo processual
(processo unitário), à mandamentalidade adquirida pela execução de sentença e
às importantes inovações no sistema expropriatório praticável nas execuções por
quantia certa. De um lado, o artigo exalta o pioneirismo do direito processual brasileiro
na adoção de técnicas destinadas a superar entraves históricos que obstaculizam o
delineamento de um processo nos moldes prometidos pela Constituição; de outro,
contudo, afasta o romantismo e pontua que o atingimento do processo ideal não
depende unicamente da remodelação de normas procedimentais, mas igualmente da
indispensável modernização do aparelhamento dos serviços judiciais e da melhoria
de sua gestão.
2 O processo civil gattopardista dos Juizados Especiais – escrito pela pena
talentosa de Glauco Gumerato Ramos, o trabalho é elaborado segundo uma pers­
pectiva garantista, adversária mortal do ativismo judicial desmedido e autoritário.
O autor traz à lembrança o prestigiado romance Il gattopardo, de autoria Giuseppe
Tomasi di Lampedusa, sobretudo uma passagem nele registrada na qual está radi­
cada a etimologia da palavra gattopardismo: “Se queremos que tudo fique como está
então tudo deve ser mudado”. A partir daí Glauco mostra que o processo civil brasileiro
atual vive uma nova crise de identidade, um genuíno “gattopardismo estrutural”,
e pontua preciosas reflexões a fim de demonstrar o descompasso existente entre
o modelo processual semântico projetado na Constituição e o modelo processual
pragmático vivenciado e experimentado na praxe forense. Contudo, o enfoque

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 77, p. 9-10, jan./mar. 2012

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10 Editorial

central do artigo situa-se numa crítica contundente ao “processo” dos Juizados


Espe­ciais Cíveis, que na ótica do ilustrado processualista muitas vezes se revela
“antidemocrático e antirrepublicando”, um “não processo” fundado num arremedo de
dueprocess, “um faz de conta de imparcialidade, de ampla defesa, de contraditório.”
3 Capítulos da sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito
processual brasileiro – escrito por Felipe Scripes Wladeck, o artigo elucida a teoria
dos capítulos da sentença para depois assentar o impacto dela sobre toda a disciplina
recursal. O ponto central, todavia, cinge-se às implicações da sobredita teoria no
recurso de apelação. Trata-se, sem dúvida, de trabalho bem elaborado, minucioso,
que demonstra preocupação com as questões práticas do dia a dia forense.
4 A tutela do consumidor na ação de exibição de documentos: revisitando a
Súmula nº 372 do STJ sob a ótica da tutela satisfativa – Elmer da Silva Marques oferta
um ensaio cujo objetivo é a análise dos precedentes que ensejaram à Súmula nº 372
do Superior Tribunal de Justiça. Seu trabalho tem destino certo: busca elucidar as
razões pelas quais aquela Corte impede a aplicação da multa processual na efetivação
da ordem de exibição de documentos na chamada “ação cautelar exibitória”. Posicio­
na-se, com argumentos convincentes, contrário ao entendimento sumular.
5 O princípio da colegialidade e a inconstitucionalidade do parágrafo único do
art. 527 do CPC – com a maestria que lhe é característica, Rafael de Oliveira Guimarães
investe no estudo dos princípios do juiz natural e da colegialidade, demonstra a
conexão entre eles e o status constitucional que detêm. Advoga a inconstitucio­
nalidade do art. 527 do Código de Processo Civil, pois afrontoso ao princípio do
juiz natural, além de defender que o agravo regimental é o recurso cabível contra
a decisão que nega efeito suspensivo a recurso. Esclarece que por cautela o
man­dado de segurança também é recomendado, frente a sua maior aceitação pelos
tribunais.
6 Crimes da internet à luz do princípio da proporcionalidade: proibição da
proteção deficiente do Estado – escrito em coautoria por Dauster Souza Pereira e
Mariana Secorun Inácio, o trabalho defende a aplicação do princípio da proporcio­
nalidade como solução plausível quanto à aplicação de penas relacionadas aos crimes
da internet.
Em “Notas e Comentários” registra-se emocionante discurso, no qual o
advogado Claudiovir Delfino, homenageado da 5a Edição do Congresso de Uberaba de
Direito Processual, enaltece a memória do insigne e saudoso processualista mineiro,
Professor Edson Prata. Também na mesma seção encontra-se a “Exposição de Motivos
da Alteração do Código de Processo Civil Português”.
De resto, algumas “Resenhas” são ofertadas como sugestões de leitura.
É nosso desejo que também esta edição agrade a todos.
Os Diretores

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A execução forçada no moderno
processo civil
Humberto Theodoro Júnior
Professor titular aposentado da Faculdade de Direito
da UFMG. Desembargador aposentado do TJMG.
Membro da Academia Mineira de Letras Jurídicas,
do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, do
Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro,
do Instituto Brasileiro de Direito Processual, do
Instituto Ibero-Americano de Direito Processual e da
International Association of Procedural Law. Doutor
em Direito. Advogado.

Palavras-chave: Tutela jurisdicional. Código de Processo Civil brasileiro.


Moderno processo civil.

Sumário: 1 Introdução – 2 As reformas do direito processual ditadas pelas


exigências da instrumentalidade e da efetividade da tutela jurisdicional –
3 A modernização do processo e a atividade judicial executiva – 4 A busca
da efetividade da tutela jurisdicional, como caminho para implantação
do processo justo – 5 Execução forçada e mandamentalidade – 6
Configuração do caráter mandamental que a execução de sentença
adquiriu no direito brasileiro – 7 Importantes inovações no sistema
expropriatório praticável nas execuções por quantia certa – 8 Conclusões

1 Introdução
Há quase trinta anos divulgamos nossa tese de doutoramento em que, em
respeito às exigências do devido processo legal, advogávamos a adoção de lege ferenda
de um novo sistema para o cumprimento das sentenças, que fosse mais simples e
mais eficiente do que o previsto no Código de Processo Civil de 1973.1
Naquela época, anterior à Constituição de 1988, não havia previsão expressa
da garantia do devido processo legal no texto da Carta então vigente. Foi com
base nas garantias fundamentais implícitas,2 mesmo na ausência de disposição literal,
que consideramos a cláusula do due process of law como garantia inerente à do
acesso à Justiça, garantia essa que figurava textualmente na Constituição daquele

1
THEODORO JÚNIOR, Humberto. A execução de sentença e a garantia do devido processo legal. Rio de
Janeiro: Aide, 1987.
2
“A especificação dos direitos e garantias expressos nesta Constituição não exclui outros direitos
e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota” (CF- 1969, art. 153, §36).

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14 Humberto Theodoro Júnior

tempo (CF – Emenda nº 1, de 17.10.1969, cujo art. 153, §4º, prescrevia a inafastabilidade
da apreciação do Poder Judiciário de “qualquer lesão de direito individual”).
Levando em conta que integrava a teoria do devido processo a garantia de
celeridade e economia processual, nossa tese era a de que a dualidade de ações para
definir e realizar os direitos violados ou ameaçados retardava e encarecia a tutela
jurisdicional, injustificadamente.3 Urgia, portanto, uma reforma do Código de Pro­
cesso Civil que, a exemplo das ações especiais de natureza mandamental, ou execu­
tiva lato sensu, abolisse por completo a actio iudicati (ação executória de sentença),
generalizando o sistema unitário, já existente para as ações cautelares e algumas
ações de mérito, como a de despejo, a de depósito e os interditos possessórios.4
Essa remodelação da execução forçada viria a iniciar-se por meio do Código
de Defesa do Consumidor, no terreno das obrigações de fazer a cargo do fornecedor
de bens e serviços, cuja tutela haveria de se realizar dentro de uma só relação proces­
sual, em cujo conteúdo caberiam tanto os atos de definição (acertamento) como os
de realização dos provimentos judiciais pronunciados em tutela dos consumidores
(CDC, art. 84).
Pouco tempo depois, a renovação se estenderia ao Código de Processo
Civil, primeiro no tocante às obrigações de fazer e não fazer em geral, depois
com a instituição da tutela de mérito antecipada, em seguida, no mecanismo do
cumpri­mento das obrigações de entrega de coisa, e, por último, das obrigações
de quantia certa. Portanto, no espaço de tempo que mediou entre 1990 e 2005,
a execução de sentença no direito processual civil brasileiro viria a libertar-se,
completamente, da arcaica estrutura da actio iudicati romana, transformando o
cumprimento das condenações judiciais em simples fase de um procedimento
unitário e simplificado.
Com isso, a ação autônoma de execução, regulada pelo Livro II do Código
de Processo Civil, ficou restrita aos títulos extrajudiciais. Seus dispositivos apenas
subsidiariamente passaram a se aplicar à fase de cumprimento de sentença, dentro
do processo unitário (CPC, art. 475-R).

3
A tese, em suma, tinha o propósito de “demonstrar que a exigência de dois processos distintos,
de duas ações separadas, para compor aquilo que, em essência, é um só conflito, ou uma só
lide, tal como hoje [então] se faz em nosso processo civil, diante do processo de conhecimento
e do processo de execução, não satisfaz as expectativas da completa, autêntica e mais eficaz
tutela jurisdicional” (THEODORO JÚNIOR, op. cit., p. 75).
4
“Qualquer deficiência estrutural do sistema de processo executivo que protele, além do
estritamente necessário, a concretização do direito líquido, certo e exigível da parte credora,
deve rapidamente ceder a inovações que aperfeiçoem o processo civil e o aproximem mais do
ideal do moderno Estado de Direito” (THEODORO JÚNIOR, op. cit., loc. cit.).

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A execução forçada no moderno processo civil 15
2 As reformas do direito processual ditadas pelas exigências da
instrumentalidade e da efetividade da tutela jurisdicional
Com a nova visão do processo exigida pela ordem constitucional do Estado
Democrático de Direito, perdeu relevância a concepção oitocentista que conduziu
a ciência processual a concentrar-se fundamentalmente na demonstração da exis­
tência da relação jurídica processual como entidade diversa da relação jurídica mate­
rial disputada ou negada em juízo, assim como na valorização da autonomia e abstra­
ção do direito de ação em face do direito subjetivo material controvertido.
O que o século XX produziu de mais significativo em termos de processo foi
a constitucionalização da garantia de acesso à Justiça, inserindo-a entre os direitos
fundamentais, vale dizer, entre os direitos do homem. Assim, a visão constitucional
retorna, de certa forma, à visão romana da ação, que lhe conferia a função de de­fen­
der e realizar os direitos lesados ou ameaçados.
Quando, pois, nossa Constituição atual, ao declarar os direitos fundamentais,
proclama que nenhuma lesão ou ameaça a direito será excluída da apreciação do
Poder Judiciário, o que realmente faz é ressaltar a grande missão institucional daquele
órgão da soberania estatal: que outra não é senão a de tutelar as pessoas, de maneira
efetiva, em sua esfera jurídica, sempre que afetada por crise de lesão ou ameaça
de lesão.
Pouca ou nenhuma relevância, portanto, passou a ter a especulação em torno
do caráter abstrato, autônomo ou concreto do direito de ação em juízo. Não se
pode mais contentar com sua concepção de puro e simples direito ao processo. O
que justifica, na órbita dos direitos fundamentais, o direito de acesso à Justiça, é, em
última análise, a garantia de proteção ao direito material em crise, ou seja, aquele
afetado por lesão ou ameaça.
Hoje, quando a concepção de direito ao processo justo se explica como o direito
de obter da Justiça um “provimento de tutela efetiva” para os direitos substanciais
envolvidos em crise, torna-se útil, na verdade, um retorno à visão do antigo con­
ceito de ação em sentido concreto, outrora valorizado por Chiovenda, entre tantos
outros fundadores do direito processual científico, e que, mais tarde, veio a ser
repudiado e afastado pela doutrina moderna, em razão de um exagerado apego à
autonomia e abstração do direito à prestação jurisdicional.5
É de ter-se em conta em nosso tempo a valorização do papel desempe­nhado
pelas tutelas diferenciadas que deram origem à pluralidade de ações especiais
hoje existentes no processo civil, fenômeno derivado precisamente da pluralidade
de direitos e relações substanciais que a ordem jurídica se propõe a tutelar. Isto faz

5
COMOGLIO; FERRI; TARUFFO. Lezioni sul processo civile. 4. ed. Bologna: Il Mulino, 2006. v. 1, p. 227.

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16 Humberto Theodoro Júnior

com que o núcleo atual da ideia de um processo justo se confunda com a política
de proteção às situações de direito material, e não mais se explique como simples
garantia de acesso a um processo qualquer. A justiça contemporânea, colocada no
centro dos direitos fundamentais, cumpre o dever constitucional de compor os
conflitos jurídicos de maneira adequada e justa, sempre na ótica do direito material.
De fato — em sintonia com os princípios constitucionais —, opõe-se à visão
excessivamente abstrata e autônoma do direito de ação, a consciência de que:

da un lato, non possano esistere o essere riconosciuti, nel nostro


ordinamento, diritti soggettivi in senso pieno (...), i quali siano nel
contempo sprovvisti di azione e di tutela giudiziaria, e come pure,
dall’altro non sia concepibile alcuna ipotesi di mera azione, del tutto
sganciata dale collegamento con i rapporti sostanziali tutelabili.6

Corretíssima, de tal arte, a conclusão de Comoglio, Ferri e Taruffo no sentido


de que, havendo base constitucional para a garantia do direito ao justo processo,

non ha più alcun significato pratico postulare e difendere l’autonomia


dell’‘azione’ (o, ancor più, delle ‘azioni’ tipizzate dalla tradizione civilistica),
nei confronti del potere di proporre le relative ‘domande’. I sole problemi,
que nel processo mantengono una loro fondamentale rilevanza, sono
quelli riguardanti l’effetività e la duttilità variabile delle forme di tutela
(o, se si preferisce, dei tipi di rimedio giurisdizionale), accordabili, su
domanda, dal giudice adito.7

Cumpre, então, ao direito processual criar instrumentos adequados à efetiva


tutela das múltiplas situações em que o direito material se sinta ameaçado ou violado.
O estudo do processo, nessa ordem de ideias, há de buscar a melhor compreensão
das formas de tutelas e, acima de tudo, da maneira de otimizá-las em sua função
precípua de afastar as ameaças ao direito material e de eliminar as lesões contra
ele perpetradas.
É nesse sentido que se exige que as regras procedimentais sejam cada vez
mais simples e mais maleáveis, e que jamais sejam vistas e justificadas como um
fim em si mesmas, mas sempre como instrumento capaz de atingir frutos benéficos
na proteção e realização dos direitos materiais ameaçados ou lesados. Não é pelo
isolamento do fenômeno processual que se poderá compreender o papel atribuído
pela ordem constitucional ao processo. É preciso conectá-lo com o direito material
intimamente para que sua verdadeira meta seja definida e alcançada.

6
COMOGLIO; FERRI; TARUFFO. Lezioni..., v. 1, p. 227.
7
COMOGLIO; FERRI; TARUFFO. Lezioni..., v. 1, p. 230.

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A execução forçada no moderno processo civil 17
O direito processual exigido pelo Estado Democrático de Direito é aquele
comprometido com a função e o resultado programados pela garantia de tutela
estatal ao direito material, que não condiz com delongas injustificadas na condução
e conclusão do processo e não admite provimentos insuficientes para proporcionar
a justa composição dos litígios.
A era de reformas em que vive não só o Brasil, mas o mundo todo, exige do
processo civil a capacidade de oferecer meios para que, no dizer de Dinamarco, a
tutela jurisdicional seja efetiva, tempestiva e justa. É assim que os portadores da
bandeira da efetividade do processo puderam abrir espaço para “a consciência
da necessidade de repensar o processo, com o objetivo de configurá-lo como algo
dotado de bem definidas destinações institucionais e vocacionado a cumprir objetivos
sociais, políticos e jurídicos — também conscienciosamente definidos”.8
Ciente da função constitucional do processo, o legislador brasileiro, a exemplo
do que vem ocorrendo desde os princípios da segunda metade do século passado
em todo o mundo civilizado e democrático, vem reformando o Código de Processo
Civil, ao longo de duas décadas, mediante variadas e sucessivas alterações em seu
texto, todas justificadas pelo mesmo objetivo: acelerar a prestação jurisdicional,
tornando-a mais econômica, mais desburocratizada, mais flexível e mais efetiva no
alcance de resultados práticos para os jurisdicionados, sem prejuízo, é claro, das
garantias constitucionais atribuídas aos litigantes.9
É de universal reconhecimento que “não se poderá jamais ter um processo
justo, qualquer que seja o nível técnico de suas garantias estruturais, se não existirem
também instrumentos idôneos para assegurar-lhe uma ‘duração’ média ‘razoável’,
porquanto, como todos sabem, uma justiça culposamente ‘retardada’ equivale em
si mesma, sem meios termos, a uma justiça substancialmente ‘denegada’”.10
Foi assim que, entre tantas outras medidas inovadoras, lograram-se resul­
tados sensíveis e de grande repercussão prática com a antecipação de tutela (novos
textos dos arts. 273 e 461 do CPC), com a nova roupagem do agravo de instrumento
endereçado diretamente ao tribunal de segundo grau de jurisdição (art. 524 do
CPC), com a consignação em pagamento por via bancária (§§1º a 4º do art. 890 do
CPC), com a sumarização do arrolamento (art. 1.031 do CPC), com a viabilização da

8
DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. São Paulo: Malheiros, 2002. n. 10, p. 36.
9
Em termos de direito fundamental, “acesso à justiça equivale à obtenção de resultados justos. É
o que também já se designou como acesso à ordem jurídica justa (Kazuo Watanabe). Não tem
acesso à justiça aquele que sequer consegue fazer-se ouvir em juízo, como também todos os
que, pelas mazelas do processo, recebem uma justiça tarda ou alguma injustiça de qualquer
ordem” (DINAMARCO, op. cit., n. 10, p. 37).
10
COMOGLIO, Luigi Paolo. Etica e técnica del “giusto processo”. Torino: Giappichelli, 2004. p. 8.

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partilha e do divórcio consensuais por via notarial (CPC, art. 982 e 1.124-A), com a
criação da ação monitória (CPC, art. 1.102-A a 1.102-C) etc.

3 A modernização do processo e a atividade judicial executiva


Entre as barreiras que devem ser superadas para se tornar real a garantia de
acesso a uma tutela jurisdicional efetiva, e, portanto justa, a melhor doutrina aponta,
com destaque, para o enorme problema da “crônica e grave ineficiência dos meios
de execução forçada dos provimentos jurisdicionais condenatórios”.11
Assim, no bojo das medidas renovadoras da estrutura do Código de Processo
Civil brasileiro, merecem maior realce aquelas operadas no plano da execução for­
çada. Iniciou-se por reforçar a exequibilidade das sentenças relativas às obrigações
de fazer e não fazer, valorizando a tutela específica e liberando o cumprimento da
condenação dos entraves da actio iudicati (art. 461 do CPC). Esse regime interdital
ou mandamental, iniciado com as obrigações de fazer e não fazer, seria posterior­
mente estendido a todas as sentenças condenatórias, passando a alcançar também
as referentes às obrigações de entrega de coisa (art. 461-A) e, finalmente, as de
pagar quantia certa (art. 475-J e segs.).
Desse conjunto de novos institutos implantados no bojo da codificação
processual surge uma nova estrutura para o processo civil, onde se anula em
grande parte a antiga e rígida dicotomia da prestação jurisdicional em processo
de conhecimento e processo de execução. Graças a remédios como a antecipação
de tutela e a ação monitória, a atividade executiva não é mais privilégio da ação
de execução forçada e o processo de conhecimento não fica mais restrito apenas
à tarefa de acertamento da situação litigiosa. Sem depender da actio iudicati, o juiz
está autorizado a tomar, de imediato, medidas satisfativas do direito subjetivo mate­
rial do litigante, em casos de urgência, ainda no curso do processo de conhecimento.
A jurisdição, em princípio, há de ser desempenhada com toda amplitude, podendo
dispensar tutela de urgência ao direito material, sem depender da coisa julgada.
Pode, ainda, após a sentença condenatória, fazê-la cumprir forçadamente, de pronto,
sem depender de uma outra ação separada da ação de acertamento do direito
do credor.
Em lugar da antiga actio iudicati, implantou-se o mecanismo do cumpri­­
mento da sentença como simples continuidade do processo em que a condenação
foi pronunciada. A execução, no atual direito brasileiro, se insere nos atos do ofício
do juiz sentenciante. Sem solução de continuidade, as medidas de cumprimento
forçado da sentença são praticadas numa única relação processual. Em nome da

11
COMOGLIO, op. cit., p. 26.

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A execução forçada no moderno processo civil 19
efetividade do processo, o juiz moderno se investe nos antigos poderes do pretor
romano, quando decretava os interditos, antes do julgamento definitivo da causa.
Nosso processo civil, assim, assume, em caráter geral, o feitio interdital, reclamando
de seus operadores uma profunda revisão e readequação das posturas interpretativas.

4 A busca da efetividade da tutela jurisdicional, como caminho


para implantação do processo justo
Quando se quebram tabus como o da dualidade e autonomia dos processos
de conhecimento e de execução, verifica-se que as reformas por que vem passando
o direito processual civil, entre nós, refletem uma tomada de posição universal cujo
propósito é abandonar a preocupação exclusiva com conceitos e formas, “para dedi­
car-se à busca de mecanismos destinados a conferir à tutela jurisdicional o grau
de efetividade que dela se espera”.12 Hoje, o que empolga o processualista compro­
metido com o seu tempo é o chamado “processo de resultados”. Tem-se a plena
consciência de que o processo, como instrumento estatal de solução de conflitos
jurídicos, “deve proporcionar, a quem se encontra em situação de vantagem no
plano jurídico-substancial, a possibilidade de usufruir concretamente dos efeitos
dessa proteção”.13
Ao invés de fixar-se na excessiva independência outrora proclamada para
o direito processual, a ciência atual empenha-se na aproximação do processo ao
direito material. A técnica processual não pode continuar sendo vista como um fim
em si, nem como dotada de um valor que se esgote na pura técnica. Sem embargo
de sua autonomia em face dos diversos ramos do direito, a função reservada ao
direito processual não vai além da instrumentalização das regras substanciais
existentes no ordenamento jurídico, quando estas se deparam com a crise de sua
inobservância in concreto.
Estudar processo, sem comprometê-lo com sua finalidade institucional, repre­
senta obra especulativa, divorciada dos grandes valores e interesses que à ordem
jurídica compete preservar e realizar. O resultado esperado da técnica processual
há de se operar no campo das relações jurídicas substanciais. É na produção desses
resultados, em nível satisfatório, que se poderá definir a maior ou menor efetivi­dade
do processo.
Instrumentalismo e efetividade são ideias que se completam na formação
do ideário do processualismo moderno. Para ser efetivo no alcance das metas de

12
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual, tentativa de
compatibilização. 2005. Tese (Concurso de Professor Titular) – Universidade de São Paulo – USP,
São Paulo, 2005. f. 13.
13
BEDAQUE. Efetividade do processo e técnica processual, cit. p. 13.

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direito substancial, o processo tem de assumir plenamente sua função de instru­


mento. Há de se encontrar na sua compreensão e no seu uso a técnica que se revele
mais adequada para que o instrumento produza sempre o resultado almejado:
“a solução das crises verificadas no plano do direito material é a função do processo”,14
de sorte que quanto mais adequado for para proporcionar tutela aos direitos subje­
tivos de natureza substancial, mais efetivo será o desempenho da prestação estatal
operada por meio da técnica processual.
A técnica processual, por sua vez, reclama a observância das formas (pro­
cedimentos), mas estas se justificam apenas enquanto garantias do adequado debate
em contraditório e com ampla defesa. Não podem descambar para o formalismo
doentio e abusivo, empregado não para cumprir a função pacificadora do processo,
mas para embaraçá-la e protelá-la injustificadamente. Efetivo, portanto, é o pro­cesso
justo, ou seja, aquele que, com a celeridade possível, mas com respeito à segu­rança
jurídica (contraditório e ampla defesa), “proporciona às partes o resultado desejado
pelo direito material”.15 É antiga, mas nunca se cansa de repeti-la, a clássica lição de
Chiovenda, segundo a qual o processo tem de dar ao litigante, tanto quanto possível,
tudo o que ele tem direito de obter segundo as regras substanciais.16
O momento histórico, em que se busca por constantes reformas do proce­
dimento, todas preocupadas com o processo justo, a efetiva tutela do direito material,
reclama do intérprete e aplicador do direito processual civil renovado um cuidado
mais acentuado com o caráter realmente instrumental do processo, para evitar os
inconvenientes do recrudescimento da tecnocracia forense, a qual uma vez exarce­
bada frustraria por completo as metas reformistas do direito positivo.

14
BEDAQUE. Efetividade do processo e técnica processual, cit. p. 16.
15
BEDAQUE. Efetividade do processo e técnica processual, cit. p. 45. Segundo Barbosa Moreira, o
processo deve assegurar à parte vitoriosa o gozo da específica utilidade a que faz jus segundo
o ordenamento, com o mínimo de dispêndio de energia (Efetividade do processo e técnica
processual. In: Temas de direito processual: sexta série. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 18). O aspecto
positivo da instrumentalidade “é caracterizada pela preocupação em extrair do processo, como
instrumento, o máximo de proveito quanto à obtenção dos resultados propostos (os escopos
do sistema)” (DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 5. ed. São Paulo:
Malheiros, 1996. p. 319). No seu aspecto negativo, o princípio da instrumentalidade alerta para
o fato de que o processo “não é um fim em si mesmo e não deve, na prática cotidiana, ser
guindado à condição de fonte geradora de direitos. Os sucessos do processo não devem ser
tais que superem ou contrariem os desígnios do direito material, do qual ele é também um
instrumento” (CINTRA, Antônio Carlos de Aguiar; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO,
Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. n. 12, p. 47-48).
16
“O processo deve dar, quanto por possível, praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo
e exatamente aquilo que ele tenha direito de conseguir” (CHIOVENDA, Giuseppe. Institui­
ções de direito processual. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1969. v. 1, n. 12, p. 46). Para Proto Pisani, a
instrumentalidade do processo preconiza sua justificação indicativa da resposta que caso a caso
o legislador deveria dar para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva às específicas necessi­dades
de tutela (Lezioni di diritto processuale civile. 3. ed. Napoli: Jovene Editore, 1991. p. 34).

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A execução forçada no moderno processo civil 21
Muito séria, por exemplo, é a advertência, entre outros, de Flávio Luiz Yarshell,
para quem “é hora de revigorar a ideia de fungibilidade, quer em matéria recursal,
quer em relação aos diferentes remédios ou meios de impugnação. A hora é de ter
clara a ideia de que o processo não é e não pode ser um caminho repleto de arma­
dilhas e de surpresas. A hora é de ponderação e de prestigiar a boa-fé e a segurança
da relação, que, via processo, se estabelece entre o cidadão e o Estado”.17 É nesse
rumo que se deve entender o esforço legislativo de renovação das técnicas instru­
mentais do Código de Processo Civil.

5 Execução forçada e mandamentalidade


Se a meta da tutela jurisdicional é atribuir efetivamente à parte aquilo que
pelo direito material lhe compete exigir da contraparte, é intuitivo que, na disputa em
torno de obrigações descumpridas, a sentença não tem em si, na maioria das vezes,
a força de exaurir a tutela a que tem direito o demandante vitorioso na contenda
judicial. A efetividade que se espera da tutela jurisdicional, segundo a Constituição,
somente acontecerá de fato quando a parte tiver acesso concreto ao bem da vida que
a sentença lhe reconhecer.
Para que este acesso venha a concretizar-se, o sistema tradicional herdado
do direito romano impunha a sujeição do litigante a dois processos, um para defi­nição
do seu direito material, e outro para a promoção do cumprimento da condenação
contida na sentença. Essa dualidade de ações e de processos, como é óbvio, sempre
gerou entraves e onerosidades que redundam em procrastinação e custos não
coe­rentes com a garantia fundamental de que a tutela efetiva devida pela justiça
deva ser ultimada em prazo razoável e por meio de processo ordenado de maneira
capaz de assegurar-lhe a celeridade de tramitação (Constituição Federal, art. 5º, LXXVIII).
Inúmeras providências têm sido estudadas e adotadas no direito europeu
para enfrentar e superar as delongas que o sistema tradicional de execução de sen­
tença reconhecidamente acarreta. Como tendência predominante detecta-se a
busca da desjudicialização ou da redução da judicialidade nesse terreno, como
expediente apto a reduzir os notórios embaraços da atividade executiva quando
desenvolvida pelos meios e agentes do Poder Judiciário.

17
YARSHELL, Flávio Luiz. Alterações na legislação processual e segurança jurídica. Carta Forense,
São Paulo, n. 50, p. 6, jul. 2007. É de Ives Gandra da Silva Martins a advertência também no
mesmo rumo, de que a pouca atenção do julgador aos reais propósitos da nova roupagem do
direito processual pode redundar num certo desalento, diante da “possibilidade de resultarem
inúteis as medidas de aprimoramento da legislação processual, se o Poder Judiciário não estiver
comprometido em aplicá-las com razoabilidade” (Razoabilidade das decisões judiciais. Carta
Forense, São Paulo, n. 50, p. 3. jul. 2007).

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22 Humberto Theodoro Júnior

No direito sueco, por exemplo, vigora uma completa desjudicialização, cabendo


a execução ao Serviço Público de Cobrança Forçada, que constitui um organismo
administrativo e não judicial.18
No direito inglês há várias modalidades de execução forçada, conforme a
origem do crédito. Há, porém, algumas regras observáveis em todas as execuções,
dentre as quais a de que o devedor pode ser forçado ao cumprimento da obrigação
constante do título executivo por um agente de execução (sheriff, ou mais propria­
mente enforcement agent); mas se o início da execução se retarda por mais de seis
meses depois da emissão do título executivo, o procedimento dependerá de auto­
rização do juiz, a quem competirá controlar as razões do retardamento.19 A execução
se inicia por requerimento do próprio credor, sem necessidade de assistência de
advogado e se desenvolve por obra do agente de execução extrajudicialmente até
o efetivo pagamento do crédito do exequente.20
A exemplo do que se passa no direito inglês, “o procedimento para execução
de decisões judiciais nos Estados Unidos é matéria administrativa. Ele é todo feito
extrajudicialmente, competindo ao juiz, tão somente, uma atividade de controle,
para garantir o cumprimento das garantias fundamentais e para resolver eventuais
dúvidas ou litígios que surjam entre as partes”.21 No Tribunal a sentença é inscrita
num livro (judgment book). O credor deve esperar o prazo de quatorze dias para
ini­ciar o procedimento executivo, prazo esse reservado ao cumprimento voluntário
da con­denação. Após, obterá uma ordem de execução expedida pela repartição
judiciária que será encaminhada a um agente administrativo (sheriff, em relação aos
man­­dados locais, ou marshal, para os mandados federais), ao qual caberá promover
a cons­­trição e a posterior venda de bens do devedor para saldar o crédito em exe­
cução, tudo sem interferência ou outra autorização judicial.22
Em Portugal, nos últimos anos, duas reformas do CPC foram realizadas para
desjudicializar, parcialmente, a execução, principalmente nos casos de obrigações
por quantia certa. O requerimento executivo, no entanto, deve ser apresentado
na secretaria judicial, preferencialmente por via eletrônica (CPC, art. 810º, nº 7).
De imediato, o requerimento e os documentos que o acompanham são enviados

18
FREITAS, José Lebre de. A ação executiva depois da reforma. 4. ed. Coimbra: Coimbra Ed., 2004.
p. 25, nota 54.
19
CUNIBERTI, Giles. Un concept de droit de l’exécution en droit anglais. In: ISNARD, Jacques;
NORMAND, Jaques. Nouveaux droits dans un nouvel espace européen de justice: le droit processuel
et le droit de l’exécution. Paris: Éditions Juridiques et Techniques, 2002. p. 171.
20
COELHO, Glaucia Mara. Notas sobre a execução de decisão judicial que determinam o paga­
mento de quantia no EUA e na Inglaterra. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, n. 43,
p. 60-61, jul./ago. 2011.
21
COELHO, op. cit., p. 51.
22
COELHO, op. cit., p. 52.

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A execução forçada no moderno processo civil 23
eletronicamente ao agente de execução designado (CPC, art. 810º, nº 8, al. b). Salvo
algumas poucas exceções, não é o juiz quem promove a citação do executado, mas
o próprio agente de execução, que agirá sem depender de despacho judicial (CPC,
art. 812º-F, nº 2). A ele, agente de execução, cabe efetuar, em regra, todas as diligências
do processo de execução, sujeitando-se, porém, ao controle do juiz. Independem,
assim, de prévio despacho judicial a penhora e a venda do bem penhorado. Se o
executado, a qualquer tempo, resolver pagar a dívida exequenda, o agente execu­
tivo terá poderes para o respectivo recebimento. Em suma, não cabe ao moderno
juiz português, em regra, ordenar a penhora, a venda ou o pagamento, nem mesmo
lhe compete extinguir a instância executiva. Tais atos, sem embargo de eminente­
mente executivos, “passaram a caber ao agente de execução (art. 808 º, nºs 1 e 6)”.
Nessa nova sistemática do CPC português, mesmo mantendo-se a dualidade
de procedimentos distintos para a condenação e a execução da sentença, procura-
se dar aos atos executivos uma ligeireza maior, colocando-os fora da esfera judicial
comum, onde o desenvolvimento do processo depende fundamentalmente de atos
do juiz. Optou-se por deixar o juiz (e a secretaria do juízo) mais longe das atividades
executivas. Reservou-se ao magistrado uma tarefa desempenhada a distância. Sua
intervenção não é sistemática e permanente, mas apenas eventual, ocorrendo, por
exemplo, quando houver um litígio incidental, e em algumas situações especiais
enumeradas na lei.
Por sua vez, o agente de execução, a quem compete praticamente conduzir
a execução até a satisfação completa do direito do credor, é um profissional liberal,
tal como o tabelião e o registrador, a que a lei lusitana atribui o desempenho de
um conjunto de tarefas, exercidas em nome do tribunal, no campo do cumprimento
da sentença ou na execução dos títulos extrajudiciais. Tal como o huissier francês,
o agente de execução (ou solicitador de execução) em Portugal “é um misto de
profissional liberal e funcionário público, cujo estatuto de auxiliar da justiça implica
a detenção de poderes de autoridade no processo executivo”.23
Tem a parte o direito de escolher o agente que irá encarregar-se da execução
de seu crédito. Manifestada a qualquer tempo a pretensão de que a sentença seja
executada, a atividade executiva “inicia-se, por apenso e de forma eletrônica, logo
após o trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 675º-A, nº 2, al. a, do CPC)”.
De imediato, caberá à secretaria do juízo “disponibilizar ao agente de execução cópia
da sentença e do requerimento que o ora exeqüente apresentou na acção decla­
rativa” (CPC, art. 675º-A, nº 6).24

23
FREITAS. A ação executiva, cit. n. 1.6, p. 27-28.
24
PAIVA, Eduardo; CABRITA, Helena. O processo executivo e o agente de execução. 2. ed. Coimbra:
Wolters Kluwer; Coimbra Ed., 2010. p. 44.

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24 Humberto Theodoro Júnior

O que se teve em vista na remodelação do Código português foi agilizar a


execução das sentenças que condenem ao pagamento de quantia certa (as quais
reclamam procedimento expropriatório mais complexo), de modo que agora se
permite ao credor, na própria petição inicial da ação condenatória, ou em qualquer
momento do processo (antes mesmo do julgamento definitivo), a declaração de que
pretende executar, de imediato, a sentença. Assim, a execução forçada iniciar-se-á
automaticamente após o trânsito em julgado da condenação.25
As linhas mestras do atual sistema executivo do CPC português podem ser
assim enunciadas:

1. A intervenção do juiz tem caráter excepcional, só ocorrendo nas


situações expressamente previstas na lei, sem prejuízo de um poder
geral de controlo do processo (art. 265º. nº 1, do CPC).
2. A iniciativa passa a caber ao agente de execução, a quem compete,
por regra, efectuar todas as diligências do processo de execução e
mesmo, desde a reforma de 2008, decidir incidentes no âmbito da acção
executiva.
3. Passa a vigorar em pleno a regra da oficiosidade dos actos processuais
— compete ao agente de execução providenciar pelo normal anda­
mento do processo, determinando e realizando oficiosamente (leia-se
sem necessidade de despacho do juiz) todas as diligências necessárias
à realização coercitiva do direito do exequente.26

A intervenção do juiz é excepcional e se realiza esporadicamente em nome


de um “poder geral de controle”, exercitável em poucos casos explicitados pela lei e,
mais significativamente, no julgamento dos incidentes de natureza cognitiva, como
os embargos (oposição à execução e oposição à penhora) e a verificação e a gradua­
ção de créditos, entre outros.
Nessa linha, a presença do agente de execução, embora não retire a natureza
jurisdicional ao processo executivo, “implica sua larga desjudicialização (entendida
como menor intervenção do juiz nos atos processuais) e também a diminuição dos
atos praticados pela secretaria” (do juízo).27 Essa desjudicialização, outrossim, é uma
realidade que, em maior ou menor escala, não se limita ao direito português, e assume
a configuração de uma tendência que se nota e amplia em todo o direito processual
europeu. Lebre de Freitas descreve o seguinte panorama:

“Em alguns sistemas jurídicos, o tribunal só tem de intervir em caso de


litígio, exercendo então uma função de tutela. O exemplo extremo é dado

25
PAIVA; CABRITA. op. cit., p. 16.
26
PAIVA; CABRITA. op. cit., p. 17.
27
FREITAS. A ação executiva, cit. n. 1.6, p. 28.

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A execução forçada no moderno processo civil 25
pela Suécia, país em que é encarregue da execução o Serviço Público
de Cobrança Forçada, que constitui um organismo adminis­tra­tivo e não
judicial (...)”.
“Noutros países da União Europeia, há um agente de execução (huissier
em Escócia) que, embora seja um funcionário de nomeação oficial e,
como tal, tenha o dever de exercer o cargo quando solicitado, é con­
tratado pelo exeqüente e, em certos casos (penhora de bens móveis
ou de créditos), actua extrajudicialmente...” podendo “desencadear a
hasta pública, quando o executado não vende, dentro de um mês, os
móveis penhorados (...)”.
“A Alemanha e a Áustria também têm a figura do agente de execução
(Gerichtsvollzieher); mas este é um funcionário judicial pago pelo erário
público (...); quando a execução é de sentença, o juiz só intervém em
caso de litígio (...); quando a execução se baseia em outro título, o juiz
exerce também uma função de controlo prévio emitindo a fórmula
executiva, sem a qual não é desencadeado o processo executivo.”28

Na Itália não existe, ainda, a figura do agente de execução, que se encarrega


por inteiro dos atos executivos. A reforma de 2005 do CPC, no entanto, autoriza o
juiz a delegar a fase da expropriação de imóveis ou de móveis registrados a profissio­
nais liberais (notários, advogados, empresários), que passam a atuar como auxiliares
do juízo de execução, e que, na ótica do legislador, podem imprimir um desenvolvi­
mento mais rápido e proveitoso à operação de venda dos bens penhorados.29
Tem-se notícia, ainda, de proposta recente de reforma do Código que insiste na
necessidade de uma total alteração de perspectiva do sistema italiano de execução
forçada no que tange às atividades expropriativas, de modo a delas afastar o juiz,
cuja intervenção se limitaria a alguns momentos mais significativos. Caber-lhe-ia
apenas dar instruções ao oficial judiciário, ficando com o dever tão somente de solu­
cionar dúvidas ou contestações quando as partes reclamassem contra ato do referido
oficial. Trata-se, porém, de proposta de jure condendo em torno da atividade e dos
poderes do juiz da execução. A inovação programada, é bom notar, refere-se não
à execução específica para entrega de coisa, mas à execução por quantia certa, já
que é esta que ainda se desenvolve sob inteira direção do juiz, enquanto a primeira
já se dá por meio da designação de um oficial judiciário que se encarrega de todos
os atos materiais da execução, ficando o juiz apenas no fundo, sem interferir ati­
vamente no cumprimento da diligência executiva. Essa execução (a de entrega
de coisa), portanto, se cumpre e se completa por meio de simples atos do oficial
judiciário; também nas execuções para desocupação ou imissão na posse que tenham

28
FREITAS, op. cit., nota 54, p. 25.
29
TOMMASEO, Ferruccio. L’esecuzione forzata. Padova: CEDAM, 2010. n. 7, p. 19.

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26 Humberto Theodoro Júnior

por objeto um imóvel, a execução, embora mais complexa porque precedida de


uma notificação do executado, é ao oficial judiciário que se atribui a realização de
todos os atos de cumprimento forçado da sentença. A intervenção do juiz é eventual,
e só se dá em questões incidentais que dificultem a atuação do oficial judiciário.30
Na França, a sentença adquire força executiva com o trânsito em julgado
(CPC art. 500). Mas, para que a execução se inicie há duas condições a serem cumpridas:
(i) a notificação do devedor, acerca do conteúdo da condenação (CPC, art. 503); e
(ii) a expedição da fórmula executiva (uma cópia da sentença precedida de uma
declaração solene que lhe atesta a executoriedade (CPC, art. 502).31
Encaminhada a fórmula executória com o comprovante da notificação ao
hussier de justice (o agente da execução), este assume o poder para todos os atos
executivos, sem necessidade de outorga de um poder especial (CPC, art. 507).32
Fácil é concluir que o direito europeu moderno, se não elimina a judicialidade
do cumprimento da sentença, pelo menos reduz profundamente a intervenção
judi­cial na fase de realização da prestação a que o devedor foi condenado. Tal inter­
venção, quase sempre, se dá nas hipóteses de litígios incidentais surgidos no curso
do procedimento executivo.
Não há uniformidade na eleição dos meios de simplificar e agilizar o proce­
dimento de cumprimento forçado das sentenças entre os países europeus. Há, porém,
a preocupação comum de reduzir, quanto possível, a sua judicialização.
No Brasil, a busca da maior efetividade da execução da sentença não tem
seguido os caminhos da desjudicialização, pelo menos dentro do sistema contido
no Código de Processo Civil. Fora do sistema codificado, porém, há vários exemplos
entre nós de leis extravagantes que adotam a execução de obrigações por meio de
agentes extrajudiciais, como, v.g., se passa com a alienação fiduciária de coisas móveis
(Decreto-Lei nº 911/1969) e imóveis (Lei nº 9.514/1997), com os contratos hipotecá­
rios do SFH (Lei nº 5.741/1971), com a comercialização dos terrenos loteados (Lei
nº 6.766/1979), com os contratos de penhor (Cód. Civil, art. 1.433, IV) etc.

6 Configuração do caráter mandamental que a execução de


sentença adquiriu no direito brasileiro
A dualidade de ações e processos para tutelar a definição e a realização dos
direitos violados remonta às origens romanas do nosso direito processual. Na Roma

30
COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI, Corrado; TARUFO, Michele. Lezioni sul processo civile. 4. ed. Bologna:
Il Mulino, 2006. p. 325.
31
CADIET, Loïc; JEULAND, Emannuel. Droit judiciaire privé. 6. ed. Paris: LITEC, 2009, nºs 738, 739.
p. 509-510.
32
CROZE, Hervé; MOREL, Christian; FRADIN, Olivier. Procedure civile. 4. ed. Paris: LITEC. 2008. n. 169, p. 64.

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A execução forçada no moderno processo civil 27
Antiga prevalecia um sistema arbitral em que a autoridade pública (praetor) delegava
o julgamento da causa a um jurista, que não integrava os quadros da Administração
Pública (iudex). Portanto, quem julgava (i.é, quem pronunciava a sentença) não
tinha poder de fazê-la cumprir coativamente. Cabia-lhe apenas o iudicium (poder de
decidir), de sorte que era necessário, no caso de descumprimento da condenação,
que o credor voltasse à presença do detentor do imperium (o praetor) para obter
a autorização do uso da força, mediante uma nova ação (a actio iudicati). O sistema
processual romano primitivo, portanto, era fundamentalmente assentado sobre a
divisão de tarefas entre o titular do imperium e o delegado que se investia na função
de julgar (iudicium). Era, assim, indispensável à dinâmica da prestação jurisdicional,
a sucessão das duas ações, a de acertamento da situação jurídica controvertida e a
de realização do que resultasse desse mesmo acertamento.33
Por tradição inercial, Roma conservou o sistema dual mesmo quando, nos
últimos séculos do Império, a figura do iudex desapareceu e os poderes do imperium
e do iudicium se concentraram nas mãos do praetor.
Com a queda do Império Romano, o espírito prático dos germânicos, novos
dominadores da Europa continental, aboliu a actio iudicati, passando a considerar
a execução forçada como inerente à função da autoridade que pronunciava a sen­
tença. Um só processo, destarte, compreendia o exercício completo da jurisdição.
Quem julgava a causa tinha, por dever de ofício, fazer com que o comando contido
na sentença fosse efetivamente cumprido (executio per officium iudicis).
Foi nos primórdios dos tempos modernos que, a pretexto de valorizar a liquidez
e a força dos títulos de crédito, se ressuscitou a velha actio iudicati, então sob o rótulo
de ação executiva. Com essa ação tornava-se viável o acesso direto do credor às
vias executivas, sem necessidade de obtenção prévia de sentença. Equiparando-se
sentença e título de crédito, unificou-se também o remédio processual para a exe­
cução de ambos. Se, de um lado, saiu valorizado o título executivo negocial, de outro,
perdeu prestígio e agilidade a sentença, já que sua execução voltou a se sujeitar a
um novo processo e uma nova ação.
Desde então, vem o direito processual lutando para desvencilhar o cumpri­
mento da sentença dos entraves e deficiências da ação executória. Dois foram os
principais expedientes que o legislador paulatinamente adotou, com o objetivo de
simplificar e dinamizar a execução do título judicial:
a) ampliação das hipóteses de sentenças autoexequíveis, isto é, daquelas cujo
cumprimento se realiza dentro da mesma relação processual em que a

33
Aliás, é o que, ainda hoje, se dá com a arbitragem. Os árbitros extrajudiciais julgam a causa, mas a
execução das suas sentenças, se necessária, haverá de ser requerida, por meio de ação executória
junto ao Poder Judiciário (Lei nº 9.307/1996, art. 31; CPC, art. 475-N, IV).

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28 Humberto Theodoro Júnior

condenação foi pronunciada, sem depender da propositura de uma nova


ação para obtenção do mandado executivo;
b) instituição de medidas coercitivas para induzir o devedor a, por si mesmo,
dar cumprimento ao comando da sentença; e de medidas de apoio, com
que o juiz pudesse contar para facilitar a obtenção do resultado prático
visado pela sentença, no caso de resistência do devedor à prática da
prestação devida.
Nessa perspectiva, já antes da sentença, e ainda no curso do processo de
conhecimento, o Código passou a autorizar a tutela antecipada que, nos casos do
art. 273 em sua nova redação, permitia à parte obter antecipação de efeitos satisfa­
tivos da futura sentença de mérito. Para assegurar a executividade dessas medidas
executivas antecipatórias, previram-se medidas coercitivas e de apoio (§3º do art.
273 do CPC).34
Em outras reformas do Código, aboliu-se a ação executória para o cumpri­mento
das sentenças relativas às obrigações de fazer e não fazer (art. 461)35 e de entrega de
coisa móvel ou imóvel (art. 461-A),36 podendo as medidas executivas seguirem-se,
imediatamente, à condenação, com possibilidade ampla de utilização de medidas
coercitivas (astreintes) e de apoio (busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas,
desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva). Permitiu-se, enfim, em
relação às obrigações de fazer e não fazer que, durante a fase de cumprimento da
sentença, o juiz pudesse determinar providências capazes de assegurar “o resul­
tado prático equivalente ao do adimplemento” (art. 461, caput, na redação da Lei
nº 10.444/2002).
Sem dúvida, o mais importante, do ponto de vista prático e funcional, de
fato, foi a abolição da actio iudicati, já que as sentenças condenatórias tornaram-se,
todas, autoexequíveis. Transitadas em julgado, o competente mandado de cum­
primento é expedido, sem despender da propositura de uma nova ação e sem o
estabelecimento de uma nova relação processual, para abrigar a pretensão execu­
tiva. Seja a prestação de fazer ou não fazer, de entrega de coisa, ou de pagamento
de quantia, a força da sentença se manifesta de imediato e se traduz em expedição
de mandado executivo, como simples efeito da sentença, manifestado dentro da
própria relação processual em que a condenação foi pronunciada.37
Diante dessa linha evolutiva, que retrata a antiga executio per officium
iudicis do direito longobardo medieval, Kazuo Watanabe observa que atualmente

34
Lei nº 8.952/1994, complementada pela Lei nº 10.444/2002.
35
Lei nº 8.952/1994; Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), art. 84; Lei nº 10.444/2002.
36
Lei nº 10.444/2002.
37
CPC, arts. 471-I e 475-J, com a redação da Lei nº 11.232/2005.

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A execução forçada no moderno processo civil 29
“o nosso sistema processual é dotado de ação mandamental de eficácia bastante
assemelhada à da injunction do sistema da common law e à da ação inibitória do
direito italiano”.38 Há quem faça distinção entre sentença mandamental e sentença
execu­tiva lato sensu. A primeira, como autêntica “ordem de autoridade competente”,
além de sujeitar o obrigado à imediata execução forçada, o submeteria às penas do
crime de desobediência, caso não ocorresse o cumprimento voluntário no prazo
assinado judicialmente; a segunda, ao ser descumprida acarretaria apenas os atos
executivos normais do processo civil. No plano da atividade executiva forçada, no
entanto, não há distinção a fazer entre a execução da sentença mandamental e a da
sentença executiva lato sensu. Ambas têm igual função, qual seja, a de propiciar o
cumprimento forçado de pronto, sem necessidade de movimentar-se a ação execu­
tória (actio iudicati). A diferença, portanto, se passa num plano exterior ao conteúdo
da sentença e estranho até mesmo ao procedimento executivo civil. Daí por que,
para os fins visados pela nova roupagem atribuída à execução de sentença, não se
haverá de dar maior relevância à distinção entre as duas modalidades de provimento.
Sem embargo das divergências suscitadas em sede doutrinária, pode-se ter
como certo que a mandamentalidade, fundamentalmente, acarreta a eliminação
da necessidade de uma ação para executar a vontade do órgão judicial manifestada
em sentença ou qualquer outra modalidade de decisão;
Explica Cândido Dinamarco:

A mandamentalidade é uma eficácia, que certas sentenças têm, de


mandar o sujeito desenvolver determinada conduta, não se limitando
a declarar um direito, a constituir uma situação jurídica nova ou a con­
denar, autorizando a instauração do processo executivo. O que valoriza
a sentença mandamental, em sua capacidade de promover a efetiva­
ção dos direitos, é a imediatividade entre o seu momento de eficácia e
a execução — enquanto que, entre o momento de eficácia da sentença
condenatória e a execução, há um intervalo representado pelo tempo
passado até que a demanda executiva venha a ser proposta e os atos
constitutivos da execução forçada, desencadeados.39

A ação mandamental, para Pontes de Miranda, enfim, “tem por fito pre­
ponderante que alguma pessoa atenda, imediatamente, ao que o juízo manda”.40

38
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores
do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. nota 1 ao art. 83, p. 768.
39
DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. São Paulo: Malheiros, 2002, n. 162, p. 230. No
mesmo sentido: PONTES DE MIRANDA. Tratado das ações. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970.
v. 1, §33, p. 168 et seq., e §37, nºs 1-2, p. 211.
40
PONTES DE MIRANDA. Tratado das ações. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976. v. 6, §1º, n. 1, p. 3.

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30 Humberto Theodoro Júnior

A mandamentalidade, todavia, não cria uma sentença diversa, em essência,


da comum sentença condenatória. Para ser mandamental, a sentença tem de ser
obrigatoriamente condenatória, isto é, tem de conter o preceito que impõe ao
devedor cumprir uma prestação em favor do credor vencedor no processo de
acertamento. Pode, nessa ordem de ideias, haver sentença condenatória pura, que
é aquela que só se cumpre forçadamente por meio de outra ação (a executória), como
pode haver, também, sentença condenatória mandamental, que impõe cumpri­
mento forçado imediato, sem depender de ação especial para que isto se dê.
Na lição de Cândido Dinamarco, o acréscimo da mandamentalidade à sen­
tença decorre do intento do legislador processual de “promover com maior rapidez
e agilidade a efetivação do preceito contido na sentença”.41 De que maneira essa
agilização das medidas satisfativas do direito do credor se dá? Pela simplificação das
vias de acesso às medidas executivas, que a adoção das sentenças condenatórias
mandamentais provoca.
Com efeito, todas as sentenças condenatórias, seja a tradicional, seja a man­
damental, “especificam uma conduta a ser assumida pelo obrigado, o qual deve
pagar, entregar, fazer, não-fazer, abster-se etc. (os alemães designam a sentença con­
denatória como sentença de prestação – Leistungsurteil). A diferença está em que (a)
as sentenças condenatórias puras contam inicialmente com o cumprimento volun­
tário pelo obrigado e, isso não acontecendo, autorizam somente a instauração do
processo executivo, mas (b) as condenatórias mandamentais também contam com o
cumprimento voluntário mas autorizam que, antes de instaurar o processo executivo,
já no de conhecimento se pressione o obrigado a cumprir”.42
Diante da evidência de que um procedimento mandamental e, por isso
mesmo, unitário, é muito mais econômico e efetivo, as medidas cautelares foram
as primeiras a se afastar do regime dual de acertamento e execução em processos
separados. Nas medidas de urgência, o juiz não se limita a deferi-las, mas o faz
de maneira mandamental, de sorte que, sem intervalo, à sentença segue imediata­
mente o mandado executivo, como um imperativo da própria urgência com que o
perigo de dano deve ser remediado.43 Em outros termos:

41
DINAMARCO, op. cit., n. 162, p. 231; idem, DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito
processual civil. São Paulo: Malheiros, 2001. v. 3, n. 919, p. 242 et seq.
42
DINAMARCO. A reforma da reforma, cit., n. 162, p. 231; idem, DINAMARCO, Cândido Rangel.
Fundamentos do processo civil moderno. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. v. 1, n. 307, p. 603-604;
PONTES DE MIRANDA. Tratado das ações, cit. v. 1, §33. n. 6, p. 181.
43
O juiz vai além da simples declaração de estar a parte condenada a entregar, fazer ou não fazer
alguma coisa, pois o que emite é, realmente, “uma ordem a ser observada pelo demandado”
(SILVA, Ovídio A. Batista da. Curso de processo civil. Porto Alegre: Fabris, 1990. v. 2, p. 247).

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A execução forçada no moderno processo civil 31
Estabelecida, pois, a relação processual cautelar, a atuação do juiz só se
exaure quando sua ordem de prevenção seja efetivamente cumprida.
Toda a atividade cautelar, desde a definição do direito da parte à pre­
venção até a execução da tutela preventiva, tudo isto se faz num só
processo, numa única relação processual.44

As sentenças mandamentais, de início excepcionais, acabaram por ser ado­tadas


como regra no processo civil brasileiro. Não só as medidas cautelares conservativas,
mas também aquelas medidas de urgência capazes de antecipar efeitos satisfativos
no plano do direito material (CPC, arts. 273 e 461) foram revestidas de executividade
imediata. E através de sucessivas emendas ao CPC, todas as sentenças condenató­
rias, mesmo as dos processos principais, se tornaram mandamentais, ficando, pois,
eliminada do processo civil brasileiro a ação de execução de sentença.45
No direito italiano, as medidas cautelares foram ampliadas de maneira a
compreender também as medidas de antecipação de tutela satisfativa. Assim,
tornou-se viável a execução imediata de provimentos satisfativos, sem depender de
ação separada de cunho executório. Além disso, tem-se notícia de numerosas ações
espe­ciais, sumárias ou não, que ali se tornaram aptas a produzir resultados práticos
imediatos, fora, portanto, do sistema da separação da ações para a definição e para
a execução do direito disputado.46
Mesmo fora das ações especiais em que a actio iudicati é dispensada em
nome da urgência de prestar tutela imediata a certos direitos materiais, cuja violação,
por sua natureza, assume extrema gravidade (direito à vida, à liberdade, à intimi­
dade etc.), preconiza-se no direito italiano uma reconstrução ampla do sistema de
cumprimento das sentenças condenatórias em geral. É em nome do projeto de um
processo justo, assegurado constitucionalmente, que se afirma que:

... si ripensa alla utilità della cesura rappresentata dal titolo esecutivo,
e della netta scissione fra cognizione ed attuazione, in una prospettiva
di concentrazione di entrambe in capo allo stesso giudice e allo stesso
provvedimento...

44
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 46. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2011. v. 2, n. 1.030, p. 552. A ação cautelar não é remédio processual que se contente com a
sentença. “Tende diretamente à constituição do estado de segurança ou prevenção, de modo que
a medida cautelar [fase executiva] é parte integrante do seu próprio procedimento ou simples fase
dele” (THEODORO JÚNIOR, op. cit., II, nº 1.030, p. 551; CALVOSA, Carlo. Provvedimenti d’urgenza. In:
NOVISSIMO digesto italiano. v. XIV, p. 466; TOMMASEO, Ferrucio. I provvedimenti d’urgenza. Padova:
CEDAM, 1983. p. 328, 331; LIEBMAN, Enrico Tullio. Problemi del processo civile. Milano: Morano, 1962.
p. 104 et seq.).
45
Leis nºs 8.952/1994, 10.444/2002 e 11.232/2005.
46
FONSECA, Elena Zucconi Galli. Attualità del titolo esecutivo. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura
Civile, anno LXIV, n. 1, p. 71 et seq. mar. 2010.

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32 Humberto Theodoro Júnior

In altri termini, avanza l’ideia che molto opportunamente [a exemplo


do que já se pratica nas ações cautelares] lo stesso giudice che autorizza
la condanna si faccia carico di dettare le modalità della sua attuazione
e sovrintenda anche nella fase esecutiva; ciò per evitare che nella
fase attuativa si ripropogano, sotto forma di difficoltà, interminabili
questioni di merito, o di cognizione, che vanifichino la stessa utilità del
titolo esecutivo.47

É com esse objetivo que a lei processual brasileira foi remodelada, permi­
tindo que toda sentença condenatória se torne mandamental e permita, de ime­
diato, a expedição do mandado executivo, sem necessidade de submeter o credor à
propositura de uma nova ação para alcançar a execução forçada.
Na Itália, vários são os procedimentos especiais, além dos cautelares, que
eliminaram a dualidade de processos para obter a condenação e a sucessiva exe­
cução da sentença. Dentre eles se destacam os que cuidam das demandas travadas
no campo da família, mormente quando se acha em jogo a proteção dos filhos,
onde a execução forçada direta se revela impositiva.48 Aliás, entre nós, as ações de
alimento, por exemplo, sempre permitiram liminares prontamente exequíveis e, a
respectiva condenação, sempre que possível, permitiu medida executiva imediata,
como a averbação em folha de pagamento, fugindo totalmente das padrões da
actio iudicati tradicional.
Embora haja resistência dos conservadores à ampliação da mandamenta­
lidade para alcançar todas as sentenças condenatórias, são altamente significativas
as vozes que justificam a eliminação ou atenuação da separação entre cognição e
execução, sob o argumento de que as dificuldades opostas à execução da sentença
podem, de fato, repercutir sobre o conteúdo do próprio provimento, o que é
indesejável, uma vez que “l’attuazione della decisione è parte integrante del giusto
processo”.49
Se os procedimentos especiais rompem com a tradição dualística do Código
de Processo Civil, que seguramente se justificou ao tempo áureo das codificações,
o certo é que essas disciplinas particulares tendem à generalização, em face dos
tempos atuais, caracterizadas pelas peculiaridades da “età della decodificazione”,
já inaugurada por meio do florescimento das “execuções especiais”, amplamente
divorciadas do regime de completa separação entre cognição e execução.50

47
FONSECA, op. cit., p. 73.
48
FONSECA, op. cit., p. 73.
49
FONSECA, op. cit., p. 74.
50
FONSECA, op. cit., loc. cit.

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A execução forçada no moderno processo civil 33
7 Importantes inovações no sistema expropriatório praticável
nas execuções por quantia certa
A remodelação dos procedimentos executivos no processo civil brasileiro não
se restringiram ao cumprimento das sentenças. Em caráter geral, os mecanismos
da expropriação dos bens penhorados sofreram significativas inovações, concebidas
como medidas hábeis a dinamizar a apuração dos recursos aplicáveis à solução do
crédito exequendo, tanto em relação às execuções de sentença como às de títulos
extrajudiciais.
Nesse campo, merecem destaque:
a) A autorização ao credor para se pagar com os próprios bens penhorados,
através de adjudicação a ser exercida, a seu critério, antes de qualquer
procedimento destinado a promover a venda judicial (CPC, arts. 647, I;
685-A e 685-B);
b) A possibilidade de alienação por iniciativa particular (CPC, art. 647, II),
podendo a diligência ser praticada por iniciativa do próprio exequente,
ou por intermédio de corretor credenciado perante a autoridade judiciária
(art. 685-C);
c) A colocação da alienação em hasta pública (CPC, art. 647, III) como espécie
de transferência forçada de que o exequente poderá se valer, em último
grau de preferência, somente quando não lhe interessar a adjudicação ou
a venda por iniciativa particular.
Dessa maneira, fica nas mãos do credor a escolha da via expropriatória que
lhe parecer mais adequada para abreviar e aprimorar o procedimento de
transfe­rência forçada dos bens que garantem a execução, assim como para
alcançar mais celeremente a satisfação de seu crédito.
d) Por último, é digno de menção a melhor disciplina da penhora de dinheiro
em depósito bancário ou aplicação financeira, dita penhora on line. A
regulamentação contida nos arts. 655, I, e 655-A, do CPC, nos textos dados
pela Lei nº 11.382/2006, não só facilita o acesso da execução a esses valores
de máxima liquidez, como ressalva interesses legítimos do executado,
na defesa de recursos impenhoráveis guardados em conta bancária (CPC,
art. 655-A, §2º), como cuida de resguardar, na medida do possível, a garantia
de que a execução seja promovida pela maneira menos gravosa (art. 620),
mediante possibilidade de substituição da penhora incidente sobre o saldo
da conta corrente por outros bens que, ao mesmo tempo em que aliviem
o sacrifício extremo do devedor, não acarretem prejuízo ao credor (CPC,
art. 668), especialmente a fiança bancária ou o seguro-garantia judicial (art.
656, §2º).

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34 Humberto Theodoro Júnior

Outra forma de garantia da execução que mereceu regulamentação mais


adequada foi a penhora sobre percentual do faturamento, que será sempre feita
mediante intervenção do depositário, que não só cuidará da arrecadação periódica
dos valores destinados à satisfação do crédito exequendo, como submeterá ao
juiz um plano de constrição que não aniquile a empresa e que respeite seus
compromissos preferenciais e inadiáveis (CPC, art. 655-A, §3º).

8 Conclusões
A abolição da actio iudicati e a adoção do processo unitário no direito brasi­
leiro representa mais um passo de pioneirismo de nosso direito processual civil,
o qual reiteradamente tem avançado na modernização das técnicas de prestação
jurisdicional, assumindo posição de relevo na superação de entraves históricos à
implantação de um processo moderno e compatível com os anseios daquilo que
hoje se entende como um “processo justo”, em termos da tutela prometida como
direito fundamental pela Constituição.
Se foi, sem maiores resistências, possível a implantação do procedimento uni­
tário nas ações cautelares e em inúmeros procedimentos especiais de mérito, não
haveria razão para não admitir que, em nome da efetividade da tutela jurisdicional,
esse tipo de sistema ágil, eficiente, prático e econômico fosse generalizado para o
cumprimento de todas as sentenças.
Nessa perspectiva, a mandamentalidade atribuída a todas as condenações
judiciais, com a consequente abolição da velha ação executória, é providência
que, sem dúvida, se afina com a garantia de efetividade da tutela jurisdicional, que,
segundo a Constituição deve ser realizada por meio de um processo de duração
razoável e ordenado segundo meios instrumentais aptos a garantir a celeridade da
respectiva tramitação (CF, art. 5º, LXXVIII).
Não se pode, por fim, deixar de mencionar os critérios renovados de expro­
priação executiva e satisfação mais célere do direito do exequente que atualmente
a lei põe à sua disposição, seja por meio da adjudicação, em caráter preferencial, seja
pelas diversas modalidades de venda dos bens penhorados, de que se pode valer
livremente o credor, segundo suas próprias conveniências.
Uma derradeira observação, porém, se impõe. Não será apenas com a
remodelação das normas procedimentais que a melhoria do sistema de execução
de sentença, entre nós, se aprimorará até o nível desejado. Sem a necessária e indis­
pensável modernização do aparelhamento dos serviços judiciais e a melhoria da res­
pectiva gestão, todo o esforço desempenhado no plano legislativo terá sido em vão.
O processo continuará emperrado e caro e as penosas “etapas mortas” continuarão

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A execução forçada no moderno processo civil 35
a infernizar e decepcionar aqueles que dependem da tutela jurisdicional para
defender e realizar seus direitos subjetivos lesados ou ameaçados injustamente.

Belo Horizonte, setembro de 2011.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

THEODORO JÚNIOR, Humberto. A execução forçada no moderno processo civil. Revista


Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 20, n. 77, p. 13-35, jan./mar. 2012.

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O processo civil gattopardista dos
Juizados Especiais
Glauco Gumerato Ramos
Mestrando em direito processual civil na PUC-SP.
Mestrando em direito processual na Universidad
Nacional de Rosario (UNR – Argentina). Professor
da Faculdade Anhanguera de Jundiaí. Membro
dos Institutos Brasileiro (IBDP), Ibero-americano
(IIDP) e Pan-americano (IPDP) de Direito Processual.
Advogado em Jundiaí.

Palavras-chave: Gattopardista. Juizados Especiais. Aristocracia monár­


quica siciliana. Declínio da aristocracia. Processo civil.

Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1957) morreu sem ver publicado aquele


que certamente foi o maior produto de sua produção literária: Il gattopardo, de 1958.
No ano de 1959 o livro foi agraciado com o Prêmio Strega, existente desde 1947 e
que premia livros publicados na Itália entre 1º de abril do ano precedente e 31 de
março do ano da premiação. Meteoricamente alçado ao patamar de “obra-prima”,
o livro de Lampedusa tornou-se filme em 1963. Dirigido por Luchino Visconti e estre­
lado por Burt Lancaster, Alain Delon e Claudia Cardinale, a “fita” — como diriam os
mais antigos, minha nonna Vitória Ferracini Gumerato, inclusive — ganhou a Palma de
Ouro do Festival de Cinema Cannes, o mesmo prêmio que um ano antes, em 1962,
ganhara o nosso Anselmo Duarte com o filme O pagador de promessas.
Romance publicado postumamente, Il gattopardo (O Leopardo) descreve
o declínio da aristocracia monárquica siciliana durante a segunda etapa do
Risorgimento, período histórico no qual as forças políticas de antanho estruturaram
a unificação da Itália, até então dividida em vários pequenos reinos submetidos à
soberania de potências estrangeiras.
No livro há uma passagem antológica onde está radicada a etimologia da
palavra gattopardismo, ou lampedusiano, que inclusive faz parte do glossário da
ciência política. Eis a frase: “Se queremos que tudo fique como está então tudo deve
ser mudado” (Se vogliamo che tutto rimanga come è, bisogna che tutto cambi). Ou,
em outros termos, “é preciso que tudo mude para que nada mude”.
O processo civil brasileiro da atualidade vive uma crise de identidade, um
verdadeiro gattopardismo estrutural. Após várias leis da década de noventa do século
passado, somadas a outras tantas já positivadas nesta primeira década corrente,
repaginamos o Código Buzaid que hoje, em verdade, não mais existe. A base legal é

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38 Glauco Gumerato Ramos

a mesma (Lei nº 5.869/73). Mas o modelo de processo nela contido é bem outro.
Elogiável sob alguns aspectos; criticável quando se lho mira por outro ângulo.
Mas um fator preponderante continua a lhe marcar o perfil e isso a despeito
do ambiente democrático e republicano estabelecido pela Constituição de 1988:
continua sendo um CPC “do juiz”, um CPC autoritário, um CPC viabilizador das mais
perversas arbitrariedades. Ou seja: mudou-se muito, mas nada — ou muito pouco —
mudou. Na essência, as matizes metodológicas do nosso CPC continuam a movimentar
uma engrenagem na qual o processo civil se desenvolve como categoria jurídica a
serviço da jurisdição (= Poder), e não como estrutura democrática e republicana
viabilizadora da dialética que caracteriza o devido processo legal (= Garantia). E a
prova de que pouco mudou está no fato de que atualmente tramita na Câmara dos
Deputados um anteprojeto de novo CPC. Eis aí o “processo civil gattopardista” a que
me refiro no título acima. Queremos mudar novamente, mas pouco será mudado!
A atuação do prático diante do Poder Judiciário “civil” nos mostra isso, apesar
de a dogmática (doutrina) continuar a nos seduzir com um discurso legitimador
desse “poderoso juiz” que tudo pode em nome da “verdade”, da “justiça” e da concre­
tização de um “processo justo”. O processo civil dos livros (law in books) é romântico;
o processo civil da prática (law in action) é assustador, ao menos na perspectiva dos
artífices da postulação (advocacia, MP, defensoria pública). Estes são testemunhas
do ultraje que a garantia do devido processo legal sofre no dia a dia do foro cível —
além do penal, é claro! — nas mãos desse “juiz redentor” dos males da sociedade, tão
decantado em verso e prosa nas lições da grande maioria dos nossos processualistas
e que tanta influência exerce sobre nossa jurisprudência. Ignoramos que de nossa
Constituição da República transborda um modelo semântico-processual garantista e
nos deixamos levar por um arbitrário e equivocado modelo pragmático-processual
de viés ativista, onde avulta a figura de um juiz comprometido com a própria “justiça
subjetiva” que melhor lhe ocorrer diante do caso concreto.1 Não é incomum que na
cena processual nos deparemos com justiceiros — e não com juízes — agigantados
sob o sacrossanto manto da toga.
Venho pensando e cada vez mais tenho para mim que a falta de sintonia entre
o modelo semântico que se projeta da Constituição e o modelo pragmático do pro­
cesso que praticamos tem boa parte de sua etiologia radicada nos exatos 354 anos

1
Tomo a liberdade de remeter o leitor ao meu “Ativismo e garantismo no processo civil: apresentação
do debate”, veiculado originalmente na Revista MPMG Jurídico, n. 18, p. 8-15, dez. 2009, publicação
oficial do Centro de Estudos do Ministério Público de Minas Gerais. Posteriormente também
publicado na RBDPro, n. 70, p. 83, abr./jun. 2010. Neste texto apresento uma resenha da evolução
histórica desse debate, indicando alguns de seus principais protagonistas no processualismo
ibero-americano.

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O processo civil gattopardista dos Juizados Especiais 39
(1478-1834) que durou no mundo ibero-americano a fantasmagórica Inquisição
Espanhola — “mãe regente” da Inquisição Portuguesa —, que certamente introjetou
em nosso “DNA social” esse temor reverencial da sociedade externa diante da figura
da autoridade judicial. Apesar de não ser disso que trato aqui, deixo o ponto em
suspenso para possível reflexão de quem assim o queria.
O processo dos Juizados Especiais padece da mesma patologia. O “devido
processo legal” nele praticado muitas vezes nos revela diante dos olhos um processo
antidemocrático e antirrepublicano que, por isso mesmo, acaba por ser um não
processo, um arremedo de devido processo legal, um faz de conta de imparciali­dade,
de impartialidade,2 de ampla defesa, de contraditório.
Veja-se, por exemplo, o que ocorre no âmbito das Turmas Recursais dos JECs
estaduais. É tamanho o descalabro que o STJ, após autorização do Pleno do Supremo
Tribunal Federal, acabou por fazer editar a Resolução nº 12, de 14 de dezembro de
2009, para viabilizar a reclamação constitucional contra acórdãos das Turmas Recur­
sais dos Juizados Especiais que sejam contrários à jurisprudência, súmula ou orien­
tação adotada em julgamento de REsp repetitivo pelo STJ.3
A Resolução nº 12, contudo, deu a essa reclamação natureza jurídica de
recurso a ser interposto no prazo de 15 (quinze) dias contados da ciência do acórdão
a ser impugnado (Res. nº 12/09, art. 1º, caput), contrariando o regramento constitu­
cional que lhe concebe como uma ação de impugnação autônoma. E já que se trata
de remédio “inventado” pela jurisprudência, que tenha, então, natureza recursal...
Mas o fato é que através dela o jurisdicionado ganhou um novo alento diante
das inúmeras surpresas e perplexidades que algumas Turmas dos JECs espalhadas
por este “brasilzão” — verdadeiros oásis de arbitrariedade — geram àqueles que
se veem obrigados a sujeitar-se ao respectivo modelo de processo, surgido sob o
argumento retórico da viabilização do acesso à justiça. Paradoxalmente, contudo,
presencia-se todos os dias a consagração das mais ululantes “injustiças” e as mais
desbragadas rupturas das garantias processuais no âmbito dos JECs estaduais.
O STJ, infelizmente, e rigorosamente contra o texto da Resolução nº 12/2009,
acabou por sedimentar o entendimento de que a reclamação contra acórdãos
das Turmas Recursais dos JECs só é possível se tiver por fundamento questão de

2
Não ter atitude própria de parte, determinando prova de ofício, por exemplo, já que o ônus
probatório é do demandante e do demandado. Nesse sentido, cf. o meu “Repensando a prova de
ofício”. RePro, n. 190, p. 315, dez. 2010.
3
Para uma rápida visão dos antecedentes, tanto no STF, como no STJ, que geraram a edição da
Resolução nº 12/2009, cf. o meu “Reclamação no Superior Tribunal de Justiça”. RePro, n. 192/369,
fev. 2011.

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40 Glauco Gumerato Ramos

direito material, não servindo, portanto, em situações nas quais as Turmas Recursais
estaduais ignoram importantíssimas regras de garantia contidas no CPC.4 5
O art. 1º da Resolução nº 12 não faz qualquer ressalva quanto a caber recla­
mação contra acórdão que tenha malversado direito material ou processual, já que
o respectivo enunciado prescritivo afirma que o cabimento é para “dirimir diver­
gência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual” e aquilo que é praticado
pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Tal fenômeno restritivo é fruto
da denominada jurisprudência defensiva deste tribunal de superposição, forte em
buscar argumentos retóricos para impedir a — de fato existente — arribada tsunâmica
de processos para sua análise.
No que toca aos Juizados Especiais Federais a abertura para o arbítrio judicial
é equivalente, até porque o regramento procedimental é o da Lei nº 9.099/95, con­
forme determina o art. 1º da Lei dos JEFs.
Contudo, os JEFs têm uma característica que é praticamente ignorada pela
legislação processual brasileira e pode ser identificada em dois atributos bem
particulares de seu funcionamento que, a rigor, são os mesmo da Justiça Federal
comum: i) é processo onde, na grande maioria das vezes, será a Administração Pública

4
STJ – 1ª Seção – Rcl 4701/MT – Rel. Min. Castro Meira – j. 10/08/11 – DJe, 13 set. 11. PROCESSO
CIVIL. RECLAMAÇÃO. RESOLUÇÃO STJ 12/2009. MATÉRIA PROCESSUAL. DESCABIMENTO.
CONTRARIEDADE À JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AUSÊNCIA. 1. Cuida-se de reclamação fundamentada
na Resolução STJ 12, de 14.12.2009, na qual se alega que a 2ª Turma Recursal Cível de Mato
Grosso desrespeitou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça quanto à aplicabilidade
dos arts. 475-J, 739-A, §§1º, 2º e 6º, 128,do CPC, bem como o art. 6º, da LICC e art. 93, IX, da CF.
2. A reclamação disciplinada pela Resolução STJ nº 12/2009 deve seguir a mesma sistemática
dos demais procedimentos de uniformização aplicáveis aos juizados especiais, cingindo-se a
solucionar os dissídios pretorianos acerca da aplicação do direito material, não se prestando a
uniformizar a interpretação das normas processuais. Precedentes. 3. Ademais, a reclamante não
demonstrou que o aresto impugnado contrariou a jurisprudência pacificada pelo STJ. A Turma
Recursal entendeu ser indevida a multa cominatória porque não houve o descumprimento
da decisão judicial. Os precedentes indicados pela reclamante, por seu turno, não trataram da
peculiar situação ocorrida no acórdão combatido, o que afasta a alegativa de descumprimento
do entendimento jurisprudencial desta Corte. 4. Reclamação improcedente.
5
STJ – 2ª Seção – AgRg na Rcl 4916/SP – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – j. 23/02/11 –
DJe 04/03/2011. AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. ADMISSIBILIDADE DE AGRAVO
DE INSTRUMENTO NO CURSO DE AÇÃO SUBMETIDA AOS JUIZADOS ESPECIAIS. QUESTÕES
PROCESSUAIS QUE REFOGEM DO ÂMBITO DA RECLAMAÇÃO. RESOLUÇÃO Nº 12/2009. 1. O
Superior Tribunal de Justiça, desde a decisão do STF nos EDcl no RE 571.572-8/BA, Rel. Min. Ellen
Gracie, passou a admitir o uso da reclamação para “dirimir divergência entre acórdão prolatado
por turma recursal estadual e a [sua] jurisprudência...” (art. 1º da Resolução nº 12/2009, do STJ).
2. A divergência exigida, nos termos do art. 1º da Resolução nº 12, deve ser verificada em face
de jurisprudência consolidada do STJ acerca de temas de direito material, excluindo questões
processuais (art. 14, “caput” e §4º da Lei nº 10.249/01). 3. A admissibilidade de agravo de
instrumento no curso de ação submetida aos Juizados Especiais configura questão processual,
que não pode ser analisada pela via da reclamação. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

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O processo civil gattopardista dos Juizados Especiais 41
Federal — direta ou descentralizada — que estará num dos polos da relação processual;
ii) é processo onde, indistintamente, haverá a presença daqueles que podemos
chamar de grandes litigantes, que são a União — Administração direta e indireta — e
a Caixa Econômica Federal. Atente-se para o ponto: o processo civil no âmbito dos
JEFs, na grande maioria das vezes, terá uma pessoa jurídica de direito público e
sempre será um processo onde uma das partes é um grande litigante.
Diante dessas duas relevantíssimas peculiaridades de caráter prático eu
pergunto: será que a utilização do mesmo modelo de processo dos JECs nos JEFs
estaria correta? Será que não seria o caso de termos um modelo de processo próprio
e adequado às demandas que envolvam os grandes litigantes como o são as pessoas
jurídicas de direito público federal? Será que as regras do CPC e as da Lei nº 9.099/95,
tão próprias à Justiça Estadual em razão das questões privadas de que cuida,
devem ser indistintamente utilizadas nos JEFs e na Justiça Federal comum?
Levanto estes questionamentos após algumas conversas que tive com um
caro amigo juiz federal e mestre em processo civil pela PUC-SP, o professor Eduardo
Costa, um dos processualistas da nova geração mais originais que conheço.6 O
exemplo foi-me dado por Eduardo e diz respeito às demandas perante os JEFs nas
quais o INSS integra o polo passivo.
Sabemos todos — ainda que intuitivamente — que as demandas de bene­
ficiários do INSS em face da respectiva autarquia pululam aos borbotões perante
os JEFs.
Nessas demandas é comum que o procedimento judicial seja bastante
flexibilizado em razão de se tratar de um grande litigante e da matéria que em
juízo será debatida. Mas essa flexibilização, todavia, não ocorre como imposição
unila­teral e arbitrária do juiz federal, mas como consenso havido entre os sujeitos
processuais que postulam tecnicamente em favor do autor (= advogado) ou do réu
(= procurador federal).
Inclusive, corre à boca pequena entre os advogados dos beneficiários que
existe uma tal “contestação casada”, que seria uma contestação genérica em nome
do INSS que é juntada aos autos, após o ajuizamento da ação, pela própria serventia
dos Juizados. Incontinenti, determina-se a perícia judicial a ser realizada conforme
agendamento e, com o respectivo laudo, os autos seguem ao juiz federal para
a sentença.
Note-se que é um procedimento absolutamente fora das regras processuais
formais a que estamos acostumados. Mas o fato é que por contingências do plano

6
Cf., dentre outros textos verdadeiramente originais de Eduardo Costa, por exemplo, “Uma
arqueologia das ciências dogmáticas do processo”, RBDPro, n. 61, p. 11, jan./mar. 2008. Cf, também,
sua extraordinária dissertação de mestrado cuja versão comercial é intitulada O direito vivo das
liminares. São Paulo: Saraiva, 2011.

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42 Glauco Gumerato Ramos

pragmático esse tipo de trâmite acaba sendo aceito por todos, não como imposição
vertical e arbitrária por parte do juiz, mas sim como decorrência de um consenso
entre as partes, criando um modelo pragmático de processo civil muito afeiçoado
ao denominado sistema adversarial próprio dos Estados reativos do qual nos fala
Damaska, que respeitam os direitos sociais e individuais dos cidadãos não viabili­
zando a utilização do Poder de forma arbitrária, inclusive — e acima de tudo — do
poder jurisdicional.7
Portanto, observa-se nos Juizados Especiais Federais um modelo de processo
criado pelo plano pragmático que em muitos de seus aspectos passa ao largo do
modelo “oficial” de processo civil que se lhe quer impor. E isso, a mim parece, fun­dado
e legitimado na característica do modelo de processo que acaba sendo implemen­
tado quando na relação processual tem-se um grande litigante envolvido, como é o
caso típico das demandas que tramitam perante os JEFs.
Concluo, pois, chamando a atenção para o fato de que nosso processo civil
deve ser repensado na perspectiva garantista que a Constituição da República nos
assegura e isso passa, também, pelo processo civil praticado nos Juizados Especiais.
Se não redimensionarmos nossa perspectiva de análise do direito processual,
prosseguiremos na toada gattopardista de Tomasi di Lampedusa. Mudando tudo,
para que nada mude.

Jundiaí, novembro de 2011.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

RAMOS, Glauco Gumerato. O processo civil gattopardista dos Juizados Especiais. Revista
Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 20, n. 77, p. 37-42, jan./mar. 2012.

7
Cf. DAMASKA, Mirjan R. Las caras de la justicia y el poder del Estado: análisis comparado del proceso
legal. Santiago de Chile: Editorial Juridica de Chile, 2000. p. 128 (Título original: The Faces of Justices
and State Authority: A Comparative Approach to the legal Process): “Un Estado reactivo se limita a
proporcionar el marco de apoyo dentro del cual los ciudadanos persiguen los objetivos que
han elegido. Sus instrumentos deben liberar las fuerzas espontâneas de la autogestión social.
El Estado no contempla ninguna noción de interes separado, aparte de los intereses sociales
e individuales (privados): no existen problemas que son inherentes al Estado, sólo problemas
sociales e individuales”.

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Capítulos de sentença e os limites do
efeito devolutivo da apelação no direito
processual civil brasileiro
Felipe Scripes Wladeck
Advogado em Curitiba e São Paulo. Mestrando
em direito processual civil pela USP. Membro do
Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP).

Palavras-chave: Direito processual civil. Apelação. Capítulos de sentença.

Sumário: 1 Considerações iniciais – 2 Capítulos de sentença segundo o


direito processual civil brasileiro – 3 A teoria dos capítulos de sentença e
sua repercussão sobre a teoria dos recursos (aspectos e regras gerais) –
4 Teoria dos capítulos de sentença e sua repercussão sobre a teoria dos
recursos (questões específicas envolvendo o recurso de apelação) –
5 Encerramento

1 Considerações iniciais
Este trabalho divide-se em três partes. Na primeira delas (item 2), trataremos,
brevemente, da teoria dos capítulos da sentença. A ideia é apenas apresentar ao
leitor a dimensão do conceito de capítulo de sentença segundo o direito positivo
brasileiro — premissa fundamental para a boa compreensão das questões que serão
analisadas nos itens subsequentes.
No item 3, iniciaremos propriamente o estudo do impacto da teoria dos capí­
tulos de sentença sobre a disciplina recursal. Faremos algumas considerações gerais
sobre os limites dos efeitos “devolutivo” e “suspensivo” dos chamados “recursos parciais”
e acerca do destino dos capítulos sentenciais não abrangidos pelo(s) recurso(s)
interposto(s). As conclusões fixadas nesse item serão determinantes para a tomada
de posição diante das questões práticas específicas envolvendo o recurso de ape­
lação que nos propusemos a enfrentar.
Na terceira e derradeira parte (item 4) é que se tem o objeto central de nosso
estudo. Nela serão analisadas as implicações concretas que a adoção da “teoria dos
capítulos da sentença” gera precisamente sobre a disciplina do recurso de apelação.1
Proporemos questões (correntes no dia a dia dos operadores do direito e bastante

1
Vide o item 4.1.

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44 Felipe Scripes Wladeck

controvertidas na doutrina e jurisprudência) e, em seguida, apresentaremos, para


cada uma delas, a solução que nos parece mais adequada — sempre com base nas
premissas e definições fixadas nos itens anteriores.

1.1 Relevância prática da cisão (ideológica) de pronunciamentos


judiciais em capítulos
Conforme ensina Cândido Rangel Dinamarco, a teoria dos capítulos de sen­
tença integra a teoria da sentença e pertence exclusivamente a ela. Mas a sua apli­
cação prática gera importantes repercussões sobre diversos institutos processuais,
como o da coisa julgada, ação rescisória, liquidação e o da execução forçada (incluindo
o cumprimento de sentença). É, todavia, na disciplina dos recursos que se encontra
o campo mais fértil para a aplicação da teoria dos capítulos da sentença.2
Na verdade, não apenas as sentenças comportam divisão em capítulos. É
igualmente possível cindir ideologicamente (e a divisão da sentença em capítulos
não passa de uma cisão ideológica, ou seja, não material, do pronunciamento, que
persiste formalmente uno e indivisível) outras espécies de pronunciamentos judi­
ciais, como as decisões interlocutórias e os acórdãos em geral. E também a divisão
desses outros pronunciamentos judiciais apresenta enorme utilidade prática, sobre­
tudo no campo recursal.

1.2 Limites do presente estudo


Mas, no presente trabalho, iremos nos concentrar nos capítulos da sentença.
Nosso objetivo, como se disse, é averiguar as repercussões práticas que a cisão ideo­
lógica da sentença em capítulos ou partes gera especificamente sobre a disciplina
do recurso de apelação cível.
Observe-se, ademais, que não nos ocuparemos com maior profundidade da
polêmica questão do conceito de sentença e suas modificações em virtude da edição
da Lei nº 11.232/2005. Não se pretende, com isso, negar a importância da discussão
existente a esse respeito. Sem dúvida, saber se determinado provimento judicial
caracteriza sentença ou decisão interlocutória é fundamental para a solução de
diversas questões, inclusive para a definição do recurso cabível. Mas o fato é que,
seja qual for a corrente que se adote acerca do conceito de sentença, entre aquelas
resumidamente expostas na nota 26, a teoria dos capítulos das sentenças (e das
decisões judiciais em geral) e seus corolários não poderão deixar de ser obedecidos.
Ou seja, conforme a qualificação que se confira ao provimento judicial e o
recurso que em face dele se defina como cabível, variarão os efeitos da interposição
sobre as decisões judiciais e o processo como um todo. Porém, as diretrizes e regras

DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de sentença. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 11.
2

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 45
regentes da teoria dos capítulos das decisões judiciais se manterão e haverão de
ser observadas. Trata-se de imposição de princípios fundamentais ao processo, em
especial dos princípios dispositivo, da congruência e da segurança jurídica.
De resto, destaque-se que as alterações introduzidas no CPC pela Lei nº
11.232/2005 não alteraram a noção assentada na doutrina a respeito do que seja,
em nosso ordenamento, capítulo de sentença. Ainda que se sustente ter havido uma
alteração substancial no conceito de sentença por conta da referida lei,3 a noção
de capítulos de sentença no direito processual civil brasileiro permanece firme,
compreendendo-se aqueles como as unidades elementares autônomas do decisório
da sentença (vide o item 2.3.1.2, a seguir).

2 Capítulos de sentença segundo o direito processual civil


brasileiro
Inicialmente, faz-se necessário definir o conceito e a dimensão de “capítulo de
sentença” segundo a sistemática processual civil brasileira. Como dissemos em nossas
considerações iniciais, procuraremos ser bastante breves em tal tópico, na medida
que nosso objetivo principal neste trabalho é analisar problemas de ordem prática
decorrentes do impacto da teoria dos capítulos sobre o recurso de apelação.

2.1 A estrutura da sentença


Como é sabido, a sentença decompõe-se em três partes: relatório, funda­
mentação e dispositivo (art. 458 do CPC). Não nos ocuparemos, aqui, de explicar em
que consiste cada um desses elementos (e não “requisitos”, como diz o art. 458)
estruturais da sentença. Trata-se de lição elementar, que pode ser buscada em
qualquer manual ou curso de direito processual. A questão que nos interessa é,
especificamente, saber qual (ou quais) desses elementos da sentença se divide(m)
em capítulos segundo o nosso direito positivo.

2.2 Qual (ou quais) dos elementos da sentença se divide(m)


em capítulos?
Como ensina Dinamarco, “uma tomada de posição quanto à dimensão do
tema dos capítulos de sentença e mesmo quanto ao conceito destes dependerá
sempre da utilidade que esteja a mover o interesse do observador.”4

3
O que não nos parece ter ocorrido, conforme exposto na nota 26, a seguir. De todo modo, todas as
situações tratadas no item 4 servem mesmo na hipótese de se entender que houve uma alteração
substancial do conceito de sentença (ampliação do conceito). Isso porque todos os casos em que
reputamos haver sentença, há sentença também para quem sustenta ter havido uma alteração
conceitual substancial.
4
DINAMARCO, op. cit., p. 12.

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46 Felipe Scripes Wladeck

Assim, pode-se dividir os preceitos contidos na parte dispositiva da sentença


de acordo com as pretensões que compõem o mérito da causa; é possível, outros­
sim, dividir o dispositivo da sentença em partes referentes aos pressupostos de
admissibilidade do julgamento do mérito e partes nas quais se decide o próprio
mérito; também a fundamentação da sentença comporta divisão, de modo a que
cada questão ou grupo de questões nela solucionado corresponda a um capítulo da
sentença.5 Tudo depende da utilidade que se tenha em vista com a cisão da sentença
em capítulos.

2.3 Capítulos de sentença no direito positivo brasileiro


O conceito e a dimensão de capítulo de sentença devem ser definidos a
partir de dados extraídos do direito positivo de cada país. A divisão ideológica da
sentença em capítulos, para se justificar e legitimar-se, deve se revelar útil para a
resolução de problemas práticos relacionados aos diversos institutos processuais,
tal como disciplinados pelo direito positivo do país.
São diversas as teses desenvolvidas pela doutrina estrangeira a respeito
do conceito de capítulo de sentença. Uma síntese das principais teses existentes
(como a de Giuseppe Chiovenda, Enrico Tullio Liebman e Francesco Carnelutti) pode
ser encontrada nas obras de Dinamarco,6 Marcelo José Magalhães Bonício,7 José
Rogério Cruz e Tucci8 e Ricardo de Carvalho Aprigliano.9 Como nosso foco, neste
estudo, é analisar questões práticas específicas relacionadas ao impacto que a teoria
dos capítulos da sentença gera sobre o campo recursal no direito positivo brasileiro,
especialmente em relação ao recurso de apelação cível, limitar-nos-emos a definir o
que se deve entender por capítulo de sentença segundo o nosso direito processual
civil.

2.3.1 O que são capítulos de sentença, segundo o direito


processual civil brasileiro?
É na disciplina dos recursos que se encontram os elementos necessários para
identificar o conceito e a dimensão de capítulo da sentença em nosso direito pro­
cessual civil. Quando versa sobre os recursos, o nosso CPC traz diversas referências a

5
Id.
6
Ibid., p. 18-30.
7
BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Capítulos de sentença e efeitos dos recursos. São Paulo: RSC
Editora, 2006. p. 33-44.
8
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Lineamentos da nova reforma do CPC: Lei 10.352, de 26.12.2001, Lei
10.358, de 27.12.2001 e Lei 10.444, de 07.05.2002. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 90.
9
APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. A apelação e seus efeitos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 117
et seq.

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 47
“partes” (ou capítulos) da sentença, permitindo assim chegar a uma conclusão sobre
o seu significado e seus limites.

2.3.1.1 A noção de capítulos de sentença aparece várias vezes


 no CPC (por exemplo: arts. 459, 498, 500, 505, 515, 587)
A menção a partes da sentença aparece várias vezes em nosso CPC. Confiram-
se, por exemplo, os arts. 459, 498, 500, 505 e 515. Todos esses dispositivos indicam
que a técnica de divisão da sentença em capítulos aplica-se, no direito positivo
brasileiro, apenas ao dispositivo ou decisório da sentença. É precisamente da divisão
do dispositivo da sentença em partes ou capítulos que se extraem “critérios aptos a
orientar diretamente a solução dos diversos problemas já arrolados, quer no tocante
aos recursos, quer em todas as demais áreas de relevância, já indicadas [ver o item
1.1, acima]”.10
São as palavras de Dinamarco, que acrescenta, ainda, que “no direito proces­
sual civil brasileiro não há um instituto sequer, que não as próprias decisões judi­
ciárias (sentença, interlocutória, acórdão), em relação ao qual a operação de identifi­
cação e isolamento das questões e sua solução exerça alguma influência direta;
mas há muitos, cuja compreensão e correta delimitação é diretamente influenciada
pelos modos como cada um dos componentes do objeto do processo é imperati­
vamente decidido ou como ao processo mesmo é dado destino mediante os diversos
tópicos do decisório.”11
Integralmente aplicável ao nosso ordenamento, portanto, a observação de
Liebman no sentido de que “le questioni non sono parti ma cause della lite e le loro
soluzioni non sono capi ma motivi della decisione.”12 Esse entendimento encontra-se

10
DINAMARCO, op. cit., p. 35.
11
Ibid., p. 37-38.
12
LIEBMAN, Enrico Tullio. “Parte” o “capo” di sentenza. Rivista di Diritto Processuale, Padova, v. XIX,
1964. p. 50, nota 6. Esse entendimento de Liebman havia sido anteriormente defendido por Piero
Calamandrei, conforme a seguinte passagem: “Secondo me in tanto si ha un ‘capo’, in quanto
si abbia quello che, con felice fraseologia chiovendiana, si può chiamare l’accertamento di una
singola concreta volontà di legge, cioè un atto giurisdizionale completo e tale da poter costituire
da sè solo, anche separato dagli altri capi, il contenuto di una sentenza. Non dunque possono
considerarsi come altrettanti capi della sentenza tutte le decisioni di singole questioni di diritto
o di fatto che il giudice abbia dovuto risolvere per preparare le premesse del suo silogismo;
ma solo quelle decisioni colle quali il giudice trae delle premesse le ultime conclusioni, idonee
e destinate ad acquistare forza di giudicato” (CALAMANDREI, Piero. Appunti sulla “reformatio in
pejus”. In: CALAMANDREI, Piero. Studi sul processo civile. Pádua: CEDAM, 1939. v. 3, p. 46). Como se
vê, Calamandrei não incluía no conceito de capítulo as unidades do decisório que não fossem
portadoras de julgamento de mérito — pois o autor fala em decisão apta a fazer coisa julgada
material. Sobre a possibilidade de haver capítulos estritamente processuais na sentença, vide o
item 2.3.2.1, a seguir.

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pacificado entre os autores que recentemente enfrentaram o tema. Confiram-se a esse


respeito, por exemplo, as lições de Bonício,13 José Carlos Barbosa Moreira,14 Cruz e
Tucci15 e de Aprigliano.16

2.3.1.2 O conceito de capítulos de sentença e sua autonomia


Portanto, em nosso ordenamento, capítulos de sentença são, segundo defi­
nição de Dinamarco, as unidades elementares autônomas do decisório da sentença.
Autônomas “no sentido de que cada um deles [os capítulos] expressa uma deliberação
específica; cada uma dessas deliberações é distinta das contidas nos demais capí­
tulos e resulta da verificação de pressupostos próprios, que não se confundem com
os pressupostos das outras. Nesse plano, a autonomia dos diversos capítulos de
sentença revela apenas uma distinção funcional entre eles, sem que necessariamente
todos sejam portadores de aptidão a constituir objeto de julgamentos separados,
em processos distintos e mediante mais de uma sentença: a autonomia absoluta só
se dá entre os capítulos de mérito, não porém em relação ao que contém julgamento
da pretensão ao julgamento deste.”

2.3.1.3 As sentenças com mais de um capítulo (o que é a regra)


 são chamadas de “sentenças objetivamente complexas”
Raros são os casos de sentença com um único capítulo. Mesmo as sentenças
terminativas contêm, em regra, mais de um capítulo: aquele que, em virtude do
acolhimento de preliminar, extingue o processo sem julgamento do mérito e aquele
que decide sobre as verbas de sucumbência.
Barbosa Moreira denomina as sentenças dotadas de mais de um capítulo
de “sentenças objetivamente complexas”. Ou seja, “objetivamente complexas” são
as sentenças cujo dispositivo compõe-se de mais de uma decisão — por exemplo,
uma para cada um dos diversos pedidos formulados ou uma para cada parte de um
mesmo pedido, quando este é decomponível (o autor pediu 100, mas obteve apenas
50: há um capítulo favorável ao autor, concedendo-lhe 50, outro a ele desfavorável,
negando-lhe os 50 remanescentes).17

13
BONÍCIO, op. cit., p. 41e.
14
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Sentença objetivamente complexa, trânsito em julgado e
rescindibilidade. Revista do Advogado, São Paulo, n. 88, p. 90-91, nov. 2006.
15
CRUZ E TUCCI, op. cit., p. 89.
16
APRIGLIANO, op. cit., p. 122.
17
BARBOSA MOREIRA, op. cit., p. 91.

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 49
2.3.2 As possíveis unidades autônomas do decisório da
sentença
Segundo conhecida lição pregada por Dinamarco, inspirada na obra de
Liebman:18 “Toda demanda deduzida em juízo como ato inicial de um processo traz
em si a soma de duas pretensões, ou seja, de duas aspirações que o demandante
apresenta ao juiz em busca de reconhecimento e satisfação.”19
De um lado, há a pretensão ao bem da vida, que é anterior ao processo. O
processo é justamente a via de que o interessado dispõe para pedir o reconhecimento
e satisfação de seu direito sobre o bem, nos casos em que tal reconhecimento e
satisfação não se deram extrajudicialmente ou, então, nos casos em que apenas
podem se dar judicialmente (são os casos de “jurisdição necessária”). Tal pretensão
ao bem da vida, trazida ao processo para o fim de ser reconhecida e satisfeita, é o que
se chama de mérito da causa.
De outro lado, há a pretensão a um provimento jurisdicional a respeito da
pretensão ao bem da vida, i.e., a pretensão a uma providência do juiz que seja apta
a garantir o acesso do interessado ao bem da vida. A apreciação de tal pretensão
antecede logicamente a apreciação da pretensão ao bem da vida, ou seja, antecede
o julgamento do mérito da causa.
O sujeito que vai a juízo deve, portanto, ter, primeiramente, direito a um
julgamento de mérito. Tal direito existirá desde que preenchidos determinados
requisitos definidos pelo legislador. Trata-se dos chamados “pressupostos de
admissibilidade do julgamento de mérito”, que compreendem basicamente as con­
dições da ação e os pressupostos processuais — incluindo os pressupostos de
desenvolvimento válido e regular do processo.
O direito a um julgamento sobre o mérito não se confunde com o direito a
um julgamento de mérito favorável. Para que o demandante possa ter sua pretensão
ao bem da vida reconhecida e satisfeita, ou seja, para que receba um julgamento
de mérito favorável, não lhe basta que estejam preenchidos os pressupostos de
admissibilidade do julgamento de mérito. É preciso que o demandante detenha
(e comprove deter) direito sobre o próprio bem da vida descrito na inicial.
Evidencia-se, assim, o caráter bifronte de toda demanda inicial de um pro­
cesso jurisdicional, “por resolver-se na dedução das duas pretensões e pedido de
satisfação de ambas, a saber: a) satisfação da pretensão ao julgamento do mérito,
pela simples prolação do provimento jurisdicional pretendido, sendo esse o chamado
pedido imediato; b) satisfação da pretensão ao bem da vida, mediante a outorga da

18
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. 3. ed. Tradução e notas de Cândido Rangel
Dinamarco. São Paulo: Malheiros, 2005. v. 1, p. 251.
19
DINAMARCO, op. cit., p. 38.

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50 Felipe Scripes Wladeck

tutela jurisdicional querida pelo demandante (procedência da demanda — pedido


imediato).”20 A mesma lição pode ser encontrada, v.g., na obra de Giovanni Verde,
Crisanto Mandrioli, Girolamo Monteleone e Aldo Attardi.21
A sentença terminativa julga apenas a primeira das pretensões do deman­
dante, negando o direito do autor a um julgamento de mérito. Já a sentença de mérito
julga as duas pretensões deduzidas pelo demandante: num primeiro momento,
reconhece o seu direito a um julgamento de mérito; num segundo momento, rejeita
ou reconhece o direito do demandante ao bem da vida pleiteado — nesse último
caso, determinando ainda as providências que se mostrem necessárias para que
o autor tenha efetivamente acesso ao bem pretendido.

2.3.2.1 Capítulos “processuais”


Quando a sentença acolhe ou rejeita uma preliminar, negando ou afirmando
o direito do autor ao julgamento de mérito, tem-se um capítulo processual.
“Capítulos puramente processuais são aqueles que dispõem acerca de preliminares,
pronunciando-se portanto, positiva ou negativamente, sobre os pressupostos de
admissibilidade do julgamento do mérito.”22
Segundo Dinamarco, a sentença poderá conter mais de um capítulo proces­
sual quando, entre as preliminares, houver aquelas cujo acolhimento for apto
a implicar a extinção do processo (como a coisa julgada, a carência de ação etc.) e
também aquelas que não tiverem o condão de acarretar uma tal extinção (como
a incompetência absoluta, o impedimento do juiz etc.). Assim, por exemplo, quando
o juiz rejeita preliminar de incompetência absoluta e, em seguida, no mesmo ato,
extingue o processo por carência de ação, tem-se na sentença, na visão de Dinamarco,
um capítulo referente à preliminar de incompetência e um referente à preliminar de
carência da ação.
Por outro lado, diz Dinamarco, se todas as preliminares decididas na sentença
forem extintivas, “na sentença haverá apenas um cúmulo de soluções de questões,
sem pluralidade de capítulos processuais. Nessas hipóteses o preceito decisório
imperativo a respeito de toda matéria processual é um só, a saber: a) ou a extinção
processual por falta de um ou mais dos pressupostos para prosseguir; ou b) a

20
DINAMARCO, op. cit., p. 39-40.
21
VERDE, Giovanni. Profili del processo civile: parte generale. 2. ed. Napoli: Jovene, 1988. v. 1, p. 134;
MANDRIOLI, Crisanto. Corso di diritto processuale civile: nozioni introduttive e disposizioni generali.
Editio minor. Torino: G. Giappichelli, 2000. v. 1, p. 102-103; MONTELEONE, Girolamo. Diritto
processuale civile. 3. ed. Padova: CEDAM, 2002. p. 191-192; ATTARDI, Aldo. Diritto processuale civile:
parte generale. Padova: CEDAM, 1994. v. 1, p. 124.
22
DINAMARCO, op. cit., p. 40-41.

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afirmação de que todos os pressupostos estão presentes e, portanto, o julgamento
do mérito é admissível, perdurando o processo.”23
Irretocável a lição acima no sentido de que, se houver mais de uma preliminar
extintiva pretensamente obstativa do julgamento de um mesmo pedido mediato,
haverá “apenas um cúmulo de questões, sem pluralidade de capítulos processuais”.
Não nos parece, porém, que, se ao lado das preliminares extintivas houver aquelas
não extintivas, possa haver mais de um capítulo processual referente a um mesmo
pedido. As preliminares não extintivas, tanto quanto as extintivas, configuram pos­
síveis obstáculos ao julgamento do mérito da causa. São, tanto quanto aquelas,
questões processuais destinadas a inviabilizar o acolhimento do pedido imediato
(e, por conseguinte, o julgamento do pedido mediato). Sua diferença em relação às
preliminares extintivas reside no fato de que elas têm o condão de obstar apenas
provisoriamente o julgamento do mérito, i.e., apenas até que sejam devidamente
eliminadas no bojo do processo em curso (por exemplo, remetendo-se o feito ao
juízo dotado de competência).
Assim, quando uma sentença rejeita preliminar de incompetência absoluta,
por exemplo, está afastando um possível óbice a que se passe ao julgamento do
mérito da causa. E é isso, também, que a sentença faz quando rejeita uma preli­minar
extintiva qualquer. Logo, as preliminares extintivas e as não extintivas consistem
em questões processuais referentes a um mesmo pedido, o pedido imediato. Sua
rejeição consiste em condição ao acolhimento de tal pedido. E a parte do dispositivo
da sentença que, ao rejeitar todas essas questões processuais em que consistem as
preliminares extintivas e não extintivas, afirmar o direito do autor a um julgamento
de mérito será um só capítulo. Com efeito, haverá uma só disposição imperativa
decorrente da solução dada às questões processuais pelo juiz, no sentido de afirmar
o direito do autor a um julgamento de mérito.
Note-se que, se houver o acolhimento de preliminar não extintiva, não se
terá sentença nem, evidentemente, capítulo de sentença. Haverá, isso sim, decisão
interlocutória. Mas essa constatação não se presta a demonstrar o desacerto de
nossa crítica ao entendimento de Dinamarco, realizada no parágrafo anterior. Afinal,
também preliminares extintivas podem muito bem ser solucionadas em deci­
sões interlocutórias. Por exemplo, o juiz pode rejeitar preliminares extintivas ao
sanear o processo. Pode, outrossim, acolhê-las no curso do processo, sem pôr fim
ao procedimento ou fase cognitiva — o que se passa por exemplo quando um dos
litisconsortes passivos é excluído do processo ou a carência da ação é decretada
em relação a apenas um dos pedidos cumulados.24 Nessas situações, têm-se

23
Ibid., p. 41.
24
Tem-se discutido muito sobre o conceito de sentença, desde que foi editada a Lei nº 11.232/2005.
Para parte da doutrina, sentença, na disciplina vigente, é simplesmente o ato que apresenta

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como conteúdo uma das “situações” dos arts. 267 ou 269 do CPC — ex vi do §1º do art. 162. Para
quem pensa assim, o ato que exclui um dos litisconsortes do processo consiste em sentença, pois
apresenta como conteúdo a “situação” do inciso VI do art. 267. Nesse sentido, por exemplo: SICA,
Heitor Vitor Mendonça. Algumas implicações do novo conceito de sentença no processo civil, de
acordo com a Lei 11.232/2005. In: CARMONA, Carlos Alberto (Coord.). Reflexões sobre a reforma
do Código de Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2007. p. 187-209; OLIVEIRA, Bruno Silveira de. Um
novo conceito de sentença?. Revista de Processo, São Paulo, n. 149, p. 120-138, jul. 2007; VARGAS,
Jorge de Oliveira. O novo conceito de sentença e o recurso daquela que não extingue o processo:
apelação ou agravo de instrumento?. Revista de Processo, São Paulo, n. 148, p. 111-118, jun. 2007;
OLIVEIRA, Guilherme Paes de. Novo conceito de sentença: análise da jurisprudência acerca do
recurso cabível nas situações duvidosas e aplicação do princípio da fungibilidade. Revista de
Processo, São Paulo, n. 164, p. 296-308, out. 2008.

Mas alguns autores ressalvam que não basta o ato apresentar como conteúdo uma das situações
do art. 267 para configurar sentença. Afirma-se que, diferentemente do que se passa nos casos
do art. 269, o ato que apresenta como conteúdo uma das situações do art. 267, para caracterizar
sentença, deve ainda colocar fim ao processo — conforme a literalidade do caput do art. 267 c/c
o art. 162, §1º. Esse é o entendimento, por exemplo, de: APRIGLIANO, op. cit., p. 17.

Por outro lado, há quem entenda que o pronunciamento judicial, para que possa ser considerado
“sentença”, deve sempre encerrar o procedimento (nos casos em que o processo não for “sincré­
tico” — v.g., a sentença de procedência da ação condenatória contra a Fazenda Pública é execu­tada
em processo autônomo, não no mesmo processo em que proferida) ou então uma das fases (de
conhecimento, de liquidação ou de execução) do procedimento em primeiro grau de jurisdição
(nos casos de processo sincrético) — não bastando, portanto, que tenha como conteúdo uma
das situações dos arts. 267 e 269 do CPC. A esse respeito, confira-se o que escrevem, por exemplo,
os seguintes autores: BONDIOLI, Luiz Guilherme Aidar. O novo CPC: a terceira etapa da reforma
(leis 11.187/05, 11.232/05, 11.276/06, 11.277/06 e 11.280/06). São Paulo: Saraiva, 2006; GRECO,
Leonardo. Primeiros comentários sobre a reforma da execução oriunda da Lei 11.232/2005. Revista
Dialética de Direito Processual, São Paulo, n. 36, p. 70-86, mar. 2006; JORGE, Flávio Cheim; DIDIER
JR., Fredie; RODRIGUES, Marcelo Abelha. A terceira etapa da reforma processual civil: comentários às
leis n. 11.187 e 11.232, de 2005; 11.276, 11.277 e 11.280, de 2006. São Paulo: Saraiva, 2006; LEITE,
Clarisse Frechiani Lara. O conceito de sentença. In: COSTA, Susana Henriques da (Org.). A nova
execução civil: Lei 11.232/05. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2006. p. 69-94; YARSHELL, Flávio
Luiz; BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Execução civil: novos perfis. São Paulo: RCS Editora, 2006.

***


A corrente referida no parágrafo anterior afasta-se dos estritos termos do art. 162, §1º, do CPC.
Seus adeptos negam que o legislador tenha pretendido dizer o que a literalidade do dispositivo
indica. Dizem que, ao excluir a menção à “extinção do processo” no caput do art. 269, o legislador
nada mais teria pretendido do que compatibilizar a regra com a nova sistemática de execução dos
títulos judiciais. Se a sentença é agora, em regra, executada no bojo do mesmo processo em que
proferida, então não se pode mais afirmar que é ato que põe fim ao processo: após a sua prolação,
o processo continua...

O legislador jamais teria pretendido permitir, porém, que pudesse haver diversas sentenças no
curso de uma mesma fase ou procedimento em primeira instância. O fato de a sentença não mais
pôr, em regra, “fim ao processo” (e não vem ao caso, aqui, adentrar na discussão sobre se antes
da reforma ela punha ou não efetivamente fim ao processo...) não poderia significar que seria
ela identificada doravante pelo seu conteúdo, pura e simplesmente. A sentença, agora, deve ser
considerada o pronunciamento que, apresentando como conteúdo uma das situações dos arts.
267 e 269 do Código, encerra o procedimento ou fase cognitiva em primeira instância ou, então,
o pronunciamento que encerra o procedimento ou fase executiva em primeira instância (art. 794).

Os autores que seguem essa linha de raciocínio não deixam de criticar o fato de o legislador ter
mantido no caput do art. 267 a menção a “extinção do processo”. Notam que mesmo as sentenças

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 53

terminativas conterão, em regra, um capítulo condenatório referente a verbas de sucumbência


que dará azo a uma fase executiva subsequente. Assim, a sentença terminativa teria de ser
conceituada como o ato com o conteúdo de uma das situações do art. 267 e que põe fim não ao
processo, mas ao procedimento ou fase de conhecimento em primeira instância.

Por fim, destaque-se que os adeptos da corrente em referência não negam que sentença é aquilo que a
lei diz que é sentença. Pelo contrário, têm essa afirmação como correta. Mas eles entendem que se deve
realizar uma interpretação sistemática e teleológica da lei. Deve-se investigar quais são as razões que
levaram o legislador a alterar o art. 162, §1º, e cotejá-lo com outros dispositivos, a fim de encontrar
o seu verdadeiro significado. E, procedendo-se dessa forma, não há como não concluir que ainda
hoje a sentença é ato que encerra a instância. Como se disse, a Lei nº 11.232/2005 não teve a
pretensão de admitir a prolação de diversas sentenças no curso do procedimento em primeiro
grau. Esse raciocínio é muito bem desenvolvido por Bondioli no texto acima referido.

***

Concordamos com o entendimento de que não houve uma alteração substancial no conceito de
sentença com a edição da Lei nº 11.232. De fato, uma interpretação sistemática e teleológica da lei
não permite chegar a outra conclusão. Para saber o que se deve entender por “sentença”, deve-
se investigar o que, afinal, levou o legislador a alterar a sua definição legal. Será que o legislador,
ao alterar o conceito de sentença, quis mesmo abandonar — e efetivamente abandonou — o
critério topológico? A resposta a esta pergunta pode ser buscada na Exposição de Motivos da Lei
nº 11.232/2005.

Em nenhum momento a Exposição de Motivos sugere que se tenha pretendido dar margem
para a existência de mais de uma sentença no curso de uma mesma “fase” processual. O que se
pretendeu, com a edição da lei, foi, entre outras providências, unificar as atividades cognitivas
e executivas em um mesmo processo. Em regra, tais atividades não se dão mais em processos
distintos, mas em um só: o processo sincrético. Se assim é, pensou o legislador, a sentença
simplesmente não pode mais ser o ato que encerra o processo de conhecimento. Afinal, a
sentença que julga o mérito (contendo um capítulo condenatório) passa a ser executada no
mesmo processo em que proferida.

Diz a Exposição de Motivos, na parte que interessa ao presente trabalho, que, em razão das
modificações introduzidas pela Lei nº 11.232 no CPC, “a efetivação forçada da sentença con­
denatória será feita como etapa final do processo de conhecimento, após um tempus iudicati,
sem necessidade de um processo autônomo de execução (afastam-se princípios teóricos em
homenagem à eficiência e brevidade); processo sincrético, no dizer de autorizado processualista.
Assim, no plano doutrinário, são alteradas as cargas de eficácia da sentença condenatória,
cuja executividade passa a um primeiro plano; em decorrência, sentença passa a ser o ato de
julgamento da causa, com ou sem apreciação do mérito.” Em virtude dessa “alteração sistemática”,
conclui a Exposição de Motivos, impõe-se “a alteração dos arts. 162, 269 e 463, uma vez que a
sentença não mais põe fim ao processo.”

De acordo com a Exposição de Motivos da Lei nº 11.232, portanto, a sentença passaria a ser
considerada o “ato de julgamento da causa, com ou sem apreciação do mérito”. Apresentando
como conteúdo uma das situações do art. 269, imaginou o legislador, a sentença julga o mérito
e encerra a etapa de cognição — ao que seguirá a fase de execução, se a sentença contiver (e no
mais das vezes conterá) capítulo condenatório. Por outro lado, apresentando como conteúdo
uma das situações do art. 267, a sentença extingue o processo (na verdade, como já se disse, o
procedimento ou a fase de conhecimento) sem julgamento de mérito. Daí o conceito do art. 162,
§1º, do Código.

O raciocínio do legislador nitidamente tomou por base a hipótese de o pedido formulado na inicial ser
simples, haver uma só causa de pedir e não haver litisconsórcio ativo e/ou passivo. Considerando-se
essa “estrutura básica ou mínima” da demanda, realmente, o ato que apresentar como conteúdo
uma das situações do art. 269 extingue a fase ou procedimento de conhecimento. Mas o
encerramento não acontece se o pronunciamento judicial se referir a apenas um dos pedidos,

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quando mais de um houver sido formulado de forma cumulada; ou quando o ato se referir a
apenas uma das causas de pedir apresentadas (exceto em caso de acolhimento do pedido,
quando o seu exame com base na outra causa de pedir fica dispensado...) ou a apenas um dos
litisconsortes ativos ou passivos presentes no processo (especialmente em caso de litisconsórcio
não unitário, quando haverá um pedido pertinente a cada litisconsorte...). Nesses casos, a fase
ou procedimento de conhecimento prossegue (ou pode prosseguir, conforme observações
entre parênteses acima) em relação aos demais pedidos, causas de pedir ou litisconsortes. Daí
surge o problema das pretensas sentenças de mérito parciais — com o qual o legislador não se
preocupou.

Da mesma forma, o raciocínio do legislador no sentido de que o ato que apresenta como
conteúdo uma das situações do art. 267 sempre encerra o “processo” (i.e., a fase ou procedimento
de conhecimento) é correto quando se tratar de demanda sem pedidos cumulados, com apenas
uma só causa de pedir e sem litisconsortes ativos e/ou passivos (especialmente em caso de
litisconsórcio simples, conforme já ressalvado acima). Havendo pedidos cumulados, diversas
causas de pedir e/ou litisconsórcio ativo ou passivo, para que encerre o “processo”, a situação
do art. 267 deve se referir a todos os pedidos, causas de pedir e/ou litisconsortes. Referindo-se
a apenas um ou alguns deles, não porá fim ao “processo”. Daí surge o problema das pretensas
sentenças terminativas parciais — no qual o legislador também não pensou.

É preciso, enfim, ter em mente que o legislador, ao alterar a redação dos arts. 162, §1º, 269 e
463 não pensou nas ações objetiva e subjetivamente complexas. Pensou na estrutura mínima da
demanda, em que há um pedido, uma causa de pedir e um autor contra um réu. Estrutura esta
para a qual o conceito de sentença do art. 162, §1º, pode até ser suficiente — mas suficiente não
é para todos os casos de demandas subjetiva e objetivamente complexas.

Em que pese o lapso do legislador, não há dúvidas de que a mens legis não foi afastar o critério
topológico. Como diz Leite no texto referido mais acima, o critério topológico não foi substituído
pelo critério substancial, mas simplesmente adequado à nova estrutura do processo sincrético. A
confirmar isso, não bastassem os termos da Exposição de Motivos, note-se que a lei não alterou
a disciplina recursal, para adaptá-la às pretensas profundas alterações que muitos visualizam no
conceito de sentença. O critério do conteúdo é, porém, ainda útil para diferenciar as sentenças
de mérito das terminativas...

Nossa conclusão, portanto, é a de que ainda hoje o critério topológico tem relevância para
identificar o que seja a sentença. Considerados os objetivos da Lei nº 11.232 e compreendido
que o legislador desenvolveu seu raciocínio em torno da estrutura mínima da demanda (um
autor, um réu, uma causa de pedir e um pedido) ao alterar os arts. 162, §1º, 269 e 463 do Código,
parece-nos inevitável dizer que sentença não pode ser pura e simplesmente o ato que apresenta
como conteúdo uma das situações dos arts. 267 e 269. Sentença é, na verdade, o ato que encerra
a instância, pondo fim ao procedimento (nos casos em que o processo não é sincrético) ou então
a uma das fases (de conhecimento, de liquidação ou de execução) do procedimento em primeiro
grau de jurisdição (nos casos de processo sincrético).

Para que ponha fim ao procedimento ou fase de cognição (inclusive a de liquidação e a que se abre
com eventual impugnação ao cumprimento de sentença) com julgamento de mérito, a sentença
deve necessariamente apresentar como conteúdo uma das situações do art. 269 — simples­
mente porque são essas as únicas soluções “de mérito” possíveis em nosso ordenamento (aliás,
em regra, apenas a sentença é que poderá decidir questões de mérito e o próprio mérito, por força do
princípio da reserva do julgamento de mérito para a sentença). Porém, conforme exposto acima,
isso não significa que sempre que apresentar como conteúdo uma daquelas situações o ato
porá fim ao procedimento ou fase, constituindo sentença.

Para que ponha fim ao procedimento ou fase de cognição (inclusive a de liquidação e a que se abre
com eventual impugnação ao cumprimento de sentença) sem julgamento de mérito, a sentença
deve necessariamente apresentar como conteúdo uma das situações do art. 267. Isso não quer
dizer que sempre que apresentar como conteúdo uma daquelas situações o ato porá fim ao
procedimento ou fase, constituindo sentença (ver observações acima).

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 55
decisões interlocutórias decidindo preliminares “extintivas” (a rigor, nos dois últimos
exemplos a preliminar nem chega a ser propriamente extintiva do processo, mas
quando muito de uma dada pretensão no processo).
Por fim, cabe ressalvar que não negamos a possibilidade de haver mais de um
capítulo processual em uma mesma sentença. Nos casos de demandas objetiva ou
subjetivamente complexas, poderá haver na sentença mais de um capítulo processual
— um para cada demanda formulada (lembrando que em caso de litisconsórcio
comum, ou seja, não unitário, o cúmulo subjetivo gera um cúmulo objetivo).25 Por
exemplo: a sentença declara a falta de interesse de agir em relação a um pedido
cumulado, deixando assim de julgá-lo; por outro lado, rejeita todas as preliminares
deduzidas em relação a um outro pedido formulado, julgando-o procedente ou
improcedente. Outro exemplo: o juiz afirma a falta de interesse de agir em face de um
dos litisconsortes passivos simples, declarando a impossibilidade de julgar o pedido
contra ele formulado; por outro lado, afasta a preliminar de falta de legitimidade de
outro litisconsorte, afirmando a possibilidade de julgar o pedido contra ele formu­
lado. Também em tal hipótese haverá dois capítulos processuais.26

2.3.2.2 Capítulos de mérito


Não é possível haver um capítulo para cada causa de pedir apresentada
pelo autor. Isso porque, como se disse no item 2.3.1.1, os capítulos correspondem
a unidades elementares autônomas do decisório da sentença. E no dispositivo


E o ato que encerrar o procedimento ou fase de execução, para ser sentença, não apresentará
necessariamente o conteúdo dos arts. 267 e 269 (aliás, algumas das situações desses artigos,
sobretudo as do art. 269, não têm pertinência nenhuma em relação a execuções). De um
modo geral, tal ato terá lugar nos casos do art. 794. E, pondo fim num desses casos à fase ou
procedimento de execução, será sentença.

É verdade que poderá haver mais de uma sentença no mesmo processo — por exemplo, uma
encerrando a fase de cognição, outra encerrando a fase de liquidação (observação: caso de sentença
agravável) e outra encerrando a fase de execução. Mas nem por isso se pode dizer que o critério
topológico foi abandonado ou coisa que o valha. Nesses casos, de processo sincrético, a sentença
será o ato que encerra uma dessas fases do processo.
25
Por exemplo, quando o autor ajuíza ação contra dois réus, não se tratando de litisconsórcio
unitário, haverá um pedido contra cada um deles. Pode ser que na inicial tenha sido formalmente
deduzido um único pedido. Mas, na verdade, ter-se-á nesse caso um pedido contra um réu e um
outro, com idêntico teor, contra o outro réu. Eis que a sentença de mérito, nesse caso, terá dois
capítulos de mérito (além dos processuais), um referente a cada réu.
26
Há casos em que o cúmulo subjetivo não gera um cúmulo objetivo. É o que se passa, por
exemplo, nos casos de litisconsórcio passivo unitário (facultativo ou necessário). Formulado um
pedido, com base em uma causa de pedir, por um autor contra litisconsortes passivos unitários,
há uma só demanda. Não há um pedido contra cada litisconsorte, mas um só contra todos eles.
Por conseguinte, a sentença de mérito conterá, na hipótese, um só capítulo de mérito — o que
explica regras como a do caput do art. 509 do CPC (aplicável a casos em que há litisconsórcio
unitário). Vide, a esse respeito, o item 4.4.

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da sentença, como se sabe, decide(m)-se apenas o(s) pedido(s) formulado(s) —


pelo(s) autor(es) contra o(s) réu(s). As questões de mérito (assim compreendidas,
na con­cepção carneluttiana, como os pontos controvertidos entre demandante
e demandado, o que inclui o choque entre causas de pedir e causas excipiendi) são
solucionadas na fundamentação da sentença.
Os capítulos de mérito correspondem, portanto, aos “objetos autônomos de
um julgamento de mérito”, assim compreendidos “os diversos itens em que se des­
dobra o decisum e que se referem a pretensões distintas ou a diferentes segmentos
destacados de uma pretensão só.” São os termos de Dinamarco, que prossegue
dizendo que: “Em princípio, trata-se de pretensões que poderiam ser julgadas por
sentenças separadas, em dois ou mais processos — o que só não sucede quando os
dois capítulos de mérito são representados pelo julgamento do mérito principal e
da pretensão relacionada com o custo financeiro do processo (despesas, honorários
da sucumbência). Em todos esses casos, a sentença é uma só e formalmente incin­
dível como ato jurídico integrante do procedimento; também um só e formal­­mente
incindível é o decisório que a integra. Mas substancialmente o decisório comporta
divisão, sempre que integrado por mais de uma unidade elementar — residindo
cada uma dessas em um dos preceitos imperativos ali ditados.”27
Haverá “objetos autônomos” a serem decididos em capítulos de mérito dis­
tintos, por exemplo, quando na demanda inicial houver pedidos cumulados (cúmulo
simples, sucessivo, alternativo ou eventual ou, ainda, os chamados “pedidos implí­
citos”, como o pedido de condenação do demandado ao pagamento das verbas de
sucumbência ou juros legais sobre o principal...); quando houver cúmulos ulteriores,
no curso do processo, seja por iniciativa do demandado (por exemplo, reconvenção,
chamamento ao processo, denunciação da lide), do demandante (aditamento do
pedido na forma dos arts. 264 do CPC) ou de terceiro (oposição); em caso de litiscon­
sór­cio comum (casos em que contra cada litisconsorte haverá um pedido, eventual­
mente de idêntico teor); quando o objeto for simples mas física ou juridicamente
decomponível (cada possível parcela do objeto simples é tratado como se fosse um
objeto); quando o provimento jurisdicional pedido for decomponível (por exemplo,
pede-se uma condenação, mas o juiz emite apenas uma declaração — lembrando
que a declaração compõe o provimento condenatório); ou, ainda, quando se tratar
de pedido condenatório, o qual pode ser cindido em pedido de reconhecimento do
an debeatur e pedido de fixação do quantum debeatur (pedido condenatório).28

DINAMARCO, op. cit., p. 63.


27

Vide: BONÍCIO, op. cit., p. 60 et seq.


28

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 57
2.3.2.3 Capítulos homogêneos e capítulos heterogêneos
Assim, como afirma Angelo Bonsignori, capítulo de sentença é “cada esta­
tuição judicial autônoma, não importa se por razões de substância ou de forma.”29
E é possível (e no mais das vezes ocorre) a convivência, numa mesma sentença, de
capítulos processuais e de mérito.
Diz-se que os capítulos da sentença são “heterogêneos” quando nela exis­
tirem tanto capítulo(s) processual(ais) quanto capítulo(s) de mérito. Serão, por outro
lado, “homogêneos” os capítulos da sentença quando forem eles todos da mesma
natureza (o que é excepcional em nosso ordenamento).

a) Determinada a extinção do processo sem julgamento de mérito, haverá o capítulo


processual e, em regra, também capítulo de mérito (referente às verbas de sucumbência)
Imagine-se uma demanda com uma estrutura mínima: um pedido, uma causa
de pedir, um demandante e um demandado. Se, por exemplo, a sentença acolher
preliminar de falta de interesse de agir, não haverá julgamento do pedido formu­lado.
Assim, não haverá capítulo de mérito, mas apenas o capítulo processual.
Na verdade, não haverá, nas sentenças terminativas, capítulo sobre o mérito
“principal” (pretensão ao bem da vida). Mas, no mais das vezes, haverá um capítulo
dispondo sobre as verbas de sucumbência, o qual também é considerado capítulo
de mérito (mérito “secundário”). Por isso é que se disse, acima, que é excepcional
em nosso ordenamento haver sentenças com capítulos homogêneos. Mesmo as
sentenças terminativas conterão, em regra, capítulos heterogêneos.

b) Julgado o mérito, haverá capítulos heterogêneos (processual e de mérito)


As sentenças que rejeitam preliminares e julgam o mérito terão, sempre,
capítulos heterogêneos. Haverá o capítulo processual, reconhecendo o direito do
autor ao julgamento do mérito (referente ao pedido imediato). Haverá, ainda, o
capítulo sobre o pedido mediato formulado, acolhendo ou rejeitando a pretensão
ao bem da vida. E haverá, via de regra, também o capítulo (igualmente de mérito)
dispondo sobre os encargos de sucumbência.

2.3.3 A noção de autonomia e (in)dependência dos capítulos


Acima, definiu-se capítulo de sentença como a unidade autônoma do deci­
sório da sentença. Mas em que consiste a autonomia dos capítulos? Quem nos
dá uma resposta muito clara disso é mais uma vez Dinamarco. Segundo o autor, a

29
BONSIGNORI, Angelo. L’effetto devolutivo nell’ambito dei capi conessi (effetto esterno). Rivista
Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, Milão, ano XXX, p. 954, 1976.

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autonomia em relação aos capítulos que decidem sobre pedidos diferentes assume
dois significados: “a) o da possibilidade de que cada um deles [os pedidos] fosse
objeto de um processo separado e b) o da regência de cada um por pressupostos
próprios, que não se confundem necessariamente nem por inteiro com os pressu­
postos dos demais.”30
Os capítulos puramente processuais jamais serão autônomos no sentido
descrito no item “a”. Tais capítulos “não têm aptidão a uma vida própria, em processos
instituídos somente em relação a eles. Não seria juridicamente possível instaurar
um processo só com o pedido de declaração de uma ilegitimidade ad causam, ou
de uma incompetência absoluta etc. Capítulos a esse respeito só são autônomos no
interior do processo.”31
Autonomia, em qualquer dos sentidos acima expostos, não significa inde­
pendência. O fato de um capítulo ter pressupostos próprios, diversos dos de outros
capítulos, ou se referir a pedido que poderia ser objeto de um processo separado não
o torna necessariamente independente. Todos os capítulos são autônomos em pelo
menos um dos sentidos que expusemos, mas nem todos são independentes.
A boa compreensão da noção de (in)dependência de capítulos da sentença
é fundamental para a adequada resolução de uma série de problemas relacionados
às repercussões que a teoria dos capítulos gera sobre outros institutos proces­suais,
inclusive sobre a disciplina dos recursos. Isso, acreditamos, ficará bastante claro
quando analisarmos alguns possíveis problemas práticos sobre o tema, no item 4,
a seguir.

2.3.3.1 Dependência entre capítulos de mérito


Considera-se “dependente” o capítulo cujo teor dependa do teor de um outro
capítulo. O julgamento de uma das pretensões (chamada de prejudicada) terá um
ou outro conteúdo, conforme o que se tenha decidido a respeito de uma outra
pretensão (a prejudicial). Nesse sentido, a dependência é resultado de uma relação
de prejudicialidade lógico-jurídica entre duas pretensões.
Essa espécie de relação de dependência pode se verificar entre capítulos de
mérito. Por exemplo: o capítulo sobre as verbas de sucumbência apresentará um
ou outro conteúdo, a depender do que se tenha decidido a respeito do pedido
principal. Se julgado procedente o pedido, o réu será condenado a arcar com as verbas
de sucumbência. Se julgado improcedente, o autor é condenado a suportá-las.
Mas também é possível que a relação entre capítulos de mérito seja de
impedimento. No caso de cumulação sucessiva eventual, por exemplo, a ausência

DINAMARCO, op. cit., p. 43.


30

Id.
31

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de acolhimento do pedido principal impede a própria existência de capítulo sobre
o pedido sucessivo — que não chega a ser julgado.

2.3.3.2
Dependência entre capítulos de mérito e capítulos
processuais
Existe, também, relação de dependência entre capítulos processuais e capí­
tulos de mérito. Com efeito, a existência dos capítulos de mérito depende do que se
decidir sobre os pressupostos de admissibilidade do julgamento de mérito e, assim,
sobre o pedido imediato. O mérito da causa apenas será julgado (procedente ou
improcedente) se o autor tiver direito a tanto — desde, portanto, que o pedido ime­
diato seja acolhido (o que ocorrerá se preenchidos os pressupostos de admissibi­­
lidade de julgamento de mérito).
Enfim, o que determina a dependência do capítulo de mérito ao capítulo
processual é a relação de impedimento que existe entre ambos. A rejeição do pedido
imediato, por conta do acolhimento de uma preliminar, inviabiliza o julgamento
do pedido mediato.

2.3.3.3 O momento da aferição da dependência entre capítulos,


para o fim de saber quais são os limites do efeito
devolutivo do recurso parcial
Para que se possa saber quais são os limites da devolução operada pelo recurso
parcial, é preciso saber se existe relação de dependência entre os capítulos senten­
ciais. Isso será melhor explicado no item 4.3, a seguir. Aqui, cabe apenas destacar
que a aferição do grau de dependência existente entre os capítulos sentenciais,
para o fim de saber os limites do efeito devolutivo recursal, deve ser realizada após a
interposição do recurso. Como ensina Bonício: “Embora já se possa prever, a partir de
uma análise simples da sentença, qual capítulo pode ser dependente, ou não, de outro,
convém destacar que somente após a interposição do recurso é que será possível
visualizar, com nitidez, se esta dependência de fato existe. (...) Podemos afirmar que
o efeito devolutivo externo, como é óbvio, só ocorre após a interposição do recurso
e está intimamente ligado ao efeito devolutivo mesmo, como corolário lógico deste.”32

2.3.3.4
Breve nota sobre a nomenclatura empregada nos itens
subsequentes
Nos itens seguintes, iremos nos referir aos capítulos da sentença cujo teor ou
existência depende do teor de outros como capítulos “dependentes”, “condicionados”,

32
BONÍCIO, op. cit., p. 128.

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“subordinados” ou “subsidiários”. Os capítulos cujo teor determina a existência ou


teor de outros serão, por sua vez, chamados de “dominantes”, “condicionantes”,
“subordinantes” ou “principais”.
Procuraremos empregar os termos conforme nos pareçam mais adequados
a cada caso analisado. Ressalve-se, porém, que, exceto os termos “principal” e
“subsidiário”, mais adequados para as situações de cumulação alternativa even­
tual, os demais (de um lado, “dependente”, “condicionado” e “subordinado”; de
outro, “dominante”, “condicionante” e “subordinante”) costumam ser utilizados
indistintamente na doutrina.

3 A teoria dos capítulos de sentença e sua repercussão sobre a


teoria dos recursos (aspectos e regras gerais)
Como já dissemos, a teoria dos capítulos de sentença gera repercussões
sobre diversos institutos do direito processual (liquidação e execução, coisa julgada
e ação rescisória e recursos). Interessa-nos, no presente trabalho, estudar as repercus­
sões da teoria dos capítulos da sentença sobre a teoria dos recursos, especialmente
sobre a apelação cível. São diversos os problemas e dúvidas que decorrem de tais
repercussões — e os problemas e dúvidas a que nos referimos aqui não são mera­
mente teóricos ou de cunho acadêmico, mas eminentemente práticos, problemas
e dúvidas com que os operadores do direito convivem diariamente no exercício de
seu ofício.

3.1 Efeito devolutivo dos recursos e capítulos da sentença


Entre as diversas questões advindas da repercussão da teoria dos capítulos
da sentença sobre a teoria dos recursos, as mais numerosas — e também as mais
complexas — são aquelas relacionadas aos limites do efeito devolutivo dos cha­mados
“recursos parciais”. Algumas de tais questões específicas serão analisadas no tópico 4,
a seguir. Veremos que a regra geral segundo a qual apenas os capítulos impug­nados
pelo recurso são transferidos ao Tribunal comporta exceções.

3.1.1 Extensão e profundidade da devolução (arts. 505, 515 e 516


do CPC)
Compreende-se por efeito devolutivo a capacidade que os recursos têm de
transferir o julgamento de uma causa/demanda ou de uma questão/incidente a um
outro órgão judiciário, superior ao que proferiu a decisão recorrida (o que ocorre,
por exemplo, em caso de apelação, agravo de instrumento e recursos especial e
extraordinário).

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 61
Em um sentido mais amplo, o efeito devolutivo compreende também o retorno
da causa/demanda ou de questão/incidente ao mesmo órgão de quem adveio a
decisão recorrida. Todavia, para alguns, não se trata, aí, de verdadeiro e próprio
efeito devolutivo, mas de efeito regressivo (haja vista a ausência de transferência
de competência a um outro órgão judiciário, hierarquicamente superior). É o que se
verifica, por exemplo, em relação aos embargos infringentes, nos recursos contra
as sentenças dos juizados especiais e também nos embargos de declaração.33
Para os fins do presente estudo, pode-se aceitar a definição mais restrita de
efeito devolutivo (devolução como transferência a um outro órgão, superior ao pro­
lator da decisão recorrida). É ela suficiente para a exata compreensão das questões
enfrentadas mais adiante — todas elas atinentes ao recurso de apelação.

***
A devolução operada pelos recursos aos Tribunais se põe tanto no plano
horizontal quanto no plano vertical.
O art. 505 do CPC estabelece que a sentença pode ser impugnada no todo ou
em parte. Ou seja, é possível recorrer de apenas um ou alguns dos capítulos da
sentença ou então de todos eles. O art. 515, caput, por sua vez, consigna que a ape­
lação devolverá ao Tribunal o conhecimento da matéria impugnada. Da análise con­
jugada dos arts. 505 e 515, caput, do CPC extrai-se que a apelação abrange apenas
os capítulos ou partes da sentença que tenham sido nela expressamente impug­
nados — havendo, porém, exceções a essa regra geral (mais adiante analisadas). Tais
dispositivos — aplicáveis, mutatis mutandis, em relação a quaisquer recursos do
CPC — fixam a extensão do efeito devolutivo da apelação, i.e., o efeito devolutivo da
apelação no seu plano horizontal. Eis o conhecido princípio segundo o qual tantum
devolutum quantum appellatum.
No plano vertical, a devolução operada pelo recurso abrange os pontos (i.e.,
os fundamentos ou alegações tanto do pedido quanto da defesa) e as questões (i.e.,
pontos controvertidos) de fato e de direito efetivamente resolvidas na sentença ou
que poderiam tê-lo sido, mas nos limites do que foi devolvido ao Tribunal no plano
horizontal. As “questões que poderiam ter sido decididas mas não o foram” com­
preendem: questões examináveis de ofício a respeito das quais o juízo a quo não se
manifestou — as quais não estão sujeitas a preclusão; e questões não examináveis
de ofício que surgiram do embate entre as alegações das partes, mas acabaram
igualmente não sendo apreciadas nem ficaram preclusas.34 Isso decorre dos arts.
515, §§1º e 2º, e 516 do CPC.

33
DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 142.
34
MENEZES MARCATO, Ana Cândida. O princípio do duplo grau de jurisdição e a reforma do Código de
Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2006. p. 111.

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Diz-se, portanto, que, na perspectiva vertical, o efeito devolutivo é o mais


amplo possível — encontrando, porém, seus limites na extensão da devolução ope­
rada pelo recurso e, em alguns casos, também na própria lei.35 Como regra geral,
pode-se afirmar que todas as questões apreciadas ou não pelo juízo a quo (mas
desde que não preclusas) que tenham relação com os capítulos abrangidos pela
devolução operada pelo recurso poderão ser objeto de exame pelo Tribunal. Já as
questões que se refiram a capítulos não abrangidos pelo recurso são irrelevantes para
o julgamento a ser realizado.

35
Como se sabe, no caso dos recursos especial e extraordinário, os Tribunais Superiores não podem
(re)decidir questões de fato. A versão dos fatos em que devem os julgadores se pautar é aquela
assentada nas instâncias ordinárias. Ademais, é preciso que se tenha decidido, nas instâncias
ordinárias, a respeito de fatos da causa, aplicando-lhes as normas de direito suscitadas pelas
partes ou outra que ao juiz tenha parecido mais adequada para definir uma das etapas ou o
destino do processo (prequestionamento). No recurso especial ou extraordinário, o recorrente,
partindo da versão dos fatos assentadas nas instâncias ordinárias, deve demonstrar que as
questões de direito foram mal solucionadas, ofendendo a legislação federal e/ou a Constituição e,
assim, gerando um julgamento injusto ou inválido sobre o pedido formulado ao juízo/Tribunal a
quo. Diz-se, portanto, que a profundidade possível da devolução operada pelos recursos especial
e extraordinário é menor do que a verificada em relação aos demais recursos cíveis. O Tribunal
Superior jamais poderá reexaminar as questões de fato pertinentes ao mérito recursal: deve se fiar
na solução a elas dadas pelo juízo/Tribunal a quo. Por outro lado, apenas as questões de direito
examinadas pela decisão recorrida podem ser reapreciadas pelo Tribunal Superior.

Ou seja, quando se afirma que apenas a questão de direito examinada pela decisão recorrida
pode ser (a pedido do interessado) reapreciada pelo Tribunal Superior, quer-se dizer que
o Tribunal Superior deve decidir se, em vista do panorama fático assentado nas instâncias
ordinárias, o Tribunal a quo aplicou bem ou mal o direito ao adotar uma determinada solução
para o processo ou uma de suas etapas. Por exemplo: a parte “1” pedia a aplicação da regra “x”. A
parte “2”, a aplicação da regra “y”. Mas o Tribunal aplica a regra “z”, decidindo o pedido “p”. Essa é a
questão jurídica a ser julgada no Tribunal Superior, em caso de recurso do interessado: aplicou-se
corretamente o direito aos fatos, para decidir sobre o pedido “p”, devolvido pelo recurso especial/
extraordinário?

Mas, ainda pensando-se na situação do parágrafo anterior, esclareça-se o seguinte: se a parte
sucumbente recorre ao Tribunal Superior (por exemplo, recurso especial) alegando violação ao
dispositivo “z” e negativa de vigência ao “x”, poderia o Superior Tribunal de Justiça reconhecer
ofensa (rectius, negativa de vigência) a “y”? Isso estaria, de alguma forma, compreendido na
questão de direito devolvida ao Tribunal Superior? A resposta é negativa — e não por falta de
prequestionamento, propriamente, mas por falta do questionamento necessário para incluir tal
matéria no mérito do recurso. Com efeito, os recursos especial e extraordinário têm como mérito
o pedido de declaração/reconhecimento da ofensa, pela decisão recorrida, ao(s) dispositivo(s)
indicado(s) na petição de interposição — pedido cujo acolhimento pode acarretar a mera
cassação da decisão recorrida ou também a sua reforma, eventualmente para se julgar o próprio
mérito da demanda procedente.

Em suma, nos recursos especial e extraordinário são devolvidos ao Tribunal Superior, no plano
horizontal, o(s) capítulo(s) da decisão a que se referem as questões jurídicas cuja solução sustenta-
se ter sido ofensiva a dispositivos de lei federal infraconstitucional ou da Constituição. No plano
vertical, devolvem-se apenas as questões de direito prévias ao mérito recursal — além das
questões de ordem pública, nos limites da extensão do efeito devolutivo.

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 63
3.1.2 Recurso integral
Recurso integral é aquele que impugna todos os capítulos da sentença,
devolvendo-os integralmente ao Tribunal.

3.1.3 Recurso parcial


Recurso parcial é aquele que se volta contra apenas um ou alguns dos capí­
tulos da sentença. Como regra, apenas os capítulos expressamente impugnados
serão devolvidos ao Tribunal — mas, lembre-se, nos limites de sua extensão, a devo­
lução é a mais profunda possível.
A devolução pode ser parcial por diversas razões.

3.1.3.1 Irrecorribilidade de capítulos


Pode ocorrer que em uma determinada sentença haja capítulos que, pelas
circunstâncias do caso concreto,36 não sejam recorríveis e também capítulos que o
sejam. A parte sucumbente poderá, então, interpor recurso apenas contra os capí­
tulos concretamente recorríveis, com o que o recurso será parcial. Exemplo: o acórdão
que dá provimento integral a recurso de apelação, mas contém um capítulo por
unanimidade e um capítulo por maioria de votos. O apelado poderá interpor embargos
infringentes contra o capítulo não unânime — e tal recurso será, portanto, parcial
(art. 530 do CPC). A parte unânime estará sujeita, eventualmente, a futuro recurso
especial ou extraordinário, cujo prazo será contado na forma do art. 498.

3.1.3.2
Falta de legitimidade ou interesse para recorrer de
capítulos
O recurso pode ser parcial, também, em razão da falta de interesse e/ou
legitimidade para impugnar determinado(s) capítulo(s) da sentença.
Em regra, só a parte vencida tem legítimo interesse em recorrer. É o que diz o
art. 499 do CPC. Este dispositivo estabelece, ainda, a legitimidade do terceiro pre­
judicado e do Ministério Público em relação a capítulos que sejam do interesse do
primeiro ou digam respeito à esfera de atuação do segundo.
A legitimidade e o interesse recursais devem ser apurados no caso concreto.
A parte jamais poderá recorrer daqueles capítulos que lhe houverem sido favoráveis,

36
“Dificilmente se conceberia uma sentença ou acórdão portador de algum capítulo que já em
tese fosse irrecorrível — ou seja, insuscetível de qualquer recurso, por qualquer das partes,
independentemente das circunstâncias do caso concreto. Um acórdão local será irrecorrível se no
caso concreto não se configurar qualquer hipótese de admissibilidade do recurso extraordinário,
do especial, do ordinário constitucional ou mesmo dos embargos infringente — mas isso não
significa que a priori esse acórdão seja insuscetível de recurso algum, porque tais recursos podem
caber ou não caber, conforme o caso” (DINAMARCO. Capítulos..., p. 100-101).

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64 Felipe Scripes Wladeck

mas apenas e tão somente dos desfavoráveis — caso em que o recurso será parcial.
Da mesma forma, o recurso do Ministério Público ou do terceiro prejudicado, se
admissível apenas em relação a um ou alguns capítulos da sentença, será parcial.

3.1.3.3 Opção por não recorrer de capítulos


Pode ocorrer, ademais, que não exista nenhum óbice legal à interposição de
recurso contra todos os capítulos da sentença, mas o sujeito dotado de legitimidade
e interesse recursais simplesmente opte por recorrer de apenas um ou alguns deles.
Por exemplo, os dois pedidos do autor, independentes entre si, foram julgados
improcedentes, mas o autor opta por recorrer contra a rejeição de apenas um deles.
A devolução, nesse caso, compreenderá apenas o capítulo impugnado pelo recor­
rente. O outro não poderá ser conhecido e objeto de decisão pelo Tribunal. É o que
decorre diretamente do art. 515 do CPC — regra que, porém, comporta exceções,
como veremos mais adiante.

3.2 Efeito suspensivo dos recursos e capítulos da sentença


Os limites do efeito suspensivo37 dependerão dos limites da devolução
realizada pelo recurso no plano horizontal. Em termos gerais, pode-se dizer que o
efeito suspensivo se põe apenas em relação aos capítulos da sentença que tiverem
sido objeto de impugnação.
Mas atenção: nem sempre o capítulo impugnado tem a sua eficácia “sus­
pensa” por conta da interposição do recurso.38 Isso porque o recurso, em relação a

37
Note-se que o efeito suspensivo não “suspende” a decisão recorrida, mas os seus efeitos (na verdade,
nem sempre se trata de verdadeira e própria “suspensão”, conforme exposto na nota seguinte).
É o que ensina Dinamarco: “Esse efeito não incide sobre a decisão judicial recorrida, como ato
processual sujeito a ser cassado e eventualmente substituído por outro, mas propriamente sobre
os efeitos que eles se destinam a produzir” (DINAMARCO. Nova era..., p. 146).
38
Diz-se que o efeito suspensivo não suspende a eficácia das decisões impugnadas, mas prorroga
o seu estado de ineficácia — vigente a partir do momento em que, proferida, a decisão fica
sujeita a recurso dotado, por lei, de efeito suspensivo. Nesse sentido, por exemplo: DIDIER JR.,
Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de impugnação
às decisões judiciais e processo nos tribunais. 7. ed. Salvador: JusPodivm, 2009. v. 3, p. 81;
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 476 a 565. 14. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2008. v. 5, p. 258; LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Efeitos imediatos da
decisão e impugnação parcial e total. In: ARRUDA ALVIM, Eduardo Pellegrini; NERY JUNIOR, Nelson;
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2000. p. 527.

Mas note-se que o simples estado de sujeição a recurso não é suficiente para impedir que a
decisão produza seus efeitos, se o recurso cabível não tiver efeito suspensivo ope legis. A excepcional
atribuição de efeito suspensivo ao recurso pelo juízo a quo ou pelo juízo ad quem implicará,
por conseguinte, a verdadeira e própria suspensão dos efeitos que vinham se produzindo. A esse
respeito, trata-se mais adiante no corpo do texto.

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 65
determinados capítulos, pode simplesmente não ter (na ausência de previsão legal
em sentido contrário) efeito suspensivo. Imagine-se, por exemplo, que a sentença de
procedência39 confirma, em um de seus capítulos, antecipação de efeitos da tutela
e que tal antecipação diz respeito apenas a um dos pedidos formulados. Em relação
a este capítulo, a apelação não terá efeito suspensivo (art. 520, inciso VII, do CPC). Em
relação aos demais, também impugnados, haverá efeito suspensivo — a menos que
enquadráveis em alguma das demais situações dos incisos do art. 520, obviamente.
Outra observação importante: o efeito suspensivo previsto para o recurso
pode se estender a capítulos que, embora não impugnados, estejam abrangidos
pela devolução operada. Como veremos mais adiante, em determinadas hipóteses,
o efeito devolutivo abrange capítulos não impugnados (“efeito devolutivo externo”).
Nesses casos, tais capítulos — justamente por estarem abrangidos pela devolução
— permanecerão ineficazes até que se julgue o recurso (com efeito suspensivo) inter­
posto. Por exemplo: interposta apelação (dotada de efeito suspensivo) contra o
capítulo que julga procedente o pedido condenatório formulado na inicial, o capítulo
que condena o réu a arcar com os honorários advocatícios e custas processuais, ainda
que não impugnado, não poderá ser executado de imediato — pois, abrangido pela
devolução ocorrida, fica atingido pelo efeito suspensivo da apelação interposta.
O capítulo não impugnado mas abrangido pela devolução (efeito devolutivo
externo) apenas não será atingido por efeito suspensivo se em relação a ele a apelação
não tiver, ope legis, tal efeito. Por exemplo: a sentença julgou procedentes o pedido
de declaração de paternidade e o pedido de condenação do réu a prestação de
alimentos. Interposta apelação impugnando apenas o capítulo da declaração de
paternidade, a devolução operada pelo recurso irá abranger o capítulo condenatório
(dependente que é daquele outro). Mas, em relação a este capítulo, a apelação não
terá efeito suspensivo, conforme a regra do art. 520, inciso II, do CPC.
Por fim, note-se que, na verdade, entre a prolação da decisão e o ato de inter­
posição, todos os capítulos da sentença em relação aos quais couber apelação dotada
de efeito suspensivo permanecerão sem produzir efeitos. O simples estado de sujeição
a um recurso dotado, por lei, de efeito suspensivo impede que a decisão produza
de imediato os seus efeitos substanciais.40 Com a interposição do recurso, sim, é que
passam a valer as considerações acima a respeito da limitação do efeito suspensivo
pela dimensão do efeito devolutivo no plano horizontal — capítulos não impug­
nados nem abrangidos pela devolução produzirão seus efeitos normalmente41 etc.

39
Sobre as particularidades envolvendo a sentença de improcedência ou extintiva e os efeitos da
apelação contra ela interposta, vide a nota 45, a seguir.
40
É o que ensina: DINAMARCO. Nova era..., p. 150.
41
Especialmente os capítulos condenatórios da sentença de procedência, uma vez que os
declaratórios e os constitutivos não são capazes de produzir os efeitos programados antes de

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66 Felipe Scripes Wladeck

De outro lado, os capítulos da sentença em relação aos quais a apelação não


tiver efeito suspensivo ope legis produzirão seus efeitos substanciais de imediato,
assim que proferidas. Tais efeitos somente serão suspensos (e se tratará de verdadeira
suspensão dos efeitos, não de prorrogação de ineficácia — ver a nota 40, acima) se
vier a ser excepcionalmente atribuído ao recurso de apelação o efeito suspensivo,
pelo juízo a quo ou pelo juízo ad quem.
Discordamos, nesse ponto, de Aprigliano, para quem, diante da simples
possibilidade de atribuição de efeito suspensivo ope judicis, também os capítulos
sentenciais sujeitos a apelação sem efeito suspensivo ope legis tornam-se eficazes
somente após o seu trânsito em julgado ou, então, após o recebimento da ape­la­
ção apenas no efeito devolutivo pelo “juiz da causa”.42 Em que pesem as boas razões

transitados em julgado. Dinamarco chama atenção para este aspecto, que na prática passa
muitas vezes desapercebido: “A sentença constitutiva só produz seu institucional efeito
substancial de modificar uma situação jurídico-substancial das partes no momento em que
passa em julgado — sendo absurdo pensar, por exemplo, no averbamento da sentença de
separação judicial no registro civil enquanto pende o recurso especial, com o risco de voltarem
as partes, depois, em caso de provimento deste, ao estado de casadas. Quanto às meramente
declaratórias, chega a ser intuitivo que elas não produzem a definitiva certeza jurídica que são
destinadas a produzir, enquanto o Poder Judiciário não houver dado sua última palavra sobre
o caso, perdurando portanto a incerteza jurídica durante todo o tempo em que algum recurso
estiver pendente. Nada há, portanto, a suspender por força de lei nesses casos, porque a eficácia
natural da sentença constitutiva e da declaratória é menos intensa que a da condenatória, não
tendo aquelas, em si mesmas, força para se impor enquanto não sobrevier o trânsito em julgado”
(Ibid., p. 149).
42
Diz o autor: “é inequívoco que a suspensividade do prazo para o recurso ocorrerá sempre que o
recurso previsto tiver efeito suspensivo. O problema surge quando o recurso não tiver, por lei,
tal efeito: como considerar não executável a decisão que, mesmo se recorrida, não produzirá o
efeito suspensivo? Se a efetiva interposição da apelação não é, por si só, capaz de suspender a
eficácia da sentença, uma vez que será recebida somente no efeito devolutivo, como a mera
possibilidade de interposição pode suspender tal eficácia? A solução mais coerente parece
ser conferir eficácia imediata à sentença cuja apelação produza apenas o efeito devolutivo,
podendo ser executada mesmo na pendência do prazo para a apelação. Porém, em virtude de
outros fatores, a conclusão correta é em sentido oposto, ou seja, mesmo nos casos de sentenças
cujos recursos produzam, em tese, apenas o efeito devolutivo, não poderá ocorrer a execução
do julgado no prazo para interposição da apelação ou antes da decisão declaratória de seus
efeitos.” E prossegue Aprigliano: “os efeitos que a apelação produz dependem fundamental­
mente da decisão judicial que os declara, não se podendo falar em produção de efeitos indepen­
dentes dessa decisão. Ainda que a lei preveja casos em que se produzem ambos os efeitos, e
outros em que somente o efeito devolutivo é produzido, o fato é que muitas situações, não
tão claras, requerem efetivamente a decisão judicial, sem a qual não é possível definir quais os
efeitos produzidos naquele caso concreto. Em outras situações, o próprio magistrado atribui
efeito suspensivo a recurso que não o tem, por vislumbrar risco de grave dano ao recorrente. Em
suma, todo o sistema de recebimento do recurso depende efetivamente da decisão proferida
pelo juiz da causa, não se podendo falar em efeitos da apelação ou execução do julgado

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 67
expostas pelo autor para sustentar tal entendimento, parece-nos mais adequado
reputar que os efeitos dos capítulos em face dos quais a apelação não tem efeito
suspensivo ope legis, trate-se de capítulos de principais ou dependentes, produzem-
se de imediato, sendo a tomada das providências necessárias a obter a excepcional
suspensão de tais efeitos ônus exclusivo do vencido-apelante. Ou seja, a parte vence­
dora não pode ser impedida de tomar medidas destinadas a realizar praticamente
os efeitos substanciais da sentença sob o simples fundamento de que existe a possi­
bilidade (que, destaque-se, é excepcional) de se vir a atribuir efeito suspensivo a um
recurso que via de regra dele não é dotado. A suspensão dos efeitos sentenciais é um
“problema” da parte vencida, não da parte vencedora.
Um exemplo serve para ilustrar bem que não seria adequado fazer o vence­
dor esperar uma definição a respeito dos efeitos em que o recurso do vencido
serão recebidos, para somente depois disso, não havendo a excepcional atribuição
do efeito suspensivo, autorizá-lo a pleitear a execução dos efeitos substanciais da
sentença. Imagine-se que a sentença confirma decisão que antecipou os efeitos da
tutela. Conforme o inciso VII do art. 520, a apelação que contra ela for interposta
não tem efeito suspensivo. Embora raro, não é impossível que se venha a conceder
efeito suspensivo a esse recurso. Pode, por exemplo, verificar-se a superveniência de
periculum in mora que justifique a excepcional suspensão dos efeitos da sentença.
Contudo, não se pode aceitar que o vencedor, que até então vinha se valendo dos
efeitos antecipados pela medida urgente, não possa se valer de imediato dos efeitos
advindos da própria sentença, diante da simples possibilidade de o “juiz da causa”
vir a receber a apelação com efeito suspensivo. A atribuição do efeito suspensivo
será absolutamente excepcional e caberá ao vencido agilizar-se para o fim de obtê-
la, correndo contra o tempo para evitar que a efetivação dos efeitos substanciais
da sentença lhe acarretem pretensos prejuízos.
Assim há de ser, rigorosamente, em relação a todos os casos em que a ape­
lação não tiver, ope legis, efeito suspensivo. Eventual atribuição de efeito suspensivo
será sempre uma medida excepcional — e o ônus de demonstrar que a excepciona­
lidade está presente no caso concreto, para suspender os efeitos regulares da sen­
tença, há de ser necessariamente de quem recorre.

decorrentes exclusivamente do texto legal, sem intervenção judicial. Em virtude da possibilidade


de receber a apelação em ambos os efeitos — para evitar riscos ao apelante — e tendo em
vista ainda os casos polêmicos — em que não se tem certeza sobre os efeitos do recurso até
que sobrevenha decisão judicial — nenhuma sentença pode ser executada antes da decisão
declaratória dos efeitos da apelação” (APRIGLIANO, op. cit., p. 46-47).

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68 Felipe Scripes Wladeck

Inclusive, se o vencedor43 tomar de imediato medidas concretas destinadas


a efetivar a sentença,44 o vencido, entendendo que a execução da decisão pode lhe
gerar danos graves ou de difícil ou impossível reparação, pode, antes mesmo da
interposição da apelação, demonstrar tal risco (e a ausência de periculum in mora
inverso) ao próprio juízo a quo e pedir-lhe a suspensão dos efeitos sentenciais até
que se aguarde uma definição acerca dos efeitos do futuro recurso. Trata-se de
medida de cunho cautelar a ser determinada pelo juiz apenas em casos excepcionais
— em que a urgência alegada e demonstrada seja bastante para autorizar a sus­
pensão dos efeitos do recurso antes mesmo da sua interposição. Tal “efeito suspen­
sivo preparatório”, em princípio, vigeria necessariamente até a efetiva interposição
do recurso, quando o juízo decidiria se o manteria ou não.
Parece-nos que tal possibilidade encontra respaldo na legislação. Uma vez
que compete ao juízo a quo decidir a respeito dos efeitos da apelação, conforme o
art. 518 do CPC, não existe razão para que não possa, excepcionalmente, fazê-lo em
caráter “preparatório” em relação ao futuro recurso. Essa possibilidade se confirma
quando se tem em consideração que se admite que o juízo a quo, mesmo depois
de proferida a sentença, excepcionalmente conceda inclusive medidas de caráter
antecipatório — a despeito de não haver regra alguma no CPC nesse sentido.45

43
Quando se diz “vencedor”, no texto, pensa-se no demandante cuja pretensão é acolhida. Isso
porque, quando o demandado é (em sentido amplo) vencedor, a sentença terminativa ou de
improcedência (em ambos os casos, a sentença é declaratória) não tem o condão de provocar
alteração alguma no plano da relação controvertida trazida a juízo, mantendo-se a situação que
o demandante pretendia afastar ou corrigir com a demanda. A tutela ao direito do demandado
vencedor realiza-se automaticamente, com a simples prolação da sentença terminativa ou
de improcedência e independentemente dos efeitos da eventual apelação do demandante.
Suspender os efeitos da sentença terminativa ou de improcedência é algo que não faz sentido.
Não há o que suspender em uma sentença terminativa ou de improcedência — exceto os efeitos do
capítulo que trata das verbas de sucumbência e do capítulo que excepcionalmente mantém os efeitos
de antecipação realizada no curso do processo (não se pode descartar por completo a hipótese de
a sentença de improcedência manter efeitos de medida urgente antes concedida — conforme:
DINAMARCO. Nova era..., p. 96).

Quanto a essas duas últimas situações ressalvadas: o capítulo que trata das verbas de sucumbência
sujeita-se a apelação com efeito suspensivo ope legis (logo, não se põe em relação a ele a
necessidade de o demandante vencido buscar a excepcional concessão de efeito suspensivo
ao recurso que interpuser). Já quanto ao capítulo da sentença de improcedência que mantém
os efeitos de antecipação da tutela, é necessário que o demandado vencedor agilize-se para
suspender seus efeitos — eventualmente, antes mesmo de interpor a sua apelação (conforme
exposto no corpo do texto, acima).
44
E não estamos aqui a fazer referência aos casos de sentenças de procedência declaratórias ou
constitutivas — as quais, como se indicou na nota 43, apenas produzem seus efeitos depois de
ocorrido o trânsito em julgado. Referimo-nos especificamente a casos de sentenças condenatórias.
45
A possibilidade de pedir ao juízo a quo a concessão de medidas urgentes após a prolação da
sentença (mas antes da subida dos autos ao Tribunal) não deixa de ser uma exceção à regra
segundo a qual, proferida a sentença, é vedado ao juiz inovar no processo (art. 463 do CPC).
É uma exceção que se justifica para o fim de garantir a efetividade do acesso à justiça.

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 69
3.3 O destino dos capítulos da sentença não recorridos
A questão está diretamente relacionada ao tema das repercussões da teoria
dos capítulos da sentença sobre o instituto da coisa julgada e o da ação rescisória.
Mas não podemos deixar de analisá-la aqui, pois a sua compreensão é fundamental
para que possam ser estabelecidos os exatos limites da devolução proporcionada
pelos chamados “recursos parciais”.
Trata-se, basicamente, de saber se os capítulos de mérito da sentença não
abrangidos no recurso interposto transitam materialmente em julgado de imediato;
ou se ficam acobertados pela coisa julgada material apenas no momento em que não
couber mais recurso algum no processo.


Na verdade, o Código prevê (no art. 518) que o juiz, após proferir a sentença, pode decidir a
respeito dos efeitos da apelação interposta. Mas nada impede que, em situações excepcionais, o
juiz emita pronunciamento suspendendo os efeitos da sentença antes mesmo da interposição da
apelação, conforme sustentado acima, no corpo do texto.

Tratando especificamente da “antecipação da tutela”, Dinamarco apresenta razões que permitem
justificar a necessidade da concessão de medida urgente de qualquer natureza (antecipatória
ou cautelar) pelo juízo a quo após a prolação da sentença e antes da subida dos autos ao Tribunal,
inclusive previamente à interposição do recurso de apelação: “A necessidade de antecipar pode
surgir a qualquer tempo, inclusive no momento de decidir a causa ou até mesmo depois da
sentença, sem que antes disso houvesse o periculum in mora justificador da medida; pode também
inexistir no espírito do juiz a convicção da probabilidade do direito do autor, ou fumus boni iuris,
antes desses momentos adiantados do procedimento, sobrevindo no momento de sentenciar ou
mesmo depois. Essas não são situações ordinárias, do dia-a-dia, mas quando ocorrerem é preciso
ter a disposição de tomá-las em consideração sem o preconceito de uma suposta preclusão do
poder de ditar a antecipação da tutela jurisdicional. Quando ocorrer uma situação extraordinária
que clame por uma medida urgente, é perfeitamente legítimo incluir na sentença de mérito um
capítulo impondo a providência adequada a evitar que o direito pereça. Sistematicamente, é até
mais seguro conceder a tutela antecipada nesse momento, quando, superadas pela instrução
exauriente as dúvidas do julgador sobre os fatos e as teses jurídicas pertinentes, ele terá chegado
ao convencimento de que o autor tem razão: se houver a urgência que a legitime, a antecipação
deve ser concedida ainda nesse momento final do procedimento em primeiro grau de jurisdição.”
E prossegue o autor: “Mesmo depois de proferida a sentença de mérito, é mais do que razoável
entender que permanece a competência do juiz de primeiro grau para apreciar pedidos de
antecipação tutelar, desde que os autos ainda estejam em seu poder, não havendo sido remetidos
ao tribunal. Essa afirmação poderia parecer obstada pela regra do exaurimento da competência,
pela qual o juiz está em princípio proibido de introduzir alterações na sentença já publicada
(CPC, art. 463), mas conta com o apoio de uma disposição soberanamente superior, que é a
garantia do acesso à justiça” (DINAMARCO. Nova era..., p. 91-93).

Por razões similares, parece-nos perfeitamente possível o juiz, antes mesmo da interposição do
recurso, determinar a suspensão dos efeitos da sentença a pedido do vencido. Essa possibilidade
fica de certo modo reforçada pela existência de regra legal expressa atribuindo ao juízo a quo o
poder-dever de decidir a respeito dos efeitos da apelação interposta. Se cabe ao juízo a quo, por
expressa disposição legal, decidir a respeito dos efeitos da apelação interposta, razoável admitir
que, em casos excepcionais, suspenda os efeitos da sentença antes mesmo da interposição do
recurso (algo nos moldes da medida cautelar destinada a suspender os efeitos de acórdão antes
mesmo da interposição do recurso especial, admitida pela jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça).

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Antes de verificarmos quais os entendimentos existentes, cumpre mais uma


vez destacar que a dúvida que se põe refere-se apenas ao destino dos capítulos de
mérito não impugnados nem abrangidos pelo chamado “efeito devolutivo externo
do recurso”. Como já se disse e se verá mais adiante em detalhes, em determinadas
situações, capítulos não impugnados são devolvidos ao Tribunal por força da ape­
lação. Em relação a esses capítulos, não existem dúvidas: na medida em que devol­
vidos ao Tribunal, não transitam em julgado de imediato.

3.3.1 O entendimento da jurisprudência


Na jurisprudência dos diversos Tribunais do país, é possível encontrar decisões
reconhecendo em sua plenitude a teoria dos capítulos de sentença. Decisões
reconhecendo que os capítulos de mérito não abrangidos pelo recurso transitam em
julgado materialmente (não apenas formalmente) de imediato e que haverá tantos
prazos para ação rescisória quantos forem os capítulos de sentença transitados
em julgado materialmente em momentos diversos.46
Veja-se, por exemplo, o Enunciado nº 100, incs. I a III, da Súmula do TST. Ele é
expresso nesse sentido, chegando ao ponto de ressalvar a possibilidade de o capí­
tulo de mérito não impugnado não transitar em julgado de imediato na hipótese
de o recurso interposto versar sobre “preliminar” ou então “prejudicial” cujo acolhi­
mento possa vir a afetá-lo.
Também o STF já admitiu a possibilidade de haver o trânsito em julgado
progressivo da sentença e de haver tantas ações rescisórias quantos forem os
capítulos de sentença transitados materialmente em julgado em momentos distintos.
Vide, por exemplo, a decisão monocrática do Min. Sepúlveda Pertence no Agravo
de Instrumento nº 393.992/DF.
No STJ, já foi predominante o entendimento de que a coisa julgada material
se formaria em etapas, na medida em que os capítulos sentenciais de mérito fossem
sendo excluídos do âmbito de devolutividade dos recursos interpostos no pro­
cesso. Por conseguinte, o prazo para ajuizar ação rescisória teria de ser computado
individualmente para cada capítulo ou conjunto de capítulos de mérito, a partir
da data do respectivo trânsito em julgado material.

Confiram-se os seguintes textos, nos quais são colacionados alguns julgados sobre o tema:
46

AZEVEDO, Ana Paula Schoriza Bueno de. Capítulos da sentença: como o STJ tem se posicionado
sobre o termo inicial para a contagem do prazo da ação rescisória?. Revista de Processo, São Paulo,
n. 176, out. 2009. p. 196, nota 1; GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Capítulos autônomos da decisão
e momentos de seu trânsito em julgado. Revista de Processo, São Paulo, n. 111, p. 290-305, jul./set.
2003; CARDOSO, Oscar Valente. Capítulos de sentença, coisa julgada progressiva e prazo para a
ação rescisória. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, n. 70, p. 75-85, jan. 2009.

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 71
3.3.1.1 O caso dos Embargos de Divergência nº 404.777/DF,
do STJ, Rel. Min. Fontes de Alencar, Rel. para o
acórdão Min. Francisco Peçanha Martins, Corte Especial,
por maioria
Mas não era incomum encontrar, na jurisprudência do STJ, decisões negando
a possibilidade de haver o trânsito em julgado material progressivo da sentença.
A divergência entre as Turmas do STJ a respeito dessa questão, com o passar do
tempo, foi se tornando cada vez maior.
A jurisprudência do STJ “firmou-se” sobre o tema no final de 2003, quando
aconteceu o julgamento, pela Corte Especial, dos Embargos de Divergência nº
404.777/DF, de relatoria do Min. Fontes de Alencar. Em tal julgamento, ficou deci­
dido que o prazo para ajuizar ação rescisória conta-se da data do trânsito em julgado
da última decisão proferida no processo. Apenas nesse momento é que se formaria
a coisa julgada material em relação a todas as decisões do processo, mesmo aquelas
não abrangidas pelo efeito devolutivo do último recurso interposto.
De acordo com o que foi decidido nos Embargos de Divergência nº 404.777/DF,
os chamados “capítulos” da sentença não recorridos transitariam em julgado de
imediato apenas formalmente. Seu trânsito em julgado material ocorreria apenas
ao final do processo, quando se tornasse irrecorrível a última decisão nele proferida.
Logo, o prazo para o ajuizamento da ação rescisória contra toda a sentença haveria
de ser contado da data do trânsito em julgado da última das decisões proferidas
na causa.
É importante destacar que o julgamento em referência não se deu por una­
nimidade. Alguns Ministros reconheceram a possibilidade de ocorrer o trânsito
em julgado material parcial, quando um capítulo de mérito da sentença não fosse
objeto de devolução ao órgão de instância superior por força do recurso interposto.
Para esses julgadores (por exemplo, os Ministros Fontes de Alencar, Barros Monteiro,
José Arnaldo da Fonseca, Carlos Alberto Menezes Direito e Gilson Dipp) a ação
rescisória deveria ter seu prazo contado individualmente para cada um dos capí­
tulos ou conjunto de capítulos de mérito da sentença, a partir do respectivo trânsito
em julgado material.

3.3.1.2 A Súmula nº 401 do STJ


Hoje, a matéria está sumulada no STJ. Diz a Súmula nº 401 daquela Corte
que: “O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível
qualquer recurso do último pronunciamento judicial.”
É interessante notar, porém, que os julgados que formaram tal súmula, de
início, referiam-se a uma outra questão, atinente ao momento do início do prazo da

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72 Felipe Scripes Wladeck

ação rescisória quando o recurso interposto contra a sentença não fosse conhecido.
Afirmavam, os julgados, a necessidade de contar o prazo da rescisória da data do
trânsito em julgado da decisão de não conhecimento do recurso — e não do termo
ad quem do prazo em que deveria ter sido interposto o recurso não conhecido.
Mas a Súmula nº 401 acabou indo além dessa questão, para afirmar a impos­
sibilidade de ajuizar ação rescisória contra capítulos de mérito não abrangidos
por recurso interposto no processo. Apenas quando não couber mais recurso algum
no processo é que terá início o prazo para ação rescisória, contra todos os capítulos
da sentença. É exatamente o que havia sido decidido no bojo dos Embargos de
Divergência nº 404.777/DF, referidos no item anterior.

3.3.2 O entendimento da doutrina


A doutrina refuta de forma praticamente unânime a tese que hoje é endossada
pelo STJ. A título de exemplo, podem ser citados os seguintes autores: Barbosa
Moreira,47 Dinamarco,48 José Roberto dos Santos Bedaque,49 Paulo Henrique dos
Santos Lucon, Gilson Delgado Miranda,50 Bonício,51 Eduardo Talamini,52 Gustavo Filipe
Barbosa Garcia,53 Oscar Valente Cardoso54 e Ana Paula Shoriza Bueno de Azevedo.55
Tais autores, na esteira da doutrina de Liebman,56 indicam a superioridade
técnica da tese da “coisa julgada progressiva”, cuja aceitação, no Brasil, consiste em
decorrência inevitável da inequívoca adoção da teoria dos capítulos da sentença
pelo nosso CPC — como se vê nos arts. 498, 505 e 512, entre outros, do Código.
Ora, se não existe o risco de o capítulo não abrangido no recurso restar prejudicado
pelo respectivo julgamento, então não existe razão para não se admitir que tal capítulo
fica acobertado pela coisa julgada material.
Aqueles autores indicam, ainda, que a tese do trânsito em julgado progres­sivo
torna o processo mais efetivo, na medida em que abre a possibilidade de o ven­cedor
lançar mão de imediato, em relação aos capítulos de mérito não abrangidos pelo

47
BARBOSA MOREIRA. Sentença..., p. 92 et seq.
48
DINAMARCO. Capítulos..., p. 118 et seq.
49
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Os elementos objetivos da demanda examinados à luz do
contraditório. In: TUCCI, José Rogério Cruz e; BEDAQUE, José Roberto dos Santos (Coord.). Causa
de pedir e pedido no processo civil: questões polêmicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 48.
50
MIRANDA, Gilson Delgado. Comentário ao art. 505. In: MARCATO, Antonio Carlos (Coord.). Código
de Processo Civil interpretado. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 1740.
51
BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Novos perfis da sentença civil: classificação, estrutura, capítulos,
efeitos e coisa julgada. Revista Dialética de Direito Processual, n. 53, p. 110-111, ago. 2007.
52
TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 192.
53
GARCIA, op. cit., p. 296.
54
CARDOSO, op. cit., p. 78 et seq.
55
AZEVEDO, op. cit., p. 225.
56
LIEBMAN. “Parte” o “capo”..., p. 47-62.

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 73
recurso, de execução definitiva, não apenas provisória. Ora, quando um capítulo da
sentença não é abrangido pela devolução do recurso ocorre a chamada “descumu­
lação de demandas”: a demanda ou parcela da demanda não devolvida ao Tribunal
é excluída do processo, tornando-se definitiva a solução a ela dada pela sentença.57
Isso repercute na qualidade da eventual execução, que será igualmente definitiva.
Alertam, ademais, para o risco de ofensa ao princípio da isonomia que a
adoção da tese contrária gera nos casos de sucumbência de ambas as partes: aquela
que não recorresse em relação ao capítulo que lhe foi desfavorável teria seu prazo
para ação rescisória ampliado, pois seu início se daria apenas com o trânsito em
julgado do capítulo desfavorável ao contendente que optou por recorrer — o qual,
por sua vez, teria de lançar mão da rescisória dentro do prazo de dois anos do trân­
sito em julgado do capítulo recorrido. Isso foi, por sinal, observado por José Delgado
em seu voto no julgamento dos Embargos de Divergência nº 404.777/DF, do STJ.
De mais a mais, não convence o argumento segundo o qual a tese da pos­
sibilidade de haver trânsito em julgado progressivo geraria “grande conturbação
processual” e “dificuldades práticas”, na medida em que daria margem ao ajuiza­mento
de diversas ações rescisórias, uma contra cada coisa julgada formada. A adoção da
tese da impossibilidade de haver trânsito em julgado parcial não teria o condão de
inviabilizar o ajuizamento de mais de uma ação rescisória relacionada ao mesmo
processo. Persistiria a possibilidade de propor diversas demandas, cada uma delas
fundada em uma ou mais causas de pedir. Depois, como nota Barbosa Moreira,
em caso de sucumbência das duas partes, cada uma delas poderia ajuizar sua pró­
pria ação rescisória (claro, se verificada hipótese de seu cabimento) dentro do prazo
de dois anos. Uma mesma parte continuaria podendo ajuizar tantas ações rescisórias
quantos forem os capítulos de mérito a ela desfavoráveis: nada a impede de impug­
nar um capítulo de cada vez. O ajuizamento de mais de uma ação rescisória poderia,
ainda, ser necessário em razão das regras processuais de competência. Pois se
a ação rescisória se voltar contra decisão proferida pelo juízo de primeiro grau, a
competência para processá-la e julgá-la será do Tribunal de segundo grau. Já se
a ação se voltar, v.g., contra decisão do STJ, deste será a competência para julgá-la.58
Note-se, quanto a este último ponto, que apenas os capítulos da sentença
que estejam abrangidos pelo recurso são transferidos ao Tribunal (art. 505 do CPC).

57
SICA, op. cit., p. 194. De acordo com o autor: “A descumulação de demandas (seja no curso do
processo [para quem admite essa possibilidade], seja na sentença final) se inspira em parte nos
mesmos objetivos que a própria cumulação, ou seja, os princípios da economia e celeridade
processuais, os quais hoje encontram, inclusive, assento constitucional. Afinal, não faria sentido
que as demandas fossem cumuladas por medida de economia, para que, a partir de então, jamais
pudessem ser separadas, mesmo que isso importasse em amarrar o andamento de uma por
conta das demais.”
58
BARBOSA MOREIRA. Sentença..., p. 96.

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Os capítulos não abrangidos pelo recurso não são substituídos por outros do Tribunal
(art. 512). Ora, se o capítulo não recorrido não é substituído por outro do Tribunal,
então, quando transitar em julgado a última decisão proferida no processo, haverá
coisa julgada material acobertando decisões de diversas instâncias judiciais. A
competência para a ação rescisória contra a decisão de primeiro grau que não foi
recorrida não será do mesmo órgão competente para julgar a ação rescisória contra
a decisão de mérito que, por conta dos diversos recursos interpostos no processo,
acabou advindo de Tribunal. A esse respeito, vide o item 4.7.

3.3.3 As consequências práticas da adoção de um ou outro


entendimento
A adoção da tese da “coisa julgada progressiva” gera importantes consequên­
cias práticas. Como se destacou acima, reconhecida a possibilidade do trânsito em
julgado parcial da sentença, imperioso considerar que haverá tantos prazos para
ação rescisória quantos forem os capítulos de mérito transitados em julgado em
momentos distintos.
Por outro lado, caso se entenda que a coisa julgada material forma-se, para
toda a sentença, apenas no momento em que transitar em julgado a última decisão
tomada no processo, então o prazo para ação rescisória será um só, contando-se
justamente da data do trânsito em julgado da última decisão.
Depois, reconhecendo-se a tese da “coisa julgada progressiva”, inevitável
concluir que os capítulos condenatórios transitados materialmente em julgado
podem ser objeto de execução definitiva desde logo — o que, aliás, é bastante
comum na prática. Os capítulos condenatórios não transitados em julgado, de sua
parte, apenas podem ser objeto de execução provisória — e isso se não estiverem
sujeitos a recurso com efeito suspensivo. É, aliás, o que decorre da análise conjunta
dos arts. 475-I, §1º, 505 e 587 do CPC em vigor — sendo, portanto, indiscutível.
Já se negada a tese da “coisa julgada progressiva” fica difícil explicar a possi­
bilidade de se executar definitivamente as decisões não abrangidas pelo recurso
interposto. Por um lado, elas não poderão ser revistas pelo Tribunal, por conta dos
limites da devolução operada. Por outro, não poderão ser executadas desde logo
— ao menos não definitivamente, na medida em que não transitadas em julgado
materialmente. Tem-se, aí, uma situação paradoxal: uma decisão que não mais poderá
ser revista, mas que nem assim pode ser executada definitivamente desde logo.

3.3.3.1 Diante da existência de entendimentos divergentes,


quando ajuizar a ação rescisória?
Como indicamos acima, existe forte divergência a respeito do momento em
que se inicia o prazo para ajuizar ação rescisória nos casos em que houver mais de

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 75
um capítulo de mérito na sentença e um ou alguns deles forem excluídos dos limites
da devolução operada pelo recurso interposto. Como deve a parte interessada pro­
ceder, querendo pleitear a rescisão daqueles capítulos não abrangidos pelo recurso
interposto? Quando, afinal, deve-se ajuizar a ação rescisória?
Uma possível saída seria agir de acordo com o entendimento (hoje sumulado)
do STJ. Afinal, esta Corte Superior é quem daria, a priori, a última palavra, no caso
concreto, a respeito da tempestividade ou não da ação rescisória proposta. Ou seja,
caso reputada intempestiva a ação rescisória pelo Tribunal de segundo grau, caberia
ao interessado oportunamente recorrer ao STJ e fazer valer o seu entendimento
sumulado no caso concreto.
Mas essa solução não deixa de ser arriscada. Pois, como se disse, ainda existem
decisões de diversos Tribunais do país adotando a tese da coisa julgada progressiva
e, assim, afirmando a necessidade de contar o prazo para ação rescisória a partir da
data do trânsito em julgado de cada capítulo. E nada impede que o STJ reveja o seu
posicionamento atual ou que sejam, no âmbito de tal Corte, proferidas decisões
isoladas divergentes da Súmula nº 401.
Mais adequado e menos arriscado, a nosso ver, seria apostar e investir na
aceitação, pelo órgão julgador competente, da tese segundo a qual caberão tantas
ações rescisórias quantos forem os trânsitos em julgado materiais parciais verifi­
cados no curso do processo. Pode ser, é verdade, que o órgão julgador aplique a tese
sumulada no STJ, determinando a extinção da ação rescisória. Nesse caso, cabe ao
autor recorrer ao STJ a fim de obter o seu pronunciamento sobre a questão. Caso
o STJ confirme a intempestividade da ação, então o autor terá em seu favor um
pronunciamento daquela Corte Superior e deverá invocá-lo no momento de ajuizar
a futura ação rescisória, quando o processo em que proferida a decisão rescindenda
já tiver se encerrado — ocasião em que o Judiciário, em respeito ao princípio da segu­
rança jurídica, não poderá se afastar da posição anteriormente manifestada pelo STJ.
Já se o STJ reconhecer a tempestividade da ação rescisória ajuizada, e não se pode
descartar a possibilidade de o STJ mudar novamente de entendimento (inclusive
revogando a Súmula nº 401), então será determinado o seu prosseguimento perante
o Tribunal competente, para que o respectivo mérito seja julgado.
Em suma, ajuizar a ação rescisória desde logo, no prazo de dois anos do
trân­sito em julgado do capítulo, parece-nos mais seguro do que deixar para agir
apenas após o trânsito em julgado da última decisão proferida no processo — além
de tecnicamente mais correto.

3.4 A proibição da reformatio in pejus e os capítulos de sentença


Ao tratar do tema dos capítulos de sentença e sua repercussão sobre a teoria
dos recursos, não podemos deixar de fazer referência ao princípio da proibição

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da reformatio in pejus. Tal princípio, como veremos mais adiante, assume especial
importância quando se trata de verificar os limites da devolução operada pelo recurso
parcial interposto: pode o Tribunal, ao julgar o recurso parcial, reformar capítulos
não impugnados para piorar a situação do recorrente?
De acordo com o princípio da proibição da reformatio in pejus, a parte que
recorre de determinada decisão não pode ter a sua situação piorada, do ponto de
vista prático, em razão do julgamento do seu recurso. Ou seja, ao julgar um deter­
minado recurso, o Tribunal não pode proferir decisão que piore (qualitativamente
ou quantitativamente) a situação em que se encontra o recorrente, mas apenas
pode mantê-la ou melhorá-la.
Não está o dito princípio expressamente previsto em lei, em nosso ordena­
mento.59 Mas ninguém nega a sua existência e aplicabilidade. De uma análise con­
junta de princípios e regras expressos do CPC, como o princípio da congruência ou
adstrição (arts. 128 e 515 do CPC) e a regra do interesse recursal (art. 499), fica evidente
que a reformatio in pejus é vedada em nosso ordenamento.
Com efeito, se nem mesmo a parte pode recorrer para pleitear a reforma da
decisão para pior, por falta de interesse recursal, muito menos pode o Tribunal fazê-lo
sem tal provocação. Se o fizesse, estaria ofendendo o princípio da adstrição e, assim,
realizando reformatio in pejus. Mais ainda, possivelmente estaria ofendendo a coisa
julgada formada em relação ao capítulo não impugnado — possivelmente, e não
necessariamente, pois pode ocorrer que o capítulo não recorrido não seja de mérito,
mas processual (por exemplo: um dos pedidos formulados não foi julgado no mérito
por suposta falta de interesse de agir em relação a ele; o conhecimento e rejeição
de tal pedido pelo Tribunal, quando a apelação houvesse se voltado apenas contra
a declaração de improcedência do outro pedido formulado, agravaria a situação do
demandante; haveria afronta ao princípio da proibição da reformatio in pejus, mas
não a coisa julgada).

3.4.1 Recurso parcial


Pois bem, voltando à pergunta posta logo acima: pode o Tribunal, diante de
um recurso parcial, decidir também sobre o capítulo não impugnado, favorável
ao recorrente, para piorar-lhe a situação?
A resposta é não. Ao julgar o recurso parcial, ou o Tribunal mantém a decisão
recorrida ou a reforma para melhorar a situação do recorrente. Não pode se ocupar
de capítulos favoráveis ao recorrente para reformá-los ao anulá-los — a menos, claro,

Para Barbosa Moreira: “Teria sido melhor que o diploma de 1973 houvesse proibido expressis
59

verbis a reformatio in pejus” (BARBOSA MOREIRA. Comentários..., p. 435).

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 77
que tenham eles sido objeto de recurso da outra parte, quando então não caberá
falar em reformatio in pejus.

3.4.2 Recurso adesivo


O CPC prevê, em seu art. 500, o recurso adesivo. Não se trata de uma espécie
de recurso, mas de uma forma de interposição admitida para determinados recursos:
apelação, embargos infringentes e recursos especial e extraordinário. Tais recursos
podem ser interpostos de forma independente ou adesiva.
A previsão do recurso adesivo em nosso CPC consiste na confirmação de que
se adota, em nosso ordenamento, a teoria dos capítulos da sentença. Na lição de
Dinamarco, “só se pode conceber que na unidade formal de uma sentença venham
a ficar vencidos autor e réu, na hipótese de esse corpo unitário abrigar, simultânea
e cumulativamente, um capítulo em que o autor figura como vencido e outro, em
que o vencido é o réu.”60
Assim, se a sentença apresentar dois capítulos, um favorável ao autor e um
favorável ao réu, pode ser que apenas um deles seja apelado. Digamos que apenas
o autor apele. Ao julgar a sua apelação, o Tribunal não poderá se ocupar do capítulo
não impugnado, favorável ao autor — sob pena de realizar reformatio in pejus. A
reforma do capítulo não impugnado pelo autor apenas terá lugar se o réu — não
tendo interposto apelação independente contra o capítulo que lhe foi desfavorável
— tiver interposto a apelação na forma adesiva, segundo o art. 500 do CPC.
Eis que, conforme Barbosa Moreira observa: “A possibilidade de adesão
contrabalança a vedação da reformatio in pejus. Não há correlação necessária entre
semelhante vedação e a admissão do recurso adesivo, podendo aquele existir sem
este; mas não sofre dúvida que a solução adotada pelo atual estatuto atende a
ponderáveis razões de conveniência.”61

3.4.3 Existem exceções ao princípio geral da proibição da


reformatio in pejus?
Há quem não vislumbre a possibilidade de sustentar a admissibilidade de
reformatio in pejus em nosso ordenamento. É o caso de Barbosa Moreira.62 Outros
autores afirmam a possibilidade de haver reformatio in pejus em situações excep­
cionais (por exemplo, Bedaque63 e Sandro Marcelo Kozikoski).64

60
DINAMARCO. Capítulos..., p. 112.
61
BARBOSA MOREIRA. Comentários..., p. 437.
62
Ibid., p. 435.
63
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Apelação: questões sobre admissibilidade e efeitos. Revista
da Procuradoria Geral do Estado, São Paulo, 2003. p. 116. Edição especial “30 anos do Código de
Processo Civil”.
64
KOZIKOSKI, Sandro Marcelo. Manual dos recursos cíveis: teoria geral e recursos em espécie. 2. ed.
Curitiba: Juruá, 2004. p. 172.

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Uma das possíveis exceções haveria, por exemplo, quando o Tribunal, no


julgamento de apelação interposta contra sentença terminativa, afastasse a ocor­
rência da causa da extinção sem julgamento do mérito e afirmasse a decadência ou
prescrição do direito ou pretensão do autor. Nesse caso, sem sombra de dúvida, o
autor-recorrente sofreria, por conta de recurso interposto, uma piora na sua situação
do ponto de vista prático: a nova decisão, ao contrário daquela recorrida, é apta a
fazer coisa julgada material e, assim, impedir a repropositura da mesma demanda.
Uma outra possível exceção estaria no caso em que o Tribunal, aplicando o §3º
do art. 515 do CPC, conhece do pedido do autor (não conhecido em primeiro grau)
para julgá-lo improcedente. Para Dinamarco, como veremos mais adiante, não se
tem aí uma exceção ao princípio da proibição da reformatio in pejus. Para Bedaque,
por outro lado, trata-se de uma exceção ao referido princípio. Mas uma exceção que
apenas será legítima se forem rigorosamente observados os requisitos legais para
a aplicação do art. 515, §3º.
Para aqueles que negam que nesses casos se tem reformatio in pejus, assim
poderia ser denominada apenas aquela piora na situação do recorrente que não
fosse expressamente permitida por lei. Quando se amparar em previsão legal e não
puder consistir em causa de surpresa para as partes, a piora gerada ao recorrente
em decorrência do julgamento do seu recurso não consistirá em reformatio in pejus,
no sentido tecnicamente correto de tal expressão.65
Mas entendemos que não há problema algum em afirmar (como Bedaque
e Kosikoski) que existe, em nosso ordenamento, a reformatio in pejus ilegítima e a
reformatio in pejus legítima. Quando o julgamento pelo Tribunal reforma o julgamento
inferior para piorar, do ponto de vista prático, a situação do recorrente, não ocorre
outra coisa senão uma “reforma para pior”. Sendo inequívoco que o ordenamento
admite em alguns casos a possibilidade de haver essa “reforma para pior”, condicio­
nando a sua realização ao preenchimento de uma série de requisitos destinados
a preservar as garantias do contraditório e ampla defesa, conclui-se que existem
hipóteses legais e legítimas de reformatio in pejus. Nos casos em que não for permitida
por lei nem compatível com as garantias da ampla defesa e contraditório, a “reforma
para pior” será ilegítima e não poderá ser admitida.

4 Teoria dos capítulos de sentença e sua repercussão sobre a


teoria dos recursos (questões específicas envolvendo o recurso
de apelação)
Feitas as considerações gerais acima, a respeito da teoria dos capítulos da
sentença e sua repercussão sobre a teoria dos recursos, cabe, doravante, analisar

APRIGLIANO, op. cit., p. 141, 185.


65

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 79
algumas questões específicas sobre o tema, envolvendo especificamente a apelação
cível. Como já dissemos, não temos aqui a pretensão de esgotar os problemas que
o enfrentamento do tema da repercussão da teoria dos capítulos de sentença gera
sobre a disciplina dos recursos. Escolhemos alguns deles, que nos parecem bastante
interessantes e são correntes na prática.

4.1 Apelação: sua escolha como paradigma para a análise das


“questões específicas” selecionadas
Faremos a nossa análise do impacto da teoria dos capítulos da sentença sobre
a disciplina dos recursos tomando-se como paradigma a apelação, por se tratar de
um recurso de amplo cabimento e com requisitos de admissibilidade menos rigo­
rosos do que aqueles que se põem em relação a outros recursos em tese cabíveis
contra sentenças ou acórdãos-sentença — o que dá margem a que em relação a ele
se verifique a maior variedade dos problemas que nos propomos a enfrentar.

4.2 O caso da apelação genérica


Um primeiro problema a ser enfrentado envolve a chamada “apelação gené­
rica”. Apelação genérica é aquela que não especifica os capítulos da sentença contra
os quais se volta. A questão que aqui se põe é a seguinte: na ausência de indicação ­dos
capítulos impugnados na petição de interposição de apelação, qual será a extensão da
devolução realizada?
O CPC de 1939, em seu art. 811, previa que, se o recorrente não especificasse
o capítulo do qual estava a recorrer, a apelação abrangeria todos aqueles dos quais
ele poderia em tese ter recorrido — ou seja, todos os capítulos que lhe houvessem
sido desfavoráveis. Mas o Código de 1973 nada disse a respeito da chamada “ape­
lação genérica”.
Parte da doutrina, hoje, sustenta que se deve continuar adotando a solução
prevista do CPC de 1939: diante de uma apelação sem a especificação do(s) capítulo(s)
impugnado(s), deve-se entender que ela se volta contra todos aqueles que, em tese,
poderiam ser impugnados pelo recorrente. Esse é, por exemplo, o entendimento de
Barbosa Moreira66 e Aprigliano.67
Bonício, tratando da questão, observa que o problema é muito pouco comum
na prática: dificilmente se encontrará um caso em que verdadeiramente faltará no
recurso a indicação do capítulo que está sendo impugnado. De todo modo, havendo
um recurso genérico, diz o autor, deve-se buscar, em sua fundamentação, o sentido

66
BARBOSA MOREIRA. Comentários..., p. 353-354.
67
APRIGLIANO, op. cit., p. 126-127.

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80 Felipe Scripes Wladeck

da irresignação da parte recorrente — com o que será possível definir a extensão


da devolução.68
Uma outra possível solução, diante do recurso genérico, seria permitir ao
recorrente complementar a petição de interposição, especificando os capítulos im­
pugnados — de modo a que todos os elementos do art. 514 do CPC passem a dela
constar. Mas esta oportunidade de complementação, quando muito, poderia ser
admitida dentro do prazo para interposição — nos casos, portanto, em que o recurso
houvesse sido interposto antes do seu encerramento. Depois de encerrado o prazo
recursal, tal possibilidade não se poria por conta da preclusão temporal verificada.
Por fim, a solução mais radical seria o simples indeferimento da petição de
interposição do recurso. Se o autor não especifica quais são os capítulos impugna­
dos, então a petição de interposição deve ser simplesmente indeferida de plano,
sem que seja dado ao recorrente corrigi-la, por descumprimento do art. 514 do CPC.
O que impediria corrigir a petição seria a preclusão consumativa ocorrida com o ato
de interposição.
De fato, como indica Bonício, se existem, na sentença, diversos capítulos
desfavoráveis ao recorrente, a leitura atenta da petição de interposição deve per­
mitir identificar qual ou quais de tais capítulos são alvo de impugnação no recurso.
Mas, na hipótese (remota) de não ser possível identificar os capítulos impugnados,
que se permita ao recorrente emendar a petição de interposição — se ainda houver
tempo para isso, i.e., se ainda não tiver decorrido integralmente o prazo recursal.
Não havendo mais tempo para a correção da peça ou não feita a correção no prazo
recursal, então o indeferimento da petição de interposição será a solução. Admitir
uma apelação incompreensível ou que não atenda, ainda que minimamente, ao prin­cípio
da dialeticidade é inconcebível — inclusive e principalmente pelas sérias dificuldades
que tal recurso geraria ao exercício do direito de defesa do recorrido.
Agora, vale destacar: o indeferimento da petição de interposição da apelação
tem lugar apenas em casos extremos, nos quais efetivamente não haja como iden­
tificar, pela sua leitura atenta, os limites da irresignação e da devolução pretendida
pelo recorrente no plano horizontal, nem mais tempo hábil para corrigir o vício exis­
tente (porquanto encerrado o prazo recursal).

4.3 Problemas relacionados aos limites do efeito devolutivo da


apelação parcial
Passemos a analisar alguns problemas específicos relacionados ao efeito
devolutivo da apelação parcial.

BONÍCIO. Capítulos..., p. 121-123.


68

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 81
Vimos, anteriormente, que, no plano horizontal, o efeito devolutivo abrange
apenas os capítulos impugnados. Assim, a regra geral é a de que, havendo na senten­
ça mais de um capítulo desfavorável a uma das partes, o recurso que esta interpuser
abrangerá apenas e tão somente aqueles capítulos que forem nele efetivamente
impugnados. Os não impugnados transitam em julgado materialmente, de imediato.
Mas nem sempre apenas os capítulos não impugnados serão devolvidos ao
Tribunal. Existem exceções à referida regra geral — decorrentes de possíveis nexos
de dependência entre capítulos (sobre a [in]dependência entre capítulos, vide o
item 2.3.3, acima) ou de expressa disposição legal.

4.3.1 Capítulos independentes e apelação parcial


A primeira situação a ser enfrentada é a da apelação que se volta contra
apenas um ou alguns dos capítulos da sentença, sem que entre tais capítulos exista
qualquer relação de dependência. É o que se passa, por exemplo, nos casos das ações
com pedidos em cúmulo simples (v.g., demanda com pedido de indenização por
danos emergentes e pedido de indenização por lucros cessantes).69
Incide, aqui, a regra geral a que acabamos de nos referir: apenas os capí­
tulos impugnados no recurso serão objeto de devolução ao Tribunal. Aqueles não
impugnados, na medida em que independentes dos impugnados, transitarão em
julgado materialmente de imediato.

4.3.2 Capítulos de mérito entre os quais existe relação de


dependência e apelação parcial
A questão se complica quando existe uma relação de dependência entre os
diversos capítulos da sentença. O recurso contra um deles abrangerá, na medida
do grau de dependência e do escopo visado pelo recorrente, o outro, impedindo o
seu trânsito em julgado.
Quando ocorre essa extensão do efeito devolutivo a um capítulo não impug­
nado, tem-se o que se chama na doutrina de “efeito devolutivo externo”70 — em
contraposição ao “efeito devolutivo interno”, que seria o efeito de devolver ao Tribunal
precisamente o capítulo impugnado.
A primeira relação de dependência entre capítulos que analisaremos é
aquela que pode eventualmente existir entre capítulos de mérito. Quando a apela­
ção contra um desses capítulos abrangerá o outro, não expressamente impugnado
na petição de interposição?

69
APRIGLIANO, op. cit., p. 129.
70
BONÍCIO. Capítulos..., p. 113 et seq.

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82 Felipe Scripes Wladeck

a) Apelação apenas contra o capítulo dependente


Imagine-se, primeiramente, que a apelação é interposta apenas contra o
capítulo de mérito dependente — i.e., o capítulo cujo teor dependia do teor de um
outro capítulo de mérito, que chamaremos de dominante. Nesse caso, o efeito
devolutivo da apelação não abrangerá o capítulo dominante. Afinal, a existência
e conteúdo deste capítulo jamais poderiam ser afetadas pela eventual reforma ou
cassação do julgamento contido no capítulo dependente.

a.1) Apelação do autor


Exemplo 01 (cumulação sucessiva eventual de pedidos): o pedido de rescisão
contratual formulado é acolhido, mas o de restituição da coisa objeto do contrato não.
Se o autor apela do capítulo no qual se negou o seu pedido de restituição da coisa
objeto do contrato, a devolução operada pelo recurso não abrangerá o capítulo que
acolheu o pedido de rescisão. O julgamento do pedido de restituição pelo Tribunal
(pedido dependente) não pode afetar o julgamento do capítulo sobre o pedido de
rescisão (pedido dominante).
Aliás, caso o Tribunal proceda a um novo julgamento do pedido de rescisão sem
que o réu tenha apelado, haverá ofensa aos arts. 505 e 515 do CPC, extrapolando-se
os limites da devolução operada pelo recurso do autor e, eventualmente, ofendendo-
se o princípio da proibição da reformatio in pejus (se houver reforma ou cassação do
julgamento sobre o pedido de rescisão).
Exemplo 02 (cumulação alternativa eventual de pedidos): o autor pede a con­
denação por obrigação de fazer, com a ressalva de que, se essa tutela não puder ser
concedida, quer a condenação pelo equivalente pecuniário. Em princípio, o segundo
pedido somente será julgado se o primeiro for rejeitado.
Imagine-se que ambos os pedidos são rejeitados. A apelação do autor apenas
contra o capítulo que rejeitou o pedido dependente (ou “subsidiário”) não devolve
ao Tribunal o capítulo dominante (ou “principal”), que assim transitará em julgado
materialmente. Não existe entre os dois capítulos, nessa específica hipótese imagi­
nada, qualquer vinculação lógica e automática que determine a devolução do capí­
tulo não impugnado.
Exemplo 03 (pedido principal e pedido referente a verbas de sucumbência): o
pedido condenatório formulado foi acolhido, mas o autor discorda do montante
fixado pelo juiz a título de honorários advocatícios de sucumbência. A apelação
para ampliar tais honorários evidentemente não poderá reabrir a discussão sobre
o pedido condenatório. O capítulo que o decidiu terá transitado em julgado
materialmente.

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 83
a.2) Apelação do réu
Exemplo 01 (cumulação sucessiva eventual de pedidos): imagine-se que os dois
pedidos, o de rescisão do contrato e o de restituição da coisa objeto do contrato,
foram acolhidos pela sentença. Se o réu apelar apenas do capítulo que acolheu
o pedido de restituição, o capítulo que acolheu o pedido de rescisão do contrato
(dominante) não pode ser afetado pelo que vier a se decidir no Tribunal.
Exemplo 02 (cumulação alternativa eventual de pedidos): o pedido de conde­
nação na obrigação específica foi rejeitado, mas o de condenação pelo equivalente
pecuniário foi acolhido. A apelação do réu contra o capítulo que o condenou a
pagar quantia evidentemente não devolve ao Tribunal o capítulo sobre o pedido de
condenação na prestação específica. Somente o autor poderia provocar tal devo­
lução. Só ele teria interesse recursal para tanto.
Exemplo 03 (pedido principal e pedido referente a verbas de sucumbência): a
apelação do réu contra o capítulo que o condena ao pagamento das verbas de
sucumbência não devolve ao Tribunal a matéria objeto do capítulo que decidiu o
pedido principal. Trata-se de decorrência do princípio da adstrição (v.g., arts. 128,
505 e 515 do CPC).

b) Apelação apenas contra o capítulo dominante


Quando o capítulo recorrido é o dominante, a solução será possivelmente
outra. Como é o capítulo de mérito dominante que determina o teor do capítulo de
mérito dependente, a apelação apenas contra aquele poderá implicar, por razões de
lógica, a devolução deste ao Tribunal (“efeito devolutivo externo”).

b.1) Apelação do autor


Exemplo 01 (cumulação sucessiva eventual de pedidos): a apelação do autor
apenas contra o capítulo que rejeita o pedido de rescisão do contrato permite
ao Tribunal, em caso de acolhimento de tal pedido, passar ao julgamento do pedido
de restituição da coisa — independentemente de pedido expresso do autor a esse
respeito?
Dinamarco entende que, quando o juízo a quo rejeita o pedido de rescisão,
ele não deixa de julgar aquele de restituição da coisa, para rejeitá-lo também (ao
julgar prejudicado tal pedido, estaria efetivamente rejeitando-o).71 Tem-se, assim, que
os dois pedidos são rejeitados: como o pedido de rescisão é rejeitado, o de restituição
da coisa também tem de sê-lo — pois seu acolhimento dependia do acolhimento
do pedido de rescisão.

71
DINAMARCO. Capítulos..., p. 45.

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84 Felipe Scripes Wladeck

Não nos parece, porém, que as coisas se passem dessa forma. Parece-nos que,
rejeitado o pedido de rescisão, o de restituição não chega a ser examinado. O juiz
não dá “o passo a mais” visualizado por Dinamarco, para rejeitar também o pedido
de restituição. A própria prática demonstra isso: nas decisões sobre pedidos em
cumulação sucessiva eventual, quando rejeita o pedido dominante, o juiz nada diz
sobre o dependente — não se podendo ver em tal silêncio uma decisão implícita
(inadmissíveis que são as “decisões implícitas” em nosso ordenamento jurídico).
Nesse mesmo sentido, Aprigliano.72
Seja como for, parece-nos claro que jamais poderá o autor apelar pedindo
apenas o acolhimento do pedido de restituição da coisa, pois o acolhimento do
pedido de rescisão é condição inarredável para tanto. Mas, a contrario sensu, ele
pode, se quiser, apelar somente do pedido de rescisão, abrindo mão de obter a coisa
objeto do contrato. O acolhimento do pedido de rescisão contratual não depende,
logicamente, do acolhimento do pedido de restituição da coisa. Poderia, inclusive,
ter sido feito independentemente deste.
Portanto, se o autor não reiterar expressamente, na sua apelação, o pedido
de restituição da coisa, limitando-se a impugnar o capítulo que rejeitou o pedido de
rescisão contratual, então a devolução operada pelo recurso abrangerá apenas este
último. E assim é por força do art. 293 do CPC, segundo o qual os pedidos (mesmo
no âmbito recursal)73 são interpretados restritivamente.74 75
Mas, note-se que, uma

72
APRIGLIANO, op. cit., p. 130.
73
DINAMARCO. Nova era..., p. 130; LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Recurso especial: ordem
pública e prequestionamento. In: YARSHELL, Flávio Luiz; MORAES, Maurício Zanoide (Org.). Estudos
em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, 2005. p. 729.
74
É o que também defende Aprigliano, op. cit., p. 131. Diz o autor: “A devolução da ação dependente,
absorvida pela rejeição da ação principal, não é compreendida, porém, na ampla devolução do
art. 515, pois não se trata de mera questão suscitada e discutida na ação. Por tratar-se de ação
autônoma, o seu reexame dependerá de específica menção no recurso de apelação, para que
a matéria não transite em julgado [a nosso ver, não ocorre a formação de coisa julgada, pois
inexistirá decisão acerca do pedido dependente; o que obstará o julgamento de tal pedido pelo
Tribunal será o limite da devolução operada pela apelação: o Tribunal não pode julgar mais do
que lhe foi devolvido].”
75
Outra questão é saber se, uma vez formulado pelo recorrente o pedido para julgamento do
pedido dependente, pode ou não o Tribunal examiná-lo diretamente ou se deve devolver o
feito ao juízo a quo, para que este decida. Diz Aprigliano: “Se, por hipótese, a ação absorvida for
expressamente mencionada na apelação contra a rejeição da ação principal, estaremos diante
de um ulterior problema, qual seja, definir se o tribunal deve ou não analisar tais pedidos, em
caso de provimento do recurso quanto à ação principal, pois o julgamento direito pelo tribunal
pode caracterizar ofensa ao princípio do duplo grau de jurisdição, uma vez que a questão não
chegou a ser decidida em primeiro grau. Aqui, valem as observações feitas anteriormente sobre
a necessidade de o órgão a quo ter tido ao menos a oportunidade de julgar a causa. O órgão ad
quem poderá prosseguir no julgamento da ação apenas se, quando da prolação da sentença,
todas as condições para o julgamento do mérito estiverem presentes” (Ibid., p. 131).

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 85
vez que, a nosso ver, o pedido dependente não terá sido apreciado pelo juízo a quo,
não haverá coisa julgada a seu respeito — de modo que o autor não estará impedido
de ajuizar nova ação para reiterá-lo, agora isoladamente.76
Exemplo 02 (cumulação alternativa eventual de pedidos): o pedido de conde­
nação na prestação específica foi rejeitado e o pedido de condenação no equivalente
pecuniário também. Se o autor apela somente contra o capítulo de rejeição do pri­
meiro pedido, a devolução não abrange o capítulo referente ao segundo. Isso porque
não existe entre ambos, nessa específica hipótese ora imaginada, qualquer vincu­
lação lógica e automática.77
Imagine-se, agora, que o pedido de condenação no equivalente pecuniário
(que se costuma chamar de pedido “subsidiário”) foi acolhido. Continua o autor
podendo recorrer contra a rejeição do pedido de condenação na prestação espec­í­
fica? Com certeza, sim. Interessa-lhe, antes de tudo, a prestação específica. Logo,
pode ele recorrer contra o capítulo que a rejeitou. A apelação, nesse caso, devolverá
ao Tribunal o capítulo referente ao pedido subsidiário formulado. Mas a devolução
será “limitada”: se provido o recurso, o capítulo referente ao pedido subsidiário
ficará prejudicado. Se desprovido, porém, o capítulo referente a este mesmo pedido
ficará intacto, sob pena de incidir-se em reformatio in pejus. Em nenhuma hipó­tese
(a não ser, evidentemente, que por força de apelação do réu) o conteúdo do
capítulo subsidiário poderá ser diretamente examinado pelo Tribunal. Tudo o que
este poderá fazer será cassar o capítulo não impugnado, no específico caso em
que pedido dominante ou principal for acolhido.

76
Mas nem todos pensam assim. Humberto Theodoro Júnior, por exemplo, reputa, apresentando
exemplo semelhante ao que formulamos no texto, que cabe ao Tribunal, diante da apelação
contra a rejeição do pedido dominante, acolhendo este último, passar ao exame dos pedidos
dependentes (que, diz o autor, acabaram não sendo apreciados pelo juízo a quo). Nas suas
palavras: “São, também, todas as prejudiciais de mérito propostas antes da sentença e que
deveriam influir na acolhida ou rejeição do pedido, ainda que o juiz a quo não as tenha enfrentado
ou solucionado por inteiro (art. 516). É o que se passa, por exemplo, com a cumulação de pedidos
conexos e consequentes. O juiz, negando o primeiro, deixa de examinar os demais. Recorrendo
a parte vencida e logrando reformar a sentença para acolher o primeiro pedido, terá o tribunal
de completar o julgamento decidindo os demais pedidos conexos prejudicados pela decisão de
primeira instância. Por exemplo: pedia-se, originariamente, a anulação do contrato, a condenação
a perdas e danos, e restituição do bem negociado, e lucros cessantes. Como a sentença denegou
a anulação, todos os demais pedidos do autor nem sequer foram por ela cogitados. Ao tribunal,
porém, não é licito limitar o julgamento da apelação ao tema da anulação. Se entender que é o
caso de acolhê-la, terá também de prosseguir na análise das outras pretensões consequenciais
(perdas e danos, restituição, lucros cessantes), pouco importando que tais temas não tenham sido
julgados na instância de origem” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil:
teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 49. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2008. v. 1, p. 594-595).
77
APRIGLIANO, op. cit., p. 133.

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86 Felipe Scripes Wladeck

Exemplo 03 (pedido principal e pedido referente a verbas de sucumbência):


imagine-se, agora, que o capítulo dependente é o capítulo sobre as despesas pro­
cessuais e os honorários advocatícios. Se o autor recorre contra o capítulo no qual se
rejeitou o seu pedido de rescisão contratual, mas não apela contra o capítulo que o
condenou ao pagamento dos honorários e custas, este último estará abrangido pelo
efeito devolutivo do recurso.
Se o Tribunal reformar o decidido no capítulo principal, acolhendo o pedido de
rescisão contratual do autor, terá de inverter a condenação nos honorários e despesas
processuais — ainda que na apelação tal inversão não tenha sido requerida. Isso se
explica na medida em que o conteúdo do capítulo referente aos honorários advoca­
tícios de sucumbência e despesas processuais depende diretamente do que se
decidir relativamente ao pedido principal; a própria lei impõe que o pagamento
dos honorários de sucumbência e das despesas processuais seja atribuído, inde­
pendentemente de pedido da parte, ao sujeito que tiver dado causa ao processo e,
no mais das vezes, sucumbido (ex vi dos arts. 20 e 293 do CPC).
Mas é importante notar que a devolução realizada em relação ao capítulo das
custas e honorários não impugnado é limitada. O “efeito devolutivo externo” é limi­­tado.
Não poderá o Tribunal rever o valor dos honorários e despesas fixados na sentença.
Apenas poderá inverter a condenação. Nesse sentido, pacificada a doutrina. Vide,
por exemplo, o que escrevem Cruz e Tucci,78 Aprigliano79 e Bonício.80
Portanto, já a partir do exposto no presente item fica claro (e esta conclusão vale
para os demais casos analisados nos itens subsequentes) que nem sempre o recurso
contra a parte dominante da sentença tem o condão de devolver ao Tribunal capí­
tulos “dependentes” não impugnados na apelação. A devolução de capítulos não
impugnados se dará nos limites do vínculo de ordem lógica e jurídica que os subordina
aos impugnados, ou seja, na medida do grau de dependência ou prejudicialidade lógico-
jurídica verificada entre os capítulos não impugnados e aqueles impugnados. Sempre
que a parte não impugnada da sentença puder se tornar incompatível logicamente com
o julgamento realizado pelo Tribunal sobre a parte impugnada, estará ela “abrangida”
pelo recurso (mas de forma limitada...).
E aqui se aplica a lição de Bonício exposta no item 2.3.3.3, acima. Somente
após a interposição do recurso e a identificação dos pedidos nele formulados é que é
possível visualizar, com nitidez, a relação de dependência existente entre os capítulos
sentenciais e em que medida a impugnação de um ou alguns deles por recurso implicará
a devolução de outro(s) ao Tribunal.

78
CRUZ E TUCCI, op. cit., p. 91.
79
APRIGLIANO, op. cit., p. 128.
80
BONÍCIO. Capítulos..., p. 116.

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 87
b.2) Apelação do réu
Exemplo 01 (cumulação sucessiva eventual de pedidos): o pedido de rescisão
contratual e o de restituição da coisa objeto do contrato foram acolhidos. O réu apela
apenas contra o pedido de rescisão. A apelação devolve ao Tribunal o conhecimento
do capítulo no qual se decidiu sobre o pedido de restituição da coisa?
A resposta, aqui, é positiva. Opera o efeito devolutivo externo da apelação,
que abarca o capítulo não impugnado. Se a apelação do réu for provida, para julgar
improcedente o pedido de rescisão, então o pedido de restituição ficará auto­ma­
ticamente prejudicado. O Tribunal jamais poderá julgar improcedente o pedido de
rescisão, mantendo a procedência do pedido de restituição da coisa. A procedência
deste depende — pelo modo como foi o pedido deduzido em juízo, vinculado a
outro — logicamente da procedência daquele.81
O efeito devolutivo externo é, todavia, limitado. Vale dizer: negando provi­
mento ao recurso de apelação e, assim, mantendo a procedência do pedido principal,
o Tribunal não poderá passar ao exame do pedido dependente, para reformar total
ou parcialmente o capítulo não impugnado da sentença. Quer dizer, mantendo
a decisão de rescisão do contrato, não poderá o Tribunal adentrar no capítulo no
qual se reconheceu o direito de restituição da coisa, mandando restituí-la em parte
ou integralmente ao recorrente. Tal implicaria ofensa ao princípio da adstrição ou
congruência.
Já se o pedido dominante (o pedido de rescisão contratual) foi acolhido
e o pedido dependente (o pedido de restituição da coisa objeto do contrato) foi
rejeitado, a situação muda. O réu, nessa hipótese, só poderá apelar da decisão sobre
o pedido dominante — em relação ao capítulo sobre o pedido dependente não terá
ele interesse recursal. E o capítulo dependente não estará abrangido pelo recurso.
O Tribunal não poderá, ao julgar a apelação do réu, apreciar o pedido de restituição
da coisa que foi objeto do contrato — sob pena de violação ao princípio da adstrição
e, eventualmente, incidir em reformatio in pejus.
Exemplo 02 (cumulação alternativa eventual de pedidos): o pedido de conde­
nação na prestação específica foi acolhido — com o que o pedido de condenação
no equivalente pecuniário sequer acabou sendo apreciado. Recorrendo o réu contra
o capítulo que acolheu o pedido “principal”, o capítulo “subsidiário” estará abrangido
pelo efeito devolutivo?
A situação é interessantíssima. O autor, na medida em que teve a pretensão
pela qual tinha preferência acolhida, não poderá recorrer contra a falta de apreciação
do pedido “subsidiário” — diga-se, nem mesmo adesivamente. Falta-lhe interesse
recursal para tanto.

81
APRIGLIANO, op. cit., p. 132.

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88 Felipe Scripes Wladeck

Mas pode ser que o recurso do réu vingue. Se isso ocorrer, o autor “perderá”
aquilo que havia obtido em primeiro grau, i.e., a procedência do pedido dominante
ou principal. E o que ocorre, nesse caso, com o pedido subsidiário? Não temos
dúvida de que continua podendo ser apreciado no bojo do mesmo processo, sob
pena de o autor, que já não pôde interpor recurso, ficar sem nada.
Resta saber se o Tribunal deve devolver o feito ao juízo a quo, para que julgue
o pedido subsidiário formulado, ou se deve passar ele mesmo diretamente ao seu
julgamento? Em princípio, entendemos, deve devolver o feito ao juízo a quo, para
que não haja supressão de instância. Mas, se a matéria controvertida for exclusiva­
mente de direito ou, sendo de fato e de direito, não houver mais provas a produzir
relativamente ao pedido “subsidiário” e, ademais, o contraditório acerca de tal pedido
tiver sido devidamente instaurado e exercido pelas partes, deve o Tribunal julgá-lo,
aplicando por analogia a regra do art. 515, §3º, do CPC.
É verdade que no caso imaginado não se tem sentença terminativa, como
na situação prevista no §3º do art. 515. Mas, substancialmente, as situações não são
diversas: em ambos os casos, haverá pedido(s) não apreciado(s) pelo juízo a quo —
variará apenas a causa para a ausência de tal apreciação. E em ambos os casos trata-
se de saber se pode o Tribunal, afastando a causa que havia impedido o juízo a quo
de apreciar determinado pedido, julgá-lo imediatamente. Não vemos razão para
dizer que apenas na hipótese em que o processo de origem tenha sido extinto sem
julgamento do mérito tal seria possível. As mesmas razões que determinam o “salto
de grau” em um caso justificam-no em relação ao outro.
Exemplo 03 (pedido principal e pedido referente a verbas de sucumbência): e
se se tratar de pedido principal e de pedido (“implícito” ou não) de condenação ao
pagamento de honorários advocatícios e despesas processuais?
Se o réu, ao apelar contra a sentença que julgou procedente o pedido prin­
cipal, nada disser sobre o capítulo que o condenou ao pagamento das verbas de
sucumbência, esta condenação terá de ser invertida em caso de provimento do recurso.
O capítulo referente às verbas fica, portanto, abrangido pela devolução operada
pela apelação — mas, também aqui, de forma limitada. Ou seja, o vínculo existente
entre o capítulo impugnado e o não impugnado determina, pela sua intensidade
e por razões lógico-jurídicas, a devolução de ambos ao Tribunal — mas aquele não
expressamente impugnado, de forma limitada, em respeito ao princípio da adstrição.
E se o pedido principal foi acolhido, mas o de condenação do réu ao pagamento
dos honorários e custas não: o recurso do réu devolve ao Tribunal o capítulo referente
às verbas de sucumbência? Não. O Tribunal, mantendo o capítulo impugnado, refe­
rente ao pedido dominante, não poderia condenar o réu-apelante no pagamento
das verbas de sucumbência que o juízo a quo deixou de imputar-lhe, sob pena

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 89
de reformatio in pejus. Se o Tribunal acolhesse o recurso, eventual equívoco que
pudesse haver na negativa de condenação do réu nas verbas de sucumbência
ficaria “sanado”.

c) Apelação contra o capítulo no qual se reconhece a prescrição ou decadência pelo


juízo de primeiro grau
Imagine-se, agora, que o juízo a quo reconhece a ocorrência de prescrição ou
decadência do direito ou pretensão, extinguindo o processo “com julgamento do
mérito” contra o autor (art. 269, inciso IV, do CPC). O Tribunal pode dar provimento
à apelação do autor contra o capítulo sobre a prescrição ou decadência, para em
seguida prosseguir diretamente no julgamento do pedido formulado na petição
inicial da ação de origem?
Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha afirmam que o Tribunal
pode e deve, ao afastar a ocorrência da prescrição ou decadência, passar direta­
mente ao julgamento do pedido formulado. “É que, nesse caso, a sentença apreciou
o mérito, exatamente porque o reconhecimento da prescrição ou da decadência
importa extinção do processo com resolução do mérito (art. 269, IV, CPC). Não haveria,
então, supressão de uma instância jurisdicional nem violação ao princípio do duplo
grau de jurisdição.”82
Bedaque, sem discordar de tal entendimento, complementa-o dizendo que
prosseguir no julgamento do pedido será possível apenas se não houver a necessi­dade
de produção de provas a seu respeito e o contraditório houver sido plenamente exer­
cido. Nos seus termos: “Existe, é verdade, o problema da prescrição e da decadência,
que constituem defesas de mérito. Eventual apelação contra sentença que as acolher
nem sempre proporcionará a devolução das demais questões deduzidas pelo réu, se
em relação a elas for necessário o desenvolvimento de atividade probatória ainda
não realizada. Nesses casos, afastada a decadência ou a prescrição, outra alterna­tiva
não há, senão o retorno dos autos à origem, para que todo o conteúdo de mérito seja
suficientemente debatido.”83
Também Barbosa Moreira, tratando do assunto, leciona que se a prescrição
ou a decadência houver sido declarada em momento processual no qual o juízo a
quo não se via em condições de resolver nenhuma outra questão de mérito, além
da concernente à decadência ou à prescrição, então o Tribunal não poderá, ao afastar
a ocorrência de decadência ou prescrição, prosseguir no julgamento do pedido. Terá
de devolver o feito ao juízo a quo, para que tenha a sua marcha normal e possam

82
DIDIER; CUNHA, op. cit., p. 108.
83
BEDAQUE. Os elementos..., p. 45.

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90 Felipe Scripes Wladeck

ser examinados oportunamente todos os pontos e questões de mérito necessários


ao julgamento da causa.84 Já se a causa estiver “madura”, i.e., se o contraditório tiver
sido devidamente exercido e não houver provas a produzir em primeiro grau, julga-se
o pedido. Diversa não é a posição de Theodoro Júnior,85 Menezes Marcato,86 Bonício87
e Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery.88
Parece, portanto, não haver dúvidas acerca da possibilidade de o Tribunal
prosseguir no julgamento direto do pedido quando a apelação voltar-se contra o
capítulo no qual se reconhece a ocorrência de prescrição ou decadência. Tal possi­
bilidade apenas não se porá quando, afastada a ocorrência de prescrição ou deca­
dência pelo Tribunal, ainda não houver se desenvolvido o devido contraditório
e/ou ainda houver a necessidade de produção de provas para, examinadas as demais
questões de mérito, prosseguir no julgamento do pedido.
A ausência do contraditório apenas não será obstáculo ao prosseguimento
do julgamento do pedido se o Tribunal se vir em condições de decidir favoravel­mente
à parte a quem não houver sido dado exercer aquele direito fundamental. Solução
que se fundamenta no princípio da instrumentalidade das formas e na regra do
art. 249, §2º, do CPC.

4.3.3 Capítulos heterogêneos (capítulos de mérito e capítulos


processuais) e apelação parcial
Como vimos anteriormente, os capítulos processuais são condicionantes
ou subordinantes dos capítulos de mérito. Estes últimos, para que possam existir,
dependem de decisão, nos capítulos processuais, que reconheça o direito do autor
a um julgamento de mérito. Cabe verificar, agora, quando o recurso contra um capí­
tulo de mérito devolve ao Tribunal o conhecimento a respeito de um capítulo pro­
cessual — e vice-versa.
Ver-se-á que, apesar de condicionante da existência do capítulo de mérito, o
capítulo processual poderá ser abrangido, com as questões de ordem pública que
lhe digam respeito, por apelação interposta apenas contra aquele. Ou seja, a ape­
lação contra o capítulo dependente (de mérito) pode devolver o capítulo domi­
nante (processual) ao Tribunal. Regras legais expressas autorizam essa solução.

84
BARBOSA MOREIRA. Comentários..., p. 444.
85
THEODORO JÚNIOR, op. cit., p. 600-601.
86
MENEZES MARCATO, op. cit., p. 75-76.
87
BONÍCIO. Capítulos..., p. 145.
88
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado. 10. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 517.

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 91
Há regra legal expressa autorizando também que o Tribunal julgue pedido
(mediato) não apreciado pelo juízo a quo quando este houver proferido sentença
meramente extintiva e o demandante interpuser apelação.

a) Apelação do autor contra sentença terminativa


Na hipótese imaginada, não houve decisão sobre o pedido formulado. Logo,
não existe capítulo sobre o mérito — exceto (em regra) aquele referente aos hono­
rários. Portanto, rigorosamente, nesse caso não se trata de saber se a apelação contra
capítulo processual (no qual se reconhece a ausência de requisito de admissibilidade
do julgamento do mérito) devolve ou não o capítulo de mérito (i.e., referente ao
pedido mediato) ao Tribunal. Aliás, a menos que a apelação não se volte também
contra eventual capítulo sobre as verbas de sucumbência, a apelação nem mesmo será
“parcial”, mas integral.
A localização desta questão no presente ponto do trabalho se deve ao fato
de que o capítulo processual consistiu em impedimento a que se chegasse ao capí­
tulo de mérito. E a pergunta que se põe é: ao recorrer contra o capítulo processual,
a devolução operada pelo recurso ficará restrita a ele ou se estenderá ao pedido (e
questões a ele relacionadas) não apreciado?
Se o juízo a quo profere sentença terminativa, a apelação do autor permitirá
ao Tribunal julgar o mérito da causa, i.e., o pedido formulado, apenas se presentes
os requisitos do §3º do art. 515 do CPC. Vale dizer: (i) é preciso que se trate de causa
envolvendo matéria exclusivamente de direito (i.e., que não haja controvérsia sobre
fatos) ou, se envolver também matéria de fato, que todas as provas necessárias para
o julgamento já tenham sido efetivamente produzidas (na verdade, o dispositivo
fala apenas em causa envolvendo matéria de direito, mas a doutrina majoritária
interpreta-o amplamente, no sentido do texto);89 e (ii) é fundamental, ainda, que o
réu esteja integrado ao contraditório. O Tribunal, em princípio, estará impedido de
julgar o mérito se o réu ainda não tiver integrado o processo e tido a oportunidade
de defender-se plenamente das alegações do autor.
Presentes essas condições, a causa estará “madura para o julgamento”: o
Tribunal poderá então, ao julgar a apelação contra a sentença terminativa, passar
ao exame do mérito da causa, julgando procedente ou improcedente o pedido
formulado na petição inicial.
Mas há quem oponha ressalvas ou discorde desse entendimento. Aprigliano,
por exemplo, reputa que, para que se possa aplicar o dispositivo em comento, além

89
Por exemplo: DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 4. ed. São Paulo: Malheiros,
2003. p. 154-157; LUCON. Recurso especial..., p. 730; MIRANDA, op. cit., p. 1763; MENEZES MARCATO,
op. cit., p. 80.

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92 Felipe Scripes Wladeck

do requerimento do recorrente (como se vê a seguir), é preciso que a causa envolva


matéria de direito. Se envolver matéria de fato (i.e., se houver controvérsia sobre
fatos), todas as provas necessárias ao julgamento do mérito já deverão ter sido
produzidas. Mas, neste último caso, fundamental que as provas produzidas (sufi­cientes
para permitir a solução da causa) sejam todas documentais. Não sendo documentais, a
devolução do feito ao juízo a quo será fundamental, pois, na medida em que perante
ele é que tais provas terão sido produzidas, terá melhores condições de avaliá-las
e julgar o pedido. Ou seja, Aprigliano dá grande importância ao princípio da iden­­
tidade física do juiz.90
Esse argumento é muito interessante. Mas não se costuma ver nele um óbice
a que se aplique o art. 515, §3º. A observância do princípio da identidade física do
juiz não preocupa a maior parte da doutrina — talvez pela descrença, mesmo,
que haja na possibilidade de observar tal princípio na prática; talvez por mera
desatenção em relação a ele; talvez, ainda, por se entender que, já que mais cedo
ou mais tarde a causa deve chegar ao Tribunal e este terá de decidi-la, melhor que o
faça desde logo, poupando tempo das partes e do próprio Judiciário...
Por outro lado, há quem entenda que, existindo controvérsia sobre fatos,
não será possível aplicar o art. 515, §3º — ainda que todas as provas necessárias ao
julgamento do feito já tenham sido produzidas. Isso porque, “havendo de acertar-se
questão de fato (isto é, havendo provas a analisar)”, não se terá questão estritamente
de direito. É o que sustenta Theodoro Júnior, que refuta, portanto, a interpretação
ampliativa do dispositivo em comento.91

***

Diverge a doutrina, ainda, sobre a necessidade de o apelante requerer a


aplicação do §3º do art. 515, para que possa o Tribunal passar ao julgamento do
mérito da causa. Entendendo que o pedido é de todo dispensável, Barbosa Moreira,92
Lucon,93 Bedaque94 e Menezes Marcato.95 Para esses autores, a lei seria clara no sen­tido
de que o juiz tem o poder de, ex officio, aplicar o §3º do art. 515, em prol da celeri­dade
em nome da qual tal dispositivo teria sido estipulado.

90
APRIGLIANO, op. cit., p. 171.
91
THEODORO JÚNIOR, op. cit., p. 597-598.
92
BARBOSA MOREIRA. Comentários..., p. 431, nota 48.
93
LUCON. Recurso especial..., p. 730. O autor diz ser “vedada” a remessa dos autos ao juízo a quo
quando a causa estiver madura para julgamento do mérito, não havendo (novas) provas a
produzir.
94
BEDAQUE. Apelação..., p. 120.
95
MENEZES MARCATO, op. cit., p. 82-83.

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 93
Em sentido contrário, Aprigliano,96 Theodoro Júnior,97 Kozikoski98 e Didier e
Cunha.99 Para esses autores o Tribunal não poderia passar ao julgamento do mérito
sem o pedido expresso do recorrente, sob pena de “pegar as partes de surpresa” e,
assim, gerar ofensa ao contraditório: não esperando o julgamento do mérito, as
partes sequer terão se preocupado em expor ao Tribunal suas razões a ele relacio­
nadas, de modo que poderão ser severamente prejudicadas. Aprigliano destaca,
ainda, que a exceção consignada no §3º do art. 515 não pode ser interpretada de
forma incompatível com a regra geral do caput do art. 515, que prevê o princípio da
adstrição ou congruência: se este dispositivo estabelece que o Tribunal apenas pode
decidir nos limites dos pedidos do recorrente, então, se o recorrente não pedir a
aplicação do art. 515, §3º, do CPC, este não poderá ser de forma alguma aplicado.100
Dinamarco adota um entendimento que seria supostamente “intermediário”.
O autor afirma que, em princípio, o requerimento do recorrente é necessário, para
evitar surpresas indesejadas. Reconhece, porém, a possibilidade de o Tribunal em
casos que seriam excepcionais — naqueles em que o procedimento em primeiro
grau tiver sido extinto em fase bem avançada, em momento em que já caberia a
decisão de mérito — passar ao seu julgamento independentemente de pedido
do recorrente.101
Mas, rigorosamente, tal posição não nos parece divergir daquela preconizada
por Barbosa Moreira, acima referida. Isso porque as hipóteses “excepcionais” a que
se refere Dinamarco — nas quais o requerimento do recorrente seria dispensável
— nada mais são do que as específicas e únicas hipóteses em que cabe a aplicação
do §3º do art. 515. Com efeito, tal dispositivo apenas pode ser aplicado se a causa
estiver madura para julgamento, ou seja, se o contraditório houver sido realizado e a
causa for estritamente de direito ou, se de direito e de fato, não houver mais provas
a produzir. Se para Dinamarco, presentes essas condições, o requerimento do recor­
rente é dispensável para que se aplique aquele dispositivo, então sempre que for o
caso de aplicar o §3º do art. 515 tal requerimento será dispensável. Por outro lado, se
o autor-apelante pedir a aplicação do §3º do art. 515, o Tribunal não poderá fazê-lo
se não presentes todas as condições referidas no dispositivo.102
Com tal observação não pretendemos negar o acerto da conclusão final de
Dinamarco. Pelo contrário. Entendemos que, se estiverem presentes nos autos todos

96
APRIGLIANO, op. cit., p. 163 et seq.
97
THEODORO JÚNIOR, op. cit., p. 598-599.
98
KOZIKOSKI, op. cit., p. 176.
99
DIDIER; CUNHA, op. cit., p. 109.
100
APRIGLIANO, op. cit., p. 162.
101
DINAMARCO. A reforma..., p. 159-160.
102
MENEZES MARCATO, op. cit., p. 83.

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94 Felipe Scripes Wladeck

os elementos necessários ao julgamento do feito (réu integrado ao contraditório


e provas necessárias ao julgamento produzidas ou matéria estritamente de direito),
não se poderá falar em ofensa ao contraditório. Este já terá sido exercido suficien­
temente em primeiro grau. E todos os elementos resultantes de tal exercício estarão
nos autos, podendo ser conhecidos e apreciados pelo Tribunal. E, de mais a mais,
não há de se falar em “surpresa” das partes na hipótese de aplicação do art. 515, §3º.
Pois este dispositivo claramente não condiciona sua aplicação ao requerimento do
recorrente. Sendo assim, as partes devem sempre estar preparadas à sua possível
aplicação ex officio. Por força do princípio da eventualidade, devem sempre expor
suas razões relativas ao mérito — se for o caso, ressalvando motivadamente enten­
derem não ser o caso de aplicar o §3º do art. 515, que sua aplicação poderá gerar
a nulidade do decidido etc. Esse não será o primeiro nem único caso em que as partes
terão de observar o princípio da eventualidade no nosso ordenamento...

***

E se, aplicando o art. 515, §3º, do CPC, o Tribunal julga o mérito da causa
contra o autor-apelante: nesse caso ocorre reformatio in pejus? Alguns autores dizem
que sim. Ter-se-ia, na hipótese, uma exceção legítima ao princípio da proibição da
reformatio in pejus, ou melhor, uma reformatio in pejus legítima. É o que afirma, por
exemplo, Bedaque.103 A legitimidade da reformatio in pejus decorrente da aplicação
daquele dispositivo dever-se-ia ao fato de estar ela prevista expressamente no
ordenamento, o que permitiria ao autor saber de antemão da possibilidade de o
Tribunal, ao julgar a apelação, decidir o mérito em seu desfavor (inclusive, sabendo
de tal possibilidade, poderia o autor ter optado por lançar mão de nova ação no lugar
da anterior, extinta sem julgamento do mérito).
Para aqueles autores que entendem que a aplicação do §3º do art. 515
depende de requerimento expresso do recorrente, haveria reformatio in pejus ilegí­
tima (e, tecnicamente, a verdadeira reformatio in pejus seria apenas aquela ilegítima,
inadmissível, não prevista no ordenamento) sempre que, não havendo tal requeri­
mento, a sentença fosse reformada para julgar improcedente o pedido formulado na
inicial. É o posicionamento de Aprigliano104 (no caso em que o mérito fosse julgado
contra o réu, não haveria de se falar em reformatio in pejus; mas a nulidade, nesse caso,
também existiria, por ofensa ao contraditório e ampla defesa).
Por fim, há quem negue haver reformatio in pejus (ou, mesmo, uma exceção
legítima à sua proibição) na situação imaginada. Dinamarco entende que, na

BEDAQUE. Apelação..., p. 116.


103

APRIGLIANO, op. cit., p. 163-170.


104

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 95
medida em que a possibilidade de o Tribunal passar ao julgamento do mérito está
prevista em lei, não pode ser causa de “surpresa” para as partes. O autor, ao recorrer,
teria a consciência do risco que haveria de vir a obter um resultado pior do já obtido.
Destaca, ainda, que o julgamento que o Tribunal faz, aplicando o dispositivo em
comento, seria o mesmo que realizaria caso, após a devolução do feito ao juízo a quo,
recebesse-o de volta, agora para julgamento do mérito. Ao final, o autor arremata: “
E pergunta-se: tecnicamente pode-se caracterizar como reformatio in pejus o julga­
mento do mérito pelo tribunal, quando o mérito não fora julgado pelo juiz inferior?
Não há como comparar a decisão de meritis do tribunal com uma decisão de meritis
que não existia no processo. A piora substancial que ao autor se impuser é, como
dito, inerência do sistema e, por não constituir surpresa alguma, não colide com as
garantias que dão corpo ao direito processual constitucional. Mais uma pergunta
bastante pragmática: e se o tribunal, ao reformar a sentença terminativa, julgar o
mérito a favor do autor-apelante?”105 É o que também entende Menezes Marcato.106
Em que pesem as palavras de Dinamarco, concordamos com Bedaque, para
quem se tem sim, na hipótese imaginada, verdadeira reformatio in pejus legitimada
pelo sistema. Tem-se reformatio in pejus, pois a decisão de improcedência é, do
ponto de vista prático, mais desfavorável ao autor do que a meramente terminativa
(afinal, faz coisa julgada material); mas uma reformatio in pejus legitimada pelo sis­tema,
pois nele prevista para situações específicas, sem prejuízo das garantias fundamen­
tais do processo (o julgamento só é cabível quando a causa estiver madura etc.).
Sobre a possibilidade de haver reformatio in pejus legítima em nosso ordenamento,
vide, ainda, o exposto no item 3.4.3, acima.

***

Importante, ainda, destacar o seguinte: conforme exposto no item 2.3.2.1,


in fine, para cada pedido cumulado existe um capítulo processual. Sendo assim, se
a sentença acolher preliminares em relação a todos pedidos formulados, o autor,
pretendendo submetê-los integralmente ao Tribunal com base na regra do art. 515,
§3º, do CPC, deve impugnar os respectivos capítulos processuais.
Com efeito, se o autor apela apenas do capítulo em que se acolheu prelimi­nar
referente a um dos pedidos cumulados, omitindo-se quanto ao(s) demais capítulo(s)
processual(ais), estes transitarão em julgado formalmente — e, portanto, o julgamento
neles contido não poderá ser reformado pelo Tribunal, nem os pedidos cujo exame tais
capítulos processuais obstaram poderão ser julgados com base no §3º do art. 515.107

105
DINAMARCO. A reforma..., p. 162.
106
MENEZES MARCATO, op. cit., p. 86-87.
107
Como expusemos na nota 26, Sica entende que, com a edição da Lei nº 11.232, por “sentença
terminativa” deve-se compreender o ato que apresenta como conteúdo uma das situações do

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96 Felipe Scripes Wladeck

b) Apelação do autor contra sentença de improcedência


Imagine-se que, em sua contestação, o réu alega a falta de uma determinada
condição da ação e pede a extinção do processo sem julgamento do mérito. O juiz,
na sentença, afasta esta preliminar (tem-se, aí, o capítulo processual, afirmando o
direito do autor ao julgamento de mérito) e julga o único pedido formulado contra­
riamente ao autor (capítulo de mérito). A apelação do autor contra o capítulo de
mérito permite ao Tribunal reexaminar o decidido no capítulo processual?
A resposta é positiva. Por força do efeito devolutivo,108 o Tribunal pode e
deve — por expressa previsão legal — conhecer de questões processuais de ordem

art. 267 do CPC, ponha ou não ele fim ao procedimento em primeiro grau. Disso decorreria
importante consequência sobre o sistema de preclusões. As questões de ordem pública, como se
sabe, não estão sujeitas a preclusão. O entendimento predominante é o de que a decisão tomada
a seu respeito no curso do processo pode ser revista a qualquer tempo e em qualquer grau de
jurisdição, inclusive de ofício. Por exemplo: se o juiz acolhe a preliminar de ilegitimidade passiva
de um dos litisconsortes no início do processo, nada impede que venha a decidir diferentemente
mais para frente, caso se convença da legitimidade, reinserindo o litisconsorte no processo. Mas,
segundo Sica, essa solução, a partir da edição da Lei nº 11.232, já não seria mais possível. Isso
porque, doravante, ter-se-ia, na hipótese, sentença. E, assim, decisão que, caso não recorrida, fica
acobertada por coisa julgada formal — e, por conseguinte, não mais passível de ser revista no
curso do processo (SICA, op. cit., p. 198). Embora não concordemos, conforme expusemos na nota
26, com o conceito de sentença defendido por Sica, reputamos correta a conclusão do autor no
sentido de que a parte da sentença que acolhe preliminar, se não impugnada, transita em julgado
formalmente, não podendo ser revista pelo Tribunal — e isso nem mesmo se houver apelação
contra capítulo referente a outro pedido, no qual se tenha acolhido preliminar a ele referente ou
julgado o próprio mérito.
108
Alguns preferem dizer que, nesse caso, o que se tem é o “efeito translativo” da apelação, não efeito
devolutivo. Diz-se que o efeito translativo implica a transferência ao Tribunal de questões de
ordem pública pertinentes a capítulo processual que, embora não impugnado, tem relação de
impedimento com o capítulo de mérito devolvido pelo recurso. Faz-se a seguinte diferenciação:

a) Quando o apelante impugna o capítulo processual, as questões processuais (as que não são
de ordem pública mas não estão preclusas e, também, aquelas que são de ordem pública — não
sujeitas a preclusão) são transferidas ao Tribunal por conta do efeito devolutivo em sua dimensão
vertical, não por conta do efeito translativo.

b) Já quando o capítulo processual não é impugnado, as questões processuais de ordem pública,
por sua relevância para o sistema (e, por isso, não são passíveis de preclusão) e na medida em que
sejam prejudiciais ou condicionantes do capítulo de mérito devolvido pela apelação, podem e
devem ser conhecidas pelo Tribunal. São a ele transferidas por conta do efeito translativo, previsto
em lei.

Porém, não nos parece necessária essa diferenciação. Basta compreender que o efeito devolutivo,
além de transferir ao Tribunal os capítulos expressamente impugnados e aqueles que lhe sejam
(nos termos anteriormente expostos neste trabalho) “dependentes”, transfere-lhe também (por
força de lei) as questões processuais de ordem pública (e, assim, o capítulo processual que nelas
se funda) cuja decisão tenha o condão de afetar os capítulos de mérito abrangidos pelo recurso.

Trata-se, de certa forma, de exceção ao princípio segundo o qual a impugnação ao capítulo
condicionado não devolve ao Tribunal o capítulo condicionante — afinal, o capítulo processual
condiciona a existência do capítulo de mérito... Mas é uma exceção prevista em lei: a lei autoriza
que determinadas questões, por sua relevância para o sistema e a ordem pública, sejam
conhecidas e decididas a qualquer tempo e grau de jurisdição, independentemente de pedido

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 97
pública decididas ou não pelo juízo a quo, quando essas questões tiverem relação
(relação que é de impedimento) com o capítulo de mérito da sentença que houver
sido impugnado por recurso de uma das partes (arts. 267, §3º, 245, parágrafo único,
e 516 do CPC).
No exemplo dado, a questão processual de ordem pública (a preliminar) foi
expressamente examinada pelo juízo a quo. E desse exame resultou um capítulo no
qual se decidiu que o autor tinha direito de obter um julgamento de mérito. Esse
capítulo será transferido (juntamente com ele, as questões processuais de ordem
pública) ao Tribunal por conta da apelação do autor contra o capítulo de mérito
que lhe foi desfavorável. O efeito devolutivo impõe tal transferência.
Digamos que, solucionando a questão processual de ordem pública, o Tri­
bunal conclua por extinguir o processo sem julgamento do mérito. Nessa hipótese,
não caberá falar em reformatio in pejus. A decisão que decreta a carência da ação,
extinguindo o processo sem o julgamento do mérito, é menos gravosa para o autor,
do ponto de vista prático, do que a sentença de improcedência que havia sido
proferida em primeiro grau. Não faz coisa julgada material e, assim, não impede que
o autor proponha nova ação, após corrigir o vício verificado.109
Aqui, cabe um parênteses em relação ao exemplo dado: talvez, seguindo-se
a linha de Bedaque110 e demais adeptos da teoria assertista da ação, o Tribunal não
deva, detectando a falta da condição da ação, proferir sentença meramente termi­
nativa. Se a carência da ação não foi decretada in status assertionis, tendo-se avan­
çado no processo e julgado improcedente o próprio pedido formulado pelo autor,
manter a decisão de improcedência seria mais adequado e efetivo — repita-se, isso
à luz da teoria assertista da ação.
Retomando-se o raciocínio anterior: e se a sentença de primeiro grau continha
mais de um capítulo de mérito desfavorável ao autor, o que ocorre com aqueles
que não tenham sido impugnados pela apelação nem estejam abrangidos por seu
“efeito devolutivo externo”, caso o Tribunal verifique que a condição da ação faltante
consistia em impeditivo a que fossem julgados os pedidos a que se referem? Não
serão atingidos pela decretação de carência pelo Tribunal.

das partes. Entre essas questões estão, por exemplo, as condições da ação e outros requisitos de
admissibilidade do julgamento de mérito (por exemplo, competência absoluta).
109
DINAMARCO. Capítulos..., p. 110. Não se ignora a existência de entendimento no sentido de que
a sentença de carência é de mérito e faz coisa julgada material (por exemplo: COSTA, Susana
Henriques da. Condições da ação. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 148 et seq.). Mas mesmo para
aqueles que o acolhem, não fica impedida a repropositura da demanda se o fator que houver
determinado anteriormente a decretação de carência deixar de existir ou for corrigido.
110
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 388.

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98 Felipe Scripes Wladeck

Por exemplo: foram formulados dois pedidos independentes na inicial.


Ambos foram rejeitados. O autor só apela do capítulo que rejeita um deles. O Tribunal,
ao detectar a falta de “requisito de admissibilidade de julgamento do mérito” comum
a ambos os pedidos formulados, poderá-deverá alterar apenas o capítulo de mérito
recorrido. O não recorrido terá transitado em julgado materialmente — e, por isso,
não será afetado pela decisão do Tribunal. Nesse exato sentido, a doutrina majori­
tária: Bonício,111 Dinamarco,112 Bedaque113 e Theodoro Júnior,114 entre outros.
Isso se explica pelo seguinte — e é algo que já foi dito no presente trabalho:
para cada pedido formulado e apreciado existem dois capítulos, um no qual se
afirma o direito do autor ao julgamento do pedido (o capítulo processual) e outro
que contém o próprio julgamento do pedido (o capítulo de mérito). Aliás, os possíveis
óbices processuais que se põem em relação a um pedido não serão necessaria­
mente os mesmos que se porão em relação ao outro (pode ser, por exemplo, que o
autor careça de interesse de agir quanto a um pedido e, quanto ao outro, careça de
legitimidade). Sendo assim, quando o réu apela contra um dos capítulos de mérito,
deixando de atacar o outro favorável ao autor, o Tribunal, por conta da extensão
da devolução operada, apenas poderá conhecer de pontos e questões que se
relacionem ao capítulo impugnado, para reformá-lo ou cassá-lo — mesmo que se
trate de questões processuais de ordem pública, como as que, no exemplo dado
acima, foram decididas favoravelmente ao autor pelo juízo a quo. Os pontos e
questões (inclusive os de ordem pública) que tenham relação com o capítulo de
mérito não impugnado serão irrelevantes para o julgamento a ser realizado pelo
Tribunal. Jamais poderão ser decididas para se atingir o capítulo não impugnado.
O capítulo de mérito não impugnado apenas poderá ficar prejudicado em
razão da decisão do Tribunal sobre as questões (processuais de ordem pública e
aquelas que, não sendo de ordem pública, não tenham ficado preclusas) abarcadas
pela devolução operada se for dependente do capítulo de mérito impugnado. No
caso imaginado acima, o capítulo dependente ficaria diretamente atingido pela
decretação da carência (pertinente ao capítulo dominante) em grau recursal.115

111
BONÍCIO. Capítulos..., p. 171.
112
DINAMARCO. Capítulos..., p. 110.
113
BEDAQUE. Os elementos..., p. 48-49.
114
THEODORO JÚNIOR, op. cit., p. 594.
115
É o que escreve Bonício — para quem, porém, a questão em exame versa sobre o “efeito
translativo” dos recursos: “Portanto, o efeito translativo dos recursos (no que se refere às matérias
de ordem pública, reabrindo a possibilidade de análise destas), na verdade, encontra seus limites
na medida das impugnações realizadas no recurso, não podendo atingir capítulos que não foram
impugnados, salvo de houver capítulos dependentes destes (rectius: efeito devolutivo externo)”
(BONÍCIO. Capítulos..., p. 173-174).

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 99
Em suma, como já se disse anteriormente, o efeito devolutivo dos recursos no
plano vertical se põe nos limites do efeito devolutivo operado no plano horizontal. Isso
faz com que apenas as questões processuais de ordem pública relacionadas aos capí­
tulos de mérito devolvidos (seja por terem sido diretamente impugnados, seja em
razão do efeito devolutivo externo) sejam transferidas ao Tribunal e que apenas aqueles
capítulos possam ser atingidos pelo julgamento de segundo grau.

c) Apelação do réu apenas contra o capítulo da sentença de procedência no qual se afirma


o direito do autor ao julgamento do mérito
A situação, aqui, é a seguinte: a sentença afastou a preliminar (por exemplo,
de carência da ação) alegada pelo réu e demais possíveis óbices processuais ao
julgamento do mérito. Ato contínuo, julgou o pedido favoravelmente ao autor. O réu
pode apelar, se quiser, apenas do capítulo da sentença no qual se afirma o direito do
autor ao julgamento de mérito. Nesse caso, o provimento da apelação pelo Tribunal
atinge o capítulo de mérito, não impugnado?
A resposta é positiva. O capítulo de mérito só existe porque a preliminar e
os demais possíveis óbices processuais haviam sido afastados pela sentença de
primeiro grau. Trata-se de capítulo dependente do capítulo processual. Logo, se
este é reformado e o Tribunal decreta a carência da ação, então o capítulo de mérito
fica diretamente prejudicado.
Dinamarco considera que, nesse caso, a devolução operada pela apelação do
réu é apenas aparentemente parcial. Nos seus termos: “Se o tribunal dá provimento
ao apelo dirigido exclusivamente contra o capítulo que afirma o direito do autor
ao julgamento do mérito, o próprio julgamento de mérito, proferido na instância
inferior, fica atingido em cheio, não havendo como prevalecer. Nem haveria como
pensar em negar o direito ao julgamento do mérito, sem ao mesmo tempo retirar do
mundo jurídico aquele que fora indevidamente proferido pelo prolator da sentença
recorrida. Na verdade, esse recurso é só aparentemente parcial.”116
Note-se, porém, que se o Tribunal também rejeitar a preliminar, não poderá
passar ao exame do conteúdo do capítulo de mérito, não impugnado pelo réu.
Pois o efeito devolutivo externo é limitado... Isso talvez não permita concluir que a
apelação no exemplo dado seja “só aparentemente parcial”, como afirma Dinamarco.
O fato de o seu efeito devolutivo abranger capítulos não impugnados não a torna
um recurso integral. O recurso, para ser integral, deve permitir a ampla revisão de
todos os capítulos da sentença, em seu conteúdo — e, para tanto, deve impugná-los
todos. Isso não ocorre no caso imaginado. A apelação, no exemplo, é, enfim, parcial.

116
DINAMARCO. Capítulos..., p. 109.

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100 Felipe Scripes Wladeck

O que faz com que o seu julgamento possa, em tese, atingir o capítulo de mérito
não é nada mais do que o seu efeito devolutivo externo — que é limitado.
E se a carência de ação for reconhecida pelo Tribunal apenas em relação a
alguns dos pedidos cumulados acolhidos em primeiro grau? Nesse caso, somente
os respectivos capítulos na sentença é que poderão ficar prejudicados. Pode ser, por
exemplo, que o autor careça de legitimidade em relação a apenas um dos pedidos
formulados. O capítulo da sentença referente ao outro pedido, para o qual não havia
ilegitimidade, não poderá ser atingido pelo acolhimento da preliminar pelo Tribunal.
Por fim, note-se que, se o réu apela para alegar a carência apenas em relação
a um dos pedidos acolhidos em primeiro grau, apenas o capítulo referente a esse
pedido é que poderá ser atingido pela decisão que o Tribunal vier a proferir. Ainda
que existam impeditivos processuais de ordem pública em relação aos demais
pedidos formulados e julgados pelo juízo a quo, o Tribunal deles não poderá conhe­
cer para reformar ou cassar os capítulos não impugnados referentes a esses outros
pedidos. O trânsito em julgado material desses outros capítulos não terá sido impe­
dido pela apelação interposta, haja vista os limites da devolução por ela operada no
plano horizontal.

d) Apelação do réu contra o capítulo de mérito da sentença de procedência


A sentença afastou os possíveis óbices processuais ao julgamento de mérito
e julgou procedente o único pedido formulado pelo autor. Se o réu apelar apenas
contra o capítulo de mérito, poderá o Tribunal conhecer do capítulo referente às
preliminares?
Sim, como já se expôs, apesar de não impugnado no recurso interposto, o
capítulo processual (as questões processuais de ordem pública nele decididas) fica
sujeito a exame do Tribunal por conta do efeito devolutivo. A transferência ao Tribu­
nal operada pela apelação vai além dos capítulos impugnados, para incluir também
o decidido no capítulo processual.
Mas destaque-se: em casos de cúmulo de demandas, os capítulos de mérito
que não tenham sido impugnados pelo réu não poderão ser atingidos pela decisão
que o Tribunal tomar sobre os requisitos de admissibilidade do julgamento de
mérito. Para cada capítulo de mérito há um capítulo processual que condiciona a sua
existência. Os capítulos processuais transferidos ao Tribunal são apenas aqueles rela­
cionados aos (condicionantes dos) capítulos de mérito impugnados pela apelação.
Logo, ainda que possivelmente nulos, os capítulos de mérito não impugnados tran­
sitam em julgado materialmente — e, quando muito, poderão ser atacados por
futura ação rescisória.

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 101
Agora, se o capítulo de mérito não impugnado for dependente do impugnado,
ficará atingido pela cassação ou reforma deste. Por exemplo: o réu impugnou o capí­
tulo que acolheu o pedido de rescisão contratual, mas não o capítulo que acolheu
o pedido sucessivo de restituição da coisa objeto do contrato. Se o Tribunal reco­nhecer
a carência em relação à demanda principal ou dominante (cujo objeto é o pedido de
rescisão), o capítulo da sentença que lhe houver julgado o mérito ficará direta­mente
atingido — e, por conseguinte, porque deste dependente, o capítulo referente à
demanda dependente (cujo objeto é o pedido de restituição do bem) simplesmente
não poderá mais subsistir.

4.3.4 Apelação parcial e questões cognoscíveis de ofício não


apreciadas na origem
Acima, tratamos de casos em que o juízo a quo decidiu expressamente sobre
questões processuais de ordem pública e houve recurso de uma das partes ao
Tribunal. O capítulo em que afirmado o direito do autor ao julgamento do mérito é
transferido ao Tribunal ainda que não impugnado, sempre que o capítulo de mérito
estiver abrangido pelo efeito devolutivo do recurso. As questões de ordem pública
relacionadas a capítulos processuais condicionantes de capítulos de mérito não
abrangidos no âmbito de devolução do recurso não serão reexaminadas pelo Tribu­
nal, de modo que tais capítulos de mérito, ainda que sejam inválidos/irregulares,
não estarão sujeitos a cassação ou reforma.
Mas o que ocorre com os capítulos de mérito recorridos e os não recorridos se
o Tribunal, no julgamento do recurso interposto, depara-se com questões cognos­
cíveis de ofício não enfrentadas pelo juízo a quo e que têm o condão de afetar o
resultado do processo?
Antes de responder a essa pergunta, cabe destacar que nem mesmo as
questões cognoscíveis de ofício e a qualquer tempo dispensam contraditório prévio
para que possam ser decididas — incluindo as de ordem pública. A doutrina moderna
tem sustentado que, também antes de decidir sobre questão de ordem pública,
suscitada ou não pelas partes, o juiz deve ouvi-las, em prol do contraditório e da
ampla defesa. Vide, por todos, o que lecionam Bedaque117 e Aprigliano118 a esse
respeito.
Diante disso, admita-se que, nos casos imaginados nos itens seguintes, o
Tribunal ouve as partes a respeito da questão que conhece de ofício, antes de tomar
a sua decisão.

117
BEDAQUE. Os elementos..., p. 38-42
118
APRIGLIANO, op. cit., p. 194.

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102 Felipe Scripes Wladeck

a) Se a questão gera nulidade


O Tribunal constata, por exemplo, que a sentença de mérito foi proferida
por juízo absolutamente incompetente — diga-se, incompetente em relação a
todos os pedidos cumulados formulados. Os capítulos de mérito não recorridos —
ao contrário dos recorridos — não serão afetados, ainda que nulos, a menos que
sejam dependentes dos recorridos.119
Ou seja, os capítulos de mérito não impugnados e que não sejam depen­­dentes
dos impugnados estarão fora do âmbito da devolução operada no plano hori­zontal
pelo recurso e, por isso, farão coisa julgada material — permanecendo incólumes
a despeito de inquinados de nulidade. Quando muito, poderão ser impugnados
por ação rescisória.

b) Se a questão gera a inexistência ou ineficácia da sentença


E se a questão identificada de ofício pelo Tribunal for apta a gerar a inexis­
tência ou ineficácia jurídica de todos os capítulos da sentença (i.e., o vício se põe em
relação a todas as demandas cumuladas)? Por exemplo, o Tribunal, diante de apela­
ção interposta pelo réu contra sentença que julgou procedentes todos os pedidos
cumulados, constata que a sentença foi proferida por um sujeito que não é juiz.
Nesse caso, a sentença será integralmente afetada (com todos os seus capí­
tulos de mérito). Por se tratar de vício que impede a própria formação de coisa julgada
material, mesmo os capítulos não impugnados e que não sejam dependentes daqueles
impugnados pela apelação poderão-deverão ser declarados juridicamente inexistentes
pelo Tribunal.
Lembre-se que a inexistência e a ineficácia jurídica da sentença podem ser
declaradas a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição. Mas, ainda, podem
ser reconhecidas incidenter tantum, em qualquer sede. Logo, seria impensável negar
ao Tribunal a possibilidade de, detectando vício que gera a inexistência ou ineficácia
da sentença como um todo, declará-la em relação a todos os capítulos, inclusive os
não impugnados nem dependentes dos impugnados.
Aliás, essa mesma conclusão vale, outrossim, quando a sentença houver expres­
samente rejeitado a ocorrência de vício processual apto a gerar a sua inexistência
ou ineficácia jurídica integral. É o que se passa, por exemplo, quando é caso de litis­
consórcio passivo necessário unitário, mas a sentença de procedência expressamente
nega isso, impedindo que um dos sujeitos que deveria ser litisconsorte participe do
processo. Se apenas um dos capítulos de mérito é objeto da apelação, o Tribunal
poderá, ao conhecer do vício, declarar a inexistência/ineficácia120 da integralidade

Bonício vale-se desse mesmo exemplo (BONÍCIO. Novos perfis..., p. 110).


119

A ausência de litisconsorte, em caso de litisconsórcio passivo necessário unitário, gera a inexistência


120

de parte. A sentença não fará, portanto, coisa julgada para os litisconsortes citados nem para os

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 103
da sentença — inclusive para atingir capítulos de mérito não impugnados nem
dependentes dos impugnados. Não haverá, em relação a tais capítulos, coisa
julgada que obste essa solução.

c) Prescrição e decadência
A prescrição e a decadência podem, como se sabe, ser conhecidas ex officio
pelo juiz. Imagine-se que a prescrição ou a decadência é detectada pelo Tribunal
no momento de julgar a apelação interposta por uma das partes. Qual o destino
dos capítulos da sentença recorrida?

c.1) O autor apela da sentença terminativa


Primeira situação: o autor apela da sentença terminativa. Pode o Tribunal
reconhecer a prescrição ou decadência, extinguindo o processo “com julgamento
de mérito” contrariamente ao autor?
Antes de se responder, observe-se que não se tem, na hipótese, uma ape­
lação “parcial” — a menos que eventual capítulo sobre as verbas de sucumbência
não tenha sido impugnado. A localização do item nesse ponto do trabalho se
deve ao fato de que se refere ele a caso em que o Tribunal vai além daquilo que se
pediu no recurso, para proferir julgamento que o juízo a quo só não proferiu porque
acabou, antes, extinguindo o processo sem julgamento do mérito.
Dito isso, responde-se: sim, o Tribunal pode declarar a prescrição ou deca­
dência, ainda que sua ocorrência jamais tenha sido alegada pelo réu no processo. Não
faria sentido o Tribunal, reconhecendo a ocorrência da prescrição ou da decadência,
devolver o feito ao juízo a quo, para que este proferisse a decisão que mais tarde
viria a ser confirmada em grau recursal.121 Aliás, a situação não é diversa da prevista no
art. 515, §3º, do CPC: devidamente preservado o contraditório, afasta-se a sentença
extintiva e profere-se em seu lugar uma decisão de mérito.
Nesse caso, parece-nos claro, ocorre uma reformatio in pejus. A decisão que
declara a decadência ou a prescrição é considerada pelo CPC como “de mérito”,
fazendo coisa julgada material e, portanto, impedindo a repropositura da demanda
— enquanto que a sentença terminativa não impedia o autor de ajuizar novamente
a demanda, depois de eliminado o vício que obstava o julgamento do pedido.

não citados. Será juridicamente ineficaz em relação aos litisconsortes que participaram do
processo. E, em relação aos não citados, inexistirá sentença que os vincule como partes (i.e.,
não haverá sentença enquanto ato oriundo de processo do qual tenham eles participado como
partes). Assim é em virtude de a situação de direito material ser incindível, não havendo como
imaginar, em caso de sentença de procedência, dois resultados diferentes — um para o(s)
litisconsorte(s) citado(s), outro para o(s) não citado(s). Nesse sentido: TALAMINI, op. cit., p. 346.
121
APRIGLIANO, op. cit., p. 185.

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104 Felipe Scripes Wladeck

Mas se trata de uma reformatio in pejus legítima, porque admitida pelo


ordenamento. Conforme ensina Aprigliano, a reformatio in pejus resultante da apre­
ciação pelo Tribunal de questão que tenha ele conhecido de ofício é legítima, na
medida em que admitida pelo nosso ordenamento122 (no rigor da técnica, diz o autor,
nem se trataria verdadeira e própria reformatio in pejus, pois apenas a ilegítima “reforma
para pior” — i.e., a que piora a situação do recorrente de forma inesperada e carente
de respaldo legal — é que assim poderia ser chamada, sendo sempre proibida).123

c.2) O autor apela da sentença de improcedência (declarada por outra razão diversa da
prescrição ou decadência)
Segunda situação: o autor apela da sentença de improcedência, declarada
por outra razão diversa da prescrição ou decadência. Pode o Tribunal reconhecer a
prescrição ou decadência? Isso configura reformatio in pejus?
Pode. E não caberá falar, na hipótese, em reformatio in pejus. Substituir-se-á
um julgamento de mérito desfavorável ao autor por outro, a ele igualmente desfa­
vorável e que também é “de mérito”.124 A situação do autor-apelante, portanto, não
será agravada do ponto de vista prático, substancial.
Mas observe-se que, se houver na sentença capítulos favoráveis ao autor,
estes, a menos que tenham sido objeto de recurso do réu, não serão atingidos pelo
reconhecimento da prescrição ou decadência pelo Tribunal, por ocasião do julga­
mento da apelação. Terão transitado em julgado materialmente e, por conseguinte,
permanecerão hígidos. Por exemplo: o pedido de condenação na prestação especí­
fica foi rejeitado, mas o (subsidiário) de condenação no equivalente pecuniário
foi acolhido. O autor apela contra a rejeição do pedido principal. Se o Tribunal reco­
nhece a prescrição ou decadência, o capítulo referente ao pedido “subsidiário”,
na medida em que terá transitado em julgado, permanecerá intacto.

c.3) O réu apela da sentença de procedência


A última situação é a seguinte: o réu apela da sentença de procedência. Pode
o Tribunal, de ofício ou a pedido do réu, reconhecer a prescrição ou decadência?
Pode. Mas apenas serão atingidos por tal reconhecimento aqueles capítulos
de mérito que houverem sido impugnados pelo recurso de apelação e que, obvia­
mente, tenham decidido pleitos em relação aos quais tenha havido prescrição

122
Ibid., p. 187.
123
APRIGLIANO, op. cit., p. 141.
124
Aliás, constatando a ocorrência de prescrição ou decadência, o Tribunal nem sequer precisa se
ocupar de verificar se os fundamentos da sentença estão ou não corretos. Limitar-se-á a declarar
a prescrição ou decadência.

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 105
ou decadência (pois tais fenômenos podem muito bem se referir a apenas uma ou
algumas das pretensões deduzidas em juízo); ou, então, aqueles que, apesar de não
impugnados, guardarem, no caso concreto, um vínculo lógico-jurídico de dependên­
cia em relação aos capítulos impugnados e atingidos pela prescrição ou decadência.
Por exemplo, em primeiro grau foram formulados dois pedidos em cumulação
sucessiva eventual (pede-se “A” e, caso acolhido tal pedido, que se conceda ainda “B”).
Imagine-se que ambos os pedidos são acolhidos, mas que o réu, em sua apelação,
volta-se apenas contra o acolhimento de “A”, i.e., o pedido dominante. Reconhecendo,
por ocasião do julgamento da apelação, a decadência em relação ao pedido “A”,
o capítulo referente ao pedido “B”, apesar de não impugnado, será afetado, pois
dependente do julgamento sobre “A”.

4.3.5 A apelação contra sentença citra petita


Vejamos, agora, quais os limites do efeito devolutivo da apelação que se
volta contra uma sentença citra petita, que é aquela que decide aquém do pedido,
i.e., aquela na qual falta capítulo de mérito indispensável — referente a determinado
pedido da demanda.

a) Apelação do autor alegando apenas a ausência de apreciação de um pedido


independente ou dependente
Imagine-se que o autor formula dois pedidos independentes ou dois pedidos
entre os quais existe uma relação de dependência (por exemplo: pedidos em
cumulação sucessiva eventual). Imagine-se, ainda, que a sentença acolhe um pedido
independente ou o dominante, mas deixa de apreciar o outro pedido indepen­dente
ou o dependente. O autor apela alegando apenas tal omissão.
O reconhecimento da omissão, pelo Tribunal, não afeta o capítulo indepen­
dente existente (referente ao pedido independente apreciado) nem o capítulo refe­
rente ao pedido dominante (que foi julgado). Nenhum deles é devolvido ao juízo ad
quem. No caso, deve o Tribunal julgar o pedido em relação ao qual houve omissão,
mantendo intactos os capítulos não recorridos. Aplica-se, por analogia, o §3º do art.
515. Apenas se for necessário produzir provas para julgar o pedido olvidado é que
o Tribunal deverá devolver o feito ao juízo de origem.
Esse é o entendimento de Menezes Marcato125 e Dinamarco. Nos termos deste
último: “Diante disso, se o autor apelar com fundamento na omissão da sentença
quanto a um de seus pedidos o pior e mais equivocado que o tribunal poderia fazer
seria anular toda a sentença, estendendo aos capítulos válidos as consequências

125
MENEZES MARCATO, op. cit., p. 84-85.

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106 Felipe Scripes Wladeck

da falta de um capítulo indispensável. Se para a decisão referente a este for ainda


necessária alguma instrução, o único caminho correto consistirá em mandar o pro­
cesso de volta ao primeiro grau, sempre preservados os capítulos hígidos, para que
a instrução se complete e o julgamento se faça. Mas, se instrução alguma houver a
ser feita e portanto ‘a causa estiver em condições de imediato julgamento’, o próprio
tribunal julgará o pedido ainda não julgado, sem provocar o julgamento pelo juiz
inferior. Essa é uma projeção do §3º do art. 515 do Código de Processo Civil, o qual, sem
se preocupar com o dogma do duplo grau de jurisdição, cuida legitimamente de impelir
os tribunais a oferecer soluções mais rápidas e menos burocráticas”126 (grifo nosso).
Mas o entendimento de Dinamarco e Menezes Marcato, com o qual concor­
damos, encontra oposição na doutrina. Barbosa Moreira, por exemplo, reputa que,
diante da sentença citra petita, deve o Tribunal anulá-la e devolver o processo ao
juízo a quo, para que profira nova sentença. Nos seus termos: “A sentença proferida
citra petita padece de error in procedendo. Se não suprida a falha mediante embargos
de declaração, o caso é de anulação pelo tribunal, com devolução ao órgão a quo,
para novo pronunciamento. De modo nenhum se pode entender que o art. 515, §1º,
autorize o órgão ad quem, no julgamento da apelação, a ‘completar’ a sentença de
primeiro grau, acrescentando-lhe novo(s) capítulo(s).”127
Também Bonício defende não ser possível ao Tribunal julgar o pedido em
relação ao qual a sentença se omitiu. A seu ver, o capítulo omitido na sentença
não é abrangido pelo efeito devolutivo da apelação. Assim, estando fora do thema
decidendum, não poderia o Tribunal conhecê-lo e decidir a seu respeito. Bonício vai
além disso: afirma que, não tendo havido decisão a respeito do pedido, o autor não
terá sucumbido. E, na falta de sucumbência, faltaria interesse de recorrer ao autor.
Logo, o Tribunal não poderia se manifestar sobre uma decisão judicial que não
existiu, nem mesmo para determinar sua prolação na origem.128
Acreditamos que as razões expostas por Dinamarco no trecho acima transcrito
são suficientes para afastar as conclusões de Barbosa Moreira e Bonício. Especifica­
mente contra o entendimento deste último, pedimos licença para acrescentar que é
do interesse do autor ter todos os seus pedidos apreciados. Se um deles não é apre­
ciado, evidentemente que surge o interesse recursal do autor, para que o Tribunal
reconheça a omissão havida e determine o julgamento do pedido em primeiro grau
— isso se ele mesmo já não puder fazê-lo com base no art. 515, §3º. O simples fato
de não se formar coisa julgada em relação ao pedido olvidado não consiste em
impeditivo a que o autor insista na sua apreciação no âmbito do processo em curso.

126
DINAMARCO. Capítulos..., p. 91.
127
BARBOSA MOREIRA. Comentários..., p. 445.
128
BONÍCIO. Capítulos..., p. 184-185.

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 107
Entender que ele necessariamente teria de lançar mão de nova ação, para pleitear
aquilo que, por lapso, não lhe foi dado no processo em curso, seria ofensivo ao prin­
cípio do acesso à justiça e inexplicável à luz de regras como a do art. 535 do CPC,
segundo a qual pode a parte cobrar do órgão julgador que supra eventual omissão
cometida em relação a pleito oportunamente deduzido no processo.

b) Apelação do autor alegando a ausência de apreciação de um pedido dominante


E se o pedido não decidido pela sentença é o pedido dominante: interposta
apelação do autor para o fim de alegar tal omissão, qual o destino dos capítulos
não recorridos?

b.1) Caso de cumulação alternativa eventual


Por exemplo: o pedido de condenação do réu na prestação específica é
omi­tido na sentença, julgando-se apenas o pedido de condenação no equivalente
pecuniário. O autor pode apelar para alegar tal omissão. Afinal, o julgamento do
pedido subsidiário somente deveria ter ocorrido se o principal houvesse antes sido
apreciado e julgado improcedente.
Reconhecendo a omissão, o Tribunal, se presentes os requisitos necessários
a tanto, deve julgar o pedido principal. Acolhendo-o, o decidido sobre o pedido
subsidiário fica prejudicado (o respectivo capítulo, na hipótese, é atingido pelo
“efeito devolutivo externo”). Rejeitando-o, de duas uma: ou fica mantido o capítulo
sobre o pedido subsidiário (no caso de o autor dele não ter recorrido) ou ele é
reformado (se, desfavorável ao autor, tiver sido ele expressamente impugnado na
apelação interposta).
Se não estiverem presentes as condições ao julgamento do pedido reco­
nhecidamente olvidado pelo juízo a quo, deve o Tribunal devolver-lhe o feito, para
que sejam produzidas as provas necessárias etc. Dependendo do que o juízo a quo
vier a decidir sobre o pedido principal, o decidido sobre o pedido subsidiário será
ou não mantido.

b.2) Cumulação sucessiva eventual: o caso em que o pedido dependente foi acolhido
com base em fundamento não deduzido nem discutido nos autos
Pode ocorrer que o pedido de restituição da coisa objeto do contrato tenha
sido acolhido com base em fundamento não deduzido em juízo nem discutido nos
autos. Ou seja, o acolhimento do pedido de restituição não se deu em decorrência
do anterior acolhimento do pedido dominante, de rescisão contratual (olvidado pela
sentença); mas sim por força de fundamento não deduzido em juízo. Se isso tiver
acontecido, então não há dúvidas de que os limites objetivos da demanda terão
sido extrapolados.

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108 Felipe Scripes Wladeck

Em casos como esse, em que se decide com base em fundamento não


deduzido, diz a maior parte da doutrina que a decisão é nula. No exemplo dado, a
nulidade será do capítulo dependente. Nesse sentido, a seguinte lição de Dinamarco:
“Também ultraja o disposto no art. 128 do Código de Processo Civil a sentença que
trouxer como fundamento para decidir fatos não narrados pelo autor, ou seja, fatos
estranhos à causa petendi”. Se isso acontecer, “a sentença terá decidido fora dos
limites nos quais a demanda foi proposta (art. 128) e, nos capítulos fundados em fatos
não narrados, ela será nula.”129
Admitida a tese da nulidade do capítulo dependente, esta apenas poderá ser
decretada por força de apelação do réu. Jamais poderá o Tribunal, diante da apelação
do autor, em que este alega a omissão em relação ao pedido dominante, decretar
a nulidade do capítulo dependente — sob pena de extrapolar os limites da devo­
lução operada pelo recurso, ofendendo o princípio da adstrição, e além disso incidir
em reformatio in pejus. A apelação do autor só permitirá ao Tribunal conhecer da
alegação de omissão em relação ao pedido dominante — quando o Tribunal poderá
aplicar, se for o caso, o §3º do art. 515 (se o pedido dominante for rejeitado, o pedido
dependente, por ter sido acolhido com base em outro fundamento, diverso da causa
de pedir deduzida em juízo, não poderá ser afetado...).
Por outro lado, caso se entenda que o fato de se ter decidido com base em
fundamento diverso do alegado gera a inexistência jurídica130 ou ineficácia jurídica
da decisão por total falta de contraditório, então o vício poderá ser conhecido e
declarado ex officio pelo juiz. A apelação do autor para alegar a omissão em relação
ao pedido dominante, nesse passo, abrirá a oportunidade para que essa declaração
de inexistência ou ineficácia jurídica ocorra.
Temos, aliás, enorme simpatia pela tese da inexistência ou ineficácia jurídica
por falta total de contraditório ou de parte. Como se sabe, o terceiro em relação ao
processo não fica vinculado à coisa julgada nele formada.131 E isso se dá justa­mente
porque o terceiro não pôde participar do contraditório instaurado perante o juízo.
Se assim é, pode-se concluir que, também nos casos em que o juiz decide com base em
fatos que jamais foram submetidos ao debate das partes, o que se tem é a verdadeira

129
DINAMARCO. Capítulos..., p. 89.
130
Sobre a inexistência jurídica da sentença decorrente da falta de parte, vide: TALAMINI, op. cit.,
p. 337 et seq.
131
Cruz e Tucci entende que os terceiros beneficiados pela sentença ficam vinculados à coisa julgada
que a acoberta (CRUZ E TUCCI, José Rogério. Limites subjetivos da eficácia da sentença e da coisa
julgada civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 209). Talamini, por outro lado, pautando-se
nas lições de Liebman, entende que a coisa julgada não se estende, ao menos em princípio, a
terceiros. Os efeitos da sentença é que em regra se estendem a terceiros, eventualmente para
beneficiá-los juridicamente — nesse caso, retirando seu interesse para ajuizar ação voltada a
obter o mesmo resultado prático já obtido (TALAMINI, op. cit., p. 96 et seq.).

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 109
ineficácia /inexistência jurídica da sentença — em relação às próprias “partes” do
processo — por falta total de contraditório. A demanda decidida será diversa da pro­
posta (afinal, alterados os fundamentos ou causa de pedir, altera-se a demanda). A parte
prejudicada terá, nesse passo, interesse em alegar o vício. E poderá fazê-lo a qualquer
tempo e por qualquer meio. O Judiciário, de sua parte, poderá-deverá conhecê-lo de ofício.

b.3) Cumulação sucessiva eventual: o caso em que o pedido dependente foi acolhido
como consequência do acolhimento do pedido dominante — o qual, porém, está
“perdido” na fundamentação
Pode ocorrer, também, que na parte dispositiva da sentença esteja consig­
nado apenas o acolhimento do pedido de restituição da coisa objeto do contrato —
nada se dizendo sobre o acolhimento ou não do pedido de rescisão do contrato.
Mas se da leitura da fundamentação puder-se extrair o acolhimento do pedido
dominante (do que o acolhimento do pedido dependente terá sido decorrência
direta), então não haverá omissão alguma a ser suprida, mas quando muito apenas
um esclarecimento a ser feito. Ter-se-á, na hipótese, uma falsa omissão da sentença
em relação ao pedido dominante.
Nesse ponto, cumpre destacar a importância da boa técnica na interpre­
tação das sentenças. Nem sempre o julgador observará com exatidão a estrutura da
sentença definida no art. 458 do CPC. Eventualmente, por falha do julgador, a decisão
a respeito do pedido estará localizada fora da parte dispositiva da sentença. Isso,
porém, não permitirá afirmar que falta na sentença decisão sobre o pedido. A decisão
simplesmente não estará onde se esperava encontrá-la.
Confira-se, a esse respeito, a seguinte lição de Bonício: “É na parte dispositiva,
pois, que devemos buscar os capítulos de sentença, mas, convém advertir, nem
sempre encontramos decisões judiciais fiéis à sistematização estabelecida no art. 458
do Código de Processo Civil. Em algumas situações a parte dispositiva da sentença
encontra-se dispersa ao longo da motivação, ou então simplesmente antecede a
esta. Em situações assim, é bom lembrar que a análise da existência de capítulos da
sentença não leva em consideração nenhum critério ligado a localização da parte
dispositiva. Interessa, isso sim, o ‘conteúdo’ da decisão, ou seja, o momento em que
o juiz julga, efetivamente, o pedido formulado, considerando-o procedente ou
não. Por exemplo, no caso de pedidos alternativos, como o juiz deverá julgar proce­
dente apenas um deles, a rejeição do outro pedido, quer conste na motivação, quer
conste na parte dispositiva da sentença, constituirá sempre um capítulo de sentença”.132
Assim, caso o pedido dominante tenha sido apreciado, mas apenas não esteja
localizado na parte dispositiva da sentença, não haverá omissão a ser suprida pelo

132
BONÍCIO. Capítulos..., p. 17.

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110 Felipe Scripes Wladeck

Tribunal. Em caso de apelação do autor pedindo o suprimento da pretensão omissão,


deverá o Tribunal desprovê-la — sem deixar, porém, de esclarecer que o está fazendo
porque o que o autor-apelante pretende já lhe foi dado pela sentença.

b.4) Cumulação sucessiva eventual: o caso em que o pedido dependente foi rejeitado
em decorrência da omissão do pedido dominante (possibilidade de aplicar o art. 515, §3º)
E se houve, efetivamente, omissão quanto ao pedido dominante (rescisão
do contrato) e, em razão de tal omissão, o pedido dependente (devolução da coisa
objeto do contrato) foi rejeitado: se o autor apela para alegar tal omissão, como
deve o Tribunal proceder?
A situação dificilmente se verificará na prática. Mas não se pode destacar
por completo a possibilidade de o juiz rejeitar o pedido de devolução da coisa
precisamente por ter olvidado o pedido (dominante) de anulação do contrato que
tem a coisa como objeto (pedido este cujo acolhimento poderia resultar no acolhi­
mento do pedido de restituição da coisa). Ou seja, estamos falando de caso em que,
se tivesse notado e decidido o pedido dominante, o juiz possivelmente teria aco­lhido
o pedido dependente.
Diante dessa situação, reconhecendo a omissão, deve o Tribunal anular o
capítulo dependente (que estará prejudicado) e devolver o processo ao juízo a quo,
para que perante ele seja feita a instrução e, assim, os pedidos formulados possam
ser devidamente apreciados.
Se, porém, a matéria for estritamente de direito ou, sendo de direito e de
fato, todas as provas necessárias já houverem sido produzidas, o Tribunal poderá
julgar diretamente o pedido dominante e substituir, a pedido do autor-recorrente, a
decisão de primeiro grau sobre o pedido dependente por outra — adequada ao que
houver sido decidido sobre o pedido dominante.

c) Não cabe ao réu apelar para alegar que um dos pedidos do autor não foi apreciado
Evidentemente não cabe ao réu apelar para alegar omissão em relação a
pedido do autor.
Mas, voltando-se ao caso referido no item “b.2”, em que houve omissão em
relação ao pedido de rescisão contratual e o pedido de restituição da coisa objeto
do contrato foi acolhido com base em fundamento não deduzido: nesse caso,
pode o réu apelar para alegar a nulidade (ou, como sustentamos, a inexistência/
ineficácia jurídica) da decisão em relação ao capítulo dependente e pedir a extinção
do processo sem julgamento do mérito.
Com efeito, o Tribunal apenas poderá anular o (ou melhor, declarar a inexis­
tência/ineficácia do) capítulo impugnado e extinguir o processo sem julgamento

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 111
do mérito. Não lhe caberá, sem que o autor tenha apelado, passar ao julgamento de
mérito nem determinar a devolução do feito ao juízo a quo, para que haja decisão
sobre o pedido dominante (omitido) e novo julgamento sobre o pedido dependente
(anulado, ou melhor, declarado inexistente/ineficaz). Isso implicaria ofensa ao prin­
cípio da adstrição, i.e., extrapolaria os limites da devolução realizada (arts. 505 e 515
do CPC).

d) Apelação do autor ou réu contra o capítulo existente e sentença citra petita


Nos exemplos acima referidos, não consideramos a possibilidade de haver
também apelação do autor e/ou do réu sobre capítulo existente na sentença —
além de recurso sobre o vício de ausência de julgamento de pedido. Evidente­mente
que as soluções acima defendidas poderão se mostrar inadequadas, na hipótese
de haver recurso sobre capítulo(s) existente(s).
Não nos cabe, aqui, expor todo o leque de hipóteses que pode se abrir na
prática. Mas alguns exemplos permitem visualizar bem o que se está a dizer.
Imagine-se que um dos dois pedidos independentes formulados não é apre­
ciado e que o outro é rejeitado. Imagine-se, ainda, que o autor apela alegando a
omissão e pedindo, ademais, a reforma a respeito do que foi decidido. Reconhecida
a omissão pelo Tribunal e se revelando inaplicável ao caso a solução do art. 515, §3º,
do CPC, poder-se-ia pensar na adoção de uma das seguintes soluções: (i) a devolução
da causa ao juízo a quo para a integração da sentença deverá ter lugar apenas
depois de transitado em julgado o capítulo do acórdão da apelação concernente
ao pedido que fora julgado em primeiro grau; (ii) “bifurca-se” o procedimento, devol­
vendo de imediato parte sua ao juízo de origem (para a decisão do pedido antes
olvidado) e remetendo a outra parte a Tribunal Superior por força de eventual recurso
especial ou extraordinário do interessado; ou (iii) o Tribunal limita-se, num primeiro
momento, a determinar a integração da sentença pelo juízo a quo — deixando para
decidir o pedido de reforma do capítulo já existente na sentença para depois da
sua inte­gração, haja ou não nova apelação da parte sucumbente contra o capítulo
acrescido (exceto, claro, se o autor desistir expressamente da apelação que havia
antes interposto).
A segunda solução não teria cabimento pela simples ausência de previsão
legal e, não bastasse isso, também pelas dificuldades práticas que poderia gerar.
A primeira solução, embora não encontre óbice no ordenamento, retardaria ainda
mais a decisão de um dos pedidos, deixando-a possivelmente apenas para depois
do julgamento de eventual recursos especial e extraordinário — o que não se revela
razoável. Assim, parece-nos que a solução do item (iii) seria a mais adequada. É ver­
dade que a sua adoção retardaria a revisão do capítulo existente da sentença. Mas

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112 Felipe Scripes Wladeck

é menos grave retardar o “reexame” de um julgamento já ocorrido do que retardar


ainda mais um julgamento que já deveria ter acontecido. De resto, essa solução
encontra, de certa forma, respaldo na regra do §4º do art. 515 do CPC (devolve-se os
autos ao juízo a quo, sana-se o “defeito” e prossegue-se no julgamento da apelação...).
Um segundo exemplo: no caso de cumulação sucessiva eventual, se o pedido
dependente é olvidado e pedido dominante acolhido, é possível que o réu e o
autor apelem: o primeiro para obter a reforma do capítulo dominante; o segundo,
para obter o julgamento do pedido dependente. Caso seja provida a apelação do
réu, a apelação do autor restará “prejudicada”. O fato de ter havido a omissão sobre
o pedido dependente em primeiro grau se tornará irrelevante, diante da absoluta
impossibilidade de seu acolhimento.

4.4 A questão da apelação de apenas um dos litisconsortes


(efeito expansivo subjetivo)
Vejamos, no presente item, quais são os limites do efeito devolutivo da ape­
lação nos casos em que se verifica litisconsórcio.
O art. 509 do CPC diz que o recurso interposto por um dos litisconsortes a
todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses. Dá, portanto, a
impressão de que a regra geral seria a da extensão dos efeitos da interposição do
recurso a todos os litisconsortes. Mas a regra, na verdade, é justamente no sentido
contrário: em princípio, o recurso de um dos litisconsortes aproveita apenas àquele
que o tiver interposto. Apenas excepcionalmente o recurso interposto beneficiará
os litisconsortes que permaneceram inertes diante da sentença.

4.4.1 Nos casos de litisconsórcio facultativo ou necessário


unitário
A exceção se põe, de um modo geral, nos casos de litisconsórcio unitário,
i.e., naqueles casos em que, em razão da natureza da relação de direito material
trazida a juízo, deve-se decidir a causa de maneira uniforme para todas as partes. É
o que se passa, por exemplo, no caso de ação de anulação de casamento pro­posta
pelo Ministério Público (litisconsórcio passivo necessário unitário); ou no caso de
ação de anulação de ato assemblear de sociedade, em que mais de um sócio pode
figurar no polo ativo e a decisão a ser dada no caso deve ser a mesma para todos
eles (litisconsórcio ativo facultativo unitário).
Em tais casos, se apenas um dos litisconsortes recorrer, o recurso aproveitará
a todos os litisconsortes. Pois não poderia haver uma decisão para o recorrente
e outra, em sentido diverso, para os não recorrentes. Na verdade, nesses casos,
haverá um único capítulo de mérito para todos os litisconsortes. Por isso que, se um

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 113
dos litisconsortes recorrer deste capítulo, ele não transitará em julgado e o que o
Tribunal vier a decidir valerá e produzirá efeitos em relação a todos os litisconsortes.
Fala-se, na hipótese, em “efeito expansivo subjetivo” do recurso de apelação (ou na
expansão do efeito devolutivo em sua dimensão subjetiva, para abranger outros
sujeitos além daqueles que apelam ou em face dos quais se apela).133

4.4.2 Nos casos de litisconsórcio facultativo ou necessário não


unitário ou simples
Se o litisconsórcio não for unitário, mas simples, ou seja, se a natureza da
relação de direito material não determinar que a solução da causa seja a mesma para
todos os litisconsortes, então o recurso de um deles não aproveitará aos demais,
que não recorreram.
Nesse caso, haverá um capítulo de mérito (por pedido formulado) para
cada litisconsorte. Cada litisconsorte tem interesse e legitimidade próprios para
se voltar contra os capítulos que lhe houverem sido desfavoráveis. E o recurso de
cada litisconsorte não devolverá mais do que os capítulos por ele impugnados (e os
eventuais capítulos dependentes dos impugnados...). Eis que os capítulos referentes
aos demais litisconsortes, se não impugnados, transitarão em julgado e não serão
atingidos pelo que vier a ser decidido quando do julgamento do recurso interposto.
Isso pode fazer surgir situações contraditórias no bojo de um mesmo pro­­cesso
— nisso não havendo, porém, qualquer incompatibilidade com o sistema pro­cessual
ou com a ideia de coisa julgada.134 Por exemplo, reconhecida a ilegitimidade ativa
pelo Tribunal, quando do julgamento de apelação de um dos litisconsortes passivos,
apenas o capítulo referente a este litisconsorte será afetado. Os demais capítulos,
referentes aos litisconsortes que não recorreram, estarão acobertados pela coisa
julgada material e permanecerão hígidos.

4.5 É possível interpor uma apelação contra cada capítulo?


Havendo uma sentença com diversos capítulos, é possível interpor uma
apelação contra cada um deles? Quando se pensa, por exemplo, numa sentença
que tem dois capítulos, um favorável ao autor e um favorável ao réu, fica fácil
responder: sim, caberá mais de uma apelação. Autor e réu poderão apelar, cada um,
evidentemente, em recurso próprio.
Mas pode uma só parte interpor mais de uma apelação, uma contra cada
capítulo que lhe for desfavorável — por certo que sempre dentro do prazo legal,
mas em dias distintos?

133
BONÍCIO. Capítulos..., p. 139.
134
DINAMARCO. Capítulos..., p. 111, conforme conhecida lição de Liebman.

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114 Felipe Scripes Wladeck

4.5.1 O entendimento da jurisprudência


Prevalece na jurisprudência o entendimento de que, interposta a apelação
contra parte da decisão, não pode o recorrente aditar o recurso ou interpor outro
contra a parcela antes não recorrida, mesmo dentro do prazo recursal. Haveria, na
hipótese, preclusão consumativa (nesse sentido, por exemplo: STJ, RESP nº 261.020/
RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, Diário de Justiça de 08.04.2002, p. 172).

4.5.2 O entendimento da doutrina


Barbosa Moreira, por outro lado, entende que, desde que dentro do prazo
legal do recurso, nada impede que a parte interponha mais de um recurso contra
a sentença, um contra cada capítulo que lhe houver sido desfavorável. O fato de a
parte, em um primeiro recurso, não impugnar todos os capítulos desfavoráveis da
sentença não revela sua aquiescência em relação aos demais capítulos — de modo
que não se pode afirmar a ocorrência de preclusão consumativa a impedir a inter­
posição de outros recursos contra os demais capítulos dentro do prazo legal.135
Dinamarco não entende dessa mesma forma.136 Ensina que não se pode con­
fundir sentença com capítulos de sentença. Uma sentença pode conter (e em regra
conterá) mais de um julgamento, i.e., mais de uma decisão, cada uma compondo um
de seus capítulos. Mas esses capítulos não darão origem, cada um, a uma sentença.
Haverá uma só sentença, com mais de um capítulo. Sendo assim, contra o ato “sen­
tença” (e sentença é o nome de um ato formal, conforme exposto na nota 26) caberá
uma só apelação (que é o recurso cabível contra o ato “sentença”). A apelação poderá
voltar-se contra um ou mais capítulos da sentença.137 Mas, consistindo a sentença

135
“A impugnação sucessiva, dentro do prazo, de partes distintas da decisão não ofende a preclusão
consumativa, porque apenas quanto à(s) parte(s) originalmente impugnada(s) se exercera o
poder de recorrer; nem vulnera o princípio da unicidade, porque cada parte é havida, desse ponto
de vista, como uma decisão per se. Dir-se-á, e com razão, que ela é capaz de gerar complicações
procedimentais; maiores, entretanto, são as criadas pelo recurso adesivo, e nem por isso deixou o
Código de consagrá-lo” (BARBOSA MOREIRA. Comentários..., p. 355).
136
DINAMARCO. A reforma..., p. 146.
137
Os capítulos não devolvidos ao Tribunal, como já se expôs, transitam em julgado. Como não
serão substituídos em função do julgamento a ser realizado no Tribunal, a sentença de primeiro
grau continuará os encampando. Já os capítulos devolvidos serão (se conhecida a apelação)
substituídos a partir do julgamento do Tribunal (ou por ele cassados, para que sejam futuramente
substituídos por novo julgamento do juízo a quo). Sendo substituídos, uma nova sentença (ou
acórdão-sentença) os abarcará. Pode, portanto, haver, em um mesmo processo, mais de uma
sentença (ou acórdão-sentença) — e, assim, sentenças transitadas em julgado em momentos
diversos. Isso não contradiz o que se afirmou no texto, sobre a unidade formal da sentença. Cada
sentença é um ato — possivelmente, com mais de um capítulo. Mas pode haver (BARBOSA
MOREIRA. Sentença..., p. 92-94) mais de uma sentença no processo — afirmação esta que, por
sua vez, não conflita com a conclusão que expusemos na nota 26, sobre a impossibilidade de
haver, em nosso ordenamento, sentenças parciais; a nossa conclusão, naquela nota, foi a de que

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 115
em ato formalmente uno, o recurso contra ela deverá ser um só — claro que no caso
em que a sucumbência é recíproca cada parte poderá interpor um recurso contra
a sentença, para impugnar o(s) capítulo(s) que lhe houver(em) sido contrário(s).
Concordamos com Dinamarco, que é, como se viu anteriormente, endossado
pela jurisprudência majoritária. Interposta a apelação contra a sentença, não é pos­
sível interpor novos recursos, por motivo de preclusão consumativa.138 Seja como for,
ainda que se concorde com o entendimento de Barbosa Moreira, não parece
recomendável confiar em seu acolhimento pelos Tribunais. É sem dúvida mais seguro
interpor uma só apelação contra a sentença, de modo a não dar margem a possível
afirmação de preclusão consumativa pelo Judiciário.

4.6 A postura do juiz no ato de recebimento da apelação


No ato de recebimento da apelação, cabe ao juiz identificar os capítulos
da sentença abrangidos pelo recurso. Isso lhe dará condições de saber se o recurso
merece ou não recebimento e, ainda, quais os efeitos devem lhe ser atribuídos.
A apelação deverá ser recebida apenas no efeito devolutivo na parte em que
se voltar contra capítulo que se enquadre em um dos incisos do art. 520 do CPC.
Capítulos não impugnados, em princípio, transitarão em julgado. Apenas não transi­
tarão em julgado se abrangidos pelo efeito devolutivo externo da apelação. Nesse
caso, poderão ou não produzir efeitos de imediato, dependendo do efeito em que
a apelação tiver em relação a eles (quanto a isso, reportamo-nos, por motivo de
economia, ao que expusemos no item 3.2, acima).
A precisa identificação, pelo juízo a quo, dos capítulos abrangidos pela ape­
lação é importante, outrossim, para que se possa aplicar, quando for o caso, a
regra do §1º do art. 518 ou, então, para que o interessado possa iniciar a execução
(provisória ou definitiva) da sentença. Imagine-se, por exemplo, que a sentença
julgou improcedente o pedido do autor e o condenou ao pagamento das verbas
de sucumbência. Imagine-se, ainda, que o autor interpõe apelação impugnando o
capítulo de mérito (“principal”) e pedindo que, provido o seu recurso, seja invertida
a condenação nas custas e honorários de sucumbência (capítulo de mérito “secun­
dário”). Se o capítulo de mérito principal estiver fundado em Súmula do STJ, o juízo

sentença é necessariamente, segundo o nosso CPC, ato que põe fim a fase ou ao procedimento,
encerrando a instância — não havendo, nisso, óbice a que haja mais de um ato encerrando
instância no curso de um mesmo processo.
138
No item 3.3.2, afirmou-se que é possível haver o ajuizamento de uma ação rescisória contra cada
capítulo de uma mesma sentença. É que nesse caso não tem cabimento falar em preclusão
consumativa, fenômeno intraprocessual. Além disso, destaque-se que a ação rescisória é um
meio de desfazimento da coisa julgada. Havendo mais de um comando de mérito na sentença,
proferido em sede de cognição exauriente, haverá mais de uma coisa julgada a desfazer — por
diversas demandas ou uma só, com pedidos cumulados.

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116 Felipe Scripes Wladeck

a quo deverá aplicar o §1º do art. 518, inadmitindo a apelação. Nesse caso, o fato de
o autor ter impugnado o capítulo referente às verbas de sucumbência não justificará
a remessa do recurso ao Tribunal, pois a simples inversão de condenação pretendida
apenas seria possível se o capítulo de mérito principal pudesse ser devolvido ao órgão
ad quem. Diferente será a solução se, no apelo, o autor houver requerido a redução do
valor da sua condenação, considerando eventual desprovimento do recurso no ponto
em que se volta contra o capítulo principal. É que existirá um interesse autônomo
do autor na redução da sua condenação nas verbas de sucumbência, passível de ser
satisfeito mesmo que a apelação não apresente condições de ser admitida ou provida
na parte em que se volta contra o capítulo principal. Por aí já se vê que a precisa
identificação dos capítulos da sentença abrangidos pelo recurso e a compreensão das
possíveis relações de dependência que pode existir entre eles são fundamentais para
que o juiz de primeiro grau possa exercer o juízo de admissibilidade adequadamente.
Acerca da postura que o juízo a quo deve ter no ato de recebimento da apelação,
Bonício escreve: “A teoria dos capítulos de sentença e os potenciais benefícios que
esta teoria pode trazer dependem, em muito, de uma análise do recurso interposto,
por parte do juiz. Desta análise dependerá a perfeita identificação dos capítulos da
sentença e a delimitação dos efeitos em que os recursos devem ser recebidos. Assim,
por exemplo, se o juiz constatar que o recurso interposto se limitou a apenas um,
dos três capítulos que existem em uma sentença, e verificar que os outros dois capí­
tulos são absolutamente independentes do capítulo impugnado, deverá especificar
que recebe o recurso interposto em relação aos capítulos a e b, sobre os quais inci­
dirão os efeitos devolutivo e suspensivo próprios do recurso. Deverá, ainda, o juiz,
declarar que o capítulo c não foi impugnado e, portanto, transitou materialmente
em jul­gado, facultando ao credor dar início à execução imediatamente desta parte
do julgado. Não se trata, neste caso, de execução provisória, mas, sim, de execução
definitiva, considerando que a parte da decisão não recorrida não poderá ser
prejudicada pela reforma da parte que foi objeto de impugnação no recurso.”139
Isso não significa, porém, que um despacho genérico de recebimento da
apelação (que não especifique os seus efeitos em relação a cada capítulo da sen­
tença...) seja apto, por si só, a devolver capítulos não impugnados ao Tribunal ou a
prolongar o estado de ineficácia de capítulos não abrangidos pela devolução ope­
rada pelo recurso. Diante de um despacho genérico, poderá a parte opor embargos
de declaração ou até mesmo apresentar petição simples ao juízo a quo, destacando
quais os capítulos impugnados e, assim, pedindo a correção do lapso cometido no
ato de recebimento do recurso. Se o juízo a quo se recusar a efetuar a correção devida,

BONÍCIO. Capítulos..., p. 190-191.


139

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 117
cabe à parte interpor agravo de instrumento (art. 522, caput, do CPC) — sem prejuízo
da possibilidade de apontar o equívoco ao Tribunal depois que a apelação tiver
sido por ele recebida.
Caberá ao apelante, diante do recebimento apenas parcial de seu recurso,
interpor agravo de instrumento ao Tribunal, sob pena de o capítulo da sentença
contra o qual se volta a parcela inadmitida da apelação transitar em julgado. É o
que leciona Dinamarco, que acrescenta, ainda, o seguinte: “O agravo será nesse caso
parcial, não devolvendo o capítulo favorável da decisão, ou seja, o capítulo do qual
consta o parcial deferimento do recurso; isso significa que no julgamento desse agravo
o tribunal não poderá apreciar a parte positiva da decisão agravada, ou seja, a parte
em que ela contém o juízo positivo de admissibilidade do recurso antes interposto.
Isso será feito quando o próprio recurso lhe chegar, ocasião em que sua admissibili­
dade será apreciada em juízo preliminar de conhecimento.”140 141

4.7 Os efeitos do julgamento da apelação


Quando o Tribunal julga a apelação, a parte da sentença a ele transferida
poderá ser simplesmente cassada, cassada e reformada ou cassada e mantida, con­
forme o caso.

4.7.1 Ausência de substituição dos capítulos em relação aos


quais a apelação não é recebida/conhecida
Se a apelação não é recebida/conhecida em relação a alguns ou todos os
capítulos da sentença, ficam eles mantidos. Não haverá a substituição das decisões
neles consubstanciadas por outras, do Tribunal.
E o trânsito em julgado desses capítulos não substituídos ocorrerá quando
não couber mais recurso contra a decisão de inadmissão/não conhecimento142 —

140
DINAMARCO. Capítulos..., p. 117-118.
141
Observe-se que o entendimento do STF que consta de sua Súmula nº 292 — no sentido de que,
admitido o recurso extraordinário por apenas um de seus fundamentos, pode o STF conhecê-lo
pelos demais — vale apenas quando se tratar de fundamentos pertinentes ao mesmo capítulo
impugnado. Ou seja, se o recurso extraordinário é inadmitido por todos os seus fundamentos
na parte em que se volta contra o capítulo “A” e, por outro lado, admitido por apenas um dos
seus fundamentos na parte em que se volta contra o capítulo “B”, pode o STF conhecê-lo apenas
em relação ao capítulo “B”, por todos os fundamentos em que interposto. O capítulo “A” transita
em julgado.

O entendimento de Dinamarco, exposto no texto, não conflita, portanto, com a posição sumulada
pelo STF. No caso da apelação, como já se expôs neste trabalho, a apelação admitida/conhecida
transfere ao Tribunal todos os pontos e questões relacionados aos capítulos impugnados. Se a
apelação não for admitida em relação a algum dos capítulos nela tratados, deve o apelante
agravar — sob pena de tais capítulos transitarem em julgado.
142
É fundamental, porém, que a apelação seja analisada à luz de cada capítulo por ela abrangido. Pois
o recurso pode ser admissível em relação a alguns desses capítulos, mas não a outros. Admitida

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118 Felipe Scripes Wladeck

salvo no caso de inadmissão/não conhecimento por intempestividade da apelação,


quando se considera havido o trânsito em julgado no termo ad quem do prazo em
que deveria ter sido interposto o recurso não admitido/conhecido.
Em sentido diverso, Barbosa Moreira, para quem o trânsito em julgado ocorre
“no instante em que a sentença se torna irrecorrível, embora possa acontecer que
alguém a impugne por recurso inadmissível.” Diz o autor que, “se a sentença era
originariamente irrecorrível, o trânsito em julgado consumou-se com a respectiva
publicação; no caso contrário, com o advento do fato que, antes ou depois da
interposição, veio a torná-la irrecorrível (mais comumente, o esgotamento in albis
do prazo de interposição do recurso cabível).”143 Ou seja, Barbosa Moreira defende
(e nesse ponto vai contra o entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência)
que, quando a apelação é inadmitida por outra razão que não a intempestivi­
dade, considera-se ocorrido o trânsito em julgado no momento em que realizada a
interposição (ao menos na parte ou capítulo a que se refere o recurso inadmitido).144
Se o motivo da inadmissão é a intempestividade, o trânsito em julgado se verifica
no termo ad quem do prazo da apelação.

4.7.2 Substituição dos capítulos em relação aos quais a


apelação é conhecida e desprovida (art. 512)
Se a apelação é conhecida e integralmente desprovida, os capítulos da sen­
tença por ela abrangidos são substituídos por decisões do Tribunal dotadas do
mesmo teor daquelas do juízo a quo. Ou seja, ocorre a cassação dos capítulos devol­
vidos ao Tribunal, que os substitui por outros, contendo decisões idênticas às profe­
ridas pelo juízo a quo.
Se o desprovimento é apenas parcial, somente os capítulos em relação aos
quais a apelação foi desprovida é que serão substituídos por julgamento de teor e
eficácia idênticos ao do juízo a quo.

4.7.3 Substituição dos capítulos em relação aos quais a


apelação é conhecida e provida (art. 512)
Os capítulos em relação aos quais a apelação é provida são substituídos
por outros, do Tribunal, os quais conterão julgamento com teor diverso daquele

em parte a apelação, haverá a substituição de capítulos pelo Tribunal — e, na ausência de novo


recurso tempestivo, serão esses novos capítulos que transitarão em julgado.
143
BARBOSA MOREIRA. Sentença..., p. 91-92.
144
Lembre-se, porém, que Barbosa Moreira admite a possibilidade de interposição de uma apelação
contra cada capítulo sentencial (item 4.5.2). Nesse passo, os diversos capítulos sentenciais
transitarão em julgado conforme o destino do recurso que contra cada um deles for eventualmente
interposto.

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Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no direito processual civil brasileiro 119
proferido pelo juízo a quo. Ou seja, ocorre a cassação de capítulos da sentença,
reformando-se o julgamento neles consubstanciado.

4.7.4 Anulação ou declaração de inexistência de capítulos em


decorrência do julgamento da apelação
Pode ser, ainda, que o Tribunal identifique a nulidade, inexistência ou ine­
ficácia de capítulos da sentença (lembrando que os capítulos inexistentes ou juri­
dicamente ineficazes podem ser assim reconhecidos pelo Tribunal ainda que não
haja, na apelação, qualquer pedido para que isso ocorra — vide, a esse respeito, o
exposto no item 4.3.4, “b”).
No lugar dos capítulos anulados ou declarados inexistentes/ineficazes, o Tri­
bunal pode, conforme o caso, proferir julgamento de mérito (por exemplo: julgar o
pedido não apreciado pelo juízo a quo, aplicando por analogia o §3º do art. 515 do
CPC — vide o item 4.3.5, “a”); pode proferir decisão afirmando a impossibilidade de
julgar o mérito (por exemplo: anulado um determinado capítulo por falta de moti­
vação, declara-se a ausência de interesse de agir em relação à demanda a que esse
capítulo se referia); ou pode determinar a devolução do feito a juízo de primeiro grau,
para que julgue a causa (por exemplo: o Tribunal reconhece a nulidade da sentença
por ter sido proferida por juízo absolutamente incompetente — v.g., órgão da Justiça
Estadual — e determina a remessa do feito ao juízo competente — da Justiça Federal).

5 Encerramento
Esperamos ter conseguido demonstrar, com o presente texto, a importância
da boa compreensão da tese dos capítulos de sentença, para a adequada solução
de problemas práticos bastante comuns relacionados aos limites e efeitos do recurso
de apelação.
Como dissemos no início da exposição, jamais tivemos a pretensão de exaurir
o tema. Nosso objetivo foi, a partir da experiência adquirida em nossa atuação
profissional e de lições extraídas da doutrina e da jurisprudência, contribuir com
sugestões e críticas a respeito da melhor forma de resolver as diversas questões
práticas que nos propusemos a enfrentar.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

WLADECK, Felipe Scripes. Capítulos de sentença e os limites do efeito devolutivo da apelação no


direito processual civil brasileiro. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte,
ano 20, n. 77, p. 43-119, jan./mar. 2012.

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Tutela do consumidor na ação de
exibição de documento: revisitando a
Súmula nº 372 do STJ sob a ótica da
tutela satisfativa
Elmer da Silva Marques
Mestre em Direito pela Universidade Estadual de
Londrina. Professor da Universidade Estadual do
Oeste do Paraná.

Resumo: Trata-se de promover uma análise dos precedentes e funda­


mentos que deram origem à Súmula nº 372 do STJ, de modo a verificar
os motivos pelos quais aquela Corte impede a aplicação de multa
processual para efetivar a ordem de exibição de documentos na cha­
mada ação cautelar exibitória. Para tanto, revisitou-se o conceito de
tutela cautelar, as origens da ação de exibição de documento e os
precedentes que deram origem àquela súmula, assumindo posição
contrária ao adotado pelo entendimento sumular.

Palavras-chave: Consumidor. Ordem de exibição de documento. Multa


processual.

Sumário: 1 Introdução – 2 Da natureza da tutela concedida da ação de


exibição de documento – 3 Da tutela satisfativa como permissiva da
cominação de multa na ação de exibição de documento. Releitura da
Súmula nº 372 do STJ – 4 Conclusões – Referências

1 Introdução
É com perplexidade que se depara, no dia a dia forense, com ações de exi­
bição de documento que, mesmo diante de liminar ou sentença de procedência
da pretensão do autor, impondo ordem ao réu para que apresente os documentos
pleiteados, não apresentam um resultado fático útil ao autor tendo em vista a recusa
do réu em cumprir a ordem judicial.
Da análise do ordenamento jurídico verifica-se a existência de duas sanções
principais que podem ser impingidas ao réu a fim de convencê-lo a cumprir com a
ordem judicial de exibição dos documentos pleiteados pelo autor: a presunção de
veracidade dos fatos a serem alegados pelo autor em futura demanda proposta com

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122 Elmer da Silva Marques

base nos documentos obtidos (CPC, art. 359) e a imposição de multa processual,
como meio de execução indireta, a incidir na hipótese de descumprimento da ordem
(CPC, art. 461).
Entretanto, os tribunais pátrios vêm seguindo a orientação jurisprudencial do
Superior Tribunal de Justiça, exposto na Súmula nº 372 desta Corte, cujo enunciado
expõe o entendimento segundo o qual “na ação de exibição de documentos não
cabe a aplicação de multa cominatória”.
Em atendimento a esta orientação jurisprudencial, a única sanção aplicável
ao réu que descumpre a ordem de exibição de documento é aquela prevista no art.
359 do CPC, pelo qual deverão ser considerados verdadeiros os fatos narrados pelo
autor na futura ação a ser movida por aquele que pretendia ter acesso aos documentos.
O objetivo do presente estudo é analisar em que medida a orientação juris­
prudencial exposta na Súmula nº 372 do STJ prejudica a efetividade da tutela juris­
dicional concedida no âmbito da ação de exibição de documento, bem como
demonstrar o equívoco que a fundamenta.

2 Da natureza da tutela concedida da ação de exibição de


documento
A ação de exibição de documentos vem prevista nos arts. 844 e 845 do CPC,
inserida em seu Livro III que regula o chamado processo cautelar.
A tutela cautelar é a que tem por finalidade prevenir a ocorrência de um dano
iminente a um alegado direito, mediante a concessão de medidas acautelatórias
que visam a assegurar a futura eficácia da tutela jurisdicional principal e a satisfa­
ção do direito da parte. As notas características principais da tutela cautelar são a
preventividade, pois visa a impedir a ocorrência de um dano, e a instrumentalidade,
pois visa a assegurar o resultado útil de uma outra tutela jurisdicional, dita principal,
que poderá tanto ser cognitiva quanto executiva.
Ocorre que se tornou pacífico em sede doutrinária e jurisprudencial, muito
embora a ação de exibição de documentos esteja prevista no livro do Código de
Processo Civil que regula o processo cautelar, a afirmação de que a tutela concedida
interinamente à ação de exibição de documentos não possui natureza cautelar.
Na ação de exibição de documento o autor estaria veiculando pretensão
principal — não simplesmente acautelatória — na medida em que teria o direito
subjetivo material não satisfeito de ter acesso a documentos que lhe digam respeito.
Com efeito, o direito à exibição “nasce de lei ou do contrato, ou de faculdade natural
do interessado. É matéria de direito substantivo civil ou comercial. [...] A questão
da exibição, ou melhor, o direito ou a pretensão é matéria do direito substantivo”
(FADEL, 1986, p. 719, 722).

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Tutela do consumidor na ação de exibição de documento: revisitando a Súmula nº 372 do STJ sob a ótica... 123
Muito embora a obtenção dos documentos, por intermédio de exibição
judicial, possa viabilizar à parte a propositura de outra ação, comprovando suas ale­
gações com os documentos angariados judicialmente, constata-se que a proposi­
tura de uma outra ação (que se poderia dizer “principal”, usando a terminologia da
doutrina cautelar) não se apresenta como requisito indispensável para a procedência
da pretensão exibitória (Cf. MONTENEGRO FILHO, 2010, p. 120).
Assim é que, de posse dos documentos pleiteados, e analisando seu con­
teúdo, pode a parte concluir pela inviabilidade, desnecessidade ou inconveniência da
propositura de outra ação, seja porque os documentos não provam aquilo que ela
pensava que provaria, seja porque não constatou as ilegalidades que pensava existir.
A fim de evitar maiores confusões, o direito romano diferenciava duas espécies
distintas de ação de exibição de documento: uma, chamada de actio ad exhibendum,
visava a instruir a parte interessada dos documentos necessários para exigir seus
direitos, se aproximando do conceito de ação de exibição de documentos “cautelar”
vislumbrado pelo Código de Processo Civil; outra, chamada de actio de edendo, visava
a conceder à parte vista dos documentos relativos a negócios seus, intimamente
ligando-se ao direito material de ter acesso a tais documentos, sendo muito usado,
desde aqueles tempos, na expressão de Moacyr Amaral dos Santos, contra os
“banqueiros” (SANTOS, 2009, p. 434).
Enquanto na actio ad exhibendum a função instrumental era primordial, pois
servia de meio para a obtenção de documentos necessários para sua utilização
probatória em outra demanda, na actio de edendo a função probatória era secun­
dária, eventual. Nesta, a pretensão exibitória do documento visava a exercer o direito
do autor de ter acesso aos documentos que lhe interessam e que está legitimado a
tanto, a ele ligado por uma relação de direito material, satisfazendo assim um direito
material de exibição de documento (SILVA, 2000, p. 272).
Com o passar dos tempos, ocorreu verdadeira confusão entre aquelas espé­­­
cies, de modo que a actio de edendo acabou por fundir-se à actio ad exhibendum,
passando a ter os contornos e as finalidades desta.
Pontes de Miranda também distingue a ação cautelar de exibição de docu­­
mento prevista nos arts. 844 e 845 do CPC da ação de exibição de documento prin­
cipaliter, isto é, aquela na qual é deduzida pretensão de direito material à exibição
(PONTES DE MIRANDA, 2003, p. 173). A existência de uma ação de exibição autônoma
ou principal (e não cautelar, portanto), também é reconhecida por Humberto
Theodoro Júnior (THEODORO JÚNIOR, 2005, p. 298). Afirma o processualista mineiro
que somente quando a ação exibitória pretende que a coisa ou documento seja trazida
aos autos a fim de que se possa discutir acerca da propriedade da coisa ou quanto à
declaração de conteúdo ou falsidade do documento é que teria natureza autônoma

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a fim de satisfazer um direito material. Mas quando a exibição visa a servir de prova
em futuro processo, afirma que se trata de ação tipicamente cautelar, acautelando o
processo principal a fim de que este seja assegurado contra a proposição de demanda
infundada (THEODORO JÚNIOR, 2009, p. 586).
Não é o que nos parece: mesmo quando o autor, após ter obtido a exibição de
documentos, utiliza-os como meio probatório para a propositura de uma outra ação,
a ação de exibição apresenta-se, mesmo assim, com caráter autônomo, principaliter,
satisfativo de uma pretensão de direito material, i. e., não cautelar.
Isto porque em geral estas ações de exibição prescindem da demonstração
do fumus boni iuris e do periculum in mora: cabe ao autor da ação exibitória demons­
trar cabalmente seu direito de obtenção dos documentos (e não apenas a “fumaça
do bom direito”), bem como não cabe ao autor demonstrar o perigo na demora
(salvo se pleitear liminarmente a exibição), pois para o exercício da pretensão de um
direito material, visando a satisfazê-lo, não se faz necessário o perigo de lesão.
Tornou-se pouco comum a ocorrência de uma ação de exibição propria­mente
cautelar, aquela efetivamente instrumental de uma outra demanda (ainda que,
repita-se, os documentos exibidos sejam utilizados como meio probatório em outro
processo), necessitando que o autor tenha de demonstrar a presença dos requisitos
específicos da medida cautelar. Registre-se, inclusive, a não obrigatoriedade de o
autor, na petição inicial da ação de exibição, indicar a lide principal e seu fundamento
(como determina o art. 801, III do CPC). Isto se dá porque a ação de exibição de
documento não possui uma “referência imediata com o processo de conhecimento
a se instaurar” (SANTOS, 2008, p. 364), pois sequer se pode conhecer com antece­
dência qual litígio surgirá da análise dos documentos, se é que surgirá algum.
Nesse sentido, expressiva a lição de Galeno Lacerda e Carlos Alberto Alvaro
de Oliveira (embora reconheçam também a existência de ação cautelar de exibição
de documento), que expõem assim seu entendimento sobre a existência de uma
ação exibitória satisfativa:

Segunda espécie de exibitória ostenta por finalidade a apropriação


de dados para eventual aforamento de demanda futura, sem vínculo
necessário de dependência com outra ação satisfativa. A exibição desde
logo satisfaz (e não apenas assegura) a pretensão do autor, habilitando-o
à aferição da conveniência de ajuizar, ou não, demanda futura, com
utilização dos dados obtidos. Esta ação, se o autor da exibitória o
entender, poderá ou não ser intentada. Por igual, prescinde essa espécie
de exibição (satisfativa) da perquirição da aparência do direito e do risco
de dano, a demonstrar o seu caráter inequivocadamente não-cautelar.
(LACERDA; OLIVEIRA, 1988, p. 286)

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Tutela do consumidor na ação de exibição de documento: revisitando a Súmula nº 372 do STJ sob a ótica... 125
Um terceiro entendimento — mais próximo ao de natureza cautelar, mas
deste diferente — é adotado por Marinoni:

De toda sorte, afirmar que essa providência não tem natureza cautelar
também não implica dizer que ela sempre deva possuir caráter satis­
fativo ou autônomo. Como se verá adiante a exibição é normalmente
instrumental, no sentido de que, por estar destinada a preservar direitos
fundamentais processuais (ação e defesa), em regra devem estar vincu­
ladas a outro processo, em que ocorrerá o direito fundamental que esta
medida busca preservar. (MARINONI, 2008, p. 246)

A situação apresenta-se mais perplexa, ainda, quando a ação exibitória é


movida por consumidor, quando necessita, por exemplo, ter acesso a contrato
assinado cuja via lhe tenha sido sonegada no momento da assinatura, necessitando
conhecer os termos do documento para, somente então, verificar se algum direito
seu está sendo violado; ou quando precisa ter acesso a extratos bancários de anos
anteriores, imprescindível para verificar a cobrança de encargos indevidos pela
instituição financeira.
Estas e outras situações demonstram que os documentos exibidos não se
constituem, necessariamente, em meio de prova ou, segundo a teoria cautelar, como
forma assecuratória do resultado útil de um processo futuro: assume, na verdade,
posição de verdadeira pretensão em satisfazer um direito material. Tem o consu­midor
direito de acesso a todos os documentos que lhe digam respeito, independente­
mente de utilizá-los em futura demanda judicial. Com efeito, após a análise dos
documentos, pode o consumidor concluir que nenhum direito seu foi violado, o
que, evidentemente, tornaria desnecessário o início de um outro processo, dito,
conforme a nomenclatura cautelar, “principal”.
O direito de acesso aos documentos (contratos, extratos bancários, planilhas
de evolução de débito etc.) decorre diretamente do princípio básico da transpa­
rência que rege as relações de consumo, de modo que, para evitar qualquer lesão
ao consumidor, possa este ter conhecimento do conteúdo do contrato, das obriga­
ções que assumiu, além de, evidentemente, ter ciência dos seus direitos enquanto
contratante. Nesse sentido, Cláudia Lima Marques expressamente se refere a um
“direito subjetivo de informação” (MARQUES, 2005, p. 717).
Não concordamos, entretanto, que o direito subjetivo de informação refere-se
apenas à fase pré-contratual: muito pelo contrato, este direito permeia toda a relação
contratual, incluindo a fase de sua execução. A todo o tempo tem o consumidor
direito de ser esclarecido suficientemente acerca das relações jurídicas em que
está envolvido, o que inclui, por certo, acesso irrestrito aos termos contratuais e aos
demais documentos vinculados à relação jurídica consumerista.

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126 Elmer da Silva Marques

Desta forma, havendo um direito subjetivo do consumidor de informação


(o que inclui ter acesso a toda documentação relacionada à relação jurídica consu­
merista), contrapõe-se a obrigação do fornecedor de dar acesso ao consumidor sobre
o conteúdo destes documentos (GARCIA, 2010, p. 294). É essa obrigação que deve
ser satisfeita, entregando ao titular do direito (o consumidor) in natura o direito que
lhe pertence (e não mediante presunções que, possivelmente, não terão eficácia
alguma), de forma a cumprir efetivamente com a finalidade do chamado processo
civil de resultado (DINAMARCO, 2003, p. 108).
Mais que obrigação, permitir o acesso do consumidor a todos os documentos
que dizem respeito à relação jurídica consumerista trata-se de evidente dever de
integração contratual, decorrente da própria natureza jurídica da relação de consumo
e derivado dos princípios informados da sistemática de proteção ao consumidor.
O direito de acesso à documentação é direito subjetivo do consumidor,
que deve ser satisfeito in natura, e não mediante ilações e presunções processuais,
pseudo-sanções que, na prática, podem não surtir os resultados punitivos esperados,
tendo em vista a impossibilidade de o consumidor analisar os referidos documentos
e, desta análise, fundamentar suas pretensões em juízo.
O processo é somente instrumento do direito material, não se confundindo
com este. Deve o processo ser efetivo, de modo a proporcionar o máximo de equi­
valência com o cumprimento espontâneo do direito material (ALVIM, 1995, p. 106).
Ainda quando os documentos obtidos venham a ser utilizados em futura
demanda, deles se servindo como apoio probatório, isto não retira o fundamento
material que embasou a demanda exibitória, mas ao conteúdo substantivo da pre­
tensão agrega-se a sua utilização como instrumento probatório. A utilização dos
documentos obtidos em futura instrução probatória não é contraditória e não afasta
a natureza material que constitui o cerne da pretensão exibitória.
Assim, dizer que a ação exibitória se caracteriza apenas como assecuratória
da produção de provas é, na verdade, enxergar apenas um espectro da questão,
efetivamente existente, mas que não exclui o fundamento último da demanda ou,
em outras palavras, não descaracteriza a natureza da causa de pedir que originou
a pretensão exibitória.

3 Da tutela satisfativa como permissiva da cominação de multa


na ação de exibição de documento. Releitura da Súmula nº 372
do STJ
É sob a premissa de que a ação de exibição de documentos veicula pretensão
de ver satisfeito um direito material autônomo (e não simplesmente obter uma
medida acautelatória de assegurar o resultado útil de um processo principal),

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Tutela do consumidor na ação de exibição de documento: revisitando a Súmula nº 372 do STJ sob a ótica... 127
fundamento este que encontra respaldo em grande parte da doutrina moderna,
que será analisada a Súmula nº 372 do STJ, o que inclui a análise dos cinco precedentes
que deram origem à referida súmula.
O primeiro precedente judicial é o Recurso Especial nº 204.807/SP, interposto
em ação cautelar de exibição de documentos movida por consumidor contra a
Coca Cola Indústrias Ltda., visando compelir esta última a exibir nos autos todo o
regulamento de determinada promoção, a fim de que o autor pudesse conferir se
realmente havia recebido todo o prêmio devido.
Neste primeiro precedente judicial em nenhum momento houve manifes­
tação dos Ministros do STJ de que seria incabível a aplicação de multa processual a
fim de compelir o réu a exibir os documentos. Muito pelo contrário, reconheceu-se
a inaplicabilidade do art. 359 do CPC, a fim de que se determinasse a busca e apre­
ensão dos documentos solicitados pelo consumidor. A leitura do inteiro teor do
acórdão, embora não seja expresso, e ainda que o acórdão se refira várias vezes ao
termo “cautelar”, é possível verificar que os Ministros reconheceram certa autonomia
à pretensão exibitória, desvinculando-se da obrigatoriedade de propositura de uma
“demanda principal”. Confira-se:

A pena de confissão [art. 359 do CPC] só pode ser aplicada, tratando-se


do processo em que se visa a uma sentença que tenha por base o fato
que se presuma verdadeiro. Não há como o juiz simplesmente considerar
existente um fato, desvinculado de uma pretensão. Isso só se verifica na
declaratória de falsidade documental. O processo cautelar visa, tão-só,
a obter a exibição do documento ou da coisa. Nem sempre, aliás, se
destinará a servir de prova em outro processo. Presta-se, com frequência,
a que o autor simplesmente possa avaliar se lhe assiste o direito. (BRASIL.
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 204.807/SP. Relator
Ministro Eduardo Ribeiro. Terceira Turma. Julgado em 06 de junho de
2000. Publicado no Diário da Justiça da União, p. 77, 28 ago. 2000)

Neste primeiro precedente, verifica-se o reconhecimento de que os docu­


mentos obtidos nem sempre serão utilizados como prova em outro processo a ser
ini­­ciado, bem como reconhece que pretensão exibitória não está vinculada a outra
pre­tensão fundada em direito material. Com efeito, antes da análise efetiva dos
docu­mentos a serem obtidos, sequer é possível afirmar que surgirá, no futuro pró­
ximo, litígio. Ora, sabemos que a doutrina cautelar afirma veementemente o caráter
ins­trumental do processo cautelar como meio de acautelamento de outro processo.
Não há, assim, como enquadrar, de acordo com os fundamentos da cautelaridade, o
processo de exibição à função instrumental-processual.
O segundo precedente que deu origem à Súmula nº 372 do STJ igual­
mente reconhece ser inaplicável a cominação de multa processual, como também

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a presunção de veracidade prevista no art. 359 do CPC, de modo que a exibição de


documentos, se não cumprida voluntariamente pelo réu, deve ser objeto de busca
e apreensão. Ao inviabilizar a aplicação de multa processual, entenderam os Ministros
do STJ que “a multa cominatória é própria para garantir o processo por meio da qual
a parte pretende a execução de uma obrigação de fazer ou não fazer” e, sem maiores
explicações, chegaram à conclusão de que, “no caso da cautelar de exibição de docu­
mentos, não tem cabimento a imposição da multa cominatória” (BRASIL. Superior
Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 433.711/MS. Terceira Turma. Julgado em 25
de fevereiro de 2003. Publicado no Diário da Justiça da União, p. 229, 22 abr. 2003).
A nosso ver, o entendimento esposado neste segundo precedente é equivo­
cado. Com efeito, a pretensão autônoma de exibição de documento configura-se
flagrante pretensão de ver satisfeita obrigação de fazer ou, mais propriamente, obri­
gação de entrega de coisa. Para obter-se o cumprimento de ambas as obrigações
é amplamente possível a aplicação de multa processual, conforme autorização dada
pelo art. 461 e art. 461-A do CPC.
Ainda que se tratasse de ação exibitória com feição cautelar, não restaria
alterada a possibilidade de se aplicar multa processual para que se obtenha a
efetivação da medida cautelar concedida, pois a multa processual, uma vez prevista
no ordenamento jurídico, legitima-se como instrumento estatal de execução e efe­
tivação da ordem judicial prolatada, inclusive das ordens proferidas em sede de
processo cautelar. Cabe ao juiz utilizar-se dos meios técnicos necessários e previstos
para a concessão da tutela jurisdicional efetiva, entregando faticamente o resultado
da atuação estatal-jurisdicional. Nesse sentido, Marinoni:

O direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional incide sobre


o juiz, obrigando-o a interpretar o regramento processual sob a sua
luz. Isso significa que o juiz não pode chegar a uma conclusão que não
lhe permita usar a técnica processual indispensável à tutela do
direito. Como o seu compromisso é com o direito material e com o direito
fundamental à tutela jurisdicional efetiva, a partir daí deve interpretar a
legislação na busca da técnica processual adequada. (MARINONI, 2004,
p. 451, itálico no original)

O terceiro precedente analisado, todavia, promove uma alteração no enten­


dimento adotado pelo STJ até então: a multa processual continua sendo inadmissível
na ação de exibição de documento, devido ao fato de que se aplicaria, à espécie, o
art. 359 do CPC (presunção de veracidade dos fatos que o autor pretendia provar
que os documentos), por força da expressa disposição contida no art. 845 do CPC que
determina a aplicação das regras da exibição de documento em poder da parte ou de

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Tutela do consumidor na ação de exibição de documento: revisitando a Súmula nº 372 do STJ sob a ótica... 129
terceiro incidentalmente ao processo, como meio probatório, o que inclui o art. 359
daquele Codex. Até então, o STJ não admitia a aplicação da presunção de veracidade
prevista no art. 359 do CPC: a partir deste terceiro precedente, passa a aplicá-lo e a
utilizá-lo como fundamento principal para não permissão de cominação da multa
processual. De forma lacônica, entretanto, o Tribunal confessa que “é controvertida a
abrangência daquela norma [art. 359 do CPC], na hipótese cautelar, especialmente
no que diz respeito à presunção de veracidade” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.
Recurso Especial nº 633.056/MG. Relator Ministro Castro Filho. Terceira Turma. Julgado
em 12 de abril de 2005. Publicado no Diário da Justiça da União, p. 345, 2 maio 2005).
O quarto precedente igualmente utiliza-se da possibilidade de presunção de
veracidade prevista no art. 359 do CPC como fundamento para inviabilizar a impo­
sição de multa para cumprimento da ordem de exibição de documento (BRASIL.
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 981.706/SP. Relator Ministro Aldir
Passarinho Junior. Julgado em 09 de outubro de 2007. Publicado no Diário da Justiça
da União, p. 236, 12 nov. 2007).
Por fim, o quinto e último precedente determina a busca e apreensão dos
documentos como forma de efetivação da medida cautelar concedida, impedindo a
utilização da multa processual prevista no art. 461 do CPC (BRASIL. Superior Tribunal
de Justiça. Recurso Especial nº 828.342/GO. Relator Ministro Humberto Gomes de
Barros. Terceira Turma. Julgado em 18 de outubro de 2007. Publicado no Diário da
Justiça da União, p. 58, 31 out. 2007).
Do primeiro ao último dos precedentes citados houve radical mudança no
entendimento do STJ: o primeiro precedente determinou ser inaplicável a aplicação
da presunção de veracidade prevista no art. 359 do CPC, embora não tenha deter­
minado qual o meio de satisfação [aqui utilizado este termo conscientemente, a fim
de realçar o substrato material do pedido de exibição de documento] da pretensão
exibitória; o segundo precedente determinou a busca e apreensão dos documentos a
fim de cumprir a ordem judicial de exibição, o que demonstra a preocupação daquela
julgada em obter o cumprimento in natura da ordem de exibição dos documentos
pleiteados pelo autor; no terceiro, quarto e quinto precedentes, adotou-se, por final,
a tese de que bastaria aplicar a sanção de presunção de veracidade prevista no
art. 359 do CPC.
Qual o fundamento básico que se esconde por traz destes posicionamentos
tão divergentes? No entendimento do primeiro e segundo precedentes, ao não
admitir a aplicação da presunção de veracidade prevista no art. 359 do CPC, tendo
o segundo precedente determinado a realização de busca e apreensão dos docu­
mentos, demonstram os julgados existir uma percepção (não confessada, talvez
inconsciente) de que a exibição de documentos não possui natureza cautelar, mas

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se constitui de pedido autônomo, fundado no direito material de ter acesso aos


documentos que lhe diz respeito. De tal forma que tal pretensão deve ser satisfeita
(e não apenas acautelada) mediante a busca e apreensão dos documentos.
Os demais precedentes determinam a aplicação da presunção de veracidade
prevista no art. 359 do CPC, presumindo que, por se tratar de ação cautelar, sempre
haverá uma demanda principal que será movida pelo autor, na qual será aplicada a
pena de presunção de veracidade, punindo-se o réu por ter se abstido de exibir os
documentos pleiteados. Esse entendimento, por não reconhecer a natureza autô­
noma e satisfativa da pretensão exibitória, nega a possibilidade de sua satisfação in
natura. Relega àquela pretensão uma sanção processual provavelmente inócua, pois
muitas vezes a não exibição dos documentos privará o autor de sequer conhecer
as ilegalidades praticadas e que poderiam embasar a propositura da ação principal.
O que pedir na dita demanda principal, se a não exibição dos documentos impede
que se possa sequer saber os fundamentos fáticos da eventual demanda? O que será
considerado presumivelmente verdadeiro, se o não acesso à base fática da demanda
impede que se formule pretensão certa e determinada?
Marinoni expõe seu entendimento no sentido de que a pretensão exibitória
deva ser satisfeita in natura, mediante mandado de busca e apreensão ou, não sendo
encontrado os documentos solicitados, mediante técnica de execução indireta, com
a imposição de multa processual. Entende, assim, pela não aplicação da presunção
de inocência do art. 359 do CPC, admitindo assumir posição contrária à jurispru­
dência dominante:

Por conta disso, a procedência da ação deve determinar a expedição


de ordem para que o requerido apresente o documento ou a coisa,
sob pena de busca e apreensão ou, sendo esta medida inútil, mediante
o emprego das técnicas de indução adequadas (art. 461-A, §§2º e 3º,
do CPC). Essa última opinião não goza de aceitação na jurisprudência.
Todavia, parece ser a mais adequada para oferecer a tutela jurisdicional
adequada à pretensão do requerente, especialmente nos casos em que
a medida de busca e apreensão se mostre inefetiva (v. g., quando o reque­
rido ocultar a medida ou o documento que deveria ser exibido). Por
isso, e com amparo na autorização prevista pelo art. 461-A do CPC,
parecem perfeitamente utilizáveis aqui as técnicas de indução autori­
zadas para as prestações (materiais) específicas de fazer, não fazer e
entregar coisa. (MARINONI, 2008, p. 254-255 e nota de rodapé n. 30)

A aplicação da pena de presunção de inocência não é adequada para tutelar


o direito material de ter acesso aos documentos próprios ou comuns: esta sanção
é apenas adequada na hipótese de exibição incidental de documentos, pleiteada
como típico meio probatório.

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Tutela do consumidor na ação de exibição de documento: revisitando a Súmula nº 372 do STJ sob a ótica... 131
Para a satisfação do direito material de exibição dos documentos, é impres­
cindível a adoção de técnicas processuais adequadas: a mais adequada seria a busca
e apreensão dos documentos mas, como nem sempre será possível encontrá-los,
faz-se imprescindível, nestes casos, a imposição de multa processual como meio
coercitivo patrimonial. No dizer de Dinamarco (2003, p. 147), “às variadas espécies
de situações regidas pelo direito material corresponde simétrica variedade de meios
processuais adequados a dar-lhes solução efetiva em caso de insatisfação, sempre
mediante imposição das regras jurídico-substanciais pertinentes”.
Ao que parece, o entendimento jurisprudencial adotado pela Súmula nº 372
do STJ não levou em consideração a autonomia da pretensão exibitória, destituída
de natureza cautelar, mas alicerçada em pretensão de direito material que deve ser
satisfeita in natura, e não apenas mediante a aplicação de uma sanção processual
no mais das vezes inócua.
Se a pretensão exibitória assumisse uma posição cautelar de acautelamento
do resultado útil do processo, de assegurar o resultado útil do processo principal,
seria então adequada a aplicação e uma sanção processual.
Entretanto, ao assumir a natureza autônoma fundada em direito material,
deve ser objeto da técnica processual adequada para satisfação in natura do direito.
Essa é, aliás, a função da tutela jurisdicional, “consistindo idealmente na outorga
de resultados substanciais idênticos aos que se obteriam sem o aporte do serviço
judiciário, considera-se em primeiro lugar definida e dimensionada pelo direito
material” (DINAMARCO, 1996, p. 78).
Cabe ao intérprete do direito, in casu, do processualista, promover o adequado
manejo das técnicas processuais a seu dispor, de modo a escolher e aplicar a mais
adequada para a proteção do direito da parte, seguindo a orientação de José
Carlos Barbosa Moreira:

E mais: quando porventura nos pareça que a solução técnica de um


problema elimina ou reduz a efetividade do processo, desconfiemos,
primeiramente, de nós mesmos. É bem possível que estejamos confun­
dindo com os limites da técnica os da nossa própria capacidade de
dominá-la e de explorar-lhe a fundo as virtualidades. A preocupação
com a efetividade deveria levar-nos amiúde a lamentar menos as exi­
gências, reais ou supostas, imputadas à técnica do que a escassa habi­
lidade com que nos servimos dos recursos por ela mesma colocados à
nossa disposição. (MOREIRA, 1995, p. 103)

Desta forma, entendemos ser equivocado o entendimento adotado pela


Súmula nº 372 do STJ, pois desconsidera a natureza de pretensão autônoma fun­
dada em direito material do pedido executório, a exigir tutela jurisdicional satisfativa

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132 Elmer da Silva Marques

do direito à exibição, e não simplesmente tutela acautelatória do resultado útil de


uma demanda principal.

4 Conclusões
A análise da natureza da tutela concedida em sede da ação exibitória, aliada
à análise dos precedentes judiciais que deram ensejo à elaboração da Súmula nº 372
do STJ, permitiu-nos chegar às seguintes conclusões:
1. A tutela cautelar é aquela destinada a, preventivamente, diante de uma
situação de iminência de lesão a direito, garantir a utilidade da tutela juris­
dicional a ser concedida no chamado “processo principal”, aquele em que
será deduzida a pre­tensão de direito material que se pretende ver satisfeita;
2. Embora a ação exibitória encontre-se encartada no Livro III do CPC, en­
quadrando-a como ação cautelar, verifica-se que na maioria das vezes ela
veicula uma pretensão de satisfação de direito material, isto é, pretensão
de ver satisfeito um direito subjetivo, e não de simplesmente assegurar que
não sofra lesão. Não se trata, portanto, de ação cautelar;
3. Nas ações exibitórias movidas por consumidores vislumbra-se mais facil­
mente a natureza satisfativa da tutela jurisdicional a ser concedida nas
ações exibitórias, principalmente diante da frequente negativa de os for­
necedores de bem e serviços em fornecer contratos e outros documentos
ao consumidor, impedindo-os de terem acesso às informações contratuais;
4. Existe um dever de integração contratual, pelo qual o consumidor tem
direito de obter acesso a todos os documentos que digam respeito à relação
jurídica consumerista, direito este que deve ser satisfeito in natura, pois
esta é a função do processo civil: conceder a tutela jurisdicional satisfativa
do direito da parte reconhecido em juízo;
5. Ainda que os documentos obtidos em sede de ação exibitória venham a
ser efetivamente utilizados como instrumento probatório em outra de­
manda, este fato não retira o substrato de direito material que embasou a
pretensão exibitória;
6. A análise dos cinco precedentes que deram origem à Súmula nº 372 do
STJ demonstra que foi desconsiderada a natureza satisfativa da tutela
concedida nas ações exibitórias, adotando-se o entendimento (por nós
considerado equivocado), de que essa espécie de ação seria sempre cautelar;
7. O entendimento adotado pela Súmula nº 372 do STJ não levou em con­
sideração a autonomia da pretensão exibitória, destituída de natureza
cautelar, alicerçada em pretensão de direito material que deve ser satisfeita
in natura, e não apenas mediante a aplicação de uma sanção processual

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Tutela do consumidor na ação de exibição de documento: revisitando a Súmula nº 372 do STJ sob a ótica... 133
(presunção de veracidade dos fatos a serem alegados pelo autor da
demanda principal);
8. Para satisfazer o direito material de ter acesso aos documentos faz-se
imprescindível a adoção de medidas executivas que efetivamente possam
permitir à parte o exercício do seu direito: somente a busca e apreensão
ou a imposição de multa processual, a incidir na hipótese de descumpri­
mento é que são capazes de conceder a tutela jurisdicional in natura ao
titular do direito de ter acesso aos documentos.

Abstract: This article was written to promoting an analysis of precedents


that gave rise to the Superior Court of Justice Persuasive Precedent nº
372, in order to ascertain the Court’s reasons that prevent the application
of fines to enforce the mandatory injunction of exposing documents.
With this aim, the article discusses the concept of injunction relief, the
sources of an action in which one part demands from the other the
exposure of document that is in his/her possession and the leading cases
that led to that persuasive precedent, assuming, instead, the opposite
position adopted by the Superior Court of Justice.

Key words: Consumer. Mandatory injunction. Contempt of court.

Referências

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São Paulo, v. 80, p. 103-110, out./dez. 1995.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ação de exibição de documentos. Multa cominatória. 1. A
multa cominatória é pertinente quando se trate de obrigação de fazer ou não fazer, não cabendo
na cautelar de exibição de documentos, em que, se não cumprida a ordem, segundo precedente
desta Terceira Turma, é possível a busca e apreensão. 2. Recurso especial conhecido e provido.
Recurso Especial n.º 433.711/MS. Terceira Turma. Julgado em 25 de fevereiro de 2003. Publicado
no Diário da Justiça da União, p. 229, 22 abr. 2003.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ação de exibição. Processo cautelar. No processo cautelar,
o desatendimento da determinação de que se exiba documento ou coisa não acarreta a
consequência prevista no art. 359 do Código de Processo Civil. Recurso Especial n.º 204.807/SP.
Relator Ministro Eduardo Ribeiro. Terceira Turma. Julgado em 06 de junho de 2000. Publicado no
Diário da Justiça da União, p. 77, 28 ago. 2000.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo civil. Exibição de documento. Descumprimento.
Aplicação de multa diária. Impossibilidade. A busca e apreensão é a medida cabível para tornar
efetiva a exibição dos documentos, caso não seja atendida espontaneamente a ordem judicial.
Não cabe a aplicação de multa diária em ação de exibição de documento. Recurso Especial n.º
828.342/GO. Relator Ministro Humberto Gomes de Barros. Terceira Turma. Julgado em 18 de
outubro de 2007. Publicado no Diário da Justiça da União, p. 58, 31 out. 2007.

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134 Elmer da Silva Marques

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processual civil. Ação cautelar de exibição de documento.
Multa diária pelo descumprimento. Descabimento. Suficiência da presunção de veracidade. I. A
fixação de multa pecuniária pelo descumprimento da ordem de apresentação do documento é
incompatível com a ação cautelar respectiva, pois suficiente à autora a presunção de veracidade
que o provimento da ação, como elemento probante, fornece ao processo principal. Precedentes
do STJ. II. Recurso especial conhecido e provido. Recurso Especial n.º 981.706/SP. Relator Ministro
Aldir Passarinho Junior. Julgado em 09 de outubro de 2007. Publicado no Diário da Justiça da
União, p. 236, 12 nov. 2007.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial. Ação cautelar. Exibição de documentos.
Multa cominatória. Descabimento. A incidência do artigo 359 do Código de Processo Civil nas
ações cautelares de exibição de documento, determinada pelo artigo 845 do mesmo estatuto,
afasta a possibilidade de aplicação de multa cominatória. Precedente da Terceira Turma. Recurso
provido. Recurso Especial n.º 633.056/MG. Relator Ministro Castro Filho. Terceira Turma. Julgado
em 12 de abril de 2005. Publicado no Diário da Justiça da União, p. 345, 2 maio 2005.
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Tutela do consumidor na ação de exibição de documento: revisitando a Súmula nº 372 do STJ sob a ótica... 135
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

MARQUES, Elmer da Silva. Tutela do consumidor na ação de exibição de documento: revisitando


a Súmula nº 372 do STJ sob a ótica da tutela satisfativa. Revista Brasileira de Direito Processual –
RBDPro, Belo Horizonte, ano 20, n. 77, p. 121-135, jan./mar. 2012.

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O princípio da colegialidade e a
inconstitucionalidade do parágrafo
único do art. 527 do CPC
Rafael de Oliveira Guimarães
Doutorando em Direito Processual Civil pela PUC-SP.
Mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP.
Especialista em Direito Processual Civil pela PUCPR.
Advogado em Maringá/PR.

Resumo: O presente artigo visa trazer à tona os princípios do juiz natural


e da colegialidade, demonstrar a similaridade entre eles e o status
constitucional que ambos têm. Ainda, imprescindível demonstrar que
com a interpretação de tais princípios, inconstitucional é a norma inscrita
no parágrafo único do art. 527 do CPC, que impede a recorribilidade
sobre decisão monocrática do relator que ventila tutela de urgência no
agravo de instrumento. Por fim, demonstra-se a forma do agravo regi­
mental e eventual remédio do mandado de segurança como meio ideal
a se impugnar a mencionada decisão.

Palavras-chave: Decisões monocráticas. Recorribilidade. Princípio do


juiz natural. Princípio da colegialidade.

Sumário: 1 Considerações iniciais – 2 O princípio do juiz natural – 3 O


princípio da colegialidade – 4 A obrigatoriedade da decisão colegiada
nos Tribunais no direito comparado – 5 O parágrafo único do art. 527
do CPC e a sua inconstitucionalidade – 6 Das formas de impugnação ao
mencionado parágrafo único – 7 Conclusões – Referências

1 Considerações iniciais
O sistema recursal brasileiro teve uma recente grande polêmica com a inserção
do parágrafo único no art. 527 do CPC, tal dispositivo prega pela irrecorribilidade das
decisões que apreciam efeito suspensivo em agravo de instrumento, ou convertem
este em retido. O mencionado parágrafo único impede o acesso do jurisdicionado à
tutela jurisdicional colegiada, no caso. Diante de tal situação, e ainda tomado por um
conhecimento intuitivo das referidas decisões1 — que, para Calamandrei, é o primeiro

1
“Diz-se que a intuição é uma forma de conhecimento direta, que se confunde com o objeto
conhecido, como se nada houvesse entre ambos, nem métodos nem raciocínios [...]. E no senso

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138 Rafael de Oliveira Guimarães

passo a ser adotado antes da motivação2 — questiona-se a inconstitucionalidade do


parágrafo único do art. 527 do CPC, por impedir o exame de uma tutela de urgência
pelo órgão colegiado.
Com o impedimento da recorribilidade das decisões dos incisos II e III do art.
527 do CPC acima referida, surge um ponto importante a ser estudado. Considerando
encontrar-se sedimentado o pensamento de que os recursos são uma extensão do
direito de ação,3 e, ainda, que a tutela de urgência tem resguardo4 no art. 5º, XXXV, da
CF/88, poderia a decisão proferida com base no inc. III do art. 527 do CPC ser imune
a recurso? Traz algum benefício ao ordenamento a vedação ao cabimento de recurso
contra a referida decisão e a possível submissão da questão a uma ação autônoma,
que vise impugnar esse mesmo ato? O mencionado parágrafo único é compatível

comum a experiência da intuição está inegavelmente presente como forma de conhecimento”


(WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito
e da ação rescisória: recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória: o que é uma decisão
contrária à lei?. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 76-77). Ainda: “La première enseigne qu’on
peut saisir le réel à travers des notions fixes, des définitions arretées et figées des construtions
abstraites, en peu de mots, par les moyens de la pensée discursive. Le point culminant de cette
pensée est l’emploi de l’indiction et de la déduction” (TOUTSAKOVITCH, M. D. L’intuitionnisme
bergonien dans la philosophie du Droit. Archives de Philosophie du Droit et de Sociologie Juridique,
Paris, ano 9, n. 1-2, p. 242, 1939).
2
“O juiz, ao elaborar a sentença, inverte a ordem normal do silogismo, isto é, encontra primeiro
o dispositivo e depois as premissas que o justificam. [...] Para frisar a diferença que existe entre a
psicologia do advogado e a do juiz, costumava dizer-se que o primeiro é chamado a encontrar,
em face de uma conclusão já conhecida, as premissas que melhor a justificam, ao passo que
o segundo é chamado a tirar de premissas conhecidas à conclusão que logicamente decorre”
(CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por nós, os advogados. Lisboa: Livraria Clássica, 1960.
p. 143).
3
“Sem medo de errar, pode-se fazer uma analogia entre o mecanismo que há entre os pressupostos
de julgamento da lide (que são, especificamente, os pressupostos processuais e as condições
da ação) e o mérito da ação, e as condições de admissibilidade de um recurso e o mérito do
recurso. Não empobrece essa analogia a circunstância de, com relação aos recursos, o juízo de
admissibilidade dever ser aferido endoprocessualmente, i. e. a partir de critérios encontráveis no
próprio processo, o que não ocorre com a ação em que, por exemplo, a capacidade da parte
(pressuposto processual positivo de validade) e legitimidade ad causam (condição da ação) são
realidades que se localizam num plano quase pré-processual. Conforme assevera Barbosa Moreira,
também ‘não turva (esta analogia) a circunstância de que, no primeiro caso, a provocação se
fundamente em fato exterior e anterior ao processo (no caso da ação), ao passo que no segundo
ela tem origem já processual (no caso do recurso), encontrando sua ratio essendi no próprio ato
recorrido” (Cf. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006. p. 135-136).
4
“Mas a tutela provisória cautelar é sempre preventiva. Por isso, está, sim, amparada pela garan­
tia constitucional da ação. Na mesma medida, encontra amparo em sede constitucional a
tutela urgente não cautelar, visto que ambas são inspiradas no princípio da efetividade da
tutela jurisdicional. A garantia da ação abrange todos os mecanismos possíveis e necessários a
proporcionar ao titular do direito a proteção de que precisa e a que faz jus” (Cf. Bedaque, José
Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência: tentativa de
sistematização. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 84, grifos no original).

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O princípio da colegialidade e a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 527 do CPC 139
com os princípios constitucionais do juiz natural e da colegialidade? O princípio da
colegialidade nos Tribunais encontra base constitucional para impedir a vigência
do parágrafo único do art. 527 do CPC.
Para se fomentar os debates inevitáveis para se encontrar respostas a tais
questões, o presente estudo se presta a visitar alguns princípios fundamentais do
direito processual civil, tais como os princípios do juiz natural e da colegialidade.
Além disso, imprescindível verificar a compatibilidade do mencionado parágrafo
único com a Constituição Federal, bem como realizar uma análise sobre as formas
de im­pugnar as decisões com base no art. 527, incisos II e III do CPC. São esses os
temas objeto do breve estudo.

2 O princípio do juiz natural


O princípio do juiz natural, cuja origem é remota, advém da Carta Magna de
1215, derivando-se da Petition of Rights, de 1627, e do Bill of Rights, de 1688. Evidencia-
se na ideia de que o cidadão tem a garantia de ser julgado por órgãos jurisdicio­
nais (juízes e Tribunais) previstos e disciplinados na Constituição Federal.5 Consti­
tui um mandamento constitucional esculpido nos incisos XXXVII e LIII do art. 5º da
Carta Magna, onde é preconizado que não haverá juízo ou Tribunal de exceção;
que ninguém será processado ou julgado senão pela autoridade competente, e
segundo Nelson Nery Junior, tem tamanha importância na garantia do Estado de
Direito, bem como na manutenção dos preceitos básicos de imparcialidade do juiz
na atividade jurisdicional, atributo esse que se presta à defesa e proteção do interesse
social e do interesse público geral.6
O Tribunal de exceção é o juízo designado por deliberação legislativa, para
apreciar problemática já ocorrida ou não, quando exista Tribunal constituído para
tanto, o que não se confunde com prerrogativa de foro, que é delineada com vistas
ao interesse público, e sempre visando ao fim maior do princípio do juiz natural:
garantir a imparcialidade do juiz.
O mencionado princípio só incide sobre as questões envolvendo compe­tência
absoluta, pois, como preceituado pelo Código de Processo Civil, a incompetência
relativa pode ser deslocada ao arbítrio das partes, além do que, o princípio do
juiz natural incide sobre preceitos de ordem pública, sendo a locução “natural”
envolvendo não só a competência quanto ao local, mas também quanto à matéria.
As possíveis mitigações do princípio do juiz natural somente podem ocorrer se
algum preceito constitucional assim dispuser, e, mesmo assim, não conflitar com
nenhum outro princípio constitucional.

5
Cf. LOPES, João Batista. Curso de direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2005. p. 48.
6
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 6. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2000. p. 65.

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140 Rafael de Oliveira Guimarães

Em suma, o princípio do juiz natural obriga o Tribunal julgador que já tenha


sido criado para poder apreciar determinada questão, com jurisdição constitucional
para operar daquela forma; que a matéria seja pré-delimitada para aquele Tribunal;
e que o magistrado competente tenha sido legitimado mediante os procedimentos
legais necessários (concurso público, nomeação pelo quinto constitucional, etc.).

3 O princípio da colegialidade
O princípio da colegialidade é um princípio advindo de uma interpretação
sistemática do ordenamento jurídico. Primeiramente, como é notório na Consti­tuição
Federal, está inserido nesta a função dos Tribunais de Justiça ou Regionais Federais
como órgãos julgadores das causas em segundo grau de jurisdição ou nas ações
de competência originária.
A Constituição Federal disciplina em seu art. 106 o Tribunal Regional Federal,
com composição colegiada (art. 107), o mesmo acontecendo com os Tribunais de
Justiça (art. 125), o Supremo Tribunal Federal (art. 101) e Superior Tribunal de Justiça
(art. 104). Em outras passagens como no art. 93, XI, fica estabelecido que os Tribu­
nais poderão criar Órgãos Especiais compostos por onze membros, e, ainda no art.
97, onde a Constituição obriga o julgamento colegiado de todos os membros para
declarar inconstitucional uma lei ou ato do Poder Público.
Tendo em vista essas “composições” dos Tribunais, o quadro que se apresenta
é sempre de Tribunais compostos por divisões (Câmaras ou Turmas) como julga­
doras das causas em segunda instância. Some-se a isso toda uma tradição de um
sis­tema romano-germânico que prega pelo julgamento por maioria, sendo esta
forma a essência dos Tribunais.
A reapreciação da causa em segunda instância não é somente com vistas
a um julgamento por um magistrado mais experiente, mas visa ao debate entre os
Desembargadores numa dialética que reflete o real Estado Democrático de Direito.
O julgamento colegiado pelos Tribunais resulta de uma absorção de vários preceitos
constitucionais.
A decisão colegiada é da essência dos tribunais, sendo o juízo natural dos
pronunciamentos dirigidos a tal corte, não podendo ser suprimido tal julgamento,
devendo sempre haver a possibilidade de recurso ao órgão colegiado.
Eduardo Talamini, em observações sobre o julgamento colegiado dos Tribu­
nais constatou que “é da tradição constitucional brasileira o julgamento colegiado
em segundo grau. Está implícita na estruturação constitucional do Poder Judiciá­rio
a pluralidade na composição dos tribunais locais e federais. E isso não consiste em
mero capricho burocrático ou administrativo. Ao estruturar os Tribunais em órgãos
colegiados, pretende-se fazer com que as decisões ali proferidas sejam essencialmente

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O princípio da colegialidade e a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 527 do CPC 141
fruto de deliberação conjunta — em contraposição às decisões isoladamente
adotadas pelos juízes singulares (de “primeiro grau”). Eis, aliás, um dos próprios
motivos que justificam a existência dos Tribunais.”7
O fato de poder o relator prolatar decisões incidentais ou terminativas não
eiva tal ato de inconstitucionalidade, haja vista a Lei nº 9.756/98 que alterou o art.
557 do CPC e possibilita a decisão terminativa unipessoal em recursos, ou mesmo
as decisões incidentais prolatadas pelos magistrados nas ações de competência
originária ou nos recursos. No entanto, como adverte Humberto Theodoro Júnior
“nos casos de competência recursal dos Tribunais, o relator, quando decide singu­
larmente, atua como delegado do colegiado, e o faz por economia processual, sem,
entretanto, anular a competência originária do ente coletivo.”8 O relator funciona
como um porta-voz do órgão colegiado, mas sob pena se ferir a Constituição Federal,
de acordo com o afirmado por José Carlos Barbosa Moreira, deve sempre restar a
via do recurso ao órgão colegiado. O processualista fluminense preceitua que “o
pronunciamento do relator não deve constituir necessariamente a última palavra
sobre o assunto. Assiste ao interessado (seja o recorrente, ou o recorrido, ou qualquer
outro legitimado) o direito de reclamar que o julgamento se faça pelo colegiado,
o qual o ordenamento dá competência recursal, insuscetível de lhe ser retirada.”9
A questão de o órgão colegiado ser o juízo natural dos recursos, sendo esta
premissa impossível de ser retirada, já foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal.
O guardião da Constituição, ao apreciar por várias vezes a constitucionalidade da
Lei nº 9.756/98, que regulamenta poderes ao relator para julgar monocraticamente
os recursos, foi enfático ao preceituar pela constitucionalidade da referida norma,
mas “desde que, mediante recurso, possam as decisões ser submetidas ao controle
do Colegiado.”10

7
TALAMINI, Eduardo. Decisões individualmente proferida pelos integrantes dos Tribunais: legiti­
midade e controle (agravo interno). In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; NERY JUNIOR, Nelson
(Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
p. 180. No mesmo sentido: “a colegialidade é também um importante fator de busca da legi­
timidade do Judiciário, ou seja, de persuasão dos jurisdicionado de que sua causa foi julgada
por uma junta de juízes, que discutiram a matéria procurando discutir em conjunto encontrar
a solução mais justa: juízes que revelaram o direito das partes no exercício mais autêntico do
mandato recebido pelo povo e sob o mais eficaz mecanismo de controle, aquele que cada
julgador exerce sobre o comportamento dos demais, porque a decisão que todos buscam vai
influir na reputação de cada um” (GRECO, Leonardo. A falência do sistema de recursos. Revista
Dialética de Direito Processual, São Paulo, v. 36, p. 30, 2003).
8
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 40. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2003. v. 1, p. 517.
9
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 14. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006. v. 5, p. 677.
10
“Legitimidade constitucional da atribuição conferida ao Relator para arquivar, negar seguimento
a pedido ou recurso e dar provimento a este (RISTF, art. 21, §1º; Lei 8.038/90, art. 38; C.P.C., art. 557,

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142 Rafael de Oliveira Guimarães

Mas não é só no caso de decisões terminativas que o órgão colegiado é o


juízo natural dos recursos, também o é nas decisões interlocutórias. Em caso que já
se tornou leading case no direito brasileiro, o então Procurador-Geral da República
José Paulo Sepúlveda Pertence, apresentou Representação, autuada sob o nº 1.299-
9, tendo como relator o Min. Célio Borja, que objetivava a declaração de incons­
titucionalidade do art. 364, §2º, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do
Estado de Goiás, por tal dispositivo legal ter obstruído a recorribilidade da decisão
monocrática do relator nos processos de mandado de segurança de competência
originária daquele Tribunal de Justiça.
Na mencionada representação, o então procurador alegou que “a questão é
saber se é inconstitucional negar-se recurso, no processo de mandado de segurança,
contra qualquer decisão do órgão singular do Tribunal, seu Presidente ou o relator do
feito, que cause agravo à parte”,11 e fundamentou sua pretensão argumentando que
“os atos de jurisdição de seus órgãos individuais — Presidente ou relator — deverão
ser recorríveis para o órgão competente” e não “apenas de decisões incidentais,
como as relativas à liminar, mas também as decisões terminativas.” Alegou o pro­
cu­rador que pode o relator prolatar tais decisões “desde que se mantenha a recor­
ribilidade delas para o órgão colegiado.” No julgamento da representação, o Min.
Borja reconheceu o princípio da colegialidade, afirmando expressamente que o órgão
colegiado é Segundo Grau de Jurisdição, e declarando inconstitucional o dispositivo
do RITJGO,12 entendimento este do STF que perdurou em outros julgamentos.13

redação da Lei 9.756/98) desde que, mediante recurso, possam as decisões ser submetidas ao
controle do Colegiado” (STF, 1.a T., RE-AgR 561645/SC, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 27.11.07,
DJU, p. 51, 19 dez. 07) “Legitimidade constitucional da atribuição conferida ao Relator para
arquivar, negar seguimento a pedido ou recurso e a dar provimento a este RI/STF, art. 21, §1º; Lei
8.038/90, art. 38; CPC, art. 557, caput, e §1º-A, desde que, mediante recurso, possam as decisões
ser submetidas ao controle do Colegiado. Precedentes do STF” (STF, 2ª T., RE-AgR 346375/RS,
rel. Min. Carlos Velloso, j. 29.09.05, DJU, p. 21, 14 out. 05).
11
Basicamente os fundamentos para se recorrer na via do agravo regimental.
12
“Em favor de qualquer de seus membros, ‘utsinguli’, não podem os tribunais declinar de
competência que a Constituição neles investiu, enquanto órgãos colegiados. Sobretudo, não
podem, por meio de norma regimental, emprestar o atributo de decisão definitiva aos despachos
dos seus membros. Representação julgada procedente para declarar inconstitucional o parágrafo
2º do art. 364 do RI do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. ‘Art. 115. Compete aos Tribunais:
III – elaborar seus regimentos internos e neles estabelecer, respeitado o que preceituar a Lei
Orgânica da Magistratura Nacional, a competência de suas Câmaras ou turmas isoladas, grupos,
seções ou outros órgãos, com funções jurisdicionais ou administrativas;’. O dispositivo transcrito
concede aos Tribunais o poder de estabelecer em norma regimental a competência jurisdicional
ou administrativa dos seus diferentes órgãos. Trata-se de uma delegação direta do constituinte ao
Poder Judiciário, assim nacional como local; seu exercício, porém, está submetido aos limites que
defluem dos princípios da Constituição e da ordem jurídica positiva do Estado. Assim, além das
limitações decorrentes da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, expressamente mencionada no
inciso III do art. 115, CF, outras, quer de origem federal quer estadual, deverão ser atendidas pelos

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O princípio da colegialidade e a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 527 do CPC 143
O Superior Tribunal de Justiça, em recentes julgados, também preconiza
13

pela obrigatoriedade da possibilidade da apreciação das decisões monocráticas pelo


órgão colegiado. O Tribunal Superior preconiza que “A lei 8.038/90 prevê, no art. 39,
o direito de a parte reiterar o pedido perante o próprio colegiado. Nestes casos, cabe
à parte sucumbente impugnar os fundamentos da decisão monocrática através de
agravo regimental, como forma de assegurar o princípio da colegialidade, garantia
fundamental do processo que visa neutralizar o individualismo das decisões”.14

Tribunais quando hajam de investir competência nos seus diferentes órgãos. A lei processual de
alcance nacional não poderá ter obstada, pelo regimento das Cortes de Justiça, a sua vigência
e eficácia; e os Tribunais dos Estados também não se poderão eximir do cumprimento das
Constituições respectivas, sobretudo no que diz à sua administração (arts. 13 e 144, caput). A
colegialidade dos órgãos do segundo grau de jurisdição, no dizer de BISCARETTI DI RUFFIA (Diritto
costituzionale, II Napoli, 1950, p. 23-24, n. 274, 275) atua em quase todos os Estados de civilização
européia, excetuados os anglo-saxões, e ainda quando não expressamente acolhido nos textos,
tem indubitáveis reflexos de ordem constitucional. A mesma observação aplica-se ao princípio da
pluralidade dos graus de jurisdição (pág. 22). Na Constituição Brasileira, o princípio da universalidade
da jurisdição (art. 153, §4º) auta na conformidade das estipulações nela estabelecidas, relativas à
ordem judiciária e à competência dos órgãos da função jurisdicional; e, igualmente, na harmonia
das regras emanadas da legislatura ordinária e dos próprios órgãos da função jurisdicional, como
autorizado no supratranscrito art. 115, III. Ora, seja em razão da formação histórica da organização
judiciária nacional, ou em virtude da própria estrutura dada ao Poder Judiciário federal e local pela
Constituição, é colegiado o órgão de Segundo Grau de Jurisdição” (STF, Pleno, Rp 1.299-GO, rel. Min.
Célio Borja, j. 21.08.1986, DJU, p. 22148, 14 nov. 1986, Ement. Vol. 1441, p. 93).
13
RTJ nºs 83/240 e 121/373.
14
“Processual Civil. Agravo Regimental. Impropriedade da Via Eleita. Recurso Cabível. Agravo Regi­
mental no Tribunal de Origem. Princípio da Colegialidade das Decisões. (Agravo de Instrumento
com Pedido de Tutela Antecipada para Conveder Efeito Suspensivo. Decisão Liminar em
Mandado de Segurança). 1. É cabível a interposição de agravo regimental contra qualquer decisão
monocrática de relator de tribunal. 2. O art. 39 da Lei nº 8.038/90, que disciplina o cabimento do
agravo interno contra decisão singular proferida por membro do Superior Tribunal de Justiça e
ao Supremo Tribunal Federal, deve ser aplicado, por analogia, aos demais tribunais pátrios, ainda
que inexista previsão no Regimento Interno do Tribunal de Segunda Instância. Precedentes:
(AgRg no AG n. 556508/TO, de minha relatoria. DJ. 30.05.2005; AG n. 712619/PI. Rel. Min. Teori
Albino Zavascki. DJ. 10.11.2005; Ag no AG n. 421168/SP. Rel. Min. Eliana Calmon. DJ. 24.06.2002).
3. ‘A decisão monocrática de relator indeferindo antecipação de tutela recursal em agravo de
instrumento interposto perante tribunal de segunda instância pode ser impugnada por recurso
interno ao colegiado. Aplicação do princípio constitucional da colegialidade dos tribunais e
do art. 39 da Lei 8.038, de 1990. (MC 6566, Rel. Min. Teori Zavascki)’ 4. A lei 8.038/90 prevê, no art.
39, o direito de a parte reiterar o pedido perante o próprio colegiado. Nestes casos, cabe à parte
sucumbente impugnar os fundamentos da decisão monocrática através de agravo regimental,
como forma de assegurar o princípio da colegialidade, garantia fundamental do processo que
visa neutralizar o individualismo das decisões 5. A súmula 622/STF, que desautoriza o cabimento
do agravo regimental contra decisão do relator que concede ou indefere liminar em mandado
de segurança, não se harmoniza com o próprio artigo 317 do RISTF, que prevê agravo regimental
contra qualquer decisão monocrática de um dos seus membros que cause prejuízo ao direito
da parte, outra não é a exegese do art. 258 do RISTJ. 6. É da natureza dos tribunais superiores o
exercício colegiado da jurisdição. Consectariamente, se a lei ou o Regimento conferem a um dos
membros do Tribunal, por razões de urgência e de abreviação do serviço judiciário, o exercício de
função jurisdicional, ele a desempenha em nome do colegiado, mas sem poder tolher o acesso do

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144 Rafael de Oliveira Guimarães

Corrente similar e recente extraiu-se de um julgado do Tribunal Regional Federal


da 2ª Região, que, de forma incidental, declarou inconstitucional o parágrafo único
do art. 527 do Código de Processo Civil,15 por este impedir o acesso ao colegiado
para impugnar decisão unipessoal do relator. O Tribunal Federal se fundamentou
justamente no princípio constitucional da colegialidade.16
A constatação do princípio constitucional da colegialidade já foi feita por
Dierle José Coelho Nunes, em artigo específico, onde afirma, tal como o STJ, que
o mencionado princípio é “uma garantia fundamental do processo que visa neutra­lizar
o individualismo das decisões”,17 justamente no sentido de evitar um totalitarismo do
magistrado de segundo grau, e proporcionar um julgamento pela turma ou câmara
sobre a lide.
Por fim, ainda, tal corrente é avalizada por Fredie Didier Júnior e Leonardo
José Carneiro da Cunha. Os processualistas afirmam que “em princípio, todos os
julgamentos, decisões e provimentos deveriam ser concedidos, nos Tribunais, pelo
órgão colegiado. Só que, diante da necessidade de agilizar a prestação jurisdicional
quanto a requerimentos que reclamam apreciação imediata e em vista da racionali­
dade e conveniência que se impõem na rotina dos Tribunais, a análise dos pleitos
urgentes é transferida, via de regra, ao relator, a quem se permite, em juízo de cog­
nição sumária, a prolação de provimentos emergenciais.
A competência, contudo, é, como se viu, do colegiado; ao relator permite-se
uma espécie de antecipação do pronunciamento do órgão colegiado, em pronun­
ciamento monocrático. Daí porque essa decisão do relator pode sempre ser revista

jurisdicionado ao colegiado, que é o juiz natural da causa. 7. Agravo Regimental desprovido” (STJ,
1.a T., AgReg no AgIn n. 827.242/MT, rel. Min. Luiz Fux, j. 07.12.06, DJU, p. 427, 01 fev. 07). “Processual
Civil. Decisão De Relator Que Nega Efeito Suspensivo a Agravo de Instrumento. Agravo Interno.
Cabimento. ‘A decisão monocrática de relator que defere ou nega efeito suspensivo ou ativo a
agravo de instrumento interposto perante tribunal de segunda instância pode ser impugnada
por recurso interno ao colegiado. Aplica-se, in casu, o princípio constitucional da colegialidade
dos tribunais e do art. 39 da Lei 8.039, de 1990’” (REsp 770.620/PA, relatado pelo eminente Ministro
Castro Meira, DJ 03/10/2005). Recurso especial conhecido e provido” (STJ, 4.a T., Resp n. 793430/
SC, rel. Min. César Asfor Rocha, j. 17.10.06, DJU, p. 375, 11dez. 06). No mesmo sentido: STJ, 2.a T.,
Resp n. 770620, rel. Min. Castro Meira, 01.09.05, DJU, p. 236, 03 out. 05, e TRF2, 8.a T. Especializada,
ApCív 68169, rel. Des. Fed. 19.08.08, DJU, p. 205, 02 set. 08.
15
Inserido pela Lei nº 11.187/2005.
16
“Em que pese a aparente vedação recursal implementada pela Lei n. 11.187/2005, poderá a parte
sucumbente impugnar os fundamentos da decisão monocrática pelo agravo interno, como
forma de assegurar o princípio constitucional da colegialidade, garantia fundamental do processo
que visa neutralizar o individualismo das decisões” (TRF da 2.a Região, 3.a Seção Especial, MS
n. 200602010044162, rel. Des. Fernando Marques, j. 18.05.06, DJU, p. 167, 14 jul. 06).
17
NUNES, Dierle José Coelho. Colegialidade das decisões dos Tribunais. Sua visualização como
princípio constitucional e do cabimento de interposição de agravo interno de todas as decisões
monocráticas do relator. Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil, São Paulo, v. 50, p. 54, nov./dez.
2007.

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O princípio da colegialidade e a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 527 do CPC 145
pelo órgão do Tribunal, por interposição de agravo interno ou regimental. É que a
competência, para julgamento, é do colegiado. Tal competência — não custa repetir
— foi, momentaneamente, transferida ao relator, com vistas a racionalizar ativi­dade
interna do Tribunal. Vale dizer que o Tribunal sempre terá a possibilidade de poder
rever a decisão do relator, preservando, desse modo, sua competência originária.”18
Desta forma, o princípio da colegialidade fica definido como o princípio
jurídico constitucional que obriga, em caso de provocação da parte, a manifestação
do órgão colegiado sobre as decisões monocráticas proferidas no Tribunal, por jus­
tamente ser o colegiado o juízo natural dos recursos nos Tribunais, e esta garantia
ser intransponível pela legislação infraconstitucional.19

4 A obrigatoriedade da decisão colegiada nos Tribunais no


direito comparado
As decisões colegiadas também possuem previsão no art. 555 do CPC, o
qual dispõe sobre o procedimento dos recursos nos tribunais, porém tal inserção
não é infundada ao mencionar apenas os recursos de agravo, apelação e embargos
infringentes. Isso porque outros recursos, como os embargos de declaração, sempre
serão subsidiários de outro recurso, e por disposição do art. 536 do CPC será a
petição dirigida ao mesmo órgão prolator da decisão recorrida. Já outros recursos
possuirão votos declarados, como nos embargos de divergência, em detrimento do
voto facultativamente oral.
A obrigatoriedade da decisão colegiada vem disposta em vários ordena­
mentos do mundo, como no art. 709 do Código de Processo Civil Português,20 art.

18
DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil.
Salvador: JusPodivm, 2008. v. 3, p. 167. Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos
tribunais.
19
“Esse cuidado homenageia a garantia constitucional do devido processo legal, na medida em
que põe limite ao poder do relator em julgamentos que em princípio pertencem aos órgãos
colegiados; presta reverência também ao valor das garantias do juiz natural, porque os colegiados
são o juiz natural dos recursos” (DINAMARCO, Cândido Rangel. O relator, a jurisprudência e os
recursos. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; NERY JUNIOR, Nelson (Coord.). Aspectos polêmicos e
atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 132).
Ainda: “Fixada como premissa a existência de um juiz natural no tribunal, que é o colegiado, tem-
se que todas as decisões que o tribunal proferir devem, em princípio, ser dadas por algum órgão
do tribunal. É um corolário do juiz natural dos tribunais a adoção do princípio da colegialidade
das decisões a eles submetidas” (BIM, Eduardo Fortunato. Do cabimento do agravo regimental no
mandado de segurança de competência originária para aplicação do princípio constitucional da
colegialidade: alcance e crítica da súmula 622 do Supremo Tribunal Federal. Revista Dialética de
Direito Processual, São Paulo, n. 36, p. 42, mar. 2006).
20
“A decisão é tomada por maioria, sendo a discussão dirigida pelo presidente, que desempata
quando não possa formar-se maioria” (Cf. REGO, Carlos Francisco de Oliveira Lopes do. Comentários
ao Código de Processo Civil. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2004. v. 1, p. 605).

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146 Rafael de Oliveira Guimarães

276 do Código de Processo Civil Italiano,21 art. 449 do Código Francês22 e art. 197
do CPC Espanhol,23 disposições em que se obriga o julgamento de no mínimo três
magistrados.
Disposição interessante encontra-se na Inglaterra,24 referente aos julga­mentos
submetidos ao Tribunal de Apelações: se a questão for flagrantemente previsível,
o relator submete a questão somente a um revisor, se este concordar, lavra-se o
julgamento.
Observa-se que o ordenamento inglês admite uma mitigação do órgão
colegiado quando a questão envolver a certeza jurídica necessária, no entanto,
para tornar constitucional uma supressão do julgamento por três magistrados no
órgão colegiado, há redução para dois julgadores a fim de preservar o debate que
legi­tima um julgamento pelo tribunal de segundo grau.
Em se tratando de decisões colegiadas, as mesmas guardam maiores
garantias de justiça e certeza da decisão. Pedro Miranda de Oliveira, citando Vittorio
Denti, apresenta os prós e os contras de um sistema, postulando que o princípio
da colegialidade consagra uma tríplice garantia: (a) de uma justiça iluminada, pela
elaboração da decisão proveniente do debate no interior do colegiado; b) de uma
justiça imparcial, pelo controle exercido pelos membros do colegiado na forma­
ção da decisão; c) de uma justiça independente, pela maior liberdade de decisão
que proporciona aos juízes o anonimato da colegialidade, porquanto encobre a
responsabilidade individual. Por outro lado, assinala que o sistema monocrático,
assim como a redução do número de componentes dos colegiados nos tribunais,

21
“La decisione è deliberata in segreto nella camera di consiglio. Ad essa possono partecipare
soltano i giudici que hanno assistito allá discussione. Il collegio, sotto la direzione del presidente,
decide gradatamente lê questione pregiudiziali proposte dalle parti o rilevabili d’ufficio e
quindi il mérito della causa. La decisione è presa a maggioranza di votti. Il primo a vottare è il
relatore, quindi l’altro giudice e infine il presidente” (Cf. CARPI, Federico; COLENSANTI, Vittorio;
TARUFFO, Michele. Commentario breve al códice di procedura civile. 4. ed. Padova: CEDAM, 2002.
p. 818).
22
La decision est rendue à la majorité des voix (Cf. Nouveau code de procedure civile. 93. ed. Paris:
Dalloz, p. 228).
23
“En los tribunales colegiados, la discusión e votación de las resoluciones será dirigida por el
Presidente y se verificará siempre a puerta cerrada. El Magistrado ponente somentará a la
deliberación de la Sala o Sección los puntos de hecho y las cuestiones y fundamentos de
derecho, así como la decisión que, a su juicio, deba recaer y, previa la discusión necesaria, se
procederá la votación” (Cf. YAGÜE, Francisco Lledó (Coord.). Comentarios a la nueva ley de
enjunciamiento civil. Madrid: Dykinson, 2000. p. 236).
24
“The Civil Division of the Court of Appeal is headed by the Master of the Rolls, who is assisted
the Lord Justices of Appeal. Normaly three judges sit to hear an appeal, although in important
cases a full court of five may be assembled. Since 1982, some cases have been heard by two
judges, in an attempt to reduce the waiting time for hearings. Decisions are made by a simple
majority” (KEENAN, Denis; RICHES, Sarah. Business law. 2nd ed. London: Pitman, 1991. p. 40).

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O princípio da colegialidade e a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 527 do CPC 147
tem relação com a racionalização do aparato judiciário, consubstanciada em uma
melhor utilização dos personagens judiciais.25
Da mesma forma, Athos Gusmão Carneiro, citando Roger Perrot, assevera
que o imperativo de uma justiça rápida é aliado do juízo único, mas os juristas fran­
ceses continuam reticentes porque não se esquecem de que a colegialidade é uma
garantia de boa justiça.26
Na Itália, dispositivo semelhante ao art. 557 do CPC é encontrado no art.
281 (Quartier em diante), porém não no tocante à matéria recursal que se detecta a
possibilidade de julgamento monocrático, mas sim pela matéria de direito material
envolvida (uma sentença a ser declarada nula, por exemplo). Ferruccio Auletta,
enfatizando o dito pela norma, lembra que o juízo monocrático decide em nome
da turma, com todos os poderes do órgão colegiado.27
Sem se adentrar na questão das vantagens e desvantagens de uma decisão
monocrática nos tribunais — o que, em tese, gera uma celeridade maior, já que não
se realiza o procedimento de submeter-se ao revisor nem ao envio dos autos ao
Ministério Público e pedido de pauta —, há questões que fogem à percepção em
um breve passar de olhos. Arruda Alvim, sabiamente, discorre acerca do prejuízo
imediato28 de se tomar uma decisão monocrática para decidir recurso, porque se
impede a manifestação colegiada, garantida constitucionalmente.
No Brasil, no caso dos recursos, o art. 557 possibilita suprimir a decisão cole­
giada, mas justamente porque ainda é permitida a apreciação do colegiado via
agravo interno. Em tais casos, quando presentes alguns dos requisitos do art. 557 do
CPC, quais sejam: a decisão impugnada seja contrária à súmula ou jurisprudência
dominante; seja o recurso manifestamente inadmissível, manifestamente impro­
ce­
dente ou procedente; poderá o relator julgar o recurso monocraticamente.

25
DENTI, Vittorio. Giudice onorario e giudice monocratico nella riforma della giustizia civile.
Rivista di Diritto Processuale, n. 4, p. 622-623, out./dez. 1978 apud OLIVEIRA, Pedro Miranda de.
Acesso à justiça, poderes do relator e agravo interno. 2005. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Curitiba. 2005. f. 145.
26
PERROT, Roger. Giudice collegiale e giudice único nel diritto processule francese. Rivista di
Diritto Processuale, n. 3, p. 377, jul./set. 1982 apud CARNEIRO, Athos Gusmão. Recurso especial,
agravos e agravo interno. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 185.
27
“Il soggetto della disciplina “speciale” Che si intende passare in rassegna si identifica col «giudice
designato a norma dell’articolo 168-bis o dell’articolo 484, secondo comma”, il quale, quando
è in fase di “decis[ione]” delle “cause”, stando al lessico legislativo, prende “tutti i poteri de
collegio” (AULETTA, Ferruccio. Le “specialitá” del processo civile davanti al giudice monocratico del
tribunale. Rivista di Diritto Processuale, Padova, v. 56, n. 1, p. 148, jan./mar. 2001).
28
ARRUDA ALVIM, José Manoel. Notas sobre algumas das mutações verificadas com as leis 10.352
e 10.358, de dezembro de 2001. In: Direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002. v. 2, p. 366.

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148 Rafael de Oliveira Guimarães

Lem­brando que todas essas decisões monocráticas, sejam instrumentais ou finais,


podem ser submetidas ao órgão colegiado por via do agravo cabível.
Por ora, posiciona-se pela legalidade de tais medidas, pois há o benefício
do julgamento monocrático imediato, desde que baseado em uma certeza jurídica
relevante, e que seja possibilitada a revisão da decisão pelo órgão colegiado para
dar o fundamento constitucional almejado.

5 O parágrafo único do art. 527 do CPC e a sua


inconstitucionalidade
Pretende-se, neste item, se demonstrar a inconstitucionalidade — e inu­
tilidade — da inserção do parágrafo único do art. 527 do CPC (inserido pela Lei
nº 11.187/2005), que veda a recorribilidade das decisões do relator que concede ou
denega a antecipação dos efeitos da tutela em agravo de instrumento, ou converte
este em retido.
É importante frisar que o objetivo não é somente criticar a inserção de tal
parágrafo, mas apontar os motivos de sua inconstitucionalidade, e, principalmente,
a sua inutilidade, quando se afirma que tal inserção teria tido por finalidade diminuir
o número de recursos nos Tribunais.
O impedimento do acesso ao colegiado nos casos de liminares em agravo
de instrumento, ou mesmo na conversão deste em agravo retido, retira do órgão
colegiado a apreciação de tal matéria. Ab initio, já se constata a violação de dois
princípios constitucionais, de que se tratou nos itens 2 e 3, supra: do juiz natural e
da colegialidade.
Como se disse, o princípio do juiz natural consiste na garantia da fixação
de um órgão julgador para determinada demanda, inexorável, sem a possibilidade
de modificação pelo legislador infraconstitucional. No caso dos recursos ou das
ações originárias nos Tribunais, esse juiz natural é bem definido: o órgão colegiado.
José Carlos Barbosa Moreira entende que “tendo em vista que o ‘juiz natural’ do
recurso é o órgão colegiado, não seria possível subtrair a este, em termos definitivos,
o conhecimento da matéria: estaria violada a regra do art. 5º, LIII, da Carta da
República.”29 Não bastasse o juízo natural dos Tribunais ser o órgão colegiado e dele
não poder ser subtraído o exame de qualquer incidente impugnado nos Tribunais
deve ser submetido ao órgão colegiado como dispõe Cândido Rangel Dinamarco.30

29
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Lei n. 9.756/98: uma inconstitucionalidade flagrante e uma decisão
infeliz. In: MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual civil: sétima série. São Paulo:
Saraiva, 2001. p. 83.
30
“Esse cuidado homenageia a garantia constitucional do devido processo legal, na medida em
que põe limite ao poder do relator em julgamentos que em princípio pertencem aos órgãos
colegiados; presta reverência também ao valor das garantias do juiz natural, porque os colegiados

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O princípio da colegialidade e a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 527 do CPC 149
Talvez nem fosse necessário recorrer a argumentos teóricos para demonstrar que o
parágrafo único do art. 527 não é só inconstitucional, mas também completamente
ilógico. Se não, veja-se: A parte apresenta agravo de instrumento e pede a anteci­
pação dos efeitos da tutela recursal, que lhe é negada. Nessa situação, já é mister a
reflexão de que se está diante de uma possível lesão a direito, ou mesmo de uma
possibilidade grave de dano ao postulante.
Se faz necessário permitir à parte, quando esta tenha razões fundadas para
crer que a decisão monocrática não espelhe a vontade do próprio Tribunal, que a
este ela se dirigira para promover a colheita dos demais votos a fim de que verifi­
que o agrupamento de opiniões, característica primordial do julgamento dos juízos
colegiados.31
Ou seja, surgida a situação de necessidade de tutela, é imprescindível que
o sistema resguarde ao jurisdicionado um meio de obter nova decisão, agora por
intermédio do órgão colegiado, o que decorre da própria obrigatoriedade de tutela
(cf. art. 5º, XXXV da CF/88), que nos recursos é consagrada pelo princípio das deci­
sões juridicamente relevantes. Como sugere Flávio Cheim Jorge, quando reporta
à inconstitucionalidade do agravo regimental. O processualista afirma que “em res­
posta à tese da inconstitucionalidade por falta de previsão legal do procedimento em
lei estadual, dois argumentos contundentes se nos afigurem em sentido oposto: a)
maior inconstitucionalidade haveria caso admitíssemos a impossibilidade do uso
do recurso, tendo em vista o direito constitucional da parte a um pronunciamento
colegiado”.32
O raciocínio se aplica ao caso, na medida em que se encontra uma obriga­
toriedade de resolução das situações juridicamente relevantes dentro dos recursos. A
inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 527, sob este aspecto, é defen­dida
também por Leonardo Ferres da Silva Ribeiro.33

são o juiz natural dos recursos” (DINAMARCO, Cândido Rangel. O relator, a jurisprudência e os
recursos. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; NERY JUNIOR, Nelson (Coord.). Aspectos polêmicos
e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
p. 132). Ainda: “Fixada como premissa a existência de um juiz natural no tribunal, que é o cole­giado,
tem-se que todas as decisões que o tribunal proferir devem, em princípio, ser dadas por algum
órgão do tribunal. É um corolário do juiz natural dos tribunais a adoção do princípio da
colegialidade das decisões a eles submetidas” (BIM, Eduardo Fortunato. Do cabimento do agravo
regimental no mandado de segurança de competência originária para aplicação do princípio
constitucional da colegialidade: alcance e crítica da súmula 622 do Supremo Tribunal Federal.
Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, n. 36, p. 42, mar. 2006).
31
FEU ROSA, Antônio José Miguel. Agravo regimental. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 738, p. 39,
abr. 1997.
32
JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
p. 182.
33
“Como já demonstramos, no mais das vezes, tais decisões do relator implicam na complicada

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150 Rafael de Oliveira Guimarães

E ainda recorrendo-se aos princípios basilares do direito, nos quais é inima­


ginável o impedimento da tutela no caso de necessidade, não se permite utilizar o
raciocínio de que está se diminuindo o trabalho dos Tribunais com a supressão da
recorribilidade da decisão sobre tutela antecipada no agravo de instrumento, ou
mesmo da que converte o agravo de instrumento em retido. Ora, supondo-se que
a decisão não tenha recurso, ocorreria a impugnação não na extensão da relação
jurídico-processual, mas por intermédio de uma ação autônoma, qual seja, o man­dado
de segurança. Neste caso, a ação é distribuída a relator diverso, com a manifestação
do Ministério Público, e, como o mandado de segurança tem prioridade no julga­
mento, impede o andamento da pauta, além de necessitar de revisor. Além disso,
no caso de indeferimento da inicial no mandado de segurança, qual seria o recurso
cabível? O agravo regimental!34 Vê-se que a utilização de tal ação de impugnação
somente protela a obtenção de decisão colegiada, despendendo sim, uma enorme
atividade jurisdicional que é totalmente desnecessária, Trata-se de premissa inútil,
conforme leciona Luiz Manoel Gomes Júnior.35
De acordo com Chiovenda, um princípio norteador do processo civil é o
princípio econômico, que se traduz na realização da menor atividade jurisdicional
possível para atingir o mesmo fim,36 mostrando ser totalmente inócua a regra do
parágrafo único do art. 527.

análise de uma tutela de urgência, a qual não pode ser obstaculizada, sob pena de vulnerar o
princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (CF, art. 5º XXXV), o qual deve ser entendido
como uma garantia de uma tutela jurisdicional dotada de efetividade. [...] Ora, é da tradição
constitucional brasileira o julgamento colegiado em segundo grau, sendo certo que o juiz
natural do recurso é o órgão colegiado, não o relator, daí não se pode permitir que, em qualquer
hipótese, mormente tratando-se de tutela de urgência, bloqueie-se totalmente o caminho
até ele” (RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Breves considerações sobre a irrecorribilidade das
decisões liminares do relator e o “juízo” de reconsideração (parágrafo único do art. 527 do CPC.
In: HOFFMAN, Paulo; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva (Coord.). O novo regime do agravo de
instrumento e do agravo retido: modificações da Lei n. 11.187/05. São Paulo: Quartier Latin, 2006.
p. 254-255).
34
Nesse sentido: BRUSCHI, Gilberto Gomes. Existe recurso contra a decisão do relator com base
no art. 527, III, do CPC?. Revista de Processo, São Paulo, n. 150, p. 372, ago. 2007. Ainda: “Processual
Civil. Agravo Regimental. Agravo de Instrumento. Decisão que Aprecia Liminar em Mandado
de Segurança da Competência Originária de Tribunal A quo. Cabimetno de Agravo Regimental.
1. É entendimento pacífico da Primeira Seção desta Corte que cabe agravo regimental contra
decisão que concede ou indefere liminar em mandado de segurança. 2. Agravo regimental
provido para conhecer do agravo de instrumento e dar provimento ao recurso especial”
(STJ, 2.a T., AgRg no Ag n. 556.879/TO, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 16.03.2004, DJU, p. 247,
10 maio 2004).
35
GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. O novo regime do agravo de instrumento: Lei n. 11.187, de
19.10.2005. Revista de Processo, São Paulo, n. 134, p. 118, abr. 2006.
36
“Pero puede añadirse a estós un principio mas general que nos es sino la aplicación del principio
del mínimo medio a la actividad jurisdiccional y no solamente en el proceso particular, sino

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O princípio da colegialidade e a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 527 do CPC 151
Egas Dirceu Moniz de Aragão, ao escrever o artigo referente ao agravo regi­
mental, em 1962, que serve de base para todos os trabalhos doutrinários poste­
riores sobre o mesmo tema, já preceituava pela agilidade do agravo regimental no
processamento perante os Tribunais.37 De fato, é o recurso de trâmite mais rápido
nos Tribunais. Ou seja, definitivamente, não há qualquer benefício que o parágrafo
único do art. 527 possa trazer ao sistema.
Os princípios da colegialidade e do juiz natural, que nesse caso se imbricam,
devem prevalecer sobre o princípio da economia processual que estaria sendo
adotado pelo parágrafo único do art. 527 — que, no caso, a rigor, não existe!
A colegialidade no julgamento dos recursos não pode ser suprimida, pois se
trata da razão de ser dos Tribunais, já que tais decisões prestigiam o debate entre
os mais experientes julgadores. Diante de qualquer decisão monocrática tomada,
havendo o impedimento do acesso ao colegiado nos Tribunais, haverá manifestação
de absolutismo.38 O legislador, ao estipular a recorribilidade das decisões interlocu­
tórias por meio do recurso de agravo, abrangeu não somente as proferidas na pri­
meira instância, mas também as prolatadas pelo relator nos Tribunais. Aplica-se,
in casu, o brocardo ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus (“onde a lei não
distingue, não pode o intérprete distinguir”).
Se irrecorríveis fossem as decisões proferidas pelos relatores nos Tribunais,
haveria vício de inconstitucionalidade ou ilegalidade, conforme a hipótese. Isso
porque a Constituição Federal, quando fere a competência do Supremo Tribunal
Federal, do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais, e a
legis­lação infraconstitucional, nas hipóteses dos Tribunais de Justiça, ao estipular
a competência dessas cortes, asseguram em regra de que o julgamento deve ser

también em cuanto a otros procesos em su recíproca relación: conviene obtener el resultado


máximo em la actuación de la ley con el menor emprego possible de la actividad jurisdiccional”
(CHIOVENDA, Giuseppe. Princípios del derecho procesal civil. Trad. José Casais e Santaló. Madrid:
Réus, 1977. t. I, p. 170).
37
“A rapidez com que se promove essa integração do tribunal, como o salienta o próprio Costa
Carvalho em trecho transcrito, não emperra a máquina judiciária, razão pela qual não nos
rendemos a tal crítica, desse mesmo autor, em outra de suas obras” (ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz
de. Agravo regimental. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 315, p. 136).
38
“Outro aspecto ferido pelo insigne doutor é o da colegialidade do julgamento, que escapou aos
demais escritores, fato que impede definitivamente qualquer tentativa de afastar-se o agravinho
do seio dos tribunais. Figurando-se a hipótese de um julgamento proferido pelo relator, pergunta
o tratadista: “Como em tais casos, deixar a parte à mercê do relator, se o objetivo precípuo do
recurso (sempre a influência anterior a limitar o raciocínio às hipóteses de recurso, o que é
senão um aspecto parcial do problema) é o amplo exame da lide pelo juízo colegial?” Certo
não se pode pretender que o relator ou presidente, falando em nome do órgão coletivo, faça-o
com caráter de absolutismo, não se permitindo sequer a complementação do julgamento, a
integração da vontade do tribunal” (Ibidem, p. 138).

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152 Rafael de Oliveira Guimarães

proferido por julgamento colegiado.39 Tal preceito já é há muito tempo defendido


por Pontes de Miranda40 e, em Portugal, por Helder Martins Leitão.41
Sendo assim, é correto o entendimento de que é inconstitucional o parágrafo
único do art. 527 do CPC, como defendido por José Carlos Barbosa Moreira,42 José
Miguel Garcia Medina e Teresa Arruda Alvim Wambier,43 Rodrigo da Cunha Lima Freire,44
Alexandre S. Pacheco,45 Daniel Amorim Assumpção Neves,46 Cláudio47Cintra Zarif, 47

39
OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
p. 63.
40
“A regra, para os recursos, é a colegialidade das decisões. Quer dizer: a pluralidade de julgadores,
com o fim político de assegurar diversos exames ao mesmo tempo, além do duplo ou múltiplo
exame, no tempo, pelos juízes de primeiro grau e os demais juízes superiores” (PONTES DE
MIRANDA, Francisco Cavalcante. Comentários ao Código de Processo Civil. 3. ed. atual. Rio de
Janeiro: Forense, 1999. v. 7, p. 7).
41
“Todavia, não se pode esquecer que está inserido num tribunal colectivo, por tal, sujeito às
regras da colegialidade. Há regras específicas e apertadas no sentido de o processo ser dado
em vista aos juízes-adjuntos” (LEITÃO, Helder Martins. Dos recursos em processo civil. Porto:
Almeida e Leitão, 2005. p. 68).
42
“O que se quis dizer foi que contra essa decisão (a de conversão do agravo de instrumento em
retido), não cabe recurso para o órgão colegiado. Assim entendido, porém, o novo parágrafo
único parece-nos difícil de conciliar com a garantia constitucional do art. 5º, LV, fine” (MOREIRA,
José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
v. 5, p. 515).
43
“O órgão colegiado é o juiz natural dos recursos, sendo, diante disso, de duvidosa constitucio­
nalidade as regras processuais que impedem a interposição de recurso contra decisões pro­
feridas monocraticamente nos tribunais” (MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda
Alvim. Recursos e ações autônomas de impugnação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. v. 2,
p. 56. Processo civil moderno).
44
“A inconstitucionalidade da limitação imposta à recorribilidade das decisões monocráticas pro­
feridas pelos relatores dos recursos, especialmente no que diz respeito à instabilidade jurídica
que proporcionam, oposta à função dos próprios tribunais, e ao desprestígio de uma maior
justiça, proporcionada pela colegialidade das decisões, em nome da celeridade das decisões,
como se fosse o único valor em jogo” (FREIRE, Rodrigo Cunha Lima et al. Reforma do CPC.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 67 apud DELGADO, José. Reflexões contemporâneas
(março de 2007) sobre o novo sistema do agravo introduzido pela reforma do processo civil
brasileiro. In: ASSIS, Araken de et al. (Coord.). Direito civil e processo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008. p. 1287).
45
PACHECO, Alexandre S. O mandado de segurança contra ato judicial e a reforma do agravo
de instrumento empreendida pela Lei 11.187/2005. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; NERY
JUNIOR, Nelson (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v. 11, p. 18.
46
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Agravo interno regimental. Revista Dialética de Direito
Processual, São Paulo, v. 39, p. 33, jun. 2006.
47
ZARIF, Cláudio Cintra. As diversas modificações no procedimento do recurso de agravo. In:
MEDINA, José Miguel Garcia et al. (Coord.). Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais:
estudos em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos
Tribu­nais, 2008. p. 640.

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O princípio da colegialidade e a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 527 do CPC 153
Christian Barros Pinto,48 Eduardo Fortunato Bim,49 e José Carlos Teixeira Giorgis
Este último pontua que “dizer-se irrecorrível a decisão do relator sobre a
limi­nar é dar-lhe competência não-delegada, que não tem respaldo na lei nem
justi­ficativa na ciência ou técnica jurídica.”50 As mesmas observações são feitas por
Bruno Dantas do Nascimento: “sendo o princípio do juiz natural uma garantia cons­
titucional assegurada pelo art. 5º, LIII, o dispositivo em tela, ao obstaculizar o exa­
me, em sede de liminar, pelo colégio, restringindo-o ao relator, acaba por malferir
o texto constitucional”.51

48
“De fato, a ter como inconstitucional a norma constante no parágrafo único do art. 527, do
CPC, por ofensa aos princípios do duplo grau de jurisdição e do juiz natural, bem como por não
proporcionar a segurança necessária à prestação jurisdicional adequada, outra ilação não se
poderá extrair senão a de ser inaplicável a vedação ao recurso contra decisão do relator. Assim,
uma vez afastada a inaplicabilidade da norma em destaque, inevitável é não admitir óbice ao
ataque da decisão monocrática do relator que converte em retido o agravo de instrumento, o
que se fará por meio de agravo interno, como, aliás, sói acontecer aos demais provimentos
unipessoais dos membros do colegiado, dada a vocação natural e inarredável do controle
de tais decisões pelo órgão colegiado” (PINTO, Christian Barros. A inconstitucionalidade do
parágrafo único do art. 527, do Código de Processo Civil e o cabimento do agravo interno.
Revista Dialética de Processo Civil, São Paulo, v. 71, p. 26, 2009).
49
“[...] sempre existe a possibilidade de se recorrer ao colegiado (exceção, inconstitucional, do
art. 527, parágrafo único do CPC)” (BIM, Eduardo Fortunato. Do cabimento do agravo regimental
no mandado de segurança de competência originária para aplicação do princípio constitucional
da colegialidade: alcance e crítica da súmula 622 do Supremo Tribunal Federal. Revista Dialética
de Direito Processual, São Paulo, n. 36, p. 42, mar. 2006).
50
“Por outro lado, como reforça a doutrina, em órgãos colegiados é impossível pensar em decisão
do relator que não seja suscetível de revisão pelo órgão colegiado. Como o órgão colegiado
é o órgão competente para conceder ou denegar a liminar, também o é para julgar o feito. E,
se não há delegação ao relator, tal não exclui a competência do colegiado. Dizer-se irrecorrível
a decisão do relator sobre a liminar é dar-lhe competência não-delegada, que não tem respaldo
na lei nem justificativa na ciência ou técnica jurídica” (GIORGIS, José Carlos Teixeira. Notas sobre
o agravo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. p. 86-87).
51
NASCIMENTO, Bruno Dantas do. Inovações na regência do recurso de agravo trazidas pela Lei
n. 11.187/2005. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; NERY JUNIOR, Nelson (Coord.). Aspectos
polêmicos e atuais dos recursos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. v. 9, p. 83. No mesmo
sentido: “O princípio da colegialidade das decisões nos Tribunais não constitui regra expressa na
Constituição, mas é possível extraí-lo do sistema constitucional brasileiro que não impede que
a lei infraconstitucional delegue ao relator a prática de alguns atos processuais, desde que se
preveja meio para que o órgão colegiado confira a adequação desses atos, se a parte prejudicada
assim o quiser. Sendo assim, a possibilidade de decisão monocrática em sede recursal não ofende
a Constituição, se previsto instrumento adequado à sua impugnação, com o fito de provocar do
Tribunal propriamente dito” (MAIA, Izabelle Albuquerque Costa. Breve exame da nova disciplina
do agravo. In: HOFFMAN, Paulo; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva (Coord.). O novo regime do
agravo de instrumento e do agravo retido: modificações da Lei n. 11.187/05. São Paulo: Quartier
Latin, 2006. p. 208; OLIVEIRA, Pedro Miranda de. A conversão do agravo de instrumento em agravo
retido: decisão irrecorrível?. In: WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Anuário de produção intelectual.
Curitiba, 2007. p. 199).

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154 Rafael de Oliveira Guimarães

Assim, vê-se a clara incongruência do parágrafo único do art. 527 do Código


de Processo Civil com o sistema jurídico brasileiro. A Constituição Federal prevê
expressamente o princípio do juiz natural, e implicitamente o princípio da colegia­
lidade ao criar os Tribunais para revisar decisões de órgãos hierarquicamente infe­­riores
por intermédio das Turmas ou Câmaras, assim, restando eivado de inconstitucio­
nalidade qualquer norma jurídica infraconstitucional que retire essa garantia do
exame colegiado da prestação jurisdicional nos Tribunais.

6 Das formas de impugnação ao mencionado parágrafo


único
Antes de mais nada, imprescindível pontuar que o parágrafo único do art. 527
do CPC, apesar de inconstitucional, se aplicável, somente o será no caso de agravo
de instrumento, pela literalidade do referido dispositivo legal. O regimento interno
do Tribunal de Justiça do Paraná tem disposição expressa de que se aplica o mencio­
nado dispositivo também à apelação cível,52 e o Tribunal gaúcho entende da mesma
forma, aplicando o art. 527, parágrafo único, do CPC, a todos os recursos.53 Porém,
não há como concordar com tal posição. O art. 527 refere-se única e exclusivamente
a agravo de instrumento, e seu parágrafo único, como não poderia deixar de ser,
somente pode-se aplicar às disposições contidas no artigo. Por isso, inevitável con­
cordar com as observações da Profa. Teresa Arruda Alvim Wambier, ao preceituar ser
aplicável o parágrafo único do art. 527 somente ao agravo de instrumento,54 no que
é acompanhada por Gustavo de Medeiros Melo.55

52
Art. 247 do RITJPR. §3º - Não se admitirá o agravo regimental contra a decisão liminar do Relator
no agravo de instrumento e na apelação, a que se referem o art. 527, inc. III e o art. 558 e pará­
grafo único, ambos do Código de Processo Civil (Redação alterada pela Resolução n. 02/2002,
de 22/03/2002 – DJE, 04 abr. 2002).
53
“Inadmissível a interposição de agravo interno ou agravo regimental contra decisão que nega
ou concede tutela antecipada pleiteada em recurso, conforme entendimento majoritário
desta Corte. Conclusão 6ª. do CETARGS, a qual teve alterada sua redação em 07/04/99, pelo
Centro de Estudos do Tribunal de Justiça. Agravo interno não conhecido (TJRS, 5.a Câm. cív.,
Ag n. 70022234454, rel. Des. Umberto Guaspari Sudbrack, j. 05.12.2007).
54
“Pensamos que não se aplica esta restrição à decisão do relator relativa ao efeito suspen­­si­vo
e/ou antecipação de efeitos de tutela recursal em apelação, por exemplo” (WAMBIER,
Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
p. 354).
55
“Uma vez que a irrecorribilidade imposta pela Lei 11.187/2005 é limitada à atuação do relator
o processamento do agravo. É evidente que um dos objetivos da Lei 11.187/2005 foi evitar a
proliferação de agravo interno (ou regimental) no curso do agravo de instrumento. Portanto,
a incidência da nova lei é restrita a essa espécie recursal” (MELO, Gustavo de Medeiros. O recurso

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O princípio da colegialidade e a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 527 do CPC 155
Por isso, desde já, opina-se e recomenda-se pela recorribilidade via agravo
regimental da decisão que concede efeito suspensivo/antecipação dos efeitos da
tutela recursal a outros recursos que não o agravo de instrumento, com base no
art. 39 da Lei nº 8.038/90.
Quanto à referida decisão antecipatória no recurso de agravo de instrumento,
imensa celeuma foi gerada pelo parágrafo único do art. 527 do CPC.
Devido à regra criada para impedir o manejo de qualquer recurso contra a
decisão que, em agravo de instrumento, ventila tutela antecipada recursal, os Tribu­
nais brasileiros passaram largamente a não conhecer de qualquer recurso, seja
agra­vo interno ou regimental. Citem-se, como exemplo, julgados dos Tribunais de
Justiça de São Paulo56 e do Rio Grande do Sul57 e Tribunal Regional Federal da 2ª
Região,58 embora ainda em alguns casos no próprio Tribunal do Paraná,59 Tribunal de

de agravo na nova sistemática da Lei 11.187/2005. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; NERY
JUNIOR, Nelson (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007. v. 11, p. 123).
56
“Agravo Regimental. Denegação de efeito suspensivo a agravo de instrumento. Decisão liminar
proferida no caso do inciso III do art. 527 do CPC (Lei nº 11.187/2005) – Ausência absoluta de
interesse processual. Inadmissibilidade da interposição. Recurso não conhecido (TJSP, 20ª Câm.
Dto Priv., AgReg n. 7183103101, rel. Correia Lima, DJSP, 27 nov. 2007).
57
“A decisão que concede efeito suspensivo ao agravo de instrumento (CPC, art. 527, III), não
comporta qualquer recurso, mesmo o agravo regimental, até o pronunciamento definitivo da
Câmara ou Turma. Agravo não conhecido” (TJRS, 4.a Câm. Cív., AgReg n. 70020317848, rel. Des.
Araken de Assis, j. 05.09.2007). “Agravo Interno. Descabimento Contra Decisão do Relator Que
Deferiu Efeito Suspensivo Ativo a Agravo de Instrumento. Poderá o relator, depois de recebido
o agravo de instrumento, negar-lhe seguimento, liminarmente, ou mesmo, atribuir-lhe efeito
suspensivo ou deferir total ou parcialmente a antecipação de tutela, devidamente amparado
pelo disposto no art. 527, I e III, do CPC. - Decisão liminar do relator em agravo de instrumento
impassível de impugnação pela via recursal, conforme reza o art. 527, §único, do CPC. Negado
Seguimento ao Agravo Interno” (TJRS, 3.a Câm. Cív., Ag. n. 70020233169, rel. Des. Pedro Luiz Pozza,
j. 17.07.2007).
58
“Agravo de instrumento visando a reforma da decisão que negou provimento aos embargos de
declaração opostos pelo executado por não ter vislumbrado nenhum vício na decisão atacada.
2. Não se conhece de agravo interno, tendo em vista que a decisão impugnada foi proferida
em maio de 2007, na vigência da Lei 11.187/05, que suprimiu o cabimento de agravo interno
contra deliberação que concede antecipação da tutela recursal no agravo de instrumento (CPC,
parágrafo único do art. 527). Diante da impossibilidade de recurso contra tal ato, por vontade
do legislador infraconstitucional, descabe o uso de meio impugnativo previsto em Regimento
Interno para a hipótese” (TRF, 2.a Região, 2.a T., AgInterno no AgIn n. 152472, rel. Des. Fed. José
Neiva, j. 28.08.07, DJU, p. 492, 06 set. 2007).
59
“Agravo Regimental. Conversão de Agravo de Instrumento em Agravo Retido. Determinação de
Prestação de Caução Real Para Cumprimento da Medida Liminar. Oferecimento de Bem Imóvel.
Exigência Judicial Cumprida. Decisão Mantida. Recurso Desprovido” (TJPR, 17.ª Câm. Cív., AgReg
n. 0334257-0/1, rel. Des. Paulo Roberto Hapner, j. 19.04.06, DJPR n. 7.122).

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156 Rafael de Oliveira Guimarães

Justiça do Rio de Janeiro60 e no Superior Tribunal de Justiça,61 haja a admissibilidade


de agravo regimental e de agravo interno.
Diante desse panorama claramente direcionado à irrecorribilidade da decisão
que denega antecipação da tutela recursal a agravo de instrumento, surgiu a primeira
possibilidade expressa em lei de cabimento do pedido de reconsideração, já que a
norma prevê que a decisão não poderá ser revista, “salvo se o relator a reconsiderar”,
ou seja, há praticamente um incentivo ao agravante para apresentar o pedido de
reconsideração, no caso. Teresa Arruda Alvim Wambier, Luiz Rodriguez Wambier e
José Miguel Garcia Medina assinalam que “dispõe a nova redação do art. 527, pará­
grafo único, que o relator pode reconsiderar a decisão proferida nas hipóteses dos
incs. II e III do mesmo artigo”. O pedido de reconsideração, “instituto controvertido
na doutrina, passa a ser expressamente admitido pela lei, na hipótese.”62 Contudo,
sabe-se que o pedido de reconsideração não guarda natureza jurídica de recurso,
sendo um sucedâneo recursal. Não há possibilidade de manejo de um novo recurso
contra a decisão que rejeita um pedido de reconsideração sem que haja a preclusão
sobre a decisão anterior, por exemplo.
Por isso, a doutrina mais abalizada já previa a possibilidade de se ventilar o
mandado de segurança para se impugnar essa decisão. Athos Gusmão Carneiro
pontua que “a irrecorribilidade das decisões monocráticas poderá dar azo, sob a
premissa de que os fatos seriam incontestados, ao lamentável ressurgimento do

60
“PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. EXCECUÇÃO FISCAL. LEILÃO.
SUSPENSÃO. Agravo regimental contra a decisão proferida pelo eminente Desembargador em
plantão que indeferiu liminar em agravo de instrumento a fim de sustar o leilão judicial do imóvel
pertencente ao Agravante, clube social e recreativo. A realização do leilão, ainda que condicional,
é capaz de gerar dano grave e de difícil reparação, o que recomenda atribuir efeito suspensivo
ao recurso. Recurso provido” (TJRJ, 17.a Câm. Cív., AgIn n. 2008.002.35749, rel. Des. Henrique de
Andrade Figueira, j. 19.11.2008) “Agravo Inominado no Agravo de Instrumento. Execução Fiscal.
Penhora de Renda. Efeito Suspensivo. Indeferimento. Agravo interno interposto contra decisão da
Relatora que deixou de atribuir o efeito suspensivo ao recurso oferecido contra decisão do ilustre
Juiz da 11ª Vara de Fazenda Pública” (TJRJ, 2.a Câm. Cív., AgIn n. 2005.002.20955, rel. Des. Elisabete
Filizzola, j. 22.02.06).
61
“Processo Civil. Recurso Especial. Inexistência de Omissão (art. 535, CPC). Decisão Monocrática
do Relator: Aplicação do Art. 557, par. 1º do CPC. Efeito Suspensivo ao Agravo de Instrumento.
(Art. 527 do CPC). Interpretação do art. 200 do Código de Processo Civil. 1. Julgado devidamente
analisado, sem omissão ou contradição na interpretação das questões fáticas postas para
julgamento. 2. “O relator está autorizado a julgar monocraticamente o recurso, para modificar a
decisão recorrida dando provimento, se a decisão impugnada estiver em desacordo manifesto
com a jurisprudência dos Tribunais Superiores (art. 557, §1º-A, CPC). 3. Efeito suspensivo a recurso
por ato do relator, avalizado pelo colegiado via agravo interno. 4. Recurso especial conhecido,
mas improvido” (STJ, 2.a T., REsp n. 785.154/RS, rel. Min. Eliana Calmon, j. 19.04.2007, DJU, p. 302,
30 abr. 2007).
62
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; WAMBIER, Luiz Rodrigues; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves
comentários à nova sistemática processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. v. 2, p. 271.

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O princípio da colegialidade e a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 527 do CPC 157
mandado de segurança como sucedâneo recursal (v. g. caso em que o juiz defere uma
antecipação de tutela): a parte ré, invocando a probabilidade de grave lesão a seus
direitos, agrava de instrumento o roga o efeito suspensivo, denegado pelo relator;
segue-se a impetração do writ pelo demandado”.63
Alexandre S. Pacheco também vê a possibilidade da impetração do mandado
de segurança contra as decisões dos incisos II e III, do art. 527 do CPC ao afirmar
que “com essas alterações promovidas na legislação processual civil, que supri­
miram instrumentos importantes para que o jurisdicionado pudesse insurgir-se
contra decisões que causam lesões a direitos seus, reforçou-se a aplicabilidade do
mandado de segurança contra ato judicial nas duas hipóteses sob comento, tratadas
no art. 527 do CPC pela Lei n. 11.187/2005”.64
Os Tribunais indicaram concordar com a mencionada corrente. A maioria
deles admite o manejo de mandado de segurança. O Tribunal paranaense é total­
mente a favor da utilização do chamado remédio heroico,65 tendo deferido a liminar

63
CARNEIRO, Athos Gusmão. Do recurso de agravo ante a Lei n. 11.187/2005. Revista Forense, Rio de
Janeiro, n. 384, p. 16, mar./abr. 2006.
64
PACHECO, Alexandre S. O mandado de segurança contra ato judicial e a reforma do agravo de
instrumento empreendida pela Lei 11.187/2005. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; NERY JUNIOR,
Nelson (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2007. v. 11, p. 18. Nesse sentido: “Entendemos que estando preenchidos, no caso
concreto, os requisitos de natureza constitucional, ou seja, ato ilegal ou abusivo, ofensa ao direito
líquido e certo, e não oferecendo, o sistema da lei ordinária, solução eficiente, pode a parte
lança mão do mandado de segurança para impugnar a decisão judicial” (GIRARDELLI, Adriana
Carvalho. Nova lei do agravo: das decisões interlocutórias: qual o recurso cabível?. In: HOFFMAN,
Paulo; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva (Coord.). O novo regime do agravo de instrumento e do
agravo retido: modificações da Lei n. 11.187/05. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 40). “Assim, a
experiência demonstra e comprova que toda vez que a legislação tentar impedir a interposição
de um determinado recurso o advogado buscará outra via. Portanto, negada a liminar no agravo
de instrumento, certamente, diante da urgência e da necessidade, o advogado não terá outro
meio de impugnação autônoma para obter o efeito pretendido, seja para a turma ou para o
órgão superior, voltando-se, diante da falta de recurso adequado, a se fazer o uso impróprio
do Mandado de Segurança contra ato judicial (HOFFMAN, Paulo. Cuidado! O fim do agravo de
instrumento pode aniquilar o processo civil pátrio. In: HOFFMAN, Paulo; RIBEIRO, Leonardo Ferres
da Silva (Coord.). O novo regime do agravo de instrumento e do agravo retido: modificações da Lei
n. 11.187/05. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 308-309). Ainda: CÂMARA, Alexandre Freitas. O
agravo interno no direito processual civil brasileiro. In: MEDINA, José Miguel Garcia et al. (Coord.).
Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais: estudos em homenagem à Professora Teresa
Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 617. Em sentido contrário: AZEM,
Guilherme Beux Nassif. A nova disciplina do agravo. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; NERY
JUNIOR, Nelson (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007. v. 11, p. 108.
65
“Mandado de Segurança. Pretensão de se Suspender a Decisão do Relator que Concedeu Efeito
Suspensivo a Agravo de Instrumento. Liminar Indeferida. Agravo Regimental. Ato que não se Mostra
Manifestamente Ilegal ou Terratológico. Da decisão do Relator que, em agravo de instrumento,
defere ou indefere efeito suspensivo ou ativo não cabe nenhum recurso (CPC, art. 527, parágrafo

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158 Rafael de Oliveira Guimarães

em alguns casos.66 A utilização do mandamus chegou a ser admitida no Superior


Tribunal de Justiça,67 justamente ante a inexistência de recurso para o caso.

único). Por isso, é possível o manejo do mandado de segurança contra essa decisão, mas desde
que, revelando-se primo ictu oculi manifestamente ilegal (discrepante do Direito) ou teratológica
(absurda), possa causar danos graves de difícil reparação. Agravo regimental desprovido. Processo
extinto, de ofício, sem resolução de mérito, com fulcro no art. 267, inc. VI, §3.º, do CPC diante da
ausência de interesse de agir pela inadequação da via eleita” (TJPR, 4.a Câm. Cív. em Composição
Integral, AgReg n. 0342447-9/01, rel. Des. Adalberto Jorge Xisto Pereira, j. 15.08.06, DJPR n. 7204)
“Essa possibilidade a que assim brevissimamente me refiro, de impugnação (excepcional) da
decisão mencionada mediante utilização do mandado de segurança, com as cautelas necessárias,
já agora por força da Lei n.º 11.187/2005, é admitida por doutrina de primeira grandeza, como
é o caso da destacada professora — e minha fraterna amiga — Teresa Arruda Alvim Wambier.1
3. Contudo, não obstante cabível o mandado de segurança nesse caso, para que tenha lugar o
remédio heróico, é imprescindível que o impetrante demonstre objetiva e inequivocamente que
a decisão atacada é manifestamente ilegal ou teratológica, o que não somente os impetrantes
não sustentam, como não deixam inequívoco” (TJPR, 18.a Câm. Cív., MS 0371285-4, rel. Des.
Rabello Filho, j. 02.10.06, DJPR n. 7227).
66
“Agravo Regimental. Mandado de Segurança. Ação de Improbidade Administrativa. Indeferimento,
em Primeiro Grau, do Pedido Liminar para que o Impetrante Fosse Afastado do Cargo de Prefeito
Municipal. Interposição de Agravo de Instrumento. Deferimento do Pedido de Antecipação Re­
cursal. Mandado de Segurança Impetrado Contra Decisão Liminar Proferida no Recurso de Agravo.
Liminar Deferida. Ausência de Fatos Concretos Demonstrando que o Prefeito Atrapalharia a Ins­
trução Processual. Decisão Acertada. Recurso Desprovido. 1. Nos termos do art. 20, parágrafo único,
da Lei 8.429/92, a autoridade judicial competente somente poderá determinar o afastamento do
agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando
a medida se fizer necessária à instrução processual. 2. Demonstrado nos autos de mandado de
segurança, por prova documental, que o impetrante não estaria sonegando documentos nem
tentando influenciar testemunhas, dúvida não há que os pressupostos para a concessão da
liminar nos autos de agravo de instrumento, quais sejam, relevância da fundamentação e risco
de dano irreparável ou de difícil reparação, não se faziam presentes. 3. O fato de o impetrante
ser réu em outras ações por ato de improbidade administrativa e, ainda, existirem inquéritos
civis públicos para apurar a prática de atos de improbidade administrativa, não justifica o seu
afastamento cautelar do cargo de prefeito, para o qual foi eleito pelo voto popular, já que tal
medida, nos termos do art. 20, parágrafo único, da Lei n. 8.429/92, somente pode ser determinada
quando for necessária para a instrução processual, ou seja, quando houver indicativos concretos
de que, permanecendo no cargo, tentará, valendo-se dele, atrapalhar a coleta de provas” (TJPR,
5.a Câm. Cív. em Composição Integral, AgReg n. 0356739-1/01, rel. Des. Eduardo Sarrão, j. 25.07.06,
DJPR n. 7.191).
67
“A excessiva restrição à utilização do agravo de instrumento e a vedação, à parte, de uma decisão
colegiada a respeito de sua irresignação, trouxe-nos de volta a um regime equivalente àquele
que vigorava antes da Reforma promovida pela Lei n. 9.139/95: a baixa efetividade do agravo de
instrumento implicará, novamente, o aumento da utilização do mandado de segurança contra
ato judicial. – A situação atual é particularmente mais grave porquanto, agora, o mandado de
segurança não mais é impetrado contra a decisão do juízo de primeiro grau (hipótese em que
seria distribuído a um relator das turmas ou câmaras dos tribunais). Ele é impetrado, em vez disso,
contra a decisão do próprio relator, que determina a conversão do recurso. Com isso, a tendência
a atravancamento tende a aumentar, já que tais writs devem ser julgados pelos órgãos plenos dos

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O princípio da colegialidade e a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 527 do CPC 159
Imprescindível tecer críticas ao entendimento do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul68 quanto ao tema. Além de não admitir recurso da ora mencionada
decisão, o Tribunal gaúcho não admite sequer o mandado de segurança, deixando
uma possível lesão à parte ou mesmo a direito sem qualquer tutela jurídica, reali­
zando uma flagrante violação ao art. 5º, XXXV, da CF/88.
Existe doutrina que defende a utilização dos recursos excepcionais para
impugnar a decisão do relator com base no inc. III, do art. 527 do CPC, pois “já que se
trata de decisão definitiva e irrecorrível no âmbito do próprio Tribunal. Para o cabi­
mento de tais recursos, é indispensável que a decisão seja proferida por Tribunal, sem
qualquer possibilidade de recurso interno” (perante o próprio Tribunal).69 Com todo
respeito, se pelo impeditivo do art. 527 parágrafo único não fosse possível a impug­
nação por agravo regimental, não seria possível o manejo dos recursos excepcionais,
já que a norma preceitua que as decisões proferidas com base nos incisos II e III
somente são passíveis de reforma no julgamento do agravo, ou seja, impedem
qualquer recurso, independentemente de interno ou excepcional. Por tal motivo,
entende-se pelo não cabimento dos recursos excepcionais contra a decisão que verse
sobre antecipação de tutela recursal no agravo de instrumento.
Paulo Henrique dos Santos Lucon posiciona-se sensatamente,70 mostrando
o julgamento do mandado de segurança no Tribunal Regional Federal da 2ª Região,
que assevera que “em que pese a aparente vedação recursal implementada pela
Lei n. 11.187/2005, poderá a parte sucumbente impugnar os fundamentos da
decisão monocrática por meio de agravo interno, como forma de assegurar o prin­
cípio constitucional da colegialidade, garantia fundamental do processo que visa

Tribunais de origem” (STJ, 3.a T., Resp n. 22847/MT, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 01.03.07, DJU, p. 230,
23 mar. 07).
68
“Nos termos da jurisprudência consolidada nesta C. Corte e nos Tribunais Superiores, é incabível
mandado de segurança contra ato do Relator que indefere efeito suspensivo a agravo de
instrumento. Ademais, a propositura do mandado de segurança encontra óbice na interpretação
do art. 527, inciso III e parágrafo único, do CPC, o qual estabelece que a decisão que atribui ou
não efeito suspensivo a agravo somente é passível de reforma no momento do julgamento do
recurso, salvo se o próprio relator a reconsiderar, denotando a irrecorribilidade da decisão. Agravo
Desprovido, por maioria” (TJRS, 1.o Grupo de Câms. Cívs., AgReg n. 70017359472, rel. Des. Adão
Sérgio do Nascimento Cassiano, j. 01.12.2006).
69
CALMON FILHO, Petrônio. Reflexões em torno do agravo de instrumento. Revista de Processo, São
Paulo, n. 150, p. 37, ago. 2007.
70
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Recurso de agravo. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; NERY
JUNIOR, Nelson (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007. v. 11, p. 320-321. No mesmo sentido: ALVIM, José Eduardo Carreira.
Irrecorribilidade das liminares previstas no art. 527, II e III, do CPC. Revista de Processo, São Paulo,
n. 139, p. 105, set. 2006.

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160 Rafael de Oliveira Guimarães

neutralizar o individualismo das decisões”.71 Tal posicionamento já foi defendido


em algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça.72
Dierle José Coelho Nunes também tem o mesmo entendimento, justifi­
cando que a fundamentação do princípio da colegialidade “poderá ser aplicada
atualmente no que tange à inaplicação do parágrafo único, art. 527 do CPC, em face
de sua inconstitucionalidade. Haverá, desse modo, possibilidade de interpo­si­­ção
de agravo interno de todas as decisões monocráticas do relator, mesmo que ver­
sem sobre a conversão73do agravo ou acerca de seus efeitos (suspensivo e ativo)”.73
Posicionamento que é manifestado também por Eduardo Melo de Mesquita,
Guilherme Peres de Oliveira,74 Christian Barros Pinto75 e William Santos Ferreira.7674

71
TRF da 2.a Região, 3.a Seção Especial, MS n. 200602010044162, rel. Des. Fernando Marques, j.
18.05.06, DJU, p. 167, 14 jul. 06. Embora, advirta-se, certamente o relator do mencionado julgado
entende ser cabível agravo interno contra as decisões monocráticas incidentais, o que, de
acordo com demonstrado neste trata, não acompanha-se. O adequado seria a apresentação de
agravo regimental.
72
“A lei 8.038/90 prevê, no art. 39, o direito de a parte reiterar o pedido perante o próprio colegiado.
Nestes casos, cabe à parte sucumbente impugnar os fundamentos da decisão monocrática
através de agravo regimental, como forma de assegurar o princípio da colegialidade, garantia
fundamental do processo que visa neutralizar o individualismo das decisões” (STJ, 1.a T., AgReg no
AgIn n. 827.242/MT, rel. Min. Luiz Fux, j. 07.12.06, DJU, p. 427, 01 fev. 07) “A decisão monocrática de
relator que defere ou nega efeito suspensivo ou ativo a agravo de instrumento interposto perante
tribunal de segunda instância pode ser impugnada por recurso interno ao colegiado. Aplica-se,
in casu, o princípio constitucional da colegialidade dos tribunais e do art. 39 da Lei 8.039, de
1990” (REsp 770.620/PA, relatado pelo eminente Ministro Castro Meira, DJ 03/10/2005). Recurso
especial conhecido e provido” (STJ, 4.a T., Resp n. 793430/SC, rel. Min. César Asfor Rocha, j. 17.10.06,
DJU, p. 375, 11dez. 06). No mesmo sentido: STJ, 2.a T., Resp n. 770620, rel. Min. Castro Meira,
01.09.05, DJU, p. 236, 03 out. 05, e TRF2, 8.a T. Especializada, ApCív 68169, rel. Des. Fed. 19.08.08,
DJU, p. 205, 02 set. 08.
73
NUNES, Dierle José Coelho. Colegialidade das decisões dos Tribunais: sua visualização como princí­pio
constitucional e do cabimento de interposição de agravo interno de todas as decisões monocráticas
do relator. Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil, São Paulo, v. 50, p. 57, nov./dez. 2007.
74
“Sugere-se que, na hipótese de desrespeito pelo relator à previsão legal, interponha-se o agravo
previsto no art. 557, par. 1º, do CPC, cabendo ao órgão competente a apreciação imediata na
sessão seguinte à interposição. Trata-se de decisão monocrática e ad referendum do colegiado,
portanto impugnável pela via do agravo, uma vez que não concebe em órgãos colegiados o não
reexame pelo colegiado daquelas decisões do relator” (MESQUITA, Eduardo Melo de. Agravo e
mandado de segurança contra atos do juiz em face das novas alterações do sistema processual.
In: HOFFMAN, Paulo; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva (Coord.). O novo regime do agravo de
instrumento e do agravo retido: modificações da Lei n. 11.187/05. São Paulo: Quartier Latin, 2006.
p. 125). “Espera-se que, a partir de tal constatação, nossos Tribunais reconheçam incidentalmente,
seguindo a orientação já fixada pelo STF, e passem a aceitar uma espécie de agravo inomi­nado
das decisões que, respectivamente, convertem o agravo em retido e decidem sobre o efeito
suspensivo” (OLIVEIRA, Guilherme Peres de. A irrecorribilidade do parágrafo único do art. 527 do
CPC e a jurisprudência correlata do STF. Revista de Processo, São Paulo, n. 32, p. 193, jun. 2007).
75
“Assim, uma vez afastada a inaplicabilidade da norma em destaque, inevitável é não admitir óbice
ao ataque da decisão monocrática do relator que converte em retido o agravo de instrumento,
o que se fará por meio de agravo interno, como, aliás, sói acontecer aos demais provimentos

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O princípio da colegialidade e a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 527 do CPC 161
Como já várias vezes manifestado neste estudo, doutrinariamente este é
o posicionamento mais correto: o recurso cabível contra a decisão que nega efeito
suspensivo a agravo de instrumento ser o agravo regimental. Isso porque total­
mente inconstitucional o parágrafo único do art. 527 do CPC, abrindo espaço para
o mencionado agravo. Porém, por cautela e pela maior aceitação nos Tribunais,
recomenda-se o manuseio do mandado de segurança em tal ato.

7 Conclusões
Diante das informações trazidas no presente estudo, verificou-se que o
prin­cípio do juiz natural obriga que o Tribunal julgador já tenha sido criado para
poder apreciar determinada questão, e ainda, que o magistrado competente tenha
sido legitimado mediante os procedimentos legais necessários (concurso público,
nomeação pelo quinto constitucional, etc.). No tocante ao princípio do juiz natural
nos Tribunais, esse está contido no princípio da colegialidade, princípio este de
cunho constitucional que obriga, em caso de provocação, a manifestação do órgão
colegiado sobre as decisões monocráticas proferidas em um Tribunal.
Por consequência da incidência destes princípios, verificou-se que o parágrafo
único do art. 527 é inconstitucional por feri-los, e que a o agravo regimental é o recurso
cabível contra a decisão que nega efeito suspensivo a recurso, inclusive no trâmite
do agravo de instrumento, ante o fato de o magistrado ter o dever de desconsiderar
o art. 527, parágrafo único do CPC por inconstitucionalidade e conhecer do recurso,
embora se oriente a utilização no mandado de segurança neste caso pela ampla
aceitação na doutrina e jurisprudência.

Abstract: This present article seeks to systematize the principals of natu­


ral judge and collegiate court, show the coincidences between then and
the constitutional status that both of then have. Thus, very important
show that according with these principals, it’s against the Constitution
the rule inserted on clause number 527, sole paragraph of Civil Procedure
Code, that obstruct the appeal of the decision made by only one judge
on the superior courts that appreciate summary injunctions on the
intelocutory appeal. At the end, it shows the way of Internal Interlocutory

unipessoais dos membros do colegiado, dada a vocação natural e inarredável do controle de


tais decisões pelo órgão colegiado” (PINTO, Christian Barros. A inconstitucionalidade do parágrafo
único do art. 527, do Código de Processo Civil e o cabimento do agravo interno. Revista Dialética
de Processo Civil, São Paulo, v. 71, p. 26, 2009).
76
FERREIRA, William Santos. Decisões do relator e a recorribilidade assegurada pelo parágrafo único
do art. 527 do CPC: uma questão de perspectiva. In: MEDINA, José Miguel Garcia et al. (Coord.).
Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais: estudos em homenagem à Professora Teresa
Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 875.

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162 Rafael de Oliveira Guimarães

Appeal and civil remedy of writ of mandamus like the good way to
contest this decision.

Key words: Monocratic Judgement. Unappealability. Natural Magistrate


Principle. Collegiate court Principle.

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O princípio da colegialidade e a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 527 do CPC 163
CHIOVENDA, Giuseppe. Princípios del derecho procesal civil. Trad. José Casais e Santaló. Madrid:
Réus, 1977. t. I.
DENTI, Vittorio. Giudice onorario e giudice monocratico nella riforma della giustizia civile. Rivista
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DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. Salvador:
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O princípio da colegialidade e a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 527 do CPC 165
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

GUIMARÃES, Rafael de Oliveira. O princípio da colegialidade e a inconstitucionalidade do pará­­


grafo único do art. 527 do CPC. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte,
ano 20, n. 77, p. 137-165, jan./mar. 2012.

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Crimes de internet à luz do princípio
da proporcionalidade: proibição da
proteção deficiente do Estado
Dauster Souza Pereira
Especialista em Informática na Educação pela
Universidade Federal de Lavras, Minas Gerais.
Especialista em Sistemas de Computação pela
PUC-Campinas. Especialista em Metodologia do Ensino
Superior pela Sociedade Rolimourense de Educação
e Cultura, Rondônia. Especialista em Administração
em Redes Linux pela Universidade Federal de Lavras,
Minas Gerais. Chefe do Departamento de Extensão do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de
Rondônia – Campus Ji-Paraná. Docente do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia
– Campus Ji-Paraná. Graduado em Processamento de
Dados pela Faculdades Integradas Espírito-Santenses.
Acadêmico do 10º período do Curso de Direito do
Centro Universitário Luterano de Ji-Paraná.
E-mail: <daustersp@hotmail.com>.

Mariana Secorun Inácio


Especialista em Ciências Penais pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Mestre em
Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul. Coordenadora de Atividades
Complementares do Curso de Direito do Centro
Universitário Luterano de Ji-Paraná. Docente titular das
disciplinas de Direito Penal II e IV e Criminologia do
Centro Universitário Luterano de Ji-Paraná.
E-mail: <marisecorun@gmail.com>.

Resumo: O século XXI vem sofrendo as mais variadas transformações


em razão da evolução tecnológica. Os avanços tecnológicos ocorridos
nos últimos tempos representam uma conquista inestimável, porém,
junto aos benefícios oriundos dessa tecnologia, tem-se o aspecto
negativo que se refere à possibilidade de crimes até então não previstos
pelo ordenamento. O presente trabalho foi feito através de pesquisa
bibliográfica, da qual são estudados e apresentados alguns conceitos
relacionados à nova era de criminalidade, dando destaque especial
ao conceito de crimes próprios e impróprios na internet, bem como
refletir sobre as possibilidades possíveis para tipificar condutas até
então não previstas pelo Direito Penal. Assim, este trabalho buscou
suscitar reflexões sobre o melhor caminho a ser tomado tendo em vista
a existência de crimes “novos” não previstos na legislação vigente e a
necessidade de se garantir a proteção aos direitos do cidadão por parte

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168 Dauster Souza Pereira, Mariana Secorun Inácio

do Estado. Ademais, o presente trabalho também buscou demonstrar


que o processo legislativo brasileiro é caracterizado pela lentidão, e por
outro lado, a evolução tecnológica é muito dinâmica. Por conseguinte,
torna-se pouco provável que a criação de leis especiais possa ser feita
a contento, a ponto de conseguir a proteção dos direitos dos cidadãos
em tempo hábil. Por fim, conclui-se ao final que o uso do Princípio da
Proporcionalidade, de modo especial, sua faceta relacionada à proibição
de proteção deficiente do Estado, poderá ser uma solução plausível
quanto à possibilidade de punição dessa nova criminalidade que surge
em nossa sociedade.

Palavras-chave: Sociedade de risco. Nova criminalidade. Princípio da


proporcionalidade. Proteção deficiente. Evolução tecnológica.

Sumário: Introdução – 1 A “nova” criminalidade – 2 Princípios do Direito


Penal clássico – 3 A utilização do Direito Penal nos crimes cometidos
através da informática – 4 Conclusão – Referências

Introdução
É evidente que essa crescente evolução tecnológica não traz somente van­
tagens. Com as novas opções tecnológicas, novas opções de delitos surgiram e tem
aumentado significativamente a sua ocorrência, principalmente tratando-se da rede
mundial de computadores — a internet.
Com isso, tratando-se das novas oportunidades para cometimento de delitos
oriundos da evolução tecnológica, o Direito Penal, como ultima ratio, também deverá
estar pronto para tratar das condutas humanas que comportam a tutela penal.
A tipificação dos crimes cometidos através da internet tem trazido algumas
divergências entre doutrinadores e, por conseguinte tem se tornado uma proemi­
nente área de pesquisa para acadêmicos das ciências jurídicas. Diante desse cenário,
o presente artigo pretende demonstrar que mesmo após a explosão tecnológica
alguns crimes apenas a utilizam como ferramenta ou instrumento para cometi­mento
do crime, deste modo, torna-se perfeitamente possível a sua tipificação utilizando
o Código Penal vigente.
Todavia, apesar de existir alguns crimes que não possuem legislação especial
para sua tipificação, faz-se necessária a tutela estatal. Não se pode aceitar uma pro­
teção deficiente por parte do Estado.
É nesse prisma que o Princípio da Proporcionalidade tem despontado como
sendo uma opção plausível para garantir que o Estado não proporcione uma pro­teção
insuficiente.

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Crimes de internet à luz do princípio da proporcionalidade: proibição da proteção deficiente do Estado 169
Neste sentido, o presente artigo resulta de um trabalho de conclusão de curso
da Graduação de Direito. Tem como objetivo analisar e compreender que o uso da
legislação atual atende aos delitos existentes relacionados aos crimes praticados
pela internet. Acredita-se que esta análise beneficie o campo de conhecimento em
relação às ações judiciais relacionadas aos crimes praticados pela internet, contri­
buindo com o Poder Judiciário e a sociedade como um todo.

1 A “nova” criminalidade
Ao longo do tempo, tem-se notado que o Direito Penal é um instrumento
qualificado de proteção dos bens jurídicos mais importantes. As constantes mudanças
que ocorrem na sociedade acabam por fazer surgir novos bens jurídicos a serem
tutelados, deste modo, faz-se necessária a adequação desse instrumento de pro­teção
com vistas a garantir a efetiva tutela do Estado aos direitos dos cidadãos.
O avanço da tecnologia da informação tem ocasionado profundas transfor­
mações no século XXI. O uso em massa dos recursos informáticos (computadores,
redes de fibra óptica, tecnologia wireless, entre outros) tem possibilitado coletar e
compartilhar dados em grande escala à coletividade. Entre as mais variadas novi­
dades tecnológicas provenientes do desenvolvimento encontra-se a internet — rede
mundial de computadores (COLLI, 2010, p. 15).
A sociedade moderna tem contemplado transformações imediatas e incon­
troláveis e com isso o campo de atuação do Direito Penal abriu um enorme leque de
possibilidades, intervindo em esferas antes não conhecidas, como: meio ambiente,
manipulação genética, informática, entre outras.
Para Sánchez (2001, p. 28),

El progreso técnico da lugar, en el ámbito de La delincuencia dolosa


tradicional (La cometida con dolo directo de primer grado), a La adopción
de nuevas técnicas como instrumento que le permite producir resul­
tados especialmente lesivos; asimismo, surgen modalidades delictivas
dolosas de nuevo cuño que se proyectan sobre los espacios abiertos
por La tecnología. La criminalidad asociada a los medios informáticos
y a Internet (La llamada «ciberdelincuencia») es, seguramente, el mejor
ejemplo de tal evolución.

A sociedade na qual se vive é uma sociedade caracterizada pelo risco tec­


nológico, deixando uma sensação de inseguridade nas diversas ações que podem ser
efetuadas no mundo digital. De acordo com Sánchez (2001, p. 32), o momento atual
é o da sociedade do medo, caracterizado pela sensação de insegurança.
Apesar da sensação de insegurança quanto a perspectiva de um futuro ino­
vador e também da busca constante de estar preparado para as mudanças futuras,

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170 Dauster Souza Pereira, Mariana Secorun Inácio

não é fácil para o legislador acompanhar as novas formas de conduta. Por mais
previsível que sejam as mudanças tecnológicas, é possível que escape à natureza
humana a possibilidade de prevê-las.

1.1 Crimes impróprios


Os crimes de informática definidos como impróprios referem-se àqueles que
para a sua prática utilizam a informática como instrumento ou meio (VALLOCHI,
2004, p. 15).
Praticamente em qualquer parte do mundo pode-se afirmar que os crimi­
nosos são mais rápidos do que os legisladores. No nosso país essa afirmação também
é verdadeira.
As facilidades disponibilizadas pelo mundo tecnológico têm deixado alguns
juristas completamente assustados (INELLAS, 2009, p. 35).
Por enquanto ainda não se tem uma legislação específica a respeito de
crimes virtuais e o nosso Código Penal data de 1940. Diante de tal realidade, a Justiça
tem utilizado no combate aos crimes virtuais o Código Penal vigente.
Vale nesse ponto destacar o comentário feito pelo Ministro Sepúlveda Pertence
no Habeas Corpus nº 76.689/PB, afirmando que,

[...] uma vez que se compreenda na descrição típica da conduta incri­


minada, o meio técnico empregado para realizá-la pode ser posterior à
edição da lei penal: a invenção da pólvora não reclamou redefinição do
homicídio para tornar explícito que nela se compreendia a morte dada
a outrem mediante arma de fogo. (STF, HC 76689/PB, REL. SEPULVEDA
PERTTENCE, Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.
jsp?docTP=AC&docID=76856>. Acesso em: 09 mar. 2011)

No habeas corpus supracitado o Ministro deixou claro que é preciso rebater a


ideia de que seriam necessárias muitas leis novas com o intuito de proteger os bens
jurídicos tutelados pelo Direito Penal quando relacionado aos chamados crimes de
informática. Como mesmo afirmou o Ministro Sepúlveda Pertence, a maneira de
punir o homicídio não mudou devido a invenção da pólvora.
As situações práticas que surgem com o uso abusivo da informática, fazem
com que vários doutrinadores tentem analisar a complexidade dessas situações,
bem como definir quais medidas legais devem ser tomadas a fim de evitá-las.
Várias são as situações onde os meios de informática são meros instru­mentos
de delitos comuns.
De acordo com Lima (2005, p. 23),

[...] não é o computador em si perverso, trata-se apenas de uma ferra­


menta, um instrumento, como inúmeros outros (exemplifico com as

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Crimes de internet à luz do princípio da proporcionalidade: proibição da proteção deficiente do Estado 171
armas de fogo, os explosivos, as chaves falsas etc.), que podem vir a
facilitar o cometimento de um crime, recebendo o utilizador do recurso,
de acordo com o legislador penal, a pena diferenciada pela perfídia
ou crueza, muitas vezes até manifestando-se em tipificação específica.

Na maior parte das vezes, os crimes de computador são nada mais que os
crimes comuns cometidos com o auxílio de um computador. É comum atualmente
ter notícia de consideráveis prejuízos patrimoniais por meio de crime de furto, apro­
priação indébita, estelionato ou dano (LIMA, 2005, p. 29).
Um dos doutrinadores que defendem a necessidade de criação de novos
tipos penais é o Promotor de Justiça Paulo M. Ferreira Lima. De acordo com Lima
(2005, p. 204),

O ordenamento jurídico penal brasileiro é deficiente em oferecer res­


posta aceitável para a perfeita solução quanto às condutas lesivas ou
potencialmente lesivas que possam ser praticadas pela Internet e que
encontram adequação típica no estreito rol de delitos novos existentes
no Código Penal e nas parcas leis especiais brasileiras que tratam da
matéria.

Por outro lado, Greco Filho apud Ferreira (2006, p. 1) defende que as condutas
ilícitas praticadas pela internet podem ser recepcionadas pelo ordenamento jurídico
vigente:

A Internet não passa de mais uma pequena faceta da criatividade do


espírito humano e como tal deve ser tratada pelo Direito, especialmente
o Penal. Evoluir, sim, mas se querer correr atrás, sem se precipitar e, desde
logo, afastando a errônea idéia de que a ordem jurídica desconhece ou
não está apta a disciplinar o novo aspecto da realidade. E pode fazê-lo
no maior número de aspectos, independentemente de qualquer modi­
ficação. (grifo nosso)

Já Aras (2001, p. 2), posiciona-se no sentido utilizar o ordenamento vigente,


todavia com algumas adequações

Destarte, a legislação aplicável aos conflitos cibernéticos será a já


vigente, com algumas adequações na esfera infraconstitucional. Como
norma-base, teremos a Constituição Federal, servindo as demais leis
para a proteção dos bens jurídicos atingidos por meio do computador
[...].

Apesar dos posicionamentos dos doutrinadores supracitados, com vistas a


melhorar o entendimento sobre essa questão, a seguir serão destacadas algumas

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condutas delituosas tipificadas cometidas por meio do computador e que podem ser
combatidas com o uso do Código Penal vigente.

1.1.1 Pedofilia
Não se pode afirmar que a pedofilia, por si só seja um crime, mas sim um
estado psicológico, e um desvio sexual. O crime pode ser caracterizado quando a
pessoa pedófila, baseada em seus desejos sexuais, comete atos criminosos como
abusar sexualmente de crianças (NOGUEIRA, 2009, p. 127).
O parágrafo 4º do art. 227 descreve que “A lei punirá severamente o abuso,
a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”.
Com a instituição da Lei nº 8.069 no dia 13 de julho de 1990, a proteção integral
foi regulamentada conforme pode ser observada no art. 3º da referida lei, assegu­
rando à criança e ao adolescente todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes
facilitar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social em condições de
liberdade e dignidade.
No contexto atual, já não existe dúvidas de que, com o desenvolvimento
tecnológico, o ser humano tem em suas mãos mecanismos ou meios que fazem com
que a distância seja um mero obstáculo superável. A tecnologia, em especial a internet
abriu fronteiras quanto a transmissão de informação e a relacionamento social.
No caso da pedofilia, aqueles que a praticam somente utilizam da internet
como um instrumento para a realização do delito já tipificado pela lei penal, por
conseguinte, não necessitando de edição de novas leis para a sua repressão.
Sendo assim, o art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente abrange de
modo específico a pornografia infantil ou pedofilia na internet. Com isso, atende ao
preceito que prevê que não há como imputar a alguém fato que a lei não prevê.

1.1.2 Crimes contra a honra: calúnia, difamação e injúria


Caluniar consiste em imputar a uma pessoa um crime que ela não cometeu.
Já difamar é imputar a alguém fatos ofensivos à reputação. E a injúria é caracterizada
pela opinião pessoal do agente sujeito passivo, todavia a mesma não encontra fun­
damento em dado concreto (CAPEZ, 2010, p. 492, 501, 508).
Com a internet, cometer qualquer um desses crimes tornou-se muito fácil.
Basta que seja criada uma página de internet com determinadas informações sobre
a vítima, ou por meio da participação em salas de bate-papo ou conversas instantâ­
neas, bem como o envio de e-mails.
Qualquer um dos crimes citados acima tem sua previsão legal no Código
Penal em seus artigos 138, 139 e 140. Todos esses artigos tipificam os crimes contra

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Crimes de internet à luz do princípio da proporcionalidade: proibição da proteção deficiente do Estado 173
a honra. Deste modo, independentemente do cometimento ter sido por meio da
internet, a legislação brasileira possui sua tipificação.

1.1.3 Phishing Scan


É considerada uma das formas mais comuns de crimes cometidos pela internet.
É caracterizado pelo envio de milhares de e-mails para variadas pessoas, normal­
mente de cunho apelativo bem como expondo uma situação que chame a atenção.
A mensagem enviada induz a vítima a clicar em determinado link ou campo.
Ao fazer isso, instala-se no computador da vítima um vírus capaz de monitorar sua
navegação.
O uso frequente desta técnica é empregada contra aqueles usuários que
utilizam o “Internet Banking”. Normalmente a vítima é atraída por algum tipo de
e-mail malicioso contendo um determinado vírus. Ao se acessar tal e-mail, o vírus
se instala no computador da vítima de modo a obter o controle de tudo o que está
sendo digitado no computador, ou seja, possibilita descobrir as senhas de acesso da
vítima em questão.
Para esse tipo de crime, os tribunais já têm tido decisões no sentido de que
se trata de estelionato. De maneira geral, configura-se crime de estelionato, quando
alguém obtém, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, indu­
zindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro
meio fraudulento (art. 171, caput, do Código Penal).
Vale dizer que o §3º, do art. 171, define que a pena é aumentada de 1/3 quando
o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto
de economia popular, assistência social ou beneficência. Assim vêm entendendo
o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça (STF, RT nº 642/382;
STF, RTJ nº 126/1185 e RT nº 645/383; STJ, RT nº 658/337). O Código Penal utiliza a
interpretação analógica. Isto quer dizer que após os termos artifício e ardil, emprega
a fórmula genérica, qualquer outro meio fraudulento. Sendo assim, mediante essa
fórmula, penaliza qualquer espécie de fraude (INELLAS, 2009, p. 64-65).
Diante de tal entendimento dos tribunais, é possível afirmar que o §3º do
art. 171, também pode ser aplicado aos crimes através da internet. Ou seja, nesse
caso existe apenas a utilização do meio informático para induzir ou manter a vítima no
erro, tendo como consequência a obtenção de vantagem ilícita para si ou para outrem.

1.2 Crimes próprios


Conforme mencionado anteriormente, crimes próprios referem-se àqueles
que só podem ser praticados através da informática. Também são conhecidos como
crimes novos, visto que seu surgimento deu-se a partir da inovação tecnológica. Vale

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destacar que muitas vezes esses crimes não são punidos justamente por não existir
uma legislação específica a respeito (VALLOCHI, 2004, p. 15).
Diante dos avanços tecnológicos existentes, a seguir serão apresentados
alguns exemplos de crimes que trazem, como consequência, a problemática relativa
à criação ou readaptação do ordenamento penal para a proteção desses novos
bens jurídicos informáticos.

1.2.1 Furto
Segundo Inellas (2009, p. 57), a modalidade de furto mais praticada, utilizando-
se a internet, é a transferência de fundos bancários. O criminoso, através da internet,
acessa o computador central de um estabelecimento bancário e mediante um pro­
grama especial, desvia pequenas quantias, das contas de todos os clientes, para
uma determinada conta.
Nesse caso, entende-se que a subtração de bens que possuam valor econô­
mico, seja de energia, de qualquer tipo, seja de dinheiro de uma conta-corrente,
utilizando-se a internet, é furto como outro qualquer, diferenciando-se apenas no
meio empregado. Ou seja, a diferença está apenas no modus operandi.
Entretanto, quando trata-se de furto de dados, o crime de furto gera polêmica.
Dado que o art. 155 do Código Penal define furto como “subtrair, para si ou para
outrem, coisa alheia móvel”, a questão que se coloca e tem que ver com interpre­
tação da doutrina, em especial Pinheiro (2009, p. 239), que questiona se seria
possível tipificar como furto a conduta de levar dados da empresa, mas deixá-los
também, sem eliminá-los ou apagá-los. Assim sendo, não haveria a indisponibilidade
do bem, o que se entende como requisito de subtração.
De acordo com Pinheiro (2009, p. 239), a realização de alguns ajustes na lei
penal, como no caso supracitado,

ajudariam a evitar situações de ter de optar por outro enquadramento,


e, em vez de furto, cuja pena é de reclusão de um a quatro anos, e multa,
ter-se-ia o crime de dano, cuja pena é bem menor, prevista no art. 163, de
detenção de um a seis meses.

Ao contrário do que ocorre em furto de dinheiro ou documentos em papel,


quando se trata de furto de dados de computador, normalmente não se deixa um
vazio onde o dado furtado se encontrava. Isso ocorre porque o criminoso pode
apenas copiar tal informação, deixando a original intacta.
Em princípio, para configurar furto, seria necessário tornar o bem indisponível
para aquele que era seu dono. Ou seja, não poderia ser deixado nada no local onde
a informação foi acessada. Tudo deveria ser levado embora. Entretanto, tratando-se

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Crimes de internet à luz do princípio da proporcionalidade: proibição da proteção deficiente do Estado 175
de furto de informações, o comum seria a situação de “copiar e colar”, deste modo,
a informação originária continuaria disponível para o dono e sendo levada somente
uma cópia da mesma.
É característico do crime de furto que a sua consumação seja no momento
da inversão da posse, quando o agente tendo subtraído a coisa a mantém em sua
posse. Contudo, no crime de furto ora destacado, a subtração não ocorreu, o que se
deu foi somente uma duplicação.
Como base no que foi descrito, pode-se perceber que no contexto atual,
o crime de furto de dados é um crime de difícil punição pela legislação vigente,
tendo em vista que a duplicação de dados, nesse caso, não encontra tipificação na
legislação penal. Vale destacar também que existem situações onde a própria vítima
sequer sabe que houve uma cópia de suas informações.

1.2.2 Invasão
As tentativas de invasão podem ser feitas de várias maneiras, todavia os
principais métodos são: dedução, engenharia social, tentativa e erro, cavalo de troia
e invasão do servidor (REINALDO FILHO, 2002, p. 16-17).
Para o crime em comento, na hipótese de uma invasão onde um cracker vio­
lasse um determinado sistema privado sem causar prejuízo, não há crime. Tem-se
nesse caso um fato atípico.
O acesso indevido, assim como acontece na invasão de domicílio, deve ser
regulamentado de modo a não se permitir que alguém quebre uma senha e invada
determinado sistema. No mundo físico, invadir a casa de outra pessoa, mesmo sem
levar nada, é crime tipificado no Código Penal: crime de violação e invasão de domi­
cílio. Porém, a analogia não pode ser empregada nesse caso.
Para Blum apud Brito Junior (2009, p. 173), a legislação ordinária brasileira
tipifica, total ou parcialmente 95% dos crimes eletrônicos. Os 5% restantes estão
causando grande preocupação.
Por mais que 5% parece ser um percentual aceitável quando comparado aos
95% restantes, não se pode conceber que o Estado não se preocupe com a tutela
de determinados bens jurídicos. Independentemente se o valor for 5%, 4%, 3%, 2%,
1% ou até menos, o artigo 5º, inciso XXXV garante a todo cidadão que “a lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Resta ao legislador
analisar qual caminho deverá seguir para tratar de tais situações.

2 Princípios do Direito Penal clássico


Os princípios no Direito Penal são considerados vitais para a compreensão
do instituto penal. O Direito Penal tem sua construção baseada em princípios

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constitucionais, ou seja, as normas penais devem estar em consonância com tais


princípios.
Existem vários princípios norteadores do Direito Penal, todavia, neste momento
será dado maior destaque aos princípios da anterioridade, legalidade — reserva
legal e proporcionalidade.

2.1 Princípio da anterioridade


A Constituição Federal de 1998 é clara ao afirmar em seu art. 5º, inciso XXXIX,
que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia comi­nação
legal”. Em outras palavras, só será considerado crime se a norma for declarada de
maneira antecedente. De igual modo, o Código Penal vigente também destaca em
seu primeiro artigo o princípio da anterioridade.
Com a aplicação desse princípio, a todo cidadão é assegurado que o mesmo
não será punido por uma determinada ação que não estiver com sua previsão
legal definindo-a como crime, por conseguinte, não sofrerá pena.
Tão relevante é esse princípio que o mesmo foi colocado na Lei Magna na
parte referente aos direitos e garantias do cidadão. Trata-se de um princípio que
visa garantir a proteção do indivíduo contra os abusos do Estado, ou seja, é um
princípio que controla a ação estatal.
Com a aplicação deste princípio, a lei penal nova só será válida para fatos
posteriores à vigência. Deste modo, para ser considerado crime, a lei deverá ser
anterior ao próprio fato.
O princípio da anterioridade confere segurança jurídica aos cidadãos, uma
vez que dá como garantia a aplicação para o futuro.

2.2 Princípio da legalidade


Para Greco (2009a, p. 93), existe uma estreita relação entre Princípio da
Legalidade e Estado de Direito, uma vez que para se ter um verdadeiro Estado de
Direito, todos devem se subordinar à lei.
Esse princípio deixa claro o evidente limite da autoridade do Estado no pro­
cesso de criminalização de condutas. Devido a isso e também a outros fatores é que
o Princípio da Legalidade é considerado um dos mais importantes do Direito Penal.
De acordo com Greco (2009b, p. 3), o Princípio da Legalidade possui quatro
funções fundamentais:

1ª) Proibir a retroatividade da lei penal (nullum crimen nulla poena sine
lege praevia);
2ª) Proibir a criação de crimes e penas pelos costumes (nullum crimen
nulla poena sine lege scripta);

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Crimes de internet à luz do princípio da proporcionalidade: proibição da proteção deficiente do Estado 177
3ª) Proibir o emprego de analogia para criar crimes, fundamentar ou
agravar penas (nullum crimen nulla poena sine lege stricta);
4ª) Proibir incriminações vagas e indeterminadas (nullum crimen nulla
poena sine lege certa).

Duas são as espécies de analogias aplicáveis ao Direito Penal: in bonam partem


e a in malam partem. Na primeira analogia, o acusado seria beneficiado, enquanto
na segunda sua situação seria agravada.
Alguns doutrinadores, como por exemplo, Rogério Grecco e Luiz Flávio
Gomes, afirmam categoricamente que a analogia in malam partem não se harmoniza
com o Princípio da Legalidade penal.
A base constitucional do Princípio da Legalidade está expressa no art. 5º,
inciso XXXIX, da Constituição Federal de 1988, que apregoa que “não há crime sem
lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
Para se proibir ou impor condutas sob a ameaça de sanção, deve-se observar
a única fonte do Direito Penal, a lei. Aquilo que não for de maneira expressa proi­bido,
é lícito.

2.3 Princípio da proporcionalidade


Partindo-se de um contexto histórico, pode-se afirmar que o Princípio da
Proporcionalidade tem como fundamento do seu surgimento a finalidade de dar
garantia à liberdade individual em face do interesse estatal.
Em sua essência, o Princípio da Proporcionalidade visa a consciência de que
até mesmo em face do próprio Estado existem direitos oponíveis. Diante disso,
pode-se afirmar que o Princípio da Proporcionalidade tornou-se um instrumento
de controle de poder.
O Princípio da Proporcionalidade é tido como instrumento adequado com
vistas a impedir que os órgãos do Poder Executivo desviem-se em relação aos fins
da lei.
Sob qualquer ângulo ou aspecto que se examine o Direito, sempre estar-se-á
a questionar acerca dos fins e meios utilizados pelo legislador. Nesse sentido, o Prin­
cípio da Proporcionalidade será um instrumento de fundamental importância para
a aferição desse necessário sopesamento (entre fins e meios). É evidente que é
necessário que essa “proporcionalidade” não seja passaporte para o exercício de
discricionariedade ou arbitrariedades.
A proibição deficiente destaca-se como um instrumento de controle da pro­
porcionalidade da medida penal, trazendo como pano de fundo a reflexão sobre
deficiência e excesso. Tanto o Estado não pode ir além da proteção (excesso),

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como também não pode ficar aquém do limite mínimo (deficiência). Ou seja, visa
resguardar que o Estado atue de forma deficitária.
De acordo com Feldens apud Santiago e Araújo Neto (2009, p. 1522), a
doutrina e jurisprudência tradicionais, de maneira geral, restringem o Princípio da
Proporcionalidade apenas em relação a proibição de excesso. Todavia, a proibição
de excesso é apenas um dos prismas da proporcionalidade. De acordo com o dou­
trinador, “o desenvolvimento teórico dos direitos fundamentais como deveres de
proteção tem sugerido o princípio da infraproteção ou da proteção deficiente”.
Não é somente quando presentes medidas gravosas e excessivas que exige-se
a proporcionalidade da atuação estatal, deve ser observado de igual modo quando
na proibição insuficiente ou subdimensionada.
De maneira resumida, diz-se que Princípio da Proporcionalidade tem como
objetivo principal determinar os limites máximos e mínimos das intervenções estatais.

3 A utilização do Direito Penal nos crimes cometidos através da


informática
Apesar de ser notoriamente um divisor na história da humanidade, o cami­
nho tomado pela internet tem trazido grande preocupação ao ramo do Direito, visto
que junto com os benefícios oriundos dessa tecnologia, a mesma tornou-se um
instrumento de crime.
A Justiça brasileira tem adaptado as condutas criminosas virtuais nos artigos
do Código Penal vigente, conforme recente matéria do Superior Tribunal de Justiça,
in verbis:

Crimes contra a honra (injúria, calúnia e difamação), furtos, extorsão,


ameaças, violação de direitos autorais, pedofilia, estelionato, fraudes
com cartão de crédito, desvio de dinheiro de contas bancárias. O uso
da internet em massa tem possibilitado um aumento significativo no
cometimento de tais crimes. De acordo estudo feito por pesquisadores
de crimes de internet, em 2002 tinha-se apenas 400 decisões judiciais
abordando esse tema, porém, este cenário mudou significativamente,
tendo em vista que atualmente existem mais de 17 mil. (NOGUEIRA,
2009, p. 182)

Apesar de alguns ainda acharem que a internet é um território livre, sem lei
e sem punição, aos poucos essa sensação está sendo diminuída em virtude de que
a Justiça brasileira vem coibindo essa sensação de impunidade no mundo virtual
por meio da aplicação do Código Penal, do Código Civil e de legislações especí­ficas
como a Lei nº 9.296 — que trata das interceptações de comunicação em sistemas de
telefonia, informática e telemática — e a Lei nº 9.609 — que dispõe sobre a proteção
da propriedade intelectual de programas de computador.

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Crimes de internet à luz do princípio da proporcionalidade: proibição da proteção deficiente do Estado 179
3.1 Posicionamento jurisprudencial
O STJ, notório guardião e uniformizador da legislação infraconstitucional, vem
consolidando a aplicação desses dispositivos em diversos julgados. Tratando-se de
pedofilia, por exemplo, o STJ já firmou entendimento de que os crimes de pedofilia
e divulgação de pornografia infantil por meios eletrônicos estão descritos no artigo
241 da Lei nº 8.069/90 (apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar,
por qualquer meio de comunicação, inclusive pela rede mundial de computadores
ou internet, fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito
envolvendo criança ou adolescente), e previstos em convenção internacional da
qual o Brasil é signatário.
Também foi concluído pela Corte que o envio de fotos pornográficas pela
internet (via e-mail) já constitui crime. Os ministros da Quinta Turma do STJ, tendo
como base o art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente, cassaram um habeas
corpus concedido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) que
determinava o trancamento de uma ação penal sob o argumento de que o ECA
definiria como crime apenas a “publicação” — e não a mera “divulgação” — de imagens
de sexo explícito ou pornográficas de crianças ou adolescentes (NOGUEIRA, 2009,
p. 185).
Outro exemplo foi o caso de um publicitário que participou e filmou cenas
eróticas envolvendo crianças e adolescentes. A Quinta Turma do STJ manteve a con­
denação (REsp nº 264.233). Ele foi denunciado pelo Ministério Público de Rondônia
com base no art. 241 do ECA, nos artigos 71 e 29 do Código Penal (crime conti­nuado
e em concurso de agentes) e por corrupção de menores (Lei nº 2.252/54: constitui
crime, punido com a pena de reclusão de um a quatro anos e multa, corromper
ou facilitar a corrupção de pessoa menor de 18 anos, com ela praticando infração
penal ou induzindo-a a praticá-la).
Também já foram devidamente enquadrados pelo STJ os casos de furto e
estelionato virtual. No caso de transferência de valores de conta-corrente sem a
anuência do correntista por meio da internet, o STJ, por meio da 3ª Seção (CC nº 72.738),
consolidou entendimento de que configura furto qualificado, visto que a fraude é
usada para ludibriar o sistema de segurança dos valores do banco. Vale destacar
que o STJ também decidiu que a competência para julgar esse tipo de crime é do juízo
do local da consumação do delito de furto.
Para efeito de exemplo, a seguir serão relacionados alguns crimes na internet
interpretados pelos tribunais:

HABEAS CORPUS – FURTO QUALIFICADO E QUADRILHA – DESVIO DE


DINHEIRO VIA INTERNET – PRISÃO PREVENTIVA – EXCESSO DE PRAZO

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180 Dauster Souza Pereira, Mariana Secorun Inácio

– INSTRUÇÃO CRIMINAL – FEITO COMPLEXO – DIVERSOS RÉUS –


MANUTENÇÃO DA CONSTRIÇÃO.
Tratando-se de quadrilha organizada cujo modus operandi — desvios via
Internet de dinheiro subtraído de contas-corrente — e elevado número
de pessoas envolvidas demonstram alta potencialidade lesiva, além
de encontrar-se em fase de apuração a real extensão dos danos cau­
sados às vítimas, assim como a identificação de todos os envolvidos nos
delitos, mantém-se o decreto de prisão preventiva do paciente.
A complexidade do feito, em que são diversos os réus, constitui motivo
de força maior (art. 403 do CPP), de modo que, em atenção ao princípio
da razoabilidade, pode-se encarar com certa flexibilidade o desaten­
dimento do prazo para o encerramento da instrução criminal.
(2006002000300HBC, Relator Sérgio Bittencourt, 1ª Turma Criminal,
julgado em 26/01/2066, DJ 15/03/2006 p. 102) (NOGUEIRA, 2009, p. 279)

PROCESSUAL PENAL – PRISÃO EM FLAGRANTE – ESTELIONATO –


CRIME PRATICADO ATRAVÉS DA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES
“INTERNET” – REQUISITOS AUTORIZADORES DO DECRETO DA PRISÃO
PREVENTIVA – GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA
INSTRUÇÃO CRIMINAL – LIBERDADE PROVISÓRIA NÃO CONCEDIDA –
DECISÃO UNÂNIME.
Não obstante o crime sem violência ou grave ameaça, a conduta do
agente que demonstre propensão em fazer do estelionato o seu meio
de vida, autoriza a mantença da segregação cautelar do acusado, desde
que presentes os requisitos autorizadores do decreto da prisão preve­
ntiva e nos termos do art. 312 do CPP. Assim, não há que se falar em
constrangimento ilegal.
(20040020100241HBC, Relator Eduardo De Moraes Oliveira, Conselho de
Magistratura, julgado em 12/01/2005, DJ 03/03/2005 p. 30 (NOGUEIRA,
2009, p. 288)

Conforme pode ser notado, o Judiciário vem utilizando a legislação vigente


para punir os crimes cometidos através da informática.

3.2 Reflexões para a atuação do Poder Judiciário diante da


parcela de crimes próprios cometidos através da internet
Várias são as reflexões que têm sido feitas quanto à atuação do Poder Judi­
ciário diante do campo do Direito Penal Informático. De um lado têm-se aqueles
que defendem a tipificação dos crimes novos (conhecidos também como crimes
próprios) e de outro lado têm-se aqueles que sustentam que a norma penal vigente
já prevê as “novas” condutas puníveis, visto que apenas o modus operandi é novo.

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Crimes de internet à luz do princípio da proporcionalidade: proibição da proteção deficiente do Estado 181
Os avanços tecnológicos possibilitam tanto a prática de delitos novos (crimes
próprios) quanto a prática dos antigos com um contemporâneo modus operandi
(crimes impróprios).
As modernas técnicas introduzidas com o advento da tecnologia têm provo­
cado a necessidade de releitura de alguns dos institutos do Direito, o qual ainda
não tem conseguido acompanhar essas novidades (QUEIROZ, 2010, p. 93).
Conforme foi discutido nos tópicos anteriores, vários são os crimes nos quais
o Código Penal vigente atende de maneira satisfatória as suas práticas. Nesses
casos, não se fala em analogia in malam partem, visto que não se tem a criação de um
crime novo e sim o uso do instrumento tecnológico para sua realização.
Entretanto, quando se tratam de crimes próprios têm-se dois problemas que
constituem a base para reflexão: 1) está-se diante de hipótese de obrigação cons­
titucional de proteção a um direito do cidadão, ou seja, faz-se necessário crimina­lizar
determinada ação que venha a prejudicar um direito fundamental; 2) como punir
um crime sem que exista a adequada legislação tipificando tal crime?
Existe uma relação muito próxima entre a evolução da sociedade e o Direito,
de modo que existe uma tentativa constante de uma evolução paralela entre eles. Ou
seja, tem-se a frágil ilusão que o ritmo evolutivo da sociedade é o mesmo do Direito.
Porém, em alguns segmentos tal afirmação não corresponde à realidade, como é
o caso da tecnologia.
Diante da problemática trazida pela evolução tecnológica urge a necessi­
dade de tecer algumas considerações sobre os possíveis posicionamentos sobre o
assunto.
Para aqueles que acreditam que a lei penal vigente está plenamente prepa­
rada para recepcionar todos os crimes tecnológicos, tentou-se mostrar durante o
desenvolvimento deste trabalho que existem crimes próprios onde a legislação é
falha, tendo uma lacuna que necessita ser preenchida em detrimento da necessi­
dade do Estado de proteger e punir a violação de determinado direito ora violado.
Apesar da existência desses crimes existe uma gritante negligência do Estado quanto
às suas tipificações, ou seja, uma proteção deficiente.
Já para aqueles que acreditam que é necessária a criação de uma legislação
específica para os crimes de informática, vale refletir que o processo legislativo
brasileiro é lento, em contrapartida a evolução tecnológica é super veloz.
Sendo assim, como é possível acreditar que a simples elaboração de legis­
lação específica poderá atender a contento as mudanças tecnológicas que surgem a
cada segundo? A lentidão do processo legislativo é notória assim como o é a rapidez
dos avanços tecnológicos.
Nesse diapasão, indaga-se: quais as melhores possibilidades de solução?

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182 Dauster Souza Pereira, Mariana Secorun Inácio

É indiscutível a importância do Princípio da Legalidade e da Anterioridade,


todavia, o Princípio da Proporcionalidade surge como uma forma de garantir o con­
trole dos excessos e insuficiências do Estado.
Não se tem a inocente pretensão de diminuir a importância do Princípio da
Legalidade e da Anterioridade, até porque é inegável que tais princípios fazem parte
do rol das grandiosas conquistas de todos os direitos já obtidos pela humanidade.
Contudo, apesar da nobre importância desses princípios surgem situações
fáticas onde é indispensável a tutela do Estado tendo em vista a proteção deficiente.
É nesse momento, como é o caso dos crimes próprios citados neste trabalho, que
surge uma possível colisão de princípios. De um lado o Princípio da Legalidade asse­
gura que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia comi­
nação legal” e de outro lado tem-se as duas facetas do Princípio da Proporcionali­dade:
busca garantir a não incidência de medidas excessivas, mas também se preocupa
com a proteção insuficiente ou deficiente do Estado.
Para a solução de uma aparente colisão de princípios é necessário que um
dos princípios ceda ante o outro, porém tal afirmação não significa invalidar um
princípio em detrimento a outro. As circunstâncias do fato concreto é que fornecerão
subsí­dios para a prevalência de determinado princípio.
Vale destacar o que assegura Sarlet apud Lima (2006, p. 14):

[...] O Estado — também na esfera penal — poderá frustrar o seu dever


de proteção atuando de modo insuficiente (isto é, ficando aquém dos
níveis mínimos de proteção constitucionalmente exigidos) ou mesmo
deixando de atuar, hipótese, por sua vez, vinculada (pelo menos em boa
parte) à problemática das omissões inconstitucionais. É nesse sentido
que — como contraponto à assim designada proibição de excesso —
expressiva doutrina e inclusive jurisprudência têm admitido a existência
daquilo que se convencionou batizar de proibição da insuficiência (no
sentido de insuficiente implementação dos deveres de proteção do
Estado [...].

Assim, é caracterizada a violação ao Princípio da Proporcionalidade quando


há adoção de regulamentação ineficaz bem como sua inexistência. Nesse contexto é
que se torna primordial buscar alternativas viáveis em prol da preservação da
dignidade humana.
Para deixar mais claro o entendimento aqui proposto, tem-se o exemplo
concreto do caso de uma decisão tomada no julgamento do Inquérito nº 2.424 que
decidiu quanto ao afastamento do Ministro Paulo Medina (STJ) e outros acusados,
pela venda de sentenças judiciais que favoreciam jogos ilegais (COSTA, 2008, p. 1).
Neste caso supracitado, negou-se a liminar que levantava a ilicitude de
provas apuradas por escutas telefônicas. O Ministro Cezar Peluso destacou que

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Crimes de internet à luz do princípio da proporcionalidade: proibição da proteção deficiente do Estado 183
“as medidas foram necessárias e absolutamente imprescindíveis à investigação”. A
defesa deste caso alegou de todas as formas possíveis a ilegalidade dessas provas,
todavia, as mesmas foram levadas em consideração.
Apesar de o STF ter reconhecido que houve abuso, observou-se que tal pro­
cedimento foi a única forma de se conseguir chegar aos suspeitos dessas práticas
criminosas.
O Ministro Gilmar Mendes, na época, Presidente do STF, admite que apesar
de contrário à lei, tendo como norte o princípio da reserva legal, tal atitude justifica-se
em virtude de sua complexidade (COSTA, 2008, p. 1).
Apesar de a questão apresentada tratar-se de prova ilícita e não de tipo penal,
pode-se perceber que em detrimento do Princípio da Legalidade, a Suprema Corte
entendeu como justa a atitude tomada. Ou seja, foi necessário fazer o sopesamento
entre Princípio da Legalidade e a ausência, até então, de regras que fixassem a pror­
rogação sucessiva do prazo para interceptações telefônicas.
Diante do apresentado, vale destacar que as reflexões aqui propostas não
devem ser consideradas algo inovador ou algo que foge totalmente às questões
julgadas em nossos tribunais. Trata-se justamente na necessidade de olhar com outros
olhos os casos complexos ou que possuem uma maior complexidade sob o prisma
do Princípio da Proporcionalidade, buscando com isso garantir a tutela do Estado.
Não se buscou afirmar categoricamente que a solução ideal para os problemas
apresentados seja o Princípio da Proporcionalidade, todavia, busca-se uma reflexão
sobre o assunto, e para tanto, o Princípio da Proporcionalidade tem um destaque
especial quando se coloca como sendo uma possibilidade plausível para garantir
que o Estado não ofereça uma proteção deficiente aos seus cidadãos.
Apesar da constante polêmica trazida em torno dos crimes de informática e
suas tipificações, é possível vislumbrar que o Princípio da Proporcionalidade tem se
mostrado um instrumento relevante para a tutela de direitos em face da prote­ção
deficiente do Estado, garantindo assim uma proteção mais justa e equânime.

4 Conclusão
Depois das considerações feitas neste artigo, não é exagero afirmar que
atualmente a humanidade vive diante de uma nova revolução jurídica, trazendo,
como consequência, a problemática relativa à criação ou readaptação do ordena­
mento penal para a proteção desses novos bens jurídicos informáticos e de outros
de igual ou maior relevância, que venham a ser atingidos criminosamente por meio
de computadores e por intermédio da internet.
É inevitável a dependência do mundo digital. As facilidades oriundas do uso
da tecnologia têm conseguido uma grande quantidade de adeptos. Porém, as faci­
lidades são tanto para coisas benéficas quanto para as maléficas.

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184 Dauster Souza Pereira, Mariana Secorun Inácio

Não é novidade ouvir nos noticiários pessoas que se utilizam dos recursos
tecnológicos para cometer crimes. Alguns desses crimes são facilmente tipificados
no código penal vigente, tendo em vista que os recursos tecnológicos apenas são
considerados instrumentos para o cometimento de crimes. Ou seja, muda-se apenas o
modus operandi. Nesses casos, tem-se o que a doutrina define como crimes impróprios.
Entretanto, atualmente existem aqueles crimes que só podem ser cometidos
através da informática. Nesses casos, definidos pela doutrina como crimes próprios.
Para esse tipo de crime, o legislador brasileiro encontra dificuldades para sua tipifi­
cação, tendo em vista que sua previsão não existe no código penal vigente e também
devido à falta de legislação específica para tratar tais casos.
Existe uma infinidade de delitos que pode ser praticada com o uso da
informática. Alguns exemplos clássicos de crimes próprios e impróprios foram deta­
lhados no decorrer deste trabalho. O advento da era digital trouxe consigo novas
relações jurídicas com óbvios novos conflitos e série de questões a serem analisadas.
Independentemente se se trata de crimes próprios ou impróprios, é funda­
mental atentar-se para respeitar os princípios constitucionais que sempre nortearam
o Direito Penal. Em especial, tem a grande conquista para a humanidade no que diz
respeito à anterioridade e ao Princípio da Legalidade, segundo o qual “não há crime
sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
Porém, corroborando como princípio norteador do Direito Penal, tem-se
o Princípio da Proporcionalidade que muito tem contribuído para a resolução de
questões consideradas complexas.
Apesar de várias pessoas só analisarem o Princípio da Proporcionalidade em
relação ao excesso, é importante destacar que o mesmo possui duas facetas: excesso
e insuficiência (deficiência).
Em meio a essa nova onda de criminalidade, a atuação do Poder Judiciário
tem sido constantemente alvo de posicionamentos quanto à necessidade ou não
de criação de legislação específica para tipificar os crimes até então não previstos.
Porém, insta ressaltar que o processo legislativo brasileiro é notoriamente
lento e a evolução tecnológica é totalmente oposta a essa realidade, ou seja, extre­
mamente rápida. Sendo assim, pode-se levantar a questão de que quando se chegar
a aprovação de uma legislação específica para os crimes de informática, já existirão
vários outros não previstos oriundos da evolução tecnológica. Por mais que o Direito
queira acompanhar as mudanças na sociedade, no caso de evolução tecnológica
a velocidade chega a ser desproporcional.
Mesmo ciente disso, é imprescindível fazer com que o Estado proteja os
direitos de seus cidadãos. Então, o que fazer? A proposta deste artigo é demonstrar
que as questões dos crimes próprios cometidos através da internet possam ser

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Crimes de internet à luz do princípio da proporcionalidade: proibição da proteção deficiente do Estado 185
atendidas mediante a aplicação do Princípio da Proporcionalidade quanto a sua
faceta de proteção insuficiente por parte do Estado.
Por fim, conclui-se que o uso do Princípio da Proporcionalidade não tem
nada de inovador, tendo em vista que o mesmo já é utilizado em nossos tribunais.
Não se almeja afirmar que essa é a solução de todos os males, porém, a aplicação
de tal princípio tem se mostrado uma solução adequada às questões pertinentes
aos crimes cometidos pela internet.

Abstract: The 21st century has undergone several transformations in


consequence of the technological evolution. The technological advances
that occurred in recent times represent an invaluable achievement;
however, along with the benefits from this technology, there is the
negative aspect that is linked to the possibility of crimes that were not
predicted by the legislation. This work was done through literature,
in which are studied and demonstrated some concepts related to the
new era of crime, with special emphasis to the concept of proper and
improper crimes on internet, as well as it also reflects on the possible
opportunities to typify behaviors that were not provided by the
Criminal Law until the moment. On this way, this study sought to elicit
reflections on the best way to be taken in view of the existence of ‘new’
crimes that are not covered by the present legislation and the need
to ensure the protection of citizen’s rights by the State. Moreover, this
study also wanted to demonstrate that the legislative process in Brazil
is characterized by slowness, and on the other hand, the technological
progress is very dynamic. Therefore, it is unlikely that the creation of
special laws may be made to the satisfaction, as to achieve the protection
of citizens’ rights in a timely manner. Finally, it can be concluded that
the use of the principle of proportionality, in particular, its facet related
to the prohibition of poor protection of the State, may be a plausible
solution in relation to the possibility of punishment of this new criminality
which arises in our society.

Key words: Risk society. New criminality. Principle of proportionality.


Poor protection. Technological evolution.

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186 Dauster Souza Pereira, Mariana Secorun Inácio

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Crimes de internet à luz do princípio da proporcionalidade: proibição da proteção deficiente do Estado 187
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de
Normas Técnicas (ABNT):

PEREIRA, Dauster Souza; INÁCIO, Mariana Secorun. Crimes de internet à luz do princípio
da proporcionalidade: proibição da proteção deficiente do Estado. Revista Brasileira de Direito
Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 20, n. 77, p. 167-187, jan./mar. 2012.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 77, p. 167-187, jan./mar. 2012

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NOTAS E COMENTÁRIOS

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Discurso do jurista Claudiovir Delfino,
homenageado na 5ª edição do
Congresso de Direito Processual de
Uberaba (ano de 2011)
Agradeço os idealizadores desta homenagem. Emprestar meu nome a este
evento tem profundo significado em minha vida, mormente porque tem por objetivo
divulgar a cultura jurídica e manter viva a memória do inolvidável Professor Edson
Prata. Recebo, com emoção, esta cortesia de meus diletos amigos, José Anchieta
da Silva, João D’Amico, de Lídia Prata e de meu filho Lúcio Delfino.
A verdadeira motivação desta deferência tem fortes e profundas raízes na
amizade que me une àqueles que me prestam esta representativa homenagem. Há,
no entanto, uma especial razão que reputo extremamente marcante: minha íntima
ligação de afeto com o homenageado maior, Professor Edson Prata. Com efeito, nos
idos de 1966 iniciei com ele meu estágio profissional, nascendo então uma relação
que muito ultrapassaria, com o decorrer do tempo, o relacionamento professor-aluno.
Nascia, desde então, uma intensa estima, verdadeiramente paternal, que marcou
e marcará para sempre a minha vida, pois foi esse relacionamento que me deu a
oportunidade não só de aprender e estudar o direito, mas a de abraçar uma filosofia
de vida que me guia até hoje. Não há um só dia em que não me lembre de seus
ensinamentos, de suas marcantes e proveitosas observações. São incomensuráveis
a minha admiração, o meu respeito, a minha gratidão por Edson Prata. São “coisas”
que moram na lembrança e no coração.
Felicito os agraciados com a Medalha Edson Prata: Dr. Ricardo Mota, Dr. Marcelo
Palmério e Dra. Lídia Prata. Tenho a certeza de que essa comenda inspira satisfação
aos seus destinatários, porque leva o nome de uma pessoa extraordinária. Tentarei,
com superficialidade, mostrar um pouco dessa pessoa.
Muito já se falou sobre o advogado brilhante que foi Edson Prata, professor
dedicado, empresário ousado, verdadeiro visionário, escritor aplaudido, divulgador do
direito através de inúmeros artigos e obras por ele criadas, como a Revista Brasileira
de Direito Processual, a Revista de Crítica Judiciária, do Digesto de Processo, e ainda por
intermédio da 1ª Seção do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, por ele idealizada.
Edson Prata nasceu em Conceição das Alagoas. Sua mãe, Sra. Marieta, viúva
precocemente, teve a iniciativa feliz de sair da zona rural. Veio para Uberaba com seus
cinco filhos, possibilitando-lhes o aprendizado do trabalho e os estudos.

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192 Claudiovir Delfino

O menino Edson Prata teve seu primeiro emprego em uma farmácia, para
qual fazia entregas. Ali já despontava sua qualidade rara, o que me faz lembrar
passagens da vida de Machado de Assis de cujas obras era, aliás, profundo conhe­
cedor, tendo escrito Machado de Assis – O homem e a obra. Não largava os livros, sua
maior paixão, a ponto de ter-se criado a estória de que lia, enquanto pedalava sua
bicicleta, fazendo as entregas de medicamentos. Se se trata de folclore não sei, no
entanto, testemunhei quando ele, certa vez, acompanhava ao mercado sua esposa
Aparecida e, enquanto ela fazia as compras ele permanecia ao lado, alheio a tudo e a
todos, lendo e lendo. Seu carro era uma biblioteca ambulante. Tinha os mais variados
títulos.
Em suas poucas férias, somente gozadas tardonhamente, levava consigo a
mala de livros e embrenhava-se nas livrarias do Rio de Janeiro, de onde, às escondidas
da esposa, que já reclamava do excesso, enviava-me novos livros para compor sua
rica biblioteca, a qual cuidamos com carinho até hoje.
Dr. Edson Prata era dotado das maiores virtudes que um homem pode ter e,
embora não se derramasse em sorrisos, era misericordioso, humilde, simples, grato,
moderado, amoroso, puro e doce. Era capaz de praticar atos de generosidade como
poucos. Dentre inúmeros atos, dois destaco aqui: José Raimundo Jardim Alves
Pinto, seu colega de trabalho no Banco do Brasil, foi preso por ocasião do golpe
militar. Solto, não mais retornou ao trabalho, pois foi sumariamente demitido, tendo
mais tarde provado sua inocência perante os Tribunais. Os “amigos” afastaram-se
dele mas Dr. Edson, sem nada dizer, com o braço em seus ombros, desfilou pela
rua Artur Machado e avenida Leopoldino de Oliveira, passando pelo banco, onde
trabalhava, cumprimentado os espantados transeuntes. Feito isso convidou-o para
trabalhar ensinando-lhe a arte da advocacia.
Em outra oportunidade, tendo Gilberto Vasconcelos, deixado a prisão, após
dois longos anos, onde sofreu as amarguras reservadas àqueles que não concorda­vam
com o golpe militar, acolheu-o, a meu pedido, em seu escritório, dando-lhe o apoio
de que tanto necessitava naquele momento, vindo a tornar-se o respeitável profis­
sional de hoje, motivo de orgulho para ele e para todos aqueles que com ele convivem.
Importante ressaltar que Dr. Edson não gostava de política, era tido por alguns como
de direita, como a esquerda, pejorativamente, gostava de designar aqueles que
não estavam engajados.
Dr. Edson via no trabalho e nos estudos a possibilidade de superar as dificul­
dades trazidas em sua origem. Assim é que até mesmo seu ócio era produtivo, como
aquele sustentado por Bertrand Russell, abrindo mão do direito à preguiça, idola­trado
por Paul Lafargue, em obra com o mesmo título. Dormia cedo e acordava para os
estudos antes do sol nascer. Seu lema era que se tivesse mais transpiração e menos

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Discurso do jurista Claudiovir Delfino, homenageado na 5ª edição do Congresso de Direito Processual ... 193
inspiração. Citava sempre ditado chinês segundo o qual se uma coisa merece ser
feita merece ser bem feita.
Este é o perfil superficial deste homem maior, Edson Prata, que veio ao mundo
como benfeitor, deixando seu nome e exemplos imortalizados. É a ele, portanto,
que prestamos hoje, novamente, nossas merecidas homenagens.

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Exposição de Motivos* da Proposta
de Reforma do Código de Processo
Civil português1 – Os princípios
orientadores da reforma do processo
civil
A) Processo de declaração
1 Reforço dos poderes de flexibilização, adequação formal
e direcção efectiva do processo pelo juiz, com vista à justa
composição do litígio
Com vista a racionalizar, simplificar e tornar célere a realização do fim essencial
do processo civil — a justa composição dos litígios privados em tempo útil —,
conferem-se ao juiz poderes inquisitórios e de direcção do processo, agora reforçados,
que lhe permitam, de forma efectiva, não apenas pôr eficazmente termo ao uso
de meios e faculdades de natureza dilatória que o actual Código prevê e permite
às partes, mas também ordenar a tramitação processual, adequando-a à especifici­
dade da matéria litigiosa, evitando a prática de actos que, em concreto, se possam
revelar inúteis e flexibilizando e agilizando as formas processuais previstas, em
abstracto, na lei.
Para alcançar este objectivo, que pressupõe uma efectiva confiança na
capacidade do juiz de exercer uma prudente e flexível condução do processo:

* Material encaminhado pelo Dr. Miguel Teixeira de Freitas, ilustre Professor da Faculdade de Direito
da Universidade de Lisboa.
1
A Proposta de Reforma do Código de Processo Civil foi apresentada em 15 de Dezembro de 2011
à Senhora Ministra da Justiça do XIX Governo Constitucional e elaborada por uma Comissão
coordenada pelo Dr. João Correia (Advogado e Secretário de Estado da Justiça no XVIII Governo
Constitucional) e integrada pelos seguintes membros: Cons. António Abrantes Geraldes (Juiz
Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça), Dr. Armindo Ribeiro Mendes (Advogado e ex-
Conselheiro do Tribunal Constitucional), Cons. Carlos Lopes do Rego (Juiz Conselheiro do Supremo
Tribunal de Justiça), Dr. João Cardoso Alves (Procurador-Adjunto nas Varas Cíveis de Lisboa), Prof.
João Paulo Remédio Marques (Professor Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra), Dr. Júlio de Castro Caldas (Advogado e Bastonário da Ordem dos Advogados), Dra. Maria
Gabriela da Cunha Rodrigues (Juíza de Direito nas Varas Cíveis de Lisboa), Prof. Miguel Teixeira de
Sousa (Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e Advogado) e
Dr. Paulo Pimenta (Docente do Departamento de Direito da Universidade Portucalense Infante D.
Henrique e Advogado).

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196 Exposição de Motivos

1.1. Mantém-se e reforça-se o poder de direcção do processo pelo juiz e o


princípio do inquisitório (de particular relevo na eliminação das faculdades dilatórias,
no activo suprimento da generalidade da falta de pressupostos processuais, na
instrução da causa e na efectiva e activa direcção da audiência), bem como o prin­cípio
da adequação formal, permitindo a adequação da tramitação processual prevista na
lei à especificidade da causa;
1.2. Importa-se para a lei de processo o princípio da gestão processual,
consagrado e testado no âmbito do processo experimental, facultando ao juiz um
poder autónomo de direcção activa do processo e de conformação e modulação da
concreta tramitação processual, determinando, após audição das partes, a adopção
dos mecanismos de simplificação e agilização processual que, respeitando os prin­cípios
fundamentais da igualdade das partes e do contraditório, garantam a composição do
litígio em prazo razoável;
1.3. Restringem-se substancialmente as possibilidades impugnatórias, quer
quanto aos despachos em que — em termos prudenciais e relativamente discricio­
nários — o juiz trate de adequar e modular a tramitação abstracta a particulari­
dades relevantes do caso concreto, quer quanto aos despachos interlocutórios em
que se apreciem nulidades secundárias, previstas no art. 201.º, apenas se admitindo
o recurso quando este tiver por fundamento específico a violação dos princípios
básicos da igualdade e do contraditório ou a nulidade invocada tiver influência manifesta
no julgamento do mérito, por contender, e forma relevante, com a aquisição processual
e factos ou com a admissibilidade de meios probatórios;
1.4. Ao homenagear o mérito e a substância em detrimento da mera formali­
dade processual, confere-se às Partes e aos Advogados a prerrogativa de articularem
os factos essenciais e, ao longo de toda a tramitação, naturalmente amputada de
momentos inúteis, apreenderem com total serenidade e confiança a sua inserção e
responsabilização pelo alcance dessa solução de mérito, ao fim e ao cabo, a razão
primeira da sua intervenção em representação dos Cidadãos.
1.5. Por tal motivo e em consonância com o princípio da prevalência do
mérito sobre meras questões de forma, bem como por via do reforço destes poderes
de direcção, agilização e adequação da tramitação do processo pelo juiz , toda a
actividade processual deve ser orientada para propiciar a obtenção de decisões
que privilegiem o mérito ou substância sobre a forma, cabendo suprir-se o erro na
qualificação pela parte do meio processual utilizado e evitar deficiências ou irre­
gularidades puramente adjectivas que impeçam a composição do litígio ou acabem
por distorcer o conteúdo da sentença de mérito, condicionado pelo funcionamento
de desproporcionadas cominações ou preclusões processuais;
1.6. Por outro lado, reforçam-se os poderes da 2.ª instância em sede de
reapreciação da matéria de facto impugnada: para além de manter os poderes

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Exposição de Motivos 197
cassa­tórios — que lhe permitem anular a decisão recorrida, se esta não se encontrar
devidamente fundamentada ou se mostrar que é insuficiente, obscura ou contraditória
— são substancialmente incrementados os poderes e deveres que lhe são conferidos
quando procede à reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir-lhe alcançar
a verdade material; assim, se os elementos constantes do processo, incluindo a
gravação da prova produzida na audiência final, não forem suficientes para a Relação
formar a sua própria convicção sobre os pontos da matéria de facto impugnados,
tem a possibilidade de, mesmo oficiosamente:
- Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias
sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
- Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção
de novos meios de prova.

2 Medidas de simplificação processual e de reforço dos


instrumentos de defesa contra o exercício de faculdades
dilatórias
2.1. A celeridade processual — indispensável à legitimação dos Tribunais pe­
rante a comunidade e instrumento indispensável à realização de uma das funda­men­
tais dimensões do direito fundamental de acesso à justiça — passa necessariamente
por uma nova cultura judiciária, envolvendo todos os participantes no processo,
para a qual deverá contribuir decisivamente um novo modelo de processo civil,
simples e flexível, despojado de injustificados formalismos e floreados adjectivos,
centrado decisivamente na análise e resolução das questões essenciais ligadas ao
mérito da causa. A consagração de um modelo deste tipo contribuirá decisivamente
para inviabilizar e desvalorizar comportamentos processuais arcaicos, assentes na
velha praxis de que as formalidades devem prevalecer sobre a substância do litígio
e dificultar, condicionar ou distorcer a decisão de mérito.
O novo figurino da audiência preliminar, assente decisivamente num princípio
de oralidade e concentração dos debates, pressupondo a intervenção activa de
todos os intervenientes na lide, com vista a obter uma delimitação daquilo que
é verdadeiramente essencial para a sua plena compreensão e justa resolução, —
conjugado com a regra da inadiabilidade e com a programação da audiência final,
— é susceptível de potenciar esse resultado desejável. Na verdade, este novo modelo
de preparação da audiência final irá repercutir-se também nas fases processuais
situadas a montante, influenciando, desde logo, o modo como irão passar a ser
apresentados os articulados, obrigando as partes a concentrarem-se na factualidade
essencial e com relevo substantivo, desincentivando a inútil prolixidade que — face a
um processo civil desmesuradamente rígido e preclusivo — derivava da necessidade

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198 Exposição de Motivos

de neles se incluírem todos os factos e circunstâncias — essenciais ou instrumentais


— mais tarde levados ao questionário, sob pena de qualquer omissão ou impre­cisão
implicar o risco de privação do direito à prova sobre matéria que, afinal, um inova­
tório enquadramento normativo do pleito, tornava relevante.
2.2. Para além das consequências deste novo modelo, importa desin­cen­tivar o
uso de faculdades dilatórias pelas partes processando-se tal objectivo em três pata­
mares sucessivos, face a comportamentos de diferentes gravidades:
- O primeiro deles, associado a actuações que visam produzir uma artifi­
ciosa complexização da matéria litigiosa —por exemplo, injustificável
pro­li­
xidade das peças processuais produzidas, totalmente inadequada
à real complexidade da matéria do pleito, ou manifestamente excessiva
indicação de meios de prova — deve dar lugar à aplicação de taxa de jus­
tiça correspondente à dos processos de especial complexidade;
- O segundo deles, traduz-se na aplicação à parte de uma taxa sancionatória
excepcional, sancionando comportamentos abusivos — acção, oposição,
requerimento, recurso, reclamação ou incidente manifestamente improce­
dentes — censuráveis enquanto decorrentes de exclusiva falta de prudência
ou diligência da parte que os utiliza — sem que, todavia, a gravidade do
juízo de censura formulado os permita incluir no âmbito da litigância de
má fé;
- Finalmente, o terceiro patamar compreende o instituto da litigância de
má fé, no qual se incluem os comportamentos gravemente violadores
dos deveres de boa fé processual e de cooperação, prevendo-se no Regu­
lamento das Custas Processuais um valor para a multa correspondente sufi­
cientemente gravoso e desmotivador, muito superior ao previsto para a
taxa sancionatória agravada.
2.3. Para além do sancionamento dos comportamentos dilatórios da parte,
instituem-se os mecanismos processuais aptos a preveni-los, permitindo pôr-lhes
termo prontamente: para além das normas limitativas do direito ao recurso quanto
a meras decisões interlocutórias, de reduzido relevo para os direitos fundamentais
das partes, anteriormente referidas, reduz-se a possibilidade de suscitação de inci­
dentes pós-decisórios — aclarações ou pretensas nulidades da decisão final, — a
coberto dos quais se prolonga artificiosamente o curso da lide. Assim:
- Elimina-se o incidente de aclaração ou esclarecimento de pretensas e, na
esmagadora maioria dos casos, ficcionadas e inexistentes obscuridades ou
ambiguidades da decisão reclamada — apenas se consentindo ao inte­
ressado arguir, pelo meio próprio, a nulidade da sentença que seja efecti­
vamente ininteligível;

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Exposição de Motivos 199
- Cabendo recurso ordinário da decisão reclamada, todas as nulidades
deverão ser necessariamente suscitadas na alegação de recurso, devendo
o juiz «a quo» pronunciar-se sobre elas — suprindo-as eventualmente —
antes da subida do recurso ao tribunal «ad quem» — só sendo permitida
a reclamação autónoma, perante o próprio juiz que proferiu a decisão
reclamada, nos casos em que não seja possível o recurso de tal decisão.
2.4. Reforça-se o regime de defesa contra as demoras abusivas após o jul­
gamento do recurso, constante do artigo 720.º, na redacção que lhe foi dada pelo
Decreto-Lei 303/07, de 24/8, que passa a ser imediatamente aplicável a todos os
recursos (extracção de traslado onde se processa o incidente anómalo, baixando
os autos para prosseguirem no tribunal recorrido, apenas sendo proferida decisão
naquele traslado depois de a parte pagar todas as custas e multas que originou com
o seu comportamento abusivo).
E, em complemento deste regime processual, estabelece-se que o mesmo é
aplicável, com as necessárias adaptações, a incidentes anómalos e dilatórios, susci­
tados perante quaisquer decisões irrecorríveis proferidas em 1.ª instância.
2.5. À semelhança do que está previsto para a resolução dos conflitos de
competência, estabelece-se que o meio impugnatório adequado para questionar a
decisão que aprecie a competência relativa do tribunal é — não a via do recurso — mas
a reclamação para o presidente do tribunal superior, propiciando resolução célere de
todas as questões suscitadas, nomeadamente, em sede de fixação da competência
territorial.
2.6. Importa-se para o processo comum o regime de citação de ausentes
em parte incerta em vigor no processo experimental, prevendo-se que a citação
edital determinada pela incerteza do lugar em que o citando se encontra é feita por
afixação de edital seguida da publicação de anúncio em página informática de acesso
público — substituindo esta publicação em suporte informático os tradicionais
anúncios, publicados na imprensa escrita.

3 Reformulação do regime da tutela urgente e cautelar


Confere-se um particular relevo à disciplina dos procedimentos cautelares
e dos procedimentos autónomos urgentes — introduzindo na lei de processo dois
regimes inovatórios:
3.1. A previsão de um procedimento urgente autónomo e auto-suficiente
— destinado a possibilitar a obtenção de uma decisão particularmente célere que,
em tempo útil, assegure a tutela efectiva do direito fundamental de personalidade
dos entes singulares: assim, opera-se um rejuvenescimento e alargamento dos

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200 Exposição de Motivos

meca­nismos processuais de tutela da personalidade (arts. 1474.º, 1475.º e 1475.º-A),


no sentido de decretar, no mais curto espaço de tempo, as providências concreta­
mente adequadas a evitar a consumação de qualquer ameaça ilícita e directa à
personali­dade física ou moral do ser humano ou a atenuar, ou a fazer cessar, os efeitos
de ofensa já cometida, com a execução nos próprios autos.
3.2. Quanto à disciplina dos procedimentos cautelares, quebra-se o princípio
segundo a qual estes são sempre dependência de uma causa principal, proposta
pelo requerente para evitar a caducidade da providência cautelar decretada em
seu benefício, evitando que tenha de se repetir inteiramente, no âmbito da acção
principal, a mesma controvérsia que acabou de ser apreciada e decidida no âmbito
do procedimento cautelar — obstando aos custos e demoras decorrentes desta
duplicação de procedimentos, nos casos em que, apesar das menores garantias formais,
a decisão cautelar haja, na prática, solucionado o litígio que efectivamente opunha
as partes.
Para alcançar tal objectivo, consagra-se o regime de inversão do contencioso,
conduzindo a que, em determinadas situações, a decisão cautelar se possa consolidar
como definitiva composição do litígio, se o requerido não demonstrar, em acção
por ele proposta e impulsionada, que a decisão cautelar não devia ter, afinal, essa
vocação de definitividade.
Assim, estabelece-se que o juiz, na decisão que decrete a providência e
me­­diante requerimento, pode dispensar o requerente do ónus de propositura da
acção prin­­cipal se a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar con­
vicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da pro­
vidência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio.
A dispensa pode ser requerida até ao encerramento da audiência final;
tra­tando-se de procedimento sem contraditório prévio, pode o requerido opor-se à
inversão do contencioso conjuntamente com a impugnação da providência decre­tada,
decidindo o juiz — na decisão em que aprecie a oposição subsequente do requerido
— acerca da manutenção ou revogação da inversão do contencioso inicialmente
decretada, constituindo tal apreciação jurisdicional complemento e parte integrante
da decisão inicialmente proferida.
Logo que transite em julgado a decisão que haja decretado a providência
cautelar e invertido o contencioso, é o requerido notificado com a admonição de
que, querendo, deverá intentar a acção destinada a impugnar a existência do direito
acautelado nos 30 dias subsequentes à notificação, sob pena de a providência decre­tada
se consolidar como solução definitiva do litígio.
3.3. Faculta-se ao credor a possibilidade e obter o decretamento de arresto,
sem necessidade de demonstração do justo receio de perda da garantia patrimonial, do

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Exposição de Motivos 201
bem que foi transmitido mediante negócio jurídico quando estiver em dívida, no
todo ou em parte, o preço da respectiva aquisição.

4 Restrição do âmbito dos incidentes de intervenção de terceiros


e reforço dos poderes do juiz para rejeitar intervenções
injustificadas ou dilatórias e providenciar pela apensação de
causas conexas
4.1. Elimina-se a intervenção coligatória activa, ou seja, a possibilidade de
titulares de direitos paralelos e meramente conexos com o do autor deduzirem
supervenientemente as suas pretensões, autónomas relativamente ao pedido do
autor, na acção pendente, perturbando o andamento desta, ao obrigarem a refor­­
mular toda a fase dos articulados, já processada ou em curso —, restando-lhes,
neste caso, a possibilidade de, intentando a sua própria acção, requererem subse­
quentemente a apensação de acções, prevista no art. 275.º, de modo a propiciar um
julgamento conjunto.
4.2. Nos casos de intervenção acessória provocada — em que o réu chama a
intervir um terceiro, estranho à relação material controvertida, com base na invo­cação
contra ele de um possível direito de regresso, que lhe permitirá ressarcir-se do pre­
juízo que lhe cause a perda da demanda —, faculta-se ao juiz um amplo poder para,
em termos relativamente discricionários, mediante decisão irrecorrível, pôr limi­
narmente termo ao incidente, quando entenda que o mesmo, tendo finalidades
dilatórias, por não corresponder a um interesse sério e efectivo do réu, perturba
indevidamente o normal andamento do processo.
4.3. Nos casos de oposição provocada — em que o réu, aceitando sem reserva
o débito que lhe é exigido, invoca apenas dúvida fundada sobre a identidade da
pessoa do credor a quem deve realizar o pagamento, chamando a intervir o terceiro
que se arroga ou possa arrogar-se a qualidade de credor —, prescreve-se que o réu
deve proceder logo à consignação em depósito da quantia ou coisa devida, só assim se
exonerando do processo — e prosseguindo o litígio entre os dois possíveis credores.
4.4. Pendendo em juízo, ainda que em tribunais distintos, acções conexas —
sem que as partes as tivessem agregado num único processo, através da dedução
dos incidentes de intervenção de terceiros ou da formulação oportuna de pedido
reconvencional —, estabelece-se que o juiz deve providenciar, em regra — e mesmo
oficiosamente — pela sua agregação num mesmo processo, de modo a possibilitar
a respectiva instrução e discussão conjuntas — com evidentes ganhos de economia
processual e de prevenção do risco de serem proferidas decisões diferentes ou
contraditórias sobre matéria parcialmente coincidente — art. 275.º.

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202 Exposição de Motivos

5 Reformulação do regime da competência internacional dos


tribunais portugueses, articulando-a com o disposto no art. 22.º
do Reg. 44/2001
5.1. No que respeita aos factores de atribuição da competência internacional,
estabelece-se que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:
- Quando a acção possa ser proposta em tribunal português segundo as
regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
- Quando o direito invocado não possa tornar-se efectivo senão por meio
de acção proposta em território português ou se verifique para o autor
dificuldade apreciável na propositura da acção no estrangeiro, desde que
entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento
ponderoso de conexão, pessoal ou real — artigo 65.º.
5.2. Relativamente aos casos situados no âmbito da competência exclusiva
dos tribunais portugueses, determina-se que esta só ocorre:
- Em matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis
situados em território português; todavia, em matéria de contratos de
arrendamento de imóveis celebrados para uso pessoal temporário por um
período máximo de seis meses consecutivos, são igualmente competentes
os tribunais do Estado-Membro da União Europeia onde o requerido tiver
domicílio, desde que o arrendatário seja uma pessoa singular e o proprie­
tário e o arrendatário tenham domicílio no mesmo Estado-Membro;
- Em matéria de validade, de nulidade ou de dissolução das sociedades ou
outras pessoas colectivas que tenham a sua sede em Portugal, bem como
em matéria de validade ou nulidade das decisões dos seus órgãos; para
determinar essa sede, o tribunal português aplica as suas regras de direito
internacional privado;
- Em matéria de validade de inscrições em registos públicos conservados
em Portugal;
- Em matéria de execuções sobre imóveis situados em território português;
- Em matéria de insolvência relativa a pessoas domiciliadas em Portugal ou
a pessoas colectivas ou sociedades cuja sede esteja situada em território
português.

6 Reformulação das formas de processo declaratório comum


6.1. Reduzem-se a duas as formas de processo comum de declaração, conforme
o valor da causa: o processo ordinário e o processo sumário.

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Exposição de Motivos 203
O campo de aplicação destas duas formas de processo comum continua a
ser delimitado pelo processo especial de cobrança de créditos pecuniários emergentes
de contratos, regulado em diploma avulso.
Elimina-se, assim, o processo sumaríssimo (absorvido, no essencial, pelo refe­rido
regime processual de cobrança de créditos pecuniários emergentes de contratos, criado
pelo Decreto-Lei 269/98, de 1/9, em articulação com o procedimento de injunção)
— por se não justificar a sobreposição deste processo especial — de tramitação
simplificada e particularmente vocacionado para a cobrança de créditos em litígios
massificados, de valor pecuniário reduzido — à tradicional forma sumaríssima,
desde sempre regulada pelo Código de Processo Civil.
6.2. A forma sumária, que se mantém ao lado da ordinária, adopta uma
tramitação suficientemente flexível para abranger situações de valor e graus de
complexidade muito diversos (incluindo os casos residuais que eram abarcados
no processo sumaríssimo e que, por serem estranhos à cobrança de débitos pecuniá­
rios de origem contratual, não ficam abrangidos pelo regime criado pelo referido
Decreto-Lei 269/98: indemnização por dano e entrega de coisas móveis de valor inferior
à alçada da comarca): assim, consoante a especificidade do litígio, pode o juiz:
- Optar pelo figurino típico da audiência preliminar;
- Proceder a um saneamento e condensação mediante despacho escrito,
do qual constará a fixação das questões essenciais de facto que constituem
tema da prova e a programação da audiência final;
- Dispensar a própria fase de saneamento e condensação, designando logo
data para realização da audiência final.

7 Reforço do princípio da concentração do processo ou do


recurso num mesmo juiz
7.1. Como decorrência da eliminação da intervenção do tribunal colectivo,
é o juiz da causa o competente, quer para a fase intermédia de preparação do
processo para julgamento (conduzindo a audiência preliminar e nela procedendo
ao saneamento e condensação da matéria litigiosa e à programação da audiência
final), quer para a totalidade da fase de julgamento, decorrendo perante ele a audiên­
cia final, cumprindo-lhe valorar a prova nela produzida e, de seguida, proferir sen­
tença, aplicando o direito a todos os factos provados.
Em reforço deste princípio de unidade e tendencial concentração do julgador,
estabelece-se que, nos casos de transferência ou promoção, o juiz perante quem
decorreu a audiência elabora também a sentença: o juiz transferido ou promovido no
decurso de audiência final não se limitará a completar a audiência em curso (como

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204 Exposição de Motivos

actualmente sucede, para evitar a necessidade de repetição da prova perante um


novo juiz), devendo ainda proferir a subsequente sentença.
7.2. No que respeita aos tribunais superiores, estabelece-se identicamente —
art. 227.º-A — como regra a manutenção do relator, no caso de ter de ser reformulada
a decisão recorrida e, na sequência de tal reformulação, vier a ser interposto e apre­
ciado um novo recurso: se, em consequência de anulação ou revogação da decisão
recorrida ou do exercício pelo Supremo Tribunal de Justiça dos poderes conferidos pelo
n.º 3 do art. 729.º, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido e dela for
interposta e admitida nova apelação ou revista, o recurso é, sempre que possível,
distribuído ao mesmo relator.

8 O modelo estabelecido para a tramitação do processo comum


de declaração, na forma ordinária: o novo figurino da audiência
preliminar
Reformula-se a fase intermédia do processo ordinário, consagrando a essen­
cialidade da realização, tendencialmente obrigatória, de uma audiência preliminar,
sujeita a um princípio de oralidade e debate contraditório, por se considerar que
uma fase puramente escrita de saneamento e condensação do processo não é
nor­malmente adequada aos propósitos de celeridade e flexibilidade que devem
orientar a preparação do julgamento.
8.1. A fase intermédia do processo comporta, desde logo, a possibilidade de
prolação pelo juiz de despacho pré-saneador, destinado a — antes da realização da
audiência preliminar oral e sem entravar o normal andamento desta — providenciar
pelo suprimento de excepções dilatórias, bem como pelo aperfeiçoamento dos arti­
culados; com vista ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou
concreti­zação da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de
articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
Faculta-se ainda ao juiz a possibilidade de, nesse momento, determinar a
junção de documentos com vista a permitir a apreciação de excepções dilatórias ou o
conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador.
8.2. No que respeita aos fins da audiência preliminar, ela tem como objecto:
- A tentativa de conciliação das partes;
- A prolação de despacho saneador, apreciando excepções dilatórias ou
conhecendo imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa;
- O exercício de contraditório, sob o primado da oralidade, relativamente às
matérias a decidir no saneador e que as partes não tiveram ainda opor­
tunidade de discutir nos articulados;

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Exposição de Motivos 205
- O debate oral, destinado a suprir eventuais insuficiências ou imprecisões
na factualidade alegada e que hajam passado o crivo do despacho pré-
saneador, culminando na
- Definição do objecto do litígio e na enunciação das questões essenciais de
facto que constituem o tema da prova.
Acentua-se que a selecção da matéria de facto relevante, face às várias
soluções plausíveis da questão do direito, conduzindo à definição dos temas proba­
tórios, se deve cingir à factualidade essencial controvertida e decisiva para a resolução
do pleito, não havendo qualquer fundamento para incluir factos instrumentais ou
probatórios, livremente investigáveis em audiência — quebrando definitivamente
a cultura, associada à rigidez, minúcia e extensão das figuras da especificação e do
questionário, profundamente enraizadas na cultura judiciária.
Estabelecem-se, ainda, quanto aos fins possíveis da audiência preliminar duas
inovações, podendo ela destinar-se também:
- À determinação, após debate, dos actos de adequação formal, de simpli­
ficação ou de agilização processual, como decorrência da consagração do
princípio da gestão processual;
- À programação, após audição dos mandatários, dos actos a realizar na
audiência final, estabelecendo o número de sessões e a sua provável dura­
ção e designando as respectivas datas; esta possibilidade de programa­ção
dos actos e tempos da audiência final — corrente nos tribunais arbi­trais
— é inovatória na lei de processo, sendo o instrumento adequado para o
juiz exercer poderes efectivos de direcção e de disciplina na condução da
audiência final, dum lado, e para as Partes e os seus Advogados poderem
ver respeitados os seus horários e agendas;
- Deixa de ter cabimento a finalidade traduzida de apresentação dos reque­
rimentos probatórios das partes nesta fase intermédia do processo, uma
vez que as provas passam a ter de ser indicadas nos articulados.
8.3. Apesar de, em processo ordinário, a audiência preliminar, quanto aos
processos que devam prosseguir para julgamento, ser tendencialmente obrigatória,
procurou flexibilizar-se o sistema, facultando ao juiz, de acordo com os princípios
gerais da gestão e da adequação processuais, a possibilidade de, em despacho por
ele proferido logo após o termo da fase dos articulados, realizar, mediante despa­
cho, as típicas funções dessa audiência (evitando, nomeadamente que possíveis
dificuldades de agendamento de audiências preliminares se pudessem converter
em factor de indesejada morosidade processual). Porém, se, notificadas as partes,
alguma delas pretender reclamar do conteúdo dos despachos proferidos, nomeadamente

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206 Exposição de Motivos

no que respeita à fixação das questões essenciais de facto que constituem tema da
prova, pode requerer a realização de audiência preliminar.
Assim, embora se permita ao juiz impulsionar o processo sem realização
de audiência preliminar, proferindo logo, sem o debate oral e contraditório que a
carac­teriza, as decisões sobre as matérias atrás referidas, a dedução de reclamações
obriga à realização da audiência, evitando a inconveniente resolução das reclama­
ções deduzidas mediante procedimento escrito — e acabando por facultar, por esta
via, à parte reclamante a realização de um acto que considera necessário aos fins
do processo.

9 A fase de instrução e os meios de prova


Introduzem-se várias modificações em sede de direito probatório:
9.1. Estabelece-se relevante limitação ao número de testemunhas que é pos­
sível apresentar em processo ordinário ou sumário, fixado, respectivamente, em 10
e 8 testemunhas para cada parte, conferindo, todavia ao juiz, em conformidade com
o princípio do inquisitório, a possibilidade de audição de um número superior de
depoentes, quando a natureza e extensão da matéria de facto justifiquem.
9.2. Prevê-se a possibilidade de prestarem declarações em audiência as
próprias partes, quando — face, nomeadamente, à natureza pessoal dos factos a
averiguar — tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo juiz,
na parte em que não representem confissão.
9.3. Em consonância com o princípio da inadiabilidade da audiência final,
disciplina-se a produção de prova documental, estabelecendo como momento
limite para a junção de documentos o do início da produção da prova (e não o do
encerramento da audiência de discussão e julgamento), evitando que as partes
possam entravar o normal prosseguimento da audiência com uma injustificável
apresentação tardia de documentos, muitas vezes inúteis, de que há muito dispu­
nham, com finalidades exclusivamente dilatórias.
9.4. Cria-se um novo meio de prova, que se designa por Verificações não
judiciais qualificadas:
- Sempre que seja legalmente admissível a inspecção judicial, mas o juiz
entenda que se não justifica, face à natureza da matéria ou à relevância
do litígio, a percepção directa dos factos pelo tribunal, pode ser incum­
bido técnico ou pessoa qualificada de proceder aos actos de inspecção
de coisas ou locais ou de reconstituição de factos e de apresentar o seu
relatório, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos
artigos anteriores;

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Exposição de Motivos 207
- Sem prejuízo das atestações realizadas por autoridade ou oficial público,
as verificações não judiciais qualificadas são livremente apreciadas pelo
tribunal.
Permite-se, deste modo, que sejam averiguados com acrescida eficácia e
fiabilidade factos que — não implicando o juízo científico que subjaz à prova pericial
— possam ser melhor fixados ou esclarecidos por entidade isenta e imparcial e
tecnicamente apetrechada (evitando o habitual recurso à falível prova testemu­
nhal para a sua determinação e dispensando inspecções judiciais que não sejam
proporcionais ao relevo e natureza da matéria litigiosa).

10 A fase de julgamento
Quanto à disciplina da audiência final, estabelecem-se duas alterações fun­
damentais no quadro legal vigente:
10.1. Consagra-se o princípio da inadiabilidade da audiência final, a qual tem
lugar, salvo se houver impedimento do tribunal, faltar algum dos advogados sem
que o juiz tenha providenciado pela marcação mediante acordo prévio ou ocorrer
motivo que constitua justo impedimento, nos estritos termos em que esta figura
está consagrada no art. 146.º.
Deste modo — e a menos que não haja sido cumprida a norma constante do
art. 155.º — é praticamente seguro que a audiência agendada se realizará efectiva­
mente, evitando a frustração das deslocações dos Advogados, das Partes e Testemu­
nhas à sede do tribunal e permitindo uma gestão racional e segura da agenda por
parte do juiz e do Advogado, que podem estar seguros de que as diligências agen­
dadas com toda a probabilidade se irão realizar.
Por outro lado — e em consonância com este regime — prescreve-se que a
suspensão da instância por acordo das partes — permitida por períodos que, na sua
totalidade, não excedam três meses — está condicionada a que dela que não resulte
o adiamento da audiência final já agendada, estabelecendo-se que, neste caso, a
suspensão não prejudica os actos de instrução e as demais diligências preparatórios
da audiência final.
10.2. Elimina-se a intervenção do colectivo — aliás, desde 2000, praticamente
inexistente no processo civil —, passando todo o julgamento da causa, nos seus
aspectos factuais e jurídicos, a decorrer perante o juiz singular a que está distri­buído
o processo.
Desta unicidade do juiz singular na fase de julgamento decorrem potenciali­
dades significativas de simplificação e racionalização do processado, na medida em
que passa a ser o mesmo julgador a:

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208 Exposição de Motivos

- Apreciar livremente as provas, fixando os factos que considera provados


em audiência, deles extraindo logo as pertinentes presunções judiciais, e
motivando a sua convicção;
- Valorar as provas plenas, constantes dos autos;
- Aplicar o direito a toda esta factualidade.
Na fundamentação da sentença, o juiz toma em consideração, além dos factos
que constam da decisão proferida nos termos do artigo 653.º, aqueles que estão
admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito,
compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados
as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.

B) Processo executivo
1 Estatuto do agente de execução
Propõe-se:
1.1. A criação e regulação, em diploma legal autónomo, de entidade fiscali­
zadora dos agentes de execução, incluída no Ministério da Justiça, reguladora do
exercício dessa profissão, com atribuições nas matérias de acesso e admissão a está­
gio, avaliação, disciplina e regulamentação da actividade própria dos agentes de
execução, exercidas em cooperação com as competências próprias das associações
públicas interessadas — a Ordem dos Advogados e a Câmara dos Solicitadores.
Tal entidade — exercendo as suas competências relativamente a todos os
agentes de execução, seja qual for a sua origem profissional — deverá ser provida
de serviços inspectivos que lhe permitam realizar prontamente as inspecções,
inquéritos, sindicâncias e instrução dos processos disciplinares que a actuação irre­
gular de agente de execução haja originado.
1.2. A revisão do estatuto deontológico do agente de execução, prevendo-se,
designadamente, um exigente regime de incompatibilidades e impedimentos, que
torne o exercício dessa função incompatível com as profissões de advogado ou solici­
tador, sem prejuízo do estabelecimento de regime transitório que garante expec­
tativas fundadas dos agentes de execução actualmente em funções.
1.3. O reforço da imparcialidade e autonomia do agente de execução perante
o exequente que o designou, reservando ao juiz a competência para a sua destituição
com fundamento em actuação dolosa ou violação reiterada dos deveres estatutários.

2 Reforço do papel do juiz de execução


Reforça-se o papel do juiz, outorgando-lhe, expressamente, um poder geral de
controlo do processo executivo. Atribui-se ao juiz do poder exclusivo de:

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Exposição de Motivos 209
- Adequar o valor da penhora de vencimento ou outro rendimento à situação
económica e familiar do executado;
- Tutelar os interesses do executado, quando estiver em causa a sua residência
efectiva;
- Designar administrador para proceder à gestão ordinária do estabeleci­
mento penhorado;
- Autorizar o fraccionamento do prédio penhorado;
- Aprovar as contas na execução para prestação de facto;
- Autorizar a venda antecipada de bens penhorados, em caso de deterioração
ou depreciação ou quando haja vantagem na antecipação da venda;
- Decidir o levantamento da penhora em sede de oposição incidental do exe­
quente a esse levantamento, perante o agente de execução, na sequência
de pedido de herdeiro do devedor.

3 Acesso aos tribunais, simplificação e celeridade da execução


Instituem-se os seguintes regimes:
3.1. Execução nos próprios autos, mediante simples requerimento, de decisão
judicial condenatória, independentemente da pluralidade de fins da execução, com
possibilidade de penhora de bens suficientes para cobrir a quantia resultante da
eventual conversão das execuções, a indemnização pelo dano e a quantia devida
a título de sanção pecuniária compulsória;
3.2. Admissibilidade de cumulação de execuções fundadas em decisão judi­
cial, relativamente aos pedidos julgados procedentes;
3.3. Admissibilidade de cumulação de execução fundada em título extrajudicial
para entrega de coisa certa e pagamento de renda, despesas ou encargos em dívida.
3.4. Criação da forma de processo executivo sumário baseado em decisão
judicial ou arbitral, requerimento de injunção com aposição de fórmula executória e
título extrajudicial de obrigação pecuniária, cujo valor não exceda o dobro da alçada
da 1.ª instância, autorizando-se que, nestes casos, a penhora anteceda a citação do
executado para deduzir oposição;
3.5. Possibilidade de o exequente, nas execuções ordinárias, obter a dispensa
de citação prévia do executado, com carácter de urgência, se demonstrar a verificação
dos requisitos do justo receio da perda da garantia patrimonial, aplicando-se, de
seguida, a tramitação do processo executivo sumário:
3.6. Possibilidade de os cidadãos requererem que o oficial de justiça desem­
penhe as funções de agente de execução para a cobrança de créditos de valor
não superior a € 10.000,00, quando não resultarem do exercício da sua actividade
profissional;

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210 Exposição de Motivos

3.7. Possibilidade de o exequente requerer a intervenção do oficial de justiça,


na qualidade de agente de execução, no cumprimento coercivo de créditos laborais
de valor não superior a € 30.000,00;
3.8. Extinção da execução se não forem identificados e localizados bens penho­
ráveis no prazo de três meses a contar da notificação do agente de execução por
parte da Secretaria, regime aplicável a todas as execuções pendentes, sem prejuízo
da renovação dessa execução, caso sejam posteriormente identificados e localizados
bens penhoráveis;
3.9. Abolição da citação prévia do executado nas execuções para entrega de
coisa certa, fundadas em decisão judicial (ou em requerimento de injunção, no novo
regime da acção de despejo);
3.10. Dispensa de autorização judicial para a penhora de saldos de depósitos
bancários;
3.11. Possibilidade de a penhora de saldos de depósitos bancários ser efectuada
por meio de contacto pessoal entre o agente de execução e o dirigente da filial,
sucursal, agência ou delegação da instituição bancária;
3.12. Encurtamento para dois dias úteis subsequentes à notificação de penhora
do prazo para a observância do dever de informação ao agente de execução dos
saldos existentes, ou a não existência de saldo ou conta;
3.13. Possibilidade de consulta da base de dados gerida pelo Banco de
Portugal, a fim da identificação das instituições bancárias onde possam existir saldos
de depósitos de executados ou insolventes;
3.14. Possibilidade de todos os sujeitos processuais (juiz, exequente, exe­
cutado, agente de execução, credores reclamantes) terem acesso, por via electrónica, a
todo o momento, às diligências efectuadas pelo agente de execução, pela secretaria
ou pelo juiz;
3.15. Dispensa de citação pessoal do cônjuge do executado, no âmbito do
concurso de credores, sendo suficiente a sua citação edital;
3.16. Previsão de que as diligências necessárias para a realização do paga­
mento se efectuam, obrigatoriamente, no prazo de três meses a contar da penhora,
independentemente do prosseguimento do apenso da verificação e graduação de
créditos.

4 Protecção dos interesses do exequente


Prevêem-se as seguintes medidas:
4.1. Não tendo havido oposição, ou depois de ter sido julgada improcedente,
dever de entrega directa ao exequente das quantias devidas pelo executado, nos
casos de penhora de rendimentos periódicos, após o desconto das quantias devidas
a título de despesas da execução;

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Exposição de Motivos 211
4.2. Assegurar a comunicabilidade da dívida exequenda ao cônjuge do
executado, na própria execução, nos títulos extrajudiciais apenas subscritos por um
dos cônjuges;
4.3. Permitir que a penhora de veículos automóveis possa ser precedida da
imobilização do veículo, consagrando como regra a sua remoção para depósitos;
4.4. Admissão do exequente a adquirir os bens sob os quais tenham sido
efectuadas propostas em carta fechada, abrindo-se licitação entre este e o propo­
nente do maior preço.

5 Protecção dos interesses do executado


Instituem-se os seguintes regimes:
5.1. Suspensão das diligências destinada à venda executiva ou à adjudicação
com a dedução de oposição à execução ou à penhora, quando tenha sido penho­rada
a habitação efectiva do executado;
5.2. Impenhorabilidade de dois terços da parte líquida dos vencimentos ou
salários do executado, bem como as prestações de qualquer natureza que asse­
gurem a subsistência do executado (p. ex., rendas, rendimentos de propriedade inte­
lectual, etc.);
5.3. Impenhorabilidade do montante equivalente à pensão social do regime
não contributivo quando o crédito exequendo é por alimentos;
5.4. Possibilidade de o cônjuge único executado por título extrajudicial alegar,
na oposição à penhora, que a dívida é de ambos os cônjuges, com o dever de espe­
cificar logo os bens comuns que devem ser penhorados;
5.5. Suspensão da venda dos bens próprios e dos bens comuns quando o
exequente tenha alegado que, sendo o título extrajudicial subscrito por um dos
cônjuges, a dívida é da responsabilidade de ambos os cônjuges. Suspensão que se
mantém até à decisão do incidente na própria execução;
5.6. Extinção automática da execução, se não forem encontrados bens penho­
ráveis no prazo de três meses a contar da notificação do agente de execução, por
parte da Secretaria, para o efeito de aquele iniciar as diligências de identificação e
localização de bens penhoráveis;
5.7. Possibilidade de, face à proliferação de situações de sobreendivida­mento,
celebração de plano global de pagamentos entre exequente, executado e credores
reclamantes, envolvendo, designadamente, moratórias ou perdões, substituição,
total ou parcial de garantias, com a consequente suspensão da execução;
5.8. Admissibilidade de, em execução fundada em requerimento de injunção,
o executado alegar factos extintivos ou modificativos da obrigação exequenda,
anteriores à formação do título, por motivos de força maior ou devido a circunstâncias
excepcionais.

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212 Exposição de Motivos

C) Normas transitórias
1 Consagra-se a regra da aplicação imediata das alterações introduzidas na
lei de processo às acções pendentes, com ressalva, nomeadamente:
- Das execuções regidas pelo regime anterior ao editado pelo Decreto-Lei
38/03, de 8/3, que ainda subsistam;
- Da estabilização das formas do processo e do elenco de títulos exequíveis à
data do início da acção;
- Da não aplicação aos procedimentos cautelares pendentes do novo regime
de inversão do contencioso;
- Da não aplicação da limitação no acesso ao Supremo, decorrente da con­
sagração pelo Decreto-Lei 303/07 da regra da dupla conforme, aos recursos
interpostos em processos que já estivessem pendentes na data em que
esse diploma legal iniciou a sua vigência.
2. Aplica-se o novo regime que visa eliminar a pendência de execuções inviá­
veis — por não terem sido identificados em prazo razoável bens penhoráveis — a
todos os processos pendentes, incluindo aqueles que, por se terem iniciado antes
de vigorar a reforma operada pelo Decreto-Lei 38/03, obedecem a um figurino
processual completamente diferente.
3. Aplica-se o novo regime de execução de sentença nos próprios autos do pro­
cesso declaratório a quaisquer sentenças ainda não executadas, independen­te­
mente da data em que foram proferidas.

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RESENHAS

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LEAL, Rosemiro Pereira. Processo como teoria da lei
democrática. Belo Horizonte: Fórum, 2010.

Neoinstitucionalismo e Constituição

De que lugar se poder fazer uma crítica ao direito contemporâneo?


Na década de 80, o lugar da crítica era tipicamente o do direito alternativo,
que postulava a existência de um critério de juridicidade para além do estatal. Esse
enfoque, voltado a oferecer suporte teórico ao enfrentamento do Estado ditatorial,
precisava articular uma crítica jurídica que opunha lei e direito para defender a
primazia do direito legítimo com relação às leis estatais.
Ao longo da década de 90, essa perspectiva crítica perdeu espaço, especial­
mente com relação às variadas perspectivas constitucionalistas. A promulgação de
uma constituição democrática permitiu que a oposição entre lei e direito fosse relida
como a tensão entre as leis e a Constituição, que passou a ser o núcleo em torno dos
quais se aglutinaram os discursos jurídicos ligados à justiça e à legitimidade. Desde
então, conquistou espaço crescente um nova teoria crítica, engajada no fortaleci­
mento do paradigma do Estado Democrático de Direito.
Os discursos ligados a esse movimento tendem a adotar uma estrutura
teleológica, em que a organização do direito fosse remetida fundamentalmente a
uma rede de princípios constitucionais que devem orientar a atuação dos cidadãos e
do Estado. Toda interpretação da lei deve ter por finalidade a concretização dos prin­
cípios constitucionais, o que conferiu à interpretação constitucional uma visibili­dade
e uma relevância inéditas no contexto brasileiro. Esse movimento reforçou o controle
judicial de constitucionalidade, que deixou de ter o papel secundário que lhe é
reservado tanto nos regimes autoritários (pela falta de autonomia judiciária) quanto
nos regimes liberais (pela falta de ativismo judicial).
Desde 1988, vivemos um processo circular em que a ampliação do discurso
constitucional reforça o ativismo dos juízes, ao passo que a ampliação do ativismo
judicial promove o desenvolvimento de categorias teóricas e práticas capazes de
justificar e organizar essa atividade. Nesse contexto, a teoria e a prática da jurisdição
terminaram confluindo em uma valorização extrema do papel dos magistrados, que
assumiram o papel de porta-vozes do sentido correto da lei e de garantidores da fiel
execução dos princípios constitucionais.
Não deve, pois, causar espanto que, no plano da teoria do processo, tenha
crescido a importância da perspectiva instrumental. A atuação das instituições polí­
ticas somente se justifica na medida em que realizam direitos constitucionais e,
portanto, a interpretação do texto constitucional passou a ser uma tarefa fundamental

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216 Alexandre Araújo Costa, Henrique Araújo Costa

para todo o processo de realização do direito. Um dos principais resultados desse


processo foi uma ampla produção de textos ligados ao desenvolvimento de uma
hermenêutica constitucional pós-positivista, capaz de fornecer critérios teóricos para
organizar um discurso jurídico pautado por um controle de constitucionalidade de
matriz ativista. O discurso produzido por autores vinculados a essa perspectiva tende
a ocultar seu engajamento político por meio da afirmação de padrões argumen­ta­
tivos ligados a uma racionalidade pretensamente científica.
Um ponto fraco dessa virada principiológica é o protagonismo judicial vir
associado a uma certa ingenuidade hermenêutica, que não leva devidamente em
conta o fato de que é impossível uma interpretação objetiva da norma. Tal perspec­
tiva parte de uma concepção interpretativa “de que ao homem, por dom especial,
era possível obter certezas definitivas através de vivências (intuição decifradora)
do mundo” (p. 20). Os juristas não se cansam de enfatizar o papel do direito e da
interpretação das leis na construção do Estado Democrático, mas por vezes perdem
de vista que isso que eles chamam de realização do direito pode envolver pro­cessos
decisórios profundamente autoritários, realizados em nome da efetivação dos prin­
cípios constitucionais.
Essa transformação da interpretação constitucional em um simulacro de
democracia é o ponto de partida das reflexões de Rosemiro Pereira Leal em seu
Processo como teoria da lei democrática, no qual ele busca traçar uma:

teoria jurídico-democrática do direito que não repita a história perversa


das promessas jurídicas infinitas e da regra do possível por ações de
uma sociedade civil radicalmente discriminatória e historicamente domi­­
na­
dora e violenta, ocupante secular da administração governativa
dos povos aprisionados em Estados-Nações e (ou) leis e constituições
autoritárias. (p. 105)

Rosemiro Leal se volta contra um discurso neoconstitucionalista que começa


a mostrar indícios de esgotamento, especialmente porque ele pressupõe a demo­
craticidade da Constituição. Esse dogma parece intangível porque a Constituição de
1988 é o principal marco do processo de redemocratização que deu fim à ditadura
instaurada pelo golpe militar de 1964 e, nessa medida, questionar o caráter demo­
crático da Constituição Cidadã parece um contrassenso. Ela inaugurou o nosso Estado
Democrático de Direito e, por isso, os discursos que se propõem a garantir a efeti­
vidade do texto constitucional parecem evidentemente democráticos.
É essa evidência que Rosemiro Leal coloca em dúvida em seu novo livro, cuja
tese principal é a de que a confusão entre direito e lei tem sido renovada mediante
uma confusão entre constituição e democracia. No contexto contemporâneo, em

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Resenha 217

que todos os Estados se apresentam como constitucionais, a identificação ideal


entre constituição e democracia faz com que percamos a possibilidade de nos ques­
tionarmos acerca de como o direito pode ser democrático.
Se apenas o direito democrático passa a ser chamado de direito, e o direito é
considerado democrático quando está de acordo com a Constituição, o resultado é
uma legitimação acrítica da própria ordem constitucional, para usarmos a expressão
cunhada por Kelsen para contrapor-se à identificação idealista entre direito e moral.
Esse idealismo foi herdado do jusnaturalismo e repetido em várias das teorias
críticas do século XX, como a de Lyra Filho, que afirmava que apenas o direito justo
merecia ser chamado de direito.
Se toda constituição que merece esse nome é por definição democrática,
todas as teorias voltadas a garantir a supremacia da Constituição de 1988 deveriam
ser percebidas como instrumentos de ampliação da democracia. Ocorre, porém,
que muitas das categorias desenvolvidas com vistas a ampliar o controle de constitu­
cionalidade podem ter como resultado uma redução da própria democracia, na
medida em que um texto constitucional dúctil pode assumir as formas que lhe con­fere
a ideologia política que move os seus intérpretes.
Essa não é uma afirmação paradoxal, exceto para as pessoas que confiam
que o ativismo judicial pode ser movido por critérios racionais controláveis por meio
de um discurso de matriz cognitiva. As várias teorias da argumentação jurídica visam
a cumprir esse papel de garantir uma aparência de cientificidade a um discurso
prudencial e muitos dos defensores do ativismo judicial (especialmente aqueles
inspirados pelo racionalismo de Habermas, Alexy ou Dworkin) sustentam que um
processo racional pode conduzir a soluções objetivamente corretas. Os pensadores
ligados a essas perspectivas têm se dedicado, nas últimas décadas, a desenvolver
modelos cada vez mais abrangentes de judicial review, o que implica a elaboração de
critérios cada vez mais vagos, guiados por “juízos de flexibilidade, proporcionali­dade,
razoabilidade, ponderabilidade e adequabilidade” e operados por categorias como a
definição do núcleo essencial ou manutenção da reserva do possível.

O que se deduz, nas leituras de vários autores, é que estes estão


empenhados em encontrar talentosamente interpretações jurídicas
para identificar, de forma límpida, o paradigma do Estado Democrático
de Direito como se este, por imanência ou atributo, já trouxesse, em
si mesmo, uma característica (“horizonte histórico do sentido”) a ser
decifrada pelos estudiosos e juristas designativa do paradigma estatal
da democracia. (p. 28)

Todavia, Rosemiro Leal se mostra cético acerca das teorias que se fundam
na sacralização dos consensos sociais e na confiança desmedida na esfera pública,

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218 Alexandre Araújo Costa, Henrique Araújo Costa

dado que “a chamada sociedade complexa, além de não ser sociedade, e sequer
complexa, porque centrada em marcos de crenças coletivas já ideologicamente
sistematizadas, é um conglomerado mítico em que se despontam os componentes
ditos identificatórios do dinheiro, poder e solidariedade, que as comporiam em
sua atuação integrativo-política” (p. 61). Enquanto o controle de constitucionalidade
se desenvolveu a partir da ideia de que as leis editadas pelo parlamento consti­
tucionalmente eleito podiam ser contrárias à constituição, Rosemiro Leal acentua
que o próprio controle de constitucionalidade precisa ser avaliado, para evitar que
conduza a situações contrárias à democracia.
Contra o constitucionalismo que parte do dogma da democraticidade do
judicial review, Rosemiro Leal afirma que seu estudo “vai privilegiar um controle
processual de democraticidade constitucional das leis e não mais um controle de
cons­titucionalidade (legalidade hierárquica) das leis ou por leis” (p. 17). Quando
com­preendemos que a constituição pode ser a base de uma argumentação antide­
mocrática, precisamos reconhecer que nem toda aplicação constitucional significa
um incremento da democracia. E é por isso que ele se pergunta quando aplicação
da constituição pode ser democrática? E, especialmente, quando o processo de con­trole
de constitucionalidade contribui para a democracia?
Essa é uma crítica que vem em boa hora, pois começa a se esgotar o tempo
em que a mera referência à Constituição de 1988 é percebida como um signo de
democracia. Consolidado o processo de redemocratização, chegamos a uma época
em que nossos dilemas se relacionam com o quão democrática é a atuação do sis­
tema jurídico voltado para a sua interpretação e aplicação. Em que medida o discurso
constitucionalista é efetivamente capaz de promover uma concretização do projeto
democrático determinado pela Constituição? Não será ele capaz de promover um
simulacro de democracia, a partir de uma redefinição autoritária dos sentidos do
texto?
Rosemiro Leal desenvolve essa crítica chamando atenção para elementos
como para o caráter ideológico da categoria de Estado Democrático de Direito (cap. I),
para as “sequelas míticas do poder constituinte originário” (cap. II), para a sutil “vio­
lência da parlamentarização da lei” (cap. IV) e para as ilusões racionalistas envolvidas
no controle de constitucionalidade (capítulos VI a VIII). Seguindo esse itinerário,o
autor reafirma sua vinculação com uma postura filosófica contemporânea, inspi­
rada pelo desconstrutivismo de Derrida e, em especial, pelo racionalismo crítico de
Karl Popper.
Muitos trechos do livro são calcados em uma contraposição entre as teorias
discursivas de Popper e de Habermas, defendendo que a primeira representa

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Resenha 219

uma alternativa mais interessante para o pensamento jurídico, especialmente por


não idealizar o consenso social e os resultados dos debates na esfera pública. Não
obstante a acidez das críticas, essa marcação denota principalmente a tentativa de
manter claras as fronteiras entre teorias que têm muitos pontos de contato. Como
sói acontecer, muitos dos argumentos são voltados para diferenciar as propostas de
Rosemiro Leal de outras que lhe são semelhantes, como é o caso do pragmatismo
universal habermasiano. Mas não se pode perder de vista que ambas as perspectivas
convergem na tentativa de oferecer categorias que incorporam as contribuições
da filosofia da linguagem e do giro pragmático-linguístico da segunda metade do
século XX.
Quanto à forma, devemos advertir que o texto é vertido em um estilo barroco,
cujo rebuscamento por vezes ofusca a clareza e exige do leitor o conhecimento de
uma profusão de categorias teóricas. Muitos trechos exigem uma leitura cuida­
dosa para compreender as séries de conceitos encadeados, como no momento em
que afirma que “há de se distinguir uma ‘processualização do direito’, como pretensão
ideo-instrumentalista-operativa (cognitivista cartesiana), de uma concepção juridi­
camente processual procedimentalizada de democracia pós-moderna” (p. 210).
Outro dos pontos fracos do livro é que ele se organiza na forma de um
mosaico em que a ligação entre as partes muitas vezes não é claramente definida.
Vários trechos, em especial, parecem ter sido elaborados a partir de escritos que
analisavam obras específicas de certos autores, tendo sido incorporados à obra sem
que perdessem o tom de resenha. Além disso, as referências à teoria neoinstitu­cio­
nalista não se explicam no próprio livro, o que exige a leitura de outros textos do
autor para compreender devidamente as suas propostas. Porém, fica claro que a
perspectiva neoinstitucionalista se contrapõe ao ativismo judicial neoconstitucio­
nalista e propõe uma teoria do direito que reconheça maior autonomia discursiva
às partes que dialogam em um processo, em vez de confiar o resultado em um
reforço místico da capacidade judicial de revelar os sentidos corretos pretensamente
contidos na lei.
Por tudo isso, a leitura da obra o Processo como teoria da lei democrática se
mostra relevante às pessoas interessadas nas relações entre constitucionalismo e
ativismo judicial, especialmente para aquelas que julgam necessário refletir sobre a
adequação democrática dos sistemas de controle de constitucionalidade. Além disso,
a contraposição entre Popper e Habermas abre espaços interessantes para avaliar as
possíveis contribuições desses autores para a política e para o direito, especialmente
para refletir sobre o papel contemporâneo das teorias que se apresentam como
críticas.

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220 Alexandre Araújo Costa, Henrique Araújo Costa

Alexandre Araújo Costa


Doutor em Direito. Professor Adjunto da UnB.
Coordenador do Grupo de Pesquisa em Política e
Direito.

Henrique Araújo Costa


Mestre e Doutorando em Direito Processual pela
PUC-SP. Professor voluntário da UnB. Pesquisador do
Grupo de Estudos em Direito Processual Civil da UnB
(Gepro/UnB).

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

LEAL, Rosemiro Pereira. Processo como teoria da lei democrática. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
Resenha de: COSTA, Alexandre Araújo; COSTA, Henrique Araújo. Revista Brasileira de Direito
Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 20, n. 77, p. 215-220, jan./mar. 2012.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 77, p. 215-220, jan./mar. 2012

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PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa julgada civil. 4. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

Sérgio Gilberto Porto é doutor, mestre e especialista em direito pela Pontifícia


Universidade Católica do Rio Grande do Sul, onde é hoje professor (de doutorado,
mestrado e graduação) de direito processual civil. É advogado e parecerista, com
atuação em Porto Alegre e Brasília, inserindo-se, inquestionavelmente, entre os
causídicos mais conceituados e requisitados do país. Integra o conselho editorial de
inúmeras revistas jurídicas e é Diretor da Revista Jurídica Empresarial. Publicou e orga­
nizou mais de uma dezena de obras jurídicas, além de ser autor de inúmeros artigos
e pareceres técnicos propagados em diversos periódicos.
O livro ora resenhado é uma de suas obras primas. Publicado pela primeira
vez em 1996, ganha hoje sua 4ª edição, devidamente revitalizada, com referências
ao longo de todo o seu texto acerca do projeto de lei que tem por finalidade editar
um novo Código de Processo Civil. Encontra-se dividido em seis partes bem estru­
turadas: 1. Um prefácio; 2. Antecedentes lógicos à compreensão do instituto da coisa
julgada; 3. Fundamentos básicos do processo civil contemporâneo (temas tratados,
entre outros: superação da teoria unitária em sede processual; relação jurídica de
direito material e relação jurídica de direito processual; ação de direito material, direito
subjetivo e pretensão; classificação das demandas segundo as cargas de eficácia das
sentenças; elementos identificadores da demanda; requisitos essenciais da sentença);
4. Coisa julgada (temas tratados, entre outros: noções do instituto no common law e
no direito brasileiro; funções negativa e positiva da coisa julgada; a necessária
adequação da coisa julgada à natureza do direito posto em causa na ordem jurídica
coetânea; limites objetivos, subjetivos e temporais da coisa julgada; coisa julgada e
cognição; coisa julgada e relação jurídica continuativa, coisa julgada e jurisdição
constitucional); 5. Como posfácio; e 6. Conclusões.
Trata-se de genuína obra de cabeceira, que merece ser lida, relida e consultada
sempre. Parabéns ao autor e à Editora Revista dos Tribunais por mais esta contri­
buição às letras jurídicas.

Fernando Rossi
Mestre em Constituição e Processo pela
Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP).
Especialista em Processo Civil e Direito Civil pela
Universidade de Franca (UNIFRAN). Membro do
Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IAMG).
Diretor da Revista Brasileira de Direito Processual –
RBDPro. Advogado.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 77, p. 221-222, jan./mar. 2012

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222 Fernando Rossi

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa julgada civil. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. Resenha
de: ROSSI, Fernando. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 20,
n. 77, p. 221-222, jan./mar. 2012.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 77, p. 221-222, jan./mar. 2012

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BOTELHO, Guilherme. Direito ao processo qualifi­
cado: o processo civil na perspectiva do Estado Cons­
titucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
199 p.

Excelente. Outra não foi, confesso, a primeira palavra que me recordo de ter
pensado após a leitura do livro Direito ao Processo qualificado: o processo civil na
perspectiva do Estado Constitucional, versão comercial da dissertação de mestrado
apresentada pelo autor à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS), no final do ano de 2009, a qual, após aprovação, com louvor, da banca
examinadora, vem a público pela prestigiosa Editora Livraria do Advogado.
Possuindo o Estado Constitucional a precípua função de tutelar os direitos, ou
seja, não só proclamá-los, mas realizá-los na vida prática, tornando-os efetivos, nada
mais natural que o ente estatal tenha a obrigação de viabilizar um processo justo,
por intermédio de seus órgãos competentes. A obra de Guilherme Botelho, professor
de Processo Civil da FEEVALE, justamente, nesse ponto, tem o seu grande mérito, já
que delimita o conceito e identifica os elementos constitutivos do processo cível
próprio do Estado Democrático de Direito — o que faz com maestria, diga-se de pas­
sagem, equilibrando denso conteúdo doutrinário com uma fácil e agradável leitura.
Sempre externando as suas preocupações com o destino prático do processo,
o autor desenvolve, em um primeiro momento, uma análise histórica de todo caldo
cultural que deu vida a nova forma de compreensão do direito processual, acabando
por concluir que no Estado Constitucional o direito ao processo não pode ser visto
como uma simples possibilidade de acesso formal ao judiciário, mas como um direito
qualificado, que deve ser, “em seus meios e resultados, tempestivo, justo e ade­
quado ao direito material em litígio” (p. 135). Após verificar e analisar os elementos
que integram o seu conteúdo (adequação, tempestividade e justiça), encerra com a
observação de que o processo qualificado age como o princípio-síntese de todos os
demais textos processuais, devendo ser utilizado como “postulado aplicativo apto
a guiar a interpretação das normas de natureza processual civil” (p. 177).
A obra do Professor Guilherme, ao final, reflete a sua própria personalidade:
um livro inteligente, instigante, de alto teor crítico, que busca um ponto de equilí­
brio entre as posições nele defendidas, harmonizando características contrastantes,
indicando caminhos para a construção de um processo previsível, mas adaptável
ao caso concreto; de um processo célere e efetivo, mas, obrigatoriamente, seguro.
O tempo, com a mais absoluta certeza, confirmará o sucesso desse livro e
consolidará o nome do autor entre os expoentes do processo civil (exatamente

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224 Jonathan Iovane de Lemos

como prevê o Professor Doutor José Maria Rosa Tesheiner, no prefácio da obra (p. 9)).
Nada mais nos resta do que recomendar a sua leitura atenta, já que indispensável a
todos que manejam o processo e que procuram entendê-lo dentro da ótica de um
verdadeiro Estado Constitucional.

Jonathan Iovane de Lemos


Advogado. Professor da Feevale. Mestre em Direito.
Especialista em Processo Civil pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

BOTELHO, Guilherme. Direito ao processo qualificado: o processo civil na perspectiva do


Estado Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. 199 p. Resenha de: LEMOS,
Jonathan Iovane de. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 20,
n. 77, p. 223-224, jan./mar. 2012.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 77, p. 223-224, jan./mar. 2012

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ROSSI, Fernando et al. (Coord.). O futuro do processo
civil no Brasil: uma análise crítica ao projeto do novo
CPC: obra em homenagem ao Advogado Claudiovir
Delfino. Belo Horizonte: Fórum, 2011.

Fernando Rossi, Glauco Gumerato Ramos, Jefferson Carús Guedes, Lúcio


Delfino e Luiz Eduardo Ribeiro Mourão uniram-se a fim de coordenar uma belíssima
e grandiosa obra.
Avalizada pelo selo de qualidade da Editora Fórum, a obra é composta de
trabalhos elaborados por processualistas de todo o Brasil e se estrutura em duas
partes: a primeira, destinada a artigos jurídicos mais densos; a derradeira, trazendo
ensaios mais sintéticos. Todos os trabalhos nela registrados, sem exceção, prestam-se
a contribuir, de algum modo, para a evolução do Projeto do novo Código de Processo
Civil atualmente em trânsito no Congresso Nacional. Os temas são diversificados, e
por isso alcançam a teoria geral do processo, o processo de conhecimento, a execução
cível, as tutelas de urgência, os procedimentos especiais e os recursos.
São coautores os seguintes juristas: Amanda Milliê da Silva Alves, André
Menezes Delfino, Arthur Mendes Lobo, João Batista de Moraes, Cristiane Druve Tavares
Fagundes, Daniel Mota Gutiérrez, Delton Ricardo Soares Meirelles, Fernando Gama
de Miranda Netto, Dhenis Cruz Madeira, Eduardo Chemale Selistre, Eduardo José da
Fonseca Costa, Fábio Victor da Fonte Monnerat, Flávia Pereira Ribeiro, Gilberto Notário
Ligero, Gisele Mazzoni Welsch, Gustavo de Medeiros Melo, Humberto Theodoro
Júnior, Jefferson Carús Guedes, José Anchieta da Silva, José Henrique Mouta Araújo,
José Herval Sampaio Júnior, Leonardo José Carneiro da Cunha, Luciano Vianna Araújo,
Lúcio Delfino, Luiz Henrique Volpe Camargo, Márcia Conceição Alves Dinamarco,
Marco Antonio dos Santos Rodrigues, Maria Lúcia Baptista Morais, Mirna Cianci, Rita
Quartieri, Liliane Ito Ishikawa, Paulo Leonardo Vilela Cardoso, Pedro Henrique Pedrosa
Nogueira, Rodrigo Chinini Mojica, Rodrigo D’Orio, Rodrigo Pereira Martins Ribeiro,
Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, Ronaldo Cramer, Rosemiro Pereira Leal, Sérgio
Tiveron, Welington Luzia Teixeira, Alexandre Freitas Câmara, Bruno Garcia Redondo,
Carlos Gustavo Rodrigues Del Prá, Cleucio Santos Nunes, Eduardo Cambi, Felipe
Camilo Dall’Alba, Guilherme Beux Nassif Azem, Fernando da Fonseca Gajardoni, Fredie
Didier Jr., Glauco Gumerato Ramos, João Batista Lopes, José Henrique Mouta Araújo,
José Maria Tesheiner, Luis Henrique Alves Machado, Luiz Eduardo Ribeiro Mourão,
Luiz Fernando Valladão Nogueira, Manoel de Souza Mendes Junior, Paulo Gustavo
Medeiros Carvalho, Rodolpho Vannucci, Geraldo Fonseca de Barros Neto, William
Santos Ferreira.

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226 Luciano da Silva Rufino

Vale sublinhar que o prefácio foi escrito por ninguém menos que o Ministro
do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux. Além disso, trata-se de um trabalho elaborado
com o propósito de homenagear a figura do advogado mineiro Claudiovir Delfino,
pelos seus quarenta e dois anos de contínua atividade na advocacia e sobretudo
pelo trabalho sério e ético que vem desempenhando com afinco até então.
Felicito os coordenadores, coautores e a própria Editora Fórum pela publi­cação
dessa importantíssima obra jurídica, que muito acrescenta às letras jurídicas.

Luciano da Silva Rufino


Advogado. Especialista em Direito Processual Civil.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

ROSSI, Fernando et al. (Coord.). O futuro do processo civil no Brasil: uma análise crítica ao projeto
do novo CPC: obra em homenagem ao Advogado Claudiovir Delfino. Belo Horizonte: Fórum,
2011. Resenha de: RUFINO, Luciano da Silva. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro,
Belo Horizonte, ano 20, n. 77, p. 225-226, jan./mar. 2012.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 77, p. 225-226, jan./mar. 2012

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KLIPPEL, Rodrigo; BASTOS, Antonio Adonias. Manual
de processo civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris; Vitória:
Acesso, 2011.

Rodrigo Klippel é advogado e professor de direito da FCV, do Praetorium, do


Juspodivm, da Escola de Magistratura do Espírito Santo e do CEP. É mestre em Direito
pela FDV, além de membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Antonio
Adonias Bastos, de sua vez, também é advogado e professor de direito da UNIFACS,
da Faculdade Baiana de Direito e do Juspodivm. É mestre e doutorando em direito
pela UFBA e membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual.
Os jovens processualistas se uniram e elaboraram seu magnífico Manual de
processo civil em edição única, com 1686 páginas, que esgota, com profundidade
e competência, a diversidade de temas tratados em cursos de graduação e pós-
graduação em todo o país.
A obra é composta por cinco partes, cada qual com subdivisões em capítulos
muito bem estruturados: 1. Teoria geral do processo; 2. Procedimento cognitivo em
1º Grau; 3. Recursos e outros meios de impugnação; 4. Processo de execução; e
5.Tutela de urgência.
Trata-se de um trabalho que prima pela didática e objetividade, com elabo­
rações doutrinárias seguras e consistentes, além de indicações de jurisprudência dos
tribunais superiores. Foi elaborado tanto para estudantes como operadores, e merece
local de destaque, para consulta diária, em toda e qualquer biblioteca jurídica
Parabenizo os autores e as Editoras por mais essa importante contribuição.

Lúcio Delfino
Advogado. Diretor da Revista Brasileira de Direito
Processual – RBDPro. Doutor em Direito Processual
Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito
Processual. Membro da Academia Brasileira de
Direito Processual Civil. Membro do Instituto dos
Advogados de Minas Gerais.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

KLIPPEL, Rodrigo; BASTOS, Antonio Adonias. Manual de processo civil. Rio de Janeiro: Lumen
Juris; Vitória: Acesso, 2011. Resenha de: DELFINO, Lúcio. Revista Brasileira de Direito Processual –
RBDPro, Belo Horizonte, ano 20, n. 77, p. 227, jan./mar. 2012.

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DELFINO, Lúcio. Direito processual civil: artigos e
pareceres. Belo Horizonte: Fórum, 2011.

Em boa hora, a Editora Fórum nos traz a obra Direito processual civil: artigos
e pareceres da autoria de Lúcio Delfino, exímio processualista mineiro, Diretor da
consagrada Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro.
Lúcio está de parabéns! Como revela Fredie Didier Jr., no prefácio, o autor
“é um jurista seguro e sereno” que escreve textos de forma clara sobre “temas atuais
e relevantes”.
Essa coletânea de trabalhos — artigos e pareceres — de Lúcio Delfino não
poderia ser diferente.
O livro é dividido em duas partes.
As primeiras 280 páginas, primeira parte, são compostas de doze artigos do
autor sobre temas relevantes para o direito processual civil.
No primeiro artigo, intitulado “O processo democrático e a ilegitimidade
de algumas decisões judiciais”, com muito talento, aborda que as decisões judiciais
proferidas no Estado Democrático de Direito somente encontram legitimidade
se realizadas à luz do contraditório, que é a democracia no ambiente processual.
Além de profunda base teórica, apresenta diversos exemplos práticos de decisões ile­
gítimas que violam o princípio do contraditório.
No segundo artigo, aventura-se no difícil tema do direito intertemporal
aplicado em conflitos de leis que envolvem o “velho” e o “novo” regime do mandado
de segurança.
Por sua vez, no terceiro artigo, Lúcio faz uma interessante análise, em coau­
toria com Fernando Rossi, sobre a “interpretação jurídica no Estado Constitucional”,
onde demonstram que toda e qualquer interpretação jurídica, que tem por escopo
desvelar significados do texto normativo, deve-se pautar na substancial supremacia
da Constituição, que é pautada pela democracia como eixo teórico e composta por
princípios e por direitos fundamentais.
No quarto artigo, com sua perspicácia, o autor discorre sobre o recente e
pouco explorado tema do direito aos alimentos gravídicos e as questões referentes
às técnicas processuais diferenciadas instituídas pela Lei nº 11.804/2008 para a
proteção da pessoa embrionária.
Já no quinto artigo, examina o princípio da legalidade das formas e a adaptação
do procedimento às especificidades do litígio ao escrever sobre a “flexibilização
procedimental no Novo CPC”, onde demonstra os poderes do juiz e seus limites na
flexibilização do procedimento e apresenta algumas críticas.

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230 Welder Queiroz dos Santos

Em mais um dueto, no sexto artigo compõe juntamente com Fernando


Rossi a obra “Tutela antecipada nas ações de responsabilidade civil por acidentes
de consumo – a facilitação do seu deferimento em prol do consumidor“, onde
asseveram que a previsão de presunção juris tantum em prol do consumidor em
caso de acidente de consumo (art. 12, §3º, II, CDC), facilita a antecipação da tutela,
bastando ao autor alegar a imperfeição do produto e demonstrar que sofreu um
dano decorrente da utilização desse produto para preencher o requisito da prova
inequívoca que convença o juiz da verossimilhança da alegação ou da relevância do
fundamento e, ainda, demonstrar o periculum in mora.
No sétimo artigo, “Anotações procedimentais e materiais sobre a execução
de tutela antecipada para o pagamento de soma em dinheiro”, o autor pugna pela
possibilidade de execução no mesmo processo da decisão que antecipa a tutela de
obrigação de pagar quantia, mediante técnica que aproxime a execução de fazer
da execução de obrigação pecuniária.
Com sua perspicácia e curiosidade acadêmica, Lúcio Delfino, no oitavo artigo
— “A tutela jurisdicional na responsabilidade civil das indústrias do tabaco — questões
atinentes à matéria probatória” —, estuda detalhadamente um a um os aspectos
controvertidos e polêmicos do embate entre fumantes e indústrias de tabaco, con­
cluindo pela possibilidade, no caso concreto, de inversão do ônus da prova em caso
de enfermidade (ou morte) de consumidor de tabaco, bem como destaca a existência
de inversão legal do ônus da prova em caso de publicidade enganosa ou abusiva.
No nono artigo, o autor investiga a natureza jurídica da multa relativa a não
devolução dos autos pelo advogado prevista no art. 196 do Código de Processo
Civil, concluindo pela natureza disciplinar — e não processual.
Arrisca-se a defender, no décimo artigo, a aplicação do procedimento executório
previsto no art. 733 do CPC para execução fundada em escritura pública ou em
outros títulos extrajudiciais, sempre que o débito alimentar compreender as três
prestações anteriores ao ajuizamento da ação e as que vencerem no curso do processo.
No décimo primeiro artigo, o autor sustenta que o §3º do art. 615-A do CPC
não criou uma nova modalidade de fraude à execução, apenas facilitou a sua carac­
terização antes mesmo de efetivada a citação.
Ademais, no décimo segundo e último artigo, comenta a imparcialidade do
juiz no exercício de seus poderes instrutórios e sustenta que o julgador diligente na
instrução probatória, em consonância com o modelo constitucional do processo, não
perde sua imparcialidade.
Na segunda parte do trabalho, composta por oito pareceres escritos em
linguagem clara e acessível, o autor analisa em mais de 100 páginas temas que
impõem uma aproximação entre o direito material e o processo.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 77, p. 229-232, jan./mar. 2012

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Resenha 231

No primeiro parecer, Lúcio Delfino verifica a impossibilidade de cumulação


de pedidos de reconhecimento e dissolução de união estável com o de partilha de
bens de empresa comercial ante a incompatibilidade procedimental e a incompetência
do juízo de família para apreciar pedido de dissolução, liquidação e partilha de bens
de empresa.
No segundo parecer, o autor trata de questão que envolve tutela jurisdi­cional
específica (obrigação de fazer) e direito de vizinhança.
Analisa ainda, no terceiro parecer, caso relacionado à renovada polêmica
relativa à premeditação do suicídio e contrato de seguro depois da publicação do
Código Civil de 2002.
Já no quarto parecer, o parecerista investiga a relação entre o princípio
da instrumentalidade das formas (não há nulidade sem prejuízo) e realização de
pagamento da arrematação de forma diversa ao previsto no art. 690 do Código de
Processo Civil.
Enfrenta também, no quinto parecer, a inviabilidade da aplicação da
fungibilidade recursal em caso de erro grosseiro em caso onde houve a interposição
de dois recursos distintos contra a mesma decisão.
No sexto parecer, o jurista observa a impossibilidade no caso de condenação
de advogado à litigância de má-fé e a possibilidade de o advogado interpor recurso
contra a decisão.
Além disso, no sétimo parecer, o autor discorre sobre a desnecessidade de
demonstração da urgência para o deferimento de tutela antecipada possessória
com base em posse nova.
Por fim, Lúcio Delfino estuda, no oitavo parecer, a possibilidade de se adotar
modalidade de liquidação diversa da anunciada no acórdão e a admissão de impug­
nação ao cumprimento de sentença antes de seguro o juízo.
Assim, só nos resta concluir que se trata de valoroso trabalho que merece
atenção da comunidade jurídica processual, publicado pela Editora Fórum, que
está de parabéns pela publicação dessa obra onde o autor enfrenta com coragem
assuntos bastante difíceis, bem como pelos índices — por assunto, por legislação e
por autor (onomástico) — que facilitam muito a pesquisa por parte dos leitores.

Welder Queiroz dos Santos


Mestrando e Especialista em Direito Processual Civil
pela PUC-SP. Especialista em Direito Empresarial
pelo Mackenzie. Professor de Direito Processual
Civil nos Cursos de Pós-Graduação lato sensu no
Complexo Educacional Damásio de Jesus e no
IMP-MT. Professor na ESA-MT. Vice-Presidente da
Comissão de Direito Civil e Processo Civil da OAB-MT.
Advogado.

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232 Welder Queiroz dos Santos

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

DELFINO, Lúcio. Direito processual civil: artigos e pareceres. Belo Horizonte: Fórum, 2011.
Resenha de: SANTOS, Welder Queiroz dos. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro,
Belo Horizonte, ano 20, n. 77, p. 229-232, jan./mar. 2012.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 77, p. 229-232, jan./mar. 2012

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Índice

página página

Doutrina, Notas e Comentários e RAMOS, Glauco Gumerato


Resenhas - Artigo: O processo civil gattopardista dos
Juizados Especiais.................................................... 37
Autor
ROSSI, Fernando
COSTA, Alexandre Araújo - Resenha: PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa julgada
- Resenha: LEAL, Rosemiro Pereira. Processo civil. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
como teoria da lei democrática. Belo Horizonte: 2011............................................................................221
Fórum, 2010.............................................................215
RUFINO, Luciano da Silva
COSTA, Henrique Araújo - Resenha: ROSSI, Fernando et al. (Coord.). O
- Resenha: LEAL, Rosemiro Pereira. Processo futuro do processo civil no Brasil: uma análise
como teoria da lei democrática. Belo Horizonte: crítica ao projeto do novo CPC: obra em
Fórum, 2010.............................................................215 homenagem ao Advogado Claudiovir Delfino.
Belo Horizonte: Fórum, 2011.............................225
DELFINO, Lúcio
SANTOS, Welder Queiroz dos
- Resenha: KLIPPEL, Rodrigo; BASTOS, Antonio
- Resenha: DELFINO, Lúcio. Direito processual
Adonias. Manual de processo civil. Rio de
civil: artigos e pareceres. Belo Horizonte:
Janeiro: Lumen Juris; Vitória: Acesso, 2011....227
Fórum, 2011.............................................................229
GUIMARÃES, Rafael de Oliveira
THEODORO JÚNIOR, Humberto
- Artigo: O princípio da colegialidade e a - Artigo: A execução forçada no moderno
inconstitucionalidade do parágrafo único do processo civil...............................................................13
art. 527 do CPC........................................................137
WLADECK, Felipe Scripes
INÁCIO, Mariana Secorun - Artigo: Capítulos de sentença e os limites
- Artigo: Crimes de internet à luz do princípio do efeito devolutivo da apelação no direito
da proporcionalidade: proibição da proteção processual civil brasileiro........................................43
deficiente do Estado.............................................167
Título
LEMOS, Jonathan Iovane de
- Resenha: BOTELHO, Guilherme. Direito BOTELHO, Guilherme. Direito ao processo
ao processo qualificado: o processo civil qualificado: o processo civil na perspectiva
na perspectiva do Estado Constitucional. do Estado Constitucional. Porto Alegre:
Porto Alegre: Livraria do Advogado, Livraria do Advogado, 2010. 199 p.
2010. 199 p. .............................................................223 - Resenha de: Jonathan Iovane de Lemos.........223

MARQUES, Elmer da Silva CAPÍTULOS de sentença e os limites do efeito


- Artigo: Tutela do consumidor na ação de devolutivo da apelação no direito processual
exibição de documento: revisitando a civil brasileiro
Súmula nº 372 do STJ sob a ótica da tutela - Artigo de: Felipe ScripesWladeck......................... 43
satisfativa..................................................................121
CRIMES de internet à luz do princípio da
PEREIRA, Dauster Souza proporcionalidade: proibição da proteção
- Artigo: Crimes de internet à luz do princípio deficiente do Estado
da proporcionalidade: proibição da proteção - Artigo de: Dauster Souza Pereira, Mariana
deficiente do Estado.............................................167 Secorun Inácio.........................................................167

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 77, p. 233-235, jan./mar. 2012

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234 Índice

página página

DELFINO, Lúcio. Direito processual civil: artigos e Assunto


pareceres. Belo Horizonte: Fórum, 2011.
- Resenha de: Welder Queiroz dos Santos.........229 A
APELAÇÃO
DISCURSO do jurista Claudiovir Delfino, - Ver: Capítulos de sentença e os limites do
homenageado na 5ª edição do Congresso de efeito devolutivo da apelação no direito
Direito Processual de Uberaba (ano de 2011) processual civil brasileiro. Artigo de: Felipe
- Notas e Comentários...............................................191 ScripesWladeck......................................................... 43

EXECUÇÃO forçada no moderno processo C


civil, A CAPÍTULOS DE SENTENÇA
- Ver: Capítulos de sentença e os limites do
- Artigo de: Humberto Theodoro Júnior.............. 13
efeito devolutivo da apelação no direito
processual civil brasileiro. Artigo de: Felipe
EXPOSIÇÃO de Motivos* da Proposta de ScripesWladeck......................................................... 43
Reforma do Código de Processo Civil
português – Os princípios orientadores da CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO
reforma do processo civil - Ver: A execução forçada no moderno processo
- Notas e Comentários...............................................195 civil. Artigo de: Humberto Theodoro Júnior.... 13

KLIPPEL, Rodrigo; BASTOS, Antonio Adonias. CONSUMIDOR


Manual de processo civil. Rio de Janeiro: - Ver: Tutela do consumidor na ação de exibição
Lumen Juris; Vitória: Acesso, 2011. de documento: revisitando a Súmula nº 372
- Resenha de: Lúcio Delfino.....................................227 do STJ sob a ótica da tutela satisfativa. Artigo
de: Elmer da Silva Marques ................................121
LEAL, Rosemiro Pereira. Processo como teoria da
lei democrática. Belo Horizonte: Fórum, 2010. D
- Resenha de: Alexandre Araújo Costa, Henrique DECISÕES MONOCRÁTICAS
Araújo Costa.............................................................215 - Ver: O princípio da colegialidade e a
inconstitucionalidade do parágrafo único do
art. 527 do CPC. Artigo de: Rafael de Oliveira
PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa julgada civil. 4. ed.
Guimarães ................................................................137
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
- Resenha de: Fernando Rossi.................................221 DECLÍNIO DA ARISTOCRACIA
- Ver: O processo civil gattopardista dos
PRINCÍPIO da colegialidade e a Juizados Especiais. Artigo de: Glauco
inconstitucionalidade do parágrafo único do Gumerato Ramos..................................................... 37
art. 527 do CPC, O
- Artigo de: Rafael de Oliveira Guimarães .........137 DIREITO PROCESSUAL CIVIL
- Ver: Capítulos de sentença e os limites do
PROCESSO civil gattopardista dos Juizados efeito devolutivo da apelação no direito
Especiais, O processual civil brasileiro. Artigo de: Felipe
- Artigo de: Glauco Gumerato Ramos................... 37 ScripesWladeck......................................................... 43

ROSSI, Fernando et al. (Coord.). O futuro do E


processo civil no Brasil: uma análise crítica EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA
ao projeto do novo CPC: obra em - Ver: Crimes de internet à luz do princípio da
homenagem ao Advogado Claudiovir Delfino. proporcionalidade: proibição da proteção
deficiente do Estado. Artigo de: Dauster Souza
Belo Horizonte: Fórum, 2011.
Pereira, Mariana Secorun Inácio.......................167
- Resenha de: Luciano da Silva Rufino.................225
G
TUTELA do consumidor na ação de exibição GATTOPARDISTA
de documento: revisitando a Súmula nº 372 - Ver: O processo civil gattopardista dos
do STJ sob a ótica da tutela satisfativa Juizados Especiais. Artigo de: Glauco
- Artigo de: Elmer da Silva Marques ....................121 Gumerato Ramos..................................................... 37

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Índice 235
página página

J PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
JUIZADOS ESPECIAIS - Ver: Crimes de internet à luz do princípio da
- Ver: O processo civil gattopardista dos proporcionalidade: proibição da proteção
Juizados Especiais. Artigo de: Glauco deficiente do Estado. Artigo de: Dauster Souza
Gumerato Ramos..................................................... 37 Pereira, Mariana Secorun Inácio.......................167

M PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL


MODERNO PROCESSO CIVIL - Ver: O princípio da colegialidade e a
- Ver: A execução forçada no moderno processo inconstitucionalidade do parágrafo único do
civil. Artigo de: Humberto Theodoro Júnior.... 13 art. 527 do CPC. Artigo de: Rafael de Oliveira
Guimarães ................................................................137
MONÁRQUICA SICILIANA
- Ver: O processo civil gattopardista dos PROCESSO CIVIL
Juizados Especiais. Artigo de: Glauco - Ver: O processo civil gattopardista dos
Gumerato Ramos..................................................... 37 Juizados Especiais. Artigo de: Glauco
Gumerato Ramos..................................................... 37
MULTA PROCESSUAL
- Ver: Tutela do consumidor na ação de exibição PROTEÇÃO DEFICIENTE
de documento: revisitando a Súmula nº 372 - Ver: Crimes de internet à luz do princípio da
do STJ sob a ótica da tutela satisfativa. Artigo proporcionalidade: proibição da proteção
de: Elmer da Silva Marques ................................121 deficiente do Estado. Artigo de: Dauster Souza
Pereira, Mariana Secorun Inácio.......................167
N
NOVA CRIMINALIDADE R
- Ver: Crimes de internet à luz do princípio da RECORRIBILIDADE
proporcionalidade: proibição da proteção - Ver: O princípio da colegialidade e a
deficiente do Estado. Artigo de: Dauster Souza inconstitucionalidade do parágrafo único do
Pereira, Mariana Secorun Inácio.......................167 art. 527 do CPC. Artigo de: Rafael de Oliveira
Guimarães ................................................................137
O
ORDEM DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO S
- Ver: Tutela do consumidor na ação de exibição SOCIEDADE DE RISCO
de documento: revisitando a Súmula nº 372 - Ver: Crimes de internet à luz do princípio da
do STJ sob a ótica da tutela satisfativa. Artigo proporcionalidade: proibição da proteção
de: Elmer da Silva Marques ................................121 deficiente do Estado. Artigo de: Dauster Souza
Pereira, Mariana Secorun Inácio.......................167
P
PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE T
- Ver: O princípio da colegialidade e a TUTELA JURISDICIONAL
inconstitucionalidade do parágrafo único do - Ver: A execução forçada no moderno
art. 527 do CPC. Artigo de: Rafael de Oliveira processo civil. Artigo de: Humberto Theodoro
Guimarães ................................................................137 Júnior............................................................................ 13

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Instruções para os autores

Os trabalhos para publicação na Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro,


ISSN 0100-2589, editada pela Editora Fórum e com periodicidade trimestral, de­verão
ser encaminhados, no formato eletrônico, para o seguinte e-mail: <editorial@rbdpro.
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médio de 15/40 laudas. Deverão, ainda, estar acompanhados dos seguintes dados:
nome do autor, sua qualificação acadêmica e profissional, endereço, telefone e e-mail.
Os textos devem ser revisados, além de terem sua linguagem adequada a
uma publicação editorial científica. A escrita deve obedecer às novas regras orto­
gráficas em vigor desde a promulgação do ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA
PORTUGUESA, a partir de 1º de janeiro de 2009. As citações de textos anteriores ao
ACORDO devem respeitar a ortografia original.
Os originais dos artigos devem ser apresentados de forma completa,
contendo: título do artigo (na língua do texto e em inglês), nome do autor,
filia­­
ção institucional, qualificação (mestrado, doutorado, cargos etc.), resumo do
artigo, de até 250 palavras (na língua do texto e em inglês –Abstract), palavras-chave,
no máximo 5 (na língua do texto e em inglês – Key words), sumário do artigo, epí­grafe
(se houver), texto do artigo, referências. O autor deverá fazer constar, no final do
artigo, a data e o local em que foi escrito o trabalho de sua autoria.
Recomenda-se que todo destaque que se queira dar ao texto seja feito com
o uso de itálico e não por meio do negrito e do sublinhado. As citações (palavras,
expressões, períodos) deverão ser cuidadosamente conferidas pelos autores e/ou
tra­­dutores; as citações textuais longas (mais de três linhas) devem constituir um
pará­grafo independente, com recuo esquerdo de 2cm (alinhamento justificado),
utilizando-se espaçamento entrelinhas simples e tamanho da fonte 10; as citações

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 20, n. 77, p. 237-238, jan./mar. 2012

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238 Instruções para os autores

textuais curtas (de até três linhas) devem ser inseridas no texto, entre aspas e sem
itálico. As expressões em língua estrangeira deverão ser padronizadas e destacadas
em itálico. O uso de op. cit., ibidem e idem nas notas bibliográficas deve ser evitado,
substituindo-o pelo nome da obra por extenso.
Os trabalhos serão selecionados pelos Diretores e pelo Conselho Editorial
da Revista, que entrarão em contato com os respectivos autores para confir­mar o
recebimento dos textos. Os originais recebidos e não publicados não serão devolvidos.
Não serão devidos direitos autorais ou qualquer outra remune­ração pela publi­cação
dos trabalhos. O autor receberá gratuitamente dois exemplares da revista sempre
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Esta obra foi composta na fonte Myriad Pro,


corpo 11 e impressa em papel Offset 75g
(miolo) e Supremo 250g (capa) pela Gráfica e
Editora O LUTADOR. Belo Horizonte/MG, março
de 2012.

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