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REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL - RBDPro

ano 21 . n. 84 . outubro/dezembro 2013 - Publicação trimestral


84
ISSN 0100-2589

Revista Brasileira de
DIREITO PROCESSUAL

RBDPro
DOUTRINA, CONFERÊNCIAS, NOTAS E
COMENTÁRIOS
REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL – RBDPro
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R454 Revista Brasileira de Direito Processual : RBDPro. – ano 15, n. 59, (jul./set. 2007)- . – Belo Horizonte:
Fórum, 2007-

Trimestral
ISSN 0100-2589

Publicada do n. 1, jan./mar. 1975 ao n. 14, abr./jun.1978 pela Vitória Artes Gráfica, Uberaba/MG.
Publicada do n. 15, jul./set. 1978 ao n. 58, abr./jun. 1988 pela Editora Forense, Rio de Janeiro/RJ.
Publicação interrompida em 1988 e retomada pela Editora Fórum em 2007.

1. Direito processual. I. Fórum.


CDD: 347.8
CDU: 347.9

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são de responsabilidade exclusiva de seus autores. Capa: Igor Jamur
Projeto gráfico e diagramação: Walter Santos
Sumário
Editorial.............................................................................................................................................................................................. 7

DOUTRINA
Artigos

Arbitragem – Indispensabilidade do compromisso arbitral


Carlos Mário da Silva Velloso.............................................................................................................................................11
I  A questão a ser examinada................................................................................................................11
II  Meios de solução dos conflitos – A arbitragem.........................................................................12
III  A Lei nº 9.307/96 (Lei de Arbitragem) – Histórico.....................................................................13
IV  A convenção de arbitragem..............................................................................................................14
V  A Lei nº 9.307/96 – Inovações...........................................................................................................16
VI  A arguição de inconstitucionalidade da Lei nº 9.307/96 perante o Supremo
Tribunal Federal.....................................................................................................................................16
VII  O tema controvertido..........................................................................................................................18
VIII  A indispensabilidade do compromisso arbitral.........................................................................18
IX  Possibilidade de a matéria ser suscitada em exceção de pré-executividade..................30
X  Termo de Arbitragem – Ata de Missão – Terms of Reference................................................33
XI  Conclusões..............................................................................................................................................35

Uniformização de jurisprudência – Prós e contras


José Maria Rosa Tesheiner, Daniele Viafore................................................................................................................37
Introdução...............................................................................................................................................37
1  A uniformização de jurisprudência no Direito pátrio..............................................................38
1.1  Incidente de uniformização de jurisprudência..........................................................................41
1.2  Súmula vinculante................................................................................................................................43
1.3  Repercussão geral no STF .................................................................................................................45
1.4  Recursos repetitivos (art. 543-C, CPC)............................................................................................48
2  As propostas inovadoras do Projeto de novo CPC....................................................................50
2.1 Incidente de resolução de demandas repetitivas.....................................................................52
2.2  Precedentes vinculantes.....................................................................................................................56
3  Prós e contras da busca pela uniformização da jurisprudência ..........................................58
3.1  Os perigos de uma padronização decisória indevida..............................................................60
3.2  Peculiaridades de cada região..........................................................................................................62
Considerações finais.............................................................................................................................62
Referências..............................................................................................................................................63

O papel do juiz na efetividade dos direitos sociais no Brasil – Possíveis respostas no


direito e na filosofia política
José Pedro Luchi, Julio Lima Souza Martins...............................................................................................................69
1  Introdução...............................................................................................................................................70
2  Resgate histórico – Da gênese à aplicabilidade.........................................................................71
3  Identificando o locus democrático dos direitos sociais..........................................................74
4  Direitos sociais – Justificativa à legitimidade e ao ativismo judicial...................................79
5  Direitos sociais na práxis judicial brasileira..................................................................................84
6 Conclusões..............................................................................................................................................89
Referências..............................................................................................................................................90
As Ações Coletivas no Direito brasileiro contemporâneo – De onde viemos, onde
estamos e para onde vamos?
Andre Vasconcelos Roque...................................................................................................................................................93
1  De onde viemos.....................................................................................................................................93
2  Onde estamos........................................................................................................................................96
3  Para onde vamos?.............................................................................................................................. 105
3.1  O microssistema dos processos coletivos................................................................................. 105
3.2  Rumo à codificação?......................................................................................................................... 108
3.3  As ações coletivas e outros meios de resolução coletiva de litígios................................ 113
4  Considerações finais.......................................................................................................................... 115
  Referências........................................................................................................................................... 118

Breves considerações sobre os embargos de divergência e as propostas do Novo


Código de Processo Civil
Rafael de Oliveira Guimarães, Henrique Cavalheiro Ricci................................................................................. 121
1  Considerações iniciais....................................................................................................................... 122
2  Função do recurso. Institutos afins.............................................................................................. 123
3  Raízes históricas e de direito comparado.................................................................................. 124
4  Cabimento dos embargos de divergência................................................................................ 130
4.1  Da decisão impugnada pelo recurso de embargos de divergência................................ 130
4.1.1  Da necessidade da decisão impugnada ser de recurso excepcional.............................. 130
4.1.2  Da necessidade da decisão impugnada ser proferida por Turma.................................... 133
4.1.3  Da necessidade da decisão impugnada ser colegiada......................................................... 133
4.1.4  Da desnecessidade da decisão impugnada versar sobre o mérito do recurso
excepcional.......................................................................................................................................... 136
4.2  Do acórdão utilizado como paradigma nos embargos de divergência......................... 137
4.2.1  Da origem do acórdão paradigma............................................................................................... 137
4.2.2  Da necessidade de demonstração analítica da divergência entre teses jurídicas...... 140
4.2.3  Da questão da preservação da competência. Da necessidade de ser entendimento
recente o utilizado como paradigma. Da possibilidade do acórdão paradigma ser o
mesmo que fundamentou o recurso excepcional................................................................. 142
5  Competência para julgamento..................................................................................................... 145
6  Procedimento do recurso................................................................................................................ 146
7  Efeitos do julgamento dos embargos de divergência.......................................................... 148
8  Considerações finais.......................................................................................................................... 149
  Referências........................................................................................................................................... 153

Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil – Uma abordagem pela análise econômica
do direito
Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira, Nuno Garoupa......................................................................... 155
Introdução............................................................................................................................................ 156
1  As recentes inovações jurídicas no Brasil.................................................................................. 160
1.1  Súmula vinculante............................................................................................................................. 160
1.2  Requisito da repercussão geral..................................................................................................... 166
2  Análise comparada de precedentes e certiorari..................................................................... 172
2.1 Panorama geral................................................................................................................................... 172
2.2  O contexto na América Latina....................................................................................................... 186
3  A análise econômica do precedente jurisprudencial e do certiorari............................... 191
3.1  A análise econômica do precedente jurisprudencial............................................................ 191
3.2  A análise econômica do certiorari................................................................................................ 196
4  Análise do caso brasileiro................................................................................................................ 197
Conclusão............................................................................................................................................. 201
Processo e decisão jurídica
André Del Negri.....................................................................................................................................................................203
1  Uma nota crítica sobre a literatura jurídico-brasileira........................................................... 203
2  Processo constitucional – A construção de uma disciplina................................................ 205
3  Processo e constitucionalidade.................................................................................................... 208
4  Autoridade e totalitarismo decisório.......................................................................................... 209
5  A decisão como o resultado de uma razão “pessoal” – Ponto-cego da decisão
judicial.................................................................................................................................................... 211
6  Processo e decisão fundamentada – O fim da atividade criadora do juiz..................... 215
7  Conclusão............................................................................................................................................. 221
Referências........................................................................................................................................... 223

L’ennesima riforma della Cassazione civile italiana


Andrea Panzarola.................................................................................................................................................................225
1  L’incensurabilità del vizio di motivazione in caso di c.d. “doppia conforme”................ 225
2  La c.d. “doppia conforme” nella prospettiva storica............................................................... 230
3  La riformulazione dell’art. 360 comma 1 n. 5 c.p.c................................................................. 233
4  Il controllo di logicità della motivazione tra Costituzione e codice di rito.................... 237
5  Spunti per l’esegesi della norma................................................................................................... 242
6  Prospettive............................................................................................................................................ 248

RESENHA

CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Poderes instrutórios do juiz no processo de conhecimento.


Brasília: Gazeta Jurídica, 2012. (Coleção Andrea Proto Pisani, 1)
Rodrigo Mazzei ......................................................................................................................................................................257

CARVALHO, Carlos Eduardo Araújo de. Legitimidade dos provimentos: fundamentos da


Ordem Jurídica Democrática. Curitiba: Juruá, 2009
Rafael Filipe Fonseca Menezes.......................................................................................................................................259

NASSER, Paulo Magalhães. Onerosidade excessiva no contrato civil. São Paulo: Saraiva, 2011
Denis Donoso..........................................................................................................................................................................267

ÍNDICE ..................................................................................................................................................................................... 269

INSTRUÇÕES PARA OS AUTORES.......................................................................................................................... 273


Editorial
Entre os dias 07.10.2013 e 11.10.2013, realizou-se, na cidade do México, o
XXV Encuentro PanAmericano de Derecho Procesal, em homenagem à memória do
Prof. Humberto Briseño Sierra. A organização do Congresso coube ao Instituto
PanAmericano de Derecho Procesal (IPDP) e nele compareceram processualistas
de toda a América Latina. A comissão brasileira foi a mais numerosa e lá estive-
ram Castro Filho, Glauco Gumerato Ramos, Eduardo José da Fonseca Costa, Lúcio
Delfino, Mônica Júdice, Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, Suzana Brêtas, Carlos
Henrique Soares, Paulo Nasser, Sérgio Almeida Ribeiro, Sandra Helena de Oliveira,
Washington Carvalho, Letícia D’Ercoli e Helena Edwirges Santos Delamonica.
Ainda no México, em assembleia, aprovou-se moção no sentido de que a
Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro se tornasse o veículo oficial de
publi­cações no Brasil dos estudos elaborados pelos integrantes do IPDP. Também
se propôs, com êxito, que o próximo Congresso do IPDP fosse realizado no Brasil,
em Belo Horizonte, projeto encampado pela OAB/MG e PUC Minas, representa-
das na ocasião pelos Drs. Helena Edwirges Santos Delamonica (Secretaria Geral
da OAB/MG) e Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias (professor e coordenador do
Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC Minas). Definiu-se então que, no
ano de 2015, Minas Gerais sediará mais um grande evento internacional, no qual
estarão presentes vários juristas latino-americanos e europeus filiados ao IPDP.
Merece destaque, por igual, a aprovação pela Câmara dos Deputados, no dia
05.11.2013, da “Parte Geral” do Projeto do novo Código de Processo Civil, sendo
aceitos os primeiros 318 artigos do texto apresentado pelo relator, Deputado Paulo
Teixeira, com exceção de alguns destaques.
Por fim, imbuído pelo espírito democrático de debater e aprimorar o
Projeto do novo CPC, o Professor Fredie Didier Jr. organizou um grande evento
em Salvador, o II Encontro de Jovens Processualistas, ocorrido nos dias 08 e 09 de
novembro de 2013, que contou com a participação de inúmeros estudiosos de
todo o Brasil. Os debates foram profícuos e acalorados, resultando em uma série
de enunciados aprovados e que serão, posteriormente, submetidos ao crivo de
toda a comunidade acadêmica.
Vamos à apresentação dos artigos que compõem a presente edição:
1 Arbitragem – Indispensabilidade do compromisso arbitral: Carlos Mário da
Silva Velloso advoga a nulidade da sentença proferida em sede de arbitragem na
ausência de prévio compromisso arbitral.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 7-8, out./dez. 2013
8 Editorial

2 Uniformização de jurisprudência – Prós e contras: José Maria Rosa Tesheiner


e Daniel Viafore relacionam pontos favoráveis e desfavoráveis relacionados à uni-
formização da jurisprudência e investigam a relevância e eficácia dos mecanismos
hoje vigentes para tanto. Também examinam o Projeto do novo CPC e apontam
riscos decorrentes de uma indevida padronização decisória.
3 O papel do juiz na efetividade dos direitos sociais no Brasil – Possíveis respos-
tas no direito e na filosofia política: José Pedro Luchi e Julio Lima Souza Martins,
defendendo a indispensabilidade dos direitos sociais na implementação do
Estado Democrático de Direito, desenvolvem raciocínio dedicado a discutir o
papel do Judiciário na reconstrução da autonomia pública do cidadão e na dimi-
nuição do déficit que se presencia atualmente na área social.
4 As Ações Coletivas no Direito brasileiro contemporâneo – De onde viemos,
onde estamos e para onde vamos?: Andre Vasconcelos Roque investiga as perspec-
tivas para as ações coletivas no Brasil, destacando o recente desenvolvimento de
um microssistema de processos coletivos, as tentativas de codificação e o papel
que elas desempenharão no futuro, junto com outros meios de resolução coletiva
de litígios.
5 Breves considerações sobre os embargos de divergência e as propostas do
Novo Código de Processo Civil: Rafael de Oliveira Guimarães e Henrique Cavalheiro
Ricci abordam o recurso de embargos de divergência, com enfoque sobretudo nas
hipóteses de cabimento, competência, no processamento, bem assim nos resulta-
dos práticos dele decorrentes.
6 Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil – Uma abordagem pela análise
econômica do direito: Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira e Nuno Garoupa
analisam os efeitos das implantação das súmulas vinculantes e do requisito da
repercussão geral no Brasil, e o fazem na perspectiva do direito comparado e me-
diante uma abordagem econômica do direito.
7 Processo e decisão jurídica: André Del Negri examina, de forma crítica, a
decisão jurídica e interroga em que medida os juízos de valor interferem na sua
elaboração.
8. L’ennesima riforma della Cassazione civile italiana: Andrea Panzarola trata
de aspectos processuais inerentes à reforma legislativa ocorrida na Itália através
da Lei nº 134/2012.
Por fim, a RBDPro traz também três resenhas, como sugestão de leitura, de
livros escritos por talentosos processualistas.
Esperamos que a leitura agrade a todos.

Os Diretores

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 7-8, out./dez. 2013
DOUTRINA
Artigos
Arbitragem – Indispensabilidade do
compromisso arbitral1

Carlos Mário da Silva Velloso


Ministro aposentado, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal
e do Tribunal Superior Eleitoral. Professor emérito da Universidade
de Brasília (UnB) e da PUC Minas, em cujas Faculdades de Direito foi
professor titular de Direito Constitucional e Teoria Geral do Direito
Público. Professor de Direito Constitucional Tributário no Instituto
Brasiliense de Direito Público (IDP). Membro das Academias
Brasileira e Mineira de Letras Jurídicas. Doutor honoris causa pela
Universidade de Craiova, Romênia. Advogado.

Palavras-chave: Lei nº 9.307/96. Arbitragem. Solução dos conflitos.

Sumário: I A questão a ser examinada – II Meios de solução dos conflitos


– A arbitragem – III A Lei nº 9.307/96 (Lei de Arbitragem) – Histórico – IV A
convenção de arbitragem – V A Lei nº 9.307/96 – Inovações – VI A arguição de
inconstitucionalidade da Lei nº 9.307/96 perante o Supremo Tribunal Federal
– VII O tema controvertido – VIII A indispensabilidade do compromisso
arbitral – IX Possibilidade de a matéria ser suscitada em exceção de pré-
executividade – X Termo de Arbitragem – Ata de Missão – Terms of Reference
– XI Conclusões

I  A questão a ser examinada


1 A questão em debate consiste no perquirir se, frente à Lei de Arbitragem,
Lei nº 9.307, de 1996, seria o compromisso arbitral peça indispensável à validade
da sentença arbitral. Dito de outra forma, inexistente o compromisso, seria nula
a sentença arbitral? Essa nulidade poderia ser requerida e obtida em exceção de
pré-executividade?

Artigo escrito em homenagem ao professor e acadêmico Edvaldo Brito, jurista notável, tributarista
1

de escol. Agradeço ao jovem e competente advogado Erico Carvalho, da equipe da Advocacia


Velloso, a pesquisa jurisprudencial e doutrinária que fez e na qual se embasa o presente trabalho.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 11-36, out./dez. 2013
12  Carlos Mário da Silva Velloso

1.1 O exame da matéria recomenda o estudo dos meios de solução dos


conflitos, em especial da arbitragem, a Lei nº 9.307/96, a constitucionalidade de
dispositivos seus declarada pelo Supremo Tribunal Federal, seguindo-se a análise
do tema controvertido e as conclusões.

II  Meios de solução dos conflitos – A arbitragem


2 A solução dos conflitos intersubjetivos de interesses poderá ocorrer (i) pe-
los próprios litigantes (e.g. autodefesa e autocomposição: desistência, submissão e
transação), podendo recorrer à ajuda de um terceiro para a realização de acordo (e.g.
mediação), (ii) a submissão da controvérsia à jurisdição estatal (Poder Judiciário), ou,
(iii) se assim optarem, pela justiça privada (arbitragem).
2.1 A arbitragem constitui forma alternativa de resolução de controvérsias
(ADR – alternative dispute resolution),2 com o afastamento da jurisdição estatal.
Esta, entretanto, poderá ser chamada a se manifestar, entre outras hipóteses, nos
casos de arguição de nulidade da arbitragem ou para proceder à execução do
laudo arbitral.3
2.2 Anota José de Albuquerque Rocha que “a arbitragem é, pois, uma
instituição complexa: privada em sua origem, é pública quanto a seus efeitos.
Traduzindo isso em terminologia normativista mais precisa, diríamos ser a arbi­
tragem uma realidade que tem por base uma atividade contratual privada que
a lei toma em consideração, erigindo-se à categoria de fato jurídico, para o fim
de imputar-lhe os efeitos jurisdicionais qualificados pela coisa julgada, que é
uma característica essencial da atividade jurisdicional”.4 Em outras palavras, a
arbitragem constitui atividade jurisdicional privada, em que os árbitros, revestidos

2
A prática norte-americana, muito mais avançada do que a brasileira, utiliza, além da arbitragem e
da mediação, diversos outros métodos alternativos de resolução de controvérsias, entre os quais:
“early neutral evaluation”, “moderated settlement conferences”, “direct negotiations”, “summary jury
trial”, entre outros.
3
Conforme salientado por Giovanni Ettore Nanni, “a atuação do Órgão jurisdicional estatal fica
assegurada em várias situações, em colaboração ao tribunal arbitral, como, por exemplo, para:
(i) instauração da arbitragem em caso de resistência de uma das partes (art. 7º da Lei 9.307/96);
(ii) conduzir a testemunha renitente (art. 22, §2º, da Lei 9.307/96); (iii) determinar medidas
coercitivas ou cautelares (art. 22, §4º da Lei 9.307/96); (iv) execução da sentença arbitral;
(v) reconhecimento e execução de sentença arbitral estrangeira (art. 34 da Lei 9.307/96)” (NANNI,
Giovanni Ettore. Efeito vinculante da convenção de arbitragem estipulada no curso de processo
judicial: impossibilidade de revisão da sentença arbitral: validade da arbitragem. Revista Brasileira
de Arbitragem, Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 156, jul./out. 2003).
4
ROCHA, José de Albuquerque apud CÂMARA, Alexandre Freitas. Contrato de representação
comercial: cláusula compromissória: validade e eficácia: incompetência do Poder Judiciário para
julgar o litígio. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo, ano 1, n. 2, p. 220, maio/ago. 2004.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 11-36, out./dez. 2013
Arbitragem – Indispensabilidade do compromisso arbitral  13

de poderes específicos, proferem uma decisão vinculativa com força de título


executivo judicial. Assemelha-se ela ao processo convencional (estatal) no que se
refere à presença de um árbitro, ou de um colegiado de árbitros que, após ouvir
e estudar os argumentos das partes, emite uma decisão final, sentença ou laudo
arbitral, que obriga as partes envolvidas.
2.3 Para que se desloque a jurisdição para a justiça privada, as partes capazes
de contratar devem manifestar expressamente a vontade de submeterem os
even­tuais conflitos surgidos entre elas à arbitragem, utilizando-se, para tanto,
da convenção de arbitragem (Lei nº 9.307/96, art. 3º). A arbitragem funda-se na
auto­nomia da vontade e prima pela simplicidade, economia e sigilo, podendo o
árbi­tro, o que é aconselhável, ser técnico especializado na área do conhecimento
per­tinente ao tema objeto da arbitragem.
2.4 O Estado reservou para si o exercício da função jurisdicional, sendo a
arbitragem exceção à regra.5 Por isso, para que seja instituída a arbitragem, devem
ser observados determinados requisitos, pena de nulidade do laudo arbitral, que,
no caso brasileiro, encontram-se previstos na Lei nº 9.307/96, a Lei de Arbitragem.

III  A Lei nº 9.307/96 (Lei de Arbitragem) – Histórico6


3 A arbitragem, no Brasil, vem desde o Império, tendo a Constituição de
1824 dela cuidado, expressamente, no art. 160: “nas cíveis e nas penais civil­
mente intentadas, poderão as partes nomear juízes árbitros. Suas sentenças serão
executadas sem recurso, se assim o convencionarem as mesmas partes”. A Reso­
lução de 26 de julho de 1831 admitia o juízo arbitral para o julgamento das causas
de seguro e a Lei nº 108, de 11 de outubro de 1837, para as locações de serviços.

5
Para Alexandre Freitas Câmara, “a jurisdição estatal é, no sistema jurídico brasileiro, o meio comum
de pacificação de conflitos, sendo a arbitragem absolutamente excepcional” (CÂMARA. Contrato
de representação comercial: cláusula compromissória: validade e eficácia: incompetência do
Poder Judiciário para julgar o litígio. Revista de Arbitragem e Mediação, p. 227).
6
O escorço histórico reproduz observações feitas na Conferência Magna que proferi no 1º Semi­
nário Internacional sobre Direito Arbitral realizado de 27 a 29 de maio de 2002 em Belo Horizonte,
MG. No ponto e no desenvolvimento da palestra, utilizei-me de trabalhos, dentre outros, de
Carmen Tiburcio (A arbitragem no direito brasileiro: histórico e Lei 9.307, de 23.09.1996. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 31), Dalmo de Abreu Dallari (A tradição da arbitragem e sua
valorização contemporânea. In: DALLARI, Dalmo de Abreu. Aspectos atuais da arbitragem. Rio de
Janeiro: Forense, 2001. p. 99), José Eduardo Carreira Alvim (Direito arbitral. Rio de Janeiro: Forense,
2007. p. 5-7) e Edgard Katzwinkel [A arbitragem como procedimento eficaz para a solução dos
conflitos: entre sócios e a sociedade: nas sociedades empresárias. In: LEITE, Eduardo de Oliveira
(Coord.). Grandes temas da atualidade. Rio de Janeiro: Forense, 2008. v. 7 - Mediação, Arbitragem
e Conciliação, p. 75-77].

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 11-36, out./dez. 2013
14  Carlos Mário da Silva Velloso

3.1 O Código Comercial de 1850, na linha do Código Comercial francês, de


1807, instituiu o juízo arbitral obrigatório para determinadas causas (entre sócios,
por exemplo). O Regulamento nº 737, de 25.11.1850, distinguia a arbitragem
obrigatória da facultativa. A obrigatória seria para as causas comerciais e a fa­cul­
tativa para as demais causas. A Lei nº 1.305, de 14.09.1866, revogou a arbi­tragem
obrigatória, no rumo, portanto, da Constituição de 1824.
3.2 A Constituição republicana, de 1891, nada dispôs a respeito da arbi­tra­
gem. O Decreto nº 3.084, de 05.11.1898, dela cuidou, mantendo-a. Os Estados
mem­bros, nos seus Códigos de Processo, não a regularam de forma igual. O Có­
digo Civil de 1916 disciplinou-a, artigos 1.037 a 1.048.
3.3 A Constituição de 1934 restaurou a unidade do processo. O Código de
Pro­cesso Civil, de 1939, regulou a arbitragem, artigos 1.031 a 1.046. O Código
de Pro­cesso Civil, de 1973, da mesma forma, artigos 1.072 a 1.102. A Constitui­
ção de 1988 a ela se referiu (CF, artigo 114, §§1º e 2º). A Lei nº 9.307, de 1996,
disciplinando-a, revogou as disposições referentes à arbitragem inscritas no
Código Civil, de 1916, e no Código de Processo Civil, de 1973.

IV  A convenção de arbitragem


4 De acordo com a Lei nº 9.307/96, podem valer-se da arbitragem, para
dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, as pessoas capazes
(artigo 1º). A convenção de arbitragem (artigo 3º) constitui acordo de vontades
mediante o qual as partes se comprometem a submeter os conflitos à decisão de
árbitros, acordo que se perfaz com a celebração tanto da cláusula compromissória
(artigo 4º) quanto do compromisso arbitral (artigo 9º), produzindo ela dois efeitos
fundamentais: (i) o efeito negativo, que retira da jurisdição estatal o poder de
conhecer sobre as controvérsias surgidas entre as partes e (ii) o efeito positivo,
consubs­tanciado na atribuição de jurisdição aos árbitros para a instituição da
arbitragem.7

Neste ponto, importante citar a definição do princípio da competência-competência (kompetenz-


7

kompetenz), adotado pela Lei nº 9.307/96, que se traduz na competência primeira do juízo arbitral
para apreciar questões acerca da sua própria competência. Nas palavras de Fouchard, Gaillard e
Goldman, “the competence-competence principle is a rule of chronological priority. Taking both
of its facets into account (positive and negative effects), the competence-competence principle
can be defined as the rule whereby arbitrators must have the first opportunity to hear challenges
relating to their jurisdiction, subject to subsequent review by the courts” (FOUCHARD, Philippe.
Fouchard, Gaillard, Goldman on International Commercial Arbitration. The Hague: Kluwer Law
International, 1999. p. 401).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 11-36, out./dez. 2013
Arbitragem – Indispensabilidade do compromisso arbitral  15

4.1 A convenção de arbitragem (gênero), compreende a cláusula compro­


missória e o compromisso arbitral (espécies). Devem ambos os instrumentos
conter a manifestação expressa das partes em submeter à arbitragem as contro­
vérsias surgidas durante a relação negocial.
4.2 A cláusula compromissória é “a convenção através da qual as partes em
um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam
vir a surgir, relativamente a tal contrato” (artigo 4º), podendo ser cláusula pro­
priamente dita, ou parte acessória do contrato prevista em instrumento anexo
que faça referência ao contrato principal (artigo 4º, §1º).
4.3 A doutrina, forte na lei, define a cláusula compromissória como “a
espécie de convenção arbitral, inserida em um contrato, ou em um documento
separado que a ele se refira, pela qual as partes estabelecem que os litígios que
venham a nascer do mesmo contrato sejam decididos por árbitros”.8 Em qualquer
das hipóteses, seja cláusula inserida em contrato, seja acessória, a cláusula
compromissória não é afetada por eventual invalidez do contrato principal, dado
que possui autonomia em relação ao contrato que a contém (artigo 8º).
4.4 O compromisso arbitral é “a convenção através da qual as partes sub­
metem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial
ou extrajudicial” (artigo 9º). Do compromisso são exigidos requisitos obriga­
tórios (artigo 10), além dos facultativos (artigo 11). Pode o compromisso ser defi­
nido como sendo o ato pelo qual as partes se submetem à jurisdição privada,
designando os árbitros ou fixando a forma de sua designação. É, pois, o instru­
mento no qual serão delimitados os pontos controvertidos que serão submetidos
à consideração do árbitro ou dos árbitros. É dizer, o compromisso arbitral revela-
se como um “verdadeiro mini-código processual, que pode ser confeccionado
sob medida, dependendo da natureza do negócio ou do contrato, ou mesmo do
litígio ocorrido entre as partes”.9
4.5 Assinale-se, pois, que a fonte instituidora da justiça privada é a convenção
de arbitragem, ou seja, “a cláusula compromissória e o compromisso arbitral”
(artigo 3º). Sem a convenção não será possível o seu regular desenvolvimento. Ou
seja, não havendo convenção de arbitragem válida, não haverá o deslocamento
da controvérsia da jurisdição estatal para a jurisdição privada.

8
ROCHA, José de Albuquerque. A lei de arbitragem: Lei 9.307, de 23.09.1996: uma avaliação crítica.
São Paulo: Malheiros, 1998. p. 43-44.
9
STRENGER, Irineu. Arbitragem comercial internacional. São Paulo: LTr., 1996. p. 130.

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16  Carlos Mário da Silva Velloso

V  A Lei nº 9.307/96 – Inovações


5 A Lei de Arbitragem, Lei nº 9.307, de 1996, trouxe duas inovações impor­
tantes: (i) a desnecessidade de se homologar a sentença arbitral, uma vez que
a ela foi conferida força de título executivo judicial, e (ii) a atribuição de força
executória à cláusula compromissória, que obriga a parte resistente ao seu cum­
primento a se submeter compulsoriamente à arbitragem (artigos 6º e 7º). É que
a Lei de Arbitragem equiparou a sentença arbitral à judicial, dispensando a sua
homologação, antes necessária (CPC, art. 1.097 e seguintes), o que conferiu
maior efetividade e agilidade ao instituto. Anteriormente à Lei nº 9.307/96, a
cláu­sula compromissória era considerada simples pactum de compromittendo,
cuja inexecução importava, simplesmente, em perdas e danos ocasionados pelo
inadim­plemento.10 Agora, de acordo com a Lei nº 9.307/96, é possível à parte
interessada convocar extrajudicialmente a outra parte a fim de que seja firmado o
compromisso arbitral (art. 6º). No caso de não comparecimento, ou de recusa em
acordar quanto aos termos da arbitragem, pode o interessado propor a demanda
de execução específica da cláusula (art. 7º). Assim, é possível, diante da resistência
de uma das partes na celebração do compromisso arbitral, recorrer ao Judiciário,
para que este institua, compulsoriamente, o juízo arbitral.
5.1 Esta nova orientação, contida na Lei de Arbitragem, além de conferir
efetividade à cláusula compromissória, revestiu o procedimento de maior segu­
rança jurídica, possibilitando recurso ao Judiciário no caso de uma das partes
resistir em assinar o compromisso arbitral.

VI  A arguição de inconstitucionalidade da Lei nº 9.307/96 perante o


Supremo Tribunal Federal
6 A decisão do Supremo Tribunal Federal, proferida na Sentença Estrangeira
nº 526/Espanha, rejeitou a arguição de inconstitucionalidade de dispositivos
da Lei nº 9.307 e declarou a constitucionalidade dos dispositivos impugnados,
parágrafo único do art. 6º, art. 7º e seus parágrafos, art. 41 e art. 42, uma vez
que havia dúvida quanto a sua compatibilidade com o art. 5º, XXXV, da Carta da
República. No citado julgamento, entendeu a Corte Suprema que a manifestação
de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do
contrato, aliada à autorização legal dada ao juiz, para que substitua a vontade da

RE nº 58.696/SP, Rel. Min. Luis Gallotti, DJ, 30 ago. 67; PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito
10

privado, t. XXVI, p. 339.

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Arbitragem – Indispensabilidade do compromisso arbitral  17

parte recalcitrante, não configuraria ofensa ao artigo 5º, XXXV, da Constituição


Federal. É dizer, a decisão do Supremo Tribunal foi no sentido de declarar a cons­
ti­tucionalidade da ação prevista no parágrafo único do artigo 6º e no artigo 7º
da Lei de Arbitragem, ambos no sentido da necessidade da existência do com­
promisso para a instauração do juízo arbitral. É que o parágrafo único do art. 6º
e o art. 7º da Lei nº 9.307, de 1996, deixam expresso que, “existindo cláusula
compromissória e havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, poderá
a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer em juízo a
fim de lavrar-se o compro­misso, designando o juiz audiência especial para tal fim”.
Sem o compromisso não haverá, pois, a arbitragem. É no compromisso que será
indicado o objeto da arbitragem (art. 7º, §1º); é no compromisso que constará o
nome do árbitro, ou dos árbitros, ou a identificação da entidade à qual as partes
delegaram a indicação de árbitros, bem assim a matéria a ser objeto da arbitragem
e o lugar em que será proferida a sentença arbitral (art. 7º, §3º, art. 10 e incisos,
ex vi do §3º do art. 7º). Ora, desnecessário o compromisso, desnecessária a ação
inscrita no citado art. 7º, correto que, conforme ressaltado, no citado julgamento,
pelo Ministro Sepúlveda Pertence, “a manifestação da vontade só pode constituir
na renúncia ao exercício do direito de ação com relação a uma lide concreta;
antes da lide manifestada, não é possível”. É com o compromisso que se legitima
a manifestação da vontade, com renúncia ao exercício do direito de ação. Porque,
nessa fase, tem-se uma lide concreta. E se a parte resiste em assinar o compromisso,
vale dizer, resiste em dar cumprimento ao pactuado na cláusula compromissória,
“o juiz estatal, quando acionado para compelir a parte recalcitrante a assinar o
compromisso, não decidirá sem antes verificar se a demanda que se concretizou
estava, ou não, abrangida pela renúncia declarada na cláusula compromissória.
Se concluir que a espécie de conflito que se concretizou se incluía no objeto
da renúncia, deferirá o pedido. Caso contrário, a arbitragem não terá êxito”.11 A
legitimidade do compromisso e, portanto, a sua absoluta necessidade, reside
nisto: a de existir uma lide concreta a fazer legítima a renúncia.
6.1 Embora a parte dispositiva do acórdão proferido pelo Supremo Tri­bu­
nal seja esclarecedora quanto à decisão adotada, há os que, invocando o voto
proferido pelo Ministro Nelson Jobim, sustentam haver diferença entre cláusula
compromissória “cheia” e cláusula compromissória “vazia”. Todavia, a leitura
atenta do acórdão não autoriza haja o Tribunal adotado tal entendimento, tam­
pouco que esse entendimento constituiu motivo determinante da declaração

Voto do Ministro Maurício Corrêa: SE nº 5.206-AgR/Espanha.


11

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18  Carlos Mário da Silva Velloso

de constitucionalidade. Fosse assim, se tal entendimento tivesse sido motivo


determinante da decisão, a solução haveria de ser outra, ou seja, a interpretação
conforme. Não custa repetir: a Suprema Corte decidiu, tout court, pela consti­tu­
cionalidade do parágrafo único do art. 6º e do art. 7º, que expressam a necessidade
do compromisso arbitral, sem fazer a distinção pretendida por alguns, esquecidos
do velho brocardo: onde a lei não distingue não cabe ao intérprete fazê-lo.

VII  O tema controvertido


7 Assim posta a questão, examinemos a questão em debate, que se resume
em perquirir se o compromisso arbitral é instrumento indispensável à instituição
do juízo arbitral, à luz da Lei nº 9.307, de 1996, e da doutrina.
7.1 Há duas correntes doutrinárias acerca do assunto: (i) a que sustenta
que o compromisso arbitral é sempre indispensável, por ser ele o ato inaugural
do procedimento arbitral, a sua fonte instituidora; (ii) e os que entendem que
somente nos casos em que a cláusula compromissória é vazia ou incompleta, é que
o compromisso arbitral será indispensável. Se a cláusula é cheia, ou completa, ela
é suficiente para dar início à arbitragem. É dizer, enquanto a doutrina majoritária
sustenta ser sempre indispensável o compromisso, a minoritária entende que
somente na hipótese da cláusula compromissória vazia é que se torna necessário
o compromisso. O ponto controvertido reside, portanto, em saber se a existência
de uma cláusula compromissória denominada cheia afastaria a exigência legal de
ser firmado o compromisso arbitral.

VIII  A indispensabilidade do compromisso arbitral


8 Conforme foi dito, há corrente doutrinária que entende que o compromisso
arbitral é indispensável apenas nas hipóteses onde houver sido pactuada uma
cláusula compromissória vazia, incompleta, ou branca,12 ou seja, a cláusula que
somente estipule que eventuais litígios surgidos serão resolvidos por intermédio
da arbitragem, sem maiores indicações quanto às regras a serem aplicadas, ou
quanto ao órgão ou entidade que realizará a arbitragem. Os adeptos dessa doutrina
sustentam, em consequência, que, havendo cláusula compromissória cheia, ou

Segundo Carlos Alberto Carmona, “reputa-se vazia a cláusula que não se reporta às citadas regras,
12

nem contenhas as indicações para a nomeação de árbitros, de forma a possibilitar a constituição


do juízo arbitral” (CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei 9.307/96.
São Paulo: Malheiros, 1998. p. 220).

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Arbitragem – Indispensabilidade do compromisso arbitral  19

completa,13 ou seja, cláusula que estabeleça as regras de um órgão arbitral ou


entidade especializada, não haveria necessidade de se firmar o compromisso, sen­
do tal cláusula compromissória instrumento hábil à instauração do juízo arbitral.
8.1 Engajam-se nessa corrente doutrinária, por exemplo, Arnoldo Wald,14
Carlos Alberto Carmona,15 Selma Maria Ferreira Lemes,16 Renata Malta Vilas-Boas,17
Tarcísio Araújo Kroetz18 e João Bosco Lee.19
8.2 Vale transcrever o entendimento de João Bosco Lee, do qual, com a
vênia devida, divergimos. Escreve ele que “o direito brasileiro prevê dois sistemas
diferentes que tratam da obrigação de lavratura de um compromisso quando da
existência de uma cláusula compromissória: quando as partes inserem na cláusula
de arbitragem as formas de constituição do tribunal arbitral, o compromisso
não é obrigatório; no caso contrário, se a cláusula compromissória for ‘vazia’, o
compromisso é imperativo”.20 Em síntese, na ausência de cláusula compromissória
cheia, será necessário o compromisso arbitral, que poderá ser obtido por via
judicial, caso haja resistência de uma das partes (Lei nº 9.307/96, artigo 7º). Todavia,
existindo cláusula compromissória cheia, não haverá necessidade de posterior
compromisso para se instaurar o juízo arbitral. Esse é o entendimento da parte
minoritária da doutrina, conforme reconhece, lealmente, João Bosco Lee.21
8.3 Não obstante o respeito de que são credores os que defendem a tese
minoritária, perfilhamos o entendimento de que a diferenciação doutrinária

13
Ainda, de acordo com Carmona, “reputa-se cheia, a cláusula em que as partes, valendo-se da
faculdade prevista no art. 5º da Lei de Arbitragem, reportam-se às regras de um órgão arbitral ou
entidade especializada, caso em que a arbitragem será instituída e processada de acordo com
tais regras” (CARMONA. Arbitragem e processo: um comentário à Lei 9.307/96, p. 220).
14
WALD, Arnoldo. A modernização da justiça e a arbitragem. In: WALD, Arnoldo. Direito processual:
inovações e perspectivas: estudos em homenagem ao Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. São
Paulo: Saraiva, 2003. p. 55-72.
15
CARMONA, Carlos Alberto. Considerações sobre a cláusula compromissória e a eleição do Foro. In:
LEMES, Selma Ferreira; CARMONA, Carlos Alberto; MARTINS, Pedro Batista (Coord.). Arbitragem:
estudos em homenagem ao Prof. Guido Fernando da Silva Soares. São Paulo: Atlas, 2007. p. 37.
16
LEMES, Selma Maria Ferreira. Convenção de arbitragem e termo de arbitragem: características,
efeitos e funções. Revista do Advogado, v. 26, n. 87, p. 94-99, set. 2006.
17
VILAS-BOAS, Renata Mala. Cláusula compromissória: sua importância no âmbito da arbitragem.
In: BOMFIM, Ana Paula Rocha et al. (Coord.). Dez anos da lei de arbitragem: aspectos atuais e
perspectivas para o instituto. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 13.
18
KROETZ, Tarcísio de Araújo. Notas sobre equivalência funcional entre o compromisso arbitral e a
cláusula compromissória completa. Revista Brasileira de Arbitragem, v. 1, n. 3, p. 125-133, jul./set.
2004.
19
LEE, João Bosco. Arbitragem comercial internacional nos países do Mercosul. Curitiba: Juruá, 2002.
p. 92.
20
LEE. Arbitragem comercial internacional nos países do Mercosul.
21
LEE. Arbitragem comercial internacional nos países do Mercosul, p. 84.

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20  Carlos Mário da Silva Velloso

entre cláusula compromissória cheia e vazia, para fins de celebração do posterior


compromisso, não tem procedência, já que não há, na Lei de Arbitragem, nada
que autorize tal entendimento.
8.4 Registre-se que defensores da tese minoritária admitem que “essa
distinção entre cláusula compromissória vazia e cheia não está prevista na legis­
lação”.22 Na verdade, não custa repetir, não há nada, na Lei de Arbitragem, que a
autorize.
8.5 Cláudio Vianna de Lima, comentando a decisão proferida pelo Tribu­
nal de Justiça de São Paulo, quando do julgamento do Agravo de Instrumento
nº 124.217.4/0 (Renault do Brasil S.A. x Carlos Alberto de Oliveira e Outros), afir­
ma inexistir a “pretendida diferenciação entre cláusula compromissória vazia e
completa ou cheia, que a lei não faz nem autoriza”, não sendo “dado distinguir
onde a lei não distingue”.23 É o que sustentamos. Na verdade, não prevê a Lei de
Arbitragem hipótese na qual o compromisso arbitral seria obrigatório (diante
da presença de cláusula vazia) e hipótese na qual poderia ser ele dispensado
(quando existente uma cláusula cheia). Em síntese, o que deve ser afirmado é
que a cláusula compromissória, seja qual for a sua qualificação, cheia ou vazia,
com­pleta ou incompleta, não tem o condão de instaurar a arbitragem, devendo,
para tanto, ser celebrado o posterior compromisso, pena de nulidade da sentença
arbitral (Lei nº 9.307/96, artigo 32, I).
8.6 Registre-se que a arbitragem foi evitada, ao longo dos anos, ao argu­
mento de que a cláusula compromissória não tinha força obrigatória, sendo mera
promessa de se firmar o compromisso, resolvendo-se o seu descumprimento em
perdas e danos. Ademais, carecia a sentença arbitral de homologação judicial,
certo que “a prática da arbitragem se limitava, até 1970, a uma área geográfica
abrangendo a Europa e os Estados Unidos, com ampla resistência dos países em
desenvolvimento”,24 e “pouco se ouvia falar nesse tempo da efetiva utilização de
procedimentos arbitrais na solução de litígios em nosso país”.25
8.7 Não há falar que seria retrocesso o entendimento pela exigência do
compromisso arbitral, ao argumento de que estaríamos conferindo à cláusula

22
SANTOS, Ricardo Soares Stersi dos. A cláusula compromissória cheia na arbitragem: pressupostos
e requisitos. In: LEITE (Coord.). Grandes temas da atualidade, v. 7, p. 290.
23
LIMA, Cláudio Vianna de. Ensaio sobre os efeitos do uso da expressão convenção de arbitragem
na Lei n. 9.307/96. In: PUCCI, Adriana Noemi (Coord.). Aspectos atuais da arbitragem. Rio de Janeiro:
Forense, 2001. p. 91.
24
WALD, Arnold. As anti-suit injunctions no direito brasileiro. Revista de Arbitragem e Mediação, v. 3,
n. 9, p. 36, abr./jun. 2006.
25
BARBI FILHO, Celso. Cumprimento judicial de cláusula compromissória na Lei 9.307/96 e outras
intervenções do judiciário na arbitragem privada. Revista Forense, v. 94, n. 343, p. 19, jul./set. 1998.

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Arbitragem – Indispensabilidade do compromisso arbitral  21

compromissória a interpretação dada pelo sistema anterior, com prejuízo para


prática da arbitragem no Brasil. O argumento não procede. A uma, porque a
in­dis­pensabilidade do compromisso arbitral decorre da lei e não de criação
doutri­ná­ria. A Lei de Arbitragem exige para a instauração da arbitragem tanto
a cláu­sula com­promissória como o compromisso arbitral. Com efeito, embora a
cláu­sula com­pro­missória e o compromisso arbitral sejam espécies do gênero con­
venção de arbi­tragem, são eles instrumentos juridicamente distintos. A Exposição
de Motivos da Lei de Arbitragem, de autoria do ilustre Senador Marco Maciel, o
ideali­zador da Lei nº 9.307/96, confirma o que afirmamos. Está esclarecido, na
referida exposição de motivos, ter sido “mantida a tradicional distinção entre
cláu­sula compromissória e compromisso arbitral, ambos espécies do gênero
convenção de arbitragem”.
8.8 E o argumento não teria procedência, a duas, porque a Lei nº 9.307, de
1996, confere força à cláusula compromissória, tornando-a exigível judicialmente
caso uma das partes não queira firmar o compromisso (artigos 6º e 7º). Está na
referida exposição de motivos da Lei nº 9.307/96: “a cláusula compromissória
comporta, pela técnica adotada no Projeto, execução específica, evitando-se com
isso que o contratante, que assumiu a obrigação de solucionar eventuais litígios
pela via arbitral, recuse-se a cumprir a avença, sem maiores consequências, como
acontece hoje”. Assim, conforme foi dito, no caso de resistência de uma das partes
para a instauração da arbitragem, caberá ao Poder Judiciário, se presentes os
pressupostos autorizadores, suprir o consentimento da parte recalcitrante e emitir
decisão equivalente ao compromisso, ensejando a instituição da arbitragem.
8.9 Registre-se, ademais, que a desnecessidade de homologação do laudo
arbitral pelo Judiciário, tal como previsto na Lei nº 9.307/96, exige que o pro­
cedimento arbitral seja revestido de requisitos essenciais à sua constituição, com
o objetivo de conferir maior segurança jurídica às partes envolvidas na arbitra­
gem e possibilitar a execução imediata do laudo arbitral. É dizer, a irrecorribili­
dade da sentença arbitral e a desnecessidade de homologação judicial do laudo
emprestam notável importância à arbitragem. Esta, portanto, há de embasar-se
em procedimento a salvo de qualquer contestação. Nessa perspectiva, o com­pro­
misso é da maior relevância.
8.10 Argumentos embasados no fato de que jurisdições estrangeiras, como
a França e a Itália, não mais exigem a celebração do compromisso arbitral para
a instituição da arbitragem, bastando, para tal fim, apenas a cláusula com­pro­
missória, não mudam a sistemática da arbitragem brasileira. Ora, se no Brasil
exige-se a celebração do compromisso arbitral, certo é que na França ainda se

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22  Carlos Mário da Silva Velloso

exige que a sentença arbitral receba um exequatur de um Tribunal de Grande


Instância para que se torne executável (Nouveau Code de Procedure Civile, arts.
1.477 e 1.478).
8.11 Em outros sistemas, a intervenção do Judiciário será sempre requerida,
em um momento ou outro. Destarte, não nos parece correta a tese de que a exi­
gência do compromisso desvirtuaria o sentido da arbitragem, retirando-lhe a
economia, a eficiência e a celeridade. Cada sistema adotará certa técnica legis­
lativa para tratar da arbitragem.
8.12 Realmente, as dificuldades de se firmar um compromisso costumam ser,
talvez, a maior das existentes quando da celebração da cláusula compromissória. É
que, no momento da assinatura da cláusula compromissória, não há divergências
e as expectativas e vontades das partes confluem quanto aos aspectos gerais do
contrato. Posteriormente, já com a relação desgastada, será, certamente, mais
difícil de obter a celebração do compromisso. Entretanto, conforme foi dito, a Lei
de Arbitragem criou mecanismos para que a vontade da parte recalcitrante seja
suprida pelo Judiciário. A manifestação do Judiciário propiciará, nesses casos,
maior segurança na instituição da arbitragem e certeza quando de sua execução.
8.13 Vale repetir: a cláusula compromissória cria uma obrigação para as
partes de submeter a controvérsia à arbitragem, mas não dispensa a celebração
do compromisso, ato inaugural do procedimento arbitral, indispensável ao seu
regular procedimento. Assim, a distinção preconizada, entre cláusula “cheia” e
cláusula “vazia”, não encontra amparo na lei, não sendo a cláusula compromissória
por si só suficiente para dar início ao procedimento arbitral.26 É nesse sentido a
doutrina, salientando Carmen Tiburcio que, “a despeito da novidade introduzida
na lei, ainda é necessária a celebração dos dois acordos para a instauração do
juízo arbitral — a cláusula compromissória e o compromisso — com a ressalva
que, a partir do acordo de vontades inserido na cláusula compromissória, uma
das partes não pode mais unilateralmente revogar o acordado e recorrer ao
judiciário, sem a anuência da outra parte signatária”.27 Acrescenta a ilustre jurista

26
Note-se, ainda, a dificuldade em se dizer o que seria uma cláusula “cheia” e uma cláusula “vazia”.
Por exemplo, na presença de uma cláusula que indique que eventuais litígios serão dirimidos
“de acordo com as regras da instituição ‘x’”, ou seja, uma cláusula que se reporte às regras de
uma entidade especializada, “alguns defendem que se está diante de uma cláusula arbitral vazia,
outros defendem que se trata de cláusula patológica e outros que se trata de cláusula cheia”
(ALVARENGA, Maria Isabel; CARVALHO, Eliane Cristina. A cláusula que se reporta às regras de um
órgão arbitral institucional. In: GUILHERME, Luiz Fernando do Vale de Almeida. Aspectos práticos
da arbitragem. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 193-194).
27
TIBURCIO, Carmen. A arbitragem no direito brasileiro. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 96, n. 351,
p. 58, jul./set. 2000.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 11-36, out./dez. 2013
Arbitragem – Indispensabilidade do compromisso arbitral  23

que “a vontade da parte recalcitrante será substituída pela decisão judicial e esta
sentença judicial valerá como compromisso, o que comprova, ainda, a necessidade
dos dois instrumentos, diversamente do que ocorre no plano internacional, onde
a cláusula compromissória, por si só, é apta a instaurar o juízo arbitral”.28
8.14 Desse entendimento não destoa Paulo Fernando Silveira, para quem
a lei de arbitragem não autoriza o tribunal arbitral a iniciar o procedimento sem
que esteja firmado o compromisso, pois é o compromisso “que habilita e legitima
a competência do tribunal arbitral”, não restando dúvida de que “a arbitragem só
se inicia com a assinatura do compromisso”.29
8.15 Modesto Carvalhosa, tratando da adoção da inter-relação entre a
arbitragem e o acordo de acionistas, leciona: “duas são as etapas que levam à
ins­talação do juízo arbitral: o estabelecimento da cláusula compromissória no
estatuto e o compromisso arbitral, que é firmado visando a composição da lide
ou controvérsia já instituída”.30 Arremata o ilustre comercialista que, “para que seja
válida e eficaz a instituição do juízo arbitral, devem as partes envolvidas declarar
sua concordância de forma expressa, tanto na cláusula compromissória quanto
no compromisso propriamente dito”.31
8.16 Esse é também o entendimento de Marcus Vinícius dos Santos Andrade,
a dizer que o compromisso arbitral deve ser firmado independentemente de se
ter presente a chamada cláusula compromissória cheia ou vazia. É conferir:

Apresentando-se “cheia” a cláusula compromissória, ou seja, com a


indi­cação de árbitro ou tribunal de arbitragem, o procedimento a ser
observado e até mesmo sobre a distribuição do ônus da prova, nada
poderá dispor o juiz a respeito, à falta de jurisdição. Todavia, deverá
veri­­
ficar, formalmente, o preenchimento dos requisitos obrigatórios
da cláusula compromissória e que estão no art. 10 da Lei 9.307/96: a
qualificação das partes, o árbitro ou árbitros, a matéria que será deslin­
dada no processo arbitral e o local que a sentença será proferida. Esses
requisitos são vinculantes e não admitem dispensa. Possível, ainda, que
a cláusula compromissória se apresente vazia no tocante à indicação do
árbitro. O ônus, então, transfere-se ao juiz, que deverá fazer a nomeação
de um árbitro único ou de um tribunal arbitral. [...]

28
TIBURCIO, Carmen. A arbitragem no direito brasileiro. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 96, n. 351,
p. 58, jul./set. 2000.
29
SILVEIRA, Paulo Fernando. Tribunal arbitral: nova porta de acesso à justiça. Curitiba: Juruá, 2006.
p. 195.
30
CARVALHOSA, Modesto. Principais alterações na Lei de Sociedades Anônimas: juízo arbitral
e acordo de acionistas. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; CAMPOS, Diogo Leite de (Coord.). O
direito contemporâneo em Portugal e no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 389.
31
CARVALHOSA, p. 395.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 11-36, out./dez. 2013
24  Carlos Mário da Silva Velloso

Nesta ótica, vê-se que a manifestação do intento de um dos contratantes


em firmar o compromisso arbitral, convocando outro para fazê-lo, é
condição prévia, necessária à propositura da ação, visando a lavratura do
compromisso em juízo.32

8.17 É de Celso Barbi Filho, falecido precocemente e que tanta falta tem feito,
a lição que “só com o compromisso pode iniciar-se a arbitragem”. E acrescenta:

Assim, se quiserem submeter a solução de seu litígio à arbitragem, as


partes devem criar uma convenção de arbitragem, que terá inicialmente
uma cláusula compromissória (promessa) e, quando surgido o litígio, um
compromisso arbitral (contrato definitivo).
Ou ainda, independentemente de firmarem cláusula compromissória, po­
dem as partes celebrar compromisso arbitral quando surgir um conflito.
[...]
Em outros sistemas jurídicos a cláusula compromissória pode se prestar
diretamente à instituição da arbitragem independentemente de com­
promisso firmado quando surgir o conflito. Esse, aliás, é o sistema mais
lógico e simplificado como lembrou em recente conferência o Prof. José
Carlos Magalhães.
Mas, dentro do sistema previsto na Lei nº 9.307/96, não se pode, como já
vi sugerir-se, substituir o compromisso por uma cláusula compromissória
bem elaborada, pois cada um tem sua função. A cláusula é contrato
preliminar, a promessa de arbitragem, enquanto o compromisso é o
contrato definitivo que o institui. A própria lei, fiel ao sistema existente no
C.Civ. e no CPC, deixa claro, como dito, que na cláusula compromissória as
partes comprometem-se a submeter um conflito à arbitragem, enquanto
no compromisso é que elas submetem a questão à arbitragem.
Pode até haver compromisso sem cláusula compromissória, ou seja, pode
haver contrato sem promessa prévia, mas não pode haver arbitragem
sem compromisso. Isso porque o compromisso contém um elemento
fundamental, que só pode nascer após firmada a cláusula arbitral, qual
seja, o conflito (art. 10, III). Não se pode, assim, instituir arbitragem pela
cláusula compromissória porque ao tempo que ela foi firmada ainda
inexiste o conflito. O compromisso é o ato fundamental da arbitragem,
tanto que a lei impõe para ele um maior rigor formal, quando extrajudicial,
exigindo-lhe duas testemunhas (art. 9º, §2º), o que não fez para a cláusula
compromissória.
Antes da Lei 9.307/96, conforme já dito, mesmo existindo cláusula com­­
pro­­missória de arbitragem, a celebração do compromisso para efetiva

ANDRADE, Marcus Vinicius dos Santos. Considerações sobre a arbitragem e o cumprimento da


32

sentença arbitral. Revista de Arbitragem e Mediação, v. 4, n. 15, p. 28-30, out./dez. 2007.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 11-36, out./dez. 2013
Arbitragem – Indispensabilidade do compromisso arbitral  25

realização da arbitragem só poderia ser voluntária. Agora ela é compulsória.


Está aí, a meu ver, a grande mudança trazida na nova lei, que introduziu
em nosso direito a execução específica da cláusula arbitral.33

8.18 Carreira Alvim também endossa a tese aqui defendida:

A expressão cláusula compromissória “cheia” pode ser utilizada, enquanto


cláusula pela qual, em vez de se limitarem as partes a submeter os seus
litígios à arbitragem (art. 4º, LA), façam constar dela alguns requisitos
que deveriam figurar no compromisso (art. 10, LA), como a indicação do
árbitro ou a forma pela qual será indicado, a matéria que será objeto da
arbi­tragem (índices de reajuste, multa por atraso, preço de peças com­
plementares); mas, sendo essa previsão relativa a litígios futuros, não fica
a parte dispensada de obter o compromisso (extrajudicial ou judicial),
quando surgir, efetivamente, o litígio (atual). [...]
O compromisso é o único ponto de partida do procedimento arbitral
(l’unique point de départ de la procédure d’arbitrage) mesmo porque, como
adverte Matthieu de Boisséson, a cláusula compromissória é celebrada
entre “partes em um contrato”, enquanto o compromisso é celebrado
entre “partes em um litígio”.
De outra forma, não teria o Poder Judiciário como controlar a atividade
arbitral, pois todo o controle é feito “a partir do compromisso, e com base
nele”, o qual não é uma mera formalidade que as partes dispensam a seu
sabor, mediante simples “reporte” às regras externas de um órgão arbitral
institucional ou entidade especializada. O que pode acontecer é tornar-
se desnecessária a repetição, no compromisso, de requisitos já expressos
na cláusula, cumprindo ele tão-só o objetivo de obter a aquiescência da
outra parte quanto à instituição da arbitragem.34

8.19 É ainda de Carreira Alvim a lição no sentido de que “a diferença entre


a cláusula compromissória e o compromisso arbitral está em que aquela dispõe
sobre litígio futuro (que pode ou não surgir), enquanto este dispõe sobre litígio
atual (já existente), dispondo, exatamente, neste sentido os arts. 4º (cláusula
com­promissória) e 9º (compromisso) da Lei de Arbitragem, não havendo a menor
possibilidade de uma cláusula compromissória dispor genericamente sobre
‘qualquer matéria que decorra do contrato’. Se tal acontecer, terá disposto sobre
litígio futuro, que dependerá da indicação do litígio atual, pelo que a ausência do

33
BARBI FILHO, Celso. Cumprimento judicial de cláusula compromissória na Lei 9.307/96 e outras
intervenções do judiciário na arbitragem privada. Revista Forense, v. 94, n. 343, p. 19-35, jul./set.
1998.
34
ALVIM, José Eduardo Carreira. Direito arbitral. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 189-190.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 11-36, out./dez. 2013
26  Carlos Mário da Silva Velloso

compromisso pode dar ensejo à nulidade da própria sentença arbitral (art. 32, I,
LA)”.35 Acrescenta, com vistas à interpretação do artigo 5º da Lei de Arbitragem,
que, “quando a lei diz que a arbitragem pode ser ‘instituída’, de acordo com as
regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, não significa
esteja dispensando o compromisso, mas admitindo sejam aquelas regras
observadas para que seja instituído o juízo arbitral, inclusive para fins de obtenção
do compromisso, judicial ou extrajudicial”.36
8.20 No mesmo sentido, Cláudio Vianna de Lima que, afirmando ser “des­
pro­positada” a referência à cláusula compromissória vazia, entende ser o com­
promisso arbitral “o primeiro ato procedimental da arbitragem”, sendo documento
“indispensável” à sua instauração. Vale a transcrição:

Hoje, elevando a cláusula compromissória a espécie de convenção arbi­


tral, a arbitragem pode ser instaurada a partir de sua assinatura, muito
embora, não prescinda, para a efetiva instauração do procedimento, do
compromisso, não como ato convencional, mas como ato inaugural do re-
ferido procedimento e para as demais funções decorrentes que a Lei atri-
bui a este compromisso.
Pode ser dito assim que, embora se possa atuar a arbitragem sem a cláu­
sula compromissória (e já se examinou a possibilidade), não é verdadeira
a assertiva contrária, de instauração da arbitragem só com a cláusula
compromissória. Já se acentuou a indispensabilidade do compromisso,
justamente pelas funções outras que tem, pela Lei, além da função de
espécie, que é, de convenção de arbitragem. [...]
O que se tem certo é que, enquanto a cláusula compromissória é simples
acordo de vontades para submeter à arbitragem conflito de interesse
eventual e futuro, limitada, a cláusula, unicamente à função de convenção
de arbitragem, pouco importando se antecipar, para tanto, a adoção das
regras de órgão arbitral institucional ou entidade especializada, ou a
forma convencionada para a instauração da arbitragem, com o caráter de
dispensabilidade (art. 5º da lei de arbitragem).37

8.21 Também Alexandre Freitas Câmara, para quem “a cláusula com­pro­


missória é, em verdade, um contrato preliminar, ou seja, uma promessa de celebrar
o contrato definitivo que é o compromisso arbitral. Assim sendo, e como qualquer
outro contrato preliminar, gera uma obrigação de celebrar o contrato definitivo

35
ALVIM. Direito arbitral, p. 217.
36
ALVIM. Direito arbitral, p. 218.
37
LIMA, Cláudio Vianna de. Ensaio sobre os efeitos do uso da expressão convenção de arbitragem
na Lei n. 9.307/96. In: PUCCI, Adriana Noemi (Coord.). Aspectos atuais da arbitragem. Rio de Janeiro:
Forense, 2001. p. 89-91.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 11-36, out./dez. 2013
Arbitragem – Indispensabilidade do compromisso arbitral  27

(que, no caso presente, como já afirmado, é o compromisso arbitral). Surge, assim,


pela cláusula compromissória uma obrigação para as partes de emitir declaração
de vontade. O descumprimento desta obrigação, com a recusa de qualquer das
partes em celebrar o compromisso após o surgimento de qualquer litígio entre os
con­tratantes, gera para a outra parte o direito de obter em juízo a tutela jurisdi­
cional específica relativa àquela obrigação”.38 Assinala ainda que as lições de José
Luiz Bolzan de Moraes convergem para a necessidade de celebração tanto da
cláusula compromissória como do compromisso arbitral.39
8.22 Antonio Carlos Rodrigues do Amaral assevera que, “para haver arbi­
tragem, geralmente é necessário o atendimento a dois pressupostos: o pri­
meiro, a inclusão de uma cláusula em contrato prevendo que, no caso de lití­gio,
as partes recorrerão à arbitragem (cláusula compromissória); o segundo, que
as partes firmem o ‘compromisso arbitral’, uma vez ocorrido o litígio, que deli­
mitará o objeto da controvérsia e regulará como a arbitragem será conduzida,
prazos, local, honorários dos árbitros, despesas, etc.”. Acrescenta que, nunca
será dispensável o compromisso, “pois é por meio dele, no Brasil, que as partes
outor­gam competência ao árbitro para decidir (diferentemente do que ocorre na
França, por exemplo, onde o compromisso é dispensável)”. E arremata o mestre da
Harvard e pro­fessor da Universidade Mackenzie, afirmando que, “no caso de haver
arbi­
tragem sem compromisso arbitral, indiferentemente de ser institucional
ou ad hoc, ou se aquele firmado pelas partes for considerado inválido, então a
decisão proferida não poderá equivaler a um ‘título executivo judicial’, pois não
terá obedecido aos requisitos indispensáveis da Lei 9.307/96”.40
8.23 Adriana Pucci, analisando comparativamente a legislação referente à
arbitragem no Mercosul, escreve que “dependerá da legislação aplicável a ne­ces­
sidade da formalização do compromisso arbitral, uma vez estabelecida a pen­
dência, toda vez que as partes assumirem a via arbitral mediante uma cláu­sula
compromissória. Assim, por exemplo, essa necessidade é observada nas legis­
lações da Argentina, Brasil e Uruguai, não constando na lei do Paraguai”.41

38
CÂMARA, Alexandre Freitas. Arbitragem: Lei n. 9.307/96. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2005.
p. 28-29.
39
MORAES, José Luiz Bolzan de. Mediação e arbitragem: alternativas à jurisdição. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1999. p. 2002.
40
AMARAL, Antônio Carlos Rodrigues do. Questões atuais da arbitragem. Consulex – Revista Jurídica,
v. 11, n. 255, p. 6 et seq., ago. 2007.
41
PUCCI, Adriana Noemi. Arbitragem comercial nos países do Mercosul análise comparativa da
legislação, jurisprudência e doutrina dos autores da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai relativas à
arbitragem. São Paulo: LTr., 1997. p. 66.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 11-36, out./dez. 2013
28  Carlos Mário da Silva Velloso

8.24 Registra João Bosco Lee: “Argentina e o Uruguai estão entre os países
que estipulam a cláusula compromissória como pacto preliminar que visa a
outorga de um compromisso”.42 Cuidando do tema na Argentina, Adolfo Armando
Rivas registra que “La cláusula compromisoria, no es requisito o condición previa
o indispensable para poderse acudir al juicio de árbitros; bien pude prescindirse
de ella; en cambio, no puede haber actuación concreta de la justicia privada, si
antes no se formalizo el denominado compromiso”.43 Da mesma forma no Uruguai
(CGP, artigos 473 e 477), em que a assinatura do compromisso arbitral é requisito
indispensável e essencial à instituição da arbitragem.
8.25 Assim, nos três ordenamentos jurídicos (Brasil, Argentina e Uruguai),
a legislação determina a celebração de um compromisso arbitral, após o surgi­
mento do litígio. Prosseguindo na análise comparativa das legislações do
Mercosul, Adriana Pucci critica o sistema brasileiro, que, no seu entender, se dis­
tancia “da moderna corrente legislativa e doutrinária internacionais”, ao exigir o
com­promisso: “a nova lei avança em relação à legislação anterior, outorgando
força vinculativa à cláusula arbitral, mas, por outro lado, pelo fato de exigir obri­
ga­toriamente a inserção de certos dados no compromisso, obriga, em última
instância, que as partes celebrem o compromisso, fato que poderia ter sido
dispen­sado, deixando à livre eleição das partes os dispositivos a serem incluídos
tanto na cláusula como no compromisso arbitral”.44
8.26 Certo, com base no que dispõe o art. 32, I, da Lei nº 9.307/96, forçoso
é reconhecer: (i) o compromisso arbitral é indispensável e a sua nulidade acarre­
tará a nulidade da sentença arbitral; (ii) se o compromisso nulo anula a sentença
arbitral, por decorrência lógica também o compromisso inexistente gerará a
mesma nulidade. Este é o entendimento de Carreira Alvim, para quem, sendo indis­
pensável o compromisso arbitral, sua inexistência acarretará a nulidade do laudo.
Com efeito, “a base da sentença e a sua segurança estão no compromisso, devendo
ser proferida de conformidade com o que houverem as partes convencionado, e
conter, obrigatoriamente, os requisitos dispostos no art. 10, incisos I a IV, da Lei de
Arbitragem, e, facultativamente, os referidos no art. 11, incisos I a VI, dessa mesma
lei. Se padecer o compromisso de algum vício de nulidade, como na hipótese
prevista no inciso I do art. 32 da Lei de Arbitragem (‘for nulo o compromisso’),

42
LEE, op. cit., p. 84.
43
RIVAS, Adolfo A. El arbitraje segun el derecho argentino. Revista de Processo, v. 12, n. 45, p. 45,
jan./mar. 1987.
44
PUCCI, op. cit., p. 99.

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Arbitragem – Indispensabilidade do compromisso arbitral  29

nula será também a sentença”.45 Arremata: “se faltar o compromisso arbitral, seja
porque não foi firmada a cláusula compromissória, seja porque, tendo-o sido, não
se interessou uma das partes em obter o compromisso, faltará o interesse de agir,
igualmente, na ação arbitral”.46
8.27 Para Marcus Vinicius dos Andrade, “se não houve a citação no processo
para a lavratura do compromisso, na verdade esse processo nem sequer existiu,
por não formada validamente a relação jurídico-processual, o que terminou por,
também, tornar inexistente o processo arbitral”.47 Da mesma forma o entendimento
de Clávio de Melo Valença Filho, tratando da nulidade da instauração da instância
arbitral:

recomenda-se ao legislador brasileiro ou ao juiz estatal, através de sua


atividade integrativa, colmatar a lacuna deixada pelos textos dos artigos
741, I, e 475-L, I, do Código de Processo Civil, evidentemente inadequa­
dos à fundamentação de embargos do devedor ou impugnação interpos­
tos contra execução fundada em sentença arbitral: os citados dispositivos
mencionam “falta ou nulidade de citação no processo de conhecimento”;
melhor seria ler, tratando-se de oposição à execução fundada em
sentença arbitral, falta ou nulidade de instauração da instância arbitral.
Diga-se, aliás, que a falta ou nulidade de instauração da instância arbi­
tral constitui-se de vícios que provocam a inexistência jurídica da sen­
tença arbitral. Não existe árbitro fora da instância arbitral, isto é, onde não
houver instância, não há, da mesma forma, juiz privado e, muito menos,
sentença arbitral. Destarte, a matéria é apreciável, de ofício, pelo juiz
estatal.48

8.28 Vale anotar, ademais, que a nulidade do laudo arbitral, no caso de ine­
xistência do compromisso, será verificável qualquer que seja a natureza atribuída
à arbitragem: privada (de natureza contratual) ou pública (função jurisdicional
do juízo arbitral). Caso se entenda pela natureza privada da arbitragem, embora
a opção pelo procedimento arbitral seja efetuada no âmbito da autonomia da
vontade das partes, por certo tal autonomia não é ilimitada, encontrando res­
trições tanto na Lei de Arbitragem como nas garantias e direitos fundamentais
consti­tucionalmente assegurados na denominada eficácia horizontal dos direitos
funda­mentais nas relações jurídico-privadas.

45
ALVIM, op. cit., p. 225.
46
ALVIM, op. cit., p. 99.
47
ANDRADE, op. cit., p. 49.
48
VALENÇA FILHO, Clávio de Melo. Sentença Arbitral e juízo de execuções. Revista do Advogado,
v. 26, n. 87, p. 39-40, set. 2006.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 11-36, out./dez. 2013
30  Carlos Mário da Silva Velloso

8.29 Os publicistas, de regra, sustentam que a nulidade do laudo arbi­tral


tam­bém ocorreria na hipótese tratada, uma vez que careceria o processo ar­
bi­­tral do mais importante pressuposto processual de validade, qual seja, a exis­
tência de con­venção de arbitragem (cláusula compromissória mais compro­misso
arbi­tral) apta a instaurar a arbitragem. Destarte, realizada a arbitragem sem a
cele­bra­ção do compromisso arbitral, requisito indispensável exigido pela Lei
nº 9.307/96, nulo será o laudo arbitral.

IX  Possibilidade de a matéria ser suscitada em exceção de


pré-executividade
9 Anota a exposição de motivos da Lei de Arbitragem, que a sentença arbitral
“poderá ser impugnada através de ação própria ou em embargos à execução,
sendo previstos, também, os embargos de declaração para sanar obscuridades,
dúvidas ou contradições”. Na linha desse entendimento, Carlos Alberto Carmona
leciona que, no caso de não “proposta a demanda anulatória no prazo legal, resta
ainda ao vencido outra possibilidade — limitada, é verdade — de impugnar a
sentença arbitral (desde que condenatória): havendo execução, restará aberta ao
vencido a via dos embargos do devedor, onde poderá este agarrar-se a alguma
das matérias do art. 741 do Código de Processo Civil com o fito de livrar-se do
processo de execução”.49
9.1 A sentença arbitral pode ser impugnada através da (i) ação de nulidade,
(ii) quando da oposição dos embargos do devedor (CPC, art. 741), ou, (iii) no
sistema atual, alterado pela Lei nº 11.232/05, quando da abertura de prazo para o
oferecimento de impugnação (CPC, art. 475-L).
9.2 Assim o entendimento de Arnoldo Wald, ao lecionar que, “no direito
brasileiro, temos instrumentos processuais para proibir o uso da arbitragem antes
do início do processo arbitral, ou durante o seu desenrolar, e para impedir a sua
execução, mediante ação anulatória ou embargos à execução”.50
9.3 Anote-se, no que se refere à ação de nulidade, que a Lei de Arbitragem
prevê que a parte que queira levantar questões relativas à nulidade, invalidade

49
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. São Paulo: Atlas, 2004. p. 344 apud CÂMARA,
Alexandre. Cumprimento da sentença arbitral após a reforma do CPC. In: BOMFIM, Ana Paula Rocha.
Dez anos da lei de arbitragem: aspectos atuais e perspectivas para o instituto. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2007. p. 13.
50
WALD, Arnoldo. Ação de anulação de sentença arbitral estrangeira: tutela antecipada indeferida:
extinção da ação sem julgamento do mérito: justiça brasileira incompetente para julgar o feito.
Revista de Arbitragem e Mediação, v. 2, n. 5, p. 159, abr./jun. 2005.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 11-36, out./dez. 2013
Arbitragem – Indispensabilidade do compromisso arbitral  31

ou ineficácia da convenção, deverá fazê-lo no primeiro momento que tiver de se


manifestar (Lei nº 9.307/96, artigo 20). Entretanto, registra Pedro Batista Martins
que “a limitação desse momento à primeira oportunidade que a parte tiver de se
manifestar é por demais restritiva à vista da relevância do tema e da fidúcia que
cerca o instituto cuja busca da verdade material é sua essência”.51
9.4 Não é outro o entendimento de Marcus Vinícius Andrade, para quem “a
sentença arbitral está sob o crivo do Judiciário, não em um juízo de reexame, mas
de validade”, arrematando: o “sistema de arbitragem, instituído no Brasil, contudo,
de forma alguma exclui da apreciação do Poder Judiciário a lesão ou a ameaça a
direito. A participação do judiciário vem assegurada pelas diversas possibilidades
de intervenção e, especialmente, pelo exercício do controle de validade sobre as
decisões arbitrais. Esse fundamento justifica a compatibilidade entre o instituto
da arbitragem e o princípio do monopólio jurisdicional do Poder Judiciário”.52
9.5 Superada essa questão, note-se, ainda, ser possível a alegação, nos
embargos à execução ou na impugnação, de qualquer fundamento hábil ao
reconhecimento da nulidade do laudo arbitral. É o que ensina Alexandre Câmara:
“o que se tem do dispositivo citado é que, proposta a ação de execução que tenha
por título que lhe sirva de base o laudo arbitral condenatório, poderá o executado,
nos embargos que venha a oferecer, alegar — além das matérias previstas no
art. 741 do CPC — qualquer fundamento para se obter o reconhecimento da
nulidade do laudo arbitral”.53 Tratando da nova feição dada à execução pela Lei
nº 11.232/05, entende esse ilustre jurista que, “embora o texto do artigo 475-L do
CPC dê a entender que na impugnação o executado só pode alegar as matérias ali
enumeradas, não se pode deixar de lembrar que no caso de execução de sentença
arbitral a defesa do executado poderá ser oferecida com base não só naquelas
matérias, mas também com alegação de qualquer das causas de nulidade da
sentença arbitral, enumeradas no art. 32 da Lei nº 9.307/96”.54
9.6 Assim, independentemente de ser a execução do laudo arbitral im­pug­
nável nos embargos do devedor (CPC, artigo 741) ou mediante a impug­nação (CPC,
artigo 475-L), certo é que sempre será cabível a exceção de pré-executividade. É
o que preleciona Clávio de Melo Valença Filho, a dizer que, além dos embargos

51
BATISTA MARTINS, Pedro A. Autonomia da cláusula compromissória. In: SANTOS, Theophilo de
Azeredo. Novos estudos de direito comercial em homenagem a Celso Barbi Filho. Rio de Janeiro:
Forense, 2003, p. 341.
52
ANDRADE, op. cit., p. 25.
53
CÂMARA, op. cit., p. 13.
54
CÂMARA, op. cit., p. 13.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 11-36, out./dez. 2013
32  Carlos Mário da Silva Velloso

à execução e da impugnação, “os motivos atinentes à inexistência da sentença


arbitral podem ser igualmente invocados, mediante exceção de pré-executividade,
nos autos do próprio processo de execução, com a vantagem, para o devedor, de
não sujeitar seu patrimônio à constrição que decorre da segurança do juízo”.55
9.7 Como é sabido, uma execução só é possível quando embasada em tí­
tulo legalmente qualificado como executivo e quando esse título seja, em
seu conteúdo, líquido, certo e exigível. É dizer, a possibilidade jurídica de uma
pretensão executiva se irmana à imprescindibilidade de a petição inicial estar
lastreada em título que possua tais características. Dessa forma, se o pleito posto
na execução deve, forçosamente, corresponder ao conteúdo líquido e certo do
título executivo, sua inexistência, caracterizando falta de condição da ação, hábil
à proclamação da carência da ação, constitui questão de ordem pública. Em
se tratando de questão de procedibilidade, a ausência ou a ineficácia do título
executivo pode ser arguida não só em embargos do devedor (CPC, artigo 741),
mas também em exceção de pré-executividade. É que, a teor do artigo 267, §3º,
do CPC (aplicável ao processo de execução por força do artigo 598 do CPC), a
ausência de uma condição da ação executiva pode ser apontada em exceção de
pré-executividade.
9.8 Sabe-se que a exceção de pré-executividade enseja ao executado,
mesmo sem a oposição de embargos à execução, a possibilidade de arguir as ma­
térias versadas no artigo 618 do Código de Processo Civil. Veja-se a lição de Vicente
Greco Filho: “como os defeitos do art. 618 estão expressamente cominados como
nulidades, o juiz pode reconhecê-los de ofício, independentemente de embargos
do devedor. A matéria é de ordem pública, podendo ser arguida a qualquer
tempo e por qualquer meio”,56 observando Teori Albino Zavascki que “a nulidade
a ser levantada na exceção de pré-executividade deve ser evidente, de modo a
dispensar qualquer dilação probatória sobre os fatos”.57
9.9 Decidiu o Superior Tribunal de Justiça que “os embargos de devedor
pressupõem penhora regular, que só se dispensa em sede de exceção de pré-
executividade, limitada a questões relativas aos pressupostos processuais e às
con­dições da ação, incluindo-se a alegação de que a dívida foi paga”.58 Ainda
do Superior Tribunal de Justiça decisões no sentido de que “a exceção de

55
VALENÇA FILHO, op. cit., p. 39-40.
56
GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. v. 3 -
Processo de execução a procedimentos especiais.
57
ZAVASCKI, Teori Albino. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000. v. 8, p. 418.
58
REsp nº 388.000/RS, Rel. Min. José Delgado, DJ, 18 mar. 2002.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 11-36, out./dez. 2013
Arbitragem – Indispensabilidade do compromisso arbitral  33

pré-executividade é servil à suscitação de questões que devam ser conhecidas de


ofício pelo juiz, como as atinentes à liquidez do título executivo, os pressupostos
processuais e as condições da ação executiva. O espectro das matérias suscitáveis
através da exceção tem sido ampliado por força da exegese jurisprudencial
mais recente, admitindo-se a arguição de prescrição e de ilegitimidade passiva
do executado, desde que não demande dilação probatória (exceção secundum
eventus probationi)”,59 ou, em outras palavras, “as matérias passíveis de serem
alegadas em exceção de pré-executividade não são somente as de ordem pública,
mas também todos os fatos modificativos ou extintivos do direito do exequente,
desde que comprovados de plano, sem necessidade de dilação probatória”.60
9.10 No caso, é possível a utilização da exceção de pré-executividade, pois,
em hipóteses em que se aponta a inexistência de título a amparar a pretensão
do exequente, faculta-se a opção seja para os embargos do devedor seja para
a exceção de pré-executividade, certo que, na hipótese, não há necessidade de
dilação probatória. E isso por uma razão óbvia: a ilegalidade, além de encontrar-
se estampada no próprio título que embasara a execução, constitui questão de
direito.

X  Termo de Arbitragem – Ata de Missão – Terms of Reference


10 Registre-se que a denominada ata de missão e o termo de arbitragem não
suprem a exigência do compromisso arbitral, já que aqueles são essencialmente
diferentes quanto à forma, ao momento de celebração e quanto aos requisitos
(art. 9º, §2º). O termo de arbitragem, também chamado de TDA, é instrumento
processual com função específica, ou seja, delimitar a controvérsia submetida aos
árbitros. É possível, inclusive, estabelecer paralelo entre o termo de arbitragem
e a ata de missão, ou o Terms of Reference, utilizado pela Corte Internacional de
Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI).
10.1 Leciona Selma Maria Ferreira Lemes que “a referida ata de missão
passou a integrar o regulamento da CCI em 1955 e teve suas origens no primeiro
regu­la­mento redigido em 1922, que dispunha ‘sobre o formulário de submissão’,
no qual deveriam constar os nomes das partes e do árbitro, o local e o objeto da
arbitragem, as razões das partes, etc.”.61

59
REsp nº 651.926/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJ, 28 fev. 2005.
60
REsp nº 613.685/MG, Castro Meira, DJ, 07 mar. 2005.
61
LEMES, op. cit.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 11-36, out./dez. 2013
34  Carlos Mário da Silva Velloso

10.2 Para Eduardo Grebler, “não se confundem o compromisso arbitral e o


documento denominado Terms of Reference, que corresponde à ata de missão
prevista no regulamento de arbitragem da CCI. O compromisso arbitral, nos
termos do art. 9º da Lei de arbitragem, é ‘a convenção através da qual as partes
submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial
ou extrajudicial’. Já a ata de missão (terms of reference), conforme o artigo 18 do
regulamento do CCI, é o documento elaborado pelo Tribunal arbitral que define
sua missão. Verifica-se, portanto, nítida diferença entre tais documentos, sendo
que o primeiro precede a instauração da arbitragem, enquanto o segundo,
elaborado após a instauração do processo arbitral, apenas registra determinados
elementos tais como o nome das partes, endereço para notificação, resumo das
pretensões etc. Elaborada a Ata de Missão, o Tribunal estabelece, em separado,
cronograma provisório que pretende seguir na condução da arbitragem (art. 18,
item 4, do Regulamento da CCI)”.62
10.3 Registra Arnoldo Wald, em artigo sobre o processo arbitral na Câmara
de Comércio Internacional, que a “ata de missão”, que deverá ser redigida “den­
tro de dois meses” após a constituição do tribunal arbitral, “é um mecanismo
sa­nea­dor de patologias e disposições ambíguas da cláusula compromissória,
cuja fun­ção consiste em prever e controlar o desenrolar do procedimento ar­
bitral”,63 fun­ção que não corresponde à que foi atribuída, pela Lei nº 9.307/96, ao
com­pro­misso arbitral, lecionando João Bosco Lee que “as diferenças entre os dois
tipos de atos parecem assim incontestáveis, sendo a assimilação impossível”.64 Ora,
exigindo a Lei de Arbitragem que seja firmado um compromisso arbitral prévio à
instituição da arbitragem, não pode a ata de missão, que é posterior a institui­
ção do juízo arbitral, fazer as suas vezes. Ademais, estabelece a Lei nº 9.307/96
que “o compromisso arbitral extrajudicial será celebrado por escrito particular,
assinado por duas testemunhas, ou por instrumento público” (art. 9º, §2º). Não
pode, portanto, a ata de missão, que não apresenta tais requisitos, substituir o
indispensável compromisso arbitral.

62
GREBLER, Eduardo. Ação declaratória de extinção do compromisso arbitral e da arbitragem:
agravo de instrumento pleiteando o prosseguimento do procedimento arbitral. Revista de
Arbitragem e Mediação, v. 4, n. 15, p. 272, out./dez. 2007.
63
WALD, Arnoldo. O controle do processo arbitral pela Corte Internacional de Arbitragem da
Câmara de Comércio Internacional – CCI. Revista do Advogado, v. 26, n. 87, p. 31, set. 2006.
64
LEE, João Bosco. Arbitragem comercial internacional nos países do Mercosul. Curitiba: Juruá, 2002.
p. 103.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 11-36, out./dez. 2013
Arbitragem – Indispensabilidade do compromisso arbitral  35

XI Conclusões
11 Do exposto, podem ser formuladas as seguintes conclusões:
a) o compromisso arbitral é indispensável à inauguração da arbitragem, na
forma da Lei nº 9.307/96, artigos 7º, 9º, 10 e 11, pelo que é nula a sen­tença
arbitral proferida sem o prévio compromisso arbitral (art. 32, I), dado que
“o compromisso arbitral é o instrumento principal do juízo arbitral, eis
que é por meio dele que se institui o processo arbitral de onde emanará
a sentença”.65 Trata-se de nulidade insanável, que pode ser declarada,
inclusive, em exceção de pré-executividade;
b) não existe na Lei de Arbitragem a possibilidade jurídica de uma cláusula
compromissória denominada cheia atribuir competência arbitral a um
tribunal de arbitragem, substituindo a exigência legal do compromisso
arbitral, instrumento sem o qual não será instituído o processo arbitral;
c) o Supremo Tribunal Federal, ao decidir — SE nº 5.206-7-AgR/Reino da
Espanha — que o juiz poderá suprir a vontade da parte recalcitrante e dar
conteúdo ao compromisso arbitral, não admitiu, parece-nos evidente, a
hipótese de sua dispensa. A leitura atenta do acórdão proferido na citada
SE nº 5.206-AgR/Espanha não autoriza haja o Supremo Tribunal Federal
adotado entendimento no sentido de existir diferença entre cláusula
cheia e cláusula vazia, para o fim de dispensar o compromisso arbitral,
tratando-se de cláusula cheia, tampouco que tal argumento constituiu
motivo determinante da declaração de constitucionalidade. Fosse assim,
a solução seria outra: a interpretação conforme e não a declaração, tout
court, da constitucionalidade do parágrafo único do art. 6º e do art. 7º da
Lei nº 9.307/96, que não fazem a mencionada distinção;
d) documento que não seja prévio à arbitragem (art. 9º da Lei de Arbitra­
gem: “O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes
submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo
ser judicial ou extrajudicial”), ou que não contenha todos os requisitos
obri­gatórios dos artigos 9º e 10 da citada Lei de Arbitragem, uma “ata de
missão”, por exemplo, ou “termo de referência” de câmaras internacionais
de arbitragem, não substitui o compromisso arbitral de que trata a Lei
nº 9.307/96;

LACERDA, Belisário Antônio de. Comentários à Lei de Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.
65

p. 92.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 11-36, out./dez. 2013
36  Carlos Mário da Silva Velloso

e) existindo, no contrato, cláusula compromissória, haverá, em princípio, a


arbitragem. Em princípio porque, somente com o compromisso arbitral,
lavrado com a instalação da controvérsia, é que terá início o processo
ar­bitral. É com a instalação da controvérsia entre as partes que estas
ficam cientes da matéria que será objeto da arbitragem, o lugar em que
será proferida a sentença arbitral e estarão capacitadas a indicar o árbi­
tro ou os árbitros, técnicos ou expertos no conteúdo da controvérsia.
Mais: é no compromisso arbitral que será fixado o local ou locais onde se
desenvolverá a arbitragem, a autorização para que haja julgamento por
equidade, o prazo para apresentação da sentença arbitral, a indicação
da lei nacional ou das regras corporativas aplicáveis à arbitragem, a
declaração da responsabilidade pelo pagamento dos honorários e das
despesas com a arbitragem e a fixação dos honorários do árbitro, ou dos
árbitros. É o que ressai da interpretação harmônica dos artigos 7º, 9º, 10
e 11 da Lei de Arbitragem, Lei nº 9.307, de 1996, a indicar que, sem o
compromisso arbitral não poderá haver arbitragem. E se esta se realizar,
sem o citado compromisso, a sentença arbitral dela decorrente será nula.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Arbitragem: indispensabilidade do compromisso arbitral.


Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 11-36,
out./dez. 2013.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 11-36, out./dez. 2013
Uniformização de jurisprudência – Prós e
contras
José Maria Rosa Tesheiner
Desembargador aposentado do TJRS.
Professor de Direito Processual Civil na PUCRS.

Daniele Viafore
Mestra em Direito Processual Civil pela PUCRS.
Especialista em Direito Processual Civil pela PUCRS e pela
Faculdade IDC-RS. Graduada pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul. Advogada do Escritório Cabanellos Schuh.

Resumo: O presente estudo tem o objetivo de traçar breves considerações


acerca dos pontos favoráveis e desfavoráveis da uniformização da jurispru­
dência. Procura-se investigar a relevância e a eficácia dos mecanismos vigentes
para uniformização da jurisprudência no atual Estado Democrático de Direito,
as propostas inovadoras do Projeto de novo Código de Processo Civil e os
possíveis riscos decorrentes de uma padronização decisória indevida.

Palavras-chave: Uniformização de jurisprudência. Código de Processo Civil.


Projeto de Lei nº 8.046/2010. Padronização decisória indevida.

Sumário: Introdução – 1 A uniformização de jurisprudência no Direito pátrio


– 2 As propostas inovadoras do Projeto de novo CPC – 3 Prós e contras da bus­
ca pela uniformização da jurisprudência – Considerações finais – Refe­rências

Introdução
Objeto deste ensaio são os prós e contras da uniformização de jurisprudência,
ideia que envolve a busca algo artificial da uniformidade das decisões dos tribunais
ao se pronunciarem sobre questões de direito.
Há quem sustente que a uniformização de jurisprudência torna mais ágil a
justiça, com o impedimento da multiplicação de demandas sobre o mesmo tema
ou com o encerramento de múltiplas demandas, no percurso dos vários graus de
justiça.1 Trata-se de preservar e garantir valores muito prezados em nosso Direito:
a segurança e a previsibilidade.

ROSAS. Segurança jurídica: efetividade: jurisprudência. Revista de Informação Legislativa, p. 219.


1

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 37-67, out./dez. 2013
38  José Maria Rosa Tesheiner, Daniele Viafore

Afirma-se, em sentido contrário, que não se deve engessar o sistema jurídico


nem violar o princípio do livre convencimento do magistrado, já limitado pelo
dever de motivação, estancando a evolução natural do Direito.

1  A uniformização de jurisprudência no Direito pátrio


Jurisprudência, no Direito Romano, era expressão que designava a ciência
do Direito, envolvendo o conhecimento das coisas divinas e humanas; do justo e
do injusto.
A palavra, composta de juris + prudentia, evoca também os pareceres então
dados pelos jurisconsultos.
Num sentido mais restrito e atual, Rodolfo de Camargo Mancuso define
jurisprudência como a massa das decisões sobre uma determinada “quaestio juris”,
qualificada pela reiteração, mais ou menos pronunciada, de uma certa exegese.2
Trata-se da interpretação dada pelos tribunais do Direito legislado.3 É “o complexo
de decisões reiteradas, acerca de determinada matéria, pronunciadas por órgãos
colegiados do Poder Judiciário, no efetivo exercício da atividade jurisdicional”.4
Apenas os acórdãos,5 decisões de órgãos colegiados de segundo grau, ge­
ram jurisprudência. Excluem-se, pois, as decisões monocráticas.
Roberto Rosas distingue os conceitos de precedente, súmula e jurispru­
dência. Precedente é uma decisão anterior, persuasiva para decisões futuras. Não
é compulsória; apenas norteia o futuro julgador. A súmula reflete a jurisprudência
de um tribunal ou de uma seção especializada autorizada a emitir a consolidação.6
A jurisprudência é revelação do direito que se processa com o exercício da juris­
dição, pela sucessão harmônica de decisões dos tribunais.
Segundo Alfredo Buzaid, a necessidade de uniformizar a jurisprudência para
se evitar decisões contraditórias surgiu há vários séculos, utilizando-se a figura do
assento, que era um ato do Poder Judiciário consistente em dar à lei interpretação
autêntica. Pelo assento não se julgava um caso concreto, mas se determinava o
entendimento da lei, quando a seu respeito ocorriam divergências manifestadas
em sentenças.7

2
MANCUSO. Incidente de uniformização de jurisprudência, p. 3.
3
SANCHES. Uniformização da jurisprudência, p. 1.
4
FERRO. A jurisprudência como forma da expressão do direito. Revista de Direito Civil, p. 90.
5
O art. 163 do Código de Processo Civil dispõe: “Recebe a denominação de acórdão o julgamento
proferido pelos tribunais”.
6
Segurança jurídica: efetividade: jurisprudência. Revista de Informação Legislativa, p. 215-220.
7
Uniformização de jurisprudência. Revista de Doutrina e Jurisprudência, p. 17.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 37-67, out./dez. 2013
Uniformização de jurisprudência – Prós e contras  39

Pontes de Miranda observa que uma técnica para afastar os males da


contradição entre julgados é buscada, no Brasil, de longa data, antes mesmo do
Código de Processo Civil de 1939.

Na república, o Estado de Minas Gerais tentara, em 1891, novo julgamento


de decisão divergente, transmitindo-se ao Poder legislativo o resultado,
para que levasse em conta a necessidade de se prover, com mais clareza,
à espécie. Mas é em 1923 que o Distrito Federal, por sugestão de Crisólito
de Gusmão, inicia um sistema mais complexo de prejulgados e de revistas.
Em 1926, dá-se-lhes golpe mortal. Em 1930, volve-se ao prejulgado,
em 1932, à revista. O Código do Processo civil e comercial de S. Paulo
representa experiência mais segura, de que se aproveitou o legislador de
1939.8

Nas últimas décadas, tem-se buscado ademais um instrumento apto a resol­


ver os litígios massificados, com a presença constante de certos litigantes e com
os mesmos fundamentos.
A explosão da litigiosidade levou à criação de métodos de tratamento cole­
tivo de questões comuns,9 para conferir uniformidade e celeridade ao processo e
para evitar o abarrotamento do Judiciário.
Para que o volume de ações judiciais envolvendo temas repetitivos não re­
presente fator de empecilho à qualidade e ao bom fluxo da atividade jurisdicional,
faz-se imperativo prestigiar mecanismos que evitem o dispêndio de atenção e de
recursos com controvérsias que já tiveram a complexidade esmaecida.10
Teresa Arruda Alvim afirma que os órgãos jurisdicionais devem se preo­
cupar com a estabilidade de suas decisões e orientações, pois quanto maior o
descompasso entre a decisão proferida e a jurisprudência oriunda do tribunal
que lhe seja superior e quanto maior a controvérsia existente a respeito de um
determinado tema na jurisprudência, mais motivos terão as partes para recorrer.11
A necessidade de implementação de um tratamento uniforme para casos
idênticos é detectada por magistrados.12

8
Embargos, prejulgado e revista no direito processual brasileiro..., p. 166.
9
PINTO. Técnicas de tratamento macromolecular dos litígios: tendência de coletivização da tutela
processual civil. Revista de Processo, p. 114.
10
GOMES. Mecanismos processuais para agilização do julgamento de macrolides. In: JORNADA DE
PLANEJAMENTO E GESTÃO, p. 80.
11
Os agravos no CPC brasileiro, p. 101.
12
Neste sentido, destaca-se a decisão proferida, em 09 de dezembro de 2011, pelo Juiz de Direito
Sylvio José Costa da Silva Tavares, da Primeira Vara Cível do Foro Central da Comarca de Porto
Alegre/RS, no Processo nº 001/1.11.0247205-1: “Até hoje, nota-se a discrepância de entendimentos

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 37-67, out./dez. 2013
40  José Maria Rosa Tesheiner, Daniele Viafore

Guilherme Rizzo Amaral assevera que a ausência de um julgamento con­


centrado das causas nos julgamentos das ações de massa atinge diretamente a
segurança jurídica:

nos julgamentos das ações de massa, surge talvez a pior consequência


para a segurança jurídica: a ausência de um julgamento concentrado
das causas torna absolutamente imprevisível a sua solução. Cada juiz,
uma sentença. Com isso os demandantes e demandados voltam a sua
atenção e as suas súplicas para Brasília, cada um por si só, porém num
“comportamento de manada”, esperando que no dia e no órgão juris­di­
cional em que o seu recurso for julgado sejam eles premiados pela sorte.13

A uniformização da jurisprudência busca diminuir o risco da absurda “jus­


tiça lotérica”,14 incoerente, dependente da sorte e não da técnica, marcada pela
falta de previsibilidade. Nestas situações, diz Paulo Calmon Nogueira da Gama,
“a discricionariedade se transforma em arbítrio e a iniqüidade detectada objeti­
vamente, no mais das vezes, ambienta subjetivismos, favorecimentos ou discri­
minações inconfessos”.15
Diante do grande número de ações repetitivas, José Francisco Pellegrini
afirma que não devem os julgamentos oscilar como “birutas ao vento”, ora apon­
tando numa direção, ora noutra. É preciso viabilizar a jurisdição, e ela não se viabi­
liza pela manutenção de pontos de vistas minoritários, que só ensejam maior
delonga processual.16

e critérios a revelar o despreparo do Poder Judiciário para enfrentamento da questão. Digo isso,
pois não posso mais compactuar com o fato de que para situações idênticas, envolvendo contra-
tos com a mesma data de integralização, mesmo valor de integralização, mesmo valor de cotação
da ação e mesmo número de ações emitidas, possa haver repercussão patrimonial tão discrepan-
te como se verifica no dia-a-dia forense, destacando-se o caso em que o valor pretendido a título
de indenização chegou ao montante de R$2.500.000,00 nos autos da 001/1/08.0269618-3. Um
verdadeiro absurdo” (RIO GRANDE DO SUL. 1ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de Porto
Alegre. Processo nº 001/1.11.0247205-1. Brasil Telecom S.A. e Manira Abrahao Noro. Julgador: Juiz
de Direito Sylvio José Costa da Silva Tavares. Julgado em: 09.12.2011. Publicado em: 13 dez. 2011,
nota de expediente nº 3187/2011).
13
Efetividade, segurança, massificação e a proposta de um “incidente de resolução de demandas
repetitivas”. Revista de Processo, p. 251-252.
14
A expressão “justiça lotérica” é utilizada por Paulo Calmon Nogueira da Gama (A referência expressa
ao autoprecedente como instrumento de coerência, equidade, transparência e racionalização nas
manifestações do Parquet).
15
A referência expressa ao autoprecedente como instrumento de coerência, equidade, transparência
e racionalização nas manifestações do Parquet.
16
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. 19ª Câmara Cível. Apelação Cível nº 70006399166. Rel.
José Francisco Pellegrini, j. 17.06.2003.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 37-67, out./dez. 2013
Uniformização de jurisprudência – Prós e contras  41

O próprio Judiciário, diz Sérgio Cruz Arenhart, é responsável pelo acúmulo


de feito, em razão da flagrante contradição de decisões a respeito do mesmo
assunto.17
Há, no ordenamento jurídico brasileiro, vários instrumentos destinados a
tornar uniforme o entendimento dos tribunais, divididos por Márcia Lusa Cadore
Weber em duas grandes categorias: os constitucionais, previstos na Constituição
Federal, ainda que seu detalhamento possa constar na legislação ordinária, e os
infraconstitucionais, estabelecidos pela legislação ordinária.18
Segue-se breve análise dos instrumentos de uniformização de jurisprudência
vigentes na atualidade: o incidente de uniformização de jurisprudência (art. 476,
CPC), a súmula vinculante (art. 103-A, CF), a repercussão geral no STF (arts. 543-A
e 543-B, CPC) e os recursos repetitivos (art. 543-C, CPC).

1.1  Incidente de uniformização de jurisprudência


Em busca da uniformização da jurisprudência interna nos tribunais, o atual
Código de Processo Civil prevê, no art. 476,19 o incidente de uniformização de
jurisprudência.
Luiz Rodrigues Wambier ensina que “a uniformização de jurisprudência é um
expediente que tem por objetivo evitar a desarmonia de interpretação de teses
jurídicas, uniformizando, assim, a jurisprudência interna dos tribunais”.20
Luciano Marinho Filho observa que o incidente de uniformização de juris­
prudência provém do “prejulgado” do Código de Processo Civil de 1939 (art. 861),
juntamente com o “recurso de revista”, hoje substituídos respectivamente pelo
incidente de uniformização de jurisprudência e pelos “embargos de divergência”.21

17
A tutela de direitos individuais homogêneos e as demandas ressarcitórias em pecúnia. In:
GRINOVER et al. (Coord.). Direito processual coletivo e anteprojeto de Código de Brasileiro de
Processos Coletivos, p. 217.
18
Súmula vinculante e uniformização de jurisprudência, p. 144.
19
O art. 476 do Código de Processo Civil dispõe: “Compete a qualquer juiz, ao dar o voto na
turma, câmara, ou grupo de câmaras, solicitar o pronunciamento prévio do tribunal acerca da
interpretação do direito quando: I - verificar que, a seu respeito, ocorre divergência; II - no julga­
mento recorrido a interpretação for diversa da que lhe haja dado outra turma, câmara, grupo de
câmaras ou câmaras cíveis reunidas. Parágrafo único. A parte poderá, ao arrazoar o recurso ou
em petição avulsa, requerer, fundamentadamente, que o julgamento obedeça ao disposto neste
artigo”.
20
Curso avançado de processo civil, v. 1, p. 242.
21
Breves comentários aos embargos de divergência e aos incidentes de uniformização de juris­pru­
dência no direito processual brasileiro. Revista Dialética de Direito Processual – RDDP, p. 52.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 37-67, out./dez. 2013
42  José Maria Rosa Tesheiner, Daniele Viafore

A uniformização de jurisprudência é regulada pelos arts. 476 a 479 do


Código de Processo Civil. Não se trata de recurso, mas de incidente processual
de caráter preventivo para evitar a divergência na aplicação do direito em tese.22
No incidente de uniformização de jurisprudência nada se julga, apenas firma-
se a tese jurídica. Não se postula a reforma de qualquer decisão. São pressupostos
para sua instauração: a) a existência de um julgamento em curso, perante órgão
fracionário de um tribunal; b) divergência acerca de tese aplicável; e c) que dela
dependa a solução, total ou parcial, do julgamento.23
Têm legitimidade para a suscitação do incidente as partes, o recorrente (ainda
que como terceiro prejudicado) e o recorrido, sem prejuízo da competência para
suscitação que detém qualquer magistrado que vota no julgamento no âmbito
do órgão colegiado.24 A norma refere “qualquer juiz” com competência “para dar o
voto na turma, câmara ou grupo de câmaras”. Pode o Ministério Público, seja como
parte, seja como custos legis, postular a instauração do incidente, dado o evidente
interesse público existente na uniformização.25
O incidente pode ser suscitado nas razões ou contrarrazões de recurso, em
sustentação oral, em petição avulsa ou no curso do julgamento originário se este
for suscitado por qualquer dos julgadores.26
O pleito de instauração do incidente será necessariamente submetido ao
colegiado competente para o julgamento. Reconhecida a divergência, em decisão
fundamentada e irrecorrível, a qual constará de acórdão, haverá a suspensão do
julgamento no qual suscitado o incidente.27
Uma vez fixada a tese jurídica pelo tribunal, a decisão que apreciou o inci­
dente tem efeito vinculante em relação à demanda na qual o incidente foi provo­
cado, não podendo, portanto, Câmara, Turma, Grupo de Câmaras ou Câmaras
Reunidas deixarem de considerar a tese jurídica vencedora no caso concreto que
ensejou o incidente.28
Nem sempre a uniformização de jurisprudência importa em edição de sú­
mula. Para isso, nos termos do art. 479 do CPC, é preciso que a decisão seja tomada
por maioria absoluta do órgão fracionário respectivo.29

22
PORTO. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 6, p. 246.
23
PORTO. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 6, p. 248.
24
WEBER. Súmula vinculante e uniformização de jurisprudência, p. 236.
25
SIFUENTES. Súmula vinculante, p. 240.
26
PORTO. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 6, p. 247.
27
WEBER. Súmula vinculante e uniformização de jurisprudência, p. 236.
28
PORTO. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 6, p. 247.
29
WEBER. Súmula vinculante e uniformização de jurisprudência, p. 237.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 37-67, out./dez. 2013
Uniformização de jurisprudência – Prós e contras  43

Esse mecanismo, observa Eduardo Henrique de Oliveira Yoshikawa, “desde


a promulgação do Código Buzaid não logrou atingir os resultados que dele
poderiam ser esperados”.30
Bernardo Pimentel Souza observa que o incidente de uniformização de juris­
prudência não atingiu o seu objetivo. O instituto raramente é acionado na prática
judiciária, apesar das inúmeras controvérsias jurídicas verificadas diariamente nos
tribunais pátrios.“Sem dúvida, a orientação prevalecente de que não há necessidade
de instauração do incidente, mesmo quando reconhecida a divergência, baldou o
instituto. Tal orientação jurisprudencial trouxe danos irreparáveis ao instituto da
uniformização, o qual, à evidência, não cumpre a missão conferida pelo legislador”.31

1.2  Súmula vinculante


A súmula vinculante, introduzida na Constituição Federal pela Emenda Cons­
titucional nº 45/2004, surgiu como filtro, com o objetivo de diminuir a sobrecarga
do Supremo Tribunal Federal.
Humberto Theodoro Júnior afirma que ela tem por finalidade a prevalência
da vontade constitucional legitimamente definida e redução da duração dos
processos nas instâncias inferiores.32
O mecanismo técnico-jurisprudencial denominado súmula, ou mais preci­
samente de enunciado da súmula de jurisprudência, foi concebido nos anos 1960
pelo Ministro do STF Vítor Nunes Leal, com a finalidade de agilizar os julgamentos
e de tornar mais acessíveis à sociedade os entendimentos consolidados daquela
Corte sobre determinadas questões jurídicas.33
Observa Paulo Roberto Soares Mendonça que a atribuição de efeito vincu­
lante a certas decisões oriundas do Supremo Tribunal Federal é algo que já se
verifica há algum tempo no Direito pátrio, residindo a novidade na atribuição de
tal efeito a entendimentos jurisprudenciais consolidados a partir do julgamento
de casos concretos.34

30
O incidente de resolução de demandas repetitivas no novo Código de Processo Civil: comen­
tários aos arts. 930 a 941 do PL 8.046/2010. Revista de Processo, p. 245.
31
Da uniformização da jurisprudência. O Direito em Movimento – Revista do Instituto Capixaba de
Estudos, p. 64.
32
THEODORO JÚNIOR. Repercussão geral no recurso extraordinário: Lei nº 11.418, e súmula vin­
culante do Supremo Tribunal Federal, Lei nº 11.417. Revista Magister – Direito Civil e Processual
Civil, p. 6.
33
MENDONÇA. A súmula vinculante como fonte hermenêutica de direito. Interesse Público – IP, p. 173.
34
A súmula vinculante como fonte hermenêutica de direito. Interesse Público – IP, p. 172-173.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 37-67, out./dez. 2013
44  José Maria Rosa Tesheiner, Daniele Viafore

A súmula vinculante, diz Roberto Rosas, “torna mais ágil a justiça, sobre o
mesmo tema, com impedimento de multiplicação de demandas, ou encerramento
de múltiplas demandas, no percurso dos vários graus de justiça”.35
A súmula vinculante foi regulamentada pela Lei nº 11.417/2006, que cuidou
da disciplina da edição, revisão e cancelamento de enunciado de súmula vincu­
lante pelo STF.
A Lei nº 11.417/2006 faculta ao Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária,
por decisão tomada por dois terços de seus membros, depois de reiteradas de­
cisões em matéria constitucional,36 de ofício ou por provocação, editar, revisar ou
cancelar súmula vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e da Admi­
nistração Pública direta e indireta.
O objetivo da súmula é a interpretação e eficácia de normas cuja controvérsia
atual acarrete insegurança jurídica e proliferação de processos idênticos.
Na lição de Rodolfo de Camargo Mancuso, “a ideia-força da súmula vinculante
trifurca-se nos objetivos de (a) conferir previsibilidade às decisões, (b) assegurar
tratamento isonômico aos jurisdicionados e administrados e (c) operar como
filtro ou elemento de contenção de ações e recursos, abreviando, outrossim, o
rito daquelas e destes já em curso”.37
A súmula vinculante tem eficácia imediata, mas o Supremo Tribunal Federal,
por decisão de dois terços de seus membros, pode restringir os efeitos vincu­
lantes ou decidir que tenha eficácia a partir de outro momento, tendo em vista a
segurança jurídica ou excepcional interesse público.
Proposta a edição, revisão ou cancelamento das súmulas vinculantes há sus­
pensão dos processos em andamento que analisem a mesma questão.
Cabe reclamação da decisão judicial ou ato administrativo que contrarie
ou negue vigência à súmula vinculante, consoante dispõe o art. 103-A, §3º, da
Constituição Federal.38
A súmula vinculante tem efeito erga omnes, o que “estreita sua ligação com
os princípios da celeridade e da efetividade, gerando barreira quase ins­trans­poní­-
vel para ações improcedentes em primeiro grau e para recursos con­trários a sua

35
Segurança jurídica: efetividade: jurisprudência. Revista de Informação Legislativa, p. 219.
36
O art. 103-A, caput, da Constituição Federal de 1988, repetido no art. 2º da Lei nº 11.417/2006,
exige “reiteradas decisões sobre matéria constitucional”.
37
Divergência jurisprudencial e súmula vinculante, p. 425.
38
O art. 103-A, §3º, da Constituição Federal dispõe: “§3º Do ato administrativo ou decisão judicial
que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo
Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão
judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula,
conforme o caso”.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 37-67, out./dez. 2013
Uniformização de jurisprudência – Prós e contras  45

orientação perante os Tribunais, pela aplicação das ferramentas previstas no


art. 285-A, no parágrafo 1º do art. 518 e no art. 557, caput e parágrafo 1º-A do
CPC”.39
Há conteúdo compulsório na súmula vinculante e, portanto, a obediência a
essas decisões, por todos os níveis.40 José Joaquim Calmon de Passos afirma que
“pouco importa o nome de que elas se revistam — súmulas, súmulas vinculantes,
jurisprudência predominante ou o que for, obrigam”.41
No dizer de Márcia Regina Lusa Cadore Weber, “é na edição das súmulas
vinculantes que se poderá obter a síntese entre a uniformidade da aplicação das
leis e o da criação jurisprudencial de normas jurídicas”.42
A súmula vinculante contribui para a uniformização da jurisprudência e fa­
cilita o trabalho dos juízes. Segundo Gilmar Mendes, “graças à aplicação de insti­
tutos como a repercussão geral e a súmula vinculante, o tribunal reduziu em quase
40% o número de processos distribuídos para os ministros em relação a 2008”.43

1.3  Repercussão geral no STF


O recurso extraordinário encontra-se previsto no art. 496, VII, do Código de
Processo Civil de 197344 e no art. 102, III, da Constituição Federal de 1988.45
Foi introduzido pela Constituição Republicana de 1891 e encontra raízes
históricas no writ of error do Direito norte-americano.46 Tem por missão propiciar à
Corte Suprema meio de exercer seu encargo de guardiã da Constituição, fazendo
com que seus preceitos sejam corretamente interpretados e fielmente aplicados.47

39
PINTO. Técnicas de tratamento macromolecular dos litígios: tendência de coletivização da tutela
processual civil. Revista de Processo, p. 120.
40
ROSAS. Segurança jurídica: efetividade: jurisprudência. Revista de Informação Legislativa, p. 218.
41
Súmula vinculante. Revista do Tribunal Federal da 1ª Região, p. 163.
42
Súmula vinculante e uniformização de jurisprudência, p. 141.
43
Controle ampliado. Anuário da Justiça, p. 41.
44
“Art. 496. São cabíveis os seguintes recursos: [...] VII - recurso extraordinário”.
45
O art. 102, III, da Constituição Federal dispõe: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, preci­pua­
mente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: [...] III - julgar, mediante recurso extraordinário, as
causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal”.
46
MOREIRA. Comentários ao Código de Processo Civil: Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, p. 577.
47
Repercussão geral no recurso extraordinário: Lei nº 11.418, e súmula vinculante do Supremo
Tribunal Federal, Lei nº 11.417. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, p. 80.

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46  José Maria Rosa Tesheiner, Daniele Viafore

Diz Humberto Theodoro Júnior que o recurso extraordinário nunca teve a


função de proporcionar ao litigante inconformado com o resultado do processo
uma “terceira instância” revisora da injustiça acaso cometida nas instâncias ordi­
nárias. Toca ao Supremo Tribunal Federal, por via dos julgamentos dos recursos
extraordinários, realizar a autoridade e supremacia da Constituição.48
Sucedeu que, por conta da falta de filtragem da relevância do recurso
extra­ordinário, o Supremo Tribunal Federal passou a acumular anualmente um
exces­sivo número de recursos, desnaturando por completo seu verdadeiro papel
insti­tucional, de modo a impedir que questões de verdadeira dimensão pública
pudessem merecer a apreciação detida e ponderada exigível de uma autêntica
Corte Constitucional.49
Por isso, a Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, intro­
duziu importante requisito para a admissibilidade do recurso extraordinário.50
O objetivo é possibilitar que o Supremo Tribunal Federal selecione os re­
cursos extraordinários que irá analisar, de acordo com critérios de relevância jurí­
dica, política, social ou econômica.51 Visa, ainda, a outorgar ao Supremo Tribunal
Federal as condições necessárias para que bem exerça sua função de órgão de
cúpula, consistindo em instrumento de controle de acesso à Corte Constitucional,
de modo a coibir a indevida ordinarização da instância extraordinária e reforçar
o papel do recurso extraordinário como instrumento de defesa da Constituição
Federal.52
Trata-se de expediente que visa, ao mesmo tempo, a concretizar o valor de
igualdade e patrocinar sanável economia processual, racionalizando a atividade
judicial sobre contribuir para a realização da unidade do Direito em nosso Estado
Constitucional.53

48
Ibidem, p. 80.
49
Sobre a falta de filtragem da relevância do recurso extraordinário, Humberto Theodoro Júnior
aponta que “O problema é antigo e universal. A Constituição anterior enfrentou por meio do me­
canismo então denominado ‘argüição de relevância’. Por se tratar de remédio concebido durante
a ditadura militar, a reconstitucionalização democrática do país, levada a efeito pela Carta de
1988, a repeliu por completo, ao invés de aprimorá-la ou substituí-la por outro meio de controle
que desempenhasse a mesma função mas de maneira mais adequada ao Estado Democrático
de Direito” (Repercussão geral no recurso extraordinário: Lei nº 11.418, e súmula vinculante do
Supremo Tribunal Federal, Lei nº 11.417. Revista Magister – Direito Civil e Processual Civil, p. 81).
50
Cabe referir que a EC nº 45/2004 também consagrou nova hipótese de cabimento do recurso
extraordinário, acrescendo uma nova alínea ao art. 102, III, da CF/88: “d) julgar válida lei local
contestada em face de lei federal”.
51
MOREIRA. A Emenda Constitucional 45/2004 e o processo. Revista de Processo, p. 240.
52
AZEM. Repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário, f. 119.
53
MARINONI; MITIDIERO. Repercussão geral no recurso extraordinário, p. 17.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 37-67, out./dez. 2013
Uniformização de jurisprudência – Prós e contras  47

Assim, o recorrente, além de fundamentar o seu recurso em alguma das


hipóteses do art. 102, III, da Constituição Federal, terá que demonstrar a reper­
cussão geral da questão. O requisito é examinado somente se positivo o juízo
sobre a presença dos demais pressupostos de admissibilidade do recurso.54
Regulamentando o §3o do art. 102 da Constituição Federal, a Lei nº 11.418,
de 2006, acrescentou os arts. 543-A e 543-B ao Código de Processo Civil de 1973.
O art. 543-A estabelece que, para efeito da repercussão geral, deve ser con­
siderada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico,
político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.
O art. 543-B regula o trâmite da multiplicidade de recursos extraordinários
pendentes, envolvendo controvérsia com fundamentos idênticos. Relega para o
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal a análise da repercussão geral.
A decisão sobre a repercussão geral, positiva ou negativa, é irrecorrível
(art. 543-A, caput).55 É possível, entretanto, a interposição de embargos decla­
ratórios, nas hipóteses de omissão, obscuridade ou contradição, uma vez que, por
imperativo constitucional, a decisão sobre a repercussão geral deverá ser pública
e motivada.
O texto constitucional não conceitua o que seja repercussão geral. Guilherme
Beux Nassif Azem esclarece que, para estar presente a repercussão geral da questão
constitucional, dois requisitos devem, em regra, vir conjugados: relevância do
ponto de vista econômico, político, social ou jurídico e transcendência (questões
que ultrapassem os interesses subjetivos da causa).56
Daniel Mitidiero e Luiz Guilherme Marinoni ensinam que a repercussão
geral é algo que deve transcender os limites subjetivos da causa, sendo um assun­
to de relevância extrema e que repercute para muitas pessoas ou para diversos
segmentos da sociedade, devendo ser analisado em cada caso concreto, já que
cada situação é diferente da outra, extraindo-se da redação do art. 543, §1º, do
CPC, que foram utilizados conceitos jurídicos indeterminados, o que aponta
imediatamente para a caracterização da relevância e transcendência da questão

54
AZEM. Repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário, f. 92.
55
Para Daniel Mitidiero e Luiz Guilherme Marinoni, do não recebimento do recurso extraordinário
por ausência de repercussão geral caberá a parte recorrente impetrar mandado de segurança
(art. 5º, II, Lei nº 1.533/51). Sustentam que embora existam precedentes do STF que não admitem
mandado de segurança contra ato de seus ministros certo é que a Constituição Federal autoriza
a cogitação de seu cabimento (art. 102, I, “d”), grifando a jurisprudência dessa mesma Corte o
regime de direito estrito dessa previsão, que não admite nem a sua ampliação, nem, tampouco, a
sua restrição (Repercussão geral no recurso extraordinário, p. 57).
56
Repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário, f. 120.

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48  José Maria Rosa Tesheiner, Daniele Viafore

debatida como algo a ser aquilatado em concreto, nesse ou a partir desse ou


daquele caso apresentado ao Supremo Tribunal Federal.57
Para Guilherme Beux Nassif Azem, a instituição de mecanismo de filtragem
para a admissibilidade do recurso extraordinário deu-se em momento oportuno,
tratando-se de medida necessária diante do número de processos submetidos
ao Supremo Tribunal Federal e, se bem utilizado, é possível que gere os efeitos
pretendidos.58
Hamilton Carvalhido, ministro do Superior Tribunal de Justiça, alerta que
“ins­tru­mentos como a repercussão geral não vão fazer cessar a torrente de pro­
cessos, e sim estabelecer o que o Direito decide ou deve decidir naquela questão,
durante aquele período histórico [...]”.59
Ao se exigir a demonstração da repercussão geral no recurso extraordinário,
prestigia-se a uniformização jurisprudencial e afasta-se a “vulgarização do acesso”
ao Supremo Tribunal Federal, não raras vezes instado a se pronunciar sobre
questões absolutamente incompatíveis com a sua função.60

1.4  Recursos repetitivos (art. 543-C, CPC)


Observa Araken de Assis que “um dos fenômenos da sociedade de massas
reside na constituição de numerosos litígios, exibindo ou não uma das partes em
comum, nos quais a controvérsia abrange idêntica questão de direito”. Assim, “para
obter o máximo de eficiência no julgamento de recursos vertidos nessas causas,
e uniformizar rapidamente a solução em proveito comum, a Lei nº 11.672, de
08.05.2008, instituiu regime específico para o procedimento do recurso especial
por intermédio do art. 543-C e parágrafos”.61
O procedimento em referência foi regulamentado pela Resolução nº 08, de
14 de julho de 2008, do Superior Tribunal de Justiça.
Humberto Gomes de Barros, Ministro do Superior Tribunal de Justiça, afirma
que “a Lei nº 11.672/2008 representa uma ‘carta de alforria’ para o Superior Tribunal

57
Repercussão geral no recurso extraordinário, p. 34.
Ibidem, p. 20.
58
Repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário, f. 120.
59
BRASIL. STF. Institucional. Notícias. Filtros processuais não impedem início de ações, diz Ministro
Carvalhido. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.
area=398&tmp.texto=101234&tmp.area_anterior=44&tmp.argumento_pesquisa=quantidadede
processos>. Acesso em: 28 jan. 2012.
60
AZEM. Repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário, f. 120.
61
Manual dos recursos, p. 815.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 37-67, out./dez. 2013
Uniformização de jurisprudência – Prós e contras  49

de Justiça. Em 2007, o tribunal julgou mais de 330 mil processos, dos quais 74%
referiam-se a questões já pacificadas na corte. Esses processos lotam os gabinetes
e dificultam o julgamento de matérias de maior interesse da sociedade”.62
A Lei nº 11.672/2008 inspirou-se no procedimento previsto na Lei nº 11.418/2006,
que criou mecanismo simplificando o julgamento de recursos múltiplos, fundados
em idêntica matéria, no Supremo Tribunal Federal. Não criou propria­mente um
requisito específico de admissibilidade, a exemplo do instituto da repercussão
geral para o recurso extraordinário, mas tratou apenas do proces­sa­mento a ser
observado quando interposto recurso especial na situação particular de ser um de
muitas causas repetitivas.
Segue o modelo de regramento do processo para julgamento dos recursos
extraordinários repetitivos (art. 543-B, CPC). Assim, o tribunal local deverá pro­
ceder à seleção dos recursos que melhor representem as discussões em torno da
questão, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento
definitivo do Superior Tribunal de Justiça (art. 543-C, §1º, CPC), permitindo-se a
intervenção de amicus curiae nesse julgamento (art. 543-C, §4º, CPC).
Para a seleção dos casos representativos da controvérsia,63 o §1º do art. 543-C do
CPC estabelece que serão escolhidos um ou mais recursos sobre a questão de direito
reprisada, em sede de recurso especial, no Judiciário. O §1º do art. 1º da Resolução
nº 08/2008, do STJ, dispõe que serão selecionados ao menos um processo de cada
relator e, dentre esses, os que contiverem maior diversidade de fundamentos no
acórdão e de argumentos no recurso especial.
Da decisão que seleciona determinado recurso, ou que deixa de escolher
outro, não cabe recurso. Observa Araken de Assis, “a errônea seleção não tem re­
médio direto. Resta ao interessado intervir, como amicus curiae, no julgamento”.64
Os recursos representativos sujeitam-se ao crivo da admissibilidade.65
Uma vez julgado o recurso especial selecionado e publicado o acórdão do
Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais, cujos processamentos ficaram
sobrestados na origem (CPC, art. 543-C, §7o).
Para instruir o julgamento por amostragem, o relator poderá solicitar infor­
mações dos tribunais de segunda instância a respeito da controvérsia, que, no
caso, funcionarão como amicus curiae (art. 543-C, §3º, CPC).

62
Lei 11.672/08 vai resgatar o STJ da inviabilidade. Consultor Jurídico.
63
São sinônimos verificados na doutrina pátria precedente paradigmático, recurso paradigma,
recurso-piloto, caso piloto, recurso líder, casos representativos, paciente indicado.
64
Manual dos recursos, p. 816.
65
Ibidem, p. 50.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 37-67, out./dez. 2013
50  José Maria Rosa Tesheiner, Daniele Viafore

Impõe-se, também, a intimação do Ministério Público, para que se manifeste


em quinze dias no procedimento para julgamento do recurso especial por
amostragem (art. 543-C, §5º, CPC).
O não conhecimento dos recursos especiais selecionados não importará,
necessariamente, na inadmissibilidade dos recursos especiais sobrestados.66
No ano de 2010, dados do próprio Superior Tribunal de Justiça dão conta de
julgamento recorde em número de processos. Foram recebidos 214.437 proces-
sos novos e julgados 323.350, fechando o ano com superávit de 108.913 pro-
cessos. Segundo o Ministro Ari Pargendler, tal efeito no número de julgamentos
deu-se em virtude do rito dos recursos repetitivos, previsto desde 2008 no art. 543-C
do CPC.67
A decisão final do recurso representativo ou paradigma vincula os demais
órgãos fracionários que declararão prejudicados os recursos versados em idêntica
controvérsia ou os decidirão aplicando a tese finalmente firmada.
Todos os mecanismos, sejam de filtragem constitucional, ou, ainda, de uni­
for­mização jurisprudencial, privilegiam o princípio da segurança jurídica e da
confiança que deve existir dentro da legítima expectativa do jurisdicional.68

2  As propostas inovadoras do Projeto de novo CPC


Acontecimento processual marcante deste último meio século terá sido,
sem dúvida, o considerável aumento da massa litigiosa. Quando se evoca tal pro­
blema, logo se pensa no crescimento quantitativo do volume das causas, pois as
demandas apresentadas aos tribunais multiplicam-se em condições inquie­tan­
tes: a massa litigiosa não se limitou a aumentar em quantidade: também quali­ta­
tivamente se modificou a fundo. “Eis aí um aspecto em que se pensa bem menos
e que, todavia, merece a maior atenção”.69
Destaca o jurista francês que, no século XIX, os litígios versavam em geral
sobre propriedade de terras. Litigava-se, com frequência, família contra família,

66
AZEM. Repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário, f. 118.
67
BRASIL. STJ. Institucional. Ari Pargendler destaca mais de 323 mil processos julgados pelo STJ em
2010. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&
tmp.texto=100283&tmp.area_anterior=44&tmp.argumento_pesquisa=recursosrepetitivos>.
Acesso em: 30 jul. 2012.
68
LEITE, Gisele Pereira Jorge. A importância dos mecanismos de uniformização de jurisprudência,
incidente de constitucionalidade e da súmula vinculante. Âmbito Jurídico. Disponível em: <http://
www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10068>.
Acesso em: 11 ago. 2013.
69
PERROT. O processo civil francês na véspera do século XXI. Revista Forense, p. 162.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 37-67, out./dez. 2013
Uniformização de jurisprudência – Prós e contras  51

ao longo de várias gerações. Em nossos dias, é diferente o contexto. A maioria


dos processos envolve questões que impregnam nossa vida quotidiana;70 socio­
lo­gicamente, o processo deslocou-se na direção de camadas populacionais de
condições mais modestas, que vivem de seus ganhos e são comumente desig­
nadas por classes médias.71
Uma das maiores causas do esgotamento do Judiciário tem sido o enorme
volume de ações repetitivas, que reproduzem litígios calcados em fatos e funda­
mentos idênticos.72
Observa Ada Pellegrini Grinover que a grande massa de processos que aflige
os tribunais, elevando sobremaneira o número de demandas e atravancando a
admi­nis­tração da justiça, é constituída por causas em que se discutem e se reavi­
vam questões de direito repetitivas.73
O trato das controvérsias objeto de ajuizamento em massa, num ritmo
exponencial, com conteúdo idêntico na essência, passou a exigir o emprego de
medidas que assegurem a presteza e segurança jurídica aos litigantes.74
O Código de Processo Civil de 1973 sofreu diversas alterações legislativas
para lidar com a grande quantidade de processos, bem como para melhorar a
prestação jurisdicional e dar efetividade às demoradas demandas que tramitam
no Poder Judiciário.75 Observa Rodolfo de Camargo Mancuso que, desde o último
quartel do século passado, foi-se reconhecendo a inaptidão do processo civil
clássico para instrumentalizar megacontrovérsias, próprias de uma sociedade
conflitiva.76
Diante da necessidade de um novo regramento processual para as novas
exi­gências do sistema jurídico nacional, a Comissão de juristas encarregada de
elaborar anteprojeto do novo Código de Processo Civil empenhou-se na criação de
um diploma que privilegiasse a simplicidade da linguagem e da ação processual,
a celeridade do processo e a efetividade do resultado da ação.77

70
Ibidem, p. 162.
71
Ibidem, p. 162.
72
PINTO. As ações repetitivas e o novel art. 285-A do CPC (racionalização para as demandas de
massa). Revista de Processo, p. 122.
73
O tratamento dos processos repetitivos. In: JAYME; FARIA; LAUR (Coord.). Processo civil: novas
tendências: estudos em homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior, p. 1.
74
GOMES. Mecanismos processuais para agilização do julgamento de macrolides. In: JORNADA DE
PLANEJAMENTO E GESTÃO, p. 80.
75
ROSSONI. O “incidente de resolução de demandas repetitivas” e a introdução do Group Litigation no
Direito Brasileiro: avanço ou retrocesso?. Páginas de Direito.
76
A resolução de conflitos e a função judicial no contemporâneo Estado de Direito, p. 379-380.
77
BRASIL. Anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Comissão de Juristas Responsável pela
elaboração do anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, 2010. p. 5.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 37-67, out./dez. 2013
52  José Maria Rosa Tesheiner, Daniele Viafore

No ambiente composto por demandas massificadas, visando a obter maior


racionalidade e uniformidade para as causas repetitivas, a Comissão propôs um
incidente de resolução de demandas repetitivas e os precedentes vinculantes.78
A análise do incidente de resolução de demandas repetitivas e dos prece­
dentes vinculantes feita aqui tem por base a redação contida especificamente no
Projeto de Lei da Câmara de Deputados nº 8.046/2010, disponível no sítio da Câ­
mara dos Deputados.79 Tendo em vista que durante a tramitação do Projeto na
Câmara de Deputados pode ocorrer a alteração do número de vários artigos, bem
como visando a evitar dificuldades de remissão, ao longo do presente trabalho
far-se-á referência apenas ao conteúdo dos dispositivos.80

2.1  Incidente de resolução de demandas repetitivas


Disse o Ministro Luiz Fux:

A Comissão [...] empenhou-se na criação de um novo código erigindo


instrumentos capazes de reduzir o número de demandas e recursos que
tramitam pelo Poder Judiciário.
Esse desígnio restou perseguido, resultando do mesmo a instituição de
um incidente de coletivização dos denominados litígios de massa, o qual
evitará a multiplicação das demandas, na medida em que suscitado o
mesmo pelo juiz diante, numa causa representativa de milhares de outras
idênticas quanto à pretensão nelas encartada, imporá a suspensão de
todas, habilitando o magistrado na ação coletiva, dotada de amplíssima
defesa, com todos os recursos previstos nas leis processuais, proferir uma
decisão com amplo espectro, definindo o direito controvertido de tantos
quantos se encontram na mesma situação jurídica, plasmando uma
decisão consagradora do principio da isonomia constitucional.81

Observam Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero que, rigorosamente,


o incidente de resolução de demandas repetitivas constitui, na essência, um inci­
dente de uniformização de jurisprudência com caráter vinculante, possibilitando

78
CUNHA. Anotações sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas previsto no projeto do
novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, p. 259.
79
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projetos de leis e outras proposições. Projeto de Lei nº 8046/2010,
apresentado em 22 dez. 2010, pelo Senado Federal. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/
proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490267>. Acesso em: 06 ago. 2012.
80
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projetos de leis e outras proposições. Projeto de Lei nº 8046/2010,
apresentado em 22 dez. 2010, pelo Senado Federal. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/
proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490267>. Acesso em: 06 ago. 2012.
81
Ibidem, p. 21-23.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 37-67, out./dez. 2013
Uniformização de jurisprudência – Prós e contras  53

a suspensão dos casos análogos, de participação da sociedade civil em geral no


seu julgamento e de reclamação pela inobservância da autoridade do precedente
firmado. “Sua previsão foi uma das razões pelas quais o Projeto propôs a supressão
do incidente de uniformização de jurisprudência”.82
O incidente de coletivização dos litígios de massa teve como berço o mo­
delo alemão de resolução de ações seriadas — mustervefahren, mas com feição
própria.83
Anote-se que o Direito brasileiro não é totalmente alheio a procedimentos
como o musterverfahren alemão. O Conselho Federal da OAB observa que a cria­
ção do incidente de resolução de demandas repetitivas, embora seja instituto
comple­tamente novo no ordenamento jurídico brasileiro, parte da experiência
já realizada com a criação do julgamento de recursos repetitivos no Superior Tri­
bunal de Justiça, previsto no art. 543-C do atual Código de Processo Civil.84
O incidente de resolução de demandas repetitivas será instrumento capaz
de dar tratamento célere aos litígios de massa envolvendo a mesma questão de
direito, com identidade de solução. Podem-se destacar a “redução de processos”,
a “celeridade” e a “uniformidade” como principais metas a serem atingidas.
São requisitos para instauração do incidente a existência de questão de di­reito
com potencial de gerar relevante multiplicação de processos e capaz de gerar grave
insegurança jurídica proveniente da existência de decisões divergentes.85 Soma-se
aos requisitos para instauração do incidente projetado a análise de conveniência
por parte do tribunal local.
Recebido o pedido de instauração do incidente pelo presidente do tribunal
competente, será distribuído a um relator, que, no despacho de recebimento,
determinará providências para ampla divulgação e publicidade do pedido, entre
as quais, obrigatoriamente, o registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça
(CNJ).

82
O projeto do CPC: críticas e propostas, p. 178.
83
COSTA. As luzes e sombras do incidente de resolução de demandas seriadas no novo projeto do
Código de Processo Civil. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, p. 46.
84
BRASIL. Ofício nº 2873/2011-GPR. 28 nov. 2011. OAB. Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil. Comissão Especial de Reforma do Código de Processo Civil. Ofício apresentado ao
Deputado Federal Sérgio Barradas Carneiro em relação ao Projeto de Lei nº 8.046/2010.
85
No que tange à questão de direito, Teresa Arruda Alvim entende que “É praticamente impossível
haver matéria unicamente de direito, sendo que toda postulação em juízo é sustentada por
fatos. O que se pode afirmar é que determinada questão é predominantemente de fato ou
predominantemente de direito” (Distinção entre questão de fato e questão de direito para fins de
cabimento de recurso especial. Ajuris).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 37-67, out./dez. 2013
54  José Maria Rosa Tesheiner, Daniele Viafore

Têm legitimidade para realizar provocar a instauração do incidente o juiz ou


o relator, de ofício, as partes, associação civil, o Ministério Público e a Defensoria
Pública.
A competência para admitir, processar e julgar o incidente é do plenário do
tribunal ou, onde houver, do órgão especial do tribunal local ou regional.
Admitido o incidente, o presidente do tribunal competente determinará,
na própria sessão, a suspensão dos processos pendentes em primeiro e segundo
graus de jurisdição.
Afirmam Andrea Carla Barbosa e Diego Martinez Fervenza Cantoario que o
sentido a retirar do texto do Projeto de Lei nº 8.046/2010 é o de que, na pendência
do incidente, os processos individuais não se suspendem, antes prosseguem a
sua marcha. Os desenvolvimentos processuais individuais dependentes da prá­
tica do ato conjunto (ditos subordinados) e só estes é que aguardarão pela sua
conclusão. Os demais podem e devem ser praticados por cada juiz em cada um
dos processos.86
Eduardo Henrique de Oliveira Yoshikawa sustenta que a suspensão dos pro­
cessos mostra-se adequada a assegurar a aplicação oportuna da tese que vier a ser
consagrada pelo tribunal e não acarreta, aparentemente, maiores inconvenientes,
ante a previsão de um prazo máximo para o julgamento do incidente.87
Qualquer das partes, o Ministério Público e o terceiro interessado poderão
interpor recurso especial ou extraordinário da decisão proferida no incidente.
O Projeto de Lei nº 8.046/2010 não prevê qualquer regulamentação quanto
à distribuição das custas e pagamento de honorários advocatícios no incidente de
resolução de demandas repetitivas. Atentando-se para o fato de que a proposta
de incidente em análise é voltada à uniformização em si, isto é, ao interesse público
concernente a evitar decisões conflitantes sobre a mesma questão de direito,
constata-se que não há vencido ou vencedor a ensejar a responsabilização pelas
despesas processuais.
Como os efeitos da decisão proferida no incidente não se restringem aos
autos nos quais foi proferida — opera para os processos futuros que venham a

86
O incidente de resolução de demandas repetitivas no projeto de Código de Processo Civil: apon­
tamentos iniciais. In: FUX (Coord.). O novo Processo Civil Brasileiro (direito em expectativa): reflexões
acerca do Projeto do novo Código de Processo Civil, p. 511.
87
O incidente de resolução de demandas repetitivas no novo Código de Processo Civil: comen­
tários aos arts. 930 a 941 do PL 8.046/2010. Revista de Processo, p. 258.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 37-67, out./dez. 2013
Uniformização de jurisprudência – Prós e contras  55

abordar a mesma matéria jurídica objeto do incidente (efeito prospectivo), vê-se


que o incidente terá efeitos de um precedente judicial vinculante com eficácia
erga omnes.88
Júlio Cesar Goulart Lanes observa que o incidente de resolução de demandas
repetitivas, se aprovado, não irá desafogar o Poder Judiciário, pois não impede o
ingresso de novas ações e não afasta o consequente julgamento, embora simples,
de milhares de causas.89
No mesmo sentido, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero afirmam:

É bem intencionada sua previsão, na medida em que visa a promover


a segurança jurídica, a confiança legítima, a igualdade e a coerência da
ordem jurídica mediante julgamento em bloco e fixação de tese a ser
obser­vada por todos os órgãos do Poder Judiciário na análise da questão
apreciada. É improvável, contudo, que consiga atenuar a carga de
trabalho da jurisdição. A simplificação do procedimento para julgamento
das demandas repetitivas não implica desaparecimento das causas
das estatísticas do Judiciário, nem tem o condão de evitar, em regra, o
ajuizamento de demandas para obtenção da tutela do direito pelos
interessados.90

Quanto às expectativas do incidente projetado, há que se considerar que


os êxitos e benefícios das alterações legislativas — como o instrumento que se
pretende aprovar, estão condicionados e relacionados também a fatores extra­
processuais concernentes à estrutura do Judiciário brasileiro.
Como pondera Sérgio Gilberto Porto, “não é a forma de processamento das
demandas judiciais a única causa que contribui decisivamente para a demora
na solução dos litígios judiciais”,91 existindo “particularidades concorrentes à
morosidade que são estranhas ao processo e que, por decorrência, permanecerão
presentes, muito embora a reforma pretendida”.92

88
ROSSI. O precedente à brasileira: súmula vinculante e o incidente de resolução de demandas
repetitivas. Revista de Processo, p. 231.
89
A class action estadunidense e algumas ponderações sobre o sistema processual brasileiro. Ajuris,
p. 165.
90
O projeto do CPC: críticas e propostas, p. 178.
91
Apontamentos sobre duas relevantes inovações no projeto de um novo CPC. Repertório IOB de
Jurisprudência – Civil, Processual, Penal e Comercial, p. 747.
92
Apontamentos sobre duas relevantes inovações no projeto de um novo CPC. Repertório IOB de
Jurisprudência – Civil, Processual, Penal e Comercial, p. 747.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 37-67, out./dez. 2013
56  José Maria Rosa Tesheiner, Daniele Viafore

2.2  Precedentes vinculantes


A expressão “precedente” na língua portuguesa significa “fato que permite
entender outro fato análogo e posterior; decisão ou modo de agir que serve
de referência para um caso parecido; exemplo; invocado como justificação ou
pretexto para se agir da mesma forma”.93 Na prática consti­tuem grupos de arestos
que não exprimem a posição dominante nos tribunais, vez que para constituir
jurisprudência, devem ser uniformes e constantes.94
O sistema de precedentes possui suas raízes no common law, orientado pelo
stare decisis95 e com algumas adaptações vem sendo praticado em diversos países.
O Brasil adota o sistema da civil law, também conhecido como romano-
germânico, em que a lei escrita constitui fonte primária do Direito, notando-se,
porém, das últimas modificações legislativas, uma sutil inclinação para o sistema
de precedentes.
O papel da jurisprudência, tanto nos países do common law quanto nos de
civil law, está sofrendo alterações. Há uma tendência cada vez maior de valorizar
a jurisprudência como instrumento de revelação e ordenamento dos usos e
costumes da sociedade, em prejuízo da supremacia absoluta da lei.96
Ao aproximar o sistema da common law com o da civil law, no qual tradi­cio­
nalmente a lei é tida como fonte primordial do Direito, admite-se que o prece-
dente judicial assuma seu papel de fonte de direito, impondo profunda reforma
no modo de pensar e executar o direito, atribuindo-se ao Judiciário um poder
outrora pertencente somente ao Legislativo e possibilitando aos tribunais reco-
nhecida criação do direito, dotando suas decisões de força vinculante ultra partes.
Precedente e jurisprudência não são sinônimos. O precedente define-se a partir
de quatro elementos distintos e em cada dimensão incluem-se várias situações,
fatores e graus ou situações. Essas dimensões, segundo Michele Taruffo, são: ins-
titucional, objetiva, estrutural e eficácia. O jurista italiano propõe definição de
precedente como regra universalizável que pode ser aplicada como critério de deci-
são num caso subsequente em razão da possível analogia entre os fatos de dois
casos distintos.97

93
HOUAISS. Dicionário Houaiss da língua portuguesa, p. 2280.
94
MANCUSO. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 2. ed., p. 38.
95
Sobre o conceito de stare decisis no direito brasileiro ver TUCCI. Precedente judicial como fonte do
direito, p.159 et seq.
96
MADEIRA. A força da jurisprudência. In: FUX (Coord.). O novo Processo Civil Brasileiro (direito em
expectativa): reflexões acerca do Projeto do novo Código de Processo Civil, p. 526.
97
Precedente e giurisprudenza. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile.

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Uniformização de jurisprudência – Prós e contras  57

Jurisprudência é a revelação do direito que se processa no exercício da


jurisdição em virtude de sucessão harmônica de decisões dos tribunais. De regra,
não se incluem na jurisprudência os fatos objeto de aprecisão; não se lastreia
a analogia dos fatos, mas submete-se o caso concreto a uma regra geral fixada
pelos tribunais.
Para a aplicação de um precedente a um caso concreto é necessária a reali­
zação do cotejo entre o paradigma e o caso em discussão, com o objetivo de
verificar se ambos se assemelham. Se constatado pelo magistrado que se trata de
situações distintas, é possível afastar a aplicação do precedente diante das pecu­
liaridades do caso (restrictive distinguishing).
Ratio decidendi são os fundamentos jurídicos que sustentam a decisão, ou
seja, a interpretação adotada pelo magistrado para resolver a lide posta pelo juris­
dicionado em suas mãos.98
O obiter dictum refere-se à parte da decisão que não cria vinculação para os
casos subsequentes, “não se presta para ser invocada como precedente vinculante
em caso análogo, mas pode perfeitamente ser referido como argumento de
persuasão”.99
A vinculação aos precedentes, diz Tereza Arruda Alvim Wambier, justifica-se
pela necessidade de igualdade e esta será atingida através da seleção de aspectos
considerados relevantes do caso que deve ser julgado, a fim de que esse caso seja
considerado semelhante ao outro e decidido da mesma forma.100
Considerando que a falta de uniformidade da jurisprudência e a sua cons­
tante alteração gera insegurança aos jurisdicionados e um sistema sem coesão, o
Projeto de novo Código de Processo Civil contempla o intuito de uniformização da
jurisprudência, para torná-la obrigatória. A ideia é a de que os tribunais superiores
profiram decisões para moldar o ordenamento jurídico a fim de concretizar
plenamente os princípios da legalidade e da isonomia.101
O Projeto de novo Código de Processo Civil fala apenas em jurisprudência,
sem distinguir precedente, jurisprudência dominante, súmula e decisão judicial.
Mesmo preferindo trabalhar no plano da jurisprudência, Luiz Guilherme Marinoni
e Daniel Mitidiero afirmam que o Projeto “ainda assim dá um passo — o objetivo

98
TUCCI. Precedente judicial como fonte do direito, p. 175.
99
DIDIER JUNIOR. Ratio decidendi x obiter dictum.
100
Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito: civil law e common law. Revista de
Processo.
101
DAUDT. Uniformização e estabilidade da jurisprudência: um estudo do anteprojeto do novo
Código de Processo Civil brasileiro e da atual realidade brasileira.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 37-67, out./dez. 2013
58  José Maria Rosa Tesheiner, Daniele Viafore

de promover o império do Direito entre nós, contudo, está bem mais além da
passada e, certamente, em caminho algo diverso”.102
Hugo de Brito Machado afirma que a nova lei processual poderá resolver
alguns problemas, mas com certeza muitos outros serão por ela criados, porque
as vantagens de uma nova lei podem ser apontados por quem elabora o seu
projeto, enquanto as desvantagens só podem ser apontadas por quem vivencia
a sua aplicação.103

3  Prós e contras da busca pela uniformização da jurisprudência


A vinculação das decisões jurisdicionais no Direito pátrio sofre severas críti­
cas. Trata-se de tema passional entre os juristas brasileiros. A maioria dos autores
posiciona-se categoricamente contra ou a favor da adoção do sistema.104
Um ponto a considerar é o que diz respeito ao livre convencimento moti­
vado, que consagra a liberdade de consciência do magistrado.
Segundo Chaïm Perelman, citado por Toshio Mukai, a autonomia decisória
do magistrado é importante, do contrário, a justiça poderia ser substituída por
máquinas:

Se a justiça pudesse dispensar o julgamento, se pudesse mecanizá-la,


as máquinas poderiam dizer o direito de uma forma muito mais rápida
e menos onerosa do que o homem. Mas as máquinas não têm discer­
nimento, sendo por isso que, em todas as situações delicadas, o recurso
ao juiz é indispensável.105

O filósofo também adverte que duas decisões diferentes, sobre o mesmo


objeto, podem ser ambas razoáveis, enquanto expressão de um ponto de vista
coe­rente e fundamentado, mas que, por razões práticas, é indispensável uma linha
de conduta uniforme. É necessário dirimir o conflito entre dois posicionamentos
igualmente razoáveis, levando em conta que a solução encontrada deverá aten­
tar às consequências de que resultam a sua aplicação. Cumpre que a solução
encontrada seja equitativa, conforme ao interesse geral, razoável, numa palavra,
aceitável.106

102
O projeto do CPC: críticas e propostas, p. 164.
103
O novo CPC.
104
SOUZA. A súmula vinculante diante do princípio do livre convencimento motivado do juiz.
Jurisprudência Catarinense, p. 230.
105
MUKAI, Toshio. Ética e direito em Chaïm Perelman. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil,
Brasília, v. 69, p. 94, 1998 apud PERELMAN. Ética e direito.
106
MUKAI, Toshio. Ética e direito em Chaïm Perelman. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil,
Brasília, v. 69, p. 94, 1998 apud PERELMAN. Ética e direito.

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Uniformização de jurisprudência – Prós e contras  59

Segundo José Joaquim Calmon de Passos, que a força vinculante das


decisões não ofende o princípio do livre convencimento motivado, por se tratar de
uma ne­cessidade do sistema em prol do valor segurança. Relata diálogo ocorrido
em pa­les­tra para juízes federais sobre a irrecusabilidade da força vinculante de
algumas decisões de tribunais superiores:

Professor Calmon, e onde fica a minha liberdade de consciência e o meu


sentido de justiça? Respondi-lhe, na oportunidade, o que aqui consigno.
[...] Por que os juízes poderiam nos torturar e estariam livres de ser
torturados por um sistema jurídico capaz de oferecer alguma segurança
aos jurisdicionados?107

É certo que, na generalidade dos casos, decisão contrária ao entendimento


jurisprudencial consolidado apenas obriga à interposição de recurso.
Luiz Guilherme Marinoni argumenta: “se é o Superior Tribunal de Justiça
quem dá a última palavra em relação à interpretação da lei federal, qual é a ra-
cionalidade de se dar ao juiz o poder de proferir uma decisão que lhe seja con-
trária?”. As decisões que afrontam súmulas dos tribunais superiores soam como
um lamentável exercício de rebeldia, que só se transforma em realidade no caso
em que a decisão estadual ou regional se torna coisa julgada diante da falta de
preparo dos advogados em empregar os devidos recursos para corrigir a interpre-
tação extravagante.108
Em sentido contrário, argumenta-se com o indesejável engessamento do
sistema a partir da adoção de decisões vinculantes. Rodolfo de Camargo Mancuso
observa que a jurisprudência “traz pressuposta a uniformidade contemporânea
de um dado entendimento, assim ensejando a sua natural aplicação às hipóteses
afins, pelas demais instâncias judiciárias, sem o afirmado e temido risco da
estagnação do Direito”.109
Firmar a jurisprudência de modo rígido, observa Vítor Nunes Leal, não
seria um bem, nem mesmo seria viável. “Mas vai uma enorme diferença entre a
mudança, que é frequentemente necessária, e a anarquia jurisprudencial, que
é escalabro e tormento. Razoável e possível é o meio-termo”. Razões práticas,
inspiradas no princípio da igualdade aconselham que a jurisprudência tenha
relativa estabilidade. Os pleitos iguais, dentro de um mesmo contexto social e

107
Súmula vinculante. Revista do Tribunal Federal da 1ª Região, p. 176.
108
Ações repetitivas e julgamento liminar. Páginas de Direito.
109
Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 3. ed., p. 131.

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60  José Maria Rosa Tesheiner, Daniele Viafore

histórico, não devem ter soluções diferentes. A opinião leiga não compreende a
contrariedade dos julgados, pelo seu desejo de segurança.110
Castanheira Neves registra que a independência decisória dos juízes, en­
quanto princípio de Estado de Direito, significa independência vinculada à
exclusiva dependência da lei, pois só esta, a lei enquanto norma geral e abstrata,
pode dirigir a decisão judicial no caso concreto.111
Não se pode perder de vista que os mecanismos de uniformização devem
observar as peculiaridades dos casos concretos e de cada região do País. É preciso
que se determine o que deve e o que não deve ser objeto de uniformização.

3.1  Os perigos de uma padronização decisória indevida


Cada caso é um caso, a merecer apreciação singular, independente e espe­
cífica, assim destacando-se o papel hermenêutico do operador do Direito.
Observa Tomás Pará Filho que a jurisprudência se afasta dos princípios com
frequência maior do que a doutrina. É analítica, examina as espécies uma por
uma: ao generalizar, pode-se incorrer em erro grave.112
A preocupação com a padronização decisória indevida transparece nas
lições de José Carlos Barbosa Moreira:

[...] deve o relator examinar com cuidado especial as razões de recurso: é


sempre possível que haja ai argumentos novos, não considerados quando
da inclusão da tese contrária na súmula — à qual, no regime em vigor,
não se reconhece eficácia vinculante [...]. Preferível suportar algum peso a
mais na carga de trabalho dos tribunais a contribuir para a fossilização da
jurisprudência. A lei do menor esforço não é necessariamente, em todo e
qualquer caso, boa conselheira.113

Para que o magistrado não efetue uma padronização indevida ao realizar o


julgamento monocrático, é essencial a análise pormenorizada no caso concreto.
Vale dizer: no cenário de ações repetitivas, nem todos os processos são
iguais e podem ser tratados da mesma maneira. Há ações que não se encontram
na mes­ma condição, que não apresentam idêntica questão à determinada súmula
ou jurisprudência dominante, sem que se perceba isso “ictu oculi”.

110
SANCHES. Uniformização da jurisprudência, p. 8. apud LEAL, Vítor Nunes. Atualidade do Supremo
Tribunal Federal. RF, 78/452, p. 455.
111
NEVES, Antonio Castanheira, idem, p. 95 et seq.
112
A chamada “uniformização da jurisprudência”. Revista de Processo, p. 73.
113
Comentários ao Código de Processo Civil: Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, v. 5, p. 641.

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Uniformização de jurisprudência – Prós e contras  61

Há que se considerar, em primeiro lugar, que o julgamento incide sobre


fatos e, rigorosamente, não há dois fatos iguais, observando Carlos Maximiliano
ser quase impossível que se nos deparem dois absolutamente idênticos, ou, ao
menos, semelhantes sob todos os aspectos. Qualquer diferença obriga a mudar
também o modo de decidir, pois pequena diferença de fato induz grande diver­
sidade de direito.114
Como adverte Maurício Ramires, “é preciso estar atento às distinções e iden­
tificações exigidas pelas especificidades dos casos”.115
Há que se considerar, em segundo lugar, as condições estruturais do exer­
cício da jurisdição na atualidade. A vida forense tem demonstrado que, com
grande frequência, decisões padronizadas são aplicadas a ações supostamente
repe­titivas, porque a enorme carga de trabalho que assoberba o magistrado
impede o exame detalhado do caso concreto, observando Eduardo Oteíza que
a sobre­carga de trabalho dos juízes atenta contra a capacidade para que estes
brindem respostas eficientes.116
Wanessa de Cássia Françolin assevera que:

O volume de processos em trâmite nos tribunais é muito maior do que a


capacidade de julgamento que o tribunal comportaria e, em princípio, a
ampliação dos poderes do relator contribuiria para desobstruir a pauta de
julgamento, evitando que recursos sem condições de admissibilidade ou
que versem sobre questão de mérito já pacificada não sejam submetidos
ao julgamento do colegiado, mas decididos pelo próprio relator.117

Observa José Carlos Barbosa Moreira que “em não poucos casos, ante a
primeira impressão do déjà vu, a própria leitura da petição inicial corre o perigo
de ver-se truncada, ou reduzida a sumária olhadela, desatenta e argumentos por­
ventura novos que autor suscite”. O julgador, para desvencilhar-se rapidamente
do estorvo de novo processo, acaba aplicando a “lei do menor esforço” e enxer­
gando identidade onde talvez não exista a vaga semelhança.118
Anota Rolf Stürner que, em última análise, a observância de acórdãos dos
tribunais superiores depende sempre do conhecimento e do raciocínio dos juí-
zes. Diz:

114
Hermenêutica e aplicação do direito, p. 81.
115
Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro, p. 130.
116
Reforma procesal civil, p. 721.
117
A ampliação dos poderes do relator nos recursos cíveis, p. 2.
118
Súmula, jurisprudência, precedente: uma escalada e seus riscos. Revista Dialética de Direito
Processual – RDDP, p. 58.

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62  José Maria Rosa Tesheiner, Daniele Viafore

Os acórdãos-modelo dos tribunais superiores para uma série de casos


semelhantes é — como já indicado — uma instituição com uma
expectativa de sucesso muito incerta. [...] Processos-modelo têm um
efeito muitas vezes retardante, e os casos individuais diferenciam-
se freqüentemente do modelo. Uma racionalidade pragmática dos
magistrados pode conduzir a resultados superiores.119

A uniformização de jurisprudência encerra o risco da padronização indiscri­


minada, em larga escala, com decisões não coadunadas com a especificidade da
causa.
Evidentemente, não se quer decisões completamente dissociadas do tema
sub judice — seja por conta da dificuldade na identificação da matéria jurídica
objeto do recurso, seja por conta da sobrecarga de processos a que submetido o
julgador.

3.2  Peculiaridades de cada região


Não se pode perder de vista que, se quisermos uniformizar tudo, acabaremos
com a diversidade necessitada pelas diversas regiões da nação, que não são
iguais, nem se encontram no mesmo patamar de desenvolvimento. Precisamos
de uni­dade na diversidade e de diversidade na unidade.
Relembremos que somos uma Federação. No modelo norte-americano que
nos inspirou, cada Estado tem competência para legislar sobre Direito Civil, Direito
Penal e Processual. Por que, então, pretender-se uniformizar a interpretação
dessas leis nos seus mínimos detalhes?
Se ainda queremos ser uma Federação, deveremos admitir que o Direito de
Família, por exemplo, seja interpretado e aplicado diferentemente no Piauí, em
São Paulo e no Rio Grande do Sul. Uniformização em nível nacional apresenta-
se como necessária apenas em matérias realmente federais, como as que dizem
respeito aos tributos federais e aos servidores públicos da União.

Considerações finais
A uniformização de jurisprudência é um tema complexo, que não admite
respostas de sim ou não, de adesão ou rejeição da ideia em termos absolutos. Não
basta a certeza de que é injusto tratar de forma desigual casos idênticos.

Sobre as reformas recentes no direito alemão e alguns pontos em comum com o projeto brasileiro
119

para um novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, p. 369.

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Uniformização de jurisprudência – Prós e contras  63

É certo que a volatilidade ou instabilidade das decisões judiciais precisa ser


repelida. Frente à alteração qualitativa e quantitativa dos litígios, bem como o
grande número de ações repetitivas atualmente em trâmite no Poder Judiciário,
nada mais razoável do que se assegurar ao jurisdicionado um mínimo de segu­
rança jurídica, com certa previsibilidade das decisões.
É preciso, entretanto, que se determine o que deve e o que não deve ser
objeto de uniformização. Cumpre que se atente às necessidades de cada caso
concreto e de cada região do País, haja vista que nem todo caso é igual ao outro
e, por sermos uma Federação, nem todas as regiões se encontram no mesmo
patamar de desenvolvimento.
Não se pode dispensar a necessidade de uma postura cautelosa e comedida
quanto à possibilidade e eventual necessidade de revisão ou cancelamento de
enunciado sumulado, pois a evolução natural da sociedade não comporta um
sistema jurídico estático.
Nem todo remédio é isento de efeitos colaterais. Como sustenta Sydney
Sanches, reparadas as arestas, é preciso que os enunciados uniformizadores não
sejam desprezados, mas também não se estratifiquem, de modo a que se chegue
a um objetivo comum: a justiça igual.120

Abstract: This study aims to analyze the favorable and unfavorable points
of jurisprudence standardization. The goal is to discuss the relevance and
effectiveness of existing mechanisms for jurisprudence standardization in
the current Democratic State of Law as well the innovative proposals in the
draft of Law n. 8.046/2010 and the risks of an undue standardization.

Key words: Jurisprudence standardization. Code of Civil Procedure. Draft of


Law n. 8.046/2010. Undue standardazation.

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120

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e contras. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 21, n. 84,
p. 37-67, out./dez. 2013.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 37-67, out./dez. 2013
O papel do juiz na efetividade dos direitos
sociais no Brasil – Possíveis respostas no
direito e na filosofia política

José Pedro Luchi


Professor do Mestrado em Direito da Universidade
Federal do Espírito Santo (UFES). Doutor em Filosofia pela
Pontificia Università Gregoriana, Vaticano.

Julio Lima Souza Martins


Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil. Mestrando em
Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Resumo: Trazendo elementos que denotam a indispensabilidade dos di­


reitos sociais na implementação do Estado Democrático de Direito, a reflexão
se presta a discutir como a questão também perpassa pela atuação do Poder
Judiciário. Inicialmente, buscamos, através de uma perspectiva jurídico-
filosófica, identificar o locus dos direitos sociais em um ideal de democracia
deliberativa proposta por Habermas, consignando que, dadas as condições
contemporâneas da sociedade brasileira, os juízes desempenham papel
de notável relevâcia na reconstrução da autonomia pública do cidadão, na
expectativa de que, de fato, podem viabilizar a diminuição do considerável
déficit na área social. Em seguida, com objetivo semelhante, justificamos a
flexibilização do ativismo judicial através da conciliação entre democracia e
direitos fundamentais, na intenção de imprimir maior efetividade aos direitos
sociais. Precedência que não inibe a proposição, neste trabalho, de parâ­
metros que, de alguma forma, possam balizar o manejo judicial das políticas
públicas e, como consequência, assegurem as condições ao exercício pleno
da democracia.

Palavras-chave: Direitos sociais. Políticas públicas. Legitimação. Limites.


Poder Judi­ciário.

Sumário: 1 Introdução – 2 Resgate histórico – Da gênese à aplicabilidade –


3 Identificando o locus democrático dos direitos sociais – 4 Direitos sociais –
Justificativa à legitimidade e ao ativismo judicial – 5 Direitos sociais na práxis
judicial brasileira – 6 Conclusões – Referências

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 69-91, out./dez. 2013
70  José Pedro Luchi, Julio Lima Souza Martins

1 Introdução
É plena e notória a postura nitidamente tímida do Poder Judiciário brasileiro
quando não raras vezes se vê desafiado a enfrentar questões atinentes à con­
cretização de direitos sociais.1 Mercê do que melhor se espera da aplicação da
lei, eis o nosso objeto de investigação: demonstrar a essencialidade dos direitos
sociais no contexto do Estado Democrático de Direito e, por que, como e quando
deverá o juiz ou tribunal agir como medida de efetividade das políticas sociais.
Reconhecendo os direitos sociais como de vital importância ao Estado De­
mo­crático de Direito, inicialmente pretendemos realizar um resgate histórico
através das causas que resultaram na humanização dos direitos do indivíduo,
contex­tualizando sua origem desde a passagem do Estado Liberal para o Estado
Social até o surgimento das primeiras prestações no texto das Constituições do
século XX. Positivação que, sem a menor sombra de dúvida, representou um salto
de qualidade nas sociedades modernas, mas que, deveras, poderá se ver obstada
mercê de uma conduta omissiva do Poder Executivo.
Como ponto conducente a um ideal avançado de democracia, tal qual o
modelo deliberativo criado pelo filósofo alemão Jürgen Habermas, procuramos
então identificar o local jurídico dos direitos sociais objetivando alcançar, em
uma sociedade reconstruída com base no Princípio da Democracia, qual o papel
desta espécie de direitos fundamentais. Tentamos nesta questão interpretar as
conclusões de Habermas para, em seguida, inferir se tal concepção funciona ade­
qua­damente no cenário brasileiro, situação na qual refletimos acerca da coexis­
tência de várias realidades sociais distintas, porém contemporâneas em nosso
país. Motivo que nos leva a acreditar que não há como se desenhar a insti­tu­cio­
nalização jurídica sem a sólida materialização dos direitos sociais, encon­trando
neste sentido na figura do magistrado um componente estratégico de trans­for­
mação social. Situação inclusive já observada pelo jurisfilósofo Ronald Dworkin,
como devidamente será demonstrado.
Mais adiante, e já em outra ótica, é necessário desfazer a inexata noção de
que, em termos absolutos, não haveria lugar para a legitimidade jurisdicional e, por
consequência, o ativismo judicial in totum seria reprovável, nem mesmo quando
destinado ao atendimento de prestações sociais. Discussão que direta­mente
resultará na demonstração de que há um conceito mais amplo de democracia do

1
Citamos, a título de exemplo dessa postura inadequada, a posição extremamente tímida adotada,
em regra, pelo STF sobre os efeitos do mandado de injunção no direito pátrio.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 69-91, out./dez. 2013
O papel do juiz na efetividade dos direitos sociais no Brasil – Possíveis respostas no direito e na filosofia política  71

que aquele derivado da representatividade popular e na elaboração das devidas


considerações entre o procedimentalismo defendido por Habermas e o subs­tan­
cialismo equacionado por Dworkin, para enfim fundamentar uma possi­bilidade
de conciliação entre democracia e direitos fundamentais.
Delineados os aspectos teóricos da questão, remanescem questões pragmá­
ticas que merecem ser respondidas a partir de então: – Poderia uma decisão
judicial ordenar o adimplemento de direito social garantido pela Constituição?
– Em caso positivo, estaria o Poder Judiciário se imiscuindo nas atribuições do
Poder Executivo? – Quais limites se impõem a suposta medida judicial dessa
enver­gadura?
Para respondê-las, considerando os remédios constitucionais do nosso
orde­na­mento jurídico, procuramos primeiramente demonstrar que a par de uma
atitude mais proativa do juiz ou tribunal, em vias de uma decisão judicial favo­
rável à concretude de direitos sociais, a racionalidade do aplicador do direito não
pode prescindir de ponderar as consequências de sua decisão, levando em conta
circunstâncias que vão desde o interesse público à menor onerosidade dos cofres
públicos. Como medida de então desvelar como os juízes devam justificar uma
decisão dessa natureza, verificamos a incompatibilidade da ponderação de valores
proposta por Robert Alexy nessa situação, para, a posteriori, endossar alguns
parâmetros que na dicção de Cláudio Neto seriam adequados ao balizamento da
atividade judicial.

2  Resgate histórico – Da gênese à aplicabilidade


Cientes e abertos a eventuais críticas e posições em contrário, elegemos os
direitos sociais como aqueles que marcadamente reverberam importância capital
para a existência humana, premissa sem a qual não poderíamos nem sequer
cogitar a vida em sociedade e muito menos o Estado Democrático de Direito.
Para chegarmos a tal conclusão, resgatamos que os convencionados direitos
de segunda dimensão2 surgiram pela primeira vez, de forma sistematizada,

2
Sobre o tema, Marshall esclarece, em palestra emblemática proferida em 1949, intitulada
Citizenship and Social Class (Cidadania e classe social): seria possível identificar os acontecimentos
que consolidaram direitos na modernidade pela vicissitude secular, na medida em que foram
paulatinamente sendo positivados nos Estados europeus. A partir de então, a doutrina,
percebendo a correlação existente entre século-direito, cuidou de nominar as conquistas
jurídicas, identificando-as como “gerações” ou “dimensões” dos direitos fundamentais. Em uma
visão clássica: a primeira estaria relacionada aos direitos civis e políticos; a segunda, aos direitos
sociais, econômicos e culturais; e a terceira, por sua vez, referencia-se à conquista dos direitos
difusos e coletivos (MARSHALL. Cidadania, classe social e status).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 69-91, out./dez. 2013
72  José Pedro Luchi, Julio Lima Souza Martins

após a Primeira Guerra Mundial, no seio das Constituições Mexicana de 1917 e


de Weimar de 1919, como uma resposta clara à incapacidade do Estado Liberal
em lidar com questões relacionadas aos níveis básicos de vida do indivíduo no
âmbito social, especialmente os mais desvalidos. No Brasil, foram pela primeira
vez positivados por meio da Constituição de 1934 e, daí em diante, repetidos nas
Cartas subsequentes até a Lei Fundamental vigente.
Em verdade, o desenvolvimento industrial do século XIX custou a degra­
dação das condições de trabalho em padrões sub-humanos. Agudizava-se uma
pretensão popular que, com a abertura do século XX, culminou com a passagem
do paradigma liberal para o social. Sobre essa ótica é que Bonavides pondera
sobre o marco histórico de inflexão:

[...] reconciliar o Estado e Sociedade, de acordo com as bases do estado


intervencionista, conforme sói acontecer no constitucionalismo social
do século XX, deslocou por inteiro o eixo de rotação das constituições
nascidas durante a segunda fase do liberalismo, as quais entraram em
crise.3

Sintetizando os efeitos colaterais, passamos então à desconstrução do con­


ceito solitário e frio de igualdade em seu aspecto formalista para que, em uma
nova estrutura estatal, intervencionista e proativa, fossem atingidos os termos de
uma igualdade material, essencialmente voltada à implementação de objetivos
e melhorias em prol do indivíduo. Mudanças que, de toda forma, decorreram da
contundente alteração da postura estatal, anteriormente caracterizada pela mí­
nima intervenção e, a partir de então, convolada na figura de um Estado reali­zador
de políticas públicas, com perfil prestacionista e, por isso, buscando, diante de
suas possibilidades, o ideal aristotélico da chamada justiça distributiva. Foi com
essa nova conotação que, a partir da modernidade, como um evidente reflexo
do momento histórico, os direitos sociais passaram a integrar o corpo das consti­
tuições democráticas.
O reconhecimento como verdadeiros direitos básicos do indivíduo, não
obstante, não nos inibe de explicitar certa peculiaridade que nitidamente com­
promete sua implementação nos moldes ideais do texto constitucional. É que,
diferentemente dos demais direitos fundamentais, sua concretização exige “um
fazer”, uma prestação positiva por parte do administrador público. Com extrema
clareza José Afonso da Silva conceitua que:

BONAVIDES, 2007, p. 236.


3

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 69-91, out./dez. 2013
O papel do juiz na efetividade dos direitos sociais no Brasil – Possíveis respostas no direito e na filosofia política  73

os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem,


são prestações positivas estatais, enunciadas em normas constitucionais,
que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos
que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São,
portanto, direitos que se conexionam com o direito da igualdade. Valem
como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que
criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade
real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o
exercício efetivo da liberdade.4

A efetivação dos direitos sociais se equaciona naquilo que se costuma deno­


minar de políticas públicas que, por estarem caracterizadas pela dupla acepção da
discricionariedade e escassez de recursos, não condicionariam vinculativamente
a conduta do administrador público. Essa argumentação gozou por muito tempo
de um caráter absoluto, relegando os direitos sociais à qualificação de meras
normas programáticas, na medida em que caberia exclusivamente ao Poder Exe­
cutivo determinar como, quando e, acaso lhe conviesse, os meios e momentos
de implementação dessas atividades. José Afonso da Silva mais uma vez nos traz
uma boa referência do alcance e finalidade das normas programáticas:

[...] introduzidas na constituição como resultado do conflito de interesse,


importam, ao menos, uma tentativa de superação da democracia formal
e tendem, como visto, a instaurar um regime de democracia substancial,
ao determinarem a realização de fins sociais, através da atuação de
programas de intervenção na ordem econômica, com vistas à realização
da justiça social e do bem comum.5

Digamos, no entanto, que tal pretensão de enquadrar a Constituição no


que tange a tais direitos como simples carta de intenções atualmente se encontra
devidamente ultrapassada em face da nova realidade do Estado Social dos di­
reitos fundamentais.6 Outras perspectivas surgiram a partir de então. À base dos
reflexos na realidade brasileira, destacamos a intitulada doutrina da efetividade
defendida por Barroso ao expressar que

[...] tal movimento procurou não apenas elaborar as categorias dogmá­


ticas da normatividade constitucional, como também superar algumas

4
SILVA. A aplicabilidade das normas constitucionais, p. 289.
5
SILVA. A aplicabilidade das normas constitucionais, p. 68.
6
BONAVIDES. O Estado Social e sua evolução rumo à democracia participativa. In: SOUZA NETO;
SARMENTO (Coord.). Direitos sociais fundamentos, judicialização e direitos em espécie, p. 92.

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74  José Pedro Luchi, Julio Lima Souza Martins

crônicas disfunções da formação nacional, que se materializavam na


insinceridade normativa, no uso da Constituição como uma mistificação
ideológica e na falta de determinação política em dar-lhe cumprimento.7

Reafirmando essa linha de pensamento, o doutrinador ainda compreende


que “os direitos constitucionais em geral, e os diretos sociais em particular,
converteram-se em direitos subjetivos em sentido pleno, comportando tutela
judicial específica”.8
Por óbvio, toda essa nova compreensão gravita na percepção de que o
princípio da dignidade da pessoa humana, ao ser positivado pela Constituição
vigente, passou a irradiar seus efeitos a todo o ordenamento jurídico, podendo,
por isso, determinar uma leitura diferenciada aos direitos sociais.
Assentada a concepção contemporânea dos direitos sociais inseridos na
ideia de resgatabilidade integral e imediata, pretendemos agora justificar seu grau
de importância na ambiência democrática, mormente por sua respeitabilidade
configurar-se como condição sine qua non ao exercício dos direitos inerentes à
plena cidadania.

3  Identificando o locus democrático dos direitos sociais


Em uma perspectiva político-filósofica, outras evidências nos levam a
abraçar a tese de que os direitos sociais definem a base de sustentação do Estado
Democrático de Direito e que de tal modo o Poder Judiciário tem papel consi­
de­rável para seu máximo aperfeiçoamento. Para desenvolver tal raciocínio é
necessário tomarmos como marco teórico a aspiração democrática impregnada
na sociedade pós-convencional que, dentre as diversas visões e possibilidades,
nos filiamos àquela idealizada por Habermas com base na ética do discurso ra­
cional, porquanto seja a que mais coerentemente fundamente um sistema de
direitos compatível com o contemporâneo.
Assim sendo, no modelo filosófico proposto, resta-nos então perquirir
qual o locus atribuído aos direitos sociais na composição do que se denomina
democracia deliberativa, engendrada na pretensão de reconstrução do sistema de
direitos. De antemão, devemos perceber que não há como pensarmos em direito
em Habermas dissociado da ideia de moral. Conquanto sejam conceitos dis­
tintos, estão aglutinados em uma relação de complementaridade. Inquestionável

BARROSO, 2007, p. 877.


7

BARROSO, 2007, p. 877.


8

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O papel do juiz na efetividade dos direitos sociais no Brasil – Possíveis respostas no direito e na filosofia política  75

essa circunstância, temos então elementos para obter a origem dos direitos
fundamentais, o que, em análise peremptória, nos remete ao conhecimento do
Princípio do Discurso. Enuncia-se então que “são válidas as normas de ação às
quais todos os possíveis atingidos poderiam dar o seu assentimento, na qualidade
de participantes de discursos racionais”.9
Não obstante, para alcançarmos o processo genético dos direitos básicos
e particularmente os direitos sociais, exige-se mais que isso. Em verdade, como
estamos tratando de normas jurídicas,10 Habermas nos oferta algo mais espe­
cífico, o qual denominara como Princípio da Democracia. Seria este, na sua com­
preensão, a causa primária de todo o seu arcabouço reconstrutivo, além do que se
materializaria como especificidade do próprio Princípio do Discurso com aplicação
voltada ao direito. Ponderando sobre a matéria, Luchi didaticamente nos esclarece
que “O princípio da Democracia aparece então como um entrecruzamento do
Princípio do Discurso com a Forma do Direito, como um processo genético de
Direitos, cujo núcleo é próprio Princípio democrático”.11
Em verdade, deduz-se, em outros termos, pelo sentido performativo da
prática de autodeterminação de membros do direito que se reconhecem mutua­
mente como membros iguais e livres de uma associação estabelecida livremente.
De outro modo, ainda pressupõe-se preliminarmente a possibilidade da decisão
racional de questões práticas e, mais precisamente, a possibilidade de todas as
fundamentações serem realizadas em discursos (e negociações reguladas pelo
procedimento), condicionando a legitimidade das leis do Estado de Direito a tal
prática.
A título de reflexão, o Princípio da Democracia se presta a dirimir duas
inda­gações: – Quais são as normas jurídicas a serem adotadas na sociedade? e
– Qual o processo de elaboração dessas normas? A partir das respostas obtidas,
fica subentendida a relação de cooriginariedade entre as normas jurídicas
fundamentadoras do Estado de Direito e as normas procedimentais adequadas
à elaboração do Medium do Direito. Isso quer dizer que, ao tempo em que
estabelece todo o procedimental de colocação das normas legítimas, ele também
se desenvolve na indicação de quais direitos determinarão a auto-organização
do Estado com a sua devida forma jurídica. Cumpre anotar que tal forma possui
caráter inerentemente funcional.

9
HABERMAS, 1997, p. 142.
10
Diferem das normas naturais, posto que são artificiais e surgiram no decurso da evolução social.
11
LUCHI, 2005, p. 130.

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76  José Pedro Luchi, Julio Lima Souza Martins

Nesse sentido, revestindo-se o Princípio do Discurso em Princípio da Demo­


cracia, Habermas assenta a origem de cinco categorias de direitos básicos, três
na esfera de autonomia privada e dois na esfera de autonomia pública. Naquelas,
a atuação configurar-se-ia por meio da individualidade dos atores sociais que,
nesse caso, seriam endereçados da norma jurídica. Tratando de identificá-las,
Habermas expõe como categorias de direitos básicos da pessoa natural: (i) direitos
de não intervenção do Estado no âmbito privado (direitos civis); (ii) direitos de ser
reconhecido por seus pares como integrante de uma determinada comunidade
(direitos à nacionalidade); (iii) direitos de reclamabilidade perante a justiça mercê
de eventual lesão aos direitos (i) e (ii). Norteando o legislador constitucional,
as três categorias são consideradas Princípios Jurídicos Fundamentais.12 Luchi,
diante da matéria, acrescenta que “A regulamentação legítima da convivência
social no nosso tempo não pode prescindir do código jurídico, e servir-se dele
exige do legislador, não prejudicada a soberania, o respeito a tais Princípios, que
fazem valer a racionalidade da forma jurídica como tal”.13
Por outra banda, no regime de autonomia pública, de mero endereçado
passa-se à condição de autor da norma jurídica. Postula-se então como sujeito
jurídico os direitos: (iv) de igual chance de participação no processo de formação
de opiniões e vontades (direitos políticos) e (v) à garantia de condições de vida,
sociais, técnicas e econômicas necessárias ao exercício dos direitos (i) ao (iv).14
Explica Habermas em seguida que os quatro primeiros, ligados à participação
e a liberdade, seriam dotados de fundamentação absoluta, posto que devem estar
plenamente satisfeitos para que se possa vislumbrar a participação democrática
almejada. Nesse sentido, Maria Clara Dias, de maneira didática, nos ensina que “os
direitos básicos devem garantir as condições para que um indivíduo possa tomar
parte no discurso de fundamentação dos direitos em geral”.15
Sem duvidar da imprescindibilidade de tais garantias, o que realmente
nos interessa na estrutura jurídica diz respeito à quinta categoria de direitos do
âmbito público apontada pelo autor. Referimo-nos ao que Habermas coloca em
termos de “direitos fundamentais a condições de vida garantidas social, técnica
e ecologicamente”,16 porquanto, nesse contexto, se encaixa nosso objeto de

12
HABERMAS. Direito e democracia: entre facticidade e validade, v. 1, p. 159-160.
13
LUCHI, 2005, p. 133.
14
Idem.
15
DIAS. Os direitos sociais básicos: uma investigação filosófica da questão dos direitos humanos,
p. 33.
16
HABERMAS. Direito e democracia: entre facticidade e validade, v. 1, p. 160.

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O papel do juiz na efetividade dos direitos sociais no Brasil – Possíveis respostas no direito e na filosofia política  77

discussão. Categoria que, distintamente das demais, recebe um tratamento


relativizado na materialização do Princípio da Democracia. Justifica tal posição
por entender que tais direitos devem ser manejados “na medida em que isso for
ne­ces­sário para um aproveitamento, em igualdade de chances”,17 o que indi­re­ta­
mente deixa subentendido que a consumação plena esbarraria na discricio­narie­
dade de execução das políticas governamentais.
Compreendendo o peso da justificação habermasiana, e mesmo diante
da permissiva “relatividade” na sua concretude, entendemos que no contexto
brasileiro, a postura do juiz para com a efetividade dos direitos sociais deva ser
ainda mais enfática e presente do que em outras sociedades mais desenvolvidas.
Para chegarmos a tal inferência devemos preliminarmente realizar um exame
ponderado do atual estágio de desenvolvimento humano da sociedade brasi­
leira. Premissa que certamente nos leva a refletir se realmente partilhamos de
um mínimo existencial capaz de garantir as condições ao pleno exercício da
auto­nomia pública defendida por Habermas. Daquilo que é plenamente conhe­
cido, prescinde de maiores explicações o ambiente de desigualdade social (ou
exclusão social) de parcela significativa da população brasileira, porquanto não
tenha minimamente acesso à educação, à habitação, ao emprego e à saúde.
Visualizamos então um esgaçamento do tecido político, econômico e social, que
frequentemente compromete a própria legitimidade do pleito eleitoral (esva­
ziamento da autonomia pública), na medida em que o processo de escolha de
nossos representantes políticos contamina-se por pressões econômicas em
detrimento da ideologia política.18 Deveras, a despeito da propalada ausência de
legitimidade democrática do Poder Judiciário (fato que pretendemos contrapor),
nossa realidade se encaixa perfeitamente naquilo que Dworkin já alertara acerca
dos benefícios de uma decisão judicial em relação aos setores excluídos do pro­
cesso democrático, como os pobres e as minorias. Sobre isso, acrescenta o autor
que, em certa medida, os afortunados possuem maior influência sobre as decisões
do Legislativo. Com efeito, o fato de visarem benefícios próprios em detrimento
dos não tão prósperos desencadeia uma maior probabilidade de violação dos
direi­tos das minorias, ante a demonstração do lado perverso da vontade das
maiorias.19

17
HABERMAS. Direito e democracia: entre facticidade e validade, p. 160.
18
MACHADO JÚNIOR. O espaço público da jurisdição constitucional: uma abordagem crítica sobre
a aplicabilidade da teoria de Jürgen Habermas em países periféricos. Revista da ESMESE.
19
DWORKIN, 2001, p. 25-32.

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Retomando o caso brasileiro, podemos até identificar que a afirmação de


Dworkin se aplica não a uma minoria, mas uma grande massa de indivíduos
social­mente excluídos. É por meio dessa constatação que o sociólogo português
Boaventura de Sousa Santos denomina tal fenômeno como sendo “a não con­tem­
poraneidade do contemporâneo”, considerando que a multiplicidade de tempos
seria reduzida a um tempo linear. Referindo-se ao tema, entende que

assenta na monocultura do tempo linear, a idéia de que a história tem


sentido e direção únicos e conhecidos. Esse sentido e essa direção têm
sido formulados de diversas formas nos últimos duzentos anos: progresso,
revolução, modernização, desenvolvimento, crescimento, globalização.
Comum a todas estas formulações é a idéia de que o tempo é linear e que,
na frente do tempo seguem os países centrais do sistema mundial e, com
eles, os conhecimentos, as instituições e as formas de sociabilidade que
neles dominam. Esta lógica produz não-existência declarando atrasado
tudo que, segundo a norma temporal, é assimétrico em relação ao que é
declarado avançado. É nos termos desta lógica que a modernidade oci­
dental produz a não contemporaneidade do contemporâneo, a idéia de
que a simultaneidade esconde as assimetrias dos tempos históricos que
nela convergem.20

Prestigiando a coerência da teoria de reconstrução dos direitos, ambiente


no qual Habermas desfez a tensão entre facticidade e validade pelo Medium do
Direito, não vislumbramos que, a despeito de ter se posicionado pela relatividade
dos direitos sociais, o filósofo acredite na funcionalidade do sistema com os direitos
básicos não reconhecidos ou mesmo abaixo do mínimo existencial. E, justamente
por isso, especialmente no ambiente investigatório, emerge como incontestável
e indisponível o papel do juiz na apreensão da realidade no afã de proporcionar
decisões que se aproximem da concretização das normas constitucionais com
cunho estritamente programático ou social.
Decorre com essa constatação adentrarmos em outra discussão, agora per­
tinente à pesquisa de sustentáculos convincentes que legitimem constitu­cio­nal­
mente a participação ativa do juiz em questões de cunho social, principalmente
porque no percurso teremos que rebater as críticas relativas ao indesejado
ativismo judicial.

SANTOS. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. In: SANTOS (Org.).
20

Conhecimento prudente para uma vida decente: “um discurso sobre as ciências” revisitado, p. 787.

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O papel do juiz na efetividade dos direitos sociais no Brasil – Possíveis respostas no direito e na filosofia política  79

4  Direitos sociais – Justificativa à legitimidade e ao ativismo judicial


Questão deveras conflitante e que muito frequentemente incendeia a
polê­mica entre os juristas refere-se à contingência acerca da legitimidade dos
magistrados em se manifestar em favor da efetividade de questões envolvendo
direitos sociais. Os que se entendem contrários à legitimidade argumentam por
meio de duas objeções. A uma, por que haveria no ato circunstancial do juiz um
malferimento ao princípio da tripartição dos Poderes, uma vez que qualquer
decisão favorável ao pleito nesse sentido interferiria na discricionariedade do
di­recionamento das políticas públicas, por conta de que, na sua origem, seriam
matérias a serem resolvidas no âmbito privativo dos Poderes Executivo e Legis­
lativo. A duas, porquanto os membros do Poder Judiciário, mercê de não serem
escolhidos pelo voto popular, careceriam por isso de legitimidade para se imis­
cuírem na ordem de implementação de questões legisladas. Em defesa dessa tese
advoga o constitucionalista Manoel Gonçalves Ferreira Filho que, ao colocar em
xeque a postura do Judiciário, assevera:

[...] seu poder de interferência na órbita político-administrativa o tornou


co-responsável dos insucessos ou frustrações que para a opinião pública
decorrem da má atuação do Poder. Mais, veio ele a ser visto como um
colaborador do Governo.
[...] Ou, quando decide contra as medidas deste, é por ele apontado
como responsável — a serviço da oposição — por decisões contrárias ao
interesse popular [...].
Em ambos os casos, assume uma feição de órgão político, no pior sentido
do termo.21

Também, como ferrenho defensor da separação absoluta dos Poderes,


Schmitt entende que a atribuição de soluções judiciais a problemas políticos
apenas traz prejuízos ao Poder Judiciário, pois representa mais uma “politização
da justiça” do que uma “judicialização da política”, sendo que a política nada tem
a ganhar e a justiça tem tudo a perder.22
No espaço jurídico filosófico, a questão se desenvolve por meio da tensão
entre o procedimentalismo, com emblemática referência aos posicionamentos de
Habermas, e o substancialismo, cabendo destaque aos ensinamentos de Dworkin.

21
FERREIRA FILHO. Aspectos do direito constitucional contemporâneo, p. 139.
22
SCHMITT. La defensa de la Constitución, p. 57.

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80  José Pedro Luchi, Julio Lima Souza Martins

Habermas postula que as decisões políticas devam ser construídas demo­


craticamente com base em procedimentos que garantam a participação dos
cidadãos, viabilizando, através do agir comunicativo, o que ele concebe como
sendo a identidade política da comunidade.23 Registramos, inobstante, que,
a despeito de reconhecer a tensão entre facticidade e validade, Habermas não
visualiza em seu horizonte outra legitimação senão a do Legislativo, relegando
ao Poder Judiciário a função de resolução dos conflitos unicamente com funda­
mentação na produção legal.24 Conforme vem destacando Souza Neto,25 os
procedimentalistas ainda fomentam o temor de que o controle judicial nas ques­
tões legislativas enfraqueceria o exercício da cidadania, considerando que “os
cidadãos (a partir de então) se desmobilizassem para a luta política, optando pela
busca individual de seus interesses”. Tal postura realçaria a figura do chamado
cidadão-cliente do Poder Judiciário. A forte reação procedimentalista, por outro
lado, coordena a democracia pelas vontades majoritárias, ainda que pela via da
representação.
Em extremo oposto, exsurgem os ideais substancialistas disseminando um
conceito distinto de democracia que, por estarem distantes da rígida observação
da tripartição de Poderes, erigem o Poder Judiciário como guardião dos princípios
e valores insculpidos na Constituição, bem como sendo seu papel o de verdadeiro
instrumento de transformação social. Perfilhando nessa linha, Dworkin nos apre­
senta então elementos que construtivamente agregam incentivos à inter­venção
judicial na implementação de políticas sociais, tendo em conta que tais situações
se enquadrem nos chamados casos difíceis exaustivamente discu­tidos pelo jurista
americano.
Comecemos com o que categoricamente sua teoria pontua como prece­
dência dos direitos fundamentais em relação à soberania popular,26 porquanto
tal afirmação implique relevante consequência ao tema. Considerando que
sua obra esteja impregnada do estudo da racionalidade das decisões judiciais,
Dworkin nessa passada expressamente avaliza a legitimidade jurisdicional em
questões envolvendo direitos fundamentais. Revela-nos na verdade uma espécie
de proteção aos direitos básicos contra incursões decorrentes de processos

23
HABERMAS. Racionalidade e comunicação, p. 192.
24
HABERMAS. Direito e democracia: entre facticidade e validade, v. 1, p. 169-170.
25
SOUZA NETO. A justicialidade dos direitos sociais: críticas e parâmetros. In: SOUZA NETO;
SARMENTO (Coord.). Direitos sociais fundamentos, judicialização e direitos em espécie, p. 33-34.
26
DWORKIN. Uma questão de princípios, p. 25-32.

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O papel do juiz na efetividade dos direitos sociais no Brasil – Possíveis respostas no direito e na filosofia política  81

le­gis­lativos majoritários, mercê da potencial injustiça das correspondentes


deliberações, entendendo, inclusive, que nesses casos a cessão de algumas de­
cisões para o Poder Judiciário pode ser mais benéfica para os setores excluídos
do processo democrático, como os pobres e as minorias, grupos que, segundo
verificamos, na realidade brasileira, são os que mais são afetados pela ausência
de efetividade dos direitos sociais. Mediante conjunção dessas conclusões somos
levados a perceber sua divergência da ideia de que a democracia possa provir
exclusivamente da representatividade popular. Com efeito, entendemos que
por conta do sistema de freios e contrapesos, os juízes acabam por exercer de
alguma maneira uma espécie de controle externo dos demais poderes. É nesse
sentido inclusive que Zanetti ao comentar a função judiciária diante das demais
funções consigna que existe uma verdadeira “potencialidade emancipatória
dessa configuração institucional, da revisão judicial dos atos dos demais poderes
e dos sistemas de freios e contrapesos”.27
Entretanto, ao interpretar a forma como os juízes decidem ou pelo menos
como deveriam decidir, Dworkin não comunga a intenção de que possam formular
um novo direito a cada decisão. Pelo contrário, procura distinguir a produção
da aplicação jurídica pela identificação de duas espécies de argumentos. As
deliberações do parlamento poderiam ser tomadas por argumentos políticos
ou de princípio, ao passo que nas decisões judiciais, mesmo nos casos difíceis,
deverão ser exclusivamente baseadas em argumentos de princípios, posto que,
caso contrário, os juízes “teriam liberdade para dizer que uma determinada política
pode ser adequadamente sustentada”.28 Percebemos ainda que, a despeito
de o jurista procurar definir um conjunto de padrões normativos fundado em
regras, princípios e políticas, não ocupam em sua obra maiores espaços para
de­ter­minar profundamente como seriam utilizadas as últimas no âmbito dos
aplicadores do direito. Nesse sentido, não se contenta o autor em definir que
as regras são encontradas nas normas cuja materialidade envolve um “tudo ou
nada”, vinculadas ao plano da validade, e os princípios são padrões utilizados por
uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão de moralidade.
Mais que isso, traça vários pontos e exemplos envolvendo a distinção entre
essas normas, ao passo que, ao tratar das políticas, se resume a apresentá-las
como diretrizes ou objetivos a serem alcançados, referencialmente conectados
a uma melhora econômica, política ou social da comunidade, ou, pelo menos, a

27
ZANETTI JR. Processo constitucional: o modelo constitucional do processo civil brasileiro, p. 113.
28
DWORKIN. Levando os direitos a sério, p. 138.

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82  José Pedro Luchi, Julio Lima Souza Martins

proteção de alguma marca ou característica atual contra alteração futura. Embora


considere que as decisões judiciais devam ser qualificadas pela responsabilidade
política, como já alertamos, Dworkin não aceita que argumentos dessa espécie
possam ser manejados pelo juiz na consecução do dever de julgar. Não obstante,
como já houvera considerado Dias, “não se pode, no pensamento de Dworkin,
afirmar que os objetivos devam ser considerados de modo neutro no que se
refere à violação dos direitos fundamentais”.29 Como última observação na linha
que propõe Dworkin, temos que ter em conta que os argumentos de princípios
são vocacionados à defesa do indivíduo, enquanto que argumentos políticos são
voltados à proteção do interesse coletivo.
Coordenadas as respectivas correntes de pensamento, sobreleva destacar
que, mesmo diante das divergências, enxergamos nas palavras de Habermas30
que exista um ponto de contato na maneira que compreendem o Poder Judiciário:

uma instituição estratégica nas democracias contemporâneas não limi­


tada às funções meramente declarativas do direito, impondo-se entre os
demais Poderes, como uma agência indutora de um efetivo cheks and
balances e a garantia da autonomia individual cidadã.

No contexto problematizado, conquanto sejam favoráveis os argumentos


dos substancialistas, não podemos simplesmente desconsiderar as fortes objeções
dos procedimentalistas, o que nos traz a intenção de conciliar as duas correntes,
mantendo-as em uma relação de complementariedade, desatando as amarras
que generalizam a crítica ao ativismo judicial, tendo em vista que defendemos o
credenciamento do juiz para resolução de questões sociais.
Como já havíamos anotado acerca do que Dworkin verificara sobre sobe­
rania popular e direitos fundamentais, dar conta dessa tarefa insta buscar um
ponto de equilíbrio que, de alguma forma, extirpe a tensão entre dois conceitos
distintos, democracia e constitucionalismo. Institutos que, diante do Estado
Democrático de Direito, em nosso ordenamento jurídico, se encontram agre­
gados no art. 1º da Constituição Federal.31 Se por um lado a democracia não
dis­pensa que a origem do poder soberano deva decorrer da vontade popular,
instrumentalizando-se através de representantes eleitos para tal, por outro, o

29
DIAS. Os direitos sociais básicos: uma investigação filosófica da questão dos direitos humanos,
p. 48.
30
Racionalidade e comunicação, p. 192.
31
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito [...].

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O papel do juiz na efetividade dos direitos sociais no Brasil – Possíveis respostas no direito e na filosofia política  83

constitucionalismo solidifica as ideias de limitação de poder e supremacia da lei,


o que, após a Segunda Guerra Mundial, institucionalizou progressivamente nas
constituições democráticas a dignidade humana como princípio irradiador dos
direitos fundamentais (neoconstitucionalismo).
Essa tensão se torna ainda mais inflamada a partir de duas constatações.
Primeiramente, desde o momento em que se entenda que os direitos funda­
mentais, sobre a tônica da igualdade material, devam privilegiar um mínimo
existencial, que, entendido pelos dizeres de Barroso, representariam um conjunto
de “con­dições elementares de educação, saúde e renda que permitam, em uma
deter­minada sociedade, o acesso aos valores civilizatórios e a participação escla­
recida no processo político e no debate político”.32 E, em segunda reflexão, quando
verificada a não inelegibilidade dos membros do Poder Judiciário, porquanto
sejam escolhidos por suas qualificações técnicas. Essas possíveis “inconsistências”
levam-nos a indagar se os juízes estariam então desautorizados à realização
dos direitos fundamentais, especialmente os sociais, nos moldes prescritos pelo
constitucionalismo.
Resguardados os devidos limites, entendemos que não seja esse o caso,
principalmente se pensarmos em um modelo mais amplo de democracia, com­
prometido não exclusivamente pela manifestação popular por meio do sufrágio.
De outra banda, defendemos que se compreenda tanto o parlamento como o
tribunal como espaço de representação popular. Aquele, pelo viés político, e este,
tendo um caráter mais idealístico, impõe a representação de forma argumentativa,
bem afeito à construção habermasiana de democracia deliberativa. Estabelecendo
um ponto de contato com a realidade, temos, no entanto, que sopesar que, à
margem da perfeição finalística, o ambiente parlamentar oculta contingências
que porventura podem macular a esperada higidez democrática. O perigo de
que as maiorias se imponham desconsideradamente às minorias, que as emoções
deter­minem os acontecimentos, e que dinheiro e relações de poder dominem as
decisões são fatores que potencialmente podem ensejar o cometimento de faltas
graves. É preciso neste sentido o posicionamento de Dinamarco, ao concluir que

Democracia é participação e não só pela via política do voto ou ocupação


eletiva de cargos públicos a participação pode ter lugar. Todas as formas
de influência sobre os centros de poder são participativas, no sentido

BARROSO. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gra­


32

tuito de medicamentos e parâmetros para atuação judicial. In: SOUZA NETO; SARMENTO (Coord.).
Direitos sociais fundamentos, judicialização e direitos em espécie, p. 881.

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84  José Pedro Luchi, Julio Lima Souza Martins

que representam algum peso para a tomada de decisões; conferir ou


conquistar a capacidade de influir é praticar democracia.33

Pugnando com argumentações mais pragmáticas, Souza Neto nos propõe a


chamada ampliação do diálogo institucional, imprimindo em poucas linhas o que
seria uma possível diretriz institucional para a atuação judiciária:

As decisões que determinam a entrega de prestações públicas devem ser


constituídas a partir de um diálogo que envolva não apenas as partes
formalmente incluídas no processo, mas também a ampla gama de
profissionais e usuários que se inserem no contexto em que a decisão
incidirá.34

Ao perfilhar um comportamento contramajoritário, um tribunal que se


declara contrário às referenciadas “imperfeições do sistema” não se dirige contra
o povo senão, em nome do povo, contra seus representantes políticos. Ele não só
faz valer negativamente o que no processo político, segundo critérios jurídico-
humanos e jurídico-fundamentais, fracassou, mas também exige positivamente
que os cidadãos aprovem os argumentos do tribunal se eles aceitarem um discurso
jurídico-constitucional racional. A representação argumentativa dá certo quando
o tribunal constitucional é aceito como instância de reflexão do processo político.
Situação correspondente àquelas em que os argumentos do tribunal encontram
eco na coletividade e nas instituições políticas, na medida em que conduzem
a reflexões e discussões que resultam em convencimentos examinados. Se um
processo de reflexão entre coletividade, legislador e tribunal constitucional se
estabiliza duradouramente, pode ser falado de uma institucionalização que deu
certo dos direitos do homem no Estado constitucional democrático. Diante dessas
argumentações, a nosso ver, os direitos fundamentais sociais e a democracia
estariam harmonizados.

5  Direitos sociais na práxis judicial brasileira


Por todas as linhas de argumentação jurídico-filosóficas percorridas, acre­
ditamos que não parece difícil sustentar uma participação proativa do juiz ou
tribunal na realização dos direitos sociais. Resta-nos, no entanto, apresentar
quando e como a atuação judicial positiva deva se suceder.

DINAMARCO. A instrumentalidade do processo, p. 171.


33

SOUZA NETO, 2008, p. 546.


34

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O papel do juiz na efetividade dos direitos sociais no Brasil – Possíveis respostas no direito e na filosofia política  85

Com relação à primeira indagação, defendemos a ideia de que, a pretexto da


separação dos Poderes, existam, de fato, certos limites ao julgamento referenciados
na avaliação de seus efeitos, levando em conta quais serão suas potenciais con­
sequências. Resultados que, não nos é permitido olvidar (assim como não o é ao
juiz), poderão refletir consideravelmente no planejamento orçamentário da esfera
política de poder com competência implicada pela omissão. É nesse sentido que
Barroso, tecendo comentários sobre o direito à saúde no Brasil, nos alerta acerca
da prolação de decisões judiciais em matéria social desprovidas da realidade ao
constatar que

o sistema, no entanto, começa a apresentar sintomas graves de que pode


morrer da cura, vítima do excesso de ambição, da falta de critérios e de
voluntarismos diversos. Por um lado, proliferam decisões extravagantes
ou emocionais que condenam a Administração ao custeio de tratamentos
irrazoáveis — seja porque inacessíveis, seja porque destituídos de essen­
cialidade —, bem como de medicamentos experimentais ou de eficácia
duvidosa, associados a terapias alternativas. Por outro lado, não há
um critério firme para a aferição de qual entidade estatal — deve ser
responsabilizada pela entrega de cada tipo de medicamento.35

Mais adiante, em visão prospectiva, acrescenta:

Tais excessos e inconsistências não são apenas problemáticos em si. Eles


põem em risco a própria continuidade das políticas de saúde pública,
desorganizando a atividade e impedindo a alocação racional dos escassos
recursos públicos.36

Assentados certos cuidados, levantamos algumas questões práticas perti­


nentes à questão, razão pela qual tomamos no ordenamento jurídico dois
re­médios constitucionais destinados a alcançar a integridade do texto constitu­
cional. Referimo-nos ao mandado de injunção37 cujo efeito se consuma entre as
partes (controle difuso) e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão38

35
BARROSO, 2007, p. 875-876.
36
BARROSO, 2007, p. 876.
37
Art. 5º [...]
LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne
inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à
nacionalidade, à soberania e à cidadania;
38
Art. 103. [...]
§2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma
constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias
e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 69-91, out./dez. 2013
86  José Pedro Luchi, Julio Lima Souza Martins

com efeitos erga omnes (apreciada em controle concentrado pela Suprema Corte).
Atentos a essas especificidades (menos pelo objeto da demanda e justamente
pelo alcance subjetivo dessas decisões) é que entendemos residirem os limites
do que eventualmente possa ser contemplado em termos sociais no âmbito
do Poder Judiciário. Impõe-se, por isso, uma observação dos dois extremos da
questão. Se por um lado possa se adequar nos limites da razoabilidade que uma
sen­tença em mandado de injunção determine o fornecimento pelo Poder Público
de medicamentos a um cidadão desvalido, por outro, reserva-se bastante cautela
para que a Suprema Corte, em uma ação declaratória de inconstitucionalidade
por omissão, declare a omissão do Poder Público consoante à carência de leitos
em hospitais públicos e como tal tenha o ônus de suprir a demanda a nível na­
cional. É certo que nesse último exemplo as prerrogativas judiciais se limi­tariam
meramente a cientificar o poder competente para que sejam adotadas provi­
dências necessárias a suprir a omissão, sem, no entanto, imputar sanção ou res­
ponsabilidade pela eventual contumácia. Contudo, quais seriam as conse­quências
se a mesma decisão fosse proferida em sede de ação civil pública39 ajuizada pelo
Ministério Público? Avaliando os efeitos que uma decisão judicial favorável dessa
monta poderia causar nas contas públicas, no Brasil, identificamos minimamente
a procedência de ações coletivas dessa natureza, o que não nos obsta de destacar
julgado relativamente recente em que a Segunda Turma do STJ reconheceu a
possibilidade de determinação judicial assegurar a efetivação de direito funda­
mentais, mesmo que impliquem custos ao orçamento do Executivo. Trata-se do
Recurso Especial nº 1185474, de 2010, interposto pelo Município de Criciúma
contra decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina; a questão teve origem
em ação civil pública na qual o Parquet peticionava para que a municipalidade
garantisse o direito constitucional de crianças de zero a seis anos de idade serem
atendidas em creches e pré-escolas. No recurso, o Município alegara violação
a artigos de lei que estabelecem as diretrizes e bases da educação nacional, ao
princípio da separação dos Poderes e à regra que veda o início de programas
ou projetos não incluídos na Lei Orçamentária Anual. Além disso, sustentou que
as políticas sociais e econômicas condicionam a forma com que o Estado deve
garantir o direito à educação infantil.

39
Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de respon­
sabilidade por danos morais e patrimoniais causados: [...]
IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.

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O papel do juiz na efetividade dos direitos sociais no Brasil – Possíveis respostas no direito e na filosofia política  87

Em contrapartida, o Ministro Relator, Humberto Martins, apresenta funda­


mentos compatíveis à tese pugnada neste artigo e, dado à clareza, merecem
transcrição de alguns trechos:

[...] Todavia, observa-se que a dimensão fática da reserva do possível é


questão intrinsecamente vinculada ao problema da escassez. Esta pode
ser compreendida como “sinônimo” de desigualdade. Bens escassos são
bens que não podem ser usufruídos por todos e, justamente por isso,
devem ser distribuídos segundo regras que pressupõe o direito igual ao
bem e a impossibilidade do uso igual e simultâneo.
3. Esse estado de escassez, muitas vezes, é resultado de um processo
de escolha, de uma decisão. Quando não há recursos suficientes para
prover todas as necessidades, a decisão do administrador de investir
em determinada área implica escassez de recursos para outra que não
foi contemplada. A título de exemplo, o gasto com festividades ou pro­
pagandas governamentais pode ser traduzido na ausência de dinheiro
para a prestação de uma educação de qualidade.
4. É por esse motivo que, em um primeiro momento, a reserva do possível
não pode ser oposta à efetivação dos Direitos Fundamentais, já que,
quanto a estes, não cabe ao administrador público preteri-los em suas
escolhas. Nem mesmo a vontade da maioria pode tratar tais direitos
como secundários. Isso, porque a democracia não se restinge na vontade
da maioria. O princípio do majoritário é apenas um instrumento no
pro­cesso democrático, mas este não se resume àquele. Democracia é,
além da vontade da maioria, a realização dos direitos fundamentais. Só
haverá democracia real onde houver liberdade de expressão, pluralismo
político, acesso à informação, à educação, inviolabilidade da intimidade,
o respeito às minorias e às ideias minoritárias etc. Tais valores não podem
ser mal­feridos, ainda que seja a vontade da maioria. Caso contrário, se
estará usando da “democracia” para extinguir a Democracia.
5. Com isso, observa-se que a realização dos Direitos Fundamentais não
é opção do governante, não é resultado de um juízo discricionário nem
pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade
política. Aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade
humana não podem ser limitados em razão da escassez quando esta
é fruto das escolhas do administrador. Não é por outra razão que se
afirma que a reserva do possível não é oponível à realização do mínimo
existencial.

Despicienda qualquer dúvida de que o acórdão esteja com fundamentação


idônea diante da situação em concreto, com finalidade unicamente didática
poderíamos conjecturar acerca da racionalidade jurídica intrínseca ao julgado, na
medida em que pretendamos descobrir como o juiz deva justificar uma decisão
favorável à implementação dos direitos sociais. Refletindo sobre tais premissas e

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 69-91, out./dez. 2013
88  José Pedro Luchi, Julio Lima Souza Martins

até pelo teor do trecho que colacionamos, não vislumbramos que, a despeito da
grande aceitação entre os juristas, a teoria da ponderação de valores construída por
Alexy seja solução adequada a esses casos. É que nessas situações, mesmo sendo
latente a tensão versando sobre o mínimo existencial do indivíduo e o princípio
da reserva do possível, não há que se falar em colisão de princípios, cujo conteúdo
valorativo possa ser apreciado sob a ótica da dimensão de peso, de modo que
por um raciocínio de otimização possamos levar a efeito um dos mandados tanto
quanto possível não se restrinja o grau de intensidade do outro.40 Consignamos,
entretanto, que não estamos querendo dizer que os direitos fundamentais sociais
tenham caráter absoluto e que por isso sempre prevalecerão sobre a alegação de
escassez financeira para levar a cumprimento uma decisão dessa natureza.
Com efeito, acreditamos que a racionalidade do juiz deva perpassar por
outros critérios que objetivamente indiquem em quais casos os direitos à saúde, à
educação, à moradia, entre outros, terão que ser assumidos pelo Estado por meio
de uma obrigação de fazer. Para tanto é que relacionamos como extremamente
providenciais alguns dos parâmetros articulados por Souza Neto,41 como forma
de equilibrar o ativismo judicial nas políticas públicas e os excessos decorrentes
de decisões judiciais descabidas, muitas vezes desprendidas de senso de respon­
sabilidade perante o interesse público. Dentro da ideia que partilhamos e que
nos parece consistente, apresenta o autor, por exemplo, que as intervenções
sejam restritas em sua legitimidade ativa aos hipossuficientes, posto que nesses
casos existiria um verdadeiro interesse de agir, dada a condição deficitária do
postulante. Concordamos também que deva ser priorizada a solução mais eco­
nômica perante a Administração, entre as eficazes, considerando que entre duas
medidas que atendam a determinada questão social seja adotada a que menos
onere os cofres públicos. No âmbito das ações coletivas que, em certo ponto, são
passíveis de universalização da prestação (por isso sendo preferíveis às individuais)
e sob determinados aspectos estimulam atuação conjunta de seguimentos da
sociedade civil, diferentemente do que pensa o referido autor, entendemos que
o juiz não deve desconsiderar o impacto econômico de uma eventual decisão
favorável. Souza Neto ainda sustenta que na esfera individual, a intervenção
judicial deve se restringir àqueles litígios cuja omissão possa causar dano irre­
ver­sível à parte peticionante. Tal como destaca, “é imprescindível a concessão do

40
ALEXY. Teoria dos direitos fundamentais.
41
SOUZA NETO. A justicialidade dos direitos sociais: críticas e parâmetros. In: SOUZA NETO;
SARMENTO (Coord.). Direitos sociais fundamentos, judicialização e direitos em espécie, p. 534-546.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 69-91, out./dez. 2013
O papel do juiz na efetividade dos direitos sociais no Brasil – Possíveis respostas no direito e na filosofia política  89

ensino pré-escolar na idade própria e a entrega de medicamentos a tempo para


preservar a saúde”.42 Sugestionando contornos às questões processuais, Souza
Neto adverte que o “argumento da reserva do possível não é admissível quando
formulado abstratamente”,43 fundamentando que, em sendo alegado, o ônus da
prova da escassez de recursos caberia à Administração Pública.

6 Conclusões
A despeito de verificarmos a disponibilidade de extensa literatura que se
propõe a tratar dos direitos fundamentais sociais na ótica do Poder Judiciário,
alguns com cunho estritamente jurídico, outros com viés filosófico, a intenção do
texto foi explorar o assunto sem uma inflexão específica. Abordamos, contudo,
aspectos que de alguma maneira pudessem influir em uma conduta mais pre­
pon­derante dos juízes e tribunais na condução das prestações sociais no Brasil,
tendo em conta que, distante da realidade dos países desenvolvidos, aqui ainda
encontramos um ambiente hostil cujas peculiaridades, diante da abissal desi­
gualdade entre pobres e ricos, devem nortear não apenas a atividade judicial,
mas a conduta de todos os Poderes, incluindo o Parquet como quarto Poder,
no sentido de que os recursos, apesar de escassos, sejam mais adequadamente
compartilhados.
Assim, convictos de que tenhamos demonstrado a importância capital dos
direitos sociais nos aspectos histórico e jurídico-filosófico e confiando na fun­cio­
nalidade do modelo democrático arquitetado por Habermas, ressaltamos que a
plenitude dos direitos sociais constitui via indissociável ao exercício da autonomia
pública, condição que, caso esteja corrompida, poderá comprometer o próprio
Estado Democrático de Direito.
Por derradeiro, saudando um conceito mais amplo de democracia, a partir
da harmonização com o constitucionalismo, e com isso trazendo elementos que
justifiquem uma posição favorável ao ativismo judicial na área social, remetemos
à consideração das consequências das decisões ao patrimônio público como um
dos fatores a serem considerados na apreciação motivada dos juízes. Premissa que
não consideramos a única, uma vez que, a título exemplificativo, apresentamos
algumas possíveis circunstâncias a serem apreciadas preliminarmente pelo apli­
cador do direito no momento da prolação do decisum.

SOUZA NETO, 2008, p. 544.


42

SOUZA NETO, 2008, p. 545.


43

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 69-91, out./dez. 2013
90  José Pedro Luchi, Julio Lima Souza Martins

The Judge’s Role in the Effectiveness of Social Rights in Brazil – Possible


Answers on Law and Political Philosophy

Abstract: Bringing elements that denote the indispensability of social rights


in the implementation of the democratic rule of law, the reflection intends to
discuss how the issue also permeates the judiciary. At first, we looked through
a legal-philosophical perspective, identifying the locus of social rights in an
ideal of deliberative democracy proposed by Habermas, consigning that,
given the conditions of contemporary Brazilian society, judges play a role in
rebuilding the unconditional autonomy of public citizen, in the expectation
that, in fact, may make it possible to decrease the considerable deficit in
the social area. Then, with a similar goal, we justify the relaxation of judicial
activism through conciliation between democracy and fundamental rights,
in the intention of providing more effective social rights. Precedence does not
inhibit the proposition this job parameters that somehow can limit judicial
management of public policies and, as a consequence, the conditions ensure
the full exercise of democracy.

Key words: Social rights. Governamental policies. Legitimacy. Limits.


Judiciary.

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R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 69-91, out./dez. 2013
O papel do juiz na efetividade dos direitos sociais no Brasil – Possíveis respostas no direito e na filosofia política  91

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

LUCHI, José Pedro; MARTINS, Julio Lima Souza. O papel do juiz na efetividade dos direitos
sociais no Brasil: possíveis respostas no direito e na filosofia política. Revista Brasileira de Direito
Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 69-91, out./dez. 2013.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 69-91, out./dez. 2013
As Ações Coletivas no Direito brasileiro
contemporâneo – De onde viemos, onde
estamos e para onde vamos?

Andre Vasconcelos Roque


Doutorando e Mestre em Direito Processual pela UERJ.
Professor de Direito Processual Civil em cursos de pós-graduação.
Membro do IBDP, CBAr e IAB. Advogado.

Resumo: O tema das ações coletivas, nas últimas décadas, vem recebendo
destaque cada vez maior na doutrina brasileira. O desenvolvimento da tutela
coletiva no Brasil foi marcado por três grandes momentos: a aprovação da Lei
da Ação Civil Pública em 1985, a promulgação da Constituição da República
de 1988, e o advento do Código de Defesa do Consumidor em 1990. No
entanto, embora não sejam poucos os méritos, os processos coletivos no
Brasil falharam em sua promessa de proporcionar uniformidade de decisões,
celeridade e economia processual. O presente artigo, assim, visa a investigar
quais são as perspectivas para as ações coletivas no Brasil, destacando o
recente desenvolvimento de um microssistema de processos coletivos, as
tentativas de codificação sobre a matéria e o papel que elas desempenharão
no futuro, junto com outros meios de resolução coletiva de litígios.

Palavras-chave: Ações coletivas. Microssistema. Reformas legislativas. Inci­dente


de resolução de demandas repetitivas.

Sumário: 1 De onde viemos – 2 Onde estamos – 3 Para onde vamos? –


4 Con­si­derações finais – Referências

1  De onde viemos
O tema das ações coletivas, nas últimas décadas, vem recebendo destaque
cada vez maior na doutrina brasileira. Mesmo a partir das discussões que se
desenvolvem sobre o novo Código de Processo Civil, que concentrou sua atenção
em outro instituto voltado à resolução de litígios de massa (o “incidente de reso­
lução de demandas repetitivas”), não se arrefeceram os debates sobre os novos
rumos da tutela coletiva no Brasil, suas perspectivas e dificuldades. A rejeição, pela
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 93-120, out./dez. 2013
94  Andre Vasconcelos Roque

nº 5.139/2009, que propunha uma nova Lei da Ação Civil Pública, foi apenas uma
etapa (negativa?) no lento processo de aprimoramento da tutela coletiva no Brasil.
Uma ação coletiva, por definição, envolve a tutela de interesses compar­
tilhados por outras pessoas, que não atuam formalmente no processo.1 Em
qualquer ação dessa natureza, a pretensão deduzida estará vinculada a uma
coletividade, categoria, classe ou grupo, bem como a indivíduos, não pertencendo
o bem tutelado, com exclusividade, às partes formais do processo. Diferencia-se
o instituto em questão do litisconsórcio, na medida em que tal fenômeno seria
incapaz de tutelar de forma minimamente eficiente e adequada os interesses
de milhares ou até mesmo de milhões de pessoas em um único processo, sem
comprometer seu bom andamento e sua razoável duração.
Sem dúvida nenhuma, o direito brasileiro ocupa papel de destaque entre os
países da civil law no âmbito das ações coletivas. Não é a oportunidade adequada
para se apresentar um exame histórico detalhado da matéria no Brasil, mas não se
poderia deixar de destacar três diplomas que foram essenciais para a consolidação
da tutela coletiva no país: a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85), a Constituição
da República de 1988 e o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90). Ao
longo dos últimos vinte anos, não apenas foram aprovadas estas e outras leis
importantíssimas, como se despertou o interesse de substanciosa doutrina sobre
o tema. O assunto desponta, a todo momento, em inúmeras monografias, disser­
tações de mestrado, teses de doutoramento e artigos específicos.2
Em linhas gerais, as ações coletivas brasileiras se desenvolveram a partir das
class actions norte-americanas, mas por via indireta, principalmente através dos
estudos da doutrina italiana na década de setenta do século passado.3 Embora já
existisse no Brasil a Lei da Ação Popular desde a década anterior (Lei nº 4.717/1965),
até aquele momento a doutrina ainda não havia voltado as suas atenções para o
estudo dos interesses coletivos e da sua tutela em juízo.4

1
Segundo MENDES. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito comparado
e nacional, p. 30, a noção de legitimidade extraordinária (que se caracteriza pela falta de coinci­
dência entre as partes da relação jurídica processual e as partes da relação jurídica de direito
material defendida em juízo) seria essencial à definição de uma ação coletiva.
2
V. VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Defendant class action brasileira: limites propostos para o
“Código de Processos Coletivos”. In: GRINOVER; MENDES; WATANABE (Org.). Direito processual
coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, p. 308-309.
3
V. GRINOVER. Significado social, político e jurídico da tutela dos interesses difusos. In: GRINOVER.
A marcha do processo, p. 17-23, reproduzido em GRINOVER et al. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor comentado, p. 792-797.
4
V. MENDES. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito comparado e
nacional, p. 192.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 93-120, out./dez. 2013
As Ações Coletivas no Direito brasileiro contemporâneo – De onde viemos, onde estamos e para onde vamos?  95

Os estudos da doutrina italiana sobre o tema durante os anos setenta


foram aqui recebidos por importantes processualistas. O desenvolvimento da
pro­blemática atinente à proteção dos interesses coletivos, difusos e individuais
homogêneos foi marcado pelo pioneiro estudo do mestre José Carlos Barbosa
Moreira, intitulado “A ação popular do direito brasileiro como instrumento de
tutela jurisdicional dos chamados ‘interesses difusos’” e publicado originalmente
ao final da década de setenta.5 Em síntese, tal estudo estabeleceu uma tipologia
dos interesses supraindividuais, refletindo na classificação legal adotada anos
mais tarde pelo art. 81 do Código de Defesa do Consumidor.6
Ainda no final da década de setenta do século XX também se destacaram
no estudo do tema os não menos eminentes juristas Ada Pellegrini Grinover e
Waldemar Mariz de Oliveira Júnior, que publicaram importantes trabalhos, em
que buscavam desbravar os novos conceitos e questões envolvidas na tutela juris­
dicional dos interesses coletivos e difusos.7 Os esforços e o ativismo da doutrina
processualista, aliados à fase de redemocratização e de fortalecimento dos
novos direitos por que passava o Brasil na década seguinte, criaram as condições
ideais para o desenvolvimento da tutela coletiva.8 O Ministério Público começou
também a chamar para si novas responsabilidades, como a proteção ambiental
e ao patrimônio público, indo além da tradicional persecução penal e da defesa
dos incapazes.9

5
V. MOREIRA. A ação popular do direito brasileiro como instrumento de tutela jurisdicional dos
chamados “interesses difusos”. In: MOREIRA. Temas de direito processual: primeira série, p. 110-123.
6
V. nesse sentido MOREIRA. A ação popular do direito brasileiro como instrumento de tutela
jurisdicional dos chamados “interesses difusos”. In: MOREIRA. Temas de direito processual: primeira
série, especialmente p. 111-113, refletindo sobre hipóteses que caracterizam os atuais direitos
difusos e coletivos stricto sensu. Por outro lado, a noção de direitos individuais homogêneos
constitui uma inovação do sistema jurídico brasileiro, em certa medida inspirado neste aspecto
nas class actions americanas de tipo (b)(3). [WATANABE, Kazuo. Disposições gerais (arts. 81 a 90).
In: GRINOVER et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado, p. 826].
7
V. GRINOVER. A tutela jurisdicional dos interesses difusos. In: GRINOVER. Novas tendências do di­reito
processual (estudo publicado originalmente em 1979) e OLIVEIRA JR. Tutela jurisdicional dos interesses
coletivos e difusos. Revista de Processo (trabalho publicado originalmente em 1978).
8
V. MENDES. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito comparado e
nacional, p. 193; DIDIER JR.; ZANETI JR. Curso de direito processual civil, v. 4, p. 30. Segundo pondera
Márcio Flávio Mafra Leal, não houve propriamente um movimento social para o desenvolvimento
das ações coletivas no Brasil, mas sim uma “revolução” de professores e profissionais do Direito,
influenciados pelos estados da doutrina italiana (Ações coletivas: história, teoria e prática, p. 184).
No entanto, se não fossem as condições sociais e históricas de redemocratização do Brasil na
época, é provável que os processos coletivos tivessem ficado confinados aos círculos acadêmicos.
9
V. MENDES. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito comparado e nacio­
nal, p. 193.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 93-120, out./dez. 2013
96  Andre Vasconcelos Roque

2  Onde estamos
Como já visto acima, o desenvolvimento da tutela coletiva no Brasil foi
marcado por três grandes momentos: a aprovação da Lei da Ação Civil Pública
em 1985, a promulgação da Constituição da República de 1988, e o advento do
Código de Defesa do Consumidor em 1990.10 Passados mais de vinte anos desde
a aprovação da Lei de Ação Civil Pública, o direito brasileiro consolidou-se em
uma posição de vanguarda na matéria. A experiência do Brasil influenciou outros
países, sobretudo na América Latina, a prestigiarem e consolidarem a tutela de
direitos e interesses transindividuais em seus ordenamentos jurídicos.11
A legislação brasileira atual em termos de ações coletivas, que se encontra
estruturada basicamente na Lei de Ação Civil Pública e no Código de Defesa do
Consumidor, revela extraordinários méritos. Em primeiro lugar, o art. 81 do Código
consumerista estabelece uma definição legal do que constituem os interesses e
direitos difusos e coletivos stricto sensu, evitando controvérsias que ainda não
foram bem resolvidas até hoje em outros países.12 Além disso, inovando em
relação à doutrina italiana clássica, previu uma categoria dos chamados direitos e
inte­resses individuais homogêneos, em certa medida inspirada nas class actions
ameri­canas de categoria (b)(3), permitindo assim que direitos individuais de
origem comum pudessem ser coletivamente tutelados em um único processo,
com o objetivo de promover o acesso à justiça, a economia processual e uni­for­
midade das decisões.

10
Evidentemente, o presente estudo não tem por objetivo apresentar um exame histórico
detalhado das ações coletivas no Brasil. Sobre o tema, entre muitos outros, v. MENDES. Ações
coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito comparado e nacional, p. 191-200;
LEAL. Ações coletivas: história, teoria e prática, p. 183-187; LENZA. Teoria geral da ação civil pública,
p. 150-158; DINAMARCO. Ação civil pública, p. 36-40; LEONEL. Manual do processo coletivo, p. 52-55
e MANCUSO. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas, p. 47-55.
11
De uma forma geral, a influência foi sentida de forma indireta, passando sobretudo pelos prin­
cípios do Código Modelo de Processo Civil para Ibero-América, que incorporou a ideia brasileira
da tutela jurisdicional dos interesses difusos, com algumas modificações. Nesse sentido,
relatando a influência do Código Modelo sobre as legislações do Uruguai, Argentina, Portugal,
Chile, Paraguai, Peru, Venezuela e Colômbia, em maior ou menor extensão [GRINOVER. Código
modelo de processos coletivos para ibero-américa: exposição de motivos. In: LUCON (Coord.).
Tutela coletiva: 20 anos da Lei da Ação Civil Pública e do Fundo de Defesa de Direitos Difusos: 15
anos do Código de Defesa do Consumidor, p. 26-27].
12
Segundo José Carlos Barbosa Moreira, os direitos difusos eram conhecidos ao final da década
de setenta na doutrina italiana como um “personagem absolutamente misterioso” (MOREIRA.
A ação popular do direito brasileiro como instrumento de tutela jurisdicional dos chamados
“interesses difusos”. In: MOREIRA. Temas de direito processual: primeira série, p. 113). A expressão
é encontrada em VILLONE. La collocazione istituzionale dell’interesse diffuso. In: GAMBARO. La
tutela degli interessi diffusi nel diritto comparato, p. 73.

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As Ações Coletivas no Direito brasileiro contemporâneo – De onde viemos, onde estamos e para onde vamos?  97

Ainda que se possa eventualmente questionar se o direito pátrio andou bem


ou não em estabelecer uma categorização apriorística de direitos que podem ser
tutelados em processos coletivos,13 não há dúvidas de que a solução prevista
representou uma louvável tentativa de superação das controvérsias doutrinárias
então existentes.14
Além de romper, ainda que em parte,15 com o dogma do processo indi­vi­dua­
lista, preocupado apenas em resolver conflitos atomizados, não mole­cu­larizados,16
a legislação brasileira ainda revela outros méritos. Algumas disposições do CDC
são muito interessantes.
Um exemplo é o regime da coisa julgada, em que não se aderiu à siste­má­
tica pro et contra (com a formação de coisa julgada material erga omnes inde­
pendentemente do resultado), nem à alternativa do modelo secundum eventum
litis (em que somente haverá formação de coisa julgada material em caso de vitória
do grupo). O legislador brasileiro procurou contornar os inconvenientes dos dois
modelos clássicos, ao estabelecer um regime peculiar, no qual a coisa julgada
opera com eficácias diferentes nos planos coletivo e individual. No plano coletivo,
a coisa julgada se apresenta pro et contra, impedindo que sejam repropostas
ações coletivas idênticas por qualquer dos colegitimados, independentemente
do resultado da demanda.17 Entretanto, a extensão de seus efeitos à esfera jurídica
dos membros da coletividade terá eficácia secundum eventum litis, somente para
beneficiar o grupo (art. 103 do CDC). Embora talvez seja a hora de repensar o
regime da coisa julgada nas ações coletivas brasileiras,18 não se pode deixar de
reconhecer que a solução apresentada é bem interessante.

13
Para uma crítica ampla sobre o tema, v. ROQUE. Class actions: ações coletivas nos Estados Unidos:
o que podemos aprender com eles?, p. 542 et seq.
14
V. MANCUSO. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir, p. 82-86.
15
A ressalva é importante porque a legislação brasileira em matéria de ações coletivas ainda não
conseguiu romper completamente as amarras do processo individual. Nesse sentido, entre
outros, v. ALMEIDA. Codificação do direito processual coletivo brasileiro, p. 109 (entendendo que
nem mesmo as recentes propostas de sistematização, analisadas a seguir, conseguiram romper
com os dogmas do processo individual regulado no CPC).
16
A expressão é utilizada por Kazuo Watanabe (Demandas coletivas e os problemas emergentes da
práxis forense. Revista de Processo, p. 23).
17
Salvo na hipótese de improcedência por insuficiência de provas em relação às ações para defesa
de direitos e interesses difusos e coletivos, hipótese em que não haverá a formação de coisa
julgada material (coisa julgada secundum eventum probationem) e uma nova ação coletiva poderá
ser proposta por qualquer um dos legitimados ativos, desde que se apresente nova prova.
18
Sobre o ponto, confira-se, amplamente, ROQUE. Class actions: ações coletivas nos Estados Unidos:
o que podemos aprender com eles?, p. 590 et seq.

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98  Andre Vasconcelos Roque

Apesar dos méritos da legislação sobre ações coletivas no Brasil, há ainda


muito a se fazer. A experiência brasileira na matéria se amadureceu razoavel­
mente, mas também revelou sérias deficiências de nosso sistema. Uma das
dificul­dades observadas na prática tem sido o tempo de tramitação das ações
civis pú­blicas. Muito embora se trate de uma questão comum a todo o processo
civil, que ainda não recebeu o equacionamento devido em muitos outros países
mundo afora,19 sendo ilusão imaginar que a morosidade da justiça seria um pro­
blema exclusivamente nacional, não se pode também ignorar que o problema
assume feições ainda mais graves e patológicas no âmbito das ações coletivas
brasileiras.
Além disso, embora seja verdade que a legislação brasileira teria rompido,
pelo menos em parte, com o dogma de um processo eminentemente individua­
lista, não se pode deixar de considerar que nenhuma ruptura ocorre sem resis­
tência. Inicialmente, alguns juristas e juízes apontaram obstáculos aparentemente
insu­pe­ráveis nas ações coletivas ou consideraram que estava sendo instituído
um injusto privilégio contra o réu, especialmente em relação ao regime da coisa
julgada.20 Nada obstante, o fortalecimento dos novos direitos e o processo de
rede­mocratização no Brasil ao final da década de oitenta do século XX criaram
um am­biente propício para que pouco a pouco fosse superada a resistência dos
mais con­servadores.
Muito mais grave do que a resistência de alguns juristas e juízes foi constatar
que a legislação processual, construída sobre alicerces individualistas, precisava
ser conformada à nova realidade. Embora o Código de Defesa do Consumidor
disciplinasse vários aspectos das ações coletivas, diversos institutos permanecem
regulados somente no Código de Processo Civil. Coube à doutrina e à juris­
pru­dência a árdua tarefa de revisitar os institutos do processo civil individual e
adaptá-los gradativamente para a realidade das ações coletivas, nem sempre com
resultados animadores. Evidência disso são os problemas observados na prática
quanto à litispendência, conexão, continência e prevenção, institutos ainda não
disciplinados de forma satisfatória nas demandas coletivas. Não é incomum,
por exemplo, que várias ações civis públicas, concomitantes ou sucessivas,

19
V. amplamente, sobre as causas da morosidade dos processos judiciais: ROQUE. A luta contra o
tempo nos processos judiciais: um problema ainda à busca de uma solução. Revista Eletrônica de
Direito Processual.
20
V., por exemplo, MESQUITA. Na ação do consumidor, pode ser inútil a defesa do fornecedor.
Revista do Advogado, reeditado em uma coletânea de obras do autor: Teses, estudos e pareceres de
processo civil (v. 3, p. 221-225).

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As Ações Coletivas no Direito brasileiro contemporâneo – De onde viemos, onde estamos e para onde vamos?  99

sejam processadas em diferentes juízos, ocasionando decisões contraditórias,


harmonizadas apenas nas instâncias superiores.21
A própria legislação sobre processos coletivos apresenta sérias deficiências
em alguns aspectos. No Brasil, em sede de direitos e interesses individuais homo­
gêneos, a lei se satisfaz com a publicação de um edital no Diário Oficial, convo­
cando os interessados a intervirem como litisconsortes na ação coletiva, se
qui­serem. Segundo o art. 94 do CDC, outros meios de comunicação são possíveis,
mas apenas a publicação do edital é obrigatória. A deficiência da forma de comu­
nicação se afigura evidente: a presunção de conhecimento a todos pela simples
publicação no Diário Oficial transmuda-se em verdadeira ficção jurídica.22 Com
exceção dos casos de repercussão na mídia, é provável que os interessados nunca
tomem ciência da ação civil pública e jamais se habilitem para liquidar indivi­
dualmente a condenação genérica, em caso de procedência do pedido (art. 97
do CDC).23
Pior: como o sistema de vinculação na lei brasileira não adota como refe­
rência a ação coletiva, preferindo levar em consideração a conduta dos autores
individuais em suas ações singulares, o problema se potencializa. Ao não adotar
nem o sistema de inclusão (opt-in), nem o de exclusão (opt-out), o prazo de trinta

21
V. GRINOVER. Rumo a um Código Brasileiro de Processos Coletivos: exposição de motivos.
In: LUCON (Coord.). Tutela coletiva: 20 anos da Lei da Ação Civil Pública e do fundo de defesa
de direitos difusos: 15 anos do Código de Defesa do Consumidor, p. 1. O exemplo dos casos
envolvendo a discussão sobre as assinaturas de telefonia fixa é bastante eloquente. Segundo
um estudo empírico realizado pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais (CEBEPEJ),
presidido por Kazuo Watanabe, foram propostas vinte e seis ações coletivas de idêntico objeto
contra a Telesp, tanto na Justiça Estadual como Federal. As várias ações coletivas ajuizadas,
todavia, não foram capazes de conter a sangria de milhares de ações individuais também
questionando a legalidade da assinatura telefônica, sobretudo nos Juizados Especiais Cíveis. As
dúvidas envolvendo qual seria o juízo competente, a possibilidade de reunião das ações coletivas
e mesmo de suspensão dos processos individuais ensejaram o Conflito de Competência nº
48.177/SP, apreciado pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça. V. STJ, CC nº 48.177/SP,
1ª S, Rel. Min. Francisco Falcão, rel. p/ ac. Min. Teori Albino Zavascki, j. 14.09.2005, DJ, 05 jun. 2006
e o estudo do CEBEPEJ. Tutela judicial dos interesses metaindividuais: ações coletivas, p. 62 et seq.
22
V., entre outros, VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Alguns aspectos sobre a ineficácia do
procedimento especial destinado aos interesses individuais homogêneos. In: MILARÉ (Coord.). A
ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafios, p. 328-329.
23
A propósito, defende Paulo Cézar Pinheiro Carneiro que o direito à informação desponta, ao
mesmo tempo, como ponto de partida (no campo individual) e ponto de chegada (nas ações
coletivas) rumo ao efetivo acesso à justiça. Ponto de partida porque, sem ele, vários direitos
não seriam reclamados em ações individuais. E ponto de chegada porque eventuais direitos
reclamados nas ações coletivas precisam ser conhecidos pelos interessados, para que eles
possam usufruir da tutela jurisdicional (CARNEIRO. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e
ação civil pública, p. 54-55).

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100  Andre Vasconcelos Roque

dias previsto no art. 104 do CPC para que o autor requeira a suspensão de sua
demanda individual passa a ser ilusório.24 Ainda que se entenda que a publicação
do edital no Diário Oficial bastaria para dar início ao prazo previsto no disposi­tivo,
provavelmente poucas pessoas terão conhecimento efetivo da demanda cole­
tiva e menos indivíduos ainda suspenderiam seus processos. O resultado dessa
equação é trágico: várias ações civis públicas e individuais sobre a mesma questão
tramitam ao mesmo tempo em diversos juízos, comprometendo seriamente os
objetivos da tutela coletiva.
Finalmente, não se pode desprezar a resistência do Poder Público às ações
coletivas.25 Nesse sentido, o principal recuo sofrido nos últimos anos se deu
quando o art. 16 da Lei de Ação Civil Pública foi modificado, para dispor que a
coisa julgada erga omnes ficaria restrita aos limites da competência territorial do
órgão prolator.26
O dispositivo merece severas críticas. Primeiro, porque fraciona o alcance
das ações coletivas, estimulando a instauração de vários processos idênticos na
hipó­tese de danos de âmbito regional ou nacional.27 Em um momento em que
o processo civil está disposto a lançar mão até mesmo de súmulas vinculantes
para lidar com o aumento da litigiosidade, tal medida parece na contramão
da evolução do processo civil brasileiro. Além disso, a lei ignora que, quando o
interesse for difuso ou coletivo stricto sensu, haverá indivisibilidade ontológica do
objeto, não se admitindo por isso o fracionamento da tutela processual.28

24
V. MENDES. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito comparado e
nacional, p. 262.
25
Nesse sentido, aludindo aos recuos ocasionais da tutela coletiva, v. MENDES, Aluisio Gonçalves
de Castro. O anteprojeto de Código Brasileiro de Processo Coletivos: uma visão geral e pontos
sensíveis. In: GRINOVER; MENDES; WATANABE (Org.). Direito processual coletivo e o anteprojeto de
Código Brasileiro de Processos Coletivos, p. 17.
26
Este não foi o único recuo imposto pelo legislador às ações coletivas, todavia. Outros exemplos
criticáveis de reforma legislativa podem ser encontrados no art. 2º-A da Lei nº 9.494/97,
acrescentado pela Medida Provisória nº 2.180-35/2001, que restringe os efeitos da sentença
em ações coletivas propostas por associações aos associados com domicílio no âmbito da
competência territorial do órgão prolator e no art. 1º, parágrafo único, da Lei de Ação Civil
Pública, também inserido pela Medida Provisória nº 2.180-35/2001, que proíbe a propositura de
ações coletivas que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, FGTS e outros fundos de
natureza institucional cujos beneficiários possam ser individualmente determinados.
27
V. GRINOVER. Da coisa julgada (arts. 103 e 104). In: GRINOVER et al. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor comentado, p. 939; DIDIER JR.; ZANETI JR. Curso de direito processual civil, p. 149-157;
MENDES. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito comparado e nacional,
p. 264-266 e MANCUSO. Ação civil pública: em defesa do meio-ambiente, do patrimônio cultural e
dos consumidores, p. 300.
28
V. DIDIER JR.; ZANETI JR. Curso de direito processual civil, p. 150; MANCUSO. Ação civil pública: em
defesa do meio-ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores, p. 298 e SILVA, Bruno

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As Ações Coletivas no Direito brasileiro contemporâneo – De onde viemos, onde estamos e para onde vamos?  101

Por outro lado, a partir do momento em que foi aprovado o Código de


Defesa do Consumidor, a coisa julgada nas ações coletivas passou a ser regulada
pelo art. 103 do CDC. O legislador da Lei nº 9.494/1997, além de motivado por
intenções censuráveis de enfraquecer a tutela coletiva,29 foi incompetente:
esqueceu-se de inserir a alteração no CDC.30 Além disso, esqueceu-se de alterar
o art. 18 da Lei de Ação Popular, fonte de inspiração do art. 16 original da Lei de
Ação Civil Pública. Como, em certas hipóteses, a causa de pedir na ação popular e
na ação civil pública poderá ser a mesma, a distinção de regimes jurídicos para as
duas espécies de ações coletivas se mostra despropositada e ilógica, a reforçar a
falta de técnica processual do legislador.31
Por fim, a inovação inserida pela Lei nº 9.494/97 cometeu um gravíssimo
equívoco, ao confundir os conceitos de jurisdição e competência.32 Uma decisão
judicial proferida em um determinado estado pode produzir efeitos em todo o
território nacional. Por exemplo, uma decisão em São Paulo pode vincular bens
e pessoas no estado do Rio de Janeiro, desde que cumpridas as formalidades
estabelecidas na legislação processual, tais como a expedição e autuação de carta
precatória. Isso porque todos os órgãos do Judiciário possuem jurisdição nacional,
atributo este decorrente da própria soberania. Ao tolher a eficácia territorial de
uma decisão judicial, o atual art. 16 da Lei nº 7.347/85 afronta a jurisdição dos
juízes e, em última medida, a própria soberania e independência do Judiciário.33

Freire e. A ineficácia da tentativa de limitação territorial dos efeitos da coisa julgada na Ação Civil
Pública. In: MAZZEI; NOLASCO (Coord.). Processo civil coletivo, p. 338-339. V., no entanto, a posição
de Teori Albino Zavascki (Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos,
p. 79-80) (considerando que o dispositivo não pode operar para direitos e interesses difusos e
coletivos em virtude de sua indivisibilidade, mas sustentando que, nos individuais homogêneos,
ele pode ser interpretado como uma norma limitadora do rol dos substituídos).
29
Nesse sentido, v. ABELHA. Ação civil pública e meio ambiente, p. 245-246. No mesmo sentido, v.
LEONEL. Manual do processo coletivo, p. 175-180, 282-285 e GRINOVER. A ação civil pública refém
do autoritarismo. In: GRINOVER. O processo: estudos & pareceres, p. 238.
30
Segundo Aluisio Mendes, o artigo 16 da Lei nº 7.345/85 deveria ser considerado revogado de
forma tácita pelo art. 103 do CDC. V. MENDES. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de
conflitos no direito comparado e nacional, p. 265. Também nesse mesmo sentido, FERREIRA. Coisa
julgada nas ações coletivas: restrição do artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública, p. 139 e ARAÚJO
FILHO. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito processual, p. 185. O argumento
se mostra duvidoso, porém, uma vez que o próprio artigo 103 do CDC, em seu parágrafo 3º, se
refere ao art. 16 da Lei de Ação Civil Pública (ABELHA. Ação civil pública e meio ambiente, p. 249,
nota 4).
31
V. MAZZILI. A defesa dos interesses difusos em juízo, p. 262-263.
32
Nesse sentido, v. MANCUSO. Ação civil pública: em defesa do meio-ambiente, do patrimônio
cultural e dos consumidores, p. 298; NERY JR.; NERY. Leis civis comentadas, p. 258.
33
Com efeito, vários autores têm defendido de forma explícita, por vários fundamentos (como a
inobservância do princípio do acesso à justiça, do direito de ação, da razoabilidade, da garantia

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102  Andre Vasconcelos Roque

Os limites da coisa julgada não devem ser determinados pela competência do


órgão jurisdicional, mas sim pelo objeto do processo, que poderá ultrapassar a
área de competência territorial do juízo.34
Durante muito tempo, apesar da posição da doutrina dominante35 contra o
atual art. 16 da Lei da Ação Civil Pública, a jurisprudência se mostrou vacilante. O
Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o pedido liminar na ADIN nº 1.576 ajuizada
contra a MP nº 1.570/1997, que se transformou na Lei nº 9.494/97, afastou a
incons­titucionalidade do dispositivo.36 Segundo o entendimento capita­neado
pelo relator Min. Marco Aurélio, mesmo na redação primitiva, o art. 16 da Lei
de Ação Civil Pública limitava a coisa julgada erga omnes à área de atuação do
órgão jurisdicional. O voto do Min. Nélson Jobim, proferido nesse mesmo sentido,
com a devida vênia, incorreu no mesmo equívoco cometido pelo legislador,
ao asseverar que a eficácia erga omnes da coisa julgada deveria estar restrita à

da coisa julgada, do devido processo legal, entre outros) a inconstitucionalidade do atual art. 16
da Lei de Ação Civil Pública. V., entre outros, MENDES. Ações coletivas e meios de resolução coletiva
de conflitos no direito comparado e nacional, p. 264-266; LAZZARINI, Marilena. As investidas
contra as ações civis públicas. In: LUCON (Coord.). Tutela coletiva: 20 anos da Lei da Ação Civil
Pública e do fundo de defesa de direitos difusos: 15 anos do Código de Defesa do Consumidor,
p. 159-162; NERY JR.; NERY. Leis civis comentadas, p. 258, nota 1; VIGLIAR. Ação civil pública, p. 122
(sem fundamentar seu entendimento pela inconstitucionalidade); LEONEL. Manual do processo
coletivo, p. 285 (enfatizando a possibilidade de um conflito prático de julgados e, em última
análise, a violação da garantia constitucional da coisa julgada) e LENZA. Teoria geral da ação civil
pública, p. 288.
34
V. GRINOVER. Arts. 103 e 104. In: GRINOVER et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor
comentado, p. 942-943.
35
V., contudo, em sentido minoritário, defendendo a constitucionalidade do atual art. 16 da
Lei de Ação Civil Pública, CARVALHO FILHO. Ação civil pública: comentários por artigo, p. 430;
MEIRELLES. Mandado de segurança, p. 247-250 e ALVIM, Eduardo Arruda. Apontamentos sobre
o processo das ações coletivas. In: MAZZEI; NOLASCO (Coord.). Processo civil coletivo, p. 56-58
(sustentando expressamente não apenas a constitucionalidade do dispositivo, como a plena
eficácia da limitação territorial para todas as categorias de ações civis públicas). Em sentido
um pouco diverso, DINAMARCO, Pedro da Silva. Competência, conexão e prevenção nas ações
coletivas. In: MILARÉ (Coord.). A ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafios, p. 507-508
(sustentando que o art. 16 da Lei de Ação Civil Pública privilegia o critério de competência da
proximidade do dano para as ações coletivas e que somente quando, na prática, for impossível
fracionar a tutela jurisdicional coletiva é que ela deverá ter abrangência maior que a do limite da
competência territorial do órgão julgador) e TALAMINI. Limites territoriais da eficácia das decisões
no processo coletivo (asseverando o propósito censurável escondido por trás da norma, mas
rejeitando a tese de inconstitucionalidade e buscando interpretar o dispositivo em conformidade
com o art. 93 do CDC, para considerar como âmbito de competência territorial a abrangência dos
danos “locais”, “regionais” e “nacionais”, não a comarca ou a seção judiciária, afastando assim a
hipótese de fracionamento de pretensões coletivas indivisíveis).
36
V. STF, ADIn-MC nº 1.576, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 16.04.1997, DJ, 06 jun. 2003.

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com­­petência territorial do juiz prolator porque, caso contrário, estariam sendo


invertidos os critérios da competência e da territorialidade. Como se vê, o próprio
Supremo Tribunal Federal confundiu os institutos da competência e dos limites
subjetivos da coisa julgada por ocasião do julgamento do pedido liminar.37 Nada
obstante, o mérito não chegou a ser apreciado, pois a Medida Provisória objeto
de impugnação na ADIN acabou convertida na Lei nº 9.494/97 e a ação foi julgada
prejudicada por falta de aditamento à petição inicial.
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, sempre houve posicionamentos
distintos e conflitantes sobre a matéria ora versada.38 Embora a orientação
dominante naquele tribunal acolhesse a limitação prevista pelo atual art. 16 da
Lei da Ação Civil Pública, não havia uma posição consolidada acerca do tema.
No ano de 2011, a Corte Especial do STJ, ao apreciar os Recursos Especiais
nº 1.243.887 e nº 1.247.150, julgados no regime do art. 543-C do CPC, reconheceu,
ainda que em obiter dictum, que não apenas o art. 16 da Lei da Ação Civil Pública
embaralha institutos processuais diversos, como também que tal norma deveria
ser revisitada à luz do art. 93 do CDC. Assim, se o dano é de escala local, regional
ou nacional, o juízo competente, sob pena de ser inócuo o provimento, lançará
mão de comando capaz de recompor ou indenizar os danos local, regional ou
nacionalmente, levados em consideração, para tanto, os seus beneficiários,
inde­pendentemente da limitação atinente à competência territorial do órgão
prolator.39 Consequentemente, caberia ao consumidor escolher o juízo mais
conve­niente para deflagrar a fase de liquidação e de execução individual da sen­
tença genérica de condenação (seu domicílio, o domicílio do réu, o foro dos bens
sujeitos à eventual expropriação ou o da sentença).

37
No mesmo sentido, v. BATISTA. Coisa julgada nas ações civis públicas: direitos humanos e garan-
tismo, p. 193.
38
Compare-se, por exemplo, a posição outrora dominante em STJ, RESP nº 293.407, 4ª T., Rel. Min.
Barros Monteiro, rel. p/ ac. Ruy Rosado de Aguiar, j. 22.10.2002, DJ, 07 abr. 2003; RESP nº 253.589,
4ª T., Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 16.08.2001, DJ, 18 mar. 2002; RESP nº 485.842, 2ª T., Rel.
Min. Eliana Calmon, j. 06.04.2004, DJ, 24 maio 2004; RESP nº 665.947, 1ª T., Rel. Min. José Delgado,
j. 02.12.2004, DJ, 12 dez. 2005 e EREsp nº 293.407, Corte Especial, Rel. Min. João Otávio de Noronha,
j. 07.06.2006, DJ, 1º ago. 2006 (aceitando a limitação imposta pelo atual art. 16) com STJ, RESP
nº 557.646, 2ª T., Rel. Min. Eliana Calmon, j. 13.04.2004, DJ, 30 jun. 2004; RESP nº 218.492, 2ª T.,
Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, j. 02.10.2001, DJ, 18 fev. 2002; REsp nº 411.529, 3ª T., Rel. Min.
Nancy Andrighi, j. 24.06.2008, DJe, 05 ago. 2008 (em sentido contrário, afastando tal limitação).
39
V. STJ, RESP nº 1.243.887, Corte Especial, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. 19.10.2011, DJe, 12 dez.
2011 e RESP nº 1.247.150, Corte Especial, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. 19.10.2011, DJe, 12 dez.
2011.

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104  Andre Vasconcelos Roque

O overrruling veio no ano seguinte, em precedente da Terceira Turma, relatado


pela Min. Nancy Andrighi.40 Decidiu-se expressamente no caso que “a distinção,
defendida inicialmente por Liebman, entre os conceitos de eficácia e de autoridade
da sentença, torna iníqua a limitação territorial dos efeitos da coisa julgada
estabelecida pelo art. 16 da LAP. A coisa julgada é meramente a imutabilidade dos
efeitos da sentença. Mesmo limitada aquela, os efeitos da sentença produzem-se
erga omnes, para além dos limites da competência territorial do órgão julgador”.
A jurisprudência mais recente do Superior Tribunal de Justiça, assim, se inclina
no sentido de afastar a limitação estabelecida no atual art. 16 da Lei da Ação Civil
Pública, esperando-se que haja consolidação desse entendimento pelos próximos
anos.41
Assim, entre erros e acertos, o mérito obtido pelas ações coletivas no Brasil
se revela notável, porém, limitado em certa medida. Muitos direitos e interesses
de natureza difusa e coletiva stricto sensu, que não tinham até a década de oi­
tenta do século XX nenhum instituto processual capaz de proporcionar uma
tu­tela adequada, finalmente puderam ser levados ao conhecimento do Poder
Judi­­ciário, com destaque para a proteção do meio ambiente. Políticas públicas
de diversa natureza puderam ser discutidas através de processos coletivos,
incluindo a regulação de serviços públicos como telefonia, gás e petróleo, energia
elétrica, entre outros. Consolidou-se o regime de proteção e defesa do consu­
midor. Ademais, não se pode olvidar do desenvolvimento de ampla doutrina
especializada sobre o tema. Dado o período relativamente curto em que as ações
coletivas foram consagradas de forma mais consistente na legislação nacional, os
méritos não são poucos, nem podem ser ignorados.
No entanto, embora não sejam poucos os méritos, eles são em certa me­
dida limitados. De forma geral, os processos coletivos no Brasil falharam em sua
promessa de proporcionar uniformidade de decisões, celeridade e economia
processual. Apesar do ajuizamento de várias ações coletivas, nenhuma foi capaz
de conter a verdadeira enxurrada de demandas individuais envolvendo as mais
diversas questões. Apenas para ficar nos exemplos mais atuais, não custa lembrar
a imensa quantidade de ações envolvendo os expurgos inflacionários nas ca­
der­netas de poupança, os pedidos de revisão de aposentadorias e as demandas

V. STJ, RESP nº 1.243.386, 3ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 12.06.2012, DJe, 26 jun. 2012.
40

O Projeto de Lei nº 5.139/2009 e o Projeto de Lei do Senado nº 282/2012 possuem regras que, se
41

aprovadas, representarão a superação da limitação territorial estabelecida pelo atual art. 16 da


Lei da Ação Civil Pública, na medida em que determinam que a competência territorial do órgão
prolator não restringirá a coisa julgada nas ações coletivas.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 93-120, out./dez. 2013
As Ações Coletivas no Direito brasileiro contemporâneo – De onde viemos, onde estamos e para onde vamos?  105

ques­tionando a cobrança de assinatura nas contas de telefone,42 entre muitas


outras hipóteses.43
Nem todos os vícios podem ser atribuídos a deficiências na legislação. Con­
tudo, a revisitação e o correto equacionamento de alguns aspectos da tutela cole­
tiva poderia facilitar bastante o seu aperfeiçoamento. Como se concluiu em um
estudo empírico sobre as ações coletivas, a principal causa do ajuizamento de
demandas coletivas de idêntico objeto, ao lado de outros processos individuais
versando sobre a mesma questão, foi a ausência de previsão legislativa expressa
para o tratamento uniforme de questões processuais surgidas em ações coletivas
repetitivas, bem como de uma orientação jurisprudencial mais precisa. Isto se dá
especialmente em relação aos institutos da conexão, litispendência, prevenção e,
em certa medida, a competência, sobretudo após a modificação promovida no
art. 16 da Lei de Ação Civil Pública em 1997.44 Apenas para se ter uma ideia, em
uma das ações civis públicas em matéria de assinatura telefônica, os autos foram
remetidos de um juízo para outro nada menos que quatro vezes. Dois processos
foram remetidos três vezes e mais três casos foram enviados de um órgão judicial
para outro em pelo menos duas oportunidades. Todo esse tumulto para se decidir
uma questão de mérito relativamente simples, na medida em que a jurisprudência
dominante tem entendido pela legalidade da assinatura.
Por esses motivos, sem deixar de lado as inúmeras conquistas acumuladas,
parece que chegou a hora de repensar o modelo brasileiro de processos coletivos.

3  Para onde vamos?


3.1  O microssistema dos processos coletivos
O primeiro passo para a sistematização das ações coletivas no Brasil foi
dado pela doutrina. A publicação de numerosos estudos sobre o tema, a reestru­
turação de cursos de graduação e pós-graduação, incluindo a matéria na grade

42
V., nesse sentido, o estudo do CEBEPEJ. Tutela judicial dos interesses metaindividuais: ações
coletivas, p. 62 et seq.
43
V. MENDES. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito comparado e
nacional, p. 262-263 (referindo-se a outros exemplos, como lides que diziam respeito a tributos,
tais como a CPMF, reajuste da tabela do imposto de renda, progressividade do IPTU, taxa de
lixo ou de iluminação pública, aumento de alíquotas, incidência de contribuições sociais sobre
determinadas categorias; além de incontáveis discussões pertinentes aos funcionários públicos
em torno de pleitos como o direito ao reajuste anual, a contagem de tempo dos celetistas
incorporados ao regime único, a transformação de cargos e a extinção de direitos).
44
V. CEBEPEJ. Tutela judicial dos interesses metaindividuais: ações coletivas, p. 87.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 93-120, out./dez. 2013
106  Andre Vasconcelos Roque

curricular, bem como a realização de inúmeros eventos sobre o tema foram


condições indispensáveis para que se cogitasse, pouco a pouco, de uma Teoria
Geral dos Processos Coletivos que, embora não totalmente independente, possui
importantes peculiaridades.
A inadequação de alguns institutos e princípios do processo individual,
principalmente os que dizem respeito à litispendência, conexão e continência,
fortaleceram a ideia de que estaria surgindo no Brasil um verdadeiro Direito
Processual Coletivo.45
A premissa básica desse novo ramo consiste em reconhecer sua autono­
mia, na medida em obedece a princípios e institutos próprios, distintos do
direito processual individual.46 Evidentemente, alguns princípios são comuns a
todos os ramos do processo, notadamente os de origem constitucional, como o
devido processo legal e o contraditório. Mesmo estes, porém, assumem feições
peculiares no processo coletivo. O devido processo legal nas ações coletivas,
por exemplo, não exige que os titulares dos direitos tutelados compareçam
pessoalmente em juízo, mas que sejam representados de forma adequada pelo
legitimado coletivo.47 48 Da mesma forma, institutos como a conexão, continência
e litispendência devem ser revisitados. Dada a pluralidade de colegitimados para
ingressar com ação civil pública, não se pode exigir a identidade de partes formais
para que haja litispendência. Estes institutos processuais devem ser reavaliados
não segundo os parâmetros típicos do processo civil individual, mas de acordo
com o bem jurídico tutelado na esfera transindividual.

45
Ao que parece, uma das primeiras obras a utilizar a expressão Direito Processual Coletivo foi a
de Gregório Assagra de Almeida (Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito
processual). Outra obra importante a adotar tal perspectiva é de Rodolfo de Camargo Mancuso
(Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas, passim).
46
V. GRINOVER. Direito processual coletivo. In: GRINOVER; MENDES; WATANABE (Org.). Direito
processual coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, p. 11.
47
O princípio é o mesmo no direito norte-americano, em que se considera respeitado o devido
processo legal nas class actions pela representatividade adequada. V. ROQUE. Class actions: ações
coletivas nos Estados Unidos: o que podemos aprender com eles?, p. 131-135. Na ausência de uma
sistematização teórica das ações coletivas, a jurisprudência americana considera excepcional a
vinculação dos membros ausentes através de seu representante. Não se trata, porém, de exceção
a uma garantia constitucional. Trata-se, isto sim, da revisitação e adequação do devido processo
legal ao Direito Processual Coletivo.
48
V., nesse mesmo sentido, GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: GRINOVER;
MENDES; WATANABE (Org.). Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de
Processos Coletivos, p. 12-13 (referindo-se ao princípio de participação, que no processo coletivo
não pode ser exercido de forma individual, mas sim através de um “representante adequado”).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 93-120, out./dez. 2013
As Ações Coletivas no Direito brasileiro contemporâneo – De onde viemos, onde estamos e para onde vamos?  107

A concepção de um Direito Processual Coletivo autônomo levou a doutrina


a sustentar a existência de um microssistema legislativo de ações coletivas,
estruturado basicamente na Lei de Ação Civil Pública e no Código de Defesa do
Consumidor. Embora não se tenha alcançado ainda um sistema verdadeiro, as
duas leis se complementam e se inter-relacionam: a Lei nº 8.078/90, ao regular a
defesa coletiva dos consumidores, previu em seu art. 117 uma autorização para
que suas disposições fossem aplicadas aos direitos tutelados na Lei nº 7.347/85,
acrescentando-lhe um dispositivo (art. 21) nesse sentido.49 Por outro lado, o Código
de Defesa do Consumidor se abriu também para as normas contidas na Lei de
Ação Civil Pública, ao permitir, em seu art. 83, todas as espécies de ações capazes
de promover a adequada e efetiva tutela dos interesses dos consumidores, bem
como ao estabelecer, de forma expressa, a aplicação subsidiária das disposições
da Lei nº 7.347/85 (art. 90).50
O microssistema das ações coletivas originado da relação de interde­
pen­dência entre o CDC e a Lei de Ação Civil Pública é complementado ainda
por várias disposições esparsas tais como os arts. 3º a 7º da Lei nº 7.853/1989;
art. 3º da Lei nº 7.913/89; arts. 210 a 213, 215, 217 a 219 e 222 a 224 do Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990); art. 17 da Lei nº 8.429/1992 (Lei de
Improbidade Administrativa); art. 2º da Lei nº 9.494/97; arts. 80 a 83, 85 e 91 a 93

49
Nesse sentido, o veto presidencial ao art. 89 do CDC, que previa textualmente a aplicação das
normas da lei consumerista a outros direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, acabou
ineficaz, porque o art. 117 da Lei nº 8.078/90 foi sancionado, inserindo um novo art. 21 na Lei de
Ação Civil Pública praticamente no mesmo sentido do dispositivo vetado. Além disso, também foi
sancionado o art. 110 do CDC, que alterou a Lei da Ação Civil Pública para ampliar seu cabimento
para qualquer outro interesse difuso ou coletivo. A doutrina dominante segue esse entendimento,
com o qual se concorda integralmente. V., nesse sentido, WATANABE, Kazuo. Disposições gerais
(arts. 81 a 90). In: GRINOVER et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado, p. 872-873;
GRINOVER. Ação civil pública: defesa de interesses individuais homogêneos: tutela coletiva e
tutela individual. In: GRINOVER. O processo: estudos & pareceres, p. 489 e NERY JR.; NERY. Leis civis
comentadas, p. 254, nota 2.
50
A concepção de um microssistema das ações coletivas hoje se encontra consolidada na doutrina.
V., entre muitos outros, ALMEIDA. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito
processual, p. 582; ALMEIDA. Codificação do direito processual coletivo brasileiro, p. 55-61;
MANCUSO. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas, p. 52-55 e DIDIER JR.;
ZANETI JR. Curso de direito processual civil, p. 126-127. A jurisprudência também vem admitindo a
existência de um microssistema de processos coletivos, com seus próprios institutos e princípios,
como se verifica em STJ, RESP nº 510.150, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, j. 17.02.2004, DJ, 29 mar. 2004 (“A
lei de improbidade administrativa, juntamente com a lei da ação civil pública, da ação popular, do
mandado de segurança coletivo, do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e
do Adolescente e do Idoso, compõem um microssistema de tutela dos interesses transindividuais
e sob esse enfoque interdisciplinar, interpenetram-se e subsidiam-se”).

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108  Andre Vasconcelos Roque

do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) e arts. 21 e 22 da Lei nº 12.016/2009 (Lei


do Mandado de Segurança).

3.2  Rumo à codificação?


Em um aprofundamento da reflexão sobre a situação do microssistema de
processos coletivos, importantes processualistas chegaram à conclusão de que,
passado o período inicial de amadurecimento e consolidação das ações cole­
tivas, era chegada a hora de repensar o modelo e, mais que isso, de reunir as
normas hoje esparsas sobre a matéria em uma ordenação geral e sistemática.51
Isso se deu por pelo menos dois motivos fundamentais. Primeiro, porque muitos
institutos processuais ainda não haviam sido regulados de forma satisfatória para
as demandas coletivas, especialmente a conexão, continência e litispendência.
Por outro lado, a regulação da matéria em uma complexa interação de normas
autorremissivas cria um sistema inconsistente, que apresenta muitas dificuldades
práticas.
A primeira proposta de sistematização da matéria em um Código de Pro­
cesso Coletivo foi elaborada por Antonio Gidi em 2002 e publicada no início de
2004.52 Em linhas gerais, a proposta, intitulada “Código de Processo Civil Cole­
tivo. Um modelo para países de direito escrito”, reflete a inequívoca influência
da experiência norte-americana das class actions sobre seu autor. Em alguns
aspectos específicos, a proposta apresenta inovações dissonantes do enten­di­
mento da doutrina brasileira dominante, tal como se verifica com a catego­ri­zação
das ações coletivas, em que se prevê apenas os direitos difusos e in­di­vi­duais
homogêneos (artigo 1.1).53 Em outros pontos, a proposta revela certa influência da

51
A ideia de um Código de Processos Coletivos, entretanto, não convenceu a todos os autores. Nesse
sentido, Elton Venturi (Processo civil coletivo, p. 35-41) (sustentando que um código em matéria
de processos coletivos poderia proporcionar um engessamento ainda maior na jurisprudência
e criar a oportunidade para que o Congresso revogasse muitas conquistas já adquiridas). Em
sentido um pouco diverso, Gregório Assagra de Almeida (Codificação do direito processual coletivo
brasileiro, p. 82-85) (afirmando ser favorável à codificação, mas demonstrando forte ceticismo com
os riscos de engessamento e de retrocessos nas ações coletivas e com as propostas apresentadas
até o momento, concluindo ser necessário antes discutir e incorporar diretrizes metodológicas e
principiológicas que possam orientar uma futura proposta).
52
Na realidade, embora a proposta de Antonio Gidi tenha sido publicada na Revista de Processo,
n. 111, cuja data nominal corresponde a julho/dezembro de 2003, essa proposta apenas veio
efetivamente a público em 2004, na medida em que a Revista de Processo costuma ser comer­
cializada alguns meses depois da data constante na capa.
53
Contudo, a inovação é mais aparente que substancial, porque o conceito de direitos difusos
apresentado na proposta engloba as atuais categorias de direitos e interesses difusos e coletivos
stricto sensu.

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As Ações Coletivas no Direito brasileiro contemporâneo – De onde viemos, onde estamos e para onde vamos?  109

experiência americana como, por exemplo, no artigo 3.1, em que se estabelecem


os critérios para aferir a adequação do representante e de seu advo­gado, em sua
maioria extraídos da doutrina e da jurisprudência formadas nos Estados Unidos.
Finalmente, em relação a alguns outros dispositivos, como a compe­ tência
territorial (artigo 4), ela se limita a repetir a sistemática brasileira atual em linhas
gerais, inovando apenas ao promover criticável concentração de ações cole­
tivas envolvendo danos regionais e nacionais na Justiça Federal. Sua tônica geral
consistiu em aperfeiçoar os instrumentos de direito positivo nos países de civil
law para a tutela coletiva.
Ainda no ano de 2002, em uma reunião promovida pelo Instituto Ibero-
Americano de Direito Processual, surgiu a ideia de um Código Modelo de Pro­
cessos Coletivos para Ibero-América, a partir de uma intervenção de Antonio
Gidi.54 O principal objetivo era apresentar não só um repositório de princípios,
mas um modelo concreto, adaptável às peculiaridades de cada um dos países
envolvidos, para futuras reformas legislativas na matéria. A proposta foi elaborada
pelos eminentes professores Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Antonio
Gidi e apresentada ao final de 2002. Uma comissão integrada por vários juristas
convocados pelo Instituto Ibero-Americano55 aperfeiçoou a proposta, àquela
altura já convertida em anteprojeto.56 Após debatidas as novas propostas, final­
mente o anteprojeto foi aprovado em outubro de 2004, nas Jornadas Ibero-
Ameri­canas, em Caracas (Venezuela).
O Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América apresenta algu­
mas disposições no mesmo sentido que a proposta de Antonio Gidi. Um exemplo
se encontra logo no art. 1º, na categorização dos interesses e direitos objeto de
tutela coletiva (são enunciadas apenas duas categorias: os difusos e os individuais
homogêneos).57 Além disso, o Código Modelo procurou incorporar em suas

54
V. GRINOVER, Ada Pellegrini. Código modelo de processos coletivos para ibero-américa: exposição
de motivos. In: LUCON (Coord.). Tutela coletiva: 20 anos da Lei da Ação Civil Pública e do fundo de
defesa de direitos difusos: 15 anos do Código de Defesa do Consumidor, p. 27.
55
A comissão foi integrada pelos seguintes juristas e professores: Ada Pellegrini Grinover, Aluisio
Gonçalves de Castro Mendes, Anibal Quiroga León, Antonio Gidi, Enrique M. Falcón, José Luiz
Vázquez Sotelo, Kazuo Watanabe, Ramiro Bejarano Guzmán, Roberto Berizonce e Sergio Artavia.
56
Durante as discussões do anteprojeto do Código Modelo, antes mesmo de formar a comissão
revisora, vários juristas haviam sido convocados para manifestar sua opinião sobre o Código. A
coordenação dessa tarefa coube a Antonio Gidi (Brasil) e Eduardo Ferrer Mac-Gregor (México),
que reuniram os trabalhos em um livro: GIDI; MAC-GREGOR (Coord.). La tutela de los derechos
difusos, colectivos e individuales homogéneos: hacia un Código Modelo para Iberoamérica.
57
Segundo Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, a primeira versão do Código Modelo previa
as três categorias conhecidas de interesses e direitos transindividuais. Na segunda versão,

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 93-120, out./dez. 2013
110  Andre Vasconcelos Roque

normas institutos processuais que não são específicos da tutela coletiva, mas que
se revelam de extraordinária importância prática, como a antecipação dos efeitos
da tutela (art. 5º).
A partir do final de 2003, as discussões envolvendo o Código Modelo che­
garam aos cursos de pós-graduação stricto sensu no Brasil. No âmbito da Facul­
dade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), tais debates resultaram na
ideia de um Código Brasileiro de Processos Coletivos, mais adaptado à realidade
brasileira.58 As propostas em torno de uma legislação sistematizada sobre ações
coletivas, sob a coordenação de Ada Pellegrini Grinover, foram progressivamente
trabalhadas. Após transformada em anteprojeto, a proposta foi enviada em 2005
aos membros do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Posteriormente,
o anteprojeto foi encaminhado ao Ministério da Justiça. Em janeiro de 2007, foi
apresentada uma nova versão do anteprojeto, incorporando sugestões da Casa
Civil, Secretaria de Assuntos Legislativos, Procuradoria da Fazenda Nacional e dos
Ministérios Públicos de Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo.
Durante o primeiro semestre de 2005, agora no âmbito dos cursos de pós-
graduação stricto sensu da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da
Universidade Estácio de Sá (UNESA), desenvolveram-se debates não somente
em torno do Código Modelo, como também do anteprojeto de Código Brasileiro
de Processos Coletivos elaborado em São Paulo. A ideia inicial estava voltada
para a apresentação de sugestões e propostas para a melhoria do anteprojeto.
Nada obstante, as discussões acabaram evoluindo para uma reestruturação mais
ampla, sob a coordenação de Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, com o escopo
de oferecer uma proposta alternativa comprometida com o fortalecimento dos
processos coletivos.59 O anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos

procurou-se o consenso mediante uma divisão bipartida. Não houve uma ruptura total, todavia,
porque os interesses e direitos coletivos stricto sensu foram agrupados e denominados difusos.
V. MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. O código modelo de processos coletivos para os países
ibero-americanos. In: MAZZEI; NOLASCO (Coord.). Processo civil coletivo, p. 732 e MENDES. Ações
coletivas nos países ibero-americanos: situação atual, código modelo e perspectivas. Revista de
Processo, p. 205.
58
V. GRINOVER, Ada Pellegrini. Rumo a um Código Brasileiro de Processos Coletivos: exposição de
motivos. In: LUCON (Coord.). Tutela coletiva: 20 anos da Lei da Ação Civil Pública e do fundo de
defesa de direitos difusos: 15 anos do Código de Defesa do Consumidor, p. 2-3.
59
Nesse sentido, MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Construindo o Código Brasileiro de Processo
Coletivos: o anteprojeto elaborado no âmbito dos programas de pós-graduação da UERJ e
UNESA. In: LUCON (Coord.). Tutela coletiva: 20 anos da Lei da Ação Civil Pública e do fundo de
defesa de direitos difusos: 15 anos do Código de Defesa do Consumidor, p. 281.

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As Ações Coletivas no Direito brasileiro contemporâneo – De onde viemos, onde estamos e para onde vamos?  111

elaborado na UERJ/UNESA foi apresentado no segundo semestre de 2005 aos


membros do IBDP e, posteriormente, também encaminhado ao Ministério da
Justiça.
No ano de 2008, é constituída Comissão Especial, formada por juristas e
inte­grantes da magistratura, Ministério Público, Defensoria Pública e advocacia
para analisar as propostas encaminhadas ao Ministério da Justiça.60 Depois de
inúmeras reuniões e audiências públicas, recuou-se na proposta ambiciosa de um
Código de Processos Coletivos, optando-se pelo consenso possível em torno da
elabo­ração de um Anteprojeto de nova Lei da Ação Civil Pública, em que, ainda
que abandonadas algumas ideias mais inovadoras, como a previsão expressa
de legiti­mação do indivíduo para as ações coletivas e do controle judicial da
representatividade adequada, seriam aperfeiçoados alguns dos pontos mais
críticos da tutela coletiva no Brasil. O anteprojeto foi concluído em fevereiro de
2009 e remetido ao Presidente da República, sendo incorporado ao II Pacto Repu­
blicano. Ainda em 2009, encaminhada para a Câmara dos Deputados, a proposta
foi registrada como Projeto de Lei nº 5.139/2009.
O aludido projeto de lei, entre outras importantes inovações, estabelecia
uma relação de princípios pertinentes ao processo coletivo; aprimorava de
forma importante as regras de competência para as ações coletivas; criava os
Cadastros Nacionais de Processo Coletivos e de Inquéritos Civil e Compromissos
de Ajus­tamentos de Conduta; admitia a flexibilização do procedimento nas ações
coletivas; aprimorava as formas de comunicação da coletividade em matéria
de direitos individuais homogêneos; afastava a limitação territorial para a coisa
jul­gada, hoje prevista no art. 16 da Lei da Ação Civil Pública; fortalecia a coisa jul­
gada pro et contra, desde que se tratasse de questões de direito; previa que o
ajuizamento de ações coletivas ensejava a suspensão dos processos individuais
com objeto correspondente e aprimorava as regras atinentes à liquidação e à exe­
cução, a serem promovidas, sempre que possível, de forma coletivizada.

A comissão foi formada pelos seguintes membros: Rogério Favreto (Secretário da Reforma do
60

Judiciário na ocasião), Luiz Manoel Gomes Jr., Ada Pellegrini Grinover, Alexandre Lipp João,
Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, André da Silva Ordacgy, Anizio Pires Gavião Filho, Antonio
Augusto de Aras, Antonio Gidi, Athos Gusmão Carneiro, Consuelo Yatsuda Yoshida, Elton Venturi,
Fernando da Fonseca Gajardoni, Gregório Assagra de Almeida, Haman Tabosa de Moraes e
Córdova, João Ricardo dos Santos Costa, José Adonis Callou de Araújo Sá, José Augusto Garcia de
Sousa, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Luiz Rodrigues Wambier, Petrônio Calmon Filho, Ricardo
de Barros Leonel, Ricardo Pippi Schimidt e Sérgio Cruz Arenhart.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 93-120, out./dez. 2013
112  Andre Vasconcelos Roque

No âmbito da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, o


Projeto de Lei nº 5.139/09 recebeu parecer favorável quanto à constitucionalidade,
sendo rejeitado no mérito, todavia, sob os fundamentos de que, caso aprovado,
ensejaria tratamento desigual entre as partes nos processos coletivos; conferiria
poderes excessivos ao Ministério Público e à Defensoria Pública; ensejaria inse­
gurança jurídica e estimularia o ajuizamento de ações coletivas temerárias.61 Em
razão disso, foi interposto recurso para que o mérito venha a ser reexaminado
pelo plenário da Câmara, ainda não apreciado até a presente data.
O ano de 2012 trouxe outro acontecimento importante. Trata-se das pro­
postas destinadas à modernização do Código de Defesa do Consumidor, incluindo
normas sobre comércio eletrônico, superendividamento e processos coletivos.
Os trabalhos da comissão de juristas então nomeada62 resultaram em três ante­
projetos encaminhados ao Senado Federal, dando origem aos Projetos de Lei do
Senado nº 281 (disposições gerais e comércio eletrônico), 282 (ações coletivas) e
283 (crédito ao consumidor e superendividamento). O Projeto nº 282/2012, que é
o que mais importa para os fins do presente estudo, encampa alguns dispositivos
que já estavam previstos no Projeto de Lei nº 5.139/09, tais como regras sobre
competência nas ações coletivas, criação dos Cadastros Nacionais de Processos
Coletivos e de Inquéritos Civis e Compromissos de Ajustamento de Conduta e a
flexibilização procedimental.
Além disso, o projeto prevê algumas outras propostas interessantes, tais
como regras específicas de arbitramento de honorários de advogado e de com­
pen­sação financeira à associação autora, como forma de incentivar outros legi­
ti­mados a pleitear a tutela coletiva. Alguns dispositivos, porém, são bastante
criticáveis, tal como o que permite a condenação do réu em obrigações específicas
ressar­citórias, inibitórias ou em indenizações por danos morais e materiais inde­
pen­dentemente de pedido do autor. Ainda que absolutamente relevante a tutela
coletiva, permitir a condenação do réu sem qualquer pedido expresso representa
perigosa fragilização de garantias fundamentais no processo, que não se justifica,
mesmo diante de interesses transindividuais.

61
V., nesse sentido, parecer do Dep. José Carlos Aleluia, que conduziu a decisão da maioria da
Comissão de Constituição e Justiça (Disponível em: <www.camara.gov.br>. Acesso em: 19 ago.
2012).
62
Referida comissão de juristas foi presidida pelo Min. Herman Benjamin, do Superior Tribunal de
Justiça, sendo ainda composta pelos seguintes membros: Ada Pellegrini Grinover, Cláudia Lima
Marques, Kazuo Watanabe, Leonardo Roscoe Bessa e Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 93-120, out./dez. 2013
As Ações Coletivas no Direito brasileiro contemporâneo – De onde viemos, onde estamos e para onde vamos?  113

3.3  As ações coletivas e outros meios de resolução coletiva de litígios


Sem prejuízo da recente apresentação do Projeto de Lei do Senado nº 282/
2012, ao que tudo indica, em vez de aprimorar as ações coletivas, sobretudo
aquelas para defesa de direitos e interesses individuais homogêneos, a tendência
nos últimos anos tem sido concentrar as atenções sobre o projeto do novo Código
de Processo Civil (Projeto de Lei nº 8.046/2010), aprovado no Senado Federal ao
final do ano de 2010 e atualmente em discussão na Câmara dos Deputados.
Uma de suas inovações mais importantes do projeto do novo CPC, com
efeito, está no incidente de resolução de demandas repetitivas. Estabelece a pro­
posta que, havendo questão comum de direito capaz de gerar a multiplicação
de processos, instaura-se o incidente, a ser apreciado diretamente pelo tribunal,
com a suspensão de todos os processos individuais na área de competência
territorial do tribunal. A tese jurídica a ser definida pelo tribunal no julgamento do
incidente vinculará todos os órgãos judiciais inferiores, que deverão decidir em
conformidade à decisão do incidente, sob pena de ajuizamento de reclamação.
O propósito desse instituto, evidentemente, consiste em não somente evitar a
multiplicação de processos idênticos, como também proporcionar isonomia e
segurança jurídica.
Tal proposta tem inspiração no direito comparado, em especial na Alemanha,63
onde já se previa o instituto do procedimento-modelo (Musterverfahren) no
âmbito da jurisdição administrativa (desde 1991), do mercado de capitais (desde
2005)64 e da jurisdição sobre assistência e previdência social (desde 2008). O
Musterverfahren alemão funciona, guardadas as proporções, de forma semelhante
ao proposto incidente no projeto do novo CPC.65 Além disso, o novo instituto
também encontra raízes no direito nacional, mais precisamente no incidente de
julgamento por amostragem dos recursos especial e extraordinário repetitivos
(arts. 543-B e 543-C do CPC atual).

63
V., a propósito, a exposição de motivos redigida pela comissão de juristas que elaborou o ante-
projeto do novo CPC, com referência expressa ao direito alemão.
64
A vigência do Musterverfahren no âmbito do mercado de capitais foi prevista de forma temporária,
mas vem sendo prorrogada sucessivamente e pode se tornar definitiva em breve.
65
Sobre o Musterverfahren alemão, entre outros, v. CABRAL. O novo procedimento-modelo
(Musterverfahren) alemão: uma alternativa às ações coletivas. In: DIDIER JR. (Org.). Leituras com­
plementares de processo civil, p. 241-261 (embora sem se referir à existência do instituto no direito
alemão desde 1991) e, mais recentemente, adotando uma abordagem comparativa com o
projeto do novo CPC, Baltazar José Vasconcelos Rodrigues (Incidente de resolução de demandas
repetitivas: especificação de fundamentos teóricos e práticos e análise comparativa entre as regras
previstas no projeto do novo Código de Processo Civil e o Kapitalanleger-Musterverfahrensgesetz
do direito alemão. Revista Eletrônica de Direito Processual, p. 93-108).

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114  Andre Vasconcelos Roque

Os incidentes de julgamento por amostragem já existentes hoje no Brasil e


o proposto incidente de resolução de demandas repetitivas consistem, em linhas
gerais, em um novo sistema de resolução coletiva de litígios, denominado de
“casos-teste” ou de “processos-piloto”. Seu funcionamento pode ser sintetizado
da seguinte forma: em um conjunto de causas repetitivas sobre o mesmo
tema, selecionam-se alguns processos representativos de toda a controvérsia
— de preferência, aqueles cujas manifestações das partes contenham maior
variabilidade de argumentos e cujas decisões contemplem maior número de
fundamentos —, deixando os demais processos suspensos. Os casos repre­
sentativos são, em seguida, encaminhados para uma instância superior ou
um colegiado mais amplo para definição da tese aplicável. Uma vez definida a
tese comum, ela deverá ser aplicada não só aos representativos, mas também
aos demais processos suspensos, promovendo isonomia, segurança jurídica e
economia processual.
Evidentemente, muitas das vantagens proporcionadas pelo modelo de
casos-teste são também perseguidas pelas ações coletivas. Assim, poderia a
imple­mentação do incidente de resolução de demandas repetitivas preencher
totalmente o espaço das ações coletivas no ordenamento jurídico brasileiro?
Ao contrário do que se poderia imaginar, o incidente de resolução de
demandas repetitivas previsto no projeto do novo CPC, caso aprovado, não afas­
tará a necessidade de adequada tutela coletiva no Brasil. Isso porque os objetivos
perseguidos pelas ações coletivas são mais amplos que os almejados pela
resolução de casos-piloto ou casos-teste. Como se viu, o incidente previsto no
novo CPC tem por finalidade evitar a multiplicação de processos, proporcionando
isonomia e segurança jurídica. Não está entre suas finalidades, todavia, promover
o acesso à justiça, nem assegurar a tutela de direitos ontologicamente coletivos.
As ações coletivas, por outro lado, ao permitirem a agregação de pretensões
ínfimas, do ponto de vista individual, em um só processo, incrementam o acesso à
justiça. Se um determinado réu proporciona danos individualmente ínfimos, mas
que assumem significativa proporção global (pense-se, por exemplo, no caso em
que uma fábrica comercialize cem gramas a menos do que consta em embalagens
de sabão em pó), somente as ações coletivas funcionarão como instrumento
idôneo de tutela. Além disso, muitas vezes os titulares dos direitos em discussão
não possuem informação ou incentivos suficientes para litigar em juízo.
Assim, as ações coletivas mostram-se capazes de romper com a força iner­
cial dos litigantes individuais, algo que o incidente de resolução de demandas
repe­titivas não seria capaz, sequer em tese, de alcançar, eis que pressupõe a

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As Ações Coletivas no Direito brasileiro contemporâneo – De onde viemos, onde estamos e para onde vamos?  115

existência, ou pelo menos a potencialidade, de ações individuais que possam ser


qualificadas como repetitivas. Isso sem falar que somente o processo coletivo se
destina a proporcionar a tutela de direitos difusos e coletivos stricto sensu.
Não é por acaso, aliás, que o fortalecimento de institutos análogos no di­
reito comparado se verificou sem prejuízo das ações coletivas. Na Alemanha, a
adoção do procedimento-modelo (Musterverfahren) ocorreu sem o abandono
das tradicionais ações coletivas propostas por associações (Verbandsklagen). Da
mesma forma, na Inglaterra, as decisões de litígios de grupo (group litigation
order), que representam uma técnica de julgamento de casos-piloto, foram pre­
vistas sem que fossem abolidas as ações representativas (representative actions).
Não há motivo para que se acredite que o incidente de resolução de de­mandas
repetitivas, caso venha a ser aprovado no Brasil, torne desnecessário o apri­mo­
ramento das ações coletivas no direito pátrio.

4  Considerações finais
O momento atual, como se percebe, é de amadurecimento e de apri­mo­
ramento da tutela coletiva no Brasil.
Como visto, o direito brasileiro ocupa hoje posição de vanguarda entre os
países da civil law no âmbito das ações coletivas. Seu sistema de tutela de direitos e
interesses metaindividuais se encontra razoavelmente estruturado na Lei de Ação
Civil Pública e no Código de Defesa do Consumidor. Muitos direitos e interesses
de natureza difusa e coletiva stricto sensu, que não encontravam até a década de
oitenta do século passado nenhum instituto processual capaz de proporcionar
tutela adequada, finalmente puderam ser submetidos ao Poder Judiciário. Polí­
ticas públicas diversas puderam ser discutidas através das ações coletivas.
Consolidou-se o regime de proteção e de defesa do consumidor. Além disso, não
se pode também ignorar o desenvolvimento de ampla doutrina especializada
sobre o tema dos processos coletivos.
Isso é, ao mesmo tempo, um fato animador e preocupante. Animador,
porque mostra que hoje estamos em uma situação melhor que há décadas atrás,
em que muitos direitos simplesmente não podiam ser levados diante de um
magistrado, representando efetiva denegação de justiça. Preocupante, porque
em algum momento acreditamos, talvez ingenuamente, que as ações coletivas
— ou mesmo processos judiciais, de forma geral — pudessem resolver todos os
problemas que afligem a nossa sociedade.
O fenômeno da litigiosidade no Brasil deve ser estudado não apenas em
sua dimensão estritamente jurídica, mas também por aspectos sociológicos,

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116  Andre Vasconcelos Roque

econômicos e políticos. Afinal, quais são as condições sociais que estimulam o


incremento no número de demandas ajuizadas no país, sobretudo a partir da
Constituição de 1988? Em que medida a redemocratização e o desenvolvimento
dos meios de comunicação facilitaram o acesso à informação? Quais são as
causas econômicas que influem na propositura de uma ação judicial? Em que
medida maiores indenizações (incluindo aí os denominados punitive damages)
contribuem para este fenômeno? Muito pouco se sabe sobre isso.
O fato é que se torna preciso buscar a valorização do ordenamento jurídico
em sua dimensão objetiva, abandonando a concepção de tutela exclusivamente
de direitos subjetivos, algo tão arraigado na cultura brasileira que, para estruturar
a tutela coletiva, criaram-se novas categorias de direitos (difusos, coletivos e
individuais homogêneos).
Concessionárias, grandes empresas e litigantes habituais em geral racio­
cinam a questão sob o aspecto macroeconômico. Se a perspectiva de certo com­
portamento ilícito proporcionar a estimativa de um montante de conde­nações
judiciais inferior aos custos operacionais para a correção dessa conduta, as
empresas continuarão a praticar o ilícito, ensejando o ajuizamento de inúmeras
demandas repetitivas. Tais agentes direcionam sua conduta não sob o código
lícito/ilícito, mas de acordo com o código lucrativo/não lucrativo. Assim é que
serviços não solicitados, cobranças indevidas, mau atendimento e falhas variadas
na prestação de serviços e fornecimento de produtos se transformaram em
acontecimentos corriqueiros no Poder Judiciário brasileiro.
Em uma primeira tentativa, imaginou-se coibir tal conduta com a adoção de
institutos como o dano moral punitivo, mas tal alternativa, longe de representar
qualquer solução, pode vir a incentivar o ajuizamento de demandas temerárias.
Quanto às ações coletivas, embora devam efetivamente ser aprimoradas, tam­
bém não podem resolver a ineficiência sistemática dos órgãos públicos em geral.
Processos judiciais são sempre ferramentas complexas e onerosas, a serem mane­
jadas preferencialmente para situações específicas e pontuais, não para corrigir
deficiências estruturais na sociedade.
Talvez uma das soluções para diminuir a alta taxa de litigiosidade brasileira
esteja em incrementar o papel das agências reguladoras, incentivando uma
atuação mais enérgica de sua parte, inclusive mediante a aplicação de severas
penalidades em âmbito administrativo contra os litigantes habituais, sempre que
tal medida for necessária.66

Com entusiasmo acompanhou-se, por exemplo, recente intervenção protagonizada pela ANATEL,
66

em que se restringiu a comercialização de novas linhas de telefone para as piores companhias de

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As Ações Coletivas no Direito brasileiro contemporâneo – De onde viemos, onde estamos e para onde vamos?  117

Seria possível, ainda, cogitar a internalização de potenciais litígios travados


entre esses grandes litigantes e consumidores, talvez com a criação de instâncias
de julgamento nas próprias agências reguladoras, desde que se garantisse a
imparcialidade e independência de seus integrantes, providência que tem se
revelado muito difícil no Brasil, por variados motivos. Outra proposta interessante
seria incrementar as custas processuais cobradas dos litigantes habituais sempre
que sucumbirem em uma demanda judicial — de acordo, naturalmente, com
critérios a serem previamente definidos, para evitar surpresa às partes —,
justamente porque sua atuação proporciona utilização de demasiados recursos
da máquina judiciária.
O fato é que se precisa, urgentemente, pensar na tutela do ordenamento
jurídico não só do ponto de vista dos direitos subjetivos e da lide processualizada,
mas em sua dimensão objetiva, em uma perspectiva macroeconômica, para evitar
a litigiosidade em seu nascedouro, a fim de que se possa superar a crise numérica
do Poder Judiciário.
O próprio estudo das ações coletivas deve ser inserido nessa temática.
Como já é notório, algumas dificuldades têm sido verificadas quanto ao tempo de
tramitação dos litígios coletivos, sobretudo nas demandas em defesa de direitos
e interesses individuais homogêneos. Tal situação pode ser atribuída, pelo menos
em parte, a deficiências no sistema de vinculação dos integrantes do grupo
e na sua notificação, bem como à ausência de disciplina legal satisfatória para
os institutos da conexão, continência e litispendência no âmbito dos processos
coletivos.
O tema da tutela coletiva no Brasil, portanto, ainda que não seja a panaceia
para todos os males, permanecerá atual e desafiador para as próximas décadas.

Collective Actions in Contemporary Brazilian Law – Where We Come


From, Where are We and Where will We Go?

Abstract: The theme of collective actions, in recent decades, received


growing attention in the Brazilian doctrine. The development of collective
protection in Brazil was marked by three major episodes: the approval of the

telefonia celular em cada estado. Os lucros perdidos pelas companhias penalizadas, aliados à
publicidade negativa, parecem um fator punitivo-pedagógico muito mais eficiente que qualquer
indenização por danos morais em processos individuais. Evidente que tal atuação das agências
reguladoras deve ser oportunamente regulamentada e debatida, mas a esperança é que esse
seja o início de um novo paradigma para o serviço de telefonia celular e, mais amplamente, para
as relações de consumo no Brasil.

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118  Andre Vasconcelos Roque

Public Civil Action Law in 1985, the promulgation of the Constitution of 1988
and the advent of the Code of Consumer Protection in 1990. However, in spite
of its considerable merits, collective actions in Brazil failed in its promise to
provide uniformity of decisions, speed and procedural economy. This article
therefore aims to investigate what are the prospects for collective action in
Brazil, highlighting the recent development of a microsystem of collective
actions, the attempts to approve a code on the matter and the role they will
play in the future, along with other collective dispute resolution procedures.

Key words: Collective actions. Microsystem. Legislative reforms. Incident of


repetitive dispute resolution

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ROQUE, Andre Vasconcelos. As Ações Coletivas no Direito brasileiro contemporâneo: de


onde viemos, onde estamos e para onde vamos?. Revista Brasileira de Direito Processual –
RBDPro, Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 93-120, out./dez. 2013.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 93-120, out./dez. 2013
Breves considerações sobre os embargos de
divergência e as propostas do Novo Código
de Processo Civil

Rafael de Oliveira Guimarães


Mestre e Doutorando em Direito Processual Civil pela PUC-SP.
Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual Civil.
Professor de Direito Processual Civil na Universidade Estadual
de Maringá-PR. Professor na Pós-Graduação da PUCPR, UNIPAR
(Umuarama-PR) e UNIVEL (Cascavel-PR). Advogado em Maringá-PR.

Henrique Cavalheiro Ricci


Mestrando em Direito Econômico e Socioambiental pela PUCPR.
Especialista em Direito Público pela OAB/PR. Especialista em Direito
Empresarial, com ênfase em Tributário pela PUCPR. Professor de
Direito Tributário, Falimentar e Processual Civil na PUCPR (Maringá).
Professor na Pós-Graduação da PUCPR, UNIPAR
(Francisco Beltrão-PR) e FECILCAM (Campo Mourão).

Resumo: O breve estudo aborda um recurso que pouco se discute, mas de


importância vital para o ordenamento jurídico pátrio: o recurso de embargos
de divergência, com enfoque principalmente nas hipóteses de cabimento,
na competência, no processamento, bem como nos resultados práticos do
mencionado meio de impugnação. Para tanto, o trabalho tem a tarefa de
demonstrar as raízes históricas do recurso para justamente se fundamentar
a função que o ora ventilado recurso tem no Direito, justificar o porquê de
tal recurso ser classificado como excepcional e que garantia fundamental
ele tutela, qual seja, a uniformidade da jurisprudência no seio dos tribunais
superiores. O estudo toma como base, além do que a doutrina ensina sobre
o assunto, principalmente, o que a jurisprudência mais atualizada dos
tribunais superiores entende como necessário para interpor o recurso, o que
os regimentos internos das cortes de sobreposição exigem para o cabimento
e o processamento do mencionado meio de impugnação, bem como o
modo que o Projeto de Lei nº 166 do Senado Federal (o Novo CPC) trata da
questão. Ainda, não menos necessária é uma abordagem também sobre
questões polêmicas de processamento como a impossibilidade de cognição
de ofício no presente recurso, a permissão de julgamento monocrático,
recursos incidentais, como funciona o julgamento em tese e o julgamento
em concreto e em que situações o julgamento de tal recurso pode resultar
em súmula. Sobre tais assuntos é que o presente estudo tem como objetivo.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 121-154, out./dez. 2013
122  Rafael de Oliveira Guimarães, Henrique Cavalheiro Ricci

Palavras-chave: Recursos excepcionais. Embargos de divergência. Unifor­mi­


dade. Jurisprudência.

Sumário: 1 Considerações iniciais – 2 Função do recurso. Institutos afins –


3 Raízes históricas e de direito comparado – 4 Cabimento dos embargos de
divergência – 5 Competência para julgamento – 6 Procedimento do recurso
– 7 Efeitos do julgamento dos embargos de divergência – 8 Considerações
finais – Referências

1  Considerações iniciais
O presente estudo tem como objetivo trazer uma pequena mostra de todo
o regramento envolvendo o recurso de embargos de divergência. Tal recurso,
provavelmente seja um dos últimos na escala de utilização pelos operadores do
direito, porém, mesmo diante de uma forte corrente que entende os recursos como
um mal à celeridade do sistema,1 possui importância vital perante este, não só
para a confecção de súmulas, que, como se verá adiante, ocorre frequentemente,
mas, sobretudo, para sanar a divergência de entendimentos dentro dos Tribunais
Superiores, que, a rigor, têm a função de pacificar a interpretação da legislação.
Diante da importância que o recurso tem no ordenamento, necessária
uma abordagem sobre o cabimento do mesmo. Frise-se, talvez o maior número
de questões surjam no próprio cabimento do recurso, seja: a) analisando o tipo
de decisão a se recorrer, se monocrática ou colegiada; b) contra decisão de que
recursos serão cabíveis tais embargos; c) contra decisão de que órgão caberá a
impugnação; d) para qual órgão se recorre; e) qual decisão pode ser usada como
paradigma para a recorribilidade; f ) se o recurso tem preparo; g) como se dá o
julgamento e os efeitos deste, dentre várias outras.
Ainda, importante uma abordagem no processamento e nos efeitos do
julgamento do recurso, que eventualmente pode levar a uma súmula.
Desta forma, o presente estudo se presta, senão a esclarecer algumas das
questões postas, mas ao menos para demonstrar os posicionamentos e as polê­
micas envolvendo o recurso de embargos de divergência, que como já dito, se

“Embora seja um dado de nossa experiência o fato de que os recursos constituem um dos pontos
1

que mais contribuem para a morosidade da justiça em nosso país, ninguém está disposto a
revisá-los, com o objetivo de reduzir-lhes o número ou dar-lhes disciplina que faça minimamente
declinar o peso extraordinário de sua significação” (SILVA. Processo e ideologia: o paradigma
racionalista, p. 242).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 121-154, out./dez. 2013
Breves considerações sobre os embargos de divergência e as propostas do Novo Código de Processo Civil  123

mostra como um dos últimos no grau de utilização pelos operadores do direito, e


exatamente por isso, não possui o esclarecimento necessário.

2  Função do recurso. Institutos afins


Seguramente, um dos princípios jurídicos mais importantes, e base do
Estado Democrático de Direito, é o princípio da segurança jurídica. O referido prin­
cípio é identificado no ato jurídico perfeito, na coisa julgada e também na previsi­
bilidade e isonomia nas decisões judiciais, mais precisamente na isonomia entre
os jurisdicionados. “Ou seja, não quer o sistema processual (e, evidentemente,
toda a sociedade) que se estabeleçam diferenciações injustificáveis entre sujeitos
que se encontrem em situações idênticas”.2 Possui os embargos de divergência
uma função corretiva e não preventiva, ou seja, corrige as divergências de enten­
dimentos sobre as mesmas teses jurídicas, nas decisões dos Tribunais Superiores,
não necessariamente previne tais discrepâncias.
O valor “igualdade de decisões sobre o mesmo caso” como já dito, ocupa
grau elevado na importância dos princípios. Não somente no caso dos embargos
de divergência, o sistema processual também tutela a igualdade de entendimento:
a) dentro do próprio julgamento (os embargos infringentes, CPC, art. 530);
b) dentro do Tribunal (o incidente de uniformização de jurisprudência, que embora
não seja recurso, tem o mesmo objetivo, cf. CPC, arts. 476 e segs., art. 11, VI, e 118
e segs. do RISTJ); e c) entre os Tribunais regionais (o recurso especial com base na
alínea “c” do art. 105, III, da CF/88). A situação seria muito mais grave se houvesse
a discrepância de entendimentos dentro dos Tribunais Superiores, que são os
guardiões da interpretação do direito nacional, de onde se deve retirar a certeza
sobre a interpretação de teses jurídicas, ou seja, com muito mais necessidade,
surgem os Embargos de Divergência, como meio recursal nas mãos do recorrente,
para corrigir tais discrepâncias de entendimento.
Como afirma Cândido Rangel Dinamarco, citando Allan Farnsworth, a téc­
nica de igualdade de entendimentos acerca das mesmas teses jurídicas propicia
a quádrupla vantagem expressa nas palavras igualdade-segurança-economia-
respei­tabilidade.3 Farnsworth, como doutrinador/aplicador da Commom Law,

2
ABDO. Embargos de divergência: aspectos históricos, procedimentais, polêmicos e de direito
comparado. In: NERY JUNIOR; WAMBIER (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis,
v. 9, p. 229.
3
Efeito vinculante das decisões judiciais. In: DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do
processo civil moderno. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 1226 apud ABDO. Embargos de

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124  Rafael de Oliveira Guimarães, Henrique Cavalheiro Ricci

segue as ideias de Hart quanto à respeitabilidade ou obediência de um sistema


jurídico se traduzir na força do mesmo.4 Tais fundamentos se aplicam também
aos embargos de divergência, ou seja, a congruência de entendimento acerca de
teses jurídicas pelos Tribunais Superiores demonstra o grau de respeitabilidade
e obediência ao sistema jurídico. Daí a necessidade de se eliminar ao máximo
tais divergências internas de entendimentos em um Tribunal Superior, o que
Araken de Assis chama de dever de eliminar a divergência intestina5 dentro de
tais tribunais.

3  Raízes históricas e de direito comparado


Os embargos de divergência, ou pelo menos o meio de se provocar a
ma­nifestação do órgão de cúpula de Tribunal Superior acerca da correta inter­
pretação de tese jurídica ante a discrepância entre dois órgãos fracionários já
existia no Código Filipino.6 No Brasil, mais precisamente, a legislação previu
a figura dos “embargos” na Lei nº 319/37, e posteriormente no art. 6º, II, “b”, do
Dec.-Lei nº 6/1937, contra as decisões de turmas que apresentassem divergência
com decisões de outra Turma ou do Pleno do STF.7
O Código de Processo Civil de 1939, quanto ao termo “embargos”, somente
estabelecia em seu art. 833 o recurso contra decisões não unânimes que hou­
vessem reformado a sentença, o que se assemelha muito mais aos embargos
infringentes. Porém, em seu art. 853 previu o recurso de revista, dispondo que:
“Conceder-se-á recurso de revista nos casos em que divergem, em suas decisões
finais, duas ou mais câmaras, turmas ou grupo de câmaras, entre si, quanto ao
modo de interpretar o direito em tese. Nos demais casos, será o recurso extensivo
à decisão final de qualquer das câmaras, turmas ou grupos de câmaras, que
contrariar outro julgado, também final, das câmaras cíveis reunidas”. Ou seja, a
previsão do recurso de revista não estava adstrita somente ao STF, mas a todos
os Tribunais, pois tratava expressamente do órgão “câmaras reunidas”, órgão
exclusivo dos tribunais locais.

divergência: aspectos históricos, procedimentais, polêmicos e de direito comparado. In: NERY


JUNIOR; WAMBIER (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis, v. 9, p. 231.
4
HART, H. L. A. The Concept of Law. 2nd ed. Norfolk: Oxford University Press, 1994. p. 115.
5
Manual dos recursos, p. 629.
6
Título 95, Livro 3 do Código Filipino.
7
Preconizava o mencionado artigo que seriam admissíveis: “embargos para o Tribunal Pleno dos
julgamentos das turmas: [...] II - quando, embora não se verifique unanimidade no julgamento,
o acórdão embargado [...] b) estiver em manifesta divergência com a jurisprudência do Tribunal
Pleno ou de outra turma”.

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Breves considerações sobre os embargos de divergência e as propostas do Novo Código de Processo Civil  125

O Supremo Tribunal Federal, por conta desse entendimento de que o


recurso de revista era cabível, em qualquer recurso, e em qualquer Tribunal, desde
que houvesse divergência entre o resultado de um recurso/ação originária e um
julgado acerca da mesma questão, passou a entender que o recurso de revista
não era cabível dentro da Corte Suprema.8 Diante de tal impasse, a Lei nº 623/49
instituiu o parágrafo único ao art. 833, determinando o cabimento do recurso de
revista também no âmbito do Supremo, porém, o nomeando de embargos. Assim
previa tal redação; “além de outros casos admitidos em lei, são embargáveis no
STF, as decisões das Turmas, quando divirjam, entre si, ou de decisão tomada pelo
Tribunal Pleno”.
O Código de Processo Civil de 1939 não trazia qualquer procedimento para
os embargos de divergência (no caso, o recurso de revista), como, aliás, não fazia
para a maioria dos recursos, o que provocou o Supremo Tribunal Federal a prever
em seu Regimento Interno toda a sistemática do recurso (cf. arts. 330 a 336).
O Código de Processo Civil de 1973 previu originariamente, em seu art. 546,
que o procedimento do recurso extraordinário seria delimitado pelo Regimento
Interno do Supremo Tribunal Federal, e, em seu parágrafo único estabeleceu que
“além dos casos admitidos em lei, é embargável, no Supremo Tribunal Federal,
a decisão da turma que, em recurso extraordinário ou agravo de instrumento,
divergir do julgamento de outra turma ou do plenário”. Vê-se que a partir de 1973
o antigo recurso de revista, até o citado momento nomeado simplesmente de
“embargos”, não era mais permitido em todos os recursos, ações originárias, ou
mesmo em todos os Tribunais regionais.
A partir de 1973, o mencionado recurso passou a ser admitido unicamente
no Supremo Tribunal Federal, entendendo o legislador que somente a igualdade
de interpretação de teses jurídicas no Supremo é que merecia a guarida recursal.
No mais, houve também a restrição do recurso para poder ser manejado
exclusivamente para impugnar acórdãos de recurso extraordinário ou agravo de
instrumento. Tal mudança, muito provavelmente, ocorreu para adequar o Código
de Processo Civil ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, que previu
o recurso desta forma em seu art. 317, conforme muito bem observou Helena
Najjar Abdo.9 Além do quê, foi a primeira vez que o recurso passou a ser nomeado
como embargos de divergência por uma lei federal (art. 496, VIII, do CPC). Ante­
riormente tal nomenclatura era utilizada somente pelos Regimentos Internos.

Cf. DELGADO. Aspectos gerais dos embargos de divergência.


8

Op. cit., p. 227.


9

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126  Rafael de Oliveira Guimarães, Henrique Cavalheiro Ricci

Tendo em vista a criação do Superior Tribunal de Justiça com a Constituição


Federal de 1988, e o deslocamento da competência para o referido Tribunal
Superior no que tange à guarda da interpretação da legislação infraconstitucional
pela via do recurso especial, se fez necessária a criação dos “embargos” também
para o Superior Tribunal de Justiça.
Pois bem, a chamada “1ª Lei de Recursos”, a Lei nº 8.038/90, que estabeleceu
o regramento de alguns recursos e ações originárias para ambos os Tribunais
Superiores, preceituou em seu art. 29 que “é embargável, no prazo de quinze dias, a
decisão da turma que, em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma,
da seção ou do órgão especial, observando-se o procedimento estabelecido no
regimento interno”. Como muito bem salientado por Nelson Nery Junior, tratou-
se de “cochilo” do legislador10 ao regrar o cabimento dos embargos, revogando
assim a disposição do Código de Processo Civil de 1939, e não se referindo ao
cabimento dos embargos para impugnar acórdão de recurso extraordinário, mas
somente de recurso especial.
O Supremo Tribunal Federal, porém, continuou a admitir os embargos
mesmo diante da falha legislativa, uma vez que os mesmos possuíam previsão no
Regi­mento Interno do Supremo Tribunal Federal.11 Ocorre que tal previsão carecia
de validade, por flagrante inconstitucionalidade por incompetência legislativa
(cf. art. 22, I da CF/88), já que não poderia um recurso ser previsto por Regimento
Interno, mas exclusivamente por Lei de iniciativa da União Federal.
Devido a este vício de inconstitucionalidade quanto ao cabimento do recur-
so, em estudo para impugnar acórdão de recurso extraordinário, com total acerto
os processualistas Gilson Delgado Miranda e Patrícia Miranda Pizzol12 entendem
que o recurso de embargos de divergência passou a não ser cabível no âmbito do
STF. Isso porque diante da previsão do recurso de embargos de divergência pelo
art. 29 da Lei nº 8.038/90 (que previa o recurso somente para impugnar acórdão
de recurso especial), o art. 546 do CPC (que previa a impugnação via embargos
para os acórdãos de recurso extraordinário) foi revogado.
Felizmente, tal polêmica foi solucionada pela Lei nº 8.950/94, que incluiu
o cabimento dos embargos de divergência para impugnar acórdão de recurso
extraordinário novamente no art. 546 do CPC, preceituando que “é embargável

10
NERY JUNIOR. Atualidades sobre o processo civil, p. 187.
11
STF, Pleno, ERE nº 121.957-2, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 20.06.91, RT, 682/244. Cf. MIRANDA;
PIZZOL. Recursos no processo civil, p. 163.
12
Idem.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 121-154, out./dez. 2013
Breves considerações sobre os embargos de divergência e as propostas do Novo Código de Processo Civil  127

a decisão da turma que: I - em recurso especial, divergir do julgamento de outra


turma, da seção ou do órgão especial; II - em recurso extraordinário, divergir do
julgamento da outra turma ou do plenário”. Salienta-se que o parágrafo único
do mencionado artigo novamente remete o processamento dos embargos de
divergência para os Regimentos Internos (arts. 330 a 336 no RISTF; arts. 266 e 267
do RISTJ).
O importante dessa nova previsão dos embargos de divergência no Código
de Processo Civil é que ela restringiu ainda mais o cabimento do mencionado
recurso. No CPC de 1939, o cabimento era de acórdão de recurso extraordinário
ou agravo de instrumento, já o CPC de 1973 previu o cabimento dos embargos
somente no caso de recurso excepcional (especial ou extraordinário).
O Projeto nº 166 (o Novo Código de Processo Civil), por ora, infelizmente,
em seu art. 997 prevê unicamente o cabimento de embargos de divergência
para impugnar o acórdão de recurso especial, silenciando sobre o cabimento
contra acórdão de recurso extraordinário.13 Como se vê, momentaneamente, o
Projeto do Novo Código de Processo Civil comete um retrocesso no que tange
ao cabimento dos embargos de divergência. Enquanto demonstra o interesse
em eliminar o máximo de disparidades de teses jurídicas na jurisprudência do
STJ, inclusive englobando as ações originárias no âmbito de impugnação via
embargos de divergência, tolera o conflito de entendimentos dentro do STF em
todos os recursos e ações originárias.
No direito estrangeiro o recurso de embargos de divergência não possui
tal nomenclatura, tampouco regramento idêntico ao do direito brasileiro, porém,
no direito comparado encontram-se recursos com a mesma finalidade, ou seja,
eliminar a discrepância de entendimentos dentro dos Tribunais Superiores.

“Art. 997. É embargável a decisão de turma que:


13

I - em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial,


sendo as decisões, embargada e paradigma, de mérito;
II - em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial,
sendo as decisões, embargada e paradigma, relativas ao juízo de admissibilidade;
III - em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial,
sendo uma decisão de mérito e outra que não tenha conhecido do recurso, embora tenha
apreciado a controvérsia;
IV - nas causas de competência originária, divergir do julgamento de outra turma, seção ou do
órgão especial.
§1º Poderão ser confrontadas teses jurídicas contidas em julgamentos de recursos e de ações de
competência originária”.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 121-154, out./dez. 2013
128  Rafael de Oliveira Guimarães, Henrique Cavalheiro Ricci

O CPC Português, por exemplo, conforme comenta Rodrigo da Cunha Lima


Freire,14 traz o recurso para o Tribunal Pleno quando uma decisão do Supremo
Tribunal de Justiça, desde que ainda não transitada em julgado, divergir de outra
já transitada quanto à interpretação de norma jurídica vigente ou tese jurídica.
Conforme advertido por Helena Najjar Abdo,15 o Dec.-Lei nº 329-A, de
12.12.1995 revogou tal disposição, transpondo a essência desse recurso para o
art. 732-A, na seção intitulada “julgamento ampliado da revista”. Ou seja, ainda há
a possibilidade do recorrente provocar a revisão da decisão quando esta divergir
de outra decisão do mesmo Tribunal, porém o rol dos legitimados não se restringe
às partes, mas está ampliado ao Ministério Público, relator e demais julgador do
caso. Assim, vê-se que o julgamento ampliado da revista no direito português
é uma mescla de embargos de divergência com incidente de uniformização
de jurisprudência do direito brasileiro. Este último, em que o próprio relator
determina o envio dos autos ao órgão superior para julgamento.
A diferença é que no direito português também os outros julgadores
podem requerer o envio dos autos para se corrigir a divergência. Deste modo, a
legislação portuguesa contempla, em um único incidente, um rol mais ampliado
de legitimados para o seu processamento do que os embargos de divergência e
incidente de uniformização contemplam juntos no Brasil.
Na Itália, como modelo de sistema europeu, o recurso excepcional é somente
um: o ricorso per cassazione, semelhante ao recurso especial, para assegurar a exata
observância da lei, sua interpretação uniforme e a unidade do direito nacional. Tal
recurso é interposto à Corte de Cassação, que somente tem a função de cassar
a decisão e remeter os autos para os Tribunais locais. Na Itália não existe algo
semelhante aos embargos de divergência, mas algo semelhante à Reclamação

14
“Artigo 763. (Fundamento do Recurso).
1. Se, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que,
relativamente à mesma questão fundamental de direito, assentem sobre soluções opostas, pode
recorrer-se para o Tribunal Pleno de acórdão proferido em último lugar.
2. Os acórdãos consideram-se preteridos no domínio da mesma legislação sempre que, durante
o intervalo de sua publicação não tenha sido introduzido qualquer modificação legislativa que
interfira, direta ou indiretamente, na resolução de questão de direito controvertida.
3. Os acórdãos opostos hão de ser proferidos em processos diferentes ou em incidentes diferentes
do mesmo processo: neste último caso, porém, se o primeiro acórdão constituir caso julgado para
as partes, o recurso não é admissível, devendo observar-se o disposto no artigo 675.
4. Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior com trânsito julgado;
mas presume-se o trânsito, salvo se o recorrido alegar que o acórdão não transitou”. Cf. FREIRE.
Embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário, f. 61.
15
Op. cit., p. 242.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 121-154, out./dez. 2013
Breves considerações sobre os embargos de divergência e as propostas do Novo Código de Processo Civil  129

do direito brasileiro. Está previsto no art. 374 do CPC Italiano que o Presidente do
Tribunal pode remeter os autos ao Plenário se houver a manutenção da decisão
do Tribunal inferior e esta estiver em desacordo com o entendimento do Tribunal
de Cassação. Nesse caso, o Presidente remete os autos ao Plenário para impugnar
a decisão do Tribunal inferior e não a decisão da Corte de Cassação que a manteve,
e, no caso de provimento, os autos são remetidos ao Tribunal de origem para a
aplicação do direito estabelecido pela Corte de Cassação ao caso concreto.
Na França o sistema é parecido com o italiano, tanto na função da Corte
de Cassação quanto no modo de solucionar as divergências jurisprudenciais, não
cabendo recurso de decisões da própria Corte, somente os incidentes provocados
pelos próprios julgadores, conforme previsto no art. 640 do CPC francês, chamado
de pourvoi en cassation.
Na Espanha há uma disposição bem interessante. O recurso de casa­ción tam­
bém é admitido aos Tribunais Superiores conforme art. 478 da Ley de Enjuncia­
mento Civil. Porém, contra a decisão dos Tribunais Superiores, somente são
legitimados para apresentar, no prazo de um ano, ao Tribunal Supremo, o recurso
en interés de la ley quando a decisão de alguma Câmara da Corte de Cassação
divergir de decisão de outra, o Ministerio Fiscal, o Defensor Del Pueblo e algumas
pessoas jurídicas de direito público, na forma do art. 491. No caso de provimento
do recurso, o decidido pelo Tribunal Supremo passa obrigatoriamente a integrar
o ordenamento segundo o art. 493 do Diploma Processual Civil Espanhol.16
Na Argentina se encontra outra peculiaridade. O Código Procesal Civil y
Comercial de la Nación preceitua, no seu art. 288, o cabimento de recurso de ina-
plicabilidad de ley para o Plenário do Tribunal, quando houver sentença definitiva
que contrariar entendimento acerca da mesma tese jurídica proferido nos últimos
dez anos.
Há uma semelhança grande com os embargos de divergência brasileiros
quando se exige a demonstração, de forma analítica, do dissenso jurisprudencial
(art. 292), porém, na Argentina o resultado do julgamento obriga a câmara que
o proferiu a sempre seguir o entendimento do Plenário, o que também acontece
com todos os juízes de primeiro grau, ou seja, possui força vinculante.

Cf. ABDO. Embargos de divergência: aspectos históricos, procedimentais, polêmicos e de direito


16

comparado. In: NERY JUNIOR; WAMBIER (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis,
v. 9, p. 244.

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130  Rafael de Oliveira Guimarães, Henrique Cavalheiro Ricci

4  Cabimento dos embargos de divergência


Quanto ao cabimento do recurso de embargos de divergência no direito
brasileiro, há que se fazer alguns cortes quanto ao assunto tratado, separando-se
em cabimento e regularidade formal. Primeiramente, quanto ao cabimento em si,
deve se tratar do assunto: decisão recorrida.

4.1  Da decisão impugnada pelo recurso de embargos de divergência


4.1.1  Da necessidade da decisão impugnada ser de recurso excepcional
O art. 546 do Código de Processo Civil, primeira fonte normativa quanto ao
cabimento dos embargos de divergência, preceitua claramente que a decisão
recorrida deve ser proveniente de recurso excepcional.
Lembrando o pequeno histórico que foi trazido no item anterior, o art. 6º,
II, “b”, do Dec.-Lei nº 6/1937, bem como o parágrafo único do art. 833 do CPC/39,
preceituavam que cabia o recurso de embargos de divergência quando houvesse
divergência entre decisão de Turma com decisão de outra Turma ou mesmo
do pleno. Ou seja, quando do surgimento do recurso ora tratado, esse tinha
realmente o intuito de corrigir qualquer dissenso jurisprudencial acerca de uma
tese jurídica, independentemente da modalidade de acórdão. Desta forma,
era cabível o recurso de embargos contra decisão de mandado de segurança,
de reclamação constitucional, de recurso extraordinário, de ação rescisória, e
qualquer outro julgamento no Supremo. O Código de 1973 estabeleceu a pri­
meira restrição quanto ao cabimento do recurso de embargos de divergência, o
qual foi seguindo até os dias de hoje, não sendo modificado pelo RISTF, em seu
art. 330. Neste sentido, a redação atual é bem clara no sentido de que somente
cabe o recurso de embargos de divergência para impugnar acórdão de recurso
excepcional, tornando inaplicável o art. 330 do RISTF conforme grande parte da
doutrina,17 e as Súmulas nº 315 do STJ,18 e nº 300 do STF.19
Quanto ao cabimento de embargos de divergência somente para im­pugnar
acórdãos de recursos excepcionais, por uma simples interpretação gramatical,

17
MIRANDA; PIZZOL. Recursos no processo civil, p. 163; TORREÃO. Dos embargos de divergência,
p. 114; MOREIRA. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 5, p. 634.
18
“Não cabem embargos de divergência no âmbito do agravo de instrumento que não admite
recurso especial”.
19
“São incabíveis os embargos da Lei nº 623, de 19 de fevereiro de 1949, contra provimento de
agravo para subida de recurso extraordinário”.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 121-154, out./dez. 2013
Breves considerações sobre os embargos de divergência e as propostas do Novo Código de Processo Civil  131

não restam duvidas, já que é o preceito claro do art. 546 do CPC. Porém, opina-se
pela não completude técnica do legislador em tal posicionamento.
O objetivo do recurso em questão é eliminar a divergência interna dos
Tribunais Superiores, pois justamente por estes serem os guardiões da inter­pre­
tação do ordenamento jurídico brasileiro devem dar a correta e única interpretação
acerca da tese jurídica. Poder-se-ia até pensar que a intenção do legislador foi no
sentido de restringir o cabimento dos embargos de divergência para somente
impugnar decisões de recursos excepcionais, já que, em regra, são neles que
os Tribunais Superiores exteriorizam a interpretação da norma jurídica, e por
consequência só neles haveria dissenso jurisprudencial interno que justificasse o
cabimento dos embargos de divergência.
Sem a mínima dúvida afirma-se que tal raciocínio é equivocado. O Tribunal
Superior pode exteriorizar o entendimento acerca de uma tese jurídica até mesmo
em um recurso ordinário constitucional20 no caso de competência atri­buída pelo
art. 105, II, “b”, da CF/88. Pode eventualmente este entendimento contrariar o
do Tribunal em vários outros julgados. O que é interessante, no caso, é que se a
segurança tivesse sido concedida e não denegada no Tribunal a quo, pela própria
locução do artigo de lei constitucional, não caberia recurso ordinário consti­
tucional, mas somente o recurso especial com base no inc. III, alíneas “a” a “c” da
Carta Magna, ou seja, a mesma questão poderia ser decidida pelo mesmo órgão,
mas: a) no primeiro caso, não caberia o recurso de embargos de divergência pelo
fato do pedido do mandado de segurança ter sido julgado improcedente no
Tribunal a quo, e a questão ter chegado no órgão julgador via recurso ordinário
constitucional, assim permitindo-se a divergência de entendimentos de Turmas
dentro de um Tribunal Superior, como se isso não fosse nocivo ao sistema e aos
jurisdicionados que dele esperam segurança jurídica; b) no segundo caso, caberia
o recurso de embargos de divergência, pois como a segurança foi concedida no
Tribunal a quo, a questão chegou ao Tribunal Superior via recurso especial, então
a divergência jurisprudencial merece ser sanada pelo órgão competente sob
pena de gerar grave insegurança aos jurisdicionados.
Ainda pode ser utilizado o exemplo de uma decisão de Reclamação Cons­
titucional apresentada no Supremo Tribunal Federal,21 em que a Turma decide de
modo totalmente diverso de outros julgados de outra Turma ou do Pleno onde se
discutia competência do Supremo Tribunal Federal.

Competência das Turmas segundo o art. 13, II, “b”, do RISTJ.


20

Competência da Turma segundo o art. 9.º, I, “c”, do RISTF.


21

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 121-154, out./dez. 2013
132  Rafael de Oliveira Guimarães, Henrique Cavalheiro Ricci

Vê-se de acordo com os exemplos trazidos, que podem perfeitamente as


Turmas dos Tribunais Superiores proferirem decisões em outros recursos ou ações
de competência originária que contrariem completamente o entendimento de
outros órgãos de tais Tribunais. Assim, se o objetivo dos embargos de diver­gên­cia
é evitar que Turmas decidam de forma diferente do entendimento do Tribunal
Superior, mas se o cabimento do recurso de embargos de divergência se dá
somente para impugnar acórdãos de recursos excepcionais, tal desiderato não é
atingido em sua totalidade.
Tendo em vista a necessidade de tutela jurisdicional contra a discrepân­cia
de entendimento de interpretação de tese jurídica e considerando que o obje­
tivo do legislador com a criação dos embargos de divergência foi impedir que
Turmas (órgãos fracionários) decidam em desconformidade com outras turmas,
ou órgãos de cúpula, o mais coerente e salutar para o sistema é a possibilidade
de impugnação na via dos embargos de divergência contra qualquer decisão
de Turma que contrarie entendimento do Tribunal Superior, e não somente as
proferidas em sede de recurso excepcional.
Tendo em vista os argumentos ora trazidos, neste ponto foi muito feliz a
redação do art. 997, inc. IV, do Novo Código de Processo Civil22 que, apesar de res­
tringir o cabimento dos embargos de divergência dentro do âmbito do Superior
Tribunal de Justiça, estendeu tal hipótese de impugnação para além dos acórdãos
de recursos especiais, abrangendo os acórdãos de todas as ações de competência
originária do Superior Tribunal de Justiça.
Isto posto, de lege lata, de acordo com a interpretação gramatical e a mens
legem hodierna das transformações acerca do cabimento dos embargos de diver­
gência, entende-se cabível o recurso ora tratado somente contra decisões pro­
feridas em sede de recurso excepcional, porém, de lege ferenda, ante a função
dos embargos de divergência de eliminar a disparidade de entendimentos acerca
de uma mesma tese jurídica, e o dever dos Tribunais Superiores exteriorizarem
somente um entendimento acerca de uma questão de direito, bem como a possi­
bilidade das Turmas firmarem entendimentos em outras decisões, além das de
recurso excepcional, necessário se faz o cabimento dos embargos de divergência
contra qualquer decisão proferida por Turma em Tribunal Superior, o que muito
provavelmente ocorrerá tendo em vista a redação do art. 997, inc. IV, do Projeto
nº 166/2010 do Senado Federal.

“Art. 997. É embargável a decisão de turma que: [...] IV - nas causas de competência originária,
22

divergir do julgamento de outra turma, seção ou do órgão especial”.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 121-154, out./dez. 2013
Breves considerações sobre os embargos de divergência e as propostas do Novo Código de Processo Civil  133

4.1.2  Da necessidade da decisão impugnada ser proferida por Turma


A previsão acerca do cabimento do recurso de embargos de divergência
somente para impugnar o julgamento proferido por Turmas é preceito antigo. Já
na primeira previsão legislativa no Brasil acerca dos embargos de divergência, que
vem a ser o art. 6º, II, “b”, do Dec.-Lei nº 6, de 16.11.1937, o cabimento do recurso
ocorria “do julgamento das turmas”. Tal disposição perdurou no parágrafo único
do art. 833 do Código de Processo Civil de 1939, onde se dispôs que o cabimento
ocorria nos casos de divergência entre acórdãos de Turmas, e entre os acórdãos
dessas Turmas com os das Câmaras reunidas.
A redação atual prevê expressamente que “é embargável a decisão de Tur­
ma”. Não se encontrou, dentro do pesquisado, o motivo do recurso de embargos
de divergência só poder impugnar decisão de turma. Possivelmente seja pelo fato
de ser, em regra, a primeira decisão dentro de um Tribunal Superior, devendo o
dissenso interno ser afastado no primeiro momento. Porém há grandes chances
da maior motivação se dar pelo fato das decisões de Seções ou Órgãos Plenários
já refletirem o entendimento do Tribunal, ante sua composição qualificada, quando
não totalitária do Tribunal.
Lembrando que, caso aprovada a redação do art. 997, inc. IV, do Novo CPC
ventilada no item anterior, que prevê o cabimento de embargos de divergência
contra acórdãos proferidos em ações de competência originária, a decisão
impugnada poderá ser proferida nesses casos por órgão colegiado diferente
(Seção ou Órgão Especial), por serem os órgãos competentes para apreciar as
ações originárias de acordo como os regimentos internos. Assim, poderá haver
a quebra desse paradigma de que somente o acórdão proferido por Turma é
embar­gável na forma de divergência.
Desta forma, por fundamentos jurídicos e lógicos, por ora, descarta-se
a possibilidade de impugnação, via embargos de divergência, de decisões
proferidas por Seções ou Corte Especial, no caso do STJ, e decisões proferidas pelo
Pleno no caso do STF.23

4.1.3  Da necessidade da decisão impugnada ser colegiada


Por uma interpretação gramatical do art. 546 do CPC, se detecta que a
impugnação na via de embargos de divergência vai sempre atingir a decisão da
Turma, e não decisão monocrática do relator com base no art. 557 do CPC.

Nesse sentido: ASSIS. Manual dos recursos, p. 836.


23

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134  Rafael de Oliveira Guimarães, Henrique Cavalheiro Ricci

O parágrafo único do art. 833 do Código de 1939 preceituava expressamente


que somente caberia o recurso de embargos de divergência quando um acórdão,
portanto não decisão monocrática, de uma Turma divergisse de acórdão de outra
Turma, ou órgão de cúpula. Deste modo, deixava bem claro que o objeto dos
embargos de divergência era impugnar acórdãos.
No entanto, tal preceito só existia porque a sistemática do Código de
1939 não previa as decisões monocráticas nos moldes do art. 557 do CPC para
extinguirem recursos. Na época, não se imaginava que a economia e a efetividade
processual iriam exigir decisões monocráticas extintivas de recursos para
preservar um tempo precioso dos órgãos colegiados. Tais argumentos são muito
bem defendidos por Milton Luiz Pereira, em artigo específico sobre o tema.24 O
doutrinador afirma que o art. 557 do CPC, alterado em 1998 por sugestão do
próprio STJ, trouxe nova sistemática de julgamento dos Tribunais Superiores, pois
o julgamento monocrático se transformou na regra, sendo a exteriorização do
entendimento do órgão colegiado, que somente seria provocado em caso de
recurso da parte. Segue o autor afirmando que, inobstante essa nova sistemática,
a decisão monocrática em recurso especial não contraria o disposto no art. 546 do
CPC e pode ser impugnável via recurso de embargos de divergência.
De qualquer forma, a redação do art. 546 do atual CPC fala em decisão da
Turma, ou seja, por mais que o relator tenha o poder de julgar monocraticamente
um recurso quando a decisão recorrida estiver em conformidade com a jurispru-
dência dominante ou for manifestamente inadmissível, não representa ele o ór-
gão colegiado. Este está hierarquicamente acima do relator, tanto é que cabe o
recurso do parágrafo primeiro do art. 557 para a Turma.
Ademais, o recurso de embargos de divergência tem o mesmo regramento
do recurso excepcional, obedecendo, no que couber, os pressupostos gerais e
específicos de admissibilidade daquele. Dentre esses pressupostos específicos
(no caso, do cabimento), encontra-se a necessidade de “ter sido a causa decidida
em única ou última instância” (cf. art. 105, III, da CF/88), ou seja, deve haver o
esgotamento de instância.
O esgotamento de instância nada mais é do que a tentativa de se extrair o
máximo possível do entendimento do órgão competente sobre a questão jurídica
a ele posta. É cediço que tal preceito obriga a parte recorrente no recurso especial
a apresentar o agravo interno, justamente para levar a decisão ao órgão colegiado

PEREIRA. Embargos de divergência contra decisão lavrada pelo relator. Genesis – Revista de Direito
24

Processual Civil, p. 307.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 121-154, out./dez. 2013
Breves considerações sobre os embargos de divergência e as propostas do Novo Código de Processo Civil  135

e esgotar a instância. Tal entendimento se aplica da mesma forma quanto ao


recurso de embargos de divergência. Neste sentido é o posicionamento de Sérgio
Shimura.25 Deste modo, é obrigatório que a parte que obteve uma decisão mono­
crática desfavorável, em sede de recurso especial, apresente o agravo interno,
para aí sim manejar os embargos de divergência.
Devido ao acórdão gerado ser de agravo regimental (interno), embora a
decisão monocrática impugnada advenha de recurso especial, o Supremo Tribunal
Federal, aplicando radicalmente a redação do art. 546 do CPC, já entendeu que não
caberia tais embargos, inclusive editou a Súmula nº 599, preceituando que “são
incabíveis embargos de divergência de decisão de Turma em agravo regimental”.
Com todo respeito ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, o acórdão
de agravo regimental contra decisão monocrática em recurso excepcional nada
mais é do que uma decisão colegiada, da Turma, acerca do recurso excepcional.
Diante disso, é que a maioria da doutrina já defendia tal cabimento dos embargos
de divergência,26 tendo inclusive Eliana Calmon27 escrito artigo doutrinário
combatendo a súmula do Supremo. Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça
editou a Súmula nº 316,28 que veio a influenciar o STF no cancelamento da súmula
rebatida.29
O mesmo raciocínio se aplica aos embargos de declaração,30 ou seja, não é
pelo fato de o acórdão ser de embargos de declaração que não se pode admitir
a sua impugnação via embargos de divergência. No caso dos embargos de
declaração o cabimento é mais evidente, pois não é caso de uma decisão cole­
giada ter substituído uma monocrática, como no agravo regimental, mas sim uma
complementação.

25
SHIMURA. Embargos de divergência. In: WAMBIER (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos
recursos especial e extraordinário, p. 417.
26
NERY JUNIOR; NERY. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, p. 1060; DIDIER
JR.; CUNHA. Curso de direito processual civil, v. 3, p. 335; MARINONI; MITIDIERO. Código de Processo
Civil comentado artigo por artigo, p. 576.
27
CALMON. Embargos de divergência e a súmula 599/STF. In: CALMON; BULOS. Direito processual
civil: inovações e perspectivas: estudos em homenagem ao Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira,
p. 222.
28
Súmula nº 316 do STJ. “Cabem embargos de divergência contra acórdão que, em agravo
regimental, decide recurso especial”.
29
STF, Pleno, AgRegRE nº 285093/MG, Rel. Orig. Min. Maurício Corrêa, rel. p/ acórdão Min. Marco
Aurélio, j. 26.04.2007, DJU, 07 maio 2007.
30
Contra: STF, Pleno, AI nº 363.828/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 31.05.2006, DJU, p. 5, 16 jun. 2006. A
favor: OLIVEIRA. Embargos de divergência. In: PEREIRA; MELLO (Coord.). Estudos em homenagem
a Carlos Alberto Menezes Direito, p. 262.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 121-154, out./dez. 2013
136  Rafael de Oliveira Guimarães, Henrique Cavalheiro Ricci

A decisão de embargos de declaração tem natureza de integração do


acórdão, pois o recorrente não busca sua reforma, tão somente a complementação
ou esclarecimento da decisão. Deste modo, o objetivo do recorrente é buscar o
máximo possível do entendimento acerca do caso, completando a decisão.
Diante de todo exposto, pode-se concluir que o cabimento do recurso de
embargos de divergência ocorre quando há decisão colegiada em decisão final
de recurso excepcional, ou seja, o recurso deve “dar entrada” no Tribunal Superior
como recurso excepcional e ter uma decisão colegiada o decidindo.

4.1.4  Da desnecessidade da decisão impugnada versar sobre o


mérito do recurso excepcional
Como se viu nas recapitulações históricas deste trabalho, o recurso de em­
bargos de divergência surgiu para impugnar qualquer acórdão de Turma que se
diferenciasse do entendimento do Tribunal Superior. Posteriormente, no Código
de 1939, esse cabimento ficou reduzido somente às hipóteses de decisões em re-
cursos excepcionais e agravo do art. 544 do CPC, e, por fim, após a Lei nº 8.038/90,
o cabimento ficou reduzido somente nas hipóteses de se impugnar recurso
excepcional.
Pois bem, alguns doutrinadores captaram a premissa de que, se o legislador
quis retirar a hipótese de se impugnar acórdão de agravo de instrumento pela via
dos embargos de divergência, significa que tal recurso não mais deveria versar
sobre admissibilidade de recurso excepcional.31
No entanto, não há como se captar precisamente o motivo da retirada
de tal previsão do cabimento dos embargos de divergência. Pode muito bem
ser por uma menor importância do agravo de instrumento, e pela sua grande
probabilidade de insucesso (cerca de 95%, segundo o próprio STJ),32 ou até
mesmo sem qualquer intenção mais exata por parte do legislador.
O fato é que a redação do art. 546 não faz qualquer ressalva no que tange
ao cabimento dos embargos de divergência para impugnar acórdão de recurso
excepcional que verse sobre o mérito ou não. José Carlos Barbosa Moreira afirma
que

Cf. MEDINA; WAMBIER. Recursos e ações autônomas de impugnação, v. 2, p. 248.


31

Disponível em: <www.stj.gov.br>.


32

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Breves considerações sobre os embargos de divergência e as propostas do Novo Código de Processo Civil  137

É indiferente que o acórdão da turma haja deixado de conhecer do


recurso ou que, dele conhecendo, lhe dado ou negado provimento. Os
textos (legal e regimental) não distinguem, e em qualquer desses casos é
possível a configuração do dissídio jurisprudencial.33

O referido posicionamento é acompanhado por Fredie Didier Junior e


Leonardo José Carneiro da Cunha.34
O Novo Código de Processo Civil, mais uma vez, é muito feliz no trato com
o tema. Estabelece expressamente no art. 997, inc. II, que caberá o recurso de
embargos de divergência sempre que a decisão “em recurso especial, divergir do
julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial, sendo as decisões,
embargada e paradigma, relativas ao juízo de admissibilidade”. Ou seja, colocará
fim à questão, deixando expressamente previsto o cabimento dos mencionados
embargos quando o acórdão também ventilar exclusivamente questão de admis­
sibilidade de recurso.
Desta forma, cabível os embargos de divergência tanto para impugnar acór­
dão que examina a admissibilidade quanto o mérito de recurso especial.

4.2  Do acórdão utilizado como paradigma nos embargos de


divergência
4.2.1  Da origem do acórdão paradigma
Primeiramente há que se trazer algumas regras básicas de admissibilidade
do recurso de embargos de divergência, principalmente no que tange ao acórdão
utilizado como paradigma para fundamentar a divergência. Aqui já se trata do
requisito da regularidade formal, pois atinente ao exercício do direito de recorrer.
O art. 546 do CPC prevê que o acórdão paradigma deve ser proveniente
de outra Turma, de alguma Seção ou da Corte Especial. O Supremo Tribunal
Federal, inclusive, abordou a matéria na Súmula nº 353.35 No caso do Supremo
Tribunal Federal especificamente, quando há a alteração de poucos membros
de sua composição pode se alterar substancialmente o pensamento do Tribunal.

33
MOREIRA. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 5, p. 634.
34
Cf. DIDIER JR.; CUNHA. Curso de direito processual civil, v. 3, p. 334.
35
Súmula nº 353 do STF. “São incabíveis os embargos da Lei 623, de 19 de fevereiro de 1949, com
fundamento entre divergência entre decisões da mesma Turma do Supremo Tribunal Federal”.
STF entende possível se houver mudança nos membros (RE nº 318.469). Em sentido contrário é o
entendimento do STJ (EREsp nº 240.054).

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138  Rafael de Oliveira Guimarães, Henrique Cavalheiro Ricci

Na Corte Suprema já se decidiu que cabe o recurso de divergência, utilizando-se


como paradigma acórdão da mesma Turma, quando houver alteração substancial
dos membros desta, conforme trazido por José Carlos Barbosa Moreira.36 Tal
posicionamento é defendido por Eduardo Ribeiro de Oliveira.37
Com todo respeito aos que entendem pela possibilidade ora ventilada, de
acordo com o defendido no presente estudo, discorda-se.
Os embargos de divergência, desde a sua criação sempre visaram combater a
discrepância de entendimento entre órgãos de um Tribunal. O objetivo do recurso
é o de eliminar a insegurança advinda de entendimentos diversos de órgãos
do Tribunal, e evitar que haja praticamente um jogo de sorte ao jurisdicionado
quando da interposição de um recurso versando sobre tal tese. A jurisprudência
é mutante, faz parte do cotidiano a evolução quanto à interpretação de teses
jurídicas. Se o entendimento de uma Turma foi modificado, independentemente
se houve mudança substancial da composição de seus membros, significa que o
órgão colegiado delimitou aquela interpretação dali em diante.
Admitir a utilização de acórdão paradigma da mesma Turma abriria um enor­
me leque de possibilidades de cabimento do recurso. É corriqueiro no Judi­ciário
brasileiro a discrepância de entendimento sobre uma mesma tese jurídica den­tro
da mesma Turma. Levando-se o entendimento adiante, passaria a se manejar o
recurso pela simples mudança de julgador, entrar-se-ia num critério total­mente
subjetivo sobre o que é a tal “mudança substancial” dos membros da Turma. Tal
posicionamento contra o preceituado pela lei federal, que obriga que o acór­dão
paradigma seja originado de outra Turma ou órgão hierarquicamente superior.
Sendo assim, ora posiciona-se no mesmo sentido do preconizado pelo Supe­
rior Tribunal de Justiça em julgamento de embargos de divergência,38 no sentido
da obrigatoriedade da utilização, como paradigma, de acórdão proveniente de
turma diversa da que prolatou o acórdão recorrido, na obediência estrita ao
preceituado pelo art. 546 do Código de Processo Civil.

36
Cf. MOREIRA. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 5, p. 634. Cf. STF, Pleno, ERE nº 79.752, Rel.
Min. Moreira Alves, RTJ, 88/166.
37
“Pedimos vênia para considerar melhor o entendimento mais liberal, acolhido nos acórdãos
em primeiro lugar citados, pois mais consentâneo com a finalidade do recurso em exame. Seu
objetivo é propiciar a uniformização da jurisprudência. Em princípio, tratando-se da mesma
turma, a divergência há de ser por ela mesmo harmonizada. Se, entretanto, ocorreu mudança em
sua composição, só formalmente é a mesma e a uniformização dependerá do pronunciamento
do próprio órgão” [OLIVEIRA. Embargos de divergência. In: NERY JUNIOR; WAMBIER (Coord.).
Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis, v. 9, p. 150].
38
STJ, EREsp nº 240.054, Rel. Min. Edson Vidigal, DJU, 16 dez. 2002.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 121-154, out./dez. 2013
Breves considerações sobre os embargos de divergência e as propostas do Novo Código de Processo Civil  139

Outra problemática que surge é a necessidade ou não de ser o acórdão para-


digma também proveniente de recurso excepcional. O Supremo Tribunal Federal,
utilizando-se do argumento de que como o acórdão recorrido deve ser neces­
sariamente de recurso excepcional, entendeu que o paradigma deve ter a mesma
origem, ou seja, de recurso excepcional.39 Ressalte-se que este enten­dimento foi
recentemente seguido pelo STJ.40
Ocorre que o conteúdo normativo do art. 546 do CPC é expresso no sentido
de que cabe o recurso de embargos quando, em recurso excepcional, se divergir
de julgamento de outra Turma, seção ou órgão especial ou do plenário, nada
dispondo sobre a necessidade de que esse julgamento, utilizado como paradigma,
seja proferido também em recurso excepcional.
Partindo do pressuposto de que segundo o Regimento Interno do STJ a
Seção e Corte Especial não possuem competência para o julgamento de recurso
especial (cf. arts. 11 e 12 do RISTJ), sendo que tal competência é exclusiva da Turma
(art. 13, IV do RISTJ), e que o art. 546 do CPC preconizou que cabem embargos
de divergência de um julgamento da Turma, em recurso especial, que divergir
de julgamento da Seção ou Corte Especial (inciso I), tem-se que o julgamento
proferido por esses dois últimos órgãos (Seção ou Corte Especial) — que nunca
será em recurso especial — é que será utilizado como acórdão paradigma. Deste
modo, vê-se que implicitamente a lei está aceitando que o acórdão paradigma
não precisa obrigatoriamente ser de julgamento de recurso especial, já que a
Seção ou Corte especial não possui esta competência. Desta forma, ora posiciona-
se no mesmo sentido de José Carlos Barbosa Moreira41 e Fredie Didier Junior,42
que entendem que o acórdão paradigma, para fins de embargos de divergência,
pode ser em qualquer decisão, seja outro recurso ou alguma ação originária nos
Tribunais Superiores.

39
STF, EmbDiv nº 110.347, Rel. Min. Moreira Alves, j. 16.12.87, DJU, p. 13145, 1º jul. 93.
40
“Não se admite embargos de divergência quando o julgado paradigma foi proferido em
Habeas Corpus” (STJ, CE, AgRg nos EDcl nos EAg 1404093/SP, Rel. Min. Humberto Martins,
j. 16.05.2012, DJe, 06 jun. 2012). “Acórdão indicado como paradigma proferido em conflito de
competência, não se presta à configuração da divergência, uma vez que, nos termos do art. 266
do RISTJ, apenas os julgados proferidos em ‘recurso especial’ podem ser objeto de embargos de
divergência em recurso especial, ou ainda, conforme entendimento jurisprudencial, os julgados
de Turma proferidos em sede de agravo regimental, seja em recurso especial, seja em agravo de
instrumento, desde que apreciado o mérito do recurso especial interposto” (STJ, 2ª S., EAgReg
nº 1195905, Rel. Min. Raul Araújo, rel. p/ acórdão Min. Nancy Andrighi, j. 26.10.2011).
41
MOREIRA. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 5, p. 635.
42
DIDIER JR.; CUNHA. Curso de direito processual civil, v. 3, p. 334.

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140  Rafael de Oliveira Guimarães, Henrique Cavalheiro Ricci

Ainda com relação à origem do acórdão paradigma, importante destacar


que este deve ser proveniente de decisão colegiada, pois somente assim estará se
confrontando entendimentos de órgãos colegiados, e não de órgão colegiado e
relator, por exemplo.

4.2.2  Da necessidade de demonstração analítica da divergência


entre teses jurídicas
Como já dito no item introdutório, os embargos de divergência, são, mutatis
mutantis, um recurso especial com base na alínea “c” do art. 105, III, da CF/88, só
que ao invés de utilizar acórdão paradigma ou julgado de outro Tribunal, utiliza-
se de outro órgão dentro do próprio Tribunal Superior.
Tal comparação é tão evidente que o art. 266, §2º, do RISTJ diz claramente
que se utilizará, nos embargos de divergência, da mesma sistemática do art. 255
do mesmo Regimento Interno.43 Assim sendo, o modo de demonstração analítica
e de comprovação do repertório autorizado obedece a mesma sistemática do
recurso especial com base em divergência jurisprudencial.
Neste momento, para fins de cabimento e regularidade formal do recurso
ora comentado, é necessário que o embargante demonstre similitude fática e
jurídica entre acórdão recorrido e paradigma,44 para somente no mérito justificar
o acerto do acórdão paradigma na solução da lide.
Peculiaridades existem no posicionamento do STJ no tocante à demons­
tração de similitude jurídica entre acórdão paradigma e acórdão recorrido en­
volver exatamente os mesmos dispositivos legais,45 e o que o julgado paradigma
deva refletir o entendimento atual do Tribunal Superior, de acordo com a Súmula
nº 168/STJ,46 o que seria uma aplicação da Súmula nº 83 para fins de embargos de

43
“§1º A divergência indicada deverá ser comprovada na forma do disposto no art. 255, §§1º e 2º,
deste Regimento”.
44
“Os embargos de divergência têm como pressuposto de admissibilidade a existência de similitude
fática e jurídica entre os arestos confrontados, o que não se verifica in casu” (STJ, CE, AgRg na Pet
nº 6.484/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 18.06.2008, DJe, 18 ago. 2008).
45
“Não há falar em tese jurídica divergente quando os arestos confrontados têm como fundamento
de decidir dispositivos legais diversos. [...] 4. Embargos de divergência não-conhecidos” (STJ, CE,
EREsp nº 451.271/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 04.06.2008, DJe, 26 jun. 2008).
46
“Dissídio Jurisprudencial. Aresto Apontado Como Paradigma Que Esposa Entendimento
Ultrapassado. Não Cabimento. Aplicação da Súmula 168/STJ. 1. Os embargos de divergência
revelam-se inadmissíveis, nos termos da Súmula 168/STJ, quando a jurisprudência do Tribunal
se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado, por isso que é mister que o dissídio
jurisprudencial seja atual para fins de admissão dos embargos, não bastando, portanto, que
existam julgados antigos que se contraponham com a jurisprudência contemporânea. [...]

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Breves considerações sobre os embargos de divergência e as propostas do Novo Código de Processo Civil  141

divergência. Com a devida vênia, discorda-se de tais posicionamentos, pois o que


é relevante para o julgamento de um recurso especial (e consequentemente dos
embargos de divergência) é a causa decidida conforme art. 105, III, da CF/88, e não
os dispositivos legais que eventualmente sejam utilizados, ou seja, o importante
para o cabimento dos embargos de divergência é a demonstração de divergência
de soluções jurídicas para questões fáticas idênticas e não divergência de soluções
jurídicas, utilizando-se dos mesmos dispositivos legais, aplicando-os na mesma
questão fática.
Para contrapor o mandamento da Súmula nº 168, é crível que se leve em
consideração que a demonstração de divergência de interpretação nas Turmas
é que representa a inteligência do art. 546 do CPC. O fato do entendimento do
acórdão paradigma não ser o mais correto é questão de mérito do mencionado
recurso.
A comprovação da divergência jurisprudencial entre o acórdão recorrido
proferido pela Turma e o acórdão paradigma deve ser feito sempre pelo confronto
entre teses jurídicas que guardem identidade fática, proferida por acórdãos, aqui
já excluindo a utilização de verbetes como entendimento paradigma.
Um exemplo disso poderia ser a questão dos honorários sucumbenciais.
Supondo que o acórdão recorrido decidiu como legal uma fixação de honorários
abaixo dos 10% num pedido julgado improcedente, não poderia ser utilizado
como acórdão paradigma um entendimento que considera ilegal a fixação de
honorários abaixo dos 10%, mas num pedido condenatória procedente. Nesse
segundo caso, a aplicação é do §3º do art. 20 do CPC, enquanto no primeiro, é a
aplicação do §4º.
As teses jurídicas confrontadas devem guardar identidade quanto à apre­
ciação do fato, e principalmente, com relação à mesmíssima norma jurídica em
tela, independentemente se norma de direito processual ou material.
Quanto à comprovação de repertório autorizado para ser utilizado como
para­digma, existem quatro possibilidades.
A primeira é a opção clássica, a possibilidade de juntada de acórdão auten­
ticado pelo próprio Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal, o

3. Consequentemente, revela-se superado o acórdão paradigma, que esposa a tese de que ‘não
se admite a incidência do ISS sobre atividades que não estão incluídas na lista de serviços do
Decreto-Lei nº 406/68’. Precedentes: (AgRg nos EAg nº 1082014/PB, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira
Seção, 12.5.2010; AgRg nos EAg 1095369/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Primeira Seção, DJe
16.06.2010” (STJ, 1ª S., AgRg nos EAg nº 1.282.864/MS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 23.02.2011,
DJe, 02 mar. 2011).

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142  Rafael de Oliveira Guimarães, Henrique Cavalheiro Ricci

que foi acrescentado pela ER nº 06/02 (do STJ), e possibilitou a autenticação pelo
próprio advogado também.
Como está se tratando de utilização como acórdão paradigma do próprio
STJ, e esse admite a utilização da Revista Eletrônica de Jurisprudência (cf. Ato
nº 88, de 14.06.2002, do Exmo. Presidente do STJ), seja quando extraídas do site
do STJ, e impressas tal como ali publicadas, atendendo-se, quanto a este aspecto,
a orientação jurisprudencial fixada pelo Superior de Justiça.
A terceira hipótese é a utilização estritamente do chamado Repertório
Autorizado de Jurisprudência (cf. art. 255, §1º, alínea “b”, do RISTJ). Ou seja, se o
acórdão utilizado como paradigma estiver publicado em periódico que o STJ, em
seu último boletim de repertório autorizado, o contemple como tal, a simples
citação de local onde está publicado o acórdão (Ex. RePro n. 175, p. 243, ou RT
n. 898/098) já supre o requisito.
A última possibilidade foi preconizada pelo parágrafo único do art. 541 do
próprio Código de Processo Civil, onde se preceituou que a indicação completa
do link onde encontrado o acórdão paradigma, na página do Tribunal Superior,
também supre o requisito do Repertório Autorizado. Tal possibilidade também é
contemplada pelo art. 331 do RISTF, demonstrando que os requisitos de demons­
tração de repertório autorizado são praticamente os mesmos nos dois Tribunais
Superiores.

4.2.3  Da questão da preservação da competência. Da necessidade


de ser entendimento recente o utilizado como paradigma.
Da possibilidade do acórdão paradigma ser o mesmo que
fundamentou o recurso excepcional
Uma das questões mais intrigantes quando da ventilação dos embargos
de divergência é o estabelecido pela Súmula nº 168 do STJ.47 Em tal súmula está
prescrito que não se presta como acórdão paradigma acórdão de Turma que não
tem mais competência para apreciar aquela matéria. Por exemplo, não satisfaz
o preconizado pelo art. 546 do CPC a utilização de um acórdão paradigma do
antigo TFR (Tribunal Federal de Recursos). Tal Tribunal nem mais existe, sendo
assim, impossível a verificação se aquele é o entendimento atual do órgão para se
constatar um real confronto sobre o entendimento de teses jurídicas.

Súmula nº 168 do STJ. “Não se presta a justificar embargos de divergência o dissídio com
47

acórdão de Turma ou Seção que não mais tenha competência para a matéria nela versada”. Não
caberia embargos de divergência, utilizando acórdão do extinto Tribunal Federal de Recursos,
por exemplo.

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Breves considerações sobre os embargos de divergência e as propostas do Novo Código de Processo Civil  143

Outro exemplo seria a utilização de acórdão da 3ª Seção do STJ, para


confrontar com decisão de recurso especial da 3ª Turma, em decisão versando
so­bre servidores públicos civis e militares. Tal competência é da 3ª Seção (art. 9º,
§3º, inc. II, do RISTJ), porém, se houver a modificação da competência de
julgamento do assunto para a 2ª Seção (tanto é que no exemplo fictício, o recurso
especial versou sobre o assunto e o julgado era da 2ª Seção), não poderia ser
utilizado mais como acórdão paradigma um julgado daquela Seção, pois ela não
mais teria competência para dizer a correta aplicação de uma tese jurídica sobre
servidores civis e militares.
Neste trabalho defende-se a aplicação da súmula quando houver a modi­
fi­cação da competência para julgamento envolvendo direito material, ou seja, a
competência estipulada pelo art. 9º do RISTJ, mas não quando houver a modi­
ficação de competência com a relação ao meio processual (recurso especial,
ação rescisória, mandado de segurança, etc., cf. arts. 11, 12 e 13 do RISTJ). Nestes
casos, pode a Turma continuar a apreciar a matéria ali decidida, embora não
pelo mesmo fundamento processual. Exemplo seria o caso de ação rescisória
onde se discute a correta aplicação do art. 13, §2º, da Lei de Locações. O acórdão
paradigma utilizado, necessariamente deve ser proferido pela 2ª Seção (art. 9º,
§2º, VIII, c/c art. 12, II do RISTJ), porém, se a competência for deslocada para as
Turmas quanto ao julgamento de ação rescisória, a competência daquela seção
com relação ao direito material permanece, mas não com relação ao julgamento
da ação rescisória. Nesse caso, com a mudança de competência para o julgamento
da ação rescisória, não haveria a incidência da Súmula nº 168 do STJ, quando
utilizado como acórdão paradigma, decisão em ação rescisória da 2ª Seção.
Outro ponto importante a ser salientado é a obrigatoriedade da atuali­dade
do acórdão paradigma, que foi reforçada pela Súmula nº 247 do STF.48 Quando os
Tribunais Superiores afirmam que “não cabem embargos de divergência, quando
a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embar­
gado”, o que está querendo dizer é que o entendimento paradigma deve ser atual.
Por fim muito se discutiu sobre a impossibilidade da utilização, como acór­
dão paradigma para fins de embargos de divergência, do mesmo acórdão que
fundamentou o dissídio de jurisprudência em recurso especial com base no art. 105,
III, “c”, da CF, ou mesmo serviu de argumentação num recurso extraordinário.

“Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo


48

sentido do acórdão embargado”.

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144  Rafael de Oliveira Guimarães, Henrique Cavalheiro Ricci

Utilizando o exemplo de recurso especial o caso poderia assim ser rascu­


nhado: contra acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná, se utiliza como acórdão
paradigma um acórdão da 2ª Seção do STJ. O recurso especial é admitido em
ambas as instâncias, e, no mérito é negado provimento pela 1ª Turma do STJ. A
discussão se instala na possibilidade deste mesmo acórdão da 2ª Seção poder
servir de base para a comprovação da divergência exigida pelo art. 546 do CPC,
pois, em tese, estar-se-ia realizando uma segunda instância de recurso excepcional
(de divergência) onde, teoricamente, a 1ª Turma já rechaçou a tese.
Tal raciocínio é utilizado na ação rescisória proposta no Tribunal estadual, na
qual o STJ entende que não cabe o recurso especial,49 pois este seria uma segunda
instância da ação rescisória quanto à interpretação da lei federal.
O Supremo Tribunal Federal adotou a mesma tese. Entendeu a Suprema
Corte que o acórdão utilizado como fundamento no recurso extraordinário, no
caso de não provimento, não poderia ser utilizado como paradigma dos embargos
de divergência, mesmo que esta seja da 2ª Turma, e o acórdão recorrido da 1ª
Turma, sob pena de estar se transformando os embargos de divergência numa

“Recurso Especial Em Ação Rescisória. Pressupostos. Art. 460, Par. Único, do CPC. Não-
49

Conhecimento. Precedentes. 1. A jurisprudência deste Tribunal tem reconhecido que o recurso


especial em ação rescisória deve estar adstrito às normas processuais específicas (arts. 485 a 495
do CPC). 2. Na feliz síntese do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, ‘... a pretensa violação que
enseja o especial deve situar-se no âmbito da própria rescisória, e não na causa que ensejou,
em tese, o ajuizamento daquela. A não entender-se assim, estar-se-ia colocando à disposição
da parte duas vias excepcionais para impugnar uma mesma situação, como assinalei ao votar
nos EREsp 28.565-RJ (Corte Especial, 16.10.90), perfilando-me na corrente majoritária’ (REsp
nº 41.619/RJ, RSTJ 96, p. 308). 3. O recorrente não combateu todos os fundamentos de um dos
votos majoritários com esteio nos arts. 249 e §1º, 250, 288, 289 e 461, §1º, na atual redação do CPC,
suscitados na exegese do art. 244 da mesma lei processual. Aplicação do enunciado da Súmula
nº 283/STF. 4. Recurso especial não conhecido” (STJ, 2ª T., Resp nº 196.478/PR, Rel. Min. Castro
Meira, j. 1º.04.2008, DJU, p. 1, 19 maio 08). “Administrativo. Processo Civil. Agravo Regimental no
Agravo de Instrumento. Reajuste de Vencimentos. Resíduo de 3,17%. Ação Rescisória. Súmula
nº 343/STF. Inaplicabilidade. Juízo de Admissibilidade. Óbice Afastado. Mérito da Ação. Remessa
dos Autos à Corte de Origem. Agravo Regimental Improvido. 1. Não se aplica à hipótese o
disposto na Súmula nº 343/STF, porquanto, desde 1998, é firme a orientação no sentido de ser
devido aos servidores públicos federais o resíduo de 3,17%, nos termos do critério estabelecido
nos arts. 28 e 29 da Lei nº 8.880/94. 2. O recurso especial interposto em sede de ação rescisória
deve limitar-se ao exame de eventual afronta aos pressupostos previstos no art. 485 do CPC, e
não aos fundamentos do julgado que se pretende rescindir. Precedentes. 3. Dessa forma, afastado
o óbice do juízo de admissibilidade consistente na Súmula nº 343/STF, não cabe a esta Corte,
de per saltum, apreciar o mérito da ação rescisória, mas sim determinar a remessa dos autos ao
Tribunal de origem para que o faça. 4. Agravo regimental improvido” (STJ, 5ª T., AgReg no Ag
nº 930.413/MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves de Lima, j. 28.02.08, DJe, p. 1, 05 maio 2008).

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 121-154, out./dez. 2013
Breves considerações sobre os embargos de divergência e as propostas do Novo Código de Processo Civil  145

segunda instância de recurso excepcional. Para fixar tal entendimento, o Supremo


inclusive editou a Súmula nº 598.50
O entendimento ganhou tamanha força que o Regimento Interno da Corte
Suprema previa em seu art. 331, parágrafo único (antes da Emenda Regimental
nº 26/08), que “não serve para comprovar divergência acórdão já invocado para
demonstrá-la, mas repelido como não dissidente no julgamento do recurso
extraordinário”.
Ocorre que o objetivo do recurso de embargos de divergência é sanar o
dissenso sobre a interpretação da mesma tese jurídica no tocante à norma. Não é
pelo fato de um acórdão ter sido citado como paradigma no recurso excepcional
que este não poderá ser utilizado como paradigma no recurso de embargos de
divergência. Se o objetivo do recurso é evitar a discrepância jurisprudencial, essa
continuará a existir, e não poderá a parte ser impedida de saná-la sob pena de
dupla instância em recurso excepcional. A divergência jurisprudencial no Tribunal
Superior surgiu no julgamento do recurso excepcional, e com o recurso de
embargos de divergência esta deve ser sanada.
Se prevalecesse tal entendimento do STF, o recorrente fatalmente se uti­li­
zaria de um jogo nos recursos excepcionais, selecionaria vários acórdãos para­
digmas, mas não utilizaria todos, mas apenas alguns, “guardando” os outros para os
embargos de divergência, ante o comando da Súmula nº 598 do STF. Algo que
beira o absurdo, pois deve o recorrente se utilizar do máximo possível de argu­
mentos para vislumbrar o êxito no recurso excepcional.
Ante os tais fatos, felizmente, o art. 331, parágrafo único, do RISTF foi revo­gado
pela Emenda Regimental nº 26/08, o que pacifica a corrente pela possi­bilidade de
utilização do acórdão utilizado como fundamento no recurso excep­cional para a
comprovação da divergência no recurso de embargos com base no art. 546 do
CPC.

5  Competência para julgamento


No âmbito do STF, a competência será sempre do Pleno da Corte Suprema,
independentemente da Turma que proferiu o acórdão recorrido. É no Superior
Tribunal de Justiça que surgem problemas.

Súmula nº 598 do STF. “Nos embargos de divergência não servem como padrão de discordância
50

os mesmos paradigmas invocados para demonstrá-la, mas repelidos como não dissidentes no
julgamento do recurso extraordinário”.

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146  Rafael de Oliveira Guimarães, Henrique Cavalheiro Ricci

O art. 266 do RISTJ preceitua que “das decisões da Turma, em recurso especial,
poderão, em quinze dias, ser interpostos embargos de divergência, que serão
julgados pela Seção competente, quando as Turmas divergirem entre si ou de
decisão da mesma Seção. Se a divergência for entre Turmas de Seções diversas, ou
entre Turma e outra Seção ou com a Corte Especial, competirá a esta o julgamento
dos embargos”. Desta feita, se o acórdão recorrido for de Turma pertencente à
mesma Seção do acórdão paradigma (exemplo, se o acórdão paradigma for
da 2ª Turma, ou 1ª Seção, e o acórdão recorrido for da 1ª Turma), a Seção a que
pertence as Turmas seria a competente para julgar o recurso (no caso, a 1ª Seção).
Outra hipótese seria no caso do acórdão paradigma ser de outra Turma ou Seção
(exemplo das 3ª a 6ª turmas, ou 2ª e 3ª Seções), ou mesmo ser julgamento da
Corte Especial, ainda no exemplo do acórdão paradigma ser da 1ª Turma. Nesse
caso, o órgão competente seria a Corte Especial para o julgamento do recurso.
Exemplo peculiar seria quando houvesse um acórdão recorrido da 1ª Turma,
e tivesse mais de um acórdão paradigma, um da 2ª Turma (que levaria a com­
petência para a 1ª Seção) e um da 3ª Turma (que levaria a competência para a
Corte Especial). Teoricamente haveria conflito de competência, porém ante a
hierar­quia superior da Corte Especial, esta assume a competência para o feito
segundo julgado do STJ.51

6  Procedimento do recurso
O procedimento do recurso de embargos de divergência não exige maiores
explanações. O recurso deve ser apresentado em 15 (quinze dias) conforme
art. 508 do CPC, não havendo a hipótese do recurso adesivo com base no art. 500,
II, do CPC.
Com relação à aplicação do princípio da fungibilidade, tal aplicabili­dade
é praticamente inexistente, pois o recurso de embargos de divergência tem
modo de impugnação diferente dos demais. Enquanto tal recurso irá impugnar a
divergência interna no Tribunal Superior, os embargos de declaração irão atacar
omissão, obscuridade ou contradição, enquanto o recurso extraordinário irá se
fundamentar numa negativa de vigência à Constituição Federal. Deste modo,
fica em tese muito difícil a aplicação do princípio da fungibilidade aos embargos
de divergência. Por isso, discorda-se da aplicação da fungibilidade recursal nos
embargos de divergência.52

STJ, CE, EREsp nº 936205/PR, Rel. Min. Castro Meira, j. 04.02.09, DJe, 12 mar. 2009.
51

A favor: FREIRE. Embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário, f. 106.


52

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Breves considerações sobre os embargos de divergência e as propostas do Novo Código de Processo Civil  147

Como o recurso de embargos de divergência é assemelhado a um recurso


especial por divergência jurisprudencial, segue as mesmas regras deste. Uma
delas, seguramente, é o prequestionamento da questão federal. Embora não seja o
termo mais adequado, o prequestionamento advém da imposição constitucional
do recurso excepcional somente ser cabível quando houver questão decidida
pelo acórdão recorrido, que justifique extrair o entendimento da Turma para se
realizar o confronto com outro órgão do Tribunal.
Pelo motivo de existir questão decidida para justificar uma divergência,
desde já, se rechaça a possibilidade de conhecimento amplo de matérias de
ordem pública no recurso de embargos de divergência. Embora tenha autores
como Araken de Assis53 e Fredie Didier Júnior54 que defendem tranquilamente
tal possibilidade ante a obrigação do magistrado de conhecer das matérias de
ordem pública em qualquer grau de jurisdição (cf. arts. 219, 5º, 267, §3º, e 301,
§4º, do CPC), tal obrigação se restringe às instâncias ordinárias. A Constituição
prevê expressamente que caberá o recurso excepcional quando houver questão
decidida. Não poderá a norma infraconstitucional mitigar a aplicabilidade de
dispositivo constitucional. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery,55
em seu Código de Processo Civil comentado, muito bem defendem a tese ora aqui
seguida. Neste sentido:

Na primeira fase do julgamento dos RE, Resp e EmbDiv (juízo de


cassação), não se aplica o efeito translativo dos recursos, isto é, o exame
ex officio das questões de ordem pública não suscitadas pela parte. No
entanto, esse efeito translativo se aplica à segunda fase do julgamento
dos recursos excepcionais, inclusive dos EDiv, na medida em que o STF e
o STJ, conhecendo e dando provimento aos recursos (juízo de cassação)
deve julgar a causa e aplicar o direito à espécie (STF, 456 e RISTJ, 257), vale
dizer, deverão proferir juízo de revisão.

Ou seja, no julgamento dos embargos de divergência, somente após conhe­


cida matéria prequestionada e provido recurso nesse ponto (juízo de cassação) é

53
ASSIS. Manual dos recursos, p. 847.
54
DIDIER JR.; CUNHA. Curso de direito processual civil, v. 3, p. 340.
55
Cf. NERY JUNIOR; NERY. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, p. 950. Os
fundamentos para a apreciação de matérias de ordem pública nos recursos excepcionais estão
mais detalhadamente explicados em: NERY JUNIOR. Questões de ordem pública e o julgamento
do mérito dos recursos extraordinário e especial: anotações sobre a aplicação do direito à espécie
(STF 456 e RISTJ 257). In: MEDINA et al. (Coord.). Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais:
estudos em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim Wambier, p. 968.

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148  Rafael de Oliveira Guimarães, Henrique Cavalheiro Ricci

que pode o magistrado (no juízo de revisão), conhecer matérias de ordem pública,
pois somente nesse caso a ele a causa estará devolvida.
O recurso de embargos de divergência possui preparo conforme Lei
nº 11.636/2007 no STJ e no STF pelo §2º do art. 335 do RISTF.
Com relação aos atos do relator, que deve ser sorteado, com preferência
para relator que não tenha participado do julgamento do acórdão recorrido,56
este pode negar seguimento liminarmente ao recurso com base no art. 557 do
CPC conforme defende Pedro Miranda de Oliveira,57 ou mesmo pela falta de
comprovação da divergência jurisprudencial conforme art. 266, §3º, do RISTJ. No
caso do recurso ter seu seguimento negado, a forma de impugnação é o agravo
interno na forma do art. 557, §1º.
No caso de admitido o recurso, este em regra não possuirá efeito suspensivo,
pelo fato do próprio recurso excepcional também não o ter (cf. art. 542, §2º, do
CPC). O §2º do art. 266 do RISTJ dispõe expressamente que os embargos de
divergência não terão efeito suspensivo.
O ato seguinte é a determinação para a parte recorrente contrarrazoar em
15 (quinze) dias conforme art. 508 do CPC e art. 267 do RISTJ, portanto, revogada
a disposição do art. 335, §2º do RISTF que determinava o prazo de 10 (dez) dias
para contrarrazoar por flagrante atentado à isonomia.
Posteriormente, há a intimação do Ministério Público para se manifestar,
se for o caso, conforme prevê o art. 266, §4º, do RISTJ. Após isso, o relator pede
inclusão em pauta, intimando-se as partes, e posteriormente, na sessão de julga­
mento, há a possibilidade de sustentação oral na forma do art. 554 do CPC, e
art. 159 do RISTJ.

7  Efeitos do julgamento dos embargos de divergência


Quando dado provimento ao recurso de embargos de divergência, algumas
consequências práticas ocorrerão.
O julgamento do recurso passa por duas etapas. Na primeira se aplica o
adequado direito na tese jurídica tida como controversa, decide qual dos dois
acórdãos (recorrido ou paradigma) detém a melhor interpretação da tese jurídica
discutida: é o julgamento em tese.
Em sendo provido o recurso na primeira fase, inicia-se o julgamento em
concreto (juízo de revisão), que é a aplicação do direito à espécie. No caso do

Cf. art. 76 do RISTF e art. 78 do RISTJ.


56

OLIVEIRA. Agravo interno e agravo regimental, p. 122.


57

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Breves considerações sobre os embargos de divergência e as propostas do Novo Código de Processo Civil  149

recurso especial que originou os embargos ter sido provido, este passa a ser
improvido, ou vice-versa, e o órgão julgador determina a melhor forma de solu­
cionar a celeuma que deu origem ao recurso excepcional, por consequência.
No caso de provimento dos embargos de divergência, quando do julga­
mento em tese, que determina qual a tese jurídica correta, esta poderá resultar em
súmula se o julgamento for unânime ou no caso de dois julgamentos por maioria
no mesmo sentido, proferidos pela Corte Especial ou por uma das Seções.58
Repare-se que, diferentemente do resultado do incidente de uniformização de
juris­prudência, que obrigatoriamente resulta em súmula, no caso dos embargos
de di­vergência, somente há a possibilidade por sugestão de um dos julgadores.

8  Considerações finais
Conforme se verificou no presente trabalho, o princípio da segurança jurídica
é base de sustentação do Estado Democrático de Direito, e fundamento para o
cabimento do recurso de embargos de divergência. Este recurso visa aplicar a
igualdade processual na aplicação do direito em tese para com os jurisdicionados.
A uniformização de entendimentos sobre teses jurídicas é vital para dar
con­fiabilidade ao sistema jurídico brasileiro. Tendo em vista que os Tribunais Su­
periores são os guardiões da correta interpretação da norma jurídica no Brasil, a
igualdade de entendimentos acerca de entendimentos sobre teses jurídicas no
seio desses tribunais tem uma importância ainda maior e merece ser tutelada.
Desta forma, é de extrema importância o manejo do recurso de embargos de
diver­gência para sanar tais discrepâncias de entendimentos.
Em obstante a breve conclusão acerca da função e importância do recurso
de embargos de divergência, podem ser retiradas algumas conclusões pontuais
que ora se apresentam.
1 O sistema jurídico brasileiro também tutela a igualdade de entendi­men­
tos em outras situações como: a) dentro do próprio julgamento (os embargos
infrin­gentes, CPC art. 530); b) dentro do Tribunal (o incidente de uniformização
de jurisprudência, que embora não seja recurso, tem o mesmo objetivo, cf. CPC,

RISTJ: Art. 122. A jurisprudência firmada pelo Tribunal será compendiada na Súmula do Superior
58

Tribunal de Justiça. §1º Será objeto da súmula o julgamento tomado pelo voto da maioria
absoluta dos membros que integram a Corte Especial ou cada uma das Seções, em incidente
de uniformização de jurisprudência. Também poderão ser inscritos na súmula os enunciados
correspondentes às decisões firmadas por unanimidade dos membros componentes da Corte
Especial ou da Seção, em um caso, ou por maioria absoluta em pelo menos dois julgamentos
concordantes.

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150  Rafael de Oliveira Guimarães, Henrique Cavalheiro Ricci

arts. 476 e segs., art. 11, VI e 118 e segs. do RISTJ); e c) entre os Tribunais regionais
(o recurso especial com base na alínea “c” do art. 105, III, da CF/88).
2 A exigência de uniformidade de entendimentos é muito mais necessária
dentro dos Tribunais Superiores, que são os guardiões da interpretação do direito
nacional, por isso a exigência dos embargos de divergência.
3 Os embargos de divergência surgiram no Brasil por intermédio da art. 6º,
II, “b”, do Dec.-Lei nº 6/1937, em que era previsto o recurso de embargos para
caso de decisão de Turma do STF que contrariasse entendimento de outra Turma
ou decisão do Pleno. Passando pelo parágrafo único do art. 833 do CPC/39, e
chegando-se ao art. 546 do CPC atual.
4 Até a promulgação do CPC/73, os embargos de divergência, até então
recurso de revista, eram previstos em todos os recursos e ações originárias. Após
a promulgação do Código, passaram a ser previstos somente para impugnar
acórdão de recurso excepcional e de agravo de instrumento do art. 544 do CPC.
5 A partir de 1990, com a 1ª Lei de Recursos, os embargos de divergência
passaram a ser admitidos somente para impugnar acórdão recurso especial, o
que foi estendido ao recurso extraordinário com a reforma do art. 546 do CPC,
em 1994.
6 No direito estrangeiro, o recurso de embargos de divergência não possui
nomenclatura, tampouco regramento idêntico ao do direito brasileiro, porém no
direito comparado encontram-se recursos com a mesma finalidade, ou seja, a de
eliminar a discrepância de entendimentos dentro dos Tribunais Superiores.
7 A decisão impugnada pela via do recurso de embargos de divergência
deve, necessariamente ser uma decisão colegiada, proferida por Turma, advinda
de recurso excepcional, conforme letra da lei (cf. art. 546 do CPC).
8 De lege ferenda, sugere-se a modificação do art. 546 do CPC, para permitir
a impugnação pela via dos embargos infringentes, de qualquer decisão colegiada
de Tribunal Superior, pois pode esta se manifestar acerca de interpretação de tese
jurídica em mandado de segurança, ou seja, ocorrer a divergência jurisprudencial
e esta necessitar de tutela dos embargos da mesma forma. Tal modificação legis­
lativa possivelmente ocorrerá se aprovado o art. 997, inv. IV, do Projeto nº 166 do
Senado Federal (Novo CPC).
9 A redação do art. 546 não faz qualquer ressalva quanto ao cabimento dos
embargos de divergência para impugnar acórdão de recurso excepcional que
verse sobre o mérito ou não. Portanto, o recurso de embargos de divergência
serve tanto para impugnar acórdão de turma que verse sobre a admissibilidade
do recurso excepcional quanto acórdão que verse sobre o mérito, o que será
avalizado pelo art. 997, inc. II, do Novo CPC.

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Breves considerações sobre os embargos de divergência e as propostas do Novo Código de Processo Civil  151

10 O acórdão utilizado como paradigma para cabimento dos embargos


de divergência deve ser, necessariamente, de outra Turma, de Seção ou Órgão
Plenário. Não pode ser utilizado como acórdão paradigma, acórdão da mesma
Turma, mesmo que haja mudança significativa na composição de seus membros.
11 O acórdão paradigma pode ser advindo de qualquer incidente julgado
pelos Tribunais Superiores, seja em recurso ou em ação originária. Portanto, não é
necessário que o acórdão paradigma seja proferido em recurso excepcional.
12 Na demonstração da divergência jurisprudencial para fins de recurso de
embargos de divergência, há que se observar o modo analítico preceituado pelos
parágrafos do art. 255 do RISTJ, conforme preceitua o art. 266, par. 2º do RISTJ.
Ou seja, deve se confrontar as teses jurídicas, demonstrar que analisam o mesmo
fato, e fundamentar o acerto do acórdão paradigma quando do exame da tese.
13 O repertório autorizado de jurisprudência pode ser feito de quatro
modos: a) pela autenticação do Tribunal Superior, ou pessoal pelo advogado, no
acórdão paradigma juntado nos autos; b) pela citação da Revista Eletrônica de
Juris­prudência do STJ; c) pela citação do periódico em que foi publicado o acórdão
paradigma, e este esteja catalogado no STJ como Repertório autorizado; d) pela
citação completa do sítio (link) onde foi encontrado o acórdão na página da rede
mundial de computadores.
14 A aplicação da Súmula nº 168 do STJ ainda persiste, quando houver a
modificação da competência para julgamento, envolvendo direito material, ou
seja, a competência estipulada pelo art. 9º do RISTJ, mas não quando houver a
modificação de competência com a relação ao meio processual (arts. 11 a 13,
do RISTJ), pois a rigor, a competência sobre a matéria ainda persiste com seção,
embora tenha sido deslocada para uma de suas Turmas, por exemplo.
15 Pode ser utilizado como acórdão paradigma nos embargos de diver­
gência, o mesmo acórdão utilizado como fundamento para a comprovação da
divergência jurisprudencial no recurso especial com base no art. 105, III, “c”, da
CF/88, ou mesmo que fundamentou um recurso extraordinário no STF.
16 A competência para julgamento dos embargos de divergência é sempre
do pleno no Supremo Tribunal Federal. Já no Superior Tribunal de Justiça, será
da Seção, se as Turmas divergentes pertencerem à mesma Seção, ou da Corte
Especial se a o acórdão paradigma for turma pertencente a outra Seção, ou for
profe­rida pela própria Corte Especial.
17 No recurso de embargos de divergência, inexiste a aplicação do princípio
da fungibilidade, e como tem as mesmas regras do recurso especial com base em
divergência jurisprudencial, o prequestionamento é requisito obrigatório.

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152  Rafael de Oliveira Guimarães, Henrique Cavalheiro Ricci

18 Não cabe o conhecimento de matérias de ordem pública ex officio pelo


magistrado. Tal possibilidade esbarra no requisito constitucional do preques­tio­
namento. Somente poderá o julgador adentrar nas questões de ordem pública
depois de ultrapassado o juízo de cassação, ou seja, somente no juízo de revisão
(aplicação do direito à espécie), quando já houve o provimento do recurso por
uma das hipóteses de cabimento dos embargos de divergência.
19 O recurso de embargos de divergência possui preparo conforme Lei
nº 11.636/2007 no STJ e no STF pelo §2º do art. 335 do RISTF.
20 O recurso, em regra, não possui efeito suspensivo, pois os recursos
excepcionais também não o têm (art. 542, §2º do CPC), porém, pode o recorrente
requerer o efeito suspensivo com base no art. 558 do CPC. Além do quê, totalmente
eivada de inconstitucionalidade a previsão de inexistência de efeito suspensivo
no recurso de embargos de divergência contida no art. 226, §2º, do RITSJ por
ausência de competência legislativa (art. 22, I, CF/88).
21 O julgamento do recurso passa por duas etapas. A primeira aplica o
adequado direito na tese jurídica tida como controversa, decide qual dos dois
acórdãos (recorrido ou paradigma) detém a melhor interpretação da tese jurídica
discutida, é o julgamento em tese. Posteriormente há a aplicação do direito
à espécie. Há a reforma do acórdão de recurso excepcional e o órgão julgador
determina a melhor forma de solucionar a celeuma que deu origem ao recurso
excepcional, por consequência.
22 O julgamento do recurso de embargos de divergência pode resultar em
súmula se o julgamento for unânime ou no caso de dois julgamentos por maioria
no mesmo sentido proferidos pela Corte Especial ou por uma das Seções. Tudo
com base no art. 122 do RISTJ.

Abstract: The brief study a feature that little discussed, but of vital importance
to the legal system: the use of appeal of divergence, focusing mainly on the
hypothesis of the trial, competency, processing as well as the practical results
of mentioned means of appeal. To this end, the paper has the task of showing
the historical roots of the resource to be based precisely the role that the
resource has now vented in Law, to justify why such a feature is classified
as exceptional and fundamental guarantee it protects, that is, uniformity
within the jurisprudence of the courts. The analysis is based, beyond what
the doctrine teaches on the subject, especially, what the most current case
law of the higher courts need to understand how to bring the action, what
the internal regulations require the courts overlap and no place for the
processing the use of appeal divergence, and how the Project n. 166 of the
Senate (The New Federal Rules of Civil Procedure) approach the theme. Still,

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Breves considerações sobre os embargos de divergência e as propostas do Novo Código de Processo Civil  153

no less necessary is a controversial approach also processing issues such as


the impossibility of cognition ex officio in this kind of appeal, the judgment
for only judge, incidental features, how it works in theory the trial and the
trial in concrete and in which situations the trial such action may result in
summary. About such matters is that this study aims.

Key words: Appeals. Special appeals. Appeal of Divergence. Uniformity.


Precedents.

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154  Rafael de Oliveira Guimarães, Henrique Cavalheiro Ricci

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

GUIMARÃES, Rafael de Oliveira; RICCI, Henrique Cavalheiro. Breves considerações sobre os


embargos de divergência e as propostas do Novo Código de Processo Civil. Revista Brasileira
de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 121-154, out./dez. 2013.

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Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil –
Uma abordagem pela análise econômica do
direito1 2
Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira
Doutoranda em Direito Internacional pelo Graduate Institute
of International and Development Studies, em Genebra, Suíça.
Pesquisadora Visitante na Harvard Law School (2005). Mestre em
Direito pela Harvard Law School (LL.M. 2004). Pós-Graduada em
Direito Econômico e Societário pela Fundação Getulio Vargas (2003).
Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (1993).

Nuno Garoupa
Professor de Direito da University of Illinois College of Law, USA.
LL.M. University of London (2005). D.Phil. Economics, University of
York (1998). M.Sc. Economics, University of London (1994). Bacharel
em Economia pela Universidade Nova de Lisboa (1992).

Resumo: Duas grandes reformas nos processos judiciais foram imple­


mentadas no Brasil recentemente: a súmula vinculante (todos os tribunais
têm que seguir as decisões do Supremo Tribunal Federal em casos similares)
e o requisito da repercussão geral (a Suprema Corte apenas aprecia os
casos que são de relevância geral). Essas duas novas regras respondem
a um longo debate na comunidade jurídica brasileira em como resolver a
congestionamentos dos tribunais, o grande número de processos perante
a Suprema Corte brasileira, e o papel das altas cortes em estabelecer pro­
cedentes jurisprudenciais. Neste artigo, analisamos os efeitos dessas duas
importantes reformas de uma perspectiva comparada (explicando as
similitudes e as diferenças com o direito norte-americano, em particular
os institutos do stare decisis e o writ of certiorari) e com uma abordagem
pela análise econômica do direito (as prováveis consequências em termos
de incentivos para a Suprema Corte, o Poder Judiciário e os litigantes de
maneira geral).

1
Este artigo é a versão em português de “Stare Decisis and Certiorari Arrive to Brazil: A Comparative
Law and Economics Approach”, publicado nos Estados Unidos da América no periódico Emory
International Law Review (v. 26, t. II, p. 555-598, 2012).
2
Os autores agradecem a João Mello e Souza e aos participantes da 2012 CLEF (Berkeley). Young
Lee Byun, Melissa Marrero, Maria Oquendo, Nan Sato e Roya H. Samarghandi prestaram uma
excelente assistência na pesquisa. Quanto aos colaboradores, aplica-se a costumeira isenção de
responsabilidade.

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156  Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira, Nuno Garoupa

Palavras-chave: Processo judicial. Inovação jurídica. Common law. Civil law.

Sumário: Introdução – 1 As recentes inovações jurídicas no Brasil – 2 Aná­


lise comparada de precedentes e certiorari – 3 A análise econômica do
precedente jurisprudencial e do certiorari – 4 Análise do caso brasileiro
– Conclusão

Introdução
Nos últimos anos, duas importantes inovações legislativas foram imple­
mentadas no Brasil. Contrastando com os Estados Unidos e o mundo da common
law em geral, a ausência de um princípio geral de stare decisis e de precedente
obrigatório era perceptível no sistema jurídico brasileiro.3 Tradicionalmente,
precedentes obrigatórios não existem em sistemas jurídicos de civil law. A ausência
de precedentes obrigatórios era particularmente significativa no Brasil tendo em
conta a inclinação de juízes brasileiros em serem juridicamente criativos, e as
numerosas causas repetitivas contra atos e medidas governamentais.4 Ao mesmo
tempo, a ausência de precedente obrigatório reduzia o poder e a influência
do Supremo Tribunal Federal sobre o Judiciário como um todo.5 Finalmente, a
ausência de um precedente formal obrigatório era percebida como umas das
causas para o congestionamento dos tribunais, recursos protelatórios e, de
maneira geral, lentidão na solução das controvérsias.6
Recentemente, uma forma de precedente obrigatório foi introduzida
pela nova súmula vinculante.7 Antes da criação da súmula vinculante, juízes

3
STRINGER, Dana. Choice of Law and Choice of Forum in Brazilian International Commercial
Contracts: Party Autonomy, International Jurisdiction, and the Emerging Third Way. Colum. J.
Transnat’l L., v. 44, n. 3, p. 959, 966, 2006. Note.
4
Id., p. 965-966.
5
Organization for Econ. Co-operation & Dev., OECD Integrity Review of Brazil: Managing Risks for a
Cleaner Public Service 87 (2011).
6
Id.
7
Introduzida pela Emenda Constitucional nº 45, a súmula vinculante é um pronunciamento
emitido pelo Supremo Tribunal Federal com efeito vinculante sobre todas as demais cortes e
a Administração Pública, enunciando claramente a interpretação da Suprema Corte sobre
uma determinada controvérsia após reiteradas decisões sobre o mesmo tema. Consti­ tui­
ção Federal, art. 102, para. 2º. Por exemplo, a Súmula Vinculante nº 12 esclarece que “A
cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art. 206, IV da
Constituição Federal”. Até dezembro de 2012, o Supremo Tribunal Federal apro­vou trinta e
duas súmulas vinculantes (STF. Lista de Súmulas Vinculantes. Disponível em: <http://www.stf.
jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaSumulaVinculante/anexo/Enunciados_Sumula_Vinculante_
STF_1_a_29_31_e_32.pdf>. Acesso em: 22 out. 2012). Em termos gerais, v. Maria Ângela Jardim
de Santa Cruz Oliveira (Reforming the Brazilian Supreme Federal Court: a Comparative Approach.

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Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil – Uma abordagem pela análise econômica do direito  157

podiam aplicar fundamentos jurídicos diferentes dos já definidos pelo Supremo


Tribunal Federal.8 Mesmos quando os tribunais proferiam decisões com base nos
precedentes do Supremo Tribunal Federal, o sistema processual anterior não
impedia que, contra essas decisões, fossem interpostos recursos, permitindo,
assim, recursos excessivos e ineficientes, como recursos estratégicos com o único
propósito de protelar a execução de um julgamento desfavorável.9 O novo sistema
alterou efetivamente a balança de poder em favor da Suprema Corte, aumentando
sua influência por meio do estabelecimento de precedentes obrigatórios.10 De
fato, a maior crítica contra novo o sistema da súmula vinculante parece fundar-se
no fato de que o mecanismo reduz a heterogeneidade nas doutrinas jurídicas
entre os tribunais e, consequentemente, diminui alegadamente a independência
dos tribunais inferiores.11
Ao mesmo tempo, contrastando com os Estados Unidos, a Suprema Corte
brasileira tem tido historicamente pouco controle sobre os casos que chegam ao
Tribunal, porquanto não existia um mecanismo equivalente ao writ of certiorari.12
Desde 2007, um novo requisito, o requisito de repercussão geral — que exige o
interesse geral para a admissão dos recursos extraordinários — entrou em vigor,
o qual pode em princípio aproximar-se do writ of certiorari.13 Possibilitar que a
Suprema Corte selecione seus casos suscitou questionamentos sobre o acesso
universal à justiça e a possibilidade de controle estratégico dos casos a serem
julgados.14

Wash. U. Glob. Stud. L. Rev., v. 5, n. 1, p. 99-150, 2006. p. 138-145), descrevendo a Emenda


Constitucional nº 45 e a súmula vinculante em maiores detalhes.
8
ARANTES, Rogério B. Constitutionalism, the Expansion of Justice and the Judicialization of Politics
in Brazil. The Judicialization Of Politics In Latin America, p. 231-262, 2005. p. 251-252. Rachel Seider
et al. (Ed.). 2005.
9
Id., p. 251.
10
Organization for Econ. Co-operation & Dev., supra nota 5, p. 87-88.
11
Ver, por exemplo, Arantes, supra nota 8, p. 252 (afirmando que a nova súmula vinculante tem sido
criticada e mal recebida pelos setores que querem usar os tribunais estrategicamente para lutas
políticas ou para evitar ações judiciais de alto valor).
12
Cf. id., p. 251.
13
O artigo 102, §3º, da CF, nos termos da Emenda Constitucional nº 45, prevê que “[n]o recurso
extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais
discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso,
somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros”. CONSTITUIÇÃO
FEDERAL (CF). Emend. 45, art. 102, §3º (Bras.) (grifos nossos). Como consequência, a lei que
implementa a Emenda Constitucional nº 45 limita a competência da Corte para recursos que
tenham questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que
ultrapassem os interesses subjetivos da causa (BRASIL. Lei nº 11.418, de 19 de dezembro de 2006,
Diário Oficial da União, 20 dez. 2006). Se o recurso não for considerado como de interesse geral,
não se admitirá o recurso (Id., art. 2º, §5º).
14
ARANTES, supra nota 8, p. 251-252.

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158  Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira, Nuno Garoupa

As implicações jurídicas desses dois mecanismos, a súmula vinculante e


o requisito da repercussão geral, podem ser extremamente significantes em
um sistema judiciário congestionado e onde o ativismo de cortes inferiores
tem sido problemático em termos de segurança jurídica e efetiva aplicação do
direito.15 Entretanto, estes mecanismos suscitam questões interessantes sobre
a balança de poder interno entre as cortes inferiores e as superiores. Há reper­
cussões importantes para o funcionamento do Supremo Tribunal Federal, em
termos de influência no estabelecimento de doutrinas jurídicas e na reforma de
jurisprudência divergente.
O sistema jurídico brasileiro tem estado sob pressão em razão de sua falta
de eficácia. Por exemplo, a qualidade do sistema judicial tem sido documentada
pelo Banco Mundial como não propício para o crescimento econômico ou para
atrair mais investimento direto estrangeiro.16 Os dois novos mecanismos, a súmula
vinculante e o requisito da repercussão geral, podem ser considerados como uma
reforma substancial do processo para promover cortes mais eficientes e melhorar
a jurisprudência, aumentando, assim, a segurança jurídica.
Nosso estudo faz três contribuições importantes. Primeiro, ele explica para
uma plateia de língua inglesa estes desenvolvimentos recentes que potencialmente
podem revolucionar o sistema jurídico brasileiro e que, em nossa opinião, ainda
não atraiu a devida atenção entre comparativistas jurídicos (na verdade, não
existe uma boa literatura em inglês sobre estes dois desenvolvimentos recentes).
Em segundo lugar, nós fornecemos uma análise contextual desses dois
mecanismos a partir de uma perspectiva comparada, em particular, observando
os princípios americanos do stare decisis e do writ of certiorari. Sob a doutrina da
common law tradicional do stare decisis, precedente jurisprudencial é fonte de
direito, enquanto na tradição da civil law, na melhor das hipóteses, a jurisprudência
é considerada como lei de fato.17 A doutrina do stare decisis tem dois princípios,
ou seja, tribunais inferiores estão vinculados a tribunais superiores (stare decisis
vertical) e os tribunais superiores estão vinculados pelos suas próprias decisões
anteriores (stare decisis horizontal), fundados na igualdade, previsibilidade e

15
Organization for Econ. Co-operation & Dev., supra nota 5, p. 87.
16
WORLD BANK & INT’L FIN. CORP., DOING BUSINESS: ECONOMY PROFILE: BRAZIL, 89-94,
2012. Disponível em: <http://www.doingbusiness.org/~/media/FPDKM/Doing%20Business/
Documents/Profiles/Country/BRA.pdf>.
17
KORNHAUSER, Lewis A. Stare Decisis. In: NEWMAN, Peter (Ed.). The New Palgrave Dictionary of
Economics and the Law, 3. London: Macmillan, 1998. p. 509.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 155-201, out./dez. 2013
Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil – Uma abordagem pela análise econômica do direito  159

segurança jurídica.18 Em sistemas da civil law, tribunais inferiores têm liberdade


para não aplicar as decisões exaradas pelos tribunais superiores.19 No entanto,
precedente jurisprudencial passa a existir quando há um número significativo de
decisões no mesmo sentido. Por exemplo, a jurisprudence constante francesa, a
ständige Rechtsprechung alemã, a dottrina giuridica italiana, e a doctrina juridica
espanhola criam um precedente jurisprudencial eficaz e permitem recurso para a
corte suprema de uma decisão judicial que viola a jurisprudência.20
O writ of certiorari é o mecanismo pelo qual a Suprema Corte dos EUA per­
mite que um caso julgado em um tribunal de instância inferior possa ser revisto
por erro jurídico.21 Quatro dos nove juízes têm que ser favoráveis ao writ.22 Tri­
bunais superiores em jurisdições de civil law têm muito menos controle sobre o
seu acervo de processos.23 No entanto, a maioria dos tribunais superiores em juris­
dições de civil law têm desenvolvido regras processuais para não admitir deter­
minados casos em circunstâncias bem definidas.24
Nosso artigo explica as importantes inovações brasileiras no contexto das
jurisdições de common law e civil law. A nova súmula vinculante é diferente do
stare decisis e certamente é mais importante do que as atuais doutrinas da civil
law. O requisito da repercussão geral não é o writ of certiorari, mas, ao mesmo
tempo, é mais ambicioso do que as práticas normais dos tribunais superiores dos
países de civil law.
Ressaltamos, ainda, as recentes inovações no Brasil a partir de uma pers­pec­
tiva latino-americana. Os problemas enfrentados pelo Supremo Tribunal Fe­de­ral
não são significativamente diferentes daqueles enfrentados em outras ju­ris­dições,

18
Black’s Law Dictionary. 9. ed. St. Paul: West, 2009. p. 1537. Definindo stare decisis, stare decisis
horizontal, stare decisis vertical.
19
MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S. Introduction. In: MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS,
Robert S. (Ed.). Interpreting Precedents: a Comparative Study. Aldershot: Ashgate, 1997.
20
ALEXY, Robert; DREIER, Ralf. Precedent in the Federal Republic of Germany. In: MACCORMICK, D.
Neil; SUMMERS, Robert S. (Ed.). Interpreting Precedents: a Comparative Study. Aldershot: Ashgate,
1997. Nota 17, p. 17, 50; CARBONNIER, Jean. Authorities in Civil Law: France. In: DAINOW, Joseph
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Precedents: a Comparative Study. Aldershot: Ashgate, 1997. Nota 17, p. 259, 272-273, 282-283.
21
Black’s Law Dictionary. 9. ed. St. Paul: West, 2009. p. 258.
22
Rice v. Sioux City Mem’l Park Cemetery, 349 U.S. 70, 74 (1955).
23
Infra texto acompanhando as notas de rodapé 190-209.
24
Id.

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160  Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira, Nuno Garoupa

como Argentina ou Chile. Uma comparação sobre como os precedentes ­juris­


pruden­ciais e o controle sobre o acervo processual foram tratados nesses dois
países é ilus­trativa de soluções alternativas.25
Em terceiro lugar, o nosso artigo fornece uma perspectiva da análise eco­
nômica do direito quanto às vantagens e desvantagens dessas duas inovações
jurídicas, com um foco especial sobre os incentivos para o Supremo Tribunal
Federal criar leis. A literatura americana da análise econômica do direito fornece
argumentos importantes para defender a existência do writ of certiorari.26 Nós
resumimos esses argumentos de maneira crítica e os analisamos sob uma pers­
pectiva brasileira. O período de tempo decorrido desde a implementação dessas
duas medidas também permite uma análise mais cuidadosa dos novos incentivos.
A seção 1 deste artigo explica em detalhes as duas inovações jurídicas, a
súmula vinculante e o requisito da repercussão geral. A seção 2 resume a literatura
comparada sobre precedentes jurisprudenciais e os mecanismos de certiorari.
A seção 3 introduz a perspectiva da análise econômica do direito quanto aos
precedentes jurisprudenciais e ao certiorari. A seção 4 analisa a súmula vinculante
e o requisito da repercussão geral usando a literatura comparada e o arcabouço da
análise econômica do direito. Nós fornecemos considerações finais na conclusão.

1  As recentes inovações jurídicas no Brasil


1.1  Súmula vinculante
A jurisdição constitucional do Supremo Tribunal Federal do Brasil engloba
tanto o modelo de controle de constitucionalidade concreto (ou descentralizado)
norte-americano, como também o modelo abstrato (ou centralizado) de controle
de constitucionalidade europeu.27 Embora o efeito vinculante das decisões de
mérito do Supremo Tribunal exista no modelo abstrato de constitucionalidade
desde 1993,28 a ausência de efeito vinculante no controle de constitucionalidade
concreto produziu um acervo de numerosos processos repetitivos e inundou o
acervo processual da Corte.29

25
Ver GAROUPA, Nuno; MALDONADO, Maria A. The Judiciary in Political Transitions: The Critical Role
of U.S. Constitutionalism in Latin America. Cardozo J. Int’l & Comp. L., v. 19, n. 3, July 2010, p. 526
para quadro geral sobre o funcionamento das Supremas Cortes latino-americanas.
26
Infra Parte IV.
27
OLIVEIRA, supra nota 7, p. 115-134, para uma discussão sobre os modelos centralizados e
descentralizados de controle de constitucionalidade.
28
BRASIL. Constituição Federal. Emenda nº 3, art. 102, §2º, 1993. Esse sistema aproxima-se do
modelo alemão. Ver OLIVEIRA, supra nota 7, p. 127.
29
Id., p. 111.

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Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil – Uma abordagem pela análise econômica do direito  161

Após longo debate sobre a reforma do Judiciário no Brasil, a Emenda


Constitucional nº 45 introduziu a súmula vinculante, que confere ao Supremo Tri­
bunal Federal o poder de exercer a jurisdição constitucional concreta com efeito
vinculante.30 Concebida pelo Ministro Victor Nunes Leal,31 a súmula foi inicialmente
criada na década de 1960 como um pronunciamento do Supremo Tribunal
Federal sobre a jurisprudência dominante para informar os juízes e advogados
sobre a interpretação jurídica adotada pela Corte em decisões reiteradas em
diversos processos individuais sobre o mesmo tema de fundo.32 Essencialmente,
um verbete da súmula consistia em um pronunciamento da Corte sem efeito
vinculante, mas com autoridade persuasiva.33 A súmula era utilizada para ace­
lerar o julgamento de questões semelhantes que já haviam sido decididas pelo
Tribunal, e para desencorajar recursos que eram contrários à jurisprudência do­
minante.34 A autoridade persuasiva da súmula promovia a segurança jurídica e
reduzia a imprevisibilidade do resultado do julgamento para as partes envolvidas
em processos judiciais.35 A consequência prática na utilização do mecanismo da
súmula da jurisprudência dominante pelo Supremo Tribunal era a de que, se um
verbete da súmula era aplicável ao caso, o Tribunal era dispensado de escrever um
extenso acórdão explicando as razões jurídicas para a solução da controvérsia.36
O primeiro lote de verbetes da súmula foi publicado em 1964, como a Tabela 1
demonstra.

30
Infra nota 3.
31
Ministro Victor Nunes Leal (1914-1985) serviu no Supremo Tribunal Federal de 1960 a 1969,
quando ele foi de fato afastado pela ditadura militar por meio do Ato Institucional nº 5, que lhe
impôs sua aposentadoria compulsória (Instituto Victor Nunes Leal Biografia. Disponível em:
<http://www.ivnl.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=10&Itemid=40>.
Acesso em: 22 out. 2012).
32
OLIVEIRA, supra nota 7, p. 110-111. Desde 1964, para agilizar os julgamentos de questões
semelhantes sobre a qual a Corte já tinha adotado uma posição, o Supremo Tribunal Federal
editou 736 súmulas. Ver, em termos gerais, a Lista de Súmulas do Supremo Tribunal Federal
(Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaSumula/anexo/Sumula_
do_STF__1_a__736.pdf>. Acesso em: 22 out. 2012). O último lote de súmulas de natureza
persuasiva foi aprovado em 2003 (Id., p. 260-274). Devido ao caráter pedagógico e informativo da
súmula, os tribunais inferiores e até mesmo a Advocacia-Geral da União passaram a editar suas
próprias súmulas para orientar juízes e advogados da União sobre questões controversas, bem
como para acelerar o processo de casos semelhantes. Ver, por exemplo, ADVOCACIA-GERAL DA
UNIÃO – AGU. Súmulas. Disponível em: <http://www.agu.gov.br/sistemas/site/PaginasInternas/
NormasInternas/ListarAtos.aspx?TIPO_FILTRO=Sumulas>. Acesso em: 22 out. 2012.
33
OLIVEIRA, supra nota 7, p. 110-111.
34
Id., p. 111.
35
Id.
36
Id.

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162  Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira, Nuno Garoupa

Tabela 1 – Súmulas sem efeito vinculante37

Súmulas Data de publicação

1 a 370 março de 1964

371 a 404 12 de maio 1964

405 a 438 06 de julho de 1964

439 a 472 10 de outubro de 1964

473 a 551 10 de dezembro de 1969

552 a 600 03 de janeiro de 1977

601 a 621 29 de outubro de 1984

623 a 736 09 de outubro de 2003

Não há evidências claras sobre a razão pela qual nenhum verbete da súmula
foi editado no período entre 1984 e 2003.38 Em 2003, o Ministro Sepúlveda
Pertence submeteu ao Plenário da Corte novas propostas, e 113 novos verbetes
da súmula foram aprovados.39 Após 2004, entretanto, não houve e possivelmente
não haverá mais nenhuma publicação de novos verbetes da súmula tradicional,
em razão do advento da súmula vinculante.
A Emenda Constitucional nº 45 autorizou a Suprema Corte a emitir súmulas
vinculantes, ou seja, pronunciamentos de caráter obrigatório.40 Esses pro­nun­
ciamentos têm efeito vinculante não só em relação aos tribunais infe­riores, mas
também perante a Administração Pública federal, estadual e muni­cipal.41 Resulta
daí que, uma vez editada a súmula vinculante, não há mais a necessidade de
que casos semelhantes subam para o Supremo Tribunal Federal para definir
a questão, porquanto os tribunais inferiores são obrigados a aplicar auto­ma­
ti­ca­mente a decisão da Suprema Corte.42 Há, ainda, impedimentos para que

37
Ver, em geral, Lista de Súmulas, supra nota 32 (enumerando cada verbete da súmula e a sua data
de publicação).
38
Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence, Sessão Plenária do STF de 28 de agosto de 2003 (cópia
da Ata com os autores), tratando das súmulas.
39
Id.
40
BRASIL. Constituição Federal. Art. 102, §2º.
41
Id.
42
SILVA, Anna Bruno. Bringing Uniformity to Brazilian Court Decisions: Looking at the American
Precedent and at Italian Living Law. Elec. J. Comp. L., v. 11, p. 3-4, Dez. 2007. Disponível em: <http://
www.ejcl.org/114/art114-3.pdf>.

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Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil – Uma abordagem pela análise econômica do direito  163

recursos sejam interpostos com argumentos contrários à súmula vinculante.43


Consequentemente, o Supremo Tribunal Federal não será mais sobrecarregado
com vários casos similares e repetitivos, reduzindo, assim, o acervo de processos
acumulados de maneira a contribuir para uma prestação jurisdicional mais célere
e uniforme.
Esse novo mecanismo tem por objetivo resolver questões controversas que
suscitaram grave insegurança jurídica e que gerou muitos processos judiciais
similares sobre a mesma questão.44 Em razão do caráter excepcional do efeito
vinculante das decisões judiciais em países da tradição da civil law, a Constituição
brasileira exige a maioria de dois terços dos Ministros da Suprema Corte para
aprovar, modificar ou anular a súmula vinculante através de um processo es­
pecífico.45 O Supremo Tribunal Federal pode, também, de ofício, propor a edição
de súmula vinculante.46 Do mesmo modo, determinados membros do governo,
bem como certos representantes da sociedade civil47 podem submeter uma
proposta de súmula vinculante ao Supremo Tribunal Federal.48 Ademais, durante
os procedimentos, terceiros interessados podem expressar sua opinião sobre o
tema na qualidade de amicus curiae.49
Diferentemente da doutrina do stare decisis do sistema norte-americano,
que dota todas as decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos com a força
de precedente obrigatório, o mecanismo brasileiro da súmula vinculante confere
efeito vinculante apenas em relação a questões selecionadas, que deram origem
a muitos processos repetitivos com o mesmo tema, e só depois de reiteradas
decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.50 Uma vez editada, a
súmula vinculante tem efeito imediato.51 O Supremo Tribunal Federal pode, no

43
Id., p. 5.
44
Id., p. 7. Citando SILVA, J. Anchieta da. A Súmula de efeito vinculante amplo no direito brasileiro. Belo
Horizonte: Del Rey, 1998. p. 60.
45
BRASIL. Constituição Federal. Art. 102, §3º.
46
Artigo 2º da Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006, Diário Oficial da União, 20 dez. 2006.
47
Artigo 3º da Lei nº 11.417/2006 enumera os que têm legitimidade para propor a edição, a revisão
ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante: o Presidente da República; a Mesa
do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; as assembleias legislativas estaduais;
o Procurador-Geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; o
Defensor-Público Geral da União; partidos políticos com representação no Congresso Nacional;
confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional, governadores dos estados;
tribunais superiores, tribunais de justiça e tribunais regionais federais, e municípios no curso de
processos em que sejam parte (Id.).
48
Id.
49
Id., art. 3º, §2º.
50
SILVA, supra, nota 42, p. 3.
51
Id.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 155-201, out./dez. 2013
164  Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira, Nuno Garoupa

entanto, restringir o efeito vinculante ou decidir que os efeitos ocorram em algum


outro momento com base em excepcional interesse público e considerações
de segurança jurídica.52 Até o momento, a Suprema Corte editou trinta e duas
súmulas vinculantes, que estão facilmente disponíveis on-line para o público em
geral.53 A Tabela 2 resume as datas de publicação das atuais súmulas vinculantes.

Tabela 2 – Súmulas vinculantes54

Súmulas vinculantes Data de publicação

1a3 06 de junho de 2007

4a6 09 de maio de 2008

7a8 20 de junho de 2008


20 de junho de 2008
9
(republicada em 26 de junho de 2008)
10 27 de junho de 2008

11 a 12 22 de agosto de 2008

13 29 de agosto de 2008

14 09 de fevereiro de 2009

15 a 16 1º de julho de 2009

17 a 21 10 de novembro de 2009

22 a 24 11 de dezembro de 2009

25 a 27 23 de dezembro de 2009

28 a 31 17 de fevereiro de 2010

32 24 de fevereiro de 2011

O efeito da súmula vinculante pode parecer ter, à primeira vista, um âmbito


mais restrito do que a doutrina do precedente dos EUA, porquanto se aplica
apenas a algumas questões constitucionais julgadas pelo Supremo Tribunal
Federal. No entanto, em tese, o alcance da súmula vinculante pode vir a ser muito
mais amplo do que a doutrina da Suprema Corte norte-americana. Para ilustrar,

52
AMAREL, Karina Almeida. A súmula vinculante e sua influência sobre o acesso à justiça consti­tu­
cional no Brasil. Scientia Iuris, Londrina, v. 15, n. 2, p. 75-87, dez. 2001. p. 75, 79-80.
53
Lista de Súmulas Vinculantes, supra nota 7.
54
Id.

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Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil – Uma abordagem pela análise econômica do direito  165

consideremos a Súmula Vinculante nº 2, que estabelece ser inconstitucional a lei


ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios
e sorteios, inclusive bingos e loterias.55 O texto da Súmula Vinculante nº 2 não se
refere a qualquer legislação específica, de modo que pode ser aplicado a qual­
quer legislação estadual existente, ou futura, sobre bingos e loterias.56 O meca­
nismo brasileiro da súmula vinculante difere da doutrina norte-americana do
stare decisis porquanto consubstancia um mandamento em abstrato, que confere
maior flexibilidade e margem de manobra em termos de sua aplicação aos casos
concretos, enquanto, nos Estados Unidos, a doutrina do stare decisis pressupõe
que um conjunto de fatos e circunstâncias sejam similares para ensejar a aplicação
do precedente obrigatório.
É certo que precedentes decididos pela Suprema Corte dos EUA obrigam
os Estados norte-americanos, mesmo quando eles não são parte em um deter­
minado processo.57 No entanto, estes precedentes são decididos no contexto
de um caso concreto. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal exerce o controle de
constitucionalidade tanto em abstrato como em concreto. Sendo um pro­nun­
ciamento em abstrato, a súmula vinculante, teoricamente, parece conferir ao
Supremo Tribunal Federal uma abertura mais ampla para decidir sobre supostas
violações do seu conteúdo, pois o juiz brasileiro não tem que examinar se os fatos
do caso concreto sob sua jurisdição são distintos ou similares aos fatos ocorridos
nos casos que originaram a súmula vinculante. Portanto, a natureza abstrata do
enunciado da súmula vinculante, em princípio, torna mais fácil para um juiz para
aplicar a súmula sem a exigência de se fazer um exame minucioso e detalhado
sobre se todos os fatos dos casos são similares. No entanto, se essa possível inter­
pretação mais ampla será de fato aplicada, só o futuro poderá dizer.58 O con­trole
abstrato é muito mais amplo do que o controle concreto, uma vez que abrange

55
STF. Súmula Vinculante nº 2. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/
listarJurisprudencia.asp?s1=2.NUME.%20E%20S.FLSV.&base=baseSumulasVinculantes>. Acesso
em: 22 out. 2012.
56
Id.
57
Estados que não são parte em processos perante a Suprema Corte dos Estados Unidos também
ficam vinculados às decisões da mesma. Ver, por exemplo, Cooper v. Aaron, 358 U.S. 1, 18 (1958).
Decidindo que o Estado do Arkansas estava vinculado às decisões da Suprema Corte dos Estados
Unidos, e consequentemente, não poderia escolher ignorar o precedente firmado no caso Brown
v. Board of Education, 347 U.S. 483 (1954).
58
Se o Supremo Tribunal Federal aplicará a súmula vinculante de forma restritiva ou de forma mais
liberal dependerá das ações de reclamação que poderão eventualmente chegar ao Tribunal no
futuro. Somente após a Corte receber um número significativo de ações de reclamação é que será
possível fazer uma avaliação quanto a esse tópico.

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166  Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira, Nuno Garoupa

todas as possíveis aplicações de uma determinada lei nas mais variadas situações,
enquanto o controle concreto refere-se a apenas a interpretação em uma única
situação fática posta perante a corte.59
Outra característica distintiva do sistema brasileiro é que a súmula vin­cu­
lante não se aplica apenas ao Poder Judiciário brasileiro, mas também à Admi­
nistração Pública federal, estadual e municipal.60 Portanto, na hipótese de uma
das partes em um processo administrativo perante um órgão público alegar que
a decisão administrativa contraria enunciado da súmula vinculante, deverá a
autoridade explicitar as razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula
vinculante.61 No caso de denegação, após o esgotamento do processo admi­nis­
trativo, o requerente poderá ajuizar uma reclamação diretamente ao Supremo
Tribunal Federal, o qual, na hipótese de ter havido ofensa a enunciado da súmula
vinculante, determinará ao órgão público competente que ajuste suas decisões
em casos semelhantes, sob pena de responsabilização pessoal nas esferas cível,
administrativa e penal.62 Com efeito, esse sistema proporciona aos indivíduos
acesso direto ao Supremo Tribunal Federal, em caso de violações a enunciado da
súmula vinculante por órgãos do governo.

1.2  Requisito da repercussão geral


O novo requisito da repercussão geral, que se assemelha ao writ of certiorari,
foi instituído pela Emenda Constitucional nº 45.63 Esse novo mecanismo parece
finalmente fornecer as ferramentas necessárias para tornar o Supremo Tribunal
Federal mais eficiente e disponível para se concentrar no mérito das grandes
questões constitucionais que lhe são apresentadas, a fim de cumprir sua missão
institucional de guarda da Constituição.

59
Nós de fato aceitamos que a Suprema Corte dos EUA poderia, em princípio, estender a ratio
decidendi de uma decisão ao ponto de transformar o controle concreto em controle abstrato e
essas diferenças se confundam. Cf. STONE, Alec. The Birth and Development of Abstract Review:
Constitutional Courts and Policymaking in Western Europe. Pol’y Stud. J. v. 19, n. 1, p. 81-95, Set.
1990. p. 81, 88. No entanto, nós não compartilhamos a visão de que a possibilidade tem sido
efetivamente implementada pela Suprema Corte dos Estados Unidos.
60
BRASIL. Constituição Federal. Art. 102, §2º. O impacto da súmula vinculante sobre a Administração
Pública federal, estadual e municipal é particularmente importante e economicamente relevante,
uma vez que um percentual significativo dos casos trazidos ao Supremo Tribunal Federal envolve
o Estado como réu ou como autor (ARLOTA, Carolina; GAROUPA, Nuno. Addressing Federal
Conflicts: an Empirical Analysis of the Brazilian Supreme Court, 1988-2010, 2010. Trabalho não
publicado, cópia com os autores).
61
Artigo 8º da Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006, Diário Oficial da União, 20 dez. 2006.
62
Id.
63
BRASIL. Constituição Federal, art. 102, §3º.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 155-201, out./dez. 2013
Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil – Uma abordagem pela análise econômica do direito  167

Antes de discorrermos sobre esse novo mecanismo, não devemos dar a


impressão de que esta foi a primeira vez que um mecanismo semelhante ao writ
of certiorari foi idealizado no Brasil. Historicamente, houve tentativas anteriores
de restringir a admissibilidade de recursos extraordinários perante o Supremo
Tribunal Federal. Durante o regime ditatorial militar (1964-1985), a Emenda
Constitucional nº 1 (outubro de 1969) permitiu que o Supremo Tribunal Federal
regulamentasse em seu Regimento Interno as regras de admissibilidade do
recurso extraordinário.64 Consequentemente, em 1975, o Supremo Tribunal intro­
duziu em seu Regimento Interno o requisito da “arguição de relevância da questão
federal”,65 que foi posteriormente incluído de forma explícita na Constituição
por meio da Emenda Constitucional nº 7.66 Inspirado no writ of certiorari, esse
re­quisito introduziu discricionariedade na apreciação de casos pelo Supremo
Tri­bunal Federal, no qual recursos extraordinários só seriam admitidos se o Tri­
bu­­nal entendesse que era relevante a questão federal suscitada.67 Apesar de
ser um avanço salutar no controle do acervo processual do Tribunal e na res­
trição a recursos protelatórios, essa inovação foi percebida como autoritária e
antidemocrática, devido à subjetividade e imprecisão quanto ao que poderia ser
considerado como relevante pela Corte.68 Este mecanismo foi posteriormente
eliminado em razão de a superveniente Constituição Federal de 1988 ter criado um
novo tribunal para decidir as questões federais como uma tentativa para resolver
o excesso de processos que sobrecarregavam o Supremo Tribunal Federal.69
Entretanto, o número de casos que chegavam ao Supremo Tribunal Federal
continuou a aumentar gradualmente a partir de 1988. No Supremo Tribunal
Federal, foram protocolados 21.328 processos em 1988, que aumentaram para
127.535 em 2006, com um pico de 160.453 processos protocolados em 2002.70
O Supremo Tribunal Federal tentou lidar com o número crescente de processos,

64
Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, Emenda nº 1, Art. 119, III (revogada pela
Constituição de 1988).
65
Id., Emenda nº 7, art. 119, III, §1º, de 1977; ver, também, Ministra Fátima Nancy Andrighi (Discurso
no Superior Tribunal de Justiça de 16 de outubro de 2000, p. 1-2. Disponível em: <http://bdjur.stj.
gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/633/Arguiçao_Relevancia.pdf?sequence=4>).
66
Id.
67
ANDRIGHI, supra nota 65, p. 2.
68
Cf. id., p. 4.
69
BRASIL. Constituição Federal, art. 103-A. O Superior Tribunal de Justiça foi criado com 33 Ministros
em 1988 (OLIVEIRA, Maria Ângela Jardim de Santa Cruz; GAROUPA, Nuno. Choosing Judges in
Brazil: Reassessing Legal Transplants from the United States. AM. J. COMP. L., v. 59, n. 2, p. 529-561,
2011. p. 529, 538).
70
Infra Tabela 3.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 155-201, out./dez. 2013
168  Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira, Nuno Garoupa

impondo requisitos formais rígidos através de construção jurisprudencial como


um meio de evitar recursos temerários e procrastinatórios (uma abordagem que
é padrão em jurisdições de civil law). Um exemplo dessa jurisprudência defensiva
foi a interpretação do Tribunal no sentido de que o recurso extraordinário só seria
admissível se a alegada violação constitucional já tivesse sido suscitada perante
o tribunal recorrido.71 Independentemente de tais tentativas, o número de casos
trazidos perante a Suprema Corte continuou aumentando. O acervo processual
do Supremo Tribunal foi inundado com casos múltiplos sobre questões similares,
sobrecarregando o Tribunal e causando longos períodos de espera para as partes
em litígio.72
Com uma carga de trabalho tão surpreendente, a reforma dos procedimentos
perante a Suprema Corte era uma prioridade. Durante as negociações da reforma
do Poder Judiciário, a proposta de criação de um mecanismo como o writ of
certiorari ficou mais forte como uma técnica para alcançar um sistema judiciário
mais célere e eficiente no Brasil, reduzindo os casos que chegam à Suprema Corte
e fortalecendo as decisões dos tribunais inferiores.73
Dentro desse contexto, a Emenda Constitucional nº 45 instituiu o novo
requisito da repercussão geral mediante o qual o Supremo Tribunal Federal pode
julgar inadmissíveis recursos extraordinários por ausência de relevância pelo
voto de dois terços dos seus membros.74 Em resposta a críticas anteriores contra
a jurisdição discricionária, a Emenda Constitucional nº 45 delegou ao legislador
ordinário a definição do que poderia ser considerado relevante. Assim, em 2006, a
Lei nº 11.418 esclareceu que o Supremo Tribunal Federal irá considerar, para efeito
da repercussão geral, automaticamente se há questão constitucional relevante
do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que transcenda os
interesses subjetivos das partes em litígio.75
Por si só, o requisito da repercussão geral não aceleraria o processo, pois
esse requisito de admissibilidade não afeta diretamente o número de casos que

71
ARNAUT, Andrea Metne. Recursos extraordinários: prequestionamento e prestação jurisdicio­
nal incompleta. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/
regulariza2/doutrina8.html>. Acesso em: 23 out. 2012. Procuradoria-Geral do Estado de São
Paulo. Essa intepretação é comumente referida como requisito do prequestionamento. Id.
72
ROSENN, Keith S. Judicial Review in Brazil: Developments under the 1988 Constitution. Sw. J.L. &
Trade Ams, v. 7, Part 2, p. 291-320, 2000. p. 291.
73
Cf. ARANTES, supra nota 8, p. 250-252.
74
BRASIL. Constituição Federal, art. 102, §3º.
75
Artigo 2º da Lei nº 11.418, de 19 de dezembro de 2006, Diário Oficial da União, 20 dez. 2006.

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Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil – Uma abordagem pela análise econômica do direito  169

efetivamente chegam ao Supremo Tribunal Federal. O Tribunal ainda precisaria


reunir-se para analisar, caso a caso, se as questões neles versadas seriam ou não
relevantes para efeito de admitir o processamento do recurso. No entanto, um
aspecto muito interessante desse novo requisito diz respeito ao uso da tecnologia
nos tribunais. Ao decidir se uma questão constitucional tem repercussão geral,
a Suprema Corte utiliza um sistema de votação eletrônica, o chamado Plenário
Virtual.76 Uma vez que o Ministro Relator vota eletronicamente sobre se um pro­
cesso tem repercussão geral ou não, os Ministros restantes terão 20 dias para
também votar eletronicamente sobre essa preliminar.77 O voto é apenas “sim” ou
“não”, sem fornecer maiores fundamentos e está disponível para visualização pú­
blica no sítio eletrônico do Tribunal.78 Esse sistema de votação eletrônica facilita o
processo de tomada de decisão e responde às preocupações suscitadas durante
as negociações da reforma do Judiciário no sentido de que este novo mecanismo
oneraria ainda mais os trabalhos do Tribunal e provocaria mais demoras na
entrega da prestação jurisdicional.
A característica mais interessante deste novo mecanismo, no entanto, é que
ele afeta o processamento de casos individuais com questões similares. Nesses
casos, os tribunais inferiores, em vez de enviar todos os recursos extraordinários
ao Supremo Tribunal Federal, selecionarão um ou mais casos que sejam repre­
sentativos da controvérsia constitucional, e sobrestarão os restantes até que o
Supremo Tribunal Federal decida sobre o mérito da questão.79 Se o Supremo
Tribunal Federal considerar que a questão constitucional não é relevante, essa
decisão será aplicada a todos os demais recursos com questões idênticas e
os recursos sobrestados perante os tribunais inferiores serão considerados
inadmissíveis automaticamente.80 Por outro lado, se a Suprema Corte decidir que
a questão constitucional é relevante e julga o caso em seu mérito, os próprios
tribunais inferiores aplicarão a decisão do Supremo Tribunal nos recursos pe­
rante eles interpostos.81 O Supremo Tribunal Federal poderá, ao decidir a questão

76
STF. Plenário Virtual. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussaoGeral/
listarProcessosJulgamento.asp>. Acesso em: 27 jul. 2012.
77
BRASIL. Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal – RISTF. Emenda Regimental nº 21, de
30 de abril de 2007. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=juris
prudenciaRepercussaoGeral&pagina=regulamentacao>. Emendando o artigo 324 do Regimento
Interno do Supremo Tribunal Federal.
78
Plenário Virtual, supra nota 76.
79
Art. 2º da Lei nº 11.418, de 19 de dezembro de 2006, Diário Oficial da União, 20 dez. 2006.
80
Id.
81
Id.

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170  Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira, Nuno Garoupa

constitucional relevante, admitir terceiros interessados para expressar suas


opiniões sobre o caso, como submissões espontâneas de amici curiae.82
O teste de repercussão geral, juntamente com os processos especí­fi­cos
para casos idênticos em tribunais inferiores, causou um forte impacto no acervo
processual do Supremo Tribunal Federal no que diz respeito à sua competência
extraordinária desde 2007, quando esse mecanismo foi implementado. O maior
percentual do acervo processual do Supremo Tribunal Federal diz respeito a sua
competência recursal extraordinária.83 Essa competência abrange os recursos
extraordinários e os agravos de instrumento contra a inadmissibilidade de
recurso extraordinário, ambos os quais foram responsáveis por 95,3% do acervo
do Tribunal em 2006, 88,7% em 2008, 76,9% em 2010, e 54,9% em 2011.84 A
Tabela 3, abaixo, mostra um declínio acentuado no acervo processual do Tribunal
desde que a súmula vinculante e o requisito da repercussão geral entraram em
vigor em 2007. De 2007 a 2008, houve uma diminuição de 40,8% no número
de casos distribuídos no Supremo Tribunal Federal, seguida por uma queda de
36,1% em 2009. Em 2010, a variação em relação a 2009 foi de apenas 4,0%, o
que, juntamente com uma diminuição de 7,1% em 2011, pode indicar uma
estabilização do número de casos distribuídos no Tribunal após o impacto inicial
destes novos mecanismos.

82
Id. Para mais detalhes sobre o papel dos amici curiae perante o Supremo Tribunal Federal, ver
GONTIJO, André Pires; SILVA, Christine Oliveira Peter da. O papel do Amicus Curiae no Estado
Constitucional: mecanismo de acesso de transdisciplinaridade no processo de tomada de
decisão constitucional. In: ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI – Direitos Fundamentais e
Transdisciplinaridade, 19., 2010. Fortaleza, Anais... Florianópolis: Fundação Boiteux, 2010. p. 84-99.
Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/Integra.pdf>.
83
STF. RE e AI - % Distribuição. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?serv
ico=estatistica&pagina=REAIProcessoDistribuido>. Acesso em: 23 out. 2012.
84
Id.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 155-201, out./dez. 2013
Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil – Uma abordagem pela análise econômica do direito  171

Tabela 3 – Estatísticas do acervo processual do STF desde 198885 86

Ano Processos protocolados Processos distribuídos Julgamentos

1988 21,328 18,674 16,313

1989 14,721 6,622 17,432

1990 18,564 16,226 16,449

1991 18,438 17,567 14,366

1992 27,447 26,325 18,236

1993 24,377 23,525 21,737

1994 24,295 25,868 28,221

1995 27,743 25,385 34,125

1996 28,134 23,883 30,829

1997 36,490 34,289 39,994

1998 52,636 50,273 51,307

1999 68,369 54,437 56,307

2000 105,307 90,839 86,138

2001 110,771 89,574 109,692

2002 160,453 87,313 83,097

200386 87,186 109,965 107,867

2004 83,667 69,171 101,690

2005 95,212 79,577 103,700

2006 127,535 116,216 110,284

2007 119,324 112,938 159,522

2008 100,781 66,873 130,747

2009 84,369 42,729 121,316

2010 71,670 41,014 103,869

2011 64,018 38,109 97,380

85
STF. Movimento processual nos anos de 1940 a 2013. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/
cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=movimentoProcessual>. Acesso em: 27 jul. 2012.
86
O declínio do número de processos de 2002 a 2003 foi devido a milhares de pedidos de desistência
de recursos pela Caixa Econômica Federal (todos discutindo a mesma questão de fundo sobre o
FGTS) após um acordo ter sido feito. Para informações mais detalhadas sobre esse evento, ver
OLIVEIRA, supra nota 7, p. 113-114.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 155-201, out./dez. 2013
172  Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira, Nuno Garoupa

A Tabela 4 resume as estatísticas do STF quanto à aplicação do requisito da


repercussão geral. Os números são bastante estáveis no período 2008-2011.

Tabela 4 – Requisito da repercussão geral87

2007 2008 2009 2010 2011 Total

Processos
distribuídos com a 4,792 25,942 21,410 22,643 25,497 100,284
preliminar de RG

20 126 99 119 157


Matérias analisadas
quanto ao requisito Yes No Yes No Yes No Yes No Yes No 521
da repercussão geral
14 6 99 27 67 32 81 38 116 41

Casos com
repercussão geral 0 27 26 19 38 110
decididos no mérito

2  Análise comparada de precedentes e certiorari


2.1  Panorama geral
A definição mais simples de precedente jurisprudencial é que os futuros
juízes ficam vinculados a decisões em casos anteriores, verticalmente (tribunais
inferiores estão vinculados a decisões dos tribunais superiores) e horizontalmente
(tribunais superiores são vinculados por suas decisões anteriores).88 Ademais,

87
STF. Números da repercussão geral. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/cms/verTexto.
asp?servico=jurisprudenciaRepercussaoGeral&pagina=numeroRepercussao>. Acesso em: 27 jul.
2012. Note-se que a coluna do ano de 2007 refere-se apenas ao segundo semestre de 2007 (Id.).
88
SCHAUER, Frederick F. Thinking Like a Lawyer: a New Introduction to Legal Reasoning. Cambridge,
Mass.: Harvard University Press, 2009. p. 37; BARRETT, Amy Coney. Stare Decisis and Due Proces.
U. Colo. L. Rev., v. 74, p. 1011-1075, 2003. p. 1015; COOPER, Charles J. Stare Decisis: Precedent and
Principle in Constitutional Adjudication. Cornell L. Rev., v. 73, n. 6, p. 401, 402, 1988; LEE, Thomas
R. Stare Decisis in Historical Perspective: From the Founding Era to the Rehnquist Court. Vand.
L. Rev., v. 52, n. 84, p. 647-735, Setp. 1999. p. 647, 664; WISE, E. M. The Doctrine of Stare Decisis.
Wayne L. Rev., v. 21, n. 4, p. 1043-1044, 1975. Ver em termos gerais: ALEXANDER, Larry. Constrained
by Precedent. S. Cal. L. Rev., v. 63, p. 1-64, 1989, analisando a situação em que um tribunal está
constrito por um precedente que considera incorreto; CAMINKER, Evan H. Why Must Inferior
Courts Obey Superior Court Precedents?. Stan. L. Rev., v. 46, n. 4, p. 817-873, Apr. 1994. p. 817,
examinando a doutrina do precedente hierárquico; SCHAUER, Frederick. Precedent. Stan. L. Rev.,
v. 39, p. 571-606, 1987, apresentando uma abrangente discussão teórica sobre a doutrina do
precedente.

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Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil – Uma abordagem pela análise econômica do direito  173

tribunais são obrigados a seguir o precedente mesmo quando acreditam que o


resultado não é o correto.89 Em outras palavras, a obrigação de seguir o precedente
aplica-se mesmo quando se chega a uma decisão que não é a comumente
considerada como a decisão correta.
Existem várias consequências importantes no estabelecimento de um
sistema jurídico que prevê o precedente jurisprudencial. Precedentes juris­pru­
denciais aplicam-se a casos semelhantes. Assim, os tribunais precisam desenvolver
regras para distinguir os casos (se o precedente jurisprudencial aplica-se a um
caso “similar”, o tribunal precisa definir a “similitude” de uma forma coerente) e
determinar a razão de decidir (ratio decidendi) a ser aplicada em casos semelhantes
por todos os juízes.90 Ao mesmo tempo, deve haver regras jurídicas para enquadrar
e regulamentar possíveis afastamentos dos precedentes. A abordagem padrão é
a de que o juiz que quer afastar-se de um precedente anterior carrega o ônus
da prova.91 Quando as regras que permitem o afastamento de um precedente
jurisprudencial são extremamente limitadas e fortemente condicionadas, temos
um precedente absoluto.92 Por outro lado, quando essas regras são mais generosas
e flexíveis, o precedente não é mais estritamente vinculante, é meramente indi­
cativo ou de caráter persuasivo.93
A interação entre o precedente e as regras que disciplinam tanto o seu
afastamento como as distinções de casos dá lugar a uma configuração mais
complexa de implicações jurídicas. Via de regra, são consideradas três possíveis
abordagens com relação ao precedente jurisprudencial.94 A forma mais restrita é
o precedente absoluto, formalmente vinculante e com poucas possibilidades de
afastamento.95 A segunda abordagem é o precedente flexível, que não vincula
formalmente, mas tem força persuasiva que efetivamente coíbe os juízes.96
Por fim, a forma mais débil resume-se a uma afirmação de suporte que juízes
devem considerar quando decidem um caso.97 Enquanto a forma mais restrita
é geralmente associada ao stare decisis anglo-americano, a forma mais fraca é

89
WISE, supra nota 88, p. 1044.
90
PECZENIK, Aleksander. The Binding Force of Precedent. In: MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS,
Robert S. (Ed.). Interpreting Precedents: a Comparative Study, supra nota 19, p. 461, 462-464.
91
SCHAUER, supra nota 88, p. 587.
92
Id., p. 592.
93
Id., p. 592-593.
94
PECZENIK, supra nota 90, p. 463.
95
Id.
96
Id.
97
Id.

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174  Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira, Nuno Garoupa

mais comum em jurisdições da civil law.98 Por exemplo, na França, sabe-se que
um julgamento baseado em um precedente, porém sem fundamentação em uma
regra jurídica prevista na legislação, não é lícito.99
A compreensão jurídica do stare decisis evoluiu no mundo da common
law. Precedentes não existiam antes do século 17 devido à falta de informação
100

e conhecimento sobre a jurisprudência de outras cortes.101 Desde então, ao longo


do tempo, o efeito vinculante da jurisprudência exarada pelos tribunais mais altos
foi reconhecido.102
Nos Estados Unidos, o stare decisis segue a estrutura hierárquica dos tri­
bunais.103 A Suprema Corte dos EUA, bem como a última instância da justiça
estadual (tribunais supremos dos Estados), tem exercido o seu poder de reformar
prece­dentes. Os tribunais norte-americanos também tendem a afastar a juris­
prudência quando consideram o precedente desatualizado, se ele produzir
resultados indesejáveis, ou se ele é baseado em raciocínio jurídico inconsistente.104
Na Grã-Bretanha, anteriormente aos casos Beamish v. Beamish105 e London
Tramways Company v. London County Council,106 os juízes eram influenciados, mas
não estritamente vinculados a precedentes. Após essas decisões marcantes, o
absolutismo do stare decisis foi definido e assim imposto, como foi reafirmado
no caso Admiralty Commissioners v. Valverda.107 Não obstante, os juízes britânicos
ainda se confrontavam com uma questão significativa sobre se um princípio
fundamental deve prevalecer sobre um precedente. Esta controvérsia jurídica
foi abordada de maneira inconclusiva no caso London Transport Executive v.
Betts108 e posteriormente no caso Myers v. Director of Public Prosecutions.109 Em
1966, a House of Lords editou a famosa Declaração de Práticas (desenvolvida

98
Cf. id., p. 463-464.
99
V. infra texto das notas 138 a 143.
100
MURPHY, J. David; RUETER, Robert. Stare Decisis in Commonwealth Appellate Courts. Toronto:
Butterworths, 1981. p. 1-4.
101
WISE, supra nota 88, p. 1048.
102
Cf. ALGERO, Mary Garvey. The Sources of Law and The Value of Precedent: A Comparative and
Empirical Study of a Civil Law State in a Common Law Nation. La. L. Rev., v. 65, n. 2, p. 775-822,
2005. p. 775, 784-786.
103
Id., p. 786.
104
Id. Veja também SPRIGGS, II, James F.; HANSFORD, Thomas G. The U.S. Supreme Court’s Incorpo­
ration and Interpretation of Precedent. Law & Soc’y Rev., v. 36, n. 1, p. 139-160, 2002. p. 139, 154-55.
105
[1861], IX H.L.C. 274, 338-39; veja também MURPHY; RUETER, supra nota 100, p. 3.
106
[1898], A.C. 375 (H.L.) (Westlaw); veja também MURPHY; RUETER, supra nota 100, p. 3.
107
[1938], A.C. 173, 194-95 (Westlaw); veja também MURPHY; RUETER, supra nota 100, p. 5.
108
[1959], A.C. 213, 232 (Westlaw); veja também MURPHY; RUETER, supra nota 100, p. 6.
109
[1965], A. C. 1001, 1021; veja também MURPHY; RUETER, supra nota 100, p. 6.

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Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil – Uma abordagem pela análise econômica do direito  175

posteriormente pela jurisprudência), que aboliu a adesão rígida aos precedentes


e introduziu a possibilidade de afastamento de um precedente anterior, quando
for correto fazê-lo.110 No entanto, a Corte de Apelação inglesa sujeita-se ao stare
decisis absoluto com poucas exceções, como explicado no caso Young v. Bristol
Aeroplane Company.111 Este princípio tem sido, via de regra, reafirmado, como no
caso Farrell v. Alexander.112
No Canadá, afastar um precedente era considerado uma excepcionali­dade
sob a égide do caso Stuart v. The Bank of Montreal.113 O princípio manteve-se
constante até o caso Binus v. The Queen,114 quando houve a permissão para tanto,
por “razões imperiosas” — embora os precedentes estabelecidos pelo Conselho
Privado do Reino Unido (Privy Council) não serem formalmente vinculantes desde
1957.115 Desde então, ficou esclarecido que a Suprema Corte canadense não está
vinculada ao stare decisis.116 A última instância dos tribunais das províncias evoluiu
para seguir modelos flexíveis semelhantes, possivelmente com a exceção tardia
do Tribunal de Apelações de Ontário.117
Na Austrália, desde os anos idos de 1940, questiona-se o uso obrigatório
dos precedentes ingleses.118 Precedentes jurisprudenciais ingleses não são mais
formalmente vinculantes no Judiciário australiano, embora, na prática, as cortes
australianas frequentemente usam decisões do Judiciário inglês.119 O Tribunal
de Recursos da Nova Zelândia tomou uma posição semelhante.120 Tanto o Alto
Tribunal da Austrália e o Tribunal de Recursos da Nova Zelândia esforçam-se
para promover a uniformidade da common law e de conceitos jurídicos e, con­
se­quentemente, citando, em muitas ocasiões, decisões do Conselho Privado, da
Câmara dos Lordes e da Suprema Corte do Canadá.121

110
Practice Statement (Judicial Precedent) [1966], 1 W.L.R. 1234 (Westlaw); veja também MURPHY;
RUETER, supra nota 100, p. 6-7.
111
[1944], 1 K.B. 718; veja também MURPHY; RUETER, supra nota 100, p. 43.
112
[1976], 31 P. & C.R. 1, 11; veja também MURPHY; RUETER, supra nota 100, p. 15.
113
[1909], 41 S.C.R. 516, 535 (Can.), aff’d [1911] A.C. 120; veja também MURPHY; RUETER, supra nota
100, p. 19-20.
114
Binus v. The Queen [1967], S.C.R. 594, 601 (Can.); veja também MURPHY; RUETER, supra nota 100,
p. 22.
115
HEARD, Andrew. Canadian Independence. Simon Fraser Univ., n. 50. Disponível em: <http://www.
sfu.ca/~aheard/324/Independence.html>. Acesso em: out. 2012.
116
Cf. MURPHY; RUETER, supra nota 100, p. 19-55.
117
Id., p. 24.
118
Id., p. 57.
119
Id., p. 57-58.
120
Id., p. 66.
121
BRONITT, Simon. Australia. In: HELLER, Kevin Jon; DUBBER, Markus D. (Ed.). Handbook of
Comparative Criminal Law. Stanford, Calif.: Stanford Law Books, 2001. p. 50, 53.

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176  Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira, Nuno Garoupa

Outro exemplo de relevo é Cingapura. O Tribunal de Recursos cingapurense


decidiu em 1994 que as decisões do Conselho Privado do Reino Unido não eram
mais vinculantes.122 No entanto, o direito britânico tende a ser seguido de fato.123
Algumas jurisdições de natureza mista não parecem afastar-se do enten­
dimento inglês do stare decisis. Na Escócia, as práticas judiciais foram desenvolvidas
de forma análoga às inglesas após o século 18.124 O precedente jurisprudencial é
obrigatório em todos os tribunais escoceses, de uma forma não muito diferente
dos tribunais ingleses.125 Embora haja controvérsias na África do Sul, a visão pre­
dominante parece ser a de que o direito sul-africano contém uma “inegável infusão
do direito inglês”.126 Em outras jurisdições mistas, como Louisiana e Quebec, a
doutrina do stare decisis da common law não se aplica.127 Precedentes juris­pru­
denciais são fontes de direito de natureza meramente persuasiva, uma auto­ri­
dade mais débil do que o stare decisis.128 No entanto, alguns estudiosos apontam
que isso faz pouca diferença na prática.129 Outros autores jurídicos afirmam haver
um “respeito sistêmico pela jurisprudência”.130

122
Eugene K.B. Tan, Law and Values in Governance: The Singaporean Way, 30 HONG KONG L.J. 91, 96
(2000) (citando o Practice Statement on Judicial Precedent [1994] 2 S.L.R 689).
123
Id.; veja também TAN, Eugene KB. ‘We’ v ‘I’: Communitarian Legalism in Singapore. 4 Austrl. J. Asian
L., v. 4, n. 1, p. 1-29, 2002. p. 23, n. 22.
124
WALKER, David M. Judicial Decisions and Doctrine in Scots Law. In: DAINOW, Joseph (Ed.). The Role
of Judicial Decisions and Doctrine in Civil Law and in Mixed Jurisdictions, supra nota 20, p. 202.
125
Id. at 209-211.
126
KAHN, Ellison. The Role of Doctrine and Judicial Decisions in South African Law. In: DAINOW,
Joseph (Ed.). The Role of Judicial Decisions and Doctrine in Civil Law and in Mixed Jurisdictions, supra
nota 20, p. 224; accord id., p. 236.
127
LORIO, Kathryn Venturatos. The Louisiana Civil Law Tradition: Archaic or Prophetic in the Twenty-
First Century?. La. L. Rev. 1, v. 63, n. 1, p. 1-25, 2002. p. 6; VALCKE, Catherine. Quebec Civil Law and
Canadian Federalism. Yale J. Int’l L., v. 21, n. 1, p. 67-121, 1996. p. 84.
128
De acordo com Mack E. Barham [A Renaissance of the Civilian Tradition in Louisiana. In: DAINOW,
Joseph (Ed.). The Role of Judicial Decisions and Doctrine in Civil Law and in Mixed Jurisdictions, supra
nota 20, p. 38, 49], isso ocorre, em parte, porque a civil law é útil em permitir aos juízes buscarem a
justiça através da aplicação de razões jurisprudenciais para casos específicos. O valor declaratório
dos precedentes foi conduzido em Louisiana pelo interesse próprio de acadêmicos jurídicos, mas
também por juízes que parecem favorecer o retorno às fontes primárias (Id., p. 39-40, 55).
129
Ver, por exemplo, BAUDOUIN, Jean-Louis. The Impact of the Common Law on the Civilian Systems
of Louisiana and Quebec. In: DAINOW, Joseph (Ed.). The Role of Judicial Decisions and Doctrine
in Civil Law and in Mixed Jurisdictions, supra nota 20, p. 1-22. Sua tese é a de que os tribunais de
Quebec e Louisiana proferem julgamentos usando um formato da common law: eles desenvolvem
a interpretação do código civil, com as mesmas regras aplicadas à interpretação de uma lei
comum; eles usam os precedentes estabelecidos pela common law; eles fazem referência a
interpretações do direito civil pela common law de países estrangeiros (por exemplo, disposições
do Código Civil de Quebec com base em leis inglesas); e contam com a importação de doutrinas
da common law na aplicação do direito civil (por exemplo, no direito de propriedade) (Id.).
130
ALGERO, supra nota 102, p. 781.

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Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil – Uma abordagem pela análise econômica do direito  177

A literatura das comunidades britânicas aponta questões não resolvidas no


stare decisis. Em particular, não está clara a hierarquia das decisões tomadas por
colegiados de diferentes tamanhos e dos efeitos do precedente jurisprudencial
quando a decisão foi tomada por uma maioria apertada.131 A mesma literatura
reflete as vantagens e desvantagens da interpretação atual do stare decisis.132
Como aspectos positivos, os juristas mencionam a segurança jurídica e a
previsibilidade gerada pelo precedente jurisprudencial, o reconhecimento de que
a alteração das leis deve ser feita pelo Legislativo e não pelos tribunais, e a crença
de que a correção de possíveis erros deve ser atribuída ao mais alto tribunal e não
aos tribunais inferiores.133 No lado menos favorável, os argumentos mais comuns
incluem ter havido injustiça ou resultados absurdos em muitas decisões, e os altos
custos acarretados pelos emaranhamentos jurídicos utilizados para identificar
distinções entre os casos e evitar a aplicação de um precedente.134 Finalmente,
juristas têm reconhecido que o desenvolvimento progressivo e a aplicação dos
princípios fundamentais exigem que os precedentes jurisprudenciais tenham um
papel menos relevante, o que é contrário à estrita observância do stare decisis.135
A jurisprudência é uma fonte primária de direito consuetudinário, en­
quanto, no mundo da civil law, os códigos fornecem o direito primordial, a legis­
lação extravagante desenvolve os códigos e os tribunais apenas fornecem uma
interpretação.136 Nesse contexto, diz-se tradicionalmente que não há precedente
na civil law. É verdade que, na civil law, não há o precedente absoluto no sentido
do direito consuetudinário. Seria impensável e incoerente em um sistema da civil
law que os precedentes jurisprudenciais sejam usados para solapar a legislação
codificada. Ao contrário, precedentes jurisprudenciais são mais comumente con­
siderados como razoáveis por terem os tribunais chegado à interpretação correta
de um determinado aspecto da lei codificada. Espera-se que outros tribunais
sigam o precedente não porque o precedente é uma lei (case law ou direito juris­
prudencial), mas sim porque o precedente declara a correta interpretação da lei.
Assim, os precedentes jurisprudenciais não podem existir sem uma clara fonte

131
MURPHY; RUETER, supra nota 100, p. 78.
132
Ver, em termos gerais, id. p. 93-102 (fornecendo argumentos a favor e contra o stare decisis, depois
de ter pesquisado o stare decisis nos tribunais de apelação da Inglaterra, Canadá, Austrália e Nova
Zelândia).
133
Id., p. 93, 97.
134
Id., p. 98-99.
135
Ver id., p. 100.
136
TETLEY, William. Mixed Jurisdictions: Common Law v. Civil Law (Codified and Uncodified). La. L.
Rev., v. 60, n. 3, p. 677-738, 2000. p. 677, 684, 704-705.

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178  Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira, Nuno Garoupa

de legislação escrita. Ademais, eles são declaratórios no sentido de que eles não
criam lei, mas esclarecem a interpretação correta da lei.137
É nesse quadro que podemos compreender o desenvolvimento ativo dos
princípios gerais do direito por muitos tribunais de civil law. Os códigos são hipó­
teses abstratas: eles devem ser interpretados em circunstâncias específicas.138
Por exemplo, a responsabilidade civil do Estado tem sido sistematicamente
de­sen­volvida na França pela jurisprudência, dada a ausência histórica de
codificação específica do direito francês da civil law.139 Da mesma forma, na
Alemanha, importantes evoluções jurídicas, como a culpa in contrahendo, foram
alcançadas pelos tribunais antes da codificação em 2002.140 O desenvolvimento
da responsabilidade civil pelos tribunais franceses e alemães tem que ser
enquadrados à luz de precedentes jurisprudenciais declaratórios.
A doutrina francesa do precedente é conhecida como jurisprudence
constante.141 Estritamente falando, precedente não é e não pode ser uma fonte
de direito.142 O artigo 5º do Código Civil francês proíbe que os tribunais pro­
nunciem regras gerais e regulamentares nos casos que lhe são submetidos
(arrêt de règlement).143 Aos tribunais é vedado o poder de fazer leis.144 Por essa
razão, os juízes não são, e não podem ser, obrigados a seguir um precedente.145
A referência exclusiva a um precedente é, de fato, ilegal.146 No entanto, legislação

137
DENNIS, James L. Interpretation and Application of the Civil Code and the Evaluation of Judicial
Precedent. La. L. Rev., v. 54, n. 1, p. 1-17, 1993. p. 15.
138
GERMAIN, Claire M. Approaches to Statutory Interpretation and Legislative History in France.
Duke J. Comp. & Int’l L., v. 13, n. 3, p. 195-206, 2003. p. 195-96.
139
BORCHARD, Edwin M. French Administrative Law. Iowa L. Rev., v. 18, p. 133, 139, 1933.
140
NÓVOA, Rodrigo. Culpa in Contrahendo: a Comparative Law Study: Chilean Law and the United
Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods (CISG). Arizona J. Int’l &
Comp. L., v. 22, p. 583, 585, 2005; ZUMBANSEN, Peer. The Law of Contracts. In: REIMANN, Mathias
& ZEKOLL, Joachim (Ed.). Introduction to German Law. The Hague: Kluwer Law International, 2005.
p. 179, 195-196.
141
FON, Vincy; PARISI, Francesco. Judicial Precedents in Civil Law Systems: a Dynamic Analysis. Int’l
Rev. L. & Econ., v. 26, n. 4, p. 519-535, 2006. p. 519, 522-523.
142
Id., p. 522.
143
CODE CIVIL (C. CIV.), art. 5 (Fr.); accord A.N. Yiannopoulos [Jurisprudence and Doctrine as Sources
of Law in Louisiana and in France. In: DAINOW, Joseph (Ed.). The Role of Judicial Decisions and
Doctrine in Civil Law and in Mixed Jurisdictions, supra nota 20, p. 67, 73].
144
LASSER, Mitchel de S.-O.-l’E. Judicial (Self-)Portraits: Judicial Discourse in the French Legal System.
Yale L.J., v. 104, n. 6, p. 1325, 1335, Apr. 1995.
145
Id., p. 1336-1338.
146
CODE DE PROCÉDURE CIVILE (CPC), art. 455 (Fr.); TROPER, Michael; GRZEGORCZYK, Christophe.
Precedent in France. In: MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S. (Ed.). Interpreting Precedents:
a Comparative Study, supra nota 19, p. 106-107, 115.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 155-201, out./dez. 2013
Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil – Uma abordagem pela análise econômica do direito  179

ordena os tribunais inferiores a seguir “decisões de todas as câmaras da Corte de


Cassação, ou do plenário da Câmara de Direito Civil, quando um caso é reenviado
por determinação, de acordo com as instruções”.147
Jurisprudence constante é estabelecida por (i) uma sequência de casos que
foram objeto de recurso para a Corte de Cassação francesa, (ii) uma repetição
de fundamentos e interpretação (excepcionalmente, pode ser estabelecida por
um único caso decisivo na Corte de Cassação), e (iii) a questão a ser esclarecida
pelo precedente é apenas relacionado a uma questão de direito (pourvoi en
cassation).148 Nesse sentido, precedente no direito francês tem quatro atributos
principais. Deve refletir uma prática contínua e permanente dos tribunais.149 Não
há nenhuma obrigação de segui-lo, porém as decisões serão revertidas pelos
tribunais superiores, se houver violação do precedente.150 Centra-se na atividade
jurisprudencial da Cour de Cassation (arrêt de principe).151 Por fim, não há nenhum
efeito horizontal, o que implica que, se ocorrerem conflitos, não existe uma
solução formal.152
De acordo com os estudiosos do direito, existe precedente de fato na
França, devido a razões práticas importantes, nomeadamente que: (i) há uma
necessidade de continuidade e estabilidade do direito, independente de juízes
individuais que vêm e que vão, (ii) há uma significativa economia de esforços
na fixação da interpretação jurídica, (iii) a organização colegiada dos tribunais
superiores é susceptível de promover rigor na aplicação do direito, e (iv) reforça
a hierarquia judicial que é necessária num sistema jurídico funcional.153 Ainda
assim, o discurso formal no direito francês é que as normas criadas judicialmente
não são lei, mesmo quando elas funcionam como tal.154
A dottrina giuridica italiana e a doctrina juridica espanhola não são signi­fi­
cativamente diferentes da jurisprudence constante francesa. Na Itália, preceden­
tes jurisprudenciais expressam as regras gerais do direito como interpretado
(massima).155 Precedentes jurisprudenciais não precisam ser seguidos.156 Não

147
YIANNAPOULOS, supra nota 143, p. 73 (citandos a Lei de 1º de abril de 1837, e a Lei de 23 de julho
de 1947).
148
CARBONNIER, supra nota 20, p. 92-94.
149
Cf. id.
150
Cf. id.
151
Cf. id.
152
Cf. id.
153
YIANNOPOULOS, supra nota 143, p. 75-76.
154
LASSER, supra nota 144, p. 1346-1350.
155
TARUFFO; LA TORRE, supra nota 20, p. 148.
156
Cf. id. p. 151-152, 154-155.

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180  Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira, Nuno Garoupa

obstante, tribunais inferiores italianos citam e aplicam as massimas da mais alta


Corte, especialmente com relação às grandes questões jurídicas.157 Precedentes
têm um valor interpretativo para estabelecer regras decisórias que assegurem
a uniformidade do direito.158 No entanto, precedentes não podem ser aplicados
para excluir a aplicação de uma lei, uma vez que se espera que juízes decidam cada
caso com base no direito codificado.159 As decisões do Tribunal Constitucional
e do Conselho de Estado têm efeitos erga omnes e, nesse sentido, constituem
precedentes vinculantes.160 Na Espanha, o Tribunal Constitucional esclareceu que
os juízes têm o dever de aplicar a lei e não estão vinculados aos precedentes.161
No entanto, por exemplo, embora os tribunais não possam recusar-se a julgar
um caso, eles podem desprover um recurso se já existe um precedente que
fornece o fundamento legal para tanto.162 Ao mesmo tempo, as decisões do Tri­
bunal Supremo espanhol orientam os tribunais inferiores.163 O Código Civil espa­
nhol reconhece que a jurisprudência pode ser usada na interpretação de leis e
princípios gerais de direito. Em Portugal, o Tribunal Constitucional estabeleceu
que as decisões do Supremo Tribunal de Justiça não são vinculantes, porém os
tribunais inferiores podem usá-las para clarificar a lei.164
A ständige Rechtsprechung alemã desenvolveu-se na mesma direção. Pre­
cedentes são válidos no sentido de influenciar sociologicamente os juízes, mas
não no sentido normativo.165 As decisões da Corte Constitucional têm força de lei
(Gesetzeskraft).166 Todas as demais decisões não são formalmente vinculantes. No
entanto, elas são válidas de fato, ou seja, têm vigência fática (faktische Geltung).167

157
Id., p. 156; MAZZOTTA, Francesco G. Precedent in Italian Law. Mich. St. J. Int’l L., v. 9, n. 1, p. 121-151,
2000. p. 140-143.
158
MERRYMAN, John Henry. The Italian Legal Style III: Interpretation. In: DAINOW, Joseph (Ed.). The
Role of Judicial Decisions and Doctrine in Civil Law and in Mixed Jurisdictions, supra nota 20, p. 163,
195-196.
159
TARUFFO; LA TORRE, supra nota 20, p. 158.
160
MERRYMAN, supra nota 158, p. 193.
161
MIGUEL, Alfonso Ruiz; LAPORTA,Francisco J. Precedent in Spain. MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS,
Robert S. (Ed.). Interpreting Precedents: a Comparative Study, supra nota 19, p. 259, 269 [discussing
S.T.C. Mar. 28, 1985 (B.O.E. No. 49) (Espanha)].
162
Id., p. 263.
163
GÓMEZ-JARA, Carlos; CHIESA, Luis E. Spain. In: Handbook of Comparative Criminal Law, supra nota
121, p. 488, 493.
164
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL – TC, Dec. 7, 1993, TC 810/93 (Port.). Disponível em: <http://www.
tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19930810.html>.
165
Ver, em termos gerais, ALEXY; DREIER, supra nota 20.
166
Id., p. 26.
167
Id., p. 28.

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Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil – Uma abordagem pela análise econômica do direito  181

Tribunais inferiores normalmente buscam a orientação do Tribunal Federal de


Justiça e dos tribunais de apelação estaduais.168 Tal como acontece com a dou­
trina francesa, precedente tem que ser estabelecido mediante interpretação
cons­tante e permanente (ständige Rechtsprechung),169 e centra-se em leading
cases (Leitentscheidungen).170 Não existe uma norma geral que estabeleça o efeito
vincu­lante formal em sentido horizontal (exceto para as decisões do Tribunal
Consti­tucional).171 A justificativa dada por doutrinadores alemães é que poderia
ser proble­mático extrair uma teoria principal de uma resposta específica para uma
questão controversa.172 Por essa razão, a Corte precisa estar autorizada a desviar
com fre­quência de sua própria teoria, introduzindo ou qualificando distinções e,
portanto, na verdade, desenvolvendo o direito.173
As jurisdições asiáticas de civil law — incluindo o Japão, que foi influenciado
pelo desenho constitucional dos Estados Unidos — seguem bem de perto a
perspectiva alemã.174 Não existe nenhum mecanismo formal de precedente
utilizado pelos tribunais japoneses, mas, na prática, as decisões da Suprema Corte
têm peso significativo e os tribunais inferiores raramente proferem decisões que
sejam incompatíveis com as decisões da Suprema Corte.175 Ademais, a legislação
existente não esclarece o papel da jurisprudência, embora a doutrina jurídica
prevalecente é a de que os precedentes firmados pela Suprema Corte são
meramente persuasivos, e não são lei.176 Além disso, as decisões da mais alta corte
do pré-guerra (Taishin’in) também são consideradas com deferência, embora não
como precedente formal.177 Ofensas a precedentes constituem fundamento para

168
WEIGEND, Thomas. Germany. In: Handbook of Comparative Criminal Law, supra nota 121, p. 252, 256.
169
ALEXY; DREIER, supra nota 18, p. 50.
170
Id., p. 40, 51.
171
Id., p. 34, 39.
172
Id., p. 53-54 (descrevendo que linhas conflitantes de precedentes (“zigzag”) são raras, mas sim
existem no direito alemão).
173
Id.
174
Ver, em termos gerais, Tsung-Fu Chen (Transplant of Civil Code in Japan, Taiwan, and China: with
the Focus of Legal Evolution. Nat’l Taiwan U. L. Rev., v. 6, n. 1, p. 389, 2011); Lynn Parisi, (Lessons on
the Japanese Constitution. Japan Digest, Nov. 2002. Disponível em: <http://iis-db.stanford.edu/
docs/131/const.pdf>).
175
ITOH, Hiroshi. The Role of Precedent at Japan’s Supreme Court. Wash U. L. Rev. v. 88, issue 6,
p. 1631-1667, 2011. p. 1631-1632, 1640.
176
Ver, em termos gerais, Saibanshōhō (Court Act), Lei nº 59 de 1947 (Japão), tradução para o inglês.
Disponível em: <http://www.japaneselawtranslation.go.jp/law/detail/?ft=3&re=02&dn=1&x=
100&y=32&bu=4&ky=&page=19>; MATSUI, Shigenori. Constitutional Precedents in Japan: a
Comment on the Role of Precedent. Wash U. L. Rev., v. 88, issue 6, p. 1669-1680, 2011. p. 1669.
177
HALEY, John O. Japan. In: HELLER, Kevin Jon; DUBBER, Markus D. (Ed.). Handbook of Comparative
Criminal Law, supra nota 121, p. 393, 396.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 155-201, out./dez. 2013
182  Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira, Nuno Garoupa

recursos.178 Precedentes da Suprema Corte só podem ser modificados por seu


Plenário.179
Taiwan (Formosa) segue um padrão similar. No entanto, a cada ano, o
Comitê de Edição de Jurisprudência da Suprema Corte de Taiwan seleciona os
precedentes significativos das decisões do Tribunal.180 As decisões selecionadas
são, então, editadas pelo Comitê.181 No momento em que um relatório de
jurisprudência é publicado, não haverá nenhum fato nas decisões, mas apenas
interpretações de conceitos jurídicos abstratos.182 Embora existam bases legais
para esse método, alguns juízes do Judicial Yuan (mais alta corte) criticaram a
constitucionalidade do método.183 Tribunais inferiores não têm a obrigação por lei
de seguir precedentes.184 Entretanto, na prática, decisões de tribunais inferiores
que contrariam as interpretações presentes nos relatórios de jurisprudência serão,
em regra, reformadas ou anuladas.185 Consequentemente, a maioria das cortes
inferiores seguem as interpretações dos relatórios de jurisprudência.
Na Coreia do Sul, as decisões judiciais não têm efeito vinculante em
relação aos tribunais inferiores. Juízes da Coreia do Sul não têm o poder de fixar
jurisprudência por suas decisões devido ao princípio constitucional da inde­
pendência e separação de poderes, que implica não serem os juízes obrigados a
seguir as decisões anteriores dos tribunais superiores.186 Entretanto, as decisões

178
KEIJI SOSHŌHŌ [KEISOHŌ] (C. PRO. CRIM.) 1948, art. 405 (Japão), tradução para o inglês. Disponível
em: <http://www.japaneselawtranslation.go.jp/law/detail/?ft=3&re=02&dn=1&x=80&y=24&bu
=16&ky=&page=5>.
179
Court Act, supra nota 176, art. 10, §3º.
180
Structure and Functions of the Subordinate Organs of the Judicial Yuan, Judicial Yuan, Disponível
em: <http://www.judicial.gov.tw/en/english/aboutus/aboutus04/aboutus04-04.asp>. Acesso
em: 28 set. 2012. “Se o Supremo Tribunal Administrativo faz uma interpretação da lei em um
julgamento ou acórdão, e reconhece que há a necessidade de se ter tal interpretação compilada
como precedente, o Supremo Tribunal Administrativo realiza uma conferência conjunta com
a presença do Presidente, Juízes Chefes de Turmas e demais Ministros, e, por deliberação da
conferência, relata tal precedente ao Judiciário Yuan.”
181
Id.
182
Interpretations. Judicial Yuan. Disponível em: <http://www.judicial.gov.tw/constitutionalcourt/
en/p03.asp>. Acesso em: 28 set. 2012, para exemplos das interpretações jurisprudenciais de
Taiwan.
183
Entrevista por e-mail com o Professor Wen-Chen Chang, National Taiwan University (em 29 de
dezembro de 2010).
184
Chang-fa lo. The legal Culture and System of Taiwan 42-43 (2006).
185
Id.
186
A Constituição concede aos juízes o poder de decidir de forma independente de acordo com a
sua consciência, em conformidade com a Constituição e a legislação. DAEHANMINKUK HUNBEOB
[HUNBEOB] (CONSTITUIÇÃO), art. 103 (Cor. Sul); a Lei de Organização dos Tribunais determina
que uma decisão judicial exarada por um tribunal superior só vincula as instâncias inferiores

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Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil – Uma abordagem pela análise econômica do direito  183

dos tribunais superiores têm forte influência sobre os juízes de instâncias inferiores
e entidades administrativas. As decisões do Tribunal Constitucional da Coreia, no
entanto, têm efeito vinculante, que é um poder único que distingue o Tribunal
Constitucional da justiça ordinária.187
Em matéria de sistematização dos precedentes jurisprudenciais, os
juristas veem duas principais diferenças quanto ao papel e a conceituação dos
precedentes nos países de common law e de civil law, quais sejam, a intensidade
e a abordagem.188 Em primeiro lugar, é necessário levar em consideração o grau
de persuasão dos tribunais superiores sobre os tribunais inferiores. Nos tribunais
de tradição civilista, tribunais inferiores, em regra, só seguem precedente se é
jurisprudence constante, se não contradiz a legislação, e se for coerente com o
con­texto de seu sistema jurídico.189 Tribunais inferiores da tradição civilista consi­
deram que um precedente é forte se satisfizer essas condições, porém não é vin­
culante por si só.190 Por exemplo, enquanto que uma única decisão dos tribunais
superiores poderia estabelecer um precedente na common law, isso não é
possível em países de civil law (com algumas exceções).191 Em segundo lugar, o
juiz da civil law analisa primeiramente a legislação e usa precedentes apenas para
complementar, enquanto o juiz da common law considera o precedente como
uma fonte primária de direito.192
Quanto à admissibilidade de recursos para os tribunais superiores, não há, na
tradição civilista, um writ of certiorari formal. No entanto, a maioria das jurisdições
contam com regras processuais de admissibilidade que podem ser usadas para
exercer algum controle e limitar o acesso. Por exemplo, no direito alemão, o acesso
está sujeito à importância fundamental da questão de direito (grundsätzliche
Bedeutung), com alguma variação em recursos de natureza constitucional.193 Ao
mesmo tempo, a reforma recente do Código de Processo Civil alemão limitou

que atuaram no mesmo caso a partir do qual o recurso foi interposto. Lei de Organização dos
Tribunais, Lei nº 3.902, de 04 de dezembro de 1897, art. 8, emendada pela Lei nº 8.794, de 27 de
dezembro de 2007 (Cor. Sul), tradução para o inglês. Disponível em: <http://eng.scourt.go.kr/
eboard/NewsViewAction.work?gubun=42&seqnum=1>.
187
Lei da Corte Constitucional, 05 de agosto de 1988, arts. 47, 75 (Cor. Sul).
188
BAUDOUIN, supra nota 129, p. 13.
189
Id.
190
Id.
191
Id.
192
Id., p. 15.
193
VERWALTUNGSGERICHTSORDNUNG [VWGO] (CÓDIGO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO), 19 de
março de 1991, §124 (Alem.).

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184  Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira, Nuno Garoupa

recursos em matéria cível para disputas superiores a um determinado montante,


objetivando descongestionar o acervo de processos acumulados.194 A Itália e a
Espanha admitem recursos às suas cortes constitucionais, porém condicionados
ao mérito da questão.195 Evidentemente, uma carga de trabalho mais intensa
tende a ser correlacionada com uma interpretação mais rigorosa do mérito ou
importância fundamental da questão, enquanto uma carga de trabalho mais leve
corresponde a uma avaliação mais ampla quanto ao mérito.
Outro exemplo é o Japão, onde se adota um sistema discricionário de re­
cursos. Com base nas razões de recurso, os processos cíveis são divididos em
duas categorias: aqueles que garantem o direito de recorrer de forma automática
e aqueles que exigem permissão da Suprema Corte para recurso.196 Da mesma
forma, nas ações criminais, é feita uma distinção entre casos em que o direito
de apelar é automático, e os casos que estão sujeitos à discricionariedade da
Suprema Corte.197 A Suprema Corte decide se admite ou não recursos em todos
os casos de sua competência discricionária, como aqueles que buscam a uni­
formização das interpretações da lei, aqueles em que não há precedentes inter­
pre­tando a lei, e aqueles que modificaram as interpretações que já tinha sido
firmadas por precedentes.198 Como o sistema do certiorari nos EUA, esse meca­
nismo é projetado para dar à Suprema Corte japonesa o poder de ajustar o seu
próprio acervo processual e, portanto, evitar uma inundação de processos para

194
Em 2001, uma reforma do Código de Processo Civil limitou recursos nos casos cíveis para
disputas superiores a 20.000 euros, com vigência até dezembro de 2011. Einführung der
Zivilprozeßordnung [ZPOEG] [Lei de Introdução do Código de Processo Civil], 30 de janeiro de
1877, como emendado pela Gesetz de 27 de julho de 2001, §26, para. 8 (Alem.).
195
Cf. Lei Orgânica nº 2/1979 do Tribunal Constitucional, art. 43 (Espanha), tradução para o inglês.
Disponível em: <http://www.tribunalconstitucional.es/en/tribunal/normasreguladoras/Lists/
NormasRegPDF/LOTC-en.pdf>; CORTE COSTITUZIONALE. The Italian Constitutional Court.
Disponível em: <http://www.cortecostituzionale.it/ActionPagina_324.do>. Acesso em: 29 set.
2012. Enumera no item 5.7 as razões pelas quais a Corte pode não admitir um recurso.
196
MINJI SOSHŌHŌ [MINSOHŌ] (C. PRO. CIV.) 1996, arts. 312, 318 (Japão), tradução para o inglês.
Disponível em: <http://www.japaneselawtranslation.go.jp/law/detail/?ft=2&re=02&dn=1&yo=C
ode+of+Civil+Procedure&x=0&y=0&ky=&page=1>.
197
KEIJI SOSHŌHŌ [KEISOHŌ] (C. PRO. PEN.) 1948, arts. 405-06 (Japão), tradução para o inglês.
Disponível em: <http://www.japaneselawtranslation.go.jp/law/detail/?ft=3&re=02&dn=1&x=80
&y=24&bu=16&ky=&page=5>. Se as razões de recorrer estão listadas no artigo 405 do Código
de Processo Penal, o recorrente só precisa apresentar uma petição de recurso, enquanto, se a
razões do recurso não estiverem listadas no artigo 405, o apelante deverá interpor uma petição
para admissão do recurso nos termos do art. 406 (Id.). O artigo 405 apenas permite recurso contra
decisões que violam a Constituição ou contradizem precedentes dos tribunais superiores (Id.,
art. 405).
198
MINSOHŌ, art. 318; KEISOHŌ, art. 406.

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Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil – Uma abordagem pela análise econômica do direito  185

o Tribunal. No entanto, o sistema não tem sido muito bem-sucedido em evitar o


congestionamento do acervo processual.199
A Coreia do Sul tem enfrentado o mesmo desafio. No passado, todos os
recursos para a Suprema Corte precisavam de permissão para serem apreciados
pela Suprema Corte.200 Este sistema, criticado por invadir o direito constitucional
de obter um julgamento por tribunal, foi abolido em 1990.201 No entanto, para
reduzir a carga da Suprema Corte no que se refere a recursos desarrazoados e
desnecessários, em 1994, o Congresso adotou um novo sistema que limita
os recursos para a Suprema Corte.202 O sistema permite que a Suprema Corte
não conheça de recursos quando não houver uma violação significativa da
lei (Constituição, atos, regulamentos) e, mesmo se a violação da lei é alegada,
quando a questão em si não é razoável, não é relevante para a sentença de
origem, ou não tem nenhum efeito sobre a sentença original.203 Ademais,
nesse sistema, à Suprema Corte é permitido não fundamentar as decisões de
inadmissão do recurso quando for ele rejeitado pelos motivos acima.204 O sistema
foi impugnado perante a Corte Constitucional da Coreia do Sul, que concluiu,
em 1997, pela constitucionalidade do novo sistema porquanto o direito de ação
previsto na Constituição não exige que a Suprema Corte conheça e decida no
mérito todos os recursos a ela submetidos.205 O Tribunal explicou ainda que uma
das principais funções do sistema recursal é distribuir de maneira razoável os
limitados meios jurídicos disponíveis e que tal decisão pertence ao legislativo.206
Ao mesmo tempo, o novo sistema está cumprindo seu objetivo, respeitando a
dignidade da Suprema Corte como a mais alta corte e fornecendo um padrão
objetivo e coerente de interpretação jurídica.207 Além disso, a Lei de Julgamentos
de Pequenas Causas restringe a admissibilidade de recursos para a Suprema
Corte em ações cujo valor da causa é menor do que determinada quantia.208 Em

199
Ver, por exemplo, LAW, David S. The Anatomy of a Conservative Court: Judicial Review in Japan.
Tex. L. Rev., v. 87, 1545, 1577, Nov. 2009.
200
Corte Constitucional, 1997 Hun-Ba37 501, 513-14, 30 de outubro de 1997 (Cor. S.).
201
Id.
202
Id.
203
Id.
204
Id.
205
Id.
206
Id.
207
Id.
208
Soaek sakeon simpan beob (Lei Processual de Pequenas Causas), Lei nº 2.547, de 24 de fevereiro
de 1973, alterada, inter alia, pela Lei nº 7.427, de 31 de março de 2011, art. 3 (Cor. S.). O valor
da causa deve ser menos que 20.000.000 Won (aproximadamente $18,000 dólares americanos).

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2009, o Tribunal Constitucional da Coreia do Sul, por unanimidade, decidiu que a


referida lei não invade o direito de ação dos peticionários.209 A Corte afirmou que,
na ausência de circunstâncias especiais, faz parte da competência discricionária
do legislativo permitir, ou não, todos os tipos de ação subirem em grau de recurso
para a Suprema Corte.210 A Corte Constitucional explicou que os meios jurídicos
da Suprema Corte são limitados, que devem ser investidos para casos graves e
complicados e, portanto, a lei visa resolver pequenas causas de forma eficiente. A
lei não trata os peticionários de maneira desarrazoada ou inconstitucional.211 No
entanto, apesar desses mecanismos para limitar os recursos para a Suprema Corte,
enormes quantidades de recursos são apresentadas e revistas pelos Ministros
coreanos.212

2.2  O contexto na América Latina


Os problemas enfrentados pelo Supremo Tribunal Federal não são únicos no
contexto latino-americano. A ausência de stare decisis formal e de um mecanismo
de certiorari deu origem a abordagens criativas na região, da mesma maneira
como no Brasil. Até certo ponto, a súmula vinculante e o requisito da repercussão
geral são inovações jurídicas brasileiras, porém esses mecanismos podem ser
mais bem compreendidos no contexto de outros desenvolvimentos semelhantes
na América Latina.
A doutrina da obligatoriedad atenuada, ou da presunción juris tantum
de obligatoriedad, desenvolveu-se na Argentina.213 Formalmente, não há um
mecanismo vertical de precedentes.214 No entanto, por meio de um processo

Soaek sakeon simpan kyuchick (Decreto de julgamento de Pequenas Causas), Decreto da Corte
Constitucional nº 1.779, de 1º de julho de 2002, como alterado (Cor. S.). Disponível em: <http://
www.law.go.kr/joStmdInfoP.do?lsiSeq=67520&joNo=0002&joBrNo=00>.
209
Corte Constitucional, 2007 Hun-Ma1433, 28 de fevereiro de 2009 (Cor. S.).
210
Id.
211
Id.
212
Ver SUPREME COURT OF KOREA. Statistics: Litigation. Disponível em: <http://eng.scourt.go.kr/
eng/resources/statistics_litigation_civil.jsp>. Acesso em: 11 fev. 2013. Notando que o número de
recursos interlocutórios em material cível para a Suprema Corte aumentou 33.511 em 2003 para
51.929 em 2011, e que o número de recursos finais para a Suprema Corte aumentou de 7.143 em
2003 para 11,500 in 2011.
213
LEGARRE, Santiago. Precedent in Argentine Law. Loy. L. Rev., v. 57, p. 781, 785, n. 19, 2011; REUTERS,
Thomson. Fallo de Hoy. Se declara la nulidad de las resoluciones por una deuda en concepto de
Contribución que incide sobre la Actividad Comercial, Industrial y de Servicios de la Municipalidad
de la Ciudad de Córdoba, Feb. 15, 2012. Disponível em: <http://thomsonreuterslatam.com/
jurisprudencia/15/02/2012/fallo>.
214
LEGARRE, Santiago; RIVERA, Julio César. La Obligatoriedad Atenuada de los Fallos de la Corte
Suprema y el Stare Decisis Vertical. Revista Jurídica La Ley, 2009.

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Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil – Uma abordagem pela análise econômica do direito  187

evolutivo de interpretação jurisprudencial, a Suprema Corte de Justiça da


Argentina criou a doutrina do precedente vertical de fato. Desde 1948, o Tribunal
afirmou a sua autoridade como intérprete oficial da Constituição, e anunciou
que o afastamento de sua interpretação sem contestar os seus fundamentos
consubstanciaria desacato à autoridade da Corte.215 Posteriormente, a Corte
declarou que, para serem válidos, o afastamento ou a divergência quanto à inter­
pretação da Suprema Corte, os tribunais inferiores devem fornecer novos argu­
mentos jurídicos que justifiquem tal posicionamento.216 Em 1985, a Suprema
Corte finalmente consolidou sua doutrina atual e decidiu que, embora os acór­
dãos da Corte não sejam, do ponto de vista jurídico, estritamente vinculantes
para casos análogos, os tribunais inferiores têm o dever de respeitar os acórdãos
da Corte, exceto se o afastamento da jurisprudência estiver justificado por um
novo argumento jurídico.217 Dessa maneira, embora a abordagem argentina seja
diferente da estrita obrigação vinculante criada pela doutrina do stare decisis, a
Suprema Corte foi mais bem-sucedida em impor seu poder hierárquico verti­
calmente, ausente por tanto tempo no Brasil. Mais recentemente, a Corte argen­
tina declarou que a conformidade com o precedente assegura a igualdade
perante a lei, que determina que casos análogos recebam solução igual, mesmo
quando não haja uma lei formal que estabeleça o efeito vinculante.218
Um padrão semelhante pode ser encontrado na Colômbia. Enquanto a Corte
Constitucional cria precedentes por meio de sua autoridade para interpretação
constitucional com efeito erga omnes, a Corte Suprema de Justiça enfrenta o
problema comum da ausência de uma doutrina formal do stare decisis.219 A
Corte Suprema utiliza-se da doctrina probable como um método flexível para
unificar sua jurisprudência e, portanto, criar alguma forma eficaz de precedente
obrigatório.220 Em 1887, a legislação determinou que, nos casos duvidosos, os

215
Corte Suprema de Justicia de la Nación, 06.10.1948, “Santin, Jacinto c. Impuestos Internos,” Fallos
(1948-212-59) (Arg.).
216
Corte Suprema de Justicia de la Nación, 17.11.1981, “Cesar Anibal Balbuena,” Fallos (1981-303-
1770) (Arg.).
217
Corte Suprema de Justicia de la Nación, 04.07.1985, “Ceramica San Lorenzo,” Fallos (1985-307-
1094) (Arg.).
218
Congreso de la Nación – Cámara de Diputados, 13.07.2007, “Domingo Antonio Bussi,” (2007)
(Arg.).
219
Ver, em termos gerais, BERNAL PULIDO, Carlos. El precedente en Colombia. Revista de Derecho del
Estado, n. 21, p. 81-94, dic. 2008. p. 87. (Colom.).
220
Ver, por exemplo, MORGAN, Martha I. Taking Machismo to Court; the Gender Jurisprudence of the
Colombian Constitutional Court. U. Miami Inter-Am. L. Rev., v. 30, n. 2, p. 253-342, 1999. p. 253, 280,
n. 106.

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188  Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira, Nuno Garoupa

juízes deveriam aplicar a doutrina mais provável.221 Três decisões uniformes da


Corte Suprema, atuando como tribunal de cassação, sobre uma mesma questão
jurídica, constituíam doctrina probable.222 Esse preceito foi posteriormente de­
senvolvido por novas legislações em 1889, 1890 e 1896.223 Recentemente, a
Corte Constitucional colombiana confirmou a doctrina probable e reiterou a força
normativa dos precedentes da Corte Suprema tal como fundamentados na
referida doutrina.224 A Corte Constitucional também afirmou que juízes inferiores
podem afastar a doctrina probable consolidada pela Corte Suprema desde que
exponham razões claras e fundamentadas para justificar sua decisão.225
Da mesma forma, no Chile, apenas o Tribunal Constitucional cria prece­
dentes formais, em razão de sua competência para interpretar a Constituição
com efeito vinculante e eficácia erga omnes.226 A Corte Suprema do Chile exerce o
controle concreto de constitucionalidade (ao passo que o Tribunal Constitucional
exerce o controle abstrato), porém suas decisões vinculam apenas inter partes.227
Esta divisão de competências do controle de constitucionalidade suscitou sérios
questionamentos e diluiu a importância do precedente no direito chileno.228
Na Venezuela, a Sala Constitucional do Tribunal Supremo de Justiça tem
o poder de fixar precedente com efeito vinculante e eficácia erga omnes no
controle de constitucionalidade abstrato e concreto (amparo).229 Recentemente,
a Sala Constitucional ampliou sua competência para examinar as decisões

221
Lei nº 153/87, de 15 de agosto de 1887, Diario Oficial, art. 10 (Colom.).
222
Id.
223
Legislação de 1889 estabeleceu que três decisões uniformes da Corte Suprema sobre a mesma
questão de direito, atuando como corte de cassação, constituíam doctrina probable que juízes
poderiam aplicar a casos análogos, o que não impedia a Corte de alterar a doutrina se concluísse
que as decisões anteriores estavam equivocadas — Lei nº 169/89, de 03 de julho de 1889, Diario
Oficial, art. 4 (Colom.). Aqui, os juízes poderiam decidir se deveriam ou não aplicar a doctrina
probable. Id. O número de decisões exigidas foi posteriormente modificado em 1890, de maneira
que duas decisões uniformes da Suprema Corte passaram a constituir doctrina probable — Lei
nº 105/90, de 02 de dezembro de 1890, Diario Oficial, art. 371 (Colom.). A Lei nº 105/90 também
afirmava que, em caso de lacuna da lei em situações submetidas à Corte, duas decisões uniformes
da Corte referente ao tema poderiam suprir essa lacuna. Id. Legislação de 1896, no entanto,
endossou a abordagem inicial da Lei nº 169/89, codificando o que é considerado atualmente
como doctrina probable — Lei nº 169/96, de 31 de dezembro de 1896, Diario Oficial, art. 4 (Colom.).
224
Corte Constitucional, 09 de agosto de 2001, Sentencia C-836/01, Gaceta de la Corte Constitucional
(Colom.). Disponível em: <http://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2001/c-836-01.htm>.
225
Id.
226
FRIEDLER, Edith Z. Judicial Review in Chile. Sw. J.L. & Trade Ams., v. 7, p. 321, 343-344, 2000.
227
Id.
228
Em termos gerais, ver Friedler, supra nota 226 (pesquisando a jurisprudência constitucional da
Corte Suprema de Justiça do Chile).
229
BREWER-CARÍAS, Allan R. Judicial Review in Venezuela. Duq. L. Rev., v. 45, p. 439, 442-443, 447, 2007.

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Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil – Uma abordagem pela análise econômica do direito  189

judiciais exaradas por todos os demais tribunais quando em contradição com a


Constituição.230 Esta competência ampliada é apenas da Sala Constitucional, não
se estendendo, portanto, às demais Salas do Tribunal Supremo de Justiça.231
No México, as decisões da Suprema Corte de Justiça da Nação são regu­
larmente citadas por tribunais inferiores.232 Decisões reiteradas que têm peso
de precedente são conhecidas como jurisprudencia obligatoria.233 Há também
decisões da Suprema Corte de Justiça que não têm valor de precedente vinculante,
denominadas tesis aisladas, mas elas têm autoridade persuasiva.234 Considera-se
um precedente como jurisprudencia quando há cinco decisões consecutivas e
coerentes sobre uma questão de direito por parte da Suprema Corte de Justiça da
Nação ou pelos tribunais colegiados federais.235 Anteriormente a 1951, de acordo
com a tradição civilista, a jurisprudencia não tinha fundamento constitucional.236
No entanto, emendas constitucionais alteraram a situação.237 A justiça federal
pode firmar jurisprudencia, e as decisões vinculantes referem-se à interpretação
da Constituição, ou de leis federais, de leis estaduais, e de decisões e tratados
internacionais;238 e, por fim, “[l]eis aprovadas pelo Congresso Federal são os ins­
trumentos que regulamentam os termos em que precedentes vinculantes podem
ser produzidos”.239 Esses três aspectos acima mencionados “fazem parte do atual
sistema constitucional de decisões judiciais vinculantes no direito mexicano”.240

230
Id., p. 445.
231
Id.
232
BUTTE, Woodfin L. Stare Decisis, Doctrine and Jurisprudence in Mexico and Elsewhere. In: DAINOW,
Joseph (Ed.). The Role of Judicial Decisions and Doctrine in Civil Law and in Mixed Jurisdictions, supra
nota 20, p. 311, 328.
233
Ver, por exemplo, MIROW, M.C. Marbury in Mexico: Judicial Review’s Precocious Southern
Migration. Hastings Const. L.Q., v. 35, p. 41-117, p. 57 n. 99, 2007.
234
ZAMORA Stephen et al. Mexican Law. Oxford: Oxford University Press, 2004. p. 85. V. id. para
maiores informações sobre o sistema jurídico mexicano.
235
GARZA, José Maria Serna de la. The Concept of Jurisprudencia in Mexican Law. Mex. L. Rev., v. 10,
2009. (Mex.).
236
Id.
237
Artigo 107-XIII da Constituição Mexicana foi emendado em 1951 para prescrever que a lei fixará
os termos e hipóteses em que a jurisprudência dos tribunais federais é obrigatória, bem como
os requisitos para a sua modificação (Id.). Em 1967, essa regra foi posteriormente transferida
para o artigo 94 da Constituição, com uma emenda destinada a esclarecer o tipo de normas
que poderiam ser objeto de jurisprudência: “La ley fijará los términos en que sea obligatoria la
jurisprudencia que establezcan los Tribunales del Poder Judicial de la Federación y los Plenos de
Circuito sobre la interpretación de la Constitución, y normas generales, así como los requisitos para su
interrupción y sustitución.” (Id.).
238
Id.
239
Id.
240
Id.

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190  Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira, Nuno Garoupa

As cortes supremas da América Latina vêm desenvolvendo doutrinas


jurisprudenciais para não conhecer de recursos ante a falta de um mecanismo
formal de certiorari. A Suprema Corte de Justiça da Nação argentina não conhece
de recursos extraordinários se a questão federal não tem gravame suficiente
ou quando as questões alegadas são desprovidas de substância ou carentes de
transcendência.241 A decisão de não conhecer do recurso tem que ser pela maioria
dos juízes.242 No entanto, essa doutrina não é imune a críticas, mesmo depois de
sua constitucionalidade ter sido expressamente reconhecida pela Corte.243 Essa
doutrina tem sido um método utilizado pelo Tribunal para controlar a grande
quantidade de recursos que são protocolados todos os anos.244 Comparando a
maneira argentina de certiorari com o certiorari norte-americano, enquanto ambos
os mecanismos processuais são baseados na discricionariedade do tribunal,
a versão americana é um mecanismo que permite o acesso à Suprema Corte,
enquanto a versão argentina é um mecanismo usado para negar o acesso.245
Um mecanismo de certiorari também foi recentemente criado na Colômbia.
Até 1996, os recursos só poderiam inadmitidos pela Suprema Corte em razão da
não observância de algumas regras processuais.246 Não havia nenhum mecanismo
processual discricionário que permitisse a Corte não conhecer de recursos, uma

241
Código Procesal Civil y Comercial de la Nación, art. 280 (Arg.).
242
Código Procesal Civil y Comercial de la Nación, art. 281 (Arg.).
243
A crítica enfatiza o conflito existente entre a doctrina de la arbitrariedad e a doctrina de gravedad
institucional, e o mecanismo de recursa de recursos extraordinários pela Suprema Corte. Ver, em
termos gerais, SBDAR, Claudia Beatriz. Presente y futuro del recurso extraordinario federal: el rol
de la Corte Suprema de la Nación, Revista Iberamericana De Derecho Procesal Constitucional, n. 10,
p. 217-248, jul./dez. 2008. Por meio da doctrina de gravedad institucional, a Corte desconsiderou a
falta de requisitos formais de admissibilidade de recursos extraordinários (Id., p. 230). A premissa
do argumento é que recursos extraordinários tem por fundamento a Constituição e, portanto,
são de extrema gravidade institucional (Id.) Da mesma forma, sob a doctrina de la arbitrariedad,
a Corte pode rever as decisões de tribunais inferiores que não tenham fundamento jurídico
suficiente (Id. p. 229). Críticos do mecanismo de recusa argentino sugerem que a Corte recusa
a admissão de processos sem ter que fundamentar suas decisões com argumentos jurídicos
suficientes e, consequentemente, ofende as doutrinas anteriormente reconhecidas (Id. p. 235).
Recentemente, a Suprema Corte reconheceu a validade constitucional do mecanismo de recusa
de recursos (artigos 280 e 285 do Código de Processo Civil e Comercial) porque permite à Corte
cumprir sua missão de guarda da Constituição de maneira mais efetiva por meio do exercício
eficaz de sua competência extraordinária nos casos de importância transcendental (Id.)
244
Id., p. 235.
245
BIANCHI, Alberto B.; LEGARRE, Santiago. El “Certiorari” en Acción (Hacia un Control de
Constitucionalidad Basado en la Trascendencia), La Ley, 1993-C, 841; EGÜES, Alberto J. El Certiorari
Argentino. La Ley, 1993-C, 661; GELLI, María A. El “Writ of Certiorari” en Perspectiva. La Ley, 1994-B,
880; ROJAS, Jorge A. Las Nuevas Fronteras del Recurso Extraordinario Federal. La Ley, 2008-E, 858.
246
Cf. infra nota 247.

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Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil – Uma abordagem pela análise econômica do direito  191

vez atendidos todos os requisitos formais. Depois de 1996, a discricionariedade


na seleção de casos tem vindo a ser progressivamente concedida com o objetivo
de reduzir o congestionamento e os atrasos.247 Uma abordagem semelhante foi
em grande parte adotada pela Corte Constitucional colombiana.248
México, Chile e Venezuela têm desenvolvido suas próprias regras processuais
para regular a admissibilidade de recursos para a Suprema Corte (ou, no caso
do Chile, para o Tribunal Constitucional). Por exemplo, no México, recursos para
a Suprema Corte de Justiça tem que ser de interesse geral e relevante (criterio
de importancia y transcendencia).249 Esses requisitos de recurso extraordinário
geralmente são menos generosos do que os requisitos de outros recursos, mas
eles têm em grande parte falhado em proporcionar a esses tribunais maior
controle sobre seu acervo processual.250

3  A análise econômica do precedente jurisprudencial e do certiorari


3.1  A análise econômica do precedente jurisprudencial
Os economistas que se dedicam ao exame dos sistemas jurídicos (eco­
no­mistas jurídicos) desenvolveram uma teoria racional do precedente juris­
pru­dencial. A literatura anterior examinou até que ponto o precedente
jurispru­dencial melhora a eficiência global do sistema jurídico. Essa abordagem
é conhecida como a “teoria da eficiência da common law”, e está associada ao

247
Ley nº 270/96, 07 de março de 1996, Diario Oficial, art. 16 (Colom.). Disponível em: <http://www.
secretariasenado.gov.co/senado/basedoc/ley/1996/ley_0270_1996.html>. Acesso em: 24 set.
2012. Em 2009, a Lei foi emendada, determinando que as Turmas da Suprema Corte podem
selecionar as decisões com o objetivo de unificação da jurisprudência, proteção dos direitos
constitucionais e controle de legalidade dos acórdãos (Id.). Lei nº 1.285/09, 22 de janeiro de
2009, Diario Oficial (Colom.). Dessa forma, esta modificação da lei prescreve que as três Turmas
especializadas da Corte (salas de casación civil, laboral y penal) tem a opção de selecionar os
casos que serão admitidos para julgamento, rejeitando, assim, o conhecimento de casos não
selecionados (Id.). Em 2008, a constitucionalidade dessas normas foi confirmada pela Corte
Constitucional colombiana. Corte Constitucional, 15 de julho de 2008, Sentencia C-713/08, Gaceta
de la Corte Constitucional (G.C.C.) (Colom.). Disponível em: <http://www.corteconstitucional.gov.
co/relatoria/2008/c-713-08.htm>.
248
Ver, em termos gerais, GUAYACAN, Juan Carlos. La Selección de Sentencias Para la Unificación de
la Jurisprudencia. Revista de Derecho Privado, v. 19, p. 59-79, 2010. p. 57. Disponível em: <http://
foros.uexternado.edu.co/ecoinstitucional/index.php/derpri/article/view/2489/2127>.
249
La Reforma Constitucional en Materia de Amparo, Poder Judicial de la Federación, 1, 10, Disponível
em: <http://www.cjf.gob.mx/reformas/documentos/tripticoReformaAmparo.pdf>.
250
ZAMORA et al., supra nota 234, p. 192; BREWER-CARÍAS, supra nota 229, p. 464-465; FRIEDLER,
supra nota 226, p. 346-347.

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192  Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira, Nuno Garoupa

juiz Richard Posner, que argumenta que as doutrinas do direito consuetudinário


fornecem um sistema coerente e estável de incentivos que induzem a um com­
portamento eficiente.251 Nesse contexto, o precedente é útil para alcançar e
garantir eficiência.252 A eficiência da common law gerou discussão entre os eco­
nomistas jurídicos desde muito cedo na literatura da análise econômica do
direito. Segundo alguns estudiosos, a eficiência é promovida pela prevalência do
precedente jurisprudencial (regras mais eficazes são mais propensas a sobreviver
por meio de um mecanismo de precedentes).253 No entanto, esse argumento
tem enfrentado sérios questionamentos. Por exemplo, mesmo se os juízes even­
tualmente buscarem a eficiência, precedentes e reforma do precedente devem ser
balanceados de forma adequada. Um viés judicial poderia distorcer a lei a curto
prazo, mas, ao mesmo tempo, poderia fornecer o mecanismo para melhorar a lei
a longo prazo, dependendo de elementos críticos da evolução da common law.254
Precedentes constituem, portanto, um aspecto fundamental para explicar
a evolução de um sistema jurídico. Eles têm natureza de bem público, o que
provavelmente implica que eles não são produzidos da maneira mais eficiente
(já que os tribunais não internalizam ganhos futuros derivados de um precedente
específico, da mesma maneira os juízes não internalizam os ganhos externos
para proferir decisões judiciais).255 Presume-se como verdadeiro que regras
ruins são mais frequentemente contestadas em juízo do que boas regras, então,
naturalmente, a intervenção judicial através de um mecanismo de precedente
poderia melhorar a qualidade geral do ordenamento jurídico. No entanto, essa
linha de raciocínio tem falhas problemáticas.256 Em certos contextos, precedente

251
POSNER, Richard. Economic Analysis of Law. 8. ed. New York: Aspen Publishers, 2011. p. 33, 743-754.
252
Id., p. 754 (afirmando que o método mais eficiente para um juiz para decidir casos e resolver
controvérsias é seguir os precedentes bem de perto e deixar que o Legislativo adapte a lei de
acordo com as mudanças).
253
Ver, em termos gerais, GOODMAN, John C. An Economic Theory of the Evolution of the Common
Law. J. Legal Stud., v. 7, n. 2, p. 393, 1978; PRIEST, George L. The Common Law Process and the
Selection of Efficient Rules. J. Legal Stud., v. 6, n. 1, p. 65-82, Jan. 1977; RUBIN, Paul H. Why is the
Common Law Efficient?. J. Legal Stud., v. 6, n. 1, p. 51-63, Jan. 1977; TERREBONE, Peter R. A Strictly
Evolutionary Model of Common Law. J. Legal Stud., v. 10, n. 2, p. 397, Jun. 1981.
254
Ver, em termos gerais, GENNAIOLI, Nicola; SHLEIFER, Andrei. Overruling and the Instability of
Law. J. Comp. Econ., v. 35, n. 2, p. 309-328, June 2007; GENNAIOLI, Nicola; SHLEIFER, Andrei The
Evolution of Common Law. J. Pol. Econ., v. 115, n. 1, p. 43-68, 2007.
255
Ver LANDES William M.; POSNER, Richard A. Adjudication as a Private Good. J. Legal Stud., v. 8, p.
303-317, 235, 248, 1979.
256
Ver GAROUPA Nuno; LIGÜERRE, Carlos Gómez. The Syndrome of the Efficiency of the Common
Law. B.U. Int’l L.J., v. 29, n. 2, p. 296-298, 2011; GAROUPA, Nuno; LIGÜERRE, Carlos Gómez. The
Evolution of the Common Law and Efficiency. Ga. J. Int’l & Comp. L., v. 40, Forthcoming 2012.
Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=1805141>.

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Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil – Uma abordagem pela análise econômica do direito  193

poderia influenciar regras jurídicas contra a eficiência.257 Certamente, precedentes


jurisprudenciais geram dependência da trajetória (path dependence), que poderia
minar o processo de eficiência evolutiva.258 Precedentes jurisprudenciais poderiam
ser socialmente valiosos caso as instâncias inferiores sejam significativamente
tendenciosas.259
Não muito supreendentemente, economistas jurídicos voltaram sua atenção
para a criação e evolução do precedente jurisprudencial.260 Há significativas
vantagens e desvantagens econômicas na adoção de um princípio de precedente
absoluto que foram reconhecidas pelos economistas jurídicos.
A literatura econômica enumera as seguintes vantagens do precedente
absoluto:
(i) há uma redução substancial da insegurança jurídica, pois os resultados
são previsíveis, reforçando, portanto, a estabilidade do direito.261 A se­
gu­rança jurídica é importante para as transações comerciais e para as
interações sociais, porquanto reduz os custos de transação.262 Ao tornar
a apli­cação da lei mais fácil de prever e compreender, o precedente
abso­luto aumenta a conformidade com as leis, uma vez que reduz a
incidência de erros de comportamento;263

257
Ver, em termos gerais, HADFIELD, Gillian K. Bias in the Evolution of Legal Rules. Geo. L.J., v. 80,
p. 583, 1992.
258
Ver HATHAWAY, Oona A. Path Dependence in the Law: the Course and Pattern of Legal Change in
a Common Law System. Iowa L. Rev., v. 86, p. 601, 659, 2001.
259
Ver MICELI, Thomas J. Legal Change: Selective Litigation, Judicial Bias, and Precedent. J. Legal
Stud., v. 38, p. 157, 164-165, 2009; ANDERLINI, Luca et al. Why Stare Decisis?. Centre for Economic
Policy Research, Discussion paper 8266, fev. 2011. Disponível em: <http://econ.lse.ac.uk/staff/
lfelli/papers/Stare%20Decisis.pdf>.
260
Ver, em termos gerais, BAKER Scott; MEZZETTI, Claudio. A Theory of Rational Jurisprudence. J.
Pol. Econ., v. 120, 513, 2012; CAMERON, Charles M.; KORNHAUSER, Lewis A. Appeals Mechanisms,
Litigant Selection, and the Structure of Judicial Hierarchies. In: BOND, Jon R. et al. (Ed.). Institutional
Games and the U.S. Supreme Court. Charlottesville: University of Virginia Press, 2006. p. 173;
DEPOORTER, Ben et al. Litigation, Judicial Path-dependence, and Legal Change. Eur. J.L. & Econ.,
v. 20, p. 43, 2005; FERNANDEZ, Patricio A.; PONZETTO, Giacomo A.M. Stare Decisis: Rhetoric and
Substance. J.L. Econ. & Org., v. 28, p. 313, 2012; FON, Vincy; PARISI, Francesco. Litigation and the
Evolution of Legal Remedies: A Dynamic Model. Pub. Choice, v. 116, p. 419, 2003; HEINER, Ronald
A. Imperfect Decisions and the Law: On the Evolution of Legal Precedent and Rules. J. Legal Stud.,
v. 15, p. 227, 1986; KORNHAUSER, Lewis A. An Economic Perspective on Stare Decisis. 65 Chi.-Kent
L. Rev., v. 65, p. 63, 1989; KORNHAUSER, supra note 17, p. 509-513; LANDES, William M.; POSNER,
Richard A. Legal Precedent: a Theoretical and Empirical Analysis. J.L. & Econ., v. 19, p. 249, 1976);
Georg von Wagenheim, The Evolution of Judge-Made Law, 13 INT’L REV. L. & ECON. 381 (1993).
261
DEPOORTER et al., supra nota 260, p. 44, nota 3.
262
HEINER, supra nota 260, p. 229, 255 (argumentando que as pessoas beneficiam-se quando regras
simples na tomada de decisões são observadas, apesar dos erros que podem ocorrer quando tais
regras são aplicadas caso a caso).
263
Cf. KORNHAUSER, supra nota 260, p. 77-78.

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194  Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira, Nuno Garoupa

(ii) o precedente absoluto promove a igualdade de todos perante a lei,


porquanto ele “[t]rata casos semelhantes de maneira semelhante” (equi­
dade).264 O resultado de um litígio particular já não depende do juiz
singular ou de um tribunal específico.265 O precedente absoluto reduz a
exposição ao risco e o tratamento assimétrico de transações comerciais
ou interações sociais idênticas;266
(iii) o precedente absoluto favorece o julgamento adequado por razões
diferentes. Em primeiro lugar, o precedente absoluto aumenta a eficácia
cognitiva dos juízes inferiores.267 Em segundo lugar, reduz erros quando
juízes não são especialistas em uma área específica do direito.268 Em
terceiro lugar, a qualidade da prestação jurisdicional aumenta devido ao
fato de que decisões corretas são menos susceptíveis de serem feitas de
forma isolada;269
(iv) o procedente absoluto induz a uma redução substancial da carga de
trabalho para o Judiciário (ajudando na formação de expectativas con­
ver­gentes nos litigantes) e do tempo consumido no julgamento (efi­cácia
decisional).270 Portanto, o precedente absoluto reduz os pro­cessos ju­
diciais frívolos e favorece o aumento da porcentagem de conciliações.271
Ao mesmo tempo, a literatura econômica salientou notáveis desvantagens
do precedente absoluto, a saber:
(i) o precedente absoluto pode ser fonte de sistemático erro judicial,
espe­cialmente quando as mudanças de valores e de contexto são
signi­ficativas.272 Melhorias na tecnologia são frequentemente descon­
si­de­radas em um sistema com precedente absoluto, impedindo, por­
tanto, os tribunais de beneficiarem-se de novos avanços.273 Quando os
tribunais têm um processo de tomada de decisão imperfeito devido a
uma complexa instrução processual e especificidades, eles estão menos

264
Id., p. 74.
265
Ver, em termos gerais, BAKER; MEZZETTI, supra nota 260.
266
Id.
267
Cf. KORNHAUSER, supra nota 260, p. 76-77.
268
Cf. id.
269
Cf. id.
270
Id., p. 77.
271
CHE, Yeon-Koo; GOO YI, Jong. The Role of Precedents in Repeated Litigation. J.L. Econ. & Org., v. 9,
p. 399, 417, 1993.
272
KORNHAUSER, supra nota 260, p. 69-71.
273
Cf. id., p. 71-72 (examinando a defasagem na incorporação de informações disponíveis).

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Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil – Uma abordagem pela análise econômica do direito  195

sujeitos a um controle externo quando precedentes não podem ser


questionados;274
(ii) o precedente absoluto reduz a flexibilidade para corrigir decisões erra­
das ou internalizar tendências específicas;275
(iii) o precedente absoluto promove o engessamento da jurisprudência, re­
duzindo, portanto, a possibilidade de evolução jurídica e ampliando a
distância entre o direito e a sociedade;276
(iv) o precedente absoluto induz sérios custos aos juízes de instâncias infe­
riores que tentam justificar o afastamento do precedente.277 Estes custos
tornam-se mais significativos quando a lógica por detrás do precedente
(ratio decidendi) não é clara ou não é tão transparente.278
Uma análise econômica que reconhece os importantes benefícios e os custos
associados com o precedente absoluto indica que uma abordagem mais flexível
está mais próxima de um desenho institucional ideal. Na verdade, se formos refletir
sobre as vantagens e desvantagens identificadas pelos economistas jurídicos, é
provável que o conceito jurídico atual do stare decisis seja mais eficiente do que a
noção de precedente absoluto.
Com relação às jurisdições da civil law, há muito pouca análise econômica
global do precedente.279 À primeira vista, observa-se que os precedentes juris­
prudenciais em sistemas da civil law são menos propensos a satisfazer as condições
de eficiência do que um mecanismo flexível de stare decisis, uma vez que, nos
países de civil law, a mais alta corte tem o dever de persuadir os tribunais inferiores.
No entanto, uma análise mais sistemática revela a complexidade do problema. A
taxa de litígio, a repetição dos casos e as preferências dos tribunais superiores e as
dos inferiores moldam o processo de criação de precedentes jurisprudenciais que
poderiam ser eficientes sob certas condições.280 Infelizmente, é difícil de avaliar
até que ponto tais condições são realmente satisfeitas.281

274
Cf. id., p. 72-73.
275
Cf. id., p. 72.
276
Cf. id., p. 71-72.
277
Cf. id., p. 73.
278
Cf. id.
279
Porém, ver FON; PARISI, supra nota 141, para uma dessas análises.
280
Id., p. 532-533.
281
Cf. id., p. 533.

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196  Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira, Nuno Garoupa

3.2  A análise econômica do certiorari


Economistas jurídicos analisaram o writ of certiorari no contexto do controle
de recursos judiciais.282 A literatura parece concluir que a existência de algum
tipo de regra processual que limite o acesso à mais alta corte é economicamente
justificável.
Os argumentos a favor do writ of certiorari incluem:
(i) o tribunal pode se concentrar em casos mais relevantes, uma vez que
uma seleção prévia dos casos que merecem ser revistos é menos onerosa
por natureza;283
(ii) o writ of certiorari reduz o desperdício de recursos públicos com litigância
sem fundamentos sólidos, uma vez que as partes litigantes podem
prever que seus recursos não são susceptíveis de passar os requisitos de
relevância da questão controvertida para serem admitidos;284
(iii) o writ of certiorari promove a celeridade na prestação jurisdicional de duas
maneiras. Para os casos que não são admitidos pelo tribunal, as obrigações
de cada parte litigante ficam desde logo definidas.285 Quanto aos casos
que são de fato admitidos para exame pelo tribunal, o acervo processual
é mínimo e, portanto, os casos podem ser decididos de forma célere.286
Por outro lado, os argumentos contra o writ of certiorari incluem:
(i) alguns erros de direito podem não ser nunca corrigidos, porque o tribunal
não reflete suficientemente sobre eles quando aprecia a admissibilidade
do recurso.287 No entanto, os recorrentes ficam sob pressão para expor
os erros de direito de uma forma mais transparente e coerente, a fim de
convencer o tribunal de que o seu caso merece passar o requisito de
admissibilidade;288

282
Em termos gerais, ver CAMERON Charles M. et al. Strategic Auditing in a Political Hierarchy: An
Informational Model of the Supreme Court’s Certiorari Decisions. Am. Pol. Sci. Rev., v. 94, p. 101,
2000; SHAVELL, Steven. On the Design of the Appeal Process: The Optimal Use of Discretionary
Review versus Direct Appeal. J. Legal Stud., v. 39, p. 63, 2010; SHAVELL, Steven The Appeals Process
and Adjudicator Incentives. J. Legal Stud., v. 35, p. 1, 2006; SHAVELL, Steven. The Appeals Process
as a Means of Error Correction. J. Legal Stud., v. 24, p. 379, 1995 [doravante referido como Shavel
“The Appeals Process as a Means of Error Correction”].
283
SHAVELL, supra nota 282, p. 417.
284
Id.
285
Cf. id., p. 419-420.
286
Ver OLIVEIRA, supra nota 7, p. 111.
287
SHAVELL. The Appeals Process as a Means of Error Correction, supra nota 282, p. 419-420.
288
Id.

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Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil – Uma abordagem pela análise econômica do direito  197

(ii) petições solicitando certiorari aumentam os custos para grupos de


pressão persuadirem a corte a deferir o certiorari. Tal efeito é susceptível
de fazer o estágio inicial de um recurso extraordinário mais oneroso;289
(iii) o writ of certiorari desenvolve o comportamento estratégico de juízes na
seleção de casos para moldar o processo de tomada de decisão no tri­
bunal. Os juízes poderiam usar a seleção dos casos para forjar coalizões,
revelar preferências, ou evitar situações difíceis.290
Mecanismos de certiorari são eficientes pelas razões acima citadas. A ava­
liação, no entanto, não pode escapar aos detalhes. É preciso entender os incentivos
comportamentais fornecidos pela negociação interna do tribunal com relação
à admissão de um recurso. Inevitavelmente, vai depender do grau em que os
tribunais inferiores fazem um bom trabalho para evitar erros jurídicos crassos. Ao
mesmo tempo, o tribunal ficará mais exposto a pressões externas que poderiam
potencialmente criar algum desperdício de recursos em lobbying e persuasão.
Portanto, os mecanismos pelos quais um tribunal lida com a pressão externa são
relevantes nesse contexto. É provável que um tribunal, em grande parte composto
por “juízes de reputação”,291 (tal como na common law e em grande parte no
Brasil) reaja de uma maneira diferente de um tribunal em grande parte formado
por “juízes de carreira” (como na maioria da civil law). Consequentemente, não
podemos compreender economicamente uma forma particular de certiorari sem
reconhecer o contexto institucional.

4  Análise do caso brasileiro


Tanto o precedente jurisprudencial quanto o certiorari geram custos e
benefícios, tal como reconhecido pela literatura no campo da análise econômica
do direito. De maneira geral, vimos que um mecanismo de precedente flexível é
mais vantajoso do que o de um precedente absoluto ou do que nenhuma regra
de precedentes. Um mecanismo de certiorari é eficiente se permitir que o tribunal

289
LINDGREN, James; MARSHALL, William P. The Supreme Court’s Extraordinary Power to Grant
Certiorari of Appeals. Sup. CT. Rev., p. 259, 278-279, 1986.
290
Cf. Tonja Jacobi, The Judicial Signaling Game, 16 SUP. CT. ECON. REV. 1, 10 (2008).
291
GAROUPA, Nuno; GINSBURG, Tom. Hybrid Judicial Career Structures: Reputation versus Legal
Tradition. J. Legal Analysis, p. 411, 2011. Definindo o juiz de “reputação” como o “juiz nomeado
para a magistratura mais tarde na vida, em reconhecimento de outras conquistas na carreira
jurídica”.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 155-201, out./dez. 2013
198  Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira, Nuno Garoupa

concentre-se em casos mais relevantes sem impor um fardo em termos de erros


judiciais pelos tribunais inferiores.
De acordo com a nossa análise de direito comparado, cada sistema jurídico
tem necessariamente um conjunto de casos decididos anteriormente e regras
para gerir recursos, embora possam divergir nas práticas que adotam em relação
ao conjunto de casos e às regras para gerenciar recursos.
Com efeito, de acordo com as ideias anteriores, podemos distinguir entre
a força e o alcance do stare decisis. A “força” reflete o ônus necessário para que
um tribunal possa reverter uma decisão anterior, enquanto o “alcance” refere-se
ao número de casos considerados “semelhantes” e, portanto, governado pela
decisão prévia.292 Jurisdições de civil law parecem favorecer um stare decisis forte
e restrito, enquanto jurisdições da common law tendem a adotar um stare decisis
fraco e amplo. O Brasil parece adotar uma combinação mais singular.
A súmula vinculante, que é a forma brasileira de precedente jurispruden­
cial, tem algumas características particularmente distintas. Em uma comparação
direta com o stare decisis dos Estados Unidos, ela é aplicada em um contexto mais
abstrato. Assim, podemos dizer que a súmula vinculante prevê um mecanismo
mais flexível de precedente, mas é potencialmente aplicável a um conjunto maior
de situações (por exemplo, mesmo quando leis estaduais não estão dire­tamente
em litígio). A súmula vinculante também tem uma aplicação ampla não apenas
sobre os tribunais inferiores, mas também em referência aos órgãos da Admi­
nistração Pública federal, estadual e municipal.
As vantagens a partir de uma perspectiva econômica são bastante comuns:
aprimoramento do Estado de Direito, redução de recursos infundados e melhoria
no processo de tomada de decisão judicial. Dois aspectos merecem especial
atenção: a criatividade judicial e fortalecimento da hierarquia do Poder Judiciário.
Quando os tribunais inferiores são criativos e querem afastar precedentes,
há um custo em termos de desenvolvimento da argumentação jurídica. Para cada
caso, individualmente, presume-se que uma abordagem abstrata gera um mé­
todo menos oneroso para o afastamento do precedente do que uma abordagem
concreta, uma vez que seria mais fácil estabelecer as diferenças necessárias de
acordo com esta do que com aquela. No entanto, uma abordagem abstrata
aplica-se, potencialmente, em um conjunto mais diversificado de situações e
casos. Portanto, não é claro qual o sistema gera mais custos.

292
KORNHAUSER, supra nota 17, p. 510-512.

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Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil – Uma abordagem pela análise econômica do direito  199

De uma perspectiva da análise econômica do direito, o fortalecimento da


hierarquia do Poder Judiciário tem propriedades jurídicas estruturais que são
interessantes. O Supremo Tribunal Federal é o local apropriado para as discussões
jurídicas complexas, sem prejudicar a segurança jurídica. A dimensão política da
jurisprudência é mais eficaz se for supervisionada pelo Supremo Tribunal Federal,
em vez de deixada às decisões conflitantes e contraditórias dos tribunais inferiores,
particularmente em relação a ações repetitivas, movidas por partes diferentes, mas
que discutem a mesma matéria de fundo. No entanto, o custo da “verticalização”
do Poder Judiciário aumenta se os tribunais inferiores ou a Administração Pública
rebelarem-se contra o Supremo Tribunal Federal. Esse custo não é significativo
quando um sistema jurídico já é razoavelmente “verticalizado”, como nos EUA,
mas pode ser importante em um sistema legal mais “horizontalizado”, como no
Brasil.293
A resposta dos tribunais inferiores e da Administração quanto à súmula vin­
culante deve determinar até que ponto o processo de fortalecimento da hierar­
quia judicial é excessivamente oneroso. A evidência dos últimos quatro anos
confirma que há uma colaboração significativa dos tribunais inferiores, para
além da retórica padrão.294 A implementação desses novos mecanismos tem
exigido muito diálogo entre os tribunais inferiores e o Supremo Tribunal Federal.
Esse diálogo incluiu reuniões295 e a criação de um fórum virtual na internet296
para conectar diretamente os tribunais para falar sobre os problemas práticos
de gestão na implementação do teste de relevância geral (a repercussão geral).
Essa interação é particularmente útil para resolver problemas comuns e informar
o Supremo Tribunal Federal sobre os casos repetitivos mais numerosos, com a
mesma matéria de fundo, que estão no acervo processual dos tribunais inferiores.
Como explicado antes, quando um caso passa no teste de relevância da reper­
cussão geral, os tribunais inferiores devem sobrestar o julgamento de casos
semelhantes, enquanto aguardam a decisão do Supremo Tribunal Federal.297

293
Com referência à ausência de um precedente rígido que obriga as instâncias inferiores.
294
Para a argumentação contra limites à criatividade de instâncias inferiores, ver ARANTES, supra
nota 8.
295
Representantes dos tribunais superiores, regionais federais e estaduais reuniram-se por ocasião
do seminário Repercussão Geral em Evolução, organizado pelo Supremo Tribunal Federal e pelo
Ministério da Justiça em novembro de 2010 (STF. Notícias STF, 20 dez. 2010. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=168521>).
296
STF. Notícias STF, 15 mar. 2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/
verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=173944>.
297
Ver supra nota 79 e texto que a acompanha.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 155-201, out./dez. 2013
200  Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira, Nuno Garoupa

Portanto, é importante mapear os casos semelhantes mais numerosos, para que


o Supremo Tribunal Federal possa inserir o tema com prioridade na pauta de
julgamento, para liberar os casos mais graves do acervo processual dos tribunais
inferiores. Na verdade, os tribunais inferiores, aparentemente, têm incentivos
para participar e dialogar no processo de implementação do teste de relevância.
Um incentivo é influenciar a forma de atingir os procedimentos mais eficientes
para administrar esse novo mecanismo. O mais importante, no entanto, parece
ser que uma possível falta de cooperação iria acabar, basicamente, invertendo o
ônus da carga de trabalho mais pesado quanto aos casos repetitivos do Supremo
Tribunal para os tribunais inferiores, sem resolver um objetivo comum, que é o de
tornar a justiça mais célere e reduzir os longos atrasos na entrega da prestação
jurisdicional pelo Poder Judiciário.
Tal como acontece com o writ of certiorari, o requisito da repercussão geral
restringe recursos, porém a gestão dos tribunais inferiores (em termos de definir
os critérios para estabelecer quando casos são “semelhantes”) reduz a probabili­
dade de erros de direito significativos. O sistema brasileiro parece mais ade­quado
para minimizar os custos potenciais de não analisar todos os recursos, uma vez
que os tribunais inferiores têm um papel ativo na escolha dos casos rele­vantes a
serem apresentados ao Tribunal para o requisito da repercussão geral; cada caso
representativo da controvérsia tem mais chance de ser examinado pelo Su­premo
Tribunal Federal sob o sistema brasileiro do que sob o certiorari nos Estados
Unidos.
Ao mesmo tempo, a introdução do requisito da repercussão geral,
aparentemente, não mudou de forma drástica a política interna. Devido ao atraso
de processos acumulados desde os anos anteriores à reforma do Judiciário, a
Suprema Corte decidiu aplicar o mecanismo da repercussão geral em relação a
muitos casos, até mesmo quando o Tribunal já havia decidido de forma pacífica
e consistente a controvérsia em questão. Durante a transição atual do sistema
anterior para o novo mecanismo de interesse geral, a escolha da Corte tem
sido a de aumentar o número de casos com repercussão geral, a fim de julgar
os casos antigos repetitivos de forma mais eficiente. Desde a implementação do
mecanismo de interesse geral em 2007 até 2011, foram submetidos ao Supremo
Tribunal Federal 521 temas de repercussão geral.298 Desses 521 casos, 377 (ou
72,36%) foram admitidos e apenas 144 (27,64%) foram inadmitidos por falta de
repercussão geral.299 Essa política também pode ser explicada pela cultura jurídica

V. supra Tabela 4.
298

Id.
299

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 155-201, out./dez. 2013
Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil – Uma abordagem pela análise econômica do direito  201

presente na tradição da civil law, em que não há prática de barganha política


interna na admissibilidade dos casos.
Em teoria, não está claro como o design brasileiro irá afetar a estratégia de
comportamento judicial no Supremo Tribunal Federal. Em tese, o novo meca­
nismo pode ser usado para compelir a revelação de preferências como acontece
nos EUA, mas, ao mesmo tempo, uma vez que os casos modelos são decididos
pelos tribunais inferiores, há menos possibilidade de os Ministros da Suprema
Corte brasileira influenciarem de fato no conteúdo de seu acervo processual do
que a Suprema Corte dos Estados Unidos. A percepção geral parece ser que pouco
mudou em termos de comportamento no Supremo Tribunal Federal, confir­man­
do que o requisito da repercussão geral não consubstancia um mecanismo que
leva ao desenvolvimento de barganhas políticas que observamos na Suprema
Corte dos EUA no momento. Tal percepção, no entanto, só pode ser confir­mada,
se isso acontecer, em anos vindouros. Mais precisamente, quando o acervo pro­
ces­sual se tornar mínimo e a prática dessa nova exigência estiver consolidada.

Conclusão
Nós analisamos duas recentes e fundamentais inovações no direito cons­
ti­tucional brasileiro, ou seja, a introdução do precedente vinculante no controle
concreto de constitucionalidade (súmula vinculante) e a possibilidade de não
se admitir recursos extraordinários se não satisfeito o padrão de interesse geral
(requisito da repercussão geral). Esses mecanismos são significativamente dife­
rentes dos princípios do stare decisis e do writ of certiorari dos Estados Unidos. Ao
mesmo tempo, eles são decididamente mais substanciais do que as instituições
equivalentes da civil law. Argumentamos que, a partir de uma análise econômica
do direito, ambos os mecanismos são susceptíveis de reforçar os benefícios
do Estado de Direito, a segurança jurídica e a redução de litígios abusivos e da
lentidão do Judiciário, sem incorrer de forma significativa nos custos-padrão de
erros judiciais.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

OLIVEIRA, Maria Ângela Jardim de Santa Cruz; GAROUPA, Nuno. Stare decisis e certiorari
chegam ao Brasil: uma abordagem pela análise econômica do direito. Revista Brasileira de
Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 155-201, out./dez. 2013.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 155-201, out./dez. 2013
Processo e decisão jurídica

André Del Negri


Professor universitário. Autor, entre outros, de Teoria da Constituição
e do direito constitucional (Belo Horizonte: Fórum).
Doutorando e Bolsista CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior) em Direito Processual pela PUC Minas.
Mestre em Direito Constitucional pela UFMG.

Resumo: Este artigo proporciona uma análise crítica de um dos problemas


centrais do processo constitucional, que é a decisão jurídica. Ao fazer o
estranhamento com o objeto da pesquisa, este texto reage contra o dogma­
tismo manualesco e interroga em que medida os juízos de valor interferem
nas decisões. Examina os paradoxos para tentar desfazer as existências
labirínticas do ativismo judicial com requintes de livre interpretação. Verificar
essas condições é, portanto, o objetivo deste artigo, o qual apresentará, ao
final, uma conclusão provisória. Isso conserva, sem dúvida, um caráter de
trabalho crítico-científico.

Palavras-chave: Processo constitucional. Fundamentação decisória. Decisão


jurídica.

Sumário: 1 Uma nota crítica sobre a literatura jurídico-brasileira – 2 Processo


constitucional – A construção de uma disciplina – 3 Processo e consti­tu­
cio­nalidade – 4 Autoridade e totalitarismo decisório – 5 A decisão como o
resultado de uma razão “pessoal” – Ponto-cego da decisão judicial – 6 Pro­
cesso e decisão fundamentada – O fim da atividade criadora do juiz – 7
Conclusão – Referências

1  Uma nota crítica sobre a literatura jurídico-brasileira


Nos últimos anos, a comunidade jurídica se deparou com um crescimento
significativo de escritos (teses, livros, dissertações e artigos científicos) envolvendo
a nomenclatura “Processo Constitucional,” com algumas produções muito bem
cuidadas demarcando o assunto,1 e muitas outras até prometendo uma aura
de renovação, seja lá o que renovação signifique. Nessa última vertente, da dita

BRÊTAS. Processo constitucional e Estado Democrático de Direito.


1

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 203-224, out./dez. 2013
204  André Del Negri

“renovação”, escritores tonitruantes expressam seus prognósticos de futuras


decisões judiciais (inclusive em rede de TV, “ao vivo”), como se fossem previsões
econômicas que têm o zigue-zague como método e o lusco-fusco como
fundamentação.
O que se quer dizer é que o estatuto epistemológico no campo do processo
constitucional é algo extremamente complexo e os resultados de pesquisas
apre­sentadas nessa área ainda colaboram para quadros ambíguos, com muitos
intelectuais flutuando livremente por opiniões intuitivas e incompatíveis umas
com as outras, pois sem nenhum referencial teórico. Por isso que no atual estágio
de desenvolvimento da pesquisa jurídica não podemos considerar ciência tudo
o que os acadêmicos publicam. Em algumas ocasiões, porém, a literatura nos
brinda com explicações consistentes na vertente processo-constituição. Mas
como explicar tamanha assimetria? Há três aspectos essenciais. O primeiro,
e mais nítido, é o fato de o Brasil ter tido dois modelos normativos totalmente
dís­pares nos últimos 45 anos. Um tempo histórico em que o modelo ditatorial
militar dirigiu sua pontaria para que o contraditório e a ampla defesa tivessem
seu alcance reduzido, uma equação macabra, cheia de letalidade, que começou
com a passagem do Código de Processo Civil de 1939 para o de 1973, com pioras
signifi­cativas na vigência do AI-5, porque chegou a revogar boa parte dos direitos
civis e políticos no Brasil. Uma página negra decorada com atos de força por um
Executivo truculento que chegou às raias da cassação de Ministros, como foram
os casos de Hermes Lima, Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva.
Já o segundo aspecto, talvez o mais crucial, fixa-se no fato de ter havido
a perpetuação do ensino das velhas Escolas de Direito com relação à teoria do
processo. A crise existe porque as escolas jurídicas do ensino universitário, cujo
foco é a graduação (uma rampa para a classe média fazer carreira com concursos),
e que existem aos montes, atuam numa atividade fabril que pouco inova. No
mundo da lato sensu, com exceções raras, há um cartório de ideias também mal-
ajambradas. Ainda trabalham um clichê conhecido (e circular), da “idéia civilista
tradicional de relação jurídica”, como bem alerta a crítica aguda de Ronaldo
Brêtas,2 que denuncia a necessidade de muitos livros romperem com esse “vínculo
de exigibilidade de conduta entre sujeitos, acarretando a sujeição de um deles
ao outro”, o que contamina cegamente o processo constitucional. Convenha-se:
o fundamento de relação jurídica “trilateral” (autor-réu-juiz) com o juiz podendo

BRÊTAS. Processo constitucional e Estado Democrático de Direito, p. 88.


2

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 203-224, out./dez. 2013
Processo e decisão jurídica  205

“abusar” da discricionariedade determinou o tipo, a espécie de direito processual


civil ensinado no Brasil. Isso tudo com aplausos de muitos. Para nós, um ensino de
nível discutível.
O terceiro aspecto, e o que separa, num importante momento, a questão, é o
fato de todo esse quadro ter sido afastado a partir de 1988, quando o Brasil entrou
num canal constitucional a fim de estancar o fator causal do regime militar, que
estava bastante empenhado na declividade de garantias processuais. Assim, no
pós-88, episódio decisivo para a área processual-constitucional, o contraditório
passa a ser ampliado e o cacoete técnico invariavelmente presente na formação
dos profissionais da área jurídica (e de suas produções escritas), de alguma forma
passa a sofrer mudanças e a embicar para baixo, ocasião em que caminhos
distintos começaram a se abrir no horizonte das pesquisas acadêmicas, sobretudo
a partir de importantes dissertações e teses de doutoramento, preocupados
em demonstrar o processo como direito fundamental na construção do Estado
Democrático de Direito.

2  Processo constitucional – A construção de uma disciplina


Até por volta de 1980, no Brasil, nada ou muito pouco se discutia sobre Consti­
tuição e processo. Dentro dessa experiência, como produto resultante do mo­
vimento constitucionalista, o professor mineiro José Alfredo de Oliveira Baracho3
se destacou em estudo de grande importância, porque foi o primeiro a desen­
volver, em plena ditadura brasileira, uma obra-guia com o título Processo consti­
tucional, apresentando uma pesquisa que demonstrou como o processo passou
a se consolidar como garantia constitucional. Desta forma, à base da pesquisa
acadêmica do ilustrado escritor, pode-se perceber que o uso da expressão (direito
processual constitucional) começa a repercutir a partir do final dos anos 70 e início
dos 80. Depois de apontar o Direito europeu, a partir da 2ª Grande Guerra Mundial
(1939-1945), nas Constituições da Itália, Alemanha, França e Espanha, como
movimento pioneiro de constitucionalização dos princípios de direito processual,
Baracho4 traça um panorama sobre a América Latina indicando a inicial tendência
reformista ocorrida na Argentina, México e Uruguai, sendo este último país muito
influenciado pelas ideias de Eduardo Couture.

BARACHO. Processo constitucional, p. 122.


3

BARACHO. Processo constitucional, p. 123.


4

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 203-224, out./dez. 2013
206  André Del Negri

Essa aproximação entre Direito constitucional e direito processual, nos


estudos de Fix-Zamudio5 e Ovale,6 revela que o interesse pelo tema representou
uma novidade, já que se tratava de uma reflexão relativamente recente à época,
tendo ampla repercussão acadêmica. Por isso é sensato reconhecer que o sau­
doso constitucionalista mineiro, José Alfredo de Oliveira Baracho, pelo que dele
apreendemos em suas aulas na Faculdade de Direito da UFMG, na linha de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Direito Constitucional, foi o grande responsável, no
Brasil, pela institucionalização da disciplina de Processo Constitucional nas Facul­
dades de Direito, sendo a Faculdade de Direito da UFMG a primeira instituição a
oficializar a cadeira.
No entanto, já que estamos a falar de Processo Constitucional, antes de
encerrarmos este tópico, duas observações são feitas. A primeira: precisamos saber
responder à pergunta incômoda, de franzir o cenho, a respeito de qual é o lugar
que o “Processo Constitucional” hoje ocupa no conhecimento jurídico. A segunda
observação: também se faz necessário saber se o “Processo Constitucional” é um
ramo autônomo do direito processual ou não.
Para tanto, é necessário olhar para o assunto por meio de duas lentes: fo­
cando os pormenores linguísticos, e por meio de uma avaliação do problema
em torno de um eixo epistemológico. Só assim seríamos capazes de esclarecer
os fundamentos constitucionais que envolvem e separam as expressões “Direito
Processual Constitucional,” “Processo Constitucional” e “Processo”.
Com essas prévias demarcações é possível perceber que há, porém, equí­vocos
nessas incursões. Dizemos “equívoco” porque no conceito vezeiro as expressões
“Direito Processual”, “Processo” ou “Processo Constitucional” são encami­nhadas
nos cursos de Direito como equivalentes. Diante desse enodoamento, a fim de
dissipar o obscurantismo (para descerrá-lo), Rosemiro Pereira Leal tratou logo
de desfazer toda essa trama ao dizer que a expressão “Direito Processual” não se
equivale a Processo, uma vez que essa última terminologia é muito mais que um
simples termo, pois se trata de uma instituição constitucionalizada no Brasil (não
há como excluí-la), a qual é regenciadora da jurisdição, e não um instrumento dela
para os propósitos estatalistas do Estado-Juiz. Por isso a jurisdição não pode atuar
em violação aos princípios e institutos do processo, que é um “eixo em torno do

5
FIX-ZAMUDIO. El pensamiento de Eduardo J. Couture y el Derecho Constitucional Procesal. Boletín
Mexicano de Derecho Comparado, p. 317-318.
6
OVALLE. Sistema jurídicos y políticos, processo y sociedad. Boletín Mexicano de Derecho
Comparado.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 203-224, out./dez. 2013
Processo e decisão jurídica  207

qual se desenvolve o ensino do Direito Processual”.7 É nessa ordem de ideias que o


referido professor explica que quando alguém fala que estuda processo, “o que se
tem é um tropo de linguagem (sinédoque) em que se toma a fração pelo todo”. 8 Por
isso que para o citado processualista, a expressão direito processual como ciência
do processo “é inadmissível, porque o Direito Processual não corresponde a uma
atividade investigatória para esclarecer os princípios e institutos do processo”.9
Por isso que a expressão direito processual civil pode ser ressemantizada para
direito processual constitucional, e o famoso “código de processo civil” poderia ser
definido (tecnicamente) como “código de procedimentos jurídicos”.10
A ordenação dessas nomenclaturas ainda passa por outro ponto tormentoso:
o direito processual constitucional, ou apenas processo constitucional — como ele
é chamado — é uma disciplina ou um novo ramo do direito processual? Aqui, até
agora, foi possível perceber, no nível mais fundamental, que a expressão processo
é compreendida como uma instituição que possui uma função vital no Estado
Democrático de Direito, uma vez que proporciona a base de construção das
leis e reformas à Constituição (devido processo legislativo), bem como orienta as
interpretações (devida hermenêutica constitucional) e as consequentes decisões
judiciais (processo decisional). É por isso que se entende o processo constitucional
como “colocação científica”.11
Embora possa parecer que o “Processo Constitucional” (ou direito proces­
sual constitucional, como queiram) seja um ramo autônomo do direito pro­
cessual, o raciocínio é incorreto em si porque a hipótese não se comprova (para
utilizar uma expressão metodológica no campo da ciência), já que grande parte
desses argumentos é uma espécie de desembarque pedagógico nas praias do
dogmatismo. O que se explicita neste artigo (encaminhado com aderência à linha
de pesquisa do Doutorado em Direito Processual da PUC Minas), é que o mais
coerente a ser pensado é que “Processo Constitucional” trata-se de uma disciplina
jurídico-científica, pelo motivo de haver uma organização de teorias que sus­
tentam conclusões próprias, o que a leva a um lugar central dentro das ciências
sociais aplicadas.

7
LEAL. Teoria geral do processo, p. 81.
8
LEAL. Teoria geral do processo, p. 81.
9
LEAL. Teoria geral do processo, p. 81.
10
LEAL. Processo civil e sociedade civil.
11
BRÊTAS. Processo constitucional e Estado Democrático de Direito, p. 3.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 203-224, out./dez. 2013
208  André Del Negri

3  Processo e constitucionalidade
O Brasil, ao reverter a relação de poder do regime autoritário, produziu
uma das Constituições mais avançadas do mundo, olhando para a cidadania
com uma perspectiva diferente, pois o texto constitucional a colocou como fun-
damento da democracia, uma genuína base legitimante. Razões várias. Citamos
duas. Primeira: a ênfase que este artigo científico dá ao processo e Constituição
não é a de simplesmente ver os princípios processuais albergados pelo texto
constitucional, porque poderíamos aumentar a crença de que tudo o que está
na Constituição Federal é norma constitucional (vê-se que defendemos a possi-
bilidade de normas constitucionais-inconstitucionais, pois não trabalhamos com
o mito do legislador originário).12 Para sair desse emaranhado é que é preferível
falar em processo e constitucionalidade.
A esse respeito, sugere-se visualizar o processo como destaque na Cons­
tituição por ser a base instituinte e constituinte, um “referente jurídico-discursivo
de estruturação dos procedimentos”.13 Segunda razão de estudo, o que torna
esse assunto um tema de extrema importância, é o fato de ele começar pela
característica de construção desse projeto democrático, assegurando que todo
poder emana do povo (art. 1º, parágrafo único) o qual pode utilizar o devido processo
(art. 5º, XXXV) como instituto de fiscalização, para que, no plano dialógico, possam
participar (fiscalizando) a produção e aplicação das leis para haver a implantação
de Constituição com processo.
É claro que asseguramos isso porque trabalhamos uma teoria da Consti­
tuição “egressa de um espaço processualizado”,14 bem como na atuação, modifi­
cação e expurgo da lei por meio de um controle de legitimidade constitucional.15
Tudo isso porque entendemos que a Constituição é um discurso sustentado pelo
de­vido processo. Desta forma, vem-se exigindo um repensar dos tradicionais livros
de direito constitucional e de teoria da Constituição que se deslembram de abor-
dar a Constituição como uma linguagem sustentada pelo processo constitucional.
O novo modelo jurídico adotado pela vigente Constituição de 1988, eixo
garantidor e legitimador de instituições jurídicas, e a retomada da Democracia,
fez com que numerosas pesquisas ajudassem a demarcar o que é legitimidade no

12
DEL NEGRI. Teoria da Constituição e do direito constitucional, p. 252.
13
LEAL. Teoria geral do processo, p. 90.
14
DEL NEGRI. Teoria da Constituição e do direito constitucional. Conferir prefácio de Rosemiro Pereira
Leal.
15
DEL NEGRI, André. Controle de constitucionalidade no processo legislativo.

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Processo e decisão jurídica  209

Brasil e a servir de guia para a atualização e aprofundamento de temas processuais


ante as funções públicas prestadas pelo Estado brasileiro.16

4  Autoridade e totalitarismo decisório


Entramos numa época (um painel que já deveria ter sido explorado há
mais tempo) em que colocamos a decisão judicial sob suspeita. Cada vez mais
aumenta o caldo dos que estudam “decisão jurídica” e sustentam colocações e
aná­lises profundas, o que exige muitos músculos conceituais para apontar preca­
riedades, argumentos vazios e truculentos. Por isso não há escolha de ação, a não
ser uma linguagem de enfretamento para quebrar a espinha dorsal das decisões
totalitárias, algo que existiu bem antes do conhecido mundo fascista e nazista,
pois sempre houve uma complexa história em torno de julgamentos como instru­
mento de poder. Essa é uma realidade dura como mármore.
Um destaque que se faz a respeito do legado autoritário das decisões eram
os antigos faraós. Desde 3200 a.C., muito antes do reinado de Ramsés 2º (1279
a.C.),17 instalando-se como representantes divinos por via de delegação, os faraós
vestiam-se do “Séquito de Hórus” (Hórus simbolizava o poder real e era o deus
com o qual o faraó se identificava na vida terrena) e usavam barcos ricamente
paramentados que desciam o Nilo mostrando seu poder aos súditos. Triunfantes,
percorriam toda a geografia do país atuando como juiz e coletando impostos. E
essa mistificação poder-decisão para impor o seu imperium coincide com as raízes
históricas dos antigos egípcios (faraós) aos romanos (imperadores) e destes aos
modernos (príncipes e monarcas), guardado as devidas proporções.
Autoridade e legitimidade decisória são, portanto, conceitos que sempre
despertaram preocupação (principalmente nos textos sobre processo consti­
tucional), ainda mais com tantos estudos com linha de convergência na con­cei­
tuação de que o juiz está à testa do “processo”. Estudos, aliás, que a comu­ni­dade
acadêmica por muito tempo se acostumou a ouvir em sala de aula e a ler em vários
manuais. Uma afirmação que requer cautela, pois ideologicamente orientada
na sua quase totalidade por estudos dogmáticos, cerrados. É esse o ponto

16
DEL NEGRI. Processo constitucional e decisão interna corporis. Conferir, ainda, pesquisa indis­pen­
sável sobre o entendimento da responsabilidade do Estado brasileiro pela função jurisdicional,
uma vez que o serviço judiciário é um setor de funcionamento do Estado e que tem o com­
prometimento constitucional de prestar serviço público adequado e eficiente, como todos os
outros serviços públicos (BRÊTAS. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional).
17
HENDRICKX; DARNELL; GATTO. As primeiras representações do poder real no Egito. Antiquity.

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210  André Del Negri

que gostaríamos de chegar: precisamos justificar nossas pesquisas com base


em teorias e argumentos mais afinados com a democracia, não com esteio em
tradição e autoridade. O fato é que se isso que afirmamos tem alguma validação
acadêmico-científica, a figura do juiz führer (em alemão, o “condutor”, o “guia”, o
“líder”), desmorona como um castelo de cartas na linha teórica de um processo
constitucional democrático.
Ao contrário, na contemporaneidade, todo esforço é para não admitir a
figura criadora de um juiz reluzente, como se as suas decisões fossem descobertas
como o resultado de uma razão “pessoal”. Uma interpretação de tal maneira
(autoritária) necessariamente precisa ser deslocada, já que em ciência do direito os
resultados mais consistente levam os menos congruentes à ruptura, à “refutação”
(quem muito utiliza esta expressão é Karl Popper).18 Tal mudança promove uma
recolocação de conceitos e o magistrado passa a ser visto como um funcionário
público que tem o dever funcional de distanciar-se das convicções pessoais ou
de suas inclinações intuitivas no momento de fundamentar as decisões, porque
o ato de decidir deve se apoiar em provas produzidas nos autos do procedimento
e em teorias que possam guardar correlação entre processo e democracia. Claro,
pois, que essa referida produção de provas precisa ser plenária. Do contrário, não
teríamos a cognitio (verificação dos fatos pela produção de provas). Se houver
a negação de prova plenária, há negativa de ampla defesa, o que levaria a uma
negativa da cognitio.19
Daí por que se considera um imenso atraso o juiz, que é servidor por dever
funcional do povo, se afirmar, nos dias atuais, como o início e o fim do processo.
O fracasso está quando o Judiciário (nessa crença de verdade) descamba para
o pastoso terreno do ativismo judicial e passa a inventar um princípio novo a
cada decisão, conforme a precisa denúncia de Lenio Strek,20 citando os clássicos
exemplos sonoros de “escopos metajurídicos”, “razoabilidade”, “princípio da alte­
ridade”, “princípio da moderação”, “princípio da rotatividade”, “princípio da delação
impositiva”, “princípio do dedutível”, “princípio da continuidade do Estado”.
Aí, sim, essa decisão em que “tudo vale” passa a fazer aceno a juízos próprios
(solipsistas), oniscientes, clarividentes (tocha iluminada no cérebro), onde cada
juiz acaba virando um coreógrafo, um alegorista, um “executor de políticas

18
POPPER. A lógica da pesquisa científica.
19
A respeito do conceito de cognitio verificar o livro de Dhenis Cruz Madeira, cujo titulo é Processo
de conhecimento e cognição (Curitiba: Juruá).
20
STRECK. O que é isto: decido conforme minha consciência?.

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Processo e decisão jurídica  211

públicas” com fortes tendências autoritárias. Agora, no pós-88, que vivemos num
país com propostas democráticas, precisamos ser capazes de trocar conclusões
envelhecidas por formulações mais arejadas cientificamente. Precisamos parar de
reproduzir ciência e passar a produzir ciência.
Com isso, percebe-se que os denominados positivistas não esclarecem se
eles são positivistas no viés jurídico ou no viés sociológico. O problema existe
porque se um intérprete fizer um aproveitamento, uma articulação entre os dois
positivismos, instalar-se-á (a partir desse entrelaçamento) uma espécie de alquimia
que tornará todo raciocínio jurídico sincrético, uma mistura incompreensível
para a própria direção normativa, uma vez que, nesse caso, não se sabe se o
balizamento da norma está na pauta de valores de uma sociedade (culturalismo)
ou se está na vontade do aplicador do direito.21 O tormento vem que muitos
“positivistas”, ao invés de sustentar a norma escrita, vão além dessa análise e
acabam entregando ao juiz uma interpretação livre da norma jurídica (como se
o agente decisor estivesse ligado à função legislativa), levando em conta as suas
convicções psicológicas e morais, o que aumenta o grau de imprevisibilidade das
decisões.

5  A decisão como o resultado de uma razão “pessoal” – Ponto-cego


da decisão judicial
A invasão do imaginário nas decisões judiciais a partir do psiquismo dos
juízes tem apresentado decisões sem fundamentação teórico-jurídica e muitas
pesquisas de qualidade por parte daqueles que estabelecem estudos entre
processo e psicanálise.22 A questão se mostra importante para saber em que medida
os juízos de valor interferem de fato na decisão, tudo isso porque o magistrado,
apesar de sua honestidade funcional indiscutível, não consegue (ou tem muita
dificuldade) de impedir os juízos de valor em suas argumentações com contornos
de intuição. Isto porque os valores já entram na narrativa pretencional contida
na petição inicial, na formulação da problemática, por parte do advogado (ou do
Ministério Público), e aparece vezes sem conta ao longo de todo o procedimento,
correndo o risco de se fixar na decisão. Por isto não podemos cansar de acusar a
dependência de alguns escritores (principalmente os de direito constitucional)
com o moralismo, uma visão surrealista de fundamentação jurídica.

21
Essas conotações foram muito bem sinalizadas em importante livro a respeito da decisão jurídica
(LEAL. Teoria processual da decisão jurídica).
22
ALMEIDA. Espaço jurídico processual na discursividade metalinguística.

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212  André Del Negri

No horizonte do que tem sido produzido nos últimos tempos na comu­


nidade jurídica, e que veio (e ainda vem) sendo produzido aqui no Brasil, Fazzalari
esbanjou precisão e destacou uma verdadeira revolução conceitual no âmbito
do direito processual. A rigor, o sucesso de grande parte de suas pesquisas
partiu da forma singular que ele tratou o contraditório no estudo do processo,
uma chave que o permitiu trabalhar uma técnica do procedimento (e não uma
teoria científica do processo). A sua atitude acadêmica de mudança de paradigma
conceitual lhe rendeu elogios, mas também severas críticas por não trabalhar o
contraditório de forma expressamente indexada às garantias constitucionais,
o que bem demonstra o pensamento de Dierle Nunes ao dizer que “Fazzalari não
demonstrou maior preocupação com uma aplicação dinâmica dos princípios
constitucionais”.23
No ponto da análise fazzalariana, só há processo quando no segmento de
formação de um provimento existe contraditório amplo e isonômico. Sua conclusão,
portanto, é bastante contundente ao colocar que processo é o procedimento
realizado em contraditório entre as partes. Em contrapartida, o provimento final
(sentença), ao ser preparado pelas “partes”, afasta a posição dominante do juiz
como propunham as antigas teorias de relação entre pessoas (contrato, quase
contrato, relação jurídica). No entanto, os esforços do processualista italiano, até aí
empreendidos, apesar de destacar verdadeiras revoluções conceituais no âmbito
do Direito Processual, no momento mesmo em que explicita esse afastamento
da figura do juiz na preparação do provimento final, acaba criando um paradoxo:

[...] Os provimentos jurisdicionais em sentido estrito consistem em


“ordens” que o juiz dirige às partes e que produzem diretamente efeito
em seu patrimônio [...]. Assim, o provimento (jurisdicional) civil de
“condenação” é uma “ordem”, dirigida pelo juiz a um dos litigantes, para
que este dê ou faça algo em prol do outro.24 (grifos nossos)

Por isso é que André Leal diz que o paradoxo de Bülow foi parcialmente
superado na literatura de Fazzalari, uma vez que o eixo da jurisdição, para o pro­
cessualista italiano, ainda está centrado na figura do julgador (Estado-Juiz/poder
dos juízes), o que resgata resquícios das “representações gráficas da relação

NUNES. Processo jurisdicional democrático, 2008, p. 207.


23

FAZZALARI. Istituzioni de diritto processuale, p. 364. “I provvedmenti giurisdizionali consistono


24

in ‘comandi’ Che il giudice rivolge alle parti e Che svolgono direttamente efficacia nel loro
patrimônio [...] Cosi, il provvedimento (giurisdizionale) civile di ‘codanna’ é um ‘comando’, rivolto
dal giudice ad uno dei litiganti, perché questi dia o faccia alcunché a favore dell’altro”.

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Processo e decisão jurídica  213

jurídica de Bülow propostas por Wach e Hellwing”.25 A aparente despretensão


fazzalariana de não ser precisamente claro/objetivo na sua literatura em relação
a uma crítica do juiz ao longo dos procedimentos judiciais expôs para alguns
estudiosos do tema uma fragilidade teórica. A suposta falta de enfrentamento,
no entanto, e cada qual interpreta à sua maneira, levou Fazzalari a um recalque
do juiz mantendo-o fora da vista das partes processuais, para ele (o juiz) voltar no
lugar e no momento oportuno (hora da decisão) para remetê-las à antiga posição
de jurisdicionados.26
É importante seguir com essa discussão jurídico-filosófica para abordar
pontos que continuam causando controvérsia, pois autores ainda publicam (com
estranheza) afirmações na literatura jurídica, e aí cabe citar Hermes Zaneti Júnior,
de que a teoria fazzalariana “fica reduzida e inviabilizada no direito brasileiro [...]
ao cerrar as portas para o discurso judicial e para a criação do direito pelo juiz”.27
Desta forma, a gafe de Zaneti Júnior prova que o juiz deve criar o Direito, um
com­plicado e nunca bem resolvido espaço em que, em um estágio mais agudo
de reflexão, a obra dá sinais de que a teoria de fazzalari não foi recepcionada
no Brasil (ou recepcionada parcialmente). Não há dúvida de que o citado livro
é ziguezagueante, uma vez que avança na compreensão da literatura fazzala­
riana ao dizer que a participação das partes “não basta para distinguir o processo
do procedimento” porque a “estrutura dialética do procedimento”, de fato, é “o
contraditório”,28 mas arrasta consigo (de forma imanente) que a observância do
procedimento em contraditório estabelece-se “entre as partes e entre eles e o
juiz”.29
Se ainda há incoerências, pode-se citar que Zaneti Jr., ao analisar a literatura e
Piero Calamandrei, de que o juiz “deverá tratar o problema (thema in decidendum)
em conjunto com as partes”,30 ao mesmo tempo direciona-se (de forma pendular)
para definir que “o juiz exerce uma atividade criadora, que é complemento

25
LEAL. Processo e jurisdição no Estado Democrático de Direito..., f. 96.
26
LEAL, Rosemiro Pereira. Aula ministrada no Curso de Pós-Graduação stricto sensu em Direito
Processual da Faculdade de Direito da PUC Minas, em 03 abr. 2013. Informações verbais.
27
ZANETI JÚNIOR. Processo Constitucional e o modelo constitucional do processo civil brasileiro,
p. 200.
28
ZANETI JÚNIOR. Processo Constitucional e o modelo constitucional do processo civil brasileiro,
p. 198.
29
ZANETI JÚNIOR. Processo Constitucional e o modelo constitucional do processo civil brasileiro,
p. 193.
30
ZANETI JÚNIOR. Processo Constitucional e o modelo constitucional do processo civil brasileiro,
p. 187.

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214  André Del Negri

necessário à atividade legislativa ordinária”.31 Portanto, segundo o autor, o juiz


“exerce uma atividade criadora”, uma vez que ele, “na concepção da norma
específica, atua como político, com a ponderação de critérios de conveniência
(proporcionalidade) advindos da sua sensibilidade e humanidade, sempre dentro
do ordenamento constitucional”.32
Essa ética das convicções do juiz atuando em critérios de ponderação/
proporcionalidade se manifesta de maneira vulcânica em vários livros e tende
a oferecer decisões tão baratas quanto indemarcáveis. São respostas que em­
pres­tam um verniz democrático à fundamentação das decisões. Para nós parece
ser muito remota a probabilidade de trocar teorias por bom-senso e decisões
fundamentadas teoricamente por decisões pragmáticas, com esteio na tradição
e no discurso de autoridade. É como se o juiz olhasse para o fato, valorasse e o
convertesse em norma, conforme a conhecida passagem de Miguel Reale.33
Precisamos esclarecer melhor essa situação porque privilegiar o intérprete, que é a
própria autoridade-juiz, já espanca o próprio seguimento fazzalariano de simétrica
paridade, uma vez que já entregaríamos a interpretação à autoridade, permitindo
que o juiz decida, na intranorma, uma maneira de mantê-lo exatamente fora da
isonomia.34 Neste caso, a decisão sendo da autoridade, o que já implica um tipo
de dominação weberiana,35 parece improvável no processo constitucional con­
temporâneo porque esse “oculto” nas entrelinhas da planilha de decisão reside
tão somente no fato de que o critério é sempre o da auctoritas. Mais grave: há
risco de o juiz entender como bem quiser cada caso porque ainda existe lei que o
autoriza (LINDB – Lei nº 12.376/2010). Assim, ele, o juiz (auctoritas), pode decidir
com norma ou sem a norma, uma vez que a LINDB, que é o império da autoridade
(dogmática analítica), funciona como um piso escorregadio que se presta a um
ilusionismo, um genuíno “caráter oculto”.36 Com isso, o solipsismo continua com
espaços aqui e ali no século 21, e é essa situação que quebra a simétrica paridade
no processo.

31
ZANETI JÚNIOR. Processo Constitucional e o modelo constitucional do processo civil brasileiro,
p. 188.
32
ZANETI JÚNIOR. Processo Constitucional e o modelo constitucional do processo civil brasileiro,
p. 188.
33
REALE. Filosofia do direito.
34
LEAL, Rosemiro Pereira. Aula ministrada no Curso de Mestrado/Doutorado em Direito Processual
da Faculdade de Direito da PUC Minas, em 13 mar. 2013. Informações verbais.
35
WEBER. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva.
36
LEAL. Teoria geral do processo, p. 243-250.

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Processo e decisão jurídica  215

6  Processo e decisão fundamentada – O fim da atividade criadora do


juiz
Tudo o se que opõe à doutrina clássica de direito processual é da ordem
do trauma. Esse deslocamento em relação à história da auctoritas que atravessou
séculos e séculos e argamassou alguns conceitos, passa a sofrer a reconstrução
objetiva ao deslinde de novos ângulos de vista.
Os deuses olímpicos se foram, mas a ideia arrogante de antropomorfização
de alguns juízes ainda continua em determinadas situações específicas na prática
do foro. Por isso, tentamos neste trabalho combater as decisões judiciais tomadas
de simbologia e de critérios pessoais, principalmente daqueles juízes (com
exceções), que se enxergam “Hermes” (pássaros mágicos de toga), habilitados a
construir um Estado de Direito a partir de seus critérios pessoais de justiça.
Cabe acrescentar que no estudo da interpretação há uma linha de decisões
judiciais (uma linha perigosa) que ainda faz aceno à filosofia da consciência
(subje­tividade), o que é motivo de grande preocupação, e é justamente esse
respeito que a literatura de Lenio Streck combate.37 De conseguinte, nessa rota
de decisões judiciais tomadas a partir de critérios pessoais e intuitivos, percebe-
se que muitos caíram (e ainda caem) no pastoso terreno da subjetividade, do
senso de superioridade moral, lugar em que muitas decisões se arrojam a partir
do egocentrismo devastador de alguns juízes (e tribunais superiores) que se
apresentam como portadores de um “exclusivo saber” na hora de interpretar a
lei, o que provoca desdobramentos paranoides tão próprios de uma “ditadura do
martelo”.
Todas essas questões nos conduzem diretamente à nossa preocupação de
fraturar a figura de um juiz decisionista, que ao interpretar a lei atua com esteio
no intuicionismo, no emotivismo, enfim nos critérios pessoais (psicologistas) com
o uso de argumentos livres para empreender uma correção ao “envelhecimento”
da lei, um comportamento que transforma o Judiciário num aparelho ideológico
(no sentido althusseriano)38 ou talvez num superego de uma sociedade órfã (para
usar o estilo de Ingeborg Maus).39
Nisso, tendo o juiz o poder de dizer o direito (e aqui a nossa preocupação
é com os arts. 4º e 5º da LINDB), a jurisdição passou a ser atividade tão somente

37
STRECK. O que é isto: decido conforme minha consciência?.
38
ALTHUSER. Aparelhos ideológicos de Estado.
39
MAUS. Judiciário como superego da sociedade: o papel da atividade jurisprudencial na sociedade
órfã. Revista Novos Estudos.

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216  André Del Negri

do magistrado (uma espécie de depositário público de confiança da sociedade


civil), algo que requer muito cuidado para não abrir um perigoso campo para
as discricionariedades. Não insistiremos aqui sobre todo o detalhamento da
interpretação, o que vários livros já demonstraram tantas vezes, muitos, aliás,
lamentavelmente, apenas reproduzindo antigas decisões do Judiciário, algo
distante de uma ciência do direito processual constitucional.
Vejamos como todo esse projeto de “ativismo” começou a reunir elementos
para sustentar uma relação de submissão das partes processuais e a imagem de
um juiz que abstraísse (ato de separar mentalmente) os procedimentos judiciais
das leis, passando por um viés de interpretação de cunho pessoal. Essa ideia
não é estranha no período do Estado Social, mas antes é necessário recuperar a
lembrança do período do liberalismo, momento esse em que ao juiz era reservado
o papel de mera “boca da lei” (bouche de la loi), pois ela, a lei, era considerada
completa (verba certa – palavra certa).
Dentro desse equacionamento, Dierle Nunes, ao analisar o modelo de libe­
ra­lismo processual, destaca o protagonismo das partes e o comportamento do
juiz como mero espectador. Incisivo, e com apoio em Michele Taruffo, afirma que
“o juiz, nesse sistema, exercia papel completamente passivo, tanto que mesmo
nas au­diências de instrução eram inteiramente confiadas aos advogados das
partes [...]”.40
A partir dessas concepções, o comportamento do juiz, que antes imobilizado
na literalidade da lei, passou a ser, no modelo de socialização processual, mais
amplo e discricionário (ampla liberdade no momento de decidir), tudo com esteio
no “ato de vontade do julgador”. Dessa forma, quando se propôs no Estado Social
uma participação mais ativa do juiz ao longo dos procedimentos judiciais, o que
se queria era o fim da inércia do magistrado. Chegou ao ponto de se imaginar que
a moral podia corrigir o direito com o protagonismo do juiz. Em contraposição ao
imobilismo exagerado do Estado liberal, o Judiciário passou por reformulações
hermenêuticas e percorreu um caminho assegurador (e assustador!) da atividade
criadora do juiz (ativismo judicial) em busca da tentativa de conciliação entre a
realidade social, os ditames constitucionais (bem-estar, sociedade solidária...) e
a “justiça nas decisões”, ao arrimo da “letra fria da lei”. Essa ideia de cunho mais
sociológico do que jurídico vai ganhar força, inclusive, com o socialismo processual
do Leste Europeu no pós-Segunda Guerra, um ativismo judicial compensador

NUNES. Processo jurisdicional democrático, p. 62.


40

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Processo e decisão jurídica  217

das desigualdades e que leva a uma apatia dos advogados das partes, conforme
ressalta a importante pesquisa de Dierle Nunes.41
Artur César de Sousa, num artigo argumentativo sobre a aplicação da
“parcialidade positiva do juiz”, projeta essa possibilidade como um “imperativo
principiológico que determina o reconhecimento das diferenças sociais, eco­
nô­micas, culturais e mesmo psicológicas daqueles que atuam no âmbito do
processo”.42 E não é só: “o princípio da parcialidade positiva do juiz significa a
reali­zação pragmática das promessas do constitucionalismo social, mediante a
supressão [...] das pessoas envolvidas na relação jurídica processual [...]”.43
Pensamos diferente. Se o juiz tentar suprir as diferenças materiais dos
cida­dãos pelo processo (núcleo discursivo nas democracias), seria o mesmo que
dizer que o juiz age como parte, pois representante de um Judiciário homo­lo­
gador das funções do refutado paradigma de Welfare State. Ao adotar esse
ativismo justiceiro (juiz Robin Hood), com o argumento de fazer “justiça social”,
escapa da reserva legal do processo e comete-se dupla lesão. A primeira: a de
remeter as partes processuais à posição de meros destinatários do Direito (e
não coconstrutoras da decisão). Uma outra: a negativa da simétrica paridade ao
cidadão na base de discursividade processual (devido processo constitucional),
descon­figura o princípio do contraditório, eixo teórico-democrático-fundamental
de discursividade isonômica, porque não há contraditório sem a observância da
simétrica e simultânea paridade entre as partes processuais.
O desconforto existe porque o Judiciário não participa em contraditório
com as partes. É preciso levar em linha de conta que o contraditório não é do
magistrado, mas sim tributário das partes. Na proveitosa obra de Aroldo Plínio
Gonçalves44 isso é muito claro porque “a participação do juiz não o transforma em
um contraditor, ele não participa em contraditório com as partes”, uma vez que
“entre ele e as partes não há interesse em disputa, ele não é um ‘interessado’, ou
um ‘contra-interessado’ no provimento. O contraditório se passa entre as partes
porque importa no jogo de seus interesses em direções contrárias, em divergência
de pretensões sobre o futuro provimento que o iter procedimental prepara, em
oposição”.

41
NUNES. Processo jurisdicional democrático, p. 108-112.
42
SOUZA. A parcialidade positiva do juiz (justiça parcial) como critério de realização no processo
jurisdicional das promessas do constitucionalismo social. Revista dos Tribunais, p. 30.
43
SOUZA. A parcialidade positiva do juiz (justiça parcial) como critério de realização no processo
jurisdicional das promessas do constitucionalismo social. Revista dos Tribunais, p. 51.
44
GONÇALVES. Técnica processual e teoria do processo, p. 121.

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218  André Del Negri

Lado outro, cabe esclarecer que a instituição do processo não é direito-


garantia para trazer igualdade à sociedade por causa das desigualdades materiais
das partes, mas sim uma instituição constitucionalizada apta a assegurar uma
igualitária participação dialógica na construção do provimento final (sentença).
Vale lembrar que a igualdade processual diz respeito à participação temporal
idêntica das partes processuais na construção da decisão (ato compartilhado)
“independentemente de se ter ou não direito material”.45 Ocorre que em nossa
opinião a redução das desigualdades sociais não é dever do Estado-Juiz no
transcorrer do processo, além do que, é vedado ao juiz decidir fora dos limites
construídos pelas partes processuais (teses jurídicas construídas pelas partes
em ampla defesa, a partir dos elementos fixados nos autos do procedimento).
Acontece que a esperada “paz social” é uma construção retórica (as aspas aqui
são para que não imagine que ela virá por meio de um juiz-justiceiro, cujo cérebro
sensitivo e talentoso fosse capaz de reduzir os problemas sociais paternalizando
os sujeitos do processo e remetendo-os à posição de meros coadjuvantes do seu
destino).
Diante do afastamento das formações imaginárias que representam a deci­
são, tem-se, então, que o processo constitucional é uma instituição que se desen­
volve num espaço discursivo de simétrica paridade entre as partes, de modo que
esses sujeitos processuais possam desenvolver seus discursos críticos (isocrítica) e
assumir a posição de coautores interpretativos e fiscalizadores das leis (jurisdição),
por via, evidentemente, da instauração de procedimentos judiciais.
Nesse contexto, portanto, no Estado Democrático de Direito, sabe-se que
a decisão não é mais ato solitário do juiz (solipsismo), o qual não tem que fazer
uso da palavra coringa “justiça” com o objetivo de legitimar irresponsabilidades
advindas do tribunal da razão, mas sim com apoio nos conteúdos da lei inter­
pretada pelas partes num procedimento discursivo regido pelo processo. Desta
forma, a arbitrariedade das decisões em nome do “bem-comum,” do “coletivo,”
mesmo que para isso seja preciso esmagar os direitos fundamentais do processo,
necessariamente carece de estar com os dias contados. Por isso a importância
de se esclarecer a participação do juiz na atividade hermenêutica (ao lado das
partes processuais), para uma melhor compreensão do processo nas democracias
plenárias.

FONSECA. Isonomia e contraditório na teoria do processo. In: LEAL et al. (Coord.). Estudos conti­
45

nuados de teoria do processo, v. 1, p. 18.

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Processo e decisão jurídica  219

À obviedade, fica claro que essa construção teórica feita pelo juiz tem que
ser profundamente fundamentada (art. 93, IX, da CF/88), distante, portanto, da
filosofia da consciência (lei íntima do decididor; sentença/ato de sentimento) com
esteio na figura de um juiz visto como um terceiro interessado no processo, como
queria a teoria da relação jurídica (jurisdição como atividade do juiz – Bülow).
Avancemos então com mais precisão. O momento decisório (decisão
processual) não é a oportunidade de o juiz agir além dos conteúdos normativos.46
É de nossa intenção afirmar que estamos, mais uma vez, com o professor
Ronaldo Brêtas, que por meio de sua apurada estética na escrita e infalível corte
processual, não recua um passo na sua empreitada de desconstrução da temática
da decisão autocrática. Por isso não aceita que os fundamentos do magistrado
sejam solitários, não mediados por uma estrutura argumentativa preparatória da
decisão.47 Do nosso ponto de vista, seria ingenuidade supor que o juiz (em seu
esplendor) possa corrigir as “anomalias” da sociedade consertando os descom­
passos materiais existentes na sociedade a partir de sua moral.
Basta lembrar o Freirecht alemão (direito livre), um movimento sociológico
ocorrido na Alemanha a partir das ideias de Eugen Ehrilch e Hermann Kantarowicz,
cheios de convicção de que o juiz deveria ser livre para empreender a ativi­dade
judicante, pouco importando se dentro ou fora, contra ou a favor do sistema
jurídico.48 Foi com base nessa “Escola do direito livre” que muitos se senti­ram
inspirados a escrever textos, livros, artigos e teses outorgando aos juízes conti­
nuamente a oportunidade de dizer o direito e completar o sistema jurídico. E
porque convencidos desse “prudente arbítrio do juiz” (e o que seria esse “pru­
dente”, parece impossível de responder), muitos ainda continuam nesse delírio
imaginário.
Por isso é que não é mais concebível, no plano da decidibilidade democrá­
tica, o sujeito-julgador atuar de forma prodigiosa “fundamentando” as decisões
judiciais com apoio em critérios enigmáticos e irresponsáveis (subjetivos), como,
por exemplo, do “justo razoável”, do “ideal de justiça”, do “livre-arbítrio do juiz”,
do “processo justo”, da “interpretação mais razoável”, da “decisão mantida pelos
seus próprios e jurídicos fundamentos”.49 Ainda aqui é preciso dizer que o magis­
trado que decide segundo sua consciência, dentro ou fora da lei, atua como

46
LEAL. Teoria processual da decisão jurídica.
47
BRÊTAS. Processo constitucional e Estado Democrático de Direito.
48
ANDRADE. O problema dos métodos da interpretação jurídica, p. 47.
49
BRÊTAS. Processo constitucional e Estado Democrático de Direito, p. 125-126.

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220  André Del Negri

um justiceiro, um “criador” do direito, com esteio em valores representativos da


imagem (decisões praticadas no registro do imaginário).50
Outra incompreensão, eternamente contida no cérebro de quem estuda
o Direito sem a crítica científica é aquele espontâneo pronunciamento de que,
quando não houver um tratamento jurídico a uma determinada matéria (lacuna),
o juiz deve agir discricionariamente, com base nos costumes (art. 126 do CPC) e
princípios gerais de direito (art. 4º da LINDB). Percebe-se que quanto mais con­
ceitos jurídicos indeterminados houver, tais como bem comum, fim social (art. 5º
da LINDB), maior será a discricionariedade do decididor. Foi em nome do “bem
comum” (common good) e de alguns “fins sociais” que vários governos ditatoriais
conseguiram criar formas de conduzir uma nação. Aliás, “bem comum” e “fins
sociais” não têm nada de jurídico, são considerados política pura. Com esta demar­
cação — altamente discutida, pois o conflito conceitual não é de fácil resolução
— quer-nos parecer que na teoria democrática as expressões “bem comum” e “fins
sociais” (e outras expressões abertas como “princípios gerais de direito,” “analogia”
e “equidade”) precisam ser cautelosamente demarcadas. Já existem os princípios
constitucionais para pôr em relevo grandes discussões interpretativas para reger
os mais diversos casos que chegam ao judiciário.
Partindo dessas premissas, Lenio Streck, com apoio em Flaviane de
Magalhães Barros, afirma que:

[...] embora o juiz seja uma pessoa com convicções e história de vida, a
limitação ao seu subjetivismo e à sua parcialidade se dá justamente no
impedimento de uma fundamentação que extrapole os argumentos

Imaginário, nessa parte do trabalho, tem o uso lacaniano, significando aquilo que pode ter as
50

acepções de “falso”, ilusão da autonomia da consciência, representações e imagens. Em síntese,


algo ligado sempre ao comportamento individual e ilusório. Com efeito, para ficar na tentativa de
melhor explicação, arriscamos uma síntese: Jacques Lacan (1901-81) ao instituir sua teoria clínica
da psicanálise a partir da influência da antropologia de Lévi-Strauss e da linguística de Saussurre,
reformulou a noção de inconsciente e construiu uma nova leitura de sujeito a partir da linguagem.
Cabe esclarecer que o referido psicanalista francês elegeu a matemática (o matema), como forma
ideal de transmissão porque, segundo ele, a matemática seria a única ciência possível por ter uma
lógica interna que prescinde o sentido. Assim, os matemas, seriam fórmulas algébricas (unidades
conceituais exatas) como forma de se estudar o “inconsciente como estrutura de linguagem”.
Foi dessa forma que passou a demarcar a tríade “Imaginário”, “Simbólico” e “Real”. Esses registros,
segundo a literatura lacaniana, se amarram segundo as propriedades do nó borromeano (não
existe um sem os outros). Por isso o entrelaçamento entre os registros real, simbólico e imaginário
é uníssono, nenhum deles tem mais hierarquia que os outros, atuando de maneia conjunta.
O interessante está justamente no efeito que a dimensão do simbólico possibilita para o tema
que ora estamos a estudar. Cf. LACAN. Nomes-do-pai; ALMEIDA. Espaço jurídico processual na
discursividade metalinguística.

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Processo e decisão jurídica  221

jurídicos e na obrigatoriedade de se construir a decisão com a argumen­


tação participada das partes, que, como partes contraditoras, possam
discutir a questão do caso concreto, de modo que a decisão racional
se garanta em termos de coerência normativa, a partir da definição do
argumento mais adequado ao caso. Assim, o objetivo é garantir que um
juiz mesmo com suas convicções, não apresente um juízo axiológico, no
sentido de que todos os cidadãos comunguem da mesma concepção de
vida, ou que os valores ali expostos na sentença vinculem normativamente
todos os demais sujeitos do processo.51

A partir dessas concepções, decisivo para o arremate da discussão foi Dhenis


Cruz Madeira, ao dizer que na Democracia há a queda do “ídolo da certeza”. E
diz mais: “toda e qualquer motivação decisional deve ser extraída do discurso
dialógico-processual. Assim, decisões baseadas na metajuridiciadade (v.g., inte-
resse público, equidade, bom senso, adequabilidade, proporcionalidade, justiça,
sensibilidade, intuição, experiência) são ilegítimas, porquanto é impossível que os
destinatários se reconheçam como coautores do provimento. A metajuridicidade
cria o espaço infiscalizável do soberano”.52

7 Conclusão
Para entender por que a figura do juiz triunfou sobre as partes, por que
a submissão das partes perdurou por longo tempo, e todos esses percursos,
precisamos ver quais teorias estavam sendo defendidas à época. Considerando
o contexto histórico em que aparece o modelo de liberalismo processual, sistema
que o juiz exercia papel passivo, e o modelo de socialização processual, mais
amplo e discricionário, o qual o juiz tinha ampla liberdade no momento de decidir,
temos dois quadros interessantes para análise acadêmica.
O curioso é que alguns escritores pensavam encontrar na figura judicacional
um ser excepcional que era inteligente, culto e preparado para resolver os conflitos
sociais que chegavam ao judiciário. No entanto, essa crença se desfez, por motivos
teóricos diversos. Com efeito, de lá para cá, muitas expressões ficaram à sombra do
esclarecimento, como é o caso da engenhosa expressão “escopos metajurídicos”
que funciona como uma rampa de decolagem para que alguns possam enxergar

51
STRECK. Hermenêutica, Constituição e processo, ou de “como discricionariedade não combina
com democracia: o contraponto da resposta correta”. In: MACHADO; CATTONI DE OLIVEIRA
(Coord.). Constituição e processo: a contribuição do processo ao constitucionalismo democrático
brasileiro, p. 19.
52
MADEIRA. Processo de conhecimento e cognição, p. 212.

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222  André Del Negri

além do direito (além do que a lei estabelece). E com isso, certamente, estamos
querendo demonstrar que esses modelos não são uma boa definição de processo
constitucional na contemporaneidade.
Dessa hipótese decorre um corte epistemológico, o qual coloca o seguinte
problema: o que garante uma decisão legítima? Por estudos apontados ao longo
deste artigo, sabe-se que o advogado, quando lança a pretensão na petição
inicial, já começa a identificar o procedimento. Não sendo isso suficiente, se essa
narrativa não tiver uma causa de pedir próxima (lei) muito bem demarcada, essa
petição abre margem para a outra parte processual contestar preliminarmente
por falta de um dos “elementos configurativos da ação”.
Além disso, a contraparte processual deve testificar a teoria utilizada pelo
autor, inclusive filtrando toda a linguagem utilizada, o que colocaria o processo
como médium linguístico, uma das formas mais avançadas de discurso como
metalinguagem (uma linguagem corretiva da linguagem natural).53 Isso acontece
porque as partes preparam a conclusão e o juiz fica vinculado aos argumentos do
procedimento, e aqui os valores morais não podem se reconciliar com raciocínios
jurídico-científicos.
Por tal motivo as decisões devem ser objetivas (teóricas), livres de juízos
abertos, pessoais. É por isso que neste trabalho a jurisdição não é atividade do juiz
e o processo é uma instituição de legitimação da decisão. É nessa forma de pensar
o processo que este artigo se apoia na teoria neoinstitucionalista, de Rosemiro
Pereira Leal, literatura de grande teor científico, e na igualmente importante obra
denominada “Processo Constitucional e Estado Democrático de Direito,” escrita por
Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, Professor dos cursos de Mestrado e Doutorado
em Direito da PUC Minas, que demarca os estudos processuais no Direito
democrático. Com isso, essas literaturas fazem um trabalho de desmistificação, de
desmascaramento, um raciocínio de ir às raízes dos problemas processuais, a fim
de mostrar o que está atrás dos argumentos morais.
Assim, nessa linha de aderência, o Direito democrático deve ser opera­
cio­nalizado, construído, desconstruído, fiscalizado, aplicado e interpretado de
forma compartilhada e testificada. Desta maneira, o juiz tem a função de atuar
nos conteúdos da lei e ao interpretá-la pode construir a sua teoria demarcada
por argu­mentos jurídicos (internos ao Direito), o que, num raciocínio popperiano,
pode coincidir com a teoria da parte processual (teoria A) ou com a teoria da
contra­parte processual (teoria B). É evidente que ele pode produzir outra teoria

ALMEIDA. Espaço jurídico processual na discursividade metalinguística.


53

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Processo e decisão jurídica  223

(teoria C), desde que esclareça as “razões” de sua decisão de forma profundamente
fundamentada (art. 93, IX, da CF/88). À obviedade, fica claro que essa construção
teórica feita pelo juiz deve ser ofertada ao contraditório das partes para ser
portadora de legitimidade. Do contrário, a democracia esmaece.

Abstract: This article provides a critical analysis of one of the central problems
of the constitutional process, which is the legal decision. By making the
estrangement with the object of research, this text reacts against manual
dogmatic and interrogates the extent to which value judgments interfere
in decisions. Examines the paradoxes to try to undo the stocks labyrinthine
judicial activism with refinements of free interpretation. Check these
conditions is therefore the purpose of this article, which will, in the end, a
temporary conclusion. This saves undoubtedly a character of scientific-
critical work.

Key words: Constitutional process. Rational decisions. Legal decision.

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

DEL NEGRI, André. Processo e decisão jurídica. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro,
Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 203-224, out./dez. 2013.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 203-224, out./dez. 2013
L’ennesima riforma della Cassazione civile
italiana

Andrea Panzarola
Advogado. Doutor pela Università degli studi di Roma “La Sapienza”.
Professor titular da Università LUM Jean Monet- Bari.

Abstract: The reform of the proceeding of the Court of Cassation (law nr.
134 of 2012) raises the question whether (in accordance with the new art.
360, par. 1 nr. 5 of Code of civil procedure) the Court is now always obliged
to rely on fact findings of the decision below: precisely, whether the
Supreme Court must accept findings which conflict with the processes of
rational reasoning, the laws of nature or established scientific knowledge.
Furthermore, proponents of reform argue that a judgment of the court of
appeal on question of facts can be regarded as reliable when the appellate
court agrees with the lower court’s decision, since the case has gone through
the scrutiny of two courts before coming to the Supreme Court. The reform is
intended to limit the numbers of the petitions and to increase the Supreme
Court’s scope to pronounce precedents in legally important cases without
the need to check the correctness of evidence.

Key words: Court of Cassation. Italian code of civil procedure. Law nr. 134 of
2012. Review of facts and fact findings. Precedent.

Sommario: 1 L’incensurabilità del vizio di motivazione in caso di c.d. “doppia


conforme” – 2 La c.d. “doppia conforme” nella prospettiva storica – 3 La
riformulazione dell’art. 360 comma 1 n. 5 c.p.c. – 4 Il controllo di logicità della
motivazione tra Costituzione e codice di rito – 5 Spunti per l’esegesi della
norma – 6 Prospettive

1  L’incensurabilità del vizio di motivazione in caso di c.d. “doppia


conforme”
Nel fermento che caratterizza la discussione odierna sulla Cassazione, sul
tema del controllo della motivazione si è polarizzato l’interesse di tutti: è un
punto vivo che ha un riferimento immediato al destino ed al significato stesso del
sindacato del Giudice di vertice.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 225-253, out./dez. 2013
226  Andrea Panzarola

Si tratta di un tema toccato dalla recente riforma del processo civile,1 che
ha investito sia il processo di secondo grado che il giudizio di cassazione. Quanto
al primo, il legislatore ha predisposto un “filtro” che permette al giudice di
appello, prima di intraprenderne la trattazione, di dichiarare la inammissibilità del
gravame che sia privo di una ragionevole probabilità di essere accolto. A seguito
di tale declaratoria di inammissibilità, contro il provvedimento di primo grado
può essere proposto ricorso per cassazione.2 Quanto al secondo giudizio,3 è stato
in vario modo limitato il controllo della Suprema Corte sulla motivazione della
sentenza impugnata con ricorso per cassazione (art. 360 comma 1 n. 5 c.p.c.).4
I due interventi normativi presentano degli evidenti punti di contatto, che
non mancheremo di evidenziare. L’oggetto della indagine rimane nondimeno
circoscritto al sindacato della Cassazione sulla motivazione.
A seguito della modifica dell’art. 360 comma 1 n. 5 c.p.c., d’ora in poi il
ricorrente potrà denunziare la decisione del giudice inferiore unicamente per
“omesso esame circa un fatto decisivo per il giudizio che è stato oggetto di
discussione tra le parti”, quando sino ad oggi avrebbe invece potuto lamentare la
“omessa, insufficiente o contraddittoria motivazione circa un fatto controverso e
decisivo per il giudizio”.

1
Art. 54 d.l. 22 giugno 2012, n. 83 (conv. in l. 7 agosto 2012, n. 134). Sulla disciplina transitoria v.
infra §3. Secondo l’art. 54 comma 3-bis (aggiunto in sede di conversione dall’art. 1 comma 1 l.
n. 134 del 2012 cit.) le disposizioni in esame “non si applicano al processo tributario di cui al
decreto legislativo 31 dicembre 1992, n. 546”.
2
Cfr. art. 348-ter comma 3 c.p.c.
3
Altre disposizioni intersecano il giudizio di cassazione, nella misura in cui incidono sulla
determinazione dei provvedimenti ricorribili per cassazione e sul termine per esperirlo (comma
2 art. 348-ter c.p.c.). Poi il comma 4 art. 383 c.p.c. ha per oggetto il giudizio di rinvio che segue
all’accoglimento del ricorso contro il provvedimento di primo grado (che diviene impugnabile
dinanzi alla Suprema Corte a seguito della pronunzia della ordinanza di inammissibilità da parte
del giudice di appello).
4
La posizione della dottrina è nel complesso critica. Cfr. M. Bove, Giudizio di fatto e sindacato della
corte di cassazione: riflessioni sul nuovo art. 360 n. 5. c.p.c., in http://www.judicium.it; R. Caponi,
La riforma dell’appello civile dopo la svolta nelle commissioni parlamentari, ibidem; Id., Contro il
nuovo filtro in appello e per un filtro in cassazione nel processo civile, in G COST 2012, in corso di
pubblicazione; Id., La riforma dei mezzi di impugnazione, in RTDPC 2012, in corso di pubblicazione;
C. Consolo, Nuovi ed indesiderabili esercizi normativi sul processo civile: le impugnazioni a rischio
di “svaporamento”, in CG 2012, 1133 ss ; Id., Lusso o necessità nelle impugnazioni delle sentenze?,
in http://www.judicium.it; B. Sassani, La logica del giudice e la sua scomparsa in Cassazione,
ibidem; G. Verde, Diritto di difesa e nuova disciplina delle impugnazioni, ibidem; M. De Cristofaro,
Appello e cassazione alla prova dell’ennesima “riforma urgente”: quando i rimedi peggiorano il male
(considerazioni di prima lettura del d.l. n. 83/2012), ibidem. M. Fornaciari, Ancora una riforma dell’art.
3601 n. 5 cpc: basta, per favore, basta!, ibidem; D. Grossi, Il diritto di difesa ed i poteri del giudice
nella riforma delle impugnazioni, ibidem; G. Impagnatiello, Crescita del Paese e funzionalità delle
impugnazioni civili: note a prima lettura del d.l. 83/2012, ibidem; Id., Pessime nuove in tema di appello
e ricorso in Cassazione, in GPC 2012, 735 ss., spec. 754 ss.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 225-253, out./dez. 2013
L’ennesima riforma della Cassazione civile italiana  227

Vi sono dei casi nei quali, peraltro, il motivo di ricorso in esame non è proprio
utilizzabile. Vogliamo dire delle regole contenute nei commi 4 e 5 dell’art. 348-ter
c.p.c., anch’esse riguardanti le modalità di accesso al giudizio dinanzi alla Suprema
Corte. Nel caso di cosiddetta “doppia conforme” in facto, le due norme cancellano
puramente e semplicemente la possibilità di formulare, quale motivo di ricorso
per cassazione, il vizio di motivazione (pur nei limiti ristretti nei quali esso ora
opera alla luce) del nuovo art. 360 comma 1 n. 5 c.p.c.:
a) — vuoi avverso il provvedimento di primo grado (comma 4 art. 348-
ter cit.), che sia impugnato dinanzi alla Suprema Corte, a seguito della
pronunzia della ordinanza di inammissibilità dell’appello (ex comma
2 art. 348-ter c.p.c.), allorché questa declaratoria di inammissibilità sia
basata “sulle stesse ragioni, inerenti alle questioni di fatto, poste a base
della decisione impugnata”;
b) — vuoi contro la sentenza di appello (comma 5 art. 348-ter cit.), che
confermi (nei modi testé veduti) la decisione di prime cure. Siamo inclini
a pensare che il richiamo alla “disposizione di cui al quarto comma” (che
introduce il comma 5 cit.) serva per intendere (e qualificare) le modalità
della “conferma” (di cui discorre ancora il comma 5 cit.) che innesca il
meccanismo della c.d. doppia conforme. Vi è “conferma” se ed in quanto
la coincidenza degli epiloghi decisori d’appello e di primo grado si innesti
(per ripetere la formula del precedente comma 4, cui rinvia il comma
5 cit.) “sulle stesse ragioni, inerenti alle questioni di fatto, poste a base
della decisione impugnata”. Non sarebbe perciò sufficiente per escludere
il controllo della motivazione della sentenza di appello da parte della
Cassazione la circostanza che essa, quantunque confermativa di quella di
prime cure, ne replichi gli esiti seguendo un diverso iter logico-giuridico.5
Ciò detto, va ribadito che l’ipotesi sotto esame si riferisce al trattamento
della sentenza di appello che concluda un “ordinario” giudizio di secondo
grado: un giudizio, per intenderci, nel quale il “filtro” ex art. 348-bis c.p.c.
non abbia operato. Il che può però in linea generale dipendere da due

L’alternativa è considerata da C. Consolo, Spiegazioni di diritto processuale civile. Il processo di primo


5

grado e le impugnazioni delle sentenze, II ed., Torino-Giappichelli 2012, 404. L’A. nota che, accedendo
alla soluzione qui rifiutata, si “perderebbe quel (invero assai gracile) fondamento della conformità
delle due motivazioni che sembra fondare il meccanismo introdotto dal legislatore”. Insieme alla
ratio della norma, anche la lettera di essa convince della plausibilità della interpretazione che
correla il comma 5 al precedente comma 4 dell’art. 348-ter c.p.c.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 225-253, out./dez. 2013
228  Andrea Panzarola

situazioni differenti: dal fatto che il filtro, pur applicabile in linea di diritto,
non sia stato applicato nella causa (avendo ritenuto il giudice d’appello,
in limine litis, che il gravame avesse “una ragionevole probabilità di essere
accolto”); oppure dal fatto che, trattandosi di appello esperito in una delle
cause di cui all’art. 70 comma 1 c.p.c. o nell’ambito del rito sommario
(art. 702-quater c.p.c.), il filtro sia ex lege inapplicabile.
A quest’ultimo riguardo è importante ripetere che (stando al comma 5 cit.)
la cancellazione tout court del potere di denunziare il vizio di motivazione — ex
art. 360 comma 1 n. 5 c.p.c. — è circoscritta (quando vi sia “doppia conforme”) alle
sentenze di appello emesse nel rito sommario di cognizione, e non abbraccia le
sentenze (quantunque confermative di quella di primo grado) pronunziate nelle
controversie nelle quali sia obbligatorio l’intervento del pubblico ministero. Il
motivo di tale scelta è da rinvenire nella (discutibile)6 persuasione dei conditores
circa il rilievo generale di tali controversie, da assoggettare in quanto tali ad un
trattamento di favore.
La modifica in esame agisce, quindi, in due direzioni7 tra loro assai
eterogenee. Nel primo caso [sub (a)], si tratta del ricorso per cassazione contro

6
Le cause nelle quali l’intervento del p.m. è obbligatorio sono altrettanto eterogenee che non
del tutto indicative della presenza di un interesse pubblico, che può facilmente annidarsi anche
altrove. D’altronde, pure la presenza di una “connotazione pubblicistica” in una certa controversia,
non assicura che i concorrenti interessi privati — che vi sono frammisti — siano esercitati dai loro
titolari — anche in sede di impugnazione — con moderazione (si pensi, ad es., alla materia della
famiglia e delle persone, dove è frequente la propensione ad abusare dei mezzi d’impugnazione).
Forse il legislatore può avvertire la necessità di dettare una regola ad hoc per le controversie
contrassegnate dall’interesse pubblico solo in quanto sospetti che la nuova disciplina generale
offra loro garanzie inadeguate di tutela. Se vi è però un deficit nelle garanzie, si deve puramente
e semplicemente operare per eliminarlo, senza effettuare distinzioni che potrebbero altrimenti
apparire arbitrarie.
7
Si tratta effettivamente di due situazioni differenti: lo nota, in particolare, G. Impagnatiello,
Crescita del Paese cit., 6. Ad avviso dell’A., se nel primo caso (di conformità fra sentenze di appello
e di primo grado) si può parlare di “doppia conforme”, a diversa conclusione si dovrebbe arrivare
in relazione all’altra ipotesi. Per il modo in cui l’ordinanza può essere motivata, potrebbe capitare
che il riesame del fatto in appello si riveli “meramente apparente”: sicché — conclude l’A. —
“negare il controllo di legittimità sulla motivazione (quanto meno) della sentenza di primo grado”
“appare inopportuno e fors’anche costituzionalmente illegittimo”. Si può aggiungere, peraltro,
che adesso — alla luce dell’art. 118 disp. att. c.p.c. — anche la motivazione della sentenza si
risolve nella “succinta esposizione dei fatti rilevanti della causa e delle ragioni giuridiche della
decisione, anche con riferimento a precedenti conformi”: lo evidenzia G. Costantino, Le riforme
dell’appello civile e l’introduzione del “filtro” (in corso di pubblicazione in una versione ridotta,
nel Libro dell’anno del diritto Treccani 2013, e sin d’ora consultabile), in http://www.treccani.it., 24
(il quale ne deduce che la motivazione in fatto della ordinanza di inammissibilità richiede un
impegno maggiore di quello necessario per redigere una sentenza).

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L’ennesima riforma della Cassazione civile italiana  229

il provvedimento di primo grado, divenuto impugnabile in dipendenza della


dichiarazione di inammissibilità dell’appello per prognosi (chiamiamola per
brevità) “infausta”. Nel secondo caso [sub (b)] si tratta dell’ordinario ricorso per
cassazione contro la sentenza di appello (art. 360 comma 1 c.p.c.) confermativa di
quella di prime cure. Ne discende che il loro pur comune presupposto8 si colora
diversamente nelle due ipotesi.
Quel presupposto — che presso gli autori ha già guadagnato la qualificazione
di “doppia conforme” — consiste9 (per riprendere la espressione che figura nel
comma 4 art. 348-ter c.p.c., alla quale fa rinvio il successivo comma 5) nella identità
delle “ragioni, inerenti alle questioni di fatto, poste a base” del provvedimento
di primo grado e della sentenza di appello (confermativa di esso), da un lato, e
della ordinanza di inammissibilità (dell’appello, per prognosi “infausta”) e del
provvedimento di primo grado, dall’altro lato. Insomma, nell’un caso la identità
delle ragioni in facto va verificata fra il provvedimento di primo grado e la sentenza
di appello confermativa (e sostitutiva) di esso, e la limitazione tocca la sentenza
oggetto di ricorso per cassazione. Nell’altro caso, la verifica (circa la identità della
motivazione in facto) ha per oggetto il (redivivo)10 provvedimento di primo grado
e la (non sostitutiva) ordinanza di inammissibilità (quantunque succintamente
motivata), e la cancellazione del motivo di ricorso (ex n. 5 comma 1 art. 360 c.p.c.)
tocca il primo provvedimento.
In entrambe le ipotesi non è consentito ricorrere per cassazione —
rispettivamente contro il provvedimento di primo grado e avverso la sentenza
di appello — per il vizio di motivazione dell’art. 360 comma 1 n. 5 c.p.c. Come
ovvio rimane possibile (per essere costituzionalmente imposto: cfr. art. 111
comma 7 Cost.) ricorrere per cassazione avverso la sentenza di primo grado
(art. 348-ter comma 4 c.p.c.) o di appello (art. 348-ter comma 5 c.p.c.) per gli altri
motivi contemplati dall’art. 360 comma 1 c.p.c., incluso il n. 4 dell’art. 360 c.p.c.
Se ne dovrà tenere conto nel momento in cui si tratterà di valutare la proposta di
ricondurre il controllo della logicità della motivazione (espunto dal n. 5 comma 1
art. 360 c.p.c.) proprio nel n. 4 dell’art. 360 c.p.c.11

8
Lo diciamo sulla base delle precisazioni precedenti circa l’interpretazione (che si reputa preferibile)
del comma 5 art. 348-ter c.p.c. (e della “conferma” che vi è prevista).
9
V. la nota che precede.
10
Come detto, a seguito della adozione della ordinanza di inammissibilità del gravame, contro il
provvedimento di primo grado può essere proposto ricorso per cassazione per saltum.
11
In rapporto agli artt. 132, 156 e 116 c.p.c. V. infra, spec. n. 4. Muovendo da tale (pur plausibile)
dilatazione dell’art. 360 comma 1 n. 4 c.p.c., si potrebbe generare una situazione paradossale nel
caso di “doppia conforme”, poiché — ammesso in tesi il sindacato della Cassazione sulla logicità

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230  Andrea Panzarola

2  La c.d. “doppia conforme” nella prospettiva storica


La novità legislativa si impernia sulla cosiddetta “doppia conforme”.
Senz’altro in questo istituto si colgono i segni di una epocale dignità ed insieme
la riprova del debito che i moderni ordinamenti hanno contratto12 con lo ius
canonicum.13 Si può anche comprendere che nell’arco dei secoli l’istituto sia
fatalmente divenuto deposito di memorie e di saperi. Ne ha subita l’influenza lo
stesso Francesco Carnelutti, che si disse “propenso ad ammettere con franchezza
che quando l’appello abbia dato luogo alla doppia conforme, il riesame si dovesse
arrestare”.14
Si deve però distinguere la suggestione teorica dalla applicazione pratica, lo
schema astratto dalla attuazione concreta. Del resto, è innegabile che i numerosi
autori15 (da Luigi Mattirolo ad Antonio Segni)16 che hanno impiegato quel concetto,
da un lato si sono riferiti17 in vario modo alla doppia conforme in iure (anziché

della motivazione (in virtù del n. 4 cit. estensivamente inteso) — non sarebbe però permesso
il controllo del Supremo Collegio nel caso estremo di “omesso esame circa un fatto decisivo
per il giudizio che è stato oggetto di discussione tra le parti” (n. 5 comma 1 art. 360 c.p.c.). Un
simile cortocircuito si produrrebbe ovviamente pur se si volesse far rientrare il controllo sulla
motivazione illogica nell’ambito del n. 3 dell’art. 360 c.p.c. (v. ancora infra, §4).
12
La cosa ovviamente non stupisce. Numerosi sono infatti nei moderni ordinamenti gli elementi
tributari dell’esperienza canonistica. Più in generale, è stato detto (con notazione specificamente
riferita alla dottrina dello Stato, ma estendibile alla esperienza giuridica in genere) che tutti i
concetti più pregnanti “sono concetti teologici secolarizzati”: così C. Schmitt, Politische Theologie.
Vier Kapitel zur Lehre von der Souveränität, Achte Auflage, Duncker & Humblot, Berlin, 2004 (Erste
Auflage, 1922), 43. Esiste una trad. it. in Carl Schmitt, Le categorie del ‘politico’. Saggi di teoria
politica, a cura di G. Miglio e P. Schiera, Bologna-Il Mulino, 1972, 61.
13
Lo hanno notato i primi commentatori: cfr., ad es., C. Consolo, Lusso o necessità nelle impugnazioni
delle sentenze? cit. 3, secondo il quale “la doppia (più o meno) conforme è un mito, forse di
ascendenza canonistica, che stupisce non poco veder secondato, dal momento che le sue basi
logiche e di sistema si sgretolano subito ad un’analisi neppure troppo minuta”; M. De Cristofaro,
Appello e cassazione cit., §1.2; G. Impagnatiello, Crescita del Paese cit. 6. Simili obiezioni furono a
suo tempo avanzate da A. Briguglio, Ecco il “filtro”! (L’ultima riforma del giudizio di cassazione), in
RDP 2009, 1275 ss., spec. 1280.
14
Cfr. F. Carnelutti, Lezioni di diritto processuale civile, Padova-Cedam 1926, vol. IV, n. 329, 234.
Nonché Id., Sistema di diritto processuale civile, II, Padova-Cedam 1938, 644, ove, in riferimento al
sistema italiano (quale profilato nel cessato c.p.c.), allude alla “combinazione del principio della
cassazione col principio della doppia conforme”. L’autore richiama pure il “sano principio della
doppia conforme” (Id., Lezioni cit., 260-264).
15
Compreso, nei limiti indicati alla nota che precede, Carnelutti.
16
Senza dimenticare V. Andrioli (In tema di motivazione della sentenza di merito rettificata dalla
pronuncia di rigetto della Cassazione; osservazione a Cass. Regno, 12 gennaio 1932, in Foro it., 1932,
I, 803), che vi fece ricorso a proposito del potere di rettificazione in diritto (i.e.: di correzione della
motivazione) che il Supremo Collegio esercitava nella prassi.
17
Cfr., se vuoi, sul punto, A. Panzarola, La Cassazione civile giudice del merito, Torino-Giappichelli
2005, vol. I, 118 ss.

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L’ennesima riforma della Cassazione civile italiana  231

in facto), e dall’altro lato vi hanno rinvenuto più che altro un paradigma logico
per investigare la relazione fra il giudizio di cassazione ed il giudizio di rinvio nel
vigore del codice di rito del 1865 (ed in contemplazione di una previsione quale
quella che figurava nel cessato art. 547 cpv c.p.c. 1865, che, come noto, assegnava
al “punto di diritto” efficacia vincolante solo in seconda battuta).18
Ma sembra decisiva un’ulteriore osservazione. La “doppia conforme” ha
avuto una importanza determinante nel modello della cosiddetta “terza istanza”,19
nel suo concreto funzionamento, non meno che nella percezione che di esso
ebbero coloro che a suo tempo ne anteposero i pregi a quelli ricavabili dal diverso
sistema della “Cassazione”.20
Di qui il problema che le nuove norme (commi 4 e 5 art. 348-ter c.p.c.)
pongono: l’istituto della “doppia conforme” inavvertitamente21 si dischiude — dal

18
“Se la seconda sentenza” — adottata dal giudice di rinvio — “sia cassata per gli stessi motivi per
cui fu cassata la prima”, allora, stabiliva l’art. 547 comma 2 c.p.c. 1865, “l’autorità giudiziaria a cui è
rinviata la causa deve conformarsi alla decisione della Corte di cassazione sul punto di diritto sul
quale essa ha pronunciato”.
19
A. Panzarola, La Cassazione civile giudice del merito cit., 117 ss. (dove gli opportuni riferimenti
ai lavori di Taruffo, Picardi, D’Addio, ecc.). Naturalmente si trattava di un contrassegno non
immancabile, come emerge anche dai progetti di riforma della seconda metà del XIX sec. (cfr., ad
es., il progetto di legge Zanardelli, Cocco-Ortu del 1903, o, in certi limiti, i lavori della commissione
ministeriale istituita nel 1883 dal guardasigilli Giannuzzi-Savelli, di cui è nota la relazione dell’on.
Righi del 1884: Ibidem, 109-110, 136), nel contesto dei quali non era infrequente il tentativo di
combinare i caratteri della terza istanza con quelli della Cassazione. Si spiega in questo quadro
l’affiorante opinione secondo cui il principio della doppia conforme non è essenziale alla “terza
istanza” (cfr., per tutti, E. Caberlotto, v. Cassazione e Corte di cassazione, in Digesto italiano, VII, 1,
Torino 1887-1896, 52).
20
A. Panzarola, La Cassazione civile cit., 19 ss. (quanto ai presupposti della disputa — all’indomani
della unificazione nazionale — fra i fautori della terza istanza ed i sostenitori della Cassazione),
34, 38 ss., 81 ss. (per ipotesi di doppia, se non tripla conforme, nel quadro dei vari Giudici supremi
della tradizione nazionale), 117 ss. (quanto alla ratio dell’istituto e circa i suoi presupposti, ecc.).
Senz’altro la terza istanza appartiene alla tradizione storica italiana nell’arco dei secoli. Solo che,
dopo una certa data, è prevalso il modello della Cassazione. Unicamente avendo presente questo
dato (diremmo cronologico) si può condividere l’idea secondo cui quest’ultimo modello sarebbe
“quello che la tradizione storica italiana ci ha tramandato” (in tal senso C.M. Cea, Le incertezze
della Cassazione in tema di non contestazione ed il bisogno di nomofilachia, in Foro it. 2012: questi,
illustrando la differenza fra il modello della terza istanza e quello che affida alla corte il solo
controllo di legittimità, mostra di optare per il secondo sul rilievo, fra l’altro, secondo cui esso
è “quello che la tradizione storica italiana ci ha tramandato”). Sulla mutevolezza del modello di
Cassazione (percepibile anche adesso da molti punti di vista: cfr., per tutti, C. Punzi, La Cassazione
da custode dei custodi a novella fonte di diritto?, in RDP 2012, 567 ss.) v. infra in nota e nel testo
(spec. §4 e ss.). Sulla contrapposizione fra i due sistemi, nella cornice della evoluzione che
condusse alla unificazione delle Cassazioni regionali, v., in ultimo, N. Picardi, L’unificazione della
Corte di cassazione, in RTDPC 2012, 721 ss., spec. 723 ss.
21
Ci si potrebbe chiedere — per usare una frase di G. Chiovenda (Sulla cosa giudicata, in Id.,
Saggio di diritto processuale civile, rist. Milano-Giuffrè 1993, II, 399) impiegata ad altro fine — se

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232  Andrea Panzarola

groviglio dei gradi di giudizio del modello della “terza istanza” della tradizione
storica nazionale22 — sulle architetture severe della Cassazione.
Si alimenta l’impressione23 di una fusione o, se si vuole, “ibridazione”
progressiva fra modelli diversi,24 nel quadro di una riforma peraltro protesa a
posporre la garanzia dello ius litigatoris alla tutela del c.d. ius constitutionis, a
privilegiare cioè la coerenza dell’ordinamento rispetto alle esigenze soggettive
del cittadino che reclama giustizia nel caso concreto.
Si tratterà di vedere, poi, in che modo possano coordinarsi gli scopi deflattivi
(pur contraddittoriamente)25 perseguiti dal nostro legislatore con la ratio26 che
usualmente si rinviene27 nel principio della “doppia conforme” (in ore duorum stat
omne verbum).
Tanto più che non sarà sempre agevole stabilire28 quando in effetti tale
conformità sussista: a fronte di un ricorrente che comunque deduca29 il motivo di
ricorso del vizio di motivazione, toccherà alla Suprema Corte impegnarsi a stabilire

non si tratti di una di quelle idee che “rimangono campate in aria dopo che le circostanze da
cui nacquero sono ormai dileguate”. Già A. Briguglio, Ecco il “filtro”! cit., 1276, lamentava — in
relazione alla riforma del “filtro” in cassazione — “la inconsapevolezza” con la quale, nelle sedi
ufficiali, si elaborano interventi relativi al giudizio dinanzi alla Suprema Corte.
22
V. la penultima nota.
23
Già illustrata — specie con riferimento alla decisione di merito della causa da parte della
Cassazione — in A. Panzarola, La Cassazione civile cit., passim e IX-XVI.
24
Cfr. M. Bove, La corte di cassazione come giudice di terza istanza, in RTDPC 2004, 947.
25
Si pensi alla ricorribilità per cassazione del provvedimento di primo grado dopo la pronunzia
della ordinanza di inammissibilità in appello (art. 348-ter comma 3 c.p.c.). In questo modo uno
dei problemi più gravi del nostro sistema — l’elevatissimo numero dei ricorsi davanti alla Corte
Suprema — parrebbe, anziché semplificato, accentuato. Il meno che si può dire è che non vi è una
chiara visione degli obiettivi che si vogliono perseguire: se la riscrittura dell’art. 360 comma 1 n. 5
viene effettuata verosimilmente per restringere il numero delle questioni sottoposte al sindacato
della Corte, per rendere più sollecita la sua attività, dall’altro lato (con l’art. 348-ter comma 3 cit.)
si apre un nuovo fronte per il Supremo Collegio.
26
La “doppia conforme” non tende (almeno in principio) a deflazionare il carico di lavoro del giudice
di vertice; si crede invece alla ragionevolezza intrinseca di “tenere fermo” il punto deciso da due o
più giudici.
27
O, per dir meglio, si “rinveniva”. E’ infatti diffusa l’idea che la “doppia conforme” rappresenti “un
retaggio ampiamente meritevole di sepoltura”: A. Briguglio, Ecco il “filtro”! cit., 1280. Si chiede
ancora l’A.: come è possibile evitare il controllo da parte della Cassazione se le due motivazioni
conformi poggiano su un assunto irrazionale (“il testimone non è credibile perché ha i capelli
rossi”)? In senso conforme v. ora C. Consolo, Lusso o necessità nelle impugnazioni delle sentenze?
cit. 3.
28
Il dubbio è ovviamente risalente: cfr., se vuoi, A. Panzarola, La Cassazione cit., I, 138 ss.
29
Nel rispetto del principio di autosufficienza (sul quale v. infra, note 84 e 87 ss.), che verosimilmente
si estenderà (con la sua ombra minacciosa) anche alla fattispecie sotto esame (onerando il
ricorrente — nella situazione descritta — della dimostrazione della diversità delle motivazioni
che figurano nei due provvedimenti dei giudici inferiori).

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L’ennesima riforma della Cassazione civile italiana  233

— nella situazione descritta — se esso sia inammissibile o rituale, in esito ad un


confronto per di più mutevole nell’oggetto: la Cassazione dovrà considerare talora
(nel caso del comma 4 art. 348-ter c.p.c.) la ordinanza “succintamente motivata”
(art. 348-ter comma 1 c.p.c.) e la sentenza motivata (per l’art. 132 comma 2 n. 4
c.p.c.) in modo “conciso”, altre volte le due sentenze adottate nei gradi inferiori
(art. 348-ter comma 2 c.p.c.), quella di primo grado e quell’altra (confermativa) di
appello.
Quale più quale meno, ciascuno di questi argomenti può forse spiegare le
perplessità avanzate in dottrina intorno a questa innovazione legislativa. Si fa
strada l’idea che fosse preferibile rinunziare, allo stato, ad una riforma così audace,
così come si fece, a suo tempo, durante il travagliato iter che condusse alla
approvazione dell’art. 47 della legge 18 giugno 2009, n. 69 (in tema di c.d. filtro in
Cassazione).30 La proposta secondo la quale sarebbe stato dichiarato inammissibile
il ricorso per cassazione per vizio di motivazione “avverso la sentenza di appello
che ha confermato quella di primo grado” venne infatti abbandonata in Senato.

3  La riformulazione dell’art. 360 comma 1 n. 5 c.p.c.


Si è potuto evidenziare sin qui che il controllo della Corte di cassazione sul
vizio di motivazione è stato modificato in due modi. Da una parte escludendolo
(in rapporto all’art. 360 comma 1 n. 5 c.p.c.), quando si profili la cosiddetta “doppia
conforme” (art. 348-ter commi 4 e 5 c.p.c., con la eccezione delle cause ex art. 70
comma 1 c.p.c.). Dall’altra parte, quando tale conformità non sussista, limitandolo
alle ipotesi di “omesso esame circa un fatto decisivo per il giudizio che è stato
oggetto di discussione tra le parti” (così il nuovo art. 360 comma 1 n. 5 c.p.c.),
nel quadro di un precetto dal quale è stato espunto31 qualunque riferimento al
termine stesso di “motivazione”.
Questa disposizione si applica alle sentenze pubblicate dal trentesimo
giorno successivo a quello di entrata in vigore della legge di conversione del d.l. n.
83 del 2012 (martedì 11 settembre 2012), laddove invece tanto il comma 4 quanto

30
Si prendano gli “Atti Parlamentari, Camera dei Deputati, XVI Legislatura, n. 1441-bis-B”. Riferiamoci
all’art. 29 del disegno di legge soppresso dal Senato, che prevedeva, nell’art. 360-bis, 2º comma,
c.p.c., questa norma: “Non è dichiarato ammissibile il ricorso presentato ai sensi dell’articolo 360,
primo comma, numero 5), avverso la sentenza di appello che ha confermato quella di primo grado”.
In effetti, a suo tempo si indicarono gli argomenti che si opponevano alla introduzione di una
previsione consimile (cfr., se vuoi, Il “filtro” legale all’accesso in Cassazione, Testo della nostra
relazione al convegno organizzato dalla Università di Foggia del 2 ottobre 2009).
31
Cfr. G. Impagnatiello, Crescita del Paese cit., 7.

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234  Andrea Panzarola

il comma 5 dell’art. 348-ter c.p.c.32 attengono ai giudizi di appello introdotti con


ricorso depositato o con citazione di cui sia stata richiesta la notificazione a partire
da quella medesima data:33 con la conseguenza, per dirne una, che una sentenza
di appello pubblicata, poniamo, il 25 settembre 2012, quantunque “conforme” a
quella di primo grado (ai sensi del comma 5 art. 348-ter c.p.c.), essendo emessa
a conclusione di un giudizio introdotto assai prima, sarà comunque ricorribile
per cassazione per vizio di motivazione, ma nella versione attuale (limitata, cioè,
all’omesso esame di un fatto decisivo per il giudizio ed oggetto di discussione fra
le parti).
La nuova previsione dell’art. 360 comma 1 n. 5 c.p.c. è quasi identica a quella
che compariva nell’originario n. 5 dell’art. 360 comma 1 c.p.c. Come noto, rispetto
a quello cessato (art. 517 c.p.c. 1865), il codice di rito del 194034 introdusse bensì il
controllo sulla motivazione, ma limitò il relativo motivo di ricorso al caso di “omesso
esame di un fatto decisivo per il giudizio che è stato oggetto di discussione tra
le parti”.35 Dall’omesso esame “di” un fatto decisivo si è quindi passati adesso
all’omesso esame “circa”36 un fatto decisivo, ma per il resto le due norme (l’attuale
e quella del codice del 1940) sono uguali.
Si tratta di un ritorno all’antico,37 perché — come risaputo — il testo del n. 5
comma 1 art. 360 c.p.c. venne modificato pochi anni dopo la entrata in vigore del

32
Lo stesso dicasi circa il comma 4 art. 383 c.p.c., che assoggetta il giudizio di rinvio (che segua alla
cassazione del provvedimento di primo grado impugnabile dopo la adozione della ordinanza di
inammissibilità dell’appello) agli artt. 392 e ss. c.p.c.
33
E cioè da martedì 11 settembre 2012 (i.e.: dal trentesimo giorno successivo a quello di entrata in
vigore della legge di conversione del decreto stesso).
34
Sulla situazione anteriore e sul dibattito che precedette la entrata in vigore del codice del 1940,
v., in ultimo (anche per riferimenti), M. Bove, Giudizio di fatto e sindacato della corte di cassazione:
riflessioni sul nuovo art. 360 n. 5 c.p.c. cit., spec. §2. La Relazione Grandi (ricordata sia da Bove
che da G. Impagnatiello, Crescita del Paese cit., §8) conferma, indirettamente, la diffusione che
il controllo sulla motivazione aveva assunto nella prassi: “la pratica giudiziaria aveva dato” ad
esso una “estensione così esorbitante e così lontana dalle sue origini testuali”, che un intervento
correttivo era necessario (non nel senso di impedire il ricorso per motivi inerenti alla motivazione,
ma per restringerlo piuttosto all’omesso esame di un fatto decisivo per il giudizio: v. nota seg.).
35
Lo scopo dichiaratamente perseguito fu quello di arginare certi orientamenti giurisprudenziali.
La Relazione Grandi esprime l’avviso secondo cui, anziché sopprimere il vizio forgiato dalla prassi,
fosse preferibile “conservarlo ristretto e precisato nella nuova formula, che lo ammette non nella
quasi illimitata ampiezza alla quale la pratica era arrivata nell’adattamento delle norme del codice
del 1865, ma nei limiti precisi di un omesso esame di un fatto decisivo per il giudizio del quale le
parti avevano discusso”.
36
La preposizione “circa” è stata tratta dalla versione dell’art. 360 comma 1 n. 5 c.p.c. quale introdotta
dalla riforma del 2006.
37
Non condiviso in dottrina: v. retro in nota 4 per riferimenti.

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L’ennesima riforma della Cassazione civile italiana  235

codice. Con la riforma del 1950, non solo si sostituì la parola “fatto” con quella di
“punto” (oltre che prospettato dalle parti anche rilevabile d’ufficio), ma si estese il
controllo della Cassazione anche alla motivazione insufficiente o contraddittoria.
Ne risultò una previsione che ammetteva il ricorso “per omessa, insufficiente
o contraddittoria motivazione circa un punto decisivo della controversia
prospettato dalle parti o rilevabile d’ufficio”. Lo scopo perseguito, quale delucidato
nella Relazione alla riforma, era di ricollegare il “controllo dell’omissione di
accertamento o di motivazione a qualsiasi emergente vizio di motivazione sul
punto decisivo, quale l’irrazionalità e la deficienza del processo logico e la sua
insanabile contraddizione”.38
Nel 2006 (con il d.lgs. n. 40 del 2006) il legislatore — onde circoscrivere il
sindacato del Supremo Collegio sulla motivazione in fatto — è nuovamente
intervenuto, sostituendo la parola “punto” (prospettato dalle parti o rilevabile
d’ufficio) con il termine “fatto”, il quale, oltre che “decisivo”, doveva essere
“controverso”:39 sicché il ricorso era ammesso nel caso di “omessa, insufficiente o
contraddittoria motivazione circa un fatto controverso e decisivo per il giudizio”.
Evidentemente la riforma40 non ha dato i frutti sperati, se a distanza di pochi anni
la norma viene ancora una volta41 riformulata in senso restrittivo, per proteggere

38
Così la Relazione Grassi alla riforma del ‘50.
39
Per essere stato oggetto di contestazione (esclusa in presenza di una tacita accettazione): cfr.,
sul punto, B. Sassani, Il nuovo giudizio di cassazione, in RDP 2006, 216 ss.,spec. 225; F.P. Luiso-B.
Sassani, La riforma del processo civile, Milano-Giuffrè 2006, 64. Per la possibilità del controllo in
ordine alla determinazione dei fatti pacifici (se la discussione si appunti sulla loro concludenza), v.
R. Poli, Il giudizio di cassazione dopo la riforma, in RDP 2007, 9 ss., 12; M. Taruffo, Una riforma della
cassazione civile?, in RTDPC 2006, 755 ss., spec. 780; A. Tedoldi, La nuova disciplina del procedimento
di cassazione: esegesi e spunti, in GI 2006, 2002 ss., 2007.
40
Che sembra aver “raccolto il grido di dolore proveniente dalla Suprema Corte oppressa da un
numero incredibilmente alto di ricorsi”: così G. Verde, In difesa dello jus litigatoris (sulla Cassazione
come è e come si vorrebbe che fosse), in RDP 2008, 1 ss., 3 ss., nonché Id., Jus litigatoris e jus
constitutionis, in Il difficile rapporto tra giudice e legge, con introduzione di N. Irti e prefazione di G.
Bianco, Napoli-ESI 2012, 11 ss., 15); in genere si ritiene che “la Novella del 2006 ha notevolmente
aggravato il lavoro della Cassazione”: così G.F. Ricci, Ancora insoluto il problema del ricorso per
cassazione, in RDP 2010, 102 ss., spec. 102-103; v. pure, sul punto, A. Carrato, I motivi di ricorso, in
Il nuovo giudizio di cassazione, a cura di G. Ianniruberto e U. Morcavallo, Milano-Giuffrè 2007 (la II
ed. è del 2010), 217 ss., 237 ss.
41
Per la terza volta. Potrebbe essere la volta buona! Non solo il tre è “notoriamente principe dei
numeri” (B. Cavallone, Postilla a S. La China, Tra i Vangeli e la legge sul processo civile dell’Arabia
Saudita: spunti di riflessione sulla formazione della prova, in RDP 2012, 687; del resto, omne trinum
est perfectum), ma “la sequenza del tre è una progressione dalla irrilevanza alla rilevanza” (S. La
China, op. cit., 683). Però, se si esce dalla numerologia, le previsioni non possono essere altrettanto
ottimistiche (v. infra nel testo). Per di più — ancora sul filo del paradosso — si potrebbe segnalare
la data di entrata in vigore della riforma (11 settembre 2012).

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236  Andrea Panzarola

la Cassazione — si dice42 — dal (preteso) “abuso dei ricorsi per cassazione basati
sul vizio di motivazione non strettamente necessitati dai precetti costituzionali”
(fra i quali, peraltro, è compreso quell’art. 111 comma 8 Cost., che, secondo logica,
va letto come se esigesse qualcosa di più43 che una motivazione “apparente”).44
Ad ogni modo, chi confronti le due versioni — la odierna e quella inserita nel
2006 — ricaverà queste differenze:
(a) ora rileva solo l’omesso esame “circa” un fatto, mentre il testo abrogato
permetteva il controllo anche della “insufficiente o contraddittoria
motivazione circa un fatto”;
(b) adesso la norma si riferisce al fatto “decisivo per il giudizio che è stato
oggetto di discussione tra le parti”, quando invece il testo precedente
alludeva al “fatto controverso e decisivo per il giudizio”.
S’intuisce che la vera modifica concerne il punto sub (a).
Quanto al punto sub (b), si noterà che (fermo restando il richiamo del
“fatto decisivo”) la locuzione “fatto controverso” (che figurava nel cessato n. 5
cit.) coincide nella sostanza con il fatto “che è stato oggetto di discussione tra le
parti” (versione attuale del n. 5), per essere stato da loro prospettato o comunque
sottoposto al loro contraddittorio se profilato ex officio.45 Sul piano sistematico
quest’ultima precisazione consente al solito di distinguere la fattispecie sotto
esame — di “omesso esame circa un fatto”, che trapeli dalla motivazione della
decisione impugnata, — dal vizio revocatorio dell’errore di fatto (art. 395 n. 4
c.p.c.), che si riallaccia ad un fatto che “non costituì un punto controverso sul quale
la sentenza ebbe a pronunciare”.46

42
Così la relazione al testo del d.l. n. 83/2012.
43
Osserva C. Consolo, Spiegazioni di diritto processuale civile. Il processo di primo grado e le
impugnazioni delle sentenze, cit., I ed., Torino-Giappichelli 2010, III, 379, che “soltanto il caso di
omessa motivazione e probabilmente quello di motivazione intrinsecamente contraddittoria
appaiono davvero casi che si pongono in antinomia rispetto alle esigenze del giusto processo
quali desumibili sia dall’art. 6 Cedu che dall’art. 111, co. 2, Cost”.
44
Cfr., per tutti, M. De Cristofaro, Appello cit., §1, secondo cui “la garanzia della motivazione non è
garanzia della motivazione purchessia, bensì una motivazione che abbia un coerente sviluppo
logico, altrimenti essa a nulla serve”.
45
Quel “tra le parti” non può evidentemente essere inteso nel senso che sopprima il sindacato sui
fatti prospettati d’ufficio: lo lascia intendere, con ragione, M.A. Zumpano, Opinione, in htpp://
www.judicium.it.
46
Si tratta naturalmente di una distinzione accolta nel vigente c.p.c. ma certo non immutabile. Lo
si può dire con uno sguardo rivolto, non solo alla profondità del tempo (cfr., al riguardo, per tutti,
G. Impagnatiello, Il concorso tra cassazione e revocazione. Contributo allo studio della formazione
e dell’impugnazione del giudicato, Napoli-ESI 2003, 50 ss., spec. 56 e nota 129, 65 e nota 137),
ma pure alla attualità. Si veda, a quest’ultimo riguardo, la proposta autorevolmente elaborata

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L’ennesima riforma della Cassazione civile italiana  237

Con la riforma la discussione47 sul controllo della motivazione da parte


della Corte Suprema è — se possibile — divenuta ancora più intensa. Molte le
domande. Soprattutto ci si chiede: cosa deve intendersi per “omesso esame circa
un fatto”? In ogni caso che fine fa il controllo — praticabile sinora a mente del
cessato art. 360 comma 1 n. 5 cit. (dove alludeva alla motivazione “insufficiente o
contraddittoria”) — della logicità della motivazione?

4  Il controllo di logicità della motivazione tra Costituzione e codice di


rito
Senz’altro chi confronti la lettera della norma attuale con quella previgente
deve ammettere che la novità è significativa.48
Fra i primi commentatori è nondimeno emersa l’idea che, a dispetto della
modifica, vi siano49 spazi per consentire comunque il controllo sulla “logicità” della
motivazione, ipotizzandone — in vario modo — la riconduzione nella categoria
della violazione di legge.50 Mentre ubbidisce a ragioni di opportunità, questa
propensione si ricollega a quella linea di pensiero che non da ora51 investiga la

(in esito ad una riflessione protrattasi nel tempo: ibidem, 373 ss., spec. 381) da Andrea Proto
Pisani, nel quadro di un progetto per un nuovo codice di procedura civile (Per un nuovo codice di
procedura civile, in Foro it., 2009). Nel n. 2 dell’art. 2.178 (“provvedimenti impugnabili e motivi di
ricorso”) figura — quale motivo di ricorso per cassazione — l’errore di fatto “decisivo”, “risultante
da atti o documenti della causa”, alla condizione (la medesima che compare all’art. 395 n. 4 c.p.c.)
che “non costituì un punto controverso sul quale la sentenza ebbe a pronunciare”.
47
Sulla quale v., per tutti, G.F. Ricci, La Suprema Corte tra funzione nomofilattica e tutela dello ius
litigatoris. Il problema alla luce del controllo della motivazione, in RTDPC 2009, 572 ss.
48
Diversamente a dirsi se il confronto fosse istituito con altre proposte di riforma. Cfr., ad es., Per un
nuovo codice di procedura civile cit., spec. art. 2.178 menzionato retro in nota 46.
49
O, per dir meglio, vi debbano essere quegli spazi. In caso contrario le conseguenze sarebbero
gravissime (v., ad es., la dimostrazione al riguardo di B. Sassani, La logica del giudice e la sua
scomparsa in Cassazione cit.: verrebbe meno la possibilità di controllare le presunzioni operate dal
giudice di merito, non meno che l’utilizzo dei concetti “a fattispecie ampia” appartenenti al diritto
sia sostanziale che processuale; in conclusione — nota l’a., op. cit., 3 — “la disinvolta eliminazione
dell’ampio controllo del n. 5 non elimina solo il controllo sulla rappresentazione/ricostruzione
dei fatti storici..., ma taglia alla radice la possibilità di verifica di quella miriade di giudizi la cui
rappresentazione nella sentenza forma la base della piramide sulla quale si assidono ricognizione
ed interpretazione della norma”).
50
Peraltro, la nostra impressione è che solo la motivazione mancante e quella contraddittoria possano
essere ricondotte — nei modi che stiamo indicando nel testo — ad un vizio di violazione di legge,
non anche la motivazione insufficiente. Per poterlo sostenere, si dovrebbe convenire con chi ritiene
che, nel caso in esame, venga in rilievo la violazione delle norme relative al metodo legale che
sovrintende al giudizio di fatto. Sulla tesi di Bove v. infra alle note 125 e ss. e nel testo (§6).
51
Ci si può richiamare (fra i tanti) alla autorità di Giuseppe Chiovenda. Il quale, come noto, a
proposito della nullità della sentenza (ex art. 517, cit., nn. 2 e 7, c.p.c. 1865) precisava che “quanto al

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238  Andrea Panzarola

relazione che intercede fra la motivazione della decisione ed il vizio di violazione


(o falsa applicazione)52 di legge. D’altro canto, la stessa prassi giurisprudenziale,
se ha talora preteso a certi fini di distinguere con nettezza i due concetti,53 ne ha
insieme registrata la contiguità54 per altri scopi. Segno evidente di una possibile
osmosi fra l’uno e l’altro.
Si è così arrivati adesso ad immaginare — ad onta del nuovo precetto — che
una motivazione illogica sia comunque denunziabile come violazione di legge

difetto di motivazione, che rappresenta il più frequente motivo di ricorso”, occorreva “distinguere
la mancanza d’indicazione di motivi nella sentenza (che è una vera nullità del resto assai difficile a
verificarsi”), da un verso; “dal vizio di ragionamento che si risolve piuttosto in una falsa applicazione
di legge”, dall’altro verso (G.Chiovenda, Principii di diritto processuale civile, Napoli-Jovene 1980,
rist. inalterata della terza edizione con prefazione di Virgilio Andrioli, 1032).
52
V. la nota che precede.
53
Il riferimento è alla “violazione di legge” che compare nell’art. 111 comma 7 Cost. Come noto,
era dubbio se tale locuzione comprendesse o meno il vizio di motivazione secondo tutte le
“modalità” con le quali era declinato nel (cessato) n. 5 comma 1 art. 360 c.p.c. Si ricorderà che la
giurisprudenza, a partire da un certa data (Cass., sez. un., 16 maggio 1992, n. n. 5888; si rinvia sul
punto, anche per riferimenti, a R. Tiscini, Il ricorso straordinario in cassazione, Torino-Giappichelli
2005, 292 ss.; B. Sassani, Corte suprema e jus dicere, in GI, 2003, 822 e nota 2), ha ammesso il
ricorso straordinario per cassazione solo se il vizio di motivazione (che inficiava il provvedimento
impugnato) equivalesse alla “mancanza assoluta di giustificazione della decisione”. Non lo
consentiva, viceversa, riguardo alla censura che si appuntasse sulla “sufficienza” e “logicità”
della motivazione. Il nucleo di questo ragionamento era questo: solo la motivazione mancante
o apparente sarebbe sindacabile in Cassazione, trattandosi di vizi che incidono sul modello di
sentenza descritto dall’art. 132, n. 4, c.p.c. e che determinerebbero, quindi, la violazione di una
norma di diritto (prevista quale motivo di ricorso sia dall’art. 360, n. 3, c.p.c., che dal n. 4 del
medesimo articolo, sub specie di nullità della sentenza). V. ora art. 360 comma 4 c.p.c. (che, per
effetto del d.lgs. 2 febbraio 2006, n. 40, omologa ricorso “straordinario” ed ordinario, superando la
linea giurisprudenziale veduta).
54
Si pensi alla commistione del nostro vizio con la censura di violazione di legge, che si ritrova
nei casi nei quali si denunzi il quomodo della concretizzazione dei concetti indeterminati o delle
clausole generali, ecc. Non a caso, nell’ambito del controllo motivazionale che la Cassazione fa
della applicazione dei concetti indeterminati da parte del giudice di merito, talvolta essa giunge
a fissare principi di diritto (B. Sassani, Lineamenti del processo civile italiano, 3. ed., Milano-Giuffrè
2012, 559, 543; Id., Il nuovo giudizio cit., 225 e nota 16). Ad ogni modo, allo stato, la giurisprudenza
tende ad affermare che il giudizio di merito applicativo di norme elastiche è soggetto al controllo
di legittimità al pari di ogni altro giudizio fondato su norme di legge, e ciò in ragione del fatto
che, “nell’esprimere il giudizio di valore necessario per integrare una norma elastica (che, per la
sua stessa struttura, si limita ad esprimere un parametro generale), il giudice di merito compie
un’attività di interpretazione giuridica e non meramente fattuale della norma stessa, dando
concretezza a quella parte mobile (elastica) della stessa, introdotta per consentire alla norma
stessa di adeguarsi ai mutamenti del contesto storico-sociale”: Cass. 6 aprile 2006, n. 8017); cui
adde Cass. 13 maggio 2005 n. 10058; Cass. 2 novembre 2005, n. 201213. Cfr., sul punto, M. Bove, Il
sindacato della Corte di cassazione. Contenuto e limiti, Milano-Giuffrè 1993, spec. 17 ss. e 105 ss. (a
proposito della struttura e del sindacato dei concetti giuridici indeterminati); E. Fabiani, Clausole
generali e sindacato della Corte di cassazione, Torino-Giappichelli 2003, passim.

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L’ennesima riforma della Cassazione civile italiana  239

(costituzionale),55 una volta che si faccia derivare dall’art. 111 comma 6 Cost.
l’esigenza di una motivazione, non quale che sia (i.e.: “apparente”), ma altrettanto
perspicua che coerente.56
Si è poi proposto di rinserrare57 i difetti di insufficienza e contraddittorietà
della motivazione tra i requisiti di forma-contenuto della sentenza, quale profilati
dall’art. 132 c.p.c., quando si dimostri58 che questo precetto elevi la idoneità della
sua parte motiva a requisito di validità del provvedimento conclusivo del processo.
La fantasia degli avvocati non mancherà forse neppure di ipotizzare,59
nella situazione data, una violazione del principio della domanda, rimodulato in
contemplazione di un quadro normativo mutato.60
Sicché — ora in relazione all’art. 111 comma 6 Cost, ora in connessione con
l’art. 11661 c.p.c., ora in congiunzione con gli artt. 132 e 156 c.p.c., ora in rapporto a
tutte quante queste disposizioni,62 — verrà denunziata dai ricorrenti la violazione
dell’art. 360 comma 1 c.p.c., o del suo n. 3 o del suo n. 4 o — come l’esperienza
di decenni63 sta lì a dimostrare — promiscuamente di entrambi. Difatti, se gli
scrittori si attarderanno64 a ricondurre more geometrico il “nuovo-vecchio” vizio

55
Cfr., per uno spunto in tal senso, M.A. Zumpano, Opinione cit.
56
Anche in connessione con la funzione della motivazione, che viene elevata a strumento per
l’esercizio del controllo democratico della giurisdizione: così, intorno a questa garanzia, C. Di Iasi,
Il vizio di motivazione, in La Cassazione civile. Lezioni dei magistrati della Corte suprema italiana, a
cura di M. Acierno, P. Curzio e A. Giusti, Bari-Cacucci 2010, 167.
57
In senso contrario, v., però, non da ora, F.P. Luiso, Diritto processuale civile, II, cit., 423, secondo cui
“l’obbligo di motivare non include anche l’obbligo di motivare correttamente”. Risuona l’antica
obiezione (in ultimo illustrata da M. Fornaciari, Ancora una riforma dell’art. 360 cit., §4, 4) secondo
la quale, interpretando in tal modo la norma, si finirebbe per renderla contraddittoria: “dato che
le farebbe imporre la necessità di una cosa inutile (tale è, con tutta evidenza, una motivazione
qualsiasi), e dunque, per definizione, non necessaria”.
58
Cfr., in ultimo, in tal senso, M. Bove, Giudizio cit., 4; M. De Cristofaro, Appello e Cassazione cit., §1.1.
(con riguardo alla motivazione “veramente illogica”); M. Fornaciari, Ancora una riforma sull’art. 360
cit.; M. Zumpano, Opinione cit.
59
M. Zumpano, Opinione cit.
60
Del resto, è stato detto che “ciò che si evolve, che non può non evolversi, che si deve evolvere,
non è l’interpretazione, ma l’ordinamento giuridico che è oggetto della interpretazione” (S.
Romano, Frammenti di un dizionario giuridico, rist. Milano-Giuffrè 1983, 122, a proposito della
“interpretazione evolutiva”).
61
Cfr., per questo richiamo, R. Caponi, La riforma dell’appello civile cit., 12.
62
Per non dire dell’art. 112 c.p.c. (richiamato retro, nel testo ed in nota 59, in rapporto al principio
della domanda).
63
Registrata a suo tempo da V. Andrioli, Diritto processuale civile, I, Napoli-Jovene 1979, 862 (“la
esperienza pratica del giudizio di cassazione” — notava l’A. — “pone in chiara evidenza che il vizio
di falsa applicazione di norme di diritto, lungi dal presentarsi allo stato puro, viene prospettato in
collegamento con la ‘denuncia’ di insufficiente o contraddittoria motivazione di punto decisivo”,
in forma alternativa o globale).
64
Cfr. la plausibile previsione di M. Bove, Giudizio cit., 8 (alcuni autori rinvierebbero al n. 4, altri al
n. 3, ed altri proverebbero a dilatare le maglie del n. 5).

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240  Andrea Panzarola

di illogicità della motivazione in un apposito motivo di ricorso per cassazione, è


facile immaginare che gli avvocati delle parti...le proveranno more solito un po’
tutte!65
Sarà anche così. Ancora una volta accadrà che il vizio logico della motivazione,
“cacciato dalla porta, rientr[erà] dalla finestra”,66 per la semplice ragione che, a
dispetto degli intendimenti legislativi, non se ne può davvero fare a meno, se non
a costo di cacciare la “esperienza giuridica” fuori del processo.
Non meno plausibile sembra però la contraria opinione, che paventa il
rischio che la nuova norma possa stavolta essere impiegata davvero per “spegnere
la luce”67 sulla motivazione delle decisioni di appello.68
Chi si soffermi sulla situazione descritta — e vi applichi il metro di giudizio
ordinariamente utilizzato in altri settori dell’ordinamento — potrà rimanerne
sconcertato. A dispetto della chiarezza della norma, come è possibile anche solo
immaginare che tutto rimanga come prima? O che, in ultima battuta, più che il
legislatore, sia la Corte Suprema a decidere del senso di essa?
La spiegazione ha ovviamente a che fare con la doverosa considerazione
del superiore quadro costituzionale (art. 111 Cost.) e con la (imprescindibile)
interrelazione sussistente fra le “nuove” norme e le restanti previsioni del codice di
rito (artt. 116, 132, 156, 360 nn. 3 e 4, c.p.c. ecc.).

65
Come ovvio e doveroso, del resto. V. infra in nota 104 per una significativa esemplificazione.
66
L’espressione è di M. Bove, Giudizio cit. 5 e 8, ed è riferita alla prassi formatasi nel vigore della
formula originaria dell’art. 360 comma 1 n. 5 c.p.c. (quale figurava, cioè, nel codice di procedura
civile del 1940). Può essere adattata al nostro caso, come suggerisce l’a., secondo il quale (op.
cit., §4) non cambierà sostanzialmente nulla. Su questo punto sembra concordare anche G.
Impagnatiello, Crescita del Paese e funzionalità delle impugnazioni civili cit., §8. Per la posizione di
M. Fornaciari v. infra in nota 68.
67
L’immagine è di C. Consolo, Lusso o necessità nelle impugnazioni delle sentenze? cit., 4. Se si riflette
sulla sua importanza nella esperienza del diritto (cfr., per tutti, F. Cordero, v. Giudizio, in Nss. dig. it.,
VII, Torino, 1961, 881 ss.), s’intuiscono le conseguenze che deriverebbero dalla eliminazione di un
controllo sul “giudizio” del giudice d’appello.
68
Insomma, sul “giudizio” del giudice inferiore. L’idea di M. Fornaciari, Ancora una riforma dell’art. 360
cit. che la riforma in esame possa essere impiegata anche (vorremmo dire) in melius, non a caso,
è prospettata nella dichiarata consapevolezza (ibidem, §3) che “la storia sta a dimostrare che tale
controllo” (i.e.: il controllo di motivazione) “è insensibile al dato normativo contingente” e che il
quadro prefigurato ha un valore essenzialmente “teorico” ed “accademico”. Tanto doverosamente
precisato, il ragionamento dell’A. si innesta su due premesse. Da un lato, si sottolinea che l’art. 360
primo comma n. 5 c.p.c. si riferiva sino ad ora alle sole categorie della motivazione insufficiente
o contraddittoria ed omessa. Dall’altro lato, si evidenzia che “non tutti i vizi logici possono essere
ricondotti a tali due categorie, quantomeno ove esse vengano intese rigorosamente”. Ebbene,
nella nuova situazione normativa, caduto quel riferimento limitante, si aprirebbe il varco
(all’impiego dell’art. 132 c.p.c. — interpretato nel senso che eleverebbe la motivazione “idonea” a
requisito di validità della sentenza: v. retro nel testo ed in nota 58 — e quindi) ad un controllo pieno
della motivazione, consentendo in altri termini la censurabilità “di qualunque tipo di vizio logico”.

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L’ennesima riforma della Cassazione civile italiana  241

Ma la ragione profonda della situazione descritta dipende dalla collocazione


istituzionale della Cassazione (Quis custodiet ipsos custodes?), non meno che
dalla sua stessa storia. Non si può cioè dimenticare che, non di rado, il concreto
funzionamento della Corte si è distaccato, in misura variabile (ora meno, ora
più marcata), dalla lettera della legge. La quale è stata “piegata” nel tempo al
perseguimento di finalità differenti. Si tratta del riflesso della evoluzione storica
dell’istituto, che si è sviluppato nella pratica indipendentemente dai suoi canoni
originari69 e talvolta in opposizione ad essi.70 Si è parlato di un fenomeno di
“creazione consuetudinaria di un istituto giudiziario”,71 cui è inevitabilmente
concesso di elaborare in autonomia uno Stylus curiae. Quando poi esistano, le
norme che ne disciplinano l’attività sono “di natura tutta particolare”.72
Ecco perché la Cassazione ha preso a controllare il contenuto della
motivazione, pur quando mancava una specifica norma che lo consentisse, e
perché, quando con il codice di rito del 1940 è stato inserito un precetto ad hoc,
ha persistito a conformarsi agli indirizzi tramandati.73 Ecco perché anche adesso,
se da un lato si deve prendere atto della volontà legislativa, dall’altro lato si deve
pure concedere che la sua attuazione sarà come di consueto rimessa alla scelta
della Cassazione, che terrà conto chiaramente dell’obiettivo74 del contenimento
del numero dei ricorsi.75

69
Ad ogni modo è importante evidenziare (con B. Sassani, La logica del giudice cit., 5 nt. 1, cui si
deve la preziosa notazione) che il controllo della motivazione se lo “inventò” la “Corte delle origini”
(Cour de cassation, chambre civile 26 ottobre 1808, in un litigio relativo a diritti feudali).
70
Ecco perché giudichiamo fuorviante anche solo alludere ad un modello “tradizionale”di Cassazione.
Si sa infatti che l’organo ha esibito nel tempo una mutevolezza senza pari. E suona come un
espediente retorico, il rinvio che vi è operato da coloro che, lamentando lo stato presente dell’istituto,
tratteggiano una sua condizione “aurorale” ed originaria (che non si sa davvero se sia mai esistita).
71
P. Calamandrei, La Cassazione civile, Torino-Fratelli Bocca, 1920, v. I, 576.
72
Così A. Pizzorusso e A. Proto Pisani, in Foro it. 1987, V, 205 ss. e spec. 211, n. 9 (introducendo la
serie di studi denominata “Per la Corte di cassazione”). Da una parte, non diversamente da tutte le
norme che si riferiscono alle Corti Supreme, “la loro applicazione è sottratta a qualsiasi specie di
controllo” (A. Pizzorusso e A. Proto Pisani, op. loc. cit.). Dall’altra parte, si tratta di norme strettamente
legate al perseguimento (e conseguimento) dei compiti istituzionali della Cassazione; sicché
non potrebbero “non essere legittimamente influenzate, a livello di interpretazione sistematica,
dall’art. 65 dell’ordinamento giudiziario” (s’intende, dalla esigenza di consentire alla Corte di
attendere alla propria funzione di nomofilachia: op. loc. cit.).
73
Cfr., sul punto, la dimostrazione di M. Bove, Giudizio cit. spec. 4 (dove osserva riassuntivamente che,
a dispetto della apparenza, “il classico e tradizionale vizio logico” della motivazione continuava a
trovare spazio nella giurisprudenza della Cassazione).
74
Come è agevole dedurre dalla Relazione al d.l. n. 83, con la riforma, se si è inteso arginare il contenzioso
in sede di legittimità, lo si è fatto nel quadro della rivalutazione della funzione nomofilattica della
Cassazione.
75
Per esprimere una valutazione realistica al riguardo, vanno ponderati molti elementi. Si prendano,
ad esempio, i casi nei quali è stata (sino ad oggi) denunziata la contraddittorietà della motivazione.

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242  Andrea Panzarola

5  Spunti per l’esegesi della norma


Per comprendere cosa potrebbe cambiare, bisogna ricordare la condizione
nella quale ci siamo trovati sinora.
Lo sanno tutti, in effetti, che il controllo intorno alla motivazione ha certo
avuto per oggetto il caso in cui essa fosse “omessa”. Ma non si trattava ovviamente
né del solo, né del più importante fra i vizi della motivazione. Il controllo della
Corte si estendeva alla ipotesi di “insufficiente o contraddittoria motivazione”76
circa “un fatto controverso e decisivo per il giudizio” (secondo quanto si leggeva
nel n. 5 comma 1 art. 360 c.p.c., quale riformato nel 2006).
Una simile estensione del sindacato della motivazione77 — frutto di una scelta
molto risalente78 — ha concorso ad assegnare alla nostra Corte di cassazione la

Ebbene, sembra proprio che, visto il loro numero limitato, pur se fossero esonerati dal controllo
del Supremo Collegio, non si determinerebbe una autentica diminuzione della quantità dei
ricorsi. In tal senso v. M. De Cristofaro, Appello e cassazione cit., §1; M. Bove, Giudizio cit. 7 ss.; R.
Caponi, Contro il nuovo filtro in appello e per un filtro in cassazione cit., 11; G. Impagnatiello, Crescita
del paese cit. 7.
76
Si fa notare, poi, che il legislatore (espungendo dal n. 5 comma 1 art. 360 c.p.c. entrambe le
ipotesi) sembra trattare allo stesso modo la motivazione insufficiente e quella contraddittoria.
Ma le due ipotesi meritano separata considerazione: M. De Cristofaro, Appello e cassazione cit.,
§1.1. L’A. — mentre riconosce che la proposta di eliminare il motivo di ricorso che si innesta sulla
denunzia della “insufficiente” motivazione è in discussione da molti anni (dalla adozione della
c.d. Bozza “Brancaccio-Sgroi”, trasmessa al C.S.M. il 14 marzo 1988, in Quad. C.S.M. 34/90, pp. 400
ss.) — mostra di credere che, “rispetto ad essa, non vi sarebbero strali da destinare al legislatore”,
non foss’altro perché “avrebbe un impatto veramente efficace, consentendo di dichiarare
inammissibili de plano tutti i ricorsi o motivi di ricorso che nella sostanza puntano ad un terzo
grado di merito” (si può ricordare l’avviso di G. Calogero, La logica del giudice e il suo controllo in
cassazione, Padova, 1937, II ed., Padova 1964, 172 ss., che sollecitava la eliminazione di qualunque
controllo interno della motivazione in facto; equilibrato sembra, peraltro, il giudizio di A. Criscuolo,
I provvedimenti ricorribili. Il ricorso nell’interesse della legge, in Il nuovo giudizio di cassazione, a cura
di G. Ianniruberto e U. Morcavallo cit., 163-164, il quale — se sottolinea che la determinazione del
confine tra valutazione sufficiente ed insufficiente “implica un inevitabile tasso di soggettivismo”
e comunque comporta uno “sconfinamento nell’ambito valutativo riservato al giudice di merito”
— al contempo riconosce che proprio “il controllo della sufficienza della motivazione non
di rado consente di porre rimedio a pronunzie palesemente non conformi al diritto”). Quanto
invece alla cancellazione della possibilità di sindacare la motivazione “contraddittoria”, essa — ad
avviso di M. De Cristofaro, Appello e cassazione cit.— si palesa altrettanto pericolosa che di scarso
impatto sul piano pratico. Osserviamo ancora che — se si pensa agli estremi della motivazione
contraddittoria (quali ritenuti in giurisprudenza: v. note 84, 87 e 99) — pare davvero difficile
immaginare che si possa fare a meno di un controllo al riguardo da parte della Cassazione.
77
Nella consapevolezza che la “logicità” controllabile (e controllata dal Supremo Collegio) non è
altro che l’empirica congruenza causale fra il noto e l’inferito. Per di più, se l’inferenza probabilistica
può essere ripercorsa ab intus, questo vorrà comunque dire — né più né meno — che quel
controllo che la Corte è autorizzata ad esercitare può vertere sulla (e non eccedere la) plausibilità,
evincibile ex actis e modulata sulla comune esperienza, di certune interpretazioni di accadimenti,
sul presupposto accolto e non disputato delle circostanze di fatto contenute negli atti stessi. V.,
per un discorso più articolato, se vuoi, A. Panzarola, La Cassazione civile cit., II, 674 ss.).
78
Della stessa Corte di cassazione. Cfr. M. Bove, Giudizio cit., spec. 2 ss.

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L’ennesima riforma della Cassazione civile italiana  243

sua tradizionale fisionomia di Giudice — per quanto attento prioritariamente alle


esigenze oggettive di rispetto della norma sostanziale e processuale, egualmente
— interessato alla tutela dello ius litigatoris.79
Di qui l’idea di permettere, attraverso il vizio di motivazione, una critica
all’operato del giudice inferiore, “non per non aver detto, ma per non aver
pensato”80 (o per l’una e per l’altra cosa).81
Insomma, in una prospettiva diacronica, si può ben dire che il sindacato
della Cassazione si è “trasferito dalla motivazione quale elemento formale della
sentenza” — “come volevano gli originari conditores82 e come dettava il verbo
legislativo” — “al concreto sintomo di ingiustizia, come imponeva la esperienza
giuridica, anelante a cogliere, o almeno a sfiorare, non la morta lettera della
pronuncia formalizzata, ma la viva realtà del giudizio”.83
E’ parimenti noto che, in contemplazione di quest’ultima fattispecie, è
doveroso il raffronto — secondo note modalità (attualmente mediate, per
non dire complicate, dal rispetto del c.d. principio di autosufficienza)84 — della

79
Si potrebbero anzi impiegare le parole di L. Mortara: “la corte di cassazione” — scriveva il Maestro
mantovano nel Commentario del codice e delle leggi di procedura civile, Milano-Vallardi, s.d., II, n. 16
ss. (spec. 19-20), nonché vol. IV, 543 — “non è istituita per la difesa astratta del diritto obiettivo,
ma per mezzo di tale difesa tende a reintegrare il diritto subiettivo dei litiganti, al pari di ogni
altro organo della funzione giurisdizionale; giudica, cioè, de iure litigatoris et de iure constitutionis;
e prima di quello che di questo, poiché il reclamo del cittadino che reputa leso il proprio diritto
dalla sentenza del giudice inferiore è la causa normale che provoca l’esercizio della funzione
giurisdizionale”.
80
E’ nota la obiezione sul punto di P. Calamandrei, La Cassazione civile cit., II, n. 100, 3 B, b, 256,
n. 121, 371 ss. (ove allude a ciò che, nelle intenzioni del legislatore, il vizio di omessa motivazione
avrebbe dovuto individuarsi nel solo caso in cui il giudice avesse mancato di dire; occorreva
ribaltare, così, il punto di vista pur dominante nella pratica del tempo, secondo il quale nel vizio
di motivazione incorreva il giudice “non per non aver detto, ma per non aver pensato”).
81
E’ del resto frequente la affermazione (v., ad es., sulle orme chiovendiane, M. Ricca-Barberis,
Ampliamento dei difetti rilevabili in Cassazione, in GI 1942, IV, 17 ss.) secondo cui la contraddittorietà
o insufficienza della motivazione è “nel suo significato più esatto”, un “aspetto della violazione di
legge”. Laddove invece la mera mancanza materiale della motivazione metterebbe capo ad un
errore formale. Del resto, da altro punto di vista, si sa che non pochi scrittori (tra gli altri, Carnelutti,
Calamandrei, Segni) optarono per la natura di errore in iudicando del vizio di motivazione: sia
consentito rinviare, per riferimenti, ad A. Panzarola, La Cassazione civile cit., II, 471-472, 744 ss.
82
L’art. 517, n. 2, c.p.c. 1865 stabiliva che la “sentenza pronunciata in grado d’appello può essere
impugnata col ricorso per cassazione” alla condizione che “sia nulla a norma dell’art. 361”: se
mancante, in altre parole, dei motivi in fatto o in diritto prescritti dall’art. 360 del medesimo
codice (cui rinviava l’art. 361, cit., n. 2).
83
L. Montesano, “Antipositivismo” e “oralità” del giudizio in un recente libro, in RTDPC 1966, 1480 ss.,
spec. 1486 (in commento complessivamente favorevole al libro di M. Massa, Contributo all’analisi
del giudizio penale di primo grado, Milano-Giuffrè 1964, già recensito criticamente da V. Denti, in
RDP 1966, 114-115).
84
Si rinviene in giurisprudenza la affermazione — in relazione al tema in esame — secondo la
quale, “ove venga dedotto vizio di motivazione per incongruità o insufficienza della motivazione

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244  Andrea Panzarola

stessa motivazione85 con le risultanze del processo86 (quali filtrate dal ricorso o
controricorso).
E la Corte di cassazione, sebbene con l’opinabile richiamo della autosuffi-
cienza87 — che comunque non si risolve in un mero vaglio della motivazione ab

della sentenza impugnata — per mancata o insufficiente od erronea valutazione di risultanze


processuali (nella specie, erano state contestate le prove dedotte per testi nella controversia
relativa al ribaltamento di un autotreno e alle conseguenti responsabilità sotto il profilo
risarcitorio) — è imprescindibile che il ricorrente precisi le risultanze che asserisce decisive o
insufficientemente o erroneamente valutate, in quanto per il principio di autosufficienza del
ricorso per cassazione il controllo deve essere consentito sulla base delle deduzioni contenute nel
medesimo, alle cui lacune non è possibile sopperire con indagini integrative, non avendo la Suprema
Corte accesso agli atti del giudizio di merito”: Cass. 2 marzo 2012, n. 3239 (c.n.); cui adde Cass.
10 marzo 2011, n. 5700, secondo cui nel ricorso per cassazione — ancora in sintonia con quel
principio — dovrebbero figurare tutti gli elementi necessari a profilare le ragioni per cui si
chiede la cassazione della sentenza del giudice inferiore, come pure a consentire la valutazione
della fondatezza di tali ragioni, senza la necessità di far rinvio e accedere a fonti esterne allo
stesso ricorso (e, segnatamente, ad elementi o atti attinenti al giudizio di merito). Sicché, ove
il ricorrente si dolga della contraddittorietà della motivazione della sentenza impugnata, è
tenuto, a pena di inammissibilità, a trascrivere (nel ricorso) le espressioni tra loro contraddittorie
ossia inconciliabili contenute nella parte motiva della sentenza impugnata (le espressioni, per
intenderci, “che si elidono a vicenda e non permettono, di conseguenza, di comprendere quale
sia la ratio decidendi che sorregge la pronuncia stessa”): Cass. 6 agosto 2010, n. 18365; Cass. 27
maggio 2010, n. 12988.
85
Vagliata non già soltanto ab intra. F. Cordero, Procedura penale, Milano-Giuffrè 2003, 1148-1149
(in relazione all’art. 606, 1º comma, lett. e, c.p.p.) nota che “dove le motivazioni siano vagliate ab
intra, essendo interdetto alla Corte l’accesso agli atti, diventa possibile ogni travisamento”. Per un
convincente confronto fra il precetto penale citato e la norma del c.p.c. (art. 360 comma 1 n. 5 c.p.c.,
quale risultante dalla riforma del 2006) v. G.F. Ricci, La Suprema Corte tra funzione nomofilattica
cit. 588 ss. (che ne trae conferma del controllo interno praticato dalla Cassazione civile sul
ragionamento del giudice). Sulla proposta contenuta nel c.d. “progetto Tarzia” (improntata alla
norma del c.p.p. testé ricordata) v. B. Sassani, La logica del giudice cit. 5.
86
E’ noto, per dirla con Guido Calogero (La logica del giudice cit., 282), che il riesame in facto non
accade mai e gestis ma solo ex actis: la Cassazione “non ripercorre la storia ma solo la storiografia”.
87
Quale tecnica di predisposizione del motivo di ricorso per cassazione (F. Carpi, La tecnica di
formazione del ricorso per cassazione, in RTDPC 2004, 1017), il principio di autosufficienza — se
certamente esibisce i suoi aspetti più problematici in rapporto al vizio di motivazione — è riferito
a tutte quante le censure che figurano nell’art. 360 c.p.c. Cfr. S. Rusciano, Il contenuto del ricorso
per cassazione dopo il d.lgs. 40/2006. La formulazione del motivo: il principio di autosufficienza,
in Corr. giur., 279 ss., 281; Ovviamente, pur prospettandosi in relazione a tutti gli atti rilevanti
(ricorso, controricorso e ricorso incidentale), il requisito concerne la ammissibilità del motivo: R.
Poli, Specificità, autosufficienza e quesito di diritto nei motivi di ricorso per cassazione, in RDP 2008,
1249 ss., spec. 1256 ss. V. pure, in ultimo, F. Santangeli, Il principio di autosufficienza del ricorso per
cassazione, in RDP 2012, 607 ss.

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L’ennesima riforma della Cassazione civile italiana  245

intra88 (e che riflette semmai un rifiuto formalistico89 d’una “ispezione” delle prove90
agli atti) —, non ha deflettuto da questa tendenza.
Di fronte a questa situazione come si pone la nuova norma?
Posto che consente di denunziare soltanto l’omesso esame di un fatto
decisivo e discusso, si potrebbe finanche sostenere che la norma91 si riferisca alla
mancanza (grafica)92 della parte motiva della sentenza, per quanto in tal caso
il vizio sarebbe comunque censurabile quale violazione dell’art. 132 c.p.c. (in
rapporto all’art. 360 comma 1 n. 4 c.p.c., nella forma di errore in procedendo).
Ma, cosa ancora più importante, se la Cassazione limitasse il nuovo n. 5
comma 1 art. 360 cit.) alla mancanza assoluta di giustificazione della decisione,
si giungerebbe di fatto alla amputazione di un profilo essenziale del vizio di
motivazione: si conserverebbe il sindacato sulla violazione più eclatante della
legge processuale (vizio di attività), per negare il controllo della motivazione

88
Anche nell’ultimo anno, non mancano pronunzie che, in omaggio al principio di autosufficienza,
affermano (in linea con la giurisprudenza ricordata retro in nota 84) la inammissibilità del motivo
di ricorso per cassazione col quale il ricorrente denuncia la “contraddittorietà della motivazione”
della sentenza impugnata, senza trascrivere le proposizioni che si assume siano “contraddittorie”,
ovvero tra loro inconciliabili e tali da elidersi a vicenda (Cass., 2 marzo 2012, n. 3248).
89
Si sa che “autosufficienza” e “specificità” del motivo (di qualunque motivo — R. Poli, Specificità
cit., 1254; S. Rusciano, Il contenuto del ricorso per cassazione cit. 288 —, compreso quello sotto
esame) si confondano. Come noto, l’onere (che grava sul ricorrente) della indicazione dei motivi
di impugnazione è prescritto sotto pena di inammissibilità del ricorso (art. 366, comma 1, n. 4 c.p.c.),
in rapporto — dice la Suprema Corte — a qualunque errore (in procedendo o in iudicando) per cui
è proposto: detto onere, più precisamente, “non può essere assolto per relationem con il generico
rinvio ad atti del giudizio di appello, senza la esplicazione del loro contenuto”. Vi è infatti un preciso
onere di indicare, in modo puntuale, “gli atti processuali ed i documenti sui quali il ricorso si fonda”,
come pure “le circostanze di fatto che potevano condurre, se adeguatamente considerate, ad
una diversa decisione”. Per regola generale, infatti, nel ricorso debbono essere contenuti “tutti gli
elementi che diano al giudice di legittimità la possibilità di provvedere al diretto controllo della
decisività dei punti controversi e della correttezza e sufficienza della motivazione della decisione
impugnata” (Cass. 31 maggio 2011, n. 11984; Cass. 30 marzo 2011, n. 7232 e Cass. 15 marzo 2011,
n. 6091, in GC 2011, I, 1177, con nota di A. Didone; Cass. 27 gennaio 2011, n. 2018, in GC 2011, I,
885; Cass. 3 luglio 2008, n. 18202).
90
In quanto, stando al principio di autosufficienza del ricorso per cassazione, il controllo della
Cassazione deve essere permesso “sulla base delle deduzioni contenute nel medesimo” (ricorso),
“alle cui lacune non è possibile sopperire con indagini integrative, non avendo la Suprema Corte
accesso agli atti del giudizio di merito”( Cass. 2 marzo 2012, n. 3239; cui adde Cass. 10 marzo 2011,
n. 5700).
91
V. retro in nota 76 a proposito della critica mossa al legislatore per avere equiparato la motivazione
“insufficiente” a quella “contraddittoria”.
92
Contro una simile interpretazione v., però, le condivisibili notazioni critiche di C. Consolo,
Spiegazioni, II ed. cit., III, 403.

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246  Andrea Panzarola

onde inferirne un sintomo della ingiustizia93 (in iudicando) del provvedimento


impugnato.94
Per converso, si è creduto di potere valorizzare la formulazione della nuova
norma, nella parte nella quale consente il sindacato della Cassazione in relazione
all’omesso esame “circa” un fatto decisivo ed “oggetto di discussione tra le parti”
e non — come nella originaria versione del precetto del 1940 — “di” un fatto
decisivo e controverso. Se ne è dedotta la ammissibilità di un motivo di ricorso
con il quale si lamenti la omessa considerazione, da parte del giudice inferiore, “di
una risultanza istruttoria determinante95 per ritenere esistente o inesistente un
fatto decisivo per il giudizio”.96
Sembra davvero problematico, però, additare in quella sfumatura semantica
la premessa per perpetuare (nella sua tradizionale latitudine) il controllo della
Cassazione intorno al rispetto delle regole logico-giuridiche di accertamento
del fatto, ad iniziare da quelle concernenti la valutazione delle prove.97 Pur se

93
Siamo dell’avviso, infatti, che motivazione e decisione siano grandezze correlate: sicché, tramite
il controllo sulla correttezza della motivazione, si mette capo al controllo sulla fondatezza
della decisione (cfr., per la esposizione convincente di questo ordine di idee, F.M. Iacoviello, v.
Motivazione della sentenza penale, in Enc. dir., Agg. IV, Milano 2000, 750 ss., spec. 781). Non
pensiamo, invece, che motivazione e decisione siano grandezze irrelate, per cui il controllo sulla
motivazione nulla ci direbbe circa la fondatezza della decisione impugnata.
94
Un controllo sulla motivazione che non assicurasse in nessun modo la (possibilità di operare una
verifica circa la) fondatezza dell’accertamento probatorio sarebbe inutile, per non dire insensato.
95
Varrà in proposito la regola tramandata, di origine giurisprudenziale, secondo la quale se il
ricorrente lamenti la omessa valutazione di una prova, in accordo con il principio di autosufficienza
è tenuto non solo a trascrivere il testo integrale o la parte significativa della prova — onde permettere
alla Corte di effettuare il vaglio di decisività (oggi come ieri deducibile dall’art. 360 comma 1 n. 5
c.p.c.) — ma pure (trattandosi ad esempio di documenti) a “specificare gli argomenti, deduzioni o
istanze che, in relazione alla pretesa fatta valere, siano state formulate nel giudizio di merito, pena
l’irrilevanza giuridica della sola produzione, che non assicura il contraddittorio e non comporta,
quindi per il giudice alcun onere di esame e ancor meno di considerazione dei documenti stessi ai
fini della decisione” (Cass. 7 febbraio 2012, n. 1691; v. pure, in linea con gli argomenti ricordati, la
pur singolare Cass. 7 febbraio 2012, n. 1716; Cass. 30 novembre 2011, n. 25568; Cass. 9 novembre
2011, n. 23348).
96
M. De Cristofaro, Appello e cassazione cit. §1.1. Più ampiamente, è stato sostenuto che l’esame “circa”
un fatto decisivo può dirsi omesso non solo quando il giudice non lo ha preso in considerazione,
ma anche quando il fatto non è stato esaminato in tutte le sue articolazioni con cui esso è emerso
in sede istruttoria: G. Impagnatiello, Crescita del Paese cit. 7 (per il nostro punto di vista v. infra
nel testo e qui di seguito nelle note successive). L’A. ritiene che il sindacato del Supremo Collegio
possa essere disimpegnato “sia nel caso siano violate le regole sull’interpretazione dei contratti o
sia disattesa una prova legale (in tali fattispecie in accoppiata con il motivo di cui all’art. 360, n. 3),
sia allorquando il giudice abbia reputato irrilevante un mezzo istruttorio oppure abbia valutato
illogicamente e/o contraddittoriamente le deposizioni testimoniali o gli esiti della consulenza
tecnica d’ufficio”.
97
M. Bove, Giudizio di fatto della Corte di cassazione cit., §4; G. Impagnatiello, Crescita del Paese cit.

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L’ennesima riforma della Cassazione civile italiana  247

un sindacato consimile continua ad apparire desiderabile, ne sarà discussa la


conformità, non solo agli scopi dichiaratamente perseguiti dai conditores, ma alla
stessa lettera della norma, che sembra voler sottrarre le motivazioni “claudicanti”
sui fatti e sulle prove da ogni sindacato.98
Ma è in fondo questione di buon senso e di misura: come si potrebbe
“salvare” una pronunzia99 da cui trapeli che il giudice di merito, nel ragionamento
probatorio, abbia impiegato una massima d’esperienza del tutto inattendibile
(del tipo: in Lombardia vi è spesso ghiaccio sulle strade nel mese di luglio)?100
Vista la difficoltà di decifrare la portata del nuovo precetto101 in definitiva
sarà ancora una volta la Suprema Corte a determinarne la portata,102 sulla scorta
di valutazioni che dal dato letterale103 si allargheranno come di consueto alla

98
Di qui il dubbio prospettato: che sia cioè possibile continuare a sollecitare l’esercizio del sindacato
“tradizionale” del Supremo Collegio nel caso in cui il giudice inferiore abbia, ad esempio (e
per riprendere esempi di G. Impagnatiello, Crescita del Paese cit.), valutato illogicamente e/o
contraddittoriamente le deposizioni testimoniali o gli esiti della consulenza tecnica d’ufficio.
99
E’ un interrogativo che, a ben vedere, può riferirsi pure alla “motivazione contraddittoria” che
figuri nel provvedimento impugnato, quando si rammenti che — ad avviso della Suprema
Corte (v., ad es., Cass. 11 maggio 2007, n. 10848) — detto vizio sussiste allorché - dalla lettura
della sentenza - emerga un insanabile contrasto tra le argomentazioni adottate, tale da non
consentire l’identificazione del procedimento logico-giuridico posto a base della decisione. Ci
si deve trovare dinanzi ad argomentazioni contrastanti e tali da non permettere di comprendere
la “ratio decidendi” che sorregge il “decisum” adottato. Come si può esonerare dal sindacato della
Cassazione una motivazione consimile?
100
L’esempio è proposto (ad altro fine) da M. Taruffo, v. Motivazione della sentenza civile (controllo
della), in Agg. Enc. dir., III, 772 ss., spec. 784 e nota 77.
101
Che ovviamente non avrà alcuna incidenza sul sindacato in tema di contratti collettivi (un tempo
esercitabile, oltre che per violazione dei canoni di ermeneutica contrattuale, solo per vizi di
motivazione: cfr., per tale orientamento, Cass.19 marzo 2007, n. 6435; Cass. 28 settembre 2006,
n. 21024; Cass. 22 luglio 2004 n. 13751; Cass. 17 agosto 2004 n. 16059; Cass. 26 giugno 2004
n. 11921). Alla luce dell’art. 360, comma 1, n. 3, c.p.c. (come modificato dall’art. 2 d.lg. n. 40/06)
è oggi possibile il ricorso in cassazione per violazione o falsa applicazione dei contratti collettivi
nazionali di lavoro: ciò comporta che, ai fini del sindacato della Cassazione, il contratto collettivo
è inserito tra le norme di diritto, la cui violazione può essere denunciata — non solo senza
necessario riferimento alle norme di ermeneutica (artt. 1362 e ss cc) asseritamente violate o agli
artt. 10-12 delle preleggi (Cass. 12 aprile 2012, n. 5801), ma pure, come anticipato, — senza alcun
richiamo al vizio di motivazione. Sicché la restrizione operata a questo riguardo dal n. 5 comma 1
art. 360 c.p.c. sarà priva di significative ricadute sul controllo de quo.
102
Si è già notato che, in contemplazione della versione originaria dell’art. 360 comma 1 n. 5 c.p.c.
— non meno restrittiva di quella ora inserita dal legislatore —, la Cassazione sembra che abbia
continuato a praticare la interpretazione tramandata. V. retro §3.
103
Che andrà commisurato ai casi più disparati, più o meno frequenti. Si pensi, quanto ai primi, allo
sconto tra un autoveicolo ed un motoveicolo. Si immagini che la Corte d’appello, da un lato,
riconosca che l’incidente era eziologicamente ascrivibile al concorso dei comportamenti colposi
dei due conducenti, come rilevato dal C.T.U. Si immagini, pure, dall’altro lato, che il medesimo
giudice decida di attribuire un pari concorso di colpa ad ambedue i soggetti, discostandosi

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248  Andrea Panzarola

considerazione circa la propria “missione” istituzionale, nell’ineliminabile (e


difficile) confronto con gli avvocati delle parti.104

6 Prospettive
Anche questa riforma è fatta sotto l’insegna della nomofilachia.105 Preme il
dubbio che si esageri in questo modo l’importanza dello ius constitutionis, per

dalla conclusione del C.T.U., secondo il quale l’incidente era da ascriversi principalmente alla
manovra posta in essere dal conducente dell’auto, e solo in via concorrente al conducente del
motoveicolo. Ecco la domanda: si potrà ancora lamentare — nella situazione descritta — il vizio
della motivazione della sentenza del giudice inferiore, che non spieghi le ragioni del suo dissenso
dalle conclusioni del consulente? Sino ad ora non vi era alcun dubbio che ciò fosse possibile
(cfr., ad es., Cass. 26 luglio 2012, n. 13202, da cui è tratto l’esempio e che lo estende all’ipotesi
in cui il giudice ritenga di avvalersi per la risoluzione della questione tecnica di una consulenza
disposta in sede penale ed introdotta nel processo civile; v., per la applicazione del principio, Cass.
6 aprile 1998, n. 3551). Oggi, salvo aderire alla ricostruzione ricordata retro in nota e nel testo, la
lettera della nuova norma sembra frapporvisi. Analoghe considerazioni possono essere riferite
alla (contigua) ipotesi nella quale il giudice trascuri di esaminare i rilievi rivolti alla consulenza
d’ufficio contenuti nella consulenza di parte, che siano precisi e circostanziati: tali, nella sostanza,
da condurre a conclusioni diverse da quelle accolte, prima, nella consulenza tecnica d’ufficio e
adottate, poi, in sentenza (v., per la possibilità di esercitare il controllo, Cass. 16 giugno 2001,
n. 8165; nonché, fra le altre, Cass. 10 gennaio 1995, n. 245).
104
Ai quali non si può chiedere altro...che di fare il proprio mestiere. La loro propensione a sollecitare,
in vario modo, il riesame della quaestio facti è del resto comprensibile (ma — secondo molti: cfr.,
per tutti, B. Sassani, Il nuovo giudizio cit., 224 e nota 13 — talvolta criticabile). Lo stesso Calamandrei
— che da studioso della Cassazione “aveva combattuto strenuamente la tendenza dell’istituto
ad invadere, sia pure traverso il più o meno schermato controllo di logicità condotto sulla
motivazione, il campo di merito” (V. Andrioli, L’avvocato, in Carnelutti-Liebman-Andrioli-Micheli,
Piero Calamandrei, in RDP 1956, 261 ss., spec. 269-270), — nella veste di avvocato vi si immergeva,
sollecitando un sindacato del Supremo Collegio che dal diritto scendesse nella concretezza del
singolo fatto. Per di più Calamandrei, da avvocato, “non indulse mai al troppo facile virtuosismo
di redigere i motivi del ricorso per cassazione sulla sola lettura della motivazione della sentenza
impugnata”, amando invece — stando sempre alla testimonianza di Andrioli — “ripercorrere tutto
il fascicolo della causa”, interessandosi all’esame “di ogni documento”, non lasciando “inesplorata
nessuna difesa scritta”. Il Maestro fiorentino, che “negli anni della vigilia aveva esaltato gli aspetti
politici della Cassazione vedendo in essa la espressione dell’unità e della sovranità dello Stato
moderno”, nei non pochi lustri di patrocinio forense aveva vieppiù valorizzato la ricostruzione dei
fatti come compito tipico, quando non del giurista in genere, certo dell’avvocato di razza.
105
Di ripiegamento “sulla mitologica e rarefatta nomofilachia”, discorre C. Consolo, Lusso o necessità
nelle impugnazioni delle sentenze? cit. In tale contesto artificioso, oltretutto, incombe il pericolo
— per usare liberamente le parole di S. Satta, Il giudice e la legge, in RDC 1971, I, 129 ss. (sulle
quali richiama la attenzione R. Vaccarella, Attualità di Salvatore Satta: a proposito della riedizione di
“Soliloqui e colloqui di un giurista”, in RDP 2006, 171 ss., spec. 177) — che “il senso della legge come
cosa viva” si riduca ad “un fossile da analizzare al microscopio”, senza alcuna connessione con il
“concreto”.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 225-253, out./dez. 2013
L’ennesima riforma della Cassazione civile italiana  249

innalzarlo a concetto fondamentale.106 Per di più, caricandolo di una pretesa


antipluralistica di esclusività, questo concetto diviene anche controverso.107
Si avverte invece che la funzione della Cassazione “è la risultante di un delicato
equilibrio108 fra due diverse esigenze di tutela”, certo oggettive ma anche
soggettive, di garanzia della coerenza dell’ordinamento non meno che di giustizia
nel caso concreto.
L’idea che va rafforzandosi di una “Corte del precedente”109 non può oscurare
le necessità della vita.110 Nella quale si intravede un diffuso bisogno di controllo
sulle decisioni delle Corti di appello, perché i tempi lunghi, se non lunghissimi,

106
Tanto più che si fa strada il dubbio che, enfatizzando la funzione nomofilattica “pura” della
Cassazione, non solo ci si distacca dalla dinamica della storia per assecondare una “aspirazione
ideale”, ma si riannoda quest’ultima ad “una visione autoritaria e fortemente accentrata
della giustizia che è l’opposto di quella che possiamo trarre dalle pieghe di un ordinamento
autenticamente democratico” : così G. Verde, In difesa dello jus litigatoris cit., 10; nonché Id., Jus
litigatoris e jus constitutionis, in Il difficile rapporto tra giudice e legge cit., 26. Paiono persuasive, in
questo quadro, le considerazioni di G. Scarselli, La crisi della Cassazione civile e i possibili rimedi,
in GPC 2010, 653 ss., spec. 669 ss. (circa il “valore prevalente” del “diritto al ricorso”, alla luce della
storia e della costituzione, non meno che del sistema processuale).
107
Dinamica ben nota e di rilievo generale, descritta in ultimo da R. Koselleck, Il vocabolario della
modernità, Bologna, 2009, 37 (trad. I ed. ted. Begriffschriften, 2006). Nello specifico, la pretesa di
isolare dalle restanti la sola funzione nomofilattica, oltretutto ipostatizzandola, è più che mai
discutibile se si pensa che “nulla, nelle esperienze processuali, può impunemente ambire alla
purezza e alla incontaminata razionalità”(C. Consolo, Lusso o necessità nelle impugnazioni delle
sentenze? cit. 4).
108
Di “bilanciamento” discorre anche Cass., sez. un., 6 settembre 2010, n. 19051, cit., quando dice
del “doversi attuare, in nome del principio di effettività della tutela giurisdizionale, un adeguato
bilanciamento tra diritto delle parti al ricorso per cassazione per violazione di legge, affermato
dall’art. 111 cost., e concreta possibilità di esercizio della funzione di giudice di legittimità,
garanzia a sua volta del principio di uguaglianza del cittadino di fronte alla legge (art. 3 cost.)”.
109
L’espressione è di A. Briguglio, che allude “ai recenti percorsi nomofilattici (in materia processuale)
di una Corte del precedente quale ormai il legislatore (art. 360 bis) vuole che sia la nostra Suprema”:
Id., L’overruling delle Sezioni Unite sul termine di costituzione dell’opponente a decreto ingiuntivo;
ed il suo (ovvio e speriamo universalmente condiviso) antidoto), in GPC 2010, 1165 ss., 1175. La
medesima espressione — Corte del “precedente” — è impiegata quale titolo di una relazione
del 2009 dell’Ufficio del Massimario della Cassazione (La Corte del “precedente”. Riflessioni, su
continuità ed innovazione, per l’applicazione dell’art. 360-bis del codice di procedura civile).
110
Ad avviso di B. Capponi, Opinione, in htpp://www.judicium, il problema del controllo in cassazione
della motivazione rischia di essere sopravvalutato. Sul filo del paradosso, l’autore nota che va
“scomparendo, sotto gli occhi indifferenti di tutti, l’oggetto da controllare”. La tecnica di redazione
della motivazione va in effetti modificandosi sensibilmente (“le conclusioni delle parti sono,
da molto tempo, un optional, il fatto non esiste più, il diritto è contratto dal rinvio all’esterno.
Circolano su varie liste di giuristi modelli-moduli-vulgate di sentenza, in cui prevale la soluzione
per relationem anche pei dispositivi”). Più in generale, si fa addirittura strada l’idea (accolta da
Cass., sez. un., n. 11067/2012, sulla quale viene richiamata opportunamente l’attenzione) secondo
la quale il titolo esecutivo sarebbe “integrabile con qualsiasi cosa, creando la categoria (§8) delle
‘fonti di integrazione dell’accertamento contenuto nel titolo’“.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 225-253, out./dez. 2013
250  Andrea Panzarola

per attenderne la pubblicazioni non sono purtroppo garanzia di accuratezza


quanto alla loro motivazione.111 Cresce l’aspirazione dei litiganti ad un controllo
della motivazione deficiente in facto, che, in futuro, se si dovesse rimanere
aderenti alla lettera della norma,112 sarà impossibile. Ne rimarrebbe condizionato
anche “un frutto prezioso dell’opera della Cassazione che fu”,113 che rischierebbe
di perdersi per l’omaggio prestato ad una idea di Cassazione114 astratta115 e
comunque differente da quella storicamente116 realizzatasi. Lo ius constitutionis
sarebbe anteposto allo ius litigatoris che pure “è cosa degna che si viene cosi
trascurando”.117
Mentre le motivazioni difettose sui fatti e sulle prove sarebbero esonerate
dal controllo che sino ad oggi è stato riservato loro, si insinuerebbe nelle pieghe
dell’ordinamento giudiziario la consapevolezza del mutamento intervenuto:

111
Che le sentenze d’appello “fanno acqua dal punto di vista motivatorio” è, ad es., notato da C.
Consolo, Lusso o necessità nelle impugnazioni delle sentenze? cit. 3 (il quale aggiunge che “quella
della grave insufficienza motivatoria è una esperienza quasi all’ordine del giorno”: chi lo negasse
— nota non senza ragione l’autore — “sarebbe un celestiale Pangloss”). Più ampiamente, vale
la pena segnalare il reversal rate delle sentenze di appello in Cassazione, che in effetti è “molto
elevato”: Id., Le impugnazioni delle sentenze e dei lodi, III ed., Padova-Cedam, 2012, 4, 7 ss.
112
Salvo ricondurre, ovviamente, il controllo di logicità della motivazione al n. 4 comma 1 art. 360
c.p.c. (v. retro, §4). Tale soluzione è auspicabile. Non è detto però che la Cassazione la segua. Per
di più, adottandola, si porrebbero quei problemi dianzi segnalati in caso di “doppia conforme”. V.
retro in nota 11.
113
Cfr. retro nota 69. L’espressione è di C. Consolo, Lusso o necessità nelle impugnazioni delle sentenze?
loc. cit., che ritiene che la Suprema Corte debba anche “in futuro rimanere un organo di controllo
anche quanto alla conferenza e dirittura motivatoria sulle questioni di fatto”. Si tratta, come si è
potuto constatare in queste pagine, di una opinione assai diffusa.
114
Oltretutto non vi è un unico modello di Cassazione. Già solo nella storia francese Matteo Pescatore
(nel 1874) ne indicava sei versioni e prima di lui Gaspare Capone discorreva di “quattro epoche”
della Cassazione (Cfr. M. Pescatore, Filosofia e dottrine giuridiche, Torino-Fratelli Bocca, 1874, vol.
I, p. 442 ss.; G. Capone, Discorso sopra la storia delle leggi patrie all’altezza reale del principe D.
Ferdinando duca di Calabria, 2. ed., Napoli-Porcelli, 1845, II, pp. 174 ss.). L’evoluzione successiva
ha confermato questa tendenza, che evidentemente non può essere irrigidita nelle forme del
modello calamandreiano, altrettanto geniale che “puro” ed “astratto”.
115
Forse per meglio indagare la condizione attuale della Corte Suprema (e potere quindi prospettare
modifiche nel suo funzionamento) sarebbe opportuno operare una radicale epoché dalle
concezioni dottrinali tramandate, anche da quelle più autorevoli (per non dire dai preconcetti di
questa o quella corrente). Bisognerebbe — per dirla con G. Capograssi, Giudizio processo scienza
verità, in RDP 1950, I, 1 ss., 21-22 — “rifarsi ingenui”.
116
Cfr. M. Fornaciari, Ancora una riforma sull’art. 360 cit. 2, il quale si chiede, con ragione, se non sia
proprio la continuità storica dell’operato della Cassazione in proposito a testimoniare la “fisiologica
appartenenza al giudizio di legittimità” del controllo sulla motivazione. Di qui la domanda
retorica: “possibile, detto altrimenti, che da 150 anni la Cassazione continui ostinatamente e
masochisticamente a sobbarcarsi un’incombenza che non le compete?”.
117
C. Consolo, Lusso o necessità nelle impugnazioni delle sentenze? cit. 4.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 225-253, out./dez. 2013
L’ennesima riforma della Cassazione civile italiana  251

nel senso che, se sino ad oggi la latitudine dello scrutinio condotto ai sensi del
n. 5 dell’art. 360 avrebbe potuto funzionare da sprone per il giudice inferiore
a confezionare una sentenza ben motivata in facto, inversamente adesso il
restringimento di quel motivo di ricorso potrebbe instillare nelle menti l’idea
che, non importa se buona o cattiva, sarebbe sufficiente una motivazione
purchessia118 a sottrarre da censure la sentenza. Tendenze meritorie nei fori
nazionali correrebbero il rischio di esserne contaminate in peius, tanto quanto
prassi già criticabili “legittimate”119 pro futuro.
Più ampiamente, nella cornice del sindacato della Cassazione, torna ad
imporsi l’interrogativo delle conseguenze “sociali”120 di un errore in iudicando in
iure rispetto alla importanza del controllo sulla motivazione del fatto121 che figuri
nella sentenza. Non meno diffusa è la riaffermazione della inerenza di un controllo
consimile ai compiti c.d. di legittimità122 da decenni disimpegnati dal Supremo
Collegio, il quale, provvedendovi, mentre non può (ri)valutare i fatti di causa e
le prove, deve invece verificare la correttezza della giustificazione che in ordine
agli uni ed alle altre abbia fornito il giudice inferiore. Di qui la oramai usuale123
affermazione per cui il controllo della logicità della motivazione non implica una
estensione del sindacato della Corte nel “merito”, e cioè — quando si rammenti

118
V., però, quanto osservammo retro nel §4.
119
“Rischieranno di divenire ancor più pigramente frequenti e soprattutto di rimanere largamente
occulte”: C. Consolo, Lusso o necessità nelle impugnazioni delle sentenze? cit.
120
Numerosi sono i significati che si riannodano al termine “sociale”. Da quello descrittivo di attinente
alla società o alla comunità, a quello (valutativo-qualificante) di indicatore di ciò che è al servizio
del bene comune. Premesso che in tutti i casi il termine può trovare applicazione nel processo
(secondo le indicazioni di N. Picardi, La giurisdizione all’alba del terzo millennio, Milano 2007, 183
ss. e di A. Giuliani, Giustizia ed ordine economico, Milano-Giuffrè 1997, 173 ss.; sulla differente
impostazione di Franz Klein v. infra in questa nota), il riferimento che compare nel testo, mentre
considera il primo dei due significati, al contempo si estende al secondo (secondo una linea che
risale alla teorizzazione kleiniana del processo come una Wohlfartseinrichtung, un istituto per il
benessere sociale.v. N. Picardi, Le riforme processuali e sociali di Franz Klein, in GPC 2011, 1067 ss.,
spec. 1097).
121
E’ la stimolante prospettiva dischiusa da C. Consolo, Lusso o necessità nelle impugnazioni delle
sentenze? cit. Secondo l’A. “gli errori di diritto non sono un vizio più grave e si prestano anzi — si
noti — a controlli e a disincentivi vari e diversi, compresa la critica dottrinale, mentre le motivazioni
slabbrate e inconferenti sui fatti e sulle prove, rimosso il loro unico attrezzato Custode” (i.e.:
la Cassazione) non sarebbero sindacabili da alcuno. Con riferimento ai vizi procedurali vedi le
consonanti osservazioni di M. Fornaciari, Ancora una riforma dell’art. 360 cit., §2, 3 e nota 5.
122
Cfr, in particolare, M. Bove, Giudizio di fatto cit., spec. §3; M. Fornaciari, Ancora una riforma dell’art.
360 cit., §2.
123
Cfr., in questo senso, già solo fra i primi commentatori della riforma, M. Bove, Giudizio di fatto cit.
(nel contesto della sua tesi complessiva: sulla quale v. infra nota 125), M. Fornaciari, Ancora una
riforma dell’art. 360 cit. 2 ss.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 225-253, out./dez. 2013
252  Andrea Panzarola

il carattere polivalente del termine “merito” — non comporta la rivedibilità dei


giudizi di fatto compiuti dal giudice inferiore. Per ribaltare una nota valutazione di
Calogero,124 si direbbe che, in vario modo, si nutre la persuasione che il sindacato
che la Cassazione compie di fronte alla logicità della motivazione si risolve nel
controllo della sua struttura logica, di cui si giudica possibile accertare o negare la
legittimità prescindendo dal riesame del suo contenuto.
Non è però qui necessario, né possibile, investigare questi temi generali
e, ad esempio, chiedersi se nella situazione descritta sia consentito rintracciare
la denuncia di un errore nel metodo del giudizio di fatto125 (e quindi, in ultima
battuta, una violazione di legge),126 o se (venendo propriamente in rilievo regole
logico-giuridiche di accertamento del fatto) ciò sia impedito.127

124
Sul quale richiama in ultimo la attenzione M. Bove, Giudizio di fatto cit., §3 (che sottopone a
rivisitazione critica i risultati del lavoro del filosofo). V., in argomento, M. Taruffo, v. Motivazione,
cit., 781. Cfr. pure, se vuoi, A. Panzarola, La Cassazione civile cit., II, 679-681 e nota 1866. Come
noto, il filosofo Guido Calogero, ne La logica del giudice e il suo controllo in Cassazione del 1937,
insiste particolarmente su questo punto, che “sindacare la logicità del giudizio di fatto significa
senz’altro giudicare il giudizio di fatto” (Id., op. cit., 103; 167 e nota 1; 94; 158 ss., quanto alle
conclusioni riassuntive parziali). Questo assunto si incastona nel contesto di premesse più generali:
nell’ambito, segnatamente, di una critica rivolta tanto allo schema sillogistico (cfr., ad es., Id., op.
cit., 47; circa il sillogismo probatorio v. spec. 100), quanto alla pretesa di risolvere l’argomentare
del giudice entro rigidi schemi logici o gnoseologici. Ad avviso dell’A. il momento fondamentale
dell’attività del giudicare deve essere additato nell’atto della sussunzione. S’intende allora che
solo se si ritiene — con Calogero — che tutto si risolverebbe nella “sussunzione del fatto sotto il
diritto” (nella quale il giudice non avrebbe più da obbedire ad alcuna formale necessità deduttiva
e non metterebbe dunque in atto una “logica” che si differenzi da quella intrinseca del contenuto
materiale della sua decisione e che possa, per l’effetto, essere controllata indipendentemente da
esso) potrà dirsi che non vi è autonomia del sindacato della logicità (della motivazione) rispetto
al riesame del merito.
125
“Ossia la denuncia in ordine alla violazione di una regola che presiede alla formazione della base
legale di quel giudizio”: si tratta della tesi riproposta da M. Bove in Giudizio di fatto cit., spec §4,
ma esposta dall’autore già in precedenza (Id., Il sindacato della Cassazione cit., 229 ss.). Ora Bove,
mentre denunzia “l’equivoco in cui da tempo cade la dottrina italiana ed oggi il legislatore”, invita
a non nutrire timori per il difetto di motivazione come motivo di ricorso in cassazione: la verità
è — conclude l’A. — che, con tale espressione, si vuol denotare “la possibile denuncia della
violazione di una serie di regole e principi, tutti direttamente o indirettamente giuridicizzati” (la
denuncia, in sostanza, di una violazione di legge).
126
V. la nota che precede.
127
Proprio sulla base della constatazione che il “metodo del giudizio di fatto” è disciplinato da
regole logiche e non da regole giuridiche (salvo il caso della prova legale): in effetti il “principio
del libero convincimento del giudice rinvia alle regole extragiuridiche del ragionamento logico
e dell’argomentazione razionale”: cfr., in tal senso, M. Taruffo, v. Motivazione, cit., 784 e nota 76;
nonché G. Verde, In difesa dello jus litigatoris (sulla Cassazione come è e come si vorrebbe che fosse)
cit., 4 e nota 10; Id., Jus litigatoris e jus constitutionis cit., in Il difficile rapporto tra giudice e legge, cit.,
16 e nota 12. V. la nota che precede.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 225-253, out./dez. 2013
L’ennesima riforma della Cassazione civile italiana  253

Basti notare che il tentativo di escludere il controllo di logicità della


motivazione — se pregiudica, con le legittime aspettative di tutela dei cittadini,
la fiducia da loro riposta nella complessiva funzione ordinamentale del Supremo
Collegio, — al contempo non sembra,128 se non in minima parte, essere in grado
di recare i benefici sperati. L’attività della Corte ne ritrarrà, a tutto concedere, un
vantaggio minimo.129 Vale la pena sacrificare una componente essenziale della
attività giurisdizionale, qual è la motivazione della sentenza, per una contropartita
così aleatoria?130

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

PANZAROLA, Andrea. L’ennesima riforma della Cassazione civile italiana. Revista Brasileira de
Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 225-253, out./dez. 2013.

128
Lo notava già (all’indomani della riforma del 2006) G. Verde, In difesa cit., 5; Id., Jus litigatoris e jus
constitutionis cit., 19
129
Cfr., in tal senso, M. De Cristofaro, Appello e cassazione cit., §1.1; G. Impagnatiello, Crescita del Paese
cit., 7; ad avviso di C. Consolo, Lusso o necessità nelle impugnazioni delle sentenze? cit. 4, si potranno
avere dei “progressi visibili solo al microscopio” (con conseguenze negative rilevanti, tenuto conto
che la Corte “perderà di peso sociale”, ritraendosi “nel limbo della purissima legittimità”).
130
Dopo tutto, chi guardi alla giurisprudenza di legittimità, ricaverà l’impressione di un complessivo
self restraint della Cassazione, che, resistendo alle pressioni non infrequenti degli avvocati —
comprensibilmente proclivi a sollecitare una revisione della quaestio facti (v. retro in nota 104)
—, si astiene tuttavia dal compierla (v., in tal senso, ad es., B. Sassani, Il nuovo giudizio cit., 224
e nota 13 ed ora M. Bove, Giudizio di fatto e sindacato della corte di cassazione cit., 8). Se si passa
dalle solenni enunciazioni che compaiono nelle massime alla considerazione dei singoli casi si
possono, è vero, rinvenire delle eccezioni, che non guastano però il quadro complessivo.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 225-253, out./dez. 2013
RESENHAS
CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Poderes
instrutórios do juiz no processo de
conhecimento. Brasília: Gazeta Jurídica, 2012.
(Coleção Andrea Proto Pisani, 1).

A obra resenhada cuida de questão bastante em voga atualmente: ativismo


judicial. O tema é tratado no livro com olhos focados nos poderes instrutórios do
juiz no processo de conhecimento. Assim, não há dúvida de que o estudo alveja
assunto de importância (acadêmica e prática), justificando, provavelmente, ter
sido o livro que foi eleito para abrir a Coleção Andrea Proto Pisani, de coordenação
dos juristas Ada Pellegrini Grinover e Petrônio Calmon e veiculação da Gazeta
Jurídica (editora que, apesar de nova no mercado, vem trazendo ao público textos
de grande importância e densidade).
O livro de lavra da magistrada capixaba Trícia Navarro Xavier Cabral
(mestre pela UFES e doutoranda pela UERJ) é fruto de dissertação de mestrado,
percebendo-se, de breve ou profunda análise, que o trabalho está alicerçado
em ótima superfície científica. A obra possui didático sumário, firmado em dez
pilares, a saber: 1. O processo contemporâneo e o papel do juiz em tela de prova;
2. Na­tu­reza jurídica do direito probatório; 3. O princípio dispositivo e os poderes
instru­tórios do juiz; 4. Os poderes instrutórios do juiz e suas características;
5. Limites dos poderes instrutórios do juiz; 6. Críticas aos limites estabelecidos pela
dou­trina nacional; 7. Legalidade estrita como limite aos poderes instrutórios do
juiz; 8. O ônus da prova e os poderes do juiz; 9. Preclusão judicial; 10. Os poderes
instru­tórios do juiz em grau recursal.
Saliento, por deveras relevante, que a abordagem acima descrita tem como
farol a constitucionalização do processo civil, tendo a obra, de outro giro, boa
citação doutrinária nacional e estrangeira. Dentre os pontos tratados pela autora,
destaco a sua cuidadosa abordagem sobre os aspectos (horizontais e verticais)
que gravitam sobre os poderes instrutórios do juiz (em que faz algumas críticas
sobre o posicionamento dos limites fixados por doutrina nacional), bem assim a
exposição trazida sobre ônus da prova e preclusão (com debates apresentados e
vinculados ao tema central da obra). Não posso deixar também de registrar o ótimo
capítulo que versa sobre os poderes instrutórios do julgador em sede recursal,
assunto de pequena análise doutrinária, com dicção jurisprudencial parca e, na

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 257-258, out./dez. 2013
258  Rodrigo Mazzei

maioria das vezes, pouco flexível. A posição firme da autora no particular nos leva
a concluir que os Tribunais, através de decisões, poderiam contribuir mais, até
mesmo diante do acanhado (senão incompleto e atrasado) sistema legal que se
volta ao tema.
Ao final, a autora não se furta de trazer suas conclusões críticas, expondo seu
posicionamento pessoal, fato que contribui para a discussão e a reflexão sobre o
tema. Para tanto, além dos comentários feitos ao longo da obra, no capítulo final
do livro a autora apresenta cinquenta apontamentos conclusivos.
Concluo, assim, que estamos diante de livro que contribui para discussão
do tema, sendo de leitura oportuna para todos os que laboram com o Direito
Processual, haja vista que as exposições e conclusões não se limitam a opiniões
teóricas, tendo, pois apelo prático e atual.

Rodrigo Mazzei
Mestre (PUC-SP), Doutor (FADISP) e Pós-Doutorando (UFES).
Professor da UFES. Presidente da Escola Superior da Advocacia
(OAB/ES). Vice-Presidente do Instituto dos Advogados/ES (IAEES).
Membro do IBDP.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Poderes instrutórios do juiz no processo de conhecimento.


Brasília: Gazeta Jurídica, 2012. (Coleção Andrea Proto Pisani, 1). Resenha de: MAZZEI, Rodrigo.
Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 257-258,
out./dez. 2013.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 257-258, out./dez. 2013
CARVALHO, Carlos Eduardo Araújo de.
Legitimidade dos provimentos: fundamentos
da Ordem Jurídica Democrática. Curitiba:
Juruá, 2009.

Na atualidade, torna-se indispensável problematizar o Direito através de


teorias democraticamente orientadas à superação de antigos dogmas e aporias,
uma vez que, conforme lição de Popper, “Visto ser todo conhecimento impreg­
nado de teoria, todo ele se edifica sobre areia; mas pode ser melhorado cavando-
se criticamente mais fundo e não admitindo como certos quaisquer ‘dados’
alegados”.1
Em consonância com a perspectiva popperiana, no livro Legitimidade dos
provimentos: fundamentos da Ordem Jurídica Democrática, dissertação de mes­
trado do jovem processualista das Minas Gerais, aprovada com nota máxima por
uma prestigiosa banca, Carlos Eduardo de Araújo Carvalho assume a tormen­tosa
responsabilidade de se debruçar sobre um dos temas mais intrigantes do Direito
na atualidade, qual seja, a exigência de um conteúdo ao mesmo tempo racional e
legítimo dos atos jurisdicionais decisórios.
A compreensão do processo como um espaço institucionalizado, que pos­
sibilite a legitimidade do Direito a partir de uma normatividade baseada em um
paradigma discursivo processual — característica marcante da Escola Mineira de
Processo e sua linha de pesquisa “O Processo na Constituição do Estado Demo­
crático de Direito” — é aprofundada em estudo sem precedentes no Direito
brasileiro.
Em tempos marcados pela emergência da preocupação com um tempo su­
postamente inimigo que nos assombra, ou, nas palavras de Ost, um “futuro para­
doxalmente sufocado pela proliferação de medidas jurídicas urgentes e provisórias,
traços frágeis de um direito efêmero, incapaz de orientar duradouramente o
futuro”,2 no qual as diversas reformas processuais e o anteprojeto de um Novo
Código de Processo Civil apostam na assunção das decisões dos tribunais

1
POPPER, Karl Raimund. Conhecimento objetivo uma abordagem evolucionária. Tradução de Milton
Amado. Belo Horizonte: Itatiaia, 1999. p. 106.
2
OST, François. O tempo do direito. Bauru, SP: Edusc, 2005. p. 11.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 259-265, out./dez. 2013
260  Rafael Filipe Fonseca Menezes

superiores como fonte de normatividade (entendidas equivocadamente como


precedentes judiciais) para resolver o suposto problema da alta litigiosidade no
Brasil, a investigação acerca da legitimidade dos provimentos representa uma
das mais intrigantes questões que se apresentam aos estudiosos do Direito na
atualidade.
O conceito de legitimidade é investigado em percuciente análise, a partir
das principais matrizes do pensamento jurídico contemporâneo, de modo a
“demonstrar a relação existente entre a teoria dos sistemas e a teoria do discurso
na alta modernidade, na qual o Processo seria fundamento inafastável de defesa
e fiscalidade plena das decisões estatais, seja no âmbito do Processo Legislativo,
seja no âmbito jurisdicional, o que possibilita o esvaziamento do arcabouço
valorativo (axiológico) do conteúdo normativo, desestimulando a construção de
uma hierarquização horizontal no sistema jurídico”.3 Mais do que definir as bases
democráticas para uma teoria da decisão judicial, Carlos Eduardo Carvalho realiza
um estudo ainda mais profundo, rumo a uma teoria da provimentalidade, ou seja,
uma teorização apta a possibilitar uma legitimidade decisória de todos os atos
decisórios estatais, seja ele legislativo, administrativo ou jurisdicional.
Pela complexidade inerente ao problema da legitimidade dos provimentos
que, no Estado Democrático de Direito, não pode mais ser entendido como
fruto da inteligência solitária e da sensibilidade do magistrado, pelo juízo de sua
consciência ou prudente arbítrio, o livro em análise prima por uma abordagem
inter e transdisciplinar entre a Teoria dos Sistemas, a Teoria do Discurso e a Teoria
do Processo, tendo como referenciais teóricos a concepção de “sistema social”,
de Parsons, a ideia do Direito como “sistema social autopoiético”, de Luhmann, a
Teoria do Discurso de Jürgen Habermas e as incursões teóricas de Elio Fazzalari,
Aroldo Plínio Gonçalves e Rosemiro Pereira Leal, na Teoria da Processualidade
Democrática.
O livro se divide em oito capítulos. Após a apresentação da abordagem
teórico metodológica no primeiro capítulo, o segundo é dedicado a uma breve
incursão sobre a gênese do conceito de legitimidade e sua evolução histórica,
bem como uma abordagem crítica acerca do ato que realiza sua criação.
O terceiro capítulo promove uma correlação entre as origens da legi­ti­
midade em sua acepção moderna e o conceito de ordenamento, dentro da
macroes­trutura dos sistemas sociais, incluindo o sistema jurídico, abordando a

CARVALHO, Carlos Eduardo Araújo de. Legitimidade dos provimentos: fundamentos da ordem
3

jurídica democrática. Curitiba: Juruá, 2009. p. 19.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 259-265, out./dez. 2013
Resenha  261

evolução do pensamento sistêmico e suas principais modificações. A Teoria dos


Sistemas, notadamente nos trabalhos de Maturana e Varela, Luhmann e Parsons,
é analisada e reconstruída, de modo a investigar a legitimação do discurso
democrático através de uma procedimentalidade, que, para Luhmann, perpassa
necessariamente pela ideia de “legitimidade pelo procedimento”.
O quarto capítulo, intitulado “Direito como sistema: o direito no quadro
das ciências da modernidade e o normativismo”, debruça-se sobre a inclusão
do pensamento sistêmico na ciência do Direito, realizando uma análise crítica
do normativismo nas principais teorias do Direito na contemporaneidade.
Apresentam-se os aspectos gerais da Teoria Pura do Direito de Kelsen, a questão da
textura aberta do direito em Hart, além da diferenciação entre normas primárias
e secundárias e os problemas decorrentes da textura aberta da linguagem, seja
na aplicação da norma positivada, seja na aplicação do precedente judicial, tema
que merece atenção na obra, especialmente pela sua atualidade. No mesmo
capítulo analisa-se a Teoria do Direito como Integridade, de Ronald Dworkin, e
seus principais pressupostos e elementos, confrontando-a com o positivismo
hartiano. A crítica de Elio Fazzalari à Teoria Pura do Direito de Kelsen merece
especial destaque, uma vez que, além de ressaltar a diferenciação entre processo
e procedimento e o papel de destaque atribuído ao contraditório, representando
o marco inicial da constitucionalização do processo, apresenta a posição de
Fazzalari sobre a estruturação do direito a partir da licitude, pois a formulação
conceitual fazzalariana “e construída no lógico-formal, donde obtém o conceito
de que: a norma consiste em um cânone de valoração de uma conduta. Estabelece
a descrição de um comportamento e seus elementos e requisitos e o qualifica de
licito e devido. Já a conduta ilícita e estabelecida pelo comportamento contrário
ao estabelecido na norma”4 e, ainda, esclarece que, na perspectiva de Fazzalari,
a norma, como o ato que ela qualifica e como a posição subjetiva que dela se
extrai, está no âmbito de um ordenamento dado, ou seja, as normas não podem
dar significados por si sós, estão em conexão com outras normas, com outros
atos, com outras posições jurídicas. Por fim, são apresentadas as principais
contribuições de Habermas para o estudo do direito democrático, notadamente
as principais modificações na racionalidade e no conceito de verdade e sua Teoria
Discursiva do Direito, a Teoria da Autopoiesis do Direito de Luhmann e a busca
pela legitimidade a partir das críticas de Habermas à teoria luhmanniana.

CARVALHO. Legitimidade dos provimentos: fundamentos da ordem jurídica democrática, p. 103.


4

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 259-265, out./dez. 2013
262  Rafael Filipe Fonseca Menezes

Afinal, no Direito, muito embora os enunciados normativos sejam, como


os descritivos, suscetíveis de verdade, num senso estrito os primeiros não seriam
exatamente verdadeiros ou falsos, e sim corretos ou incorretos. Assim, em rela­
ção às teorias habituais sobre a verdade, Habermas transfere esse conceito do
nível se­mântico para o nível pragmático, pois o conceito de mundo da vida se
mos­tra de primordial importância para rechaçar o caráter transcendente da
Teoria do Discurso e colocá-la no imanente da vida, que, portanto, significa:
acervo de padrões de interpretação transmitidos culturalmente e organizados
lin­guis­ticamente.
O quinto capítulo realiza um escorço histórico do conceito de procedimento
e sua relação com a busca pela legitimidade, abordando as teorias que se
propuseram a investigar a natureza jurídica da ação e a proposta de adequabilidade
democrática do instituto proposta por Fazzalari; considerada pelo autor como
direito abstrato, não mais no sentido abstrativista, pois independe da existência
efetiva do direito material invocado pelas partes no processo, passando a defini-la
pelo ângulo das posições subjetivas, ou seja, como situação legitimada (subjetiva-
composta) pertencente a cada parte do processo, não mais apenas ao autor, a parte
promovente, não se podendo falar, portanto, em legitimação ativa e passiva, pois
ambos são legitimados ativos do contraditório e se há alguma legitimação passiva
das partes, esta se refere à legitimação ao provimento jurisdicional, pois serão
eles os afetados pela decisão. E inova, novamente, ao apresentar o procedimento,
não apenas como uma sequência de atos, mas como um microssistema replicante
dos conteúdos do ordenamento jurídico demarcados pelas posições subjetivas
das partes.
O sexto capítulo é dedicado à análise das teorias que se propuseram a ex­pli­
car a natureza jurídica do processo e do procedimento, desde as teorias priva­tistas,
passando pelo desenvolvimento da Teoria do Processo como Relação Jurí­dica e
seu atual anacronismo frente às exigências normativas do Estado Demo­crá­tico,
até as teorias mais recentes, como a Teoria do Processo como Procedi­mento em
Contraditório, de Elio Fazzalari, a Teoria Constitucionalista e as contri­buições de
Fix-Zamudio, Andolina e Vignera e, no Brasil, José Alfredo de Oliveira Baracho.
Inova, novamente, ao apresentar a teoria luhmanniana de processo e ao criticá-
la. Por fim, apresenta-se a Teoria Neoinstitucionalista do Processo, de autoria
do Professor Rosemiro Pereira Leal, eleita como um dos marcos teóricos para o
desenvolvimento do trabalho e “a que melhor garante o exercício da cida­dania no
panorama democrático da modernidade atual”,5 notadamente o entendi­mento

CARVALHO. Legitimidade dos provimentos: fundamentos da ordem jurídica democrática, p. 213.


5

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 259-265, out./dez. 2013
Resenha  263

de que “a institucionalização constitucional do processo acarreta a impessoa­


lização das decisões”, possibilitando que os provimentos sejam entendidos “como
resultantes discursivas que reverberam na sociedade pública como se autora
fosse desse próprio provimento”.6
O sétimo capítulo trata da evolução da ciência jurídica e do conceito de
sistema nos paradigmas de Estado Liberal, Social e no Estado Democrático de
Direito, suas principais características e, principalmente, as exigências normativas
do paradigma processual iniciado pela Constituição de 1988. O Direito Processual,
entendido como sistema normativo, é problematizado a partir da ressalva de que
a “legitimação pelo procedimento” e a mera observância de formalidades não é
suficiente para esclarecer a complexidade do ato decisório e a atividade argu­
mentativa que lhe é pressuposta, momento no qual o processo constitucional e
seus princípios institutivos apresentam-se como conquista histórica inderrogável
frente os subjetivismos do agente estatal responsável pelo ato de decidir. E inova,
mais uma vez, ao apresentar como paradigma de Estado moderno o “paradigma
do Estado Processual”, ressaltando o excesso de conteúdo e polissemia da palavra
democracia, qualificada como “palavra gorda”, ressemantizada a partir do conceito
de povo de Friedrich Müller.
O oitavo capítulo apresenta o conceito de provimento e sua problemática
etimologia, o significado atribuído pelos estudiosos do Direito ao longo dos tempos
e sua estreita relação com a Teoria dos Sistemas na atualidade. Pela leitura da
obra, percebe-se que a reformulação do conceito de provimento e sua adequação
democrática passam necessariamente pela superação das teorias socializadoras,
como a Teoria do Processo como Relação Jurídica Processual e a crença na juris­
dição como centro do sistema jurídico. O provimento é repensado a partir de
uma coparticipação dos interessados no conteúdo decisório, contrariamente ao
entendimento retrógrado deste como ato de vontade do julgador. Nesse sentido,
a fundamentação racional das decisões assume fundamental importância, na me­
dida em que, juntamente com o princípio do contraditório, afasta por com­pleto
qualquer possibilidade de uma decisão baseada em fundamento jurídico diverso
daqueles alegados pelas partes. A radicalização da democracia é potenciali­
zada por uma teoria da provimentalidade, idônea a propiciar “o exercício da
própria democracia processual, pois esta exige constantemente uma reiniciada
construção dos conteúdos conceituais do Direito, tais como: institutos jurídicos,

CARVALHO. Legitimidade dos provimentos: fundamentos da ordem jurídica democrática, p. 211.


6

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 259-265, out./dez. 2013
264  Rafael Filipe Fonseca Menezes

normas jurídicas, julgados, construções teóricas, através de um fazer linguístico


relacional exercitado a propósito da assunção e da explicitação de crenças e
pretensões, que são, afinal, o exercício mesmo da democracia”.7 Para tanto, adota
a lógica inferencionalista de Robert Brandom e nos brinda com um novo conceito
de provimento, qual seja, “resultante processual-discursiva inferencionalista
de um microssistema (procedimento) replicante de um único sistema jurídico
(ordenamento) vivente, autoconceituador de seu conteúdo, legitimante da
integração social, por se colocar ante a comunios opinio, para modificá-la ou se
modificar”.8
O autor conclui o trabalho fazendo uma síntese de todas as ideias desen­
volvidas na dissertação, ressaltando em suas ideias a complexidade do estudo do
processo na atualidade e sua “textura aberta” aos ganhos da Teoria e da Filosofia do
Direito, da Teoria da Argumentação Jurídica e da Teoria da Constituição. Apresenta
de maneira inovadora uma conceituação constitucionalmente adequada do
termo provimento, à luz dos marcos teóricos utilizados para a pesquisa.
Trata-se de obra densa e instigante, primando pela clareza conceitual e
fide­lidade à apresentação de seus pressupostos teóricos. Especialmente com
as discussões sobre o anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, o estudo
do pro­cesso em perspectiva democrática e multidisciplinar, como proposto
pelo autor, oferta grandes contribuições para a operacionalidade do sistema
processual brasileiro.
Por fim, não poderia deixar de registrar a completa suspeição do autor desta
resenha. Na condição de monitor na graduação e, atualmente, colega e grande
admirador de seus estudos, sinto uma enorme satisfação em apresentar essa
obra à comunidade jurídica brasileira, renovando minha admiração e seguindo
os exemplos do mestre que em muito contribuiu para minha formação.
Carlos Eduardo de Araújo Carvalho é mestre em Direito Processual pela
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; especialista em Direito Processual
Constitucional pelo Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix; bacharel em
Direito pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidade FUMEC; ex-assessor
jurídico do Deputado Estadual Djalma Diniz; atualmente é professor convidado/
pesquisador e professor do Programa de Pós-Graduação lato sensu (IEC) da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; professor adjunto e membro do
Colegiado no núcleo das disciplinas de Processo Civil da Faculdade de Direito do

CARVALHO. Legitimidade dos provimentos: fundamentos da ordem jurídica democrática, p. 271.


7

CARVALHO. Legitimidade dos provimentos: fundamentos da ordem jurídica democrática, p. 274.


8

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 259-265, out./dez. 2013
Resenha  265

Centro Universitário de Sete Lagoas (Unifemm); membro da Comissão de Apoio


aos Movimentos Sociais da OAB/MG e sócio fundador do escritório Carvalho &
Garcia Advocacia, além de advogado militante.

Rafael Filipe Fonseca Menezes


Mestrando em Direito Processual pela PUC Minas.
Pós-Graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário
pela Universidade Gama Filho/RJ. Advogado.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

CARVALHO, Carlos Eduardo Araújo de. Legitimidade dos provimentos: fundamentos da


Ordem Jurídica Democrática. Curitiba: Juruá, 2009. Resenha de: MENEZES, Rafael Filipe
Fonseca. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 21, n. 84,
p. 259-265, out./dez. 2013.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 259-265, out./dez. 2013
NASSER, Paulo Magalhães. Onerosidade
excessiva no contrato civil. São Paulo: Saraiva,
2011.

Vem a lume pela editora Saraiva, para o deleite de todos aqueles que
apreciam o estudo, com qualidade, do Direito — e mais reservadamente o Direito
Privado — a obra Onerosidade excessiva no contrato civil, de autoria de Paulo
Magalhães Nasser.
A obra analisada é fruto da dissertação de mestrado defendida pelo autor
— com brilhantismo, diga-se de passagem, o que se reflete na mais do que mere­
cida nota máxima que obteve — perante banca examinadora da PUC-SP. Não
bastassem tais qualidades, é preciso frisar que o autor foi orientado, na conse­
cução de seu escrito, pelo eminente Professor Sergio Shimura, atualmente Desem­
bargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e — não tenho receio de
exagerar — um dos mais notáveis juristas do Brasil e do mundo.
Paulo Nasser foi uma das boas amizades que construí no curso de mestrado
da PUC-SP. Desde o instante em que o conheci pude antever seu sucesso profis­
sional. Longe de representar algum tipo de profecia, minha sensação decorreu
das impressões positivas concretas que resultaram de suas bem colocadas opi­
niões e que me provaram o quanto o autor é talentoso. A publicação desta obra
prova em grande medida o que acabo de afirmar.
O livro resenhado é fruto de grande coragem. De fato, o tema enfrentado
(onerosidade excessiva) é dos mais áridos no âmbito do direito material, máxime
porque sua correta e adequada compreensão passa necessariamente pela análise
das respectivas técnicas processuais. Afinal de contas, o conhecimento da norma
material é muito importante, mas não basta; muito pelo contrário, é fundamental
saber como utilizar seu instrumento de realização, isto é, o processo.
Com a autoridade de quem leu integralmente a obra, posso afirmar que
Paulo Nasser não deixou uma pergunta sequer sem resposta, tendo aceitado
todos os desafios que o instituto da onerosidade excessiva apresenta. Com sua
habi­lidade ímpar, ele apreciou os princípios contratuais tradicionais e os sociais,
estes últimos como corolários da codificação Reale, oportunidade em que nos
brindou com longas e interessantíssimas concepções sobre a transição do Estado
liberal ao social.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 267-268, out./dez. 2013
268  Denis Donoso

Criado o contexto necessário, Paulo Nasser avança na questão “de fundo”,


tratando das hipóteses de resolução do contrato e, mais particularmente, da
resolução decorrente de onerosidade excessiva, traçando seu histórico e premissas,
apontando a possibilidade de revisão — opção menos traumática e quiçá mais
recomendável para a relação jurídica — e explicando cadenciadamente cada um
dos requisitos de incidência da norma. Confesso publicamente, aliás, que este
último item me agradou especialmente e já me foi muito útil em alguns casos na
minha atividade de advogado e consultor.
Como arremate, Paulo Nasser aborda questões processuais de grande rele­
vância, esclarecendo em que medida a norma material há de ser aplicada na
prática do foro, circunstância que me parece não só empolgante, mas também
essencial, justamente pelas razões que espero ter deixado claras anteriormente.
Em apertada síntese, a obra representa, a um só tempo, um ganho para a
ciência jurídica, para o direito privado e para o direito processual. Decerto deverá
ocupar as estantes das bibliotecas daqueles que militam no foro e dos que se
interessam pelo tema. De sua publicação em diante, será — ouso afirmar — fonte
obrigatória para consulta segura.
Parabenizo o autor pelo estudo e seu editor pela iniciativa de publicação.
Aos que leem estas linhas, recomendo pessoalmente a obra.

Denis Donoso
Mestre e Especialista em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Membro
efetivo do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Professor
de Direito Civil e Direito Processual Civil no curso de graduação
da Faculdade de Direito de Itu, nos cursos preparatórios para
Magistratura e Ministério Público no Curso Robortella (São Paulo).
Coordenador do curso de pós-graduação “lato sensu” de Direito
Processual Civil da Faculdade de Direito de Itu. Membro do corpo
docente da Escola Superior da Advocacia de São Paulo (ESA-SP) e da
Escola Paulista de Direito (EPD). Autor de inúmeros artigos e livros na
área jurídica. Advogado e consultor jurídico em São Paulo
(<www.denisdonoso.com.br>).

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

NASSER, Paulo Magalhães. Onerosidade excessiva no contrato civil. São Paulo: Saraiva, 2011.
Resenha de: DONOSO, Denis. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte,
ano 21, n. 84, p. 267-268, out./dez. 2013.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 267-268, out./dez. 2013
Índice
página página

Autor PANZAROLA, Andrea


- Artigo: L’ennesima riforma della Cassazione
DEL NEGRI, André civile italiana................................................................ 225
- Artigo: Processo e decisão jurídica....................... 203
RICCI, Henrique Cavalheiro
DONOSO, Denis - Artigo: Breves considerações sobre os
- Resenha: NASSER, Paulo Magalhães. Onerosidade embargos de divergência e as propostas
excessiva no contrato civil. São Paulo: Saraiva, do Novo Código de Processo Civil....................... 121
2011................................................................................ 267
ROQUE, Andre Vasconcelos
- Artigo: As Ações Coletivas no Direito brasileiro
GAROUPA, Nuno
contemporâneo – De onde viemos, onde
- Artigo: Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil –
estamos e para onde vamos?...................................93
Uma abordagem pela análise econômica
do direito...................................................................... 155 TESHEINER, José Maria Rosa
- Artigo: Uniformização de jurisprudência –
GUIMARÃES, Rafael de Oliveira Prós e contras.................................................................37
- Artigo: Breves considerações sobre os embargos
de divergência e as propostas do Novo VELLOSO, Carlos Mário da Silva
Código de Processo Civil......................................... 121 - Artigo: Arbitragem – Indispensabilidade do
compromisso arbitral..................................................11
LUCHI, José Pedro
- Artigo: O papel do juiz na efetividade dos direitos VIAFORE, Daniele
sociais no Brasil – Possíveis respostas no direito - Artigo: Uniformização de jurisprudência –
e na filosofia política....................................................69 Prós e contras.................................................................37

MARTINS, Julio Lima Souza Título


- Artigo: O papel do juiz na efetividade dos direitos
sociais no Brasil – Possíveis respostas no direito AÇÕES Coletivas no Direito brasileiro
e na filosofia política....................................................69 contemporâneo – De onde viemos, onde
estamos e para onde vamos?, As
- Artigo de: Andre Vasconcelos Roque......................93
MAZZEI, Rodrigo
- Resenha: CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Poderes
ARBITRAGEM – Indispensabilidade do
instrutórios do juiz no processo de conhecimento.
compromisso arbitral
Brasília: Gazeta Jurídica, 2012. (Coleção - Artigo de: Carlos Mário da Silva Velloso.................11
Andrea Proto Pisani, 1)............................................. 257
BREVES considerações sobre os embargos de
MENEZES, Rafael Filipe Fonseca divergência e as propostas do Novo Código de
- Resenha: CARVALHO, Carlos Eduardo Araújo de. Processo Civil
Legitimidade dos provimentos: fundamentos da - Artigo de: Rafael de Oliveira Guimarães,
Ordem Jurídica Democrática. Curitiba: Henrique Cavalheiro Ricci....................................... 121
Juruá, 2009................................................................... 259
CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Poderes
OLIVEIRA, Maria Ângela Jardim de Santa Cruz instrutórios do juiz no processo de conhecimento.
- Artigo: Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil Brasília: Gazeta Jurídica, 2012. (Coleção
– Uma abordagem pela análise econômica do Andrea Proto Pisani, 1)
direito............................................................................. 155 - Resenha de: Rodrigo Mazzei................................... 257

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 269-272, out./dez. 2013
270  Índice

página página

CARVALHO, Carlos Eduardo Araújo de. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL


Legitimidade dos provimentos: fundamentos - Ver: Uniformização de jurisprudência – Prós e
da Ordem Jurídica Democrática. Curitiba: contras. Artigo de: José Maria Rosa Tesheiner,
Juruá, 2009 Daniele Viafore...............................................................37
- Resenha de: Rafael Filipe Fonseca Menezes...... 259
COMMON LAW
L’ENNESIMA riforma della Cassazione civile - Ver: Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil
italiana – Uma abordagem pela análise econômica do
- Artigo de: Andrea Panzarola................................... 225 direito. Artigo de: Maria Ângela Jardim de
Santa Cruz Oliveira, Nuno Garoupa..................... 155
NASSER, Paulo Magalhães. Onerosidade excessiva
no contrato civil. São Paulo: Saraiva, 2011
COURT OF CASSATION
- Resenha de: Denis Donoso...................................... 267
- Ver: L’ennesima riforma della Cassazione
civile italiana. Artigo de: Andrea Panzarola....... 225
PAPEL do juiz na efetividade dos direitos sociais
no Brasil – Possíveis respostas no direito e na
filosofia política, O D
- Artigo de: José Pedro Luchi, Julio Lima DECISÃO JURÍDICA
Souza Martins.................................................................69 - Ver: Processo e decisão jurídica. Artigo de:
André Del Negri.......................................................... 203
PROCESSO e decisão jurídica
- Artigo de: André Del Negri...................................... 203 DIREITOS SOCIAIS
- Ver: O papel do juiz na efetividade dos direitos
STARE decisis e certiorari chegam ao Brasil – Uma sociais no Brasil – Possíveis respostas no direito e
abordagem pela análise econômica do direito na filosofia política. Artigo de: José Pedro
- Artigo de: Maria Ângela Jardim de Santa Luchi, Julio Lima Souza Martins..............................69
Cruz Oliveira, Nuno Garoupa................................. 155
E
UNIFORMIZAÇÃO de jurisprudência – Prós e EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA
contras - Ver: Breves considerações sobre os embargos
- Artigo de: José Maria Rosa Tesheiner, de divergência e as propostas do Novo Código
Daniele Viafore...............................................................37 de Processo Civil. Artigo de: Rafael de Oliveira
Guimarães, Henrique Cavalheiro Ricci............... 121
Assunto
F
A FUNDAMENTAÇÃO DECISÓRIA
AÇÕES COLETIVAS - Ver: Processo e decisão jurídica. Artigo de:
- Ver: As ações Coletivas no Direito brasileiro
André Del Negri.......................................................... 203
contemporâneo – De onde viemos, onde
estamos e para onde vamos?. Artigo de:
I
Andre Vasconcelos Roque.........................................93
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS
ARBITRAGEM REPETITIVAS
- Ver: Arbitragem – Indispensabilidade do - Ver: As ações Coletivas no Direito brasileiro
compromisso arbitral. Artigo de: Carlos Mário contemporâneo – De onde viemos, onde
da Silva Velloso..............................................................11 estamos e para onde vamos?. Artigo de:
Andre Vasconcelos Roque.........................................93
C
CIVIL LAW INOVAÇÃO JURÍDICA
- Ver: Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil - Ver: Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil
– Uma abordagem pela análise econômica do – Uma abordagem pela análise econômica do
direito. Artigo de: Maria Ângela Jardim de direito. Artigo de: Maria Ângela Jardim de
Santa Cruz Oliveira, Nuno Garoupa..................... 155 Santa Cruz Oliveira, Nuno Garoupa..................... 155

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 84, p. 269-272, out./dez. 2013
Índice  271
página página

ITALIAN CODE OF CIVIL PROCEDURE POLÍTICAS PÚBLICAS


- Ver: L’ennesima riforma della Cassazione - Ver: O papel do juiz na efetividade dos direitos
civile italiana. Artigo de: Andrea Panzarola....... 225 sociais no Brasil – Possíveis respostas no
direito e na filosofia política. Artigo de:
J José Pedro Luchi, Julio Lima Souza Martins........69
JURISPRUDÊNCIA
- Ver: Breves considerações sobre os embargos PRECEDENT
de divergência e as propostas do Novo Código - Ver: L’ennesima riforma della Cassazione
de Processo Civil. Artigo de: Rafael de Oliveira
civile italiana. Artigo de: Andrea Panzarola....... 225
Guimarães, Henrique Cavalheiro Ricci............... 121

L PROCESSO CONSTITUCIONAL
LAW NR. 134 OF 2012 - Ver: Processo e decisão jurídica. Artigo de:
- Ver: L’ennesima riforma della Cassazione André Del Negri.......................................................... 203
civile italiana. Artigo de: Andrea Panzarola....... 225
PROCESSO JUDICIAL
LEGITIMAÇÃO - Ver: Stare decisis e certiorari chegam ao Brasil
- Ver: O papel do juiz na efetividade dos direitos – Uma abordagem pela análise econômica do
sociais no Brasil – Possíveis respostas no direito e direito. Artigo de: Maria Ângela Jardim de
na filosofia política. Artigo de: José Pedro Santa Cruz Oliveira, Nuno Garoupa..................... 155
Luchi, Julio Lima Souza Martins..............................69
PROJETO DE LEI Nº 8.046/2010
LEI Nº 9.307/96 - Ver: Uniformização de jurisprudência – Prós e
- Ver: Arbitragem – Indispensabilidade do contras. Artigo de: José Maria Rosa Tesheiner,
compromisso arbitral. Artigo de: Carlos Mário Daniele Viafore...............................................................37
da Silva Velloso..............................................................11
R
LIMITES
RECURSOS EXCEPCIONAIS
- Ver: O papel do juiz na efetividade dos direitos
sociais no Brasil – Possíveis respostas no direito e - Ver: Breves considerações sobre os embargos
na filosofia política. Artigo de: José Pedro de divergência e as propostas do Novo
Luchi, Julio Lima Souza Martins..............................69 Código de Processo Civil. Artigo de: Rafael
de Oliveira Guimarães, Henrique Cavalheiro
M Ricci................................................................................. 121
MICROSSISTEMA
- Ver: As ações Coletivas no Direito brasileiro REFORMAS LEGISLATIVAS
contemporâneo – De onde viemos, onde - Ver: As ações Coletivas no Direito brasileiro
estamos e para onde vamos?. Artigo de: contemporâneo – De onde viemos, onde
Andre Vasconcelos Roque.........................................93 estamos e para onde vamos?. Artigo de:
Andre Vasconcelos Roque.........................................93
P
PADRONIZAÇÃO DECISÓRIA INDEVIDA
REVIEW OF FACTS AND FACT FINDINGS
- Ver: Uniformização de jurisprudência – Prós e
- Ver: L’ennesima riforma della Cassazione
contras. Artigo de: José Maria Rosa Tesheiner,
civile italiana. Artigo de: Andrea Panzarola....... 225
Daniele Viafore...............................................................37

PODER JUDICIÁRIO S
- Ver: O papel do juiz na efetividade dos direitos SOLUÇÃO DOS CONFLITOS
sociais no Brasil – Possíveis respostas no direito e - Ver: Arbitragem – Indispensabilidade do
na filosofia política. Artigo de: José Pedro compromisso arbitral. Artigo de: Carlos
Luchi, Julio Lima Souza Martins..............................69 Mário da Silva Velloso..................................................11

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272  Índice

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U UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
UNIFORMIDADE - Ver: Uniformização de jurisprudência – Prós e
- Ver: Breves considerações sobre os embargos contras. Artigo de: José Maria Rosa Tesheiner,
de divergência e as propostas do Novo Código Daniele Viafore...............................................................37
de Processo Civil. Artigo de: Rafael de Oliveira
Guimarães, Henrique Cavalheiro Ricci............... 121

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Os textos devem ser revisados, além de terem sua linguagem adequada a uma
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vigor desde a promulgação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, a partir de 1º de
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(na língua do texto e em inglês – Abstract), palavras-chave, no máximo 5 (na língua do
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referências. O autor deverá fazer constar, no final do artigo, a data e o local em que foi
escrito o trabalho de sua autoria.
Recomenda-se que todo destaque que se queira dar ao texto seja feito com o
uso de itálico e não por meio do negrito e do sublinhado. As citações (palavras, expres­
sões, períodos) deverão ser cuidadosamente conferidas pelos autores e/ou tra­­dutores; as
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linhas simples e tamanho da fonte 10; as citações textuais curtas (de até três linhas) devem
ser inseridas no texto, entre aspas e sem itálico. As expressões em língua estrangeira
deverão ser padronizadas e destacadas em itálico. O uso de op. cit., ibidem e idem nas notas
bibliográficas deve ser evitado, substituindo-o pelo nome da obra por extenso.
Os trabalhos serão selecionados pelos Diretores e pelo Conselho Editorial da Revista,
que entrarão em contato com os respectivos autores para confir­mar o recebimento dos
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