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Editorial...........................................................................................................................................................................7
DOUTRINA
Artigos
Ampla defesa (CF, art. 5º, LV): preceito intangível?
Alexandre Paulichi Chiovitti................................................................................................................................. 11
RESENHA
DIDIER JR., Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos
processuais. Salvador: JusPodivm, 2011.
Bruno Garcia Redondo.........................................................................................................................................237
Índice..........................................................................................................................................................................239
Os Diretores
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 7, out./dez. 2011
DOUTRINA
Artigos
Ampla defesa (CF, art. 5º, LV): preceito
intangível?
Alexandre Paulichi Chiovitti
Mestrando em Processo Civil pela PUC-SP. Especialista em Processo Civil. Advogado em São Paulo.
1
Nos termos seguintes: “LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral
são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
2
Adotamos, aqui, a célebre distinção propiciada por Ruy Barbosa, segundo o qual, no texto da lei fundamental,
as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos,
e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa do direito, limitam o poder. Aquelas instituem
direitos; estas, as garantias.
3
CF. art. 60, §4º, IV.
4
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas,
2005. p. 366.
5
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 226.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 11-19, out./dez. 2011
12 Alexandre Paulichi Chiovitti
6
GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 58.
7
STF. HC nº 85.239/SP. Segunda Turma. Relator: Min. Gilmar Mendes. Julgamento: 22.02.2005. Ementa: Habeas
Corpus. 2. Homicídio qualificado. 3. Dúvida sobre a tempestividade do desejo de apelar manifestado pelo
próprio condenado. 4. Inércia do defensor dativo. 5. Ofensa ao princípio da ampla defesa. 6. Prevalência da
interpretação mais favorável ao réu. 7. Admissibilidade do recurso. 8. Ordem deferida. Na ocasião, sustentou o
relator: “(...). Com efeito, a inércia do defensor dativo e a equivocada intempestividade do recurso implicaram
o trânsito em julgado do apelo, em flagrante ofensa à garantia constitucional da ampla defesa. Nestes termos,
defiro o habeas corpus para que, afastada a preliminar de intempestividade, seja desconstituído o trânsito
em julgado da ação penal, abrindo-se prazo para apresentação das razões recursais. (...)”.
8
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 631.
9
WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de
processo civil. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 70-71.
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Ampla defesa (CF, art. 5º, LV): preceito intangível? 13
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14 Alexandre Paulichi Chiovitti
12
A tal preceito constitucional, primeiramente a jurisprudência, e depois a própria legislação infraconstitucional
(CPP, art. 157, §1º), encampou e alargou a noção da impossibilidade da obtenção de provas ilícitas, agora
decretando, também, a inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, com lastro em doutrina alienígena
(fruits of the poisonous tree).
13
BASTOS, op. cit, p. 228.
14
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007. p. 1014, destaca as hipóteses limitadas de defesa que podem ser levantadas quando se tratar de
responsabilidade objetiva. Para o autor, “as causas clássicas de exclusão da responsabilidade são: a) caso
fortuito ou força maior, deixando de lado a discussão acerca do entendimento de que constituem a mesma
coisa; e b) culpa exclusiva da vítima, pois são as únicas com força de romper o liame causal entre a atuação
do Estado e o dano verificado”.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 11-19, out./dez. 2011
Ampla defesa (CF, art. 5º, LV): preceito intangível? 15
15
Neste sentido: STF. AP nº 307-3/DF. Plenário. Rel. Min. Ilmar Galvão. DJU, 13 out. 1995 – “(...) a prova ilícita, entre
nós, não se reveste da necessária idoneidade jurídica como meio de formação do convencimento do julgador,
razão pela qual deve ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração da verdade, no prol do ideal maior de
um processo justo, condizente com o respeito devido a direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, valor
que se sobrelevam, em muito, ao que é representado pelo interesse que tem a sociedade numa eficaz repressão
aos delitos. É um pequeno preço que se paga por viver-se em Estado de Direito Democrático (...)”.
16
Não se ignora a construção legal (CPP, art. 157, §2º) doutrinária e jurisprudencial que retratam a mitigação
dos rigores dos efeitos da inadmissibilidade das provas ilícitas ou derivadas destas, desde que fundadas em
outras provas, lícitas, que autorizam o édito condenatório. Com tal entendimento: STF. Segunda Turma. RHC nº
74.807/MT. Relator: Min. Maurício Corrêa. Julgamento: 22.04.1997. Ementa: “(...). A prova ilícita, caracterizada
pela violação de sigilo bancário sem autorização judicial, não sendo a única mencionada na denúncia, não
compromete a validade das demais provas que, por ela não contaminadas e delas não decorrentes, integram
o conjunto probatório. (...). Não estando a denúncia respaldada exclusivamente em provas obtidas por
meios ilícitos, que devem ser desentranhados dos autos, não há porque declarar-se a sua inépcia porquanto
remanesce prova lícita e autônoma, não contaminada pelo vício de inconstitucionalidade. (...)”.
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16 Alexandre Paulichi Chiovitti
17
GRECO FILHO, op. cit., p. 58.
18
Art. 1.054. Contra os embargos do credor com garantia real, somente poderá o embargado alegar que:
I – o devedor comum é insolvente; II – o título é nulo ou não obriga a terceiro; III – outra é a coisa dada em
garantia.
19
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 274, asseveram que “na contestação dos
embargos de terceiro credor com garantia real, a defesa não é irrestrita, pois o embargado só pode alegar as
matérias enumeradas taxativamente no CPC 1054. Não se pode ampliar o rol constante da norma analisada”.
20
Segue exemplo lembrado pela jurisprudência: STF. Primeira Turma. AI nº 631.856 AgR/AM. Relator: Min.
Menezes Direito. Julgamento: 23.10.2007. Ementa: “Agravo regimental. Recurso extraordinário. Ação de
indenização por dano causado por acidente de trânsito. Indeferimento de diligência probatória. Cerceamento
de defesa. Inocorrência. 1. Não incorre em ofensa à ampla defesa o indeferimento de diligência probatória tida
por desnecessária. 2. Não se abre a via do recurso extraordinário para o reexame de fatos e provas. Incidência
da Súmula nº 279 desta Corte. 3. Agravo regimental desprovido”.
21
E ainda: STF. Primeira Turma. HC nº 88.730/RJ. Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Julgamento: 14.11.2006.
Ementa: (...). I – O julgamento do recurso por decisão monocrática, com base no art. 557 do Código de Processo
Civil, não gera ofensa ao princípio da ampla defesa e do contraditório. Não obstante o reconhecimento da
importância da sustentação oral como elemento de defesa, a necessidade de racionalização do funcionamento
dos tribunais impõe a instituição de mecanismos que tornem dinâmica a prestação jurisdicional. (...)”.
22
CDC, Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem,
independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por
defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação
ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua
utilização e riscos. (...) §3º O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado
quando provar: I – que não colocou o produto no mercado; II – que, embora haja colocado o produto no
mercado, o defeito inexiste; III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
23
CDC, Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação
dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por
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Ampla defesa (CF, art. 5º, LV): preceito intangível? 17
informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (...) §3º O fornecedor de serviços só
não será responsabilizado quando provar: I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II – a culpa
exclusiva do consumidor ou de terceiro (...).
24
A Lei de Locações — nº 8.245/91 — em seu art. 67, V, traz hipóteses de restrições de defesa na ação de
consignação de aluguéis e acessórios da locação.
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18 Alexandre Paulichi Chiovitti
25
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 23. ed. São Paulo: Saraiva, p. 314.
26
JORDÃO, Eduardo. Abuso de direito. Salvador: JusPodivm, 2006. p. 24.
27
BASTOS, op. cit, p. 57.
28
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo:
Saraiva, p. 140.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 11-19, out./dez. 2011
Ampla defesa (CF, art. 5º, LV): preceito intangível? 19
CHIOVITTI, Alexandre Paulichi. Ampla defesa (CF, art. 5º, LV): preceito intangível?. Revista
Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 11-19, out./
dez. 2011.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 11-19, out./dez. 2011
Dever de gestão processual adequada
Edilton Meireles
Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor de Direito
Processual Civil na Universidade Federal da Bahia (UFBa). Professor de Direito na Universidade
Católica do Salvador (UCSal). Membro do IBDP. Membro da Associacion Iberoamericana de Dere-
cho del Trabajo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior. Desembargador
do Trabalho na Bahia.
1 Introdução
Nosso direito processual contém diversos dispositivos procedimen-
tais que conferem ao juiz o dever de conduzir o processo judicial.
Tais regras, porém, são mencionadas pela doutrina como funda-
mentadoras do poder conferido ao juiz para a condução do processo.
Fala-se em poder e não dever.
No presente trabalho, no entanto, procuramos contribuir para o
estudo desse tema, destacando os princípios e as regras que conferem ao
juiz a atribuição de gerir o processo.
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22 Edilton Meireles
1
Podemos citar: ALMEIDA FILHO; BARROS. Os poderes do juiz e seus limites: uma análise em matéria probatória
e a questão do Juiz Hércules de Ronald Dworkin, p. 142-151; AMENDOEIRA JÚNIOR. Poderes do juiz e tutela
jurisdicional: a utilização racional dos poderes do juiz como forma de obtenção da tutela jurisdicional efetiva,
justa e tempestiva; BEDAQUE. Poderes instrutórios do juiz; CÂMARA. Poderes instrutórios do juiz e processo
civil democrático, p. 29-43; CAMPANELLI. Poderes instrutórios do juiz e a isonomia processual; CERQUEIRA. O
princípio da fungibilidade e os poderes do juiz, p. 305-316; DELGADO. Reflexões contemporâneas (julho/2007)
sobre os poderes e deveres do juiz na imposição dos princípios da razoável duração do processo e da
moralidade, na relação jurídica formal, p. 271-289; FABRÍCIO. As novas necessidades do processo civil e os
poderes do juiz, p. 235-242; GUERRA FILHO. Notas para destacar a importância do princípio constitucional da
proporcionalidade no delineamento dos poderes do juiz, p. 115-124; LOPES. O juiz e o princípio dispositivo;
MARTINS. Poderes do juiz no processo civil; MIRANDA. Poderes do juiz no processo civil brasileiro; MOREIRA.
Os poderes do juiz na direção e na instrução do processo; MOREIRA. Reformas processuais e poderes do
juiz, p. 53-67.
2
Por todos, cf. TARUFFO. Poderes probatórios de las partes y del juez en Europa, p. 411-445.
3
KOMATSU. Notas em torno dos deveres processuais dos juízes, p. 687-731.
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Dever de gestão processual adequada 23
Essa distinção, por sua vez, mostra-se bastante relevante. Isso por-
que inerente ao poder está a possibilidade do seu não exercício. Por exem-
plo: o Estado tem o poder de tributar. Se desejar, pode não tributar. Em
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 21-36, out./dez. 2011
24 Edilton Meireles
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Dever de gestão processual adequada 25
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26 Edilton Meireles
4 Da gestão processual
Definidos acima que o juiz tem o dever de conduzir o processo
enquanto atribuição primária e necessária à prestação da atividade juris-
dicional, bem como destacado que o magistrado está, mais diretamente,
vinculado aos princípios constitucionais da eficiência e da duração razoá
vel do processo, é preciso delimitar a amplitude da responsabilidade do
magistrado na gestão processual.
Por gestão processual, por sua vez, entenda-se a responsabilidade
ou atribuição conferida ao juiz para conduzir ou dirigir o processo.
E é, pois, neste desiderato, que o juiz deve “velar pela rápida solução
do litígio” (inciso II do art. 125 do CPC), não excedendo “injustificadamente
os prazos para sentenciar ou despachar” (inciso II do art. 35 da LOMAN),
determinando que sejam adotadas as “providências necessárias para que
os atos processuais se realizem nos prazos legais” (inciso III do art. 35 da
LOMAN), atendendo “aos que o procurarem, a qualquer momento, quanto
se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência” (inciso
IV do art. 35 da LOMAN), comparecendo “pontualmente à hora de iniciar-
se o expediente ou a sessão, e não se ausentar injustificadamente antes de
seu término” (inciso VI do art. 35 da LOMAN).
É certo, ainda, que, na direção do processo, cabe ao juiz indeferir
“as diligências inúteis ou meramente protelatórias” (art. 130 do CPC).
Do mesmo modo, na gestão do processo, cabe ao juiz adotar pro-
vidências contra os atos de simulação (art. 129 do CPC), combater e san-
cionar a litigância de má-fé (art. 18 do CPC), punir os atos atentatórios
ao exercício da jurisdição (art. 14 do CPC), advertir e sancionar as partes
4
Manual de direito administrativo. 22. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 31.
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Dever de gestão processual adequada 27
5
Para maiores detalhes sobre diversos deveres do juiz, cf. KOMATSU. Notas em torno dos deveres processuais
dos juízes, p. 687-731.
6
Referindo-se ao dever de sancionar em caso de atentado à jurisdição, cf. WAMBIER. O juiz como
“administrador” do processo, p. 736.
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Dever de gestão processual adequada 29
7
GAJARDONI. Flexibilização procedimental: um novo enfoque para o estudo do procedimento em matéria
processual. São Paulo: Atlas, 2008. p. 26-227.
8
Cf. por todos, DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil. 12. ed. Salvador: JusPodivm, 2010. v. 1, p.
68-73.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 21-36, out./dez. 2011
30 Edilton Meireles
9
MARINONI, Luiz Guilherme. A legitimidade da atuação do juiz a partir do direito fundamental à tutela
jurisdicional efetiva, p. 229-236.
10
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Efetividade e processo de conhecimento. Revista de Processo, São Paulo,
v. 96, p. 66, 1999.
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Dever de gestão processual adequada 31
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32 Edilton Meireles
Havendo acordo das partes, a testemunha pode ser inquirida pelos mandatários
judiciais no domicílio profissional de um deles, devendo tal inquirição constar
de uma ata, datada e assinada pelo depoente e pelos mandatários das partes,
da qual conste a relação discriminada dos fatos a que a testemunha assistiu ou
que verificou pessoalmente e das razões de ciência invocadas...
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 21-36, out./dez. 2011
Dever de gestão processual adequada 33
5 Conclusão
Em conclusão, podemos sintetizar:
a) o juiz tem o dever de dirigir o processo enquanto atribuição ine-
rente ao cargo que ocupa;
b) na gestão do processo o juiz está mais diretamente vinculado aos
princípios da eficiência dos atos da Administração Pública e da
duração razoável do processo;
c) dentre os deveres do juiz na gestão processual está o de conduzir
o processo segundo o rito mais adequado às peculiaridades da
causa posta sob sua direção;
d) o princípio processual da adequação decorre do princípio consti-
tucional da eficiência;
e) para atingir os objetivos decorrentes dos princípios da eficiência
e da duração razoável do processo, aplicando o princípio da ade-
quação, o juiz deve adaptar o procedimento às peculiaridades da
causa sempre que o rito previsto em lei não seja o mais ade-
quado para a entrega da prestação jurisdicional com eficiência e
em prazo razoável;
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 21-36, out./dez. 2011
34 Edilton Meireles
Referências
ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo; BARROS, Mariana Carneiro de. Os poderes do
juiz e seus limites: uma análise em matéria probatória e a questão do Juiz Hércules de Ronald
Dworkin. In: MEDINA, José Miguel Garcia et al. (Coord.). Os poderes do juiz e o controle das
decisões judiciais: estudo em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim Wambier. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
AMENDOEIRA JÚNIOR, Sidnei. Poderes do juiz e tutela jurisdicional: a utilização racional dos
poderes do juiz como forma de obtenção da tutela jurisdicional efetiva, justa e tempestiva.
São Paulo: Atlas, 2006.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 4. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2009.
CÂMARA, Alexandre Feitas. Poderes instrutórios do juiz e processo civil democrático. In:
JAYME, Fernando Gonzaga et al. (Coord.). Processo civil: novas tendências: homenagem ao
Professor Humberto Theodoro Júnior. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.
CAMPANELLI, Luciana Amicucci. Poderes instrutórios do juiz e a isonomia processual. São Paulo:
Juarez de Oliveira, 2006.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 22. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2009.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 21-36, out./dez. 2011
Dever de gestão processual adequada 35
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 21-36, out./dez. 2011
36 Edilton Meireles
TARUFFO, Michele. Poderes probatórios de las partes y del juez en Europa. In: TARUFFO,
Michele et al. CONSTITUCIÓN Y PROCESO. Lima: Ara, 2009.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O juiz como “administrador” do processo. In: SALLES,
Carlos Alberto (Coord.). As grandes transformações do processo civil brasileiro: homenagem ao
Professor Kazuo Watanabe. São Paulo: Quartie Latin, 2009.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 21-36, out./dez. 2011
O conceito de ação: da teoria clássica à
moderna. Continuidade ou ruptura?
Henrique Araújo Costa
Mestre e Doutorando pela PUC-SP. Bolsista do CNPq.
1 Processo e pandectística
A teoria processual é normalmente apresentada como uma concep-
ção científica que oferece uma descrição sistemática dos conceitos ligados
ao exercício da jurisdição. Inspirados na Jurisprudência dos Conceitos
germânica (também chamada de Escola Pandectística), os processualistas
tipicamente partem do pressuposto de que a análise do direito positivo
permite a identificação das categorias fundamentais do processo e que,
uma vez devidamente esclarecidos esses conceitos, eles podem ser recom-
postos na forma de um sistema unitário e coerente de conhecimentos.1
Barbosa Moreira confirma a perspectiva predominante técnico-jurídica do processo como inevitável, não
1
apenas por sua finalidade, mas também pela coincidência temporal com a metodologia predominantemente
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 37-56, out./dez. 2011
38 Henrique Araújo Costa, Alexandre Araújo Costa
conceitual. “[S]eria de surpreender que os processualistas, ainda os mais distantes, no plano filosófico, dos
postulados positivistas, permanecessem imunes à pressão de uma voga que lhes solicitava a atenção, antes
e acima de tudo, para a análise da rede normativa e para a extração de conclusões sistemáticas, operações
a serem efetuadas, naturalmente, com o instrumental clássico do conceptualismo” (MOREIRA. Sobre a
multiplicidade de perspectivas..., p. 7).
2
Cândido Dinamarco adiciona a “defesa” a essa lista, considerando-a um quarto instituto fundamental. “No
trabalho de síntese que lhe é próprio [à teoria geral do processo], ela já chegou a identificar a essência
dogmática do direito processual, nos seus quatro institutos fundamentais (jurisdição, ação, defesa, processo),
traçando os conceitos de cada um” (...) (DINAMARCO. A instrumentalidade do processo, p. 71-72).
3
Não encontramos nas obras históricas uma avaliação contextualizada da teoria processual. No entanto, existem
estudos bastante profundos sobre a legislação e sua história. Cf. TUCCI, José Rogério Cruz e; AZEVEDO, Luís
Carlos de. Lições de história do processo civil lusitano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 37-56, out./dez. 2011
O conceito de ação: da teoria clássica à moderna. Continuidade ou ruptura? 39
Essa influência é analisada por Ovídio Batista. Cf. BAPTISTA. Processo e ideologia, p. 72 et seq.
4
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 37-56, out./dez. 2011
40 Henrique Araújo Costa, Alexandre Araújo Costa
“Prima che la domanda di attuazione della legge possa essere giudicata, deve essere esaminata: ciò produce
6
uno ‘stato di pendenza’ nel quale no si sa se la domanda sia fondata o no, ma si fa il necessario per saperlo.
Durante questo stato di pendenza adunque le parti (attore e convenuto) devono essere poste in grado di far
valere le loro eventuali ragioni: vi noso doveri e diritti. Di qui l’a idea semplicissima ma fondamentale, intravista
da Hegel, affermata da Bethmann Hollweg, e svolta especialmente da Oskar Bülow e dopo lui dal Kohler e da
molti altrianche in Italia: il processo civile contiene un rapporto giuridico” (CHIOVENDA. Principi..., p. 90).
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O conceito de ação: da teoria clássica à moderna. Continuidade ou ruptura? 41
2 Processo e tópica
A esta perspectiva aplica-se plenamente a crítica dirigida por
Viehweg ao raciocínio jurídico: sob o manto de um discurso que se apre-
senta como sistemático, o que se realiza de fato é um discurso tópico.7
Desenvolvendo as intuições de Viehweg, poderíamos afirmar que as cate-
gorias fundamentais do processo, especialmente a trilogia estrutural, não
são elementos de uma mesma sistemática, pois cada um deles faz parte de
discursos teóricos diversos.
Cada um desses conceitos é o núcleo de uma determinada perspec-
tiva sobre o processo, que contém elementos inconciliáveis entre si. Por
isso, a melhor imagem para descrever a teoria do processo não é caracte-
rizá-la como um sistema conceitual, mas como um acoplamento de concep-
ções diversas, que formam uma espécie de mosaico. Cada uma das peças
adquire sentido em concatenação às outras, mas a figura formada não tem
um centro definido e, principalmente, os elementos não estão unidos por
uma coerência lógica, e sim por uma coerência narrativa.
Tais elementos foram inventados em contextos históricos específicos
e buscam atender a certos objetivos. Sua criação representa um enrique-
cimento do discurso processual, que faz um grande esforço para unificar
em uma mesma teoria conceitos que nasceram em tempos diferentes, com
sentidos diversos. Esse esforço de unificação gera uma coerência narrativa, já
que todas as categorias são apresentadas como passos dentro de um sistema
dinâmico que se desenvolve na tentativa de se tornar mais abrangente.
A tentativa da doutrina tradicional de colocá-los todos no mesmo
plano, como uma espécie de glossário atemporal do processo, gera uma
grave deformação do sentido individual de cada conceito e empobrece
nossas possibilidades de compreensão. Porém, contrariamente ao que
A obra do alemão Viehweg, Topik und Jurisprudez, datada de 1953, propôs a retomada do modo de pensar
7
tópico e retórico clássico (Aristóteles e Cícero) para a prática jurídica, o que era uma ideia presente em várias
áreas do conhecimento durante o pós-guerra. Aliás, também no direito há manifestações da mesma linha e
da mesma época que ganharam projeção, dentre os quais, o pensamento de Recaséns Siches (1956) e Joseph
Esser (1961). Cf. ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teorias da argumentação jurídica: Perelman, Toulmin,
MacCormick, Alexy e outros. São Paulo: Landy, 2002. p. 129. Cf. VIEHWEG. Tópica y jurisprudência. Trad. L.
Díez Picazo da 2. ed. alemã de 1963. Madrid: Taurus, 1964. p. 129-130.
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O conceito de ação: da teoria clássica à moderna. Continuidade ou ruptura? 43
8
“A ação é um direito público subjetivo, cabendo seu efetivo exercício a qualquer indivíduo. Este direito pré-
processual emana da personalidade jurídica do homem e é endereçado contra o Estado, que tem o poder-
dever de subordinar um interesse a outro por intermédio de órgão específico. O juiz emite um juízo de valor
sobre a pretensão deduzida, rejeitando-a ou acolhendo-a, ou, simplesmente, considerando-a indigna de
encaminhamento. Em qualquer das hipóteses, temos uma autêntica atividade jurisdicional” (ASSIS. Doutrina
e prática..., p. 40).
9
“Ter ‘actio’ significava, a um só tempo, ser titular do bem e poder havê-lo pela via do processo. Esse conceito
equivale aproximadamente ao que boa parte da doutrina, por influência de Windscheid, denomina pretensão”
(DINAMARCO. Vocabulário do processo civil, p. 299).
10
TESHEINER. Elementos para uma teoria geral do processo, p. 85.
11
O código francês não inovou em relação ao sincretismo porque repetiu em boa medida a legislação anterior,
datada de 1667: “Even so, the influence of the French code remains remarkable since no one will deny that
this code was defective in many ways. In addition, it was far from innovative. After all, the code was largely
based on the 1667 Code Louis. That the 1806 code was very similar to the pre-existing procedural law is
clear; the main drafter of the code, E.-N. Pigeau (1750-1818), was said to have not been obliged to introduce
many changes in post-1806 editions of his introductory work on French civil procedure” (RHEE. The Influence
of the French Code de Procédure Civile (1806)…, p. 129).
12
TESHEINER. Elementos para uma teoria geral do processo, p. 85.
13
“Ai giuristi romani era ignoto il concetto del diritto soggettivo, così come fu elaborato in tempi molto più recenti,
essi conoscevano invece ‘l’actio’, che era il mezzo giuridico per chiedere la soddisfazione delle proprie ragioni.
Per dire che a Tizio spettava un diritto, dicevano che gli spetava ‘l’actio’” (LIEBMAN. Manuale..., p. 138).
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O conceito de ação: da teoria clássica à moderna. Continuidade ou ruptura? 45
como jurídicas, o que ocorre quando os vínculos entre as partes são for-
mados por direitos e obrigações.
Podemos observar que as partes e os juízes em um processo integram
uma relação que envolve direitos e obrigações diversos daqueles existen-
tes fora do processo. Um contrato de mútuo, por exemplo, confere ao
mutuante o direito de exigir a devolução da coisa ao mutuário, havendo aí
uma relação obrigacional que tem por objeto uma prestação. Se todos os
direitos e obrigações decorrentes do contrato forem cumpridos, não há
de se falar em ação, o que indica que seria equivocado afirmar que a todo
direito corresponde uma ação. O que Savigny identifica com rigor é que a ação
somente existe no caso de violação dos direitos e obrigações da relação
jurídica original, baseada no direito material. Portanto, a ação não deve
ser entendida como uma faceta do direito, mas como uma decorrência da
violação de uma obrigação, que confere à parte lesada o direito de invocar
a prestação jurisdicional.
O núcleo da visão civilista tradicional, sistematizada por Savigny, é
a ideia de que a ação é um direito que nasce da violação de um direito
material. Portanto, a ação não deve ser confundida com a própria demanda,
pois ela lhe precede: é a violação do direito que faz nascer uma nova rela-
ção obrigacional entre as partes, cujo objeto não é a prestação inicialmente
ajustada, mas o direito de exigir judicialmente o cumprimento das obriga-
ções definidas na relação original.
Como afirma Ovídio Baptista, essa perspectiva orientou a doutrina
brasileira até meados do século XX, quando João Monteiro ainda lecionava
na Universidade de São Paulo que a violação “cria um vínculo de direito idên-
tico a uma obrigação, da qual é sujeito ativo o titular da relação de direito, e sujeito
passivo, o seu violador”, de forma que a ação nada mais é que “a reação que a
forma do direito opõe à ação contrária (violatio juris) de terceiro”.14
Essa inovação conceitual da pandectística operou algo em que os
romanistas do século XIX eram mestres: compatibilizar o sistema de
direito romano, que permanecia vigente nos reinos germânicos, com as
novas realidades políticas. O reconhecimento da ação como um direito de
invocar a prestação judicial convertia em um conceito abstrato o que não
passava de uma conquista política do século anterior: a possibilidade de
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46 Henrique Araújo Costa, Alexandre Araújo Costa
invocar a jurisdição em qualquer caso que uma pessoa julgasse ter tido
violado um direito.
Assim, a nova ordem era compatibilizada com os velhos conceitos,
mesmo que estes tivessem que ser virados de ponta cabeça para caber
nela. A existência da ação já não mais era um critério para a aferição
da existência de um direito, mas uma decorrência direta e inevitável de
sua violação. Porém, ficava preservada a maneira tradicional de observar
todas as relações jurídicas como variedades da relação obrigacional, o que
implicava uma visão civilista do direito como um todo.
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O conceito de ação: da teoria clássica à moderna. Continuidade ou ruptura? 47
dos EUA não podemos falar propriamente que existiu um poder Judiciário
propriamente dito. A jurisdição de que tratamos hoje não apenas é o exer-
cício da faculdade de julgar por magistrados especializados (arranjo ins-
titucional bastante antigo), mas o exercício da autoridade judicial dentro
dos Estados de direito contemporâneos, por um poder Judiciário cuja
independência gera uma série de situações peculiares.
Essa mudança na estrutura do direito fez com que a máxima de Celso
passasse a ser lida como uma determinação no sentido de que, para todo
direito subjetivo existente, deveria haver também uma ação correspondente,
o que não ocorria no direito romano nem nos direitos pré-modernos.
Assim, o liberalismo iluminista realizou um passo importante na autonomi-
zação do direito subjetivo, cuja existência passava a ser reconhecida inde-
pendentemente da possibilidade de sua judicialização. Foi justamente essa
alteração substancial na própria jurisdição que gerou paradoxos que a teoria
clássica da ação era capaz de resolver com sua perspectiva privatista.
Por sua vez, o afloramento de uma visão publicista da ação tornava pos-
sível considerar que os Estados haviam concedido aos cidadãos um direito
genérico de invocar a jurisdição, o que implicava uma universalização do
direito de acesso ao Judiciário. Não se tratava aqui apenas da universalização da
jurisdição (como poder de julgar qualquer caso), mas da universalização do
acesso (como direito genérico de pedir a intervenção judicial).
Considerando que todo cidadão poderia exigir do Estado a avalia-
ção dos pleitos em que ele invoca um direito subjetivo, então nada mais
razoável do que entender que a própria ação era um direito subjetivo a
mais. Porém, não se tratava de um direito subjetivo perante um eventual
violador do direito material, e sim de um direito oponível ao próprio
Estado, pois somente isso explicaria a possibilidade de os indivíduos exi-
girem do poder Judiciário uma determinada prestação. Nesse contexto,
não fazia sentido pensar o direito de ação como uma decorrência da rela-
ção material, pois ele deveria ser considerado um direito autônomo conferi-
do pelo Estado aos cidadãos.
Esse tipo de concepção foi originalmente defendida por Oskar von
Bülow,15 16 sustentando que somente a radical autonomia do direito de
15
“Puesto que el Derecho procesal civil es derecho justiciario, debe participar también de los caracteres del
Derecho público, siguiendo el punto de vista usual en las construcciones jurídicas. En esta participación ha
encontrado fundamento la teoría dominante según la cual el proceso civil es una relación jurídica pública
(relación jurídica procesal), como estiman en primer término Oskar Bülow y, muy especialmente, Kohler”
(GOLDSCHMIDT. Derecho procesal civil, p. 7).
16
“Com relação ao Direito Processual, especificamente, costuma-se afirmar que adquiriu autonomia científica,
diante do Direito Material, a partir da obra de Oskar von Bülow sobre a distinção entre as antigas exceções
dilatórias e a nova categoria dos pressupostos processuais” (GUERRA FILHO. A filosofia..., p. 58).
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48 Henrique Araújo Costa, Alexandre Araújo Costa
5 Abstração e concretude
Radicalizando essa percepção, Muther defendeu em sua célebre
polêmica com Windscheid que deveríamos reconhecer a presença de uma
cisão entre o direito pelo qual se postula uma prestação jurisdicional em
face do Estado (o que reflete o subjetivo público da ação) e o direito pelo
qual o Estado postula reparação em face do réu.17 Com isso, foram desen-
volvidas as categorias teóricas necessárias para operar a possibilidade de
se ter um direito de ação independentemente da existência de um direito
material. Trata-se da característica chamada de autonomia. E assim se criou
a distinção até hoje aceita entre prescrição do direito de ação e decadência do
direito material, que tantas dúvidas causa aos estudantes que, ao entrarem
em contato com o direito civil, tendem olhar com estranhamento a possi-
bilidade de uma pessoa ter direito a um bem, mas não poder demandá-lo
judicialmente.
Contudo, não é bastante razoável entender que a impossibilidade da
demanda implica a inexistência do direito, como afirmava a velha sabe
doria romana? Dentro da mentalidade concretista dos civilistas, mais tribu-
tários de Aristóteles que de Platão, um direito que não pode ser cobrado
“Na segunda metade do século passado, uma discussão técnica entre Windscheid e Muther sôbre o conceito
17
da ação romana do ponto de vista do direito moderno, deu ao segundo a oportunidade de configurar a
ação como um direito contra o Estado na pessoa dos seus órgãos jurisdicionais (...). Baseando-se na idéia
de Muther, e afastando-se dela em alguns aspectos, Wach assentou a chamada doutrina do ‘direito à tutela
jurídica’” (COUTURE. Fundamentos..., p. 30).
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O conceito de ação: da teoria clássica à moderna. Continuidade ou ruptura? 49
“L’azione è un potere che spetta di fronte all’avversario rispetto a cui si produce l’effetto giuridico della
18
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50 Henrique Araújo Costa, Alexandre Araújo Costa
19
Do ponto de vista da dogmática brasileira tal seletividade é bem representada possibilidade jurídica do pedido,
ao lado das demais condições da ação. Vale dizer, contudo, que o próprio Liebman deixou de considerar a
possibilidade jurídica como uma de suas condições. Vemos na redação da sétima edição de seu manual: “Le
condizioni dell’azione, poco fa menzionate, sono l’interesse ad agire e la legittimazione. Esse sono como
già accennato, i requisiti di esistenza dell’azione, e vanno perciò accertate in giudizio (anche se di solito, per
implicito) preliminarmente all’esame del merito” (LIEBMAN. Manuale..., p. 144).
20
Esse conceito de seletividade é desenvolvido mais detalhadamente em outros textos nossos. Trata-se de uma
noção inspirada na teoria dos sistema e que assume uma importância central para explicar o sistema processual
a partir do comportamento das partes, que implica, em última análise, seletividades recíprocas. Embora no
campo do processo não exista outro texto com esse enfoque, a noção de seletividade discursiva está presente
em trabalhos até mais acessíveis e completos sobre teoria dos sistemas e semiologia jurídica. Esses são exemplos
de materiais mais acessíveis que os originais de Niklas Luhmann: Cf. VILLAS BÔAS FILHO, Orlando. Teoria dos
sistemas e o direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. Cf. MORCHÓN, Gregorio Robles. Teoría del derecho:
fundamentos de teoría comunicacional del derecho. 2. ed. Navarra: Thomson Civitas, 2008. v. 1.
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O conceito de ação: da teoria clássica à moderna. Continuidade ou ruptura? 51
Mesmo com a procedência da ADPF nº 132 (e ADI nº 4.277), julgamento no qual o STF considerou
21
constitucional a união estável de pessoas do mesmo sexo, permanecem situações a serem melhor reguladas
em relação à união homoafetiva, entre elas o caso da adoção.
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52 Henrique Araújo Costa, Alexandre Araújo Costa
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54 Henrique Araújo Costa, Alexandre Araújo Costa
22
Cf. KELSEN. Teoria pura do direito, p. 1.
23
“‘Actio’ es en sustancia, un sinónimo de ‘actus’, y éste es el significado original, del que después han provenido
todos los demás, como a manera de especificación; ‘actio’ quiere decir ‘actus’, y se refiere por tanto también
a los que llamamos nosotros actos jurídicos” (SCIALOJA. Procedimiento civil romano..., p. 96).
24
ALVES. Direito romano, p. 182.
25
SCIALOJA. Procedimiento civil romano..., p. 97.
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56 Henrique Araújo Costa, Alexandre Araújo Costa
prove that and its historical evolution is the theme of this text. We conclude
that, despite the different stages examined, there is enough continuity in
the concepts of action, as they serve as a tool for judicial selectivity based on
the subjective rights. It contrasts with selectivity grounded on the concept of
jurisdiction, because based on state power, and not on the subjective rights.
Key words: Forms of action. Jurisdiction. Procedure. Philosophy. Procedural
theories.
Referências
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Tribunais, 2001.
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R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 37-56, out./dez. 2011
Mecanismos de efetivação da tutela
específica em sede de controle judicial
de políticas públicas
Julio Pinheiro Faro
Mestrando em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV. Secretário-Geral da Academia Brasileira
de Direitos Humanos. Advogado. E-mail: <julio.pfhs@gmail.com>.
1 Introdução
Os direitos sociais sempre existiram na história da humanidade, o
seu reconhecimento é que é relativamente recente. Políticas públicas con-
cretizadoras desses direitos são também tão antigas quanto eles, podendo-
se lembrar daquela em que o povo, em troca de pão, se divertia com a
luta entre gladiadores e leões. Embora não retornem à memória nem a
maioria dos trabalhos já publicados sobre o assunto não reavivem1 outros
exemplos de políticas públicas senão aquelas que começaram a surgir com
o Estado social do bem-estar já na Idade Contemporânea, o fato que se
busca constatar é o de que, de uma forma ou de outra, o Estado sempre
1
Alguns autores, ocupados com as raízes históricas das políticas públicas, referem-se à longa história que o
conceito de “políticas públicas” tem, fazendo apenas referências indiretas a exemplos antigos. Por todos,
ver: DE LEON, Peter. The Historical Roots of the Field. In: MORAN, Michael; REIN, Martin; GOODIN, Robert
E. (Ed.). The Oxford Handbook of Public Policy. Oxford: OUP, 2008. p. 39-42.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 57-80, out./dez. 2011
58 Julio Pinheiro Faro
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Mecanismos de efetivação da tutela específica em sede de controle judicial de políticas públicas 59
2
FIGUEIREDO, Argelina Cheibub. Princípios de justiça e avaliação de políticas. Lua Nova, n. 39, p. 97, 1997.
3
BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (Org.).
Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 5.
4
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Assalto ao Estado e ao mercado, neoliberalismo e teoria econômica. Estudos
Avançados, v. 23, n. 66, p. 8-10, 2009.
5
HOMEM DE SIQUEIRA, Julio Pinheiro Faro. Administración pública, realización y financiación de los derechos
fundamentales. In: DEL REAL, J. Alberto; ENRÍQUEZ, Gastón J.; RODRÍGUEZ, Luís G. (Ed.). La maquinaria del
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 57-80, out./dez. 2011
60 Julio Pinheiro Faro
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Mecanismos de efetivação da tutela específica em sede de controle judicial de políticas públicas 61
Há, aí, uma relação de consumo em que o Estado deve prestar serviços
aos cidadãos.
Tal entendimento do Estado como prestador de serviços advém de
uma extensa legislação nacional limitadora da atuação do poder público
segundo regras de legalidade, eficiência, impessoalidade, moralidade e
publicidade, além, é claro, de razoabilidade. Pode-se lembrar o fato, por
exemplo, de a administração pública poder obter, não sem estudos pré-
vios, os quais devem ser amplamente documentados, contratos de menor
custo e maior eficiência, alocando melhor o dinheiro público na realiza-
ção de serviços públicos, dentre eles políticas públicas de concretização
de direitos sociais. Concretização esta que depende necessariamente da
prática de atos administrativos.
Atos administrativos são fundamentalmente declarações unilaterais
de vontade produzidas pela administração pública com aptidão para pro-
duzir efeitos de ordem jurídica ao próprio poder público e aos seus admi-
nistrados e com finalidade pública.9 Dentro dessa breve, porém suficiente,
conceituação, destaca-se a necessidade de que os atos administrativos
tenham uma finalidade pública, o que quer dizer que o Estado deva per-
seguir o interesse público.10 De aí se poder dizer que as políticas públicas
dependam de atos administrativos cujo fim é cumprir uma obrigação de
fazer cuja prestação consiste na concretização de direitos sociais. Eis que,
diante disso, a não prestação pela administração de uma política pública,
desde que não haja um motivo razoável, consiste em desvio de finalidade,
resultando na responsabilidade do ente administrativo.
A finalidade dos atos administrativos é impositiva, encontra-se vin-
culada à legalidade, que determina para o poder público uma vincula-
ção ampla, permitindo ao administrador que se conduza de determinado
modo apenas se houver permissão legal; fora disso, ele entrará na esfera
da arbitrariedade, violando tanto a Constituição quanto eventual lei que a
regulamente. O que o administrador pode manejar, segundo critérios de
razoabilidade, de oportunidade e de conveniência, é o motivo (situação
jurídica ou fática que enseja a prática do ato) e o objeto (resultado prático
que se pretende atingir com o ato) do ato. Trata-se do mérito administra-
tivo, que, no caso das políticas públicas, é bastante restrito, quase inexis-
tente, já que por terem previsão constitucional, ainda que anexa a direitos
9
Neste sentido: MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.
p. 132-133; OLIVEIRA, Regis Fernandes. Ato administrativo. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
p. 47-55, 70-71.
10
Neste sentido: OLIVEIRA, op. cit., 2007, p. 81.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 57-80, out./dez. 2011
62 Julio Pinheiro Faro
11
MIRAGEM, Bruno. A nova Administração Pública e o direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011. p. 38.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 57-80, out./dez. 2011
Mecanismos de efetivação da tutela específica em sede de controle judicial de políticas públicas 63
12
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 81.
13
SADEK, Maria Tereza. Judiciário e arena pública: um olhar a partir da ciência política. In: GRINOVER, Ada
Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense,
2011. p. 19.
14
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 215.
15
Há quem entenda que “as políticas públicas são espécie de direitos coletivos”, podendo, então, serem
tuteladas “mediante o processo coletivo”. Ver: ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 57-80, out./dez. 2011
64 Julio Pinheiro Faro
mediante ações coletivas e individuais. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle
jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 316.
16
MANKIW, N. Gregory. Princípios de microeconomia. Tradução de Allan Vidigal Hastings e Elisete Paes e Lima.
São Paulo: Cengage Learning, 2009. p. 3.
17
Ver, por exemplo: VAZ, Anderson Rosa. A cláusula da reserva do possível como instrumento de efetivação
planejada dos direitos humanos econômicos, sociais e culturais. Revista de Direito Constitucional e
Internacional, n. 66, p. 35, 2009.
18
HOMEM DE SIQUEIRA, op. cit., 2011. No prelo.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 57-80, out./dez. 2011
Mecanismos de efetivação da tutela específica em sede de controle judicial de políticas públicas 65
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Mecanismos de efetivação da tutela específica em sede de controle judicial de políticas públicas 67
No mesmo sentido: MAGALHÃES, Marco Túlio Reis. A justiciabilidade do direito à saúde, previsto no Pacto
19
Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a partir de sua dimensão de proteção ambiental.
Revista de Direito Sanitário, v. 9, n. 2, p. 142, 2008.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 57-80, out./dez. 2011
68 Julio Pinheiro Faro
20
HOMEM DE SIQUEIRA, Julio Pinheiro Faro. Apontamentos sobre o cumprimento de sentença condenatória ao
pagamento de quantia certa no Código de Processo Civil. Revista de Processo, v. 35, n. 186, p. 315, 2010a.
21
HOMEM DE SIQUEIRA, op. cit., 2010a, p. 316-317.
22
HOMEM DE SIQUEIRA, op. cit., 2010a, p. 317.
23
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2003. p. 443.
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Mecanismos de efetivação da tutela específica em sede de controle judicial de políticas públicas 69
24
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva. São
Paulo: Saraiva, 2008. v. 3, p. 407.
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25
TALAMINI, op. cit., 2003, p. 230.
26
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil: execução forçada. São Paulo: Malheiros,
2004. v. 4, p. 441.
27
TALAMINI, op. cit., 2003, p. 171.
28
TALAMINI, op. cit., 2003, p. 242.
29
TALAMINI, op. cit., 2003, p. 242.
30
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil: comentado artigo por artigo.
2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 429.
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72 Julio Pinheiro Faro
31
HOMEM DE SIQUEIRA, Julio Pinheiro Faro; GOMES, Marcelo Sant’Anna Vieira. A disregard doctrine e a
Administração Pública. Revista Síntese Responsabilidade Pública, v. 1, n. 1, p. 21, 2011a.
32
MONTEBELLO, Marianna. Os tribunais de contas e a disregard doctrine. In: OSÓRIO, Fábio Medina; SOUTO,
Marcos Juruena Villela (Coord.). Direito administrativo: estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo
Moreira Neto. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 224.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 57-80, out./dez. 2011
Mecanismos de efetivação da tutela específica em sede de controle judicial de políticas públicas 73
33
BUENO, op. cit., 2008, p. 420.
34
Ver: STF, RE nº 343.466-1/SP, julgado em 03.12.2008, Pleno, votação unânime.
35
DINAMARCO, op. cit., 2004, p. 454.
36
DINAMARCO, op. cit., 2004, p. 454.
37
Há quem entenda que tal multa, também prevista no art. 14, parágrafo único, do CPC, “é absolutamente
inadequada quando se trata da Fazenda Pública”, arguindo que “a multa será inscrita como dívida ativa, o
que significa simplesmente tirar de um bolso para passar para outro” (GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle
jurisdicional de políticas públicas. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle
jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 141). Discorda-se disso em virtude de se
poder desconsiderar a personalidade jurídica da Fazenda Pública, atingindo o agente responsável.
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38
Art. 1º (...): XIV – deixar de cumprir ordem judiciária, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por
escrito, à autoridade competente.
39
GRINOVER, op. cit., 2011, p. 142.
40
TALAMINI, op. cit., 2003, p. 319.
41
Art. 330. Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena – detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis)
meses, e multa.
42
Art. 3º. Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.
43
A doutrina explica que “a prisão, aplicada no civil contempt [of court] é determinada nos mesmos autos em que
proferida a decisão judicial descumprida. A medida tem por escopo coagir a parte resistente ao cumprimento
da ordem judiciária”. Ver: BRASIL JR., Samuel Meira; CASTELLO, Juliana Justo Botelho. O cumprimento
coercitivo das decisões judiciais no tocante às políticas públicas. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE,
Kazuo (Coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 478.
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Mecanismos de efetivação da tutela específica em sede de controle judicial de políticas públicas 77
6 Conclusão
A eficácia executiva (ou enforcement) das tutelas específicas no caso
de políticas públicas, que perfaz o problema enfrentado neste trabalho,
passou por três momentos prévios de fundamentação antes de chegar
às técnicas executivas para a referida eficácia. No primeiro momento,
trouxe-se o conceito de políticas públicas, vistas como obrigações de fazer
reveladoras de prestações concretizadoras de direitos sociais.
No segundo momento, afirmou-se a necessidade de haver controle
jurisdicional da administração pública em sede de realização das referidas
políticas, indicando-se como limitações a este controle a observância dos
mesmos parâmetros que o administrador público deve observar na elabo-
ração de políticas públicas, podendo, então, o controle ser tanto repres-
sivo quanto preventivo, hipótese esta em que o judiciário colaborará na
elaboração orçamentária.
Assim, no terceiro momento, discorreu-se sobre a exigibilidade (justi-
ciabilidade) das obrigações de fazer constitucionais (políticas públicas), des-
tacando-se a possibilidade da execução forçada da administração mediante
concessão de tutela específica. Feitas todas estas análises, foram apresenta-
dos e discutidos seis mecanismos de efetivação da tutela específica, apon-
tando os fundamentos jurídicos que permitem sua tranquila aplicação.
Assim, em breve nota conclusiva, é possível afirmar que existem téc-
nicas executivas idôneas a tornar eficaz a tutela específica das obrigações
de fazer constitucionais consistentes na realização de políticas públicas
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78 Julio Pinheiro Faro
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R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 57-80, out./dez. 2011
O caráter dúplice do direito de ação e a
efetividade da tutela executiva no Estado
Democrático de Direito brasileiro
Leonardo Oliveira Soares
Mestre em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advogado
Regional Adjunto do Estado em Ipatinga-MG. Professor de Teoria Geral do Processo e Processo
Civil na Faculdade de Direito de Ipatinga (FADIPA).
1 Introdução
Está em curso, no Brasil, proposta legislativa de aprovação de novo
CPC. Em virtude disso, nos últimos meses, em audiências públicas, espe
cialistas emitiram opiniões sobre os mais variados temas atinentes à juris-
dição cível.1
Nesse cenário, a partir das últimas reformas legislativas empreen-
didas no processo de execução,2 chama-se a atenção para uma das facetas
do caráter dúplice do direito de ação.
1
As atas das audiências públicas podem ser consultadas no seguinte endereço eletrônico: <http://www.senado.
gov.br/sf/senado/novocpc/lista_atas.asp>. Em junho de 2010, o projeto de lei elaborado pela respeitável
comissão de juristas encarregada desse mister foi entregue ao Congresso Nacional.
2
A propósito da distinção entre processo de execução e atividade executiva, vide CÂMARA, Alexandre Freitas.
A nova execução de sentença. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 90. No mesmo sentido, MOREIRA,
José Carlos Barbosa. Cumprimento e execução de sentença: necessidade de esclarecimentos conceituais. In:
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual: nona série. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 316.
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3
SOARES, Leonardo Oliveira. A eficácia dúplice do direito fundamental de ação e o recurso de agravo. Revista
Dialética de Direito Processual, n. 87, jun. 2010.
4
Em dezembro de 2010, o Senado Federal aprovou texto de lei de novo CPC, na forma do projeto substitutivo
apresentado pelo Senador Valter Pereira. No sítio eletrônico do Senado Federal <http://www.senado.gov.br/
atividade/materia/getPDF.asp?t=84496&tp=1>, disponibilizou-se quadro comparativo entre o texto do projeto
de lei enviado ao Congresso Nacional, o CPC em vigor e o que restou aprovado naquela Casa Legislativa e que
se encontra, atualmente, em tramitação na Câmara dos Deputados (Projeto de Lei nº 8.046/10), doravante
denominado projeto de NCPC.
5
Vide art. 762 do projeto de NCPC.
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6
Sobre o ponto, vide SOARES, Leonardo Oliveira. Primeiras Considerações sobre a denominada sucumbência
recursal no Estado de Direito Transnacional brasileiro. Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil, n. 66, jul./
ago. 2010.
7
Vide art. 745 do projeto de NCPC.
8
DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 291.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 81-93, out./dez. 2011
84 Leonardo Oliveira Soares
9
No projeto de NCPC, reduziu-se o piso para 30 salários mínimos (art. 790, X).
10
Segundo Marinoni e Arenhart, o direito de ação é exercido contra o Estado-Legislação e contra o Estado-Juiz
(Manual do processo de conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 60, 61).
11
Vide art. 870 do projeto de NCPC.
12
Vide art. 875 do projeto de NCPC.
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16
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de execução. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2008. v. 3, p. 278.
17
Vide art. 792 do projeto de NCPC.
18
Vide art. 794 do projeto de Lei nº 8.046/10.
19
Vide ainda THEODORO JR., Humberto. A penhora online e alguns problemas gerados pela sua prática. Revista
de Processo, São Paulo, ano 34, n. 176, out. 2009.
20
Posicionamento ratificado em julgamento de embargos de divergência no REsp nº 1.052.081-RS
(2008/0282433-9), Relator o eminente Ministro Hamilton Carvalhido, Dje, 26 maio 2010.
21
Vide art. 500 do projeto de NCPC.
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22
Vide art. 511, §2º do projeto de NCPC.
23
A propósito da aplicação subsidiária do art. 739-A do CPC ao procedimento de execução fiscal, e, portanto,
pela necessidade de prévio requerimento do embargante para obter-se a suspensão de referida execução,
vide: SOARES, Leonardo Oliveira. Embargos à execução fiscal: efeito suspensivo: breves considerações. Direito
Público: Revista da Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais, n. 1-2, jan./dez. 2007. As ideias desenvolvidas
no texto ora citado serviram de fundamento (também) para que o egrégio TJSC, em duas oportunidades,
afastasse a suspensão ex officio da execução fiscal, em virtude de oposição de embargos (Agravo de
Instrumento nº 2009.053762-1, de Joinville, Relator: Des. Newton Jankeo, j. em 09 de fevereiro de 2010 e
Agravo de instrumento nº 2009.023148-2, de Joinville. Rel. Des. Vanderlei Romer, j. em 31 de julho de 2009).
Em respeitável lição doutrinária, pontuou-se que sempre que se pretende condicionar a atribuição de efeito
suspensivo a requerimento da parte, a exigência consta do texto legal (ASSIS, Araken de. Cumprimento de
sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 348, 349).
24
Vide art. 875, §1 do projeto de NCPC.
25
O que, a rigor, não apresenta sabor algum de novidade, já que todos os ramos do direito, aí incluído o
processual, devem ser interpretados sob a ótica constitucional. Tome-se, pois, a afirmação, no texto, como
aplicação particularizada desse raciocínio ao direito processual.
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26
DINAMARCO. Nova era do processo civil, cit., p. 14.
27
Insista-se que não se está a defender que o processo de execução e a fase executiva desenvolvam-se em
contraditório, nos moldes da fase cognitiva. No entanto, toda vez que surgir, no curso da execução, discussão
atinente a tais princípios constitucionais, a decisão sobre qual deve prevalecer reclama prévio do debate em
contraditório. Nada mais.
28
Pela necessidade de prévia oitiva do executado ver: CARNEIRO, Athos Gusmão. Da penhora online e da penhora
de faturamento. Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil, n. 64, p. 44, mar./abr. 2010.
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29
Vide enunciado de súmula nº 364 do Superior Tribunal de Justiça.
30
Salvo engano, o projeto de NCPC. Observada a teoria do isolamento dos atos processuais, não fica excluída
a discussão atual e futura sobre as consequências da incidência do art. 587 do CPC nos milhares de ações de
execução em curso no país, inclusive nos procedimentos de execução ditos especiais. A propósito da aplicação
da “inovação” legislativa em apreço às execuções fiscais, consulte-se SOARES, Leonardo Oliveira. Embargos
de devedor e execução fiscal: efeito suspensivo sob a óptica jurisprudencial. Revista Jurídica Tributária, n. 09,
abr./jun. 2010.
31
Vide art. 875, §2º do projeto de NCPC.
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90 Leonardo Oliveira Soares
Não há explicação para essa mudança, que não se justifica: (a) está em
dissonância com a jurisprudência sumulada do STJ e com sólida orientação
doutrinária; (b) transforma uma execução que se iniciou definitiva em provisória,
mesmo após uma sentença que confirmou o título executivo, reforçando a
presunção de existência da dívida, em inversão esdrúxula de valores: a vitória
do exeqüente nos embargos à execução é, estranhamente, fato que gera uma
capitis diminutio do seu título executivo, agora apto a legitimar apenas uma
execução provisória; (c) confere um despropositado benefício ao executado
vencido no julgamento dos embargos, em face de quem há um título executivo
já reconhecido como válido e eficaz por um magistrado, após um processo de
conhecimento instaurado com esse objetivo.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 303.
32
DIDIER JR., Fredie. Lei Federal n. 11.382/2006: reforma da execução por quantia certa: crítica à nova redação
33
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6 Observação final
O projeto de CPC34 em tramitação legislativa contempla parte geral,
na qual se acentua que a jurisdição (no módulo cognitivo e executivo)
deve ser prestada em consonância, dentre outras, com a garantia consti-
tucional do contraditório.
Poder-se-ia concluir que o fato de a Constituição Federal vigente
assegurar no art. 5º, LV, a garantia fundamental de que “aos litigantes, em
processojudicialeadministrativo,eaosacusadosemgeralserãoasseguradosocon-
traditório e a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes”acaba por tornar
desnecessária a reafirmação dessa garantia no plano infraconstitucional.
Ao que se responde que a reafirmação serve antes para confirmar
o caráter dúplice do direito de ação, sublinhado no título e na passagem
doutrinária citada na epígrafe do texto que ora se finaliza.
Pois bem, em última análise, pretendeu-se sustentar que, na execu-
ção, autônoma ou incidental, deve ser observada a garantia constitucional
em evidência, toda vez que se esteja diante de conflito entre os princípios
constitucionais da dignidade da pessoa humana e da efetividade e celeri-
dade processual.
Dessa maneira, salvo na hipótese de haver ruptura sistêmica e, com
isso, venha à tona Texto Constitucional que consagre princípios diversos,
resta explicitada a relevância, presente e futura, da exposição, sugerida na
introdução do presente artigo.
Diante da estabilidade de nossas instituições democráticas, é bem-
vinda mesmo a preocupação do legislador com a efetivação da garantia
constitucional, precisamente no momento em que é convocado para redi-
gir novo Código de Processo Civil, que se espera seja compatível com o
Estado Democrático de Direito brasileiro.
7 Conclusões
a) As pretensões executivas formuladas contra o Estado-Legislador
e o Estado-Juiz devem ser satisfeitas, considerando-se os princí-
pios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da efetivi-
dade processual.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 81-93, out./dez. 2011
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Referências
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 81-93, out./dez. 2011
O caráter dúplice do direito de ação e a efetividade da tutela executiva no Estado Democrático... 93
DIDIER JR., Fredie. Lei Federal n. 11.382/2006. Reforma da execução por quantia certa.
Crítica à nova redação do art. 587 do CPC. Disponível em: <http://www.frediedidier.com.
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Da nova sistematização dos
pronunciamentos judiciais no Direito
Processual brasileiro
Magno Federici Gomes
Pós-Doutor em Direito Público e Educação pela Universidade Nova de Lisboa-Portugal. Pós-Doutor
em Direito Civil e Processual Civil. Doutor em Direito. Mestre em Direito Processual pela Universi-
dad de Deusto-Espanha. Mestre em Educação pela PUC Minas. Coordenador do curso de Direito
da Faculdade Padre Arnaldo Janssen. Professor do Mestrado Acadêmico em Direito do Centro
Universitário UNA. Professor Adjunto da PUC Minas. Advogado sócio do Escritório Raffaele &
Federici Advocacia Associada. E-mail: <federici@pucminas.br>.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
96 Magno Federici Gomes, Cauã Baptista Pereira de Resende
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
Da nova sistematização dos pronunciamentos judiciais no Direito Processual brasileiro 97
NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 38. ed. São Paulo: Saraiva,
1
2006. p. 638.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
98 Magno Federici Gomes, Cauã Baptista Pereira de Resende
2
Apenas como exemplo, cita-se o seguinte julgado: EMENTA: RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL.
RECURSO CABÍVEL. FUNGIBILIDADE. EXCLUSÃO POR ILEGITIMIDADE. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. AGRAVO
DE INSTRUMENTO. 1. (...) I – O ato pelo qual o juiz exclui litisconsorte tem natureza jurídica de decisão
interlocutória, sujeita, portanto, a interposição do recurso de agravo. II – não se admite o princípio da
fungibilidade recursal se inexistente dúvida objetiva na doutrina e na jurisprudência a respeito do cabimento
do recurso na espécie. Inaplicável, ademais, referido princípio, em virtude do recurso inadequado não ter sido
interposto no prazo próprio (REsp 164.729/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira). 2. Ainda que observadas
as alterações produzidas no Código de Processo Civil pela Lei n. 11.232/2005, máxime a redação dada ao §1º
do artigo 162, percebe-se que o legislador manteve a referência às decisões extintivas do processo, com ou
sem a resolução do mérito. Todavia, o que se verifica na espécie, como fartamente destacado, é a continuidade
do feito; daí, porque, o manejo do recurso de apelação, ao invés do agravo de instrumento, não autoriza a
adoção da fungibilidade recursal, porque consubstancia erro grosseiro. 3. Recurso não conhecido (BRASIL.
Superior Tribunal de Justiça. Quarta Turma. RESP 645388/MS. Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa. Julgado
em 15 mar. 2007. Diário de Justiça da União, p. 277, Brasília, 02 abr. 2007; grifo próprio).
3
Menciona-se, como exemplo, o seguinte julgado: EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E LOCAÇÃO. VIOLAÇÃO AO
ARTIGO 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. DECISÃO QUE EXTINGUE O
FEITO EM RELAÇÃO ÀS PARCELAS ILÍQUIDAS E MANTÉM O PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO QUANTO ÀS
DEMAIS. NATUREZA MISTA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO CABÍVEL. [...] 2. A decisão que acolhe
parcialmente a exceção de pré-executividade tem natureza mista, ou seja, tem caráter de sentença quando
extingue o feito em relação às parcelas ilíquidas, e caráter de decisão interlocutória quando determina o
prosseguimento da execução sobre as verbas restantes. Desse modo, verifica-se que não houve extinção do
processo in totum, tendo em vista que a execução prosseguirá no que tange às parcelas restantes. 3. Se o
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
Da nova sistematização dos pronunciamentos judiciais no Direito Processual brasileiro 99
decisório não põe fim à execução, impossível atribuir-lhe exclusivamente a natureza de sentença, razão pela
qual a peça recursal a ser manejada é o agravo de instrumento. 4. Agravo regimental improvido (BRASIL.
Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma. AgRg. 1055792/RJ. Rel. Ministro Jorge Mussi. Julgado em 30 out.
2008. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 15 dez. 2008; grifo próprio).
4
DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil: direito
probatório, decisão judicial, cumprimento e liquidação da sentença e coisa julgada. 3. ed. Salvador: JusPodivm,
2008. v. 2, p. 257-258.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
100 Magno Federici Gomes, Cauã Baptista Pereira de Resende
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
Da nova sistematização dos pronunciamentos judiciais no Direito Processual brasileiro 101
5
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 473.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
102 Magno Federici Gomes, Cauã Baptista Pereira de Resende
6
ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v. 1, p. 459.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
Da nova sistematização dos pronunciamentos judiciais no Direito Processual brasileiro 103
[...] não há atos processuais praticados fora do processo, nem são atos processuais
todos os atos praticados dentro do processo.
[...]
Atos processuais, por conseguinte, são atos jurídicos praticados no processo pelos
sujeitos da relação processual ou pelos sujeitos do processo, capazes de produzir
efeitos processuais e que só no processo podem ser praticados.9
7
MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de
conhecimento. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007. v. 1, p. 218.
8
OLIVEIRA, Allan Helber de; VILELA, Marcelo Dias Gonçalves. Processo civil: processo de conhecimento. 3. ed.
São Paulo: Saraiva, 2009. v. 1, p. 129.
9
CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais.
Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 43.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
104 Magno Federici Gomes, Cauã Baptista Pereira de Resende
influência sobre o processo, e ato processual toda ação humana que produza
efeito jurídico em relação ao processo”.10
Nesse sentido, colaciona-se o brilhante comentário de Mirabete
(2001), a respeito do tema:
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo civil e processo de
10
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
Da nova sistematização dos pronunciamentos judiciais no Direito Processual brasileiro 105
[...] a) atos postulatórios, que são atos das partes pleiteando algo perante o juiz,
provocando-lhe uma decisão; b) atos negociais, que são atos de transação das
partes perante o juiz, atingindo o mérito da demanda, sendo também chamados
de negócios jurídicos processuais; c) atos probatórios, relativos à produção de
prova; d) atos decisórios, os do juiz, resolvendo questões relativas ao processo,
ao procedimento ou ao mérito etc.12
GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 2, p. 07.
12
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
106 Magno Federici Gomes, Cauã Baptista Pereira de Resende
DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil: direito
13
probatório, decisão judicial, cumprimento e liquidação da sentença e coisa julgada. 3. ed. Salvador: JusPodivm,
2008. v. 2, p. 256.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
Da nova sistematização dos pronunciamentos judiciais no Direito Processual brasileiro 107
Esse escopo, num primeiro momento de reflexão, nos conduz a refletir sobre
a coletivização das demandas como regra, a desformalização do processo, a
redução do número de recursos e um enxugamento do código, extirpando
institutos que favorecem solenidades que dilargam a duração razoável dos
processos, mercê da extirpação de institutos oriundos de nosso matiz europeu,
que não se revelaram úteis após 37 (trinta e sete) anos de vigência do código. O
desafio é muito grande, porém alcançável, máxime porque a Comissão tem como
compromisso ouvir todos os segmentos que atuam no cenário judicial, a começar
pelo E. STF, no afã de submeter a um controle prévio de constitucionalidade,
as inovações. A comunidade científica como um todo terá ampla participação
nos trabalhos da comissão mediante o envio para o presente site de sugestões
que serão cuidadosamente avaliadas, sem prejuízo da realização de eventos
públicos, seminários e audiências públicas viabilizando um amplo debate. É
que nós, integrantes da comissão, temos a justa e serena percepção de que
estamos exercendo, apenas, um múnus público, cientes de que com o apoio de
tantos quantos militem nesse segmento da ciência jurídica, lograremos erigir
um Código de Processo Civil que será na sua essência ideológico-normativa,
“O Código de Processo Civil da Nação Brasileira”. “Mãos à obra”. Ministro Luiz
Fux. Presidente da Comissão. Brasília, 03 de novembro de 2009.14 (grifos no original)
FUX, Luiz. Sobre a Comissão. Senado Federal. Brasília, 03 nov. 2009. Disponível em: <http://www.senado.
14
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
108 Magno Federici Gomes, Cauã Baptista Pereira de Resende
[...] as decisões interlocutórias desafiam questão pendente da lide (§2º do art. 162
do CPC), causando gravame processual a uma das partes do embate, com direto
favorecimento à outra, sem pôr termo ao processo, que continua a tramitar
após a solução da questão menor (deferimento ou indeferimento de liminares
e de tutelas antecipadas; deferimento da contradita de testemunhas; proibição
para a juntada de documentos aos autos e para a tomada do depoimento da
parte contrária etc.).16
Nos dias de hoje, segundo o art. 162, §2º, do CPC, decisão inter-
locutória é o ato pelo qual o juiz decide questão incidente. Basicamente,
diz-se que questão incidente é aquela decidida no curso do processo prin-
cipal e que não põe fim ao mesmo.17
15
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo civil e processo de
conhecimento. 47. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. 1, p. 262.
16
MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de
conhecimento. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007. v. 1, p. 520.
17
De acordo com a Emenda nº 221-CTRCPC, o art. 170 prevê que: “Os pronunciamentos do juiz consistirão em
sentenças, decisões interlocutórias e despachos. §1º Ressalvadas as previsões expressas nos procedimentos
especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 472 e 474, põe fim
à fase cognitiva do procedimento comum, bem como o que extingue a execução. §2º Decisão interlocutória é
todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre na descrição do §1º” (BRASIL, 2010b).
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
Da nova sistematização dos pronunciamentos judiciais no Direito Processual brasileiro 109
Em consonância com a doutrina antes explicitada, a expectativa criada pelo art. 170 da Emenda nº 221-CTRCPC
acaba por respaldar o conceito excludente de decisão interlocutória, como sendo qualquer ato judicial que
não incidir nos requisitos constitutivos da sentença.
18
DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil: direito
probatório, decisão judicial, cumprimento e liquidação da sentença e coisa julgada. 3. ed. Salvador: JusPodivm,
2008. v. 2, p. 258.
19
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil e legislação processual em
vigor comentado. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 275.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
110 Magno Federici Gomes, Cauã Baptista Pereira de Resende
3.1.2 Da sentença
Como observa Câmara (2006, p. 15), a definição de sentença sempre
despertou acirradas divergências na doutrina processual. A sentença é,
sem dúvida, o ato jurisdicional magno, motivo por que há uma inegável
necessidade de conceituá-la.
Ressalta-se, ab initio, que, legalmente, a sentença possui três requisi-
tos básicos (art. 458, incisos I, II e III, do CPC): a) relatório – resumo dos
atos mais importantes do processo; b) fundamentação – ocorre através da
aplicação do abstrato da lei no caso concreto (silogismo); e, c) dispositivo
– conclusão ou decisão, propriamente dita, da sentença, sendo a parte que
transita em julgado.20
Ontologicamente, sentença nada mais é do que o ato do juiz, cuja
finalidade é levar a efeito o exame da questão de mérito, ou seja, resolver
a questão sobre a qual pende a controvérsia entre as partes, conforme
ensinam Oliveira e Vilela (2009, p. 135).
Em função dessa definição, pode-se considerar que a lei e a doutrina
processual divergem diametralmente do conceito ontológico: no processo
20
O art. 476 da Emenda nº 221-CTRCPC define que: “são requisitos essenciais da sentença: I – o relatório
sucinto, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da contestação do réu, bem como o registro
das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II – os fundamentos, em que o juiz analisará
as questões de fato e de direito; III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões que as partes lhe
submeterem. Parágrafo único. Não se considera fundamentada a decisão, sentença ou acórdão que: I – se limita
a indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo; II – empregue conceitos jurídicos indeterminados
sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III – invoque motivos que se prestariam a justificar
qualquer outra decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese,
infirmar a conclusão adotada pelo julgador” (BRASIL, 2010b).
Nesse contexto, nota-se que o art. 476 da Emenda nº 221-CTRCPC repetiu os requisitos essenciais da sentença
e dos acórdãos, em conformidade com o atual art. 458 do CPC. Contudo, apresentou importante inovação
no que toca à regulamentação infraconstitucional do princípio da motivação das decisões judiciais (art. 93,
inciso IX, da Constituição da República de 1988 – CR/88), ao explicitar, em seu parágrafo único, os defeitos
de fundamentação. Salienta-se que o inciso IV, do parágrafo único, do ora analisado art. 476 da Emenda
nº 221-CTRCPC, traz, aos órgãos do Poder Judiciário, obrigação expressa de apreciar todos os argumentos
contrários ao comando decisório, desde que plausíveis e capazes de refutar a conclusão contida na decisão.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
Da nova sistematização dos pronunciamentos judiciais no Direito Processual brasileiro 111
21
BRASIL, 1973, art. 162, §1º, redação original.
22
BRASIL, 1973, art. 162, §1º, redação atual.
23
Da mesma maneira, o art. 481 da Emenda nº 221-CTRCPC determina que: “publicada a sentença, o juiz
só poderá alterá-la: I – para corrigir-lhe, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais ou lhe
retificar erros de cálculo; II – por meio de embargos de declaração” (BRASIL, 2010b).
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
112 Magno Federici Gomes, Cauã Baptista Pereira de Resende
OLIVEIRA, Allan Helber de; VILELA, Marcelo Dias Gonçalves. Processo civil: processo de conhecimento. 3. ed.
25
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
Da nova sistematização dos pronunciamentos judiciais no Direito Processual brasileiro 113
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
114 Magno Federici Gomes, Cauã Baptista Pereira de Resende
ou rejeitar o pedido do autor ou o pedido contraposto do réu; II – o réu reconhecer a procedência do pedido;
III – as partes transigirem; IV – o juiz pronunciar, de ofício ou a requerimento, a decadência ou a prescrição;
V – o autor renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação. Parágrafo único. Ressalvada a hipótese do §1º
do art. 307, a prescrição e a decadência não serão decretadas sem que antes seja dada às partes oportunidade
de se manifestar” (BRASIL, 2010b).
Poucas são as alterações entre o atual art. 269 do CPC e o art. 474 da Emenda nº 221- CTRCPC. Salienta-se a
adequação do inciso I, do art. 474 da Emenda nº 221- CTRCPC, que previu a hipótese de procedência ou não
do pedido contraposto do réu, que virá a substituir completamente a reconvenção do atual CPC, segundo art.
326 da Emenda nº 221- CTRCPC. Além disso, apesar do parágrafo único do dispositivo em comento exigir que
a prescrição e a decadência sejam reconhecidas após o estabelecimento pleno do contraditório, ou da oitiva
da parte autora sobre a sua ocorrência, o art. 307, §1º, da Emenda nº 221- CTRCPC, autoriza ao magistrado
o julgamento liminar de improcedência do pedido, ou seja, sem a citação do réu, se ele constatar, desde o
início, a ocorrência de tais prejudiciais de mérito.
28
GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 2, p. 17.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
Da nova sistematização dos pronunciamentos judiciais no Direito Processual brasileiro 115
A sentença, em nosso sentir, não põe fim ao processo, visto que os autos podem
seguir ao tribunal competente para sua revisão, no conduto recurso de apelação
(art. 513 do CPC) ou em decorrência necessário (art. 475 do CPC).
A fase de conhecimento apenas terá seu término quando não mais cabível a interposição
de qualquer recurso para combate da última das decisões judiciais proferidas. Por essa
razão, não nos parece acertada a colocação de que a sentença necessariamente poria fim
ao processo, sendo mais lógica a afirmação de que encerra a fase de conhecimento na
instância, abrindo caminho para que o processo seja reapreciado no segundo
grau de jurisdição, através do tribunal que se mostre competente. A sentença
encerra a instância de conhecimento, retirando do juiz condutor do feito a
possibilidade de voltar a atuar no processo (art. 463 do CPC).29 (grifo próprio)
MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de
29
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
116 Magno Federici Gomes, Cauã Baptista Pereira de Resende
CÂMARA, Alexandre Freitas. A nova execução de sentença. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 16.
31
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
Da nova sistematização dos pronunciamentos judiciais no Direito Processual brasileiro 117
32
O art. 170 da Emenda nº 221-CTRCPC dispõe: “Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões
interlocutórias e despachos. §1º Ressalvadas as previsões expressas nos procedimentos especiais, sentença é o
pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 472 e 474, põe fim à fase cognitiva do
procedimento comum, bem como o que extingue a execução” (BRASIL, 2010b). Ressalta-se que o processo
cautelar está perdendo a sua autonomia, aparecendo no anteprojeto de CPC como medidas de urgência
acessórias ao processo principal, seja ele de conhecimento ou de execução, na forma dos arts. 269 e ss. da
Emenda nº 221-CTRCPC.
33
DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de direito processual civil:..., p. 258.
34
Do mesmo modo, o art. 171 da Emenda nº 221-CTRCPC: “recebe a denominação de acórdão o julgamento
colegiado proferido pelos tribunais” (BRASIL, 2010b).
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
118 Magno Federici Gomes, Cauã Baptista Pereira de Resende
35
DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de direito processual civil:..., p. 259.
36
DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de direito processual civil:..., p. 259-260.
37
As atribuições do relator no anteprojeto do novo CPC estão explicitadas no art. 888 da Emenda nº 221-CTRCPC
da seguinte forma: “incumbe ao relator: I – dirigir e ordenar o processo no tribunal; II – apreciar o pedido
de tutela de urgência ou da evidência nos recursos e nos processos de competência originária do tribunal;
III – negar seguimento a recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha atacado especificamente os
fundamentos da decisão ou sentença recorrida; IV – negar provimento a recurso que contrariar: a) súmula
do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido
pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de casos repetitivos; c)
entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência.
V – dar provimento ao recurso se a decisão recorrida contrariar: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do
Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal, ou
pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de casos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente
de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; VI – exercer outras atribuições
estabelecidas nos regimentos internos dos tribunais” (BRASIL, 2010b).
A princípio, a competência decisória monocrática do relator permanece semelhante no novo CPC à do atual,
com exceção das adequações introduzidas pela substância da nova sistemática processual dos feitos coletivos e
pela inserção de explicitações de ordem prática, isto é: 1. Definição expressa do poder para decidir as medidas
cautelares, as tutelas de evidência e os pedidos de efeito suspensivo ou ativo aos recursos, o que já se praticava
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
Da nova sistematização dos pronunciamentos judiciais no Direito Processual brasileiro 119
3.3 Do despacho
Conforme mencionado, os despachos são pronunciamentos judi-
ciais sem conteúdo decisório que tanto podem ser proferidos pelo Juízo
singular quanto pelo órgão colegiado, na pessoa de seu Relator.
Segundo o conceito extraído do CPC (art. 162, §3º),39 despachos são
todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a reque-
rimento da parte, em relação aos quais a lei não estabelece outra forma.
na prática diuturna, em conformidade com os arts. 497, 527, inciso III, 558, 800, parágrafo único, todos do
CPC atual; 2. Autorização expressa para decidir monocraticamente os recursos, quando houver súmula ou
decisão prévia do Supremo Tribunal Federal (STF), STJ ou do próprio tribunal, em incidentes de coletivização
ou em recursos representativos de controvérsia em questões de Direito, que transcenderão os limites subjetivos
da lide aos remédios repetitivos (art. 543-A e 543-C do CPC vigente), respectivamente. Como distinções
significativas, notam-se a positivação da inépcia recursal, que permite ao relator negar seguimento ao recurso
que não possui motivação específica contrária aos fundamentos da decisão impugnada; e o aumento do poder
do magistrado, no sentido de se dar provimento ao pedido recursal, com base em súmula ou entendimento
jurisprudencial do próprio tribunal de segundo grau, quando divergente da decisão hostilizada (ver art, 557,
caput e §1º-A, do CPC atual).
38
DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de direito processual civil:..., p. 259.
39
No mesmo sentido, o §3º, do art. 170 da Emenda nº 221-CTRCPC dispõe: “os pronunciamentos do
juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. §3º São despachos todos os demais
pronunciamentos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte” (BRASIL, 2010b).
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
120 Magno Federici Gomes, Cauã Baptista Pereira de Resende
[...] três categorias que coincidem perfeitamente com aquelas estabelecidas para
o processo civil, quais sejam: a sentença definitiva de mérito (s.s.), absolvendo ou
Da mesma maneira, o art. 955 da Emenda nº 221-CTRCPC: “dos despachos não cabe recurso” (BRASIL,
41
2010b).
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
Da nova sistematização dos pronunciamentos judiciais no Direito Processual brasileiro 121
GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance. Recursos no
42
processo penal. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 61-62.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
122 Magno Federici Gomes, Cauã Baptista Pereira de Resende
Há correlação do antigo art. 800 do CPP com o art. 140 do Parecer nº 1.636/2010 que dispõe: “os juízes
43
singulares darão seus despachos e decisões dentro dos prazos seguintes, quando outros não estiverem
estabelecidos: I – de 10 (dez) dias, para as sentenças; II – de 5 (cinco) dias, para as decisões interlocutórias;
III – de 1 (um) dia, quando se tratar de despacho de expediente. §1º Os prazos para o juiz contar-se-ão do
termo de conclusão. §2º Os prazos do Ministério Público e da Defensoria Pública contar-se-ão da data do
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
Da nova sistematização dos pronunciamentos judiciais no Direito Processual brasileiro 123
ingresso dos autos na respectiva instituição. §3º Em qualquer instância, declarando motivo justo, poderá o
juiz exceder por igual tempo os prazos a ele fixados neste Código. §4º São contados em dobro os prazos
para a Defensoria Pública” (BRASIL, 2010c).
44
Conforme OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 486.
45
Os artigos que fazem correlação ao antigo art. 593 do CPP, no anteprojeto do novo CPP, são:
Art. 480 do Parecer nº 1.636/2010. “Da decisão que extingue o processo, com ou sem resolução do mérito,
caberá apelação no prazo de 15 (quinze) dias. §1º Da decisão do Tribunal do Júri somente caberá apelação
quando: I – ocorrer nulidade posterior à pronúncia; II – for a sentença do juiz presidente contrária a lei
expressa ou à decisão dos jurados, caso em que o tribunal fará a devida retificação; III – houver erro ou
injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança, caso em que o tribunal procederá à
devida retificação; IV – for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos, caso em que
o tribunal sujeitará o acusado a novo julgamento, não se admitindo, porém, pelo mesmo motivo, segunda
apelação. §2º Quando cabível a apelação, não se admitirá agravo, ainda que se recorra somente de parte da
decisão. §3º A apelação em favor do acusado será recebida também no efeito suspensivo, devendo o juiz
decidir, fundamentadamente, sobre a necessidade de manutenção ou, se for o caso, de imposição de medidas
cautelares, sem prejuízo do conhecimento da apelação” (BRASIL, 2010c).
Art. 309 do Parecer nº 1.636/2010. “Da decisão de indeferimento da denúncia e da sentença caberá apelação,
que poderá ser julgada por turma composta de 3 (três) Juízes em exercício no primeiro grau de jurisdição,
reunidos na sede do Juizado. §1º A apelação será interposta no prazo de 10 (dez) dias, contado da ciência da
sentença pelo Ministério Público e pelo réu e seu defensor, por petição escrita, da qual constarão as razões e
o pedido do recorrente. §2º O recorrido será intimado para oferecer resposta no prazo de 10 (dez) dias. §3º
As partes poderão requerer a transcrição da gravação da fita magnética a que alude o §3º do art. 292. §4º
As partes serão intimadas da data da sessão de julgamento pela imprensa. §5º Se a sentença for confirmada
pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão. §6º Cabe à Turma Recursal do
Sistema dos Juizados Especiais o julgamento das ações de impugnação previstas no Livro IV deste Código,
quando se tratar de causa da competência dos Juizados Especiais Criminais” (BRASIL, 2010c).
Art. 330 do Parecer nº 1.636/2010. “Contra a decisão de impronúncia ou a sentença de absolvição sumária
caberá apelação” (BRASIL, 2010c).
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
124 Magno Federici Gomes, Cauã Baptista Pereira de Resende
46
Destaca-se que a decisão de impronúncia no anteprojeto do novo CPP, passa a ser considerada sentença, nos
termos do supracitado art. 330 do Parecer nº 1.636/2010.
47
Segundo o art. 473 do Parecer nº 1.636/2010, essa afirmativa não será mais aplicável, já que: “caberá agravo,
no prazo de 10 (dez) dias, da decisão que: I – receber, no todo ou em parte, a denúncia, a queixa subsidiária
ou os respectivos aditamentos; II – indeferir o aditamento da denúncia ou da queixa subsidiária; III – declarar
a incompetência ou afirmar a competência do juízo; IV – pronunciar o acusado; V – deferir, negar, impor,
revogar, prorrogar, manter ou substituir qualquer das medidas cautelares, reais ou pessoais; VI – conceder,
negar ou revogar a suspensão condicional do processo; VII – decidir sobre produção e licitude da prova e seu
desentranhamento; VIII – recusar a homologação do acordo no procedimento sumário” (BRASIL, 2010c).
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
Da nova sistematização dos pronunciamentos judiciais no Direito Processual brasileiro 125
a) interlocutórias mistas não terminativas: são aquelas que encerram uma etapa
procedimental. Ex: decisão de pronúncia nos processos do júri popular;
b) interlocutórias mistas terminativas: são aquelas que culminam com a extinção
do processo sem julgamento de mérito. Ex: rejeição da denúncia, pois encerram
o processo sem a solução da lide penal.49
48
Como demonstrado anteriormente, o anteprojeto do novo CPP está prevendo o cabimento de agravo contra
as decisões interlocutórias, de modo semelhante ao procedimento civil. Dessa forma, as dificuldades antes
apresentadas na sistematização das decisões judiciais na esfera civil, que influenciam fortemente no cabimento
dos recursos, serão, a partir da aprovação do novo CPP, idênticas em matéria instrumental penal, motivo pelo
qual aumenta a importância deste trabalho.
49
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 393.
50
No anteprojeto do novo CPP, serão passíveis de agravo, em conformidade com os arts. 473 e ss. do Parecer
nº 1.636/2010.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
126 Magno Federici Gomes, Cauã Baptista Pereira de Resende
51
Da mesma forma, no anteprojeto do novo CPP, serão passíveis de agravo, nos termos dos arts. 473 e ss. do
Parecer nº 1.636/2010.
52
As decisões de indeferimento ou rejeição da denúncia e de impronúncia, no anteprojeto do novo CPP, passam
a ser consideradas sentenças, porque julgam os processos penais sem resolução do mérito, nos moldes dos
mencionados arts. 330 e 480 do Parecer nº 1.636/2010. Coloca-se de manifesto que as hipóteses de extinção
do processo penal, sem e com resolução do mérito, passarão a ser:
Art. 267 do Parecer nº 1.636/2010. “São causas de extinção do processo, sem resolução do mérito, a qualquer
tempo e grau de jurisdição: I – o indeferimento da denúncia ou queixa subsidiária; II – a ausência de quaisquer
das condições da ação ou de justa causa, bem como dos pressupostos processuais; III – a impronúncia”
(BRASIL, 2010c).
Art. 268 do Parecer nº 1.636/2010. “São causas de extinção do processo, com resolução de mérito, em
qualquer tempo e grau de jurisdição: I – as hipóteses de absolvição sumária previstas neste Código; II – a
extinção da punibilidade; III – a aplicação da pena no procedimento sumário; IV – a condenação ou absolvição
do acusado” (BRASIL, 2010c).
53
Os dispositivos aplicáveis à sentença penal existentes no anteprojeto do novo CPP serão os arts. 417 a 426
do Parecer nº 1.636/2010:
Art. 417 do Parecer nº 1.636/2010. “A sentença conterá: I – o número dos autos e os nomes das partes ou,
quando não for possível, as indicações necessárias para identificá-las; II – a exposição sucinta da acusação e
da defesa; III – a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão; IV – a indicação dos
artigos de lei aplicados; V – o dispositivo; VI – a data e a assinatura do juiz” (BRASIL, 2010c).
54
Tais afirmativas continuam sendo aplicáveis ao anteprojeto do novo CPP.
55
O anteprojeto do novo CPP incluiu as hipóteses de decisão sem resolução de mérito, com base no art. 267
do Parecer nº 1.636/2010, como já explicado acima.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
Da nova sistematização dos pronunciamentos judiciais no Direito Processual brasileiro 127
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128 Magno Federici Gomes, Cauã Baptista Pereira de Resende
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Da nova sistematização dos pronunciamentos judiciais no Direito Processual brasileiro 129
5 Conclusões
Diante do exposto, pode-se concluir, ab initio, que, independente-
mente do critério adotado nas diversas classificações existentes dos atos
do juiz, nenhuma delas permanecerá imune a críticas, tendo em vista as
inevitáveis exceções — que poderão ser, inclusive, opostas a qualquer tipo
de regra, previamente estabelecida.
Não obstante, num primeiro momento, destaca-se que a teoria geral
do processo deve criar parâmetros gerais sobre a matéria e que cada ramo
do direito (civil, penal, trabalho ou eleitoral) deve estabelecer critérios
particulares, em conformidade com as mais diversas peculiaridades de
cada área da ciência jurídica.
Essa matéria é de suma importância para uma melhor compreensão
dos provimentos do juiz e, principalmente, para uma melhor organização
dos diversos microssistemas recursais. Por esse motivo, entende-se que,
a longo prazo, esta reorganização é a única medida capaz de garantir a
segurança jurídica desejada para os jurisdicionados e para os operadores
do direito de forma geral.
Por isso, o aprimoramento e a nova sistematização dos pronuncia-
mentos dos magistrados, dentro do panorama da teoria geral do processo,
deve ser a meta fundamental dos principais doutrinadores do processo
no Brasil.
Num segundo momento, não se pode deixar de observar que, no
processo civil, a atual sistematização dos provimentos judiciais tem se
mostrado extremamente precária, razão pela qual há na doutrina e na
jurisprudência uma necessidade pujante de mitigar os conceitos trazidos
pelo CPC.
Por outro lado, como já mencionado neste estudo, o processo civil
se assemelha, em vários pontos, ao processo penal no tema abordado.
Todavia, como foi visto no processo penal atual (anterior à aprovação do
anteprojeto do novo CPP), criou-se — na doutrina e na legislação, uma
construção teórica mais clara, que distingue sensivelmente a decisão inter-
locutória simples e a decisão interlocutória mista, a partir do conteúdo de
cada uma delas. Esta distinção (interlocutória simples e mista), aglutinada
com o aprimoramento doutrinário do conceito de sentença, resultado do
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
130 Magno Federici Gomes, Cauã Baptista Pereira de Resende
presente estudo, pode trazer uma solução, mesmo que temporária, para a
atual e futura crise conceitual dos pronunciamentos judiciais no processo
civil e penal, respectivamente.
Destaca-se, no entanto, que as decisões interlocutórias mistas, dife
rentemente do que ocorre no processo penal, deveriam se subdividir em
terminativas e definitivas, para melhor se adequarem à sistemática do
direito processual civil.
Em suma, entende-se que os pronunciamentos judiciais poderiam
ser assim divididos no processo civil: a) despachos; b) decisões interlocutó-
rias simples; c) decisões interlocutórias mistas; c.1) decisões interlocutórias
mistas terminativas; c.2) decisões interlocutórias mistas definitivas; d) sen-
tenças; e) acórdãos.
Na sistemática proposta para o direito processual civil, portanto, as
decisões interlocutórias mistas, de forma geral, serão aquelas que coloca-
rem fim a uma determinada etapa procedimental, à semelhança do que já
ocorre com as interlocutórias mistas não terminativas do processo penal, a
fim de abarcarem todas as decisões monocráticas dos relatores, quando os
feitos se encontram perante os tribunais, e os demais casos de incidência
nas hipóteses dos arts. 267 ou 269 do CPC, sem esgotar a tutela daquele
grau de jurisdição.
De acordo com a proposta, contudo, no processo civil as decisões
interlocutórias mistas serão subdivididas em interlocutórias mistas termi-
nativas e definitivas. Nessa subdivisão, por óbvio, o conteúdo de cada uma
delas será determinante, ou seja, aquela que tiver incidências nos incisos
do art. 267 do CPC será considerada interlocutória mista terminativa,
enquanto que a decisão que tiver por conteúdo as hipóteses do art. 269
do CPC será tratada como mista definitiva.
Dentro dessa nova sistemática, repita-se, deve ser adotado o conceito
de sentença visto neste estudo e que parece preferível, qual seja, o de
provimento judicial que põe fim ao ofício de julgar do juiz monocrático,
de primeiro grau, nos processos de conhecimento, cautelar ou execução,
resolvendo ou não o objeto do processo.
Essa parece ser a melhor sistematização para os pronunciamentos
judiciais no direito processual civil, pois se ajusta satisfatoriamente à con-
formação do CPC após as reformas legislativas, sendo também aprovei-
tável em ambos os anteprojetos de Códigos processuais que tramitam no
Congresso Nacional.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
Da nova sistematização dos pronunciamentos judiciais no Direito Processual brasileiro 131
Referências
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
132 Magno Federici Gomes, Cauã Baptista Pereira de Resende
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
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GOMES, Magno Federici; RESENDE, Cauã Baptista Pereira de. Da nova sistematização dos
pronunciamentos judiciais no Direito Processual brasileiro. Revista Brasileira de Direito
Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 95-133, out./dez. 2011
Análise da teoria da instrumentalidade
do processo em face do Estado
Democrático de Direito
Marcos Ribeiro Marques
Procurador Federal. Especialista em Direito Público pela UnB. Especialista em Direito Processual
pela PUC Minas.
Introdução
Tanto na doutrina quanto na elaboração de leis e códigos tem
dominado no Brasil a noção de processo como relação jurídica. Cuida-se
de teoria amplamente aceita no meio jurídico. Nesta perspectiva, o pro-
cesso é visto como relação jurídica que importa em direitos e obrigações
entre seus sujeitos, juiz, autor e réu.
Dentro e a partir desta concepção de processo, desenvolveu-se a
teoria da instrumentalidade do processo. O processo é visto como instru-
mento da jurisdição, que tem escopos metajurídicos, econômicos, sociais
e políticos. Para os defensores desta função instrumental do processo, é
necessário que ele seja dotado de efetividade, para a consecução de seus
objetivos, sob pena de não se revelar útil.
Com base nesta consciência da instrumentalidade do processo, a
legislação processual tem se desenvolvido, no sentido de se buscar uma
celeridade capaz de trazer resultado útil ao processo.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 135-155, out./dez. 2011
136 Marcos Ribeiro Marques
1 O conceito de paradigma
Analisando o desenvolvimento do conhecimento científico, Kuhn
formula um conceito de paradigma como sendo o conjunto de crenças,
valores e técnicas partilhados pelos membros de uma comunidade, ou
seja, seria o conjunto de compromissos de determinado grupo. Também
ressalta que o paradigma pode ser entendido como as soluções concretas
exemplares, modelares, para os problemas da comunidade.1
O conhecimento científico não progride de modo lento e pacífico.
Para Kuhn o desenvolvimento científico ocorre aos saltos, através de rup-
turas de concepções vigentes, de superação de paradigmas. Desta forma,
em determinado momento, o conjunto das crenças partilhadas por deter-
minada comunidade passa a ser insuficiente para a solução dos problemas,
sendo superado por outro conjunto de crenças, estabelecendo-se um novo
paradigma.
Embora seus estudos tenham como foco as ciências exatas, a noção
de paradigma é importante também para o direito. Reconhece-se, atual
mente, que o direito pode ser observado em três paradigmas constitu-
cionais bem distintos. O primeiro é o paradigma do Estado Liberal, ou
KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 9. ed. Tradução de Beatriz Vianna e Nelson Boeira.
1
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 135-155, out./dez. 2011
Análise da teoria da instrumentalidade do processo em face do Estado Democrático de Direito 137
2
SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado: o substrato clássico e os novos paradigmas como pré-
compreensão para o direito constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 269.
3
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler.
2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. 2. v, p. 138.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 135-155, out./dez. 2011
138 Marcos Ribeiro Marques
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 135-155, out./dez. 2011
Análise da teoria da instrumentalidade do processo em face do Estado Democrático de Direito 139
É óbvio que não se pode mais entender a liberdade como ausência de leis e
igualdade como a igualdade meramente formal. A ideia de liberdade agora se
assenta numa igualdade tendencialmente material, através do reconhecimento
na lei das diferenças materiais entre as pessoas, e sempre na proteção do lado
mais fraco das várias relações. É precisamente com essa mudança básica que
os Direitos sociais coletivos se importam; é com ela que vamos ter a ideia de
liberdade como a exigência de leis que reconheçam materialmente as diferenças,
com a emancipação do campo do Direito civil, do Direito do trabalho, da
previdência social, etc. É claro que vamos ter também aí a noção da propriedade
condicionada a uma função social, não mais vista como um Direito absoluto,
mas condicionado.4
4
CARVALHO NETTO, Menelick de. Público e privado na perspectiva constitucional contemporânea. CEAD-Unb, 2009.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 135-155, out./dez. 2011
140 Marcos Ribeiro Marques
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina,
5
2003. p. 98.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 135-155, out./dez. 2011
Análise da teoria da instrumentalidade do processo em face do Estado Democrático de Direito 141
6
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional. Belo Horizonte: Del
Rey, 2004. p. 132.
7
MADEIRA, Dhenis Cruz. Processo de conhecimento e cognição: uma inserção no Estado democrático de
direito. Curitiba: Juruá, 2008. p. 36.
8
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina,
2003. p. 289.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 135-155, out./dez. 2011
142 Marcos Ribeiro Marques
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 135-155, out./dez. 2011
Análise da teoria da instrumentalidade do processo em face do Estado Democrático de Direito 143
focalizou, nos atos que se realizam no processo, desde o ato introdutivo, e nos
que se sucedem, sejam atos das partes ou atos do juiz, direitos e deveres daquelas
9
Determina las facultades y los deberes que ponem en mutua vinculación a las partes y al tribunal. Pero, de
esa manera, se há afirmado, también, que el processo es una relación de derechos y obligaciones recíporcos,
es decir, uma relación jurídica (Apud LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões
no direito processual democrático. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. p. 81).
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 135-155, out./dez. 2011
144 Marcos Ribeiro Marques
5 A instrumentalidade do processo
Após a contribuição dos estudos de Carnelutti, Chiovenda, Liebman,
a teoria ganhou nova força na atualidade, com o instrumentalismo, defen-
dido, sobretudo, por Dinamarco.
Para referido autor, após ter-se demonstrado a autonomia da relação
jurídica processual, distinguindo-a da relação jurídica de direito material,
levando ao consequente reconhecimento da autonomia do processo e da
ação, o direito processual pode se desenvolver como verdadeira ciência.
Tal desenvolvimento foi importante para se firmar, de modo geral e com
ampla aceitação, algumas premissas, tais como a autonomia do processo e
de seus institutos, a maior participação do juiz, entre outros.
Este ambiente é o que teria possibilitado a consciência da instru-
mentalidade do processo. Em exatas palavras:
10
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 1,
p. 280.
11
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do
processo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 282.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 135-155, out./dez. 2011
Análise da teoria da instrumentalidade do processo em face do Estado Democrático de Direito 145
12
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 22.
13
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 25.
14
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do
processo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 227.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 135-155, out./dez. 2011
146 Marcos Ribeiro Marques
15
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
p. 238-239.
16
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 93.
17
FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. Tradução de Elaine Nassif. Campinas: Bookseller, 2006. p. 93.
18
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do
processo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 277-278.
19
FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. Tradução de Elaine Nassif. Campinas: Bookseller, 2006. p. 93.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 135-155, out./dez. 2011
Análise da teoria da instrumentalidade do processo em face do Estado Democrático de Direito 147
20
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 2001. p. 11.
21
FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. Tradução de Elaine Nassif. Campinas: Bookseller, 2006. p. 94.
22
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do
processo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 285.
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148 Marcos Ribeiro Marques
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Constituição e processo: o modelo constitucional e a teoria geral do
23
processo constitucional: natureza e categoria dos princípios processuais inseridos na constituição. Revista
Forense, Rio de Janeiro, v. 353, p. 141, jan./fev. 2001.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 135-155, out./dez. 2011
Análise da teoria da instrumentalidade do processo em face do Estado Democrático de Direito 149
24
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 52.
25
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 96.
26
FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. Tradução de Elaine Nassif. Campinas: Bookseller, 2006. p. 117.
27
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 2001. p. 120.
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150 Marcos Ribeiro Marques
28
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Constituição e processo: o modelo constitucional e a teoria geral do
processo constitucional: natureza e categoria dos princípios processuais inseridos na constituição. Revista
Forense, Rio de Janeiro, v. 353, p. 146, jan./fev. 2001.
29
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 98.
30
MADEIRA, Dhenis Cruz. Processo de conhecimento e cognição: uma inserção no Estado democrático de
direito. Curitiba: Juruá, 2008. p. 131.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 135-155, out./dez. 2011
Análise da teoria da instrumentalidade do processo em face do Estado Democrático de Direito 151
No processo não poderia haver tal vínculo entre as partes, porque nenhuma
delas pode, juridicamente, impor à outra a prática de qualquer ato processual.
No exercício de faculdades ou poderes, nos atos processuais, a parte sequer
se dirige à outra, mas sim ao juiz, que conduz o processo. E, do juiz, as partes
não exigem conduta ou atos. [...] Não há relação jurídica entre o juiz e a parte,
ou ambas as partes, porque ele não pode exigir delas qualquer conduta, ou a
prática de qualquer ato, podendo, qualquer das partes, resolver suas faculdades,
poderes e deveres em ônus, ao suportar as conseqüências desfavoráveis que
possam advir de sua omissão.31
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 2001. p. 98-99.
31
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 2001. p. 99
32
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152 Marcos Ribeiro Marques
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 79.
33
LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões no direito processual democrático.
34
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Análise da teoria da instrumentalidade do processo em face do Estado Democrático de Direito 153
Conclusão
É, portanto, de se concluir que a concepção de paradigma é aplicável
ao direito, sendo de se reconhecer a clara existência de três paradigmas
no direito constitucional. O paradigma do Estado Liberal caracterizado
por um Estado mínimo. O paradigma do Estado Social caracterizado
por um Estado provedor e regulador. Por último, o paradigma do Estado
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 135-155, out./dez. 2011
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Referências
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O fim do foro privilegiado da mulher
nas ações de divórcio, anulação de
casamento e reconhecimento ou
dissolução de união estável:
inconstitucionalidade à vista no Novo
Código de Processo Civil?
Rafael José Nadim de Lazari
Advogado. Consultor jurídico e parecerista. Professor universitário. Mestrando-bolsista (CAPES/
PROSUP Modalidade 1) em Teoria do Estado pelo Centro Universitário “Eurípides” de Marília/SP.
Colaborador permanente de diversos periódicos especializados de Direito. E-mail: <rafa_scan-
durra@hotmail.com>.
1 Linhas prolegominais
Discutir competência, em suas múltiplas parcelas e limites jurisdi-
cionais, e seja qual for o ramo do Direito, é, sobretudo, tentar enfrentar
com honestidade a complexidade do tema. São regras cheias de exceções,
e o que é relativo pode tornar-se absoluto num “passe de mágica”, a de-
pender de nuanças quase imperceptíveis a um olhar desatento.1 Ademais,
Tome-se como exemplo, para melhor se fazer entender, a competência em razão do valor, dita relativa no
1
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Neste sentido, Carlos Alberto Garbi (1997, p. 52): “Como é sabido, a regra não procura beneficiar a mulher
2
em razão do sexo, mas porque reconhece a lei que ela é a parte mais fraca naquelas demandas especificadas,
como é o alimentando para a ação de alimentos. Há destarte, absoluta conexão lógica entre o motivo e a regra
da discriminação, em consonância com a Constituição, que tem o acesso à justiça como direito fundamental
e o equilíbrio na relação processual como garantia do devido processo legal”.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 157-170, out./dez. 2011
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160 Rafael José Nadim de Lazari
e na regra prevista no art. 9º, Lei nº 9.278/96, que dispõe que “toda matéria
relativa à união estável é de competência do juízo da Vara de Família, asse-
gurado o segredo de justiça”.
Ademais, se embasada a regra processual privilegiadora no funda-
mento de que a mulher é, historicamente, parte mais fraca numa demanda,
haja vista seu histórico de submissão (lembremos que um dia “mulher
honesta” já valeu mais para o direito que o simples fato de ser “mulher”),
mister se faz protegê-la tanto numa relação casamentária como noutra
próxima disso. O que se está a proteger não é o “casamento” ou a “união
estável” em si, mas aquela que destes participa, ora. Não podem, pois,
doutrina e jurisprudência, fechar os olhos para a realidade majoritária
da simples convivência, se o legislador vem trabalhando no sentido de
assegurá-la os mesmos direitos decorrentes do matrimônio. A proteção
processual qualificada é o mínimo que se pode fazer para a convivente,
desta forma.3 4
Já para defender o segundo posicionamento, a saber, aquele que
prega a inaplicabilidade do inciso I para outras ações que não aquelas
elencadas em seu rol bem como para reconhecimento/dissolução de união
estável, o argumento é teleológico: sabe-se que o inciso I elenca um
sujeito (a mulher), e uma casuística em que ela estará amparada (o divórcio
e a anulação do casamento). Significa que sua proteção não se dá somente
por ser mulher, mas por ser mulher vulnerável à espécie de ação que pode
ajuizar. Ademais, por ser essa vulnerabilidade presumida, e por se tratar
a previsão de competência relativa, nada impede que a mulher opte por
promover ação na regra geral do art. 94, CPC. Sendo assim, agiu bem o
legislador em não generalizar a mulher como sujeito privilegiado, pois,
3
Patrícia Miranda Pizzol (2003, p. 194-195) entende que “[...] a regra do art. 100, I, do CPC deve ser aplicada
também às ações de dissolução de união estável. Portanto, a competência para tal ação é do foro do domicílio da
mulher (com as ressalvas feitas anteriormente) e, havendo vara especializada da família e sucessões”. É também
esta opinião de Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero (2008, p. 162): “O artigo em comento aplica-se
igualmente para ação de dissolução de união estável”. Insta obtemperar, contudo, que a jurisprudência não é
pacífica quanto ao assunto. Neste sentido, em posição contrária ao aqui defendido, ver: “CIVIL E PROCESSUAL
CIVIL. COMPETÊNCIA. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ART. 100, I, CPC. CONSTITUIÇÃO DE
1988. INCOMPATIBILIDADE. IGUALDADE ENTRE OS CÔNJUGES. PRECEDENTE. INAPLICABILIDADE À UNIÃO
ESTÁVEL. AUSÊNCIA DE REGRA ESPECÍFICA. RECURSO PROVIDO. I – No plano infraconstitucional, conquanto
haja divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da prevalência do art. 100, I, CPC, e da extensão de sua
incidência, a dificultar a uniformização interpretativa na matéria, esta Corte tem adotado a interpretação
restritiva desse artigo. II – Em face dessa interpretação restritiva, descabe invocar sua aplicação às ações de
dissolução de união estável, até porque sequer há norma equivalente, a seu respeito, tornando aplicável, em
conseqüência, o art. 94, CPC. [...] (REsp 327.086/PR, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA
TURMA, julgado em 08.10.2002, DJ, p. 214, 10 fev. 2003)” (grifei).
4
O “Novo” CPC acolhe este entendimento, conforme se verá mais à frente.
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O fim do foro privilegiado da mulher nas ações de divórcio, anulação de casamento e reconhecimento... 161
A regra especial de competência dos incisos I e II do CPC 100 não fere o princípio
constitucional da isonomia (CF 5.º, I), nem é incompatível com a igualdade dos
cônjuges na condução da sociedade conjugal (CF 226) [...]. A hipótese é de tratar
desigualmente partes desiguais, vale dizer, de discriminação justa, permitida
pela CF 5.º, I [...]. No caso do CPC 100, I há presunção juris tantum de que
a parte débil é a mulher, presunção essa que pode ceder diante de prova em
5
Cf. Francisco José Cahali (1995, p. 114).
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162 Rafael José Nadim de Lazari
contrário, o que deverá ser feito pelo marido réu, por intermédio da oposição
de exceção de incompetência, declinando o foro do seu (do réu) domicílio como
o competente, em razão da inexistência da hipossuficiência da mulher.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 157-170, out./dez. 2011
O fim do foro privilegiado da mulher nas ações de divórcio, anulação de casamento e reconhecimento... 163
Art. 15. É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis registrados
por esta Lei, o Juizado: I – do seu domicílio ou de sua residência; II – do lugar do
fato em que se baseou a demanda; III – do domicílio do agressor. (grifei)
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 157-170, out./dez. 2011
164 Rafael José Nadim de Lazari
6
Vejamos: Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e os princípios
fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições
deste Código; Art. 2º O processo começa por iniciativa da parte, nos casos e nas formas legais, salvo exceções
previstas em lei, e se desenvolve por impulso oficial; Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça
ou lesão a direito, ressalvados os litígios voluntariamente submetidos à solução arbitral, na forma da lei; Art.
4º As partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral da lide, incluída a atividade satisfativa;
Art. 5º As partes têm direito de participar ativamente do processo, cooperando com o juiz e fornecendo-lhe
subsídios para que profira decisões, realize atos executivos ou determine a prática de medidas de urgência;
Art. 6º Ao aplicar a lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum,
observando sempre os princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da legalidade, da
impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência; Art. 7º É assegurada às partes paridade de
tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos
deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz velar pelo efetivo contraditório; Art. 8º As
partes e seus procuradores têm o dever de contribuir para a rápida solução da lide, colaborando com o juiz
para a identificação das questões de fato e de direito e abstendo-se de provocar incidentes desnecessários
e procrastinatórios; Art. 9º Não se proferirá sentença ou decisão contra uma das partes sem que esta seja
previamente ouvida, salvo se se tratar de medida de urgência ou concedida a fim de evitar o perecimento de
direito; Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito
do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a
qual tenha que decidir de ofício. Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica aos casos de tutela de
urgência e nas hipóteses do art. 307; Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão
públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade. Parágrafo único. Nos casos de segredo
de justiça, pode ser autorizada somente a presença das partes, de seus advogados ou defensores públicos,
ou ainda, quando for o caso, do Ministério Público; Art. 12. Os juízes deverão proferir sentença e os tribunais
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 157-170, out./dez. 2011
O fim do foro privilegiado da mulher nas ações de divórcio, anulação de casamento e reconhecimento... 165
partida o art. 1º, que dispõe que o Processo Civil será regido, discipli-
nado e valorado conforme os “princípios fundamentais” estabelecidos
na Constituição Federal. Ao analisar trechos da Exposição de Motivos do
Código de Fux (constante da versão inicial do PLS nº 166/2010), pode-se
melhor visualizar isso:
Na elaboração deste Anteprojeto de Código de Processo Civil, essa foi uma das
linhas principais de trabalho: resolver problemas. Deixar de ver o processo
como teoria descomprometida de sua natureza fundamental de método de
resolução de conflitos, por meio do qual se realizam valores constitucionais
[...]. 5 Esta Exposição de Motivos obedece à ordem dos objetivos acima
alistados. 1) A necessidade de que fique evidente a harmonia da lei ordinária em
relação à Constituição Federal da República fez com que se incluíssem no Código,
expressamente, princípios constitucionais, na sua versão processual [...]. (grifei)
deverão decidir os recursos obedecendo à ordem cronológica de conclusão. § 1º A lista de processos aptos
a julgamento deverá ser permanentemente disponibilizada em cartório, para consulta pública. §2º Estão
excluídos da regra do caput: I – as sentenças proferidas em audiência, homologatórias de acordo ou de
improcedência liminar do pedido; II – o julgamento de processos em bloco para aplicação da tese jurídica
firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em recurso repetitivo; III – a apreciação de
pedido de efeito suspensivo ou de antecipação da tutela recursal; IV – o julgamento de recursos repetitivos
ou de incidente de resolução de demandas repetitivas; V – as preferências legais.
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166 Rafael José Nadim de Lazari
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168 Rafael José Nadim de Lazari
4 Linhas derradeiras
Por todo o exposto, em nota conclusiva, convém defender que não
se mostra precipitado discutir a necessidade de manutenção da regra que
privilegia a mulher com foro competente para a ação de divórcio, de anu-
lação de casamento e de reconhecimento/dissolução de união estável. Do
contrário, trata-se, agora, do momento mais oportuno possível.
Sendo assim, em que pese o respeito à opção da Comissão de Juristas
designada para elaborar o “Novo” CPC, não parece opção mais acertada
abolir o foro privilegiado da mulher. Isto porque se partiu de uma pre-
missa equivocada de que a mulher, neste aspecto, já adquiriu condições
de equiparação com o homem, o que teria tornado, enfim, a norma do
art. 100, I, incompatível com a Constituição Federal, nos seus postulados
de igualdade de gênero. Na verdade, a mulher ainda deve ser fruto de
atenção especial dispendida pela sociedade e pelo legislador, a exemplo
do que se fez no art. 15, da Lei nº 11.340/06, haja vista a existência de
guetos de obscurantismo social que reprimem o sexo feminino. Que se
particularize à mulher, então, regra mais benéfica de competência. Que
isso lhe seja uma opção, uma faculdade. É medida de melhor acesso à
justiça, princípio este que se sobrepõe à própria igualdade de gênero no
caso em lume.
A proposta, portanto, é pela manutenção do texto do art. 100, I, CPC
na Lei Adjetiva que há de vir, até por sua lógica de competência relativa
que comporta exceção caso a mulher não seja vulnerável. Até porque, o
atual Código de Buzaid permite a exceção de incompetência que transfere
a mulher de uma regra especial para uma regra geral, enquanto no Novo
CPC não há uma regra especial, o que faz com que, se a mulher, casuistica-
mente, for parte vulnerável, não terá dispositivo procedimental da fixação
de competência privilegiada para se socorrer.
Como último argumento, há se frisar que não é a realidade que se
adapta ao legislador, mas o oposto, de forma que presumir a equiparação
feminina neste aspecto pode ser arriscado. Do contrário, o que é adjetivado
de praticidade técnica pode dar ensejo a um prejuízo irremediável no
acesso à justiça da mulher que ainda se encontre em posição desvantajosa.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 157-170, out./dez. 2011
O fim do foro privilegiado da mulher nas ações de divórcio, anulação de casamento e reconhecimento... 169
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nalidade à vista no Novo Código de Processo Civil?. Revista Brasileira de Direito Processual
– RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 157-170, out./dez. 2011.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 157-170, out./dez. 2011
Fundamentos doutrinários e
jurisprudenciais da tutela de intervenção
judicial em sociedade empresária
Ricardo Padovini Pleti
Advogado. Professor efetivo da Faculdade de Direito “Prof. Jacy de Assis” da Universidade Federal
de Uberlândia (UFU). Especialista, Mestre e Doutorando em Direito Empresarial pela Faculdade
de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Introdução
O Direito se caracteriza pela eterna busca do equilíbrio possível
entre dois valores transcendentais: a segurança e a justiça. Sempre que se
privilegia a primeira, sacrifica-se a segunda, e vice-versa.1
Ao conceder autonomia aos particulares para que possam pautar
suas ações de acordo com seu próprio arbítrio, torna-se necessário lhes
garantir certa margem de segurança jurídica. Esta consiste em evitar,
sempre que possível, a intromissão do Estado no domínio da liberdade
1
“A História do Direito revela-nos um ideal constante de adequação entre a ordem normativa e as múltiplas e
cambiantes circunstâncias espácio-temporais, uma experiência dominada ao mesmo tempo pela dinamicidade
do justo e pela estabilidade reclamada pela certeza e pela segurança” (REALE. Filosofia do direito, p. 572. Grifos
do autor).
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 171-204, out./dez. 2011
172 Ricardo Padovini Pleti
2
Mateo Goldstein assim percebe aquela inclinação: “No constituye una particularidad de éste o de aquél sistema
legislativo, sino que el proceso se torna universal. Cuanto menor es la ingerencia estatal, cualquiera sea el
poder publico que lo materializa, en la vida y el desenvolvimiento de las entidades privadas — individuales o
colectivas —, se corre un riesgo menor para los intereses en juego. La máxima de que el Estado es un ‘mal
administrador’ ya se ha generalizado en todos los países y con excepción de los gobiernos totalitarios, en todas
partes se impone la tendencia de separar e independizar a las actividades comerciales privadas de toda una
ingerencia fiscal” [Não constitui uma particularidade deste ou daquele sistema legislativo, já que o processo
se torna universal. Quanto menor é a ingerência estatal, qualquer que seja o poder público que o materializa,
na vida e no desenvolvimento das entidades privadas — individuais ou coletivas —, se corre um risco menor
para os interesses em jogo. A máxima de que o Estado é um ‘mal administrador’ já se tem generalizado em
todos os países e, com exceção dos governos totalitários, em todas partes se impõe a tendência de separar
e emancipar as atividades comerciais privadas de toda ingerência fiscal] (Intervención de sociedades. In:
ENCICLOPEDIA JURÍDICA OMEBA, t. XVI, p. 689. Tradução nossa).
3
SOUZA. Intervencionismo e direito: uma abordagem das repercussões, p. 133.
4
SOUZA. Intervencionismo e direito: uma abordagem das repercussões, p. 133.
5
SOUZA. Intervencionismo e direito: uma abordagem das repercussões, p. 167.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 171-204, out./dez. 2011
Fundamentos doutrinários e jurisprudenciais da tutela de intervenção judicial em sociedade empresária 173
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 171-204, out./dez. 2011
174 Ricardo Padovini Pleti
9
Nesse diapasão, convém exibir o incisivo pronunciamento de Alfredo Lamy e Bulhões Pedreira: “O destino
das leis sobre as sociedades por ações é serem modificadas sem cessar: seja a pedido do público, que
reclama a insuficiente proteção contra a fraude, cujos aspectos proteiformes e meios de ação aperfeiçoados
freqüentemente conduzem ao insucesso dos atos normativos mais bem estudados; seja a pedido do alto
comércio e da finança, que entendem poder se desenvolver sem entraves inúteis, e adaptar suas empresas,
sem risco de contrariar proibições em desuso, às formas e novas combinações que o progresso faz surgir
incessantemente” (Leis das S.A.: pressupostos, elaboração e aplicação, p. 74).
10
É o que esclarece Tercio Sampaio Ferraz Júnior ao expor que “direito positivo, podemos dizer genericamente,
é o que vale em virtude de uma decisão e só por força de uma nova decisão pode ser revogado. O legalismo
do século passado entendeu isto de modo restrito, reduzindo o direito à lei, enquanto norma posta pelo
legislador. No direito atual, o alcance da positivação é muito maior” (A ciência do direito, p. 41).
11
“O dever social da empresa traduz-se na obrigação que lhe assiste, de pôr-se em consonância com os interesses
da sociedade a que serve, e da qual se serve. As decisões que adota — como vimos — têm repercussão que
ultrapassa de muito seu objeto estatutário, e se projeta na vida da sociedade como um todo. Participa, assim,
o poder empresarial do interesse público, que a todos cabe respeitar. (...) O comportamento ético da empresa,
sua orientação no sentido da observância do interesse público, é, pois, um dever legal, já agora inscrito em
nosso direito positivo. Mas, entre a norma genérica, enunciada como ideal a ser atingido, e a prática da vida
empresarial vai distância que só a divulgação desses princípios, com a correlata ação do Estado, pode — e deve
— superar. É imprescindível e inadiável que, de par com a atenta fiscalização da salvaguarda desses princípios,
ou standards legais, os Poderes Públicos induzam as empresas à sua observância, seja nas leis fiscais, sociais,
ou societárias, seja no trato, ou nos contratos, que com elas mantêm no curso de sua atividade econômica”
(LAMY FILHO. A empresa: formação e evolução: responsabilidade social. In: SANTOS. Novos estudos de direito
comercial em homenagem a Celso Barbi Filho, p. 15-17).
12
“En efecto, la impotencia de las sociedades para enfrentarse con calamidades tan considerables que se yerguen
día a día, inducen a buscar la patriarcal ayuda del todopoderoso Estado, con lo que las consignas y las doctrinas
antiintervencionistas se tornan inútiles alegatos en el desierto” [Com efeito, a impotência das sociedades para
lidar com calamidades tão consideráveis que se erguem dia a dia, induzem a buscar a patriarcal ajuda do
todo-poderoso Estado, com o que os lemas e doutrinas anti-intervencionistas se torna inúteis manifestações
no deserto] (GOLDSTEIN. Intervención de sociedades. In: ENCICLOPEDIA JURÍDICA OMEBA, t. XVI, p. 689.
Tradução nossa).
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 171-204, out./dez. 2011
Fundamentos doutrinários e jurisprudenciais da tutela de intervenção judicial em sociedade empresária 175
1 O instituto no Brasil
1.1 O Esboço do Código Civil de Teixeira de Freitas
O Esboço do Código Civil de Teixeira de Freitas, ao tratar do “mandato
irrevogável” do sócio-administrador, admitiu sua revogação nos casos
em que sobreviesse a chamada “justa causa”. Todavia, mesmo quando
esta não fosse identificada, o texto do esboço permitia a destituição de
dirigente seguida da nomeação de administrador provisório sob certas
condições excepcionais. É o que se pode depreender da leitura do texto
do art. 3.116 daquele diploma:
13
Atente-se para o ensinamento de José Marcos Rodrigues Vieira, para quem o processo “deve fazer face,
concomitantemente, ao escopo social (pacificação) e ao escopo jurídico (Justiça, vale dizer, correção das
distorções entre incidência e aplicação do direito)” (Da ação cível, p. 75).
14
Dessa maneira, busca-se apreender o procedimento interventivo a partir de perspectiva que permita a
participação equitativa das partes envolvidas na demanda. Nessa linha, Aroldo Plínio Gonçalves elucida que
“a instrumentalidade técnica do processo, nessa perspectiva do direito contemporâneo, não poderia, jamais,
significar a técnica se desenvolvendo para se produzir a si mesma. A instrumentalidade técnica do processo
está em que ele se constitua na melhor, mais ágil e mais democrática estrutura para que a sentença que dele
resulta se forme, seja gerada, com a garantia da participação igual, paritária, simétrica, daqueles que receberão
os seus efeitos” (Técnica processual e teoria do processo, p. 171).
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 171-204, out./dez. 2011
176 Ricardo Padovini Pleti
15
FREITAS. Esboço do Código Civil, v. 2, p. 479.
16
“La intervención judicial de sociedades recibió en nuestro derecho la temprana atención del legislador en el
art. 1684 del Cód. Civil, norma sin antecedentes en el derecho comparado, inspirada en el Esboço de Freitas”
[A intervenção judicial de sociedades recebeu em nosso direito a pronta atenção do legislador no art. 1684
do Código civil, norma sem antecedentes no direito comparado, inspirada no Esboço de Freitas] (AGUIRRE.
Aspectos de la intervención judicial de sociedades comerciales. In: VÍTOLO (Dir.) et al. Cuestiones de derecho
societário: en homenaje a Horácio P. Fargosi, p. 219. Tradução nossa). Art. 1684 do Código Civil argentino:
“Habiendo peligro en la demora, el juez podrá decretar la remoción, luego de comenzado el pleito, nombrando
un administrador provisorio, socio o no” [Havendo perigo na demora, o juiz poderá decretar a remoção, logo
que começado o pleito, nomeando um administrador provisório, sócio ou não] (tradução nossa). Deve-se
acrescentar que não somente os juristas argentinos foram influenciados pelo Esboço do Código Civil de Teixeira
de Freitas, pois os elaboradores do Código Civil uruguaio e do Código Civil paraguaio também se abeberaram
do conteúdo desta obra brasileira para a confecção de seus diplomas legislativos.
17
Esta regra é aplicável também às sociedades limitadas, conforme demonstra José Waldecy Lucena: “De qualquer
modo, não poderá a sociedade ficar sem comando (princípio da administração necessária), sendo que, se não
ocorrentes as hipóteses acima mencionadas de preenchimentos dos cargos vagos, a acefalia será judicialmente
solucionada em procedimento de jurisdição voluntária, qual autoriza o art. 49, do CC/2002” (Das sociedades
por quotas de responsabilidade limitada, p. 479).
18
Nesse sentido, o Tribunal de Alçada de Minas Gerais negou pedido de nomeação de administrador provisório
fundado no art. 49 do CC/02 em sociedade empresária cujos sócios estavam em dissenso. Ao final do acórdão
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 171-204, out./dez. 2011
Fundamentos doutrinários e jurisprudenciais da tutela de intervenção judicial em sociedade empresária 177
concluíram os julgadores: “Ademais, é de se dizer que os fatos narrados na exordial não se configuram como
sendo de falta de administração da pessoa jurídica a incidir a norma disciplinada no art. 49 do CC/02. É que a
nomeação de que trata o referido artigo é apenas a de caráter emergencial, quando no caso concreto restar
demonstrado a inexistência de representante legal. O que não se vê in casu, quando há apenas divergências
entre os sócios acerca da melhor política administrativa para a empresa” (BRASIL. Tribunal de Alçada do Estado
de Minas Gerais. Apelação Cível n. 2.0000.00.439.722-4/000. Oitava Câmara Cível. Relator: Juiz Mauro Soares
de Freitas. Belo Horizonte, MG, 22 out. 2004. Diário do Judiciário de Minas Gerais, 5 nov. 2004).
19
“La falta de personas que desempeñen las funciones propias de los órganos de administración y fiscalización
de una S.A. define una situación de extrema gravedad para el ente societario que debe ser remediada por el
órgano jurisdiccional, pues se da el caso de acefalia o vacancia con los consiguientes perjuicios potenciales para
la sociedad, sin perjuicio de la hipotética responsabilidad en que podrían haber incurrido quienes, teniendo la
obligación de hacerlo, no procuraran los arbitrios necesarios que demandaba la situación puesta de relieve” [A
falta de pessoas que desempenhem as funções próprias dos órgãos de administração e fiscalização de uma S.A.
define uma situação de extrema gravidade para o ente societário que deve ser remediada pelo órgão jurisdicional,
pois se dá o caso de acefalia ou vacância com os consequentes prejuízos potenciais para a sociedade, sem
prejuízo da hipotética responsabilidade em que poderia haver incorrido quem, tendo a obrigação de fazê-lo,
não procurou as opções necessárias que demandava a situação posta em relevo] (GURDULICH. Intervención
judicial en las sociedades comerciales, p. 95. Tradução nossa).
20
Esta construção jurisprudencial não é despropositada, afinal, no direito argentino, dentre as causas autorizadoras
da nomeação de interventor (v.g. desinteligência entre sócios e ilícitos cometidos por administrador) está a
acefalia do diretório. BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Agravo de Instrumento n. 2004.00.2
003278-7. Sexta Turma Cível. Relator: Des. Jair Soares. Brasília, DF, 31 maio 2004. Diário da Justiça da União,
p. 66, 24 jun. 2004.
21
Georges Ripert relata a alternativa constante da jurisprudência francesa quanto à nomeação de administrador
provisório pela justiça: “Puede ocurrir que todos los administradores dimitan o que sea imposible reconstituir el
consejo como consecuencia de la oposición entre dos grupos de accionistas de igual fuerza. Como la sociedad
no puede vivir sin órganos de administración, los tribunales deberán nombrar un administrador provisional. El
juez de referee es el competente para estos nombriamentos” [Pode ocorrer que todos os administradores se
demitam ou que seja impossível reconstituir o conselho como consequência da oposição entre dois grupos de
acionistas de igual força. Como a sociedade não pode viver sem órgãos de administração, os tribunais deverão
nomear um administrador provisional. O juiz de primeiro grau é o competente para estas nomeações] (Tratado
elemental de derecho comercial, v. 2, p. 372. Tradução nossa).
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178 Ricardo Padovini Pleti
22
Observe-se, com Modesto Carvalhosa, que “o interesse social não é, pois, a somatória dos interesses individuais
de cada acionista, mas a transcendência desses mesmos interesses por um interesse comum a todos, definido no
objetivo empresarial específico da companhia e nos fins sociais que são comuns a todas elas, qual seja, a realização
do lucro” (CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 2, p. 402. Grifo do autor). Nesse
sentido, apontam tanto o interesse individual do sócio, quanto o interesse social como possíveis fundamentos
para a intervenção judicial em sociedade: PÉREZ PEÑA. Intervención judicial de sociedades comerciales, p. 85
et seq.; SANDOVAL. Intervención judicial de sociedades, p. 39 et seq. No entanto, acrescente-se que, mesmo
tendo-se em conta a distinção entre o interesse particular dos sócios (ou a somatória dos interesses destes) e
o interesse da sociedade, é possível dizer que, sempre que ilícitos forem perpetrados pelos administradores na
condução dos negócios sociais, resultarão lesados o interesse social (de forma direta) e os interesses individuais
dos sócios (por via indireta) concomitantemente. Contudo, sublinhe-se que a ingerência na empresa sempre
terá como principal finalidade proteger o interesse social (ARAZI. Medidas cautelares, p. 167).
23
A título exemplificativo, citem-se as seguintes decisões: BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação
n. 1994.001.01918. Terceira Câmara Cível. Relator Desembargador Elmo Arueira. Rio de Janeiro, RJ, 24 ago.
1995. Disponível em: <http://www.tj.rj.gov.br>. Acesso em: 5 maio 2006; BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul. Agravo de Instrumento n. 70.002.363.638. Sexta Câmara Cível. Relator Desembargador Cacildo
de Andrade Xavier. Porto Alegre, RS, 30 maio 2001. Diário da Justiça do Rio Grande do Sul, n. 2.166, 6 ago.
2001; e BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento n. 594.126.138. Quinta
Câmara Cível. Relator Des. Alfredo Guilherme Englert. Porto Alegre, RS, 23 fev. 1985. Disponível em: <http://
www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 5 maio 2006.
24
Exemplifique-se. A perspectiva liberal de não intromissão na esfera particular constitui barreira erigida contra
a intervenção judicial em sociedade. Mas embora não haja como, com base nessa posição, obstar a inserção
do instituto interventivo no direito brasileiro, pode-se colher importante advertência no que atine aos cuidados
necessários à sua realização, a saber: a necessidade de extrema parcimônia na concessão e na realização do
provimento. Logo, sendo a liberdade de empresa a regra, a intervenção deve acontecer sempre de forma
moderada e como meio excepcional, ou seja, que tem de ser proposto somente in extremis, como ultima
ratio, quando não existe outro meio idôneo para prevenir os riscos (BOTOS. Medidas cautelares, p. 366).
Este é, inclusive, um dos requisitos exigidos para a efetivação do procedimento interventivo na Argentina,
conforme assinala Ricardo Augusto Nissen, ao dizer: “La intervención judicial, como medida de excepción
actúa como el último resorte a disposición del socio, para evitar un daño inminente. Es el recurso que la ley
asigna al socio que, habiendo agotado los medios previstos, no ha logrado detener la ejecución del acto, ni
rectificar la conducta de los administradores” [A intervenção judicial, como medida de exceção, atua como
o último poder à disposição do sócio, para evitar um dano iminente. É o recurso que a lei concede ao sócio
que, havendo esgotado os meios previstos, não há logrado deter a execução do ato, nem retificar a conduta
dos administradores] (NISSEN et al. Panorama actual de derecho societário, p. 346. Tradução nossa).
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 171-204, out./dez. 2011
Fundamentos doutrinários e jurisprudenciais da tutela de intervenção judicial em sociedade empresária 179
Analisando o bojo dos autos verifica-se que não há como se deferir as liminares
pleiteadas. É que, em princípio, a intervenção judicial no conteúdo de certos
contratos e em sociedades privadas se dá apenas em caráter excepcional, sob
pena de se ferir o princípio da liberdade de contratar. Referida liberdade de
contratar, a livre determinação dos ajustes, a representação legítima do que
quiseram as partes, não pode sofrer ingerência do poder público, no sentido
de modificar o pactuado, bem como a forma de gestão da empresa.
Desta forma, prima facie verifica-se a ausência de um dos requisitos ensejadores
da cautela liminar, qual seja, a “fumaça do bom direito”.
Destarte, indefiro o pedido liminar.25
25
BRASIL. Vara Única da Comarca de Coromandel. Decisão interlocutória em ação cautelar inominada n.
19.302.006.167-0. Coromandel, MG, 7 jan. 2003. Autos da ação cautelar, fls. 182. Nessa mesma linha,
eis decisão do TJRS catalogada sob a seguinte ementa: “Sociedade comercial por cotas de responsabilidade
limitada. Dissolução parcial por morte de sócio e por direito de recesso. Administração das sociedades
comerciais. Remoção de sócio da gerência da sociedade e nomeação de administrador judicial por decisão do
juiz. Interferência indevida do Estado no funcionamento de empresa privada. A Assembléia Geral é o órgão
da sociedade que tem poderes para decidir sobre todos os negócios e interesses sociais, cuja competência é
privativa para eleger e destituir seus administradores, e, assim, para deliberar pela dissolução e liquidação. O
juiz não pode substituir-se ao órgão de funcionamento da empresa para destituir sócio da gerência e nomear
administrador em seu lugar, pois que tal função é reservada interna corporis, sendo vedada a interferência
estatal dessa natureza na sociedade, a teor do artigo 5, XVIII, da Constituição Federal. Recurso Provido” (BRASIL.
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento n. 598.193.829. Quinta Câmara Cível. Relator:
Des. Clarindo Favretto, Porto Alegre, RS, 22 out. 1998. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em:
5 maio 2006). Ressalte-se que, o dispositivo constitucional mencionado nesta ementa refere-se às associações
e cooperativas, nas quais está vedada, de fato, “a interferência estatal em seu funcionamento”. Ora, o princípio
geral de hermenêutica jurídica ubi lex voluit dixit, ubi noluit tacuit (onde a lei quis, prescreveu; onde não quis,
silenciou), permite abstrair que não se pode admitir interpretação extensiva a partir de preceito proibitivo, tal
como se fez ao estender aquele impedimento constitucional às sociedades empresárias. Tanto é assim que a
interferência estatal nesta espécie de pessoas jurídicas está prevista em inúmeras hipóteses legais do direito
brasileiro (v.g., art. 69 da Lei Antitruste)” (MAXIMILIANO. Hermenêutica e aplicação do direito, p. 198).
26
Ressalve-se, desde já, que, aqui, em nada se discorda da supramencionada opinião judicial no sentido de
que a interferência do Estado nas relações entre os particulares (ex. contrato de sociedade) deve ocorrer
por via de exceção. Conforme será colocado mais adiante, o que realmente se refuta é o fato dos casos de
fraudes cometidas por administradores não serem considerados como hipóteses que autorizam a excepcional
intermediação do magistrado.
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180 Ricardo Padovini Pleti
prática nociva dos administradores, isto não seria suficiente para autorizar
a interferência na administração societária, vez que faltaria amparo legal
a tais interesses.
Em posição consentânea ao citado decisum, Paulo de Lorenzo
Messima e Paula A. Forgioni elencam julgado do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo que recusou a tutela interventiva. Ao analisarem-no,
informaram que os magistrados se orientaram “pelo princípio da
indelegabilidade dos poderes, que impede a qualquer terceiro estranho
(ainda que nomeado pelo juízo), exercer os poderes conferidos por lei aos
órgãos de administração da sociedade”.27 Em seguida, os autores assumem
postura expressamente contrária à aplicação do provimento interventivo,
entendendo-o como medida não admitida pelo direito brasileiro.
José Xavier Carvalho de Mendonça, invocando dispositivos legais
do direito anterior, mas vigentes à época de sua manifestação,28 sustentou
que “a revogação ou destituição dos administradores cabe somente à
assembléia geral” e, com base nessa assertiva, asseverou que “o Poder
Judiciário não pode intrometer-se nesse ato”.29
Ernane Fidélis dos Santos também está entre aqueles que negam
a possibilidade de ingerência do Judiciário na administração de pessoa
jurídica, ao mencionar o seguinte acórdão do extinto Tribunal de Alçada
de Minas Gerais:
27
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo de Instrumento n. 6.962-4/8-00. Sexta Câmara de
Direito Privado. Relator: Des. Ernani de Paiva. São Paulo, SP, 9 maio 1996. In: MESSIMA; FORGIONI. Sociedades
por ações: jurisprudência, casos e comentários, p. 53.
28
O autor relaciona o art. 97, §2º, do Decreto nº 434/1891 e o art. 41, §2º, do Decreto nº 8.821/1882, os
quais, naquela época, já haviam sido substituídos pelo art. 87, parágrafo único, alínea a, do Decreto-lei nº
2.627, de 26 de setembro de 1940 (Sociedades por Ações) que assim dispunha: “Art. 87. A assembléia geral
tem poderes para resolver todos os negócios relativos ao objeto de exploração da sociedade e para tomar as
decisões que julgar convenientes à defesa desta e ao desenvolvimento de suas operações. Parágrafo único.
É da competência privativa da assembléia geral: a) nomear e destituir os membros da Diretoria, do Conselho
Fiscal ou de qualquer outro órgão criado pelos estatutos” (MENDONÇA. Tratado de direito comercial brasileiro,
v. 4, p. 346).
29
MENDONÇA. Tratado de direito comercial brasileiro, v. 4, p. 52. Acompanham este entendimento: VAMPRÉ.
Tratado elementar de direito commercial, p. 278; e FERREIRA. Tratado de direito comercial, p. 464.
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Fundamentos doutrinários e jurisprudenciais da tutela de intervenção judicial em sociedade empresária 181
30
BRASIL. Tribunal de Alçada de Minas Gerais. Agravo de Instrumento n. 201.152-7. Sétima Câmara Cível. Relator:
Juiz Quintino do Prado. Belo Horizonte, MG, 28 nov. 1995. Disponível em: <http://www.tjmg.gov.br>. Acesso
em: 5 maio 2006 apud SANTOS. Novíssimos perfis do processo civil brasileiro, p. 30. Apesar de posicionamento
citado referir-se à associação e não à sociedade comercial, ele reflete muito bem o entendimento daqueles que
se opõem à interferência do judiciário na condução dos negócios particulares, sobretudo na administração de
pessoas jurídicas de direito privado. Destaque-se, porém, que esse processualista, a despeito de ter manifestado
este posicionamento acerca da nomeação de terceiro para administrar associação, em outro de seus trabalhos,
reconhece a crescente tendência de intervenção do Estado na vida privada ao estatuir que “o Estado liberal
moderno sente a necessidade, cada vez mais acentuada, de intervir nos negócios jurídicos dos particulares e
em determinadas situações jurídicas a eles afetas” (SANTOS. Manual de direito processual civil, p. 15).
31
José Xavier Carvalho de Mendonça comprova a origem remota da concepção liberal ao expor, em nota de
rodapé, a seguinte ementa: “Ao Poder Judiciário não cabe a destituição dos administradores de sociedade
das sociedades anonymas, funcção privativa da assembléia geral. (Sentença do Juiz da 3ª Vara Commercial,
confirmada pela 1.ª Câmara da Côrte de Apelação em acórdão de 16 de setembro de 1909, na Revista de
Direito, v. 16, p. 259-261)” (MENDONÇA. Tratado de direito comercial brasileiro, v. 4, p. 52).
32
Ante o caráter notadamente coevo e pragmático do tema “intervenção judicial em sociedade empresária”,
preferiu-se, ao invés de oferecer uma evolução histórica ampla e iniciada em um passado remoto — com
origem, por exemplo, na intervenção do Estado na economia ou na esfera privada — perfilhar sua origem a
partir de bases jurídicas mais recentes, as quais provém da jurisprudência e da doutrina nacionais.
33
Cf. PEREIRA. Medidas urgentes no direito societário. Neste trabalho, pioneiro em relação à abordagem específica
da intervenção no Direito Brasileiro, o autor fundamenta em manifestações doutrinárias e jurisprudenciais
a possibilidade de intervenção judicial em sociedade e classifica esta medida como uma dentre as várias
manifestações das medidas urgentes no Direito Societário.
34
Sob o amparo desta orientação, procedeu-se, por exemplo, à intervenção na Indústria Cataguases de Papel
Ltda. tal como comprova o seguinte pronunciamento do magistrado expedidor da decisão: “O processo civil
contemporâneo é conhecido como processo de resultados, em que se verifica a preocupação de garantir uma
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182 Ricardo Padovini Pleti
maior satisfação do jurisdicionado com a prestação da tutela jurisdicional, que deve ser efetiva e adequada
para permitir uma verdadeira proteção às posições jurídicas de vantagem lesadas ou ameaçadas e oferecer
justiça na eliminação dos conflitos. O formalismo do processo não pode se sobrepor às medidas efetivas que
possam pacificar e solucionar os conflitos dentro de um prazo razoável, sob pena de a morosidade abalar o
crédito do Poder Judiciário” (BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região. Decisão Interlocutória na
Ação Cautelar Inominada n. 2003.51.03.001160-6 (preparatória de Ação Civil Pública). Segunda Vara Federal
da Comarca de Campos. Juiz José Arthur Diniz Borges. Campos, RJ, 26 maio 2003. Disponível em: <http://
www.trf2.gov.br>. Acesso em: 5 maio 2006).
35
Aroldo Plínio Gonçalves explica que “uma técnica é valorada segundo sua idoneidade para a realização de suas
finalidades. Será uma boa ou má técnica, conforme seja hábil a cumprir os seus fins, ou conforme se revele
ineficaz para esse objetivo” (Técnica processual e teoria do processo, p. 169).
36
Osmar Brina Corrêa-Lima chama a atenção para a necessidade de ampliação dos mecanismos de salvaguarda dos
interesses dos sócios minoritários ao expor que “só a proteção eficaz ao acionista minoritário (não controlador)
poderia encorajar e atrair para o mercado de valores mobiliários os milhares de pequenos investidores,
promovendo o fortalecimento da empresa privada e beneficiando o empresariado” (O acionista minoritário
no direito brasileiro, p. 132).
37
Assinale-se que a dedicação de maior respeito aos ditames da “função social da empresa” consubstancia uma
das principais propensões do direito societário contemporâneo. Nesse sentido, Osmar Brina Corrêa-Lima: “Uma
outra tendência, que percebo no Direito Societário é a de uma ênfase crescente na função social da empresa.
Esta parece ser a tendência mais marcante” (Tendências atuais do direito societário, p. 8).
38
Acrescente-se que a superação do desmesurado rigorismo formal do processo em favor de seu caráter
instrumental, com o escopo de serem atingidos os verdadeiros objetivos da função jurisdicional (composição
adequada do litígio), configura-se como uma das orientações da Ciência Processual contemporânea, tal como
enuncia a sempre citada máxima de Chiovenda: “(...) il processo deve dare per quanto possibile praticamente a
chi há um diritto tutto quello e próprio quelo ch’egli há diritto di consiguire” [o processo deve dar na medida do
que for praticamente possível a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de
obter] (CHIOVENDA. Dell’azione nascente dal contratto preliminare, n. 3, esp. In: CHIOVENDA. Saggi di diritto
processuale civile, p. 110. Tradução nossa). Ao comentar esta lição, Cândido Rangel Dinamarco declara que
“aqui está a síntese de tudo. É preciso romper preconceitos e encarar o processo como algo que seja realmente
capaz de ‘alterar o mundo’, ou seja, de conduzir as pessoas à ‘ordem jurídica justa’. A maior aproximação
do processo ao direito, que em tempos atuais é uma vigorosa tendência metodológica das ciências jurídicas,
exige que o processo seja posto a serviço do homem, com o instrumental e as potencialidades de que dispõe,
e não o homem a serviço de sua técnica” (A instrumentalidade do processo, p. 365). Desta maneira, tem-se
a intervenção judicial em sociedade empresária como manifestação específica desta tendência no campo do
Direito Societário, pois a mesma atua como medida de urgência capaz de resguardar, eficazmente, tanto os
interesses dos sócios como os interesses da sociedade ante a existência de desvios na administração social
(PEREIRA. Medidas urgentes no direito societário, p. 220).
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184 Ricardo Padovini Pleti
prático equivalente ao do adimplemento. (...) §5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do
resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias
tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas,
desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial”
(Lei nº 5.869/73 – Código de Processo Civil).
45
Faça-se, aqui, um paralelo entre a tutela específica e a tutela cautelar a partir da leitura da ementa do seguinte
acórdão: “Processo Cautelar. Intervenção em empresa. Cabimento e oportunidade de medida cautelar de
intervenção na administração de empresa para assegurar a prática do ato de transferência de ações em favor
do adquirente. Ordem Denegada” (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Mandado de Segurança
n. 590.074.936, Quinta Câmara Cível. Relator: Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Porto Alegre, RS, 20 dez. 1990.
Jurisprudência do TJRS [C-CÍVEIS], 1991. v. 2, t. 15). Nesta demanda, poderia ter sido utilizada a execução
específica disponibilizada pelo art. 461 do CPC para que fosse efetivado o cumprimento da respectiva obrigação
ao invés da tutela cautelar.
46
PEREIRA. Medidas urgentes no direito societário, p. 222.
47
PEREIRA. Medidas urgentes no direito societário, p. 235-236. Nesse diapasão, este autor assevera que “geralmente
há controvérsia sobre a legalidade ou legitimidade da nomeação de um administrador por deliberação social.
Estas hipóteses, por vezes, autorizam a nomeação de administrador provisório, que deve ou pode recair em um
terceiro que não seja parte no processo. Esta também pode parecer uma medida tipicamente cautelar, já que
apenas asseguraria a realização do direito, não o realizando de imediato. Não é esta, contudo, a natureza desta
medida. (...) Quem quer a destituição de um diretor de uma sociedade anônima — através da suspensão da
eficácia da deliberação que o nomeou — e a obtém liminarmente não apenas assegura a realização do direito,
mas o realiza por antecipação, satisfazendo desde já, parcialmente ou não, a pretensão principal”.
48
PEREIRA. Medidas urgentes no direito societário, p. 237.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 171-204, out./dez. 2011
Fundamentos doutrinários e jurisprudenciais da tutela de intervenção judicial em sociedade empresária 185
49
PEREIRA. Medidas urgentes no direito societário, p. 237.
50
PEREIRA. Medidas urgentes no direito societário, p. 221.
51
Após citar algumas posições doutrinárias e jurisprudenciais, Luiz Fernando Casagrande Pereira conclui pela
possibilidade de intervenção judicial em sociedade privada, mas afirma que “o assunto, no entanto, não
tem a naturalidade que lhe é atribuída pela escassa doutrina e não tão rara manifestação jurisprudencial”,
de modo que “o espaço dedicado ao tema, no entanto, vai de algumas linhas a poucas páginas, o que
definitivamente não atende à importância e seriedade com que o tema deve ser tratado” (Medidas urgentes
no direito societário, p. 207).
52
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Apelação Cível n. 26793-3/188. Terceira Câmara Cível. Apelante:
Anthelio Borges dos Santos Júnior. Apelados: Ricardo Camilo Câmara e outros. Relator Desembargador Lafaiete
Silveira. Goiânia, GO, 22 out. 1992. Diário do Judiciário, n. 1.1470, 10 dez. 1992, livro 303. Esse acórdão
configura espécie de intervenção procedida indevidamente, em razão de ter sido nomeado como administrador
provisório pessoa com vínculos comerciais com uma das partes e contrariando critérios que já haviam sido
estabelecidos pelo TJGO.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 171-204, out./dez. 2011
186 Ricardo Padovini Pleti
53
Assinale-se que, semelhantemente ao percurso que está a ser esboçado no sistema jurídico brasileiro, o Direito
Argentino outrora passou pela mesma fase de recepção doutrinária e jurisprudencial, até atingir a adequada
regulamentação legal do provimento interventivo. É o que expõe Ricardo Augusto Nissen ao abordar o regime
anterior à Lei nº 19.550 (Lei de Sociedades Comerciais): “En las disposiciones del Código de Comercio, no se
encontraban normas específicas, ni disposiciones concretas, que configuraran el instituto, ni que admitieran
el régimen de intervención judicial en las sociedades comerciales. Sin embargo, en doctrina y jurisprudencia,
se sostuvo la posibilidad de que, por decisión judicial, se procediera a decretar la sustitución del órgano de
administración de la sociedad mediante la aplicación de normas de derecho común, pero siendo su interpretación
sumamente restrictiva, ya que se efectuaba por extensión de un conjunto de normas, aplicables supletoriamente”
[Nas disposições do Código de Comércio, não se encontravam normas específicas, nem disposições concretas,
que configuraram o instituto, nem que admitiram o regime de intervenção judicial nas sociedades comerciais.
Apesar disso, na doutrina e jurisprudência, se sustentava a possibilidade de que, por decisão judicial, se poderia
decretar a substituição do órgão de administração da sociedade mediante a aplicação de normas de direito
comum, sendo, contudo sua interpretação sumamente restritiva, já que se efetuava por extensão de um
conjunto de normas, aplicáveis supletivamente] (NISSEN et al. Panorama actual de derecho societário, p. 339.
Tradução nossa). Neste ponto, convém mencionar a referência feita por Hernani Estrella a julgado de 20 de
agosto de 1892 que declarou que “a busca e apreensão judicial é o meio legítimo para compelir a diretoria
destituída a abrir mão do mandato revogado” em litígio no qual os administradores removidos recusavam-se
a desocupar os seus cargos e devolver os respectivos bens e livro da sociedade. Além disso, J. Xavier Carvalho
de Mendonça, muito embora expressamente discorde da destituição de administradores pelo Poder Judiciário,
propõe e fornece resposta à seguinte questão: “se, destituídos pela assembléia geral, os ex-administradores
se mantêm e não entregam os livros, bens e ativo da sociedade aos sucessores, qual o recurso legal? Aos
novos administradores é lícito reclamar a intervenção judicial. O juiz, para segurança e manutenção do direito
dos administradores, pode, a requerimento destes e depois de bem informado, expedir administrativamente
mandado para a apreensão judicial dos bens, livros e papéis. Não se pode negar ao juiz o direito de apreciar
si et in quantum a legalidade do ato da assembléia e do procedimento dos ex-administradores. Trata-se de
processo simplesmente conservatório de direitos”. Todavia, apesar de demonstrarem a origem jurisprudencial
do expediente interventivo, estas manifestações tratam de execução de destituição extrajudicial decorrente de
disposição emanada da Assembleia-Geral de acionistas e não de autêntica intervenção judicial em sociedade,
uma vez que a destituição não decorre diretamente de ordem do juiz. Cf. ESTRELLA. Sociedade Anônima: ação
possessória contra administradores destituídos: medida exercitável pela sociedade em lugar da imissão de posse
por parte dos novos diretores: problemas. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro; e
MENDONÇA. Tratado de direito comercial brasileiro, 1964. v. 4, p. 52-53.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 171-204, out./dez. 2011
Fundamentos doutrinários e jurisprudenciais da tutela de intervenção judicial em sociedade empresária 187
54
LACERDA. Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 796 a 812, v. 8, t. I, p. 170. No mesmo sentido:
RODRIGUES FILHO. Do processo cautelar, p. 50.
55
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento n. 29.769. Quarta Câmara
Cível. Relator: Des. Sérgio Pilla da Silva Porto Alegre, RS, 2 ago. 1978. Revista de Jurisprudência do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ano XIV, n. 73, t. I, p. 398, abr. 1979.
56
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento n. 585.018.450. Primeira Câmara
Cível. Relator: Des. Túlio Medina Martins. Porto Alegre, RS, 11 jun. 1985. In: EIZIRIK. Sociedades anônimas:...,
p. 432. Embora com a venda das ações fosse possível alegar que os requerentes da medida cautelar não eram
mais sócios, tal conclusão seria precipitada, pois a possível desconstituição do negócio permitiria que aqueles
retornassem àquela condição, o que lhes atribuiu legitimidade para evitar a periclitação do patrimônio social.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 171-204, out./dez. 2011
188 Ricardo Padovini Pleti
57
BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento n. 5.399. Segunda Câmara Cível.
Florianópolis, SC, 12 jun. 1990. In: BUSSADA. Medidas cautelares interpretadas pelos tribunais, v. 3, p. 2003.
58
BRASIL. Tribunal de Alçada de Minas Gerais. Despacho no Agravo de Instrumento de n. 399.003-0. Câmara
Especial de Férias. Relator: Juiz Batista Franco. Belo Horizonte, MG, 7 jan. 2003. Diário do Judiciário de Minas
Gerais, 25 jun. 2003.
59
Uma vez eleita a modalidade cautelar como objeto de análise deste trabalho, a alusão a estas outras duas
modalidades dar-se-á de forma meramente ilustrativa, apenas com o escopo de enriquecer a compreensão
da, ainda embrionária, evolução do provimento interventivo no direito brasileiro.
60
Cf. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo de instrumento n. 108.693-4/3-00. Segunda
Câmara de Direito Privado. Relator: Des. Cezar Peluso. São Paulo, SP, 3 ago. 1999. Diário Oficial do Estado de
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 171-204, out./dez. 2011
Fundamentos doutrinários e jurisprudenciais da tutela de intervenção judicial em sociedade empresária 189
São Paulo, 19 ago. 1999. No mesmo sentido: BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Agravo
de Instrumento n. 2003.002.17987. Oitava Câmara Civil. Relatora: Des. Helena Beckor. Rio Bonito, RJ, 25 maio
2004. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, 4 jun. 2004; BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro. Agravo de Instrumento n. 2002.002.02124. Décima Quinta Câmara Civil. Relator: Des. Sérgio Lúcio
Cruz. Rio de Janeiro, RJ, 13 mar. 2000. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, 19 mar. 2002; e BRASIL.
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Agravo de Instrumento n. 2000.002.06389. Oitava Câmara
Civil. Relator: Des. Paulo Lara. Rio de Janeiro, RJ, 7 nov. 2000. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, 17
nov. 2000.
61
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Agravo de Instrumento n. 1999.002.05671, Décima Quarta
Câmara Cível. Relator: Des. Mauro Nogueira, Rio de Janeiro, RJ, 19 out. 1999. Diário Oficial do Estado do Rio
de Janeiro, 8 nov. 1999.
62
BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento n. 1998.014955-0. Quarta Câmara Civil.
Relator: Des. Nelson Schaefer Martins. Florianópolis, SC, 10 fev. 2000. Diário da Justiça de Santa Catarina, n.
10.418.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 171-204, out./dez. 2011
190 Ricardo Padovini Pleti
63
BRASIL. Tribunal de Alçada de Minas Gerais. Despacho no Agravo de Instrumento de n. 399.003-0. Câmara
Especial de Férias. Relator: Juiz Batista Franco. Belo Horizonte, MG, 7 jan. 2003. Diário do Judiciário de Minas
Gerais, 25 jun. 2003. Grifos nossos.
64
Transcreva-se parte da ementa do respectivo acórdão: “Medida cautelar inominada – Anulação de Assembléia
de sociedade civil – Acordo – Convocação de nova eleição – Irregularidades apontadas – Nomeação de
Interventor Judicial – Necessidade demonstrada, em observância ao artigo 5º, do Decreto-Lei n. 4.657/42, e
461, do Código de Processo Civil – Intervenção justificada, inclusive, com o advento do relatório formulado
pelo Interventor – Irregularidades comprovadas – Recurso improvido” (BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo.
Agravo de Instrumento de n. 104.931-4/1. Nona Câmara de Direito Privado. Relator: Des. Silva Rico. São Paulo,
SP, 23 fev. 1999. Diário Oficial do Estado de São Paulo, 11 mar. 1999).
65
BRASIL. Tribunal de Justiça de Roraima. Ação cominatória de obrigação de fazer n. 001005122338-5. Quarta
Vara Cível da Comarca de Boa Vista. Juiz Délcio Dias Feu. Boa Vista, RR, 25 nov. 2005. Diário do Poder Judiciário
de Roraima, ano VIII, 3.254, p. 15.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 171-204, out./dez. 2011
Fundamentos doutrinários e jurisprudenciais da tutela de intervenção judicial em sociedade empresária 191
José Arthur Diniz Borges constatou que, até então, não havia qualquer
notícia do cumprimento do termo de ajustamento de conduta. Desse modo,
restou demonstrado o descaso dos empresários para com o Poder Judiciário,
ensejando o cumprimento específico das medidas pactuadas naquele acordo
(exemplo: reparação dos danos causados ao meio ambiente).66
66
Cf. BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região. Decisão Interlocutória na Ação Cautelar Inominada n.
2003.51.03.001160-6 (preparatória de Ação Civil Pública). Segunda Vara Federal da Comarca de Campos. Juiz
José Arthur Diniz Borges. Campos, RJ, 26 maio 2003. Disponível em: <http://www.trf2.gov.br>. Acesso em: 5
maio 2006. Embora nesta decisão o juiz não tenha invocado o art. 461 do CPC, a forma de efetivação da tutela
jurisdicional prestada propõe-se como plenamente compatível com o procedimento realizado neste caso.
67
RODRIGUES FILHO. Suspensão cautelar e afastamento de gerente e sociedade por quotas. Revista Brasileira
de Direito Processual, p. 92.
68
RODRIGUES FILHO. Suspensão cautelar e afastamento de gerente e sociedade por quotas. Revista Brasileira
de Direito Processual, p. 92. Sob este mesmo enfoque, é bastante oportuno fazer alusão ao posicionamento
do professor lusitano Antônio Caeiro que, mesmo admitindo a viabilidade da nomeação de administrador
provisório, não deixa de tecer a consideração de que o interesse social pode ficar satisfeito apenas com a
suspensão ou destituição do sócio dos poderes da gerência (Temas de direito das sociedades, p. 86).
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192 Ricardo Padovini Pleti
69
SANCHES. O poder cautelar geral. Revista dos Tribunais, p. 17. No mesmo sentido, GRECO FILHO. Curso de
direito processual civil brasileiro, v. 3, p. 156.
70
LUCENA. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, p. 509.
71
ABRÃO. Sociedades por quotas de responsabilidade limitada, p. 91.
72
THEODORO JÚNIOR. Curso de direito processual civil, v. 2, p. 348.
73
LACERDA. Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 796 a 812, v. 8, t. I, p. 169.
74
SILVA. Comentários ao CPC, p. 140. Em outra de suas obras, este autor também faz referência à possibilidade
de veiculação de ação cautelar para a remoção de administrador de empresas comerciais ao enunciar que
“várias, também aqui, serão as hipóteses em que se controverta sobre a legitimidade da investidura de órgãos
administrativos das empresas, quer porque contra estes se pretenda propor ação visando à anulação das
assembléias que os elegeram, quer porque penda já, ou se prepare, demanda de destituição de administradores
com base em conduta lesiva aos interesses sociais e a estes imputada, sendo, nessas hipóteses, plenamente
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 171-204, out./dez. 2011
Fundamentos doutrinários e jurisprudenciais da tutela de intervenção judicial em sociedade empresária 193
compreensível a necessidade de intervenção enérgica do magistrado, para segurança dos direitos cuja proteção
se demanda na ação cautelar” (SILVA. A ação cautelar inominada no direito brasileiro, p. 431). No mesmo
sentido: RODRIGUES FILHO. Do processo cautelar, p. 53.
75
PINTO FERREIRA. Medidas cautelares, p. 222. Também PEREIRA. Medidas urgentes no direito societário, p.
206. Segundo o autor, “é também possível a suspensão cautelar de direitos do administrador, quando a
diretoria em seu conjunto, ou o diretor administrador em particular, pretende beneficiar-se ou locupletar-se
em prejuízo da sociedade, ou usurpar tais funções em eleição ilegal. À cautela concedida, provisoriamente,
pelo juiz, deve seguir-se a ação principal de destituição, de dissolução de sociedade, etc. Tal medida cautelar
pode ser utilizada evidentemente contra quaisquer administradores de bens, sociais ou individuais”.
76
FONSECA. Dissolução parcial, retirada e exclusão de sócio, p. 176. Ao elencar as medidas cautelares cabíveis
nas ações de dissolução parcial, de apuração de haveres e de exclusão de sócios, esta autora menciona “a
nomeação de interventor para fiscalizar a sociedade enquanto tenha curso a ação de dissolução parcial,
evitando que, durante esse interregno, possam os sócios remanescentes malversar os recursos da sociedade,
dissipar os bens integrantes do ativo, forjar dívidas inexistentes, alterar a contabilidade, conduzir a sociedade
a uma fictícia situação de insolvência, tudo com o escopo de minimizar ao máximo o valor das cotas tituladas
pelo dissidente, ou mesmo frustrar o pagamento da importância correspondente ao reembolso do capital do
sócio que se afasta da sociedade”.
77
COMPARATO. O poder de controle na sociedade anônima, p. 78.
78
COMPARATO. O poder de controle na sociedade anônima, p. 78.
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194 Ricardo Padovini Pleti
Por fim, Luiz Fernando Casagrande Pereira afirma que, tal qual todos
os provimentos urgentes deferidos anteriormente à reforma do Código,
“também a destituição e a nomeação de um administrador judicial, ou
administrador provisório, foram sempre classificadas como cautelares”.80
Contudo, relata que, após a reforma do Código de Processo Civil, passou-se
a admitir a nomeação de administrador provisório para dar cumprimento
à decisão judicial inadimplida por dirigente de sociedade comercial.81
Esse pronunciamento permite retomar a reflexão sobre a existência
de outros prováveis caminhos procedimentais para a viabilização do
provimento interventivo (exemplos: tutela antecipatória e tutela específica
de obrigação de fazer ou não fazer). É o que se discute agora.
79
BARBI FILHO. Dissolução parcial de sociedades limitadas, p. 419.
80
PEREIRA. Medidas urgentes no direito societário, p. 207.
81
Cf. PEREIRA. Medidas urgentes no direito societário, p. 208; e WATANABE. Tutela antecipatória e tutela específica
das obrigações de fazer e não fazer. In: TEIXEIRA (Coord.). Reforma do Código de Processo Civil, p. 45.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 171-204, out./dez. 2011
Fundamentos doutrinários e jurisprudenciais da tutela de intervenção judicial em sociedade empresária 195
82
Curioso notar que o mecanismo da antecipação da tutela tem sido aplicado, erroneamente, para a nomeação
de administrador provisório (interventor) para a sociedade quando a lide objetiva, por exemplo, a prestação
de contas de determinada administração. Nesse sentido, o Tribunal de Alçada de Minas Gerais reformou,
corretamente, decisão de juízo do primeiro grau que concedeu liminar de intervenção judicial em sociedade
empresária: “Agravo de instrumento. Liminar em ação de prestação de contas. Pedido de antecipação de tutela.
Pretensão de destituir diretoria, nomear o autor e bloquear contas. Impossibilidade, já que o pedido há de ser
compatível com o procedimento judicial pedido na ação. Recurso Provido para desvalidar a liminar concedida.
A ação de Prestação de Contas, como já asseverado, dentro dos seus limites, presta-se ao esclarecimento
de certas situações resultantes da administração de bens alheios, não sendo meio hábil para se proceder à
apuração de pretensas irregularidades ocorridas na administração da sociedade. Impossível e inadmissível
antecipar, na Ação de Prestação de Contas, a destituição da Diretoria a que se pede a prestação de contas.
A tutela jurisdicional antecipada há de ter exata pertinência ou adequação com o provimento judicial pedido
na ação. A tutela antecipada não pode ter lugar no procedimento especial em questão, posto resultar este
em provimento judicial que, na primeira fase, apenas declara a obrigação ou não, de prestar contas” (BRASIL.
Tribunal de Alçada de Minas Gerais. Agravo de Instrumento n. 2.0000.00.365104-7/000. Primeira Câmara
Civil. Relator: Juiz Osmando Almeida, Belo Horizonte, MG, 30 out. 2002. Diário do Judiciário de Minas Gerais,
18 maio 2002). No mesmo sentido: BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Apelação Cível
n. 1997.001.08166. Sétima Câmara Civil. Relatora: Des. Áurea Pimentel Pereira. Rio de Janeiro, RJ, 3 mar.
1998. Disponível em: <http://www.tj.rj.gov.br>. Acesso em: 5 maio 2006. Observe-se, ademais, que a tutela
antecipatória, em virtude de sua natureza satisfativa, jamais se prestará a uma substituição perene do dirigente
societário, haja vista que tal ação constituiria inaceitável intromissão na esfera de direitos individuais dos sócios,
a quem a lei confere o direito de eleger os representantes da pessoa jurídica. Deste modo, somente cabe a
antecipação da tutela quando um dos pedidos for a nomeação de interventor, que administre a sociedade
temporariamente, na condição de gerenciador provisório das atividades empresariais (PEREIRA. Medidas
urgentes no direito societário, p. 235).
83
DINAMARCO. O regime jurídico das medidas urgentes. Revista do Tribunal de Justiça de Rondônia.
84
Sobre a remoção antecipatória de administrador, assim se posiciona Luiz Fernando Casagrande Pereira:
“Desde já é possível imaginar, sem pretensão de se esgotar as hipóteses concretas, duas situações fáticas que
ensejam a destituição de administrador. A primeira, já abordada, em que se controverte sobre a legalidade da
nomeação do administrador. Há vícios no ato de nomeação, há vícios na deliberação societária de nomeação.
É possível propor, então, a suspensão desta deliberação societária de nomeação irregular de administrador. O
que se quer ao final é a anulação da deliberação de nomeação — pretensão desconstitutiva — com ordem
à sociedade para que se suspenda a eficácia da deliberação atacada, atuada através de interventor judicial
provisório — pretensão executiva/mandamental. (...) A segunda situação fática que enseja a destituição de
administrador não é propriamente decorrente de irregularidades no ato de nomeação — como na hipótese
acima —, mas irregularidade no processo de gestão do administrador. Naquela, a irregularidade consta da
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 171-204, out./dez. 2011
196 Ricardo Padovini Pleti
Tem-se, por exemplo, que a intervenção judicial é medida atípica que também
pode vir a ser adotada com base no art. 461, §5º. Nos casos em que o bem imóvel
abriga uma estrutura organizacional com amplitude e complexidade tais, que
não é possível sua entrega imediata (é preciso retirar equipamentos de difícil
desmonte e remoção ou matérias-primas que envolvam riscos, remanejar pessoal
etc.), o prazo para entrega voluntária do bem precisará obviamente ser amplo.
No entanto, há o risco de o réu aproveitar-se disso para apenas ganhar tempo,
não cumprindo o mandado de entrega. Nessa hipótese, seria razoável que o juiz
incumbisse alguém de fiscalizar a atuação do réu, atribuindo à tal longa manus
seus poderes suficientes para que possa verificar se o réu tem efetivamente
adotado medidas para a desocupação do imóvel. Não é de descartar que, uma
vez constatado que o réu não está tomando tais providências, o juiz nomeie um
interventor apto a diretamente interferir na administração da estrutura interna
do réu de modo que a ocupação ocorra.85
deliberação societária de nomeação; nesta, a nomeação é regular e válida, pois o vício nasce apenas com a
gestão societária. Aqui também apenas a destituição resolve, sem a alternativa de satisfação, apenas com
‘ordem’ ao administrador questionado” (Medidas urgentes no direito societário, p. 236-237).
85
TALAMINI. Tutela relativa aos deveres de fazer a não fazer e sua extensão aos deveres de entrega de coisa,
p. 472. Com este mesmo foco, o autor afirma, em outra de suas obras, que “parece claro que o juiz brasileiro
pode, agora, utilizar técnicas sub-rogatórias orientadas, a exemplo daquelas já mencionadas do direito norte-
americano, para investir terceiros, especificamente designados para tanto, de poderes suficientes a servir de
longa manus do órgão jurisdicional, permitindo uma substituição adequada e eficaz da atividade do devedor
pela desse órgão, de maneira que ele possa cumprir e fazer cumprir quaisquer prestações, inclusive, as mais
complexas e de caráter continuativo, que caberiam ao devedor realizar” (Tutelas mandamental e executiva lato
sensu e antecipação de tutela ex vi do artigo 461, §3º, do CPC. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.).
Aspectos polêmicos da antecipação de tutela, p. 165).
86
DINAMARCO. Execução de liminar em mandado de segurança: desobediência: meios de efetivação da liminar.
Revista de Direito Administrativo, p. 396. No mesmo sentido, Eduardo Alexandre Young Abrahão admite como
plausível “a nomeação de administrador para que sejam implementadas decisões relativas a questões que dizem
respeito à vida interna de sociedades comerciais” (ABRAHÃO. Aspectos da tutela jurídica da obrigação de fazer
e sua aplicação no âmbito empresarial. In: HENTZ (Coord.). Obrigações no novo direito da empresa, p. 23).
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 171-204, out./dez. 2011
Fundamentos doutrinários e jurisprudenciais da tutela de intervenção judicial em sociedade empresária 197
87
MARINONI. Tutela inibitória e tutela de remoção do ilícito. Jus Navigandi. Além disso, este autor também se
manifesta sobre o tema em outras obras: “há hipóteses, porém, em que se verifica que não foi observado um
fazer, ou um não fazer, e que é possível remover-se a situação de ilicitude mediante um ato do próprio juízo
— com a ajuda dos auxiliares judiciários — ou determinando-se a terceiro um fazer. (...) Note-se que os arts.
461 do CPC e 84 do CDC, justamente porque não tipificam as medidas que podem ser determinadas pelo
juiz, abrem oportunidade à nomeação de um terceiro, que pode intervir na administração de uma empresa
para fazer o ilícito cessar, à semelhança do que ocorre no direito anglo-americano quando se pensa na figura
do master ou administrador ou ainda do receiver americano, pode administrar uma propriedade para fazer
cessar a poluição, o que, sem dúvida, pode configurar uma ‘medida necessária’ na hipótese em que a multa
não se mostra suficiente para impedir a continuação da atividade ilícita” (Tutela inibitória: individual e coletiva,
p. 117, 185, 188); e “(...) a tutela que interfere no modo de ser de uma empresa, porque se realiza através
da nomeação de um interventor ou de um administrador, merece mais cuidados do que a tutela que implica
em uma ordem sob pena de multa” (Tutela específica, p. 129).
88
WATANABE. Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. In: TEIXEIRA (Coord.).
Reforma do Código de Processo Civil, p. 45. Seguindo esta mesma orientação, Marcelo Lima Guerra ressalta
que “verifica-se que esse novo meio executivo — a intervenção judicial da Lei Antitruste — pode ser utilizado,
com fundamento no art. 461, §5º, na execução forçada das obrigações de fazer e não fazer que se submeta à
disciplina geral do Livro II do CPC, precisamente naquelas hipóteses onde se revelam insuficientes e inadequados
os meios executivos previstos nesse mesmo diploma legal (art. 633 e ss. do CPC)” (GUERRA. Inovações na
execução direta das obrigações de fazer e não fazer. In: WAMBIER (Coord.). Processo de execução e assuntos
afins, p. 320). Também no mesmo sentido, Humberto Theodoro Júnior ao tratar desta mesma norma afirma
que “a enumeração legal é reconhecidamente exemplificativa, de sorte que a autorização contida no §5º do art.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 171-204, out./dez. 2011
198 Ricardo Padovini Pleti
Conclusão
Em consequência da investigação realizada no decorrer deste traba-
lho, é possível tecer as seguintes considerações:
1 Quando os administradores de sociedades empresárias praticam
ilícitos no exercício de suas funções, os remédios jurídicos disponíveis no
direito brasileiro têm, geralmente, caráter repressivo, tal como ocorre
com a responsabilização civil. Isso não é suficiente à coibição da ilicitude,
uma vez que não contém eficácia preventiva. Daí ser plausível perquirir se
o Judiciário poderia intervir nos órgãos administrativos da companhia ou
da sociedade limitada com o fito de, provisoriamente, afastar dirigentes
ímprobos e/ou nomear interventor.
2 O sistema jurídico brasileiro apresenta receptividade ao instituto
interventivo por intermédio: a) do Esboço do Código Civil de Teixeira
de Freitas, que continha norma específica sobre o assunto; b) do art.
49 do CC/02, que sugere a possibilidade de interferência judicial na
administração das pessoas jurídicas para suprir a ausência da pessoa
encarregada de geri-las; c) de várias orientações jurisprudenciais e de boa
parte da doutrina; d) da previsão da tutela cautelar inominada pelo CPC.
3 A tutela interventiva tem como principal pressuposto a infração de dever
legal por parte de administrador. Os atos deste, por força da teoria do órgão,
são considerados atos da pessoa jurídica. Dessa forma, para garantir a
regularidade de sua atuação, permite-se que seja realizado o controle
judicial mediante o afastamento temporário dos responsáveis pelos ilícitos
e/ou a nomeação de interventor.
4 Um dos meios jurídicos capazes de viabilizar essa espécie de
atuação judicial é a ação cautelar inominada. Isso porque, com base no
“poder geral de cautela” conferido pela lei ao órgão jurisdicional, este pode
“determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver
fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao
direito da outra lesão grave e de difícil reparação” (art. 798 do CPC).89
Além disso, percebe-se que o processo cautelar, dadas suas principais
características (instrumentalidade, provisoriedade, revogabilidade, muta
bilidade e autonomia) se adapta, perfeitamente, ao procedimento de
ingerência judicial na direção societária.
461 compreende qualquer outra medida que se torne necessária e compatível com o propósito de proporcionar
ao credor a “tutela específica”ou o “resultado prático equivalente” (Tutela específica das obrigações de fazer
e não fazer. Revista de Processo, p. 29).
89
PEREIRA. Medidas urgentes no direito societário, p. 217. É o que conclui o autor ao entender pela “viabilidade
jurídica de fundamentar as intervenções judiciais nas sociedades no poder geral de cautela”.
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Fundamentos doutrinários e jurisprudenciais da tutela de intervenção judicial em sociedade empresária 199
Referências
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 171-204, out./dez. 2011
200 Ricardo Padovini Pleti
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 171-204, out./dez. 2011
Fundamentos doutrinários e jurisprudenciais da tutela de intervenção judicial em sociedade empresária 201
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202 Ricardo Padovini Pleti
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O sistema de preclusões do Código de
Processo Civil e a invocação de novo
fundamento de fato na apelação: a
inteligência do art. 517 do CPC
Thiago Colnago Cabral
Juiz de Direito em Minas Gerais. Especialista em Direito Civil pela PUC Minas, Belo Horizonte,
MG, Brasil.
1 Introdução
A ordem processual vigente é organizada de modo a estabelecer um
conjunto sucessivo e rigoroso de preclusões que têm por propósito asse-
gurar que o processo se desenvolva de maneira a possibilitar a outorga da
tutela jurisdicional da forma mais célere possível, evitando, igualmente,
indesejáveis retrocessos em sua marcha.
Por esta razão, há expressa delimitação da fase processual em que
hão de serem apresentados os fundamentos de fato e de direito das par-
tes, compondo a fase postulatória do procedimento, de modo a constituir
restrição ao momento processual em que as partes estabelecem os contor-
nos da pretensão e da resistência.
Tal restrição, todavia, é expressamente excepcionada pela prescri-
ção do art. 517 do Código de Processo Civil, o qual possibilita que as
partes, observadas determinadas circunstâncias e afastando a incidência
do regime preclusivo, suscitem na apelação questões de fato antes não
articuladas.
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O sistema de preclusões do Código de Processo Civil e a invocação de novo fundamento de... 207
o vocábulo fato, no texto que se comenta, tem sentido técnico de fato constitutivo
do direito e de fato constitutivo da ação. Vale dizer que na inicial se devem expor
o fato que gera o direito do autor e a obrigação do réu. Assim, ter-se-á que
indicar o fato gerador do direito — o contrato de mútuo, o título de domínio
— e o fato gerador da obrigação do réu — o vencimento da dívida, a posse
do réu (...). Fundamento jurídico do pedido não é a norma de direito em que
este se apoia. A norma jurídica em que se tutela a pretensão poderá e mesmo
convirá seja indicada. Mas não se impõe ao autor a indicação. A exposição dos
fatos é suficiente para deles o juiz extrair o direito aplicável: da mihifactum,
dabotibiius; iuranovitcuria. Por fundamento jurídico do pedido se entende a
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O sistema de preclusões do Código de Processo Civil e a invocação de novo fundamento de... 213
deve-se distinguir o fato novo, que é aquele preexistente à sentença, mas não
alegado no processo, do fato superveniente, que se constitui depois de oferecida,
em primeiro grau, a prestação jurisdicional. Ao contrário do que ocorre em
relação ao fato novo, não é necessário, obviamente, que a parte prove a força
maior, relativamente ao fato superveniente, que não existia, quando o processo
se desenrolava na primeira instância. (BERMUDES, 1977, p. 141-142)
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4 Conclusão
Conforme demonstrado, o sistema processual é organizado mediante
rigoroso conjunto de preclusões que tem por escopo possibilitar o regular
desenvolvimento da marcha procedimental até a prolação da sentença.
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O sistema de preclusões do Código de Processo Civil e a invocação de novo fundamento de... 217
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218 Thiago Colnago Cabral
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Tribunais, 2009.
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Litispendência internacional no Brasil e
no MERCOSUL
Umberto Celli Junior
Professor de Direito Internacional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP)
e do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina – PROLAM (USP). Mestre e
Doutor em Direito, na área de Direito Internacional, pela Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo. Master of Philosophy in International Law pela Universidade de Nottingham, Inglaterra.
1 Introdução
Quando se analisa a questão da litispendência internacional, nota-se,
com frequência, a cautela ou mesmo a resistência adotada pela legisla-
ção de alguns países, entre as quais a brasileira, em aceitá-la, ou seja, em
declinar da jurisdição de seu poder judiciário em favor daquela de outro
país em que uma demanda idêntica tenha sido primeiramente proposta.
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220 Umberto Celli Junior
1
Lei nº 218, de 31 de maio de 1995 (“Riforma del Sistema Italiano di Diritto Internazionale Privato”).
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Litispendência internacional no Brasil e no MERCOSUL 221
2
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução de J. Guimarães Menegale. São Paulo:
Saraiva, 1965. v. 2, p. 386-387. Como destacado por Claudio Consolo, em uma de suas duas acepções, “il
termine litispendenza è usato per esprimere elitticamente un sintagma: la contemporanea pendenza in più
distinti processi nella medesima causa,della stessa res iudicanda,insomma la Doppelhängigkeit (situazione
cui i diritti nazionali ricollegano forme di impedimento alla decisione nel mèrito del processo più giovane,onde
assicurare che solo quello preveniente pervenga alla cosa giudicata evitando rischi di contrasti e diseconomie
processuali)”. Ver CONSOLO, Claudio. Profili della litispendenza internazionale. Rivista di Diritto Internazionale,
Milano, v. 80, n. 1, p. 5, 1997.
3
A esse respeito Leonardo Greco e Theóphilo Antônio Miguel Filho ressaltam que a “litispendência e a coisa
julgada são dois institutos processuais afins cujo objetivo é obter segurança jurídica e estabilidade nas relações
sociais, evitando a perpetuação dos conflitos de interesse” (GRECO, Leonardo; MIGUEL FILHO, Theóphilo
Antônio. Tópicos de direito processual: litispendência por identidade de causa de pedir. Revista de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro, n. 228, p. 183, abr./jun. 2002).
4
“...la litispendenza mira non solo all’economia dei processi, ma anche ad evitare giudicate direttamente
incompatibili, ed è riconosciuta da tutti gli ordinamenti…”. Ver RASIA, Carlo. Il conflito transnazionale tra
giurisdizione ordinária e arbitrato sulla medesima lite. Spunti su un princìpio di “lis alibi pendens” nell’arbitrato
internazionale. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, Milano, v. 58, n. 3, p. 1072, nota 2, set. 2004.
5
Ver PEREIRA, Luiz Cezar Ramos. A litispendência internacional no direito brasileiro. Revista dos Tribunais, São
Paulo, v. 84, n. 711, p. 29, jan. 1995.
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222 Umberto Celli Junior
6
Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirma ser a litispendência matéria de ordem pública, devendo
ser reconhecida ex officio, independentemente de provocação da parte contrária (ver EDcl no AgRg no CComp
34.298-DF, 2ª Seção, rel. Ministro Ari Pargendler, j. 25.09.2002, DJU, 18 nov. 2002, RT, 812:162-4, 2003).
7
A doutrina do forum non conveniens surgiu nos países da common law, mais precisamente na Escócia, de
onde se difundiu para os Estados Unidos e acabou sendo acolhida na Inglaterra por meio do art. 49 do Civil
Jurisdiction Act 1982. Ver a respeito DENNARD. Forum non Conveniens in International Maritime Collision in
the Federal Courts: a Suggested Approach. Cornell International Journal, p. 123, nota 14, 1993. Assim, o juiz
inglês pode, a seu critério, declinar a própria competência e jurisdição se outro juiz, igualmente competente
em outro Estado, constituir objetivamente o foro mais adequado para decidir a controvérsia, observados os
interesses de todas as partes e os fins da justiça.
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Litispendência internacional no Brasil e no MERCOSUL 223
8
Ver ORREGO VICUÑA, Francisco. Lis pendens arbitralis. In: CREMADES, Bernardo M.; LEW, Julian D. M. (Org.).
Parallel State and Arbitral Procedures in International Arbitration. Paris: ICC Publishing, 2005. p. 207-218.
9
ROMANO, Gian P. Italian Rules on Adjudicatory Jurisdiction and Recognition and Enforcement of Foreign
Judgments. In: DREYZIN DE KLOR, Adriana; FERNÁNDEZ ARROYO, Diego P.; PIMENTEL, Luiz Otávio (Org.).
Litígio judicial internacional. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005. p. 619.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 219-234, out./dez. 2011
224 Umberto Celli Junior
the power and the duty to dispense justice and they were naturally per-
ceived to be the best suited or in any event the only available to do so”.10
Por volta da metade do século XX, a crescente mobilidade social e
o caminho rumo a uma maior integração entre as economias dos países
europeus propiciaram o desenvolvimento de uma tendência de ameniza-
ção da concepção absolutista da soberania. A consciência de que a jurisdição,
assim como as regras de conflito de leis, têm maior relação com interesses
privados do que com razões de Estado continuou a se aprofundar.
Em 1995, entrou em vigor na Itália a Lei nº 218, que dispõe sobre
a reforma do sistema italiano de Direito Internacional Privado (Lei nº
218/95).11 Esse novo Estatuto de Direito Internacional Privado introduziu,
dentre outros aspectos, modificações significativas no tocante à litispen-
dência internacional, que passou finalmente a ser reconhecida, observa-
das determinadas condições. O art. 7º (1) da Lei nº 218/95, apesar de
não fazer referência expressa à litispendência internacional — tem como
título “pendenza di un processo straniero”, o que, como observado por
Consolo o afasta “da una tradizione dottrinale”12 —, estabelece que:
Art. 7
Pendenza di un processo straniero
1. Quando, nel corso del judizio, sia eccepita la previa pendenza tra le stesse
parti di domanda avente il medesimo oggetto e il medesimo titolo dinanzi a un
giudice straniero, il giudice italiano, se retiene che il provvedimento straniero
possa produrre effetto per l’ordinamento italiano, sospende il giudizio. Se il
giudice straniero declina la propria giurisdizione o se il provvedimento straniero
non è risconosciuto nell’ordinamento italiano, il giudizio in Italia prosegue,
previa riassunzione ad istanza della parte interessata.
Está claro, assim, que o juiz italiano deverá declinar de sua jurisdi-
ção quando uma ação entre as mesmas partes envolvendo o mesmo
objeto e a mesma causa de pedir estiver pendente perante o juízo de outro
país. Como sublinhado por Consolo, o art. 7º da Lei nº 218/95 “dà per
la prima volta legislativamente corpo, nel nostro jus commune, alla figura di
‘apertura’ che ispira innanzitutto la nuova soluzione di ampia derogabilità
della giurisdizione italiana, non più accreditata di carattere esclusivo od
anche solo preferenziale. La nuova impostazione impressa alla questione
ROMANO. Italian Rules on Adjudicatory Jurisdiction and Recognition and Enforcement of Foreign Judgments, cit.
10
Lei nº 218, de 31 de maio de 1995 (“Riforma del Sistema Italiano di Diritto Internazionale Privato”).
11
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Litispendência internacional no Brasil e no MERCOSUL 225
13
CONSOLO. Profili della litispendenza Internazionale, cit., p. 38.
14
Ver RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado: teoria e prática. 11. ed. rev. e ampl. São Paulo:
Saraiva, 2008. p. 334-336.
15
Publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, hoje União Europeia, nº L 012, de 16.01.2001,
p. 1-23. Entrou em vigor em 1º de março de 2002. Revogou a Convenção de Bruxelas de 1968 que, em seu
art. 21, tratava da litispendência internacional.
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226 Umberto Celli Junior
16
Assinada em Havana, Cuba, na Sexta Conferência Internacional Americana, em 20.02.1928. Aprovada no
Brasil pelo Decreto nº 5.647, de 08.01.1929, e promulgada pelo Decreto nº 18.871, de 13.08.1929. O
Código Bustamante compreende os diferentes ramos do Direito Internacional Privado em 437 artigos, com um
“Título Preliminar” contendo regras gerais e quatro livros: 1º Direito Civil Internacional; 2º Direito Comercial
Internacional; 3º Direito Penal Internacional; 4º Direito Processual Internacional. Além do Brasil, o Código
Bustamante foi ratificado pelos seguintes países: Bolívia, Chile, Costa Rica, Cuba, República Dominicana,
Equador, Guatemala, Haiti, Honduras, Nicarágua, Panamá, Peru e Venezuela. Deixaram de ratificar o Código,
mesmo presentes à Conferência de Havana: Argentina, Colômbia, Estados Unidos, México, Paraguai e Uruguai.
17
VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1978. v. 3, p. 143. No mesmo
estudo, Valladão afirmou: “Não há como negar a justiça da admissão da Litispendência Internacional”.
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Litispendência internacional no Brasil e no MERCOSUL 227
18
VALLADÃO. Direito internacional privado, cit. (grifos do autor).
19
VALLADÃO. Direito internacional privado, cit., p. 30.
20
Basta, para tanto, que a decisão homologatória tenha transitado em julgado. Quanto a essa arguição, não
importa se a ação foi proposta no estrangeiro antes ou depois daquela no Brasil. Nesse caso, o juiz sempre
conhece da coisa julgada de ofício ou por arguição da parte em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto
não proferida a sentença de mérito. Ver acórdão do Supremo Tribunal Federal SE 4.509-República Federal da
Alemanha, TP, RTJ, 144: 162/167. Ver também RECHSTEINER. Direito internacional privado: teoria e prática,
cit., p. 337.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 219-234, out./dez. 2011
228 Umberto Celli Junior
21
FERNÁNDEZ ARROYO. Notas acerca del tratamiento de la jurisdicción internacional en el proyecto de un Código
de Derecho Internacional Privado para la República Argentina de 2003. In: DREYZIN DE KLOR; FERNÁNDEZ
ARROYO; PIMENTEL (Org.). Litígio judicial internacional, cit., p. 461-462.
22
Assinada em Viena, Áustria, em 23.05.1969. Aprovada, no Brasil, pelo Decreto Legislativo nº 496, de
17.07.2009 e promulgada pelo Decreto 7.030, de 14.12.2009.
23
Ver SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de direito internacional público. São Paulo: Atlas, 2002. v. 1, p. 72.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 219-234, out./dez. 2011
Litispendência internacional no Brasil e no MERCOSUL 229
24
Ver VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado. 5. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1980. v. 1, p. 214.
Observe-se, contudo, ressalta Jacob Dolinger, “que mesmo admitindo a teoria de que o Código Bustamante
não se aplica a questões que envolvem nacionais ou domiciliados em países que não o ratificaram, isto
significa que não há aplicação cogente, mas o Código poderá sempre ser invocado como fonte doutrinária,
como vimos ao tratar das convenções não ratificadas que são aceitas como fonte de direito internacional”.
Ver DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: parte geral. 8. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 77.
25
Aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 197, de 25.09.1991, e promulgado pelo Decreto nº 350, de
21.11.1991. Entrou em vigor para todos os Estados-membros em 29.11.1991.
26
Utiliza-se também a expressão “Cooperação Jurídica Internacional”, que significa, em sentido amplo, “o
intercâmbio internacional para o cumprimento extraterritorial de medidas processuais do Poder Judiciário
de outro Estado. Tradicionalmente, também seria incluído nesta matéria o problema da competência
internacional. Além disso, hoje há novas possibilidades de uma atuação administrativa do Estado nesta matéria
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 219-234, out./dez. 2011
230 Umberto Celli Junior
em modalidades de contato direto entre os entes estatais”. Ver ARAÚJO, Nádia (Coord.). Cooperação jurídica
internacional no Superior Tribunal de Justiça: comentários à Resolução nº 9/2005. Rio de Janeiro: Renovar, 2010.
p. 2-3. Existe hoje grande preocupação do governo brasileiro com a elaboração de acordos com os principais
parceiros do Brasil, em vista de três grandes tendências geradoras de demandas por cooperação judiciária,
a saber: o aumento do contingente de brasileiros no exterior, os novos contornos da inserção internacional
do país, que provocam uma intensificação dos pedidos de cooperação, e a preocupação do governo e da
sociedade com o combate ao crime de caráter transnacional. Ver a respeito: ARAÚJO, Nádia; SALLES, Carlos
Alberto; ALMEIDA, Ricardo Ramalho de. Medidas de cooperação interjurisdicional no Mercosul. In: BASSO,
Maristela (Org.). Mercosul – Mercosur. São Paulo: Atlas, 2007. p. 182. Ver ainda KLEEBANK, Susan. Cooperação
judiciária por via diplomática. Brasília: Instituto Rio Branco; Fundação Alexandre de Gusmão, 2004. p. 14-15.
27
No Brasil, o Protocolo de Las Leñas foi aprovado por meio do Decreto Legislativo nº 55, de 19.04.1995 e
promulgado pelo Decreto nº 2.067, de 12.11.1996. Além desse, há outros atos que cuidam de questões
processuais atinentes à cooperação judicial internacional, que são: o Protocolo de Medidas Cautelares, firmado
em Outro Preto, em 1994, e promulgado no Brasil pelo Decreto nº 2.626, de 15.06.1998, o Protocolo sobre
Jurisdição Internacional em Matéria Contratual, firmado em Buenos Aires, em 1994, e promulgado no Brasil
pelo Decreto nº 2.095, de 17.12.1996, e o Protocolo sobre Responsabilidade Civil Emergente de Acidentes
de Trânsito, firmado em São Luiz, em 1996, e promulgado no Brasil pelo Decreto nº 3.856, de 03.07.2001.
28
Cf. AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Introdução ao direito internacional público. São Paulo: Atlas, 2008. p. 71.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 219-234, out./dez. 2011
Litispendência internacional no Brasil e no MERCOSUL 231
É importante salientar, aliás, que, no Brasil, pelo que se nota da jurisprudência, não há questionamentos quanto
29
à vigência do Protocolo de Las Leñas. Pouco utilizado em seus primeiros anos de vigência, em matéria de cartas
rogatórias e sentenças estrangeiras, verifica-se um grande número de rogatórias provenientes do MERCOSUL.
Pedidos de homologação de sentenças estrangeiras (arbitrais e judiciais) também podem tramitar por meio
de rogatórias, segundo o procedimento do Protocolo de Las Leñas, com base no mecanismo das autoridades
centrais. A circulação de sentenças estrangeiras no MERCOSUL possui regras próprias, mais simples que as
utilizadas para as sentenças estrangeiras oriundas de outros países. Tal é o entendimento consolidado na
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 219-234, out./dez. 2011
232 Umberto Celli Junior
4 Considerações finais
O ajuizamento de uma ação no Brasil, que contenha a mesma causa
de pedir ou causas conexas, o mesmo pedido e envolva as mesmas partes
de uma ação anterior ou contemporaneamente proposta perante o poder
judiciário de outro país, não ensejaria a aplicação do regime de exceção
de litispendência internacional pelo judiciário brasileiro por força das
anacrônicas disposições do art. 90 do CPC/73.
Contudo, se essa ação tiver sido anterior ou contemporaneamente
proposta perante o poder judiciário de qualquer dos outros Estados-
Membros do MERCOSUL, em cujo âmbito vigora plenamente o Protocolo
de Las Leñas, deverá o juiz brasileiro, mediante provocação e instrução
processual da parte interessada, aplicar o regime de exceção de litispen-
dência internacional. Constitui o Protocolo de Las Leñas importante ins-
trumento normativo de cooperação judicial do MERCOSUL, ratificado
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Agravo Regimental na Carta Rogatória nº
7.317 proveniente da Argentina (publicado no DJ 09 maio 1997. Naquela hipótese, o STF aplicou o Protocolo
de Las Leñas e considerou que a concessão do exequatur à carta rogatória em questão tinha a natureza de
homologação de sentença estrangeira, com todos os seus efeitos. “Dessa forma, a sentença estrangeira
chegou diretamente às mãos do STF (como agora chega ao STJ) através de uma carta, rogatória, que, ao ter
o exequatur concedido acarreta sua imediata incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro, com efeitos
idênticos aos de uma decisão judicial ou arbitral brasileira. Essa previsão do Protocolo é uma inovação que
diferencia os casos oriundos de países do MERCOSUL dos demais, sendo certo que a posição do STF vem
sendo observada pelo STJ”. (Cf. ARAÚJO, Nádia; VARGAS, Daniela; GAMA JR., Lauro. Cooperação jurídica nos
litígios internacionais: cartas rogatórias no Brasil e no Protocolo de Las Leñas. In: DREYZIN DE KLOR, Adriana;
FERNÁNDEZ ARROYO, Diego P.; PIMENTEL, Luiz Otávio (Org.). Litígio judicial internacional, cit., p. 494.
30
Embora parta de uma premissa diferente daquela aqui adotada, a saber, a de que o exame da questão
da litispendência internacional se deva restringir ao estudo do art. 88 do CPC/73, que trata da jurisdição
concorrente, isto é, do concurso de jurisdição brasileira e da jurisdição estrangeira para conhecer da mesma
lide, Haroldo Pabst chega à conclusão similar no tocante à prevalência de regras específicas de litispendência
no MERCOSUL contidas no “Protocolo de Buenos Aires sobre Jurisdição Internacional em Matéria Contratual”
assinado em 05 de agosto de 1994 (promulgado no Brasil pelo Decreto nº 2.095, de 17 de dezembro de
1996) e em vigor internacional desde 06 de junho de 1996). Ao formular a questão sobre se, no âmbito do
MERCOSUL, a alegação de litispendência poderia ser suscitada perante o juiz nacional, o autor conclui: “A
leitura de todo o texto do Protocolo parece levar à afirmação de que não se tratou apenas de harmonizar
regras de jurisdição internacional, mas também de implantar um sistema mais moderno, que evite iniquidade
de uma verdadeira corrida processual entre ações tramitando em países diferentes. O Protocolo não tratou
especificamente do tema, como devia ter feito. Mas se não o fez expressamente, a interpretação sistemática
do seu teor aponta para o fim da pluralidade de processos no Mercosul” (PABST, Haroldo. A litispendência
no direito processual civil internacional no Brasil. Revista de Derecho del Mercosur, Buenos Aires, v. 3, n. 1,
p. 28-33, feb. 1999). Sobre o Protocolo de Las Leñas ver também BASSO, Maristela. Curso de direito
internacional privado. São Paulo: Atlas, 2009. p. 254-255.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 219-234, out./dez. 2011
Litispendência internacional no Brasil e no MERCOSUL 233
Referências
AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Introdução ao direito internacional público. São Paulo: Atlas,
2008.
ARAÚJO, Nádia (Coord.). Cooperação jurídica internacional no Superior Tribunal de Justiça:
comentários à Resolução nº 9/2005. Rio de Janeiro: Renovar, 2010.
ARAÚJO, Nádia; SALLES, Carlos Alberto; ALMEIDA, Ricardo Ramalho de. Medidas de
cooperação interjurisdicional no Mercosul. In: BASSO, Maristela (Org.). Mercosul – Mercosur.
São Paulo: Atlas, 2007.
ARAÚJO, Nádia; VARGAS, Daniela; GAMA JR., Lauro. Cooperação jurídica nos litígios
internacionais: cartas rogatórias no Brasil e no Protocolo de Las Leñas. In: DREYZIN DE
KLOR, Adriana; FERNÁNDEZ ARROYO, Diego P.; PIMENTEL, Luiz Otávio (Org.). Litígio
judicial internacional. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005.
BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado. São Paulo: Atlas, 2009.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 219-234, out./dez. 2011
234 Umberto Celli Junior
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 219-234, out./dez. 2011
RESENHA
DIDIER JR., Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos
jurídicos processuais. Salvador: JusPodivm, 2011.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 237-238, out./dez. 2011
238 Bruno Garcia Redondo
DIDIER JR., Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos proces-
suais. Salvador: JusPodivm, 2011. Resenha de: REDONDO, Bruno Garcia. Revista Brasileira
de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 237-238, out./dez. 2011.
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 237-238, out./dez. 2011
Índice
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 239-243, out./dez. 2011
240 Índice
página página
A D
AÇÃO DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
- Ver: O conceito de ação: da teoria clássica - Ver: O caráter dúplice do direito de ação
e a efetividade da tutela executiva no
à moderna. Continuidade ou ruptura?.
Estado Democrático de Direito brasileiro.
Artigo de: Henrique Araújo Costa,
Artigo de: Leonardo Oliveira Soares.............81
Alexandre Araújo Costa....................................37
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 239-243, out./dez. 2011
Índice 241
página página
E I
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO INTERVENÇÃO JUDICIAL
- Ver: Análise da teoria da instrumenta- - Ver: Fundamentos doutrinários e juris-
lidade do processo em face do Estado prudenciais da tutela de intervenção
Democrático de Direito. Artigo de: Marcos judicial em sociedade empresária. Artigo
Ribeiro Marques................................................ 135 de: Ricardo Padovini Pleti.............................. 171
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 239-243, out./dez. 2011
242 Índice
página página
J PRETENSÃO
JURISDIÇÃO - Ver: O caráter dúplice do direito de ação
- Ver: O conceito de ação: da teoria clássica e a efetividade da tutela executiva no
à moderna. Continuidade ou ruptura?. Estado Democrático de Direito brasileiro.
Artigo de: Henrique Araújo Costa, Artigo de: Leonardo Oliveira Soares.............81
Alexandre Araújo Costa....................................37
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
L - Ver: Dever de gestão processual adequada.
LITISPENDÊNCIA INTERNACIONAL Artigo de: Edilton Meireles...............................21
- Ver: Litispendência internacional no
PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA
Brasil e no MERCOSUL. Artigo de:
- Ver: Dever de gestão processual adequada.
Umberto Celli Junior....................................... 219
Artigo de: Edilton Meireles..............................21
M PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
MERCOSUL - Ver: Ampla defesa (CF, art. 5º, LV):
- Ver: Litispendência internacional no preceito intangível?. Artigo de: Alexandre
Brasil e no MERCOSUL. Artigo de: Paulichi Chiovitti..................................................11
Umberto Celli Junior....................................... 219
PROCESSO
N - Ver: Análise da teoria da instrumenta-
NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL lidade do processo em face do Estado
- Ver: O fim do foro privilegiado da Democrático de Direito. Artigo de: Marcos
mulher nas ações de divórcio, anulação Ribeiro Marques................................................ 135
de casamento e reconhecimento ou - Ver: O conceito de ação: da teoria clássica
dissolução de união estável: inconstitu- à moderna. Continuidade ou ruptura?.
cionalidade à vista no Novo Código de Artigo de: Henrique Araújo Costa,
Processo Civil?. Artigo de: Rafael José Alexandre Araújo Costa....................................37
Nadim de Lazari................................................ 157
PROTOCOLO DE LAS LEÑAS
O - Ver: Litispendência internacional no
OBRIGAÇÕES DE FAZER Brasil e no MERCOSUL. Artigo de:
Umberto Celli Junior....................................... 219
- Ver: Mecanismos de efetivação da tutela
específica em sede de controle judicial de
R
políticas públicas. Artigo de: Julio
RECONHECIMENTO OU DISSOLU-
Pinheiro Faro.........................................................57 ÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL
- Ver: O fim do foro privilegiado da
P mulher nas ações de divórcio, anulação
POLÍTICAS PÚBLICAS de casamento e reconhecimento ou
- Ver: Mecanismos de efetivação da tutela dissolução de união estável: inconstitu-
específica em sede de controle judicial de cionalidade à vista no Novo Código de
políticas públicas. Artigo de: Julio Processo Civil?. Artigo de: Rafael José
Pinheiro Faro.........................................................57 Nadim de Lazari................................................ 157
PRECLUSÃO S
- Ver: O sistema de preclusões do Código SOCIEDADE EMPRESÁRIA
de Processo Civil e a invocação de novo - Ver: Fundamentos doutrinários e juris-
fundamento de fato na apelação: a prudenciais da tutela de intervenção
inteligência do art. 517 do CPC. Artigo judicial em sociedade empresária. Artigo
de: Thiago Colnago Cabral............................ 205 de: Ricardo Padovini Pleti.............................. 171
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 239-243, out./dez. 2011
Índice 243
página página
T TUTELA ESPECÍFICA
TÉCNICAS EXECUTIVAS - Ver: Mecanismos de efetivação da tutela
- Ver: Mecanismos de efetivação da tutela específica em sede de controle judicial de
específica em sede de controle judicial de políticas públicas. Artigo de: Julio
políticas públicas. Artigo de: Julio Pinheiro Faro.........................................................57
Pinheiro Faro.........................................................57
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 239-243, out./dez. 2011
Instruções de publicação para os autores
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 245-246, out./dez. 2011
246 Instruções de publicação para os autores
R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 245-246, out./dez. 2011