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Produção Editorial
Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Sumário
Prefácio ....................................................................................................................... ix
Rubens R R Casara
Apresentação ............................................................................................................. xvii
1ª Parte
v
Afrânio Silva Jardim: lecionar pelo exemplo ........................................................ 169
Processo Penal e Estado de Direito no Brasil: Considerações sobre a fidelidaB
de do juiz à lei penal ............................................................................................ 177
2ª Parte
vi
Execução penal: progressão, falta grave e cálculo da pena ................................ 469
Nemo tenetur e direito à imagem ........................................................................... 476
Direito à prova e oralidade ...................................................................................... 480
Crime de receptação e interpretação conforme a Constituição .......................... 492
Chamada de corréu e supressão hipotética do inquérito policial...................... 498
Prescrição em medida de segurança ...................................................................... 503
vii
Prefácio
Rubens R R Casara1
1 Juiz de Direito do TJ/RJ, Doutorando em Direito pela UNESA/RJ, mestre em Ciências Penais pela
UCAM/ICC, professor de processo penal do IBMEC/ICC, membro da Associação Juízes para a
Democracia (AJD), do Movimento da Magistratura pela Democracia (MMFD), do Law Enforcement
Against Prohibition (LEAP) e do Campo Freudiano – Seção Rio de Janeiro.
2 CHRISTO, Carlos Alberto Líbano. Prefácios. São Paulo: mimeo.
3 Algumas vezes, nos melhores restaurantes, a entrada acaba por facilitar a digestão dos próximos
pratos ou estimular o apetite.
4 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Nota do autor. In Temas de direito penal e processo penal
(por prefácios selecionados). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. ix
ix
da posição do sujeito, no caso o prefaciador, enquanto alguém capaz de se
comunicar5. O Outro que é inconsciente, que ocupa o lugar do significante, o
registro do simbólico6, aquilo que é pura alteridade capaz de fazer com que o
sujeito diga sem saber o que e por que está dizendo.7
Ao prefaciar “Em torno da jurisdição”, novo livro do Professor Geraldo
Prado, ciente de que pelas brechas da razão transborda afeto, buscarei indicar
estratégias, estimular possibilidades, fornecer informações e fazer sugestões
de leituras complementares que apontem (e a palavra é sempre um caminho)
e ajudem na compreensão8 do eixo que dá coerência ao projeto do autor9: a
5 LACAN, Jacques. O seminário, livro 5: as formações do inconsciente; trad. Vera Ribeiro. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p. 186.
6 Para uma introdução ao grande Outro lacaniano: JORGE, Marco Antônio Coutinho. Fundamentos
da psicanálise de Freud a Lacan: as bases conceituais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 92.
7 Como uma introdução ao conceito lacaniano de inconsciente: NASIO, J.BD. Cinco lições sobre a
teoria de Jaques Lacan; trad. Vera Ribeiro – Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993, pp. 49B83; QUINET,
Antonio. A descoberta do inconsciente: do desejo ao sintoma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
8 A compreensão identificaBse com a interpretação e “nunca é apreensão de um dado preliminar,
isenta de pressuposições” (HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo; trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback.
Petrópolis, Vozes, p. 211) Ao compreender um texto, o leitor, imerso em uma tradição, projetaBse.
Com Heidegger, e aqui peço licença ao Geraldo para, neste particular, não levar em consideração
o passado nacionalBsocialista do professor de Freiburg (para uma breve introdução ao tema:
COLLINS, Jeff. Heidegger e os nazistas; trad. Fernanda Gurgel. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2006;
LYOTARD, JeanBFrançois. Heidegger e os judeus; trad. Ephraim F. Alves. Petrópolis, 1994), podeB
se afirmar que “tudo o que está à mão sempre já se compreende a partir da totalidade estrutural”
(HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo; trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis, Vozes, p. 211)
e no “projetarBse do compreender, o ente se abre em sua possibilidade” (HEIDEGGER, Martin. Ser
e tempo; trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis, Vozes, p. 212). Assim, o sentido do texto
acaba por se revelar a perspectiva “na qual se estrutura o projeto pela posição prévia, visão prévia
e concepção prévia” ((HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo; trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback.
Petrópolis, Vozes, pp. 212B213), capaz de possibilitar que algo se torne compreensível como algo.
9 Projeto que em outra oportunidade chamei de “Geraldino”. Isso porque “nas crônicas de Nelson
Rodrigues que retratavam o mundo do futebol (...) nasceu a expressão ‘geraldinos e arquibaldos’.
Em oposição aos ‘arquibaldos’, os bem comportados ocupantes das arquibancadas dos estádios
de futebol, espaço da burguesia e dos torcedores mais conservadores, aparecem os ‘geraldinos’,
representantes das classes subalternas, o povo que só comprava ingresso para assistir aos jogos em
pé ‘na geral’, locus dos personagens mais irreverentes, criativos e combativos. Também inspirado no
clima dos estádios de futebol, e do Maracanã em particular, Luís Gonzaga do Nascimento Júnior, o
Gonzaguinha, compôs ‘Geraldinos e Arquibaldos’, letra e música com forte conotação política, que
através da metáfora do futebol retrata o comportamento do brasileiro em meio ao jogo da vida (‘E
esse jogo tá um osso/ É um angu que tem caroço’) que se desenvolve ‘no campo do adversário’. Por
evidente, o paralelo entre ‘geraldinos’ e ‘arquibaldos’ remete ao confronto entre grupos políticos
nascidos da Revolução Francesa, os Jacobinos e os Girondinos, a esquerda e a direita, aqueles que
lutam para mudar e os que se conformam com o status quo. Na arena jurídica, Geraldo Prado nunca
deixou dúvidas: sempre foi um inconformado com a injustiça social, com o processo de exclusão/
extermínio de parcela da sociedade. Com a coerência daqueles que sabem que, sob certo aspecto, a
divisão entre teoria e prática é artificial, Geraldo forjou sua produção, tanto na academia quanto nos
órgãos judiciais em que atuou, a partir de um compromisso com o ‘outro’, com a diferença, com
‘os de baixo’, com aqueles que criativos, combativos e, por vezes, até irreverentes, lutam em meio
às adversidades para (sobre)viver. Em suma, Geraldo Luiz Mascarenhas Prado, em suas sentenças,
acórdãos e livros, produziu textos geraldinos” (CASARA, Rubens R. R.; LIMA, Joel Corrêa. Textos
x
concretização do Estado de Direito. Não pretendo resumir nem desenvolver o
conteúdo da obra e muito menos utilizar este espaço para reafirmar a identidade
de princípios (e sonhos) que me aproximam do autor. Por outro lado, desde já,
confesso que neste prefácio pretendo transgredir as normas de objetividade que
a razão ocidental estabeleceu para os textos científicos.
A obra em questão é uma coletânea de textos, votos e artigos, que miram
na concretização do Estado de Direito. Os artigos, produzidos entre 1995 e 2010,
revelam a trajetória intelectual do autor, seus referenciais teóricos e a articulação
de saberes que passam entre, além e através do direito (histórico, antropológico,
filosófico, etc). Os votos, marcados pelo respeito à pessoa, confirmam a percepção
multifacetada do julgador acerca dos acontecimentos postos à sua apreciação.
Não por acaso, os textos do Professor Geraldo Prado são recheados de citações
que vão do erudito à sabedoria popular.10
Sob certo aspecto, Geraldo Prado é um autor trágico. RegistreBse que
tragédia (ao menos no sentido empregado por Friedrich Nietzsche) não se
confunde com o pessimismo. A tragédia é uma maneira de afirmar a vida em
todas as suas perspectivas, o drama e o sorriso. O texto de Geraldo Prado não
esconde a tristeza e a violência cotidianas, nem a responsabilidade do Estado
e de seus agentes pelo sofrimento causado tanto à vítima quanto ao infrator.
Sem a tragédia há o adormecimento, a perda da capacidade de indignação e a
naturalização do sofrimento humano.
Bem, a primeira sugestão aos leitores de Geraldo Prado é simples: necessário
se faz sempre, e sempre, contextualizar a produção de cada texto, tanto dos
artigos quanto dos votos. Aliás, nenhum texto existe sem o pertencimento do
autor a um determinado tempo e lugar. Comunidades constroem ao longo dos
anos tradições que condicionam a atuação de seus membros, um “repertório
comum de saber que perdura temporalmente e dá aos membros da comunidade
os referenciais e os parâmetros a partir dos quais indivíduos dão sentido ao
mundo ao seu redor”11. Cada conceito retirado da ciência jurídica, também as
correntes filosóficas, o senso comum, o saber popular, as representações coletivas
e os demais saberes encontrados na sociedade têm uma história e, mais do que
isso, uma funcionalidade política (política, aqui, entendida como estratégia
direcionada ao exercício do poder).
geraldinos: uma breve apresentação. In Temas para uma perspectiva crítica do direito: homenagem
ao Professor Geraldo Prado. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010).
10 Um bom exemplo pode ser encontrado no voto que compõe esta obra e versa sobre “Embargos
infringentes: Machado de Assis e a oportunidade da justiça”.
11 JOVCHELOVITCH, Sandra. Os contextos do saber: representações, comunidade e cultura; trad.
Pedrinho Guareschi. Petrópolis, 2008, p. 137.
xi
Os artigos e decisões do Prof. Geraldo Prado têm um compromisso
com a facticidade (nesse particular, por fugir de idealizações e abstrações
generalizantes, o autor revelaBse pósBmetafísico). Há, porém, um elemento
comum e condicionante de toda a produção do autor: a sociedade brasileira, isto
é, uma sociedade periférica de capitalismo tardio com profundas desigualdades
sociais, na qual os indivíduos das classes subalternas são tratados como objetos
descartáveis e o poder penal é exercido como forma de controle dessa população
que não interessa à sociedade de consumo.12 13 14
PodeBse, portanto, afirmar que esse livro não existiria se as promessas
constitucionais estivessem concretizadas,15 se as práticas processuais penais se
aproximassem do deverBser constitucional. Não obstante a opção constitucional
pelo sistema acusatório16, as permanências inquisitoriais17 continuam a reforçar
o autoritarismo com o qual se acostumou parcela considerável da sociedade
12 Vale, sobre esse ponto, verificar o artigo em que figuro como coBautor: “Dispositivos legais
desencarceradores: o óbice hermenêutico”.
13 Basta conferir, por exemplo, o que consta dos votos que versam sobre “Incriminação de vendedores
ambulantes e o devido processo legal”, “Tráfico de drogas, redução da pena e cabimento do
sursis: proporcionalidade”, “Roubo: pena e proporcionalidade” e “Criminologia Crítica: posse de
drogas, princípio da lesividade e outras questões”, bem como dos artigos “Cidadania e crime” e
“Processo penal e estado de direito no Brasil: considerações sobre a fidelidade do juiz à lei penal”
para perceber que o autor concorda com o diagnóstico de Nilo Batista de que os presídios e casas de
custódia têm sido utilizados como um grande plano habitacional para a pobreza.
14 SabeBse que o processo de criminalização da pobreza não é recente, mas se acentuou com a revolução
tecnológica, na qual se deu a diminuição da importância do trabalhador no processo de produção,
com a substituição do componente humano por procedimentos automatizados de produção. A
razão instrumental foi utilizada primeiramente para dominar completamente o homem e, em um
segundo momento, para descartáBlo. Assim, ao mesmo tempo em que o processo de produção perdia
seu caráter social, com a ruptura do precário pacto entre as classes sociais, surgia a necessidade de
controlar a pobreza, como forma de manter a estrutura capitalista. Uma vez que parcela considerável
da população deixou de gozar dos meios necessários à satisfação de suas necessidades, inclusive
aquelas criadas (artificialmente) pela própria sociedade, os detentores do poder político (que, na
história do Brasil, quase sempre se identificaram com os detentores do poder econômico) passaram
a adotar estratégias de contenção dessas pessoas que colocavam em risco o discurso farsesco da
possibilidade de um estado de paz perpétua entre os ricos (e muito ricos) e os pobres (e muito
pobres), todos “máquinas desejantes” (GUATTARI, Félix; DELEUZE, Gilles. O Anti-Édipo:
capitalismo e esquizofrenia; trad. Luiz B. L. Orlandi. São Paulo: Editora 34, 2010) em um espaço no
qual os objetos de desejo são finitos. Geraldo conhece essa história, as razões pelas quais se aposta em
punir os pobres e, em seus textos, denuncia a farsa que pretende fazer do sistema penal o principal
instrumento de manutenção do status quo.
15 Em artigos como “A prisão decorrente de sentença condenatória recorrível”, “O direito ao
silêncio”, “Duplo grau de jurisdição no processo penal brasileiro: visão a partir da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos em homenagem a Julio B. J. Maier” e “A Defensoria Pública e
o direito processual penal brasileiro”, o leitor poderá perceber a gestação de uma dogmática crítica
adequada ao projeto constitucional.
16 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999.
17 Sobre a lógica das permanências autoritárias: MARTINS, Rui Cunha. O ponto cego do direito: the
brazilian lessons. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
xii
brasileira (aqueles mesmos “homens de bem” 18 que clamam por mais repressão
para os outros, pela restrição das garantias dos outros etc). As distorções e
perversões propiciadas pela subsistência do Código de Processo Penal de 194119,
bem como a necessidade de sua reforma, também aparecem em diversos artigos
desta coletânea. O autor propõe mudanças estruturais, capazes de adequar o
processo penal à Constituição, ou seja, que possibilitem um processo de partes,
com a Agência Judicial afastada da gestão das provas, sem descuidar das
garantias fundamentais do indivíduo, verdadeiras condições de legitimidade
do sistema judicial20.
É curioso também perceber como o magistrado Geraldo Prado, em seus
votos, desvela e desconstrói a epistemologia autoritária que aposta em concepções
substancialistas do direito penal (o delito enquanto em si mesmo imoral), na
confusão entre direito e moral (crime e pecado), em tipos de autor (tätertyp),
em decisionismos processuais, em perversões inquisitoriais, na tentativa de
reduzir o princípio da presunção de inocência à mera nãoBculpabilidade e na
mitológica verdade real.21 22 Vale reparar, ainda, na forma como o autor supera o
intelectualismo seco e pretensamente neutro (não há, salvo ingenuidade ou máB
fé, mais espaço para “neutralidades científicas”).
Recomendo também aos leitores que notem a coerência entre os artigos
(teorizações) e os votos (prática) do autor. Para além da honestidade intelectual,
os textos que compõem este livro servem de objeto para considerações acerca do
papel do intelectual do direito.
Em primeiro lugar, os textos permitem afirmar que o autor percebe o
artificialismo da distinção entre teoria e prática (poderBseBia falar, lacaneanamente,
em uma teoriaprática). Geraldo Prado encarna o intelectual orgânico23 de
transformação, aquele que de dentro da estrutura estatal busca transformar o
Estado. Intelectual que, seguindo a tradição inaugurada por Marx, não se limita
xiii
ao trabalho conceitual (que abandonou as abstrações generalizantes próprias do
paradigma liberalBindividualista). Geraldo sabe que a teoria que não se destina
à transformação da sociedade é estéril.
Segundo: o autor tem consciência de que os espaços que ocupa tanto na
academia quanto no Poder Judiciário são espaços de poder. Saber é poder.24
Geraldo exerce esse poder e produz preocupado com as conseqüências do
conjunto de práticas voltadas à conquista e manutenção do poder político. Em
diversas passagens, “Em torno da jurisdição” possibilita ao leitor acompanhar
as estratégias do autor, jurista e magistrado, para desmascarar os mecanismos
de dominação maquiados pela ideologia dominante e então superáBlos a partir
da Constituição.
Ademais, esperaBse do intelectual do direito a coragem para, em seu ofício
de dar concretude ao projeto constitucional, se manifestar em sentido contrário
às maiorias de ocasião25, muitas vezes forjadas pela opinião publicada pelas
grandes empresas de comunicação (no Brasil, como lembra o Juiz e Cientista
Político João Batista Damasceno, a liberdade de imprensa não raro se confunde
com a “liberdade – o abuso – de empresa”). Os direitos fundamentais funcionam
como trunfos contra a maioria, mas necessitam de intérpretes que não cedam à
tentação populista ou que, atraídos pelas câmeras de televisão, esqueçam do seu
compromisso com a Constituição da República.
O intelectual no campo jurídico deve ao interpretar a lei procurar desvelar
seus preconceitos, atentar que no processo hermenêutico entra a questão da
consciência história e reconhecer que o objetivismo é uma ilusão (em suma,
a compreensão do intérprete deve ser entendida como um ato da existência).
Geraldo Prado, mesmo desconfiado das potencialidades e funcionalidades do
linguistic turn (já que, como constata Nilo Batista, “as palavras não sangram”26),
ao interpretar o mundo e produzir seus textos se interpreta, projeta um por vir
democrático em meio à tradição autoritária, se contextualiza, sabe que somos
seresBparaBaBmorte27, que a angustia é constitutiva, mas aposta na vida com
o reconhecimento do Estado de Direito como o locus adequado à redução do
sofrimento causado pelo poder penal.
Por fim, com Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Alexandre Morais
da Rosa, dentre tantos outros, acredito que vale insistir na psicanálise como
24 Sobre o tema: FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder; trad. Roberto Machado. Rio de Janeiro:
Graal, 1997,
25 Vale conferir um voto proferido em meio à comoção midiática: “Prova ilícita: o “Caso das Inglesas”.
26 Em eBmail dirigido a este prefaciador e aos professores Geraldo Prado e Salo de Carvalho.
27 UtilizaBse aqui de mais uma categoria heideggariana.
xiv
parte do instrumental indispensável para se entender as decisões judiciais e a
insistência de muitos atores jurídicos em negar o potencial transformador da
Constituição. Impossível, portanto, ao intelectual do campo jurídico deixar de
reconhecer que as pulsões (sexo e morte) são o motor do psiquismo (e, portanto,
existem em todos nós) e que neuroses, esquizofrenias, histerismos e perversões
são encontrados tanto nos acusados quanto nos julgadores. Não é mais possível
fechar os olhos para a peste trazida para o direito pela psicanálise28.
Enfim, “Em torno da jurisdição”, livro que chega às livrarias pelas mãos do
editor João Luiz Almeida, é a oportunidade de apreciar em uma única obra como
foi se forjando o pensamento de Geraldo Prado, um dos principais pensadores
do processo penal da América Latina. Mas, antes de tudo, é uma convocação para
que se reflita sobre a importância da jurisdição na construção da democracia. A
jurisdição é um saberBpoder, é cognitio e auctoritas, saber e força29: Geraldo Prado
nos ensina que a democracia (entendida como a soma da participação popular
com a realização dos direitos fundamentais) depende do saber/conhecimento
atuar como limite aos atos de força/autoridade. Diante desse quadro, “Em torno
da jurisdição” é uma contribuição relevante para a construção de um saber
democrático e democratizante capaz de evitar a opressão e comprometido com
a construção de uma nova sociedade. Parabéns aos afortunados leitores.
28 Em uma conferência nos EUA, em 1909, Freud teria dito a Jung, a propósito da psicanálise: “eles não
sabem que lhes estamos a trazer a peste?”.
29 Sobre o tema: BINDER, Alberto. Política criminal: de la formulación a la práxis, Buenos Aires: AdBHoc,
1997.
xv
Apresentação
xvii
Em pequenos grupos sociais, integrados por laços econômicos, sociais,
políticos e afetivos, a explicitação dos motivos pelos quais os direitos são proB
tegidos dessa ou daquela maneira, e não conforme a “vontade da maioria” é
viável e talvez eficiente para assegurar a base de legitimação do exercício da
jurisdição. TrataBse de compartilhar a crença nos valores forjados especialmente
nos três últimos séculos, no Ocidente, e pela proteção dos direitos fundamentais
reafirmar o padrão ético que deve orientar a vida em sociedades plurais, deB
sencantadas com a promessa da “paz absoluta”, que em verdade é a “paz
dos cemitérios”, mas seguras de que a administração dos conflitos por via da
jurisdição, com escrupuloso respeito aos direitos fundamentais, ergueBse como
barreira contra abusos historicamente constatados. Há um “dado real”, da vida
cotidiana, nos abusos de poder, que somente a avaliação distanciada (no tempo
e, às vezes, no espaço) permite notar. E o caráter didático da jurisdição opera
mais vivamente em grupos sociais em que as pessoas se conhecem, onde agentes
e vítimas são personagens que dividem histórias e compartilham tradições.
Os grandes núcleos populacionais contemporâneos, no entanto, não estão
unidos por laços da mesma ordem, digaBse de natureza pessoal. O sentimento
difuso de pertencimento à mesma classe ou grupo social é moldado de outra
matéria. O interesse (ou desinteresse) pela sorte do “próximo” é ditado pela
consciência igualmente difusa de que não há qualquer pessoa fora do círculo
íntimo, quase sempre constituído pelos familiares unidos por laços mais
estreitos, a merecer que se considere sua “pessoalidade”, isto é, sua humanidade
com tudo o que é peculiar a esta condição.
Daí o autoritarismo como expressão de um mundo “representado” nas
subjetividades dominantes, que cresce no solo fértil da intolerância, da inB
transigência. Este autoritarismo respira na atmosfera do “presenteísmo”, de um
eterno “tempo presente” que repudia a história das formações sociais e políticas
e despreza o contexto em prol da coexistência em um ritmo e sob as condições
que favoreçam o individualismo possessivo.
Para uma vida nessas circunstâncias, as contradições entre o discurso
ético e as práticas pessoais antiéticas são questões menores, até certo ponto
desprezíveis.
A retórica da generosidade cede ante a prática de tolher direitos para conter
as grandes massas populacionais de excluídos que reivindicam direitos que a
Constituição promete a todos, sem exceção.
E a jurisdição penal converteBse em um dos campos de disputa entre ambas
as visões de mundo.
xviii
Decidir contra a vontade da maioria, em determinados casos, passa a ser
considerado algo “quaseheróico”. Esta, porém, é uma das contingências da
jurisdição. Julgar contra a vontade da maioria nos casos em que esta vontade
dirigeBse contra os direitos fundamentais assegurados a todos.
Em uma democracia, e o Brasil é uma democracia política, não há lugar
para “julgar conforme a vontade sadia do povo” em detrimento dos direitos
fundamentais, que são barreiras a esta vontade orientada à supressão das miB
norias ou à opressão dos grupos e classes sociais mais frágeis, pelos mais
poderosos, política ou economicamente.
Este livro reúne experiências judiciais, por meio de votos, e reflexões
jurídicas, manifestadas em artigos, em virtude das quais se pretende homenagear
a jurisdição criminal no Brasil.
TrataBse de acreditar que é possível decidir na seara criminal com a ConsB
tituição, mesmo que se prescinda do acordo com a opinião pública. As decisões
contramajoritárias são, também, formadoras de opinião, ao menos no nível de
formação dos profissionais do direito que, pelo suar do duro exercício diário
de suas atividades, transmitem valores e argumentos que pesam, influenciam
e estimulam a configuração de redes sociais que ocupam relevante papel nas
decisões políticas contemporâneas.
Não há de fato nada de heroico nisso. Tampouco há certezas “absolutas”,
que deem conta de todas as difíceis questões com as quais os juízes criminais
lidam rotineiramente.
As decisões que estão neste livro exprimem pontos de vista do autor que
podem estar equivocados. O juízo é exclusivo do leitor. O que se deseja é deixar
ver, pelos esconderijos escolhidos pelas palavras das decisões, o refúgio de um
pensamento que andou muito, do primeiro texto, em 1995, sobre culpabilidade,
mas anotado como “arrependimento posterior nos crimes violentos” à profissão
de fé no Estado de Direito, que a nomenclatura neoliberal grafa ideologicamente
em letras menores (estado de direito).
Os votos manifestam a experiência jurídica tomada a sério. Com acertos e
erros, repitaBse, refletem a adoção franca e sincera de uma posição pelo Estado
de Direito que busca não se acomodar diante do conforto que o exercício da
profissão de juiz inegavelmente proporciona.
E os artigos exprimem uma determinada trajetória acadêmica que tem nos
votos a projeção que permitirá, pela análise comparativa, identificar simetrias,
mas também contradições.
Há ainda outro propósito, mais de ordem prática.
xix
Vários destes artigos andaram perdidos por aí. Do primeiro ao nono, os ensaios
são de uma época em tudo distinta da atual, para o autor. Entre 1995 e 2004 os
artigos foram divulgados em revistas ou livros que tiveram circulação limitada.
TêBlos juntos, agora, proporciona a oportunidade da visão contextualizada
de uma determinada produção intelectual para a qual concorreram inúmeros
parceiros intelectuais, que foram e continuam sendo a principal influência do
autor.
Vista por este ângulo há semelhança entre a composição de ensaios jurídicos
e a de músicas.
Na história da constituição do pensamento de que resultaram os artigos da
primeira fase, agora reunidos, há parcerias com compositores mais velhos, dois
dos quais são explicitamente homenageados na fase atual (Afrânio Silva Jardim
e Nilo Batista). TrataBse de atores políticos decisivos na delimitação do território
do pensamento dogmático, que não haveria de cingirBse à mera e pobre tarefa de
interpretação de textos legais. Weber Martins Batista, Leonardo Greco e Alberto
Silva Franco também são credores do que de melhor pode haver desta fase
refletida nos textos. Nenhum dos cinco tem responsabilidade por hesitações,
eventuais equívocos conceituais e deficiências. A responsabilidade por isso
sempre é do autor, com exclusividade.
Este também foi o período de gestação das obras Sistema Acusatório e
Transação Penal, e de exercício da jurisdição na 2ª Vara da Infância e Juventude
do Rio de Janeiro e 37ª Vara Criminal, nesta sucedendo Sergio de Souza Verani,
outro grande professor.
Os artigos posteriores dizem com outra fase, em que as parcerias vieram
acompanhadas de um tipo de relacionamento em que se dividiram, ou melhor,
compartilharamBse sonhos e utopias, cuja busca por concretização projetouBse
em ações e associações concretas.
Em uma retrospectiva dessa ordem há sempre o risco de se omitir,
involuntariamente, algum nome. A omissão, porém, certamente não diminui a
gratidão do autor pelo que se beneficiou em termos de convivência e aprendizado,
independentemente da idade ou condição pessoal do parceiro.
Quero expressamente citar Vera Malaguti, Gustavo Grandine[i, Miguel
Baldez, Maria Thereza Moura, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Lenio Luiz
Streck, Aury Lopes Jr., Fauzi Hassan Choukr, Paulo Rangel, Alexandre Câmara,
Claudio Brandão, Alexandre Wunderlich, Gustavo Badaró, Carlos Bacila, Edson
Baldan, Ana Paula Zomer, Ana Lúcia Sabadell, Leonardo Sica, André Nicoli[,
VictoriaBAmália Sulocki, Diogo Malan, entre tantos daqueles de cuja convivência
o autor extraiu benefícios na forma de lição de vida e de Direito.
xx
Por certo que os ensaios de dez a dezenove, desta segunda fase, repercutem,
além das reflexões teóricas, a adoção de postura política que se quis distinguir
pela articulação entre as diversas dimensões que conformam a prática social
definida pelo direito.
E neste contexto e “para além da teoria” há decisivas contribuições: Salo de
Carvalho, pela instigante capacidade de ampliar horizontes. Maurício Zanóide,
que buscou alavancar o IBCCRIM, e transformáBlo em um projeto genuinamente
nacional de “porto” do pensamento garantista. Rui Cunha Martins, hoje refeB
rência do autor em termos teóricos. Rubens Casara, que une as qualidades
anteriores à vocação de concretizar o pensamento verdadeiramente democrático
em decisões concretas, no exercício da jurisdição penal.
Aliás, de tantos parceiros implícitos (e explícitos, como é o caso do jurista
e amigo Gustavo Grandine[i), Rubens Casara está neste livro como a chave
entre presente, passado e futuro. Ainda jovem, há muito é um excepcional jurista e
juiz e agente político que, respeitando o significado da jurisdição, confere à função
jurisdicional o perfil transformador que não pode estar ausente em uma sociedade
periférica e concentradora de riquezas como ainda é este Brasil de 2010.
As divergências sobre o papel da hermenêutica filosófica (travadas em
memorável troca de mensagens eletrônicas, com a intervenção de pensadores
extraordinários, debate que, quem sabe, um dia virá à luz) somente fortalecem a
admiração por quem guarda a autonomia como jeito de ser, inalienável, e enlaçada
com a erudição que ilumina para todos e não, exclusivamente, para o intelectual.
Há mais do Rubens Casara no artigo comum, publicado neste livro, do que
do autor da coletânea. E esta é uma virtude, o leitor pode confiar.
Enfim, promovido por antiguidade ao cargo de Desembargador do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em 2006, depois de 18 anos de exercício
da magistratura em primeiro grau, e lotado desde 21 de fevereiro de 2008 na 5ª
Câmara Criminal, por onde passou, como presidente, o formidável juiz Silvio
Teixeira, este tem sido o locus do exercício da jurisdição criminal do autor.
Os votos escolhidos para a coletânea foram, em sua maioria, proferidos na 5ª
Câmara Criminal. Nem sempre a redação dos textos faz justiça à contribuição dos
demais votantes. A dívida do autor, todavia, é enorme e os credores não são apenas
os atuais juízes titulares do colegiado, mas ainda os antigos titulares e os itinerantes.
Aqui vale o dito, sublinhado por Antonio Pedro Melchior, e cultivado com
muito carinho no colegiado: a divergência é a expressão da democracia nos
julgamentos coletivos!
Uma sociologia do judiciário revela o importante papel dos assessores
dos magistrados. Mais do que curiosidade, um estudo desta monta serve para
xxi
nortear as reformas legislativas e permite discutir a questão da legitimidade do
exercício do poder jurisdicional, incluindo os mecanismos de investidura, em
termos reais e racionais.
Os votos que constam do livro são decisões do autor, mas reproduzem a
atuação coletiva de um gabinete formado por pesquisadores ideologicamente
comprometidos com o Estado de Direito e com a transformação social.
Por isso, omitir os nomes dos assessores seria o mesmo que faltar com a
verdade, em termos de coautoria dos textos que são o veículo do julgamento.
E a falha seria agravada pelo fato de se deixar de reconhecer o papel, como
intelectuais, destes profissionais e estagiários engajados.
Daí a referência a Mariana Kaiuca Aquim, Yolanda Pinto, Juliana Galhardo,
Fernanda Peixoto Cassiano, Helena Guedes, Priscila Pontes e Antonio Pedro
Melchior.
O encerrar esta apresentação reclama renovar a advertência de que decidir as
causas criminais, tendo como parâmetro os direitos fundamentais, não é exercício
de heroísmo, mas cumprimento de dever e compromisso com a dignidade.
Não raro, em palestras, o autor termina contando a aventura de Miguel
Li[ín, clandestino no Chile durante a ditadura militar comandada pelo general
Pinochet.
Em 1985, por seis semanas, o diretor de cinema Miguel Li[ín, que havia
sido proscrito por decisão da ditadura, retorna ao Chile para filmar as condições
concretas de vida naquela ocasião. Ele o faz, por óbvio, cercado de cuidados e
durante sua estada corre muitos riscos, chegando a estar frente a frente com o
ditador Pinochet.
Ao deixar Santiago, em direção a Montevidéu, de avião, o cineasta quase
é descoberto. Indagado por Gabriel Garcia Marques (autor da reportagem,
publicada pela Record) sobre se aquele havia sido um ato de coragem, heroico,
Miguel responde que não, que em realidade fora o ato mais digno de sua vida.
Esta talvez seja a melhor lição para quem se dedica ao afazer de julgar
causas criminais: agir com dignidade.
Setembro de 2010.
Geraldo Prado
xxii
1ª Parte
O Arrependimento Posterior
e os Crimes Violentos
“Se a crítica deixa as coisas como estão, porque fazer a crítica da crítica? Se as palavras
são vazias de poder, porque usar tantas palavras para discutir o poder? Não, o fato é
que todos aqueles que ainda têm a ousadia de falar e escrever, acreditam, ainda que de
forma tênue, que o seu falar faz uma diferença.”
Rubem Alves
I. Introdução
Nullum crimem nulla poena sine culpa. Sem dúvida alguma esta fórmula
resume o dogma fundamental de um Estado Constitucional Democrático, impedindo
que ao indivíduo se imponha o gravame da sanção penal exclusivamente com base
em critérios de responsabilidade objetiva. Na sua trajetória evolutiva, o homem
não prescinde de referenciais que o permitam entender a fundo os dramas da sua
existência e o significado da sua vida, até mesmo para julgar e optar, nem sempre com
integral liberdade, pelos caminhos singularmente colocados à sua frente, aceitando
ou repudiando, com base nos valores conhecidos – as denominadas regras do jogo – a
influência que seus semelhantes hão de exercer sobre o seu destino.
PodeBse afirmar que as normas penais contém1, ou devem conter, por meio
de seus comandos, os dados indispensáveis para que o agente possa deliberar com
liberdade no âmbito interno, se deve ou não acatáBlas e assim assumir, se for o caso,
a responsabilidade decorrente de sua conduta. SugereBse, pois, que somente quem
esteve em condições de decidir livremente sobre se acolhia ou não o comando
normativo, no plano da regra incriminadora, haverá de estar sujeito à punição,
retribuição adrede estabelecida em face do mallum actionis.
1 Ao menos assim deve ser na medida em que se exige que os tipos penais sejam formulados com precisão,
encerrando a matéria da proibição, conforme a forma exigida previamente.
3
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2 Convido o leitor a debruçarBse sobre o capítulo dedicado ao tema em Introdução Crítica ao Direito Penal,
de Nilo Batista, Rio de Janeiro, 1990, Revan.
3 Recomendo a leitura de A Culpabilidade como Critério Limitativo da Pena, Claus Roxin, Revista de Direito
Penal, nºs. 11/12, São Paulo, 1973, Revista dos Tribunais.
4 Código Penal Comentado, São Paulo, 1994, Renovar.
5 Lições de Direito Penal, Rio de Janeiro, 1994, Forense.
4
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6 Em consideração primorosa salienta o Ministro Francisco Assis Toledo (Princípios Básicos de Direito Penal,
p. X, São Paulo, 1991, Saraiva): “O problema, assim pensamos, não reside na questão de ser ou não ser
benevolente com o crime (ninguém razoavelmente poderia sêBlo) mas de saber como contêBlo dentro
de limites socialmente toleráveis, de modo sério e verdadeiramente eficiente.”
7 “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal e
proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado”.
5
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8 Zaffaroni, Eugenio Raúl. Em Busca das Penas Perdidas, Rio de Janeiro, 1991, Revan.
9 Ver, a respeito, J.J. Canotilho Gomes, em Direito Constitucional, Coimbra, p. 3, 1992, Almedina.
10 Julio Fabrinni Mirabete destaca, em Direito Penal, Parte Geral, São Paulo, p. 50, 1989, Atlas, o seguinte:
“Nada impede, entretanto, a aplicação da analogia às normas não incriminadoras quando se vise, na
lacuna evidente da lei, favorecer a situação do réu por um princípio de eqüidade.”
6
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Releva notar, todavia, que a lei dos crimes hediondos introduziu o parágrafo
quarto do artigo 159 do estatuto punitivo, pelo qual a libertação do seqüestrado por
conta da delação de um dos membros da quadrilha é elevada ao status de causa
de diminuição de pena. Ora, de que se trata esta medida senão de compensação
em termos de política criminal pela reparação tempestiva do dano! No entanto,
friseBse, não se perturba o legislador com o exame das razões que inspiraram
o arrependido, sendo mais provável que sobre alguém nestas circunstâncias
possamos estabelecer um prognóstico de reincidência mais efetivo do que em
relação àquele cuja penitência é marca significativa de sua escassa culpabilidade.
Será que este último não merece o mesmo cuidado e atenção?
Não temos a pretensão de esgotar o assunto, contudo só provocar a
consciência jurídica do leitor para um processo de reflexão, que em última análise
busca a meditação sobre a justificação quer da sanção penal, quer dos limites e da
missão do Direito Penal. Por isso, não enfrentamos a questão proposta também
pelo ângulo inédito da arremetida de Roxin a respeito da inviabilidade prática de
designar se determinado agente estava realmente em condições de agir de acordo
com o Direito. Se seguíssemos esta via talvez encontrássemos no arrependimento
espontâneo do agente, desde que querido por ele como fundamento de sua ação
posterior ao crime, a prova de que em muitos casos os fatores circundantes de
tal modo são decisivos na opção pela conduta delituosa, que só o peso real das
consequências do seu atuar pode liberáBlo do estigma de ter de ser um delinqüente,
fazendoBo aí sim ser o sujeito que maneja as rédeas de sua própria vida. É a conquista
da liberdade pelo caminho mais doloroso do sacrifício da mesma liberdade.
III. Conclusão
7
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Bibliografia:
BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal, Rio de Janeiro, 1990, Revan.
DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado, São Paulo, 1994, Renovar.
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal, Parte Geral, Rio de Janeiro,
1994, Forense.
GOMES, J.J. Canotilho. Direito Constitucional, Coimbra, 1992, Almedina.
MIRABETE, Julio Fabrinni. Direito Penal, Parte Geral, São Paulo, 1989, Atlas.
ROXIN, Claus. “A Culpabilidade como Critério Limitativo da Pena”, in Revista de
Direito Penal, nos. 11/12, São Paulo, 1973, Revista dos Tribunais.
TOLEDO, Francisco Assis. Princípios Básicos de Direito Penal, São Paulo, 1991,
Saraiva.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em Busca das Penas Perdidas, Rio de Janeiro, 1991,
Revan.
8
A Prisão Decorrente de
Sentença Condenatória Recorrível
1. Introdução
1 Afrânio da Silva Jardim, Direito Processual Penal, Estudos e Pareceres, Rio de Janeiro, Forense, 1992; E.
Magalhães Noronha, Curso de Direito Processual Penal, São Paulo, Saraiva, 1989; José Lisboa da Gama
Malcher, Manual de Processo Penal Brasileiro, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1980; Hélio Tornaghi,
Instituições de Processo Penal, São Paulo, Saraiva, 1978; Vicente F. Greco, Manual de Processo Penal, São
Paulo, Saraiva, 1991; Júlio Fabrini Mirabete, Processo Penal, São Paulo, Atlas, 1992.
9
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2 Fernando da Costa Tourinho, Processo Penal, São Paulo, Saraiva, 1989; Maria Lúcia Karam, “Prisão e
Liberdade Processuais”, in Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 2, Revista dos Tribunais, São
Paulo, 1993; Ada P. Grinover, Ciência e Política Criminal em Honra de Helena Fragoso, Rio de Janeiro,
Forense, 1992.
3 “O princípio constitucional da inocência; recurso em liberdade, antecedentes do réu”, in Revista do
IEJ, vol. 1, Rio de Janeiro, 1991.
4 Cumpre ver sobre o tema a retrospectiva levada a efeito por Tourinho Filho, in Processo Penal, vol. 3,
op. cit., p. 413.
5 In Direito Processual Penal, Estudos e Pareceres. Rio de Janeiro, Forense, 1990.
10
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6 Luís Gustavo Grandine[i Castanho de Carvalho, O Processo Penal em face da Constituição, Rio de
Janeiro, Forense, 1992.
7 Op. cit., p. 393: “Importa salientar, portanto, que a eficácia suspensiva da apelação do réu impede
tãoBsomente a sua prisão como efeito da sentença impugnada (execução provisória da pena), não
vedando a custódia cautelar caso esteja presente algum motivo que autorize a decretação da prisão
preventiva do réu, conforme deixamos escapar acima.”
11
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Por isso é que, na esteira dos ensinamentos de Hélio Tornaghi, o citado autor
rebate as críticas formuladas e acentua as diferenças entre a prisão provisória e a
definitiva, ressaltando o que já teria sido demonstrado há tempo pelo primeiro,
isto é, que a pendência de recurso ordinário ou extraordinário nos leva à situação
em que a decisão a ser proferida cumprirá o papel de mera condição resolutiva,8
sem que se fira a disposição constitucional da presunção da nãoBculpabilidade,
estatuída no artigo 5°, inciso LVII, da Carta Magna, quando se prende a título de
condenação, mesmo que carecendo do trânsito em julgado, pois que “presumir
é aceitar um fato como verdadeiro, tendo em conta aquilo que geralmente
acontece”, e na prisão que então se verifica não há qualquer presunção. Segundo
Afrânio, exigirBse o recolhimento à prisão, como pressuposto de cabimento do
recurso, isto, sim, atingiria o preceito constitucional.
8 Hélio Tornaghi, Instituições de Processo Penal, São Paulo, Saraiva, 1978, vol. 3, p. 167: “A prisão como
pena imposta em sentença recorrível é definitiva, embora sujeita a condição resolutiva, que é a
reforma da sentença. E o próprio fato de a decisão da instância superior funcionar como condição
resolutiva está a mostrar que a prisão não era provisória.”
9 Publicada pela Editora Forense, Rio de Janeiro, 1982, Título VII, Capítulo V.
10 Op. cit., p. 275: “Acontece que a fiança é contracautela, sendo admitida essa providência, cujos efeitos
persistem até que a sentença transite em julgado, não se pode contestar que aquele efeito mediato
desse ato jurisdicional, consistente na prisão, tem por finalidade assegurar o resultado do processo
principal, ou seja, tornar possível a relação executiva penal, com o cumprimento da sanção imposta.”
11 Publicado pela Editora Saraiva, São Paulo, 1989, vol. 3.
12
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4. O Princípio Constitucional
12 Op. cit., p. 341: “Assim, por exemplo, quando se requer a prisão preventiva, estamos em face de uma
ação cautelar que será apreciada pelo Juiz... DigaBse o mesmo, em se tratando de prisão resultante
de pronúncia ou, até mesmo, quando ela decorrer de uma sentença condenatória recorrível. Neste último
caso, ela apresenta um caráter misto de cautelar e sanção.”
13 Luís Gustavo G. C. de Carvalho, op. cit., p. 71.
14 Maria Thereza Rocha de Assis Moura, A prova por indícios no processo penal, São Paulo, Saraiva, 1994,
p. 44.
13
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14
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15
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se, desta feita por força do mandamento constitucional, como dado acessório,
provisório, justificável tãoBsomente enquanto necessário.
Há de ser, pois, sempre provisória, e então subordinarBse à disciplina da
prisão preventiva stricto sensu, regida pelo que está previsto no artigo 312 do CPP,16
recomendandoBse à luz do fumus boni juris17, mais intenso neste instante, porquanto
conseqüência da convicção judicial da autoria e materialidade infracionais, quando
denunciarBse ainda como imprescindível – periculum in mora.
Em razão do que foi exposto, restaria indagar se não é a própria prisão
preventiva, portanto, que vige neste momento, o que, de certa maneira, imporB
taria – em aceitar, ao menos em parte, o argumento aduzido por Afrânio ou
–, estando igualmente revogados os artigos 393, inciso I, e 594 do CPP, como
querem Grandine[i de Carvalho e Paulo Cláudio Tovo –18 se não seria mais
possível prenderBse o agente por força da sentença, mantendoBse solto aquele
que porventura encontrarBse assim, mesmo que, com isso, haja risco para a
aplicação da lei penal.
Quanto ao instante da decretação da prisão preventiva, o artigo 311
responde taxativamente: “Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução
criminal, caberá a prisão preventiva...”.
A jurisprudência, ao lado do fato de interpretar restritivamente a norma,
como deve acontecer, em se tratando de regra limitadora de direito individual,
proíbe que se decrete a prisão preventiva após a prolação de sentença condeB
natória. Cremos que a melhor interpretação, todavia, consiste em limitar a
providência, atendendoBse à dicção legal, tal seja, somente impor a medida antes
da sentença, pelo menos como decorrência do disposto nos artigos 311 e 312 do
CPP, pois, do contrário, ultrapassaríamos a fronteira da “instrução criminal”,
para invadirmos a seara da fase decisória.
Assim, para evitarmos o absurdo do condenado armarBse para a fuga,
enquanto aguardamos o trânsito em julgado da sentença, sem que possamos nos
opor a isso por meio do expediente previsto no artigo 312 do diploma processual,
16 Art. 312: “A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, por conveniência
da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência
do crime e indícios suficientes de autoria.”
17 Os conceitos fumus boni iuris e periculum in mora atualmente estão suplantados, no que concerne às
cautelares processuais penais. Neste campo não há lugar para a simetria com a teoria do processo
civil. Os pressupostos para a decretação das prisões provisórias dizem com o reconhecimento de
indícios de autoria de uma infração penal (fumus commissi delicti) e da necessidade da providência
haja vista o risco processual decorrente da liberdade do imputado (periculum libertatis). Ver Aury
Lopes Jr. Em Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, 5ª Ed., vol. 1 e 2, Rio de
Janeiro, Lumen Juris, 2010. Nota do autor.
18 Op. cit., p. 74 (Grandine[i de Carvalho); Paulo Cláudio Tovo, Primeiras Linhas sobre o Processo Penal em
Face da Nova Constituição, Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris Editor, 1989, p. 24.
16
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cremos que é razoável interpretarmos os artigos 393, inciso I, e 594 do CPP como
determinantes de um momento no qual a situação do agente, no que diz respeito
à necessidade de sua custódia, haverá de ser obrigatoriamente considerada
pelo juiz, sob pena de não se poder fazêBlo posteriormente. Se é certo que este
mesmo juiz está dotado de um poder cautelar genérico, igualmente é verdade
que, diante dos pressupostos da medida extrema, poderia decretáBla de ofício
até a instrução, não se lhe exigindo, salvo quando provocado pelas partes, um
pronunciamento específico a respeito da questão, e nem por isso fulminandoBlhe
a omissão por intermédio da preclusão. Caso não o tenha feito, e a situação haja
se revelado propícia, estará ele obrigado a manifestarBse por ocasião da sentença.
TrataBse de assegurar o êxito do processo principal, em face de circunstâncias
concretas que o ameacem – periculum in mora –, e somente nestes limites o Estado
está autorizado a privar o indivíduo de sua liberdade, motivo pelo qual, desde
que não haja máBfé do agente estatal, não nasce para o réu, afinal absolvido
em uma das instâncias superiores, o direito à reparação, que sabiamente a
Constituição lhe reconheceu, quando em cumprimento de pena excessiva ou
injusta, conforme o artigo 5°, inciso LXXV.19
Aliás, nesse aspecto, reside um dos calcanharesBdeBaquiles da conceituação
da prisão em tela, como efeito da condenação, isto porque, se o próprio Estado
reconhece, ao “condenado” que fica preso por tempo superior ao fixado na
sentença, direito à reparação, é em razão de taxar contrário ao direito o ato assim
praticado e, pois, proibido.
Cumpre advertir que a moderna preocupação dos juristas, especialmente
nesta sofrida América Latina, volta e meia invadida por ventos autoritários, está
em limitar ao máximo as restrições da liberdade do réu, antes do trânsito em
julgado, prevendoBse um alargamento do direito à indenização, que abraçará
até aquele que for enclausurado provisoriamente, sem que haja respeito aos
pressupostos da cautela.20
Do ponto de vista prático, argumentar com as vantagens da execução
provisória, para elidir a natureza cautelar da prisão de que cuidamos, envolve
duas considerações: não se pode determinar a natureza jurídica do instituto,
com base no proveito que da conclusão se pretenda auferir, definindoBse pelo
fim, até porque o que, em algumas situações, é positivo em outras certamente
19 “O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo
fixado na sentença”.
20 Ada Pellegrini Grinover menciona, em Ciência e Política Criminal em Honra de Heleno Fragoso (Rio de
Janeiro, Forense, 1992, p. 43), o esforço, reconhecido no Anteprojeto de Código de Processo Penal
Tipo para a América Latina, de incluir “previsão da indenização por erro judiciário e pela prisão cautelar
injusta”.
17
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18
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pois, quanto aos conteúdos, de sorte a propiciar a execução, haja vista a confirmação, em
segundo grau, da sentença condenatória.24
É da salutar tradição do nosso Direito permitir a execução, até em razão de
impedir o recurso aos meios extremos, como forma de retardáBla indevidamente,
sovada procrastinação que, a rigor, não se compadece com os legítimos anseios
da justiça.
No entanto, de conteúdo mais amplo, a apelação revelaBse como direito
inexpugnável daquele que se sentiu prejudicado indevidamente pela primeira
decisão proferida, consistindo, antes de tudo, em reação natural do ser humano, o
que confere ao segundo grau de jurisdição status de real princípio constitucional.
Neste caso, não se justifica, e a própria Constituição proíbe, por intermédio de
outro princípio hierarquicamente superior – presunção da nãoBculpabilidade
–, que se prenda como efeito da sentença condenatória, para possibilitarBlhe a
execução provisória.
Outra vertente que não pode deixar de ser arrostada cuida da análise da
questão á luz da periculosidade do apenado.
Salienta o professor Weber Batista25 que, na hipótese examinada, “o juízo de
cautela é mero juízo de periculosidade, não de culpabilidade”, acrescentando o ilustre
mestre que “ao determinar a prisão do réu condenado, porque reincidiu na prática de
crime ou porque tem maus antecedentes e cometeu um delito de maior gravidade, (...) a
lei não o presume culpado, mas perigoso”.
Com a clareza de sempre, aduz o referido professor que a consideração da
periculosidade do condenado aporta no sistema processual por meio da própria
Constituição, no artigo concernente aos direitos e garantias fundamentais, nos
casos em que, à vista da gravidade do delito, o legislador constituinte interditou
ao réu uma série de direitos. Assim, nos incisos XLII, XLIII e XLIV do artigo 5°,
estão previstas restrições processuais baseadas na gravidade do fato e, por isso,
na periculosidade do agente.
A despeito da discussão que o tema periculosidade pode gerar – não nos
esqueçamos, como lembra René Ariel Do[i,26 que “um direito penal próprio de um
Estado social e democrático rejeita a periculosidade como fundamento ou limite da penal,
24 Op. cit., p. 531: “Permite o recurso extraordinário, pois, tãoBsomente a revisão in iure, ou seja, a
reapreciação de questões de direito (constitucional federal) enfrentados pelo órgão a quo”.
25 Op. cit., p. 212.
26 Reforma Penal Brasileira, Rio de Janeiro, Forense, 1988, p. 269.
19
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o que ocorre nos regimes totalitários quando a indefinição das acusações criminais se
concilia com o caráter fluido do estado perigoso e permite a imposição de sanção
penal de cariz evidentemente preventivo” –, é indiscutível que o reconhecimento
da periculosidade pressupõe a admissão da culpabilidade do agente, pois que
abolida a periculosidade normativa, com a reforma penal de 1984, recaindo na
problemática que Weber Batista quis evitar, isto é, a presunção da culpabilidade.
Afirmar que o réu – em face de quem há indícios de autoria, além da
prova da materialidade de infração grave, mesmo que esses indícios tenham
sido suficientes para convencer o juiz a condenáBlo – é perigoso e, portanto,
deve ser preso ainda que não tenha transitado em julgado a decisão, partindo
exclusivamente da categoria do delito, restaura o sistema anterior, com todos
os seus inconvenientes, refletindo uma verdadeira antecipação de tutela,
mascarada de cautela.
As medidas cautelares caracterizamBse exatamente por “não constituírem um
fim em si mesmas”, conforme salientou o próprio mestre em obra anterior,27 mas
“estarem a serviço de outra providência”, relativa ao processo principal, razão pela
qual, assinalou Calamandrei, modulamBse como instrumento do instrumento.
No entanto, ao prendermos o acusado porque tem maus antecedentes ou
não é primário, baseados na sua periculosidade presumida, estamos apenas
presumindoBlhe a culpabilidade, porque não é mais necessário assegurar o
processo de conhecimento – já há sentença de mérito –, e a garantia da aplicação
da lei penal por meio da prisão do condenado exige ato que ele haja praticado
no curso do feito ou mesmo na fase préBprocessual, independentemente de sua
culpa ou inocência, reduzindoBse, pois, o fato à mera aplicação da pena, antes do
trânsito em julgado. Isso, a Constituição Federal nos impede de fazer.
Releva notar que os paradigmas constitucionais invocados chegam ao
máximo, no tocante às restrições processuais, vedando a afiançabilidade das
infrações perigosas, critério até certo ponto adotado, também, pelo legislador
ordinário – artigo 323 do CPP –, porém nunca eliminando a possibilidade de
liberdade provisória sem fiança.
Portanto, não restauram a prisão compulsória, e não é lícito ampliarBlhes
o âmbito de incidência, para escorar interpretação que pode nos conduzir a
rematadas injustiças, tais como garantir ao condenado primário e de bons
antecedentes – ótimos antecedentes, na verdade, detentor de boa situação social
e econômica –, condenado por homicídio qualificado, a dezoito anos de reclusão,
aguardar solto o trânsito em julgado da sentença, enquanto o reincidente – autor
20
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28 “Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em
liberdade.”
29 ObservaBse que a liberdade jurídica, radicada no reconhecimento legal da possibilidade de
determinado comportamento, não se denomina pública porque interdita ao Estado atos objetivando
dela privar o indivíduo, deixando de lado os conflitos intersubjetivos dos quais, a priori, o mesmo
21
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7. Conclusão
Estado não participa, mas, a rigor, porque é do Estado que se cobram as necessárias ações que visam
a garantiBla.
30 “Mas, se, do ponto de vista da persecução penal, os direitos do acusado se colocam como limite à
função jurisdicional, de outro lado, é o próprio processo penal que se constitui em instrumento de
tutela da liberdade jurídica do réu” (Liberdades Públicas e Processo Penal, Revista dos Tribunais, 1982,
p. 15).
31 Op. cit., p. 20.
22
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Estado Democrático, o processo penal não pode ser senão estatuto jurídico das
liberdades públicas”.32
Bibliografia
23
O Direito ao Silêncio1
1. Introdução
Há quinze anos, Ada Pellegrini Grinover fazia publicar artigo sobre o inB
terrogatório do acusado e o direito ao silêncio2 que rapidamente se transformou em
um clássico na doutrina brasileira. As razões para isso, em síntese, derivaram da
correta percepção do interrogatório do réu como meio de defesa e, eventualmente,
fonte de prova3, e não, como até então se defendia, meio de prova.
Atualmente, em vigor Constituição da República que de forma expressa
garante ao preso o direito de permanecer calado – artigo 5º, inciso LXIII – e
integrando regularmente o nosso ordenamento jurídico a Convenção Americana
de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), que em seu artigo 8º
prescreve, no rol das garantias judiciais, o direito de não ser (a pessoa) obrigada a
depor contra si mesma, nem a confessar/se culpada (letra “g”), a tudo se acrescentando
a instrumental presença de Defensor desde o início de qualquer procedimento
persecutório, parece fora de dúvida que as práticas judiciárias abandonaram à
própria sorte a chamada confissão extrajudicial, desamparada da orientação ao
investigado de que tem o direito de permanecer calado, especialmente quando
produzida com exclusividade na atividade de investigação criminal, na fase
preparatória ao processo de conhecimento de cunho de condenação.
Ocorre que nem sempre a disciplina normativa assegura a efetividade
dos direitos, mesmo quando, como no caso dos interrogatórios promovidos
pela autoridade policial, a avaliação do material colhido, ao nível provisório e
superficial se a hipótese é de receber denúncia do Ministério Público, ou em
cotejo com provas adquiridas ao longo do processo, se o momento é de cognição
exaustiva e emissão de sentença de mérito, é incumbência principal do juiz.
É que a prática do foro tem revelado, mediante o emprego de técnicas de
dissimulação às vezes inconscientes, que aquilo que a Constituição quis impedir
1 Publicado originalmente em Juris Poiesis Revista de Direito dos Cursos da Universidade Estácio de
Sá, Rio de Janeiro, v.1, n. 1, p.159B169, 1999 e na Revista Doutrina. Instituto de Direito, Rio de Janeiro,
1ª edição, p.43B52, 1999.
2 GRINOVER, Ada Pellegrini. Uma Proposta Inovadora no Processo Penal, in: O Processo em sua Unidade –
II, Rio de Janeiro, Forense, 1984.
3 Op. cit., p. 228.
25
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de forma direta, tal seja, a coação sobre a pessoa investigada de sorte a dela
extrair a confissão, em muitos aspectos ainda esperada com ansiedade, acaba
invadindo o processo de modo sutil, sinuoso, esvaziando no plano prático a
indiscutível proteção constitucional.
2. A confissão do imputado
Hélio Tornaghi conceitua confissão como sendo a declaração pela qual alguém
admite ser autor de crime4, aduzindo ainda que confessar é aceitar, como verdadeira,
a autoria de um fato ilícito, puro e simples, ou de circunstância exacerbante5.
Muito embora haja predominante reconhecimento de que a confissão, como
tal, só deve ser assim considerada e convencer o juiz se tiver sido produzida
em juízo, isto porque, admitida com reservas como meio de prova, prevista
no Código de Processo Penal, em capítulo que está a indicar a indispensável
mediação do julgador, submeteBse à exigência de índole constitucional em
virtude da qual toda prova oral deve ser colhida em juízo6, na realidade dos fatos
infelizmente a chamada confissão extrajudicial acaba tendo seu valor.
Sérgio Demoro admite para as declarações do investigado, indiciado,
adquiridas na etapa prévia ao processo, a qualidade de mero indício, apesar
de acreditar que para as condenações penais o indício, por seus próprios méritos,
nada vale7. Todavia, e ainda sem discutir sobre a adequação do entendimento do
ilustre processualista, desmistificada está, nos dias de hoje, a idéia corrente de
que condenações não se fundam em indícios, provas críticas, mas tãoBsomente
em provas diretas, históricas8.
É verdade que os indícios só poderão ser validamente considerados
pelo juiz, como meio de prova, se a sua aquisição houver sido permeada pelo
contraditório. Sem isso, do ponto de vista jurídico e, especificamente, na visão do
direito processual constitucional, por maior que seja a aptidão de convencimento
do elemento demonstrativo, este dado estará obstado em seu efeito de motivar
a convicção do julgador. Contudo, desde que tenha preenchido a cláusula
constitucional, servirá o indício, como elemento indireto de demonstração de
4 TORNAGHI, Hélio. Instituições de Processo Penal, vol. 4, São Paulo, Saraiva, 1978, p. 46.
5 Idem.
6 HAMILTON, Sérgio Demoro. O Desvalor da Confissão Policial, in: Temas de Processo Penal, Rio de
Janeiro, Lumen Juris, 1998.
7 Op. cit., p. 136 e 138.
8 MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. A Prova por Indícios no Processo Penal, São Paulo, Saraiva,
1994.
26
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9 Idem, p. 76.
10 TORNAGHI, Hélio. Op. cit. P. 47.
27
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11 CASTRILLO, Eduardo de Urbano e MORATO, Miguel Angel Torres de. La Prueba Ilícita Penal: Estudio
Jurisprudencial, Pamplona, Aranzadi, 1997, 59.
28
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29
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13 DIAS, Jorge de Figueiredo. O Novo Código de Processo Penal, Coimbra, Almedina, 1992.
14 HASSEMER, apud NETO, Theodomiro Dias. O Direito ao Silêncio in: Revista Brasileira de Ciências
Criminais, n.º 19, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, p. 180.
15 GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades Públicas e Processo Penal, São Paulo, Revista dos Tribunais,
1982, p. 20.
16 ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra, 1992, p. 44.
17 Idem, p. 15.
30
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18 BARBALHO, João apud MENDES, Gilmar Ferreira. Significado do Direito de Defesa in: Direitos
Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, São Paulo, Celso Bastos, 1998, p. 93.
31
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19 COMPARATO, Fábio Konder. Liberdades Formais e Liberdades Reais in: Para Viver a Democracia, São
Paulo, Brasiliense, 1989.
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5. Conclusão
21 CASTRILLO, Eduardo de Urbano e MORATO, Miguel Angel Torres. Op. cit., p. 64.
34
Duplo grau de jurisdição no processo penal
brasileiro: visão a partir da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos em
Homenagem às idéias de Julio B. J. Maier22
Introdução
22 Síntese da palestra proferida no Seminário Direito no Século XXI, promovido pela Universidade
Estácio de Sá e pelo CEPAD, no Hotel Glória, Rio de Janeiro, publicada em 2001 em Direito Penal
e Direito Processual Penal: uma visão garantista, organizado por Gilson Bonato, Rio de Janeiro,
Lumen Juris.
23 MAIER, Julio B. J. Derecho Procesal Penal Tomo I: Fundamentos, Buenos Aires, Del Puerto, 1999, p. 22.
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25 É a posição de BINDER (Alberto, Introducción al Derecho Procesal Penal, Buenos Aires, ed. AdBHoc,
1999) e a nossa, exposta principalmente na Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais Comentada
e Anotada, Rio de Janeiro, Lumen Júris, 2000.
38
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Ora, se somente o juiz que teve contato com as provas e com os argumentos
das partes deve ter o poder de julgar, porque nele é possível depositar confiança
de que terá condição de ajuizar a situação real e ajuizáBla dentro de um contexto
histórico, cultural e social, também a compreensão a respeito do princípio do
duplo grau de jurisdição deve ser alterada.
Com efeito, um sistema de recursos como o brasileiro, que admite que uma
sentença absolutória ou condenatória seja modificada pelo tribunal por meio
de um recurso de apelação, sem que o tribunal tenha apreciado diretamente as
provas e sem que o tribunal tenha ouvido imediatamente os argumentos das partes,
guiandoBse com exclusividade por um mecanismo de interpretação de textos, sobre
os quais o tribunal se debruça (textos da apelação, das contraBrazões, dos termos de
depoimento e de declaração, além da própria sentença que está ali impressa), não
pode substituir o verdadeiro julgamento ou até ser considerado como tal.
Portanto, a oralidade é igualmente imprescindível no âmbito dos recursos,
e mais do que isso, como garantia que se impõe mediante reBinterpretação
constitucional do princípio do Juiz Natural.
Diante disso, a disciplina dos recursos tem de ser concebida de outro
modo, não se visualizando apenas seu aspecto formal, mas também seu aspecto
substancial. Afinal, como os convênios internacionais de direitos humanos
cuidam do duplo grau de jurisdição?
O estudo do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, ratificado
pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, revela a existência da seguinte regra: “Toda
pessoa declarada culpada, por um delito terá o direito de recorrer da sentença
condenatória e da pena, a uma instância superior em conformidade com a lei.”
O citado pacto, que compõe a Carta de Direitos Humanos, está integrado
ao ordenamento jurídico brasileiro de acordo com artigo 5º § 2º da Constituição
e tem consoante a posição aqui defendida, estatura de norma constitucional,
porque trata de direitos fundamentais.
No artigo 14, nº 5, do Pacto de Direitos Civis está consignado que toda
pessoa declarada culpada, por um delito terá o direito de recorrer da sentença
condenatória e da pena, a uma instância superior em conformidade com a lei. O
Pacto de São José da Costa Rica, que foi introduzido no Brasil pelo Decreto 678,
de 1992, exatamente como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos,
41
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dispõe em seu artigo 8º: “Toda pessoa terá o direito de ser ouvida com as devidas
garantias e dentro de um prazo razoável, por um Juiz ou Tribunal competente,
independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei na apuração de
qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus
direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra
natureza” e acrescenta, na letra h, que “toda pessoa terá o direito de recorrer da
sentença ao juiz ou tribunal superior.”
Esta pessoa referida é exatamente o acusado e tanto no Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos como no de São José da Costa Rica, a previsão de recursos
para assegurar o princípio de duplo grau de jurisdição é exclusiva da defesa27.
O recurso é concebido, à luz da doutrina brasileira mais aceita, como
prolongamento do exercício dos direitos de ação de defesa28. A ação se prolonga, a
defesa se prolonga, mediante recurso, dando uma idéia de bilateralidade do recurso.
A questão agora é se o princípio de duplo grau de jurisdição, concebido
na esteira das convenções internacionais, comporta esta idéia de bilateralidade?
Para nós a noção mais afinada com as citadas convenções prestigia a idéia
de unilateralidade dos recursos no processo penal, oferecendoBse o direito
somente à Defesa.
Por que somente a Defesa pode recorrer da decisão de mérito? Porque realmente
devemos nos acautelar dos julgamentos injustos que causem prejuízo ao acusado,
impondoBlhe sanção penal que às vezes ele não deveria receber. À acusação, por seu
turno, é dado o direito de, no espaço do processo penal, provar os fundamentos
de sua pretensão, de demonstrar os fatos sobre os quais sustenta seu pedido de
condenação. Se não o consegue, se o acusador não convence o juiz, não há porque
supor que o tribunal que normalmente não terá contato com as mesmas provas e
com os mesmo argumentos, e que se limitará a uma atividade de interpretação de
textos, fará justiça modificando a sentença absolutória.
Esse sistema pelo qual o recurso das decisões de mérito é exclusivo da
Defesa, é uma das coisas boas do Direito angloBsaxão. No Direito Inglês o
recurso é exclusivo da Defesa. Só há recurso da acusação quanto às chamadas
decisões interlocutórias, de natureza estritamente processual. No Direito norteB
americano também. No Direito inglês e no Direito norteBamericano, a idéia do
prolongamento do direito de ação e do prolongamento do direito de defesa
no plano dos recursos implica em violação do princípio do Juiz Natural, nesta
27 Julio Maier, na obra referida, é da mesma opinião, havendo influenciado nosso pensamento.
28 GRINOVER, Ada P. et al. Recursos no Processo Penal, São Paulo, RT, 1999.
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dimensão substancial, porque se o tribunal não teve contato com as provas e não
teve contato com os argumentos das partes não terá, a rigor, como julgar melhor.
Significa também, segundo inúmeras decisões da Corte Suprema dos Estados
Unidos, que o réu que estará sendo submetido a um segundo julgamento pelo
mesmo fato, dessa vez no âmbito recursal e de acordo com Pacto Internacional
dos Direitos Civis, como também de acordo com o Pacto de São José da Costa
Rica, ninguém pode ser julgado duas vezes pelo mesmo fato.
Por isso, se a acusação pretende a condenação do réu pela prática de uma
infração penal, que se organize e se prepare para estar em juízo em condições de
convencer o juiz, para estar em juízo em condições de demonstrar a existência
do fato, a responsabilidade do acusado, e o juiz então proferirá sentença
condenatória. Se ela não chegar a ter sucesso em sua pretensão não lhe resta mais
nada e efetivamente se consolida a absolvição nesse plano. Caso seja vencedora,
ao condenado se assegurará o direito à revisão da decisão, pois este é o princípio
do duplo grau de jurisdição em sua dimensão substancial.
No Direito Processual Brasileiro a única coisa mais ou menos parecida
está protesto por novo júri29, quando o réu, processado perante o Tribunal do
Júri, é condenado a uma pena igual ou superior a 20 anos. Basta que a Defesa
requeira ao juiz que o acusado seja submetido a novo julgamento, para que
seja reapreciada a situação do réu, sequer necessitando fundamentar esta sua
pretensão. E o único recurso no processo penal brasileiro que mais ou menos se
aproxima disso são os embargos infringentes30.
No entanto, é válido notar que a própria existência dos embargos infringentes
constitui violência à base de legitimidade do juiz, mencionada antes, porque
o critério de condenação que acaba prevalecendo nos recursos apreciados por
órgãos colegiados é o de maioria. E é certo que a maioria nem sempre está mais
qualificada que a minoria. Se há uma maioria decidindo a favor de uma tese é
porque não há um consenso a respeito da solução da causa e, por sua vez, se não
há este acordo é porque se está diante de uma situação de incerteza. Como se
sabe, a incerteza no processo penal induz à aplicação do princípio da presunção
de inocência, na perspectiva do in dubio pro reo, critério de resolução de incerteza
no processo penal.
No Júri da mesma forma o réu pode vir a ser condenado por quatro votos
a três, cinco votos a dois, seis votos a um, não interessa. No Júri o réu pode ser
29 Artigo 607 do Código de Processo Penal, pelo qual o réu tem, automaticamente, direito a novo
julgamento quando é condenado pelo tribunal do júri por tempo igual ou superior a vinte anos.
30 Artigo 609 do Código de Processo Penal.
43
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condenado por maioria e, indago de novo, por que a maioria tem de ser crida
como mais qualificada que a minoria?
Na realidade, o que se tem aí, efetivamente, são pessoas que discordam a
respeito da solução da causa, ou seja, há incerteza a respeito daquela solução. E
o critério matemático da maioria é válido no Congresso Nacional para se aprovar
uma lei e é válido no sistema de eleições para se eleger o Presidente da República,
mas não pode ser válido para nos convencer de que uma decisão está mais acertada
do que a outra, uma vez que o fundamento da decisão deve ser a verdade.
Todo o sistema recursal necessita ser filtrado, para em primeiro lugar,
desaparecer o recurso de apelação do Ministério Público contra sentença
absolutória, responsável por uma situação contraditória no Direito Processual
Penal brasileiro. No Pacto Internacional dos Direitos Civis, de aplicação
obrigatória entre nós, consta que: “Toda pessoa declarada culpada por um
delito, terá o direito de recorrer da sentença condenatória.”
Além de tudo, convém registrar a situação paradoxal, criada quando o
tribunal, julgando recurso de apelação do Ministério Público, condena réu que
havia sido absolvido em primeiro grau. Neste caso, no mínimo cabe assegurar ao
réu o direito de recorrer, muito embora não haja no sistema brasileiro um recurso
com a amplitude da apelação de que o novel condenado possa lançar mão quando
condenado no julgamento da apelação. Não há esse tipo de recurso e com todo
respeito à posição esboçada recentemente, por nossos tribunais superiores, isso
significa violação clara de um dispositivo que tem estatura constitucional.
A aplicação do direito ordinário conforme a Constituição no Brasil não
é algo que se faça com facilidade e nesta hipótese as dificuldades redobram
porque sempre virá o argumento: “olha, se o Ministério Público não puder
recorrer da sentença absolutória, mais uma vez estará imperando a impunidade
neste país e etc”. É evidente que o Ministério Público norteBamericano não
recorre das decisões de mérito de natureza penal, pois está proibido de recorrer
das sentenças absolutórias, e lá há dois milhões de presos e cinco milhões de
condenados. Basicamente não consta que haja reclamação por impunidade
nos Estados Unidos da América. Tudo é uma questão de garantir os direitos
constitucionais, e de preparar os operadores jurídicos para atuarem conforme a
Constituição e a lei, de sorte a efetivamente alcançarem o resultado que almejam.
A título de conclusão
44
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31 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas, Rio de Janeiro, Revan, 1991, p. 7.
45
Da Lei de Controle do Crime Organizado:
crítica às técnicas de infiltração
e escuta ambiental1
1. Introdução
1 Este artigo sintetiza as idéias apresentadas em 21 de abril de 2001, no Hotel Glória, no Rio de Janeiro,
no Simpósio “Novos Rumos, Novas Ideias”, promovido pelo Instituto de Direito – ID.
47
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2 Chama a atenção para o denominado dossiê genético, questionado pela incomensurável potenciaB
lidade lesiva aos interesses vitais das pessoas.
3 George Ruschie e O[o Kirchheimer.
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4 Sobre o tema recomendo a leitura do artigo – Revista Doutrina n. 11, ano 2001.
49
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5 Vale sublinhar que o pacto social contemporâneo concebido pelo autor, diferentemente da versão
liberal clássica engendrada por LOCKE e HOBBES, compreende as distintas posições sociais
dos membros da comunidade e se orienta a reduzir as diferenças naquilo em que – para citar
BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS – a diferença desfavorece as pessoas.
6 TrataBse de aplicar à hipótese o critério da proporcionalidade, definido por CANOTILHO da seguinte
maneira: “O princípio considerado significa, no âmbito das leis interventivas na esfera de liberdades dos
cidadãos, que qualquer limitação a direitos seja feita deve ser apropriada, exigível e na justa medida, atributos
que permitem identificar o conteúdo jurídico do cânone da proporcionalidade em sentido amplo: adequação;
necessidade; proporcionalidade entre meios e fins (sentido estrito).”
7 Lei n. 8.072/90.
50
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8 JUAREZ CIRINO.
9 Assim, FRANCISCO ASSIS TOLEDO, em Princípio Básicos de Direito Penal, São Paulo, Saraiva.
10 Ver GERALDO PRADO e WILLIAM DOUGLAS em Crime Organizado, Niterói, IMPETUS, 2000.
51
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11 Assim, por exemplo, LUIZ FLÁVIO GOMES reivindica para as organizações criminosas a previsão
de acumulação de riqueza indevida; hierarquia estrutural; planejamento empresarial, uso de meios
tecnológicos sofisticados, alto poder de intimidação, conexão local, regional ou internacional com
outra organização criminosa etc.
12 A Associação de Tipo Mafioso B artigo 416 bis do Comissões Parlamentares de Inquérito, pela
doutrina italiana pressupõe “Uma lógica de domínio e de conquista ilegal e violenta do espaço de poder
52
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real” (ANTOLISEI B Manuale di Diri[o Penale B Parte Speciale B II B Crime contra a ordem pública).
GAETANO NANULA (1996), in La Lo[a Alla Mafia, e GIULIANO TURONE (1995), in Il Delito di
associazione mafiosa, caracterizam a associação de tipo mafioso por uma rigorosa hierarquia de
poder e de funções, exprimindo, ainda, uma poderosa força de intimidação, derivada da eficiência,
da unidade indecifrável e da estrutura organizacional, sujeitando seus integrantes à omertà. O
tipo penal alcança até mesmo as influências da organização sobre as ações políticoBpartidárias.
53
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e extensão da aplicação destes direitos revelaBse como mais uma entre tantas
práticas de discriminação e controle social autoritário.
Com efeito, há direitos civis reconhecidos desde a Constituição do Império
do Brasil. A atuação prática destes direitos, todavia, na maior parte das vezes
esteve dirigida à proteção dos grupos sociais historicamente mais bem situados
na pirâmide social. Não há erro em afirmar que a República foi proclamada,
no caso brasileiro, mas o sentimento republicano raramente foi compartilhado
por pessoas de todos os segmentos sociais. Isso se deve ao fato de a República
– como a monarquia pósBindependência – terem sido movimentos políticos
verticais, produzidos de cima para baixo, do cume para a base da sociedade,
base esta que, excluída do gozo das riquezas, permaneceu durante longo tempo
desconhecendo o significado da cidadania.
Isso marca sobremodo a percepção peculiar ao senso comum, nos quadrantes
dos países periféricos e semiBperiféricos, de que os direitos fundamentais são
na realidade escudo artificial de que se valem parcelas das elites para elidir sua
responsabilidade quando flagrados violando a norma penal.
A disfunção histórica em termos de efetividade de direitos fundamentais no
Brasil e no restante da América Latina não nos permite, no entanto, tomar como
medida de injustiça social a pretensão de tutela de interesses vitais para todas
as pessoas, com independência da sua situação social, nem tampouco deixar de
reconhecer que determinados direitos não são essencialmente fundamentais13,
muito embora sejam tratados como se fossem, ampliando indevidamente o
âmbito de segurança de valores que realmente dizem respeito a apenas uma
fração da comunidade.
Pelo contrário, o viés estritamente discriminatório que marcou a dura relação
entre exercício de direitos fundamentais e a condição de determinados atores
políticos serve para demonstrar de que maneira a manipulação destes direitos
funciona como fonte de contenção das reivindicações sociais e de que forma
a ampliação, tanto no nível horizontal (dos sujeitos que devem ser protegidos
das ações contra seus direitos fundamentais) como vertical (da profundidade da
proteção, com o implemento de ações judiciais de fundo constitucional) poderá
servir de instrumento para neutralizar a tendência de congelamento da atual
situação de desigualdade14.
13 Como é o caso do sigilo bancário, que está baseado em relação de confiança mas que terminou sendo
interpretado, equivocadamente a nosso juízo, como emanação da personalidade.
14 Penso que a difusão dos direitos fundamentais – políticos e sociais – contém enorme potencial de
transformação da sociedade, com capacidade para romper as barreiras erguidas pelas diferenças
econômicas e sociais.
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técnicas de investigação que invadem o âmbito privado das pessoas, atua como
forte fator de corrupção e violência, degradando as relações entre a população
e as autoridades. Isso acontece no cotidiano das cidades brasileiras, quando as
casas da periferia são invadidas sem mandado e quando os informantes da polícia
de fato fazem parte dos grupos de criminosos que a mesma polícia devia tentar
controlar, de tal maneira que para as populações das áreas carentes acaba sendo
tarefa difícil delimitar o espaço dentro do qual os agentes do poder público
atuam para defendêBlas daquele outro em que estas mesmas populações são
reféns destes agentes como o são dos grupos criminosos.
Nos países centrais o sistema de garantias funciona relativamente nas
oportunidades em que é acionado para proteger os cidadãos. No Brasil e no
restante da América Latina o sentimento difuso de que as garantias processuais
não alcançam os mais pobres é reforçado pela certeza de que os Estados não
dispõem de Defensorias Públicas permanentes e bem equipadas. Aliás, sequer
um sistema judiciário com plantões freqüentes é encontrado em todos os lugares,
de modo a garantir o rápido acesso à justiça daqueles eventualmente atingidos
por atos arbitrários.
Ora, se diante de quadro semelhante o PANÓPTICO se instala nos Estados
centrais para, a pretexto de combater a criminalidade, controlar imensas
parcelas dos grupos sociais tidos como potencialmente perigosos (imigrantes
latinos, negros etc.), como supor que no Brasil – e em qualquer outro país da
América Latina – a liberdade de invasão na esfera da vida privada e intimidade
não servirão exatamente para acentuar o grau de discriminação que caracteriza
nossos sistemas penais?
Até porque, somente para ficarmos com um singelo exemplo, retirado
do campo de (im)possibilidade de aplicação da Lei n. 10.217/01, de onde virão
os agentes policiais que estarão infiltrados nos órgãos dirigentes dos grandes
grupos econômicos, se porventura houver suspeita da prática de crimes do
colarinho branco?20 Parece evidente que o alvo são as quadrilhas formadas por
sujeitos recrutados nas periferias, distinguindo aí, mais uma vez, os modelos de
criminalidade conforme o grupo social a que pertencem os agentes de delito.
Neste cenário comprometido pela violação da intimidade e vida privada,
com escuta ambiental e atuação de agentes infiltrados, o chamado direito à
AUTODETERMINAÇÃO INFORMATIVA, compreendido como direito de
o sujeito sobre o qual são armazenadas informação conhecer previamente os
20 No Seminário a que me referi na nota 1 esta foi das indagações da platéia, que realçou o caráter
discriminatório da chamada infiltração.
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Mais grave: a lei permite que o agente infiltrado não integre os corpos das
polícias responsáveis pela investigação criminal, indiciando perigosa tendência de
militarização da tarefa de persecução penal, sem embargo de uma nociva espécie de
cooperação penal internacional, que poderá comprometer nossa soberania.
4. A título de conclusão
58
Cidadania e Crime
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imaginário da classe média aquilo que as elites durante muito tempo procuraram
fazer crer: o vínculo entre pobreza e criminalidade. O ambiente de intolerância,
cujo exemplo em proporção macro não edifica, projetaBse no discurso da maioria
dos governantes, legisladores e juízes por meio da alegação do desgaste das
explicações socioeconômicas do delito. É necessário endurecer no combate à
criminalidade! Leis mais rigorosas e juízes implacáveis são o signo da nova
redenção! Tolerância Zero, esta é a tática contra o crime!
O que há de imperdoável neste discurso pode ser percebido em duas
distintas dimensões. A primeira delas está ligada ao sistema de penas. Para os
que não conhecem a história do direito penal, no Brasil, é preciso alertar que
desde a Independência nosso direito penal formal sempre foi muito rigoroso.
As penas cruéis do passado (de morte, açoites e outras) deram lugar a um dos
sistemas penitenciários mais desumanos de que se tem notícia. Gostando ou
não, este modelo revelouBse permeável à corrupção e fonte de delinqüência
e organização da criminalidade, além de não conseguir evitar mortes em
seu interior. O sistema penal informal, que teve seu tempo de glória durante
o último regime autoritário (64B85), semeou os grupos de extermínio que
ainda atuam nas periferias. A segunda dimensão sensível guarda relação com
a natureza dos crimes mais graves cometidos na atualidade e a situação das
populações das favelas e bairros populares. Em parte vinculados ao tráfico de
drogas, os delitos que mais impressionam têm nítida coloração econômica e
social. Arregimentando jovens pobres das antigas áreas esquecidas, esta espécie
de criminalidade aprisiona os jovens de classe média que consomem drogas
e prende também extensa parcela da população pobre das áreas periféricas,
maltratadas pelos criminosos e estigmatizadas pelo restante da sociedade.
As duras penas dos crimes – que ainda neste momento pretendeBse
ver aumentadas – e o longo encarceramento de criminosos pobres não têm
modificado o grau de insegurança da população em geral. As técnicas de
combate à criminalidade via redução das garantias constitucionais estão afetando,
principalmente, as vítimas mais diretas da criminalidade violenta, neste caso
os moradores das favelas, que perdem direito à inviolabilidade do domicílio,
ao argumento de que os barracos onde (sobre)vivem são refúgio de criminosos
e estão fora da tutela da Constituição. É natural que estes moradores reajam
com temor, desconfiança e ódio às ações policiais. Neste clima de intolerância
recíproca nenhuma medida concreta é capaz de restituir (ou instituir) um nível
de convivência relativamente harmonioso.
O desarme dos espíritos, fundamental para resgatar o sentido comunitário
e denunciar o caráter arbitrário das ações criminosas, passa de início por
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2003
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La reforma del proceso penal en Brasil
I. Introducción
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1 La Reforma del Proceso Penal en Brasil y en América Latina, São Paulo, Método, 2001.
2 Por fuerza de la Enmienda Constitucional 45, el artículo 114 de la Constitución fue alterado para
prever la competencia de la Justicia del Trabajo para juzgar habeas corpus cuando el acto cuestionado
incluya materia sujeta a su jurisdicción.
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rídicos, el debido proceso legal no puede ser una cajita de sorpresas, como en la
jerga del fútbol. Aquí, con mucho más motivos que en el deporte, la regla debe ser
clara y esta certeza está respaldada por valores constitucionales que, a merced de
la actividad legislativa dispersa y errática, raramente encuentran la ocasión de
cimentar una nueva cultura.
CARLOS MORALES DE SETIÉN RAVINA, analizando la racionalidad juB
rídica en BOURDIEU y TEUBNER, constata el papel de la dominación cultural,
que define como dominación de las fuerzas de un campo determinado. Señala
que las formas de un determinando campo solamente se consolidan mediante
la creación de una tradición y que esa tradición está vinculada a la existencia de
un conjunto de normas fijas y cognoscibles y, por eso, normas pasibles de interB
pretación y aplicación4.
Para que los valores constitucionales se consoliden y conformen una tra/
dición distinta a aquella históricamente experimentada, se hace necesario proB
ducir las normas jurídicas y sociales que propiciarán esa transición (en el caso
brasileño, una transición que ha demorado demasiado). La llave principal es,
sin duda, la Constitución de la República, como también los tratados internaB
cionales. Sin embargo, sin un nuevo código hay serio riesgo de que nunca se
configure el ideal republicano y democrático que debe dirigir el sistema de resB
ponsabilidad criminal.
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Da delação premiada:
aspectos de direito processual*
I. Introdução
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1 h[p://noticias.uol.com.br/midiaglobal/derspiegel/2005/12/13/ult2682u66.jhtm, consultado em 1º de
janeiro de 2006.
2 Ver artigo de Dorrit Harazim, publicado no Jornal O Globo de 1º de janeiro de 2006, sob o título:
“Um despertar Americano?”, p. 29. Consultado na mesma data em h[p:// oglobo.globo. com/jornal/
mundo.
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3 Artigo 291 da Lei nº 9.503, 23 de setembro de 1997. Vale lembrar que há infrações de menor potencial
ofensivo, definidas na Lei nº 9.605/98, relativa aos crimes ambientais.
4 Em pesquisa de fôlego, professores europeus de direito penal comparado optaram pelo mesmo
critério, de não incluir a “participação do delinquente no processo penal”, expressão cunhada por
A. Perrodet para designar a colaboração premiada, no conceito de justiça negociada, sob pena de
ampliar de tal modo e com tantas categorias heterogêneas, o citado conceito que ele terminaria
perdendo a pertinência e utilidade operacional. Association de Recherches Pénales Européennes
(ARPE). DELMAS-MARTY, Mireille (dir.). Procesos Penales de Europa. Zaragoza: Edijus, 2000, p. 661.
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12 CORDERO, Franco. Procedimiento Penal. Tomo II. Bogotá: Editorial Temis, 2000, p. 201.
13 SublinheBse que o delatado não tem o direito de exigir do delator que responda a suas perguntas.
Como deve ser “interpretado” o silêncio do delator a respeito de alguns dos pontos invocados pela
defesa do delatado?
14 ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios Fundamentais do Processo Penal: A Contrariedade
na Instrução Criminal; O Direito de Defesa no Inquérito Policial; Inovações do Anteprojeto de Código de
Processo Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1973, p. 82.
15 Conforme esta perspectiva o juiz é o destinatário da atividade das partes (do resultado dessa
atividade) e sua função é zelar para que os sujeitos parciais estejam aptos a deduzir suas alegações e
produzir as provas. Nesta tese não se aceita o posicionamento de respeitável grupo de processualistas
civis, no sentido de converter o juiz em sujeito ativo do contraditório, ou, como assevera Cândido
Rangel Dinamarco, reconhecer que ele próprio, juiz, exerce o contraditório. DINAMARCO,
Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno..., op. cit. , p. 124.
16 Idem, p. 115.
17 GRINOVER, Ada Pellegrini. “Uma proposta inovadora no Processo Penal”, in: O Processo em sua
Unidade II . Rio de Janeiro: Editora Forense, 1984, p. 228.
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18 TORNAGHI, Hélio Bastos. Instituições de Processo Penal, vol. 4, op. cit., p. 47.
19 Nenhuma nota sobre o assunto pode ser mais eloqüente do que as orientações contidas no Manual
dos Inquisidores, escrito por Nicolau Eymerich em 1376 e revisto e ampliado por Francisco de La
Peña, em 1578. EYMERICH, Nicolau. Directorium Inquisitorum (Manual dos Inquisidores). Revisto
e ampliado por Francisco de La Peña, 2ª ed., Rio de Janeiro: Editora Rosa dos Tempos; Brasília:
Fundação Universidade de Brasília, 1993, pp. 98B104.
20 “Nulla accusatio sine probatione”, assinala Luigi Ferrajoli (FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón..., op.
cit., p. 93).
21 Idem, p. 539.
22 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón..., op. cit., p. 69.
23 Sobre o tema recomendaBse a leitura, entre outros, de Crimes Hediondos (FRANCO, Alberto Silva, 4ª
ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000).
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Entre a teoria e a prática...
ou a luta pelo Estado de Direito1
1 O referido texto foi publicado no Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.15, n.179, p. 09, fev. 2007.
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genio Raúl Zaffaroni, Massimo Pavarini e outros não deixam a crítica dormir e
permitem, que bom!, que as consciências não se acomodem diante do que parece
ser a explicação única e universal da crise social, apresentada diariamente pelos
meios de comunicação social.
Apesar disso, a política criminal contemporânea, no Brasil, tem sido marB
cada pela brutalidade e pelos objetivos de segregação, em retrocesso bem deB
nunciado pelos criminólogos críticos, mesmo quando se tem como referência
o funcionamento do Sistema de Justiça Criminal formal no período de nosso
último regime autoritário (Nilo Batista).
Os números não deixam mentir! A publicação dos dados consolidados do
Sistema Penitenciário do Brasil (p. 34) revela que em 2005 havia 296.919 preB
sos (102.116 provisórios) e que no ano de 2006 o número passou para 339.580
(112.138 provisórios). Somente no Rio de Janeiro (p. 40) a evolução do encarceB
ramento registra que em 2003 havia 18.562 cumprindo pena e que em 2006 este
número pulou para 28.104.
À opção pelo encarceramento somaBse a disposição de brutalizar a represB
são e as informações do Ministério da Justiça destacam que, por hora, 7 (sete)
jovens entre 18 e 29 anos entram nas prisões brasileiras (jornal O Globo de 29 de
junho de 2007). O alvo preferencial continua sendo a juventude popular, moraB
dora da periferia!
Bem, daí às mortes a granel é um pulo! Que o diga o Complexo do Alemão!
Não à toa a Anistia Internacional tem denunciado a “politicagem” sobre seguB
rança no Brasil.
O que espanta neste quadro é o estado de quase completa letargia que toma
conta dos profissionais do direito, como se as questões relacionadas à segurança
pública não dissessem respeito à cidadania e como se as mortes e encarceramenB
to multiplicados não fizessem parte de um programa político. Programa, digaB
se de passagem, escolhido e implementado diariamente com a colaboração, no
mínimo por omissão, dos atores com formação e atuação no campo do direito!
Encarcerar pessoas em massa, fazer ouvidos de mercador às vozes das faB
mílias da periferia que reclamam pelos mortos – com mortes que atingem tamB
bém, inevitavelmente, os agentes das forças de segurança pública que recebem
a tarefa de estar na linha de frente do “combate” – fechar os olhos à informação
de que apenas na área do citado Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, 2% das
crianças estão em atividade de trabalho, contra a média brasileira de 0,6 %(CenB
so IBGE), tudo isso, em realidade, encerra determina ideologia.
Como sublinha Elisabeth Roudinesco (Filósofos na Tormenta, Zahar, R J,
2007, p. 10), citando Michel Foucault e Gilles Deleuze, cuidaBse aqui da domiB
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Tribunal do Júri: propostas e
alternativas1
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Esse alerta, essa advertência “olha uma reforma pontual sempre corre
o risco de retirar do sistema de administração da justiça penal o mínimo de
racionalidade”, que de alguma maneira a tradição jurídica, o modo de atuar
concreto dos profissionais do direito acabou construindo, este risco irá se
acentuar, ele é ainda maior se escolhermos modificar o “código” do sistema penal
pontualmente e deixarmos de lado alguns projetos que formam o que eu chamo
de a estrutura do processo penal, não a estrutura do Código de Processo Penal,
mas a estrutura do próprio processo penal. O processo penal como método deve
gozar de um mínimo de racionalidade.
Pensar o processo de conhecimento, pensar as medidas cautelares, a prova,
o interrogatório, os recursos separadamente implica colocar ainda mais lenha na
fogueira do autoritarismo ideológico, ou como disse aqui Maurício Zanoide de
Moraes, contribuir para a permanência inquisitorial que o modelo de 1941 soube
consagrar, soube realizar e que atualmente não depende tanto da lei para prosseguir
funcionando, pois acaba sendo algo muito mais de cultura jurídica. E não se pode
desprezar a força de uma prática cotidiana, consagrada no plano da cultura.
Portanto, se queremos alguma coisa melhor do que o que se tem na
atualidade, se queremos transformar o processo penal, precisamos transformáB
lo na sua estrutura. E ao pensarmos em transformar o processo penal na sua
estrutura devemos pensar em uma estrutura como sendo – nas palavras de
Ada Pellegrini Grinover – a conexão entre os elementos centrais deste sistema,
conexão essa que deve ser harmônica e que também deve ser razoável.
Em inúmeras passagens do projeto de reforma do procedimento do júri,
este faz referência ao projeto de novos procedimentos (ordinário e sumário).
Várias das disposições que estão previstas no procedimento do júri vêm
acompanhadas ao final de uma referência ao procedimento comum, já de
acordo com a nova redação proposta. Então a modificação de determinado
artigo do Código de Processo Penal dentro do capítulo do procedimento do júri,
em que esta modificação esteja ligada a algum outro capítulo, artigo, inciso ou
dispositivo de outro projeto, que é este que eu mencionei, como por exemplo, no
caso da chamada emendatio libelli ou da denominada mutatio libelli, pode gerar
perda de racionalidade. Assim, no exemplo, alteraBse o procedimento do júri no
que toca à possibilidade de mudança da imputação, e se diz: “nesse caso, iremos
atuar conforme o artigo 383 do CPP”, mas não o atual artigo 383 do Código do
Processo Penal e sim aquele pensado, idealizado, pela Comissão responsável
pelo Anteprojeto, agora projeto da reforma dos procedimentos.
A leitura conjunta é essencial. Uma eventual aprovação do projeto de
procedimento do júri sem a aprovação concomitante do projeto da reforma dos
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querelante, nos casos de crime de ação penal privada, cabe definir a matéria que
será submetida ao juiz. Ao Ministério Público e ao querelante cabe dar início
ao processo apresentando em juízo a acusação. Esta acusação é submetida a
um filtro, já se falou disso hoje aqui, por meio da atuação do juiz como juiz de
garantias, tendo a função primordial de evitar que prospere processo fundado
em uma acusação leviana. Toda essa estrutura inicial do procedimento ordinário
previsto no projeto nº 4.207/2001, está voltada ao controle da acusação; queremos
uma acusação que de fato leve ao juiz a matéria que ele terá que apreciar e
decidir, mas que não leve a ele aquilo que não deve ser levado porque não existe
suporte probatório.
Porque em determinadas situações, a acusação estará veiculando ou estará
imputando ao réu práticas sobre as quais não há qualquer tipo de referência
na anterior investigação. O filtro funciona ali, o filtro impede que alguém se
submeta ao processo penal de forma vexatória. É uma idéia geral que no projeto
de reforma dos procedimentos irá aparecer nos seus artigos propostos, sendo o
artigo 395 central porque nos diz “olha, começamos o processo desta maneira”
e aí vem o 396. Convido os senhores à leitura: “oferecida a denúncia ou queixa, o
juiz, se não a rejeitar liminarmente, ordenará a citação do acusado para responder à acusação,
por escrito, no prazo de dez dias, contados da data da juntada do mandado aos autos ou, no
caso de citação por edital, do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído”.
Assim, o réu será citado para apresentar defesa preliminar, alegações preliminares
no prazo de dez dias e indicar as provas que pretende produzir, e o juiz, diante
dessa defesa preliminar, produzirá análise dessa defesa preliminar cotejandoBa com
a acusação e com a investigação criminal que lhe sustenta.
E no artigo 396 está dito que: “o juiz, fundamentadamente, decidirá sobre a
admissibilidade da acusação, recebendo ou rejeitando a denúncia ou queixa”. Então,
ao contrário do que dispõe o atual artigo 396 do Código de Processo Penal, o
projeto sugere outro comportamento do magistrado no início do processo, como
se nos dissesse “olha juiz, a partir de agora, diferentemente do que acontece
hoje, não poderá simplesmente receber a denúncia e permitir que este processo
prossiga sem que, fundamentadamente, diga que está recebendo a denúncia
porque este elemento de convicção me convenceu da viabilidade da existência
do crime e/ou também da inviabilidade desse crime imputado ao réu. Estou
convencido provisoriamente disso, estou decidindo pela admissibilidade da
acusação e a partir de agora sim, vamos produzir as provas, vamos ouvir o que
o réu tem a dizer sobre o assunto, vamos ouvir o que as testemunhas arroladas
pela acusação e pela defesa irão declarar, o que elas podem dizer, que tipo de
contribuição elas poderão produzir... “
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Dispositivos legais desencarceradores:
o óbice hermenêutico1
Geraldo Prado2
Rubens R R Casara3
1 O presente texto reúne as considerações levadas a cabo pelos autores durante o Seminário “Depois
do Grande Encarceramento”, realização do Ministério da Cultura e do Instituto Carioca de
Criminologia.
2 Desembargador do TJ/RJ, Doutor e Mestre em Direito pela UGF, Professor de Processo Penal da
UFRJ e da UNESA, Membro da Associação Juizes para a Democracia (AJD) e do Movimento da
Magistratura Fluminense pela Democracia (MMFD)
3 Juiz de Direito do TJ/RJ, Doutorando em Direito pela UNESA, Mestre em Ciências Penais pela
UCAM/ICC, Professor de Processo Penal do IBMECBRJ, Membro da Associação Juizes para a
Democracia (AJD) e do Movimento da Magistratura Fluminense pela Democracia (MMFD)
4 Sobre o tema: FOUCAULT, Michel. Genealogia e poder. In Microfísica do poder; trad. Roberto
Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979, p. 167B177.
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5 Ver: BATISTA, Nilo. Pena pública e escravismo. In História e direito: jogos de encontros e transdisB
ciplinaridade. Gizlene Neder (org.). Rio de Janeiro: Revan, 2007, p. 27B62.
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6 UtilizaBse aqui expressão de cunho heideggariano empregada por Alexandre Morais da Rosa (ROSA,
Alexandre Morais da. Decisão penal: bricolagem de significantes. Rio de Janeiro, 2006).
7 GADAMER, HansBGeorg. Verdade e método. Trad. Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Vozes, 1997,p. 35.
8 A expressão foi utilizada por Nilo Batista em sua fala no Seminário “Depois do Grande
Encarceramento”, promovido pelo Ministério da Justiça e pelo Instituto Carioca de Criminologia.
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Sobre Procedimentos e antinomias1
1 O referido texto foi publicado no Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.16, n.190, p. 04B05, fev. 2008.
2 E aí é irrelevante que se trate de ação penal exercitada perante o juiz singular, qualquer que seja a
infração penal atribuída ao acusado, exceto às de menor potencial ofensivo, ou mesmo ação penal
proposta diretamente no Tribunal (a denominada ação penal originária).
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4 PEÑA FREIRE, Antonio Manuel. La garantia em el Estado constitucional de derecho, Madrid, Tro[a,
1997, p. 28.
5 COSTA, Pietro e ZOLO, Danilo. O Estado de Direito: História, Teoria e Crítica, Martins Fontes, São
Paulo, 2006, p. XIV.
6 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed. Almedina,
Coimbra, p. 258.
7 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 5ª edição.
Malheiros, São Paulo, 2006, p. 30.
8 ÁVILA, Ana Paula Oliveira. A face nãoBvinculante da eficácia vinculante das declarações de
constitucionalidade: uma análise da eficácia vinculante e o controle concreto de constitucionalidade
no Brasil, in: Fundamentos do Estado de Direito – Estudos em homenagem ao professor Almiro do
Couto e Silva. Malheiros, São Paulo, 2005, p. 205.
9 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas, 2ª
edição. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2006, p. 9.
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10 Não é nova a resolução definitiva (“de mérito”) de uma causa sem precedência de decisão de
recebimento da inicial. Basta ver o disposto no artigo 74 da Lei nº. 9.099/95.
11 BOBBIO, obra citada, p. 89.
12 HC nº. 68.793 – RJ, Primeira Turma, Relator designado Min. Moreira Alves, julgado em 10 de março
de 1992 – RTJ 166/493.
13 CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de Emergência. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2002, p. 26.
14 PASTOR, Daniel R. Recodificación penal y principio de reserva de código. Buenos Aires, AdBHoc,
2005, p. 11.
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A Transação Penal quinze anos depois1
1. Introdução
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que, mesmo para estas (processo comum, por iniciativa do Ministério Público),
ainda assim deixa muito a desejar.
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4. Considerações finais
2 Ressalto aqui minha posição pela inconstitucionalidade da transação penal em torno da prisão,
conforme expus em Transação Penal, 2ª Ed, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2006.
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Crônica da Reforma do Código de Processo
Penal brasileiro que se inscreve na disputa
política pelo sentido e função
da Justiça Criminal1
1. Introdução
1 Artigo em homenagem aos professores Nilo Batista e Vera Malaguti. Versão do trabalho foi
apresentada em Curitiba, em 16 de agosto de 2010, durante as Jornadas comemorativas da fundação
do Núcleo de Pesquisa de Direito Processual Penal do Penal do Programa de PósBgraduação em
Direito da UFPR.
2 h[p://novo.direitoprocessual.org.br/content/blocos/96/1, consultado em 22 de agosto de 2010.
3 http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&task=view&id=11428&Itemid=511,
consultado em 22 de agosto de 2010.
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Silveira, Felix Valois Coelho Junior, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Sandro
Torres Avelar e Tito Souza do Amaral.
Em comum entre as iniciativas a certeza de que não há “paz doutrinária”,
isto é, não há sequer consenso acerca da concreta necessidade de dotar o Brasil
de um Código de Processo Penal que difira na base (estrutura), no modelo e nas
práticas do texto que está em vigor desde o Estado Novo (DecretoBLei nº 3.689,
de 03 de outubro de 1941).
Ao estudioso das Ciências Sociais por certo que as distintas visões de
mundo, que operam na dinâmica da firme discussão em torno da proposta de
uma nova lei processual penal, não causam estranheza. As divergências, que
cobrem aspectos centrais do modelo em disputa, refletem diferentes concepções
do Estado de Direito, do papel do Direito Penal e do Processo Penal e das funções
políticas e propriamente jurídicas que devem ser cometidas ao juiz criminal. São
ideologias em rota de colisão, e em uma democracia isso é relativamente comum.
O “mundo do direito”, porém, vive da ilusão do consenso, da suposta
“suspensão dos conflitos”, da superação das controvérsias sem que de fato os
problemas que estão no cerne das discussões sejam nomeados e enfrentados.
ViveBse da crença de que é possível sustentar a permanência das formas de
processar e julgar as pessoas acusadas de praticar crimes, sem embargo de, na
maioria das vezes, estas formas resultarem da aplicação política de critérios
peculiares aos sistemas autoritários.
A discussão pública, especialmente no âmbito das corporações, com
frequência confisca do discurso as expressões “ideologia”, “autoritarismo”
e até mesmo “inquisitorialismo”, para operar a partir da chave de leitura da
“tradição do processo penal brasileiro” tomada como hábito ou rotina instituída,
com práticas inscritas no cotidiano do foro e delegacias de polícia a que nos
acostumamos e que supostamente devemos seguir reproduzindo.
O campo de disputa de sentidos fica, pois, delimitado e restringido
exatamente na razão direta em que tem êxito a ação (política) de subtrair o
conteúdo ideológico do debate sobre a reforma do processo penal.
Refletir sobre esta “restrição” corresponde à tentativa de entender como
funcionam determinados grupos sociais e como “pessoas de carne e osso”
atuam na qualidade de portaBvozes de interesses que são legítimos, mas não são
necessariamente consensuais, e que se projetam no campo da “divisão de poder”
que, esta sim, varia sensivelmente de território, alargandoBse, mas desenhando
pontos de interseção entre os intelectuais (e a academia) e os políticos, incluindo
os agentes públicos que atuam na esfera do Poder Judiciário.
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4 Luigi Ferrajoli exerceu as funções de magistrado entre os anos de 1967 e 1975, na Itália. Desde 1970
é professor de Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito na Universidade de Camerino e, desde
2003, na Universidade de Roma III.[]
5 5ª edição, 2006, Tro[a, Madrid.
6 Derechos y garantías, op. cit., p. 19.
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7 Derechos insaciables, in Los fundamentos de los derechos fundamentales, coordenado por Antonio
de Cabo e Gerardo Pisarello, Tro[a, Madrid, 2001, p. 243B265.
8 Op. cit., p. 243.
9 Los fundamentos de los derechos fundamentales, in Los fundamentos de los derechos fundamentales,
coordenado por Antonio de Cabo e Gerardo Pisarello, Tro[a, Madrid, 2001, p.288 e 323 a 328.
10 Idem, p. 327.
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11 Como na primitiva redação do artigo 531 do Código de Processo Penal, que autorizava o juiz criminal
a iniciar o processo por meio de portaria ou auto de prisão em flagrante, acusando as pessoas da
prática das contravenções penais e dos crimes culposos (Lei nº 4.611/65).
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12 Vale a leitura da obra seminal, no Brasil, sobre o tema: Interpretação retrospectiva: sociedade
brasileira e processo penal, publicada na Coleção Pensamento Crítico, de autoria de Rubens Casara,
Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2004.
13 La procedura penale dal rito inquisitório al giusto processo, in: h[p://www.associazionedeicos
tituzionalisti.it/materiali/convegni/roma20021114/amodio.html, consultado em 22 de agosto de 2010.
14 Idem, p. 2 e 11.
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Gizlene Neder, por sua vez, destacará os vínculos entre o discurso autoritário
e a ordem burguesa no Brasil, em obra que leva este título, e investigará o papel
dos juristas e bacharéis no país que então nascia18.
Caberá, todavia, a Angela Alonso deslocar o olhar das instituições, em regra
percebidas como entidades coesas, cimentadas por interesses comuns de seus
membros, para as pessoas da chamada “geração de 1870”, em tese responsável
pela difusão inicial de uma “modernidade” intelectual em nosso país19.
Trabalhando com a categoria do “repertório”, no âmbito da história das
ideias, que está definido como “conjunto de recursos intelectuais disponível numa
sociedade em dado tempo”, verdadeira “caixa de ferramentas às quais os agentes
recorrem seletivamente, conforme suas necessidades de compreender certas situações e
definir linhas de ação” (grifo da autora) 20, a autora buscará entender o movimento
de 1870 a partir da combinação das chaves de leitura das categorias cognitivas
(formas de pensar conformadoras de sistemas racionais) e esquemas de
orientação prática.
Dito de outra maneira: a percepção da relação entre experiência e cultura,
em dado momento, a partir da manifestação de agentes em uma situação de
crise e, portanto, prévia à transformação, não deve menosprezar o movimento
intelectual em prol do político e viceBversa, tampouco supor uma autonomia
entre ambas as instâncias, até porque a pesquisa termina por revelar a inexistência
desta situação autônoma21!
Daí sua proposta de abordagem política do movimento intelectual,
sustentada na tese de que “formas de pensar estão imersas em redes sociais” 22.
Com efeito, não se deve deixar de considerar, como importante elemento
conformador da realidade, a articulação entre o pensamento (sobre o Brasil,
sobre o Direito etc.) e a ação política, como se não houvesse uma dimensão de
ação coletiva nas práticas de pessoas e grupos reunidos por afinidades variadas.
E, principalmente, como se a disputa pelo poder não estivesse em jogo.
Angela Alonso irá chamar atenção para o fato de que “movimentos
intelectuais são uma modalidade de movimento social”.
Sem dúvida que neste contexto as oportunidades políticas jogam um papel
decisivo, e não há privilégios de posição (casta intelectual). A análise empírica
será decisiva para ditar que pensamentos, sofisticados ou pobres, segundo
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23 Remeto à leitura da obra Teorias de la verdad em el siglo XX, organizada por Juan Antonio Nicolás
e María José Frápolli, Tecnos, Madrid, 1997.
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24 Entre outras leituras sugereBse, de Löic Wacquant, As duas faces do gueto, São Paulo, Boitempo, 2008.
25 Ver pesquisa que divulguei no blog: www.geraldoprado.blogspot.com, marcador Um novo Código
de Processo Penal.
26 O diálogo entre ciência e política no processo de formação das leis penais, in: Revista de Informação
Legislativa, ano 47, nº 186, abrilBjunho de 2010, publicação do Senado Federal, p. 9.
27 Op. cit., p. 21B26.
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4. Considerações finais
28 Andrés Ibañez, Perfecto. Garantia Judicial dos Direitos Humanos, Separata nº 78 da Revista do
Ministério Público, Lisboa, 1999, p. 29.
120
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Referências bibliográficas:
121
Sobre o Projeto de Código de Processo Penal:
o habeas corpus1
1. Introdução
1 Este trabalho sumaria as posições do autor sobre o Projeto de reforma do Código de Processo Penal
(PLS 156/09), apresentadas em audiência pública da Comissão do Senado, no Rio de Janeiro, em 15
de junho de 2009.
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É necessário, porém, ressaltar que uma das dificuldades tem que ver com a
conjuntura global em que se insere o projeto.
As décadas de 80 e 90 do século XX testemunharam na América Latina o
fim dos regimes autoritários, caracteristicamente militares. Era de esperar que
as Constituições das novas democracias contemplassem catálogos de garantias
que, entre outras funções reais e simbólicas, dessem conta da tarefa de demarcar
com rigor as fronteiras entre o velho (autoritário) e o novo (democrático e
republicano), sob a ótica do estado de direito.
E foi assim não apenas no plano interno, à vista da arquitetura normativa
das Constituições então recentemente promulgadas, mas também pela força
que vinha de fora e pressionava pela adoção dos tratados internacionais sobre
direitos humanos.
O olhar retrospectivo permite avaliar o excessivo otimismo que reinava à
época. Otimismo que a queda do Muro de Berlim, como registro do fim da Guerra
Fria e da dominante bipolaridade, sequer sugeria pudesse ficar abalado diante da já
insinuante política bélica em relação ao tráfico de drogas no Hemisfério Sul.
Com efeito, predominava entre as classes médias das novas democracias –
e no Brasil não era diferente – a suposição de que o repúdio à tortura praticada
pelas ditaduras militares e o prestígio aos direitos humanos, especialmente no
processo penal, faziam parte de algum consenso alargado, sustentado na mítica
do Pacto Social que as constituintes buscaram dar vida.
Claro que nas metrópoles a mídia corporativa já dominava o cenário e
a cultura do medo que difundia surtia seu efeito, incentivada pela explosão
de demandas das classes e grupos que aspiravam concretizar as promessas
constitucionais, com a profusão de conflitos gerados por isso. Assim, a adoção
das garantias processuais em relação à maioria das pessoas submetidas ao
processo penal na prática era paralisada ou retardada.
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2 Não há como deixar de citar aqui o trabalho paradigmático de Nilo Batista, sob o título “Mídia e
sistema penal no capitalismo tardio”, publicado na Revista Brasileira de Ciências Criminais ano 11,
nº 42, jan./mar. 2003, p. 242B263. E também a obra igualmente relevante, sobre o papel da mídia e
de seus “juízos paralelos”, de autoria de Simone Schreiber: A publicidade opressiva de julgamentos
criminais: uma investigação sobre as conseqüências e formas de superação da colisão entre liberdade
de expressão e informação e o direito ao julgamento criminal justo, sob a perspectiva da Constituição
brasileira de 1988, Renovar, São Paulo, 2008.
3 Luigi Cornacchia irá trabalhar com as categorias do Direito Penal do Inimigo e seus reflexos
processuais em La moderna hostis iudicatio: entre norma y estado de excepción (Universidad
Externado de Colombia, Cuadernos de Conferencias y Artículos n.º 42, Bogotá, 2007). TrataBse,
pois, de reavivar os mecanismos pelos quais o Estado cassa o status de cidadania de determinadas
pessoas, convertidas em “inimigos internos”.
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4 SALAS, Luis P. La Ley patriótica USA, in: Terrorismo y Proceso Penal Acusatório, Tirant Lo Blanch,
Valencia, 2006, p. 255B267.
5 CORNACCHIA, Luigi. Obra citada, p. 9.
6 Consultado em 10 de novembro de 2009, no sítio eletrônico HTTP://www.mj.gov.br/depen.
7 Execuções Sumárias no Brasil: 1997/2003. Centro de Justiça Global, Rio de Janeiro, 2003.
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8 Os artigos citados, sem qualquer outra referência, são sempre do projeto de Código de Processo
Penal (PLS 156/09).
9 Esta empregada em lugar de “processo”. DenunciaBse a incerteza a respeito do que se fala.
10 Testemunha/se o fato sobre o qual se depõe em juízo, no momento da formação da prova.
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11 Neste caso a opção implicará em uma nova e completa redação, que distinga as decisões extintivas
tomando por base a solução definitiva do caso, com pronunciamento judicial tendente à coisa
julgada material, ou a resolução meramente formal, por força de deficiente formação do processo ou
da própria acusação.
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12 O artigo 4º, no entanto, não deixa margem à dúvida: “o processo penal terá estrutura acusatória”.
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17 É meritória a proposta de redação do artigo 17, que se dirige ao citado objetivo de concretização da
imparcialidade do julgador,
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E é também nesta linha histórica que o habeas corpus deve ser colocado em
perspectiva.
18 Convém buscar o significado do termo nos dicionários, em relação ao nosso recente passado ditatorial.
19 PRADO, Geraldo. Transação Penal, 2ª ed., Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2006.
20 Conforme esta razão o indivíduo conscientemente não adotaria comportamento que lhe trouxesse
prejuízo. Minha crítica a isso e o entendimento sobre a inconstitucionalidade, entre nós, deste
procedimento, está lançada na referida obra (nota 14).
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21 Não é exatamente assim que a coisa está dita na exposição de motivos. Mas é como está colocada no
projeto, conforme o parágrafo único do artigo 637.
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6. Considerações finais
Referências bibliográficas
135
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136
Poder Negocial (sobre a pena), Common
Law e processo penal brasileiro: Meta XXI,
em busca de um milhão de presos!?
1. Introdução
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138
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7 SALAS CALERO, Luis. La Ley Patriótica USA, em Terrorismo y Proceso Penal Acusatório, Valencia,
Tirant Lo Blanch, 2006.
8 h[p://gpgrupodeestudos.blogspot.com, consultado em 07 de setembro de 2010.
9 History of the Common Law: the development of angloBamerican legal institutions, Aspen, 2009.
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22. Vale dar uma lida no cap. 4 do Adversarial Legalism: the american
way of law, de Robert Kagan, e nas demandas por mais segurança (ou na
manipulação do medo) entre as classes médias norteBamericanas, para
compreender o salto extraordinário da população carcerária e sob vigilância
nos Estados Unidos, dos anos 60 para cá, e como isso influenciou o adversarial
legalism na área criminal15.
22. Assim, atrelar o poder negocial, ainda que sob a forma de procedimento
sumário, ao modelo acusatório importa em juntar duas coisas que não comungam
a mesma identidade, tampouco precisam do mesmo “ar” para viver.
23. Claro que o projeto de Código de Processo Penal não obedece a algum
capricho de seus autores, respeitados no meio acadêmico e profissional, e todos
indiscutivelmente comprometidos com os direitos humanos e a democracia (a
biografia de cada um deles os antecede).
24. É necessário tentar entender os fios que unem a proposta de poder
negocial à reformulação completa e complexa de nosso modelo de persecução
criminal.
25. Começo por reproduzir um texto de Loïc Wacquant: “Após abandonar o
programa social fordistaBkeynesiano em meados dos anos 1970 e o processo de
esfacelamento do gueto negro como instrumento de controle de casta, os Estados
Unidos lançaramBse em um experimento sócioBhistórico singular: a incipiente
substituição da regulação estatal da pobreza e dos distúrbios urbanos, frutos da
crescente desproteção social e do conflito racial, por seu gerenciamento punitivo
por meio da polícia, da Justiça e do sistema correcional [grifo nosso]” 16.
25. Segue Wacquant, acrescentando que a consequência inevitável desta
escolha não poderia deixar de ser a ascensão descomunal do Estado Penal,
nas três décadas seguintes: “Expansão vertical via hiperinflação carcerária: a
quadruplicação da população encarcerada em 25 anos, devida basicamente ao
aumento das detenções, fez dos Estados Unidos o inigualável campeão mundial
em aprisionamento, com 2 milhões de pessoas atrás das grades e 740 presos por
100 mil habitantes B de seis a doze vezes as taxas de outras sociedades avançadas
B, embora o índice de criminalidade permanecesse em estagnação e depois em
declínio durante o período”.
26. Convém rematar o registro dos dados, ainda com base nas informações
de Wacquant, sublinhando: “Expansão horizontal via dilatação da suspensão
condicional da pena, reestruturação da liberdade condicional e ampliação
15 KAGAN, Robert. Adversarial Legalism: the american way of law, Harvard, 2003.
16 WACQUANT, Loïc. As duas faces do gueto, São Paulo, Boitempo, 2008, p. 123
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33. Item a:
1.1. Em Transação Penal17 avancei a seguinte hipótese, que transcrevo: “A
irrenunciabilidade do direito fundamental, pelo particular, é o antecedente
lógico da indisponibilidade e no campo jurídico invalida, por contradição com
a Constituição, qualquer ato tendente à abdicação dos direitos individuais.”
1.2. Então, em 2003, e a propósito de analisar a transação penal da Lei nº 9.099/95,
trabalhei neste nível para destacar a “irrenunciabilidade e indisponibilidade
do exercício do direito de defesa no processo penal brasileiro” 18.
1.3. Creio ter antecipado em sete anos este debate quando escrevi sobre
“funcionalidade e eficiência: a transação penal desliza em direção à prisão”
(idem, p. 16B28) para diagnosticar tendências e argumentos que o funcionalismo
penal infiltrava na doutrina brasileira, em busca de apoio ao projeto de
implantação da negociação em torno da pena privativa de liberdade.
1.4. Tenho certeza de que meu livro mais conhecido B e do qual mais gosto
B é o Sistema Acusatório. Para mim, porém, o trabalho de que mais me
orgulho, ao lado da investigação sobre interceptações telefônicas e a
jurisprudência do STJ, é este, Transação Penal.
1.5. Isso porque, percebendo a energia liberada em prol da introdução
entre nós do plea bargaining, busquei interrogar o estatuto de nossos
direitos fundamentais, ainda antes da confrontação teórica entre
âmbito normativo e tutela de bem jurídico no cenário destes direitos,
no campo do processo penal, para assinalar que a proteção dos direitos
fundamentais em uma sociedade semiBperiférica há de ser interpretada
como limite às forças opressivas que historicamente bloquearam aos
grupos mais vulneráveis o acesso aos bens da vida.
1.6. A criminologia crítica produzida na América Latina comprova
empiricamente o torpedeamento das classes e dos grupos sociais mais
frágeis via sistema penal19.
17 PRADO, Geraldo. Transação Penal, 2ª ed., RJ, Lumen Juris, 2006, p. 189.
18 Obra citada, p. 70.
19 ZAFFARONI, Eugenio Raul. En busca de las penas perdidas, 4ª reimpressão, cap. 1, Ediar, Buenos
Aires, 2005.
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20 FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida
do Estado brasileiro”, Rio de Janeiro, Contraponto, 2008.
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21 SICA, Leonardo. Justiça Restaurativa e Mediação Penal: o novo modelo de justiça criminal e de gestão
do crime, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2007. PALLAMOLLA, Raffaella, monografia vencedora do 13º
Concurso de Monografias de Ciências Criminais do IBCCRIM, sob o título “Justiça Restaurativa: da
teoria à prática”, 2009.
22 BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade, Rio de Janeiro, Zahar, 2009.
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37. Na obra de Taruffo citada (como em vários de seus outros livros) 23, o
professor italiano irá destacar a crítica dirigida pelo pensamento jurídico
continental europeu ao fato de o processo adversary entregar as provas em
aparente exclusividade às partes.
38. Muito claramente Taruffo relata que os críticos do adversary system
salientam que as manifestações mais “fortemente degenerativas” decorrem
da incapacidade de a atividade das partes conduzir a conhecimentos
“verdadeiros” acerca dos fatos da causa e assinala que por “conhecimentos
verdadeiros” se deve entender “as reconstruções suficientemente aproximadas
à realidade dos fatos que devam ser comprovados” (p. 43 da obra citada).
39. O tema é relevante para nós por aquilo que, em Derecho y Razón24,
Luigi Ferrajoli sublinhará como fundamento da legitimidade do exercício
do poder punitivo, na sociedade democrática contemporânea, tal seja, a
verdade postulada em um processo orientado em direção à verificação
dos fatos penalmente relevantes, por métodos que operem à base do
cognoscitivismo.
40. Esta verdade processual invocada como fonte de legitimidade diferenciará
os modelos inquisitório e acusatório, conforme a visão de Ferrajoli, entre
outros motivos, por não expressar o subjetivismo judicial que, toldado pela
ilusão de uma “verdade real”, supostamente estaria a autorizar o juiz penal
a partir em busca dos elementos que comprovarão no mundo dos fatos a
argumentação de uma das partes!
41. A impossibilidade de uma completa correspondência entre o fato (situado,
pois, no passado, como o nome indica) e a imagem do fato na mente do
juiz, a necessária imparcialidade do julgador, como garante da existência
do próprio processo penal no Estado de Direito, e os bloqueios éticos
à aquisição das informações (proibição das provas ilícitas) separam
rigidamente as estruturas acusatórias das de índole inquisitorial.
42. Ferrajoli, porém, não estreita a crítica, fixandoBa somente em relação aos
modelos que fortalecem a posição do juiz, quer na gestão da prova, quer
no plano da iniciativa para o processo, quando é conformada a imputação
nas diversas etapas da persecução (redação do artigo 384 do CPP antes da
reforma introduzida pela Lei nº 11.719/08).
43. O autor de Direito e Razão aduz que a disputa por legitimidade envolve,
claro, todas as formas de resolução das questões penais que “dispensam”
23 La Prueba B Madrid, Marcial Pons, 2008. La prueba de los hechos, Madrid, Tro[a, 2002.
24 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón:Teoria del Garantismo Penal, 4ª ed., Tro[a, Madrid, 2000, p. 69.
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28 ANDRÉS IBAÑEZ, Perfecto. Valoração da prova e sentença penal, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2006,
p. 39.
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29 La inutilidad del llamado principio acusatorio para la conformación del proceso penal, obra citada,
p. 81.
30 Idem, p. 83.
31 SCHÜNEMANN, Bernd. La reforma del proceso penal, Madrid, Dykinson, 2005, p. 33.
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6. Considerações finais
154
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Referências bibliográficas
155
____. Oralidad y formalización de la Justicia, em Sistemas Judiciales: una
perspectiva integral sobre la administración de justicia (CEJA, ano 4, nº 7).
SCHÜNEMANN, Bernd. La reforma del proceso penal, Madrid, Dykinson, 2005.
SICA, Leonardo. Justiça Restaurativa e Mediação Penal: o novo modelo de justiça
criminal e de gestão do crime, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2007.
TARUFFO, Michele. El proceso civil adversarial en la experiencia americana,
Bogotá, Temis, 2008.
____. La Prueba B Madrid, Marcial Pons, 2008.
____. La prueba de los hechos, Madrid, Tro[a, 2002.
WACQUANT, Loïc. As duas faces do gueto, São Paulo, Boitempo, 2008.
ZAFFARONI, E. Raúl. En busca de las penas perdidas, 4ª reimpressão, cap. 1,
Buenos Aires, Ediar, 2005.
156
A Defensoria Pública e o
Direito Processual Penal brasileiro
1. Introdução
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1 O fato de o processo penal brasileiro ser orientado pela presunção de inocência, como disciplina o
artigo 5º, inciso LVII, da Constituição da República responde sem delongas à questão óbvia: se há
alguma dúvida ao fim da instrução probatória, esta se resolve em favor do acusado, dispensandoBse
qualquer outra atividade probatória que, para reverter este quadro, precisaria estar comprometida
com a tese acusatória.
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conforme salientou Karl Heinz Gössel, “um Estado obrigado pela vigência
jurídica e justiça não pode entregar o imputado à mercê unicamente da
superioridade evidente dos órgãos de persecução penal” 6.
Ora, quando a lei contempla poderes instrutórios a cargo do juiz e, além
disso, a prática do foro reafirma a postura política dos magistrados, em face da
reforma proposta no PLS 156 para eliminar a mencionada iniciativa probatória,
visando com a ação política preservar estes poderes em prol do conhecimento
de uma inatingível (e desmoralizada epistemologicamente) “verdade real”, a
existência de uma defesa concreta no processo penal, que funcione como óbice à
sistemática violação de direitos e garantias processuais penais dos mais débeis,
que formam a imensa maioria dos destinatários do processo penal, é uma
exigência do Estado de Direito para o qual, neste contexto, a Defensoria Pública
revelaBse instituição de defesa da democracia.
RessalteBse que a perseverante prática inquisitorial em regra apóiaBse na
boaBfé e nas boas intenções dos magistrados, que também se vêem às voltas com
dificuldades concretas aparentemente insuperáveis. Não são raros os relatos de
juízes que estão impedidos de trabalhar porque o Ministério Público não dota
de promotores de justiça em número suficiente as Comarcas, ou até porque a
este número insuficiente de promotores de justiça somaBse o pequeno plantel de
defensores públicos, o que obriga estes profissionais a se desdobrarem, deixando
apenas nas mãos dos juízes a condução integral dos processos.
Do ponto de vista psicológico, compreendemBse assim as práticas e até
determinada jurisprudência, que tende a preservar a validade de processos
penais que sem dúvida alguma são nulos.
Como pode um juiz julgar com imparcialidade, quando se vê solitário, na
sala de audiências, em um processo criminal, premido este juiz pelas exigências
estatísticas dos órgãos de controle (corregedorias e Conselho Nacional de
Justiça), a ter de ser, simultaneamente, acusador, defensor e juiz?
Do somatório disso que constitui o cotidiano dos julgamentos criminais
cristalizaBse, em grande parte, a cultura inquisitorial: por contingência ou
convicção muitos juízes criminais não atuam como juízes das garantias, conforme
o modelo acusatório, e terminam por consagrar o modelo inquisitorial.
A tudo não se deve deixar de acrescentar a pressão que a opinião pública
com alguma freqüência exerce sobre os juízes, em busca da punição “rápida e
exemplar” dos criminosos. No seio da mídia que cobre e forma esta “opinião
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7 Presente y futuro de la defensa en el proceso penal del Estado de Derecho, in Pasado, presente y
futuro del Derecho Procesal Penal, Rubinzal, Buenos Aires, 2004, p. 39.
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Ementa
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Decisão
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Ementa
4. Considerações finais
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modelo acusatório e assim harmonizar o trato cotidiano das causas penais aos
mandamentos constitucionais de tutela da dignidade da pessoa humana.
O longo caminho a ser percorrido por certo encontra Defensores Públicos
com consciência de suas responsabilidades e preparados para o embate
democrático, que, em outras palavras, nada mais é do que a luta por Justiça
Social.
Referências bibliográficas
168
Afrânio Silva Jardim: lecionar pelo exemplo
Perfeição demais
Me agita os instintos
Quem se diz muito perfeito
Na certa encontrou um jeito
Insosso!
Pra não ser de carne e osso
(Carne e Osso – Zélia Duncan)
1 SABADELL, Ana Lúcia. Manual de Sociologia Jurídica: introdução a uma leitura externa do Direito,
4ª ed., São Paulo, RT, 2008, p. 21.
169
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170
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2 Nada a ver com a Teoria do Garantismo Penal, sistematizada por Luigi Ferrajoli em seu Derecho y
Razón: Teoría del Garantismo Penal, 4ª ed., Madrid, Tro[a, 2000.
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de vida e acadêmica, mas seja tributário das relações pessoais que envolviam
Afrânio Silva Jardim com pensadores como Amilton Bueno de Carvalho, Juarez
Cirino dos Santos, Nilo Batista, Vera Malaguti, Lênio Streck, Maria Lúcia Karam
e Salo de Carvalho. Isso sob a batuta de James Tubenchlak3.
E fomos todos nós, seus alunos, os beneficiários desta abertura de horizontes,
que combinava a criminologia radical e sua visão marxista ao rigor na apreciação
das categorias de processo penal, tudo permeado pelo compromisso concreto,
reafirmado diariamente, na tribuna do Tribunal do Júri do Rio de Janeiro e nas salas
de aula, de lutar por uma sociedade menos marcada pelas discriminações próprias
do capitalismo abusivo e mais por uma solidariedade tipicamente socialista.
Como jogaram estes compromissos de atuação política na carreira do jurista
e de que maneira isso marcou seu pensamento no Processo Penal e influenciou
as novas gerações?
Não muitos acompanharam as lutas de Afrânio Silva Jardim ao lado de
Miguel Baldez4, na Universidade Cândido Mendes, pela democratização
nas relações entre Universidade, professores, alunos e funcionários e pela
implantação de práticas sólidas que canalizassem para a mencionada casa de
ensino os ganhos democráticos que se institucionalizavam em outros lugares.
Também corre o risco de se perder na memória o registro da atuação do
homenageado, nas ruas e em vários auditórios, em oposição à política neoliberal
que esvaziou o Estado e desempregou dezenas de milhares de brasileiros, no
governo Fernando Henrique Cardoso, causando prejuízos sensíveis até os dias
atuais, salvo, evidentemente para o grande capital.
É disso que se intenta falar quando o tema é o sujeito (político) que transforma
a realidade. FalaBse da autoridade do homenageado como processualista penal,
confirmada pela militância incansável e, vez por outra, solitária, na defesa de
pessoas que não conhecia e não viria a conhecer, e em prol das gerações futuras,
sem reivindicar nada em troca. E quantas vezes ganhando apenas a “pecha” de
marginal, em razão do preconceito contra suas atitudes autênticas5!
3 Carece de uma investigação acadêmica o extraordinário significado dos Simpósios organizados por
James Tubenchlak, entre o fim da década de 80 e os primeiros anos do século XXI, quando nos deixou
precocemente. Muitas correntes de pensamento arejaram a ambiência intelectual no mundo jurídico
brasileiro graças aos Simpósios, que se inscreveram no calendário nacional e durante mais de uma
década reuniram (e aproximaram grandes pesquisadores e juristas).
4 Infelizmente, ao tempo em que estas linhas são escritas chega notícia da saída de Miguel Baldez da
UCAM, em um ato da Universidade que, de uma penada, colocou abaixo as vitórias democráticas de
duas décadas. Inúmeros movimentos sociais e populares solidarizaramBse com o professor Baldez, tal
como, em sua época, e por motivo semelhante, também se solidarizaram com Afrânio Silva Jardim.
5 Em um país submetido, no verão, a temperaturas típicas do Saara, em que os trajes formais dos
profissionais do direito convertemBse em elementos de reafirmação de uma distinção social a maioria
do tempo discriminatória para com a população mais vulnerável, Afrânio inovou. Inovou nos trajes.
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Inovou em sua sincera e aberta opção pelo marxismo. Inovou por seu gosto musical (hard rock) e
literário (Eduardo Galeano). E fez escola!
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6 Contemplação, registreBse, desde que bem remunerada por agências públicas e instituições privadas
de fomento!
7 Na verdade, um (baixos salários) e outro (perda de status social do professor) explicam as guerras
localizadas em várias áreas pelos recursos (bolsas, comissões, gestão de fundos e destaque nas
publicações), mas isso há de servir como advertência para a necessidade de refletir sobre os termos
em que se edifica esta nada edificante “Economia do Saber” aqui e lá fora.
8 RessalteBse a importância da participação dos alunos na política da Universidade, influenciando
decisões que em uma democracia não devem ser tomadas à revelia das pessoas que, diretamente,
estarão sujeitas a ela. Também convém colocar em relevo a virtude da colaboração entre docentes
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Como Afrânio Silva Jardim nunca buscou para si esta posição de poder
e privilégio, a sua liderança e o exemplo de como soube e sabe lidar com seus
alunos destaca mais uma excepcional faceta: a comunicação do saber, “cerne
específico e principal desta relação” 9, transita em mão dupla horizontalmente.
Quem conhece o homenageado sabe de seu embaraço com manifestações
que expressam relações verticalizadas. Vai contra sua índole democrática.
Por isso, ao liderar naturalmente o movimento crítico no processo penal
brasileiro das três últimas décadas Afrânio Silva Jardim construiu também, de
forma natural, entre seus seguidores, o hábito de respeitarem o pensamento
alheio, ainda que divergente, e de assegurarem os lugares de fala, em todos os
ambientes, especialmente para aqueles despojados do direito de se exprimir!
Afrânio Silva Jardim não exclui de seu convívio o exBaluno que, por esse ou
aquele motivo, resolve seguir outra linha de pensamento.
Ao revés, Afrânio está sempre aberto a novos ângulos, perspectivas, que
a dinâmica da transmissão do conhecimento possibilita por iniciativa dos que
ontem eram alunos e que hoje também são professores, independentemente de
sua condição formal (ainda que de aluno). As correias de transmissão do saber
prescindem de títulos e formalismos.
O homenageado mostrou que é possível “compartilhar” as atividades
do saber prescindindo das habituais posições de domínio que caracterizam o
individualismo possessivo em todas as suas esferas.
Afrânio Silva Jardim abomina a pretensão de perfeição absoluta que em nada
se confunde com o rigor da análise e a inteligência da observação da realidade.
Mais uma vez, o homenageado está na contramão das práticas correntes em
determinada seara, que postulam para o mestre, especialmente aquele que detém
o título de doutor, a designação de sábio e perfeito!
É certo que por isso mesmo, por esta liberdade de que o homenageado
usufrui e compartilha, há um preço a pagar.
E este eu creio que é pequeno e se traduz por ver alguns dos seus discípulos,
fiéis ao espírito democrático, buscar outros caminhos teóricos. As divergências
que pairam sobre um ou outro tema, no entanto, não mudam o essencial. Ao
se aprender a pensar e respeitar o pensamento alheio e entender a “natureza”
imperfeita dos seres humanos, quem foi discípulo de Afrânio Silva Jardim
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formaBse para a cidadania e esta talvez seja a maior homenagem que se pode
prestar ao mestre.
Chico Buarque de Holanda diz que o compositor fica feliz quando sabe que
uma música sua é fundo musical de um namoro, de uma história de amor.
Assim, eu acredito que Afrânio se sinta ao saber que as suas lições (de vida
e do Direito) são o pano de fundo das ações responsáveis de seus exBalunos em
busca de um Brasil mais justo e solidário.
176
Processo Penal e Estado de Direito no Brasil:
Considerações sobre a fidelidade do juiz
à lei penal
I. Introdução
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3 Nosso objetivo é fundamentar politicamente a posição do juiz frente à lei penal. Necessariamente,
a fundamentação política se articulará com a jurídica, uma vez que o direito é expressão da
cultura política da nossa civilização. Essa é a lição de PISAPIA (Gian Domenico), in Los Principios
Fundamentales Del Proceso Penal em la Constitución Italiana y en las Convenciones Internacionales
(Problemas Actuales de las Ciencias Penales y la Filosofía del Derecho), Buenos Aires, Pannedille, 1970.
4 Que aqui será apreciada tãoBsomente de maneira incidental, tomando por base as notícias de crimes
e a sua percepção social.
5 BÖCKENFÓRDE, Ernst Wolfgang. Estudios sobre el Estado de Derecho y la Democracia, Madrid, Tro[a, 2000.
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vernante não fosse substituído – ou ficasse escondido – pelo arbítrio da lei, a tudo
permitir, supostamente amparado em uma intangível vontade da maioria.
Segundo pensamos, as questões são conexas pois dizem respeito ao conteB
údo das leis e a percepção de sua legitimidade no ambiente social, de tal modo
que permitem a reflexão sobre o que pode e deve ser legalmente regulado e até
que ponto o legislativo está autorizado a legislar. Ficam de fora por enquanto
os problemas relacionados à legitimidade do próprio legislativo e ao fenômeno
verificado a partir da concepção do Estado do BemBEstar Social, fenômeno que
persiste à aparente extinção desta espécie de estado13.
Com efeito, é escamotear a realidade supor que a mera existência da lei, defiB
nindo claramente a esfera de liberdade privada, conduz a que as pessoas realizem
plenamente suas potencialidades e conquistem vida de qualidade satisfatória.
Na sociedade, as pessoas integram diferentes grupos e classes sociais e têm
interesses distintos e muitas vezes contrapostos14. Desse modo, se é possível aceitar
que regras dirigidas à generalidade das pessoas podem instituir âmbito privado
a princípio intocável (liberdades civis), isto não significa que estas regras facilitaB
rão aos indivíduos dispor de meios para suplantar situações sociais e econômicas
desfavoráveis. Em uma sociedade capitalista os donos do capital se encontram em
posição vantajosa diante dos que têm de lhes vender sua força de trabalho. A autoB
nomia daqueles não se compara com a dos trabalhadores, se é que na maioria dos
casos estes dispõem realmente de alguma autonomia, aqui compreendida como a
situação em virtude da qual o indivíduo se encontra em condição de exercer, com
responsabilidade e integralmente, seus direitos civis e políticos15.
Em que circunstâncias pode um trabalhador expressar opiniões responsáB
veis acerca de qualquer assunto se tem de se dedicar em tempo integral a tentar
garantir o sustento seu e de sua família? É evidente que as condições propícias
para conquistar autonomia não ficam reduzidas ao econômico; mas quando o
indivíduo depende de forma vital de outras pessoas, economicamente, suas opiB
niões e até seu envolvimento na vida pública periclitam. E é óbvio que neste
13 No estado do bemBestar social não é rara a situação pela qual as leis genéricas dão lugar, em alguns
casos, à regulação jurídica orientada especialmente a determinada categoria de pessoas, visando, por
meio da edição de regras diferenciadas, criar condições de superação das desigualdades de natureza
variada.
14 Convém ler SANTOS, BOAVENTURA DE SOUZA, em Crítica à Razão Indolente: contra o desperdício
da experiência, São Paulo, 2000. Destaca este autor que as situações potencialmente conflituosas, na
sociedade, podem ser encontradas não apenas na área onde se desenvolve o antagonismo de classes
mas também, no seio das próprias classes, quando se opõem grupos sociais diferentes, tais como
aqueles que se distinguem pelo sexo, raça ou religião.
15 O’DONNELL, op. cit., p. 339.
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caso tal indivíduo não está em pé de igualdade com aquele outro, econômica e
socialmente mais bem situado.
Mesmo na concepção kantiana de que o estado deve ser considerado a prio/
ri como uma “união de homens sob leis”, estas leis como princípios da razão
pressupõem a liberdade de cada membro da sociedade, a igualdade de cada um
perante os demais e a autonomia de cada membro da comunidade, na qualidade
de cidadão16.
Exatamente no campo da autonomia percebeBse a fratura do pensamento
dos contratualistas clássicos mencionados, HOBBES e LOCKE, situação que o
novo contratualismo de RAWLS e HABERMAS, ainda que sob perspectivas diB
ferentes, não supera.
Com efeito, se HOBBES tem razão quando enuncia o princípio ético segunB
do o qual “todos os homens são, por natureza, igualmente livres”17, a análise dos dois
últimos séculos demonstra que o Estado fruto do iluminismo foi arquitetado de
modo a apropriarBse exclusivamente da categoria liberdade civil e, por conta do
desenvolvimento do capitalismo, articular uma forma jurídica complexa, pela
qual desde a definição de direito subjetivo à delimitação da área de intervenção
do próprio Estado, foi sendo imposta uma modalidade de estado de direito que
termina tutelando os interesses econômicos de parcela mínima de sua populaB
ção. DigaBse de passagem, tais interesses estão encobertos pela ideologia pecuB
liar ao capitalismo, de modo tal que chegam a ser tomados como interesses do
próprio Estado, da sociedade e, quiçá, da comunidade global.
Em passagem incensurável BOAVENTURA chama atenção a respeito disB
so, sublinhando que:
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Desse modo, é correto afirmar que a lei deste estado de direito, mesmo
nos regimes de democracia política, não continha (e não contém) legitimidade
bastante para que possamos reconhecêBla como expressão da vontade geral. A
própria vontade geral é inconcebível justamente porque a comunidade de deterB
minado Estado não é homogênea quanto a seus interesses e por isso a regulação
jurídica produzida resulta da eficaz proteção dos interesses daqueles que se orB
ganizam melhor para participar do jogo político.
Parte 2 – A Democracia
Porque as regras do jogo contam aí entra a questão das diversas formas que a
democracia assumiu ao longo dos séculos XIX e XX. O ideal de democracia direta,
preconizado por ROUSSEAU, sob inspiração das cidadesBestado gregas da antiguiB
dade clássica, em razão do qual os indivíduos transformamBse em cidadãos em toda
a sua plenitude, governando a cidade e tomando as decisões de natureza pública
que afetam as suas vidas, rapidamente revelouBse incapaz de dar conta das demanB
das das complexas sociedades contemporâneas19. Independentemente da crítica ao
fato de que mesmo em pequenos grupos sociais a tomada de decisão acaba sendo
privilégio de poucos, que se dispõem a participar ativamente da vida pública, e
que são estas pessoas as responsáveis pela formulação das perguntas nas consultas
populares20 que ora traduzem ora disfarçam experimentos de democracia direta, o
certo é que as grandes sociedades modernas são sociedades de massas e a apuração
das diversas tendências em relação a assuntos igualmente complexos e importantes
é tarefa praticamente impossível.
A democracia representativa tem sua razão de existir por conta disso.
Também por esse e outros motivos, que serão apreciados à frente, encontraBse
parcialmente incapaz de cumprir as promessas libertadoras da modernidade.
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riódico. A garantia de votar e ser votado funciona somente quando são estabeleB
cidas regras do jogo eleitoral pelas quais é assegurada à oposição a possibilidade
de se transformar em situação sem violação do círculo de legalidade; ademais, o
Estado adequouBse para atender às demandas dos diversos grupos e classes soB
ciais, que reivindicaram melhorias em suas condições de vida compatíveis com
um nível razoável de autonomia e com os frutos de um desenvolvimento tecnoB
lógico sem precedentes na história da humanidade. Na realidade, a existência do
Estado do BemBEstar Social, regulador e provedor, pode ser creditada em parte
à capacidade de o Estado burguês absorver fortes demandas sociais sem mudar
essencialmente. As promessas de igualdade que no século XX formaram o subsB
trato das ações e postulações de emancipação do indivíduo e da coletividade,
tanto no bloco comunista como nos países de capitalismo desenvolvido, nestes
últimos foram objeto de filtragem e mediação no campo político, com a extensão
da concepção de democracia para os pátios internos da sociedade. Tomadas de
decisão fora dos campos políticos tradicionais, como a administração e o parlaB
mento, facilitadas pelo desenvolvimento dos meios de comunicação de massas,
serviram aos Estados da Europa Ocidental para apregoar as reais virtudes da
democracia e superar a irracionalidade tornada evidente com as grandes guerB
ras, o colonialismo e o holocausto.
É certo que aí a noção de estado de direito, no substantivo, é insuficiente
para explicar esse estado de coisas. Tanto o estado de direito como a democracia
ganham predicados, por meio dos quais é possível visualizar o grau de uniB
versalização dos benefícios sociais e econômicos inerentes ao desenvolvimento
tecnológico.
Enquanto a denominação “estado de direito formal” fica reservada àquele
estado no qual a democracia política é o resultado último das conquistas da soB
ciedade, sem que isso importe em melhor distribuição de renda e maior justiça
social23, a expressão estado de direito material serve para designar aqueles outros
nos quais é detectada a tendência a reduzir as desigualdades sociais e ampliar a
oferta de recursos que melhoram as condições de vida das pessoas.
No terreno da democracia ocorre o mesmo. Assim é que as democracias
passam a adotar o termo política ou social conforme o âmbito de decisão esteja
circunscrito ao parlamento ou alcance também outras esferas da vida de relação.
No primeiro caso, a função da lei permanece aquela referida anteriormente e as
críticas à democracia representativa são vigorosas. Não pode ser verdadeiraB
23 Justiça social que se constitui em expressão repudiada veementemente pelo liberalismo economicista,
como é possível extrair da obra de FRIEDRICH A. HAYEK.
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24 HIRST, Paul. A Democracia Representativa e seus Limites, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1992.
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28 Exemplo disso está na aplicação, a nosso juízo, do princípio da insignificante lesão ao bem jurídico,
que pode afastar a tipicidade penal das condutas e evitar injustas punições.
29 É o caso das regras que dispõem sobre ampla defesa, que estão a exigir do juiz constante fiscalização
do processo penal para que o réu possa dispor, realmente, de defesa profissional à altura das suas
reais necessidades.
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estado de direito material fica restrita aos círculos acadêmicos32, onde quase com
exclusividade são discutidas as teses de mínima intervenção penal e de efetiva
integração social dos excluídos, enquanto no cotidiano das cidades é fomentada
a demanda por mais repressão.
Neste campo uma espécie de direito penal funcionalista também tem seu
espaço e se debate sobre o nível de conformidade das condutas a normas jurídiB
cas que estão endereçadas a tutela de interesses minoritários dos grupos sociais
mais organizados e privilegiados, independentemente da possibilidade concreB
ta de as condutas atentarem contra estes mesmos interesses.
O estado de direito meramente formal, talvez sem o querer e sem o saber,
faz o caminho de retorno em direção à préBmodernidade.
Não é de estranhar que o comportamento processual do processado
volte a ter a mesma importância dos tempos da confissão rainha das provas!
Simultaneamente restringeBse a publicidade dos atos processuais que seguem a
nova filosofia (o processo é tratado como investigação preliminar, sigilosamente,
nas variadas modalidades de transação penal, ainda quando implica imposição
de penas criminais); e as penas criminais são apelidadas de medidas penais, em
relação às quais o contraditório é simples providência burocrática e a proibição
da reformatio in pejus é solenemente ignorada!33 Do outro lado, relativamente ao
processo tradicional que ainda está formalmente sujeito às garantias constituB
cionais, recorreBse com inusitada freqüência ao apelo da mídia, que explora à
exaustão os casos e não raro emprega, nas suas investigações paralelas, provas
inadmissíveis em juízo34.
32 A esse respeito SERGE HALIMI lembra sempre a advertência de NOAM CHOMSKY. “Um dia, um
estudante americano formula/lhe esta pergunta: ‘Gostaria de saber como a elite consegue controlar a mídia?’
Ele replica: ‘Como é que ela controla a General Motors? A pergunta não tem razão de ser. A elite não precisa
controlar a General Motors uma vez que é sua proprietária.” (Os novos cães de guarda, Petrópolis, Vozes,
1998, p. 48).
33 Exemplo disso a jurisprudência que toma corpo, admitindo o oferecimento de denúncia nos casos de
transação penal descumprida. Com efeito, o artigo 76 da Lei n. 9.099/95, Lei dos Juizados Especiais,
prevê a possibilidade de o Ministério Público e o investigado chegarem a acordo sobre pena não
privativa de liberdade. Este acordo, homologado pelo juiz, torna aparentemente legítima a execução
forçada e o adimplemento voluntário das sanções criminais estabelecidas consensualmente. Por
evidente falha da Lei, na maioria dos casos não há previsão sobre o que fazer quando o autor do
fato descumpre o acordo, isto é, não cumpre a pena. Desprezando a natureza jurídica de sentença
condenatória definitiva, que caracteriza a sentença de homologação do acordo, parte dos tribunais
aceita a reabertura do processo de conhecimento condenatório e o oferecimento de denúncia contra
o réu inadimplente. Com isso, abreBse a porta ao juiz penal, que está liberado para aplicar ao acusado
pena superior e mais grave que aquela acordada anteriormente.
34 Enquanto o autor escrevia este trabalho a Revista Veja, de 14 de fevereiro de 2001, edição 1687,
publicava sem nenhum explicação trechos de conversas telefônicas gravados aparentemente à
revelia dos interlocutores.
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35 É de todo conveniente a leitura do artigo Publicidad periodística del hecho y principio de imparcialidad,
de autoria de FABRICIO GUARIGLIA, in Libertad de Prensa y Derecho Penal, Buenos Aires, Del
Puerto, 1997, p. 87 – 109.
36 FERRAJOLI, JUIGI. Derecho y Razón, Madrid, Tro[a, 1997.
37 HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil e MOISÉS, José Álvaro, em Cidadania e Participação, São
Paulo, Marco Zero, 1990, p. 15.
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europeu serviram para fincar as bases das democracias sociais que acabaram
florescendo na etapa seguinte.
Enquanto a Europa feudal dava passagem ao mercantilismo e, posteriorB
mente, ao sistema capitalista, criando no seio da sociedade diferenciações ecoB
nômicas que foram exploradas ao máximo para edificar o arcabouço políticoB
Bjurídico primeiro das democracias liberais e depois do Estado do BemBEstar
Social, o regime escravocrata vigente no Brasil foi substituído por outra ordem,
igualmente amparada em privilégios que encastelaram e protegeram os interesB
ses das elites agrárias, industriais e burocráticas.
Nunca se produziu entre nós, até recentemente, o tipo de tensão regulação
x emancipação característico da modernidade européia porque na realidade a
sociedade civil passou a maior parte do tempo acomodada, controlada, anuB
lada por um setor dela própria, as elites, que se desenvolveu tirando proveito
do Estado, em aliança estratégica com setores militares. Neste sentido o estado
brasileiro está muito afastado quer da figura protetora idealizada por HOBBES,
quer daquela capaz de propiciar as condições de desenvolvimento da economia,
preconizada por LOCKE.
Centralizador e militarizado durante longo período da nossa história38, o
estado brasileiro fez atuar a força e a violência mais intensa para controlar os
inúmeros movimentos de autonomia que eclodiram de maneira pouco ou insuB
ficientemente organizada. As iniciativas políticas e a tomada de decisões foram
privilégio das elites, que invariavelmente as exercitaram em causa própria, e
mesmo o movimento de abolição da escravidão deve mais às transformações
econômicas internacionais que aos esforços seculares de romper os grilhões do
racismo e da discriminação.
Este estado centralizador e autoritário é responsável por uma cultura em
que a noção de autonomia não é praticamente conhecida até o fim do Estado
Novo, de tal sorte que as questões de legitimação do estado e de orientação das
suas políticas não são profundamente discutidas pela maior parte da população.
Há quem defenda que exatamente por isso a sociedade não se sente responsável
pelas políticas públicas e estas não são minimamente eficazes para reduzir as
desigualdades e eliminar os antagonismos sociais.
38 MOISÉS adverte para o fato de a forte presença militar ter inaugurado, desde o início da República,
a tradição de atribuir às Forças Armadas o encargo de defender as instituições públicas. MOISÉS,
José Álvaro, op. cit., p. 12. É interessante destacar a recorrência à tutela militar para equacionar os
conflitos sociais, pleito que ressurge nos dias atuais por intermédio do discurso de integrar as Forças
Armadas no combate ao crime organizado.
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O artificialismo das leis, noticiado por MOISÉS40, está para nós muito menos
fruto da tensão dialética entre burguesia, campesinos e proletariado, que conduB
ziu a uma ordem jurídica liberal burguesa na Europa e a sua crítica marxista, e
mais resultado de uma “produção política funcional para as elites dominantes”, sinal
de fissura entre o grupo maior da sociedade civil brasileira e a elite que dirigiu o
processo de instauração da República.
Sendo assim, a curiosidade de termos declarações de direitos fundamenB
tais em nossas Constituições desde o Império coexistindo com regimes políticos
autoritários explicaBse facilmente. Preconizar que todos são iguais perante a lei
e admitir a escravidão, enunciar regras de devido processo legal e instituir triB
bunais de exceção, como no Estado Novo, e permitir o exílio e a eliminação de
dissidentes políticos, como no pósB64, servem apenas para iluminar de forma
especial aquilo que sempre foi o cotidiano da Justiça Penal no Brasil até 1988:
o controle social punitivo como forma de reduzir, conscientemente ou não, as
resistências políticas ao projeto de perpetuação das oligarquias.
Durante a maior parte do tempo a não implementação dos direitos funB
damentais que constituem garantias processuais não foi no Brasil a resultante
de uma disfunção política gerada pela inabilidade dos governantes e das elites
cultas. Na realidade, sempre que parte desta mesma elite esteve às voltas com
39 SANTOS, Boaventura de Souza. Pela Mão de Alice, São Paulo, Cortez, 1999, p. 68.
40 MOISÉS, José Álvaro, op. cit., p. 16.
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41 Várias obras trazem o relato dessa interessante interação. Aos estudantes recomendamos a leitura de
Rebeldes Brasileiros, n. 4, coleção CAROS AMIGOS, 2000.
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45 LETRIA, Joaquim. A Verdade Confiscada: escândalo – armadilha da nova censura, Lisboa, Notícias, 1998,
p. 30.
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tas são as que preservam a identidade das pessoas e contribuem para seu proB
gresso em termos de fruição universal dos benefícios alcançados neste estágio
da humanidade.
Por isso, a questão do conteúdo da lei é essencial. E ao juiz penal cabe atriB
buir o necessário significado à norma jurídica de modo que o objetivo de possiB
bilitar autonomia venha a ser conquistado ou mantido, conforme o caso.
No caso brasileiro, a interpretação da lei penal incriminadora ou, dito de ouB
tra maneira, a fidelidade do juiz à lei penal incriminadora, revesteBse das seguinB
tes peculiaridades: a lei penal que tutela situações discriminatórias ou voltadas
à perpetuação das desigualdades sociais fere o pacto social, viola a Constituição
da República e é inválida. Cabe ao juiz deixar de aplicáBla. Com isso, por exemB
plo, a incriminação dos movimentos sociais de reforma agrária se transforma em
matéria no mínimo de discutível constitucionalidade; quando a proteção penal
obedecer à cláusula de tutela dos interesses da maioria ou da generalidade das
pessoas, o juiz penal não deve se esquecer do caráter excepcional da intervenção
do sistema punitivo, cumprindo interpretar a lei penal de forma restritiva.
Finalmente, as chamadas garantias processuais são o passaporte de qualB
quer Estado para o mundo civilizado. São as primeiras regras desrespeitadas
quando surgem os governos autoritários. E, pois, não são suprimíveis quando
se trata de postular tratamento racional e humano às causas criminais. O juiz
não pode abdicar das garantias processuais, independentemente de quem esteja
sendo processado e da natureza da infração penal atribuída ao acusado.
No caso brasileiro é possível notar duas tendências: os crimes violentos
e aqueles supostamente cometidos por pessoas com alguma notoriedade são
apurados com escassa preocupação em tornar efetivas as garantias processuais.
Estas são consideradas verdadeiros óbices à apuração do fato e punição de seu
autor e por esse motivo não são objeto constante da atenção dos operadores juríB
dicos. Nos processos em que os réus gozam de notoriedade e simultaneamente
dispõem de recursos para contratar bons advogados, o desprezo às garantias
processuais resulta, não raro, em nulidade e prescrição, enfim, em não punição,
explorada pelos meios de comunicação como prova da fragilidade do sistema e
falta de credibilidade da Justiça. Nos demais casos, a defesa penal meramente
figurativa ou ineficiente normalmente não chega a ser proclamada ineficaz, geB
rando assim crua repressão aos que estão nos estratos inferiores da comunidade.
Além disso, há toda sorte de infrações penais que parecem não despertar
o interesse do Estado. O aumento das situações de litígio e a universalização do
acesso à justiça aumentaram o custo econômico da intervenção judicial. Quanto
a elas optouBse pela drástica redução da intervenção estatal, abdicandoBse das
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200
2ª Parte
Embargos Infringentes:
Machado de Assis e a oportunidade da Justiça
5ª CÂMARA CRIMINAL
EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2008.054.00076
JUÍZO DE ORIGEM: 25ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DA CAPITAL e
2ª CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EMBARGANTE: XXXXXX
EMBARGADO: MINISTÉRIO PÚBLICO
RELATOR: DESEMBARGADOR GERALDO PRADO
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ACÓRDÃO
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VOTO
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207
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2 Miguel Matos informa que Machado de Assis ingressou no Ministério da Agricultura em 1873, aos
trinta e três anos de idade, na função de amanuense. Esclarece que Machado era já escritor de renome
e que aos poucos ele ascendeu ao posto de Primeiro Oficial, com a responsabilidade pela emissão de
pareceres nas mais variadas áreas e com destaque para as ações de liberdade dos escravos. Doutor
Machado: o direito na vida e na obra de Machado de Assis. Le[era.doc. Ribeirão Preto, São Paulo,
2008, p. 107/115.
3 Obra citada, p. 137. TrataBse de análise do conto XXXX.
4 Idem.
208
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209
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210
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5 Penas e Medidas Alternativas à Prisão, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 111
212
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6 Luiz Flávio Gomes. Nova Lei de Drogas Comentada. Lei 11.323, de 23.08.2006, RT, 1ª Ed. 2006, pg. 165
7 CARVALHO, Américo A. Taipa de. Sucessão de leis penais. 2ª edição revista. Editoria Coimbra: 1997,
p. 96.
8 CARVALHO, Américo A. Taipa de, ob. cit. p. 107
9 Código de Processo Penal Comentado. 5ª edição. Ed. RT. São Paulo:2006, p.972
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“Por força do disposto no art. 66, inciso I, da LEP, e nos precisos termos
do enunciado de Súmula de n° 611 do STF, compete ao Juízo de Execução
a aplicação da redução da pena prevista no §4º do art. 33, da Lei n.
11.343/2006 aos casos julgados sob a égide da lei anterior”.
214
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GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR
215
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5ª CÂMARA CRIMINAL
HABEAS CORPUS 2009.059.05652
AUTORIDADE COATORA: JUÍZO DA 3.ª VARA CRIMINAL DA COMARCA
DE CAMPOS DOS GOYTACAZES
IMPETRANTE: XXXX
PACIENTE: YYYY
RELATOR: DESEMBARGADPR GERALDO PRADO
216
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ACÓRDÃO
217
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RELATÓRIO
VOTO
218
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que teve origem, tal como concebido hoje, nas formulações políticoBfilosóficas
iluministas.
Antes delas, o que vigia era um pacto entre clero, nobreza e soberano.
Portanto, o poder absoluto do Estado, personificado na pessoa do monarca,
legitimavaBse a partir de teorias teológicas, evidentemente em razão da forte
influência da Igreja naquele período.
Assim, ao homem a maldade era imanente, pois a inocência era concebida
não como uma qualidade, mas como um estado de pureza que, quebrado desde
que Adão cometera o pecado original, jamais seria recuperado por qualquer dos
seres humanos.
Era nesse contexto que tinha lugar a presunção de culpa e, portanto,
também a tortura como método de extração da confissão, a acusação secreta e o
sistema da prova legal tarifada, por exemplo.
Todavia, se nos tempos medieval e absolutista a supremacia políticoB
hereditária e teológica constituía o paradigma de atuação do Estado na esfera
criminal, o iluminismo trouxe à tona a necessidade de inverter a relação
indivíduoBsoberano: “Para essa nova corrente filosófica, encetada nos séculos
XVI e XVII, o ser humano não deveria ser mais visto como inimigo do Estado,
mas como fonte e destino de seu poder”10.
TrataBse, dessa forma, de uma concepção contratualista do poder,
segundo a qual os cidadãos abrem mão de sua liberdade em prol de um ente
supraindividual – o Estado –, para que ele exerça o poder que lhe foi conferido
na direção do bem dos indivíduos, como e quando por eles autorizado.
Não se tratava, portanto, de negar o Estado, mas de permitir sua intromissão
na esfera das liberdades individuais apenas quando absolutamente necessário, o
que requeria, por certo, o estabelecimento de regras que limitassem a tendência
expansiva do poder.
Era exatamente isso o que significava, na esfera penal – que talvez tenha
sido a expressão mais simbólica dos desmandos medievais e absolutistas –, a
presunção de inocência, conforme lição de Cesare Beccaria:
10 MORAES, Maurício Zanóide de. Presunção de Inocência no Processo Penal Brasileiro: análise de sua
estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. 603 f. Tese (LivreBDocência em
Direito Processual Penal) — Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 99.
219
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E continua o autor:
É muito útil a lei que faz cada homem ser julgado por seus iguais, pois,
quando se trata da liberdade e do destino do cidadão, devem silenciar os
sentimentos inspirados pela desigualdade.14
E foi a partir dela que se julgou necessário positiváBla, pela primeira vez na
história, na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, com a
11 Dos delitos e das penas. Trad. J. Cretella Jr. E Agnes Cretella. 3.ª Ed. Revista dos Tribunais. São Paulo,
2006, p. 50.
12 MORAES. Op. Cit., p. 118.
13 Ibidem.
14 BECCARIA. Op. Cit., p. 47.
220
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15 Idem, p. 81B83.
16 LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. 3.ª
Ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris.
221
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17 O Direito de Não Produzir Prova Contra Si Mesmo. Saraiva. São Paulo, 2003, p. 372B374.
18 TOURINHO FILHO, XXXX da Costa. Código de Processo Penal Comentado. 12.ª Ed. Saraiva. São Paulo,
2009, p. 912B913.
19 HC 94759/RN. Segunda Turma. Rel. Min. Ellen Gracie. Rel. para acórdão: Min. Cezar Peluso.
Julgamento: 02/09/2008.
222
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GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR
223
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5ª CÂMARA CRIMINAL
APELAÇÃO CRIMINAL 0189866-10.2009.8.19.0001 (2009.050.07372)
APELANTES: (1) XXXXX
(2) XXXXX
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO
JUÍZO: 27.ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DA CAPITAL
RELATOR: DESEMBARGADOR GERALDO PRADO
Artigos 171, § 2.º, inciso V, na forma do artigo 14, inciso II, 299, caput, e 340,
tudo na forma do artigo 69, todos do Código Penal.
ACÓRDÃO
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VOTO
Do fato.
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226
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(...) que, em seguida, as declarações das rés foram tomadas em termos próprios,
sendo certo que, quando estavam sendo tomados os depoimentos delas, o que se
deu na presença da autoridade policial, houve uma desconfiança em relação a
um possível golpe do seguro, o que fez o depoente telefonar para o albergue onde
elas estavam hospedadas e perguntado acerca dos bens que elas discriminaram
nos documentos de fls. 10 e 11 dos autos do apenso como tendo sido furtados
na viagem que teriam feito de Foz do Iguaçu para o Rio de Janeiro; que se
recorda de o funcionário do albergue, que se encontra do lado de fora da sala
de audiências para prestar depoimento, ter identificado, pela fresta de uma das
gavetas que elas mantinham fechadas com cadeados, uma bolsa tipo mochila de
cor branca (...)
(...) XXXXX começou a colher os depoimentos das rés, sendo certo que no
meio dos referidos depoimentos desconfiou de algo, tendo telefonado para
o albergue onde elas estavam hospedadas e indagado a um funcionário se
havia uma mochila branca no quarto das rés, tendo o funcionário dito que
227
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os bens das rés estavam em gavetas e que, pela fresta de uma delas, viu a
referida mochila branca (...)20
20 Grifei.
21 Grifei.
22 Processo Penal e Constituição – Princípios Constitucionais do Processo Penal. 4.ª Ed. Lumen Juris. Rio de
Janeiro, 2006, p. 88B89.
23 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. Vol. V. 2.ª Ed. Revista dos Tribunais, São
Paulo, 1974, p. 617.
24 Idem, p. 618.
228
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25 LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito? 7.ª Ed. Brasiliense, São Paulo, 1986.
26 MIRANDA, Op. Cit., p. 625.
27 ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Provas Ilícitas e Proporcionalidade. Lumen Juris, Rio de Janeiro,
2007, p. 36.
28 Idem, p. 40B42 e BALUTA, José Jairo. O ´Juiz Garantidor` e o Processo como ´Meio Respeitoso` de Garantir
os Direitos Individuais. In: Doutrina. Coord.: TUBENCHLAK, James. N.º 5. Instituto de Direito, 1998,
p. 141B144.
29 Direito e Razão. Trad.: SICA, Ana Paula Zomer; CHOUKR, Fauzi Hassan; TAVARES, Juarez e GOMES,
Luiz Flávio. 2.ª Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2006, p. 790.
229
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Aqui é preciso reconhecer que se trata – a vida privada, a intimidade (artigo 5.º,
inciso X, da Constituição da República) e a inviolabilidade de domicílio – dos chamados
direitos fundamentais assegurados, os quais, em contrapartida aos garantidos,
entendemBse “só limitados segundo regras explícitas das Constituições e, de ordinário,
só limitados nos têrmos dos textos constitucionais, ou ´segundo a lei`”30.
Portanto, a exceção está prevista na própria norma constitucional a
taxativamente admitir o ingresso na casa de outrem diante de situação fática
caracterizadora do estado de flagrante delito ou desastre ou com o escopo de
prestar socorro. AdmiteBse, ainda, como decorrência lógica da própria vedação
constitucional, o ingresso mediante o consentimento de seu morador ou por
determinação judicial, esta última somente durante o dia.
Pontes de Miranda, nessa perspectiva, destacou que “´Casa` (...) é a porção
espacial, delimitada, autônoma, que alguém ocupa, só ou em companhia de
outrem, com exclusão das outras pessoas e, pois, em virtude do princípio da
inviolabilidade do domicílio, com exclusão do Estado”31 e, evidentemente, de
quaisquer outras pessoas não convidadas pelo titular do direito fundamental à
inviolabilidade do domicílio, da intimidade e da vida privada.
Esse conceito atribuído pelo autor à “casa” contempla não só a residência
e o local destinado à atividade profissional do indivíduo, como comumente se
consigna na doutrina, mas também qualquer “aposento ocupado de habitação
coletiva”32 (artigo 150, § 4.º, inciso II, do Código Penal).
230
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231
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34 Liberdades Públicas e Processo Penal – As interceptações telefônicas. Saraiva. 1976. pág. 189.
232
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35 Precedentes desta Câmara Criminal: AP 2007.050.05649. Rel. Geraldo Prado. Julgamento: 28/02/2008;
AP 2008.050.00771. Rel. Maria Helena Salcedo. Julgamento: 11/03/2009.
233
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(...) que as rés franquearam a entrada no quarto aos policiais civis, sendo
certo que tudo isto se deu na presença do funcionário do albergue; que as
rés espontaneamente abriram os cadeados das gavetas (...)
(fl. 296).
(...) que essa informação foi solicitada pelo depoente por telefone, sendo
certo que a informação foi efetivamente passada pelo funcionário do
albergue por telefone, já que o depoente só se dirigiu para lá com
as rés após a confecção do registro de ocorrência relativo ao
suposto furto de suas bagagens; que o referido funcionário do
albergue ainda salientou que as rés haviam sido vistas nos últimos
três dias no albergue, razão pela qual não tinham feito viagem alguma
para Foz do Iguaçu; que, após tais informações do funcionário do
albergue, o depoente terminou de colher as declarações das rés,
que estavam prestando na condição de lesadas e, ato contínuo,
confeccionou o registro de ocorrência do suposto furto, tendo elas
assinado o registro de ocorrência; (...) que também reconhece os termos
de declarações de fls. 06/07 e 08/09 dos autos em apenso como sendo
aqueles referentes às declarações prestadas pelas rés, na condição de
lesadas, em sede inquisitorial (...)36
36 Grifei.
234
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37 Grifei.
38 Suprema Corte Alemã. Decisão BGHSt 40, 71. Apud ROXIN, Claus. “Nemo tenetur”: La jurisprudência
em La encrucijada. In: Pasado, Presente y Futuro del Derecho Procesal Penal. p. 163B178.
39 LOPES JR. Aury. Palestra proferida no dia 25/06/2009, na 13.ª Reunião do Fórum de Especialização e
Atualização do Direito e do Processo Penal da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.
235
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40 GRINOVER, Ada Pellegrini. As Garantias Constitucionais e o Direito de Ação. RT. São Paulo, 1973.
41 COMPARATO, Fábio Konder. Para Viver a Democracia: Liberdades Formais e Liberdades Reais. Brasiliense.
São Paulo, 1989, p. 33; HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro,
1997, p. 116B121.
42 DIAS NETO, Theodomiro, in O Direito ao Silêncio. Revista Brasileira de Ciências Criminais n° 19. São
Paulo, 1997, p. 180.
236
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43 SILVA, Ticiano Alves e. O vetado § 4.º do art. 157 da nova lei 11.690/2008 e a descontaminação do julgado.
IBCCRIM. 01/09/2009. Disponível em: www.ibccrim.org.br/site/artigos.
237
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No entanto, somente com a apreensão ilícita dos bens foi possível tomar
os depoimentos dos policiais civis e de XXXX e lavrar o auto de prisão em
flagrante. Sob outro enfoque, caso não houvessem sido encontrados os pertences
não furtados das acusadas, nada existiria senão a suspeita íntima do policial
XXXXXX.
238
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47 Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Vol. I. Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2007, p. 369.
239
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Sob outro enfoque, a simples leitura do tipo penal do artigo 171, § 2.º,
inciso V, do Código Penal permite apreender que se trata de crime formal, cujo
momento consumativo, no caso concreto, confundeBse com o da ocultação dos
bens falsamente furtados nas gavetas das rés.
É o que ensina Cezar Roberto Bitencourt:
O crime se consuma com a ação física, desde que provado o intuito de obter
a vantagem. Não é necessário que o agente receba a indenização ou o valor
do seguro.50
240
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É por isso que, conforme afirmado pelo mesmo autor, a hipótese deste
processo, ao contrário do que reconhecido na sentença, é de fraude contra seguro
consumado.
A tentativa, nas hipóteses de caracterização desse crime, dáBse, a exemplo,
quando o agente é surpreendido no momento em que joga o veículo de um
penhasco com a finalidade de obter a indenização da empresa seguradora.
E, a considerar, em obediência à vedação à reformatio in pejus, correta
a premissa exarada pelo juiz a quo, o simples fato de as acusadas terem
comunicado o crime falso constitui o início dos atos de execução, pois, conforme
contrato acostado às fls. 143/67, as rés não obteriam o valor do seguro caso não
registrassem a pretensa ocorrência em Delegacia de Polícia.
Do alegado crime impossível.
Hipoteticamente, a pretensão do reconhecimento do crime impossível, a
seu turno, só pode ser acolhida em relação a XXXXX, pois, segundo o contrato
de fls. 143/67, traduzido juramentadamente na audiência documentada às fls.
282/91, sua apólice vigia apenas até o dia 09 de julho de 2009, antes mesmo da
viagem de Foz do Iguaçu até o Rio de Janeiro, feita no dia 13 de julho, em que
teria ocorrido o falso furto.
É verdade que a própria acusada aduz em seu interrogatório “que tem
certeza que a apólice de fl. 105 está errada, já que a interroganda tem outra
apólice com a data do término em 03/08/2009” (fl. 306).
TrataBse, porém, de confissão como qualquer outra. E é preciso compreender
o lugar da confissão no sistema acusatório, adotado pelo artigo 129, inciso I, da
Constituição da República.
Assim é porque a estrutura do processo penal brasileiro claramente optou
pela constituição de estatuto jurídico singular peculiar aos acusados. Nesse
sentido, pelo menos desde 1941 a posição jurídica do acusado (artigos 185 e
seguintes do Código de Processo Penal) difere daquela ostentada por ofendidos
(art. 201 do mesmo diploma) e pelas testemunhas (artigos 202 e seguintes do
citado Código).
Ademais, a Constituição de 1988 assegurou aos acusados em processo
criminal o direito ao silêncio (art. 5º, inc. LXIII), o que equivale ao reconhecimento
de que o comportamento processual dos réus configura exercício do direito de
defesa e prática do correlato direito de argumentar (alegar), de que também é
titular o Ministério Público.
Nesses termos, operouBse a reforma das regras que disciplinavam o inB
terrogatório do acusado em juízo e, mais importante, a nova redação do artigo
241
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242
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243
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53 Da tentativa – Doutrina e Jurisprudência. 7.ª Ed. RT. São Paulo, 2005, p. 73B79.
244
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54 TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. 2.ª Ed. DelRey. Belo Horizonte, 2002, p. 179B180.
55 SANTOS. Juarez Cirino dos. Direito Penal – Parte Geral. 2.ª Ed. Lumen Juris. Curitiba, 2007, p. 391B392.
245
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246
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7ª CÂMARA CRIMINAL
APELAÇÃO CRIMINAL 2007.050.05649
APELANTE: XXXX
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO
JUÍZO: 2ª VARA CRIMINAL DE CAMPOS DOS GOYTACAZES
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ACÓRDÃO
248
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VOTO
249
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57 Curso de Processo Penal. Volume I. 10ª Ed. Saraiva. 1997. pág 471
250
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58 Código de Processo Penal. Comentários Consolidados e Crítica Jurisprudencial. 2ª Ed. Lumen Juris.
2007. pág. 422
251
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252
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61 Liberdades Públicas e Processo Penal – As interceptações telefônicas. Saraiva. 1976. pág. 189.
253
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254
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256
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VOTO VENCIDO
GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR RELATOR
257
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VOTO
258
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62 Nesse sentido: GRINOVER, Ada. Prova emprestada. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais,
n.º 4, p. 60B69; ANTUNES, Carla Heidrich, BIANCHINI, Caroline Ribeiro e MAGALDI, Fernando.
Prova emprestada: algumas considerações. In: Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, n.º 5,
MaiBJun/2000, p. 28B37; REMATOSO, Mariana Borges. A (in)eficácia da prova emprestada. In: Revista
de Direito Privado, n.º 41, 2010, p. 152B222; TALAMINI, Eduardo. Prova emprestada no processo
civil e penal. In: Revista de Processo, n.º 91, p. 92B114; KODANI, Gisele. Âmbito de aplicação da prova
emprestada. In: Revista de Processo, n.º 113, p. 268B280; RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 17.ª
Ed. Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2010, p. 479; NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal
Comentado. 9.ª Ed. RT. São Paulo, 2009, p.
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67 Idem, p. 111B112.
68 Idem, p. 97.
69 Grifei.
261
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70 AP 0040714B53.2007.8.19.0001. Sexta Câmara Criminal. Rel. Des. Luiz Noronha Dantas. Julgamento:
02/03/2010.
71 ANTUNES, et. all, op. cit., p. 35.
72 Prova emprestada, cit., p. 62.
73 REMATOSO, op. cit., p. 190.
74 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. RT. São Paulo, 1997, p. 169.
262
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263
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79 Ferrajoli, Luigi. Trad.: Zomer, Ana Paula; Tavares, Juarez; Choukr, Fauzi Hassan e GOMES, Luiz
Flávio. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2002, p. 451B454.
80 Idem, p. 494.
81 Carnelu[i, Francesco. Diri_o e Processo. Morano, Napoli, 1958, p. 151.
82 Apud Ibáñez, Perfecto Andrés. Valoração da Prova e Sentença Penal. Org. Lédio Rosa de Andrade.
Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2006, p. 9.
83 Idem, p. 5.
264
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Não basta, portanto, que o Juiz ouça diretamente as partes; também não é
suficiente que ele presencie a produção das provas. Ambas as situações devem
estar presentes para que o resultado do processo tenha fidelidade mínima à
realidade dos fatos.
A esse respeito, Bentham, em ponto de vista contrário à estrutura mista do
processo penal francês, destacou que “O juiz que não ouviu as testemunhas,
nunca estará seguro de que as atas representam fielmente o testemunho oral,
nem de que este tenha sido exato e completo em sua origem”84.
Continua o autor, ao justificar a necessidade da identidade física do juiz:
84 Tratado de las Pruebas Judiciales. V. I. Trad. Manuel Ossorio Florit. Dumont, Buenos Aires, 1959, p. 92.
85 Ibidem.
86 Prova emprestada, p. 63.
87 Grifei.
88 Ibidem.
265
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já que o Júri não poderá ser composto pelos mesmos cidadãos que julgaram o
mencionado corréu.
Com isso, menos ainda será observada a paridade de armas:
Da mesma forma, a prova obtida em processo que houve revelia do réu não
pode ser emprestada a outra demanda contra o mesmo réu, pois a preclusão
só pode gerar efeitos endoprocessuais.93
89 Idem, p. 61.
90 GOMES FILHO, op. cit., p. 152.
91 Vide nota 1, além de Camargo Aranha, citado por GRINOVER, em Prova emprestada, cit., p. 66: “O
princípio constitucional do contraditório (audiatur et altera pars) exige que a prova somente tenha
valia se produzida diante de quem suportará seus efeitos, com a possibilidade de contrariáBla
por todos os meios admissíveis. Daí porque a prova emprestada somente poderá surtir efeito se
originariamente colhida em processo entre as mesmas partes ou no qual figure como parte quem por
ela será atingido. Em hipótese alguma, por violar o princípio constitucional do contraditório, gerará
efeitos contra quem não tenha figurado como uma das partes no processo originário”.
92 Op. cit., p. 97.
93 Op. cit., p. 190.
266
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Indivíduo denunciado, junto com três outros, por prática de roubo, com
as majorantes do emprego de arma e pluralidade de agentes. Autuação
flagrancial apenas dos demais. Prisão preventiva, decretada, do referido.
Desmembramento do feito quanto a ele. Citação por edital, e suspensão
processual à luz do artigo 366 da Lei Adjetiva, que durou quatro anos.
Localização em estabelecimento do sistema penitenciário. Mantença
da custódia. Sentença que, prestigiando quase toda a acusação pública,
condenou o citado réu nas penas de 05 anos e 04 meses de reclusão, sob
regime fechado, e pagamento de 13 dias/multa no valor unitário mínimo;
na incidência do artigo 157, § 2º, II, do Código Penal. Apelação defensiva,
concordada pelo MP de 1º grau e pela Procuradoria de Justiça. Razão
manifesta. Confissões dos co/réus, na fase policial e nos interrogatórios,
incriminando o ora insurgente, que não são vistas de bastante; eis que não
respaldadas por outras provas. Ausência de reconhecimento por vítimas
ou testemunhas. Prova emprestada do processo no tocante aos outros réus,
da qual não participou a defesa técnica do apelante; logo não podendo
ser aproveitada contra ele, sob pena de violação das pétreas garantias
constitucionais da defesa ampla e do contraditório. Cognição dubitativa,
acarretando o sucesso da resistência à pretensão punitiva. Absolvição do
recorrente com base no artigo 386, VII, da Lei Adjetiva. Sentença que se
reforma. Recurso provido. Expedição do Alvará de Soltura.94
94 AP 004528B40.2002.8.19.0004. Quinta Câmara Criminal. Rel. Des. Luiz Felipe Haddad. Julgamento:
13/05/2010.
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É evidente que isso não significa estar proibida a importação da prova toda
vez que tenha sido produzida na ausência da parte contra a qual pretende servir
no processo. Todavia, o seu ingresso no segundo processo depende da anuência
dessa parte, que “tem direito de se manifestar quanto à admissibilidade do
empréstimo”97.
Caso contrário, a prova não poderá ser importada, eis que ilegítima por
violação ao preceito processualBconstitucional do contraditório (artigo 5.º, inciso
LVI, da Constituição da República), o que poderá ensejar a nulidade absoluta do
processo desde o empréstimo98.
Cumpre destacar que não se trata de restringir o direito fundamental à
prova, que também assiste ao Ministério Público como corolário do contraditório.
O que não se pode negar é que o exercício de todo direito está sujeito a limites,
normalmente estabelecidos pelos direitos alheios.
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GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR RELATOR
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5ª CÂMARA CRIMINAL
HABEAS CORPUS: 2009.059.02457
IMPETRANTES: XXXX
PACIENTE: XXXX
AUTORIDADE COATORA: JUIZ DE DIREITO DA 33.ª VARA CRIMINAL
DA COMARCA DA CAPITAL
CORRÉUS: XXXX E OUTROS
RELATOR: DESEMBARGADOR GERALDO PRADO
270
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ACÓRDÃO
GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR RELATOR
RELATÓRIO
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VOTO
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Mais que isso, verificouBse, por meio do habeas corpus n.º 2009.059.02458,
a nulidade da audiência realizada no dia 03 de abril deste ano, em razão da
violação do que dispõe o artigo 399, § 2.º, do Código de Processo Penal, com a
redação conferida pela Lei 11.719/08.
A esse respeito é pertinente observar que as alterações trazidas pela aludida
Lei, bem como pelas Leis 11.689 e 11.690/08, ao Código de Processo Penal têm
enfrentado fortes resistências.
Aparentemente o fenômeno é de objeção à evolução do processo penal
brasileiro no sentido da transformação de um sistema processual com
características inquisitivas em outro com marcas mais adequadas às garantias
constitucionais que informam os Estados Democráticos de Direito – no caso
brasileiro, ao artigo 129, inciso I, da Constituição da República.
O mesmo problema enfrenta o princípio da identidade física do juiz, que,
malgrado adotado desde 1939 no Processo Civil brasileiro, jamais foi aplicado
no Processo Penal – nem mesmo, digaBse, ao procedimento sumário100 –, o
que é naturalmente previsível considerando as já mencionadas características
inquisitórias do Código de Processo Penal de 1941.
Não se trata de adotar uma concepção unitária do processo, de sorte a
confundir os institutos processuais civis com os processuais penais, mas de
reconhecer a desproporção entre o tratamento dado aos casos que nem sempre
envolvem direitos indisponíveis e aquele conferido às hipóteses em que o direito
de liberdade está sempre em questão.
A omissão do princípio no Código de Processo Penal, contudo, não veio
seguida de um esforço sequer da aplicação analógica do artigo 132 do Código de
Processo Civil, mesmo com suas exceções, tais como afastamento, aposentadoria
e promoção do juiz.
100 Supremo Tribunal Federal. HC 70819/MG. Primeira Turma. Rel. Min. Sepúlveda Pertence.
Julgamento: 21/06/1994.
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101 A Identidade Física do Juiz no Processo Penal – Inovação Necessária. RTB476. Junho de 1975. p. 451B453.
102 4.ª Ed. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2006, p. 102B104.
277
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Com efeito, não é rara relação entre sistemas autoritários e a forma escrita
de instrução probatória e manifestação das partes no processo, a exemplo dos
tempos de Inquisição103.
Não se trata, evidentemente, de coincidência histórica, pois “a alternativa
axiológica entre as formas oral e escrita, assim como aquela entre publicidade
e segredo, reflete a diversidade dos métodos probatórios próprios do sistema
acusatório e inquisitório: enquanto a forma escrita é inevitável em um sistema
penal baseado nas provas legais, a forma oral o é, ao invés, nos sistemas
informados pelo contraditório e pelo livre convencimento”104.
O efeito prático da oralidade no contraditório é de fato evidente porque,
ao implicar necessariamente maior grau de publicidade dos atos, ela “abrevia a
distância”105 entre os sujeitos processuais e, portanto, proporciona a imediação
do diálogo entre eles: cientes do conteúdo das provas eventualmente produzidas
em processo, as partes possuem maior liberdade e possibilidade de manifestação
e interferência no convencimento do juiz.
Não seria de grande valia, no entanto, a imediação entendida apenas como
método de convencimento do juiz. Segundo Iacovello, o binômio oralidadeB
imediação deve antes ser concebido como “técnica de formação das provas”106.
Assim é porque o Juiz que não participa da produção das provas abre mão
do contato com detalhes e sutilezas que escapam à frieza dos papéis que as
reproduzem.
Não basta, portanto, que o Juiz ouça diretamente as partes; também não é
suficiente que ele presencie a produção das provas. Ambas as situações devem
103 Ferrajoli, Luigi. Trad.: Zomer, Ana Paula; Tavares, Juarez; Choukr, Fauzi Hassan e GOMES, Luiz
Flávio. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2002, p. 451B454.
104 Idem, p. 494.
105 Carnelu[i, Francesco. Diri_o e Processo. Morano, Napoli, 1958, p. 151.
106 Apud Ibáñez, Perfecto Andrés. Valoração da Prova e Sentença Penal. Tradução Lédio Rosa de Andrade.
Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2006, p. 9.
107 Idem, p. 5.
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108 Tratado de las Pruebas Judiciales. V. I. Trad. Manuel Ossorio Florit. Dumont, Buenos Aires, 1959, p. 92.
109 Ibidem.
110 As Nulidades no Processo Penal. 9.ª Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2006, p. 31.
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111 Código de Processo Civil Interpretado. Corrd. Antônio Carlos Marcato. 3.ª Ed. Atlas, São Paulo, 2008, p.
389B391.
112 CARVALHO, Américo A. Taipa de. Sucessão de Leis Penais. 2.ª ed. Coimbra. Coimbra, 1997, p. 263B264.
280
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Não é redundante frisar que não se adota, por esse meio, a concepção
unitária do processo. O que se propõe é a identificação de regiões cinzentas que
tangenciam os limites entre o Processo Civil e o Processo Penal.
Nesse particular, Barbosa Moreira chamou a atenção para um fenômeno
que chamou de publicização do Processo Civil, ao identificar em algumas relações
materiais que o subjazem a indisponibilidade de direitos. Mas não é só, pois
continua o autor:
113 Processo Civil e Processo Penal: mão e contramão? In: Doutrina n.º 7. Coord. James Tubenschlak. Instituto
de Direito, Rio de Janeiro, 1999, p. 63.
281
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suas funções originais, tais como convocação para auxílio à Presidência ou para
substituição de Desembargador em período de férias.
É esse o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
114 Resp. 493838/CE. Terceira Turma. Rel. Min. Ari Pargendler. Julgamento: 04/12/2003.
115 Curso de Processo Penal. 8.ª Ed. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2007, p. 741.
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GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR RELATOR
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5ª CÂMARA CRIMINAL
Apelação Criminal nº. 2009.050.02701
Apelante: XXXX
Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO
Juízo de Origem: 41ª Vara Criminal da Comarca da Capital
Artigo 35 da Lei 11.343/06
ACÓRDÃO
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VOTO
O recurso merece provimento
285
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116 Luiz Flávio Gomes. Lei de Drogas comentada artigo por artigo: lei 11.343/06, de 23.08.2006. 2ª edição
revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos tribunais, 2007. p. 211.
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5ª CÂMARA CRIMINAL
APELAÇÃO CRIMINAL 2007.050.04880
JUIZO DE ORIGEM: 2ª VARA CRIMINAL REGIONAL DE SANTA CRUZ
APELANTE: XXXX
APELADO (1): YYYY
APELADO (2): ZZZZ
RELATOR: DESEMBARGADOR GERALDO PRADO
Artigo 155, § 4º, IV, na forma do artigo 14, II, ambos do Código Penal.
117 Geraldo Prado, Lei dos Juizados Especiais Criminais – Comentada e Anotada, Ed. Lumen Juris, Rio
de Janeiro, 2006, p. 194.
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ACÓRDÃO
VOTO
118 Curso de Processo Penal, 8.ª edição, Ed. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2007, p. 676.
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119 Entre outros cabe citar: RHC 16028/SP, HC 90584/RS, HC 103053/SP, HC 76439/SP.
120 Recursos no Processo Penal, Ed. RT, 3ª ed., São Paulo, 2001, p. 83.
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121 Lei dos Juizados Especiais Criminais – Comentada e Anotada, Ed. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2006,
p. 194.
122 Obra citada, p. 194.
293
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deveria ser rejeitada pelo magistrado, por meio de sentença que extingue o processo.
É assim por conta do princípio da correlação entre a imputação e a sentença (artigo
384 e 395 do Código de Processo Penal) porque não cabe ao juiz acusar.
Claro que na situação hipotética acima mencionada os acusados seriam
beneficiados pelo fluir da prescrição, porquanto a suspensão condicional do
processo expressamente suspende a prescrição durante o tempo da paralisação
da atividade processual.
O caso, porém, é de tentativa conforme reconhece o próprio apelante (fl.
226). Agiu, pois, acertadamente o magistrado e é oportuno, por último, ressaltar
que as decisões apontadas nas razões não são aplicáveis a este julgamento.
Posto isso, voto no sentido de rejeitar as preliminares para conhecer o
recurso e negar provimento para manter a decisão.
GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR
294
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5ª CÂMARA CRIMINAL
HABEAS CORPUS 2009.059.05484
AUTORIDADE COATORA: JUÍZO DA 3ª VARA CRIMINAL DE CAMPOS
DOS GOYTACAZES
IMPETRANTE: DEFENSORIA PÚBLICA
PACIENTE: XXXX
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296
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ACÓRDÃO
124 Informativo de Jurisprudência 272. Transcrição: “A questão da ‘lei ainda constitucional’”. RE 341.717.
Rel. Ministro Celso de Mello.
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RELATÓRIO
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VOTO
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2002, com o advento da revogada Lei 10.409, instituiuBse para os crimes de tráfico
a fase de defesa prévia do denunciado, o que se denominou de contraditório
preliminar.
O acusado, então, passou a ser notificado para apresentar a referida
defesa, no prazo de dez dias, em que deveria apresentar todas as alegações
necessárias e úteis para afastar a responsabilidade penal do acusado, evitandoB
se o recebimento da denúncia.
Assim, era o conteúdo desta defesa que iria nortear o magistrado no
momento do juízo de recebimento da denúncia.
A orientação fixada pela Lei 10.409, reflexo da evolução da concepção do
processo penal e do reconhecimento das garantias individuais, foi mantida na
nova Lei de Drogas, notadamente no artigo 55.
Esta norma, de conteúdo processual constitucional, preservou o
contraditório preliminar, ao estabelecer a notificação do acusado para o
oferecimento da defesa prévia, por escrito, no prazo de dez dias.
A imposição deste contraditório preliminar surgiu num contexto em que
se buscava conferir efetividade às normas constitucionais, com a preservação da
garantia da presunção de inocência, da ampla defesa e do contraditório e, acima
de tudo, do postulado da dignidade da pessoa humana.
Por meio deste procedimento, deferiuBse aos acusados a oportunidade de
evitar a instauração de processo criminal, cujos reflexos deletérios sobre a vida
do acusado são inevitáveis.
Neste ponto, vale destacar, mais uma vez, a lição de ALEXANDRE
BIZZOTTO e ANDREIA DE BRITO RODRIGUES125 quando da análise do artigo
55 da Lei 11.343/06:
125 Nova Lei de Drogas. Comentários à Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006. Lumen Juris. Rio de Janeiro:
2007. p. 148.
301
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126 Lei de Drogas Comentada. Lei 11.343, de 23.08.2006. 2ª Ed. RT. São Paulo. 2007. p. 271
127 MAUNZBDÜRIG, Grundgesetz Kommentar, Band I, München, Verlag C. H. Beck, 1990, 1 18 in STF,
RE 515.427/GO, Rel. Min. Gilmar Ferreira Mendes.
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129 Apud. Ives Granda da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Controle Concentrado de
Constitucionalidade. Ed. Saraiva. 3ª Ed. 2009. São Paulo. P. 479/80.
130 LEGITIMIDADE B AÇÃO “EX DELICTO” B MINISTÉRIO PÚBLICO B DEFENSORIA PÚBLICA B
ARTIGO 68 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL B CARTA DA REPÚBLICA DE 1988. A teor do
disposto no artigo 134 da Constituição Federal, cabe à Defensoria Pública, instituição essencial à
função jurisdicional do Estado, a orientação e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na
forma do artigo 5º, LXXIV, da Carta, estando restrita a atuação do Ministério Público, no campo
dos interesses sociais e individuais, àqueles indisponíveis (parte final do artigo 127 da Constituição
Federal). INCONSTITUCIONALIDADE PROGRESSIVA B VIABILIZAÇÃO DO EXERCÍCIO DE
DIREITO ASSEGURADO CONSTITUCIONALMENTE B ASSISTÊNCIA JURÍDICA E JUDICIÁRIA
DOS NECESSITADOS B SUBSISTÊNCIA TEMPORÁRIA DA LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO. Ao Estado, no que assegurado constitucionalmente certo direito, cumpre viabilizar o
respectivo exercício. Enquanto não criada por lei, organizada B e, portanto, preenchidos os cargos
próprios, na unidade da Federação B a Defensoria Pública, permanece em vigor o artigo 68 do Código
de Processo Penal, estando o Ministério Público legitimado para a ação de ressarcimento nele
prevista. Irrelevância de a assistência vir sendo prestada por órgão da Procuradoria Geral do Estado,
em face de não lhe competir, constitucionalmente, a defesa daqueles que não possam demandar,
contratando diretamente profissional da advocacia, sem prejuízo do próprio sustento. (RE 135328,
Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 29/06/1994, DJ 20B04B2001 PPB00137
EMENT VOLB02027B06 PPB01164 RTJ VOLB00177B02 PPB00879)
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131 Informativo de Jurisprudência 272. Transcrição: “A questão da ‘lei ainda constitucional’”. RE 341.717.
Rel. Ministro Celso de Mello.
132 Idem.
307
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133 Nova Lei de Drogas. Comentários à Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006. Lumen Juris. Rio de Janeiro:
2007. p. 162.
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309
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134 Aury Lopes Jr., in Introdução Crítica ao Processo Penal: fundamentos da instrumentalidade garantista, 2ª
ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 195.
314
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5ª CÂMARA CRIMINAL
HABEAS CORPUS 2009.059.05975
AUTORIDADE COATORA: VARA ÚNICA DE ARRAIAL DO CABO
IMPETRANTES: (1) XXXX
(2) YYYY
PACIENTE: WWWW
CORRÉU: ZZZZ
CORRÉU: EEEE
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ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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VOTO
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136 Em comentários aos projetos de reforma do Código de Processo Penal, em especial ao PL 4.207/2001,
que veio a se transformar na Lei 11.719/08, Eduardo Reale Ferrari trouxe à tona a necessidade de se
adequar a legislação processual à Constituição da República. Isso porque, na lição do mencionado
autor, “não obstante erigido a dogma constitucional a necessidade de fundamentação das decisões
judiciais, a prática forense tornou inócuo o dispositivo, tornando o recebimento e a rejeição da peça
acusatória mero despacho ordinatório, olvidandoBse da existência de juízo de admissibilidade, no
mínimo implícito, no referido despacho”(Código de Processo Penal: Comentários aos Projetos de
Reforma Legislativa. Ed. Millennium. São Paulo. 2003. pg. 153).
137 Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Volume II. Lumen Juris. Rio de Janeiro.
2009. pg. 193.
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138 “1 – Recebo a denúncia. CitemBse para apresentar resposta à acusação, no prazo de dez dias; 2 –
AtendaBse a diligência de fls. 29, observando a que consta às fls. 39”.
321
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139 Rejeição da denúncia ou queixa e absolvição sumária na reforma do Código de Processo Penal: atuação integrada
de tais mecanismos na dinâmica procedimental. Separata da Revista Brasileira de Ciências Criminais.
São Paulo: IBCCrim Jan/Fev. 2009 – Ano 17 – p. 151
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140 Geraldo Prado. Sobre procedimentos e antinomias. Boletim IBCCrim 190/4/5. São Paulo: IBCCrim, set. 2008.
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GERALDO PRADO
DES. RELATOR
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Falsas Memórias
5ª CÂMARA CRIMINAL
APELAÇÃO CRIMINAL nº 2009.050.02677
APELANTE: XXXX
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO
JUÍZO DE ORIGEM: VARA ÚNICA DA COMARCA DE JAPERI
DESEMBARGADORA RELATOR: MARIA HELENA SALCEDO
DESEMBARGARDOR REVISOR: GERALDO PRADO
Artigo 16, caput, da Lei 10.826/03, artigo 19 da Lei de Contravenções Penais,
artigo 329, §1º, do Código Penal, na forma do artigo 69 do Código Penal.
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ACÓRDÃO
VOTO
326
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teria disparado tiros contra a unidade, com o emprego de uma pistola Calibre 45,
marca Taurus que, segundo o Ministério Público, portava, em suas mãos.
A hipótese acusatória ainda imputa a XXXX a conduta de, no mesmo
contexto fático, trazer consigo, junto à cintura, uma faca de empunhadura de
madeira, tipo canivete.
A sentença proferida pelo e. juiz Milton Delgado Soares julgou procedente a
pretensão estatal condenando o réu à reprimenda penal de seis anos de reclusão
e setenta diasBmulta pela prática do crime definido no artigo 16 da Lei 10.826/03,
seis meses de prisão simples pela prática da conduta definida no artigo 19 da Lei
de Contravenções Penais, além de dois anos, seis meses de reclusão e trinta diasB
multa pela prática do crime definido no artigo 329,§1°, do Código Penal, todos
na forma do artigo 69 do Código Penal.
Irresignada a Defesa interpôs o apelo, forte no argumento de que o réu deve
ser absolvido por insuficiência de prova. Postula, outrossim, o reconhecimento
da atipicidade da conduta de porte de arma de fogo, nos termos do art.32 da Lei
10.826/03; a redução da pena privativa de liberdade e, finalmente, a substituição
da privação de liberdade pela pena restritiva de direitos.
Em contrarrazões, o órgão ministerial pugna pelo desprovimento do
recurso e, por conseguinte, pela manutenção dos termos fixados na sentença.
A Procuradoria de Justiça opina favoravelmente à pretensão defensiva,
sugerindo a absolvição do acusado ou, alternativamente, o reconhecimento de
excesso na dosimetria da pena.
Merece provimento o recurso.
Compreender os problemas decorrentes da reconstrução dos fatos e, por
conseguinte, as implicações de se interpretar os signos do passado é de extrema
relevância, afinal, o presente processo trata da vida de XXXX, a quem a d.
sentença pretende enclausurar pelo total de nove anos.
Dentro de todas as alternativas explicativas, insurge, pois, a necessidade
de buscar a fiabilidade da prova, jamais se afastando da premissa de que no
processo penal acusatório a verdade real é um mito e a “certeza jurídica” no
máximo aproximativa141.
TornaBse, pois, mormente quando a prova da condenação em primeiro grau
é unicamente testemunhal, necessário questionar as limitações da memória em
sua tentativa de reconstruir o acontecimento, aproximando o julgador de uma
ou outra narrativa deduzida nos autos.
141 A gestão histórica dos fatos no processo penal o torna, nas palavras de Aury Lopes Júnior, um “ritual
de recognição”. B LOPES JR. Aury, Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. Vol.I 3°
Ed. Lumen Juris – Rio de Janeiro. p.489.
327
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tornandoBa idônea142 para ser assumida pelo juiz, no ato de legitimação do poder
inerente à sentença143.
A atividade probatória, portanto, na medida em que incorpora contribuições
parciais provenientes da leitura dos fatos, não pode se desassociar de sua dimensão
subjetiva144 que, como tal, somente produz um conhecimento provável.
O testemunho do policial EEEE é sintomático nesse sentido (fls. 53).
Afirma o depoente que “viu o acusado se livrar da pistola, jogando-a num
terreno e se atirando ao chão”, ao mesmo tempo prossegue dizendo que “ainda
chegou a passar por ele porque não o viu, porém notou o mesmo no chão, voltou
e o rendeu”.
O depoimento é sem dúvida, paradoxal: foi possível observar o acusado se
livrando da arma, mas não foi possível vêBlo se jogando no chão, ainda que na
mesma situação fática: “chegou a passar pelo réu, porque não o viu”.
Não se trata do reducionismo de minar a credibilidade do testemunho
policial apenas por conta de sua condição funcional.
A tentativa de compreender, de forma aproximada, a dinâmica dos fatos,
impõe o reconhecimento de que, num ambiente pouco iluminado, a perseguição
aumenta o stress tornando o depoimento influenciável pela instabilidade psíquica145.
O resultado é a diminuição na capacidade de perceber os detalhes ligados
ao acontecimento.
Considerando o ambiente conflituoso em que se deu a diligência, não se está
autorizado a assegurar que o depoimento policial de que o réu portava uma arma e
teria dela se desvencilhado é simplesmente mentiroso. A diferença entre a mentira e
a falsa informação reside justamente na constatação de que, todos os seres humanos,
estão sujeitos às variáveis que atuam no processo de codificação da memória.
Aury Lopes Jr. destaca que146: “As falsas memórias se diferenciam da mentira,
essencialmente, porque, nas primeiras, o agente crê honestamente no que está relatando,
142 LOPES JR. Aury, Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. Vol.1 4° Ed. Lumen Juris –
Rio de Janeiro. Pg.553
143 ReafirmaBse que a busca pela compreensão do acontecimento histórico não possui o condão de
extrair uma verdade onipresente, mas simplesmente o de afirmar a sua contigencialidade dentro de
todo o labirinto cognoscitivo que é a produção da prova no processo.
144 IBÁÑES Perfecto Andrés, Valoração da Prova e Sentença Penal. Org. Lédio Rosa de Andrade. Lumen
JurisB Rio de janeiro. Pg. 126, 142B 148.
145 O medo e stress são indicados como importantes variáveis da fase de codificação da memória. Nesse
sentido, o aumento da intensidade do stress seria responsável por ocasionar um estreitamento da
atenção e, por conseguinte, maior grau de distractibilidade. / PINHO, Maria Salomé, Factores que
influenciam a memória das testemunhas oculares, in Psicologia e Justiça. Antonio Castro Fonseca (Ed).B
Almedina – Coimbra 2008. Pg. 308
146 LOPES JR. Aury, Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Vol. 1. Rio de Janeiro:
Editora Lumen Juris, 2007, p. 624.
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pois a sugestão é externa (ou interna, mas inconsciente), chegando a sofrer com isso.
Já a mentira é um ato consciente, onde a pessoa tem noção do seu espaço de criação e
manipulação.”
Por isso, a versão do réu de que “nenhuma arma foi encontrada sequer próximo
e que o revólver e o canivete foram encontrados a uma distância de aproximadamente
cinqüenta metros do local da prisão” possui capacidade explicativa e, portanto,
coerência narrativa.
SalientaBse que o interesse da Defesa está satisfeito precisamente na criação
de uma dúvida razoável no julgador, em tornar crível, provável, enfim, plausível
a sua alegação.
Portanto, neste contexto de justificação147, a explicação reconstrutiva do acusado
encontraBse dotada de lógica interna, o que torna aceitável a sua proposição.
Dentro da tensão dialética que envolve a versão do réu e a hipótese
acusatória, somente se poderá impor decreto condenatório quando a valoração
de todas as provas apontar de forma inequívoca para a realização do injusto tal
como constante na denúncia.
A análise do processo, porém, não permite afirmar, com consistência, que
XXXX portava qualquer tipo de arma, seja branca ou de fogo.
Conseqüentemente, a pretensão condenatória quanto ao delito de resistência
também se torna insubsistente.
Com efeito, a premissa que sustentava esta imputação era a oposição
violenta do réu que, atirando contra a unidade policial, buscava evadirBse da
abordagem.
Considerando que o próprio policial EEEE afirma “que não chegou a ver
se o acusado efetuou algum disparo” (fls.53) e que as provas de que o acusado
portava a arma de fogo são extremamente frágeis, a única decisão legítima é
pelo provimento do recurso.
Ademais, o argumento de que a comunicabilidade das circunstâncias
elementares torna irrelevante aferir se o disparo foi deflagrado por terceiro ou
pelo réu, tampouco merece ser considerado, posto que há ainda menos elementos
acerca do liame subjetivo indispensável à configuração do concurso de agentes.
A impossibilidade de condenação quando paira dúvida acerca da autoria
do crime descrito na denúncia, cumpre justamente o paradigma garantista do
processo penal, qual seja a vinculação à racionalidade do juízo e, por conseguinte,
a máxima tutela das liberdades.
147 IBÁÑES Perfecto Andrés, Valoração da Prova e Sentença Penal. Org. Lédio Rosa de Andrade. Lumen
JurisB Rio de Janeiro. Pg. 135.
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Isso posto, em consonância com o princípio do in dubio pro reo, voto pela
ABSOLVIÇÃO do apelante pelas imputações referentes aos crimes definidos
nos artigos 16, caput, da Lei 10.826/03, 329, §1°, do Código Penal, e com relação à
contravenção definida no artigo 19 da Lei de Contravenções Penais, com base no
artigo 386, VII do Código de Processo Penal.
Rio de Janeiro, 13 de agosto de 2009.
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Denúncia anônima
5ª CÂMARA CRIMINAL
HABEAS CORPUS 2009.059.01373
AUTORIDADE COATORA: JUÍZO DA 2.ª VARA DA COMARCA DE
MARICÁ
IMPETRANTE: XXXXX
PACIENTE: XXX
CORRÉU: XXX
RELATOR: DESEMBARGADOR GERALDO PRADO
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RELATÓRIO
VOTO
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Mesmo que a casa não possua muros ou porta; mesmo que destoe do que
no senso comum se chama de casa, não há fato algum que legitime qualquer
pessoa a nela entrar sem o consentimento do morador.
A vida privada será sempre o muro. A intimidade sempre a porta. E ela
estará sempre fechada para os não convidados (o Estado).
Portanto, não importa se concreta ou metafórica, a casa, em qualquer
hipótese, tem uma porta e, à exceção daqueles que são bemBvindos pelo seu
morador, ela está sempre cerrada.
Pontes de Miranda, nesse sentido, destacou que “´Casa` (...) é a porção
espacial, delimitada, autônoma, que alguém ocupa, só ou em companhia de
outrem, com exclusão das outras pessoas e, pois, em virtude do princípio da
inviolabilidade do domicílio, com exclusão do Estado”148.
148 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. Vol. V. 2.ª Ed. Revista dos Tribunais, São
Paulo, 1974, p. 185.
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149 Processo Penal e Constituição – Princípios Constitucionais do Processo Penal. 4.ª Ed. Lumen Juris. Rio de
Janeiro, 2006, p. 88B89.
150 MIRANDA, Op. Cit. Vol. IV, p. 617.
151 Idem, p. 618.
152 LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito? 7.ª Ed. Brasiliense, São Paulo, 1986.
153 MIRANDA, Op. Cit., p. 625.
154 ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Provas Ilícitas e Proporcionalidade. Lumen Juris, Rio de Janeiro,
2007, p. 36.
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Daí porque esse princípio foi alçado à condição de estrutura sobre a qual se
edifica o Estado de Direito sedimentado pela Carta Política de 1988 e a partir da
qual se extraem, sem necessidade sequer de positivação, os chamados direitos
fundamentais supraBestatais155.
A esse respeito, Luigi Ferrajoli destacou que o Estado de Direito não se
limita ao aspecto formal, concernente à noção de legalidade, mas possui outra
noção substancial “da funcionalização de todos os poderes do Estado à garantia
dos direitos fundamentais dos cidadãos, por meio da incorporação limitadora em
sua Constituição dos deveres públicos correspondentes, isto é, das vedações
legais de lesão aos direitos de liberdade (...)” 156.
A positivação desses direitos como tais, portanto, representa, na verdade,
a organização de sua proteção jurídica, cuja necessidade é reconhecida não como
forma de criação de direitos, mas como técnica impeditiva do não raro abuso no
exercício do poder, a exemplo do que ocorreu neste caso.
Foi nesse passo, em contexto histórico que reclamava essa verdadeira
declaração de direitos – friseBse, não a sua mera definição –, que a Constituição
da República elencou taxativamente as hipóteses em que é possível o ingresso
em casa alheia, no inciso XI do artigo 5.º:
155 Idem, p. 40B42 e BALUTA, José Jairo. O ´Juiz Garantidor` e o Processo como ´Meio Respeitoso` de Garantir
os Direitos Individuais. In: Doutrina. Coord.: TUBENCHLAK, James. N.º 5. Instituto de Direito, 1998,
p. 141B144.
156 Direito e Razão. Trad.: SICA, Ana Paula Zomer; CHOUKR, Fauzi Hassan; TAVARES, Juarez e GOMES,
Luiz Flávio. 2.ª Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2006, p. 790.
157 MIRANDA, Op. Cit., p. 652.
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Nada impede contudo que o Poder Público provocado por delação anônima
(‘disque/denúncia’, p.ex) adote medidas informais destinadas a apurar,
previamente, em averiguação sumária, ‘com prudência e descrição’, a
possível ocorrência de eventual situação de ilicitude penal, desde que o faça
com o objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos nela denunciados,
em ordem a promover, então, em caso positivo, a formal instauração da
‘persecutio criminis’, mantendo/se, assim, completa desvinculação desse
procedimento estatal em relação às peças apócrifas.
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(...) assim sendo, uma vez que a verdade não pode ser investigada a qualquer
preço, mas somente mediante preservação da dignidade da pessoa humana e
dos direitos fundamentais do acusado, fica evidente mais uma vez a estreita
ligação do Direito Processual Penal e o Direito Constitucional.
159 Garantias Constitucionais na Investigação Criminal, 3ª edição, Ed. Lumen Juris, p.08.
160 Claus Roxin, Gunter Arzt, Kalus Tieddermann, Introdução ao Direito Penal e Direito Processual Penal,
Ed. Del Rey, p. 154.
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ampla defesa, de sorte que o seu exercício não pode ultrapassar os limites da lei
e, sobretudo, da Constituição.
163 GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à Prova no Processo Penal. Revista dos Tribunais, 1997, p. 98.
164 Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Vol. I. Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2007, p. 369.
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GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR RELATOR
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5ª CÂMARA CRIMINAL
Desaforamento nº 2008.057.00008
Requerente: JUÍZO DE DIREITO DA VARA ÚNICA DE MIGUEL PEREIRA
Requerido: XXXX
Juízo de Origem: VARA ÚNICA DA COMARCA DE MIGUEL PEREIRA
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ACÓRDÃO
RELATÓRIO
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recurso que dificultou a defesa da vítima, pois o denunciado, após ter desferido
um soco no rosto de ZZZZ, chegando a dar uns passos para trás, retornou e de
surpresa efetuou os disparos de arma de fogo contra a vítima.
Além disso, ainda segundo a inicial acusatória, em seguida a este episódio,
o réu teria praticado tentativa de homicídio contra as vítimas FFFF e EEEE,
sendo certo que estes não se consumaram por circunstâncias alheias à vontade
do réu e teriam sido praticados para assegurar a impunidade do primeiro crime,
cuja vítima foi ZZZZ.
A prisão temporária foi decretada em 19 de novembro de 2002 (fls. 26/7)
e a prisão preventiva foi decretada em 28 de novembro de 2002 (fls. 62/4). O
mandado de prisão foi cumprido em 26 de novembro de 2003 (fl.450), sendo
certo que o réu foi encontrado na Fazenda GGGG, em Carangola – Minas Gerais.
Decisão de pronúncia às fls. 755/761, pela qual o réu foi pronunciado pela
prática das condutas definidas nos artigos 121, §2º, incisos II e IV (por uma vez)
e artigo 121, §2º, inciso V, na forma do artigo 14, inciso II (por duas vezes), todos
do Código Penal.
Irresignada, a Defesa interpôs recurso em sentido estrito (razões às
fls. 796/812), tendo o Ministério Público apresentado suas contraBrazões às
fls. 814/820. ContraBrazões do assistente de acusação às fls. 834/8. Parecer do
Ministério Público às fls. 840/7.
Em julgamento realizado em 23 de agosto de 2005 (fls. 866/7) deuBse parcial
provimento ao recurso para desclassificar a imputação de prática dos crimes de
homicídio em sua modalidade tentada para crimes de lesão corporal de natureza leve.
O acusado interpôs Recursos Especial e Extraordinário em 28 de outubro
de 2005 (fls. 896/940 e 944/1000). O Ministério Público se manifestou por meio
do parecer acostado às fls. 1005/1011 e 1012/1019, no sentido de inadmissão dos
recursos e, no mérito, que não seja dado provimento aos recursos.
Por meio da decisão proferida em 28 de março de 2006, este Tribunal deixou
de admitir os recursos especial e extraordinário (fls. 1067/1072), o que gerou a
interposição de agravo de instrumento perante o Superior Tribunal de Justiça e
o Supremo Tribunal Federal.
A certidão acostada à fl. 1268 informa que em 06 de junho de 2007 foi negado
provimento ao agravo de instrumento e, sucessivamente, em 28 de junho de
2007 foi negado provimento ao agravo regimental interposto perante o Superior
Tribunal de Justiça.
O acusado interpôs, ainda, agravo de instrumento perante o Supremo
Tribunal Federal em 08 de outubro de 2007, ao qual foi negado seguimento em
05 de dezembro de 2007 (certidão de fl. 1444). Após, a Defesa interpôs agravo
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VOTO
O pedido merece ser acolhido.
165 KIRCHHEIMER, O[o. Justicia Política, México, Unión Tipográfica Editorial Hispano Americana,
1968.
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condenar, seja para absolver, visto que a tendência a uma postura ou outra
já estará consolidada há muito tempo.” 167
E exemplifica:
167 Guilherme de Souza Nucci em Código de Processo Penal Comentado. 9ª edição revista, atualizada e
ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 774.
168 Fauzi Hassan Choukr em Júri: Reformas, Continuísmos e Perspectivas Práticas. Editora Lumen Juris.
Rio de Janeiro, 2009. p. 64.
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GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR
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5ª CÂMARA CRIMINAL
APELAÇÃO CRIMINAL: 2008.050.00580
APELANTE: XXXX
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO
JUÍZO DE ORIGEM: 36.ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DA CAPITAL
RELATOR: DESEMBARGADOR GERALDO PRADO
Artigo 184, § 2.º, do Código Penal
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VOTO
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(...) que não se recorda bem como os fatos ocorreram, mas pode dizer que ao
chegar ao local onde se encontrava o acusado o mesmo portava mercadorias
falsificadas pelo que realizou a apreensão (...)
GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR
170 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. V. 3. 3.ª Ed. Saraiva. São Paulo, 2006, p. 427.
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5ª CÂMARA CRIMINAL
APELAÇÃO CRIMINAL: 2008.050.03607
APELANTE: XXXX
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO
JUÍZO DE ORIGEM: 32.ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DA CAPITAL
RELATOR: DESEMBARGADOR GERALDO PRADO
Artigo 1.º, V, da Lei 8.137/90
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VOTO
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Assim, é assente que se trata de tipo penal que compreende “uma separação
espaçoBtemporal entre ação e resultado”171 e, portanto, que define crimes
materiais.
Diante disso, instaurouBse intensa discussão sobre a necessidade ou não da
constituição definitiva do crédito tributário, nas hipóteses que se subsumem ao
art. 1.º da Lei 8.137/90, para o fim de oferecimento de denúncia.
O E. Supremo Tribunal Federal pacificou a questão, colocando sempre a
declaração de existência crédito tributário como necessária à deflagração da ação
penal. Manteve, todavia, a dúvida sobre sua natureza: se de condição objetiva de
punibilidade ou de elemento normativo do tipo.
À parte dessa discussão, que, por si só, seria capaz de ensejar o provimento
deste recurso, antes mesmo de enfrentáBla é necessária uma reflexão sobre as
provas produzidas durante a instrução criminal e os elementos do crime no
presente caso.
De fato, o próprio acusado admite, em seu interrogatório (fls. 116/9), que
não forneceu a nota fiscal ao cliente ZZZZ, alegando que, no momento da
realização da venda do instrumento, não possuía o talonário de notas fiscais,
cuja entrega estava prevista para dois dias depois. O apelante afirmou também
que, enquanto a nota fiscal não fosse emitida, um recibo de compra supriria o
documento.
Tal versão foi corroborada não só pelo funcionário EEEE (fls. 156/7), mas
pela própria vítima, que afirmou às fls. 151/5:
(...) que antes de se retirar da loja, o depoente pediu uma nota fiscal, mas o
acusado disse que não tinha como dar a nota para o depoente; que diante da
insistência do depoente, o acusado preencheu um recibo feito em papel ofício
digitado no computador; (...) que o policial tentou dissuadir o depoente
de fazer a ocorrência, dizendo que o acusado iria lhe dar a nota fiscal
posteriormente (...)
171 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal – Parte Geral. 2.ª Ed. Lumen Juris. Curitiba, 2007, p. 109.
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É evidente a ausência de dolo neste caso, já que a nota fiscal foi efetivamente
emitida.
No caso vertente isso é ainda mais flagrante porque a condenação encontra
óbice na inexistência do especial fim de agir, exigido para a configuração dos
crimes definido no art. 1.º da Lei 8.137/90:
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Uma vez emitida a nota fiscal, portanto, não há porque punir a conduta do
apelante, já que não houve prejuízo ao erário, que constitui justamente o que a
norma incriminadora busca evitar.
A atipicidade da conduta do acusado também se revela na ausência de
ofensividade ao bem jurídico tutelado. Com efeito, condenar o apelante pela
prática de crime contra a ordem tributária sem que ela efetivamente tenha sido
atingida é ignorar o princípio da lesividade, “segundo o qual nenhum direito
pode legitimar uma intervenção punitiva quando não medeie, pelo menos,
um conflito jurídico, entendido como a afetação de um bem jurídico total ou
parcialmente alheio, individual ou coletivo”.175
TrataBse de expressão do princípio da intervenção mínima, que postula a
incidência das normas penais apenas aos casos que tenham efetiva relevância
jurídica e social.
Por esse motivo, a conduta do acusado, para ensejar sua condenação,
deveria ter gerado efetivo prejuízo ao fisco, pois, sem ele, não se configura a
tipicidade penal.
Com efeito, a tipicidade penal não consiste em elemento meramente
formal, de sorte que não se caracteriza a partir da simples subsunção do fato
à norma incriminadora. Assumir essa concepção como verdadeira é incorrer
na equivocada confusão entre tipicidade legal e tipicidade penal – a qual se
173 RHC 11816/MG. Sexta Turma. Rel. Min. Vicente Leal. Julgamento: 26/02/2002.
174 Tratado de Direito Penal – Parte Geral. 10.ª ed. Saraiva. São Paulo, 2006, p. 341.
175 BATISTA, Nilo e ZAFFARONI, E. Raúl. Direito Penal Brasileiro. Vol. I. 2.ª ed. Revan, 2003, p. 226.
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caracteriza não apenas por esse aspecto objetivo (formal), mas também pela
tipicidade conglobante, defendida por Zzaffaroni176.
Por isso, esta última não pode ser ignorada e consiste no que o autor
chamou de antinormatividade – que se revela, em linhas gerais, pela coerência
sistemática da norma proibitiva – somada à tipicidade material, a qual se verifica
exclusivamente se o bem jurídico for relevantemente atingido.
(...) Embora seja certo que o delito é algo mais – ou muito mais – que a lesão
a um bem jurídico, esta lesão é indispensável para configurar a tipicidade.
É por isto que o bem jurídico desempenha um papel central na teoria do
tipo, dando o verdadeiro sentido teleológico (de telos, fim) à lei penal. Sem o
bem jurídico, não há um para quê? Do tipo e, portanto, não há possibilidade
alguma de interpretação teleológico da lei penal. Sem o bem jurídico, caímos
num formalismo legal, numa pura “jurisprudência de conceitos”.177
Sem efetiva lesão ao bem jurídico tutelado – ou, bastaria dizer, sem afetação
ao bem jurídico, conforme defendido por Nilo Batista178 – não se configura a
tipicidade material e, portanto, o fato é penalmente atípico, pois, ausente a
tipicidade material, também não se vislumbra a tipicidade conglobante, a qual,
a seu turno, condiciona a tipicidade penal.
Na hipótese deste processo, a conduta do acusado não lesionou a ordem
tributária, pois afinal a nota fiscal foi emitida e, portanto, o contrato de compra
e venda celebrado foi declarado.
Assim, embora na data do fato o acusado tenha deixado de fornecer
o documento fiscal, tal conduta configura exclusivamente a tipicidade
formal, que, repitaBse, sozinha, não é capaz de tornar a ação do apelante
penalmente típica.
Isso não significa, evidentemente, impedir que a vítima, pelos meios legais,
venha a pleitear os danos morais que julga ter sofrido quando da discussão com
o apelante.
TrataBse, porém, de esferas distintas: se há efetivamente responsaB
bilidade civil de XXXX – o que só poderá ser reconhecido pelo juiz
competente –, não quer dizer que ele tenha, também responsabilidade
176 ZAFFARONI, E. Raúl e PIERANGELI, J. Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Vol. I. 7.ª ed.
Revista dos Tribunais. São Paulo, 2008.
177 Idem, p. 398B399.
178 Op. cit., p. 228.
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GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR
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7ª CÂMARA CRIMINAL
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO: 2007.051.00593
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO
RECORRIDO: XXXX
JUÍZO DE ORIGEM: Vara Criminal de Itaguaí
RELATOR: Desembargador Geraldo Prado
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Recurso em Sentido Estrito nº
2007.051.00593, em que é recorrente o MINISTÉRIO PÚBLICO e recorrido XXXX.
ACORDAM, por unanimidade, os Desembargadores que integram a
Sétima Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em
conhecer do recurso e, no mérito, negarBlhe provimento, para manter a sentença
hostilizada, nos termos do voto do Relator.
Presidiu a sessão o Desembargador Eduardo Mayr. Participaram do
julgamento os Desembargadores Alexandre Herculano Varella e Maurilio Passos
Braga como vogais.
Rio de Janeiro, 13 de dezembro de 2007.
DESEMBARGADOR GERALDO PRADO
RELATOR
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RELATÓRIO
VOTO
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GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR
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7ª CÂMARA CRIMINAL
APELAÇÃO CRIMINAL: 2007.050.04685
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO
APELADO: XXXX
JUÍZO DE ORIGEM: QUARTA VARA CRIMINAL DE NITERÓI
RELATOR: DESEMBARGADOR GERALDO PRADO
Artigo 302, caput, da Lei 9.503/97
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ACORDÃO
RELATÓRIO
372
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373
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180 JUAREZ TAVARES. Direito penal da negligência: uma contribuição à teoria do crime culposo. 2ª ed.,
rev. E ampl. Rio de Janeiro : Editora Lumen Juris, 2003, p. 256.
374
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181 CEZAR ROBERTO BITENCOURT. Tratado de direito penal: parte geral, volume 1. 11ª ed. atual. – São
Paulo : Saraiva, 2007, p. 278.
375
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Sobreleva registrar que tudo isso não isenta o apelado e a própria pessoa
jurídica responsável pelo veículo da responsabilidade civil. Até porque o
fundamento da absolvição foi por ausência de provas.
Desta sorte, o ato jurisdicional está correto e é inatacável.
Posto isso, voto no sentido de conhecer do recurso e, no mérito, negarBlhe
provimento, com a conseqüente manutenção da sentença recorrida.
182 GUILHERME DE SOUZA NUCCI. Código de Processo Penal Anotado, 5ª Edição, Editora Revista dos
Tribunais.
376
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377
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ACÓRDÃO
RELATÓRIO
378
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VOTO
183 Grifei.
184 Direito Penal – Parte Geral. 2.ª Ed. Lumen Juris. Curitiba, 2007, p. 110B111.
185 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato e princípio da precaução na sociedade de risco. RT. São
Paulo, 2007, p. 132B135.
379
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pois “justifica a existência destas espécies delitivas pela freqüência com que tais
ações resultam em situações de perigo concreto ou dano”186, fundamentandoBse,
pois, em qualquer caso, na necessidade empírica de um resultado, seja ele de
perigo concreto ou de efetiva lesão.
Assim, na lógica finalista da teoria do delito, a conduta deve estar orientada
a um resultado penalmente reprovável ou, ao menos, ser praticada por meios
que sejam capazes de provocáBlos (negligência, imprudência ou imperícia), o que
implica reconhecer o bem jurídico como paradigma que estabelece o perímetro
máximo da incriminação, conforme lição de Juarez Tavares:
380
E! "#$%# &' ()$*+&*-.# / 2ª P'$"0
Por outro lado, se a este órgão jurisdicional fracionário não é dado afastar
a aplicação do artigo 306 sob a alegação de sua inconstitucionalidade (artigo
97 da Constituição da República), neste caso, é perfeitamente possível realizar,
aplicando as técnicas de hermenêutica, interpretação conforme a Constituição.
Nesse sentido, em passagem do trabalho entitulado Sistema Acusatório –
A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais191, faço breve exposição
sobre a possibilidade e necessidade de realização da interpretação das Leis
Processuais segundo o sentido Constitucional: diferentemente de afastar a
aplicação de uma norma, cuidaBse de atribuirBlhe significado conforme a opção
política externada no Texto Maior, e não de lhe negar validade, como ocorre na
declaração de inconstitucionalidade.
189 BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 3.ª Ed. Saraiva, São
Paulo, 2008, p. 29.
190 CLÈVE, Clemerson Merlin. A Fiscalização Abstrata da Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 2.ª Ed.
Revista dos Tribunais, São Paulo, 2000, p. 112.
191 PRADO, Geraldo Luis Mascarenhas. Sistema Acusatório – A Conformidade Constitucional das Leis
Processuais Penais. 4.ª ed. Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2006.
381
E! "#$%# &' ()$*+&*-.# / 2ª P'$"0
O relato da norma, muitas vezes, demarca apenas uma moldura dentro da qual
se desenham diferentes possibilidades interpretativas. À vista dos elementos do
caso concreto, dos princípios a serem preservados e dos fins a serem realizados
é que será determinado o sentido da norma, com vistas à produção da solução
constitucionalmente adequada para o problema a ser resolvido.193
192 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.ª Ed.Almedina, Coimbra,
p. 891.
193 BARCELLOS, Ana Paula de e BARROSO, Luís Roberto. O Começo da História: a Nova Interpretação
Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro. In: Interpretação Constitucional. Org.
Virgílio Afonso da Silva. 1.ª Ed. 2.ª tiragem. Malheiros, São Paulo, p. 271B316.
382
E! "#$%# &' ()$*+&*-.# / 2ª P'$"0
194 BATISTA, Nilo e ZAFFARONI, E. Raúl. Direito Penal Brasileiro. Vol. I. 2.ª ed. Revan, 2003, p. 226.
195 Princípio da ofensividade no Direito Penal. Série As ciências criminais no século XXI. V. 6. RT. São
Paulo, 2002, p. 27B28.
196 GOMES, Luiz Flávio et all. Comentários às Reformas do Código de Processo Penal e da Lei de trânsito. RT.
São Paulo, 2008, p. 376.
383
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Insta destacar que, embora afirme que o paciente dirigia o veículo sob
influência de álcool, a acusação não narra qualquer circunstância fática que revele
esse dado. Ao contrário, restringeBse a dizer que os policiais que abordaram o
384
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Por isso concedo a ordem para extinguir o processo originário sem resolução
do mérito, ratificada a liminar deferida.
GERALDO PRADO
DES. RELATOR
385
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5ª CÂMARA CRIMINAL
APELAÇÃO CRIMINAL: 2008.050.06783
APELANTE: XXXX
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO
JUÍZO DE ORIGEM: 26.ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DA CAPITAL
RELATOR: DESEMBARGADOR GERALDO PRADO
Artigo 171, caput, do Código Penal
386
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ACÓRDÃO
VOTO
TrataBse de recurso de apelação interposto por XXXX em face de sentença
que o condena pela prática do crime definido no art. 171, caput, do Código Penal.
Segundo a denúncia, o apelante, em tese, no dia 14 de fevereiro de 2006,
na sede da empresa YYYY, adquiriu 4 (quatro) veículos, fornecendo como
pagamento 3 (três) cheques, os quais foram posteriormente trocados, a título de
renegociação de dívida, por outros 4 (quatro), cada qual no valor de R$ 16.750,00
(dezesseis mil, setecentos e cinqüenta reais), todos vinculados à conta corrente
n.º AAAA, agência n.º BB do Citibank.
Apresentado o primeiro cheque para desconto na data acordada, dia 31
de maio de 2006, o banco o teria devolvido por tratarBse de título de crédito
vinculado a conta corrente já encerrada.
387
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199 TEPEDINO, Gustavo. Código Civil Interpretado Conforme a Constituição da República. Renovar.
2004, p. 657B660.
388
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(...) Há mais de meio século a doutrina apercebeu/se de que é tão falso que o
dolo seja representação como que o dolo seja vontade: o dolo é representação
e vontade. (...)
O reconhecimento de que o dolo é uma vontade individualizada em um
tipo, obriga/nos a reconhecer em sua estrutura os dois aspectos em que
consiste: o do conhecimento pressuposto ao querer e o próprio querer (que
não pode existir sem conhecimento).200
200 Manual de Direito Penal Brasileiro. Vol. I. 7.ª ed. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2008, p. 416.
201 Direito Penal – Parte Geral. 2.ª ed. Lumen Juris. Curitiba, 2007, p. 132.
389
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390
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GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR
391
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5ª CÂMARA CRIMINAL
APELAÇÃO CRIMINAL 2008.050.1143
APELANTE: XXXX
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO
JUÍZO: 31ª VARA CRIMINAL DA CAPITAL.
392
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ACÓRDÃO
393
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VOTO
394
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206 Direito Penal da Negligência, 2 edição, Editora Lumen Juris, página 376.
395
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Neste sentido, a doutrina de forma pacífica leciona que para que fique
caracterizada a coação moral irresistível é imprescindível que o autor do fato
tenha sido acometido de um temor de tal monta, que lhe seja inevitável a prática
de ato contrário ao direito.
NÉLSON HUNGRIA207 leciona que a coação irresistível há de se entender a
situação na qual o agente, coagido, “contribui com sua vontade”, para a realização da
conduta típica, mas, “como esta (vontade) não é livre deixa de ser censurável e, portanto,
culpável”. Salienta a doutrina do ilustre mestre que “A isenção de pena decorre, aqui,
tão/somente da ausência de culpabilidade, por inexistência de vontade livre, isto é, de uma
condição indispensável, sub species júris, ao nexo de causalidade psíquica.”
CLAUS ROXIN208 igualmente destaca que a culpabilidade é excluída quando
o agente pratica o delito para “afastar de si ou de alguém que lhe seja próximo um
perigo para a “integridade física, a vida ou a liberdade” que não pode ser evitado de outra
forma.” Continuando, afirma209 que “cada uma das muitas guerras demonstrou que
o ser humano é capaz de suportar perigos de vida, quando for preciso. Se apesar disso o
legislador dispensa de sanção as ações praticadas quando existente um sério perigo para a
integridade física, tal se dá porque a irrepetibilidade de tais situações torna desnecessária
207 Comentários ao Código Penal, Volume I, Tomo II, Rio de Janeiro, 1958, Editora Forense, páginas
256/257.
208 Gunther Arzt, Klaus Tiedemann, Introdução ao Direito Penal e ao Direito Processual Penal, 2007,
Editora Del Rey, página 25.
209 Claus Roxin, Política Criminal e o Sistema JurídicoB Penal, 2000, Editora Renovar, página 70.
396
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a prevenção, tanto geral como especial, e a –diminuta – culpabilidade, por si só, não
consegue justificar a pena.”
LUIZ REGIS PRADO210, a propósito, aduz que “irresistibilidade da coação
significa que o constrangimento deve ser impossível de ser vencido pelo coagido. O mal de
que é ameaçado deve ser grave, certo e inevitável, de modo a não permitir que se conduza
conforme o direito.” Prosseguindo, destaca o autor que “através da coação moral
irresistível, o coator obriga o coacto a praticar um delito contra um terceiro (vítima),
suprimindo/lhe a capacidade de resistência pela ameaça.”
Na mesma linha, igualmente, segue o Superior Tribunal de Justiça,
convindo referir em acórdão da 5ª Turma, proferido no HC nº 34912/SP, julgado
em 25/05/2004, cujo relator foi o Ministro José Arnaldo da Fonseca, vejamos:
210 Curso de Direito Penal Brasileiro, Volume I, 8ª edição, Editora Revista dos Tribunais, página 381.
397
E! "#$%# &' ()$*+&*-.# / 2ª P'$"0
com ela dividido; que a proposta feita por Nyke foi dirigida a ambas,
interroganda e sua amiga.”
Convém alertar para o fato de que se realmente tivesse existido ameaça, não
haveria o porquê de o traficante da favela ter prometido à apelante o valor de
cento e cinquenta reais para transportar a droga. Isso porque a coação exercida,
por si só, tem o condão de fazer com que o agente pratique o fato delituoso por
receio da concretização da ameaça, razão pela qual a referida coação é tida por
irresistível.
Em verdade, o que houve foi um “acordo” celebrado entre a apelante e o
traficante da favela. Este pagaria uma remuneração para que a apelante atuasse
como “mula” e realizasse o transporte da droga do Complexo do Alemão para o
Engenho da Rainha, conforme se depreende do depoimento do policial, à fl. 90.
Desta forma, cai por terra a tese defensiva de que a apelante teria
transportado a droga em razão de ameaça, motivo pela qual estaria excluída a
culpabilidade.
Sendo assim, não há que se falar em coação moral irresistível no presente
caso. Correto, portanto, o juízo de censura.
Da pena.
Da causa especial de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º da Lei
nº 11.343/06.
398
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211 O princípio da proporcionalidade no direito penal, Editora Revista dos Tribunais, 2003, página 176.
399
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212 A Política Criminal de Drogas no Brasil, 3ª edição, 2006, Editora Lumen Juris, página 180.
400
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No mais, cumpre dizer que não há nos autos qualquer elemento sequer que
demonstre ou comprove ser a apelante integrante de organização criminosa ou
se dedicar à atividade criminosa.
No que se refere ao ônus da prova, este, nos termos do artigo 156 do Código
de Processo Penal é da acusação.
Segundo a lição de AURY LOPES JR213 “ É importante recordar que, no processo
penal, não há distribuição de cargas probatórias: a carga da prova está inteiramente nas
mãos do acusador, não só porque a primeira afirmação é feita por ele na peça acusatória
(denúncia ou queixa), mas também porque está protegido pela presunção de inocência.”
Continuando, o Ilustre autor afirma: “O processo penal define uma situação
jurídica em que o problema da carga probatória é, na realidade, uma regra para o juiz,
proibindo/o de condenar alguém cuja culpabilidade não tenha sido completamente
comprovada.”
Por derradeiro, a acusação não provou estar a apelante envolvida em
atividade ou organização criminosa. Ao contrário, o que ficou provado foi que
o fato delituoso consistiu em um fato esporádico, isolado na vida da apelante.
Neste viés, destaca ALEXANDRE BIZZOTTO214 “como o comando vinculante
é o do princípio da inocência, não é admissível a presunção da dedicação em atividade
criminosa. São necessárias provas demonstradas em fundamentação para se reconhecer
a existência desta circunstância e a respectiva vedação à causa de diminuição de pena.”
Continua o autor ao estabelecer que “a mesma situação rege o reconhecimento de que
o julgado integra uma organização criminosa. Acredita/se que é de difícil caracterização
a retratação da participação em organização criminosa.”
No que tange à culpabilidade, vale destacar que levandoBse em consideração
a condição socioeconômica da apelante, o fato de ter menos de vinte e um anos à
época do fato, é forçoso concluir que sua culpabilidade é atenuada.
Não se pode imaginar que uma pessoa que apresenta essas características
forme juízo de censura equivalente ao de uma pessoa que possui grau completo
de escolaridade e que tenha boas condições sociais e econômicas.
Certo é que pessoas que vivem em áreas carentes e não dispõem de maiores
recursos econômicos e que atuam como “mulas”, não podem ser confundidas
com traficantes que introduzem drogas em território nacional e procedem a sua
distribuição entre os diversos lugares.
O criminólogo ALESSANDRO BARATTA215 alertou que “A posição precária
no mercado de trabalho (desocupação, subocupação, falta de qualificação profissional)
213 Direito Processual e sua Conformidade Constitucional, Vol. 1, editora Lumen Juris, página 519 e 520.
214 Andréia de Brito Rodrigues, Nova Lei de Drogas, 2007, Editora Lumen Juris, página 74.
215 Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal, 2ª edição, 1999, Editora Freitas Bastos, página 165.
401
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216 Alessandro Bara[a, Criminologia Crítica e Crítica ao Direito Penal, 2ª edição, 1999, Editora Freitas
Bastos, página 74.
217 Pensamento Criminológico, 2004, Editora Mandamentos, página 69.
218 Introdução aos Fundamentos do Direito Penal, 2005, Sergio Antonio Fabris Editor, página 378.
402
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Ele é levado a um ambiente social que o mantém afastado dos problemas, nos quais ele
fracassou fora do estabelecimento. Ele desaprende as técnicas sociais de convívio e de
aprovação. E ao término da pena ele volta, desabituado e estigmatizado a um mundo que,
fora dos muros da prisão, se desenvolveu de acordo com as suas próprias leis.”
CLAUS ROXIN219 destaca que “existe consenso no sentido de que, em todo caso,
a pena é limitada pela medida da culpa do ato ou seja, ninguém, por razões de prevenção
geral ou especial, pode ser punido mais severamente do que o corresponde à gravidade de
sua conduta e de sua culpa pessoal.”
No sentido de que sempre que as circunstâncias do fato autorizarem
deverá a pena ser fixada no mínimo previsto pela lei, a fim de se favorecer à
ressocialização do preso, manifestouBse o Supremo Tribunal Federal220 no HC
72842, cujo relator foi o Ministro Marco Aurélio, vejamos:
219 Introdução ao Direito Penal e ao Direito Processual Penal, 2007, Editora Del Rey, página 12.
220 HC nº 72842/MG, 2ª Turma, Ministro Marco Aurélio, julgamento 18/12/1995.
403
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Da delação premiada.
Com reserva da posição pessoal deste Relator, a delação premiada não foi
acolhida.
Sem embargo disso, registreBse que a apelante pleiteou o reconhecimento
da delação premiada e a conseqüente diminuição da pena, nos termos do artigo
41 da Lei nº 11.343/06.
Cabe esclarecer, que o legislador, na Lei nº 11.343/06, repetiu a tendência
adotada em outras leis brasileiras, no sentido de beneficiar àquele que colabora
com a justiça.
Com a delação premiada firmaBse um “pacto” entre o autor do fato ilícito e
o Estado. Se de um lado o Estado obtém informações para desvendar infrações
penais, que só seriam solucionadas após árdua e longa investigação; de outro
lado, o autor do fato ilícito consegue diminuir a quantidade da pena, já que não
é possível retirar o caráter aflitivo da mesma.
O aludido dispositivo legal prevê os requisitos para a concessão da delação
premiada, a saber: identificação dos demais colaboradores e recuperação total
ou parcial do produto do crime.
Não obstante, cabe mencionar que o que acarreta o benefício é colaboração
do agente, pois não seria razoável que o benefício legal decorrente da delação
ficasse “nas mãos” da polícia, dependendo da sua atuação posterior.
No mais, o artigo 41 da Lei nº 11.343/06 não exigiu a efetividade da
colaboração. Cabe esclarecer, que o legislador quando quis condicionar a
concessão do benefício à efetividade da colaboração, o fez expressamente, como,
por exemplo nas Leis nº 9.034/95 e 9807/99.
Neste sentido leciona ALEXANDRE BIZZOTO221 “observa/se que a comentada
previsão é menos rígida do que a que está prevista no artigo 14 da Lei 9.807/99 (de expressa
incidência na problemática das drogas, conforme dita o artigo 41 da lei 11.343/06), ao
221 Nova Lei de Drogas, 2007, Editora Lumen Juris, página 97.
404
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não exigir que o acusado seja primário e nem a efetividade da colaboração, como
reclama a lei de proteção às testemunhas.”
In casu, a apelante forneceu, em sede policial, o nome do outro traficante
conhecido como Nyke, permitindo sua identificação. Tal informação foi ratificada
em juízo, quando de seu interrogatório de fl. 89, vejamos:
Finalmente, convém explicitar que de acordo com o laudo de fls. 26, foi
apreendida com a apelante toda a droga que se destinava à comercialização no
Engenho da Rainha.
Entretanto, cumpre esclarecer que, em juízo, a apelante não identificou os
demais partícipes.
Desta feita, ante aos fatos acima esposados, a meu sentir, a apelante faria jus
ao benefício legal da delação premiada, com a conseqüente diminuição da pena
em um terço.
Todavia, o entendimento dominante foi no sentido de que não houve
qualquer resultado prático da conduta da Apelante, motivo pelo qual este Relator,
com reserva de sua posição pessoal, rendeuBse ao mencionado entendimento.
Do sursis.
405
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222 Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro, 11ª edição, Editora Revan, página 117.
223 Interpretação e Aplicação da Constituição, 4ª edição, Editora Saraiva, página 235.
406
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224 Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº 71, 2008, Editora Revista dos Tribunais, página 210/211.
225 Nascimento, Rogério José Bento Siares, Abuso do Poder de Legislar, 2004, Editora Lumen Juris,
página 128.
226 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5ª edição.
São Paulo. Malheiros. 2005, p. 133B137.
407
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227 GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. O princípio da proporcionalidade no direito penal. São
Paulo. Revista dos Tribunais, 2003. p.176.
228 STF, MC em HC nº 92525B1 RJ, Min. Celso de Mello, julgamento 31/05/08.
408
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409
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5ª CÂMARA CRIMINAL
APELAÇÃO CRIMINAL 2008.050.01996
APELANTE: XXX
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO
JUÍZO: 1ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE DUQUE DE CAXIAS
RELATOR: DESEMBARGADOR GERALDO PRADO
Artigo 157, §2°, incisos I e V, do Código Penal.
410
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ACÓRDÃO
411
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VOTO
412
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413
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414
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GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR
415
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5ª CÂMARA CRIMINAL
APELAÇÃO CRIMINAL 2008.050.03201
APELANTES: (1) XXXX
(2) YYYY
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO
JUÍZO: VARA CRIMINAL DA COMARCA DE CABO FRIO
RELATOR: DESEMBARGADOR GERALDO PRADO
Artigo 157, §2°, incisos I e II c/c artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal e
artigo 1º da Lei 2.252/54, na forma do artigo 70 do Código Penal.
416
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ACÓRDÃO
417
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GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR RELATOR
VOTO
418
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419
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420
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229 O princípio da proporcionalidade no Direito Penal. RT. São Paulo. 2003. p.158.
421
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230 José Antonio Paganella Boschi. Das Penas e seus Critérios de Aplicação. Livraria do Advogado. 4ª Ed.
2006.
422
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GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR RELATOR
231 Das Penas e seus Critérios de Aplicação. Livraria do Advogado. Porto Alegre, 2006. pág., 342/3.
423
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5ª CÂMARA CRIMINAL
APELAÇÃO CRIMINAL 2009.050.01599
APELANTE: XXX
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO
JUÍZO: 35.ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DA CAPITAL
RELATOR: DESEMBARGADOR GERALDO PRADO
Artigo 28 da Lei 11.343/06
424
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425
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ACÓRDÃO
426
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RELATÓRIO
427
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GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR
VOTO
428
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232 BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 3.ª Ed. Saraiva,
São Paulo, 2008, p. 29.
429
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quanto à lei, efeito ex tunc, tal como se ela (a lei declarada inconstitucional)
“jamais tivesse existido – is as though it never existed”.233
Por outro lado, se a este órgão jurisdicional fracionário não é dado afastar
a aplicação do parágrafo único do artigo 66 da Lei 9.099/95 sob a alegação de
sua inconstitucionalidade (artigo 97 da Constituição da República), neste
caso, é perfeitamente possível realizar, aplicando as técnicas de hermenêutica,
interpretação conforme a Constituição.
Nesse sentido, em passagem do trabalho entitulado Sistema Acusatório –
A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais234, faço breve exposição
sobre a possibilidade e necessidade de realização da interpretação das Leis
Processuais segundo o sentido Constitucional: diferentemente de afastar a
aplicação de uma norma, cuidaBse de atribuirBlhe significado conforme a opção
política externada no Texto Maior, e não de lhe negar validade, como ocorre na
declaração de inconstitucionalidade.
Dessa forma, quando se realiza interpretação conforme a Constituição, se
há o reconhecimento da incompatibilidade da norma com a Magna Carta, ela
é relativa e, portanto, sanável – não por meio da negação de sua aplicação, mas
pela sua incidência sobre a hipótese submetida ao Judiciário, desde que num
determinado significado ou sentido abrangido pela Carta Política.
233 CLÈVE, Clemerson Merlin. A Fiscalização Abstrata da Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 2.ª Ed.
Revista dos Tribunais, São Paulo, 2000, p. 112.
234 PRADO, Geraldo Luis Mascarenhas. Sistema Acusatório – A Conformidade Constitucional das Leis
Processuais Penais. 4.ª ed. Lúmen Júris. Rio de Janeiro. 2006.
235 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.ª Ed.Almedina, Coimbra,
p. 891.
430
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236 BARCELLOS, Ana Paula de e BARROSO, Luís Roberto. O Começo da História: a Nova Interpretação
Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro. In: Interpretação Constitucional. Org.
Virgílio Afonso da Silva. 1.ª Ed. 2.ª tiragem. Malheiros, São Paulo, p. 271B316.
431
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237 KARAM, Maria Lúcia. Competência no Processo Penal. 4.ª Ed. Revista dos Tribunais, 2005, p. 60.
432
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238 Ibid.
239 4.ª Ed. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2006, p. 182B187.
240 PRADO, Geraldo. Transação Penal. 2.ª Ed. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2006, p. 156.
433
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434
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435
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243 LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Vol. 1. Lumen Júris, Rio
de Janeiro, 2007, p. 290.
436
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É verdade que a nova previsão legal parece não vedar de forma absoluta
que o juiz fundamente sua decisão em elementos colhidos na fase inquisitorial.
Contudo, “vinculando a própria noção de prova ao atendimento do contraditório
judicial”244, impõe, na melhor das hipóteses, para que isso ocorra, a existência
de provas produzidas em Juízo, sob as garantias do contraditório e da ampla
defesa, que corroborem as informações – jamais provas, no novo conceito legal –
colhidas durante a investigação.
E a prova não foi produzida.
De fato, foi ouvida uma única testemunha, em razão da desistência operada
pelo Ministério Público à fl. 65 em relação às demais. O depoimento, entretanto,
nada revela, pois resumeBse a três linhas, que transcrevo:
(...) são verdadeiros os fatos narrados na denúncia; que sabe dizer que o
réu estava na Estação XI, que não se recorda da onde vinha o trem no qual
viajava o réu (...)
(fl. 68)
(...) não haverá de estar uma observação que sói acusar marcadíssimas
implicações emotivas, posto que se traslada ao processo pela via, sempre
244 GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As Reformas no Processo Penal. Coord. Maria Thereza Rocha de
Assis Moura. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2008, p. 251.
245 IBÁÑEZ, Perfecto Andrés. Sobre a Motivação dos Fatos na Sentença Penal. In: Valoração da Prova e
Sentença Penal. Trad. e Org.: Lédio Rosa de Andrade. Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2006.
437
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Contrastar uma hipótese é, como se sabe, pôr à prova seu valor explicativo,
neste suposto, do caso em exame. Tratando/se do processo, isso se faz
mediante o desenvolvimento da atividade probatória.
Para que a hipótese acusatória possa considerar/se válida, precisa/se de
uma pluralidade de confirmações. A fecundidade de uma hipótese requer
que a mesma seja confirmada por mais de um fato (O único fato de Fulano
ter estado no lugar do crime não lhe imputa, sozinho, a autoria do crime).247
438
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(...) las nuevas leyes en el ámbito de nuestro Derecho penal material (Parte
Especial y leyes penales especiales) no tienen como objeto de protección
sólo bienes jurídicos universales sino asimismo que estos bienes jurídicos
universales están formulados de forma especialmente vaga. Ámbitos
específicos de promulgación de leyes son fundamentalmente el Derecho
penal económico, los impuestos, medio ambiente, acumulación de datos,
249 BARATTA, Alessandro. Funções instrumentais e simbólicas do direito penal: lineamentos de uma teoria do
bem jurídico. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 2, n.º
5, jan./mar., 1994, p. 05B24.
250 KARAM, Maria Lúcia. Aquisição, guarda e posse de drogas para uso pessoal: ausência de tipicidade penal.
De crimes, penas e fantasias. Luam, Niterói, 1999. p. 122.
251 GOMES, Luís Flávio (Coord.). Lei de Drogas Comentada. 2.ª Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2007.
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Não é árdua, contudo, neste caso, em que foi apreendido apenas 1,8g (um
grama e oito decigramas) de cannabis sativa L. (fl. 14), quantidade que, por óbvio,
não tem o condão de afetar a Saúde Pública, mas exclusivamente a saúde individual
do apelante, cuja conduta é, pois, impunível, já que atípica.
Com efeito, na esteira da noção do bem jurídico como paradigma da
criminalização, tanto primária quanto secundária, a tipicidade penal não
consiste em elemento meramente formal, de sorte que não se caracteriza a partir
da simples subsunção do fato à norma incriminadora. Assumir essa concepção
como verdadeira é incorrer na equivocada confusão entre tipicidade legal e
tipicidade penal – a qual se caracteriza não apenas por esse aspecto objetivo
(formal), mas também pela tipicidade conglobante, defendida por Zaffaroni253.
Por isso, esta última não pode ser ignorada e consiste no que o autor
chamou de antinormatividade – que se revela, em linhas gerais, pela coerência
sistemática da norma proibitiva – somada à tipicidade material, a qual se verifica
exclusivamente se o bem jurídico for relevantemente atingido.
(...) Embora seja certo que o delito é algo mais – ou muito mais – que a lesão
a um bem jurídico, esta lesão é indispensável para configurar a tipicidade.
É por isto que o bem jurídico desempenha um papel central na teoria do
tipo, dando o verdadeiro sentido teleológico (de telos, fim) à lei penal. Sem o
bem jurídico, não há um para quê? Do tipo e, portanto, não há possibilidade
alguma de interpretação teleológico da lei penal. Sem o bem jurídico, caímos
num formalismo legal, numa pura “jurisprudência de conceitos”.254
Sem efetiva lesão ao bem jurídico tutelado – ou, bastaria dizer, sem afetação
ao bem jurídico, conforme destacado por Nilo Batista255 –, o fato é penalmente
atípico, pois, ausente a tipicidade material, também não se vislumbra a tipicidade
conglobante, a qual, a seu turno, condiciona a tipicidade penal.
252 HASSEMER, Winfried. Derecho Penal Simbólico y Protección de Bienes Jurídicos. Vários Autores. Pena y
Estado. Editorial Jurídica Conosur, Santiago, 1995, p. 23B36.
253 ZAFFARONI, E. Raúl e PIERANGELI, J. Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Vol. I. 7.ª ed.
Revista dos Tribunais, São Paulo, 2008.
254 Idem, p. 398B399.
255 Op. cit., p. 228.
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256 HC 94524/DF. Segunda Turma. Rel. Min. Eros Grau. Julgamento: 24/06/2008.
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257 HC 94583/MS. Segunda Turma. Rel. Min. Ellen Gracie. Julgamento: 24/06/2008.
442
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258 BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 10.ª Ed. Revan, Rio de Janeiro, 2005, p. 24.
259 O Método do Direito Penal sob uma Perspectiva Interdisciplinar. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2007, p. 168.
443
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260 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do Direito Penal. Tradução de Juarez Cirino dos
Santos. 3.ª Ed. Revan, Rio de Janeiro, 2002. p. 86.
261 GIROGI, Alessandro de. A Miséria Governada através do Sistema Penal. Trad. Sérgio Lamarrão, Revan,
Rio de Janeiro, 2006, p. 39.
262 THOMPSON, Augusto. Quem são os Criminosos?. 2.ª Ed. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2007, 178 f.
263 Direito Penal Brasileiro. Vol. I. 2.ª Ed. Revan, Rio de Janeiro, p. 47.
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No decorrer das três últimas décadas, ou seja, depois dos confrontos raciais
que abalaram os grandes guetos de suas metrópoles, a América lançou/
se numa experiência social e política sem precedentes nem paralelos entre
as sociedades ocidentais do pós/guerra: a substituição progressiva de um
(semi) Estado/providência por um Estado penal e policial, no seio do qual
a criminalização da marginalidade e a “contenção punitiva” das categorias
deserdadas faz as vezes de política social.264
Esse fato, sem dúvida, fazBse presente no contexto das drogas, conforme
assinalado por Vera Malaguti265, para quem a ausência de perspectiva da
juventude pobre tornaBse determinante para o recrutamento de cada vez maior
número de adolescentes por grupos dedicados ao tráfico ilícito de drogas.
Nesse contexto, observaBse, na história da política criminal antidrogas
brasileira, uma nítida diferenciação no tratamento penal conferido às camadas
socialmente desfavorecidas, a quem se atribui um discurso éticoBjurídico
atrelado à ideia de delinquência, e às mais privilegiadas, que sempre receberam
um tratamento penal médicoBsanitário, relacionado à noção de dependência266.
Não é distinta a hipótese em questão. O fundamento utilizado expressamente
pela Magistrada a quo para aplicar ao apelante pena mais rigorosa do que a
permitida em lei para o caso concreto foi justamente o fato de ele ser morador de
rua e ser desprovido de “vínculo social e familiar”, na contramão da finalidade
de democratização do Direito Penal.
Não se pode, obviamente, ignorar o fato de que, muitas vezes, essa espécie
de atitude não é deliberada, muito menos consciente das consequências que ela
pode acarretar. Todavia, é justamente essa ignorância que torna o Direito Penal
mais punitivo e menos garantidor. É o que o torna simbólico.267
264 WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. 2.ª Ed. Revan, Rio de
Janeiro, 2003, 167 f.
265 MALAGUTI, Vera S. W. Batista. Difíceis ganhos fáceis: droga e juventude pobre no Rio de Janeiro. 2.ª Ed.
Revan, Rio de Janeiro, 2003.
266 OLMO, Rosa del. A face oculta da droga. Trad. de Teresa O[oni. Revan, Rio de Janeiro, 1990, p. 22.
267 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Trad. Fernando Tomaz. 8ª Ed. Bertrand Brasil, Rio de Janeiro,
2005. 322 f
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GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR
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5ª CÂMARA CRIMINAL
RECURSO DE AGRAVO (Lei 7.210/84) nº. 2009.076.00725
AGRAVANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO
INTERESSADO: XXXX
RELATOR: DESEMBARGADOR GERALDO PRADO
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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opinou pelo não provimento do recurso de agravo em execução para que seja
mantida a decisão impugnada.
É o relatório.
VOTO
449
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270 Direito Penal Brasileiro – Volume I. Ed. Revan, Rio de Janeiro, 2003. pag. 232
271 Declaração de voto no agravo nª2007.076.001831, julgado pela e. 7ª Câmara Criminal do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em 03 de abril de 2008, rel. Desembargadora Elizabeth Gomes
Gregory.
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VOTO VENCIDO
GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR RELATOR
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VOTO
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274 O proclamado e o Escondido: a violência da neutralidade técnica. In: Discursos Sediciosos (03). ICC/Revan.
Rio de Janeiro, 1997, p. 77/86.
275 Reforma Penal Brasileira. Forense. Rio de Janeiro, 1988, p. 269.
458
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276 O (novo) Papel dos “Criminólogos” na Execução Penal: As alterações Estabelecidas pela Lei 10.792/03. In:
Crítica à Execução Penal. 2.ª Ed. Lumen Juris. Rio de Janeiro, p. 168.
459
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277 LOPES JÚNIOR, Aury e BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável.
Editora: Lumen Juris. 2006, p.60.
278 Idem, p.69.
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GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR RELATOR
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5ª CÂMARA CRIMINAL
HABEAS CORPUS 2009.059.05776
AUTORIDADE COATORA: JUIZ DE DIREITO DA VARA DE EXECUÇÕES
PENAIS
IMPETRANTE: XXXX
PACIENTE: XXXX
RELATOR: DESEMBARGADOR GERALDO PRADO
Artigo 12 c.c artigo 18 da Lei 6.368/76.
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ACÓRDÃO
RELATÓRIO
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VOTO
464
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É certo que, em minha opinião, a origem desta interpretação está ditada por
algumas consideráveis razões.
Em primeiro lugar, como sublinha CEZAR ROBERTO BITENCOURT
(Tratado de Direito Penal, Parte Geral 1, Saraiva, 10ª Edição, 2006, p. 821),
a prática de novo crime durante o período de prova denota o insucesso “da
tentativa de possibilitar ao apenado o retorno antecipado ao convívio social”.
Disso resulta que, supostamente à luz do artigo 89 do diploma repressivo,
que prega a impossibilidade de o juiz declarar extinta a pena, enquanto não
passar em julgado a sentença em processo a que responde o liberado, por crime
cometido na vigência do livramento, o fim do período de prova sem revogação
não se apresenta como obstáculo instransponível à extinção da pena.
Este segundo argumento amparaBse em tese que combina, de um lado, os
objetivos do livramento, e de outro a idéia de que é dispensável qualquer decisão
judicial para suspender o curso do livramento. A mera existência de crime
praticado durante a vigência do livramento importaria em causa de revogação
automática, tornando ineficaz decisão declaratória de extinção da pena.
Esta é também a lição de LUIZ RÉGIS PRADO (Curso de Direito Penal
Brasileiro, Volume 1, Parte Geral, RT, 5ª Edição, 2005, p. 714), que defende tratarB
se de causa de suspensão do livramento, a influir na revogação do direito ou na
extinção, conforme o caso, a falta de sentença definitiva acerca do novo processo.
Em vista disso o trânsito em julgado da sentença que condenar o liberado à pena
de prisão pelo novo crime é tratado como condição suspensiva.
Em que pese à posição dos citados juristas e os argumentos de algumas
relevantes decisões dos tribunais, entendo que a matéria há de ser solucionada
de modo diverso quando examinada à luz do sistema constitucional e da maneira
como o Direito Penal globalmente organiza suas regras.
É que a função pacificadora da jurisdição está calcada em certeza jurídica
acerca das condições que podem privar o cidadão de sua liberdade, convindo
interpretar e aplicar as normas penais levando em conta esta importante função,
cujo alicerce fundamental é o princípio da legalidade.
Neste caso, ao se cuidar de restringir direitos fundamentais, a interpretação
e aplicação das normas jurídicas há de ser igualmente restritiva. Não se pode
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7ª CÂMARA CRIMINAL
RECURSO DE AGRAVO nº. 2007.076.0605
AGRAVANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO
AGRAVADO: XXXXX
RELATOR: DESEMBARGADOR GERALDO PRADO
ACÓRDÃO
469
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GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR RELATOR
RELATÓRIO
VOTO
470
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279 Isso não significa que as decisões impugnáveis sejam sempre enumeradas de forma taxativa. A
taxatividade aqui se refere ao gênero do pronunciamento judicial atacável pela via recursal. Daí
que no processo penal de conhecimento a apelação é residual e serve à impugnação de sentenças
em geral (excetuadas as que são impugnadas por recurso em sentido estrito) e demais decisões
definitivas ou com força de definitiva. Quando a manifestação judicial não se enquadra no modelo
acima indicado não se presta à alteração por meio de apelação.
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No mérito.
Entendo que a questão posta deve ser resolvida na forma da Lei, pois
que no caso não haveria espaço para criação jurisprudencial, em termos de
interpretação/aplicação do direito, que possa levar à restrição da liberdade do
apenado.
Com efeito, não é ocioso sublinhar que a tarefa de interpretação de normas
jurídicas que restringem direitos fundamentais está ditada pelo primado
constitucional da liberdade. Em outras palavras, o gozo das liberdades públicas
é a regra; a exceção consiste na restrição ao exercício destas liberdades. Deste
modo, sempre que o Direito estabelecer regras restritivas estas haverão de ser
interpretadas/aplicadas no menor raio possível. Para a definição deste perímetro
o juiz deverá se valer sempre do princípio da legalidade e do sentido consensual
que as palavras empregadas na lei recebem no meio comunitário ou jurídico.
O poder de criação do juiz, inevitável em muitos casos, não lhe autoriza a
compor sentidos que ampliem o espaço de limitação ao exercício dos direitos em
manifesta oposição às palavras da Lei.
Nestes termos está expresso o ensinamento de J. J. Gomes Canotilho, para
quem a tarefa de interpretar e aplicar princípios jurídicos encontra insuperável
obstáculo no sentido comum das palavras. Isto é, leciona o mestre português,
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GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR
283 Desembargador Roque Miguel Frank, decisão no agravo nº 70.005.807.599, julgado em junho de
2003.
284 Desembargador Vico Mañas, HC nº 513722/6B00, 12ª Câmara, julgado em 1º/07/2005.
285 RT 763/600.
286 Desembargador Ary Casagrande, TACrimSP, AE 1.367.533/3, 10ª Câmara, julgado em 17/09/2003.
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5ª CÂMARA CRIMINAL
HABEAS CORPUS 2009.059.5388
AUTORIDADE COATORA: JUIZ DE DIREITO DA 36.ª VARA CRIMINAL
DA COMARCA DA CAPITAL
IMPETRANTE: XXXXX
PACIENTE: XXXXX
CORRÉUS: XXXXX
RELATOR: DESEMBARGADOR CAIRO ÍTALO FRANÇA DAVID
VOTO VENCIDO
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287 O Direito de Não Produzir Prova Contra Si (o princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no
processo penal). Saraiva. São Paulo, 2003, p. 251B255.
288 Suprema Corte Alemã. Decisão BGHSt 40, 71. Apud ROXIN, Claus. “Nemo tenetur”: La jurisprudência
em La encrucijada. In: Pasado, Presente y Futuro del Derecho Procesal Penal. p. 163B178.
289 LOPES JR. Aury. Palestra proferida no dia 25/06/2009, na 13.ª Reunião do Fórum de Especialização e
Atualização do Direito e do Processo Penal da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.
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GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR RELATOR
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5ª CÂMARA CRIMINAL
HABEAS CORPUS 2009.059.04919
AUTORIDADE COATORA: JUÍZO DA 16.ª VARA CRIMINAL DA COMARCA
DA CAPITAL
IMPETRANTE: XXXX E YYYY
PACIENTE: ZZZZ
RELATOR: DESEMBARGADOR GERALDO PRADO
VOTO VENCIDO
GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR RELATOR
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VOTO
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aqueles que se prestem à demonstração dos fatos por elas alegados e que terão
de guardar pertinência com o objeto do processo: a acusação e o álibi.
Nesse sentido é o ensinamento de Antônio Magalhães Gomes Filho, para
quem a superação do óbice da preclusão para o fim de produção de prova
depende da mínima demonstração da sua pertinência e relevância295.
E ao admitir, a priori, o meio de prova, que sob o ângulo das partes está
instrumentalmente conexo à ação e ao direito de Defesa, o juiz está reconhecendo
justamente essa pertinência.
Dessa forma, a reconsideração do ato judicial de admissão do meio de
prova, deverá estar fundamentada na evidente inidoneidade do referido meio ou
na sua impertinência, isto é, na impossibilidade de demonstrar o fato alegado
que tem relevância processual.
A hipótese sob julgamento é a oposição perfeita desse requisito.
A uma porque, embora, para indeferir o pedido de análise do vídeo por um
psicólogo, a juíza tenha afirmado que WWWW sequer presenciou o fato, não
sendo testemunha apta a esclarecêBlo, tomou por verdadeiras as declarações por
ela prestadas no Ministério Público e em Juízo.
Cabe destacar que, se é verdade que WWWW não é testemunha presencial
do fato, há possibilidade de que seja testemunha de fato muito mais grave do que
aquele imputado ao paciente, capaz até mesmo de transferir a responsabilidade
penal do porte de arma de uso restrito do acusado para outras pessoas.
E, como a alegação defensiva cingeBse a isso, tal possibilidade configura a
relevância e pertinência da exibição do vídeo em audiência.
A duas porque, não obstante tenha deixado de proceder à exibição do
vídeo, a e. Juíza determinou a transcrição de seu conteúdo por peritos da Polícia
295 Direito à prova no Processo Penal. Revista dos Tribunais. São Paulo. 1997. p. 131.
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296 Supremo Tribunal Federal. Voto condutor do acórdão proferido no RE n.º 402.717B8/PR. Segunda
Turma. Rel. Min. Cezar Peluso. Julgamento: 02/12/2008.
297 Ibidem.
298 Voto proferido no Resp n.º 9.012/RJ. Terceira Turma. Julgamento: 24/02/1997.
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(...) no confronto entre uma proibição de prova, ainda que ditada pelo
interesse de proteção a um direito fundamental, e o direito à prova da
inocência parece claro que este último deva prevalecer, não só porque a
liberdade e a dignidade da pessoa humana constituem valores insuperáveis,
na ótica da sociedade democrática, mas também porque ao próprio Estado
299 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 16.ª Ed. Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2009, p. 438.
300 GRECO FILHO, Vicente. Apud LOPES JR., Aury. Direito Penal e sua Conformidade Constitucional. V. I.
Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2007, p. 567.
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Não basta, portanto, que o Juiz ouça diretamente as partes; também não é
suficiente que ele presencie a produção das provas. Ambas as situações devem
estar presentes para que o resultado do processo tenha fidelidade mínima à
realidade dos fatos.
A esse respeito, Bentham, em ponto de vista contrário à estrutura mista do
processo penal francês, destacou que “O juiz que não ouviu as testemunhas,
nunca estará seguro de que as atas representam fielmente o testemunho oral,
nem de que este tenha sido exato e completo em sua origem” 308.
Continua o autor, ao justificar a necessidade da identidade física do juiz:
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309 Ibidem.
310 Op. Cit., p. 155.
311 Instituições de Processo Penal. V. 4. 2.ªa Ed. Saraiva. São Paulo, 1977, p. 169B173.
312 Idem, p. 171.
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GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR RELATOR
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5ª CÂMARA CRIMINAL
APELAÇÃO CRIMINAL 2006.050.00544
APELANTE: XXXX
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO
JUÍZO: VARA ÚNICA DE IGUABA GRANDE
CO–RÉU: YYYY
Artigo 180, §1º, do Código Penal
VOTO VENCIDO
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313 O controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. Ed. Saraiva. 3ª Ed. 2009. p. 89.
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314 HC 68793 – RJ. Relator Designado Moreira Alves. Primeira Turma. Data do julgamento: 10/03/92.
494
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495
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315 Habeas Corpus 97344/SP – 2ª Turma – Rel. Min. Ellen Gracie. Pacientes Cláudio Roberto Manoel e
Vicente Silva Gomes Oliva e Impetrante Antônio Roberto Barbosa.
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Nada obstante, este acusado deve ser beneficiado pela extensão dos efeitos
da presente decisão.
Com isso, sua pena há de ser reduzida para um ano de reclusão e dez diasB
multa. A redução, neste caso, é maior quando comparada àquele reconhecida
em relação a XXXX para que seja preservada a proporcionalidade da sentença.
Nesse contexto, a pena de YYYY está igualmente prescrita, nos termos
do artigo 109, inciso V, do Código Penal e assim deve ser declarada porque o
trânsito em julgado encontra impedimento objetivo no disposto no artigo 580 do
Código de Processo Penal.
Posto isso, voto no sentido de dar provimento ao recurso defensivo
para declarar extinta a punibilidade, ante o reconhecimento da prescrição da
pretensão punitiva, nos termos do artigo 107, inciso IV c/c artigo 109, inciso V,
todos do Código Penal. Com fulcro no artigo 580 do Código de Processo Penal,
estendo esta decisão ao acusado YYYY cuja pena está igualmente prescrita, nos
termos do artigo 109, inciso V, do Código Penal.
GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR
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7ª CÂMARA CRIMINAL
APELAÇÃO CRIMINAL Nº. 2007.050.03084
APELANTE: XXXX
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO
CO-RÉU: YYYY
JUÍZO DE ORIGEM: 2ª VARA DE BOM JESUS ITABAPOANA
RELATOR: DESEMBARGADOR GILMAR AUGUSTO TEIXEIRA
VOTO VENCIDO
Em que pese o entendimento diverso adotado pela douta maioria, voto vencido
para dar provimento ao recurso defensivo e, consequentemente, absolver o acusado
com fulcro no artigo 386, inciso VI, do Diploma Processual Penal.
O apelante foi denunciado pela prática da conduta delituosa prevista no
artigo 155, caput, do Código Penal.
E isto porque, no dia 4 de abril de 2005, teria subtraído com vontade livre e
consciente a bicicleta modelo Tropical FI, cor violeta, ano 2004, avaliada em R$
180,00 (cento e oitenta reais) de propriedade de MMMM.
Consta ainda que, no mesmo dia, o apelante vendeu o mencionado bem a
YYYY, tendo este conhecimento de tratarBse de produto de furto, uma vez que
pagou pela bicicleta a módica quantia de R$ 25,00 (vinte e cinco reais).
A r. sentença, proferida pela Juíza Fabiola Costalonga (fls. 168/173),
reconheceu a responsabilidade penal do réu e o condenou à pena de oito meses
de reclusão, a ser cumprida em regime inicial aberto, e ao pagamento de seis
diasBmulta, pela prática do crime de furto privilegiado.
O réu, ao ser intimado da r. sentença (fl. 176), manifestou seu desejo de
recorrer, sendo o apelo recebido à fl. 177, e com razões recursais entranhadas às
fls. 178/184.
A Defesa pleiteou, em preliminar, a nulidade do ato jurisdicional, sob o
argumento de falta de fundamentação na redução de pena aplicada, em razão
do reconhecimento do furto privilegiado.
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316 AURY LOPES JÚNIOR. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Vol. 1, Editora
Lumen Juris : Rio de Janeiro, 2007, p. 290.
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ainda mantém seu poder de sedução. Tanto é assim que há projetos de lei que
pretendem viabilizar o julgamento sumário, a partir das evidências da prisão em
flagrante associadas à confissão.
O timbre sedutor da confissão soa mais alto quando, ao lado da assunção da
própria culpa, o réu aponta outro ou outros parceiros de empreitada, fornecendo
motivos “razoáveis” para se dar crédito à “imputação”.
Independentemente das incontáveis discussões que o tema proporciona – e
que não cabem neste voto – é indispensável, diria verdadeiramente prioritário,
recolocar a chamada de coBréu, esta forma de confissão com distribuição de
responsabilidade, no lugar processual que lhe cabe no processo penal brasileiro
orientado pelas garantias processuais previstas na Constituição da República e
em tratados internacionais.
O réu pode calar a verdade. Pode também mentir em juízo. Não há
penalidades. Sua intervenção pessoal pode estar orientada por alguma estratégia
defensiva, pela disposição de diminuir seu papel no enredo criminoso ou em
simples desejo de vingança. Pode ainda estar falando a verdade.
O que o juiz não pode desconhecer – e sobre este ponto gira a sentença, no
que concerne ao apelante – é que a “fala” do acusado nada prova. Quando muito
indica a existência de meios de prova, convertendoBse ela própria em mera fonte
de prova!
A certeza íntima de que as pessoas somente assumem a responsabilidade
por atos que tenham realmente praticado é desmentida pela experiência
cotidiana. Ainda que assim não seja, esta certeza é “íntima”, isto é, não pode ser
alvo de questionamento por quem quer que seja e dessa maneira não é suscetível
de se submeter ao controle pelo contraditório.
Nestes termos, se é assim no que toca à confissão, este descontrole é ainda
mais potencialmente lesivo das garantias quando o autor da confissão aponta
outro indivíduo como igualmente responsável pelo crime!
O duelo intelectual entre versões apresentadas em interrogatório, pelos
acusados, somente é resolvido pelos meios de provas que as partes introduzem
no processo e que servem ao propósito de alicerçar seus argumentos, suas
alegações.
Voltamos, pois, ao ponto central: sem meios de prova há tãoBsomente
versões e a garantia da presunção de inocência incide para afastar toda e qualquer
conclusão desfavorável a acusado contra o qual não se tenha produzido prova.
A chamada de coBréu, isoladamente, pode até afetar a convicção íntima
do julgador. Por essa razão é denominada de inferência probatória. Não pode,
todavia, converterBse naquilo que não é, ou seja, não pode se transformar em
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meio de prova como não se pode converter réu em testemunha (só por meio de
alguma alquimia jurídica!).
Por este ângulo a absolvição de apelante constitui imperativo categórico.
As demais testemunhas ouvidas no curso da instrução criminal nada
acrescentaram.
AAAA, em depoimento retratado à fl. 128, nada esclarece em relação à autoria
do furto, apenas se limita a afirmar que viu a bicicleta com YYYY (coBréu).
Da mesma forma, MMMM (vítima), em depoimento espelhado à fl. 129,
apenas descreve a dinâmica fática, sem nada acrescentar em relação à autoria.
Informou: “que YYYY disse ter comprado a bicicleta de XXXX; (...) que a depoente
acha que YYYY disse que tinha uma dívida com XXXX no valor de cinqüenta reais,
tendo XXXX dado a bicicleta para pagamento da dívida e recebido vinte reais de volta.”
Ora, a prova oral produzida sob o crivo do contraditório limitaBse a atestar
que o bem subtraído estava na posse de YYYY (coBréu), mas em momento algum
se presta a comprovar que o furo fora praticada pelo apelante.
Neste tocante, o princípio in dubio pro reo funciona aqui como critério de
resolução da incerteza, impondoBse como expressão do princípio da presunção de
inocência.
NoteBse que, diante de hipóteses explicativas viáveis, mas contraditórias
e excludentes entre si, não pode o juiz optar por aquela posta em desfavor do
acusado.
Como destaca GUILHERME DE SOUZA NUCCI317:
GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR
317 GUILHERME DE SOUZA NUCCI. Código de Processo Penal Anotado. 5ª Edição, Ed. Revista dos
Tribunais
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7ª CÂMARA CRIMINAL
HABEAS CORPUS 2007.059.05668
AUTORIDADE COATORA: JUÍZO DA VARA DE EXECUÇÕES PENAIS
IMPETRANTE: XXXX
PACIENTE: YYYY
DECLARAÇÃO DE VOTO
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GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR
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