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Tributação da Economia Digital

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Gustavo da Gama Vital de Oliveira
Marcus Livio Gomes
Sergio André Rocha

Tributação da Economia Digital

Editora Lumen Juris


Rio de Janeiro
2019
Copyright © 2019 by
Gustavo da Gama Vital de Oliveira
Marcus Livio Gomes
Sergio André Rocha

Categoria:

Produção Editorial
Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

Diagramação: Rômulo Lentini

A LIVRARIA E EDITORA LUMEN JURIS LTDA.


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emitidas nesta obra por seu Autor.

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Todos os direitos desta edição reservados à


Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

Impresso no Brasil
Printed in Brazil

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
________________________________________
Apresentação

A presente obra coletiva reúne artigos realizados por docentes e discen-


tes no âmbito do Programa de Pós-Graduação strictu sensu (mestrado e dou-
torado) da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
na linha de pesquisa Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento.
Os textos refletem os debates ocorridos em disciplinas do mencionado
programa que buscam investigar os principais desafios que a economia digital
desperta na tributação. Como se poderá verificar ao longo da obra, os desafios
são relacionados tanto à tributação interna no Brasil como também em rela-
ção à tributação internacional.
No caso do sistema tributário brasileiro, o desafio da economia digital afi-
gura-se ainda maior, considerando a rigidez do sistema constitucional de com-
petências tributárias, baseado em conceitos moldados na economia industrial.
Com a presente obra, esperamos contribuir para o debate sobre tema tão
relevante para o aperfeiçoamento do sistema tributário brasileiro.

Os Coordenadores
Sumário

A Incidência do ICMS sobre o Comércio Eletrônico de Software..................... 1


Mariana Cavalcanti de Jesus
Sergio André Rocha

Dedutibilidade de Pagamentos de Royalties para o Exterior pelo


Direito de Distribuição/Comercialização de Software...................................... 35
Sergio André Rocha
Romero Lobão Soares

Conflito de competência entre Estados e Municípios e as operações


envolvendo transferência e/ou licenciamento para uso de software................ 59
Lyvia de Moura Amaral Serpa

Um estudo da doutrina brasileira a respeito da incidência do ICMS


sobre operações com software...............................................................................77

Iuri Engel Francescutti

A Competência Territorial do Imposto sobre Serviços


de Qualquer Natureza (ISSQN) nos Serviços de Intermediação
Eletrônica de Transporte Privado.........................................................................95
Karolina Quintão Quintanilha
Luiza Monteiro Paiva
Mariana Lopes da Silva

Imposto Único nas Operações de Internet: a Consensualidade como


Paradigma e o Combate aos Conflitos Tributários na Era Digital ................127
Leonardo Rocha Hammoud
Tributação de Novas Tecnologias e o Histórico Conflito
entre os Princípios da Origem e do Destino na Delimitação
da Competência Tributária.................................................................................. 143
Alexandre Teixeira Jorge
Vanessa Benelli Corrêa
Vanessa Huckleberry Portella Siqueira

Os Relatórios do Projeto BEPS Ação 1, as propostas da União Europeia


e as Atualizações Referentes a Tributação da Economia Digital.................... 171
Marcus Livio Gomes
Doris Canen

O Poder Executivo e a Tributação do Software no Brasil:


um Enfoque no Princípio da Legalidade .......................................................... 189
Maurine Morgan Pimentel Feitosa

Revigorando o Imposto sobre Propriedade Imóvel:


Propostas Legislativas e Novas Tecnologias......................................................221
Carlos Augusto Rolim
Constantino António Zangui

Ação 1 do Projeto BEPS e as Diretrizes Gerais da OCDE...............................243


Sergio André Rocha
Diana Rodrigues Prado de Castro

Tax Challenges of the Digital Economy in Brazil.............................................271


Gustavo da Gama Vital de Oliveira
Felipe Kertesz Renault Pinto

Tributação das Plataformas Digitais de “Hospedagem”..................................285


Filipe Silvestre Lacerda Bastos

Tributação, mídias sociais e big data: qual o valor da informação?...............309


Tatiana Junger
Danielle Nascimento Nogueira de Souza
A Incidência do ICMS sobre o
Comércio Eletrônico de Software

Mariana Cavalcanti de Jesus1


Sergio André Rocha2

1. Introdução
A tributação da transferência de software via download é um tema que
tem gerado fortes controvérsias no campo tributário, especialmente diante do
conflito de competências instaurado entre os Estados e os Municípios.
Nos últimos anos, ocorreu um notório crescimento do acesso e uso das
tecnologias de informação e comunicação em todo o mundo. Diante disso, é
essencial que o Direito implemente adaptações dos diplomas legais já existen-
tes para que acompanhem o progresso tecnológico e consigam abarcar essas
novas realidades econômicas.3
O advento das novas tecnologias permitiu que os “produtos” oriundos
delas, como a “comercialização” de softwares via download, convivam e con-
corram com outros produtos que dependem de métodos tradicionais de tran-
sação. Isso gera impactos na concorrência, pois a economia digital se revelou
muito mais dinâmica, além de não possuir fronteiras geográficas ou políticas,
o que significa que um sujeito não residente pode concorrer com aqueles resi-
dentes em um território nacional.
A despeito de sua inegável relevância, que tende a aumentar nos anos por
vir, a economia digital tem gerado insegurança jurídica, pois os contribuintes
– e as próprias autoridades fiscais – não raro não sabem quais são os tributos
que incidirão nessas operações.

1 Advogada graduada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.


2 Professor de Direito Financeiro e Tributário da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
3 Uma análise detalhada dos desafios tributários da economia digital pode ser encontrada no relatório
da Ação 1 do Projeto BEPS da OCDE/G-20. Sobre o tema, ver: ROCHA, Sergio André. Política Fiscal
Internacional Brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. p. 221-226.

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Tributação da Economia Digital

As divergências sobre a tributação, no campo do comércio eletrônico de


software, recentemente se incrementaram. De um lado, o Município de São
Paulo editou o Parecer Normativo no 1/17, cujo artigo 1o enuncia que “o li-
cenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação, por
meio de suporte físico ou por transferência eletrônica de dados (‘download de
software’), ou quando instalados em servidor externo (‘Software as a Service
– SaaS’), enquadra-se no subitem 1.05 da lista de serviços do ‘caput’ do artigo
1º da Lei nº 13.701, de 24 de dezembro de 2003”, esclarecendo o artigo 2o que
“o enquadramento tratado no artigo 1º deste parecer normativo independe de
o software ter sido programado ou adaptado para atender à necessidade espe-
cífica do tomador (‘software por encomenda’) ou ser padronizado (‘software
de prateleira ou ‘off the shelf’’)”.
De outro lado, o Confaz editou o Convenio ICMS no 106, de 29 de setem-
bro de 2017, cuja Cláusula Primeira estabelece que “as operações com bens e
mercadorias digitais, tais como softwares, programas, jogos eletrônicos, apli-
cativos, arquivos eletrônicos e congêneres, que sejam padronizados, ainda que
tenham sido ou possam ser adaptados, comercializadas por meio de transfe-
rência eletrônica de dados observarão as disposições contidas neste convênio”.
Em linha com o Convênio ICMS nº 106/17, o Estado de São Paulo editou
o Decreto nº 63.099, de 22 de dezembro de 2017, que alterou o RICMS/SP para
fins de incidência do ICMS nas operações envolvendo software e outras mer-
cadorias digitais. O Decreto produzirá efeitos a partir de 1º de abril de 2018.
É oportuno recordar que o tema já havia sido objeto do Convênio ICMS
nº 181/15 que, em sua Cláusula Primeira, autorizou a redução da base de cál-
culo do ICMS incidente sobre a comercialização de software e demais arquivos
eletrônicos em meio digital. Veja-se:
“1 - Cláusula primeira.
Ficam os Estados do Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará,
Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Paraná, Paraíba, Pernambuco,
Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa
Catarina, São Paulo, Tocantins autorizados a conceder redução na base
de cálculo do ICMS, de forma que a carga tributária corresponda ao per-
centual de, no mínimo, 5% (cinco por cento) do valor da operação, re-
lativo às operações com softwares, programas, jogos eletrônicos, aplica-
tivos, arquivos eletrônicos e congêneres, padronizados, ainda que sejam

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Tributação da Economia Digital

ou possam ser adaptados, disponibilizados por qualquer meio, inclusive


nas operações efetuadas por meio da transferência eletrônica de dados.”

O Estado de São Paulo já havia legislado sobre o tema antes mesmo do


Convênio ICMS nº 181/15. Com efeito, o Decreto nº 51.619/07 previa a possi-
bilidade de tributação das operações envolvendo programas de computador,
ao determinar que a base de cálculo do ICMS incidente sobre operações com
software, personalizados ou não, corresponderia ao dobro do valor de merca-
do do suporte físico através do qual o programa era comercializado
A partir da leitura desses artigos do Decreto nº 51.619/07 era possível
inferir que as operações realizadas via download, sem o suporte físico, a prin-
cípio não seriam tributadas pelo ICMS. Contudo, o referido decreto foi revo-
gado pelo Decreto nº 61.522/15, como se vê abaixo:
“Artigo 1º - Fica revogado o Decreto 51.619, de 27 de fevereiro de 2007,
que introduz cálculo específico da base de tributação do Imposto sobre
Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de
Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunica-
ção - ICMS em operações com programas de computador.
Artigo 2º - Este decreto entra em vigor na data de sua publicação, pro-
duzindo efeitos a partir de 1º de janeiro de 2016.”

Com a revogação do Decreto nº 51.619/07, parece que o Estado de São


Paulo passou a entender que o ICMS incidiria também nos casos de comercia-
lização de softwares em meio digital.
Em janeiro de 2016, o Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo
foi alterado pelo Decreto nº 61.791/16, que incorporou o Convênio nº 181/15
à sua legislação. Nesse decreto, o Estado de São Paulo suspendeu a incidência
do ICMS sobre as operações com software e demais arquivos eletrônicos reali-
zadas em meio virtual, até que fosse editada uma norma definindo o local de
ocorrência do fato gerador para determinação do estabelecimento responsável
pelo pagamento do imposto. Em textual:
“Art. 1º Ficam acrescentados os dispositivos adiante indicados ao Re-
gulamento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mer-
cadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e
Intermunicipal e de Comunicação - RICMS, aprovado pelo Decreto nº
45.490, de 30 de novembro de 2000, com a seguinte redação:

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Tributação da Economia Digital

I - o artigo 37 às Disposições Transitórias:


‘Art. 37. (DDTT) - Não será exigido o imposto em relação às operações
com softwares, programas, aplicativos, arquivos eletrônicos, e jogos
eletrônicos, padronizados, ainda que sejam ou possam ser adaptados,
quando disponibilizados por meio de transferência eletrônica de dados
(download ou streaming), até que fique definido o local de ocorrên-
cia do fato gerador para determinação do estabelecimento responsável
pelo pagamento do imposto.’ (NR);
II - o artigo 73 ao Anexo II:
‘Art. 73. (SOFTWARES) - Fica reduzida a base de cálculo do impos-
to incidente nas operações com softwares, programas, aplicativos e
arquivos eletrônicos, padronizados, ainda que sejam ou possam ser
adaptados, disponibilizados por qualquer meio, de forma que a car-
ga tributária resulte no percentual de 5% (cinco por cento) (Convênio
ICMS-181/2015).
Parágrafo único. O disposto no “caput” não se aplica aos jogos eletrô-
nicos, ainda que educativos, independentemente da natureza do seu
suporte físico e do equipamento no qual sejam empregados.’ (NR).
Art. 2º Este decreto entra em vigor na data de sua publicação, produ-
zindo efeitos a partir de 1º de janeiro de 2016.”

A controvérsia a respeito da tributação do comércio eletrônico de software


já chegou ao Supremo Tribunal Federal. Contudo, com a evolução e o avanço da
economia digital falta ainda uma posição definitiva da Corte sobre a matéria.
Com efeito, a primeira vez em que o Supremo Tribunal Federal teve a
oportunidade de enfrentar o assunto foi no julgamento do Recurso Extra-
ordinário nº 176.626/SP, em que fixou o entendimento de que a operação de
comercialização de software padronizado estaria sujeita à incidência de ICMS,
enquanto que a operação de licenciamento ou cessão de direito de uso de pro-
gramas de computador estaria sujeita à incidência do ISS.
Em outra oportunidade, no julgamento da Medida Cautelar na Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº 1.945, ajuizada em face da Lei Estadu-
al nº 7.098/98, editada pelo Estado do Mato Grosso, que previa a incidência
do ICMS sobre software adquiridos por meio da transferência eletrônica de

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Tributação da Economia Digital

dados,4 o Supremo entendeu que o ICMS incide sobre transações envolvendo


softwares de prateleira, ainda que adquiridos via download, sob o argumento
de que o meio pelo qual são disponibilizados não deve descaracterizar a natu-
reza da operação de circulação de mercadorias.
Considerando o contexto descrito acima, o objetivo deste estudo é anali-
sar a incidência do ICMS sobre operações envolvendo software, em que tanto
o bem comercializado quanto o veículo de sua comercialização são virtuais.
Embora não seja nossa pretensão analisar detidamente a materialidade cons-
titucional do ICMS, não podemos avançar na análise do tema proposto sem
algumas considerações sobre a matéria, apresentadas no próximo item.

2. A Materialidade Constitucional do ICMS


O artigo 155, II, da Constituição Federal, outorga competência aos Es-
tados e ao Distrito Federal para a instituição do ICMS – Imposto sobre Cir-
culação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual
e Intermunicipal e de Comunicações –, estabelecendo a materialidade deste
imposto nos seguintes termos:
“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos
sobre: [...]
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações
de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comuni-
cação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.”

Por conseguinte, a Lei Complementar nº 87/96, em seu artigo 2º, definiu


o rol de fatos geradores do ICMS, conforme abaixo:
“Art. 2° O imposto incide sobre:
I - operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o forne-
cimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabeleci-
mentos similares;
II - prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal,
por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores;

4 Artigo 2º, § 1º, item VI c/c artigo 6º, § 6º da Lei Estadual nº 7.098/98.

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Tributação da Economia Digital

III - prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio,


inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmis-
são, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;
IV - fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não com-
preendidos na competência tributária dos Municípios;

V - fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao


imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, quando a lei
complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do im-
posto estadual.”

Da leitura dos dispositivos supramencionados, pode-se verificar que o


legislador trouxe a realização de “operações de circulação de mercadorias”
como um dos fatos geradores do ICMS. Tal expressão, utilizada tanto pela
Constituição quanto pela Lei Complementar no 87/96, é composta por três
conceitos distintos, mas que de certa forma são interligados e se complemen-
tam entre si, sendo estes: (i) operação; (ii) circulação e (iii) mercadoria.
O termo “operação” refere-se ao ato ou negócio jurídico que viabiliza a cir-
culação de mercadoria e, portanto, a transferência de titularidade da mercado-
ria. Nas palavras de Alberto Xavier, “[...] a ênfase posta no vocábulo ‘operação’
revela que a lei apenas pretendeu tributar os movimentos de mercadorias que
sejam imputáveis a negócios jurídicos translativos de sua titularidade”.5 Como
pontua Alcides Jorge Costa, “se inexiste a transmissão da propriedade, não há
que se falar em operação relativa à circulação de mercadorias, núcleo do fato
gerador do ICMS e, em consequência, não ocorre a incidência desse imposto”.6
Já a palavra “circulação” representa a mudança de titularidade de uma mer-
cadoria pela tradição, por meio da execução de um ato ou negócio jurídico (opera-
ção). Nas palavras de Sacha Calmon Navarro Coêlho, “a circulação de mercadoria
será sempre movimentação como forma de transferir o domínio, como mudan-
ça de patrimônio, como execução de um contrato translativo de titularidade da
mercadoria”.7 A seu turno, observa José Eduardo Soares de Melo que “‘circulação’

5 XAVIER, Alberto. Direito Tributário e Empresarial. Pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 1982. p. 294.
6 COSTA, Alcides Jorge. Estudos sobre IPI, ICMS e ISS. São Paulo: Dialética, 2009. p. 40.
7 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense,
2006. p. 533.

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Tributação da Economia Digital

é passagem das mercadorias de uma pessoa para outra, sob o manto de um título
jurídico, equivale a declarar, à sombra de um ato ou de um contrato, nominado e
inominado. Movimentação com mudança de patrimônio”.8
A seguinte passagem de Roque Antonio Carrazza sintetiza bem a mate-
rialidade da incidência do ICMS sobre operações de circulação de mercadoria:
“Este tributo, como vemos adiante, incide sobre a realização de opera-
ções relativas à circulação de mercadorias. A lei que veicular sua hipó-
tese de incidência só será válida se descrever uma operação relativa à
circulação de mercadorias.
É bom esclarecermos, desde logo, que tal circulação só pode ser jurí-
dica (e não meramente física). A circulação jurídica pressupõe a trans-
ferência (de uma pessoa para a outra) da posse ou da propriedade da
mercadoria. Sem mudança da titularidade da mercadoria, não há falar
em tributação por meio de ICMS. Esta ideia, abonada pela melhor dou-
trina (Souto Maior Borges, Geraldo Ataliba, Paulo de Barros Carvalho,
Cléber Giardino etc.), encontrou ressonância no próprio STF.
Salientamos que a Constituição não prevê a tributação de mercadorias
por meio de ICMS, mas, sim, a tributação das ‘operações relativas à
circulação de mercadorias’, isto é, das operações que têm mercadorias
por objeto. Os termos ‘circulação’ e ‘mercadorias’ qualificam as ope-
rações tributadas por via de ICMS. Não são todas as operações jurídi-
cas que podem ser tributadas, mas apenas as relativas à circulação de
mercadorias. O ICMS só pode incidir sobre operações que conduzem
mercadorias, mediante sucessivos contratos mercantis, dos produtores
originários aos consumidores finais”.9

As transferências de mercadorias que ocorrem entre estabelecimentos


da mesma empresa, portanto, não podem ser consideradas como operações
de circulação de mercadorias para fins de ICMS, justamente por inexistir a
transferência de titularidade, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça,
no Recurso Especial nº 1.125.133/SP,10 julgado sob o rito do artigo 543-C do
CPC/1973 (correspondente ao artigo 1.036, do CPC/2015).

8 MELO, José Eduardo Soares de. ICMS: Teoria e Prática. 13 Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2017. p. 15.
9 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 12 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 38-39.
10 Primeira Seção, Recurso Especial nº 1.125.133/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25.08.2010, DJe
10.09.2010.

7
Tributação da Economia Digital

Por fim, em relação ao conceito de “mercadoria”, entende-se que a sua defini-


ção advém do Direito Comercial e refere-se a todo bem móvel posto em circulação
econômica. Consoante Hely Lopes Meirelles, “[...] enquanto a coisa não é posta
em circulação econômica, não é mercadoria. O que caracteriza a mercadoria é a
existência de um bem material posto em circulação econômica, para o consumo,
mediante remuneração”.11 Na mesma esteira, Roque Antonio Carrazza assevera
que “a qualidade distintiva entre um bem móvel (gênero) e mercadoria (espécie)
é extrínseca, consubstanciando-se no propósito de destinação comercial”.12 Ain-
da sobre a relação entre a mercadoria e o seu aspecto material, Paulo de Barros
Carvalho afirma o seguinte, “[…] não se presta o vocábulo para designar, nas pro-
víncias do Direito, senão a coisa móvel, corpórea, que está no comércio, equivale
a dizer, entre os bens suscetíveis de serem negociados”.13 No mesmo sentido são
as lições de Hugo de Brito Machado, para quem “mercadorias são coisas móveis.
São coisas porque bens corpóreos, que valem por si, e não pelo que representam.
Coisas, portanto, em sentido restrito, no qual não se incluem os bens tais como
os créditos, as ações, o dinheiro, entre outros. E coisas móveis porque em nosso
sistema jurídico os imóveis recebem disciplinamento legal diverso, o que os exclui
do conceito de mercadorias”.14
Desta forma, a ocorrência do fato gerador do ICMS, nas hipóteses de reali-
zação de “operações de circulação de mercadorias”, se consolidará com a saída da
mercadoria de um estabelecimento comercial ou industrial, através da execução
de um ato ou negócio jurídico cujo objeto seja a circulação desse bem corpóreo de
destinação comercial, isto é, que vise à transferência de sua titularidade.

11 MEIRELLES, Hely Lopes. Imposto Devido por Serviço de Concretagem. Revista dos Tribunais, São
Paulo, v. 453, Jul.-1973, p. 45-52.
12 ANTONIO CARRAZZA, Roque. ICMS. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 42.
13 CARVALHO, Paulo de Barros. Hipótese de incidência e base de cálculo do ICM. Revista de Direito
Tributário, São Paulo, n. 5, 1978, p. 87.
14 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 34 ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 377.

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Tributação da Economia Digital

3. Os Software e a Questão da Incidência do ICMS sobre


Contratos de Cessão de Uso
Os produtos digitais, como os software, são transmitidos, na maioria dos
casos, através da cessão de seu direito de uso (licenciamento), não sendo per-
mitido que o usuário revenda, alugue, explore ou modifique os elementos que
dizem respeito ao produto digital.
O conceito de software foi estabelecido pelo artigo 1º da Lei nº 9.609/98,
que dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual do programa de com-
putador, em textual:
“Art. 1º Programa de computador é a expressão de um conjunto orga-
nizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em
suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em má-
quinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instru-
mentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou
análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.”

Em seguida, o artigo 2º da referida lei determina que o regime de prote-


ção à propriedade intelectual do programa de computador é o mesmo confe-
rido pela legislação de direitos autorais:
“Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de
computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos
autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei.”

Dessa forma, o software é definido pela legislação como uma criação in-
telectual, um bem imaterial que não se confunde com o suporte utilizado para
a sua difusão. Nessa linha, o artigo 9º da referida lei determina que o uso de
programa de computador será objeto de contrato de licença.15
Como se pode ver, a disponibilização do software se formaliza, via de regra,
por meio de um contrato de licença de uso, através do qual o contratante não se
torna seu proprietário, mas tão somente detém uma autorização para utilizá-lo.
Dessa forma, considerando a natureza dos contratos de cessão de uso, o
usuário não está autorizado a exercer qualquer um dos direitos patrimoniais

15 Lei nº 9.609/1998: “Art. 9º O uso de programa de computador no País será objeto de contrato de licença.”

9
Tributação da Economia Digital

do autor, previstos no artigo 29 da Lei nº 9.610/9816 (Lei de Direitos Autorais),


vedação esta que foi consignada no artigo 37 do referido diploma legal,17 salvo
mediante autorização prévia e expressa do autor.
Como se vê, o usuário do programa de computador pode apenas fazer uso
desses produtos, numa zona claramente cinzenta, pois da mesma forma que o ti-
tular dos direitos cedidos não os pode reclamar de volta (a não ser que haja algum
tipo de previsão em sentido contrário, como uma licença temporária), o fato é que
o usuário também não poderá dispor dos mesmos, de modo que sua relação com
o software se assemelhará mais a uma posse do que à propriedade efetiva.
Quanto à natureza dos contratos de licença de uso, leciona Carlos Alberto
Bittar que “o contrato de licença [...] é aquele através do qual o titular de direitos
concede a outrem o uso do bem, nos fins e pelas condições convencionadas, po-
dendo revestir-se, ou não, de exclusividade. [...]. Mesmo quando negocia todos
os direitos patrimoniais disponíveis, conserva o titular o controle de sua criação,
podendo exercer fiscalização sobre os usos concedidos e tomar medidas tendentes
à proteção de seus interesses, em caso de violação a seus direitos”.18

16 Lei nº 9.609/1998: “Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra,
por quaisquer modalidades, tais como: I - a reprodução parcial ou integral; II - a edição; III - a
adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações; IV - a tradução para qualquer
idioma; V - a inclusão em fonograma ou produção audiovisual; VI - a distribuição, quando não
intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra; VII
- a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou
qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-
la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em
que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo
usuário; VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante:
a) representação, recitação ou declamação; b) execução musical; c) emprego de alto-falante ou de
sistemas análogos; d) radiodifusão sonora ou televisiva; e) captação de transmissão de radiodifusão
em locais de frequência coletiva; f) sonorização ambiental; g) a exibição audiovisual, cinematográfica
ou por processo assemelhado; h) emprego de satélites artificiais; i) emprego de sistemas óticos, fios
telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser
adotados; j) exposição de obras de artes plásticas e figurativas; IX - a inclusão em base de dados, o
armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero;
X - quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas.”
17 Lei nº 9.609/1998: “Art. 37. A aquisição do original de uma obra, ou de exemplar, não confere ao
adquirente qualquer dos direitos patrimoniais do autor, salvo convenção em contrário entre as
partes e os casos previstos nesta Lei.”
18 BITTAR, Carlos Alberto. Os Contratos de Comercialização de Software. In: Novos Contratos
Empresariais. São Paulo: RT, 1990, p. 39.

10
Tributação da Economia Digital

Cabe destacar que o Supremo Tribunal Federal enfrentou recentemente


a questão da incidência do ICMS sobre a transferência do direito de uso de
bens no julgamento do Recurso Extraordinário nº 540.829, sob o regime de
repercussão geral, em que se decidiu pela não incidência do imposto estadual
no caso da importação de equipamentos por meio de leasing operacional, que
nada mais é do que uma cessão de direito de uso temporário do bem, por en-
tender que não há a sua transferência da propriedade. É ver:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E TRIBU-
TÁRIO. ICMS. ENTRADA DE MERCADORIA IMPORTADA DO
EXTERIOR. ART. 155, II, CF/88. OPERAÇÃO DE ARRENDAMEN-
TO MERCANTIL INTERNACIONAL. NÃO-INCIDÊNCIA. RE-
CURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. O ICMS tem fundamento no artigo 155, II, da CF/88, e incide sobre
operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de
serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunica-
ção, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.
2. A alínea ‘a’ do inciso IX do § 2º do art. 155 da Constituição Fede-
ral, na redação da EC 33/2001, faz incidir o ICMS na entrada de bem
ou mercadoria importados do exterior, somente se de fato houver
circulação de mercadoria, caracterizada pela transferência do do-
mínio (compra e venda).
3. Precedente: RE 461968, Rel. Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, jul-
gado em 30/05/2007, Dje 23/08/2007, onde restou assentado que o im-
posto não é sobre a entrada de bem ou mercadoria importada, senão
sobre essas entradas desde que elas sejam atinentes a operações relati-
vas à circulação desses mesmos bens ou mercadorias.
4. Deveras, não incide o ICMS na operação de arrendamento mer-
cantil internacional, salvo na hipótese de antecipação da opção de
compra, quando configurada a transferência da titularidade do
bem. Consectariamente, se não houver aquisição de mercadoria,
mas mera posse decorrente do arrendamento, não se pode cogitar de
circulação econômica.
5. In casu, nos termos do acórdão recorrido, o contrato de arrenda-
mento mercantil internacional trata de bem suscetível de devolução,
sem opção de compra. 6. Os conceitos de direito privado não podem
ser desnaturados pelo direito tributário, na forma do art. 110 do CTN,
à luz da interpretação conjunta do art. 146, III, combinado com o art.

11
Tributação da Economia Digital

155, inciso II e § 2º, IX, ‘a’, da CF/88. 8. Recurso extraordinário a que se


nega provimento.”19 (Destaques nossos)

Sendo assim, considerando que a transmissão do software é feita, via de


regra, mediante contrato de cessão de direito de uso, não haveria transferência
de titularidade necessária para a incidência do ICMS. Ainda que o software
seja considerado mercadoria intangível, inexistiria o elemento da “circulação”,
necessário para a configuração do fato gerador da exação em questão.
Vê-se, portanto, que a questão não é tão simples e não poderia ser re-
solvida apenas com a classificação dos software em standard, por encomenda
ou adaptados ao cliente, como propôs o Supremo Tribunal Federal no julga-
mento do Recurso Extraordinário nº 176.626/98. Isso porque os software são
transmitidos, via de regra, através de contratos de licenciamento, que não po-
deriam ser tributados pelo ICMS em qualquer das suas modalidades. Mesmo
o chamado “software de prateleira” envolve uma cessão de direito de uso. É
evidente que o suporte físico utilizado para difundir o software pode ser tribu-
tado pelo ICMS, mas o conteúdo do programa de computador continua sendo
objeto de contrato de cessão de direito de uso.
Diante de uma percepção de justiça tributária, faria todo o sentido tributar
as relações de consumo praticadas por quem reúne condições de contribuir. No
entanto, não se pode negligenciar os elementos que definem a materialidade da
hipótese de incidência do ICMS apenas para tributar essas situações.
Vale destacar que existe, ainda, uma discussão acerca da incidência do
ISS no contrato de licenciamento ou cessão de uso de software personalizado.
A hipótese está prevista no item 1.05 da lista de serviços tributáveis da Lei
Complementar nº 116/03.
O Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral do tema,
tratado no Recurso Extraordinário nº 688.223, em que se questiona se o licen-
ciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador trata-se de
uma prestação de serviço, para fins de incidência do ISS. O tema permanece
aguardando julgamento no Supremo Tribunal Federal. De toda forma, a dis-

19 STF, RE 540829, Rel. Min. Gilmar Mendes, Rel. p/ acórdão Luiz Fux, Tribunal Pleno,  j. 11/09/2014,
DJe 18/11/2014.

12
Tributação da Economia Digital

cussão acerca da incidência do ISS nos contratos de cessão de direito de uso de


software não se insere no objeto do presente estudo.
Em síntese, a transferência do direito de uso de software em princípio não
configura a “operação de circulação de mercadoria” para fins de incidência do
ICMS, uma vez que não há a efetiva transferência de titularidade desses produtos.
Situação diversa é a venda de um software acoplado em um suporte físico
(CD ou DVD, por exemplo). Nesta hipótese, dois negócios jurídicos se ope-
ram simultaneamente: a venda da mercadoria em sentido estrito por meio da
circulação do suporte físico (ótica do vendedor) e a cessão do direito de uso
do conteúdo gravado no suporte físico (ótica do titular dos direitos autorais).
Como visto anteriormente, a jurisprudência entende que há a incidência do
ICMS nessas situações, mas apenas sobre o suporte físico, que materializa o
corpus mechanicum da criação intelectual do programa.

4. Principais Precedentes sobre a Matéria


no Supremo Tribunal Federal
Diante da inexistência de parâmetros formais previstos em lei para a tri-
butação do licenciamento de software, a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal tem fixado progressivamente critérios para a sua qualificação.
Foram poucas as vezes em que a temática da tributação do comércio ele-
trônico de software chegou ao Supremo Tribunal Federal. Em 1998 e 1999
a Corte analisou a tributação de software “de prateleira” e “customizados”,
no julgamento dos Recursos Extraordinários nº 176.626 e nº 199.464, ambos
oriundos do Estado de São Paulo.
Em primeiro lugar, será feita a análise do Recurso Extraordinário nº
176.626/98, interposto pelo Estado de São Paulo em face de Munps Processa-
mento de Dados Ltda., contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de
São Paulo nos autos da ação declaratória ajuizada pela recorrida, visando o re-
conhecimento da não incidência do ICMS sobre os programas de computador
objetos de contratos de licenciamento ou cessão do direito de uso.
O acórdão recorrido manteve a sentença de primeira instância, decidin-
do que a tributação do licenciamento de software pelo ICMS caracterizaria

13
Tributação da Economia Digital

invasão do Estado na competência tributária do Município.20 Irresignado,


após opor embargos de declaração, o Estado de São Paulo recorreu do referido
acórdão, sustentando que os programas de computador produzidos em larga
escala seriam mercadorias circuláveis, a despeito da natureza de produção in-
telectual, enquadrando-se na hipótese de incidência do ICMS. O Recurso Es-
pecial do Estado de São Paulo foi improvido e, em seguida, os autos chegaram
ao Supremo Tribunal Federal para análise do Recurso Extraordinário.
O Recurso Extraordinário foi julgado sob a relatoria do Ministro Sepúl-
veda Pertence e foi ementado nos seguintes termos:
“[...] II. RE: questão constitucional: âmbito de incidência possível dos
impostos previstos na Constituição: ICMS e mercadoria. Sendo a mer-

20 “A r. sentença deve ser mantida. Com efeito, o programa de computador não é objeto de venda,
vez que pertence sempre ao seu criador. Tal se dá nos moldes do art. 27 da Lei de Software (Lei n.
7.646/87), verbis: ‘A exploração econômica de programas de computador, no País, será objeto de
contratos de licença ou de cessão, livremente pactuados entre as partes.’ Nem se diga que o suporte
físico (disquete ou chip) é mercadoria, pois, in casu, a preponderância é o programa nele contido.
Dessa forma decidiu este E. Tribunal de Justiça, nos autos da apelação cível n. 126.690-1, ao dizer
que: ‘Não se confunde, pois, software com o correspondente suporte (disquete, fita cassete ou chip),
que se constitui em seu corpo mecânico (assim como o disco é o suporte da música, esta a obra
intelectual protegida)... E, nessa definição, ingressam todos os elementos componentes do software,
desde o código fonte, diagramas e manuais de instruções com o texto descritivo” (cf. Carlos Alberto
Bittar, A Lei de Software e seu Regulamento, 1ª ed., Forense, 1998, n. 12, pp. 18-19).” Ademais,
o Código de Propriedade Industrial prevê que o titular de privilégio depositado ou concedido,
seus herdeiros e sucessores, poderão conceder licença para sua exploração. Acrescente-se, ainda, a
decisão proferida por esta E. 16ª Câmara, nos autos da apelação n. 192.456-2/5, em que foi relator
o E. Des. Bueno Magano, cuja cópia encontra-se juntada, por determinação deste relator, às fls.
255/256. Destaca-se, ainda, na referida apelação, a declaração de voto vencedor do E. Des. Marcello
Motta, verbis: ‘Meu voto também acompanhou o do ilustrado Relator, pois pareceu-me que a
tributação do software pelo ICMS caracterizaria invasão do Estado na competência tributária do
Município. O programa de computador ou software constitui bem intelectual regido pelas Leis n°s
5.988/73 (Lei dos Direitos Autorais) e 7.646/87 (Lei do Software), esta regulamentada pelo Decreto
n° 96.036/88. Consoante a teoria da preponderância, o conceito de serviços é mais racionalmente
assimilável nessa área que o da circulação de mercadoria, restrito este último ao do simples suporte
físico (ou disquete), desvinculado do conteúdo, que envolve a criação intelectual.’ Apreciando fato
superveniente (legislação juntada), nos moldes do art. 462 do CPC, tem-se que em nada interfere
ele nesta decisão, eis que, como dito, ‘a tributação do software pelo ICMS caracterizaria invasão
do Estado na competência tributária do Município’ (Voto vencedor do Des. Marcello Motta, já
transcrito). Assim, esse fato apenas confirma que o Estado busca, de todas as formas, tributar o
programa para computador que, pela teoria de preponderância, como dito, supera o mero suporte
físico. Demais disso, aqui a apelada pleiteou apenas a declaração de inexistência de relação jurídico
tributária em razão de atos negociais com programas (fls. 22). Ante tais motivos, nega-se provimento
aos recursos voluntário e oficial.” (STF, RE 176.626, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma,
j. 10.11.98, DJ 11/12/1998, grifou-se).

14
Tributação da Economia Digital

cadoria o objeto material da norma de competência dos Estados para


tributar-lhe a circulação, a controvérsia sobre se determinado bem
constitui mercadoria é questão constitucional em que se pode fundar o
recurso extraordinário.
III. Programa de computador (‘software’): tratamento tributário,
distinção necessária. Não tendo por objeto uma mercadoria, mas
um bem incorpóreo, sobre as operações de ‘licenciamento ou ces-
são do direito de uso de programas de computador’, efetivamente
não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, en-
tretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do
campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias
ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e
comercializados no varejo - como a do chamado ‘software de prate-
leira’ (off the shelf) - os quais, materializando o corpus mechanicum
da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas
no comércio.”21 (Destaque nosso)

No julgamento do Recurso Extraordinário nº 176.626/98 o Supremo Tri-


bunal Federal consagrou o entendimento de que os programas de computador
não seriam considerados mercadorias, mas bens incorpóreos, objeto de opera-
ções de licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador.
Em função disso, os Estados não poderiam instituir o ICMS nessas operações.
Em seu voto, o Ministro Relator Sepúlveda Pertence, citando os ensina-
mentos de Rui Saavedra,22 fez a distinção conceitual entre três tipos de progra-
mas de computador: (i) standard; (ii) por encomenda e (iii) adaptados ao cliente.

21 STF, RE 176.626, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, j. 10/11/98, DJ 11/12/98.
22 Conforme destacado no voto do Relator, à fl. 316 dos autos: “O que individualiza o software em
relação aos outros instrumentos a serviço da informação é a sua natureza imaterial na medida em
que ele mesmo é constituído por informação - a qual não tem substância tangível, e é, em si, um bem
imaterial. O software apresenta-se, pois, como um produto, simultaneamente, utilitário e imaterial.
Sendo o software um dos chamados ‘bens informacionais’ ou ’produtos de informação’, ele não
pode ser objecto duma protecção eficaz contra os actos dos não proprietários. Tal protecção só
poderá relevar do Direito Intelectual, ou seja, através da organização de um ‘direito de exclusivo’
a favor daqueles que elaboram o software”. Rui Saavedra ainda continua: “Os programas standard
constituem, em regra, pacotes (packages) de programas bem definidos, estáveis , concebidos para
serem dirigidos a uma pluralidade de utilizadores - e não a um utilizador em particular -, com vista
a uma mesma aplicação ou função. São, portanto, concebidos para tratamento das necessidades de
uma mesma categoria de utilizadores (por exemplo, a contabilidade dos escritórios de advogados).
Mas possibilitam uma configuração adequada para que cada utilizador, em concreto, encontre
solução para a sua realidade específica - serão o ‘esqueleto’ a que falta o ‘revestimento muscular’. São

15
Tributação da Economia Digital

Os programas standard seriam aqueles dirigidos a uma pluralidade de uti-


lizadores, com vista a uma mesma aplicação ou função. São, portanto, concebi-
dos para tratamento das necessidades de uma mesma categoria de utilizadores.
Nesses casos de programas standard, de acordo com o Ministro Sepúl-
veda Pertence, a relação entre o usuário e o produtor se estabelece através de
um contrato de adesão, ao qual o usuário se vincula tacitamente ao utilizar o
programa. Deste modo, o usuário deve respeitar as cláusulas deste contrato de
adesão ao qual está vinculado, que, geralmente, limitam o uso do programa a
apenas uma máquina e durante um determinado período de tempo, vedam a
reprodução, a separação dos seus componentes e assim por diante.
Já os programas “por encomenda” são totalmente desenvolvidos para
atender às necessidades específicas de determinado usuário. Esses programas
são continuamente adaptados, corrigidos e melhorados para atender aos re-
quisitos de usuários específicos.
Por fim, os programas adaptados ao cliente são uma forma híbrida en-
tre os programas standard e os programas por encomenda. Esses programas
adaptados ao cliente possuem as características dos softwares de prateleira,
mas a diferença é que são modificados para se adequarem às necessidades de
um cliente particular. Essa adaptação pode ser realizada tanto pelo fornecedor
do programa quanto pelo próprio utilizador.

como que ‘vestuário de pronto-a-vestir’. Este software ‘produto acabado’, é aquilo que os franceses
denominam progiciel, neologismo criado partindo dos termos ‘produit’ e ‘logiciel’. Alguns
destes programas dependendo - da sua compatibilidade - podem ser utilizados em diferentes
equipamentos. São programas fabricados em massa e, como são vocacionados a um vasto público,
são até comercializados nos hipermercados - daí que também se fale aqui de software ‘off the shelf’.
O seu desenvolvimento comercial chegou a proporções tais que movimenta cifras de vários milhões.
Alguns desses programas proporcionaram fortunas aos seus criadores”. Por fim, em relação aos
programas “por encomenda”, o autor afirma: “Em todo o mundo, os serviços informáticos das
empresas desenvolvem programas para atender às necessidades internas. Mas, paralelamente, há
empresas produtoras de software (as chamadas software houses) que fazem programas para os seus
clientes conforme o pedido e as solicitações destes, e que visam satisfazer as respectivas necessidades
específicas. Trata-se de ‘programas aplicacionais’, que geralmente não se mantêm estáveis e
acabados como os ‘programas standard’; pelo contrário, são continuamente adaptados, corrigidos
e melhorados para responder aos requisitos internos e externos das empresas.’ (SAAVEDRA, Rui.
A proteção jurídica do software e a internet. Don Quixote, Lisboa, 1998, pp.29/30 e 106/107)” (STF,
RE 176.626, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, j. 10/11/98, DJ 11/12/98, grifou-se).

16
Tributação da Economia Digital

De todo modo, de acordo com o voto do Relator,23 independentemente


do tipo de software que se esteja tratando, não se pode confundir a aquisição
de um exemplar através de suporte físico com o licenciamento ou cessão do
direito de uso do software. Em todos os casos a empresa produtora do software
é a proprietária do programa que ela cria e comercializa, mas nada impede
que as partes estipulem o contrário, como no caso em que o cliente quer pro-
teger o seu investimento e solicita a propriedade do software, se ele tiver finan-
ciado totalmente os custos de seu desenvolvimento.
Neste contexto, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, por
unanimidade de votos, não conheceu do recurso extraordinário.
Pouco tempo depois de este acórdão ser proferido, o Supremo Tribunal
Federal se deparou novamente com a questão da tributação dos software ao
analisar o Recurso Extraordinário nº 199.464/SP, julgado em 02.03.1999, in-
terposto novamente pelo Estado de São Paulo em face de Brasoft Produtos de
Informática Ltda. e do Município de São Paulo.
O recurso foi interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça de São
Paulo, que modificou a sentença de primeira instância para exonerar a Brasoft
Produtos de Informática Ltda., empresa comerciante de disquete contendo
programas para computadores, da obrigação de recolher ICMS, por consi-
derar a operação como sujeita ao ISS. Em suas razões, o recorrente sustentou

23 Conforme destacado pelo Relator, às fls. 319/320 dos autos, citando novamente as lições de Rui
Saavedra: “Seja qual for o tipo de programa, contudo, é certo, não se confundirão a aquisição do
exemplar e o licenciamento ou cessão do direito de uso, também presente até quando se cuide do
software ‘enlatado’ ou ‘de prateleira’.
‘Nas relações com os seus clientes’ - ensina Rui Saavedra (ob. cit., p. 79) – ‘a empresa produtora de
software surge como proprietária do software que ela cria e comercializa, quer se trate de software
standard, comercializado em massa, quer de software concebido especificamente em função das
necessidades de um utilizador em particular. Com efeito, mesmo neste último caso, a propriedade
do software permanece, habitualmente, na titularidade da empresa que o realizou; mas nada
impede que as partes estipulem o contrário, no caso de o cliente querer proteger o seu investimento
solicitando que lhe seja cedida a propriedade do software, se ele tiver financiado totalmente os
custos de desenvolvimento’.
‘Diferentemente sucede’ - assinala o autor – ‘nas relações com o utilizador de um software standard,
porque este vocaciona-se a ser comercializado junto de uma clientela potencialmente vasta: a
propriedade do software em si, normalmente, nunca é cedida ao cliente, apenas um direito de uso
não exclusivo. Isso não obsta a que se considere que o cliente adquire as ‘manifestações físicas’
do software, com todas as prerrogativas ligadas a esta propriedade, se a licença de uso lhas tiver
concedido a título definitivo e por um preço”. (STF, RE 176.626, Rel. Min. Sepúlveda Pertence,
Primeira Turma, j. 10/11/98, DJ 11/12/98).

17
Tributação da Economia Digital

que, quando reproduzidos em escala industrial e colocados à venda em lojas,


os programas de computador tornam-se mercadorias circuláveis, configuran-
do a operação de circulação fato gerador do ICMS. Houve simultâneo Recurso
Especial que não foi conhecido pelo Superior Tribunal de Justiça.
O Recurso Extraordinário nº 199.464/SP foi julgado sob a relatoria do
Ministro Ilmar Galvão, que adotou o mesmo entendimento que o Ministro
Sepúlveda Pertence havia adotado no julgamento do Recurso Extraordiná-
rio nº 176.626/SP, anteriormente mencionado. A Primeira Turma do Supremo
Tribunal Federal acompanhou os termos do voto do relator e, sem apresentar
novas questões, decidiu pelo conhecimento e provimento do Recurso Extraor-
dinário, por unanimidade de votos, reconhecendo que a produção em massa
para comercialização e a revenda de exemplares do corpus mechanicum da
obra intelectual que nele se materializa não caracteriza licenciamento ou ces-
são do direito de uso, mas genuínas operações de circulação de mercadorias
aptas à incidência do ICMS. A ementa do acórdão referente ao Recurso Extra-
ordinário nº 199.464/SP restou assentada da seguinte forma:
“TRIBUTÁRIO. ESTADO DE SÃO PAULO. ICMS. PROGRAMAS
DE COMPUTADOR (SOFTWARE). COMERCIALIZAÇÃO. No jul-
gamento do RE 176.626, Min. Sepúlveda Pertence, assentou a Primeira
Turma do STF a distinção, para efeitos tributários, entre um exemplar
standard de programa de computador, também chamado “de pratelei-
ra”, e o licenciamento ou cessão do direito de uso de software. A pro-
dução em massa para comercialização e a revenda de exemplares do
corpus mechanicum da obra intelectual que nele se materializa não
caracterizam licenciamento ou cessão de direitos de uso da obra,
mas genuínas operações de circulação de mercadorias, sujeitas ao
ICMS. Recurso conhecido e provido.”24 (Destaque nosso)

Isto posto, cumpre destacar que o Supremo Tribunal Federal, no julga-


mento dos recursos acima mencionados, pautou sua interpretação nos limites
do conceito de “operação de circulação de mercadoria” previsto na Constitui-
ção e na Lei Complementar nº 87/96.
Em sentido contrário ao que vinha sendo adotado, a Ação Direta de In-
constitucionalidade nº 1.945 destoa dos julgados anteriormente citados, pois

24 STF, RE 199.464, Rel. Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, j. 02/03/99, DJ 30/04/99, grifou-se.

18
Tributação da Economia Digital

desta vez o Supremo Tribunal Federal entendeu, em sede de julgamento da me-


dida cautelar, que o ICMS incide sobre software de prateleira, ainda que adquiri-
dos via download, sob o argumento de que o meio pelo qual são disponibilizados
não deve descaracterizar a natureza da operação de circulação de mercadorias.
Ou seja, o STF, em sede cautelar, modificou o seu entendimento anterior
de que o conceito de mercadoria deve se ater ao suporte físico que materializa
a criação da obra intelectual referente ao programa de computador, amplian-
do este conceito para incluir os software de prateleira adquiridos em meio di-
gital, via download. Eis a ementa desta decisão:
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Direito Tributário. ICMS.
2. Lei Estadual 7.098, de 30 de dezembro de 1998, do Estado de Mato
Grosso. Inconstitucionalidade formal. Matéria reservada à disciplina de
lei complementar. Inexistência. Lei complementar federal (não estadual)
é a exigida pela Constituição (arts. 146, III, e 155, § 2º, XII) como elo in-
dispensável entre os princípios nela contidos e as normas de direito local.
3. Competência do Supremo Tribunal para realizar controle abstrato de
constitucionalidade. Lei que dá efetividade a comando da Constituição
Federal pela disciplina de normas específicas para o Estado-membro.
4. Restituição de valores cobrados em substituição tributária e fixação
de critérios para o cálculo do imposto (arts. 13, § 4º, e 22, par. Único,
da Lei impugnada). Delegação a decreto de matérias albergadas sob o
manto da reserva legal. Existência de fumus boni iuris.
5. Discriminação do pagamento antecipado a determinado setor produti-
vo (art. 3º, § 3º, da Lei impugnada). Razoabilidade do critério objetivo em
que repousa a distinção. Inexistência de violação ao princípio da isonomia.
6. Previsão de incidência do ICMS sobre “prestações onerosas de servi-
ços de comunicações, por qualquer meio” (art. 2º, § 2º, da Lei impugna-
da). Dispositivo cuja redação pouco destoa da determinação constitu-
cional (art. 155, II). Ausência de relevância jurídica na fundamentação
para o deferimento da liminar.
7. Previsão de incidência de ICMS sobre serviço de comunicação ‘ini-
ciado fora do território mato-grossense’ (arts. 16, § 2º, e 2º, § 3º, da Lei
impugnada). Inexistência, em juízo preliminar, de interpretação exten-
siva a violar o regime constitucional de competências.
8. ICMS. Incidência sobre softwares adquiridos por meio de transfe-
rência eletrônica de dados (art. 2º, § 1º, item 6, e art. 6º, § 6º, ambos da
Lei impugnada). Possibilidade. Inexistência de bem corpóreo ou mer-

19
Tributação da Economia Digital

cadoria em sentido estrito. Irrelevância. O Tribunal não pode se furtar


a abarcar situações novas, consequências concretas do mundo real, com
base em premissas jurídicas que não são mais totalmente corretas. O
apego a tais diretrizes jurídicas acaba por enfraquecer o texto constitu-
cional, pois não permite que a abertura dos dispositivos da Constitui-
ção possa se adaptar aos novos tempos, antes imprevisíveis.
9. Medida liminar parcialmente deferida, para suspender a expressão ‘ob-
servados os demais critérios determinados pelo regulamento’, presente no
parágrafo 4º do art. 13, assim como o inteiro teor do parágrafo único do art.
22, ambos da Lei 7.098/98, do Estado de Mato Grosso.”25 (Destaque nosso)

A referida Ação Direta de Inconstitucionalidade foi ajuizada pelo Partido


do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) contra o governador e a Assem-
bleia Legislativa do Estado do Mato Grosso, tendo por objetivo o questionamen-
to da constitucionalidade de diversos dispositivos da Lei Estadual nº 7.098/98,
entre eles os artigos 2º, § 1º, inciso VI, e 6º, § 6º, que determinam a incidência
do ICMS sobre software adquiridos através da transferência eletrônica de dados.
Nesse sentido, veja-se os dispositivos contestados da referida lei:
Lei nº 7.098/1998
“Art. 2º O imposto incide sobre: [...]
§ 1º O imposto incide também:
[...]
VI - sobre as operações com programa de computador – software –,
ainda que realizadas por transferência eletrônica de dados.”
“Art. 6º A base de cálculo do imposto é:
[...]
§ 6º Integra a base de cálculo do ICMS, nas operações realizadas com
programa de computador - software - qualquer outra parcela debitada
ao destinatário, inclusive o suporte informático, independentemente
de sua denominação.”

A Medida Cautelar foi relatada Ministro Octavio Gallotti que, citando o en-
tendimento adotado no julgamento dos Recursos Extraordinários nº 176.626/98

25 STF, ADI 1945 MC, Rel. Min. Octavio Gallotti, Rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, Tribunal
Pleno, j. 26/05/2010, DJe 14/03/2011.

20
Tributação da Economia Digital

e nº 199.464/SP, deferiu a liminar para restringir a incidência do ICMS às cópias


ou exemplares dos software de prateleira, sem abranger o licenciamento ou ces-
são de uso via download no âmbito de incidência da exação.
Em outras palavras, o Ministro afastou a incidência do ICMS sobre o co-
mércio de software mediante transferência eletrônica de dados, até o julgamento
final da ação no Supremo Tribunal Federal, suprimindo a expressão “ainda que
realizadas por transferência eletrônica de dados” e conferindo uma interpre-
tação conforme à Constituição à primeira parte do dispositivo, sem abranger
o licenciamento do direito de uso. Nas palavras do Ministro Octavio Gallotti:
“Controvérsia mais delicada tem lugar no item VI do § 1º do art. 2º e no §
6º do art. 6º, ambos da lei mato-grossense, ao disporem sobre a incidência
do ICMS sobre as operações realizadas com programas de computador.
Sobre essa relevante questão, teve ocasião a Primeira Turma de pro-
nunciar dois julgamentos, que harmoniosamente se completam:
a) em 10-11-98, ao recusar a incidência do ICMS sobre operações de
licenciamento de computador;
b) em 2-3-99, ao admitir a cobrança, na hipótese de comercialização de
disquetes contendo os programas.
Eis as ementas que bem resumem o magistério dos precedentes acima
aludidos: [...]
Dentro desse entendimento, procede a cautelar para, dando-se interpre-
tação, conforme à Constituição, ao item VI do § 1º do art. 2º da lei es-
tadual, fixar-se exegese no sentido de restringir a incidência do ICMS
às cópias ou exemplares dos programas produzidos em série e comer-
cializados no varejo, sem abranger o licenciamento ou cessão de uso.
Em face dessa interpretação, pode ser indeferida a liminar, quanto
ao § 6º do art. 6º do mesmo diploma, sendo certo que a base de cál-
culo aí prevista haveria de sujeitar-se à restrição da incidência acima
estabelecida para o inciso VI do §1º do art. 2º.” (Destaques nossos)

Por sua vez, o Ministro Nelson Jobim abriu divergência para defender a
incidência de ICMS sobre a circulação de mercadoria virtual. Nesse sentido,
convém destacar um trecho do voto-vista do Ministro:
“A pergunta fundamental, portanto, é essa: é possível a incidência de
ICMS sobre a circulação de mercadoria virtual?

21
Tributação da Economia Digital

A resposta, para mim, é afirmativa. [...]


Existem, basicamente, duas formas, hoje, de aquisição de programa de
computador: uma delas se dá pela tradição material, corpórea de um
instrumento que armazena o mencionado programa.

Tratava-se de forma usual e a mais comum de aquisição de programa


de computador.
Entretanto, a revolução da internet demoliu algumas fronteiras por
meio da criação e do aprimoramento de um ‘mundo digital’.
A época hoje é de realizações de negócios, operações bancárias, com-
pra de mercadorias, acesso a banco de dados de informações, compra
de músicas e vídeos, e aquisição de programa de computador nesse am-
biente digital.
Não há nessas operações a referência ao corpóreo, ao tateável, mas sim-
plesmente pedidos, entregas e objetos que são, em realidade, linguagem
matemática binária.”

Os fundamentos utilizados por Nelson Jobim para votar no sentido do


indeferimento da cautelar e, por conseguinte, pela constitucionalidade do ar-
tigo 2º, § 1º, inciso VI e do artigo 6º, § 6º da Lei nº 7.098/98 do Estado do Mato
Grosso, e que o fizeram chegar à conclusão de que o ICMS também incide
sobre a mercadoria virtual, foram basicamente os seguintes: (i) a adaptação
da tributação às novas realidades econômicas e (ii) que não haveria diferença
substancial na aquisição de software por meio físico ou virtual. Esses argu-
mentos trazem implicitamente a preocupação do Ministro pela igualdade da
distribuição das cargas tributárias e capacidade contributiva. É o que se ex-
trai do trecho abaixo transcrito referente aos comentários do Ministro sobre a
controvérsia para justificar o seu pedido de vista:
“Sr. Presidente, a regra estadual diz que ‘incidirá sobre operações com
programas de computadores software, ainda que realizados por trans-
ferência eletrônica de dados.’ O que se tem no comércio de programas
de computação? Transfere-se um determinado bem que, no caso espe-
cífico, é uma linguagem matemática binária que compõe os programas
de software, dependendo da natureza e da sofisticação. Pois bem. Como
é que se transfere, através de um mecanismo eletrônico, se não se tinha
acesso à internet? O programa era conduzido ao consumidor pelas vias
de um disquete – não estou falando em CD ROM, e, sim em programas

22
Tributação da Economia Digital

de incorporação. Muito bem. Quando se difunde a internet, o que se


cria? Cria-se a possibilidade de você, em vez de receber, comprar o dis-
quete com o programa e, se tratar do disquete, colocar no disco rígido,
você adquire o programa acessando o ‘site’ da empresa distribuidora e
escolhe o programa que você quer; paga por mês com cartão de crédito
ou pelo sistema de ‘cleanbox’, em que você tem uma caixa eletrônica
no sistema da internet, com o depósito de valores em moeda nacional
conversível em moeda estrangeira – você compra isso. [...]
Qual é a diferença entre um e outro? É que a linguagem matemática
binária que compõe o ‘software’ ou é transmitida tendo como base
um disquete ou por meio do sistema da internet. Adquiro, então, o
que se contem dentro do disquete ou aquilo que me é transmitido via
sistema de internet. Qual a diferença entre um bem e outro? Nenhu-
ma. O que eu adquiri foi um sistema de software. A diferença fun-
damental foi a forma pela qual me foi transferido esse sistema. [...].”

Segundo vemos, esses argumentos não parecem suficientes para se per-


mitir a incidência do ICMS sobre as operações de comércio eletrônico em
meio virtual. É certo que o conceito constitucional de mercadoria sofreu uma
mutação, em função do desenvolvimento tecnológico da sociedade, que per-
mitiu a inclusão das mercadorias intangíveis em seu significado. Entretanto,
ainda que os bens intangíveis com destinação comercial sejam considerados
mercadorias, o ICMS não poderá incidir sobre o licenciamento de software,
em função da ausência de transferência de titularidade inerente ao fato gera-
dor do ICMS. Essa questão não foi enfrentada por Nelson Jobim em seu voto.
Ademais, ressalta-se que a lei complementar nº 87/96 não aborda os as-
pectos desse fato gerador que configuraria a tributação de mercadorias virtu-
ais. Ou seja, não existe legislação que respalde esta cobrança.
É evidente que o Ministro Nelson Jobim não enfrentou todos os aspec-
tos da questão, tendo equiparado o licenciamento a um contrato de compra e
venda simplesmente porque acredita que não faria sentido se não fosse assim.
O Ministro não analisou todas as minúcias do tema, como por exemplo a res-
trição às prerrogativas de gozar, usar e dispor da coisa, que são os direitos de
domínio, inerentes ao contrato de compra e venda. Nelson Jobim também não
analisou o local de ocorrência do fato gerador, que igualmente é considerado
como um dos grandes óbices à tributação do comércio em meio digital.

23
Tributação da Economia Digital

Portanto, os argumentos utilizados pelo Ministro Nelson Jobim no sentido


de que a evolução tecnológica permitiu o comércio virtual e que não haveria di-
ferença na aquisição de software por meio físico ou virtual não exploram todas
as questões que necessariamente devem ser resolvidas para que essa tributação
dos software em meio virtual seja efetivamente implementada, bem como todas
as consequências que essa “permissão” provocaria no mundo jurídico.
Em seguida, o Ministro Ricardo Lewandowski proferiu o seu voto-vista,
acompanhando o Relator Ministro Octavio Gallotti para: (i) deferir em parte
a medida cautelar de modo a suspender a eficácia da expressão “ainda que re-
alizadas por transferência eletrônica de dados”, do inciso VI do § 1º do artigo
2º da lei mato-grossense e conferir, à primeira parte do referido dispositivo,
interpretação conforme a Constituição, sem redução de texto, no sentido de
restringir a incidência do ICMS às operações de circulação de cópias ou exem-
plares dos programas de computador produzidos em série e comercializados
no varejo, não abrangendo a cessão do direito de uso dos programas mencio-
nados e (ii) indeferir o pedido quanto ao §6º do artigo 6º do referido diploma
legal. Nesse sentido, veja-se o trecho extraído de seu voto-vista:
“[...] o ponto central que remanesce analisar quanto à medida cautelar
consiste saber se as operações econômicas que envolvem o programa de
computador ou software, ainda que realizadas por transferência eletrô-
nica de dados, estão compreendidas no campo de incidência do ICMS.
[...] assentar a possibilidade de incidência – de maneira genérica – do
ICMS sobre softwares adquiridos por meio de transferência eletrônica
de dados em razão de sua natureza encontra dificuldades materiais,
bem como uma série de obstáculos de ordem técnica, inerentes ao pró-
prio comércio eletrônico, conforme observou André Portella, veicu-
lando os seguintes exemplos: (i) a classificação dos produtos telemá-
ticos em bens ou serviços, para fins de determinação do seu regime
jurídico; (ii) a determinação da natureza jurídica do software como
obra de arte, científica ou técnica (imunidade do livro eletrônico); (iii)
o estabelecimento da natureza jurídica da internet enquanto serviço
de comunicação ou de informação, para fins de incidência de ICMS
ou ISS, respectivamente; e (iv) a identificação do estabelecimento onde
ocorreu o fato gerador e do consumidor final.
Acrescento, ainda, a esse rol, o problema da eventual repartição de re-
ceitas nas vendas interestaduais de mercadorias (art. 155, § 2º, VII e
VIII, da Constituição).

24
Tributação da Economia Digital

O voto divergente, ademais, apoia-se em questões que estão a mere-


cer uma reflexão mais aprofundada por parte desta Corte, a qual, a
meu ver, deve ficar reservada ao exame do mérito desta ação direta
de inconstitucionalidade, com destaque para as seguintes questões: (i)
saber se o programa de computador adquirido por meio de transferên-
cia eletrônica de dados enquadra-se no conceito de bem incorpóreo ou
de mercadoria, para fins de incidência do ICMS; e (ii) determinar se é
possível, no caso de optar-se pela primeira alternativa, a incidência do
referido imposto sobre bens incorpóreos.
Desse modo, não obstante os ponderáveis e inovadores argumentos
lançados no voto divergente, como estamos ainda em sede de cognição
sumária, concluo, com amparo na doutrina e na orientação jurispruden-
cial desta Suprema Corte, que existem fundamentos aptos a solucionar a
questão, in limine, nos termos propostos pelo Ministro Relator.
Isto posto, acompanho o Relator para, na questão suscitada no voto-
-vista, também deferir em parte o pedido de cautelar de modo a sus-
pender a eficácia da expressão ‘ainda que realizadas por transferência
eletrônica de dados’, do inciso VI do § 1º do art. 2º do diploma impug-
nado, e conferir, à primeira parte desse mesmo dispositivo, interpreta-
ção conforme a Constituição, sem redução de texto, fixando exegese no
sentido de restringir a incidência do ICMS às operações de circulação
de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos
em série e comercializadas no varejo, não abrangendo, porém, o licen-
ciamento ou cessão de uso dos ditos programas, e indefiro o pedido
quanto ao § 6º do art. 6º, da Lei 7.098/1998, do Estado de Mato Grosso,
sem prejuízo de melhor refletir sobre o tema constitucional de fundo
quando do julgamento do mérito as ação”. (Destaque nosso)

O voto-vista do Ministro Ricardo Lewandowski propõe, com razão, um


exame mais aprofundado da Corte sobre o tema, que deve ficar reservado
ao exame de mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade. É notório que
o tema traz uma série de complexidades que não podem deixar de ser ana-
lisadas, pois estão relacionadas diretamente com o tratamento do comércio
eletrônico de software em meio virtual.
Contudo, apenas os Ministros Marco Aurélio26 e Celso de Mello acompa-
nharam o voto dos Ministros Octavio Gallotti e Ricardo Lewandowski, no sen-

26 Manifestação do Ministro Marco Aurélio, às fls. 89/90: “Presidente, volto à Constituição Federal, ao
disposto no artigo 146, no que, mediante a alínea a do inciso III, remete a fixação de fatos geradores à
lei complementar. A lei complementar à Constituição Federal, evidentemente, não é a lei de unidade da

25
Tributação da Economia Digital

tido de deferir a liminar, uma vez que, de acordo com o seu entendimento, seria
necessária a elaboração de uma lei complementar ou o aditamento da Lei Com-
plementar nº 87/96 para demarcar os elementos da hipótese de incidência tributá-
ria do ICMS nas operações comerciais de software realizadas via download.
Sendo assim, a despeito das cautelosas e pertinentes considerações feitas
pelos Ministros Ricardo Lewandowski e Octavio Gallotti, a Egrégia Corte,
por maioria de votos, indeferiu a liminar requerida pelo autor contra os votos
dos Ministros Octavio Gallotti (Relator), Ricardo Lewandowski, Marco Au-
rélio e Celso de Mello. Seguiram o voto do Ministro Nelson Jobim, no sentido
da constitucionalidade do artigo 2º, §1º, inciso VI e do artigo 6º, §6º da lei nº

Federação, mas do Estado, mas federal. [...] Então, a base maior do meu voto é a necessidade de uma lei
complementar, ou seja, de um aditamento à Lei Complementar 87 de 1996, já que não se pode classificar o
que foi previsto na lei do Estado de Mato Grosso como mercadoria propriamente dita que verse o tema.”

26
Tributação da Economia Digital

7.098/98 do Estado do Mato Grosso, os Ministros Dias Toffoli,27 Eros Grau,28


Ayres Britto,29 Gilmar Mendes30 e Cezar Peluso.31
Cumpre destacar que, mesmo tendo sido proferido no Plenário do Supremo
Tribunal Federal, o acórdão foi proferido em sede de medida cautelar e continua
aguardando o julgamento definitivo da matéria, de sorte que não se pode concluir
que o julgado tenha provocado uma alteração da tradicional jurisprudência do Su-
premo Tribunal Federal sobre os aspectos constitutivos do fato gerador do ICMS.

27 Manifestação do Ministro Dias Toffoli, à fl. 83: “É realmente impressionante como evoluem a
tecnologia e o tempo. No pronunciamento feito em plenário, quando pediu vista, em 19/4/99, o
Ministro Nelson Jobim disse exatamente que não haveria distinção entre o fato de uma pessoa ir até
uma loja, a uma livraria, e comprar o produto na prateleira e o fato de compra-lo via download; [...].
A tecnologia já evoluiu tanto hoje que ninguém mais tem que esperar esses 10 ou 15 minutos: o
download é praticamente imediato. [...] Senhor Presidente, acompanho esse voto e agrego também
o que trouxe o Ministro Gilmar Mendes.”
28 Manifestação do Ministro Eros Grau, à fl. 85: “Lavou minha alma ouvir o Ministro Gilmar Mendes
dizer que a realidade altera o significado dos textos. Passei seis anos nesta corte tentando dizer isto:
o movimento da vida e da realidade é o que dá o significado normativo dos textos.”
29 Manifestação do Ministro Ayres Britto, à fl. 86: “Estou raciocinando como raciocinou o Ministro
Gilmar Mendes: eraclitianamente. O ser das coisas é o movimento, e as palavras, para efeito de
movimento, são coisas. Hoje temos uma realidade virtual, isso é tão verdadeiro que a própria
expressão realidade virtual é paradoxal; seria paradoxal há dez anos, porque virtual era o oposto do
real. E hoje já falamos de realidade virtual eliminando toda e qualquer contradição.”
30 Manifestação do Ministro Gilmar Mendes, às fls. 77 e 79: “Não faz muito, eu comentava há pouco
com o Ministro Marco Aurélio – um pequeno produtor de CDs de música, uma pequena produtora,
alguém responsável por isso, comentava que esse negócio está desaparecendo e, fundamentalmente,
a produção de CDs está desaparecendo graças a essa atividade da internet. Então, dizia ele, a não ser
que haja as encomendas para fim de ano e para ocasiões etc, as pequenas produtoras desaparecem,
e também as grandes estão enfrentando grandes dificuldades. [...] Nessa linha, Senhor Presidente,
vou pedir vênia para também acompanhar o eminente Ministro Nelson Jobim, não só pelas razoes
expendidas, mas, também, por essas razões de conveniência política. Penso que temos realmente de
discutir esse tema, porque é extremamente delicado, sob pena de, em algumas áreas, desaparecer
inclusive o objeto da cobrança do ICMS, porque é disso que se fala.”
31 Manifestação do Cezar Peluso, às fls. 91 e 92: “É possível distinguir – não apenas em relação ao
tema em pauta, mas a qualquer outro, até quanto aos livros é possível – entre a operação intelectual
e os direitos derivados da operação intelectual, como bens incorpóreos, e os produtos resultantes
dessas operações intelectuais, tais como livro, programas de computador, etc. São duas coisas
absolutamente discerníveis, não apenas do ponto de vista prático, mas do ponto de vista jurídico.
Uma coisa é a criação intelectual, o direito intelectual, como bem incorpóreo; outra, são os produtos
de certo modo físicos, que alguns chamam de corpos mecânicos, ou coisa semelhante. Estes últimos
são susceptíveis de trafico jurídico como mercadoria, assim como qualquer outro produto. [...] O
imposto recai sobre aquilo que é, característica e tipicamente, transferência de propriedade de
mercadoria. O resto, licenciamento, etc, são serviços que não estão sujeitos a este imposto.”

27
Tributação da Economia Digital

5. Cessões temporárias vs. Cessões definitivas. Natureza


da Contraprestação pelo Licenciamento de Software
A discussão apresentada neste estudo é, essencialmente, sobre o down-
load de software de prateleira, excluindo-se, portanto, do objeto deste artigo
a questão relacionada a transações com software utilizando-se de meio físico.
A questão que deve ser posta para se verificar como será efetuada a tribu-
tação dessas operações é a seguinte: qual é a natureza da contraprestação pelo
download de um software? Seria um pagamento pela aquisição de mercadoria,
pela prestação de um serviço ou um royalty?
Para analisar essa questão deve-se levar em consideração que, seja qual
for a modalidade de software em discussão (prateleira, customizado ou por
encomenda), a sua transferência em meio digital ocorre, via de regra, median-
te contrato de licenciamento ou cessão de direito de uso, que pode ser defini-
tivo ou temporário.
Para responder à questão suscitada, faz-se necessária a análise prelimi-
nar das possíveis formas de transferência de software em meio digital, sob a
perspectiva do prazo do direito de uso do programa de computador.
A aquisição definitiva do software e dos seus direitos de exploração co-
mercial, de forma que o adquirente possa revendê-lo, se assim desejar, é uma
rara exceção. De fato, a forma mais comum de “comercialização” de software,
que é o foco do presente trabalho, é a cessão definitiva, em que o adquirente
poderá fazer uso do arquivo eletrônico por tempo indeterminado, mas não há
a aquisição dos direitos patrimoniais do autor, ou seja, inexiste a transferência
de titularidade da mercadoria apta a ensejar a incidência do ICMS.
Existe, ainda, a “aquisição” do direito de uso do programa mediante con-
trato de cessão temporária, ou seja, a “aquisição” do direito de uso temporário
do software. Em relação à cessão temporária do direito de uso do bem intan-
gível, a não configuração do fato gerador do ICMS fica bastante evidente em
função da questão temporal, pois não ocorre a transferência de titularidade do
programa, que só poderá ser utilizado pelo usuário por tempo determinado.
Por fim, existe a aquisição do direito de acesso a determinada platafor-
ma digital, por prazo indeterminado ou não, sem que o consumidor tenha
que realizar o download do programa de computador, ou seja, o software fica

28
Tributação da Economia Digital

disponível em uma plataforma digital para todos os usuários. Da mesma for-


ma, na referida situação não há a incidência do ICMS, também em função da
ausência da transferência de titularidade do bem. É o chamado Software as a
Service (SaaS) e sua característica principal não é a aquisição de licença de uso
dos programas disponibilizados, mas o pagamento pelo uso da plataforma
como um serviço prestado.
Nesse caso, a responsabilidade do fornecedor seria manter a disponibi-
lização do sistema, fazer a manutenção e garantir que o usuário tenha acesso
ao conteúdo disponível. Portanto, a contraprestação pela permissão de acesso
às plataformas digitais poderia ensejar a incidência do ISS, uma vez que seria
caracterizada como remuneração por uma obrigação de fazer. Esse é o mesmo
entendimento adotado pela Receita Federal do Brasil, na Solução de Consulta
Cosit nº 191/1732, no sentido de que o Software as a Service é a prestação de um
serviço consistente em autorizações de acesso para que os usuários localiza-
dos à distância possam, por meio de uma senha, conectar qualquer computa-
dor com os computadores do fornecedor, utilizando a tecnologia da internet,
com a finalidade de acessar programas e bancos de dados que se encontram
hospedados em locais indeterminados, chamados de “nuvem”.
No entanto, cumpre destacar que existe divergência quanto a incidência do
ISS no Software as a Service. O Estado de São Paulo, por exemplo, com a recente
publicação do decreto nº 63.099/17, em linha com o Convênio ICMS nº 106/17,
adotou o entendimento de que a comercialização de software ensejaria a incidên-

32 Solução de Consulta Cosit nº 191/2017, publicada no DOU em 29/03/2017: “ASSUNTO: IMPOSTO


SOBRE A RENDA RETIDO NA FONTE – IRRF. EMENTA: SOFTWARE AS A SERVICE. SERVIÇO
TÉCNICO. TRIBUTAÇÃO.  Incide imposto de renda na fonte, à alíquota de quinze por cento,
sobre as importâncias pagas, creditadas, entregues, empregadas ou remetidas ao exterior a título
de remuneração de Software as a Service (SaaS), considerados serviços técnicos, que dependem de
conhecimentos especializados em informática e decorrem de estruturas automatizadas com claro
conteúdo tecnológico.  DISPOSITIVOS LEGAIS: Art. 7º da Lei nº 9.779, de 1999; art. 3º da Medida
Provisória nº 2.159-70, de 2001; art. 17 da Instrução Normativa RFB nº 1.455, de 2014. 
ASSUNTO: CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO – CIDE 
EMENTA: SOFTWARE AS A SERVICE. SERVIÇO TÉCNICO. TRIBUTAÇÃO. 
Incide a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico - Cide, à alíquota de dez por cento,
sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos, a cada mês, a residentes ou
domiciliados no exterior, decorrentes de autorizações de uso e acesso a Software as a Service (SaaS),
considerados serviços técnicos, que dependem de conhecimentos especializados em informática e
decorrem de estruturas automatizadas com claro conteúdo tecnológico.  DISPOSITIVOS LEGAIS: Art.
2º da Lei nº 10.168, de 2.000 (alterado pelo art. 20 da Lei 11.452, de 2007, e pela Lei nº10.332, de 2001).”

29
Tributação da Economia Digital

cia do ICMS, mesmo que a sua utilização seja feita por download ou streaming.
O Município de São Paulo, por sua vez, ao editar o Parecer Normativo nº 1/17,
adotou o entendimento de que todas as operações com transferência de software,
seja de prateleira ou por encomenda, estariam sujeitas ao ISS, independentemente
da forma de contratação se operacionalizar por download ou streaming.
Diante disso, fica nítido o conflito de posicionamento entre o Estado e o
Município de São Paulo, já que ambos os entes entendem que possuem com-
petência para instituir tributos sobre as mesmas operações.
Isto posto, a partir da diferenciação entre as possíveis formas de transfe-
rência de software, o caminho para a análise da natureza dessas operações e
sua repercussão tributária fica mais claro.
Como visto, podem existir três espécies de software: (i) produzidos em
série, sem customização; (ii) produzidos em série com alguma customização
e (iii) produzidos por encomenda. Entretanto, a referida classificação, feita no
julgamento do Recurso Extraordinário nº 176.626/98, em uma época em que
a maioria das aquisições de software envolvia meio físico, acabou perdendo
grande parte de sua utilidade nos dias atuais. Isso porque, de modo geral, as
transferências de software, seja em qualquer uma de suas modalidades, são
feitas mediante download por meio de um contrato de cessão de direito de uso
temporário ou definitivo, este último mais comum.
Em princípio, nenhuma transação envolvendo a transferência do direito
de uso de um programa de computador, seja ela temporária ou definitiva, seja
o software de prateleira, customizado ou customizável, amolda-se à materia-
lidade constitucional do ICMS, conforme a doutrina e jurisprudência tradi-
cionais. Com efeito, tratando-se de uma licença de um direito de uso, a sua
remuneração dá-se, necessariamente, por meio do pagamento de um royalty,
o qual não gera a incidência do imposto estadual.
De outra parte, é possível que a jurisprudência – leia-se, o Supremo Tri-
bunal Federal – acabe por realizar uma mutação constitucional do conceito de
“operação de circulação de mercadoria”, para sustentar que, em alguns casos,
uma transação comercial que não gera a efetiva transferência da propriedade do
bem, que sequer se caracterizaria como mercadoria segundo o conceito tradi-
cional, sujeita-se à incidência do imposto estadual. Embora não seja esta nossa
posição, é certamente possível que a jurisprudência se direcione neste sentido.

30
Tributação da Economia Digital

Neste caso, parece-nos que o único critério razoável para sustentar uma
mutação constitucional como esta seria com base não mais no caráter custo-
mizado ou não do software, mas sim no prazo pelo qual o cessionário terá o
direito de utilizar o bem intangível.
Com efeito, a transferência temporária do direito de utilização de um
bem intangível, como um software, em nenhum caso poderá ser considerada
tributável pelo ICMS, independentemente da natureza do programa de com-
putador – se customizado ou não.
A seu turno, parece mais razoável que se considere que a transferência de-
finitiva do direito de uso de um programa de computador tem ao menos alguns
traços que a aproximam de uma operação de circulação de mercadoria, embora,
de uma perspectiva formal, não seja uma operação de circulação de mercadoria.
Percebe-se, assim, que embora haja muita discussão na doutrina sobre a
questão da mutação do conceito constitucional de mercadoria, na realidade a
evolução que deveria ser mais debatida é justamente a referente ao conceito de
operação de circulação para que a questão da inclusão da cessão de uso defi-
nitiva possa ser analisada. Seria possível transmutar a cessão de uso definitiva
em uma operação de circulação de mercadoria para encaixá-la no fato gerador
do ICMS? Entendemos que não, pois a cessão definitiva claramente possui
natureza de cessão de um direito de uso remunerada por royalty.
Ademais, cumpre destacar que a evolução da internet e os avanços tecno-
lógicos vão continuar a alterar as características das operações com software.
A tendência é que a transferência de software mediante download migre pro-
gressivamente para o modelo do serviço de plataforma digital, como ocorre
na “nuvem” do Software as a Service. Caso isso ocorra, a discussão da tribu-
tação dessas operações ficará muito mais complexa. Nesse caso, poderá haver
um conflito com o ISS muito mais claro do que se tem hoje.

6. Buscando Segurança em um Ambiente de Incerteza


Diante dos comentários acima, parece-nos que a única certeza que se
pode ter é que o futuro nos trará muitas incertezas no que se refere ao tema
deste artigo. A esta altura, pretendemos apresentar, mesmo que brevemente,
alternativas para que possamos superar o ambiente de incerteza atual.

31
Tributação da Economia Digital

Ao que tudo indica, a direção atual aponta para uma mutação constitu-
cional pela via judicial. Ou seja, os entes tributantes estão se posicionando na
defesa de suas interpretações, como vemos no campo da tributação do direito
de uso de software. Este caminho levará, inevitavelmente, a uma longa discus-
são judicial, que dependerá de uma solução pelo Supremo Tribunal Federal.
O problema de se apostar na via judicial é que a solução de conflitos de qua-
lificação pelo Supremo Tribunal Federal leva muito tempo até uma decisão final.
Considerando o dinamismo da economia digital, este caminho nos parece inviá-
vel. No momento em que se alcançar uma posição final sobre o tratamento fiscal
de transações digitais com software o modelo de negócio já se terá alterado.
Outra possibilidade seria a implementação de uma reforma constitucio-
nal digital. Esta via, que nos parece mais eficaz do que a primeira, teria como
foco a revisão das materialidades constitucionais dos tributos que oneram a
circulação de mercadorias e serviços para incluir nas mesmas fatos econômi-
cos como o pagamento de royalties e licenças de uso.
Por fim, ao invés de uma reforma constitucional, poderíamos imaginar
a edição de uma lei complementar disciplinando a tributação da economia
digital, a qual, tendo base no inciso I, do artigo 146, da Constituição Federal,
disciplinaria a repartição de competências tributárias entre Estados e Municí-
pios no contexto da economia digital.
Talvez esta terceira via, da edição de uma Lei Complementar lidando
com a matéria de que nos ocupamos, seja a mais adequada para que, em um
prazo de tempo razoável, consigamos alguma estabilidade no que se refere à
tributação de transações com software e outros bens digitais.

7. Conclusão
Diante de um cenário de muita instabilidade e insegurança jurídica, o
contribuinte deve se preparar para sofrer situações de bitributação enquanto
ainda não há um posicionamento definitivo da jurisprudência sobre o tema ou
uma lei complementar (ou reforma constitucional) que regule a tributação das
operações de transferência de software.
A expansão da economia digital colocará em xeque o ICMS e o ISS. A
solução poderá ser interpretativa, acompanhada de décadas de litígio judicial,

32
Tributação da Economia Digital

ou poderá vir através da reforma do sistema tributário para que se efetive a


tributação das novas realidades econômicas advindas da era digital.
Como visto, os precedentes que existem sobre a matéria foram absolu-
tamente superados pelas mudanças da realidade social. Portanto, o Supremo
Tribunal Federal deve recomeçar a análise da tributação dessas operações sem
apego às decisões proferidas anteriormente.
Por fim, não se pode esquecer que a superação da qualificação jurídica
do fato é apenas um primeiro passo, pois existem muitos outros desafios rela-
cionados à administração tributária que devem ser enfrentados para efetivar
a tributação dessas operações, tais como: a definição do contribuinte, o local
de ocorrência do fato gerador, como tributar os não residentes e a repartição
de receitas, etc. É muito difícil aplicar um sistema tributário da economia in-
dustrial para tributar uma operação digital que foge à lógica de uma operação
tradicional. Portanto, todas essas questões deverão ser analisadas para que se
efetive a tributação dessas operações.

33
Dedutibilidade de Pagamentos de
Royalties para o Exterior pelo Direito de
Distribuição/Comercialização de Software

Sergio André Rocha33


Romero Lobão Soares34

Resumo
O presente artigo analisa as regras de dedutibilidade de pagamento de
royalties, à luz da Lei de Direitos Autorais e da Lei do Software, buscando com-
preender se as pessoas jurídicas podem ser consideradas autoras/criadoras de
programas de computador, de modo a justificar que os pagamentos realizados
pelo licenciamento de direitos de comercialização de software não sejam clas-
sificados como royalties nos termos do artigo 22, alínea “d”, da Lei no 4.506/64
sujeitando-se, portanto, à regra geral de dedutibilidade de pagamentos para
não residentes. Analisamos também os dispositivos legais pertinentes à dedu-
tibilidade dos pagamentos de royalties feitos para sócios pessoas jurídicas ou
para parte relacionada no exterior.
Palavras-chave: Direito autoral, software, royalties, dedutibilidade, pre-
ços de transferência.

Abstract
The focus of this paper is the analysis of the tax deductibility rules that
apply to royalty payments, considering the provisions established by the Bra-
zilian Copyrights’ Law and the Software Law. Our goal was to establish whe-
ther legal entities can be considered as authors and/or developers of software.

33 Professor de Direito Financeiro e Tributário da Uerj.


34 Mestre pela Linha de Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento do Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu da Uerj.

35
Tributação da Economia Digital

The purpose of this analysis was to determine if payments in connection with


the licensing of the distribution rights of a software shall be characterized as
royalties or not, under the terms of Article 22, “d”, of Law No. 4,506 of 1964.
Based on this conclusion we have commented on whether such payments are
subject to general tax deductibility rules or not. We have also analyzed the
provisions in tax regulations that apply to royalty payments made to non-
-resident related parties.
Keywords: Author’s rights, software, royalties, deductibility, transfer pricing.

1. Introdução
Tema relevante, que vem sendo analisado pelo Conselho Administra-
tivo de Recursos Fiscais (“CARF”), diz respeito à dedutibilidade de despesas
incorridas com a licença de direitos de comercialização de software, quando
pagas por fonte brasileira para parte relacionada no exterior – controladora ou
não da empresa brasileira. A controvérsia gira em torno da qualificação de tais
pagamentos como royalties e sua eventual indedutibilidade na hipótese de re-
messa para beneficiário no exterior pertencente ao mesmo grupo econômico
da fonte brasileira, nos termos do que dispõe o artigo 363, I, do Regulamento
do Imposto de Renda (“RIR”).35
De forma resumida, o atual entendimento da Câmara Superior de Re-
cursos Fiscais (“CSRF”) do CARF é no sentido de que tais pagamentos são
classificados como royalties sempre que realizados para beneficiário pessoa
jurídica, ao argumento de que o Direito Autoral brasileiro somente admitiria
a pessoa física na condição de autor ou criador de obra literária, artística ou
científica. Considerando que o regime de proteção à propriedade intelectual
do software seria aquele aplicável às obras literárias, sustenta a CSRF que não
seria possível admitir às pessoas jurídicas a condição de criadoras de um pro-
grama de computador.

35 O referido dispositivo estabelece que as despesas com royalties serão indedutíveis na apuração do
Lucro Real sempre que pagos para “sócios, pessoas físicas ou jurídicas, ou dirigentes de empresas, e
a seus parentes ou dependentes”.

36
Tributação da Economia Digital

Este posicionamento fundamenta-se em uma certa intepretação do arti-


go 2º da Lei no 9.609/98 (“Lei do Software”)36 e do artigo 11 da Lei no 9.610/98
(“Lei de Direitos Autorias”).37 Sustenta-se que o artigo 2º da Lei do Software,
ao tratar do regime de proteção à propriedade intelectual de programas de
computador, lhes atribui o mesmo regime conferido às obras literárias pela
legislação de direitos autorais. Tendo-se este dispositivo como premissa, ar-
gumenta-se que a Lei de Direitos Autorais, em seu artigo 11, considera como
autor apenas a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica.
Com base nestes dispositivos, a CSRF vem decidindo que os pagamentos
por direitos autorais para beneficiário pessoa jurídica – ainda que estas incor-
ram em massivos investimentos associados ao desenvolvimento de novas tec-
nologias – seriam classificados como royalties e, portanto, indedutíveis quando
pagos para parte relacionada no exterior. Nesse sentido, destaca-se o Acórdão
no 9101­003.055, da Primeira Turma da CSRF, cuja ementa reproduz-se abaixo:
“REMUNERAÇÃO À CONTROLADORA NO EXTERIOR PELO LI-
CENCIAMENTO DE DIREITOS SOBRE PROGRAMAS DE COM-
PUTADOR. INDEDUTIBILIDADE.
As remunerações pagas pela controlada à sua controla ora no exterior,
pelo licenciamento de direitos sobre programas de computador, ain-
da que de forma indireta, constituem royalties e são indedutíveis para
efeito do Imposto de Renda. A BMC SOFTWARE, INC. não cabe den-
tro da figura do ‘autor/criador’ traçada pelo direito autoral brasileiro.
E os rendimentos que ela recebe, quando autoriza a BMC SOFTWARE
DO BRASIL LTDA. a licenciar e distribuir cópias de seus programas
de computador, são royalties. Não foi por acaso, e nem por equívoco,
que a Lei que ‘atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais’
no Brasil, a Lei nº 9.610, de 1998, disse, com todas as letras, em seu art.
11, que o ‘autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou
científica’.” (Acórdão no 9101­003.055. Sessão de julgamento de 12 de
setembro de 2017)

A decisão em destaque, tomada pelo voto de qualidade, apegou-se a uma in-


terpretação literal, isolada e descontextualizada dos mencionados artigo 2º da Lei

36 “Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras


literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei.”
37 “Art. 11. Autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica. Parágrafo único. A
proteção concedida ao autor poderá aplicar-se às pessoas jurídicas nos casos previstos nesta Lei.”

37
Tributação da Economia Digital

do Software e artigo 11 da Lei de Direitos Autorais, para concluir que a legislação


não estabelece a possibilidade de uma pessoa jurídica ser considerada como cria-
dora de programas de computador, deixando de considerar aspectos de extrema
relevância para construção da norma jurídica aplicável ao caso concreto.
Essa conclusão, que nos parece equivocada, tem gerado graves impactos
de natureza tributária às empresas do setor de tecnologia que, em sua grande
parte, adquirem o direito de comercializar licenças de software, geralmente
remunerando sua controladora no exterior – ou outra empresa do mesmo
grupo econômico –, titular de todos os direitos associados aos programas li-
cenciados. Dentro deste contexto, as empresas brasileiras acabam sujeitas a
vultuosas contingencias, na medida em que restam impossibilitadas de dedu-
zir despesas indiscutivelmente necessárias ao desenvolvimento de sua ativida-
de econômica no país, implicando em grave distorção do conceito de renda.
Diversos são os reflexos decorrentes do posicionamento adotado pela
CSRF. No presente artigo, contudo, serão abordadas especificamente as se-
guintes questões:
I. análise quanto à qualificação (ou não) dos pagamentos pelo direito de
distribuição de software como royalties;
II. eventual aplicação da regra prevista no artigo 363, inciso I, do RIR, que veda
a dedutibilidade de royalties pagos para “sócios, pessoas físicas ou jurídicas”,
à luz da redação do parágrafo único, do artigo 71, da Lei no 4.506/64; e
III. a possibilidade ou não de uma interpretação extensiva deste dispositi-
vo para também abarcar pagamentos para empresas do mesmo grupo
econômico da empresa brasileira – que não sejam suas sócias.

Antes de iniciar a análise de cada um desses temas, é importante apre-


sentarmos breves comentários contextualizando as regras brasileiras que es-
tabelecem limites à dedutibilidade de pagamentos de royalties.

2. Origens das Limitações da Dedução de Royalties


Sob a ótica histórica, as regras de dedutibilidade de royalties foram cria-
das sob um propósito antiabuso, na medida em que as empresas brasileiras, em
meados da década de 50, remetiam ao exterior royalties em valores superiores

38
Tributação da Economia Digital

aos próprios lucros destinados aos controladores e, muitas vezes, remuneravam


direitos de propriedade industrial que sequer existiam (patentes expiradas, ser-
viços de assistência técnica que não foram efetivamente prestados, etc.). 38
Como as remessas para o exterior a título de royalties tinham tributação
mais baixa em comparação com os dividendos, as empresas brasileiras bus-
cavam, sempre que possível, qualificar os pagamentos como royalties.39 Esta
prática abusiva e não raro fraudulenta, gerou reação por parte do governo
brasileiro, que em meados da década de 50 e início da década de 60 editou
um pacote legislativo na intenção de “moralizar” a dedutibilidade de royalties,
implicando na edição das Leis no 3.470/58, no 4.131/62 e no 4.506/64.
Contudo, como demonstra Luís Eduardo Schoueri, as normas em ques-
tão datam de períodos muito anteriores a 1995, época em que vigia em nosso
ordenamento o regime de bitributação econômica de lucros e dividendos pelo
Imposto de Renda. Neste regime, os lucros e dividendos auferidos pela pessoa
jurídica deveriam ser tributados tanto nesta última quanto na pessoa de seus
sócios, o que foi posteriormente afastado tendo em vista a isenção destas re-
munerações prevista no artigo 10 da Lei no 9.249/95. Vejam-se suas palavras:
“11.4.4 Com efeito, as normas acima reproduzidas são datadas de pe-
ríodo anterior a 1995. Até aquele ano, vigia em nosso ordenamento o
regime da bitributação econômica, pelo imposto de renda. De acordo
com aquele regime, os lucros auferidos pela pessoa jurídica deveriam
ser tributados tanto nessa quando na pessoa de seus sócios. Dado que
muitos contribuintes buscavam fugir dessa dupla incidência mediante
pagamentos exagerados [de royalties], via-se o legislador tributário obri-
gado a limitar aqueles pagamentos, afim de assegurar fosse o critério da
bitributação jurídica alcançado plenamente. É em tal conceito que se
encontrava a indedutibilidade de royalties e pagamentos por assistência
técnica e assemelhados. Retomando a idéia de Tipke, reproduzida nas
considerações propedêuticas deste estudo, poder-se-á dizer que, tendo o
legislador optado pela bitributação econômica, o princípio da igualdade

38 Sobre o tema, ver: SOARES, Romero Lobão; SIQUEIRA, Marcelo Gustavo Silva. A Instrução
Normativa INPI 70/2017: Dedutibilidade e Remessa de Royalties Para o Exterior m Face do novo
posicionamento do Instituto Nacional De Propriedade Industrial – INPI. Revista Direito Tributário
Internacional Atual, São Paulo, n. 3, 2018, p. 141.
39 Cf. SOARES, Romero Lobão; SIQUEIRA, Marcelo Gustavo Silva. A Instrução Normativa INPI
70/2017: Dedutibilidade e Remessa de Royalties Para o Exterior m Face do novo posicionamento
do Instituto Nacional De Propriedade Industrial – INPI. Revista Direito Tributário Internacional
Atual, São Paulo, n. 3, 2018, p. 141.

39
Tributação da Economia Digital

exigiria que em nenhum caso deixasse aquela bitributação de ocorrer,


sob pena de alguns rendimentos serem bitributados e outros não.
11.4.5 O ano de 1995 marca, com a entrada em vigor do artigo 10 da lei
9.245/95, a renúncia, pelo legislador do imposto de renda, à opção pela
bitributação econômica. A partir daí, os lucros distribuídos pelas pesso-
as jurídicas tributadas pelo lucro real, presumido ou arbitrado, deixavam
de sofrer nova tributação. Pode-se dizer, a partir de então, que lucros que
já foram tributados na pessoa jurídica não sofrem tributação da pessoa
física. Ao mesmo tempo, pagamentos efetuados pela pessoa jurídica a
seus sócios são dedutíveis, sofrendo, outrossim, retenção na fonte. Tal,
por exemplo, os caso dos juros obre o capital próprio.”40 (Destaque nosso)

Considerando este contexto, percebe-se que a proibição da dedutibilida-


de dos pagamentos de royalties para sócios, sejam pessoas físicas ou jurídicas,
perdeu completamente a conexão com sua finalidade original. Não há mais
justificativa para se combater a remessa de royalties com medida tão extrema
como a indedutibilidade absoluta e integral, seja diante da atual disciplina
tributária dos dividendos, seja em função das atuais atribuições do Instituto
Nacional da Propriedade Industrial (“INPI”), responsável por analisar a exis-
tência dos direitos de propriedade industrial licenciados.
É lógico que o controle dos pagamentos internacionais de royalties está
no centro dos debates sobre o controle do planejamento tributário interna-
cional agressivo, principalmente no mundo pós-BEPS.41 Contudo, regras de
indedutibilidade absoluta ou de restrições estatutárias baseadas em critérios
de mais meio século atrás certamente não são a maneira mais razoável de se
tratar a matéria. É certo que o legislador ordinário possui certa margem de
liberdade para restringir a dedução de despesas.42 Contudo, em tais situações

40 SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de Transferência no Direito Tributário Brasileiro. 2 ed. São Paulo:
Dialética, 2006. p. 230-231. Sobre o tema, ver: TROIANELLI, Gabriel Lacerda. Preço de Transferência:
Intangíveis, Acordos de Repartição de Custos e Serviços de Grupo. In: SCHOUERI, Luís Eduardo
(Coord.). Tributos e Preços de Transferência: 3º Volume. São Paulo: Dialética, 2009. p. 60.
41 Sobre o tema, ver: ROCHA, Sergio André. Política Fiscal Internacional Brasileira. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2017. p. 203-299.
42 Hugo de Brito Machado admite a liberdade do legislador para estabelecer normas reguladoras da
determinação do montante da renda, tendentes a evitar, por exemplo, práticas fraudulentas. Após
citar lição de Brandão Machado, no sentido de que a liberdade do legislador vai até o ponto em
que as suas regras sobre ajustes da renda do contribuinte não desnaturem o próprio conceito de
renda, o autor destaca que: “A lei pode validamente prescrever a não consideração como despesa, de

40
Tributação da Economia Digital

submete-se a ônus argumentativo mais contundente e sua implementação de-


verá se sujeitar ao controle da proporcionalidade.
Este debate ainda requer aprofundamento técnico no Brasil, tendo em
vista as enormes dificuldades enfrentadas pela OCDE na avaliação do valor
dos intangíveis e na definição da melhor prática entre transações envolvendo
intangíveis realizadas entre partes relacionadas. Nada obstante, temos convic-
ção de que as regras brasileiras atuais têm que ser revistas. Esse contexto tem
que ser levado em conta na interpretação da alínea “d” do parágrafo único do
artigo 71 da Lei no 4.506/64 e do artigo do artigo 363, inciso I, do RIR, que
analisaremos neste estudo.

3. Natureza dos Pagamentos pela Licença de Direitos de


Comercialização de Software
Indiscutivelmente, os royalties exercem papel de grande relevância no
atual contexto da digitalização da economia. Mas, afinal, o que se compreen-
de por royalties?
A questão foi analisada há bastante tempo por Gilberto de Ulhôa Canto,
antes mesmo que o conceito fosse positivado na legislação brasileira. O autor
esclarece que o termo foi adotado pelo direito brasileiro, passando a figurar
em textos de lei sem, contudo, ter sido objeto de qualquer definição.43 O termo,
vale lembrar, era empregado pelas Leis no 3.470/58 e no 4.131/62, mas sua de-
finição legal somente surgiu posteriormente, com a edição da Lei no 4.506/64.
Neste contexto, o significado do termo foi construído a partir de enci-
clopédias e estudos apresentados pela doutrina estrangeira.44 Com base em

desembolsos que: [...] (c) possam acobertar práticas evasivas, fraudulentas ou não” (Cf. MACHADO,
Hugo de Brito. A supremacia constitucional e o imposto de renda. In: MARTINS, Ives Gandra da
Silva (Coord.). Imposto de renda: conceitos, princípios, comentários. São Paulo: Atlas, 1996. p. 47).
43 ULHÔA CANTO, Gilberto de. “Royalties”, imposto sobre a renda. Distinção entre “royalties” e
outras formas de remuneração ou pagamento de direitos, bens ou serviços. Direitos autorais
e direitos de autor, diferenças e tratamento fiscal. Rendimentos de residentes no estrangeiro.
Dedutibilidade de despesa, pela fonte pagadora. In: ULHÔA CANTO, Gilberto de. Temas de Direito
Tributário. Rio de Janeiro: Ed. Alba, 1964. v. 2. p. 208.
44 Nesse sentido, o autor esclarece: “Na literatura nacional, também não se encontra o conceito de
‘royalty’, de modo a permitir diferençar as várias hipóteses de rendimento, suscetíveis de subordinação

41
Tributação da Economia Digital

tais fontes, o autor concluiu que royalty seria mais adequadamente tratado
como uma modalidade de remuneração decorrente do uso de bens imateriais
ou de direitos, estando abarcados no conceito, por exemplo, os pagamentos
decorrentes do licenciamento de marcas, patentes, direitos autorais, além da
exploração de direitos minerários. 45
Noé Winkler, fazendo referência a estudo de Rubens Gomes de Souza,
destacou que o termo pode ser definido como “regalia”, sendo originalmente
utilizado “para designar o pagamento exigido pelo soberano em razão da con-
cessão, a um particular, do privilégio de exercer uma atividade lucrativa”.46
Segundo seu estudo, a noção do termo evoluiu e passou a ser usado para
abarcar também relações entre particulares, inserindo em seu escopo “(1º) a in-
denização paga ao proprietário do solo pela exploração mineral do subsolo, (2º)
o pagamento, ao titular de uma patente de invenção ou marca de fábrica ou de
comércio, do direito de explorar o produto patenteado ou garantido pela mar-
ca, (3º) o pagamento de informações técnicas referentes a processos industriais,

ao prescrito no artigo 74, da Lei 3;470/58. Impõe-se, pois, a procura do vocábulo em dicionários,
enciclopédias e outras obras estrangeiras” (ULHÔA CANTO, Gilberto de. “Royalties”, imposto
sobre a renda. Distinção entre “royalties” e outras formas de remuneração ou pagamento de direitos,
bens ou serviços. Direitos autorais e direitos de autor, diferenças e tratamento fiscal. Rendimentos
de residentes no estrangeiro. Dedutibilidade de despesa, pela fonte pagadora. In: ULHÔA CANTO,
Gilberto de. Temas de Direito Tributário. Rio de Janeiro: Ed. Alba, 1964. v. 2. p. 208).
45 Vale notar que o artigo 74, da Lei no 3.470/58 também associa o termo royalty às remunerações de
assistência técnica, científica, administrativa ou semelhantes. Para Gilberto de Ulhôa Canto, os
serviços de assistência técnica, científica, administrativa, ou semelhantes cobertos pela Lei no 3.470/58
seriam aqueles serviços que possuem uma relação direta entre a natureza do serviço e a produção
industrial, o volume de vendas ou de operações de quem se beneficia da assistência recebida. Esta
questão mostra-se mais evidente nas hipóteses em que a assistência se verifique no escopo de
contratos de cessão ou licença para uso de patente, processo, fórmulas e etc., uma vez que, diante
da interligação dos ajustes contratuais, a assistência restaria vinculada à cessão ou à licença. O autor
destaca, ainda, que a modalidade mais sutil de prestação de assistência técnica é aquela conhecida no
direito anglo-americano como know-how (Cf. ULHÔA CANTO, Gilberto de. “Royalties”, imposto
sobre a renda. Distinção entre “royalties” e outras formas de remuneração ou pagamento de direitos,
bens ou serviços. Direitos autorais e direitos de autor, diferenças e tratamento fiscal. Rendimentos
de residentes no estrangeiro. Dedutibilidade de despesa, pela fonte pagadora. In: ULHÔA CANTO,
Gilberto de. Temas de Direito Tributário. Rio de Janeiro: Ed. Alba, 1964. v. 2. p. 213-214).
46 WINKLER, Noé. Imposto de Renda – Doutrina – Comentários – Decisões e Atos Administrativos –
Jurisprudência (Conselho de Contribuintes – Poder Judiciário). Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 521.

42
Tributação da Economia Digital

ainda que não patenteados, mas mantidos secretos pelo seu inventor ou proprie-
tário, e sob idêntico compromisso de segredo por parte do beneficiário”.47
No Direito Brasileiro, o termo royalties foi definido no artigo 22, da Lei
nº 4.506/64, sendo conceituado como rendimento decorrente do uso, fruição
ou exploração de direitos, nos seguintes termos:
“Art. 22. Serão classificados como ‘royalties’ os rendimentos de qualquer
espécie decorrentes do uso, fruição, exploração de direitos, tais como:
a) direito de colher ou extrair recursos vegetais, inclusive florestais;
b) direito de pesquisar e extrair recursos minerais;
c) uso ou exploração de invenções, processos e fórmulas de fabricação
e de marcas de indústria e comércio;
d) exploração de direitos autorais, salvo quando percebidos pelo au-
tor ou criador do bem ou obra.
Parágrafo único. Os juros de mora e quaisquer outras compensações
pelo atraso no pagamento dos “royalties” acompanharão a classificação
destes.”48 (Destaque nosso)

A listagem trazida por este dispositivo possui caráter exemplificativo,


cabendo a caracterização como royalties para qualquer outro rendimento ori-
ginário da exploração de direitos que não esteja listado neste artigo 22, como
reconhecido por Sergio André Rocha e Marco Aurélio Greco.49 Para Gabriel
Francisco Leonardos, somente é possível falar em outorga de direito de uso
caso seja juridicamente possível ao outorgante impedir o uso por qualquer
outro terceiro que não o outorgado,50 como é o caso, vale destacar, do licen-
ciamento de direitos de comercialização de software.

47 WINKLER, Noé. Imposto de Renda – Doutrina – Comentários – Decisões e Atos Administrativos –


Jurisprudência (Conselho de Contribuintes – Poder Judiciário). Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 522.
48 Sobre o tema, ver: XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 8 ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2015. p. 728.
49 Nesse sentido, ver: ROCHA, Sergio André; GRECO, Marco Aurélio; UCKMAR, Victor et. al.
Manual de Direito Tributário Internacional. São Paulo: Dialética, 2012. p. 329-330.
50 LEONARDOS, Gabriel Francisco. Tributação da Transferência de Tecnologia. Rio de Janeiro:
Forense, 2001. p. 107-108.

43
Tributação da Economia Digital

Feitos esses comentários introdutórios, cumpre observar que, para o pre-


sente estudo, interessa-nos o disposto na alínea “d”, do artigo 22, da Lei no
4.506/64, que trata dos royalties associados a direito autorais.
O dispositivo em questão estabelece que serão classificados como royal-
ties, os rendimentos associados à exploração de direitos autorais, salvo quan-
do percebidos pelo autor ou criador do bem ou obra.
Nesse sentido, a partir da interpretação da alínea “d” do mencionado
artigo 22, pode-se extrair duas normas jurídicas distintas, quais sejam:
I. se o licenciador, beneficiário do rendimento não tiver sido o autor ou
criador do intangível (desenvolvedor do software), então o pagamento
será considerado royalty; e
II. de outro lado, caso o licenciador beneficiário do rendimento tenha sido
o autor ou criador do direito autoral (desenvolvedor do software), o pa-
gamento não terá natureza de royalty por exclusão legal. Estas duas
situações atraem regimes jurídicos totalmente distintos para a deduti-
bilidade destes pagamentos. 51

É justamente neste contexto que surge a questão objeto da presente aná-


lise. Para se classificar o pagamento como royalty, deve-se assumir que seu
beneficiário não seja o criador do software. Como as empresas de tecnologia
geralmente remuneram empresas vinculadas no exterior pelo licenciamento
de direitos de comercialização do software no Brasil, indaga-se se tais empre-
sas, à luz da legislação brasileira, podem ser consideradas como autor/desen-
volvedor dos programas de computador, de modo a desclassificar eventuais
pagamentos como royalties em razão de seu caráter de remuneração por direi-
tos autorais. É o que passaremos a analisar.

51 Diante destas duas possíveis interpretações, as empresas brasileiras, que habitualmente remuneram
suas controladoras ou outras partes relacionadas pelos direitos de comercialização de software,
tendem a classificar estes pagamentos como rendimentos associados a direitos autorais não
classificáveis como royalties, por considerarem que os respectivos beneficiários seriam os efetivos
autores/desenvolvedores destes programas. Seguindo esta lógica, estes pagamentos se amoldariam
ao conceito de despesa necessária, submetendo-se à regra geral de dedutibilidade prevista pelo
artigo 47, da Lei no 4.506/64, reproduzida pelo artigo 311 do RIR, mesmo quando pagos a partes
relacionadas. Neste caso, seriam aplicáveis as regras de preços de transferência previstas na Lei no
9.430/1996 e, quando a beneficiária estiver localizada em país com tributação favorecida, ou sob
regime fiscal privilegiado, as limitações estabelecidas pelo artigo 26 da Lei no 12.249/2012.

44
Tributação da Economia Digital

3.1. Pode a Pessoa Jurídica ser


Considerada Criadora do Software?
Como mencionado, a Lei de Direitos Autorais, em seu artigo 7º, inciso XII,
inclui o software no rol de obras intelectuais decorrentes das “criações do espí-
rito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou
intangível, conhecido ou que se invente no futuro”. Contudo, o §1º do referido
dispositivo destaca que os programas de computador são objeto de legislação
específica, sendo-lhes aplicadas, relativamente à Lei de Direitos Autorais, so-
mente as disposições que considerem a natureza específica dos software.
A caracterização dos programas de computador como direitos autorais é
corroborada pelo artigo 2º da Lei do Software, que estabelece que o regime de
proteção da propriedade intelectual dos programas de computador é aquele
conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais.
O software possui, portanto, um regime jurídico especial, sendo regido
por lei específica, com a aplicação subsidiária da legislação referente a direitos
autorais naquilo em que a lei específica for omissa, ou que não for contraditó-
rio com o regime nesta previsto.52
Quanto à autoria das obras literárias, a Lei de Direitos Autorais estabe-
lece, em seu artigo 11, que “autor é a pessoa física criadora de obra literária,
artística ou científica”. Com isso, a partir de uma análise literal desses disposi-
tivos, a CSRF chegou ao entendimento de que somente a pessoa física poderia
assumir a autoria de um programa de computador.
Contudo, como veremos adiante, esta interpretação não se sustenta pela
leitura sistemática da Lei de Direitos Autorais e da Lei do Software. O fato é
que o citado artigo 2º da Lei do Software contém ressalva expressa no sentido
de considerar indispensável a observância das demais disposições previstas
nela própria. Da mesma forma, a Lei de Direitos Autorais, reconhecendo a
possível incompatibilidade de alguns de seus dispositivos com o caso par-
ticular dos software, também faz ressalva destacando que somente deverão

52 A equiparação da proteção dos programas de computador à proteção conferida a uma obra literária
está presente na Convenção de Berna (1971) e no Acordo TRIPS (sigla em inglês para Aspectos dos
Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio), adotado em 1995, no âmbito da
Organização Mundial do Comércio, que, em seu artigo 10 (1) define: “Programas de computador,
em código fonte ou objeto, serão protegidos como obras literárias pela Convenção de Berna (1971)”.

45
Tributação da Economia Digital

ser observadas aquelas disposições que lhes sejam efetivamente aplicáveis e


compatíveis. Nesse sentido, vejamos:
Lei do Software
“Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programa
de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de di-
reitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta
Lei.” (Grifo nosso)
Lei de Direitos Autorais
“Art. 7º. [...]
§1º Os programas de computador são objeto de legislação específica, ob-
servadas as disposições desta Lei que lhes sejam aplicáveis.” (Grifo nosso)

Neste contexto, seria legítimo desde já concluir que nem todos os dispo-
sitivos da Lei de Direitos Autorais serão aplicados aos software, mas somen-
te aqueles que lhes sejam compatíveis. E quais seriam os dispositivos da Lei
de Direitos Autorais aplicáveis aos programas de computador? A resposta nos
parece bastante simples: somente aqueles dispositivos que (i) não contrariem
a própria Lei do Software e (ii) que sejam, de fato, condizentes com as particu-
laridades dos programas de computador.
Com isso, a primeira questão que se enfrenta é o argumento de que a pessoa
jurídica poderia ser titular de direitos patrimoniais, mas nunca poderia ser con-
siderada como autora/criadora do software, tendo em vista que seriam os direitos
morais que assegurariam a autoria de uma obra (i.e. no caso, a autoria do progra-
ma de computador), e esta dimensão moral não se estenderia às pessoas jurídicas.
Esta concepção parte do pressuposto de que, para fins de definição da
autoria do software (em função de sua equiparação às obras literárias), somen-
te as pessoas físicas poderiam ser titulares dos chamados direitos morais do
autor, dentre eles, o direito de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra,
direito este inalienável e irrenunciável, nos termos do artigo 22,53 do artigo

53 “Art. 22. Pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou.” (Destaque nosso)

46
Tributação da Economia Digital

24, inciso I,54 e do artigo 27,55 todos da Lei de Direitos Autorais, enquanto a
titularidade dos direitos patrimoniais poderiam ser normalmente atribuída às
pessoas jurídicas, com base no artigo 28 da referida lei. 56
Deve-se destacar que esta interpretação está restrita às hipóteses em que
uma determinada obra (i.e. o software em função de uma equiparação) seja
individualmente desenvolvida por um autor identificável. Contudo, no con-
texto empresarial, a criação de um software na maioria das vezes não envolve
um esforço criativo individual, mas uma comunhão de esforços sob a direção
comum da empresa, que se responsabiliza pelo desenvolvimento do programa
de computador mediante a disponibilização de recursos materiais e financei-
ros, assumindo todos os riscos e encargos do negócio.57
Marcos Wachowicz destaca que a complexidade de trabalhos que envol-
vem a criação e desenvolvimento do software muitas vezes é “fruto do esforço
intelectual de uma equipe de técnicos, analistas, engenheiros, que são cons-
tituídos e organizados por uma terceira pessoa, física ou jurídica, que teria a

54 “Art. 24. São direitos morais do autor: I - o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;
II - o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do
autor, na utilização de sua obra; III - o de conservar a obra inédita; IV - o de assegurar a integridade
da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam
prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra; V - o de modificar a obra, antes
ou depois de utilizada; VI - o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de
utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e
imagem; VII - o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em
poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual,
preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em
todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado.” (Destaque nosso)
55 “Art. 27. Os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis.” (Destaque nosso)
56 “Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou
científica.”
57 Denis Borges Barbosa identifica e individualiza as diversas etapas necessárias à elaboração de um
programa de computador. O autor considera que o desenvolvimento de um software ocorre em 6
(seis) fases, e a classificação da criação em cada fase ajuda a determinar como ela se relaciona com
o código fonte do programa. Vejamos: (1) a concepção da ideia que soluciona o famoso problema
técnico de que falam as lei de patentes; (2) a formulação do método a seguir, usualmente expresso
em fórmulas matemáticas ou lógico-matemáticas, denominado algoritmo; (3) o organograma ou
plano de solução, resultante do algoritmo; (4) um texto em linguagem de programação - BASIC, C,
PASCAL - que toma os elementos do organograma, chamado de programa fonte ou código fonte; (5)
um texto em linguagem intermediária, assembly ou de compilação; (6) um texto legível diretamente
pela máquina, denominado código objeto (Cf. BARBOSA, Denis Borges. Propriedade Intelectual –
Direitos Autorais, Direitos Conexos e Software. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 154).

47
Tributação da Economia Digital

atribuição dos seus direitos autorais sobre o bem intelectual produzido”. Para
o autor, nestes casos, “a obra é o caso de uma coletiva havida por iniciativa e
responsabilidade de uma software house. Esta obra coletiva será comercializa-
da com o nome e a marca da software house”.58
Diante deste plexo de atividades, resta evidente que o resultado final do
produto “software” dependerá de expressa aprovação da empresa responsável
pelo projeto, a quem caberá o direito de fiscalizar e supervisionar todas as
etapas pertinentes à sua criação, sendo, portanto, impossível atribuir a uma
pessoa específica a atividade criativa. É graças à atuação da empresa, diga-se,
da pessoa jurídica através de indivíduos que laboram com um objetivo econô-
mico comum, que o software ganha sua feição final.
Com base neste contexto específico, no qual se verifica a iniciativa de
criação por parte da pessoa jurídica, que o regime aplicável ao software passa
a ser o regime das obras coletivas, definido pela alínea “h”, do inciso VIII,
do artigo 5º da Lei de Direitos Autorais,59 e a titularidade originária da pes-
soa jurídica passa a ser plenamente plausível, principalmente se levarmos em
consideração o disposto no parágrafo único do artigo 11 da Lei de Direitos
Autorias, que garante à pessoa jurídica a mesma proteção concedida ao au-
tor.60 Importante registrar que na obra coletiva, as contribuições de todos os
participantes se fundem em uma criação autônoma, criada justamente por
iniciativa, organização e responsabilidade da pessoa jurídica.
Nessa linha, Antonio Carlos Morato defende a necessidade de se garantir a
integridade da criação autônoma por parte da pessoa jurídica, garantindo-lhe a
proteção ao direito de paternidade da obra, direito moral por excelência, tomando
também como base o disposto no artigo 52 do Código Civil61. Seria garantido,

58 WACHOWICZ, M. O software: instituto de direito autoral sui generis. Âmbito Jurídico, v. 07, 2007, p. 148.
59 “Art. 5º Para os efeitos desta Lei, considera-se: [...] VIII - obra: [...] h) coletiva - a criada por iniciativa,
organização e responsabilidade de uma pessoa física ou jurídica, que a publica sob seu nome ou
marca e que é constituída pela participação de diferentes autores, cujas contribuições se fundem
numa criação autônoma; [...].” (Destaque nosso)
60 “Art. 11 […] Parágrafo único. A proteção concedida ao autor poderá aplicar-se às pessoas jurídicas
nos casos previstos nesta Lei.”
61 “Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.”

48
Tributação da Economia Digital

portanto, às pessoas jurídicas, a titularidade originária (autora) da obra coleti-


va, sendo ela titular de direitos morais e direitos patrimoniais de autor. 62
O autor cita Carlos Alberto Bittar, para quem a pessoa jurídica também
deve ser considerada como criadora da obra coletiva “sempre que se não puder
individualizar a contribuição de cada elaborador” tendo como fundamento a
“própria natureza dessas entidades de direito (pessoas jurídicas), que partici-
pam dos atos da vida civil, sendo representadas, em sua exteriorização, por
pessoas naturais”.63
Na concepção do autor, no contexto das obras coletivas, a autoria da pes-
soa jurídica seria classificada como objetiva, enquanto à pessoa física caberia
a autoria subjetiva. Neste caso, esclarece que:
“[...] há a autoria da pessoa jurídica por nós denominada de ‘objetiva’
(reconhecida pela sociedade como tal e tendo seu nome ligado à obra)
em oposição às pessoas físicas que teriam a autoria subjetiva (porque
estas contam não-só com o reconhecimento da sociedade, mas tam-
bém com a percepção própria da pessoa física quanto à consciência de
criação da obra).
Fundamos nosso entendimento na Constituição Federal (art. 5º, X que
admite os direitos da personalidade das ‘pessoas’ sem distingui-la em
físicas e jurídicas como ocorre em outros dispositivos), na Lei de Di-
reitos Autorais (art. 5º, VIII, ‘h’ em conjunto com o art. 11, parágrafo
único) e no Código Civil (art. 52), todos mencionados anteriormente
e que autorizam (ao lado da interpretação análoga da Súmula n. 227
do Superior Tribunal de Justiça que reconhece a ‘honra objetiva’ das
pessoas jurídicas) a interpretação que adotamos quanto aos direitos da
personalidade da pessoa jurídica (entre os quais os direitos morais de
autor que inclui o direito de paternidade sobre a obra criada).”64

62 MORATO, Antonio Carlos. Os direitos autorais na Revista da Faculdade de Direito da Universidade


de São Paulo: a obra coletiva e a titularidade originária decorrente da organização da obra. Revista
da Faculdade de Direito de São Paulo, v. 109, jan-dez 2014, p. 116-117. Disponível em: www.revistas.
usp.br/rfdusp/article/download/89229/Rev_2014_03/. Acesso em 14 de outubro de 2018.
63 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor na Obra feita sob Encomenda. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1977. p. 80.
64 MORATO, Antonio Carlos. Os direitos autorais na Revista da Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo: a obra coletiva e a titularidade originária decorrente da organização da obra. Revista
da Faculdade de Direito de São Paulo, v. 109, jan-dez 2014 p. 120. Disponível em: www.revistas.usp.
br/rfdusp/article/download/89229/Rev_2014_03/. Acesso em 14/10/2018.

49
Tributação da Economia Digital

Seguindo esta mesma linha de entendimento, o Tribunal de Justiça de


São Paulo,65 ao interpretar o parágrafo único do artigo 11 e a alínea “h”, do
inciso VIII, do 5º da Lei de Direitos Autorais, reconheceu que a pessoa jurí-
dica pode, em determinadas situações, ser titular originário dos direitos de
autor, não somente em seus aspectos patrimoniais, mas também em seus as-
pectos morais, dado que atua de modo criativo, em caráter de coordenação e
direção. Para tanto, os seguintes elementos seriam necessários: (i) direção e
coordenação do encomendante; (ii) trabalho intelectual remunerado de vários
elaboradores que produzem em equipe, assalariados para criar; (ii) fusão dos
respectivos esforços na obra final encomendada.66
Suportando esses argumentos, merece destaque o inciso I, do §1º, do ar-
tigo 3º da Lei do Software, que trata sobre o registro dos programas de com-
putador e define que o respectivo pedido de registro do software deverá conter
a indicação do autor do programa de computador, seja pessoa física ou jurí-
dica, o que também é replicado no inciso I, do §1º, do artigo 1º do Decreto no
2.556/98, abaixo transcritos:
“Art. 3º Os programas de computador poderão, a critério do titular,
ser registrados em órgão ou entidade a ser designado por ato do Poder
Executivo, por iniciativa do Ministério responsável pela política de ci-
ência e tecnologia.
§ 1º O pedido de registro estabelecido neste artigo deverá conter, pelo
menos, as seguintes informações:
I - os dados referentes ao autor do programa de computador e ao titu-
lar, se distinto do autor, sejam pessoas físicas ou jurídicas; [...].” (Des-
taque nosso)
“Art. 1º Os programas de computador poderão, a critério do titular dos
respectivos direitos, ser registrados no Instituto Nacional da Proprie-
dade Industrial - INPI.
§ 1º O pedido de registro de que trata este artigo deverá conter, pelo
menos, as seguintes informações:

65 Apelação no 9182936-93.2007.8.26.0000 (Publicação no Diário da Justiça em 04 de abril de 2012).


66 CAVALHEIRE, Aline Rodrigues. Os Direitos Autorais e a Pessoa Jurídica. In: NERY, Rosa Maria
de Andrade; GAGO, Viviane Ribeiro; FIGUEIREDO, Fernando Vieira de (Coords.). Advocacia
Corporativa: Desafios e Reflexões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 132-133.

50
Tributação da Economia Digital

I - os dados referentes ao autor do programa de computador e ao titu-


lar, se distinto do autor, sejam pessoas físicas ou jurídicas; [...].” (Des-
taque nosso)

Não resta dúvida, portanto, de que a partir da análise conjunta da Lei de


Direitos Autorais e da Lei do Software é plenamente possível sustentar que as
pessoas jurídicas podem assumir a condição de autoras dos programas de
computador, especialmente quando elaborados sobre o regime de obras cole-
tivas, de modo que os pagamentos realizados em seu benefício, associados à
licença de seus direitos de comercialização, não devem ser classificados como
royalties, como previsto na alínea “d”, do artigo 22, da Lei no 4.506/64.
Considerando os comentários acima, e voltando à análise da caracteriza-
ção dos pagamentos pelo direito de distribuição e comercialização de progra-
mas de computador, reiteramos que teríamos as seguintes situações:
I. No caso de pagamento pelo direito de comercialização de software,
feito para pessoa física ou jurídica criadora do programa de compu-
tador, o mesmo não seria qualificado como royalty. Este tipo de paga-
mento, quando feito a parte relacionada ou a beneficiário localizado
em país com tributação favorecida ou sob regime fiscal privilegiado es-
tará sujeito ao controle com base nas regras de preços de transferência.
II. Por outro lado, quando o pagamento for feito para pessoa física ou ju-
rídica que não seja o desenvolvedor do programa de computador, tal
pagamento será qualificado como royalty. Nesses casos serão aplicáveis
as regras de restrição de dedutibilidade previstas na legislação do Im-
posto de Renda, comentadas a seguir.

4. Dedutibilidade de Royalties Pagos para Sócio no Exterior


Como vimos no item anterior, pagamentos pelo direito de comerciali-
zação de programas de computador, feitos para pessoa física ou jurídica que
não seja o desenvolvedor do software, são tratados como royalties. Portanto,
neste caso aplicam-se as regras previstas na legislação sobre as limitações de
dedutibilidade de tais pagamentos.

51
Tributação da Economia Digital

Um ponto de intenso debate nesse contexto diz respeito aos pagamentos


realizados por fonte brasileira para beneficiário no exterior, quando este for
sócio, controlador indireto, ou mesmo apenas parte do mesmo grupo econô-
mico da empresa brasileira. Essa discussão tem como foco a interpretação do
artigo 363, inciso I, do RIR, que estabelece o seguinte:
“Art. 363. Não são dedutíveis:
I - os royalties pagos a sócios, pessoas físicas ou jurídicas, ou dirigentes
de empresas, e a seus parentes ou dependentes; [...].” (Destaques nossos)

A análise deste dispositivo, contudo, deve ser feita à luz da lei que lhe
dá fundamento, qual seja, a Lei no 4.506/64, que em seu artigo 71, parágrafo
único, alínea “d”, dispõe:
“Art. 71. A dedução de despesas com aluguéis ou ‘royalties’ para efeito
de apuração de rendimento líquido ou do lucro real sujeito ao imposto
de renda, será admitida:
[...]
Parágrafo único. Não são dedutíveis:
[...]
d) os ‘royalties’ pagos a sócios ou dirigentes de empresas, e a seus pa-
rentes ou dependentes; [...].” (Destaque nosso)

Analisando as normas em destaque, percebe-se que o inciso I, do artigo


363, do RIR adicionou a expressão “pessoas físicas ou jurídicas” para qualifi-
car os sócios beneficiários dos royalties pagos por fonte brasileira. No dispo-
sitivo original da Lei no 4.506/64, como se pode observar, não encontramos
esta segregação explícita.
A leitura do artigo 71 da Lei no 4.506/64 leva à interpretação de que a
proibição de dedutibilidade dos royalties seria aplicável apenas no caso de pa-
gamento de royalties a sócios pessoas físicas.
Com efeito, o artigo 71 refere-se especificamente a “sócios ou dirigentes
de empresas, e a seus parentes ou dependentes”. Neste caso, como a lei faz
menção a parentes e dependentes tanto dos sócios quanto dos dirigentes, a
conclusão mais intuitiva seria de que somente caberia a menção a parente ou

52
Tributação da Economia Digital

dependente de sócio se este fosse pessoa física, afinal, pessoas jurídicas não
possuem parentes ou dependentes.67
Por mais que, nos marcos do pluralismo metodológico,68 não haja ne-
nhuma prevalência apriorística entre os elementos de interpretação, o fato é
que, em qualquer hipótese, o texto normativo apresenta os limites, a moldura
dentro da qual as possibilidades de sentido estão contidas.69 Dessa forma, não
se pode afastar com facilidade ou sem reflexão os limites apresentados pelo
texto objeto de interpretação.
Feitos esses comentários e apresentada nossa opinião, temos que reco-
nhecer que é possível uma leitura parcial da alínea “d” do parágrafo único
do artigo 71 da Lei no 4.506/64, que separe a primeira parte do dispositivo da
segunda, interpretando seção “os ‘royalties’ pagos a sócios ou dirigentes de
empresas” de forma isolada. Como mencionamos, não nos parece a melhor
interpretação desta alínea, mas vamos assumir, para fins argumentativos, que
seja uma interpretação possível. Cabe-nos, então, examinar se, neste caso, a
limitação ali prevista se aplicaria apenas a royalties pagos a pessoas jurídicas
não residentes que tenham participação societária direta na empresa brasilei-
ra, ou se a mesma seria igualmente aplicável a pagamentos feitos a empresas
não residentes que sejam parte de um mesmo grupo econômico, mas que não
possuam vínculo societário direto com a empresa brasileira.

4.1. Pagamentos de Royalties para Controladora


Indireta ou Outras Empresas do Mesmo
Grupo Econômico no Exterior
Como vimos, ao analisarmos o tema dos limites aplicativos da alínea “d”
do parágrafo único do artigo 71 da Lei no 4.506/64 e do artigo do artigo 363,

67 Nesse mesmo sentido, ver: MARCONDES, Rafael Marchetti. A Tributação dos Royalties. São Paulo:
Quartier Latin, 2012. p. 94-95.
68 Ver: ROCHA, Sergio André. Interpretação os Tratados para Evitar a Bitributação da Renda. 2 ed.
São Paulo: Quartier Latin, 2013. p. 129; TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e de
Integração do Direito Tributário. 4 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 153-154.
69 ROCHA, Sergio André. Interpretação os Tratados para Evitar a Bitributação da Renda. 2 ed. São
Paulo: Quartier Latin, 2013. p. 93-97.

53
Tributação da Economia Digital

inciso I, do RIR, surge uma questão adicional: ao se referirem ao sócio, esses


dispositivos exigem uma relação societária direta entre a empresa estrangeira
e a brasileira, ou abririam os mesmos espaço para a aplicação da restrição ali
prevista a pagamentos feitos a controladores indiretos e outras empresas de
um mesmo grupo econômico?
Nossa opinião, uma vez mais, está pautada pelos limites textuais desses
dispositivos.
Com efeito, de uma perspectiva societária o sócio de uma pessoa jurídi-
ca é aquele que detém um quinhão de seu capital e que, em relação à mesma,
possui direitos e obrigações, podendo influenciar ou às vezes até mesmo de-
terminar as decisões da pessoa jurídica.
Não há, na legislação, um conceito de “sócio indireto”. Há um conceito
de “controlador indireto”, aplicável quando uma pessoa, física ou jurídica, de-
tém o controle de outra entidade por intermédio de outras pessoas jurídicas,
mas não de sócio indireto.70
Feitas essas observações, vale retomar o argumento no sentido de que
tanto a alínea “d” do parágrafo único do artigo 71 da Lei no 4.506/64 quanto
o artigo 363, inciso I, do RIR falam em sócio. Parece não haver margem para
uma extensão desta palavra para incluir em seu sentido o controlador indire-
to, que sócio da empresa brasileira não é.
Se a aplicação desses dispositivos ao controlador indireto já vai além de
suas possibilidades textuais, definitivamente não seria possível cogitar da sua
aplicação a outras empresas de um mesmo grupo econômico, já que essas nem
indiretamente poderiam ser consideradas sócias da empresa brasileira.
Além dos argumentos apresentados acima, deve-se ter em conta que se
os referidos dispositivos considerassem indedutível todo e qualquer pagamen-
to feito para sócios, incluindo o controlador indireto da empresa brasileira,
acabaria por tornar supérfluo o artigo 71, parágrafo único, alínea “e”, item
2, da Lei no 4.506/64, que estabelece a indedutibilidade dos royalties pelo uso
de patentes de invenção, processos e fórmulas de fabricação ou pelo uso de
marcas de indústria ou de comércio, quando pagos pela sociedade com sede
no Brasil a pessoa com domicílio no exterior que mantenha, direta ou indi-

70 Ver o § 2º do artigo 243 da Lei das S/A. Sobre o tema, ver: ROCHA, Sergio André. Tributação de Lucros
Auferidos por Controladas e Coligadas no Exterior. 2 ed. São Paulo: Quartier Latin, 2016. p. 134-139.

54
Tributação da Economia Digital

retamente, controle do seu capital com direito a voto. A norma em questão,


vale notar, sempre esteve em vigor, tendo sido alterada pelo artigo 50, da Lei no
8.383/91, para condicionar esta dedutibilidade a condições específicas.71
Ou seja, percebe-se, claramente, que quando a Lei no 4.506/64 pretendeu
restringir a dedução de pagamentos para controlador indireto, o fez de forma
explícita, o que reforça nossa interpretação no sentido de que a alínea “d” do pa-
rágrafo único do artigo 71 da Lei no 4.506/64 e o artigo do artigo 363, inciso I, do
RIR, somente se aplicam a pagamentos feitos a sócio, entendido este como aque-
le que detém diretamente um quinhão do capital social da empresa brasileira.
Diante do exposto, entendemos que não há qualquer possibilidade de se
ampliar o alcance da norma em questão para alcançar controladores indiretos
ou empresas do mesmo grupo econômico no exterior. O significado do termo
“sócio” não permite sua extrapolação para denotar “controlador indireto” ou
empresa do mesmo grupo econômico. A legislação tributária sempre estabe-
lece de forma explícita as situações onde são pretendidos efeitos a operações
com controladores indiretos, como é o caso, por exemplo, do artigo 71, pará-
grafo único, alínea “e”, da Lei no 4.506/64.
Se esta nos parece a interpretação mais correta dos dispositivos em ques-
tão, naturalmente ela pode ser afastada nos casos onde se identifique artificia-
lidade passível de desconsideração e requalificação por parte das autoridades
fiscais, como passamos a analisar.

71 Nestes casos, a dedutibilidade ficou condicionada aos percentuais previstos pela Portaria MF
no 436/58, variando entre 1 a 5% da receita líquida de vendas do produto fabricado ou vendido
pela empresa brasileira, devendo os respectivos contratos envolvendo transferência de tecnologia
passarem pelo procedimento prévio de averbação perante o Instituto Nacional de Propriedade
Industrial (“INPI”) e registrados perante o Banco Central do Brasil (“BACEN”), como condição
prévia à dedutibilidade de royalties. Para uma abordagem mais detalhada sobre ver: SOARES,
Romero Lobão; SIQUEIRA, Marcelo Gustavo Silva. A Instrução Normativa INPI 70/2017:
Dedutibilidade e Remessa de Royalties Para o Exterior Em Face do Novo Posicionamento do
Instituto Nacional De Propriedade Industrial – INPI. Revista Direito Tributário Internacional
Atual, São Paulo, n. 3, 2018, p. 127-148.

55
Tributação da Economia Digital

4.2. Substância Econômica e Ausência de


Artificialidade como Limite
Durante muitos anos prevaleceu no Brasil uma abordagem essencial-
mente formal em relação à legitimidade dos atos e negócios jurídicos pratica-
dos pelo contribuinte para evitar, reduzir ou postergar o dever de pagar tribu-
tos. Os únicos limites que eram reconhecidos por esta doutrina ao chamado
“planejamento tributário” eram o filtro da legalidade e a necessidade de o ato
ou negócio jurídico ser praticado antes da ocorrência do fato gerador.72
Há quase duas décadas esta linha vem sendo posta em xeque, reconhe-
cendo-se que a legitimidade dos atos e negócios jurídicos praticados pelo con-
tribuinte, para evitar, reduzir ou postergar o pagamento de tributos depende
também do respeito à sua causa típica, da não deturpação de seu perfil objetivo.
Não é nosso propósito analisar o tema do planejamento tributário em
detalhe.73 O que é importante pontuarmos aqui é que, a conclusão apresen-
tada no item anterior pode ser afastada em situações onde fique comprovado
que o sócio era o detentor do intangível e que o mesmo foi transferido para
outra empresa do mesmo grupo somente para evitar a incidência da regra
brasileira limitadora da dedutibilidade da despesa.
Note-se que, neste caso, o ônus da prova da transferência artificial e fis-
calmente motivada do intangível será das autoridades fiscais, que jamais po-
derão presumir o comportamento abusivo.
Portanto, é possível a desconsideração de pagamentos feitos à controladora
indireta, ou empresa do mesmo grupo econômico, beneficiária dos royalties,
e requalificação de tais pagamentos como feitos à sócia da empresa brasileira.
Contudo, tal possibilidade se apresenta apenas na hipótese de comprovada arti-

72 Para uma análise da literatura que sustenta essa linha doutrinária, ver: ROCHA, Sergio André.
Para que Serve o Parágrafo Único do Artigo 116 do CTN Afinal? In: GODOI, Marciano Seabra
de; ROCHA, Sergio André (Coords.). Planejamento Tributário: Limites e Desafios Concretos. Belo
Horizonte: Editora D’Plácido, 2018. p. 489-498.
73 Sobre o tema, ver: ROCHA, Sergio André. Planejamento Tributário na Obra de Marco Aurélio
Greco. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019; SOARES, Romero Lobão. Tentativas de Regulamentação
da Norma Antielisiva Brasileira e a Influência na Produção Jurisprudencial do CARF. In: GODOI,
Marciano Seabra de; ROCHA, Sergio André (Coords.). Planejamento Tributário: Limites e Desafios
Concretos. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2018. p. 463-485.

56
Tributação da Economia Digital

ficialidade de sua estrutura no exterior. É possível que se verifique a interposição


artificial de entidade entre a empresa brasileira e sua efetiva sócia no exterior, de
modo a evitar a aplicação da regra de indedutibilidade no Brasil. Tais estrutu-
ras, quando criadas artificialmente, com o único objetivo de evitar a aplicação
da norma de restrição da dedutibilidade, certamente serão confrontadas e, de-
monstrada a artificialidade, desconsideradas para fins fiscais.

5. Conclusão
Diante de todo o exposto, as remessas para o exterior a título de licença
de direitos de comercialização de software devem ser tratadas como remune-
ração pelo licenciamento de direito autoral, desde que o pagamento seja feito
ao criador do programa do programa, pessoa física ou jurídica. Muito em-
bora a CSRF tenha se manifestado pela classificação destes pagamentos como
royalties, sob o argumento de que somente pessoas físicas podem ser conside-
radas como autoras/criadoras dos programas de computador, parece-nos que
a interpretação adotada, neste caso, não reflete o disposto na legislação.
De fato, a pessoa jurídica pode ser investida na condição de autora do
software quando este tiver sido criado no contexto das obras coletivas, nos
termos da alínea “h”, do inciso VIII, do 5º, da Lei de Direitos Autorais, no
qual as contribuições de todos os participantes se fundem em uma criação
autônoma, desenvolvida justamente por iniciativa, organização e responsabi-
lidade da pessoa jurídica.
Neste caso, a pessoa jurídica é investida tanto dos direitos morais do
autor (incluindo aí, o direito de paternidade da obra), como dos respectivos
direitos patrimoniais, resguardados os interesses individuais dos participan-
tes. Como destacado, no caso de um software desenvolvido por uma empresa
de tecnologia, torna-se impossível identificar a criação individual de qualquer
participante, já que, ao fim e ao cabo, é a empresa que valida a versão final
para fins de circulação comercial. É a empresa também, que fornece todos os
recursos necessários ao desenvolvimento do programa, assim como incorre
em todos os riscos associados à criação.
Desta forma, desde que devidamente comprovadas tais particularidades,
não há como afastar a condição de autora às pessoas jurídicas em tais casos,

57
Tributação da Economia Digital

de modo que todos os pagamentos associados ao direito de comercialização


do software não poderão ser classificados como royalty, nos termos do artigo
22, alínea “d”, da Lei no 4.506/64. Em tal hipótese, as despesas incorridas pela
empresa sujeitam-se tão somente ao teste das despesas necessárias e ao con-
trole de preços de transferência.
Nos casos em que o direito de uso ou de comercialização do programa de
computador é licenciado por empresa que não o seu criador, aplica-se a restri-
ção prevista na alínea “d” do parágrafo único do artigo 71 da Lei no 4.506/64
e do artigo do artigo 363, inciso I, do RIR.
Contudo, ao interpretarmos esses dispositivos nossa posição é que:
I. o termo “sócio”, previsto no artigo 71, parágrafo único, alínea “a”, da
Lei no 4.506/64, não contempla as pessoas jurídicas. A interpretação do
dispositivo não pode extrapolar o limite possível da norma, que, em
nenhum momento, deu qualquer indício interpretativo no sentido de
aplicar tal proibição às pessoas jurídicas.
II. ainda que fosse possível interpretar o texto em questão para também
abarcar “sócio pessoa jurídica”, o seu alcance jamais se estenderia à
empresa controladora indireta, ou outra empresa do mesmo grupo
econômico, beneficiária dos royalties, pois a legislação é clara quando
pretende destacar a condição do controle direito e indireto, como é o
caso do artigo 71, parágrafo único, alínea “e”, da Lei no 4.506/64.

58
Conflito de competência entre
Estados e Municípios e as operações
envolvendo transferência e/ou
licenciamento para uso de software

Lyvia de Moura Amaral Serpa74

1. Introdução
O surgimento de novas tecnologias tem acirrado as disputas entre os en-
tes tributantes, na busca por garantir a sua fatia de tributação sobre novas
expressões de capacidade contributiva percebidas no mundo atual.
Novas tecnologias, como tudo que é novo, têm como principal carac-
terística uma dificuldade de enquadramento nos conceitos de “circulação de
mercadoria” ou “prestação de serviço”, que foram moldados para uma econo-
mia de um outro tempo. Como resultado, Estados e Municípios se digladiam
na tentativa de lhes enquadrar nesses conceitos.
A rigor, num mundo ideal este cenário de guerra fiscal entre Estados e Muni-
cípios deveria encontrar limites no sistema de repartição das competências tribu-
tárias previsto na Constituição, bem como no princípio da legalidade tributária.
Contudo, os conceitos de mercadoria e serviço estão longe de terem um
significado unívoco, e mesmo após anos e anos de intensos debates, ainda
parece haver mais dúvidas do que certezas sobre os seus contornos.
Conforme exemplifica Eurico De Santi “quem já frequentou aulas e leu
livros de Semiótica, Linguística, Teoria da Linguagem e Teoria do Conheci-
mento, que têm por objeto o estudo da ‘comunicação’ e do ‘significado’, sabe
que esses vocábulos [aqui o autor comenta vocábulos vagos, como “prestação”,
“serviço” e “comunicação”], talvez refletindo os limites destas ciências, são de
difícil apreensão”. (2014, p. 199).

74 Mestre pela Linha de Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento do Programa de Pós-


Graduação Stricto Sensu da UERJ. Advogada.

59
Tributação da Economia Digital

No caso das operações envolvendo transferência e/ou licenciamento para


uso de software, objeto específico deste artigo, é grande a dificuldade de en-
quadramento em tais conceitos (“circulação de mercadoria” ou “prestação de
serviço”), sendo uma tecnologia em constante evolução, situando-se hoje a
meio do caminho entre ambos os conceitos.
A legislação específica tampouco traz disposições satisfatórias para o
enquadramento num ou noutro conceito. Como pode ser visto no art. 1º da
Lei 9.609/1998, software ou “programa de computador” é a “expressão de um
conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, con-
tida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em má-
quinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos
ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para
fazê-los funcionar de modo e para fins determinados”.
A partir do referido artigo e demais dispositivos da Lei nº 9.609/1998,
que trata da proteção da propriedade intelectual de programa de computador,
a utilização de software estaria sujeita a licenciamento ou a cessão de uso,
atividade que poderia ser inserida no item 1.05 da lista de serviços anexa à Lei
Complementar nº 116/2003, submetida ao Imposto Sobre Serviços de Qual-
quer Natureza (ISS) 75.
Por outro lado, com apoio no entendimento firmado pelo Supremo Tri-
bunal Federal firmado na medida cautelar na Ação Direta de Inconstituciona-
lidade (ADI) 1945, conforme será exposto adiante, numa interpretação evo-
lutiva do conceito de mercadoria, o software poderia ser considerado como
um “bem digital”, de modo que as operações mercantis envolvendo software
estariam sujeitas à tributação pelo Imposto Sobre Operações Relativas à Cir-
culação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual
e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS).
No plano doutrinário, vê-se muitos entendimentos alinhados ao que
foi firmado pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1945 acima referida, mas
também críticas a tal posicionamento.

75 Há discussão a respeito da constitucionalidade da exigência de ISS sobre a atividade de “cessão


de uso”, notadamente a respeito do seu enquadramento no conceito de “serviço”. Contudo, o
aprofundamento neste ponto foge ao restrito escopo do presente artigo.
Para uma abordagem completa sobre o tema, confira-se: BASTOS, 2017.

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Tributação da Economia Digital

SARAIVA FILHO (2018) defende a “possibilidade de incidência do ICMS


sobre softwares produzidos em série, configurando operações de circulação de
mercadorias, mesmo diante da inexistência de bens corpóreos, quando os arqui-
vos digitais, cópias ou exemplares dos softwares forem produzidos em série e co-
mercializados no varejo, como o chamado ‘software de prateleira’ (off the shelf)”.
MIGUEL e OZAI (2016) defendem que o ICMS alcança os “bens di-
gitais”, independentemente de um suporte físico, sustentando ainda que o
conceito de circulação é amplo, abrangendo a circulação econômica, não se
restringindo à transferência de titularidade jurídica.76 Para os autores, “a inci-
dência tributária leva em conta a natureza da operação relativa à circulação de
bens corpóreos ou digitais. Se em uma transação que configure licença de uso,
ocorrer uma circulação do bem digital em caráter eventual, sem finalidade
mercantil, é certo que não haverá a incidência do ICMS, pois não se verificam
os elementos caracterizadores da hipótese de incidência desse tributo”.
Em sentido contrário, SAMUEL (2017) argumenta que “a circulação
passível de tributação pressupõe a existência da transferência da titularidade
das mercadorias” e que “existem dois principais critérios conotativos aptos a
determinar o que se entende por ‘mercadoria’, que são: o caráter corpóreo e a
destinação à venda”, de maneira que “qualquer bem que não possua qualquer
um destes critérios está fora do campo de incidência do ICMS”.
Já FALLET (2017) reconhece que “apesar de o objeto da operação jurí-
dica praticada com o software não ser a venda do bem, mas o licenciamento
dos direitos autorais inerentes ao programa de computador, existe uma forte
corrente jurisprudencial se encaminhando de acordo com o posicionamento
preliminar do STF, no sentido de que as operações com download sejam ofe-
recidas à tributação pelo ICMS”.
Diante desta dificuldade conceitual, o presente artigo buscará analisar
as disposições legais e constitucionais que tratam do conflito de competência
entre ICMS e ISS e a sua utilidade para a solução do problema envolvendo as
operações com software, verificando ainda o papel ocupado pelo Judiciário e
pelo Legislativo neste contexto.

76 Em sentido semelhante, Ricardo Lobo Torres (2007, p. 244) defende que na interpretação do fato
gerador do ICMS deve preponderar a interpretação jurídico-econômica e finalista, de maneira que
todo ato jurídico que implique circulação econômica de mercadorias, independentemente de sua
forma ou de sua natureza gratuita ou onerosa, será fato gerador do ICMS, abrangendo inclusive a
circulação econômica sem circulação física, sem a transferência do domínio ou da propriedade.

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Tributação da Economia Digital

2. As disposições legais e constitucionais acerca dos


conflitos de competência entre Estados e Municípios
O artigo 146, inciso I, da Constituição Federal de 1988 atribuiu à lei com-
plementar a competência para dispor sobre conflitos de competência, em matéria
tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Já o artigo
155, § 2º, inciso IX, alínea “b” da Constituição Federal previu que o ICMS incidirá
também sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem fornecidas
com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios.
Em atenção ao comando do artigo 146, inciso I, da Constituição Federal, foi
editada a Lei Complementar nº 116/2003, que além de dispor sobre o ISS, também
tratou dos referidos conflitos de competência entre Estados e Municípios.
Os conflitos entre Estados e Municípios tratados pela referida Lei Com-
plementar consistem essencialmente em casos de prestação de serviços que
incluem no seu bojo o fornecimento de mercadorias. Assim, o artigo 1º, § 2º
da Lei Complementar nº 116/2003 previu que, ressalvadas as exceções expres-
sas na lista anexa, os serviços nela mencionados não estão sujeitos ao ICMS,
ainda que a sua prestação envolva o fornecimento de mercadorias.
Deste modo, a lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003
buscou afastar expressamente a incidência do ISS com relação ao fornecimento
de mercadorias que comumente são fornecidas em conjunto com determinados
serviços, como se vê, por exemplo, nos seus subitens 7.02, 7.05, 14.01, 14.03 e
17.11. Já os subitens 7.06, 14.06, 14.09, 39.01 preveem uma hipótese ligeiramente
diversa, na qual só se admite a tributação pelo ISS quando o material for for-
necido pelo próprio tomador do serviço, donde se conclui que se o material for
fornecido pelo “prestador”, o que se terá na realidade será apenas uma operação
de produção e venda de mercadoria, não submetida, portanto, ao ISS.
No entanto, as soluções apresentadas pela Lei Complementar nº 116/2003,
em sua redação originária, não foram hábeis para solucionar diversos conflitos
entre Estados e Municípios, que muitas das vezes resultavam em situação de
bitributação, sendo o contribuinte cobrado pelo recolhimento do ICMS como
também pelo recolhimento do ISS em relação às mesmas materialidades. São as
hipóteses que restaram conhecidas como operações mistas, tais como os servi-

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Tributação da Economia Digital

ços de composição gráfica e embalagens sob encomenda77, as atividades presta-


das por farmácias de manipulação, a montagens de pneus, dentre outras.
Com relação ao escopo deste artigo, será analisado especificamente o
conflito de competência entre Estados e Municípios, resultante da tributação
pelo ISS sobre a elaboração de programas de computador e o seu licencia-
mento ou disponibilização via streaming (na forma da Lei Complementar nº
116/2003, com as alterações introduzidas pela Lei Complementar nº 157/2016)
e a tributação pelo ICMS sobre as operações com bens e mercadorias digitais
comercializadas por meio de transferência eletrônica de dados, prevista pelo
Convênio ICMS nº 106/2017.

3. O atual conflito entre ICMS e ISS no âmbito das


operações envolvendo transferência e/ou licenciamento
para uso de software e a dificuldade de o Judiciário
pacificar as questões a contento
É de longa data a batalha no âmbito do Supremo Tribunal Federal sobre
a possibilidade de cobrança do ICMS sobre a venda de software, remontando
aos idos de 1990.
Conforme exposto anteriormente, o cenário é bastante conflituoso, en-
volvendo não apenas contribuinte e o fisco, mas distintos entes da Federação.
Por este motivo, havia – e ainda há – a expectativa de que o Poder Judici-
ário possa aplacar os ânimos arrecadatórios de Estados e Municípios e pacifi-
car a questão, conferindo algum nível de segurança jurídica aos contribuintes.
Em 1998, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamen-
to do Recurso Extraordinário 176.626, apreciou pela primeira vez a tributação
pelo ICMS sobre software.

77 Quanto ao serviço de composição gráfica, a Lei Complementar nº 157/2016 alterou a redação do item
13.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003, passando a prever que o ISS não
incidirá na hipótese em que os materiais forem destinados a posterior operação de comercialização
ou industrialização, ainda que incorporados, de qualquer forma, a outra mercadoria que deva ser
objeto de posterior circulação, tais como bulas, rótulos, etiquetas, caixas, cartuchos, embalagens e
manuais técnicos e de instrução, quando ficarão sujeitos ao ICMS.

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Tributação da Economia Digital

Em seu voto, o Ministro Relator Sepúlveda Pertence buscou distinguir duas


hipóteses: a primeira seria a do “licenciamento ou cessão de direito de uso de pro-
gramas de computador”, que abrangeria o software personalizado, produzido por
encomenda; a segunda, o chamado “software de prateleira” ou standard. Para o
Relator, a incidência do ICMS seria admissível apenas na segunda hipótese, na
qual o software seria equiparável à mercadoria e sujeito à circulação.
Após este julgamento, outros acórdãos seguiram o mesmo entendimen-
to, como se vê no Recurso Extraordinário 199.464, julgado em 02/03/1999 pela
Primeira Turma, e no Recurso Extraordinário 285.870, julgado em 17/06/2008
pela Segunda Turma.
Em 1999 foi ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº
1945 em face de legislação mato-grossense que, dentre outros pontos, passou a
prever a incidência do ICMS sobre “operações com programa de computador
- software -, ainda que realizadas por transferência eletrônica de dados” (art.
2º, §1º, VI da Lei nº 7.098/98 do Estado do Mato Grosso).
Ressalta-se que no momento em que a ADI foi proposta, ainda não havia
sido editada a Lei Complementar nº 116/2003, que passou a prever a incidên-
cia do ISS sobre o licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de
computação no item 1.05 da lista de serviços anexa, de modo que na ocasião
não se verificava o conflito entre ICMS e ISS aqui em exame.78
O julgamento da medida cautelar (MC) na referida ADI iniciou-se no
mesmo ano do seu ajuizamento, momento em que o então Ministro Relator
Octavio Gallotti votou pelo seu deferimento parcial para suspender a expres-
são “ainda que realizadas por transferência eletrônica de dados”, e para, me-
diante interpretação conforme à Constituição sem redução de texto, “fixar
exegese no sentido de restringir a incidência do ICMS às operações de circu-
lação de cópias ou exemplares dos programas de computador, produzidos em
série e comercializados no varejo, não abrangendo, porém, o licenciamento ou
cessão de uso dos ditos programas”.
Em seguida, já no ano de 2006, em voto-vista, o Ministro Nelson Jobim
abriu divergência para indeferir a cautelar, por entender que o ICMS pode inci-
dir sobre softwares adquiridos por meio de transferência de eletrônica de dados

78 O Decreto-Lei nº 406/68 não previa o “licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de


computação” dentre os itens descritos na lista de serviços, submetidos à tributação pelo ISS.

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Tributação da Economia Digital

(download), que restou acompanhado pelos votos dos Ministros Gilmar Men-
des, Cezar Peluso, Dias Toffoli, Eros Grau e Ayres Britto. Os Ministros Ricardo
Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello acompanhavam o Relator.
Mais de dez anos depois do ajuizamento da ADI, em 2010, finalmente
foi concluído o julgamento da medida cautelar na ADI 1945, no sentido da
possibilidade da exigência do ICMS sobre softwares adquiridos por meio de
transferência de dados (download), considerando-se irrelevante a inexistência
de bem corpóreo ou mercadoria em sentido estrito.
Note-se que o entendimento adotado em 2010 pelo Plenário do Supremo
Tribunal, quando do julgamento da medida cautelar na ADI 1945, representou
uma alteração do posicionamento que foi anteriormente firmado pela Primei-
ra Turma no ano de 1998 na ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário
176.626, passando a entender que o ICMS poderia incidir em operações com sof-
tware, ainda que realizadas meramente por transferência eletrônica de dados.
De acordo com a maioria dos Ministros, que votaram pelo indeferimento do
pedido liminar na ADI 1945, o Tribunal não poderia se furtar a abarcar situações
novas, consequências concretas do mundo real, com base em premissas jurídicas
que não são mais totalmente corretas. Neste contexto, ficou registrado na ementa
da MC na ADI 1945 que o apego a tais diretrizes jurídicas acabaria por enfraque-
cer o texto constitucional, pois não permite que a abertura dos dispositivos da
Constituição possa se adaptar aos novos tempos, antes imprevisíveis.
Após o julgamento da medida cautelar, o Tribunal admitiu o ingresso
na qualidade de amicus curiae de diversos entes da Federação e entidades re-
presentativas. Em agosto de 2018, o feito chegou a ser incluído em pauta para
julgamento do mérito, no entanto, a sessão de julgamento foi cancelada pelo
Tribunal, e após a mudança da Presidência do Tribunal em 13/09/2018, foi
excluído do calendário de julgamento da Corte.
Desde o ajuizamento da ADI 1945 em 1999, o cenário fático e jurídico
mudou bastante, de modo que o seu julgamento no ano de 2018 possivelmente
resultaria numa decisão inócua, pois inábil para efetivamente resolver o con-
flito existente nos dias de hoje.
Do ponto de vista fático, atualmente a grande maioria das operações
envolvendo software não mais pressupõe circulação, como se verificava, por
exemplo, no software de prateleira ou mesmo na aquisição do programa por

65
Tributação da Economia Digital

meio download. A tecnologia migrou quase que integralmente para um mo-


delo de mera cessão de uso, o chamado software as a service, que lhe permite a
utilização do software e suas atualizações mediante acesso on-line a “nuvem”,
por meio do streaming, de acordo com as necessidades do usuário.
Já do ponto de vista jurídico, ao mesmo tempo em que Estados poderiam
buscar tributar operações envolvendo a circulação de software, na esteira da
decisão proferida na medida cautelar na ADI 1945, contando ainda com o
reforço do Convênio ICMS 106/2017, diversos Municípios poderiam vir a con-
siderar que a aquisição do software corresponderia ao licenciamento ou cessão
de direito de uso de programas de computação, prevista no subitem 1.05 da
lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003, e por isto estaria in-
serida no âmbito de incidência do ISS.
No atual cenário jurídico, está pendente de julgamento a ADI 5.958, que
busca a declaração de inconstitucionalidade do Convênio ICMS nº 106/2017
e a declaração de inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do art.
2º, I, da Lei Complementar nº 87/1996, para afastar qualquer possível inter-
pretação que permita a incidência do ICMS sobre operações de transferência
eletrônica de softwares e congêneres.
Também está pendente o julgamento das ADI’s 5.576 e ADI 5.659, ajui-
zadas em face de legislações estaduais que igualmente passaram a prever a
incidência do ICMS sobre operações com software, independentemente de
sua aquisição se dar por meio físico ou por meio digital (transferência eletrô-
nica de dados – download ou streaming). Em ambas a Procuradoria Geral da
República manifestou-se no sentido da improcedência das ações, por não vis-
lumbrar a ocorrência de bitributação, face à antiga distinção entre “software
de prateleira” e “software de encomenda”, sem responder como seria enqua-
drado o software as a service.
Nestas três ADI’s acima citadas o pedido cautelar não foi analisado, sen-
do adotado o rito do art. 12 da Lei 9.868/1999.
Além destas Ações Diretas ajuizadas em face de legislações estaduais que
ampliaram o espectro de incidência do ICMS, ainda está pendente o julga-
mento do Recurso Extraordinário nº 688.223, submetido ao rito da repercus-
são geral, no qual se discute a constitucionalidade da tributação pelo ISS das
atividades de licenciamento ou cessão de uso de software.

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Tributação da Economia Digital

No plano concreto, o conflito é verificado no âmbito do Estado e do Muni-


cípio de São Paulo, uma vez que ambos os entes instituíram em suas legislações a
cobrança dos respectivos impostos sobre operações de fornecimento de software,
colocando os contribuintes paulistas em uma verdadeira encruzilhada jurídica.
Com a edição da Lei Municipal nº 16.757/2017, o Município de São Paulo
foi um dos primeiros no país a instituir em sua legislação interna a cobrança
do ISS sobre os serviços descritos nos itens 1.03, 1.04 e 1.09 da lista anexa de
serviços, na forma prevista pela Lei Complementar nº 157/2016 (1.03 - proces-
samento, armazenamento ou hospedagem de dados, textos, imagens, vídeos,
páginas eletrônicas, aplicativos e sistemas de informação, entre outros forma-
tos, e congêneres; 1.04 - elaboração de programas de computadores, inclusive
de jogos eletrônicos, independentemente da arquitetura construtiva da má-
quina em que o programa será executado, incluindo tablets, smartphones e
congêneres; 1.09 - disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de
áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet, respeitada a imunidade
de livros, jornais e periódicos, com exceção da distribuição de conteúdos
pelas prestadoras de Serviço de Acesso Condicionado, de que trata a Lei nº
12.485/2011, que estariam sujeitas ao ICMS), juntamente com o serviço des-
crito no item 1.05 da lista anexa de serviços (licenciamento ou cessão de direi-
to de uso de programas de computação).
Por sua vez, o Estado de São Paulo internalizou as disposições do Convê-
nio ICMS 106/2017, com a edição do Decreto Estadual nº 63.099/2017. Poste-
riormente, foi editada a Portaria CAT 24/2018, reafirmando o entendimento
no sentido de que é possível a incidência do ICMS sobre operações com bens
e mercadorias digitais realizadas por meio de transferência eletrônica de da-
dos, assim considerados “todos aqueles não personificados, inseridos em uma
cadeia massificada de comercialização, como eram os casos daqueles postos à
venda em meios físicos, por exemplo: 1 - softwares, programas, jogos eletrô-
nicos, aplicativos, arquivos eletrônicos e congêneres, que sejam padronizados
(de prateleira), ainda que tenham sido ou possam ser adaptados, independen-
temente de serem utilizados pelo adquirente mediante “download” ou em
nuvem; 2 - conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto, com cessão definitiva
(“download”), respeitada a imunidade de livros, jornais e periódicos”.
Diante de tal conflito de competência entre o ICMS e o ISS, foi impetra-
do o Mandado de Segurança Coletivo nº 1010278-54.2018.8.26.0053 perante a

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Tributação da Economia Digital

Justiça paulista. Neste caso, em 23/08/2018 foi proferida sentença, que confir-
mou a liminar antes concedida, para julgar procedente o pedido, de modo a
garantir às associadas da impetrante o direito de não se sujeitarem às normas
do Decreto Estadual nº 63.099/17 e Convênio ICMS nº 106/2017.
A matéria ainda foi questionada nos autos do Mandado de Segurança Co-
letivo nº 1019249-28.2018.8.26.0053, igualmente impetrado perante a Justiça
paulista. Nesta demanda, o pedido liminar foi deferido apenas parcialmente, en-
tendendo o juízo que em casos de disponibilização de software com cessão defi-
nitiva a incidência do ICMS seria válida, considerando que a Lei Complementar
nº 116/2003 somente disporia sobre a disponibilização sem cessão definitiva. No
entanto, ao proferir a sentença o juízo reconheceu a ilegitimidade ativa da impe-
trante, cassando a liminar e extinguindo o feito sem resolver o mérito.
Sobre este problema do conflito de competência aqui analisado, Maurine
Feitosa considera que caberá ao Supremo Tribunal Federal “dar a última pala-
vra sobre os conflitos de competência entre o ISS e o ICMS, assim como julgar
se isoladamente as hipóteses colocadas à sua apreciação ensejam a incidência
de um ou outra espécies tributárias” (2018, p. 86).
Contudo, no atual cenário, qualquer solução que venha a ser adotada pelo
Supremo Tribunal Federal parece que será insuficiente para pacificar a questão.
Conforme exposto anteriormente, há pelo menos cinco processos distin-
tos no Tribunal que perpassam por esta discussão (as Ações Diretas de Incons-
titucionalidade 1945, 5.958, 5.576 e 5.659, e o Recurso Extraordinário 688.223).
A Ação Direta 5.659 consta no sistema do Tribunal como vinculada à
Relatoria do Ministro Dias Toffoli e desde o dia 11/09/2018 já estava liberada
para inclusão em pauta para julgamento. Contudo, diante da posse do Minis-
tro Relator como Presidente do Tribunal em 13/09/2018, será necessária a sua
redistribuição para outro Relator.
Já a ADI 5.958 era da Relatoria do Ministro Dias Toffoli, pois foi dis-
tribuída por prevenção à ADI 5.659. Em 13/09/2018 foi redistribuída para a
Ministra Carmen Lúcia.
A ADI 1945 também está sob a Relatoria da Ministra Carmen Lúcia, e,
conforme mencionado anteriormente, chegou a ser incluída em pauta no mês
de agosto de 2018, mas em seguida foi excluída do calendário de julgamento
pelo então Presidente do Tribunal.

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Tributação da Economia Digital

A Ação Direta 5.576 é da Relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, e o


Recurso Extraordinário 688.223 é da Relatoria do Ministro Luiz Fux.
Note-se que cada um destes processos está em um momento processual
distinto e com distintos Relatores, o que cria grande dificuldade para que haja
uma uniformidade decisória.
Além disso, caso o Tribunal decida pela improcedência das Ações Dire-
tas de Inconstitucionalidade que se encontram pendentes de análise, seguindo
o entendimento firmado na MC-ADI 1945, no sentido da constitucionalidade
da exigência do ICMS sofre softwares “de prateleira” cuja disponibilização seja
feita por streaming, forçosamente teria de reconhecer parcialmente a inconstitu-
cionalidade de dispositivos da Lei Complementar 116/2003 ou dar interpretação
conforme a Constituição a tais dispositivos, face a previsão da incidência do ISS
sobre licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação.
No entanto, como os dispositivos da Lei Complementar 116/2003 não
são alvo das Ações Diretas em questão, tal declaração teria uma natureza de
obter dictum e não produziria efeito vinculante para os Municípios.
Ressalta-se ainda que o entendimento no sentido da possibilidade da
incidência do ICMS na hipótese em questão – fornecimento do acesso ao
software via streaming – parece divergir das premissas adotadas em outro
julgado do Plenário do próprio Supremo Tribunal Federal, o Recurso Extra-
ordinário 540.829, com repercussão geral, no qual se analisou a possibilidade
de incidência do ICMS sobre bens transferidos meramente a título de leasing
mercantil, concluindo-se que, não havendo a transferência de titularidade da
mercadoria, não estaria caracterizada a circulação jurídica, razão pela qual
seria incabível a incidência do ICMS.
Por outro lado, caso o Supremo venha a julgar procedentes as Ações
Diretas de Inconstitucionalidade, para reconhecer a inconstitucionalidade
da incidência do ICMS sobre as operações com software via transferência de
dados (download ou streaming), a posição irá de encontro ao entendimento
firmado anteriormente em julgamento da medida cautelar na ADI 1945.
A despeito da precariedade que seria proveniente de uma decisão caute-
lar, o entendimento firmado na medida cautelar na ADI 1945 serviu de funda-
mentação para a postura adotada pelos Estados nos anos seguintes, que, como
visto, alteraram suas legislações para abarcar também as operações com sof-

69
Tributação da Economia Digital

twares “de prateleira”, ainda que fornecidos mediante transferência de dados


via download ou streaming. Como resultado, os Estados hão de ressarcir aos
contribuintes pelo ICMS indevidamente pago.
Em suma, qualquer que seja a decisão final adotada pelo Supremo Tribu-
nal Federal nas ações acima referidas, o resultado não trará efetiva pacificação
entre Estados, Municípios e contribuintes.
De outro lado, enquanto Estados e Municípios pouco têm a perder com
a instauração e o prolongamento de tais litígios, seja em razão das prerroga-
tivas da Fazenda Pública e da natureza do crédito tributário, podendo ainda
se valer de argumentos consequencialistas na tentativa de modular os efeitos
judiciais de uma decisão final desfavorável, diante do relevante impacto na
arrecadação, os contribuintes permanecem sem um instrumento hábil de so-
lução do conflito.
Em suma, o atual modelo processual não comporta um instrumento re-
almente capaz de pacificar o referido conflito de competência entre ICMS e
ISS, de modo que, possivelmente, a melhor solução haveria de ser construída
no plano do Poder Legislativo.

Considerações Finais
Conforme assinala Eurico De Santi (2012, p. 42), no lugar de disputar-
mos por conceitos metafísicos, universais ou abstratos, o debate haveria de ser
pautado pela convergência dos interesses sobre os diretivos do País.
Diante da guerra fiscal verificada entre Estados e Municípios e da dificul-
dade de o Judiciário resolver as questões tributárias a contento, o contribuinte
fica no meio de um fogo cruzado fiscal.
A Lei Complementar nº 116/2003 supostamente deveria apaziguar a situação,
no entanto, não tem sido de muito utilidade com relação às novas tecnologias.
A mudança introduzida pela Lei Complementar nº 157/201679 não apenas per-
deu a oportunidade de tratar sobre o assunto, como parece ter colocado mais lenha
na fogueira, uma vez que ainda buscou ampliar o campo de incidência do ISS.

79 Ressalta-se que a LC 157/2016 ainda trouxe significativas complicações ao deslocar para o Município
do local do tomador do serviço ou do usuário do serviço a competência para exigir o ISS com relação

70
Tributação da Economia Digital

Como se vê da justificação constante do Projeto de Lei do Senado n° 386,


de 2012, que deu origem à Lei Complementar 157/2016, “a Lei Complementar nº
116, de 31 de julho de 2003, não sofreu qualquer alteração desde a sua aprovação,
completando, portanto, quase uma década sem sofrer as devidas adequações
à dinâmica sócio econômica”. Assim, o referido Projeto se propôs a atualizar
a Lei Complementar nº 116/2003, no sentido de “diminuir a dependência dos
Municípios em relação às transferências constitucionais, em especial, o Fundo
de Participação dos Municípios e as transferências relativas ao ICMS e ao IPVA”.
O Projeto até chegou a reconhecer a existência de um contexto de guerra
fiscal entre os entes federados e a necessidade de solução do problema. Contu-
do, a solução proposta vislumbrou unicamente a guerra fiscal entre os Muni-
cípios (com a fixação de uma alíquota mínima de ISS, no percentual de 2%, e
com o deslocamento da competência tributária para o Município onde loca-
lizado o usuário do serviço), e não aquela travada entre Estados e Municípios.
Como resultado, acerca da temática da guerra fiscal, a Lei Complemen-
tar no 157/2016 não alcançou os conflitos aqui em análise. Bem ao contrário,
as mudanças introduzidas pela Lei Complementar nº 157/2016 produziram
um efeito colateral de ampliar o conflito entre Estados e Municípios, face a
ampliação da competência tributária do Município, notadamente com relação
às atividades de elaboração e disponibilização de software.
Neste cenário conflituoso, envolvendo interesses tão destoantes, a articu-
lação política para implementação de uma reforma tributária, embora extrema-
mente complexa, talvez seja a solução mais viável, permitindo que a tributação
sobre o consumo venha a adotar conceitos mais modernos e abrangentes, adap-
tados à nova economia e às novas tecnologias. A toda evidência, o necessário
debate não seria alcançado adequadamente no plano do Poder Judiciário, mas
pode ser feito no plano do Poder Legislativo, que pode e deve recuperar sua
posição de protagonista responsável pela criação e projeção do direito como au-
têntico instrumento de pacificação social.

aos serviços de administração de cartão de crédito e de planos de saúde, que não serão abordadas
aqui por não estarem relacionadas à questão das novas tecnologias. Tais dispositivos tiveram a sua
eficácia suspensa por decisão proferida no âmbito da ADI 5835.

71
Tributação da Economia Digital

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Tributação da Economia Digital

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Mandado de Segu-


rança Coletivo nº 1010278-54.2018.8.26.0053. Disponível em https://esaj.tjsp.
jus.br/cpopg/show.do?processo.foro=53&processo.codigo=1H000CFWW0000.
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Mandado de Segu-


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Acesso em 09/11/2018.

75
Um estudo da doutrina brasileira
a respeito da incidência do ICMS
sobre operações com software

Iuri Engel Francescutti80

Introdução
A Constituição Federal do Brasil não somente descreveu as possíveis ba-
ses de incidência dos impostos, sendo o consumo uma delas, mas as repartiu
entre os diversos entes da Federação, sob o pressuposto de que, assim o fazen-
do, iria conferir maior autonomia a cada um deles.
A verdade, entretanto, é que essa descrição e repartição foi muito infeliz, pois
decompôs a incidência sobre o consumo em três impostos distintos (sem falar das
contribuições) e repartiu-os entre entes diversos (IPI de competência da União
Federal, ICMS dos Estados e ISS dos Municípios), dando azo a inúmeros conflitos
de competência e inconsistências sistêmicas, como chama a atenção Gustavo da
Gama Vital de Oliveira81. E esses problemas têm se acirrado cada vez mais com
a evolução tecnológica. Nas palavras de Ives Gandra da Silva Martins: “a solução
de uma tríplice incidência sobre a produção (IPI), comercialização (circulação) de
mercadorias (ICM) e prestação de serviços (ISS), partilhada entre União, Estados,
Distrito Federal e Municípios, foi consequência imposta mais pela realidade polí-
tica do que pelas melhores técnicas de arrecadação.”82

80 Mestrando em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pela UERJ, Pós-Graduado em


Direito Fiscal pela PUC/RJ, Pós-Graduado em Auditoria Tributária pela Faculdade de Ciências
Contábeis da UFRJ.
81 OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de. Federalismo fiscal, jurisdição constitucional e conflitos
de competência em matéria tributária: o papel da lei complementar. In GOMES, Marcus Lívio;
VELLOSO, Andrei Pitten (Org.). Sistema constitucional tributário: dos fundamentos teóricos aos
hard cases tributários: estudos em homenagem ao ministro Luiz Fux. Porto Alegre, Livraria do
Advogado Editora, 2014, p. 198.
82 MARTINS, Ives Gandra da Silva. ‘Leasing’ de aeronaves, sem opção de compra, pactuado com investidores
estrangeiros – hipótese não sujeita ao ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário nº 131, p. 86.

77
Tributação da Economia Digital

A proposta desse artigo é identificar o papel que a doutrina brasileira tem


exercido na construção de um sistema tributário coerente, a partir do exame
do conceito construído em torno do ICMS em sua faceta mercantil e sua com-
patibilidade com as novas realidades fáticas que o mundo moderno vem des-
cortinando, especificamente, no presente caso, com a tributação das operações
envolvendo softwares. Não se presta este trabalho a examinar outras incidências
tributárias alternativas, reservadas para uma futura oportunidade.
Também não se pretende neste trabalho sinalizar a jurisprudência do-
minante a respeito do tema, ainda que se possa fazer referências isoladas a
decisões judiciais. Isto se deve à sensação de que o Judiciário, diante de um
universo infindável de processos que é chamado a solucionar rapidamente,
tem proferido decisões cada vez mais divorciadas da produção acadêmica. A
ideia aqui, portanto, é justamente resgatar esses estudos doutrinários.
Para esse propósito, na primeira parte deste trabalho pretendo revisitar
os principais estudos a respeito do conceito constitucional de ICMS, indican-
do os elementos definidores desse imposto segundo as diversas correntes de
pensamento, por considerar que qualquer conclusão a que se chegue quanto
à incidência ou não do ICMS sobre operações com software deverá ter como
ponto de partida e de justificação uma dessas correntes.
Na segunda parte, examinarei especificamente a doutrina brasileira en-
volvendo a tributação do ICMS sobre operações com software, dedicando es-
pecial atenção às operações realizadas por meio de download. Em razão da
premissa metodológica, não se dará ênfase às obras doutrinárias que justifi-
cam suas teorias com base na jurisprudência.
A conclusão trará um resumo das principais correntes de pensamento,
com o que se espera, humildemente, contribuir de alguma forma para essa
tormentosa tarefa que é a de investigar as incidências tributárias dessas novas
realidades tecnológicas.

1. Conceito de ICMS (mercantil) dado pela doutrina


A Constituição Federal de 1988 estabelece, no art. 155, inciso II, que compe-
te aos Estados e ao Distrito Federal instituir imposto sobre “operações relativas à
circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interesta-

78
Tributação da Economia Digital

dual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se


iniciem no exterior” (ICMS). Neste trabalho, limito-me a examinar a incidência
do imposto sobre “operações relativas à circulação de mercadorias”.
Segundo a doutrina, a hipótese de incidência do ICMS pressupõe a conju-
gação desses três termos expressos na norma constitucional: operação, circulação
e mercadoria. Como nem todos os termos comportam entendimento unívoco,
parece-me válido fazer alguns apontamentos sobre a origem desse imposto.
O ICMS tem suas raízes históricas na Constituição Federal de 1934, que
atribuiu aos Estados a competência para instituir imposto sobre vendas. Até
então, tal atribuição cabia à União Federal, que contava com o imposto sobre
vendas mercantis, embora, como alerte Rubens Gomes de Souza, ao subordi-
nar os efeitos cambiários da duplicata à regularidade do pagamento do impos-
to federal, este acabava por incidir sobre o título e não sobre o negócio jurídico
por ele documentado83.
A Constituição de 1937 manteve a competência estadual para instituir o
imposto sobre vendas e, por sua vez, a Constituição de 1946 acrescentou como
hipótese de incidência autônoma a consignação, passando o referido imposto,
então, a ser denominado de Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC).
Não obstante essa modificação de competência levada a cabo pela Cons-
tituição de 1934 e mantida pelas duas subsequentes, permaneceu a União com
o imposto sobre o consumo, ancestral do atual Imposto sobre Produtos In-
dustrializados (IPI). Diferenciando o tributo estadual do federal, Pontes de
Miranda explica que o imposto sobre consumo incidia, uma única vez, sobre a
mercadoria vendida ou consignada, enquanto o IVC incidia sobre o negócio
jurídico relativo à venda ou à consignação84.
Reforçando essa distinção, Amilcar de Araújo Falcão pontuava que o
IVC “há de exteriorizar-se, necessariamente e por inequívoca disposição
constitucional, através do ato ou negócio jurídico da venda ou da consignação
de mercadorias efetuadas uma ou a outra por comerciantes, produtores, in-

83 SOUZA, Rubens Gomes. O imposto sobre vendas e consignações – o imposto sobre circulação
de mercadorias e a conferência de bens móveis ao capital de sociedade. Revista de Direito
Administrativo nº 90, p. 428.
84 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. vol. I, Rio de Janeiro: Livraria Boffoni,
1947, p. 452.

79
Tributação da Economia Digital

clusive industriais”85. Falcão insiste nessa rigorosa tipicidade para diferenciar


o sistema jurídico brasileiro daquele adotado em outros países, que admitem
a tributação pela mera “passagem da mercadoria do estabelecimento produtor
ao estabelecimento comercial da mesma empresa, tal como ocorre no sistema
francês, no holandês, no luxemburguês, no italiano e no germânico”86.
Apesar do destaque dado por Amilcar de Araújo Falcão à rigorosa tipi-
cidade do IVC, José Souto Maior Borges chama a atenção para o fato de que
a legislação vinha ampliando o âmbito de incidência de tal imposto a outros
negócios jurídicos, tais como a empreitada e a permuta, o que contribuiu, com
a Emenda Constitucional nº 18/1965, para a “adoção do critério econômico na
tributação da circulação de mercadorias”, substituindo-se o IVC pelo então
Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM)87.
Rubens Gomes de Souza sustenta que a mudança de paradigma, com
tal Emenda Constitucional, de um sistema cumulativo para um sistema não
cumulativo de tributação, tornou necessário reformular a própria definição
do fato gerador do tributo, a fim de que o novo imposto (ICM) incidisse ape-
nas sobre o valor agregado e não mais em cascata88.
E a partir dessa nova regra matriz de incidência do imposto, que já fazia
referência a “operações relativas à circulação de mercadorias”, quatro correntes
se delinearam. A primeira defendia que qualquer saída de mercadoria confi-
guraria hipótese de incidência do imposto. Essa tese rapidamente foi abando-
nada, pois levaria ao absurdo, como advertia Aliomar Baleeiro, de se tributar
o furto e o roubo89. A saída da mercadoria do estabelecimento, eleita nas le-

85 FALCÃO, Amilcar de Araújo. O conceito de consignação como fato gerador do imposto de vendas
e consignações. Revista de Direito Administrativo nº 62, p. 22.
86 FALCÃO, Amilcar de Araújo. O conceito de consignação como fato gerador do imposto de vendas e
consignações. Revista de Direito Administrativo nº 62, p. 23. No mesmo sentido, confira-se: COSTA,
Alcides Jorge. O imposto de vendas e consignações – fato gerador – transferência de mercadorias
para outro Estado. Revista de Direito Administrativo nº 74, p. 362.
87 BORGES, José Souto Maior. O fato gerador do ICM e os estabelecimentos autônomos. Revista de
Direito Administrativo nº 103, p. 34.
88 SOUZA, Rubens Gomes. O imposto sobre vendas e consignações – o imposto sobre circulação
de mercadorias e a conferência de bens móveis ao capital de sociedade. Revista de Direito
Administrativo nº 90, p. 429.
89 BALEEIRO, Aliomar. ICMS sobre a importação de bens de capital para uso do importador. Revista
Forense nº 250, p. 139.

80
Tributação da Economia Digital

gislações estaduais como marco da hipótese de incidência, apenas revela o


aspecto temporal do imposto, como leciona Aires F. Barreto90.
A segunda corrente tem como principal defensor Geraldo Ataliba.
Tratando de cada um dos termos da norma constitucional, o referido autor
pontua que operação, enquanto exigência de que exista um negócio jurídico
subjacente à saída, representaria o cerne da hipótese de incidência, enquan-
to circulação e mercadoria serviriam para qualificá-la. Logo, a circulação de
mercadoria seria a consequência da operação. O termo circulação, por sua vez,
significaria, necessariamente, uma mudança de titularidade. Ou seja, só have-
ria hipótese de incidência nos estritos casos em que ocorra circulação jurídica
da mercadoria, com transferência da propriedade, não sendo suficiente a mera
circulação física da mercadoria. Por fim, socorrendo-se às lições de Carvalho
de Mendonça, Geraldo Ataliba esclarece que mercadoria é espécie do gênero
bem e que a classificação de um bem como mercadoria está atrelada a sua des-
tinação91. Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho, “a natureza mercantil do
produto não está, absolutamente, entre os requisitos que lhe são intrínsecos,
mas na destinação que se lhe dê. É mercadoria a caneta exposta à venda entre
outras adquiridas para esse fim. Não o será aquela que mantenho no meu bol-
so e se destina a meu uso pessoal” 92 .
Essa corrente, atualmente dominante e que foi encampada pela jurisprudên-
cia, levou diversos autores a sustentar que a mera transferência de mercadorias
entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica continuaria93 fora do campo de
incidência do tributo, como o faz, por exemplo, José Eduardo Soares de Melo94.
Com base na mesma premissa, Betina Treiger Grupenmacher chega a
defender que até mesmo a transferência de mercadoria entre estabelecimentos
do mesmo grupo econômico estaria fora do alcance do ICMS, na medida em

90 BARRETO, Aires F. ICMS e ISS – Estremação da incidência. Revista Dialética de Direito Tributário
nº 71, p. 9.
91 ATALIBA, Geraldo. ICMS – competência impositiva na Constituição de 1988. Revista de Direito
Administrativo nº 195, p. 25-30.
92 CARVALHO, Paulo de Barros. Regra matriz do ICMS. 1981, p. 206.
93 Diz continuaria porque, à época do IVC, não havia dúvida quanto a essa não incidência. Nesse
sentido, confira-se: RÁO, Vicente. Imposto sobre venda e consignações – discriminação de rendas
– normas gerais do direito financeiro. Revista de Direito Administrativo nº 70, p. 454.
94 MELO, José Eduardo Soares de. ICMS: Teoria e prática. 10ª ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 27-30.

81
Tributação da Economia Digital

que, possuindo o mesmo quadro societário, seria impossível “realizar negócio


consigo mesmo”95, o que me parece, mesmo para aqueles que concordam com
a corrente de Ataliba, com a devida vênia, um certo exagero, uma vez que a
figura da empresa não se confunde com a de seus sócios.
Também trabalhando com o conceito de operação de circulação de mer-
cadoria dado por Ataliba, Marciano Seabra de Godoi e Luciana Goulart Fer-
reira Saliba defendiam, há mais de uma década, a não incidência de ICMS
sobre a demanda contratada de energia elétrica, embora usando a premissa
fática incorreta de que demanda seria “a energia que a concessionária poderia
ter sido chamada a entregar ao consumidor”96. Sob uma ótica semelhante, Lu-
ciana e João Dácio Rolim questionam a incidência de ICMS sobre a Tarifa de
Uso do Sistemas de Distribuidora e Transmissão de energia elétrica97.
A terceira corrente concorda que nem toda saída caracteriza fato gerador
do imposto estadual. Entretanto, entende que a transferência de proprieda-
de não é requisito indispensável da norma constitucional. Para essa corrente,
basta que a saída “configure uma etapa do processo de circulação de merca-
dorias, assim entendido o complexo de sucessivas transferências desta, desde
o seu produtor, expressão que inclui o fabricante e o importador, até o seu
consumidor final”, tal como defende Rubens Gomes de Souza98.
Para melhor explicitar seu entendimento a respeito do que se pode cha-
mar circulação econômica da mercadoria, Rubens Gomes de Souza afirma que

95 GRUPENMACHER, Betina Treiger. Incidência do ICMS nas transferências de bens entre


estabelecimentos do mesmo grupo. Revista Dialética de Direito Tributário nº 10, p. 57.
96 GODOI, Marciano Seabra de; SALIBA, Luciana Goulart Ferreira. Inconstitucionalidade e ilegalidade
da exigência de ICMS sobre a ‘demanda reservada de potência’. Revista Dialética de Direito Tributário
nº 63, p. 132. Igor Mauler Santiago destaca a impropriedade com que o tema era tratado e explica que
potência diz respeito à capacidade de transmissão de energia em um determinado espaço de tempo.
(SANTIAGO, Igor Mauler. Não incidência de ICMS sobre a demanda contratada de potência: aspectos
constitucionais. Revista Dialética de Direito Tributário nº 182, p. 30-32.
97 SALIBA, Luciana Goulart Ferreira; ROLIM, João Dácio. Não-incidência do ICMS sobre as Tarifas
de Uso dos Sistemas de Distribuição (TUSD) e Transmissão (TUST) de energia elétrica. Revista
Dialética de Direito Tributário nº 122, p. 50-66. No mesmo sentido MENESCAL, Leonardo
Alcantarino. Não incidência do ICMS sobre os encargos de transmissão e distribuição de energia
elétrica – TUST e TUSD. Revista Dialética de Direito Tributário nº 237, p. 61-71.
98 SOUZA, Rubens Gomes. O imposto sobre vendas e consignações – o imposto sobre circulação
de mercadorias e a conferência de bens móveis ao capital de sociedade. Revista de Direito
Administrativo nº 90, p. 432.

82
Tributação da Economia Digital

o imposto estadual não incidiria sobre o comodato e a locação de coisas mó-


veis, porque, apesar da saída física, não haveria circulação, na medida em que
os bens irão retornar ao estabelecimento de origem99.
Ainda que adepto dessa terceira corrente e do conceito de circulação eco-
nômica enquanto pressuposto de incidência do imposto estadual, José Souto
Maior Borges alega que a transferência de mercadoria entre estabelecimentos
da mesma pessoa jurídica, seja qual for a hipótese, não estaria sujeita ao ICM,
por representar mero transporte, “sem relacionamento direto e imediato com
operações de circulação”100.
Não menos importante é destacar os apontamentos de Hugo de Brito Ma-
chado sobre o tema, para quem a transferência de propriedade igualmente não se-
ria indispensável. Segundo o referido autor, bastaria que a operação fosse “relativa
à circulação, vale dizer, capaz de realizar o trajeto da mercadoria da produção até
o consumo, ainda que permanecendo no patrimônio da mesma pessoa jurídica. É
o caso, por exemplo, de uma remessa de mercadoria em consignação”.
E complementa, sob a premissa de que a lei considera como contribuinte
autônomo cada estabelecimento, que “não há, como pode parecer, inconsti-
tucionalidade no dispositivo da lei que define como fato gerador do ICMS
a transferência de mercadoria entre estabelecimentos da mesma pessoa jurí-
dica, porque essa transferência cabe perfeitamente no conceito de operação
relativa à circulação de mercadoria” 101.
O referido autor, entretanto, não deixa de conferir importância à regra
matriz constitucional de incidência do imposto. Em outra obra publicada no
mesmo ano, Hugo de Brito Machado argumenta que tal imposto não pode
incidir na alienação fiduciária em garantia (pois a alienação do bem à ins-
tituição financeira, neste caso, seria uma ficção jurídica), no arrendamento

99 SOUZA, Rubens Gomes. O imposto sobre vendas e consignações – o imposto sobre circulação
de mercadorias e a conferência de bens móveis ao capital de sociedade. Revista de Direito
Administrativo nº 90, p. 433.
100 BORGES, José Souto Maior. O fato gerador do ICM e os estabelecimentos autônomos. Revista de
Direito Administrativo nº 103, p. 42.
101 MACHADO, Hugo de Brito. Aspectos fundamentais do ICMS. São Paulo: Dialética, 1997, p. 26-27.
Aliás, o mesmo autor sinaliza que esse entendimento tem levado à glosa, na sua visão indevida, de
crédito de ICMS do estabelecimento remetente. (MACHADO, Hugo de Brito. O estabelecimento
como contribuinte autônomo e a não-cumulatividade do ICMS. Revista Dialética de Direito
Tributário nº 82, p. 26.

83
Tributação da Economia Digital

mercantil (em que o bem continua na propriedade do arrendante) e na venda


de salvados de sinistro (na medida em que a venda, sendo excepcional, não
teria o condão de transformar a seguradora em comerciante)102.
Compartilham ainda dessa teoria da circulação econômica Ricardo Lobo
Torres103, Ricardo Lodi Ribeiro104 e, ao menos até 1982, Ives Gandra da Silva
Martins, ao distinguir a “movimentação de cana de estabelecimento para es-
tabelecimento [...] e a movimentação da cana da lavoura para a usina”105.
Por fim, há aqueles que aceitam as premissas da segunda corrente, quan-
to à necessidade de que exista transferência de propriedade da mercadoria,
mas que restringem a aplicação desse entendimento às operações internas.
Encampando essa teoria, Marco Aurélio Grego alega que a exigência de cir-
culação jurídica não deveria se estender às operações interestaduais. Na visão
do autor, “a cada parte do pressuposto de fato corresponde uma parcela do
poder de tributar”, de modo que na transferência interestadual, apesar de ine-
xistir mudança de propriedade, há repercussão externa, a tornar legítimo o
interesse do Estado de origem em arrecadar aquilo que foi produzido em seu

102 MACHADO, Hugo de Brito. Não incidência, imunidades e isenções no ICMS. Revista Dialética de
Direito Tributário nº 18, p. 31-33. É interessante notar que, à época do artigo, o STJ tinha posicionamento
pela incidência de ICMS sobre salvados de sinistro, mas esse entendimento foi alterado.
103 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. vol. IV – Os
tributos na Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 244.
104 RIBEIRO, Ricardo Lodi. A base de cálculo do ICMS em operações interestaduais entre
estabelecimentos do mesmo titular. Revista Dialética de Direito Tributário nº 227, p. 102-121.
105 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Transferência de cana própria de área de produção para a usina
– hipótese sem incidência do ICM à luz de jurisprudência dos tributos superiores – outros aspectos
correlatos. Revista Dialética de Direito Tributário nº 35, p. 91-92.

84
Tributação da Economia Digital

território106. Esse entendimento é compartilhado, hoje, por Ives Gandra da


Silva Martins107 e Roque Antonio Carrazza108.
Se ainda há alguma divergência na doutrina a respeito da necessidade de
que exista circulação jurídica (transferência de titularidade) da mercadoria para
configuração do fato gerador do ICMS, seja nas operações internas ou nas inte-
restaduais, por outro lado, é ponto incontroverso que o conceito de mercadoria
exige, além da destinação do bem à venda, a habitualidade e o propósito lucrativo.
Não por outra razão, a doutrina defende que a venda esporádica de bens
do ativo imobilizado não está sujeita ao ICMS109, assim como não o está a
refeição servida pela empresa aos empregados (que arcam com uma parcela
do custo) no âmbito do Programa de Alimentação do Trabalhador110. A falta
de propósito lucrativo, aliás, retira o signo presuntivo de riqueza (capacidade
contributiva) que deve estar presente em todos os tributos.

106 GREGO, Marco Aurélio. ICMS – transferências de mercadorias entre estabelecimentos da mesma
empresa. In PRETO, Raquel Elita Alves (Coord.). Tributação brasileira em evolução: estudos em
homenagem ao professor Alcides Jorge da Costa. São Paulo: IASP, 2015, p. 791-804.
107 MARTINS, Ives Gandra da Silva; Souza, Fátima Fernandes Rodrigues. ICMS. Transferência
de mercadorias entre estabelecimentos da mesma empresa situados em diferentes unidades
da Federação. Fato gerador do imposto. Autonomia dos estabelecimentos. Base de cálculo. Lei
Complementar nº 87/1996, art. 13, parágrafo 4º, I. Conceito de valor de entrada mais recente.
Necessidade de serem agregados. Aspectos peculiares da operação interestadual. Prestação de
serviços de transporte interestadual. Imposto pago pelo estabelecimento remetente. Transferência
do ICMS incidente para aproveitamento no Estado de destino. Revista Dialética de Direito
Tributário nº 219, p. 133.
108 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 55.
109 MELO, José Eduardo Soares de. ICMS: Teoria e prática. 10ª ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 31-34. A
mesma falta de habitualidade afastaria a tributação sobre a venda pontual de cadastro de assinantes.
(CAMARGO, José Roberto. Comercialização de cadastro de assinantes – incidência de tributos –
inexistência de hipótese de incidência in abstracto e in concreto do ICMS e ISS. Revista Dialética
de Direito Tributário nº 65, p. 68-72. Também a venda de veículos usados por locadoras estaria
fora do campo de incidência do ICMS (MOREIRA, André Mendes. O Convênio ICMS nº 64/06 e
a ilegitimidade da exigência do imposto estadual na alienação de veículos usados por locadoras de
automóveis. Revista Dialética de Direito Tributário nº 147, p. 22-29), bem como a alienação dos bens
da massa falida (MACHADO, Shubert de Farias. A não-incidência do ICMS nos leilões dos bens da
massa falida. Revista Dialética de Direito Tributário nº 122, p. 82-89).
110 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Venda de refeições a empresas que as fornecem a seus empregados
no bojo do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) – inexistência de operação de saída de
mercadoria – desnecessidade de recolhimento do ICMS-ST. Revista Dialética de Direito Tributário
nº 129, p. 127.

85
Tributação da Economia Digital

Parece de meridiana clareza que a destinação, a habitualidade e o pro-


pósito lucrativo devem ser examinados sob a ótica do proprietário original do
bem. Numa compra e venda, a caracterização do ato de mercancia é definida
a partir da atividade do vendedor, sendo irrelevante para tanto a condição
do comprador, até porque a cadeia econômica se completa, em tese, com a
chegada do bem ao consumidor final, que é sobre quem recai, após múltiplas
translações, o ônus do imposto.
Antônio de Oliveira Leite explica que “a ‘translação’ é o processo de
transferência consecutiva do imposto, do contribuinte de direito para o con-
tribuinte de fato, que é aquele que, em definitivo, paga o imposto, não po-
dendo mais descarregar o seu valor sobre outrem, pela simples razão de que
consome a mercadoria, aplicando-a no fim a que se destina”111.
Se numa compra e venda o que importa para definir o ato de mercancia é a
figura do vendedor, numa importação (que, salvo casos especiais, não deixa de ser
uma compra e venda), essa análise terá foco na pessoa do fornecedor estrangeiro.
Daí porque não se entende que a doutrina tenha defendido (e o Judiciá-
rio tenha acatado) que a Constituição Federal, na redação anterior à Emenda
nº 33/2001, ao limitar a incidência à importação de mercadorias, impediria a
cobrança de ICMS na importação de bens para uso próprio, sob o argumento
de que, para o adquirente, tal bem não seria mercadoria.
Com muito menos razão se pode compreender que pequena parcela da
doutrina insista na defesa da inconstitucionalidade da cobrança mesmo após
a referida Emenda112, quando a expressão “mercadoria importada do exterior”
foi substituída por “bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa físi-
ca ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer
que seja sua finalidade”.

111 LEITE, Antonio de Oliveira. Imposto de vendas e consignações. Revista de Direito Administrativo
nº 41, p. 34.
112 NASCIMENTO, Paulo Nelson Lemos Basto. ICMS – Importação de bens para uso próprio e a
Emenda Constitucional nº 33/2001. Revista Dialética de Direito Tributário nº 86, p. 103-110.
CASTRO, Danilo Monteiro de. O ICMS e o IPI na importação por não-contribuintes, a não-
cumulatividade, a Súmula 660 do STF e suas atuais implicações à luz da própria jurisprudência
desta Corte. Revista Dialética de Direito Tributário nº 147, p. 42-53. CARDOSO, Oscar Valente. A
não incidência de IPI e ICMS na importação de bens para uso próprio. Revista Dialética de Direito
Tributário nº 194, p. 101-109.

86
Tributação da Economia Digital

2. O ICMS sobre software segundo a doutrina


Traçadas as linhas bases do conceito de ICMS, convém agora adentrar ao
exame específico da tributação do software, com foco nas operações de download.
Na década de 1980 identifiquei apenas dois trabalhos nacionais tratando
de softwares no âmbito de outras esferas do Direito. O primeiro deles, de 1983,
de Luiz Olavo Baptista, tinha por objetivo estudar os instrumentos jurídicos
adotados no direito comparado para a proteção dos softwares. O referido autor
destaca uma sintética e objetiva definição de software contida em relatório ela-
borado pela Organização Mundial da Propriedade Industrial em 1971, de “códi-
go que é usado para controlar as operações de um computador”. Para justificar
sua proteção jurídica, o autor argumenta que o software é “o resultado de esfor-
ços humanos criativos e investimentos financeiros”, assemelhando-se “à ativi-
dade de qualquer outro criador intelectual”. Além disso, afirma que a proteção
incentiva a divulgação e o comércio, necessários para que o criador do programa
venha a ser remunerado e obtenha o retorno do capital investido, e que também
propiciaria a constituição de “vasto catálogo, índice ou coleção de programas de
computador, da qual com as devidas explicações, [os consumidores] poderiam
escolher os que melhor lhes conviessem sob o aspecto utilidade ou preço”113.
A segunda obra, de 1985, é de Orlando Gomes. Embora seu estudo exa-
mine a questão sob a ótica cível, sua defesa do software como serviço inspirou
toda uma corrente doutrinária (e jurisprudencial114) no Direito Tributário.
Disse, então, o referido autor:
“Na área da informática, a computação exige o processamento de pro-
gramas cuja elaboração pessoal requer do programador criatividade,
isto é, um esforço intelectual, original em sua composição e em sua ex-
pressão. O conjunto de procedimentos necessários ao processamento
dos dados no computador, universalmente conhecido como ‘software’,
indispensável ao seu funcionamento, depende de programas elabora-
dos por especialistas e transmitidos ao computador em linguagem de

113 BAPTISTA, Luiz Olavo. A proteção dos programas de computador em direito comparado e
internacional. Revista de Direito Mercantil nº 50, 1983, p. 27-29.
114 REsp 39.797/SP, Rel. Ministro GARCIA VIEIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/12/1993,
DJ 21/02/1994 e REsp 39.457/SP, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 13/08/1994, DJ 05/09/1994.

87
Tributação da Economia Digital

máquina como comandos, em sequência lógica de instruções e dados


destinados a informar o usuário ou utente.
[...]
O entendimento dominante é de que esse trabalho é atividade criativa
de quem o executa e que o seu resultado é uma obra (serviço) original,
que exige esforço intelectual típico da personalidade do seu criador.” 115

Somente na década de 1990 começam a surgir os primeiros trabalhos


com enfoque no Direito Tributário. Em estudo precursor, publicado em fe-
vereiro de 1996, Edvaldo Brito propõe uma distinção, em face do grau de pa-
dronização, entre package (software empacotado ou acondicionado), custom
made (software sob medida) e customized (software adaptado ao usuário).
Usando os conceitos de obrigação de dar e obrigação de fazer, o referido au-
tor sustenta que o software, quando feito sob medida ou adaptado ao usuá-
rio, representaria uma obrigação de fazer e, portanto, serviço, ao passo que o
software empacotado seria uma mercadoria “quando for objeto de negócios
jurídicos mercantis, isto é, enquanto for um programa padrão colocado no
mercado em geral e não para um usuário específico”.
A distinção feita pelo autor criou um novo paradigma e meses depois foi ado-
tada pela jurisprudência (quando se cunhou a expressão software de prateleira)116.
Não obstante o brilhantismo da tese, conclui o autor em tal trabalho, de for-
ma um tanto contraditória, que o software, qualquer que seja sua natureza, estaria
imune da incidência de ICMS ou ISS, em razão do disposto no art. 150, inciso VI,
alínea d, da Constituição Federal, uma vez que, sendo atividade intelectual, “ope-
ra as funções daquele objeto que, tradicionalmente, denomina-se livro”117.
No mesmo ano, Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho rechaça a apli-
cação da imunidade a softwares, mas não por questionar a função que exerce,
absolutamente diversa daquela a que se presta um livro, como nos dias de hoje
está claro (não se devendo confundir aqui a figura do livro eletrônico), e sim

115 GOMES, Orlando et al. A proteção jurídica do software. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 2.
116 RMS 5.934/RJ, Rel. Ministro HÉLIO MOSIMANN, Segunda Turma do STJ, julgado em 04/03/1996,
DJ 01/04/1996. No âmbito do STF, RE 176626, Relator Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira
Turma, julgado em 10/11/1998, DJ 11-12-1998.
117 BRITO, Edvaldo. Software: ICMS, ISS ou imunidade tributária? Revista Dialética de Direito
Tributário nº 5, p. 19-28.

88
Tributação da Economia Digital

porque, na sua visão, o texto constitucional deveria ser interpretado de forma


literal, não abrangendo assim “outros veículos desvinculados do papel”118.
Marcello Martins Motta Filho critica essa dualidade entre software de
prateleira e software sob encomenda encampada pela jurisprudência, argu-
mentando, para tanto, que em qualquer caso o software seria resultado de um
trabalho intelectual, elemento incorpóreo que teria predominância sobre o
suporte físico, a afastar a tributação pelo ICMS. Entretanto, à semelhança de
Edvaldo Brito, o aludido autor defende a, já aqui criticada, aplicação da imu-
nidade constitucional de livros, jornais e periódicos119.
Ainda na década de 1990, Marco Aurelio Grego, examinando os novos
rumos do comércio exterior e a mudança de paradigma dos átomos para os
bits, pondera que:
“os avanços da tecnologia e da informática fizeram surgir com muito
maior clareza um conjunto de bens (incorpóreos) com relevante conteúdo
econômico, que não está abrangido pelo conceito de ‘mercadoria’, a menos
que ele venha a ser ‘reinterpretado’ para alcançar todos os bens negociados
no mercado, o que não se coadunaria com a Constituição vigente.”

Assevera o autor, assim, ser necessária uma reforma constitucional que


abarque esses bens incorpóreos, na medida em que “a noção de ‘mercadoria’
resulta insuficiente para atingi-la”120.
No início da década de 2000, Marco Aurelio Greco reformula sua tese.
A partir de uma análise histórica e teleológica do art. 191 do antigo Código
Comercial (Lei nº 556/1850), passa a defender que o legislador:
“pretendeu abranger a totalidade do universo, tal como delineado a
partir da divisão formulada por Gaio; ou seja, contemplou as res corpo-
rales (coisas móveis, portanto, tangíveis) e também as res incorporales

118 SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Os CD-ROMS e disquetes com programas gravados
são imunes? Revista Dialética de Direito Tributário nº 34-39.
119 MOTTA FILHO, Marcello Martins. Software de prateleira e o ICMS. Revista Dialética de Direito
Tributário nº 35, p. 64-70. Também Hugo de Brito Machado defendia a extensão da imunidade
ao software e até mesmo ao suporte físico virgem (MACHADO, Hugo de Brito. Não-incidência,
imunidades e isenções no ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário nº 18, p. 34).
120 GREGO, Marco Aurelio. Comércio exterior e novas realidades – problemas emergentes. Revista
Dialética de Direito Tributário nº 44, p. 122.

89
Tributação da Economia Digital

assim entendidas aquelas que são criação do ordenamento jurídico (tí-


tulos, ações de companhias etc.).”121

E conclui o referido autor que “estariam incluídos no conceito de merca-


doria todos os bens (independente de serem corpóreos ou incorpóreos) nego-
ciados no mercado, com habitualidade, objetivo de lucro por alguém conside-
rado ‘comerciante’”.122
Essa nova visão defendida por Marco Aurelio Grego foi compartilhada por
Claudio Abreu e Marcos Vinícius Passareli Prado123, Guilherme Pereira das Ne-
ves124, Osvaldo Bispo de Beija125, Helenilson Cunha Pontes126 e Fernando Facury
Scaff127, tendo sido encampada, uma década depois, em sede de liminar, pelo Su-
premo Tribunal Federal128, ratificando, assim, a incidência de ICMS sobre os cha-
mados “softwares de prateleira” e sinalizando ser irrelevante que o software seja
comercializado em suporte físico ou por meio de download.
No mesmo sentido, apesar de admitir a incidência do ICMS no download de
software “de escala comercial”, Ives Gandra da Silva Martins, no início da década
de 2000, já alertava para a dificuldade (ou impossibilidade prática) de se fiscalizar
operações internacionais de aquisição de software por meio de download129.
De certa forma acompanhando essa corrente, Adolpho Bergamini regis-
tra que “as novas modalidades de negócios jurídicos em vista das novas tecno-

121 GREGO, Marco Aurelio. Internet e Direito. São Paulo: Dialética, 2000, p. 53 e 86-88.
122 Idem, p. 95.
123 ABREU, Claudio de e PRADO, Marcos Vinícius Passarelli. Tributação na internet. Revista Dialética
de Direito Tributário nº 67, p. 19.
124 NEVES, Guilherme Pereira das. ICMS – Comercialização de conteúdos digitais na internet –
imunidade. Revista Dialética de Direito Tributário nº 74, p. 50-52.
125 BEIJA, Osvaldo Bispo. ICMS e comércio de ‘mercadorias’ intangíveis, via internet. Revista Dialética
de Direito Tributário nº 88, p. 66-72.
126 PONTES, Helenilson Cunha. Tributação e internet. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.).
Tributação da internet. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 364.
127 SCAFF, Fernando Facury. Tributação e internet. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.).
Tributação da internet. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 411-412.
128 ADI 1945 MC, Relator(a):  Min. OCTAVIO GALLOTTI, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. GILMAR
MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 26/05/2010, DJe-047 DIVULG 11-03-2011 PUBLIC 14-03-2011
129 MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Tributação da internet. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001, p. 50-54.

90
Tributação da Economia Digital

logias existentes demandam a atualização do conceito” de mercadoria, já em


marcha em países europeus. E traz exemplos a justificar a sua afirmação que
me parecem inadequados à realidade brasileira de distribuição de competên-
cias para a tributação sobre o consumo:
“Tenha-se como exemplo o que fora decidido pelo United Kingdom
VAT and Duties Tribunal no caso Forexia (UK) Limited versus Com-
missioners of Customs and Excise (Decisão nº 16041.8.4.1999), no qual
foi sustentado que o fornecimento de informações a respeito da cota-
ção de moedas estrangeiras enviadas por meio eletrônicos, via e-mail,
ou simplesmente colocadas à disposição em site é tributado pelo value
added tax, enquanto que periódicos fornecidos por meios não eletrô-
nicos são tributados à alíquota zero. Houve, portanto, distinção de alí-
quotas entre operações com bens tangíveis e intangíveis. A relevância
deste caso consiste na confirmação de que há a possibilidade de um
bem intangível ser tributado pelo imposto sobre valor agregado inglês,
que seria a versão alienígena do ICMS brasileiro.
Também não pode ser esquecido o exemplo espanhol, cuja legislação
prevê que a transmissão eletrônica de livros é prestação de serviços
tributado a 16%; enquanto que a venda de livros tradicionais submete-
-se à alíquota de 4%. Da mesma forma, a relevância desta notação está
no fato de que a possibilidade de tributação da comercialização de um
bem intangível é real.”130

O autor acrescenta que os bens intangíveis, classificação na qual se in-


cluem os softwares, devem ser reconhecidos no patrimônio da empresa, com
a correspondente mensuração econômica, o que justificaria a tributação do
software pelo ICMS. Tal argumento igualmente não me parece servir de fun-
damento para a tributação, na medida em que existem inúmeros bens regis-
trados no ativo que não se sujeitam a tal imposto.
Em sentido oposto, muitos autores resistem em aceitar a tributação de
softwares. Hugo de Brito Machado, por exemplo, questionou a tese de Marco
Aurélio Grego por entender que “privilegia o princípio da capacidade contri-
butiva, em detrimento da segurança jurídica, e dos princípios que realizam
esse valor essencial da humanidade, entre os quais se destaca o princípio da

130 BERGAMINI, Adolpho. A não incidência do ISS nas operações com softwares. Revista de Estudos
Tributários nº 99, 2014, p. 17.

91
Tributação da Economia Digital

legalidade tributária”131. Para ele, “não sendo um bem corpóreo, o software


efetivamente não é mercadoria, de sorte que se configura verdadeiro absurdo
a exigência de ICMS sobre a sua aquisição”132. No mesmo sentido é a opinião
de Francisco de Assis Alves133.
Também contrário à tributação dos softwares, Newton de Lucca, após
fazer uma digressão histórica sobre os debates a respeito da proteção jurídica
do software, destaca que, no Brasil, tanto a Lei nº 7.646/1987 como a Lei nº
9.606/1998 subsumiram-na ao regime jurídico do direito do autor, “tese que
já despontara como vencedora no âmbito internacional”, muito embora ele
reconheça que grande parte da controvérsia doutrinária decorra do fato de
que os programas de computador, embora sejam inquestionavelmente obras
intelectuais, “não parecem ontologicamente assimiláveis às obras literárias,
artísticas ou científicas”134.
Mesmo superando a questão do bem incorpóreo, ainda há vozes na doutri-
na que rejeitam a tributação do software pelo ICMS, não mais (ou não apenas)
por entender que o bem incorpóreo não possa ser classificado como mercadoria,
mas porque a comercialização do software, por meio de contrato de licencia-
mento, nos termos da Lei nº 9.610/1998, não implicaria transferência de titula-
ridade da mercadoria. Essa é a linha, por exemplo, de Douglas Yamashita, para
quem “a natureza jurídica do licenciamento de uso de software é a locação de
coisas”135. Também defende essa tese José Eduardo Soares de Melo, para quem a
não incidência decorre do fato de o software ser um bem incorpóreo e, portanto,
não classificável como mercadoria, “além de tipificar negócio jurídico (cessão de
direitos) distinto da operação mercantil”136. Posição semelhante é compartilha-

131 MACHADO, Hugo de Brito. Tributação e internet. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.).
Tributação da internet. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 94.
132 MACHADO, Hugo de Brito. Tributação e internet. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.).
Tributação da internet. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 97.
133 ALVES, Francisco de Assis. Tributação e internet. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.).
Tributação da internet. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 184-185.
134 LUCCA, Newton de. Tributação e internet. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Tributação
da internet. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 142-144.
135 YAMASHITA, Douglas. Licenciamento de software no Brasil: novas tendências tributárias. Revista
Dialética de Direito Tributário nº 141, p. 62-68.
136 MELO, José Eduardo Soares de. Tributação e internet. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.).
Tributação da internet. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 250.

92
Tributação da Economia Digital

da por Roque Antonio Carrazza137, Clélio Chieza138, Gustavo Brigagão e Bruno


Lyra139, Alberto Macedo140 e Thiago Abiatar Lopes Amaral, este último tendo
elaborado extensa obra dedicada ao exame da matéria141.
Arnaldo Diefenthaeler Dornelles busca fazer uma distinção mais minu-
ciosa das possíveis incidências tributárias envolvendo software, conjugando a
antiga teoria de Edvaldo Brito que toma como base o grau de padronização do
programa de computador com as suas possíveis formas de negociação. Para
o referido autor, um software feito por encomenda pode ser comercializado
por três formas distintas: com transmissão dos direitos autorais, hipótese em
que estaria sujeita ao ISS, com transmissão da propriedade apenas da cópia
entregue, igualmente sujeita ao ISS, e sem qualquer transmissão de proprie-
dade, apenas a cessão de uso, não se sujeitando, neste caso, ao ISS ou ICMS. Já
o software de prateleira poderia ser comercializado com ou sem transferência
de propriedade. Na primeira hipótese, estaria sujeito ao ICMS e, na segunda,
não estaria sujeito ao ICMS ou ISS142.

Conclusão
Em resumo, vimos que a doutrina entende que a definição do conceito
de ICMS (mercantil) passa pelo exame dos três termos expressos na norma
constitucional: operação, circulação e mercadoria.
Não há, contudo, um consenso na doutrina a respeito desses termos.
Em primeiro lugar, há divergência quanto à necessidade de que exista efeti-

137 CARRAZA, Roque Antonio. ICMS. 17ª edição. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 198.
138 CHIESA, Clélio. Competência para tributar operações com programas de computador (softwares).
Revista Tributária e de Finanças Públicas nº 36, 2001, p. 41-53.
139 BRIGAGÃO, Gustavo e LYRA, Bruno. Aspectos tributários do comércio eletrônico internacional.
In: TORRES, Heleno Taveira (coord.). Direito tributário e ordem econômica: homenagem aos 60
anos da ABDF. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 632.
140 MACEDO, Alberto. Licenciamento de software não pode ser considerado mercadoria virtual. http://www.
conjur.com.br/2017-dez-13/alberto-macedo-stf-desvirtuar-conceito-mercadoria. Acesso em 16/07/2018.
141 AMARAL, Thiago Abiatar Lopes. O ICMS e a tributação do download de softwares no Estado de
São Paulo. São Paulo: Almedina, 2018.
142 DORNELLES, Arnaldo Diefenthaeler. O Imposto Sobre Serviços e o seu alcance sobre os softwares.
Revista de Estudos Tributários nº 1, p. 46-47.

93
Tributação da Economia Digital

va transferência de titularidade da mercadoria. Para alguns é indispensável


(teoria da circulação jurídica), para outros é dispensável, desde que a saída
configure etapa do processo natural de circulação da mercadoria até o consu-
midor final (teoria da circulação econômica). Há ainda aqueles que só exigem
tal requisito nas operações internas.
Em segundo lugar, a doutrina diverge a respeito da definição de merca-
doria, se compreende ou não bens incorpóreos.
Essas divergências, como visto, refletem no entendimento da doutrina
a respeito da incidência ou não do ICMS sobre softwares. Mesmo em se ad-
mitindo que existem programas de computador padronizados, em oposição
àqueles customizados, a conclusão de cada jurista irá variar conforme seus
pressupostos a respeito dos elementos definidores do conceito do imposto.
Para aqueles que consideram a transferência de titularidade um requi-
sito indispensável, será difícil aceitar a tributação pelo ICMS do licencia-
mento de programas de computador, mesmo para aqueles considerados sof-
twares de prateleira. Chegará a conclusão semelhante aquele que restringir
o conceito de mercadoria aos bens corpóreos, especialmente nas operações
realizadas por meio de download.
Se é certo que grande parte desse celeuma é resultado, em primeiro lugar,
de uma norma fundamental de repartição de competências tributárias des-
compassada da realidade e fomentadora de insegurança e, em segundo lugar,
de um Judiciário ineficiente diante do assombroso número de processos que é
instado a apreciar143, por outro é certo que a (divergência da) doutrina pouco
tem contribuído para a construção de um sistema mais coerente.
Novas tecnologias disruptivas já são realidade, como os softwares as a
servisse (SaaS), as impressoras 3D, a internet das coisas (IoT). Ao mesmo tem-
po, a dificuldade de fiscalizar o download feito por usuários brasileiros de
sites estrangeiros é inegável. E a doutrina continua discutindo, há mais de 30
anos (se considerarmos que a sua origem é anterior à Constituição Federal de
1988), a definição dos elementos básicos do ICMS. Algo está fora da órbita.

143 Há no STF, hoje, pendente de julgamento alguns processos paradigmáticos sobre a tributação de
software: ADI 5.958, ADI 5.576, ADI 5.659, RE 688.223.

94
A Competência Territorial do Imposto
sobre Serviços de Qualquer Natureza
(ISSQN) nos Serviços de Intermediação
Eletrônica de Transporte Privado

Karolina Quintão Quintanilha144


Luiza Monteiro Paiva145
Mariana Lopes da Silva146

Sumário: 1. Considerações preliminares. 2. O conceito de serviço. 2.1.


Serviço segundo a legislação em vigor. 2.2. O conceito de serviço à luz da Ju-
risprudência dos Tribunais Superiores. 2.2.1. Serviço como “obrigação de fa-
zer”. 2.2.2. Serviço vinculado ao aspecto econômico da atividade. 2.2.3. Serviço
como atividade fim. 2.2.4. O serviço de intermediação eletrônica de transporte.
3. O âmbito territorial do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS-
QN) e o artigo 3º da Lei Complementar nº 116 de 2003. 3.1. A justificativa e o
significativo impacto das exceções à regra da sede do estabelecimento do pres-
tador. 3.2. Análise da norma veiculada através do artigo 3º, inciso XIX, da Lei
Complementar n° 116 de 2003. 3.3. Análise do Projeto de Lei Complementar n°
493/2017 do Senado Federal e a competência territorial do Imposto Sobre Ser-
viços de Qualquer Natureza (ISSQN) nos serviços de intermediação eletrônica

144 Mestranda em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pelo Programa de Pós-Graduação


em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGD/UERJ). Pós-graduanda em Direito
Tributário e Contabilidade Tributária - LLM Legal Master do IBMEC/RJ. Graduada em Direito pela
Universidade Candido Mendes (2013). Sócia no escritório Carmona Advogados Associados.
145 Mestranda em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pelo Programa de Pós-Graduação
em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGD/UERJ). Pós-graduanda em Direito
Processual Civil pelas Faculdades Damásio e IBMEC/RJ. Graduada em Direito pela Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF).
146 Advogada. Mestranda em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pelo Programa de Pós-
Graduação em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGD/UERJ). Pós-graduada
(LL.M) em Direito do Estado e Regulação pela Fundação Getúlio Vargas. Graduada em Direito pela
Faculdade Nacional de Direito (FND/UFRJ).

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Tributação da Economia Digital

de transporte privado. 4. A alteração da dinâmica de recolhimento do Imposto


Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e o aumento da complexidade
das obrigações acessórias. 5. Conclusão. Referências Bibliográficas.

1. Considerações preliminares
O surgimento e aprimoramento de novas tecnologias na sociedade mo-
derna tem gerado novas realidades e causado modificações significativas nas
relações jurídicas já existentes, o que culmina na urgente necessidade de adap-
tação e alteração do Direito Positivo, em suas diversas searas.
Essa adaptação e alteração se traduzem na necessidade de regulamen-
tação legislativa dessas mudanças trazidas pelas tecnologias colocadas à dis-
posição dos indivíduos, especialmente quando os critérios de interpretação e
integração do Direito não se mostrarem suficientes para tal finalidade.
Em um cenário de crise econômica, como o que vem sendo experimen-
tado pelo Brasil, com reflexos diretos na redução da arrecadação pela União,
Estados, Municípios e Distrito Federal, torna-se indispensável que o Poder
Público atue no sentido de reunir as condições necessárias para alcançar, atra-
vés da tributação, as riquezas geradas por essas novas atividades.
Na seara tributária, em atendimento aos Princípios da Legalidade, da Tipici-
dade e da Legalidade Tributária, exige-se que todos os elementos formais e materiais
para cobrança do tributo estejam previstos em lei. Desta feita, imperiosa se faz a
atuação do legislador, no sentido de regular a tributação dessas novas tecnologias.
Tal atuação legislativa deve prezar por critérios de justa repartição do
valor arrecadado, visto que, com o advento das novas tecnologias, o prestador
do serviço muitas vezes está estabelecido em local sem qualquer vínculo com
o da efetiva realização. O preço pela inobservância de critérios justos para a
repartição é o crescente aumento de guerra fiscal entre Municípios.
Uma das novas tecnologias com grande repercussão em território nacio-
nal consiste no desenvolvimento de aplicativos de intermediação de venda de
mercadorias ou de prestação de serviços.
O presente artigo se limitará a abordar os desdobramentos trazidos pelo
desenvolvimento de aplicativos de intermediação eletrônica de transporte pri-
vado, tal como o disponibilizado pela empresa Uber.

96
Tributação da Economia Digital

O conflito trazido por essa nova tecnologia, especificamente no campo


da tributação, repousa sob o aspecto da competência territorial para exigência
do pagamento do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) in-
cidente sobre essa prestação de serviço de intermediação eletrônica.
A empresa intermediadora apontada possui estabelecimento no Muni-
cípio de São Paulo, entretanto a efetiva prestação do serviço de transporte se
dá em diversas localidades do país, ou seja, apesar de o aplicativo da Uber ser
utilizado em diversos Municípios brasileiros, 100% da arrecadação pela inter-
mediação eletrônica fica para o Município de São Paulo.
Essa concentração da tributação em um único Município vem causando gran-
de insatisfação aos demais, que atualmente tentam alterar a Lei Complementar nº
116 de 2003, com o intuito de adaptar a legislação à nova realidade instaurada.
Neste contexto foi proposto o Projeto de Lei no Senado nº 493/2017
(complementar), que, após aprovação pela referida casa legislativa, foi enca-
minhada para a Câmara dos Deputados como Projeto de Lei Complementar
nº 521/2018 e aguarda a apreciação do Plenário.
O presente artigo também analisará os aspectos, desdobramentos e efei-
tos que as alterações propostas, se aprovadas, acarretarão para os contribuin-
tes, especialmente com relação às obrigações acessórias.

2. O conceito de serviço

2.1 Serviço segundo a legislação em vigor


O imposto previsto no artigo 156, inciso III e § 3º da Constituição Federal
de 1988, com redação dada pelas Emendas Constitucionais nº 3, de 13.03.1993
e nº 37, de 12.06.2002, foi criado para tributar Serviços de Qualquer Natureza
(ISSQN), não compreendidos no artigo 155, inciso II da Constituição Federal,
que estejam definidos em lei complementar.
Não obstante a Constituição Federal fixar a competência tributária para
a instituição do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), a op-
ção do legislador constituinte originário se deu no sentido de atribuir ao legis-
lador ordinário a responsabilidade para estabelecer normas gerais a respeito

97
Tributação da Economia Digital

do fato gerador do imposto, através de lei complementar, conforme preceitua


o artigo 146, inciso III, alínea “a” do texto constitucional.
Atualmente, a Lei Complementar nº 116, de 31.07.2003 é a lei em vigor
que dispõe sobre as regras gerais do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Na-
tureza (ISSQN), com alterações introduzidas pela Lei Complementar nº 157,
de 29 de dezembro de 2016. O mencionado diploma legal estabelece que:
Art. 1o O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de compe-
tência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a
prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se
constituam como atividade preponderante do prestador.
§ 1o O imposto incide também sobre o serviço proveniente do exterior
do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País.
§ 2o Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela
mencionados não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas
à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte
Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que
sua prestação envolva fornecimento de mercadorias.
§ 3o O imposto de que trata esta Lei Complementar incide ainda sobre
os serviços prestados mediante a utilização de bens e serviços públi-
cos explorados economicamente mediante autorização, permissão ou
concessão, com o pagamento de tarifa, preço ou pedágio pelo usuário
final do serviço.
§ 4o A incidência do imposto não depende da denominação dada ao
serviço prestado.

O fato gerador do imposto, por sua vez, será definido pela legislação de cada
Município, que deverá observar as limitações constantes na lei complementar.
Machado (2010, p. 424) esclarece que:
O fato gerador do imposto – insista-se neste ponto – é definido pela lei
municipal; mas esta definição há de respeitar os limites fixados pela lei
complementar, que, por seu turno, não pode ultrapassar os limites decor-
rentes da norma da Constituição que atribui competência aos Municípios.

98
Tributação da Economia Digital

2.2 O conceito de serviço à luz da jurisprudência


dos tribunais superiores
Ao longo dos anos, os Tribunais Superiores, ao julgarem recursos, mui-
tos com repercussão geral reconhecida, acabaram construindo algumas defi-
nições jurisprudenciais de serviço.

2.2.1 Serviço como “obrigação de fazer”


Em um primeiro momento, a Jurisprudência, tomando por referência o
Direito Privado, consolidou o entendimento de que serviço seria toda “obriga-
ção de fazer”. Dessa forma, só poderiam ser tributadas através do imposto sobre
serviços de qualquer natureza operações traduzidas em “obrigação de fazer”,
excluindo-se da hipótese de incidência situações que refletissem “obrigação de
dar”. De acordo com essa interpretação, na “obrigação de fazer” o termo serviço
é considerado espécie do gênero trabalho, é dizer, exercício humano que confi-
gura um elemento fundamental na realização de bens e/ou serviços.
Como consequência relevante da definição de serviço como “obrigação de
fazer” tinha-se inúmeras atividades que não estavam obrigadas nem ao reco-
lhimento do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), nem do
Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação
de Serviços (ICMS), apesar de possuírem capacidade contributiva para fazê-lo.
O RE 446.003 AgR, de relatoria do Ministro Celso de Mello, e o RE 116.121/
SP, de relatoria do Ministro Octavio Gallotti, redirecionado para o ac. Ministro
Marco Aurélio, são precedentes representativos desse entendimento. Nesse con-
texto, foi aprovada pelo Supremo Tribunal Federal a Súmula Vinculante nº 31,
que afirma que “é inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de
qualquer natureza - ISS sobre operações de locação de bens móveis”.

2.2.2 Serviço vinculado ao aspecto econômico da atividade


Posteriormente, desenvolveu-se um conceito econômico de serviço, com a
finalidade de se alcançar a circulação de riqueza, que não conseguia ser enqua-
drada no conceito civilista da “obrigação de fazer”. Segundo tal entendimento,
o fato gerador do imposto sobre serviços de qualquer natureza seria toda situa-

99
Tributação da Economia Digital

ção que não constituísse hipótese de incidência de outro tributo e que estivesse
previsto na Lei Complementar. Essa foi a forma encontrada para tributar-se as
atividades que apresentavam crescente importância econômica, muitas delas
relacionadas à evolução da tecnologia e dos meios de comunicação, atividades
essas que trazem, cada vez mais, destaque para os bens incorpóreos.
Tal mudança de entendimento foi pautada na interação entre Direito e
Economia, em substituição ao formalismo jurídico, como forma de viabilizar
o atendimento ao Princípio da Capacidade Contributiva, uma vez que, por
tal fundamento, conseguia-se justificar a tributação da riqueza produzida por
determinadas atividades, que antes não estavam sujeitas nem ao recolhimento
do Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Presta-
ção de Serviços - ICMS, nem do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Nature-
za (ISSQN). Parte da Doutrina afirma ser questionável a constitucionalidade
de atividades que tenham sido inseridas na Lista Anexa da Lei Complementar
nº 116 de 2003, sob esse fundamento.
Nesse momento, operou-se o desenvolvimento de uma nova lógica in-
terpretativa segundo a qual o Direito Tributário não estaria obrigado a inter-
pretar os conceitos constitucionais a partir de legislação ordinária de Direito
Privado, o que significou dizer que a definição constitucional de serviço não
estava vinculada a definição de Direito Privado, que preconizava que serviço
seria somente “obrigação de fazer”. Os significados e interpretações deveriam
ser resultado de uma interpretação conforme a Constituição.
O RE 651703/PR, de relatoria do Ministro Luiz Fux, e o RE 592.905/SC,
de relatoria do Ministro Eros Grau, constituem Jurisprudência relevante sobre
essa nova maneira de definir serviço.

2.2.3 Serviço como atividade fim


Em um terceiro momento, especialmente atrelado às tentativas municipais
de tributar parte de determinadas atividades já submetidas ao recolhimento do
Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de
Serviços (ICMS), o que vinha causando conflito de competência vertical entre
Estados e Municípios, a Jurisprudência passou a definir o conceito de serviço
segundo seu enquadramento em atividade meio ou atividade fim. Dessa forma,

100
Tributação da Economia Digital

o imposto sobre serviços de qualquer natureza seria o imposto devido somente


nas hipóteses de atividades com enquadramento na atividade fim.
Nesse sentido posicionou-se o Superior Tribunal de Justiça ao apreciar o
AgRg no AResp 445.726/RS, de relatoria do Ministro Humberto Martins, e o
Resp 612.490/MA, de relatoria do Ministro Castro Meira.

2.2.4 O serviço de intermediação eletrônica de transporte


No contexto do desenvolvimento de novas tecnologias foram criados
aplicativos com a finalidade de operacionalizar o transporte privado de pas-
sageiros, tal como o disponibilizado pela empresa Uber.
Esse tipo de aplicativo reúne duas situações jurídicas diferentes. A pri-
meira delas guarda relação com a intermediação realizada pela empresa ope-
radora (Uber) e a segunda com o transporte em si.
No que tange à intermediação, essa constitui espécie de prestação de servi-
ço, denominada de intermediação de serviço, realizada eletronicamente, através
do qual uma empresa operadora (Uber) disponibiliza uma plataforma online
(aplicativo) com o intuito de conectar o prestador do serviço (motorista) e o seu
tomador (passageiro), cobrando uma taxa ou comissão sobre o serviço presta-
do, como forma de remuneração pelo espaço cedido virtualmente em sua base
de dados e layouts de e-commerce. Tal contrato de intermediação, na verdade,
assemelha-se ao contrato de corretagem, com algumas considerações especiais.
Como acima exposto, para que o Município possa editar lei com a fi-
nalidade de tributar determinado serviço, ou seja, para que possa eleger de-
terminado fato como fato gerador do Imposto Sobre Serviços de Qualquer
Natureza (ISSQN), é necessário que o serviço esteja inserido na lista Anexa à
Lei Complementar nº 116 de 2003.
Atualmente, diante da ausência de previsão expressa na lista anexa
quanto à intermediação eletrônica, situação que pode ser revertida dentro de
pouco tempo, como se abordará no item 4 do presente artigo, o Município
tem cobrado o imposto sobre serviços de qualquer natureza com base no item
10.02 da lista, é dizer, com base na corretagem, que traz a seguinte previsão:
agenciamento, corretagem ou intermediação de títulos em geral, valores mobi-
liários e contratos quaisquer.

101
Tributação da Economia Digital

Entretanto, diversos Municípios tem reivindicado que a arrecadação seja


destinada ao local da efetiva prestação do serviço de transporte, uma vez que
o transporte de natureza municipal pode ser fato gerador do Imposto Sobre
Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), conforme item 16 da lista Anexa à
Lei Complementar n º 116 de 2003.

3. O âmbito territorial do imposto sobre serviços


de qualquer natureza e o artigo 3º da lei
complementar nº 116 de 2003
O artigo 3º da Lei Complementar nº 116 de 31 de julho de 2003, com re-
dação dada pela Lei Complementar nº 157, de 29 de dezembro de 2016, dispõe:
O serviço considera-se prestado, e o imposto, devido, no local do es-
tabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do
domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a
XXV, quando o imposto será devido no local:
I – do estabelecimento do tomador ou intermediário do serviço ou, na
falta de estabelecimento, onde ele estiver domiciliado, na hipótese do §
1o do art. 1o desta Lei Complementar;
II – da instalação dos andaimes, palcos, coberturas e outras estruturas,
no caso dos serviços descritos no subitem 3.05 da lista anexa;
III – da execução da obra, no caso dos serviços descritos no subitem
7.02 e 7.19 da lista anexa;
IV – da demolição, no caso dos serviços descritos no subitem 7.04 da
lista anexa;
V – das edificações em geral, estradas, pontes, portos e congêneres, no
caso dos serviços descritos no subitem 7.05 da lista anexa;
VI – da execução da varrição, coleta, remoção, incineração, tratamento,
reciclagem, separação e destinação final de lixo, rejeitos e outros resíduos
quaisquer, no caso dos serviços descritos no subitem 7.09 da lista anexa;
VII – da execução da limpeza, manutenção e conservação de vias e lo-
gradouros públicos, imóveis, chaminés, piscinas, parques, jardins e con-
gêneres, no caso dos serviços descritos no subitem 7.10 da lista anexa;

102
Tributação da Economia Digital

VIII – da execução da decoração e jardinagem, do corte e poda de ár-


vores, no caso dos serviços descritos no subitem 7.11 da lista anexa;
IX – do controle e tratamento do efluente de qualquer natureza e de
agentes físicos, químicos e biológicos, no caso dos serviços descritos no
subitem 7.12 da lista anexa;
X – (VETADO)
XI – (VETADO)
XII – do florestamento, reflorestamento, semeadura, adubação e con-
gêneres, no caso dos serviços descritos no subitem 7.16 da lista anexa;
XII - do florestamento, reflorestamento, semeadura, adubação, repara-
ção de solo, plantio, silagem, colheita, corte, descascamento de árvores,
silvicultura, exploração florestal e serviços congêneres indissociáveis da
formação, manutenção e colheita de florestas para quaisquer fins e por
quaisquer meios; (Redação dada pela Lei Complementar nº 157, de 2016)
XIII – da execução dos serviços de escoramento, contenção de encostas e
congêneres, no caso dos serviços descritos no subitem 7.17 da lista anexa;
XIV – da limpeza e dragagem, no caso dos serviços descritos no subi-
tem 7.18 da lista anexa;
XV – onde o bem estiver guardado ou estacionado, no caso dos servi-
ços descritos no subitem 11.01 da lista anexa;
XVI – dos bens ou do domicílio das pessoas vigiados, segurados ou mo-
nitorados, no caso dos serviços descritos no subitem 11.02 da lista anexa;
XVI - dos bens, dos semoventes ou do domicílio das pessoas vigiados, se-
gurados ou monitorados, no caso dos serviços descritos no subitem 11.02
da lista anexa; (Redação dada pela Lei Complementar nº 157, de 2016)
XVII – do armazenamento, depósito, carga, descarga, arrumação e guar-
da do bem, no caso dos serviços descritos no subitem 11.04 da lista anexa;
XVIII – da execução dos serviços de diversão, lazer, entretenimento
e congêneres, no caso dos serviços descritos nos subitens do item 12,
exceto o 12.13, da lista anexa;
XIX – do Município onde está sendo executado o transporte, no caso
dos serviços descritos pelo subitem 16.01 da lista anexa;
XIX - do Município onde está sendo executado o transporte, no caso
dos serviços descritos pelo item 16 da lista anexa; (Redação dada pela
Lei Complementar nº 157, de 2016)

103
Tributação da Economia Digital

XX – do estabelecimento do tomador da mão-de-obra ou, na falta de


estabelecimento, onde ele estiver domiciliado, no caso dos serviços
descritos pelo subitem 17.05 da lista anexa;
XXI – da feira, exposição, congresso ou congênere a que se referir o
planejamento, organização e administração, no caso dos serviços des-
critos pelo subitem 17.10 da lista anexa;
XXII – do porto, aeroporto, ferroporto, terminal rodoviário, ferroviário
ou metroviário, no caso dos serviços descritos pelo item 20 da lista anexa.
XXIII - do domicílio do tomador dos serviços dos subitens 4.22, 4.23 e
5.09; (Incluído pela Lei Complementar nº 157, de 2016)
XXIV - do domicílio do tomador do serviço no caso dos serviços presta-
dos pelas administradoras de cartão de crédito ou débito e demais descri-
tos no subitem 15.01; (Incluído pela Lei Complementar nº 157, de 2016)
XXV - do domicílio do tomador dos serviços dos subitens 10.04 e 15.09.
(Incluído pela Lei Complementar nº 157, de 2016).

Como pode ser verificado no caput do dispositivo supratranscrito, o legis-


lador estabeleceu, como regra geral, para definir qual o Município competente
para exigir o imposto aquele que abrigar o estabelecimento prestador ou, na fal-
ta do estabelecimento, aquele onde o domicílio do prestador estiver localizado.
O cerne da questão, portanto, para definir o sujeito ativo competente
girará em torno do conceito de estabelecimento prestador. O artigo 4º da mes-
ma Lei Complementar, traz o conceito de estabelecimento prestador:
Art. 4o Considera-se estabelecimento prestador o local onde o contri-
buinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanen-
te ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional,
sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial,
agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou
contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas.

Paulsen (2016, p. 412) elucida que:


O estabelecimento deve abranger todos os bens (máquinas, equipa-
mentos, mobiliário, veículos etc.) e pessoas suficientes para possibilitar
a prestação de serviços. A existência efetiva do estabelecimento pode
ser indicada pela conjugação, parcial ou total, de diversos elementos,
tais como (I) manutenção de pessoal, material, máquinas, instrumen-

104
Tributação da Economia Digital

tos e equipamentos próprios ou de terceiros necessários à execução dos


serviços; (II) estrutura organizacional ou administrativa; (III) inscri-
ção nos órgãos previdenciários; (IV) indicação como domicílio fiscal
para efeito de outros tributos; e (V) permanência no local, para execu-
ção dos serviços, exteriorizada por meio de site na Internet, propagan-
da, publicidade, contas de telefone, de fornecimento de energia elétrica,
água ou gás, em nome do prestador, seu representante ou preposto.

Os incisos I a XXV do artigo 3º da Lei Complementar nº 116 de 2003


trazem situações específicas de exceção à regra geral da localização do esta-
belecimento prestador ou do domicílio do prestador. Entendeu o legislador
que, devido à natureza de determinados serviços, a maneira mais eficaz para
realizar tal tributação é considerar o local da efetiva prestação.
3.1 A JUSTIFICATIVA E O SIGNIFICATIVO IMPACTO DAS EXCE-
ÇÕES À REGRA DA SEDE DO ESTABELECIMENTO DO PRESTADOR
Cada Município, através de legislação interna própria, deverá fixar a alí-
quota aplicável ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN),
respeitando os limites estabelecidos em lei complementar. O artigo 8º da Lei
Complementar nº 116 de 2003 prevê como alíquota máxima de incidência 5%
e como alíquota mínima 2%.
Partindo-se do pressuposto legal de que a regra geral quanto ao Municí-
pio competente para exigir o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza
(ISSQN) é aquele onde estiver localizado o estabelecimento prestador ou o
domicílio do prestador, especialmente num contexto pré Lei Complementar
nº 157, de 2016, diversos arranjos passaram a ser manejados por Municípios
e contribuintes. Tomando por base essa relevante condição inicial, adiciona-
-se a liberdade concedida para estipulação da alíquota. A união desses fatores
desencadeou dois fenômenos bastante conhecidos na seara do Direito Tribu-
tário: guerra fiscal entre Municípios e elisão fiscal.
Diversos Municípios, com o intuito de atrair investimentos externos
para sua cidade, e/ou manter os investimentos que já possuíam, passaram a
aplicar alíquotas consideravelmente baixas. Há, portanto, uma disputa entre
Municípios dispostos a reduzir o máximo possível a carga tributária, situação
conhecida como guerra fiscal.
Os contribuintes, por sua vez, partindo do pressuposto que a regra geral
é a tributação no local do estabelecimento prestador ou de seu domicílio, pas-

105
Tributação da Economia Digital

saram a escolher o Município que oferecesse a menor alíquota e montavam


estrutura fictícia no local, um mero endereço, para se beneficiar da tributação
mais favorável, caracterizando um planejamento tributário abusivo, também
chamado de elisão fiscal.
Paulsen (2016, p. 412) destaca que:
Embora o contribuinte tenha liberdade para instalar sua sede e estabe-
lecimento prestador de serviços nos locais que sejam de seu exclusivo
interesse (princípio da autonomia da vontade que regra os negócios
particulares), a atividade somente poderá ficar sujeita à alíquota menos
gravosa se efetivamente possuir de modo concreto (e não apenas “cai-
xa postal”), um estabelecimento no Município. Um simples local que
nada possui (bens, pessoas, instalações) representará mera simulação,
cujos efeitos tributários podem ser desconsiderados.

Em muitas situações o critério do estabelecimento prestador não se mos-


tra razoável, considerando que o desenvolvimento da prestação de serviço não
se dará no Município do estabelecimento ou que, na prática, outro Município
quem suportará os efeitos gerados por essa efetiva prestação. Nesse contexto,
ganham relevância as exceções previstas nos incisos I à XXV da Lei Comple-
mentar nº116 de 2003.
O local da efetiva prestação do serviço para fins de fixação do Municí-
pio competente para cobrar o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza
(ISSQN) tem ganhado tanto destaque que o próprio Supremo Tribunal Fe-
deral aplicou tal critério, sem previsão legal nas exceções trazidas pela Lei
Complementar em vigor, afastando a regra geral contida no artigo 3º da Lei
Complementar nº 116 de 2003, é dizer, a regra do estabelecimento prestador
(ainda que a empresa mantenha, de fato, toda a estrutura exigida para con-
figuração do estabelecimento), causando considerável insegurança jurídica
para os contribuintes, que ficam sem a certeza do Município competente para
o qual devem recolher o imposto.

106
Tributação da Economia Digital

3.2 Análise da norma veiculada através do artigo 3º,


inciso xix, da lei complementar n° 116 de 2003
Como exposto no item 3 acima, a Lei Complementar nº 116 de 2003, para
fins de incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN),
de competência dos Municípios e do Distrito Federal, no artigo 3º, disciplina
que o serviço considera-se prestado, bem como o imposto devido, no local
do estabelecimento prestador –que, em geral, se concentram nos Municípios
mais desenvolvidos – ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio
do prestador. Assim sendo, esta é a regra geral de competência territorial do
imposto em análise, conforme abaixo:
Art. 3o O serviço considera-se prestado, e o imposto, devido, no local
do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local
do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I
a XXV, quando o imposto será devido no local: (grifo nosso)

Todavia, o mesmo dispositivo, em seus incisos, elenca as exceções à regra


geral, dentre elas, a hipótese dos serviços de transporte de natureza munici-
pal, incluída pela Lei Complementar n° 157, de 29 de dezembro de 2016, caso
em que o local do fato gerador consiste no Município onde está sendo execu-
tado o transporte (art. 3º, inc. XIX).
XIX - do Município onde está sendo executado o transporte, no caso
dos serviços descritos pelo item 16 da lista anexa; (grifo nosso)
Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de
2003. (...)
16 - Serviços de transporte de natureza municipal.
16.01 - Serviços de transporte coletivo municipal rodoviário, metrovi-
ário, ferroviário e aquaviário de passageiros.
16.02 - Outros serviços de transporte de natureza municipal.

Em análise do atual contexto social, bem como das mudanças propor-


cionadas pela dita “economia digital”, a realidade fática não nos permite des-
considerar a crescente contratação de serviços de transporte individual de

107
Tributação da Economia Digital

passageiros por meio de plataformas digitais, popularmente conhecidas como


“aplicativos”, já incorporadas aos hábitos da sociedade.
Assim, a utilização de plataformas digitais para contratação dos serviços
de transporte de passageiros, através da agregação do uso de novas tecnolo-
gias, faz surgir uma espécie de serviço de natureza específica, que consiste na
intermediação eletrônica, compreendendo atividades de agenciamento, orga-
nização, planejamento de rotas, além do pagamento, o que não se enquadra na
exceção prevista pelo inciso XIX, artigo 3º.
Importante destacar que são as plataformas digitais que determinam o
modelo, bem como o plano de negócio, definindo, portanto, tudo que é con-
siderado relevante, como seus objetivos, estrutura, estratégia, operação, valor
do serviço prestado, além do segmento do mercado que será atendido.
Nesse sentido, os serviços de intermediação descritos estariam abarca-
dos pelo item 10.02 da lista anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho
de 2003, qual seja, “Agenciamento, corretagem ou intermediação de títulos
em geral, valores mobiliários e contratos quaisquer”, que não consistem em
exceção à regra geral, razão pela qual o Imposto Sobre Serviços de Qualquer
Natureza (ISSQN) seria devido no local do estabelecimento do prestador, ou,
caso não exista, no local do domicílio do prestador.
Diante do exposto, o recolhimento do imposto em questão, no tocante à
intermediação eletrônica, será devido ao Município onde se localiza o estabe-
lecimento do prestador do serviço, portanto, ainda que a tecnologia permita
que os serviços sejam prestados de forma remota, o que amplia demasiada-
mente sua abrangência, sendo possível alcançar todo o território nacional, a
receita arrecadada será destinada apenas ao Município onde se encontra o
estabelecimento das empresas de tecnologia.

108
Tributação da Economia Digital

3.3 Análise do projeto de lei complementar


n° 493/2017 do senado federal e a competência
territorial do imposto sobre serviços de qualquer
natureza (issqn) nos serviços de intermediação
eletrônica de transporte privado
O Projeto de Lei do Senado nº 493 de 2017 pretende alterar a Lei Com-
plementar nº 116, de 31 de julho de 2003, com o objetivo de estabelecer, para
fins de incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, o local
do embarque do tomador dos serviços de intermediação eletrônica de trans-
porte privado individual previamente contratado por intermédio de provedor
de aplicações da internet.
Isso porque, dentre as exceções à regra prevista no caput do artigo 3°,
propôs-se a inclusão do inciso XXVI, segundo o qual o imposto será devido
ao Município do embarque do tomador dos serviços descritos no subitem 1.10
da Lista Anexa, também a ser incluído, nos seguintes termos:
1.10 - Agenciamento, organização, intermediação, planejamento e ge-
renciamento de informações, através de meio eletrônico, de serviços de
transporte privado individual previamente contratado por intermédio
de provedor de aplicações da internet.

O supracitado Projeto de Lei obteve aprovação pelo Senador Federal e,


em seguida, foi encaminhado à Câmara dos Deputados, para revisão, onde
aguarda elaboração de parecer do Relator na Comissão de Finanças e Tributa-
ção (CFT), tendo recebido o n° 521/2018.
Assim, caso venha ser aprovado em ambas as casas e, posteriormente, san-
cionado, a regra prevista pelo artigo 3º da Lei Complementar nº 116 de 31 de julho
de 2003, segundo a qual deve se considerar como local da prestação do serviço,
para respectiva incidência do imposto, o local do estabelecimento prestador ou,
quando não houver, o local do seu domicílio, será, mais uma vez, excepcionada.

109
Tributação da Economia Digital

De acordo com a justificativa apresentada pelo Autor da proposta de al-


teração legislativa147, são aspectos fundamentais dessa questão, (i) a ausên-
cia de previsão legal para o serviço de transporte remunerado individual de
passageiro, que se contrastava com o serviço público de táxi, bem como (ii) a
indefinição em relação à natureza jurídica do serviço de intermediação dessa
espécie de transporte através de “aplicativos”.
Em consonância com os ditames constitucionais, tendo em vista que um dos
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil consiste, justamente, na
redução das desigualdades sociais e regionais (artigo 3º, inciso III, da Constituição
Federal), a proposição ora em análise tem por finalidade proporcionar uma arre-
cadação tributária mais justa e equitativa, como forma de tentar mitigar a grande
desigualdade econômica percebida entre os municípios brasileiros.
Há que se ressaltar, inclusive, que tal desigualdade descrita pode ser
agravada pelo advento dos novos instrumentos tecnológicos, que, em razão
da grande dimensão do seu alcance, são aptos a prestar serviços em todo o
território nacional, não obstante toda a receita advinda da sua atividade se
destine a um único município, onde se encontra seu estabelecimento.
É possível notar que há uma tendência de se buscar desconcentrar o pro-
duto da arrecadação tributária, como, no caso do Imposto Sobre Serviços de
Qualquer Natureza (ISSQN), através do deslocamento da sua incidência para
o município onde o serviço é tomado.
Isso se demonstra pela Lei Complementar n° 157, de 29 de dezembro de
2016, que implementou alterações na Lei Complementar nº 116, de 31 de julho
de 2003, e, dentre elas, excepcionou a regra do artigo 3°, ao incluir o inciso
XXIV, segundo o qual o imposto será devido no domicílio do tomador do
serviço no caso dos serviços prestados pelas administradoras de cartão de
crédito ou débito e demais descritos no subitem 15.01, quais sejam, a “admi-
nistração de fundos quaisquer, de consórcio, de cartão de crédito ou débito e
congêneres, de carteira de clientes, de cheques pré-datados e congêneres”.
Nesse mesmo sentido, porém, em relação ao Imposto Sobre Circulação
de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), podemos apontar a Emenda

147 Senador Airton Sandoval, ao justificar o Projeto de Lei: ”Dois foram os aspectos principais dessa
questão: a ausência de previsão legal para o serviço de transporte remunerado individual de passageiro,
que se contrastava com o serviço público de táxi, e a indefinição em torno da natureza jurídica do
serviço de intermediação desse contrato de transporte realizado por meio de plataformas digitais”.

110
Tributação da Economia Digital

Constitucional n° 87 de 2015148 que, tendo em vista o incremento da utilização


de comércio eletrônico, fomentando as vendas interestaduais, foi aprovada
com o intento de melhor distribuir a arrecadação entre os estados membros
da federação, já que equiparou as vendas para consumidores finais não con-
tribuintes de ICMS – cuja receita recolhida era exclusivamente destinada ao
estado de origem – à venda para contribuintes, com a repartição da receita
entre os estados de origem (alíquota interestadual) e destino (diferencial de
alíquota). Tal medida, além de proporcionar uma distribuição mais equitativa
entre os estados, também tem por objetivo atenuar a guerra fiscal.
Todavia, há críticas se formulando no sentido de que o Município onde
se realiza o embarque do passageiro não teria relação com o serviço de in-
termediação por meio de plataforma digital, uma vez que este se encontra
localizado onde se desenvolve o serviço de agenciamento, organização, inter-
mediação e gerenciamento, razão pela qual a tributação deveria obedecer à
regra geral no tocante à competência territorial de incidência.
Ademais, o mesmo projeto de lei instituiu, após substitutivo proposto
pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), a Nota Fiscal de Serviços Ele-
trônica (NFS-e), de padrão nacional, para unificar e simplificar os processos
de emissão e guarda da nota fiscal no território nacional e assegurar a in-
tegridade da informação nela contida. Ainda, para gerir a padronização da
obrigação acessória, foi instituído Comitê Gestor da Nota Fiscal de Serviços
Eletrônica (CGNFS-e), a quem compete criar um ambiente de dados nacional,
padronizar o leiaute e expedir normas regulamentadoras da NFS-e.
Desse modo, nota-se a preocupação com a viabilidade prática da imple-
mentação da alteração proposta, bem como com os custos gerados às empre-
sas, sendo pertinente questionar se a busca pela melhor distribuição da arre-
cadação tributária, neste caso, iria de encontro ao princípio da praticabilidade
tributária, segundo o qual é necessário buscar simplificar a arrecadação e di-
minuir os custos suportados pelos contribuintes.

148 BRASIL. Emenda Constitucional nº. 87, de 16 de abril de 2015. Altera o § 2º do art. 155 da Constituição
Federal e inclui o art. 99 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para tratar da
sistemática de cobrança do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre
prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação incidente
sobre as operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou
não do imposto, localizado em outro Estado. Brasília, 2015. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc87.htm>. Acesso em: 12 set. 2018.

111
Tributação da Economia Digital

4. A alteração da dinâmica de recolhimento do imposto


sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN) e o aumento
da complexidade das obrigações acessórias
A tendência hodierna na seara fiscal, consoante preceitua Nabais (2007),
consiste na administração privada dos tributos, razão pela qual se depreende
que as empresas não são oneradas apenas no papel de contribuintes, mas tam-
bém em virtude dos custos exigidos pela (e para a) atuação em conformidade
com a legislação tributária149. Os deveres administrativo-fiscais estabelecidos
para os sujeitos passivos, classificados pelo Código Tributário Nacional na
categoria de obrigações acessórias150, têm o condão de viabilizar a adequada
arrecadação tributária.
De acordo com o autor português, em matéria de impostos, as empre-
sas podem desempenhar três papéis distintos: (i) o de contribuinte, quando
manifestam a riqueza que compõe o fato gerador do tributo; (ii) o de sujei-

149 Transcreve-se a cristalina lição de Nabais (2007, p. 5): “O que significa que a Administração Tributária
deixou de ser a aplicadora das normas de imposição ou de tributação, com base em elementos de
que antecipadamente dispunha, que proporcionavam uma fiscalização tributária ex ante, para passar
a ser a fiscalizadora da aplicação dessas normas por parte das empresas. Com efeito, enquanto no
sistema que podemos considerar clássico de lançamento, liquidação e cobrança dos impostos, que
entre nós vigorou no essencial até à reforma fiscal dos anos oitenta do século passado, tínhamos um
sistema de administração pública dos impostos, presentemente temos fundamentalmente um sistema
de administração privada dos impostos. Por isso, compreende-se que a parte de leão da administração
tributária se traduza, hoje em dia, numa actividade de mera fiscalização ou inspecção. O que coloca
não poucos problemas, quer os ligados aos reforços dos poderes da Administração que, deste modo,
passou a ter sobre os seus ombros a enorme responsabilidade da quase totalidade da luta contra a
fraude e evasão fiscal, quer os relativos à necessidade acrescida de salvaguarda dos direitos, liberdades
e garantias fundamentais dos contribuintes e demais sujeitos passivos fiscais que passaram a ser
destinatários de uma multiplicidade de novos e cada vez mais onerosos deveres fiscais”.
150 “Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.
§ 1º A obrigação tributária principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento
de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.
§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas
ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.
§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação
principal relativamente à penalidade pecuniária.
[...]
Art. 115. Fato gerador da obrigação tributária acessória é qualquer situação que, na forma da
legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal”.

112
Tributação da Economia Digital

to passivo, em virtude da assunção de multifacetados deveres fiscais que não


abrangem a consumação de fatos presuntivos da capacidade contributiva da
própria empresa, e sim de terceiros (v.g., a técnica de retenção na fonte); e (iii)
o de administradoras ou gestoras de impostos, que decorreria das funções
atribuídas, muitas vezes, pelo segundo papel.
Nesse sentido, na conjugação dos dois últimos papeis, aos particula-
res pertenceria a postura “ativa” da apuração e liquidação dos tributos – a
exemplo da adoção prioritária das formas de lançamento por homologação
–, cabendo à Administração Fazendária o exercício de uma função passiva,
tornando-se verdadeiramente o “Estado Supervisor”.
Sob esse prisma, Carrazza (2009) assevera que a aptidão dos Entes Polí-
ticos para criar deveres instrumentais acessórios, de conteúdo não pecuniário,
gravita em torno do exercício legítimo da própria competência para instituir
tributos, complementando-a e tornando-a efetiva. Assim, as obrigações aces-
sórias “‘documentam a incidência’, em ordem a permitir que os tributos ve-
nham lançados e cobrados com exatidão”151.
Santi (2010, p. 99-100), em aprofundado estudo sobre a constituição das
relações jurídico-tributárias, preleciona que:
Sem linguagem que fale do fato, o fato não existe (Capítulo V, item
10). Daí inferir-se a importância técnica dos deveres instrumentais no
controle fiscal. Os deveres instrumentais obrigam o contribuinte a re-
alizar controles contábeis, emitir notas, guias, i. e., faz com que estes
descrevam os fatos tributários sobre suportes físicos específicos (for-
mulários, livros padronizados etc.). Prescrevem, em verdade, a cria-
ção de sistemas linguísticos que permitam o acesso denotativo ao fato
jurídico tributário. [...] Vale salientar, existe uma norma destas para
cada dever instrumental previsto normativamente: uma para a emissão
de nota fiscal; outra para inscrição contábil etc. O fato jurídico instru-
mental pode ser ou não o mesmo que o fato jurídico tributário. Muitas
vezes não nasce o fato jurídico tributário – casos de isenção, por exemplo

151 CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a Renda: perfil constitucional e temas específicos. 3. ed.
São Paulo: Malheiros, 2009. p. 175. Prosseguindo o raciocínio, o autor destaca que “cumprir a obrigação
acessória não é o mesmo que pagar o tributo; mas é o cumprimento daquela que torna possível o correto
pagamento deste. [...] Em rigor, a obediência aos deveres instrumentais tributários é mais importante,
para a Administração Fazendária, que o próprio recolhimento do tributo, porque são eles que controlam
e viabilizam o bom funcionamento do sistema arrecadatório” (CARRAZZA, 2009, p. 175-176).

113
Tributação da Economia Digital

–, mas, ainda assim, incide a regra-matriz de dever instrumental, obri-


gando o contribuinte a realizar os respectivos controles (grifo nosso).

No Estado Fiscal, para além de direitos e garantias fundamentais, existem


também deveres fundamentais, destacando-se o de contribuir com o financia-
mento do Estado (dever fundamental de pagar tributos)152. A concretização do
referido dever implica outro – correlato, porém, independente –, consubstancia-
do no dever de colaboração do contribuinte para com a Administração Pública153.
É cediço que o cumprimento satisfatório dos deveres acessórios acarreta,
não raro, a elevação dos custos de conformidade, isto é, resulta na ocorrên-
cia de despesas para a prática do facere (fazer), non facere (não fazer) e/ou
do patere (suportar). A prestação, pelas empresas, de informações sobre suas
operações ou de terceiros, a escrituração de livros contábeis, a emissão de no-
tas fiscais, a elaboração de declarações e laudos podem gerar despesas que
superam, até mesmo, o total a ser recolhido a título de obrigação principal154.
Breyner e Derzi (2017), analisando dados levantados pelo Banco Mun-
dial e pela Price Waterhouse Coopers (PWC) no relatório Paying Taxes, desta-
cam que o Brasil é o país, entre amostragem de quase duzentas jurisdições, em
que se gasta lapso superior de tempo para o cumprimento das obrigações tri-
butárias – a dedicação aos deveres instrumentais consome aproximadamente
2028 horas anuais do tempo dos contribuintes e responsáveis155.
Ademais, o incremento de deveres instrumentais tributários, decorrentes
do advento de novas estruturas negociais – ou, ainda, da disrupção em arran-
jos e contratos tradicionais provocada pelos avanços tecnológicos –, concorre
para a complexidade dos sistemas tributários contemporâneos156. A ascendente

152 Ibid., p. 180-185.


153 PAULSEN, Leandro. Capacidade colaborativa: princípio de direito tributário para obrigações
acessórias e de terceiros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014.
154 CARRAZZA, Roque Antonio, op. cit., nota 7, p. 175.
155 BREYNER, Frederico Menezes; DERZI, Misabel Abreu Machado. Princípio da legalidade e os custos
de conformidade na instituição de deveres instrumentais. In: CARVALHO, Paulo de Barros; SOUZA,
Priscila de (Coords.). Racionalização do Sistema Tributário. São Paulo: Noeses/IBET, 2017. p. 953-954.
156 Interessante estudo nesta vereda foi desenvolvido pelo economista Vito Tanzi, originando a obra
Termites of the State: Why Complexity Leads to Inequality, publicada em 2018. Considerando as
inúmeras teses suscitadas pelo autor, importa para o presente trabalho a correlação tecida entre a
globalização do mercado contemporâneo, o surgimento de novos produtos e serviços associados ao

114
Tributação da Economia Digital

obscuridade e heterogeneidade da legislação tributária pode, por conseguin-


te, culminar em resultados diversos daqueles que compõem o seu desiderato:
em vez de garantir a aplicação eficiente das normas tributárias de incidência,
promover maiores dificuldades técnicas para a Administração Tributária e a
indução à elisão tributária.
Repisando a argumentação expendida por Breyner e Derzi (2017), ali-
cerçada nos princípios que norteiam a tributação, desenvolvidos por Adam
Smith, a desproporcionalidade nas exigências previstas como custos de confor-
midade pode comprometer os axiomas da conveniência e da economicidade:
Os custos de conformidade são aqueles que os contribuintes devem ar-
car para se adequar ao modelo instituído de cumprimento das obriga-
ções tributárias para além do tributo propriamente dito. Tendo em vis-
ta que o cumprimento de algumas obrigações tributárias acessórias é
pressuposto para que o contribuinte usufrua de benefícios fiscais, nes-
sas situações a doutrina ainda diferencia entre custos de conformidade
brutos e líquidos, estes últimos compostos pelo custo bruto subtraído
dos benefícios advindos do cumprimento (deduções, reembolsos, etc.).
POPE afirma que esses custos estavam presentes nos princípios da
tributação de Adam SMITH, em especial os da conveniência e eco-
nomicidade, mas foram negligenciados ao longo de várias fases de
estudos sobre a tributação, nas quais os economistas se preocupa-
ram mais com os princípios da equidade e eficiência. Demonstra o
autor, contudo, que recentemente os tax compliance costs são cada
vez mais considerados na formulação de políticas tributárias. Diante
desse cenário, parece claro que a instituição e exigência de obrigações
tributárias acessórias impactam diretamente não apenas na comple-

desenvolvimento científico e tecnológico e a complexidade dos papeis desempenhados pelo Estado.


O crescimento das complexidades das atuações estatais pode comprometer, constituindo verdadeira
termite, a eficiência objetivos econômicos das instituições, razão pela qual Tanzi adverte que: “In all
these activities, especially in a market economy with democratic institutions, an efficient state would
be expected to wnat to minimize the costs that its activities and its actions impose on the society at
large and on particular individuals. It would be desirable for both the economic and the social costs to
be kept at a minimum. As a consequence, a public sector of high quality should promote and require
na efficient tax system and tax administration and a public expenditure management system that
minimizes inefficient and unproductive spending, while it promotes equitable and welfare-creating
spending. [...] The costs that mus be minimized are not just the financial and economic costs that
the state imposes directly on the citizens, including complicance costs in the payment of taxes or in
observing regulations, but also costs in terms of (actual or perceived) loss of economic freedom, or the
costs that arise as a result of disincentive effects by those who pay the taxes or those who receive the
spending” (TANZI, Vito. Termites of the State: Why Complexity Leads to Inequality. New York:
Cambridge University Press, 2018, p. 188-189).

115
Tributação da Economia Digital

xidade do sistema tributário de forma a afetar a potencialidade de se


cumprir seus objetivos, mas também de forma a afetar os contribuintes
pela interferência direta em sua liberdade e no seu patrimônio. Afinal,
mais horas gastas no cumprimento de obrigações acessórias significa
menos tempo dedicado às atividades pessoas e econômicas. Maior o
custo de conformidade, menor o retorno esperado da atividade econô-
mica e menor a quantidade de recursos para investimento, lazer, capa-
citação e etc.157 (grifo nosso).

Com efeito, os deveres instrumentais impingidos aos sujeitos passivos


não devem exceder a capacidade colaborativa, que fundamenta e limita as suas
dimensões. O legislador deve, portanto, observar o princípio da proporciona-
lidade quando do desenho dos requisitos e do procedimento que tencionam
a apuração e o recolhimento da exação tributária, de modo a não criar “para
os destinatários, encargos exagerados, ônus financeiros absurdos ou entraves
que venham a impedir ou dificultar o regular desempenho de suas atividades
profissionais, mormente as que fizerem parte de seu dia-a-dia”158.
A instituição de obrigações acessórias, além de atender à legalidade for-
mal, não pode prescindir do escrutínio da racionalidade. Logo, a premência
da adequada arrecadação não serve de pretexto para ingerências desmedidas
– compreendidas como aquelas capazes de inviabilizar o exercício das ativida-
des econômicas do contribuinte – à livre iniciativa159.
Indubitavelmente, a relevância dos deveres instrumentais acessórios so-
breleva-se nos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, a exemplo
do imposto previsto no artigo 156, inciso III, da Lei Fundamental, haja vista a
atribuição ao sujeito passivo da responsabilidade pela prática dos atos de apu-
ração, declaração e recolhimento antecipado do valor devido (v. artigo 150 do
Código Tributário Nacional).
A proposta de alteração da competência territorial do Imposto sobre Ser-
viços de Qualquer Natureza (ISSQN), acrescentando exceção à regra espacial
insculpida no artigo 3º, caput, da Lei Complementar n. 116/03, aumentará verti-
ginosamente os custos de conformidade para as empresas prestadoras do servi-

157 BREYNER, Frederico Menezes; DERZI, Misabel Abreu Machado, op. cit., nota 11, p. 954-955.
158 CARRAZZA, Roque Antonio, op. cit., nota 7, p. 176.
159 Ibid., p. 177-179.

116
Tributação da Economia Digital

ço de intermediação de transporte privado, como reconhecem os próprios par-


lamentares defensores da medida160. Isso porque o Projeto de Lei Complementar
do Senado n. 493/2017, ulteriormente aprovado e em tramitação como PLC n.
521/2018 da Câmara dos Deputados, define como competente para a instituição
do referido imposto o Município onde foi realizado o embarque do passageiro,
em uma exegese que supostamente equipara – ou confunde – o local do embar-
que ao conceito de local da prestação do serviço, o último consagrado pelo artigo
3º, caput, in fine, da Lei Complementar n. 116/03.
Considerando que, atualmente, com a evidente virtualização dos ser-
viços de intermediação de transporte privado – sendo a vertente eletrônica
justamente o fragmento da realidade que o legislador complementar objetiva
capturar – e a atuação nacional das empresas que exercem tal atividade eco-
nômica, as prestações desempenhadas em diferentes Municípios ensejariam a
competência tributária de cada um deles, importando distinta gama de deve-
res acessórios ao contribuinte.
O emblemático caso da empresa Uber, cuja cobertura de serviços se estende
por aproximadamente 101 (cento e um) Municípios161, indica quão custoso podem
resultar os esforços envidados para o conhecimento das legislações tributárias,

160 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei Complementar n. 493/2017. Altera a Lei Complementar
nº 116, de 31 de julho de 2003, para estabelecer o local do embarque do tomador dos serviços de
intermediação eletrônica de transporte privado individual previamente contratado por intermédio
de provedor de aplicações da internet para fins de incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer
Natureza. Disponível em:
<https://legis.senado.leg.br/sdleggetter/documento?dm=7328148&ts=1533653304508&dispositio
n=inline&ts=1533653304508 >. Acesso em: 12 set. 2018. A justificativa à alteração sustenta que “o
transporte de passageiros realizado através de plataformas digitais compreende um conjunto de
obrigações, direitos e deveres, que, ultimamente, materializam-se na prestação de serviços que
vão muito além do mero transporte: há, também, o serviço de intermediação eletrônica através do
aplicativo. Ou seja: contratar o transporte por meio de um aplicativo compreende, também, a execução
de atividades de agenciamento, organização e planejamento de rotas e de pagamento. É parte de um
‘todo’, que viabiliza o transporte em si. Não é demais lembrar que os aplicativos são, por exemplo, os
definidores unilaterais dos preços do serviço de transporte, tal a sua ingerência no modelo do negócio.
Nesse sentido, temos a percepção de que, se o Município é o local onde se exercem as atividades, por
que não se estabelecer uma definição, nesse sentido, para fins de incidência da tributação respectiva?
Ora, hoje, o ISS é recolhido somente no local do estabelecimento das empresas de tecnologia, ou seja,
nas grandes cidades onde estejam sediadas” (BRASIL. Senado Federal, 2017, p. 3).
161 UBER. Descubra quais cidades do Brasil têm Uber. 28 jun. 2018. Disponível em: <https://www.uber.
com/pt-BR/blog/em-quais-cidades-a-uber-esta-no-brasil/>. Acesso em: 12 set. 2018.

117
Tributação da Economia Digital

bem como para a posterior organização e conformação de condutas, peculiares a


cada um dos locais em que o embarque do tomador do serviço é efetuado.
Ao discorrer sobre o impacto do sistema tributário federativo sobre os custos
de conformidade, Breyner e Derzi (2017) afirmam que a possibilidade de exercí-
cio de determinadas atividades econômicas162 por canais indiretos, em virtude da
evolução tecnológica e do oferecimento em escala para tomadores situados nas
mais diversas localidades, assim como a previsão de exceções à regra territorial de
tributação no domicílio da sede da empresa, submetem o prestador “a obrigações
tributárias acessórias de formatos, periodicidade e prazos distintos a depender de
como a lei municipal regula sua criação e exigibilidade”163.
Nessas hipóteses, tornar-se-ia imprescindível a “uniformização entre as
obrigações tributárias acessórias para a eliminação de custos extras para o
compliance tributário decorrente da complexidade instaurada”164, a exemplo
da adoção de um portal único na internet e da elaboração de formatos de de-
claração padronizados.
Os autores supracitados defendem, inclusive, que partindo da análise sis-
têmica do artigo 146, incisos I e III, alínea b165, da Constituição Federal, seria
viável a utilização de lei complementar – porventura, na nossa concepção,
através de emenda ao projeto que atualmente tramita na Câmara dos Depu-
tados – para estabelecer “normas gerais sobre obrigações acessórias” no que
concerne ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), incluin-
do medidas uniformizadoras e de simplificação na declaração e liquidação do
tributo. Ressaltam, todavia, que:

162 BREYNER, Frederico Menezes; DERZI, Misabel Abreu Machado, op. cit., nota 11, p. 966-969.
No estudo referenciado, os autores tratam especificamente das situações introduzidas pela Lei
Complementar n. 157/2016, a qual definiu que serviços vinculados a área de planos de saúde seriam
tributados no Município de domicílio dos tomadores.
163 Ibid., p. 967.
164 Ibid., p. 968.
165 A alínea b do inciso III do artigo 146 da CRFB/88 traz tão somente o vocábulo “obrigações”, motivo
pelo qual os autores prelecionam que se adotou o termo enquanto gênero, que se desdobra em
obrigação principal e obrigação acessória. Sob essa ótica, caberia à Lei Complementar estabelecer,
também, “normas gerais” em matéria de obrigações acessórias do Imposto sobre Serviços de
Qualquer Natureza (ISSQN), diminuindo as distorções e assimetrias entre as legislações tributárias
dos diversos Municípios.

118
Tributação da Economia Digital

O cuidado que o Congresso Nacional deve ter ao estabelecer normas


gerais sobre obrigações tributárias acessórias para uniformizá-las, sob
pena de incorrer em inconstitucionalidade, é o de não sufocar a autono-
mia dos entes federativos. Logo, as obrigações tributárias padronizadas
devem abrir espaço para que sejam adequadas, sem perda da uniformi-
dade, às específicas regras municipais sobre o ISS, e não demandar que o
direito tributário, e não demandar que o direito tributário material mu-
nicipal se altere para se adequar a um rígido modelo de tax compliance166.

Com o fito de conciliar (i) os interesses arrecadatórios dos Municípios


de cuja infraestrutura urbana os veículos cadastrados nas empresas interme-
diadoras se valem, (ii) a consecução da justiça tributária na distribuição da
competência sobre a base tributável em análise, e (iii) a racionalidade, a prati-
cidade e a proporcionalidade no incremento de custos operacionais decorren-
tes da alteração do critério espacial, o Senador Armando Monteiro, relator do
PLC 493/2017 na Comissão de Assuntos Econômicos, sugeriu subemenda ao
projeto, no sentido de uniformizar as obrigações acessórias.
De acordo com os pareceres 111 e 112 do Senado Federal, em virtude da
necessidade de os contribuintes noticiarem aos Municípios e ao Distrito Fede-
ral informações sobre as prestações de serviços ocorridas na circunscrição de
seus territórios, as autoridades fiscais deveriam, em contrapartida, disponibi-
lizar, em idêntica plataforma eletrônica, dados sobre as alíquotas e arquivos
suportes para as declarações a serem preenchidas. Mediante a padronização
do sistema de dados acerca do ISSQN incidente sobre os serviços de interme-
diação de transporte, lograr-se-á “maior transparência e previsibilidade na
relação autoridade fiscal e contribuinte, com diminuição da necessidade de
gastos com fiscalização e incidência de multas”167.
Detalhando os dispositivos que compõem a emenda ao Projeto de Lei
Complementar n. 493/2017, o relator explica que:

166 BREYNER, Frederico Menezes; DERZI, Misabel Abreu Machado. op. cit., nota 11, p. 969.
167 BRASIL. Senado Federal. Parecer nº. 111, de 2018. De Plenário, sobre o Projeto de Lei do Senado nº
493, de 2017 - Complementar, do Senador Airton Sandoval, que altera a Lei Complementar nº 116, de
31 de julho de 2003, para estabelecer o local do embarque do tomador dos serviços de intermediação
eletrônica de transporte privado individual previamente contratado por intermédio de provedor
de aplicações da internet para fins de incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza.
Brasília, 29 maio 2018. p. 3. Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm
=7821216&ts=1533653305586&disposition=inline&ts=1533653305586>. Acesso em: 25 set. 2018.

119
Tributação da Economia Digital

Os arts. 3º a 15 da Emenda nº 1 da CAE propõem a padronização de


obrigação acessória do ISSQN em âmbito nacional, na qual os contri-
buintes colocariam à disposição dos municípios e do Distrito Federal
todas as prestações de serviços ocorridas em seus respectivos territó-
rios. As autoridades fiscais, em contrapartida, disponibilizariam na
mesma plataforma eletrônica, informações como alíquotas, arquivos
suportes a serem preenchidos e dados bancários para pagamento. [...]
Já os arts. 3º a 9º propostas na presente subemenda tem um objetivo sim-
ples, porém de grande impacto no caminho da simplificação tributária e
da melhoria do ambiente de negócios: instituir a Nota Fiscal de Serviços
eletrônica – NFS-e, de padrão nacional, e regular a sua padronização,
com o destaque de não apenas ser útil aos serviços tratados no presente
PLS, mas sim a todos os serviços previstos na Lei Complementar 116,
de 2003. Segundo informações do Ministério da Fazenda, atualmente
coexistem no Brasil 5.568 legislações municipais que instituem modelos
distintos de uma mesma obrigação acessória: a Nota Fiscal de Serviço.
A multiplicidade de modelos e legislações causa prejuízo ao ambiente
de negócios nacional e aumenta o custo de operações. [...] Hoje, uma
empresa com duzentas filiais distribuídas pelo Brasil precisa estudar
as legislações municipais e potencialmente emitir duzentos tipos de
notas fiscais com leiautes distintos, a fim de cumprir com seus deveres
tributários. Isso sem mencionar diversos modos de apurações men-
sais de Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS com di-
ferentes guias de recolhimento. Esse fato gera um custo de operação
considerável à empresa, que invariavelmente o repassa aos tomadores
de serviço, o que diminui a demanda por serviços e compromete a com-
petitividade das empresas no mercado nacional e internacional. Com a
finalidade de amenizar esses custos, a presente subemenda institui a
NFS-e, de padrão nacional. Objetiva-se, assim, a unificação e simpli-
ficação dos processos de sua emissão e guarda em todo o território
nacional. A adesão ao padrão nacional deverá ser ratificada pelo muni-
cípio mediante convênio celebrado no âmbito do Comitê Gestor da Nota
Fiscal de Serviços – CGNFS168 (grifo nosso).

Desse modo, embora a complexidade nas relações tributárias seja fator de


potencialização dos custos de conformidade, estes são admissíveis, em certa me-
dida, desde que compatibilizados com estratégias administrativas de uniformiza-
ção para não obstar a livre iniciativa com a oneração excessiva. A modificação da
competência territorial para a percepção do ISSQN, nesta perspectiva, subsidia-se
na distribuição mais justa das rendas tributárias entre os Entes Municipais.

168 Ibid., p. 3-4.

120
Tributação da Economia Digital

5. Conclusão
As repercussões das inovações tecnológicas e informacionais sobre os
institutos tradicionais do Direito constituem fenômenos intransponíveis da
sociedade contemporânea, demandando que sejam revisitados conceitos clás-
sicos do sistema jurídico-positivo pátrio – tais como o de serviços, que integra
a materialidade do imposto previsto no artigo 156, inciso III, da Constituição
Federal de 1988. Não obstante as normas jurídicas não consigam acompanhar
pari passu as transformações inerentes à realidade empírica, o Direito não
pode se manter infenso e inerte a elas, sob pena de perder o ritmo da história,
tornando seus instrumentos regulatórios e tributários letra morta.
Nesta vereda, esclarecedora é a cátedra de Marco Aurélio Greco (2000),
em obra seminal sobre o tema, no sentido de que o conhecimento acerca da
base lógica e teórica que conforma as transações realizadas por intermédio
da tecnologia é indispensável para a compreensão do sentido e do alcance dos
problemas jurídicos deflagrados pelos referidos avanços.
As prováveis alterações pretendidas pelo Projeto de Lei Complementar do
Senado n. 493/2017, atualmente convertido no PLC n. 521/2018 em tramitação
na Câmara dos Deputados, demonstram a permeabilidade das definições tribu-
tárias às novas diretrizes semânticas provenientes da sociedade de informação.
Além de inserir na lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003 o serviço
de intermediação eletrônica de transporte privado, a modificação preocupa-se
com a concretização dos ideais de justiça fiscal e com a necessidade de harmo-
nia e equitativa distribuição de competências e rendas entre os Entes Munici-
pais – assim como o Distrito Federal, no exercício da competência municipal.
Para tanto, almeja alterar o critério espacial, considerando prestado o serviço
no local de embarque do tomador e criando outra exceção.
A redação original do projeto, proposto pelo Senador Airton Sandoval
(MDB/SP), contudo, falhava ao não contemplar as implicações provocadas pela
alteração na regra de competência territorial do ISSQN nos princípios da prati-
cidade e da proporcionalidade, que informam e limitam a capacidade colabora-
tiva dos sujeitos passivos no cumprimento das obrigações tributárias acessórias.
Os vícios enunciados supra foram corrigidos após o Parecer da Comis-
são de Assuntos Econômicos, que endossou a relevância da adoção de um

121
Tributação da Economia Digital

sistema de rede padronizado, com o escopo de simplificar a administração


privada do tributo a ser desempenhada pelo sujeito passivo.
Dessarte, a inarredável ponderação entre os interesses dos Fiscos Muni-
cipais e dos sujeitos passivos pende para a importância da aprovação do pro-
jeto, uma vez que a provável instituição da Nota Fiscal de Serviços Eletrônica
(NFS-e) e a unificação dos processos de emissão e guarda das informações
fiscais em todo o território nacional mitigam consideravelmente os custos de
conformidade decorrentes da modificação do critério espacial.

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posto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações
de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação
incidente sobre as operações e prestações que destinem bens e serviços a con-
sumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado.
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mentar nº 116, de 31 de julho de 2003, para determinar que o Imposto Sobre
Serviços de Qualquer Natureza (ISS) incidente sobre transporte remunerado

122
Tributação da Economia Digital

privado individual de passageiros, bem como sobre os serviços de agencia-


mento e de intermediação eletrônica a ele relacionados, será devido ao Mu-
nicípio do local de embarque do passageiro. Brasília, 2018. Disponível em:
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jeto de Lei do Senado nº 493, de 2017 - Complementar, do Senador Airton
Sandoval, que altera a Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, para
estabelecer o local do embarque do tomador dos serviços de intermediação
eletrônica de transporte privado individual previamente contratado por in-
termédio de provedor de aplicações da internet para fins de incidência do Im-
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Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, para estabelecer o local
do embarque do tomador dos serviços de intermediação eletrônica de trans-
porte privado individual previamente contratado por intermédio de prove-
dor de aplicações da internet para fins de incidência do Imposto Sobre Ser-
viços de Qualquer Natureza. Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/sd-
leggetter/documento?dm=7328148&ts=1533653304508&disposition=inline&
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125
Imposto Único nas Operações de
Internet: a Consensualidade como
Paradigma e o Combate aos Conflitos
Tributários na Era Digital

Leonardo Rocha Hammoud169

RESUMO: O artigo aborda a necessidade e pertinência da criação do


imposto único nas operações da internet como medida de segurança jurídica,
justiça fiscal e eficiência do sistema tributário. Preza-se por um novo para-
digma pautado pela consensualidade que é necessário em virtude da falência
de um direito tributário que não está adaptado para solver os conflitos nas
relações sociais afetas a tributação no âmbito da internet.
PALAVRAS CHAVE: Imposto único, conflitos de competência e Econo-
mia Digital.

Introdução
O mundo contemporâneo concebido dentro da Sociedade de Risco es-
pelha a complexidade em todos os sentidos da realidade multifacetada por
setores sociais de várias matizes, sendo que o fenômeno tributário se encontra
cada vez mais sensível a este emaranhado de relações e valores, considerando
especialmente a dificuldade na tributação das operações pela Internet.
Este breve estudo pretende explicitar a carência do sistema em lidar com
o novo paradigma de percepções imateriais trazidas pela Internet e suas re-
flexões no campo tributário, sendo certo que a litigiosidade é uma marca que
atravessa o direito tributário há longa data tanto no poder legislativo, no exe-
cutivo e no judiciário.

169 Advogado e Mestre em Direito pela UERJ (Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento).

127
Tributação da Economia Digital

Os conflitos entre os entes tributantes não são novidade no sistema tri-


butário nacional, sendo certo que os conflitos de competência ocorrem com
bastante frequência na economia tradicional e que, de preferência, poderiam
ser evitados na era da economia digital, caso houvesse uma tributação otimi-
zada, em forma diferenciada, que atendesse os critérios de uma justiça fiscal.
Com isso, a hipótese do imposto único nestas operações, não é apenas
uma medida que congrega a justiça mas tem seus olhos pautados pela efici-
ência em função dos resultados e optam, consequentemente, por mudar uma
cultura acarretando um novo relacionamento harmônico entre fisco e contri-
buinte que almejam segurança jurídica.
No entanto, no quadro instaurado de guerra arrecadatória, os entes fe-
derativos se situam armados em uma corrida inescrupulosa para obtenção de
recursos, agravada perante a atual situação financeira dos estados, em crise,
bem como de municípios que, em sua maioria, vivem de repasses de receitas
constitucionais e transferências da União Federal.

O Comércio Eletrônico na Internet e os Bens digitais


A Internet introduziu inúmeras mudanças no cotidiano dos seus usu-
ários que perpassam os atributos da intercomunicação em proporções glo-
bais, as diversas operações comerciais que desencadearam no difundido e-
-commerce e nas operações econômicas, tendo as criptomoedas ocupado um
largo espaço de discussão no mundo contemporâneo que tem na necessidade
de regulamentação um grave problema mas que não será objeto deste artigo.
As inúmeras trocas de informações e dados (documentos, sons, imagens)
pela rede mundial de computadores, fizeram com que se desenvolvessem os de-
nominados bens digitais, por sua natureza classificados como incorpóreos e ima-
teriais, os quais acabaram por ser comercializados em âmbito virtual, se diferen-
ciando dos bens tradicionais que apresentam materialidade e corporificação.
Por meio da rede mundial de computadores, no ambiente das lojas virtuais,
os bens digitais são adquiridos e transmitidos pelo download, tal como pode ser
ilustrado pelas aquisições de livros eletrônicos, enciclopédias multimídias, músi-
cas, desenhos técnicos, filmes, programas de computador, jogos, etc.

128
Tributação da Economia Digital

Conforme Pierpaolo Angelucci,170 é de relevância a distinção e compreen-


são do que se denomina comércio eletrônico direto e indireto para que se tenha
uma melhor percepção da materialidade da obrigação tributária, do sujeito pas-
sivo e do fato gerador nestas duas modalidades de comércio pela Internet:
Antes de mais nada, é oportuno analisar as modalidades técnicas com as
quais se realizam as operações de comércio eletrônico. É necessário, de
fato, distinguir o assim chamado comércio eletrônico direto do comércio
eletrônico indireto. No primeiro caso, toda a operação se desenvolve através
da Internet, ou seja, também a remessa do bem é feita de forma eletrônica,
no caso de bens digitalizáveis. No segundo caso, são realizadas através da
internet somente o aperfeiçoamento de algumas fases da operação, como o
pagamento. Nesses caso a entrega do bem é feita fisicamente.

Neste sentido, o comércio pela internet se dá pela compra e venda on


line de produtos mas, igualmente, se dá pela venda de serviços, muitas vezes,
interligadas ao uso dos aparelhos celulares com os aplicativos disponíveis e de
fácil obtenção, por sua praticidade, no mercado. Neste escopo, alguns autores
salientam que tal fato pode ser denominado como a 4ª Revolução Industrial.
Nestes termos, dispõe Guilherme Dourado Aragão Sá Araújo:
O aplicativo Uber é exemplo da 4ª Revolução Industrial. Por meio da
relação entre realidade-dispositivo-internet, alguém desprovido de ve-
ículo próprio pode fazer uso do bem de terceiro. Outros Aplicativos,
como Airbnb, voltado a hospedagens, ou o bitcoin, a moeda digital, for-
necem serviços semelhantes.171

Como salienta determinados autores, muito se questiona quanto a sufici-


ência da legislação tributária para alcançar as operações de comércio eletrônico
e na própria utilização de conceitos que foram alinhados dentro de uma realida-
de de bens físicos e corpóreos, fazendo com que as dificuldades sejam latentes.

170 ANGELUCCI, Pierpaolo. A Tributação do Comércio Eletrônico: problemas e perspectivas no âmbito


dos Impostos Diretos. In Direito Tributário Atual n°18. Coordenação dos Professores Alcides Jorge
Costa, Luís Eduardo Schoueri e Paulo Celso Bergstrom Bonilha. Ed. Dialética. 2004. P. 113.
171 ARAÚJO, Guilherme Dourado Aragão Sá. Perspectivas do Direito Tributário na 4ª Revolução
Industrial: Análise econômica da destruição criativa da economia disruptiva. Economic Analysis
of Law Review. EALR, V. 9, nº 1, p. 134-153, Jan-Abr, 2018. P.136.

129
Tributação da Economia Digital

Assim, por exemplo, é impossível em sua potência, a Fiscalização identi-


ficar sempre a localização das partes envolvidas nas transações em comento,
pelo menos por enquanto, bem como muito se questiona se as operações na
internet são um bem, serviço ou outra coisa (sui generis).172
Desta forma, a tributação na era da Economia Digital é um desafio tanto
em âmbito interno nacional, em decorrência do dinamismo e fluxo contínuo
inerentes aos serviços prestados na internet e vendas afetas, como também em
cenário internacional, inclusive, fazendo parte em plano de ação específica do
BEPS (Base Erosion and Profit Shifting) da OCDE (Ação n. 1).

1. Os conflitos em matéria tributária nas


operações de Internet (ISS e ICMS)
Não é demais lembrar que o Direito se encontra defasado com os fenô-
menos empíricos, fazendo com que muitas vezes não esteja instrumentalizado
para lidar com os novos problemas que surgem no seio da sociedade. Afinal de
contas, o direito é resultado da cultura concebido dentro de limitações históri-
cas que ao se deparar com uma outra realidade deve, ou deveria, se adaptar ao
novo, quando possível, ou mudar quando inviável ou impossível.
Assim, muitas são as controvérsias tributárias sobre as operações de in-
ternet no que envolve a incidência de ICMS ou ISS que passam pelos constan-
tes questionamentos quanto ao fato gerador, sujeito passivo, ambiente virtual
de negociação, localização do servidor, classificação dos bens digitais, etc.
O ICMS apresenta em seu fato gerador a necessidade de circulação da merca-
doria ou serviço, a transferência econômica dada pelo negócio jurídico e a trans-
missão do bem, não sendo suficiente o mero deslocamento de mercadorias para
o preenchimento dos elementos que compõem o fato gerador deste imposto.173
É evidente que, por exemplo, ao se realizar o download de uma música
ou programa, não se adquire a propriedade deste bem, mas apenas a licença

172 BRIGAGÃO, Gustavo e Lyra, Bruno. Aspectos Tributários do Comércio Eletrônico Mundial. In
Direito Tributário e Ordem Econômica – Homenagem aos 60 anos da ABDF. Ed, Quartier Latin.
2010. São Paulo. P. 615 e 616.
173 Ibid, p. 629-630.

130
Tributação da Economia Digital

ou a cessão de uso do bem incorpóreo protegido, neste caso, pela lei de direitos
autorais, de modo que se percebe que não foram transferidos todos os elemen-
tos da propriedade (uso, gozo, fruição).
Neste sentido, parte da doutrina entende que não haveria circulação da
mercadoria para que repercutisse na hipótese de incidência do ICMS na comer-
cialização de bens digitais já que, por sua vez, não haveria alienação do bem em
referência mas, contudo, apenas se perceberia o instituto civil da cessão de uso.174
Nesta esteira, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o software de
prateleira seria tributável pelo ICMS, já que se encontra corporificado em um
bem e, assim, podendo-se falar em consequente circulação da mercadoria pela
existência do suporte físico como elemento material e corporificado do bem.
De outra forma, conceber-se-ia diferentemente se a comercialização fosse
realizada em um próprio ambiente virtual por meio de download. Embora, ainda,
haja vozes defendendo a impropriedade na tributação de ICMS para os softwares
de prateleiras posto que o direito autoral continua sendo a mercadoria, em apreço
comercializada, não se tratando de mera cessão de direito de uso.175
Neste contraponto da doutrina com o Supremo tribunal Federal, há de se ex-
pressar o entendimento crítico de que, mesmo admitindo a tributação pelo ICMS,
este só poderia ter como base de cálculo o valor da base física em si, e não o valor
do programa dado pelo “corpus misticus” gravado na referida base física.176
Embora a mesma controvérsia possa ser transferida para a questão do
ISS, mutatis mutandis, o Rio de janeiro editou em 11 de outubro de 2017 a Lei
Municipal nº 6.263/2017 no intuito de adequar a legislação ao alterado na LC
157/2016, em especial aos novos serviços que foram inseridos na lista anexa
ao corpo legal, abarcando os serviços de streaming (Spotify, Amazon, Prime
e Netflix) que passaram a constar na Lei Municipal 691/1984, artigo 8°, no
item 1.09, dado pela disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de
áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet, com respeito a imunidade
de livros, jornais e periódicos.

174 Ibid, p. 634.

175 Ibid, p. 636.

176 Ibid, 640.

131
Tributação da Economia Digital

Além disso, os serviços de processamento, armazenamento ou hospe-


dagem de dados, textos, imagens, vídeos, páginas eletrônicas, aplicativos e
sistemas de informação, entre outros formatos, e congêneres também foram
inseridos no item 1.03. Igualmente, no item 1.04, foi incluída a elaboração de
programas de computadores, inclusive jogos eletrônicos, independentemente
da arquitetura construtiva da máquina em que o programa será executado,
incluindo tablets, smartphones e congêneres.
Resta evidente, como sempre será, que a doutrina diverge e traz à tona
polêmicas quanto a concepção de determinados serviços dentro da lógica es-
trutural tipológica do que é considerado “serviço”. Esta divergência é factível
nas ponderações sobre o streaming, onde muitos contestam o seu ajuste no
conceito de serviço pelo fato de concebe-lo como uma cessão de uso de bem
incorpóreo, dentro da linha acima exposta. A chama por detrás da narrativa
favoreceria, portanto, uma discussão sobre a aplicação da Súmula 31 do STF.177
Não é por menos que parte da doutrina, com destaque a Clelio Chie-
sa, destaca que tais cessões constituem fatos atípicos, compreendendo que a
cessão do direito de uso de um programa de computador padrão não é um
negócio de compra e venda, nem mesmo poder-se-ia dizer ser uma prestação
de serviço o simples ato de ceder o direito de uso do programa ou cessão da
propriedade dos direitos autorais ao programa encomendado. Assim, não ha-
veria de ser tributado pelo ICMS ou mesmo ISS, constituindo os softwares de
prateleira e sob encomenda uma figura atípica e que não estão constituídas
dentro das hipóteses de incidência de nenhum imposto já instituído no orde-
namento jurídico pátrio.178
Como se analisou, são inúmeras as hipóteses de percepção fática das clas-
sificações dos bens digitais, o que, inevitavelmente, leva ao questionamento
quanto a matéria tributável, ao próprio signo de riqueza tributável bem como
ao imposto devido diante do que se entende como bem digital, o que acarreta
crescente controvérsia no sistema tributário nacional, a ser brevemente anali-
sado pelo enfoque decisório a seguir.

177 Súmula 31: “é inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISS
sobre operações de locação de bens móveis”) e inviabilizaria a incidência do imposto”.
178 CHIESA, Clelio. A Tributação da comercialização de programas de computador> incidência do
ICMS, ISS ou Fato atípico? Disponível em https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/29010. Acesso
em 17 de setembro de 2018.

132
Tributação da Economia Digital

2. As controvérsias de sempre e o futuro... o streaming


Embora os Tribunais se manifestem quanto às questões colocadas em ju-
ízo para solução dos conflitos tributários a doutrina problematiza os julgados e
os critica diante de fundamentações que nos remontam ao mesmo problema de
sempre. De forma rasteira, nos remete ao problema da obrigação de dar e fazer
(no ISS) e da imaterialidade e falta de circulação da mercadoria (no ICMS).
Especialmente no caso do streaming onde não há transferência por do-
wnload, mas existindo um fluxo contínuo de informações consumidas em
tempo real quando convertidas em som ou imagem, há grande controvérsia
no enquadramento como um real “serviço” nos termos da lei complementar
157/2016, já que o conceito de serviço não poderia ser deturpado do seu en-
quadramento estrutural, sendo bastante polêmico se o streaming poderia ser
considerado um “serviço” dentro do nosso ordenamento jurídico- tributário
que se vale do estruturalismo como medida do fato gerador.
Nesta toada, a vestimenta como obrigação de fazer não se enquadra no
streaming já que neste se cria uma obrigação de dar sem a presença da pesso-
alidade, o que por este viés se rechaçaria o ISS como imposto a incidir sobre
tal materialidade. Na Netflix, por exemplo, ocorre uma locação digital e não
uma prestação de serviço, defendendo muitos a inconstitucionalidade da lei
complementar 157/2016:
De mais a mais, a inconstitucionalidade aqui defendida recai em ra-
zão: a) Da ferramenta do streaming se dar na forma de hospedagem de
mídias em um servidor pertencente à própria empresa, livre da reali-
zação de contratos com terceiros, onde o esforço humano aplicado em
relação a “disponibilização” da mídia não se dá em favor de outrem;
b) Do contrato realizado com o usuário não criar uma obrigação de
fazer,uma vez que a disponibilização e hospedagem das mídias já ocor-
reram em momento anterior, no sistema físico e virtual da empresa,
ao passo em que o que se contrata com o usuário é a obrigação de dar,
proporcionando o acesso do usuário, a fim de consumir, mediante pa-
gamento pecuniário como contraprestação. 179

179 CABRAL, Ana Clara Madeiro Campos e VIEIRA, Andrey Bruno Cavalcante A
INCONSTITUCIONALIDADE DA TRIBUTAÇÃO DAS PLATAFORMAS DE STREAMING À
LUZ DA LEI COMPLEMENTAR Nº 157/2016. Disponível em http://enpejud.tjal.jus.br/index.
php/exmpteste01/article/view/233. Acesso em 17 de setembro de 2018.

133
Tributação da Economia Digital

Apenas para ilustrar demais complicações quanto ao assunto em sua


complexidade factual, vale a reflexão quanto ao atuar da administração e fis-
calização tributária no comércio eletrônico, que tem na discussão de “estabe-
lecimento permanente eletrônico” uma gama de problemáticas. Logo, pen-
sando em sentido mundial, fica notório que pensar na obrigação de tais sites
terem que prestar as declarações tributárias em diversos países onde não há
qualquer liame pela presença física não assiste razão já que denotaria uma
série de obrigações (registros contábeis e fiscais) e, em contrapartida, não ha-
veria forma de determinação quanto ao recolhimento tributário.180

2.1. Uma amostra do STJ


Conforme se ilustra a seguir, o tribunal do Povo vem decidindo de forma
singular temas afetos à economia digital, entendendo que a tributação do licen-
ciamento ou cessão de direito do uso de programa de computador, quando cria-
dos e vendidos de forma impessoal, avulsa e aleatória, são tributados pelo ICMS.
Por outro lado, o desenvolvimento de softwares personalizados, com ex-
clusividade, para determinados clientes, configura a estrutura da prestação
de serviço, sujeitando-se, logo, à tributação pelo ISS, assim dispõe a ementa:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. OMISSÃO DO ARESTO DE
APELAÇÃO. INOCORRÊNCIA. NULIDADE DA CDA. AUSÊNCIA DE
LANÇAMENTO. LOCAL DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇOS. CONTRO-
VÉRSIA DIRIMIDA COM BASE EM ELEMENTOS FÁTICOS. REEXA-
ME. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 07/STJ.
FORNECIMENTO DE PROGRAMAS DE COMPUTADOR - SOF-
TWARE. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ISS. INCIDÊNCIA. ALEGA-
ÇÃO DE QUE SE TRATA DE CONTRATO DE CESSÃO DE USO. IM-
PROCEDÊNCIA.
1. O fornecimento de programas de computador (software) desenvolvi-
dos para clientes de forma personalizada se constitui prestação de servi-
ços sujeitando-se, portanto, à incidência do ISS.
2. Precedentes do STJ (REsp 633.405/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX,
DJ 13.12.2004; REsp 123.022/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, DJ

180 CATÃO, Marcos André Vinhas. Novas tendências da tributação sobre o comércio eletrônico. In
Direito Tributário Internacional Aplicado, V. IV, 2007. Ed. Quartier Latin. p. 310-311.

134
Tributação da Economia Digital

27.10.1997; REsp 216967/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, DJ


22.04.2002) e do STF (RE n. 176626/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PER-
TENCE, DJ de 11.12.1998)
3. A nulidade da CDA e sua inocorrência ante a afirmação da existên-
cia de procedimento administrativo prévio à sua lavratura e quanto ao
local de prestação dos serviços, partiram da análise do conteúdo fático-
-probatório carreado aos autos, motivo pelo qual revela-se insindicável
ao E. STJ, em sede de recurso especial, analisar as suscitadas ofensas aos
arts. 2º, § 5º, VI e § 6º, da Lei n.º 6.830/80, 102 e 142, do CTN e art. 12,
do Decreto-lei n.º 406/6, ante a incidência inarredável a incidência da
Súmula n.º 07/STJ, verbis: “A pretensão de simples reexame de prova não
enseja recurso especial”.
4. As ofensas aos arts 165, 458 e 535 do CPC, não restaram evidenciadas
porquanto Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de
forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o ma-
gistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos
pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes
para embasar a decisão.
5. Recurso especial parcialmente conhecido, e, nesta parte, desprovido.181

Todavia, em outros momentos, não autoriza a tributação pelo ISSQN


quanto a serviços de produção de filmes por encomenda já que vislumbra não
ser um serviço de cinematografia:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NA-
TUREZA. PRODUÇÃO DE VÍDEOS POR ENCOMENDA. VETO
PRESIDENCIAL. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. PROIBIÇÃO.
1. O item 13.03 da lista anexa à LC n. 116/2003 não autoriza a tributação
pelo ISSQN do serviço de produção de filmes/vídeos por encomenda,
porquanto essa atividade não se equipara aos serviços de cinematografia.
2. Não é adequada a interpretação extensiva de item da referida lista,
tendo em vista a existência de veto presidencial ao item 13.01, referente
especificamente à “produção, gravação, edição, legendagem e distri-
buição de filmes, videotapes, discos, fitas cassete, compact disc, digital
video disc e congêneres”, de modo que não mais é adequado o racio-

181 REsp 814.075/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/02/2008, DJe
02/04/2008). Ver também REsp 1070404/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA
TURMA, julgado em 26/08/2008, DJe 22/09/2008.

135
Tributação da Economia Digital

cínio segundo o qual a encomenda do serviço de produção de vídeos


atrairia a incidência do ISSQN (em vez do ICMS).
3. Ressalvada a situação em que o próprio veto é objeto de questiona-
mento judicial, haveria atuação indevida do Poder Judiciário caso se
decidisse pela incidência tributária em hipótese vetada pelo Presidente
da República.
4. Caso em que o Tribunal de Justiça procedeu à interpretação extensiva
de dispositivo que não a permite, porquanto, vetada a hipótese de inci-
dência, o enquadramento do serviço correlato em outro item equivaleria
à derrubada do veto, competência exclusiva do Congresso Nacional, o
qual, caso assim entendesse, deveria ter agido em tempo próprio.
5. Agravo interno desprovido.182

Neste momento, considerando como o Superior Tribunal de Justiça vem


decidindo, e profetizando por inúmeras questões que ainda surgirão com o de-
senvolvimento de novas tecnologias e bens digitais, há uma notória necessidade
de comungar por parâmetros voltados a consensualidade, embora a litigiosidade
faça parte da natureza humana e corresponda a um dado empírico que demonstra
a eficiência ou ineficiência do sistema e da justificativa do Estado de Direito.183

3. Consensualidade x Litigiosidade
Diante do apontado, o direito tributário da atualidade com esta realida-
de deveras complexa para fazer frente aos desafios da pós modernidade, onde
se desconstrói a formalidade para se tentar buscar justiça nos atos decisórios,
pelo viés administrativo e judicial, objetivando atingir a pacificação social.
Não se deve perder de vista que os paradigmas não são verdades absolu-
tas (dogmas), estanques, mas estão em constante mutação. A discussão quan-
to a evolução ou não é irrelevante para este momento, já que se assim fosse, se
denotaria uma preferência por um determinado paradigma, o que é moldável

182 AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.627.818 - DF (2016/0250557-8). Rel. Ministro Gurgel de Faria.
DJe 06.04.2017.
183 Ver Relatório do Conselho Nacional de Justiça quanto aos dados de litigiosidade. Disponível em:
http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/08/44b7368ec6f888b383f6c3de40c32167.pdf.
Acesso em 19.09.2018.

136
Tributação da Economia Digital

e ponderável, além do mais se considerado o estado multifacetado da socieda-


de onde interesses e valores estão permeados por uma mesma ordem jurídica
que devem confluir no sistema de forma isonômica.
O prestigiado autor Thomas Kuhn184 concebe o paradigma, em síntese,
como um modelo ou estrutura de pensamento em que se ergue uma ciência.
Assim ressalta: Considero “paradigmas” as realizações científicas universal-
mente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções
modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência.
Apenas com base no exposto, já se deve sobressaltar o fato de que o sistema
atual de justiça está inapropriadamente aparelhado para solucionar as deman-
das advindas do direito tributário, o que denota a necessidade de se pensar em
novo paradigma para ofertar a sociedade as soluções dos conflitos tributários.
Com essa tendência, o autor Cristiano Carvalho185 rege a atenção para o
estudo do comportamento humano aliado ao funcionalismo jurídico como
forma de reverter o caminho para se aproximar de uma tributação ótima,
assim expressa o autor:
Nesse sentido, é fundamental desviar um pouco o foco da Dogmática
Jurídica, eternamente obcecada com teorias estruturalistas das nor-
mas, e explorar o funcionalismo jurídico, de modo a observar o com-
portamento humano. Assim, talvez seja possível construir o sistema
de modo que possa se aproximar de uma tributação ótima, aquela que
seja transparente, justa, neutra na medida do possível e que possa tanto
gerar a receita necessária para o Estado como também não prejudicar
os negócios dos agentes privados.

Sendo assim, a tributação deve estar atenta as particularidades do compor-


tamento humano e, no caso específico, compreender que as operações de Inter-
net correspondem uma nova maneira de se realizar negócios jurídicos. Ademais,
não é à toa que a nomenclatura “realidade virtual” tomou grandes proporções e,
de fato, exala uma realidade de imaterialidade que não possui correspondência
prática com as relações sociais que configuraram o direito tributário tradicional.

184 KUHN, Thomas. Teoria das Revoluções Científicas. Editora Perspectiva. São Paulo:2003, pág. 13.
185 CARVALHO, Cristiano. O Conflito entre contribuintes e o Estado na busca do Crédito Tributário:
Uma visão pela análise econômica do Direito. In Medidas de Redução do contencioso tributário e o
CPC/2015. Contributos práticos para ressignificar o processo administrativo e judicial tributário.
São Paulo. Ed. Almedina, 2017, p. 80.

137
Tributação da Economia Digital

Afinal de contas, é pertinente a seguinte pergunta: Quem iria pensar em


1966, ano de nascimento do Código Tributário Nacional, ou mesmo em 1988,
ano de nascimento da Constituição Federal, em moedas virtuais, ISS ou ICMS
nas operações de Internet, streaming e demais bens digitais?
Ora, parece lógico, num enquadramento histórico determinista que, o
homem médio do período histórico apontado, não estava atento as mudanças
empíricas vislumbradas acima e, se estivesse, sendo otimista, certamente não
galgava este nível de detalhamento que vivemos hoje. Não se pode menospre-
zar o fato de que o direito está sempre atrás das mudanças sociais cujos con-
flitos precisam ser dirimidos pela aplicação do direito existente ou da criação
de novas regras para conduzir os comportamentos.
De fato, os comportamentos na era da economia digital são por demais
dissociados do regramento tributário em manejo, com sérias repercussões na
Administração Tributária bem como no comportamento dos contribuintes
que se encontram no cenário de incerteza fiscal pelas polêmicas levantadas.

4. Um evento empírico
Com a finalidade de ressaltar a necessidade de um consenso para escalar
a proposta do imposto único, aborda-se uma breve sequência de atos nor-
mativos que demonstram a complexidade e falta de entendimento fazendário
para uma solução palpável com o arsenal moldado pelo paradigma normativo
atual do direito tributário, começando com os convênios 181/15 e 106/17.
O Convênio do ICMS nº 181 do CONFAZ, autorizou a cobrança do re-
ferido imposto nas operações com softwares, jogos eletrônicos, aplicativos e
congêneres, inclusive os disponibilizados por download. Após um ano, foi pu-
blicada a Lei Complementar nº 157, que em sua disposição passou a aceitar,
por exemplo, que as prefeituras cobrem o tributo sobre a disponibilização de
conteúdo de áudio e vídeo por meio da internet.
Por outro lado, no âmbito da Receita Federal, a Solução de Divergência
da Coordenação-Geral de Tributação (COSIT) nº 18 dispôs no sentido de que
incide Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) na comercialização ou dis-
tribuição de software, para aqueles casos de revenda ao consumidor final.

138
Tributação da Economia Digital

Com essa teia de normas, as empresas que operam com a produção de bens
digitais se encontram em evidente estado de insegurança jurídica, diante da pre-
tensão fazendária e arrecadatória associada a uma falta de consenso nas narrati-
vas dos entes federativos que percorrem a esteira da desarmonia e da dissonância.
Tal cacofonia pode ser percebida, de forma exemplificativa, na tributação
da publicidade on line no Estado de São Paulo que, por sua vez, fixou em 5% a
alíquota do ISS sobre esses serviços. Porém, como abarcava produtos imunes,
tal preceito normativo foi revogado.
Em virtude deste espaço aberto, os Estados começaram a entender pela
incidência de ICMS na alíquota de 25% sobre o serviço de comunicação. En-
tretanto, posteriormente, alguns Municípios voltaram a tributar pelo ISS na
alíquota de 5% os serviços prestados por agência de publicidade.
Neste cenário, as empresas que não pagaram o ICMS foram autuadas com
multa correspondente a 50% do valor da operação por não terem emitido nota
fiscal e as que não pagaram ISS receberam multa de 50% do valor do imposto, não
sendo raro que muitas empresas foram autuadas pelos dois entes sobre a mesma
atividade, o que explicita a insegurança jurídica e o clima de litigiosidade.
Mas, admitindo o ICMS como o imposto devido, resta a dúvida onde
ocorreria o fato gerador do ICMS, seria o local onde acontece o download?
Embora haja controvérsia sobre o assunto, há um peso maior no entendimen-
to de que ocorre o fato gerador no local de realização do download.
Por sua vez, o Convênio 106/2017 realizou a equiparação dos bens di-
gitais à mercadorias transferidos por download, fazendo que o ICMS incida
sobre tais operações mesmo quando acessados em nuvem o conteúdo, restan-
do excluída, ab initio, o streaming, que para alguns se trata de uma decisão
acertada e coerente diante da particularidade que lhe é extraída bem como
ocorre no software as a service.186

186 FILHO. Vicente do carmo Sapienza. Tributação de software as a service em São Paulo é equivocada.
Disponível em:https://www.conjur.com.br/2018-jul-25/sapienza-filho-tributacao-software-service-
sp-equivocada?imprimir=1. “O avanço tecnológico, que possibilitou o acesso ao conteúdo dos
programas de computador pela nuvem, não se coaduna ao conceito de que mercadoria é o bem
padronizado. Há interação entre o usuário e o software por meio da inserção de funcionalidades
ajustáveis, e haverão portanto, diferentes maneiras de utilização e acesso a determinado programa
de computador, o que não permite a equiparação das operações na nuvem ao download de software
conforme pretendido pelo Fisco Paulista.” p. 4

139
Tributação da Economia Digital

Diante da complexidade supracitada em todos os ângulos traçados, a al-


ternativa do imposto único seria conveniente porque capta uma nova manei-
ra de conduzir o comportamento entre os entes federativos que precisam da
consensualidade no cotidiano de suas relações, praticabilidade em favor do
contribuinte, e segurança jurídica lato senso.

Conclusão
Considerando a nebulosidade que acolhe o assunto da hipótese de inci-
dência, uma forma de colocar um ponto final nas controvérsias em matéria
tributária na economia digital, evitando uma nova Guerra Fiscal e conflitos
de competência tributária, seria a instituição de um imposto único para as
operações da internet, tal como ocorre no simples nacional, porém em âmbito
eletrônico, tal como aponta Marco Aurélio Greco.
O ponto mais importante do imposto único é que poderia representar
um início de aproximação de uma cultura de consensualidade, acabando com
o comportamento litigioso entre os entes no que concerne aos conflitos de
competência tributária e com as inúmeras controvérsias em matéria tributária
no que toca aos elementos da obrigação tributária, ao fato gerador, etc.
De fato, e não se pode desmentir, que haveria, possivelmente, um longo
debate quanto a repartição de receitas financeiras mas que não trariam efeitos
como os conflitos tributários que se vivenciam na contemporaneidade, pas-
sando a ser uma questão que se alojaria no direito financeiro e no pacto de
índole constitucional.
Resta notório que tratar os fenômenos quanto aos desdobramentos da
internet no mundo contemporâneo trazem complicações e resistências de or-
dem prática num ambiente de constante guerra arrecadatória, tendo o impos-
to único papel de sanar tais desgastes sociais e institucionais.
Não há mais tempo a perder com disputas onde todos são prejudicados e
a insegurança jurídica implantada e perpetuada, com grandes danos aos entes
federativos, aos contribuintes e aos investidores da iniciativa privada que se
aventuram na era da Economia Digital e investem porções financeiras signifi-
cativas no desenvolvimento tecnológico e nos mercados virtuais.

140
Tributação da Economia Digital

Bibliografia

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Tributação da Economia Digital

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142
Tributação de Novas Tecnologias e o
Histórico Conflito entre os Princípios
da Origem e do Destino na Delimitação
da Competência Tributária

Taxation over new technologies and the historical conflict


between the origin and destination principles on the
delimitation of tax jurisdiction

Alexandre Teixeira Jorge•187


Vanessa Benelli Corrêa••
Vanessa Huckleberry Portella Siqueira•••

Resumo: A internet representa um importante marco na globalização


e no desenvolvimento de tecnologias disruptivas, sendo possível identificar
diversos reflexos na esfera tributária. A partir dessa perspectiva, o artigo ana-
lisa os critérios de origem e destino aplicáveis à tributação sobre o consumo,
notadamente em relação às novas tecnologias, a fim de compreender e delimi-

187 *Mestre em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pela Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ), Especialista em Direito Tributário e Contabilidade Tributária pelo IBMEC,
Advogado. Av. Almirante Barroso, nº 22, 15º andar, Centro, Rio de Janeiro/RJ. Tel. (21) 98010-8143.
E-mail: alexandretjorge@yahoo.com.br
**Doutoranda em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pela Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ), advogada. R. Visconde de Pirajá, 495, 7º andar, Ipanema, Rio de Janeiro/
RJ. Tel. (28) 99909-6494. E-mail: vanessa_benelli@hotmail.com.
*** Doutoranda em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pela Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ), Procuradora do Estado do Rio de Janeiro (PGE-RJ), Professora de Direito
Financeiro e Tributário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Professora da Pós-
Graduação em Direito Tributário da Universidade Federal Fluminense (UFF), Professora da Escola
da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), Professora da Pós-Graduação em Advocacia
Pública - UERJ/PGE-RJ. Rua do Carmo nº 27, sala 906, Centro, Rio de Janeiro/RJ - CEP. 20.011-900.
Tel. (21) 2332-9360. E-mail: vanessahps@gmail.com.

143
Tributação da Economia Digital

tar a competência tributária no cenário da economia digital. Nesse sentido, a


controvérsia envolvendo a imposição indireta no sistema tributário brasileiro
foi abordada historicamente, destacando os dispositivos constitucionais e in-
fraconstitucionais desde os primórdios desse debate. A pesquisa é essencial-
mente bibliográfica, perpassando pela análise doutrinária, legislativa e juris-
prudencial. Diante das informações colacionadas, verificou-se que a eleição
do princípio de destino é compatível com o modelo de tributação sobre a pro-
dução e circulação de bens e serviços, sendo recomendado como critério para
definição da competência tributária, evitando os conflitos que se arrastam ao
longo do tempo e garantindo maior segurança jurídica e harmonia federativa.
Palavras-chave: Tributação. Novas tecnologias. Princípios da origem e
do destino.
Abstract: The internet represents an important milestone in globalization
as well as in the development of disruptive innovations with several repercus-
sions on tax sphere. From this perspective, the article analyzes the origin and
destination principles applicable to consumption taxation, especially in relation
to new technologies, in order to understand and delimitate tax jurisdiction in
the digital economy. In this sense, the controversy involving the indirect ta-
xation in the Brazilian system was approached historically, highlighting the
constitutional and infra-constitutional provisions since the beginning of this
debate. The research is essentially bibliographical, going through doctrinal, le-
gislative and court precedents analysis. In face of the collected information, we
verified that the election of the destination principle is consistent with the mo-
del of taxation over the production and sales of goods and services, as well as re-
commended as a criterion to define the tax jurisdiction, avoiding long-standing
conflicts and assuring legal certainty and federative harmony.
Keywords: Taxation. New Technologies. Origin and destination principles.
Sumário: 1. Introdução 2. Tributação do consumo e as novas tecnologias
3. Histórico da controvérsia envolvendo a imposição indireta na origem e no
destino 4. Os desdobramentos dos conflitos no contexto da economia digital
5. Reflexões acerca das medidas viabilizadoras da solução do conflito 6. Con-
clusão 7. Referência bibliográfica

144
Tributação da Economia Digital

1. Introdução
O presente artigo tem como finalidade analisar, no contexto da econo-
mia digital, os princípios de origem e destino, utilizados na implementação
doméstica da tributação indireta. Sabe-se que a tributação pressupõe a exis-
tência de signos presuntivos de riquezas indicados pelo legislador como mate-
rialidades potencialmente geradoras da obrigação tributária. Por essa razão, a
tributação alcança, principalmente, fatos relacionados à renda, propriedade e
consumo. No cenário da economia digital, a identificação dos fatos econômi-
cos, até então típicos da economia industrial, tem representado um dos gran-
des desafios para o direito tributário.
O modelo brasileiro de tributação sobre produção e consumo de bens e
serviços é composto por tributos alocados na competência da União, Estados,
Distrito Federal e Municípios. Desse modo, a primeira parte do trabalho cui-
dará da exposição das particularidades desse modelo de tributação, destacan-
do as suas principais características a fim de viabilizar a compreensão sobre a
imposição indireta no atual contexto econômico.
No panorama ora descortinado, a especialização da atividade produti-
va caracterizadora da economia industrial do século XX cede terreno a uma
nova realidade, ditada não apenas pela desintermediação dos negócios, mas
pela virtualização das transações, a culminar na quebra das cadeias produti-
vas, tornando irrelevante, para fins de classificação dos bens que circulam na
economia, a distinção entre o material e o imaterial.
A crescente desmaterialização e os novos modelos de negócios desenvol-
vidos ou aprimorados no cenário da economia digital apresentam significati-
vo impacto nos fatos geradores dos impostos sobre o consumo.
Por essa razão, será apresentada a estrutura constitucional do sistema tri-
butário brasileiro, delineada sistematicamente pelo constituinte originário no
texto de 1988. O prestígio ao pacto federativo e a autonomia dos entes políticos
resultaram na repartição da competência tributária referente aos impostos que
compõem a tributação sobre o valor agregado, instituída no bojo da reforma do
sistema tributário implementada pela Emenda Constitucional nº 18/1965.
Nesse sentido, torna-se necessário apreender os aspectos centrais dos
princípios de origem e destino, que servem de instrumento para a implemen-
tação da tributação sobre o consumo. Os referidos critérios, normalmente uti-

145
Tributação da Economia Digital

lizados para demarcação da competência tributária no cenário internacional,


são utilizados na delimitação e resolução dos conflitos federativos relaciona-
dos à cadeia interna de circulação econômica de bens e serviços.
Assim, na sequência, será realizada uma investigação histórica da con-
trovérsia envolvendo a imposição indireta, averiguando a aplicação dos princí-
pios de origem e destino desde a Constituição de 1934, quando restou prevista
a competência estadual para a instituição e a cobrança do Imposto sobre Ven-
das e Consignações (IVC). Com suporte nesse exame, permitir-se-á a com-
preensão do interesse arrecadatório envolvido nas disputas entre as unidades
produtora e consumidora localizadas em territórios federativos distintos. A
partir da contextualização histórica do objeto da pesquisa, serão observadas
as disposições da Constituição de 1988, percorrendo as alterações desde a sua
promulgação, bem como os diplomas normativos que tratam, principalmen-
te, da tributação indireta incidente sobre as novas tecnologias. Por fim, serão
expostas reflexões propositivas sobre o tema, a partir das exposições histórica,
legislativa, jurisprudencial e doutrinária, indicando medidas que podem con-
tribuir para a composição dos interesses arrecadatórios dos entes federativos
e, assim, dirimir os conflitos instaurados entre os entes federativos.

2. Tributação indireta no direito brasileiro e o impacto


das novas tecnologias
O consumo de bens e serviços, fato econômico analisado no presente
estudo, apresenta relevante impacto arrecadatório na composição da carga
tributária brasileira. De acordo com a pesquisa realizada188, a base de incidên-

188 O “Estudo da Carga Tributária no Brasil de 2016”, elaborado pela Secretaria da Receita Federal
do Brasil, corresponde a uma série histórica, iniciada em 1995, de dados que permitem a análise
e comparação da carga tributária brasileira ao longo dos anos. No último estudo divulgado,
a arrecadação total, em 2016, representou 32,38 % do PIB. Desse montante, na análise por ente
federativo, 22,11% corresponde à participação da União; 8,23% representa a participação dos
Estados; e, 2,05% é a fatia correspondente à participação dos Municípios. Quanto à participação
dos entes federativos na arrecadação total de 2016, o Governo Federal atingiu de 68,27%; o Governo
Estadual, 25,40%; e, o Governo Municipal alcançou 6,34% do total arrecadado. Em relação à análise
por base de incidência, considerando o enfoque econômico, bens e serviços representaram 47,39%
do total da arrecadação em 2016 e 49,37% em 2015. Já a renda e a propriedade representaram 19,97%
e 4,67%, respectivamente, do montante arrecadado no ano de 2016.

146
Tributação da Economia Digital

cia sobre a produção e circulação de bens e serviços representou, na última


década, 49% do montante total arrecadado no Brasil189.
Percebe-se que a arrecadação proveniente dos tributos incidentes sobre
bens e serviços representa grande parte dos recursos tributários angariados.
Ainda que não seja o escopo do estudo, vale registrar que a composição da
base arrecadatória, formada expressivamente por valores oriundos da tributa-
ção sobre o consumo, não é compatível com o modelo adotado pelos países da
OCDE, que priorizam a tributação sobre a renda em detrimento do consumo,
tornando o sistema brasileiro excessivamente regressivo190.
Não seria demais observar que, somados, os tributos indiretos chegaram
a representar, aproximadamente, 45% da carga tributária no ano de 2017. Já os
tributos diretos, agrupados (renda, lucros e ganhos e patrimoniais), refletiram
25% do total da carga, a corroborar a faceta acima desvelada, no sentido de que
a estrutura do sistema tributário nacional é regressiva, onerando relativamente
mais as famílias das classes de renda mais baixas do que as famílias das classes
de renda mais altas, aniquilando, por conseguinte, a capacidade de o Estado
minorar a concentração de rendas pela via da redistribuição orçamentária191.
Muito embora constatada a existência de diversos modelos de tributação
do consumo192, há adesão majoritária ao modelo de tributação sobre o valor
agregado, que atinge a cadeia de circulação econômica de bens e serviços. No

189 A porcentagem representa a média da arrecadação referente à tributação de bens e serviços, no


período de 2007 a 2016. Disponível em:< http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/
estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisticas/carga-tributaria-no-brasil/carga-
tributaria-2016.pdf>. Acesso em 29 set. 2018.
190 A base arrecadatória brasileira, de acordo com os dados de 2007 a 2016, referente a renda,
propriedade e consumo, está na contramão da composição da carga tributária observada nos países
da OCDE. A tributação no Brasil é considerada excessivamente regressiva, visto a preferência pela
arrecadação proveniente dos tributos indiretos, incidentes sobre o consumo. A regressividade do
sistema, em síntese, resulta na proporção inversa entre a tributação e o nível de renda do sujeito
passivo. Disponível em: <http://www.oecd.org/ctp/tax-global/BRAZIL_PT_countrynote_final.
pdf>. Acesso em: 17 out. 2018.
191 REZENDE, Fernando. Apresentação: Os desafios da tributação na economia digital. PISCITELLI,
Tathiane (Coord.). In: Tributação de bens digitais: a disputa tributária entre estados e municípios Notas
sobre o Convênio ICMS 106/ 2017 e outras normas relevantes (versão digital). São Paulo: InHouse, 2018.
192 Sérgio Vasques analisa os modelos de tributação do consumo e destaca cinco variáveis: impostos
monofásicos sobre produtores, impostos monofásicos sobre grossistas, impostos monofásicos sobre
retalhistas (varejo), impostos cumulativos sobre as transações e imposto sobre o valor acrescentado.
VASQUES, Sérgio. O imposto sobre o valor acrescentado. Coimbra: Almedina, 2015.

147
Tributação da Economia Digital

sistema tributário brasileiro esse modelo foi adotado a partir de 1965, com re-
forma tributária implementada pela Emenda Constitucional nº 18. De acordo
com Ricardo Varsano193, “o principal evento tributário da segunda metade do
século XX foi a adoção do imposto sobre o valor adicionado (IVA) por um
grande número de países”.
No Brasil, a tributação sobre o valor agregado, inspirada no modelo fran-
cês , apresenta particularidades que a destoa do arquétipo universalmente
194

adotado. Com a reforma do sistema tributário da década de 60, a tributação so-


bre o valor agregado foi implementada de forma descentralizada, não seguindo
o modelo geral que concentra a imposição em um único tributo. Dessa maneira,
cada entidade federativa detém competência para instituir e cobrar um imposto
incidente sobre a circulação de bens e serviços ao longo da cadeia produtiva.
Seguindo a repartição constitucional da competência tributária, o im-
posto sobre produtos industrializados – IPI, foi alocado na competência da
União (artigo 153, IV, CF/88), o imposto sobre operações relativas à circulação
de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se
iniciem no exterior – ICMS, compõe a competência dos Estados (artigo 155,
II, CF/88) e o imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISS, está inserido
na competência dos Municípios (artigo 156, III, CF/88).
Há forte crítica a respeito dessa estrutura sistematizada pelo constituin-
te, razão pela qual os estudos sobre reforma do sistema tributário destacam a
necessidade de unificação dessas imposições195. Cabe apontar que os estudos

193 De acordo com o autor, mais de 150 países no mundo adotam o IVA. Os Estados Unidos é a única
economia relevante que não adota um modelo geral de tributação sobre o consumo, tendo as
unidades federativas competência para cobrar o imposto sobre vendas a varejo (sale tax). VARSANO,
Ricardo. A tributação do valor adicionado, o ICMS e as reformas necessárias para conformá-los às
melhores práticas internacionais. Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, 2014, p. 2. No
mesmo sentido, Sérgio Vasques destaca a relevância desse modo de tributação, afirmando que “o
imposto sobre o valor acrescentado constitui o mais importante imposto geral sobre o consumo
da modernidade, encontrando-se espalhado pelos quatro cantos do mundo”. VASQUES, Sérgio. O
imposto sobre o valor acrescentado. Coimbra: Almedina, 2015.
194 VARSANO, Ricardo. A tributação do valor adicionado, o ICMS e as reformas necessárias para
conformá-los às melhores práticas internacionais. Banco Interamericano de Desenvolvimento –
BID, 2014, p. 2.
195 VARSANO, Ricardo. A tributação do valor adicionado, o ICMS e as reformas necessárias para conformá-
los às melhores práticas internacionais. Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, 2014.

148
Tributação da Economia Digital

sobre a tributação das novas tecnologias, típicas da economia digital, reafir-


mam a necessidade de aprimorar o sistema tributário nacional, tendo desta-
que as reformas relacionadas à tributação incidente sobre o consumo196.
Vale notar que as expressões “tributação sobre o consumo” e “tributação
indireta” são utilizadas como sinônimas, indicando a existência, nessas hipó-
teses, de repercussão jurídica ou econômica do encargo fiscal ao longo da ca-
deia produtiva. Desse modo, o ônus tributário é repassado para o consumidor
final, prestigiando a neutralidade das operações.
Nessa linha, a classificação dos tributos em diretos ou indiretos exige a
análise da repercussão do impacto econômico decorrente da tributação para o
comprador ou consumidor final. Em relação aos tributos diretos, as imposições
tributárias não apresentam a transferência econômica do ônus financeiro. Nesse
caso, o sujeito passivo absorve diretamente o impacto da exigência fiscal.
Os tributos indiretos, por outro lado, são aqueles que apresentam re-
percussão econômica e o ônus é transferido pelo contribuinte de direito ao
contribuinte de fato. Isso acontece porque, em respeito à não cumulatividade e
neutralidade na competição, o tributo compõe a formação do preço dos bens e
serviços. O entendimento doutrinário predominante reconhece como carac-
terística dos tributos indiretos o fato de que, legalmente, são devidos por um
sujeito (contribuinte de direito) e economicamente são suportados por outro
sujeito (contribuinte de fato) 197.
No sistema tributário brasileiro, o imposto sobre operações relativas à cir-
culação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal e de comunicação (ICMS) e o imposto sobre produtos industriali-
zados (IPI) são impostos indiretos por presunção constitucional. Assim, em razão
de sua natureza jurídica, sujeitam-se à transferência do ônus tributário.

196 Na emenda substitutiva global à PEC nº 293-A, de 2004, é proposta uma ampla reforma do modelo
brasileiro de tributação de bens e serviços, substituindo os tributos incidentes sobre o consumo (IPI,
ISS, ICMS, PIS e COFINS) por um único imposto sobre bens e serviços (IBS), que incidirá sobre
base ampla de bens, serviços e direitos, tangíveis e intangíveis. Disponível em:< http://www.ccif.
com.br/wp-content/uploads/2018/08/PEC-e-JUSTIFICATIVA-Emenda-Mendes-Thame-1-1.pdf>.
Acesso em: 23 out. 2018.
197 MACHADO, Hugo de Brito. Tributação indireta no direito brasileiro. In: _____. Tributação
indireta no direito brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 182.

149
Tributação da Economia Digital

Como vimos, segundo a Constituição, tanto o ICMS quanto o IPI não


são impostos que devem ser suportados, economicamente, pelo con-
tribuinte de direito (o comerciante ou o prestador do serviço de trans-
porte e comunicação). São, a rigor, impostos sobre o consumo, não de-
vendo onerar a produção ou o comércio. Essa não é uma constatação
econômica, financeira, ou extrajurídica, mas princípio decorrente de
ditames constitucionais. Afirmar que tributos como o Imposto de Im-
portação (II), o Imposto sobre Operação de Circulação de Mercado-
rias e Serviços de Transporte e Comunicação (ICMS), o Imposto sobre
Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre Serviços de Qualquer
Natureza (ISS) ou a Contribuição para o Financiamento da Seguridade
(COFINS) são indiretos ou suportados pelo consumidor é uma conclu-
são de cunho econômico. Entretanto, essa afirmação, que é simples-
mente econômica para a maior parte dos tributos que oneram a pessoa,
independentemente do resultado da atividade, no caso do ICMS e do
IPI, ao contrário, encontra apoio jurídico na Constituição brasileira. 198

A repercussão jurídica do ônus tributário encontra amparo normativo


nas disposições constitucionais relacionadas ao ICMS (artigo 155, II, § 2º, I,
CF/88) e ao IPI (artigo 153, IV, § 3º, II, CF/88), sendo depreendida do princípio
da não cumulatividade199. Nestes casos, juridicamente, haverá a transferência
do encargo para o contribuinte de fato. Cabe notar que a repercussão jurídi-
ca não corresponde necessariamente à repercussão econômica. Isso porque é
reconhecida a possibilidade de o contribuinte de direito repassar, ao consumi-
dor final, o ônus tributário relacionado a outros tributos, até mesmo aqueles
que são, em regra, classificados como diretos. Por essa razão, é possível identi-
ficar diferentes classificações dos tributos considerados indiretos.200

198 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 13. ed. Atualizado por Misabel Abreu Machado
Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 1303-1306.
199 Segundo André Mendes Moreira, além de configurar uma regra de abatimento do imposto pago
nas etapas anteriores, a não cumulatividade é um verdadeiro princípio constitucional. MOREIRA,
André Mendes. A não-cumulatividade dos tributos. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2012, p. 122.
200 Ricardo Lodi Ribeiro entende, por exemplo, que apenas o IPI e o ICMS são classificados como
impostos indiretos. Afirma que o ISS é um imposto direto, pois, embora incida sobre as fases
da cadeia de serviço, a eventual repercussão jurídica existente não tem relevância jurídica, não
gera o direito de crédito, salvo na construção civil (cf. RIBEIRO, Ricardo Lodi. Tributos: teoria
geral e espécies. Niterói: Impetus, 2013, p. 122; 242; 316). Para Vacir Gassen, IPI, ICMS e ISS são
impostos indiretos, pois o ônus é transferido para o contribuinte de fato. Considera ainda, o IOF,
PIS e COFINS como tributos que repercutem ao consumidor final o ônus tributário suportado,
podendo, por isso, serem considerados como tributos incidentes sobre o consumo (cf. GASSEN,

150
Tributação da Economia Digital

Para o desenvolvimento do presente trabalho, é fundamental analisar os


princípios da origem e do destino, utilizados na implementação da tributação in-
cidente ao longo da cadeia de produção e circulação de bens e serviços, indispen-
sáveis em razão das dimensões geográficas do território brasileiro, do modelo de
tributação sobre o valor agregado adotado e do prestígio ao pacto federativo.
A eleição de cada um desses princípios, ou a combinação de ambos, con-
forme será analisada, representa a delimitação da competência tributária no
âmbito nacional. Os princípios são analisados a partir da estrutura constitu-
cional prevista para o ICMS, devido nas operações interestaduais, bem como
para definição do Município competente para a cobrança do ISS.
A adoção do princípio da origem culmina na tributação da produção
interna, localizada no território do produtor, industrial ou comerciante. Por
outro lado, o princípio do destino implica a permissão que a tributação recaia
no território do consumidor, destinatário da mercadoria ou serviço. O debate
sobre os referidos princípios envolve o desequilíbrio entre as unidades fede-
rativas, uma vez que as regiões mais desenvolvidas economicamente concen-
tram fortemente a arrecadação201.
Fernando Rezende202 registra que as tradicionais bases tributárias dos Es-
tados e dos Municípios são sensíveis ao impacto das mudanças advindas das
novas tecnologias203, sendo a sua erosão um fator que contribui para a amplia-
ção das disparidades fiscais da federação brasileira. No mesmo sentido, Valcir
Gassen204 ressalta que a análise da tributação e, especialmente, dos tributos in-
diretos, apresenta relevância significativa, pois estão relacionados aos processos
regionais de integração econômica, ao processo de globalização e ao processo
de alocação econômica. Os princípios jurisdicionais da tributação sobre o con-

Valcir; D’ARAÚJO, Pedro Júlio Sales; PAULINO, Sandra Regina da F. Tributação sobre o consumo:
o esforço em onerar mais quem ganha menos. Seqüência, n. 66, jul. 2013, p. 218).
201 Disponível em: https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/boletim-do-icms/@@consulta_arrecadacao
202 REZENDE, Fernando. A Reforma tributária e a federação. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009, p. 33.
203 Vale notar que a desmaterialização impacta, além dos impostos sobre o consumo (ISS e ICMS),
a incidência, sobre serviços, do Imposto de Renda na Fonte (IRRF), da Contribuição para o
Financiamento da Seguridade Social (COFINS), Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição
de Intervenção de Domínio Econômico destinada a financiar o Programa de Estímulo à Integração
Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação (CIDE-Tecnologia). In: MACEDO, Alberto, p. 68-69.
204 GASSEN, Valcir. Tributação na origem e destino: tributos sobre o consumo e processos de integração
econômica. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

151
Tributação da Economia Digital

sumo circunscrevem as principais delimitações da competência tributária, pro-


movendo ajustamentos de fronteira. Além do caráter técnico, o autor menciona
que os princípios desempenham funções política e econômica.
Importante registrar que o estudo, apesar de perpassar pela análise de um
conflito histórico, conforme será analisado adiante, tem sua relevância enalteci-
da pela complexidade dos fatos econômicos da economia digital, resultado dos
avanços tecnológicos experimentados pela sociedade intensamente globalizada.
As novas tecnologias demonstram claramente a interferência da economia
digital no sistema tributário. As inovações e reformulações das expressões eco-
nômicas apresentam diversos desafios em matéria tributária. Nota-se que a co-
nectividade e a intangibilidade dificultam a categorização de determinadas ma-
nifestações como mercadorias ou serviços, demonstrando a tênue linha entre os
conceitos delimitados constitucionalmente diante da realidade posta em 1988.
Os avanços na informatização, por outro lado, possibilitam maior trans-
parência fiscal e controle da arrecadação, viabilizando a construção de sistemas
dotados de segurança e eficiência. Desse modo, no tópico a seguir será obser-
vado o delineamento histórico da controvérsia levantada no presente estudo,
visualizando a aplicação dos princípios da tributação na origem e no destino,
pautados na tentativa de composição dos interesses dos entes federativos.

3. Histórico da controvérsia envolvendo a imposição


indireta na origem e no destino
O conflito entre origem e destino em matéria de tributação não é novo e re-
monta ao antigo Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC). O referido imposto
foi atribuído à competência dos entes estaduais, por força do art. 8º, inciso I, alínea
“e” da Constituição de 1934, sendo que o parágrafo 1º do citado dispositivo cons-
titucional determinava que o imposto seria uniforme em todo território nacional,
sem distinção quanto à procedência, destino ou espécie dos produtos.
Naquela época, por ser a principal fonte de receita dos Estados, o IVC
foi alvo de inúmeras controvérsias em torno do local para o qual seria devido
o imposto, quando as mercadorias eram transferidas para outros estabeleci-
mentos de mesma titularidade ou para depósitos, localizados em diferentes
Unidades da Federação, para fins de posterior comercialização.

152
Tributação da Economia Digital

Diante da base tributária restrita do IVC, limitada às operações de venda e


de consignação, havia um inconformismo por parte dos Estados produtores, que
se consideravam prejudicados pelo fato de as mercadorias produzidas em seu ter-
ritório, ao serem transferidas para outro ente estadual, acabarem sendo tributadas
pelo Estado de destino (que efetuava a venda), e não pelo Estado de origem.
Com isso, nenhum dos Estados se contentou com a tributação das ven-
das e consignações realizadas em seus limites territoriais, buscando igual-
mente gravar as operações de tal natureza efetuadas fora de suas fronteiras
geográficas, mas cuja mercadoria tivesse sido produzida em seus lindes. Na
tentativa de dirimir os conflitos de competência entre os Estados a respeito do
lugar em que era devido o IVC, a União Federal editou a Lei nº 187/36, cujo
art. 37 assim dispunha:
Art. 37. As vendas e consignações por comerciantes e produtores, inclu-
sive industriais, consideram-se efetuadas na localidade em que tenha
sede o estabelecimento do vendedor ou consignante; e, quando o ven-
dedor, ou consignante tenha mais de um estabelecimento, consideram-
-se realizadas onde se ache situado o de que se fez originariamente a
expedição da mercadoria, ou em que o produto vendido consignado,
foi obtido, ou preparado, inicial ou definitivamente.

Paradoxalmente, o advento do referido diploma legal intensificou os con-


flitos de competência, em matéria tributária, na medida em que os critérios
nele previstos não eram interpretados pelos Estados como sendo sucessivos,
e sim alternativos, de modo que cada ente estadual invocava um dos critérios
trazidos na lei para justificar a tributação de determinada operação.205

205 Fausto de Freitas e Castro noticia que “o resultado [da Lei nº 187/36] foi legalizar a politributação.
Ninguém queria entender como sucessivos os critérios estabelecidos; cada Estado invocava um
pretexto para cobrar, procurado no mesmo dispositivo. Alegava um, ter sido, no estabelecimento
situado em seu território, obtido inicialmente o produto; outro invocava em seu favor a “preparação
definitiva”; outro, a “expedição originária”; outro, o local onde a venda realmente se realizara.
4 – Também o rótulo de “imposto de vendas e consignações” era aplicado a tudo quanto se queria
tributar, embora inconstitucionalmente. As leis estaduais se satisfaziam em “considerar venda”
este ou aquele ato que de venda nada tinha: - pintura e consertos de casas, locação de filmes
cinematográficos, etc., etc.
As relações entre estabelecimentos do mesmo comerciante, se consideravam “venda ou consignação”
quando situados em Estados diversos, e assim se tributava a exportação interestadual (cf. CASTRO,
Fausto de Freitas e. Vendas mercantis (transferência de mercadorias): notas ao decreto-lei nº 915
de 1 de dezembro de 1938. Rio de Janeiro: Biblioteca da Associação Comercial do Rio de Janeiro,

153
Tributação da Economia Digital

Com a promulgação da Constituição de 1937, passou a constar no texto


constitucional a vedação à bitributação (art. 24), o que, contudo, não teve o
condão de impor aos Estados produtores um ajustamento de suas condutas,
subsistindo a queixa de que eles não tributavam as mercadorias produzidas em
seu território quando da sua remessa para estabelecimento do mesmo contri-
buinte situado em outro Estado, para fins de posterior comercialização. Havia
claramente um incômodo por parte dos Estados produtores com o desenho
tributário do IVC, segundo o qual, na sua visão, privilegiava exclusivamente o
comércio, sem levar em conta o local de produção da mercadoria.
Diante das crescentes pressões exercidas pelos Estados produtores, a União
publicou o Decreto-lei nº 140/37206, o qual estabelecia que, nas hipóteses de
transferência de mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade, o
IVC seria pago adiantadamente e no ato da transferência ao Estado produtor,
sendo irrelevante o local em cujo território a venda viesse a realmente se efetuar.
Ocorre que a redação do dispositivo era falha, porquanto equiparava às
vendas e consignações as transferências a esses fins destinadas. Com isso, de
um lado, o Estado produtor cobrava o IVC aduzindo se tratar de uma “venda”,
enquanto que, do outro lado, o Estado de destino também exigia o imposto
argumentando que a venda realmente se efetuava em seu território.207Ante a
manutenção do impasse, sobreveio o Decreto-lei nº 348/38, que acabou tor-
nando a questão ainda mais espinhosa ao atender, em certa medida, aos inte-
resses dos Estados consumidores.

1939, p. 13-14). Em idêntico sentido, ainda, vide: COSTA, Alcides Jorge da. Impôsto de vendas e
consignações. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 59, abr. 1960, p. 27.
206 Art. 1º O imposto sobre vendas e consignações a que se refere a letra d do nº 1 do artigo 23 da
Constituição é devido no local de origem da operação, e para efeito da tributação consideram-se
vendas ou consignações as transferências de mercadorias a esses fins destinadas.
§ 1º As mercadorias que não forem de produção do Estado, quando transferidas para outro, afim de
formar stocks em agências ou filiais, não serão tributadas pelo Estado de procedência.
207 CASTRO, Fausto de Freitas e. Vendas mercantis (transferência de mercadorias): notas ao decreto-
lei nº 915 de 1 de dezembro de 1938. Rio de Janeiro: Biblioteca da Associação Comercial do Rio de
Janeiro, 1939, p. 14-15; COSTA, Alcides Jorge da. Impôsto de vendas e consignações. Revista de
Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 59, abr. 1960, p. 27-28.

154
Tributação da Economia Digital

O Decreto-lei nº 348/38208 buscou uma solução intermediária, estabele-


cendo que a venda das mercadorias transferidas e cujo imposto tivesse sido
previamente pago no Estado de origem ficaria “isenta”, desde que destinada a
comerciante atacadista. Sem embargo, a leitura do Decreto-lei nº 348/38 im-
plicava a assunção de uma premissa bastante controversa: a de que a venda
real da mercadoria também estaria sujeita à incidência IVC, porém, em razão
de uma “isenção”, essa venda não seria objeto de tributação, quando realizada
a comerciante exclusivamente atacadista.
Além disso, o alcance limitado do Decreto-lei nº 348/38 perpetuou o ce-
nário de bitributação naqueles casos em que o comprador das mercadorias
transferidas não era comerciante “exclusivamente atacadista”, pelo que a hipó-
tese restrita de “isenção” abria caminho, consequentemente, para a tributação
das demais operações de venda e consignações. Afinal, só se isenta aquilo que,
em princípio, está sujeito ao imposto.
Em seguida, o Governo Federal editou o Decreto-lei nº 915/38 – posterior-
mente alterado pelo Decreto-lei nº 1.061/39 – que considerou como local de ven-
da o lugar de depósito da mercadoria, exceto nos casos em que a mercadoria era
transferida do Estado produtor para outro, para fins de ali ser vendida, hipótese
em que o lugar da venda é aquele onde a mercadoria foi produzida (art. 1º209).
Ademais, o caput do art. 2º do Decreto-lei nº 915/38210 estabeleceu que as
operações entre estabelecimentos da mesma pessoa, bem como entre esta e seus

208 Art. 1º. Fica isenta do imposto de vendas e consignações a primeira venda feita a comerciante,
exclusivamente atacadista, de mercadorias transferidas para o lugar em que a mesma se efetue, desde
que haja prova do pagamento do imposto devido pela transferência ou de sua isenção legal, no lugar de
procedência, conforme preceitua o art. 1º do Decreto-lei n. 140, de 29 de dezembro de 1937.
Art. 2º. Considera-se “transferência”, para os efeitos deste decreto-lei, a remessa de mercadoria a
filiais ou depósitos dos próprios remetentes ou vice-versa.
209 Art. 1º O imposto sobre vendas e consignações a que se refere a letra d, do n. 1, do art. 23 da
Constituição Federal [de 1937], é devido no lugar em que se efetuar a operação.
Parágrafo único. Para os efeitos fiscais considera-se lugar em que se efetua a operação (venda
ou consignação) o em que tem sede o estabelecimento do vendedor ou consignante, seja matriz,
filial, sucursal, agência ou representante, com depósito a seu cargo das mercadorias vendidas ou
consignadas, salvo quando se tratar de venda efetuada diretamente pelo próprio fabricante ou
produtor, caso em que o lugar da operação será aquele onde foi fabricada ou produzida a mercadoria.
210 Art. 2º Não estão sujeitas ao imposto as operações entre os vários estabelecimentos da mesma
pessoa, bem como as realizadas entre esta e seus agentes ou representantes, observando-se, nos
casos de consignação, os arts. 8º e 9º da Lei n. 187, de 15 de janeiro de 1936.

155
Tributação da Economia Digital

agentes ou representantes não estariam sujeitas à incidência do IVC, pondo-se


fim na confusão e nos abusos até então cometidos ao deixar claro que os termos
“venda” e “consignação” pressupõem a existência de duas pessoas independentes,
duas partes contratantes (vendedor e comprador; consignante e consignatário),
não havendo que se cogitar na exigência do imposto sob a alegação de haver “con-
signação feita à filial” ou “pagamento da filial à matriz” e vice-versa.211
Em continuidade, o art. 2º, §1º do Decreto-lei nº 915/38212 privilegiou os Es-
tados produtores, atribuindo-lhes a receita do IVC decorrente da venda das mer-
cadorias de sua produção, prevendo que, quando as mercadorias destinadas à ven-
da ou consignação forem produzidas em um Estado e transferidas para outro pelo
fabricante ou produtor, a fim de formar estoque, o imposto seria pago adianta-
damente, por ocasião da saída, ao Estado em cujo território foram produzidas.213
A seu turno, o parágrafo 2º do art. 2º do Decreto-lei nº 915/38214 proibia
que o Estado de destino das mercadorias transferidas efetuasse nova cobrança do
IVC por ocasião da efetiva venda ou consignação, estabelecendo, ainda, que, na
hipótese de a venda ou a consignação serem praticadas em valor superior àquele
informado no ato da transferência, caberia ao Estado produtor das mercadorias a
diferença entre o imposto pago adiantadamente no ato da transferência e aquele
devido com base no valor real da operação de venda ou consignação.
Tal disciplina legal perdurou até o final do ano de 1963, quando advém a Lei n

211 CASTRO, Fausto de Freitas e. Vendas mercantis (transferência de mercadorias): notas ao decreto-
lei nº 915 de 1 de dezembro de 1938. Rio de Janeiro: Biblioteca da Associação Comercial do Rio de
Janeiro, 1939, p. 30-31.
212 Art. 2º [omissis]§ 1º Quando as mercadorias destinadas a venda ou consignação forem produzidas
em um Estado e transferidas para outro pelo fabricante ou produtor, afim de formar estoque em
filial, sucursal, depósito, agência ou representante, o imposto será pago adiantadamente, por
ocasião da saída, ao Estado em cujo território foram produzidas.
213 Enquanto os Decretos-leis nº 140/37 e nº 348/38 dispunham que o IVC era pago no ato da transferência
da mercadoria, desde que a esta fosse produzida no Estado de onde era transferida, sendo irrelevante
a pessoa que promovia esse deslocamento, o art. 2º, §1º do DL nº 915/38 estabelecia que essa exigência
antecipada do IVC só se daria quando a transferência fosse feita pelo produtor ou fabricante.
214 Art. 2º [omissis]
§ 2º Ao serem vendidas ou consignadas essas mercadorias no Estado para que foram transferidas,
não será devido novo imposto por essa primeira operação feita pela mesma pessoa, natural ou
jurídica, que as transferiu, se o preço da venda ou o constante da consignação for o mesmo que lhes
houver sido atribuído no ato da transferência, conforme o disposto no parágrafo anterior. Se for
maior o preço da venda ou consignação a diferença de imposto relativa ao excesso será devida ao
Estado em que foram produzidas tais mercadorias.

156
Tributação da Economia Digital

º 4.299/63, que prestigiava claramente os Estados consumidores ao prever em


seu art. 1º, §1º215 que somente nas hipóteses de venda ou consignação de produto
“agrícola, pecuário ou extrativo” é que o IVC seria devido ao Estado de origem dos
produtos em caso de transferência para outro estabelecimento da mesma firma.
Com a Emenda Constitucional nº 18/65 e a substituição do IVC pelo
Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM), seguida pela edição do
Decreto-lei nº 406/68, pacificou-se em certa medida o conflito entre os entes
estaduais no tocante à tributação na origem e no destino. Como regra geral,
conferiu-se aos Estados de origem a sujeição ativa do ICM, nomeando-se a
saída de mercadorias de estabelecimento comercial, industrial ou produtor
como aspecto temporal da regra-matriz de incidência. A exceção ficava por
conta das operações de importação, em que o ICM era devido ao Estado im-
portador, seguindo a prática internacional de adoção do princípio do destino.
Em paralelo, no âmbito dos Municípios, verificou-se idêntica inconfor-
midade com o desenho tributário do Imposto Sobre Serviços de Qualquer
Natureza (ISS).
Atribuído originariamente à competência tributária dos Municípios pelo
art. 15 da EC nº 18/65, o ISS teve suas normas gerais estabelecidas no Decreto-
-lei nº 406/68 – parcialmente alterado pelo Decreto-lei nº 834/69 e pela Lei
Complementar nº 56/87 –, que previa o aspecto espacial da regra-matriz de
incidência do imposto em seu art. 12, in verbis:
Art. 12. Considera-se local da prestação do serviço:
a) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do
domicílio do prestador;
b) no caso de construção civil o local onde se efetuar a prestação.

Em que pese a eleição do local do estabelecimento prestador como crité-


rio legal para definição do sujeito ativo do ISS, salvo na hipótese de prestação

215 Art. 1º O impôsto sôbre vendas e consignações, a que se refere o artigo 19 nº IV da Constituição
Federal [de 1946], é devido no lugar em que se efetuar a operação.
§ 1º Considera-se lugar da operação aquêle onde se encontrar a mercadoria na ocasião da venda
ou consignação. Quando o objeto do contrato fôr produto agrícola, pecuário ou extrativo, sôbre a
operação de venda ou consignação para fora do Estado incidirá a tributação do Estado em que foi
produzida a coisa vendida ou consignada.

157
Tributação da Economia Digital

de serviço de construção civil (em que o imposto seria devido no local da pres-
tação), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou jurisprudência em sentido
diametralmente oposto ao que dispunha o Decreto-lei nº 406/68, assentando
que o local da prestação do serviço seria o critério a prevalecer em todos os
casos, transformando a exceção em regra.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ISS. COMPETÊNCIA. LOCAL DA
PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PRECEDENTES.
I - Para fins de incidência do ISS - Imposto Sobre Serviços -, importa
o local onde foi concretizado o fato gerador, como critério de fixação
de competência do Município arrecadador e exigibilidade do crédito
tributário, ainda que se releve o teor do art. 12, alínea “a” do Decreto-
-Lei n.º 406/68.
II - Embargos rejeitados.216

O entendimento adotado pela Primeira Seção do STJ desafiava o dese-


nho tributário do ISS vigente à época, beneficiando as Municipalidades onde
as atividades eram executadas (princípio do destino). Por outro lado, contra-
riava frontalmente o critério adotado pelo legislador (princípio da origem),
criando um cenário de insegurança jurídica que perdura até os dias atuais e
que não logrou ser solucionado pelo novo texto constitucional.
Aliás, a Constituição Federal de 1988 (CF/88) sofreu fortes influências
por parte dos Estados e dos Municípios que se consideravam prejudicados
financeiramente com os desenhos tributários até então vigorantes em matéria
de ICM e ISS. Desse modo, no próximo tópico serão analisadas as disposições
constitucionais e as legais relacionadas ao cenário da economia digital.

4. Os desdobramentos dos conflitos


no contexto da economia digital
A economia digital representa um novo modelo de realização de negó-
cios, marcado pela desmaterialização e conectividade. Os desafios da tribu-
tação diante desse cenário decorrem das dificuldades técnicas em compreen-

216 STJ, EREsp 130.792/CE, Rel. Ministro Ari Pargendler, Rel. p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi,
Primeira Seção, julgado em 07/04/2000, DJ 12/06/2000.

158
Tributação da Economia Digital

der e alcançar as novas materialidades econômicas, delimitar o alcance das


competências tributárias, bem como identificar os sujeitos da relação jurídi-
co-tributária. No capítulo anterior, foi possível observar a complexidade do
sistema tributário brasileiro relacionado à formatação da tributação sobre o
valor agregado que, por si só, envolve conflitos arrecadatórios entre os entes
federados desde o texto constitucional de 1934.
Diante do cenário apresentado, é notória a influência desses conflitos na
sistematização e delimitação das competências tributárias na Constituição de
1988. No âmbito estadual, foi criada em favor dos Estados consumidores a
figura do diferencial entre as alíquotas interna e interestadual do ICMS, atri-
buindo tal parcela da receita tributária aos Estados destinatários de mercado-
rias adquiridas por contribuinte do imposto, na condição de consumidor final
(art. 155, §2º, VIII da CF/88).
Sem embargo, o alcance restrito do dispositivo constitucional, somado à
expansão do comércio eletrônico217 – em larga escala envolvendo consumidores
que não são contribuintes do ICMS, não havendo, portanto, o recolhimento
do diferencial de alíquotas em favor do Estado de destino –, gerou um cená-
rio de descontentamento por parte de alguns entes estaduais, cujo ápice se
materializou na celebração do Protocolo ICMS nº 21/2011, o qual subvertia
o arquétipo constitucional do ICMS, dispondo que, nas vendas efetuadas de
forma não presencial por meio de internet, o imposto seria devido à unidade
federada de destino (e não de origem).
Instada a se manifestar, a Suprema Corte218 declarou a inconstituciona-
lidade do Protocolo ICMS nº 21/2011, porém, pouco depois, sobreveio a EC
nº 87/15, que, privilegiando os Estados consumidores, estabeleceu que nas
operações e prestações interestaduais que destinem bens e serviços a consu-
midor final, contribuinte ou não do imposto, caberá ao Estado de localização
do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna
do Estado destinatário e a alíquota interestadual (art. 155, §2º, VII da CF/88).

217 Comércio eletrônico pode ser entendido como um modelo de transações pela rede de computadores,
considerado indireto quando envolve comercialização de bens tangíveis, com a entrega física da
mercadoria, e direto quando envolve bens intangíveis, comercializados e entregues por meio eletrônico.
218 STF, ADI 4.628/DF, Rel.  Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 17/09/2014, DJe 21/11/2014.

159
Tributação da Economia Digital

Para efetivação da nova redação do texto constitucional, a referida emenda


incluiu o art. 99 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT),
prevendo que a partir de 2019 o imposto relativo ao diferencial de alíquotas será
integralmente devido ao Estado de destino. Entre 2015 e 2018, em caráter transi-
tório, o montante devido foi partilhado entre os Estados de origem e de destino,
nos termos mensurados nos incisos do artigo mencionado219.
As disposições acima comentadas envolvem o histórico conflito entre os Esta-
dos de origem e destino, bem como demonstram os contornos atuais relacionados
à economia digital. O protocolo, declarado inconstitucional, surgiu no contexto da
evolução do comércio eletrônico220. Apesar da invalidade do referido instrumento,
a alteração posteriormente implementada pela EC nº 87/15 teve como objetivo des-
concentrar a arrecadação nas unidades federativas de origem, prestigiando o crité-
rio de destino nas operações interestaduais com consumidor final.
Percebe-se que o crescimento do comércio eletrônico (e-commerce) intensi-
ficou os conflitos entre os Estados de origem e destino, tendo em vista o interesse
arrecadatório resultante na concentração da receita nas unidades produtoras, de
um lado, e as investidas descentralizadoras das unidades consumidoras, de outro.
Contudo, os desafios da economia digital vão além do modelo de comercialização
adotado para as operações relativas à circulação de mercadorias.
Nessa linha, o Convênio ICMS 181, de 28 de dezembro de 2015, auto-
rizou determinadas unidades federadas a conceder redução de base de cál-
culo nas operações com softwares, programas, jogos eletrônicos, aplicativos,
arquivos eletrônicos e congêneres. Posteriormente, o Convênio ICMS 106, de

219 De acordo com o artigo 99 do ADCT, a proporção da partilha do imposto entre os Estados de origem
e destino seria, para o ano de 2015: 20% (vinte por cento) para o Estado de destino e 80% (oitenta
por cento) para o Estado de origem; para o ano de 2016: 40% (quarenta por cento) para o Estado de
destino e 60% (sessenta por cento) para o Estado de origem; para o ano de 2017: 60% (sessenta por
cento) para o Estado de destino e 40% (quarenta por cento) para o Estado de origem;   para o ano
de 2018: 80% (oitenta por cento) para o Estado de destino e 20% (vinte por cento) para o Estado de
origem; a partir do ano de 2019: 100% (cem por cento) para o Estado de destino. O Convênio ICMS
93/2015 estabelece os procedimentos a serem observados nas operações e prestações eu destinem bens
e serviços a consumidor final não contribuinte do imposto, localizado em outra unidade federada.
220 Na tentativa de defender a validade do Protocolo ICMS nº 21/2011, o Estado do Pará destacou
a evolução do comércio eletrônico, que havia movimentado em 2013 cerca de R$ 28 bilhões no
Brasil. Desse modo, as modificações introduzidas buscaram evitar a concentração da receita
nos Estados produtores. Disponível em:< http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.
asp?idConteudo=275382>. Acesso em: 23 out. 2018.

160
Tributação da Economia Digital

29 de setembro de 2017, por sua vez, disciplinou os procedimentos de cobran-


ça do ICMS nas operações com bens e mercadorias digitais, que deverá ser
recolhido nas saídas internas e nas importações de mercadorias digitais. A
desmaterialização e a conectividade são algumas das características da eco-
nomia digital, termo utilizado para demarcar os novos modelos de negócios
advindos da revolução implementada pela internet. Assim, com a edição dos
referidos convênios, os Estados sinalizaram o interesse arrecadatório sobre as
operações com bens digitais.
Nos termos das disposições do Convênio, o imposto incide nas operações
de download de músicas e nos acessos aos programas de computador padro-
nizados na nuvem, mediante pagamento periódico de assinatura. Os Estados,
nos termos do Convênio 106/2017, estão autorizados a promover a cobrança
do ICMS sobre as referidas operações, desde o dia 1º de abril de 2018, sendo
o imposto devido ao Estado onde estiver o consumidor final, preconizando a
adoção do princípio de destino. Muito embora essa seja a recomendação de
diversos estudiosos desse tema, a eleição do referido critério por meio de con-
vênio viola as disposições constitucionais que regem a matéria221, alterando o
arquétipo previsto pelo constituinte originário.
A tributação incidente sobre bens digitais, nos termos previstos nos referi-
dos convênios, conflita com disposições aprovadas para a lei complementar que
disciplina as normas gerais do ISS. Contudo, apesar de ser notório os conflitos
instaurados entre Estados e Municípios para a tributação de bens digitais, o ob-
jetivo do artigo é destacar os conflitos entre os princípios de origem e destino.
Na esfera da competência municipal, foi publicada a Lei Complemen-
tar nº 116/03, que favoreceu, em determinadas hipóteses, as Municipalidades
onde ocorre a prestação do serviço, ampliando as exceções à regra geral de
tributação do ISS na origem (art. 3º). Mais recentemente, com a edição da Lei
Complementar nº 157/16, alargou-se ainda mais o rol de exceções ao caput do
art. 3º da Lei Complementar nº 116/03, deslocando a sujeição ativa do ISS para
os Municípios de destino em relação à algumas atividades222.

221 Percebe-se que os Convênios dispuseram sobre matérias reservadas à lei complementar, ferindo
dispositivos da Constituição de 1988: artigo 146, I, III, a; artigo 155, § 2º, VII.
222 Nos autos da ADI 5.835/DF, o Ministro Alexandre de Moraes concedeu liminar para suspender
dispositivos da LC 116/2003 alterados pela LC 157/2016. Na ação, questiona-se os dispositivos que
determinam que o ISS será devido no município do tomador do serviço no caso dos planos de

161
Tributação da Economia Digital

Além dos conflitos horizontais de competência, internalizado pela ado-


ção dos princípios de origem e destino, notam-se conflitos de competência
entre ICMS e ISS em relação à incidência dos impostos sobre as operações
com softwares por meio de download e streaming. Conforme observado, a par-
tir do Convênio 181/2015 e 106/2017, alguns Estados passaram a promover a
cobrança do ICMS nessas operações. Por outro lado, os Municípios, apoiados
nas alterações da LC nº 157/2016, estão aptos a tributar esse mesmo fato.223
Com efeito, percebe-se que o dilema entre a tributação do consumo na ori-
gem ou no destino faz parte da realidade federativa brasileira há bastante tempo
e simboliza a crítica por parte de alguns entes (própria do federalismo) aos de-
senhos tributários concebidos pelo legislador como resultado de escolhas feitas
pelas forças majoritárias de uma época. Com o passar do tempo, tais opções
legislativas voltam naturalmente a ser objeto de escrutínio popular como forma
de avaliação dos seus efeitos. Somado a isso, há também uma intensa evolução
tecnológica, que impõe novos desafios às Administrações Tributárias.

5. Reflexões acerca das medidas


viabilizadoras da solução do conflito
De acordo com as exposições anteriores é possível verificar que o conflito
interno acerca da aplicação dos princípios de tributação na origem e no desti-
no representa um dos intrincados aspectos de composição dos interesses fede-
rativos. Fernando Rezende224 registra que a ausência de mecanismos, formais
ou informais, instituídos com o objetivo de negociar os conflitos federativos, é
uma das principais deficiências da federação brasileira. Não é por outra razão
que restou delineada a histórica controvérsia envolvendo a tributação indireta

medicina em grupo ou individual, de administração de fundos e carteira de clientes, de administração


de consórcios, de administração de cartão de crédito ou débito e de arrendamento mercantil (leasing).
223 LC 116/2003. Lista Anexa. Item 1. Serviços de Informática e congêneres. 1.09 - Disponibilização,
sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet, respeitada
a imunidade de livros, jornais e periódicos (exceto a distribuição de conteúdos pelas prestadoras de
Serviço de Acesso Condicionado, de que trata a Lei no 12.485, de 12 de setembro de 2011, sujeita ao
ICMS).  (Incluído pela Lei Complementar nº 157, de 2016)
224 REZENDE, Fernando. A Reforma tributária e a federação. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009, p. 162.

162
Tributação da Economia Digital

nas unidades produtoras e consumidoras, bem como o seu desdobramento


para o cenário da economia digital.
A partir da realidade observada, verifica-se a necessidade de instituição
de mecanismos para coordenação e composição dos interesses federativos. Por
outro lado, serão expostas as razões pelas quais a reforma tributária torna-se
inevitável, sobretudo na transição de uma economia industrial, baseada em
bens e serviços, para um modelo marcado pela crescente inovação disruptiva
que torna o ambiente suscetível ao surgimento de novas tecnologias e modelos
de negócios desconhecidos.
Conforme já assinalado, o sistema brasileiro adota, em relação à tributa-
ção sobre o consumo, os princípios de origem e destino. A tributação na uni-
dade produtora é identificada no ordenamento jurídico doméstico como regra
a informar a competência tributária. O sistema é misto porque o princípio do
destino é utilizado, excepcionalmente, para estabelecer as situações nas quais a
competência será transferida para a unidade consumidora. Contudo, de acor-
do com as pesquisas desenvolvidas sobre o tema, constata-se que a adoção do
princípio do destino é recomendada por diversos estudiosos sobre a matéria225.
Ademais, é notória a necessidade de considerar, no desenho de uma refor-
ma tributária, os fatos econômicos e as características típicas da economia digital.
Na justificativa apresentada na emenda substitutiva global à PEC nº 293-A/2004,
que propõe os fundamentos e detalhamentos de uma ampla reforma do modelo
brasileiro de tributação de bens e serviços a partir do atual contexto econômico,
é registrada a eleição do princípio de destino para sistematizar as transações in-
terestaduais e intermunicipais. Neste cenário, a implementação será por meio da
escrituração individual de cada estabelecimento do mesmo contribuinte. Assim,

225 Nas diretrizes do cenário de reforma da tributação indireta, apresentadas pelo Programa “Fórum
Fiscal dos Estados Brasileiros & Fundação Getúlio Vargas”, afirma-se que “a adoção do princípio do
destino na tributação subnacional sobre bens e serviços é uma necessidade que já há algum tempo
tem contado com amplo reconhecimento, tendo sido analisada com razoável grau de detalhamento
em trabalhos anteriores do Fórum Nacional Fiscal dos Estados Brasileiros”. BARATTO, Gedalva;
LOBATO, José Roberto Soares. Cenário de Reforma Tributária com Tributação Dual sobre o
Consumo. REZENDE, Fernando (Coord.). Cadernos Fórum Fiscal, n. 5, 2007, p. 20. Na mesma
linha: VARSANO, Ricardo. A tributação do valor adicionado, o ICMS e as reformas necessárias
para conformá-los às melhores práticas internacionais. Banco Interamericano de Desenvolvimento
– BID, 2014. CARVALHO et. al. Uma reforma dual e modular da tributação sobre o consumo no
Brasil. Reforma Tributária IPEA-OAB/DF. Rio de Janeiro: 2018.

163
Tributação da Economia Digital

no modelo proposto, haverá a consolidação dos créditos e débitos dos estabeleci-


mentos, com uma única apuração e um único recolhimento.
No mesmo sentido, de acordo com Fernando Rezende226, os avanços tec-
nológicos permitiram, por meio do sistema de escrituração e da nota fiscal
eletrônica, a operacionalização do princípio do destino. A operacionalização
do princípio do destino poderia ocorrer por meio de (i) sistema de diferimen-
to do pagamento do tributo e/ou (ii) sistema de compensação. No primeiro
modelo, a arrecadação tributária é efetivada integralmente pelo Estado de
destino. No segundo modelo, a tributação ocorre no Estado de origem, mas
há, posteriormente, compensação dos débitos e créditos dos diversos Estados.
O projeto de reforma tributária mencionado prevê que a operacionaliza-
ção da distribuição da receita entre os Estados e Munícios será regulamentada
por lei complementar, sendo proporcional aos débitos e créditos atribuíveis a
cada ente federativo. Para composição dos interesses, seria necessário a insti-
tuição de um comitê gestor nacional, para, nos termos das sugestões apresen-
tadas, arrecadar e distribuir a receita entre os entes políticos.
Seguindo a linha apontada, nos estudos sobre Reforma Tributária IPEA-
-OAB/DF são estabelecidas premissas para o desenvolvimento de um novo
modelo. Entre elas, destaca-se a necessidade de analisar os aspectos tributários
relacionados às novas tecnologias. Aponta-se, ainda, que a arrecadação pode ser
beneficiada pelo aparato tecnológico, como o Sistema Público de Escrituração
Digital (Sped) e a Nota Fiscal Eletrônica (NF-e), que podem ser utilizados na
repartição de receitas entre os Estados com a adoção da alíquota do destino227.
Foi possível perceber latente posicionamento para a adoção do critério
do destino, notadamente em relação às operações de circulação de mercadorias
e serviços. De outro lado, há estudos que buscam compreender o impacto na
arrecadação dos estados produtores e consumidores, analisando o cenário para
eventuais alterações do critério para definição da competência tributária rela-
tiva à tributação sobre o consumo, destacando a inexistência de neutralidade.
Entretanto, tal alteração não é neutra do ponto de vista dos Estados.
Como se viu nos resultados, os Estados produtores têm perdas de arre-

226 REZENDE, Fernando. A Reforma tributária e a federação. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009, p. 147.
227 CARVALHO et. al. Uma reforma dual e modular da tributação sobre o consumo no Brasil. Reforma
Tributária IPEA-OAB/DF. Rio de Janeiro: 2018, p. 101.

164
Tributação da Economia Digital

cadação que chegam a quase R$ 1,4 bilhão, como no caso de São Paulo,
em valor absoluto, ou 13,4%, para o Espírito Santo, em termos relati-
vos. Já os ganhadores são os Estados consumidores, em geral, os menos
desenvolvidos da federação, mas que também inclui alguns dos mais
desenvolvidos e com relativamente pouca produção de mercadorias.
Em termos absolutos, os maiores ganhos estão no Rio de Janeiro, quase
R$ 1 bilhão, e Distrito Federal, R$ 576 milhões. Em termos relativos, os
mais favorecidos são Piauí, com um acréscimo de 37% na sua arrecada-
ção, e Alagoas com um incremento de 33%.
Dado o impacto significativo nas finanças dos Estados prejudicados pelo
princípio do destino, é recomendável que a transição de um regime para
outro seja feita num intervalo de tempo razoável e com o apoio do gover-
no federal, de forma a minimizar os custos de bem-estar que serão im-
postos à população. Políticas de aumento da eficiência na Administração
Tributária são importantes tanto para ganhadores quanto para perdedo-
res. Os primeiros para que a receita potencial com a nova sistemática se
torne real, e os últimos como tentativa de recuperar parte das perdas.228

De acordo com as pesquisas, a adoção do princípio de origem nas tran-


sações interestaduais, além de agravar as desigualdades regionais, ocasio-
na forte desequilíbrio na distribuição da arrecadação, visto que a produção
é bem mais concentrada do que o consumo. Assim, as unidades federativas
consumidoras, tornam-se mais dependentes de transferências federais para
reduzir os desequilíbrios regionais229. Outro ponto destacado é a sonegação
nas operações interestaduais haja vista a ausência de controle eficiente para a
circulação de mercadorias.
Nesse sentido, a tributação no destino viabilizaria a correção da injusta
distribuição da receita tributária entre os Estados; eliminaria as distorções acer-
ca da alocação dos recursos produtivos; e, tornaria a arrecadação mais eficaz.
Por outro lado, importante apontar os potenciais impactos imediatos, uma vez
que alguns entes sofreriam prejuízos na implementação do princípio de destino
como critério de definição da competência tributária. No trecho acima desta-
cado, o autor sugere que a transição seja efetivada em um intervalo de tempo

228 PAES, Nelson Leitão. A implantação do princípio do destino na cobrança do ICMS e suas
implicações dinâmicas sobre os Estados. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 63, n. 3,
2009, p. 246-247.
229 FONSECA, Ricardo Coelho da; BORGES, Djalma Freire. Tributação interestadual do ICMS e adoção
do princípio do destino. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 39, n. 1, jan. 2005, p. 21.

165
Tributação da Economia Digital

razoável e com apoio do governo federal a fim de minimizar o impacto negativo


para determinados entes. Nos termos das sugestões apresentadas pela emenda
substitutiva global à PEC nº 293-A/2004, um comitê gestor nacional pode suprir
a ausência de coordenação efetiva dos conflitos federativos.
Diante das exposições, percebe-se que a adoção do princípio do destino na
tributação sobre o consumo é uma das medidas sugeridas no bojo de sugestões
para a reforma tributária. Conforme analisado anteriormente, a alteração pro-
movida pela Emenda Constitucional nº 87/2015 representa a eleição do referido
critério na reformulação da competência tributária, indicada, anteriormente,
para os Estados de origem. Percebe-se, portanto, que a eleição do princípio de
destino, instrumentalizado pelas tecnologias disponíveis, poderá potencializar
a arrecadação, reduzir os conflitos federativos e as desigualdades regionais.

Considerações finais
A estrutura do sistema tributário nacional, centrada na força arrecada-
tória dos tributos incidentes sobre o consumo, destaca a importância dos es-
tudos relacionados à tributação indireta, que tem como característica a reper-
cussão jurídica ou econômica do ônus tributário para o contribuinte de fato,
uma vez que o ônus fiscal é repassado pelo contribuinte de direito no valor da
mercadoria ou do serviço ao consumidor final.
Os princípios da tributação na origem e da tributação no destino repre-
sentam, no plano interno, critérios para definição da competência tributária
das imposições que recaem sobre o consumo. A análise histórica realizada no
presente estudo demonstrou que, desde a Constituição de 1934, com a alo-
cação do imposto sobre venda e consignação (IVC) na competência das uni-
dades federadas, os conflitos entre unidades produtoras e consumidoras são
observados como fator decorrente do interesse arrecadatório, interferindo na
eleição dos referidos princípios.
No contexto brasileiro, ao adotar um sistema misto, observa-se que, em
regra, as unidades produtoras detêm a competência para arrecadação e, ex-
cepcionalmente, são previstas hipóteses nas quais a competência é deslocada
para os entes consumidores.

166
Tributação da Economia Digital

Contudo, verificou-se que, a partir da edição do Protocolo ICMS 21/2011,


no cenário de crescente valorização do comércio eletrônico, foi iniciado um
movimento de descentralização da arrecadação do imposto, concentrada nos
entes produtores. Muito embora declarado inconstitucional pelo Supremo
Tribunal Federal, com o advento da Emenda Constitucional nº 87/2015, ins-
titucionalizando o alargamento da competência dos Estados de destinos, foi
possível notar forte atuação dos Estados para ampliação da cobrança do im-
posto sobre estrutura diversa daquela prevista no texto constitucional.
Assim, diante das características que permeiam a economia digital, no-
tadamente em razão da desmaterialização das novas tecnologias, os Estados
editaram no âmbito do CONFAZ os Convênios ICMS 181/2015 e 106/2017
para regulamentar as operações com bens digitais. Neste último caso, per-
cebe-se que, unilateralmente, sem amparo no texto constitucional, restou
modificada a competência tributária, repassando a arrecadação das referidas
operações para os Estados consumidores. Com efeito, ao estabelecer que o im-
posto será inteiramente devido aos Estados nos quais estiverem localizados os
adquirentes dos bens digitais, o Convênio ICMS 106/2017 ignora a divisão do
aludido imposto entre Estados de origem e de destino, pisoteando a letra do
art. 155, §2º, inciso VII, alínea “b” da Constituição da República, cuja redação
determina a adoção de alíquotas interestaduais em semelhantes operações.
Nessa esteira, a afronta ao pacto federativo revela-se evidente, mesmo por-
que a normativa interfere no repasse do produto da arrecadação do ICMS aos
Municípios230, conforme prescreve o art. 158, inciso IV, da Constituição, em
flagrante avilte à sistemática da repartição de receitas, o que, ao fim e ao cabo,
reverbera na discriminação de rendas.
No âmbito municipal, igualmente foi possível perceber um movimento para
reformulação da competência tributária, indicando o local de destino como com-
petente para cobrança do ISS a partir das alterações promovidas pela Lei Com-
plementar nº 157/2016. Por essas alterações, as exceções previstas na Lei Comple-
mentar nº 116/2003 foram ampliadas, difundindo as hipóteses nas quais o princí-
pio de destino atua como critério delimitador da competência tributária.

230 BARROS, Maurício. O papel dos convênios no sistema tributário brasileiro e os Convênios 181/2015 e
106/2017: invalidade do ICMS nas operações com os chamados “bens digitais”. PISCITELLI, Tathiane
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Convênio ICMS 106/ 2017 e outras normas relevantes (versão digital). São Paulo: InHouse, 2018.

167
Tributação da Economia Digital

Desse modo, é possível concluir que há forte respaldo doutrinário para


indicação do princípio de destino como critério definidor da competência para
a tributação sobre o consumo, sendo possível instrumentalizá-lo por meio de
mecanismos tecnológicos de controle, seja de um sistema de diferimento do
pagamento do tributo ou de compensação dos débitos e créditos dos diversos
Estados. Nessa linha, as propostas de reforma tributária, alinhadas às pesqui-
sas desenvolvidas pelos estudiosos da matéria, indicam, da mesma forma, o
critério de destino como o mais adequado para a composição e coordenação
dos interesses federativos.

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170
Os Relatórios do Projeto BEPS Ação 1, as
propostas da União Europeia e as Atualizações
Referentes a Tributação da Economia Digital

Marcus Livio Gomes231


Doris Canen232

1. Introdução
A digitalização não só transformou radicalmente aspectos do cotidiano,
mas também a organização e as funções da economia e da própria socieda-
de. É inegável que tal impacto afetou as normas tributárias internacionais.
Mais especificamente, a digitalização mudou os métodos de comunicação e
a interação entre as pessoas e a sociedade trazendo dispositivos e máquinas
que transformaram relacionamentos e mercados consequentemente mexendo
com empregos, privacidade e segurança, educação, saúde e política. Além de
trazer mudanças, a digitalização desempenha um papel central na promoção
da inovação. Diversas tecnologias emergentes, incluindo a Internet das Coi-
sas, criptografia, impressão 3D, robótica avançada e dados governamentais
abertos foram introduzidas em nossas vidas.
Nesse contexto, a Ação 1 do Projeto BEPS teve como foco a tributação da
economia digital (ou digitalização da economia, nomenclatura escolhida por
alguns doutrinadores233 eis que, para eles, as indústrias tradicionais também

231 Professor de Direito Tributário nos programas de Mestrado e Doutorado da Universidade do


Estado do Rio de Janeiro. Mestre e Doutor em Direito Tributário pela Universidade Complutense
de Madrid. Pós-Doutor e Pesquisador no Institute of Advanced Legal Studies |(IALS/University of
London). Juiz Federal.
232 LLM em Direito Tributário Internacional pela King’s College London (Bolsista Chevening). Pós-
Graduada em Direito Tributário pela FGV. Mestre e Bacharel em Direito pela UCAM. Membro do
Grupo de Pesquisa de Tributação e Novas Tecnologias da FGV. Advogada.
233 PETRUZZI, Raffaelle, Addressing the Tax Challenges of the Digitalization of the Economy – A
Possible Answer in the Proper Application of the Transfer Pricing Rules? Abril, 2018, IBFD Bulletin
for International Taxation 72 (4a/2018)

171
Tributação da Economia Digital

estão sofrendo as transformações da era digital). A intenção desse artigo é


apontar os principais pontos abordados pelos relatórios da OCDE acerca da
aludida ação bem como a evolução dos estudos até a presente data.

2. OCDE e a Ação 1 BEPS – Desafios da Economia Digital234


Em 5 de outubro de 2015, a OCDE divulgou o relatório final sobre a Ação
1 do Projeto BEPS, que aborda os Desafios Tributários da Economia Digital. O
relatório foi inconclusivo no que tange a aspectos de tributos diretos e, assim,
a OCDE indicou que o trabalho referente ‘a economia digital deveria prosse-
guir e um relatório suplementar que reflita os resultados da continuação do
trabalho em questão será feito até 2020.
A fim de prosseguir as pesquisas, em setembro de 2017, a OCDE procedeu
a uma consulta pública, discutida em novembro de 2017 em Berkeley, Califór-
nia, para melhor entender os desafios tributários da economia digital na prática
e solicitou sugestões para enfrentar esses desafios. Em tal consulta, as partes
interessadas comentaram sobre: (i) o impacto da digitalização nos modelos de
negócios e na criação de valor; (ii) desafios e oportunidades para os sistemas
tributários; (iii) a implementação das medidas descritas no pacote BEPS; e (iv)
opções potenciais para enfrentar os desafios fiscais diretos da digitalização.
Com base nos comentários feitos por diversas empresas do setor como
Sony, exemplo de empresa tradicional que viu seu “supply chain” ser alterado
com a digitalização da economia e Spotify, empresa que nasceu em virtude da
evolução tecnológica global, foi preparado o relatório provisório, apresentado
em março de 2018, conforme havia sido solicitado pelo G20, organizado em
oito capítulos diferentes, listados abaixo:
• Capítulo 1: Introdução ao Relatório Provisório sobre os desafios fis-
cais decorrentes da digitalização
• Capítulo 2: Digitalização, modelos de negócios e criação de valor
• Capítulo 3: Implementação e impacto do pacote BEPS
• Capítulo 4: Evolução da política fiscal

234 Resumo elaborado com base no OECD Interim Report to discuss Tax Challenges Arising from
Digitalisation disponível em: http://www.oecd.org/ctp/tax-challenges-arising-from-digitalisation-
interim-report-9789264293083-en.htm consulta em 2 de abril de 2018

172
Tributação da Economia Digital

• Capítulo 5: Adaptar o sistema tributário internacional à digitalização


da economia
• Capítulo 6: Medidas temporárias para enfrentar os desafios tributá-
rias decorrentes da digitalização
•Capítulo 7: Além das regras tributárias internacionais: O impacto da
digitalização em outros aspectos do sistema tributário
•Capítulo 8: Conclusão do Relatório Provisório sobre os desafios fiscais
decorrentes da digitalização

Dos diversos pontos destacados no relatório indicamos a seguir os que


entendemos mais relevantes:

2.1 Digitalização, modelos de negócios


e criação de valor (capítulo 2)
O relatório identifica três características comuns que são frequentemente
observadas em certos negócios altamente digitalizados e que se espera que se
tornem características comuns de um número maior de empresas, à medida
que a digitalização continua:
i) Produção transnacional: A digitalização possibilitou que as empresas
colocassem os diversos estágios de seus processos de produção em dife-
rentes países e fornecessem acesso a um grande número de clientes em
todo o mundo. Empresas altamente digitalizadas podem estar fortemen-
te envolvidas na vida econômica de um país sem qualquer presença física
significativa e alcançar escala local operacional sem massa local.
ii) Dependência de ativos intangíveis, incluindo propriedade intelectu-
al (PI): Outra característica dos negócios digitalizados é que eles inves-
tem cada vez mais em intangíveis, especialmente ativos de PI. Foi ob-
servado que o uso intenso de ativos de PI (por exemplo, software, sites
e algoritmos) é central para os modelos de negócios de tais empresas.
iii) Dados, participação do usuário e suas sinergias com PI: Os mo-
delos de negócios de empresas altamente digitalizadas incluem dados,
participação do usuário, efeitos de rede e fornecimento de conteúdo
gerado pelo usuário. Os benefícios da análise de dados também podem
aumentar com a quantidade de informações coletadas vinculadas a um
usuário ou cliente específico.

173
Tributação da Economia Digital

Embora a existência das três características acima mencionadas de em-


presas digitalizadas seja reconhecida pelos membros do “BEPS Inclusive Fra-
mework - IF”, não há consenso sobre sua relevância e importância para a loca-
lização da criação de valor e a identidade do (s) criador (es) de valor.
Ressalta o relatório que os mercados digitais são caracterizados por efei-
tos de rede diretos, já que a utilidade do consumo de um bem ou serviço es-
pecífico é frequentemente dependente do número de outros usuários finais
que consomem o mesmo bem ou serviço. Em mercados multilaterais, os efei-
tos de rede indiretos também podem ocorrer quando um grupo específico de
usuários finais se beneficia da interação com outro grupo de usuários finais,
geralmente por meio de uma plataforma on-line.
Por fim, a complementaridade é outra característica dos mercados di-
gitais, uma vez que os clientes obtêm mais utilidade do consumo de dois ou
mais produtos complementares (por exemplo, laptop complementado por
programas de software).
O Relatório Provisório classifica os processos de criação de valor em três
grupos e descreve sistematicamente o processo em cada um dos mesmos:
i) Cadeias de valor, que é uma teoria da empresa que modela uma tecnolo-
gia de longo alcance em que o valor é criado pela conversão de entradas em
produtos por meio de atividades sequenciais discretas, mas relacionadas.
ii) Redes de valor, uma estrutura mais natural para muitas empresas
altamente digitalizadas, contando com uma tecnologia de mediação
que é usada por operadores de plataforma para vincular clientes inte-
ressados em participar de uma transação ou relacionamento.
iii) Lojas de valor, que operam em mercados unilaterais onde as inte-
rações ocorrem com um tipo específico de usuário ou cliente, e que se
caracterizam pelo uso de uma tecnologia intensiva aplicada para resol-
ver uma demanda ou problema específico do cliente.

Para ajudar na análise de vários processos de criação de valor, o Capítulo


2 também descreve diferentes estudos de casos de modelos de negócios que
são analisados em detalhes com o objetivo de isolar os recursos relevantes
para o sistema tributário. Os modelos de negócios examinados nos estudos de
caso são: (i) um revendedor de bens tangíveis como exemplo de uma cadeia de
valor, duas plataformas multilaterais; (ii) uma empresa de aluguel de automó-

174
Tributação da Economia Digital

veis e uma rede social como exemplos de redes de valor; e (iii) uma empresa de
computação em nuvem como exemplo de uma loja de valor.
Evolução da política fiscal relevante (capítulo 4)
O Capítulo 4 descreve as medidas unilaterais relevantes para a digitaliza-
ção que foram introduzidas pelos países e as agrupa em quatro categorias: (i)
aplicações alternativas do limite do estabelecimento permanente; (ii) impostos
retidos na fonte; (iii) impostos sobre o volume de negócios; e (iv) regimes espe-
cíficos destinados a grandes empresas multinacionais. Essas medidas caracteri-
zam-se por proteger e / ou expandir a base tributária no país em que os clientes
ou usuários estão localizados, incluindo elementos vinculados a um mercado
no projeto da base tributária (por exemplo, receita de vendas, local de uso ou
consumo) e refletem um descontentamento entre alguns países com os resulta-
dos tributários produzidos pelo atual sistema internacional de imposto de ren-
da. O relatório provisório apresenta o seguinte detalhamento de cada medida:
i) Aplicações alternativas dos limites do Estabelecimento Permanen-
te (PE): Incluir medidas tomadas por alguns países, a fim de alterar
a forma como o limite da tributação baseada na fonte dos lucros das
empresas - a definição do PE - é aplicado ao abrigo da legislação na-
cional e / ou em tratados fiscais. Os desenvolvimentos observados são
ou medidas que incorporam fatores de presença digital ou a aplicação
do limite de “estabelecimento permanente de serviço” sem restrições
de requisitos de presença física. As primeiras medidas são projetadas
para estabelecer nexos em situações em que uma empresa não residen-
te, fisicamente estabelecida em um local remoto, está tomando medi-
das proativamente para criar e manter uma interação contínua com os
usuários e clientes de um determinado país. Exemplos de países que
avançaram com a adoção do teste de presença econômica significativa
são Israel e a Índia. As últimas medidas referem-se à opinião expressa
por alguns países de que a exigência de presença física deixou de ser
relevante para a aplicação da definição de “o estabelecimento perma-
nente de serviço” do Artigo 5 (3) (b) da Convenção Modelo. Esta po-
sição decorre da preocupação de que a digitalização facilitou a adoção
de modelos centralizados de vendas e distribuição, onde os serviços
online podem ser realizados remotamente, sem qualquer presença
significativa nos mercados atendidos. Essa ampla interpretação é co-
nhecida como o “estabelecimento permanente de serviço virtual” e foi
oficialmente endossada na Arábia Saudita.
ii) Impostos retidos na fonte: Entre as medidas relevantes nessa área,
o Relatório Provisório aponta que alguns países expandiram sua defi-

175
Tributação da Economia Digital

nição interna de royalties sujeitos a retenção em valores brutos incor-


porando a essa categoria itens de receita tradicionalmente classificados
como lucros empresariais em tratados de dupla tributação.
Outras medidas dizem respeito à criação de uma exceção ao limite de
PE para certos tributos relativos a serviços na legislação nacional e /
ou tratados de dupla tributação, permitindo uma retenção na fonte em
termos brutos no país de origem quando o pagador é residente naquele
país. Deve-se notar que a Convenção Modelo da OCDE não contém
essa exceção, ao passo que foi recentemente adicionado a Convenção
Modelo da ONU como parte de sua atualização de 2017. Por fim, ou-
tros países introduziram novos impostos retidos na fonte sobre outras
categorias específicas de renda, como receita de publicidade on-line.
O Brasil é apontado como exemplo de pais que usa a tributação na fon-
te (embora isto ocorra bem antes do projeto BEPS e não tenha sofrido
qualquer influência deste Projeto). Um exemplo utilizado no relatório
é a Solução de Consulta 191/2017 na qual a Receita Federal classifica o
“Software as a Service” como serviço técnico consequentemente sujeito
a elevada tributação na importação de serviços.
iii) “Turnover taxes” (tributos sobre o volume de negócios): refere-se a
ações fora do arcabouço do imposto de renda para reivindicar direitos
de tributar empresas não residentes, como fornecedores de produtos e
serviços digitais sediados no exterior. Estas medidas incluem impostos
setoriais sobre o volume de negócios direcionados para receitas de ser-
viços de publicidade online e são geralmente combinados com regras
de nexo abrangentes focadas no destino dos fornecimentos, sendo apli-
cadas a empresas residentes e não residentes, independentemente da
sua localização. Exemplos dessas medidas são a taxa de equalização da
Índia ou a imposição da Itália sobre transações digitais.
iv) Regimes específicos que visam as grandes empresas multinacionais:
Este grupo inclui respostas legislativas mais gerais que ou criam novos
regimes administrativos destinados a restabelecer um equilíbrio de
poder entre as autoridades fiscais e as grandes empresas multinacio-
nais ou introduzem regras específicas antiabuso para abordar a utili-
zação excessiva de erosões de base pagamentos por grandes empresas
multinacionais. Como exemplos, o relatório menciona o imposto sobre
lucros desviados no Reino Unido e na Austrália e o tributo antierosão
e antiabuso nos EUA (BEAT).

176
Tributação da Economia Digital

2.2 Adaptação do sistema tributário internacional à


digitalização da economia (capítulo 5)
Considera possíveis soluções de longo prazo para enfrentar os desafios fis-
cais decorrentes da digitalização, com foco particular nas revisões que podem
ser necessárias para a alocação de lucros existente e as regras do nexo. O capítulo
começa com uma análise destes conceitos fundamentais e descreve como as ca-
racterísticas descritas no Capítulo 2 do Relatório Provisório podem interagir com
tais regras. Sobre este tópico, o Relatório Provisório afirma que os membros do
BEPS IF têm pontos de vista divergentes e divide os países em três grandes grupos.
O primeiro grupo de países sustenta que algumas características de modelos
de negócios altamente digitalizados podem levar a desalinhamentos entre o local
em que os lucros são tributados e o local em que o valor é criado. Esse desalinha-
mento é, segundo o Relatório Provisório, o resultado da participação ativa dos
usuários por meio de uma plataforma on-line e o valor que essa participação cria
para o negócio (ou seja, valor gerado pelo usuário), que é uma característica nova e
única observada em alguns modelos de negócios altamente digitalizados que não
são capturados pela estrutura tributária internacional existente.
O segundo grupo de países compartilha a visão de que a transformação
digital contínua da economia e, de forma geral, as tendências associadas à
globalização, apresentam desafios para a contínua eficácia do atual quadro
tributário internacional que não é exclusivo ou específico para modelos de
negócios altamente digitalizados. Alguns países desse grupo também rejeitam
explicitamente a sugestão de que os dados e a participação do usuário devem
ser considerados como criadores de valor pelas empresas no país do usuário.
O terceiro grupo de países considera que as ações do BEPS trataram em
grande parte das preocupações de evitar a não-tributação, embora ainda seja
cedo demais para avaliar plenamente o impacto de todas as medidas. Esses
países geralmente estão satisfeitos com o sistema tributário existente e atu-
almente não veem necessidade de qualquer reforma significativa das regras
tributárias internacionais.
Embora reconhecendo essas divergências, o Relatório Provisório declara
que os países compartilham um interesse comum em manter um único con-
junto de regras tributárias internacionais relevantes e coerentes, para promo-

177
Tributação da Economia Digital

ver eficiência econômica e bem-estar global. Para esse fim, eles concordaram
em construir uma revisão coerente e simultânea dos dois aspectos-chave da
estrutura tributária existente (a alocação de lucros e as regras de nexo) que
considerariam os impactos da digitalização na economia.

2.3 Medidas temporárias para enfrentar os desafios


fiscais decorrentes da digitalização (capítulo 6)
Discute a opção pela adoção de medidas temporárias. A partir de sua
introdução, o Relatório Provisório destaca que não há consenso global sobre o
mérito ou a necessidade de medidas temporárias e, portanto, não recomenda
a introdução de tais medidas. Um grupo de países opõe-se a tal medida, pois
consideram que uma medida temporária dará origem a riscos e consequên-
cias adversas. Em contraste, outros países reconhecem esses desafios, mas, ao
mesmo tempo, consideram que eles não superam a necessidade de garantir
que o imposto seja pago em suas jurisdições em determinados serviços eletrô-
nicos fornecidos em suas jurisdições.
Para a concepção de tais medidas, o Relatório Provisório aponta que os
países a favor de medidas temporárias reconhecem a necessidade de levar em
conta as seguintes questões:
(i) Qualquer novo imposto que um país introduz deve estar em con-
formidade com suas obrigações internacionais existentes. Essas obri-
gações incluem as impostas por convenções tributárias bilaterais, bem
como as obrigações de um país como Membro da Organização Mun-
dial do Comércio ou da UE e do Espaço Econômico Europeu;
(ii) A intenção política de qualquer medida nesse sentido deve ser tem-
porária, pois é essencial que os países mantenham o compromisso de
alcançar um consenso global mais amplo e assegurem que, uma vez
encontrada uma solução global, ela possa ser implementada de manei-
ra rápida e coordenada;
(iii) As medidas temporárias devem ser direcionadas àquelas empresas
que são consideradas como de maior risco, que para vários países são
aquelas que combinam altos níveis de escala sem massa e têm mode-
los de negócios que dependem muito da participação do usuário e dos
efeitos da rede. Um âmbito bem definido e orientado das medidas tem-

178
Tributação da Economia Digital

porárias é essencial, a fim de minimizar o impacto colateral da medida


sobre outros elementos do sistema fiscal nacional e internacional.
(iv) Um objetivo fundamental de uma medida temporária deve ser
equilibrar a necessidade de abordar os desafios emergentes da digita-
lização da economia, evitando ao mesmo tempo o risco de excesso de
tributação. Para esse fim, a taxa de imposto e o escopo da medida serão
fatores importantes.
(v) Uma consideração importante ao conceber uma medida temporária
deve ser também evitar qualquer impacto negativo nas empresas em
fase de arranque e nas pequenas empresas em geral, devido a restrições
financeiras e obrigações de conformidade. Uma medida fiscal tempo-
rária precisaria ter um limite que não inibisse esse tipo de negócio.
(vi) O custo administrativo e a complexidade devem ser mantidos a um
mínimo durante o projeto de uma medida temporária.

2.4 Para além das regras fiscais internacionais:


O impacto da digitalização sobre outros
aspectos do sistema fiscal (capítulo 7)
Analisa as implicações da digitalização em outras partes do sistema tri-
butário além das regras tributárias internacionais. Desde a concepção do sis-
tema tributário até a administração tributária, desenvolvimentos relevantes
incluem a ascensão de modelos de negócios que facilitam o crescimento das
economias “gig” e “sharing”, bem como um aumento em outras transações
peer-to-peer (P2P), o desenvolvimento de tecnologias como o blockchain e a
crescente capacidade de coleta e correspondência de dados.
Uma das principais mudanças na economia facilitada pela digitalização
é o rápido crescimento em plataformas on-line multilaterais que facilitam as
transações entre vendedores individuais de bens e serviços para consumido-
res individuais, transações P2P e o crescimento e a proliferação de “compar-
tilhamento” e ”gig” economias. No que diz respeito à tributação, o Relatório
Provisório observa que as plataformas multilaterais facilitam a integração na
economia formal, já que as transações anteriormente não relatadas são agora

179
Tributação da Economia Digital

realizadas através dessas plataformas, oferecendo uma trilha de auditoria ele-


trônica aprimorada e maior geração de relatórios de renda.
Além disso, essas plataformas on-line multifacetadas impulsionam o cresci-
mento e aumentam as receitas porque proporcionam novas oportunidades para a
atividade econômica e incentivam o movimento para a economia formal. Se essas
informações das transações P2P facilitadas pelas plataformas on-line puderem ser
disponibilizadas para as autoridades fiscais, elas poderão ser integradas à análise
de correspondência de dados para aprimorar a conformidade fiscal.
De acordo com o relatório, a tecnologia está, de fato, expandindo as ca-
pacidades das administrações tributárias de várias maneiras, para melhorar
a eficácia das atividades, melhorar os serviços prestados pelos contribuintes e
reduzir os encargos.
A fim de obter os benefícios acima mencionados, áreas em que mais tra-
balho ajudará os governos a aproveitar os mais recentes desenvolvimentos tec-
nológicos são identificadas. Em primeiro lugar, salienta-se que, com o aumento
do gig e das economias de compartilhamento de custos, as mudanças no mix
de status tributável na economia - por exemplo, de empregado para autônomo -
podem ter consequências significativas. A compreensão das implicações fiscais
da natureza mutável do trabalho é, portanto, importante nesse sentido.
A evolução das plataformas online e a natureza dos contratos entre as
plataformas e seus usuários podem, por exemplo, proporcionar maiores opor-
tunidades para que as atividades sejam estruturadas de forma a minimizar os
passivos tributários e reduzir a base tributária.
Em segundo lugar, fomentar a atividade econômica nascente e assegurar
tratamento tributário adequado requer que os governos levem em conta o im-
pacto dos encargos administrativos sobre os usuários das plataformas online.
Mais trabalho poderia ser realizado, diz o Relatório Provisório, para analisar
as opções para alcançar um equilíbrio entre a redução da carga de conformi-
dade para alguns contribuintes e a preservação de condições equitativas.
Em terceiro lugar, uma outra área é onde uma transação envolve paga-
mento de um indivíduo para outro pode ter consequências tributáveis para
as partes envolvidas. As plataformas podem criar certos desafios fiscais para
seus usuários, incluindo a incerteza entre os usuários em relação às suas obri-
gações fiscais, especialmente nos casos em que transações P2P estão envolvi-

180
Tributação da Economia Digital

das. Para enfrentar esse desafio, o Relatório Provisório discute a melhoria da


educação e das declarações do contribuinte e a obtenção de dados tributários
sobre transações facilitadas pelas plataformas.

2.5 Conclusão do Relatório Provisório sobre os


desafios fiscais decorrentes da digitalização
O capítulo final descreve as áreas de trabalho adicional que foram indi-
cadas no Relatório Provisório e as orientações para o trabalho futuro do BEPS
IF. Continuar a monitorar o impacto do pacote BEPS, em particular após as
medidas de reforma tributária dos EUA 2017, será uma parte importante do
trabalho do TFDE no futuro.
Apesar do vasto leque de economias em diferentes níveis de desenvolvi-
mento e das diferentes opiniões, os membros do BEPS IF têm interesse comum
em manter um conjunto relevante e coerente de regras fiscais internacionais.
Reconhece-se que ações descoordenadas e unilaterais podem levar a impactos
adversos sobre o investimento e o crescimento e aumentar os riscos de dupla
tributação e complexidade.
O Relatório Provisório identifica as diferentes visões entre os países so-
bre se e em que medida as características dos modelos de negócios altamente
digitalizados e da digitalização em geral devem resultar em mudanças nas
regras tributárias internacionais.
Embora existam pontos de vista diferentes, o Relatório Provisório afirma
que todos os membros do grupo de estudos concordam com uma revisão coerente
e simultânea de dois aspectos-chave da estrutura tributária existente (regras de
alocação de lucro e nexo) que considerariam os impactos da digitalização.
Após uma atualização sobre o progresso em 2019, o BEPS IF trabalhará
em direção a uma solução baseada em consenso até 2020. Uma parte impor-
tante do trabalho adiante será também o monitoramento do impacto do pa-
cote BEPS e sua implementação.

181
Tributação da Economia Digital

2.6 Menções ao Brasil no Relatório Provisório


O Brasil é mencionado três vezes no relatório em questão. Na primei-
ra delas, mostra como aumentaram as empresas que têm presença virtual de
60% (em 2009) para 70% (em 2015)235.
A segunda menção236 ocorre quando é afirmado que o Brasil já tomou as
providências internamente para estabelecer a declaração país a país. Vale mencio-
narmos que o Brasil foi um dos primeiros países a cobrar a referida declaração, já
em 2017 referente ao ano-calendário 2016 na ECF dos contribuintes.
A última menção ao Brasil ocorre no âmbito dos comentários referentes ao
Imposto de Renda Retido na Fonte para serviços técnicos, como ocorre no Bra-
sil237. O relatório afirma que a definição de serviços técnicos não é direcionada
aos serviços e produtos digitais, mas acaba por englobar diversos desses serviços.
Ademais, em suas notas de rodapé, o relatório faz menção ‘a Solução de
Consulta COSIT 191 de 23 de março de 2017 (como já exposto) que deixa cla-
ro o entendimento das autoridades fiscais de que Software as a Service (SaaS)
deve ser considerado um serviço técnico por depender de conhecimentos es-
pecializados em informática e decorrer de estruturas automatizadas com cla-
ro conteúdo tecnológico.

2.7 Nova Consulta sobre Impactos


Tributários na Economia Digital
Acrescenta-se que nos dias 13 e 14 de março de 2019, a OCDE fará uma
reunião para discutir os comentários apresentados pelo público acerca de suas
novas propostas para a tributação da economia digital. O aludido relatório
está dividido em 3 partes, sendo elas: 1) Introdução; 2) Alocação de lucros e
nexo e 3) Propostas globais para evitar a erosão da base tributária.
A Seção 2 aponta 3 propostas referentes a alocação de lucros e nexo que são:

235 Relatório, página 14


236 Relatório, página 27
237 Vide ampla definição de serviços técnicos na Instrução Normativa 1455 de 06 de março de 2014,
artigo 17

182
Tributação da Economia Digital

I. “participação do usuário”: tem foco no valor criado por empresas al-


tamente digitalizadas por meio do desenvolvimento de uma base de
usuários ativa e engajada e da solicitação de dados e contribuições de
conteúdo. A proposta baseia-se na ideia de que a participação ativa dos
usuários é um componente crítico da criação de valor para determi-
nados negócios altamente digitalizados como plataformas de mídia
social; sites de busca e marketplaces
II. Intangíveis de marketing: Nesse caso, um grupo pode “alcançar” uma
jurisdição, remotamente ou por meio de presença local limitada para
desenvolver usuários / bases de clientes e outros intangíveis de ma-
rketing. Assim, ocorre um elo funcional intrínseco entre intangíveis
de marketing e a jurisdição do mercado. Levando este link em conta,
a proposta modificaria regras de preços de transferência e de tratados
atuais para exigir que intangíveis e riscos de marketing associados a
tais intangíveis sejam alocados “a jurisdição do mercado. A proposta
considera que tal jurisdição teria o direito de tributar alguns ou todos
os rendimentos associados a tais intangíveis e seus riscos associados,
enquanto todas as outras receitas seriam alocadas entre os membros do
grupo com base nos princípios de preços de transferência.
III. Presença Econômica Significativa: presença tributável em uma jurisdi-
ção surgiria quando uma empresa não residente tivesse uma presença
econômica com base em fatores que evidenciam interação com a re-
ferida jurisdição via tecnologia digital e outros meios automatizados.
Receita gerada desta forma é o fator básico, mas a receita não seria su-
ficiente isoladamente para estabelecer nexo. Somente quando combi-
nada com outros fatores (como a existência de uma base de usuários,
o volume de conteúdo digital derivado da jurisdição e marketing, por
exemplo) seria potencialmente usado para estabelecer um nexo para as
receitas como uma presença econômica significativa no país em ques-
tão. A tributação poderia se dar na fonte ou através de uma fórmula.

Já o capítulo sobre propostas globais para evitar a erosão da base tribu-


tária apresenta duas propostas principais relacionados ao risco de erosão da
base tributável: (i) uma regra de inclusão de renda tributável, e (ii) um imposto
sobre a base de erosão dos pagamentos. Importante, mencionar que o escopo

183
Tributação da Economia Digital

da proposta contra a erosão da base tributável não está limitada a empresas di-
gitais e sim procura propor uma solução sistemática concebida para garantir
que todas as empresas paguem um nível mínimo de imposto.

3. União Europeia (UE) e suas propostas238


Tal como a OCDE, a Comissão da União Europeia também propôs novas
regras para garantir que as atividades digitais sejam tributadas de uma forma
justa e favorável ao crescimento na UE. Segundo a Comissão, tais medidas
tornariam a UE uma líder global na elaboração de leis tributárias adequadas à
economia moderna e à era digital.
O recente boom nos negócios digitais, como empresas de mídia social,
plataformas colaborativas e provedores de conteúdo on-line, contribuiu muito
para o crescimento econômico na UE. Mas as regras fiscais atuais não foram
projetadas para atender às empresas que são globais, virtuais ou que têm pou-
ca ou nenhuma presença física.
Os dados levantados pela União Europeia indicam que 9 das 20 maiores
empresas do mundo em capitalização de mercado são agora digitais, compa-
radas a 1 em 20 há dez anos. O desafio para a UE é aproveitar ao máximo essa
tendência, garantindo que as empresas digitais também contribuam com sua
parcela justa de impostos. Caso contrário, existe um risco real para as recei-
tas públicas dos Estados-Membros: as empresas digitais têm atualmente uma
taxa média efetiva de imposto que é a metade da economia tradicional na UE.
Assim, as propostas apresentadas surgiram no contexto dos Estados-
-Membros procurarem soluções permanentes e duradouras para garantir uma
parte equitativa das receitas fiscais das atividades em linha, tal como solicitado
urgentemente pelos líderes da UE em outubro de 2017. Receitas obtidas através
de atividades lucrativas, como a venda de dados e conteúdos gerados pelos uti-
lizadores não são capturados pelas regras fiscais de hoje. Os Estados-Membros
estão agora a começar a procurar soluções rápidas e unilaterais para tributar as
atividades digitais, o que cria um campo minado legal e incerteza fiscal para

238 Resumo elaborado com base no “Press Release” da Comissão Europeia, disponível em: http://
europa.eu/rapid/press-release_IP-18-2041_en.htm, consulta em 10 de abril de 2018

184
Tributação da Economia Digital

as empresas. Uma abordagem coordenada seria, para a eu, a única maneira de


garantir que a economia digital seja tributada de maneira justa e sustentável.
Desta forma, duas iniciativas legislativas distintas propostas hoje pela Co-
missão conduzirão a uma tributação mais justa das atividades digitais na UE:
(i) A primeira iniciativa visa reformar as regras tributárias das empresas
para que os lucros sejam registrados e tributados onde os negócios tenham
interação significativa com os usuários por meio de canais digitais. Isto cons-
titui a solução preferida a longo prazo da Comissão.
(ii) A segunda proposta responde a pedidos de vários Estados-Membros
no sentido de um imposto provisório que abranja as principais atividades di-
gitais que atualmente escapam totalmente aos impostos na UE.
Este pacote estabelece uma abordagem coerente da UE a um sistema de
tributação digital que apoia o mercado único digital e que servirá de base para
discussões internacionais destinadas a corrigir a questão a nível mundial.

3.1. Detalhamento das Propostas


Desta forma, segue abaixo um breve detalhamento das propostas apre-
sentadas pela União Europeia.

3.1.1. Proposta 1: Uma reforma comum das


regras fiscais da UE para as atividades digitais
Esta proposta permitiria aos Estados-Membros tributarem os lucros ge-
rados no seu território, mesmo que uma empresa não tenha aí uma presença
física. As novas regras assegurariam que as empresas on-line contribuíssem
para as finanças públicas no mesmo nível das empresas tradicionais. Conside-
ra-se que uma plataforma digital tem uma presença digital tributável ou um
estabelecimento virtual permanente em um Estado-Membro se preencher um
dos seguintes critérios: (i) exceder de 7 milhões de euros em receitas anuais
num Estado-Membro; (ii) ter mais de 100.000 utilizadores num Estado-Mem-
bro num ano fiscal ou (iii) ter mais de 3000 contratos comerciais para serviços
digitais criados entre a empresa e os usuários corporativos em um ano fiscal.
As novas regras irão também alterar a forma como os lucros são atribuídos

185
Tributação da Economia Digital

aos Estados-Membros de uma forma que reflita melhor como as empresas


podem criar valor online: por exemplo, dependendo de onde o usuário está
baseado no momento do consumo.
Em última análise, o novo sistema garante uma ligação real entre onde
os lucros digitais são obtidos e onde são tributados. A medida poderia even-
tualmente ser integrada no âmbito da matéria coletável comum consolidada
do imposto sobre as sociedades (MCCCIS) - a iniciativa já proposta pela Co-
missão de afetar lucros de grandes grupos multinacionais de uma forma que
reflita melhor onde o valor é criado.

3.1.2. Proposta 2: Tributo provisório sobre


determinadas receitas de atividades digitais
Este tributo provisório assegura que as atividades que atualmente não são
efetivamente tributadas começariam a gerar receitas imediatas para os Estados
Membros. Ajudaria também a evitar medidas unilaterais para tributar as ativi-
dades digitais em determinados Estados-Membros, o que poderia conduzir a
uma série de respostas nacionais que seriam prejudiciais para o mercado único.
Ao contrário da reforma comum da UE das regras fiscais subjacentes, este
tributo seria aplicável às receitas criadas a partir de certas atividades digitais que
escapam inteiramente ao atual quadro fiscal. Este sistema será aplicado apenas
provisoriamente até que a reforma abrangente tenha sido implementada e tenha
mecanismos embutidos para aliviar a possibilidade de dupla tributação.
O tributo será cobrado das receitas criadas a partir de atividades nas
quais os usuários desempenham um papel importante na criação de valor e
são os mais difíceis de capturar com as regras fiscais atuais, como por exem-
plo: venda de espaço publicitário online; - atividades intermediárias digitais
que permitem aos usuários interagir com outros usuários e que podem faci-
litar a venda de bens e serviços entre eles; venda de dados gerados a partir de
informações fornecidas pelo usuário.
Tal tributo seria cobrado pelos Estados-Membros em que os utilizadores
estão localizados e aplicar-se-ão apenas às empresas com receitas anuais glo-
bais totais de 750 milhões de euros e receitas na UE de 50 milhões de euros.
Isso ajudará a garantir que pequenas empresas iniciantes e empresas em ex-

186
Tributação da Economia Digital

pansão permaneçam sem carga. Estima-se que 5 milhões de euros em receitas


por ano possam ser gerados para os Estados-Membros se o imposto for apli-
cado a uma alíquota de 3%.
Atualmente, aguarda-se a apreciação das referidas propostas pelo Con-
selho e pelo Parlamento Europeu.

3.2 Comentários sobre as propostas


da União Europeia e OCDE:
Conforme amplamente discutido ao longo do projeto BEPS, é difícil, e tam-
bém controverso, separar a economia digital do resto da economia. Isso porque,
no mundo moderno, quase todas as transações podem ser realizadas virtualmen-
te, da compra de uma roupa a reserva de um hotel ao envio de um parecer.
Essa evolução das relações sociais levou a necessidade da evolução nos con-
ceitos e forma de tributar, porém a complexidade, conforme apontada no relatório
da Ação 1 do Projeto BEPS, deixa espaço para dúvidas e não tributação.
Vê-se, assim, que tanto a OCDE quanto a Comissão Europeia estão lite-
ralmente “correndo atrás” (vide sugestões de medidas temporárias) da possi-
bilidade de tributar tais atividades e da atualização de suas respectivas legisla-
ções, visando evitar, no entanto, medidas unilateriais dos países que possam
vir a ser prejudiciais aos contribuintes, demais países e tratados celebrados.
Os EUA já emitiram um comunicado informando que são contra qual-
quer tributação que seja prejudicial exclusivamente às empresas com ativida-
des digitais eis que estas são, atualmente, as maiores geradoras de empregos e
responsáveis pelo crescimento econômico do país.239

239 Vide comentário do Secretário do Tesouro dos EUA, Steve Mnuchin em https://home.treasury.
gov/news/press-releases/sm0316, acesso em 10 de abril de 2018: The U.S. firmly opposes proposals
by any country to single out digital companies. Some of these companies are among the greatest
contributors to U.S. job creation and economic growth. Imposing new and redundant tax burdens
would inhibit growth and ultimately harm workers and consumers. I fully support international
cooperation to address broader tax challenges arising from the modern economy and to put the
international tax system on a more sustainable footing.”

187
Tributação da Economia Digital

Conforme noticiado pelo Business insider240, os países membros da


União Europeia têm visões diferentes sobre um tributo temporário. Enquanto
Áustria, Alemanha e França são a favor de tal tributação, os países Nórdicos
argumentam que tal tributo pode gerar custos administrativos mais altos do
que o valor que efetivamente poderá ser recolhido.

Conclusões
Como se vê, o assunto ora tratado é instigante, porém polêmico e todos
estão aprendendo a navegar no novo mundo digital. Há um claro embate entre
a necessidade de tributação e também do incentivo ao crescimento das ativi-
dades digitais. Os conceitos tributários até aqui utilizados não estão dando
conta da nova economia digital que quase não exige a presença física para a
celebração de negócios. Desta forma, ficamos no aguardo dos próximos capí-
tulos da evolução desse assunto tão recente e desafiador.

240 http://business-review.eu/tech/the-eus-digital-service-tax-may-be-set-for-all-member-states-by-
march-2019-193392

188
O Poder Executivo e a Tributação
do Software no Brasil: um Enfoque
no Princípio da Legalidade

Maurine Morgan Pimentel Feitosa241

1. Introdução
Os debates doutrinários acerca da tributação do software no Brasil gravitam,
em regra, em torno da discussão quanto à competência tributária242. E não pode-
ria ser diferente. Num cenário de conflito entre os entes federativos e de ampla
judicialização da matéria243, sem que tenha havido uma resposta definitiva pelo
Poder Judiciário, multiplicam-se as perguntas e faltam respostas conclusivas.
Nesse quadro de ampla controvérsia não há vitoriosos. Perde o setor
produtivo, que desconhece, ao certo, qual tributo deve ser pago. Ao mesmo
tempo, perdem Estados e Municípios, que direcionam seus contenciosos a in-
tensas batalhas em âmbito administrativo e pretoriano, sem a real perspectiva
de um fim ou, ao menos, de uma trégua.
Não se pretende, nessa oportunidade, enfocar a controvérsia sob a ótica
da segurança jurídica. Com efeito, num ambiente de profunda insegurança,
uma análise real do Direito Tributário permitiria, quando muito, cogitar-se
de alguma ou, quiçá, de uma segurança jurídica possível.

241 Procuradora do Estado do Rio de Janeiro. Mestre e Doutoranda em Finanças Públicas, Tributação e
Desenvolvimento pela UERJ.
242 Cabe fazer referência, por todos, ao quanto se escreveu em: FEITOSA, Maurine Morgan Pimentel. O
conflito de competência entre o ICMS e o ISS: um estudo de casos na Era da Internet. Belo Horizonte:
Fórum, 2018, p. 75-129.
243 Podem ser catalogadas, na presente oportunidade, ao menos 5 (cinco) ações que tramitam no STF,
envolvendo o contencioso quanto à tributação do software no Brasil. Nos trabalhos referidos nos
itens 1 e 3 foram exaustivamente analisadas a RE 688.223/PR, rel. Min. LUIZ FUX e a ADI 1945/
MT, rel. Min. CÁRMEN LÚCIA. Na presente oportunidade, será possível examinar algumas delas,
notadamente as ADIs 5576/SP, rel. Min. ROBERTO BARROSO e 5659/MG, rel. Min. DIAS TOFFOLI.

189
Tributação da Economia Digital

Pretende-se, ao revés, analisar o papel do Poder Executivo no âmbito da


tributação do software, com ênfase no princípio da legalidade, tantas vezes ne-
gligenciado ou esquecido. Ou seja, ao invés de se centrar o debate em qual ente
político detém a competência para tributar esta ou aquela materialidade – o
que já foi feito em outras oportunidades244, a que se reporta na íntegra – bus-
ca-se, com o presente estudo, verificar através de que instrumentos jurídicos
os entes políticos poderiam, em tese, exercer as suas competências tributárias.
Nesse percurso, após se discorrer sobre as interações entre os Poderes
Executivo e Legislativo no âmbito da economia digital, que reabrem a discus-
são acerca do papel regulatório da Administração Pública em matéria tribu-
tária e dos limites do princípio da legalidade, passa-se a enfrentar os desafios
existentes na tributação de novas tecnologias, para, então, delimitar-se a ques-
tão no que se refere aos programas de computador.
Em seguida, proceder-se-á ao enfrentamento da constitucionalidade de
alguns decretos estaduais que pretenderam legislar sobre a matéria, assim
como das ações de controle concentrado que impugnaram os referidos decre-
tos. Esclareça-se, desde logo, que a temática referente aos convênios de ICMS
e que está posta na ADI 5958/DF não será objeto específico deste trabalho,
demandando estudo à parte.
Percorrido esse caminho, o presente estudo buscará estabelecer os limi-
tes do princípio da legalidade no âmbito da tributação de software e as corres-
pondentes possibilidades que gera para os entes federativos.

2. O princípio da legalidade e a regulação: o poder


executivo na economia digital
Como já se adiantou, o presente artigo pretende estudar o papel do Poder
Executivo no âmbito da economia digital e, mais especificamente, na tributa-
ção do software, com ênfase no princípio da legalidade. Com efeito, num con-

244 Para além da obra descrita no item 1, cumpre fazer referência a: OLIVEIRA, Maurine Morgan
Pimentel de. O conflito de competência entre o ISS e o ICMS à luz do RE 688223/PR. In: GOMES,
Marcus Lívio; SCHOUERI, Luís Eduardo. (Orgs.). A Tributação Internacional na Era Pós-BEPS:
soluções globais e peculiaridades de países em desenvolvimento. Volume III – Transparência e
Economia Digital. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 243-284.

190
Tributação da Economia Digital

texto de avanço de tecnologias “disruptivas”245, verifica-se, simultaneamente,


uma reação de perplexidade quanto ao novo e rompimento de paradigmas
existentes, acompanhada de uma tendência de se tentar inserir institutos no-
vos dentro de algum modelo preconcebido246.
Essa indefinição de rumos gerada pelo avanço da economia digital, em
que coexistem perspectivas opostas quanto ao seu tratamento jurídico, impõe
ao intérprete o ônus de identificar, diante de cada caso concreto, se o ordena-
mento jurídico existente contém elementos necessários e suficientes para fins
de ensejar a incidência tributária ou se, ao revés, é necessária a atuação do
administrador público ou do legislador.
Portanto, o avanço das novas tecnologias pressupõe que o administrador
público identifique de que forma deve exercer o seu poder normativo. Em ou-
tros termos, caberá à Administração Tributária verificar se deve regulamentar
uma determinada atividade. Caso a resposta seja positiva, cabe-lhe perquirir
de que modo deve fazê-lo, assim como os limites de sua atuação.
O modo pelo qual o administrador público deve regulamentar a econo-
mia digital envolve questões complexas, cujas respostas pressupõem, sem pre-
juízo de outros elementos, uma avaliação prévia quanto ao melhor momento
para a sua atuação, os potenciais impactos econômicos advindos da regulação
e os setores da sociedade civil que devem ser ouvidos nesse processo.
De outro lado, a análise quanto aos limites da atuação administrativa
envolve um juízo eminentemente técnico quanto aos contornos do princípio
da legalidade e das correspondentes delegações legislativas. Esse segundo as-
pecto consiste no objeto central do presente artigo.
No entanto, para que se possa enfrentar os contornos do princípio da
legalidade na tributação do software, parte-se do panorama geral envolvendo
a tributação das criptomoedas, que resume o novo cenário a ser enfrentado
pelos Poderes Executivo e Legislativo.

245 BRANCHER, Paulo M. R. As criptomoedas e os motivos para uma imediata e mínima regulação.
Revista Fórum de Direito na Economia Digital – RFDED, Belo Horizonte, 1, n. 1, p. 248, jul./dez.
2017. O autor destaca que a expressão disruptiva designa desordenado, perturbado, o que resulta da
tradução da expressão disruptive.
246 Ibid.

191
Tributação da Economia Digital

2.1 As criptomoedas como síntese


dos desafios da economia digital
Os desafios advindos do tratamento jurídico a ser conferido à economia
digital podem ser ilustrados através da figura das criptomoedas, de que o bi-
tcoin é o exemplo mais conhecido247. Consoante leciona Marco Aurélio Greco,
os avanços da tecnologia da informática conduziram a uma crescente desma-
terialização dos bens, desterritorialização das atividades e desintermediação
das transações, e a figura do bitcoin reúne essas três características248.
Para além de sintetizar essa mudança de paradigma, as moedas virtuais ca-
recem de uma resposta quanto à sua própria natureza jurídica. Afinal, elas seriam
ativos financeiros, valores mobiliários ou uma commodity?249 O forte caráter dis-
ruptivo das criptomoedas implica na ausência de resposta legislativa quanto à ques-
tão, embora haja um projeto de lei tramitando com tal finalidade na Câmara dos
Deputados (PL 2303/2015)250, que não vem escapando às criticas doutrinárias251.
De outro lado, considerada a falta de atuação do Poder Legislativo, al-
guns órgãos do Poder Executivo vêm pontualmente buscando oferecer res-
postas à tributação das criptomoedas, ainda que de forma ainda insuficiente
ou mesmo contraditória. Nesse sentido, a Receita Federal do Brasil prevê, no
Perguntas e Respostas da Declaração de Imposto de Renda 2018, que as moe-

247 MEDAGLIA, Thiago Rufalco e VISINI, Eric Simões. Breves considerações sobre o tratamento legal,
contábil e fiscal das moedas virtuais. In: FARIA, Renato Vilela; SILVEIRA, Ricardo Maitto da e
MONTEIRO, Alexandre Luiz Moraes do Rêgo (Coords.). Tributação da economia digital: desafios
no Brasil, experiência internacional e novas perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 625.
248 GRECO, Marco Aurélio. Tributação e Novas Tecnologias: Reformular as incidências ou o modo de
arrecadar? Um “SIMPLES” Informático. In: FARIA, Renato Vilela; SILVEIRA, Ricardo Maitto da
e MONTEIRO, Alexandre Luiz Moraes do Rêgo (Coords.). Tributação da economia digital: desafios
no Brasil, experiência internacional e novas perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 782-784.
249 KADAMANI, Rosine. Criptomoedas são moedas? In: PISCITELLI, Tathiane (Coord.). Tributação
da Economia Digital. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 207-208. A autora destaca que as
criptomoedas são moedas do ponto de vista econômico e social, eis que servem como instrumento de troca.
Contudo, do ponto de vista jurídico, apenas seriam moedas aquelas emitidas e controladas pelo Estado.
250
Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposic
ao=1555470> Acesso em: 20 dez. 2018.
251 DALCASTEL, Marcia Bataglin. Criptomoeda ou criptoativo: uma proposta de regulação para
o bitcoin. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/criptomoeda-ou-
criptoativo-em-busca-de-uma-regulacao-para-o-bitcoin-30042018> Acesso em: 20 dez. 2018.

192
Tributação da Economia Digital

das virtuais devem ser declaradas pelo valor de aquisição, por equiparação a
um ativo financeiro, verbis:
447 — As moedas virtuais devem ser declaradas?
Sim. As moedas virtuais (bitcoins, por exemplo), muito embora não
sejam consideradas como moeda nos termos do marco regulatório atu-
al, devem ser declaradas na Ficha Bens e Direitos como “outros bens”,
uma vez que podem ser equiparadas a um ativo financeiro. Elas de-
vem ser declaradas pelo valor de aquisição.
Atenção: Como esse tipo de “moeda” não possui cotação oficial, uma
vez que não há um órgão responsável pelo controle de sua emissão, não
há uma regra legal de conversão dos valores para fins tributários. En-
tretanto, essas operações deverão estar comprovadas com documenta-
ção hábil e idônea para fins de tributação. [Grifo nosso]
607 — Os ganhos obtidos com a alienação de moedas “virtuais” são
tributados?
Os ganhos obtidos com a alienação de moedas virtuais (bitcoins, por
exemplo) cujo total alienado no mês seja superior a R$ 35.000,00 são
tributados, a título de ganho de capital, segundo alíquotas progressivas
estabelecidas em função do lucro, e o recolhimento do imposto sobre
a renda deve ser feito até o último dia útil do mês seguinte ao da tran-
sação. As operações deverão estar comprovadas com documentação
hábil e idônea252. [Grifo nosso]

O Banco Central do Brasil (BACEN), por sua vez, através do Comuni-


cado n° 31.379/2017253, esclareceu que os riscos com a aquisição de moedas
virtuais são imponderáveis e que não regula nem supervisiona as referidas
operações. Ademais, o comunicado esclarece que, no cenário internacional,
não foi identificada a necessidade de regulamentação “desses ativos”.
Já a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por meio do Ofício Cir-
cular nº 1/2018/CVM/SIN254, ao analisar a possibilidade de fundos de inves-

252 Disponível em: <https://idg.receita.fazenda.gov.br/interface/cidadao/irpf/2018/perguntao/perguntas-


e-respostas-irpf-2018-v-1-1.pdf> Acesso em: 20 dez. 2018.
253 Disponível em: <https://www.bcb.gov.br/acessoinformacao/legado?url=https:%2F%2Fwww.bcb.
gov.br%2Fpre%2Fnormativos%2Fbusca%2Fnormativo.asp%3Fnumero%3D31379%26tipo%3DCo
municado%26data%3D16%2F11%2F2017> Acesso em: 23 dez. 2018.
254 Disponível em: <http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/oficios-circulares/sin/anexos/
oc-sin-0118.pdf> Acesso em: 23 dez. 2018.

193
Tributação da Economia Digital

timento adquirirem moedas virtuais de forma direta, posicionou-se pela sua


negativa, por entender que as criptomoedas não podem ser compreendidas
como ativos financeiros, para os fins da Instrução CVM 555/2014.
Assim como o BACEN, a CVM ponderou acerca dos riscos que podem
advir com a aquisição de criptomoedas, o que foi reiterado de forma enfática
através do Ofício Circular nº 11/2018/CVM/SIN255. Contudo, neste último ofí-
cio, para além de destacar que os gestores de fundos de investimento devem
ter particular atenção no combate à fraude e à lavagem de dinheiro, a CVM
utilizou, a todo tempo, a nomenclatura criptoativo, e não criptomoeda.
Ou seja, ainda que não tenha examinado diretamente a questão referente
à natureza jurídica das moedas virtuais, a CVM parece ter, em alguma me-
dida, mitigado o seu entendimento anterior, no sentido de que não se estaria
diante de um ativo financeiro.
Portanto, no caso especifico das criptomoedas, a discussão central quan-
to à sua tributação pressupõe que se enfrente a necessidade e os limites de sua
regulação, consideradas as incertezas que revestem a sua natureza jurídica.
Há, simultaneamente, um déficit de atuação do Poder Executivo (atividade de
regulação) e do Poder Legislativo.
Nesse cenário, e sem prejuízo da existência de opiniões em sentido con-
trário256, mostra-se imprescindível que a Administração Pública257, a partir de
estudos técnicos e mesma da experiência verificada em outros países, regula-
mente as moedas virtuais. Afinal, em matéria que tangencia a lavagem de di-
nheiro e a evasão de divisas, os riscos de uma regulamentação ruim parecem
menores que os riscos da ausência de regulamentação.

255 Disponível em: <http://www.cvm.gov.br/legislacao/oficios-circulares/sin/oc-sin-1118.html> Acesso


em: 23 dez. 2018.
256 BARROS, Maurício. Tributação das operações com criptomoedas: entre liberland, regulação e a
rigidez constitucional. In: PISCITELLI, Tathiane (Coord.). Tributação da Economia Digital. São
Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 291. Conforme destaca o autor, e ainda que não tenha
defendido essa opinião, os maiores entusiastas das criptomoedas são contrários à sua regulação.
257 GORNATI, Gilberto. Criptomoedas e direito da insolvência no Brasil: uma proposta de discussão.
Revista Fórum de Direito na Economia Digital – RFDED, Belo Horizonte, ano 2, n. 03, p. 112, jul./
dez. 2018. O autor destaca que as criptomoedas apresentam tantas características híbridas, que seria
pouco técnico, “atribuir somente a uma ou outra agência reguladora a incumbência de se definir
juridicamente o que é essa realidade”.

194
Tributação da Economia Digital

2.2 A tributação do software e o Poder Executivo


Contudo, no caso específico da tributação do software, a discussão se dá
em outros termos. Não se está diante de um quadro de ausência ou insuficiên-
cia normativa. Com efeito, as leis 9609/1998258 e 9610/1998259 deixam estreme
de dúvidas que o software consiste em um direito autoral, que é comercializa-
do por meio de um contrato de cessão de uso260.
As discussões doutrinárias e que foram judicializadas, especificamente
quanto ao ponto, giram em torno do enquadramento do contrato de cessão e
suas variantes (cessão por meio físico, download ou nuvem) como circulação
de mercadorias ou prestação de serviços, a partir do alcance conferido aos
itens 24 da lista anexa ao DL 406/1968261 e 1.05 da lista anexa à LC 116/2003262.
Logo, o cerne da controvérsia de direito material resulta de um problema in-
terpretativo, e não da inércia do Poder Legislativo. De outro lado, no que se refere
especificamente à atuação do Poder Executivo, verifica-se um quadro de mani-
festa competição predatória vertical entre os entes, que, no anseio de adquirirem
recursos, editaram atos administrativos manifestamente incompatíveis entre si.

258 Art. 2°, Lei 9.609/1998. O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador
é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País,
observado o disposto nesta lei.
259 Art. 7º, Lei 9.610/1998. São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por
qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente
no futuro, tais como:
(...)
XII - os programas de computador.
260 Art. 9°, Lei 9.609/1998. O uso de programa de computador no País será objeto de contrato de licença.
Verifica-se que, embora a lei preveja que se está diante de um contrato de licença, em verdade, há um
contrato de cessão de uso, conforme se verifica em: SOUTO, Luisa de Brito Dutra. Da subsunção da
contratação de acesso a softwares disponibilizados em nuvem (software as a service) às hipóteses de
incidência do ICMS e do ISS. Dissertação (Graduação) – Faculdade de Direito, Curso de Graduação
em Direito da Universidade de Brasília, Brasília, 2013, p. 23.
261 24 – Análises, inclusive de sistemas, exames, pesquisas e informações, coleta e processamento de
dados de qualquer natureza.
262 1.05 – Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação.

195
Tributação da Economia Digital

A título de exemplificar o quanto se afirma, basta fazer referência ao Pa-


recer Normativo SF 1/2017 do Município de São Paulo263 e à Decisão Norma-
tiva CAT 4 do Estado de São Paulo264, que caminharam em sentidos anta-
gônicos. No primeiro, que se autodefiniu como interpretativo, o Município
de São Paulo afirmou que o item 1.05 da lista anexa à LC 116/2003 deve ser
compreendido como abarcando a generalidade dos contratos de cessão de uso
de software (por meio físico, download ou na nuvem), de prateleira ou não.
Já no segundo, o Estado de São Paulo, na esteira da autorização contida
no Convênio CONFAZ 181/2015, definiu que incide ICMS sobre softwares pa-
dronizados, ainda que possam ser adaptados, independente da forma de sua
comercialização. Em acréscimo, estabeleceu que, nos termos do Regulamento
do ICMS do Estado de São Paulo, a base de cálculo do ICMS fica reduzida a 5%
(cinco por cento) do total da operação. Entretanto, estabeleceu que o imposto
não seria devido até que fosse definido o local da ocorrência do fato gerador.
Verifica-se, pois, a ampla margem de dissenso entre o Município e o Es-
tado de São Paulo. Com efeito, o único ponto em que os entes parecem conver-
gir está na constatação de que, no caso de softwares personalizados (ou seja,
saindo da zona dos softwares padronizados, com pouca ou nenhuma adapta-
ção às necessidades do consumidor) incide ISS.
Nesse cenário, em que a possibilidade de entendimento entre os entes
federativos parece mínima, e os atos editados chegam mesmo a romper com a
jurisprudência tradicional dos tribunais superiores265, promove-se, ainda que
de forma indireta e mesmo indesejada, um incremento da judicialização em
matéria tributária. Afinal, caberá ao Poder Judiciário decidir qual dos dois
atos deverá prevalecer ou, mesmo, estabelecer um terceiro caminho.

263 Disponível em: <http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/parecer-normativo-secretaria-municipal-


da-fazenda-sf-1-de-18-de-julho-de-2017>. Acesso em: 26 dez. 2018.
264 Disponível em: < http://dobuscadireta.imprensaoficial.com.br/default.aspx?DataPublicacao=20170
921&Caderno=DOE-I&NumeroPagina=12>. Acesso em: 26 dez. 2018
265 VASCONCELLOS, Roberto e PISCITELLI, Tathiane. Tributação de softwares e o Parecer Normativo
SF 1/2017. Conflito de competência e insegurança jurídica. Disponível em: < https://www.jota.
info/opiniao-e-analise/colunas/pauta-fiscal/tributacao-de-softwares-e-o-parecer-normativo-
sf-012017-27072017>. Acesso em: 26 dez. 2018. Os autores destacam que o Parecer Normativo SF
1/2017 trouxe maior insegurança jurídica, à medida que previu que o ISS incidiria mesmo sobre
softwares de prateleira, o que vai de encontro à jurisprudência tradicional do STF. Na visão dos
autores, “ainda que a decisão seja passível de críticas, parece-nos que o município de São Paulo não
poderia, por ato normativo infralegal, desconsiderar tal entendimento”.

196
Tributação da Economia Digital

Seria salutar, em tempos de avanço tecnológico, e considerando o mode-


lo de Estado federal brasileiro, que se pudesse amadurecer a ideia de criação
de algum tipo de mecanismo de composição entre entes federativos de níveis
diferentes. Da mesma forma que os Estados devem se reunir no Conselho Na-
cional de Política Fazendária (CONFAZ) com vistas à concessão de isenções,
incentivos e benefícios fiscais de ICMS, como um meio para se coibir os po-
tenciais impactos causados pela guerra fiscal, deve-se pensar em instrumentos
que permitam ajustes entre Estados e Municípios.
Ainda que o próprio modelo traçado na LC 24/1975 para o funciona-
mento do CONFAZ mereça ser aperfeiçoado266, e, portanto, esteja longe de ser
o ideal, fato é que pode servir, em alguma medida, de parâmetro para um
debate inicial acerca da criação de um órgão ou conselho com a finalidade de
reunir Estados e Municípios no que se refere à tributação da economia digital.
Do contrário, como já se adiantou, para além da insegurança jurídica
gerada aos consumidores e à consequente perda de investimentos no setor
tecnológico, o incremento da guerra fiscal vertical ocasiona o aumento da liti-
giosidade e a transferência de poder decisório ao Judiciário.
Ao não serem capazes de encontrar soluções ou de abrirem mão de par-
cela potencial da arrecadação, Estados e Municípios também se enfraquecem.
Deixam de ser protagonistas e passam a depender permanentemente de so-
luções oferecidas por outros Poderes. Nesse contexto de manifesto declínio
da participação efetiva do Poder Executivo na real condução dos caminhos
da tributação da economia digital, mostra-se impositivo trilhar novos rumos
dentro das possibilidades do sistema.
Sob a ótica dos contribuintes, uma das possíveis alternativas de simplifica-
ção foi aquela proposta por Marco Aurélio Greco, no sentido da elaboração de
um SIMPLES Informático, a partir de uma emenda constitucional ao art. 146,
CRFB/1988, com a correspondente previsão de um regime único de arrecada-

266 Para uma análise crítica da LC 24/1975, especialmente da exigência de unanimidade para aprovação
dos convênios, assim como sinalizando a possibilidade de criação de outros modelos de ajustes,
como protocolos ou câmaras de conciliação entre estados federativos, cabe fazer referência a:
MARINS, Daniel Vieira e OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de. A autonomia federativa e o
problema da unanimidade nos convênios do CONFAZ. Revista do Direito Público, Londrina, v. 12,
n. 2, p. 260-267, ago 2017.

197
Tributação da Economia Digital

ção267. Já sob a ótica das Fazendas, especialmente as estaduais e municipais, para


além da previsão de uma arrecadação unificada, impõe-se refletir acerca de novas
possibilidades de arranjos, que contribuam para um decréscimo da judicialização.
Contudo, enquanto os novos papéis que podem ser conferidos à Admi-
nistração Tributária permanecem no campo acadêmico, passa-se a um pro-
blema prático que vem sendo pontual e setorialmente enfrentado pelo STF,
qual seja, o dos limites ao poder regulamentar. Com efeito, a economia digital
tem o potencial de acentuar a questão, eis que, como expostos, diversos entes
políticos editaram atos administrativos com vistas a disciplinar aspectos tri-
butários das novas tecnologias.
Portanto, o objeto do presente artigo é passar do problema da compe-
tência (quem pode tributar) para a legalidade (como tributar), que são faces
da moeda que compõe a tributação da economia digital. Feitos esses esclare-
cimentos, chega-se ao âmbito específico do software e às ações de controle de
constitucionalidade ora em trâmite no STF.

3. A tributação do software e o princípio da legalidade


No intuito de gerar a incidência de ICMS sobre as operações com pro-
gramas de computador, diversos entes federativos editaram decretos com tal
intento. Estados como São Paulo, Minas Gerais, Ceará, Paraíba, Rondônia,
Piauí e Goiás utilizaram-se de decretos com diferentes finalidades, ora regu-
lamentando a base de cálculo do tributo, ora internalizando os Convênios
181/2015 e 106/2017.
No que se refere especificamente aos Estados de São Paulo e Minas Ge-
rais, foram ajuizadas as ADIs 5576/SP, rel. Min. ROBERTO BARROSO e 5659/
MG, rel. Min. DIAS TOFFOLI, por meio das quais a Confederação Nacional
de Serviços (CNS), através de iniciais de conteúdo bastante similar, impugnou
dispositivos de leis e decretos paulistas e mineiros, respectivamente.

267 GRECO, Marco Aurélio. Tributação e Novas Tecnologias: Reformular as incidências ou o modo de
arrecadar? Um “SIMPLES” Informático. In: FARIA, Renato Vilela; SILVEIRA, Ricardo Maitto da
e MONTEIRO, Alexandre Luiz Moraes do Rêgo (Coords.). Tributação da economia digital: desafios
no Brasil, experiência internacional e novas perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 789-790.

198
Tributação da Economia Digital

Verifica-se, ainda, que a CNS requereu, na primeira ação, a interpretação


conforme a Constituição do art. 2°, I, LC 87/1996 e, na segunda, a declara-
ção de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto do art. 2°, I, LC
87/1996, com o objetivo de “excluir das hipóteses de incidência do ICMS as
operações com programas de computador – software, em razão da ofensa aos
artigos 146, III, 150, I, 155, II e 156, III, todos da CF/88”.
Conforme se infere dos pedidos, ambas as ações são eminentemente estru-
turadas em torno de argumentos de Direito material, adotando o pressuposto
de que o único tributo que, em tese, poderia incidir sobre os contratos de cessão
de uso de software é o ISS. A esse respeito, reporta-se aqui ao quanto já se escre-
veu sobre o tema, conforme pontuado na introdução do presente artigo.
Cabe acrescentar, para fins de reflexão, que embora as iniciais se estru-
turem em torno da necessária incidência de ISS, chegam a afirmar, de forma
contraditória com as suas premissas que “quando o software é adquirido por
um terceiro, não caracteriza uma operação de compra e venda (obrigação de
dar), tampouco uma prestação de serviço (obrigação de fazer), mas tão somen-
te uma licença de uso do mesmo”268.
Ou seja, embora ambas as iniciais defendam a necessária incidência de
ISS sobre quaisquer contratos de cessão de uso, seja com softwares de prate-
leira, seja com softwares personalizados, incorrem na incoerência interna de
afirmar que a hipótese não seria nem mesmo de prestação de serviço.
De outro lado, cumpre observar que algumas manifestações de entidades
que requereram o seu ingresso como amici curiae, e defenderam os mesmos
argumentos essenciais da CNS, partiram de um pressuposto que, igualmente,
merece ponderações, em virtude da sua manifesta parcialidade.
Defendeu-se que o conceito constitucional de serviço sofreu uma evo-
lução, na esteira da decisão proferida no RE 651.703/PR 269, que decidiu pela
incidência de ISS sobre planos de saúde270. Na contramão do quanto verificado
em relação ao conceito de serviço, as referidas manifestações sustentam que o
conceito constitucional de circulação de mercadoria deve ficar restrito à exis-

268 O trecho pode ser extraído do item 50 da inicial da ADI 5576/SP e 58 da ADI 5659/MG.
269 RE 651.703/PR, rel. Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, Julgamento 29/09/2016, DJe 26/04/2017.
270 Esse argumento é sustentado na manifestação da ABES (item 7.11 da ADI 5576/SP e da ADI 5659/
MG) e da ABRASF (item v-b-1 da ADI 5576/SP e da ADI 5659/MG).

199
Tributação da Economia Digital

tência de bens corpóreos271, chegando-se mesmo a afirmar a “impossibilidade


da evolução do conceito constitucional de mercadoria”272.
Portanto, há aqui, uma vez mais, uma incoerência interna nos argumen-
tos desenvolvidos. Ou bem se sustenta – como ora se defende – que os concei-
tos de prestação de serviços e de circulação de mercadorias podem e devem
evoluir, considerando a dinâmica das relações econômicas subjacentes e a im-
possibilidade de o poder constituinte originário antever a evolução tecnológi-
ca273, ou, ao contrário, defende-se que as normas que consagram competências
tributárias incorporam o significado comum (ordinário ou técnico) que um
determinado termo tinha ao tempo em que ela foi promulgada274.
O que não se pode admitir, diante da ausência de substrato constitucio-
nal para tal intento, é a defesa de que apenas uma norma de competência pode
ter o seu sentido aprimorado com o decurso do tempo, em detrimento de
outra, que deve manter o seu conteúdo fiel à realidade de 1988.
Feitos esses esclarecimentos, para fins de reflexão, proceder-se-á, nos
itens seguintes, a uma análise individualizada de cada uma das ações, assim
como das respectivas legislações estaduais, sob o ponto de vista formal, nota-
damente sob o viés da legalidade tributária.

3.1 ADI 5576/SP e a legislação do Estado de São Paulo


Por meio da referida ação direta, foi requerida a interpretação conforme
a Constituição do art. 2°, I, LC 87/1996, como já referido anteriormente, assim
como do art. 1° lei 6374/1989275 – que apresenta redação bastante similar ao

271 Manifestação do Município de São Paulo (item 3.2) na ADI 5576/SP.


272 Manifestação da ABES (item 8 da ADI 5576/SP e da ADI 5659/MG).
273 Entre outros argumentos, esse foi o norte das decisões do STF que estenderam a imunidade ao livro
eletrônico e aos componentes eletrônicos que integram o livro físico: RE 330.817/RJ, rel. Min. DIAS
TOFFOLI, Tribunal Pleno, Julgamento 08/03/2017, DJe 31/08/2017 e RE 595.676/RJ, rel. Min. Marco
Aurélio, Tribunal Pleno, Julgamento 8/3/2017, DJe 18/12/2017, respectivamente.
274 ÁVILA, Humberto. Competências tributárias: um ensaio sobre a sua compatibilidade com as noções
de tipo e conceito. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 52, 67.
275 Art. 1º, Lei 6374/1989. O Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações
de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS incide sobre:

200
Tributação da Economia Digital

art. 2°, I, LC 87/1996 – e foram impugnados por inconstitucionais a lei estadu-


al 8198/1992 e os decretos 61.522/15 e 61.791/16.
No que se refere a argumentos de índole formal, as iniciais fundamen-
tam-se essencialmente na alegação de que o princípio da legalidade tributária
restaria violado, dando pouco relevo ao tema. Afirmou-se, em linhas gerais,
que a legislação impugnada “acabou por instituir, por via transversa, imposto
por intermédio de Decreto e não por lei, o que é inaceitável”. Contudo, muito
pouco se desenvolveu sobre a questão.
A legislação impugnada do Estado de São Paulo estabeleceu, por meio
da lei 8198/1992276, que o pagamento de ICMS devido em operações com pro-
gramas de computador ficava dispensado até a data de promulgação da lei. Os
decretos, por sua vez, contêm previsão referente à base de cálculo de opera-
ções envolvendo softwares.
Nessa linha, o Decreto 61.522/2015277 revogou o anterior Decreto 51.619/2007278,
que, até aquele momento, estabelecia que, no caso de operações com softwares, a
base de cálculo do ICMS correspondia ao dobro do valor do seu suporte informáti-
co. Ou seja, o decreto até então em vigor no Estado de São Paulo previa o cálculo de
ICMS apenas para softwares que contivessem um suporte físico.

I - operação relativa à circulação de mercadorias inclusive o fornecimento de alimentação, bebidas


das e outras mercadorias em qualquer estabelecimento.
276 Art. 3º, lei 8198/1992. Fica dispensado o pagamento do Imposto de Circulação de Mercadorias -
ICM e do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de
Serviços de Transporte lnterestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS em relação a
operações ocorridas até a data da publicação desta lei, com:
I - alimentação fornecida em restaurantes, bares, cafés e estabelecimentos similares;
II - programa para computador (“software”), personalizado ou não.
Parágrafo único - O disposto neste artigo não se aplica ao fornecimento e à saída de bebidas nem
autoriza a restituição de tributos já recolhidos.
277 Art. 1°, Decreto 61.522/2015. Fica revogado o Decreto 51.619, de 27 de fevereiro de 2007, que introduz
cálculo específico da base de tributação do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de
Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicação - ICMS em operações com programas de computador.
278 Art. 1°, Decreto 51.619/2007. Na operação realizada com programa para computador (“software”),
personalizado ou não, o ICMS será calculado sobre uma base de cálculo que corresponderá ao dobro
do valor de mercado do seu suporte informático.
Parágrafo único - O disposto no “caput” não se aplica aos jogos eletrônicos de vídeo (“videogames”),
ainda que educativos, independentemente da natureza do seu suporte físico e do equipamento no
qual sejam empregados.

201
Tributação da Economia Digital

Foi nesse cenário que o Decreto 61.522/2015 trouxe a revogação do decre-


to anterior, sob a justificativa, contida no Ofício GS n° 771/2015279, de que “tem
por objetivo adequar, a partir de 1º de janeiro de 2016, a tributação do ICMS
incidente nas referidas operações à adotada em outras Unidades Federadas”.
Em acréscimo, as razões do decreto dão conta de que “com a revogação, a base
de cálculo nas operações com programas de computador passa a ser o valor
da operação, que inclui o valor do programa, do suporte informático e outros
valores que forem cobrados do adquirente”.
Finalmente, o último ato impugnado280 fez alterações no Regulamento de
ICMS do Estado de São Paulo (Decreto 45.490/2000), contendo simultaneamente
a previsão de que o ICMS incidente sobre softwares não seria exigido até que fosse
definido o local da ocorrência do fato gerador281 e que a carga tributária ficaria
limitada ao percentual de 5% (cinco por cento), nos termos do Convênio 181/2015.
Feitos os esclarecimentos quanto ao teor dos atos questionados por meio da
ADI 5576/SP, cumpre observar que o princípio da legalidade tributária foi invoca-
do de forma excessivamente genérica, pois a afirmação de que as leis e decretos, ao
preverem a tributação sobre softwares, estariam violando o princípio da legalida-
de, consiste, quando muito, em uma violação reflexa à Constituição.

279 Disponível em: < http://info.fazenda.sp.gov.br/NXT/gateway.dll/legislacao_tributaria/decretos/


dec61522.htm?f=templates$fn=document-frame.htm> Acesso em: 29 dez. 2018.
280 Art. 1º, Decreto 61.791/2016. Ficam acrescentados os dispositivos adiante indicados ao Regulamento
do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços
de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - RICMS, aprovado pelo Decreto
n° 45.490, de 30 de novembro de 2000, com a seguinte redação:
I - o artigo 37 às Disposições Transitórias: “Artigo 37 (DDTT) - Não será exigido o imposto em relação às
operações com softwares, programas, aplicativos, arquivos eletrônicos, e jogos eletrônicos, padronizados,
ainda que sejam ou possam ser adaptados, quando disponibilizados por meio de transferência eletrônica
de dados (download ou streaming), até que fique definido o local de ocorrência do fato gerador para
determinação do estabelecimento responsável pelo pagamento do imposto.” (NR);
II - o artigo 73 ao Anexo II: “Artigo 73 (SOFTWARES) - Fica reduzida a base de cálculo do
imposto incidente nas operações com softwares, programas, aplicativos e arquivos eletrônicos,
padronizados, ainda que sejam ou possam ser adaptados, disponibilizados por qualquer meio, de
forma que a carga tributária resulte no percentual de 5% (cinco por cento) (Convênio ICMS-181/15).
Parágrafo único - O disposto no “caput” não se aplica aos jogos eletrônicos, ainda que educativos,
independentemente da natureza do seu suporte físico e do equipamento no qual sejam empregados.”
281 Verifica-se que o local da ocorrência do fato gerador foi estabelecido através do Decreto 63.099/2017,
que internalizou o Convênio 106/2017 no Estado de São Paulo.

202
Tributação da Economia Digital

O que se busca, na verdade, é interpretar a Constituição de forma a com-


preender que operações de cessão de uso de software não estariam abarcadas
pela locução “operações relativas à circulação de mercadorias”, buscando-se,
por essa via, uma superação de precedentes anteriores do STF, que dividiram
os tipos de programa de computador para fins de tributação282.
Ocorre que o conteúdo do princípio da legalidade, que será detalhado no
item 4 do presente, é mais específico do que o que se propôs. Para os fins que in-
teressam às presentes ações diretas, o princípio da legalidade deve ser enfocado
a partir de dois aspectos, quais sejam, a necessidade e os contornos da lei com-
plementar tributária, de um lado e, os limites ao poder regulamentar, de outro.
Quanto ao primeiro aspecto, observa-se que a Constituição Federal, em
seu art. 146, III, prevê a necessidade de lei complementar para dispor sobre
normas gerais em matéria de legislação tributária e, no que se refere aos im-
postos discriminados na Constituição, para definir fatos geradores, bases de
cálculo e contribuintes, o que é reforçado, no caso do ICMS, pela disposição
contida no art. 155, § 2°, XII.
Como se verifica, a lei geral de ICMS, que é a LC 87/1996, apresenta estru-
tura diferente da LC 116/2003. Enquanto esta última discrimina as modalidades
de serviços por meio de sua lista anexa, diante da norma inserta no art. 156, III,
CRFB/1988, aquela se vale de linguagem potencialmente mais aberta. Ou seja, a
LC 87/1996, diferentemente da LC 116/2003, não trouxe uma lista de mercadorias.
Nesse sentido, como regra283, a lei Kandir enuncia, de forma genérica, a
incidência de ICMS sobre as materialidades arroladas no art. 2°, LC 87/1996,
o que, por sua vez, condiciona as normas acerca de contribuintes (art. 4°, LC
87/1996) e bases de cálculo (arts. 8° e 13 a 18, LC 87/1996).
Já o segundo aspecto, que consiste nos limites ao poder regulamentar,
pressupõe que se possa individualmente aferir se, na interação entre a lei tri-
butária e o regulamento, foi observada a reserva de lei para a disciplina dos

282 ADI 1945 MC/MT, rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, Julgamento 26/05/2010, DJe 14/03/2011.
283 A grande exceção ao caráter genérico das materialidades descritas no art. 2°, LC 87/1996 dá-se em
relação a “petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de
energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de
operações interestaduais” (art. 2°, § 1°, III, LC 87/1996).

203
Tributação da Economia Digital

elementos da obrigação tributária, nos termos do art. 97, CTN284 ou se a lei


transferiu ao regulamento a competência para regulamentar determinada
materialidade, a partir de parâmetros máximos fixados, sobre o que se dis-
correrá no item 4 do presente artigo.
Constatado o duplo papel da legalidade na tributação (lei complementar
e decretos), adianta-se, desde logo, que a análise das presentes ações diretas
relaciona-se mais intimamente ao segundo aspecto, qual seja, o dos limites ao
poder regulamentar, considerando que os decretos impugnados disciplina-
ram a base de cálculo do ICMS.
Com efeito, a lei estadual 6374/1989 estabelece que a base de cálculo do
ICMS é o valor da operação285, na esteira da previsão constante no art. 13, I,
LC 87/1996. Portanto, a disposição contida na lei complementar, foi atendida
pela lei ordinária. E os decretos impugnados, também atenderam o comando
legal? Essa pergunta não foi enfrentada na inicial da ação direta.
Verifica-se, ao contrário, a partir da análise dos pedidos veiculados na ADI
5576/SP, que há um vício formal. Caso o objetivo fosse impugnar os referidos
decretos por suposta alegação de que teriam extrapolado os limites do poder re-
gulamentar, e, por essa via, o princípio da legalidade tributária, toda a cadeia de
decretos do Estado de São Paulo deveria ter sido reputada como inconstitucio-
nal. Com efeito, a se julgar inconstitucionais os decretos impugnados, não seria
hipótese de se conferir efeito repristinatório aos decretos revogados, tendo em
vista que todos foram editados com base no mesmo fundamento de validade286.
Contudo, e muito embora se afirme que operações com software “ja-
mais poderiam ser tributadas pelo ICMS”, não foi requerida a declaração de

284 Os artigos 21, 26 e 65 do CTN devem ser tidos como não recepcionados pela Constituição de 1988,
eis que a Carta de 1988, diferentemente da EC 18/1965 e das Constituições subsequentes, não previu
que o Poder Executivo alterasse as bases de cálculo de tributos. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito
Tributário. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 320.
285 Art. 24, Lei 6374/1989. Ressalvados os casos expressamente previstos, a base de cálculo do imposto
nas hipóteses do artigo 2º é:
I - quanto às saídas de mercadorias aludidas nos incisos I, VIII e IX o valor da operação.
286 Para uma leitura mais aprofundada do tema, a despeito das diferenças fundamentais entre a
legislação estadual ora analisada e a lei federal 10865/2004, cabe fazer referência a: MONTEIRO
NETO, Clóvis. Legalidade tributária e delegação legislativa: Reflexões sobre o caso do PIS/COFINS
sobre receitas financeiras. Disponível em: <https://jota.info/colunas/contraditorio/legalidade-
tributaria-e-delegacao-legislativa-12062017>. Acesso em: 30 dez. 2018.

204
Tributação da Economia Digital

inconstitucionalidade dos Decretos 35.674/1992287 e 51.619/2007, que regula-


mentaram a base de cálculo do ICMS para o caso de comercialização de sof-
twares contendo suporte físico.
Portanto, para que fosse devidamente analisado o princípio da legalida-
de, caberia à parte autora demonstrar se a fixação da base de cálculo dos de-
cretos impugnados foi de encontro à normativa constante na LC 87/1996 e na
lei estadual 6374/1989, eis que, da literalidade do Decreto 61.522/2015, consta
que a sua base de cálculo é o valor total da operação e o Decreto 61.791/2016
adotou o regramento constante no Convênio 181/2015.
Ou seja, caberia à parte autora demonstrar se, e de que forma, no caso
concreto, os limites ao poder regulamentar não teriam sido observados, ao
invés de uma genérica alegação de violação ao princípio da legalidade.
A análise da ADI 5576/SP, na parte em que foram impugnados os de-
cretos do Estado de São Paulo, traz à tona a necessidade de se refletir acerca
do papel do Poder Executivo estadual na tributação do software, notadamen-
te sob o viés do poder regulamentar. As reflexões doutrinárias quanto à LC
87/1996288 são salutares e convidam a um debate quanto à conveniência e aos
limites de sua reforma, mas, da análise ora realizada, não são o cerne da con-
trovérsia posta na ADI.

3.2 ADI 5659/MG e a legislação


do Estado de Minas Gerais
Posteriormente ao ajuizamento da ADI 5576/SP, impugnando a legisla-
ção do Estado de São Paulo, a CNS ajuizou ação questionando a legislação
do Estado de Minas Gerais, além de requerer a declaração de inconstitucio-
nalidade parcial sem redução de texto do art. 2°, I, LC 87/1996, nos termos

287 Artigo 1º - Fica acrescentado o artigo 51-A ao Regulamento do Imposto de Circulação de Mercadorias
e de Prestação de Serviços, aprovado pelo Decreto nº 33.118, de 14 de março de 1991: “Artigo 51-A
- Em operação realizada com programa para computador (“software”), personalizando ou não, o
imposto será calculado sobre uma base de cálculo que corresponderá ao dobro do valor de mercado
do seu suporte informático.”.
288 Para uma análise da LC 87/1996: NAVARRO, Carlos Eduardo de Arruda; SILVEIRA, João Vitor
Kanufre Xavier da. Quemdeve se preocupar com o Convênio nº 106/2017? Revista Fórum de Direito
na Economia Digital – RFDED, Belo Horizonte, ano 2, n. 02, p. 44-45, jan./jun. 2018.

205
Tributação da Economia Digital

anteriormente referidos. Observe-se, de outro lado, que a inicial parece equi-


parar este instituto à interpretação conforme a Constituição, usando ambas as
expressões de forma equivalente289.
Foi requerido, outrossim, a declaração de inconstitucionalidade parcial sem
redução de texto do art. 5° da lei estadual 6763/1975290 – que praticamente reproduz
a dicção da legislação complementar291 – e do art. 1°, I e II do Decreto 43.080/2002292,
além da declaração de inconstitucionalidade do Decreto 46.877/2015293.
Com efeito, os decretos mineiros impugnados apresentam teor similar
aos decretos paulistas, que dispuseram sobre a base de cálculo do ICMS em
operações com softwares. O Decreto 43.080/2002 aprovou o Regulamento In-
terno de ICMS de Minas Gerais, estabelecendo que a base de cálculo em ope-
rações com programas de computador seria ou o valor do suporte físico, caso
o software se destinasse ao uso do encomendante, ou duas vezes o valor do
suporte físico, no caso de ser destinado à comercialização.

289 Para uma análise acerca da diferença entre a interpretação conforme a Constituição e a declaração
de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO,
Inocêncio Mártires e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2009, p. 1300-1307
290 Embora a inicial não indique qual dos incisos do art. 5°, lei 6763/1975 seria inconstitucional, do seu
inteiro teor, parece que o pedido se refere ao art. 5°, § 1°, 1.
291 Art. 5º, lei 6763/1975. O Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre
Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS
– tem como fato gerador as operações relativas à circulação de mercadorias e às prestações de
serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as
prestações se iniciem no exterior.
§ 1º – O imposto incide sobre:
1) a operação relativa à circulação de mercadoria, inclusive o fornecimento de alimentação e bebida
em bar, restaurante ou estabelecimento similar.
292 Art. 43, Decreto 43.080/2002. Ressalvado o disposto no artigo seguinte e em outras hipóteses
previstas neste Regulamento e no Anexo IV, a base de cálculo do imposto é:
(...)
XV - na saída ou no fornecimento de programa para computador:
a) exclusivo para uso do encomendante, o valor do suporte físico ou informático, de qualquer natureza;
b) destinado à comercialização, duas vezes o valor de mercado do suporte informático.
293 Art. 1º, Decreto 46.877/2015. Fica revogado o inciso XV do art. 43 do Regulamento do ICMS,
aprovado pelo Decreto nº 43.080, de 13 de dezembro de 2002.

206
Tributação da Economia Digital

O Decreto 46.877/2015, por sua vez, revogou o art. 43, XV, do Decreto
43.080/2002, que estabelecia a base de cálculo para operações com software.
A parte requerente aduz que “a revogação do inciso XV do art. 43 do Decreto
nº 43.080/02, poderia permitir interpretar que o Estado de Minas Gerais não
mais tributará as operações com software”.
Contudo, após reportar-se à Consulta de Contribuinte n° 29/2016294, infor-
ma que “a base de cálculo das referidas operações, até então correspondente tão
somente ao suporte físico do software, nos termos do Decreto n° 43.080/02 do
Estado de Minas Gerais, passou a ser o valor total da operação”. Ou seja, a parte
requerente, assim como ocorreu com a legislação paulista, questiona o fato de a
base de cálculo do ICMS com programas de computador deixar de considerar o
valor do suporte físico para passar a considerar o valor total da operação.
Cabe ponderar que, assim como ocorreu na ação direta de São Paulo,
apenas parte da cadeia de decretos foi reputada como inconstitucional na ADI
5659/MG. Com efeito, da análise da sucessão de decretos editados com fun-
damento na mesma lei estadual de ICMS, puderam ser identificados ao menos
dois decretos (Decreto 38.104/1996295 e Decreto 32.535/1991296, que aprovaram
os anteriores regulamentos de ICMS), que continham a previsão de que o su-
porte informático consistia na base de cálculo do ICMS no caso de operações
com programas de computador.

294
Disponível em: <http://www6.fazenda.mg.gov.br/sifweb/MontaPaginaPesquisa?pesqBanco=
ok&login=false&caminho=/usr/sef/sifweb/www/empresas/legislacao_tributaria/consultas_
contribuintes/cc029_2016.htm&searchWord=software&tipoPesquisa=todasPalavras#ancora>
Acesso em: 30 dez. 2018.
295 Art. 44, Decreto 38.104/1996. Ressalvadas outras hipóteses previstas neste Regulamento e nos
Anexos IV e XI, a base de cálculo do imposto é:
(...)
XV - na saída ou fornecimento de programa para computador:
a - exclusivo para uso do encomendante, o valor do suporte físico ou informático, de qualquer natureza;
b - destinado a comercialização, duas vezes o valor de mercado do suporte informático.
296 Art. 60, Decreto 32.535/1991. Ressalvadas outras hipóteses previstas neste Regulamento, a base de
cálculo do imposto é:
(...)
§ 7º - Na saída ou fornecimento de programa para computador, personalizado ou não, a base de
cálculo corresponderá somente ao valor suporte físico ou informático, de qualquer natureza.

207
Tributação da Economia Digital

Portanto, reporta-se, na presente oportunidade, ao quanto se expôs


quanto à questão, acerca da necessidade de que toda a cadeia de decretos edi-
tada com base no mesmo fundamento normativo seja impugnada.
Em acréscimo, tal como constatado na ADI contra a legislação do Estado
de São Paulo, verifica-se que o argumento tendo por base o princípio da lega-
lidade foi apenas superficialmente desenvolvido na inicial, não se chegando
a enfrentar de que modo os limites ao poder regulamentar não teriam sido
observados no caso concreto.
De outro lado, as informações que constam na inicial levam o intérprete
a concluir que a base de cálculo nas operações com programas de computador
está sendo considerada como o valor da operação, a partir da conjugação da
LC 87/1996 e da lei estadual 6763/1975 (art. 13, IV297), em suas normas gerais.
Do quanto se pode inferir, não há propriamente um ato administrativo
dispondo quanto à questão. As informações prestadas nos autos pelo Gover-
nador parecem caminhar nesse sentido, consoante decorre das seguintes pas-
sagens, que constam dos itens 5 e 13 de sua manifestação, respectivamente:
Muito provavelmente não se discutia a incidência do ICMS porque, em
razão do benefício fiscal, o efeito econômico da tributação era muito
pequeno. Em razão da norma regulamentar, o ICMS sobre software,
em vez de incidir sobre o valor da operação (base de cálculo genérica
do imposto), incidia sobre as bases de cálculo reduzidas, previstas
nas alíneas a e b do inciso XV do art. 43 do RICMS/2002. [Grifo nosso]
A comercialização de software, em Minas Gerais, foi aquinhoada com
benefício fiscal, consistente na adoção de base de cálculo reduzida, dis-
tinta da base de cálculo normal do ICMS, que é o valor da operação
(art. 13, inciso I, da Lei Complementar n° 87, de 1996). Em Minas Ge-
rais, como exposto na petição inicial, foi adotado, nos termos do Decreto
Estadual n° 46.877, de 3 de novembro de 2015, dispositivo que revogou o
benefício fiscal concedido à comercialização de software. Este benefício

297 Art. 13, lei 6763/1975. A base de cálculo do imposto é:


(...)
IV – na saída de mercadoria, prevista no inciso VI do artigo 6º, o valor da operação.
Art. 6º, lei 6763/1975. Ocorre o fato gerador do imposto:
(...)
VI – na saída de mercadoria, a qualquer título, inclusive em decorrência de bonificação, de
estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular.

208
Tributação da Economia Digital

revogado pelo Decreto Estadual n° 46.877, de 2015, constava do Regu-


lamento do ICMS, aprovado pelo Decreto Estadual n° 43.080, de 2002,
calhando repetir os termos do art. 43, inciso XV.” [Grifo nosso]

Constata-se, pois, que a requerente se insurge contra a interpretação


dada pela Secretaria de Fazenda de Minas Gerais, de que a base de cálculo do
ICMS em operações com software é o valor total da operação. No que se refere
especificamente à legalidade, não há propriamente um ato normativo impug-
nado, mas a interpretação conferida pela Secretaria de Fazenda na Consulta
de Contribuinte n° 29/2016 e reiterada em outras manifestações, como a Con-
sulta de Contribuinte n° 141/2016298.
Portanto, sob o ângulo estrito do princípio da legalidade, para além da
necessidade de a questão ser enfocada sob a ótica do poder regulamentar,
como já destacado no item anterior, a inicial carece de demonstração quanto
a qual ato efetivamente teria vulnerado o princípio da legalidade, eis que a
revogação pura e simples de um decreto não traduz tal violação.

4. O princípio da legalidade na jurisprudência do STF


Feitas as considerações anteriores sobre os pedidos veiculados nas ADIs 5576/
SP e 5659/MG que, embora pudessem explorar os contornos do princípio da lega-
lidade tributária no Direito brasileiro, limitaram-se a invocar genericamente a im-
possibilidade de Estados tributarem o software por meio de ICMS, passa-se a discor-
rer sobre a evolução o princípio vem sofrendo, especialmente em sede pretoriana.
O princípio da legalidade tributária não é algo novo. Todas as Constitui-
ções republicanas299 o previram expressamente, a exceção da Carta de 1937.

298 Disponível em: <http://www6.fazenda.mg.gov.br/sifweb/MontaPaginaPesquisa?pesqBanco=ok&login=fa


lse&caminho=/usr/sef/sifweb/www/empresas/legislacao_tributaria/consultas_contribuintes/cc141_2016.
htm&searchWord=software&tipoPesquisa=todasPalavras#ancora> Acesso em: 30 dez. 2018.
299 Conforme destaca Ricardo Lodi Ribeiro, a Carta Imperial de 1824 já continha os primeiros traços de
previsão da legalidade tributária, ao enunciar que é privativa da Câmara dos Deputados a iniciativa
sobre impostos (art. 36, I) e que todas as contribuições diretas são anualmente estabelecidas pela
Assembleia Geral (art. 171). RIBEIRO, Ricardo Lodi. O fundamento da legalidade tributária: do
autoconsentimento ao pluralismo político. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 45, n.
177, p. 218, jan./mar. 2008.

209
Tributação da Economia Digital

No entanto, permanece atual a constatação de Ricardo Lobo Torres, no senti-


do de que seus contornos são ambíguos e ainda em construção300.
A legalidade pode ser compreendida sob o aspecto formal e material. Do
ponto de vista formal, pressupõe a exigência de lei, ao passo que, do ângulo
material, designa o conteúdo de que a lei tributária deve se revestir. Nessa
linha, se de um lado, a regra tributária deve ser introduzida por meio de lei
(legalidade em sentido lato), de outro, impõe-se que a lei tributária traga em
seu bojo os elementos descritivos do fato jurídico e os dados prescritores da
relação obrigacional (tipicidade)301.
Após um extenso período de produção acadêmica quanto à tipicidade302,
que se sucedeu ao julgamento pelo STF do caso SAT303, os estudiosos do Direi-
to Tributário têm progressivamente se voltado a analisar as possíveis relações
entre a lei e o decreto304. Ou, em outros termos, quais os limites do poder
regulamentar no Direito Tributário?
Para que se possa enfrentar a pergunta, ainda que sem uma resposta
pronta e acabada, impõe-se constatar que o fenômeno das delegações legisla-
tivas tornou-se uma realidade no Direito brasileiro, alcançando, inclusive, o
Direito Tributário.
Segundo as lições de Carlos Roberto de Siqueira Castro, as delegações
legislativas podem ser compreendidas como uma transferência de compe-
tência legislativa para a edição de normas, pelo qual o Poder Legislativo,
que é o poder delegante, repassa ao agente ou órgão delegado o exercício da

300 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Vol. II – Valores
e Princípios Constitucionais Tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 2014, p. 412-414.
301 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 174.
302 A fim de exemplificar o quanto se afirma, cabe fazer referência a: GODOI, Marciano Seabra de.
O quê e o porquê da tipicidade tributária. In: RIBEIRO, Ricardo Lodi; ROCHA, Sérgio André.
(Coord.). Legalidade e Tipicidade no Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 72-99.
303 RE 343.446/SC, rel. Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, Julgamento 20/03/2003, DJ
04/04/2003.
304 ROSENBLATT, Paulo. Competência Regulamentar no Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: MP
Editora, 2009.

210
Tributação da Economia Digital

função normativa que lhe fora concedida no esquema de partilha de compe-


tências traçado na Constituição305.
Dentro dessa ordem de ideias, André Cyrino adota o posicionamento de que
delegação e regulamentação são fenômenos similares, inseridos no processo de
alocação de funções normativas a outras instituições. Ademais, observa que “o
quanto delegar, o que delegar, ou quando delegar são questões a serem resolvidas
na gestão de coalizão”, de tal sorte que, dos julgados proferidos pelo STF, ainda
“não se extrai um conceito claro sobre o quanto se deve exigir do legislador”306.
No caso específico da legalidade tributária, o art. 150, I, CRFB/1988 es-
tatui que é vedado aos entes políticos exigir ou aumentar tributo sem lei que o
estabeleça. Entretanto, no que se refere à possibilidade de alteração de alíquo-
tas, a própria Constituição estabeleceu mitigações ao princípio da legalidade
em seu texto originário307 e através de emendas constitucionais308.
Em acréscimo, verifica-se que as referidas mitigações à legalidade tribu-
tária foram feitas, a exceção da CIDE-combustíveis, em relação a impostos, de
tal modo que a Constituição foi silente no que se refere à aplicação do princí-
pio da legalidade às taxas e contribuições.
Do arcabouço normativo supra descrito, decorrem algumas questões,
parcialmente respondidas pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, no-
tadamente pela jurisprudência do STF. A principal delas consiste em perqui-
rir se seriam possíveis outras flexibilizações ao princípio da legalidade, para
além daquelas estampadas no Texto Constitucional. No que se refere a taxas e
contribuições, a jurisprudência recente do Plenário do STF, que pode ser sin-
tetizada por meio de três precedentes julgados em outubro de 2016, tem sido
inequivocamente positiva.

305 CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O Congresso e as delegações legislativas. Forense: Rio de
Janeiro, 1986. p. 81-82.
306 CYRINO, André. Delegações Legislativas, Regulamentos e Administração Pública. Belo Horizonte:
Fórum, 2018, p. 33, 144, 190-191.
307 A Constituição de 1988, em seu texto originário, admitiu que o Poder Executivo altere as alíquotas
dos impostos de importação, exportação, IPI e IOF (art. 153, § 1°, CRFB/1988).
308 As mitigações ao princípio da legalidade decorrentes de emenda são verificadas nas hipóteses de
ICMS monofásico sobre combustíveis (art. 155, § 2°, IV, CRFB/1988) e CIDE sobre combustíveis
(art. 177, § 4°, I, b CRFB/1988).

211
Tributação da Economia Digital

No primeiro deles309, a Confederação Nacional das Profissões Liberais


– CNPL questionou a constitucionalidade dos artigos 3º, 4º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10 e
11 da lei 12.514/2011, que regula as contribuições devidas aos conselhos pro-
fissionais, cuja previsão remonta ao art. 149, CRFB/1988.
Para os fins do presente artigo, cumpre fazer referência ao art. 6° da lei
questionada310, que, ao fixar o quantum do tributo, estabeleceu faixas de va-
lor até um determinado montante, a depender do nível de escolaridade dos
profissionais ou do capital social da empresa. De outro lado, o § 2° do citado
artigo conferiu aos próprios conselhos profissionais a prerrogativa de fixar o
valor da exação tributária.
Ao apreciar a referida ADI, o Plenário do STF, seguindo o voto condutor
do Min. Edson Fachin, decidiu que as anuidades consistem em modalidade tri-
butária e, portanto, sujeitam-se à aplicação do princípio da legalidade previsto
no art. 150, I, CRFB/1988. Contudo, ponderou o Min. que a previsão legal de

309 ADI 4697/DF, rel. Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, Julgamento 06/10/2016, DJe 30/03/2017.
310 Art. 6°, lei 12.514/2011. As anuidades cobradas pelo conselho serão no valor de:
I. para profissionais de nível superior: até R$ 500,00 (quinhentos reais);
II. para profissionais de nível técnico: até R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais); e
III. para pessoas jurídicas, conforme o capital social, os seguintes valores máximos:
a) até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais): R$ 500,00 (quinhentos reais);
b) acima de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e até R$ 200.000,00 (duzentos mil reais): R$ 1.000,00
(mil reais);
c) acima de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) e até R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais): R$
1.500,00 (mil e quinhentos reais);
d) acima de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) e até R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais): R$
2.000,00 (dois mil reais);
e) acima de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) e até R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais): R$
2.500,00 (dois mil e quinhentos reais);
f) acima de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) e até R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais): R$
3.000,00 (três mil reais);
g) acima de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais): R$ 4.000,00 (quatro mil reais).
§ 1o Os valores das anuidades serão reajustados de acordo com a variação integral do Índice Nacional
de Preços ao Consumidor INPC, calculado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística IBGE, ou pelo índice oficial que venha a substituí-lo.
§ 2o O valor exato da anuidade, o desconto para profissionais recém-inscritos, os critérios
de isenção para profissionais, as regras de recuperação de créditos, as regras de parcelamento,
garantido o mínimo de 5 (cinco) vezes, e a concessão de descontos para pagamento antecipado ou à
vista, serão estabelecidos pelos respectivos conselhos federais. [Grifos nossos]

212
Tributação da Economia Digital

um teto para que a autarquia profissional fixe o valor da tributação satisfazia


o princípio da legalidade, destacando, entre outros fatores, que o mandamen-
to constitucional estaria suficientemente satisfeito, considerando a observância
aos princípios da praticabilidade, da parafiscalidade e da tipicidade.
Cabe pontuar, para fins de registro, que a lei também concedeu às autarquias
profissionais a prerrogativa de fixarem o valor das isenções, que se submetem à
disciplina constitucional própria (artigo 150, § 6°, CRFB/1988), pela qual há a ne-
cessidade de edição de lei específica, o que não foi enfrentado pelo voto condutor.
Contemporaneamente à decisão referente às anuidades devidas aos con-
selhos profissionais, o STF julgou recurso extraordinário, de relatoria do Min.
Dias Toffoli, em que eram questionadas disposições legais acerca da Anotação
de Responsabilidade Técnica (ART), que é taxa de polícia devida aos Conse-
lhos de Engenharia, Arquitetura e Agronomia.
Nesse precedente311, o STF decidiu pela constitucionalidade da previsão
da lei 6.994/1982312, que estabelece o limite máximo para o valor da ART, a
partir do qual o Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia
(CONFEA)313 fixa o valor exato do tributo.
Naquela oportunidade, o STF entendeu que, desde que a lei estipule os
elementos essenciais da exação, assim entendidos como a materialidade da
regra matriz de incidência e os sujeitos ativo e passivo do tributo, é admissível
que regulamento do conselho profissional fixe o valor da taxa em proporção
razoável com os custos da atuação estatal.

311 RE 838.284/SC, rel. Min. DIAS TOFFOL, Tribunal Pleno, Julgamento 19/10/2016, DJe 22/09/2017
312 Art. 2º, lei 6.994/1982. Cabe às entidades referidas no art. 1º desta Lei a fixação dos valores das taxas
correspondentes aos seus serviços relativos e atos indispensáveis ao exercício da profissão, restritas
aos abaixo discriminados e observados os seguintes limites máximos:
(...)
Parágrafo único - O disposto neste artigo não se aplica às taxas referentes à Anotação de
Responsabilidade Técnica - ART, criada pela lei nº 6.496, de 7 de dezembro de 1977, as quais poderão
ser fixadas observado o limite máximo de 5 MVR. [Grifos nossos]
313 Art 2º, lei 6496/1977. A ART define para os efeitos legais os responsáveis técnicos pelo
empreendimento de engenharia, arquitetura e agronomia.
[...]
§ 2º. O CONFEA fixará os critérios e os valores das taxas da ART ad referendum do Ministro do Trabalho.

213
Tributação da Economia Digital

Finalmente, no terceiro precedente314 julgado em outubro de 2016, o STF de-


cidiu que há violação ao art. 150, I, CRFB/1988, na hipótese de a lei não estabelecer
parâmetros, conferindo autorização genérica para os conselhos de fiscalização pro-
fissionais fixarem as contribuições anuais devidas por pessoas físicas e jurídicas, o
que conferiria puro arbítrio ao administrador. Dessa forma, foi declarada a incons-
titucionalidade do art. 2º da Lei 11.000/2004 e, por arrastamento, do seu § 1°315.
Portanto, diante dos precedentes acima referidos, e sem prejuízo da ne-
cessidade de maior aprimoramento da argumentação utilizada316, verifica-se
que a jurisprudência do STF tem dado sinais de que admite a mitigação ao
princípio da legalidade para taxas e contribuições, desde que a lei fixe parâ-
metros suficientes para a atuação do administrador público.
Já no que se refere especificamente às mitigações ao princípio da legali-
dade em matéria de impostos, a questão está posta ao STF em pelo menos três
precedentes317, nos quais é impugnada a possibilidade de que leis facultem ao
administrador público a alteração de alíquotas fora das hipóteses em que há
um expresso permissivo constitucional.
A despeito de esses três precedentes ainda aguardarem julgamento, en-
tende-se que a análise do princípio da legalidade tributária não deve ser com-
partimentada com base na classificação das espécies de tributo nem pressupõe
previsão constitucional direta. Com efeito, a análise da viabilidade de uma
delegação pressupõe que se possa controlar as razões que a justificaram, assim
como os critérios fixados pela lei delegante318.

314 RE 704.292/PR, rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, Julgamento 19/10/2016, DJe 03/08/2017.
315 Art. 2o, lei 11.000/2.004. Os Conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são autorizados
a fixar, cobrar e executar as contribuições anuais, devidas por pessoas físicas ou jurídicas, bem
como as multas e os preços de serviços, relacionados com suas atribuições legais, que constituirão
receitas próprias de cada Conselho.
§ 1o Quando da fixação das contribuições anuais, os Conselhos deverão levar em consideração as
profissões regulamentadas de níveis superior, técnico e auxiliar.
316 Para uma análise crítica dos referidos precedentes, destacando que, nos julgamentos em Plenário,
diversos Ministros alteraram o entendimento que vinham adotando em decisões monocráticas,
sem explicitar as razões para tanto, cabe fazer referência a: LANNES, Daniel. Legalidade Tributária.
Quartier Latin: São Paulo, 2018, p. 219-225.
317 ADI 5277, rel. Min. DIAS TOFFOLI; ADI 5748, rel. Min. ROSA WEBER e RE 1.043.313/RS (tema
939), rel. Min. Dias Toffoli.
318 Sergio André Rocha admite a delegação legislativa em matéria tributária, arrolando quatro
requisitos para tanto. O primeiro deles é a possibilidade jurídica de delegação, ou seja, a mesma

214
Tributação da Economia Digital

Se as mitigações ao princípio da legalidade estampadas no Texto Constitu-


cional decorreram de razões extrafiscais319, parece razoável supor que, num cená-
rio de permanente avanço tecnológico, caminhe-se para novos fundamentos para
as referidas mitigações, de ordem técnica e intimamente associada à Informática.
Contudo, nas ADIs 5576/SP e 5659/MG, ora postas à apreciação, cons-
tata-se que apenas se poderia cogitar de delegações em sentido amplo. Con-
soante decorre da análise feita no item anterior, as leis paulista e mineira não
transferiram ao Poder Executivo a prerrogativa de dispor sobre os elementos
da obrigação tributária.
O que se verificou, em verdade, foi o exercício do poder regulamentar
das Administrações Tributárias. Nessa linha, diante da LC 87/1996 e das res-
pectivas leis estaduais, que dispuseram que a base de cálculo consiste no valor
da operação, as Administrações Tributárias atrelaram a base de cálculo para
operações com software ao suporte físico do programa de computador.
Em momento posterior, afastou-se a utilização do suporte físico e retor-
nou-se ao valor da operação ou à redução da base de cálculo estabelecida em
convênio320, o que resultou, em termos econômicos, numa majoração da carga
tributária, conforme consta da análise das manifestações nos respectivos au-
tos judiciais eletrônicos.
Portanto, o estudo das ADIs paulista e mineira demonstra que o Poder
Executivo pode influenciar os rumos da economia digital, sob o enfoque da
legalidade, ora aferida a partir dos limites do poder regulamentar. Entretanto,
assim como já ocorreu no Direito Administrativo, especialmente em matérias
técnicas, o papel do Poder Executivo precisa ser repensado. Novos ajustes en-
tre entes políticos e maior participação dos contribuintes no curso do devido

deve ser permitida ou não deve haver vedação implícita ou explícita. O segundo requisito é o de
que a lei deve estabelecer os limites em que será legítima a atuação do delegatário. Em terceiro
lugar, remarca que o poder delegante permanece com a competência legislativa plena para legislar
e, em quarto lugar, assevera que a legitimidade da delegação pressupõe mecanismos de controle
da atividade delegada. ROCHA, Sergio André. A Deslegalização no Direito Tributário Brasileiro
Contemporâneo. In: BORJA, Célio; RIBEIRO, Ricardo Lodi (Orgs.). Temas de Direito Público –
Estudos em homenagem ao professor Flávio Bauer Novelli – Volume 1 – Constituição e Cidadania.
Rio de Janeiro: Multifoco, 2015, p. 518-520.
319 COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 58.
320 Reporta-se, aqui, ao quanto descrito no item 3, sobre a evolução legislativa nos dois Estados.

215
Tributação da Economia Digital

processo regulamentar321 podem contribuir não só para fins arrecadatórios,


mas também para o fomento da economia digital.

Conclusão
Diante de todo o exposto, verifica-se que, embora a forma mais usual de
se estudar a economia digital seja abordá-la sob a ótica da competência tribu-
tária, pretendeu-se, com o presente, verificar de que forma o Poder Executivo
pode contribuir com o aprimoramento do tratamento jurídico-tributário da
economia digital e, mais especificamente, no que se refere aos contornos do
princípio da legalidade na tributação do software.
Com efeito, num cenário de crescimento de tecnologias, disruptivas ou não,
o papel do Poder Executivo precisa ser revisitado. Como se expôs, deverá a Ad-
ministração exercer o seu poder regulatório, disciplinando o regime aplicável a
novas materialidades, como se mostra premente no caso de criptomoedas. De
outro lado, mesmo em hipóteses já reguladas, como o software, a Administração
Tributária exerce função normativa, o que desafia a identificação, diante de cada
caso concreto, acerca da observância dos limites do poder regulamentar.
Portanto, entende-se que a análise da matéria contida nas ADIs 5576/SP e
5659/MG, sob o viés da legalidade, consiste num ponto de partida nesse processo
de delimitação das funções do administrador público na economia digital. Se-
gundo se entende, a legalidade mostra-se como uma possível frente de atuação,
mas, certamente, deverá haver outras, como o fomento e o estímulo à inovação.
Nesse contexto, parece inegável que novos mecanismos de combate
à guerra fiscal – agora entre entes federativos – precisam ser pensados. Em
acréscimo, os diálogos institucionais entre Executivo e Legislativo, e também
entre o Executivo e a sociedade civil podem ser aprimorados. Do contrário,
para além da perda de arrecadação e do desincentivo à economia, o Poder
Executivo corre o risco de se tornar progressivamente um coadjuvante na de-
limitação dos rumos tributários da economia digital.

321 Para um estudo do devido processo regulamentar: CYRINO, Op. cit., p. 238-247.

216
Tributação da Economia Digital

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220
Revigorando o Imposto sobre
Propriedade Imóvel: Propostas
Legislativas e Novas Tecnologias

Carlos Augusto Rolim322


Constantino António Zangui

1. Introdução
A participação política dos municípios na República brasileira cresceu
de forma considerável desde a promulgação da Constituição de 1988. Entre as
provas dessa afirmação, encontra-se a de um projeto de lei no Congresso Na-
cional para aumentar seu número em mais 400.323 Embora existam posições
negativas324 e positivas325 ao reconhecimento do status de integrantes da Fede-
ração, o fato é que a Carta Magna lhes confere categoricamente esta posição,
na letra do Art. 18, caput.326
Entretanto, se no âmbito político não há problemas para o aumento de
seu número, em aspectos financeiros a situação é bastante preocupante ao
considerarmos a atual conjuntura.
Dos atuais 5.570 municípios do Brasil, cerca de um terço não consegue arre-
cadar o suficiente para pagar as próprias despesas de pessoal, o que inclui o salário

322 Mestrandos de Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento da Universidade do Estado do Rio


de Janeiro – UERJ.
323 PLP 137/2015, Congresso Nacional.
324 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
325 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 11ª ed. - Rio de Janeiro:
Forense, 2010.
326 CF/88, “Art.  18.  A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil
compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos
desta Constituição.  

221
Tributação da Economia Digital

de prefeitos, vereadores e secretários. Ironicamente, os outros dois terços não aten-


deriam a todos os critérios propostos no próprio projeto, ainda em tramitação.327
Isso nos permite dizer que o legislador constitucional produziu as regras
de criação, fusão, incorporação e desmembramento de municípios na Carta
Magna sem se preocupar com um requisito fundamental que as justificassem:
uma viável autonomia financeira.328
O Estado apontou que a situação econômica de municípios que possuem
população de até 50 mil habitantes é muito deficitária, gerando mais despesas
que receitas próprias. A situação é mais agravante para aqueles que possuem
população inferior a vinte mil, onde mais de 90%, alguns quase 100%, da re-
ceita total é proveniente de transferências públicas.
Ou seja, três décadas após a Constituição de 1988, que elevou a posição dos
municípios dentro do campo federativo, a situação da grande maioria de tais
entes é de total desequilíbrio entre o volume de receitas e a geração de arrecada-
ção própria. Isso acarreta consequências que dificultam a efetividade do cum-
primento das responsabilidades constitucionais e legais dos governos locais.
Para fazer frente às suas obrigações, os municípios recorrem aos demais
entes federativos, em especial à União e suas preciosas transferências inter-
governamentais, especificamente as voluntárias. As transferências legais se
transformaram, há muito tempo, em imprescindíveis para se garantir à edu-
cação básica, saúde e infraestrutura locais.
Quanto às transferências voluntárias, a situação é mais complexa. Ma-
rins aponta os problemas que resultam dessa delicada situação dos municípios
em recorrer às transferências voluntárias, em sua obra: “O esforço fiscal dos
municípios e as transferências intergovernamentais”.329

327 JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO. “Um terço dos municípios do País não gera receita nem para
pagar salário do prefeito”, publicado em 26.08.2018. Disponível em: <https://economia.estadao.com.
br/noticias/geral,um-terco-dos-municipios-do-pais-nao-gera-receita-nem-para-pagar-salario-do-
prefeito,70002473456>. Acesso em: 05/09/2018.
328 CF/88, Art, 18, § 4º: A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-
ão por lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar federal, e dependerão de
consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos
Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei.”
329 MARINS, Daniel Vieira. O esforço fiscal dos municípios e as transferências intergovernamentais.
-1.ed.-Rio de Janeiro: Gramma, 2016.

222
Tributação da Economia Digital

Uma das causas desse mecanismo financeiro, segundo Marins, seria o


estímulo que a União exerce sobre os municípios a participarem de acordos
político-partidários, a “barganha política”, ao invés de os incentivarem ao
progresso de suas receitas próprias, pelos tributos de sua competência.
O resultado é uma espécie de “acomodação” na arrecadação e cobrança
de tributos, comprometendo a autonomia fiscal dos municípios e prejudican-
do a população local na fruição das políticas públicas aplicadas.
Gustavo da Gama também aponta que o esforço fiscal de entes subna-
cionais, no tocante ao desenvolvimento de seus tributos próprios, acarretaria
uma melhoria do federalismo fiscal brasileiro como um todo.
Isso resultaria não só na higidez das relações entre os entes da federação
como da própria evolução do sistema tributário do país, aproximando-o do
princípio da capacidade contributiva e da justiça fiscal.330
Uma das medidas apontadas por Gama, para incentivo do esforço fiscal
de municípios, seria a aprovação do Projeto de Lei Complementar nº 108/2011,
que prevê a atualização da planta de valores do IPTU em períodos fixados
com base no número de habitantes, sob pena de vedação ao recebimento de
transferências voluntárias. Tal medida amenizaria o peso político de prefeitos,
que sofrem imensa pressão dos eleitores locais, na busca pelo melhoramento
da arrecadação própria de seus municípios.
Outra medida importante, foi a alteração promovida pela Lei Comple-
mentar nº 148, que estabeleceu medidas de modernização da administração
tributária dos municípios e o estímulo de convênios para melhoria da arreca-
dação própria dos mesmos.
Gama conclui que o aumento desse tipo de tributo na matriz fiscal brasi-
leira, ainda aquém de países mais desenvolvidos, colaboraria para um plane-
jamento nacional da redução progressiva de tributação de bens de consumo,
aliviando a carga fiscal dos contribuintes de menor renda.
Situações financeiras deficitárias de localidades acontecem em todos os
países. Propostas no âmbito fiscal, financeiro e legal para melhorias da gestão
de localidades surgem aqui, como citado, e no exterior.

330 GAMA, Gustavo Da. “Reforma Tributária e Federalismo Fiscal”. Disponível em <uerj.academia.
edu>. Acesso em 05/09/2018.

223
Tributação da Economia Digital

Em junho de 2013, a revista The Economist, vista por muitos como um


ícone do liberalismo mundial, publicou que “governos precisam fazer maior
uso do imposto de propriedade”.331
Nesse ensaio, a revista declara que, após análise de dados de participação do
imposto sobre propriedade imóvel na arrecadação de países da Europa, América
do Norte e Austrália, o tributo sobre a terra e a propriedade é uma das formas
“mais eficientes” e “menos distorcidas” para governos aumentarem receitas.
Um estudo da OCDE, citado na revista, aponta que tributos sobre proprie-
dade imóvel são os mais propensos a crescimento, entre todos os demais. Em 2013,
a participação desses tributos na arrecadação fiscal total na Grã-Bretanha foi de
cerca de 12%, enquanto nos EUA a participação chegou a cerca de 17%. No Brasil,
esse percentual não chegou a 2%, mantendo-se nesse patamar até hoje.
Impostos sobre propriedade são fontes “estáveis” de receita em um mun-
do globalizado, onde o capital de pessoas e empresas podem se mover facil-
mente entre países. Também são tributos menos alterados por ciclos econômi-
cos, além de restringir especulações imobiliárias por tornar mais dispendio-
sas aquisições com propósitos puramente especulativos.332
Contudo, embora todas essas vantagens sejam racionais e lógicas uma
pergunta se faz: Por que razão governos locais não exploram mais as receitas
da tributação sobre propriedade?
As razões são bastante conhecidas aqui e alhures. Passando da falta de
informação de localidades para exploração desse tipo de tributos a um cadastro
de contribuintes desatualizado e deficitário. Por fim, há uma enorme impopu-
laridade perante à população local, em todos os países que adotam tal imposto.
Outra questão é a progressividade da tributação sobre a propriedade,
que sempre é uma questão polêmica. Existem os que a atacam com causa na
transferência de carga para inquilinos e trabalhadores bem como os que a
defendem por uma questão de justiça social. Mas, há outra razão por trás da
não progressividade, que são os votos.

331 The Economist. Levying the land. 29/06/2013. Disponível em: <https://www.economist.com/
finance-and-economics/2013/06/29/levying-the-land>. Acesso em 17/09/2018.
332 Ibid.

224
Tributação da Economia Digital

Os votantes locais odeiam tributos sobre a propriedade por causa de sua


saliência. A carga é óbvia, fácil de calcular e difícil de evitar.333
O objetivo deste ensaio é mostrar que a renovação e o fortalecimento do
imposto sobre a propriedade são necessários em uma sociedade cada vez mais
interativa, de economia globalizada e com forte e fácil movimentação de capitais.
Permitindo-se aos municípios um ambiente mais propício ao desenvol-
vimento de suas receitas próprias lhes permitirá um desenvolvimento mais
estável e seguro de crises externas, melhorando o financiamento de infraes-
trutura local e elevando a qualidade de vida de sua população.
Para isso, precisamos mostrar a importância do tributo sobre a proprie-
dade imóvel para os governos locais, como instrumento viável, eficaz e estável
para redução de crises fiscais.
Além de apresentar novas tecnologias e práticas necessárias para seu re-
juvenescimento e fortalecimento, no intuito de manter um patamar possível
de viabilidade financeira do município e de sua afirmação, no Brasil, como
ente federativo.

2. A revitalização do imposto sobre propriedade


O tributo sobre propriedade é dos mais antigos da civilização humana.
Civilizações antigas, como da Grécia e da China, já realizavam cobranças so-
bre a terra. Na Inglaterra do séc. XI, o Domesday Book já representava um dos
primeiros cadastros sobre propriedade e que servia de base para o imposto.
Nos EUA, o tributo sobre a propriedade era cobrado desde a época colonial,
tendo sido criado naquele país o imposto sobre a renda em 1913.334
Darien Shansk mostra que é chegada a hora da reforma e revitalização
do imposto sobre propriedade335. O professor californiano aponta diversas ra-
zões para isso.

333 Ibid.
334 Ibid.
335 Shanske, Darien. Revitalizing Local Political Economy Through Modernizing the Property Tax.
School of Law, University of California, Davis, 2014.

225
Tributação da Economia Digital

O primeiro motivo seria porque o tributo sobre a propriedade não teve


um desenvolvimento muito grande ao longo do sec. XX. Ele foi subestimado
a um conjunto de tributos estaduais e federais, que passaram por grande evo-
lução, como o imposto sobre a renda, ocupando o espaço fiscal na economia
moderna que aquele deixou.
Além disso, outros impostos têm sido criados pelos países, devido à in-
satisfação com o rol atual de seus tributos. No Brasil, por exemplo, houve a
criação da CPMF, de competência da União. Mas, questiona Shanske, por que
razão criar novos tributos se o antigo e consagrado tributo sobre a proprieda-
de está disponível?
Outrossim, o tributo sobre a propriedade local pode ser mais eficiente
que outros tributos, particularmente tributos estaduais e federais, como o IR.
Um tributo sobre propriedade local que paga por bens públicos locais, está
operando de acordo com o “princípio do benefício”.
O imposto sobre propriedade é parcialmente um tributo benéfico por
ser uma fonte estável de receita, o que colabora para se ajustar ao orçamento
público, onde despesas são contrabalançadas por receitas. Tais receitas podem
se tornar bem voláteis quando oriundas, em maior parte, de tributos sobre
vendas e o convívio com crises de mercado, como o ISS ou ITBI.
Cinco anos depois daquele artigo, The Economist volta a publicar que o
momento é correto para tributar o valor da terra (terreno). Dessa vez, a análise
se volta para a escolha de se cobrar a terra a se cobrar o que está acima dela
- que é sempre mais complexo e ineficiente, além de demandar maior litígio.
Termos como eficiência e viabilidade são justificativas para se preferir essa
modalidade, segundo a revista inglesa.336
Mas a justificação vai além disso. O crescimento vertiginoso das cida-
des permitiu que uma pequena parcela de proprietários abastados de fortuna,
pelo aluguel de seus imóveis, usufruísse dos benefícios de grandes cidades
equipadas com infraestrutura, segurança e outras atratividades.
Contudo, essa pequena parcela da população local não participou efeti-
vamente dos custos desse legado, por conta de uma baixa tributação de suas

336 The Economist. “The Time may be right for land-value taxes”. Disponível em: <https://www.economist
.com/briefing/2018/08/09/the-time-may-be-right-for-land-value-taxes>. Acesso em: 20 set.2018.

226
Tributação da Economia Digital

terras. Essa situação se assemelha, em muito, a quase totalidade dos municí-


pios e localidades no Brasil e no exterior.
Haja vista o quase inexistente tributo chamado contribuição de melhoria
que, por justiça fiscal, seria o mais adequado ao financiamento de infraestru-
tura local por proprietários de imóveis mais beneficiados. Shanske chama a
atenção dessa modalidade e de sua importância na repartição de gastos pú-
blicos em infraestrutura, que na América recebe o nome de special assesment.
The Economist reconhece as dificuldades de se implementar tributos so-
bre a propriedade de bens imóveis. Entretanto, informa que grandes donos de
terra e empresas de tecnologia lucraram e se beneficiaram de investimentos
públicos nas cidades, ao longo do séc.XX e início do XXI. Logo, nada mais
justo que a carga do tributo sobre a terra seja maior sobre esses segmentos, que
possuem maior capacidade contributiva.
Em 2013, John Norregaard publicou um relatório do FMI, chamado Taxing
Immovable Property-Revenue Potencial and Implementation Challenges. Nesse
trabalho, Norregaard apresenta uma série de argumentos propensos a esse tributo
bem como um conjunto de países, de alta e média rendas, que o adotaram.
Isso demonstra um renovado e amplo interesse mundial na implementa-
ção do imposto sobre propriedade imóvel.337
Norregaard apresenta algumas estratégias para uma reforma do impos-
to. Admitindo que os desafios políticos e administrativos não são triviais,
ele sugere que seja realizada uma ação resolutiva aliada a um planejamento
cuidadoso. Reformas necessitam de uma forte política que deseje introduzir,
reforçar e manter um tributo sobre a propriedade, quase sempre enfrentando
a oposição popular.
Os desafios não serão resolvidos em pouco tempo, mas em termos de
médio e longo prazos, devendo ser cuidadosamente calibrados para as cir-
cunstâncias de cada país, individualmente. Não é recomendável a simples có-
pia de sucesso adotada em países mais desenvolvidos, devido às peculiarida-
des locais e nacionais.
É necessário, prossegue Norregaard, saber que para o sucesso da reforma
que for realizada com a promessa de um renovado potencial do tributo sobre

337 Norregaard, John. Taxing Immovable Property -Revenue Potencial and Implementation Challenges.
IMF Working Paper. Maio, 2013.

227
Tributação da Economia Digital

imóveis, haverá, consequentemente, a requisição de altos investimentos em


criação e treinamento (ou melhoramento) da infraestrutura administrativa
necessária. Sendo prioritário, antes de tudo, um amplo e preciso cadastro ou
registro para os propósitos do tributo.
O especialista do FMI apresenta também alguns elementos comuns de
uma reforma estratégica para essa espécie de tributação, que seriam ideal-
mente compartilhados.
Inicialmente é preciso realizar um profundo diagnóstico analítico que
apresente um mapa cuidadoso de capacidades e identifique as fraquezas po-
líticas e administrativas. Esse diagnóstico deve ser combinado com decisões
políticas do futuro do papel do tributo sobre a propriedade, particularmente
como parte de uma ampla estratégia de descentralização.
Questão fundamental também seria o desenvolvimento de um projeto
específico de política para o tributo, com particular foco na definição da base,
estrutura de alíquota e política de exceção.
A chave do sucesso deve ser a simplicidade com o mínimo de exceções e
outros benefícios, para facilidade da administração e máxima justiça do im-
posto. Soma-se a isso que controlar o custo de benefícios em termos de renda
remitida é essencial.
Planejamento detalhado de reforma administrativa, cuidadosamente
ajustado para as circunstâncias de cada país, envolvendo em particular: (1)
cobertura atualizada do cadastro ou registro de imposto; (2) melhor cálcu-
lo, incluindo procedimentos de atualização regular; (3) aperfeiçoamento do
registro baseado na coordenação mais próxima entre os agentes envolvidos;
(4) melhorias na arrecadação procurando baixar os custos e reforçando os
procedimentos; (5) decisões claras na alocação de responsabilidades entre os
governos locais e centrais com respeito a como atingir as principais metas.
Os tributos sobre transferência de propriedade devem reduzidos ou remo-
vidos gradativamente, e possivelmente recolocados sob a reforma do tributo so-
bre propriedade ou tributado como tributo de ganho de capital na propriedade.
Por fim, para prevenir falhas nos sistemas de tributos sobre a propriedade,
é necessário desenvolver um monitoramento baseado em indicadores de per-
formance quantitativa. Isso incluiria avaliações regulares da base de cadastro
ou registro do tributo, performance das atualizações e eficiência arrecadatória.

228
Tributação da Economia Digital

Quanto ao Estado Brasileiro, limitando-se no tempo para não fugir do


objetivo deste ensaio, podemos dizer que a origem dessa nova demanda por
um IPTU mais desenvolvido e eficiente aos tempos atuais de penúria e caos
tributário, remonta à 1994.
Fabrício Augusto de Oliveira, em seu artigo intitulado “A evolução da
estrutura tributária e do fisco brasileiro”, realiza uma análise acurada do sis-
tema tributário brasileiro, no período de 1889 a 2009.338
No tocante à evolução do fisco municipal, Oliveira demonstra que a ex-
ploração do potencial fiscal de municípios é uma tarefa ainda bem longe do
ideal e que foi preciso acontecer diversos fatores exógenos para uma primeira
condição cogente na legislação, que se inicia em meados da década de 90.
Com o país novamente caminhando em direção ao processo de hipe-
rinflação, o governo Itamar Franco, que sucedera Collor de Melo após a sua
renúncia em dezembro de 1992, criou o Plano Real para estabilização da eco-
nomia brasileira, que ameaçava iniciar tempos mais sombrios.
Após os primeiros anos de sucesso, consequência de um correto diag-
nóstico sobre a necessidade de fortalecer a âncora fiscal para garantir o êxito
do programa de estabilização, o país obteve ganhos de arrecadação, conse-
guindo superávits primários em 1993 e 1994.
Sem poder contar com um ajuste fiscal estrutural, o Plano Real apoiou-se
nos seguintes pilares: na administração do câmbio, sua principal arma; na manu-
tenção de elevadas taxas de juros, a fim de manter sob controle a demanda interna
e garantir o fluxo de capitais externos para o país; e na rápida abertura comercial,
com o objetivo de colher ganhos no processo de combate à inflação e aumentar o
grau de exposição das empresas brasileiras à concorrência internacional.
Entretanto essa combinação foi determinante para o endividamento ex-
terno e interno que não se sustentaria por muito tempo. O necessário ajuste
cambial iniciou o processo de progressiva deterioração das contas externas
e de geração de elevados déficits nas balanças comercial e de conta-corrente,
aumentando a vulnerabilidade externa da economia. Instalado o caos nova-
mente na economia brasileira, era preciso mudar.

338 Oliveira, Fabricio Augusto de. “A evolução da estrutura tributária e do fisco brasileiro”: 1889-1999.
IPEA, Brasília, jan. 2010.

229
Tributação da Economia Digital

Depois da geração de superávits na balança comercial superiores a US$


10 bilhões até 1994, o país iniciou uma sequência de déficits, da ordem de US$
3,5 bilhões em 1995; ampliado nos anos seguintes, atingindo US$ 6,6 bilhões
em 1998. Esses problemas refletiram no campo fiscal, tendo o superávit pri-
mário praticamente desaparecido em 1995 e se transformando em pequenos
déficits nos anos seguintes.
Nestas condições, a economia brasileira estava sendo bombardeada pelo
inevitável efeito-contágio das crises externas e sacudida por sucessivos terre-
motos econômicos que se abateram em diversos países e regiões.
A perspectiva de realização de uma reforma tributária existia e houve,
em agosto de 1995, uma proposta de Emenda à Constituição, a PEC-175, mas
o próprio executivo tornou-se seu principal opositor, barrando o avanço, sob
a alegação de que incorreria em elevadas perdas de receitas, num contexto em
que a questão fiscal se tornara vital para reduzir sua vulnerabilidade.
Não demorou muito para que o país tivesse que recorrer a um velho
“amigo”, o Fundo Monetário Internacional. Em 1998, depois da decretação
da moratória russa, o Brasil tornou-se a nova mira dos especuladores globais,
abalando as estruturas do Plano Real. Sem opções, o governo negociou com
os credores e o FMI, realinhando as diretrizes do Plano Real e o avanço de um
novo papel da política fiscal e tributária do Brasil.
As condições dos credores eram, resumidamente, finanças equilibradas
e nível de endividamento confiável para preservar a estabilidade econômica.
O caminho mais fácil, portanto, foi de aumento das receitas e criação de me-
canismos de controle das finanças dos governos subnacionais, considerados
os principais responsáveis pela geração de déficits fiscais.
Com o objetivo de o governo federal exercer um controle hierárquico so-
bre as finanças dos governos subnacionais agregou-se, em 2000, a Lei de Res-
ponsabilidade Fiscal (LRF), após outras leis de ajuste fiscal. No acordo com o
FMI, a aprovação dessa lei era vital, o que representou um marco institucional
de disciplinamento das finanças públicas e de compromissos com uma gestão
fiscal responsável, de acordo com Oliveira.
O avanço do processo de informatização pelo fisco brasileiro, moderni-
zou suas estruturas, em termos de controles, procedimentos, instituição de
canais e de comunicação com os contribuintes. Inicialmente no plano federal,

230
Tributação da Economia Digital

o fisco também conseguiu sua modernização no âmbito dos governos subna-


cionais – estados e municípios.
No fisco municipal, onde as limitações de recursos (humanos, financei-
ros, materiais) sempre foram maiores que as dos demais entes federativos, o
avanço da modernização do fisco foi significativo, conforme informa Oliveira.
A criação do Programa Nacional de Apoio à Modernização dos Muni-
cípios, o PNAFM, em 2001, também financiado pelo BID, gerou maior cele-
ridade ao processo. Entre os objetivos do PNAFM, um programa similar ao
PNAFE, estão o de modernizar a gestão municipal, inclusive com a aplicação
da informática, para garantir maior transparência e aumentar a eficiência da
máquina administrativa e fiscal dos municípios.
Os requisitos do programa vão da divulgação periódica do orçamento e
dos atos da gestão pública municipal à criação de mecanismos para assegurar
a participação no planejamento e definição do orçamento. As razões são os
objetivos de transparência e democratização das decisões sobre as prioridades
públicas, consideradas fundamentais para o aumento da eficiência na arreca-
dação e a economicidade no gasto público.
Desse novo horizonte do fisco municipal, rumo a uma modernização
efetiva, nasceu a Nota Fiscal Eletrônica (NF-e), permitindo o controle em
tempo real das operações e prestações envolvendo o ISS, no intuito de comba-
ter a sonegação fiscal e ampliar a eficiência da administração fiscal.
Entretanto, não vemos com otimismo esse avanço descrito por Oliveira
quanto à modernização do fisco municipal, de forma geral. É evidente que a pres-
são por maiores desenvolvimentos ocorra nas maiores capitais brasileiras, que ne-
cessitam de mais recursos para atendimento de suas demandas, o que possibilita
avanços tecnológicos e alterações na busca de um desenvolvimento fiscal pleno.
O IPTU também vem experimentando novas tecnologias e mudanças,
principalmente em cidades de médio e grande porte. Porém, a realidade é que a
grande maioria dos municípios brasileiros não experimentou esse avanço, nem de
perto, conforme citado pelo jornal O Estado de São Paulo, no início deste artigo.
Algumas localidades sequer cobram IPTU, outras não possuem cadastro
atualizado - ou sequer possui um. Que dirá da fraquíssima estrutura de co-
brança do imposto, sem fiscais ou procuradores para arrecadação.

231
Tributação da Economia Digital

3. Propostas Técnicas e Legais de Desenvolvimento do


Imposto sobre a Propriedade Imóvel

3.1 Propostas de Reforço da Liquidez do Imposto


Darien Shansk propõe uma inusitada forma de melhoria da liquidez do
imposto sobre propriedade de bens imóveis. Inicialmente, expõe os problemas
inerentes ao imposto e comuns a todos os sistemas fiscais que o adotam, além
dos específicos desse tributo no sistema fiscal americano.
Entre os benefícios de um imposto revigorado de propriedade, está a
possibilidade de aumentar o espaço fiscal, tendo em vista que outros impostos
distorcidos, como o de renda, decresceram.
Mas, o pesquisador californiano aponta outro motivo forte para um im-
posto sobre propriedade imóvel ser reativado, o financiamento de infraestru-
tura da localidade. Algo tão caro aos americanos, mas negligenciado entre nós.
Suas propostas visam a cinco objetivos. Primeiro, garantir maior liqui-
dez ao tributo, na medida que visa diminuir a chance de hipoteca dos lares de
contribuintes que sofrem todos os anos. Esse fato é comum em grandes capi-
tais brasileiras, que convivem com contribuintes super endividados em IPTU,
possibilitando perda da propriedade em casos de falta de liquidez.
Segundo, melhorar a psicologia do contribuinte ao tornar a cobrança
mais amigável, em vez de uma ou duas cobranças por ano, como é feito naque-
le país. Entretanto, nos municípios brasileiros esse parcelamento é comum.
Em terceiro e quarto objetivos, Shanske acredita que essas propostas tor-
nam a tributação sobre a propriedade mais justa e mais desenvolvida para
uma tributação sobre a terra, o que daria mais eficiência ao mesmo.
Por fim, um imposto sobre propriedade imóvel rejuvenescido traria uma
estabilidade financeira à localidade, refletindo-se no âmbito estadual.
Sua proposta basicamente é voltada para os contribuintes que estão no
mercado formal de trabalho, baseando-se na retenção direta na fonte empre-
gadora de uma parcela da remuneração paga ao empregado, equivalente a uma
quota do crédito tributário do imposto sobre a propriedade de bens imóveis.
Assim, da mesma forma que retenções às remunerações são feitas para
o imposto de renda, diretamente na fonte empregadora, poderia também ser

232
Tributação da Economia Digital

adaptado esse sistema de pagamento para a quitação dos créditos tributários


de imposto sobre a propriedade. Dessa forma, Shanske acredita que a liquidez
estaria garantida para o imposto, além de outros benefícios já citados.
Entretanto, ele reconhece as dificuldades para implantação desse sistema
de liquidez, tendo em vista que não seria possível sua extensão a todos os con-
tribuintes, as dificuldades de ajuste do sistema bancário, além dos problemas
de se avaliar um imóvel para fins de retenção da quota do imposto.
Entretanto, uma vantagem saltaria aos olhos, segundo Shanske. O mo-
mento da venda e o subsequente ajuste pelo valor venal registrado, trazendo
mais justiça tanto para subidas como para quedas de valor imobiliário, dimi-
nuindo as oscilações do mercado.339

3.2 Propostas de Desenvolvimento do IPTU no Brasil


Propostas de alteração legislativa para desenvolvimento de receitas pró-
prias na esfera municipal também são propostas no Brasil, voltadas para o
nosso sistema tributário nacional, em especial a uma regulação mais eficaz e
um dinamismo mais apropriado ao IPTU.
Uma delas, em especial, é a de Daniel Vieira Marins ao propor um com-
bate à “preguiça fiscal” de municípios em realizarem um esforço fiscal no de-
senvolvimento de suas competências fiscais. Entre as críticas mais contun-
dentes que ele faz à situação fiscal das localidades, está a frágil regra do Art.
11, e seu parágrafo único, da Lei de Responsabilidade Fiscal, tendo em vista a
indeterminação de seus conceitos.
Tal norma, apesar de conter um comando categórico aos governos locais
de efetivo desenvolvimento do potencial fiscal de seus tributos, não foi sufi-
ciente para frear o impulso cada vez maior de governos locais a cobrirem seus
déficits com transferências voluntárias da União.
Marins defende outras medidas, além da existência da proposta da As-
sociação Brasileira de Secretaria de Finanças das Capitais, que consiste na al-
teração da Lei Complementar nº 101/2000, estabelecendo nova regra de atua-

339 Shanske, apud.

233
Tributação da Economia Digital

lização da base de cálculo do IPTU com frequência temporal predeterminada


e de acordo com o número de habitantes:
- Adesão compulsória dos Municípios aos programas ou projetos de ge-
orreferenciamento, com a implementação de um banco de dados multifinali-
tário de cadastro dos imóveis;
- Implantação nos Municípios de processos administrativos eletrônicos,
os chamados e-processos;
- Integração dos Municípios com órgãos federais, como a Procuradoria-
-Geral da Fazenda Nacional e a Receita Federal do Brasil, com o intuito de
partilhar informações pertinentes de cadastro de imóveis relativos às suas res-
pectivas localidades.
- Integração dos órgãos municipais com a Caixa Econômica Federal
(CEF), no tocante à implementação de programas habitacionais nacionais e
- Maior vínculo com os Registros Gerais de Imóveis para conhecimento
das transmissões de propriedade.
Por fim, Marins compreende que a necessidade de trazer mais investimen-
tos e alterações na legislação não é suficiente para o sucesso de um desenvol-
vimento pleno de avançar na gestão dos tributos de competência própria dos
municípios. É preciso também reforçar a administração por trás do imposto.
Assim, faz-se necessário possuir os quadros pertinentes ao Fisco muni-
cipal, como o de auditores-fiscais e procuradores, nos âmbitos administrativo
e judicial, respectivamente, além dos cargos técnicos de apoio.
Tais medidas reforçariam a administração e a arrecadação dos tributos
municipais, diminuindo a dependência cada vez maior de transferências in-
tergovernamentais voluntárias, alterando o quadro atual de negligencia fiscal
que a grande maioria das localidades brasileiras se encontra.

4. Avanços da Gestão de IPTU no


Município do Rio de Janeiro
No âmbito do município do Rio de Janeiro, em agosto de 2010, nasceu
uma parceria entre a Prefeitura da cidade e o Banco Internacional para Re-
construção e Desenvolvimento (BIRD), braço financeiro do Banco Mundial.

234
Tributação da Economia Digital

Esse acordo culminou, em agosto de 2014, em um Projeto de Assistência


Técnica (Technical Assistance Loan – TAL) com o objetivo de aprofundar e am-
pliar as reformas suportadas pelo Empréstimo de Política de Desenvolvimento
(Development Policy Loan – DPL), contratado junto ao Banco Mundial.340
Dessa parceria nasceram algumas novidades no âmbito administrativo
fiscal do IPTU, como o Projeto Atualiza Rio e o E-Processo.

4.1 O E-Processo
Entre as novas medidas de inovação no tratamento do procedimento da
relação administrativa tributária entre o município do Rio de Janeiro e o con-
tribuinte de IPTU, encontra-se a implementação do Processo Administrativo
Tributário Digital, mais conhecido como “e-processo”. Suas bases legais são
o Decreto Rio nº 44799, de 24/07/2018 e Resolução SMF nº 3.002, de 15 de
agosto do mesmo ano.
Apesar de não ser uma novidade no Brasil, tendo em vista que a Recei-
ta Federal já possui uma ferramenta digital semelhante, o e-CAC - Centro
Virtual de Atendimento ao Contribuinte -, desde dezembro de 2005, tal pro-
cedimento ainda é uma realidade bem distante da maioria esmagadora de
municípios. Entre outras prefeituras que possuem esse sistema, podemos citar
a de Niterói, no Rio de Janeiro, e a de Joinville, em Santa Catarina.
O objetivo do projeto é desenvolver um plano de gestão documental e
a implantação de solução de gestão de conteúdos corporativos (ECM) com o
sistema de gerenciamento dos processos de negócios (BPMS), para a automa-
tização dos procedimentos do IPTU.
A expectativa da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro é que a ado-
ção do BPMS promoverá o controle eletrônico ágil, preciso e abrangente da
tramitação e do armazenamento corrente, intermediário e permanente dos
documentos e processos.
O resultado é que a Fazenda municipal espera alinhar seu curso estra-
tégico de expandir e otimizar os processos de atendimento, reduzindo conti-
nuamente a distância entre o cidadão e o poder público, inicialmente na área

340 http://rio.rj.gov.br/web/smf/descricao. Acesso em 19/09/2018.

235
Tributação da Economia Digital

fiscal para, em um futuro próximo, a todos os procedimentos. Uma das maio-


res vantagens que essa ferramenta digital possui é trazer mais transparência
ao procedimento administrativo tributário para os cidadãos.
Entre as inúmeras funções e vantagens do e-processo podemos destacar:
a tramitação segura entre órgãos da Fazenda, maior celeridade processual (em
conformidade com a norma constitucional do art. 5º, LXXVIII), redução de
gastos com armazenamento físico, juntada de documentos nos autos em meio
digital, a facilidade de análise por softwares do tipo CAD de plantas de terrenos
(PAL) e de construções, que dão fundamentação à base de cálculo do IPTU.
Outros objetivos são promover o gerenciamento dos documentos de for-
ma centralizada, automação das rotinas administrativas e, principalmente, a
disponibilidade do processo digital por acesso remoto.
Como todo meio inédito de trabalho, as medidas de implantação estão
se iniciando em pequenas áreas e setores até o fim deste ano, à medida que os
funcionários e a população vão se adaptando às novas formas, com metas a
atingir o maior número possível de setores administrativos brevemente.

4.2 O Projeto Atualiza Rio


Pela primeira vez no município do Rio de Janeiro foi criado um banco
de dados de imóveis, com vinculação a uma base georreferenciada, que tinha
o objetivo inicial de acompanhar a evolução urbana da cidade e que foi parti-
lhado com a Fazenda municipal para implementação da atualização cadastral,
a espinha dorsal de todo imposto sobre propriedade de imóveis.
Desse projeto da Prefeitura do Rio, houve a atualização das informações
do cadastro de imóveis, por etapas de bairros, tais como: área construída, tipo-
logia e idade, procurando trazer mais justiça fiscal na incidência do imposto.341
A atualização foi feita por meio de fotografias aéreas e levantamentos de
campo nos imóveis onde foi verificada a existência de novas construções, ou alte-
ração de outros dados cadastrais, sem a devida comunicação à Secretaria Munici-
pal de Fazenda (SMF). Alguns imóveis foram vistoriados, outros para os quais não
foram identificadas divergências cadastrais não foram afetados pela atualização.

341 http://rio.rj.gov.br/web/smf/o-que-e1. Acesso em 19/09/2018.

236
Tributação da Economia Digital

O banco de dados do projeto Atualiza Rio possui múltiplas finalidades e


um número indeterminado de funções gerenciais. Com a base georreferencia-
da e com imagens atualizadas e antigas da cidade, é possível realizar análise
acurada de diversos elementos que compõem a base de cálculo do IPTU, prin-
cipalmente a área construída – o principal fator determinante da base.
Não é nosso objetivo expor aqui todo o potencial disponível nesse novo
recurso ao alcance do fisco municipal, que poderá ser mais bem desenvolvido
em outro artigo. Porém, independentemente de se avançar para uma tributa-
ção sobre a terra, entenda-se lote, ou sobre o que está acima dela, o cadastro
multifinalitário georreferenciado - em imagens atuais e antigas - é uma gran-
de ferramenta para os gestores municipais.
Além da possibilidade de verificar alterações de áreas construídas e não
comunicadas às prefeituras locais, o cadastro georreferenciado permite veri-
ficar as distorções de valores venais de compra e venda de imóveis para efeito
de ITBI, declarados em transações, e o calculado pelas administrações para
incidência de IPTU.
Figura 1. Exemplo de cálculo da área de uma
casa residencial no Rio de Janeiro.

237
Tributação da Economia Digital

Figura 2. Análise dos limites da Favela Santa Marta,


bairro de Botafogo, Rio de Janeiro.

Conclusão
O imposto sobre a propriedade imóvel é um tributo fundamental não
só para a repartição justa dos gastos públicos, como também um grande fi-
nanciador para obras de infraestruturas locais, colaborando para uma maior
qualidade de vida de seus cidadãos. Os mais eficientes, modernos e, potencial-
mente, mais democráticos meios de financiamento ainda consistem na tribu-
tação e nos empréstimos públicos.342
O desenvolvimento de seu potencial fiscalizatório, por parte dos municí-
pios, colabora para o aperfeiçoamento do sistema tributário brasileiro como um
todo, reforçando as relações federativas entre os demais entes, diminuindo a
interdependência financeira entre os mesmos e reforçando o projeto político de
democracia, baseado na repartição de receitas e administração da Constituição.
O desenvolvimento do IPTU permitirá um gradativo deslocamento da
base tributada sobre o consumo para uma base tributada sobre o patrimônio,

342 Cf. TANZI, Vito. Termites of the State: Why Complexity Leads to Inequality. Cambridge University
Press. 2018.

238
Tributação da Economia Digital

o que pode aliviar a carga fiscal entre os mais pobres, além de trazer mais jus-
tiça fiscal ao sistema tributário brasileiro, conforme adverte Gama.
As alterações na Lei de Responsabilidade Fiscal, a aplicação de novas
tecnologias, o treinamento e o investimento na Administração Pública para o
desenvolvimento pleno da capacidade arrecadatória do imposto sobre a pro-
priedade de bens imóveis sem dúvida são importantes para o suporte financei-
ro dos municípios. Entretanto, em nossa opinião, isso ainda não é suficiente.
Desde a fundação da República, o Brasil não desenvolveu um real projeto
político de nação, que se reflete até hoje no campo fiscal. A Constituição de
1988 foi uma nova oportunidade para isso, mas que falhou. A enorme depen-
dência de boa parte dos municípios às transferências de Estados e da União
demonstram que ainda falta muito trabalho a realizar.343
Repartir competências fiscais em uma Constituição foi fruto do espírito
democrático que a inspirou, contudo, o sistema tributário brasileiro não se
aperfeiçoou. Somos de opinião que as propostas das alterações legislativas e
a introdução de novas técnicas são importantes, mas conseguirão resolver?
Sem a consciência de governantes para o uso bem realizado de gastos pú-
blicos e sua respectiva responsabilização penal e civil, qualquer incremento ar-
recadatório será em pouco tempo acompanhado de déficit financeiro e atraso.
A Lei de Responsabilidade Fiscal foi um primeiro passo na tentativa de
conter o grau de endividamento, mas a sua finalidade precisa também ser
aperfeiçoada. Tendo em vista que a causa de sua promulgação ainda existe e
só apresenta aumento, o nível de endividamento dos entes subnacionais.
Além disso, há muito é sabida da eficiência e estabilidade do IPTU, a
saliência do tributo. Contudo, tais características do imposto são oriundas,
em grande parte, de sua tributação sobre uma realidade, espelhada em um
contribuinte bem definido e um imóvel bem definido. Dessa forma, quanto
maior a desordem urbana ou, em outros termos, quanto maior a ausência de
planejamento urbano nas cidades, menor será a eficiência do imposto.

343 Cf. TORRES, Ricardo Lobo. “O Brasil tem vivido, desde a proclamação da CF/88, o drama de sua
reforma, na busca da tributação moderna e coerente. Os economistas e os juristas ainda estão à
procura de novos modelos tributários, adaptados à realidade da informática e da globalização, mas
afinados com a cidadania fiscal”. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário, vol.
I – Constituição financeira, sistema tributário e estado fiscal. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 383.

239
Tributação da Economia Digital

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Tributação da Economia Digital

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TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional, financeiro e tribu-


tário, vol. I – Constituição financeira, sistema tributário e estado fiscal. Rio de
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241
Ação 1 do Projeto BEPS e as
Diretrizes Gerais da OCDE

Sergio André Rocha344


Diana Rodrigues Prado de Castro345

1. Introdução – Os desafios da economia digital


A internet346, que conecta atualmente mais de 3 bilhões de usuários347, tem
sido um espaço virtual de concentração das mais distintas formas de informação,
comercialização de produtos, serviços e entretenimento348, sendo considerada uma
das mais revolucionárias e impactantes criações da história da humanidade349.
A disseminação de ferramentas de Tecnologias de Informação e Comu-
nicação (ICT – Information and Communication Technology) como laptops,
smart phones e tablets, bem como redes de telecomunicações como a World
Wide Web (www), indica que os produtos digitais estão se tornando cada vez
mais parte da nossa vida diária.

344 Professor de Direito Financeiro e Tributário da UERJ. Livre-Docente em Direito Tributário pela USP.
345 Mestre em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pela UERJ. Advogada.
346 COATES, Ken; HOLROYD, Carin. Japan and the Internet Revolution. Houndmills: Palgrave
Macmillan, 2003.
347 Internet World Stats. Disponível em: <http://www.internetworldstats.com/stats.htm> Acesso em:
12 out. 2016.
348 ALMEIDA, Daniel Freire. A tributação do comércio eletrônico nos Estados Unidos da América e na
União Européia. São Paulo: Almedina, 2015.
349 Conforme apontado no comunicado publicado em 21 de setembro de 2017 pela Comissão Europeia,
aproximadamente um terço do crescimento da produção industrial na Europa já é devido à utilização
de tecnologias digitais. Entre 2008 e 2016, as receitas das 5 maiores empresas de varejo e-commerce
cresceram 32% por ano. Durante este mesmo período o crescimento do setor varejista europeu
foi em média 1%. Comunicado disponível em:< http://europa.eu/rapid/press-release_MEMO-17-
3341_en.htm> Acesso em: 08 jan. 2018.

243
Tributação da Economia Digital

De acordo com o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das


Nações Unidas350, a economia digital pode ser definida como “a rede global de
atividades econômicas e sociais que são habilitadas por plataformas como a
Internet, redes móveis e de sensores”.
Trata-se, assim, do resultado de um processo de transformação trazido
pela tecnologia da informação, que culminou em tecnologias mais baratas,
mais poderosas e amplamente padronizadas, aprimorando os processos de
negócios e impulsionando a inovação em todos os setores da economia. Como
apontado pela Comissão Europeia351, estamos lidando com um mundo glo-
balizado e já sem fronteiras. Considerando que a economia digital se torna
cada vez mais a própria economia352, seria difícil, se não impossível, segregar
a economia digital do resto da economia para efeitos fiscais.
As mudanças advindas da revolução digital são tão impactantes que os Mi-
nistérios da Economia e Finanças e da Recuperação Econômica da França equi-
param a dimensão deste fenômeno ao momento da invenção da eletricidade353.
Essa intensa e crescente transformação de mercados, produtos, serviços e
utilidades que sequer eram concebíveis em décadas pretéritas, hoje compõem
essa realidade virtual da qual fazemos parte.
Paralelamente a essas significativas mudanças na maneira como as pes-
soas interagem entre si e os fatos econômicos que praticam, a última década
testemunhou mudanças significativas em relação à tributação, notadamente
no que se refere ao Imposto de Renda.

350 LI, Jinyan. Protecting the Tax Base in the Digital Economy. New York: United Nations Department
of Economic and Social Affairs, 2014. p. 5. Disponível em:<http://www.un.org/esa/ffd/tax/2014TBP/
Paper9_Li.pdf.>. Acesso em: 23 jan. 2018.
351 Comunicado preparado pela Comissão Europeia para o Parlamento Europeu (em inglês: “A Fair
and Efficient Tax System in the European Union for the Digital Single Market”). Disponível em:
<https://ec.europa.eu/taxation_customs/sites/taxation/files/communication_taxation_digital_
single_market_en.pdf>. Acesso em: 08 jan. 2018.
352 OCDE. Addressing the Tax Challenges of the Digital Economy, Action 1 - 2015 Final Report. 2015. p.11.
353 Mission d’expertise sur la fiscalité de l’économie numérique, Rapport au Ministre de l’économie
et des finances, au Ministre du redressement productif, au Ministre délégué chargé du budget et à
la Ministre déléguée chargée des petites et moyennes entreprises, de l’innovation et de l’économie
numérique, (COLLIN; COLLIN, 2013, p.100). Disponível em: < http://economie.gouv.fr/rapport-
sur-la-fiscalite-du-secteur-numerique >. Acesso em:

244
Tributação da Economia Digital

Com efeito, embora o Imposto de Renda seja apontado como um dos


melhores instrumentos fiscais para a gradação da carga tributária em função
da capacidade econômica dos contribuintes, o Século XX viu se acentuar a
crise deste tributo. A globalização e a concorrência fiscal prejudicial entre os
países já tinham colocado em xeque o Imposto de Renda, gerando uma de-
pressão das alíquotas e a queda de sua força arrecadatória.354 Porém, a digitali-
zação da economia criou desafios de qualificação, locação e conexão da renda
nunca antes vividos.
Não por outra razão, quando o G-20 e a OCDE decidiram analisar os impac-
tos da erosão da base tributável e da transferência de lucros entre os países (BEPS
– Base Erosion and Profit Shifting), o primeiro tema posto em pauta foi exatamente
a análise dos desafios da economia digital. O objeto deste estudo é exatamente a
análise dos trabalhos desenvolvidos na Ação 1 do Projeto BEPS da OCDE/G-20.

2. A OCDE e a Ação 1 do Projeto BEPS


A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(“OCDE”) publicou, em 12 de fevereiro de 2013, um relatório para os líderes
do G-20 sobre a Erosão da Base Tributável e Transferência de Lucros (Base
Erosion and Profit Shifting - BEPS), abordando a problemática da globalização
e o agravamento do problema da erosão da base tributável dos países diante de
planejamentos tributários internacionais tidos como “agressivos”.
A realidade do BEPS demonstra a necessidade de adoção de uma política
fiscal global e cooperante entre os países adaptada à evolução e globalização da
economia, assente na coordenação entre as políticas fiscais domésticas e interna-
cionais objetivando preencher as lacunas existentes. Na primeira Ação do Projeto
BEPS (Ação 1 – Abordagem dos desafios fiscais da economia digital), a problemá-
tica da economia digital foi desde logo analisada355, com objetivo de identificar as

354 Ver: ROCHA, Sergio André. Política Fiscal Internacional Brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2017. p. 2-4.
355 Note-se que em trabalhos pretéritos a OCDE já analisou a problemática da economia digital. A
primeira iniciativa da OCDE dedicada integralmente à tributação na economia digital deu-se em
1997, quando realizou-se uma Conferência Internacional procurando identificar os principais
problemas políticos e potenciais soluções em relação à tributação do comércio eletrônico.

245
Tributação da Economia Digital

suas principais dificuldades para aplicação das regras de tributação internacional


vigentes, desenvolvendo alternativas para lidar com tais problemas.
Dentre outros aspectos, a Ação 1 propôs a análise das seguintes questões:
(i) a capacidade de uma empresa ter presença digital significativa na econo-
mia de outro país sem estar sujeita à tributação, diante da inexistência de ele-
mentos de conexão nas regras de tributação vigentes; (ii) a atribuição de valor
agregado à geração de dados relativos a mercados e clientes; (iii) a aplicação
das regras de tributação na fonte; (iv) a qualificação dos rendimentos origina-
dos dos novos produtos e serviços digitais; e (v) como assegurar a cobrança
efetiva do VAT (Value Added Tax)/GST (Goods and Services Tax) diante do
fornecimento transnacional de bens e serviços digitais356.
Nesta ocasião, a OCDE buscou identificar as peculiaridades da econo-
mia digital357, fornecendo uma série de características que estão cada vez mais
presentes na economia e que são potencialmente relevantes do ponto de vista
fiscal, quais sejam:
a. Mobilidade; com relação (i) aos intangíveis de que a economia digital
depende; (ii) usuários e (iii) funções de negócios, como consequência
da diminuição da necessidade de pessoal local para desempenhar cer-
tas funções, bem como a flexibilidade em muitos casos de escolher a
localização de servidores e outros recursos.
b. Confiança em dados, incluindo a utilização dos chamados “grandes
dados” (“Big data”);
c. Efeitos de rede, entendidos com referência à participação do usuário,
integração e sinergias.

Já em 1998 realizou-se em Otawa o primeiro evento ministerial, “A Bordless World: Realising the
Potential of Global Electronic Commerce”, em que os países membros da OCDE se reuniram para
discutir os elementos do comércio eletrônico mundial. Na ocasião, já se havia esboçado um Plano
de Ação da OCDE para o Comércio Eletrônico. Apresentou-se um relatório, cujo objetivo foi
estabelecer os princípios tributários que deveriam se aplicar ao comércio eletrônico e apresentar
as propostas desenhadas. O Anexo A da Ação 1 do Projeto BEPS contempla um quadro com os
princípios de Otawa e suas definições. Após o marco da Conferência de Otawa, alguns outros
trabalhos foram desenvolvidos culminando no surgimento do Projeto BEPS.
356 Na Europa, o desafio na tributação indireta refere-se essencialmente à repartição de receitas
tributárias entre os Estados (utilizando-se o critério da tributação no destino), e não necessariamente
à qualificação dos fatos econômicos característicos da economia digital.
357 Os seguintes princípios foram tratados na Conferência de Ottawa como aplicáveis ao comércio
eletrônico (i) neutralidade; (ii) eficiência; (iii) segurança e simplicidade; (iv) eficácia e justiça; e (v)
flexibilidade. (OCDE, 1998b, p.3).

246
Tributação da Economia Digital

d. A utilização de modelos empresariais multilaterais (multi-sided busi-


ness model), em que as duas partes contratantes podem estar em juris-
dições diferentes.
e. Tendência ao monopólio ou ao oligopólio em certos modelos de negó-
cio que dependem fortemente dos efeitos da rede.
f. Volatilidade devido a baixas barreiras à entrada e tecnologia em rá-
pida evolução.

Ao analisar a evolução das tecnologias de informação e comunicação,


alguns elementos foram destacados pela OCDE, tais como:
(i) Computação em nuvem
A computação em nuvem é o resultado de várias tendências relacionadas à
tecnologia e aos modelos de negócios. O valor migrou para novas aplicações que
não são produtos de software autônomo, mas aplicativos baseados na internet,
que combinam código executável, bancos de dados dinamicamente atualizados
e participação do usuário. Embora o termo “computação em nuvem” tenha se
tornado comum, essas aplicações também foram chamadas em vários pontos
como “infoware”, “computação sob demanda” ou “computação difusa”.
Muitos aplicativos de negócios para consumidores (Business to consumer
- B2C) também são fornecidos como software como um serviço (Software as
a service- SaaS358): os mecanismos de pesquisa e aplicativos de rede social são
usados principalmente por meio de um navegador da Web, sem necessidade
de baixar qualquer código executável de antemão. Os principais modelos de
negócio inerentes à computação em nuvem serão posteriormente abordados.

(ii) Moedas virtuais


Os anos recentes foram marcados pelo desenvolvimento de moedas virtu-
ais. Algumas moedas virtuais são específicas de uma única economia virtual,
como um jogo online, onde são usadas para comprar ativos e serviços no jogo.
Em alguns casos, estas moedas virtuais específicas da economia podem ser tro-

358 SaaS são aplicações disponibilizadas aos usuários através da nuvem sem uma prévia licença de uso,
sem necessidade de download para as máquinas dos usuários e acessíveis em tempo real, desde que
com conexão à internet. A título de exemplo, estão os programas como Dropbox, Googledrive,
Photoshop, Microsoft Office 365.

247
Tributação da Economia Digital

cadas por moedas reais ou usadas para comprar bens e serviços reais, através de
trocas que podem ser operadas pelos criadores do jogo ou por terceiros.
Outras moedas virtuais foram desenvolvidas principalmente para permi-
tir a compra de bens e serviços reais. O exemplo mais proeminente deste tipo
são as várias “criptocorrências”, incluindo os bitcoins, que dependem da cripto-
grafia e da verificação peer-to-peer para garantir e verificar as transações.
À medida que as moedas virtuais adquirem cada vez mais valor econô-
mico real, elas levantam questões políticas substanciais. Algumas delas deri-
vam da natureza anônima das transações. No caso de bitcoins, por exemplo,
as transações podem ser feitas em uma base inteiramente anônima, uma vez
que nenhuma informação de identificação pessoal é necessária para adquirir
ou transacionar em bitcoins.

(iii) Robótica avançada


O desenvolvimento de novos robôs conectados e inteligentes está mu-
dando a industrialização profundamente. Segundo a OCDE, o aumento da
produtividade das novas fábricas automatizadas já está possibilitando que al-
gumas empresas multinacionais que anteriormente tinham mudado suas fá-
bricas para o exterior para se beneficiar de custos de mão de obra mais baixos
considerem mover suas atividades de fabricação de volta para onde a maioria
de seus clientes estão.
No futuro (já não tão distante assim), o progresso na inteligência arti-
ficial e o surgimento da computação cognitiva podem expandir a influência
dos robôs além do setor manufatureiro e em segmentos mais amplos da eco-
nomia, assim como em aplicações domésticas, bem como ajudar idosos ou
incapacitados com tarefas manuais.
Como os robôs aprendem a realizar trabalhos que anteriormente eram
realizados exclusivamente por seres humanos, eles podem potencialmente ge-
rar produtividade, ajudar a baixar os preços para os clientes, contribuir para
expandir as operações a nível global e criar oportunidades de inovação que
levarão ao surgimento de novas atividades que, por sua vez, irão exigir novas
competências e potencialmente criar novos postos de trabalho.

248
Tributação da Economia Digital

(iv) Impressão em 3D
Os avanços na impressão 3D têm o potencial de permitir a fabricação mais
próxima do cliente, com interação direta com os consumidores e impactando o
design do produto. Segundo a OCDE, no setor de saúde, a impressão 3D de pro-
dutos de saúde personalizados, como fones de ouvido, já é fortemente utilizada.
Como consequência deste fenômeno, os consumidores poderão ser ca-
pazes de montar os próprios produtos usando impressoras 3D, aumentando
ainda mais a possibilidade de estabelecer negócios em um local que está fisi-
camente distante do cliente final.

(v) A economia de partilha e a produção colaborativa


A economia de partilha (sharing economy), ou consumo colaborativo, é
outra significativa tendência dentro da economia digital, a qual refere-se ao
intercâmbio peer-to-peer de bens e serviços. Enquanto a economia de compar-
tilhamento se refere ao “consumo coletivo”, crowdsourcing e crowdfunding são
manifestações de “produção colaborativa” (collaborative production). Tanto as
grandes empresas como os empresários utilizam cada vez mais essas práticas,
no que se refere, por exemplo, ao empréstimo de capital pela internet.
O termo crowdfunding é cada vez mais utilizado para diferentes tipos de pla-
taformas, permitindo empréstimos, doações ou fundos baseados em recompen-
sas, e equity crowdfunding (investimento). Este mercado tem crescido fortemente
ao longo dos últimos anos, sendo mais desenvolvido nos Estados Unidos e na
Europa, que representaram 60% e 35%, respectivamente, do mercado em 2012359.

(vi) Acesso a dados governamentais


A OCDE também sinalizou que os governos estão progredindo no que
se refere à disponibilização de dados publicamente (o que tem sido alternati-
vamente rotulado como política de dados abertos, governo aberto ou governo
como uma plataforma).
Com efeito, diversas formas de negócio inerentes à economia digital fo-
ram discutidas pela OCDE por meio da Ação 1, tais como: (i) as variedades

359 OECD Digital Economy Outlook. 2015.

249
Tributação da Economia Digital

do comércio eletrônico; (ii) lojas de aplicativos (app stores); (iii) publicidade


virtual; (iv) computação na nuvem (cloud computing); dentre outras.

(vii) Comércio eletrônico


O comércio eletrônico foi definido pelo Grupo de Trabalho da OCDE
sobre Indicadores para a Sociedade de Informação como “a venda ou compra
de bens ou serviços, efetuada através de redes informáticas por métodos espe-
cificamente concebidos para receber ou entregar pedidos de compras360.
A despeito de o comércio eletrônico abranger uma ampla esfera de negó-
cios, abordaremos apenas alguns dos modelos de negócios mais proeminentes.

Business-to-business models (“B2B”)


A grande maioria das transações no comércio eletrônico consistem em
transações nas quais uma pessoa jurídica vende produtos ou serviços para
outra pessoa jurídica (o chamado business-to-business). Tais operações podem
incluir versões online de transações tradicionais em que um atacadista ad-
quire produtos online e depois revende para consumidores de lojas de varejo,
como pode também incluir o fornecimento de bens ou serviços de apoio a
outras empresas, incluindo, entre outros: (i) serviços de logística (como trans-
porte, armazenagem e distribuição); (ii) provedores de serviços de aplicativos
que oferecem implantação, hospedagem e gerenciamento de software; (iii) ter-
ceirização de funções de suporte para o comércio eletrônico, tais como hos-
pedagem na web, segurança e soluções de atendimento ao cliente; (iv) serviços
de leilão de soluções para a operação e manutenção de leilões em tempo real
através da internet; (v) serviços de gestão de conteúdos para a facilitação da
gestão e entrega de conteúdos de sítios web; e (vi) facilitadores de comércio
baseados na web que fornecem capacidades de compra online automatizadas.

Business-to-consumer models (“B2C”)


Os bens ou serviços vendidos por uma empresa B2C podem ser tangí-
veis (como um CD de música) ou intangíveis (ou seja, recebidos pelos con-

360 OECD Guide to Measuring the Information Society. 2011

250
Tributação da Economia Digital

sumidores em formato eletrônico). Através da digitalização de informações,


incluindo texto, som e imagens, um número crescente de bens e serviços pode
ser entregue virtualmente a clientes cada vez mais distantes da localização do
vendedor. As atividades B2C reduzem os custos da transação, aumentando
o acesso do consumidor à informação e também reduzindo as barreiras de
entrada no mercado, pois o custo de manutenção de um site é, via de regra,
inferior ao de constituir uma loja tradicional.

Consumer-to-consumer models (“C2C”)


As transações de consumidor para consumidor (“C2C”) estão se tor-
nando cada vez mais comuns. As pessoas jurídicas envolvidas no comércio
eletrônico C2C desempenham o papel de intermediários, auxiliando as pes-
soas físicas a vender ou alugar seus ativos (como imóveis residenciais, carros,
motocicletas, etc.) publicando suas informações no site e facilitando as transa-
ções. Essas empresas podem ou não cobrar ao consumidor por esses serviços,
dependendo do seu modelo de receita.

Lojas de aplicativos (app stores)


O crescimento do acesso à internet através de smart phones e tablets trou-
xe um aumento na frequência de uso de serviços online e o desenvolvimento
de lojas de aplicativos, que por sua vez consiste em um tipo de plataforma de
distribuição digital de software, muitas vezes fornecido como um componente
de um sistema operacional.

Publicidade online
A publicidade online utiliza a internet como um meio para direcionar
e enviar mensagens aos clientes, oferecendo uma série de vantagens sobre a
publicidade tradicional.

Computação em nuvem (cloud computing)


Segundo a OCDE, a computação em nuvem é a disponibilização de servi-
ços online padronizados e configuráveis on-demand, podendo incluir compu-

251
Tributação da Economia Digital

tação, armazenamento, software e gerenciamento de dados, usando recursos


físicos e virtuais compartilhados (incluindo redes, servidores e aplicativos).
Os recursos aos quais os clientes de cloud computing possuem acesso não
são armazenados em um único computador. Em vez disso, eles estão em mui-
tos computadores em rede, que estão disponíveis para todos que têm acesso a
essa “nuvem” de recursos de computação (que, dependendo da nuvem, pode
ser uma única organização, uma comunidade de organizações, o público em
geral ou alguma combinação). O sistema copia os dados e o software de cada
usuário para outros servidores, o que lhe permite alocar pedidos de recursos
de hardware para qualquer local físico que esteja mais apto a satisfazer efi-
cientemente a demanda. Os exemplos mais comuns de modelos de serviços de
computação em nuvem são:
Infraestrutura como serviço (IaaS – Infrastructure as a service): neste
modelo, os provedores de infraestrutura como um serviço oferecem computa-
dores - máquinas físicas ou (com mais frequência) virtuais - e outros recursos
de computação fundamentais. As nuvens IaaS muitas vezes oferecem recur-
sos adicionais, como uma biblioteca de imagens de disco de máquina virtual,
armazenamento em bloco e armazenamento baseado em arquivos, firewalls,
endereços de Protocolo de Internet (IP), redes virtuais de área local (VLANs)
e pacotes de software. O cliente não gerencia ou controla a infraestrutura de
nuvem subjacente, mas tem controle sobre o sistema operacional, o armazena-
mento e os aplicativos implantados e pode receber controle limitado de deter-
minados componentes de rede (por exemplo, firewalls de host).
Plataforma como serviço (PaaS - Platforma as a service): a plataforma
como um serviço é uma categoria de serviços de computação em nuvem que
fornece uma plataforma de computação e ferramentas de programação como
um serviço para desenvolvedores de software. Os recursos de software forneci-
dos pela plataforma são incorporados no código de aplicativos de software des-
tinados aos usuários finais. O cliente não controla nem gerencia a infraestrutura
de nuvem subjacente (incluindo a rede, os servidores, os sistemas operacionais
ou o armazenamento), mas tem controle sobre os aplicativos implantados.
Software como serviço (SaaS – Software as a service): trata-se de uma
forma comum de computação em nuvem, na qual um provedor permite que o
usuário acesse um aplicativo de vários dispositivos através de uma interface de
cliente, como um navegador da web (por exemplo, email na web), podendo ser

252
Tributação da Economia Digital

fornecido para pessoas jurídicas (B2B) ou pessoas físicas (B2C). Ao contrário


dos antigos modelos de fornecedores de software, o código é executado remo-
tamente nos servidores, liberando assim o usuário da necessidade de atualiza-
ção quando uma nova versão está disponível - a versão executada é sempre a
mais recente, o que significa que os novos recursos vão instantaneamente para
o mercado. Via de regra, o consumidor não gerencia nem controla a infraes-
trutura de nuvem subjacente, incluindo a rede, servidores, sistemas operacio-
nais, armazenamento ou recursos de aplicativos individuais, com a possível
exceção de definições de configuração de aplicações específicas do utilizador.
Há de se reconhecer que a computação em nuvem assume um papel de
significativa importância na economia digital, tendo sido definida pelo Insti-
tuto Nacional de Padrões e Tecnologia (US National Institute of Standards and
Technology -NIST) como um modelo para permitir acesso sob demanda a um
pool compartilhado de recursos computacionais configuráveis (por exemplo,
redes, servidores, armazenamento, aplicativos e serviços) que podem ser ra-
pidamente disponibilizados e liberados com um mínimo esforço de gerencia-
mento ou interação com o provedor de serviços.
Segundo a OCDE, a questão a ser analisada, considerando os tratados
para evitar a dupla tributação, é se os pagamentos relativos à computação em
nuvem devem ser tratados como royalties (particularmente nos tratados em
que a definição de royalties inclui pagamentos de aluguel de equipamentos co-
merciais, industriais ou científicos), serviços técnicos, ou lucros das empresas.
Mais especificamente, surgem questionamentos quanto ao enquadramento
tributário das operações de “infraestrutura como um serviço”, se estas devem
ser tratadas como serviços (e, portanto, os pagamentos caracterizados como
lucros empresariais para fins dos tratados); como locações de espaço nos ser-
vidores do provedor de cloud services; como royalties (para fins de tratados
que incluem na definição de pagamentos de royalties as locações de equipa-
mentos comerciais, industriais ou científicos); ou como prestação de serviços
técnicos. As mesmas questões surgem em relação aos pagamentos de transa-
ções a título de “software como serviço” ou de “plataforma como um serviço”.
De acordo com o relatório da Ação 1, em um futuro próximo, o desen-
volvimento e o aumento do uso da impressão 3D também podem levantar
questões semelhantes. A título de exemplo, se a produção por encomenda evo-
luir para uma licença de desenhos para impressão remota diretamente por

253
Tributação da Economia Digital

seus compradores, poderão surgir dúvidas sobre se e em que circunstâncias


os pagamentos podem ser classificados como royalties e não como lucros em-
presariais ou como serviços técnicos.
Algumas opções foram abordadas pela OCDE para enfrentar os desa-
fios da economia digital no âmbito da tributação direta, tais como a presença
econômica substantiva como forma de caracterização de um estabelecimento
permanente virtual, bem como a utilização do imposto de renda retido na
fonte sobre determinadas atividades digitais.
No que diz respeito à tributação indireta361, a cobrança do IVA/GST
sobre as transações multinacionais, particularmente as realizadas entre em-
presas e consumidores, é uma questão importante para a OCDE. A este res-
peito, os países foram recomendados a aplicar os princípios das Diretrizes
Internacionais/GST IVA elaboradas pela OCDE para a cobrança do IVA sobre
prestações de serviços nos serviços B2C e de bens intangíveis e considerar a
introdução dos mecanismos de arrecadação nelas estabelecidos, privilegiando
o princípio do destino (local aonde a mercadoria é consumida).
A OCDE ponderou que tais conclusões poderiam evoluir à medida que a
economia digital continua a se desenvolver, notadamente no âmbito da robó-
tica, internet das coisas (“internet of things362”), impressão 3D e da economia
colaborativa, a depender do impacto real de outras medidas sobre problemáti-
cas do BEPS. Por isso, enfatizou a importância de continuar trabalhando estas
questões e acompanhar a evolução da economia digital ao longo do tempo.
Como parte deste trabalho futuro, a OCDE apontou a necessidade de rever e
analisar dados que serão disponibilizados ao longo do tempo, pois fornecerá
uma base sólida para determinar a extensão concreta dos desafios dos impos-
tos diretos, em particular em relação ao “nexo”. A Ação 1 do Projeto BEPS

361 A tributação indireta vem ganhando exponencialmente mais espaço diante da necessidade
de aumento de receita dos Estados, já tendo sido implementada em mais de 150 países (LANG;
LEJEUNE, 2015).
Michal Lang e Ine Lejeune salientam, inclusive, que a crescente importância da tributação indireta
combinada com o contínuo desenvolvimento da economia digital vêm contribuindo para a
dificuldade das autoridades fiscais ao redor do mundo em aplicar antigas regras diante dos novos
desafios da economia digital.
362 O termo refere-se a uma série de componentes de igual importância, incluindo comunicação entre
máquinas, computação em nuvem, análise de grandes dados e sensores; cuja combinação leva ao
desenvolvimento na área de machine learning e controle remoto.

254
Tributação da Economia Digital

previu ainda a elaboração de pacotes de implementação para assegurar que os


países implementarão as diretivas IVA/GST363 de uma maneira coordenada.
O relatório de 2015 da Ação 1 do Projeto BEPS foi alvo de críticas.364 Di-
ferentemente do que ocorreu com outras ações, que tiveram resultados mais
concretos, este relatório limitou-se a mencionar soluções potenciais sem efe-
tivamente propor nenhuma solução. Há dificuldades concretas em se avançar
neste tema. Em primeiro lugar, a implementação de medidas de racionaliza-
ção da tributação no contexto da digitalização da economia tem como gran-
des afetadas as grandes empresas digitais norte-americanas. Em segundo,
é difícil alcançar consenso sobre qual das medidas consideradas seria mais
adequada. A necessidade de harmonização, o prejuízo potencial de empresas
americanas e a falta de consenso sobre as soluções tornam a Ação 1 uma das
mais complexas do Projeto BEPS.
Neste contexto, considerando a recente publicação do relatório interme-
diário da Ação 1 do Projeto BEPS, bem como as iniciativas já adotadas pelos
países para alcançar os novos fatos econômicos típicos da economia digital e so-
lucionar os conflitos a ela inerentes, passaremos a analisar tais medidas a seguir.

363 Até o presente momento, mais de 50 jurisdições, incluindo a esmagadora maioria da OCDE e
Os países do G20, adotaram regras para o tratamento do IVA de fornecimento B2C de serviços
e intangíveis por fornecedores estrangeiros, em conformidade com as Diretrizes Internacionais
de IVA / GST da OCDE. Estas jurisdições incluem os 28 Estados-Membros da UE, Albânia,
Andorra, Argentina, Austrália, Bahamas, Bielorrússia, China, Colômbia, Gana, Islândia, Índia,
Japão, Quénia, Coreia, México, Nova Zelândia, Noruega, Rússia, Arábia Saudita e Sérvia. , África
do Sul, Suíça, Tanzânia e Turquia. Entre aqueles que ainda não implementaram as regras, muitas
jurisdições estão considerando uma reforma à luz dos princípios das Diretrizes. Este é notavelmente
o caso da Costa Rica, Indonésia, Israel, Malásia, Cingapura, Tailândia, Filipinas, Tunísia e vários
países do Conselho de Cooperação do Golfo.
As experiências compartilhadas por várias jurisdições indicam que os elementos essenciais para
a implementação bem-sucedida de um mecanismo de coleta de IVA incluem: consulta com a
comunidade empresarial na fase de projeto; estratégia de comunicação adequada para divulgar sua
implementação e explicar os principais aspectos de conformidade; e a disponibilidade de orientação
clara para os contribuintes.
364 ROCHA, Sergio André. Política Fiscal Internacional Brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. 221-226.

255
Tributação da Economia Digital

3. Relatório Intermediário da OCDE – Interim Report


Em continuidade aos estudos iniciados na elaboração do Plano de Ação
1, a OCDE365 publicou, em 16 de março de 2018, um relatório intermediário
(Interim Report) divulgando a implementação das medidas sugeridas em 2015
e as políticas tributárias adotadas globalmente366.

365 Tax Challenges Arising from Digitalisation – Interim Report 2018


Inclusive Framework on BEPS
ht t p://w w w.oecd.org /c t p/ta x-cha l lenges-a risi ng-f rom-d ig ita lisat ion-i nteri m-repor t-
9789264293083-en.htm
Acesso em 06 de maio de 2018.
366 O relatório intermediário reflete o trabalho recente do TFDE e, em geral, os progressos realizados
em relação às questões tributárias levantadas pela digitalização. Em primeiro lugar, fornece
uma análise aprofundada da criação de valor em diferentes modelos de negócios digitalizados,
concentrando-se nas principais características dos mercados digitais e nos processos de criação de
valor. A análise é complementada por estudos de caso com o objetivo de identificar os principais
fatores que são predominantes em negócios mais altamente digitalizados. Em seguida, o relatório
descreve o progresso atual na implementação do pacote BEPS, com foco nas medidas específicas
relevantes para a digitalização e o impacto resultante no comportamento de empresas altamente
digitalizadas. Também fornece uma visão geral dos desenvolvimentos recentes de políticas fiscais
que são potencialmente relevantes para a digitalização, com foco em medidas aprovadas pelos
países que procuram abordar aspectos dos desafios fiscais mais amplos identificados no Relatório
de 2015. O Relatório oferece então uma descrição dos desafios identificados no que diz respeito à
contínua eficácia das normas fiscais internacionais à luz das questões levantadas pela digitalização
da economia. A despeito de mencionar o compromisso dos membros da “Estrutura Inclusiva”
(Inclusive Framework) em trabalhar em direção à uma solução global, há um reconhecimento
da inexistência de consenso sobre a necessidade de adoção de soluções provisórias, e que vários
países consideram que uma solução provisória ensejará riscos e consequências adversas,
independentemente de quaisquer limites à concepção de tal medida. O Relatório Intermediário
analisa, ainda, implicações que as novas tecnologias, impulsionadas pela digitalização, poderiam
ter para todo o sistema tributário, tais como o impacto da automação e da inteligência artificial na
força de trabalho, as mudanças que o crescimento da impressão 3D e da realidade aumentada podem
trazer para as cadeias de valor, a capacidade de big data e analytics de transformar radicalmente
as políticas fiscais. A título de exemplo, o Relatório propõe a análise dos riscos de evasão fiscal
apresentados pela criptomoeda e pela tecnologia blockchain e as possíveis soluções, como medidas
legislativas que exigem que as plataformas digitais de troca de ativos ou outros terceiros relatem e
/ ou que permitam às administrações tributárias solicitar informações sobre transações relativas a
ativos digitais, como criptografia, bem como troca de informações direcionadas.
Ressalte-se que este Relatório descreve uma série de áreas em que existem claras diferenças de
opinião dos países, incluindo a necessidade de uma futura reforma do sistema internacional. Essas
diferenças são apresentadas a fim de identificar os pontos de divergência e estabelecer as bases para
futuros trabalhos sobre o desenvolvimento de uma solução consensual como parte da entrega do
Relatório Final de 2020.

256
Tributação da Economia Digital

Em 2015, o Relatório da Ação 1 do BEPS identificou vários desafios fiscais


mais amplos relacionados ao nexo, dados e caracterização para fins de impostos
diretos. Esses desafios levantaram questões sobre a capacidade da estrutura fis-
cal internacional existente para determinar onde as atividades econômicas são
realizadas e o valor é criado para fins de tributação da renda da pessoa jurídica.
Para abordar estas preocupações, uma variedade de opções potenciais foi anali-
sada pelo Grupo de Trabalho sobre Economia Digital (“TFDE” – Task Force on
Digital Economy), incluindo alternativas ao conceito atual de estabelecimento
permanente baseado em uma “presença econômica significativa”, a imposição
de um novo imposto retido na fonte sobre certos tipos de transações digitais e a
introdução de um “imposto de equalização” (equalization levy).
No momento em que o Relatório da Ação 1 foi adotado, no entanto, ne-
nhum acordo foi executado entre os países que participam do Projeto BEPS e
são impactados por estes desafios mais amplos na tributação direta. O resul-
tado foi que nenhuma das possíveis opções discutidas no Relatório da Ação
1 foi adotada como padrões internacionais acordados. Não obstante, foi reco-
nhecido que os países poderiam introduzir qualquer uma dessas opções em
suas leis locais, desde que elas respeitassem os tratados tributários existentes e
outras obrigações internacionais.
Desde a divulgação do Relatório da Ação 1, a falta de consenso em rela-
ção a essas opções levou muitos países a explorar medidas alternativas para a
tributação de empresas altamente digitalizadas, geralmente adotando novas
imposições tributárias ou mudando a forma como interpretam as leis exis-
tentes. Até esta data, essas ações descoordenadas incluem uma variedade de
medidas normalmente implementadas por meio de mudanças no direito in-
terno que buscam proteger e/ou expandir a tributação na origem de ativida-
des comerciais online (ou, de forma mais genérica, as atividades de grandes
empresas multinacionais), seja com base no lucro ou em algum outro fator.
Enquanto apenas algumas destas medidas se baseiam em elementos das
opções descritas no Relatório da Ação 1 (por exemplo, o “imposto de equali-
zação”), todas elas respondem, pelo menos em certa medida, a preocupações
semelhantes, como o desejo de garantir uma base tributária adequada em re-
lação às atividades negociais realizadas ou intimamente ligadas à jurisdição
de mercado onde bens e serviços são fornecidos.

257
Tributação da Economia Digital

Considerando que as questões tributárias levantadas pela digitalização


são tecnicamente complexas, o Relatório Intermediário buscou identificar as
diferentes visões entre os países a respeito da necessidade de alteração das
normas tributárias internacionais diante das características dos modelos de
negócios altamente digitalizados.
Os membros da OCDE compartilham um interesse comum em manter
um conjunto relevante e coerente de regras internacionais para abordar a tri-
butação internacional dos lucros. Uma abordagem multilateral é importan-
te para reduzir as distorções ao investimento e ao crescimento, reduzindo a
complexidade, minimizando a dupla tributação, apoiando a inovação e alcan-
çando um sistema tributário mais justo, mais eficiente e mais simples.
Com este pensamento em mente, os membros da Estrutura Inclusiva
concordaram em
proceder a uma revisão coerente e concomitante dos dois aspectos que
consideram fundamentais, quais sejam, a atribuição de lucros e regras de
nexo, relacionados com a atribuição de lucros relacionados com as respectivas
atividades econômicas e a criação de valor.
A Estrutura Inclusiva reconheceu que as regras de alocação de lucro e as
regras de nexo estão fortemente relacionadas entre si. Por outro lado, qualquer
alteração nas regras de nexo existentes provavelmente exigirá uma mudança
simultânea nas regras de alocação de lucros (por exemplo, explorar até que
ponto o lucro pode ser alocado a uma jurisdição onde uma empresa tenha
pouca ou nenhuma presença física em termos de ativos ou funcionários).
De um modo geral, existe apoio para empreender uma revisão coerente e
simultânea a respeito do nexo e regras de alocação de lucro, porém ainda não
há consenso a respeito da adoção de soluções a curto prazo e, portanto, este
relatório não recomenda a sua introdução. Separadamente dos desafios fiscais
mais amplos, e considerando mais especificamente as questões do BEPS que
podem ser exacerbadas pela digitalização, há evidências preliminares sugerin-
do que medidas mais relevantes para a digitalização já começaram a produzir
efeitos, tendo em vista que algumas multinacionais já começaram a realizar
mudanças em suas estruturas de negócios.
O Relatório reconhece, ainda, que assegurar que os sistemas tributários
estejam prontos para atender às mudanças trazidas pela digitalização, bem

258
Tributação da Economia Digital

como aproveitar suas oportunidades e fornecer proteção contra seus riscos


potenciais, é um desafio crítico. Será necessário apoio político para empreen-
der o trabalho detalhado, muitas vezes complexo, necessário para atingir es-
ses objetivos, observando que o sistema tributário continua sendo um alicerce
na relação entre os Estados e seus cidadãos.
É neste contexto que a TFDE foi organizada para monitorar o desenvol-
vimento de políticas fiscais em todo o mundo que são potencialmente rele-
vantes para a economia digital, com foco nas medidas que buscam abordar
aspectos dos desafios fiscais mais amplos identificados no Relatório da Ação 1.
De um modo geral, o TFDE pretende continuar a monitorar novos de-
senvolvimentos, incluindo inovações digitais, que podem ter implicações para
a eficácia do sistemas tributários, tendo em vista o rápido grau de transforma-
ção resultante da digitalização. Uma atualização sobre o progresso de cada
um tópicos analisados neste primeiro momento fará parte do relatório de
2020 sobre a tributação e a digitalização.
Na ausência de um consenso global, considerou-se importante acompa-
nhar todas as medidas potencialmente relevantes introduzidas pelos países
como parte desse monitoramento e assegurar um bom entendimento dos de-
talhes de sua concepção e implementação (por exemplo, impacto, receita tri-
butária auferida etc.). Várias ações potencialmente relevantes foram tomadas
pelos países para se adaptarem a uma economia cada vez mais digitalizada,
incluindo uma discussão sobre seu potencial impacto e eficácia. Essas medi-
das tributárias foram agrupadas em quatro categorias: (i) aplicações alterna-
tivas do conceito de estabelecimento permanente (“EP”); (ii) impostos retidos
na fonte; (iii) impostos sobre o volume de negócios; e (iv) regimes específicos
para lidar com grandes empresas multinacionais.

3.1 Medidas alternativas ao conceito de


estabelecimento permanente
Alguns países responderam às mudanças estruturais resultantes da
digitalização, reconsiderando a forma como a definição de estabelecimento
permanente é aplicada sob a legislação nacional e/ou em tratados fiscais. Em
contraste com a abordagem tradicional, essas emendas ou novas interpre-

259
Tributação da Economia Digital

tações do conceito de EP são geralmente destinadas a diluir a exigência de


permanência e presença física em uma localização geográfica específica para
estabelecer um nexo para a tributação na fonte. Além disso, essas medidas
geralmente têm o efeito de considerar que um EP existe em circunstâncias em
que normalmente não existiria sob a aplicação tradicional da definição de EP.
Os desenvolvimentos mais relevantes em todo o mundo nessa área incluem
medidas que se baseiam em alguns fatores de “presença digital” para estabe-
lecer uma presença tributável.

3.2 Medidas que incorporam elementos de presença


digital: impostos retidos na fonte
Em termos gerais, o critério da presença digital inclui uma variedade de
fatores não físicos destinados a evidenciar uma interação intencional e sus-
tentada com a vida econômica de um país por meios digitais. Eles são pro-
jetados para estabelecer nexos em situações em que uma empresa não resi-
dente, fisicamente estabelecida em determinado país, está adotando medidas
proativamente para criar e manter uma interação contínua com os usuários
e clientes de outro país (por exemplo, aproveitando a tecnologia, Internet e ou-
tras ferramentas automatizadas). Embora um número significativo de países
tenha anunciado sua intenção de modificar seu conceito de estabelecimento
permanente com base em fatores de presença “digital” ou “online”, a OCDE
pontua as seguintes medidas implementadas: (i) o teste da “Presença econô-
mica significativa” introduzido em abril de 2016 pela Autoridade Tributária
de Israel, (ii) a definição ampliada de “local fixo de negócios” para determina-
das plataformas digitais, introduzida em 2017 pela República Eslovaca, e (iii)
a nova regra de nexo baseada no conceito de “Presença Econômica Significati-
va”, que, de acordo com a OCDE, entraria em vigor em 2019 na Índia.
Enquanto a medida na República Eslovaca se destina a atividades espe-
cíficas realizadas por plataformas online, as medidas em Israel e na Índia en-
volvem uma ampliação mais geral de suas regras de nexo internas baseadas no
conceito de “presença econômica significativa” (“SEP”). Todas estas medidas
são aplicáveis apenas
​​ a pessoas jurídicas não residentes e permitem a tributa-
ção independentemente do nível de presença física do não residente no país de

260
Tributação da Economia Digital

fonte. A OCDE espera, no entanto, que o impacto dessas medidas seja limita-
do por vários fatores, tais como as obrigações existentes no tratado tributário.
Na concepção da OCDE, essas medidas podem funcionar como prote-
ção adicional contra o BEPS. Sua aplicação pode ser eficaz para tributar as
vendas online de empresas situadas em uma jurisdição de baixa tributação,
sem qualquer tratado de dupla tributação. Embora nenhuma receita adicional
tenha sido relatada pelos países em relação a essas medidas, foi relatado que
em Israel algumas fiscalizações em curso estão sendo realizadas com base nas
diferentes interpretações descritas nas diretrizes administrativas.
As medidas sugeridas pela OCDE vão inevitavelmente impactar as tradi-
cionais regras de tributação internacional atualmente vigentes, na medida que
há uma ênfase significativa na tributação na fonte, privilegiando-se o princí-
pio do destino. Há algumas razões, entretanto, que demonstram o possível
insucesso das soluções sugeridas pela OCDE. Dentre elas, a dificuldade de
adequação dos tratados internacionais vigentes ao conceito de presença digi-
tal significativa para fins de configuração de um estabelecimento permanente
virtual inevitavelmente se associará a um alto custo de compliance para aten-
dimento das soluções sugeridas. Isso porque a instituição de eventual novo tri-
buto necessariamente estará associada a um significativo custo de compliance
para as pessoas jurídicas contribuintes do imposto, diante da necessidade de
adaptação de sistemas e obrigações acessórias capazes de prover informações
ao Fisco. A complexidade na implementação das medidas sugeridas enfra-
quece sua eficácia, além de ser mais um instrumento de insegurança jurídica.

261
Tributação da Economia Digital

Feitas estas observações a respeito dos principais aspectos suscitados no


Relatório Intermediário da OCDE, passaremos a analisar, a seguir, o desen-
volvimento da implementação de suas diretrizes gerais367368.

367 A experiência italiana e o imposto sobre transações digitais


O Imposto sobre Transações Digitais (“LDT”) é um imposto baseado em transações proposto pelo
Parlamento e instituído em 2017. Aplica-se a pessoas jurídicas residentes e não residentes e deverá
entrar em vigor a partir de 1º de Janeiro de 2019.
Seu objetivo é restaurar condições equitativas entre os fornecedores de serviços digitais e outros
fornecedores de serviços mais “convencionais”, tributando transações digitais cujo valor e conteúdo
gerados por usuários atualmente não são capturados (ou pelo menos são parcialmente capturados)
pelas atuais normas tributárias.
Alguns paralelos podem ser traçados com o “equalization levy” descrito no Relatório da Ação 1 do BEPS.
O LDT possui uma alíquota de 3% sobre o valor das operações tributáveis e as transações tributáveis​​
são os serviços fornecidos pela Internet/eletronicamente, cuja natureza significa que seu suprimento
é essencialmente automatizado, envolvendo intervenção humana mínima e sendo impossível sua
conclusão sem a tecnologia da informação. Com foco no destino, o LDT se aplica apenas a transações
realizadas com clientes residentes na Itália, além de determinadas pequenas empresas e particulares,
ou seja, apenas transações business-to-business (B2B). Em contrapartida, o local onde a transação é
concluída, juntamente com a residência e/ou localização do fornecedor, é irrelevante.
A responsabilidade tributária cabe formalmente ao fornecedor das transações tributáveis,
independentemente de sua localização e/ou residência. Isso inclui plataformas online tipicamente
nacionais e estrangeiras que fornecem serviços B2B a clientes italianos. No entanto, há isenção para
os fornecedores que contratam não mais de 3.000 transações tributáveis ​​em um ano calendário (ou
seja, limite mínimo de atividades). É importante ressaltar que o LDT não é creditável contra quaisquer
outros impostos italianos devidos pelo contribuinte (por exemplo, imposto de renda, impostos locais,
impostos sobre salários) e não cobre transações não monetárias (por exemplo, plataformas online com
modelos de receita baseados em publicidade). Concebido como um imposto baseado em transações,
ele deve ser aplicado a fornecedores nacionais e estrangeiros de serviços online, independentemente
de seu nível de presença física na Itália, e deve ficar fora do escopo dos tratados de dupla tributação. A
receita estimada do LDT é de 190 milhões de euros por ano (cerca de 235 dólares por ano).
368 Teste da presença digital significativa em Israel
Com a finalidade de estabelecer a tributação na fonte em Israel, a Circular Administrativa nº
04/2016 esclarece que os serviços online fornecidos por uma pessoa jurídica não residente para
clientes no país podem criar uma presença tributável em Israel, se estas atividades constituem uma
“presença econômica significativa”. Esta medida é aplicável apenas fora do âmbito dos tratados de
dupla tributação, quando o prestador dos serviços online reside num país sem acordo com Israel.
O teste SEP pode ser satisfeito sem atividades físicas em Israel, e é amplamente definido por
referência a fatores de “presença digital” que incluem, mas não estão limitados a:
Execução do contrato online: um número significativo de contratos é concluído online entre a
empresa estrangeira e os clientes israelenses;
Uso de produtos e serviços digitais: a empresa estrangeira oferece serviços / produtos online que são
usados ​​por um número significativo de clientes israelenses;

262
Tributação da Economia Digital

4. Conceito de “presença econômica significativa” na Índia


Pioneira na imposição de um tributo específico sobre os fatos econômi-
cos da economia digital, ao divulgar o orçamento de 2016369, a Índia instituiu
um imposto de equalização (equalization levy), sob a alíquota de 6%, incidente
sobre os pagamentos realizados a não residentes a título de publicidade onli-
ne370. O objetivo era alcançar apenas as operações denominadas B2B (entre
pessoas jurídicas) e o tributo seria retido pelo residente na Índia.
O equalization levy funciona efetivamente como um imposto de 6% so-
bre a contraprestação paga pela prestação de serviços de publicidade online
realizada por não residentes. A base tributável é o valor das transações e não
a receita gerada por elas. As seguintes condições devem ser verificadas para
incidência do imposto:
• Primeiramente, o pagamento deve ser realizado por uma pessoa ju-
rídica localizada na Índia a uma pessoa jurídica não residente, o que
significa que apenas se aplica às transações business-to-business (B2B).
• Em segundo lugar, o pagamento deve ser realizado considerando de-
terminadas transações listadas, como publicidade online e qualquer
provisão de espaço de propaganda digital. Esta lista de transações co-
bertas pode ser expandida por notificação do governo indiano.

Localização do site: a empresa estrangeira emprega um site com recursos localizados direcionados
ao mercado israelense (por exemplo, idioma hebraico, descontos e marketing locais, moeda local e
opções de pagamento);
Modelo de negócios internacional: a empresa gera receita significativa que está intimamente
relacionada ao volume de atividades online realizadas por usuários localizados em Israel.
A redação da Circular indica que os critérios de “presença digital” listados podem ser aplicados
separadamente ou cumulativamente, sem exigência de limite de receita com base nas vendas locais.
369 “151. In order to tap tax on income accruing to foreign e-commerce companies from India, it is proposed
that a person making payment to a nonresident, who does not have a permanent establishment,
exceeding in aggregate `1 lakh in a year, as consideration for online advertisement, will withhold tax at
6% of gross amount paid, as Equalization levy. The levy will only apply to B2B transactions.”
Budget 2016–2017, Speech of Arun Jaitley, Minister of Finance
https://www.indiabudget.gov.in/ub2016-17/bs/bs.pdf
Acesso em 06 de maio de 2018.
370 Outros países também instituíram tributos alcançando as atividades de publicidade, tais como:
França (tax
on online and physical distribution of audio-visual content), Itália (levy on digital transactions),
Hungria (advertisement tax).

263
Tributação da Economia Digital

• Em terceiro lugar, está sujeito à isenção o montante total pago ao longo


de um ano que não exceder um limite de receita igual a INR 100 000
(equivalente a cerca de 1.500 Dólares ou 1.400 Euros).
• Finalmente, há isenção de serviços efetivamente associados a um es-
tabelecimento permanente do beneficiário na Índia. Essa isenção, en-
tretanto, não se aplica necessariamente a empresas multinacionais es-
trangeiras que adotam um modelo de vendas local, ou seja, o reconhe-
cimento da receita de publicidade em um revendedor local (subsidiária
ou EP) sujeito ao imposto de renda corporativo na Índia.
Isso ocorre porque o equalization levy não está restrito a vendas de ser-
viços de publicidade online para consumidores finais e, como tal, se aplica
tanto a transações internacionais entre empresas do mesmo grupo econômico
quanto transações intragrupo. O contribuinte do equalization levy é o bene-
ficiário não residente, porém o tributo deve ser recolhido pelo tomador. O
equalization levy não é classificado pela legislação indiana como um imposto
sobre o rendimento, mas sim como um imposto baseado em transações. Con-
sequentemente, é pouco provável que esteja sujeito à dupla isenção em outra
jurisdição, ao abrigo da legislação interna ou de um tratado sobre dupla tribu-
tação, e possa gerar situações de dupla tributação para empresas estrangeiras
já sujeitas a tributação da renda no seu país de residência.
O governo indiano informou que, durante o período de junho de 2016
e março de 2017, a receita do equalization levy foi de aproximadamente 3,4
bilhões de rúpias indianas, o que corresponde a cerca de 52 milhões de euros
e 47 milhões de dólares.
Além do equalization levy, diversas alterações às regras de nexo interno
para fins de imposto de renda (isto é, o conceito de “conexão comercial na
Índia”) foram recentemente introduzidas e devem entrar em vigor a partir de
1º de abril de 2019.
Uma dessas alterações amplia a definição interna de nexo para receita de
negócios, incorporando o conceito de presença econômica significativa (SEP).
Este último constitui um limiar alternativo que permite a tributação na fonte
dos lucros de uma pessoa jurídica não residente, independentemente do nível
de sua presença física na jurisdição fiscal.
A legislação prevê que um SEP de uma empresa não residente possa ser
caracterizado em duas situações distintas:

264
Tributação da Economia Digital

• Um limite baseado em receita local: “qualquer transação referente a


quaisquer bens, serviços ou propriedades realizada por um não resi-
dente na Índia, incluindo o fornecimento de download de dados ou
software na Índia, se o conjunto de pagamentos decorrentes de tal
transação ou transações durante o ano anterior excede o valor que
pode ser prescrito”, e
• Um limite baseado no número de usuários locais: “solicitação sistemá-
tica e contínua de suas atividades comerciais ou interação com o nú-
mero de usuários que possa ser prescrito, na Índia, por meios digitais”.

Após consulta às partes interessadas relevantes, espera-se que outras regras


e orientações de implementação clarifiquem os elementos destes dois limites.
Espera-se que a base tributária seja limitada ao lucro atribuível a tran-
sações ou usuários conectado ao SEP. Até o momento, a legislação não sugere
nenhuma modificação nas regras padrão de alocação de lucro, nem tampouco
esclarece como os lucros serão atribuídos a um SEP associado a pouca ou ne-
nhuma presença física (ou seja, em termos de ativos tangíveis e / ou pessoal).
Esclarece, no entanto, que qualquer disposição conflitante de tratados fiscais
(por exemplo, definição de estabelecimento permanente) prevaleceriam sobre
regras de nexo, incluindo o conceito de SEP.
Além disso, o conceito de SEP somente poderá ser aplicado a situações
não amparadas por tratados até o momento.

5. Propostas apresentadas pelo Reino Unido


Em 13 de março de 2018, as autoridades fiscais do Reino Unido publica-
ram um relatório atualizado a respeito da tributação direta na economia digi-
tal (“Corporate tax and the digital economy: position paper update”), propondo
medidas para as receitas inerentes a fatos econômicos vinculados à geração de
valor no Reino Unido sejam devidamente recolhidas.
Com objetivo de desenvolver uma reforma justa e eficiente, o governo in-
glês propõe a adoção de novas normas de tributação direta aplicáveis a mode-
los de negócios específicos, defendendo que os tributos devem ser recolhidos
ao país onde há geração de valor para determinado negócio.

265
Tributação da Economia Digital

O documento apresenta três pontos principais: (1) a participação e o en-


gajamento dos usuários é um aspecto importante da criação de valor para
determinados negócios digitais; (2) a solução preferencial para tributar essa
criação de valor é a reforma tributária abrangente no nível da OCDE e (3)
enquanto se aguarda o desenvolvimento de soluções multilaterais, o Reino
Unido pode implementar medidas provisórias (por exemplo, um imposto so-
bre o volume de negócios). Ao propor soluções intermediárias (antes de
uma reforma tributária de fato), o Reino Unido sugeriu a adoção de medidas
a curto e longo prazo, abaixo discriminadas:
(i) Solução a longo prazo
O objetivo da proposta de reforma a longo prazo é tributar as fatos econô-
micos praticados por não residentes na medida que os seus lucros possam ser atri-
buídos a valores gerados por usuários do Reino Unido. A dificuldade reside no
método de atribuição do valor gerado em cada jurisdição. Nesta seara, o governo
reconhece que a ineficácia de um método baseado na quantidade de usuários e
sugere a adoção de um método associado à receita auferida em determinado ne-
gócio. Sugere-se, ainda, a alteração do conceito de estabelecimento permanente
nos tratados em vigor de modo a contemplar a hipótese de uma entidade virtual
possuir um estabelecimento onde há criação de valor por seus usuários.
Reconhecendo diversas dificuldades práticas na implementação imedia-
ta desta solução, o governo do Reino Unido propõe uma solução a curto pra-
zo, na forma de um tributo sobre a receita.

(ii) Solução a curto prazo


Esta solução seria na forma de um tributo sobre as fontes de receitas di-
gitais em uma análise casuística, um tributo sobre a receita com categorias de
negócios objetivamente definidas (exemplo: redes sociais, ferramentas de bus-
ca e espaços de publicidade online), ou um tributo sobre categorias definidas
de fluxos de receitas de negócios digitais (tais como publicidade online e/ou
receitas de facilitação de transações de terceiros em uma plataforma online).
Seria possível, ainda, a adoção de uma solução que combinasse estes três fato-
res, amparada por limites mínimos que protejam pequenas empresas.
Há diversos desafios com esta medida: (i) particularmente, como alo-
car a receita de plataformas de marketing online entre usuários de diferentes

266
Tributação da Economia Digital

jurisdições; (ii) como rastrear a localização de usuários que viajam frequen-


temente; (iii) como definir uma alíquota apropriada para compensar o Reino
Unido pelo valor criado por seus usuários porém reconhecendo-se que o tri-
buto será aplicado a negócios com diferentes margens de lucro e negócios que
estão em prejuízo por tentarem expandir sua participação de mercado.

(iii) Google tax


É importante ressaltar, ainda, que desde 2015 está em vigor a cobrança
do imposto sobre lucros desviados (“DPT” ou “Google Tax”). Trata-se de um
imposto cobrado sob uma alíquota de 25%, cujo âmbito é limitado aos lucros
que são considerados artificialmente desviados do Reino Unido. Combina-se
com um regime administrativo muito específico, baseado num período de
revisão de 12 meses, durante o qual é necessário um diálogo entre o contri-
buinte e as autoridades fiscais para determinar a responsabilidade fiscal final.

6. Proposta de Diretiva da União Europeia e o


conceito de estabelecimento permanente virtual
Em 21 de março de 2018, a Comissão Europeia propôs uma Diretiva371
estabelecendo novas regras para assegurar que a tributação das atividades di-
gitais na União Europeia.
Duas propostas legislativas foram apresentadas, sendo uma a longo pra-
zo e outra a curto prazo: A primeira iniciativa visa reformar as regras de tri-
butação das pessoas jurídicas de forma que os lucros sejam reconhecidos e
tributados nos casos em que as empresas têm um nível de interação significa-
tivo com os usuários através de meios digitais. É esta a solução a longo prazo
preferida pela Comissão. A segunda proposta responde aos apelos de vários
Estados-Membros instituindo um imposto provisório que abranja as princi-
pais atividades digitais que atualmente escapam à tributação na UE.

371 European Commission. Proposal for a COUNCIL DIRECTIVE https://ec.europa.eu/taxation_


customs/sites/taxation/files/proposal_common_system_digital_services_tax_21032018_en.pdf
Acesso em 05 de maio de 2018.

267
Tributação da Economia Digital

(i) Reforma tributária


A solução a longo prazo é uma reforma tributária abrangente revendo o
conceito de estabelecimento permanente e introduzindo o conceito de presença
digital significativa. Esse conceito permitirá que os países tributem empresas
que não possuem estabelecimentos físicos dentro de seu território, mas excedem
certos limites em termos de receita, usuários e contratos. Enquanto os detalhes
da reforma são elaborados, os Estados-Membros podem ser autorizados a apli-
car uma medida temporária: um imposto de 3% sobre as receitas resultantes da
venda de espaço publicitário online, atividades de intermediação digital e venda
de dados gerados a partir de informações fornecidas pelo usuário. Este imposto
aplicar-se-á a empresas com receitas globais totais anuais de 750 milhões de eu-
ros e receitas na União Europeia de 50 milhões de euros. Estima-se que apenas
cerca de 150 empresas europeias seriam abrangidas pelas regras propostas.
Neste contexto, uma plataforma digital será considerada como detentora
de uma “presença digital” tributável ou um estabelecimento permanente vir-
tual num Estado-Membro, se preencher um dos seguintes critérios:
• exceder o limite de 7 milhões de euros de receitas anuais em um Esta-
do-Membro;
• ao longo de um ano fiscal possuir um número de usuários em um
Estado-Membro superior a 100.000;
• ao longo de um ano fiscal, ter celebrado mais de 3.000 contratos comer-
ciais relativos a serviços digitais entre a empresa e usuários empresariais.

(ii) Criação de um tributo provisório


Já em relação à solução a curto prazo, a União Europeia sugere a ado-
ção de um tributo provisório que garanta que as atividades que atualmente
não são tributadas de forma eficaz gerem receitas imediatas para os Estados-
-Membros. Tal medida também contribuiria para evitar medidas unilaterais
para tributar as atividades digitais em determinados Estados-Membros, o que
poderia ser prejudicial ao mercado único.
Ao contrário da reforma comum, este imposto seria aplicável às receitas
provenientes de determinadas atividades digitais que escapam completamen-
te ao atual sistema tributário. Este sistema aplicar-se-á apenas como uma me-
dida transitória até à implementação da reforma global e integra mecanismos
para atenuar a possibilidade de dupla tributação.

268
Tributação da Economia Digital

O tributo será aplicável às receitas resultantes das atividades em que os usu-


ários desempenham um papel importante na criação de valor, as quais são difi-
cilmente captáveis com as normas tributárias em vigor, tais como as resultantes:
• da venda de espaços publicitários online;
• de atividades digitais intermediárias que permitem aos usuários interagir
com outros, e que podem facilitar a venda de bens e serviços entre estes;
• da venda de dados gerados a partir das informações prestadas pelos usuários.

A despeito de a Proposta de Diretiva apresentar um anexo contemplando


todas as atividades que poderiam se sujeitar ao imposto e todas as demais que não
seriam por ele abrangidas, deve-se atentar para a velocidade do desenvolvimento
de utilidades no âmbito da tecnologia da informação. É inviável, nos dias atuais,
“congelar” atividades passíveis de tributação por este imposto (como pretende a
União Europeia nos anexos à Proposta de Diretiva), considerando que há uma
mutação constante das utilidades oferecidas pela tecnologia da informação.
Especificamente em relação à lista de atividades sujeitas ao tributo provisó-
rio, é importante ressaltar o desequilíbrio entre a tributação sobre fatos econômi-
cos realizados virtualmente e fatos realizados fisicamente. Isso porque utilidades
que podem ser fornecidas tanto em modo físico quanto virtual são tratadas de
modo distinto para fins tributários. A título de exemplo, filmes e músicas forne-
cidos com suporte físico estão fora do alcance do imposto provisório, enquanto
seu fornecimento online enseja necessariamente a cobrança do referido imposto.
Feitas estas observações, ressaltamos que as propostas acima menciona-
das serão apreciadas pelo Conselho Europeu e encaminhadas, para consulta,
ao Parlamento Europeu.

7. Considerações finais a respeito das propostas adotadas


Como é possível constatar, a despeito da ainda embrionária produção de
normas tributárias alcançando os fatos econômicos inerentes à economia di-
gital, é possível identificar que as soluções preliminares propostas pela OCDE
tem sido abordas e/ou implementadas em diversos países. De acordo com as
soluções adotadas pela OCDE e União Europeia, é possível inferir que as tra-
dicionais regras de tributação internacional atualmente vigentes serão subs-

269
Tributação da Economia Digital

tancialmente alteradas, na medida que há uma ênfase significativa na tributa-


ção na fonte, privilegiando-se o princípio do destino.
Neste aspecto, tanto a OCDE quanto a União Europeia vislumbram
como solução para a tributação dos fatos econômicos da economia digital a
criação de um novo tributo específico para tais transações e o deslocamento
da tributação para o Estado de Fonte, alterando o conceito de estabelecimento
permanente e criando o conceito de “presença digital significativa”. Tais solu-
ções, entretanto, longe de resolverem o problema da ausência de tributação dos
novos fatos econômicos possuem dificuldades intrínsecas de implementação
diante da significativa complexidade para apuração do tributo efetivamente
devido nos moldes dos elementos de conexão sugeridos como parâmetro.
Ao invés de resolver os principais problemas da tributação na economia
digital, as medidas apresentadas parecem ser instrumentos de complexidade
e insegurança jurídica.

270
Tax Challenges of the Digital
Economy in Brazil

Gustavo da Gama Vital de Oliveira372


Felipe Kertesz Renault Pinto373

Abstract: The taxation of the digital economy is proving to be one of


the greatest international challenges of our time. While the OECD is trying
some consensus to establish benchmarks that guide its members to uniform
taxation, and the US has been looking at public hearings and bills for more
than a decade, such as the Fairness Marketplace Act, developing countries are
immersed in the same discussions, but with adicional challenges of the great
number of internal challenges, as intense as the external ones.
Analyzing the Brazilian system, we will necessarily navigate the fiscal
war between states and municipalities to understand the barries that exist
between an effective system and the existing one.
And Brazilian legislation has taken important steps recently, choosing
to change from the technique historically used in Brazil to tax in the State of
origin of the sale, to a method of taxation in the destination, as a way to de-
centralize tax collection markedly concentrated in the states of the southeast,
such as São Paulo and Rio de Janeiro.
The Brazilian example is quite peculiar, but also reflects the tax challen-
ges raised by the digital economy worldwide.

1. Introduction
There are several tax challenges for the digital economy in Brazil. Al-
though the taxation of the digital economy in Brazil poses challenges that are

372 Professor Adjunto de Direito Financeiro da UERJ. Doutor e Mestre em Direito Público pela UERJ.
Procurador do Município do Rio de Janeiro. Advogado.
373 Pós-Graduado Latu Sensu em Direito Fiscal pela PUC/RJ, Mestre em Direito Constitucional pela
UFF/RJ e Doutorando em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento na UERJ. Advogado.

271
Tributação da Economia Digital

very specific due to the particular features of Brazil’s tax system, it somewhat
reflects the tax challenges raised by the digital economy worldwide.
Taxing the digital economy in Brazil raises three main questions. The
first is whether digital goods can be taxed and, if so, who is entitled to charge
the taxes on digital transactions – Federal or State Local level. Another ques-
tion concerns the criterion to be used in defining whether the tax will be paid
in the seller’s jurisdiction (origin) or the consumer’s jurisdiction (destination).
The first question as to whether digital goods should be taxed is a rele-
vant one because the Brazilian Constitution assigns governments at federal,
state and municipal levels the authority to tax based on concepts of the indus-
trial society that take into account tangible assets.
The Brazilian Constitution has adopted an inflexible system of distribu-
tion of taxing power. The Federal government charges taxes on industrialized
products (IPI), whereas the State governments charge taxes on the circulation
of goods, provision of interstate and inter-municipal transportation and com-
munications services (ICMS). City governments charge taxes on the provision
of services (ISS). The municipal tax is generally charged by the city in which
the taxpayer provides the service. However, in exceptional cases, ISS must be
charged by the city where the service is performed.
The criterion adopted in Brazil is not the same as the one used in most
countries, where consumption tax is based on the notion of value added tax,
regardless of how such value is created: whether through the sale of goods or
the provision of services.
The fine line between what is sale of goods and what is provision of service
has already been at the center of the debate between City and State governments,
374
even prior to the spread of the digital economy. In today’s scenario, with the
raise of the digital economy worldwide, this debate is bound to be fiercer.
Brazilian fiscal federalism also has not been enough to guarantee states and
cities their own necessary resources for the functions and responsibilities that
have been assigned to them. The federal government concentrates the substantial

374 Feitosa, Maurine Morgan Pimentel. O conflito de competência entre o ISS e o ICMS-Comunicação
no rastreamento de veículos. In: Campos, Carlos Alexandre de Azevedo; Ibrahim, Fábio Zambitte;
Oliveira, Gustavo da Gama Vital. (org) Estudos de federalismo e guerra fiscal. Rio de Janeiro:
Gramma, 2017, v. 1, p. 175-216.

272
Tributação da Economia Digital

amount of tax resources and has concentrated its tax collection on contributions
whose revenues are not shared with states and cities.375 States and municipalities
become financially dependent on transfers from the central government.376
This scenario poses a real imbalance between tax revenues and respon-
sibilities assigned by the Constitution and generates many conflicts between
subnational entities. This results in harmful tax competition, also known as
“tax war” in Brazil.377 The taxation of the digital economy in Brazil must be
understood with respect to this reality.

2. “Fiscal war” between City and State


governments – taxation of software
Brazil is now facing a true “fiscal war” between City and State govern-
ments when it comes to taxing the use of software.
In 1998, Brazilian Supreme Court ruled that standard software (off-the
shelf) is subject to the states sales tax (ICMS) because it is truly a good. At that
time, software was often distributed as physical media (CD-ROM). 378
In 2011, the court also ruled, in a preliminary decision, that is was pos-
sible to consider the ICMS to be collected even when the consumer purchased
the software through electronic transfer of data. 379 In other words, the deci-
sion stressed that software via electronic transfer (download) should receive
the same tax treatment of software applied to physical media. The court de-
nied an injunction to suspend the effects of state law 7.098/1998, enacted by
the state of Mato Grosso, which established the levy of ICMS on any sale of a
software, including those via download.

375 Alves, Raquel de Andrade Vieira. Federalismo fiscal brasileiro e as contribuições. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2017.
376 Oliveira, Gustavo da Gama Vital. Reforma tributária e federalismo fiscal. In: Paula, Daniel Giotti; Ribeiro,
Ricardo Lodi (org.). (Org.). Direito tributário inclusivo. 1ed.Rio de Janeiro: multifoco, 2016, p. 123-139.
377 Pencak, Nina. Sobre a (in)constitucionalidade dos benefícios fiscais de ICMS concedidos sem
convênio. In: Campos, Carlos Alexandre de Azevedo; Ibrahim, Fábio Zambitte; Oliveira, Gustavo
da Gama Vital. (org) Estudos de federalismo e guerra fiscal, v. 1, Rio de Janeiro: Gramma, 2017.
378 RE 176626.
379 MC ADI 1945.

273
Tributação da Economia Digital

However, Supplementary Law 116/13, which provides for service tax to


be charged by city governments, lists the assignment of the right to use sof-
tware as one of the events subject to service tax (ISS).380 According to the Bra-
zilian Constitution381, the supplementary law is the path to the settlement of
tax conflicts between governments, and also establishes the taxable event and
the taxpayers responsible for collecting the taxes. 382 Moreover, operations in-
volving software cannot be consider similar to an operation of sale of goods,
because there is no ownership transfer.383
In turn, State governments, who are in charge of taxing the sale of goods,
according to Supplementary Law 87/96, argue that the sale of standardized
software is subject to sales tax (ICMS). For them, ICMS must be paid even
when such a sale is made through the electronic transfer of data. The argu-
ment here is that the ICMS does not only levy on the sale of tangible assets.
The ICMS is the most important tax for States in Brazil.
In 2015, the CONFAZ384 – National Council of Fiscal Policy – which re-
presents all 27 states of Brazil, ruled385 that States may continue to charge ICMS
in all operations involving software, such as data storage, games, applications,
and including software that is available by electronic data transfer.
In 2017, the Agreement 106/2017 also ruled for the imposition of ICMS
regarding transactions with software and digital goods. According to the
agreement, the ICMS must be paid to the state where the consumer resides,
and the States also can transfer the collection obligation to many persons,
such as the one who performs the merchandise offer or the financial interme-
diary, for example the credit card administrator.

380 Supplementary Law 116/03, item 1.05 – “software licensing or assignment of use rights”
381 Article 146, III.
382 For more information about the issue, Oliveira, Gustavo da Gama Vital de. Federalismo
fiscal, jurisdição constitucional e conflitos de competência em matéria tributária: o papel da lei
complementar. In: Temas de federalismo fiscal brasileiro. Rio de Janeiro: Gramma, 2016, p. 95-119.
383 Macedo, Alberto. ISS versus ICMS-Mercadoria: Licenciamento de Software e a Impossibilidade
do Avanço do Conceito Constitucional de Mercadoria Como Bem Imaterial. In: Macedo, Alberto;
AGUIRREZÁBAL, Rafael; Pinto, Sérgio Luiz de Moraes; Araújo, Wilson José de (Coord.). Gestão
Tributária Municipal e Tributos Municipais. Vol.6. São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2017, p.57-99.
384 CONFAZ is a committee which coordinates tax regulation regarding state tax ICMS.
385 Agreement n. 181/2015.

274
Tributação da Economia Digital

A fiscal war between State and City governments concerning the taxation of
software has been recently declared in the major Brazilian state, São Paulo. Both
the São Paulo State government and the São Paulo City government have already
voiced their intention to tax software transactions. The state of São Paulo enacted
Decree no. 63099/2017 and the Normative Decision CAT 04/2017 expressing that
ICMS can be levied in transactions involving any type of software, including sof-
tware that is not distributed on a physical store.
Almost at the same time, the Municipality of São Paulo published Normati-
ve Opinion SF 01/2017, which established that under Supplementary Law 116/13,
transactions involving software are subject to the municipal tax on the provision
of services (ISS). The decision also explains that the ISS must be collected if the
software is standardized (“off the shelf”) or the software was adapted to the spe-
cific needs of the consumer. It also ruled that the ISS must be charged even when
the software is installed from an external server (“Software as a Service – SaaS”).
The scenario became even more complex in 2016, after Supplementary
Law 157/16, which added several technological services to the list that allo-
wed the Municipality to charge municipal tax. These new services includes
storage of data, texts, images, videos, applications, websites, apps (including
cloud services) and the provision of video, audio, text content and image via
internet through streaming.386
This would make software companies subject to double taxation, which is
banned by the Brazilian Constitution. Under Brazil’s tax system, the same taxable
event cannot be subject to both the municipal service tax and the state sales tax.
This scenario presents two important problems. On the one hand, com-
panies engaged in the software market have the fiscal costs of their products
increased and this represents unnecessary expense that could be avoided
should there be clarity on the subject. On the other hand, the final price of
software is pushed up by taxes, and this can harm thousands of consumers
throughout the country.
To give an idea of the impact of software sales in Brazil, the “2017 Brazi-
lian Software and Service Market” study carried out by the Brazilian Associa-
tion of Software Companies in partnership with International Data Corpora-

386 For more details, Piscitelli, T..; Canen, D. . Taxation of Cloud Computing in Brazil: Legal and
Judicial Uncertainties. BULLETIN FOR INTERNATIONAL TAXATION, v. 72, p. 72-79, 2018.

275
Tributação da Economia Digital

tion shows that the Brazilian IT market which includes software, hardware,
services and exports – reached 39.6 billion dollars in 2016, accounting for
2.1% of Brazil’s GDP and 1.9% of the world’s IT investment.
The controversy over which tax is to be levied – state or municipal tax
– on transactions involving software is only expected to be solved after the
Brazilian Supreme Court (STF) issues a ruling on the subject. This may take a
while, which will add to the already existing legal uncertainty.

3. Controversies Also Concerning Federal Taxes


As shown, specifically regarding Brazil, the so-called “fiscal war” – the
dispute over allocation of tax jurisdiction between states and municipalities –
triggers a full of questions.
If conflicts of competence allocation between States and Municipalities
in Brazil were not enough, federal taxation also contributes to an uncertain
and insecure environment. As an example, there are some federal taxes in
Brazil that affect the importation of goods and services, such as the Withhol-
ding Income Tax, the so-called CIDE-Remittance and the PIS and COFINS
Imports Contributions.
At the same time, the uncertainties regarding the taxation of the digital
economy brings insecurity until the dispute is resolved, except the existing one
between Tax and taxpayers. We refer to the interpretive attempt that the Federal
Revenue Service of Brazil has been making to try to frame federal taxes that, in
theory, would not affect some operations, such as payment for the use of sup-
plier software based in another country, like software as a service. Therefore,
there is also uncertainty about the federal taxes themselves, in an environment
without competition. Therefore, in the acquisition of license to use certain sof-
tware, without technology transfer, that is, without acquiring the source code, it
would not be necessary to talk about the incidence of the federal taxes.
However, in recent manifestations, the Federal Revenue Service of Brazil
came to understand that any software hosted in the cloud, without it being

276
Tributação da Economia Digital

downloaded by the user, would be interpreted as a Software as a Service and,


therefore, subject to all taxes.387
This is an example of insecurity in Brazil without there being a dispute
between different federative entities. Of course, it is not the place of hosting
the software that will indicate whether it is service, merchandise or mere use
of license, without transfer of technology for tax purposes.
Obviously, there are other examples, but the focus of the present study is
to demonstrate that in Brazil, as elsewhere, while the Legislature does not reach
a legal model guiding taxation on the digital economy, interpretative problems
of various natures arise inexorably, since, after all, no government wants to stop
taxing wealth that has been generated pending legislative discussions.

4. Origin x destination
The second problem that taxing the digital economy raises in Brazil concerns
the criterion to be used when defining whether the tax will be collected in the ju-
risdiction of the seller (origin) or in the jurisdiction of the consumer (destination).
An intense debate on this subject has already taken place with respect to
the sale of merchandise through the internet. In this case, there was no doubt:
the tax levied on the transaction was clearly the state sales tax. But the problem
was that the Brazilian Constitution used to provide that the State tax was to be
collected in the State of origin, regardless of the final destination of the goods.
Because companies that sell online are mostly located in Brazil’s major
economic centers (especially São Paulo and Rio de Janeiro), the other states
started claiming that the rule was unfair because tax revenues were concen-
trated in the richest states.
In reaction to this scenario, 19 States approved in 2011 the Protocol
CONFAZ 21,388 assuring for the state of destination an ICMS share, resul-
ting in potential double taxation for e-commerce sellers, because the State of
origin continued to tax the transaction as the Federal Constitution provides.

387 SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 191, DE 23 DE MARÇO DE 2017.


388 Barros, Maurício. O ICMS no comércio eletrônico e a inconstitucionalidade do Protocolo ICMS
21/2011. Revista Dialética de Direito Tributário , v. 193, p. 93-111, 2011.

277
Tributação da Economia Digital

The Supreme Court held the agreement unconstitutional,389 because, under


Brazilian Constitution, state tax should be collected in the State of origin in
an interstate transaction between an ICMS taxpayer and a final consumer.
This movement resulted in the issue in 2015 of the Brazilian Constitu-
tional Amendment No. 87, which drastically changed this criterion by deter-
mining that the sales tax was to be collected in the state of destination of the
goods, after a short transitional period. However, it did not bring minimal
systemic infrastructure for this to occur, in order to generate excessive bure-
aucracy for Brazilian taxpayers.
It is true that had this rule not been changed, the tax revenue from ICMS
would have ended up in the states where Brazil’s major retail companies are located,
to the detriment of economically weaker states, boosting the so-called “fiscal war”.
Online sales will tend to increase in coming years and, consequently,
sales in physical stores are bound to drop. So, States will lose their bargaining
power to attract investments as a result of the “fiscal war”, which relies on
origin-based taxation, as the destination-based principle will apply to most
sales, for they will be made through the internet.
Although taxing online sales in the jurisdiction of the destination is cle-
arly a fair rule, it has created some practical difficulties for sellers in Brazil.
Prior to the Constitutional Amendment No. 87, the online seller located in
São Paulo could sell goods to the twenty-six Brazilian states and then collect
the state sales tax in the state of origin, São Paulo. But this was changed by
Constitutional Amendment No. 87. Now, the seller located in São Paulo is
obliged to collect the ICMS in all states where their goods are purchased; cle-
arly a heavy obligation, especially for small businesses.
This burdensome rule generated discussions on what measures can be
taken to help compliance with such obligations. Sensitive to this issue, the
Brazilian Supreme Court ruled390 that Brazilian companies that adopt the
simplified tax program (Simples Nacional) – a system that includes micro and
small companies, whose billing cap is R$ 4,800,000.00 (approximately U$
1,250,000.00) – are temporarily not obliged to comply with the requirements
brought by the new Constitutional Amendment.

389 ADI 4628 e 4713.


390 ADI 5464.

278
Tributação da Economia Digital

The Brazilian experience of online sales taxation brings to mind the


1992 U.S. Supreme Court ruling (504 U.S. 298). In Quill Corporation v. North
Dakota, the U.S. Supreme Court ruled constitutional the protection of remote
sellers that did not meet the substantial nexus requirement under the Com-
merce Clause of the Constitution,391 i.e., lacked physical presence.392
The Supreme Court, however, stressed that the U.S. Congress was free
to disagree with its conclusions and change the legal landscape by producing
legislation. It is interesting to note that the U.S. Supreme Court considered
the fact that many variations in taxation and in administrative and record
keeping requirements could make mail order sales much more complex ope-
rations. In other words, the Supreme Court considered relevant the fact that
changing taxation to the state of destination of the merchandise could not be
done if it rendered taxation an overly complex process for taxpayers.
In 2018, in South Dakota v. Wayfair, on a 5-4 vote, the U.S. Supreme
Court overruled the decision of Quill Corporation. The court ruled that states
are able to tax online sellers even without a physical presence in the state of
consumer. The decision mentioned that, when the court decided Quill Cor-
poration in 1992, it was not possible to predict that the most important sellers
could be remote sellers.393
South Dakota enacted a law that required all merchants to collect a 4.5
percent sales tax if they had more than $100.000 in annual sales or more than
200 individual transactions for the delivery of goods or services in the state.
Especially because South Dakota has no income tax, sales tax is really impor-
tant to fund essential public services. State officials sued three large online

391 Art. I, §8.


392 Many authors have criticised the rule of physicial presence, like Rothfield, Charles. Quill: Confusing
the Commerce Clause, 3 ST. TAX NOTES 111, 115 & n.47 (1992). In the same line, Hellerstein mention
that, altought nexus rules are important, the court should “focus on rules that are appropiate to
the twenty-first centiry, not the nine-tennth.”. HELLERSTEIN, Walter. Deconstructing the Debate
Over State Taxation of Electronic Commerce. Harvard Journal of Law & Tecnology, v. 13, n. 3, 2000.
393 Opinion of the court was delivered by Justice Kennedy: “The Quill Court did not have before it the
present realities of the interstate marketplace. In 1992, less than 2 percent of Americans had Internet
access. See Brief for Retail Litigation Center, Inc., et al. as Amici Curiae 11, and n. 10. Today that number
is about 89 percent. Ibid., and n. 11. When it decided Quill, the Court could not have envisioned a
world in which the world’s largest retailer would be a remote seller, S. Li, Amazon Overtakes Wal-
Mart as Biggest Retailer, L. A. Times, July 24, 2015, http://www. latimes.com/business/la-fi-amazon-
walmart-20150724 story.html (all Internet materials as last visited June 18, 2018).”

279
Tributação da Economia Digital

retailers for violating the law. South Dakota argued that the Quill decision did
not make sense in the digital era, and the major practical problem it had iden-
tified – that it would be burdensome for out-of-state retailers to collect taxes
for thousands of local jurisdictions – had been solved by modern software.
But the internet merchants argued that a ruling against them would impo-
se burdens on small online merchants.394 They said that a national solution
should come from Congress rather than the Supreme Court.
Four justices dissented from the decision. Justice Roberts mentioned that
any alteration of the rules in e-commerce, including the physical-presence
rule, should be undertaken by Congress. He also mentioned concerns about
the costs that the new decision of the Court will impose on small business.395

5. Brazilian problems, universal problems


The Brazilian experience of online sales taxation is an interesting taste
of the challenges that the entire world has been facing with respect to digital
economy taxation.
The long-lasting conflict between origin and destination is gaining mo-
mentum in today’s reality and not only in Brazil. The European Union is cur-
rently proposing a definitive VAT system based on the principle of taxation at
destination. The destination-based principle is often raised when the purpose
is to ensure tax fairness and avoid the concentration of tax revenue in the

394 The Supreme Court, in the opinion wrote by Justice Kennedy, mentioned the issue: “But the
administrative costs of compliance, especially in the modern economy with its Internet technology,
are largely unrelated to whether a company happens to have a physical presence in a State. For
example, a business with one salesperson in each State must collect sales taxes in every jurisdiction
in which goods are delivered; but a business with 500 salespersons in one central location and a
website accessible in every State need not collect sales taxes on otherwise identical nationwide sales.
In other words, under Quill, a small company with diverse physical presence might be equally
or more burdened by compliance costs than a large remote seller. The physical presence rule is a
poor proxy for the compliance costs faced by companies that do business in multiple States. Other
aspects of the Court’s doctrine can better and more accurately address any potential burdens on
interstate commerce, whether or not Quill’s physical presence rule is satisfied.”
395 “The burden will fall disproportionately on small businesses. One vitalizing effect of the Internet
has beenconnecting small, even “micro” businesses to potential buyers across the Nation. People
starting a businessselling their embroidered pillowcases or carved decoys can offer their wares
throughout the country—but probably not if they have to figure out the tax due on every sale.”

280
Tributação da Economia Digital

seller’s country if that jurisdiction is much more advantageous to consumers


located in different countries.
Along those lines is BEPS Action 1,396 which even refers to destination-ba-
sed taxation as one of the possible solutions to the tax challenges that the digital
economy may bring.397 The report pointed out several tax challenges of VAT.398
In order to prevent such destination-based system from imposing exces-
sive tax obligations, certain mechanisms must be adopted. In 2017, The OECD
International VAT/GST Guidelines also mention the problems of administra-
tive burden and complexity for non-resident suppliers.399 The OECD publi-
cation of 2018 –Tax challenges arising from digitalization – also mentioned
concerns about simplification of tax regimes about VAT.400
Destination is also in the spotlight when it comes to corporate income
tax. In March 2018 the European Commission proposed new rules to ensure

396 For more details, see Bal, Aleksandra & Gutiérrez, Carlos, “Taxation of the Digital Economy”,
Madalina Cotrut (ed.), International Tax Structures in the BEPS Era: An Analysis of Anti-Abuse
Measures (Amsterdam: IBFD, 2015) pp. 249-280.
397 On this topic, about the relations between Action 1 and Brazil, see Rocha, Sérgio André. Brazil´s
International Tax Policy. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 212 : “This Action is definitely of
interest to Brazil. More and more companies of the digital economy are doing business in the
country without paying taxes there. This issue is capturing the attention of tax authorities, who
have manifested the intention of creating specific rules to deal with this issue in the future.”
398 OECD (2015), Addressing the Tax Challenges of the Digital Economy, Action 1 - 2015 Final
Report, OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project, OECD Publishing, Paris, https://
doi.org/10.1787/9789264241046-en: “(i) imports of low value parcels from online sales which are
treated as VAT-exempt in many jurisdictions, and (ii) the strong growth in the trade of services and
intangibles, particularly sales to private consumers, on which often no or an inappropriately low
amount of VAT is levied due to the complexity of enforcing VAT-payment on such supplies”.
399 OECD (2017), International VAT/GST Guidelines, OECD Publishing, Paris, https://doi.
org/10.1787/9789264271401-en. 3.129. “(...) these Guidelines recommend the implementation of a
reverse charge mechanism to minimise the administrative burden and complexity for non-resident
suppliers, where this is consistent with the overall design of the national VAT system. 3.132. (…)
Where traditional registration and compliance procedures are complex, their application for non-
resident suppliers of business-to-consumer services and intangibles would risk creating barriers
that may lead to non-compliance or to certain suppliers declining to serve customers in jurisdictions
that impose such burdens.”
400 OECD (2018), Tax Challenges Arising from Digitalisation – Interim Report 2018: Inclusive
Framework on BEPS, OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project, OECD Publishing, Paris,
https://doi.org/10.1787/9789264293083-en. “293. (...)Therefore, the 2015 BEPS Action 1 Report
recommends that the foreign supplier be allowed to register for VAT in the market jurisdiction
under a simplified registration and compliance regime.”

281
Tributação da Economia Digital

that digital business must be taxed where businesses have significant interac-
tion with users through digital channels, even if a company does not have a
physical presence there.401
It is also very important, when it comes to evaluating tax challenges of
the digital economy, to look for the contribution of constitutional law. In this
way, in 2016, The Venice Commission adopted the document “Rule of law
checklist” to identify common features of the rule of law. When it comes to
legality, the Venice Commission stressed that is important to consider the di-
fficulty in implementing the law before adopting it.402

Conclusion
Although the taxation of the digital economy in Brazil poses challenges that
are very specific due to the particular features of Brazil’s tax system, it somewhat
reflects the tax challenges raised by the digital economy worldwide. After all, ori-
gin, destination, fairness, safety, practicability, and simplification of taxation are
universal topics that have always affected taxation. The spread of the digital eco-
nomy only puts the conflicts involving such concepts in the spotlight.

401 European Commission – 2018 – Council Directive laying down rules relating to the corporate
taxation of a significant digital presence. Brussels, 21.3.2018. COM (2018) 147 final. https://ec.europa.
eu/info/law/better-regulation/initiatives/com-2018-147_en “Article 1 Subject matter - This Directive
lays down rules extending the concept of a permanent establishment, as it applies for the purposes of
corporate tax in each Member State, so as to include a significant digital presence through which a
business is wholly or partly carried on. This Directive also establishes certain principles for attributing
profits to or in respect of a significant digital presence for corporate tax purposes.”
402 European Commission for democracy through law (Venice Commission). Rule of law checklist. March
2016: “54. Obstacles to the effective implementation of the law can occur not only due to the illegal or
negligent action of authorities, but also because the quality of legislation makes it difficult to implement.
Therefore, assessing whether the law is implementable in practice before adopting it, as well as checking
a posteriori whether it may be and is effectively applied is very important. This means that ex ante and ex
post legislative evaluation has to be performed when addressing the issue of the Rule of Law.”

282
Tributação da Economia Digital

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TES 111, 115 & n.47 (1992).

284
Tributação das Plataformas
Digitais de “Hospedagem”

Filipe Silvestre Lacerda Bastos403

Resumo:
Nos últimos anos, assistiu-se ao expressivo desenvolvimento da eco-
nomia compartilhada impulsionada pela digitalização da economia. Neste
contexto, o compartilhamento de imóveis via plataformas digitais represen-
ta alternativa ao setor de hospedagem tradicional, chamando a atenção para
a tributação da atividade. O presente artigo busca tratar do enquadramento
tributário da atividade no ordenamento pátrio, se configura serviço, sua qua-
lificação e a tributação pelo ISS.
PALAVRAS-CHAVE: Tributação. Plataforma digital. Hospedagem.

Abstract
In recent years, we have witnessed the expressive development of the
sharing economy driven by the digitalization of the economy. In this context,
the sharing of real estate through digital platforms represents an alternative
to the traditional accommodation sector, drawing attention to the taxation
of the activity. The present article seeks to deal with the tax framework of the
activity in the country’s legal order, if it configures service, its qualification
and taxation by the ISS.
KEYWORDS: Taxation. Digital Platform. Accommodation.

403 Mestre em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ). Pós-graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ). Professor
convidado da Pós-Graduação IBMEC. Procurador do Município do Rio de Janeiro. Advogado.

285
Tributação da Economia Digital

Sumário
1. Introdução. 2. Serviço de hospedagem. 3. Serviço de intermediação. 4.
Conclusão. Referências bibliográficas.

1. Introdução
Nos últimos anos, sobretudo em razão do contexto de expressiva digita-
lização da economia,404 assistiu-se ao desenvolvimento da economia compar-
tilhada, que tem como ideia central o compartilhamento de ativos ou recursos
excedentes, afetando mercados então consolidados, retirando os tradicionais
agentes da “zona de conforto” e favorecendo os consumidores/usuários ao dis-
ponibilizar alternativas. Assim:
A economia colaborativa surge em um contexto econômico-social di-
nâmico e, conduzida pelo progresso tecnológico, encontra-se em notá-
vel expansão. A proposta é voltada ao ideal do compartilhamento de
bens e serviços em contrapartida ao hiperconsumismo e manifesta-se
das mais variadas formas, via de regra, por meio das plataformas digi-
tais peer-to-peer [...] É um fenômeno criador de mercados que permite
a troca de bens e o surgimento de novos serviços, resultando em altos
níveis de atividade econômica, incentivando o empreendedorismo e a
utilização plena da capacidade de bens e serviços, além disso, é estru-
turada de forma descentralizada e não hierarquizada e monopolizada.
O padrão peer-to-peer permite uma relação mais pessoal entre o forne-
cedor do bem ou serviço e o consumidor.405

Neste contexto, busca-se tratar da tributação da atividade de oferecer


imóveis por meio de compartilhamento em plataformas digitais. As inova-
ções tecnológicas que estabelecem novos paradigmas no mercado (tecnolo-
gias disruptivas) lançam inúmeros desafios, inclusive no âmbito tributário,
demandando análise cautelosa e amadurecimento. Por isso, não é pretensão

404 Sobre um panorama dos desafios da tributação da economia digital, ver: OLIVEIRA, Gustavo da
Gama Vital; PINTO, Felipe Kertesz Renault. Tax Challenges of the digital economy in Brazil. In:
Revista de Direito Internacional Econômico e Tributário, v. 13, no 1, p. 449-466, jan. /jun. 2018.
405 PAYÃO, Jordana Vianna; VITA, Jonathan Barros. Desafios regulatórios do Caso Airbnb: a
intervenção do Estado no modelo econômico colaborativo. In: Revista Justiça do Direito, v. 32, n. 1,
p. 203-230, jan./abr. 2018. p. 209.

286
Tributação da Economia Digital

dar uma reposta conclusiva, mas sim trazer pontos que possam contribuir
para o estudo da tributação da atividade.
Sobre como se desenvolve a atividade, cumpre transcrever explicação de
Leonardo Aguirra de Andrade:
De maneira geral, as empresas detentoras de plataforma virtual asso-
ciada ao serviço de hospedagem disponibilizam uma plataforma online
para que os proprietários de imóveis anunciem sua locação e, por outro
lado, os indivíduos interessados (turistas-locatários) possam obter in-
formações sobre tais imóveis, seus respectivos bairros, relatos pessoais
(“reviews” ou depoimentos) de turistas-locatários que anteriormente
tenham realizado a sua locação.406

O autor prossegue e destaca fatores relacionados à atividade desenvolvi-


da pelas plataformas digitais que diminuem o desequilíbrio entre a oferta e a
demanda no mercado de hospedagem:
[...] (i) conexão (digital) entre pessoas e informações, (ii) a oferta de pre-
ços mais baixos em comparação com a tradicional rede hoteleira, e (iii)
o aumento de confiança por meio do sistema de feedbacks dos viajantes.
Tais plataformas compreendem, portanto, um ambiente digital criado
para facilitar a comunicação entre locadores e locatários de imóveis.407

Tendo como grande exemplo, o Airbnb,408 de forma sintética, a platafor-


ma conecta pessoas que possuem espaço excedente com pessoas interessadas,
formalizando o negócio com o pagamento de uma “remuneração”. Em vez de
construção de locais específicos (ex. estruturas hoteleiras), se aposta no com-
partilhamento da estrutura existente. Sobre o modelo de sucesso do Airbnb, é
preciso destacar alguns dados que denotam sua relevância:

406 ANDRADE, Leonardo Aguirra de. Tributação de negócios desenvolvidos por meio de aplicativos
associados aos serviços de hospedagem no Brasil. In: MONTEIRO, Alexandre; FARIA, Renato;
MAITTO, Ricardo. (Coord.). Tributação da economia digital: desafios no Brasil, experiência
internacional e novas perspectivas. p. 742-459. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 745.
407 ANDRADE, Leonardo Aguirra de. Tributação de negócios desenvolvidos por meio de aplicativos
associados aos serviços de hospedagem no Brasil. In: MONTEIRO, Alexandre; FARIA, Renato;
MAITTO, Ricardo. (Coord.). Tributação da economia digital: desafios no Brasil, experiência
internacional e novas perspectivas. p. 742-459. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 745.
408 Existem outros, como “Housetrip” e “Homeaway”.

287
Tributação da Economia Digital

A ascensão foi rápida e, no ano de 2010, o Airbnb já contava com qua-


se 85 mil usuários, 12 mil propriedades cadastradas e 3.234 cidades em
amis de 126 países. Atualmente, há mais de 60.000.000 hóspedes, 1,5
milhões de hospedagens em mais de 34.000 cidades, em 191 países. Atu-
almente, o número de acomodações disponíveis já chegou ao patamar
de 2 milhões, distribuídas em cerca de 34.000 cidades, em 191 países e a
expectativa da companhia é que a receita cresça dos U$ 900 milhões de
2015 para U$ 10 bilhões em 2020, sendo necessário aumentar de 1% para
10% seu compartilhamento no mercado global de hospedagem.409

Visto que é uma atividade que movimenta recursos vultosos, com gran-
de fôlego econômico, natural que se pense na tributação;410 não é peculiari-
dade nacional, eis que a tributação da atividade já é realidade ou é estudada
em Estados estrangeiros.411 Há notícia, inclusive, de que a Airbnb concluiu
acordos com fiscos estrangeiros para tratar do recolhimento de tributos, por
exemplo, com unidades político-administrativas da França, dos Estados Uni-
dos412 e de Portugal,413 caminho de consensualidade que também poderia ser
estudado no Brasil, embora demande mudanças significativas na forma de
compreensão da tributação no ordenamento pátrio, alteração de paradigma,
o que não seria algo a ser dirimido no curto prazo. Acresce-se que a própria

409 PAYÃO, Jordana Vianna; VITA, Jonathan Barros. Desafios regulatórios do Caso Airbnb: a
intervenção do Estado no modelo econômico colaborativo. In: Revista Justiça do Direito, v. 32, n. 1,
p. 203-230, jan./abr. 2018. p. 214.
410 GONZALES, J. S. Spanish Finance Ministry to introduce digital tax for firms like Airbnb
and Uber. El País. 8 de out. de 2018. Disponível em: <https://elpais.com/elpais/2018/10/05/
inenglish/1538741424_819871.html>. Acesso em: 16 out. 2018.
411 RONCOLATO, Murilo. O que diz a primeira regulação brasileira para apps como Airbnb. Nexo Jornal.
24 de jan. de 2018. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/01/24/O-que-diz-a-
primeira-regula%C3%A7%C3%A3o-brasileira-para-apps-como-Airbnb>. Acesso em: 16 out. 2018.
412 SOMERVILLE, Heather. Airbnb assina novos acordos para cobrança de impostos nos EUA e
na França. Reuters Brasil. 12 de abril de 2017. Disponível em: <https://br.reuters.com/article/
internetNews/idBRKBN17E1HK-OBRIN. > Acesso em: 16 out. 2018.
413 LUSA. Airbnb cobrou em Lisboa quase 6 milhões de euros em taxa turística desde Abril de 2016.
Jornal de Negócios. 14 de abril de 2018. Disponível em: <https://www.jornaldenegocios.pt/empresas/
turismo---lazer/detalhe/airbnb-cobrou-em-lisboa-quase-6-milhoes-de-euros--em-taxa-turistica-
desde-abril-de-2016>. Acesso em: 31 dez. 2018.

288
Tributação da Economia Digital

plataforma virtual facilita o recolhimento do tributo para os casos em que já


exista “regulamentação de tributação local”.414 415
No ordenamento pátrio, o que se tem de sedimentado até o momento é
que há o recolhimento de Imposto sobre a Renda, ou seja, as pessoas que for-
necem a hospedagem possuem o dever de declarar tais valores em sua declara-
ção para fins de apuração.416 Além, é claro, de, em princípio, incidir o Imposto
sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (PTU) sobre o imóvel.
Fechado o parêntesis, cumpre voltar à análise da atividade. Conforme
visto, a plataforma conecta pessoas que possuem espaço excedente com pes-
soas que buscam hospedagem, formalizando o negócio com o pagamento de
uma “remuneração”. São três figuras existentes na relação: o hóspede, a pla-
taforma (ex.: Airbnb) e o anfitrião (aquele que disponibiliza a acomodação).
No âmbito deste modelo de êxito que se utiliza como referência (Airbnb),
o cadastro dos anfitriões é gratuito e as acomodações disponibilizadas são va-
riadas. Ao valor de cada reserva, é acrescido um percentual (que pode chegar
até 20%) custeado diretamente pelo hóspede à plataforma e do montante pago
pelo hóspede ao anfitrião, uma parte (cerca de 3%) fica com a plataforma.417418
Somados, constituem a remuneração do Airbnb.

414 AIRBNB. O que é imposto de ocupação? Eu preciso cobrá-lo ou pagá-lo? Disponível em: < https://
www.airbnb.com.br/help/article/654/what-is-occupancy-tax--do-i-need-to-collect-or-pay-
it?ibbe=1> Acesso em: 16 out. 2018.
415 Cumpre mencionar que o Airbnb firmou um acordo com o Município de Porto Seguro se
comprometendo com o pagamento de valor por diária (R$ 2,60 por noite) a um fundo municipal
destinado ao turismo. AQUINO, Carol. Porto Seguro: Airbnb passa a cobrar ‘taxa de sustentabilidade’
de usuários. Correio 24 horas.20 de abril de 2018. Disponível em: < https://www.correio24horas.
com.br/noticia/nid/porto-seguro-airbnb-passa-a-cobrar-taxa-de-sustentabilidade-de-usuarios/.>
Acesso em: 29 dez. 2018.
416 RONCOLATO, Murilo. O que diz a primeira regulação brasileira para apps como Airbnb. Nexo Jornal.
24 de jan. de 2018. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/01/24/O-que-diz-a-
primeira-regula%C3%A7%C3%A3o-brasileira-para-apps-como-Airbnb>. Acesso em: 16 out. 2018.
417 PAYÃO, Jordana Vianna; VITA, Jonathan Barros. Desafios regulatórios do Caso Airbnb: a
intervenção do Estado no modelo econômico colaborativo. In: Revista Justiça do Direito, v. 32, n. 1,
p. 203-230, jan./abr. 2018. p. 215.
418 ROZA. Airbnb se posiciona a respeito do novo marco legal da economia colaborativa e tributação
de app de hospedagem. Eu Anfitrião. 2 de abril de 2018. Disponível em: <https://euanfitriao.
com/2018/04/02/airbnb-se-posiciona-a-respeito-do-novo-marco-legal-da-economia-colaborativa-
e-tributacao-de-app-de-hospedagem/#.W8Xjvi_Orm0>. Acesso em: 16 out. 2018.

289
Tributação da Economia Digital

Vê-se que, pela análise descritiva, a atividade desenvolvida pelas platafor-


mas digitais de “hospedagem” configura prestação de serviço e de forma onerosa,
amoldando-se ao Imposto sobre Serviços (ISS), de competência dos Municípios.
Com essa visão geral, pode-se avançar no tocante à incidência do ISS.

2. Serviço de hospedagem
Uma primeira via no campo da incidência do ISS seria vislumbrar a ativi-
dade como um todo (pessoa oferecendo o imóvel com o auxílio da plataforma
digital), ou seja, que haveria o serviço de hospedagem ou congênere, cuja tribu-
tação já é permitida pela lista anexa da Lei Complementar nº 116 de 2003 e, ade-
mais autorizada por uma interpretação extensiva. Nesse sentido, o Município
de Caldas Novas ao editar sua lei municipal (Lei Complementar no 99/2017).419
Na Lei Complementar nº 116 de 2003, há a previsão de ISS relativo aos
serviços de hospedagem, turismo, viagens e congêneres (item 9 e subitem 9.01
da lista anexa), confira-se:
9 – Serviços relativos a hospedagem, turismo, viagens e congêneres.
9.01 – Hospedagem de qualquer natureza em hotéis, apart-service con-
dominiais, flat, apart-hotéis, hotéis residência, residence-service, suite
service, hotelaria marítima, motéis, pensões e congêneres; ocupação
por temporada com fornecimento de serviço (o valor da alimentação
e gorjeta, quando incluído no preço da diária, fica sujeito ao Imposto
Sobre Serviços).

Como contraponto inicial, a própria configuração de como as relações


são travadas, eis que a plataforma atua como intermediária e não propriamen-
te oferecendo o serviço de hospedagem.
Pode-se estabelecer um paralelo entre as plataformas de “hospedagem”
com os “aplicativos/plataformas” de transporte de passageiros (ex.: Uber.). Pa-
rece que no caso do Uber haveria dois serviços: um serviço de transporte pres-
tado individualmente pelo motorista e outro serviço prestado pela plataforma

419
Disponível em: <https://www.caldasnovas.go.gov.br/wp-content/uploads/2018/08/Lei-
Complementar-099-2017.pdf.> Acesso em: 16 out. 2018.

290
Tributação da Economia Digital

Uber, de intermediação, com o oferecimento de toda a plataforma necessária


e ficando com uma comissão.
No entanto, registre-se que também há entendimento em sentido diver-
so, ou seja, de que seria serviço de transporte como um todo, um “bloco” de
prestação de serviço de transporte intramunicipal e que as questões internas
não seriam oponíveis ao Fisco; o recolhimento do ISS se daria com base na
prestação de serviço de transporte intramunicipal.
Voltando à atividade ora analisada, caso seja tratada em “bloco” (“serviço
de hospedagem”), um obstáculo considerável que já é alegado é que isso não seria
qualificado como serviço de hospedagem, mas sim como locação de bem imóvel.
Embora já tenha contado com previsão em lei anterior (CTN e Decreto-
-lei no 406/1968), o que foi objeto de crítica,420 a locação de bem imóvel mesmo
que por temporada, não está sujeita à incidência do ISS, porquanto não possui
previsão na lista anexa da Lei Complementar no 116/2003.
A título de hipótese, caso tivesse previsão na lista anexa, seria questioná-
vel sua constitucionalidade à luz da competência constitucional atribuída aos
Municípios de instituir imposto sobre serviços, ao passo que a locação envolve
a cessão do direito de uso e gozo de um bem.
Não se descura que inexiste linha de entendimento estável sobre o que é
considerado serviço para o Supremo Tribunal Federal para fins de incidência
do ISS, eis que em alguns casos se afastou da tradicional oposição “obrigação
de dar vs obrigação de fazer”, tal qual ocorreu nos casos dos serviços pres-
tados pelas operadoras de plano de saúde421. No entanto, seria bem duvidoso
pensar a locação de bem imóvel como prestação de serviço, à luz da própria
jurisprudência do STF, que já decidiu que não incide o ISS no tocante à loca-
ção de bens móveis (Súmula Vinculante nº 31 do STF). Logo, não adiantaria
acrescentar item ou subitem na lista anexa à Lei Complementar no 116/2003
prevendo a “locação de bens imóveis”.
Para tributar a atividade como um todo, o caminho seria qualificar o ser-
viço como hospedagem, que tem previsão na lista de serviços e é configurada
como serviço. Ocorre que há fortes indícios de que não há serviço de hospeda-

420 BAPTISTA, Marcelo Caron. ISS: do texto à norma. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 326.
421 RE 651703, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 29/09/2016, PROCESSO ELETRÔNICO
REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-086 DIVULG 25-04-2017 PUBLIC 26-04-2017.

291
Tributação da Economia Digital

gem, conforme pontos distintivos trazidos pela doutrina entre a locação de bem
imóvel e a hospedagem. Neste sentido, Marcelo Caron Baptista leciona que:
A relação entre o estabelecimento e o hóspede não se direciona a uma pres-
tação de dar (locação de espaço) mas à prestação de serviço, que envol-
ve uma série de atos humanos, tais como a higienização e arrumação
do quarto, o carregamento de bagagem, o fornecimento de refeições
e bebidas, serviços de lavanderia, portaria, recepção, manobrista, etc.
Igualmente, envolve acesso a outras facilidades e bens, tais como pis-
cina, biblioteca, equipamento de televisão, aquecimento etc. A essência
da prestação está no fazer, que se exterioriza em uma série de utilidades
voltadas ao bem-estar temporário do hóspede.422 (grifos nossos)

Em sentido semelhante, José Antônio Patrocínio:


Importante esclarecer que a atividade submetida à tributação do ISS não
é a locação de espaço em um bem imóvel, mas a hospedagem. Hospeda-
gem, também conhecida como albergaria, significa lugar para recolher.
[...] O conceito de hospedagem pressupõe sempre a existência de uma
série de comodidades que ficam à disposição daquele que contrata
esses serviços, ou seja, envolvem outras atividades que são disponibili-
zadas à sua clientela. Além de alojar o hóspede, elas oferecem-lhe ser-
viços específicos, tais como café da manhã, almoço, roupa de cama,
toalhas, luz, telefone, televisão, banhos, arrumação e limpeza do
quarto. Todos esses itens (comodidades) compõem o preço do serviço
de hospedagem e como tal são tributados.423 [...] (grifos nossos).

Em princípio, a atividade que se analisa não estaria no âmbito da hospe-


dagem, mas sim locação de bem imóvel, por temporada, regida pelos artigos
48-50 da Lei Federal no 8.245/1991:
Da locação para temporada
Art. 48. Considera - se locação para temporada aquela destinada à resi-
dência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cur-
sos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos
que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por
prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel. 

422 BAPTISTA, Marcelo Caron. ISS: do texto à norma. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 326.
423 PATROCÍNIO, José Antônio. ISS: teoria, prática e jurisprudência: lei complementar 116/2003
anotada e comentada. 4 ed. Ver. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 310.

292
Tributação da Economia Digital

Parágrafo único. No caso de a locação envolver imóvel mobiliado,


constará do contrato, obrigatoriamente, a descrição dos móveis e uten-
sílios que o guarnecem, bem como o estado em que se encontram. 
Art. 49. O locador poderá receber de uma só vez e antecipadamente os
aluguéis e encargos, bem como exigir qualquer das modalidades de ga-
rantia previstas no art. 37 para atender as demais obrigações do contrato. 
Art. 50. Findo o prazo ajustado, se o locatário permanecer no imóvel
sem oposição do locador por mais de trinta dias, presumir - se - á pror-
rogada a locação por tempo indeterminado, não mais sendo exigível o
pagamento antecipado do aluguel e dos encargos. 
Parágrafo único. Ocorrendo a prorrogação, o locador somente poderá de-
nunciar o contrato após trinta meses de seu início ou nas hipóteses do art. 47.

Destaque-se que há inclusive Projeto de Lei do Senado Federal (PL nº


748/2015) que busca alterar a referida Lei do Inquilinato para atualizar o re-
gime de locação por temporada, tratando expressamente desta hipótese de
plataformas digitais e tendo, inclusive, como objetivo combater o oferecimen-
to de serviços de hotelaria de forma ilegal por meio de sites ou aplicativos de
locação por temporada. Assim, parte do pressuposto de que o oferecimento de
acomodações via plataforma digital distingue-se da hospedagem.
A mera inclusão de valor adicional referente à limpeza não configuraria
por si só serviço de hospedagem, sendo comum, em contratos de locação, a
exigência de que o imóvel seja entregue ao final do contrato tal qual recebido,
limpo e/ou com pintura em bom estado, o que pode ser feito em valor a ser
pago em favor do locador, que se encarregará da limpeza. O próprio projeto de
lei tem dispositivo expresso com essa previsão.
Assim, em princípio, a contratação de acomodação por meio de platafor-
ma digital não envolveria hospedagem, mas sim cessão de uso do imóvel por
período de tempo mediante remuneração. A hospedagem exigiria entrega de
funcionalidades conjugadas com a disponibilização de espaço, como serviços
de quarto, alimentação, recepção, etc. A mera locação do imóvel ainda que
por meio da plataforma digital não indicaria um serviço de hospedagem,424

424 PISCITELLI, Thatiane. Tributação da Economia compartilhada: caso das plataformas digitais de
transporte e hospedagem sob a perspectiva do ISS. In: PISCITELLI, Thatiane (Coord.). Tributação
da economia digital. p. 416-429. São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2018. p. 429.

293
Tributação da Economia Digital

não tendo amparo na Lei Complementar nº 116 de 2003 nem no art. 156, inci-
so III da Constituição Federal de 1988.
Não obstante, vale ressaltar que o Município de Caldas Novas/GO tratou
a atividade como serviço de hospedagem.425 Mais ainda, como versou o serviço
como hospedagem, também previu que os imóveis estão sujeitos à “Taxa Anu-
al de Funcionamento” (“Lei Complementar Municipal” no 99/2017, art. 9o).
Assim, cumpre trazer algumas considerações sobre instituição de taxa para
situações como a que se apresenta.
Fiscalizar as unidades de acomodações, em especial nos casos em que a
cessão é parcial do espaço total do imóvel (ex. locação de um dos cômodos de
uma casa) poderia caminhar para intervenção excessiva do Estado na proprie-
dade privada e na livre iniciativa, dificilmente passando pelos testes do prin-
cípio constitucional da proporcionalidade. Não parece que o melhor caminho
seja a fiscalização das acomodações em si, com exigência de obediências às
regulamentações locais, vistorias, diligências e expedição de licenças.426
O excedente de acomodação que gera o oferecimento via plataformas
digitais não parece ser compatível com uma licença para “estabelecimento
prestador de serviço”, com a consequente expedição de alvará. A intervenção
na propriedade privada aparentaria ser excessiva, lesando de forma grave e
desproporcional a livre iniciativa no aproveitamento do excedente.
Nesta toada, alude-se também ao Município de Ubatuba/SP, que aprovou
lei (Lei Municipal n. 4.050/2017) restringindo o compartilhamento de imó-
veis.427 Inicialmente, a lei qualifica equivocadamente a atividade como “Bed
and Breakfest”. Prosseguindo, dentre outras exigências, para que se possa ofe-
recer imóvel para compartilhamento, estabelece que: seja constituída empresa
com esta finalidade, tenha licença de funcionamento e cadastro no Ministério
do Turismo na modalidade “Cama e Café”, tenha seguro de responsabilida-
de civil para os hóspedes e sejam entregues relatórios mensais de atividades.

425
Disponível em: <https://www.caldasnovas.go.gov.br/wp-content/uploads/2018/08/Lei-
Complementar-099-2017.pdf.> Acesso em: 16 out. 2018.
426 Todavia, o Município de Caldas Novas estabeleceu este regime, exigindo inclusive licença (art. 5o
da “Lei Complementar Municipal’ no 99/2017: Disponível em: <https://www.caldasnovas.go.gov.br/
wp-content/uploads/2018/08/Lei-Complementar-099-2017.pdf.> Acesso em: 16 out. 2018.
427 Para conferir a íntegra da lei, ver o site da Câmara Municipal de Ubatuba. Disponível em: <http://
camaraubatuba.sp.gov.br/documentos/leis/2017/l_4050_2017.pdf>. Acesso em 31 dez. 2018.

294
Tributação da Economia Digital

Além disso, exige que as plataformas digitais que busquem intermediar aco-
modações tenham cadastro junto ao Município.
Em que pese as preocupações e os desafios que surgem com as tecnologias
disruptivas, como a que se estuda, iniciativas que busquem desqualificar as ino-
vações e tentem enquadra-las em modelos que são inadequados não parece ser
o caminho. Mais ainda, a impressão que se passa é que a regulamentação tra-
zida veio justamente para conter o modelo de economia de compartilhamento,
valendo-se de modelos tradicionais com o objetivo de inviabilizar a atividade.
Isso representa atraso econômico e cultural, tal como tentar levantar um “muro
contra o futuro”.428 A regulamentação implica grave restrição ao direito de pro-
priedade dos proprietários de imóveis que busquem oferecer seus imóveis à lo-
cação, praticamente inviabilizando o aproveitamento por compartilhamento de
excedentes de acomodações, afetando, inclusive, a livre iniciativa no âmbito da
ordem econômica ao restringir intensamente este modelo de economia de com-
partilhamento. Não parece passar pelos testes de proporcionalidade.
Cumpre aludir que, no final do ano de 2018, cerca de 1 (um) ano após
a aprovação da referida lei, foi encaminhado projeto de lei (Projeto de Lei n.
131/2018)429 recuando no tratamento da matéria, inclusive com previsão de
revogação expressa da lei anterior. O projeto de lei busca alcançar os meios de
hospedagem em que haja o fornecimento de acomodações com o fornecimen-
to de serviços, o que implica não atingir, em regra, os imóveis compartilhados
por meio de plataformas digitais. De toda forma, o tratamento da matéria é
mais enxuto, prevendo a necessidade de cadastro municipal, mas com regula-
mentação muito mais contida do que a anterior, sem exigência de constituição
de empresa, licença e seguro de responsabilidade civil. O projeto de lei foi
aprovado, o que implica revogação da infeliz e inadequada lei anterior.430

428 Sobre a iniciativa, ver: CARLOS, Regis. Ubatuba taxa proprietários que alugam casas para temporada.
O Estado de São Paulo. 14 de jan. de 2018. Disponível em: <https://sao-paulo.estadao.com.br/
noticias/geral,ubatuba-taxa-proprietarios-que-alugam-casas-para-temporada,70002150408>.
Acesso em: 31 dez. 2018.
429 Para conferir a íntegra da lei, ver o site da Câmara Municipal de Ubatuba. Disponível em: < http://
camaraubatuba.sp.gov.br/documentos/projeto_lei/2018/pl_131_2018.pdf>. Acesso em 31 dez. 2018.
430 BUONO, Marcel. Ubatuba (SP) recua em regulação sobre aluguéis de temporada. Panrotas. 19 dez.
2018. Disponível: <https://www.panrotas.com.br/hotelaria/mercado/2018/12/ubatuba-sp-recua-
em-regulacao-sobre-alugueis-de-temporada_161150.html>. Acesso em 31 dez. 2018.

295
Tributação da Economia Digital

3. Serviço de intermediação
Outra via seria pensar que a atividade exercida por estas plataformas seja
de intermediação. Neste sentido, Tathiane Piscitelli:
Os dois negócios jurídicos brevemente descritos [compartilhamento de
serviços de transporte e compartilhamento de imóveis a partir de plata-
formas digitais] revelam o mesmo tipo de relação jurídica: de um lado,
pessoas físicas ou jurídicas possuem um bem ou uma utilidade que de-
sejam disponibilizar ao maior número de pessoas possíveis, mediante
o pagamento de determinada quantia. De outro, usuários que preten-
dem consumir ou ter acesso exatamente a esses bens ou utilidade. A
plataforma digital une esses interesses convergentes e, por isso, cobra
um percentual sobre a operação. Trata-se, claramente, de uma inter-
mediação comercial.431

A nosso a ver, a atividade é de intermediação. Neste sentido, alude-se a


trechos de matéria escrita por Bruno Miragem e Claudia Lima Marques sobre
economia de compartilhamento:
[...] Destaque-se, contudo, que todas estas situações de consumo co-
laborativo pela internet utilizam plataforma digital mantida por
alguém que se dispõe a viabilizar espaço ou instrumento de ofer-
ta por intermédio de um site ou aplicativo. O site ou aplicativo atua
não apenas como um facilitador, mas como aquele que torna viável e,
por vezes, estrutura um determinado modelo de negócio. Em outros
termos, o site ou aplicativo permite o acesso à “highway” e atua como
guardião deste acesso, um gatekeeper (“guardião do acesso”) que assu-
me o dever, ao oferecer o serviço de intermediação ou aproximação,
de garantir a segurança do modelo de negócio, despertando a con-
fiança geral ao torná-lo disponível pela internet. 
[...]
O dever deste guardião (gatekeeper, guardião do acesso) será o de ga-
rantir a segurança do meio negocial oferecido, em uma espécie de res-
ponsabilidade em rede (network liability), cuja exata extensão, contudo,
será definida caso a caso, conforme o nível de intervenção que tenha
sobre o negócio. A economia do compartilhamento é economia, busi-

431 PISCITELLI, Thatiane. Tributação da Economia compartilhada: caso das plataformas digitais de
transporte e hospedagem sob a perspectiva do ISS. In: PISCITELLI, Thatiane (Coord.). Tributação
da economia digital. p. 416-429. São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2018. p. 418.

296
Tributação da Economia Digital

ness, custa algo, há presença de um consumidor. Há situações em que


poderá haver responsabilidade do intermediador pela satisfação do
dever principal de prestação do negócio objeto de intermediação com
o consumidor. Mas na maior parte das vezes, aquele que apenas apro-
xima e intermedia o negócio deverá garantir a segurança e confiança
no meio oferecido para realizá-lo, não respondendo, necessariamen-
te, pelas prestações ajustadas entre partes.
[...]
Tratando-se de serviços de intermediação, portanto, não bastará ape-
nas a qualificação daquele que a promove com fins econômicos como
fornecedor. A exata medida da responsabilidade daquele que explora o
site ou aplicativo que viabiliza o consumo colaborativo mediante com-
partilhamento de bens e serviços, deriva da confiança despertada — e
daí a necessidade da precisa definição de vício ou defeito da prestação
—, o que dependerá do exame caso a caso, do modelo de negócio orga-
nizado a partir do site ou aplicativo.432 (grifos nossos).

Em situações de consumo colaborativo pela internet, como ocorre no caso


de aplicativos como Airbnb, as plataformas digitais são mantidas por alguém
que se dispõe a viabilizar espaço ou instrumento de oferta por intermédio de
um site ou aplicativo que atua não apenas como um facilitador, mas como aque-
le que torna viável e, por vezes, estrutura determinado modelo de negócio.433
Ainda que a locação de bens imóveis não configure serviço, a atividade
de intermediação de locação é serviço, configura prestação de fazer oriunda
de relação contratual, realizada com autonomia e mediante remuneração. Em
que pese possa surgir opinião em sentido contrário, não se vislumbra óbice
lógico que o serviço de intermediação seja tributado pelo ISS, ainda que a lo-
cação da acomodação em si não o seja. A sistemática da Constituição Federal
de 1988 ou da Lei Complementar no 116/2003 não fazem essa vinculação.

432 MIRAGEM, Bruno; MARQUES, Claudia Lima. Economia do compartilhamento deve respeitar
os direitos do consumidor. Conjur. 23 de dez. de 2015. Disponível em: <https://www.conjur.com.
br/2015-dez-23/garantias-consumo-economia-compartilhamento-respeitar-direitos-consumidor>
Acesso em 16 out. 2018.
433 MIRAGEM, Bruno; MARQUES, Claudia Lima. Economia do compartilhamento deve respeitar
os direitos do consumidor. Conjur. 23 de dez. de 2015. Disponível em: <https://www.conjur.com.
br/2015-dez-23/garantias-consumo-economia-compartilhamento-respeitar-direitos-consumidor>
Acesso em 16 out. 2018.

297
Tributação da Economia Digital

Não se compartilha do posicionamento, em princípio do próprio Airbnb,


434
de que haveria apenas a locação de bens imóveis. A visão em bloco deixar
escapar que, na verdade, desenvolve serviço de intermediação de locação de
bens imóveis, podendo ser tributável pelo ISS.
Por outro lado, não nos parece que o serviço desenvolvido seja de inter-
mediação de hospedagem. Foi a visão adotada pelo Município de Fortaleza,
que incluiu um item em sua lista anexa de serviços: “9.4. Intermediação de
hospedagem e disponibilização de hospedagem em imóvel de fins residenciais
mediante remuneração, com ou sem a presença do morador do imóvel.” (art.
54 da “Lei Complementar Municipal” no 241/2017).
A disposição pode ser objeto de questionamento, porquanto este subitem
9.4 não possuiria semelhante na Lei Complementar no 116/2003. Na compre-
ensão que prevalece, entende-se que para a inclusão em item na lista anexa
de serviços, primeiro deve vir na lei complementar nacional e depois na lei
do município, tendo em vista que os municípios podem editar suas leis nos
limites da lei complementar,435 na forma do art. 156, inciso III da Constituição
Federal de 1988. Por outro lado, possível se argumentar que sequer seria ne-
cessário, na medida em que a Lei Complementar no 116 de 2003 já ampararia
a atividade no subitem 9.02: “9.02 – Agenciamento, organização, promoção,
intermediação e execução de programas de turismo, passeios, viagens, excur-
sões, hospedagens e congêneres.” (grifos nossos).
Não nos parece que haja intermediação de hospedagem, mas sim inter-
mediação de locação de bens imóveis. Porém, caso se entenda que a atividade
configura intermediação de hospedagem, é importante destacar que já há pre-
visão na lista anexa de serviços (subitem 9.02).

434 Contextualizando, foi o posicionamento exposto em oposição à iniciativa do Município de Fortaleza.


SANTOS, Raiza O. Airbnb responde emenda que tributa plataformas online de hospedagem em
Fortaleza (CE). Revista Hotéis. 17 de nov. de 2017. Disponível em: <http://www.revistahoteis.com.
br/airbnb-responde-emenda-que-tributa-plataformas-online-de-hospedagem-em-fortaleza-ce/ .>
Acesso em: 16 out. 2018.
435 Nesse sentido, ver: MORAES, Bernardo Ribeiro. Doutrina e prática do Imposto sobre Serviços. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1984. p.108-111.

298
Tributação da Economia Digital

Conforme desenvolvido no tópico anterior, em princípio, não haveria


propriamente serviço de hospedagem,436 mas sim locação de bem imóvel por
parte daquele que disponibiliza a acomodação intermediada pela plataforma
digital. Assim, o serviço desenvolvido pela plataforma é de intermediação de
locação de bens imóveis.
No caso, o serviço possui previsão na lista anexa de serviços à Lei Com-
plementar no 116 de 2003, eis que a atividade de intermediação encontra am-
paro no item 10 (10 – Serviços de intermediação e congêneres), podendo ser
enquadrado no subitem 10.02437 ou no subitem 10.05, transcritos a seguir:
10 – Serviços de intermediação e congêneres.
[...]
10.02 – Agenciamento, corretagem ou intermediação de títulos em
geral, valores mobiliários e contratos quaisquer.
[...]
10.05 – Agenciamento, corretagem ou intermediação de bens mó-
veis ou imóveis, não abrangidos em outros itens ou subitens, inclusive
aqueles realizados no âmbito de Bolsas de Mercadorias e Futuros, por
quaisquer meios.

Transcrevem-se as definições sobre os atividades referidas, que parecem


autorizar a conclusão de abranger a atividade em análise:438

436 Caso o imóvel seja locado com serviços acoplados típicos de hospedagem, poderia haveria a
configuração de intermediação prevista no subitem 9.02 da lista anexa.
437 Tathiane Piscitelli também sustenta o enquadramento como serviço de intermediação, indicando o
item 10, subitem 10.02 da lista anexa de serviços: PISCITELLI, Thatiane. Tributação da Economia
compartilhada: caso das plataformas digitais de transporte e hospedagem sob a perspectiva do
ISS. In: PISCITELLI, Thatiane (Coord.). Tributação da economia digital. p. 416-429. São Paulo:
Thompson Reuters Brasil, 2018. p. 421.
438 Para Tathiane Piscitelli: o enquadramento da atividade como agenciamento ou intermediação
em específico não possui relevância no âmbito tributário, eis que o ISS será devido com base na
lista anexa de serviços à Lei Complementar. PISCITELLI, Thatiane. Tributação da Economia
compartilhada: caso das plataformas digitais de transporte e hospedagem sob a perspectiva do
ISS. In: PISCITELLI, Thatiane (Coord.). Tributação da economia digital. p. 416-429. São Paulo:
Thompson Reuters Brasil, 2018. p. 419.

299
Tributação da Economia Digital

Agenciar V. t. d. 1. Tratar de (negócios) como representante ou agente; agen-


ciar os interesses de uma indústria estrangeira. [...]439 (grifos no original)
Corretor [...] 1. Agente comercial que serve de intermediário entre
vendedor e comprador, representando um ou outro eventualmente. 2.
Inculcador, agenciador, intermediário [...] 440(grifos no original)
Intermediário [...] 1. Que está de permeio; interposto, intermédio. [...]
3. Agente de negócios, corretor. 4. Negociante que exerce suas ativida-
des colocando-se entre o produtor e o consumidor; atacadista.441 (gri-
fos no original)

Pela leitura das definições, a atividade se amolda na previsão da lista


anexa, com base no conceito de intermediação, que é mais amplo. Com base
no subitem 10.02, caso se pense na ideia de intermediação de contratos quais-
quer, o que poderia abranger o contrato de locação de bem imóvel. Ou com
base no subitem 10.05, que trata de intermediação de bens móveis e imóveis
por quaisquer meios e possui caráter residual ao mencionar “não abrangidos
em outros itens ou subitens”.
Ainda que não esteja no sentido comumente extraível dos subitens, a
nosso ver, não haveria óbice que também possa alcançar a situação objeto de
estudo. Extrair sentido de que abrange a intermediação de locação de bens
imóveis via plataforma digital se encontra dentro das possibilidades semân-
ticas do texto. Ainda que se intua que não era o sentido pretendido à época
da aprovação da Lei Complementar no 116/2003, seja por não prever, seja pela
opção de não abarcar, isso não vincula as futuras gerações. Não há um sentido
absoluto e imutável;442 o dispositivo está em permanente atualização.

439 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1975. p. 50.
440 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1975. p. 390.
441 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1975. p. 776.
442 Nesse sentido: QUEIROZ, Luís Cesar Souza de. A importância da Constituição para a identificação
das espécies tributárias e produção das respectivas normas. In: FUX, Luiz; QUEIROZ, Luís Cesar
Souza de; ABRAHAM, Marcus (Org.). Tributação e justiça fiscal. Rio de Janeiro: LMJ Mundo
Jurídico, 2014. p. 75.

300
Tributação da Economia Digital

É possível fazer um paralelo com a discussão da imunidade dos livros ele-


trônicos. O progresso tecnológico possibilitou a consolidação dos livros eletrô-
nicos, o que não estava presente à época da promulgação da Constituição. A
questão de ser veiculado em mídia eletrônica e não em papel de imprensa não
retira sua qualificação como espécie de livro, apenas haveria uma diferença na
forma. Ademais, há outros fundamentos como a proteção à liberdade de expres-
são443 e ao meio ambiente444 que militam em favor desta interpretação. Neste
sentido, o STF posicionou-se no sentido da imunidade dos livros eletrônicos.445
No presente caso, possível extrair sentido que alcance as situações de in-
termediação mediante plataformas virtuais no oferecimento de acomodações.
A atividade parece se enquadrar na lista anexa de serviços, valendo-se
da noção de intermediação, ou seja, de intermediação da relação daquele que
busca a acomodação com aquele que a oferece.
O subitem 10.02 é amplo ao mencionar “contratos quaisquer”. Ademais,
o subitem 10.05 é residual e bem amplo ao aludir que abrange a intermediação
de bens imóveis por quaisquer meios, o que permite inferir que inclui o meio
descrito com o desenvolvimento de plataforma virtual que conecta pessoas
que possuem espaço excedente com pessoas que buscam acomodações, for-
malizando o negócio com o pagamento de “remuneração”.
É relevante pontuar que podem surgir argumentos mais restritivos na in-
terpretação dos dispositivos, como “legalidade estrita” e “tipicidade fechada”, no
sentido de que a interpretação excessivamente ampliativa e genérica não seria
admissível. Dessa forma, é um ponto a ser considerado. Por outro lado, a ativi-
dade é de intermediação, enquadrando-se no item 10 da lista anexa de serviços
e a nosso ver encontrando previsão nos subitens mencionados. Acresce-se que,

443 VELLOSO, Andrei Pitten. A imunidade tributária do livro digital: fundamentos e alcance. Revista
de Estudos Tributários, Porto Alegre, n. 83, jan-fev. 2012, p. 30.
444 ÁVILA, Humberto. Argumentação jurídica e a imunidade do livro eletrônico. Revista de Direito
Tributário, São Paulo, no 79, 2001. p. 181; RIBEIRO, Ricardo Lodi. Estudos sobre Direito Tributário:
tributos circulatórios. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, v. 3, p. 197.
445 STF, RE 330817, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 08/03/2017,
ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-195 DIVULG 30-08-2017
PUBLIC 31-08-2017).

301
Tributação da Economia Digital

apesar da taxatividade, tanto o STF446 quanto o STJ447 admitem que é possível


a interpretação extensiva da lista, alcançando serviços correlatos àqueles pre-
vistos expressamente.448 Então, o grau de abertura presente no item e subitens
estariam em consonância com a jurisprudência dos tribunais superiores.
Avançando, o ISS incidiria sobre a remuneração recebida para intermediar
a locação das acomodações, que é o preço do serviço. Lembrando que por força
da capacidade contributiva (art. 145, §1º da Constituição Federal de 1988), preci-
sa haver onerosidade, não sendo cabível a incidência de ISS sobre atos gratuitos.
Neste ponto, cumpre noticiar a opinião de Leonardo Aguirra de Andra-
de. O autor também vislumbra que haveria prestação de serviço de interme-
diação de contratos, tributável pelo ISS (subitem 10.02 da lista anexa). No en-
tanto, entende que simultaneamente haveria a atividade de disponibilização
de um ambiente digital de interação entre pessoas (“marketplace”) e que isso
não seria tributável pelo ISS em razão da ausência de previsão na lista anexa
de serviços. Assim, conclui que o contribuinte deveria segregar o quantum de
cada parte, para que o Fisco tribute apenas o valor relativo à intermediação.449
Todavia, não se comunga da opinião do autor, posto que não se vislum-
bra a existência de duas atividades distintas, mas sim a intermediação, que se
utiliza dos meios disponibilizados pela plataforma virtual, contribuindo para
o próprio desenvolvimento da atividade. Assim, toda a remuneração recebida
estará sujeita a incidência do ISS pela prestação de serviço de intermediação.
É necessário analisar de forma mais profunda como se dá esta cobrança,
mas, em princípio, como aproxima as duas partes, pode ser que o intermediário
cobre tanto da pessoa que irá locar a acomodação, quanto da pessoa que pro-

446 O STF possui reiterados julgados sobre o tema, cita-se alguns que ilustram bem o posicionamento
consolidado de longa data: RE 75952, Relator(a):  Min. THOMPSON FLORES, Segunda Turma,
julgado em 29/10/1973, DJ 02-01-1974; RE 361829, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Segunda
Turma, julgado em 13/12/2005.
447 Por todos, ver, sob o regime de recursos repetitivos, sobre o Decreto-lei 406 de 1968: REsp 1111234/
PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/09/2009, DJe 08/10/2009.
448 O STF reconheceu a repercussão geral sobre a discussão acerca da taxatividade da lista de serviços
(RE 784.439/DF), sendo que a tendência é reiterar este entendimento.
449 ANDRADE, Leonardo Aguirra de. Tributação de negócios desenvolvidos por meio de aplicativos
associados aos serviços de hospedagem no Brasil. In: MONTEIRO, Alexandre; FARIA, Renato;
MAITTO, Ricardo. (Coord.). Tributação da economia digital: desafios no Brasil, experiência
internacional e novas perspectivas. p. 742-459. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 748-749.

302
Tributação da Economia Digital

cura a acomodação, não havendo impedimento para que o ISS seja cobrado nas
duas pontas, se a remuneração estiver cindida entre os tomadores do serviço.
Outro aspecto importante é o argumento de livre concorrência, que deve
ser analisado com cautela.
É comum, ao estudar o tema se deparar com o argumento de que o setor
hoteleiro sofre o impacto do surgimento e da expansão das plataformas digitais
de “hospedagem” e que a tributação serviria como forma de equalizar o ônus
tributário incidente, evitando fator de desnivelamento na atuação no setor.450
De fato, é relevante a preocupação com a “igualdade na aplicação da lei
tributária”, com a proteção à livre concorrência. Todavia, isso deve ser anali-
sando com cautela. A base de cálculo não pode ser o total pago pela acomoda-
ção ou o total das diárias, ainda que assim o seja para o setor hoteleiro.451 Se
o serviço objeto de tributação é a intermediação, a remuneração recebida por
este serviço configura o seu preço, base de cálculo do ISS, não podendo ser
desconsiderada por invocação à igualdade concorrencial com o setor hotelei-
ro, eis que as atividades são distintas. Então, a livre concorrência não pode ser
invocada para “igualar” o ônus tributário (ISS).
Acrescente-se que, mesmo que não se trate de nova lei, mas sim de nova
leitura dos subitens 10.05 ou 10.02, é relevante levar em consideração a se-
gurança jurídica temporal (ou princípio da não surpresa), ao se pensar em
aplicar esta interpretação ao passado.
Por fim, ponto relevante que precisa ser bem avaliado é a questão do
Município competente (aspecto espacial e sujeito ativo). Embora alvo de fre-
quentes e inúmeras controvérsias, a regra é que o Município competente é
o do estabelecimento do prestador de serviço, ou seja, aquele local onde o
contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente

450 Sobre a pressão do setor hoteleiro, ver: SANTOS, Raiza O. Airbnb responde emenda que tributa
plataformas online de hospedagem em Fortaleza (CE). Revista Hotéis. 17 de nov. de 2017. Disponível
em: <http://www.revistahoteis.com.br/airbnb-responde-emenda-que-tributa-plataformas-online-
de-hospedagem-em-fortaleza-ce/ .> Acesso em: 16 out. 2018; CARLOS, Regis. Ubatuba taxa
proprietários que alugam casas para temporada. O Estado de São Paulo. 14 de jan. de 2018. Disponível
em: <https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,ubatuba-taxa-proprietarios-que-alugam-casas-
para-temporada,70002150408>. Acesso em: 31 dez. 2018.
451 Há ADI proposta pela Associação Brasileira da Indústria de Hotéis que questiona a incidência de
ISS sobre total da diária paga a hotéis, buscando a não incidência sobre a parcela que seria referente
à locação da acomodação (STF, ADI 5.764, Rel. Min. Marco Aurélio).

303
Tributação da Economia Digital

ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional (art. 3o


e art.4o da Lei Complementar no 116/2003). Assim, como o serviço seria o
de intermediação, o contribuinte seria o intermediador (“plataforma digital”)
que é o prestador do serviço, precisando ser enfrentado o desafio de definir o
estabelecimento prestador, um ponto que precisa ser melhor explorado, não
sendo alvo do presente artigo.452

4. Conclusão
A economia colaborativa e as inovações disruptivas desafiam a atuação
estatal e não possuem resposta imediata e simples.453 Em consonância com
o que foi apresentado, a atividade desenvolvida pelas plataformas digitais é
de prestação de serviço de intermediação de locação bens imóveis, atraindo
a incidência do ISS com base nos subitens10.05 ou 10.02 da lista anexa à Lei
Complementar no 116/2003.

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452 Para fins de aprofundamento, ver: ANDRADE, Leonardo Aguirra de. Tributação de negócios
desenvolvidos por meio de aplicativos associados aos serviços de hospedagem no Brasil. In:
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Saraiva, 2018. Em especial, p. 749-754.
453 O Airbnb não disponibiliza apenas acomodações, mas também “experiências”, conectando
os interessados com os anfitriões das mais variados tipos de atividade, “retrato no fim de tarde
amazônico”, “degustação de vinhos em Curitiba”, etc., o que pode gerar eventual adequação ao
subitem 9.02 da lista anexa de serviços “9.02 – Agenciamento, organização, promoção, intermediação
e execução de programas de turismo, passeios, viagens, excursões, hospedagens e congêneres”.

304
Tributação da Economia Digital

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307
Tributação, mídias sociais e big data:
qual o valor da informação?

Tatiana Junger454
Danielle Nascimento Nogueira de Souza455

Sumário. 1. Introdução. 2. A economia contemporânea digital. 2.1. A


tipologia das redes sociais. 2.2. As mídias sociais e a capacidade contributiva.
3. As possíveis imposições tributárias sobre o valor criado pelo big data. 3.1.
Tributação sobre o lucro decorrente do patrimônio (big data) da mídia social.
3.2. Tributação sobre o serviço prestado pela mídia social. 3.3. Tributação so-
bre o patrimônio (big data) da mídia social. 4. Conclusão.

1. Introdução
De acordo com dados recentes publicados pela UIT – União Internacio-
nal das Telecomunicações, bem assim pela inglesa BBC, o planeta tem cerca
de 3,2 bilhões de pessoas conectadas à rede de internet, dos quais a parcela de
brasileiros representa 49,5% da população nacional456.
Por meio dessa conexão, os indivíduos insertam nesse mundo digital
uma quantidade de dados imensurável, que revelam padrões e tendências de
naturezas muito diversas. O presente artigo, direcionando os olhos para as re-

454 Doutoranda e Mestre em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento no PPGD/UERJ.


Bacharel em Direito na FDIR/UERJ. Advogada
455 Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2006). Pós Graduada em Direito
Público pela Universidade Gama Filho (2009). Pós Graduada em Administração Pública com
ênfase em Gestão Corporativa pela Fundação Getúlio Vargas (2013). Pós Graduada em Gestão
Tributária pela Universidade Cândido Mendes (2015). Mestre em Finanças Públicas, Tributação
e Desenvolvimento Nacional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – PPGD UERJ (2019).
Procuradora da Fazenda Nacional.
456 SANTOS NETO, Flaviano de Oliveira. O tratamento tributário da “cloud computing”. In: POLIDO,
Fabrício Betini Pasquot; DOS ANJOS, Lucas Costa; BRANDÃO, Luíza Couto (orgs.). Tecnologias e
conectividade: direito e políticas na governança das redes. Belo Horizonte: Instituto de Referência
em Internet e Sociedade, 2018, p. 216.

309
Tributação da Economia Digital

des sociais, as plataformas midiáticas do mundo moderno, pretende analisar


o big data como o fator de produção do momento.
Como fator de produção, ele gera valor e, como gerador de valor, ele pró-
prio é riqueza e também produz riqueza. Nessa perspectiva, a tributação tem
um espaço de atuação sobre esses novos fatos econômicos da economia digi-
tal, muito embora os sistemas tributários hodiernos ainda não estejam absolu-
tamente prontos para atingi-los impositivamente de maneira ótima.
Nesse contexto, está no escopo do presente artigo: i) caracterizar a tipo-
logia da rede social, a fim de identificar a funcionalidade do big data; ii) iden-
tificar as manifestações de riqueza atreladas ao processamento de informa-
ções na economia digital e, dessa forma, a capacidade contributiva emanada
do big data; e iii) explorar os possíveis caminhos que a política tributária tem
a seu dispor para o atingimento das manifestações de riqueza relacionadas.
Por fim, é do intento deste artigo expressar uma opinião a respeito do melhor
tratamento tributário a ser conferido ao referido fator de produção, sob uma
ótica principiológica e desenvolvimentista. É o que se passa a ver.

2. A economia contemporânea digital

2.1 A tipologia das redes sociais


O ser ‘em si’ é necessariamente um ser ‘para com os outros’ e ‘com os
outros’”457. É apenas no plano do grupamento, caracterizado pela intersubjeti-
vidade, concebida como as relações de troca e intercâmbio, que os indivíduos
conquistam a concretização substancial de seus objetivos – inclusive seus ob-
jetivos econômicos458.
A intersubjetividade humana deu origem à criação das pessoas jurídicas,
ficção de direito útil ao relacionamento econômico entre sujeitos, ativos e pas-

457 “O outro não é o inimigo, o estrangeiro, mas um elemento naturalmente constitutivo do próprio
ser. A atividade de auto-criação do ser é constantemente comunhão e adesão. Ser “com os outros” é
uma extensão natural do “ser em si”. A dialéctica interioridade-exterioridade é imprescindível para
o próprio ser “em si”, porque só se existe com os outros; sem os outros, ou extingue-se ou é-se um
bárbaro”. CAMPOS, Diogo Leite de. O sistema tributário no Estado Fiscal dos cidadãos. Coimbra:
Almedina, 2006, p. 51.
458 KERSTING, Wolfgang. Verteidigung des Liberalismus. Hamburg: Murmann Verlag, 2009, p. 22.

310
Tributação da Economia Digital

sivos, de ambos direitos e obrigações. Nessa perspectiva, muito embora sejam


sobre os indivíduos componentes de uma comunidade politicamente organiza-
da em Estado que impendem os custos da existência e do funcionamento co-
munal459, as pessoas jurídicas também ostentam a qualidade de contribuintes,
porque demandam em seu proveito uma determinada intervenção do Estado.
Assim o sendo, havendo tributação das pessoas jurídicas, natural é que
a política tributária acompanhe a modificação dos fatos econômicos, que são
contingenciais a um dado espaço e tempo. Esse acompanhamento não se deu
ao longo da história sem turbulências, muito embora seja argumentável dizer
que nenhuma turbulência foi tamanha como esta provocada pela revolução
econômica expressada pela denominada economia digital.
A economia digital se caracteriza notoriamente pela comutação de bens
intangíveis, pela transferência de dados e soluções tecnológicas não custeadas
diretamente pelos usuários e sim através de atividades de marketing, gerencia-
mento de dados, dentre outros, prescindindo, outrossim, de qualquer presen-
ça física para o desenvolvimento de suas atividades.
As redes sociais são plataformas de comunicação pertencentes a este mun-
do da internet, inaugurado no bojo desta economia digital. A partir da metade
dos anos 2000, as redes sociais catalisaram uma ideologia de marketing dire-
cionada à atração de usuários e investidores para tais plataformas, vendendo-as
como o mais novo e moderno espaço para compartilhamento de conteúdo. Des-
sa forma, as redes sociais passaram a ser compreendidas como mídias sociais460.
Os compartilhamentos realizados nessas plataformas servem tanto a pro-
pósitos de vida privada quanto a propósitos comerciais461, contexto no qual
surgem os conceitos novos de trabalho digital, consumo virtual, trabalho de
consumo, produção e uso, crowdsourcing, economia livre ou playbour (lazer

459 NABAIS, José Casalta. A liberdade de gestão fiscal das empresas. In: DA SILVA MARTINS, Ives
Gandra et. al (coord.). Direito financeiro e tributário comparado: estudos em homenagem a Eusébio
González García (in memoriam). São Paulo: Saraiva, 2014, p. 432.
460 FUCHS, Christian. Mídias sociais e a esfera pública. In: Revista Contracampo, v. 34, n. 3, ed.
Dez/2015 – mar/2016. Niterói: Contracampo, pp. 5-80, 2015, p. 8.
461 Portanto, as mídias sociais são um retrato perfeito da liquefação de limites identificada por Zygmunt
Bauman, ao caracterizar a segunda modernidade.

311
Tributação da Economia Digital

e trabalho) 462. Isso é muito mais do que uma transformação da mídia ou dos
meios de comunicação. É uma transformação da cultura e da própria sociedade.
Essa convergência visualizada entre o pessoal e o público nas mídias so-
ciais as sedimentou como uma fonte rica para a análise do que é denominado
como “big data”463. Assim o sendo, a cultura do consumo e da propaganda tem
migrado com intensidade de outros âmbitos para o mundo da internet, pela dis-
ponibilidade que ali há de informação a respeito das tendências mercadológicas.
Da mesma forma que anunciantes e comerciantes têm se interessado cada
vez mais pelas mídias sociais como plataforma principal de divulgação e nego-
ciação, essas plataformas – tais como o Google e o Facebook464 – têm também
pouco a pouco aperfeiçoado seus softwares de coleta, processamento, armaze-
namento e interpretação das informações adquiridas dos seus usuários, afinan-
do a precisão e o detalhamento dos dados compilados. Assim, transformam tais
resultados analíticos em commodities – um dos commodities mais valiosos na
economia digital – a fim de com isso alcançar lucratividade465.
Nesse contexto, o valor agregado aos bens e serviços não depende necessa-
riamente de uma cadeia de produção, mas do compartilhamento sequencial de
informações, cujo retorno financeiro é calculado em grande parte por meio de
algoritmos que determinam a relevância de um produto ou serviço de acordo
com o perfil do usuário. Diante disso, nada mais correto do que dizer que a
produção de big data é uma das grandes formas pelas quais a mídia social cria

462 FUCHS, Christian. Mídias sociais e a esfera pública. Op. cit., p. 36.
463 “Big data” é um elevado volume de dados, estruturados ou não estruturados, passível de coleta,
armazenamento e interpretação com a implementação de softwares de afinado desempenho. FUCHS,
Christian. Social media: a critical introduction. 2ª ed., London: Sage Publications, 2017, p. 52.
464 Destaque-se o termo “GAFA”, especialmente popularizado na França, acrônimo de Google, Apple,
Facebook e Amazon, empresas estadunidenses que lideram a transição digital. Este foi seguido do
“NATU”, que abarca a Netflix, o Airbnb, a Tesla e a Uber, as mais novas empresas globais baseadas
em informações. O geógrafo Fábio Tozi, acadêmico vinculado à UFMG, utilizou a expressão
“uberização da economia”, importando-a da produção acadêmica francesa, para elucidar o novo
papel da informação como fator produtivo na economia atual. TOZI, Fábio. A estratégia da Uber
no Brasil: a informação como fator produtivo e o território como recurso da empresa. In: POLIDO,
Fabrício Betini Pasquot; DOS ANJOS, Lucas Costa; BRANDÃO, Luíza Couto (orgs.). Tecnologias e
conectividade: direito e políticas na governança das redes. Belo Horizonte: Instituto de Referência
em Internet e Sociedade, 2018, pp. 103/104.
465 FUCHS, Christian. Social media: a critical introduction. Op. cit., pp. 53/54.

312
Tributação da Economia Digital

valor466 na contemporaneidade. Afinal, tal como precioso commodity da eco-


nomia digital, o big data representa uma legítima expectativa de lucratividade.

2.2 As mídias sociais e sua capacidade contributiva


O fato econômico atingido pela imposição tributária é o elemento indici-
ário da capacidade contributiva. Afinal, a capacidade contributiva se trata de
um princípio real, porque lastreada em reais manifestações de riqueza.
Aquilo que revela a idoneidade ou aptidão do sujeito para contribuir é
a capacidade econômica467, antecedente lógico da capacidade contributiva468.
Nesse sentido expressa a lição de Aliomar Baleeiro:
“A capacidade contributiva do indivíduo significa sua idoneidade eco-
nômica para suportar, sem sacrifício do indispensável à vida compa-
tível com a dignidade humana, uma fração qualquer do custo total
de serviços públicos. Não podendo medi-la em todos os casos, nem

466 Vale observar que a tecnologia é um fator de produção, mas sozinha não cria valor algum – não é
apenas o software hábil ao processamento de informações que cria o valor do big data, convergindo
conjuntamente a outros fatores de produção. De toda feita, certo é que somente os seres humanos,
em comunicação intersubjetiva, são hábeis à produção de valor econômico. Nas palavras de
Christian Fuchs, “se só existissem máquinas e nenhum ser humano, nenhum bem poderia ser
produzido, distribuído e consumido. Um processo produtivo inteiramente automatizado sem
supervisão humana falharia assim que as máquinas quebrassem e não pudessem obter conserto.
Diferentemente dos seres humanos, as máquinas não têm moral, criatividade e são também
incapazes de antecipar o estado futuro da sociedade e, por isso, capazes apenas de ações limitadas”.
Tradução livre nossa. “If there were only machines and no human beings, no goods could be produced,
distributed and consumed. Fully automated production without human beings woukd break down
as soon as machines stalled and could not be repaired. Unlike human beings, machines have no
morals, no criativity and are unable to anticipate the future state of society, and are thus capable of
limited action”. FUCHS, Christian. The online advertising tax: a digital policy innovation. London:
University of Westminster Press, 2018, p. 9.
467 CORRAL GUERRERO, Luis. La capacidad económica de contribuir. Madrid: Cuadernos de Estudios
Fiscales, nº 14, pp. 27/43, 2004, p. 28.
468 Muito embora as expressões “capacidade econômica” e “capacidade contributiva” sejam
corriqueiramente utilizadas com fungibilidade, de acordo com a distinção de Carrera Raya, a primeira
designa a disponibilidade de riqueza, isto é, de meios econômicos no plano fático, enquanto a última
se refere à capacidade econômica eleita pelo legislador como fato gerador do tributo. CARRERA
RAYA, Francisco José. Manual de derecho financeiro – vol. 01. Madrid: Tecnos, 1993, p. 92 apud
RIBEIRO, Ricardo Lodi. A capacidade contributiva como manifestação da justiça fiscal no Estado
Social e Democrático de Direito. In: RIBEIRO, Ricardo Lodi. Estudos de direito tributário – volume
02: tributação e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Multifoco, pp. 43/104, 2015, p. 62.

313
Tributação da Economia Digital

contando com a inteira sinceridade do contribuinte, o legislador esta-


belece, através do fato gerador de cada imposto, um sistema de indícios
e pressupostos dessa capacidade fiscal. A propriedade de imóveis ou
de riquezas imobiliárias, como ações de sociedades anônimas, títulos
públicos, etc., o recebimento de herança, a aquisição de bens, a percep-
ção de rendas, a celebração de atos jurídicos, a despesa, sobretudo a
que não se refere ao essencial à existência, são elementos indiciários da
capacidade contributiva”469.

Assim o sendo, porquanto signos denotadores de riqueza, os fenômenos


econômicos “rendimento”, “patrimônio” e “consumo” se tratam dos três pos-
síveis sinalizadores de capacidade contributiva470.
Pelas notas predecessoras, sendo inarredavelmente um insumo da ati-
vidade econômica empreendida pelas mídias sociais, o big data se trata de
uma manifestação de riqueza, de natureza patrimonial, a qual confere à mídia
social uma expectativa de lucro, este sendo outra manifestação de riqueza, de
natureza de rendimento.
Segundo classificação elucidada por Marco Aurélio Greco, o big data se
trata de uma espécie de bem intangível, consistente na informação atrelada à
aptidão de inovar. Nas palavras do referido autor:
“Esse conjunto abrange know-hows, que é um saber-fazer, é um saber
atrelado a um fazer, a tecnologia, o processamento da informação. Ou
seja, é ter a informação, mas não apenas tê-la; é ter a informação devi-
damente tabulada, devidamente catalogada, organizada, para que da-
quela informação se extraia um conhecimento diferente, que não seja
mera soma das informações, mas a elaboração de um produto novo,
a partir das velhas informações. Dentro desse mesmo conjunto, está
o segredo industrial. Não estou falando de patente; estou falando de
segredo industrial que, muitas vezes, é aquilo que se chama de um co-
nhecimento tácito em que, de repente, alguém consegue fazer o que
outros não conseguem. Em suma, é a habilidade de criar. Esse segundo

469 BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 19ª ed. revista e atualizada por Hugo
de Brito Machado Segundo, Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 339.
470 Afinal, são as três possíveis formas de manifestação de riqueza: i) o rendimento como manifestação
dinâmica aquisitiva de riqueza (dynamische Stromgröße); ii) o patrimônio como manifestação
estática de riqueza (statische Bestandsgröße); e iii) o consumo como manifestação dinâmica
consumativa de riqueza (dynamische Stromgröße). LANG, Joachim; TIPKE, Klaus. Steuerrecht. 21.
Auflage, Köln: O. Schmidt, 2005, p. 74.

314
Tributação da Economia Digital

conjunto abrange o segredo industrial (não a patente) e também certos


aspectos da logística no que diz respeito ao como fazer, ao conheci-
mento de circunstâncias ou eventos que, embora públicos, não sejam
frequentemente considerados (o. ex., tabelas de horários de serviços
públicos etc.). Este segundo conjunto é o da informação”471.

Em um ambiente globalizado e digital, de alta competitividade, marcado pela


ampla mobilidade do capital e dos agentes econômicos, bem como pela intangibi-
lidade das operações virtuais, têm sido desenvolvidas atividades que movimentam
cifras elevadíssimas anualmente. Segundo o ranking da Forbes, as cinco marcas
mais valiosas do mundo em 2018, isto é, Apple, Google, Microsoft, Facebook e Ama-
zon, obtiveram receitas no período no valor de U$$ 228,6 bilhões, U$$ 97,2 bilhões,
U$$ 98,4 bilhões, U$$ 35,7 bilhões e U$$ 169,3 bilhões, respectivamente472.
Portanto, as mídias sociais demonstram notória capacidade contribu-
tiva, embora sem o correspondente recolhimento de tributos, especialmente
pela adoção de planejamentos tributários agressivos e pela existência de gran-
de lacuna legislativa, inclusive no âmbito internacional, o que tem provocado
as casas legislativas das nações a propulsionarem discussões a respeito das
possibilidades de reforma hábeis ao atingimento destas capacidades contribu-
tivas ainda pouquíssimo alcançadas.
Esse vazio normativo tributário caracterizado pela vizinhança de siste-
mas fiscais majoritariamente pautados na materialidade das transações físi-
cas, que deixa de onerar as mais substanciosas manifestações de riqueza do
cenário econômico hodierno, produz distorções econômicas injustificadas.
Assim, por razões de isonomia, justiça fiscal e segurança jurídica, faz-se
necessária a adaptação da legislação tributária para que as atividades virtu-
ais recebam tratamento semelhante ao conferido às transações não digitais,
devendo a economia digital ser tributada de forma equitativa, sustentável e
propícia ao desenvolvimento das atividades online.
No âmbito internacional, o plano BEPS (Base Erosion and Profit Shif-
ting), que propõe a formulação de políticas e estratégias no combate à fuga de

471 GRECO, Marco Aurélio. Sobre o futuro da tributação: a figura dos intangíveis. Revista de Direito
Tributário Atual – vol. 20, São Paulo: Dialética, 2006, p. 171.
472 FORBES. The world’s most valuable brands. Disponível em: <https://www.forbes.com/powerful-
brands/list/#tab:rank>. Acesso em: 20/09/2018.

315
Tributação da Economia Digital

capitais e ao aumento da evasão fiscal em escala global, contendo 15 ações a


serem consideradas pelos países membros da OCDE e do G-20, trouxe suges-
tões em relação à economia digital na ação nº 01, in verbis:
“Identificar as principais dificuldades impostas pela economia digital,
no que diz respeito à aplicação das normas tributárias internacionais
e desenvolver opções detalhadas para resolver estas dificuldades, ado-
tando uma abordagem global e considerando tanto a tributação direta
quanto a indireta. Os aspectos a serem examinados incluem, não es-
tando limitados a, a capacidade que uma sociedade tem de ter uma
presença digital significativa na economia de outro país, sem estar su-
jeita a impostos, devido à falta de um vínculo sob a égide das atuais
normas internacionais, a atribuição de valor gerado pela criação de da-
dos geolocalizados devido à utilização de produtos e serviços digitais, a
qualificação dos rendimentos gerados pelos novos modelos de negócio,
a aplicação das normas do país de origem e os meios que permitam
garantir a cobrança efetiva do IVA/ IMS nos casos de fornecimento de
mercadorias ou serviços digitais. Estes trabalhos implicarão uma aná-
lise aprofundada dos vários modelos de negócio nesse setor”473.

A OCDE instituiu, outrossim, uma força-tarefa sobre economia digital


denominada Task Force on the Digital Economy – TFDR para fins de identi-
ficação dos desafios referentes à tributação das manifestações de riqueza na
economia digital474. Na União Europeia, há propostas concretas de alteração
legislativa para o atingimento tributário das plataformas digitais nas quais há
nível significativo de interação com seus usuários475.

473 OCDE. Plano de ação para o combate à erosão da base tributária e à transferência de lucros. OECD
Publishing, 2014. Disponível em: https://read.oecd-ilibrary.org/taxation/plano-de-acao-para-
o-combate-a-erosao-da-base-tributaria-e-a-transferencia-de-lucros_9789264207790-pt#page1.
Acesso em 20/09/2018.
474 OCDE. Brief on the tax challenges arising from digitalisation: interim report 2018. OECD Publishing,
2018. Disponível em: <https://www.oecd.org/tax/beps/brief-on-the-tax-challenges-arising-from-
digitalisation-interim-report-2018.pdf> Acesso em: 26/09/2018.
475 Em março de 2018, foi sugerida como alteração a ser empreendida no longo prazo a tributação dos
lucros de empresas que sejam consideradas “de presença digital relevante” do Estado-membro, a
saber, quando excedam o limite de 7 milhões de euros em receitas anuais naquele Estado; quando
possuam mais de 100 mil usuários por ano fiscal naquele Estado; ou, ainda, quando firmem mais
de 3 mil contratos empresariais para serviços digitais por ano fiscal naquele Estado. Há, também,
proposta a curto prazo, que seria vigente até a implantação de uma reforma global que atenue a
possibilidade de dupla tributação, para o estabelecimento de imposto provisório, incidente sobre
as receitas oriundas de atividades virtuais nas quais os usuários contribuam diretamente para a

316
Tributação da Economia Digital

No Brasil, sabendo-se que a internet na sua atual configuração somen-


te surgiu no ano de 1989, o Constituinte de 1988 e o legislador ordinário de
então não tinham materiais para fazer um prognóstico de futuro com corre-
ção. Assim o sendo, no contexto tupiniquim, a questão do atingimento destas
manifestações digitais de riqueza se divide em duas preocupações: i) no longo
prazo, cabe a consideração de uma reforma tributária que adeque o sistema
à revolução paradigmática imposta pela transmutação da própria realidade
econômica; e ii) no curto prazo, vem a cabo a discussão acerca da aplicabili-
dade ou inaplicabilidade de interpretação extensiva sobre os enunciados dis-
positivos tributários que existem, a fim de alcançarem fenômenos econômicos
originalmente fora do escopo imaginário do constituinte e do legislador.
Os dois grandes problemas dos bens intangíveis, tais como o big data,
são a identificação da sua dimensão econômica e o seu grau volatilidade476. O
ponto sensível é que o valor do bem intangível, fator de produção diferente do
capital financeiro, é mensurado por elementos diferentes do que dinheiro477,
podendo inclusive decair com a mesma velocidade que cresceu.

criação de valor, a exemplo do que ocorre com a cessão de espaço publicitário online, atividades
digitais de interação entre usuários que facilitem a venda de bens e serviços entre eles, a venda de
dados dos usuários, gerados a partir de informações prestadas pelos mesmos, ainda que de forma
gratuita. Nesse caso, as receitas tributárias seriam arrecadadas pelos Estados-membros nos quais
os usuários estiverem localizados e só se aplicariam a empresas com receita anual equivalente a 750
milhões de euros a nível mundial e a 50 milhões de euros a nível da União Europeia, a fim de garantir
que as empresas de pequeno porte continuem em expansão. Segundo as estimativas da Comissão
Europeia, caso seja aplicada uma alíquota de 3%, a arrecadação seria na faixa de 5 milhões de euros
por ano para os Estados-membros. EUROPEAN COMISSION. Questions and answers on a fair and
efficient tax system in the EU for the digital single market. Press release database, 2018. Disponível
em: <http://europa.eu/rapid/press-release_MEMO-18-2141_en.htm>. Acesso em 26/09/2018.
476 GRECO, Marco Aurélio. Sobre o futuro da tributação: a figura dos intangíveis. Op. cit., p. 174.
477 Marco Aurélio Greco assim o ilustra mencionando o valor da Microsoft, que é elevadíssimo, mas
decorre fundamentalmente do seu capital intelectual e humano. GRECO, Marco Aurélio. Sobre o
futuro da tributação: a figura dos intangíveis. Op. cit., p. 174.

317
Tributação da Economia Digital

3. As possíveis imposições tributárias


sobre o valor criado pelo big data

3.1 Tributação sobre o lucro decorrente


do patrimônio (big data) da mídia social
Por evidente, há incidência do imposto de renda, bem assim da contri-
buição social sobre o lucro, sobre o acréscimo patrimonial experimentado pe-
las mídias sociais, em decorrência da exploração da sua atividade econômica,
para o qual a funcionalidade do big data cooperou. Outra hipótese é a aliena-
ção do big data, que também justifica a incidência do imposto de renda, ante
a configuração do ganho de capital478.
Os intangíveis atraem a incidência de diversas espécies tributárias, tanto
diretas quanto indiretas479. Tendo em consideração que o presente trabalho
pretende focar no problema da dimensão econômica do big data e da melhor
forma tributária de atingimento desta, direcionar-se-á a atenção, em primei-
ro lugar, para a tributação sobre o serviço prestado pela mídia social e, em
segundo, para a tributação do big data como patrimônio detido pela mídia
social, para então sopesar qual a forma mais adequada para a oneração desta
manifestação de riqueza.

3.2 Tributação sobre o serviço prestado pela mídia social


Como já elucidado, as mídias sociais transformam os resultados analíti-
cos produzidos pelos seus softwares de processamento de informações, isto é,
o big data, em valiosos commodities. Uma empresa, interessada na divulgação
do seu negócio, é atraída pela plataforma midiática da rede social, justamente
porque o software utilizado por esta processa aquele mundo de informações
pessoais de maneira a direcionar o anúncio para o grupo de usuários que me-
lhor aproveitaria do produto anunciado.

478 GRECO, Marco Aurélio. Sobre o futuro da tributação: a figura dos intangíveis. Op. cit., p. 175.
479 GRECO, Marco Aurélio. Sobre o futuro da tributação: a figura dos intangíveis. Op. cit., p. 175.

318
Tributação da Economia Digital

Nesse contexto, a mídia social presta um serviço às inúmeras empresas


que buscam anunciar seus negócios naquela plataforma digital. Tratando-se
de prestação de serviço, é possível fato gerador de imposto480, porquanto fe-
nômeno econômico de consumo e, como tanto, espécie de manifestação de
riqueza, denotadora de capacidade econômica.
Para a imposição sobre publicidade na internet, a legislação tributária
brasileira não apresenta precisamente um vácuo, senão um conflito. Isso por-
que a publicidade pode ser compreendida tanto como fato imponível ao ISS
quanto ao ICMS-Comunicações. Afinal, há uma enorme variedade de formas
de promover produtos e serviços na internet, cada qual com suas particulari-
dades, colocando o tema da publicidade na internet no hot spot das discussões
atuais sobre o conflito de competência entre o ISS e o ICMS-Comunicações481.
O arcabouço normativo pertinente à análise tem nascedouro durante a
vigência da Constituição de 1967, em que a competência para tributar os ser-
viços de comunicação era bipartida entre a União e os Municípios, cabendo à
primeira o exercício da competência tributária e aos segundo o seu exercício
subsidiário, exclusivamente para serviços de comunicação intramunicipal. O
DL nº 406/1968 então desde a sua origem estabeleceu que a veiculação de pu-
blicidade se sujeitava à incidência do ISS, o que se manteve até o advento da
LC nº 116/2003, ocasião em que o item 17/07, que replicava a norma anterior-
mente vigente, foi vetado. Em 2012, foi apresentado projeto de lei que reinseria
a veiculação de publicidade na competência municipal, mas foi objeto de novo
veto. Com a promulgação da Constituição de 1988, foi transferida integral-
mente para os Estados a competência para tributar a prestação dos serviços
de comunicação, pelo ICMS-Comunicações. Nesse contexto é que se acirrou
a discussão quanto ao conflito de competência envolvido na imposição sobre
a veiculação de publicidade482.

480 “[...] é possível imaginar a existência de uma tributação indireta sobre intangíveis, se levarmos em
conta as operações e as negociações que o tenham por objeto”. GRECO, Marco Aurélio. Sobre o
futuro da tributação: a figura dos intangíveis. Op. cit., p. 175.
481 FEITOSA, Maurine Morgan Pimentel. O conflito de competência entre o ICMS e o ISS: um estudo
de casos na Era da Internet. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 221.
482 FEITOSA, Maurine Morgan Pimentel. O conflito de competência entre o ICMS e o ISS: um estudo
de casos na Era da Internet. Belo Horizonte: Fórum, 2018, pp. 246/247.

319
Tributação da Economia Digital

Ricardo Lodi Ribeiro sustenta ser a inserção de publicidade e propagan-


da na plataforma digital um serviço prestado por esta ao vendedor de produ-
tos, estando a sua tributação na competência dos municípios através do ISS,
desde que haja a previsão específica na Lei Complementar483.
Divergindo, Marco Aurélio Greco opina que o legislador do ISS, espe-
cialmente o legislador complementar da LC nº 116, ao encher os olhos face
às inúmeras manifestações de capacidade contributiva sem correlativa tribu-
tação, exagerou porque extrapolou a cláusula constitucional dos “serviços”,
inserindo na Lista Anexa uma série de fenômenos que não se qualificam exa-
tamente como “serviços”484, expressando-se cético inclusive sobre a oneração
dos bens intangíveis.
Nada obstante, a tomada de partido pela incidência do ICMS-Comuni-
cações também é severamente criticada. Humberto Ávila explica que a vei-
culação de publicidade e propaganda em plataformas digitais baralha duas
relações distintas, elucidadas nos seguintes termos:
“A primeira é a que existe entre o anunciante e a empresa detentora da
página na internet, que se qualifica como cessão de espaço publicitá-
rio. A segunda é a que existe entre a empresa detentora da página e o
público em geral, que se qualifica como difusão ou veiculação gratuita
de mensagens. Não se pode, portanto, misturar essas duas relações,
transpondo para a segunda os valores cobrados em razão da primeira.
De fato, os negócios jurídicos celebrados pelas Consulentes (cessão de
espaço publicitário em páginas da internet) não se confundem com a
outra atividade (difusão), cujo beneficiário é um terceiro não identifi-
cado que não paga pela eventual mensagem”485.

483 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Mídias digitais, publicidade e imunidade tributária. Revista Fórum de
Direito Tributário – RFDT, Belo Horizonte, ano 13, nº 74, pp. 3-5, mar/abril 2015. Disponível em:
<http://www.bidforum.com.br/PDI0006.aspx?pdiCntd=232440>. Acesso em: 27/09/2018.
484 GRECO, Marco Aurélio. Sobre o futuro da tributação: a figura dos intangíveis. Op. cit., p. 177.
485 ÁVILA, Humberto. Parecer. Veiculação de material publicitário em páginas da internet. Exame da
competência para instituição do imposto sobre serviços de comunicação. Ausência de prestação de
serviço de comunicação. Revista Dialética de Direito Tributário, nº 173, 2010, p. 162.

320
Tributação da Economia Digital

Nesse cenário, em estudo sobre o conflito de competência em comento,


Maurine Morgan assim resume as posições doutrinárias divergentes:
“A primeira corrente, verificada sobretudo em sede jurisprudencial,
defendia a possibilidade de incidência de ISS sobre a veiculação de pu-
blicidade, a partir da interpretação extensiva dos itens 10.08 e 17.06 da
lista anexa à LC nº 116/2003. A segunda corrente, por sua vez, sustentava
que, desde a Constituição de 1988, a veiculação de publicidade inseria-
-se na competência estadual, pelo que o item 86 da lista anexa ao DL
nº 406/1968 não havia sido recepcionado. Nesse sentido, alguns setores
doutrinários entendiam que qualquer modalidade de veiculação de pu-
blicidade se traduziria em serviço de comunicação, enquanto outros le-
cionavam que apenas alguns meios de veiculação ensejavam a incidência
de ICMS. Finalmente, havia aqueles que defendiam que, embora poten-
cialmente tributada pelo ISS, a veiculação de publicidade não sofreria
tributação, diante da ausência de previsão de um item específico em tal
sentido na legislação complementar. De outro lado, para esses mesmos
setores, não haveria que se cogitar em serviço de comunicação”486.

Considerando que a mídia social implementa um algoritmo, resultante


do software que processa o big data, para dar direcionamento eficiente aos
materiais publicitários anunciados naquela plataforma digital, tem-se que o
serviço prestado pela rede social para a empresa contratante é um serviço de
difusão e propagação, e não de comunicação – são os usuários da mídia social
que recebem a mensagem anunciada, e não a empresa anunciante, mas é do
contrato celebrado entre a mídia social e a empresa anunciante que advém o
fato econômico a ser onerado tributariamente.
Nessa perspectiva, ao mesmo tempo em que se evidencia a natureza di-
versa de serviço de comunicação487, parece que o fenômeno em comento se
trata de atividade típica de uma agência de publicidade, muito embora prati-

486 FEITOSA, Maurine Morgan Pimentel. O conflito de competência entre o ICMS e o ISS: um estudo
de casos na Era da Internet. Op. cit., p. 247.
487 “Com efeito, como os serviços de comunicação são também serviços em sentido lato, o fato de um
determinado serviço estar arrolado na lista anexa ao DL nº 406/1968 e à LC nº 116/2003 não parece
suficiente, por si só, para afastar a incidência do ICMS-Comunicação, eis que, consoante as lições
de Onofre Alves Batista Júnior e Alberto Guimarães Andrade, o ISS não pode incidir sobre serviços
de comunicação. Dessa forma, em verdade, impõe-se que as leis complementares de ISS sejam lidas
de forma conjugada com a LC nº 87/1996”. FEITOSA, Maurine Morgan Pimentel. O conflito de
competência entre o ICMS e o ISS: um estudo de casos na Era da Internet. Op. cit., p. 157.

321
Tributação da Economia Digital

cada pela mídia social e impulsionada não por estratégias de marketing tradi-
cionais, como mensagens e imagens publicitárias enaltecedoras, mas por uma
estratégia tecnológica escorada na exploração de um banco de informações488.
Dessa maneira, pensa-se que os serviços prestados pelas mídias sociais às
empresas anunciantes naquelas plataformas são tributáveis no cenário tribu-
tário brasileiro, com a incidência do ISS. Por causa da propulsão proporciona-
da pela utilização do big data no direcionamento de anúncios, a competência
municipal parece já se evidenciar a partir a interpretação extensiva do item
10.08. Nada obstante, desde a inclusão do item 17.25, com a LC nº 157/2016, a
controvérsia foi substancialmente superada, porquanto inclusa na lista do ISS
a “inserção de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e publicida-
de, em qualquer meio [...]”489.

3.3 Tributação sobre o patrimônio


(big data) da mídia social
Como já referenciado, porquanto um insumo da atividade econômica
empreendida pelas mídias sociais, o big data se trata de uma manifestação
de riqueza, de natureza patrimonial. Tendo-se em conta que o patrimônio é
espécie de manifestação de riqueza e, como tanto, fenômeno econômico de-
notador de capacidade contributiva, ele pode fundamentar a hipótese de inci-
dência de uma espécie tributária.
No Direito Comparado é possível encontrar exemplo. Na década de
1980, em razão da crise do petróleo, o Estado do Texas nos Estados Unidos da
América foi o primeiro ente federado a sofrer uma crise fiscal. Nesse contexto,
no ano de 1987 lá foi instituído um imposto incidente sobre o processamento
e armazenamento de dados e informação no âmbito digital490.

488 Tão evidente é que os itens 10.08 e 17.06 da lista anexa à LC nº 116/2003 abarcam o serviço de
propagação prestado pelas mídias sociais, que a maior controvérsia a respeito do referido conflito
de competência data do período anterior à LC nº 157/2016. FEITOSA, Maurine Morgan Pimentel. O
conflito de competência entre o ICMS e o ISS: um estudo de casos na Era da Internet. Op. cit., p. 221.
489 FEITOSA, Maurine Morgan Pimentel. O conflito de competência entre o ICMS e o ISS: um estudo
de casos na Era da Internet. Op. cit., pp. 247/248.
490 Não foi uma política popular. Em outubro de 1998, o Congresso Americano baixou o Ato de Isenção
de Impostos na Internet, buscando caracterizar o mundo digital como zona não tributável. Todavia,

322
Tributação da Economia Digital

Uma dificuldade imediata desta hipótese está na detecção da base de


cálculo do imposto, ante a natureza intangível do bem objeto da imposição
tributária491. Afinal, a unidade fundamental do big data é a informação. Aí que
se coloca a pergunta: qual o valor da informação?
Nessas situações, a base de cálculo deverá ser estabelecida por um cri-
tério presuntivo492. Observe-se que a presunção é um fenômeno jurídico ad-
missível no Direito Tributário, porquanto instrumento de praticabilidade493,
escorando-se na certeza da materialização do fato econômico e na dúvida ex-
clusivamente concernente à sua dimensão econômica494.
Sendo o big data um banco de dados, o critério utilizado para o estabele-
cimento da base de cálculo presumida deve ter relação com a unidade funda-
mental do objeto, isto é, com o dado ou a informação.
Um primeiro critério para tanto poderia ser o número de usuários cadas-
trados na mídia social, uma vez que as informações coletadas foram em medida
substancial prestadas por estes495. Nada obstante, este critério apresenta incom-
patibilidades com a capacidade contributiva real do fenômeno do big data, porque:
i) cada usuário tem um padrão de utilização da mídia social diferente, isto é,
enquanto alguns usuários têm um uso bastante frequente e intenso, colabo-
rando de maneira relevante para a formação do big data, outros usuários são
mais casuais e minimalistas no uso da mídia; e ii) consumidores da internet

de maneira consistente e progressiva, foram sendo expressadas preocupações com respeito aos efeitos
negativos que a isenção geral poderia causar à economia tangível. Assim, formou-se praticamente um
consenso a respeito da necessidade de tributação dos fatos econômicos pertencentes ao mundo digital,
ainda que não na modalidade impositiva sobre o patrimônio, representado pelo processamento e
armazenamento de dados. PEIXOTO, Marco Aurélio Ventura. Aspectos polêmicos da tributação na
internet na era da sociedade digital. Revista da AGU – vol. 05, nº 10, 2006, pp. 3/4.
491 GRECO, Marco Aurélio. Sobre o futuro da tributação: a figura dos intangíveis. Op. cit., p. 176.
492 Neste campo estão as discussões sobre o arbitramento da base de cálculo. GRECO, Marco Aurélio.
Sobre o futuro da tributação: a figura dos intangíveis. Op. cit., p. 176.
493 NEUMARK, Fritz. Grundsätze gerechter und ökonomisch rationaler Steuerpolitik. Tübingen: Mohr
Siebeck, 1970, p. 369.
494 Caso a dúvida se estenda para a materialização do fato econômico, então não se trata de presunção
jurídica, mas de ficção jurídica.
495 O número de usuários foi um dos critérios adotado pela União Europeia para identificar empresas
com “presença digital relevante”, o que demonstra que o usuário é um fator de produção, apto a
agregar valor à atividade econômica realizada pela mídia social. EUROPEAN COMISSION.
Questions and answers on a fair and efficient tax system in the EU for the digital single market. Op. cit.

323
Tributação da Economia Digital

em geral cooperam para a produção do big data, independentemente de pos-


suírem ou não cadastro nas mídias sociais, figurando assim como usuários496.
Um segundo critério possível seria pelo número de anunciantes, já que
teleologicamente o processamento e armazenamento de informações está
vinculado aos contratos celebrados entre a mídia social e a empresa, cuja ati-
vidade se pretende difundir. Nada obstante, sob a perspectiva da unidade fun-
damental do big data, não parece ser um critério adequado, porque se para-
metriza pelo efeito econômico da informação e não pela própria informação.
Por fim, um terceiro possível critério seria pelo número de cliques dados
nas plataformas midiáticas digitais. Posto que hábil à constatação do uso da
mídia social, com a consequente colaboração no fornecimento de dados, inde-
pendentemente da ostentação da qualidade de usuários, este terceiro critério
parece ter a melhor aproximação da real manifestação de riqueza expressada
pelo big data produzido por uma mídia social.
É preciso colocar em perspectiva que, em relação a uma possível imposi-
ção sobre o big data compreendido como patrimônio, o objeto da tributação
seria um banco de informações. Esse banco foi construído pela declaração de
dados pessoais e compartilhamentos de informações de vida privada, os quais
recebem o tratamento constitucional da proteção à privacidade. Nada obs-
tante, é preciso entender que a tutela jurídica da privacidade é realizada – ao
menos em parte – pela anonimização dos dados que acontece na internet497.
O processo produtivo do big data é de tamanha relevância, do ponto de
vista da tutela da privacidade, que em 14 de agosto de 2018 foi promulgada a
Lei nº 13.709, que dispõe sobre a proteção de dados pessoais, estabelecendo
uma série de diretivas para o processo de produção do big data no Brasil498.
Assim, evidencia-se que a tributação do big data enquanto patrimônio da em-
presa se justifica substancialmente por um motivo extrafiscal.

496 Por exemplo, o YouTube processa todas as visualizações dos vídeos postados na sua plataforma,
independentemente do consumidor do vídeo ostentar ou não a qualidade de usuário.
497 MACHADO, Diego Carvalho. Tutela jurídica da privacidade, anonimização de dados e anonimato
na internet. In: POLIDO, Fabrício Betini Pasquot; DOS ANJOS, Lucas Costa; BRANDÃO, Luíza
Couto (orgs.). Tecnologias e conectividade: direito e políticas na governança das redes. Belo
Horizonte: Instituto de Referência em Internet e Sociedade, 2018, p. 279.
498 Vale ressaltar que esta Lei só entrará em vigor em fevereiro de 2020, após decorridos 18 (dezoito)
meses de sua publicação oficial, conforme o seu art. 65.

324
Tributação da Economia Digital

4. Conclusão
No capítulo mais recente da história mercantil, a internet impulsiona
vendas e serviços, pelo marketing digital que proporciona. O mercado con-
sumidor, ao acessar as mídias sociais, se deparam com anúncios dos mais di-
versos produtos, desde mercadorias e serviços tangíveis, aos bens intangíveis
naturais ao meio online.
Marco Aurélio Greco é da opinião de que melhor satisfaria à nova rea-
lidade econômica a criação de novas incidências tributárias499, perfeitamente
desenhadas desde o seu princípio para onerarem os bens intangíveis perten-
centes a este mundo novo, inclusive o big data.
Nada obstante, pelas notas alinhavadas, adere-se ao entendimento de que
a hipótese de incidência do ISS já se encaixa com adequação ao fenômeno eco-
nômico expressado pelo contrato celebrado entre a mídia social e a empresa
anunciante, razão pela qual seria desnecessária a inovação legislativa para fins
exclusivos da tributação desta materialidade econômica em específico, qual
seja, a prestação do serviço de difusão e propagação de material midiático.
Relativamente à imposição tributária sobre o big data como insumo da
atividade econômica das mídias sociais, isto é, sobre o patrimônio, muito em-
bora a ordem tributária brasileira não contenha imposto hábil a esta oneração,
em teoria é uma imposição possível, porque o patrimônio é uma das formas de
manifestação de riqueza e, por isso, denotadora de capacidade contributiva.
Cumpre sopesar, no entanto, a juridicidade de uma imposição tal qual,
ante os princípios da ordem econômica. Uma primeira observação é que não
constitui dupla-tributação alguma a tributação do big data enquanto insu-
mo da atividade (tributação do patrimônio) seguida da tributação do ser-
viço prestado pela mídia social às empresas interessadas em anunciar seus
negócios naquela plataforma. Isso porque não é a mesma riqueza atingida: a
primeira imposição atinge uma riqueza produzida a partir de uma cadeia de
compartilhamentos de informações; a segunda atinge uma riqueza produzida
pela exploração da utilidade do big data. Importa notar que, com a produção
de riqueza na prestação do serviço de publicidade, não há transformação do
insumo – porquanto bem intangível, o seu uso não o leva ao esgotamento.

499 GRECO, Marco Aurélio. Sobre o futuro da tributação: a figura dos intangíveis. Op. cit., p. 178.

325
Tributação da Economia Digital

De toda maneira, a tributação importa um custo. Todo e qualquer custo


é considerado no processo de formação de preços. Dessa forma, a combinação
da tributação do insumo junto à tributação do serviço torna o preço do ser-
viço mais caro, porque uma das matérias-primas da atividade econômica – o
banco de dados – teve uma elevação de preço.
A garantia do desenvolvimento nacional, em atenção ao art. 3º, inc. II da
Constituição Federal de 1988, é um objetivo da República. Nas entrelinhas do
desenvolvimento nacional, por uma correlação intrínseca, está o desenvolvi-
mento econômico. Assim observado, o Estado brasileiro, ao exercer seu papel
interventor, deve o fazê-lo na exata medida em que consiga regular o funcio-
namento do cenário econômico sem frustrar o seu desenvolvimento.
O surgimento na economia digital dos softwares de elevado desempe-
nho que produzem big data foi um marco no processo produtivo econômico.
Sendo a mídia social também a desenvolvedora do software, ela possui um
ativo de longo prazo que gera riqueza medida em informações, a qual, por sua
vez, traz expectativa de lucratividade ante a possibilidade de alienação de tais
informações, bem assim da prestação de serviços catalisados pelas informa-
ções processadas. De outro modo, sendo a mídia social mera cessionária do
software utilizado, a sua produção de riqueza medida em informações tem a
única contraprestação dos royalties pagos ao desenvolvedor.
De uma maneira ou de outra, o fato é que o processamento de informa-
ções possibilitado pela era da internet inaugurou no processo produtivo um
fator de produção de baixos custos de manutenção e elevados resultados500.
Nada obstante, a maior qualidade do big data como valiosíssimo fator de pro-
dução é outra: porquanto banco de dados, ele é um instrumento de identi-
ficação e detalhamento das demandas do mercado, propiciando aos agentes
econômicos, pela conferência de informações, uma produção mais eficiente e,
como consequência, o desenvolvimento mais eficiente.
Considerando que a detecção da base de cálculo adequada à real mani-
festação de riqueza na hipótese da tributação patrimonial do big data é eivada
de altos riscos de violação ao princípio da capacidade contributiva, caso seja

500 Foi uma inovação, na medida em que representou a introdução um novo método de produção.
SCHUMPETER, Joseph Alois. Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre
lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. Tradução de Maria Sílvia Possas. São Paulo: Abril
Cultural, 1982, p. 48.

326
Tributação da Economia Digital

eleito critério impreciso para a presumi-la, parece ser o mais adequado o atin-
gimento tributário da prestação de serviços catalisada pela sua funcionalidade
informacional. Dessa maneira, o referido fator de produção não deixaria de
ser objeto de tributação, recebendo tratamento igualitário frente aos outros
fatores de produção já existentes antes do advento da economia digital, mas
não haveria óbice contundente à sua livre exploração no sentido da consecu-
ção do objetivado desenvolvimento nacional.

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