Você está na página 1de 262

REVISTA

DEFINANÇAS
PÚBLICAS
EDIREITO
FISCAL
Ano 9 · Número 3 · OUTONO

ARTIGOS
COMENTÁRIOS DE JURISPRUDÊNCIA
RECENSÕES
CRÓNICA DE ACTUALIDADE
ÍNDICE

Editorial – Eduardo Paz Ferreira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

ARTIGOS
Joaquim Miranda Sarmento e Inês Duarte – As alterações legislativas
e a instabilidade fiscal em sede de IVA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Márcia Teixeira – Cabo Verde: do imposto de consumo ao imposto sobre
o valor acrescentado – breve reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
Maria Dâmaso e António Martins – A evolução normativa e os
fatores de adesão ao regime simplificado em sede do IRC: (ii) fatores de
adesão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
Paulo Caldeira, Ana Clara Borrego, José de Campos Amorim – Gestão
fiscal nas pequenas empresas e a importância da forma jurídica: a opção
entre ENI e sociedades por quotas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
Francisco Nicolau Domingos – A concordata tributária: um imperativo
no Direito Tributário português . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111

JURISPRUDÊNCIA
Manuel Faustino – IRS, Mais-Valias, Reinvestimento, União de facto.
Comentário ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 29 de
junho de 2016, processo n.º 07877/14 (relatora: Cristina Flora) . . . . . . 133
Nuno de Oliveira Garcia – Ainda a caducidade, agora a propósito de
períodos não coincidentes com o ano civil. Comentário a propósito do
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (Contencioso Tribu-
tário) de 9 de novembro de 2011 (Relator: Pedro Vergueiro) no processo
n.º 03637/09, e do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (2.ª Secção)
de 10 de outubro de 2012 (Relatora: Dulce Neto) no processo n.º 0340/12 155
Clotilde Celorico Palma – Caso Barlis – A Administração Tributária mais
papista que o Papa. Comentário ao Acórdão do TJUE de 15 de Setembro
de 2016, Processo C516/14 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165
Síntese de acórdãos do Tribunal Constitucional, do trimestre . . . . . . . 193
Síntese de acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, secção do
contencioso tributário, do trimestre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197
6
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Síntese de acórdãos do Centro de Arbitragem Administrativa em


matéria fiscal do trimestre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203
Síntese de acórdãos do Tribunal de Contas do trimestre . . . . . . . . . . . 215
Síntese de acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia em
matéria fiscal do trimestre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221

RECENSÕES
Pós capitalismo de Paul Mason por Nazaré da Costa Cabral . . . . . . . . 239
Estudos do IVA III de Clotilde Celorico Palma por António Carlos dos
Santos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243
Publicações Recentes
Por Marta Caldas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 251

CRÓNICA DE ACTUALIDADE
Ponto de situação dos trabalhos na União Europeia e na OCDE –
Principais iniciativas do Trimestre por António Brigas Afonso, Clotilde
Celorico Palma e Paulo Nogueira da Costa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 257
1. Fiscalidade Direta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 257
2.  Imposto sobre o Valor Acrescentado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 259
3. Impostos especiais de consumo harmonizados, imposto sobre veículos
e união aduaneira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 260
EDITORIAL
EDITORIAL
Eduardo Paz Ferreira

No ano de 2016, o Governo logrou fazer aprovar na Assembleia


da República dois orçamentos do Estado, que viriam, apesar de todo
o ruído gerado em seu torno, a merecer a concordância das instâncias
europeias.
O acordo dado pela União aos orçamentos justificou-se pela manu-
tenção de uma política fortemente restritiva e pelo cumprimento ou até
superação das metas impostas a Portugal.
Tal circunstância não deve, naturalmente, levar a pensar que exista
qualquer linha de continuidade com os orçamentos apresentados pelo
governo de Passos Coelho, uma vez que se verificou um sensível alteração
na distribuição dos sacrifícios, a par com a abolição da generalidade das
medidas salariais restritivas.
Para além dos orçamentos e respectivos défices, o comportamento
da economia foi razoável, acima do esperado mas abaixo do desejável.
Sem dúvida, pois, que o crescimento económico tem de ser a meta
em que o país se tem que concentrar e é muito duvidoso que se possam
alcançar resultados palpáveis enquanto se mantiver um quadro restivo no
plano do investimento.
Os resultados em matéria de défice público foram, de facto, conse-
guidos, em larga medida, por uma prática supressão do investimento
público, coadjuvada por uma draconiana política de cativações.
Se essa compressão do investimento público nunca seria desejável
e, para além dos efeitos negativos no nível de emprego, envolve um risco
real de degradação das infra estruturas públicas, as coisas tornam-se ainda
mais graves quanto o investimento privado não dá melhores sinais.
10
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Para que o Estado possa chamar a si o papel central que lhe tem que
caber no combate ao desemprego e no crescimento do PIB impõe-se uma
profunda alteração das regras de funcionamento da zona euro, uma vez
que, de outro modo, será sempre impossível reunir os recursos próprios
necessários.
Esta é uma ideia que crescentemente tem ganho apoio a nível europeu
mas não se vê uma liderança capaz de a impor, nem que se forme uma
aliança apta a defende-la energicamente. E, no entanto, sem essa mudança
– repito – continuará a estagnação secular das economias.
Por outro lado, não pode deixar de se olhar para o orçamento com
alguma preocupação quanto à instabilidade fiscal e à falta de estabilização
de um quadro que forneça garantias aos contribuintes, que são já objecto de
um tratamento pouco cuidadoso, em resultado da informatização tributária.
Mas muito mais grave, em matéria fiscal, é a maneira como se
continua a revelar impossível conter a evasão fiscal das grandes fortunas,
que gera um prejuízo significativo para o Estado e contribui para uma
sensação de injustiça por parte dos contribuintes cumpridores, sujeitos a
uma carga fiscal brutal.
Em 2017, o Governo terá – assim se espera – tempo para preparar
mais cuidadosamente o orçamento para o próximo ano e trabalhar a nível
europeu novas soluções. É isso que ficamos à espera.
ARTIGOS
Joaquim Miranda Sarmento
Inês Duarte

As alterações legislativas e a instabilidade fiscal


em sede de IVA

Joaquim Miranda Sarmento


Professor Auxiliar no ISEG. Ph.D. in Finance (Tilburg University)

Inês Duarte
Mestre em Contabilidade, Fiscalidade e Finanças Empresariais
pelo ISEG/UL. Licenciada em Gestão pelo ISCAL
14
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

RESUMO

Desde a reforma fiscal de 1989, que o sistema fiscal tem estado sujeito a uma forte
instabilidade fiscal, provocada por um permanente estado de alterações e atualizações aos
impostos. Neste artigo, além de elencarmos essa instabilidade para os principais impostos
do sistema fiscal Português: IRS; IRC; IVA e RITI; IMI e IMT e EBF, procurámos analisar
as alterações legislativas e a instabilidade fiscal em sede de IVA e RITI, detalhando o
estudo no que concerne a estes dois códigos fiscais. No que diz respeito ao IVA, verifica-se,
contrariamente ao que seria esperado, que este imposto tem um nível e um volume de
alterações em linha com o IRS e o IRC. Os resultados obtidos mostram que também para
o IVA anos de eleições produzem menos alterações fiscais. Também nesta subamostra
governos de maioria tendem a alterar mais este imposto.

Palavras chave:
IVA
Alterações legislativas
Instabilidade fiscal

ABSTRACT

Since the tax reform of 1989 that the tax system has been subject to a strong fiscal
instability caused by a permanent state of changes and updates to taxes. In this article,
besides the description of this instability to the main taxes of the tax system Portuguese:
IRS; IRC; VAT and RITI; IMI and IMT and EBF, tried to analyse the legislative changes
and the fiscal instability of VAT and RITI detailing the study about these two tax codes.
Concerning the VAT, it appears, contrary to what would be expected that this has imposed
a level and volume changes in line with the IRS and IRC. The results show that also for the
election years VAT tax produce fewer changes. Also in this subsample, most governments
tend to change over this tax.

Key words:
VAT
Legal changes
Tax instability
15
Artigos

1. INTRODUÇÃO

É frequente comentado e referido, quer pelos decisores económicos,


quer pelos políticos, bem como na comunicação social e na sociedade
em geral, como, em Portugal, os impostos e o sistema fiscal em geral
estão permanentemente a ser alterados. A isto têm-se designado como
“instabilidade fiscal”, geradora de ineficiências e redutora de incentivos
à economia. Em Sarmento & Duarte (2015), procurámos analisar este
nível de instabilidade. Não existe (tanto quanto é do nosso conhecimento),
nenhum estudo que tenha analisado e avaliado essa instabilidade. Nesse
artigo procedemos a um levantamento do número de diplomas que alte-
raram cada um dos códigos fiscais vigentes entre 1989 e 20141: IRS,
IRC, IVA, RITI, Contribuição Autárquica (mais tarde substituída pelo
IMI), IMT, Imposto de Selo e Estatuto dos Benefícios Fiscais (exclu-
ímos aqui os códigos fiscais de justiça tributária: LGT, CPT, CPPT;
RJIFNA e RGIT). Após a identificação dos diplomas que alteraram cada
um destes Códigos fiscais, procedemos ao levantamento do número de
artigos que cada diploma alterou. Desta forma, procurámos analisar o
volume e a extensão das alterações fiscais em Portugal durante os últimos
26 anos.
Este artigo procura replicar parte dessa análise, focando o seu âmbito
no Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), juntamente com o RITI
(Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias). Procuramos assim,
em primeiro lugar analisar o número e o volume de alterações legislativas
em sede de IVA, quando comparado com os outros impostos2. Adicional-
mente, e na esteira do trabalho atrás citado, procuramos também analisar
as alterações fiscais na perspetiva do ciclo político, ou seja, quantas alte-
rações ao IVA e aos artigos do imposto houve em anos de eleições, em
anos de governo PSD (sendo que a diferença para o total de alterações,

1  A escolha de 1989 dá-se pelo facto de ser o ano de reforma fiscal com a introdu-

ção do IRS, IRC e CA. O IVA tinha sido introduzido em 1986, mas por uma questão de
comparação (e também por motivos de modelos econométricos), optou-se por considerar
como ano de início da análise 1989.
2  In casu, os impostos em análise neste artigo foram aprovados por decreto-lei, por

via da autorização legislativa conferida pelo parlamento ao governo. Contudo, as matérias


fiscais são passíveis de alteração por via de lei ou de decreto-lei, sendo que as alterações
registadas neste estudo cingem-se, desta forma, a este dois tipos de diplomas.
16
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

dá o número de alterações aos diplomas e de alterações aos artigos para


governos PS), em anos de governo de coligação e em anos de governo
de maioria.

2. AS ALTERAÇÕES FISCAIS E O CASO DO IVA

De uma forma geral podemos afirmar, tal como Anderson & Minarik
(2006)3 que “a principal motivação de todas as regras de política fiscal
é promover o crescimento económico estável por meio do controle da
acumulação da dívida” (pág. 6). Golinelli & Momigliano (2006)4 defendem
que as eleições têm um impacto significativo nas políticas orçamentais.
Como referido por Arvate et al. (2009) 5 em estudos realizados sobre o
governo brasileiro o défice em anos não eleitorais é bastante inferior ao
défice em anos de eleições. A diferença do défice entre anos eleitorais e não
eleitorais situa-se entre 1,3 e 1,5 p.p. do PIB. Já Peltzman (1992) 6 realizou
um estudo para os Estados Unidos entre 1950 e 1988, onde concluiu que
os eleitores beneficiam os partidos que apresentam défices mais baixos.
Perotti & Alesina (1995)7 chamam a atenção para o facto de existir uma
relação entre os governos de coligação e as fracas taxas de sucesso na
implementação de programas de austeridade. Afirmam também que os
governos mais responsáveis fiscalmente são os minoritários. Um governo
sem maioria absoluta necessita do apoio de partidos da oposição, de modo
a poder chegar a um acordo quanto às medidas a tomar. De acordo com o
estudo realizado por Arvate et al. (2004), os governos de coligação e os
governos de maioria absoluta têm menos probabilidades de sucesso caso

3  Anderson, B. & Minarik, J.J., 2006. Design Choices for Fiscal Policy Rules.

OECD Journal on Budgeting, 5 (4), pp.159-208.


4  Golinelli, R. & Momigliano, S., 2006. Real-time determinants of fiscal policies

in the euro area. Journal of Policy Modeling, 28(9), pp.943-964.


5  Arvate, P., Avelino, G. & Tavares, J., 2009. Budget deficits and reelection pros-

pects: voters as fiscal conservatives in a new democracy. Economic Letters, (August


2015), pp.1-20.
6  Peltzman, S., 1992. Voters as fiscal conservatives. The Quarterly Journal of Eco-

nomics, pp.327-361.
7  Perotti, R. & Alesina, A., 1995. Fiscal Expansion and Adjustments in OECD

Countries.
17
Artigos

ocorram ajustes fiscais. Conforme refere Santos (2003)8, a coerência de


um sistema fiscal é moldada por uma multiplicidade de decisões isoladas,
embora em muitos casos, de compromissos sociopolíticos. As diferentes
opções políticas moldam ao longo do tempo o sistema fiscal.
Mas como se processam as alterações legislativas em sede fiscal?
O princípio da legalidade tributária compreende a reserva da lei formal
(definição da competência legislativa) e a reserva da lei material (obri-
gação do legislador determinar os elementos essenciais da relação jurídica
tributária). Nesse sentido, os artigos 103, n.º 2,9 e 165.º, n.º 1, alínea i), da
Constituição da República Portuguesa10, tutelando a liberdade económica
dos cidadãos e das empresas em face de eventual ablação patrimonial
(imposto), preceitua que a incidência11, a taxa, os benefícios fiscais e as
garantias dos contribuintes constituem matérias da exclusiva competência
do parlamento, órgão democrático representativo de todos os cidadãos
portugueses12 (”No taxation without representation”13), salvo autorização

8
  Albano Santos, Teoria Fiscal, ISCSP, 2003.
9
  Artigo 103.º
Sistema fiscal
1. O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras
entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.
2. Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios
fiscais e as garantias dos contribuintes.
3. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos
termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança
se não façam nos termos da lei.
10  Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios

fiscais e as garantias dos contribuintes (artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República


Portuguesa). É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as
seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: Criação de impostos e sistema fiscal e
regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas
(artigo 165.º, n.º 1, h), da Constituição da República Portuguesa)
11  As normas de incidência tributária definem o nascimento da obrigação de imposto,

assim como os elementos da sua obrigação. Assim, temos a incidência real (o que está
sujeito), a incidência pessoal (quem está sujeito), a incidência territorial (onde está sujeito)
e a incidência temporal (quando está sujeito).
12  Cfr. Artigo 147.º, da Constituição da República Portuguesa

13  Princípio do autoconsentimento (“Sem representação, não há tributação”).


18
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

ao governo. Como refere Marques (2011)14, já no século XIII o rei João


Sem Terra foi obrigado a jurar obediência a um documento escrito – a
Magna Carta –, que antecede as modernas Constituições, e que consa-
grou o célebre princípio: “não há tributação sem representação”, isto é, o
monarca, para exigir tributo, necessitaria da concordância dos represen-
tantes daqueles que o vão pagar. No nosso tempo, a exigência da auto-
rização dos representantes daqueles que vão pagar é satisfeita mediante
o princípio da estrita legalidade da tributação, pedra angular do Direito
Tributário, daí decorrendo a legitimidade democrática do próprio imposto.
No âmbito da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia
da República, esta pode delegar no governo competências legislativas,
estando o seu exercício pelo governo dependente de lei de autorização
legislativa parlamentar 15, a qual deve definir o objeto (matéria a definir), o
sentido (fim), a extensão (delimitação da área de intervenção do governo)
e a duração da autorização (prazo). Este aspeto é relevante, na medida
em que caso o governo pretenda a criação de imposto ou mesmo a sua
alteração em aspetos essenciais da relação jurídica tributária, terá que
obter a respetiva autorização legislativa do parlamento. No entanto, não
o necessitará para legislar sobre a cobrança e a liquidação de impostos16,
exceto se estiverem em questão aspetos relacionados com as garantias
dos contribuintes (ex.: prescrição ou caducidade) ou mesmo a incidência
tributária (ex: determinação da matéria tributável). O recurso em termos
práticos à autorização legislativa parlamentar justifica-se frequentemente
em face do carácter bastante tecnicista e especializado das matérias fiscais,
exigindo a realização de estudos que são realizados pelo governo e que
pressupõem o conhecimento prático e concreto da aplicação efetiva e das
eventuais imperfeições da lei fiscal, bem como da relação quotidiana entre
a administração tributária e os contribuintes.
Não obstante a relevância fundamental da “Constituição Fiscal”
(artigos 103.º e 104.º), é importante referir, como faz Vasques (2014)17,

14  Paulo Marques, Crime de Abuso de Confiança Fiscal, Coimbra Editora, 2011,

pág. 17.
15  Ana Paula Dourado, Direito fiscal, Almedina, 2015, pág. 128

16  Nestas situações, a referência a lei (ex: artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da

República Portuguesa) deve ser entendida como sinónimo de acto legislativo (lei parla-
mentar ou decreto-lei do governo).
17  Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2014.
19
Artigos

sobretudo em sede de IVA ou dos impostos especiais sobre o consumo, a


importância igualmente do direito europeu, dado o processo de harmoni-
zação destes impostos (indiretos), enquanto consequência necessária da
existência de um mercado único e da inerente liberdade de circulação de
bens e serviços no espaço europeu.

3. RESULTADOS GERAIS: O IVA NO CONTEXTO DA INSTABI-


LIDADE FISCAL EM PORTUGAL

Por forma a avaliar o nível de instabilidade do sistema fiscal Portu-


guês, este trabalho identificou todas as alterações produzidas (através
de Lei ou Decreto-Lei), entre 1989 e 2014, aos seguintes códigos
fiscais: IRS, IRC, IVA, RITI, Contribuição Autárquica (mais tarde
substituída pelo IMI), IMT, Imposto de Selo e Estatuto dos Benefícios
Fiscais. Após a identificação de todas as alterações para cada Código
Fiscal, foi identificado o número de artigos que cada diploma alterou.
Desta forma, procurámos analisar o volume e a extensão das alterações
fiscais em Portugal durante os últimos 26 anos, focando a nossa análise
no IVA.
Entre 1989 e 2014 foram identificadas um total de 492 alterações
fiscais. Isto implica uma média de 19 alterações fiscais por ano (ou seja,
em média, quase 2 alterações por mês). O Gráfico 1 apresenta a distri-
buição das alterações fiscais por ano. Verifica-se um mínimo de 8 alte-
rações em 1989 (o que se explica por ser o ano de entrada em vigor do
IRS, IRC e CA) e de 10 alterações em 2014, o que pode ser explicado
pela instabilidade governativa desse ano, com alteração de governo em
julho (sem ocorrência de eleições) e de dissolução do Parlamento em
novembro. Por outro lado, temos um máximo de 30 alterações em 1996
(governo de minoria, que tomou posse no final de 1995), bem como
28 em 2005 (ano de alteração do governo, mas ocorrida logo no início
do ano).
20
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

GRÁFICO 1 – NÚMERO DE ALTERAÇÕES AOS CÓDIGOS FISCAIS POR ANO

Este gráfico apresenta o número de vezes, que através de diplomas, os Códigos fiscais
analisados neste estudo foram alterados, em cada ano, entre 1989 e 2014. Fonte: autores.

O Gráfico 2 apresenta o número de alterações fiscais por Código fiscal


(bem como a percentagem de cada Código face ao total de alterações).
O IRS, fruto sobretudo dos últimos anos, apresenta a maior percentagem
de alterações (23% do total). Surpreendentemente, por ser um imposto de
cariz comunitário (baseado em grande parte em Diretivas Comunitárias,
que tornam parte do Código não passível de alteração por parte do governo
Português, embora as alterações Europeias tenham de ser transpostas
para a ordem jurídica nacional através de Leis ou Decretos-Lei), o IVA é
juntamente com o IRC, o segundo imposto mais alterado (cada um com
20% do total de alterações). E é o imposto mais alterado em Portugal se
considerarmos não apenas o Código do IVA, mas também o do RITI (que
é um código que decorre de um regime de IVA especifico para as opera-
ções intracomunitárias). O Estatuto dos Benefícios Fiscais tem também
sido objeto de bastantes alterações, com um total de 17%. Mais estáveis
aparentam ser os impostos sobre o património.
21
Artigos

GRÁFICO 2 – NUMERO DE ALTERAÇÕES POR CÓDIGO FISCAL

Este gráfico apresenta o número de vezes, que através de diplomas, cada Código fiscal foi
alterado entre 1989 e 2014. Fonte: autores.

No que diz respeito ao IVA e ao RITI verificamos no Gráfico 3 que


o número de alterações varia entre um mínimo de uma alteração (ano de
1993) e um máximo de 12 alterações (1996). A média de alterações ao
Código do IVA é de 5 alterações por ano.

GRÁFICO 3 – NUMERO DE ALTERAÇÕES AO IVA E RITI POR ANO

Este gráfico apresenta o número de vezes, que através de diplomas, o Código do IVA foi
alterado entre 1989 e 2014. Fonte: autores.

14

12
12

10

8
8
7 7 7 7 7 7
6 6 6
6
5
Média: 5
4 4 4 4 4
4
3 3
2 2 2 2 2 2
2
1

0
1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014
22
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Após a análise das alterações aos Códigos fiscais, o passo seguinte


deste estudo passou pela contabilização do número de artigos alterados
em cada diploma identificado na secção anterior. No total do período de
análise, foram alterados 3.178 artigos dos Códigos fiscais. O Gráfico 4
apresenta o número de artigos fiscais alterados em cada ano. Em média,
houve 122 artigos alterados por ano (em média 10 artigos por mês), mas
nem sempre anos com mais diplomas de alteração dos códigos apresentam
mais artigos alterados. Os anos de eleições, tal como esperado dados os
resultados da seção anterior, apresentam menos artigos alterados.

GRÁFICO 4 – NÚMERO DE ARTIGOS ALTERADOS POR ANO

Este gráfico apresenta o número de artigos alterados aos Códigos fiscais analisados, em
cada ano, entre 1989 e 2014. Fonte: autores.

O Gráfico 5 apresenta o número de artigos alterados por cada Código


fiscal. Em linha com o observado anteriormente, o IRS é o imposto que
mais artigos viu alterados (30% do total), seguido do IRC (23%) e do IVA
(20%). No entanto, o IVA conjugado com o RITI apresentam 23% das
alterações aos artigos fiscais. Relativamente ao IVA e ao RITI, o Gráfico
6 apresenta o número de artigos alterados em cada ano, entre um mínimo
de 2 artigos em 1993 e um máximo de 117 artigos em 2008.
23
Artigos

GRÁFICO 5 – NÚMERO DE ARTIGOS ALTERADOS POR CÓDIGO FISCAL

Este gráfico apresenta o total de artigos alterados por cada Código Fiscal. Fonte: autores

GRÁFICO 6 – NÚMERO DE ARTIGOS ALTERADOS POR ANO NO IVA E RITI

Este gráfico apresenta o número de artigos alterados ao Código do IVA, em cada ano,
entre 1989 e 2014. Fonte: autores.

120 117

100

80

65
60
48 50 48

40
38
32 34
31
Média: 28 26
23 23
16 17 17 17 17 17 18
20 14 13 15
10 12
5
2
0
1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014
24
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

As alterações ocorridas no IVA e no RITI tem diversas origens. Por


um lado, existem alterações que decorrem de diretivas comunitárias, que
têm de ser transpostas para o ordenamento jurídico nacional, através da
alteração dos respetivos Códigos. Por outro lado, existem alterações que
decorrem da decisão dos agentes políticos nacionais. Essas decisões podem
consistir em simples alterações ao imposto, decorrentes de medidas que
se consideram que potenciam a eficiência ou a cobrança do IVA, mas
também podemos estar perante alterações significativas, que decorrem
da mudança de política relativamente a este imposto.
A Tabela 1 apresenta o número de alterações por imposto em função
do ciclo político, ou seja, se a alteração ocorreu em ano de eleições legis-
lativas e se ocorreu com governos de maioria e/ou de coligação.

TABELA 1 – NUMERO DE ALTERAÇÕES POR CÓDIGO FISCAL


EM FUNÇÃO DO CICLO POLÍTICO

Esta tabela apresenta o número de alterações por Código fiscal que ocorreram em anos
de eleições, em anos de governos PSD (a diferença para o total dá o número de alterações
ocorridas em anos de governos PS), em anos de coligações e em anos de governos de
maioria. Naturalmente, o valor das várias colunas é diferente do total de alterações, dado
que anos de eleições, ou anos governo PSD ou anos de coligação ou anos de maioria são
em vários casos coincidentes. Fonte: autores.

IVA
IVA RITI + IRS IRC Património EBF Total
RITI
Ano de eleições 24 5 29 33 25 15 20 122
Governos maioria 65 16 81 73 66 52 59 331
Governos coligação 23 6 29 28 23 22 25 127
Total 102 22 124 114 102 66 86 492
25
Artigos

4. OS DETERMINANTES DAS ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS


NO IVA

Neste capítulo procuramos analisar o impacto de um conjunto de


variáveis independentes no número de alterações por ano dos impostos
atrás referidos, quer para o total da amostra, quer para uma subamostra
do IVA e RITI.
Os dados para este estudo foram recolhidos da base de dados da
DIGESTO – DRE, tendo sido retirada uma listagem dos diplomas corres-
pondentes aos impostos acima referidos. Todos os diplomas foram anali-
sados e retirado o número de artigos alterados em cada lei/decreto-lei18.
A esta base de dados, que elenca todas as alterações aos Códigos fiscais,
foi adicionado, para cada alteração, as variáveis do estudo: ano de elei-
ções, governo, governo de coligação, governo de maioria absoluta., défice
orçamental e crescimento do PIB.
As variáveis presentes no estudo são:

• Eleições, representa o ano de eleições legais, sendo 1 se o ano da


alteração ao imposto é um ano de eleições legal. É avaliado se as
respetivas alterações fiscais ocorreram ou não em ano de eleições.
É importante referir que é considerado ano de eleições todos os
anos onde houve eleições legislativas. Os anos de eleições legis-
lativas foram: 1991, 1995, 1999, 2002, 2005, 2009, 2011. O sinal
esperado para esta variável é negativo uma vez que é espectável
que em ano de eleições o número de diplomas e, consequente-
mente, de artigos alterados seja menor que nos restantes anos. O
governo que se encontra de saída, à partida, não irá querer mexer
no sistema fiscal por motivo de eleições. Outro motivo está rela-
cionado com o facto de no período eleitoral haver menos produção
de legislação e também com o tempo que o novo governo precisa
para tomar novas decisões.
• Governo, nesta variável 1 representa o governo em que PSD
participa e zero 0 que representa o governo em que o PS parti-

18  No caso do IVA e para a coluna do número de artigos alterados, sempre que havia

uma alteração numa lista utilizava-se o número 1, caso houvesse alteração nas duas listas
utilizava-se o número 2.
26
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

cipa. Esta análise é independente das possíveis coligações que


esses governos possam ter no momento. O sinal esperado para
esta variável é negativo. Segundo Tavares (2004) os governos
de esquerda como o PS, preferem optar por aumentar os
impostos de modo a reduzir o défice enquanto os governos de
direita, como o PSD preferem optar pelos cortes da despesa.
Por este motivo é espectável que os governos de PSD façam
menos alterações e alterem menos artigos que os governos
de PS.
• Coligação, representada por 1 se o governo for de coligação. É
de salientar que nos anos alvo de estudo apenas o PSD recorreu
a coligações com o CDS-PP. Como governos de coligação temos
o recente governo PSD/CDS-PP desde 2011, o governo de PSD/
CDS-PP de 2004-2005 e o governo de 2002-2004 também de
PSD/CDS-PP. Para esta variável o sinal esperado é positivo uma
vez que para existir coligação tem de haver um acordo entre
dois partidos do governo. As decisões são tomadas por ambos os
partidos o que poderá levar a um aumento do número de diplomas
e de artigos alterados.
• Maioria, que será representado à semelhança dos anteriores
com 0 – não; 1 – Sim. Como governos de maioria foram consi-
derados não só os governos em que se obteve maioria abso-
luta mas também os governos que recorreram à coligação
com o fim de obter maioria. É de realçar que nos 26 anos em
análise houve 5 governos de maioria: 1987-1991, governo
de PSD com maioria absoluta; 1991-1995, governo de PSD
com maioria absoluta; 2002-2005, governo de coligação PSD/
CDS-PP; 2005-2009, governo de PS com maioria absoluta e
2011-2014, governo de coligação PSD/CDS-PP. Um governo
com maioria absoluta tem mais liberdade no que toca a deci-
sões orçamentais pelo que será expectável que o sinal espe-
rado seja positivo, visto que existe uma tendência para estes
governos aumentarem o número de diplomas alterados e, conse-
quentemente, o número de artigos. Segundo Perotti & Alesina
(1995) um governo sem maioria absoluta necessita do apoio de
partidos da oposição de modo a que seja possível chegar a um
acordo.
27
Artigos

• Défice Orçamental, variável contínua que representa o défice


apurado no ano para as AP, medido em percentagem do PIB.
(Fonte: INE)

Esta análise permite-nos saber quantas vezes os impostos foram alte-


rados ao longo dos 26 anos. Com este estudo pretende-se analisar o volume
e a extensão das alterações fiscais em Portugal. Por volume entenda-se o
número de vezes que cada imposto foi alterado (medido pelo número de
diplomas que o alteraram em cada ano). Por extensão entenda-se o número
de artigos de cada imposto que foram alterados em cada diploma).
Esta análise contém dois modelos econométricos, quer para o total
da amostra, quer para a subamostra IVA e RITI:
O primeiro, um OLS19, apresenta como variável dependente o número
de alterações legislativas por ano, e é apresentado pela seguinte regressão:

y = β 0 + β 1 elei + β 2 gov + β 3 colg + β 4 maior + β 5 défice + u1

onde: elei representa a variável ano de eleições; gov representa a variável


governo, ou seja, se o governo é de PSD ou PS; colig representa a variável
governo de coligação; maior representa a variável governo de maioria;
défice representa a variável défice.20
O segundo modelo, uma Poisson21, usa como variável dependente
o número de alterações fiscais por mês. Nesta última parte considerou-

19  Ordinary Least Squares, ou seja, uma regressão linear múltipla pelo método dos

mínimos quadrados.
20  O teste de Breusch-Pagan informa-nos da não existência de heterocedastici-

dade dos erros visto que o p-value é superior a 0.1, o que significa que não rejeitamos
a hipótese de homocedasticidade dos erros. Com análise do teste VIF concluímos que
não existe multicolinariedade (Ou seja, não existe uma relação muito próxima entre as
variáveis independentes deste estudo, no sentido em que o aumento de uma variável não
determina, de forma correlacionada, o aumento de outra variável. Tal a ocorrer geraria um
problema de aumento da variância dos estimadores. Desta forma podemos garantir que
os nossos estimadores são “Best Linear Unbiased Estimators”, ou seja, os mais eficientes
(e dai melhores) estimadores lineares não enviesados), uma vez que o VIF de todas as
variáveis é inferior a 2. O Wald teste apresenta um p-value inferior a 0.1, ou seja, é rejei-
tada a hipótese nula da existência de heterocedasticidade.
21  A Poisson é uma distribuição de probabilidades de variável aleatória discreta que

expressa a probabilidade de uma serie de eventos ocorrer num determinado período de


28
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

-se a variável dependente: número de artigos alterados por mês e não


o número de diplomas uma vez que a Poisson funciona com um limite
máximo de acontecimentos. O número de artigos alterados é finito uma
vez que não se podem alterar mais artigos que aqueles que o código
contém enquanto o número de diplomas, que se pode publicar é, em teoria,
infinito.
A Tabela 2 apresenta os resultados do modelo OLS usando como
variável dependente o número de alterações legislativa por ano para o
total da amostra (teste 1). Verifica-se que anos de eleições apresentam
menos alterações legislativas, corroborando a nossa hipótese que esses
anos seriam menos suscetíveis a instabilidade fiscal. Isto porque a quebra
governativa leva a que o governo em fim de mandato não apresente tantas
alterações, e o novo governo demore algum tempo até tomar decisões. Tal
como esperado, governos de maioria e governos de coligação aumentam
o número de alterações legislativas. No primeiro caso, isso pode ser
explicado pelo maior poder que governos de maioria têm, dado que não
necessitam de negociar. Por outro lado, governos que sejam de coligação
são os que mais necessitam de negociar, pelo que o efeito é semelhante.
Por ultimo, maiores défices orçamentais têm imposto maiores altera-
ções fiscais, por forma a aumentar a base tributável e sobretudo as taxas,
procurando assim responder pelo lado da receita às maiores pressões
orçamentais.
Contudo, para a subamostra de IVA e RITI, os resultados são menos
robustos, tendo apenas uma variável independente em cada teste, com
exceção do teste 5 e 6. Verifica-se contudo uma tendência para o aumento
do número de alterações fiscais em anos após a introdução de uma Dire-
tiva Comunitária (Lead Diretiva Comunitária): Contudo, apenas uma
análise mais detalhada permitira averiguar com maior robustez o impacto
das Diretivas.

tempo, em que os eventos ocorrem independentemente (ou seja, a probabilidade de um


evento ocorrer em qualquer intervalo de tempo não depende, no sentido estatístico, da
probabilidade de acontecer em qualquer outro intervalo) de quando ocorreu o ultimo
evento.
29
Artigos

TABELA 2 – OLS NÚMERO DE ALTERAÇÕES FISCAIS

Esta tabela apresenta os resultados do OLS usando como variável dependente o número de
alterações fiscais por ano, quer para o total da amostra (todos os impostos – teste 1), quer
para a subamostra do IVA (teste 2 a 6). Os anos com Diretivas Comunitárias consideradas
neste estudo são: 1993 (sistema transitório), 2000 (nova estratégia IVA), 2006 (Diretiva
IVA) e 2008 (Pacote IVA), conforme Vasques (pg.51)
Robust standard errors in parentheses. *** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1. Fonte: autores.

(1) (2) (3) (4) (5) (6)


Variáveis N de IVA IVA IVA IVA IVA
alterações

Eleições -2.86*** -0.59


(0.04) (1.18)
Gov maioria 0.67*** -1.49
(0.05) (1.41)
Gov coligação 3.28***
(0.05)
PSD -7.53*** -2.90***
(0.05) (0.87)
Défice 0.73***
(0.01)
Diretiva Comunitária -0.61
(1.26)
Lead Diretiva 1.45* 1.27 1.05
Comunitária (t+1)
(0.87) (1.00) (1.16)
Constant 19.02*** 4.87*** 4.55*** 6.33*** 4.73*** 5.70***
(0.05) (0.57) (0.59) (0.72) (0.77) (1.39)

R-squared 0.43 0.01 0.04 0.33 0.05 0.11

A Tabela 3 apresenta os resultados do modelo Poisson, usando como


variável dependente o número de artigos fiscais alterados em cada mês,
entre 1989 e 2014. O teste 1 apresenta as variáveis em estudo, sendo que
o teste 2 é um modelo de robustez (“robustness check”), adicionando
como variável o número de diplomas, para o total da amostra. Dessa forma
controlamos a alteração dos artigos fiscais com a variável de alterações
30
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

legislativas. O teste 3 a 5 dizem respeito à subamostra IVA e RITI. O teste


3 replica o teste 1 e o teste 4 replica o teste 2. Dado que na maioria dos
meses não há alterações ao IVA e ao RITI (embora haja alterações fiscais),
o teste 5 usa uma “zero inflated poisson”.
Verifica-se que os resultados para a amostra de IVA e RITI são coin-
cidentes com os resultados obtidos para o total da amostra. Anos eleições
reduzem a probabilidade de ocorrência de alterações fiscais, quer para a
generalidade dos impostos, quer para o IVA e RITI. Governos de maioria,
pelo contrário, estão associados a mais alterações fiscais, para ambos os
casos. Por ultimo, um maior número de diplomas está correlacionado com
um maior número de artigos alterados.

TABELA 3 – MODELO POISSON

Esta tabela apresenta os resultados do modelo Poisson usando como variável dependente
o número de alterações fiscais por mês entre 1989 e 2014. O teste 5 usa uma “zero inflated
poisson” (dado o elevado número de zeros na amostra, ou seja, por causa de a maioria dos
meses não ter alterações ao Código do IVA).
Nota: as 312 observações dizem respeito aos 312 períodos (meses da amostra) da Poisson.
Robust standard errors in parentheses. *** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1. Fonte: autores

(1) (2) (3) (4) (5)


Variáveis Nº artigos Nº artigos IVA IVA IVA
alterados alterados

Ano eleições -0.39*** -0.35*** -0.96*** -0.42*** -1.04***


(0.04) (0.05) (0.12) (0.12) (0.12)
Governo PSD -0.50*** -0.77*** -0.52*** -1.04***
(0.06) (0.06) (0.11) (0.15)
Governo coligação 0.39*** 0.86*** -0.07 -0.18 0.51***
(0.05) (0.06) (0.12) (0.12) (0.10)
Governo maioria 0.10** 0.29*** 0.49*** 0.38*** 0.55***
(0.05) (0.05) (0.11) (0.12) (0.09)
Número de Diplomas 0.69*** 0.89***
(0.01) (0.02)
Constant 2.48*** 1.51*** 0.83*** 0.20** 2.06***
(0.03) (0.04) (0.07) (0.09) (0.07)

Observations 312 312 312 312 312


31
Artigos

5. CONCLUSÕES

Este artigo procurou identificar o nível e volume de alterações fiscais


nos últimos 26 anos (de 1989 a 2014), quer ao nível dos impostos IRS,
IRC, IVA, RITI, Contribuição Autárquica (mais tarde substituída pelo
IMI), IMT, Imposto de Selo e Estatuto dos Benefícios Fiscais, quer em
especifico relativamente ao IVA e RIT. Desta forma, foi possível analisar
aquilo que entre nós tem sido descrito como “instabilidade fiscal”.
Relativamente aos impostos referidos, verifica-se que houve um
total de 492 alterações aos Códigos fiscais e de 3.178 alterações a artigos
fiscais. A instabilidade fiscal tem sido sobretudo sentida no IRS, IRC, mas
também no IVA e RITI, apesar de este imposto ter uma base comunitária
que o deveria tornar menos propenso a alterações nacionais (embora as
alterações Europeias tenham de ser transpostas para a ordem jurídica
nacional através de Leis ou Decretos-Lei). Existe alguma evidência de
que anos de eleições produzem menos alterações fiscais, o que pode ser
explicado pela mudança de governo, o que implica que o novo governo
necessite de algum tempo para análise e tomada de decisões. Governos
de maioria apresentam mais alterações, o que se explica pelo poder que
detém no Parlamento. Governos de coligação também têm mais tendência
para alterar o sistema fiscal, dada a necessidade de negociação entre
parceiros políticos.
No que diz respeito ao IVA, verifica-se, contrariamente ao que seria
esperado, que este imposto tem um nível e um volume de alterações em
linha com o IRS e o IRC. Os resultados obtidos mostram que também
para o IVA anos de eleições produzem menos alterações fiscais. Também
nesta subamostra governos de maioria tendem a alterar mais este imposto.
Contudo, são necessários estudos adicionais relativamente à instabili-
dade fiscal em sede de IVA. A natureza Comunitária do imposto obriga a
que em trabalhos futuros se analise se este nível e volume de alterações
decorre sobretudo de alterações em sede de Diretivas Comunitárias, ou se
decorre sobretudo do poder discricionário que os governos ainda dispõem
em matérias não harmonizadas neste imposto.
32
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Referências

Anderson, B. & Minarik, J.J., 2006. Design Choices for Fiscal Policy Rules. OECD
Journal on Budgeting, 5(4), pp. 159-208..
Arvate, P., Avelino, G. & Tavares, J., 2009. Budget deficits and reelection prospects:
voters as fiscal conservatives in a new democracy. Economic Letters, (August
2015), pp. 1-20.
Dourado, Ana Paula, 2015, Direito fiscal, Almedina, 2015.
Golinelli, R. & Momigliano, S., 2006. Real-time determinants of fiscal policies in the
euro area. Journal of Policy Modeling, 28(9), pp. 943-964.
Marques, Paulo, 2011, Crime de Abuso de Confiança Fiscal, Coimbra Editora.
Peltzman, S., 1992. Voters as fiscal conservatives. The Quarterly Journal of Econo-
mics, pp. 327-361.
Perotti, R. & Alesina, A., 1995. Fiscal Expansion and Adjustments in OECD Countries
Santos, Albano, 2003, Teoria Fiscal, ISCSP.
Sarmento, Joaquim & Duarte, Ines, “A Instabilidade do sistema fiscal Português: uma
retrospetiva entre 1989 e 2014”, Revista Julgar, dezembro.
Vasques, Sérgio, 2014, Manual de Direito Fiscal, Almedina.
Vasques, Sérgio, 2015, Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina
Márcia Teixeira

Cabo Verde: do imposto de consumo ao imposto


sobre o valor acrescentado – breve reflexão

Márcia Teixeira  
Advogada
34
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

RESUMO:

Neste artigo aborda-se criticamente a importância e pertinência da adopção do


Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) para Cabo Verde: um território que durante
quase quarenta anos aplicou o imposto de consumo cabo-verdiano. O IVA é imposto
relativamente novo no ordenamento jurídico cabo-verdiano que veio revogar e suceder
um imposto cuja vigência remonta à era colonial – o imposto de consumo. Procede-se,
assim, à análise do regime e execução do IVA ao longo de uma década da sua vigência e,
através de uma comparação de regimes com o anterior imposto sobre o consumo cabo-
verdiano, questiona-se a necessidade de revogação daquele imposto para, finalmente,
tecerem-se considerações sobre o imposto de consumo que melhor se adequa à realidade
cabo-verdiana.

Palavras chave:
Reforma fiscal
IVA
Imposto de consumo

ABSTRACT

This article critically discusses the importance and relevance of the adoption of
the Value Added Tax (VAT) for Cape Verde: a territory that for nearly forty years applied
the Cape Verdean Consumption Tax. VAT is a relatively new tax in Cape Verde which
repealed and succeeded a tax whose term goes back to the colonial era – the Consumption
Tax. Accordingly, we analyzed the VAT system and its implementation in Cape Verde in
order to, after a comparison with the Cape Verdean Consumption Tax, question the need
to repeal the Cape Verdean Consumption Tax to finally comment about the Consumption
Tax that best suits Cape Verde’s reality.

Key words:
Tax Reform
VAT
Consumption Tax
35
Artigos

1. Qualquer grupo social, por mais elementar que seja, enfrenta um


conjunto de necessidades com carácter de generalidade que ultrapassa a
capacidade de resolução de cada indivíduo. Os indivíduos, isoladamente,
são incapazes de assegurar, eficaz e razoavelmente, a satisfação de neces-
sidades colectivas, cabendo portanto tal tarefa ao Estado. É, pois, através
de um sistema fiscal eficaz que o Estado arrecada as receitas necessárias
para a realização das avultadas despesas que a satisfação das sobreditas
necessidades representa.
O sistema fiscal cabo-verdiano, nascido com o Regulamento da
Fazenda Pública Colonial de 1901, foi sofrendo alterações ao longo dos
anos. De uma fase em que o sistema fiscal cabo-verdiano visava, exclu-
sivamente, o desenvolvimento e sustentabilidade da metrópole e consa-
grava um sistema parcelar segmentado por impostos cedulares, evoluiu-se
para uma fase em que, como Estado soberano, os interesses da própria
nação prevaleciam e impunham um relacionamento com a ex-metrópole
distinto do que vinha se verificando. A última fase do sistema fiscal cabo-
-verdiano, iniciada nos anos 90, perdura até à actualidade. Esta fase, longe
de ser uma fase de pouca actividade legislativa e administrativa, resultou
na reforma do sistema fiscal cabo-verdiano. Esta reforma, motivada pela
ineficiência, fraude e evasão fiscal em níveis bastante elevados, associadas
a uma multiplicidade de regimes de excepção e de benefícios e à fraca
cobertura fiscal de grande parte das realidades económicas, iniciou-se pela
tributação do rendimento, seguida da tributação do património, para por
fim, se chegar à tributação do consumo.

2. A revogação do imposto de consumo e subsequente introdução do


IVA foi fruto da reforma da tributação do consumo, em 2004. O imposto de
consumo, que havia sido consagrado por Cabo Verde enquanto território
ultramarino e que visava compensar as perdas de receitas resultantes da
criação do Espaço Económico Português, no qual as mercadorias entre a
metrópole e os territórios ultramarinos não sofriam qualquer imposição,
era um imposto que incidia sobre a produção e a importação de certas
mercadorias, constantes de pauta de importação. O leque de mercadorias
sobre as quais incidia o imposto não era extenso e os serviços não estavam
abrangidos pelo seu escopo objectivo. Tinha, assim, uma base de inci-
dência estreita. Os produtores e os importadores dos bens constantes da
referida pauta, liquidavam o imposto no momento em que introduziam
36
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

os bens no consumo, enquanto os grossistas, retalhistas e prestadores de


serviços ficavam fora do escopo subjectivo deste imposto. Era, também,
um imposto pouco neutro, ou seja, que permitia efeitos cumulativos: o
produto ∂, adquirido por um produtor A, a um produtor B, e destinado à
produção do bem ß, sofria tributação tanto na primeira venda, como na
venda posterior, incidindo imposto sobre imposto, por exemplo.
Como se não bastasse ter uma base de incidência bastante reduzida,
consagrava inúmeras isenções que estrangulavam cada vez mais a sua base
de incidência. Por outro lado, consagrava um elevado número de taxas
que variavam entre os 10% e 60% e que dificultavam o funcionamento do
imposto. Estas taxas, para além de onerarem em demasia as mercadorias
(sujeitas a taxas elevadas), incentivavam a evasão e fraude fiscal. Somada
uma base de incidência estreita, com uma elevada fraude e evasão fiscal,
pouca era a receita que o imposto de consumo permitia arrecadar, o que
pesou, e muito, na decisão de adopção de um novo tributo.

3. Assim como qualquer outro Estado, a consagração de tributos em


Cabo Verde visa a arrecadação de receitas para a satisfação de necessi-
dades públicas. Logo, quanto maior a arrecadação de receita, mais eficaz
é, à partida, o tributo. Contudo, a substituição de um tributo que vigorou
durante quase quarenta anos, implica um conjunto de alterações adminis-
trativas que não só a redacção de uma nova lei. É certo que a substituição
deste imposto e a adopção de um novo acarretou custos elevados acom-
panhado da necessidade de formação de toda a Administração Tributária
(AT) (bem como dos sujeitos passivos). Contudo, estas medidas encon-
travam-se justificadas pela patente ineficiência do imposto de consumo,
que só aumentava com o decorrer dos anos. Por outro lado, os esforços
despendidos com a substituição do antigo imposto foram compensados
com a receita que se arrecadou com o novo imposto. Se, os custos de
implementação deste imposto e administração do mesmo, em termos
absolutos, foram bastante elevados, em termos relativos, encontravam-se
completamente justificados.
Num ambiente em que as necessidades da população eram cres-
centes e, consequentemente, as despesas do Estado iam crescendo, não
era sustentável um imposto de consumo que ficava aquém do despendido
com o consumo, um imposto de consumo que não tributava a totalidade
do consumo, deixando fora do seu âmbito mais de metade do consumo.
37
Artigos

Perante esta situação, não se podia deixar de concordar com a substituição


deste imposto.

4. Cabo Verde adoptou o novo imposto quando se sentiu capaz


de o administrar e fiscalizar, sem prejuízo de ainda hoje se verificarem
incorrecções passíveis de serem combatidas. De nada serviria adoptar
o imposto mais eficiente, se a AT não estivesse apta a acompanhar essa
evolução, se a AT não tivesse recursos, inclusive humanos, para fiscalizar
o imposto adoptado. O sucesso de qualquer imposto depende, em grande
parte, da própria AT e da sua capacidade para fazer valer os preceitos do
imposto adoptado. Assim sendo, ainda que perante um imposto ineficaz,
de nada valia a Cabo Verde adoptar um imposto que permitisse uma maior
arrecadação de receita, fosse mais neutro e menos propenso à fraude e
evasão fiscal, se a AT não tivesse condições de fazer valer os méritos deste
imposto, abrindo espaço para uma multiplicação de fraudes e evasões
fiscais. Defendemos, assim, que era premente a substituição do imposto
de consumo que se mostrava cada vez mais ineficaz, principalmente pelo
número de isenções cada vez maiores que consagrava, mas que previa-
mente à adopção, alterações teriam que se verificar no seio da AT.

5. Passamos, agora, à análise do IVA, para assim se perceber em que


medida este imposto se mostrou mais eficaz que o imposto de consumo.
Um imposto muito semelhante ao IVA português (e comunitário), no
qual se inspirou, e que exige uma cooperação mais estreita entre o sujeito
passivo e a AT e impõe a esta uma fiscalização mais abrangente. De um
imposto que exigia à AT apenas a confirmação do pagamento do respectivo
valor no momento da entrada dos bens no consumo, passou-se para um
imposto que exige à mesma a fiscalização da entrada de mercadorias no
mercado, da exportação de mercadorias e da realização de prestações de
serviços, para assim confirmar, através de facturas emitidas, a cobrança do
respectivo imposto e posterior dedução ou reembolso do imposto supor-
tado a montante.
O IVA é um imposto de consumo que liberaliza de forma eficaz a
circulação de mercadorias, uma vez que incide sobre todas as fases do
circuito económico, tributando em cada uma delas apenas o diferencial
de valor acrescentado pelo vendedor, deduzido do imposto pago nas
compras. Embora incida sobre todas as fases do circuito económico, tem
38
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

um mecanismo – o método subtractivo indirecto, que permite a todos os


sujeitos passivos deduzir ao imposto por eles liquidado, o imposto por
eles suportado a montante. É, portanto, um imposto neutro relativamente
à estrutura dos circuitos económicos e não tem efeitos cumulativos, pois
não faz incidir imposto sobre imposto. Por outro lado, transfere-se, na
íntegra, o peso do imposto para o consumidor final, sendo este quem acaba
por o suportar, exonerando-se o sector produtivo através do mecanismo de
dedução e reembolso. Graças ao princípio da tributação no país de destino
que acolhe, garante que os operadores económicos nacionais não ficam
numa situação de vantagem tão pouco de desvantagem, antes prima-se por
um tratamento igualitário entre operadores nacionais e estrangeiros, sem
retirar competitividade aos primeiros no mercado externo. Este princípio
permite, ainda, calcular com exactidão o montante de imposto suportado
até ao momento da exportação das mercadorias, permitindo, assim, o seu
total reembolso ao exportador e garantindo que as mesmas saem do país
livres de carga fiscal.
Com a introdução do IVA, deixa de estar sujeito a tributação apenas
um número limitado de bens e é reduzido o catálogo de isenções vigentes
em sede de imposto de consumo. É, assim, alargada a base de incidência do
imposto de consumo, passando a tributação da despesa a recair sobre toda
a forma de consumo, inclusive sobre sectores de actividade e consumos
antes não sujeitos, como foi o caso das prestações de serviços que repre-
sentam para Cabo Verde mais de 80% do seu PIB.
Apesar de abranger um número bastante mais elevado de sujeitos
passivos é um imposto de fácil administração e controlo, já que permite
o autopoliciamento dos sujeitos passivos de IVA intervenientes na relação
tributária, através do método das facturas. Incidindo sobre todas as fases
do circuito económico, em que todos os sujeitos passivos, intervenientes
na relação tributária, se tornam cobradores da dívida do imposto, entre-
gando cada um deles a diferença entre o imposto liquidado e o suportado
ao Estado, goza de uma capacidade recolectora bastante superior à do
imposto de consumo, sem todavia ter de se recorrer a taxas elevadas, o
que por sua vez releva uma menor propensão para a fraude e evasão fiscal.

6. O IVA adoptado por Cabo Verde é realmente um imposto geral


sobre o consumo, do “tipo consumo”, sem prejuízo das inúmeras isen-
ções que contempla e que não poderiam deixar de ser consagradas quer
39
Artigos

para que não se rompesse com a tradição que advinha do antigo imposto,
quer para que não se sobrecarregasse em demasia a população que fraco
poderio financeiro tem. Por outro lado, o incentivo ao desenvolvimento
e investimento em certos sectores, como por exemplo o turístico e indus-
trial, num país muito dependente do investimento e ajuda externa como
Cabo Verde, não poderia ser alheio ao IVA, tendo este contemplado isen-
ções que visam aprofundar os benefícios fiscais nessa matéria. A verdade
é que um imposto como o IVA, cuja arrecadação é bastante superior ao
do anterior imposto, desde logo pela sua natureza plurifásica, tem maior
margem para a consagração de isenções que, contudo, não devem ser
excessivas sob pena de se estreitar em demasia a base de incidência do
imposto e destiná-lo à decadência e insuficiência, tal qual o imposto de
consumo. Este é o maior desafio do actual imposto.

7. Apesar de plurifásico, como se disse, é um imposto não cumula-


tivo graças ao método de cálculo adoptado, ao qual se deve todo o mérito
desde imposto. É o método subtractivo indirecto que faz do IVA um
imposto neutro e permite que se determine o exacto montante do imposto
a deduzir e a reembolsar. É este o método que permite, também, que o IVA
não se torne um encargo para o sujeito passivo, não afectando a sua conta-
bilidade. O sujeito passivo é, pois, apenas um intermediário, cuja função
é a cobrança do imposto ao consumidor final para posterior entrega ao
Estado. O consumidor final, sim, suporta o imposto que se aplica através
de uma taxa única de 15% ao preço dos bens e serviços. Unicidade esta
questionável quando, para além desta taxa, existem bens e serviços cuja
tributação é feita à taxa de 0% e bens sujeitos a preços administrativos
cujas taxas variam de 15% a 100%.

8. A par do método subtractivo indirecto, soma-se o método do pro


rata e o método da afectação real. Estes métodos destinam-se ao cálculo
do imposto dedutível para os sujeitos passivos que, para além de prati-
carem operações que conferem direito à dedução, praticam operações
que não conferem tal direito. Sendo possível separar as diferentes opera-
ções e identificar o imposto dedutível às operações que conferem direito
à dedução, aplica-se o método de afectação real. Não sendo possível a
imputação objectiva do imposto dedutível à operação que confere direito
à dedução, aplica-se o método de pro rata segundo o qual se determina
40
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

uma percentagem de dedução que será deduzida ao montante das opera-


ções realizadas que confiram direito à dedução. A aplicação conjunta de
ambos os métodos cumpre, à semelhança do método subtractivo indirecto,
o princípio da dedução do imposto suportado a montante, ainda que a sua
interpretação seja diversa da actualmente acolhida por Portugal. Vejamos.
Até 2008, a disposição do CIVA português (artigo 23º) relativa ao
cálculo do imposto dedutível para os sujeitos passivos que, para além
de praticarem operações que conferiam direito à dedução, praticavam
operações que não conferiam tal direito, era muito semelhante à versão
cabo-verdiana, sendo, portanto, interpretada da mesma forma que actual-
mente é interpretada a disposição cabo-verdiana. Aquela disposição portu-
guesa foi, contudo, alterada com o objectivo de “clarificar e restringir
o âmbito da aplicação dos critérios de repartição do IVA a actividades
de natureza mista”1. Isto pois, a interpretação que se fazia desta norma
julgava-se contrária ao que dispunha a norma equivalente (artigo 17º)
da 6ª Directiva2: “No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados
por um sujeito passivo, não só para as operações com direito à dedução,
previstas nos n.ºs 2 e 3, como para as operações sem direito à dedução,
a dedução só é concedida relativamente à parte do imposto sobre o valor
acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria
de bens”.
Aquela disposição, assim como a cabo-verdiana, considerava como
sujeitos passivos mistos os que exerciam simultaneamente operações
que conferiam direito à dedução e operações que não conferiam direito à
dedução. Colocava, pois, o enfoque na natureza dos sujeitos passivos e não
na natureza dos bens utilizados, como resultava da 6ª Directiva e actual-
mente da Directiva IVA3 (artigo 173º). Por conseguinte, daquela disposição
resultava que o âmbito de aplicação do artigo 23º do CIVA português se

1  Rui Bastos, O Direito à Dedução do IVA, o Caso Particular dos Inputs de Utili-
zação Mista, Cadernos IDEFF, n.º 15, Almedina, Junho 2014, pág. 149.
2  Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977.

3  Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006. A Directiva

IVA revogou a 6º Directiva, consistindo esta revogação, fundamentalmente, em correcções


de aspectos formais. Vide Clotilde Celorico Palma, As Entidades Públicas e o Imposto
sobre o Valor Acrescentado: uma ruptura no princípio da neutralidade, Vol. I, dissertação
de doutoramento em Ciências Jurídico-Económicas, especialidade em Direito Fiscal, na
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2009, págs. 186-196.
41
Artigos

estendia a todos os bens e serviços adquiridos por sujeitos passivos mistos,


mesmo que de afectação exclusiva a uma de duas operações. Acabava-se
por aplicar aos sujeitos passivos mistos regras que, do ponto de vista da
Directiva, deveriam ser aplicadas apenas aos inputs “promíscuos”, isto
é, àqueles que serviam indistintamente operações tributáveis e operações
isentas.4 Para a Directiva IVA a condição de sujeito passivo misto “não
resulta do exercício simultâneo de operações que conferem direito à
dedução e de operações que não conferem tal direito, mas sim, da utili-
zação mista dos seus inputs, ou seja, a afectação simultânea dos inputs
em que foi suportado o IVA aos dois tipos de operações”5. Posto isto, a
interpretação preconizada pelo CIVA português, para além de contrária à
interpretação comunitária, não fazia qualquer sentido à luz das caracterís-
ticas intrínsecas do IVA, defende Rui Bastos. Uma interpretação conforme
com as directrizes comunitárias impunha que às despesas afectas exclusi-
vamente a uma operação que não conferia direito à dedução e às despesas
afectas exclusivamente a operações que conferiam direito à dedução se
aplicasse o método de dedução por via da imputação directa (consagrado
nos artigos 19º e 2° do CIVA português), e não o consagrado no artigo
23º. Apenas no caso de impossibilidade de imputação directa, ou seja, nos
casos de utilização indistinta de inputs a ambos os tipos de operações é que
se aplicaria o artigo 23º do CIVA português. Assim sendo, ao abrigo da
Directiva IVA, a condição de sujeito passivo misto restringe-se à utilização
mista dos bens e serviços a operações que conferem direito à dedução e a
operações que não conferem tal direito, e não decorre do simples facto de
determinado sujeito passivo exercer simultaneamente aquelas operações.
Posto isto, a Lei do Orçamento de Estado para 2008 (Lei n.º 67-A/2007,
de 31 de Janeiro) introduziu alterações ao artigo 23º do CIVA português
de modo a que se clarificasse a interpretação a dar ao mesmo. A actual
redacção desta disposição, mais propriamente o seu n.º 1, regula o direito à

4  Sobre esta matéria vide Xavier de Basto e Maria Odete Oliveira, “Desfazendo

mal-entendidos em matéria de direito à dedução de imposto sobre o valor acrescentado:


as recentes alterações do artigo 23° do Código do IVA”, Revista de Finanças Públicas e
Direito Fiscal, Ano 1, Número 1, Primavera, 2008; Rui Bastos, O Direito à Dedução do
IVA, o Caso Particular dos Inputs de Utilização Mista, Cadernos IDEFF, n.º 15, Almedina,
Junho 2014, pág. 149-182.
5  Ob. Cit. Rui Bastos, O Direito à Dedução do IVA, o Caso Particular dos Inputs

de Utilização Mista, pág. 150.


42
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

dedução em função do destino dos bens que os sujeitos passivos utilizam,


ao invés de em função da natureza dos sujeitos. Ficou, então, esclarecido
que o pro rata apenas se aplica aos bens e serviços afectos “à realização
de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica (...)
parte das quais não confira direito à dedução”, ou seja, o que determina
a aplicação do pro rata não é o facto do sujeito passivo praticar operações
que conferem direito à dedução e operações que não conferem esse direito.
É a natureza objectiva da utilização do bem ou do serviço que determina a
parte do imposto incorporado que se pode ou não deduzir. Acrescenta-se,
ainda, que o método da afectação real é também um método de determi-
nação do direito à dedução dos inputs “promíscuos”. Não só o método
de pro rata é utilizado nos casos em que os bens e serviços são indistin-
tamente e “promiscuamente” utilizados em ambos os tipos de operações.
O método da afectação real, interpretado como o de permitir determinar
o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem
direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, também
é aqui utilizado. O método da afectação real consiste, assim, na aplicação
de critérios objectivos, reais, sobre o grau ou intensidade de utilização dos
bens e serviços em operações que conferem direito à dedução e em opera-
ções que não conferem esse direito. A ideia de que o método da afectação
real é utilizado quando um determinado bem ou serviço tem aplicação
exclusiva numa operação tributada conferindo, portanto, direito à dedução,
ou quando um determinado bem ou serviço tem aplicação exclusiva numa
operação que não confere direito à dedução, não se deduzindo qualquer
parcela do imposto, é afastada defendendo-se que esta mecânica resulta
da simples aplicação do princípio básico do direito à dedução resultante
dos artigos 19º e 20º do CIVA português.
A nosso ver, desde que não fira a realidade cabo-verdiana, a inter-
pretação e consequente aplicação das disposições do CIVA cabo-verdiano
devem ser feitas à semelhança das normas equivalentes do CIVA portu-
guês. Outra não poderia ser a posição a adoptar já que todo o CIVA cabo-
-verdiano se inspirou no CIVA português, desde o tipo de IVA a adoptar
até às próprias disposições do diploma que o rege. Daí não só acolhermos
a interpretação feita pela doutrina portuguesa como pela própria jurispru-
dência comunitária pois, como é sabido, o IVA português, apesar de prévio
à adesão de Portugal à Comunidade Europeia, reflecte o Direito Comu-
nitário onde se denota cada vez mais o esforço contínuo e crescente de
43
Artigos

harmonização nesta matéria. Se estas são as razões pelas quais se defende


a aplicação a Cabo Verde dos acórdãos do TJCE ou do TJUE, são também
estas as razões que nos farão, neste ponto em concreto, afastar do apli-
cado à UE, e claro, actualmente a Portugal. Não nos podemos esquecer
que Cabo Verde, ainda que tenha adoptado um IVA em tudo semelhante
ao português, é um país que, ao contrário de Portugal, não faz parte de
um espaço económico integrado, tão pouco está sujeito às directrizes do
Direito Comunitário. Não existe, pois, uma ordem, como a comunitária,
que se imponha à cabo-verdiana e com a qual a interpretação das suas
normas têm de ser convergentes, vulgo, harmoniosas. Portanto, antes de
se defender uma aplicação cega e precoce das normas cabo-verdianas
nos mesmos termos que as normas portuguesas, e quiçá, comunitárias,
deve-se atender à realidade cabo-verdiana que, como sabemos, muito se
afasta da portuguesa.
Vejamos, no que diz respeito à interpretação do artigo 22º do CIVA
cabo-verdiano. A interpretação que a Administração Tributária, os Tribu-
nais Fiscais, os aplicadores de direito e os sujeitos passivos fazem deste
artigo é aquela que foi defendida acima e que corresponde à anterior
interpretação do artigo 23º do CIVA, totalmente contrária à actual inter-
pretação do mesmo, porém, conforme com o Direito Comunitário. De
facto, o que se retira do n.º 1 do artigo 22° do CIVA cabo-verdiano é que,
quando um sujeito passivo exerça actividades que conferem direito à
dedução e actividades que não conferem tal direito, o imposto dedutível
por esse sujeito passivo será determinado de acordo com uma percen-
tagem correspondente ao montante anual das operações realizadas que
conferem direito à dedução. A ênfase é, sim, colocada no sujeito passivo
que exerça ambas as actividades e não nos bens e serviços que se destinam
à realização de actividades que conferem e actividades que não conferem
direito à dedução. O que significa que basta que o sujeito passivo pratique
ambas as actividades para que se aplique o método de pro rata, não se
chegando, pois, a aplicar o método de imputação directa consagrado nos
artigos 18° e 19º do CIVA. Em momento algum se pretende dizer que a
interpretação feita pelo Direito Comunitário não faz sentido, apenas que
do teor da disposição cabo-verdiana não há como sustentar que outra
deveria ser a interpretação a dar àquela disposição. Muito menos quando
Administração Tributária e Tribunais estão de acordo e assim têm vindo
a proceder, nunca tendo questionado sobre a bondade da norma. Para que
44
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

a interpretação fosse outra, ou melhor, fosse a mesma que actualmente é


dada à disposição portuguesa, seria necessário que o legislador alterasse a
norma, ou pelo menos que os Tribunais Fiscais se manifestassem contra a
actual interpretação do artigo 22° e no mesmo sentido que a interpretação
agora dada ao artigo 23º do CIVA português.
Seguimos o IVA português e assim as suas disposições, porém, se
alterações às disposições do IVA português foram feitas para as adaptar
ao Direito Comunitário ou para clarificá-las, porque objecto de inter-
pretação errónea desde o momento da sua concepção do ponto de vista
comunitário, as mesmas não provocam, nem poderiam provocar, uma
alteração imediata na interpretação das normas do CIVA cabo-verdiano.
Ainda que se argumente que desde a sua consagração esta era a correta
interpretação a fazer do artigo porque, se inspirado no IVA português
e este por sua vez no comunitário, e a interpretação que as autoridades
portuguesas vinham fazendo era incorrecta, a interpretação que se faz
da disposição cabo-verdiana naqueles termos é também incorrecta, o
argumento não prossegue ou pelo menos não é suficiente, pois não se
consegue retirar que aquela era a vontade do legislador cabo-verdiano
aquando da consagração da norma. O argumento mais forte é, pois, o
de que o procedimento adoptado por Cabo Verde é contrário à lógica do
IVA consagrado, já que permite que, pelo simples facto de um sujeito
passivo exercer actividades que conferem direito à dedução e activi-
dades que não conferem tal direito, não se proceda à imputação directa
do imposto suportado em bens e serviços à actividade tributável para os
quais aqueles foram adquiridos, desrespeitando o princípio fundamental
da dedução conforme consagrado nos artigos 18º e 19º. De facto, através
do método de pro rata, apura-se a percentagem do imposto suportado
nas operações que conferem direito à dedução que vai efectivamente ser
deduzida ao imposto liquidado pelo sujeito passivo. Isto pois, como dito
acima, certos sujeitos passivos praticam actividades que conferem direito
à dedução e actividades que não conferem tal direito. Para garantir que
não é deduzido o imposto suportado na aquisição de bens e serviços que
se destinaram à prática de operações que não conferem direito à dedução
do imposto suportado, apura-se tal percentagem de dedução que se espera
corresponder à parte do imposto suportado pelos bens e serviços que foram
efectivamente utilizados para operações que conferem direito à dedução.
A verdade é, pois, que esta percentagem é apenas uma estimativa. Na
45
Artigos

realidade pode não corresponder à parte exacta dos bens e serviços adqui-
ridos que foram utilizados em operações que conferem direito à dedução,
acabando por se deduzir imposto suportado em bens ou serviços que se
destinam a actividades que não conferem direito à dedução, ou por não
se deduzir a totalidade do imposto suportado em bens e serviços que se
destinam a actividades que conferem direito à dedução. Mais seguro seria,
pois, que aos bens e serviços que se sabem destinados apenas a activi-
dades que conferem direito à dedução e aos que se sabem destinados
apenas a actividades que não conferem direito à dedução se aplicassem as
regras dos artigos 18º e 19º, deduzindo os primeiros e negando dedução
aos segundos. Mas, vejamos, não é este o procedimento que se adopta
quando se recorre ao método da afectação real? A resposta parece ser afir-
mativa! E o método da afectação real não é aplicado sempre que o sujeito
passivo previamente comunique esse facto à Administração Tributária, ou
quando esta o imponha para evitar distorções significativas na tributação
ou, ainda, quando aquele exerça actividades economicamente distintas?
A resposta a esta questão também parece afirmativa! O legislador cabo-
-verdiano considera o método da afectação real como o que consiste na
não permissão de qualquer dedução do imposto suportado nas aquisições
destinadas à realização de operações isentas sem direito à dedução e às
operações fora do campo do imposto, o que permite o exercício normal e
integral do direito à dedução do imposto suportado nos inputs destinados
à realização de operações efectivamente tributadas e às operações isentas
com direito a dedução. Os bens que indistintamente se destinam a activi-
dades que conferem direito à dedução e a actividades que não conferem
direito à dedução, esses sim serão objecto de uma percentagem calculada
de acordo com critérios objectivos. Não há, pois, a nosso ver, qualquer
violação do princípio fundamental da dedução dos impostos suportados
para a realização de actividades que conferem direito à dedução, não
procedendo, portanto, aquele argumento.

9. Outra análise que não podia deixar de ser feita, é a relativa aos
regimes especiais de tributação acolhidos pelo CIVA cabo-verdiano: o
regime de isenção e o regime simplificado de tributação. Dois regimes
que visaram adaptar o regime geral do IVA a sujeitos passivos de pequena
dimensão económica e de reduzida capacidade organizacional, e que foram
posteriormente revogados. Anteriormente à revogação destes regimes foi
46
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

aprovado o Regime Jurídico Especial das Micro e Pequenas Empresas


(REMPE) que, contudo, só entrou em vigor meses mais tarde e simulta-
neamente à revogação dos regimes especiais.
Conforme resulta das disposições finais e transitórias do REMPE,
com a entrada em vigor desta lei, todas as empresas anteriormente tribu-
tadas pelo regime simplificado e pelo regime normal de IVA que preen-
chessem os devidos requisitos legais, ficariam enquadradas pelo regime
especial de micro e pequenas empresas. Caso não pretendessem que assim
fosse, teriam que o declarar junto da AT. Isto significa que, as empresas
anteriormente consagradas pelo regime simplificado de tributação podiam
optar entre o REMPE e o regime normal do IVA. Quanto às empresas
anteriormente abrangidas pelo regime de isenção, nada se diz. Isto pois,
apesar do regime do REMPE ter entrado em vigor a 1 de Janeiro de
2015, a sua entrada em vigor estava prevista para 26 de Agosto de 2014.
Ora, nesta altura, o diploma que revogou os regimes especiais de tribu-
tação em sede de IVA, vulgo, regime de isenção e regime simplificado de
tributação, ainda não tinha sido aprovado. Isto significa que, aquando da
aprovação do REMPE, os regimes especiais de tributação em sede de IVA
ainda vigoravam, daí o REMPE apenas prever a possibilidade de opção
pelo regime especial unificado para os sujeitos passivos abrangidos pelo
regime simplificado de tributação e regime normal. Os sujeitos passivos
abrangidos pelo regime de isenção, permaneceriam sujeitos a este regime
especial de tributação em sede de IVA, até porque é mais vantajoso e
menos complexo não pagar qualquer tipo de tributo ao Estado, do que
pagar um determinado tributo sobre o volume de negócios e ainda assim
não ter direito a dedução do imposto suportado a montante. Acontece que,
o diploma que revogou os regimes especiais de tributação e o que aprovou
o REMPE, entraram em vigor no mesmo dia, 1 de Janeiro de 2015. Se para
os sujeitos abrangidos pelo regime simplificado de tributação e pelo regime
normal, não se colocavam grandes questões, podendo eles escolher entre o
REMPE e o regime normal de tributação, para os sujeitos abrangidos pelo
regime de isenção colocaram-se algumas dúvidas já que das disposições
finais e transitórias apenas resultava a possibilidade dos sujeitos passivos
abrangidos pelo regime simplificado e pelo regime normal optarem pelo
regime especial unificado. Justificada a referência apenas ao regime simpli-
ficado e ao regime normal de IVA pelo facto da aprovação do REMPE
ser anterior às alterações do IVA, apesar das datas de entrada em vigor
47
Artigos

coincidirem, e tendo em conta a revogação do regime de isenção do IVA,


somos levados a defender que também os sujeitos passivos anteriormente
abrangidos pelo regime de isenção podem optar pela aplicação do regime
normal do IVA ou pelo regime especial unificado, desde que, neste último
caso, reúnam os requisitos para serem qualificados como micro empresas.
Vejamos, na prática, o que isto significa. À categoria de micro empresas
parece corresponder o antigo regime simplificado de tributação, tendo em
conta o volume anual de negócios máximo que ambos utilizaram como
requisito: 5 000 000$00 (cinco milhões de escudos). Isto significa que, o
sujeito passivo que anteriormente se encontrava abrangido pelo regime
simplificado de tributação passa, se assim optar, a ser considerado uma
micro empresa. Como micro empresa, ao invés de 5% sobre o volume de
negócios (com excepção das vendas de bens de investimentos corpóreos
que tenham sido utilizados na actividade por eles exercida), aplicará 4%
sobre o volume de negócios. Isto significa que, por exemplo, o sujeito
passivo que atingia um volume anual de negócios, para efeitos do regime
simplificado, de 5 000 000$00 entregava ao Estado 250 000$00 (duzentos
e cinquenta mil escudos) em sede de IVA, enquanto agora, auferindo o
mesmo volume de negócios, entrega ao Estado a quantia de 200 000$00
(duzentos mil escudos), em sede de tributo especial unificado, que subs-
titui o IVA e outros tributos. Assim sendo, o sujeito passivo anteriormente
abrangido pelo regime simplificado e agora considerado uma micro
empresa, encontra-se numa situação mais favorável, uma vez que para
além de pagar uma quantia inferior, esta quantia liberta-lhe do pagamento
de outros impostos como, por exemplo, o imposto sobre o rendimento.
Em qualquer um dos casos, contudo, não lhe é permitida a dedução do
IVA suportado a montante. À categoria de pequenas empresas não corres-
ponde qualquer anterior regime de tributação especial em sede de IVA.
Os sujeitos passivos que auferissem um volume de negócios superior a
5 000 000$00 estavam abrangidos pelo regime normal de tributação.
Agora, podendo optar pelo regime especial unificado, em que se aplica
uma percentagem de 4% sobre o volume dos seus negócios, deixando
de estar sujeito ao regime de IVA e aos demais impostos substituídos,
encontram-se, em princípio numa situação mais vantajosa.
Em qualquer uma das situações, é necessário ponderar, caso a caso,
entre a opção pelo regime especial unificado e o regime normal de IVA.
O sujeito passivo de IVA é um mero intermediário e cobrador do IVA.
48
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

O sujeito passivo, em princípio, não suporta o IVA, graças ao regime de


repercussão obrigatório e ao método subtractivo indirecto. Então, entre
ser um mero intermediário que não vê a sua contabilidade afectada pelo
IVA, e pagar um determinada percentagem sobre o volume de negócios
auferido anualmente em sede de tributo especial unificado sem se poder
deduzir o IVA suportado a montante, parece-me ser mais vantajoso ser
um sujeito passivo de IVA. Porém, há também que ter em conta, por um
lado, que a sujeição ao regime normal de IVA acarreta custos ligados
às obrigações mais exigentes inerentes àquele regime, e por outro, que
o tributo especial unificado, como o próprio nome diz, substitui outros
tributos que não só o IVA. Substitui também o imposto sobre o rendi-
mento, o imposto de incêndio e a contribuição para a segurança social.
O sujeito passivo abrangido pelo regime normal de IVA, apesar de poder
deduzir o IVA suportado a montante, não constituindo este, portanto,
um custo na sua contabilidade, continua sujeito aos demais tributos que
o tributo especial unificado vem substituir e às obrigações que aquele
regime impõe. À primeira vista, o REMPE pode parecer um regime
bastante generoso e vantajoso, mas são precisas análises casuístas para
se determinar, em concreto, qual a hipótese menos onerosa para o sujeito
passivo.
Uma categoria que, decerto, não tem correspondente no REMPE
é o regime de isenção. O sujeito passivo anteriormente abrangido por
este regime, era equiparado a um consumidor final, não só pelo facto
do seu volume de negócios anual ser bastante reduzido (cento e oitenta
mil escudos), mas também pelo facto de a sua dimensão económica e
estrutura organizacional não ser compatível com as obrigações resul-
tantes do regime normal de IVA. Estes sujeitos passivos pagavam IVA
por todas as suas operações passivas, mas não tinham que entregar IVA
ao Estado, nem sobre o seu volume de negócios recaia qualquer tributo.
Com o REMPE, resta a estes sujeitos passivos optar pelo regime normal
de tributação em sede de IVA ou pelo regime de micro empresa, já que
o seu volume de negócios é inferior a cinco milhões de escudos. Através
do regime especial unificado, como visto acima, o sujeito passivo passa
a entregar ao Estado 4% do seu volume de negócios (ou 3%, no mínimo,
quando o seu volume de negócios não ultrapassar um milhão de escudos),
continuando a pagar IVA pelas suas operações passivas. Claramente uma
situação mais desvantajosa, em sede de IVA, quando a alternativa também
49
Artigos

não é favorável. Isto pois, se antes não entregava IVA ao Estado, optando
pelo REMPE passa a entregar imposto ao Estado. Por outro lado, temos
o regime normal de IVA. Este poderia ser vantajoso se não implicasse o
cumprimento das obrigações acessórias inerentes àquele regime. Por ser
um sujeito passivo de pequena dimensão económica, não se encontra em
condições de satisfazer as obrigações impostas pelo regime de IVA, tão
pouco as que foram impostas pelo REMPE. Ainda que se defenda que de
uma forma geral o REMPE é também mais vantajoso para estes sujeitos
passivos pois, embora passe a entregar uma percentagem do seu volume de
negócios ao Estado, essa percentagem substitui também outros impostos,
as obrigações impostas pelo REMPE são excessivas para os operadores
económicos que anteriormente estavam abrangidos pelo regime se isenção.
Vamos ainda mais longe. Apenas existe esta possibilidade de escolha entre
um e outro regime, se os sujeitos passivos anteriormente abrangidos pelo
regime se isenção, reunirem os requisitos que permitam ao Estado os
classificar como micro empresas. Não se verificando tal condição, o que
é mais provável que aconteça devido ao seu reduzido volume de negócios
e forma de organização, resta-lhes a sujeição ao regime normal de tribu-
tação. O mesmo se diga quanto os sujeitos passivos excluídos deste regime.
Por outro lado, não faz sentido que o Estado estabeleça um regime, em
princípio, mais vantajoso para os sujeitos passivos anteriormente abran-
gidos pelo regime simplificado, e consagre, simultaneamente, um regime
menos vantajoso para os sujeitos passivos com maiores dificuldades de
se adaptar ao regime do IVA. Não resulta, nem do regime do IVA nem do
REMPE, um regime especial para os sujeitos passivos que anteriormente
se regiam pelo regime de isenção e agora não se classificam como micro
empresas ou são excluídas dessa classificação.
A nosso ver, o facto de o REMPE ter entrado em vigor no mesmo
momento em que foram revogados os regimes especiais de tributação
em sede de IVA, fez com que o antigo regime de isenção fosse revogado
sem que se consagrasse novo regime adequado aos sujeitos passivos ante-
riormente abrangidos por ele. Por um lado, o volume de negócios estipu-
lado pelo regime das micro empresas é muito abrangente, acabando por
englobar empresas com dimensões económicas e estruturas organizativas
diferentes, por outro, quando o sujeito passivo não se enquadra na clas-
sificação de micro empresa, não tem um regime especial a ele adequado.
Uma empresa que tem como volume de negócios 180 000$00 (cento e
50
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

oitenta mil escudos), difere consideravelmente de uma que tem um volume


de negócios de cinco milhões de escudos, por exemplo. Somos, portanto,
da opinião que deve ser consagrado um regime de isenção para sujeitos
passivos cuja dimensão económica justifique um tratamento especial em
sede de IVA, adaptado à sua realidade. Existe ainda mais essa necessi-
dade, quando os sujeitos passivos não se enquadram no regime especial
unificado ou sejam dele excluído. Nesses casos é obrigatória a aplicação
do regime normal de IVA que, pelas razões mencionadas acima, também
não se adequam àquela realidade.

10.  Quanto à eficácia do IVA. Volvidos dez anos da sua introdução


consegue-se fazer uma apreciação das receitas que o IVA tem permitido
arrecadar, a sua contribuição para o total das receitas correntes, receitas
fiscais e receita total, e a sua capacidade para fazer frente às despesas cada
vez mais crescentes da sociedade. A evolução destas receitas, comparati-
vamente com a evolução das receitas arrecadas pelo imposto de consumo,
permitem avaliar o contributo que o IVA tem dado para o crescimento
do PIB cabo-verdiano e para o desenvolvimento económico de Cabo
Verde. De um imposto de consumo com uma fraca capacidade recolectora
passa-se para uma imposto cuja capacidade de arrecadação ultrapassou
as expectativas, principalmente nos primeiros anos de vigência, e que
permitiu que a receita da imposição sobre o consumo aumentasse em
145%, relativamente ao último ano de vigência do imposto de consumo.
Em geral, o IVA tem permitido arrecadar uma receita crescente ao longo
destes dez anos da sua vigência. Logo no seu primeiro ano de vigência,
um ano de adaptação ao novo modelo de imposto sobre o consumo e de
implementação de novos mecanismos de liquidação e fiscalização do
imposto, permitiu arrecadar uma receita de 5591 milhões de escudos. Esta
receita, que até agora foi a mais baixa arrecadada pelo IVA, corresponde
a mais do dobro da maior receita arrecada pelo anterior imposto sobre
o consumo cabo-verdiano (2002). Mais, nos seus três primeiros anos de
vigência permitiu arrecadar uma receita que ultrapassou a receita arre-
cada pelo imposto de consumo nos seus últimos dez anos de vigência. É
o imposto que permite maior arrecadação de receita para o Estado cabo-
-verdiano, tendo constituído, desde a sua entrada em vigor, uma média
de 37,5% das receitas fiscais e cerca de 25,9% das receitas totais contra
os 18,7% e 8,1%, respectivamente. O IVA representou para Cabo Verde
51
Artigos

uma forma de diminuição da dependência da ajuda internacional, veri-


ficado que foi o aumento gradual do rácio receita fiscal/PIB e da efici-
ência fiscal com consequente diminuição dos custos administrativos e
de cumprimento. Um único imposto, geral e plurifásico, com uma anes-
tesia fiscal que permite ao Estado aumentar a sua receita, mas não inume
a críticas.

11.  Critica-se, também, o facto do sujeito passivo ter que entregar


imposto ao Estado antes do efectivo pagamento do respectivo montante
por quem o deve, ou seja, o facto de o sujeito passivo ter que adiantar
ao Estado uma quantia da qual pode não dispor. Se o sujeito passivo,
não passa de um intermediário e de um cobrador do imposto a entregar
ao Estado, não deve ver a sua contabilidade afectada em benefício do
Estado. Não deve, pois, a sua obrigação de cobrança e entrega passar a
ser uma obrigação de pagamento antecipado. Os sujeitos passivos estão
obrigados à entrega do imposto ao Estado, mas, a final, acabam por, de
acordo com as regras gerais de exigibilidade do imposto, estar obrigados
ao efectivo pagamento do imposto ao Estado. Isto pois, não recebem o
imposto dos adquirentes de bens e serviços para depois entregá-lo ao
Estado, pagam eles próprios o imposto para depois receber daqueles. Se
na teoria o sujeito passivo está obrigado à entrega do imposto liquidado
e pago pelo adquirente dos bens ou serviços, na prática está obrigado ao
pagamento do imposto ao Estado. Nestes casos, “o cobrador do imposto
é responsável não apenas pelo que recebeu, mas igualmente pelo que se
previa que tivesse recebido, embora tal não tenha sucedido”6. Esta prática,
que faz com que o sujeito passivo proceda ao pagamento do imposto (e
não apenas à entrega), diverge do espírito que subjaz ao imposto sobre
o valor acrescentado que visa tributar o consumo sem onerar o sujeito
passivo, e pode, se representar um grande peso para a contabilidade do
sujeito passivo, ser fatal para os operadores de pequena dimensão econó-
mica. Não é, pois, tão linear a ideia de que o sujeito passivo de IVA é um
mero intermediário que não viu, nem vê, a sua contabilidade afectada
pela introdução daquele imposto, aumento ou descida da respectiva taxa.

6  Vide Afonso Arnaldo e Paulo Marques, IVA com ou sem recebimento? Uma pers-

petiva tributária e sancionaria, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Alberto


Xavier, Vol. I, Almedina, pág. 16.
52
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Assim seria se o pagamento do IVA ao Estado apenas se verificasse após


o efectivo recebimento do IVA pelo sujeito passivo, não exigindo, como
acontece, o adiantamento do montante do IVA a entregar ao Estado pelo
sujeito passivo. Defende-se, assim, que, pelo menos para os operadores
de pequena dimensão económica, seja implementada a possibilidade de
entrega do imposto apenas no momento da emissão do recibo, e não no
momento da emissão da factura, transferindo-se, deste modo, o risco de
não pagamento ou pagamento tardio para o Estado.
Assim sendo, propõe-se a alteração deste regime e correspondente
adopção de um regime de exigibilidade que permita aos sujeitos passivos
entregarem o IVA ao Estado apenas após o efectivo recebimento do IVA
liquidado nas facturas aos adquirentes dos bens transmitidos ou dos
serviços prestados. Ou seja, um regime que permita ao sujeito passivo
entregar o IVA devido ao Estado no momento da emissão do recibo e não
no momento de emissão de factura. Se não um regime geral, pelo menos
um regime excepcional aplicável aos sujeitos passivos com maiores difi-
culdades de adiantamento desse montante, vulgo, operadores de pequena
dimensão económica.7 Desta forma, descomprimir-se-ia a tesouraria dos
sujeitos passivos e tornar-se-ia mais fácil o cumprimento dos deveres
tributários associados ao IVA.
A par de se fazer coincidir o momento da entrega do imposto ao
Estado com o momento do recebimento do imposto cobrado ao adqui-
rente dos bens ou serviços, este regime teria que consagrar o adiamento do
exercício do direito à dedução do IVA para o momento em que o mesmo
fosse pago ao fornecedor de bens ou serviços. Não existe uma correspon-
dência directa entre o IVA liquidado na venda de um determinado bem (ou
serviço) e o IVA suportado para a sua realização, ou seja, o IVA deduzido
num determinado período de tributação pode não ter correspondência
directa, no que diz respeito a bens ou serviços, com o IVA liquidado nesse
mesmo período de tributação. Isto pois, a dedução não se efectua produto
por produto, mas sobre o conjunto da actividade realizada pelo operador

7
  Outra hipótese cuja aplicação deste regime pode se mostrar necessária é o caso
de empresas em início de actividade. Os custos de investimento decorrentes da imple-
mentação e instalação da actividade acrescidos dos custos que o adiantamento do imposto
ao Estado representam, podem ser excessivos e bastante onerosos para um empresa que
acaba de iniciar a sua actividade.
53
Artigos

durante um período de tributação. O sujeito passivo adquire o direito à


dedução do imposto assim que os seus fornecedores lhe facturarem o preço
dos respectivos bens ou serviços.
Ora, a adopção de um regime de exigibilidade do imposto conco-
mitante com o pagamento do imposto pelo adquirente pressupõe, a nosso
ver, que o direito à dedução dos sujeitos passivos por este regime abran-
gidos seja adiado para o momento em que o IVA que incide sobre os bens
entregues ou serviços prestados a esses sujeitos passivos sejam pagos ao
fornecedor ou prestador. Se assim não for, já será muito penalizante para
o Estado que, para além de não receber o imposto devido que ainda não
foi pago pelo adquirente, verá, relativamente ao que já foi pago, deduzido
o montante suportado pelo sujeito passivo para a aquisição tanto dos bens
e serviços que já foram pagos como para aqueles que ainda não foram
pagos. O Estado sairia duplamente penalizado: não receberia o imposto
devido enquanto o mesmo não fosse pago ao sujeito passivo, mas conce-
deria direito à dedução relativamente ao imposto suportado para a aqui-
sição dos bens e serviços que ainda não foram pagos, o que faria reduzir
a receita do Estado. Por outro lado, mostrar-se-ia deveras injusto que o
sujeito passivo que não entrega imposto ao Estado enquanto não recebe
dos adquirentes, deduza o imposto que já lhe foi facturado, mas ainda
não pagou. Se assim fosse, o Estado estaria a financiar o sujeito passivo
abrangido por este regime excepcional de exigibilidade. Posto isto, asso-
ciado à dilação do momento da entrega do imposto ao Estado, este regime
pressupõe que o direito à dedução do imposto suportado pelos sujeitos
passivos seja também ele adiado para o momento do pagamento aos
respectivos fornecedores. Assim sendo, os sujeitos passivos abrangidos
por este regime, para poderem deduzir o imposto que incide sobre todas as
transmissões de bens ou prestações de serviços que lhes forem efectuadas,
têm de ter na sua posse recibo comprovativo de pagamento. Deste modo,
o impacto financeiro para o Estado do adiamento da entrega do imposto
é mitigado pelo acompanhamento do exercício do direito à dedução,
pelos sujeitos passivos, do imposto por estes suportado e efectivamente
pago.

12.  Critica-se, também, o ineficiente funcionamento da Adminis-


tração, nomeadamente no que diz respeito à não verificação de elementos
essenciais dos actos por si praticados que fazem com que os mesmos sejam
54
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

anulados pelos tribunais e não produzam, portanto, os efeitos pretendidos.


O descuido da Administração Tributária relativamente à verificação de
requisitos essenciais, torna morosa a liquidação definitiva do imposto,
dificulta a relação entre a mesma e o sujeito passivo e introduz factores
de ineficiência neste imposto. Esta situação, de fácil resolução, vem se
repetindo há alguns anos.
Grande parte das questões colocadas em Tribunal contra a Admi-
nistração Tributária são consideradas procedentes e consequentemente
anulados os atos da Administração Tributária, não por improcedência do
direito aplicado por aquela autoridade, que nem chega a ser analisado,
mas por incumprimento, por exemplo, de requisitos de forma.
A Administração Tributária tem-se furtado, por diversas vezes, ao
dever de fundamentação dos actos que afectam os direitos e interesses dos
sujeitos passivos, imposto pelo artigo 245º da CRCV e pelo n.º 1 do artigo
19º do Decreto-Legislativo n.º 15/97, de 10 de Novembro, que estabelece
o regime geral dos regulamentos e actos administrativos. Principalmente,
no que diz respeito às liquidações oficiosas desencadeadas por falta de
apresentação de declaração periódica por parte do sujeito passivo. Por
outro lado, a Administração Tributária tem violado o direito ao contradi-
tório do sujeito passivo, não dando a este a oportunidade de se defender
face aos actos que o lesem. Estes direitos do sujeito passivo, como direitos
de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias que são, impedem
que o Tribunal aprecie a questão de direito colocada, considerando a acção
procedente a favor dos sujeitos passivos e nulo o ato administrativo, por
falta de elemento essencial.
Adicionalmente, a falta de reembolso, por parte da AT, do imposto
pago em excesso ou do montante suportado a montante para a transmissão
de bens isentos também põe em causa a eficiência deste imposto. São
muitos os sujeitos passivos que reclamam serem credores do Estado de
imposto pago em excesso ou de imposto pago para a realização de opera-
ções que constituem isenções verdadeiras. Não recebendo tal quantia,
para além de o IVA passar a representar um custo para o sujeito passivo
(que pode não ter condições de o suportar), pode gerar efeitos cumula-
tivos. Isto pois, por exemplo, o sujeito passivo que realiza operações que
constituem isenções verdadeiras, ao não ser reembolsado do imposto
suportado a montante, fica na mesma situação que o sujeito passivo que
realiza operações que constituem falsas isenções. Assim sendo, à seme-
55
Artigos

lhança deste, o sujeito passivo que ainda não foi reembolsado, incorpora
o imposto suportado no preço de venda dos respectivos bens ou serviços,
dando origem a uma “tributação oculta”, que por sua vez, provoca efeitos
cumulativos. Desta feita, parte do valor acrescentado é tributado mais do
que uma vez e o inconveniente que o IVA visou combater acaba por ser
introduzido no seu regime.

13.  Em suma, Cabo Verde adoptou o IVA pelo mérito das suas carac-
terísticas que permitiram uma maior arrecadação de receitas, anestesia
fiscal, diminuição da fraude e evasão fiscal, alargamento da base tributária,
no momento em que se considerou apto a administrá-lo e fiscalizá-lo, e
não pela ligeireza de acompanhar Portugal nas suas alterações legisla-
tivas. Entendemos não ter sido tardia a adopção do novo imposto. Cabo
Verde adoptou o novo imposto quando se sentiu capaz de o administrar e
fiscalizar, sem prejuízo de ainda hoje se verificarem incorrecções passí-
veis de serem combatidas. O imposto de consumo mostrava-se demasiado
estreito, complexo e contemplava inúmeras isenções que esvaziavam a sua
capacidade recolectora. O IVA, um imposto mais simples e abrangente,
permitiu eliminar muitos dos benefícios fiscais consagrados pelo imposto
de consumo. Permitiu também que Cabo Verde acompanhasse os seus
parceiros económicos europeus e africanos que já se tinham antecipado
na adopção daquele imposto. A adopção de um único tipo de imposto – o
IVA – em detrimento de inúmeros impostos sobre o consumo próprios às
tradições e particularidades de cada país, facilita as trocas internacionais
tão frequentes num mundo globalizado como o que vivemos. Esta medida
permite aos investidores estrangeiros actuarem num ambiente fiscal que
não lhes é estranho, com uma língua franca que ajuda a integração de
Cabo Verde com a economia internacional.
A introdução do IVA tratou-se nitidamente de um caso de sucesso.
Os objectivos que se propôs satisfazer foram cumpridos: aumentou-se
gradualmente o rácio receita fiscal/PIB de forma a reduzir a dependência
fiscal do país da cooperação externa, aumentou-se a eficiência fiscal,
alcançou-se uma maior equidade fiscal através do alargamento da base
tributável e introduziram-se taxas menos incentivadoras à evasão fiscal e
mais consentâneas com o desenvolvimento da actividade económica em
geral e do investimento em particular. O IVA consegue cobrar muito e
com pouca resistência social, dado o grau elevado de eficácia que apre-
56
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

senta. Dados8 comprovam que os impostos indirectos são a parcela maior


da receita fiscal cabo-verdiana e daqueles destaca-se o IVA, respondendo
por cerca de 38% de toda a receita fiscal. Dúvidas não restam que foi uma
adopção que exigiu um conjunto de esforços e custos por parte da Admi-
nistração e que existem ainda várias incorrecções passíveis de melhorias,
mas certezas existem de que o IVA é a âncora do sistema fiscal cabo-
-verdiano que muito tem contribuído para o desenvolvimento económico
de Cabo Verde.

8
  Pareceres do Tribunal de Contas de Cabo Verde sobre as Contas Gerais do
Estado (2004-2012), disponíveis em tribunalcontas.cv; Relatórios Anuais do Banco de
Cabo Verde (2004-2013), disponíveis em bcv.cv; Relatórios da Conta Geral do Estado
(2004-2012), disponíveis em minfin.gov.cv e dados do Instituto Nacional de Estatística
disponíveis em ine.cv.
Maria Dâmaso
António Martins

A evolução normativa e os fatores de adesão


ao regime simplificado em sede do IRC:
(ii) fatores de adesão

Maria Dâmaso
Escola Superior de Gestão e Tecnologia de Santarém

António Martins
Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

 
58
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

RESUMO

Este artigo tem como objetivo analisar as características do novo regime simplificado
de tributação, em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, que
influenciaram o aconselhamento à respetiva adesão por parte dos contabilistas certificados.
Este novo regime simplificado teve início no exercício económico de 2014.
A recolha de dados foi efetuada com recurso a questionário. Os resultados evidenciam
que apenas 9% dos contabilistas certificados inquiridos responderam positivamente
ao aconselhamento do regime, e cerca de 23% ponderaram o seu aconselhamento a
algumas empresas. A possibilidade de redução de imposto a pagar foi considerada pelos
contabilistas certificados como o principal fundamento para recomendar a adesão ao
regime simplificado.

Palavras chave:
Regimes simplificados de tributação
Pequenas sociedades
Contabilistas certificados.

ABSTRACT

This paper intends to analyse which characteristics of the new simplified tax regime
(STR) in the context of the Corporate Income Tax (CIT), influenced the recommendation
of its adoption by the chartered accountants (CA). This new STR started in the fiscal year
of 2014.
Data collection was performed using a questionnaire. The results show that only
9% of CA responded positively to the recommendation of STR and 23% thought of
recommending to some firms. The possibility a tax burden reduction was considered by
the CA as the main reason for the STR recommendation.

Key words:
Simplified tax regime
Small companies
Chartered accountants.
59
Artigos

1. INTRODUÇÃO

Um regime simplificado de tributação (RST) em sede do imposto


sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) foi introduzido em
Portugal pela recente reforma fiscal e teve início no exercício econó-
mico de 2014. Este regime é considerado de natureza presuntiva, dado
que utiliza métodos indiretos de determinação da matéria coletável.
O cálculo da matéria coletável é efetuado com base em indicadores
de acordo com as atividades empresariais exercidas e o tipo de ren-
dimentos.
A literatura fiscal mostra que os Contabilistas Certificados (CC) têm
um papel fundamental no acompanhamento e aconselhamento das decisões
contabilísticas e fiscais das empresas (Viola, 2001). Estudos anteriores
evidenciam que os técnicos de contabilidade têm um papel decisivo no
aconselhamento sobre a adesão a regimes especiais de tributação para as
pequenas empresas (Alves et al., 2012; Marsden et al., 2012). A opinião
destes profissionais é, assim, de extrema importância para sucesso de
um regime simplificado. Essa opinião resulta, em boa parte, da perceção
dos CC relativamente ao impacto do RST sobre o imposto a pagar pelas
empresas a quem prestam serviços e, também, sobre a sua própria ativi-
dade profissional. Por outras palavras, entre o desenho normativo de um
RST e a sua efetiva adesão pelas pequenas empresas surge, em regra, a
intermediação dos CC, enquanto agentes que podem aconselhar a respe-
tiva adoção.
O que nos propomos neste artigo, que assenta em Dâmaso (2015)
e Dâmaso e Martins (2015), é analisar como a perspetiva dos CC pode
influenciar os níveis de adesão a este regime. Este artigo foi precedido
pelo respetivo enquadramento histórico e normativo em: A evolução
normativa e os fatores de adesão ao regime simplificado em sede do IRC:
(i) síntese da evolução normativa, publicado em número anterior desta
revista.
A recolha de dados teve como suporte o questionário. Foram obtidos
315 questionários válidos. Os resultados evidenciam que a maior parte
dos CC inquiridos não aconselhou o novo RST. O aconselhamento da
adesão foi efetuado, fundamentalmente, em função da minimização do
imposto a pagar. Este resultado mostra que os regimes simplificados são
vistos menos como mecanismos de redução de custos de cumprimento e
60
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

mais como forma de reduzir o imposto a entregar ao Estado. Tais resul-


tados afiguram-se relevantes na discussão do desenho e da aplicação
do RST.
O presente artigo está organizado em seis pontos. Na introdução
contextualiza-se e expõem-se algumas considerações sobre o novo RST
e a importância dos CC no seu aconselhamento e adesão. No ponto dois
é analisado o potencial universo empresarial alvo do novo RST. O ponto
três é dedicado ao contributo que os CC podem ter no desenho de um
RST. No ponto quatro apresenta-se a metodologia utilizada e no ponto
cinco expõem-se os respetivos resultados. No ponto seis serão apresen-
tadas algumas conclusões.

2. A DIMENSÃO EMPRESARIAL E O NOVO REGIME SIMPLI-


FICADO DE TRIBUTAÇÃO

A análise do universo empresarial ao qual pode ser aplicado um


RST tem por base as declarações Modelo 22 do IRC. O universo típico de
aplicação de um RST, do tipo do que aqui se analisa, é constituído pelas
pequenas e médias empresas (PME), especialmente as microempresas.
Tendo como suporte as estatísticas da Autoridade Tributária e Aduaneira
(AT), a tabela 1 apresenta o número de declarações Modelo 22 por esca-
lões de volume de negócios entre 2011 e 2013.
61
Artigos

TABELA 1: NÚMERO DE DECLARAÇÕES MODELO 22


POR ESCALÕES DE VOLUME DE NEGÓCIOS

ES CALÕES Var. (%)


2011 % 2012 % 2013 %
(Em Euros) 11/12 12/13
Desconhecido 22 343 5% 24 555 6% 27 006 6% 9,9% 10,0%
0 < 0 1 0% 1 0% 2 0% 0,0% 100,0%
1 = 0 70 821 17% 80 252 19% 85 411 20% 13,3% 6,4%
2 [ 1 A 150.000 [ 200 760 48% 201 496 48% 202 323 47% 0,4% 0,4%
3 [ 150.000 A 500.000 [ 71 756 17% 65 902 16% 65 252 15% -8,2% -1,0%
4 [ 500.000 A 1.000.000 [ 22 317 5% 20 444 5% 20 395 5% -8,4% -0,2%
5 [ 1.000.000 A 1.500.000 [ 9 152 2% 8 284 2% 8 272 2% -9,5% -0,1%
6 [ 1.500.000 A 2.500.000 [ 8 149 2% 7 341 2% 7 351 2% -9,9% 0,1%
7 [ 2.500.000 A 5.000.000 [ 6 542 2% 5 996 1% 5 957 1% -8,3% -0,7%
8 [ 5.000.000 A 12.500.000 [ 4 466 1% 4 186 1% 4 194 1% -6,3% 0,2%
9 [ 12.500.000 A 25.000.000 [ 1 603 0% 1 433 0% 1 450 0% -10,6% 1,2%
10 [ 25.000.000 A 75.000.000 [ 1 120 0% 1 065 0% 1 071 0% -4,9% 0,6%
11 [ 75.000.000 A 250.000.000 [ 376 0% 344 0% 343 0% -8,5% -0,3%
12 [ M ais de 250.000.000 [ 140 0% 131 0% 121 0% -6,4% -7,6%
TOTAIS 419 546 100% 421 430 100% 429 148 100% 0,4% 1,8%

Fonte: AT – Autoridade Tributária e Aduaneira1


Notas: No 1º escalão – Volume de Negócios desconhecido – estão incluídos os sujeitos passivos que
não indicaram qualquer valor no campo 411 da declaração Modelo 22 nem apresentaram Declaração
Anual/Informação Empresarial Simplificada (IES) no respetivo exercício.

Da análise da referida tabela podem retirar-se algumas ilações. Cerca


de 62% das declarações pertencem a empresas com um volume de negó-
cios inferior a 500.000€. As empresas com volume de negócios de 1 a
150.000€ representam cerca de 47% do total, no ano de 2013. O escalão
das empresas com volume de negócios de 1 a 150.000€ teve sempre varia-
ções positivas ao longo dos anos em análise, o que implica um crescente
número destas empresas nele enquadradas. Na generalidade dos outros
escalões verifica-se uma tendência de redução das empresas existentes,
ou um ligeiro aumento apenas de 2012 para 2013. Importa ainda referir
o aumento das empresas com volume de negócios igual a zero ou desco-
nhecido, mas que, aparentemente, continuam a manter-se em atividade.
Esta estrutura empresarial favorece a aplicação de um RST. Ou seja, existe
um elevado número de empresas, contribuintes de IRC, de muito pequena
dimensão, em condições de aderir ao regime.

  AT – Autoridade Tributária e Aduaneira, disponível em: http://info.portaldasfinan-


1

cas.gov.pt/pt/dgci/divulgacao/estatisticas/estatisticas_ir/ [2016-06-05].
62
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

3. O CONTRIBUTO DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS NO


DESENHO DE REGIME SIMPLIFICADOS

No contexto internacional, a Administração Fiscal do Reino Unido


considera importante a colaboração dos técnicos de contabilidade na cons-
trução de um sistema fiscal que tenha em consideração as particularidades
das pequenas empresas. Este contributo seria baseado na perceção dos
empresários ou dos seus representantes (e.g., associações empresariais)
na conceção de novos serviços ou iniciativas especificamente dirigidos a
este segmento empresarial (HM Revenue & Customs, 2012).
No Canadá, o Certified General Accountants Association of Canada2,
convicto da necessidade de simplificação do sistema fiscal encomendou,
em 2011, um estudo sobre o contributo das perceções dos utilizadores
(contribuintes individuais e coletivos). Em 2012, a mesma entidade orga-
nizou uma conferência com os stakeholders interessados na tributação
empresarial. Da conferência resultaram algumas recomendações a nível
de simplificação fiscal, que deve tem em conta as particularidades das
pequenas empresas, aliadas à necessidade de simplificação, sem contudo
criar a perceção de injustiça (CGAAC, 2013).
Em Portugal, a Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) tem
vindo a referir que os CC poderiam incrementar a colaboração com a
Administração Fiscal nas áreas da contabilidade e da fiscalidade. A cola-
boração seria efetuada no quadro da aplicação e execução dos princípios
do sistema fiscal (Silva, 2010). O estudo do CEF (2007) considera que
as entidades com conhecimentos dos possíveis problemas que uma nova
legislação tende a acarretar poderão apresentar contributos positivos para
a qualidade das leis.
Em muitos países, os técnicos de contabilidade, além de fornecerem
serviços contabilísticos às pequenas empresas, prestam também serviços
de consultoria técnica e financeira (Gooderham et al., 2004; IFAC, 2010).
Porém, alguns empresários ainda consideram que a contabilidade é apenas
um encargo necessário para prestar contas às autoridades fiscais. No
entanto, muitos têm necessidade de aconselhamento, não só na interpre-
tação das demonstrações financeiras mas também a nível de gestão, como
se sublinha em Financial Reporting Council (2006) e Lignier (2009). O

2
  Corresponde à Ordem dos Contabilistas Certificados em Portugal.
63
Artigos

CC deve assim ser visto como um parceiro de negócio, devendo colaborar


com as empresas, ajudando a definir, por exemplo, sistemas de controlo de
gastos, o melhor momento e montantes para um investimento ou tipos de
financiamentos a obter. A atitude dos empresários, por seu lado, também
deve mudar, buscando cada vez mais um acompanhamento profissional e
adequado, em detrimento de meros serviços contabilístico-fiscais (Silva,
2010).
Na Austrália, Marsden et al. (2012), analisando a opção por um
regime simplificado para pequenas empresas concluíram que os técnicos
de contabilidade têm um papel importante nesta opção. Entre nós, o estudo
de Alves et al. (2012) debruçou-se sobre os motivos pelos quais as micro-
empresas não aderiram em massa ao RST, que vigorou de 2001 a 2010 em
Portugal, e concluiu que o CC teve um papel fundamental sobre a escolha
do regime de tributação (cerca de 98,4% dos inquiridos).
No passado, o antigo RST, em sede do IRC criou algum desconten-
tamento na classe profissional dos CC (Portugal, 2008; Ribeiro, 2009) o
que pode justificar os resultados obtidos no estudo de Alves et al. (2012)
e pode, ainda, ter influenciado a perceção inicial dos CC relativamente
ao atual RST.
Neste trabalho, o papel dos CC é tema empírico de crucial relevo.
A perceção destes profissionais sobre os RST é fundamental, e em muito
contribuem para se entender os aspetos decisivos à sua adesão e, conse-
quentemente, o seu sucesso ou insucesso.

4. METODOLOGIA

4.1. Método de recolha de dados

O questionário foi utilizado como instrumento exclusivo de recolha


e organização dos dados primários. Foi solicitada à OCC a disponibili-
zação do questionário no respetivo website, de modo a estar acessível
a todos os CC inscritos na Ordem. O questionário esteve disponível
online desde o dia 6 de outubro de 20143 até ao dia 31 dezembro de

3
  A disponibilização do questionário no website da OCC apenas se verificou no dia
27 de outubro, respondendo ao pedido realizado em 6 de outubro de 2014.
64
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

20144. Foram também contactadas via e-mail 218 empresas e profissio-


nais5 que prestam serviços de contabilidade. Com o objetivo de obter uma
amostra de maior dimensão, procedeu-se ainda à recolha presencial de
dados nas formações realizadas pela Associação Portuguesa de Técnicos
de Contabilidade (APOTEC) e pela OCC em diversas localidades. Obti-
veram-se 108 questionários válidos via online e 207 em papel, relativa-
mente aos CC inquiridos, o que totaliza 315 questionários.
A perceção dos CC, relativamente às características que influenciam
o seu aconselhamento na adesão ao RST das empresas com as quais cola-
boram, pode ajudar a identificar as características mais importantes para o
êxito do regime. Tendo por base estudos anteriores, consideram-se várias
características que terão influenciado o aconselhamento e a adesão, ou
não adesão, ao regime simplificado que teve início no ano fiscal de 2014
(Alves et al., 2012; Marsden et al., 2012; Smulders et al., 2012).
Segundo Marsden et al. (2012), as principais características que
poderão influenciar o aconselhamento dos técnicos de contabilidade pela
opção de regimes simplificados são a minimização do imposto a pagar e
a redução dos custos de cumprimento. Estes autores concluíram que os
técnicos de contabilidade aconselharam, maioritariamente, os regimes
simplificados tendo por base a primeira opção, ou seja, a redução do
imposto a pagar. Este é um aspeto muito relevante, pois permite intuir
que a comparação do montante do imposto a pagar nos dois regimes –
normal e simplificado – será o fator primordial na decisão sobrepondo-se
à simplificação das obrigações contabilísticas e fiscais. A simplificação
propriamente dita não é, pois, o fator cimeiro que influi na decisão.
No estudo de Alves et al. (2012), a opção das empresas, quanto ao
RST que vigorou de 2001 a 2010, foi baseada na gestão fiscal de modo a
obter uma poupança no pagamento de imposto. As características apre-
sentadas neste estudo relativas à opção dos empresários pelo antigo RST

4  Saunders et al. (2009) considera que a recolha de dados dos questionários online

deve ser feita entre 2 a 6 semanas, dependendo do número de respostas pretendidas. No


entanto, como foram efetuados contactos via e-mail e presenciais, os questionários esti-
veram disponíveis online cerca de 3 meses, desde dia 6 de outubro a 31 de dezembro de
2014
5  As empresas e os profissionais que prestam serviços de contabilidades foram ale-

atoriamente selecionadas por pesquisa na internet entre 20 de novembro e 5 de dezembro


de 2014.
65
Artigos

são: o pagamento de IRC é inferior ao que resultaria se optasse pelo


regime geral da contabilidade organizada; a facilidade no conhecimento
do cálculo do lucro fiscal e o esquecimento/erro de opção pelo regime de
contabilidade organizada. As possíveis características pela não opção deste
RST, no mesmo estudo, são as seguintes: o pagamento do IRC é inferior
no regime normal ao que resultaria da aplicação do regime simplificado;
as obrigações contabilísticas e fiscais são iguais nos dois regimes, não
existindo simplificação; o apuramento do lucro deve partir do resultado
da atividade evidenciado pela contabilidade, e a obrigação de estar três
anos no regime simplificado6.
Smulders et al. (2012), num estudo sobre custos de cumprimento,
consideraram vários motivos para a não adesão por parte das pequenas
empresas aos regimes especiais de tributação. Os possíveis fundamentos
encontrados foram os seguintes: o aconselhamento do técnico de conta-
bilidade; o maior pagamento de impostos utilizando o regime especial;
as regras do regime serem demasiado complexas e o aumento dos custos
externos e internos com a contabilidade. Os resultados evidenciaram que
o principal motivo das pequenas empresas para a não adesão aos regimes
especiais, resulta, essencialmente, de as regras destes regimes especiais
serem vista como demasiado complexas.
Tendo em consideração o que até aqui se referiu pretende-se, com
este trabalho, dar resposta, através de uma análise empírica descritiva7,
a duas questões:

Questão 1 – A poupança de IRC resultante da aplicação do RST,


comparativamente ao regime geral, é a principal carac-
terística que influencia o aconselhamento à sua adesão,
por parte dos CC?
Questão 2 – O incremento de IRC a pagar no RST, comparativa-
mente ao regime geral, é a principal característica que
influencia o não aconselhamento à sua adesão, por
parte dos CC?

6  De referir que o artigo de Alves et al. (2012) tem por base o estudo realizado por

Portela (2010).
7  O leitor interessado pode encontrar em Dâmaso (2015) uma análise empírica

bastante mais completa.


66
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

No ponto seguinte é apresentada a definição e a caracterização da


amostra.

4.2. Amostra

Os CC inscritos na respetiva Ordem à data de 2014-10-01, totali-


zavam 71.9058. No entanto, é sabido que alguns CC, apesar de estarem
inscritos na Ordem que os representa, não exercem essa atividade. Estima-
-se que existam “cerca de 30.000”9 CC exercendo a respetiva profissão.
Ou seja, apenas cerca de 41,7% dos CC inscritos na Ordem exercem a
respetiva profissão. Dos 315 CC inquiridos, cifra-se em 259 (82,2%) os
que exercem a profissão de CC e em 56 (17,8%) os que não exercem a
profissão, apesar de estarem inscritos como tal10.
A tabela 2 apresenta a caracterização da amostra. Dos 315 CC inqui-
ridos, cerca de 50,2% são mulheres e 49,8% são homens o que signi-
fica que não se verifica grande divergência entre géneros. Os inquiridos
pertencem maioritariamente ao escalão etário de 31 a 40 anos (34,3%) e
41 a 50 anos (30,5%). Estes trabalham na profissão de CC, maioritaria-
mente, há mais de 21 anos (27,9%), entre 11 e 15 anos (19%), entre 16 e
20 anos (18,7%) e entre 6 e 10 anos (18,1%). E detêm maioritariamente
habilitações literárias ao nível do bacharelato ou da licenciatura (62,2%)
e 22,5% possuem pós-graduação ou mestrado ou doutoramento.

8  Informação disponível no website da OCC: http://www.occ.pt/pt/membros/

[2014-12-05].
9  Informação disponibilizada pela OCC via “pasta CC” em 2014-12-22, solicitada

em 2014-11-11.
10  Estes dados foram obtidos através da primeira questão do questionário direcionado

aos CC. Pode-se considerar uma questão de controlo, já que permite a divisão entre os CC
que, exercendo a respetiva profissão podem aconselhar o RST e os que, não exercendo a
profissão não iriam responder às questões de aconselhamento do RST.
67
Artigos

TABELA 2: CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA

Item (%)

Antiguidade na profissão
Até 2 anos 6,3
3 a 5 anos 9,8
6 a 10 anos 18,1
11 a 15 anos 19,0
16 a 20 anos 18,7
21 ou mais anos 27,9
Total 100

Idade
Até 25 anos 1,9
26 a 30 anos 4,1
31 a 40 anos 34,3
41 a 50 anos 30,5
51 a 55 anos 8,6
56 ou mais anos 20,6
Total 100

Género
Feminino 50,2
Masculino 49,8
Total 100

Habilitações Literárias
Até ao 9º ano de escolaridade 1,6
12º ano de escolaridade 13,7
Bacharelato/Licenciatura 62,2
Pós-graduação/Mestrado/ Doutoramento 22,5
Total 100
Inquiridos (N) 315

Fonte: Adaptado de Dâmaso (2015:119)


68
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Devido à reduzida dimensão das empresas portuguesas é frequente os


CC prestarem serviços a várias empresas. A tabela 3 apresenta as frequên-
cias absolutas e relativas do número de empresas que os CC inquiridos
prestam serviço.

TABELA 3: NÚMERO DE EMPRESAS QUE OS CC PRESTAM SERVIÇOS

Nº Empresas Frequência Percentagem


1 empresa 20 7,7
2 – 10 empresas 87 33,6
11 a 20 empresas 69 26,6
21 ou mais empresas 83 32,0
Total 259 100,0

Fonte: Dâmaso (2015:121)

A maioria dos CC inquiridos presta serviços para 2 a 10 empresas


(33,6%) e a mais de 21 empresas (32%). A prestação de serviços a várias
empresas, pelos CC, pode significar que estes colaboram quer com enti-
dades que reúnem os requisitos de estarem enquadradas no RST, quer com
outras que os não apresentam. E, ainda, que pela diversidade das atividades
e realidades diferenciadas, algumas empresas podem conseguir ganhos
fiscais com a adesão ao RST e outras não.

5. RESULTADOS

5.1. O aconselhamento do novo RST

A tabela 4 apresenta a distribuição das frequências do aconselha-


mento do novo RST, por parte dos CC, que exercem a respetiva pro-
fissão.
69
Artigos

TABELA 4: ACONSELHAMENTO DO NOVO RST

Aconselhamento do RST Frequência


Sim 24
Não 176
Algumas empresas sim e outras não (caso
exerça a atividade de CC para várias 59
empresas)

Total 259

Fonte: Adaptado de Dâmaso (2015:132) e Dâmaso e Martins (2015:80)

Dos CC inquiridos, 176 (correspondendo a 68% do total) não acon-


selharam a adesão ao RST às empresas a quem prestam serviço. Apenas
24 dos inquiridos (correspondendo a 9% do total) aconselharam o RST.
E, adicionalmente, 59 dos inquiridos (correspondendo a 23% do total)
consideraram que, pela diversidade e especificidade das empresas a quem
prestam serviços, aconselharam o RST em alguns casos e noutros não.
No estudo de Portela (2010), a opção pelo RST das empresas consti-
tuídas no ano de 2008, e que cumpriam os critérios de enquadramento, foi
feita, maioritariamente, por aconselhamento do CC. Os resultados obtidos
nesse estudo, em relação ao antigo RST, indicam que 4 empresas optaram
pela adesão ao RST e 59 pelo regime geral de tributação. Os dados do
presente estudo confirmam que a larga maioria dos CC não aconselhou a
adesão ao RST. Adiante se verão as razões.
Os problemas sentidos por alguns profissionais no antigo RST podem
ter causado uma perceção negativa que, porventura, se terá refletido no
não aconselhamento do novo regime. Os CC, como principal interveniente
de acompanhamento contabilístico e fiscal das microempresas, devem ter
uma perceção favorável do RST, para que o aconselhem. Esta “interme-
diação” dos CC é assim de grande importância para a efetiva adesão das
pequenas sociedades ao regime.
Dos CC inquiridos, 91,6% considerou necessária uma explicação
prévia, a nível contabilístico ou fiscal, aos empresários a quem prestam
serviços para justificar o aconselhamento quanto à opção pelo RST.
Apenas sete inquiridos consideraram não existir necessidade de qualquer
70
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

explicação aos clientes a quem prestam serviços. Estes resultados estão


de acordo com os obtidos no estudo de Marsden et al. (2012), no qual a
maioria dos técnicos de contabilidade entrevistados aconselhou e explicou
aos seus clientes os benefícios da adesão a regimes especiais de tributação.

5.2. A principal característica de um RST que influencia o seu acon-


selhamento

Dos 83 inquiridos que aconselharam o novo RST, 76 ordenaram as


características que influenciaram essa decisão: 26 apenas consideraram
apenas uma opção, 10 consideraram duas opções e 36 a totalidade das
opções. A tabela 5 apresenta a hierarquização das características que
influenciaram o aconselhamento do RST.

TABELA 5: HIERARQUIZAÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS


QUEINFLUENCIARAM O ACONSELHAMENTO DO RST

1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª
Características   opção opção opção opção opção opção
Simplificação do cálculo do
5 7 13 9 6 1
imposto
O IRC a pagar será inferior com
a opção pelo regime simplificado 50 11 3 1 0 0
comparativamente ao regime geral
Redução dos custos de cumprir as
4 3 8 10 11 4
obrigações tributárias
Menor probabilidade de inspeção
1 3 3 3 6 23
tributária
Diminui os requisitos
contabilísticos, caso opte
0 2 6 12 11 7
pelo regime contabilístico das
microentidades
Dispensa o pagamento especial por
16 24 7 3 3 1
conta (PEC)
Total 76 50 40 38 37 36

Fonte: Dâmaso (2015:134) e Dâmaso e Martins (2015:80).


71
Artigos

A primeira escolha da maioria dos CC inquiridos foi claramente a


redução do imposto a pagar no RST comparativamente ao regime geral;
50 de um total de 76, correspondendo a 65,8%. Este resultado permite
considerar que esta é a principal característica que influencia o aconselha-
mento do RST. Aquando da análise deste RST11 já se tinha referido que
se poderia verificar uma redução de imposto a pagar, principalmente no
caso das empresas apresentarem uma estrutura reduzida de gastos, i.e., o
RST pode beneficiar as empresas que não registam perdas fiscais (PwC
Portugal, 2013; Seara, 2014; Miranda, 2015).
O esforço da simplificação contabilística e fiscal não é reconhecido
como a principal característica para o aconselhamento do RST. O acon-
selhamento da adesão ao regime é sim efetuado caso exista uma menor
carga fiscal, comparativamente com o regime geral. Este resultado está em
consonância com os obtidos por Portela (2010) relativamente ao antigo
RST, em que se concluiu que a opção era feita em função da economia de
imposto. Aos mesmos resultados chegaram Marsden et al. (2012), num
estudo realizado na Austrália.
Confirma-se, assim, que tanto em Portugal como em outros países a
minimização de imposto a pagar é o principal fator na adesão de um RST.
Estes resultados que, como se viu, também se verificam noutros países,
não são surpreendentes. O apuramento dos custos/benefícios da simplifi-
cação fiscal propriamente dita é mais complexo e vago comparativamente
à poupança ou ao agravamento de imposto a pagar. Estes últimos são,
inegavelmente, de cálculo mais objetivo e claro. Tal significa, a nosso ver,
a necessidade de separar bem os efeitos da simplificação relativamente
a dois tópicos: redução de custos de cumprimento e redução imposto
a pagar.
A segunda escolha dos inquiridos relativamente à “1ª opção”12 foi a
dispensa de PEC, com uma frequência de 16 no total de 76 (correspon-
dendo a 21,1%). A dispensa do PEC é, na “2ª opção”, a primeira escolha,
verificando uma frequência de 24 no total de 50 (correspondendo a 48%).
A segunda escolha na “2ª opção” é a redução do imposto a pagar, com
uma frequência de 11 no total de 50 (correspondendo a 22%), o que

11  Ver artigo “A evolução normativa e os fatores de adesão ao regime simplificado

em sede do IRC: (i) síntese da evolução normativa”


12  Ver tabela 5.
72
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

confirma, novamente, a sua importância na decisão de aconselhamento


do RST.
A dispensa do pagamento especial por conta (PEC) foi considerada
uma vantagem já no antigo RST (Faustino, 2004; CEF, 2007; Ribeiro,
2009) e, também, no que teve início em 2014 (Madeira, 2014; Seara,
2014). Pode considerar-se que a manutenção desta característica no novo
RST é favorável à sua adesão, pela importância atribuída pelos CC. O PEC
parece ser entendido como um elemento de simplificação, que permite
algum controlo dos contribuintes e um meio de combate à fraude e evasão
fiscal (CEF, 2007).
A simplificação do cálculo do imposto é o item que obtém mais
frequência na “3ª opção” e é a terceira preferência na “1ª e 2ª opções”.
Pelos resultados parece-nos que os CC inquiridos entendem que este
RST simplifica realmente o cálculo do IRC. As limitações das tributações
autónomas e das deduções à coleta, podem tornar o cálculo de imposto
mais simples.
A redução dos custos de cumprimento e a diminuição dos requisitos
contabilísticos, caso se opte pelo regime contabilístico das microentidades,
são as principais escolhas na “4ª e 5ª opções”. Para os CC inquiridos,
um dos principais objetivos dos regimes simplificados, a diminuição dos
custos de cumprimento (WBG, 2007; OECD, 2009), não está nas três
primeiras características que influenciam o seu aconselhamento. Este
resultado deve-se, possivelmente, ao facto de que o RST não simplifica
outras obrigações fiscais. Daí que possa não diminuir significativamente
os custos de cumprimento. No estudo de Marsden et al. (2012), os técnicos
de contabilidade consideraram que os regimes especiais para as pequenas
empresas não reduziam os custos de cumprimento. Pelo contrário, em
alguns casos, até os aumentavam. Em relação ao regime contabilístico
para as microentidades, provavelmente estas empresas já o utilizam, pelo
que este fator não é considerado relevante.
Por fim, a menor probabilidade de inspeção tributária foi conside-
rada como última opção. Este resultado pode indicar que os CC inqui-
ridos consideram que, pelo facto de as empresas estarem no RST, tal não
significa uma relação com a AT mais simples e menos exigente a nível
de inspeções.
Após a análise dos resultados supomos que poderemos responder à
questão 1 – a poupança de IRC resultante da aplicação do RST, compa-
73
Artigos

rativamente ao regime geral, é a principal característica que influencia o


aconselhamento à sua adesão, por parte dos CC?
Os resultados das estatísticas descritivas evidenciam que “o IRC
a pagar será inferior com a opção pelo regime simplificado comparati-
vamente ao regime geral”, está na primeira opção dos CC, sendo esta a
principal característica no desenho do RST que influenciou o aconselha-
mento à sua adesão.

5.3. A principal característica de um RST que influencia o seu não


aconselhamento

Dos 235 inquiridos que não aconselharam o novo RST, 206 CC


ordenaram as características que influenciaram esta decisão. Destes inqui-
ridos, 66 ordenaram a totalidade das características, 94 apenas considerou
uma opção e 23 consideraram duas opções. A tabela 6 apresenta a hierar-
quização das características que influenciaram o não aconselhamento
do RST.
74
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

TABELA 6: HIERARQUIZAÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS


QUE INFLUENCIARAM O NÃO ACONSELHAMENTO DO RST

1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª
Características
opção opção opção opção opção opção opção opção

As regras do regime
simplificado são demasiado 12 5 9 6 11 14 6 17
complexas
O IRC a pagar seria
superior se optasse pelo
regime simplificado 93 26 7 6 5 3 5 2
comparativamente ao
regime geral
Aumento dos custos de
cumprir as obrigações 4 8 7 12 10 15 16 4
tributárias
Maior complexidade
na relação com a 4 3 7 14 12 17 12 5
Administração Fiscal
Não simplificação de outras
8 13 22 13 15 6 4 1
obrigações fiscais
A(s) empresa(s) para as
quais exerce a atividade
de CC, não cumprem
65 27 15 5 3 4 7 6
os requisitos de estar
enquadrada(s) no regime
simplificado
Legislação do regime
simplificado não estava 4 10 5 9 6 4 10 24
disponível atempadamente
Não concorda com os
coeficientes aplicados
à(s) atividade(s) da(s) 16 20 17 10 9 7 8 7
empresa(s) para as quais
exerce a atividade de CC
Total 206 112 89 75 71 70 68 66

Fonte: Dâmaso (2015:137) e Dâmaso e Martins (2015:81).


75
Artigos

Na “1ª opção” relativa às características pelo não aconselhamento do


RST a que apresenta maior frequência é o incremento do imposto a pagar
no RST em comparação com o regime geral (93 inquiridos, que corres-
ponde a 45,1% do total). Este resultado permite considerar que esta é a
principal característica influenciadora do não aconselhamento à adesão ao
RST. Ou seja, a escolha do regime é, como seria de esperar face ao que já
se viu, feita em função da minimização do imposto a pagar.
Em segundo lugar, nos fatores de não aconselhamento à adesão ao
regime, surge o facto de as empresas a quem os CC prestam serviços
não cumprirem os requisitos de estarem enquadradas (65 inquiridos, que
corresponde a 31,6%). Sabendo que a estrutura empresarial portuguesa é
composta maioritariamente por microempresas, e que cerca de 47% destas
apresentam um volume de negócios inferiores a 150.000€13, parece-nos
um valor bastante elevado, para o não enquadramento no RST.
O facto das empresas a quem presta serviço não ser passíveis de
enquadramento no RST, é ainda a característica que na “2ª opção” tem a
maior frequência com 27 inquiridos (correspondendo a 24,1% do total).
Este valor é muito próximo do resultado da segunda escolha da “2ª opção”,
respeitante, novamente, ao incremento de imposto a pagar, com 26 inqui-
ridos (correspondendo a 23,2%).
É de salientar que a característica de “não concordar com coeficientes
aplicados às atividades das empresas para as quais exerce a atividade de
CC” surge na terceira preferência na “1ª e 2ª opções”, e como segunda
preferência na “3ª opção”. Estes resultados evidenciam que, apesar dos
esforços realizados para ajustar os coeficientes às atividades, os CC inqui-
ridos ainda não consideram que sejam os mais adequados. No antigo
RST a desadequação dos coeficientes já tinha sido referida, uma vez que
esse regime apresentava apenas dois (Faustino, 2004; Alves et al., 2012).
Esta maior adaptação dos coeficientes às atividades é considerada uma
vantagem do novo RST, já que poderá significar uma tributação mais justa
(Madeira, 2014). No entanto, pela perceção dos CC inquiridos, parece-nos
que o novo RST ainda não conseguiu resolver, completamente, o problema
de adequação dos coeficientes. Todavia, à medida que num regime simpli-
ficado se aumenta o número de coeficientes, tal pode redundar num
excessivo e complexo fine tuning. Os RST são concebidos para serem

13
  Dados referentes ao ano de 2013 (tabela 1).
76
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

aplicados a um elevado número de pequenas entidades, em que o afasta-


mento das efetivas condições económicas dos contribuintes que pode advir
de um coeficiente “cego” é compensado pela redução de custos de cum-
primento.
As características de “não simplificação de outras obrigações fiscais”
e “maior complexidade na relação com a Administração Fiscal” são as
preferências na “3ª, 4ª, 5ª e 6ª opções”, alternadamente para o não aconse-
lhamento à adesão do RST. Ou seja, na “3ª e 5ª opções” a preferência vai
para “não simplificação de outras obrigações fiscais”, e na “4ª e 6ª opções”
a escolha recai na “maior complexidade na relação com a Administração
Fiscal”. A “não simplificação de outras obrigações fiscais” apresenta-se
como uma desvantagem referida pelos inquiridos, que já sido apontada ao
antigo regime (Faustino, 2004). Um RST, por definição, deve simplificar.
Porém, pela perceção dos CC inquiridos, este RST além de não simpli-
ficar outras obrigações fiscais, leva ainda a uma maior complexidade na
relação com a Administração Fiscal.
No seguimento das características anteriores, o aumento dos custos de
cumprimento é a principal escolha na “7ª opção”. Este resultado também
se verifica no estudo de Marsden et al. (2012), no qual os técnicos de
contabilidade consideraram que os regimes especiais podem, em alguns
casos, aumentar os custos de cumprimento. As pequenas empresas, quando
questionadas sobre a opinião geral dos regimes especiais, consideraram
em maior percentagem que é uma “perda de tempo”, e que seria preferível
uma taxa mais baixa e de fácil aplicação. No estudo de Smulders et al.
(2012), a principal característica referida para a não adesão das empresas
aos regimes especiais foi a complexidade das suas regras. No nosso
estudo, a característica “as regras do regime simplificado são demasiado
complexas” é a quarta preferência na “1ª e 3ª opções”, e a terceira prefe-
rência na “5ª e 6ª opções”. Estes resultados mostram que esta caracterís-
tica, apesar de não estar nas primeiras preferências, afeta a perceção dos
CC sobre a complexidade nas regras do regime.
Ou seja, e como também já se disse, todos os regimes fiscais especiais
que, como os RST, se afastam do regime regra, criam problemas de apli-
cação. Tal é um argumento adicional para que se pondere, junto da admi-
nistração fiscal e dos contribuintes, sobre a criação deste tipo de regimes.
Tendo em conta os resultados apresentados consideramos que
poderemos responder à questão 2 – o incremento de IRC a pagar no
77
Artigos

RST, comparativamente ao regime geral, é a principal característica que


influencia o não aconselhamento à sua adesão, por parte dos CC?
Os resultados das estatísticas descritivas evidenciam que o não
aconselhamento à adesão do RST é, principalmente, por “o IRC a pagar
seria superior se optasse pelo regime simplificado comparativamente ao
regime geral”.
Em síntese, podemos considerar que o aconselhamento ou não
aconselhamento, por parte dos CC, às empresas a quem prestam serviços
emerge, principalmente, em função do imposto a pagar. Em que podemos
distinguir dois casos. No primeiro caso, o aconselhamento efetua-se
porque no RST obtém-se uma poupança de imposto a pagar. No segundo
caso, o não aconselhamento resulta de que optando pelo RST, se verificar
um incremento de imposto. Estes factos levam-nos a considerar que os
CC, além de terem uma influência preponderante na adesão ou não do
RST, através do seu aconselhamento, colaboram na gestão fiscal dos seus
clientes, a quem prestam serviço.
Os esforços de simplificação, tais como o processo de cálculo de
imposto ou a isenção de alguns anexos na IES, não são percecionados
pelos CC como suficientes para o aconselhamento do regime.
A minimização do imposto a pagar aparece assim como uma carac-
terística principal na aplicação do RST. Sobressai, também, a questão da
adequação dos coeficientes utilizados no cálculo do imposto, para que a
maioria das pequenas sociedades, passiveis de enquadramento, possam
obter vantagem fiscal com a adesão ao RST.

6. CONCLUSÃO

O novo RST em sede de IRC que teve início no exercício econó-


mico de 2014, utiliza um método indireto no cálculo da matéria coletável,
já que emprega indicadores com base na atividade empresarial e tipo
de rendimento. Os CC têm um papel importante no acompanhamento e
aconselhamento à adesão de regimes especiais para as empresas de menor
dimensão (Alves et al., 2012; Marsden et al., 2012). Assim, podem existir
características no desenho destes RST que influenciam positiva ou nega-
tivamente o aconselhamento à sua adesão, por parte destes profissionais.
O objetivo deste artigo é verificar quais foram estas características.
78
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Obtiveram-se 315 questionários válidos aplicados aos CC, de 6 de


outubro a 31 de dezembro de 2014. Os resultados evidenciam que apenas
9% dos CC recomendaram a adesão ao RST e que 68% não o fizeram. Os
restantes 23% consideram as especificidades de cada uma das empresas a
quem prestam serviços, aconselharam-no somente a algumas empresas.
Estes resultados estão em consonância com os obtidos por Portela (2010),
que demostram que, no RST que vigorou entre 2001 e 2010, a maioria
das empresas não optou pelo RST.
De acordo com os resultados, podemos concluir que os CC colaboram
com a gestão fiscal dos seus clientes e aconselharam a adesão do RST em
função da minimização do imposto a pagar, em que podemos distinguir
dois casos. No primeiro caso, o aconselhamento efetua-se porque no RST
obtém-se uma poupança de imposto a pagar. No segundo caso, o não acon-
selhamento é devido ao incremento de imposto que resultaria da opção
pelo RST, em comparação ao regime geral. Resultados análogos foram
obtidos por Portela (2010), em Portugal relativamente ao anterior RST e
por Marsden et al. (2012) na Austrália.
A dispensa do PEC surge nos resultados como a segunda caracterís-
tica, que os CC têm em consideração, no aconselhamento ao RST. Esta
característica já tinha sido referida como uma vantagem no antigo RST
(Faustino, 2004; CEF, 2007; Ribeiro, 2009) e também no novo, que teve
início em 2014 (Madeira, 2014; Seara, 2014). Pode concluir-se que a
manutenção desta característica, no novo RST, pode influenciar favora-
velmente o seu sucesso.

Bibliografia

Alves, M. D. C. G.; Portela, R. V.; Sanches, P. S. (2012). “Contributos para Uma


Tributação Simplificada das Pequenas Entidades”. Tourism & Management
Studies, 151-168.
CEF, D. G. C. I. (2007). Simplificação do sistema fiscal português: relatório do Grupo
de Trabalho criado por Despacho do Ministro de Estado e das Finanças, de
20 de Abril de 2005. Lisboa, Centro de Estudos Fiscais.
CGAAC. (2013). Tax Simplification: Benefits and Political Challenges in a Cana-
dian Context. Certified General Accountants Association of Canada. Disponível
em: http://www.cga-canada.org/en-ca/ResearchReports/ca_rep_2012-12_tax_
summit.pdf [2014-04-20].
79
Artigos

Dâmaso, M. (2015). A Simplificação Fiscal em Portugal – A perceção sobre o


regime simplificado para as pequenas sociedades no contexto da tributação
do rendimento, Tese de Doutoramento em Gestão de Empresas pela Facul-
dade de Economia da Universidade de Coimbra. Coimbra, Universidade de
Coimbra.
Dâmaso, M.; Martins, A. (2015). “The New Portuguese Simplified Tax Regime for
Small Business”. Journal of Accounting and Finance, 15(5), 76-84.
Faustino, M. (2004). “Os Regimes Simplificados de Tributação em IRS, IRC e IVA”.
Gabinete de Estudos da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas.
Financial Reporting Council. (2006). Review of how accountants support the needs
of small and medium-sized companies and their stakeholders. Professional
Oversight Board for Accountancy. Disponível em: https://www.frc.org.uk/
getattachment/83c7556a-ffa5-4283-b09f-84d120f76ab0/Review-of-how-
-accountants-support-the-needs-of-small-and-medium-sized-companies-and-
-their-stakeholders-Update-December-2007.aspx [2014-04-04].
Gooderham, P. N.; Tobiassen, A.; Døving, E.; Nordhaug, O. (2004). “Accountants
as Sources of Business Advice for Small Firms”. International Small Business
Journal, 22(1), 5-22.
HM Revenue & Customs. (2012). Making tax easier, quicker and simpler for
small business. Disponível em: http://webarchive.nationalarchives.gov.
uk/20140206174939/http://www.hmrc.gov.uk/budget2012/sme-4756.pdf
[2014-04-04].
IFAC. (2010). The Role of Small and Medium Practices in Providing Business Support
to Small- and Mediumsized Enterprises. International Federation of Accoun-
tants. Disponível em: http://www.ifac.org/sites/default/files/publications/files/
the-role-of-small-and-mediu.pdf [2014-03-10].
Lignier, P. (2009). “The Managerial Benefits of Tax Compliance: Perception by Small
Business Taxpayers”. eJournal of Tax Research, 7(2), 106-133.
Madeira, M. P. (2014). Os regimes simplificados em sede de Imposto sobre o Rendi-
mento das Pessoas Coletiva (IRC): análise comparativa entre Portugal e
Espanha, Dissertação de Mestrado em Contabilidade e Finanças pela Facul-
dade de Economia da Universidade de Coimbra. Coimbra, Universidade de
Coimbra.
Marsden, S. J.; Sadiq, K.; Wilkins, T. (2012). “Small business entity tax concessions:
through the eyes of the practitioner”. Revenue Law Journal, 22(1), 1-19.
Miranda, E. (2015). Regime simplificado em IRC seduz 17 mil empresas. Jornal de
Negócios, 2015-01-26.
OECD. (2009). Taxation of SMEs – Key Issues and Policy Considerations. OECD
Tax Policy Study, nº 18. Disponível em: http://www.oecd.org/ctp/tax-policy/
taxation-of-smes-9789264024748-en.htm [2016-03-01].
Portugal, M. (2008). “O regime simplificado em IRC”. Câmara dos Técnicos Oficiais
de Contas, Outubro(103), 23-26.
80
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

PwC Portugal. (2013). Simulação de Tributação considerando o Regime Geral vs


Regime Simplificado Disponível em: http://www.pwc.pt/pt/pwcinforfisco/
imagens/2013/pwc-simulacao-irc-simplificado.pdf [2013-11-11].
Ribeiro, J. S. (2009). Reflexões sobre o regime simplificado: a sua suspensão no
domínio do IRC. 58. Scientia Ivridica.
Saunders, M.; Lewis, P.; Thornhill, A. (2009). Research methods for business students,
Fifth edition. Pearson Education.
Seara, M. T. M. G. F. (2014). O regime simplificado de tributação em IRC-problemas
de regime e de harmonização. Dissertação de mestrado em Direito Fiscal pela
Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa. Porto, Univerdi-
dade Católica Portuguesa.
Silva, N. D. (2010). “O TOC tem de ser o parceiro mais próximo do empresário –
Entrevista a Domingues de Azevedo”. Revista da Ordem dos Técnicos Oficiais
de Contas, Março(120), 6-12.
Smulders, S.; Stiglingh, M.; Franzsen, R.; Fetcher, L. (2012). “Tax compliance costs
for the small business sector in South Africa – establishing a baseline”. eJournal
of Tax Research, 10(2), 184-226.
Viola, G. R. (2001). “A Reforma Fiscal e os TOC”. Revista da Câmara dos Técnicos
Oficiais de Contas, Outubro(19), 30.
WBG. (2007). Designing a Tax System for Micro and Small Businesses: Guide for
Practitioners. The World Bank Group (International Finance Corporation, in
collaboration with DFID). Disponível em: https://www.wbginvestmentclimate.
org/uploads/Designing_Tax_Systems.pdf [2015-07-01].
Paulo Caldeira
Ana Clara Borrego
José de Campos Amorim

Gestão fiscal nas pequenas empresas e a importância


da forma jurídica: a opção entre ENI
e sociedades por quotas

 
Paulo Caldeira
Mestrando em Contabilidade e Finanças pela Escola Superior
de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Portalegre

Ana Clara Borrego


 
Doutorada em Contabilidade pela Universidade do Minho.
Professora Adjunta no Instituto Politécnico de Portalegre

José de Campos Amorim


Doutorado em Direito Público.
Professor Coordenador da área do Direito Fiscal no ISCAP
82
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

RESUMO

Nas pequenas empresas, a constituição jurídica de sociedades por quotas tende a


apresentar-se como a solução fiscalmente mais vantajosa, comparativamente com o regime
do empresário em nome individual, nos casos em que os sócios optem pelo englobamento
dos lucros distribuídos e, simultaneamente, seja possível fazer uso do benefício previsto
no artº 40º-A do CIRS.

Palavras chave:
Empresário em nome individual
Gestão fiscal
Sociedades por quotas

ABSTRACT

Data suggest that, in small businesses, the establishment of limited companies


tends to be the most advantageous tax solution, compared to sole trader businesses, in the
cases where the partners opt for the aggregation of profits in their income tax forms, when
they can make use of the benefit provided in article 40-A of the Individual Income Code.

Key words:
Sole trader businesses
Tax management
Limited companies
83
Artigos

1. INTRODUÇÃO

O tecido empresarial português é constituído essencialmente por


micro, pequenas e médias empresas que procuram administrar os seus
recursos e fazer uma boa gestão dos mesmos. As preocupações destas
empresas centram-se, geralmente, nas questões mais imediatas como a
gestão de produção, gestão comercial e de tesouraria, e não na gestão
fiscal, a qual é, muitas vezes, relegada para segundo plano sobretudo nas
empresas de menor dimensão.
As grandes empresas, pelo contrário, consideram, cada vez mais, a
gestão fiscal como uma ferramenta de gestão, tal como as outras áreas.
A pressão da competitividade e dos resultados sobre os gestores, a dimi-
nuição sistemática das margens de comercialização, o aumento dos
custos de matérias-primas e outros gastos de fabrico e o aumento da
carga fiscal tem obrigado os gestores a encarar a fiscalidade como um
outro custo a ser gerido e reduzido ao mínimo possível (Castro & Neves,
2008).
Assim, “A gestão fiscal consiste no estudo e planeamento do acesso a
benefícios fiscais e incentivos financeiros e no uso de alternativas fiscais,
permitidas pela Lei, de modo a que sejam prosseguidos os objectivos da
empresa.” (Gomes, 2005, p. 14). Importa, ainda, realçar que a gestão fiscal
permite, para além de uma poupança fiscal, que as empresas se tornem
mais competitivas nacional e internacionalmente.
Perante a importância desta questão, pretendemos através deste
artigo demonstrar que a gestão e o planeamento fiscais são possíveis e
desejáveis em empresas de pequenas e médias dimensões. Para o efeito,
utilizaremos quatro casos práticos com vista a aferir se é fiscalmente mais
vantajoso constituir uma sociedade por quotas (ou unipessoal por quotas)
ou desenvolver a atividade como ENI (Empresário em Nome Individual)
ou Profissional, dilema com o qual os empresários e os contabilistas que
os assessoram muitas vezes se debatem.
Deste modo, o objetivo deste trabalho é demonstrar, a partir de
casos práticos, o impacto que a escolha da forma jurídica das empresas
de pequena dimensão tem no imposto sobre o rendimento a pagar, bem
como, escolher, para cada um dos casos práticos, a forma jurídica que, no
seu conjunto – atividade empresarial e contexto pessoal do empresário –
seja menos onerosa em termos fiscais.
84
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Os contribuintes não estão impedidos de fazer as opções que lhes


sejam fiscalmente mais vantajosas, contando que o façam dentro dos
limites da legalidade, ou seja, desde de que agindo dentro de comporta-
mentos intralegem, isto é, fazendo uso das opções, exclusões, excepções
e benefícios previstos na própria legislação (Oliveira, 2009).
Esta questão de planeamento e gestão fiscal deve ser entendida, de
acordo com vários autores (Nabais, 2004, 2010; Sanches, 2006, 2010;
Oliveira, 2012), como o direito à “redução da carga fiscal pela qual o
sujeito passivo (…) escolhe, entre as várias soluções que lhe são propor-
cionadas pelo elemento jurídico, aquela que, por acção intencional ou
emissão do legislador, está acompanhada de menos encargos fiscais”
(Sanches, 2006, p. 26)

2. AS FORMAS JURÍDICAS DAS PEQUENAS EMPRESAS E


SUAS IMPLICAÇÕES FISCAIS

As empresas podem escolher entre várias formas jurídicas, quer


societárias, quer não societárias, para desenvolverem a sua atividade.
De entre as várias formas jurídicas societárias previstas no ordenamento
jurídico português, as sociedades por quotas e as sociedades unipessoais
por quotas são as formas mais frequentemente utilizadas pelas micro e
pequenas empresas.
Além das formas jurídicas societárias, o empresário pode optar pela
via profissional ou desenvolver a sua atividade na qualidade de Empre-
sário em Nome Individual (ENI)1. Tais regimes têm repercussões a vários
níveis, nomeadamente em matéria de responsabilidade social e tributária,
esta última, nos termos que a seguir desenvolveremos.
Para tal, centraremos o nosso estudo nas formas jurídicas mais
comuns nas pequenas empresas, por um lado, os ENI (e profissionais) e,
por outro lado, as sociedades por quotas.

1  ENI e Profissionais são ambas formas jurídicas individuais, que se distinguem

pelo facto das últimas se encontrarem elencadas no art.º 151º do CIRS. As primeiras são
identificadas pelo CAE (Código de Atividade Económica) e as segundas pelos códigos
constantes no referido artigo.
85
Artigos

A partir deste estudo, analisaremos através de casos práticos as dife-


renças existentes em matéria fiscal entre a atividade empresarial desen-
volvida por uma sociedade unipessoal por quotas (ou sociedade por
quotas) e por um ENI (ou profissional). No caso de uma sociedade, esta
será tributada em sede de IRC (art.º 3º, nº 1, al. a) do CIRC); tratando-se
de um empresário em nome individual, este será enquadrado em sede de
IRS, sendo a atividade profissional tributada na categoria B (art. 3º, 4º,
28º a 39º do CIRS).
Relativamente ao cálculo da matéria coletável, não existe grandes
diferenças entre a tributação em sede de IRC e de IRS, devido ao facto
de o CIRS, através do seu art.º 32º, remeter a tributação dos rendimentos
gerados pelos sujeitos passivos enquadrados no regime de contabilidade
para o CIRC (com as devidas adaptações), residindo apenas algumas
diferenças resultantes das limitações previstas no art.º 33º do CIRS (ver
figura 1).

FIGURA 1- LIMITAÇÕES PREVISTAS NO ART.º 33º DO CIRS


86
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Dos encargos não dedutíveis referidos na figura 1, destaca-se a não


dedução das remunerações, contabilizadas a qualquer título, do empre-
sário/profissional (art.º 33º, nº 1 do CIRS). De referir que estas remune-
rações do empresário são nas pequenas empresas sob forma societária
encargos dedutíveis para efeitos de IRC enquanto remunerações do sócio-
-gerente. Sendo estas remunerações consideradas rendimentos da categoria
A do IRS (art.º 2º, nº 1, al. a) do CIRS), acabam, não raras vezes, por não
ser alvo de tributação, no todo ou em parte, devido à dedução específica
de 4.104,00 €, prevista no art.º 25º, nº 1, al. a) do CIRS, da qual aqueles
rendimentos usufruem. Esta dedução específica só é aplicável uma vez
por cada sujeito passivo, até à concorrência dos rendimentos daquela
natureza, o que implica que caso o sujeito passivo já tenha outros rendi-
mentos da categoria A, poderá já ter esgotado na totalidade o montante
daquela dedução.
Continuando na análise comparativa entre o IRC e o IRS, é de notar
que a dedução de prejuízos é muito semelhante em ambas as situações.
Em matéria de tributações autónomas (TA), temos algumas dife-
renças relevantes, particularmente no que respeita às viaturas ligeiras
(ver art.º 88º, nº 3, nº 17 e nº 18 do CIRC e art.º 73º, nº 2 do CIRS). Por
um lado, as taxas de tributação são diferentes e os valores que definem
a sua aplicação também; por outro lado, na esfera do IRS as tributações
autónomas só incidem sobre viaturas ligeiras de passageiros ou mistas,
enquanto no IRC também se tributam autonomamente algumas viaturas
ligeiras de mercadorias2 (ver quadro 1).

2  Sobre este assunto deve ser consultada interpretação da AT: Despacho de 2015-

-10-07, Processo n.º 750/2015 e Interpretação da DSIECIV – Divisão do Imposto sobre


os Veículos.
87
Artigos

QUADRO 1 – TRIBUTAÇÕES AUTÓNOMAS DAS VIATURAS EM IRC E IRS

Tipo de viaturas IRC (Art.º 88º do CIRC) IRS (Art.º 73º do CIRS)
Viaturas ligeiras < 25.000,00 €: 10% < 20.000,00 €: 10%
de passageiros ≥ 25.000,00 e < 35.000,00 €: 27,5% ≥ 20.000,00 €: 20%
ou mistas (regra ≥ 35.000,00 €: 35%
geral)
Viaturas ligeiras < 25.000,00 €: 7,5% < 20.000,00 €: 7,5%
de passageiros ou ≥ 25.000,00 e < 35.000,00 €: 15% ≥ 20.000,00 €: 15%
mistas a GPL ou ≥ 35.000,00 €: 27,5%
GVL
Viaturas ligeiras < 25.000,00 €: 5% < 20.000,00 €: 5%
de passageiros ou ≥ 25.000,00 e < 35.000,00 €: 10% ≥ 20.000,00 €: 10%
mistas hibridas ≥ 35.000,00 €: 17,5%
plug-in
Viaturas ligeiras Não têm TA Não têm TA
de passageiros ou
mistas elétricas
Viaturas ligeiras < 25.000,00 €: 10% Não têm TA
de mercadorias ≥ 25.000,00 e < 35.000,00 €: 27,5%
abrangidos pelo ≥ 35.000,00 €: 35%
art. 7.º, n.º 1, al. b)
do CISV

Da análise do quadro 1, realçamos o facto de as tributações autó-


nomas em IRS serem menos gravosas, em termos gerais, comparativa-
mente com as TA sobre viaturas em IRC, particularmente se considerarmos
que, para as viaturas ligeiras de passageiras ou mistas (que constituem a
maioria das viaturas sobre as quais incide TA), a tributação em IRS ascende
no máximo a 20%, enquanto em IRC a taxa máxima é de 35%. Acresce o
facto de em IRS, ao contrário do que ocorre em IRC, não haver TA para
nenhum tipo de viaturas de mercadorias.
Também, as taxas de tributação do rendimento, em sede destes dois
impostos, têm diferenças substanciais. Pois, enquanto o rendimento cole-
tável gerado em sede de categoria B do IRS é tributado pelas taxas progres-
88
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

sivas do art.º 68º do CIRS, conjuntamente com os restantes rendimentos


sujeitos a englobamento (ver art.º 22º do CIRS), por seu turno, a matéria
coletável gerada em sede de IRC é tributada pelas taxas proporcionais
previstas no art.º 87º do CIRC, aplicando-se, no caso das micro empresas3
e PME as taxas de 17% para os primeiros 15.000,00 € de matéria cole-
tável, e 21% ao remanescente.
Em sede de IRS, existe um mínimo de rendimento líquido dispo-
nível para os titulares de rendimentos de trabalho dependente ou pensões,
que é de 8.500,00 €, segundo o art.º 70º do CIRS. Pois, da aplicação das
taxas do artigo 68.º não pode resultar um rendimento líquido inferior a
este montante.
Importa referir, ainda, que no caso de pequenas empresas agrícolas,
silvícolas e pecuárias, tributadas em sede de IRS, estas gozam de uma
exclusão de tributação, ainda que os seus rendimentos estejam englobados
com os rendimentos de outras categorias, quando a totalidade do rendi-
mento coletável não ultrapasse quatro vezes e meia o IAS (Indexante dos
Apoios Sociais) anual, isto é 26.410,86 € (4,5 x 419,22 x 14), só havendo
tributação (pelo montante total) quando é ultrapassado o limite da exclusão
de tributação, conforme dispõe o art.º 3º, nº 4 do CIRS. Esta exclusão de
tributação é uma particularidade do IRS, que não se aplica aos rendimentos
daquela natureza gerados por uma sociedade em sede de IRC.
Há ainda a referir, em sede de IRC, os pagamentos especiais por
conta (PEC), calculados com base no volume de negócios do ano anterior,
previstos no art.º 106º do CIRC, que se aplicam às sociedades em IRC a
partir do 3º ano de atividade e que não dão origem a reembolso no caso
de impossibilidade de dedução à coleta, (art.º 90º, nº 9 do CIRC), sendo
contudo admitido a sua dedução no prazo de seis anos (art.º 93º, n.º 1 do
CIRC). Acresce que as sociedades com menores rendimentos considerem
um valor mínimo de IRC a pagar, de 1.000,00 € (ou mais4), conforme
dispõe o art.º 106º, nº 1 do CIRC.
Continuando na descrição das diferenças, apontamos o facto de a
tributação do empresário ficar confinada àquela que já referimos em sede
de categoria B do IRS. Nas sociedades, a tributação dos lucros ocorre em

3  Também aplicável às micro-entidades de acordo com o Despacho de 2014-09-16

– Processos: 683/2014 e 787/2014.


4  Depende do volume de negócios.
89
Artigos

duas fases, dando origem a uma possível dupla tributação económica:


(i) primeiro, aquando da geração de lucros, estes são tributados em IRC
na esfera da sociedade; (ii) segundo, aquando da distribuição, estes são
tributados na esfera dos sócios em IRS (sócios pessoas singulares), ou
IRC (sócios pessoas coletivas).
Vejamos os contornos desta tributação nas empresas de pequena
dimensão, compostas essencialmente por sócios pessoas singulares. Na
esfera dos sócios, pessoas singulares, os lucros distribuídos enquadram-se
na categoria E do IRS (capitais), sendo a sua tributação sujeita a retenção
na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28 %, segundo o art.º 71º,
nº 1, al. a) do CIRS, aplicável pela sociedade geradora dos resultados no
momento do pagamento ou da colocação à disposição dos lucros distri-
buídos. O sócio pode, contudo, de acordo com o art.º 71º, nº 6 do CIRS,
englobar estes rendimentos para serem tributados às taxas gerais do art.º
68º do CIRS, obrigando ao englobamento da totalidade dos rendimentos
desta categoria (categoria E), conforme estipula o art.º 22, nº 5 do CIRS
(ver figura 2).
Caso o sócio opte pelo englobamento, no momento do pagamento
ou colocação à disposição dos lucros continua a aplicar-se a retenção na
fonte de 28%, prevista no art.º 71º, nº 1, al. a) do CIRS, mas operam-se
duas transformações: (i) a retenção liberatória e definitiva transforma-se
numa retenção a título de pagamento por conta do imposto; (ii) obriga-se
ao preenchimento do anexo E do IRS, passando os lucros distribuídos a
fazerem parte dos rendimentos englobados, os quais serão tributados às
taxas previstas no art.º 68º do CIRS (ver figura 2).
Acresce a particularidade do art.º 40º – A, nº 1 do CIRS que prevê
que “os lucros devidos por pessoas coletivas sujeitas e não isentas do
IRC são, no caso de opção pelo englobamento, consideradas em apenas
50% do seu valor”, desde de que “a entidade devedora dos lucros ou que
é liquidada tiver a sua sede ou direção efetiva em território português e
os respetivos beneficiários residirem neste território”5. Pressupostos que,
regra geral, as sociedades de pequena dimensão e os seus sócios cumprem
(ver figura 2).

5
  É igualmente aplicável nas situações previstas no nº 4 do artigo.
90
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

FIGURA 2 – OPÇÕES DE TRIBUTAÇÃO DOS LUCROS DE SOCIEDADES


DISTRIBUÍDOS A PESSOAS SINGULARES

Quando estudamos os impactos fiscais da forma jurídica nas empresas


de pequena dimensão, na generalidade dos casos, existem três hipóteses
para avaliar: (i) tributação como empresários/profissionais; (ii) sociedade,
seja ela uma sociedade por quotas ou sociedade unipessoal por quotas,
com englobamento dos lucros recebidos na esfera dos sócios; (iii) igual
à anterior, sem englobamento dos lucros recebidos; como podemos veri-
ficar na figura 3. Depois de verificada a solução fiscal mais vantajosa, esta
deve ser ponderando com outros fatores, tal como o da responsabilidade
social.

FIGURA 3 – A ESCOLHA DA FORMA JURÍDICA DA EMPRESA DE PEQUENA


DIMENSÃO E A OPÇÃO PELO ENGLOBAMENTO
91
Artigos

Este estudo da situação fiscal mais vantajosa deve ser realizado


previamente à constituição da empresa, ou posteriormente, quando se
ponderam as vantagens e desvantagens da transformação de um ENI numa
forma societária, sendo que neste último caso a transformação goza do
princípio da neutralidade fiscal prevista no art.º 38º, nº 1 do CIRS e no
art.º 86º do CIRC.
Importa referir que este trabalho não se aplica às atividades desen-
volvidas no seu todo, ou maioritariamente, por profissionais, de acordo
com a lista prevista no art.º 151º do CIRS, uma vez que essas atividades,
quando desenvolvidas sobre a forma societária, enquadram-se em termos
fiscais no regime das sociedades transparentes, previstas no art.º 6º do
CIRC, e gozam, para o efeito, de um regime fiscal próprio.
De reforçar, por último, que nos casos práticos utilizados foram utili-
zados só enquadramentos no regime de contabilidade (IRS)/regime geral
(IRC), e que os casos são facilmente adaptáveis para realizar avaliações
em regime simplificado de tributação.

3. CASOS PRÁTICOS

Em todos os casos práticos serão desenvolvidas três hipóteses:

– Hipótese 1: Forma jurídica não societária;


– Hipótese 2: Forma jurídica societária sem opção, por parte dos
sócios, de englobamento dos lucros distribuídos pela sociedade;
– Hipótese 3: – Forma jurídica societária com opção, por parte dos
sócios, de englobamento dos lucros distribuídos pela sociedade.

O objetivo destes casos práticos é calcular, nas três hipóteses, o valor


da coleta, acrescido de eventuais tributações autónomas, para, posterior-
mente, comparar esses valores e avaliar qual a forma jurídica fiscalmente
mais vantajoso, que será aquela que resultar, no seu conjunto, em menor
imposto a pagar ao Estado.
Nas hipóteses 2 e 3, nos cálculos referentes ao IRC, sempre que o
valor da coleta for menor do que o PEC, considerar-se-á, em substituição
da coleta, o valor do PEC.
92
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

3.1. Caso prático n.º 1

Suponhamos que Joana Almeida, sujeito passivo de IRS, é viúva, sem


dependentes e reside em Nisa, onde desenvolve a sua atividade agrícola
há alguns anos como ENI, não auferindo mais rendimentos para além dos
resultantes da sua atividade. No final do ano, pediu que averiguássemos a
vantagem, em termos fiscais, em proceder à transformação da forma jurí-
dica ENI numa Sociedade Unipessoal por Quotas (SUQ).
Na eventualidade de se constituir uma sociedade, Joana Almeida
pretende ser gerente da mesma e ser remunerada por essa função, rece-
bendo a remuneração mensal mínima de 530,00 €/mês x 14 meses =
7.420,00 €. Ainda no que respeita à sociedade, presume-se que a mesma
vá distribuir 90% dos lucros, ficando os restantes 10% para reservas.
No quadro 2, que se segue, apresentam-se os dados estimados para
o próximo ano (N+1), quer a nível do volume de negócios anual, quer a
nível dos resultados fiscais. De referir que o resultado fiscal da SUQ é
inferior em 7.420,00 €, comparativamente com o do ENI, uma vez que
no caso da SUQ foram considerados como encargos aceites o vencimento
de Joana e no segundo caso nem sequer foram considerados como custos
contabilísticos quaisquer vencimentos para a empresária6 (situação que é
prática usual nos ENI):

QUADRO 2 – VOLUME DE NEGÓCIOS E RESULTADOS FISCAIS


PREVISIONAIS DO ANO N+1

Período de Volume de Resultado fiscal Resultado fiscal


tributação negócios SUQ ENI
N+1 (previsão) 53.475,00 € 5.000,00 € 12.420,00 €

Sabe-se, ainda, que Joana Almeida pretende adquirir, no início do


próximo ano, uma viatura ligeira de mercadorias (tributada em ISV pela
tabela A), movida a gasóleo, cujo valor de aquisição (sem IVA) totali-

  Caso fossem contabilizados, os mesmos não seriam aceites em sede de IRS, como
6

custos da atividade – Artº 33º, nº 1 do CIRS).


93
Artigos

zará 11.300,00 €, prevendo-se que aquela viatura apresente anualmente


encargos totais de 5.570,00 € (inclui depreciações: 2.825,00 €, gasóleo:
1.363,60 €, imposto único de circulação: 131,40 €7 e reparações e seguro:
1.250,00 €).
No quadro 3 apresentamos os cálculos das três hipóteses do caso
prático 1 e no quadro 4 fazemos o resumo dos valores totais a suportar
por Joana Almeida em cada uma das hipóteses.

89101112

QUADRO 3 – CÁLCULO DAS HIPÓTESES DO CASO PRÁTICO N.º 1

HIP. 1 – Cálculo do imposto sobre o rendimento a pagar pela atividade – forma


jurídica: ENI
IRS • Rendimento coletável: 12.420,00 € (Rendimento da categoria B –
agricultura)
• Exclui-se de tributação, por se tratar de rendimentos agrícolas de valor que
não excede 4,5 o valor do IAS8 anual9 – Art.º 4º, nº 4 do CIRS.
• Não há TA: viatura de mercadorias.
Imposto sobre o rendimento total suportado por Joana Almeida = 0,00 €
HIP. 2 – Cálculo do imposto sobre o rendimento a pagar pela atividade – forma
jurídica: SUQ – Sem englobamento dos lucros distribuídos na esfera da sócia
IRC • Matéria coletável igual ao resultado fiscal
(SUQ) • Coleta: 5.000,00 x 17% = 850,00 € (taxa: Art.º 87º, nº 2 do CIRC)
• PEC: 53.475,00 x 1% = 534,75 è Considerar 1.000,00 € – valor mínimo
do PEC10 (Art.º 106º do CIRC)
• Tem uma viatura ligeira de mercadorias11 para tributar autonomamente a
10%12 (Art.º 88º, nº 3, al. a) do CIRC): 5.570,00 x 10% = 557,00 €

7  Este valor é meramente indicativo.


8
  IAS (Indexante dos Apoios Sociais).
9  4,5 x 419,22 x 14 = 26,410,86.

10  Embora a sociedade fique dispensada do pagamento do PEC nos dois primeiros

anos de atividade, como se trata de um benefício temporário, não vamos tê-lo em consi-
deração – art.º 106º, nº 10 do CIRC.
11  Despacho de 2015-10-07 – Processo: 750/2015.

12  Valor da viatura ≤ a 25.000,00 €.


94
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

IRS Pessoa singular – Categoria E, por retenção na fonte (lucro distribuído):


(Sócia) • Valor distribuído: 5.000,00 x 90% = 4.500,00 €
4.500,00 x 28% = 1.260,00 € (taxa liberatória e definitiva – Art.º 71º, nº 1,
al. a) do CIRS)
Pessoa singular – Categoria A (vencimento como sócio-gerente):
• Rendimento coletável: 7.420,00 – 4.104,00013 = 3.316,00 €
• Determinação da taxa (Art.º 68º do CIRS): 14,5%14
• Coleta líquida: 3.316,00 x 14,5% – 0,0015 = 480,82 €
• Mínimo de existência: 7.420,00 – 480,82 = 6.939,18 €, isto é, um valor
menor do que 8.500,00 € de rendimento líquido disponível – Não tem
tributação, uma vez que se enquadra no mínimo de existência previsto no
art.º 70º do CIRS – IRS: zero.
Imposto sobre o rendimento total suportado por Joana Almeida (sociedade + esfera
individual): 1.000,00 + 557,00 + 1.260,00 + 0,00 = 2.817,00€
HIP. 3 – Cálculo do imposto sobre o rendimento a pagar pela atividade – forma
jurídica: SUQ – Com englobamento dos lucros distribuídos na esfera da sócia
IRC • Valor total: 1.557,00 € (Igual à hipótese 2)
(SUQ)
IRS Pessoa singular – Categoria A + Categoria E (englobada):
(Sócia) • CAT. A:
• 7.420,00 – 4.104€ (dedução específica da Categoria A – art.º 25º, nº 1,
al. a) do CIRS)
• CAT. E
• 4.500,00 x 50% = 2.250,00 € (50% dos lucros distribuídos – art.º 40º-A do
CIRS)
• CAT. A + E:
• Rendimento coletável: 7.420,00 – 4.104,00 + 2.250,00 = 5.566,00 €
• Determinação da taxa (Art.º 68º do CIRS): 14,5%
• Coleta líquida: 5.566,00 x 14,5% – 0,00 = 807,07 € – não aplicado o
mínimo de existência por englobar rendimentos de categoria E já com um
peso relativo considerável.
Imposto sobre o rendimento total suportado por Joana Almeida (sociedade + esfera
individual): 1.557,00 + 807,07= 2.364,07€
131415

13
  Dedução específica da categoria A – artº 25º, nº 1, al. a) do CIRS.
14
  Trata-se de um só sujeito passivo (viúva) sem dependentes. O mesmo se repete
nas hipóteses 2 e 3.
15  Idem.
95
Artigos

QUADRO 4 – IMPOSTO TOTAL SUPORTADO POR JOANA ALMEIDA

Hipóteses Hipótese 1 Hipótese 2 Hipótese 3


Imposto total 0,00 € 2.817,00€ 2.364,07€

Da análise dos dados do quadro 4, resulta que a hipótese mais vanta-


josa é a 1ª, isto é, manter-se como ENI, devido à exclusão de tributação
prevista no art.º 3, do nº 4 do CIRS para as atividades agrícolas. Quando
estão em causa atividades agrícolas, silvícolas ou pecuárias, só se justi-
fica equacionar a hipótese de constituição de uma sociedade quando o
resultado fiscal da atividade, juntamente com os restantes rendimentos a
englobar, ultrapassa o valor de 4,5 x IAS anual (26.410,86 €). Caso esti-
véssemos perante uma atividade comercial, industrial ou de serviços em
vez de uma atividade agrícola, a hipótese mais vantajosa passaria a ser a
3ª, isto é, a forma jurídica societária, com opção pelo englobamento dos
lucros distribuídos à sócia.
De notar que na hipótese 3 continua a existir a retenção na fonte de
IRS à taxa de 28%, mas que em virtude de existir a opção pelo englo-
bamento dos rendimentos da categoria E aquela retenção na fonte deixa
de ser definitiva e passa a ser considerada como adiantamento por conta
do imposto a inscrever na modelo 3 de IRS. Sendo o valor da retenção
superior ao valor de imposto correspondente aos rendimentos declarados,
esta situação dá origem a um reembolso de IRS (não se consideraram no
cálculo do imposto, primeiro a retenção na fonte, depois o reembolso de
IRS, pois eles anulam-se entre si (situação que se repete nas hipóteses 3
de todos os casos práticos).

3.2. Caso prático n.º 2

Suponhamos agora a situação de um contribuinte, que vamos chamar


José Borges, residente em Portalegre, casado, sem dependentes, ambos
desempregados, pretendendo optar pela tributação conjunta.
José Borges vai iniciar no início do próximo ano uma atividade de
mecânico automóvel por conta própria e pretende saber qual a forma jurí-
dica mais vantajosa do ponto de vista fiscal entre ENI e SUQ. Para tal, José
96
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Borges facultou-nos as seguintes informações adicionais: José Borges,


atualmente sem quaisquer rendimentos, vai trabalhar com a esposa, que
deverá assegurar o serviço de faturação e encomendas da SUQ (caso opte
por esta opção), ou de familiar sem qualquer contrapartida remuneratória,
caso opte pelo estatuto de ENI.
Sabe-se ainda que, caso se constitua uma sociedade, José Borges
deverá exercer as funções de gerente da mesma e ser remunerado por essa
função, estando previsto uma remuneração mensal mínima de 530,00 €/
mês x 14 meses = 7.420,00 €, igual remuneração irá receber a esposa, como
funcionária da sociedade. Ainda no que respeita à sociedade, presume-
-se que a mesma vá distribuir 90% dos lucros, ficando os restantes 10%
para reservas.
José Borges pretende adquirir, em qualquer dos casos, para a ativi-
dade a desenvolver, uma viatura ligeira comercial, tributada pela Tabela A
do CISV, movida a gasóleo, para transporte de peças. O valor da viatura,
sem IVA, será de 11.563,00 €, prevendo-se que a mesma venha a ter
encargos totais anuais no montante de 2.380,38 € (inclui, depreciações:
1.445,38€; gasóleo: 550,00; imposto único de circulação: 98,8016; e repa-
rações e seguro: 286,20€).
O quadro 5, que se segue, apresenta os dados estimados para o
primeiro ano de atividade (N), quer a nível do volume de negócios anuais,
quer a nível dos resultados fiscais. O resultado fiscal da SUQ é inferior
em 14.840,00 €, comparativamente com o do ENI, uma vez que no caso
da SUQ foram considerados como encargos aceites fiscalmente os venci-
mentos de ambos e, no caso do ENI, esses encargos nem sequer foram
considerados como custos contabilísticos (situação que é prática usual
nos ENI):

QUADRO 5 – VOLUME DE NEGÓCIOS


E RESULTADOS FISCAIS PREVISIONAIS DO ANO N

Período de Volume de Resultado fiscal Resultado fiscal


tributação negócios SUQ ENI
N (previsão) 75.000,00 € 2.000,00 € 16.840,00€

16
  Este valor é meramente indicativo.
97
Artigos

No quadro 6 apresentamos os cálculos das três hipóteses do caso


prático 2 e no quadro 7 um resumo dos valores totais a suportar pelo agre-
gado familiar em cada uma das hipóteses.

17181920

QUADRO 6 – CÁLCULO DAS HIPÓTESES DO CASO PRÁTICO N.º 2

HIP. 1 – Cálculo do imposto sobre o rendimento a pagar pela atividade – forma


jurídica: ENI

IRS • Rendimento coletável: 16.840,00€ (categoria B)


• Determinação da taxa (art.º 68º e 69º do CIRS): 16.840 / 217 = 8.420
è 28,5%
• Coleta líquida: = (8.420,00 x 28,5% – 984,90) x 218 = 2.829,60€
• Não há TA: viatura de mercadorias.

Imposto sobre o rendimento total suportado pelo agregado familiar


de José Borges = 2.829,60 €

HIP. 2 – Cálculo do imposto sobre o rendimento a pagar pela atividade – forma


jurídica: SUQ – Sem englobamento dos lucros distribuídos na esfera do sócio

IRC • Coleta: 2.000,00 x 17% = 340,00 € (taxa: art.º 87º, n.º 2 do CIRC)
(SUQ) • PEC: 75.000,00 x 1% = 750,00 è Considerar 1.000 € – valor mínimo do
PEC19 (Art.º 106º do CIRC)
• Tem uma viatura ligeira de mercadorias, tributada autonomamente a 10%20
(Art.º 88º, nº 3, al. a) do CIRC): 2.380,38 x 10% = 238,04 €

17  Agregado familiar composto por dois sujeitos passivos, sem dependentes, objeto

de tributação conjunta. O mesmo sucede nas hipóteses 2 e 3.


18  Agregado familiar composto por dois sujeitos passivos, sem dependentes, objeto

de tributação conjunta. O mesmo sucede nas hipóteses 2 e 3.


19  Embora a sociedade fique dispensada do pagamento do PEC nos dois primeiros

anos de atividade, como se trata de um benefício temporário não vamos tê-lo em consi-
deração – art.º 106º, nº 10 do CIRC.
20  Valor da viatura ≤ a 25.000,00 €.
98
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

IRS Pessoa singular – Categoria E, por retenção na fonte (lucro distribuído):


(Sócio) • Valor distribuído 2.000,00 x 90% = 1.800,00 €
1.800,00 x 28% = 504,00 € (taxas liberatórias e definitivas – Art.º 71º,
nº 1, al. a) do CIRS)
Pessoa singular – Categoria A (vencimento como sócio-gerente):
• Rendimento coletável: 7.420,00 x 2 = 14.840,00 – 8.208,0021 = 6.632,00 €
• Determinação da taxa (Art.º 68º e 69º do CIRS): 6.632,00 / 2 = 3.316,00
è 14,5%
• Coleta líquida: (3.316,00 x 14,5% – 0,00) x 2 = 961,64 €
• Mínimo de existência: 14.840,00 – 961,64 = 13.878,36 €
• 13.878,36 è é menor do que 8.500,00 € de rendimento líquido por cada
sujeito passivo – Não tem tributação pois enquadra-se no mínimo de
existência do Art.º 70º do CIRS – IRS: zero.
Imposto sobre o rendimento total suportado pelo agregado familiar de José Borges
(sociedade + esfera individual): 1.000,00 + 238,04 + 504,00 + 0,00 = 1.742,04 €
HIP. 3 – Cálculo do imposto sobre o rendimento a pagar pela atividade – forma
jurídica: SUQ – Com englobamento dos lucros distribuídos na esfera do sócio
IRC • Valor total: 1.238,04 € (Igual à hipótese 2)
(SUQ)
IRS Pessoa singular – Categoria A + Categoria E (englobada):
(Sócio) • CAT. A
• 14.840.00 € – 8.208,00 € (dedução específica da Categoria A – art.º 25º,
nº 1, al. a) do CIRS)
• CAT. E
• 1.800,00 x 50% = 900,00 € (50% dos lucros distribuídos – art.º 40º-A do
CIRS) – Categoria E
• CAT. A + E
• Rendimento coletável: 14.840,00 – 8.208,00 + 900,00 = 7.532,00 €
• Determinação da taxa (Artº 68º e 69º do CIRS): 7.532,00 / 2 = 3.766,00
è14,5%
• Coleta líquida: (3.766,00 x 14,5% – 0,00) x 2 = 1.092,14€
• Mínimo de existência: 14.840,00 – 1.092,14 = 13.747,86 €
• 13.747,86 è é menor do que 8.500,00 € de rendimento líquido por cada
sujeito passivo – Não tem tributação, pois enquadra-se no mínimo de
existência do art.º 70º do CIRS22 è IRS: zero.
Imposto sobre o rendimento total suportado pelo agregado familiar de José Borges
(sociedade + esfera individual): 1.238,04 €
2122

21
  Duas vezes a dedução específica da categoria A – art.º 25º, nº 1, al. a) do CIRS.
22
  Continua a aplicar-se o mínimo de existência uma vez que o montante dos rendi-
mentos de capitais englobados é muito reduzido, pelo que se mantém o rendimento a ser
constituído essencialmente por rendimentos por conta de outrem (ver art.º 70º do CIRS).
99
Artigos

QUADRO 7 – IMPOSTO TOTAL SUPORTADO PELO EMPRESÁRIO

Hipóteses Hipótese 1 Hipótese 2 Hipótese 3


Imposto total 2.829,60 € 1.742,04 € 1.238,04 €

Da análise dos dados do quadro 7, verifica-se que as hipóteses de


constituição de sociedade são mais vantajosas do que a do ENI, pois
permitem deduzir fiscalmente, no contexto da SUQ, o vencimento de José
e da esposa. Embora no caso da SUQ os vencimentos do agregado familiar
constituam um rendimento de categoria A, na esfera de José e da esposa,
na realidade, por se enquadrarem no mínimo de existência previsto no art.º
70º do CIRS, os 14.840,00€ da categoria A, além de serem aceites como
gastos na esfera da SUQ (IRC), ficam excluídos de tributação na esfera
do agregado familiar (IRS).
De todas as hipóteses apresentadas, a mais vantajosa é a 3ª, pois,
para além das vantagens enunciadas anteriormente, o englobamento dos
rendimentos da categoria E não ultrapassa o mínimo de existência, não
originando pagamento de imposto, o que significa que o valor pago a
título de retenção na fonte no pagamento ou colocação à disposição vai
ser totalmente reembolsado. Ressalva-se, contudo, o facto de o mínimo
de existência se manter pelo facto do valor da categoria E ser reduzido,
comparativamente com o total de rendimentos da categoria A.

3.3. Caso prático n.º 3

Suponhamos agora um sujeito passivo da categoria B do IRS, iden-


tificado por Arnaldo Santos, residente em Castelo de Vide, casado, sem
dependentes e que optou pela tributação conjunta. Arnaldo desenvolve a
sua atividade na área da restauração e bebidas como ENI.
Este ENI solicitou-nos, no final do ano, que apurássemos as vanta-
gens, em termos fiscais, em realizar, no ano seguinte, a transformação da
forma jurídica de ENI em SUQ, com sede em Castelo de Vide.
Para a tomada de decisão, facultou-nos as seguintes informações
adicionais: o casal encontra-se reformado, sendo que Arnoldo aufere
uma pensão anual de 12.000,00 € e a esposa de 6.000,00 €, e além disto
100
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

só preveem receber rendimentos da atividade empresarial de restauração


e bebidas.
Sabe-se, ainda, que, caso se constitua a SUQ, Arnaldo Santos
pretende exercer as funções de gerente da mesma, embora sem auferir
remuneração; de igual modo, a esposa não deverá auferir qualquer remu-
neração desta atividade, uma vez que não têm interesse em realizar mais
descontos para a segurança social.
No que se refere à sociedade, presume-se que a mesma vá distribuir
90% dos lucros, ficando os restantes 10% para reservas.
Relativamente à atividade do restaurante, prevê-se a afetação à
mesma de uma viatura ligeira comercial, tributada pela tabela B do CISV,
movida a gasóleo, para transporte de produtos para o restaurante e para
o serviço de take-away. O valor da viatura, sem IVA, é de 13.565,00€,
prevendo-se que a mesma venha a ter encargos totais anuais no montante
de 2.794,43 € (inclui, depreciações: 1.695,63 €; gasóleo: 450,00€; imposto
único de circulação: 98,80 €23; e reparações e seguro: 550,00€).
O quadro 8, que se segue, apresenta os dados estimados para o
próximo ano (N+1), quer a nível do volume de negócios anual, quer a
nível dos resultados fiscais:

QUADRO 8 – VOLUME DE NEGÓCIOS


E RESULTADOS FISCAIS PREVISIONAIS DO ANO N+1

Período de tributação Volume de negócios Resultado fiscal


(SUQ e ENI)
N+1 (previsão) 235.678,00 € 45.500,00 €

No quadro 9 apresentamos os cálculos das três hipóteses do caso


prático n.º 3 e no quadro 10 o resumo dos valores totais a suportar pelo
agregado familiar em cada uma das hipóteses.

23
  Este valor é meramente indicativo.
101
Artigos

QUADRO 9 – CÁLCULO DAS HIPÓTESES DO CASO PRÁTICO N.º 3


24252627

HIP. 1 – Cálculo do imposto sobre o rendimento a pagar pela atividade – forma


jurídica: ENI
IRS • CAT. B
• Resultado fiscal: 45.500,00 €
• CAT. H
• 18.000,00 – 8.208,0024 = 9.792,00 €
• CAT. B + H
• Total = 45.500,00 + 9.792,00 = 55.292,00 €
• Determinação da taxa (Art.º 68º e 69º do CIRS): 55.292 / 225 = 27.646
è 37%
• Coleta líquida: = (27.646,00 x 37% – 2.693,40) x 226 = 15.071,24€
• Não há TA: viatura de mercadorias.
Imposto sobre o rendimento total suportado pelo agregado familiar de Arnaldo
= 15.071,24 €
HIP. 2 – Cálculo do imposto sobre o rendimento a pagar pela atividade – forma
jurídica: SUQ – Sem englobamento dos lucros distribuídos na esfera do sócio
IRC • Coleta: 15.000,00 x 17% + 30.500 x 21% = 8.955,00 € (taxa: art.º 87º,
(SUQ) nº 2 do CIRC)
• PEC: 235.678,00 x 1% = 2.356,78 è 1.000,00 + 20% (2.356,78 – 1.000)
= 1.271,36 (art.º 106º do CIRC)
• O valor da coleta é maior que o valor do PEC, considera-se o valor da
coleta.
• Não há TA para esta viatura, na medida em que não está sujeita aos
pressupostos da aplicação da TA às viaturas ligeiras de mercadorias27.

24
  Duas vezes a dedução específica da categoria H – artº 53º, nº 1 do CIRS.
25
  Agregado familiar composto por dois sujeitos passivos, sem dependentes, sujei-
tos a tributação conjunta. O mesmo se repete nas hipóteses 2 e 3.
26  Idem.

27  Despacho de 2015-10-07 – Processo: 750/2015.


102
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

IRS Pessoa singular – Categoria E, por retenção na fonte (lucro distribuído):


(Sócio) • Valor distribuído 45.500,00 – 4.550,00 = 40.950,00 €
40.950,00 x 28% = 11.466,00 € (taxas liberatórias e definitivas – art.º 71º,
nº 1, al. a) do CIRS)

Pessoa singular – Categoria H (pensões):


• 18.000, 00 – 8.208,0028 = 9.792,00 €
• Determinação da taxa (art.º 68º e 69º do CIRS): 9.792/2 = 4.896 è 14,5%
• Coleta: = (4.896,00 x 14,5% – 0,00) x 2 = 1.419,84 €
• Não se aplica o mínimo de existência, previsto no art.º 70º do CIRS, pois o
rendimento depois de abatido o imposto a pagar é maior do que 8.500,00 € /
por sujeito passivo.

Imposto sobre o rendimento total suportado pelo agregado familiar de Arnaldo


(sociedade + esfera individual): 8.955,00 + 11.466,00 + 1.419,84 = 21.840,84€

HIP. 3 – Cálculo do imposto sobre o rendimento a pagar pela atividade – forma


jurídica: SUQ – Com englobamento dos lucros distribuídos na esfera do sócio

IRC • Valor total: 8.955,00 € (Igual à hipótese 2)


(SUQ)

IRS Pessoa singular – Categoria H + Categoria E (englobada):


(Sócio) • CAT. H
• 18.000,00 – 8.208,00 = 9.792,00 €
• CAT. E
• 40.950,00 x 50% = 20.475,00 (50% dos lucros distribuídos – art.º 40º-A
do CIRS) – Categoria E
• CAT. H + E
• Rendimento coletável: 9.792,00 + 20.475,00 = 30.267,00 €
• Determinação da taxa (Art.º 68º e 69º do CIRS): 30.267,00 / 2 = 15.133,50
è28,5%
• Coleta: (15.133,50 x 28,5% – 984,90) x 2 = 6.656,30 €

Imposto sobre o rendimento total suportado pelo agregado familiar de Arnaldo


(sociedade + esfera individual): 8.955,00 + 6,656,30 = 15.611,30 €
28

28
  Dedução específica da categoria H – art.º 53º, nº 1 do CIRS.
103
Artigos

QUADRO 10 – IMPOSTO TOTAL SUPORTADO


PELO AGREGADO FAMILIAR DE ARNALDO SANTOS

Hipóteses Hipótese 1 Hipótese 2 Hipótese 3


Imposto total 15.071,24 € 21.840,84 € 15.611,30 €

Pela análise dos dados do quadro 10, deduz-se que a hipótese mais
vantajosa é a 1ª, isto é, a atividade como ENI. Contudo, não se denota
uma diferença substancial entre a hipótese 1 e 3 para podermos afirmar
que há uma verdadeira vantagem de uma em relação à outra, importa aqui
relevar algumas diferenças não fiscais, como a questão da responsabili-
dade social na tomada de decisão. Este resultado deve-se essencialmente
ao facto de não haver encargos com remunerações para integrar nos gastos
da sociedade.

3.4. Caso prático n.º 4

Suponhamos, por último, um sujeito passivo de IRS, Xing Guang,


solteiro, sem dependentes e residente em Castelo Branco, onde desenvolve
a sua atividade na área do pronto a vestir e utilidades para o lar.
Xing Guang desenvolve a sua atividade já há alguns anos como ENI
e não aufere outros rendimentos para além dos resultantes da sua ativi-
dade. Este ENI solicitou-nos, no final do ano, que apurássemos a vantagem
fiscal em proceder à transformação da forma jurídica da atividade como
ENI em SUQ.
No caso de se constituir uma sociedade, Xing pretende exercer a
função de gerente e ser remunerado por essa função, auferindo uma remu-
neração mensal mínima de 530,00 €/mês x 14 meses = 7.420,00 €. Ainda
no que respeita à sociedade, presume-se que a mesma vá distribuir 90%
dos lucros, ficando os restantes 10% para reservas.
O quadro 11, que se segue, apresenta os dados estimados para o
próximo ano (N+1), quer a nível do volume de negócios anual, quer a nível
dos resultados fiscais. O resultado fiscal da SUQ é inferior em 7.420,00
€, comparativamente com o do ENI, uma vez que no caso da SUQ foram
considerados como encargos aceites fiscalmente o vencimento de Xing e
no segundo caso nem sequer foram considerados como custos contabilís-
104
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

ticos quaisquer vencimentos para o empresário29 (situação que é prática


usual nos ENI):

QUADRO 11 – VOLUME DE NEGÓCIOS E RESULTADOS FISCAIS


PREVISIONAIS DO ANO N+1

Período de Volume de Resultado fiscal Resultado fiscal


tributação negócios SUQ ENI
N+1 (pevisão) 345.475,00 € 34.530,00 € 41.950,00 €

Sabe-se, ainda, que Xing não tem nenhuma viatura afecta à sua
atividade.
No quadro 12 apresentamos os cálculos das três hipóteses do caso
prático nº 4 e no quadro 13 o resumo dos valores totais a suportar por Xing
em cada uma das hipóteses.

QUADRO 12 – CÁLCULOS DAS HIPÓTESES DO CASO PRÁTICO N.º 4


3031

HIP. 1 – Cálculo do imposto sobre o rendimento a pagar pela atividade – forma


jurídica: ENI
IRS • Rendimento coletável: 41.950,00 € (Rendimento da categoria B)
• Determinação da taxa (Art.º 68º do CIRS): 45%30
• Coleta líquida: 41.950,00 x 45% – 5.909,4031 = 12.968,10 €
Imposto sobre o rendimento total suportado por Xing = 12.968,10 €
HIP. 2 – Cálculo de imposto sobre o rendimento a pagar pela atividade – forma
jurídica: SUQ – Sem englobamento dos lucros distribuídos na esfera do sócio
IRC • Matéria coletável igual ao resultado fiscal
(SUQ) • Coleta: 15.000,00 x 17% + 19.530,00 x 21% = 6.651,30 € (taxa: art.º 87º,
nº 2 do CIRC)
• PEC: 345.475,00 x 1% = 3.454,75 è 1.000, 00 + 20% (3.454,75 –
1.000,00) = 1.490,95 € (Art.º 106º do CIRC)
• Valor do PEC é menor do que o valor da coleta, por isso considera-se o
valor da coleta.

29
  Caso fossem contabilizados, os mesmos não seriam aceites em sede de IRS, como
custos da atividade – Artº 33º, nº 1 do CIRS).
30  Não se aplica a divisão do rendimento coletável por 2 por se tratar de um único

sujeito passivo sem dependentes. O mesmo se repete nas hipóteses 2 e 3.


31  Não se aplica a multiplicação do rendimento coletável por 2 por se tratar de um

único sujeito passivo sem dependentes. O mesmo se repete nas hipóteses 2 e 3.


105
Artigos

IRS Pessoa singular – Categoria E, por retenção na fonte (lucro distribuído):


(Sócio) • Valor distribuído: 34.530,00 – 3.453,00 = 31.077,00 €
31.077,00 x 28% = 8.701,56 € (taxas liberatórias e definitivas – art.º 71º,
nº 1, al. a) do CIRS)
Pessoa singular – Categoria A (vencimento como sócio-gerente):
• Rendimento coletável: 7.420,00 – 4.104,00 = 3.316,00 €
• Determinação da taxa (Art.º 68º do CIRS): 14,5%32
• Coleta líquida: 3.316,00 x 14,5% – 0,0033 = 480,82 €
• Mínimo de existência: 7.420,00 – 480,82 = 6.939,18 €, isto é, um valor
menor do que 8.500,00 € de rendimento líquido disponível – Não está
sujeito a tributação, uma vez que cai no mínimo de existência previsto no
art.º 70º do CIRS. IRS: zero.
Imposto sobre o rendimento total suportado por Xing (sociedade + esfera individual):
6.651,30 + 8.701,56 + 0,00 = 15.352,86€
HIP. 3 – Cálculo do imposto sobre o rendimento a pagar pela atividade – forma
jurídica: SUQ – Com englobamento dos lucros distribuídos na esfera do sócio
IRC • Valor total: 6.651,30 € (Igual à hipótese 2)
(SUQ)
IRS Pessoa singular – Categoria A + Categoria E (englobada):
(Sócio) • CAT. A
• 7.420,00 – 4.104€ (dedução específica da Categoria A – art.º 25º, nº 1,
al. a) do CIRS)
• CAT. E
• 31.077,00 x 50% = 15.538,50 € (50% dos lucros distribuídos – art.º 40º-A
do CIRS)
• CAT. A + E
• Rendimento coletável: 7.420,00 – 4.104,00 + 15.538,50 = 18.854,50 €
• Determinação da taxa (Art.º 68º do CIRS): 28,5%
• Coleta líquida: 18.854,50 x 28,5% – 984,90 = 4.388,63 €
Imposto sobre o rendimento total suportado por Xing (sociedade + esfera individual):
6.651,30 + 4.388,49 = 11.039,93 €
3233

32
  Não faz uso do coeficiente familiar (não se aplica a divisão do rendimento cole-
tável por 2) por se tratar de um só sujeito passivo sem dependentes – art.º 69º do CIRS – o
mesmo se repete nas hipóteses 2 e 3.
33  Não faz uso do coeficiente familiar (não se aplica a multiplicação do imposto

calculado por 2) por se tratar de um só sujeito passivo sem dependentes – art.º 69º do
CIRS – o mesmo se repete nas hipóteses 2 e 3.
106
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

QUADRO 13 – IMPOSTO TOTAL SUPORTADO POR XING

Hipóteses Hipótese 1 Hipótese 2 Hipótese 3


Imposto total 12.968,10 € 15.352,86 € 11.039,93 €

Resulta dos dados do quadro 13 que a hipótese mais vantajosa é a


3.ª, isto é, a forma jurídica societária com opção pelo englobamento dos
lucros distribuídos ao sócio, pois permite em simultâneo:

– Considerar o vencimento de Xing34, rendimento que na esfera de


sócio-gerente é considerado como rendimentos da categoria A,
mas uma vez que se efetua uma dedução específica de 4.104,00 €
(art.º 25º, nº 1, al. a) do CIRS), depois de abatida a dedução espe-
cífica (7.420,00 – 4.104,00 = 3.316,00 €), o valor tributado em
sede de IRS seria substancialmente menor do que o gasto aceite
fiscalmente em IRC correspondente ao vencimento de sócio-
-gerente (7.420,00 €);
– Atenuar a dupla tributação económica de lucros distribuídos,
tributando 50% destes rendimentos a 28,5% em substituição da
totalidade dos lucros a 28% de retenção na fonte a título defini-
tivo (art.º 71º, nº 1, al. a) do CIRS), conforme apurado na hipó-
tese 2.

4. ANÁLISE GLOBAL DOS RESULTADOS

As conclusões dos quatro casos práticos podem ser analisadas no


quadro 14:

  O que não é possível como ENI, pois a aceitação fiscal é vedada pelo art.º 33º
34

do CIRS.
107
Artigos

QUADRO 14 – QUADRO SÍNTESE DAS HIPÓTESES ESCOLHIDAS

Casos práticos Hipótese 1 Hipótese 2 Hipótese 3


Caso 1 (agricultura) X
Caso 1 (outra atividade) X
Caso 2 X
Caso 3 X
Caso 4 X

Da análise dos casos práticos e da síntese apresentada no quadro 14,


podemos concluir que, para os pequenos empresários em análise, entre
constituir uma sociedade por quotas ou desenvolver uma atividade como
ENI, de acordo com critérios estritamente fiscais, maioritariamente a opção
aponta para a forma não societária, devido ao problema da dupla tributação.
Contudo, quando analisamos as três hipóteses, isto é, incluímos a
possibilidade de o sócio optar pelo englobamento dos lucros que lhe foram
distribuídos, o enquadramento altera-se e verificamos que:

– A escolha pelo ENI só se mantém como mais vantajosa fiscal-


mente em situações excecionais, por exemplo nos casos em que
existem exclusões de tributação em IRS e não em IRC (como
ocorre nos rendimentos agrícolas, silvícolas e pecuários).
– Nos casos analisados, a hipótese de criação de uma sociedade
sem a possibilidade de os sócios optarem pelo englobamento dos
lucros que lhe foram distribuídos nunca foi considerada a situação
mais vantajosa em termos fiscais, devido ao facto, essencialmente,
da dupla tributação económica dos lucros distribuídos que ocorre
nessa hipótese.
– Os dados indicam que quando se aplique o art.º 40º-A do CIRS a
situação mais vantajosa fiscalmente é, tendencialmente, a criação
da sociedade, desde de que exista a opção, por parte dos sócios,
pelo englobamento dos lucros que lhe foram distribuídos, pois
tal permite atenuar a dupla tributação dos lucros distribuídos.

Tendo em conta que utilizamos casos práticos com características


distintas, nomeadamente no quantitativo dos rendimentos e das taxas
108
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

de IRS aplicáveis, considerando todos os dados, podemos afirmar que a


escolha da forma jurídica nas empresas de pequena dimensão, na perspe-
tiva puramente fiscal, depende de três fatores-chave: (i) a dupla tributação
económica de lucros distribuídos; (ii) a aceitação fiscal das remunerações
do empresário (como funcionário da sociedade) em sede de IRC; (iii) a
atenuação da dupla tributação económica, quando cumpridos os pressu-
postos do artº 40º-A do CIRS.
Importa referir, por último, face à diversidade de situações em sede
de IRS, que não podemos retirar destas conclusões uma regra geral apli-
cável a todo e qualquer caso, mas sim uma tendência geral a ter em conta
na escolha da forma jurídica das empresas de menor dimensão.

5. CONCLUSÕES

A tributação do rendimento empresarial em Portugal está distri-


buída entre o regime de tributação das empresas singulares em sede de
IRS e o das restantes entidades em matéria de IRC. Esta desigualdade de
tratamento faz com que situações idênticas, do ponto de vista comercial,
estejam sujeitas a formas de tributação completamente distintas. As dife-
renças foram manifestamente realçadas nos resultados obtidos na reso-
lução dos diferentes casos práticos. Assim, os resultados do estudo dos
casos sugerem que:

– Devido à dupla tributação económica aplicado aos lucros gerados


pelas sociedades, a constituição de sociedade revela, em termos
gerais, uma tendência para o empresário/empreendedor suportar
um montante superior de impostos;
– Todavia, sempre que seja possível fazer uso, na esfera do sócio,
do benefício previsto no art.º 40º-A do CIRS, o qual prevê o
englobamento só de 50% dos lucros que lhe foram distribuídos,
a constituição da sociedade, desde de que seja feita essa opção
pelo englobamento dos lucros distribuídos na esfera dos sócios,
permite atenuar a dupla tributação económica e tornar esta opção,
na maioria dos casos observados, a mais favorável fiscalmente;
– Nos casos em que existem encargos com as remunerações dos
sócios-gerentes, e estes não tenham outros rendimentos da cate-
109
Artigos

goria A, de outras fontes, para englobar, a vantagem da consti-


tuição de uma sociedade relativamente ao ENI é notória, embora
o seja apenas nos casos em que, como já se referiu, é feita, na
esfera dos sócios, a opção pelo englobamento de 50% dos lucros
distribuídos.

Pela complexidade tributária associada a estas questões, particu-


larmente em sede de IRS, é necessário compreender que cada caso é um
caso, necessitando de um estudo criterioso e aprofundado; porquanto este
estudo não pretende apresentar regras generalizadas para todo e qualquer
caso, mas sim servir de guião sobre esta matéria.

Referências

Castro, F. e Neves, T. C. (2008). “Planeamento fiscal abusivo: O caso português no


contexto internacional”. Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Nº 3,
pp. 116-150.
Gomes, R. (2005). Reorganização empresarial – a empresa familiar (um modelo).
Trabalho Final de Pós-Graduação, Centro de Investigação Jurídico-Econó-
mico. On line, disponível em: http://cije.up.pt/publications/reorganiza%
C3%A7%C3%A3o-empresarial-%E2%80%93 –empresa-familiar-um-modelo,
consultado em 20/05/2015.
Nabais, J. C. (2004). Direito Fiscal, 4ª Edição. Almedina: Coimbra.
Nabais, J. C. (2010). “A Liberdade de Gestão Fiscal das Empresas”. Fiscalidade,
Nº 44 (Outubro-Dezembro), pp. 5-42.
Oliveira, A. (2009). A legitimidade do planeamento fiscal, as cláusulas gerais anti-
-abuso e os conflitos de interesses. Coimbra: Coimbra Editora.
Oliveira, M. I. M. (2012) A Auditoria Tributária e a Deteção de Comportamento
Evasivo. Tese de Mestrado. Universidade de Aveiro.
Sanches, J. S. (2006). Os limites do planeamento fiscal: substância e forma no direito
fiscal português, comunitário e internacional. Coimbra Editora: Coimbra.
Sanches, J.L. (2010) As duas constituições – nos dez anos da cláusula geral anti-abuso.
In J.C. Amorim (ed) “Planeamento e Evasão Fiscal – Jornadas de Contabili-
dade e Fiscalidade do ISCAP”, (pp. 107-135). Vida Económica: Porto.
Francisco Nicolau Domingos

A concordata tributária:
um imperativo no Direito Tributário português

Francisco Nicolau Domingos


Doutor em Direito Tributário pela Universidade da Extremadura,
com acreditação como doutor europeu. Professor Adjunto convidado
no ISCAL, Professor Adjunto no Instituto Politécnico de Leiria
e árbitro em matéria tributária junto do CAAD
112
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

RESUMO

Numa economia globalizada, a incerteza fáctica e jurídica constitui uma nota


característica na aplicação do Direito Tributário, não só perante a dificuldade em ter acesso
a todos os factos com relevância tributária ou o seu recorte, como também, recorrentemente,
as normas tributárias permitem sustentar vários resultados interpretativos válidos à luz
da hermenêutica jurídica.
Assim, o princípio da indisponibilidade do crédito tributário não configura um
obstáculo intransponível à consagração do acordo tributário e os efeitos jurídicos que dele
resultam, nomeadamente, a obrigação de pagamento do valor da liquidação, a renúncia
à impugnação judicial por parte do contribuinte e a impossibilidade de praticar nova
liquidação pela Administração Fiscal constituem fundamentos para a opção de previsão
que o nosso legislador deve promover.

Palavras chave:
Globalização
Incerteza
Concordata tributária
Cobrança de impostos

ABSTRACT

The factual and legal uncertainty, in a globalized economy, is now a characteristic


feature in the application of tax law in not only faced with the difficulty of having access to
all the facts or their cut with tax relevance, but also recurrently the tax rules allow support
several interpretative results.
Thus, the principle of the unavailability of the tax credit does not constitute an
insurmountable obstacle to the legislative prediction agreement and, secondly, the legal
consequences that result, the obligation to pay the settlement amount, the waiver of the
objection by the taxpayer and the inability to practice new assessement by the tax authorities
are grounds for forecasting option that our legislators should promote.

Keywords:
Globalization
Uncertainty
Tax settlement
Tax collection.

SUMÁRIO

1. Delimitação do objecto de estudo. 2. O campo de aplicação do Direito Tributário.


3. O princípio da indisponibilidade do crédito tributário: obstáculo à consagração legislativa
da concordata tributária? 4. Concordata tributária: possibilidade de previsão na ordem
jurídica portuguesa. 5. Conclusões. 6. Bibliografia.
113
Artigos

1. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DE ESTUDO

A litigância constitui hoje um dos problemas centrais do Direito


Tributário e, consequentemente, não pode ser ignorada pela doutrina.
De facto, a pendência processual fiscal junto dos tribunais administra-
tivos e fiscais tem crescido acentuadamente. Consequentemente, não é
difícil que um contribuinte tenha de esperar dois a quatro anos para obter
uma decisão sobre a sua pretensão. E o cenário não melhora se o contri-
buinte decidir apresentar recurso jurisdicional da decisão de primeira
instância. São assim milhões de euros que o Estado não consegue cobrar,
ou, pelo menos, não consegue arrecadar em prazo útil. Tais dilações
judiciais parecem constituir um obstáculo à materialização do direito
à tutela jurisdicional efectiva dos contribuintes, objecto de protecção
constitucional.
Em síntese, é inquestionável que os tribunais tributários não estão a
resolver de forma eficiente os dissídios da sua competência quando procu-
rados por cidadãos e empresas.
Com o presente trabalho, pretende-se demonstrar que não só a
previsão da concordata ou transacção tributária respeita o princípio da
indisponibilidade do crédito tributário apresentado como obstáculo à
consagração constitui um verdadeiro imperativo perante a incerteza fáctica
e jurídica que caracteriza o campo de aplicação do Direito Tributário.
Para tanto, identificaremos os efeitos que resultam do recurso à figura da
concordata tributária.

2. O CAMPO DE APLICAÇÃO DO DIREITO TRIBUTÁRIO

É hoje uma evidência que a lei tributária reveste uma especial


complexidade1, o que dificulta ou impede mesmo a apreensão do seu
conteúdo pelo contribuinte médio.

1  Sobre o problema, v. John Prebble, Why is Tax Law incomprehensible?, in Bri-

tish Tax Review, n.º 4, 1994, pág. 380 a 393 e Simon James/Ian Wallschutzky, Tax
Law improvement in Australia and the UK: the need for a strategy for simplification, in
Fiscal Studies, Vol. 18, n.º 4, 1997, pág. 445 a 459.
114
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Na verdade, a partir das últimas décadas do século XX o mundo


tem assistido a profundas mudanças, não só de natureza política, como
também económicas e tecnológicas. Em primeiro lugar, o processo de
(re)construção da Europa envolve, a partir de um determinado estádio,
não só políticas de cooperação, como também de integração económica
que contendem com regras clássicas das soberanias nacionais. Conco-
mitantemente, a economia globalizou-se com a procura de riqueza em
outros territórios e, simultaneamente, liberalizou-se o comércio de merca-
dorias e de capitais, inserindo as economias nacionais numa escala inter-
nacional. Em relação comunicante com esta realidade estão os avanços
tecnológicos, onde se destacam os informáticos e as telecomunicações,
que proporcionam a circulação do capital à velocidade da internet. Fruto
destes avanços de natureza tecnológica floresce o comércio electrónico.
Por conseguinte, na integração económica em instituições com poder
normativo – na globalização da economia, nos constantes fluxos finan-
ceiros, nas transacções comerciais por via electrónica, na proliferação de
off-shores – estão algumas das causas que justificam a actual complexi-
dade da lei tributária. O que significa que esta complexificação da reali-
dade a que se aplica o Direito Tributário tem efeitos comunicantes à sua
linguagem, a lei tributária.
De facto, se olharmos para a norma tributária, cuja interpretação
exige, pelo menos, a aplicação de conhecimento da ciência jurídica, econó-
mica e contabilística, para a sua redacção deficiente2 e para a comple-
xidade do seu conteúdo3, vislumbramos uma fonte de litígios4. Assim,

2 No Relatório do Grupo para o Estudo da Política Fiscal. Competitividade, Efi-

ciência e Justiça do Sistema Fiscal (Coord. por António Carlos Santos e António
Ferreira Martins), pág. 586, disponível em: http://www.min-financas.pt/inf_fiscal/
GPFRelatorioGlobal_VFinal.pdf, escreveu-se: “…levando a que, nem a Administração
Tributária, nem os contribuintes, nem mesmo os próprios operadores judiciários, saibam
quais e como as aplicar”. Ou seja, a falta de clareza das normas tributárias provoca um
efeito sui generis, de modo que nem os seus próprios destinatários conseguem apreender
de forma clara e inequívoca o seu conteúdo.
3  O que dificulta ao contribuinte a compreensão dos próprios actos que lhe são

notificados pela Administração Fiscal, Relatório do Grupo para o Estudo da Política…,


ob. cit., pág. 590.
4  Neste sentido, Vitor Faveiro, Noções fundamentais de Direito Fiscal português.

Introdução ao estudo da realidade tributária. Teoria geral do Direito Fiscal, Volume I,


Coimbra Editora, 1984, pág. 87.
115
Artigos

não é fácil ao contribuinte médio apreender quais os comportamentos


voluntários que conduzem ao preenchimento das normas de incidência,
o que não ajuda ao cumprimento espontâneo das obrigações tributárias
de natureza formal e substancial5. Da compreensão do conteúdo da norma
tributária depende a adopção de comportamentos pelo contribuinte, que
culminarão no pagamento do imposto. Em tais termos, não é possível ao
contribuinte cumprir as suas obrigações sem previamente cuidar de iden-
tificar as normas potencialmente aplicáveis, para que, depois de interpre-
tadas, seja possível concluir se as mesmas se aplicam ao caso sub judice.
Em resumo, a interpretação das normas jurídicas tributárias é tudo
menos unívoca e, como tal, são muitos os problemas que suscita a sua
aplicação. Assim, a própria legislação influencia negativamente o desem-
penho da Administração Fiscal6 e interfere na segurança jurídica que devia
acautelar.

3. O PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE DO CRÉDITO TRI-


BUTÁRIO: OBSTÁCULO À CONSAGRAÇÃO LEGISLATIVA
DA CONCORDATA TRIBUTÁRIA?

Abunda na doutrina a conclusão de que há incompatibilidade entre


transacção tributária e o princípio da indisponibilidade do crédito tribu-
tário, há muito elevado à categoria de dogma no nosso ramo da ciência
jurídica.
Tal tese tem as seguintes premissas: a obrigação tributária tem
génese na lei e reveste natureza obrigacional7, pelo que não só o sujeito

5   Como assevera Graeme Cooper, Legislating Principles as a remedy for Tax


complexity, in British Tax Review, n.º 4, 2010, pág. 336: “Indeed, in the popular imagi-
nation, tax law is probably considered the apotheosis of incomprehensibility”. Isto é, se
há legislação de difícil apreensão para o homem médio, no topo encontrar-se-á certamente
a tributária.
6  Renata Borges Santos/António Martins, A Administração Fiscal como

elemento do sistema tributário, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 418, Julho/Dezembro,


2006, pág. 186.
7  Afirmava Berliri, apud César García Novoa, Mecanismos alternativos para la

resolución de controversias tributarias: su introducción en el derecho español, in Rivista


di Diritto Tributario Internazionale, n.º 2, 2002, pág. 152: “...o imposto é por natureza
116
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

credor, como também o devedor, devem obediência estrita aos elementos


da obrigação vertidos na lei8. O interesse público das normas que estabe-
lecem a obrigação tributária afastaria igualmente qualquer possibilidade
de disposição desta. A Administração Fiscal sujeitava-se assim às prescri-
ções vertidas na lei, vinculando-se não só à realização do interesse público
consagrado na norma, como também a realizá-lo segundo o modelo
previsto na lei9. Por outras palavras, a vinculação da Administração é não
só de resultado, como também de meios.
Em resumo, a obrigação em estudo é, por via de regra, ex lege, de
carácter público, indisponível e irrenunciável10.
Em tal conformidade, perante essa indisponibilidade, não seria
possível substituir a vontade vertida na lei por aquela que resulta da
concertação ou acordo entre a Administração e os contribuintes sobre a
existência da obrigação tributária ou de alguns dos seus elementos essen-
ciais. Na verdade, sendo a obrigação tributária uma imposição de Direito
Público, o seu conteúdo e regime jurídico encontra-se previsto na lei e,
por isso, não se encontra na disponibilidade das partes. Daqui resulta que
a Administração Fiscal, com o preenchimento do facto tributário, não
poderia deixar de exigir a obrigação nos precisos termos vertidos na lei.
Isto é, a Administração não só não pode renunciar ao crédito tributário,
como simultaneamente tem a obrigação de o tornar efectivo, na exacta
medida dos elementos da obrigação prevista na lei.

indisponível e não pode ser objecto de um contrato, em género, ou de uma transacção em


espécie” (tradução nossa). Por outras palavras, a Administração Fiscal não poderá deixar
de exigir a prestação e o contribuinte de a prestar, nos exactos termos que se encontram
definidos na lei.
8  Juan Ramallo Massanet, La eficacia de la voluntad de las partes en las obli-

gaciones tributarias, in Convención y arbitraje en el Derecho Tributario (Coord. por


Gabriel Elorriaga Pisarik), Instituto de Estudios Fiscales – Marcial Pons, 1996, pág.
220 a 223; Fernando Serrano Antón, La terminación convencional de procedimientos
tributarios y otras técnicas transaccionales, Asociación española de Asesores Fiscales,
Madrid, 1996, pág. 64; e Eva Gil Cruz, Las actas con acuerdo en el acuerdo en el Pro-
cedimiento Inspector Tributario, 1.ª edición, Aranzadi-Thomson Reuters, 2009, pág. 140.
9  Calvo Ortega, apud César García Novoa, Mecanismos alternativos para

la resolución…, ob. cit., pág. 152 e Eva Gil Cruz, Las actas con acuerdo en el…, ob.
cit., pág. 140.
10  José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 1.ª edição, Almedina, Coimbra, 2000,

pág. 209.
117
Artigos

Perante esta configuração do princípio, a conclusão a extrair parece


não poder ser outra a não ser a total irrelevância da vontade das partes,
isto é, estaria completamente vedado às mesmas dispor sobre aspectos
previstos na lei. Correspectivamente, também estaria proibido aos contri-
buintes interferir em faculdades de um crédito alheio da titularidade do
Estado, na medida em que só o poder legislativo pode criar, modificar ou
extinguir a obrigação tributária.
Deste modo, na delimitação conceitual do princípio em análise, a
doutrina utiliza duas dimensões distintas que devemos isolar. De um lado,
a vontade da Administração e do contribuinte nunca podia concertar-se
juridicamente com vista à celebração de um acordo, ou seja, não cabem
no Direito Tributário quaisquer fórmulas de negociação, pois a falta de
paridade das partes numa relação de Direito Público a isso conduziria11.
Em resumo, o negócio jurídico típico do Direito Privado encontrar-se-
-ia vedado às partes. De outro lado, a vinculação à lei, na actividade da
Administração de concretização dos elementos da obrigação tributária,
justificaria, igualmente, o princípio da indisponibilidade.
Na nossa ordem jurídica, o sobredito princípio tem fundamento
normativo, não só constitucional, como legal, optando o nosso legislador
por o positivar no art. 30.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária (LGT), sujeitando
qualquer modificação do mesmo ao princípio da legalidade e da igualdade.
Ou seja, estando a renúncia de créditos tributários directamente ligada
com a incidência, esta só é admissível quando se encontrar vertida em
lei da Assembleia da República ou decreto-lei resultante de autorização
legislativa (cfr. art. 103.º, n.º 2 e art. 165.º, n.º 1, al. i), ambos da CRP).
Ainda assim, o legislador português, com algumas das soluções
jurídicas em vigor, parece querer dar eficácia à vontade das partes no
domínio da obrigação tributária, o que não deixa de constituir um para-
doxo. É exemplo de tal prática o art. 92.º da LGT12, através do qual as
partes ficam legalmente habilitadas a concertar o valor da matéria tribu-

11  As suas linhas estruturantes encontram-se bem identificadas em Juan Ramallo

Massanet, La eficacia de la voluntad de las partes…, ob. cit., pág. 220 a 222.
12  Anotam assim Diogo Leite Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes

de Sousa: “O objectivo da reunião é atingir um acordo sobre o valor da matéria tributá-


vel”, Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 2.ª edição, Vislis Editores, 2000, pág.
393. Por conseguinte, o presente normativo seria destituído de qualquer efeito útil se não
fosse possível modificar o valor daquela matéria tributável.
118
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

tável, cujo quantum servirá de base à liquidação. O que, naturalmente,


não significa que com a sua vontade tenham a possibilidade de derrogar
a sujeição do facto à previsão legal, sob pena de se afastar a natureza
legal da obrigação tributária. Quanto à cobrança, o art. 2.º do Decreto-Lei
n.º 248-A/2002, de 14 de Novembro, exonerava o contribuinte do paga-
mento de juros de mora e compensatórios das dívidas em execução ou que
não fossem do conhecimento da Administração e, finalmente, a declaração
judicial de falência/insolvência ou a adopção de medidas de recuperação
da empresa tem por consequência a sustação de todos os processos de
execução fiscal em curso (cfr. art. 180.º do CPPT).
Ora, estas normas, mais do que indícios da admissibilidade do
consenso na aplicação da norma tributária, são na verdade exemplos de
que o legislador admite que a vontade das partes produza efeitos jurí-
dicos sobre o crédito tributário, desde que se verifique uma condição
fundamental, a existência de norma habilitante13. Ou seja, é no quadro
dos limites previstos pela lei que a Administração e o contribuinte podem
concretizar alguns aspectos necessários à quantificação da obrigação
tributária, sem renunciar aos seus elementos essenciais, cujo conteúdo é
objecto de previsão legislativa e que só o legislador tem o poder de criar,
modificar ou extinguir.
Nesta conformidade, a celebração de um acordo tributário não
envolve qualquer renúncia aos elementos essenciais do imposto que se
encontram normativamente regulados, mas a promoção de um diálogo
proveitoso para o interesse público, na medida em que a sua finalidade
consiste na aquisição de informação para a Administração acerca do facto,
com vista à correcta aplicação da ordem jurídica. Correndo o risco de nos
repetirmos, o actual objecto fáctico a que a Administração Fiscal tem de
aplicar as normas é caracterizado pela incerteza resultante de um processo
de globalização da economia, da mobilidade das pessoas singulares, colec-
tivas e de capitais, na qual assumem lugar de destaque as tecnologias de
informação14. Neste contexto, a Administração Fiscal, sem a colaboração

13
  Fernando Serrano Antón, La terminación convencional de procedimientos…,
ob. cit., pág. 67: “…tan sólo se podría exigir que el legislador defina con suficiente preci-
sión los supuestos y el alcance de este mecanismo de solución de conflictos”.
14  Neste sentido, afirma que este crescente quadro de complexidade económico-

-social reflectida nas normas tributárias, dificulta a actividade automática da Adminis-


119
Artigos

dos sujeitos passivos, muitas vezes não tem a possibilidade de conhecer


todos os factos tributários ou o seu perímetro, circunstância que, se não
impede, pelos menos dificulta em muito a sua tarefa de aplicação das leis
tributárias.
De outro lado, identificamos uma outra evidência no Direito Tribu-
tário dos nossos dias. Regra geral, o conteúdo das normas tributárias
permite defender uma pluralidade de interpretações, porventura todas elas
válidas, à luz das legis artis da interpretação jurídica. Mas esta indetermi-
nação normativa resulta igualmente da utilização de conceitos jurídicos
indeterminados e de normas em que os órgãos da Administração, incum-
bidos da sua aplicação, efectuam valorações. Assim, perante o intervalo
de actuação atribuído pela lei, fará todo o sentido permitir que o contri-
buinte participe efectivamente na determinação concreta da norma, não
só enquanto reforço de legitimação da acção da Administração, como
também enquanto forma de diminuir a litigância tributária, assegurando
a cobrança efectiva da dívida tributária.
Na verdade, se os limites dos factos e das normas não são estritos, a
ordem jurídica tem de consagrar um instituto apto a que se estabeleça um
diálogo entre as partes, com o objectivo de determinar a dívida tributária,
afastando a incerteza que daqueles resulta.
Em suma, é neste campo de indefinição fáctica e jurídica que a
Administração tem de aplicar as normas que integram o sistema norma-
tivo tributário. Assim, a nosso ver, nada obsta a que, prévia ou posterior-
mente à realização do facto tributário, a Administração e o contribuinte
possam concretizar o quantum da obrigação, quando a Administração
tenha dificuldades acrescidas na concretização de factos essenciais para
a determinação da obrigação tributária15.
Em tal conformidade, perante as situações de incerteza sobre
elementos de facto ou de direito, é possível que a Administração Fiscal
logre alcançar um acordo com os contribuintes, o que significa que
os sujeitos da relação tributária podem, a verificar-se estas condições,
terminar por consenso o procedimento tributário. E não estamos perante

tração a partir de standards legislativos, circunstância que leva à atracção por conceitos
jurídicos indeterminados.
15  Nesta linha doutrinal encontra-se María Luísa González-Cuellar Serrano,

Los procedimientos tributarios: su terminación transaccional, Colex, 1997, pág. 147 a 159.
120
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

uma mera admissibilidade legal, pelo contrário, a segurança e estabi-


lidade das relações entre estes dois sujeitos saem reforçadas16. Com
efeito, o acordo com o contribuinte tem a virtualidade de eliminar a falta
de univocidade da interpretação de algumas normas jurídicas ou sobre
alguns elementos fácticos do tributo e, simultaneamente, ao impedir o
contribuinte de exercer quaisquer pretensões impugnatórias, promoverá
a segurança em tal relação.
Assim, perante um caso concreto, julgamos que é necessário equa-
cionar se se vislumbra alguma indefinição fáctica ou jurídica, para
concluirmos pela possibilidade de recorrer aos acordos tributários e assim
proceder à prevenção ou composição do litígio.
Por conseguinte, pensamos ser imperativo incorporar na dogmática
tributária da ordem jurídica portuguesa que este princípio não configura
qualquer impedimento à utilização das técnicas convencionais para dirimir
litígios tributários, quando, perante a incerteza fáctica e/ou jurídica, se
pretenda procurar a maior certeza possível e assim aumentar a segurança
jurídica17. O princípio da eficiência a que a Administração está vinculada
por exigência constitucional e legal a isso exige. A condição que o nosso
ordenamento jurídico impõe consiste na existência de habilitação legal
que admita o recurso a tais técnicas.
Neste sentido parece militar o teor do art. 30.º, n.º 2 da LGT:
“O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para
a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e
da legalidade tributária”. O que significa que o legislador reconhece
expressamente a tese aqui sustentada. Isto é, só a lei pode prever excep-
ções à regra geral18, encontrando-se o legislador obrigado em tal activi-
16  Luciano Parejo Alfonso, El artículo 88 de la ley 30/1992 del 26 de Noviem-

bre: el pacto, acuerdo, convenio o contrato en el procedimiento administrativo, in Con-


vención y arbitraje en el Derecho Tributario (Coord. por Gabriel Elorriaga Pisarik),
Instituto de Estudios Fiscales – Marcial Pons, Madrid, 1996, pág. 46.
17  João Taborda Gama, Contrato de transacção no Direito Administrativo e Fis-

cal, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Teles (Coord.


por António Menezes Cordeiro, Luís Menezes Leitão e Januário da Costa Gomes),
Almedina, 2003, pág. 668 e 669.
18  Esta obrigatoriedade de ancorar a lei como suporte da renúncia ao quantum do

crédito tributário é reconhecida pela doutrina nacional. Nesse sentido, v. Nuno Sá Gomes,
Lições de Direito Fiscal, Volume II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 134, Lis-
boa, 1985, pág. 124 a 126.
121
Artigos

dade a definir os requisitos e o alcance com bastante exactidão, para que


se respeite o princípio da igualdade e da legalidade tributárias.
Em conclusão, o que a nossa ordem jurídica afasta não é a renúncia
ao crédito tributário, mas quando esta não tem eco em qualquer previsão
do legislador e quando se verifique uma condição, a incerteza sobre
matéria de facto e de direito necessária à aplicação da norma tributária.
Isto é, quando a Administração tenha dificuldade em apreender os exactos
contornos do facto tributário e/ou a imposição tributária se efectue num
quadro de indeterminação normativa resultante, por exemplo, da utili-
zação de conceitos jurídicos indeterminados. Em resumo, é nestes casos
que o legislador deve criar o espaço para que a Administração, em arti-
culação com o contribuinte, concertem a aplicação da norma ao caso
concreto.
Nessa actividade, o que se encontra vedado à Administração, por
respeito ao princípio de reserva de lei, é a criação ex novum de tributos
ou a alteração dos elementos essenciais que se encontram previstos na lei.
Em tal conformidade, a indisponibilidade do crédito tributário deve ser
entendida não como obstáculo à aplicação concertada de normas tribu-
tárias, mas enquanto óbice à derrogação consensual dos elementos da
obrigação tributária.
Acresce ainda que tal opção teria a virtualidade de efectuar a impo-
sição tributária de acordo com a capacidade contributiva do contribuinte.
De igual modo, incrementar-se-ia a segurança na aplicação da norma
tributária com a previsão expressa no procedimento tributário nacional
de norma geral habilitante da transacção, através de instituto seme-
lhante ao accertamento con adesione italiano ou às actas con acuerdo
da ordem jurídica espanhola, solução que constituiria um instrumento
adicional à arbitragem para reduzir a litigiosidade tributária e cujos
efeitos perniciosos ameaçam afectar a sustentabilidade financeira do nosso
Estado19.

19
  Um dos objectivos que conduziu à previsão de tais institutos nas ordens jurídicas
italiana e espanhola foi precisamente a estabilização dos índices de litigância tributária
e o incremento da cobrança de dívida tributária. V. Eva Andrés Aucejo, La resolución
alternativa de conflictos tributarios en Italia, Instituto de Estudios Fiscales, Madrid,
2008, pág. 42 e 43. Embora, a nosso ver, o fundamento da consagração de tais institutos
encontrar-se-á na Justiça Fiscal e não no fim deflacionário.
122
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

4. CONCORDATA TRIBUTÁRIA: POSSIBILIDADE DE PREVI-


SÃO NA ORDEM JURÍDICA PORTUGUESA

A realidade demonstra que de facto os acordos entre a Administração


e o contribuinte na aplicação de tributos, no domínio do procedimento
de inspecção, são uma realidade, embora o legislador nacional continue
pura e simplesmente a ignorá-la. Em abono da verdade, por falta de norma
habilitante é frequente a Administração, de facto, formular uma proposta
de acordo com a qual o contribuinte tem a mera possibilidade de aderir.
Ou seja, acordos estes tácitos que, por ausência de habilitação normativa,
apenas conferem tal opção, não resultando assim da lei quaisquer efeitos
da adesão do contribuinte à aludida proposta.
Na verdade, a concretização de objectivos que os inspectores tribu-
tários hoje em dia devem procurar alcançar, no âmbito da produtividade
e avaliação a que os funcionários públicos estão submetidos e que neste
campo se concretizam na fixação de determinados valores de matéria
tributável, leva a que a Administração assuma cada vez mais apreciações
da matéria de facto ou de interpretações da norma jurídica controvertidas.
Circunstância que, associada à sedimentação dos direitos e garantias dos
contribuintes, culmina numa utilização desenfreada da via judicial.
É precisamente o estado actual da litigância tributária que tem vindo
a despertar a consciência da doutrina para os acordos tributários. Na nossa
opinião, se a positivação não deve resultar única e exclusivamente de tal
facto, a verdade é que não podemos ignorar que lhes caberá um papel
importante na prevenção de litígios, com todos os benefícios que daí
decorrem para o erário público.
Mais, a previsão de tais acordos não ofende nenhum princípio cons-
titucional ou legal de Direito Tributário20. Bem pelo contrário, os acordos
de facto que, no procedimento de inspecção, a Administração obtenha
devem emergir para o direito positivo, afastando, isso sim, qualquer risco
de violação do princípio da legalidade. Bem como o respeito pela igual-
dade exige a sua publicitação.

20  Francisco Nicolau Domingos, Os métodos alternativos de resolução de

conflitos tributários. Novas tendências dogmáticas, Núria Fabris, Porto Alegre, 2016,
pág. 358 a 396.
123
Artigos

Neste campo, o nosso legislador deve olhar para as experiências


da ordem jurídica italiana e espanhola e positivar uma instituição jurí-
dica semelhante ao acertamento con adesione e às actas con acuerdo, na
medida em que, na actual fiscalidade de massa, são frequentes as situa-
ções de incerteza com aptidão litigiosa, como também essas circunstâncias
são potenciadoras de injustiças, pois a Administração Fiscal não propõe
a todos os sujeitos a celebração de acordos sobre a forma de “regulari-
zação voluntária”.
Os acordos tributários são o instrumento adequado para eliminar
essas situações de incerteza fáctica e jurídica21, contribuindo de tal forma
para a eliminação da litigância imanente à relação tributária. Adiantamos
até zonas do Direito Tributário com especial aptidão para a relevância da
concertação, designadamente, o procedimento tributário geral, o proce-
dimento de inspecção tributária e o próprio contencioso tributário, neste
último, através da conciliação judicial, que constitui uma projecção da
concordata tributária no domínio judicial.
Na verdade, hoje, a Administração deve privilegiar a procura do
consenso com o contribuinte no procedimento tributário, isto é, a decisão
administrativa deve ser concertada não só de rito como de resultado. Ou
seja, o particular, agora elevado à categoria de cidadão, não se deve limitar
a recepcionar a manifestação de vontade da Administração na aplicação da
lei ao caso concreto. Até porque, na fiscalidade moderna, o contribuinte-
-cidadão assume um papel activo e absolutamente fundamental na acti-
vidade de imposição tributária, mormente na transmissão de informação
fáctica à Administração e de interpretação das normas tributárias. Sendo
certo que, muitas das vezes, podia revelar-se impossível o acesso a tal
informação, cujo conteúdo é imprescindível à actividade de imposição.
É de destacar também as situações em que é o próprio contribuinte que
procede à interpretação e aplicação das normas por via da autoliquidação,
sendo que, nestes casos, o procedimento desenvolve-se até sem a inter-
venção da Administração Fiscal.
Assim, é possível afirmar que o caminho e o resultado da actividade
de determinação do imposto é hoje consequência de um diálogo constante

21
  María Luisa González-Cuéllar Serrano, Los procedimientos tributarios:…,
ob. cit., pág. 102.
124
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

entre os sujeitos da relação tributária22. Pertence à história a concepção


de que a lei contém todos os elementos da decisão da Administração
Fiscal, em que apenas se lhe impunha efectuar a mera subsunção dos
factos à previsão normativa. A participação do contribuinte tem de ser
entendida numa lógica de colaboração com a Administração, na definição
da sua situação na actividade de interpretação e aplicação das normas
tributárias.
É por isso que em várias ordens jurídicas se vem admitindo que a
norma tributária deva ser aplicada concertadamente, ou seja, concebe-se
que as partes da relação, mediante cedências mútuas, alcancem um acordo,
preferindo a certeza à incerteza, sendo que a sua celebração constitui uma
verdadeira necessidade em tal hipótese23.
Para a conclusão supra mencionada contribui o princípio da efici-
ência na actuação administrativa, cujo conteúdo impõe a contabilização de
custos na acção investigatória da Administração em relação ao resultado,
bem como a margem de decisão da Administração para alcançar o interesse
público na sua actuação e os custos públicos e privados de litigância24.
No que concerne ao procedimento de inspecção tributária, o preâm-
bulo do Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro, adianta que a Admi-
nistração Fiscal deve assegurar a participação dos sujeitos passivos e
demais obrigados tributários “…na formação das decisões, evitando a
proliferação de litígios inúteis”. Ora, se o procedimento visa a “…obser-
vação das realidades tributárias” e “…a verificação do cumprimento das
obrigações tributárias”, [cfr. art. 2.º, n.º 1 do Regime Complementar do
Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT)], é porque a nota típica
dos factos em inspecção é a incerteza. Por isso, este é um dos domínios
em que o acordo entre as partes poderá contribuir para que a definição da
situação tributária seja uma refracção da previsão normativa.
Para concluir, importa identificar e descrever os efeitos jurídicos que,
a nosso ver, devem ser incorporados em futura revisão legislativa à LGT.

22  José Luís Saldanha Sanches/João Taborda Gama, Audição-Participa-

ção-Fundamentação: a co-responsabilização do sujeito passivo na decisão tributária,


in livro de homenagem a José Guilherme Xavier De Basto, Coimbra Editora, 2006,
pág. 269 a 304.
23  João Taborda Gama, Contrato de transacção…, ob. cit., pág. 693.

24  José Luís Saldanha Sanches/João Taborda Gama, Audição-Participação-

-Fundamentação:…, ob. cit., pág. 288.


125
Artigos

Em primeiro lugar, o recurso à concordata tributária entre as partes


produz efeitos jurídicos, constituindo o principal a vinculação da Admi-
nistração Fiscal e do contribuinte ao conteúdo do acordo por si alcançado.
Ou, dito de outro modo, os sujeitos da relação jurídico-tributária manifes-
taram a vontade de que o acordo produza efeitos jurídicos vinculativos
para ambos, como estabelece o princípio pacta sunt servanda, cada um
deve cumprir escrupulosamente o seu conteúdo25.
Sucede que de tal princípio geral de direito dimanam obrigações
específicas para ambas as partes: i) obrigação do contribuinte proceder
ao pagamento da obrigação tributária com o recorte definido no acordo;
ii) redução da sanção potencialmente aplicável e iii) carácter vinculativo
do acordo alcançado.
Deste modo, o acordo vincula o contribuinte a pagar voluntariamente
o montante da liquidação em prazo que, a nosso ver, não deve ultrapassar
os 30 dias após a assinatura da concordata. Mais, a plena produção de
efeitos do acordo apenas deve ocorrer com o pagamento integral do
quantum da obrigação tributária. Tal opção evita a fraude à concordata
que se podia verificar quando o contribuinte assinasse o acordo e, deste
modo, beneficiasse da redução da sanção e não procedesse ao pagamento
da dívida. Em suma, o pagamento deve constituir condição essencial para
beneficiar de todas as vantagens associadas à concordata.
No que concerne ao segundo efeito, as sanções potencialmente apli-
cáveis em virtude da prática de infracções que tenham sido detectadas
no âmbito do procedimento de inspecção devem ser reduzidas para uma
percentagem de, pelo menos, 50% do mínimo da moldura contra-ordena-
cional ou penal. Tal opção justifica-se pelas vantagens recíprocas para cada
uma das partes da relação tributária em resultado do acordo. Se é verdade
que, por parte da Administração Fiscal, tal acordo permite a cobrança da
liquidação e do montante da sanção reduzida, por outro, o contribuinte
consegue alcançar a redução de uma parte de tal sanção devida e parti-
cipar na definição da sua situação tributária26.
Finalmente, se com a concordata tributária também se consegue
a redução dos índices de litigância tributária, compreender-se-á que o
acordo produzirá efeitos obrigatórios para as partes da relação jurídico-

25
  Eva Gil Cruz, Las actas con acuerdo en el...,ob. cit., pág. 249.
26
  Eva Gil Cruz, Las actas con acuerdo en el...,ob. cit., pág. 306.
126
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

-tributária, que, ao assinarem, expressam a vontade na produção de todos


os seus efeitos jurídicos. Assim, não será de estranhar que a impugnação
das liquidações com origem na concordata deve reservar-se para hipóteses
excepcionais e, de outro lado, a Administração Fiscal deve praticar o acto
em conformidade com a matéria de facto e de direito que ficou assente.
Consequentemente, a preferência pela estabilidade da relação jurídica
exige que não se coloque em causa a definição, concretização e valoração
do facto tributário vertidas na concordata. Razão pela qual não se compre-
enderia que o contribuinte pudesse impugnar os factos que expressamente
aceitou. De igual modo, no que respeita à matéria de direito, a procura de
segurança e a participação activa do contribuinte no processo de aplicação
da norma tributária tornam inaceitável qualquer modificação ao sentido
interpretativo ajustado27.
Assim, regra geral, o contribuinte fica impedido de proceder à impug-
nação da liquidação. Na verdade, seria destituído de qualquer sentido
lógico que pudesse, de forma livre, impugnar a liquidação e a sanção
resultantes da utilização da concordata tributária, porquanto, tal consti-
tuiria uma verdadeira fraude às finalidades subjacentes à figura jurídica
em estudo, isto é, a substituição da incerteza pela certeza fáctica e jurídica
e, assim, promover a paz tributária e a eficiência na actuação da Adminis-
tração Fiscal, com a subsequente estabilização dos índices de litigância
tributária. Quanto à Administração, a utilização da concordata vincula-a
a emitir o acto de liquidação consequente, erigido a partir dos termos do
conteúdo concreto do acordo. Por outras palavras, fica obrigada a elaborar
uma proposta de regularização da situação tributária do contribuinte,
observando o teor do acordo.
Em resumo, a concordata tributária é um acordo pré-contencioso
entre a Administração e o contribuinte, cujo regime jurídico tem por
finalidade tornar efectiva a cobrança do crédito tributário, num quadro
de colaboração entre as partes da relação tributária. Deste modo, evita-se
a incerteza da efectivação da pretensão da Administração, a dilação do
conflito e reduzem-se os custos associados ao dissídio, sempre no quadro
da Justiça Fiscal.

27  Eva Gil Cruz, Las actas con acuerdo en el...,ob. cit., pág. 354 e Yolanda

Martínez Muñoz, Las actas con acuerdo en la nueva LGT, Marcial Pons, Madrid,
2004, pág. 197.
127
Artigos

5. CONCLUSÕES

A nossa sociedade atravessou um processo de mudança nas últimas


décadas do século XX, com a globalização económica e os avanços tecno-
lógicos, entre os quais se destacam a internet e a massificação do comércio
electrónico. De igual modo, florescem as organizações internacionais
com poder normativo. O resultado destes progressos consubstancia-se na
complexidade social e normativa, geradoras de incerteza fáctica e jurí-
dica, pois a Administração Fiscal tem dificuldade no acesso a informação
fáctica, necessária à aplicação das normas tributárias, ou não consegue
traçar o seu recorte e o legislador, na luta contra comportamentos de
evitação fiscal, leva a elasticidade da norma ao limite.
Assim, é precisamente para eliminar a incerteza com fonte em tal
estado de coisas que deve ser positivada a concordata tributária na nossa
ordem jurídica. O cidadão-contribuinte deve, desde logo, participar no
caminho da decisão administrativa, tendo assim um papel relevante na
modelação do interesse público que a Administração tem encomendado
com a sua actuação. Como também a estabilização dos índices de liti-
gância tributária e o aumento da cobrança da receita, em resultado das
duas consequências jurídicas conexas, a obrigação de pagamento da liqui-
dação, enquanto condição da produção dos efeitos do acordo, e a renúncia
à impugnação judicial tornam a previsão da concordata um imperativo no
Direito Tributário português.

Bibliografia

Alfonso, Luciano Parejo, El artículo 88 de la ley 30/1992 del 26 de Noviembre:


el pacto, acuerdo, convenio o contrato en el procedimiento administrativo, in
Convención y arbitraje en el Derecho Tributario (Coord. por Gabriel Elor-
riaga Pisarik), Instituto de Estudios Fiscales – Marcial Pons, Madrid, 1996.
Antón, Fernando Serrano, La terminación convencional de procedimientos
tributarios y otras técnicas transaccionales, Asociación española de Asesores
Fiscales, Madrid, 1996.
Aucejo, Eva Andrés, La resolución alternativa de conflictos tributarios en Italia,
Instituto de Estudios Fiscales, Madrid, 2008.
128
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Campos, Diogo Leite/Rodrigues,Benjamim Silva/Sousa, Jorge Lopes de, Lei


Geral Tributária – Anotada e Comentado, 2.ª edição, Vislis Editores, 2000.
Campos/Mónica Leite Campos, Direito Tributário, 2.ª edição, Del Rey Editora,
Belo Horizonte, 2001.
Cooper, Graeme, Legislating Principles as a remedy for Tax complexity, in British
Tax Review, n.º 4, 2010.
Cruz, Eva Gil, Las actas con acuerdo en el Procedimiento Inspector Tributario,
1.ª edición, Aranzadi-Thomson Reuters, 2009.
Domingos, Francisco Nicolau, Os métodos alternativos de resolução de conflitos
tributários. Novas tendências dogmáticas, Núria Fabris, Porto Alegre,
2016.
Faveiro, Vítor, Noções fundamentais de Direito Fiscal português. Introdução
ao estudo da realidade tributária. Teoria geral do Direito Fiscal, Volume I,
Coimbra Editora, 1984.
Gama, João Taborda, Contrato de transacção no Direito Administrativo e Fiscal,
in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Teles
(Coord. por António Menezes Cordeiro, Luís Menezes Leitão e Januário
da Costa Gomes), Almedina, 2003.
Gomes, Nuno Sá, Lições de Direito Fiscal, Volume II, Cadernos de Ciência e Técnica
Fiscal, n.º 134, Lisboa, 1985.
James, Simon/Wallschutzky, Ian, Tax Law improvement in Australia and the UK:
the need for a strategy for simplification, in Fiscal Studies, Vol. 18, n.º 4, 1997.
Lapatza, José Juan Ferreiro, Solución convencional de conflictos en el ámbito
tributario: una propuesta concreta, in Quincena Fiscal, n.º 9, 2003.
Massanet, Juan Ramallo, La eficacia de la voluntad de las partes en las obliga-
ciones tributarias, in Convencíon y arbitraje en el Derecho Tributario (Coord.
por Gabriel Elorriaga Pisarik), Instituto de Estudios Fiscales – Marcial
Pons, 1996.
Muñoz, Yolanda Martínez, Las actas con acuerdo en la nueva LGT, Marcial
Pons, Madrid, 2004.
Nabais, José Casalta, Direito Fiscal, 1.ª edição, Almedina, Coimbra, 2000.
Novoa, César García, Mecanismos alternativos para la resolución de controver-
sias tributarias: su introducción en el derecho español, in Rivista di Diritto
Tributario Internazionale, n.º 2, 2002.
Pagone, G.T., Tax uncertainty, in From Public Finance Law to Tax Law. Studies in
honor of Andrea Amatucci, Volume I, Editorial Temis S.A. – Jovene Editore,
Bogotá-Napoli, 2011.
Pérez, Juan Zornoza, ¿Qué podemos aprender de las experiencias comparadas?,
in Convención y arbitraje en el Derecho Tributario (Coord. por Gabriel Elor-
riaga Pisarik), Instituto de Estudios Fiscales – Marcial Pons, 1996.
Prebble, John, Why is Tax Law incomprehensible?, in British Tax Review, n.º 4,
1994.
129
Artigos

Relatório do Grupo para o Estudo da Política Fiscal. Competitividade, Eficiência e


Justiça do Sistema Fiscal (Coord. por António Carlos Santos e António
Ferreira Martins), disponível em: http://www.min-financas.pt/inf_fiscal/
GPFRelatorioGlobal_VFinal.pdf.
Sanches, José Luís Saldanha/ Gama, João Taborda, Audição-Participação-
-Fundamentação: a co-responsabilização do sujeito passivo na decisão tribu-
tária, in livro de homenagem a José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra
Editora, 2006.
Santos, Renata Borges/ Martins, António, A Administração Fiscal como
elemento do sistema tributário, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 418, Julho/
Dezembro, 2006.
Serrano, María Luísa González-Cuéllar, Los procedimientos tributarios: su
terminación transaccional, Colex, 1997.
Versiglioni, M., Accordo e disposizione nel Diritto tributario. Contributo allo
studio dell`accertamento com adesione e della conciliazione giudiziale, Giuffrè,
Milano, 2001.
COMENTÁRIOS
DE JURISPRUDÊNCIA
IRS, MAIS-VALIAS, REINVESTIMENTO, UNIÃO DE FACTO

COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO


SUL DE 29 DE JUNHO DE 2016, PROCESSO N.º 07877/14 (RELATORA: CRISTINA
FLORA)

Manuel Faustino*

Sumário:

Considerando que o IRS é devido pelo conjunto dos rendimentos


das pessoas que o constituem (art. 13.º n.º 2) e que não estamos perante
a contitularidade de rendimentos dos Impugnantes, ao invés, estamos
perante rendimento da categoria G (mais-valias) auferido unicamente
pelo Impugnante, por este ser proprietário de 100% do imóvel que gerou
o rendimento, então, para efeitos do n.º 5 do art. 10.º do CIRS deve ser
considerado o efectivo reinvestimento que é efectuado pelo Impugnante
em imóvel adquirido por ambos os sujeitos passivos.

Comentário

1.  Não tem sido simples nem fácil, para os sujeitos passivos de IRS,
a denominada fase de comprovação dos rendimentos auferidos, das dedu-
ções e de outros factos ou situações mencionados na respetiva declaração,
sempre que a Autoridade Tributária e Aduaneira o exija1, quando nela
está em causa, designadamente, a tão pouco discutida questão do rein-
vestimento do valor de realização. Referimo-nos, preponderantemente,
à Categoria G e ao facto que, juridicamente, desta forma foi conceptua-
lizado como pressuposto da delimitação negativa de incidência, quanto
a mais-valias imobiliárias, consagrada no n.º 5 do artigo 10.º do Código

*
  Jurista e Consultor Fiscal.
1
  Cfr. n.º 1 do artigo 128.º do Código do IRS.
134
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

do IRS. Assim o comprova a vasta jurisprudência e as decisões arbitrais


que sobre o tema já foram, continuam e provavelmente vão continuar a
ser, proferidas.

2.  Estamos, em primeiro lugar, em presença de um preceito que


tem feito jus à “estabilidade da instabilidade legislativa” que, no plano
tributário, caracteriza o nosso sistema: desde a sua primitiva redação,
constante do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, até à data,
a norma em causa foi alterada por nove vezes2. Em segundo lugar, e não
mesmo importante, descontinuando a solução interpretativa e legisla-
tiva originária, evoluiu-se para a criação de um incompreensível, e em
nosso entender injustificado, regime dual de tratamento fiscal, no IRS,
do “reinvestimento”. O regime especial do reinvestimento tem sempre,
por objetivo, o favorecimento3 fiscal das mais-valias geradas pela alie-
nação onerosa dos ativos alienados4. Ora, na categoria B do IRS adota-se
o regime previsto no Código do IRC, completamente alheio ao modo de
financiamento da aquisição dos bens alienados e dos bens adquiridos5,
bastando-se com a respetiva substituição por outros que integrem os
ativos tangíveis, intangíveis e biológicos não consumíveis6. Na categoria

2
  Pelos seguintes diplomas: DL 206/90, de 26/6; L 10-B/96, de 23/3; L 3-B/2000, de
4/4; L 30-G/2000, de 29/12; L 109-B/2001, de 27/12; DL 211/2005, de 7/12; DL 361/2007,
de 2/11; L 64-A/2008, de 31-12; e L 82-E/2014, de 31/12.
3  Nas modalidades de não tributação total ou parcial.

4  Matéria que naturalmente tem a ver com a tributação das mais-valias e o efeito

de imobilização (lock-in effect), tema que foi magistralmente tratado por JOSÉ XAVIER
DE BASTO em Imposto de Mais-Valias e Efeito de Imobilização, in Boletim de Ciências
Económicas, Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito, Volume XIV, Faculdade de
Direito, Coimbra, 1971, pp. 123/157 e cuja leitura vivamente se aconselha.
5  Se por capitais próprios, se por capitais alheios e, muito menos, pelo estabeleci-

mento de uma relação causal entre o “valor” ou o “produto” da realização do bem alienado
e o pagamento do preço do valor do bem em sua substituição e com finalidade, utilidade
ou afetação equivalentes.
6  É o que dispõe o artigo 48.º do Código do IRC, na sua atual redação, subordinada

à epígrafe: Reinvestimento dos valores de realização: 1 – Para efeitos da determinação


do lucro tributável, a diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias, calcu-
ladas nos termos dos artigos anteriores, realizadas mediante a transmissão onerosa de
ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis e ativos biológicos não consumíveis, detidos por
um período não inferior a um ano, ainda que qualquer destes ativos tenha sido reclas-
135
Comentários de Jurisprudência

G, estando em causa unicamente o reinvestimento do produto ou do


valor de realização do imóvel onde esteja instalada a habitação própria
e permanente do sujeito passivo e ou do seu agregado familiar, faz-se
relevar, a montante e por lei expressa, a jusante por via de interpretação
administrativa e que jurisprudencialmente vem sendo sufragada, o modo
de financiamento da aquisição dos bens alienados e dos bens adquiridos,
ou, dito de outro modo, fazem-se relevar os aspetos financeiros inerentes
a uma operação de cunho estritamente económico.

3.  É neste quadro que o regime do reinvestimento do valor de reali-


zação, na categoria G do IRS, considera, por consagração legislativa que
só ocorreu em 20027, o valor despendido na amortização de empréstimo
contraído para a aquisição do imóvel alienado como equiparado a “rein-
vestimento”, uma vez que as mais-valias que proporcionalmente lhe
correspondam não são, ipso facto, tributadas. Desde que, naturalmente,
o sujeito passivo adquira novo imóvel com o mesmo destino8. Vigora, à
data em que escrevemos este excurso, uma exceção, que não terá cumprido
integralmente os objetivos do legislador9, e que decorre do disposto no

sificado como ativo não corrente detido para venda, ou em consequência de indemni-
zações por sinistros ocorridos nestes elementos, é considerada em metade do seu valor,
quando:
a) O valor de realização correspondente à totalidade dos referidos ativos seja rein-
vestido na aquisição, produção ou construção de ativos fixos tangíveis, de ativos intan-
gíveis ou, de ativos biológicos não consumíveis, no período de tributação anterior ao da
realização, no próprio período de tributação ou até ao fim do 2.º período de tributação
seguinte;
7  Em virtude da alteração introduzida pela L 1009-B/2001, de 27/12.

8  Sempre que os não referirmos especificamente, daremos como verificados os

requisitos de que depende o efeito do reinvestimento previstos na lei.


9  Tal regime teria sido instituído, nomeadamente, para os casos em que os imó-

veis habitacionais são alienados no âmbito de um processo de insolvência de uma pessoa


singular. Porém, neste caso, para além de o crédito hipotecário – é como tal que vai ser
reclamado na massa insolvente – poder eventualmente não ser pago, mesmo que o seja
não se afigura que tal deva considerar-se como uma “amortização de empréstimo”, pois
é a massa insolvente quem fará o pagamento. Mas o que mais sensibiliza, pela negativa,
é que a isenção de mais-valias estabelecida no n.º 1 do artigo 268.º do Código da Insol-
vência e da Recuperação de Empresas não abrange esta situação e o insolvente, pessoa
singular, parece que é obrigado a declarar na sua própria declaração anual de rendimentos
a alienação do imóvel e, apurando-se mais-valias, a suportar o respetivo imposto. Inter-
136
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

artigo 11.º da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, que estabeleceu um


regime especial aplicável às mais-valias imobiliárias, em cujos termos a
mera aplicação do valor de realização em empréstimo contraído para a
aquisição do imóvel habitacional alienado é considerado reinvestimento,
sem que seja exigível a aquisição de outro imóvel com a mesma finali-
dade e desde que o sujeito passivo não possua, à data da alienação, outro
imóvel habitacional. Este regime vigora para as alienações onerosas de
imóveis afetos à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do
seu agregado familiar ocorridas entre 2015 e 2020.
Não ignoramos a bondade do propósito do legislador, nem nos move
qualquer tipo de acinte contra ela. Mas não podemos deixar de entender
que talvez não seja o Código do IRS o campo adequado para nele o legis-
lador a semear: corre o risco de produzir maus frutos, porque incompatíveis
com os objetivos primários visados pelo imposto. Nesta perspetiva prag-
mática, não podemos deixar de considerar uma grave entorse ao regime do
reinvestimento que como tal seja considerada, ou tenha o mesmo efeito, a
“amortização de empréstimo contraído para aquisição do imóvel alienado”.
Neste momento e em relação ao imóvel que se alienou, nem no plano
económico, nem no plano financeiro ou, sequer, em sentido gramatical,
como é evidente parece já nada se poder reinvestir. Com a alienação do
imóvel, pelo contrário, operou-se o fenómeno inverso, o desinvestimento.
E se o que se pretendia era “desendividar” o contribuinte, teme-se que tal
objetivo fique igualmente aquém do desejado, porque, segundo as regras
da experiência, o montante que for utilizado na amortização do empréstimo
anterior repercutir-se-á, em regra, no montante do empréstimo seguinte.
Ou seja, a situação patrimonial do contribuinte, do lado do passivo, não
sofrerá alteração na maior parte dos casos. Está-se, pois, perante mera
situação contabilística e não perante uma situação que releve de materia-
lidade suscetível de justificar qualquer “proteção” fiscal.

4.  Pior, porém, quanto a nós é a restrição que, no plano interpretativo,


foi adotada pela administração fiscal e que a jurisprudência veio posterior-
mente a sufragar. De harmonia com tal interpretação, cujos fundamentos

rogamo-nos por que ruas, senão as da amargura, se passeia, nesta solução o estruturante
princípio da imposição medida pela capacidade contributiva pessoal. E porque ruas, senão
as da arrogância e da petulância, anda a justiça na tributação.
137
Comentários de Jurisprudência

a administração nunca divulgou, só se considera valor reinvestido, para


efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, o valor de
realização deduzido do produto de empréstimo obtido para a aquisição
do novo imóvel. O estabelecimento de uma relação causal entre a utili-
zação do “produto” ou do “valor” da realização e o pagamento do valor
da aquisição é uma “regra” não escrita na norma que consagra o regime
do reinvestimento. A interpretação que nela encontra o seu único funda-
mento não tem, segundo nos parece, na letra da lei qualquer suporte,
porquanto, o regime do reinvestimento no IRC, consagrado em termos
absolutamente idênticos e igualmente com efeitos de atenuação (atual-
mente, porque já foi de isenção total) da tributação das correspondentes
mais-valias é completamente alheio ao correspondente financiamento e
nunca a mesma administração fiscal lhe introduziu tal nuance interpre-
tativa. Isto é, reinvestimento não significa para uma empresa ou para um
particular, economicamente, pois é disso que se trata, aplicar o produto da
realização (em sentido literal ou diretamente) na nova aquisição, mas em
manter, por substituição, no seu ativo corpóreo ou incorpóreo um bem de
utilidade, finalidade ou afetação equivalentes. Numa outra perspetiva, que
nunca vimos considerada mas que foi a originária e deveria ter continuado
a ser, em nosso entendimento, no plano patrimonial, adquirir um imóvel
com financiamento, repercute-se apenas do lado do passivo patrimonial
do sujeito passivo, nunca na sua situação líquida.
Vejamos essa decorrência com dois exemplos:

A.  aliena um imóvel por 1 milhão de euros e compra outro por


500.000 euros. Contrai um empréstimo de 250.000 euros. Como fica a
composição do seu património?

ATIVO PASSIVO

1 imóvel: 500.000 Empréstimo Bancário: 250.000


Disponibilidades: 750.000
1.250.000 250.000

Situação Líquida: 1.000.000


138
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

B. aliena um imóvel por 1 milhão de euros e compra outro por


500.000 euros. Não contrai empréstimo. Como fica a composição do seu
património?

ATIVO PASSIVO

1 imóvel: 500.000 Empréstimo Bancário: 0


Disponibilidades: 500.000
1.000.000 0

Situação Líquida 1.000.000

Não se nos afigura, portanto, existir fundamento válido, do ponto de


vista económico, para a pretendida desigualdade que, para o regime do
reinvestimento na Categoria G, foi criada administrativamente e depois
confirmada pela jurisprudência, em comparação com o regime do rein-
vestimento vigente na categoria B e no IRC. No plano patrimonial, não
se alterando em qualquer caso a situação líquida do contribuinte, o funda-
mento não colhe: materialmente, a situação de ambos os contribuintes,
nos exemplos dados, é idêntica . E também nos parece de todo destituído
de sentido e não ter qualquer suporte interpretativo fazer distinções no
plano meramente financeiro, tendo em conta a fungibilidade do dinheiro
enquanto meio de pagamento para estabelecer a já mencionada relação
causal. Com efeito, se não se atender à sua situação líquida, A. não conse-
guirá fazer prova, ou será uma prova tremendamente difícil, de que rein-
vestiu 500.000 euros do produto da realização do imóvel “de partida” na
aquisição do novo imóvel e que recorreu a empréstimo bancário, dando
por garantia hipoteca sobre o imóvel “de chegada”, com outras finalidades,
sobretudo se, formalmente, e pelas mais variadas razões10, que não as de
fraude fiscal11, o empréstimo tiver sido concedido como “empréstimo para
aquisição de habitação própria e permanente”.

10
  Desde as que beneficiam o devedor (v.g., taxa de juro mais baixa), às que podem
beneficiar a própria instituição de crédito prestamista (v. g., plafonds de crédito e de risco
de crédito).
11  Para as autoridades fiscais parece, face à sua conduta normal, que tudo o que um

contribuinte faça, sobretudo se se tratar de pessoa singular e no âmbito do IRS, tem como
139
Comentários de Jurisprudência

5.  Lamentavelmente, o que parece evidente é que, com o subter-


fúgio da desconsideração, como valor de reinvestimento, de um montante
equivalente ao do empréstimo contraído12, o único objetivo visado foi o
de subtrair à delimitação negativa da incidência e sujeitar a tributação as
mais-valias apuradas e que àquele fossem proporcionais. Esportula-se ao
contribuinte um direito por vias ínvias, com o Terreiro do Paço, incluindo
a estátua equestre e respetivo cavaleiro nele centralmente implantada,
posto em sossego.

6.  E se é verdade que não se conhece a fundamentação da adminis-


tração fiscal para o seu entendimento, crê-se, com o devido respeito, pouco
esclarecedora e alicerçada a fundamentação jurisprudencial que se colhe
do primeiro, salvo erro ou omissão, aresto dos Tribunais Superiores que
sobre o tema se pronunciou, o Acórdão do STA de 12-03-2003, Recurso
n.º 1721/02, em que foi Relator o Venerando Conselheiro Almeida Lopes,
e que se julga oportuno transcrever:

Dizia a lei: desde que o produto da alienação for reinvestido na aqui-


sição de outro imóvel.
A lei não aludia, exclusivamente, ao reinvestimento, o que por si já
chegava para se concluir que esse reinvestimento era do PRODUTO DA
ALIENAÇÃO, com exclusão do empréstimo bancário. Porém, a lei foi mais
precisa, para acabar com as dúvidas: o que é reinvestido é O PRODUTO
DA ALIENAÇÃO.

finalidade a fraude e a evasão fiscais, o que não é, de modo nenhum, a perspetiva consa-
grada na Lei Geral Tributária de 1999, nem é a nossa realidade. É tempo de se acabar com
esta visão misógina da postura das pessoas singulares perante o IRS.
12  Com os quais, na “outra margem do rio” e nos inúmeros processos de inspeção

tributária levados a cabo ao setor de risco “construção civil”, amiudadamente foram esses
mesmos contribuintes confrontados e “aconselhados”, mesmo quando a caducidade já
tinha passado um pano sobre o assunto, “a pagar a sisa”, não fosse o diabo tecê-las. Ou
seja, “deste lado do rio”, do lado das correções sugeridas ou impostas pelas autoridades
fiscais, o empréstimo até “contou” como valor de aquisição. Logo, se o “preço declarado”
pela via sugestionada ou imposta tivesse sido “o real”, até nem deveria, provavelmente,
ter havido problemas com o reinvestimento e todas as mais-valias apuradas teriam bene-
ficiado da delimitação negativa da incidência. Mas, para isso, já não houve procedimento
corretivo. É, como sempre, a AT a “agir como um todo”, vinculada a uma certa perspetiva
do princípio da legalidade. Ou “as malhas que o império tece”.
140
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Costuma dizer-se que a lei não contém palavras inúteis, e, de facto,


não é inútil a lei utilizar as palavras PRODUTO DA ALIENAÇÃO. É que
se o vendedor da primeira habitação comprar uma segunda habitação
(outro imóvel) com dinheiro emprestado por um banco, em rigor não há
um reinvestimento, mas um novo investimento, sem nexo de causalidade
com a primeira venda.
Somente está excluída a tributação quando o produto da alienação
for reinvestido, pois se também estivesse excluída a tributação quando o
dinheiro para a nova aquisição for emprestado pelo banco, então tínhamos
que o contribuinte lucrava duas vezes: por um lado, a mais-valia resultante
da venda do imóvel anterior não era tributada e, por outro, o contribuinte
tinha direito às deduções fiscais resultantes de empréstimo para aqui-
sição de casa própria. São os abatimentos a que se referia o art. 55º, nº 1,
al. e)-1) do CIRS.
O reinvestimento a que se refere aquele preceito – reinvestimento do
produto da alienação – é o do “produto da realização” ou “valor da reali-
zação” /cfr. Código do IRS Comentado e Anotado, 2ª edição da DCGI, de
1990, pág. 120).
E a prova de que é esta a melhor interpretação daquele tipo de rein-
vestimento está no nº 7 art. 10º, nos termos do qual “no caso de reinves-
timento parcial do valor de realização (...) o benefício a que se refere o
nº 5 respeitará apenas à parte proporcional dos ganhos correspondentes
ao valor reinvestido”.
Quer isto dizer que se a segunda habitação fosse comprada em parte
com o produto da alienação e em parte com dinheiro obtido de empréstimo
bancário, sempre o contribuinte pagaria algum IRS, em proporção com o
capital reinvestido e com o capital mutuado pelo banco.
O conceito de reinvestimento é um conceito económico e não jurídico.
Ora, nos termos do art. 11º, nº 3, da Lei Geral Tributária, persistindo a
dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-
-se à substância económica dos factos tributários.
Tanto vale por dizer que este STA não sufraga a interpretação que
o tribunal de 1ª instância deu ao conceito de reinvestimento, por forma a
abranger o investimento de capitais mutuados ao banco.

Desde então, a jurisprudência conhecida pouco ou nada evoluiu


neste tema e os fundamentos invocados, sempre que a questão se coloca,
141
Comentários de Jurisprudência

mantêm-se substantivamente idênticos13. Mas, obviamente, não merece o


nosso aplauso. Porque “produto da realização” ou “valor de realização”,
são expressões, gramaticalmente, sinónimas14 e, além disso, mesmo para os
mais puristas, desde a Lei n.º 109-B/2001, de 27/12, a expressão “produto
da realização” foi, na norma, uniformizada com o Código do IRC e subs-
tituída pela sua sinónima “valor de realização”. Está hoje consagrado na
lei um período de 36 meses (nunca foi inferior a 24meses) para “rein-
vestir” o valor de realização obtido com o imóvel alienado. Precisamente
a mesma expressão utilizada na norma correspondente do Código do IRC.
Face a tal interpretação, parece legítimo que nos interroguemos: terá este
preciso e mesmo valor de ser guardado15 religiosamente para ser reinves-
tido na aquisição de novo imóvel com o mesmo destino, ou admite-se
que o alienante o (re)invista noutros ativos durante este período e, dentro
do prazo legal, com os meios financeiros entretanto gerados, cumpra o
requisito legal de “reinvestir o valor da realização na aquisição de outro
imóvel com a mesma finalidade” ou em alguma das alternativas que a lei
lhe consente? Só estamos de acordo com uma afirmação / fundamento
do, aliás, douto Acórdão, mas entendemos que dela não são retiradas
todas as consequências: o conceito de reinvestimento utilizado no n.º 5
do artigo 10.º do Código do IRS, tal como o utilizado no artigo 46.º do
Código do IRC, ainda que jurisdificado, é um conceito económico – não
é um conceito estritamente financeiro. E reside aqui, em nosso modesto
entendimento, o vício conceptual que inquina, e continua a inquinar, o
raciocínio do julgador.
E nunca ninguém, a começar na própria administração tributária, que
se crê una, se lembrou de condicionar o regime do reinvestimento no IRC
à forma de financiamento da aquisição dos ativos, preenchida que seja
a quota de equivalência, no valor reinvestido, ao valor realizado. Talvez
porque é suposto no IRC saber-se contabilidade e no IRS não? O argu-
mento, de tão frágil, não convencerá ninguém, certamente. Parece-nos
pois, tempo de acabar com esta discriminação negativa e que muito pena-

13
  Veja-se o Acórdão do STA de 16/01/2013, Recurso n.º 1124/11, em que foi Rela-
tor o Venerando Conselheiro Lino Ribeiro,
14  Como, de resto, o próprio Comentário citado no, aliás, douto Acórdão, retirado

do Código do IRS Anotado e Comentado pela DGCI, em 1990, “informa”.


15  E onde? Numa conta financeira expressamente aberta para o efeito? Em nume-

rário e com espécimes numismáticos devidamente marcados?


142
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

liza os sujeitos passivos de IRS no âmbito da categoria G e do regime do


reinvestimento ali consagrado, sem que se torne necessária qualquer alte-
ração legislativa, como, perdoe-se-nos a imodéstia, julgamos ter deixado
suficientemente comprovado. Reconduza-se o reinvestimento parcial à
sua verdadeira dimensão, isto é, à que resulta do facto de, em ambos os
exemplos dados acima, do valor de realização do imóvel alienado, porque
o valor de compra do imóvel em sua substituição adquirido apenas foi de
metade, apenas se considerar reinvestido 50%16.

7.  Já vai, porém longo o introito. Não eram estes os aspetos que,
no, aliás, douto Acórdão que comentamos, até porque nele não estão em
causa, queríamos obviamente focar. Nem, por estranho que pareça, a
decisão jurisprudencial que nele foi proferida. Discordando dela, pelas
razões que adiante se explicitarão, aceitamos que o coletivo do TCA Sul
se tenha pronunciado nos termos em que o fez. Apenas entendemos que,
sendo pública sobre a matéria a posição, de resto diferente, de um Órgão
Constitucional Independente – o Provedor de Justiça17 – sobre a questão
decidenda, talvez devesse ter-lhe feito menção, nem que fosse por mera
cortesia, e justificar por que razão a ela não aderia. Parece-nos que seria
um procedimento normal entre Órgãos independentes, de génese consti-
tucional. E que, não retirando qualquer legitimidade à decisão proferida,
não deixaria, porém, de contribuir para o prestigio do Tribunal, do Relator
e do Coletivo que julgou a causa.

8.  O que aqui pretendemos comentar, sem podermos deixar de, por
um lado, mostrar a nossa perplexidade e, por outro, lamentar, é a posição
adotada no processo pela Representação da Fazenda Pública que interpôs
o recurso que deu origem à decisão. E fazemo-lo porque hoje é pacífica a
posição que prefigura a Fazenda Pública como “parte” no processo judicial

16  Isto se não se considerarem outras vicissitudes do processo a que se encontra

subordinado, em nome da unidade do sistema jurídico tributário e das regras de deter-


minação do valor de aquisição e de alienação, fatores exógenos como o Valor Patrimo-
nial Tributário superior ao declarado, tanto num caso como noutro. Em que medida se
quantifica, nesses casos, o “valor de realização” e o “valor de aquisição” face à tese da
causalidade?
17  Nos termos do disposto no artigo 23.º da Constituição da República Portuguesa
143
Comentários de Jurisprudência

tributário18. Sendo assim, o que neste processo judicial tributário se veri-


fica é que o representante da Fazenda Pública, na defesa dos “interesses”
desta, adotou uma posição conflituante com a que os órgãos competentes
da Autoridade Tributária e Aduaneira entretanto haviam adotado relativa-
mente a uma questão em tudo idêntica, quando se encontrava a ela subor-
dinado no quadro de vinculação hierárquica e funcional a que se encontra
adstrito, atenta a natureza do Órgão do Estado – a Autoridade Tributária
e Aduaneira – em que se integra.

9.  É verdade que, à data dos factos, ainda a AT não havia adotado a
posição que agora a Representação da Fazenda contrariou. Mas já a havia
adotado quando interpôs o recurso. E, não tendo ocorrido qualquer alte-
ração legislativa na norma, ou no segmento da norma, cuja interpretação
estava em causa, entre a data da verificação dos factos e a data do recurso,
entendemos que não existia qualquer obstáculo, pelo contrário impunha-
-se, que a Representação da Fazenda Pública se abstivesse de recorrer
no caso em apreço, face à posição adotada entretanto, perante a questão
que, quanto à matéria de fundo (o que ou quanto deve considerar-se rein-
vestido quando, alienado o imóvel que está afeto à habitação própria e
permanente do sujeito passivo e do seu agregado familiar, que é bem
próprio do alienante, o reinvestimento do valor de realização é efetuado
na aquisição de um imóvel pelo alienante e pela pessoa que com ele vive
em união de facto, aquisição efetuada portanto segundo o regime jurí-
dico da compropriedade) havia sido colocada à Direção de Serviços do
IRS, pelo Provedor de Justiça, através da Recomendação n.º 18/A/2012,
no Processo 5515/10 (A2).

18  Nos termos do n.º 1 do artigo 15.º do CPPT compete ao Representante da Fazenda
Pública representar a administração tributária no processo judicial tributário e nos termos
do n.º 2 recorrer e intervir em patrocínio da Fazenda Pública na posição de recorrente ou
recorrida. E, com maior expressividade, nos termos do artigo 53.º do ETAF, a Fazenda
Pública defende os seus interesses nos tribunais tributários através de representantes
seus. Ora, a defesa dos “interesses” da Fazenda Pública faz-se no quadro da vinculação
ao princípio da legalidade e da observância dos entendimentos administrativos sobre o
sentido e alcance da lei emanados pelos órgãos internos da Autoridade Tributária e Adua-
neira competentes para tal. Nesse sentido, indubitavelmente, a Representação da Fazenda
Pública não é, em abstrato, um “órgão independente”.
144
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Pelo seu interesse, inclusive doutrinário, e tendo em vista a sua divul-


gação, entendemos de todo o interesse transcrevê-la aqui na íntegra19:

Exm.º Senhor
Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira
R. da Prata, nº 10 – 2º
1149-027 – LISBOA

Vossa Refª Vossa Comunicação Nossa Referência


Proc.º R- 5515/10 (A2)

Assunto: Queixa dirigida ao Provedor de Justiça. Exclusão de


tributação de mais-valias imobiliárias.

RECOMENDAÇÃO N.º 18/A/ 2012

(Art.ºs 8.º e 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de abril[1])

I
–  Enunciado –

1.  A., NIF xxx xxx xxx, dirigiu-se ao Provedor de Justiça relatando
uma situação para a boa resolução da qual gostaria de contar com a boa
colaboração de V. Ex.ª.

2.  A esposa do reclamante, B., contribuinte nº yyy yyy yyy, adquiriu,


ainda solteira, uma fração autónoma destinada à sua habitação própria e
permanente.

3.  Entretanto, já casados, no regime de comunhão de adquiridos e


habitando desde sempre ali com o seu agregado familiar, a cônjuge-mulher

19
  Disponível em http://www.provedor-jus.pt/?action=5&idc=67&idi=15123
145
Comentários de Jurisprudência

alienou o referido imóvel, tendo sido decidido aplicar o valor da realização


daquela venda (num total de € 45 000), num outro imóvel destinado, também
ele, à habitação própria e permanente, sua e, naturalmente, do respetivo
agregado familiar.

II
–  Apreciação  –

4.  Dispõe o nº 5 do artigo 10º do Código do IRS, sob a epígrafe


«Mais-valias», norma típica de «não incidência[2]» (sublinhados nossos):

São excluídos da tributação, os ganhos provenientes da transmissão


onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito
passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:

a)  Se, no prazo de 36 meses contados da data de realização, o valor


da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído
para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade
de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na cons-
trução, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com
o mesmo destino situado em território português ou no território de outro
Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu,
desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria
fiscal.
b) (…)

5.  Da leitura deste normativo, depreendeu o reclamante que o rein-


vestimento do valor integral da venda do primeiro imóvel na compra da
nova habitação própria e permanente implicaria a exclusão de tributação,
em sede de IRS, da totalidade dos ganhos decorrentes daquela venda.

6.  Inscreveu assim o valor integral da realização (€45.000), como


valor reinvestido, no campo próprio do Anexo G do Modelo 3 de IRS,
reportado aos rendimentos do ano de 2009.
7.  Para sua perplexidade, todavia, na nota de liquidação de IRS’2009
foi considerado, como valor reinvestido, não os € 45 000, mas apenas metade
146
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

daquele valor, isto é, € 22 500, tendo os restantes € 22 500, portanto, sido


objeto de tributação.

8.  Reclamou graciosamente da aludida liquidação, tendo visto inde-


ferida a sua pretensão por parte do Senhor Chefe do Serviço de Finanças
de Cascais –2 em substituição, em 29 de novembro de 2010. Recorreu
hierarquicamente para V. Exª, em 1 de fevereiro de 2011- conforme cópia
que se anexa – não tendo ainda visto aquele recurso objeto de decisão por
parte de V. Ex.ª.

9.  Tendo, simultaneamente remetido um mail à Direção de Serviços


de IRS, foi informado através de ofício sem número e sem data, onde se
pode ler:

«(...) o imóvel alienado e que originou a mais-valia a tributar era


propriedade só de um de um dos sujeitos passivos e que o novo imóvel é
propriedade dos dois sujeitos passivos, pelo que só se pode aceitar como
reinvestido metade da diferença entre o valor de aquisição do novo imóvel
e do crédito bancário para o efeito, ou seja, de acordo com os valores que
deixa referidos, o montante de € 22 500.» 

10.  Ao Provedor de Justiça, e em resposta às perguntas que lhe foram


colocadas, aquela Direção de Serviços é mais pormenorizada, explicando
o que agora se sumariza, juntando-se cópia para integral conhecimento:

– Atualmente, o regime supletivo de casamento é, nos termos do


artigo 1717º do Código Civil, o da comunhão de adquiridos –
regime pelo qual, nem os bens levados pelo casal, nem os bens
adquiridos a título gratuito se comunicam (...);
– «Ora atendendo a que a questão se subsume afinal, à alienação
onerosa de imóvel destinado à habitação própria e permanente
efetuada pelo titular do respetivo direito de propriedade, e rein-
vestimento na aquisição de um outro imóvel com o mesmo destino
já na vigência de um casamento sob o regime de comunhão geral
de adquiridos, só poderá mesmo, para efeitos de aplicação do
disposto nº artigo 10º, nº 5, alínea a) do Código do IRS, como
que ficcionar-se um reinvestimento na aquisição da propriedade
do novo imóvel com uma percentagem correspondente a 50%.»
(sublinhado e bold nosso).
147
Comentários de Jurisprudência

– E mais se acrescenta que: «(…) não se questionando o facto de o


contribuinte e o cônjuge serem ambos, em termos civis e por força
do regime de comunhão de adquiridos, conjuntamente e sem deter-
minação de quotas, titulares de um direito de propriedade uno
sobre um mesmo imóvel, o que pressupõe uma aquisição conjunta,
certo é que essa aquisição, para efeitos de aplicação do benefício
fiscal acima referido, terá de ser tida como efetuada por parte dos
membros da sociedade conjugal, com recurso ao valor de reali-
zação obtido com a alienação onerosa do imóvel a que procedeu
e que constituía um seu bem próprio».

11.  Dir-se-á, antes de mais, que a fundamentação da Direção de


Serviços de IRS parece assentar, desde logo, numa premissa errónea: a
de que, para que esta norma de exclusão de incidência da tributação seja
aplicável na íntegra, o valor de realização terá de ser aplicado numa habi-
tação própria e permanente de que o sujeito passivo venha a ser único e
exclusivo proprietário.

12.  Ora, os pressupostos ali expressos para efeitos de aplicação inte-


gral (e não apenas parcial) da aludida disposição legal de não incidência,
parecem recusar em absoluto esta interpretação, já que são eles exatamente
os seguintes: a) que os imóveis (o alienado e o adquirido) tenham por fim,
e exclusivamente, a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou
do seu agregado familiar b) que o produto da alienação seja investido na
nova habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agre-
gado familiar[3].

13.  Parece, deste modo, evidente que, o elemento literal da regra em


apreço não integra, portanto, um (suposto) terceiro requisito, a saber, o de
que para que o valor de realização reinvestido seja totalmente abrangido
pela norma de exclusão da tributação, o sujeito passivo haja de ser o único
e exclusivo proprietário do novo imóvel destinado à habitação própria e
permanente.

14.  Permiti-lo-á, todavia, o espírito da aludida disposição norma-


tiva? Por outras palavras pressupõem-no a política legislativa subjacente a
esta norma? Não me parece.
148
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

15.  As mais-valias imobiliárias são genericamente tributáveis em sede


de IRS, enquanto incrementos patrimoniais[4]; a exclusão de incidência de
tributação (delimitação negativa de incidência) restringe-se, deste modo,
apenas, ao caso de reinvestimento dos valores obtidos com a alienação
de imóvel para habitação própria e permanente se aplicados na compra
de outra com o mesmo destino, tendo em vista «favorecer a propriedade do
imóvel destinado a habitação permanente»[5], ou nas palavras talvez mais
certeiras de Rui Duarte Morais[6] «eliminar obstáculos fiscais à mudança
de habitação, em casa própria, por parte das famílias».[7]

16.  Também no que respeita à ratio legis daquela norma, como


aceitar, como V. Ex.ª certamente concordará, que no espírito do legislador
pairasse sequer a intenção de introduzir um elemento de descriminação
negativa entre famílias, prejudicando com uma carga fiscal adicional um
agregado familiar cuja anterior habitação fosse propriedade de apenas um
dos elementos do casal, relativamente àqueles agregados familiares cuja
anterior habitação tivesse sido propriedade de ambos?

17.  A que propósito faria tal discriminação? Pretenderia proteger os


sujeitos passivos solteiros? As famílias monoparentais?[8] Ou teria em vista
apenas desincentivar a compropriedade induzida, no caso, pelo regime de
bens do casamento? E a pretendê-lo, por absurdo, por que motivo não teria
expresso claramente o seu pensamento nesse sentido?

18.  Como ressalta Casalta Nabais[9] «aquela [proibição de descri-


minação desfavorável a contribuintes casados) é uma ideia concretizada,
aliás, em termos bastante precisos, no artigo 6º da Lei Geral Tributária, em
cujo nº 3 especificamente se prescreve: “ a tributação respeita a família e
reconhece a solidariedade e os encargos familiares, devendo orientar-se no
sentido de que o conjunto dos rendimentos do agregado familiar não esteja
sujeito a impostos superiores aos que resultariam da tributação autónoma
das pessoas que os constituem”».

19.  Temos, assim, por indubitável que a omissão legal de qualquer


referência à titularidade do imóvel que constitui habitação própria e
permanente do sujeito passivo e respetivo agregado familiar está em abso-
luta consonância com os princípios fundamentais do ordenamento jurídico
fiscal, no que respeita à proteção do direito à habitação das famílias.
149
Comentários de Jurisprudência

20.  Atente-se, para tal, nos termos utilizados na redação da mesma


(a negrito):

A)  ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis desti-


nados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu
agregado familiar e
B)  o valor da realização (...)

21.  A utilização desta terminologia não comprovará, à evidência, que


o legislador se desinteressou da questão da titularidade do bem, bastando-
-se tão só com os requisitos que se materializam na aplicação dos ganhos
provenientes da transmissão onerosa do imóvel destinado à habitação
própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar em
imóvel destinado ao mesmo fim?

22.  Permita V. Ex.ª que conclua, deste modo, e salvo melhor opinião,
que nada autoriza o intérprete (administração fiscal, no caso) a estabelecer,
por recurso às normas interpretativas comuns – tanto mais que por recurso
ao direito civil, um dos ramos de direito mais longínquo do direito fiscal[10]
–, como pressuposto para exclusão integral da incidência da tributação
dos ganhos obtidos, que a propriedade do imóvel alienado houvesse de
pertencer a ambos os membros do casal, não se vendo aliás como possa,
tão-pouco, «ficcionar»[11] «um reinvestimento na aquisição da propriedade
do novo imóvel com uma percentagem correspondente a 50%.»

23.  E embora se afigurando desnecessário, face aos argumentos


interpretativos comuns já avançados, sempre se dirá que relativamente
ao elemento de interpretação económica dos factos tributários[12], se
acompanha Xavier de Bastos[13] : «(...)o objetivo do regime de exclusão da
incidência é pois, o de não embaraçar a aquisição, imediata ou mediata, de
habitação própria e permanente financiada com o produto da alienação de
um outro imóvel a que fora dado o mesmo destino. Usa-se uma técnica de
roll-over, que torna não tributáveis essas mais-valias enquanto os valores
de realização forem reinvestidos em imóveis também destinados à habitação
(...). A exclusão referida só vale pois para as mais-valias de imóveis desti-
nados à habitação própria e permanente quando o reinvestimento se opera
em imóveis com o mesmo destino. O imóvel «de partida» e o «de chegada»
têm de ser destinados à habitação própria e permanente».
150
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

24.  Sem prejuízo do que ficou dito, cremos ser nosso dever chamar
a atenção de V. Ex.ª para que no âmbito da apreciação que venha a ser
levada a cabo sobre este assunto, seja tida em consideração a possível
inconstitucionalidade da aplicação da norma constante do n.º 5 do artigo
10.º do Código do IRS, tal como foi efetuada pela Direção de Serviços
de IRS.

25.  Senão vejamos. As normas ínsitas no artigo 10.º do Código do


IRS são, por definição, normas de incidência tributária, isto é, grosso modo,
normas que tipificam os factos sobre os quais, quando e se verificados,
poderá recair imposto sobre o rendimento, no caso.

26.  Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição


da República Portuguesa, é à Assembleia da República[14] que cumpre deter-
minar os elementos essenciais dos impostos, isto é, e para além da taxa,
os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, também o elemento
essencial que é a incidência da norma, é questão objeto de reserva de lei,
em benefício do princípio da tipicidade legal.

27.  Ao entender que se encontra no âmbito de incidência do n.º 5


do artigo 10.º do Código de IRS, o valor correspondente a apenas metade
daquele que efetivamente constituiu o ganho obtido com a realização da
venda – isto é, e tão só, € 22 500 – óbvio se torna que a administração
fiscal estará a colocar os restantes € 22 500 no âmbito de incidência do
imposto, ato administrativo em absoluto contrário aos ditames constitucio-
nais (inconstitucionalidade orgânica).

28.  Ora, sendo certo ser «a indiscutível densificação dogmática


do princípio da tipicidade legal» que «o imposto deve ser desenhado de
forma suficientemente determinada, sem margem para desenvolvimento
regulamentar nem para discricionariedade administrativa quanto aos seus
elementos essenciais»[15], e não se detetando qualquer falha a esse nível na
norma em crise, tudo indicará que, para além de ilegal, a aplicação efetuada
da norma ao caso concreto é igualmente desconforme àquele preceito cons-
titucional. Como tal, parecem-nos estar reunidos argumentos suscetíveis de
conduzir à revisão do ato de liquidação em causa, substituindo-se por outra
que tenha em conta o que agora se expôs.
151
Comentários de Jurisprudência

Permita-me por fim informar que esta Recomendação surge na


sequência de recurso hierárquico apresentado pelo queixoso – e que ainda
não foi objeto de decisão – dando-se dela conhecimento a S. Exª o Secre-
tário de Estado dos Assuntos Fiscais, uma vez que, na sequência de troca de
correspondência com o Provedor de Justiça, considerou aquele membro do
Governo ser precisamente a via da reclamação/recurso hierárquico a mais
adequada para a solução desta questão.

Assim, de acordo com as motivações acima expostas e nos termos do


disposto no art.º 20.º, n.º 1, alínea a) do Estatuto do Provedor de Justiça,

Recomendo a V. Ex.ª:

a)  Que, na apreciação do recurso hierárquico interposto pelos


contribuintes supra identificados, relativamente ao seu IRS’2009, consi-
dere abrangidos pela exclusão de tributação prevista no artigo 10.º,
n.º 5, alínea a), do Código do IRS, a totalidade dos ganhos provenientes
da alienação do imóvel que anteriormente afetavam à sua habitação
própria e permanente e à do seu agregado familiar, porque totalmente
reinvestidos na aquisição de outro imóvel com o mesmo destino, não
fazendo relevar, na aplicação da norma em causa, requisito que esta não
exige, a saber, o de que o imóvel alienado fosse propriedade de ambos
os sujeitos passivos (e não apenas de um deles).
b)  Que, caso V. Exª aceite os considerandos que proponho em
favor deste tese, pondere a sua conversão em instrução administrativa
com vista a futura orientação dos serviços que dirige.

Nos termos do disposto no art.º 38.º, n.º 2 do Estatuto do Provedor


de Justiça, deverá V.ª Ex.ª comunicar-me o acatamento desta Recomen-
dação ou, porventura, o fundamento detalhado do seu não acatamento,
no prazo de sessenta dias, informando sobre a sequência que o assunto
venha a merecer.

Apresento a V.ª Ex.ª, os meus melhores cumprimentos,

O PROVEDOR DE JUSTIÇA,

Alfredo José de Sousa


152
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

[1]
  Na redação dada pelas Leis n.ºs 30/96, de 14 de agosto, e 52-A/2005, de
10 de outubro.
[2]  Vide António Fernando Brás Carlos in «Impostos – Teoria Geral». Editora

Almedina, pág 66 – «Sendo os factos geradores do imposto, exclusivamente os que


se encontram tipificados nas norma que constituem a incidência do imposto, resulta
claro que não estão sujeitos a imposto factos que, apesar da sua relevância econó-
mica, se encontrem fora desse universo fechado. Tais factos encontram-se na zona
de não incidência ou de não sujeição».
[3]  Para que a norma de exclusão do nº 5 do artigo 10º tenha eficácia no caso

concreto torna-se necessário ter ainda em atenção os prazos de reinvestimento – aliás,


recentemente alterados –, a afetação efetiva da residência permanente do imóvel
adquirido num prazo máximo de seis meses e obrigações acessórias como a de se
incluir na declaração de rendimentos do ano da alienação a intenção de proceder
ao reinvestimento), questões irrelevantes no caso em presença.
[4]
  «Mais-valias», nas palavras de Xavier de Bastos, in «IRS- incidência e
determinação dos rendimentos líquidos» são «aumentos inesperados do valor dos
ativos patrimoniais», isto é, não correspondem «ao valor acrescentado na produção».
Na definição clássica de Vogel, citado in Manual de Direito Fiscal de J.L.Saldanha
Sanches (página 220): «há uma mais-valia quando temos um ganho resultante da
alienação de um bem económico, na medida em que esta alienação não constitui o
objeto específico de uma atividade empresarial.»
[5]  Xavier de Bastos, idem, pág. 413.

[6]  In «Sobre o IRS», Editora Almedina, pág. 114.

[7]  Artigo 65º da Constituição da República Portuguesa: Habitação e Urba-

nismo «1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de
dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade
pessoal e a privacidade familiar (...).
[8]  Contrariando assim as normas contidas na alínea f) do nº 2 do artigo 67º

e artigo 104º da Constituição da República Portuguesa que implicam a proibição


de discriminações desfavoráveis dos contribuintes casados ou com filhos face aos
contribuintes solteiros ou sem filhos. 
[9]  In «Direito fiscal», José Casalta Nabais, Edição Almedina, 2ª Edição,

página 153 e 154.


[10]  Recorde-se que o artigo 2º da LGT sob a epígrafe «Legislação comple-

mentar», determina: «De acordo com a natureza das matérias, às relações jurídico-
-tributárias aplicam-se, sucessivamente: a) A presente lei; b) O Código de Processo
Tributário e os demais códigos e leis tributárias, incluindo a lei geral sobre infra-
ções tributárias e o Estatuto dos Benefícios Fiscais; c) O Código do Procedimento
Administrativo e demais legislação administrativa; d) O Código Civil e o Código
de Processo Civil.
[11]  Até porque uma «ficção jurídica» é apenas «uma figura jurídica sem

suporte na realidade, que altera e deturpa, erigindo o resultado dessa formação, e


artificiosamente, em realidade jurídica» (in Acórdão do Tribunal Constitucional
nº 63/85.
153
Comentários de Jurisprudência

[12]
  E contra a opinião por exemplo de Casalta Nabais que considera redun-
dante o recurso à norma constante do nº 3 do artigo 5º da Lei Geral Tributária que
determina que «persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a
aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários» (obra citada,
pág. 214 in fine).
[13]  Obra citada, pág. 413.

[14]  Ou mediante lei de autorização legislativa, de acordo com as normas

constantes do artigo 165º da Constituição da República Portuguesa.


[15]  Constituição da República Portuguesa anotada, Gomes Canotilho e Vital

Moreira, Volume I, Coimbra Editora – 4ª Edição, nota ao artigo 103º, pág. 1091.

10.  Não se encontra, nomeadamente no sítio da Autoridade Tribu-


tária e Aduaneira, mau grado os preceitos legais que se poderiam citar
em abono da respetiva obrigatoriedade, a divulgação pública de qualquer
“instrução administrativa com vista a futura orientação dos serviços que
V. Ex.ª dirige”, como constava da segunda parte da Recomendação de
Sua Excelência o Provedor de Justiça, com a decisão proferida sobre esta
Recomendação. Mas a verdade é que, na parte substantiva, a Autori-
dade Tributária e Aduaneira acatou-a. Com efeito, a págs. 51 do Rela-
tório do Provedor de Justiça à Assembleia da República 2013, disponível
no site daquela Entidade, “A resposta obtida deu conta do acatamento
da identificada Recomendação, tendo a AT reconhecido que a alínea a),
do n.º 5, do artigo 10.º, do Código do IRS não consagra, como requisito
para a exclusão de tributação, a identidade de proprietários do imóvel
alienado relativamente aos adquirentes do imóvel no qual é reinvestido
o produto da venda”.

11.  Ora, tendo em conta que, nos termos do disposto na alínea d)


do artigo 3.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, “As pessoas que vivem em
união de facto nas condições previstas na presente lei têm direito a:... d)
Aplicação do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singu-
lares nas mesmas condições aplicáveis aos sujeitos passivos casados e
não separados de pessoas e bens”, julgamos não poder deixar de entender-
-se que a interpretação do n.º 5 do artigo 10.º do Código do acolhida no
acatamento da Recomendação do Provedor de Justiça supra transcrita,
apesar de não divulgada publicamente (como também se recomendava),
teria de ser admitida em relação à situação exposta, sob pena de violação
154
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

do princípio constitucional da igualdade. E, consequentemente, o Repre-


sentante da Fazenda Pública devia ter-se abstido de recorrer. Deixando
para o Digno Representante do Ministério Público tal tarefa, se este visse
no aresto proferido em primeira instância qualquer ilegalidade. Assim
a Representação da Fazenda Pública defenderia adequadamente, como
legalmente lhe compete, os interesses daquela.

Lisboa, agosto de 2016.


AINDA A CADUCIDADE, AGORA A PROPÓSITO DE PERÍODOS
NÃO COINCIDENTES COM O ANO CIVIL

COMENTÁRIO A PROPÓSITO DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CENTRAL


ADMINISTRATIVO SUL (CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO) DE 9 DE NOVEMBRO
DE 2011 (RELATOR: PEDRO VERGUEIRO) NO PROCESSO N.º 03637/09, E DO
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO (2.ª SECÇÃO) DE 10
DE OUTUBRO DE 2012 (RELATORA: DULCE NETO) NO PROCESSO N.º 0340/12.

Nuno de Oliveira Garcia*

Resumo dos acórdãos comentados:

Ac. TCA Sul n.º 03637/09

«Nesta sequência, a Recorrente aponta que, atento o período de tribu-


tação adoptado pela Recorrente, é inequívoco que o prazo de caducidade
se consumaria a 31 de Março de 2005, i.e., passados 4 anos sobre a data
em que se verificou o facto gerador de imposto referente a IRC do exer-
cício de 2000 […]; [porém], [n]este domínio, é ponto assente que estamos
manifestamente perante um imposto periódico (IRC) em que a caducidade
da liquidação se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto
tributário, que significa que, considerando a data de 31-03-2001 neste
âmbito, é o dia 31-12-2001 que marca o início do prazo em apreço, o que
equivale a dizer que a AF tinha de proceder à sua liquidação e notificar
esta ao sujeito passivo até 31-12-2005 por força do regime estabelecido
no art. 45º nºs 1 e 4 da LGT que é o aplicável» (cit.).

*  Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e Investigador


do CIDEEFF
156
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Ac. STA n.º 0340/12

«Não se justifica, à luz da apontada disposição legal [artigo 150.º do


CPTA], a admissão de revista excepcional para reapreciação da questão de
saber se relativamente aos impostos periódicos, como sucede com o IRC,
o prazo de caducidade de 4 anos previsto no artigo 45.º da LGT deve ser
contado a partir do termo do ano civil em que se verificou o facto tribu-
tário mesmo nas situações em que o sujeito passivo adoptou um período
de tributação diferente do ano civil» (cit.).

Comentário

1. Introdução

Convoca-se, excecionalmente, não um, mas dois acórdãos. Ambos


conduzem a um resultado muito discutível numa matéria sensível, por
constituir uma garantia dos contribuintes, como é a da caducidade. Efeti-
vamente, resulta dos resumos que acima se deixaram reproduzidos, por
nós selecionados e retirados dos acórdãos em análise, ser defensável que
o prazo máximo de caducidade de 4 anos se estenda por vários meses –
podendo, no limite, chegar o prazo da caducidade a 4 anos e 11 meses, ou
seja praticamente 5 anos – pelo mero fato de uma sociedade ter optado por
ter um ano fiscal diferente do ano civil, e mesmo que isso não decorra da
norma principal nessa matéria – n.º 1 do artigo 45.º da LGT.
No caso da decisão do TCA Sul, de resto nem sempre suficientemente
clara quanto à adoção de posição contrária à sustentada pelo Particular,
cinge-se a uma mera reprodução da norma contida no n.º 4 do artigo 45.º
da LGT no sentido em que, independentemente do período adotado, o
prazo de caducidade conta-se sempre no âmbito do IRC a partir do termo
do ano civil em que se verificou o facto tributário. Em momento algum
da decisão parece ter sido ponderada a consequência da tese subscrita
– o alargamento do prazo máximo geral de caducidade. Ou seja, para a
decisão do TCA Sul, a norma contida no n.º 1 do artigo 45.º da LGT –
que impõe, como limite máximo o prazo de 4 anos, excecionando apenas,
naturalmente, os casos previstos nos n.os 2, 3 e 7 do mesmo artigo – é
meramente programática ou, em alternativa, comporta alguma dimensão
157
Comentários de Jurisprudência

flexível no âmbito da concretização da previsão normativa que permite –


agora citando as palavras do acórdão do STA acima referenciado – mais
do que uma «solução juridicamente plausível no campo da interpretação».
Assim, contudo, não entendemos, nem vemos – salvo melhor opinião
– como seja possível interpretar o disposto no n.º 4 do artigo 45.º da LGT
(que, adiante-se, é uma norma que apenas releva ao nível da mecânica da
contagem do prazo) de forma a retrair e desviar parte do sentido expresso
e útil do disposto no n.º 1 do artigo 45.º do mesmo compêndio legal.
Vejamos:

2. Questões de ordem sistemática

No IRS, a circunstância da não coincidência entre ‘anos civis’ e ‘anos


fiscais’ não se coloca. Como também não releva no IRS a diferença entre
‘exercício’ ou ‘período’ e ‘ano’, ao contrário do que sucede no Código do
IRC que utiliza as 3 três expressões. Na verdade, no IRS tudo se reconduz
ao ano civil, como é bem visível, entre outras,1 na norma do artigo 22.º,
n.º 1, do Código do IRS relativa ao englobamento – «o rendimento cole-
tável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias
categorias auferidos em cada ano» (cit.).
Já no IRC, a unidade é o período, como decorre, imediatamente, do
artigo 1.º do Código do IRC – o imposto incide sobre «os rendimentos
obtidos [...] no período de tributação» (cit.) – e do artigo 17.º – quando
se refere à «soma algébrica do resultado líquido do período e das varia-
ções patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período»
(cit.). No mesmo sentido, e de forma categórica, o artigo 8.º do Código
do IRC proclama que o imposto é devido por cada período de tributação.
Mas, mesmo no Código do IRC, existe espaço para a convivência entre as
expressões ‘período’ (exercício fiscal) e ‘ano’, como decorre do regime da
dedução de prejuízos. É, nesta sede, exemplar o disposto no longo artigo
52.º do Código do IRC que se refere, quase exclusivamente, a «período»
com a exceção do seu n.º 4 que se reporta a «anos».

1  No mesmo sentido, para as mais-valias, veja-se o artigo 43.º, n.º 1, que igualmente

se refere a «ano». Igualmente, mas agora no âmbito declarativo, vide artigo 57.º, n.º 1 para
a referência «ano anterior». Muitos outros exemplos existem.
158
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Acresce que, nos termos das alterações introduzidas ao Código do


IRC em 2014, é hoje possível proceder à alteração do período de tribu-
tação para efeitos fiscais sem necessidade de justificação ou autorização
prévia quer da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) como do Minis-
tério das Finanças, ao contrário do que acontecia até 2014.2 Naturalmente,
sendo o período não coincidente com o ano civil, também será diferente
do habitual o prazo para apresentação da declaração periódica de rendi-
mentos (Modelo 22 de IRC) bem como o prazo para os pagamentos por
conta. Todavia, esta não coincidência não é, de forma alguma, um tabu.
Em primeiro lugar porque, como vimos, no IRC, e ao contrário do que
sucede no IRS, estamos no ‘império do período’ e não no do ano civil.
Em segundo lugar, porque são muitos os casos em que o período não deve
ser coincidente, como sucede com sociedades dominadas por sociedades
estrangeiras com diferente ano fiscal (a título de exemplo veja-se que o
Fiscal Year do Reino Unido não coincide com o ano civil, assim como o
da Tailândia e o dos EUA, todos eles diferentes entre si) e que com elas
consolidem contas, mas também com as Sociedades Anónimas Despor-
tivas (em que o período relevante é de agosto a julho, de acordo com os
calendários das principais atividades desportivas) ou com os instituições
privadas de ensino (em que o período relevante é de setembro a agosto, de
acordo com a calendarização do ano escolar), entre tantos outros casos.3
Da mesma forma, a possibilidade de existir um período de tributação
inferior a um ano não é algo ‘fora do sistema’ – veja-se o artigo 8.º, n.º 4,
alínea d) do Código do IRC, estando mesmo prevista a circunstância de
se ter de apresentar uma Modelo 22 de IRC para apuramento de imposto
devido nesse período de tributação.

2  É certo que o sujeito passivo fica obrigado a manter o novo período anual nos 5

períodos de tributação imediatos, mas trata-se de uma norma que visa, tão somente, dis-
ciplinar a vontade dos sujeitos passivos e trazer ao sistema alguma consistência. Assim,
um sujeito passivo pode mudar de período quantas vezes pretender, desde que o mantenha
por 5 períodos seguidos.
3  Casos desde há muito conhecidos pela AT e que mereceram, mesmo no âmbito da

Contribuição Industrial, autorização para apresentarem resultados não coincidentes com o


ano civil, mesmo que tal não estivesse previsto no respetivo código, caso das empresas que
se dedicavam à pesca de bacalhau que apuravam resultados por campanhas e das empresas
agrícolas que pretendiam ser tributadas com base no ano agrícola. Assim, vide Henrique
Quintino Ferreira (Lisboa, 1990)2 Comentários ao Código do IRC, p. 141.
159
Comentários de Jurisprudência

Pelo que, e aqui chegados, podemos concluir que, atualmente, não


existe qualquer especialidade na adoção de um período fiscal que não
coincida com o ano civil. De resto, a própria informatização da AT (para
não falar do ‘acompanhamento permanente’ de que várias entidades são
hoje alvo) permite monitorizar se determinado valor entregue corresponde
a um pagamento por conta feito pela sociedade ou a qualquer outra reali-
dade. Não há especialidade, e não há preferência sistemática no Código
do IRC pelo ano civil, ao contrário do que sucede no IRS. Há, isso sim,
a adoção do ano civil como período por defeito, ou seja, em caso de não
existir opção expressa por qualquer outro período, seja ele de 1 de outubro
a 30 setembro, de 1 de abril a 31 de março ou, no limite, de 1 de fevereiro
a 31 de janeiro.

3. O regime do artigo 45.º da LGT e as suas diferentes normas

Basta uma rápida análise ao disposto no artigo 45.º da LGT para se


descortinar nos seus vários números dois tipos de normas muito diferentes.
Por um lado, as normas que, efetivamente, servem para fixar prazos de
caducidade; por outro lado as normas que servem para explicar como esses
prazos se contam. A diferença entre os dois tipos de normas é tão óbvia
como relevante, desde logo porque as segundas se subalternizam, neces-
sariamente, às primeiras. Os n.os 1, 2, 3 e 7 fixam prazos limite recorrendo
muitas vezes à expressão «o prazo [da caducidade] é de», para que não
restem dúvidas. O n.º 5 prevê um caso excecional de alargamento do prazo
(opta-se mesmo pela expressão «alargado»). Mas mesmo dentro deste
primeiro tipo de normas (ie., de normas cuja previsão é a consagração de
limites máximos ao prazo de caducidade), existe uma hierarquia a ter em
conta, não havendo margem para hesitações de que a norma prevista no
n.º 1 é a norma geral, tendo as demais normas um âmbito circunscrito a
situações relativamente especiais. Por sua vez, o segundo tipo de normas
contidas no artigo 45.º da LGT – que pouco tem que ver com o primeiro
tipo – tem uma função meramente acessória, qual seja a de ilustrar, na
prática, como os prazos previstos nas restantes normas se contam, nome-
adamente tendo em consideração os diferentes tipos de tributos. É o caso
do disposto no famigerado n.º 4 e, de forma ainda mais auxiliar, pois refe-
rente a notificações, no n.º 6 do referido artigo.
160
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Ora, tendo por base esta ordenação de normas, não se afigura correto
aceitar uma solução interpretativa segundo a qual as normas acessórias
sejam interpretadas de forma a permitirem a consumação de desvios às
normas que fixam os limites máximos do prazo de caducidade. Na verdade,
e como já acima ficou referido, as únicas exceções à regra geral dos 4 anos
do n.º 1 do artigo 45.º da LGT constam dos n.os 2, 3 e 7. Assim sendo, não
podemos concordar com o sentido da decisão do Acórdão do TCA Sul,
de 9 de novembro de 2011, no processo n.º 03637/09, na medida em que
este interpreta a letra do n.º 4 do artigo 45.º da LGT como impondo que,
em todos os casos de IRC – ie., ainda que o período seja diferente do ano
civil –, o prazo de caducidade se conta a partir do termo do ano civil em
que se verificou o fato tributário, permitindo um ilegal alargamento do
prazo de caducidade, tanto mais alargado, naturalmente, quanto mais cedo
no ano civil terminar o período fiscal.
Neste sentido, comece-se por observar também que a norma do n.º 4
do artigo 45.º da LGT reconduz-se à regra que já constava na parte final do
n.º 1 do artigo 33.º do Código de Processo Tributário (CPT) e que já antes
se encontrava definida, embora com formulação diferente, em diversos
vetustos códigos de impostos já extintos.4 Ou seja, a redação da norma
do n.º 4 do artigo 45.º da LGT é tudo menos contemporânea, tendo sido
redigida inicialmente muito antes (décadas antes!) das importantes alte-
rações de 2014 relativamente à facilitação da adoção de um período não
coincidente com o ano civil. Pode-se, pois, dizer, sem receito de equívoco,
que tal n.º 4 não está pensado (ie., não é esse o programa da norma) para
os casos em que tal coincidência não existe, na medida em que foi gizado
e consagrado num tempo em que a coincidência entre período e ano civil
era um dogma semelhante ao que ainda se verifica hoje na tributação do
rendimento das pessoas singulares. Por outras palavras, a norma do n.º 4
do artigo 45.º da LGT foi construída num ambiente em que o fato gerador
de imposto era, quase sem exceções, o termo do ano civil. Sucede que,
atualmente e como vimos acima, é possível de forma unilateral mudar-se
o período fiscal e, com isso, a data de produção do fato gerador de imposto
(entendido, se assim é possível, como a data em que o fato tributário ocorre
no IRC, com a conhecida exceção da retenção na fonte a título definitivo).

4
  Tal como bem recorda Joaquim Conçalves no texto «A Caducidade Face ao Direito
Tributário» in VV. (Lisboa,1999) Problemas Fundamentais do Direito Tributário, p. 244.
161
Comentários de Jurisprudência

É neste contexto que entendemos como certeiro o comentário ao


artigo 45.º da LGT por José Maria Pires, segundo o qual o «início da
contagem do prazo da caducidade ocorre, em regra, com a produção do
fato gerador». Continua o Autor, referindo-se aos impostos periódicos em
concreto, que nestes o facto gerador é habitualmente continuado pelo que
«a contagem do prazo de caducidade inicia-se na data em que se considera
produzido o facto gerador».5 Nem mais! Ora, assim sendo – como deve
ser – então resta-nos deitar os olhos ao disposto no n.º 9 do artigo 8.º do
Código do IRC segundo o qual (e precisamente a propósito do período
de tributação) «[o] facto gerador do imposto considera-se verificado no
último dia do período de tributação» (cit.) para concluirmos que a cadu-
cidade não se deva contar a partir do último dia do ano civil mas sim do
período de tributação.

4. A interpretação possível do n.º 4 do artigo 45.º da LGT nos casos


de não coincidência entre período e ano civil, respeita o n.º 1 do
mesmo artigo

Nestes termos, na articulação entre o disposto no n.º 4 do artigo 45.º


e no n.º 9 do artigo 8.º, ambos do Código do IRC, a imediata conclusão só
pode ser a de que o regime geral de caducidade de 4 anos, nos impostos
periódicos e quando a tributação dos sujeitos passivos ocorrer com base
num período não coincidente com o ano civil, conta-se a partir do termo
do período (tendencialmente anual) em que se verificou o fato tributário.
Repita-se: a partir do período,6 e não a partir do ano civil. Conclusão que,
adiante-se, não coloca em causa o princípio da anualidade (pois, em regra,
o período mantém-se de duração anual) nem o princípio da incindibilidade
(não há qualquer fracionamento) perante a AT,
Esta é a melhor interpretação possível, sob pena de concluirmos que,
nos casos de não coincidência do período com o ano civil, o prazo de cadu-
cidade não é mais o de 4 anos previsto na regra geral do n.º 1 do artigo

5  José Maria Pires coord. VV. (Coimbra, 2015) Lei Geral Tributária Anotada e

Anotada, comentário ao artigo 45.º (cit).


6  Com a exceção, obviamente, para os casos verdadeiramente residuais de períodos

com duração inferior a um ano.


162
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

45.º da LGT, antes um prazo que pode ser alargado até um máximo de 4
anos e 11 meses… Ora, num contexto de contínuo aumento de eficiência
da AT, mal se compreende que a circunstância – cada vez mais vulgar no
contexto posterior à Reforma de 2014 – de não coincidência de período e
ano civil conduza a um aumento do prazo máximo geral da caducidade,
com o consequente acrescento de incerteza jurídica (princípio que, para-
doxalmente, visa ser tutelado precisamente pelas normas sobre caduci-
dade). Aliás, veja-se que já na longínqua autorização legislativa para a
publicação da LGT se previa a possibilidade de «encurtar [os prazos de
caducidade] de modo consentâneo com as possibilidades e o aumento
de eficiência da Administração».7 Ou seja, evidentemente, a postura do
legislador é a de que ao aumento de eficiência da AT corresponderá, na
medida do possível, a uma redução – e nunca ao aumento – dos prazos
de caducidade (com a exceção dos casos respeitantes a fatos tributários
conexos com jurisdições sujeitas a um regime fiscal mais favorável, aspeto
que decorre, de resto, mais de compromissos de política económico-fiscal
do que de necessidades técnicas).
Importa ainda atentar a um outro importante tema que revela a neces-
sidade de clarificação e interpretação a propósito do que temos vindo a
escrever, respeitante à dedução dos prejuízos fiscais, matéria para a qual é
essencial a decorrência temporal, seja ela em períodos ou em anos civis. A
este respeito note-se que o legislador não hesitou em privilegiar o conceito
de período, tanto na determinação do período denominado de ‘reporte’
(n.º 1 do artigo 52.º do Código do IRC) como nos limites à dedução
(n.os 2, 3, e 8 do artigo 52.º). Talvez por ser um assunto com relevância vital
na determinação do imposto a pagar, o legislador consagrou um regime
bastante exaustivo – o mesmo sucedendo no artigo 71.º no regime espe-
cífico aplicável aos grupos de sociedade – utilizando sempre a expressão
‘período’ e evitando as referências a ‘ano’. Ou seja, quando falamos de
prejuízos, reporte e respetiva dedução, falamos sempre de períodos e assim
deve ser pois, como vimos atrás, e brincando com as palavras, por vezes
só por coincidência haverá coincidência entre período e ano civil. Se se
atribui tanta relevância ao ‘período’, em detrimento de ‘ano’, no que toca
ao regime aplicável aos prejuízos, é admissível que os sujeitos passivos
pressuponham que a AT e os tribunais possam dar a mesma relevância em

7
  Assim, artigo 2.º, § 17, da Lei 41/98, de 4 de agosto (cit.).
163
Comentários de Jurisprudência

sede de caducidade… Resta o n.º 4 do artigo 52.º que impede a liquidação


de IRC, ainda que adicional, mesmo quando se efetuarem correções aos
prejuízos declarados pelo sujeito passivo, «se tiverem decorrido mais de
quatro anos relativamente àquele a que o lucro tributável respeite» (cit.).
Ora, também nesta sede, entendemos que se deve, nos casos de não coin-
cidência do período com o ano civil, interpretar «aquele» como referindo-
-se ao período fiscal e não o ano civil.8
Pelo acima referido não podemos concordar com o sentido da decisão
do Acórdão do TCA Sul, de 9 de novembro de 2011, no processo n.º 03637/
09, ao mesmo tempo que entendemos que o STA, ao contrário do seu
Acórdão de 10 de outubro de 2012 (Relator: Dulce Neto) no processo
n.º 0340/12, poderia ter admitido a revista dado tratar-se de um tema dire-
tamente relacionada com garantias dos contribuintes, e tendo em consi-
deração que a tese sufragada ad quo permitia o alargamento do prazo
máximo geral da caducidade.

Julho de 2016, em Sintra.

8
  Independentemente da forma como se interprete a referência, na mesma norma, a
«quatro anos», admitindo-se mesmo como defensável a posição de que, nos casos de não
coincidência do período com o ano civil, se possa entender como referindo-se a ‘quatro
períodos’ (e não a quatro períodos anuais, ou seja, a quatro intervalos de 365 dias) numa
lógica de que o regime dos prejuízos se encontra assente, precisamente, no conceito de
‘período’ e não de ‘anos’.
CASO BARLIS – A ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA MAIS PAPISTA
QUE O PAPA

COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO DO TJUE DE 15 DE SETEMBRO DE 2016,


PROCESSO C516/14

Clotilde Celorico Palma

Muito recentemente foi proferido pelo Tribunal de Justiça da União


Europeia (TJUE) um interessantíssimo Acórdão que versa, uma vez mais,
sobre a magna questão dos requisitos obrigatórios que, nos termos da
Directiva IVA, devem constar das facturas e as suas consequências ao
nível do exercício do direito à dedução do Imposto sobre o Valor Acres-
centado (IVA), tendo em consideração o princípio da neutralidade que
rege este tributo.
Trata-se do denominado Caso Barlis, muito oportunamente comen-
tado por Rogério Fernandes Ferreira, Marta Machado de Almeida, Jorge
Lopes de Sousa, José Pinto Ramos e Soraia João Silva1, que resultou de
um pedido de reenvio prejudicial levado a efeito no Proc. n.º 3/2014 T do
Centro de Arbitragem Administrativa/CAAD.
Ressalta desde logo da análise deste Acórdão que a Autoridade Tribu-
tária e Aduaneira (AT), foi mais papista que o Papa, ao atender apenas ao
elemento literal da norma interna que, de acordo com o Direito da União
Europeia, vem prever quais os requisitos obrigatórios que devem constar
das facturas.
Vejamos.

  Forma e substância na facturação em IVA: o caso Barlis nos serviços jurídicos”,


1 “

newsletter n.º 33/16, de 4 de Outubro de 2016, RFF.


166
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

1.  Os factos

O Acórdão em causa foi proferido em sequência de um pedido de


decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° do Tratado
de Funcionamento da União Europeia (TFUE), pelo CAAD, estando em
causa, no essencial, os seguintes factos dignos da nossa nota:

a) Entre 2008 e 2010, a sociedade Barlis, Investimentos Imobiliários


e Turísticos SA (de ora em diante Barlis), recorreu aos serviços
jurídicos de uma sociedade de advogados (a seguir “serviços
jurídicos em questão”), os quais constam de quatro facturas das
quais constam os seguintes descritivos:
– factura n.° 02170/2008, de 26 de Agosto de 2008: “Serviços
jurídicos prestados entre 1 de dezembro de 2007 até à presente
data”;
– factura n.° 32100478, de 17 de Dezembro de 2008: “Honorá-
rios por serviços jurídicos prestados entre junho e até à presente
data”;
– factura n.° 32101181, de 29 de Abril de 2009: “Honorários por
serviços jurídicos prestados até à presente data”; e
– factura n.° 32104126, de 2 de Junho de 2010: “Honorários por
serviços jurídicos prestados entre 1 de Novembro de 2009 e a
presente data”;
b) A Barlis exerceu o direito à dedução do IVA mencionado nas
aludidas facturas;
c) Na sequência de um pedido de reembolso do IVA, a AT fez inspec-
ções em relação aos anos de 2008 a 2011, concluindo que não
assistia à Barlis o direito de deduzir o IVA referente aos serviços
jurídicos em questão, dada a insuficiência dos descritivos cons-
tantes das facturas em causa;
d) A Barlis foi notificada para exercer o direito de audição prévia,
tendo procedido à apresentação de documentos anexos contendo
uma discriminação mais detalhada dos serviços em apreço, mas a
AT manteve as correcções propostas com fundamento no carácter
incompleto das aludidas facturas e, consequentemente, na não
observância dos requisitos obrigatórios constantes das facturas;
167
Comentários de Jurisprudência

e) A Barlis apresentou uma reclamação graciosa contra esta decisão,


a qual foi indeferida com fundamento no facto de a menção de
“ serviços jurídicos “ nas faturas em causa não satisfazer as
exigências do art.º 226, n.º 6, da Diretiva de 2006/112, nem as
exigências das disposições nacionais que procedem à transpo-
sição desta diretiva, dado que essa referência não discriminava
os serviços que em concreto foram prestados, nem as quantidades
unitárias ou totais dos mesmos.”;
f) O CAAD submeteu ao Tribunal de Justiça, em 17 de Novembro
de 2014, nos termos do artigo 267.° TFUE, a seguinte questão
prejudicial: “A correta interpretação do artigo 226.°, n.° 6, da
[d]iretiva IVA permite à Autoridade Tributária e Aduaneira
considerar insuficiente o descritivo de fatura que contenha a
menção ‘serviços jurídicos prestados desde determinada data
até ao presente’ ou apenas ‘serviços jurídicos prestados até ao
presente’, tendo presente que esta Autoridade pode, ao abrigo
do princípio da colaboração, obter os elementos complemen-
tares de informação que entender necessários para confirmação
da existência e das características detalhadas das operações?”

2.  O Direito

Como é sabido, o IVA é um imposto indirecto de matriz comunitária,


plurifásico, que atinge tendencialmente todo o acto de consumo (imposto
geral sobre o consumo).2
O direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do
imposto, devendo garantir a sua principal característica – a neutralidade.3
2  Sobre as características fundamentais deste tributo, vide Xavier de Basto,
A tributação do consumo e a sua coordenação a nível internacional, Lições sobre a
harmonização fiscal na Comunidade Económica Europeia, CCTF n.º 164, Lisboa 1991,
p. 39-73 e Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado,
6.ª edição, Almedina, Setembro de 2014, pp. 19-55.
3  Sobre o exercício do direito à dedução no IVA veja-se Juan Calvo Vérgez, El

Derecho de Deducción en el IVA, La Ley, 20015 e Clemente Checa González, El Dere-


cho a la Deducción del IVA, Criterios Estabelecidos en la Jurisprudencia del Tribunal
de Justicia Comunitario, y su Reflejo en nuestro Derecho Interno, Thomson Aranzi, Pri-
mera edición, 2006.
168
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Na realidade, o direito à dedução consubstancia-se como o elemento


essencial do funcionamento do imposto, a “trave-mestra do sistema do
imposto sobre o valor acrescentado”4, assentando no designado método
da dedução do imposto, método do crédito de imposto, método subtrac-
tivo indirecto ou ainda método das facturas. De acordo com este método,
e em conformidade com o disposto no artigo 19.º do CIVA, através de
uma operação aritmética de subtracção, ao imposto apurado nas vendas
e prestações de serviços (outputs) e identificável nas respectivas facturas,
deduz-se o imposto suportado nas compras e outros gastos (inputs). Como
determina o 2.º parágrafo, do n.º 2, do artigo 1.º, da Directiva IVA (de ora
em diante DIVA)5, “Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço
do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível,
com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido direc-
tamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço”.
O mecanismo do exercício do direito à dedução permite ao sujeito passivo
expurgar do seu encargo o IVA suportado a montante, não o reflectindo
assim como custo operacional da sua actividade, retirando, desta forma,
o efeito cumulativo ou de cascata, propiciando a neutralidade económica
do imposto.
De acordo com o previsto na Directiva IVA, o Código do IVA deter-
mina, como regra geral, a dedutibilidade do imposto devido ou pago pelo
sujeito passivo nas aquisições de bens e serviços feitas a outros sujeitos
passivos.
As situações expressas de exclusão do direito à dedução são excep-
cionais e reportam-se a casos específicos enunciados pelo legislador
nacional em termos taxativos, de acordo com o estatuído na Directiva
IVA, em função do tipo de despesas em causa.

4   Xavier de Basto, A tributação do consumo e a sua coordenação a nível inter-


nacional, Lições sobre a harmonização fiscal na Comunidade Económica Europeia,
op. cit., p. 41.
5  Publicada no JO n.º L 347, de 11 de Dezembro de 2006. Essencialmente, esta

Directiva veio reformular o texto da Sexta Directiva (trata-se de uma reformulação basi-
camente formal, atendendo ao facto de o seu texto se encontrar excessivamente denso,
dadas as sucessivas alterações que lhe foram introduzidas desde a sua aprovação). Com a
reformulação passou a ter 414 artigos (tinha 53). Note-se, todavia, que foram revogadas
várias directivas de IVA, pelo que poderemos passar a designar a “nova” Directiva, abre-
viadamente, como Directiva IVA (a Directiva base do sistema comum vigente).
169
Comentários de Jurisprudência

As regras do exercício do direito à dedução do imposto contem-


plam requisitos objectivos, mais ligados ao tipo de despesas, subjectivos,
relativos ao sujeito passivo e temporais, atinentes ao período em que é
possível exercer o direito à dedução do IVA, os quais se devem verificar
em simultâneo para se exercer o direito à dedução.
Como requisitos objectivos do exercício do direito à dedução do
imposto temos, nomeadamente, o facto de o imposto suportado dever
constar de factura passada na forma legal (ou seja, deverá obedecer, nos
seus requisitos, aos termos gerais previstos no artigo 36.º, n.º 5, do CIVA),
de se tratar de IVA português, e de a despesa, por si, conferir o direito à
dedução do IVA (isto é, não se deve tratar de uma despesa excluída do
direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 21.º do CIVA).

2.1.  Os requisitos que devem constar das facturas

O artigo 226.° da Directiva IVA, vem determinar, para os efeitos


que por ora nos ocupam, o seguinte: “Sem prejuízo das disposições
específicas previstas na presente diretiva, as únicas menções que devem
obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas faturas emitidas em
aplicação do disposto nos artigos 220.° e 221.° são as seguintes: […]
6) A quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza
dos serviços prestados; 7) A data em que foi efetuada, ou concluída, a
entrega de bens ou a prestação de serviços ou a data em que foi efetuado
o pagamento por conta, referido nos pontos 4) e 5) do artigo 220.°, na
medida em que essa data esteja determinada e seja diferente da data de
emissão da fatura; […]”6
De notar que o considerando 46 da Directiva IVA é o único relativo
a facturas, prescrevendo que “A utilização da faturação eletrónica deve
permitir o seu controlo por parte das administrações fiscais. É pois conve-
niente, para garantir o correto funcionamento do mercado interno, esta-
belecer uma lista harmonizada das menções que devem obrigatoriamente

6  As referidas disposições do artigo 226.° da Directiva IVA correspondem, no

essencial, ao artigo 22.°, n.° 3, alínea b), sexto e sétimo travessões, da Sexta Directiva,
na sua versão resultante do seu artigo 28.°-H (6), na sua versão alterada pela Directiva
2001/115/CE.
170
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

figurar nas faturas, bem como algumas regras comuns relativas ao recurso
à faturação eletrónica e à armazenagem eletrónica das faturas, bem como
à autofaturação e à subcontratação das operações de faturação.”
No nosso Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), o
artigo 36.°, n.° 5, alínea b), prevê que as facturas devem conter a “denomi-
nação usual […] dos serviços prestados, com especificação dos elementos
necessários à determinação da taxa aplicável”. Só quando uma factura
satisfaz, designadamente, estes requisitos previstos no artigo 36.°, n.° 5,
alínea b), do CIVA, existe, nos termos do artigo 19.°, n.° 2, alínea a), e
n.° 6, do CIVA, o direito à dedução do IVA mencionado na factura.
Esta norma representa a transposição do disposto no artigo 178.°,
alínea a), da Directiva IVA, que determina que o destinatário de uma
prestação só pode exercer o seu direito à dedução do IVA se está na posse
de uma factura. Resulta da jurisprudência assente do TJUE que esta
exigência visa garantir a cobrança do IVA e o seu controlo pela Adminis-
tração Fiscal.7 A dedução só é concedida se com a factura a Administração
Fiscal pode, ao mesmo tempo, ter acesso a um documento que, devido às
menções obrigatórias previstas no artigo 226.° da Directiva IVA, contém
as informações necessárias para também poder garantir o correspondente
pagamento do IVA pelo emitente da factura. A factura constitui, assim,
uma espécie de seguro para o fisco, na medida em que estabelece, de certa
maneira, um nexo entre a dedução do IVA e o pagamento deste imposto8.

2.2.  O exercício do direito à dedução do IVA

O artigo 178.º, alínea a), da DIVA, prevê a obrigação de o sujeito


passivo «... possuir uma factura em conformidade com os artigos 220º
a 236º, 238º, 239º e 240º”. Deve, por isso, interpretar-se o conceito de
“factura” por referência às disposições conjugadas dos artigos 226.º e
231.º da DIVA.

7
  Veja-se Acórdão de 29 de Abril de 2004, Caso Terra BaubedarfHandel (Proc.
C152/02, Colect., p. I-268, n.° 37).
8  Veja-se, neste sentido, também, o Acórdão de 31 de Janeiro de 2013, Caso Stroy

trans (Proc. C642/11, Colect., p. I-54, n.ºs 31 e 32) e o Acórdão de 31 de Janeiro de 2013,
Caso LVK56 (Proc. C643/11, Colect., p. I-55, n.ºs 35 e 36).
171
Comentários de Jurisprudência

Em concreto, no que concerne aos elementos que devem constar das


facturas, o artigo 226.° da DIVA tem a seguinte redacção:

«Sem prejuízo das disposições específicas previstas na presente direc-


tiva, as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos
do IVA, nas facturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220.°
e 221.° são as seguintes:
1) A data de emissão da factura;
2) O número sequencial, baseado numa ou mais séries, que identifique
a factura de forma unívoca;
3) O número de identificação para efeitos do IVA, [...], ao abrigo do
qual o sujeito passivo efectuou a entrega de bens ou a prestação de serviços;
4) O número de identificação para efeitos do IVA do adquirente ou
destinatário [...];
5) O nome e o endereço completo do sujeito passivo e do adquirente
ou destinatário;
6) A quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natu-
reza dos serviços prestados;
7) A data em que foi efectuada, ou concluída, a entrega de bens ou
a prestação de serviços [...];
8) O valor tributável para cada taxa ou isenção, o preço unitário
líquido de IVA, bem como os abatimentos e outros bónus eventuais, se não
estiverem incluídos no preço unitário;
9) A taxa do IVA aplicável;
10) O montante do IVA a pagar, salvo em caso de aplicação
de um regime especial para o qual a presente directiva exclua esse tipo
de menção”.

Transpondo estas regras para o Código do IVA, determina o n.º 5 do


artigo 36.º deste diploma legal (anteriormente artigo 35.º), que as facturas
devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter, nomeadamente
o que para o caso interessa, os seguintes elementos:

“a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio


do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adqui-
rente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos
sujeitos passivos de imposto;
172
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos


serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à deter-
minação da taxa aplicável;”.

O artigo 168.° da Directiva IVA prevê o seguinte quanto ao direito


à dedução do IVA: “Quando os bens e os serviços sejam utilizados para
os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no
EstadoMembro em que efetua essas operações, a deduzir do montante
do imposto de que é devedor os montantes seguintes: O IVA devido ou
pago nesse EstadoMembro em relação aos bens que lhe tenham sido ou
venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido
ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo; […]» No capítulo
intitulado «Disposições relativas ao exercício do direito à dedução» o
artigo 178.° da Directiva IVA na sua versão original (5), que é aplicável
no caso concreto, acrescenta o seguinte: «Para poder exercer o direito à
dedução, o sujeito passivo deve satisfazer as seguintes condições: Relati-
vamente à dedução referida na alínea a) do artigo 168.°, no que respeita
às entregas de bens e às prestações de serviços, possuir uma fatura emitida
em conformidade com os artigos 220.° a 236.°, 238.°, 239.° e 240.°; […]”
O sujeito passivo pode ter direito à dedução do IVA nos termos
do artigo 168.°, alínea a), da DIVA, mesmo se não possuir uma factura
que preencha as condições do respectivo artigo 226.°. Mas, por força do
artigo 178.°, alínea a), da mesma Directiva, não pode exercer este direito
enquanto não possuir uma factura que preencha tais condições.
Isto é, como requisitos subjectivos do exercício do direito à dedução
do imposto determina-se, nomeadamente, que os bens e serviços deverão
estar directamente relacionados com o exercício da actividade em causa.
Em conformidade com o disposto no artigo 168.º da DIVA, transposto,
em parte, pelo artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CIVA, o sujeito passivo
pode deduzir o IVA suportado no Estado membro em que se encontra
estabelecido, nas transmissões de bens e prestações de serviços, assim
como operações assimiladas nas aquisições intracomunitárias de bens
e nas importações ali localizadas, “Quando os bens e os serviços sejam
utilizados para os fins das suas operações tributadas (…)”.
Por último, como requisito do exercício do direito à dedução temos
ainda o requisito temporal, nos termos do qual “O direito à dedução nasce
no momento em que o imposto dedutível se torna exigível”, permanecendo,
173
Comentários de Jurisprudência

no entanto, o requisito cumulativo da posse da factura, ou do recibo de


pagamento do IVA que faz parte das declarações de importação.
Por sua vez, de acordo com as regras do n.º 1 do artigo 19.º do CIVA,
estipula-se que confere direito à dedução, designadamente, o imposto
devido ou pago pelo sujeito passivo nas aquisições de bens e serviços feitas
a outros sujeitos passivos e o imposto pago pela aquisição dos serviços
referidos nas alíneas e), h), i), j) e l) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA.
Em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 20.º do CIVA,
conferem, nomeadamente, direito à dedução do IVA as transmissões de
bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas e as
transmissões de bens e prestações de serviços que consistam em opera-
ções efectuadas no estrangeiro que seriam tributáveis se fossem realizadas
em Portugal.
No tocante à amplitude com que deve ser acolhido o exercício deste
direito fundamental, no Processo n.º 148/2012-T/CAAD, 5 de Julho de
2013, do qual fomos relatoras, elucidamos esta matéria nos termos que
passamos, no seu essencial, a reproduzir.
É reconhecido de forma unânime pela jurisprudência do TJUE que
o mecanismo do direito à dedução é um elemento essencial do funcio-
namento do IVA tal como foi desenhado nas Directivas IVA, assumindo
um papel fundamental de garantia da neutralidade do imposto e da igual-
dade de tratamento fiscal.9 Assim, é jurisprudência constante do TJUE
que, sendo o direito à dedução um elemento fundamental do regime de
IVA, só é possível limitar este direito nos casos expressamente previstos
pela DIVA e, ainda assim, com respeito pelos princípios da proporciona-
lidade e da igualdade, não se podendo esvaziar o sistema comum do IVA
do seu conteúdo.
Tal como se salienta no Caso BP Soupergaz, o chamado método
subtractivo indirecto, das facturas, do crédito de imposto ou sistema dos
pagamentos fraccionados, é o mecanismo essencial de funcionamento
deste tipo de imposto. Como se refere nas conclusões deste Acórdão,
“A este respeito, o direito à dedução previsto nos artigos 17. e seguintes da
Sexta Directiva, que faz parte integrante do mecanismo do imposto sobre

9  Sobre o exercício do direito à dedução e a jurisprudência do TJUE, veja-se

Clotilde Celorico Palma, “IVA – Algumas notas sobre os limites das exclusões do direito
à dedução”, Fisco n.ºs 115/116, Setembro de 2004.
174
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

o valor acrescentado, não pode, em princípio, ser limitado e exerce-se


imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre
as operações efectuadas a montante, tem incidência no nível do encargo
fiscal e deve aplicar-se similarmente em todos os Estados-Membros,
de modo que só são permitidas derrogações nos casos expressamente
previstos pela directiva.”10
E no Caso Comissão/França, o TJUE acrescenta que “As caracte-
rísticas do imposto sobre o valor acrescentado (…) permitem inferir que
o regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do ónus
do IVA, devido ou pago, no âmbito de todas as suas actividades econó-
micas. O sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado garante,
por conseguinte, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas
as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados
dessas actividades, na condição de as referidas actividades estarem, elas
próprias, sujeitas ao IVA”.11
Note-se ainda que, conforme se salienta no Caso Metropol, “59. As
disposições que prevêem derrogações ao princípio do direito à dedução
do IVA, que garante a neutralidade deste imposto, são de interpretação
restrita.”12
A amplitude do direito à dedução em IVA é tão grande, que constitui
acto claro na jurisprudência do TJUE que este deve inclusive ser concedido
no tocante às chamadas actividades preparatórias, não se exigindo que a
actividade tenha já começado para se poder deduzir o IVA, podendo ser
deduzido relativamente a este tipo de actividades.13

10   Acórdão de 6 de Julho de 1995, Caso BP Soupergaz, Proc.C-62/93, Colect.,


p. I-188, n.º 16.
11  Acórdão de 21 de Setembro de 1988, Proc. 50/87, Colect., p. 04797, n.º 15.

12  Cfr. o n.º 59 do Acórdão de 8 de Janeiro de 2002, Caso Metropol, Proc.C-409/99,

Colect., p. I-00081.
13  Veja-se, a este propósito, nomeadamente, o Acórdão de 14 de Fevereiro de 1985,

Caso Rompelman, Recueil 1985, p. 00655. Nos Casos Lennartz (Acórdão de 11 de Julho
de 1991, Proc. C-97/90, Colect, p. I-03795), Inzo (Acórdão de 29 de Fevereiro de 1996,
Proc. C-110/94, Colect., p. I-857), e Gabalfrisa (Acórdão de 21 de Março de 2000, Proc.s
apensos C-110/98 a C-147/98, Colect., p. I-1577), suscitaram-se questões análogas às do
Caso Rompelman, designadamente o âmbito de aplicação do conceito de actividade eco-
nómica e a inclusão dos actos preparatórios neste conceito, tendo o Tribunal confirmado
esta jurisprudência. Mais recentemente veja-se, nomeadamente, o Acórdão de 22 de Março
de 2011, Caso Klub Ood, Proc. C-153/11, ECLI:EU:C:2012:163.
175
Comentários de Jurisprudência

Note-se, a este propósito que, de acordo com o entendimento do


TJUE, posição que já foi, aliás, subscrita pela Administração Tributária14,
o direito à dedução, uma vez adquirido, subsiste mesmo que a actividade
económica projectada não dê origem a operações tributáveis ou o sujeito
passivo, por motivos alheios à sua vontade, não tenha podido utilizar os
bens ou serviços que deram origem à dedução no âmbito de operações
tributáveis.15
Como o TJUE salienta, é a aquisição do bem pelo sujeito passivo,
agindo nessa qualidade, que determina a aplicação do sistema do IVA e,
portanto, do mecanismo de dedução.16 O sujeito passivo actua nessa quali-
dade quando age para os fins da sua actividade económica, na acepção
do artigo 9.°, n.° 1, segundo parágrafo, da DIVA.17 Acresce que, como se
conclui no Caso Intiem, o mecanismo da dedução do IVA regulado pela
Sexta Directiva “deve ser aplicado de tal forma que o seu âmbito de apli-
cação corresponda, na medida do possível, ao âmbito das actividades
profissionais do sujeito passivo”.18
Isto é, como nota o TJUE, o princípio da neutralidade do IVA, no que
se refere à carga fiscal da empresa, exige que as despesas de investimento
efectuadas para as necessidades e para os objectivos de uma empresa sejam
consideradas actividades económicas conferindo um direito à dedução do
IVA imediato.19
Importa ainda notar que, em conformidade com a jurisprudência do
TJUE e como veio novamente notar o TJUE no Caso Barlis como iremos
salientar infra, o princípio da neutralidade do IVA exige que a dedução do
imposto pago a montante seja concedida caso os requisitos substanciais

14   Veja-se no Proc. C503 2002012, disponível no site da AT em Informações fiscais,


Informações vinculativas, IVA.
15  Veja-se a este propósito, igualmente, o Acórdão de 15 de Janeiro de 1989, Caso

Ghent Coal Terminal, Proc. C-37/95, Colect., p. I-1.


16  Veja-se, neste sentido, Casos, já referidos, Lennartz, n.° 15, e Eon Aset, n.° 57.

17  Veja-se, neste sentido, Acórdão de 8 de Março de 2001, Caso Bakcsi, Proc.

C415/98, Colect., p. I1831, n.° 29. A questão de saber se o sujeito passivo agiu nessa
qualidade é uma questão de facto que deve ser apreciada tendo em conta todos os dados
da situação em causa.
18  Acórdão de 8 de Março de 1988, Caso Intiem, Proc. 165/86, Colect., p. 1471,

n.º 14.
19  Veja-se, neste sentido, Caso Rompelman, já referido, n.° 22, e Acórdão de 23 de

Abril de 2009, Caso Puffer, Proc., C460/07, Colect., p. I3251, n.° 47.
176
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

tenham sido cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligen-


ciado certos requisitos formais. Neste contexto, de acordo com o TJUE,
desde que a Administração Fiscal disponha dos dados necessários para
determinar que o sujeito passivo, enquanto destinatário das operações,
é devedor do IVA, não pode impor, no que diz respeito ao seu direito à
dedução, condições adicionais que possam ter por efeito a inviabilização
absoluta do exercício desse direito.20
Em resumo, da jurisprudência do TJUE resulta claro que o exercício
do direito à dedução do IVA é um direito fundamental, que não pode ser
limitado senão nos casos expressamente permitidos pelas normas do
Direito da União Europeia ou pelos princípios gerais de direito aceites
neste domínio, como o princípio do abuso de direito.
Como antes salientámos no Processo n.º 61/2013-T, do CAAD, de
11 de Novembro de 2013, conforme sufragado no âmbito do Processo
C-368/09, de 15 de Julho de 2010, do TJUE, “não é legítimo aos Estados
Membros associar o exercício do direito à dedução do IVA ao preenchi-
mento de pressupostos relativos ao conteúdo das facturas que não estão
expressamente previstos nas disposições da Directiva 2006/112. Esta inter-
pretação é igualmente corroborada pelo artigo 273º desta directiva, que
prevê que os Estados Membros podem impor obrigações que considerem
necessárias para assegurar a exacta percepção da IVA e para evitar a
fraude, mas que esta faculdade não pode ser utilizada para impor obriga-
ções de facturação suplementares às fixadas, designadamente, no artigo
226º da referida directiva”. Isto significa que, conforme jurisprudência
do TJUE, embora esta disposição permita aos Estados membros adoptar
determinadas medidas, estas não deverão, todavia, ir para além do que é
necessário para atingir esse fim e não poderão, por isso, ser utilizadas de
tal forma que ponham sistematicamente em causa o direito à dedução do
IVA, que é um princípio fundamental do sistema comum do IVA.21

20  Veja-se, Acórdãos de 1 de Dezembro de 1998, Caso Ecotrade, Proc. C-200/97,

Colect., p. I.-7907, n.ºs 63 e 64, de 21 de Outubro de 21010, Caso Nidera, Proc. C-385/09,
Colect., p. I-0385, n.° 42, de 22 de Dezembro de 2010, Caso Dankowski, C-438/09,
Colect., p. I-14009, n.° 35, e Acórdão de 12 de Julho de 2012, Caso SEM, Proc. C-284/11,
ECLI:EU:C:2012:458, n.º 63.
21  Veja-se Acórdãos de 18 de Dezembro de 1997, Casos Molenheide e o, Proc.

C-286/94, C-340/95, C-401/95 e C-47/96, Colect., p. I-7281, nº 47.


177
Comentários de Jurisprudência

Com efeito, o princípio da efectividade exige que “as legislações


nacionais, bem como os procedimentos administrativos adoptados
pelos Estados membros não tornem, na prática, impossível ou exces-
sivamente difícil o exercício de direitos conferidos pela ordem jurí-
dica comunitária”. Salienta o TJUE, no Acórdão proferido no Processo
C/25-03, que “ (…) é jurisprudência assente que a exigência, para o
exercício do direito à dedução, de outros elementos na factura para
além dos enunciados no artigo 22º, nº 3, alínea b), da Sexta Directiva
deve ser limitada ao necessário para assegurar a cobrança do imposto
sobre o valor acrescentado e a sua fiscalização pela Administração Fiscal.
Além disso, esses elementos não devem, pelo seu número ou tecnici-
dade, tornar impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício
do direito à dedução (Acórdão de 14 de Julho de 1988, Jeunehomme e
EGI, 123/87 e 330/87, Colect. P. 4517, n.º 17). Outrossim, as medidas
que os Estados membros têm a possibilidade de tomar, nos termos do
n.º 8 do artigo 22.º da mesma Directiva, para garantir o exacto rece-
bimento do imposto e evitar a fraude não devem exceder o necessário
para atingir aqueles objectivos. Não poderão por isso ser utilizadas de
forma que ponham em causa a neutralidade do IVA, que constitui um
princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legisla-
ção comunitária na matéria (acórdãos de 21 de Março de 2000, Gabalfrisa
e o., C110/98 a C147/98, Colect., p. I1577, n.º 52, e de 19 de Setembro
de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel, C454/98, Colect., p. I6973,
n.º 59).”
No caso em concreto analisado pelo CAAD no aludido Processo
n.º 61/2013-T, a Requerida entendeu não aceitar as sobreditas deduções por
considerar que as facturas correspondentes, ao referirem apenas “acerto
de preços aos preços apresentados”, “logística”, “transporte”, “manusea-
mento”, “acondicionamento”, “formação em gestão de stocks e manu-
seamento” ou denominações similares, não obedeciam aos requisitos do
anterior artigo 35.º, n.° 5, do Código do Código do IVA, uma vez que tais
expressões são vagas e imprecisas.
Analisada que foi toda a documentação constante dos autos, o Colec-
tivo de Árbitros do Tribunal aferiu da conformidade das facturas em causa
com os requisitos previstos no anterior n.º 5 do artigo 35.º do Código do
IVA e na DIVA e, consequentemente, se os mesmos poderiam permitir à
AT evitar a fraude e assegurar a correcta cobrança do imposto.
178
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Assim, no tocante às facturas que titulavam “Acerto de preços aos


preços apresentados”, identificadas com o prefixo “PT”, constatou-se que
não constava qualquer referência à “quantidade e natureza dos bens relati-
vamente aos quais tinha sido efectuado o “acerto de preços”, nem era feita
qualquer referência ao “Acordo de Distribuição e Compensação”, nem
mesmo a qualquer listagem anexa que permitisse à Autoridade Tributária
e Aduaneira levar a cabo o controlo do apuramento do imposto.
Mais, foi referido pela testemunha da Requerente que a listagem refe-
rida como Documento n.º 20 foi elaborada durante o período da inspecção,
por recurso ao sistema informático da empresa, por a mesma não ter sido
encontrada nos arquivos da Requerente ou nos do sujeito passivo, quando
o “Acordo de Distribuição e Compensação” referia, expressamente, a
necessidade da prévia aprovação da Requerente relativamente aos bens
objecto do correspondente acerto de preços, tendo entendido o Tribunal
ser esta identificação um elemento essencial ao controlo do imposto.
Tendo ainda sido detectadas algumas incoerências na listagem em
causa, preparada durante o período da inspecção, o Tribunal concluiu que
o cumprimento do disposto no artigo 35.º, n.º 5, alínea b), do Código do
IVA, apenas seria assegurado com a especificação dos bens a que respeitam
tais acertos, ainda que tal indicação pudesse ser feita em documento anexo,
desde que devidamente referenciada a existência do mesmo na factura,
pelo que, não se tratando de facturas passadas em cumprimento das regras
do, à data, artigo 35.º (actualmente artigo 36.º), não poderiam dar direito
a dedução, conforme o previsto no artigo 19.º, n.º 2, do Código do IVA.
Neste sentido, o TJUE proferiu, no âmbito do Processo C271/12,
de 8 de Maio de 2013, o entendimento de que “As disposições da Sexta
Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, (…), devem
ser interpretadas no sentido de que não se opõem a uma regulamentação
nacional, como a que está em causa no processo principal, por força da
qual o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pode
ser recusado a sujeitos passivos, destinatários de serviços, que possuem
faturas incompletas, não obstante terem sido completadas mediante a
apresentação de documentos com o objetivo de provar a realidade, a
natureza e o montante das operações faturadas após a adoção de tal
decisão de recusa.”22

  Acórdão de 8 de Maio de 2013, Caso Petroma Transports, ECLI:EU:C:2013:297.


22
179
Comentários de Jurisprudência

No que se refere à dedução, pela Requerente, do imposto cons-


tante de facturas emitidas cujo descritivo mencionava apenas “logís-
tica”, “custos de transporte”, “armazenagem”, “formação, embalagem e
manuseamento”, o Tribunal analisou a conformidade da sua forma legal
com os requisitos exigidos pelo Código do IVA, tendo concluído que o
descritivo das referidas facturas, muito embora identificasse a natureza
dos serviços prestados, não permitia determinar, em concreto, se o enqua-
dramento de IVA aplicado – no caso, tributação à taxa normal – era o
adequado.
Como se salientou, embora se conhecesse, do descritivo das facturas
em causa, que a natureza dos serviços prestados respeitam a logística, ou
a serviços de transporte, ou a serviços de manuseamento e acondiciona-
mento de bens, ou mesmo a formação, não constava de tais documentos
informação que permitisse identificar o correcto enquadramento, em
matéria de IVA, de cada um dos serviços em causa, designadamente, por
exemplo, se o transporte de bens respeitava a transportes intracomuni-
tários ou se o mesmo respeitava a transportes em território nacional ou
entre as Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, ou entre qualquer
um destes locais, ou ainda se os serviços de manuseamento e acondicio-
namento dos bens respeitavam a serviços acessórios desse tipo de trans-
portes, ou mesmo em que local tinha sido ministrada a formação – em
território nacional ou noutro território – questões que poderiam deter-
minar um enquadramento, em sede de IVA, diferente daquele que foi
aplicado.
Conforme se notou, acrescia que não constava da defesa preparada
pela Requerente ou da prova testemunhal por esta apresentada, qualquer
informação que permitisse sequer aferir dessas especificações.
Por último, salientou-se que existiam indícios bem fundamentados
pela Requerida, não contestados pela Requerente, que os serviços titulados
por tais documentos não teriam sido efectivamente prestados, uma vez
que ficou provado que o sujeito passivo não possuía, à data, uma estrutura
empresarial apta para o efeito, designadamente por não ter pessoal ao seu
serviço e por ter insuficiente volume de aquisições a terceiros que, desde
logo, permitiram concluir que aquela entidade não recorrera à subcontra-
tação de tais serviços.
Pelo exposto, acordou o colectivo de árbitros, por unanimidade, em
julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral.
180
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Por sua vez, no Processo n.º 411/2014-T, de 27 de Março de 2015 e no


Processo 759/2014-T, de 7 de Julho de 2015, ambos do CAAD, teceram-
-se considerações idênticas às vindas de enunciar.

3.  O Caso Barlis – As observações da Advogada Geral e a decisão


do TJUE

3.1.  As observações da Advogada Geral

Mais uma vez, as observações da Advogada Geral Julianne Kokot não


nos surpreendem pela qualidade, clareza e, até, refinado sentido de humor.
Começa a Advogada Geral por salientar que “Normalmente, ninguém
fica contente por receber uma fatura. Isto é um pouco diferente no caso
do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»). Com efeito, em
certas circunstâncias, uma fatura permite ao seu destinatário obter do
fisco o reembolso do IVA indicado na fatura (direito à dedução).”
Neste contexto, começa por fazer notar que as questões suscitadas
no Caso Barlis são novas, desde logo, como nota, a questão relativa ao
grau de detalhe da descrição de uma prestação de serviços numa factura.
Como referiu, até agora, o Tribunal de Justiça só examinou num único
processo os requisitos do artigo 226.°, n.° 6, da Directiva IVA, relativos à
descrição da “natureza” de uma prestação, no respeitante à entrega de bens.
Além disso, o Tribunal de Justiça terá de se pronunciar de novo sobre
as consequências de uma factura incompleta para o direito à dedução, para
desenvolver a sua jurisprudência a este respeito.
Como nota, o conteúdo necessário de uma factura é definido de
maneira vinculativa e taxativa no artigo 226.° da Directiva IVA.
Neste contexto, salienta que pode deduzirse, antes de mais, que as
menções nas facturas, nos termos do artigo 226.°, n.° 6, da Directiva
IVA, não têm de indicar todas as informações disponíveis sobre um bem
entregue ou um serviço prestado. Esta disposição exige apenas a referência
à “natureza” de um bem ou de um serviço prestado, mas não exige uma
descrição precisa do bem ou do serviço prestado.
Assim, suscitase a questão de saber até que ponto são necessárias
informações para descrever suficientemente a “natureza” de uma pres-
tação de serviços. No presente caso, a totalidade dos serviços jurídicos
181
Comentários de Jurisprudência

constitui já tal natureza ou é ainda necessário distinguir entre os vários


tipos de serviços jurídicos? Salientando que nem o teor nem a sistemá-
tica do artigo 226.°, n.° 6, da Directiva IVA, permitem responder a esta
problemática, conclui que deve ser esclarecida à luz da finalidade desta
menção na factura, questão esta que depende, por sua vez, da sua função no
sistema do IVA. Ora, como decorre do considerando 46 da Directiva IVA,
a facturação deve permitir a realização de controlos por parte das Admi-
nistrações Fiscais dos Estados membros. Para permitir tais controlos, os
sujeitos passivos devem, nos termos do disposto no artigo 244.° da Direc-
tiva IVA, conservar todas as facturas recebidas, bem como cópias de todas
as facturas emitidas por eles próprios. Assim, o objectivo de cada menção
na factura está directamente relacionado com a questão de saber o que as
Administrações Fiscais devem poder controlar com base numa factura.23
Como nota, a factura destinase, antes de mais, a controlar o paga-
mento do imposto pelo respectivo emitente e, como resulta igualmente
da génese do artigo 226.° da Directiva IVA, deve ter ainda a função de
“justificar” o direito à dedução do seu destinatário.24
Como resulta da génese da norma, estas e outras menções têm por
objectivo fazer constar da factura “[todas] as informações relativas ao
regime de [IVA] aplicável”, de forma a que as Administrações Fiscais
dos Estados membros possam controlar se o emitente da factura calculou
correctamente o IVA, em especial, se o emitente da factura determinou em
conformidade com as disposições aplicáveis o lugar da prestação (artigo
31.° e seguintes da Directiva IVA), a taxa aplicável (artigo 72.° e seguintes
da Directiva IVA) e a taxa do imposto (artigo 93.° e seguintes da Directiva
IVA), se considerou correctamente a aplicabilidade de uma isenção (artigo
131.° e seguintes da Directiva IVA) ou estava certo ao partir do princípio
de que o destinatário da prestação era o devedor do imposto (artigo 192.°A
e seguintes da Directiva IVA). Atendendo a tal finalidade, é igualmente

23  Cfr. Conclusões da Advogada Geral, apresentadas a 18 de Fevereiro de 2016 no

Caso Barlis, n.ºs 28 a 31.


24  V. ponto 1 da exposição dos motivos da Proposta de Directiva do Conselho que

altera a Directiva 77/388/CEE tendo em vista simplificar, modernizar e harmonizar as con-


dições aplicáveis à facturação em matéria de imposto CURIA - Documents http://curia.
europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=9ea7d0... 9 de 11 05/10/20sobre o valor
acrescentado (COM[2000]650 final), que conduziu à adoção da Directiva 2001/115, bem
como o Parecer do Comité Económico e Social sobre esta proposta (JO 2001, C 193, p. 53).
182
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

necessária uma descrição dos serviços prestados na factura. Com efeito, o


imposto em causa depende, em muitos aspectos, do conteúdo dos serviços
prestados, dado que também os regimes especiais sobre o lugar da pres-
tação, a taxa de imposto, as isenções, etc., dependem frequentemente do
conteúdo de uma prestação. A “natureza” de uma prestação tem por isso
que ser descrita numa factura com um grau de precisão adequado para
apreciar a aplicação da taxa de imposto correcta, de uma isenção ou de
outras normas especiais.25
Nestes termos, conclui que, atendendo a estes critérios, a designação
em causa de “serviços jurídicos”, parece ser suficiente para controlar o
cálculo correcto do imposto. Como refere, “…não vejo qualquer norma
do direito da União em vigor, aplicável em matéria de IVA, que faça
depender a determinação do imposto em causa da natureza de um serviço
jurídico”.26
Como nota, o destinatário de uma factura deve igualmente poder
ser controlado pela Administração Fiscal no que respeita ao seu direito à
dedução, atendendo às menções constantes da factura, pelo que se suscita
a questão de saber se de tal função de controlo podem resultar exigências
ainda mais rigorosas em matéria de exactidão da descrição de uma pres-
tação de serviços numa factura.
A menção da natureza de uma prestação de serviços é tão supérflua
para a função de controlo da factura como para o controlo do simples
pagamento do imposto.
Daqui também não resultam requisitos mais exigentes do que os já
constatados quanto à descrição da natureza dos serviços prestados.
Todavia, tais requisitos podem ser necessários, se as menções nas
facturas visarem permitir controlar um outro pressuposto do direito à
dedução, a saber, a utilização efectiva ou pretendida das prestações rece-

25  Como nota, a o imposto em causa depende, em muitos aspectos, do conteúdo

dos serviços prestados, dado que também os regimes especiais sobre o lugar da pres-
tação, a taxa de imposto, as isenções, etc., dependem frequentemente do conteúdo de
uma prestação. V., também, conclusões do advogadogeral F. G. Jacobs apresentadas no
Caso Bockemühl (Acórdão de 1 de Abril de 2004, Proc. C90/02, Colect., p. I-03303,
n.° 73).
26  Cfr. Conclusões da Advogada Geral, apresentadas a 18 de Fevereiro de 2016 no

Caso Barlis, n.ºs 39 e 40.


183
Comentários de Jurisprudência

bidas para operações tributadas, conforme é exigido pelo artigo 168.°,


alínea a), da Directiva IVA.27
Neste contexto, a República Portuguesa e a Comissão defenderam
que a descrição da prestação numa factura tem de ser suficientemente
detalhada para permitir controlar se esta se destina à actividade econó-
mica do destinatário da factura, da qual podem depois resultar operações
sujeitas a imposto, que justificam a dedução. Ora, a Advogada Geral vem
salientar que discorda desta tese.
Como nota, “53. Antes de mais, não é possível descrever uma pres-
tação numa fatura de uma forma tão detalha que a sua natureza privada
ou económica resulte logo da própria descrição da prestação. Tratandose,
por exemplo, de um lápis, mesmo a descrição mais detalhada do fabri-
cante, tipo, características e do estado do lápis não responde à questão
de saber se ele é efetivamente utilizado a título privado ou no contexto de
uma catividade económica. Nesta medida, o direito à dedução não pode
ser controlado com base numa fatura, dado que, em princípio, qualquer
objeto de uma prestação pode ser utilizado quer para fins privados quer
para fins económicos. Isto é válido mesmo para prestações de serviços
que parecem ter carácter manifestamente privado, como, por exemplo,
no caso de uma ida ao cinema que, em certos casos, podem destinarse ao
exercício de determinadas atividades económicas. 54. Também no caso
em apreço não vejo como uma descrição detalhada, mas – no contexto
de uma fatura – razoavelmente sucinta, de «serviços jurídicos prestados»
pode fornecer uma resposta clara à questão de saber se esses serviços
são utilizados para a atividade económica da recorrente no processo
principal. Mesmo as descrições alternativas sugeridas pela República
Portuguesa, como, por exemplo, «Patrocínio judiciário no processo X
do Tribunal Y», não satisfazem a exigência relativa à possibilidade de
realizar esse controlo. Com efeito, para apreciar o direito à dedução, seria
necessário determinar também o objeto do processo X. 55. Em última
análise, as dúvidas quanto à utilização de uma prestação para a atividade
económica do seu destinatário só podem ser completamente eliminadas
no contexto de uma fiscalização através de provas adicionais. 56. É certo
que é no interesse do próprio destinatário da fatura exigir regularmente
do emitente uma descrição, tão detalhada quanto possível, da prestação,

27
  Idem, n.º 50.
184
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

para reduzir o esforço relacionado com a produção de provas adicionais


no caso de fiscalização pela Administração Fiscal. Este incentivo para
uma descrição detalhada da prestação não implica que requisitos inde-
terminados quanto à exatidão da descrição da prestação – por exemplo,
«segundo as circunstâncias do caso concreto» – excluam desde logo
juridicamente o exercício do direito à dedução. Precisamente porque o
exercício do direito à dedução, nos termos do artigo 178.°, alínea a), da
diretiva IVA, depende, em princípio, da posse de uma fatura que preencha
as condições do artigo 226.° da mesma diretiva, as exigências relativas
ao conteúdo de uma fatura não devem ser exageradas e devem respeitar
o princípio da segurança jurídica. Com efeito, em especial quando as
normas do direito da União têm consequências financeiras – como neste
caso o reconhecimento ou a negação do direito à dedução –, a jurispru-
dência exige que a sua aplicação seja previsível para os interessados
(25). 57. Assim, do ponto de vista do controlo do direito à dedução do
destinatário da factura, não se afigura que existam mais requisitos quanto
às menções na fatura sobre a natureza de uma prestação de serviços.”
Assim, conclui que, no presente caso, a descrição dos serviços pres-
tados nas facturas só não preenche as condições do artigo 226.°, n.° 6, da
Directiva IVA, sobre a menção da “natureza” de uma prestação de serviços,
se o órgão jurisdicional de reenvio constatar que, no processo principal, o
direito português prevê uma taxa reduzida de IVA só para determinados
serviços jurídicos.
Colocando-se igualmente a questão de saber se a menção “serviços
jurídicos prestados desde determinada data até ao presente” ou apenas
“serviços jurídicos prestados até ao presente” descreve suficiente-
mente a extensão dos serviços jurídicos, a Advogada Geral nota que,
“60. A extensão dos serviços prestados corresponde à «quantidade» que,
no respeitante à entrega de bens, deve ser mencionada na fatura, além
da sua «natureza», nos termos do artigo 226.° da Directiva IVA. Assim, a
descrição da natureza dos serviços prestados é tão geral («serviços jurí-
dicos») que não permite determinar a sua extensão. 64. Nesta medida, as
menções no caso em apreço não preenchem as condições do artigo 226.°,
n.° 6, da diretiva IVA, dado que não indicam a extensão dos serviços
prestados.”
Quanto à data da prestação de serviços, nota que as facturas contro-
vertidas só contêm a menção de um período ou da data final da prestação
185
Comentários de Jurisprudência

de vários serviços jurídicos, mas não datas concretas para cada serviço
prestado. Contudo, não resulta das indicações do órgão jurisdicional de
reenvio que a prestação de serviços tivesse unicamente por conteúdo estar
à disposição durante um determinado período para prestações gerais de
consultadoria. Pelo contrário, como ressalta, deve partirse do princípio de
que deviam ser facturados serviços prestados em concreto. Como nota,
é certo que, nos termos do artigo 223.° da Directiva IVA, é admissível
passar uma factura que abrange várias prestações de serviços separadas.
Mas isto não responde à questão de saber se nesta factura recapitulativa
deve ser indicada a data de cada serviço prestado ou se basta a menção do
período durante o qual foram prestados vários serviços. Neste contexto,
sublinha que importa de novo atender à finalidade da menção. Para
controlar o pagamento do imposto em causa pelo seu emitente, é também
necessária a data da prestação de serviços. Com efeito, esta data – e não,
por exemplo, a data de emissão da factura – determina em princípio, nos
termos do artigo 63.° da Directiva IVA, quando ocorreu o facto gerador
do imposto na aceção do artigo 62.°, n.° 1, da mesma Directiva e, deste
modo, também quais as normas fiscais aplicáveis ratione temporis a esta
operação. Mas, “69. Contudo, o artigo 64.°, n.° 1, da Directiva IVA prevê
um regime especial para prestações de serviços que «deem origem a [...]
pagamentos sucessivos», o que parece ser aqui o caso. Nesta situação,
o facto gerador do imposto ocorre não na data da prestação de cada
serviço, mas no termo do período ao qual a faturação se refere. Assim,
nesta hipótese, para controlar o pagamento do imposto devido, não são
necessárias as datas de todas as prestações de serviços efetuadas, mas
apenas a menção de um período. 70. No presente caso, isto significa que
a menção «serviços jurídicos prestados desde determinada data até ao
presente» preenche as condições do artigo 226.°, n.° 7, da diretiva IVA,
ao passo que a menção «serviços jurídicos prestados até ao presente»,
que não indica a data do início do período de faturação, não preenche
essas condições.”
Nestes termos, conclui que as facturas em causa não satisfazem,
em primeiro lugar, as exigências do artigo 226.°, n.° 6, da Directiva IVA
quanto à menção da “extensão” dos serviços prestados. Em segundo lugar,
não satisfazem as exigências desta norma quanto à menção da “natureza”
dos serviços prestados na medida em que o direito português prevê uma
taxa reduzida apenas para determinados serviços jurídicos e, em terceiro
186
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

lugar, não satisfazem as exigências do artigo 226.°, n.° 7, da Directiva IVA,


quanto à menção da “data” de uma prestação de serviços, na medida em
que as facturas não contêm qualquer indicação sobre o início do corres-
pondente período de facturação.
No que se reporta ao exercício do direito à dedução, começa por
referir que importa examinar se o simples facto de uma factura não conter
todas as menções exigidas pelo artigo 226.°, n.ºs 6 e 7, da Directiva IVA,
impede o exercício do direito à dedução.28
Assim, “Antes de mais, importa distinguir o caso de uma fatura
emitida com vícios do incumprimento de outras obrigações formais que,
segundo a jurisprudência, não têm qualquer influência sobre o direito à
dedução do IVA, como, por exemplo, a não inscrição do prestador (28) ou
do destinatário da prestação (29) no registo do IVA ou o incumprimento
de obrigações contabilísticas (30). Com efeito, no caso de tais obrigações
formais, não existe uma norma como a do artigo 178.°, alínea a), da dire-
tiva IVA, que faz depender o exercício do direito à dedução da posse de
uma fatura regular. 80. Assim, as obrigações formais relativas a faturas
encontramse numa situação jurídica especial. Por este motivo, a juris-
prudência constante do Tribunal de Justiça faz depender o exercício do
direito à dedução da condição de a fatura conter as menções previstas no
artigo 226.° da diretiva IVA (31). Mas os Estados membros não podem
fazer depender esse exercício de outros requisitos relativos ao conteúdo
de uma fatura, que não estejam previstos na diretiva IVA (32). 81. É certo
que o Tribunal de Justiça sublinhou em vários acórdãos que, no contexto
de operações sujeitas ao regime de autoliquidação, a dedução deve ser
permitida quando estão preenchidas as condições materiais, mesmo se
o sujeito passivo não observou certas condições formais (33), e nesta
medida também qualificou em parte as menções nas faturas como condi-
ções formais negligenciáveis (34). 82. No entanto, esta jurisprudência
não se pode aplicar ao caso em apreço.”
Sobre a prestação de informações complementares, como refere,
suscita-se a questão de saber se, no contexto de uma inspecção fiscal, a
prestação de informações complementares pode substituir as menções que
faltam na factura. A este respeito, faz notar que é possível que documentos
apresentados a título complementar sejam, eles próprios, parte da factura

28
  Ibidem, n.º 71.
187
Comentários de Jurisprudência

para efeitos do artigo 226.° da Directiva IVA. Contudo, no caso de uma


factura composta por vários documentos, deve existir uma relação subs-
tancial suficiente entre eles. Isto resulta da aplicação analógica do artigo
219.° da Directiva IVA, que equipara a factura “qualquer documento ou
mensagem que altere a fatura inicial e a ela faça referência específica
e inequívoca”. Assim, se o conteúdo de uma factura só resulta de vários
documentos, pelo menos um deles tem de conter uma referência suficiente
aos outros. Senão, o conteúdo de uma fatura não resultaria dela própria,
mas unicamente das afirmações do sujeito passivo, que alega existir uma
relação entre dois documentos. Nessas condições, os documentos não
poderiam ter a função de controlo da factura acima explicada.29
Como nota, “93. Contudo, se o órgão jurisdicional de reenvio cons-
tatar que os documentos apresentados a título complementar não devem
ser considerados parte de uma fatura na aceção do artigo 226.° da dire-
tiva IVA, colocase a questão de saber se o conteúdo das faturas incom-
pletas em causa pode ser completado por outras informações, para que o
direito à dedução possa ser exercido. Contudo, ao interpretar esta norma,
importa também ter em conta o princípio da proporcionalidade (44).”
Assim, “98. (…), atendendo a esta função de controlo da fatura
pelo seu emitente, é em princípio proporcionado, num caso como o que
aqui está em apreço, que o sujeito passivo tenha de obter uma retificação
da fatura junto do outro contraente para poder exercer o seu direito à
dedução. Isto aplicase, em qualquer caso, quando a exigência dessa retifi-
cação não implica uma alteração do conteúdo do direito à dedução. A este
respeito, poderá ser necessária uma apreciação diferente se o Tribunal
de Justiça concluir, num processo paralelo (48), que a retificação de uma
fatura – prima facie contra o disposto no artigo 167.° da Diretiva IVA –
também pode ter como consequência que o direito à dedução possa surgir
mais tarde (49). Independentemente disto, uma exceção à exigência de
retificação da fatura para poder exercer o direito à dedução pode resultar
do facto de a retificação da fatura já não desempenhar a sua função de
controlo face ao seu emitente. Isto é de supor, em especial, quando a socie-
dade emitente já tiver sido liquidada por falta de património. Neste caso,
já não é preciso o controlo do pagamento do imposto correto pelo emitente
da fatura. Seria desproporcionado insistir numa retificação inútil (50).

29
  Ibidem, n.ºs 89 a 91.
188
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

99. Não tem de ser decidido, no presente caso, se o mesmo se aplica


no caso de o emitente da fatura se recusar a fazer a retificação. 100.
Segundo as indicações do órgão jurisdicional de reenvio, não há indí-
cios de tal situação excecional. Logo, não é desproporcionado exigir da
recorrente no processo principal que, para exercer o direito à dedução,
obtenha do emitente uma retificação das faturas, para que estas satis-
façam os requisitos do artigo 226.° da diretiva IVA. 3. Em conclusão 101.
Importa concluir que, nos termos do artigo 178.°, alínea a), da Diretiva
IVA, não basta, em princípio, para exercer o direito à dedução, que o desti-
natário da fatura, que deseja proceder à dedução, complete as menções
que faltam na fatura através de outras informações, se não se tratar de
documentos que sejam, eles próprios, parte da fatura. A conclusão será
diferente quando a retificação da fatura já não possa desempenhar a sua
função de controlo face ao emitente da fatura.”
Tendo em conta o exposto, a Advogada Geral propõe a seguinte
conclusão: “102.Uma fatura que contenha apenas a menção ‘serviços
jurídicos prestados’ a título de descrição da natureza de uma prestação de
serviços satisfaz os requisitos do artigo 226.°, n.° 6, da Diretiva 2006/112/CE
do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum
do imposto sobre o valor acrescentado, a menos que o direito nacional
preveja, de modo conforme com o direito da União, uma diferença de
tratamento em matéria de IVA para determinadas prestações de serviços
jurídicos. Uma fatura que contenha apenas a menção ‘serviços jurídicos
prestados desde determinada data até ao presente’ ou ‘serviços jurídicos
prestados até ao presente’ a título de descrição da extensão de uma pres-
tação de serviços não satisfaz os requisitos do artigo 226.°, n.° 6, da
Diretiva 2006/112. Uma fatura que contenha apenas a menção ‘serviços
jurídicos prestados até ao presente’ a título de indicação da data de uma
prestação de serviços não satisfaz os requisitos do artigo 226.°, n.° 7, da
Diretiva 2006/112/CE. Nos termos do artigo 178.°, alínea a), da Diretiva
2006/112, para exercer o direito à dedução não basta, em princípio, que
o destinatário da fatura, que deseja proceder à dedução, complete com
outras informações as menções que, em violação do artigo 226.°, n.os 6 ou
7, da Diretiva 2006/112, faltam na fatura, se não se tratar de documentos
que façam, eles próprios, parte da fatura. Sem retificação da fatura, o
exercício do direito à dedução é possível quando a retificação já não
possa desempenhar a sua função de controlo face ao emitente da fatura.”
189
Comentários de Jurisprudência

3.2.  A posição do TJUE

Como o TJUE começa por salientar, a exigência que consta do artigo


226.°, n.° 6, da Directiva IVA, no sentido de que a factura contenha a
menção da extensão e natureza dos serviços prestados, indica que é obri-
gatório especificar a extensão e natureza dos serviços prestados, sem
contudo precisar que é necessário descrever os serviços específicos pres-
tados de forma exaustiva.30
Neste âmbito, o TJUE nota, como a Advogada Geral, que a finali-
dade das menções que devem obrigatoriamente constar da factura consiste
em permitir às Administrações Fiscais a realização de controlos do paga-
mento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito à
dedução do IVA. Consequentemente, conclui que é à luz desta finalidade
que importa analisar se facturas em causa respeitam as exigências do artigo
226.°, n.° 6, da Directiva IVA.31
Assim, há que considerar que uma factura que contenha apenas a
menção “serviços jurídicos prestados até ao presente”, sem especificar
uma data de início do período de facturação, não preenche os requisitos
exigidos pelo artigo 226.°, n.° 7, da DIVA, concluindo que cabe ao órgão
jurisdicional de reenvio, se constatar que as facturas em causa não preen-
chem as aludidas exigências da Directiva, verificar se os documentos
contêm uma apresentação mais detalhada dos serviços jurídicos em causa
e podem ser equiparados a uma factura.32
Importa em particular salientar que, como o TJUE notou, o princípio
fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto
pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem
cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos
requisitos formais. Pelo que, “Por conseguinte, quando a Administração
Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos mate-
riais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao
direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito
eliminar esse direito (v., neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010,
Nidera Handelscompagnie, C385/09, EU:C:2010:627, n.° 42; de 1 de

30
  Conclusões do TJUE no Caso Barlis, cit., n.º 26.
31
  Idem, n.º 27.
32  Ibidem, n.ºs 33 e 34.
190
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz,


M. Wąsiewicz, C280/10, EU:C:2012:107, n.° 43; e de 9 de julho de 2015,
Salomie e Oltean, C183/14, EU:C:2015:454, n.os 58, 59 e jurisprudência
aí referida).”33
Nestes termos, faz notar que a Administração Fiscal não pode recusar
o direito à dedução do IVA pelo simples facto de a factura não preencher
os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.os 6 e 7, da Directiva IVA, se
dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos
relativos a este direito se encontram satisfeitos.34
Como refere, a Administração Fiscal não deve limitarse ao exame
da própria factura, devendo também ter em consideração informa-
ções complementares prestadas pelo sujeito passivo, pelo que no caso
controvertido incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio ter em conta
todas as informações constantes das facturas em causa e dos docu-
mentos anexos apresentados pela Barlis tendo em vista verificar se os
requisitos substantivos do seu direito a dedução do IVA se encontram
satisfeitos.35
Neste contexto, sublinha em primeiro lugar que é ao sujeito passivo
que solicita a dedução do IVA que incumbe provar que preenche os requi-
sitos para dela beneficiar.36 As autoridades fiscais podem assim exigir ao
próprio contribuinte as provas que considerem necessárias para apreciar
se há ou não que conceder a dedução solicitada.37
Nota ainda que os Estados membros, nos termos do disposto no
artigo 273.° da Directiva IVA, têm a faculdade de adoptar medidas para
assegurar a cobrança exacta do imposto e evitar a fraude, desde que
tais medidas não vão além do que é necessário para atingir tais objec-
tivos nem ponham em causa a neutralidade do IVA38, podendo, sendo
caso disso, aplicar uma multa ou uma sanção pecuniária proporcional

33  Ibidem, n.º 42.


34  Ibidem, n.º 43.
35  Ibidem, n.ºs 44 e 45.

36  Veja-se, neste sentido, Acórdão de 18 de Julho de 2013, Caso EvitaK, Proc.

C78/12, EU:C:2013:486, n.° 37


37  Ibidem, n.º 46. Veja-se, neste sentido, Acórdão de 27 de Setembro de 2007, Caso

Twoh International, Proc. C184/05, Colect., p. I-07897, n.° 35.


38  Veja-se, neste sentido, Acórdão de 9 de Julho de 2015, Caso Salomie e Oltean,

Proc. C183/14, EU:C:2015:454, n.° 62.


191
Comentários de Jurisprudência

à gravidade da infracção, a fim de punir a violação das exigências


formais.39
Neste contexto, o TJUE conclui que “O artigo 178.°, alínea a), da
Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que
as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito a dedução
do imposto sobre o valor acrescentado pelo simples facto de o sujeito
passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo
artigo 226.°, n.os 6 e 7, desta diretiva, quando essas autoridades dispõem
de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos subs-
tantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos.”

4. Conclusões

Concluímos como começámos.


É evidente que no caso concreto a AT foi mais papista que o Papa,
ao exigir a obrigatoriedade da descrição precisa dos serviços prestados,
não obstante os elementos fornecidos pelo sujeito passivo.
Por outro lado, existindo já, como vimos, jurisprudência do TJUE
sobre a matéria, embora sobre transmissões de bens, temos dúvidas sobre
a necessidade de reenvio. Não obstante o TJUE não tivesse constestado
o reenvio, referindo a Advogada Geral que se trata de uma questão nova
no domínio das prestações de serviços, o certo é que este Tribunal, em
linhas gerais, veio reproduzir considerações anteriores.

  Conclusões do TJUE no Caso Barlis, cit., n.ºs 47 e 48. Veja-se, neste sentido,
39

Acórdão de 9 de Julho de 2015, Caso, cit. n.° 63 e jurisprudência aí referida


SÍNTESE DE ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
DO TRIMESTRE

ACÓRDÃO N.º 198/2016

O Tribunal Constitucional decide:


a) Não julgar inconstitucionais as normas constantes do artigo 106.º,
nºs. 1, 2, 3, 4 e 7, do Código dos Impostos Especiais de Consumo,
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho.
b) Em consequência, conceder provimento ao recurso e ordenar a
reforma da decisão recorrida em conformidade com o juízo que
agora se formula quanto à questão de constitucionalidade.

ACÓRDÃO N.º 231/2016

O Tribunal Constitucional decide:


a) Não julgar inconstitucional a norma do n.º 4 do artigo 103.º do
Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares;
e, em conformidade
b) Confirmar a decisão recorrida.

ACÓRDÃO N.º 247/2016

O Tribunal Constitucional decide:


a) Não julgar inconstitucional a norma constante da verba 28. e 28.1
da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pelo artigo 4.º da
194
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, na medida em que impõe


a tributação anual sobre a propriedade de prédios urbanos com
afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário seja igual
ou superior a €1.000.000,00; e, em consequência
b) Julgar procedentes os recursos interpostos pela Administração
Tributária e Aduaneira e pelo Ministério Público, determinando a
reforma da decisão recorrida em conformidade com o precedente
juízo de não inconstitucionalidade.

ACÓRDÃO N.º 275/2016

O Tribunal Constitucional decide:


a) Não julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 10.º, n.º 12,
do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singula-
res, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro,
na redação dada pela Lei n.º 39-A/2005, de 29 de julho, segundo a
qual a exclusão estabelecida no n.º 2 do mesmo artigo não abrange
as mais-valias provenientes de ações de sociedades cujo ativo
seja constituído, desde o momento da aquisição das ações até ao
momento da sua alienação, direta ou indiretamente, em mais de
50%, por bens imóveis ou direitos reais sobre imóveis situados
em território português;
E, em consequência,
b) Conceder provimento ao recurso, determinando-se a reformulação
da decisão recorrida de harmonia com o precedente juízo de não
inconstitucionalidade.

ACÓRDÃO N.º 326/2016

O Tribunal Constitucional decide:


Indeferir a reclamação deduzida pelo Recorrente Constantino A.,
mantendo-se a decisão reclamada que não julgou inconstitucionais as
normas dos artigos 280.º, n.º 2, e 284.º do Código de Procedimento
e de Processo Tributário, na interpretação segundo a qual o recurso
das decisões da secção de contencioso tributário do Tribunal Central
195
Comentários de Jurisprudência

Administrativo para a secção de contencioso tributário do Supremo


Tribunal Administrativo, por oposição de acórdãos, só é admissí-
vel quando tal oposição se verifique entre a decisão recorrida e um
acórdão proferido por secção de contencioso tributário do Supremo
Tribunal Administrativo ou de um dos tribunais centrais adminis-
trativos, não relevando, para tal efeito, a oposição entre a decisão
recorrida e um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.

SÓNIA MARTINS REIS


SÍNTESE DE ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL
ADMINISTRATIVO, SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO,
DO TRIMESTRE

PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Acórdão do STA (2.ª) de 13-07-2016, Processo n.º 0563/16


(Relatora: Isabel Marques da Silva)
Garantia. Hipoteca. Valor Patrimonial Tributário

Embora o artigo 199.º do CPPT, não remeta expressamente para o


artigo 250.º do CPPT no que concerne à forma de determinar o valor dos
bens oferecidos como garantia é lícito que se recorra a este preceito legal
para a determinação também de tal valor, pois que, a final, será esse o valor
de referência se a execução houver que prosseguir pela venda executiva
dos bens penhorados oferecidos em garantia.
A lei não impõe uma prévia avaliação ad-hoc dos imóveis para
determinar a idoneidade ou a suficiência da garantia oferecida que sobre
eles se constitua, embora – por razões de justiça e proporcionalidade –
tal avaliação possa e deva ser realizada quando circunstâncias especiais
o justifiquem, cabendo ao recorrente trazer ao conhecimento da Admi-
nistração as circunstâncias especiais que, a verificarem-se, justifiquem
eventualmente que a garantia constituída sobre imóveis deva atender a
valor diverso do valor patrimonial tributário destes.
198
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Acórdão do STA (2.ª) de 27-07-2016, Processo n.º 0920/16


(Relatora: Isabel Marques da Silva)
Local de apresentação. Recurso judicial. Artigo 89.º-A nºs 7 e 8
da LGT
O recurso judicial previsto no artigo 89.º-A, nºs 7 e 8 da Lei Geral
Tributária (da decisão de avaliação da matéria coletável) constitui um
meio processual sujeito à tramitação prevista no artigo 146.º-B do Código
de Procedimento e de Processo Tributário, devendo, por isso, o respetivo
requerimento inicial ser apresentado no tribunal tributário de 1.ª instância
da área do domicílio fiscal dos recorrentes e não no serviço de finanças.
Assim, é extemporânea a petição de recurso que, entregue nos serviços
de finanças, foi por estes remetida a tribunal onde deu entrada já depois
de esgotado o prazo legal de 10 dias previsto para a sua interposição.

Acórdão do STA (2.ª) de 24-08-2016, Processo n.º 0761/16


(Relator: Fonseca Carvalho)
Idoneidade da garantia para suspensão da execução fiscal
É da competência da AT., do OEF, perante o caso concreto, averiguar
da idoneidade da garantia oferecida em ordem à suspensão da execução
fiscal. A idoneidade da garantia oferecida afere-se pela susceptibilidade
de assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, caso seja
necessário executar a garantia (cfr. artigos 169.º, 199.º e 217.º, do CPPT,
e artigo 52.º da LGT). Sendo oferecida como garantia (fiança) consti-
tuída pela sociedade que detém a totalidade do capital social da socie-
dade executada, não pode a AT erigir em critério para a avaliação do
património da sociedade fiadora o estipulado no artigo 15.º do CIS para
a avaliação das participações sociais. Esse critério apenas se impõe para
efeitos da determinação da matéria tributável, como expressão quantita-
tiva do facto tributário, para efeitos de liquidação do IS – imposto que se
enquadra entre os tipos de impostos sobre o consumo ou a despesa, com
incidência sobre alguns actos e contratos, previstos na Tabela Geral anexa
ao Código – no caso de transmissão de quotas a título gratuito, e já não
para efeitos da determinação do valor do património da sociedade fiadora
para efeitos de aferir da idoneidade da garantia. De igual modo, não faz
199
Comentários de Jurisprudência

sentido que ao valor fixado mediante adopção dos critérios do artigo 15.º
do CIS se deduza o valor da participação social que a fiadora detém da
sociedade executada”.

Acórdão do STA (2.ª) de 24-08-2016, Processo n.º 0792/16


(Relator: Fonseca Carvalho)
Impugnação pauliana e formação de título executivo contra
terceiro adquirente
A sentença decorrente de acção de impugnação pauliana instaurada
pelo Estado, autorizando-o a executar os bens alienados pelo credor,
constitui título executivo contra o terceiro adquirente. A instauração desta
acção contra o terceiro adquirente e a sua procedência confere à Admi-
nistração Tributária a possibilidade de executar tais bens directamente
no património do obrigado à sua restituição e se já tiver sido instaurado
processo de execução fiscal torna extensível a sua legitimidade passiva
sem necessidade de instauração prévia de uma acção executiva.

IMPOSTOS SOBRE O RENDIMENTO

Acórdão do STA (Pleno da 2.ª) de 06-07-2016, Processo n.º 0412/16


(Relatora: Dulce Neto)
Liquidação oficiosa. Exploração de jogos de fortuna ou azar.
Imposto Especial de Jogos
No específico caso da impugnante (que tem como atividade principal
a exploração de jogos de fortuna ou azar, tendo igualmente, como ativi-
dade incluída e estritamente conexa com o âmbito da concessão dos jogos
de fortuna ou azar, a indústria hoteleira) e visto que se trata de entidade
que, em princípio, não se encontra, sequer, sujeita a tributação em IRC, o
incumprimento da obrigação declarativa (mero facto constitutivo de even-
tual contraordenação sancionada com coima), não pode fundamentar, só
por si, uma liquidação oficiosa de IRC, sob pena de violação do princípio
constitucional da incidência da tributação das empresas fundamentalmente
sobre o seu rendimento real (artigo 104.º, nº 2, da CRP). E tal obrigação
200
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

declarativa encontra-se excluída ainda que se considere, em teoria, que a


impugnante constitui um sujeito passivo de IRC (por se tratar de sociedade
comercial que se encontra coletada para o exercício de atividade comer-
cial), dado que, na prática, todos os seus rendimentos estão legalmente
excluídos de tributação em sede de IRC, como a recorrente bem sabe e
não questiona neste recurso.

IMPOSTO AUTOMÓVEL

Acórdão do STA (2.ª) de 08-09-2016, Processo n.º 0508/15


(Relator: Francisco Rothes)

Sujeito passivo do imposto automóvel

A obrigação tributária respeitante ao IA e ao IVA devidos pela


introdução de uma viatura automóvel nasce com a apresentação da DVL
pelo operador registado e com a atribuição de matrícula nacional (artigo
4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 40/93, de 18 de Fevereiro). Nos termos do
n.º 3 do artigo 202.º do CAC, «Os devedores [da dívida aduaneira] são:
– a pessoa que introduziu irregularmente a mercadoria, – as pessoas que
tenham participado nessa introdução, tendo ou devendo ter razoavel-
mente conhecimento do seu carácter irregular, – bem como as que tenham
adquirido ou detido a mercadoria em causa, tendo ou devendo ter razo-
avelmente conhecimento, no momento em que adquiriram ou receberam
a mercadoria, de que se tratava de uma mercadoria introduzida irregu-
larmente». Os referidos tributos não podem ser liquidados àquele que
não introduziu o veículo em território nacional e que o adquiriu de uma
sociedade de locação financeira (mais de 4 anos depois de o mesmo ter
sido apresentado à estância aduaneira), se a AT não invocou que, aquando
da aquisição, o adquirente tinha ou sequer que, razoavelmente, devia ter
prévio conhecimento de que a matrícula fora obtida sem que estivessem
pagos os impostos devidos.
201
Comentários de Jurisprudência

BENEFÍCIOS FISCAIS

Acórdão do STA (2.ª) de 13-07-2016, Processo n.º 0790/15


(Relator: Francisco Rothes)
Interpretação do conceito «relações especiais»
Não há motivo algum para excluir as pessoas singulares do conceito
de entidades com as quais existam relações especiais a que alude o n.º
3 do artigo 32.º do EBF (na redação aplicável), tanto mais que, para o
preenchimento do conceito, a norma remete para o n.º 4 do artigo 58.º
do Código do IRC (na redação aplicável), no qual, depois de dizer que
«[c]onsidera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas
situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente,
uma influência significativa nas decisões de gestão da outra», inclui no
rol exemplificativo das situações que integram as relações especiais, as
relações entre «[u]ma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou
de quaisquer órgãos de administração, direção, gerência ou fiscalização,
e respetivos cônjuges, ascendentes e descendentes» [alínea c)].

NUNO DE OLIVEIRA GARCIA


ANA ALVES LEAL
SÍNTESE DE ACÓRDÃOS DO CENTRO DE ARBITRAGEM
ADMINISTRATIVA EM MATÉRIA FISCAL DO TRIMESTRE

Número do Processo: 741/2015-T


Data: 1 de Julho de 2016
Assunto: IVA – Gasóleo Colorido e Mercado

Factos:
A Requerente, LDA. solicitou a constituição de Tribunal Arbitral
com vista à declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional
de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), por referência aos períodos
de 2013.03, 2013.07 e 2013.11.
A Requerente é uma sociedade comercial por quotas e foi sujeita a
uma acção de inspecção desenvolvida pela Divisão Operacional do Sul
da Direcção de Serviços Antifraude Aduaneira, centrada no âmbito da
comercialização de gasóleo colorido marcado, com referência ao último
trimestre de 2013.
No âmbito dessa acção inspectiva foram detectadas facturas rela-
tivas a transmissões de gasóleo colorido e marcado sem que os abas-
tecimentos tivessem sido objecto de registo no terminal de pagamento
automático/point of sale. Os serviços de inspecção tributária detectaram
ainda que a empresa fornecedora havia solicitado a regularização desses
abastecimentos, não tendo a entidade responsável (DGADR – Coor-
denação Nacional do Gasóleo Agrícola) aceite os pedidos de regula-
rização.
Assim, foi considerado em dívida o valor resultante da diferença de
tributação aplicável ao gasóleo rodoviário normal em sede de Imposto
204
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) e Contribuição de Serviço Rodo-


viário (CSR).
Em face das conclusões do Relatório de Inspecção, a Administração
tributária entendeu ser de aplicar a taxa normal de IVA às transmissões de
bens em causa, incluindo na base tributável os valores de ISP e de CSR
adicionalmente liquidados pelos serviços aduaneiros competentes.
A Requerente alega, no essencial, não existir base legal que suporte
a liquidação adicional de IVA relativa à diferença de taxas aplicáveis às
transacções de gasóleo rodoviário e gasóleo colorido e marcado nos casos
em que não sejam cumpridas as formalidades de comercialização deste
último, previstas no Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC),
nomeadamente nos casos em que os abastecimentos do referido produto
não sejam objecto de registo através de leitura do cartão de microcircuito
nos terminais de pagamento automático/point of sale.

Análise do Tribunal:
O Tribunal Arbitral identificou como questão controvertida a legali-
dade das liquidações adicionais de IVA incidentes sobre os valores de ISP
e de CSR adicionalmente liquidados, com referência a transmissões de
gasóleo colorido e marcado efectuadas em violação das regras da comer-
cialização deste produto,
Em concreto, o Tribunal Arbitral identificou como estando em
causa saber se a infracção às regras de comercialização de gasóleo colo-
rido e marcado tem como consequência a tributação das transmissões
desse produto à taxa normal de IVA e, bem assim, saber se no cômputo
da respectiva base tributável se inclui, ou não, o valor do ISP adicional-
mente liquidado ao proprietário ou responsável legal pela exploração dos
postos autorizados.
Na decisão da causa, o Tribunal Arbitral aderiu às conclusões
expressas em Decisão Arbitral de 11 de Junho de 2013, proferida no âmbito
do processo 145/2012-T,
Assim, entendeu o Tribunal Arbitral que a reacção legal à comercia-
lização irregular do gasóleo colorido e marcado existe no plano contra-
-ordenacional, à qual acresce a reacção em sede do ISP.
Contudo, para efeitos do IVA a lei não responsabiliza o proprie-
tário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados pelo
205
Comentários de Jurisprudência

pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre a taxa


de imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo
colorido e marcado, em relação às quantidades que venderem e que não
fiquem devidamente registadas no sistema informático subjacente aos
cartões de microcircuito atribuídos.
Entende, assim, o Tribunal Arbitral que a tributação do gasóleo colo-
rido e marcado a uma taxa de IVA diversa da prevista na lei, em conse-
quência da comercialização irregular de tal produto, carece, por impera-
tivo constitucional de reserva de lei, de base legal prévia. Acresce que o
ISP e o IVA têm origem em factos tributários distintos, assim como são
distintos os factos que determinam a exigibilidade e o momento em que
podem ser liquidados. Continuando a tratar-se de produtos diferentes, uma
vez que o produto vendido continua a ser gasóleo colorido e marcado e
não gasóleo rodoviário, o valor em causa não pode ser incluído no valor
tributável previsto no Código do IVA
Em face do exposto, o Tribunal Arbitral decidiu julgar procedente o
pedido de pronúncia arbitral, anulando os actos de liquidação adicional
de IVA.

Número do Processo: 53/2016-T


Data: 5 de Julho de 2016
Assunto: Tributação dos veículos usados admitidos doutro Estado
Membro

Factos:
O Requerente, pessoa singular, solicitou a constituição de Tribunal
Arbitral com vista à declaração de ilegalidade da liquidação do Imposto
sobre Veículos (ISV), efectuada através da alfândega.
O Requerente é um cidadão francês que transferiu, no ano de 2015,
a sua residência para Portugal. Aquando dessa transferência de residência,
trouxe consigo um veículo automóvel, adquirido em 2014, e cuja data de
primeira matricula se fixava em 30 de Outubro de 2013.
De acordo com a legislação aplicável, o Requerente, ao invés de
aplicar directamente a tabela de cálculo do imposto, solicitou que, fosse
empregue o método alternativo de avaliação, consignado no artigo 11.º
n.º 3 do Código do Imposto sobre os Veículos (CISV).
206
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Em conformidade com essa opção, foi atribuído ao automóvel o


valor de € 36.050,00.
O Requerente alega que a fórmula alternativa de cálculo do imposto,
que pressupõe uma avaliação do veículo recorrendo ao seu valor comer-
cial médio, não comporta qualquer desvalorização nos casos de o veículo
ter menos de um ano de uso, nem, de igual modo qualquer diminuição
adicional de imposto, quando o veículo tenha mais de cinco anos de utili-
zação, o que, no seu entender é contrário ao Direito Internacional.

Análise do Tribunal:
O Tribunal Arbitral identificou como questão controvertida a confor-
midade da legislação portuguesa relativa à tributação de veículos usados,
e em particular, o artigo 11.º n.º 3 do CISV, com o direito comunitário e
qual a relevância dos anos de uso do veículo para efeitos de cálculo do
imposto.
Após uma resenha histórica, tanto a nível legislativo, como jurispru-
dencial, o Tribunal principia por considerar que, ao abrigo da Constituição
da República Portuguesa, vigora em Portugal o princípio do primado do
direito internacional.
Não obstante, e pese embora a limitação decorrente da referida supre-
macia do direito internacional face ao direito interno, o legislador nacional
possui ainda alguma margem de conformação do imposto.
Esta questão torna-se mais latente quando, ao contrário de outros
impostos, em que há já uma harmonização ao nível da tributação, no
imposto sobre veículos matriculados noutro Estado Membro, rege, unica-
mente, o direito interno, não podendo, contudo esta legislação contrariar
os princípios em que assentam os Tratados.
O Tribunal considera ainda que, de facto, há algum afastamento da
legislação nacional face aos Tratados quando a actual tabela trata de forma
igual veículos que tenham mais de cinco anos de antiguidade, indepen-
dentemente de essa antiguidade, em concreto, ser de cinco anos e um dia
ou vinte anos.
De igual forma, é pouco sensata a desconsideração de qualquer factor
de desvalorização quando o veículo tenha menos de um ano.
Acresce que o TJUE considerou já, no acórdão n.º 200/2015 que
no que concerne aos veículos com menos de uma ano e mais de cinco,
207
Comentários de Jurisprudência

a legislação é contrária aos Tratados, sendo portanto obrigatório para os


órgãos nacionais desaplicarem as normas que apresentem essa contradição.
Sucede que, no entender do Tribunal, no presente caso, a matéria de
facto não permite trazer à colação esta jurisprudência.
Isto porque o Requerente fundou a sua posição unicamente no pres-
suposto de que o veículo em causa tinha uma antiguidade inferior a um
ano, o que, de acordo com o Tribunal, não se verifica.
Ora, no entender do Tribunal, o Acórdão n.º 200/2015 do TJCE,
aplica-se, e consequentemente fundamenta a desaplicação das normas de
direito interno, apenas quando estejam em causa veículos com antigui-
dade até um ano ou mais de cinco, não invalidando, deste modo, todo o
método de cálculo em que assenta o imposto.
Desta forma, considerando que o Tribunal entendeu que o momento
inicial para a contagem da antiguidade de um veículo a data de atribuição
da primeira matrícula, nos termos do Código do Imposto sobre os Veículos
e sendo que, como decorre dos factos provados, esse momento ocorreu
a 30 de Outubro de 2013, o mesmo, à data da avaliação, já tinha mais de
um ano de utilização.
Assim sendo, considera o Tribunal que, não havendo norma comuni-
tária contrária, nem jurisprudência que implique a desaplicação de normas
de direito interno, nos casos em que o veículo tenha entre um a cinco anos,
o imposto calculado afigura-se devido.
Em face do exposto, o Tribunal Arbitral decidiu julgar totalmente
improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo na ordem jurídica
o acto de liquidação contestado.

Número do Processo: 592/2015-T


Data: 8 de Julho de 2016
Assunto: IRS – deficiência fiscalmente relevante e atestado médico de
incapacidade multiuso

Factos:
O Requerente solicitou a constituição de Tribunal Arbitral para apre-
ciação da legalidade dos actos de liquidação de IRS, relativo ao exercício
de 2011.
208
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Segundo os factos alegados pelo Requerente, em meados de 2011


foi-lhe diagnosticado um adenocarcinoma da próstata em estado avan-
çado e com uma gravidade de grau 8, segundo a escala de Gleason, tendo
iniciado bloqueio hormonal total. Assim em Março de 2012 iniciou radio-
terapia externa tridimensional, tendo contudo sido internado por várias
vezes durante esse ano.
Sucede que, em meados do ano de 2013 tomou conhecimento de que
a patologia de que padecia podia ter relevância fiscal, razão pela qual em
Junho de 2012 submeteu a declaração de rendimentos Modelo 3, respei-
tante ao ano de 2011, sem o comprovativo de incapacidade fiscalmente
relevante, que foi, apenas, obtido em Novembro de 2013. Neste sentido, o
Requerente procedeu à apresentação de revisão do acto tributário, consi-
derando ser o meio adequado.
Alegou, ainda, o Requerente que relativamente à liquidação de IRS,
do ano de 2011, a posição da Administração tributária sobre a impossibi-
lidade de aplicação da dedução à colecta correspondente a quatro vezes
o valor do SMN, consubstanciava um erro nos pressupostos de direito.
Acresce, também, que quanto ao valor da sobretaxa, este devia ser recalcu-
lado, na medida em que, a não consideração de € 2500 do seu rendimento
bruto da categoria A, implica uma redução de igual valor do rendimento
colectável de IRS que resulte do englobamento.
Todavia, a Administração tributaria entendeu que relativamente à
liquidação de IRS do ano de 2011, não se verificou a existência de uma
incapacidade permanente global de 60% e, bem assim, que o meio proces-
sual utilizado era inidóneo.
Segundo a Administração tributária não se verificou qualquer erro
imputável aos serviços, porquanto o atestado médico de incapacidade
multiuso não é, para efeitos fiscais, nomeadamente para o direito à isenção,
um documento superveniente, mas um documento constitutivo da isenção
nos termos do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Análise do Tribunal:
O Tribunal Arbitral começou por pronunciar-se sobre a excepção dila-
tória referente à incompetência material do tribunal, porquanto, o pedido
de revisão não apreciou a legalidade do acto de liquidação de IRS do ano
de 2011. A este respeito, entendeu o Tribunal Arbitral que, não existem
209
Comentários de Jurisprudência

dúvidas sobre o facto de a legalidade da liquidação de IRS do Requerente


ter sido apreciada na decisão de indeferimento do pedido de revisão, razão
pela qual, improcedeu a excepção dilatória de incompetência material.
Relativamente à matéria de direito o Tribunal arbitral identificou
como questão decidenda o fundamento para revisão do acto de liquidação.
Assim, da análise do fundamento para revisão do acto de liquidação,
isto é, em erro imputável aos serviços ou em injustiça grave ou notória,
o Tribunal considerou que o instituto da revisão visa concretizar o dever
de revogar actos ilegais, atendendo a erro imputável aos serviços e ser
apresentado no prazo de 4 anos.
Neste sentido, analisou o Tribunal arbitral que o pedido de revisão
oficiosa exige, cumulativamente, a verificação dos seguintes requisitos:
apresentação no prazo de 4 anos contados a partir do acto cuja revisão
se solicita ou a todo o tempo quando o tributo não se encontre pago;
ii) tenha origem em erro imputável aos serviços e iii) proceda da iniciativa
do contribuinte ou se realize oficiosamente pela AT.
Acresce que a lei prevê, ainda, a possibilidade de revisão excep-
cional da matéria tributável no prazo de 3 anos posteriores àquele em
que foi praticado o acto tributário, cujo fundamento assente em injustiça
grave ou notória e desde que o erro não seja imputável a comportamento
negligente do contribuinte. Assim, esta revisão excepcional tem presente
os seguintes requisitos: apresentação no prazo de 3 anos desde a prática
do acto cuja revisão se pretende; ii) a injustiça seja grave ou notória e
iii) o erro não tenha origem no comportamento negligente do contribuinte.
Ora tendo presente os fundamentos alegados pelo Requerente rela-
tivamente ao facto de o pedido de revisão apresentado ter atendido a erro
imputável à Administração tributária, o Tribunal entendeu assistir razão,
considerando que à data da submissão da declaração de IRS, em 2012
(por referência aos rendimentos do exercício de 2011), apesar de a falta de
conhecimento da Administração tributária não lhe ser imputável, o que é
facto é que, tendo a deficiência sido, posteriormente, declarada, devia ter
sido, nesse momento, tido em consideração pela Administração tributária
na liquidação de IRS, o que não sucedeu.
Em face do exposto, concluiu o Tribunal arbitral em julgar proce-
dente o pedido de pronúncia arbitral apresentado, condenando a Requerida
a reconhecer, para efeitos de IRS, a deficiência do Requerente no ano de
2011 e ao pagamento de juros indemnizatórios.
210
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Número do Processo: 285/2015-T


Data: 8 de Julho de 2016
Assunto: IVA – prova da transmissão dos bens para outro Estado
Membro

Factos:
A Requerente – “A..., S.A.” – solicitou a constituição de Tribunal
Arbitral peticionado a anulação dos actos de liquidação de Imposto sobre o
Valor Acrescentado e de Juros Compensatórios praticados com referência
a períodos de tributação dos anos de 2010, 2011 e de 2012, no montante
total de € 19.690,27.
A Requerente, no âmbito da sua actividade económica, transmitiu
bens a clientes – sociedades B..., S.A. e C, S.I. – cuja sede se localizava
em Espanha e, bem assim, para efeitos de IVA e do regime de tributação
das aquisições intracomunitárias de bens. Ora, o transporte relativo aos
bens transmitidos era efectuado pelo adquirente e o respectivo pagamento
ocorria até à data da expedição.
No âmbito dos procedimentos adoptados a Requerente solicitava à
empresa responsável pelo transporte, a entrega de cópia dos CMR, após a
recepção dos bens transmitidos, com o objectivo de fazer prova objectiva
da transmissão dos bens e do respectivo destino, contudo a Administração
tributária não veio a considerar.
Alega, assim, a Requerente ter cumprido com os deveres de dili-
gência que se impunham para assegurar a verificação dos pressupostos
de isenção do imposto, razão pela qual os actos de liquidação são ilegais
por violação do princípio da proporcionalidade dado que se impõe um
ónus probatório desrazoável.
Todavia, a Administração tributária considerou que, da análise prévia
ao sistema VIES apurou-se que a Requerente efectuou transmissões intra-
comunitárias de bens recolhidos pelas autoridades espanholas, pelo que
se constatou que nos anos de 2010 a 2011, estas empresas tiveram vários
aspectos comuns, como a morada e sócios, assim como a falta de estru-
tura física e humana, bem como para o incumprimento das respectivas
obrigações declarativas, como a emissão de facturas.
Mais, a Administração tributária verificou existirem diversas incon-
gruências nos CMR apresentados, nomeadamente por não existir evidência
211
Comentários de Jurisprudência

da saída dos bens do território nacional, com destino a outro estado-


-Membro, assim como pelo facto de não ter sido demonstrado que o inter-
mediário que negociou a aquisição dos bens transmitidos tinha poderes de
representação das sociedades adquirentes. Ora, concluiu a Administração
tributária que as sociedades espanholas, clientes da requerente, eram fisi-
camente inexistentes pelo que não poderiam fazer as operações comerciais
que lhes são atribuídas.

Análise do Tribunal:
Relativamente à questão decidenda o Tribunal arbitral apreciou a
legalidade dos actos de liquidação de imposto atendendo à verificação
dos pressupostos relativos à isenção nas transmissões.
Ora, a este respeito o Tribunal considerou que, de acordo com o
disposto no Regime do IVA nas Transmissões Intracomunitárias, a isenção
de imposto depende da verificação de pressupostos, como: i) os bens serem
vendidos por sujeito passivo singular ou colectivo que realize transmis-
sões de bens ou prestações de serviços que conferem direito a dedução
total ou parcial do imposto; ii) os bens serem expedidos ou transportados
pelo vendedor, pelo adquirente ou por um terceiro por conta destes;
iii) os bens serem fisicamente transportados do Estado-Membro da resi-
dência do vendedor para outro Estado-Membro; iv) o adquirente estar
registado para efeitos de IVA no outro Estado-Membro; v) o adquirente
ter utilizado o seu número de registo de IVA; e, vi) o adquirente esteja
abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias
de bens.
Assim, tendo em consideração o entendimento sufragado pela Admi-
nistração tributária – não existir evidência da saída dos bens do território
nacional, com destino a outro estado-Membro – o Tribunal considerou
ser essencial analisar, primeiramente, a repartição do ónus da prova por
referência à isenção, em causa. Neste sentido, concluiu que incumbia à
Administração tributária abalar a referida presunção.
Por outro lado, considerou, também o Tribunal que, não existindo
norma especial sobre a forma de concretização da prova, a mesma pode
ser produzida através de qualquer meio em direito admitido (cfr. Acórdão
do Tribunal Central Administrativo Sul, de 7 de Junho de 2011, proferido
no Recurso n.º 4434/10).
212
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

A este respeito e atendendo à prova produzida, o Tribunal referiu


que os Clientes da Requerente encontravam-se devidamente registados
para efeitos de IVA em Espanha e aí sujeitos a regime de tributação das
aquisições intracomunitárias de bens o que não pode ser desconsiderado,
razão pela qual estavam preenchidos os requisitos para a isenção.
Por outro lado, relativamente ao facto de a Administração tribu-
tária ter entendido que a Requerente emitiu facturas a entidade que havia
cessado os respectivos registos, esta questão tem especial importância,
na medida em que se trata de um dos requisitos de isenção de IVA, que
não se verificando implica o não reconhecimento do direito à isenção.
Neste sentido, as facturas emitidas após a data da cessação da actividade
do Cliente B, apresentaram irregularidades insanáveis, em virtude de a
sociedade não exercer, sequer formalmente, qualquer actividade. Com
efeito, entendeu o Tribunal que as operações devem ser qualificadas como
operações internas e sujeitas a IVA.
Em face do exposto, o Tribunal arbitral julgou parcialmente proce-
dente o pedido formulado e consequentemente, determinou o pagamento
de custas, na proporção do decaimento que se fixa em 65% para a Reque-
rida e 35% para a Requerente.

Número do Processo: 591/2015-T


Data: 15 de Julho de 2016
Assunto: IRC – Variação patrimonial positiva

Factos:
A Requerente – A, Lda... – solicitou a constituição de Tribunal Arbi-
tral peticionando a anulação da liquidação adicional de IRC, no valor de
€ 112.375,32 e da respectiva liquidação de juros compensatórios no valor
de € 13.913,46, referentes ao exercício de 2009.
A Requerente tinha como actividade a Prestação de Serviços de
consultoria e apoio a todas as áreas financeiras, comerciais, industriais e
científicas, assim como a concepção e gestão do exercício das actividades
de construção civil e empreitadas e consultadoria de obras, comércio e
indústria de materiais de construção, comércio e indústria de decoração.
Ora a sociedade tinha capital social, no montante de € 260.000,00 repre-
213
Comentários de Jurisprudência

sentado por duas quotas, das quais € 250.000,00, representativa de 96,15%


pertencente ao sócio C e outra de € 10.000,00 representativa de 3,85%,
pertencente à sociedade D…, Lda.
Sucede que, em Fevereiro de 2009, o sócio C dividiu a quota que
detinha (€ 250.000,000) em duas quotas, uma de € 214.250,00 que
reservou para si e outra do valor nominal de € 35.750,00 que cedeu a uma
sociedade de direito inglês (sociedade E) da qual era legal representante,
tendo para o efeito celebrado contrato particular de cessão de quotas. Ora,
os sócios da Requerente deliberaram por unanimidade, fazer prestações
suplementares de capital, até ao montante de dois milhões de euros, obri-
gando, assim, o sócio C a realizar em seu nome pessoal o montante de
€ 1.500.000,00 e a sua representada E o montante de € 400.000,00 e D…
Lda. o montante de € 5.000,00.
Neste sentido, a sociedade E efectuou a transferência bancária, do
Banque (Suisse) SA, directamente para a conta bancária da Requerente na
quantia de € 435.750,00, a titulo de prestações suplementares. Segundo a
Requerente, a quantia de € 35.750,00, correspondia à aquisição da quota
a C que foi transferida pela E para a Requerente, devido ao facto de C
a ter cedido à Requerente para, por compensação, cumprir parte da sua
obrigação, também por ele e em seu nome próprio assumida, de reforço
das prestações suplementares.
Ora, a Administração tributária procedeu à realização de uma acção
de inspecção da qual resultou uma correcção à matéria colectável de IRC,
no montante de € 435.750,00. A correcção efectuada teve em conside-
ração a verificação de uma variação patrimonial positiva no montante de
€ 435.750,00, que, segundo o entendimento, devia concorrer para
formação do lucro tributável, devido ao facto de ter sido transferido para
a Requerente um montante por parte da sociedade E, sem assunção de
qualquer contrapartida.

Análise do tribunal:
Relativamente à questão decidenda o Tribunal arbitral apreciou
a legalidade dos actos de liquidação de imposto atendendo à alegada
variação patrimonial positiva e, bem assim, ao ónus da prova.
Atenta a análise à prova produzida, o Tribunal considerou que rela-
tivamente à transferência bancária ocorrida no montante de € 400.000,00
214
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

ficou provado que se trata da concretização da obrigação de efectuar pres-


tações suplementares assumida pela sociedade E. Contudo, tendo em conta
que da prestação suplementar efectuada pela sociedade E, se constituiu
uma divida da Requerente para com esta sociedade, razão pela qual se
considerou como provado que não ocorreu um aumento patrimonial que
consubstancia uma variação patrimonial positiva.
Assim, concluiu o Tribunal arbitral que enquadrando-se as presta-
ções suplementares no conceito de entradas de capital, relativamente às
variações patrimoniais positivas que daí advenham não podem concorrer
para a formação do lucro tributável.
Todavia, relativamente à parte restante da transferência efectuada
pela E para Requerente, no montante de € 35.750,00 não se comprova
que se trate de entrada de capital, designadamente de prestações suple-
mentares que deveria efectuar o sócio C, nem que a transferência tenha
gerado qualquer obrigação da Requerente para com este ou para com a
sociedade E. Com efeito, nesta parte, recaia o ónus sobre a Requerente,
pelo que nesta parte assistiu razão à Administração tributária.
Concluiu, então, o Tribunal que a referida variação patrimonial posi-
tiva, na parte da transferência que não se destina a efectuar prestações
suplementares, consubstanciou um aumento patrimonial da Requerente
que revela manifestamente capacidade contributiva e, que, consequente-
mente, deve ser tributável.
Em face do exposto, o Tribunal decidiu julgar parcialmente proce-
dente o pedido de pronúncia arbitral e anular a liquidação de IRC no
montante de € 400.000,00 transferido pela E, a título de prestações
suplementares, mantendo, contudo a parte no montante de € 35.750,00,
e consequentemente, condenar a Requerente e Administração tributária
em custas, na proporção.

Lisboa, 16 de Setembro de 2016.

ROGÉRIO FERNANDES FERREIRA


SÉRGIO BRIGAS AFONSO
CATARINA RIBEIRO CALDAS
PEDRO CALLAPEZ
ÁLVARO SILVEIRA DE MENESES
SÍNTESE DE ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DE CONTAS DO
TRIMESTRE

1ª SECÇÃO (FISCALIZAÇÃO PRÉVIA)

Acórdão n.º 9/2016-JUN-1ªS/SS – Proc. n.º 2755/2015

Município. Contrato de empréstimo. Dívida pública fundada.


Recusa do visto
1. Não obstante a versão inicial do contrato não implicar fiscaliza-
ção prévia, o aditamento introduzido ao mesmo, ao alterar o seu
prazo em termos que implicam a sua prorrogação para além de
31 de Dezembro de 2015, determina o aumento da dívida pública
fundada do município e, consequentemente, a necessidade da sua
submissão a fiscalização prévia.
2. Da conjugação do disposto no n.º 2 do artigo 49.º e no n.º 1 do
artigo 50.º da Lei n.º 73/2013 resulta claramente que os emprés-
timos de curto prazo têm uma vigência máxima de um ano mas
não podem deixar de ser amortizados até ao final do exercício
económico em que foram contratados. Quer o contrato inicial-
mente contratado quer o aditamento entretanto outorgado violam
as limitações referidas, ao admitir e concretizar uma amortização
em ano e exercício económico subsequente ao ano da contração
do empréstimo.
3. O contrato violou ainda o estipulado no n.º 1 do artigo 50.º da
mesma lei, que determina que os empréstimos de curto prazo
podem ser contraídos pelos municípios tão só para fazer face a
216
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

dificuldades de tesouraria. No caso, a autarquia utilizou o emprés-


timo contraído para satisfazer pagamentos em atraso para os quais
não dispunha de receitas orçamentais. Assim, a contratação e uti-
lização do empréstimo não fizeram face a meras dificuldades de
tesouraria, para antecipação de receitas certas, mas a um verdadeiro
défice orçamental, para o qual não existia receita credível prevista.
4. A pretendida alteração do empréstimo é, pois, ilegal, violando
normas de inquestionável natureza financeira. Nos termos da
alínea b) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC, a violação de normas
financeiras constitui fundamento para a recusa de visto.

Acórdão n.º 10/2016-JUL-1ªS/SS – Proc. n.º 1302/2015

Município. Contrato de empreitada. Avaliação das propostas.


Recusa do visto
1. Não obstante a liberdade que a entidade adjudicante tem para
definir o modelo de avaliação das propostas, descrevendo a forma
como serão avaliados os vários aspetos de execução do contrato
submetidos à concorrência, não pode deixar de o fazer com e
respeitando o objetivo de escolher a proposta que lhe seja eco-
nomicamente mais vantajosa. A adoção vinculada deste critério
e objetivo implica, por um lado, que se criem condições para um
efetivo funcionamento da concorrência nos fatores escolhidos
e, por outro, que o modelo de avaliação permita a avaliação das
vantagens económicas que resultem do funcionamento dessa
concorrência.
2. No caso, a fórmula matemática escolhida para avaliar o fator
preço indicava que o preço pretendido correspondia a 90% do
preço base e que outros preços seriam progressivamente desva-
lorizados à medida que se afastavam desse valor. Este modelo
prejudicou o correto funcionamento da concorrência, face aos
objetivos económicos legalmente estabelecidos para a entidade
adjudicante. De facto, a maioria dos concorrentes não apresentou
preços formados em função de critérios de eficiência económica
em contexto de mercado mas sim preços escolhidos em resultado
da fórmula publicitada.
217
Comentários de Jurisprudência

3. O fator preço visa avaliar a economia da solução e não a capaci-


dade de execução de um contrato. Se a capacidade de execução
dos contratos é, em virtude da situação atual do mercado, um
fator crítico e um risco significativo, o mais indicado será que se
utilizem tipos de procedimento capazes de fazer uma avaliação
prévia da capacidade dos concorrentes para a execução contratual.
A lei prevê-o através dos concursos por prévia qualificação.
4. O procedimento realizado, a adjudicação e o contrato em aprecia-
ção são ilegais por se fundamentarem na aplicação de uma regra
procedimental violadora do disposto nos artigos 74.º, n.º 1, e 1.º,
n.º 4, do CCP.
5. Essa ilegalidade é fundamento de recusa do visto nos termos das
alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC.

Acórdão n.º 13/2016-JUL-1ªS/PL – RO n.º 07/2015-R – Proc. n.º 94/2015

Entidade pública empresarial. Contrato de seguro. Ajuste direto.


Recusa do visto
1. Nos termos do artigo 24.º/1-b) do Código dos Contratos Públicos
(CCP), o ajuste direto só pode ser adotado se o caderno de encar-
gos não for substancialmente alterado em relação ao do concurso
anteriormente realizado e do qual não resultou uma adjudicação,
em virtude de todas as propostas terem sido excluídas.
2. O n.º 8 do mesmo artigo refere que a modificação dos parâmetros
base do caderno de encargos corresponde a uma alteração subs-
tancial para aquele efeito.
3. Os parâmetros base, conforme resulta do artigo 42.º do CCP, tra-
duzem-se em limites mínimos ou máximos fixados no caderno de
encargos para aspetos da execução do contrato submetidos à con-
corrência, que podem respeitar designadamente ao preço a pagar.
De acordo com o disposto no artigo 47.º do mesmo Código, o
preço base é o preço máximo que a entidade adjudicante se dispõe
a pagar pela execução de todas as prestações que constituem o seu
objeto, correspondendo ao valor fixado no caderno de encargos
como parâmetro base do preço contratual, se outro valor não for
imposto pelo procedimento escolhido ou pela competência para
218
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

autorização da despesa. O preço base é, portanto, um parâmetro


base.
4. O preço base do concurso que ficou deserto era de € 485.000,00; o
preço base do procedimento por ajuste direto foi de € 600.000,00.
Essa alteração constituiu, a modificação de um parâmetro base e,
consequentemente, uma alteração substancial do caderno de encar-
gos, pelo que não se verificou uma das condições legais fixadas
pelo artigo 24.º para a adoção do procedimento por ajuste direto.
5. O valor contratado desrespeitou o estabelecido nos n.ºs 1 e 9 do
artigo 73.º da Lei n.º 83-C/2013. O n.º 18 do referido artigo 73.º
sanciona com nulidade os contratos celebrados em violação do
disposto no mesmo artigo.
6. As referidas ilegalidades são fundamento de recusa de visto nos
termos das alíneas a), b) e c) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC.

Acórdão n.º 14/2016-JUL-1ª S/PL – RO n.º 09/2015-R


– Proc. n.ºs 1085 a 1094/2015.

Entidade pública empresarial. Contrato de fornecimento. Contra-


tação in house. Prazo contratual. Recusa do visto
1. A relação in house relevante para apuramento da eventual ina-
plicabilidade da Parte II do Código consiste na relação entidade
adjudicante/adjudicatário. Para que se considerasse que a bene-
ficiária dos serviços prestados a outras entidades era a entidade
adjudicante seria necessário demonstrar que a adjudicatária só
realizou tais prestações e celebrou os pertinentes contratos porque
a isso foi forçada pela entidade adjudicante, sem que dispusesse
de qualquer autonomia de vontade ou devesse dar o seu consen-
timento para esse efeito. Isso não foi demonstrado.
2. No caso, as atividades não dedicadas à entidade adjudicante repre-
sentam uma média de 29%. Tendo presente a jurisprudência e
doutrina existentes, este volume não tem um carácter meramente
marginal.
3. Os contratos em apreciação são contratos públicos, e, como tal,
estão sujeitos aos princípios da transparência, da igualdade e da
transparência, tanto no plano nacional como no plano europeu.
219
Comentários de Jurisprudência

Ora, os princípios de direito comunitário são contrários a uma


duração excessiva dos contratos. As razões que podem justificar
uma duração mais alargada dos contratos públicos serão tão-só
a necessidade de garantir a amortização de investimentos e a
remuneração razoável de capitais investidos.
4. Os fundamentos invocados para os alargados prazos contratados
seriam eventualmente compreensíveis se estivesse em causa uma
contratação de um operador privado em ambiente concorrencial.
Se a duração do contrato é importante para o planeamento, a qua-
lidade e o preço dos serviços a contratar, então isso é também um
indicador de que não há uma verdadeira relação in house. Se assim
é, não só a escolha do cocontratante como as condições e a duração
contratual devem ser objeto de concorrência transparente e aberta.
5. Os contratos em apreço foram adjudicados em violação do dis-
posto na alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CCP e do princípio da
concorrência consagrado no n.º 4 do artigo 1.º do mesmo Código.
O prazo contratual fixado é excessivo e desprovido de fundamen-
tação, em violação dos princípios da concorrência, transparência
e igualdade, consagrados nos Tratados Europeus, na Constituição
e no mesmo n.º 4 do artigo 1.º do CCP.
6. Estas ilegalidades são fundamento de recusa de visto, nos termos
das alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC.

3ª SECÇÃO (RESPONSABILIDADE SANCIONATÓRIA


E RESPONSABILIDADE FINANCEIRA)

Acórdão n.º 12/2016 – 3ªS/PL – RO n.º 6 RO-JC/2015

Município. Estatuto da aposentação. Relevação. Responsabilidade


financeira reintegratória
1. Os serviços/trabalhos realizados por aposentados da Adminis-
tração Pública devidamente autorizados nos termos do artº 78º
do Estatuto da Aposentação são remunerados por um terço da
remuneração acordada ou que competir a essas funções (artº 79º
do E.A.) pelo que haverá infração financeira reintegratória sempre
220
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

que lhe foram autorizados pagamentos para além do limite de um


terço supra-referido.
2. No caso dos autos, os aposentados, como contraprestação dos ser-
viços que prestaram para o Município, receberam indevidamente
a totalidade da remuneração ajustada quando só lhes era devido,
pela prestação dos serviços, um terço da remuneração acordada
contratualmente, consubstanciando um dano, um prejuízo para
o erário público.
3. Não está em discussão nem é pertinente nesta temática, se os
serviços prestados pelos dois aposentados propiciaram um enri-
quecimento do Município, que, aliás, foi, também, avaliado na
1ª instância em sede de medida da sanção quando se decidiu pela
redução de 50% do valor da reposição.
4. Não se vislumbra fundamento para a relevação da responsabili-
dade, uma vez que os factos se prolongaram-se por demasiado
tempo, os Demandados eram pessoas com experiência na ativi-
dade autárquica e o grau de culpa não é diminuto.
5. Confirma-se a sentença proferida na 1ª instância que condenou
os Recorrentes em responsabilidade financeira reintegratória na
reposição da quantia de 55.205,21€ e respetivos juros de mora,
à taxa legal, a contar da data do último dia da gerência de 2005.

Acórdão n.º 2/2016 – 3ªS/PL – RO-JRF


Centro hospitalar. Protocolo. Fiscalização prévia. Responsabili-
dade financeira sancionatória
1. Tratando-se de Protocolo gerador de despesa, está o mesmo
sujeito a fiscalização prévia, pelo que as despesas autorizadas
e pagas pelo demandado, ora recorrente, antes da concessão do
visto, são ilegais, por violação da segunda parte do n.º 1 do art.º
45.º da LOPTC, o que preenche a infração financeira sancionatória
prevista e punida pelo art.º 65.º, n.ºs 1, al. b), 2 e 4 da LOPTC.
2. Assim sendo, não pode o recurso deixar de ser julgado improce-
dente e confirmada a sentença recorrida.

ALEXANDRA PESSANHA
NUNO CUNHA RODRIGUES
SÍNTESE DE ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO
EUROPEIA EM MATÉRIA FISCAL DO TRIMESTRE

Número do Processo: C-176/15


Nome: Riskin
Data: Acórdão de 30 de Junho de 2016
Assunto: A aplicação do princípio de protecção mais favorável às
Convenções para evitar a Dupla Tributação

Factos:
O Sr. Guy Riskin e a Sra. Geneviéve Timmermans, residentes
fiscais na Bélgica, são detentores de acções numa empresa estabele-
cida na Polónia. Em 2009, a empresa distribuiu dividendos aos seus
accionistas, tendo sido aplicada uma taxa de imposto de 15% no
Estado da fonte, a Polónia. Já em 2012, a Administração fiscal belga
corrigiu a liquidação de imposto de rendimento relativa ao período de
tributação do ano de 2010, uma vez que os dividendos provenientes
da sociedade com sede na Polónia eram tributáveis na Bélgica à taxa
de 25%.
Gerou-se um litígio em torno da aplicação do artigo 23.º da Conven-
ção para evitar a Dupla Tributação celebrada entre a Bélgica e a Polónia,
que determina que o imposto pago na Polónia devia ser imputado no
imposto devido na Bélgica sob reserva da aplicação do direito belga. A
legislação fiscal belga apenas permitia a efectiva imputação do imposto
pago na Polónia no montante de imposto devido na Bélgica se os capi-
tais e os bens geradores dos dividendos em causa estivessem afectos na
Bélgica ao exercício de uma actividade profissional.
222
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Tendo em conta que outras Convenções para evitar a Dupla Tribu-


tação celebradas pela Bélgica, designadamente com Estados terceiros,
Riskin e Timmermans alegaram que esses outros tratados conferem a
possibilidade de imputação incondicional dos montantes de imposto pagos
na fonte no montante de imposto devido na Bélgica. Argumentando, ainda,
que não é razoável que a Bélgica possa conceder, a um Estado terceiro, um
tratamento fiscal mais favorável do que aquele que concede aos Estados-
-Membros, como a Polónia.

Questão:
A única questão prejudicial admitida pelo TJUE, em prejuízo de uma
segunda considerada meramente hipotética, pergunta se a legislação fiscal
belga que autoriza implicitamente a dupla tributação de dividendos estran-
geiros pertencentes a uma pessoa singular residente na Bélgica, é compa-
tível com os princípios de direito da União consagrados nos Tratados, na
medida em que permite à Bélgica favorecer do modo que entender, conso-
ante as disposições do direito belga para as quais as Convenções de Dupla
Tributação remetam, os investimentos realizados num Estado terceiro
(Estados Unidos) ou num Estado-Membro da União Europeia (Polónia).

Apreciação do Tribunal:
O Tribunal estabelece como pontos prévios que i) está em causa
uma diferença de tratamento na tributação de dividendos com fonte num
Estado-Membro, a Polónia, e um Estado terceiro – e não um Estado-
-Membro – e ii) que é incontrovertido que a Convenção para evitar a
Dupla Tributação celebrada entre a Bélgica e a Polónia remete os concretos
termos da eliminação ou atenuação da dupla tributação para a legislação
belga, tendo esta por efeito a necessidade da condição acima referida
estar preenchida.
O Tribunal reitera que podem ser consideradas como medidas restri-
tivas da liberdade de circulação de capitais as medidas susceptíveis de
desencorajar não residentes a investir num Estado-Membro ou residentes
a investir num outro Estado-Membro. Neste quadro, o Tribunal concluiu
que o tratamento desfavorável em causa consubstancia, prima facie, uma
restrição à referida liberdade.
223
Comentários de Jurisprudência

Em função da não harmonização da tributação directa, o Tribunal


reitera que, as naturais disparidades existentes entre as legislações fiscais
dos vários Estados-Membros podem conduzir à celebração de Convenções
para evitar a Dupla Tributação, tendo em vista a determinação de crité-
rios de repartição do seu poder de tributação. Consequentemente, tendo
em conta tais disparidades, daí pode resultar um tratamento diferenciado.
As próprias Convenções para evitar a Dupla Tributação delimitam
o seu âmbito de aplicação, designadamente as pessoas por ela abrangidas
e os correspondentes benefícios e obrigações. Todo este enquadramento
assume características particulares, sobretudo no contexto das negociações
tendentes à conclusão das ditas Convenções, que contribuem para o equi-
líbrio global das relações entre os dois Estados signatários da Convenção
para evitar a Dupla Tributação. Desta forma, também a Convenção para
evitar a Dupla Tributação celebrada entre a Bélgica e o terceiro Estado
tem uma aplicação limitada, nomeadamente a residentes fiscais na Bélgica
que recebem dividendos desse terceiro Estado.
Por esta razão, os residentes fiscais na Bélgica que recebem divi-
dendos com origem na Polónia não se encontra numa situação objectiva-
mente comparável com residentes fiscais na Bélgica que recebem divi-
dendos com origem num terceiro Estado.
O Tribunal refere, por último, que o artigo referente a cooperação
leal entre os Estados-Membros não acarreta, neste quadro, obrigações
adicionais para os Estados-Membros, designadamente de eliminar a dupla
tributação jurídica internacional.

Decisão:
O Tribunal de Justiça concluiu que os artigos 63.° e 65.° TFUE, lidos
em conjugação com o artigo 4.° TUE, não obrigam a que um Estado-
-Membro alargue o benefício de um tratamento mais favorável conce-
dido a um accionista residente, decorrente de uma Convenção para evitar
a Dupla Tributação, celebrada entre este Estado-Membro e um Estado
terceiro, mediante o qual o imposto retido na fonte pelo Estado terceiro é
imputado de forma incondicional no imposto devido no referido Estado-
-Membro de residência do accionista, a um accionista residente que auferia
dividendos provenientes de um Estado-Membro com o qual esse mesmo
Estado-Membro de residência celebrou uma Convenção para evitar a
224
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Dupla Tributação, que sujeita a concessão dessa imputação ao respeito


de condições suplementares previstas pelo direito nacional.

Implicações no direito português:


A questão permanece controversa, pese embora já tenha sido tratada,
no âmbito fiscal, no caso D, em função da existência de jurisprudência
europeia contraditória em áreas não fiscais, como Open Skies. Em todo o
caso, face ao sentido da decisão, pode extrair-se que uma Convenção para
evitar a Dupla Tributação celebrada por Portugal que possa oferecer um
tratamento mais favorável do que outras também celebradas por Portugal
não terá um efeito para além do âmbito da sua tradicional aplicação.

Número do Processo: C‑18/15


Nome: Brisal – Auto‑estradas do Litoral, SA, KBC Finance Ireland
Data: Acórdão de 13 de Julho de 2016
Assunto: A tributação transfronteiriça de juros e dedução de custos
de financiamento

Factos:
Em causa estava um contrato de financiamento celebrado entre a
Sociedade portuguesa Brisal – Auto estradas do Litoral S.A. (Brisal) e
o Banco irlandês KBC Finance Ireland (KBC). Neste âmbito, a Brisal
estava vinculada à obrigação de pagamento de juros à KBC, no valor de
350.806,00 €, dos quais 59.386,00 € foram retidos na fonte e entregues à
Administração tributária portuguesa.
Tanto a Brisal como a KBC, discordaram acerca da retenção de uma
parte dos ditos juros por se aplicar, apenas e especificamente, aos casos
em que os devedores de juros são residentes em Portugal e os credores
de juros são não-residentes.
É de salientar que, nos termos do Código do IRC, as ditas institui-
ções, sem residência fiscal em Portugal, estão submetidas a uma tributação
específica de retenção na fonte a uma taxa liberatória de 20% que incide
sobre os rendimentos ilíquidos. De modo distinto, idênticas instituições
financeiras, mas residentes fiscais em Portugal, vêem os seus rendimentos
225
Comentários de Jurisprudência

de juros tributados sobre o valor líquido a uma taxa de 25% e estão isentos
do regime de retenção na fonte, o que lhes confere, ainda, uma vantagem
de fluxo de caixa.
Em consequência da oposição da Brisal e da KBC em verem uma
parte dos juros devidos, pela primeira à segunda, serem retidos na fonte,
o Supremo Tribunal Administrativo (STA) foi chamado a pronunciar-
-se sobre a questão levantada por esta tributação. Este accionou o meca-
nismo de reenvio prejudicial junto do Tribu¬nal, para que este interprete
e determine, à luz do direito da União Europeia (UE), se a legislação
fiscal nacional em causa se encontrava em violação do Tratado sobre o
Funcionamento da União Europeia (TFUE), que consagra a liberdade de
prestação de serviços.

Apreciação do Tribunal:
O Tribunal aproveitou esta decisão para salientar que, nos termos
do TFUE e, mais especificamente, do princípio de livre prestação dos
serviços, não existe distinção entre as diferentes categorias de serviços.
Com efeito, o TFUE considera, indistintamente, todas as categorias de
prestações de serviços.
Por outro lado, também afirma que uma limitação à livre prestação de
serviços é aceite, apenas, em condições específicas, designadamente nos
casos em que tal “se justificar por razões imperiosas de interesse geral”
e desde que a dita justificação respeite o princípio da proporcionalidade.
O Tribunal considerou que o tratamento fiscal desfavorável para
as entidades não-residentes não pode ser considerado compatível com o
direito da UE, não podendo este tratamento ser justificado com base na
potencial existência de outro benefício, que seria, neste caso, a aplicação
de uma taxa de tributação menos elevada para as instituições financeiras
residentes.
No mesmo sentido, o Tribunal lembrou que, embora reconheça, na
sua jurisprudência, que a necessidade de garantir a eficácia da cobrança
do imposto constitui uma razão imperiosa de interesse geral que pode
justificar uma restrição à livre prestação de serviços, esta justificação é
válida, apenas, dentro dos limites do princípio da proporcionalidade. Ou
seja, deve ser adequada a garantir a realização do objectivo prosseguido e
não pode exceder o necessário para o alcançar. Concluiu, neste caso, que
226
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

a restrição em causa no processo principal não é necessária para garantir


a eficácia da cobrança do IRC.
Para além disso, o Tribunal reconhece que, na ausência de medidas de
unificação ou de harmonização supranacionais, a competência para deter-
minar os critérios de repartição do poder tributário, de forma a eliminar as
situações de dupla tributação, permanece nas mãos dos Estados‑Membros,
tendo estes celebrado, entre eles, em bastantes casos, Convenções para
evitar a Dupla Tributação. Porém, as Convenções para evitar a Dupla
Tributação não subsituem as obrigações previstas nos Tratados da UE,
designadamente, o princípio da igualdade de tratamento e as liberdades
de circulação garantidas pelo direito primário da UE.
Assim sendo, perante os factos e o direito em causa, os não-resi-
dentes devem ser tratados da mesma maneira que os residentes. Devendo,
então, ver as suas despesas profissionais deduzidas antes da tributação
dos rendimentos em causa. Necessariamente, a execução da concessão
de um empréstimo financeiro origina despesas profissionais (despesas de
viagem, de aconselhamento, etc.) e todos os sujeitos passivos, tanto os
que são integralmente tributados, como os que o são parcialmente, devem
beneficiar do mesmo tratamento. Pelo que, devem-lhes ser concedidas as
mesmas possibilidades de dedução das ditas despesas. Neste sentido, o
Tribunal também reconheceu os custos de financiamento como despesas
profissionais de uma instituição financeira na concessão de empréstimos.
Ademais, o Tribunal lembrou, ainda, quanto ao ónus de prova, que
a simples circunstância da prova ser mais difícil de produzir não auto-
riza um Estado‑Membro a recusar de modo absoluto aos não-residentes
os mesmos privilégios do que aos residentes. Sendo que nada impede as
autoridades fiscais em causa de exigirem ao não residente as provas que
considerarem necessárias para que possam apreciar se os requisitos de
dedutibilidade das despesas se encontram preenchidos.

Decisão:
O Tribunal considerou que pode existir uma diferenciação na tribu-
tação entre os residentes e não-residentes, desde que tal seja justificado e
necessário. No presente caso, tal não se demostrou, e, em respeito ao prin-
cípio de livre prestação dos serviços, a legislação nacional deve conceder
aos não-residentes a possibilidade de estes deduzirem as despesas profis-
227
Comentários de Jurisprudência

sionais directamente relacionadas com a actividade em questão, se esta é


concedida aos residentes.

Implicações no Direito Português:


Embora a decisão do Tribunal não seja, ainda, de aplicação directa
e generalizada, os contribuintes podem, designadamente, com base nas
regras e nos princípios consagrados no presente Acórdão Brisal KBC,
fundamentar eventuais pedidos administrativos ou judiciais nesse sentido.

Número do Processo: C-493/14


Nome: Dilly’s Wellnesshotel
Data: Acórdão de 14 de Julho de 2016
Assunto: Os requisitos formais dos auxílios de estado em legislação
fiscal

Factos:
A 29 de Dezembro de 2011, a Dilly’s Wellnesshotel requereu o reem-
bolso parcial de imposto, previsto pela lei austríaca, incidente sobre o gás
natural e a energia eléctrica, relativo ao ano de 2011, com base no disposto
no Regulamento Geral de Isenção n.º 800/2008 (Reg. n.º 800/2008). O
pedido foi indeferido, em Fevereiro de 2012, com base na nova legislação
resultante da Lei de Orçamento de Estado Austríaca [BBG], segundo a
qual, a partir de Janeiro de 2011, o reembolso de tais impostos apenas seria
concedido às empresas de produção de energia, excluindo as prestações
de serviços de tal benefício.
A questão foi submetida a um tribunal austríaco, o qual levantou
dúvidas quanto à conformidade da nova legislação relativa ao reembolso
face ao teor do Reg. n.º 800/2008.

Questões:
As questões prejudiciais levantadas enfatizavam a ausência de
formalidades na adopção da medida, enunciadas no capítulo I do regu-
lamento. De facto, i) a legislação nacional não continha qualquer refe-
228
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

rência ao Reg n.º 800/2008, ou à publicação no Jornal Oficial da União


Europeia; ii) a informação não foi encaminhada à Comissão dentro do
prazo legal de 20 dias úteis após a entrada em vigor de tal dispositivo; e
iii) o texto relativo ao auxílio não foi publicado na Internet, atento o facto
de que o site notificado à Comissão não permite acesso ao respectivo
conteúdo.
A única questão, entre três, respondida pelo Tribunal pergunta se é
contrário ao direito da União um regime de auxílios que aplica o processo
especial do Reg n.º 800/2008 para beneficiar da isenção da obrigação de
notificação, mas que não cumpre várias obrigações estabelecidas no regu-
lamento, mormente no seu capítulo I.

Apreciação do Tribunal:
Destarte, o Tribunal de Justiça recorda que a obrigação de notificação
constitui um dos elementos fundamentais do sistema de controlo instituído
pelo Tratado de Funcionamento da União Europeia, no domínio dos auxí-
lios de Estado. Os Estados-Membros estão não só obrigados a notificar à
Comissão das medidas que criam/modificam um auxílio de estado, como
também não podem aplicar uma tal medida sem que a Comissão tome
uma decisão final sobre ela.
A Comissão recorda ainda que pode adoptar regulamentos para
execução das disposições europeias e fixar não só as condições de
aplicação da notificação, como também as categorias de auxílios que,
conforme determinado pelo Conselho, ficam dispensadas de tal proce-
dimento. Resulta daí que se uma medida de auxílio adoptada por um
Estado-Membro preenche as condições pertinentes previstas no Reg.
n.º 800/2008, esse Estado-Membro pode considerar-se dispensado da
obrigação de notificação.
A Comissão permite, simplificando a gestão administrativa sem
enfraquecer a sua capacidade de controlo das regras de concorrência
em matéria de auxílios de Estado, isentar certas tipologias de auxílios
(v.d. protecção do ambiente) do procedimento de notificação previsto
no Tratado de Funcionamento da União Europeia, sujeitando-as a outras
condições precisas.
Para que possa prevalecer-se da isenção prevista do Reg. n.° 800/
2008, o Estado Membro deverá: i) fazer referência ao Reg. n.° 800/2008,
229
Comentários de Jurisprudência

indicando a publicação desse regulamento no Jornal Oficial da União


Europeia; ii) remeter à Comissão um resumo das informações no prazo
de 20 dias úteis “após a entrada em vigor de um regime de auxílios”; e
iii) proceder à publicação na Internet do texto do regime de auxílios. Na
medida em que as condições previstas no Reg. n.º 800/2008 atenuam a
regra geral da obrigatoriedade de notificação, aquelas deverão ser inter-
pretadas de modo estrito.
Sem apreciar a segunda e terceira questão, salienta que um regime
de auxílios apenas pode ser isento da referida obrigação de notificação
sob condição desde que esse regime contenha uma referência expressa
a esse mesmo regulamento, pela citação do seu título e indicação da sua
referência de publicação no Jornal Oficial.
Ainda que considerando a argumentação do Governo Austríaco
quanto à ausência, no regime de auxílios em causa, de referência ao regu-
lamento (o qual salientou em sede de audiência que a medida foi poste-
riormente adaptada a nível nacional e comunicada à comissão durante
o ano de 2014), a Comissão considera que não pode, em qualquer caso,
ver-se sanada a falta de referência ao Reg. n.° 800/2008 na legislação
nacional em causa no processo principal, quanto ao período em questão.
A Comissão acolhe nas suas conclusões um conjunto de argumentos de
ordem sistemática, de forma a sublinhar a essencialidade do respeito pelas
condições previstas.
O carácter imperativo de uma referência ao Reg. n.° 800/2008 num
dado regime de auxílios, para que um Estado-Membro possa invocar o
benefício de uma isenção ao abrigo deste regulamento no que respeita a
esse regime, depende do preenchimento de “todas as condições” enun-
ciadas no capítulo I e que o referido regime “contenha uma referência
expressa”. A referência expressa a este regulamento não constitui uma
mera formalidade, revestindo antes carácter imperativo, de modo que a
sua inobservância impede a concessão de uma isenção desta obrigação
ao abrigo do referido regulamento.

Decisão:
Por conseguinte, a resposta à única questão considerada pelo Tribunal
de Justiça, determinou que a falta, num regime de auxílios como o regime
em causa no processo principal, de uma referência expressa a este regu-
230
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

lamento, pela citação do seu título e indicação da sua referência de publi-


cação no Jornal Oficial da União Europeia, se opõe a que esse regime
seja considerado como preenchendo as condições para ficar isento, da
obrigação de notificação prevista no artigo 108.°, n.° 3, do Tratado de
Funcionamento da União Europeia. Assim, os auxílios de Estado que não
são abrangidos por este regulamento continuam a estar sujeitos à obri-
gação de notificação.

Implicações no direito português:


Ainda que exista legislação fiscal substancialmente conforme com
as excepções e isenções admitidas pela Comissão Europeia no quadro
dos Auxílios de Estado, é fundamental e impreterível que as formalidades
sejam cumpridas. Apenas uma análise casuística da legislação fiscal pode
quantificar a concreta implicação no direito português e, designadamente,
se existe legislação desconforme. A consequência da concessão ilegal de
um auxílio de estado é a recuperação do benefício indevidamente obtido,
podendo esta obrigação de recuperação abranger dez anos.

Número do Processo: C-543/14


Nome: Ordre des barreaux francophones e germanophone e o.
Data: Acórdão de 28 de Julho de 2016
Assunto: Tributação de serviços prestados por advogados

Factos:
Até 1 de Janeiro de 2014, a Bélgica previa uma isenção em sede de
IVA sobre os serviços prestados por advogados. Com efeito, essa isenção
encontrava-se prevista numa lei interna belga e tinha por base uma dispo-
sição transitória prevista na Directiva IVA. Contudo, esta foi revogada
devido a diversos recursos submetidos ao Tribunal Constitucional belga.
Deste modo, a partir daquela data, os serviços prestados por advogados
passaram a ser tributados, na Bélgica, à taxa de 21%.
Tal mudança de paradigma legal determinou o aumento dos honorá-
rios cobrados pelos advogados, o que se revelou particularmente prejudi-
cial para os clientes privados, na qualidade de consumidores finais, uma
231
Comentários de Jurisprudência

vez que estes não têm a possibilidade de deduzir o IVA que suportam
com os honorários.
Assim, a Ordem dos Advogados Francófonos e Germanófonos, a
Ordem dos Advogados Flamengos, a Ordem dos Advogados de Arlon e
outras pessoas singulares e colectivas apresentaram, junto do Tribunal
Constitucional belga, contra o Conselho de Ministros belga, um pedido
de anulação das diversas disposições legais que puseram fim à referida
isenção de IVA nos serviços prestados por advogados.
O Tribunal Constitucional, porém, entendeu submeter diversas
questões prejudiciais ao TJUE, por entender que a apreciação da questão
implicava a interpretação prévia de disposições relativas ao Direito da
UE. As questões submetidas prendem-se com os direitos a um recurso
efectivo e à assistência por advogado, que são direitos, não só previstos
na lei fundamental belga, mas, também, consagrados em vários diplomas
internacionais (e.g. a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,
a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais, o Pacto Internacional sobre os Direitos Cívicos
e Políticos e a Convenção de Aarhus).
Com efeito, o Tribunal Constitucional belga coloca a questão de
saber se os direitos a um recurso efectivo e à assistência por advogado
ficam preteridos – comprometendo-se, assim, a efectividade do direito de
acesso à justiça – pelo facto de pessoas singulares, por não serem sujeitos
passivos de IVA, terem de suportar tal custo, acrescido aos honorários
pagos a advogados, o que aparentemente, implicará um aumento global
dos honorários e dos custos de representação por um advogado.
Por outro lado, questiona-se, ainda, se não poderão os Estados
Membros, à luz da legislação da UE, isentar de IVA tais serviços, por
serem considerados “serviços de interesse geral”, como, por exemplo,
os serviços públicos postais, serviços médicos ou serviços relacionados
com ensino, cultura e desporto, os quais poderão estar isentos de IVA, ao
abrigo do disposto na Directiva IVA.
Outro aspecto, não menos importante, que é trazido à colação pelo
Tribunal Constitucional belga, prende-se com o facto de a tributação, em
sede de IVA, dos serviços prestados por advogados também incidir sobre
os serviços prestados ao abrigo de regimes internos de apoio judiciário.
Efectivamente, os comuns sistemas de apoio judiciário servem o propó-
sito de garantir o acesso ao direito e à justiça por cidadãos sem recursos
232
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

suficientes para garantirem o pagamento de honorários, pelo que, inter-


roga-se o Tribunal Constitucional belga, se a sujeição a IVA dos serviços
prestados por advogados ao abrigo de sistemas de apoio judiciário não
desvirtua o intuito de garantir o direito de acesso à justiça.

Decisão:
Tendo em conta a factualidade descrita e a interpretação efectuada,
o TJUE entendeu que, à luz das disposições legais da UE, os direitos a
um recurso efectivo e à assistência por advogado não são postos em causa
pelo facto de os serviços prestados por advogados estarem sujeitos a IVA.

Implicações no direito português:


Pese embora a questão não seja controversa, em Portugal, este
Acórdão parece esvaziar de conteúdo a questão de saber se os serviços
prestados por advogados portugueses devem, ou não, estar sujeitos a
IVA e qual a taxa a aplicar – a qual, conforme resulta inequívoco do
Acórdão, deverá ser a taxa normal (23%). Não obstante, salientamos que
se encontra pendente um pedido reenvio prejudicial, sobre o qual já foi
emitida Opinião, relativo à aferição da taxa de IVA aplicável e descritivos
de facturação de honorários de advogados.

Número do Processo: C-332/15


Nome: Astone
Data: Acórdão de 28 de Julho de 2016
Assunto: Limitações ao direito à dedução do IVA

Factos:
A legislação italiana, aplicável ao IVA e, mais especificamente, ao
direito à dedução do IVA suportado no exercício da actividade económica
pelo sujeito passivo, prevê que este direito apenas pode ser exercido, em
primeiro plano, nos dois anos seguintes ao ano em que foram realizadas
as operações que conferem esse direito e, em segundo plano, caso sejam
cumpridas certas obrigações formais, impostas pela respectiva legislação.
233
Comentários de Jurisprudência

O Sr. Astone, na qualidade de representante legal da empresa Del


Ferro, para além de não ter procedido ao pagamento do IVA devido, não
apresentou a declaração de IVA, nem os documentos contabilísticos e de
registo de IVA, relativos ao ano de 2010, impostos pela legislação italiana,
pelo que as autoridades fiscais italianas, no âmbito de uma acção de fisca-
lização, liquidaram oficiosamente o IVA devido e recusaram o direito à
dedução do IVA suportado, com base no incumprimento das referidas
obrigações fiscais.
Assim, o Sr. Astone apresentou, junto dos tribunais italianos, um
pedido de anulação da liquidação adicional de IVA emitida pelas auto-
ridades fiscais italianas, com base no argumento de que a Directiva IVA
não permite limitações excessivas ao direito à dedução de IVA e que as
limitações impostas pela legislação italiana são, portanto, contrárias às
disposições da Directiva IVA. O tribunal italiano, chamado a pronunciar-se
sobre este caso, entendeu submeter duas questões prejudiciais ao TJUE,
relacionadas com a conformidade das referidas disposições da legislação
italiana com a Directiva IVA.
A primeira questão colocada pelo tribunal italiano prende-se com
a possibilidade de as disposições legais italianas que prevêem um prazo
de preclusão de dois anos para o exercício do direito de dedução do IVA
suportado serem contrárias às disposições da Directiva IVA – as quais,
em termos genéricos, determinam que o direito de dedução do IVA é um
direito fundamental, que não deve ser excessivamente limitado.
A segunda questão colocada pelo tribunal italiano está relacionada
com o facto de a legislação italiana impedir o direito à dedução quando o
sujeito passivo não cumpra a maior parte das obrigações formais impostas,
à luz, também, do princípio segundo o qual o direito à dedução não deve
ser excessivamente limitado.

Apreciação do Tribunal:
No que respeita à primeira questão, o TJUE começou por reco-
nhecer que o direito à dedução sem limites temporais poderá implicar uma
violação do princípio da segurança, na medida em que a situação fiscal
do sujeito passivo poderia, dessa forma, ser posta em causa ad aeternum,
o que não se pode, em abstracto, admitir. Assim, o TJUE delimita desde
logo a questão a saber se a imposição de um prazo como o que está em
234
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

causa no processo em análise torna impossível, na prática, ou excessiva-


mente difícil, o exercício do direito à dedução.
Ora, recorrendo à jurisprudência já anteriormente produzida pelo
TJUE, este Tribunal entendeu ser de reconhecer que a imposição de um
prazo de dois anos para exercício do direito à dedução do IVA não pode,
por si só, ser considerado como tornando, na prática, impossível ou exces-
sivamente difícil o exercício desse direito, considerando que a Directiva
IVA permite que os Estados-Membros exijam aos sujeitos passivos que
exerçam o seu direito à dedução durante o mesmo período em que esse
direito surgiu.
Relativamente à segunda questão, o TJUE traz, desde logo, à colação
o princípio da neutralidade do IVA – o qual, recorde-se, é fundamental para
garantir o bom funcionamento do sistema – que, nesta matéria, se traduz
no princípio segundo o qual, desde que cumpridas as exigências mate-
riais de exercício do direito à dedução, o não cumprimento de exigências
formais não pode limitar o exercício desse direito.
Contudo, por um lado, segundo jurisprudência do TJUE, se o não
cumprimento de exigências formais conduzir a que as exigências materiais
não possam ser comprovadas, a referida regra não se aplicará. Por outro
lado, a luta contra a fraude, evasão e eventuais abusos impõe que, caso
se verifique, o direito à dedução deva ser recusado. Com efeito, entendeu
o TJUE, não se pode permitir que, ao abrigo somente do princípio da
neutralidade do IVA, comprovada a existência de uma intenção fraudu-
lenta ou abusiva por parte do sujeito passivo, se confira, ainda assim, os
mesmos direitos que são atribuídos quando o sujeito passivo cumpre as
mais básicas obrigações formais exigidas.
Aplicando tal premissa ao caso concreto – e pese embora o TJUE
não possa emitir uma decisão relativa ao caso concreto – o TJUE reco-
nheceu que a falta de entrega da declaração de IVA pelo sujeito passivo,
do presente processo, bem como a inexistência de uma contabilidade
organizada e de registo de facturas emitidas e pagas, parece ser uma
situação susceptível de impedir a exacta cobrança do imposto e, deste
modo, comprometer o bom funcionamento do sistema comum do
IVA.
Em face do exposto, o TJUE considerou que a legislação italiana que
impede o exercício do direito de dedução de IVA aos sujeitos passivos
que não cumprem as mais básicas obrigações formais – e, consequente-
235
Comentários de Jurisprudência

mente e comprovadamente, cometeram fraude fiscal – se revela contrária


ao Direito da UE.

Decisão:
O TJUE entendeu que, à luz das disposições legais da UE, os Estados-
-Membros podem (i) impor um limite temporal para exercício do direito
de dedução do IVA suportado no âmbito do exercício da sua actividade e
(ii) recusar o exercício do direito à dedução quando o sujeito passivo não
cumprir obrigações fiscais essenciais, nomeadamente quando tal incum-
primento conduza a uma situação de fraude fiscal.

Implicações no direito português:


Em Portugal, a presente decisão contribui para tornar mais clara a
linha que separa os casos em que a recusa do direito à dedução, por parte
da Administração tributária portuguesa, é legítima, dos casos em que tal
recusa não se afigura legítima.

Lisboa, 15 de Setembro de 2016.

ROGÉRIO M. FERNANDES FERREIRA


MARTA MACHADO DE ALMEIDA
JORGE LOPES DE SOUSA
JOSÉ PINTO SANTOS
FRANCISCA DE LANDERSET GOMES
MARGOT LOPES MARTINS
RECENSÕES
Pós-Capitalismo – Guia para o nosso futuro
 
PAUL MASON

Objectiva, 2016

A versão original do texto em causa foi publicada em 2015, tendo


este conhecido, já este ano, edição em português. É desta que damos
conta. Trata-se de uma obra importante, de referência, não apenas por
conter a catalogação dos factores de mudança com que se defronta o
capitalismo atual, mas também por procurar antecipar (predestinar?) a
sua evolução, em direção ao que o Autor denomina de ‘pós-capitalismo’.
O pós-capitalismo é por ele considerado, na verdade, “uma alternativa
clara, que pode ser global e que pode contribuir para um futuro subs-
tancialmente melhor do que aquele que o capitalismo proporcionará em
meados do século XXI” (p. 16). O livro está dividido em três partes, que
versam sucessivamente sobre os seguintes aspetos. Na Parte I, o Autor
vem identificar as dificuldades/fracassos com que se defronta o sistema
atual, na sua versão de ‘neoliberalismo’, com destaque para o excesso de
‘financeirização’ da economia e a subversão do sistema monetário inter-
nacional à custa da criação artificial de moeda: a exorbitância de moeda
fiduciária. Nesta mesma Parte, o Autor procura enquadrar a crise finan-
ceira recente – uma crise de contornos muito graves, só tendo paralelo
na depressão dos anos trinta dos século XX – em planos explicativos
que, no pensamento económico dominante, foram sendo negligenciados
ou desacreditados, por preconceito político ou teorético, e que agora o
Autor entende ressuscitar. Nomeadamente, enquadrar esta mesma crise
240
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

à luz quer, por um lado, do modelo dos ‘ciclos longos da economia’ de


Kondratiev, quer, por outro lado, da teoria marxista, centrada na luta de
classes. Nas fases longas de expansão, marcadas pela utilização de capital
disponível (e pelo emprego da própria tecnologia existente), as crises são
escassas e pouco significativas; pelo contrário, nas fases de acumulação de
capital (e de não-utilização), fases de declínio económico, sucedem-se e
com violência as crises económicas e financeiras. A atual crise insere-se,
a esta luz, numa fase negativa do ciclo longo da economia (o quinto ciclo
longo da História moderna e contemporânea), que teve início nos anos
noventa no século XX,1 ciclo este marcado pela revolução tecnológica e
assim dominado pela tecnologia de rede, pelas comunicações móveis, por
um mercado global e pelos bens de informação (p. 95). Por outro lado,
considera o Autor, não é apenas à tecnologia e à economia que devem exis-
tência os ciclos longos da economia: a luta de classes desempenha também
um papel na resolução desses ciclos. Deve-se, por exemplo, à resistência
dos trabalhadores e do movimento sindical que a superação das contra-
dições de cada ciclo tenha sido, no passado, resolvida sempre em favor
destes: melhorias progressivas das condições laborais e nas condições
de vida (e.g. segurança social, saúde, educação). Apenas na transição do
quarto para o quinto ciclo, isso não sucedeu: pela primeira vez na História
moderna e contemporânea, por causa da Austeridade, houve perdas de
direitos sociais, a fragilização do trabalho em face do capital. Por isso, o
quinto ciclo surge de forma diferente, sobreposto ao quarto (este mesmo,
pelo que antecede, mal resolvido), com elementos de incerteza (‘disrup-
tivos’?), e a sua resolução implicará uma nova e definitiva adaptação do
capitalismo, a sua deriva para o pós-capitalismo.
Os elementos teóricos dessa deriva são, de resto, reconhecidos
e recordados pelo Autor. Na Parte II, são concretizados os principais
factores determinantes dessa mudança e as teorias que sobre eles têm
incidido (factores desde logo identificados na Introdução do Livro): i) em
primeiro lugar, a tecnologia de informação e a forma como esta tem vindo
a reduzir a necessidade de trabalho e a afrouxar a relação entre trabalho
e salários; ii) os bens de informação e o modo como estes estão a minar

1  Sobreposto, contudo, na opinião do Autor, ao quarto ciclo longo que teve o seu

início na década de quarenta do século XX para terminar em 2008 – ano da irrupção da


crise do subprime.
241
Recensões

a capacidade do mercado de estabelecer os preços corretamente, pois os


mercados assentam na escassez, ao passo que a informação é abundante;
iii) o aparecimento espontâneo da produção colaborativa,2 uma forma
de produção e de atuação económica marcada por bens, serviços e orga-
nizações que não obedecem às imposições do mercado nem à hierarquia
empresarial (pp. 19-20). Na Parte II, o Autor desenvolve assim esses
factores e recorda, quanto ao desenvolvimento da tecnologia e dos bens
de informação, os contributos pioneiros de Peter Drucker com o seu livro
a Sociedade Pós-Capitalista, de Paul Romer, com a sua teoria do cresci-
mento endógeno, de Richard Stallman, com o seu manifesto em prol do
software de código aberto (livre), e assinala, quanto à produção colabo-
rativa, o contributo de Yochai Benkler que, na sua Riqueza das Nações
(2006), propôs a ‘commons-based peer production’.
O capitalismo encontra-se neste momento acossado perante uma
contradição fundamental: gerou uma espiral tecnológica e de bens de
informação que aparecem agora a desafiá-lo. A questão é esta: como irá
responder o sistema? Abdicará dos seus elementos matriciais: o mercado,
o sistema de preços, a produtividade marginal do trabalho como elemento
de fixação dos salários, um sistema irredutível de propriedade privada e,
desde logo, da propriedade intelectual? Ou, pelo contrário, responderá
através do reforço dos monopólios, do sistema de licenças, e do controlo,
pelos sistemas financeiro e político, da informação e de outras fontes de
poder. Na verdade, reforça o Autor, “está tudo impregnado por uma luta
entre a rede e a hierarquia” (p. 228).
Chegados à Parte III, o Autor ousa então traçar as linhas mestras
da transição para o Pós-Capitalismo, embora a sua forma final possa ser
diversa (p. 229) e essa não nos é completamente revelada. Tendo por base
um princípio de sustentabilidade ecológica, serão estes os desafios prin-
cipais na transição para o novo sistema: i) um Estado ‘wiki’, um Estado
interventivo (nomeadamente nos domínios da ecologia, do envelhecimento
da população, da segurança energética e das migrações) que aceite contudo
ser progressivamente dispensável; ii) a expansão do trabalho colaborativo,
ou melhor, a deriva para modelos empresariais colaborativos (inspirados
por exemplo nas ‘velhas’ soluções de cooperativismo); iii) a eliminação ou
socialização dos monopólios; iii) o desaparecimento paulatino das forças

2
  Também conhecida como ‘economia de partilha’.
242
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

de mercado, pelo facto de o mercado se tornar no transmissor principal do


‘custo marginal zero’ (na verdade, o custo de produção dos bens de infor-
mação), o que conduzirá ainda à própria redução do tempo de trabalho
associado à produção – com consequências, como se verá, na fixação
do preço do trabalho; iv) a socialização do sistema financeiro, a redefi-
nição do papel dos bancos centrais, a criação de moeda em ligação com
a economia real, sendo certo que no final da transição, deverá esperar-se
que dinheiro e crédito desempenhem um papel muito menor na sociedade
do que o que têm na atual; v) a criação de um rendimento básico universal
– o resultado evidente da redução, antes vista, do trabalho incorporado
na produção –, tornando certas, em última análise, as palavras de André
Gorz, quando, de forma premonitória, já dizia nos anos oitenta passados,
que a classe trabalhadora tinha morrido (p. 275) e antecipava que o movi-
mento tecnológico viesse a expulsar o trabalho da produção, destruindo
o mecanismo de preços e promovendo formas de troca não–mercado, em
suma, a corrosão do vínculo entre trabalho e valor (p. 278).

NAZARÉ DA COSTA CABRAL


Estudos de IVA III

CLOTILDE CELORICO PALMA

Coimbra: Almedina, 2016

A Prof. ª Clotilde Celorico Palma é, no plano académico e profis-


sional, sobejamente conhecida para que despenda muito tempo na sua
apresentação. Nasceu para o IVA na administração fiscal, fazendo parte
de um núcleo de técnicos juristas e economistas que deu continuidade à
obra da minha amiga Drª Teresa Lemos (cuja memória não posso deixar
de evocar) e do meu amigo Prof. Xavier de Basto, a quem merecidamente
a Autora dedica este livro por a haver feito gostar “do impensável – um
imposto chamado ...IVA...”. Com a paixão, empenho e persistência que
em tudo põe, a Profª Clotilde Palma fez do estudo e divulgação do IVA
nacional, europeu e dos PALOP uma verdadeira missão, testemunhada pela
enorme plêiade de livros, artigos, conferências e intervenções que produziu
e que continuará certamente a produzir em tempos futuros. Ligando-nos
antigos e inquebrantáveis laços de afeto e amizade, não podia deixar de
aceitar o desafio que me propôs, o da apresentação pública deste seu
novo livro.
Na esteira de duas outras coletâneas sobre o mesmo tema elabo-
radas pela Autora e editadas pela Almedina, Estudos de IVA III é uma
obra composta por 10 textos, publicados ou em vias de publicação, em
diferentes revistas da especialidade. Dois deles referem-se à explanação
das experiências do IVA em Moçambique e em Cabo Verde. Os restantes
tratam predominantemente de recentes desenvolvimentos, legislativos
244
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

ou jurisprudenciais do IVA europeu, ou buscam contribuir para a solução


dogmática de casos suscitados pela aplicação das regras nacionais
do IVA.

1.  Quanto ao IVA europeu, a Autora comenta as seguintes propostas


políticas ou decisões jurisprudenciais:

a) Comunicação de 2016 relativa a um Plano de Ação sobre o


IVA
Esta Comunicação tem como objetivo definir a estratégia atual da
sempre proclamada reforma deste imposto, processo oficialmente reini-
ciado em 2010 com o Livro Verde sobre o Futuro do IVA e impulsio-
nado, em 2014, com a proclamação pela Comissão do abandono (realista)
do princípio da origem. A partir desse momento clarificou-se, no plano
político, que o sistema de IVA assentaria no princípio do destino (o que
quer que seja que tal signifique) e seria dotado de regras mais simples e
eficientes e menos vulneráveis à fraude. Os passos dados deste então têm
ido, como refere a Autora, no sentido da revisão das regras de localização
das prestações de serviços, de uma maior simplificação e harmonização
do imposto, do alargamento do mecanismo da inversão do encargo e do
mecanismo do balcão único e de uma revisão da estruturas das taxas redu-
zidas. A construção de um “espaço único” de IVA (fórmula de conteúdo
ainda largamente indeterminado) propugnada pelo Plano de Ação deverá
ser efetuada por etapas. Um dos principais objetivos é a reforma do regime
das transações intracomunitárias de bens, com o IVA a ser liquidado pelo
transmitente dos bens em moldes a designar. Outro é a modernização e
simplificação do regime do IVA no comércio eletrónico transfronteiras.
Outro ainda, a simplificação do IVA para as PME. Enfim, a moderni-
zação do sistema de taxas deverá ser igualmente encarada. Sem esquecer
que todas estas medidas têm, como pano de fundo, o reforço da coope-
ração administrativa e a adoção de novos procedimentos para combater a
fraude e evasão fiscais. A apreciação global da Autora sobre este plano de
reforma do IVA não parece contudo muito otimista ou entusiástica. A ler
porquê.
245
Recensões

b) Comunicação da Comissão de 2009 sobre a criação de grupos de


IVA (Organschaft)

Esta comunicação teve como objetivo garantir uma maior uniformi-


dade e neutralidade na aplicação das regras da Diretiva de 2006 relativa
à consolidação do regime do IVA (DCIVA) na forma como é aplicado
o regime dos grupos pelos 18 Estados-Membros (EM) que o acolhem,
entre os quais não se encontra Portugal, por forma a evitar distorções de
concorrência, e, simultaneamente, dar orientações aos EM que pretendam
introduzir a figura, clarificando a forma como a Comissão interpreta os
dispositivos comunitários. De facto, as discrepâncias existentes entre
as regras nacionais são tão fortes que o Comité do IVA nunca chegou
a consensos sobre a sua interpretação. A fim de clarificar o âmbito do
conceito de grupo de IVA, a Autora refere-se ainda à proposta de diretiva
dos serviços financeiros e de seguros apresentada pela Comissão em 2007,
de onde consta a possibilidade de criação da figura (distinta da do grupo
de IVA) do agrupamento de partilha de custos, bem como ao conceito de
grupo constante da proposta de 2011 sobre a Matéria Coletável Comum
Consolidada do Imposto sobre Sociedades que tem um perímetro mais
amplo do que o grupo de IVA. A ler com atenção as objeções da Autori-
dade Tributária e Aduaneira (AT) e da doutrina portuguesa à introdução
do regime do Organschaft.

c) Interpretação pelo TJUE das normas relativas a prestações de


serviços e das normas de isenção do IVA
No primeiro artigo, sobre a tributação das prestações de serviços, a
Autora adere à doutrina que não se contenta em afirmar que o conceito
de prestação de serviços em IVA, sendo distinto do conceito de direito
civil, é ainda um conceito jurídico, um conceito jus-económico. A partir
daqui, critica a visão simplificadora de quem entende ser o conceito de
prestação de serviços um conceito de natureza económica, um conceito
residual definido de forma muito ampla (por defeito), para se juntar, a meu
ver bem, àqueles, como o Prof. Xavier de Basto, que entendem que não
basta uma qualquer atribuição patrimonial feita por um sujeito passivo
para se considerar que estamos perante uma contrapartida de um serviço.
Tem que haver atividade económica e tem que haver um serviço. De
246
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

algum modo, esta doutrina encontra respaldo na jurisprudência europeia


sobre as “prestações recíprocas”, de que os casos Apple (1988), Tolsma
(1994), F.C. Bank (2006) e Société Thermale d’Eugénie-les-Bains (2007)
são bons exemplos. É, pois, necessário que exista um vínculo direto entre
a operação tributada e a contrapartida recebida.
No segundo artigo, sobre a interpretação das normas de isenção
de IVA, a Autora, depois de nos recordar a importância do princípio da
neutralidade em sede deste imposto, como sendo um verdadeiro prin-
cípio jurídico e não um mero princípio económico ou de política ou
técnica fiscal, de caraterizar as modalidades de isenção e de dar conta do
elenco das isenções previstas na DCIVA, analisa a forma como o TJUE
tem circunscrito o âmbito das isenções (a sua natureza objetiva, o seu
caráter taxativo, a definição das isenções como conceitos autónomos de
direito europeu) e a interpretação das normas que as regem, privilegiando
os princípios da interpretação estrita, da interpretação sistemática e da
interpretação uniforme, como modo de defender o princípio da neutrali-
dade. Recorrendo a abundantes e pertinentes referências à jurisprudência
comunitária, a Autora permite-nos encontrar o norte neste verdadeiro
labirinto que é o tema das isenções, também ele a necessitar de urgente,
mas sempre adiada reforma.

d) A questão da delimitação negativa de competências relativa a


entidades públicas
A Autora começa por nos recordar que a noção de sujeito passivo em
IVA é o mais ampla possível (como é referido no acórdão Hong Kong de
1982 para evitar distorções de concorrência) e, como tal, muito hetero-
génea, abrangendo, em princípio, as entidades públicas, ou seja, o Estado
e demais pessoas coletivas de direito público. No entanto, uma norma de
delimitação negativa de incidência, prevista no art. 13 da DCIVA e trans-
posta para o art. 2.º , nº 2 do Código do IVA (CIVA) exclui da tributação,
nas operações internas, certas entidades públicas, às quais, em virtude
de não liquidarem IVA, não é concedido o direito à dedução. É o caso,
na linguagem da diretiva, dos “organismos de direito público” (conceito
que segundo a jurisprudência do TJUE, compete ao direito dos EM
definir), organismos esses que exerçam uma atividade enquanto “autori-
dade pública” (noção que implica o exercício direto – não delegado – de
247
Recensões

poderes de jus imperii, deixando assim de fora as entidades que atuam em


condições jurídicas similares às dos operadores económicos privados), e
sem que da sua atividade resultem “distorções de concorrência significa-
tivas” que ponham em causa o sacrossanto princípio da neutralidade. É
esta fórmula jurídico-económica que é aqui objeto de maiores desenvol-
vimentos tendo em conta a evolução da jurisprudência europeia, culmi-
nando nos casos Halle (de 2004) e, sobretudo, Salix (2009), sendo este
último objeto de extenso comentário por parte da Autora. A partir de então,
tornou-se claro que podem existir distorções de concorrência não só em
detrimento de entidades privadas, como também de entidades públicas,
quando estas não possam deduzir o IVA suportado a montante. O que
está em causa nesta decisão é a proteção da concorrência em si mesma e
não a qualidade subjetiva do operador individual. Apesar desta abertura
jurisprudencial (ainda não totalmente acolhida pelas nossas autoridades),
a Autora permanece fiel às conclusões da sua tese de doutoramento, conti-
nuando a defender uma profunda reforma das regras do IVA relativas
às entidades públicas similar à do regime neozelandês. Parece ser esta
também a orientação da Comissão que vê na revisão do tratamento em
IVA das entidades públicas uma tarefa prioritária, embora até ao momento
sem consequências, tanto quanto se julga por falta de interesse dos EM
na alteração da situação existente.

2. Quanto à aplicação das regras do IVA nacional (e sua compa-


tibilidade ou não com as regras do IVA europeu), os casos analisados pela
Autora pertencem ao grupo dos “casos quentes” ou “difíceis” e são os
seguintes:

a) A questão do tratamento em IVA da prática das atividades de


osteopatia e da medicina tradicional chinesa
A Autora defende aqui, com sólida argumentação, a equiparação
destas atividades ao exercício da profissão médica e paramédica e conse-
quente isenção do IVA, mesmo na ausência de norma específica sobre o
assunto, solução que se lhe afigura, porém, preferível. É muito interessante
ler a fundamentação da Autora (com conhecimentos teóricos e práticos –
como paciente – da importância da osteopatia) na forma como contesta
a orientação da Autoridade Tributária e Aduaneira, esta desfavorável à
248
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

isenção. E esse interesse redobra sobretudo quando, segundo a imprensa


diária, muito recentemente, a Assembleia da República aprovou iniciativas
do BE e do CDS-PP para isentar de IVA as prestações de serviços efetuadas
no exercício das profissões no âmbito das terapêuticas não convencionais.
Sobre o tema nada mais digo, para não afastar o leitor (principalmente o
que sofre das costas) do prazer da leitura.

b) A questão do tratamento dos consórcios em sede de IVA.


Um consórcio, seja um consórcio interno, seja um consórcio externo,
é um contrato de cooperação entre empresas distintas em que as partes
nele envolvidas concertam esforços para a prossecução de um objetivo
comum sem contudo criarem uma entidade com personalidade jurídica
autónoma. Como refere a Autora, esta figura, dadas as suas caraterís-
ticas, tem consequências relevantes em sede de IVA. Exige uma análise
e qualificação casuística das operações em causa. Nuns casos, a AT tem
considerado as operações entre consorciados como operações tributadas
(v.g., operações de autoconsumo interno equiparadas a transmissões de
bens, prestações de serviços de assistência à gestão), logo com direito
à dedução. Noutros, como é o caso da repartição de proveitos e custos
ou mesmo a administração de investimentos por uma das empresas do
consórcio, como operações financeiras isentas, respetivamente, ao abrigo
das atuais alíneas e) e g) do n.º 27 do art. 9.º do CIVA e, como tal, despro-
vidas do direito à dedução. Esta última questão – a da administração de
investimentos por um membro do consórcio – foi discutida, no âmbito de
um reenvio a título prejudicial, no acórdão EDM-Empresa de Desenvol-
vimento Mineiro (2004). O TJUE identificou na atividade da EDM duas
situações distintas, uma que não é objeto de tributação por não se tratar
de operação efetuada a título oneroso, outra que deverá ser considerada
como verdadeira prestação de serviços. Em causa está a questão de saber
se o líder do consórcio (a EDM) recebeu ou não pagamentos por trabalhos
que excedem os que ele havia acordado realizar.

c) O novo regime forfetário do IVA dos produtores agrícolas


É o único trabalho coletivo desta coletânea, em que a Autora nos dá a
conhecer os primeiros passos de duas novas colaboradoras, Marta e Joana
249
Recensões

Palma, ou seja, as duas novas fiscalistas do clã Palma e logo apresentando


um tema pouco tratado na literatura portuguesa. Aí são analisadas as regras
da DCIVA nesta matéria, o regime de isenção especial que, até há pouco,
isentava os produtores agrícolas e aplicava uma percentagem forfetária
de nível zero, a sentença do TJUE de 2012 que condenou o Estado Portu-
guês por considerar esse regime incompatível com as regras comunitárias
do IVA (nomeadamente com os artigos 296.º a 298.º da DCIVA) e com o
princípio da neutralidade e, finalmente, as regras do novo regime introdu-
zidas nos artigos 59.º-A a 59.º-E do CIVA, aditados pela LOE para 2015.
A apresentação de um exemplo prático dá a este texto um sabor didático.

3. Os sistemas moçambicano e cabo-verdiano do IVA


Finalmente, o livro termina com um olhar sobre duas experiências
africanas, bem conhecidas da Autora na sua qualidade de docente nesses
países em cursos de pós-licenciatura.
Enquanto membro da Comunidade para o Desenvolvimento da
África Austral (SADC, no acrónimo inglês), Moçambique foi o primeiro
PALOP a introduzir o IVA (1999), em substituição do Imposto de Circu-
lação, um imposto geral sobre a venda de bens e prestação de serviços,
do tipo cumulativo, e de outros impostos indiretos, como o Imposto de
Consumo, um imposto monofásico, o Imposto de Turismo e o Imposto
sobre Combustíveis. Para tal, socorreu-se, em larga medida, da experiên-
cia do IVA europeu, em especial do IVA português, embora procurando
simplificá-la (por exemplo, o IVA é dotado de taxa única, ao lado de uma
taxa zero para as exportações) e adaptá-lo ao contexto económico local,
em particular através dos regimes isenção e de tributação simplificada dos
pequenos contribuintes e do alargado número de benefícios fiscais. Quanto
ao mais, no essencial, o IVA moçambicano tem as conhecidas caracte-
rísticas do IVA português e europeu. Dir-se-ia: possui muitas das suas
virtudes e não poucos dos seus defeitos. Ciente do facto, a Autora não se
esquiva a formular sugestões de melhoria do funcionamento do sistema.
O mesmo acontece com o IVA cabo-verdiano (2004) que se inspirou
na experiência moçambicana. Trata-se igualmente de um IVA simplifi-
cado, de taxa única de 15% (embora com diversas isenções do tipo taxa
zero), com regimes especiais alargados para pequenas e médias empresas
e também sem tributação dos subsídios. Sem surpresa, grande parte das
250
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

receitas deste imposto advém das importações. Não se limitando a uma


caraterização genérica do imposto, a Autora desce, muitas vezes, ao
pormenor na apresentação das regras de incidência, localização das opera-
ções, isenções, valor tributável, taxas, direito à dedução, obrigações dos
contribuintes e regimes especiais, de forma a transmitir aos interessados
(discentes e não só) uma útil síntese do regime do IVA neste país.

Dito isto, tarefa cumprida. Dizia o saudoso Eduardo Prado Coelho


(cito de cor) que as palavras servem para a gente se entender, mas também
servem para a gente se desentender. Não sei se consegui com estas palavras
ser fiel ao pensamento da Profª Clotilde Palma na explanação do conteúdo
deste seu novo livro. Uma coisa é certa: tentei fazê-lo, o melhor que posso
e sei. Termino dando-lhe os merecidos parabéns por mais este marco na
sua brilhante carreira como jurista e fiscalista que, de resto, está longe de
se circunscrever ao mundo do IVA, prolongando-se pela fiscalidade inter-
nacional, pelas relações entre fiscalidade e contabilidade, pela educação
fiscal e mesmo por temas distantes da fiscalidade como os direitos das
mulheres ou o direito à felicidade.
Espero igualmente ter conseguido despertar o interesse pela leitura
deste livro. Estudos de IVA III merece leitura atenta. A mesma que o
próximo livro da Profª Clotilde Palma que, presumo, não demorará muito
a ver a luz do dia, seguramente também merecerá.

Lisboa, 4 de outubro de 2016.

ANTÓNIO CARLOS DOS SANTOS


PUBLICAÇÕES RECENTES

• Clotilde Celorico Palma, Estudos de IVA III, Almedina 2016


• Bárbara Barroso, Agenda Da Poupança 2017, Saída de Emergência
2016
• John Naisbitt, Doris Naisbitt, Mudança no Jogo Global: como a faixa
sul irá transformar o mundo, Gradiva 2016
• Mohamed A. El-Erian, A Única Solução, Dom Quixote 2016
• Álvaro Garrido, Queremos Uma Economia Nova!, Temas e Debates
2016
• Steven D. Levitt, Stephen J. Dubner, Quando Roubar Um Banco,
Presença 2016
• Paulo Trigo Pereira, Rui Dias, Miguel Almeida (Coord.), Autarquias
Locais: Democracia, Governação e Finanças, Almedina 2016
• Eduardo Paz Ferreira, Por Uma Sociedade Decente, Marcador 2016
• Rui Cartaxo, A Dívida e a Culpa, Bnomics 2016
• Miguel Gonçalves, O Mercado Grita Talento, Marcador 2016
• Amadeu Fernando Silva e Sousa, IRC- Apontamento Práticos sobre a
MOD. 22, Vida Económica 2016
• Pedro Correia Ribeiro, SNC-AP – Sistema de Normalização Contabi-
lística para as Administrações Públicas, Vida Económica 2016
• Carlos Nabais, Francisco Nabais, Prática de Contabilidade Analítica
e de Gestão, Lidel 2016
• Belmiro Moita da Costa, Liliana Pimentel, Nuno Moita, IRC – Ao
Serviço da Empresa e do Investimento, Bookout 2016
• João Rodrigues, Participações Financeiras e Consolidação de Contas,
Porto Editora 2016
• Ana Maria Rodrigues, Graça Azevedo, Dina Rocha, Contabilidade
para Todos, Almedina 2016
• Amadeo de Fuenmayor Fernández, Rafael Granell Pérez, Francisco
José Higón Tamarit, Impuesto sobre la Renta – ejercicio 2016, Edito-
rial Tirant lo Blanch 2016
• Miguel A. Vázquez Taín, Impuesto sobre el Valor Añadido IVA – manual
práctico, Editorial Tirant lo Blanch 2016
252
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

• Selma Penalva, La responsabilidad tributaria en las transmisiones Inter


Vivos de empresas, Dykinson, S.L. 2016
• Alejandro Menéndez Moreno, Leyes y reglamentos generales del
Derecho financiero y tributario, Libertas Ediciones 2016
• Carlos María Cabrerizo, Manual práctico de Derecho tributario, Edito-
rial Amarante 2016
• Alejandro Menéndez Moreno, Derecho financiero y tributario – Parte
General, Editorial Lex Nova, S.A. 2016
• Fernando Pérez Royo, Derecho financiero y tributario – Parte General,
Editorial Civitas, S.A.2016
• Isaac Merino Jara, Derecho tributario – Parte Especial, Editorial
Tecnos, S.A. 2016
• Francisco García-Fresneda, Separación de poderes y reserva de Ley
Tributaria – fundamentos teóricos y análisis crítico, Atelier 2016
• Mercedes Ruiz Garijo, Leyes generales del Derecho financiero y tribu-
tario, Editorial Civitas, S.A 2016
• Carlos Contreras Gómez, Planificación fiscal – principios, metodología
y aplicaciones, Editorial Universitaria Ramón Areces 2016
• María José Portillo Navarro, Manual de fiscalidad – teoría y práctica,
Editorial Tecnos, S.A. 2016
• Vera Zamagni, Una historia económica – Europa desde la Edad Media
a las crisis del Euro, Editorial Crítica 2016
• Andreu Missé, La gran estafa de las preferentes – abusos e impunidad
de la banca durante la crisis financiera en España, Alternativas Econó-
micas, SCCL 2016
• Mark Boyle, Vivir sin dinero – una año libre de economía, Capitán
Swing Libros 2016
• Pierre Mouzet, L’essentiel des finances locales, Gualino Editeur
2016
• Orcel Nathalie, DCG 4. Droit fiscal – Préparation complète à l’épreuve,
VUIBERT 2016
• Bruno Platel, L’assiette des cotisations et contributions sociales en
questions, Lexis Nexis 2016
• Christophe Castéras, Finance corrigé, Editions Corroy 2016
• Christophe Castéras, Finance énoncé, Editions Corroy 2016
• Alphonse Courtois, Histoire de la Banque de France: Et des principales
institutions françaises de crédit depuis 1716, Ligaran 2016
253
Publicações Recentes

• Marcel Guenoun, Jean-François Adrian, L’éthique de la gestion


publique: Stratégies nationales et internationales de prévention de la
corruption, Institut de la gestion publique et du développement écono-
mique 2016
• Carina Fourie, Annette Rid (ed.), What is Enough?: Sufficiency, Justice,
and Health, Oxford University Press 2016
• Makoto Nishibe, The Enigma of Money: Gold, Central Banknotes, and
Bitcoin, Springer 2016
• Richard Barwell, Macroeconomic Policy after the Crash: Issues in
Monetary and Fiscal Policy, Palgrave Macmillan 2016
• Adam A. Ambroziak (Ed.), The New Industrial Policy of the European
Union (Contributions to Economics), Springer 2016
• Michael Fabricant, Stephen Brier, Austerity Blues: Fighting for the Soul
of Public Higher Education, Johns Hopkins University Press 2016
• Simona Talani, Europe in Crisis: A Structural Analysis, Palgrave
Macmillan 2016
• Lekha S Chakraborty, Fiscal Consolidation, Budget Deficits and the
Macro Economy, SAGE Publications Pvt. Ltd 2016
• David S. Kerzner, David W. Chodikoff, International Tax Evasion in
the Global Information Age, Palgrave Macmillan 2016
• Irene S Rubin, The Politics of Public Budgeting; Getting and Spending,
Borrowing and Balancing 8ed, CQ Press 2016
• Paul Mosley, Fiscal Policies and the Natural Resource Curse (Routledge
Studies in Development Economics), Routledge 2016
• Michael Griffiths, J. R. Lucas, Value Economics: The Ethical Implica-
tions of Value for New Economic Thinking, Palgrave Macmillan 2016
• Michael Burton, The Politics of Austerity: A Recent History, Palgrave
Macmillan 2016
• Scott Brenton, The Politics of Budgetary Surplus, Palgrave Macmillan
2016
• Robert Skidelsky, Nan Craig, Who Runs the Economy?: The Role of
Power in Economics, Palgrave Macmillan 2016

MARTA CALDAS
CRÓNICA
DE ACTUALIDADE
PONTO DE SITUAÇÃO DOS TRABALHOS NA UNIÃO EUROPEIA
E NA OCDE – PRINCIPAIS INICIATIVAS DO TRIMESTRE

António Brigas Afonso, Clotilde Celorico Palma e Paulo Nogueira da Costa

1.  FISCALIDADE DIRETA

I – UNIÃO EUROPEIA

1.1. Reunião do ECOFIN – acordo em matéria de combate à evasão


fiscal das empresas
21/06/2016 – O Conselho chegou a acordo sobre o projeto de dire-
tiva relativa a práticas de evasão fiscal comumente usadas por grandes
empresas.

1.2. Reunião do ECOFIN – adoção da nova Diretiva em matéria de


combate à evasão fiscal das empresas
12/07/2016 – Na sequência do acordo alcançado em 21 de junho, o
Conselho adotou as novas regras relativas às práticas mais comummente
usadas pelas grandes empresas para reduzir os seus encargos fiscais.
Esta diretiva faz parte do pacote proposto pela Comissão em janeiro
de 2016 tendo em vista o reforço das regras anti evasão fiscal das empresas,
em consonância com as recomendações formuladas pela OCDE no âmbito
do projeto BEPS.
Os Restados membros deverão transpor a nova diretiva para os orde-
namentos jurídicos nacionais até 31 de dezembro de 2018, salvo no que
diz respeito às regras sobre impostos de saída (exit taxes), caso em que
terão até 31 de dezembro de 2019 para o fazer.
258
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

1.3. Comissão Europeia – considera que a Irlanda atribuiu à Apple


um auxílio do Estado ilegal sob a forma de benefícios fiscais

30/08/2016 – A Comissão Europeia concluiu que a Irlanda concedeu


benefícios fiscais ilegais à Apple, no valor de 13 mil milhões de euros.
Estes benefícios são considerados ilegais à luz das regras sobre auxílios de
Estado, na medida em que permitiram à Apple to pagar substancialmente
menos imposto do que outras empresas, ficando a Irlanda agora obri-
gada a recuperar o montante correspondente à ajuda ilegal, acrescido de
juros.

II – OCDE

2.1. Novas medidas para reforçar a transparência em matérias de


fiscalidade internacional
29/06/2016 –A OCDE divulgou orientações sobre a aplicação da
declaração país a país (CbC reporting).

2.2. Primeira reunião do novo quadro abrangente para combater a


Erosão da Base Tributável e transferência de lucros
30/06/2016 –Representantes de mais de 80 países e jurisdições esti-
veram reunidos em Kyoto, no Japão, para promover a atualização das
normas fiscais internacionais para o século XXI, o mais recente passo no
âmbito do Projeto BEPS.
Este encontro assinalou a primeira vez que um amplo leque de países,
representando diferentes níveis de desenvolvimento, se reúnem em pé de
igualdade no Comité da OCDE sobre Assuntos Fiscais, e inaugura o novo
quadro inclusivo para a implementação do Plano de Ação BEPS.

2.3. Panamá decide assinar convenção multilateral para a partilha


de informação fiscal
18/07/2016 – A OCDE saudou a decisão do Panamá de assinar a
Convenção Multilateral sobre Assistência Mútua Administrativa em
259
Crónica de Actualidade

Matéria Fiscal, que foi formalmente comunicada à OCDE através de carta


do seu Vice-Presidente e anunciada publicamente no dia 15 de julho de
2016.

2.4. Relatório da Plataforma para a Colaboração em Matéria Fiscal


para o G20 sobre o reforço da eficácia do apoio externo para a
construção de capacidade tributária nos países em desenvolvi-
mento
25/07/2016 – Na sequência da solicitação feita em fevereiro de 2016
pelos Ministros das Finanças do G20, o FMI, a OCDE, as Nações Unidas e
o Banco Mundial, trabalhando em conjunto como membros da nova plata-
forma para a colaboração em matéria fiscal (Platform for Collaboration
on Tax), apresentaram um relatório que procura identificar os elementos
centrais de programas bem-sucedidos de capacitação em matéria
fiscal, bem como os elementos necessários que ajudam a alcançar tais
sucessos.

2.  IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO

2.1. Formação on line


Está disponível em http://ec.europa.eu/taxation_customs/common/
elearning/vat/index_fr.htm, em doze línguas, informação on line sobre o
funcionamento do imposto.

2.2. VAT Gap (Comunicado de imprensa IP/16/2936, de 6 de Setembro


de 2016)
O VAT Gap ascendeu a valores de 159.5 mil milhões de euros de
receitas perdidas em toda a UE em 2014, de acordo com números divul-
gados pela Comissão Europeia.
O estudo revela que, em termos globais, a diferença entre as receitas
de IVA esperadas e o montante efectivamente cobrado (o chamado «desvio
do IVA») foi, uma vez mais, um valor anual inaceitavelmente elevado.
260
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

2.3. Consulta sobre as taxas reduzidas do IVA aplicáveis às publica-


ções on line

Tendo em consideração a diferença das taxas aplicáveis às publica-


ções on line è às publicações off line, a Comissão lançou uma consulta
pública sobre esta matéria que decorreu entre 25 de Julho a 19 de Setembro
de 2016.

2.4. Comissão Europeia solicita à Áustria que altere as regras apli-


cáveis às royalties de obras de arte (MEMO/16/2490, de 22 de
Julho de 2016)
Na Áustria há liquidação de IVA nas royalties de obras de arte. A
Comissão considera que este procedimento é incorrecto, dado não existir
qualquer relação contratual entre os artistas e os compradores, conforme
a jurisprudência do Caso Tolsma (Proc. C-16/93).

3.  IMPOSTOS ESPECIAIS DE CONSUMO HARMONIZADOS,


IMPOSTO SOBRE VEÍCULOS E UNIÃO ADUANEIRA

3.1. Impostos Especiais de Consumo – Energias Renováveis


De acordo com o relatório da Agência Internacional de Energia,
divulgado em 28.07.2016, as energias renováveis já são a segunda fonte
de produção global de electricidade (22,3%), a seguir ao carvão (40,7%).
Nos países da OCDE esta percentagem é de 23%. De entre as energias
renováveis, a energia hídrica continua a representar a fatia mais significa-
tiva (73,2%), representando as energias solar, eólica e geotérmica 18,7%.
O relatório está disponível em: www.iea.org/.

3.2. Impostos especiais de consumo – Avaliação da Diretiva n.º 92/83/


CEE
Em 22.07.2016, a Comissão Europeia publicou um relatório elabo-
rado pela “RAMBOLL MANAGEMENT CONSULTING” que procede
à avaliação da Diretiva 92/83/CEE. De entre as inúmeras conclusões,
261
Crónica de Actualidade

salienta-se a necessidade de clarificar a noção de “outras bebidas fermen-


tadas”, permitir que os Estados Membros possam aplicar taxas reduzidas a
todas as categorias de bebidas alcoólicas e prever a concessão de isenções
à produção para consumo próprio. A generalidade dos Estados Membros
concordou ainda com a criação de um eurodesnaturante para o álcool.
O relatório está disponível em: http://ec.europa.eu/taxation_customs/
taxation/excise_duties/alcoholic_beverages/alcoholic_beverages/index_
en.htm#revision

3.3. União Aduaneira – Gestão de Risco nas Alfândegas


Em 19.07-2016, a Comissão Europeia adotou o relatório de Progresso
relativo à Gestão de Risco nas Alfândegas.
No referido relatório são evidenciados os objectivos fundamentais,
ou seja, a necessidade de melhorar a qualidade dos dados, assegurar a
disponibilização dos dados relativos à cadeia logística e a sua partilha
pelas autoridades aduaneiras, melhorar a cooperação com os agentes
económicos intervenientes na cadeia logística internacional e aproveitar
o potencial oferecido pela cooperação aduaneira internacional.
O relatório está disponível em: http://ec.europa.eu/taxation_customs/
taxation/

3.4. União Aduaneira – Tráficos Ilícitos


O Concelho Europeu de 23.06.2016 sublinhou as três prioridades
do Plano de Ação da União Europeia em matéria de combate ao tráfico
ilícito de espécies da fauna e da flora em vias de extinção. Tais prioridades
passam por prevenir o tráfico ilícito de espécies de fauna e da flora em
vias de extinção, o reforço das disposições legais de combate ao crime
organizado dos tráficos ilícitos e o reforço das parcerias contra os tráficos
ilícitos, quer com os países de origem, quer de consumo, quer de trânsito,
das espécies selvagens. O Concelho salientou ainda a grande importância
que as alfândegas desempenham neste combate aos tráficos ilícitos.
O relatório está disponível em: http://data.consilium.europa.eu/doc/
document/ST-9721-2016-REV-1/en/pdf
R E V I S TA D E
FINANçAS PúblICAS
E DIREITO FISCAl
DIRECTOR: EDUARDO PAz FERREIRA

C U P Ã O D E A S S I N AT U R A

NOME

MORADA

CÓD. POSTAL – LOCALIDADE

TELEFONE N o CONTRIBUINTE

PROFISSÃO

EMAIL

4 NÚMEROS AVULSO €88


ASSINATURA (4 NÚMEROS/ANO) €70 (DESCONTO DE 20% )
COM IVA E DESPESAS DE ENVIO INCLUÍDOS

DESEJO ADQUIRIR A ASSINATURA DA REVISTA


DE DE FINANçAS PÚBLICAS E DIREITO FISCALS (4 NÚMEROS) DO ANO 2 0

DATA – –
ASSINATURA

ESTE CUPÃO DEVERÁ SER ENVIADO PARA


ASSINATURA DA REVISTA DE FINANçAS PÚBLICAS E DIREITO FISCAL – JOAQUIM MACHADO, S.A.,
Rua Fernandes Tomás, n.ºs 76, 78, 80, 3000-167 Coimbra, ou via email para assinaturas@almedina.net.

PARA ESCLARECIMENTOS ADICIONAIS


Telefone: 239 851 903 Fax: 239 851 901 Email: editora@almedina.net
AUTORIZAÇÃO DE DÉBITO DIRECTO (ADC)

ENTIDADE 1 0 6 4 4 4 NÚMERO DE AUTORIZAÇÃO

Na rede Multibanco poderá definir: A Data de expiração da autorização | O montante máximo de débito autorizado

AUTORIZAÇÃO DE DÉBITO EM CONTA PARA DÉBITOS DIRECTOS


NOME

EMAIL

Por débito na nossa/minha conta abaixo indicada queiram proceder ao pagamento das importâncias
que lhes forem apresentadas pela empresa EDIÇÕES ALMEDINA SA

IBAN/NIB: PT 50

CONTRIBUINTE FISCAL

DATA – –
ASSINATURA(S) CONFORME BANCO

INICIA A TERMINA A
BENS/SERVIÇOS VALOR REGULARIDADE(1) MÊS ANO MÊS ANO

(1)
REGULARIDADE: MENSAL, TRIMESTRAL, SEMESTRAL, ANUAL

PROCEDIMENTOS INFORMAÇÕES
· Preencher completamente e assinar Autorização de Débito, Através do Sistema Multibanco, relativamente a esta autorização
de acordo com a ficha de assinatura de Banco. No caso de ser de Débito em Conta, poderá, entre outras, efectuar as seguintes
empresa carimbar ADC com carimbo da empresa. operações:
· Remeter a ADC para: · Visualizar a Autorização Débito em Conta concedida;
EDIÇÕES ALMEDINA SA, Rua Fernandes Tomás, n.ºs 76, 78, 80, · Actualizar os Dados Desta Autorização de Débito em Conta;
3000-167 Coimbra, ou via email para sdd@almedina.net. · Cancelar esta Autorização Débito em Conta;
· Qualquer alteração que pretenda efectuar a esta autorização basta-
rá contactar as EDIÇÕES ALMEDINA SA por qualquer forma escrita Em cumprimento do aviso 10/2005 do Banco de Portugal, infor-
· Também poderá fazer alterações através do Sistema Multiban- ma-se que é dever do devedor, conferir, através de procedimentos
co, conforme se apresenta seguidamente, ou no sistema de home electrónicos, nomeadamente no multibanco, os elementos que
banking, caso tenha essa opção. Também neste caso agradece- compõem as autorizações de débito em conta concedidas.
mos informação escrita sobre as alterações efectuadas.
· Esta autorização destina-se a permitir o pagamento de bens/ser-
viços adquiridos à nossa empresa e só poderá ser utilizada para
outros efeitos mediante autorização expressa do(s) próprio(s)
· Dos pagamentos que vierem a ser efectuados por esta forma PARA ESCLARECIMENTOS ADICIONAIS
serão emitidos os recibos correspondentes. Telefone: 239 851 903 Fax: 239 851 901 Email: sdd@almedina.net

Você também pode gostar