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AMERICANO
Estudo Comparativo
DIREITO SOCIETÁRIO
AMERICANO
Estudo Comparativo
ISBN 85-7674-
1. Direito I. Título
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente
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de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
PRÓLOGO, 11
CAPÍTULO I
HARMONIZAÇÃO E UNIFICAÇÃO DO DIREITO SOCIETÁRIO, 17
CAPÍTULO II
CARACTERÍSTICAS DO SISTEMA JURÍDICO NORTE-AMERICANO RELEVANTES
PARA O DIREITO SOCIETÁRIO, 77
CAPÍTULO V
REGIME DE RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS, 187
CAPÍTULO VI
REGIME DE PROTEÇÃO DE SÓCIOS E INVESTIDORES, 215
CAPÍTULO VII
ACORDOS PRIVADOS ENTRE OS SÓCIOS, 241
CAPÍTULO VIII
CONSIDERAÇÕES SOBRE O CAPITAL SOCIAL E O PAGAMENTO DE DIVIDENDOS, 267
CAPÍTULO IX
FUSÕES E AQUISIÇÕES, 295
BIBLIOGRAFIA, 341
FERNANDO HINESTROSA
prática dos Estados Unidos. Esta é uma situação de fato contra a qual, como
ocorre com muitas outras, não devemos enfrentar apenas com base no capricho
ou no calor das emoções, afinal, a verdade está posta e provavelmente quem
mais poderia aproveitá-la é quem se sente mais inclinado a desconhecê-la e
rejeitá-la.
O Direito Societário Norte-Americano tem se transformado em um ponto
de referência obrigatório para os que pretendem conhecer as abordagens mais
modernas sobre a matéria. Desta forma, suas concepções pragmáticas são freqüen-
temente invocadas como subsídio de teses acadêmicas (página 2), propostas de
reformas legislativas e outras análises jurídicas. Porém, devemos reconhecer que,
de modo geral, ainda falta um melhor esclarecimento sobre os complexos e
dinâmicos desenvolvimentos ocorridos tanto na esfera legislativa quanto na
jurisprudencial. Isso se deve, em parte, pela ausência de orientações doutrinárias
(página 2) que permitam ao leitor uma visão geral deste ramo do Direito1, sem
um excessivo aprofundamento jurídico que afasta o iniciante no tema.
Quem se aproxima do Direito Societário norte-americano deve estar cons-
ciente da especificidade deste Sistema Legal, cujo fundamento se encontra de
modo especial nas circunstâncias econômicas particulares que têm prevalecido
nos Estados Unidos. Sabemos que existe neste país um mercado público de
valores mobiliários muito desenvolvido e que apresenta notória dispersão acio-
nária. Esta e outras características peculiares da economia norte-americana são
determinantes na criação das instituições jurídicas societárias, desenvolvidas, em
geral, para a resolução de problemas que pertencem a este avançado Sistema
Capitalista. Uma das principais conseqüências deste complexo mercado de ca-
pitais, é a separação existente entre a propriedade das ações nas sociedades de
capital aberto e o controle administrativo destas últimas. Esta distinção ocorre
em razão das ações das sociedades anônimas de grande dimensão pertencerem a
um grande número de acionistas, cujas participações individuais não alcançam
porcentagens significativas. Esta dispersão do capital dificulta a possibilidade
dos acionistas se organizarem com o objetivo de adquirir o controle acionário da
1 No entanto, TUNC afirma que, “conquanto os Estados Unidos levaram mais longe do que
qualquer outro país seu esforço de elaboração de um Direito Societário que se adapta, até
onde isso é possível, àqueles imperativos de eficácia e de moralidade que correspondem a um
capitalismo moderno, isso se fez ao lado costa de uma regulamentação as vezes aparatosa, que
pode dar lugar a litígios infernais” (TUNC, André. Le Droit Anglais dês Sociétés Anonymes. 3ª
edit. Paris: Edit. Dalloz, 1987, p. 2).
6 Dentro de tais regras se estabeleceu, por exemplo, aquela segundo a qual existe a obrigação de
fornecer aos sócios suficiente informação a respeito dos assuntos em que se ocupará a assem-
bléia, de modo que estes possam assumir uma posição informada sobre tais assuntos [Regra
14(a)-11 da Comissão de Valores]. Cfr. Capítulo IX.
7 Em síntese, os autores afirmam que os acionistas perderam tanto o poder como o controle sobre
a sociedade. É por isso que, na sua opinião, eliminaram-se os controles (“checks and balan-
ços”) que os acionistas costumavam exercer sobre os administradores. A concentração de
poder em mãos de indivíduos que não tem a propriedade sobre as ações facilitou a criação de
verdadeiros impérios econômicos, nos quais uma verdadeira forma de absolutismo permite
relegar aos acionistas ao papel de simples provedores de capital, enquanto os novos reis
exercem seu poder (Ibidem, p. 116). Sobre este mesmo aspecto cfr. também BAINBRIDGE,
Stephen M. Corporation Law and Economics. New York: Foundation Press, 2002, p. 11.
8 “Na grande empresa, as decisões importantes não são tomadas por uma pessoa isolada, senão por
muitas pessoas. Ninguém tem por si só todos os elementos necessários para decidir (...). Faz-se
necessário aludir aos conhecimentos, à experiência e ao juízo dos gerentes, dos diretores comer-
ciais, dos engenheiros, dos cientistas, dos advogados, dos contadores, dos chefes de pessoal e de
todos os demais depositários de um saber especializado. Cada qual contribui contribuindo a
parcela de sua experiência de especialista. É a esse aparelho colegiado de decisão ao que dei o
nome de tecnoestructura”. (GALBRAITH, John Kenneth et al. Introdução..., cit., p. 89).
9 Os grupos que fazem parte da tecnoestructura costumam ser numerosos. Tais grupos estão sujeitos
a mutações constantes em sua composição. Em cada um deles se destacam aqueles indivíduos
que têm acesso a informação relevante sobre aspectos específicos da organização. Estes atuam em
conjunto com outros servidores públicos encarregados de formular conclusões a partir da infor-
mação que os primeiros lhes fornecem. Esta organização permite às agrupações mencionadas
realizar uma atuação de sucesso em assuntos nos que nenhum sujeito, individualmente conside-
rado, poderia desempenhar. Assim, a conjunção e articulação de frações do conhecimento
facilita a realização de atividades de negócios. (GALBRAITH, John Kenneth. The New Industrial
State. New York: The New American Library, 1967, p. 76). Nas grandes organizações empresariais,
as determinações de alguma importância raras vezes recaem sobre uma só pessoa. Daí que se
costume voltar-se a um grande número de profissionais, entre os que se contam advogados,
economistas, engenheiros etc. Isso se deve à complexidade das determinações que se deve adotar.
A organização é, precisamente, a tecnoestructura à que se aludiu. Em vista de que a agrupação
destes indivíduos constitui o verdadeiro governo das companhias, GALBRAITH afirma que nem
os acionistas nem o Conselho de Administração participam realmente na tomada de decisões.
Nas palavras do autor, “não são os administradores quem decidem; o poder efetivo de decisão
radica nos grupos técnicos, de planos e outras agrupações especializadas”. (Ibidem, p. 79).
10 Ibidem, p. 130.
11 Ibidem.
12 Cfr. CARY, William A. Federalism and Corporate Law: Reflections upon Delaware. In: Yale Law
Journal, Vol. 663, 1974, nº 83.
Com base nos presumíveis efeitos nocivos deste verdadeiro Mercado de Legis-
lação Societária, Cary propôs em 1974 a fixação das regras imperativas de ordem
federal, permitindo subtrair dos estados competência em relação à edição de nor-
mas societárias.
Certamente, o aludido Mercado de Legislação Societária também possui sua
origem justificada nas particularidades do sistema econômico dos Estados Uni-
dos. Roberta Romano, em sua consagrada obra que explica as razões das vantagens
do regime societário norte-americano, também afirma que a existência desta com-
petição entre os estados está relacionada com ímpeto estatal em captar recursos
econômicos através da cobrança de tributos. Desta forma, aqueles que oferecerem
uma legislação mais alinhada com as necessidades dos investidores e dos adminis-
tradores, conseguirão atrair um maior número de companhias, e, desta forma, um
incremento dos recursos tributários13.
Ainda que as teorias de Cary tenham alcançado certa repercussão, não se
passou muito tempo até tornarem-se alvo de severas críticas e – como só ocorre no
meio acadêmico – passaram a ser contestadas por parte da comunidade dos
doutrinadores norte-americanos. O juiz Ralph K. Winter, por exemplo, refutou
a hipótese formulada por Cary ao demonstrar o sofisma segundo o qual no estado
de Delaware “o acionista sempre perde”14. De acordo com Winter, esta falsa premissa,
devido ao seu determinismo, significaria que os acionistas de companhias
domiciliadas neste estado perderiam o interesse em entrar em litígio nas cortes de
Delaware. Não haveria o menor sentido procurar satisfazer, em juízo, um direito
se existisse, a priori, a certeza de obter do judiciário um pronunciamento desfavorável.
Caso a hipótese de Cary estivesse correta, uma empresa constituída em Delaware
teria, necessariamente, diminuída sua capacidade de atrair novos investidores até o
ponto de tornar-se uma presa fácil de outras empresas domiciliadas nos estados
onde há uma legislação societária com maiores garantias para os acionistas15.
13 Cfr. ROMANO, Roberta. The Genius of American Corporate Law. Washington D.C.: The AEI
Press, 1993, p. 14. A citada autora resume este fenômeno nos seguintes termos: “Os códigos
societários estaduais podem ser considerados como um produto elaborado pelos diferentes
Estados que se destina aos consumidores finais, vale dizer, às sociedades”. (Ibidem, p. 6).
14 Três anos depois da publicação do ensaio de CARY, WINTER publicou sua resposta à hipótese
de CARY em seu ensaio intitulado “Legislação estadual, proteção dos acionistas e teoria
societária” (“State Law, Shareholder Protection, and the Theory of the Corporation”. In: Journal
of Legal Studies, Vol. 6, 1977, nº 251).
15 WINTERM, Ralph K. citado por ROEOMANO, Mark J. Delaware’s Competition. In: Discussion
Paper Series, nº 423; John M. Olin Center for Law, Economics and Bussiness, Harvard Law
School, 2003, p. 5.
16 Cfr. ROMANO, op. cit., pp. 14-31; BAINBRIDGE, Stephen M. Mergers and Acquisitions. New
York: Foundation Press, 2003, pp. 69-72.
17 PALMITER, Alan R. The CTS Gambit: Stanching the Federalization of Corporate Law. In: Washing-
ton University Law Quarterly, Vol. 69, 1991, nº 2, p. 462. A incessante atividade acadêmica norte-
americana deu lugar ao surgimento de novas posturas doutrinárias em torno do debate mencio-
nado. Tem-se notícia de autores que postulam a impossibilidade prática de uma verdadeira
concorrência legislativa entre os Estados. Isso se deve, em parte, à supremacia do governo federal,
cujos poderes o facultam para intervir nos assuntos societários estaduais a qualquer momento.
MARK J. ROE, um dos mais reconhecidos expositores desta teoria, sustenta que as autoridades
federais podem tomar partido em qualquer matéria que revestisse algum grau de importância. Por
tal motivo, afirma que os Estados carecem de uma autonomia irrestrita para legislar sobre Direito
Societário. O autor conclui que “nos Estados Unidos não é apropriado falar da existência de uma
competição interestadual em matéria societária” (Op. cit., p. 44).
18 Ainda que, em estrito sentido, a regulação federal não se ocupe de matérias próprias do Direito
Societário, tais normas afetam, sem dúvida, às companhias que realizam seus negócios nos
Estados Unidos. Como exemplo, pode-se mencionar as normas sobre falência (bankruptcy), o
sistema de bônus de pensões (retirement income securities), o regime de proteção ambiental
21 Cfr. HANSMANN, Henry e KRAAKMAN, Reinier. Toward Unlimited Shareholder Liability for
Corporate Torts. In: Yale Law Journal, Vol. 100, 1991. Ainda que HANSMANN e KRAAKMAN
proponham que o regime de extensão de responsabilidade seja introduzido nas legislações
estaduais de maneira voluntária, outros autores consideram que só as autoridades federais
poderiam impor isto com sucesso em todos os Estados da União. Para uma descrição mais
detalhada da tese, cfr. Capítulo IV, infra.
Ainda de acordo com estes autores, qualquer alteração nesta regra fun-
damental provocaria conseqüências catastróficas para o sistema. Afinal, além
de encarecer os custos de fiscalização sobre os administradores da empresa,
criaria óbices para fluxo de informação no mercado e poderia tornar inviável a
diversificação do portfólio dos acionistas.
Como se todas as razões já expostas não fossem suficientes, os autores
sustentam que o regime de extensão de responsabilidades nas sociedades que
negociam suas ações em Bolsa de Valores mobiliários criaria obstáculos à apli-
cação da hipótese de mercado eficiente, devido à dificuldade de efetuar aqui-
sições de controle sobre companhias que possuam administração ineficiente.
Por isso, Easterbrook e Fischel propuseram soluções alternativas, como a
adoção, por parte das sociedades, de seguros obrigatórios que cubram certos
riscos de responsabilidade extracontratual. Outras medidas recomendadas são:
a fixação de requisitos mínimos de capitalização para alguns tipos de socieda-
des, a estrita aplicação dos deveres fiduciários aos administradores e a descon-
sideração da personalidade jurídica da sociedade quando existirem os
pressupostos que a justifique22.
De todas as soluções propostas, as únicas que parecem ocorrer com certa
regularidade são as últimas. Talvez isso ocorra porque tanto as aplicações de
sanções aos administradores sociais quanto a imposição de responsabilidade aos
acionistas por obrigações da companhia são determinações de competência ju-
dicial. A ampla discricionariedade dos juízes anglo-saxões, somada ao método
de raciocínio indutivo que eles utilizam, permite estas soluções sejam adotadas
em casos individuais, sem a necessidade de complexos processos legislativos.
22 Cfr. EASTERBROOK, Frank e FISCHEL, Daniel. The Economic Structure of Corporate Law.
Cambridge: Harvard University Press, 1991, pp. 40-62. Cfr. Capítulo IV, infra.
23 KRAAKMAN, Reinier et al., op. cit. Na obra também se estabelece um paralelismo entre as
regulações contemporâneas das sociedades de capital, a partir de elementos homogêneos que
aparecem como uma constante nos diferentes regimes jurídicos. Trata-se de cinco característi-
cas que os autores analisam ao longo do texto. São elas: a personalidade jurídica da socieda-
de, o sistema de responsabilidade limitada, a livre negociação das ações, a administração
delegada a um Conselho de Administração e a titularidade do capital por parte de investidores.
Na opinião dos autores, esta simetria de regulação na matéria se deve às exigências econômi-
cas inerentes a qualquer sociedade capitalista de grandes dimensões. Por isso, independente-
mente das tradições jurídicas diferentes que são objeto de análise no livro, as facetas mencio-
nadas terminam por imporem-se de modo imperativo e sem as distorções próprias de sistemas
menos avançados.
24 MIROW adverte a respeito da crescente tendência que se apresenta nos países ibero-america-
nos a adotar normas e princípios próprios do Common law. Nas palavras do autor, “pode-se
sustentar a tese segundo a qual, o século XX se caracterizou na América Latina pela transição
entre o Direito europeu-continental e a tradição jurídica norte-americana. Ao apartar-se do
tradicional sistema romano-germânico, visando conceber uma legislação própria, os países
pertencentes a esta região acolheram algumas das figuras jurídicas existentes nos Estados
Unidos. Ainda que ainda se possa recusar esta tese com fundamento em novas verificações
empíricas [...] é inegável que, desde a Segunda Guerra Mundial, a educação recebida pelos
juristas latino-americanos nas universidades estadunidenses deixou impressão indelével nas
legislações de Direito Privado de seus respectivos países” (MIROW, Matthew C. Latin American
Law: A History of Private Law and Institutions in Latin America. Austin: University of Texas
Press, p. 170). O autor também cita alguns exemplos da influência que teve o Direito Societário
dos Estados Unidos em Latino América. “No México, por exemplo, a Lei da Comissão Nacio-
nal de Valores de 1953 se baseou na legislação de valores mobiliários norte-americana. Assim,
a lei societária colombiana inclui numerosas figuras adaptadas das leis do Estado de Delaware”.
(Ibidem, p. 169).
à identificação dos preços de mercado, tarefa que nem sempre é fácil. Ele ainda
faz referência a outras despesas relevantes, como as relativas à intervenção das
autoridades governamentais em relação às operações celebradas no mercado. Co-
ase menciona, por exemplo, as despesas relacionadas com os impostos de vendas,
as quais evidentemente nas negociações internas à firma. O mesmo pode ser dito
em relação a outras medidas governamentais, como as relativas à cota de produ-
ção, controles de preços e racionamento de bens e serviços. Com base nas consi-
derações anteriores, o autor conclui que uma firma “consiste no sistema de relações
que surgem quando a direção dos recursos depende de um empresário”36.
“De acordo com a teoria coaseana da firma, as sociedades surgem quando
é possível reduzir os custos mediante a delegação de seu poder de negociação
a um administrador, a quem será atribuído a capacidade organizar os fatores
de produção.”37.
Tem-se afirmado, inclusive, que a teoria econômica da sociedade “consti-
tui hoje o paradigma dominante no Direito Societário”38. Segundo Bainbridge,
o modelo usado para explicar o fenômeno societário a partir de uma perspectiva
econômica se integra a partir de três componentes essenciais: i) teoria do nexo
contratual societário (corporation as a nexus of contracts); ii) análise da redução
dos custos de transação (transaction costs); e iii) os denominados custos de agên-
cia (agency costs).
I. TEORIA DO NEXO CONTRATUAL
Mediante a teoria do nexo contratual societário, procura-se explicar a
função econômica essencial que cumpre a sociedade, como sendo um centro
de atribuição de direitos e deveres, em lugar de concebê-la e justificá-la como
um ente jurídico.
firma, como si seria necessário se tal cooperação fora o resultado direto do mecanismo de preços
de mercado. Isso se deve ao fato que essa série de contratos é substituída por um só.” (Ibidem).
36 Ibidem. Com fundamento nas considerações anteriores, o autor formula uma teoria sobre os
fatores de crescimento de uma firma. Em seu critério, esta propenderá para uma maior dimensão
na presença dos seguintes fatores: “a) Quando os custos de organização sejam baixos, sempre
que seu incremento se produza lentamente à medida que aumenta o número de negócios
organizados; b) Quando a propensão do empresário a cometer erros seja baixa, sempre que ela
se mantenha controlada à medida que aumenta o número de negócios organizados, e c)
Quando se obtenham maiores descontos (ou se evite o aumento de preços) respeito do
fornecimento de fatores de produção, à medida que a firma aumenta seu tamanho” (Ibidem).
37 BAINBRIDGE. Corporation Law...cit., p. 35.
38 Ibidem, p. 26.
39 “O conjunto de contratos que constituem a firma consiste, em grande parte, numa multiplicidade
de acordos implícitos, os quais, além de ser incompletos, não são susceptíveis de execução
coativa”. (BAINBRIDGE. Corporation Law...cit., p. 35).
40 Na opinião de JAIRO SADDI, “o conceito de stakeholder é de difícil transposição, mas pode ser
resumido ao ponto de vista do agente que pode potencialmente afetar a firma. Ou seja, assim
como o acionista – que também é um stakeholder –, há outros atores que têm o potencial, os
meios ou até mesmo os obstáculos para influenciar os objetivos corporativos. Uma das defini-
ções inicias de R. Edward Freeman estabelece que stakeholder é aquele que tem algo a prêmio,
tem interesse e pode afetar ou pode ser afetado pela organização da firma (transparecendo uma
visão sociológica da empresa). Sua contribuição ao estudo coseano da firma é considerar cada
agente econômico com vontades e agendas distintas, razões práticas (no sentido aristotélico) que
podem não ser necessariamente coincidentes.” (SADDI, Jairo. Conflitos de interesse no Mercado
de Capitais. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteneiro de et. al. Sociedade Anônima, op. cit., p. 347).
41 Ibidem, p. 27.
42 Esta perspectiva considera a sociedade como um veículo por meio do qual os membros do
Conselho de Administração se apropriam do capital que administram dos acionistas e credores
(ibidem).
43 Claro que, sob a concepção predominante na doutrina dos Estados Unidos, esses preceitos
normativos deveriam ter um alcance meramente dispositivo, de tal forma que se facilite a mais
ampla possibilidade de estipulação contratual. (Cfr. Capítulo II, supra).
duzidas no Direito Societário, uma vez que ele constitui um modelo orienta-
dor, com grande utilidade prática.
Parte dos doutrinadores tem encontrado dificuldades em aceitar a teoria
do nexo contratual44. Por isso, tem sido proposta em sua substituição, a deno-
minada teoria contratual incompleta (incomplete contracts theory). Este postulado
propõe a impossibilidade de regular, ex ante, uma parte significativa das regras
que devem ser impostas às partes vinculadas no decurso da existência da socie-
dade45. Assim, considera-se que entre os diversos participantes da sociedade
originam-se vínculos jurídicos incompletos, que exigirão uma definição, na
medida em que ocorrem em concreto, das relações que deles surgem. A concre-
tização de tais vínculos, exigirá a participação dos indivíduos escolhidos para
definir unilateralmente ou para negociar com as partes envolvidas, as condições
em que serão solucionadas as relações jurídicas incompletas a que nos referimos.
Alguns autores consideram que esta concentração de poderes decisórios
em um só funcionário ou órgão da administração, permite incrementar a eficiência
da sociedade. Na verdade, a teoria contratual incompleta parte da dificuldade
de regular contratualmente as relações de negócios que se concretizarão no futuro.
Por isso que a delegação de poder decisório para resolver estas relações contratuais,
exerce um papel cada vez mais importante no aprimoramento da produtividade
da firma46.
McCahery formula uma síntese, muito apropriada, da teoria contratual in-
completa. Segundo o autor, “as sociedades são caracterizadas, normalmente, como
um conjunto de relações negociais. Devido às incertezas futuras e como o com-
ções contratuais iniciais deverá ser resolvida por meio de uma nova negocia-
ção51. Estes fatores limitam o âmbito de ação do empresário, que não possuem
um controle direto sobre estes agentes que são externos à sociedade, de ma-
neira que sua rentabilidade também é reduzida52. Em contraste com o ante-
riormente exposto, no interior de uma estrutura societária, torna-se mais fácil
para o empresário contratar o número requerido de empregados, cuja remu-
neração está definida nos contratos celebrados com a sociedade. Com isso, a
remuneração que é paga ao funcionário confere à sociedade a possibilidade de
dirigir a atuação de seus trabalhadores em relação a uma grande quantidade
de serviços requeridos para a exploração econômica. Assim, enquanto no mo-
delo de organização individual cada um que contrata com a empresa deseja
receber o pagamento pela execução específica de cada tarefa contratada, o
empresário societário pode reduzir seus custos mediante a modalidade de con-
tratação referida.
Além disso, a reunião formal de empregados, cuja vinculação conjunta é
facilitada pelo esquema societário, cria no funcionário o sentimento de per-
tencer à organização, estimulando no mesmo o desejo de que a empresa tor-
ne-se mais eficiente53. Ao organizar a atividade empresarial por meio de uma
51 No mesmo sentido, a professora britânica JANET DINE assinala que “a legislação societária tem
como único objeto prevenir e reduzir os altos custos ocasionados pela negociação individual”.
(The Governance of Corporate Groups. Cambridge University Press, 2000, p. 10).
52 Para ilustrar a comparação, é conveniente imaginar dois empresários que se dedicam à mesma
atividade de exploração econômica, mas que a organizaram com técnicas diferentes. O primeiro
deles contrata com pessoas independentes para obter o fornecimento de matérias primas, os
labores de transformação e as vendas do produto findo. O segundo, organizado sob uma
estrutura societária, vincula e dirige a todos os anteriores mediante contratos de trabalho. A
característica principal do método utilizado pelo empresário individual consiste na multiplicidade
de relações contratuais que o vinculam a cada um dos provedores e prestadores de serviços. Esta
contratação plural implica, para o empresário, a necessidade de efetuar negociações individuais
com cada um deles, com o propósito de definir as condições de preço, quantidade, qualidade,
data de entrega, modos de pagamento e garantias para o cumprimento dos diversos labores
contratadas. Como se disse, a circunstância de que os contratantes (provedores, prestadores de
serviços, etc.) atuem motivados por interesses pessoais, pode implicar um aumento nos custos de
produção. Assim, a independência entre o empresário e seus contratantes significa que o
controle daquele a respeito da atividade que desenvolvem estes depende das cláusulas contratuais
que se pactuaram ab initio e dos específicos mecanismos convencionais que nelas se contempla-
ram. Desta maneira, o empresário deve atribuir uma parte considerável de seus recursos à
negociação original com cada um de seus contratantes. Adicionalmente, se o estado do mercado
varia ou aparecem fatores não contemplados durante a negociação inicial, o empresário deverá
proceder a efetuar negociações adicionais a respeito das condições contratuais primitivas, com
os custos adicionais que isso implica. As desvantagens mencionadas não afetarão no mesmo
nível o empresário organizado sob a estrutura societária, devido a sua capacidade de negociar a
priori as condições contratuais com seus colaboradores.
53 Contudo, é bom advertir que o empresário societário também deve assumir certos custos
relacionados com o controle sobre sua estrutura produtiva. Efetivamente, em virtude da
57 Citado por JENSEN, Michael C. et al. Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and
Ownership Structure. In: Journal of Financial Economics. Vol. 3, nº 4, outubro, 1976, p. 305.
atividades das sociedades se estendem além das fronteiras dos países em que
foram constituídas”62. Sobre o mesmo ponto se afirma que “a cada revisão do
Código Comercial ele é penetrado por uma profunda influência do Direito
estrangeiro, marcando um progresso mais ou menos sensível em direção a um
Direito uniforme”63.
O intercâmbio referido tem proporcionado uma forte tendência à har-
monização nas regulações mercantis. A integração das nações, alcançada em
diversos pontos da terra, tem facilitado uma relativa harmonização normativa.
Os acordos sub-regionais significam um permanente intercâmbio de normas
jurídicas, cuja síntese é materializada através de diretivas, regulamentos, deci-
sões e outras exigências de adequação legislativa multinacional64.
Hoje se reconhece, de forma quase unânime, a necessidade de harmoni-
zação normativa como um imperativo da vida dos negócios internacionais, e
muitos admitem consideram como uma condição quase inevitável, para o de-
senvolvimento econômico.
62 RIPERT, Georges et al. Traité de droit commercial, tome I, volume 2, Lhes sociétés commerciales,
18e édition. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 2002, p. 6. Tão importante é
o Direito Comparado, que o mesmo Ripert afirma que “todo o direito comercial pode ultimamen-
te inspirar-se nas reformas realizadas nos países estrangeiros” (RIPERT, Georges. Tratado elementar
de Direito Comercial. T. II, Sociedades. Buenos Aires: Edições Jurídicas Labor, 1988, p. 32).
63 VIVANTE, César. Tratado de Direito Mercantil. Madri: Edit. Reus S.A., 1932, p. 18. O esforço de
confrontar tradições jurídicas também permite contribuir ao legislador a oportunidade de
enriquecer as normas legais e de reformular concepções anacrônicas. Assim, se podem também
modificar posturas dogmáticas que em muito pouco contribuem ao exercício de uma função
criativa na produção do Direito. E mais útil ainda é aproveitar a valiosa experiência das
organizações internacionais especializadas como a Comissão das Nações Unidas para o
Direito Mercantil Internacional (Cnudmi ou Uncitral, por suas siglas em inglês), cujos esforços
se encaminham a conseguir a harmonização normativa. É reconhecido que a legislação mer-
cantil também contribui a orientar a conduta dos servidores públicos judiciais e administrati-
vos chamados a aplicá-la. Essa é uma das razões que justificam a elaboração das leis modelo
da Uncitral: promover uma nova visão e conseguir que as comunidades menos progressistas
possam também avançar para novos horizontes no Direito.
64 Sobre este ponto afirma JOSÉ ENGRACIA ANTUNES o seguinte: “A resposta do Direito Mercantil
à globalização das relações econômicas se cumpriu por meio de uma crescente internacionalização
e da uniformidade que se difundiu em numerosas convenções internacionais destinadas a
unificar os ordenamentos nacionais de Direito Comercial para determinadas matérias mercantis
(em particular, as convenções de Genebra de 1930 e 1931, sobre letras e cheques), com o fim de
criar um Direito uniforme baseado em costumes de natureza supra estadual, para a regulação de
litígios comerciais. Já se fala do surgimento de uma nova ‘lex mercatoria’” (Direito das sociedades
comerciais, Perspectivas do seu ensino. Lisboa: Edit. Almedina, 2000, p. 28). Esta nova lex
mercatoria parece ter características semelhantes àquelas que teve sua antecessora medieval.
Trata-se, efetivamente, de um acervo de princípios, regras vinculantes e instituições fundadas ou
expressadas nos costumes e usos convencionais de quem participam no tráfico multinacional,
bem como nos precedentes decididos pelas cortes de arbitragem internacional. Pode-se dizer
que este conjunto de preceitos encontra consagração positiva nas compilações e sistematizações
que de tais princípios se formulam em leis modelo e outras pautas de harmonização.
Assim, verificamos com uma freqüência cada vez maior a adoção destas
iniciativas e, de modo crescente, verificamos a ampliação do âmbito de aplica-
ção destas normas supranacionais65. Vão sendo superadas as teses renascentis-
tas que proclamavam um princípio de soberania a qualquer custo. A rígida
concepção segundo a qual, apenas as regras jurídicas do local de execução de
um contrato poderiam ser utilizadas para disciplinar os seus aspectos subs-
tantivos (loci regi actu) tem perdido vigor com o tempo, convertendo-se mui-
tas vezes em princípio meramente supletivo.
Desta forma, na atualidade, sua aplicação circunscreve-se àqueles casos em
que as partes não tenham convencionado os parâmetros normativos que regerão
sua conduta e para resolver as controvérsias que surjam durante a vigência do
negócio jurídico. O que dizer da verdadeira anátema em que se constituía,
anteriormente, a escolha pelas partes do foro para a resolução dos conflitos.
Os tempos atuais exigem a ruptura com os antigos “dogmas inquestio-
náveis”, que devem ser revistos, sem prejuízo da manutenção dos princípios
próprios de cada sistema jurídico. A harmonização normativa contemporâ-
nea, geralmente, permite a atualização das legislações nacionais em torno dos
parâmetros mais avançados. É evidente que a adoção de regras homogêneas,
de um modo geral, não pretende a defesa a qualquer custo das tradições jurí-
dicas locais, mas sim a implantação de princípios que sejam o reflexo das
vanguardas do pensamento jurídico. Outra vantagem desta tendência con-
temporânea de harmonização é dada pelo caráter próprio do processo de ado-
ção de regras legislativas, sendo, portanto, o resultado da combinação entre
especialistas de diversos âmbitos geográficos e culturais66. Esta interação é
65 Ainda que nem todas as iniciativas da Cnudmi (UNCITRAL) foram igualmente acolhidas, é
evidente que sua atividade implicou um avanço significativo no desenvolvimento de regras
uniformes para a atividade mercantil transnacional. Estes esforços de adequação normativa
multilateral se refletiram, em particular, no âmbito da compra internacional de mercadorias,
que tradicionalmente se considerava reservado à órbita das legislações internas. Nestes mode-
los de regulação internacional se percebe um enfoque “facilitador” de grande flexibilidade
para a atividade mercantil, tanto do ponto de vista substantivo como processual. A incorpora-
ção de razoáveis normas de conduta derivadas empiricamente, cuja inclusão contratual de-
pende em grande parte da vontade das partes, constitui um dos mais vantajosos aspectos dessa
regulação. (Cfr. <www.uncitral.com>).
66 Um exemplo muito representativo da tendência a harmonizar se acha no denominado Código
de Comércio Uniforme (Uniform Commercial Code ou UCC), adotado total ou parcialmente
pelos 50 Estados da União Americana. “O objetivo primeiro e principal do Código de Comér-
cio Uniforme (UCC) foi o de introduzir uma verdadeira uniformidade para remediar a
multiplicidade e extrema variedade de regimes jurídicos em vigor nos Estados federados dos
Estados Unidos, em matéria de regulamentação de negócios comerciais. Estes negócios trata-
dos nele são a venda, a fiança, os títulos valorizes, os depósitos bancários, as cartas de crédito, as
cessões globais, os títulos de propriedade, os títulos de participação e os negócios jurídicos sob
garantia. Os trabalhos preparatórios do UCC começaram em 1942 sob a orientação tanto do
Instituto de Direito Americano e da Conferência Nacionais de Redatores de Leis Estaduais Unifor-
mes. A primeira versão do UCC foi promulgada em 1951 e adotada pelo Estado de Pensilvânia, em
1953. Posteriormente, outros Estados adotaram o UCC, ainda que alguns o fizeram com modifica-
ções que em numerosos casos introduziram importantes mudanças ao texto original”. (FOLSOM,
Ralph H.; LEVASSEUR, Alain A. Pratique dês droit dês affairs aux États-Unis. Paris: Editorial Dalloz,
1995, p. 192).
67 FOLSOM, Ralph H. European Community Law. Saint Paul, Minn.: West Publishing Co., 1992, p.
170. Como se sabe, ao passo que os “regulamentos” constituem legislação diretamente aplicável
aos Estados membros, as “diretivas” implicam a necessidade de que cada nação modifique seu
ordenamento interno para adequá-lo às exigências comunitárias. De maneira que existe arbitrarieda-
de para tais países quanto à forma de legislar para adaptar-se às diretivas. A implantação das regras
de política legislativa contidas numa diretiva “comunitária” pode exigir a expedição de leis, decre-
tos, atos administrativos ou, inclusive, reformas constitucionais. Quando o ordenamento existente
no Estado membro é compatível com as regras traçadas numa diretiva, não se exige nenhuma medida
interna. A competência para emitir regulamentos e diretivas concerne ao Conselho de Ministros e à
Comissão, por virtude do previsto no artigo 189 do Tratado de Roma. (Ibidem, p. 38).
68 Dentro delas se contam, entre outras, as seguintes: a) Primeira Diretiva (março de 1968) sobre
capacidade da sociedade; b) Terceira Diretiva (outubro de 1978) sobre fusões de sociedades; c)
Sexta Diretiva (dezembro de 1982) sobre cisão de sociedades; d) Sétima Diretiva (junho de 1983)
sobre consolidação de contas de sociedades e) Décima segunda Diretiva (dezembro de 1989)
sobre sociedades individuais. Evidentemente, as Diretiva comunitárias contribuem à moderniza-
ção das legislações de todos os Estados membros, cujas normas devem ser atualizadas conforme
aos últimos avanços do respectivo campo do direito, em torno de uma posição unificada. Assim,
por exemplo, a respeito da décima segunda Diretiva, afirma o professor Alonso que, subajecente a
ela há “uma tentativa de reconduzir as recentes reformas [às leis de sociedades], de um lado, as
operadas nos países de influência francesa (França, Bélgica e Luxemburgo), e, de outro, as realiza-
das na órbita de influência germânica (Alemanha, Dinamarca e Países Baixos), para uma posição
comum” (ALONSO UREBA, Alberto. A Décima segunda Diretiva Comunitária em matéria de
sociedades relativa à sociedade de capital individual, Revista de Derecho Bancario y Bursátil, nº 41,
janeiro-março de 1991, p. 66).
69 FOLSOM, op. cit., p. 171. O primeiro de tais regulamentos comunitários foi aprovado em julho
de 1985 e está vigente desde julho de 1989. Este regulamento constitui “um corpo normativo
supranacional que deve coexistir, ainda que separadamente, com as leis nacionais dos Estados
membros” (OLIVER, M.S. et al. Company Law. Twelfth Edition, London: Pitman Publishing,
1994, p. 6).
70 Regulamento do Conselho 2157/2001/EC, 2001 OJL 294/1.
71 Pelo critério de DUPRAT, “numerosos obstáculos de natureza jurídica, econômica, fiscal e
política pararam o projeto e desalentaram a idéia de criar uma sociedade comercial comunitá-
ria [...]. Estes problemas que, durante anos, puseram obstáculos a adoção de um estatuto de
sociedade comercial européia, serviram para forçar o redesenho de um novo estatuto, como
assim também a eleição correta dos instrumentos pelos quais o mesmo se adotaria”. (DUPRAT,
Diego A. A societas europeae: origem e desenvolvimento do estatuto da sociedade anônima
européia. A Prata: Livraria Editora Platense, 2004, p. 55).
72 Segundo a letra b) do artigo 38 do Regulamento, citado, os constituintes estarão facultados
para escolher entre uma estrutura de administração monista ou dualista para reger o funciona-
mento da “societas européia”, independentemente do sistema jurídico vigente no Estado de
sua constituição. (Cfr. RAAIJMAKERS, Theo. The Statute for a European Company: Its Impact
on Board Structures, and Corporate Governance in the European Union. In: European Business
Law Review, Vol. 5. The Hague: TMC Asser Press, 2004, p. 159).
73 Na opinião de RAAIJMAKERS, o regulamento citado “aumenta o leque de opções organizativas
disponíveis para os empresários europeus […]. As disposições relativas ao governo societário
da SE ‘societas européia’ e as relacionadas com seu Conselho de Administração têm caráter
dispositivo em lugar de imperativo. Estas normas constituem um compêndio dos princípios e
tradições jurídicos que fazem parte da evolução do Direito Societário europeu” (op. cit., p.
160). O mesmo autor aclara que a societas europeae terá, em todo caso, um caráter nacional
devido ao fato que uma percentagem significativa de suas regras substantivas aplicáveis estará
constituído pelas normas internas do Direito Societário do país membro em que a sociedade
tenha sua “sede registrada” (art. 23) (Ibidem).
74 DORRESTEIJN, por exemplo, expõe os inconvenientes que causa a diversidade de legislações
societárias entre os diversos Estados da União Européia, cuja heterogeneidade é percebida
como um obstáculo para a integração de suas diversas economias. No entanto, o mesmo autor
afirma que “é razoável sustentar também que os benefícios de uma maior harmonização e dos
desenvolvimentos normativos comunitários não seriam superiores aos custos que se teria que
incorrer para o efeito […]”. (DORRESTEIJN, Adriaan et al. European Corporate Law. Deventer,
The Netherlands, Kluwer, Law and Taxation Publishers, 1995, p. VII).
75 Cfr. McCAHERY, Joseph et al. Limited Partnership Reform in the U.K. In: European Business
Organization Law Review, vol. 5. The Hague: TMC Asser Press, 2004, p. 73.
76 Assim, por exemplo, LARRY CATÁ assinala que, nos Estados Unidos, a análise do regulamento
da União Européia em matéria de sociedades é cada vez mais relevante, “devido à crescente
harmonização do Direito Societário entre seus países membros, à importância que têm os órgãos
da União na promulgação de leis de sociedades e à afluência de empresários norte-americanos
ao continente europeu”. (BAKER, Larry Catá. Comparative Corporate Law: United States, European
Union. China and Japan. North Carolina: Carolina Academic Press, 2002, p. xxxvii).
77 GLENDON, Mary Ann et al. Comparative Legal Traditions, Texts, Materials and Cases. Second
Edition. Minnesota: West Publishing Co., 1994, p. 11.
78 O Direito Comparado também representa uma utilidade significativa nos processos de reforma
das legislações internas. “Na arquitetura, encanta-nos observar aquelas fazendas onde cada
geração deixou seu aporte. No Direito, nos encantará ver a bagunça e a edificação de uma
construção nova [...]. Nos encantará questionar-nos o por que de suas regras. [...]. Mas qual é
o limite destas pesquisas? Não se trata de ceder à moda, senão de perguntar-se qual é a
verdadeira relação custo-beneficio” (TUNC, André. Lhe Droit Anglais... cit., p. 23).
79 MEANS, Robert Charles. Underdevelopment and the Development of Law, Corporations and
Corporation Law in Nineteenth-Century Colombia. North Carolina: University of North Caroli-
na Press, p. 276.
80 Não faltava razão a PORTALIS quando afirmava em seu discurso preliminar sobre o Código
Civil francês que “é preciso ser sóbrio quanto a novidades em matéria de legislação, porque,
se, ante uma instituição nova, é possível calcular as vantagens que a teoria nos oferece, não o
é conhecer todos os inconvenientes que só a prática pode descobrir” (Discurso Preliminar
sobre o Projeto de Código Civil, Bogotá, Universidade Javeriana, 1994, p. 6). Sobre um
assunto conexo e não menos importante afirma Ripert do que “os reformadores não sempre têm
as qualidades exigidas aos juristas. As leis se multiplicam sem que se possa saber no seu
nascimento se são os primeiros pilares de uma construção ou material disperso que será
abandonado por inútil” (Tratado elementar..., t. I, p. XII).
81 FAVIER-DUBOIS, Eduardo. Doctrina societária y concursal. Buenos Aires, nº 181, 2002, p. 825.
82 GLENDON et al., op. cit., p. 101. Segundo a mesma autora, outro exemplo que se pode conside-
rar “é a importante distinção ainda vigente no ‘Common Law’ entre as regras e ações em Direito
[‘Law’] e em equidade [‘equity’], cujo entendimento resulta tão difícil para os advogados forma-
dos nos países de sistema jurídico romano-germânico, onde tal distinção é inexistente”. (Ibidem).
83 Deve-se considerar que o inglês legal representa para o jurista latino reptos adicionais, deriva-
dos da complexa estrutura que costuma acompanhar à redação de textos jurídicos. “O estilo de
escritura dos antigos advogados ingleses chegou a américa do norte simultaneamente ao
transplante do common law. Em 1817, THOMAS JEFFERSON se lamentava que, seus colegas
advogados, ao redigir as leis, acostumassem a fazer ‘que em cada palavra se dissesse o citado
ou o precitado e a que se repetisse cada coisa duas ou três vezes, de modo que ninguém
diferente de pudesse desenvolver o embrulho...’” (WYDICK, Richard C. Plain English for
Lawyers. 4ª edit. North Carolina: Carolina Academic Press, 1998, pp. 3-4).
de a norma que pretendemos efetuar o transplante ter sua origem em uma tradi-
ção jurídica diversa, não constitui um obstáculo insuperável para a sua adaptação.
A dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, e sua im-
portante conseqüência, tem afetado o panorama do Direito Comparado. O
desaparecimento dos regimes socialistas tem dado lugar ao que tem se dado o
nome de mundo ocidental apenas subsistiram duas tradições jurídicas plena-
mente diferenciadas.
Trata-se de um lado, daqueles ordenamentos que pertencem à tradição
romano-germânica, e de outro, daqueles sistemas que fazem parte do Common
Law. A tradição jurídica socialista, se ela pudesse ser considerada como tal,
apresentava-se como uma harmonização entre os princípios jusnaturalistas, o
conceito de lei natural, o direito romano, a tradição civilista, a herança jurídica
pré-revolucionária de cada país socialista e os fundamentos gerais do marxis-
mo-leninismo88. Esta tradição jurídica, praticamente superada na atualidade,
tem sido substituída nos países que pertenciam ao mundo socialista, por sis-
temas de direito positivo de caráter romano-germânico.
89 MERRYMAN, John Henry et al. Comparative Law, Western European and Latin American Legal
Systems, Cases and Materials. California: The Michie Company, 1978, p. 21. Os mesmos
autores afirmam, no entanto, que “a unificação do ‘Common Law’ com o sistema romano-
germânico é provavelmente exeqüível, bem como também é possível que o ingresso da Grã-
Bretanha na União Européia proporcione uma maior harmonização dos dois sistemas” (Ibidem).
Esta última afirmação é altamente demonstrável devido à incidência das diretivas e regulamen-
tos da União Européia no Reino Unido. No ano seguinte, as diretivas expedidas pelo Conse-
lho da União Européia se converteram na principal fonte de legislação escrita. Em estrito
sentido, a grande maioria de regras societárias supranacionais emitidas pela União Européia
não são fonte direta de Direito, devido ao fato que devem ser submetidas a um processo de
incorporação na legislação interna por parte de cada Estado membro. Só depois deste proces-
so, as normas supranacionais podem ser aplicáveis localmente. No entanto, não se pode
desconhecer do impacto da União Européia no Direito Societário local” (GOULDING, Simon.
Principles of Company Law. London: Cavendish Publishing Ltd., 1996, p. 17).
90 SCHLESINGER, Rudolf et al. Comparative Law, Cases, Texts, Materials. Fifth edition, Foundation
Press, 1988, p. 32.
91 RIPERT. Tratado elemental…, cit., t. I, p. XIII.
92 EDER, Phanor. Company Law in Latin America. In: Notre Dame Lawyer, Vol. XXVII, 1951, nº 1, p. 5.
93 A legislação panamenha constitui uma exceção significativa a este princípio. Efetivamente, as
disposições jurídicas contidas no Código de Comércio panamenho se situam a metade de
caminho entre o sistema norte-americano e o continental europeu. Não se deve esquecer que
dita nação centro americana outorgou benefícios significativos aos investidores internacio-
nais, em termos de grande flexibilidade legislativa, com o propósito de atrair capital estrangei-
ro. A natureza híbrida do sistema pode ser apreciada na Lei 32 do 26 de fevereiro de 1927,
sobre sociedades anônimas. Com respeito às origens desta lei, Durling explica que, até onde
pôde esclarecer-se, o projeto original se baseou nas leis dos Estados de New Jersey e Delaware.
“No entanto, não faltam autores que sustentam que dita lei teve por modelo a Lei de Socieda-
des Anônimas do Estado de Arizona” (DURLING, Ricardo. Sociedade anônima em Panamá.
Cidade de Panamá, 1986, p. 27).
94 A legislação espanhola e a portuguesa denotam notórias semelhanças com a da França. No
ano de 1989 o regulamento espanhol experimentou mudanças significativas em matéria de
Direito Mercantil. Em primeiro lugar, expediu-se a Lei 19 desse ano, por meio da qual se
adaptou a legislação mercantil às diretivas da União Européia no atinente a sociedades
mercantis. Do mesmo modo, expediram-se os reais decretos 1564 e 1597 do 22 e 29 de
dezembro do mesmo ano, pelos quais se aprovaram o texto refundido da Lei de Sociedades
Anônimas e o Regulamento do Registo Mercantil, respectivamente. Ademais, expediu-se, mais
adiante, a Lei 2 do 23 de março de 1995, relativa ao regime de sociedades de responsabilidade
limitada. Em Portugal, o Código Comercial de 1888 foi derrogado pelo Decreto-Lei 262 do 2
de setembro de 1986, que regula integralmente a matéria de sociedades comerciais e adapta o
sistema às precitadas diretivas da União Européia. A legislação portuguesa é uma das que mais
rápida vantagem tomou das instituições modernas do Direito Societário. Um bom exemplo é
a adoção da “sociedade por quotas de responsabilidade limitada” incluída no sistema jurídico
português, mediante Lei do 11 de abril de 1901. (ABILIO NETO. Código Comercial, Código das
Sociedades, Legislação complementar, anotados, 9ª ed. Lisboa, 1988, p. 427). Mediante Ordem
2000-912 do 18 de setembro de 2000, ratificada pela Lei 2003-7 do 3 de janeiro de 2003,
expediu-se na França o novo Código de Comércio. Segundo Ripert e Roblot, “no fundo, este
Código de Comércio, subjacente a ambição de reagrupar o conjunto de regras legais de Direito
Comercial, incorpora a Lei do 24 de julho de 1966, sem variar praticamente em nada os textos
contidos nesse estatuto. As mesmas disposições mudam somente de numeração” (RIPERT,
Georges. et al. Traité de droit commercial…, cit., p. 4).
95 Segundo a opinião de EDER, as origens da regulação normativa das sociedades por ações na
América Latina se encontram no Código de Comércio francês de 1807 e no Código de
Comércio espanhol de 1829. “O código espanhol foi muito superior ao francês no que tem a
ver com a tarefa de codificação. Este último não foi, em sua maior parte, mais do que uma
simples reprodução das ordens francesas. O código francês, no entanto, regulou pela primeira
vez à ‘société anonyme’ e deu a esse termo uma conotação diferente da que tinham empregado
Pothier e outros juristas no século XVIII […]. Os códigos latino-americanos foram em seus
inícios simples cópias ou adaptações dos códigos francês e espanhol mencionados” (op. cit.,
pp. 21 e 22). Segundo Apple, “os processos modernos de codificação tão só começaram em
América Latina em meados do século XIX […]. A preparação e adoção do Código Civil chileno
[em 1856] constituiu um evento de grande importância tanto na América do Sul como na
América Central, pois foi adotado em termos quase idênticos por Colômbia e Equador e foi
utilizado como um modelo para os Códigos Civis de Argentina, Paraguai, Venezuela, El Salvador
e Nicarágua. Ainda hoje o Código Chileno e o sistema legal no qual se baseia são vistos como
os mais avançados e influentes dentro dos países da America espanhola” (op. cit., p. 17).
96 A sociedade de responsabilidade limitada (“G.m.b.H.” do sistema alemão) é, obviamente, uma
exceção a este princípio, pois ela foi introduzida pelo legislador germânico em 1892 e mais tarde
por outros regimes europeus e americanos (cfr. ULMER, Peter. Princípios fundamentais do Direito
alemão de sociedades de responsabilidade limitada. Madri: Edit. Civitas, 1998, pp. 22 et seq.).
“No âmbito internacional, a sociedade de responsabilidade limitada foi acolhida nos ordenamentos
jurídicos de diversos países. Assim, por exemplo, já em princípios do século [XX], incorporou-se
aos ordenamentos de Portugal, Equador, Áustria e Brasil, bem como à legislação espanhola. Mais
de cem Estados adotaram a idéia central que data do ano 1892, entre eles, depois da queda dos
sistemas comunistas, também Rússia, Polônia e Rumania” (TREIBER, Helmut. no G.m.b.H.,
Comentários e versão bilíngüe, Frankfurt an Main, Internat., 1995, p. v).
97 Na Europa continental o desenvolvimento da lei de sociedades está em rápida evolução. Para
uma análise completa deste aspecto cfr. SCHLESINGER et al., op. cit., p. 792.
98 ROWLEY, Scott. Rowley on Partnership. Vol. I, Indianapolis, NY: The Bobbs-Merrill Company
Inc., 1960, p. 5. O mesmo autor afirma, como o fazem vários tratadistas norte-americanos e
ingleses, que – apesar da crença errônea em contrário – existe uma proximidade notória entre
o Common Law e o Direito Romano (Ibidem).
102 “Uma aproximação preliminar ao Direito Societário norte-americano suscita certa perplexidade,
enquanto se consegue reconhecer a enorme diversidade normativa existente, integrada por
numerosas leis, regras e antecedentes judiciais. Não existe na nação americana nem em seus
Estados um Código de Comércio sistemático no qual se estabeleçam regras gerais para a publici-
dade das sociedades ou para a conservação de seus livros de comércio. “As regras fundamentais
de Direito de Sociedades se encontram nas legislações dos cinqüenta Estados da União. Estas
normas são similares em múltiplos aspectos, mas rara vez pode dizer-se que sejam idênticas. As
leis estaduais se justapõem em certos casos à legislação federal e à jurisprudência. Contudo, seus
elementos essenciais se mantêm unidos aos órgãos legislativos e às cortes estaduais” (CONARD,
Alfred F. Business Enterprises. In: CLARK, David S. et. al. Introduction to the Law of the United
States. Deventer (Boston): Kluwer Law and Taxation Publishers, 1992, p. 311).
103 “Cada Estado tem seu próprio código de sociedades, em cujo texto se regulam integralmente os
processos de constituição das companhias, bem como os de tomada de decisões para aqueles
empresários que se constituam sob seus preceitos”. (Ibidem, p. 312).
104 Na opinião de MANUEL VARGAS VARGAS, esta interação de normas escritas e antecedentes
judiciais permitiu solucionar parte dos problemas derivados da dicotomia entre a titularidade
da propriedade e o controle da gestão societária: “A legislação tanto federal como estadual dos
Estados Unidos e, sobretudo, uma jurisprudência dinâmica e impregnada de equidade, de-
frontaram com bastante sucesso os problemas derivados deste fenômeno”. (A sociedade anô-
nima no Direito anglo americano. Santiago: Editora Jurídica de Chile, 1964, p. 16).
nominado mercado das leis societárias, uma vez que suas legislações perderiam seu
principal atrativo, ou seja, oferecer aos empresários regras mais flexíveis que se
adaptem às necessidades destes últimos. Esta desvantagem comparativa de cer-
tos estados também se manifesta na impossibilidade de receber os numerosos
recursos derivados dos tributos e demais direitos estatais relacionados com o
funcionamento das sociedades105.
É evidente que os objetivos de modernização deste regime têm sido al-
cançados graças à interação das legislações estatais sobre a matéria. A dinâmica
deste impressionante sistema jurídico se explica pela concorrência de uma
multiplicidade de modernas leis societárias. Este constante exercício de com-
paração entre institutos jurídicos distintos permite uma evolução continuada
das instituições societárias.
O processo de positivação destas normas é caracterizado por um espírito
de inovação, com o qual se busca como objetivo essencial a adaptação da regu-
lação normativa, às situações econômicas que o estado pretende disciplinar.
O sistema de harmonização da legislação societária norte-americana con-
trasta com a forma pela qual foi produzido o mesmo fenômeno na União
Européia. Nesta última, segundo já afirmamos, a aproximação das legislações
ocorreu mediante a fixação de parâmetros de observância obrigatória, intro-
duzidos através de diretivas da comunidade européia. A natureza coercitiva
desta modalidade de harmonização reduz, segundo a opinião de alguns, a
possibilidade de contar com um sistema dinâmico de inovação legislativa, si-
milar ao que ocorre nos Estados Unidos106. Da mesma forma, a promulgação
de regulamentos e diretivas pode provocar efeitos negativos sobre a atividade
das sociedades na Europa. Esta circunstância tem sido exposta por McCahery,
que afirma “o caráter naturalmente heterogêneo das companhias européias
determina a necessidade de que os sistemas legislativos ofereçam alternativas
jurídicas suficientemente variadas, com o objetivo de reduzir o risco da uni-
formidade normativa, o que implica em geral, que a legislação não apresente
níveis ótimos de eficiência”107.
Claro que a necessidade de contar com parâmetros obrigatórios de har-
monização, é limitada pela ausência de competência legislativa entre as nações
da União Européia. De fato, a inexistência de um verdadeiro mercado euro-
peu de legislação societária, determina a necessidade de impor aos estados
membros uma pauta essencial que possa ser considerada útil para o intercâm-
bio comercial entre eles.
Porém, estas exigências de adequação jurídica multilateral têm a vanta-
gem de, no geral, incorporar as tendências mais avançadas, sem a força inercial
das tradições jurídicas locais possa impedir a modernização dos sistemas.
Pois bem, a adoção na Europa da doutrina da sede real (effective seat ou siège
réel) parece ser o principal impedimento para o desenvolvimento de uma com-
petência legislativa entre o os países da União Européia. De acordo com esta
teoria, o critério decisivo para estabelecer a legislação aplicável a uma companhia
é a sede principal de seus negócios, determinado pelo território nacional em que
se encontra seu escritório principal108. Esta doutrina contrasta nitidamente com
a teoria dos assuntos internos (internal affairs doctrine) que prevalece nos Estados
Unidos, segundo a qual, as normas que regem o funcionamento interno de uma
sociedade são as do Estado previsto em seus estatutos como domicílio princi-
pal109. Esta divergência doutrinária, que a primeira vista pode parecer inócua,
como ocorre nos países europeus, mas sim pela determinação daquele lugar no qual a socie-
dade cumpre a maioria das atividades previstas em seu objeto social, definidas por fatores tais
como o volume de ativos, a maioria de sua força trabalhista medida pelo número de emprega-
dos e as vendas”. (CONARD, op. cit., p. 313).
110 Na verdade, “por virtude da doutrina da ‘sede real’, faz-se demasiado oneroso aceder a uma
mudança de legislação aplicável devido ao fato que isso requereria mudar o domicílio social
a um país diferente (‘reincorporation’). Ademais, as pronunciadas diferenças culturais que
ainda subsistem na União Européia permitem supor que os administradores sociais veriam com
certa reticência a possibilidade de estabelecer-se de maneira permanente num país vizinho, ou
de viajar a ele diariamente para poder cumprir suas funções” (ROMANO, op. cit., p. 132). Em
sentido análogo, MCCAHERY estima que “a União Européia não conta ainda com um verda-
deiro sistema de competência legislativa em torno da legislação societária, em grande parte,
devido à doutrina da ‘siège réel’ que adotaram a maioria dos países que integram a União”
(McCAHERY, Joseph A. et al. Limited Partnership Reform..., cit., p. 73).
111 Na opinião de RAAIJMAKERS, “é relevante a aceleração do processo de competência regulatória
em Europa e o movimento reformista das leis de sociedades em vários dos Estados membros. Para
estes efeitos foi crucial a jurisprudência da Corte Européia de Justiça a respeito da liberdade de
estabelecimento e o reconhecimento das sociedades estrangeiras” (op. cit., p. 162).
destaca o juiz norte-americano Holmes, para quem, “o Common Law é um judge made law ou
direito criado pelos juízes. A sentença é regulamento tanto para o caso particular como para os
vindouros, não porque o juiz recolha nela o direito expressado nos costumes dos maiores,
senão simplesmente porque é o próprio juiz que, ao resolver o caso num sentido determinado,
cria a norma de direito” (VARGAS VARGAS, op. cit., p. 20).
120 No clássico livro de SIR MATTHEW HALE sobre a história do Direito Comum de Inglaterra se
menciona a coexistência, própria do direito anglo-saxão, entre as leis escritas e os costumes do
Reino Inglês. “O Direito Inglês pode ser justamente dividido em duas classes, v.gr. Lis Scripta,
o direito escrito e Lex Non Scripta: Ainda que no direito deste reino se encontram alguns
monumentos ou reminiscências por escrito, nem todas as normas foram concebidas assim; isso
se deve ao fato que algumas destas leis derivam sua força de usos ou costumes muito antigas,
de maneira que tais normas se denominam apropriadamente Leges Non Scriptae ou normas ou
costumes não escritos”. (The History of the Common Law of England. London: The Univerisity
of Chicago Press, 1971, p. 3).
121 “No entanto, deve-se considerar a existência de um corpo de leis do parlamento proferidos sob
o reinado de Henrique segundo, conhecido comummente como as constituições de Clarendon”.
(Ibidem). Estas normas não podem ser consideradas propriamente como uma constituição no
sentido moderno da palavra.
122 É óbvio que o costume foi incorporado desde tempos remotos não somente em leis escritas
senão também em sentenças judiciais (Cfr. HALE, Sir Matthew. Op. cit., p. 16).
123 BOND et al., op. cit., p. 21.
124 GLENDON et al., op. cit., p. 241.
125 Segundo JOSÉ FERRATER MORA, a indução consiste num “método dialético, o qual vai
recusando hipóteses para elevar-se a proposições de caráter mais e mais universal” (Dicionário
de filosofia, 4ª edit. Buenos Aires: Edit. Sul-americana, 1958, p. 697).
126 Não se deve incorrer na confusão a que dá lugar o vocábulo inglês law. O significado desta
palavra não só se relaciona com a lei (em sentido formal ou material), senão também com uma
acepção mais ampla: Direito. Assim, quando se utiliza a palavra law, ela pode referir-se não só à
“lei” expedida por um órgão legislativo (que se conhece, mais bem, com os vocábulos statute, act
ou bill), senão também à regra jurídica (rule of law) estabelecida numa sentença judicial.
127 Sobre a explicação do denominado princípio do stare decisis, afirmou-se que “é verdadeiro
que as decisões dos tribunais de justiça são obrigatórias em virtude das leis deste reino e
constituem o direito aplicável entre as partes concernentes, com respeito ao caso particular
que se decide [...]. Elas têm uma grande força e autoridade para explicar, declarar e publicar o
direito vigente neste reino, especialmente, quando tais decisões mostram consonância e
congruência com as resoluções e decisões proferidas em épocas anteriores. (HALE, Sir Matthew.
op. cit., p. 45).
128 Naturalmente, poder-se-ia afirmar que uma vez sentada a regra de Direito, o sistema assume
também um caráter dedutivo, porque os tribunais e juízes de hierarquia inferior ficam obriga-
dos a aplicar tal princípio, de forma geral, a todos os casos que daqui por diante se apresentem.
129 Se trata do que se denominou de capacidade persuasiva de afirmações acidentais (persuasive
authority of obiter dita). “Um exemplo poderia consistir numa regra de Direito mencionada no
texto da sentença a título de simples ilustração ou analogia, ou outra regra sugerida na qual não
está baseada a decisão final. Estima-se que o ‘dito de passagem’ não é vincular dentro da
sentença, porque, provavelmente, o juiz não o afirmou depois de efetuar uma análise detalhada
dos antecedentes sobre o caso. Ademais, se aquilo considerado como obiter dictum é demasia-
do vago ou de excessiva amplitude, é provável que o juiz o tenha expressado sem valorizar de
modo suficiente todas as conseqüências que se seguiriam de sua aplicação” (WILLIAMS, Glanville.
Learning the Law. Eleventh Edition. London: Stevens & Sons Limited, 1982, pp. 77-78).
130 Se sabe que os juízes se mostram reticentes ante a aplicação de normas escritas quando elas
contradizem as regras de Direito decididas no Common Law. “Com muita freqüência e a não ser
que o ânimo de codificação seja patente, vê-se os juízes anglo-saxões sustentarem que um
determinado ‘statute’ só teve por objeto recopilar ou codificar o ‘Common Law’ e que,
portanto, deve ser interpretado no sentido que este se tinha entendido anteriormente à
codificação” (VARGAS, op. cit., p. 19). Além disso, a enorme difusão da jurisprudência anglo-
saxã permite que sua consulta se efetue na atualidade mediante completas bases de dados, às
quais é viável aceder por meios eletrônicos. A publicação das sentenças dos juízes corresponde
a uma tradição inveterada que afunda suas raízes na época Medieval. “Desde épocas remotas,
o Direito inglês se desenvolveu a partir de sentenças mediante as quais se decidem casos reais.
Desde o ano de 1295 se tem notícia da publicação consecutiva de sentenças, primeiro na
forma de anuários (‘yearbooks’) e mais adiante nos denominados ‘reportes ou compilações de
casos” (EDER, Phanor. A Comparative Survey…, cit., p. 8).
131 GLENDON et al., op. cit., p. 235.
132 Por virtude deste princípio, os juízes de menor hierarquia devem submeter-se em suas senten-
ças ao decidido pelas cortes de apelações e pelas cortes supremas. Estas últimas, por sua vez,
devem respeitar seus próprios precedentes jurisprudenciais, de maneira que as mudanças de
apreciação sobre um ponto previamente decidido devem estar plenamente justificados. De
acordo com o dicionário Black’s Law, o “stare decisis” é definido como “aquela doutrina
segundo a qual quando um tribunal decidiu um princípio jurídico aplicável a determinados
fatos, continuará baseando-se em dito princípio e o aplicará a todos os casos futuros, sempre
que os fatos sejam substancialmente iguais, sem prejuízo de que o regrado recaia sobre as
mesmas partes ou os mesmos bens” (Sixth Edition. Saint Paul, Minn.: West Publishing Company,
1990, p. 1406). “A importância da doutrina do stare decisis se expõe naqueles casos em que
é viável identificar uma ou várias sentenças judiciais a respeito de algum ponto de Direito. A
doutrina significa que os casos semelhantes devem ser resolvidos no presente, de forma
idêntica a como o foram no passado. A doutrina se vale da denominada ‘ratio decidendi’ ou
sustento (‘holding’), que não é nada diferente de uma breve referência a uma sentença judicial
prévia. Esta, por sua vez, é uma regra específica, cuja utilidade consiste em que mediante ela
pode-se resolver o conflito que surge de uma situação fática particular. O resto do texto da
sentença é relativamente irrelevante, pois se considera simplesmente como ‘dita’. A ‘ratio
decidendi’ pode comparar-se com um princípio jurídico, já que constitui uma norma geral que
se nutre de razões que serviram como fundamento a uma série de sentenças judiciais consecu-
tivas” (CLARK, David S. et. al., op. cit., p. 36).
133 HOWELL, Rate A. et al. Business Law. Third Alternate Edition. Chicago: The Dryden Press,
1986, p. 65.
134 Para Eder, existe uma vantagem adicional do método de decisão judicial (case law) com relação
aos sistemas de Direito escrito: “Um princípio geralmente reconhecido tanto no direito de
No reino Unido, as cortes contam com uma menor flexibilidade para revogar
(overrule) suas próprias sentenças judiciais135. Certamente, a validade de um
princípio de direito previamente definido por um juiz, só pode ser desconsi-
derada por uma corte hierarquicamente superior, com exceção da Câmara dos
Lordes. Somente a partir de 1966 estabeleceu-se que esta última corporação
poderia revogar suas próprias determinações.
Por outro lado, o sistema de codificação dos países de tradição romano-
germânica possibilita aos litigantes uma maior previsibilidade em relação aos
resultados dos processos. Isso se deve ao princípio segundo o qual “a lei deve ser
clara e deve ser escrita, tanto quanto possível, de maneira que cada cidadão possa
conhecer quais são seus direitos e seus deveres. Somente mediante esta clareza é
possível minimizar os litígios, evitar as injustiças e preservar a liberdade”136. A
segurança é, a propósito, o objetivo de todo sistema jurídico, porém, como afirma
acertadamente, Merryman “na tradição romano-germânica ela tem se
transformado em uma espécie de valor supremo, dogma inquestionável e meta
fundamental [...]. No mundo do Direito que pertence à tradição do Civil Law,
o argumento de que qualquer proposta de alteração legislativa afetará a segurança
jurídica sempre é utilizada para o avanço da legislação”137. A segunda característica
mencionada, isto é, a flexibilidade, é particularmente relevante no campo do
direito societário, em razão dos juízes possuírem uma grande liberdade para
origem românica como no anglo-americano, é aquele, segundo o qual, uma lei escrita não
pode ser derrogada por ter caído em desuso ou por existir um costume contra legem. Pelo
contrário, no sistema de precedentes, próprio do ‘Common Law’, existe uma conhecida
exceção à regra do stare decisis. Os antecedentes judiciais ficam derrogados por simples
obsolescência, o qual ocorre pelo curso do tempo e pela mudança nas circunstâncias. Quan-
do os motivos que se levaram em conta para expedir uma antiga regra variam por razão de uma
mudança nas circunstâncias, o juiz fica em liberdade para desconhecer a velha regra, de
maneira que seu dever será o de aplicar outros princípios que sejam consoantes com as
exigências da época presente (‘cessante ratione, cessat et lex ipsa’)” (A Comparative Survey...,
cit., pp. 21-22).
135 “O sistema norte-americano de antecedentes judiciais, ainda no caso da Corte Suprema de
Justiça, é mais flexível e maleável do que o da jurisprudência inglesa, sem que isso signifique que
aquele se aparte do princípio de igualdade frente à lei, da segurança jurídica, da possibilidade
de predizer os resultados de um processo judicial ou da economia no uso dos meios. O caráter
eclético dos tribunais, inclusive os de caráter federal, a ampla formação intelectual e jurídica dos
juízes, o fato de que estes participam na formulação de regras de ordem pública, econômica,
social e moral, bem como sua capacidade de adaptar-se às idéias e teorias predominantes em sua
época, marcam a diferença entre as concepções inglesas e norte-americanas a respeito do sistema
de precedentes judiciais”. (LEVASSEUR, Alain A. Le Droit..., cit., pp. 79-80).
136 TUNC. The Code Napoléon and the Common Law World, citado por SCHLESINGER et al., op.
cit., p. 19.
137 MERRYMAN et al., op. cit., p. 612.
138 De acordo com HOWELL, “em toda nação, e em especial nas altamente industrializadas como
os Estados Unidos, as mudanças sociais ocorrem com acelerada rapidez. Cada mutação
apresenta novos problemas que devem ser resolvidos sem demoras indevidas. Esta necessidade
foi reconhecida pelo juiz Cardozo, quando escreveu que “o Direito, como o viajante, deve
estar sempre pronto para o amanhã” (HOWELL, Rate A. et al., op. cit., p. 7).
139 “Remedy” é a expressão inglesa equivalente a recurso (ROBB, Louis A. Dicionário de Termos
Legais, Espanhol-Inglês e Inglês-Espanhol”. México: Edit. Limusa, 1991, p. 206).
140 “O progresso do Direito nunca foi constante. Oscilou pendularmente entre épocas vigorosas e
épocas de decadência. Por razões desconhecidas, o ‘Common Law’, teve uma etapa de
estancamento. Num ponto determinado, cessou a criatividade dos juízes da coroa para inven-
tar procedimentos, inovadores ‘writs’ e ordens para instituir novas ações. A situação criou
preocupação na consciência do rei. Este, pai do país e fonte da justiça, tinha o dever de
verificar que a nenhum súbdito se denegasse o acesso a ela, em casos em que, em critério do
monarca, deveria existir um processo disponível. Este dever foi delegado ao Chanceler, quem
se converteu, entre os séculos XV e XVI, no guardião e depositário da consciência do rei”
(EDER. A Comparative Survey..., cit., p. 67).
141 No dicionário Black’s Law se faz a seguinte referência a respeito das origens dos denominados
writs: “No antigo Direito Inglês, o writ era um instrumento em forma de carta […]. Nos antigos
livros a palavra writ se usa como um equivalente de ação. Por tanto, os writs se dividem em
ocasiões em reais, pessoais ou mistos”. (Op. cit., p. 1608).
142 BOND et al., op. cit., p. 5. “Tanto o ‘Common Law’ como a ‘equity’ se originaram na Inglaterra
a partir da invasão normanda de 1066. Ambos os sistemas se mantiveram relativamente
unificados por cerca de três séculos […] Só no século XIII, estabeleceram-se entre eles certas
fronteiras, ainda que de modo vago e tão só para algumas ações judiciais […]. No século XIV,
a jurisdição da ‘equity’ surge, finalmente, como um sistema autônomo” (NOLAN, Joseph R. et
al. Equitable Remedeies. Massachussets: West Publishing Company, 1993, p. 10).
143 No célebre caso Dudley v. Dudley (1705) encontra-se uma excelente definição do conceito em
estudo: “A ‘Equity’ não faz parte da lei, senão que é, mais bem, uma virtude moral que qualifica,
modera e reforma o rigor, a dureza e o fio da lei, e constitui uma verdade universal. Também
complementa à lei, quando ela é defeituosa ou débil em sua constituição [...]. Portanto, a
‘equity’ não destrói nem cria a lei, tão só a complementa” (BOND et al., op. cit., p. 6).
144 “A jurisdição de equidade nasceu na Inglaterra e traz sua origem da idéia de que o rei é ‘a fonte
da justiça’. Segundo esta concepção o rei, como ‘pater patriae’ tem o dever de velar por que a
nenhum de seus súbditos se denegue um remédio ou uma reparação quando a consciência
requer que tenham alguma. A equidade se obtém por graça do rei, não por direito. Portanto,
os remédios eqüitativos são essencialmente discricionários, o que se põe de relevo na máxima
de equidade segundo a qual esta ‘depende do tamanho do pé do chanceler’ (equity depends
on the length of the Chancellor’s foot) […]. A partir do século XIV o rei começou a delegar as
funções relacionadas com a equidade no ‘Chancellor’ ou Chanceler, quem decidia os casos
em seu nome. Daí que o Chanceler recebesse o título de keeper ‘of the king’s conscience’ ou
guardador da consciência do rei. Os chanceleres, que até tempos de Henrique VIII (século XVI)
foram eclesiásticos, inspiraram fortemente suas decisões no Direito Canônico” (VARGAS
VARGAS, op. cit., p. 22).
145 BOND fornece as seguintes definições destas medidas excepcionais: “a) Ordem coercitiva ou
de abstenção (‘injunction’): Trata-se de uma providência judicial por meio da que se ordena a
execução ou abstenção de um determinado ato. Quando está dirigida a ordenar a execução de
certo ato, recebe o nome de ordem coerciva (‘mandatory injunction’); se trata-se de uma ordem
judicial orientada a que seu destinatário se abstenha de realizar uma ação, usualmente ilegal,
recebe o nome de ordem de abstenção (‘prohibitory injunction’). b) Execução específica da
prestação (‘specific performance’): Trata-se de uma providência judicial da qual se deriva um
mandato mediante o qual se obriga a um indivíduo a cumprir uma obrigação derivada de um
contrato ou de um negócio fiduciário (‘trust’). c) Retificação (‘rectification’): Quando um
documento notarial não reflete a verdadeira intenção das partes, devido a um erro de transcri-
ção, a corte de chancelaria adquire concorrência para ‘retificar’ tal documento. d) Rescisão
(‘rescision’): de maneira análoga à retificação, este remédio surgiu da impossibilidade que
existia sob o ‘common law’ de impedir a uma parte exigir à outra judicialmente uma responsa-
bilidade contratual, em circunstâncias tais nas quais a demanda fosse manifestamente injusta,
devido a fatores acidentais” (op. cit., pp. 6-7).
tados injustos146. É preciso perceber também que soluções que impõe o dever
de executar uma obrigação derivada de um contrato, cumpre também um
papel preponderante no âmbito do direito societário147.
A antiga divisão entre cortes de Direito e de equidade (Courts of Law and
Courts of Equity) foi abolida tanto na Inglaterra quanto nos Estados Uni-
dos148. Apesar, de ainda subsistirem as duas instituições do judiciário, com
suas regras perfeitamente definidas149. Quando a sentença é proferida com
base na equidade, os princípios jurídicos aplicáveis são adotados com ampli-
tude pelo juiz, mas a decisão depende em parte da discricionariedade do fun-
cionário, este deve guiar-se por precedentes judiciais sobre fatos semelhantes e
observar as regras próprias desta forma de atuação judicial150. Os recursos
último, aquela segundo a qual, ‘a equidade não tolera agravo sem reparação’” (VARGAS
VARGAS, op. cit., p. 22).
151 “As jurisdições de equidade são jurisdições de consciência. Os remédios que estas jurisdições
outorgam aos litigantes se inspiram na idéia de que repugna à consciência deixar a alguém
privado de uma reparação adequada quando assim o requer a justiça, ainda que a aplicação
estrita das normas de Direito leve à conclusão contrária” (Ibidem, p. 23).
152 BOND et al., op. cit., p. 8.
153 WILLIAMS, Glanville. op. cit., pp. 25-26.
154 Para HELEN J. BOND, “apesar de que as regras da equity eram proferidas em consciência,
rapidamente se tornaram num conjunto de regras dotadas, em grande parte, de uniformidade
e certeza. Quase todas estas regras foram criadas entre 1529 e 1827. Daí que a equity já não
dependa do tamanho do pé do Chanceler”. (Op. cit., p. 6).
155 MERRYMAN et al., op. cit., p. 614.
É bom recordar, por outro lado, que a legislação adotada desde o sécu-
lo XIX pelos distintos Estados da União Americana demonstrou não ser
uma garantia suficiente na proteção dos interesses dos acionistas minoritá-
rios e credores. Por isso, tal proteção teve que ser alcançada externamente às
leis estaduais, mediante decisões judiciais em equity, que impuseram aos
administradores e sócios majoritários deveres fiduciários por meio da legis-
lação federal sobre valores mobiliários mobiliários dos anos trinta e quaren-
ta. Como conseqüência disso – e em contraste com o método tradicionalmente
seguido nos países de Civil Law – os mais importantes mecanismos usados
nos Estados Unidos para proteger os investidores não se encontram na le-
gislação de Direito Societário, mas existem como um corpo separado de
regras de Direito156.
Segundo afirmado anteriormente nesta obra, o Direito Societário pró-
prio dos países de tradição romano-germânica são considerados pela doutrina
anglo-saxônica como um sistema de menor dinamismo, em comparação com
o Common Law. Isso se deve ao fato de que geralmente, o juiz está obrigado a
aplicar a lei estritamente como aparece nos textos legais157. Poderíamos dizer
que os procedimentos tendem a ser menos efetivos, particularmente no que se
refere às ações de proteção dos sócios minoritários e de terceiros credores158. A
carência de equivalente aos recursos em equity determina uma considerável
restrição aos poderes dos juízes cujo campo de atuação se vê limitada por
rígidas fronteiras que os Códigos estabelecem.
156 SCHLESINGER, et al., op. cit., p. 803. “O Direito das sociedades anônimas é Direito legislado,
matéria própria do ‘statute law’. No entanto, este Direito está penetrado de equidade […]. A
preeminência da equidade no campo do direito das sociedades anônimas – e em general do
Direito Societário –, tem uma explicação histórica: os tribunais de Direito tiveram sempre
repugnância a intervir nos conflitos propostos entre os sócios de uma ‘partnership’ ou socie-
dade coletiva, dada a complexidade dos problemas que ditos conflitos propunham. Ante esta
negativa dos tribunais de Direito não ficava aos sócios outro remédio que ocorrer aos tribunais
de equidade” (VARGAS VARGAS, op. cit., p. 25).
157 “O papel do juiz é simples e restringido, limitado pela noção estrita da supremacia legislativa.
Os juízes dos países civilistas são, em teoria, ‘operadores’ de um sistema que foi desenhado
por cientistas do Direito e construído pelos legisladores. Devido ao fato que somente existe
uma solução correta a um problema jurídico, segundo o têm sentado a doutrina e a ciência
jurídica, a arbitrariedade no juiz ou a amplitude interpretativa se fazem essencialmente desne-
cessárias” (APPLE, James G. et al., op. cit., p. 30).
158 Segundo EDER, os autores do Common Law costumam estar de acordo em considerar que,
“este sistema de Direito criado pelos juízes (‘judge made law’), ajusta-se mais apropriadamente
às necessidades da vida, está mais orientado pelo sentido comum e está mais próximo dos
assuntos relevantes para o homem do que qualquer outro sistema jurídico no mundo” (A
Comparative Survey..., cit., 1950, p. 20).
É muito comum o juiz ter que enfrentar o dilema de adotar uma decisão
injusta ou ter a necessidade de se afastar da interpretação exegética do texto
legal. Existe ainda como agravante o fato de que a presença de lacunas na
legislação cria uma situação iníqua ou alguma classe de bloqueio no processo
de adoção de decisões judiciais, cuja única solução possível consiste na inter-
venção do órgão legislativo159. Por isso torna-se pertinente a observação de
Piero Calamandrei segundo a qual a prática judicial dos países de tradição
romano-germânica “é rica em virtuosismo dialético, porém como conseqüên-
cia, menos sensibilidade e abertura às exigências de cada caso individual, que
os países do Common Law”160.
Trata-se, portanto, de uma jurisprudência essencialmente conceitual em
que conta mais o rigor exegético que os valores mobiliários de justiça e equi-
dade. “Somente poucos países de tradição jurídica ligada ao Civil Law como a
suíça, por exemplo, tem dado aos juízes amplos poderes para criar Direito e
atuar, em certos casos, como legislador”161.
Porém, podemos antecipar que o dinamismo da função judicial, por ser
um imperativo dos sistemas jurídicos contemporâneos, acabará por impor-se
aos países de maior rigidez exegética.
É interessante recordar que nos tribunais privados das corporações for-
madas por comerciantes (curiae mercatorum) da Idade Média, que formavam
parte da denominada jurisdição consular, as determinações eram adotadas ex
aequo et bono. Atualmente existe a possibilidade de atribuir a um tribunal de
159 MERRYMAN afirma que “no mundo de tradição romano-germânica, se os fatos que originam o
litígio não encaixam no marco normativo, devem ser distorcidos para fazê-los encaixar nele.
Ademais, a construção de dito marco normativo, em teoria, sempre corresponde ao legislador”
(op. cit., p. 614).
160 Citado por JOHN HENRY MERRYMAN et al., op. cit., p. 623. DAVID S. CLARK considera o
pragmatismo como a característica fundamental do sistema norte-americano. Em sua opinião,
“os norte-americanos, em geral, tendem a interessar-se muito pouco na filosofia ou nas abstra-
ções metafísicas. De uma visão européia, os estadunidenses vulgarizaram a filosofia de um
modo semelhante a como desarticularam sua linguagem, a comida ou as boas maneiras. De
uma perspectiva norte-americana, estas condutas são aceitáveis na medida em que tenham
uma utilidade prática” (CLARK, David S. et al., op. cit., p. 8). Não menos surpreendente é a
progressiva mudança de uma sofisticada cultura livresca para outra na que predomina a
informação difundida em materiais audiovisuais produzidos para a sociedade de consumo
Assim, por exemplo, suscita perplexidade que no texto de eruditas elaborações doutrinárias se
incluam citações procedentes do V Episódio da “Guerra das Estrelas” (Cfr. BIERY, Evelyn H. et
al. A Look at Transnational Insolvencies and Chapter 15 of the Bankruptcy Abuse Prevention
and Consumer Protection Act of 2005. In: Boston College Law Review. Vol. 47, nº 23, 2005,
pé de pág. 229).
161 Artigo I do Código Civil da Suíça.
162 No entanto, deve-se evitar a confusão que faz alguns pensar que as decisões falhas em ‘equity’
são equivalentes aos laudos arbitrais em equidade. Na realidade, no sistema anglo americano
existem regras bem definidas ainda para as decisões mencionadas. De maneira que a ‘equity’,
igualmente ao ‘Common Law’, está integrada por um corpo de regras de Direito, igualmente
vinculantes para os juízes chamados a aplicá-las, cuja difusão também se produz de maneira
periódica. Naturalmente, devido ao fato que a ‘equity’ se desenvolveu nos tribunais da
chancelaria (‘courts of chancery’), que dependiam diretamente do rei, o chanceler não estava
obrigado a acatar as regras do ‘Common Law’.
163 SCHLESINGER et al., op. cit., p. 651. É interessante mencionar neste ponto a opinião um tanto
extrema de ROSENN sobre a situação atual do Direito na América Latina. Vejamos: “Conquanto
existe em todos os países alguma diferença entre o Direito tal como aparece nos livros e a efetiva
aplicação da lei, dita distorção é especialmente notória na América Latina. Pese a preocupação
impressionante pela aparência de legalidade, uma significativa quantidade de normas se conhece
só na medida em que elas são violadas. Phanor Eder, estudioso incansável do Direito Latino-
americano, referiu-se a este paradoxo nos seguintes termos: ‘Como se pode entender e harmonizar
a curiosa combinação entre um respeito notório pelos formalismos legais e os rituais – o que
demonstra uma verdadeira reverência pelo Direito – e um mínimo respeito pelas leis escritas? Boa
parte da explicação a esta ampla disparidade entre o direito nos livros e a prática real, encontra-
se num complexo de fatores históricos e culturais que condicionaram as atitudes que imperam na
América Latina frente ao direito’” (ROSENN, Keith. “Latin American Law”, conferências
mimeografadas, University of Miami, 1992). Merryman também alude às causas ancestrais da
escassa criatividade judicial presente nos países de tradição romano-germânica: “Esta tradição,
onde o juiz nunca foi concebido como um funcionário que deva exercer uma função criativa,
fortaleceu-se mediante a ideologia antijudicial da revolução européia, somada às conseqüências
lógicas da doutrina racionalista da estrita separação dos poderes públicos. Portanto, o juiz
romano-germânico exerce um papel substancialmente mais modesto do que o juiz da tradição
anglo-saxã. Além disso, tanto o sistema de eleição dos juízes como a carreira judicial são
eloqüentes a respeito do status inferior que nos países romano-germânicos ostenta a profissão
judicial” (MERRYMAN, John Henry. The Civil Law Tradition: An Introduction to the Legal Systems
of Western Europe and Latin America. Califórnia: Stanford University Press, 1969, p. 37).
164 O professor EMILIO LANGLE afirma que “o povo inglês foi sempre inimigo do sistema de
codificação e também o é da dissociação do Direito privado”. (Manual de Direito Mercantil
Espanhol. T. I. Barcelona: Edit. Bosch, 1950, p. 184).
165 ROSENN, Keith. Law and Inflation, Contractual Adaptations to Inflation, p. 447. Nos Estados
Unidos a diferença significativa se encontra entre as cortes federais e as estatais. Sabe-se que
“os tribunais federais têm uma competência restringida: ‘ratione materiae’, conhecem das
questões regidas pela Constituição e pelas leis federais; e ‘ratione personae’, dos litígios entre
cidadãos de diferentes Estados, seja qual for a lei que governe o pleito”. (Ibidem p. 20). Outra
distinção, ainda que de menor importância, existe entre a jurisdição penal e a ordinária. Esta
última se refere a todo tipo de assuntos diferentes dos penais. É curioso observar, contudo, que
a Corte Suprema de Justiça norte-americana tem jurisdição para decidir quaisquer casos que se
apresentem a sua consideração, sem distinção substantiva nem de procedimento. Naturalmen-
te, o máximo órgão jurisdicional tem arbitrariedade para determinar que casos atende, com
fundamento no denominado writ of certiorari.
166 GLENDON et al. Comparative Legal Traditions..., cit., p. 752.
167 “A forma geralmente aceitada de dividir e classificar o Direito no mundo civilista é muito
diferente daquela à que estão acostumados os advogados formados no ‘Common Law’. A
divisão fundamental nos modernos sistemas de Direito Civil é aquela que distingue entre
Direito Público e Direito Privado. Para um advogado civilista, esta distinção é básica, neces-
sária e óbvia. Apesar do reconhecimento universal desta distinção nos países de tradição
civilista, não existe acordo entre os advogados de tais países a respeito de seu fundamento
teórico (ao menos nenhuma fundamentação diferente da histórica, isto é, por exemplo, que
está baseada no Corpus Iuris Civilis). Também não existe uniformidade entre estes países a
respeito do âmbito de aplicação do Direito Público e o Privado”. (APPLE et. al., op. cit. p. 23).
174 “O desenvolvimento da ‘lex mercatoria’ no continente europeu foi devido aos desenvolvimen-
tos comerciais acontecidos na península italiana e em outras partes de Europa. Dentro destes
deve-se incluir, ao menos, os seguintes fatores: 1. A criação e expansão de relações comerciais
entre as cidades-Estado italianas e outros centros urbanos fora de Itália; 2. O crescimento de
atividades marítimas de natureza mercantil e a necessidade de uma infra-estrutura de normas
jurídicas para regular tais atividades de comércio; 3. O incremento das feiras e mercados ao
longo do continente europeu, somado à crescente importância de regular os negócios jurídi-
cos celebrados neles; 4. O aumento no número de associações de mercadores em centros de
comércio, cuja criação servia aos propósitos de proteger as mercadorias em trânsito, criar
mecanismos de garantia para as operações financeiras e estabelecer sistemas céleres de resolu-
ção de conflitos”. (APPLE et al., op. cit., p. 10).
175 Muito antes do surgimento das nacionalidades européias, os italianos assimilaram parte das
práticas legais e os usos mercantis próprios dos mercadores árabes, com quem estabeleceram
intensas relações de troca nas costas orientais do Mediterrâneo. Tais práticas se estenderam da
Itália às demais nações da Europa Continental e, mais adiante, passaram dos Países Baixos a
Inglaterra. No que hoje se conhece como o Reino Unido, também existiu um Direito Mercantil
diferenciado do Direito Comum, ainda que no território insular a linha divisória não tenha
sido tão marcada como ocorreu no continente europeu e, em especial, nos países de tradição
latina (Cfr. ROGERS, op. cit., p. 18). Na opinião de APPLE, “O estabelecimento de tribunais
comerciais com jurisdição especial para resolver litígios de natureza mercantil – tanto nas
cidades mediante as corporações de mercadores, como nas feiras e mercados – abriu o cami-
nho à prática estendida em alguns países de Europa continental de separar o Direito Comercial
e seu procedimento especial em relação com outros âmbitos do Direito. Criaram-se códigos
diferenciados para agrupar tanto as normas substantivas de Direito Comercial como as dispo-
sições de procedimento. De maneira análoga, estabeleceram-se tribunais de comércio para
administrar os litígios relacionados com esse ramo do Direito”. (Op. cit., p. 11).
176 SCHLESINGER et al., op. cit., p. 303. Usualmente se atribui a Lorde Mansfield a unificação
definitiva das duas vertentes do Direito inglês. “As cortes da coroa inglesa tiveram na pessoa de
Lorde Mansfield a um juiz dotado de entusiasmo por sua profissão e com o espírito filosófico
suficiente para realizar a grande tarefa de absorver dentro do ‘Common Law’ aquelas regras da
‘lex mercatoria’ que não fossem discordantes com os princípios fundamentais do Direito
inglês”. (EDER. A Comparative Survey..., cit., p. 10).
177 “Com o surgimento do Código Comercial Francês, “Code de Commerce”, iniciou-se a fase que
marcou a passagem da caracterização do direito comercial da pessoa do comerciante (fase
subjetiva) para os atos jurídicos por qualquer pessoa praticados (fase objetiva); o legislador
identificou atos jurídicos e os relacionou como sendo atos de mercancia. Foi o início da
objetivação do Direito Comercial.” (LIPPERT, Márcia Mallmann. A Empresa no Código Civil.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 49, citada em GOULART, Direito Societário, op. cit.,
p. 25). Para o caso brasileiro é interessante observar que o código de 1850 “adotou o
posicionamento do Código francês relegando, entretanto, ao Regulamento nº 737 do mesmo
ano a tarefa de enumerar, em seu art. 19, aqueles atos apartados da disciplina do Direito Civil.”
(GOULART, op. cit., p. 25).
178 Nos países em que não existe uma jurisdição separada de comércio, a dicotomia se faz ainda
mais inútil. Na França se defende a manutenção da dicotomia jurisdicional, devido à maior
celeridade dos tribunais de comércio. No critério de COUTANT, os tribunais de comércio “são
o fruto de uma longa e lenta evolução derivada das necessidades particulares do comércio, como
são a celeridade, a importância da palavra empenhada e o escasso formalismo do Direito
Comercial. Estas características especiais deram origem ao surgimento de uma justiça comercial”.
(COUTANT, Michel-Frederic. Les tribunaux de commerce. Paris: Presses Universitaires de France,
1998, p. 5).
179 Curiosamente, o conceito de comerciante (merchant) foi desenvolvido pela legislação norte-
americana para alguns efeitos do contrato de compra. Efetivamente, a Seção 2-104 do Uniform
Commercial Code (UCC) estabelece três critérios diferentes para determinar se um indivíduo
é comerciante.
180 Devido ao fato que este ponto deu lugar a várias dificuldades nos países de Direito Civil, a lei
francesa de sociedades comerciais, 66-537 do 24 de julho de 1966, previu que todas as
formas societárias reguladas em dito estatuto se considerassem sociedades comerciais, inde-
pendentemente do conteúdo de seu objeto social. Assim, na França existe a sociedade civil
como um tipo autônomo de companhia, cuja regulação se encontra por fora da mencionada
lei. Efetivamente, de acordo com o disposto no inciso 2º do artigo 1º de dita lei, “são
comerciais em razão de sua forma, qualquer que seja seu objeto, a sociedade em nome
coletivo, as sociedades em comandita simples, as sociedades de responsabilidade limitada e as
sociedades por ações”. Esta disposição foi reproduzida pelo Novo Código de Comércio
francês em cujo artigo L. 210-01 se mantém incólume o texto citado da lei societária de 1966.
(Cfr. Code dês Sociétés et dês Marchés Financieres, 20e edition, Paris: Dalloz, 2003, p. 134).
Por sua vez, no inciso segundo do artigo 1845 do Código Civil se considera que têm caráter
civil “todas as sociedades a respeito das quais não se atribua um caráter diferente na lei, em
razão de sua forma, de sua natureza ou de seu objeto” (Ibidem, p. 76). Da mesma forma, na
Espanha, o Real Decreto 1564 de 1989 acolheu o mesmo princípio a respeito das sociedades
anônimas. De maneira que, nos termos do artigo 3º de dito estatuto, “a sociedade anônima,
qualquer que seja seu objeto, terá caráter mercantil, e quanto não se reja por disposição que
lhe seja especificamente aplicável, ficará submetida aos preceitos desta lei”.
No caso brasileiro, antes da expedição do código civil de 2002, “o critério para a distinção
entre sociedades civis e comerciais é do objeto. Dedicando-se a sociedade àquelas atividades
consideradas como compreendidas entre as atividades ditas comerciais quer no sentido estrito
(intermediação ou comércio propriamente dito) ou no sentido amplo (aquelas que facilitam,
complementam ou se agregam às primeiras, como o crédito, o transporte, a indústria etc.),
considera-se comercial. Pelo contrário, se se dedicar a atividades eminentemente civis, como
agricultura, profissões liberais ou imóveis, será considerada civil. Exceção a essa regra geral
encontra-se na legislação brasileira, para as sociedades anônimas, em que se adotou o critério
da forma, sobrepondo-o ao so objeto. Destarte, qualquer que seja o objeto da sociedade, se
ela adotar a forma anônima será considerada comercial.” (BULGARELLI, Waldirio. Sociedades
Comerciais, 7ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 1998, p. 22). Esta dicotomia entre sociedades civis
e comerciais está ainda pressente em muitos países latinoamericanos.
181 O Uniform Commercial Code regula essencialmente o contrato de compra. Dita codificação
não é um estatuto federal. Constitui simplesmente um modelo preparado por particulares
filiados ao Instituto de Direito Americano, cujo texto pode ser adotado pelos Estados, se seus
respectivos órgãos legislativos decidem adotá-lo.
182 Não obstante a inexistência da referida dicotomia, certos Estados optaram por classificar e
especializar as matérias tratadas por seus respectivas Cortes. Um claro exemplo da assinalada
tendência a diluir a unidade jurídica existente nos Estados Unidos são as decisões das cortes
estatais do Estado de Delaware, as quais foram desenhadas para tratar primordialmente de
temas societários. Assim, o grau de especialização das mencionadas cortes é de tal magnitude
que se constituem num dos maiores atrativos do referido Estado em assuntos jurídicos societários.
No entanto, cabe precisar que o antecedente decidido por Delaware não reflete, no absoluto,
a tendência da maioria dos Estados da União, onde se desconhece por completo a menciona-
da dicotomia do Direito Privado.
183 ANDRÉ TUNC se pronunciou nos seguintes termos a respeito desta importante característica
do Direito Societário estadunidense: “Um jurista francês que estude a Lei Geral de Sociedades
de Delaware ou inclusive a Lei Tipo de Sociedades de Capital, consideraria que tais textos
carecem de disposições suficientes a respeito dos assuntos fundamentais do Direito Societários
ou, ao menos, estimaria que eles são excessivamente permissivos” (A French Lawyer Looks at
American Corporation Law and Securities Regulation. In: University of Pennsylvania Law
Review, nº 757, Vol. 130, 1982, p. 764). O autor também acrescenta que se um advogado
norte-americano estudasse a regulação societária vigente em França, “chegaria sem duvida à
conclusão de que as leis francesas foram redigidas por indivíduos obtusos e suspicazes, cuja
tarefa não é outra que a de compilar normas de pouca significação prática” (Ibidem).
184 “Nunca teve no Direito romano-germânico a confusão que se deu no ‘Common Law’ entre
sociedades com ânimo de lucro (‘business corporations’) e outras formas associativas, tais
como as fundações, as associações sem ânimo de lucro e as entidades públicas. A sociedade
comercial foi uma criação exclusiva da ‘lex mercatoria’. Quaisquer que sejam suas origens
remotas no Direito Romano, o Direito Societário foi escassamente permeado pelas teorias
medievais concernentes a outras formas societárias. Os códigos se ocupam na regulação das
pessoas jurídicas sob o título geral das pessoas, enquanto a ‘societas’ pertence ao âmbito dos
contratos”. (EDER. Company Law..., cit., p. 16).
185 Esta ampla liberdade de estipulação contratual em matéria societária não é exclusiva dos
sistemas pertencentes à órbita do Common Law. Certamente, faz mais de uma década que o
ordenamento jurídico francês permite aos particulares a adoção do tipo societário conhecido
como sociedade por ações simplificada (société par actions simplifiée). As principais normas
que regulam esta matéria (Leis 94-1 do 3 janeiro 1994 e 99-587 do 12 julho de 1999) –
compiladas no artigo 227 do Código de Comércio francês de 2003– autorizam aos sócios a
pactuar quaisquer regras que estimem convenientes para regular tanto suas relações, como o
funcionamento da companhia. Conforme à acertada opinião de CONSTANTIN, “trata-se de
um tipo social cujos cara teres foram relegados quase por completo à liberdade de estipulação
contratual e à imaginação dos sócios” (CONSTANTIN, Alexis. Droit commun et droit spécial
dês sociétés, 2e édition. Paris: Éditions Dalloz, 2005, p. 229).
186 BOSHKOFF, Douglass. Bankruptcy and Creditor’s Rights, Fifth Edition, Herbert Legal Séries,
Santa Monica, CA, Sum & Substance, 1989, p. 72.
187 WAXMAN, Ned W. Bankruptcy, first edition. Illinois: Gilbert Law Summaries, 1990, p. 179.
no-germânica, mas a diferença destas, como ficou dito, são aplicáveis a qual-
quer pessoa natural ou jurídica que se encontre em impossibilidade de de-
frontar com suas obrigações patrimoniais188.
188 Cfr. Capítulo X, infra, onde se encontra uma análise completa dos processos a que se referem
os Capítulos 7 e 11 do Código Federal de Falências.
189 HAMILTON, Robert W. The Law of Corporations. Saint Paul, Minn.: West Publishing Company,
1987, p. 36.
190 Na Comunidade Européia existem sendas diretivas a respeito dos requisitos exigidos para
registrar ações no mercado público e daquelas informações que as companhias inscritas devem
publicar (Cfr. Oliver et al., op. cit., p. 71).
191 Securities and Exchange Commission, The Work of the SEC, 1988, p. 7. Outras disposições
federais de importância são as seguintes: 1. Securities and Exchange “Act, de 1934”, 2. “Public
Utility Holding Company Act de 1935”; 3. Trust Indenture “Act, de 1939”; 4. Investment
Company “Act, de 1940”; 5. Investment Advisors “Act, de 1940”; 6. Securities Investor
Protection “Act, de 1970”; 7. Market Reform “Act, de 1990”, e 7. Penny Stock Reform “Act, de
1990”. Sobre o particular cfr. Compilation of Securities Laws, Washington D.C., Superintendence
of Documents of the U.S. Government, 1991.
192 Estas normas estão usualmente relacionadas com a obrigação de fornecer ao público informa-
ção. Muitas delas exigem uma divulgação total e justa da informação concernente às coloca-
ções públicas de ações (full and fair disclosure).
193 Os requisitos exigidos pela SEC, são complexos e exigentes. Isso se deve, em parte, à faculdade
de regulação que tem a Comissão. As regulações americanas sobre o mercado de valores têm
tido influência universal. Assim, “o direito brasileiro adotou o modelo norte-americano de
controle estatal do mercado de capitais, de acordo com o qual toda a atividade de distribuição
ao público e posterior negociação de valores mobiliários é submetida à fiscalização de um
órgão estatal dotado de autonomia, ao qual é conferido poder regulamentar e disciplinar”.
“A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), inspirada na ‘Securities and Exchange Commission’
(SEC) norte-americana, faz, entre nós, este papel, como autarquia federal e assumindo a
qualidade de agência regulatória...” (BARBOSA FILHO, Marcelo Fortes. Sociedade Anônima
Atual, op. cit., p. 21)
194 São relevantes as disposições que regulam o relativo a outorga de poderes em sociedades por
ações abertas ao público (proxy solicitations and proxy campaigns). Particularmente
transcendentais são as disposições contidas na denominada Lei Williams (Williams Act) de
1968. Cfr. Capítulo IX, infra, para uma análise mais detalhada da regulação do mercado de
valores mobiliários estadunidense.
195 Cfr. PALMITER, Alan R. Securities Regulation, Examples and Explanations. Second Edition. New
York: Aspen Law and Business, 2002, p. 267.
196 No Brasil, a Lei 6.385 de 1976 que cria a CVM, faculta a Comissão para “fiscalizar e inspecionar
as companhias abertas dada prioridade às que não apresentem lucro em balanço ou às que
deixem de pagar o dividendo mínimo obrigatório” (Art. 8º, V, do Lei 6.385 de 1976).
197 “A Regra 10 (b)(5), incorporada na Lei de Negociação de Valores Mobiliários de 1934, é uma
pedra angular da legislação de valores norte-americana. Cada operação de bolsa está amparada
por esta proteção legal e sujeita à ameaça das sanções que dela se derivam. Esta regra de
conduta se orienta a garantir àqueles que realizam operações de bolsa que a informação
relevante para o mercado que tiver sido divulgada conscientemente por aqueles que estão
obrigados a fornecê-la estará isenta de falsidade ou inexatidão. Para estes últimos, a regra
impõe regras de transparência cuja violação arca o risco de graves responsabilidades” (Ibidem).
6. REGULAÇÃO AMBIENTAL
Um dos âmbitos normativos de maior incidência no funcionamento atual
das sociedades é o relacionado com o meio ambiente, em parte, devido à maior
difusão de conceitos relacionados com a responsabilidade comunitária (social res-
ponsibility) dos empresários. A relevância deste aspecto se põe de presente tam-
bém na promulgação de leis severas orientadas a evitar o dano ambiental e a
reprimir as práticas que possam gerá-lo. Uma das mais severas disposições nesta
199 “Esta Lei (Cercla) foi adotada com o fim de assegurar a eliminação de substâncias perigosas
(hazardous substances) e de implantar um programa de responsabilidade objetiva para garantir
o desaparecimento de tais substâncias. O estatuto foi interpretado pelos tribunais no sentido
de impor um critério de responsabilidade objetiva ou strict liability. A lei também impõe uma
responsabilidade solidária (joint and several liability) para a totalidade dos prejuízos (in
solido). As disposições desta norma que aludam à responsabilidade dos autores de tipos
criminais compreendidos nela, foram interpretados pelos tribunais como se tivessem uma
aplicação retroativa em relação àqueles atos cometidos antes da entrada em vigor da lei, isto é,
o 11 de dezembro de 1980. Contudo, o tribunal pode dispor que a responsabilidade se
distribua entre as partes processadas”. (FOLSOM, Ralph H. et al., op. cit., pp. 353.354).
200 A doutrina informa sobre este particular que “no curso do crescimento econômico do mundo
capitalista, muitas vezes se fez caso omisso das advertências formuladas em matéria ambiental.
Depois de trezentos anos de contínua exploração, nos terrenos férteis dos Estados Unidos [...]
se produzem maçãs cujo sabor se assemelha ao das pelotas de tênis” (GUZZANO, Christian A.
United States v. Bestfoods: Decree on Parent Corporation Liability for Illegal Discharges made
by Subsidiaries under the Comprehensive Environmental Response, Compensation, and Liability
Act. In: Nova Law Review, vol. 23, 1999, nº 927, p. 928).
201 São bem conhecidos os incidentes que tiveram lugar nos Estados de Nova York (Love Canal) e
Kentucky (Valley of the Drums), nos quais foram descobertas zonas ilegais em que se tinham
jogado resíduos tóxicos. “Estes desastres conduziram à promulgação da Lei Integral de Respos-
ta, Reparação e Responsabilidade em Matéria Ambiental por parte do Congresso Federal”
(SUTPHIN JR., Robert J. Owners or Operators: Two Distinct Paths to Parent Corporation
Liability under CERCLA. In: New Mexico Law Journal, vol. 30, 2000, nº 109, p. 109).
202 Ibidem.
203 A norma citada, incorporada na Seção 9607 (a)(1)-(4) do Código dos Estados Unidos (United
States Code), dispõe que os seguintes sujeitos serão responsáveis pelo ressarcimento dos
207 Um dos indícios probatórios de maior relevância para a Corte Suprema ao decidir o caso
Bestfoods, foi a participação de um empregado desta companhia no derramamento de resíduos
tóxicos. Tal circunstância conduziu a Corte a concluir que Bestfoods realizava trabalhos de
operação respeito da planta de químicos, o que a situava sob a hipótese fática da Seção 107
da Lei Integral. Sobre o particular, SUTPHIN informa que “aquele sujeito, chamado Williams,
trabalhava de modo exclusivo na CPC [Bestfoods]. Esta circunstância serviu de base para
concluir que as atuações de Williams tinham sido induzidas por esta última companhia [...].
Assim, a Corte se valeu da relação existente entre Williams e CPC para aplicar a responsabili-
dade por danos ambientais que contém a Lei Integral” (SUTPHIN JR., op. cit., p. 129).
responsabilizar a matriz, por considerar que ela tinha de modo indireto a opera-
ção da planta. Com fundamento no texto da citada seção do estatuto ambiental,
a Corte sustentou que se pode estender a responsabilidade à sociedade matriz,
caso se verifique que “esta exerceu alguma espécie de controle ‘efetivo’ sobre
uma determinada planta ou fábrica”208.
208 ROLL, op. cit., p. 155. Ainda que neste caso a Corte não tenha se valido da doutrina da
desconsideração da personalidade jurídica para sancionar a Bestfoods, a sentença correspon-
dente contém as bases para sua aplicação em matéria ambiental. Assim, a respeito dos proprie-
tários (owners) a que alude a Seção 107 citada, determinou-se a necessidade de estabelecer “uma
relação de subordinação entre a matriz e a subordinada dona da fábrica correspondente”. Uma
vez estabelecida essa relação, os juízes poderão aplicar as demais causais de levantamento do
véu existente sob o Common Law. Cfr. Capítulo V, infra.
209 Na autorizada opinião de MERRYMAN, “A distinção existente entre o Direito criado
jurisprudencialmente e o que surge da legislação pode dar lugar a confusões. Provavelmente,
existem tantas leis escritas nos Estados Unidos como teria numa nação latino-americana ou
européia. Igualmente a como ocorre em qualquer país de tradição civilista, as leis expedidas
nos Estados Unidos constituem uma fonte de Direito válida que deve ser interpretada e
aplicada pelos juízes, segundo seu tenor e tendo em conta o espírito do legislador. A hierar-
quia da legislação escrita é superior à dos precedentes judiciais. Ademais, enquanto as leis
escritas podem derrogar as regras de Direito contidas naquelas sentenças judiciais que lhes
sejam contrárias (sem menoscabo das questões de constitucionalidade que possam propor-se),
o contrário não poderia ocorrer. Daí que nem a quantidade de leis escritas nem a hierarquia
destas em relação com a jurisprudência possam ser critérios úteis para distinguir entre os
sistemas de tradição civilista e os anglo-saxões” (op. cit., p. 26).
210 GLENDON, op. cit., p. 313
211 469 U.S. 528, 105 S. Ct. 1005, 83 L. Ed. 2d 1016 (1985).
212 “Fair Labor Standards Act” (FLSA).
213 PALMITER. The CTS Gambit..., p. 493.
214 ROBERT C. CLARK se refere a algumas das normas que afetam de uma forma ou outra às sociedades
estadunidenses. Em suas palavras, “a Lei de Bônus de Pensões (‘Retirement Income Security Act’) e
a Lei de Segurança Ocupacional e Saúde (‘Occupational Safety and Health Act’) são claros
exemplos de normas federais que têm relevância no regime societário. Na verdade, as relações
trabalhistas são objeto de extensa regulação por parte do Congresso dos Estados Unidos. Ademais,
as relações entre os provedores e as companhias se encontram reguladas no Código de Comércio
Uniforme (‘Uniform Comercial Code’). Os credores sociais gozam dos benefícios derivados do
mesmo Código e da legislação sobre processos falimentares contida no Código de Falências.
Também existe legislação sobre proteção do consumidor, consagrada na Lei de Segurança de
Produtos Oferecidos ao Consumidor (‘Consumer Product Safety Act’), a Lei de Alimentos, Drogas
e Cosméticos (‘Food, Drug and Cosmetic Act’) e várias outras disposições [...]. O público em geral,
por sua vez, está protegido dos efeitos nocivos que a atividade de certas companhias pode gerar no
âmbito externo, tais como a contaminação ambiental. Dentro destas normas federais, encontram-
se a denominada Lei de Ar Limpo (‘Clean Air Act’) e a Lei de Controle de Contaminação da Água
(‘Water Pollution Controle Act’) [...]”. (Corporate Law. Boston: Little, Brown and Co., 1986, p. 31).
215 CORLEY, Robert N. et al. The Legal Environment of Business. Eight Edition. New York: McGraw
Hill Publishing Co., 1990, p. 139.
216 “A maneira mais adequada de limitar os poderes do Governo federal, de maneira que os
Estados contem com todos os demais poderes, consistiu em estabelecer, de comum acordo
entre os Estados, uma lista de faculdades que necessariamente deviam ser atribuídas ao
Congresso. Esta lista, redigida pelos delegados à Convenção, contém dezessete atribuições
enumeradas de modo explícito na Seção 8 do artigo primeiro da Constituição” (LEVASSEUR,
Alain A. Le Droit Américain. Paris: Editorial Dalloz, 2004, p. 32).
217 PALMITER. The CTS Gambit..., cit., p. 487.
218 Para PALMITER, o fato de que a lei societária seja estatal “constitui um venerado lucro do
federalismo. É uma tradição inveterada que a regulação das relações entre administradores e
acionistas – o Direito Societário – corresponda em princípio aos Estados” (Ibidem, p. 451).
219 Ibidem, p. 454.
220 Por outro lado, o princípio constitucional segundo o qual todas as autoridades administrativas
e judiciais devem outorgar fé e total crédito (full faith and credit) a tudo o que se decida por
outras autoridades em qualquer parte da União Americana, permite que os particulares esco-
lham voluntariamente a legislação societária à que desejam submeter-se. A Seção 1 do artigo IV
da Constituição dos Estados Unidos determina que “em cada Estado deverá outorgar-se total
crédito e fé às atuações públicas, registros e procedimentos judiciais de todos os demais
Estados”. (The Constitution of the United States. Washington D.C., The Federalist Society for
Law & Public Policy Studies, p. 17). Sem prejuízo do problema a que pode dar lugar o conflito
de leis, é inegável que a multiplicidade de regimes jurídicos ocasiona a mais ampla oferta de
normas societárias. Isso permite que os investidores tenham a sua disposição uma infinidade
de possibilidades de contratação, determinadas pela maior ou menor flexibilidade da lei
estatal à que desejem acolher-se.
225 A Seção 2115 do Código de Sociedades de Califórnia é um claro exemplo desta tendência a
desconhecer a doutrina dos assuntos internos da sociedade.
226 Além disso, pode-se afirmar que também existe um alto grau de harmonização na jurisprudên-
cia dos diferentes Estados da União, que configura uma espécie de Common Law nacional.
“Existem grandes similitudes e com freqüência uma identidade total entre os sistemas de
common law dos Estados norte-americanos. Naturalmente que na tradição do common law
estes instrumentos fundamentais de criação e preservação do common law, que são os tribu-
nais dos Estados, inspirem-se uns nas decisões de outros, de maneira de terminar por copiarem-
se reciprocamente. Esta harmonização nacional do common law se motiva pelo fato de que os
juízes dos tribunais e cortes dos estados receberam a mesma classe de instrução e a mesma
formação jurídica de base nas faculdades de direito. Ademais, existe comunicação freqüente
entre eles. Estes mesmos juízes estão conscientes de que o common law de cada Estado
necessariamente deve ser adaptado, em pontos específicos, às circunstâncias e particularida-
des locais, sem que isso obste que o common law possa ser harmonizado em grande parte sem
que se converta num direito federal” (LEVASSEUR, Alain A. Lhe Droit..., cit., p. 71).
227 Ainda que seja um tanto assombroso, o Estado de Luisiana, cujo sistema legal é o mais próximo
à tradição romano-germânica, foi o primeiro a acolher as regras da Lei Tipo de Sociedades de
Capital (Model Business Corporation Act). “Em 1928, Luisiana, se tornou o primeiro Estado do país
a adotar a Lei Tipo de Sociedades de Capital, tal como foi promulgada pela Conferência Nacional
de Redatores de Leis Estaduais Uniformes” (MORRIS et al., op. cit., vol. 7., p. 271). A inserção
desse texto na legislação societária do Estado de Luisiana contrasta marcadamente com a resistên-
cia inicial de reformar o sistema de sociedades de pessoas. Efetivamente, Luisiana, não adotou a
versão original nem a revisada da Lei Uniforme de Sociedades de Pessoas (UPA e RUPA).
Estado de Delaware está dada pela Lei Tipo de Sociedades de Capital (‘Model
Business Corporation Act’) redigida pela Associação Americana de Colégios de
Advogados (‘American Bar Association’)”228.
228 “Em 1950 o Comitê de Direito Societário da Associação Americana de Colégios de Advogados
publicou a primeira Lei Tipo de Sociedades de Capital (Model Business Corporation Act ou
MBCA, por suas siglas). Esta Lei Tipo, bem como suas versões revisadas, serviram como base das
leis de sociedades de 36 Estados [da União Americana]. Em 1984, o mesmo comitê, procedeu a
uma nova redação e sistematização da Lei Tipo. Em 1993, 16 Estados tinham adotado leis de
sociedades baseadas na revisão de 1984”. (SOLOMON e PALMITER, op. cit., p. 9). Delaware,
Califórnia e Nova York são ainda os Estados de maior importância econômica que se recusam a
adotar a referida Lei Tipo. Cada um deles preservou uma legislação de características peculiares,
ainda que se reconhece que também adotaram alguns elementos da Lei Tipo.
229 “A maioria das 500 maiores sociedades que publica a revista Fortune e cerca do quarenta e
cinco por cento daquelas inscritas na bolsa de Nova York estão constituídas nesse Estado”
(PALMITER. The CTS Gambit..., cit., p. 459).
230 ROMANO, Roberta, op. cit., p. 87.
231 Ibidem, p. 90
232 Ligget v. Lee, [288 U.S. 517, 577-60 (1932)].
233 Ibidem.
234 BAINBRIDGE, Corporation Law..., cit., p. 15.
235 CARY, William, citado por ROE, op. cit., p. 4.
236 WINTER, Ralph K. e ROMANO, Roberta, citados por ROE, op. cit., p. 5.
237 Na autorizada opinião de ROBERTA ROMANO, “as sociedades mudam seu domicílio estatutário
quando esperam realizar operações comerciais que possam ser efetuadas a menor custo sob uma
legislação diferente. As normas de um Estado em particular podem ter por efeito a redução dos
custos de gestão. Um exemplo desta afirmação estaria dado pelas normas relativas às votações
requeridas para permitir que se efetue uma aquisição. Estas variam de um Estado a outro, de
maneira que têm a virtualidade de impor aos interessados diferentes custos para realizar tais
operações ou, contrário sensu, reduzir tais custos de modo indireto” (op. cit., p. 32).
238 Deve advertir-se, como o faz ANDRÉ TUNC que “é compreensível que nos Estados Unidos se
distingue entre o direito societário propriamente dito, cada vez mais permissivo (com exceção
da exigência imposta aos administradores de atuar com extrema honorabilidade no exercício
de suas funções) e, por outro lado, a regulamentação dos valorizes mobiliários, que se tornou
extremamente elaborada” (Lhe Droit Anglais...cit., p. 20).
239 PALMITER, The CTS Gambit... cit., p. 455. Da mesma forma afirma o autor que, “apesar de fazer
um século a legislação societária participava de muitas das características das tradicionais
regulações estatais – ao exigir a especificação da classe de negócio, as atividades dos proprietá-
rios, a estrutura do capital e as regras de direção e administração das sociedades –, na atualidade
essa legislação é permissiva e facilitadora” (Ibidem, p. 453).
240 Estas leis facilitam o funcionamento da sociedade, ao estabelecer estruturas e disposições
supletivas, cuja adoção depende de uma ampla arbitrariedade das partes. As normas imperativas
e as proibições legais são a exceção (PALMITER. The CTS Gambit..., cit., p. 454). “Estruturar um
acordo societário toma tempo e dinheiro. Muitos investidores não estariam interessados em
pagar assessoria jurídica para redigir um acordo completo no qual se regulassem todos os
assuntos que poderiam surgir. Os mecanismos de resolução de conflitos previstos nas leis
societárias incluem sistemas para resolver estes desacordos depois de que ocorram”. (THOMPSON,
Robert B. Close corporations in the United States of America. In: The European Private Company?
Tilburg: Metro Publishing, 1995, p. 187).
241 ROE, op. cit., p. 38.
B. O CASO DE DELAWARE
De acordo com o que já se explicou, a legislação do Estado de Delaware é
uma das mais avançadas nos Estados Unidos. É óbvio que tal legislação não está
inspirada em nenhuma das diferentes leis tipo. Antes, poder-se-ia dizer que as
regulações societárias de dito Estado constituíram uma influência notória tanto
nas legislações de outros Estados, como na redação das leis tipo. “No começo do
presente século [XX], Delaware adotou uma legislação geral de sociedades me-
nos conservadora, que liberava aos gerentes e administradores de sociedades ali
constituídas de várias restrições existentes sob as leis de outros Estados. Desta
forma, ficavam estes servidores públicos facultados para atuar com maior flexi-
bilidade e liberdade, protegidos de eventuais ataques por parte dos acionistas e
do próprio Estado [...]. Em tempos relativamente recentes, numerosos Estados
modificaram ou revisado suas leis gerais de sociedades, de maneira que muitas
normas de Delaware foram incluídas nos textos daquelas”242.
Ora bem, a principal vantagem de Delaware em relação aos demais Esta-
dos da União consiste na demonstração de ter uma maior capacidade para adap-
tar-se às mutantes necessidades econômicas dos empresários. Esta circunstância,
na opinião de alguns autores, é conseqüência da já mencionada dependência de
Delaware a respeito dos rendimentos derivados dos tributos e outros direitos
estaduais. Assim, por exemplo, ROMANO alega que “um Estado cujas rendas
dependem em alto grau dos direitos que pagam as sociedades nele constituídas
242 FREY, Alexander H. et al. Cases and Materials on Corporations. Law School Casebook Series,
1966, pp. 19-20.
243 ROMANO, op. cit., p. 38. Parece claro, pois, que a capacidade que dito Estado tem para atrair
companhias é decisiva na permanente modernização de sua legislação societária. Para ROMANO,
“a preeminência da legislação societária do Estado de Delaware foi um fator estável e recorrente
na história legislativa dos Estados Unidos; desde a década de 1920, este foi o Estado no qual
se constituíram o maior número de sociedades comerciais (…). Ainda que se sustentasse que
Delaware não é o pioneiro das inovações legais introduzidas nos Estados Unidos, ninguém
poderia negar que suas normas societárias são as que mais foram acolhidas.” A mesma autora
sustenta que os acionistas de companhias domiciliadas nesse Estado também derivam incontáveis
benefícios das normas societárias promulgadas pela legislatura de Delaware. Nas suas palavras,
“uma simples análise empírica permite concluir que a legislação societária promulgada no
Estado de Delaware gera benefícios notórios para os acionistas das companhias constituídas
nesse Estado” (Ibidem, p. 6).
244 SOLOMON et. al., op. cit., p. 40.
1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Uma diferença recorrente na análise comparada entre o Direito Societá-
rio anglo-saxão e aquele que rege em países de tradição romano-germânica
alude à forma de classificação jurídica das formas societárias. Enquanto nos
sistemas de tradição civilista todos os tipos com intuito de lucro são classifica-
dos sob o conceito genérico de companhia ou sociedade247, nas nações do
Common Law se faz uma cortante diferenciação entre as sociedades de pessoas
e as companhias de capital248. Esta summa divisio das formas associativas obe-
dece não só a razões históricas, senão também a diferenças nas concepções
econômicas e jurídicas subjacentes a tal distinção. Assim, a sociedade de pes-
soas, denominada de modo uniforme como partnership ou general partnership,
alude a uma estrutura associativa flexível em seus requisitos de constituição
na qual a origem contratual e o regime de responsabilidade aparecem como
nota determinante249. Pelo contrário, a sociedade capitalista ou corporation,
cuja origem se identifica melhor com a teoria da concessão estatal250, apresen-
247 Como uma exceção, o Brasil utiliza o termo “companhia” para referir-se as sociedades anônimas.
248 SCHLESINGER ressalta a diferença terminológica em matéria societária existente nos países de
tradição romano-germânica em comparação com os do Common Law. “O termo utilizado para
denominar às sociedades comerciais de capital (‘corporations’), nos idiomas de países de
tradição civilista demonstra como, historicamente, estas formas societárias provem dos contra-
tos de sociedade coletiva (‘partnerships’), que se celebravam ao amparo da ‘lex mercatoria’. A
palavra latina mediante a qual se denomina o contrato de sociedade coletiva é societas. Este
vocábulo, ou seu equivalente nas línguas modernas (société, companhia, gesellschaft, usual-
mente traduzida ao inglês com a palavra ‘company’), foi adotado pela ‘lex mercatoria’ e, mais
adiante, introduzido nas codificações. Ainda hoje significa, na tradição civilista, qualquer
espécie de associação contratual com fins lucrativos, incluídas aquelas formas dotadas de
personalidade jurídica, tais como a sociedade por ações (às quais os códigos e leis denominam
como ‘sociedade anônima’ ou ‘companhia por ações’), bem como a companhia em comandita
conhecida no mundo de língua espanhola. A indicação segundo a qual uma determinada
entidade é uma société, gesellschaft, società, sem que se formule uma precisão adicional,
impede determinar se essa entidade está dotada de personalidade jurídica ou estabelecer se
seus sócios desfrutam do benefício da limitação de responsabilidade” (op. cit., p. 779).
249 A origem desta forma societária, como bem o evoca a doutrina estadunidense, remonta-se
àquelas épocas em que “os primeiros seres humanos, sumidos nas mais primitivas condições,
uniram esforços na contramão da fome e estabeleceram os elementos para qualificar a primeira
sociedade de pessoas, em procura da cooperação recíproca” (ROWLEY, op. cit., p. 2). Desde
então, a sociedade de pessoas foi acolhida por diversas culturas, incluído o antigo Império
Babilônico e os sistemas jurídicos orientais, passando pela Europa Continental e pelo mundo
anglo-saxão, onde se adotou como a forma societária por excelência. A figura que conhece-
mos hoje, portanto, não é senão o resultado de um extenso processo de aperfeiçoamento,
gerido por vias legais e pelos costumes. Em isto coincidem, além de ROWLEY (op. cit., pp. 2-
9), vários autores de origem anglo-saxã (cfr., por exemplo, os seguintes textos: HAMILTON,
Robert W. et al. Business Basics for Law Students. Second Edition. New York: Aspen Law &
Business Publishers Inc., 1998, p. 263, ou HOWELL et al., Business Law, cit., pp. 601-602).
250 Segundo GLENN G. MORRIS, “na atualidade, a observação segundo a qual a sociedade de
capitais é uma espécie de privilégio conferido pelo Estado parece ser uma descrição inexata.
Qualquer pessoa que tenha capacidade jurídica pode redigir dois ou três simples documentos,
notarizá-los e inscrevê-los mediante o pagamento de sessenta dólares e assim constituir uma
sociedade de capital. Diferentemente das licenças de condução, a constituição de sociedades
não pressupõe um exame ou o credenciamento de qualidades específicas (...). Talvez ainda
seja possível insistir, apesar desta extraordinária liberalidade no Direito Societário, que somen-
te o Estado pode originar a personalidade jurídica da sociedade, ao menos em termos pura-
mente formais. Mas, na realidade, o registo da ata constitutiva corresponde mais à inscrição de
um ato privado do que a uma solicitação formulada ante um funcionário público para que este
exerça uma função oficial. Isso se deve ao fato que o Estado carece de arbitrariedade para
recusar a inscrição”. (Op. cit. Vol. 7, p. 283).
251 Apesar de que no Direito Societário norte-americano, o processo de constituição de socieda-
des é mais célere do que em qualquer outra parte do mundo, a formalidade consistente na
apresentação da ata de constituição ante a Secretaria do Estado segue sendo uma clara
reminiscência da teoria da concessão estatal. Ela afunda suas raízes nas tradições da coroa
inglesa e, ainda hoje, serve para distinguir entre as formas societárias nas quais tal reconheci-
mento governamental determina um claro sistema de limitação de responsabilidade para os
sócios. “Para BLACKSTONE, o consentimento do Rei era absolutamente necessário para a
criação de uma entidade societária. Precisamente dai surge a idéia de que, em Inglaterra, a
constituição de uma sociedade e a criação de uma pessoa jurídica constituem uma concessão”
(GOULDING, Simon, op. cit., p. 5).
252 Esta visão jurídica contrasta com a presente nos países de tradição Romano-Germânica onde,
“a distância entre o conceito de sociedade de pessoas e de capitais se reduziu com o propósito
de encontrar um conceito comum que possa abarcá-las a ambas. Trata-se, do conceito da
sociedade ou companhia. Este não se refere a um tipo de sociedade determinado, senão a uma
estrutura contratual específica. Não é nada diferente de uma organização multilateral que, por
meio das contribuições de seus sócios, tenta obter um proveito econômico para ser distribuído
entre eles” (ETCHEVERRY, Raúl Aníbal. The: Business Enterprise Organization and Joint Ventures.
In: Saint Louis University Law Journal, nº 39, 1994-1995, p. 988).
dato (Restatement Second of the Law of Agency ou “R2D”), cujo texto foi difun-
dido inicialmente em 1958.
Segundo a definição contida na versão mais recente da mencionada com-
pilação de antecedentes, o mandato é “uma relação de natureza fiduciária, que
surge da manifestação de vontade efetuada por uma pessoa, a fim de que
outra consinta em atuar em seu nome e sob seu controle”256. O trecho citado
permite inferir, com relativa clareza, quais são os elementos essenciais das re-
lações de mandato. Trata-se, em primeiro lugar, da subordinação do mandatá-
rio em relação ao mandante, em segundo lugar, da representação que se
materializa nos atos que o mandatário realiza em nome do mandante e, em
último lugar, do consentimento expressado por este último para o efeito257.
Sempre que estejam presentes estes elementos numa determinada relação de
negócio, poderão surgir as conseqüências jurídicas derivadas do mandato, in-
dependentemente da denominação que se houver dado ao negócio jurídico ou
do fato que o mandato coexista com outras relações258. Assim, o mandato,
longe de ser um contrato limitado por tipificações legais, pode compreender
uma multiplicidade de vínculos jurídicos259. Daí que as relações de mandato
estejam presentes em matérias tão diversas como a vinculação de trabalhado-
res260, a celebração de contratos de franquia, as relações entre administradores
e as companhias que administram etc.
256 Cfr. R2D, Seção 1. A mesma seção do R2D estabelece que a pessoa que confere a procuração
se denomina mandante, enquanto aquela que se obriga a realizá-la se chama mandatário.
257 Cfr. BAINBRIDGE, Corporation Law... cit., p. 235. O princípio subjacente às relações de
mandato provem do antigo princípio romano segundo o qual, qui facet per alium, facet per se.
Segundo este postulado, “as atuações que realize uma pessoa em nome de outra, entendem-se
realizadas diretamente por esta última” (HYNE, J. Dennis. Agency, Partnership and the LLC. St.
Paul, Minn.: West Publishing Co., 1997., p. 10).
258 “Esta relação entre mandante e mandatário pode surgir ainda que as partes não sejam conscien-
tes das conseqüências jurídicas derivadas de sua vinculação. Ademais, na verificação da
presença dos requisitos pertinentes, a relação de mandato poderia apresentar-se inclusive se as
partes a recusaram de modo expresso” (HYNES, J. Dennis, op. cit., p. 5).
259 Não se trata, pois, do negócio jurídico conhecido em alguns sistemas romano-germânicos
como agência mercantil, cuja tipificação dá lugar a conseqüências jurídicas especiais, mais
restritivas do que aquelas derivadas das relações de mandato. Para uma descrição dos princi-
pais regimes existentes em matéria da denominada agência comercial (commercial agency) e do
contrato de mandato, vide CAROLITA L. OLIVEROS, Commercial Agency Agreements, American
Law Institute, Course of Study SE47 ALIAVA 917, pp. 938-991.
260 Sob o regime norte-americano, a vinculação trabalhista se produz mediante um contrato de
direito privado, que dá lugar a uma relação de mandato. Se tal vínculo faculta ao patrono
estabelecer os meios físicos ou manuais que terá de utilizar o empregado para a realização da
respectiva obrigação, poderia configurar-se uma relação entre maestro e servente (master and
servant). Nestas hipóteses, acolheu-se a doutrina de respondeat superior, originada no Direito
Romano. Por virtude desta antiga postulação, os atos dolosos e os fatos prejudiciais que
realiza o empregado-servente dão lugar à responsabilidade subsidiária de forma subsidiária
(Cfr. HYNES, J. Dennis, op. cit., p. 11). A adoção do princípio subsidiário a respeito dos atos
dos serventes, corresponde à consideração econômica segundo a qual se presume que o
patrono estaria em melhor disposição do que seus empregados para assumir o risco que se
deriva da atividade destes. Estima-se que o patrono poderia incluir o valor que se deriva das
indenizações a que poderia ver-se obrigado pela ação de seus trabalhadores, dentro dos custos
de produção. Assim, a comunidade assumiria, pelo menos em parte, os custos que implica a
assunção de tal responsabilidade subsidiária (Ibidem, p. 65). Sobre a aplicação da doutrina
respondeat superior, é relevante conferir o caso de Singleton International v. Dairy Queen Inc.,
Superior Court of Delaware, 332 A.2d 160 (1975).
261 Cfr. Capítulo I, supra.
262 É interessante conferir a explicação efetuada por POSNER a respeito das razões econômicas
subjacentes à existência desta relação fiduciária. O autor alude à redução dos custos relacio-
nados com as possíveis atuações oportunistas do mandatário, mediante a imposição de rígidas
regras de conduta, tais como o dever de boa fé. “O mandatário recebe uma remuneração para
que sua conduta ante o mandante se assemelhe à que observaria no manejo de seus próprios
assuntos; isto é, como se fosse o alter ego. [...]. Assim, ao impor-lhe [ao mandatário] um dever
de boa fé qualificado – mais rígido do que o princípio contratual de boa fé simples –, reduzem-
se ao mínimo os custos que implicaria proteger ao mandante dos atos abusivos do mandatário”
(Op. cit. p. 126).
263 Segundo a opinião de ROBERT CHARLES CLARK, no contexto específico das relações de
mandato entre os administradores e a companhia, “o mandante é a sociedade de capitais
considerada como uma pessoa jurídica autônoma” (Op. cit., p. 114). Para uma análise mais
detalhada dos deveres fiduciários dos administradores, vide Capítulo VI, infra.
264 Conforme o expressado no Dicionário Jurídico Black’s, estes deveres fiduciários que surgem
para os mandatários ante seus mandantes, “constituem a mais exigentes das regras de conduta
previstas na lei” (Op. cit., p. 625).
265 HYNES, J. Dennis, op. cit., p. 99
266 Em matéria de sociedades de capital, a aplicação da teoria da legitimação inerente “se deriva
das sentenças judiciais relativas aos usos e costumes vigentes nas companhias ou das práticas
que se cumprem numa determinada companhia, sempre que os acionistas ou administradores
que são conscientes de sua existência, não as tiverem objetado” (CLARK, Robert Charles. Op.
cit., p. 115). Por outro lado, HOWELL aclara que a legitimação inerente se apresenta na maioria
dos casos em relação a todas as atuações que deva realizar um mandatário com o propósito de
dar estrito cumprimento a sua obrigação. “Uma das manifestações mais comuns da legitimação
inerente se apresenta a respeito de todos aqueles atos de natureza acessória que deva realizar
o mandatário, com o propósito de cumprir o objeto do mandato. [...]. Em matéria de legitimação
inerente deve-se levar em conta a seguinte regra: salvo estipulação em contrário por parte do
mandante, o mandatário tem legitimação inerente para realizar todas as atividades que se
estimem necessárias para dar cumprimento ao objeto geral do mandato, em conformidade com
os critérios que o costume e a lógica aconselhem”. (Op. cit., pp. 568-569).
que o terceiro não tivesse tido conhecimento a respeito de tal legitimação, por
mais estranho que tiver resultado a concessão de poderes a um determinado
mandatário”267. Também é possível que as faculdades que tem um mandatá-
rio derivem da denominada legitimação aparente. Sob esta teoria, se o man-
dante dá a terceiros a aparência de que um sujeito tem aptidão para celebrar
negócios em seu nome, esta circunstância dará lugar a que tal pessoa possa
vincular juridicamente o mandante268.
Ora bem, a carência absoluta de legitimação real, inerente ou aparente
pode ser reparada mediante a figura da ratificação. Segundo HOWELL, por
virtude deste ato de natureza unilateral, “o mandante pode assumir os efeitos
jurídicos derivados das atuações não autorizadas que realize o mandatário,
enquanto consinta em ratificar (ou confirmar) tais atos”269. O mesmo autor
alude à diferença que existe entre a ratificação expressa e a implícita. A pri-
meira delas implica uma manifestação explícita de vontade, no sentido de
aceitar os atos realizados pelo mandatário. Por sua vez, a ratificação implícita
se apresenta se “as atuações ou manifestações verbais do mandante permitem
inferir que esteja consente em ratificar as atividades do mandatário”270.
Algumas considerações devem ser formuladas a respeito do término das
relações entre um mandante e mandatário. Neste, como em outros negócios
jurídicos no direito estadunidense, se dá plena eficácia ao convindo pelas partes
no desenvolvimento de uma ampla liberdade contratual. Nos termos da Seção
117 do R2D, “a cessação das faculdades do mandatário se regerá pelos termos
previstos no acordo existente entre mandante e mandatário para esse efeito”.
Conquanto a hipótese a que alude a seção anterior se relaciona com o término
consensual das relações de mandato, é viável que o mandante decida, de maneira
unilateral, revogar as faculdades conferidas ao mandatário. Efetivamente, “o
mandante poderá dar por finda a capacidade de representação do mandatário
em qualquer momento, ainda que esta circunstância tenha por conseqüência o
não cumprimento do contrato. Isso se deve à necessidade de que o mandante
conte em todo momento com a possibilidade de administrar seus próprios ne-
gócios e de escolher à pessoa que deva atuar em seu nome”271. Da mesma forma,
279 O Código de Falências se encontra incluído no Título 11 do denominado Código dos Estados
Unidos (USC), que não é senão um compêndio das leis federais desse país.
280 Cfr. Código de Falências, Capítulo 1 (101)(41).
281 Nesses termos se pronuncia KELLEY, ao afirmar que “as sociedades de pessoas e as ‘joint
ventures’ estão regulados por princípios que, apesar de não ser idênticos, são, em essência,
análogos” (KELLEY, R. et al. Corporations and Other Business Associations, Cases and Materials,
Second edit. Boston: Little, Brown and Co., 1996, p. 65). O regime particular das relações
intersocii próprias das sociedades personalistas será examinado posteriormente.
282 Cfr. “Internal Revenue Code”, Seção 7701 (a)(2).
283 Segundo se expressou, o ânimo de criar uma legislação relativamente uniforme nos Estados
Unidos deu lugar à preparação das denominadas leis tipo.
284 Segundo aclaram alguns autores, “Luisiana é o único estado no país que não adotou nenhuma
das versões da Lei Tipo de Sociedades de Pessoas” (MORRIS, Glenn G. et al. Louisiana Civil Law
Treatise, vol. 8, Saint Paul: West Publishing Group, 1999, p. 9). A ascendência do Direito
Privado francês e espanhol no Estado de Luisiana se refletia claramente na definição que a
respeito da sociedade de pessoas existiu até 1980 no artigo 2801 do Código Civil, o qual
definia esta sociedade como “um contrato sinalagmático e comutativo, celebrado entre dois
ou mais pessoas para a participação mútua nos resultados que podem surgir de aportes em
dinheiro, crédito ou serviço, fornecidos em determinadas proporções pelas partes” (Ibidem).
Ainda posteriormente à reforma introduzida nesse ano, o artigo citado do Código Civil de
Luisiana continua utilizando uma terminologia muito próxima à dos países de tradição roma-
no-germânica. “Artigo 2801. Uma sociedade de pessoas é uma pessoa jurídica diferente de
seus sócios, criada mediante contrato entre duas ou mais pessoas para quem contribuem seus
esforços e recursos em determinadas proporções, com o propósito de colaborar nos riscos
comuns, a fim de obter resultados comuns ou um benefício comercial” (Ibidem). O conceito de
pessoa jurídica, a ênfase na natureza contratual da sociedade e a presença de elementos
essenciais idênticos aos previstos em países de tradição civilista são clara demonstração da
identidade e especialidade do regime jurídico do Estado de Luisiana. Muito diferente, pelo
medida que a norma estudada já não resulta tão uniforme como pretenderam
seus redatores originais.
Outra menção que deve ser feita sobre o particular regime aplicável a esta
classe de companhias alude à remissão expressa que faz a citada Lei Uniforme de
Sociedades de Pessoas a outros corpos normativos. A Seção 4 dessa Lei Uniforme
dispõe que, além das previsões ali contempladas, se apliquem às sociedades de
pessoas as regras jurídicas do mandato (agency), bem como as do estoppel285. A
Nova Lei Uniforme complementou essa remissão normativa, ao ampliar a ordem
de aplicação das disposições legais pertinentes286. Portanto, naqueles Estados
que incorporaram o texto da proposta revisada dentro de sua legislação interna,
as sociedades de pessoas se regem pelo novo estatuto, pelas regras próprias do
mandato, pelos princípios jurídicos próprios do estoppel e pelas regras contidas
na Seção 1-103 do Código de Comércio Uniforme (Uniform Commercial
Code)287. O regime excepcional supletivo instaurado por ambas as leis tipo, como
será explicado mais adiante, incide em diversos aspectos relacionados com a
formação e o funcionamento da sociedade de pessoas estadunidense.
contrário, foi a evolução do Direito de sociedades de capital nesse mesmo Estado. Luisiana foi,
efetivamente, o primeiro dos Estados da União a adotar a Lei Tipo de Sociedades de Capital
(Model Business Corporation Act).
285 Cfr. as seções 4 (2) e 4 (3) da Lei Uniforme de Sociedades de Pessoas (UPA). Deve-se levar em
conta, além disso, que as regras de Direito decididas pelas cortes estadunidenses em matéria de
partnerships se originam em interpretações extensivas sobre as regras do mandato (agency). Por
outro lado, a doutrina anglo-saxã do estoppel consiste em impedir que uma pessoa que atuou
de determinada forma reclame um direito em detrimento de outro indivíduo que, por achar-se
legitimado para confiar no valor jurídico da atuação do primeiro, tenha agido em conformida-
de com ela. (Cfr. Black’s Law Dictionary, cit.).
286 Cfr. RUPA, Seção 104 (a).
287 Tratam-se das normas sobre contratos (contracts), atuações fraudulentas (fraudulent
misrepresentation) e procedimentos falimentares (bankruptcy).
290 Existem vários antecedentes jurisprudenciais nos Estados Unidos que permitiriam sustentar esta
posição. Sobre o particular, pode-se conferir, por exemplo, o importante caso Randolph Products
Co. v. Manning (176 F 2d 190), onde se afirma que “ante disposições tais como o Estatuto
Tributário Federal ou a lei estatal aplicável, cujas normas negam a personalidade jurídica à
sociedade de pessoas, a postura judicial apropriada deve coincidir com tais normas legais”
(citado por ROWLEY, op. cit., p. 15).
291 HOWELL, a titulo de exemplo, adere-se aos referidos postulados ao afirmar que, “a simples
leitura do UPA permite concluir que a maioria de seus artigos se baseiam na teoria de que a
sociedade de pessoas é uma pessoa jurídica diferente dos sócios. O ponto relativo à transferên-
cia dos bens sociais por parte da companhia de pessoas constitui uma demonstração clara
desta circunstância” (op. cit., p. 91).
292 Cfr. seções 2, 8 (3) e 9 (1) da Lei Uniforme de Sociedades de Pessoas.
293 Cfr. Comentário à Seção 201 (a) da Nova Lei Uniforme.
294 Ibidem.
295 Cfr. Seção 401 (2)(i) da Nova Lei Uniforme. Como será exposto mais adiante, esta situação se
deriva do estrito regime de responsabilidade aplicável aos sócios nas sociedades de pessoas.
296 Um exemplo permitiria ilustrar esta figura com maior clareza. A e B, dois dos cinco sócios de
Alfa, junto com C, quem não ostenta essa qualidade, celebram em nome da sociedade
contratos de arrendamento financeiro sobre várias aeronaves. Apesar de não ser C sócio de
Alfa, este consente em fazer parte do negócio jurídico aludido como se ostentasse essa
qualidade. A, B e C, mediante decisão judicial, responderão então frente aos terceiros de
maneira pessoal, solidária e ilimitada, como se todos fossem sócios.
297 É interessante considerar, no entanto, que a Nova Lei Uniforme não exige que os supostos
sócios se oponham expressamente a sua indevida inclusão na sociedade. Assim, será suficien-
te que estes guardem silêncio para que não se configure a extensão de responsabilidade. Bem
diferente seria, contudo, se suas atuações permitirem concluir de maneira razoável uma
vinculação à sociedade. Neste último caso, a lei do “estoppel” seria plenamente aplicável. Cfr.
Seção 308 da Nova Lei Tipo.
298 ROWLEY, op. cit., p. 429.
299 CORLEY et al., op. cit., p. 772.
D. REGIME DE RESPONSABILIDADE
A principal vantagem da sociedade de pessoas estadunidense consiste no
controle e na participação direta que os sócios poderão exercer na administração
da companhia. Como contraprestação relacionada, os sócios deverão responder de
maneira, solidária e ilimitada por certas obrigações contraídas pela sociedade300.
Antes de enumerar as circunstâncias em que se pode pregar esta classe de
responsabilidade, cabe assinalar que todas elas emanam dos postulados pró-
prios do mandato, aplicáveis às sociedades de pessoas, segundo a remissão
legal já indicada. As ações que um sócio realiza, de acordo com tais princípios,
comprometem ou obrigam todos os demais. De acordo com o esquema do
mandato recíproco (mutual agency), cada um dos sócios é mandante e manda-
tário em relação aos demais sócios301. De acordo com ROWLEY, “As regras
jurídicas do mandato são, em boa parte, o fundamento da lei aplicável às
sociedades de pessoas. [...] As conseqüências da aplicação das normas relativas
ao mandato se fazem particularmente notórias no fato de que o mandato
recíproco constitui um efeito – e em alguns casos também a prova determi-
300 Para alguns efeitos pode-se assimilar a sociedade de pessoas com a sociedade de fato própria dos
sistemas de tradição romano-germânica. Tanto a sociedade de pessoas norte-americana como a
mencionada sociedade de fato se constituem pelo simples acordo, inclusive tácito, das partes,
sem necessidade de observar formalidades como as exigidas para as demais formas societárias.
No entanto, segundo se analisou antes, naqueles Estados em que se acolhe o disposto na Nova
Lei Uniforme de Sociedades de Pessoas, é possível pregar a personalidade jurídica da companhia
de pessoas. A sociedade de fato, como se sabe, não pode ser tida como uma entidade diferente
dos sócios considerados de maneira individual. Por último, o regime de responsabilidade
previsto para aquela sociedade de pessoas apresenta algumas diferenças com o sistema que
caracteriza à sociedade de fato. Na verdade, a Lei Tipo prevê que os sócios responderão de
maneira conjunta por certas obrigações contratuais da sociedade. Para uma análise mais detalha-
da da sociedade de fato, cfr. ADROGUÉ, Manuel E. Irregularidade e invalidez na constituição de
sociedade. In: Sociedades comerciais. Buenos Aires: Edições Depalma, 1997).
301 Parece prudente mencionar, nesse sentido, os diferentes tipos de legitimação que se despren-
dem dessa classe de relações. São eles a legitimação aparente, a real e a inerente. A primeira
compreende os poderes que resultam frente a terceiros, da atuação de um determinado sócio.
Trata-se, pois, de uma atitude do sócio, que faz presumir aos terceiros que aquele tem capaci-
dade para obrigar à companhia. A legitimação real, como sua própria denominação o sugere,
implica que o sócio está, na verdade, investido das faculdades que lhe permitem atuar em
nome e por conta da companhia. Por último, a legitimação inerente é a que surge da posição
que ocupa o indivíduo dentro da hierarquia administrativa da sociedade.
306 Ibidem.
307 Esta característica foi empregada por alguns autores para ressaltar as vantagens da sociedade de
capital em relação às companhias de pessoas. RICHARD POSNER, por exemplo, afirma que os
custos de gestão que surgem ao associar-se sob esta figura são maiores aos que resultariam de
constituir uma sociedade de capital. Assim, “na medida em cada um dos sócios é responsável
de maneira solidária pelas obrigações da companhia, os possíveis investidores procurarão
informar-se sobre a exposição do risco projetado da sociedade e ainda participar diretamente
na gestão administrativa, para evitar que se contraiam dívidas que superem sua capacidade
econômica” (op. cit., p. 429). O autor conclui por fim que esta circunstância diminui, em
grande parte, a possibilidade de obter recursos sociais por parte de terceiros investidores, o que
reduz de maneira radical os benefícios deste tipo societário.
308 Cfr. Seção 306 (b) da nova lei uniforme.
309 Pode-se mencionar, por exemplo, a “limited liability partnership”, LLP.
dúvida está dirigida à consecução dos fins antes discutidos. Por fim, o regime
explicado não impossibilita a assinatura de pactos privados entre os sócios, ainda
que neles se estabeleçam garantias recíprocas, orientadas a evitar certos inconve-
nientes que poderiam surgir no desenvolvimento de seus negócios. De igual
forma, é possível a celebração de acordos orientados à assunção de um maior
grau de responsabilidade por parte de um ou alguns dos sócios. No entanto, o
caráter imperativo de algumas das regras contidas na Lei Uniforme, pode res-
tringir a possibilidade de incluir tais pactos nos estatutos sociais.
F. DISSOLUÇÃO E LIQUIDAÇÃO
Diferentemente do que ocorre na sociedade de capitais norte-americana,
a sociedade de pessoas não é constitui por prazo indeterminado. Daí que a
sociedade se dissolva quando ocorram circunstâncias que afetem o status pes-
soal de algum dos sócios. Neste aspecto se torna evidente a semelhança com as
legislações próprias dos países de tradição romano-germânica. A legislação
francesa, por exemplo, ainda hoje permite a dissolução da sociedade por mor-
te, quebra, impossibilidade para exercer uma profissão comercial ou incapaci-
dade posterior de algum dos sócios, a não ser que sua continuação esteja prevista
pelos estatutos sociais ou que os outros sócios a decidam por unanimidade323.
Sobre este mesmo assunto, convém recordar como a Nova Lei Uniforme
(RUPA) também contempla a figura denominada sociedade de pessoas com
prazo indeterminado (partnership at will)324, cujo único fim parece ser o de
distinguir entre as companhias cuja vigência se encontra sujeita a um termo de
duração definido e as que carecem de tal prazo. Uma análise sistemática da Lei
Uniforme permite, no entanto, elucidar a utilidade desta doutrina. Na realida-
de, só nesta classe de companhias a vontade unívoca de um sócio tem a virtua-
lidade de dar por finda a empresa social325. Esta drástica circunstância se deve
320 Ao não contar as sociedades de pessoas com a possibilidade de repartir dividendos em bens,
os sócios não poderão decidir, nem sequer de maneira unânime, que isso se faça. Mais ainda,
em caso de liquidar-se a companhia, o pagamento do passivo interno poderá fazer-se somente
em dinheiro, conforme o dispõe a Seção 807 (a) da Nova Lei.
321 Cfr. Seção 403 (b), Ibidem.
322 Cfr. Seção 404 (f), Ibidem.
323 Cfr. Art. L. 221-15 do Código de Comércio francês. Naturalmente a dissolução por vencimento
do termo de duração e o término antecipado da sociedade por vontade dos sócios também
estão previstos no sistema francês, como causas generais. De novo pode-se verificar uma
aproximação análoga à adotada por sistemas inspirados no Direito europeu-continental. As
legislações de diversos países latino-americanos costumam consagrar causas de dissolução
semelhantes às comentadas.
324 Esta classe de sociedades de pessoas foi definida como “as concebidas para perdurar por
espaços de tempo indeterminados, mas cuja dissolução pode ser requerida por qualquer sócio
em qualquer momento” (Black’s Law Dictionary, at.).
325 Cfr. Seção 801 (1) da Nova Lei Uniforme (RUPA).
326 Sobre o particular, a Nova Lei Uniforme dispõe em sua Seção 601 que os sócios poderão retirar-
se da sociedade quando:
(i) Assim o manifestem de maneira antecipada à data de sua retirada;
(ii) Aconteça alguma das causas específicas previstas nos estatutos;
(iii) Produza-se a expulsão provocada de um sócio, em conformidade com as disposições
estatutárias pertinentes;
(iv) Haja uma votação unânime para excluir um sócio, mas só nos seguintes eventos: a)
Se a continuidade do sócio constitui uma violação de disposições legais. b) Se tal sócio tiver
transferido a terceiros toda a sua participação na companhia, a não ser que o tenha feito em
virtude de ordem judicial. c) Se decorreram 90 dias a partir da data em que se notifique que a
sociedade foi dissolvida de maneira judicial ou voluntária. d) Se o sócio é uma sociedade de
pessoas e entrou em falência.
(v) Haja uma ordem judicial nesse sentido, originada em: a) Atuações de um sócio que
tenham prejudicado de maneira substancial a empresa social. b) Não cumprimento continua-
do dos deveres estabelecidos por lei ou pelos estatutos. c) Atuações de um sócio que não
permitam seguir realizando negócios de maneira conjunta.
(vi) Se o sócio é uma pessoa natural, nos seguintes casos: a) Morte do sócio. b) Nomeação
de tutor ou curador de seus bens. c) Declaração judicial de incapacidade.
(vii) Renuncia, em qualquer forma, de um sócio que não seja uma pessoa natural, uma
sociedade de capital ou um patrimônio autônomo (trust).
327 A maioria das causas de retirada antes expostas dá lugar a sanções de índole pecuniária, tais
como a não restituição dos aportes ou o não pagamento das somas devidas a título de
repartição de resultados.
328 Cfr. Seção 801 (2) da Nova Lei Uniforme (RUPA).
331 Segundo afirmam alguns autores, “a limited partnership não existia no direito anglo-saxão. Ela
surgiu a partir da noção de sociedade em comandita, própria dos sistemas de tradição romano-
germânica, com o propósito de que uma pessoa pudesse investir recursos e compartilhar os
benefícios derivados da atividade de uma companhia, sem expor sua responsabilidade além do
montante dos aportes que tenha efetuado ao fundo social” (FOLSOM, Ralph H. op. cit., p. 250).
332 ROWLEY, op. cit., p. 550. Tanto a sociedade coletiva como a comanditária foram “no baixa
Idade Media, criação direta da nascente classe capitalista, produto dos estatutos das corporações
dos mercadores; os códigos modernos se limitaram a uma obra de simples recepção, e de
recepção totalmente formal, desde o momento que os atuais caracteres normativos destes tipos
de sociedade reproduzem, sem variações substanciais, seus caracteres originais” (GALGANO,
Francesco. As instituições da economia capitalista, sociedade anônima, Estado e classes sociais.
Barcelona: Edit. Ariel, 1990, p. 77).
res. Estes últimos não têm maior ingerência na operação básica do negócio e
sua responsabilidade usualmente se limita ao montante de seu investimento
na sociedade”333. Naturalmente, o sócio gestor pode também participar como
capitalista e, em tal condição, fazer aportes à companhia. Nesta hipótese, de
acordo com o disposto na Seção 404 da Lei Uniforme correspondente (ULPA),
“a pessoa que seja simultaneamente sócia gestora e comanditária terá os direi-
tos e poderes e estará sujeita às restrições e responsabilidades do sócio gestor, e,
salvo o disposto no acordo de sociedade comanditária, terá igualmente os po-
deres e estará sujeita às restrições de um sócio comanditário, na medida de sua
participação na companhia como sócio capitalista”334.
Como bem afirma KANE, “um dos atrativos da sociedade em comandita,
aparte da limitação da responsabilidade dos sócios silenciosos [comanditários],
está na possibilidade de restringir a órbita do objeto social a atividades
determinadas e limitar igualmente as faculdades dos sócios coletivos que a
administram. Numa sociedade coletiva, para concluir o convênio definitivo dos
sócios, tal como terá de incorporar-se no ata de associação [‘articles of
copartnership’], requer-se um alto grau de negociação entre os sócios. Em
mudança, numa sociedade comanditária, em geral é escassa a negociação que se
apresenta a respeito dos termos do convênio. Como resultado, o texto do acordo
é notoriamente favorável aos promotores”335.
A Suprema Corte de Connecticut, no caso Clapp v. Lacey (35 Conn.
463), desentranha a natureza deste tipo de companhia ao afirmar que “encon-
tramos um claro propósito geral na legislação, orientado a incentivar o comércio,
ao permitir a um capitalista investir numa companhia cujos sócios gestores são
idôneos para os negócios, sem adquirir a qualidade de sócio coletivo nem pôr em
perigo no negócio nenhum bem, salvo o capital inicialmente contribuído”.
A constituição da sociedade a que se aludiu, assemelha-se à prevista para a
criação de sociedades capitalistas. A legislação exige o registro do documento de
constituição ante a correspondente autoridade estatal (usualmente a Secretaria
de Estado). A lei tipo desta classe de companhias (Uniform Limited Partnership
da (limited liability partnership ou, por suas siglas em inglês, LLP), um dos
tipos societários mais interessantes que se concebeu no sistema norte-ameri-
cano nos últimos anos337. As características próprias desta forma associativa
permitem que os sócios contem com prerrogativas que não têm aplicação em
outros tipos sociais. Por exemplo, diferentemente da tradicional companhia
de pessoas (general partnership), neste tipo social híbrido os sócios não são
responsáveis de maneira solidária e ilimitada por todas as obrigações sociais. A
primeira lei sobre sociedades de pessoas de responsabilidade limitada foi pro-
mulgada pelo Estado de Texas em 1991 visando proteger às companhias de
profissionais liberais – em especial, advogados, médicos e contadores – da
responsabilidade originada pelo exercício de suas respectivas profissões. Não
obstante, a norma não eximia os sócios da responsabilidade por obrigações
derivadas de causas diferentes do exercício culposo na prática profissional, de
maneira que ficavam excluídas outras modalidades de responsabilidade con-
tratual e extracontratual. Daí que nesta primeira tentativa de regular a ativi-
dade das sociedades de pessoas de responsabilidade limitada só se tenha limitado
o risco dos sócios a respeito da denominada responsabilidade por atos de ou-
tro (vicarious liability)338.
337 A origem desta forma societária nos Estados Unidos parece rememorar a discussão que deu
lugar à criação da sociedade de responsabilidade limitada no século XIX em Alemanha. No
debate legislativo correspondente, considerou-se dotar à sociedade coletiva de um sistema de
limitação de responsabilidade. Segundo PETER ULMER, no processo de adoção da denomina-
da GmbH existiam dois pontos de partida enfrentados: “O primeiro pretendia utilizar o modelo
da sociedade coletiva adicionando unicamente a limitação de responsabilidade. Tratava-se,
conseqüentemente, de um modelo claramente individualista […] O segundo modelo preten-
dia criar uma sociedade anônima ‘suavizada’ eliminando as estritas disposições sobre a
fundação” (Princípios fundamentais do Direito alemão de sociedades de responsabilidade limita-
da. Madri: Edit. Civitas, 1998, pp. 29-30).
338 Alguns dos Estados que com maior presteza adotaram as leis sobre sociedades de pessoas de
responsabilidade limitada (LLP) foram Luisiana (1992), Delaware, Carolina do Norte e Washington
(1993). Muitos outros Estados promulgaram leis similares desde 1994 até a data de hoje
(CALLISON, William L. Limited Liability Parnerships & Limited Liability Limited Partnerships, Lectric
Law Library, 1995, p. 2.). Segundo o dicionário Black’s Law, pode definir-se a expressão vicarious
liability nos seguintes termos: “esta modalidade de responsabilidade se define como aquela que
é imposta a uma pessoa por uma conduta atribuível a outra, cujo fundamento exclusivo está na
relação existente entre as duas pessoas. É a responsabilidade indireta por atos de outro; por
exemplo, a responsabilidade de um patrono pelos atos de um empregado, ou a de um mandante
pelos não cumprimentos contratuais, delitos do seu mandatário” (op. cit, p. 1566). Desde seus
inícios, a utilização do tipo societário em questão se orientou a proteger os sócios dos riscos
relacionados com a responsabilidade ocasionada na negligência dos outros sócios na prática
profissional (malpractice). Esta especial proteção é de grande valor nessa classe de sociedades,
devido ao fato que a negligência profissional constitui uma das principais causas de demandas
de responsabilidade civil extracontratual. Como já se viu, é mister distinguir a responsabilidade
derivada dos contratos (Contract Liability) daquela derivada de obrigações extracontratuais (tort
liability). Vale precisar que enquanto nas sociedades de pessoas (general partnerships), segundo a
342 RICH, Bruce A. A New Form of Partnership: the Registered Limited Liability Partnership. In:
CPA Journal, agosto, 1993, p. 4.
343 A partir desse momento, a sociedade deverá identificar-se com seu nome seguido do tipo
societário que se elegeu: Limited Liability Partnership ou Registered Limited Liability Partnership,
por suas siglas LLP ou RLLP.
344 Cfr. Capítulo VIII, infra.
345 Cfr. SAAB, Susan. Potential Pitfalls of pacticing as a Limited Liability Partnership. In: Business
Law Today, vol. 12, nº 3, 2003, Chicago, American Bar Association, p. 46.
dos sócios. Na medida que todos respondem em forma solidária pelos atos dos
demais, cada um dos sócios se verá inclinado a exercer a referida vigilância.
Pelo contrário, nas sociedades de pessoas de responsabilidade limitada, bem
como nas companhias de capital, a limitação de responsabilidade elimina a
necessidade de supervisionar a atividade dos demais sócios346.
Outro argumento que dá notícia os detratores desta classe de companhias
consiste no fato que a eliminação da responsabilidade solidária pode criar con-
flitos entre os sócios347, problemas financeiros ou inconvenientes ante terceiros,
toda vez que a companhia pode estar sub-capitalizada para cumprir com suas
responsabilidades ante seus credores.
III. SOCIEDADE COMANDITÁRIA COM RESPONSABILIDADE LIMITADA DOS
SÓCIOS GESTORES (LIMITED LIABILITY LIMITED PARTNERSHIP)
346 Paradoxalmente, a circunstância de reduzir-se os custos de supervisão é vista como uma das
principais vantagens que surgem do sistema de limitação de responsabilidade na sociedade de
capital (Cfr. Capítulo V, infra).
347 Os sócios que não são pessoalmente responsáveis pelas dívidas da companhia poderiam ver-
se inclinados a abandoná-la, em detrimento dos interesses sociais.
348 Assim, por exemplo, pode-se ver a Lei Nº 852 do 5 de abril de 1996, promulgada no Estado
de Geórgia.
349 Introduzida pela primeira vez nos Estados Unidos pelo Estado de Wyoming em 1977. Na
atualidade, os 50 Estados da União Americana, além do Distrito de Colúmbia, contemplam à
sociedade de responsabilidade limitada dentro de suas leis (BURNHAM, William. Introduction
to the Law and Legal System of the United States, West Group, Minnesota, 2002, p. 571).
350 No entanto, também existem diferenças notórias entre a sociedade limitada e a sociedade de
capitais fechada (Cfr. KEATINGE, Robert. The Limited Liability Company: A Study of the
Emerging Entity. In: The Business Lawyer, vol. 47, fevereiro de 1992, p. 382). De acordo com
BURNHAM, a sociedade de responsabilidade limitada oferece vantagens significativas, a
respeito da gestão dos negócios sociais em relação ao regime jurídico aplicável às sociedades
de capital fechadas (closely held corporations). Certamente, as disposições legais que gover-
nam a administração destas últimas costumam ser rígidas, pois estabelecem hierarquias entre os
acionistas, diretores e executivos” (Op. cit., p. 571).
351 SOLOMON e PALMITER definem acertadamente a este tipo societária como “um híbrido entre as
sociedades de pessoas e de capitais. Igualmente às sociedades de pessoas, os sócios desta
espécie societária lhe fornecem recursos de capital, ao mesmo tempo em que estão facultados a
gerir os negócios sociais em conformidade com seu objeto social. Do mesmo modo, existem
restrições significativas à transferência das quotas sociais. Igualmente às sociedades de capital, os
sócios não são pessoalmente responsáveis pelas obrigações sociais” (Corporations..., cit., p. 20).
352 As características mencionadas foram estabelecidas pela administração de impostos para deter-
minar se um sujeito constituído sob alguma das legislações estaduais, independentemente da
denominação que lhe tiverem atribuído seus associados fundadores, podia ser considerado
como sociedade de capitais e, conseqüentemente, submeter-se ao regime de tributação em dois
níveis. Tais características ainda hoje são a duração indefinida, a administração centralizada, a
limitação da responsabilidade dos sócios e a livre negociação das participações de capital (cfr.
HYNES, J. Dennis. Agency, Partnertship and the LLC. Minn.: West Publishing Co., 1997, p. 219).
353 Para mais informação, cfr. o artigo editado pela Administração Federal de Impostos intitulado
“Tax Issues for Limited Liability Companies”, em Publications, IRS, 2003.
354 KEATINGE. The Limited Liability Company..., cit., p. 378.
dente a necessidade de promulgar uma lei tipo, de modo a criar certa homoge-
neidade a respeito das regras e princípios aplicáveis às sociedades de responsabi-
lidade limitada. A expedição da lei tipo correspondente em 1996 (Uniform
Limited Liability Companies Act ou, por suas siglas em inglês, ULLCA) também
permitiu preencher certas lacunas jurídicas que existiam em algumas das legis-
lações estaduais sobre a matéria.
Sem dúvida a principal característica desta forma associativa é, precisa-
mente, o regime de limitação de responsabilidade. Igualmente a o que ocorre
nos países de tradição romano-germânica, os sócios só arriscam o montante de
seus respectivos aportes. Esta limitação de risco se estende, em princípio e
salvo as exceções previstas em certas leis estaduais, às obrigações sociais deriva-
das tanto de responsabilidade contratual como extracontratual da sociedade.
Naturalmente que a separação patrimonial que se produz posteriormente à
constituição da sociedade não impede aos credores pessoais dos sócios perse-
guir a participação de capital que estes tenham na companhia.
O princípio da limitação de responsabilidade tem como conseqüência o
verdadeiro desamparo em que ficam os terceiros credores, quem, como é óbvio,
só contarão com as proteções societárias derivadas das regras sobre publicidade,
partilha dos resultados e dissolução da sociedade sob certas circunstâncias. É
por isso que algumas das leis estatais sobre este tipo de sociedade consagram
estas proteções mediante normas de caráter imperativo, cuja revogação por acor-
do privado das partes não é viável.
Outro avanço significativo dentro da moderna regulação da sociedade de
responsabilidade limitada tem a ver com a liberdade de estipulação que se dá
em relação ao objeto social. Antes da vigência da Lei Tipo de Sociedades de
Responsabilidade Limitada (ULLCA), existia controvérsia a respeito da pos-
sibilidade de acometer certas atividades restritivas por meio de uma sociedade
de responsabilidade limitada. No entanto, a Seção 112 da citada lei acabou
com a incerteza naqueles Estados que a acolheram, ao permitir a formação de
sociedades limitadas para a realização de qualquer objeto lícito, de maneira
que a sociedade goza de capacidade para celebrar todos os negócios e ativida-
des que sejam necessários e conformes com seu objeto social355.
355 A Seção 201 da Lei Tipo estabelece a personalidade jurídica desta figura como “legalmente
diferente de seus sócios, quem, em geral, não são responsáveis pelas dívidas, obrigações e
responsabilidades da companhia”.
356 Ao permitir que a sociedade de responsabilidade limitada possa ser constituída por um só
indivíduo, o regulamento estadunidense formula um desenvolvimento pragmático ante o
velho sistema teórico de Direito positivo, de origem romano-germânica, de onde provem
originalmente esta figura societária. Claro que nos países da União Européia também se
admitiu a limitada de um só sócio, em desenvolvimento da Décima Segunda Diretiva Comu-
nitária em matéria de sociedades de capital individual. Segundo informa ANTONIO RONCERO
SÁNCHEZ, “até o momento da incorporação da 12ª Diretiva ao Direito espanhol pela LSRL [Lei
de Sociedades de Responsabilidade Limitada], a mesma já se produziu na prática totalidade
dos países membros da União Européia (o prazo para a adaptação finalizou o 31 de dezembro
de 1991)” (A sociedade de capital individual. In: Direito de sociedades de responsabilidade
limitada, t. II. Madri: Edit. McGraw Hill, p. 1128).
357 A possibilidade de que as sociedades limitadas possam ser constituídas por uma só pessoa
representa um grande avanço neste regime jurídico. Este preceito permite que os empresários
individuais (sole propietorships) obtenham o benefício da limitação de responsabilidade sem
necessidade de ir à rígida forma societária de capitais (Seção 202 ULLCA). No entanto, há que
anotar que, para efeitos tributários, as sociedades de responsabilidade limitada de um só
indivíduo são tributadas de maneira diferente daquelas formadas por duas ou mais sócios (cfr.
IRS “Tax Issues for Limited Liability Companies”, op. cit. p. 4).
358 O nome da sociedade de responsabilidade limitada deve vir acompanhado da indicação a
respeito do tipo societário que a identifica (Limited Liability Company) ou de suas siglas em
inglês (LLC, LC ou LTD.): Seção 105 ULLCA.
359 Tal como ocorre nas sociedades de capital, a ata de constituição se diferencia dos estatutos
sociais (conhecidos na terminologia anglo-saxão como by laws). Neles deve-se especificar, em
detalhe, quais serão as atividades de exploração econômica as quais se dedicará a sociedade,
bem como as normas de funcionamento interno da companhia. (Seção 203 ULLCA).
360 Não obstante, algumas decisões da companhia devem ser tomadas por unanimidade, tais como
1. a reforma dos estatutos; 2. a reforma das menções contidas no ata de constituição; 3. A
admissão de um novo sócio, e 4. A decisão de dissolver a companhia [Seção 404 (c) ULLCA].
tábeis a qualquer tempo e sem que se requeira autorização prévia por parte
dos demais sócios363.
O Capítulo 5 da Lei Tipo regula a forma em que se divide o capital da
sociedade de responsabilidade limitada. Nas normas correspondentes se esta-
belece que este se dividirá em participações sociais (distributional interest),
cuja alienação total ou parcial por parte de seu titular se sujeita ao consenti-
mento unânime dos sócios. No entanto, existe uma interessante particulari-
dade no regime normativo da cessão da participação social. A transferência de
participação não faculta per se ao terceiro adquirente tomar parte na adminis-
tração da companhia. Assim, tal operação apenas dá direito a participar nos
resultados sociais de maneira proporcional à percentagem que tiver sido obje-
to de transferência364.
Por último, é relevante considerar as causas de dissolução da sociedade de
responsabilidade limitada previstas na Seção 801 da Lei Tipo. Segundo a norma
citada, a sociedade se dissolverá quando ocorre qualquer das seguintes circuns-
tâncias: 1. A ocorrência dos fatos previstos nos estatutos; 2. Decisão dos sócios; 3.
Por ter-se incorrido em ilegalidade no manejo da sociedade, se as causas que a
originaram não se reparem dentro dos 90 dias seguintes ao fato respectivo; 4.
Pela transferência da totalidade da participação de capital de um sócio, cuja ati-
vidade seja indispensável para o funcionamento normal da sociedade; 5. Por
ordem judicial, e 6. Pelo vencimento do termo de duração da sociedade.
Estado correspondente: “Na maioria de Estados basta indicar na ata constitutiva o nome da
sociedade, o número de ações autorizadas e outras menções básicas” (Corporations and Other
Business Associations, Cases and Materials. Boston: Little, Brown and Company, 1996, p. 175).
369 CLARK, Robert C. op. cit., p. 1.
370 EISENBERG concluiu que, “existe informação substancial que demonstra um grau significativo
de concentração de capital social ainda onde menos se esperaria, isto é, nas companhias de
maiores dimensões” (EISENBERG, Melvin Aaron. The Structure of the Corporation, A legal
Analysis. Boston, MA: Little, Brown and Company, 1976, p. 45).
371 Ibidem, p. 42.
372 De acordo com HAMILTON, “só em 1984, as 100 sociedades abertas de maior dimensão nos
Estados Unidos eram titulares de cerca de quarenta e nove por cento dos ativos do setor
industrial; dentro delas, as 200 maiores possuíam sessenta por cento” (HAMILTON, op. cit., p.
14). Por sua vez, ENGRACIA ANTUNES fornece a seguinte informação estatística: “o caso os
Estados Unidos de América é ilustrativo, já que já na décadas de oitenta existiam mais de dois
milhões setecentas mil sociedades anônimas, frente a doze milhões de empresas individuais e
um pouco mais de um milhão de sociedades de pessoas (‘partnerships’). Protótipos deste
fenômeno são as grandes sociedades anônimas norte-americanas (‘public corporations’). Estas,
por si sós, contam com mais de trinta milhões de acionistas, sendo as maiores as seguintes
sociedades: AT&T (com três milhões de acionistas), Geral Motor (um milhão trezentos mil),
Standard Oil (oitocentos mil), IBM (quinhentos oitenta e sete mil) e Geral Electric (quinhentos
vinte e um mil)” (Direito das sociedades comerciais..., cit., p. 107).
373 O mesmo acontece com a “companhia” brasileira, que é regulada pela Lei 6.404 de 1976
(também denominada “Lei de Sociedades Anônimas”), modificada pelas leis 9.457 de 1997 e
10.303 de 2001.
374 EASTERBROOK, Frank H. et al. The Economic Structure..., cit., p. 34. Os mesmos autores agregam
que “essa legislação societária e os antecedentes judiciais existentes são fornecidos sem nenhum
custo a todos os empresários por igual. Isso lhes permite concentrar-se nos assuntos relativos à
gestão dos negócios sociais [...]. A legislação societária complementa e suplementa, mas nunca
desloca as intenções das partes em decorrência de seus negócios, a não ser que haja efeitos
nocivos para terceiros” (Ibidem).
375 “Se voltou inútil ressaltar os desenvolvimentos da teoria de ultra vires, à luz de seus perigos e da
reticência compreensível dos tribunais de aplicá-la. Desde 1945, efetivamente, a Comissão
Cohen tinha proposto que a cláusula do objeto tivesse um âmbito de aplicação puramente
interno: a sociedade teria, para todos os efeitos, a capacidade de uma pessoa jurídica, mas a
cláusula implicaria simplesmente a proibição imposta pelos sócios aos administradores de realizar
atividades da sociedade por fora de certos limites” (TUNC, André. Lhe Droit Anglais....cit., p. 49).
O sistema brasileiro é um dos exemplos onde o objeto deve ser claramente descrito. “A definição
precisa e completa do objeto possibilita a caracterização das modalidades de abuso de poder e de
desvio de atividade. [...] Assim, quando a sociedade pratica atos ou exerce atividades não
previstas no seu objeto social, em decorrência da conduta ultra vires de seus administradores e
controladores, será ela responsável perante aqueles de boa-fé que sofreram os respectivos danos,
sejam os próprios acionistas, sejam os credores ou os concorrentes ou mesmo terceiros indireta-
mente prejudicados.” (CARVALHOSA, Modesto. 1º vol., op. cit., p. 17-18). Essa responsabilidade
é fundamentada, no direito brasileiro, nos seguintes princípios: 1) todos os atos praticados pela
sociedade com desvio de objeto são ilícitos; 2) princípio de responsabilidade autônoma da
pessoa jurídica sem embargo da responsabilidade pessoal dos administradores; e 3) responsabili-
dade autônoma da companhia pela política que lhe é imprimida pelos controladores (Ibidem).
aboliram ambas as doutrinas376. É por isso que desde faz várias décadas é viável
constituir sociedades de capitais sem efetuar determinação alguma do objeto
social. Assim, por exemplo, de acordo com a Seção 2.02 da Nova Lei Tipo de
Sociedades de Capital (Revised Model Business Corporation Act, RMBCA), não é
necessário incluir no ata de constituição uma determinação do objeto social para
o qual a sociedade foi constituída. No comentário oficial à norma mencionada,
preparado por um comitê especializado da Ordem dos Advogados dos Estados
Unidos (American Bar Association), afirma-se que “quando uma sociedade se
constitui sem estipular qual terá de ser sua atividade econômica, terá
automaticamente um objeto social que lhe permita comprometer-se em qualquer
atividade lícita de negócios, nos termos da Seção 3.01 (a). A opção de estipular
um objeto social mais restringido também outorga aos interessados nas seções
2.02 (b)(2) e 3.01”377. Uma disposição semelhante às mencionadas se encontra
na Seção 102 (3) da Lei Geral de Sociedades do Estado de Delaware, segundo
a qual é suficiente mencionar no ata de constituição que a sociedade poderá
realizar qualquer atividade lícita de acordo com a lei378. A característica assinalada,
também presente no sistema jurídico do Reino Unido, é eloqüente em relação à
concepção econômica da sociedade de capitais no mundo anglo-saxão. Dentro
do sistema de objeto social indefinido, os Conselhos de Administração e os
restantes administradores sociais não têm que modificar os estatutos das
companhias nem obter autorização alguma para comprometer a sociedade em
qualquer classe de atividade de negócios. Já no ano de 1968 o célebre economista
JOHN KENNETH GALBRAITH assinalava esta e outras características da
sociedade de capitais norte-americana como fatores transcendentais no
desenvolvimento econômico do “Novo Estado Industrial”. Segundo
GALBRAITH, “A sociedade comercial tem uma imagem jurídica definida.
Seu propósito é desenvolver negócios como se fosse um indivíduo, mas com a
376 Segundo a teoria latina da especialidade, a empresa social deve estar plenamente determinada
na ata de constituição da sociedade. Esta exigência concorda com a limitação da capacidade
da companhia, em razão da qual esta só pode realizar atividades relacionadas diretamente com
a atividade de exploração econômica prevista no objeto social. A tese em menção arca a grave
conseqüência de que qualquer ato não compreendido dentro do objeto é nulo e, por tanto,
não vincula à sociedade. Nos sistemas jurídicos latino-americanos é freqüente a inclusão deste
esquema legal, que corresponde ao que se conhece como a teoria de ultra “vires”.
377 Corporations and Business Associations, Statutes, Rules and Forms, 1992 Edition, Foundation
Press, p. 198.
378 Para uma análise detalhada do ponto em questão, cfr. BJUR, Timothy et al. Fletcher Cyclopedia
of the Law of Private Corporations, Revised Volume, New York: CBC, 1993, p. 102.
dúvida, boas razões para preocupar-se a respeito da debilidade de sua posição jurídica numa
sociedade. Mas tal acionista não deveria tentar fortalecer sua posição mediante a imposição de
limitações no objeto social” (MORRIS, Glenn G., op. cit., vol. 7, pp. 293-294)
381 Segundo PALMITER, nos Estados Unidos “a tese de ultra vires se converteu numa curiosidade
histórica” (The CTS Gambit..., p. 454).
382 SOLOMON e PALMITER, op. cit., p. 47.
387 “A empresa de proprietário único é a mais antiga e a mais simples das formas de atividade
comercial. O proprietário desta classe de empresa maneja seus assuntos segundo seu próprio
saber e entender. É possível que a empresa individual empregue uma razão social. O proprie-
tário é pessoalmente responsável por todas as dívidas da empresa. Ademais, incluirá todos os
rendimentos e perdas dela, de modo direto, em sua própria declaração tributária. A empresa
deixa de existir quando morre seu proprietário ou se retira se dos negócios... Em grande parte,
o regime fiscal aplicável à empresa de proprietário único é idêntico àquele aplicável a uma
sociedade de pessoas (partnership)” (FOLSOM, Ralph H. op. cit., p. 249).
388 CARY e EISENBERG, op. cit., p. 1.
para efeitos federais, forçou a certas instituições do governo nacional dos Es-
tados Unidos a definir critérios que permitam identificar de modo pleno as
companhias de capitais. Uma de tais instituições federais é, precisamente, a
administração de impostos (Internal Revenue Service). É evidente que esta
definição tem relevantes conseqüências na determinação do sistema de tribu-
tação aplicável às pessoas jurídicas. Como já se explicou em detalhe, as socie-
dades de capitais estão submetidas a um sistema de dupla tributação. Por isso,
como também se assinalou, resulta crucial à administração tributária fixar
critérios que permitam detectar a presença de contribuintes que possam clas-
sificar como sociedades capitalistas, sem levar em conta para esse efeito a no-
menclatura ou classificação que os diferentes Estados da União utilizem. Aparte
de que os critérios mencionados foram sentados há tempo, estes permitem
uma caracterização de traços definidos a respeito da sociedade de capitais,
conforme as características que configuram o tipo societário nas diversas legis-
lações estaduais. Os já resenhados critérios propostos pela administração de
impostos são os seguintes: termo indefinido, administração centralizada, li-
mitação de responsabilidade e livre negociação das ações. Devido à significati-
va importância destas características e a sua utilidade para a análise comparada
da sociedade capitalista norte-americana, convém fazer breve referência a cada
uma delas.
393 No direito brasileiro o conselho de administração tem uma regulação menos flexível. De fato,
segundo as leis brasileiras, este órgão está sujeito as seguintes regras: 1) deve ser composto por,
no mínimo, três membros (art. 140 do Lei 6.404 de 1976); 2) os membros devem ser acionistas
(art. 146 do Lei 6.404 de 1976); 3) é um órgão necessário apenas nas sociedades de economia
mista, nas companhias abertas e nas que adotam o regime de capital autorizado. (CARVALHOSA,
Modesto, op. cit., 3º vol., p. 10-11).
394 HAMILTON, op. cit., p. 476.
395 De acordo com ROBERT W. HAMILTON, uma pílula venenosa “é uma tática utilizada por uma
companhia em perigo de ser adquirida hostilmente, para fazer suas ações menos atraentes. Por
exemplo, uma sociedade pode expedir uma nova série de ações preferenciais que confiram aos
acionistas o direito de ser resgatada por um valor superior ao real se chegar a produzir-se uma
tomada de controle. Uma pílula venenosa eleva os custos de uma aquisição, de maneira que
aqueles que a criam esperam bloquear qualquer oferta de tomada de controle”. (Ibidem, p.
466). “Nos Estados Unidos tais pílulas de veneno tiveram a sua legalidade chancelada no ano
de 1985 pela corte de Delaware no caso Moran vs. Household International [Moran v.
Household Intern., Inc., 490 A.2D 1059 (Del. Ch. 1984)] – o primeiro caso judicial que
reconhece a importância e oportunidade dessa espécie de previsão estatutária no sentido de
equalizar as forças dos acionistas, por meio do Conselho de Administração da empresa-alvo da
oferta, e do ofertante, na negociação.” (PRADO, Roberta Nioac. Desconcentração do Poder de
Controle e Poison Pills: Evolução no Mercado de Capitais Brasileiro. In: CASTRO, Rodrigo R.
Monteiro de et. al. Poder de Controle e Outros Temas de Direito Societário e Mercado de
Capitais. Editora Quartier Latin, 2010, p. 387). “(...) no Brasil, embora alguns estudos e
conclusões estrangeiras possam ser aproveitadas, a realidade e a maturidade do mercado são
muito diversas da norte-americana. Ademais, as nossas poison pills assumiram uma forma
distinta – em regra, tendendo a consubstanciar uma oferta pública obrigatória, à semelhança
do tag along previsto no artigo 254-A da Lei Societária de 1976. E, embora também tenham
como um dos objetivos impedir, ou ao menos dificultar, um takeover hostil, foram previstas
inclusive em companhias com controle definido, podendo potencialmente trazer outro tipo
de distorção ao funcionamento do mercado (...)” (Ibidem, p. 388).
396 Para o caso do Brasil, por exemplo, a representação legal da empresa está nas mãos da diretoria.
“Os poderes de representação da companhia cabem privativamente aos diretores e não podem
ser suprimidos pelo estatuto, nem por estes partilhados com outro órgão da sociedade (v.g.,
Conselho de Administração ou assembléia geral). Trata-se de representação orgânica. [...] Nas
companhias, a manifestação da vontade social perante terceiros faz-se eficazmente por meio
dos diretores.” (CARVALHOSA, Modesto, op. cit., 3º vol., p. 13).
atitude do indivíduo e da mesma sociedade que faz pensar aos terceiros que a
pessoa tem capacidade para obrigar a companhia. O Tribunal Federal de Ape-
lações do Segundo Circuito disse sobre o particular que “muitos juízes nota-
ram a injustiça que se causa pela prática de permitir que as sociedades atuem
geralmente por conduto de seus executivos e que, mais tarde, ao dar-se conta
de que o contrato não resulta conveniente ou benéfico, decidam separar-se do
cumprimento dos contratos assim celebrados, mediante o argumento de que
o funcionário carecia de legitimação real para o efeito”397.
A legitimação real, como sua própria denominação o sugere, significa
que o funcionário está, na verdade, investido de poderes que lhe permitem
atuar em nome e por conta da companhia, bem porque os estatutos sociais lhe
outorgaram tais funções, ou porque a própria lei se as conferiu. Por último, a
legitimação inerente é a que surge da posição que ocupa o indivíduo dentro
da hierarquia administrativa da sociedade, em virtude da qual certas funções
de representação estão implícitas em determinados cargos de direção ou con-
fiança da companhia. Em termos muito gerais, a doutrina e a jurisprudência
definiram diferentes graus de legitimidade inerente que dependem da posi-
ção que ocupe o funcionário na companhia. Sobre o particular, vale a pena
seguir o esquema, e as explicações, que apresenta WILLIAM CARY398, no
que se assinalam as faculdades de representação que ostentam os principais
funcionários da sociedade.
1. PRESIDENTE
Há um número significativo de antecedentes judiciais em que se alude à
legitimação inerente do presidente, que surge de modo inequívoco dessa po-
sição administrativa. Curiosamente, em alguns de tais casos se afirma que o
presidente não tem legitimação inerente por virtude de seu cargo, mas sim a
legitimação real que de modo explícito lhe tiver conferido o Conselho de
Administração. No entanto, essa teoria, devido a seu escasso realismo, foi subs-
tituída por outra regra que adquire importância prática naqueles casos em
que o presidente ostenta também o caráter de diretor presidente ou o de
executivo chefe (chief executive officer ou CEO, por suas siglas em inglês). Afir-
mou-se, efetivamente, que “quando o presidente da sociedade ocupa também
397 Lee v. Jenkins Brothers, [268 F.2d. 357 (2d Cir 1959)].
398 CARY e EISENBERG, op. cit., pp. 236 e ss.
399 Memorial Hospital Association of Stanislaus County v. Pacific Grape Products Co., [45 Cal.2d
634, 637, 290 P.2d 481, 483 (1955)].
400 CARY e EISENBERG, op. cit., p. 239.
402 GOULART identifica os requisitos do controle gerencial: “Para que possa falar em controle
gerencial é necessário: 1) os titulares da administração social no sejam também os titulares do
capital social – distinção administração/propriedade do capital; 2) os titulares do capital social
estejam de tal forma afastados dos negócios sociais que nem sequer compareçam pessoalmente
às deliberações da sociedade, delegando este poder aos administradores; 3) os administrado-
res, dotados da capacidade de deliberação, assumam não apenas a gerência das atividades
sociais, mas também a tomada de todas as decisões a respeito.” (GOULART, Eduardo. Direito
Societário, op. cit., p. 92).
403 O doutrinador EDUARDO GOULART refere-se a três tipos de controle: majoritário, minoritário
e conjunto. O primeiro é o mais comum e acontece “quando o controle societário é exercido
por um sócio (ou grupo unido por acordo) que detém, sozinho, mais de 50% das ações
votantes” (Ibidem p. 87); o segundo acontece “quando o sócio majoritário não exerce seu
poder de controle (seu controle em potência, decorrente de sua ascendência sobre o capital
social) deixando margem para que outros o façam; b) quando o capital da sociedade está de
tal forma pulverizado entre inúmeros sócios que não há uma única pessoa ou grupo de pessoas
unidas por acordo capaz de totalizar mais de 50% do capital votante.” (Ibidem, p. 88-89); o
terceiro ocorre “quando: 1) duas ou mais pessoas físicas ou jurídicas estão, de fato, exercendo
o poder de controle sobre uma mesma sociedade e, além disso, 2) duas ou mais pessoas físicas
ou jurídicas controladoras estão unidas por um vínculo de caráter jurídico (acordo de vonta-
des) ou, no caso das pessoas jurídicas, por um vínculo de fato (ambas são controladas por uma
mesma pessoa).” (Ibidem, p. 89).
404 BUCHHOLZ, op. cit, p. 247.
407 O caráter mais ou menos restritivo desta limitação, depende essencialmente da relação que
existe entre o preço fixado para a opção e o justo valor da ação no momento em que a oferta
é formula. Sobre este particular pode conferir-se o caso Allen v. Biltmore Tissue Corp., [2N.E.2d.
534, 161 N.E.S.2d. 418, 141 N.E.2d. 812 (1957)].
mento em que opera a opção (call option) ou pode estar definido a priori,
como um valor de recompra da ação, de acordo com o previsto na correspon-
dente estipulação contratual (redemption right).
408 As primeiras estão sujeitas aos requisitos de publicidade e divulgação, contidos nas disposi-
ções federais e estatais sobre o mercado de valores mobiliários (Securities and Exchange Act de
1934, blue sky laws, etc.).
409 “As companhias fechadas, tanto no Brasil, quanto em outras partes do Mundo, constituem uma
solução adequada para as atividades em que, ausente a necessidade do uso intensivo de capital
e da produção em larga escala, prevalecem as pequenas e as médias empresas. Marcadas, em
grande parte, pelo isolamento familiar, elas apresentam dois fundamentais obstáculos a seu
desenvolvimento, ou seja, a inflexibilidade das práticas gerenciais e a limitação patrimonial a sua
expansão, merecendo um tratamento específico e peculiar (SIMONSEN, Mário Henrique. Brasil
2002, p. 120-121)”. (BARBOSA, Marcelo Fortes. Sociedade Anônima Atual, op. cit., p. 18).
410 Esta característica se conhece usualmente como availability of ready market for the shares e implica
a possibilidade de vender em condições rápidas e favoráveis e de obter, com grande celeridade,
um avaliação comercial da ação, segundo as cotações da respectiva bolsa de valores.
411 A expressão que se utiliza freqüentemente é a da minority freeze out (cfr. HENN, Harry G. et al.
Laws of Corporations, Third Edition, Hornbook Séries. Saint Paul, Minn.: West Publishing Co.,
1983, p. 736).
412 Os denominados deveres de cuidado (duty of care) e de lealdade (duty of royalty) significam que
tanto os acionistas como os administradores estão obrigados a fazer diligentemente e de boa fé,
em exclusivo benefício da sociedade e seus acionistas como os administradores estão obrigados
a fazer diligentemente e de boa fé, em exclusivo benefício da sociedade e seus acionistas.
413 Isso nada mais é do que advertir que os acionistas minoritários também têm deveres de
lealdade frente aos majoritários.
414 Esta figura é bem semelhante à sociedade de responsabilidade limitada.
falta tavela
415 Vale a pena recordar que no sistema norte-americano a administração da sociedade corresponde
ao Conselho de Administração.
416 Tais restrições são as contidas na Seção 202 da Lei Geral de Sociedades do Estado de Delaware.
417 Algumas das vantajosas estipulações que podem pactuar-se são as seguintes: 1. Acordos
privados que restrinjam a arbitrariedade dos administradores (Sec. 350); 2. Administração
direta pelos acionistas (Sec. 351); 3. Designação judicial de um administrador da sociedade
(Sec. 352); 4. Designação de diretores provisórios em certos casos (Sec. 353); 5. Operação da
sociedade como se tratasse de uma sociedade de pessoas (partnership), e 6. Opção dos
acionistas para dissolver a sociedade (Lei Geral de Sociedades do Estado de Delaware).
falta tabela
418 BJUR, Timothy et al. Fletcher Cyclopedia of the Law of Private Corporations, cit., p. 149.
419 CORLEY, Robert et al. Fundamentals of Business Law, Fourth Edition, Englewood Cliffs, NJ:
Prentice-Hall, 1986, p. 829.
420 Em inglês, articles of incorporation, certificate of incorporation ou, simplesmente, charter.
421 No Brasil existem duas formas de constituição da sociedade anônima: por subscrição pública
e por subscrição particular. A primeira “depende do prévio registro da emissão na Comissão de
Valores Mobiliários, e a subscrição somente poderá ser efetuada com a intermediação de
instituição financeira” (art. 82, Lei 6.404 de 1976). Esta é uma diferença fundamental com o
sistema americano, onde a subscrição ao público faz-se depois de constituída a sociedade
(CARVALHOSA, Modesto, op. cit., 2º Volume, p. 96). A subscrição particular não requer
registro na Comissão, e pode fazer-se de duas maneiras: por deliberação dos subscritores em
assembléia-geral ou por escritura pública (art. 88, Lei 6.404 de 1976).
422 HOWELL, Rate A. et al., op. cit., p. 673. É bem conhecida na doutrina anglo-saxão a denomi-
nada teoria da concessão, em virtude da qual o surgimento da personalidade jurídica depende
de uma “graça” estadual, que no Direito contemporâneo norte-americano é outorgada, geral-
mente, pela Secretaria de Estado. “A ‘lex mercatoria’ espanhola, igualmente ao ‘Common Law’,
baseava-se no realismo. A sociedade por ações não é uma criação do poder soberano. Não é
o Estado quem lhe dá vida. Não há, pois, teoria da concessão, também não existe a necessida-
428 Alguns Estados costumavam exigir a presença de vários fundadores (usualmente três). No
entanto, a possibilidade de constituir sociedades individuais conduziu, geralmente, à supres-
são do requisito de pluralidade também no momento da constituição. Por isso, de acordo com
a Seção 2.01 da Nova Lei Tipo de Sociedades de Capital (RMBCA), basta um só sócio
fundador. No caso do Brasil, a lei exige duas pessoas pela constituição da companhia (art. 80
da Lei 6.404 de 1976). A Lei 6.404 de 1976 tem entre as cláusulas de dissolução de pleno
direito, a redução a um único sócio: “Dissolve-se a companhia: [..] pela existência de 1 (um)
único acionista, verificada em assembléia-geral ordinária, se o mínimo de 2 (dois) não for
reconstituído até à do ano seguinte, ressalvado o disposto no artigo 251” (art. 206 da menci-
onada Lei). Em todo caso, na legislação brasileira, no artigo 251 da Lei 6.404/76, é viável a
criação da chamada subsidiária integral que, obviamente, pode se constituir com um só
acionista que é a sociedade controladora.
429 A legislação brasileira também contém essa exigência. Nos termos do artigo 3º da Lei 6.404 de
1976, “A sociedade será designada por denominação acompanhada das expressões ‘compa-
nhia’ ou ‘sociedade anônima’, expressas por extenso ou abreviadamente mas vedada a utiliza-
ção da primeira ao final”.
430 Segundo a lei societária do Brasil, existe uma proteção semelhante a existente nos Estados
Unidos para evitar a homonímia. “Se a denominação for idêntica ou semelhante a de compa-
nhia já existente, assistirá à prejudicada o direito de requerer a modificação, por via adminis-
trativa (artigo 97) ou em juízo, e demandar as perdas e danos resultantes” (artigo 3º, § 2º dela
Lei 6.404 de 1976).
431 A Seção 4.03 da Nova Lei Tipo de Sociedades Comerciais (RMBCA) consagra esta figura.
432 HAMILTON, Robert W. op. cit., p. 39. No caso brasileiro, o vencimento do prazo de duração é
causal de dissolução de pleno direito de sociedades anônimas (art. 206 dela Lei 6.404 de 1976).
433 Black’s Law, cit.
nuidade de seu nome e terá as mesmas atribuições que uma pessoa natural,
para fazer todas as coisas necessárias ou convenientes para realizar seus negó-
cios ou assuntos”436.
V. O ENDEREÇO DA SEDE REGISTRADA E O NOME DO PROCURADOR INSCRITO
A necessidade de que exista certeza com relação ao lugar onde a sociedade
pode ser notificada das demandas ou atuações administrativas que cursam
contra ela e de que exista uma pessoa que possa responder a tais notificações
em nome da companhia justifica a exigência em estudo. É, pois, indispensável
que a sociedade registre ante a correspondente Secretaria de Estado o endereço
da sede que receberá os referidos requerimentos judiciais ou administrativos e
o nome da pessoa que representará à companhia ante tais autoridades. Trata-
se de evitar que a correspondência relacionada com os assuntos mencionados
se confunda com outras comunicações dirigidas à sociedade, que possivelmente
não têm a mesma importância ou não requerem o atendimento imediato por
parte da companhia. Tanto a sede como o procurador inscrito são, usualmente,
uma assinatura de advogados que cumpre dita representação mediante um
contrato que se renova anualmente.
VI. A ESTRUTURA FINANCEIRA DA SOCIEDADE, COM INDICAÇÃO DO
NÚMERO E A CLASSE DE AÇÕES QUE A SOCIEDADE ESTÁ AUTORIZADA
PARA EMITIR
436 Tais atribuições incluem, entre outras, a possibilidade de demandar em nome da sociedade, ter
um selo distintivo da companhia, expedir e modificar os estatutos sociais (by laws), sempre que
não contrariem as atas de constituição ou as leis do Estado, comprar, receber, arrendar ou adquirir
a qualquer título toda classe de propriedades, vender, ceder, hipotecar, permutar ou dispor de
qualquer forma a propriedade, celebrar contratos, contrair obrigações, tomar dinheiro em mútuo,
expedir títulos, bônus e outros valores que poderão ou não ser convertíveis em ações, garantir
suas obrigações com garantia ou hipoteca, prestar dinheiro, investir e reinvestir seus recursos, ser
promotor, sócio, membro, acionista ou gerente de qualquer sociedade, joint venture, convênio
de interesse ou outra entidade, eleger diretores e designar administradores, empregados e
apoderados da sociedade, definir seus deveres, fixar suas remunerações e outorgar-lhes créditos,
pagar pensões e estabelecer planos de aposentadoria, fundos de pensões ou planos de partici-
pação nos resultados sociais para todos ou alguns de seus conselheiros, diretores, empregados
ou mandatários, efetuar doações a entidades de beneficência, caridade, ciência ou educação,
realizar qualquer negócio lícito que loja a apoiar as políticas governamentais, realizar seus
próprios negócios, estabelecer escritórios, e exercer as atribuições outorgadas pela lei, dentro ou
fora do Estado de constituição, efetuar pagamentos, doações ou realizar qualquer outro ato lícito
que ajude a cumprir os negócios e assuntos da sociedade (Cfr. os números 1 a 15 da Seção 3.02
da Nova Lei Tipo de Sociedades de Capital (RMBCA).
437 COX, James D. Corporations, Fifth Edition, Herbert Legal Series, Sum & Substance, 1988, p. 278.
438 Também é possível introduzi-las nos estatutos (by laws) ou em acordos privados entre os sócios
(shareholders| agreements).
439 Este tipo de sociedade sem personalidade jurídica é contemplada pela legislação brasileira, no
art. 986 do Código Civil, e se denomina “sociedade em comum”. Nos termos do artigo 986,
“enquanto não inscritos os atos constitutivos, reger-se-á a sociedade, exceto por ações em
organização, pelo disposto neste Capítulo, observadas, subsidiariamente e no que com ele
forem compatíveis, as normas da sociedade simples”.
Para que esta doutrina possa ser aplicada, é indispensável que os acionis-
tas ou procuradores tenham procedido de boa fé no processo de constituição
da sociedade, que se tenham observado a maioria de solenidades próprias do
processo de constituição441 e que os administradores tenham exercido as atri-
buições da sociedade, por meio do efetivo desenvolvimento do objeto social.
Frente a tais circunstâncias, o juiz pode considerar que, pese à irregularidade
de sua constituição, a sociedade mereça ser tratada como uma entidade legal
(de iure corporation) e, em conseqüência, a responsabilidade dos acionistas deve
ser restringida ao montante de suas respectivas contribuições.
BAINBRIDGE expressou, sobre a doutrina da existência societária su-
posta, que “o argumento do ponto de vista econômico para não permitir que
os credores de uma sociedade de facto atribuíam responsabilidade pessoal a
seus acionistas é essencialmente o mesmo que foi utilizado para sustentar a
limitação de responsabilidade numa sociedade de iure”442. Efetivamente, a
necessidade de proteger os sócios que confiaram no benefício da limitação de
responsabilidade se reflete em idêntica forma no caso da sociedade regular-
mente constituída e na sociedade criada de forma defeituosa. Ainda que nesta
última, alguma irregularidade menor impediu o surgimento de um sujeito de
Direito independente, as condições relativas ao processo de constituição da
sociedade permitem inferir, sem dúvida alguma, que a vontade dos sócios
estava encaminhada para o efetivo acontecimento daquele fato. Não seria pro-
cedente, então, sancionar a quem, confiado na eficácia do ato constitutivo da
sociedade, é posteriormente surpreendido por alguma situação irregular da
que não era consciente.
No entanto, o benefício outorgado às sociedades de facto pelas cortes
não é, em nenhum caso, absoluto. Pelo contrário, é viável que uma sociedade
de facto perca o referido benefício como conseqüência de uma sentença judi-
cial. Assim, o professor BAINBRIDGE expressou sobre o particular que “o
benefício outorgado às sociedades de facto não impede que o Estado possa
refutá-lo por meio de um procedimento orientado a deslegitimar a existência
suposta de uma sociedade criada de forma defeituosa”443.
Também é importante ressaltar que, dada a relativa simplicidade dos trâ-
mites necessários para a constituição de sociedades em Estados Unidos, foi-se
desenvolvendo certa tendência a eliminar a doutrina da existência societária
suposta. Esta tendência foi expressa com grande clareza nos comentários à Lei
Tipo de Sociedades de Capital (Model Business Corporation Act, MBCA), nos
quais se precisa que “a abolição do conceito da constituição de facto de uma
sociedade é acertada. Não existe razão alguma para defender a existência e vali-
dez de uma sociedade de facto sob o regime societário, na medida que o proces-
so para a devida constituição de sociedades é suficientemente simples e claro”444.
declaração ou efetuado uma negação em sentido contrário. Uma pessoa está impedida
(‘estopped’) por sua própria conduta, se outra pessoa, induzida por tal comportamento, bem
intencional ou fraudulentamente, adquire uma obrigação ou se vê prejudicada em sua pessoa
ou em seus bens” (A Comparative Survey..., cit., p. 75).
446 Sobre este particular é interessante conferir o caso Cranson v. International Business Machine,
Corp. [234 Md. 477, 200 A.2d 33 (1964)], no qual “a Corte de Apelações do Estado de
Maryland estabeleceu a diferença entre a doutrina de proteção de procuradores e acionistas
(‘corporations by estoppel’) e a doutrina da existência societária suposta (‘De facto corporations’).
A Corte explicou que esta última só pode ser aplicada nos casos nos quais a ata de constitui-
ção tiver sido devidamente radicadas para a constituição da sociedade. A doutrina da proteção
de procuradores e acionistas (‘corporation by estoppel’), por sua vez, pode ser alegada quando
se demonstra que um ou vários terceiros contrataram com uma sociedade defeituosamente
constituída depois de tê-la tratado como uma sociedade de iure, vale dizer, que diversos
terceiros confiavam em que a sociedade cumprisse suas obrigações, em lugar de seus adminis-
tradores individualmente considerados. Ainda que exista consenso a respeito da aplicação da
doutrina da existência societária suposta (‘de facto corporations’) em casos nos quais se
procedeu de boa fé durante o procedimento de constituição, a opinião está dividida a respeito
de se na falha de Cranson se estabeleceu que a falta de registo da ata de constituição, por si só,
eliminava a possibilidade de sua aplicação” (BAINBRIDGE, Corporation Law..., cit., p. 54).
447 Thompson Optical Institute v. Thompson, (119 Or. 252, 237, p. 965), citado por O’KELLEY,
Charles R. e THOMPSON, op. cit., p. 695.
em que a finalidade precípua para a qual a sociedade foi criada não foi obedecida, devendo
receber, por conseqüência, a devida reprimenda legal […]” (Desconsideração da personalida-
de jurídica: teoria e legislação no Brasil. In: Revista da Facultade de Direito de Campos, Ano
VII, Vol. 9, Dezembro de 2006, p. 401).
451 Em matéria de dano ambiental, é relevante a lei denominada CERCLA (“Comprehensive
Environmental Response, Compensation and Liability Act”). O estatuto citado é o mais relevante
dentre aqueles que foram promulgados nos Estados Unidos para regular assuntos relativos ao
dano ambiental. Para uma análise mais detalhada deste aspecto pode ver-se o Capítulo II, supra.
452 Cfr. SZTAJN, Rachel. Desconsideração da Personalidade Jurídica. In: Revista Direito do Consu-
midor 2, pp. 67-75; CARPENA, Manoel. Desconsideração da personalidade jurídica. In:
Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, RJ, nº 8, v. 2, 54-68, 1999.
458 Alguns autores afirmam que uma regulação de caráter federal seria mais efetiva para implantar
um regime de extensão de responsabilidade, devido aos diferentes impedimentos constitucio-
nais existentes nos Estados Unidos. JANET COOPER ALEXANDER expressou sobre o particular
que, “de um ponto de vista processual, não é viável que por meio de leis estatais se introduza
um regime de extensão de responsabilidade aplicável aos acionistas de sociedades de capital
abertas. [...]. Existem barreiras legais, algumas de natureza constitucional, que não podem ser
contra sociedades abertas nas que as pretensões superem seu patrimônio lí-
quido [...]. Por último, qualquer tentativa de eliminar o referido benefício só
nas sociedades fechadas, teria como conseqüência a sistemática conversão de
todas estas companhias em sociedades abertas, mediante a cessão de uma pe-
quena porção de suas ações no mercado público de valores mobiliários”460.
467 EASTERBROOK e FISCHEL, Foundations of Corporate Law..., cit., p. 41. Esta análise permite
também estudar a relação existente entre o regime de limitação de responsabilidade e a
“concorrência pelo controle societário” (market for corporate controle). ENGRACIA ANTUNES
explica estes conceitos da seguinte forma: “Sob um sistema de extensão de responsabilidade,
as ações não seriam livremente negociáveis, devido a que seu preço não estaria exclusivamente
em função do valor da companhia, mas sim também da riqueza de seus acionistas, de maneira
que diversos títulos deixariam de ser bens fungíveis e sua transferência se voltaria tão compli-
cada como custosa. A falta de uma livre circulação das ações, dificultaria as operações que
permitem estruturar blocos de votação. Isso permitiria, por sua vez, que os administradores
sociais se perpetuassem em seus cargos, sem importar o quão bem ou mal os estivessem
exercendo. Devido ao fato que a responsabilidade limitada torna viável a livre negociação das
ações, facilitam-se as aquisições de controle mediante o domínio de participações significati-
vas de capital. Estas operações têm a virtualidade de permitir, eventualmente, que os adminis-
tradores ineficientes sejam deslocados (‘take-overs’), o qual origina pressões sobre os conse-
lheiros e diretores da companhia para atuar eficientemente” (Liability..., cit., p. 129). Cfr.
CORDERO, Gabrielle Santos. Uma visão jurídico-econômica do artigo 254-A da Lei nº 6.404/
76. Rio de Janeiro. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2009. pp. 33 e ss.
468 EASTERBROOK e FISCHEL, Foundations of Corporate Law..., cit., p. 41.
469 Sobre este aspecto é interessante a posição de Gabrielle Santos, quem justamente ocupa-se de
explicar como o benefício de limitação de responsabilidade ao monto do contribua realizado
pelo sócio permite, em essência, manter o equilíbrio ou a relação de proporcionalidade
existente entre o risco e a rentabilidade, refletido no valor da ação, que sofre uma ruptura nas
hipóteses de extensão de responsabilidade (responsabilidade solidaria e ilimitada), pelo fato
de impor a todos os acionistas um nível de risco alto e homogêneo, sem considerações ao
monto de contribuição (Vid. Uma visão jurídico-econômica do artigo 254-A da Lei nº 6.404/76.
Rio de Janeiro. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2009. pp. 38 e ss.).
470 A visão contemporânea vai além das teses de EASTERBROOK e FISCHEL, pois sustenta que o
benefício de limitação de responsabilidade não é somente proveitoso para a sociedade, os
acionistas e o mercado de valores, senão que também é muito útil para os próprios credores. “A
regra de limitação de responsabilidade fornece vantagens aos credores sociais, isto é que permite
conseguir a ótima distribuição de seus riscos e a redução dos custos relacionados com a
execução das obrigações da sociedade. Argumentou-se que o fato de transferir o risco dos
investidores aos credores, que se deriva da limitação de responsabilidade, é economicamente
eficiente. Isso se deve ao fato que estes últimos são quem estão em melhores condições para
evitar riscos financeiros, sem que para isso devam investir grandes somas (‘cheapest risk-avoiders’).
Isso se deve também ao fato que os credores sociais podem negociar a priori com as sociedades
devedoras uma remuneração adequada pelo risco que se propõem assumir, vale dizer que podem
cobrar à companhia maiores juros. Ademais, os credores contam com um nível superior de
informação. Por outro lado, se existisse um sistema de responsabilidade ilimitada, cada credor se
veria forçado a demandar individualmente a cada um dos acionistas que não tiver cumprido as
suas obrigações. Isso converteria a execução coativa dessas obrigações num procedimento
extremamente custoso, de maneira que o regime de responsabilidade dos acionistas se tornaria
em ilusório, especialmente no caso de sociedades de capital abertas com inúmeros acionistas
dispersos. A responsabilidade limitada facilita enormemente a execução coativa das obrigações
por parte dos credores e constitui um remédio bem mais eficiente para a solução de conflitos de
credito com a sociedade” (ANTUNES, José Engracia, Liability..., cit., p. 129).
471 EASTERBROOK e FISCHEL, Foundations of Corporate Law..., cit., p. 60.
Como questão preliminar para abordar este tema, convém aclarar o equívoco
a que dá lugar a expressão desconsideração da personalidade jurídica da sociedade.
Na realidade, o único dos atributos que se ignora ao aplicar esta doutrina é o da
separação patrimonial para algum ou alguns dos sócios476. A sociedade, como
ente jurídico diferente dos sócios individualmente considerados, não desaparece,
nem seus atributos se perdem. O único efeito da aplicação desta exceção judicial
consiste na extensão da responsabilidade para aqueles a respeito de quem o juiz
decida. É por isso que alguns autores, como SOLOMON e PALMITER,
preferem falar da desconsideração da limitação de responsabilidade (piercing the
veil of limited liability)477.
Também é interessante observar que em outros países da órbita do Common
Law a teoria serviu não só para defender os credores da sociedade, mas também,
em certas ocasiões, para proteger os mesmos sócios478. O caso inglês DHN v.
Tower Hamlets LBC [1976, 1 WLR 852, CA] demonstra esta curiosa tendência
jurisprudencial. Neste caso, um grupo de três companhias tinha a propriedade de
número igual de partes contíguas de um terreno sujeito a expropriação. Se as
companhias fossem tratadas como pessoas jurídicas diferentes, o valor total da
indenização seria inferior ao qual seria caso a propriedade fosse considerada como
pertencente ao grupo, independentemente das sociedades individualmente
consideradas. A Corte, com conferência do célebre magistrado Lorde DENNING,
decidiu perfurar o véu societário e decretar para o grupo a indenização mais alta479.
Para compreender o alcance desta doutrina no mundo anglo americano é
importante levar em conta que se trata de determinações judiciais adotadas sob o
476 “Ressalte-se que a abstração da personalidade deve ser entendida, conforme amplamente
difundido pela doutrina e jurisprudência, como uma suspensão episódica de seus efeitos,
tendo em vista a solução de determinado caso específico. Fora dessa hipótese, a personalidade
continua para todos os fins lhe são de direito, tornando assim a desconsideração ato totalmen-
te diferente da invalidade ou desconstituição da pessoa jurídica. Dessa forma, a desconsideração,
por seus efeitos, torna-se técnica bastante interessante, na medida em que preserva a empresa,
não afetando seus outros vários negócios e interesses, nem os verdadeiros objetivos da socie-
dade. Devendo-se sempre lembrar que a pessoa jurídica, notadamente a empresa, possui
relevante valor social, de modo que a todo custo deve ser preservada”. RIBEIRO, Vanessa.
Desconsideração da personalidade jurídica… op. cit., p. 405.
477 SOLOMON e PALMITER, op. cit., p. 69.
478 Curiosamente, esta particular interpretação não tem cabimento no sistema legal estadunidense.
Nesse país, “as pessoas que optaram por constituir uma empresa sob um determinado tipo
societário, não podem pretender que depois se desconheça o ente jurídico que surge dessa
relação, com o fim de obter alguma classe de benefício pessoal” (HENN, Harry. Laws of
Corporations..., cit., p. 357).
479 BOND, Helen, op. cit., p. 265.
480 HOWELL, Rate A. et al., op. cit., p. 25. Cfr. Capítulo I, supra. Cfr. OLIVEIRA, Lamartine Correa
de. A dupla crise da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979. pp. 267 e ss.
481 Trata-se do artigo 2.21A(2) da Lei de Sociedades de Texas, que limita a responsabilidade
contratual por fraude dos sócios aos casos em que o credor prove que o sócio utilizou a
sociedade para uma fraude real, principalmente para seu benefício direto e pessoal.
482 THOMPSON, op. cit., p. 1042.
483 A legislação brasileira também incorporou a teoria da desconsideração da personalidade
jurídica no artigo 50 do Código Civil, os artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional, no
artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor e no artigo 18 da Lei Antitruste. Cfr. OLIVEIRA,
Lamartine Correa de. A dupla crise da pessoa jurídica. Op. cit., p. 9. Similar explicação fazem
Rubens Requião (Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. Revista dos
Tribunais. São Paulo. v. 410, 1969, p. 24) e Fabio Ulhoa Coelho (Curso de Direito Comercial.
7ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004. p. 35). É importante notar que a jurisprudência
brasileira também ajudou a esboçar algumas das características da desconsideração da perso-
nalidade jurídica. A este respeito, Vid. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no
Recurso Especial 798095- SP. 5ª turma. Relator: Felix Fischer. Brasília, 06 de junho de 2006.
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 282266-RJ. 3ª turma. Relator: Min. Ari
Pargendler. Brasília, 18 de abril de 2002.
484 Tal é o caso de México, país no que a doutrina concebeu hipótese de aplicação do
desconsideração do véu, apesar de não existir maior tratamento normativo desta figura. GARCÍA
RENDÓN e FRISCH PHILLIP, por exemplo, consideram que, de apresentar-se os seguintes
fatores, o benefício de limitação de responsabilidade deveria ser desestimado:
a) Que exista uma sociedade dominada por um sócio ou um grupo de sócios;
b) Que a sociedade seja orientada à consecução de um objetivo injusto;
c) Que o ilícito não possa ser consertado se não é mediante a aplicação da “desconsideração”; e
d) Que tenha um nexo causal entre a atuação da sociedade e o poder de direção que tenha o
sócio controlador. (Cfr. RENDÓN, Manuel García. Sociedades mercantis. Coleção Textos Jurídi-
cos Universitários. México D.F.: Edit. Harla, 1993; e PHILIPP, Walter Frisch. Sociedade anônima
mexicana, 3ª edit. Coleção Textos Jurídicos Universitários. México D.F.: Edit. Harla, 1994).
485 Entre os principais estudos comparados da doutrina da desconsideração, cabe destacar a obra
de JUAN M. DOBSON, sobre O levantamento do véu societário em vários países: (Lifting the
Veil in Four Countries: The Law of Argentina, England, France and the United States. In:
International and Comparative Law Quarterly, vol. 35, 839).
486 Esta drástica solução tem sido atenuada desde que o Reino Unido adotou uma legislação
positiva tendente a implantar a Décima Segunda Diretiva Comunitária em matéria de socieda-
des de capital individuais. Esta Diretiva, que introduziu as regras gerais para promover o
funcionamento desta forma empresarial na União Européia, motivou a modificação da Seção
24 da Lei de Sociedades do Reino Unido (Companies Act). A sanção prevista na norma se
restringiu tão só àquelas companhias que não tivessem adotado ab initio a forma de sociedade
individual, bem como a qualquer forma societária que tiver o caráter de sociedade fechada
(private companies limited by shares or by guarantee) e tiver se tornar unipessoal. Outras
disposições da citada Lei de Sociedades que consagram hipóteses de desconsideração são as
seções 349, 433, 442, 283, 324, 227, 346 e 203 (Cfr. OLIVER, Ms et al., op. cit., pp. 17-18).
487 Vários países de tradição romano-germânica incluíram em suas leis de sociedades hipóteses de
desconsideração da personalidade jurídica. Assim, por exemplo, os artigos 78 a 84, 491, 501
e 502 do Código de Sociedades de Portugal consagram causais de levantamento do véu para
estabelecer extensão de responsabilidade a gerentes, administradores, diretores, membros de
órgãos de fiscalização, fiscais oficiais de contas, sócios e sociedades matrizes. Contudo, o
professor português PUPO CORREIA afirma que “não existe uma regra geral ou uma norma
central pela que se acolha especificamente este instituto [da desconsideração da personalida-
de jurídica] em nosso ordenamento jurídico (Direito comercial, 3ª ed., rev. e aum. Lisboa:
Universidade Lusíada, 1994, p. 407). A legislação brasileira também acolhe algumas hipóteses
da teoria em menção, mediante a consagração de diversas hipóteses de exercício “abusivo do
poder por parte do acionista controlador” (artigos 116 e 117 da Lei 6.404 do 15 de dezembro
de 1976). A mesma lei em seu artigo 246 estabelece circunstâncias de responsabilidade das
sociedades controladoras. Na Espanha, como afirma CARMEN BOLDÓ, “o problema de pres-
cindir do hermetismo que caracteriza à pessoa jurídica quando se estão realizando atos
abusando desta forma legal, não foi abordado do ponto de vista legislativo” (O levantamento
do véu e a personalidade jurídica das sociedades mercantis. Madri: Edit. Tecnos, 1993, p. 12).
488 Já no ano de 1809, o magistrado Marshall, com o fim de manter a jurisdição das Cortes Federais
sobre as sociedades, determinou atingir aos sócios e fazê-los responsáveis ante dita jurisdição
(HOWELL, John C. op. cit., p. 52).
489 THOMPSON, op. cit., pp. 1036-1074.
490 EASTERBROOK e FISCHEL categoricamente afirmam que “As cortes são mais propensas a levantar
o véu societário em casos de responsabilidade extracontratual” (Foundations..., cit., p. 58).
491 Sobre as formas contemporâneas e aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no
Brasil, Vid. ALVES, Alexandre Ferreira. A desconsideração da personalidade jurídica e o direito
do consumidor: um estudo de direito civil-constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (org.). Proble-
mas de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 262; é também interessante
a síntese que faz a professora Maristela Sabbag Abla, na qual se expõem várias das modalidades
e casos nos que teve aplicação a figura, advertindo como, em alguns deles, se têm extra limitado
os limites da desconsideração-especialmente nos tribunais de trabalho (ABLA, Maristela Sabbag.
Análise da Aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica à Sociedade
Anônima. In: Sociedade Anônima. São Paulo: IDSA e Quartier Latin. 2007. pp. 406 e ss.).
492 SOLOMON e PALMITER, op. cit., p. 71.
493 THOMPSON, op. cit., p. 1058.
Por outro lado, é claro que, apesar dos múltiplos antecedentes judiciais
sobre o tema, não existe regras uniformes ou causas específicas que possam ser
invocadas de maneira constante, para impor a sanção estudada. A decisão, na
Este elemento alude ao não cumprimento reiterado das normas que re-
gulam o funcionamento interno da sociedade, contidas na Constituição e nas
leis dos Estados, nas atas de constituição e nos estatutos sociais. Trata-se de
uma falta de respeito ou desconhecimento da estrutura societária (disregard of
corporate form), de maneira que não se realizam periodicamente reuniões de
assembléia nem de Conselho de Administração, os administradores não le-
vam livros de contabilidade ou de atas, vícios de ordem na organização e con-
servação da correspondência da companhia, não se observam os procedimentos
de auditoria requeridos estatutariamente etc. Este desconhecimento das for-
malidades que se relacionam com o normal funcionamento da sociedade é,
certamente, um indício de que a companhia não é senão um instrumento do
qual se serve o sócio majoritário ou controlador para cumprir objetivos que só
a ele lhe interessam.
Os professores SOLOMON e PALMITER fazem referência à crítica
que suscita esta hipótese de desconsideração da personalidade jurídica. A cen-
sura se centra essencialmente na idéia de que o desconhecimento das formali-
dades raras vezes tem alguma relação com o não cumprimento das obrigações
sociais. Efetivamente, é difícil pensar que o freqüente manejo informal que
possuem as sociedades possa ser causa suficiente para desconhecer a entidade
jurídica da sociedade. Não obstante, os mesmos autores afirmam que existem
vários argumentos que justificam a presença desta causa. Em primeiro lugar,
sustentam que ninguém tem direito de exigir o privilégio da limitação de
F. SUB-CAPITALIZAÇAO (UNDERCAPITALIZATION)
Este elemento, em geral, não se considera por si só como fundamento
suficiente para tentar a ação que se estuda. Certamente, as cortes norte-ameri-
canas, de forma reiterada, negaram-se a desconhecer a separação patrimonial
própria da personalidade jurídica da companhia, quando o único fundamento
que se alega é que a sociedade se constituiu sem o capital que se requeria para
defrontar-lhe a suas obrigações, dada a natureza e dimensão da empresa social.
Um dos casos que se mencionam com maior freqüência é, precisamente,
Walkovsky v. Carlton, onde curiosamente a Corte nega a desconsideração da
personalidade jurídica da sociedade. Neste caso, o senhor Walkovsky foi negli-
gentemente atropelado por um táxi na cidade de Nova York. Ao requerer uma
indenização de prejuízos, verificou-e que o senhor Carlton, sócio controlador
da companhia proprietária do veículo que tinha causado o acidente, tinha cons-
tituído dez sociedades diferentes, cujo exíguo capital estava integrado, em cada
caso, por dois táxis. A sociedade demandada, Seon Cab Corporation, além de
carecer de maiores recursos econômicos, tinha aplicado a prática, comum às dez
companhias citadas, de segurar os dois veículos de transporte público com o
508 49 Sobre este particular aspecto pode-se conferir o caso African Metals Corp. v. Bullowa, (288
N.E. 78, 85, 41 N.E.2d. 366, 469).
509 Para uma tradução completa deste caso, se pode ver BOSCO, Lucas Ramírez. Responsabilidade
por infra-capitalizaçao societária. Buenos Aires: Editorial Hammurabi, 2004, pp. 175-182.
seguro mínimo obrigatório de acidentes requerido pela lei, cuja cobertura estava
limitada a dez mil dólares por sinistro.
Na demanda de Walkovsky se afirmou que, pese que cada sociedade
pareça independente das outras, na realidade todas elas operam como “uma só
entidade, uma única empresa e uma mera unidade”, com respeito a suas fi-
nanças, fornecimentos, reparações, empregados e estacionamentos. Por isso, a
demanda se dirigiu a todas as companhias conjuntamente. Da mesma manei-
ra, o demandante afirmou que lhe assistia a faculdade de ensejar a responsabi-
lidade pessoal dos acionistas, dado o fato que a estrutura societária múltipla
constituía uma tentativa ilegal orientado a fraudar “aos membros do público
em geral”, quem poderiam ser lesados pelos veículos. Não obstante, a Corte de
Apelações de Nova York510, ao confirmar uma falha de um tribunal da mesma
jurisdição, denegou a desconsideração da personalidade jurídica, por conside-
rar, entre outras coisas, que a sub-capitalizaçao da sociedade não era base su-
ficiente para adotar tal determinação. A Corte afirmou, do mesmo modo, que
“os operadores do serviço de táxis têm o direito de formar sociedades e, como
bem o afirmou a Corte de Termo Especial, se a cobertura do seguro exigido
pela lei ‘não é adequada para a proteção do público, o remédio deve procurar-
se ante o órgão legislativo e não ante a corte’”.
A idéia de que a forma societária pode ser utilizada licitamente com o
único propósito de limitar a responsabilidade dos sócios aparece de forma
protuberante no caso Stark v. Flemming [283 F.2d 410 (9th Cir. 1960)], no
qual um senhor constituiu uma sociedade com escassos ativos pessoais e se
elegeu a si mesmo como presidente e tesoureiro com um salário de 400 dóla-
res mensais. A quantia deste salário permitiu ao único sócio obter o montante
máximo de benefícios da segurança social. Apesar de que, tão cedo obteve os
referidos benefícios, renunciou a suas posições na companhia sem deixar su-
cessor algum, a corte se negou a desestimar a personalidade jurídica da socie-
dade e reconheceu as prestações sociais a que tinha direito o senhor.
Ora bem, apesar da negativa das cortes norte-americanas de penalizar a
sub-capitalização da sociedade, existe um precedente judicial no qual se ado-
ta a solução contrária. Trata-se do célebre caso Minton v. Cavaney [56 Cal.2d
510 Curiosamente, no Estado de Nova York a Corte Suprema não é o órgão máximo jurisdicional,
como ocorre na maioria dos Estados da União Americana. A máxima hierarquia judicial
corresponde ali à Corte de Apelações (Court of Appeals of New York).
576, 15 Cal Rptr. 641, 364 P 2d 473 (1961)], decidido pela Suprema Corte
do Estado de Califórnia, no qual a carência absoluta de capital, sem mais, foi
suficiente para que se estabelecesse uma responsabilidade pessoal dos direto-
res. Ocorreu que, com o propósito de administrar uma piscina a serviço do
público, constituiu-se uma sociedade sem que se efetuassem aportes de capi-
tal. Em pouco tempo ocorreu um acidente no qual uma menina se afogou na
piscina. Ante a demanda apresentada por seus parentes, a Corte considerou
pessoalmente responsável o diretor. O único fundamento da condenação pe-
cuniária consistiu no fato que o capital contribuído para o negócio era irrisó-
rio em comparação com o risco assumido. Esta decisão não goza de maior
prestígio na jurisprudência norte-americana. Tal como afirmam SOLOMON
e PALMITER, “as cortes em outras jurisdições, bem como outros casos resol-
vidos em época mais recente na Califórnia, recusaram este enfoque tão amplo
a respeito da sub-capitalização”511.
512 Cfr. ABRÃO, Nelson. Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. 8ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2000. p. 112 e ss. Dita afirmação deve entender-se sem prejuízo de outra série de
mecanismos de proteção de reconhecida importância, endereçados, todos eles, a tutelar os
diversos interesses que convergem na sociedade e, de maneira particular, os interesses dos sócios
ou acionistas; ao respeito, o professor Modesto Carvalhosa, no seu tratado sobre Sociedades
Anônimas, enuncia múltiplos mecanismos de proteção segundo sua origem; assim, se refere à
proteção contratual, a estatal, a auto-regeladora e a jurisdicional (CARVALHOSA, Modesto.
Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. Vol.1. 5ª ed. São Paulo: Saraiva. 2007. pp. 8-12).
513 ROMANO, Roberta. Foundations of Corporate Law. New York: Oxford University Press, 1993,
p. v. Cfr. Capítulo VII, infra.
514 Segundo Márcia Andrade, “A atuação dos administradores de empresas, das sociedades anô-
nimas fechadas ou abertas, vem ganhando terreno paralela e continuamente ao aumento de
circulação de riquezas, cada vez mais adquirindo dinâmica própria ao cercar-se de novas
técnicas de captação de clientela, circulação de moeda, novos meios de emissão de títulos,
aliada ao desenvolvimento tecnológico e científico [...]”. (A responsabilidade do administra-
dor de Sociedade Anônima. Revista da Facultade de Direito da Universidade Federal do Paraná.
nº 9. 200. pp. 104-105).
515 Cfr. GRAEFF, Cristiano. Compendio Elementar das Sociedades Comerciais. Porto Alegre: Do
Advogado Editora, 1997. p. 132. Cfr. COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na
sociedade anônima. 3ª ed. Forense. Forense. nº 2, p. 16.
516 “Na maior parte das empresas o conselho de administração só tem um papel decorativo, se se
convém que os senhores maiores são decorativos. Quanto mais importantes são as decisões,
maior é sua complexidade e menos estão ao alcance daqueles conselheiros que, não sendo
igualmente membros do management ou da tecnoestructura, aprovam-nas sem compreender
demasiado uns e outros casos. Pretender o contrário equivaleria a dizer que a gestão da grande
empresa moderna é algo singelo que não requer nenhum saber especial. De fato, os conselhei-
ros se vêem rodeados por um tal cerimonial e por uma tal deferência que não chegam a
perceber que a sua função se limita a ratificar decisões já tomadas. A arte de dar aos demais a
ilusão do poder é uma prática antiga na que são mestras as organizações burocráticas privadas
igual que as públicas (GALBRAITH, John Kenneth. Introdução..., cit., p. 92).
No caso brasileiro o Artigo 142 da Lei Nº 6.404 sobre as Sociedades por Ações determina
também que as atribuições do Conselho de Administração são, em geral, originárias.
517 HOWELL, John C. op. cit., p. 48. A lei Nº 6.404 prescreve que “As atribuições e poderes
conferidos por lei aos órgãos de administração não podem ser outorgados a outro órgão,
criado por lei ou pelo estatuto” (Art. 139).
518 Cfr., entre outros, ANDRADE, Márcia. A responsabilidade do administrador de Sociedade
Anônima... op. cit., pp. 104-105; ABRÃO, Nelson. Sociedade por quotas de responsabilidade
limitada… op. cit., pp. 112 e ss.
519 Em virtude desta noção, considera-se que os administradores são mandatários dos acionistas e,
em conseqüência, àqueles devem ser aplicadas as regras próprias do mandato.
522 BAINBRIDGE, Corporation Law..., cit., p. 244. O mesmo autor formula uma interessante
comparação entre o regime de responsabilidade dos administradores sociais e o que é aplicá-
vel aos médicos. No texto, se verifica maior grau de responsabilidade a que estão sujeitos estes
últimos. “A regra da arbitrariedade poderia chegar a ser um tanto injusta. O dever de cuidado
impõe aos administradores a obrigação de atuar com prudência na tomada de decisões.
Ademais, em virtude da mesma regra, as Cortes não podem contrariar as determinações que os
administradores tiverem adotado no exercício de seu próprio critério, a não ser que haja
circunstâncias excepcionais para isso. Muito diferente é o regime de responsabilidade dos
médicos, pois, apesar de estarem sujeitos ao dever de cuidado, não gozam do mesmo benefí-
cio conferido aos administradores a respeito de seu critério profissional” (Ibidem, p. 242).
523 Ibidem, p. 244.
527 A Corte Suprema do Estado de Delaware se pronunciou neste sentido ao afirmar em uma de
suas decisões que, “esta doutrina é o resultado do pressuposto fundamental de que todos os
assuntos e negócios de uma sociedade constituída sob a legislação do Estado de Delaware são
da competência do Conselho de Administração [...]. A regra existe para promover o exercício
livre de todas as faculdades administrativas outorgadas aos conselheiros das sociedades ali
constituídas.” [Smith v. Van Gorkom, 488 A.2d 858, 873 (Do. 1985), citado por BAINBRIDGE,
Ibidem, p. 267].
528 Neste sentido, também se tentou limitar a aplicação da regra da arbitrariedade como fator para
a exoneração dos administradores sociais. Assim, “os administradores que não atuem de uma
maneira informada e racional não poderão invocar a regra da arbitrariedade para defender-se
das reclamações relacionadas com os deveres derivados de seu cargo” (Ibidem, p. 246).
529 Cfr. Capítulo II, infra.
530 Ainda que a doutrina tenha optado por diferenciar entre eles, é importante precisar que os
deveres de lealdade e cuidado podem atuar conjuntamente e protegem os mesmos interesses.
Isto ocasionou dificuldades para efetuar a referida distinção. Efetivamente, os tratadistas
EASTERBROOK e FISCHEL afirmam que não é possível fazer uma cortante diferenciação entre
ambos os deveres fiduciários. Na opinião destes autores, “Não existe uma clara linha divisória
entre o dever de cuidado e o dever de lealdade. Qual é a diferença entre trabalhar menos do
que o pactuado, com um nível de rendimentos determinado (violação do dever de cuidado),
e ser remunerado mais do que o pactuado, com um nível de trabalho determinado (violação do
dever de lealdade)? Ambos os casos constituem exemplos de custos de mandato, conflitos de
interesse de natureza econômica, que reduzem os ganhos dos acionistas. A existência deste
conflito de interesse não pode, portanto, marcar a diferença entre ambos os deveres fiduciários”
(EASTERBROOK e FISCHEL. The Economic Structure... cit., p. 103).
531 A expansão do dever de diligencia no direito latino-americano em geral é, ao dizer de autorizada
doutrina, evidente; A legislação brasileira é um bom exemplo, porquanto o artigo 1011 do Código
Civil faz uma extensa consagração de dito dever; o mesmo deve dizer-se respeito da jurisprudência
brasileira, que também desenvolveu, in extenso, o tema do dever de cuidado em cabeça dos
administradores; ao respeito, pode-se consultar o critério exposto pelo Tribunal Regional do
Trabalho de São Paulo (2ª Região) na sentença do 21 de fevereiro de 2008. (Cfr. LACEDA, J.C.
Sampaio. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Saraiva, 1978. nº 2. Sec.4. p. 190).
Também é importante registrar que parte da doutrina brasileira faz uma assídua crítica ao
patrono de cuidado adotado pela legislação de dito país, especialmente pela lei sobre socie-
dades por ações; ao respeito, vid. CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades
Anônimas. Vol. 3... pp. 271-272.
532 American Law Institute. Principles of Corporate Governance: Analysis and Recommendations,
1994, citado por BAINBRIDGE, Corporation Law..., cit., p. 286.
533 Cristiano Graeff, no comentário ao regime societário brasileiro acrescenta que “o administrador
zela por patrimônio sujeito às oscilações do mercado, não deve cometer erros crassos, nem
conduzir os negócios sociais de forma temerária, antecipando evoluç?es técnicas ou financei-
ras não-previsíveis. Todavia, não se pode esperar êxito em todas as operações...” (Compendio
Elementar das Sociedades… op. cit., pp. 164)
534 A propósito, Cristiano Graeff afirma que no sistema do Brasil “o administrador deverá dirigir a
empresa alheia, exatamente como se fosse empresário individual, como a diligência que
emprega em seus próprios negócios. Deve dirigí-la, com a honestidade e atividade costumeira,
de acordo com a sua finalidade. Não pode violar os seus estatutos ou a lei” (Compêndio
elementar das… op. cit., p. 235).
535 Cfr. infra, pp. 166-170. É interessante a autorizada opinião do professor Paes de Almeida, para
quem “os administradores, como órgãos da companhia, não (...) respondem, pois, em princípio,
pelos atos praticados nem tampouco a eles se vinculam, excetuado quando procedem irregular-
mente, quando extravasam os atos normais de gestão, violando a lei ou o estatuto, atuando com
culpa ou dolo...”. ALMEIDA, Amador Paes de. Manual das sociedades comerciais. São Paulo:
Saraiva, 1998. pp. 262-264.
536 BAINBRIDGE, Corporation Law..., cit., p. 297.
537 SOLOMON e PALMITER, op. cit., p. 332
542 CLARK, Robert C. op. cit., p. 141. No caso brasileiro, a Lei sobre sociedades por ações inclui
varias normas relativas ao dever de lealdade; A jurisprudência do Brasil, também tem reconhe-
cido dito dever; a este respeito, Vid. Terceira Câmara Cível. Acórdão de 28 de outubro de 2010
(apelação 0210044-63.1998.8.19.0001 (2007.001.61246); Quarta Câmara Cível. Acórdão
de 27 de marco de 2010 (apelação 0123746-24.2005.8.19.0001 (2006.001.68114)); Déci-
ma Quarta Câmara Cível Câmara Cível. Acórdão de 21 de marco de 2010 (apelação 0000222-
23.1998.8.19.0037 (2006.001.63659)).
543 Autores de outras localidades se pronunciaram a respeito da finalidade que se procura mediante
a promulgação de normas atinentes ao dever fiduciário de lealdade. PORTELLANO DÍEZ, por
exemplo, sustenta que “a justificativa da proibição de concorrência do administrador não é
proteger à sociedade de todo tipo de concorrência. A simples entrada do administrador no
mercado no qual opera a sociedade conduziria – por dizê-lo em termos muito gerais – a um
benéfico aumento da pressão competitiva nesse mercado. A conseguinte piora das condições
competitivas de uma concreta sociedade tem de ser visto como economicamente desejável. A
razão de ser da proibição de concorrência é mais pela necessidade de contrariar o especial perigo
que acarreta para a sociedade a concorrência de seu administrador, já que este está em situação
de sabotar e inclusive arruinar economicamente à sociedade” (op. cit., p. 32).
544 CLARK, Robert Charles op. cit., p. 141.
545 É por isso, por exemplo, que o artigo 156 da Lei de sociedades por ações do Brasil prevê que
“É vedado ao administrador intervir em qualquer operação social em que tiver interesse
conflitante com o da companhia, bem como na deliberação que a respeito tomarem os demais
administradores, cumprindo-lhe cientificá-los do seu impedimento e fazer consignar, em ata de
reunião do conselho de administração ou da diretoria, a natureza e extensão do seu interesse
[...]”. Cfr. Tribunal da Relação de Lisboa. Secção 7ª. Acórdão de abril de 2010 (Apelação).
546 Os sistemas tradicionais para determinar a validade de tais situações não se caracterizaram por
sua flexibilidade em favor dos administradores. Um deles, conhecido como o critério da
equanimidade (fairness test), consiste no exame judicial de uma determinada atuação, com o
fim de estabelecer se ela pode ser considerada justa dentro do âmbito societário (cfr. CARY e
EISENBERG, op. cit., pp. 558 et seq.).
547 CLARK, Robert C. op. cit., p. 159
548 Seção 144 (a) da Lei Geral de Sociedades do Estado de Delaware (Delaware General
Corporation Law).
549 Apesar da inegável influência que tem o Direito Societário norte-americano sobre os sistemas
jurídicos de origem romano-germânica, parece improvável que esta concepção um tanto
extremada possa ser introduzida nas legislações latino-americanas.
550 CLARK, Robert C. op. cit., p. 192.
551 ROBERT C. CLARK afirmou sobre o particular que, “optou-se por acolher um sistema legal que não
seja em excesso restritivo nem também não demasiado permissivo. O estudo deste aspecto mostra
duas arestas que convém analisar: por uma parte, a adoção de medidas tendentes a melhorar as
condições do mercado de diretores; de outra, a existência de um mecanismo alternativo para
solucionar os conflitos que surgem da fixação de remunerações excessivas. As medidas a que se
fez alusão estão orientadas a que se revele a informação pertinente, para facilitar a adoção de
decisões relativas à conduta dos administradores sociais. Assim, ao generalizar a tendência de
revelar oportunamente a informação sobre as verdadeiras condições trabalhistas dos executivos,
será possível contar com um mercado que seja apropriado de maneira eficiente às necessidades
dos sócios. [...]. Por outro lado, o sistema legal estadunidense desenvolveu um mecanismo
alternativo para a solução de conflitos surgidos por motivo do excesso injustificado de remune-
rações. Existe, pois, a possibilidade de que os juízes intervenham no âmbito interno da sociedade,
naqueles casos em que a remuneração pactuada para um administrador não obedeça a critérios
racionais de fixação; isto é, quando os honorários pactuados tenham ultrapassado as condições
normais do mercado e os limites impostos pela lei para o efeito”. (Ibidem pp. 193 e 194).
556 EASTERBROOK e FISCHEL expuseram os numerosos motivos que poderia ter uma companhia
para revelar informação que possa ter tido o caráter de privilegiada. Se um administrador tivesse
a faculdade de utilizar esta informação antes de sua efetiva publicação, as razões para mantê-
la reservada seriam completamente desvirtuadas. Segundo os autores citados, tais motivações
poderiam ser sintetizadas da seguinte maneira: “Por um lado, se tentaria reduzir os custos em
que devem incorrer os investidores para obter informação sobre uma determinada companhia.
Da mesma forma, se tentaria melhorar o grau de confiança em relação à sociedade. Ademais,
a revelação de informação poderia permitir que os sócios alienassem suas participações no
capital a um preço mais elevado. Efetivamente, se toda a informação se mantivesse reservada,
os investidores poderiam assumir a existência de circunstâncias desfavoráveis e oferecer menos
dinheiro pelas ações ou participações de capital correspondentes” (The Economic Structure...
cit., p. 256).
557 O alcance que se deu a esta matéria no direito brasileiro é interessante; efetivamente, é
importante destacar que a Lei nº 10.303 de 2001, que alterou a Lei nº 6.385/76, passou a
definir como crime o uso indevido de informação privilegiada, no seu art. 27-D; Segundo
Márcia Andrade, “o cuidado se justifica pelo velho ditado popular de que o “segredo é a
alma do negócio”, e, portanto, existem informações a respeito dos negócios da empresa, tais
como valores, fórmulas, métodos produtivos e intenções de atuação, que se veiculadas
abertamente poderiam comprometer o desempenho econômico da sociedade” (A responsa-
bilidade do administrador... op. cit., p. 5). Cfr. FONTES, Regina Martins. Uso indevido de
informação privilegiada. In: Direito Empresarial – Questões contemporâneas em Coletânea.
Singular. 2007. p. 4).
558 EASTERBROOK e FISCHEL afirmam que “as operações baseadas nesta classe de informação
devem ser assimiladas ao delito de furto [...]. Os que realizam estas condutas, apesar de ter
lembrado tácita ou expressamente que se absteriam de realizá-las, cometem uma fraude
contra a sociedade similar àquele em que incorre quem extrai dinheiro de seus cofres”
(Ibidem, p. 259).
561 “A crise financeira de Enron foi um desastre de magnitude incomensurável para seus administra-
dores, trabalhadores, contadores, banqueiros de investimento e investidores. Tratou-se de uma
catástrofe sem precedentes, que teve efeitos negativos sobre todas as pessoas relacionadas com
essa companhia. Contudo, deve-se reconhecer que a crise do sistema não se originou tão só no
desaprume financeiro de Enron. O escândalo gerado pela verificação de irregularidades em
companhias tais como WorldCom, Owest, Global Crossing, Tyco e, logicamente, Enron, causa-
ram aos investidores perdas aproximadas à quatrocentos sessenta mil milhões de dólares” (LUCCI,
John Paul. Enron – The Bankruptcy Heard Around the World and the International Ricochet of
Sarbanes-Oxley. In: Albany Law Review, vol. 67, 2003, nº 211, New York, pp. 211-212).
562 São muito conhecidas as razões que levaram ao Congresso Federal a promulgar, com rapidez, a lei
Sarbanes-Oxley. Segundo JOHNSON, isso se deveu à conjunção “de diversos fatores, tais como a
crise de algumas sociedades estadunidenses de grande dimensão e o desaprume do mercado de
valores, que tinham minguado a confiança dos investidores no mercado público de valores
mobiliários e nos Conselhos de Administração das grandes companhias [...] A tensa atmosfera que
se originou a partir destas circunstâncias levou ao Congresso dos Estados Unidos a expedir o que
pode ser um dos mais importantes regulamentos desde a promulgação das leis federais sobre
valores mobiliários na década de trinta” (JOHNSON, Lyman P. Q. et al. The Sarbanes-Oxley Act and
Fiduciary Duties. In: William Mitchell Law Review, vol. 30, 2004, nº 1149, Minnesota, p. 1153).
563 BRATTON, William W. Rules, Principles, and the Accounting Crisis in the United States. In:
European Business Organization Law Review, vol. 5, 2004, nº 1. The Hague: TMC Asser Press, p. 8.
564 As principais características deste órgão se encontram no Título Primeiro da Lei Sarbanes-Oxley.
565 Cfr. Seção 101 (c) da Lei Sarbanes-Oxley.
566 Cfr. Seções 105 (c)(4)(F) e 105 (c)(4)(A) da Lei Sarbanes-Oxley.
567 A árdua competição que se apresentou por ocupar o cargo de presidente do Conselho de
Administração poderia ser um exemplo da percepção existente no meio norte-americano sobre
a importância deste órgão. Para uma detalhada análise dos pormenores desta concorrência
política cfr. KIM, Brian. Sarbanes-Oxley Act. In: Harvard Journal on Legislation, vol. 40, 2003,
nº 235, Massachussets, pp. 241-242.
568 JOHNSON et al., op. cit., p. 1156. O mesmo autor expõe as razões que deram lugar à notável
perda de autonomia dos membros dos Conselhos de Administração. “Ao longo da última
década, fomos testemunhas do incremento exponencial do domínio dos presidentes das compa-
nhias [‘Chief Executive Officer’ ou, por suas siglas em inglês, CEO]. Em alguns casos, podia
inclusive sustentar-se que estes se assemelhavam mais a um monarca que a um administrador
social [...]. A paulatina variação no equilíbrio de poder entre os presidentes e os membros de
Conselhos de Administração se converteu num obstáculo para o cumprimento dos deveres
destes últimos” (DONALDSON, William H., discurso emitido durante a Conferência de Polí-
tica Econômica, Washington, março de 2003, citado por JOHNSON et al., op. cit., nota 31).
569 O novo órgão colegiado permite fazer uma analogia com o modelo da co-determinaçao
próprio da legislação alemã de sociedades por ações, na qual, aparte do Conselho de Admi-
nistração, existe um conselho de vigilância. A diferença principal entre as duas estruturas
societárias estaria dada pela participação dos trabalhadores no órgão de supervisão presente
na estrutura germânica.
570 Segundo JOHNSON, “uma das principais preocupações do Congresso Federal e da Comissão
de Valores foi o aparente descuido dos administradores no cumprimento oportuno de seus
deveres” (op. cit., p. 1156).
571 Segundo a Seção 13 (a) da Lei de Negociação de Valores Mobiliários de 1934, as companhias
inscritas em bolsa deverão apresentar relatórios contábeis trimestrais e anuais ante a SEC. A
legislação argentina em matéria do mercado de valores mobiliários também contém obrigações
de revelação de informação similares às mencionadas. Como afirma VÍTOLO, “na realidade da
República Argentina se pode afirmar que para as sociedades abertas, de acordo com o
estabelecido pelas Normas da Comissão Nacional de Valores (Texto 2001), devem- ser
apresentados ante a CNV os seguintes elementos: a) Anualmente: [...] (iii) um resumo informativo,
confeccionada sobre a base das demonstrações financeiras consolidadas para as emissoras
quando isso sea aplicável, que será aprovada pela diretoria da emissora juntamente com o
resto da documentação [...] b) Ademais, trimestralmente e dentro dos quarenta e dois (42) dias
de fechado o trimestre [...]devem ser apresentados demonstrações financeiras por períodos
intermediários” (VÍTOLO, Daniel R. A Lei Sarbanes-Oxley dos Estados Unidos, a realidade da
República Argentina e a prevenção das fraudes societarios. In: Doctrina Societaria e Concursal,
2002, nº 181, pp. 857-858).
572 Seção 304 da Lei Sarbanes-Oxley.
573 Cfr. WARYJAS, Maryann A. et al. Sarbanes-Oxley Act Changes: Best Practices for Public and
Private Companies engaged in Acquisitions, Practicing Law Institute, Corporate Law and Practice
Course, Handbook Series, June-July 2004.
581 MCCAHERY analisa esta antiga instituição e assinala que “o problema de mandato inerente às
funções de administração existiu desde que os investidores confiaram a outros a possibilidade
de administrar seus recursos econômicos e de atuar em nome deles, em negócios que implicam
risco” (Corporate Governance and Innovation..., cit., p. 8.).
582 Cfr. Capítulo I, supra.
583 A governança corporativa experimentou um notável processo de evolução e expansão interna-
cional, incluso, o direito brasileiro; ao respeito, é muito acertada a exposição do professor Jose
Ferreria Chagas quem descreve a rápida acolhida deste movimento no território brasileiro e o
proveitoso que tem sido para a economia do país (Governança corporativa… op. cit., pp. 4-6).
achar-se disperso numa grande quantidade de pessoas. Isso repercute, logicamente, em sua
estrutura interna, o que por sua vez diminui a presença dos acordos estudados. Isto último se
deve, segundo EASTERBROOK e FISCHEL, ao fato que “tais acordos privados foram concebi-
dos com o fim de evitar a possibilidade de que o controle societário oscile de maneira
indefinida entre várias facções de acionistas. Nas sociedades fechadas, contribuem a precaver
conflitos intra-familiais e a controlar a gestão dos administradores; nas abertas, contrário sensu,
só serviriam para aumentar os custos de representação, ao separar o custo de adquirir uma
posição majoritária, das utilidades que normalmente reportaria uma operação semelhante”
(The Economic Structure... cit., p. 73).
597 Cfr. STAJN, Rachel. Acordo de acionistas. In: SADDI, Jairo, et. al. Fusões e aquisições. Aspectos
jurídicos e econômicos. São Paulo: IOB Thompson e IBEMEC Law. 2002. pp. 275 e ss.; BARBI
FILHO, Celso. Acordo de Acionistas. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. p. 115.
à liberdade contratual dos acionistas das sociedades norte-americanas” (op. cit., p. 507).
Também na América Latina existem antecedentes doutrinários que parecem acolher uma
orientação similar. RICHARD, por exemplo, advoga pela livre celebração de acordos de
sindicato de ações relacionados com a atividade dos administradores, desde que “se resguar-
dem os interesses de maiorias, minorias ou grupos e se fixem regras de administração que não
contrariem o estatuto ou a lei” (RICHARD, Efraín Hugo et al. Direito Societário. Buenos Aires:
Edit. Astrea, 1997, p. 490).
605 Alguns dos antecedentes mais conhecidos na citada evolução jurisprudencial são Long Park v.
Trenton New Brunswick Theaters Co., proferido em 1948 (N.E. 1948 77 N.E. 2d 633), e, em
1980, Zion v. Kurtz (50 N.E. 2d 92, 405 N.E. 2d 681, 428 N.E.S. 2d 199), ambos decididos
por cortes do Estado de Nova York. Em ambas as sentenças se afirmou a possibilidade de
celebrar acordos de acionistas que versem sobre a administração da sociedade. 16
EASTERBROOK e FISCHEL, The Economic Structure..., cit., p. 235. Ao referir-se a essa decisão
como um anacronismo, os tratadistas também dão conta do desprezo que existe na doutrina
pela proposta da Corte no caso McQuade (Ibidem).
606 EASTERBROOK e FISCHEL, The Economic Structure..., cit., p. 235. Ao referir-se a essa decisão
como um anacronismo, os tratadistas também dão conta do desprezo que existe na doutrina
pela proposta da Corte no caso McQuade (Ibidem).
607 BAINBRIDGE, Corporation Law..., cit., p. 808.
608 Na opinião de Pedro Santos Cruz, no Brasil também “ganham cada vez maior relevância, na
prática comercial, os acordos realizados entre acionistas...” (Mecanismos de eficácia dos acordos
de acionistas. Rio de Janeiro. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 2008. p. 9).
609 EASTERBROOK e FISCHEL, op. cit., p. 234; No Brasil desenvolveram-se também disposições
tendentes a permitir a efetiva execução dos acordos o que há permitido ampliar seu campo de ação
(tutela externa corporis, tutela interna corporis); Cfr. ABBUD, André de Albuquerque. Execução
específica dos Acordos de Acionistas. São Paulo: Quartier Latín. 2006. p. 42; GUERREIRO, José
Alexandre Tavares. Execução Específica do Acordo de Acionistas. In: Revista de Direito Mercan-
til, Industrial, Econômico e Financeiro. Rio de Janeiro, nº 41, Ano 20, p. 40-68, jan./mar. 1981.
610 Sobre o particular, podem ver-se as críticas formuladas pelo professor PASCAL à introdução da
figura fiduciária dentro da legislação civil do Estado de Luisiana. Como se sabe, tal Estado da
União Americana manteve uma verdadeira afinidade com os sistemas de Direito francês e
espanhol, de onde derivou sua legislação de Direito Privado (cfr. PASCAL, Robert A. Of Trusts,
Human Dignity, Legal Science, and Taxes, Suggested Principles for a Lousiana Trust Estates
Law. In: Louisiana Law Review, Vol XXIII, June 1963, Baton Rouge, pp. 639-661).
611 Ibidem. O Dicionário Black’s Law define o trust como, “qualquer contrato por meio do qual se
transferem bens com a intenção de ser administrados por um fiduciário (trustee) para o bene-
fício de outra pessoa. É uma relação de confiança por virtude da qual uma pessoa tem o título
de propriedade sobre um bem, sujeito a uma obrigação, em equidade, de manter ou usar tal
bem para o benefício de outra pessoa” (op. cit., p. 1508). Também pode definir-se como “uma
entidade legal criada por um constituinte (‘grantor’) a favor de determinados beneficiários sob
as leis do Estado e mediante documento válido. O fiduciário (‘trustee’) tem uma responsabili-
dade fiduciária pelo manejo dos ativos e rendimentos que fazem parte do ‘trust’ para favorecer
os interesses econômicos dos beneficiários. A confiança se deposita numa pessoa que se
denomina ‘trustee’, para o benefício de outra, que se chama ‘cestui que trust’, a respeito dos
bens que são conservados ao ‘trustee’ em benefício daquele” (Ibidem).
612 A utilização do fideicomisso, equivalente funcional do trust nos países de tradição romano-
germânica, também é considerada como uma técnica apropriada para a celebração de acordos
97, out./dez. 1980; CORREA, Osmar. Direito de Voto na Sociedade Anônima. In: Revista dos
Tribunais, São Paulo, V. 530, p. 26-37, 1979.
618 Del.Ch. 610, 53 A.2d 441 (1947).
619 Uma corte de chancelaria (Court of Chancery) é um juízo que se rege sob as regras processuais
e os princípios próprios do sistema da “equity” (cfr. Black’s Law Dictionary, op. cit., p. 356).
620 O Vice-chancellor Seitz expôs que “no caso em estudo se apresenta um mandato implícito que
se justifica na necessidade de fazer valer o acordo sem violar seus termos […]. Ademais, no
acordo resulta claro que as faculdades de representação implicam a proteção dos interesses do
representado […]. Obviamente, negar ao demandante a estrita execução da obrigação pactua-
da equivaleria a declarar inválido o acordo assinado inicialmente entre as partes […]. O
procedimento de votação foi nulo, já que impediu que se salvaguardassem os direitos que o
acordo concedia à parte cumprida. Em conseqüência, é preferível convocar à assembléia para
que se realize uma nova votação. Desta maneira as partes poderão exercer conscientemente os
direitos que lhes assistem” (29 Do.Ch. 610).
621 O juiz Pearson da Corte Suprema de Delaware manifestou que “o acordo que se apresenta não
viola a Lei de Sociedades nem constitui uma evasão deliberada de seus requisitos; também não
é ilegal de jeito nenhum […]. Um grupo de acionistas pode exercer seu direito ao voto para
obter um benefício comum; uns e outros podem, efetivamente, convir validamente a maneira
em que votarão no futuro” (29 Do.Ch. 610, 53 A.2d 441).
622 De acordo com o dicionário Black’s Law, o cumprimento direto da obrigação derivada do
contrato ou “a doutrina do ‘specific performance’ surge naqueles casos em que a indenização
em dinheiro dos prejuízos não constitui uma adequada compensação para o não cumprimen-
to de um acordo. Nestas circunstâncias, o contratante ou vendedor deve ser obrigado a realizar
a prestação à que especificamente se comprometeu” (op. cit.).
623 BARBER, David H. Corporations, Third Edition, Chicago, Legalines, 1989, p. 82.
624 O direito Brasileiro veio abrindo um espaço a cada vez mais amplo à liberdade de estipulación
em matéria de acordos de acionistas, permitindo que se pactuem acordos que dantes não
estavam previstos na legislação e que, sem dúvida, são de vanguarda na matéria; nesse sentido,
a reforma introduzida mediante a Lei 13.303 de 2001, permitiu que se pactuasse o acordo de
acionistas para o exercício do poder de controle, importante inovação no direito de dito país.
Cfr. CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas... op. cit., pp. 502 e ss.
dos privados entre acionistas poderia ser suficiente para sustentar a eficácia
destas estipulações contratuais. Além disso, é claro que na atualidade existem
variadas modalidades destes acordos, cuja presença é freqüente em operações
societárias. Dentro das mais comuns se encontram as que se descrevem a seguir.
625 Cfr. STAJN, Rachel. Acordo de acionistas… op. cit., pp. 280-282; WALD, Arnoldo. Curso de
Direito Civil: Obrigações e Contratos. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 344.
626 Sobre este particular também são relevantes os direitos de transferência e subscrição preferencial
que costumam pactuar-se nos estatutos (by laws) de sociedades, em especial, de caráter fechado.
627 No caso brasileiro, por exemplo, esses negócios são apresentados sob a forma de acordos de
compra e venda de ações: “a doutrina sempre aceitou a existência de acordos de acionistas que
regulassem a compra e venda de ações, considerando-os projeção do poder de disposição dos
bens dos seus titulares. Interessante notar que os acordos sobre a compra e venda de ações e
o direito de preferência em caso de alienação (chamados acordos de bloqueio) tiveram o seu
surgimento ligado à manutenção do quadro de partes signatárias de acordos de voto, sendo
considerados, na sua origem, verdadeiros pactos acessórios…” (CRUZ, Pedro Santos. Mecanis-
mos de eficácia … op. cit., pp. 35-37).
628 DAUCHY, Craig E. et al. Venture Capital Financings, Corporate Law and Practice Course
Handbook Series, B4-7232, 1998, p. 714
631 STEVENSON, Shannon Wells. The Venture Capital Solution to the Problem of Close
Corporations. In: Duke Law Journal, Vol. 51, 2001, Durham, North Carolina, p. 1161.
632 Ibidem.
633 LAVELLE, Kerry M. Drafting Shareholders Agreement’s for the Closely-Held Business. In: DePaul
Business Law Journal, Fall/Winter 1991, p. 120.
634 Pode-se pensar, por exemplo, na determinação do preço por parte de um terceiro. Um mecanismo
que também costuma ser incluído nesta classe de acordos consiste em permitir que, uma vez
ativada a oferta de venda, tanto quem oferece como o destinatário da oferta apresentem em
envelope fechado os preços a que estariam dispostos a vender e a comprar, respectivamente. Se a
diferença é inferior a um certo valor ou percentagem, prevê-se que o preço obrigatório para as partes
será a média entre os dois valores. Ao contrário, se a diferença entre o preço formulado pelo
vendedor e o comprador supera uma certa percentagem ou valor, se contratará o ditame de um
terceiro que fará as funções de perito na fixação do preço. Com o valor que determine o experiente
se fará divisão com o valor que resulte mais próximo entre o proposto pelo vendedor e o compra-
dor. A engenhosa lógica deste mecanismo está em que as partes na compra não terão nenhum
incentivo em fixar valores desproporcionados ou injustos, devido à penalidade que surgirá da
média que terá de fazer-se entre o preço determinado no ditame pericial e o valor que mais se lhe
acerque. Assim, pode-se supor uma situação hipotética em que, por exemplo, um vendedor em sua
oferta inicial tem supervalorizado um pacote acionário em quinhentos pesos. Se o comprador
estimou que o valor do mesmo pacote acionário é de vinte pesos e o perito determinou que seu
valor justo é de cem pesos, o preço final e obrigatório para a operação seria de sessenta pesos.
raro que o capital destas companhias se encontre repartido entre acionistas ad-
ministradores e investidores sem participação na gestão dos negócios sociais.
Aqueles são os encarregados de acometer o desenvolvimento da empresa social,
devido a seu conhecimento sobre as atividades que realiza a sociedade. Os inves-
tidores, ao contrário, se limitam a contribuir ao fundo social no momento de
constituição da companhia e a perceber os resultados pertinentes, sem partici-
par no manejo administrativo da sociedade. Assim, enquanto os acionistas ad-
ministradores precisam dos aportes dos investidores para iniciar as atividades da
companhia, estes precisam dos administradores para o cumprimento da gestão
social. No entanto, naquelas sociedades fechadas que gerarem suficientes resul-
tados, aos acionistas administradores costuma parecer supérflua a presença dos
investidores. O exercício da opção de compra permite que os administradores
adquiram as ações de propriedade destes últimos. Tem-se então que a referida
opção é feita em favor de tais acionistas-administradores, “cujo conhecimento,
destreza e diligência permitiram que a sociedade se converta numa empresa
rentável. Por virtude das opções de compra, estes sócios contam com a possibili-
dade de beneficiar-se do capital inicial contribuído pelos investidores, sem ver-
se obrigados a ceder uma percentagem de ações de forma definitiva”635.
Também pode-se verificar que as opções de compra constituem uma
verdadeira limitação à propriedades sobre os títulos de capital social636. Esta
circunstância pode ser verificada por causa da situação do titular das ações
sujeitas a esta estipulação. Ele pode ver-se privado da propriedades das ações
em qualquer momento antes da expiração do acordo. A legislação do Estado
de Delaware dá o caráter de restrição ao direito de propriedade a esta classe de
pactos na seção 202 da Lei Geral de Sociedades. Esta norma alude as limita-
ções à livre transferência de ações. Nesta seção estabelece-se a possibilidade de
acordar opções de compra entre os acionistas, o entre estes e a sociedade. A
norma permite a celebração dessa classe de acordos, sempre que as limitações
criadas pela opção “constem de modo visível no título que acredite a partici-
pação do acionista no capital social”. Se não se cumpre este requisito, o acordo
não terá validade, a menos que se tente fazer valer contra uma pessoa que
conheça da existência da respectiva restrição”.
635 LAVELLE, op. cit., p. 126. Naturalmente, esta visão desconhece o risco de que se abuse de tais
prerrogativas em detrimento dos acionistas que investiram na companhia.
636 Pelo contrário, as opções de venda não constituem uma limitação à livre transferência de
ações, mas sim uma obrigação de adquirir um número determinado de tais títulos.
1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
A relevância de uma estrutura de capital flexível nas sociedades se faz
patente nas regulações contemporâneas sobre a matéria637. Este aspecto nor-
mativo facilita o acesso a recursos novos, indispensáveis para a operação e ex-
pansão das companhias638. É sabido que os países cujos sistemas jurídicos se
mostram rígidos no regulamento relacionado com o financiamento da socieda-
de apresentam maiores dificuldades para o desenvolvimento econômico639. O
sistema norte-americano, por óbvias circunstâncias econômicas, é um dos que
em maior medida avançaram sobre a matéria. Assim, nele se derrogaram múl-
tiplas restrições que careciam de maior utilidade prática, tais como a obrigató-
ria determinação de um valor nominal para as ações emitidas por uma companhia.
O sistema jurídico que governa a estrutura do capital das sociedades nos
Estados Unidos, apresenta dois regimes claramente diferenciados. Por um lado,
encontram-se os Estados que adotaram as inovadoras disposições contidas na
Nova Lei Tipo de Sociedades de Capital (RMBCA)640. De outro lado, acham-
637 Como bem o indica o professor Modesto Carvalhosa, a tendência internacional é justamente
à flexibilização das regulações locais em matéria de capital social; assim, por exemplo, a Lei
sobre Sociedades por Ações de Brasil estabelece poucas restrições à negociabilidade das
ações, impondo somente uma restrição para as companhias abertas, que se encontra no artigo
29 e que, em rigor, não tem uma magnitude tal como para opacar a tendência à liberdade na
negociação de ações.
638 Devido a importância do capital no desenvolvimento do objeto social e, muito especialmente,
na obtenção de recursos, foi constante a evolução normativa e econômica que este conceito
teve ao longo dos últimos anos; no caso brasileiro, por exemplo, pode-se apreciar uma mudan-
ça revolucionária no conceito de capital, derivada da possibilidade de emitir ações sem valor
nominal e do conseqüente efeito que isso tem em múltiplos aspectos da sociedade anônima.
639 Em palavras de BAINBRIDGE, “é difícil imaginar como poderia funcionar um sistema econômi-
co contemporâneo no qual não existisse uma estrutura moderna de financiamento para as
sociedades de capital. As variadas inovações tecnológicas da Revolução Industrial acontecida
no século XIX e, em especial, o desenvolvimento do método de produção em massa, significa-
ram importantes vantagens para aquelas companhias capazes de atingir economias de escala.
Esta circunstância conduziu por sua vez ao surgimento das grandes sociedades industriais da
época moderna. Elas requerem constantes aportes de capital, cujas quantias seriam economi-
camente inatingíveis para qualquer família ou sujeito individualmente considerados. A única
alternativa para financiar a operação das sociedades modernas consiste em aglutinar pequenos
investimentos de capital efetuados por milhões de investidores particulares” (Corporation
Law..., cit., p. 62).
640 As modernas disposições contidas na Nova Lei Tipo de Sociedades de Capital (RMBCA),
permitem verificar a evolução das noções e conceitos fundamentais sobre os que se ergue o
sistema de capital das sociedades anônimas estadunidenses. Segundo se afirma nos comentá-
rios oficiais ao regulamento indicado, “este processo de renovação legislativa foi iniciado com
a determinação, adotada em 1980, de introduzir modificações ao texto inicial da Lei Tipo
redigida em 1969. Nessa oportunidade, eliminaram-se as antigas noções de valor ‘nominal’ e
‘capital assinado’. Posteriormente a essa primeira revisão da norma, incluíram-se em seu texto
novas e mais modernas disposições, que conduziram em 1984 à expedição da nova Lei Tipo
se aqueles que, ainda hoje, conservam a estrutura normativa que precedeu aos
avanços introduzidos pela Lei Tipo mencionada641 . Apesar das importantes
diferenças de regulação, é notória a similitude verificável em ambas, em razão
da política legislativa que prevaleceu sobre a matéria nos Estados Unidos.
Esta política consiste em oferecer soluções de regulação ao conflito que se
apresenta entre os interesses contrapostos dos acionistas e dos credores sociais.
Segundo MANNING, “enquanto os acionistas defendem o duplo propósito
de contribuir o menos possível ao fundo social e retirar dali todos os recursos
disponíveis, os credores se inclinam pela opção oposta. A ideologia que serve
de fundamento ao sistema de capital social instituído pelo ‘Common Law’ e
pelas regulações positivas se orienta a encontrar um equilíbrio entre os inte-
resses de ambas partes”642.
2. O CAPITAL SOCIAL
Em geral, os recursos necessários para desenvolver a gestão das companhias
de capital provêm da emissão de títulos de participação (equity securities) ou de
dívida (debt securities)643. A subscrição ou aquisição de qualquer destes títulos,
A. TÍTULOS DE PARTICIPAÇÃO
Como já se assinalou, a promulgação da Nova Lei Tipo de Sociedades de
Capital (RMBCA) significou a supressão de restrições que existiam na regu-
lação do capital social nas companhias de capital. Esta mudança normativa
permitiu que a terminologia que se verifica nos textos seja mais exeqüível no
novo regulamento que nas disposições que a precederam645.
A emissão de títulos de participação ou ações (equity securities) por parte
de uma companhia implica, em geral, o aporte de novos ativos ao fundo social646.
Eles representam as contribuições que os acionistas se comprometem a efetuar647.
Os recursos recebidos por esse conceito integrarám também o capital do qual a
Marketing e a Valorização do Profissional Contábil. Espírito Santo. 2003. pp. 3-4). Cfr.
SANVINCENTE, A.Z. A evolução recente do mercado primário de debêntures. In: Finance Lab
Working paper. FLWP- Ibmec. 2001-6. p. 2.
644 BURNHAM, op. cit., p. 563.
645 A Nova Lei Tipo abandona, entre outros conceitos, aqueles que permitiam formular a distinção
entre ações ordinárias (common estoque) e preferenciais (preferred estoque), bem como as
noções contáveis tradicionais relacionadas com o valor nominal.
646 No contexto particular analisado, o vocábulo equity deve ser entendido segundo sua acepção
financeira, vale dizer, “o resultado da somatória dos ativos sociais, menos a totalidade dos
passivos” (HAMILTON, op. cit., p. 454). Daí que um “título de participação” possa definir-se
como “um instrumento que representa um valor patrimonial específico, derivado da operação
matemática mencionada” (Ibidem).
647 Deve assinalar-se que no ata de constituição (articles of incorporation) da sociedade deverá ser
especificado seu capital autorizado (authorized capital). Esta menção permitirá determinar o
número de ações que poderão ser emitidas pelo Conselho de Administração. Esta obrigação está
contida na Seção 6.01 da Nova Lei Tipo de Sociedades de Capital. Assim, pode-se mencionar
que enquanto os títulos não sejam emitidos, denominam-se ações em carteira (unissued shares);
uma vez se aprove sua emissão e se coloquem entre o público ou os acionistas, denominam-
se ações em circulação (issued shares). (Cfr. HAMILTON, op. cit., p. 459).
648 MANNING informa a respeito das diferentes modalidades de pagamento disponíveis nos
Estados Unidos para cumprir a obrigação de contribuir ao fundo social. Segundo o autor, “é
claro que o dinheiro efetivo não representa maiores inconvenientes. O próprio pode afirmar-se
dos aportes em espécie efetuados pelos acionistas. A contribuição de serviço também é uma
opção viável para satisfazer a obrigação de efetuar contribuições ao fundo social [...] O único
problema poderia apresentar-se naqueles casos em que o aporte consiste numa promessa de
contrato ou numa obrigação sujeita a termo” (op. cit., p. 45). Em sentido análogo, a Seção 6.21
(b) da Nova Lei Tipo de Sociedades de Capital (RMBCA) permite que os aportes dos sócios
sejam pagos mediante a transferência de qualquer classe de ativo ou direito de conteúdo
econômico em favor da companhia. O texto da norma citada contém uma enumeração não
taxativa dos bens tangíveis ou intangíveis que poderão ser contribuídos ao capital social: “O
aporte poderá consistir em dinheiro efetivo, letras, serviços prestados à sociedade, contratos
para a prestação de serviços futuros e qualquer título de credito”.
649 É sabido que o “valor nominal” constitui uma exigência de índole legal, que consiste em fixar
no momento de constituir a sociedade um valor homogêneo e determinado para cada uma das
ações em que se divide o capital social.
650 “Ainda que o sistema de valor nominal (par value) tenha cumprido uma importante função nas
práticas societárias de antigamente, na atualidade, tal valor é fixado numa quantia tão baixa, que
perdeu toda importância prática. A nova Lei Tipo de Sociedades de Capitais, eliminou o sistema
de capital social baseado no valor nominal” (MORRIS, Glenn G. op. cit., vol. 7, p. 297).
651 SOLOMON e PALMITER, op. cit., p. 105. VARGAS também alude à proteção que pretensamente
oferecia esta figura, nos seguintes termos: “O credor podia supor que a soma dos valores
nominais das ações emitidas tinha sido recebida pela sociedade e que dita soma constituía, em
primeiro lugar, o meio que permitiria à sociedade cumprir seu objeto e fazer ganhos, e em
segundo lugar, a almofada ou margem de segurança dos credores, em substituição da responsa-
bilidade pessoal dos acionistas” (VARGAS, op. cit., p. 147). Além disso, segundo HAMILTON,
“o valor nominal é uma cifra a todas as luzes arbitrárias; um simples vestígio de práticas societárias
antiquadas e em desuso” (HAMILTON et al., op. cit., p. 144).
652 É interessante verificar a origem do particular nome conferido a esta figura. “O uso dessa
expressão se derivou de uma antiga prática fraudulenta, consistente em aumentar artificialmen-
te o peso [e, em conseqüência, o preço] do gado mediante a ingestão forçada de significativas
quantidades de água” (KLEIN, William A. et al., op. cit., p. 211). Também deve-se ressaltar que
uma sociedade poderia efetuar uma emissão de ações a título gratuito. Trata-se das denomina-
das ações sem contraprestação (bonus stock), que, em geral, são emitidas simultaneamente
com outras classes de ações, tais como as privilegiadas. Segundo o dicionário Black’s Law,
estes títulos são “ações com valor nominal cuja emissão se faz sem que a sociedade receba
importância alguma em contraprestação. Em geral, emitem-se para ser oferecidas gratuitamente
aos assinantes de ações preferenciais ou aos donos de títulos de dívida” (op. cit., p. 182).
Alguns autores relacionam os títulos emitidos gratuitamente com as ações aguadas, na medida
em que sua colocação também tem um efeito prejudicial a respeito do capital da sociedade.
Segundo VARGAS, “a sociedade pode ter seu capital inflado como resultado de três circuns-
tâncias: porque colocou suas ações com desconto, isto é, sob o valor nominal; porque emitiu
algumas de suas ações liberadas de pagamento, isto é, em caráter de bônus ‘shares’; ou porque
emitiu ações em troca de aportes de bens ou serviços valorados em excesso” (op. cit., p. 147).
653 Assim, “esta obrigação legal se enfrentou por um tempo a grave escolhe das ações emitidas por
embaixo desse valor, vale dizer, as ações aguadas” (SOLOMON e PALMITER, op. cit., p. 105).
654 Para uma análise detalhada das diferentes posturas judiciais a respeito desta figura, pode-se
revisar a obra de KLEIN (op. cit., pp. 210-215).
655 “Só no ano de 1912 se promulgou o primeiro regulamento que eliminava a figura do valor
nominal das ações. Esta mudança legislativa se deveu, em grande parte, ao amplo debate que
precedeu a expedição da norma” (MANNING et al., cit., p. 29). A supressão das noções de
valor “nominal” (par avalie) e de capital “assinado” (stated capital) sob a Nova Lei Tipo, não
representa um obstáculo ante a possibilidade de que estas figuras possam utilizar-se numa
companhia regulada sob essa norma. Segundo MANNING, “tanto os diretores como os conse-
lheiros, os contadores, as entidades federais de supervisão e, em geral, qualquer que se
encontre legitimado para fazê-lo, poderá solicitar que se atribua um valor nominal às ações
emitidas por uma companhia. Também poderão fazer questão de que se estabeleça uma catego-
ria denominada ‘capital assinado’ nos livros contábeis da sociedade. [...] Não obstante, nenhu-
ma destas circunstâncias terá efeitos a respeito da repartição de dividendos por parte da compa-
nhia” (Ibidem, p. 185). A possibilidade de emitir ações sem valor nominal se expande, cada vez
com maior força, no âmbito do direito societário; assim, por exemplo, a regulação das sociedades
por ações no Brasil contemplam, expressamente, a emissão de ações sem valor nominal. Segundo
o professor Modesto Carvalhosa “varias conseqüências decorrem dessa nova estrutura do capital
social. A primeira conseqüência é que não haverá coincidência entre o número de ações em que
se dividirá o capital e o valor efetivo das entradas de capital quando ocorre a colocação de ações
de valor nominal com ágio ou de ações sem valor nominal (...) Internamente, o capital social não
mais regula os direitos dos acionistas com base na contribuição para ele de cada um, já que nem
todo o valor da subscrição o integra obrigatoriamente, podendo parte desse valor ter destinação
diversa. Externamente, o montante do capital social deixa de constituir plena expressão da
garantia dos credores, pela mesma razão de não representar mais o valor integral das entradas dos
acionistas. O capital social declarado passa ter um valor meramente nominal, na medida em que
pode ser menor do que o capital efetivamente ingressado na companhia. Deixando de corresponder
ao valor total das ações subscritas e, portanto, de obrigatoriamente representar a soma de todas
as contribuições em dinheiro ou em espécie, o capital social não mais expressa toda a massa
patrimonial posta em função do negócio que constitui o objeto social. Passa o capital social a
representar, apenas, a parcela do valor das ações subscritas que os acionistas vinculam, na
constituição e em cada aumento, ao negócio empresarial que constitui o objeto da companhia.
(Comentários à Lei... op. cit., pp. 100-101). Cfr. ALMEIDA, Amador Paes de. Manual das
sociedades... op. cit., pp. 206 y 208.
656 HAMILTON, op. cit., p. 464. A quantia monetária atribuída ao capital quando se efetuem
colocações de ações sem valor nominal, dependerá exclusivamente do valor que determine o
Conselho de Administração para cada colocação. As somas recebidas por esse conceito
“deverão ser registradas nos livros contábeis sob categoria denominada ‘capital assinado’
[‘stated capital’]” (CLARK, Robert C. op. cit., p. 715).
657 Cfr. seções 6.21 da Nova Lei Tipo de Sociedades de Capital (RMBCA) e 152 da Lei Geral de
Sociedades do Estado de Delaware (DGCL).
No Brasil existe uma disposição similar: o artigo 14 da Lei de sociedades por ações dispõe que
“O preço de emissão das ações sem valor nominal será fixado, na constituição da companhia,
pelos fundadores, e no aumento de capital, pela assembléia-geral ou pelo conselho de
administração (artigos 166 e 170, § 2º). Parágrafo único. O preço de emissão pode ser fixado
com parte destinada à formação de reserva de capital; na emissão de ações preferenciais com
prioridade no reembolso do capital, somente a parcela que ultrapassar o valor de reembolso
poderá ter essa destinação”.
658 Comentários à Seção 6.21 da Nova Lei Tipo de Sociedades de Capital (RMBCA).
659 Assim o dispõe, por exemplo, a Seção 6.01 da Nova Lei Tipo de Sociedades de Capital
(RMBCA).
660 21 A Seção 151 da Lei Geral de Sociedades do Estado de Delaware (DGCL), por exemplo,
diferença de maneira categórica entre ambas as categorias.
A divisão das ações em diversas classes ou tipos é também uma prática difundida em diversos
ordenamentos jurídicos; assim, em Brasil, por exemplo, a própria legislação reconhece
tipologias específicas segundo variados critérios que olham os direitos que confere a ação,
sua valoração, entre outras questões mais. Cfr. CORREA, Osmar Brina. Sociedade Anônima…
op. cit., p. 31; CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas… op.
cit., pp. 169 e ss.
661 BAINBRIDGE, Corporation Law..., cit., p. 66. Cfr. ALMEIDA, Amador Paes de. Manual das
Sociedades... op. cit., pp. 203 e ss.
662 Ibidem. O autor também ilustra a respeito de outras diferenças existentes entre as “classes” e as
“séries” de ações. Entre outras distinções é relevante aquela em virtude da qual se requer que
todas as classes de ações estejam determinadas nos estatutos (by laws), enquanto tal requisito
não existe em relação com as séries de ações (Ibidem).
663 A Lei sobre sociedades por ações do Brasil, seguindo o modelo da classificação de ações,
também contém uma regulação ampla sobre as ações ordinárias e preferenciais (Art. 15 e SS.).
664 Cfr. ALMEIDA, Amador Paes de. Manual das sociedades... op. cit., pp. 203-204. Não sobra
rememorar que com a reforma introduzida em 2001 a lei sobre sociedades por ações do
Brasil, modificou-se o artigo 17, relativo às ações preferenciais, consagrando novos direitos
especiais, segundo a tendência ao fortalecimento das prerrogativas outorgadas através deste
particular tipo de ações; ao respeito, afirma Marcelo Fortes Barbosa que “os direitos dos
preferencialistas foram dissecados pela Lei 6.404, expressos de maneira enfática, com o fim
de evitar interpretações diversificadas, num rol fechado, e, no que respeita às companhias
abertas, ampliados pela Lei 13.303, de modo a garantir maior segurança quanto à remune-
ração do capital integralizado na sociedade (Sociedade anônima atual. São Paulo: Atlas,
2004. p. 49).
receber sua quota social de liquidação quando se tiver satisfeito o passivo externo
da sociedade”665.
Por outro lado, também é possível que uma companhia emita as deno-
minadas ações convertíveis (convertível shares). Segundo a definição mais acei-
ta, estes títulos são “ações preferenciais que podem ser trocadas, a opção de seu
subscritor, por ações ordinárias ou por qualquer outra classe de título, segun-
do o que estiver disposto nos documentos de emissão correspondentes”666. A
Nova Lei Tipo de Sociedades de Capital (RMBCA) permite a emissão desta
classe de títulos, desde que esta possibilidade se estabeleça no ata de consti-
tuição da companhia667.
Conquanto o princípio geral consiste em atribuir um voto por cada ação
(one vote per share), é viável criar classes de ações preferenciais que lhe confiram
ao seu titular o direito de emitir mais de um voto por ações detida nas reuni-
ões da assembléia de acionistas668. Esta prerrogativa pode resultar útil para
adquirir e conservar o controle respeito de uma determinada sociedade. Du-
rante a década de oitenta, várias sociedades de capital abertas sujeitas ao con-
trole de grupos familiares se valeram destas classes de ações para evitar potenciais
aquisições hostis por parte de outras companhias. “Tais classes de ações confe-
riam direitos de mais de um voto a certos grupos de acionistas unidos por
vínculos de parentesco (‘super voting rights’). Esta circunstância contribuía
para reduzir o risco de uma aquisição de controle ofertada de maneira hostil
por parte de investidores prontos a lançar ofertas públicas de aquisição. Ade-
mais, estas ações perdiam seu caráter preferencial de modo automático, em
caso de ser alienadas ou transferidas em favor de terceiros alheios à família que
tinha o controle”669.
Igualmente a como ocorre em outros sistemas jurídicos, o Direito
Societário norte-americano permite que se pactue um direito preferencial nas
novas colocações de ações que a sociedade pretenda emitir (preemptive right).
Este direito permite que aqueles que efetuaram os aportes iniciais de capital,
672 É importante destacar que muitas legislações ocupam-se do tema da recompra de ações; é
normal que existam proibições relativas a estas operações, as quais são autorizadas em casos
concretos; Segundo a opinião do Modesto Carvalhosa, “o preceito proibitivo, com maior ou
menor intensidade, em razão das próprias exceções, é encontrado nas diversas legislações,
sempre com a finalidade precípua de tutela do capital social e de sua integridade, buscando,
como já se viu, não só defender os credores, mas também evitar a prática de desfalque e fraudes
de toda espécie contra o próprio patrimônio social, os acionistas e terceiros em geral”. (Comen-
tários à Lei de Sociedades Anônimas... op. cit. Vol I, pp. 310 e ss.). Cfr. ALMEIDA, Amador Paes
de. Manual das sociedades… op. cit., p. 213.
673 MANNING et al., op. cit. p. 190.
674 Os critérios para determinar a viabilidade de repartir dividendos se encontram contidos na
Seção 6.40 da Nova Lei Tipo de Sociedades de Capital.
675 Antes da promulgação da Nova Lei Tipo, as ações readquiridas eram conhecidas como ações
de tesouraria (treasury shares). Esta denominação, devido a sua aparente inutilidade, não foi
acolhida pela Nova Lei Tipo de Sociedades de Capital
676 BAINBRIDGE, Corporation Law..., cit., p. 692.
677 Cfr. NASCIMENTO, Fernando e NERIS, Silvania. A captação de recursos das empresas de
capital aberto no Espírito Santo… op. cit., pp. 3-4.
678 O artigo 8º do Código de Comércio Uniforme (Uniform Comercial Code) enumera as diferentes
classes de bônus permitidos por esse estatuto.
amenizar as perdas que os detentores teriam sofrido caso não existisse a cláu-
sula em questão.
Como se expressou, a estrutura de financiamento numa sociedade contempla
uma combinação entre recursos de crédito e de capital contribuído pelos sócios.
Ainda que se estime, em geral, que o denominado financiamento interno originado
na emissão de ações representa indubitáveis vantagens para a companhia (não
afeta seu endividamento externo, o passivo interno só é exigível durante a liquidação
da sociedade, os acionistas costumam ter interesse na boa condução dos assuntos
sociais etc.), o verdadeiro é que, sob certas circunstâncias, pode ser muito
conveniente a emissão de títulos de dívida. As vantagens desse mecanismo
costumam se relacionar com o fato de que na mentalidade de muitos investidores
convém mais ter a qualidade de credor externo, devido ao menor risco comparado
ao que se assumiria em caso de liquidação da sociedade. Do ponto de vista da
companhia também existem algumas vantagens relacionadas com a emissão de
títulos de dívida, tais como os debentures. Assim, por exemplo, em matéria
tributária, o pagamento periódico dos juros pactuados para a emissão é tratado
como um custo financeiro da sociedade, com as conseqüências de dedução fiscal
que podem ser realizadas perante a administração de impostos. Ao contrário, é
sabido que o pagamento de dividendos aos acionistas constitui rendimento sujeito
a tributação também pela sociedade, em razão do sistema de dupla tributação
existente nos Estados Unidos. Esta circunstância favoreceu a prática nada ortodoxa
de ocultar o pagamento de dividendos sob o roupagem de gastos derivados de
supostos créditos adquiridos pela sociedade. A jurisprudência reagiu contra estas
práticas com a fixação de critérios definidos para determinar se existe, na realidade,
um pagamento de dívidas por parte da companhia ou, pelo contrário, uma
verdadeira partilha de resultados ou dividendos679.
3. DIVIDENDOS
Os acionistas que efetuam aportes para a formação do capital social es-
peram o aumento de valor do seu investimento e represente para eles o paga-
mento de dividendos (dividends) sobre as resultados da companhia680. No
681 Não obstante, os membros do Conselho de Administração têm um dever fiduciário de cuidado
que se traduz na obrigação de tentar o incremento no valor do investimento dos acionistas
(CLARK, Robert Charles, op. cit., p. 594).
682 Assim como a lei, a jurisprudência brasileira reconheceu também esta possibilidade de manei-
ra expressa; ao respeito, Vid. Décima Terceira Câmara Cível. Acórdão do novembro 11 de 2010
(0120019-23.2006.8.19.0001).
683 “Os dividendos pagos em ações liberadas da sociedade não são considerados como verdadei-
ros gastos para a companhia, já que a operação não implica um efetivo desembolso por parte
da sociedade [...] Outra modalidade de pagamento de dividendos que também não implica um
gasto consiste em conceder aos acionistas opções de compra sobre ações adicionais da
companhia (‘Rights’ ou ‘Warrants’). Estas opções de compra podem ser exercidas pelo acionis-
ta ou vendidas a um melhor concorrente; seu valor no mercado flutua de acordo com o preço
das ações que representam” (HAMILTON, op. cit., p. 390).
era proprietário do 58,5% das ações. A companhia, cujo sucesso colossal era
reconhecido, tinha obtido e repartido enormes somas de dinheiro a título de
dividendos durante sucessivos períodos contábeis. Seus índices de solvência e
rentabilidade eram notórios e teriam permitido continuar sucessivamente com
a política de partilha de resultados. Não obstante, depois da negativa da com-
panhia a pagar dividendos aos irmãos Dodge, estes, na qualidade de acionistas
minoritários, interpuseram uma demanda judicial para impugnar a determi-
nação adotada pela sociedade – impulsionada por seu acionista majoritário –
no sentido de reter os resultados sociais. Ford baseou sua defesa no argumento
de que, no lugar de dilapidar a liquidez da companhia, era preferível realizar
um indispensável programa de expansão, que permitiria a construção de uma
segunda planta para a fábrica de automóveis. Assim, segundo Ford, a deter-
minação de repartir dividendos obrigaria à sociedade a aumentar os custos de
produção que se veriam traduzidos num maior preço dos veículos687. Ade-
mais, propunha oferecer certos benefícios trabalhistas aos empregados de sua
planta de produção. A intervenção de Henry Ford ante a corte que adotou a
determinação no caso estudado, é ilustrativa a respeito de seus supostos pro-
pósitos altruístas. Nas palavras do acionista majoritário, “minha intenção não é
outra que a de empregar o maior número de pessoas possível, de maneira a
compartilhar com eles os imensos benefícios que podem resultar de nosso
avançado sistema industrial, com o fim de que os trabalhadores possam pros-
perar e construir seus respectivos lares. A consecução deste fim acarreda a
necessidade de que a maior parte dos resultados sociais sejam conservados nos
confres da companhia”688.
A Suprema Corte do Estado de Michigan deu a razão aos demandantes.
Na sentença não desapercebido o fato de que a determinação do senhor Ford
pudesse ter-se motivado nas razões altruístas assinaladas. A Corte sustentou
que o plano de negócios que Henry Ford tinha formulado se endereçava a que
a gestão social da companhia fosse desempenhada sob uma orientação filantró-
pica (semi-eleemosynary). Segundo a Corte, a aludida orientação era contrária à
natureza capitalista da sociedade comercial. Nas palavras da Corte, “o dever
altruísta que Ford afirma ter contraído frente à comunidade norte-americana
692 Seção 6.40 (c)(1) da Nova Lei Modelo de Sociedades de Capital (RMBCA).
693 Seção 6.40 (a)(2) Ibidem.
694 Seção 8.33 Ibidem.
695 É fundamental advertir a respeito da complexidade e permanente variação das normas fiscais
estadunidenses. Segundo o tem dito FOLSOM, “tanto a legislação tributária norte-americana,
como a copiosa variedade de impostos susceptíveis de aplicar-se aos particulares, são de uma
grande complexidade técnica, que aumenta exponencialmente todos os anos” (op. cit., p. 247).
Similar situação ocorre no Brasil onde, devido a sua particular organização territorial, existe um
complexo e nutrido grupo de disposições normativas em matéria tributária, tanto nacionais,
como regionais..
696 Cfr. BOBINAM, William, op. cit., p. 608.
697 SLATER, Jeffrey. College Acounting. A Practical Approach. Third Edition, Englewood Cliffs, NJ,
Prentice Hall, 1988, p. 619.
698 Pelo contrário, em alguns países latino-americanos, tais como Colômbia, a tributação de
sociedades se realiza conforme ao princípio de neutralidade tributária. Assim, a partir da
expedição da Lei 75 de 1986, todas as companhias se sujeitam à mesma tarifa impositiva, sem
importar o tipo societário eleito. Nesse mesmo país a tributação é de grau único, isto é que,
uma vez tributados os dividendos na renda da sociedade, os sócios procedem a declarar o
recebido como uma renda isenta. Também na República Argentina a tributação de companhias
se cumpre num único grau, isto é que o imposto sobre a renda se aplica aos resultados gerados
pela pessoa jurídica. Sob este sistema, a companhia deverá pagar uma taxa progressiva de até
o 35% de seus ganhos, ainda que se exima aos sócios ou acionistas do pagamento de tributos
uma vez que os dividendos foram repartidos. (Cfr. International Promotor Association. Trends
in Company/Shareholder Taxation: Single or Double Taxation? 2003 Sidney Congress, Rotterdam,
Kluwer Law International, 2003, p. 100).
É interessante também ressaltar que no Brasil, os valores distribuídos aos acionistas a título de
dividendos também são isentos da tributação pelo imposto de renda da pessoa física segundo
o disposto pelo artigo 39 do Decreto nº 3.000 de 1999.
699 “Dentro da idiossincrasia do homem de negócios norte-americano, os aspectos fiscais relativos
à exigência de um tipo social representam a consideração mais relevante na determinação que
se adote” (Ibidem, p. 248).
que, enquanto as primeiras não são gravadas como sujeitos de Direito inde-
pendentes dos acionistas, nas sociedades de capital sim é procedente a impo-
sição de tributos diretos”700. Os custos relacionados com o denominado regime
de dupla tributação (double taxation) podem influir na determinação de um
tipo social. Este regime, aplicável de forma exclusiva às sociedades de capital,
tem por efeito a imposição de impostos simultâneos em dois níveis. Em pri-
meiro lugar, a personalidade jurídica da companhia de capital dá lugar a que
os rendimentos sociais sejam tributados pelo governo federal. Nesta medida, a
companhia se vê submetida a um imposto sobre os resultados de cada exercí-
cio, em conformidade com os estados financeiros correspondentes. Posterior-
mente, no momento em que os sócios recebem o pagamento de seus
dividendos, são devidos impostos por cada um deles701.
O regulamento geral sobre impostos federais se encontra consagrado no
Código Interno de Rendas (Internal Revenue Code), cujo texto sofreu nume-
rosas modificações desde sua promulgação em 1916, até a versão atual pro-
mulgada pelo Congresso em 1986702. A Lei de Reforma ao Código Interno
de Rendas, promulgada em 1986, estabeleceu tarifas progressivas para os anos
fiscais de 1987 e seguintes, cuja quantia varia de acordo com o montante de
rendimentos da sociedade ou do indivíduo. No caso das sociedades de capital,
adquire relevância o conhecimento das tarifas de imposto aplicáveis tanto às
companhias como aos particulares. Isso se deve ao fato que, segundo acaba de
se afirmar, os acionistas se submetem a um regime de dupla tributação. Dife-
rentemente das sociedades de pessoas, os sócios nestas companhias de capital
se vêem afetados tanto pelas tarifas aplicáveis às pessoas naturais como pelas
previstas para as sociedades703. Os seguintes quadros ilustram o tema704 (p. seg.).
que é a tarifa percentual aplicável ao acionista, segundo sua categoria de rendimentos). Nesta
medida, dos 200.000 dólares gerados por Alpha Inc., seu único acionista receberá somente
$84.750 ($200.000 – $68.000 – $47.250). Deve ressaltar-se que a tarifa real aplicável às
utilidades geradas pela sociedade foi do 57.6%. Sob esta mesma hipótese, os rendimentos
derivados da atividade de uma sociedade de pessoas teriam sido gravados com uma tarifa de
tão só o 36% (percentagem aplicável aos rendimentos do sócio).
704 59 Tomado do Código Interno de Rendas dos Estados Unidos (26 Ou.S.C.A. Nums. 1, 901 et seq.).
705 Note-se o escasso caráter progressivo do imposto, que se percebe uma vez que se supera a
soma de 75.000 dólares.
bilidade de que goze o sistema tributário da outra nação, assim, estes acordos
bilaterais ou multilaterais são celebrados com escassa freqüência. Sob certas cir-
cunstâncias, e a falta de tais tratados, a companhia pode ter a opção de declarar
a totalidade das utilidades percebidas no exterior como deduções, uma vez que
tiverem pago os impostos do país de origem711.
711 Para mais informação sobre o particular, pode-se verificar as disposições do Código Interno de
Rendas (26 Ou.S.C.A. Nums. 901 e ss.).
1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
A estrutura econômica norte-americana fez dos Estados Unidos territó-
rio propício para as denominadas febres das fusões. Estas se apresentam como
ondas de operações de concentração (merger waves) que ocorrem com certa
periodicidade712. No começo do século XXI, a tendência à concentração con-
tinua, devido ao interesse de numerosas companhias que pretendem unir es-
forços para confrontar com maior vigor seus competidores713. Ainda que, em
geral, as operações de concentração surgem de consensos entre as companhias
712 “A tendência ao gigantismo se explica então pela vontade de poder, o desejo de construir um
império, o complexo de Napoleão aplicado ao mundo dos negócios. (...) mas o exercício do
poder é o fator determinante do crescimento da empresa. Quanto mais importante seja a
empresa, maior será seu poder para fixar seus preços e suas tarifas, mas também seus custos e
mais ampla sua influência sobre o Estado, sobre a coletividade e sobre o consumidor, mais
vasto, em fim, o controle de seus próprios rendimentos. Financiando com os seus próprios
recursos as suas necessidades de investimento, seus rendimentos lhe garantirão uma indepen-
dência que nunca poderia aspirar a pequena empresa. Quanto maior seja a empresa, mais
poderá reduzir seus riscos estabelecendo com toda segurança seus programas de produção e
de investimentos. (GALBRAITH, John Kenneth. Introdução..., cit., pp. 82-83).
713 Apesar de que as fusões e aquisições foram uma constante no âmbito societário norte-america-
no, costumam distinguir-se cinco períodos caracterizados por uma massa de operações de
integração. As mencionadas ondas tiveram lugar entre 1897 e 1904; 1916 e 1929; 1965 e
1969; 1984 e 1989 e finais dos 90 e 2001. (Cfr. GAUGHAN, Patrick A. Mergers, Acquisitions
and Corporate Restructurings. John Wiley & Sons, Inc., 1996, pp. 18-54). Cada uma das
mencionadas ondas deu lugar à adoção de importantes medidas legislativas, orientadas a
regulamentar tais operações – em particular as denominadas tomadas hostis de controle – e a
neutralizar os possíveis efeitos adversos que elas possam ter na comunidade e em relação com
o mercado. Efetivamente, a Lei Anti-monopolio, conhecida como Sherman Act, surgiu como
conseqüência das numerosas fusões e aquisições que tiveram lugar no final do século XIX. Um
período similar de atividades prévio à Primeira Guerra Mundial, levou ao Presidente Theodore
Roosevelt a promover em 1914 a promulgação da denominada Lei Clayton (Clayton Act) para
combater os monopólios. (Cfr. HAMILTON et al, op. cit., p. 344). Como conseqüência de uma
acertada regulação, a onda de fusões e aquisições da década de noventa se caracterizou pelo
reduzido número de integrações hostis. (Cfr. BAINBRIDGE, Mergers..., cit., p. 2). A tendência
a realizar concentrações consensuais não é um fenômeno privativo do panorama societário
estadunidense. Em Europa continental, as integrações surgem “usualmente como conseqüên-
cia de uma transferência de controle previamente lembrada, de maneira que a tomadas hostis
de controle são excepcionais” (DORRESTEIJN et al., op. cit., p. 178).
O anterior é também reconhecido por autores latino-americanos que, como José Carlos Miranda
e Luciano Martins, explicam que “A década de 90 vem assistindo a um crescimento continu-
ado do movimento de fusões e aquisições de empresas, o que revela tendência crescente para
a concentração e centralização do capital. Embora tais processos de fusões e aquisições sejam
mais acentuados na economia doméstica dos Estados Unidos, são também significativos na
Europa e, não menos importante, se estendem também ao investimento direto no exterior,
criando um novo padrão. Com efeito, nos Estados Unidos e na União Européia (UE), as fusões
e aquisições têm desempenhado papel crucial na orientação dos investimentos diretos no
exterior. (…) Também no Brasil o movimento de fusões e aquisições acentuou-se nos anos 90.
Se tomarmos os dados disponíveis (e que são parciais) do valor das transações entre 1991 e
1999 (cerca de US$ 115 bilhões), os setores de telecomunicações, de energia elétrica e
financeiro aparecem como os mais destacados.” (Fusões e aquisições de empresas no Brasil, em
Economia e Sociedade. Campinas (14): 67-88, jun.2008, pp. 67 e 69).
negociação direta com seus acionistas. Nas chamadas competições para obten-
ção de procurações de voto, o adquirente empreende uma campanha para
persuadir os acionistas a lhe outorgarem poderes de representação, com o pro-
pósito de conseguir uma substituição da administração que seja favorável aos
seus interesses. A doutrina norte-americana agrupa todos os mecanismos men-
cionados sob a denominação de fusões e aquisições (mergers and acquisitions ou,
de forma abreviada, M&A).
A modalidade ótima para estruturar a concentração entre diversas com-
panhias depende do contexto do negócio e das características específicas das
sociedades participantes. “A lei permite numerosas formas de integração, de
forma que é viável desenhá-la de múltiplas maneiras. Cada uma destas formas
tem suas próprias vantagens e desvantagens ou, em termos econômicos, seus
próprios custos de gestão. A tarefa de quem concebe a operação consiste em
identificar no contexto particular do negócio aquela estrutura jurídica que
implique os menores custos para a integração”716.
Os referidos mecanismos de concentração empresarial foram classifica-
dos pela literatura jurídica norte-americana segundo vários critérios717. Além
de ser uma sistematização acadêmica, as classificações têm inegáveis efeitos
práticos. As mais duas conhecidas dividem as técnicas mencionadas em inte-
grações previstas nas legislações estaduais (statutory) e não previstas nelas (non
statutory), bem como em operações voluntárias e hostis. A primeira categoria
faz alusão àqueles mecanismos consagrados expressamente nos códigos socie-
tários, tais como a fusão ou a venda de ativos718. Além de estarem regulados de
maneira explícita pelas leis estaduais, estas técnicas costumam caracteriza-
rem-se por requerer para sua validade a aprovação dos Conselhos de Admi-
nistração das companhias participantes. Daí que a utilização de tais mecanismos
seja difícil naqueles casos em que não se conte com a cooperação do Conse-
716 BAINBRIDGE, Corporation Law…, cit., p. 622. O autor acrescenta que “ao selecionar a estrutura
mais vantajosa para uma operação específica e assegurar-se de que a opção selecionada estará de
acordo com as normas legais e com os precedentes judiciais, o consultor jurídico pode reduzir
custos legais e garantir maiores ganhos às partes” (Ibidem). Disto se infere a relevância do trabalho
realizado pelo assessor jurídico, pois deverá prever todas as conseqüências que se derivem da
técnica eleita e tentar que os custos se reduzam. Deste ponto de vista, “a formação do assessor
jurídico nesta classe de operações deve se orientar a identificar a origem do valor numa operação
específica e determinar como este poderia ser incrementado no negócio projetado” (Ibidem). Cfr.
MIRANDA, José Carlos e MARTINS, Luciano, Fusões e aquisições… pp. 67 e ss.
717 Cfr. BAINBRIDGE, Ibidem, cit., pp. 622-623, e HAMILTON et al., op. cit., pp. 347-350.
718 BAINBRIDGE, Corporation Law…, cit., p. 622.
719 Ibidem. As razões pelas quais um Conselho de Administração estaria em desacordo com uma
tomada de controle são de variada índole. BAINBRIDGE sugere algumas das mais comuns: “Em
primeiro lugar, o Conselho poderia por obstáculos a uma venda, independentemente do preço
oferecido, com o único fim de preservar a posição e os rendimentos de seus membros. Em
segundo lugar, é viável que as aspirações do Conselho no referente ao preço sejam maiores em
relação a quanto quem faz a oferta está disposto a pagar. Por último, é possível que os membros
do Conselho aspirem em obter pagamentos pessoais em troca de outorgar consentimento à
operação” (Ibidem, p. 623).
720 “Segundo SCHERER e ROSS (1990), as F&As ocorrem por várias razões e, em qualquer proces-
so, vários motivos diferentes influenciam simultaneamente o comportamento das partes envol-
vidas. Para FIRTH (1980), a maioria desses motivos estão fundamentados nas seguintes teorias
da firma: a) Teoria Neoclássica da Maximização dos Lucros da Firma: as forças do mercado
competitivo motivam os gerentes a tomar decisões que maximizam o valor das firmas e a
riqueza dos acionistas. As firmas se engajarão em takeovers se estes resultarem no aumento da
riqueza dos acionistas adquirentes, advindo de aumentos na rentabilidade, seja pela criação
do poder de monopólio, seja pelas sinergias, ou, ainda, pela substituição de administradores
ineficientes nas firmas adquiridas. b) Teoria Maximização da Utilidade Gerencial: além de um
certo nível satisfatório de lucros, administradores tentarão maximizar sua utilidade (redução do
risco de perder seus empregos, aumento no nível dos seus salários e aumento de poder e
satisfação no trabalho), em detrimento da maximização da riqueza dos acionistas. Esses
objetivos podem ser obtidos por meio do aumento do tamanho da firma, sendo os takeovers,
na prática, a forma mais rápida de consegui-los. Ao invés do aumento da rentabilidade ou do
tamanho, o aumento dos benefícios dos administradores são os objetivos mais prováveis.
MANNE (1965), MUELLER (1969), GORT (1969), JENSEN (1986), ROLL (1986), SCHERER e ROSS
(1990) e KLOECKNER (1994) apresentam os seguintes motivos para as F&As: a) discrepâncias nas
expectativas dos fluxos de caixa futuros e do risco associado ao resultado esperado (expectativas
assimétricas): diferentes expectativas levam os investidores a atribuir valores diferentes a uma
mesma firma, ocasionando propostas de compra; b) irracionalidade individual nas decisões de
dirigentes: justificativa hipotética para as fusões, segundo a qual, sob condições de incerteza, os
indivíduos nem sempre tomam decisões racionais. Essa irracionalidade é diluída ou anulada
quando considerada de forma agregada na interação dos vários agentes econômicos (ROLL, 1986);
compensações e incentivos tributários, advindos de créditos tributários relativos a prejuízos acu-
mulados por uma das firmas envolvidas, que podem ser compensados em exercícios futuros pela
outra firma, caso esta apresente lucros; c) fusões como uma alternativa a dividendos e recompra de
ações: situação presente em firmas com fluxos de caixa livres…” (Fusões, aquisições e takeovers: um
levantamento teórico dos Motivos, hipóteses testáveis e evidências empíricas. In: Caderno de
Pesquisas em Administração, São Paulo, v.10, nº 2, abril/junho 2003, pp. 24-25).
721 Este benefício implica que o valor de dois elementos combinados é superior ao valor que teria
a sua somatória como indivíduos. A respeito dos negócios de fusão e aquisição, “a sinergia
pode ser gerada naqueles casos em que dois ou mais atividades realizadas por uma só
assinatura têm um valor maior ao que teriam se fossem adiantadas por companhias separadas”
(GAUGHAN, op. cit., p. 620).
722 RICHARD informa para o caso argentino que a experiência recolhida em matéria de fusões
“pôs de manifesto que alguns dos trâmites exigidos pela lei e que não aparecem como
imprescindíveis à segurança jurídica e aos interesses que podem ser afetados por aquele ato,
são excessivos e aparte de dificultar a aplicação do instituto suscitaram algumas dificuldades
interpretativas” (RICHARD et al., op. cit., p. 838).
trinta. O “New Deal” constituiu uma valiosa ferramenta para reduzir os efeitos adversos da
Grande Depressão da economia estadunidense. Acreditava-se que a crise financeira mundial era
devido à instabilidade inerente ao mercado. Por isso, considerava-se que a intervenção estatal
poderia, em alguma medida, corrigir tal instabilidade. (Cfr. BUCHHOLZ, Business Environment...,
cit., p. 101). A Lei de Valores do ano 1933 se orientou a definir as regras e obrigações a que
deveriam se submeter as sociedades que efetuem emissões primárias, com o propósito de
proteger ao público investidor de fraude ou engano nas ofertas que estas companhias formulem.
730 PALMITER, Securities..., cit., p. 167.
731 CLARK, DAVID S. et al., op. cit., p. 313.
732 PALMITER, Securities..., cit., p. 233
733 Ibidem.
734 Estas normas tiveram importância nos movimentos de tomadas de controle por via de aquisição
de participações significativas de capital, em especial nas décadas de cinqüenta e sessenta.
(Cfr. SOLOMON & PALMITER, Corporations..., cit., p. 579). Outras disposições federais de
importância nesta matéria são, entre outras, as seguintes: 1 “. Public Utility Holding Company
Act”, de 1935; 2 “. Trust Indenture Act”, de 1939; 3 “. Investment Company Act”, de 1940; 4
“. Investment Advisers Act”, de 1940; 5 “. Securities Investor Protection Act”, de 1970; 6 “.
Market Reform Act”, de 1990, e 7 “. Penny Stock Reform Act”, de 1990. (Compilation of Securities
Laws, Superintendency of Documents of the U.S. Government, Washington D.C., 1991).
735 Cfr. Capítulo VI, supra.
736 CLARK, et al., op. cit., p. 315. Ver Capítulo II supra.
737 Ibidem.
738 Segundo POSNER, o efeito nocivo dos monopólios resulto no fato que os ganhos que deles
obtêm os monopolistas repercutem em maiores custos para os consumidores. Não obstante,
existem certas condições de oferta e demanda nas quais apenas uma sociedade pode satisfazer
as quantidades demandadas, a um custo mais baixo do que poderiam assumir duas ou mais;
também pode ocorrer que uma companhia tenha uma administração sobressalente, de forma
que a gestão de ativos de outras companhias possa ser um maior sucesso sob aquela adminis-
tração que sob a destas. Qualquer destas situações poderia dar lugar a que se realizasse uma
fusão conducente a um monopólio. Neste caso, os benefícios obtidos poderiam superar os
custos derivados da fixação unilateral de preços por parte do monopólio” (op. cit., p. 322). Os
casos excepcionais mencionados pelo autor, deram lugar ao que as legislações denominam a
“exceção de eficiência”, na qual se justifica de alguma forma a presença de situações de
concentração no mercado e, inclusive, a existência de verdadeiros monopólios.
739 Na opinião de DAVID CLARK, apesar de que as mencionadas leis se relacionam mais com o
comportamento de mercado que com a organização empresarial, têm um efeito importante nas
concentrações societárias. Elas proíbem as concentrações de sociedades que possam dar lugar
à criação de monopólios. Em virtude disse que se estabelece a necessidade de uma notificação
prévia de qualquer fusão ou aquisição que possa ter um impacto econômico significativo. O
sistema está desenhado de modo a permitir ao governo federal um conhecimento antecipado
a respeito de possíveis violações do regime anti-monopolios. (Cfr. op. cit., p. 315).
740 Artigo 1º da Lei Sherman de 1890.
741 Seção 2 Ibidem.
742 GAUGHAN, Patrick A. Op. cit., p. 81.
743 SHENEFIELD et al., The Antitrust Laws. Washington, D.C.: The AEI Press, 1996, p. 55.
744 GAUGHAN, op. cit., p. 80. Devido ao fato que os assuntos relativos à concorrência e os
monopólios concernem mais ao âmbito econômico do que ao estritamente jurídico, sua regulação
está hoje presente na maior parte do mundo ocidental, independentemente da tradição jurídica
prevalecente nas diferentes nações que o conformam. Na França, segundo sustentam MERCADAL
e JANIN, “estas normas representam um obstáculo para aquelas concentrações empresariais nas
quais os prejuízos para a concorrência são maiores que os benefícios que elas poderiam ter nos
âmbitos econômico e social […] Na União Européia, as integrações que excedam de certas somas
deverão ser notificadas à Comissão européia antes de ser realizadas” (MERCADAL, M. Barthélemy
et al. Sociétés Commerciales. Paris: Editions Francis Lefevre, 1995, p. 1106).
só749. Na fusão simples –conhecida também como plain vanilla merger 750 –
uma das sociedades subsiste depois de receber os ativos e passivos das demais
companhias participantes, cuja extinção se produz de modo simultâneo751.
Os sócios das companhias absorvidas se incorporam à sociedade absorvente
mediante um processo de troca de ações que se cumpre a partir da correspon-
dente relação de troca estabelecida para a fusão. Esta figura é equivalente à
denominada “fusão-absorção” ou “fusão por incorporação”, própria dos países
de tradição romano-germânica752.
749 Literalmente, a palavra inglesa merger se traduz ao espanhol como fusão. Tal é o sentido com
o que aparece tanto nos dicionários bilíngües de uso corrente de tais idiomas (Collins Dicio-
nário Espanhol-Inglês. Bogotá: Edit. Grijalbo, 1988, p. 273), como nos dicionários bilíngües
de termos jurídicos (RICO, José Ramón Cano. Dicionário de Direito. Madri: Edit. Tecnos, 1994).
750 Cfr. HAMILTON et al., op. cit., p. 347.
751 Segundo o texto do dicionário Black’s, a definição que corresponde à palavra merger é do
seguinte conteúdo: “A união de duas companhias conforme uma disposição legal, onde uma
das companhias desaparece e a outra sobrevive. A absorção de uma companhia por outra, de
modo que aquela perde sua identidade jurídica e esta retém seu próprio nome e identidade e
adquire os ativos, passivos, franquias e faculdades daquela. A companhia absorvida deixa de
existir como um ente jurídico (Morris v. Investment Life Ins. Co., 27 Ohio St.2d 26, 272 N.E.2d
105,108, 109, 56 Ou.Ou.2d 14)”.
752 Países como França, Panamá, Argentina, México e Colômbia adotaram a referida terminologia.
(Cfr. respectivamente a MERCADAL et al., op. cit. p. 1103; DURLING, A sociedade anônima
em Panamá, cit., p. 285; NISSEN, Ricardo Augusto. Curso de Direito Societário. Buenos Aires,
1998, p. 263.; PHILLIPP, Frisch, op. cit., p. 594; e PINZÓN, Gabino. Sociedades comerciais,
vol. I. Bogotá: Edit. Temis, 1988, p. 305).
No caso do Brasil, alude-se a esta figura como a incorporação, regulada no artigo 227 da Lei
sobre sociedades por ações; Amador Paes adverte que “a incorporação é, como já observamos,
um fenômeno do capitalismo moderno, consubstanciando essencialmente um processo gradativo
e inexorável de absorção de pequenas e médias empresas por grupos econômicos ou
multinacionais” (Manual das sociedades... op. cit., p. 273). Alberto Xavier agrega que “a incorpo-
ração de uma sociedade em outra traduz-se juridicamente na subscrição, em bens, do capital da
segunda (incorporadora) pelos sócios da primeira (incorporada), os quais, em contrapartida de
versão do patrimônio líquido, receberão ações ou quotas da sociedade incorporadora” (Incorpo-
ração de Controladora: motivação e oportunidades. O Ágio como exemplo. In: Reorganização
Societária... op. cit., pp. 247-248). Cfr. também XAVIER, Alberto. Incorporação de sociedades e
imposto de renda. São Paulo: Resenha Tributária. 1978. pp. 28 e ss.
753 Esta operação costuma ser identificada na terminologia dos países de tradição jurídica conti-
nental européia como “fusão-criação” ou “fusão por criação”. Argentina, México e Colômbia,
por exemplo, utilizam esta terminologia. (Cfr. respectivamente NISSEN, op. cit., p. 263; PHILLIPP,
Frisch, op. cit., p. 608, e PINZÓN, op. cit., p. 305).
No referente à legislação brasileira, esta regula a figura no artigo 228 da Lei 6.404, que dispõe
que “A fusão é a operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar sociedade
nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações.
1º A assembléia-geral de cada companhia, se aprovar o protocolo de fusão, deverá nomear os
peritos que avaliarão os patrimônios líquidos das demais sociedades.
2º Apresentados os laudos, os administradores convocarão os sócios ou acionistas das socie-
dades para uma assembléia-geral, que deles tomará conhecimento e resolverá sobre a constitui-
ção definitiva da nova sociedade, vedado aos sócios ou acionistas votar o laudo de avaliação
do patrimônio líquido da sociedade de que fazem parte.
3º Constituída a nova companhia, incumbirá aos primeiros administradores promover o arqui-
vamento e a publicação dos atos da fusão”.
754 GAUGHAN, op. cit., p. 7.
Gráfico 2: Nesta consolidação, por exemplo, Alfa Corp. e Beta Inc. ex-
tinguem-se e reúnem seus patrimônios numa nova sociedade, Gama Inc.,
com seus antigos sócios agora como acionistas.
Para que uma fusão ou consolidação se materialize, requer-se a aprova-
ção das juntas diretivas das companhias participantes755. Em grande parte das
jurisdições estaduais, uma vez aceita por ditos órgãos, a proposta deve ser
avaliada pela maioria dos acionistas756. Autorizada a fusão, a companhia que
sobrevive “se torna titular de todos os ativos e passivos das outras companhias
e as substitui em todos litígios pendentes. Ao comparar a fusão com outras
técnicas de concentração societária, pode-se identificar uma característica que
lhe é única, consistente na absorção absoluta”757. Como prestação correlativa a
esta transferência de direitos e obrigações, “os sócios das companhias que de-
saparecem podem receber ações da sociedade sucessora, dinheiro, títulos ou
qualquer outro ativo que se especifique no compromisso de fusão”758.
A importância que reveste a figura analisada conduziu a sua consagração
expressa nos diversos códigos societários que se promulgaram nos Estados
Unidos. Assim, por exemplo, na Seção 18-209 da Lei de Sociedades de
Responsabilidade Limitada do Estado de Delaware (Delaware Limited Liability
Companies Act) está estabelecido que, “por virtude de um acordo de fusão ou
consolidação, uma ou mais sociedades de responsabilidade limitada domiciliadas
neste Estado poderão se fundir ou ser absorvidas por uma ou mais sociedades
de responsabilidade limitada domiciliadas neste Estado ou por uma ou mais
companhias constituídas em conformidade com as leis do Estado de Delaware
ou de qualquer outro Estado dos Estados Unidos ou de qualquer país
estrangeiro ou legislação do exterior (…), onde qualquer das anteriores
sociedades poderá atuar como companhia absorvente, segundo se disponha
no acordo correspondente”.
755 Segundo Paolo Matar Filho, no ordenamento brasileiro, “a Lei das Sociedades Anônimas –
artigo 224 –, impõe aos órgãos da administração da companhia ou aos sócios das sociedades
interessadas a necessidade, nos casos de incorporação, fusão e cisão com incorporação em
sociedade existente, de aprovação de protocolo, o que permite, juntamente com a justificati-
va, a publicidade das condições e da estrutura da operação, em benefício de acionistas e
também de credores” (O sistema de Proteção aos Credores nas Operações de Incorporação,
Fusão e Cisão. In: Reorganização Societária… op. cit., p. 313).
756 HAMILTON et al., op. cit., p. 347.
757 SOLOMON e PALMITER, op. cit., p. 528
758 HAMILTON et al., op. cit., p. 347.
ção do denominado merger consideration nos Estados Unidos foi descrita com
precisão por Morris e Holmes, nos seguintes termos: “Nos textos das primeiras
leis que regularam os processos de fusão, definia-se este negócio jurídico con-
forme à acepção comumente conhecida, no sentido de que, por efeito dessa
operação, duas ou mais companhias se agrupavam numa só, controlada pelos
antigos acionistas das sociedades absorvidas, em proporção a suas respectivas
participações de capital nas companhias fundidas [...]. Até o ano de 1969, a Lei
Tipo de Sociedades Comerciais de Capital [Model Business Corporation Act
ou MBCA] estabelecia que um acordo de fusão devia conter, entre outras men-
ções, ‘a maneira pela qual se determinaria a relação de troca, o modo de conver-
ção das ações das sociedades absorvidas, em ações, obrigações ou outros títulos
emitidos pela sociedade absorvente ou de nova criação”762.
Na opinião dos citados autores, a supressão desta exigência como requisi-
to sine qua non para os processos de fusão, foi promovida pela primeira vez no
Estado de Delaware. Uma vez introduzida esta modificação, os demais Esta-
dos da União se apressaram a flexibilizar suas respectivas legislações societárias,
com o fim de adotar o inovador sistema originado naquele Estado. Assim, nas
palavras dos autores, a própria Lei Tipo de Sociedades Comerciais foi reforma-
da, “de maneira a incluir a possibilidade de transferir a título de contrapresta-
ção num processo de fusão qualquer dos seguintes ativos: ações, obrigações ou
qualquer outro título emitido pela sociedade absorvente, pela sociedade de
recente criação ou por qualquer outra companhia ou, em tudo ou em parte,
dinheiro vivo ou qualquer outra classe de ativos”763.
Em sentido análogo, SOLOMON afirmou que as modificações intro-
duzidas pela primeira vez em Delaware foram incluídas na grande maioria
das legislações societárias nos Estados Unidos. Segundo o autor, “historica-
mente, a absorção patrimonial nos processos de fusão implicava o necessário
intercâmbio de ações da companhia absorvida por ações na sociedade absor-
vente ou de recente criação. Na atualidade, no entanto, este requisito caiu em
desuso, pois se permite que, nos processos aludidos, a contraprestação se con-
ceda em forma de títulos emitidos pela sociedade absorvente ou por qualquer
outra sociedade, bem como em dinheiro, outros ativos ou qualquer combina-
764 SOLOMON, Lewis D. et al. op. cit., p. 528. Ainda no Estatuto Tributário dos Estados Unidos
(Internal Revenue Code) contemplou-se a possibilidade de efetuar uma fusão sob as condições
aludidas. Na Seção 368 (a) (2) (D) do referido código, dispõe-se que certas operações serão
tratadas como “neutrais” do ponto de vista fiscal, desde que cumpram os requisitos que se
transcrevem a seguir: (i) Que os ativos da sociedade absorvida sejam transferidos a favor da
sociedade absorvente; (ii) que não se emitam ou se transfiram ações da sociedade absorvente
por efeito da operação; e (iii) que a operação tenha sido qualificada como uma modalidade de
integração Classe A (v.gr. uma fusão), se a matriz da sociedade absorvente se tiver fundido
diretamente com a sociedade absorvida. Assim, é razoável afirmar que, na prática societária
estadunidense, é possível transferir ativos diferentes de ações da sociedade absorvente, a título
de contraprestação pela transferência patrimonial em bloco que se apresenta em desenvolvi-
mento de um processo de fusão.
765 O’KELLEY, Charles R. et al., op. cit. p. 734
766 Segundo KLEIN, “em anos recentes, a maioria de fusões envolveram a presença de subordina-
das completamente controladas pela sociedade adquirente” (KLEIN et al. Business Organization
and Finance, at., p. 208).
767 CLARK, Robert C. et al., op. cit., p. 472.
772 Ibidem.
773 HAMILTON et al., op. cit., p. 349
774 Cfr. BAINBRIDGE, Mergers..., cit., p. 222
no capital. Para realizar uma fusão com exclusão de acionistas, será imperativo
que a matriz conte com duas sociedades subordinadas. Uma delas deverá ser
uma subsidiária integral (wholly owned subsidiary). Por sua vez, o capital da
segunda companhia deverá ser detido majoritariamente pela sociedade ma-
triz, enquanto o resto das ações estará nas mãos de terceiros. A primeira das
sociedades subordinadas absorverá à segunda, de forma que os acionistas mi-
noritários desta se verão forçados a receber uma soma determinada em contra-
prestação à transferência de suas participações de capital. Esta transferência
de ações pode ser exigida pela sociedade resultante, quem estará legalmente
facultada a readquirir tais ações. Segundo BAINBRIDGE, “estas normas
permitem ao acionista controlador exercer uma modalidade de desapropria-
ção. Ainda naqueles casos nos quais todos os acionistas diferentes do contro-
lador votassem contrariamente à fusão, a percentagem de votação deste deve
ser suficiente para que a operação seja adotada nas assembléias de ambas com-
panhias. Uma vez aprovada a concentração, os acionistas minoritários estarão
obrigados a alienar suas ações ao preço definido no compromisso de fusão”775.
A Suprema Corte do Estado de Delaware se pronunciou em diversas
ocasiões a respeito dos princípios que regem as fusões com exclusão de acio-
775 Ibidem. Ainda que a clássica noção do Direito Romano a respeito do caráter absoluto do
direito de propriedade tenha sido modificada nos sistemas jurídicos que seguem as orienta-
ções provenientes da Europa continental, parece claro que a aplicação da figura analisada
poderia contrariar algumas das garantias consagradas a respeito da propriedade. Isso se deve ao
fato que a fusão com exclusão de acionistas implica uma transmissão forçada do direito
aludido, na medida em que os acionistas são despojados da titularidade sobre suas ações, sem
seu consentimento. Em virtude disso que costuma estar previsto nos sistemas de tradição
romano-germânica que nas fusões se proceda de modo imperativo à troca de ações, quotas ou
títulos de participação entre as sociedades participantes, mediante a determinação da denomi-
nada relação de troca. Ainda que este requisito se viu mitigado em alguns países europeus,
ainda se atribui maior importância à troca de participações no capital que à entrega de somas
de dinheiro. No México, por exemplo, “a sociedade anônima subsistente deve entregar ações
próprias como contraprestação pelo patrimônio da sociedade anônima absorvida, aos acionis-
tas da mesma. Excluem-se, portanto, em princípio, outros tipos de contraprestação, como
dinheiro ou bens, a não ser que se trate de quantidades relativamente pequenas e adicionais
às ações” (PHILIPP, Frisch, op. cit., p. 594). A União Européia também se incluiu nesta
tendência, mediante a promulgação da Terça Diretiva Comunitária, relativa à fusão de socieda-
des anônimas. Esta regra de harmonização normativa dispõe em seu artigo terceiro que, “com
arranjo à presente Diretiva, se considerará como fusão por absorção a operação pela qual uma
ou várias sociedades transferem a outra, como conseqüência de uma dissolução sem liquida-
ção, a totalidade de seu patrimônio ativa e passivamente mediante a atribuição aos acionistas
da ou das sociedades absorvidas de ações da sociedade absorvente e, eventualmente, de uma
compensação em espécie que não supere o 10% do valor nominal das ações atribuídas ou, a
falta de valor nominal, de seu valor contável”. Nos países da União Européia se implantou a
Diretora Comunitária mediante normas internas (p. ej., França: Artigo L. 235-1 do Código de
Comércio, e Espanha: Artigo 233 da Lei de Sociedades Anônimas).
nistas. Um dos precedentes mais importantes que foram assentados pela Cor-
te neste sentido, pode ser encontrar no caso Weinberger v. UOP Inc776. A deci-
são se refere à demanda instaurada pelo senhor Weinberger, acionista minoritário
de UOP Inc., em face desta mesma companhia. No litígio mencionado, a
sociedade matriz de UOP (denominada The Signal Companies Inc.) tinha efe-
tuado uma fusão com exclusão de acionistas, em virtude da qual Weinberger
tinha sido obrigado a receber uma soma de dinheiro como contraprestação
pela totalidade de suas ações em UOP. O acionista impugnou a operação,
mediante o argumento de que o preço oferecido para a compra das ações dos
minoritários tinha sido arbitrário. Ainda que a Corte tenha admitido sem
maiores reservas as pretensões formuladas por Weinberger, no texto da sen-
tença se assentaram os princípios que dali em adiante seriam aplicáveis às
fusões com exclusão de acionistas777. Para tanto, concebeu-se o denominado
critério de equidade absoluta (entire fairness test), que se baseia no cuidadoso
exame das condições em que a operação foi realizada. Se o juiz considera que
nela se fixou um preço justo pelas ações dos minoritários (fair price) e que,
ademais, procedeu-se com honestidade durante todo o processo (fair dealing),
poderá ratificar a validade da fusão778. Caso contrário, deverá ordenar sua re-
versão ou exigir que se ajuste o preço, de modo a restabelecer o equilíbrio
econômico da operação779. Claro que também se exige que “não se tenha in-
corrido em atuações de natureza fraudulenta ou negligente”780.
Por outro lado, é relevante considerar a importância crescente das deno-
minadas ofertas escalonadas (two-tier offers) como estratégia de aquisição no
mercado de valores mobiliários. Estas constituem um claro exemplo de mo-
dalidades mistas de concentração, pois permitem combinar a fusão com ex-
781 A teoria dos jogos alude à divergência “entre a racionalidade individual e a racionalidade
coletiva” (RODRÍGUEZ, Cándido Paz-Ares. Dividendos a mudança de votos? Madri: McGraw-
Hill/Interamericana de Espanha S.A., 1996, p. 95). Segundo esta tese, as dificuldades que se
apresentam para atuar de forma coletiva dão lugar à natural inclinação dos indivíduos a agirem
segundo seus interesses particulares. Assim, em vez de atuar em conformidade com o benefício
coletivo – que em geral representa a decisão mais racional –, cada sujeito tentará satisfazer suas
próprias necessidades. O clássico dilema do prisioneiro permite ilustrar a aplicação prática
desta teoria. Para uma descrição detalhada do referido dilema, pode ver-se a mesma obra de
PAZ-ARES RODRÍGUEZ (pp. 95-97).
Ainda que isso nem sempre ocorra, é viável que a sociedade adquirente prescin-
da de assumir os passivos da companhia cujos ativos se alienam786. Caso se adote
tal determinação, as contingências que resultantes da concentração podem ser
atenuadas de maneira significativa787.
No caso da transferência global de ativos – diferentemente do que sucede na
fusão – o ente societário que aliena uma parte substancial de seus ativos não deixa
de existir imediatamente. Em geral, a companhia que transfere “continua existin-
do pelo menos até depois de ter concluído a transferência”788. Com alguma fre-
qüência, uma vez que a operação foi realizada, a companhia se liquida e os ganhos
derivados da transferência, representados em dinheiro ou em ações da sociedade
adquirente, são distribuídos entre seus acionistas789. Como é natural, a sociedade
que transfere poderia também retomar suas atividades de exploração econômica,
seja mediante a aquisição de novos ativos produtivos, seja por meio do investi-
mento dos recursos adquiridos em outras sociedades ou em papéis comerciais.
alguma dificuldade em diferenciar aqueles casos em que a operação consiste numa venda de
ativos com o efeito de ceder o controle de uma companhia, em relação a outras situações em
que a transferência corresponde ao giro ordinário dos negócios. Sob a Nova Lei Tipo de
Sociedades de Capital (RMBCA), a “transferência substancial de ativos” é equivalente a quase
“todos” ou “a maioria” de ativos de uma companhia De acordo com SOLOMON, esta definição
“impede que, ao reter uma porção insignificante de ativos se prescinda da aprovação dos
acionistas e se negue o direito de retirada”. Sob o regime vigente em certas jurisdições, aplicam-
se critérios quantitativos e qualitativos. De acordo com estes regimes, se a transferência é
quantitativamente essencial para as operações da companhia ou qualitativamente fundamental
para sua existência, se requererá a aprovação da assembléia geral de acionistas (Ibidem p. 535).
786 HAMILTON et al., op. cit., p. 348. Não obstante, ainda que se realize uma seleção cuidadosa dos
ativos e passivos que se pretende adquirir, existe sempre o risco de que os juízes considerem que
se produziu a assunção tácita de certos passivos adicionais por parte da companhia adquirente.
Isso ocorreu, por exemplo, em casos de sociedades que alienam globalmente seus ativos, para
depois dissolver-se e repartir a quota social de liquidação, antes de produzir-se a notificação de
uma demanda relacionada com danos ambientais. Nestas circunstâncias, alguns juízes declara-
ram que a responsabilidade por tais contingências deve ser estendida à companhia subsistente.
Isso se deve à aplicação da teoria da fusão de fato ou “continuação” da personalidade jurídica
da companhia extinta (Ibidem, p. 348).
787 Sobre as aproximações que se fizeram a esta figura no caso brasileiro, consulte-se o interessante
estudo de Alex Prandini Jr (Trespasse e Cisão Parcial – Similitudes. Reorganização Societária...
op. cit., pp. 363 e ss).
788 BAINBRIDGE, Mergers..., cit., p. 9
789 KLEIN et al., op. cit., p. 209.
790 Além disso, deve ter-se em mente que as legislações de todos os Estados exigem a aprovação
dos acionistas no caso de que a transferência de ativos seja realizada entre controladoras e
controladas, a não ser que se trate de subsidiárias “integrais”, vale dizer, cujo capital pertença
em sua totalidade à controladora (SOLOMON e PALMITER, op. cit., p. 529).
791 Segundo Paulo Mattar Filho, “os negócios de incorporação, fusão e cisão podem afetar as
relações com credores e resultar, inclusive, na diminuição dos direitos destes, na medida em que
implicam, normalmente, alterações expressivas dos elementos que compõem o patrimônio da
sociedade (...) Desta forma, diante do princípio da segurança jurídica das relações contratuais, é
inegável a necessidade de se construírem mecanismos de proteção aos interesses dos credores
contra as mutações do patrimônio social decorrentes das operações societárias conduzidas pela
vontade exclusiva dos sócios ou acionistas...” (O sistema de proteção aos Credores nas Opera-
ções de Incorporação, Fusão e Cisão. In: Reorganização Societária... op. cit., pp. 310-311).
A. DIREITO DE RETIRADA
O Direito Societário outorga aos acionistas majoritários a possibilidade de
impor as deliberações fundamentais da sociedade e as modificações que serão
realizadas em sua estrutura, ainda que contrariamente à vontade das minorias.
Nas palavras de SOLOMON, “a lei das maiorias dá à sociedade a flexibilidade
que ela requer para se adaptar a novas circunstâncias. Também pode constituir-
se num instrumento de opressão para forçar os acionistas minoritários a aceita-
rem um preço injusto por suas ações ou para convertê-los em reféns de uma
companhia reestruturada que não contemplaram ao entrar na sociedade nem
consideram desejável”792. As legislações estaduais costumam proteger às facções
minoritárias, cujos interesses poderiam ver-se afetados como conseqüência de
modificações estruturais da sociedade. Por isso, outorgam-lhes direitos seme-
lhantes aos de recesso ou retirada. Em virtude destes mecanismos, os acionistas
dissidentes a respeito de uma operação de reorganização têm o direito que a
sociedade recompre suas participações no capital por um preço justo793.
O mencionado direito, no entanto, pode ser invocado apenas em casos
específicos segundo a lei de cada Estado. O critério aplicável nestas regulações
tem a ver com o importância de modificação organizacional que os sócios pre-
tendem introduzir. Em certa medida, a presença de uma mudança fundamental
nas circunstâncias de associação (rebus sic stantibus) justifica em maior medida a
presença de direitos subjetivos para os acionistas minoritários. Daí que, enquan-
to que na totalidade das jurisdições estaduais esteja consagrado o direito de
retirada para os casos de fusão ou consolidação, não ocorre o mesmo em se tra-
tando da transferência de ativos, ainda que para ela também costume ser a regra
geral. Ao contrário, quando as modificações estruturais são de menor importân-
cia, tais como simples reformas estatutárias ou operações que impliquem um
aumento de capital, tais prerrogativas individuais costumam ser descartadas794.
que surgiriam de uma fusão798. Esta doutrina faz inúteis os esforços de criar
complexas manobras para evitar o trânsito pela assembléia de acionistas. É por
isso que esta proteção judicial não se circunscreve de modo exclusivo às trans-
ferências globais de ativos. Existem outras modalidades de concentração, tais
como as fusões triangulares, nas quais a doutrina pode ser aplicada, devido ao
fato que nelas também pode se evitar a aprovação da assembléia. Daí que os
juízes estejam facultados para aplicar a teoria mencionada em relação a outras
operações de concentração nas quais se tente omitir a participação dos acio-
nistas. No caso particular das fusões triangulares, por exemplo, “a corte pode
decidir ignorar a figura utilizada para efetuar a concentração, de modo a assi-
milar a fusão triangular a uma fusão simples. Caso se produza tal determina-
ção judicial, os acionistas da sociedade adquirente poderão exercer todos os
direitos que resultam desta última classe de operações”799.
Apesar de que a teoria mencionada se oriente à proteção dos direitos dos
acionistas, foi objeto de diversas críticas. Alguns autores estimam que a possibi-
lidade de que se realizem estas operações constitui uma contingência consciente-
mente assumida pelos sócios no momento que se vincularam à sociedade. Assim,
não se considera que devam ser objeto de uma especial proteção nesta classe de
situações. Talvez por isso, “em muitos dos Estados em que as cortes aplicaram a
teoria da fusão de fato, a legislação escrita reagiu para abolir essa doutrina”800.
Por outro lado, mediante a doutrina da responsabilidade do cessionário,
tenta-se a proteção dos credores de uma sociedade que efetuou uma transfe-
rência global de seus ativos. Segundo esta teoria, para garantir o pagamento de
certas dívidas “se estende a responsabilidade à companhia adquirente (ou a
qualquer outro cessionário posterior) sempre que o litígio ou contingência
798 SOLOMON e PALMITER, op. cit., p. 536. O célebre caso Farris v. Glen Alden Corporation [143
A.2d 25 (Pa. 1958)] é paradigmático na aplicação desta doutrina. Neste litígio, Glen Alden
Corporation adquiriu a totalidade dos ativos de uma companhia de maior dimensão denomi-
nada List Industries Corporation. Como contraprestação, List Industries recebeu ações emitidas
por Glen Alden. Depois de aperfeiçoar-se a operação, adotou o nome de List Industries. Um
acionista de Glen Alden argumentou ante a Corte que a operação realizada correspondia, em
sua essência, a uma fusão, e que, em conseqüência, tinha direito a retirada acompanhado do
reembolso de sua participação. A Corte Suprema de Pensilvânia, ao concordar com a argumen-
tação do demandante, conferiu-lhe o direito a retirar-se da sociedade. (Cfr. CARY e EISENBERG,
op. cit., p. 1129). Em vista desta especial proteção, alguns autores estimam que a doutrina da
fusão de fato “é uma clara manifestação da primazia da realidade sobre as formalidades legais”
(BAINBRIDGE, “Mergers..., cit., p. 206).
799 Ibidem, p. 206.
800 SOLOMON e PALMITER, op. cit., p. 536.
801 Ibidem.
802 HAMILTON et al., op. cit., p. 348.
no preço de mercado das ações da sociedade alvo, faz que os custos operacio-
nais e de informação relacionados com estes mecanismos sejam, muitas vezes,
elevados804. As denominadas ofertas públicas de aquisição (tender offers) per-
mitem com que oo investidor resolva muitos dos inconvenientes relacionados
com a aquisição de participações significativas no capital. Elas supõem que,
“para chegar com presteza aos acionistas dispersos e minimizar os riscos deri-
vados da operação, quem oferece propõe de maneira pública comprar as ações
a um preço superior ao do mercado, com a condição de que um número
suficiente destas sejam alienadas a seu favor, dentro de um prazo previamente
estabelecido”805. A denominação inglesa de tender offer que se dá a estas ope-
rações descreve de modo ilustrativo o que sucede depois da oferta descrita:
aqueles acionistas que decidem aceitar a oferta “estendem” suas ações a quem
fez a oferta, quem, uma vez atingida a proporção necessária, optará por adqui-
ri-las em sua totalidade ou por desistir do negócio se tal proporção não é
obtida806. Certamente, o investidor interessado807 terá mais possibilidades de
conseguir seus propósitos, devido ao fato que o negócio jurídico só se aperfei-
çoará na medida em que se reúna a quantidade desejada de ações. Se a aquisi-
ção se aperfeiçoa, quem fez a ofertaascenderá a uma percentagem de ações
suficiente para eleger um Conselho de Administração que seja condescen-
dente com o que o adquirente deseja para a sociedade. O problema que susci-
ta o comentado mecanismo é que, ao sujeitar a validade da oferta a um breve
prazo, exerce-se grande pressão sobre os acionistas, quem poderiam ver-se
808 Deve-se enfatizar em que a oferta pública de aquisição se apresenta como uma técnica muito
apropriada para atingir o controle sobre uma companhia, em especial, em operações hostis de
concentração. Na década de oitenta a maioria dos investidores escolheram este mecanismo
sobre as competição para obtenção de procurações de voto, possivelmente porque a primeira
“proporcionava um elemento de surpresa e, por tanto, uma maior possibilidade de sucesso do
que a contenda” (SOLOMON e PALMITER, op. cit., p. 555).
809 Esta disposição introduziu reformas nos números 13d e 14d da Lei de Negociação de Valores 1934.
810 CLARK, Robert C. et al., op. cit., p. 547
811 SOLOMON e PALMITER, op. cit., p. 581.
812 GAUGHAN, op. cit., p. 56. O autor informa também a respeito da paulatina flexibilização da
norma estudada, no referente à porcentagem requerida para exigir a aplicação do mecanismo
ali contemplado. “Quando a lei foi inicialmente promulgada, a porcentagem era de um 10%.
No entanto, tal nível foi considerado demasiado alto, pelo que se fez necessário reduzi-lo a
uma porcentagem mais conservadora, que se fixou em 5%” (Ibidem).
813 Este documento (disclosure document) é conhecido como “Schedule 14d”, porquanto
corresponde no ponto 14d da Lei de Negociação de Valores de 1934.
814 Ademais, a companhia que procura controle mediante uma oferta pública de aquisição deve
indicar sua “identidade e contexto”, a procedência dos fundos com os que se pensa financiar
a aquisição e o número de ações que já são de sua propriedade (SOLOMON e PALMITER, op.
cit., p. 581).
815 As particularidades a que se aludiu podem ser resumidas na presença de um número reduzido
de acionistas, a carência de um mercado aberto em que circulem as ações que elas emitem, a
participação substancial dos acionistas na gestão social e a existência de direitos preferenciais
na negociação de ações.
816 No caso Donahue v. Rodd Electrotype Co. [367 Mass. 578, 328 N.E.2d. 505 (1975)], a Corte
de Massachusetts foi enfática em assinalar que os acionistas majoritários estão submetidos a
uma obrigação de lealdade com respeito aos minoritários.
820 Durante o período compreendido entre os anos 1996 e 2002, levaram-se a cabo 215 compe-
tição para obtenção de procurações de voto. Na maioria delas não se tentava substituir o
Conselho de Administração da sociedade. Além disso, as mesmas estatísticas assinalam que as
competições que elas analisam eram realizadas, em geral, em sociedades de dimensões redu-
zidas. Efetivamente, “das sociedades nas quais ocorreram ditas competições, só dez tinham um
capital superior a duzentos milhões de dólares” (BEBCHUK, Lucian Arye. Designing a Shareholder
Access Rule. In: Discussion Paper Séries nº 461, Boston, John M. Olin Center for Law, Economics,
and Business, Harvard Law School, 2004).
821 BAINBRIDGE, Mergers..., cit., p. 250.
822 Citado por BAINBRIDGE, Ibidem, p. 250. MANNE, Henry G. Mergers and the Market for
Corporate Control. In: J. Pol. Econ. 110, 114, 1965, nº 73.
823 Calcula-se que uma competição para obtenção de procurações de voto pode custar ao inves-
tidor interessado em adquirir o controle de uma sociedade de grandes dimensões entre dois e
dez milhões de dólares. (Cfr. KLEIN et al., op. cit., p. 180). Com razão se afirma que estas
competições “não foram o mecanismo mais utilizado, principalmente porque as possibilida-
des de sucesso são relativamente baixas. Ademais, quem se propõe uma tomada de controle
usualmente conta com suficiente dinheiro para adquirir o controle mediante uma oferta
pública de aquisição”. (HAMILTON et al., op. cit., p. 364).
824 No período compreendido entre 1984 e 1990, por exemplo, calcula-se que só 28% das
competições para obtenção de procurações de voto tiveram resultados favoráveis para o que as
iniciou (KLEIN et al., op. cit., p. 180).
825 BAINBRIDGE, Mergers..., cit., p. 250.
826 HENN, Laws of Corporations, cit., p. 526. Os administradores, ao contrário, em vantagem
frente aos adquirentes neste aspecto, já que segundo as leis estatais lhes é permitido dispor dos
fundos da companhia para financiar os custos que implique a realização de suas próprias
campanhas. (BAINBRIDGE, Mergers..., cit., p. 250).
827 KLEIN et al., op. cit., p. 178.
regra de Wall Street, existe uma marcada tendência por parte dos acionistas
no sentido de apoiar o Conselho já instalado ou, no caso de insatisfação com
este, vender suas participações no capital da sociedade. Segundo KLEIN, é
evidente que nenhum dos dois caminhos assinalados os expõe a novos riscos.
O respaldo outorgado à administração atual não implica, efetivamente, con-
tingências adicionais às que já existem. Além disso, a transferência das ações
pode não representar nenhum prejuízo para o acionista, especialmente na-
queles casos em que existem investimentos de categoria equivalente que po-
deriam ser adquiridos para substituir aquele que se aliena828.
Devido às numerosas complicações ilustradas, as competição para obten-
ção de procurações de voto ficam relegadas, em geral, a seu caráter de técnica
auxiliar para aumentar a pressão sobre os administradores sociais e acionistas
controladores. Sua utilidade se verifica, ademais, na utilização do fator tem-
poral, cuja relevância não pode ser desestimada nestas complexas operações829.
828 Ibidem.
829 “Recentemente, foram realizadas várias tentativas de utilizar as competições por procurações
de voto como um mecanismo auxiliar para aumentar a pressão de uma oferta visando adquirir
o controle de uma companhia” (HAMILTON et al., op. cit., p. 364).
830 KLEIN et al., op. cit., p. 182. Apesar de que as tomadas hostis de controle foram freqüentes nos
anos oitenta, uma década mais tarde a atividade hostil se reduziu notavelmente. Na opinião de
SOLOMON, isso se deveu ao fato que as tomadas de controle foram significativamente repri-
midas pelas leis estaduais e pela jurisprudência sobre a matéria. Tanto a legislação como os
antecedentes judiciais deram lugar a custos consideráveis e notória insegurança jurídica a
respeito das operações hostis. Da mesma forma, se outorgou aos Conselhos de Administração
das companhias-alvo maiores faculdades para enfrentes seus adversários (Ibidem).
tradores de sociedades abertas contavam com escassos meios de defesa ante ope-
rações desta natureza. O paulatino incremento destas contundentes modalida-
des de ação no mercado de valores mobiliários forçou aos assessores legais das
sociedades a desenvolverem mecanismos de defesa, de forma a impedir que as
companhias fossem vítimas desta classe de agressões831. Desta forma, na atuali-
dade existam numerosos métodos para evitar qualquer tentativa de aquisição
que se realize nas costas do Conselho de Adminsitração. A finalidade destes
mecanismos consiste em forçar “os investidores hostis a obterem o consenti-
mento da administração, antes que a operação possa ser realizadas”832. A estra-
tégia subjacente nesta classe de defesas consiste em fazer extremamente difícil
aquela tomada de controle que se tente à margem da autorização do Conselho
de Administração. Assim, os mecanismos de defensa são postos em prática de
modo automático ante qualquer tentativa de aquisição hostil.
Os mecanismos de defesa frente a uma tomada desta natureza, podem ser
antecedentes ou concomitantes à tentativa do investidor agressor. As táticas que
são realizadas antes da operação criam embaraçosos obstáculos para a tomada de
controle, de forma que sua presença se converte em desestímulo para o investi-
dor. Sua inclusão usual no ata de constituição (articles of incorporation) ou nos
estatutos sociais (by laws) garante a efetividade do sistema, já que são de obriga-
tório cumprimento para o adquirente. A sugestiva denominação de cláusulas
anti-tubarões (shark repellants) denota a intenção de neutralizar a provocação
do investidor agressor. Assim, se a tomada de controle resulta no sucesso da
operação, põem-se em prática de maneira automática certos dispositivos que
reduzem o valor da companhia ou tornam difícil seu manejo.
Um exemplo desta classe de dispositivos são os denominados pára-quedas
dourados (golden parachutes). Em virtude destas cláusulas, se outorga a alguns
dos administradores sociais o direito de perceberem grandes somas de dinheiro
em caso de serem despedidos da sociedade como conseqüência de uma mudan-
ça de controle. Trata-se de cláusulas inclusas nos contratos de trabalho de dire-
tores e executivos da sociedade, que lhes concedem benefícios variáveis de grande
significação econômica. Como complemento destas cláusulas também podem
ser pactuados os denominados pára-quedas de lata (tin parachutes), em virtude
do qual se confere a todos os empregados da companhia uma série de benefícios
836 Como, por exemplo, naqueles casos em que se fez pública a oferta de aquisição por parte de
quem faz a oferta.
837 É útil conferir a enumeração que realiza ROBERT C. CLARK de alguns dos principais mecanismos
concomitantes de defesa. O autor alude, em primeiro termo, à denominada ofensiva publicitária
do Conselho de Administração (“propaganda”), que consiste em valer-se “dos meios de publici-
dade para convencer os acionistas de que não aceitem uma determinada oferta pública de
aquisição”. CLARK também se refere à ofensiva “legal” (defensive suits), na qual “a sociedade alvo
confunde o adquirente com demandas de diferente natureza”. Dentro da ofensiva costuma
ameaçar-se ao adquirente, seus administradores, executivos ou acionistas com ações judiciais de
grande repercussão publicitária, cuja efetiva colocação em prática pode ser nociva para a imagem
dos demandados. Outro mecanismo concomitante é a denominada aquisição defensiva (defensive
acquisition), em virtude da qual “a companhia alvo adquire uma participação no capital em
outras sociedades, de maneira que, case se realize uma aquisição hostil, o adquirente poderia
incorrer em violação às normas sobre livre concorrência (p. exemplo, comprar ações de um
competidor do adquirente)”. Uma das técnicas mais utilizadas nos Estados Unidos é a conhecida
defesa do cavaleiro branco (white knight), na qual “a administração tenta encontrar um ‘cavaleiro
branco’ vale dizer, um investidor estratégico que formule uma oferta melhor do que a do
adquirente”. Esta defesa costuma ser acompanhada dos denominados acordos de preferência
(lock-ups), “que permitem ao investidor estratégico contar com uma vantagem significativa sobre
o adquirente”. Na prática, tais acordos podem conceder ao cavaleiro branco prerrogativas tais
como uma opção de compra sobre uma porcentagem importante das ações da sociedade alvo, a
um preço inferior ao de mercado. Quando a defesa em questão for efetiva, o controle da
sociedade é transferido de modo amigável a um investidor que, em razão do caráter consensual
de sua vinculação, será mais propenso a garantir os direitos aos administradores e acionistas
controladores originais. Por último, pode-se mencionar as “manipulações do mercado” (share
manipulations), em virtude das quais “a própria companhia adquire ou aliena ações no mercado
público, de modo de impedir que o adquirente obtenha o controle sobre a sociedade”. Uma das
principais estratégias de manipulação consiste em readquirir as ações da própria sociedade alvo
que se encontram em poder do adquirente hostil. Nesta operação, conhecida como greenmail, o
preço de recompra que se paga ao adquirente é superior ao pago pelo adquirente para obter o
controle. Desta forma, cria-se uma utilidade imediata que pode compensar suficientemente ao
adquirente. (Cfr. CLARK, Robert C. op. cit, pp. 571-573).
838 “Uma sociedade pode, por exemplo, emitir uma nova série de ações preferenciais que confiram aos
acionistas o direito de redimir tais ações por um valor superior ao real, em caso de produzir-se uma
tomada de controle. Uma pílula venenosa eleva os custos de uma aquisição, de maneira que quem
a introduzem nos estatutos sociais, tentam afastar aos investidores a respeito de qualquer oferta de
tomada de controle”. Para poder emitir esta classe de ações, os conselheiros devem estar autoriza-
dos pela ata de constituição ou pelos estatutos. (Cfr. HAMILTON et al., op. cit., pp. 366-368).
839 Ibidem, p. 369.
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