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HISTÓRIA DO
DIREITO
NOTAS/ADVERTÊNCIAS IMPORTANTES
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História do Direito
À data da chegada dos árabes à Península Ibérica, o seu direito encontrava-se aina em
fase de formação;
A confessionalidade do seu direito não permitia distinguir a revelação divina da criação
do direito.
O Islão e os cristãos
A relação entre islâmicos e cristão diz respeito, no fundo, à distinção dos fenómenos de
fanatismo, com pretexto religioso, dos valores religiosos característicos do islamismo.
- A doutrina islâmica procedia à seguinte distinção:
1. Por um lado, os idólatras ou pagãos estavam obrigados a converter-se ao islamismo; caso
contrário, eram executados.
2. Por outro lado, as gentes do livro eram aquelas que possuíam livros sagrados, como os
Cristãos e judeus. Estes podiam conservar o seu credo religioso a troco de pagamento de um
imposto e capitação; de qualquer das formas, eram reduzidos à condição de protegidos do
Islão.
A maioria dos hispano-godos assumiu o estatuto de protegidos do Islão, mantendo a fé cristã,
passando a dominar-se de moçárabes. Uma minoria converteu-se ao islamismo, sobretudo, as
pessoas da classe servil que, dessa forma, alcançavam a liberdade.
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História do Direito
É importante ter em conta que os muçulmanos não se revelaram tolerantes face aos cristãos;
dá-se antes uma coexistência pragmática, que se ia alterando com perseguições. Há episódios
de intolerância quer dos muçulmanos, quer dos cristãos ocupados. Com esta coexistência, os
muçulmanos arrecadavam avultadas receitas fiscais. Mas a situação de moçárabes impunha
uma dependência absoluta que permitiam uma certa autonomia político-administrativa.
Contextualização:
- Os Árabes chegam à Península Ibérica em 711, tendo dominado quase todo o território
peninsular, excecionando algumas zonas. Noutras zonas, os cristãos conseguiram manter certa
autonomia, por força de pactos firmados com os Muçulmanos.
Foi a partir do Noroeste e do Nordeste peninsulares que os monarcas cristãos concretizaram a
sua aspiração de recuperar território nos Árabes, tarefa dificultada pela resistência
muçulmana.
Paulatinamente, formaram-se e desenvolveram-se os Estados Cristãos da Reconquista: Reinos
das Astúrias, de Leão, Navarra, Castela e Aragão e de Portugal.
Em 1492, dá-se por terminada a reconquista com a incorporação do último reduto islâmico –
Reino de Granada – no reino de Leão e Castela.
Ao longo os oito séculos da Reconquista, ocorreu um fenómeno de mudéjares: era um
fenómeno paralelo ao dos moçárabes, e caracterizavam-se por ser a comunidade de
muçulmanos que permaneceu na Península e que manteve a sua religião, o seu direito e os
seus costumes, em ambiente cristão.
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História do Direito
A independência de Portugal
Por desmembramento do Reino e Leão, deu-se a independência o então Condado
Portucalense, no tempo do rei Afonso (1105-1157).
Em finais do século XI, D. Raimundo e D. Henrique, chegaram à Península Ibérica a fim de
desposar D. Urraca e D. Teresa.
Após o casamento de D. Henrique, com D. Teresa, Afonso VI outorgara-lhes a terra
portucalense. Porém, perante o desconhecimento do documento que formalizou a concessão,
as principais teses sobre o assunto apoiam-se em referências acidentais presentes em
diplomas e documentos particulares:
a) Tese segundo a qual a outorga do condado portucalense constituiu o dote de D. Teresa
e assumiu a natureza e senhorio hereditário. Como tal, reconhece-se a existência de
um título jurídico que esteve na génese da fundação de Portugal;
b) Tese de acordo com a qual o governo do Condado Portucalense fora confiado a D.
Henrique com carácter temporário e livremente revogável.
c) Tese que sustenta a presença de uma doação de senhorio hereditário, com vínculo de
vassalagem, com dependência pessoal, subjetiva.
d) Tese que defende a existência de uma concessão hereditária de tipo feudal; não se
vislumbra aqui a transferência do domínio pleno sobre o Condado.
e) Tese que sustenta a persistência de uma tenência hereditária, instituição de origem
extra-peninsular.
! Para a tese a), c) e d) há um título jurídico; para as restantes, esse título não existe.
Entretanto, o enigma persiste: só o conhecimento o ato que terá formalizado a concessão do
Condado Portucalense poderia dissipar as incertezas que dividem a doutrina. Porém, é
indiscutível que D. Teresa e D. Henrique exerceram amplos poderes de soberania, no território
portucalense (cartas de couto, doações, préstamos). ´
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História do Direito
O sistema romano-germânico
A disciplina jurídica apelidada de Direito Comparado não constitui um ramo do direito, ao
contrário do que acontece com o Direito Civil que, por sua vez, se desdobra em vários
ramos como o Direito das Obrigações e os Direitos Reais. Assim sendo, acompanhamos,
neste âmbito, Mário Júlio de Almeida Costa que refere a designação de ciência de
comparação de direitos.
Afinal, o que é a ciência de comparação de Direitos?
Como o próprio nome indica, a ciência de comparação de direitos, do estudo comparatístico
das várias ordens jurídicas existentes, procurando agrupá-las em famílias ou sistemas. Como
tal, é mais fácil compreender as semelhanças e dissemelhanças que ora aproximam, ora
afastam, os diferentes ordenamentos jurídicos singulares que conhecemos.
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História do Direito
Por conseguinte, o Direito Comparado consiste num método de estudo jurídico de confronto
de várias ordens jurídicas positivas, pelo que não se resume ao mero estudo do direito
estrangeiro.
Através da comparação dos princípios fundamentais, conceitos e técnicas adotados, a ciência
da comparação de direitos conclui pela existência de um conjunto de elementos estruturais –
substanciais e formais – comuns a diferentes ordens jurídicas. Estes elementos tipificam a
família ou sistema de direitos e ainda permitem distingui-las das demais.
O único dos três elementos referidos que define os limites geográficos da civilização europeia
é o cristianismo: com efeito, nem o elemento romano nem o elemento germânico chegaram
toda a Europa.
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História do Direito
A ciência da história do Direito português emergiu na segunda metade do século XVIII. Esta
altura coincidiu com a:
Concretização filosófico da história;
Assunção de preocupações metodológicas;
Superação das simples crónicas de factos e das biografias;
Interesse crescente ela evolução da cultura e das instituições de povos;
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História do Direito
Em 1770, o Marquês de Pombal nomeia uma Junta de Providência Literária que tinha a
missão de analisar os fatores responsáveis pela decadência e ruína da Universidade, e
ainda de elencar quais as melhores soluções para obviar àquela situação.
Esta missão deu origem ao Compêndio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra, a que
se seguiram os Estatutos Novos da Universidade.
Estatutos Novos:
o Reforma estrutural do ensino universitário em Portugal;
Foi criada uma cadeira de “direito natural e direito das gentes“ de cunho racionalista;
o Foi introduzido o ensino do Direito pátrio e da sua história;
o O Direito Romano passou a ser lecionado segundo o “uso moderno”, noca doutrina
jurídica;
o Foi substituído o método analítico pelo método demonstrativo-sintético-
compendiário;
o Fixaram o programa da disciplina de história de direito pátrio com uma ordem
específica;
o Foi imposto ao professor da disciplina que elaborasse um compêndio elementar;
Esta imposição apenas foi seguida por Mello Freire que é reconhecido como o
“fundador da história do Direito Português”.
Segue-se um período fértil para a história do direito português que passa a desenvolver-se em
torno da Academia Real das Ciências e da Universidade de Coimbra.
No âmbito da Academia Real das Ciências, foram publicadas inúmeras obras de interesse:
Memórias para a História de Legislação, e costumes de Portugal;
Elucidário das Palavras, Termos e Frases, etc;
Synopsis Chonologica;
Memórias sobre as Fontes do Código Philippino e Qual seja a época de Introdução do
Direito das Decretaes em Portugal;
Memórias para a História e Teoria das Cortes Gerais;
A Universidade de Coimbra também desempenhou um papel assinalável através da publicação
de uma compilação de fontes jurídicas – A Collecção da Legislação Antiga e Moderna do Reino
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História do Direito
de Portugal que reúne uma edição inédita das Ordenações Afonsinas, Manuelinas, Filipinas,
etc.
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História do Direito
Paulo Merêa edificou uma verdadeira escola de história do direito português. Porém, o
excesso de escrúpulos do autor fê-lo retardar a publicação dos seus escritos, dificultando,
assim, o seu conhecimento pela restante comunidade científica e universitária.
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História do Direito
Critério do
Critério político Critério jurídico-externo Critério jurídico-interno pensamento jurídico
dominante
Privilegia a história Atende à evolução das Cuida as instituições
política, olhando o fontes de Direito; jurídicas predominantes
Direito como parte em cada período
da evolução social; histórico;
Marcello Caetano;
Ruy de Albuquerque e Martim de Albuquerque;
Nuno J. Espinosa Gomes da Silva
Mário Júlio de Almeida Costa
1. Marcello Caetano
O autor adota principalmente o critério político, matizado pelo critério do pensamento jurídico
dominante. Marcello Caetano privilegia o Direito Público, na medida em que este corresponde
à evolução da sociedade política, intrinsecamente ligada ao Estado e influenciada pelas ideias e
fontes de Direito.
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História do Direito
Período Pluralista
1140 – Fundação de Portugal – 1415 – Conquista de Ceuta e início da Era dos Descobrimentos;
Coexistem elementos normativos de proveniência romana, germânica, canónica e outra. Por
conseguinte, este período é marcado pela heterogeneidade de fontes, desde o costume e
doutrina até ao direito estatal-legal e direitos locais. Todavia, o Direito emanado do Estado não
é predominante.
Período Monista
O ponto de viragem para o Período Monista coincide com o início da Era dos Descobrimentos,
que, do ponto de vista interno, impulsionou:
A emancipação de um aparelho político-administrativo próprio;
A institucionalização de órgãos legislativos próprios;
A criação de um aparelho jurídico específico;
Um largo recurso ao Direito Romano como forma de suprir as lacunas do direito
nacional;
A centralização e desenvolvimento do Estado Português;
Com efeito, o período Monista caracteriza-se pela afirmação do conceito moderno de Estado
pela redução do Direito aos factos jurídicos por ele emanados e, consequentemente, pela
tendencial identificação entre Direito e Lei-.
- Época pré Revolução Liberal – 1415 – 1820
Assiste-se a uma certa estabilidade do Direito Público, bem como à permanência das linhas
mestras do Direito Privado com a vigência das Ordenações.
- Época pós-Revolução Liberal – a partir de 1820
Dá-se uma autêntica transformação dogmática do Direito Público e a consagração de um novo
Direito Privado, com a promulgação do primeiro Código Civil Português, em 1867.
Neste último subperíodo, a ordem jurídica portuguesa assume-se como um sistema, dotado de
uma Constituição escrita. Em suma, a Revolução liberal marca a transição de uma ordem
legislativa lacunar para uma estrutura legislativa sistemática.
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História do Direito
Por fim, Nuno J. Espinosa da Silva detém-se no período temporal eu se inicia com a primeira
guerra mundial e se prolonga até aos dias de hoje. Conclui, a este propósito, que a
proximidade histórica dos acontecimentos em causa ainda não permite uma tomada de
posição quanto à caracterização de um novo período da História do Direito Português.
Distingue, a este propósito, o passado que passou do passado que ainda não passou.
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História do Direito
Distingue-se pela atividade das Escolas jurídicas dos glosadores, comentadores e humoristas,
bem como pela difusão do direito comum por toda a Europa;
- Época das Ordenações
Inicia-se com a promulgação das Ordenações Afonsinas que, por se tratarem da primeira
compilação oficial aplicável em todo o país, representam o iniciar de uma centralização
legislativa e a emancipação do direito pátrio frente ao direito comum.
Período da Formação do Direito Português Moderno
O seu início é assinalado pela Lei da Boa Razão (1769) e pelos Estatutos da Universidade (1772)
e em cujos lados assenta o atual sistema jurídico português.
Conceitos-chaves:
Racionalismo, Iluminismo, Usus Modernus Pandectarum, Individualismo, Liberalismo Político e
Económico, Positivismo Jurídico e Direito Social.
- Época do Jus naturalismo Racionalista
Desenrola-se desde a segunda metade do século XVIII até à Revolução Liberal Portuguesa de
1820;
- Época do Individualismo, compreendida entre o início do século XIX e a Primeira
Guerra Mundial (1914-1918);
- Época do Direito Social que, partindo daquela momento histórica, se perpetua até ao
presente.
Este último grande período reflete as mudanças ocorridas no pensamento jurídico, num
contexto de democratização económica e de intervencionismo estatal na produção legislativa,
limitando, dessa forma, o reduto intangível da autonomia da vontade e da liberdade
contratual. Concomitantemente, difunde-se a ideia de um direito social e emerge o critério da
justiça material na solução dos casos concretos.
Nesta última época, devem ainda distinguir-se o Direito da 1º República, o Direito do Estado
Novo Corporativo e o Direito posterior a 1974.
A periodização ora exposta será a periodização da História do Direito Português que servirá de
referência ao estudo que nos ocupará até ao final deste manual, por ser, no nosso entender a
mais completa e abrangente de todas as periodizações exibidas. Nessa medida, apresenta-se,
do ponto de vista pedagógico, como a periodização que nos permitirá tocar o maior número
de questões possível, aumentando, assim, o nosso âmbito de exploração histórica.
Todavia, não está a mesma isenta de fragilidades. Desde logo, parece-nos que o segundo
período é demasiado extenso. Talvez fizesse mais sentido unir o primeiro período com a
primeira sub-época do segundo período. Desta forma, o período da História do Direito
Português passaria a contemplar, por um lado, os primórdios do nascimento do direito pátrio,
e por outro, a receção do direito comum.
Consequentemente, o segundo período seria tão-só o Período das Ordenações, por se tratar
de um hiato temporal cujas características permitem autonomiza-lo num período
independente. Além disso, o terceiro período mostra-se demasiado ambicioso.
Comparativamente a Nuno da Silva, o mesmo entende que a investigação histórica carece de
um certo distanciamento face à realidade a estudar, sendo precipitado tomar o presente como
pretérito.
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Costume
Também o costume é uma fonte de direito, cuja vigência é conservada após a sua
nacionalidade, sobretudo no que diz respeito ao Direito Privado, de fonte quase
exclusivamente consuetudinária.
Nesta época, os desígnios próprios da fundação da nacionalidade abreviam quase por
completo e atenção dos primeiros reis e daí que a população, “entregues a si mesma “, se veja
forçada a criar as suas próprias normas. Assiste-se, assim, ao florescimento do direito
consuetudinário, em prejuízo da lei escrita.
A amplitude do conceito de costume na Idade Média não coincide com a De Direito Romano.
Para os Romanos, o costume correspondia a uma fonte manifestandi, traduzida numa prática
geral e constante, acompanhada da convicção da obrigatoriedade da respetiva norma. Já na
Idade Média, o costume assume uma dimensão ampla, compreendendo todas as fontes de
direito tradicionais d cariz não legislativo. Por conseguinte, incluíam-se também no costume as
sentenças da Cúria Régia, de juízes municipais e de juízes arbitrais.
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Forais
Os forais constituem uma fonte de direito local e uma das mais importantes fontes de Direito.
A abundância de forais e cartas de povoação deve-se à necessidade de estabilizar a
independência do reino através da conquista e povoamento de terras.
Concórdias e Concordatas
Aa concórdias e concordatas designam os acordos, realizados entre os monarcas e as
entidades eclesiásticas, através dos quais se comprometiam mutuamente a reconhecer
direitos e obrigações relativos ao Estado e à Igreja.
Têm a sua origem em resposta aos agravamentos ou queixas proferidas pelos representantes
do Clero, nas Cortes, ou em negociações do rei com as autoridades eclesiásticas nacionais
(concórdias) e com o papado (concordatas).
As primeiras concórdias e concordatas remontam aos reinados de D. Sancho I, D. Afonso II e D.
Sancho II.
A designação “concordatas “continua a utilizar-se, hoje em dia. A Concordata entre a Santa Sé
e a República Portuguesa de 2004 é o exemplo mais recente. Até aos anos 40 do século XX,
todas as concordatas diziam respeito a acordos especiais, circunscritos à resolução de
concretas divergências que opunham as duas entidades. A primeira Concordata geral de 1940
foi substituída pela Concordata citada acima.
Até meados do século XIII e à semelhança dos demais sistemas jurídicos peninsulares, o direito
português apresenta um carácter predominantemente consuetudinário, potenciado pelo
esbatimento da aplicação do Código Visigótico.
Para além destes apontamentos, o Direito Português da época caracteriza-se pela
sobreposição e concorrência de elementos de origem muito diversa, referimo-nos a elementos
provenientes dos direitos autóctones, do Direito Romano Vulgar, do Direito Canónico, dos
costumes germânicos e de algumas influências árabes e francas. A este respeito, Mário Costa
utiliza a expressão “amálgama de camadas jurídicas sobrepostas “. Esta amálgama de direitos
corresponde ao grupo dos direitos de cultura, que se contrapõem aos direitos de estirpe, que
designam um sistema jurídico que apresenta uma linha única de evolução.
A concreta configuração do direito português da época em apreço deve-se às peculiares
circunstâncias económicas, políticas e sociais.
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O tabelionado público, no País, remonta ao reinado de D. Afonso II, sendo que o controlo régio
desta atividade se intensifica a partir do reinado de D. Dinis.
Na disciplina normativa da atividade dos tabeliões, sujeita a severas sanções, manifesta-se
também a valorização extrema da verdade na sociedade medieval.
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natural não possuía qualquer valor, independentemente de ser escrita ou costumeira; estava
legitimada a desobediência, dado essa norma não ser lei, mas uma corrupção da lei.
Reza a lenda que o Digesto foi descoberto casualmente, em 1135, durante o saque bárbaro da
cidade italiana de Amalfi, pelos Lombardos, tendo sido levado para Pisa, onde o imperador
Lotário II lhe restituiu força vinculativa.
No entanto, a moderna crítica histórica afasta a lenda, dado que, se por um lado, o Digesto já
era conhecido e citado, antes do século XII, por outro, nunca um único e pontual episódio
poderia determinar todo um renascimento, o qual antes assenta em múltiplas causas
históricas e jurídicas.
Desde logo, refiram-se as tentativas de restauração do Império Romano do Ocidente – cujo
expoente máximo foi o chamado Sacro Império Romano-Germânico – que procuram também
restaurar o seu ordenamento jurídico. Com a morte de Carlos Magna, as relações entre o
Papado e o poder temporal agudizaram-se, originando uma querela que se prolongaria no
tempo, relacionada com a relação e a (in)dependência entre o poder espiritual e o poder
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A Escola de Bolonha tem, na sua origem, Irnério, a quem a ciência histórico-jurídica atribui,
essencialmente, dois méritos: por um lado, o de autonomizar o ensino do Direito
relativamente ao conjunto das outras disciplinas que integravam o saber medieval, em
particular da Lógica e da Ética; por outro, o de estudar os textos jurídicos romanos na sua
versão completa e originária, indo para além dos extratos e resumos anteriormente existentes.
A sua notoriedade e as suas preleções valeram-lhe o cognome de “lucerna iuris”, a candeia do
Direito.
A Escola de Bolonha não surge, logo, ab initio, como uma “Universidade”, antes se
caracterizando por ser apenas um pequeno centro de enino, justamente ancorado nas
preleções de Irnério. A evolução da Escola de Bolonha, no sentido de uma verdadeira
Universidade, prende-se com a frequência da Escola por estudantes oriundos um pouco por
toda a Europa, os quais, depois, levavam consigo os mais modernos ensinamentos da ciência
jurídica.
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Irnério deixou, entre os seus mais diretos discípulos, os chamados “quatro doutores” –
Bulgarus, Martinus, Hugo e Jacobus. Mais tarde, destacaram-se Placentino e Azo, e, já na fase
de decadência da Escola de Bolonha, sobressaiu Acúrsio, a quem se deve uma coletânea e uma
sistematização da obra de todos os anteriores expoentes da Escola.
A Escola de Bolonha ficou também conhecida como Escola dos Glosadores, sendo que este
último qualificativo tem o mérito de permitir abarcar, para além de Bolonha, outros polos
menores e mais orientados para a prática jurídica.
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se que aos Glosadores se deve a primeira dogmática jurídica autónoma da História Universal. E
o labor dos Glosadores consubstanciou o +precedente necessário da evolução subsequente da
história da ciência jurídica ocidental.
No segundo quartel do século XIII, Acúrsio procurou ordenar todo o extenso e disperso
trabalho já realizados pelos anteriores Glosadores. Para o efeito, selecionou todas as glosas
referentes a textos do Corpus Iuris Civilis, conciliando ou apresentando criticamente as
diferentes opiniões interpretativas sufragadas pelos mais credenciados membros da Escola. O
trabalho de Acúrsio conheceu grande difusão, quer porque as cópias do Corpus Iuris Civilis,
disponíveis a partir de então, passaram a incluir a Magna Glosa, quer porque a mesma foi
aplicada nos Tribunais dos países do ocidente Europeu ao lado das disposições da compilação
justinianeia. A Magna Glosa (resultante do trabalho de Acúrsio) marca o fim de um ciclo e o
início de um período de transição na metodologia da ciência jurídica. Por esse motivo se
designam os juristas ulteriores de “pós-acursianos”. Surge, então, um novo género na
literatura jurídica – o “tractatus”, uma exposição concentrada sobre um instituto jurídico e
exaustivo, já separada do texto legal. Assinala-se, ainda, alguma evolução em determinados
ramos do Direito em direção à sua autonomia científica, como é o caso do Direito processual e
das normas notariais.
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europeus, nos finais do século XII e durante o século XIII, onde se passaram a ensinar os ramos
do saber que então constituíam o ensino superior.
Justamente devido à lecionação, num mesmo local, de diferentes ramos do saber, aberta a
escolares diversas proveniências, certas escolas começaram a ser designadas por “Estudo
Geral“, por contraposição ao “Estudo Particular”. Concluídos, com aprovação, os estudos, os
mestres permitiam aos seus estudantes aprovados ensinar em qualquer parte do mundo
cristão.
Só mais tarde é que o termo Universidade começou a ser utilizado, sendo que não tinha, na
altura a mesma significação que tem nos dias de hoje. Com efeito, na sua alvorada, a
Universidade não era encarada como um conjunto de departamentos ou faculdades, mas
como uma comunidade de mestres e de alunos, congregados para ensinar e aprender,
respetivamente, e um ambiente em que se cultivavam com profundidade todos os ramos de
saber. Durante algum tempo, os termos “Universidade” e “Estudo Geral” foram utilizados
indiferenciadamente, tendo o primeiro, como se sabe, acabado por prevalecer.
O surgimento das Universidade está diretamente associado a vários fatores:
Espírito Corporativo existente (reunião, num mesmo corpo, de
diferentes profissionais do estudo);
Progresso generalizado do saber;
Novas conceções sobre a ciência e sobre os seus diversos
ramos:
Formação e o crescimento dos centros urbanos;
Desenvolvimento do Direito Romano e do Direito Canónico;
As Universidades não foram todas criadas da mesma forma. Na verdade, casos houve em que
estes polos de estudo surgiram consuetudinária e espontaneamente como resultado da
evolução e corporativização de pequenas escolas pré-existentes, monásticas, diocesanas ou
municipais, dinamizadas pelo protagonismo dos seus mestres (Universidade de Bolonha). –
Universidades ex consuetudine.
Outra forma de surgimento das Universidades foi o desmembramento ou separação de
núcleos já existentes, o que era facilitado pelo reduzido lastro físico destes centros de estudo.
Com efeito, a pedra de toque das Universidades não estava tanto nos poucos livros ou
recursos de que dispunham quanto na qualidade e singularidade dos mestres que nelas
ensinavam e dos estudantes que nelas aprendiam (Universidade de Oxford levou à criação da
Universidade de Cambridge; universidade de Bolonha deu origem à Universidade de Pádua). –
Universidades ex secessione.
Finalmente, as Universidades podiam ser criadas por iniciativas do próprio poder político. Estes
casos acabaram por se tornar regra. No entanto, as Universidades assim criadas não
provinham de uma instituição com uma tradição científica já firmada, pelo que necessitavam
de confirmação pontifícia para serem elevadas ao nível das suas congéneres e para serem
reconhecidos os graus académicos por aqueles conferidos. Só depois de tal confirmação pelo
Papa podiam conferir permitir aos seus estudantes aprovados ensinar em qualquer parte do
mundo cristão (ius ubique docendi) – Universidade de Nápoles, Toulouse e de Coimbra. –
Universidades ex privilegio.
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Os estudantes oriundos de qualquer local da Península Ibérica eram, por norma, chamados,
indistintamente, de “hispanos”, isto é, habitantes da Hispânia. Tal tratamento indistinto
dificulta a determinação da exta naturalidade de alguns estudantes.
Pode, no entanto, adiantar-se com segurança provir de Pedro Hispano de Portugal. Também
era português João de Deus, possivelmente o mais destacado coetâneo jurista pátrio.
Justamente pelo seu crescimento, na Universidade, a nação dos “Hispani” acabou por ser
subdividida nas nações de Portugal, Castela, Aragão, Catalunha e Navarra.
Estes juristas, após concluírem os seus estudos nos estrangeiros, regressavam geralmente a
Portugal, onde ocupavam postos proeminentes na Igreja, na política e/ou no ensino, por eles
passando essencialmente a difusão do Direito Romano e do Direito Canónico.
Paralelamente ao fluxo de estudantes portugueses que se deslocavam a França e a Itália para
se formarem, registou-se também um movimento de jurisconsultos estrangeiros para a
Península Ibérica, onde desempenharam funções como conselheiros dos primeiros monarcas.
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Análogas considerações se podem fazer sobre a estrutura dos atos jurídicos em geral: o seu
estudo em Direito Canónico recorda-nos que os efeitos jurídicos se produzem mais em
atenção à vontade que a eles adere do que às formalidades que os condicionam. O que se
pode notar especialmente no casamento.
Estudar o Direito da Igreja enfim, é conhecer a origem de muitas instituições recebidas no
Direito Secular, como sejam os casos do casamento, da personalidade coletiva, da hierarquia
administrativa.
O Direito Canónico pode assim levar à aquisição de conteúdo muito relevantes para a
formação jurídica geral; além de que é um bom antídoto contra o positivismo, contra o
dogmatismo e contra o estreito nacionalismo, apontando para a universalidade da ciência
jurídica.
Entretanto, o Direito Canónico é o Direito de uma comunidade social viva, diferente da
comunidade política, que é a Igreja Católica.
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No que às fontes de Direito divino diz respeito, a Igreja Católica não procura nem realiza
inovações, limitando-se a propor ou a interpretar declarativamente os cânones da Tradição
Viva e da Sagrada Escritura.
Depois, para além das fontes de Direito Divino, o Direito Canónico conta também com fontes
de Direito Humano: costume, decretos dos pontífices romanos, cânones dos concílios
ecuménicos, os atos emanados de outras autoridades eclesiásticas, as concórdias ou
concordaras, a doutrina e a jurisprudência e as normas civis canonizadas.
Depois de uma primeira fase em que praticamente existiram fontes de Direito divino,
começaram a despontar o costume e as outras fontes de Direito Humano, os modos normais
de criação de normas novas, atenta a interpretação meramente declarativa que a Igreja
Católica realiza das fontes de direito divino.
A proliferação de normas canónicas escritas levou, entretanto ao aparecimento de
necessidade de elaborar coletâneas para as reunir e sistematizar. As primeiras coletâneas a
serem elaboradas foram-se no Oriente, muito embora tenham sido difundidas no Ocidente
com a inclusão de disposições pontifícias e disposições conciliares aplicáveis e relativas ao
Ocidente.
Destas coleções, apontam-se os “Capitula Martini”, organizados por S. Martinho de Dume, em
563, e a “Collectio Hispana”, mandada elaborar pelo Concílio particular decorrido, em Toledo,
em 633, aprovada oficialmente pelo Papa Alexandre III, no século XII, e que continha normas
dos Concílios Peninsulares, incluindo os de Braga, que daí passaram para o Decreto de
Graciano. A “Collectio Hispana” assumiu grande projeção e contribuiu de modo relevante para
o progresso jurídico.
Também nas coletâneas de Direito secular se encontravam preceitos sobre matérias
eclesiásticas. Assim sucedeu nas compilações de Justiniano ou nas codificações visigóticas.
Apesar do seu desenvolvimento, da necessidade do seu estudo e da elaboração de algumas
compilações, só nos finais do século XI e nos princípios do século XII se poderá começar a falar,
propriamente, em ciência do Direito Canónico, tendo por objeto um conjunto de cânones
sistematizados e aprofundados, suficientemente demarcado da matéria de estudo e de
trabalho da Teologia e do Direito Romano.
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publicado o Liber Sextus, que aglutinou um conjunto de normas surgidas após as Decretais de
Gregório IX.
Uma quarta coletânea, entretanto, surgida e aprovada oficialmente pelo Papa Clemente V,
ficou conhecida como Clementinas. Com efeito, após o Concílio de Vienne, que decorreu em
França, em 1311-1312, este Papa ordenou que fossem reunidos num corpo os cânones
decorrentes daquele concílio, bem como as decretais que aquele Pontífice havia sido
promulgado. Clemente V viria, porém, a morrer em 1314, só sendo as Clementinas publicadas
em 1317.
Seguiram-se duas coletâneas privadas Extravagantes: as Extravagantes de João XXII e as
Extravagantes Comuns. Com efeito, em 1500, publicou-se, num só texto, não só as quatro
coletâneas a que nos parágrafos anteriores se fez referência, como também outras decretais e
um índice acrescentados por iniciativa do editor. Assim, incluía a compilação das Extravagantes
de João XXII, que continha as decretais do Papa João XXII, e a compilação das Extravagantes
Comuns, que agrupava também as decretais dos Papas subsequentes.
Não obstante três das coletâneas anteriormente aludidas – o Decreto de Graciano e as duas
compilações Extravagantes – terem natureza privada e não oficial, todas elas vieram a figurar
do Corpus Iuris Canonici, nome pelo qual ficou correntemente conhecida. Este Corpus
incorporou assim as fontes básicas do Direito da Igreja que vigorariam durante o período da
Reforma Católica.
Continuando a seguir a perspetiva da história das fontes escritas, aproveita-se para completar
a apresentação sintética do quadro das fases de evolução do Direito Canónico inicialmente
apresentado.
A Reforma Católica dar-se-ia com o Concílio de Trento, em reação ao movimento da reforma
protestante. Proclamaram-se, com clareza, algumas verdades de fé postas em dúvida pelos
protestantes e tomaram-se também decisões disciplinares que robusteceram e renovaram a
organização da Igreja.
O Corpus Iuris Canonici só seria revogado pelo Codex Iuris Canonici, mandado elaborar pelo
Papa S. Pio X e promulgado pelo Papa Bento XV, em 1917. Aqui, estamos já na presença de um
código em sentido técnico, com rigor científico, sintética e sistemático, como infra se verá, e
não de uma mera coletânea. Devem, por fim, assinalar-se – na esteira da renovação do Direito
da Igreja segundo as diretrizes do Concílio Vaticano II – o código de Direito Canónico de 1983 e
o Código dos Cânones das Igrejas Orientais de 1990.
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História do Direito
Para além de se aplicar nos Tribunais eclesiásticos, o Direito Canónico chegou a aplicar-se
também nos Tribunais civis, embora seja discutível com que extensão.
A maioria da doutrina pátria defende que o Direito Canónico consubstanciava uma fonte
imediata de Direito Aplicável e que, inclusivamente, teria valor superior ao do Direito Nacional,
sustentando tal entendimento numa decisão que o rei D. Afonso II tomou na Cúria de Coimbra,
em 1211, onde determinou que as leis não poderiam contrariar os direitos da Santa Igreja de
Roma. Desta posição comungam Nuno J. Espinosa Gomes da Silva, Ruy de Albuquerque e
Martim de Albuquerque e, aparentemente, Mário Júlio Almeida Costa.
Há, também, quem entre nós defenda a tese contrária, de que o Direito Canónico não
prevalecia sobre o Direito nacional, nem era aplicado imediatamente aos concretos casos
jurídicos. Assim entendem Guilherme Braga da Cruz e José Mattoso. Independentemente da
posição que se tome sobre a questão, a verdade é que, mais tarde, o Direito Canónico passaria
a fonte subsidiária de Direito.
Seja como for, pela sua especificidade e pelas diferenças dos seus objetos, o Direito Canónico
era menos suscetível de contradição com o Direito Romano havendo “razão de pecado”, isto é,
se a observação das soluções impostas pelo Direito Romano fosse contrária às exigências da
moral cristã.
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