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Mercado de Capitais

Regime Jurídico

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Editora Quartier Latin do Brasil
Empresa Brasileira, fundada em 20 de novembro de 2001
Rua General Flores, 508 – CEP 01129-010
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Nelson Eizirik
Ariádna B. Gaal
Flávia Parente
Marcus de Freitas Henriques

Mercado de Capitais
Regime Jurídico

Editora Quartier Latin do Brasil


São Paulo, 2019
quartierlatin@quartierlatin.art.br
www.quartierlatin.art.br

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NELSON EIZIRIK, ARIÁDNA B. GAAL, FLÁVIA PARENTE
E MARCUS DE FREITAS HENRIQUES
Mercado de Capitais: Regime Jurídico
São Paulo: Quartier Latin, 2019.

ISBN 85-7674-
1. 2. I. Título

Editor
Vinicíus Vieira

Produção editorial
José Ubiratan Ferraz Bueno

Diagramação
Victor Guimarães Sylvio

Revisão gramatical
Ronaldo Santos Soares

Capa
Anderson dos Santos Pinto

EDITORA QUARTIER LATIN DO BRASIL


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Bom Retiro – São Paulo
CEP 01129-010
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Sumário
Prefácio à 4ª Edição, 17
Introdução, 21
I. Mercado de Capitais –
Noções Introdutórias, 25
1.1. A intermediação financeira...............................................................27
1.2. O mercado de capitais.......................................................................35

II. A Regulação do Mercado de Capitais, 43


2.1. Princípios..........................................................................................45
2.2. Objetivos...........................................................................................51

III. Valores Mobiliários, 57


3.1. Relevância do conceito de valores mobiliários..................................59
3.2. Desenvolvimento do conceito de valores mobiliários........................64
3.2.1. O alcance do conceito de valores mobiliários.................................64
3.2.2. A evolução do conceito de securities no Direito
norte-americano.................................................................................65
a) Investment of money (“investimento em dinheiro”)............................71
b) Common enterprise (“empreendimento comum”)..............................72
c) Expectation of profits (“expectativa de lucro”).....................................77
d) Solely from the efforts of others (“unicamente dos esforços
de outros”)..........................................................................................78
3.2.3. A evolução do conceito de valores mobiliários no
Direito brasileiro................................................................................90
3.2.4. Previsão legal dos valores mobiliários no
Direito brasileiro................................................................................96
3.3. Ação..................................................................................................97

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3.3.1. Conceito........................................................................................97
3.3.2. Espécies de a­ções...........................................................................98
3.3.3. Classes de a­ções.............................................................................104
3.3.4. Circulação das a­ções.......................................................................106
3.3.5. Formas de a­ções.............................................................................107
3.4. Debêntures........................................................................................108
3.4.1. Conceito........................................................................................108
3.4.2. Espécies.........................................................................................111
3.4.3. Formas...........................................................................................111
3.4.4. Limites à emissão...........................................................................112
3.4.5. Debêntures conversíveis em a­ções..................................................113
3.4.6. Agente fiduciário...........................................................................114
3.4.7. Debêntures padronizadas...............................................................116
3.5. Bônus de subscrição..........................................................................118
3.6. As cotas de fundos e de clubes de investimento................................121
3.6.1. Os fundos de investimento............................................................121
a) Introdução...........................................................................................121
b) A natureza jurídica dos fundos de investimento..................................123
c) Deveres e responsabilidades dos administradores e gestores
dos fundos de investimentos...............................................................124
d) Cotas...................................................................................................133
e) A assembleia de cotistas.......................................................................134
f ) O regulamento e o prospecto dos fundos de investimento..................135
g) Os limites por emissor e por ativo financeiro – limites de
concentração e de diversificação.........................................................138
h) As diversas modalidades de fundos de investimento...........................139
i) Os fundos de investimento com regulação própria...............................143
i.1) O Fundo de Investimento em Participa­ções (FIP)............................144
i.2) O Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC).............147
i.3) O Fundo de Investimento Imobiliário (FII).....................................150
i.4) Demais fundos com regulação específica...........................................152
j) A aplicação do CDC às rela­ções constituídas entre instituição
financeira e investidor em cotas de fundos de investimentos..............153
3.6.2. Os Clubes de Investimento............................................................157
a) A constituição e o funcionamento dos Clubes de Investimento..........157

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b) Diferenças entre fundos e clubes de investimento...............................157
3.6.3. As cotas de fundos e de Clubes de Investimento como
valores mobiliários..............................................................................158
3.7. Derivativos........................................................................................160
3.8. Títulos e contratos de investimento coletivo.....................................170
3.8.1. Cotas de fundos imobiliários.........................................................173
3.8.2. Certificados de investimentos audiovisuais....................................174
3.8.3. Certificados representativos de contratos mercantis de
compra e venda a termo de energia elétrica........................................176
3.8.4. Certificados de recebíveis imobiliários...........................................178
3.8.5. Certificados de recebíveis do agronegócio......................................179
3.8.6. A não caracterização das cédulas de crédito bancário e
certificados de cédulas de crédito bancário como valores mobiliários...... 181
3.8.7. Letras Financeiras..........................................................................188
3.8.8. Contratos de investimento coletivo hoteleiro – condo-hoteis........190
3.8.9.Tokens............................................................................................192

IV. Ofertas Públicas de Distribuição


de Valores Mobiliários, 199

4.1. Noção e objetivos econômicos..........................................................201


4.2. A relevância do sistema de registros perante a CVM........................202
4.3. Os elementos caracterizadores da oferta pública de distribuição
de valores mobiliários.........................................................................205
4.3.1. A distinção entre oferta pública e oferta privada............................205
4.3.2. Oferta Pública de Distribuição com Esforços Restritos.................223
4.4. As regras aplicáveis à obtenção do registro de oferta pública
de distribuição de valores mobiliários.................................................230
4.4.1. Procedimento Ordinário................................................................230
4.4.2. Procedimento Simplificado............................................................240
4.4.3. Emissoras com Grande Exposição de Mercado.............................242
4.4.4. Programa de Distribuição Contínua – PDC.................................243
4.5. Consequências da realização de distribuição pública sem
o registro na CVM.............................................................................246

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V. Underwriting, 251
5.1. A atuação dos underwriters..............................................................253
5.2. As modalidades de underwriting......................................................257
5.3. O consórcio de underwriters.............................................................259
5.4. Qualificação jurídica do contrato de underwriting...........................262
5.5. Responsabilidade do underwriter frente ao ofertante.......................264
5.6. Responsabilidade do underwriter frente aos investidores..................271
5.6.1. A impossibilidade de responsabilização objetiva
do underwriter....................................................................................277
5.7. O processo de coleta de inten­ções de investimento
e de bookbuilding...............................................................................283
5.8. A opção de lote suplementar.............................................................287

VI. Mercado Secundário de


Valores Mobiliários, 289
6.1. Introdução........................................................................................291
6.2. Bolsas de Valores e de Mercadorias e Futuros...................................292
6.2.1. Fun­ções e natureza jurídica............................................................292
6.2.2. A autonomia das bolsas perante a Comissão de
Valores Mobiliários.............................................................................294
6.2.3. Vantagens e desvantagens do sistema de autorregulação
pelas Bolsas.........................................................................................295
6.2.4. Tendências para aprimorar o exercício da autorregulação
pelas Bolsas.........................................................................................299
6.2.5. Desmutualização das bolsas de valores e das bolsas de
mercadorias e futuros..........................................................................299
a) Conceito e características.....................................................................299
b) Causas da desmutualização.................................................................301
c) Vantagens e desvantagens decorrentes do processo
de desmutualização.............................................................................303
6.2.6. Separação das fun­ções regulatórias e comerciais
das Bolsas...........................................................................................306

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6.2.7. Independência dos membros do conselho de administração..........312
6.3. Ativos negociados – opera­ções à vista e a prazo................................316
6.3.1. O mercado à vista..........................................................................316
6.3.2. O mercado a termo........................................................................317
6.3.3. O mercado futuro..........................................................................319
6.3.4. O mercado de op­ções.....................................................................322
a) Op­ções de compra...............................................................................324
b) Op­ções de venda.................................................................................325
6.3.5. O mercado de derivativos...............................................................326
6.4. Mecanismo de Ressarcimento de Prejuízos (MRP)..........................327
6.4.1. No­ções gerais.................................................................................327
6.4.2. A natureza do MRP como patrimônio de afetação........................330
6.4.3. O procedimento para requisição de ressarcimento ao MRP..........332
6.5. A BM&FBOVESPA – Bolsa de Valores, Mercadorias e
Futuros, atual B3................................................................................333
6.5.1. A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa)...................................333
6.5.2. A Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F).................................336
6.5.3. O surgimento da BM&FBovespa – Bolsa de Valores
Mercadorias e Futuros, atual B3.........................................................337
6.5.4. Incorporação da Cetip pela BM&FBovespa:
O surgimento da B3 – Brasil, Bolsa, Balcão.......................................340
6.5.5. Central Depositária.......................................................................341
6.5.6. As Câmaras de Registro, Liquidação e Custódia da B3.................344
6.5.7. O Novo Mercado e os Níveis Diferenciados 1 e 2 de
Governança Corporativa....................................................................347
6.6. A Cetip S.A. – Balcão Organizado de Ativos e Derivativos.............355
6.7. O mercado secundário de debêntures...............................................357

VII. Comissão de Valores Mobiliários, 359


7.1. Constituição e funcionamento..........................................................361
7.2. Âmbito de Competência da CVM...................................................365
7.3. A função normativa da CVM...........................................................368
7.4. Atuação preventiva da CVM............................................................374

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7.4.1. Interrupção do prazo de convocação de AGE...............................375
7.4.2. Manifestação de entendimento......................................................377
7.5. Função fiscalizadora da CVM...........................................................379
7.6. A CVM e o Poder Judiciário............................................................382
7.6.1. A CVM como Amicus Curiae.......................................................382
7.6.2. A CVM e o Ministério Público.....................................................386
7.7. O processo administrativo sancionador.............................................390
7.7.1. O devido processo legal.................................................................390
7.7.2. O processo sancionador da CVM..................................................395
a. Modalidades de procedimentos administrativos sancionadores............398
a.1. O procedimento administrativo de rito ordinário.............................398
a.2. O Procedimento administrativo de rito simplificado........................405
7.7.3. Princípio da legalidade...................................................................407
7.7.4. Princípio da irretroatividade...........................................................409
7.7.5. Princípio da tipicidade...................................................................413
7.7.6. Princípio da culpabilidade..............................................................418
7.7.7. Presunção de inocência do acusado................................................424
7.7.8. A exigência de justa causa: a comprovação da autoria
e materialidade...................................................................................428
7.7.9. Meios de prova..............................................................................429
7.7.10. Impossibilidade de dupla apenação..............................................433
7.7.11. Prescrição.....................................................................................439
a. Desenvolvimento do instituto no âmbito do mercado de capitais........441
b. Interrupção da prescrição.....................................................................448
7.7.12. San­ções administrativas e o princípio da proporcionalidade........452
a. Advertência..........................................................................................453
b. Multa...................................................................................................453
c. Inabilitação temporária........................................................................456
d. Suspensão de autorização ou registro...................................................457
e. Proibição temporária............................................................................457
g. Circunstâncias agravantes e atenuantes................................................458
h. Multas cominatórias............................................................................462
i. Acordo Administrativo em Processo de Supervisão..............................464
7.7.13. Princípio da proporcionalidade da pena.......................................467
7.7.14. Motivação das decisões................................................................470

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7.7.15. Termo de compromisso................................................................472
a. Introdução............................................................................................472
b. Natureza jurídica do termo de compromisso.......................................474
c. Vantagens da celebração do Termo de Compromisso...........................474
d. Conteúdo da proposta de acordo.........................................................476
e. Procedimento.......................................................................................479
f. Descumprimento do Termo de Compromisso......................................484
g. Termo de compromisso como título executivo extrajudicial.................485
h. Retomada do curso do procedimento administrativo no caso
de descumprimento do termo.............................................................486
i. Prejudicado não é parte no Termo de Compromisso............................488
7.8. Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN)....... 489
7.8.1. Competência do CRSFN..............................................................490
7.8.2. Composição do CRSFN................................................................493
7.8.3. Os Recursos perante o Conselho de Recursos do
Sistema Financeiro Nacional..............................................................496
a. O pedido de reconsideração.................................................................496
b. O pedido de revisão.............................................................................498
c. Recurso voluntário...............................................................................502

VIII. Caracterização do Controle Acionário e


Responsabilidade do Acionista Controlador, 505
8.1. Caracterização do acionista controlador............................................507
8.2. Modalidades de controle acionário...................................................513
8.2.1. O controle “pulverizado”................................................................518
8.3. Responsabilidade do acionista controlador.......................................522
8.4. Modalidades de abuso de poder de controle acionário......................528

IX. Deveres e Responsabilidades dos


Administradores de Companhias Abertas, 543
9.1. Introdução........................................................................................545
9.2. Os administradores das sociedades anônimas...................................548

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9.3. A classificação dos deveres dos administradores das
sociedades anônimas...........................................................................549
9.4. Dever de diligência – artigo 153 da Lei das S.A...............................551
9.4.1. O dever de se qualificar para o exercício do cargo..........................557
9.4.2. O dever de bem administrar..........................................................559
9.4.3. O dever de se informar..................................................................559
9.4.4. O dever de investigar.....................................................................561
9.4.5. O dever de vigiar............................................................................564
9.4.6. A análise dos aspectos do dever de diligência.................................565
9.4.7. A business judgment rule como parâmetro para verificação
do cumprimento do dever de diligência..............................................567
9.5. Finalidade das atribui­ções e desvio de poder – artigo 154 da
Lei das S.A.........................................................................................581
9.6. Dever de lealdade – artigo 155 da Lei das S.A..................................590
9.7. Conflito de Interesses – artigo 156 da Lei das S.A...........................593
9.8. Dever de informar – artigo 157 da Lei das S.A................................618
9.9. Responsabilidade civil dos administradores de companhias
abertas – artigo 158 da Lei das S.A....................................................631
9.9.1. Introdução.....................................................................................631
9.9.2. No­ções gerais de responsabilidade civil..........................................632
9.9.3. Pressuposto para o exame da responsabilidade civil dos
administradores de sociedades anônimas............................................633
9.9.4. A irresponsabilidade pessoal do administrador por atos
regulares de gestão..............................................................................634
9.9.5. Responsabilidade pessoal do administrador...................................636
9.9.6. Responsabilidade da companhia pelos atos de
seus administradores...........................................................................645
9.9.7. Responsabilidade individual e solidária dos administradores.........649
9.10. A ação de responsabilidade civil contra os administradores –
artigo 159 da Lei das S.A...................................................................657
9.10.1. A ação de responsabilidade civil...................................................657
9.10.2. Ação social...................................................................................658
a) Ação social “ut universi”.......................................................................661
a.1) A Assembleia geral delibera propor ação de responsabilidade
em face do administrador...................................................................661

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b) Ação social “ut singuli”........................................................................666
b.1) O impedimento do administrador no caso das a­ções sociais
ut singuli.............................................................................................669
b.2) A exigência de pelo menos 5% do capital para a propositura
da ação social ut singuli......................................................................673
b.3) Tentativas da maioria de postergar a deliberação sobre ação
de responsabilidade contra administradores........................................674
c) Aprovação de contas afasta a responsabilidade dos administradores......... 675
9.10.3. Ação individual: artigo 159, § 7º, da Lei das
Sociedades Anônimas.........................................................................678
9.10.4. A exclusão da responsabilidade do administrador:
artigo 159, § 6º da Lei das Sociedades Anônimas..............................685

X. Ilícitos Administrativos e Penais


no Mercado de Capitais, 687

10.1. Introdução......................................................................................689
10.2. Manipulação do mercado, criação de condi­ções artificiais,
opera­ções fraudulentas e práticas não equitativas...............................691
10.2.1. O ilícito penal..............................................................................691
10.2.2. Os ilícitos administrativos............................................................700
a. Criação de condi­ções artificiais de demanda, oferta ou preço
de valores mobiliários.........................................................................701
b. Manipulação de preços........................................................................704
c. Operação fraudulenta...........................................................................705
d. Prática não equitativa...........................................................................707
10.3. Uso indevido de informação privilegiada (Insider Trading)............708
10.4. Exercício irregular de cargo, profissão ou atividade.........................725

XI. Ofertas Públicas de Aquisição de Ações


de Companhia Aberta (“OPAs”), 729

11.1. Noção e modalidades......................................................................731

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11.2. Procedimentos gerais......................................................................732
11.2.1. Registro perante a CVM..............................................................733
11.2.2. Sigilo e Anúncio Preliminar.........................................................734
11.2.3. Possibilidade de modificação e revogação....................................734
11.2.4. Liquidação financeira...................................................................737
11.2.5. Intermediação..............................................................................738
11.2.6. Avaliação......................................................................................739
11.2.7. Instrumento de OPA...................................................................740
11.2.8. Publicidade..................................................................................745
11.2.9. Leilão...........................................................................................746
11.2.10. Vedações e Restrições.................................................................748
11.3. OPA para cancelamento de registro................................................750
11.3.1. Obrigatoriedade da realização de oferta pública para
aquisição das ações em circulação no mercado....................................750
11.3.2. Critérios para a determinação do preço da oferta pública............756
11.3.3. Procedimento de revisão do preço da oferta pública....................758
11.3.4. Necessidade de aceitação da oferta pública por mais de 2/3
(dois terços) das ações em circulação..................................................762
11.3.5. Resgate de ações após o cancelamento de registro de
companhia aberta...............................................................................764
11.3.6. Controvérsia envolvendo a incorporação de ações.......................767
311.4. OPA por aumento de participação................................................770
11.5. OPA por alienação de controle.......................................................778
11.5.1. Histórico e objetivos da OPA por alienação de controle
de companhia aberta...........................................................................778
11.5.2. Finalidades da realização da oferta pública por alienação
de controle..........................................................................................783
11.5.3. Destinatários da oferta.................................................................786
11.5.4. Requisitos para a obrigatoriedade da oferta pública por
alienação de controle..........................................................................787
11.5.5. Autorização da OPA pela CVM..................................................798
11.5.6. O pagamento de prêmio aos acionistas minoritários....................802
11.6. OPA voluntária...............................................................................803
11.7. OPA para aquisição de controle......................................................806
11.7.1. Noções gerais...............................................................................806

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11.7.2. O registro perante a CVM...........................................................809
11.7.3. O Instrumento de OPA...............................................................810
11.7.4. O sigilo........................................................................................813
11.7.5. Divulgação de informações..........................................................814
11.7.6. Manifestação da administração....................................................816
11.7.7. O processamento da oferta...........................................................816
11.8. OPA concorrente............................................................................818

Bibliografia, 821

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 17

Prefácio à 4ª edição
A terceira edição da presente obra, publicada em 2011, esgotou-se
há alguns anos. Esta quarta edição vem, pois, com certo atraso, pelo
qual pedimos antecipadas desculpas aos leitores.
Entre 2011 e o corrente ano, aconteceram alguns fatos que deve-
mos registrar. Em primeiro lugar, o falecimento, no começo de 2015,
de nossa querida colega de escritório e coautora Ariádna B. Gaal.
Sua ausência é sempre muito sentida por nós. Após o falecimento do
principal sócio da Editora Renovar, nosso amigo Lima, sai a presente
edição pela Quartier Latin, capitaneada pelo caro Vinicius, que tem
publicado ultimamente os trabalhos de nossa autoria.
A presente edição vem com algumas modificações e atualizações
com relação às anteriores.
Em primeiro lugar, acrescentamos as contribuições doutrinárias
e decisões da CVM mais relevantes no período.
No Capítulo 3, sobre os valores mobiliários, mencionamos as
mudanças na regulamentação administrativa referente aos contratos de
investimento coletivo. As maiores inovações tratam da nova disciplina
aplicável aos fundos de investimento mediante Instruções emitidas pela
CVM. Nos termos da nova regulamentação, dentre outras alterações,
modifica-se o regime da responsabilidade dos prestadores de serviços
contratados pelo administrador, bem como torna-se mais rigorosa a
classificação de investidores qualificados. Ademais, as modalidades
de fundos de investimento, antes divididas em sete, são condensadas
em três: de renda fixa; de ações; cambial e multimercado. Por fim, os
contratos de investimento coletivo para financiamento de empreen-
dimentos hoteleiros (condo-hotéis) e determinadas modalidades de
tokens foram recentemente incluídas na categoria de valores mobiliários
e são objeto de nossa análise.
No Capítulo 4, foi inserida breve análise sobre o Parecer de
Orientação CVM nº 33/2005, que definiu os requisitos que devem

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18 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

ser atendidos para a qualificação de uma oferta de valores mobiliários


pela Internet como pública.
No Capítulo 6, foi acrescentada explicação sobre a BMF&Boves-
pa Supervisão de Mercado (BSM), entidade incumbida das atividades
fiscalizatórias e sancionadoras da B3 (Brasil, Bolsa, Balcão).
A operação societária que deu lugar à formação da B3, entidade
resultante da fusão entre a BM&FBovespa e a Cetip, em 2017, foi
analisada, com a explicação dos produtos e serviços por ela agora
oferecidos, bem como a integração das câmaras de liquidação e sua
importância para a Bolsa e o mercado.
Os segmentos de listagem “Bovespa Mais” e “Bovespa Mais Nível
2”, relativos às companhias que pretendem ingressar no mercado de capi-
tais de forma gradativa, igualmente são objeto de análise no Capítulo 6.
Também foi explicado no mesmo Capítulo o procedimento de
elaboração de novos regulamentos dos segmentos “Novo Mercado” e
“Nível 2”, que culminou na aprovação das mudanças no regramento
apenas do “Novo Mercado”, posto que a maioria das empresas listadas
no Nível 2 votou contra as modificações propostas pela B3.
O Capítulo 7, sobre a Comissão de Valores Mobiliários, sofreu
numerosas atualizações, devido, principalmente, às inovações legis-
lativas e regulamentares acerca de seus processos administrativos e
sanções aplicáveis. A Lei nº 13.506/2017 introduziu na disciplina
do mercado de capitais o acordo de leniência, denominado “Acordo
Administrativo em Processo de Supervisão”. A majoração do teto da
pena de multa e da multa cominatória, a eliminação da pena de cassa-
ção de autorização ou registro, e a expressa possibilidade de aplicação
cumulativa das penalidades arroladas na Lei nº 6.385/1976 da mesma
forma foram introduzidas pela Lei nº 13.506/2017.
No Capítulo 7, menciona-se também o novo entendimento do
Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN)
sobre a interrupção da prescrição intercorrente; bem como a edição
do novo Regimento Interno do CRSFN, aprovado pela Portaria MF

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nº 68/2016, que buscou reduzir a morosidade dos seus processos, eli-


minou os recursos de ofício, admitiu a possibilidade de o órgão editar
enunciados de súmula com efeito vinculante, e trouxe a previsão de
punições – dentre as quais a perda do mandato – para os Conselheiros
que não cumprirem os seus deveres, prazos e atos processuais.
No Capítulo 9, analisamos novas decisões da CVM acerca dos
deveres dos administradores, dentre as quais se destaca o entendimento
mais rigoroso da autarquia a respeito do dever do administrador de
monitorar os negócios sociais, exigindo a adoção de sistemas de con-
trole eficientes, capazes de evitar fraudes e atos irregulares.
No Capítulo 10, foi atualizado principalmente o tratamento
legislativo (Lei nº 13.506/2017) dado ao ilícito de insider trading.
A nova lei prevê expressamente o insider trading secundário como
crime, além de criar um terceiro tipo, praticado por quem repassa a
informação sigilosa. Ademais, a legislação simplificou a redação dos
tipos penais de manipulação de mercado e de exercício irregular de
cargo, profissão ou atividade.
No Capítulo 11, foram incluídas as OPAs exigidas pelos segmen-
tos especiais de listagem da B3 e exemplos mais recentes de julgados
da CVM, dentre os quais aqueles que tratam da OPA por aumento
de participação. Por fim, foi acrescentada discussão doutrinária sobre
a necessidade de realização de OPA por alienação de controle nos
casos em que, apesar de deter a maioria das ações com direito a voto,
o alienante não exercia o poder de controle antes de aliená-las.
Esperamos que a presente edição tenha a mesma generosa aco-
lhida por parte dos leitores.
Agradecemos a Dra. Carolina Bouchardet, colega do escritório, pela
dedicação e empenho ao auxiliar-nos na atualização da presente edição.

Rio de Janeiro, março de 2018.

Os Autores

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Introdução
Na Primeira Parte de seu instigante conto, particularmente para
nós, advogados, intitulado “A Pane”, Friedrich Dürrenmatt pergunta:
Existem ainda histórias possíveis, histórias para escritores?
Parafraseando o escritor suíço, poderíamos, em tempos de ace-
lerada “inflação doutrinária” em nosso país, indagar se ainda há livros
jurídicos que efetivamente valham a pena escrever.
Tratando-se do tema aqui versado, acreditamos que a resposta é
positiva, pois praticamente ainda inexistem, entre nós, livros jurídicos
que busquem analisar, de forma abrangente e sistemática, o conjunto
de normas legais e administrativas que disciplinam o mercado de
capitais brasileiro.
Isto a despeito da crescente relevância deste setor da atividade
econômica, particularmente nos últimos anos, em que o mercado
de capitais, entre nós, apresentou notável evolução, contribuindo
fortemente para o processo de capitalização das empresas produtivas
nacionais, que é sua finalidade última.
Com efeito, examinando, ainda que sumariamente, os indicadores
econômicos pertinentes, constatamos que, no ano de 2007, o volume
de recursos captados em ofertas primárias (59 registros) e secundárias
(103 registros) de ações foi de, respectivamente, R$ 33.135.835.406,02
e R$ 34.121.298.031,60, ou seja, situou-se tal volume na faixa de
67 bilhões de reais. Em anos anteriores temos: em 2006, em ofertas
primárias (29 registros) e secundárias (30 registros) de ações, respec-
tivamente R$ 14.223.018.209,23 e 12.760.893.011,25, totalizando
quase 27 bilhões de reais; em 2005, em ofertas primárias (13 regis-
tros) R$ 4.364.528.761,71 e em ofertas secundárias (15 registros) R$
6.634.591.024,44, totalizando quase 11 bilhões de reais; em 2004,
em ofertas primárias (9 registros) R$ 4.469.902.764,80 e em ofertas
secundárias (12 registros) R$ 4.682.650.177,38, totalizando pouco

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22 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

mais de 9 bilhões de reais1. Ou seja, verifica-se um aumento expo-


nencial no número de ofertas, assim como no montante de recursos
captados mediante a emissão de ações, sem contar os demais valores
mobiliários (os números acima estão disponíveis no site da Comissão
de Valores Mobiliários – CVM).
Ao mesmo tempo, o volume de negócios diários na Bovespa,
no ano de 2007, cresceu quase cinco vezes, ficando a média do ano
em quase cinco bilhões de reais2. A despeito da recentíssima crise do
mercado de hipotecas norte-americano, cogita-se da possibilidade de
que o giro financeiro dos negócios de bolsa alcance os 10 bilhões de
reais diários no ano de 20083.
A principal razão econômica para o notável crescimento do
mercado de capitais brasileiro no ano de 2007 foi a liquidez inter-
nacional, tendo os investidores estrangeiros participado com quase
70% dos volumes aportados em ofertas públicas de ações. Também
contribuíram outros fatores econômicos, internos, como: o controle
da inflação; o funcionamento acelerado do setor produtivo; juros em
queda; e expansão do crédito.
Ainda que as causas econômicas sejam as preponderantes, é
inequívoco que o ambiente institucional e legal contribui para o
crescimento do mercado de capitais. Ademais, a atuação da CVM,
como autarquia especial encarregada da regulação do mercado, tem
sido decisiva para a manutenção de níveis razoáveis de confiabilidade
nas instituições.
Como tratar da disciplina do mercado de capitais quando, em-
bora tenhamos uma Lei Societária manifestamente sistemática e bem
elaborada (a Lei nº 6.404/1976), a lei específica sobre a matéria (a Lei

1 Em 2010, foram 266 registros de ofertas primárias e 15 registros de ofertas


secundárias, correspondendo, respectivamente, a R$ 186.300.695.404,43 e R$
7.369.515.729,50, totalizando mais de 190 milhões de reais.
2 A média diária para o ano de 2010, segundo informações do site da BM&FBOVESPA,
passou dos 6 bilhões de reais.
3 Gazeta Mercantil de 02.01.2008, p. B1.

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nº 6.385/1976) é carente de uma maior organização e de definições


acuradas dos institutos que regula?
Seguramente a melhor alternativa, diversamente do que pode
ocorrer com a Lei das S.A., não será a de elaborar um livro de co-
mentários, artigo por artigo, da Lei nº 6.385/1976. Além disso, muitos
dos institutos típicos do mercado de capitais (como ocorre com a
oferta pública de aquisição de ações, com a disciplina dos deveres e
responsabilidades dos administradores e acionistas controladores das
companhias) estão, felizmente, disciplinados na Lei das S.A.
Assim, optamos por selecionar os principais institutos do direito
do mercado de capitais e proceder à análise, tão completa quanto pos-
sível, de cada um deles. Ademais, buscamos dar ao livro um formato
que permita a consulta a cada capítulo, de forma independente, bem
como a sua utilização como material didático, para um curso sobre
mercado de capitais.
Os dois capítulos iniciais constituem uma espécie de “prepara-
ção” para os seguintes. No primeiro capítulo descrevemos as funções
econômicas da intermediação financeira e do mercado de capitais;
afinal, como entender um ramo do direito que lida concretamente
com determinada atividade econômica, de razoável complexidade, sem
saber para que serve? No capítulo seguinte, analisamos os princípios
e objetivos da regulação de mercados, particularmente do de capitais.
Nos demais capítulos, partimos para o estudo dos institutos jurí-
dicos fundamentais do mercado de capitais: o conceito de valores mo-
biliários em nosso sistema legal, que seguiu o de securities da legislação
federal norte-americana, descrevendo cada um deles; a caracterização
das ofertas públicas de valores mobiliários e a análise das regras que
impõem o seu registro na CVM; o underwriting, que constitui função
essencial das instituições financeiras na colocação dos valores mobiliá-
rios junto aos investidores no mercado primário; o mercado secundário
de valores mobiliários, enfatizando a atuação das bolsas enquanto
entidades auto-reguladoras; a Comissão de Valores Mobiliários, em

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24 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

longo capítulo, no qual analisamos as suas funções, particularmente no


que tange à aplicação das normas legais e administrativas, em especial
no julgamento dos processos administrativos sancionadores; a figura
do acionista controlador e a sua responsabilidade civil e administra-
tiva; os administradores das sociedades anônimas, particularmente
das abertas, analisando os seus deveres e responsabilidades; os ilícitos
administrativos e penais no mercado de capitais; e por fim as ofertas
públicas de aquisição de ações de companhia aberta – OPAs.
Procuramos conferir à presente obra uma feição extremamente
objetiva, evitando citações, trazendo as referências à doutrina local e
de outros países, assim como as decisões judiciais e dos órgãos admi-
nistrativos, para notas de rodapé. As normas legais e regulamentares
também estão transcritas em notas de rodapé, para tornar mais fácil a
vida do leitor, que já estará a enfrentar matéria complexa e disciplinada
em fontes distintas.
Buscamos apresentar, para cada um dos tópicos analisados, toda
a produção doutrinária local (inclusive a nossa) e a mais relevante no
direito comparado. Ademais, são referidas e muitas vezes transcritas
as decisões da CVM, que constituem, em seu conjunto, jurisprudência
administrativa de considerável volume e qualidade; assim como as
decisões judiciais pertinentes, estas últimas bem mais escassas.
Finalizando, desejamos agradecer aos colegas Alex Gomes
Moreira, Elza Aguiar, Fernanda de Souza Soares, Juliana Botini
Hargreaves Vieira, Natália Mizrahi Lamas e Adriana M.R. Ferreira,
assim como ao economista Luis Felipe Lins e aos estagiários Pedro
Massena Mello Gomes, Priscila Garcia Moreira, Ana Maria de Al-
meida Sampaio, Higor da Silva Biana, João Pedro M. C. Figueiredo
e Luiza Oliveira a sua inestimável ajuda. Os erros e omissões são de
nossa inteira responsabilidade.

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I
Mercado de Capitais –
Noções Introdutórias

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1.1. A intermediação financeira


A análise das principais características do mercado de capitais
deve ser precedida de uma exposição, ainda que sumária, da noção de
intermediação financeira e das fun­ções das institui­ções financeiras.
A intermediação financeira pode ser compreendida a partir de dois
conceitos essenciais da teoria econômica: poupança e investimento.
Na literatura econômica1, o exemplo clássico que permite a ime-
diata compreensão dos conceitos de poupança e investimento é o da
chamada “economia de Robinson Crusoé”. Crusoé, após sobreviver
a um naufrágio, passou a habitar uma ilha deserta, alimentando-se
do produto de sua pesca diária. Podemos imaginar que, depois de
algum tempo, decide fabricar uma rede, com o que aumentaria a
quantidade de peixes pescados e teria mais tempo para o lazer. Para
ter um dia inteiro dedicado a fabricar a rede, deveria diminuir o seu
consumo diário de peixe, de sorte que a quantidade pescada pudesse
alimentá-lo por dois dias. O primeiro ato, de abstenção do consumo,
constitui tipicamente um ato de poupança, que pode ser definida como
a parte da produção não consumida. Já o segundo ato, de utilização
dos recursos poupados para a produção da rede, um bem de capital,
constitui um investimento.
Na economia primitiva de Crusoé, as figuras de poupador e in-
vestidor concentram-se na mesma pessoa, que pode, ademais, ajustar
os volumes desejados de poupança e investimento. Já na moderna
economia de mercado, existe uma multiplicidade de agentes econômi-
cos – governo, sociedades empresárias, unidades familiares, indivíduos,
etc. – com inten­ções diversas de investimento e poupança, que assim
podem ser classificados: os agentes “deficitários”, que são aqueles cujas
preten­sões de investimento excedem a sua capacidade de geração de

1 MURRAY POLAKOFF. Financial Institutions and Markets. Boston: Houghton


Mifflin, 1970, pp. 3-20.

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poupança; e os agentes “superavitários”, cuja capacidade de poupança


supera as suas necessidades de investimento.
Na economia de mercado, é função do sistema financeiro prover
os canais adequados mediante os quais os agentes econômicos defi-
citários obtêm os recursos de que necessitam para os seus projetos de
investimento e os agentes superavitários aplicam as suas poupanças.
A intermediação financeira objetiva interligar os agentes eco-
nômicos, de forma que aqueles que têm recursos disponíveis – os
superavitários – possam aplicar suas poupanças em ativos financeiros
emitidos pelos agentes que deles necessitam, os deficitários. As institui­
ções financeiras, assim, captam recursos dos agentes econômicos su-
peravitários para emprestá-los aos agentes deficitários, atuando como
autênticos “intermediários do crédito”, de forma habitual e profissional.
Efetuando profissionalmente a intermediação entre os agentes
deficitários e os superavitários, as institui­ções financeiras adotam
uma estrutura patrimonial peculiar, decorrente da fungibilidade dos
bens que intermedeiam (basicamente moeda), pela qual tornam-se
devedoras dos depositantes, que podem sacar seus recursos à vista, e
credoras dos beneficiários dos empréstimos, cujas dívidas são cons-
tituídas a prazo. Ou seja, enquanto os passivos dos bancos podem
ser cobrados a qualquer momento, seus ativos são somente exigíveis
quando do vencimento das dívidas, o que pode torná-los vulneráveis
a crises de confiança, as chamadas “corridas bancárias”, que ocorrem
quando os correntistas apressam-se a sacar os seus recursos, temendo
que a instituição financeira não logre transformar seus ativos ilíquidos
em moeda, para fazer face ao pagamento dos recursos depositados2.
O mercado financeiro existe justamente porque alguns agentes
econômicos poupam mais do que investem, enquanto outros investem

2 OTAVIO YAZBEK. “O risco de crédito e os novos instrumentos financeiros – uma


análise funcional”. In: IVO WAISBERG, MARCOS ROLIM FERNANDES FONTES
(coord.). Contratos Bancários. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 314.

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mais do que poupam, sendo necessário transferir recursos de uns para


outros, para maior otimização dos recursos disponíveis na economia3.
Ainda que se verifique, em muitos estudos, uma associação bastan-
te positiva entre desenvolvimento do sistema financeiro e crescimento
econômico, não existe consenso se o mercado financeiro desenvolve-se
porque existe crescimento econômico ou se é o desenvolvimento do
mercado financeiro um fator relevante para provocar crescimento eco-
nômico. De qualquer forma, a partir de estatísticas colhidas em vários
países, existe ampla evidência de que taxas mais altas de crescimento
econômico são observadas naqueles países cujos sistemas financeiros
são mais desenvolvidos4.
Do ponto de vista estritamente jurídico, as instituições financeiras
atuam como se os recursos emprestados ao público fossem próprios.
Isto é, elas agem, em cada operação de captação ou aplicação de recur-
sos, em nome próprio; porém, é certo que tais recursos emprestados
pelas instituições financeiras foram previamente captados junto ao
público, com a finalidade de repassá-los, como empréstimos, às uni-
dades econômicas deficitárias. O intermediário financeiro, portanto,
constitui um tipo especial de empresário, que capta recursos do público
e deles se apropria, como se fossem próprios, a fim de transferi-los aos
agentes econômicos que deles necessitam, de forma habitual e com
finalidade lucrativa.
Ao centralizar a oferta e a procura de dinheiro, a instituição fi-
nanceira empreende uma atividade dupla: ao captar recursos junto aos
poupadores, remunera-os com juros; ao colocá-los à disposição dos
tomadores de recursos, cobra destes juros. A remuneração da instituição
financeira (o chamado “spread” bancário) consiste na diferença entre a

3 ANDREA FERNANDES ANDREZZO, IRAN SIQUEIRA LIMA. Mercado Finan-


ceiro: Aspectos Históricos e Conceituais, 2ª edição. São Paulo: Pioneira
Thomson Learning, 2002, p. 1.
4 CARLOS A. ROCCA, “Mercado de Capitais Eficiente: Condição para o Crescimento
Sustentado”, XVI Fórum Nacional de Economia do Conhecimento, Crescimento
Sustentado e Inclusão Social. Rio de Janeiro, maio de 2000, p. 14.

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taxa de juros pagos na captação e os juros cobrados nos repasses. Num


primeiro momento, ao receber o crédito, o banco figura no polo passivo
da relação comercial, tornando-se devedor do detentor de recursos, daí
serem chamadas tais opera­ções de “passivas” dos bancos; no segundo
momento, ao dar o crédito, tornando-se credor do agente econômico
deficitário, pratica típica operação bancária “ativa”5.
Diante disto, conclui-se que o sistema financeiro pode influenciar
o processo de formação de capital e, por consequência, o desenvolvi-
mento econômico do país, de dois modos6:
1. contribuindo para a expansão do volume total de poupança
do país, na medida em que a intermediação financeira pode
criar para o público instrumentos de poupança atraentes
com respeito a prazo e liquidez; e
2. tornando mais eficiente a transformação dos fundos
poupados em capital produtivo, o que se dá: por uma
alocação mais eficiente do total da riqueza, por meio de
mudanças na sua composição e propriedade, ocasionando
um fortalecimento da produtividade do estoque existente
de capitais; e pelo incentivo a uma alocação mais eficiente
dos novos investimentos, permitindo a transferência de
recursos para os setores produtivos nos quais exista grande
capacidade empresarial.
A caracterização jurídica da atividade de intermediação financeira
verifica-se em função da existência dos seguintes elementos7:

5 ROBERTO QUIROGA MOSQUERA. Direito Monetário e Tributação da Moe-


da. São Paulo: Dialética, 2006, p. 86.
6 PEDRO CARVALHO DE MELLO. “Mercado de Capitais e Desenvolvimento
Econômico”. In: HELIO OLIVEIRA PORTOCARRERO DE CASTRO (coord.).
Introdução ao Mercado de Capitais. Rio de Janeiro: Ibmec, 1979, pp. 26-27.
7 NELSON EIZIRIK. “Administração de Cartão de Crédito constitui atividade
privativa de instituição financeira?”, Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 88, out.-dez.
1992, pp. 26-27.

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(a) a ocorrência de “intermediação”, que significa o dar e o re-


ceber recursos financeiros, atuando o intermediário como
credor e devedor – isto significa que ele capta o dinheiro
alheio e o “vende” com juros, assumindo integralmente o
risco do negócio; o objeto da instituição financeira é a “ne-
gociação do crédito”, daí decorrendo que tomar o dinheiro
ou emprestá-lo meramente não caracteriza atividade típica
de instituição financeira;
(b) a participação na cadeia obrigacional, inexistindo inter-
mediação financeira se o intermediário não é devedor de
quem lhe entregou o dinheiro e credor daquele para quem
emprestou;
(c) a habitualidade na realização de tais atividades, ou seja, a sua
repetição, de forma constante e em caráter permanente; e
(d) a profissionalidade, que implica a atividade especializada
e dirigida a uma finalidade determinada, necessariamente
lucrativa, desempenhada de forma pública e notória.
As instituições financeiras estão definidas, em nosso sistema
legal, de forma absolutamente inadequada, tanto no art. 17 da Lei nº
4.595/19648, que disciplina o sistema financeiro, como no art. 1º da
Lei nº 7.492/19869, que trata dos crimes contra o sistema financeiro.

8 O art. 17 da Lei 4.595/1964 considera como instituições financeiras “as pes-


soas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal
ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos próprios ou
de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de
propriedade de terceiros”. Já o parágrafo único do art. 17 equipara às insti-
tuições financeiras as pessoas físicas que exerçam quaisquer das atividades
referidas no caput do artigo, de forma permanente ou eventual.
9 Nos termos do art. 1º da Lei 7.492/1986 é considerada instituição financeira
“a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade
principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação
ou aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou
estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação
ou administração de valores mobiliários”. Já o parágrafo único do mesmo
artigo equipara à instituição financeira: “I – a pessoa jurídica que capte ou
administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de

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32 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Tais dispositivos estabelecem definições não só excessivamente am-


plas como também imprecisas, podendo sua aplicação literal, levar a
situações teratológicas, como a de se considerar instituição financeira,
a teor do art. 17 da Lei nº 4.595/1964, qualquer pessoa que aplica
até mesmo “recursos próprios”; ou, nos termos do parágrafo único, II,
do art. 1º da Lei nº 7.492/1986, aquele que, de forma eventual, como
pode ocorrer com o mandatário, aplica recursos do mandante.
O entendimento doutrinário dominante é no sentido de que o que
caracteriza a instituição financeira é o desenvolvimento cumulativo,
não alternativo, das atividades de coleta, intermediação e aplicação de
recursos financeiros de terceiros10; daí decorre que o mero empréstimo
de recursos próprios, sem a prévia coleta ou intermediação, não consti-
tui atividade privativa de instituição financeira11. No mesmo sentido, o
Departamento Jurídico do Banco Central do Brasil sempre entendeu
que o empréstimo entre particulares, utilizando-se o emprestador de

poupança ou recursos de terceiros; II – a pessoa natural que exerça qualquer


das atividades referidas neste artigo, ainda que de forma eventual.”
10 Conforme orientação do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacio-
nal, é preciso que as atividades descritas no caput do artigo 17 sejam exercidas
concomitantemente, e não de forma isolada, sendo também necessário que
os recursos tenham sido captados mediante apelo ao público em geral, isto
é, de maneira difusa.
11 AUGUSTO DE ATHAYDE. Estudos de Direito Econômico e de Direito
Bancário. Rio de Janeiro: Líber Júris, 1983, p. 138; LIANE MAIA SIMONI. “O
regime jurídico da responsabilidade dos administradores de institui­ções finan-
ceiras”, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São
Paulo: Revista dos Tribunais, n. 44, out.-dez. 1981, pp. 31 et seg.; LUIZ ALFREDO
PAULIN. “Das instituições financeiras de fato ou irregulares – análise com
base na Lei 4.595/64”, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico
e Financeiro. São Paulo: Malheiros Editores, v. 110, abr.-jun. 1998, pp. 196
et seg.; NELSON EIZIRIK. O Papel do Estado na Regulação do Mercado de
Capitais. Rio de Janeiro: Ibmec, 1977, pp. 114-115; OTAVIO YAZBEK. Regulação
do Mercado Financeiro e de Capitais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, pp. 157
et seg.; JAIRO SADDI. Crédito e Judiciário no Brasil. Uma análise de Direito
e Economia. São Paulo: Quartier Latin, 2007, pp. 77 et seg.; LUIZ GASTÃO
PAES DE BARROS LEÃES. “A operação de factoring como operação mercantil”,
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo:
Malheiros Editores, v. 115, jul.-set. 1999, p. 243.

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recursos próprios, não constitui atividade privativa de instituições


financeiras12.
Assim, de acordo com a melhor interpretação do art. 17 da Lei
nº 4.595/1964, para caracterizar-se a atividade privativa da instituição
financeira, exige-se a presença cumulativa dos seguintes elementos: (I)
a captação de recursos financeiros em nome próprio, (II) seguida do
repasse mediante operação de mútuo financeiro, (III) com o intuito
de auferir lucro, (IV) realizada tal modalidade de operação em caráter
habitual13.
Embora a atividade principal das institui­ções financeiras consista
na intermediação da circulação do dinheiro, ela não se esgota na capta-
ção e empréstimo de recursos financeiros, uma vez que desempenham,
no próprio mercado de crédito, outras atividades de caráter acessório
na prestação de serviços bancários como: cobrança de títulos; aluguel
de cofres de segurança; transferências eletrônicas; custódia de títulos,
etc. Há ainda outras atividades que, embora não sejam acessórias à in-
termediação do crédito, são também típicas de institui­ções financeiras,
como: arrendamento mercantil; compra e venda de moeda estrangeira;
intermediação na compra e venda de valores mobiliários; underwriting
de valores mobiliários; administração de fundos de investimento, etc.
O sistema financeiro é segmentado nos seguintes subsistemas:
o mercado de crédito; o mercado monetário; o mercado cambial; e o
mercado de capitais (ou mercado de valores mobiliários)14.
No mercado de crédito, são realizadas as operações bancárias
típicas acima mencionadas, de captação de recursos e de seu emprés-
timo para o financiamento do consumo corrente de bens duráveis e
do capital de giro para as empresas.

12 Conforme Parecer do então Chefe do Departamento Jurídico do Banco


Central, Dr. Wilson do Egito Coelho, Revista da OAB/RJ, v. 2, n. 4, 1970.
13 EDUARDO SALOMÃO NETO. Direito Bancário. São Paulo: Atlas, 2005, p. 27.
14 NELSON EIZIRIK. Reforma das S.A. e do Mercado de Capitais. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 1998, p. 161.

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Neste mercado, a instituição financeira é parte nas rela­ções jurí-


dicas junto aos agentes econômicos superavitários e deficitários, assu-
mindo os riscos, os direitos e as obriga­ções respectivas, uma vez que o
detentor e o tomador dos recursos não se relacionam diretamente; entre
eles surge a instituição financeira captando e repassando os recursos e
assumindo os riscos do inadimplemento dos tomadores de crédito15.
No mercado monetário (open market), são realizadas opera­ções
de curto ou curtíssimo prazo com títulos públicos. Ao emitir títulos
da dívida pública, colocando-os no mercado, sem necessidade de
intermediação financeira, as autoridades monetárias atuam sobre o
nível de liquidez da economia: quando pretendem reduzi-lo, vendem
os títulos, diminuindo a quantidade de moeda em circulação; quando
pretendem expandir a liquidez, recompram os títulos, fazendo com
que o dinheiro retorne à economia16. Os títulos da dívida pública, a
exemplo daqueles de curtíssimo prazo emitidos pelas institui­ções
financeiras, funcionam como “quase moeda”, dada a sua alta dose de
aceitabilidade e liquidez, faltando-lhes, para a sua caracterização como
“moeda” a atribuição, pelo sistema jurídico, da qualidade de meio geral
de troca e de instrumento de pagamento17.
No mercado cambial, são efetuadas opera­ções de curto prazo,
de compra e venda de moeda estrangeira, sendo sempre necessária a
intermediação de instituições financeiras, que se destinam a viabilizar
o fluxo de capitais para dentro e para fora do País. Alguns dos prin-
cípios referentes à disciplina das opera­ções de câmbio estão contidos
na Lei nº 4.131/1962, porém, remanescem diplomas legais anteriores

15 ROBERTO QUIROGA MOSQUERA. Direito Monetário e Tributação da Moe-


da. São Paulo: Dialética, 2006, p. 89.
16 NELSON EIZIRIK. Reforma das S.A. e do Mercado de Capitais. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 1998, p. 162.
17 A Lei (art. 43 da Lei de Contravenções Penais) pune criminalmente quem recusa
o poder liberatório à moeda legal. A propósito: LETÁCIO JANSEN. Crítica da
Doutrina da Correção Monetária. Rio de Janeiro: Forense, 1983, pp. 12 et
seg.; ROBERTO QUIROGA MOSQUERA. Direito Monetário e Tributação da
Moeda. São Paulo: Dialética, 2006, pp. 90-91.

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absolutamente anacrônicos, de modo que o controle do câmbio entre


nós consiste num sistema desordenado de normas não consolidadas
em lei que estabeleça os princípios gerais da matéria18.
Já no mercado de capitais (ou mercado de valores mobiliários),
são efetuadas opera­ções que não apresentam a natureza de negócios
creditícios, mas que visam, basicamente, a canalizar recursos para as
entidades emissoras – principalmente sociedades anônimas abertas
–, através de capital de risco, mediante a emissão pública de valores
mobiliários19. Enquanto nas opera­ções bancárias típicas são realizadas
opera­ções de financiamento, de empréstimos, no mercado de capitais
ocorrem principalmente negócios de “participação”, uma vez que o
retorno do investimento está, em regra, relacionado à lucratividade
da companhia emissora dos títulos.

1.2. O mercado de capitais


A função econômica essencial do mercado de capitais é a de
permitir às sociedades empresárias, mediante a emissão pública de
seus valores mobiliários, a captação de recursos não exigíveis para o
financiamento de seus projetos de investimento ou mesmo para alongar
o prazo de suas dívidas; como não se tratam de empréstimos, a compa-
nhia não está obrigada a devolver os recursos aos investidores (exceto
no caso de debêntures ou de commercial papers, que também integram
o mercado de capitais), mas, isto sim, a remunerá-los, sob a forma de
dividendos, caso apresente lucros em suas demonstra­ções financeiras.
Daí decorre a natureza do mercado de capitais como um mercado “de
risco”, uma vez que os investidores não têm qualquer garantia quanto
ao retorno de seus investimentos, que dependerá dos resultados do

18 SERGIO I. ESKENAZI PERNIDJI, MONICA CASTRO DE MELLO BITY, “Imputação


de declaração falsa (parágrafo 3, art. 23 da Lei 4.131/1962) e da vedação à com-
pensação privada de créditos (art. 10 do Decreto-Lei 9.025/1946)”, Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros
Editores, v. 125, jan.-mar. 2002, p. 187.
19 Para uma análise dos valores mobiliários, ver o Capítulo 3.

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36 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

empreendimento econômico desenvolvido pela companhia. Embora


as a­ções constituam investimentos de risco, são, usualmente, dotadas
de liquidez, isto é, podem ser rapidamente transformadas em dinheiro,
particularmente quando admitidas à negociação em Bolsa de Valores.
Diversamente do que ocorre no mercado de crédito, no mercado
de capitais, a mobilização da poupança é realizada diretamente entre
a unidade econômica deficitária – a entidade emissora – e a unidade
econômica superavitária – o investidor. Inexiste, no caso, intermediação
financeira, pois os recursos fluem diretamente dos adquirentes dos
valores mobiliários para as sociedades empresárias que os emitem.
Tratando-se de emissão pública de valores mobiliários, é obrigatória
a presença de uma instituição financeira underwriter, cuja atuação,
porém, não se confunde com aquela desempenhada quando capta
recursos ou concede crédito; o underwriting, com efeito, não importa
em intermediação financeira, mas em participação no processo de
colocação pública de títulos, ainda que com garantia firme de subs-
crição destes 20.
Além de permitir a capitalização das companhias, o mercado de
capitais apresenta outras fun­ções econômicas relevantes, as principais
das quais podem assim ser resumidas21:
1) conciliação do interesse do poupador de oferecer recursos
a curto prazo (quando os valores mobiliários são dotados
de liquidez) com a necessidade da sociedade emissora de
obter recursos de médio e longo prazos;
2) transformação dos montantes de capital, de sorte que
pequenos e médios montantes de recursos, aportados por
diferentes poupadores, convertem-se, por ocasião da subs-

20 A propósito, analisamos o underwriting no Capítulo 5.


21 PEDRO CARVALHO DE MELLO. “Mercado de Capitais e Desenvolvimento
Econômico”. In: HELIO OLIVEIRA PORTOCARRERO DE CASTRO (coord.).
Introdução ao Mercado de Capitais. Rio de Janeiro: Ibmec, 1979, pp. 28-29.

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crição de valores mobiliários, em grandes e consolidados


montantes de capital;
3) transformação da natureza dos riscos, ao permitir que se
transforme uma série de investimentos de alto risco indi-
vidual, de longo prazo e sem liquidez, em investimentos
com maior segurança e prazos mais curtos;
4) maior agilidade do processo de transferência dos recursos,
uma vez que os valores mobiliários (a­ções, debêntures, etc.)
são padronizados e aptos a circularem em massa; e
5) obtenção de um maior volume de informa­ções homogê-
neas sobre a oferta e demanda de recursos.
Embora exista discussão teórica sobre o assunto, diversos estudos
vêm demonstrando que existe uma relação de primeira ordem entre
o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento do mercado de
capitais. Ademais, há indica­ções empíricas de um impacto positivo
do mercado de capitais sobre a criação de sociedades empresárias, o
que pode ser interpretado como um estímulo à realização de novos
empreendimentos22.
No mercado de capitais, podem ser distinguidos dois segmentos:
o mercado primário e o mercado secundário. A distinção, embora
conceitualmente relevante, para efeitos econômicos, não traz qualquer
consequência jurídica, de vez que tais expressões não são utilizadas na
legislação específica.
No mercado primário, ocorrem as emissões públicas de novos
valores mobiliários, mediante a mobilização da poupança popular. É
neste mercado que se atende à finalidade principal do mercado de capi-
tais, que é a de permitir a captação de recursos do público. Os recursos

22 Para um bom resumo da relação entre desenvolvimento econômico e merca-


do de capitais: NILSON TEIXEIRA. “O mercado de capitais brasileiro à luz de
seus avanços e desafios”. In: EDMAR LISBOA BACHA, LUIZ CHRYSOSTOMO
DE OLIVEIRA FILHO (org.). Mercado de Capitais e Crescimento Econômico.
Rio de Janeiro, Contra Capa Livraria/ANBID, 2005, pp. 113 et seg.

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38 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

são canalizados diretamente para as entidades emissoras, que poderão,


então, utilizá-los em seus projetos de investimentos. Subscrevendo os
valores mobiliários, os poupadores, por seu turno, passam a participar
dos resultados do empreendimento econômico.
Já no mercado secundário, não há o ingresso de recursos para
as companhias emissoras, inexistindo a emissão de novos títulos. Na
realidade, as opera­ções deste mercado são realizadas entre os pou-
padores, sem qualquer vinculação com a companhia que emitiu os
valores mobiliários.
A função essencial do mercado secundário é a de conferir liquidez
aos valores mobiliários, permitindo que os seus adquirentes possam
vendê-los rapidamente. Sem a existência de um mercado secundário
ativo, ficariam muito prejudicadas as operações de captação de novos
recursos no mercado primário, uma vez que os poupadores teriam
dificuldade para alienar os valores mobiliários por eles adquiridos.
Para as companhias emissoras, é importante que suas a­ções tenham
liquidez no mercado secundário, pois lhes será mais fácil colocarem no
mercado novos títulos, uma vez que os investidores normalmente prefe-
rem adquirir valores mobiliários que possam mais rapidamente alienar.
A cotação das a­ções de uma companhia no mercado secundário, isto é, o
valor pelo qual são negociadas, constitui um parâmetro fundamental para
que se calcule o preço de emissão das novas a­ções no mercado primário,
nos termos do art. 170, § 1º, da Lei das S.A.23. Com efeito, quando as
ações apresentam índices razoáveis de liquidez no mercado secundário,
o critério mais importante para a fixação do preço de emissão de novas
a­ções será o da sua cotação neste mercado.

23 O parágrafo primeiro do art. 170 da Lei das S.A. dispõe que “o preço de emissão
deverá ser fixado, sem diluição injustificada da participação dos antigos
acionistas, ainda que tenham direito de preferência para subscrevê-las, tendo
em vista, alternativa ou conjuntamente: I – a perspectiva de rentabilidade da
companhia; II – o valor do patrimônio líquido da ação; III – a cotação de suas
a­ções em Bolsa de Valores ou no mercado de balcão organizado, admitido
ágio ou deságio em função das condi­ções do mercado”.

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No mercado secundário, as opera­ções com valores mobiliários


podem ocorrer em Bolsa de Valores, ou de Futuros e Mercadorias,
ou no chamado “mercado de balcão”24. Nada impede, porém, que os
investidores comprem e vendam diretamente os valores mobiliários,
fora das Bolsas ou do mercado de balcão, sem a participação de qual-
quer intermediário financeiro; tais operações são privadas, realizadas,
portanto, fora do mercado de capitais.
As Bolsas constituem entidades que permitem a centralização
das operações no mercado secundário, dotadas de sistemas de pregão
“viva voz” (cada vez menos utilizados) ou eletrônico, mediante os quais
se assegura a continuidade das opera­ções e a divulgação instantânea
dos preços praticados. Ademais, proveem todas as facilidades para a
custódia e a transferência dos valores mobiliários nelas listados. Atuam,
ainda, como corporações autorreguladoras, na medida em que regulam
a conduta das instituições que nelas operam, zelando para que sejam
preservados elevados padrões éticos nas negociações.
Já o mercado de balcão constitui o conjunto das operações de
mercado secundário realizadas fora das Bolsas de Valores, porém, com a
intermediação de instituições financeiras. A Lei nº 6.385/1976, em seu
artigo 2º, § 3º, inciso IV, distingue o mercado de balcão “organizado”
do “não organizado”: o primeiro é institucionalizado, isto é, existe uma
entidade onde são centralizadas as opera­ções, enquanto, no segundo,
tal não ocorre, não havendo, assim, maior transparência dos negócios
realizados com a intermediação de institui­ções financeiras.
Tanto a Bolsa como o mercado de balcão organizado apresen-
tam algumas características essenciais ao desenvolvimento regular e
ordenado das opera­ções no mercado secundário:
(a) acesso limitado à negociação apenas aos membros habi-
litados, normalmente sociedades corretoras membros da
entidade – procedimento que aumenta a credibilidade do

24 Ver, a propósito, o Capítulo 6.

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40 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

sistema e permite aos intermediários maior tranquilidade


quanto à solvência da contraparte na operação (outra
instituição financeira habilitada);
(b) regras de negociação uniformes – horário de opera­ções,
unidades transacionadas, procedimentos de liquidação
das opera­ções, dentre outras –, reduzindo os custos de
transação;
(c) procedimentos de compensação, diminuindo os riscos de
inadimplência;
(d) resolução de disputas, atuando as Bolsas usualmente como
árbitros nos conflitos surgidos entre seus membros;
(e) estabelecimento de uma modalidade de “seguro” contra os
prejuízos causados pelos intermediários aos seus clientes,
como é o caso do Fundo de Garantia mantido pelas Bolsas;
(f ) exigências mínimas para admissão de emissoras e de va-
lores mobiliários à negociação;
(g) fixação dos modelos de contratos negociados em operações
a termo, a futuro e com op­ções;
(h) elaboração e fiscalização das normas sobre a conduta éti-
ca a ser mantida pelos intermediários nas operações, no
exercício de seu poder de autorregulação; e
(i) estímulo permanente à adoção e à manutenção, pelas
emissoras listadas, de níveis adequados de “governança
corporativa”, contribuindo, assim, tanto para a sua mais
eficiente gestão como para a melhor tutela dos direitos
dos investidores25.

25 Entre nós, constitui um exemplo marcante do importante papel desempen-


hado pela Bolsa de Valores na promoção de boas práticas de “governança
corporativa” por parte das emissoras a criação, pela então Bovespa, do Novo
Mercado (veja a propósito o Capítulo 6, em que se descrevem as principais
características do Novo Mercado e em que são apresentados os indicadores
econômicos dos volumes negociados nas Bolsas).

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No Brasil, existe somente uma Bolsa em funcionamento, a B3,


após a fusão no ano de 2017 entre a Bolsa de Valores, Mercadorias
e Futuros de São Paulo – BM&FBovespa (esta decorrente da fusão
entre a Bovespa Holding S.A. e a BM&F S.A.), e a CETIP. A B3
atua de diversas formas na estrutura do mercado financeiro, exercendo
desde operações de negociação, compensação e liquidação de valores
mobiliários (ações, derivativos, financeiros e de mercadorias, títulos
de renda fixa, títulos públicos federais, moedas à vista e commodities
agropecuárias) até o serviço de listagem e depósito central para os
ativos negociados em seus ambientes26_27.

26 B3. Perfil e Histórico. Disponível em: <http://ri.bmfbovespa.com.br/static/


ptb/perfil-historico.asp?idioma=ptb>. Acesso em: 11 maio 2017.
27 A propósito, consulte-se o Capítulo 6.

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II
A Regulação do
Mercado de Capitais

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2.1. Princípios
Embora não exista, quer na literatura jurídica, quer na literatura
econômica, uma definição uniforme do que se deve entender por
“regulação”, podemos utilizar o termo como constituindo o emprego
dos instrumentos legais necessários à implementação de objetivos de
política econômica ou social1.
A regulação de determinada atividade importa o estabelecimento
de limites à atuação dos agentes econômicos, que inexistem quando o
mercado é inteiramente livre. Com efeito, num modelo puro de econo-
mia de livre mercado, a ordem jurídica não estabelece uma regulação
da conduta dos participantes, restringindo-se a disciplinar os direitos
de propriedade e as relações contratuais, sem, contudo, limitar o direito
do proprietário de usar o bem, ou estabelecer exigências com relação
ao conteúdo dos contratos (preços mínimos ou cláusulas obrigatórias).
Assim, as normas poderão ser tidas como reguladoras na medida
em que limitem a liberdade dos participantes do mercado, quer quanto
à conduta, quer quanto aos bens negociados. A regulação pode ocorrer
de modo voluntário ou contratual, quando é usualmente denominada
“autorregulação”, uma vez que estabelecida pelos próprios agentes
econômicos; ou de modo jurídico, quando contida em normas legais
ou regulatórias, que caracterizam uma intervenção do Estado na eco-
nomia, não como empresário, mas como agente regulador2.
A regulação econômica voltou-se, originalmente, para a disci-
plina da prestação de serviços públicos por particulares, passando a
alcançar, em momento posterior, tanto em nosso sistema legal como
no Direito Comparado, outros mercados, tais como os de petróleo,

1 JOHAN DEN HERTOG, “General Theories of Regulation”. In: BOUDEWIJN


BOUCKAERT, GERRIT DE GEEST (eds.). Enciclopedia of Law and Economics,
v. 3. Cheltenham: Edward Elgar Publishing Limited, 2001, p. 223.
2 NELSON EIZIRIK. O Papel do Estado na Regulação do Mercado de Capitais.
Rio de Janeiro: Ibmec, 1977, pp. 19 et seg.

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46 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

gás, medicamentos, assim como o de valores mobiliários, nos quais


sobreleva o interesse público3.
A regulação de determinado mercado compreende as atividades
de elaboração de normas legais ou regulatórias, de registro e de fis-
calização das entidades que atuam no setor, bem como da aplicação
de tais normas, que pode resultar em sanções administrativas após o
competente processo sancionador.
Desse modo, o termo “regulação” designa o conjunto de regras que
limitam a liberdade de ação e de escolha das sociedades empresárias,
dos profissionais e dos consumidores, cuja aplicação sustenta-se no
poder de coerção estatal4.
Vale notar que, ao regular determinada atividade econômica, o
Estado manifesta, por um lado, sua intenção de não eliminar o mercado
e, por outro, de não deixá-lo funcionar de forma inteiramente livre,
sem quaisquer restrições; daí a opção pela regulação da conduta de
seus participantes, quer ao nível do acesso – regulação das condições
de entrada no mercado –, quer ao nível do exercício da atividade eco-
nômica, mediante limitações à realização de determinadas operações.
No plano teórico, distingue-se a regulação “econômica”, objeto
de nosso estudo, da regulação “social”5. A regulação econômica é im-
plementada mediante dois conjuntos de regras, quais sejam, as que
compõem a regulação estrutural e aquelas que instituem uma regula-
ção de conduta. A regulação “estrutural” é utilizada para a disciplina
da estrutura do mercado, mediante normas de entrada e saída, assim
como de qualificação para o exercício de atividades; já a regulação “de
conduta” é empregada para a disciplina do comportamento dos agen-
tes, como controle de preços e padrões de conduta dos agentes. Por

3 PEDRO DUTRA. Livre Concorrência e Regulação de Mercados. Rio de Janeiro:


Renovar, 2003, p. 270.
4 ARMANDO CASTELAR PINHEIRO, JAIRO SADDI. Direito, Economia e Mer-
cados. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 254.
5 W. KIP VISCUSI, JOHN M. VERNON, JOSEPH HARRINGTON. Economics of
Regulation and Antitrust. Cambridge: MIT Press, 1996.

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sua vez, a regulação “social” compreende as áreas de meio ambiente,


condições de trabalho, relações de consumo etc.
Seria ingênuo pressupor que a regulação do mercado de capitais,
como ocorre com a regulação de qualquer outra atividade econômica,
visa apenas a atender objetivos de interesse público. Ao tratarmos dos
objetivos da regulação do mercado de capitais – o que faremos em
seguida –, assumiremos que devem eles ser norteados pelo interesse
público; muitas vezes, porém, as normas reguladoras – e a própria
atuação das agências reguladoras –, conforme analisado pela “teoria
da captura”, são “capturadas” por agentes do mercado, que obtêm
legislação favorável aos seus interesses6.
A teoria da “captura”, desenvolvida originalmente por cientistas
políticos, considera que a regulação nada mais é do que uma resposta
às demandas de grupos que possuem interesses organizados, cada um
deles atuando para maximizar os interesses de seus membros; ao longo
do tempo, as agências reguladoras tenderiam a ser capturadas pelas
indústrias reguladas, que constituem usualmente os grupos de pressão
mais fortes e com mais recursos a exercer o “lobby” sobre os processos
de elaboração e aplicação da lei.
A “captura” surge principalmente quando os beneficiários pela
regulação são difusos, enquanto os prejudicados são concentrados.
Em tal situação, as agências reguladoras podem ser mais sensíveis aos
interesses bem definidos dos regulados – e prejudicados – com deter-
minada medida do que com os seus beneficiários difusos. Assim, em
princípio, órgãos reguladores verticais, como são as agências setoriais
de infraestrutura, são mais suscetíveis à captura do que burocracias
especializadas horizontais, responsáveis pela supervisão de mais de um

6 RICHARD A. POSNER. “Theories of Economic Regulation”, The Bell Journal


of Economic and Management Science. Santa Monica, RAND Corporation,
v. 5, n. 2, 1974, pp. 335-358; entre nós, leia-se NELSON EIZIRIK. O Papel do
Estado na Regulação do Mercado de Capitais. Rio de Janeiro: Ibmec, 1977,
pp. 38 et seg.

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48 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

setor da economia7. As agências reguladoras do mercado de capitais,


encarregadas da supervisão de um determinado setor da atividade
econômica, podem, em princípio, ser mais facilmente “capturadas” do
que entidades que supervisionam diversos setores da economia, como
são os órgãos que tratam da repressão aos abusos do poder econômico
ou da defesa dos consumidores.
Já a teoria econômica da regulação, uma variante da teoria da
“captura”, desenvolvida pela “Escola de Chicago”, fundamenta-se
em dois pontos básicos: (a) como o poder coercitivo estatal pode ser
utilizado para conferir benefícios a determinados grupos, a regulação
pode ser vista como um “produto”, cuja alocação é governada pelas leis
da oferta e procura, tendo em vista os custos e benefícios da obtenção
de regulação favorável; dessa forma, um grupo obterá regulação favo-
rável ou manterá o mercado sem regulação, na medida em que estiver
disposto a “pagar” por isto; e (b) a regulação constitui uma espécie
de “cartelização”, uma vez que o efeito final das medidas regulatórias
usuais (controle sobre a entrada de novas empresas no mercado, pre-
ços mínimos ou fixos e imunidade frente à legislação antitruste) é o
mesmo que o da cartelização privada: tornar os preços superiores aos
que seriam praticados em um mercado de livre competição8.
Quando a agência reguladora não é efetivamente independente, a
“captura” também pode ser promovida pelo próprio governo, particu-
larmente quando há um grande número de importantes companhias

7 DANIEL K. GOLDBERG. “O controle de estruturas no Brasil: reflexões sobre


o estudo de José Tavares”. In: JOÃO PAULO DOS REIS VELLOSO (coord.). Por
uma Moderna Política de Competição. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006,
pp. 65 et seg.
8 GEORGE STIGLER. “The theory of economic regulation”, The Bell Journal of
Economic and Management Science. Santa Monica, RAND Corporation, v.
2, n. 1, 1971. RICHARD A. POSNER. “Theories of Economic Regulation”, The
Bell Journal of Economic and Management Science. Santa Monica: RAND
Corporation, v. 5, n. 2, 1974; NELSON EIZIRIK. O Papel do Estado na Regulação
do Mercado de Capitais. Rio de Janeiro: Ibmec, 1977, pp. 46 et seg.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 49

abertas sob controle estatal9, ou quando desejam os governantes obter


uma regulação favorável a determinados objetivos da política econô-
mica por eles tida como a mais adequada10.
Também pode ocorrer a situação de captura pelo “populismo
do minoritário”11, em que a agência reguladora adota soluções que
aparentemente privilegiam beneficiários difusos, mas que, na verdade,
podem beneficiar grupos de acionistas com participações relevantes e
eventualmente inibir a abertura de capital por parte de novas compa-
nhias. É o que seguidamente acontece quando a agência reguladora
decide, na dúvida, em favor dos acionistas minoritários e contra as
companhias abertas ou seus acionistas controladores e administradores,
quer ao editar normas regulamentares, quer ao decidir casos concretos,
interpretando as normas de Direito Societário ou aplicando sanções
administrativas.
As diversas teorias que explicam a regulação com base no interesse
público, em suas feições clássicas, partem de duas premissas essenciais:

9 Exemplo típico foi o que ocorreu, entre nós, por ocasião do ‘caso Vale’, em
1980, quando o governo, em pleno regime castrense, resolveu promover
a venda de lotes substanciais de ações da companhia, à época ainda uma
sociedade de economia mista, sem obedecer a regulamentação da CVM
sobre “block trading”. A propósito: FÁBIO KONDER COMPARATO. Novos
Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p.
290. NELSON EIZIRIK. “O Estado como acionista controlador de companhias
integrantes do mercado acionário – o ‘caso Vale’”. In: Questões de Direito
Societário e Mercado de Capitais. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 34.
10 Constituiu evidente exemplo de “captura” de regulação favorável pelo governo
a revogação do artigo 254 da Lei nº 6.404/1976 pela Lei nº 9.457/1997, medida
que lhe permitiu apropriar-se de toda a mais-valia decorrente da alienação
do controle de diversas empresas estatais, particularmente da Telebras, no
curso do programa de privatização, sem necessitar dividi-la com os acionistas
minoritários (NELSON EIZIRIK. Reforma das S.A. e do Mercado de Capitais.
2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 25).
11 Estamos fazendo uma analogia à situação descrita por DANIEL K. GOLDBERG,
por ele denominada “populismo antitruste”, tomando de empréstimo a ex-
pressão e adaptando-a à regulação do mercado de capitais (“O controle de
estruturas no Brasil: reflexões sobre o estudo de José Tavares”. In: JOÃO PAULO
DOS REIS VELLOSO (coord.). Por uma Moderna Política de Competição. Rio
de Janeiro: José Olympio, 2006, p. 66).

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50 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

(i) os mercados são frágeis, operando ineficientemente ou de forma


pouco equitativa caso não exista regulação estatal; e (ii) a regulação
pode ocorrer sem custos significativos. Assume-se, pois, que os custos
de transação e de informação, verificados quando o mercado opera
com ineficiência, não existem no caso da regulação estatal.
De acordo com a teoria do interesse público, a regulação permi-
tiria resolver os problemas da competição imperfeita, da competição
excessiva, da inexistência de mercado e dos resultados economica-
mente indesejáveis gerados por um mercado não regulado. A partir
de um longo debate teórico, em que se criticou duramente a teoria
do interesse público, passaram seus adeptos a aceitar que a regulação
não ocorre sem custos e que estes podem ser superiores aos benefícios
por ela gerados. A versão mais sofisticada da teoria não mais presume
que a regulação seja perfeita, porém, assumindo que existem falhas no
mercado, vê a regulação como o seu melhor antídoto, que, entretanto,
não deve remanescer caso os custos dela decorrentes excedam os be-
nefícios que possibilita12.
Tal reformulação da teoria é bastante útil para os estudiosos da regula-
ção de qualquer mercado, inclusive o de capitais, uma vez que permite uma
visão crítica da regulação, principalmente ao levar em conta que existem
custos na produção das normas e na sua aplicação aos casos concretos, os
quais podem, muitas vezes, ser superiores aos benefícios.
Há diversos casos em que a regulação gera custos excessivos,
eventualmente superiores aos benefícios deles decorrentes. Entre nós,
por exemplo, a redação excessivamente abrangente da Instrução CVM
nº 358/2002, ao enunciar exemplos de atos ou fatos “potencialmente
relevantes”, tem levado as companhias abertas a divulgarem como
“fatos relevantes” matérias que não são capazes de provocar maiores
impactos na cotação de suas ações, pelo temor de sofrerem processos

12 JOHAN DEN HERTOG. “General Theories of Regulation”. In: BOUDEWIJN


BOUCKAERT, GERRIT DE GEEST (eds.). Enciclopedia of Law and Economics,
v. 3. Cheltenham: Edward Elgar Publishing Limited, 2001, p. 325.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 51

sancionadores caso não o façam. Ora, a geração e a divulgação de in-


formações tem um custo para as companhias, que pode ser superior aos
benefícios, caso em que não se justifica a ação regulatória. Da mesma
forma, constitui exemplo de custo excessivo a existência de processos
sancionadores que tardam às vezes quatro ou cinco anos para que
sejam apreciadas acusações de infrações absolutamente irrelevantes,
despendendo-se recursos públicos sem qualquer benefício aparente.

2.2. Objetivos
Os objetivos da regulação, orientados pelo interesse público,
são os seguintes: proteger os investidores; promover a eficiência do
mercado; criar e manter instituições confiáveis e competitivas; evitar
a concentração de poder econômico; e impedir a criação de situações
de conflitos de interesse.
O objetivo mais apontado como o fundamental na regulação do
mercado de capitais é o da proteção aos investidores. Com efeito, em
praticamente todas as legislações, o objetivo essencial da regulação do
mercado de capitais consiste na tutela dos investidores, aqueles que
aplicam seus recursos financeiros nos valores mobiliários emitidos
publicamente e negociados no mercado.
Nesse sentido, a regulação deve promover a confiança dos investi-
dores nas entidades que emitem publicamente seus valores mobiliários,
assim como naquelas que os intermedeiam ou propiciam os locais ou
mecanismos de negociação, de custódia, compensação e liquidação das
operações. Ou seja, os investidores devem poder acreditar que os seus
retornos em aplicações no mercado estarão razoavelmente relacionados
aos riscos dos investimentos; que as instituições atuantes apresentam
integridade financeira; e que as informações providas pelas emissoras
de valores mobiliários são verazes e fidedignas.
Assim, a regulação pode reduzir os riscos dos investidores, na
medida em que obriga os emissores dos valores mobiliários a divul-

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52 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

gar todas as informações relevantes, bem como veda a utilização de


informações privilegiadas e quaisquer outras práticas fraudulentas ou
de manipulação do mercado.
Tal não significa, porém, que a regulação elimina os riscos, que
são da essência do mercado de capitais; o que ela pode prover é uma
redução de determinados riscos, não dos riscos dos investimentos,
mas daqueles derivados de comportamentos ilícitos. Em verdade, os
riscos dos investimentos em títulos de renda variável, que são os mais
negociados no mercado de capitais, não podem ser eliminados, uma
vez que constituem títulos que não atribuem a seus tomadores retornos
fixos, mas simplesmente o direito de participarem nos eventuais lucros
gerados pela companhia emissora.
Embora possa reduzir os riscos decorrentes de comportamentos
ilegais ou fraudulentos, a regulação não logra aumentar a taxa de
retorno dos investidores. A rentabilidade auferida pelos investidores
no mercado resulta usualmente de dois fatores, a saber, a qualidade do
investimento e os preços pelos quais foram comprados os títulos. Os
preços, por seu turno, serão estabelecidos em função da competição
entre os investidores, tomadores dos valores mobiliários. Na medida
em que a regulação for capaz de tornar mais fácil e menos arriscado
o processo de avaliação dos investimentos, haverá maior competição
entre os compradores, o que elevará os preços dos títulos. Os ganhos
decorrentes da elevação dos preços serão auferidos pelos vendedores (os
emissores dos títulos) mas não pelos compradores (os investidores)13.
Assim, embora possa contribuir para aumentar o preço dos valores
mobiliários, por ocasião de sua emissão, a regulação, em princípio, não
aumenta a taxa de retorno dos investidores.
A proteção aos investidores é basicamente provida mediante normas
que regulam a conduta dos emissores de valores mobiliários e dos inter-

13 EDMUND W. KITCH. “Regulation of the Securities Market”. In: BOUDEWIJN


BOUCKAERT, GERRIT DE GEEST (eds.). Enciclopedia of Law and Economics,
v. 3. Cheltenham: Edward Elgar Publishing Limited, 2001, p. 821.

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mediários financeiros. Com relação aos emissores, as normas visam espe-


cialmente a exigir a prestação plena e acurada das informações necessárias
à avaliação dos valores mobiliários ofertados e coibir os comportamentos
ilegais ou abusivos dos administradores e acionistas controladores. Já com
relação aos intermediários financeiros, objetivam as normas, principal-
mente: coibir práticas de manipulação do mercado; eliminar conflitos
de interesses; impedir a discriminação entre seus clientes; e promover
tratamento adequado às necessidades financeiras dos clientes.
Outro objetivo fundamental da regulação é o de fazer com que o
mercado funcione com eficiência. Nesse sentido, vários estudos vêm
demonstrando que a regulação demanda a prestação de um volume
maior de informações do que os emissores de títulos apresentariam
num mercado não regulado. O aumento na quantidade e qualidade
das informações resulta num processo de formação de preços mais
eficiente, bem como na tomada de decisões mais racionais, com re-
sultados benéficos para a economia14.
Tendo em vista aumentar a competição, tornando o mercado
mais eficiente, entende-se15 que os objetivos econômicos da regulação
devem ser os de promover maior eficiência:
a) na determinação das cotações dos valores mobiliários –
eficiência nesse contexto significando a capacidade de
reação das cotações às novas informações; quanto mais
rápida a reação, mais eficiente o mercado, sendo o ideal
que a cotação de determinado título reflita única e exclu-
sivamente as informações publicamente disponíveis;
b) na alocação dos recursos, de sorte que os investidores, com
base nas informações disponíveis, apliquem suas poupan-
ças nas companhias mais produtivas e rentáveis;

14 FRANK EASTERBROOK, DANIEL R. FISCHEL. “Mandatory Disclosure and the


Protection of Investors”, Virginia Law Review. Charlottesville: Virginia Law
Review Association, v. 70, n. 4, maio 1984, pp. 669-715.
15 JAMES H. LORIE. Public Policy for American Capital Markets. Washington:
Department of the Treasure, 1974.

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54 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

c) nas operações entre os investidores, reduzindo tanto


quanto possível os custos de transação, que são aqueles
incorridos na realização dos negócios e que compreendem:
os de busca de informações sobre os ativos, os preços e os
potenciais compradores; os de negociação entre compra-
dores e vendedores; e os de realização de contratos e de
sua correta aplicação16.
Os dois primeiros objetivos econômicos acima enumerados são
alcançados mediante uma legislação de disclosure, que consagre o prin-
cípio da ampla transparência das informações, bem como estabeleça a
repressão ao insider trading. Já o terceiro objetivo econômico é obtido
mediante a regulação da conduta dos intermediários financeiros e a
promoção de índices crescentes de competição no mercado.
O terceiro objetivo da regulação é o de criar e manter instituições
não só financeiramente sólidas, mas também competitivas. Nesse
sentido, são crescentemente utilizadas regras “prudenciais”, que es-
tabelecem, particularmente para as instituições financeiras, limites
mínimos de capital para que possam operar no mercado, assim como
disciplinam os requisitos de qualificação para os profissionais atuantes
no mercado, como é o caso dos analistas financeiros, por exemplo. A
regulação, ao estipular as regras de funcionamento das instituições,
torna-as financeiramente mais hígidas, levando o mercado a funcionar
com uma maior estabilidade institucional. Ademais, a agência regula-
dora, mediante regras de tal natureza, auxilia as instituições a tornar o
mercado, como um todo, mais competitivo frente a mercados de outras
regiões ou países. Recentemente, alguns estudos vêm propugnando
que a regulação do mercado de capitais deveria seguir o “modelo
Delaware” de lei societária, permitindo-se aos emissores escolher a
jurisdição cujas leis seriam aplicadas aos seus valores mobiliários, o que

16 ARMANDO CASTELAR PINHEIRO, JAIRO SADDI. Direito, Economia e Mer-


cados. Rio de Janeiro: Campus, 2006, p. 62.

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forçaria os reguladores, da mesma forma que ocorre com os emissores,


a competir pelos investidores17.
Deve ainda a regulação evitar a concentração de poder econômico,
capaz de causar imperfeições ao mercado pela diminuição na competi-
ção que acarreta. Tal concentração pode existir não só entre as entidades
emissoras de valores mobiliários, quando o mercado – particularmente
o secundário – apresenta-se muito centrado em poucos títulos, como
também entre os intermediários financeiros, principalmente quando
organizados em poucos conglomerados financeiros.
Finalmente, também constitui objetivo essencial da regulação
evitar os conflitos de interesse, ou seja, a ocorrência de situações em
que os intermediários financeiros e os acionistas controladores e
administradores de emissoras tenham interesses potencialmente con-
trários aos de seus clientes ou acionistas minoritários. Tais conflitos
de interesse podem ocorrer em conglomerados financeiros ou bancos
múltiplos, nos quais muitas vezes realizam-se vendas compulsórias de
serviços não necessariamente desejados pelos clientes, bem como a
falta de independência nas atividades de consultoria de investimentos,
administração de fundos, etc. Em companhias emissoras, tais confli-
tos existem quando os acionistas controladores ou administradores
contratam negócios com as companhias, em benefício próprio ou de
outras companhias nas quais também atuam. Os conflitos de interesse
podem ser evitados mediante: a proibição de quaisquer vendas “casadas”
e a imposição da segregação de atividades nas instituições financeiras
(o chamado chinese wall); a vedação de negócios em que acionistas
controladores ou administradores tenham interesses potencialmente
conflitantes com os da emissora; ou mediante a revelação (disclosure)
da existência de situação de conflito de interesses para o potencial
prejudicado, em cada caso concreto.

17 ROBERTA ROMANO. “Empowering Investors: A Market Approach to Securities


Regulation”, Yale Law Journal. New Haven: The Yale Law Journal Co., v. 107,
n. 8, jun. 1998, pp. 2.359-2.430.

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III
Valores Mobiliários

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3.1. Relevância do conceito de valores mobiliários


O conceito de valores mobiliários sempre foi um assunto tormen-
toso, tanto para doutrinadores quanto para legisladores e aplicadores
do Direito.
Talvez por esse motivo, verifica-se, no Direito Comparado, a
existência de um grande número de títulos, contratos e direitos que
são considerados valores mobiliários, sem que haja, porém, uma con-
ceituação legislativa do instituto.
Em se tratando da concepção de valores mobiliários, de pronto,
duas questões se apresentam: por que é tão difícil estabelecer seus
contornos e qual a importância de seu significado.
A dificuldade de se conceituar os valores mobiliários decorre do
fato de constituírem bens com características muito específicas.
Com efeito, os valores mobiliários diferem de outros bens em
alguns aspectos fundamentais1. Primeiramente, eles não possuem um
valor intrínseco, isto é, não têm valor em si – quanto vale uma ação, por
exemplo, depende, dentre outros fatores, de sua liquidez no mercado,
das atividades desenvolvidas por sua emissora, da lucratividade que esta
apresenta em um determinado período de tempo e das perspectivas
futuras do nicho de negócios a que tal entidade se dedica.
Em segundo lugar, os valores mobiliários não são bens produzidos
ou fabricados para serem usados ou consumidos, mas são emitidos e
depois ofertados aos investidores, que podem negociá-los no mercado
secundário a preços variáveis e por um número indeterminado de vezes.
Em terceiro lugar, embora tenham em comum a aptidão a circu-
lar publicamente em massa devido à sua natureza fungível2, os ativos

1 DAVID L. RATNER. Securities Regulation in a nutshell, 6th. ed. St. Paul: West
Publishing, 1998, pp. 1-3.
2 A possibilidade de circularem em série revela a natureza de bem fungível
dos valores mobiliários. Confira-se, a respeito, NELSON EIZIRIK. Reforma das
S.A. e do Mercado de Capitais, 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 140.
Sobre a fungibilidade dos valores mobiliários, confira-se MIRIAN IZQUIERDO.

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60 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

considerados valores mobiliários possuem características díspares entre


si, por atribuírem a seus titulares diferentes direitos e, também, por
serem utilizados para diversas finalidades.
Note-se, ademais, que a definição de valores mobiliários sempre
esteve relacionada a títulos que corporificam investimentos de risco,
nos quais o retorno do investidor está diretamente vinculado ao su-
cesso do empreendimento. Com efeito, a principal característica do
mercado de valores mobiliários é a captação de poupança popular em
um investimento de risco: ao aplicador em mercado de capitais não
é garantida a obtenção de lucros; ao contrário, além da possibilidade
de não alcançar o retorno da quantia investida, o tomador dos valores
mobiliários pode vir a perder tudo o que despendeu.
Ressalte-se, a propósito, que o risco existente na aplicação em
valores mobiliários difere daquele verificado nos instrumentos de
concessão de crédito, nos quais o detentor do título assume apenas o
risco de crédito do devedor3.
Por constituírem bens com características tão peculiares, é funda-
mental que os valores mobiliários estejam disciplinados em legislação
especial, uma vez que as normas de Direito Civil, Comercial, ou mesmo

Los mercados de valores en La CEE (Derecho Comunitário y adaptacion al


Derecho Español). Madrid: Civitas, 1992, p. 62: “[se] trata de una característica
esencial de estos efectos, por permitir la formacion de um precio constante y
transparente, que se denomina ‘cotización’”. Sustentando que somente valores
fungíveis são passíveis de negociação nos mercados de valores mobiliários,
verifique-se CARLOS OSÓRIO DE CASTRO. Valores Mobiliários: conceito e
espécies, 2a ed. Porto: Universidade Católica Portuguesa, 1998, p. 12.
3 Sobre a matéria, Ary Oswaldo Mattos Filho ressalta: “Há que se distinguir o
risco comercial, do risco de investimento. Isto porque, na medida em que todo
e qualquer ato ou fato detenha um risco potencial, temos que, não faz parte
do mundo dos valores mobiliários o risco comercial, oriundo, por exemplo,
do não pagamento de uma duplicata, da emissão de cheque sem suficientes
provisões, do não pagamento de uma nota promissória emitida para garantir
empréstimo bancário, etc.” (ARY OSWALDO MATTOS FILHO, “O Conceito
de Valor Mobiliário”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro, n. 59. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul.-set. 1985, pp. 44-45).

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 61

as destinadas à proteção de consumidores não são suficientes para


garantir aos seus adquirentes uma efetiva proteção.
Assim, o mercado de valores mobiliários mereceu, por parte do
Estado, uma disciplina própria, consubstanciada na edição de legislação
específica sobre a matéria – a Lei nº 6.385/1976 – e, ainda, na criação
de um órgão estatal – a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) –
com a finalidade de disciplinar, regular e fiscalizar, exclusivamente,
esse segmento do Sistema Financeiro Nacional. Daí a relevância de
se precisar o que é considerado valor mobiliário.
De fato, a noção de valores mobiliários é basicamente instrumen-
tal, já que tem como finalidade demarcar a regulação estatal do mercado
de capitais. Em outras palavras, o conceito de valor mobiliário é de
grande importância no contexto do Direito Societário, pois delimita
o âmbito de aplicação da Lei nº 6.385/1976 e da regulamentação
administrativa editada pela CVM4.
Neste sentido, o legislador brasileiro acompanhou orientação de
outros sistemas legislativos estrangeiros, que optaram por instituir
órgãos específicos ou determinar a criação de agências reguladoras
especializadas e independentes para regular o mercado de capitais,
assim como por editar normas legais especiais sobre a matéria5.

4 A respeito do âmbito de atuação da CVM, ver Capítulo 7 desta obra.


5 Esta tendência pôde ser nitidamente observada após a edição, nos Estados
Unidos da América, do Securities Act de 1933 e do Securities Exchange Act de
1934, bem como a partir da criação da Securities and Exchange Commission, em
virtude da crise da Bolsa de Nova Iorque, em 1929. Ver, a propósito, HELIO
O. PORTO CARRERO DE CASTRO, NELSON EIZIRIK. Regulação e Controle
do Mercado de Capitais. O papel da SEC na experiência norte-americana.
Rio de Janeiro: Ibmec, 1974. Esta tendência foi mundialmente seguida, com
a criação de agências reguladoras em diversos países, tais como, a Comisión
Nacional de Valores, na Argentina; a Comisión Nacional Bancaria y de Valores,
no México; a Superintendencia de Valores y Seguros, no Chile; a Comisión
Nacional de Valores, na Venezuela; a Financial Services Agency, no Japão; a
China Securities Regulatory Commission, na China; a Federal Commission for the
Securities Market of the Russian Federation, na Rússia; a Commission Bancaire et
Financière, na Bélgica; a Comisión Nacional del Mercado de Valores, na Espanha;
a Commission des Opérations de Bourse, na França; a The Netherlands Authority

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62 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

O artigo 1º da Lei nº 6.385/1976, com a redação dada pela Lei


nº 10.303/2001, dispõe que serão disciplinadas e fiscalizadas, entre
outras, as atividades de emissão e distribuição de valores mobiliários
no mercado; a negociação e intermediação no mercado de valores
mobiliários; a negociação e intermediação no mercado de derivativos
(que também são considerados valores mobiliários); a organização, o
funcionamento e as opera­ções das Bolsas de Valores e das Bolsas de
Mercadorias e Futuros, nas quais são negociados valores mobiliários;
e os serviços de consultor e analista de valores mobiliários.
A partir deste conceito, extrai-se a competência dos órgãos da
Administração Pública encarregados da fiscalização das atividades
desenvolvidas no mercado financeiro: tratando-se de oferta, interme-
diação, negociação ou distribuição públicas por parte dos integrantes do
sistema de distribuição de valores mobiliários discriminados no artigo
15 da Lei nº 6.385/1976, a competência é da CVM; já os negócios
envolvendo quaisquer outros ativos financeiros, que não sejam valores
mobiliários, serão fiscalizados pelo Banco Central.
Assim, na hipótese de os valores mobiliários serem objeto de
uma oferta pública ou caso sejam negociados em sistemas públicos de
negociação, cumpre à CVM exercer sua competência sobre eles. Por
outro lado, a emissão e a negociação privadas de valores mobiliários
não ensejam, a princípio, a disciplina ou fiscalização da CVM.
A competência da CVM para regulamentar, fiscalizar e aplicar
san­ções administrativas está circunscrita e limitada aos emissores
de valores mobiliários, seus controladores e administradores, assim
como às entidades integrantes do sistema de distribuição de valores
mobiliários, auditores independentes e demais pessoas que atuam
profissionalmente neste mercado6.

for the Financial Markets, na Holanda; a Commissione Nazionale per la Società


e la Borsa, na Itália; a Financial Services Authority, no Reino Unido; a Comissão
de Mercado de Valores Mobiliários, em Portugal; a Australian Securities and
Investments Commission, na Austrália; a Securities and Exchange Board of India,
na Índia, e a Israel Securities Authority, em Israel.
6 A respeito da competência da CVM, confira-se o Capítulo 7 desta obra.

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A própria lei que instituiu a Comissão de Valores Mobiliários, a


Lei nº 6.385/1976, posteriormente alterada pela Lei nº 10.303/2001,
é taxativa ao prever, no seu artigo 2º, § 2º, seu alcance tanto sobre
as companhias abertas quanto sobre os demais emissores de valores
mobiliários.
Ao regulamentar a emissão e distribuição de valores mobiliários,
poderá a CVM, nos termos do § 3º do artigo 2º da Lei nº 6.385/1976:
(a) exigir que os emissores de valores mobiliários destinados
à distribuição pública se constituam sob a forma de so-
ciedade anônima;
(b) exigir que as demonstra­ções financeiras dos emissores,
ou que as informa­ções sobre o empreendimento ou pro-
jeto para cujo financiamento são distribuídos os valores
mobiliários, sejam auditadas por auditor independente
registrado na CVM;
(c) dispensar, na distribuição pública de valores mobiliários,
a participação de instituição integrante do sistema de
distribuição, atuando como underwriter7; e
(d) estabelecer padrões de cláusulas e condi­ções que devam
ser adotadas nos títulos ou contratos de investimento
destinados à negociação pública, recusando a admissão
ao mercado de emissão que não satisfaça tais padrões.
Desde sua criação, a CVM tem editado diversas normas no
sentido de proteger os investidores, assegurando-lhes uma noção
precisa a respeito dos títulos que estão sendo negociados no mercado,
garantindo-lhes, mediante a imposição do dever de disclosure, um
fluxo constante de informa­ções sobre os referidos papéis, e, ainda,
procurando coibir a prática de atos ilícitos ou fraudulentos no âmbito
do mercado de capitais.

7 Para maiores informa­ções sobre underwriting, consulte-se o Capítulo 5 desta obra.

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64 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Este foco do órgão regulador na proteção aos investidores me-


diante a adoção do princípio do full disclosure advém da sistemática
do mercado e das características dos valores mobiliários nele nego-
ciados. Como os valores mobiliários são ofertados ao público em
geral, é necessário garantir aos seus tomadores um fluxo permanente
de informa­ções a respeito da entidade emissora e também dos papéis
que estão sendo oferecidos8.

3.2. Desenvolvimento do conceito de valores mobiliários

3.2.1. O alcance do conceito de valores mobiliários


A questão do alcance do conceito de valor mobiliário foi bastante
debatida no Direito estrangeiro, constatando-se que existiam, tradicio-
nalmente, dois sistemas distintos sobre a matéria: aquele que conferia
um significado abrangente aos valores mobiliários, encontrado, v. g.,
nos Estados Unidos, e o que atribuía uma acepção mais restrita aos
mesmos, considerando valores mobiliários os expressamente previstos
em lei9.

8 Neste sentido, salienta José de Oliveira Ascensão que “[à] entidade de


supervisão cabe verificar se os interesses do público potencial adquirente
estão assegurados” (JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, “O actual conceito de
valor mobiliário”. In: Direito dos Valores Mobiliários, v. III. Coimbra: Coimbra
Editora, 2000, p. 60).
9 Alguns países, como a França, por exemplo, adotavam acepção mais estrita
dos valores mobiliários. A legislação francesa, aliás, serviu de inspiração para
outras leis estrangeiras, inclusive para a redação original do artigo 2º da Lei
nº 6.385/1976; contudo, atualmente, quase todos os países incorporaram,
em seu sistema legal, o sentido amplo de valores mobiliários. Confira-se: na
França, o Code Monetaire et Financier que estabelece: “Article L 211-2. Constituent
des valeurs mobilières, les titres émis par des personnes morales, publiques ou
privées, transmissibles par inscription en compte ou tradition, qui confèrent des
droits identiques par catégorie et donnent accès, directement ou indirectement, à
une quotité du capital de la personne morale émettrice ou à un droit de créance
général sur son patrimoine. Sont également des valeurs mobilières les parts de
fonds communs de placement et de fonds communs de créance.” Em Portugal, o
Código dos Valores Mobiliários (Decreto-Lei n.º 486/1999) também institui
a ampla acepção de valores mobiliários: “Artigo 1º. São valores mobiliários,
além de outros que a lei como tal qualifique: a) As ac­ções; b) As obriga­ções; c)

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Entre aqueles que conceituam de forma mais abrangente os


valores mobiliários, merece destaque o Direito norte-americano, que
foi o modelo para a Medida Provisória nº 2.110-40, de 2001, conver-
tida na Lei nº 10.198/2001 e, posteriormente, também para a Lei nº
10.303/2001, os quais consagraram, em nosso sistema legal, o sentido
mais amplo destes valores.

3.2.2. A evolução do conceito de securities no Direito


norte-americano

Até 1933, as securities não haviam recebido um tratamento legal


sistemático nos Estados Unidos, existindo sobre a matéria apenas as
chamadas Blue Sky Laws. No entanto, a crise da Bolsa de Nova Iorque
de 1929 expôs a fragilidade da estrutura do mercado de capitais norte
-americano e deflagrou uma série de medidas, por parte do governo,
visando a assegurar aos investidores do mercado de valores mobiliários
uma maior proteção10, resultando daí a edição, nos anos seguintes, do
Securities Act, em 1933, e também do Securities Exchange Act, em 1934.

Os títulos de participação; d) As unidades de participação em institui­ções de


investimento colectivo; e) Os warrants autónomos; f) Os direitos destacados
dos valores mobiliários referidos nas alíneas a) a d), desde que o destaque
abranja toda a emissão ou série ou esteja previsto no acto de emissão; g)
Outros documentos representativos de situa­ções jurídicas homogêneas,
desde que sejam susceptíveis de transmissão em mercado.” Leia-se, a respeito
do tema, NELSON EIZIRIK. Reforma das S.A. e do Mercado de Capitais, 2ª
edição. Rio de Janeiro: Renovar, 1998; ARNOLDO WALD, “O Mercado Futuro
de Índices e os Valores Mobiliários”, Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 57, jan.-mar. 1985.
10 A matéria foi, inclusive, um dos itens de campanha do então candidato à
presidência dos Estados Unidos Franklin Roosevelt, constituindo um dos
fundamentos do New Deal. Larry D. Soderquist e Theresa A. Gabaldon também
assinalam que o Congresso norte-americano, ao editar tais leis, buscou, ainda,
restabelecer a confiança do público no mercado de valores mobiliários,
bastante abalada em virtude da crise da Bolsa de Nova York de 1929. Esclarecem
os referidos autores que ocorreu, a partir da crise, um franco desinteresse neste
segmento do mercado por parte dos investidores, que procuraram alocar
suas poupanças em produtos financeiros que apresentassem menos riscos
(LARRY D. SODERQUIST, THERESA A. GABALDON. Securities Law. New York:
Foundation Press, 1998, pp. 11-12).

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66 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

O primeiro diploma, dentre outras questões, estabeleceu a definição


de valores mobiliários ,e o segundo instituiu um órgão regulador es-
pecífico para disciplinar e fiscalizar o funcionamento do mercado de
capitais – a Securities and Exchange Commission (SEC)11.
Os valores mobiliários encontram-se definidos na Section 2 do
Securities Act de 1933, o qual estabelece, expressamente, que “security”
constitui toda nota, ação, obrigação, debênture, comprovante de dívida,
certificado de participação em qualquer contrato de participação de
lucro, certificado de depósito em garantia, boletim de subscrição, con-
trato de investimento, certificado de transferência de direito de voto,
certificado de depósito de uma security, ou, ainda, todo certificado de
participação ou interesse, permanente ou temporário, recibo, garantia,
direito de subscrição ou opção referentes aos títulos e valores antes
mencionados12.
A redação deste dispositivo legal do Direito norte-americano foi
bastante criticada13, pois não contém propriamente uma definição de

11 HELIO O. PORTO CARRERO DE CASTRO, NELSON EIZIRIK. Regulação e


Controle do Mercado de Capitais. O papel da SEC na experiência norte--
americana. Rio de Janeiro: Ibmec, 1974, pp. 15 et seg.
12 Securities Act, de 1933. “SEC. 2 (a) DEFINITIONS. – When used in this title, unless the
context otherwise requires – (1) The term ‘security’ means any note, stock, treasury
stock, security future, bond, debenture, evidence of indebtedness, certificate of
interest or participation in any profit-sharing agreement, collateral-trust certificate,
preorganization certificate or subscription, transferable share, investment contract,
voting-trust certificate, certificate of deposit for a security, fractional undivided
interest in oil, gas, or other mineral rights, any put, call, straddle, option, or privilege
on any security, certificate of deposit, or group or index of securities (including any
interest therein or based on the value thereof), or any put, call, straddle, option,
or privilege entered into on a national securities exchange relating to foreign
currency, or, in general, any interest or instrument commonly known as a ‘security’,
or any certificate of interest or participation in, temporary or interim certificate
for, receipt for, guarantee of, or warrant or right to subscribe to or purchase, any
of the foregoing.” Essa definição abrangente das securities aparece, de forma
praticamente idêntica, em outras leis federais norte-americanas, tais como: o
Securities Exchange Act de 1934, § 3(a)(10); o Investment Company Act de 1940,
§ 2(a)(36); e o Investment Adviser Act de 1940, § 202(a)(18).
13 LUIS GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES. “O conceito de ‘security’ no Direito
Norte-Americano e o conceito análogo no Direito Brasileiro”, Revista de

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security, tendo o legislador apenas enumerado, de forma exemplifica-


tiva, títulos, valores e contratos que poderiam ser considerados valores
mobiliários.
O dispositivo peca, ainda, por incluir no seu corpo o próprio
objeto que pretendia definir, ao utilizar as expressões “[...] certificado
de depósito de uma security [...]” e, mais adiante, “[...] ou, em geral,
todo direito ou participação conhecido como security [...]”. Há re-
ferência, também, a alguns conceitos vagos, tais como “contrato de
investimento”.
Assim, diante da falta de limites conceituais do instituto jurídico
da security em lei, coube aos tribunais norte-americanos estabelecer,
em cada caso concreto, o exato sentido de valor mobiliário.
A caracterização de securities na jurisprudência norte-americana
teve como principal ponto de partida a definição de investment contract,
havendo a Suprema Corte apreciado a questão, pela primeira vez, em
1943, no julgamento do caso SEC v. C. M. Joiner Leasing Corporation,
que versava sobre uma companhia que havia arrendado vários lotes
de terra para realizar pesquisa e perfuração do solo visando à extração
de petróleo. Para tanto, a companhia realizou cessões do respectivo
contrato de arrendamento ao público.
O Juiz Jackson aplicou os dois testes existentes à época para con-
cluir se tal negócio poderia ser considerado security. O primeiro teste
consistia na verificação se a designação do instrumento em análise es-
tava contida no rol previsto na Section 2(1) do Securities Act; o segundo,
na análise se a designação do instrumento poderia ser enquadrada nas
expressões mais genéricas ali previstas, isto é, se a operação poderia
ser caracterizada, por exemplo, como um contrato de investimento14.

Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 14. São Paulo:


Revista dos Tribunais, 1974, pp. 43-44.
14 Sobre a matéria, confira-se RICHARD W. JENNINGS, HAROLD MARSH, JR.,
JOHN C. COFFEE, JR. Securities Regulation – Cases and Materials, 17th edition.
New York: The Foundation Press, 1992, p. 265: “In applying the two tests for the
security under § 2(1) to the facts, Justice Jackson first applied the specific instruments

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68 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

A Suprema Corte, no julgamento deste caso, entendeu que as


cessões deveriam ser consideradas securities, por constituírem contratos
de investimentos. Embora tal decisão tenha mencionado os investments
contracts, estes não foram definidos.
Aponta-se como leading case da conceituação de investments con-
tracts o famoso julgamento, ocorrido nos Estados Unidos, em 1946, do
caso SEC v. W. J. Howey & Co, que versava sobre a venda de terrenos a
centenas de pessoas por uma companhia e sua subsidiária – a Compa-
nhia Howey e a Howey-in-the-Hills Service Company, respectivamente
–, com a assunção do compromisso de, em contrapartida, prestar ser-
viços de plantio da terra e de comercialização dos produtos colhidos.
A Suprema Corte entendeu que a oferta de tal oportunidade de
negócio, a um número elevado de pessoas, não constituía uma simples
venda de terras para plantio. Em verdade, caracterizava a oferta de um
“contrato de investimento”, ou seja, de securities e, portanto, deveria ter
sido previamente registrada na Securities and Exchange Commission.
O Tribunal concluiu que esta operação envolvia “contrato de
investimento”, uma vez que os compradores dos lotes de terra, ao acei-
tarem a oferta da Companhia Howey e de sua subsidiária, investiam
de forma passiva em um negócio dirigido por terceiros, na expectativa
de lucrarem com tal transação15.

test to determine whether the oil leasehold interests were included within the
specifically designated instruments. Obviously, the list of specific instruments did
not include divided interests in oil and gas. He therefore proceeded to the second
test by considering the terms of a more variable character, specifically ‘investment
contract’. Noting that the leasehold interests were sold on the condition that the
purchasers would share in any appreciation in value of their lease interests if oil
were discovered on adjacent land, Justice Jackson concluded that these leaseholds
constituted ‘investment contracts’, and therefore were ‘securities’ ”.
15 Segundo Leães, nesta oportunidade, o juiz Murphy procurou conceituar
‘investment contract’, tendo assim se manifestado: “Essa definição foi aplicada
iterativamente pelos tribunais estaduais a uma série de situa­ções, cujos
traços comuns são a aplicação pelos indivíduos de recursos poupados
em empreendimentos comuns, com a esperança de colher lucro com
esforços desenvolvidos exclusivamente pelo lançador ou por terceiros,
nunca deles próprios. Ao incluir o contrato de investimento na definição de

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 69

A partir do julgamento desse caso, foram estabelecidos os con-


tornos da definição de “contrato de investimento”, que passou a ser
conhecida, desde então, como “Howey definition”.
Conforme a “Howey definition”, a security compreende o inves-
timento de dinheiro em um empreendimento comum, no qual a
expectativa de lucros depende unicamente dos esforços de terceiros.
Em cada caso concreto que lhes era submetido à apreciação,
procuravam os tribunais norte-americanos aplicar o chamado “Howey
test”, tendo em vista a substância do “negócio” e não exatamente a sua
forma16. O que importava, efetivamente, era a realidade econômica
subjacente.
Portanto, no Direito norte-americano, constituem securities não
somente os títulos tradicionalmente emitidos por uma sociedade
anônima (como a­ções e debêntures), mas também qualquer “contrato
de investimento”, considerando-se como tal, via de regra, aquele cor-
respondente a um investimento em dinheiro em empreendimento co-
mum, cujos lucros dependam, essencialmente, dos esforços de terceiros.

security constante do § 2(1) da lei de 1933, o Congresso estava empregando


uma expressão cujo significado já se firmara nos tribunais. É, portanto,
perfeitamente lícito atribuir ao termo, no contexto da lei, esse significado,
tanto mais que ele se harmoniza com os objetivos do Congresso. Em suma, um
contrato de investimento, para os propósitos do Securities Act, é todo contrato,
transação ou esquema através do qual uma pessoa aplica o seu dinheiro em
um empreendimento comum, com o objetivo de obter lucro, em virtude
exclusivamente dos esforços que venham a ser desenvolvidos pelo lançador
ou por uma terceira pessoa [...]” (LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES. “O
conceito de ‘security’ no Direito Norte-Americano e o conceito análogo no
Direito Brasileiro”, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro, n. 14. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974, p. 47).
16 A forma não deve prevalecer sobre o conteúdo; a ênfase deve ser dada à
realidade econômica – esta a conclusão a que chegou a Suprema Corte norte-
americana no julgamento dos seguintes casos: United Housing Foundation, Inc.
v. Forman, International Brotherhood. of Teamsters v. Daniel, que serão objeto
de análise nas páginas seguintes, e Tcherepnin v. Knight (United States Supreme
Court, 1967), citado por LOUIS LOSS. Fundamentals of Securities Regulation.
Boston: Little, Brown and Company, 1988, p. 173.

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70 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Nos Estados Unidos, normalmente, se não houver expressa ex-


clusão legal e desde que os recursos investidos nos empreendimentos
sejam captados junto ao público, podem ser considerados securities os
investimentos que envolvam as mais diversas atividades, tais como
negócios em glebas de terra, em loteamento, em empreendimentos
rurais, em obras de construção civil, em títulos de clube etc.17
As cortes norte-americanas, no julgamento de casos em que estava
sendo discutida a submissão de determinados títulos, instrumentos ou
opera­ções ao regime jurídico das securities, passaram a examinar em
cada situação concreta se estavam presentes os elementos compreen-
didos na “Howey definition”, a saber:
(a) investment of money (“investimento em dinheiro”);
(b) common enterprise (“empreendimento comum”);
(c) expectation of profits (“expectativa de lucro”); e
(d) solely from the efforts of others (“unicamente dos esforços
dos outros”).
Em diversas decisões jurisprudenciais, muitas vezes despreza-se
a designação atribuída a determinado título em negociação18 para se

17 LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES, “O conceito de ‘security’ no Direito


Norte-Americano e o conceito análogo no Direito Brasileiro”, Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 14. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1974, pp. 48-49.
18 Segundo Ratner, a maior parte destes casos envolve a negociação de “stocks
and notes”. Na realidade, uma ação será quase sempre considerada um valor
mobiliário. No entanto, no julgamento do caso Forman, a Suprema Corte
entendeu que as a­ções de uma cooperativa imobiliária não poderiam ser tidas
como securities, simplesmente porque a lei contém a expressão “qualquer ação”.
Neste caso, os investidores não haviam adquirido as a­ções com a expectativa de
obterem lucros; o negócio ofertado destinava-se ao financiamento de habita­ções
de baixo custo. Ratner esclarece, ainda, que em diversas ocasiões os Tribunais
decidiram que a venda de a­ções em circulação de uma sociedade não envolvia
a negociação de securities, mas a venda de um negócio (DAVID L. RATNER.
Securities Regulation in a nutshell, 6th. ed. St. Paul: West Publishing, 1998, pp.
22-23). A doutrina da “sale of business” foi, no entanto, rejeitada no julgamento
do caso Landreth Timber Company v. Landreth (United States Supreme Court, 1985),
reproduzido em LARRY D. SODERQUIST, THERESA A. GABALDON. Securities
Regulation. New York: Foundation Press, 1999, pp. 153-158. O caso Landreth v.

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verificar se estão realmente presentes os requisitos que caracterizam


um contrato de investimento coletivo. Algumas destas decisões, inclu-
sive, desconsideram a designação dos instrumentos submetidos à sua
apreciação para excluírem tais títulos do regime das securities.
Por outro lado, os tribunais nem sempre exigem o preenchimento
de todos os aspectos da “Howey definition” para considerar determinado
título um valor mobiliário. Em várias ocasiões, os julgadores, embora
tenham verificado a ausência de um ou mais requisitos da “Howey
definition”, ainda assim decidiram pela inclusão dos instrumentos ou
das opera­ções no âmbito dos valores mobiliários.
Dessa forma, cumpre analisar cada um dos aspectos da “Howey
definition”.

a) Investment of money (“investimento em dinheiro”)

A Suprema Corte, ao utilizar o termo “dinheiro” na “Howey defi-


nition”, pretendeu apenas simplificar a questão, não tendo a intenção,
todavia, de condicionar a existência das securities às hipóteses em que
há pagamento exclusivamente em moeda corrente. Na realidade, o
investimento pode ser realizado em dinheiro ou qualquer outro bem
que tenha valor19 e que possa ser utilizado como pagamento ou con-
tribuição para o empreendimento.

Landreth trata da venda privada de todos os valores mobiliários de emissão da


sociedade Landreth a investidores, após incêndio das máquinas da companhia,
com a promessa de reconstrução e modernização do maquinário. Contudo,
a promessa não se concretizou, devido ao alto custo da reconstrução, bem
como à incompatibilidade entre os novos componentes e os equipamentos já
existentes. A Suprema Corte rejeitou a doutrina do “sale-of-business”, concluindo
que os valores negociados enquadravam-se na definição de securities, pois se
assemelhavam às ações. Em outro caso envolvendo a negociação de notes, a
Suprema Corte entendeu que o empreendimento não deveria ser incluído no
âmbito das securities, tendo em vista que tais títulos guardavam forte semelhança
(“family resemblance”) com aqueles expressamente excluídos do campo dos
valores mobiliários. Reves v. Ernst & Young (United States Supreme Court, 1990),
citado por DAVID L. RATNER. Securities Regulation in a nutshell, 6th. ed. St.
Paul: West Publishing, 1998, p. 23.
19 LARRY D. SODERQUIST, THERESA A. GABALDON. Securities Regulation.
New York: Foundation Press, 1999, p. 139.

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72 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

A palavra chave deste requisito do “Howey test” não é propria-


mente “dinheiro”; o importante é o “investimento”, ou melhor, o
investimento com a expectativa de obter um retorno financeiro20.
Um dos casos mais famosos em que se discutiu o significado de
“investimento” foi o International Brotherhood of Teamsters v. Daniel21,
em que a Suprema Corte teve que decidir se as contribui­ções efetuadas
pelos empregadores para o fundo de pensão dos empregados poderiam
ser consideradas “contrato de investimento” para fins de caracteri-
zação de security. O plano de pensão, resultado de acordo coletivo,
era compulsório, embora os empregados, eles próprios, fossem “não
contribuintes”. Isto é, os empregados tinham que necessariamente
aderir ao plano, cabendo unicamente aos empregadores realizar as
contribui­ções. Os empregados não podiam optar por não participar
do plano, nem podiam solicitar que os pagamentos fossem efetuados
a eles diretamente, como alternativa ao plano de aposentadoria.
Discutia-se, portanto, neste julgamento se o “non-contributory,
compulsory pension plan” constituía security, tendo a Suprema Corte
decidido que as contribui­ções dos empregadores para o plano não
poderiam ser consideradas “valores mobiliários”, uma vez que o in-
vestimento não foi realizado com o objetivo de proporcionar lucros;
o fim visado era o de garantir o sustento dos empregados após a
aposentadoria22.

b) Common enterprise (“empreendimento comum”)

A noção de “empreendimento comum” contida na “Howey defini-


tion” remonta à ideia de que, em geral, o valor mobiliário é oferecido

20 LARRY D. SODERQUIST, THERESA A. GABALDON. Securities Law. New York:


Foundation Press, 1998, p. 4.
21 International Brotherhood. of Teamsters v. Daniel (United States Supreme Court,
1979), reproduzido em RICHARD W. JENNINGS, HAROLD MARSH JR., JOHN
C. COFFEE JR. Securities Regulation Cases and Materials. 7th edition. New
York: The Foundation Press, 1992, pp. 274-281.
22 LARRY D. SODERQUIST, THERESA A. GABALDON. Securities Regulation.
New York: Foundation Press, 1999, p. 137.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 73

a diversas pessoas, que partilham um mesmo conjunto de ativos, com


a expectativa de auferir lucros decorrentes dos esforços do promotor
do negócio ou do instrumento que está sendo ofertado.
A situação em que há identidade de interesses de vários investido-
res em um determinado empreendimento é normalmente designada,
pelos tribunais norte-americanos, como “comunidade horizontal”
(horizontal commonality) e constitui uma característica tipicamente
relacionada aos valores mobiliários.
O problema para a verificação do elemento do common enterprise
surge não quando há comunhão de interesses de vários investidores
em um esquema particular, mas sim quando ocorre o que se chama
de “comunidade vertical” (“vertical commonality”), em que se constata
uma relação direta entre o investidor e o promotor do negócio ou do
instrumento ofertado.
Em relação à comunidade vertical, dividem-se os tribunais
americanos sobre a possibilidade de esta constituir “empreendimento
comum” para efeitos do preenchimento do requisito do “Howey test”.
Uma boa interpretação de “vertical commonality” pode ser extraída
dos precedentes SEC v. Glenn W. Turner Enterprises, Inc.23 e SEC v.
Koscot Interplanetary, Inc.24, que envolviam “esquemas de pirâmide”,
nos quais havia a participação dos investidores.

23 Discutiu-se se “self-improvements plans” e o direito de venda destes planos


seriam securities, tendo em vista que os lucros auferidos não advinham somente
do esforço alheio; o investidor ou adquirente também deveria realizar esforços
para obter retornos com o negócio. O Nono Circuito entendeu que os
referidos investimentos eram securities, com base na flexibilização do termo
“solely”, para abranger os esforços realizados por outros que não somente o
investidor, de forma a afetar o sucesso ou o fracasso do negócio. SEC v. Glenn
W. Turner Enterprises, Inc. (United States Court of Appeals, Ninth Circuit, 1973),
comentado por LARRY D. SODERQUIST. Securities Regulation – A Problem
Approach. New York: Foundation Press, 1982, p. 205.
24 O caso Koscot trata da venda de cosméticos em um esquema de pirâmide,
que envolvia consultores de beleza, supervisores, varejistas, distribuidores
e os promotores do negócio, que dirigiam a Koscot. O esquema pode ser
assim resumido: “The modus operandi of Koscot and its investors is as follows.
Investors solicit prospects to attend Opportunity Meetings at which the latter are

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74 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Em SEC v. Glenn W. Turner Enterprises, Inc., concluiu-se que


“empreendimento comum” é aquele em que os lucros de um investidor
estão relacionados e são dependentes dos esforços e do sucesso dos
lançadores do investimento ou de terceiras pessoas25.
O Quinto Circuito, por sua vez, no julgamento do caso SEC v.
Koscot Interplanetary, Inc., estabeleceu que, nos “esquemas de pirâmi-
de”, não obstante o fato de que a lucratividade de cada investidor seja
independente da dos demais, o requisito da comunidade está eviden-
ciado a partir do momento em que se verifica que os lucros de todos
eles estão intrinsecamente relacionados à eficiência dos esforços dos
promotores do empreendimento26.

introduced to the Koscot scheme. Significantly, the investor is admonished not to


mention the details of the business before bringing the prospect to the meeting,
a technique euphemistically denominated the ‘curiosity approach’. Thus, in the
initial stage, an investor’s sole task is to attract individuals to the meeting. Once
a prospect’s attendance at a meeting is secured, Koscot employees, frequently in
conjunction with investors, undertake to apprise prospects of the ‘virtues’ of enlisting
in the Koscot plan. The meeting is conducted in conformity with scripts prepared
by Koscot. The principal design of the meetings is to foster an illusion of affluence.
Investors and Koscot employees are instructed to drive to meeting in expensive cars,
preferably Cadillacs, to dress expensively, and to flaunt large amounts of money.
It is intended that prospects will be galvanized into signing a contract by these
ostentations displayed in the evangelical atmosphere of the meetings. The final
stage in the promotional scheme is the consummation of the sale. If a prospect
capitulates at *** an Opportunity Meeting ****, an investor will not be required to
expend any additional effort. Less fortuitous investors whose prospects are not as
quickly enticed to invest do have to devote additional effort to consummate a sale,
the amount of which is contingent upon the degree of reluctance of the prospect”.
SEC v. Koscot Interplanetary, Inc. (United States Court of Appeals, Fifth Circuit,
1974), reproduzido em RICHARD W. JENNINGS, HAROLD MARSH, JR., JOHN
C. COFFEE, JR. Securities Regulation Cases and Materials, 7th edition. New
York: The Foundation Press, 1992, p. 271.
25 LARRY D. SODERQUIST, THERESA A. GABALDON. Securities Law. New York:
Foundation Press, 1998, p. 4.
26 LARRY D. SODERQUIST, THERESA A. GABALDON. Securities Regulation.
New York: Foundation Press, 1999, p. 205: “Notwithstanding the fact that each
investor’s return might be independent of other investors, in this view, the requisite
commonality is evidenced by the fact that the fortunes of all investors are inextricably
tied to the efficacy of the promoters’ efforts.”

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 75

Nestes dois casos – Glenn Turner e Koscot –, os tribunais consta-


taram a existência de comunidade vertical e consideraram presente o
elemento “common enterprise”, concluindo pela submissão das opera­ções
ao regime das securities.
Note-se que, segundo a corrente que admite a comunidade vertical
como caracterizadora de empreendimento comum e, consequentemen-
te, de valor mobiliário, pode haver “common enterprise” em hipóteses
envolvendo apenas um promotor do investimento e um ofertado27.
Por outro lado, alguns tribunais não aceitam a hipótese de a co-
munidade vertical configurar “empreendimento comum”, afastando-a
do campo dos valores mobiliários. No julgamento do caso Milnarik v.
M-S Commodities, Inc.28, por exemplo, o Sétimo Circuito decidiu que
o gerenciamento de uma conta de investimentos em commodities por
um corretor não envolvia um empreendimento comum. O Tribunal
considerou ser necessária a existência de “comunidade horizontal” e
destacou o fato de que a lucratividade da conta do autor da ação judi-
cial não dependia do sucesso ou da falha no gerenciamento de outras
contas pelo mesmo corretor. A Corte entendeu que existia entre o
investidor e seu corretor apenas um contrato de “agency for hire”, sendo
os clientes representados por um agente comum.

27 Larry D. Soderquist e Theresa A. Gabaldon advertem, ainda, que existem diferentes


versões de “vertical commonality”: “In thinking about the ‘common enterprise’ element
of the Howey test, it may be helpful to note that some courts have identified different
versions of vertical commonality. One version, called strict vertical commonality,
requires that the fortunes of the investor be linked to the fortunes of same other party.
The other version, called broad vertical commonality, requires only that the fortunes of
the investor be linked to the efforts of another party. (Note that courts that accept vertical
commonality can be expected also to accept horizontal commonality if it happens to
exist.)” (LARRY D. SODERQUIST, THERESA A. GABALDON. Securities Law. New
York: Foundation Press, 1998, p. 5).
28 Milnarik v. M-S Commodities, Inc. (United States Court of Appeals, Seventh Circuit,
1972), comentado por LARRY D. SODERQUIST, THERESA A. GABALDON.
Securities Law. New York: Foundation Press, 1998, p. 5.

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76 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Num caso posterior, Hirk v. Agri-Research Council, Inc.29, o Sétimo


Circuito estreitou seu conceito de comunidade horizontal ao afirmar
claramente que são necessários tanto a multiplicidade de investidores
como um pooling de fundos para caracterizar a existência do elemento
do empreendimento comum30.
Em resumo, os Tribunais dividiram-se quanto à questão sobre se os
investidores devem partilhar um mesmo conjunto de ativos (“comuni-
dade horizontal”) de modo a chegar a um empreendimento comum, ou
se seria suficiente um acordo de distribuição de lucros entre o promotor
e cada investidor (“comunidade vertical”)31. Há aqueles que exigem uma
multiplicidade de investidores para a qualificação do título como secu-
rity32 e outros que consideram ser desnecessária a presença desse pool33.

29 O Sétimo Circuito reinterpretou a decisão no caso Milnarik v. M-S Commodities


para exigir um pool de investimentos, a fim de reconhecer a existência de uma
“common enterprise”. Ou seja, adotou a caracterização da “common enterprise”
mediante a presença da “horizontal commonality”. LARRY D. SODERQUIST,
THERESA A. GABALDON. Securities Law. New York: Foundation Press, 1998, p. 5.
30 Ibidem, p. 5.
31 Vide Revak v. SEC Realty (United States Court of Appeals, Second Circuit, 1994),
citado por DAVID L. RATNER. Securities Regulation in a nutshell, 6th. ed. St.
Paul: West Publishing, 1998, p. 27.
32 O Sétimo Circuito em Milnarik v. M-S Commodities, Inc. e, posteriormente,
em Hirk v. Agri-Research Council Inc. (United States Court of Appeals, Seventh
Circuit, 1977) decidiu ser necessária a multiplicidade de investidores. LARRY
D. SODERQUIST, THERESA A. GABALDON. LARRY D. SODERQUIST, THERESA
A. GABALDON. Securities Law. New York: Foundation Press, 1998, p. 5.
33 O Nono Circuito estabeleceu entendimento inconsistente com a orientação
adotada pelo Sétimo Circuito. Prevaleceu no Nono Circuito uma definição de
empreendimento comum qualificado apenas pela existência de uma “vertical
commonality”, rejeitando-se o requisito da “horizontal commonality”. Dessa
forma, estaria preenchido o requisito da “common enterprise” desde que um
investidor e um empreendedor (quem busca recursos) estivessem ligados
por um empreendimento comum, independentemente da existência de
outros investidores partilhando do mesmo interesse. Assim, decidiu-se em
Hector que haveria uma “common enterprise” entre um fazendeiro, um banco,
e um operador de matadouro, desde que ambos o fazendeiro e o banco
dependessem do sucesso do matadouro para o êxito de seus investimentos.
A propósito, conferir a afirmação da United States Court of Appeals for the Ninth
Circuit, no julgamento do caso Hector v. Wiens (1976), no sentido de que: “the
concept of vertical commonality requires that the investor and the promoter be

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 77

c) Expectation of profits (“expectativa de lucro”)

Um dos pontos mais discutidos na análise dos requisitos da


“Howey test” é a expectativa de lucros. Com efeito, quem adquire uma
security tem como finalidade obter um retorno de seu investimento.
Aliás, investimento e expectativa de lucros estão tão relacionados que
podem ser considerados diferentes aspectos de um mesmo requisito34.
A Suprema Corte já teve oportunidade, por exemplo, de decidir que
as a­ções de uma cooperativa imobiliária não seriam entendidas como
“valores mobiliários”, visto que a indução à compra se dava somente
para habita­ções de baixo custo, não se configurando, deste modo, em um
investimento destinado a auferir lucros35. Da mesma forma, os tribunais
não consideraram as participa­ções em planos de pensão como sendo
securities, baseando-se no fato de que o empregado espera que os fundos
de sua pensão provenham essencialmente das contribui­ções feitas pelo
empregador, não de ganhos resultantes de ativos do plano36.
Um outro caso em que se discutiu a questão da expectativa de
lucro foi o SEC v. ETS Payphones, Inc.37 ETS era uma companhia

involved in some common venture without mandating that other investors also be
involved in that venture” (DAVID L. RATNER, Securities Regulation in a nutshell,
6th. ed. St. Paul: West Publishing, 1998, p. 235).
34 LARRY D. SODERQUIST, THERESA A. GABALDON. Securities Regulation. New
York: Foundation Press, 1999, p. 139.
35 United Housing Foundation, Inc. v. Forman (United States Supreme Court, 1975),
reproduzido em LARRY D. SODERQUIST, THERESA A. GABALDON. Securities
Regulation. New York: Foundation Press, 1999, p. 131 et seg.
36 Vide International Brotherhood of Teamsters v. Daniel, discutido anteriormente.
No caso Black v. Payne (United States Court of Appeals, Ninth Circuit, 1979),
o Nono Circuito entendeu que a contribuição de empregado ao Public
Employees Retirement System (PERS) não está abrangida no conceito de security,
pois não apresenta o requisito “reasonable expectation of profits” derivada dos
esforços de outrem. A Corte sustentou que a falta de razoáveis expectativas
de lucros advém do fato de esta contribuição ser compulsória, estatutária
e não possuir o elemento de risco econômico comumente associado ao
investimento. Sobre “hopes of favorable return”, ver LARRY D. SODERQUIST.
Securities Regulation. New York: Foundation Press, 1999, p. 204.
37 SEC v. ETS Payphones, Inc. (United States Court of Appeals, Eleventh Circuit,
2002), reproduzido pelo “Annual Review of Federal Securities Regulation”,

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78 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

especializada na prestação de determinados serviços a proprietários


de telefones pagos, tais como coleta de moedas ou manutenção do
aparelho. Esta empresa tinha como subsidiária integral a Payphone,
que vendia os aparelhos telefônicos. Os investidores adquiriam os
aparelhos e faziam um lease para que a ETS, mediante o pagamento
de uma remuneração mensal, gerenciasse os serviços que prestava.
A SEC obteve judicialmente o bloqueio dos bens do controlador da
ETS, que apelou da decisão, alegando não se tratar de security. Na análise
do caso, o Décimo Primeiro Circuito examinou se o negócio em questão
constituiria um contrato de investimento, sopesando os quatro critérios
do “Howey test”. Entendeu o Tribunal que não havia evidências de que
os proprietários dos telefones tivessem expectativa de lucro ao contratar
com a ETS, decidindo, ainda, que os pagamentos mensais do lease não
configuravam investimento realizado para auferir ganhos, nem demons-
travam que os participantes dividiam os riscos do empreendimento. Por
tais motivos, o Tribunal concluiu que não havia contrato de investimento
coletivo e afastou a transação do âmbito dos valores mobiliários.

d) Solely from the efforts of others (“unicamente dos esforços


de outros”)

Esse requisito do “Howey test” talvez seja um dos mais interessan-


tes. Isso porque a interpretação literal do termo “solely” (unicamente)
poderia redundar no afastamento da proteção oferecida pelo regime
legal das securities nos casos em que houvesse alguma participação ou
algum esforço do investidor na condução do empreendimento ou na
promoção do sucesso do negócio oferecido38.
A questão foi bastante discutida no julgamento de casos39, en-
volvendo esquemas de “vendas em pirâmide”, nos quais o investidor

The Business Lawyer. Chicago: Section of Business Law of the American Bar
Association, v. 58, n. 2, fev. 2003, pp. 909-910.
38 LARRY D. SODERQUIST, THERESA A. GABALDON. Securities Law. New York:
Foundation Press, 1998, p. 6.
39 Os principais casos em que a questão foi discutida foram: SEC v. Glenn W.
Turner; SEC v. Koscot; e SEC v. Aqua-Sonic. Sobre os casos Turner e Koscot,

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 79

tinha que efetivamente se empenhar para angariar a participação de


outras pessoas no esquema. Nestas situa­ções, o investidor não era
meramente um sujeito passivo no empreendimento; ao contrário,
uma vez tendo aderido ao negócio, tinha que procurar cooptar novos
candidatos e levá-los a reuniões de vendas patrocinadas e organizadas
pelos promotores da “pirâmide”.
Consignou-se que o critério para se averiguar esse requisito seria
a dimensão e a importância do trabalho desenvolvido pelo promotor
do negócio. Seus esforços deveriam ser aqueles inegavelmente sig-
nificativos ou essenciais no gerenciamento da operação, capazes de
influenciar no fracasso ou sucesso do empreendimento40.
A partir de então, os tribunais passaram a conferir nova inter-
pretação à “solely”, analisando, em cada caso, (a) a efetiva contribuição
dos investidores para constatarem se foi módica, e (b) o esforço de
terceiros não investidores no sucesso ou fracasso do empreendimento41.
O entendimento jurisprudencial quanto a este requisito do
“Howey test” é de que, ainda que requeiram algum esforço ou participa-
ção dos investidores, os instrumentos ou negócios ofertados podem ser

vide comentários anteriores. Em SEC v. Aqua-Sonic, o Segundo Circuito


entendeu que a alienação de licenças com o direito de venda dos produtos
da companhia estaria enquadrada no âmbito de um investimento coletivo
e, portanto, constituiria uma security e deveria ter sido registrada perante a
SEC. SEC v. Aqua-Sonic (United States Court of Appeals, Second Circuit, 1982),
reproduzido em DAVID L. RATNER, Securities Regulation in a nutshell, 6th.
ed. St. Paul: West Publishing, 1998, pp. 243-250.
40 Neste sentido, LARRY D. SODERQUIST, THERESA A. GABALDON. Securities
Regulation. New York: Foundation Press, 1999, p. 204.
41 LARRY D. SODERQUIST, THERESA A. GABALDON. Securities Law. New York:
Foundation Press, 1998, pp. 6-7: “Each court chose not to read ‘solely’ literally,
pointing out that ‘it would be easy to evade the test by adding a requirement that
the buyer contribute a modicum of effort’. The test those courts adopted, however,
went far beyond that required to avoid the modicum-of-effort problem and
entailed an inquiry into ‘whether the efforts made by those other than the investor
are the undeniably significant ones, those essential managerial efforts which
affect the failure or success of the enterprise’. (The focus on managerial efforts as
the undeniably significant ones is interesting, since the skills that seemed most
important to the courts were technical rather than managerial – the ability to stir
up an audience.)”

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80 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

considerados contratos de investimento, e, consequentemente, valores


mobiliários, se as fun­ções ou obriga­ções essenciais para o sucesso do
empreendimento tenham sido desenvolvidas por terceiros42.
A exigência de que os lucros resultassem “unicamente” dos esforços
de outros deu margem ainda a decisões segundo as quais as leis regulado-
ras dos valores mobiliários foram consideradas inaplicáveis aos contratos
de franquia em que o investidor possuía parte ativa no negócio43.
Na realidade, constata-se que muitos instrumentos com deno-
minação típica de “valores mobiliários” não foram emitidos para fins
de investimentos; outros foram emitidos por institui­ções financeiras;
outros, ainda, são comprobatórios de investimentos em empreen-
dimentos com fins lucrativos, mas não constituem a­ções, notes ou
quaisquer outras securities tradicionais44. Nestas situa­ções, mais uma
vez, o que prevalece, segundo os tribunais, é a essência do negócio.

42 Nesta linha, confira-se LEWIS D. SOLOMON, DANIEL FESSLER, ARTHUR E.


WILMARTH, JR. Corporations and alternative business vehicles. 5th ed. Santa
Monica: Casenotes Publishing Company, 2000, pp. 5-4: “Federal appellate
court decisions since Howey have liberalized the ‘solely from the efforts of others’
test. The consensus view is that an investment program requiring ‘some effort’ from
investors can still constitute an ‘investment contract’ as long as ‘the most essential
functions or duties must be performed by others and not the investor’”. A respeito
da discussão sobre a caracterização das quotas de sociedades limitadas como
securities, ver DAVID L. RATNER. Securities Regulation in a nutshell, 6th.
ed. St. Paul: West Publishing, 1998, p. 28, e também J. WILLIAM CALLISON,
“Changed Circumstances: Eliminating the Williamson presumption that
general partnership interests are not securities”, The Business Lawyer. Chicago:
Section of Business Law of the American Bar Association, v. 58, n. 4, ago. 2003,
pp. 1.373-1.386.
43 Vide, e.g., Wieboldt v. Metz (Southern District of New York, 1973), citado por
DAVID L. RATNER. Securities Regulation in a nutshell, 6th. ed. St. Paul: West
Publishing, 1998, p. 28.
44 DAVID L. RATNER. Securities Regulation in a nutshell, 6th. ed. St. Paul: West
Publishing, 1998, p. 22; Louis Loss aborda a questão da definição de securities
a partir da conceituação de notes, títulos que inauguram as Se­ções que tratam
dos valores mobiliários, tanto no Securities Act, quanto no Securities Exchange
Act. Loss sugere a adoção de três testes agrupados a partir das decisões dos
diversos Circuitos: “1) the commercial/investment dichotomy test of the First, Third,
Seventh, and Tenth Circuits; 2) the risk capital test of the Ninth Circuit; 3) the literal

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 81

Vale dizer, em muitos casos não estão presentes cumulativamente


todos os requisitos que integram a “Howey definition” e, ainda assim, de-
terminados instrumentos podem ser considerados valores mobiliários.
Neste sentido, os doutrinadores norte-americanos afirmam,
baseados na análise dos mais recentes casos julgados pelos tribunais,
que não se pode “dizer de antemão” que determinado título negociado
é considerado “valor mobiliário”, não se podendo exigir, ainda, que
todos os aspectos da “Howey definition” estejam presentes para que se
caracterize uma security – é preciso verificar, em cada situação concreta,
o substrato da operação que está sendo realizada.
O Securities Act de 1933, além de definir securities, listou, ainda,
na Section 3(a), as “exempted securities”45. Normalmente, uma “exempted
security” não está sujeita ao registro e às exigências quanto à divulgação
impostas por lei, mas pode estar submetida aos preceitos de combate
à fraude e aos relativos ao ressarcimento de danos. Se por um lado as
disposi­ções da Lei de 1933 não se aplicam às exempted securities, “exceto
as expressamente citadas”46, os preceitos do Securities Exchange Act, de
1934, aplicam-se às “exempted securities”, a menos que sua negociação
tenha sido especificamente excluída47.
De acordo com o Securities Act de 1933 e o Securities Exchange
Act de 1934, constituem “exempted securities”48:

approach of the Second Circuit”. Sobre cada um destes testes, ver LOUIS LOSS.
Fundamentals of Securities Regulation. Boston: Little, Brown and Company,
1988, pp. 165 et seg.
45 A Section 3(a)(12) do Securities Exchange Act também trata das “exempted
securities”.
46 Vide, e.g., Securities Act, §§ 12(1) e 17(c).
47 Vide, e.g., Securities Act, §§ 12(a) e 15(a)(1); DAVID L. RATNER. Securities
Regulation in a nutshell, 6th. ed. St. Paul: West Publishing, 1998, p. 29.
48 O rol de “exempted securities” previsto no Securities Act e no Securities Exchange
Act sofreu altera­ções, conforme anota DAVID L. RATNER. Securities Regulation
in a nutshell, 6th. ed. St. Paul: West Publishing, 1998, p. 31.

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82 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

(a) as obriga­ções emitidas ou garantidas pelo governo dos


Estados Unidos ou pelos governos estaduais ou municipais
(incluindo as “tax-exempt industrial development bonds”)49;
(b) os valores mobiliários emitidos por bancos, organiza­
ções religiosas e outras também filantrópicas, associa­ções
de poupança e empréstimo e empresas transportadoras
sujeitas à regulação da Interstate Commerce Commission,
assim como “bankruptcy certificates”, apólices de seguro e
“annuity contracts”50;
(c) as notes com vencimento em até nove meses51; e
(d) certas “classes” de valores mobiliários que constituem, em
verdade, isen­ções de opera­ções52.
Além dos valores que são excepcionados do conceito de securities,
observa-se que a expressão “unless the context otherwise requires”, inseri-
da no próprio corpo da Section 2 do Securities Act, também autoriza que
os tribunais analisem casuisticamente a realidade econômica subjacente
com a finalidade de verificar se o título sob exame, independentemente
da sua forma, constitui ou não uma security.

49 Securities Act § 3(a)(2) e a Securities Exchange Act § 3(a)(12).


50 Tais títulos são excepcionados pelo Securities Act, mas não pelo Securities
Exchange Act.
51 O Securities Act, § 3(a)(3), isenta as notes com vencimento em até 9 meses que
“tenham resultado de transa­ções correntes,” e o Securities Exchange Act, § 3(a)
(10), exclui da definição de “valor mobiliário” todas as notes com vencimento
em até 9 meses. Muitos tribunais interpretaram tais exclusões como aplicáveis
somente a “papéis comerciais” de alta qualidade, emitidos por grandes
corpora­ções, para financiar suas opera­ções correntes. Vide Zeller v. Bogue
(United States Court of Appeals, Second Circuit, 1973). No caso Reves v. Ernst &
Young, a Suprema Corte não adotou tal limitação, mas decidiu que: “a note
payable on demand did not fall within the exclusion if it was not antecipated that
demand would in fact be made within 9 months from the date of issue” (DAVID L.
RATNER. Securities Regulation in a nutshell, 6th. ed. St. Paul: West Publishing,
1998, p. 30).
52 Dentre estas isen­ções, estão os valores mobiliários emitidos em troca de
outros valores mobiliários – §§ 3(a)(9) e (10) – ou em ofertas intraestaduais – §
3(a)(11) –, assim como em pequenas ofertas contidas no § 3(b).

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 83

Na realidade, durante muitos anos a expressão “unless the context


otherwise requires” não mereceu, por parte dos Tribunais, uma devida
atenção. No entanto, a partir do julgamento do caso Marine Bank v.
Weaver, esta parte do dispositivo ganhou relevância e passou a ser,
efetivamente, considerada em julgamentos envolvendo a definição
de security53.
No caso Marine Bank, discutiu-se se os certificados de depósitos
emitidos por banco de atuação em âmbito nacional poderiam ser
considerados securities. A Suprema Corte examinou a expressão “unless
the context otherwise requires” e concluiu que o contexto, nesta situação,
estaria incluído no “otherwise requires”, uma vez que além de tais bancos
estarem submetidos a uma legislação específica que confere adequada
proteção aos seus clientes, os referidos certificados de depósito haviam
sido garantidos em nível federal54.
A Suprema Corte no julgamento do caso Marine Bank v. Weaver
entendeu que certificado de depósito bancário não poderia ser conside-
rado security, dado que os adquirentes dos certificados encontravam-se
protegidos por lei federal bancária. Ademais, para caracterização de
security, exige-se que o contrato de investimento coletivo seja nego-
ciado publicamente, o que não ocorreu na hipótese, já que a venda dos
títulos realizou-se em um único acordo, comercializado privadamente
com cada parte.
O precedente estabelecido pelo caso Marine Bank é um dos mais
importantes nesta área, pois, aparentemente, foi o primeiro em que

53 Marine Bank v. Weaver (United States Supreme Court, 1982), comentado por
LARRY D. SODERQUIST, THERESA A. GABALDON. Securities Law. New York:
Foundation Press, 1998, p. 7.
54 LARRY D. SODERQUIST, THERESA A. GABALDON. Securities Law. New York:
Foundation Press, 1998, p. 7: “Marine Bank involved the question of whether a
certificate of deposit issued by a national bank was a security. The Court quoted the
‘unless the context otherwise requires’ language and explained why in that instance
the context ‘otherwise required’: in large measure because a national bank is subject
to comprehensive regulation designed to protect depositors, and, perhaps more
important, their certificates of deposit are federally insured.”

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84 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

a Suprema Corte fundamentou sua decisão, de forma explícita, nas


normas de exceção contidas nas leis norte-americanas sobre securities55.
Em relação à expressão “unless the context otherwise requires”, a
partir da análise da realidade econômica, verificou-se a existência de
dois grupos de casos56:
(a) os que envolviam a questão de venda de um negócio,
mediante a comercialização das a­ções representativas do
controle da companhia57; e
(b) os que analisavam se a negociação de notes poderia ser
enquadrada no âmbito das securities58.
Se, por um lado, os tribunais norte-americanos, com fulcro na
realidade econômica subjacente, aplicam o chamado “Howey test” para
analisar se determinado título negociado no mercado enquadra-se
na noção de contrato de investimento coletivo, por outro, orientados
pelo mesmo princípio de desconsiderar a forma em nome da essência,
desenvolveram o teste denominado “family resemblance”.

55 LARRY D. SODERQUIST, THERESA A. GABALDON. Securities Law. New York:


Foundation Press, 1998, p. 7-8: “Even though Marine Bank is apparently the first
case in which the Supreme Court, explicitly used the securities statutes’ contextual
exception as a basis for a decision, the exception arguably has underpinned earlier
opinions. For example, the much-quoted statement in Tcherepnin v. Knight that ‘in
searching for the meaning and scope of the word ‘security’ in the Acts, form should
be disregarded for substance, and the emphasis should be on economic reality’,
seems clearly to call for a contextual analysis.”
56 LARRY D. SODERQUIST, THERESA A. GABALDON. Securities Regulation. New
York: Foundation Press, 1999, p. 152.
57 Conforme anota, Larry D. Soderquist e Theresa A. Gabaldon, a partir de 1981,
vários tribunais decidiram que a venda de um negócio, mediante a transferência
de todas as a­ções em circulação no mercado, não caracteriza venda de “valores
mobiliários”, uma vez que a transferência de a­ções é meramente o método
utilizado pelas partes para ocultar a titularidade e o controle do negócio.
Entretanto, no caso Landreth v. Landreth, a Suprema Corte rejeitou a doutrina da
“sale of business” e decidiu que uma venda de valores mobiliários que contenha
todos os atributos comumente associados às “a­ções” constitui negociação de
securities, independentemente do propósito da transação ou da porcentagem
das a­ções vendidas (LARRY D. SODERQUIST, THERESA A. GABALDON.
Securities Law. New York: Foundation Press, 1998, p. 153-158).
58 A questão foi discutida no caso Reves v. Ernst & Young, analisado a seguir.

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De acordo com o teste da semelhança familiar (“family resem-


blance”), ainda que determinado título esteja formalmente inserido no
rol de valores mobiliários previsto na Section 2 do Securities Act, pode
ocorrer que, no caso concreto, ele apresente considerável semelhança
com um daqueles que estão excepcionados como valores mobiliários
– as “exempted securities”.
No julgamento do caso Reves v. Ernst & Young59, a Suprema Corte
teve que decidir se as notas promissórias emitidas por uma cooperativa
de fazendeiros do Arkansas e de Oklahoma seriam securities. As notas
foram vendidas sem garantia e sem seguro e destinavam-se a financiar
as opera­ções desenvolvidas pela cooperativa. Os títulos, remunerados
com taxas de juros variáveis, seriam resgatados contra apresentação.
Em Reves, a Suprema Corte observou que, enquanto as a­ções
constituem a essência das securities, o mesmo não pode ser dito em
relação às notas, que podem ser utilizadas de diferentes maneiras, as
quais nem sempre envolvem investimentos60.
Analisando a realidade subjacente envolvendo notas em casos ante-
riores, a Suprema Corte adotou o teste da “family resemblance” desenvolvido
pelo Segundo Circuito para decidir se a nota, em questão, poderia ser
considerada security. A presunção61 segundo a qual as notas seriam con-

59 Reves v. Ernst & Young (United States Supreme Court, 1990), citado por DAVID L.
RATNER. Securities Regulation in a nutshell, 6th. ed. St. Paul: West Publishing,
1998, p. 23. Ver também LARRY D. SODERQUIST, THERESA A. GABALDON.
Securities Law. New York: Foundation Press, 1998, p. 9: “In Reves v. Ernst & Young
the Supreme Court had to decide whether promissory notes issued by the Farmer’s
Cooperative of Arkansas and Oklahoma were securities. The notes were payable on
demand, were uncollateralized and uninsured, and paid a variable interest rate. At
the outset of its decision, the Court took pains to indicated that in Landreth it had not
rejected in general the economic reality approach it had used in Marine Bank and
preceding cases. ‘While common stock [as was involved in Landreth] is, the Court
said, ‘the quintessence of a security, the same simply cannot be said of notes, which
are used in a variety of settings, not all of which involve investments’”.
60 LARRY D. SODERQUIST, THERESA A. GABALDON. Securities Law. New York:
Foundation Press, 1998, p. 9.
61 LARRY D. SODERQUIST, THERESA A. GABALDON. Securities Law. New York:
Foundation Press, 1998, pp. 9-10: “[A] note is presumed to be a ‘security’, and
that presumption may be rebutted only by a showing that a note bears a strong

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86 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

sideradas securities pode ser refutada se tais títulos guardam semelhança


familiar com outros excluídos do âmbito dos valores mobiliários62.
Os quatro fatores utilizados pelos tribunais para constatar a
existência da “family resemblance” são:
(a) os motivos que levaram as partes contratantes a realizar a
transação63;
(b) o plano de distribuição do instrumento para verificar se
havia finalidade especulativa ou de investimento64;

resemblance (in terms of four factors) to one of the categories of instrument is not
sufficiently similar to an item on the list, the decision whether another category
should be added is to be made by examining the same factors. The categories of
instrument, listed by the Second Circuit as being notes that are not securities, are
the following: [T]he note delivered in consumer financing, the note secured by a
mortgage on a home, the short-term note secured by a lien on a small business
or some of its assets, the note evidencing a ‘character’ loan to a bank customer,
short-term notes secured by an assignment of accounts receivable, or a note which
simply formalizes an open-accounts debt incurred in the ordinary course of business
(particularly if, as in the case of the customer of a broker, it is collateralized)”.
62 DAVID L. RATNER. Securities Regulation in a nutshell, 6th. ed. St. Paul: West
Publishing, 1998, pp. 9-10; LEWIS D. SOLOMON, DANIEL FESSLER, ARTHUR
E. WILMARTH, JR. Corporations and alternative business vehicles. 5th. ed.
Santa Monica: Casenotes Publishing Company, 2000, pp. 5-3: “This general
presumption [that a note is presumed to be a ‘security’ under the 1933 Act] can
be rebutted by showing that as instrument designated as a ‘note’ bears a ‘family
resemblance’ to debt instruments that have been excluded from the definition of
‘security’ based on one or more of the following four factors: (1) the instrument
is not sold for the purpose of raising money to finance the seller’s business or
investments (2) the instrument is not sold according to a plan of distribution that
contemplates widespread trading of such instruments for speculation or investment,
(3) the investing public would not reasonably expect the instrument to be treated as
a security under the 1933 Act, or (4) the instrument is subject to separate regulatory
scheme that significantly reduces the risk of the instrument and therefore makes
unnecessary the protection of the 1933 Act.”
63 LARRY D. SODERQUIST, THERESA A. GABALDON. Securities Law. New York:
Foundation Press, 1998, p. 10: “[E.g., is the seller’s purpose the raising of money
and is the buyer primarily interested in making a profit on the note or, on the other
hand, is the note being used to facilitate the purchase and sale of a minor asset or
consumer good?]”.
64 O Tribunal observou que LARRY D. SODERQUIST, THERESA A. GABALDON.
Securities Law. New York: Foundation Press, 1998, p. 10: “[The Court noting
that ‘Common trading’ does not require actual trading in the financial markets]”.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 87

(c) a percepção que um número razoável de investidores tem do


título ou as expectativas do público investidor médio65; e
(d) a não submissão da transação a regulação diversa, pois, uma
vez aplicáveis outras espécies normativas que protejam de
forma adequada as partes, desnecessária seria a incidência
das normas referentes às securities66.
Após aplicarem os quatro testes para verificarem a chamada
“family resemblance” às notas promissórias emitidas pela Cooperativa,
a Corte, no julgamento do caso Reves v. Ernst & Young, decidiu que
se tratavam de valores mobilliários, uma vez que os referidos títulos
não guardavam uma semelhança suficiente com as notas previamente
excluídas pelos tribunais do âmbito das securities.
Tais parâmetros a serem considerados para reconhecer uma
“family resemblance” foram utilizados no julgamento de outros casos,
como, por exemplo, o McNabb v. SEC67.
Neste episódio, McNabb, funcionário de uma corretora, solicitou
empréstimo a seis clientes, conferindo-lhes em troca dez notas pro-
missórias. O referido empréstimo, segundo afirmou McNabb, tinha
como finalidade reorganizar suas finanças, prejudicadas por problemas
financeiros decorrentes de seu divórcio. No entanto, a National Asso-
ciation of Securities Dealers – NASD – vislumbrou no negócio realizado
uma violação de suas normas de conduta, impondo ao funcionário da
corretora determinadas penalidades. McNabb ajuizou, então, medida
judicial com pedido de revisão da punição aplicada, alegando que as
notas promissórias não constituíam valores mobiliários, por guarda-

65 LARRY D. SODERQUIST, THERESA A. GABALDON. Securities Law. New York:


Foundation Press, 1998, p. 10: “[E.g., advertising notes as securities helps to make
them securities]”.
66 LARRY D. SODERQUIST, THERESA A. GABALDON. Securities Law. New York:
Foundation Press, 1998, p. 10.
67 McNabb v. SEC (United States Court of Appeals, Ninth Circuit, 2002), reproduzido
no “Annual Review of Federal Securities Regulation”, The Business Lawyer.
Chicago: Section of Business Law of the American Bar Association, v. 58, n. 2,
fev. 2003, pp. 906-908.

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88 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

rem semelhança com outras modalidades de empréstimos bancários


ou comerciais expressamente excluídos do regime legal das securities.
No julgamento desta ação, o Tribunal utilizou os quatro critérios
que caracterizam a “family resemblance” para decidir sobre a natureza
das notas promissórias.
Após examinarem, primeiramente, a “motivação da transação”, os
julgadores verificaram que o réu havia aplicado o montante que lhe foi
emprestado para realizar negócios, e não efetivamente sanar suas dificul-
dades financeiras. Em segundo lugar, analisaram o “plano de distribuição”
e constataram que, a despeito de terem sido colocadas em pequena
quantidade (somente dez) e distribuídas a poucas pessoas, a proteção
oferecida pela regulamentação das securities beneficiaria os clientes de
McNabb, já que as notas foram oferecidas a investidores individuais, e
não a institui­ções financeiras sofisticadas, que, a rigor, dispensariam a
proteção estatal assegurada pela legislação sobre valores mobiliários.
Depois, foram discutidas as expectativas dos investidores em
relação aos títulos que adquiriram. Não obstante três dos clientes en-
volvidos no caso terem declarado que não consideravam as referidas
notas “valores mobiliários”, tais opiniões foram julgadas irrelevantes,
uma vez que o teste é objetivo, dirige-se ao investidor médio e não
aos que efetivamente participaram do negócio.
Por tais motivos, o Tribunal concluiu que não estavam presentes
os requisitos que autorizassem a aplicação da “family resemblance” e
excluíssem os mencionados títulos do regime jurídico das securities.
Sendo assim, o Tribunal manteve a decisão da SEC, que rejeitou o
recurso interposto por McNabb contra a aplicação de penalidades por
parte da NASD.
Do estudo dos casos julgados pelos tribunais norte-americanos,
constata-se que: (a) alguns instrumentos possuem a denominação de
típicos “valores mobiliários”, mas não são considerados, na situação
concreta, securities; (b) outros constituem instrumentos financeiros
que, em princípio, não seriam considerados “valores mobiliários”, mas
por reunirem algumas das características apontadas no “Howey test”

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acabam por ser tidos como tais; (c) os requisitos da “Howey definition”,
por sua vez, não precisam estar todos presentes para que determinado
título seja entendido como “valor mobiliário”; (d) alguns títulos foram
expressamente excluídos do âmbito dos valores mobiliários; (e) alguns
instrumentos, por apresentarem semelhanças relevantes com as “exempted
securities”, não recebem o tratamento de “valores mobiliários”; (f ) não é
necessário haver, mais uma vez, o preenchimento de todos os parâmetros
tradicionalmente utilizados pelos tribunais para identificar uma “family
resemblance” capaz de excluir determinado título do campo das securities.
Diante deste panorama de absoluta imprecisão que envolve o con-
ceito de “valores mobiliários” no Direito norte-americano, a doutrina
acaba por comparar o Securities Act a um quebra-cabeças, cujas peças
aparentemente encaixam-se de diferentes formas, sendo somente uma
delas, no entanto, a correta68.
Em resumo, verifica-se se o instrumento ofertado tem a deno-
minação de um dos valores mobiliários listados na legislação sobre a
matéria; em caso positivo, é preciso analisá-lo, contextualmente, ou
seja, tendo em vista a realidade econômica subjacente, vis-à-vis os
requisitos do “Howey test”; em caso negativo, é necessário examinar se o
intrumento constitui um dos títulos que estão expressamente excluídos
do âmbito dos valores mobiliários ou se guardam semelhança com
uma das “exempted securities”, capaz de afastá-los do regime jurídico
conferido aos valores mobiliários.
Na realidade, não se pode dizer de antemão, considerando-se ape-
nas sua denominação, se um determinado empreendimento constitui
um valor mobiliário; é fundamental que seja avaliada, em cada situação
concreta, a substância ou a realidade econômica do negócio ofertado,
verificando-se se foram atendidos os requisitos do “Howey test” e, ainda,
outros fatores, tais como a quem é destinado o negócio e se existem leis
que protejam de maneira adequada os investidores em questão.

68 Neste sentido, LARRY D. SODERQUIST, THERESA A. GABALDON. Securities


Law. New York: Foundation Press, 1998, p. 1.

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90 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

3.2.3. A evolução do conceito de valores mobiliários no


Direito brasileiro
No Brasil, até a edição da Medida Provisória nº 1.637/1998, a
legislação não seguia os princípios do Direito norte-americano refe-
rentes ao conceito de security. Ao contrário, percebia-se, nitidamente,
a influência da orientação então adotada no Direito Societário fran-
cês, já que o legislador brasileiro procurava conferir à noção de valor
mobiliário um caráter restrito.
Entre nós, a expressão “valores mobiliários” designava os títulos
emitidos por sociedades anônimas ou representativos de direitos sobre
tais títulos, passíveis de distribuição no mercado e de negociação em
Bolsa de Valores ou no mercado de balcão69.

69 Esta conceituação de valor mobiliário é seguida por outros países, como a


Itália. Neste país, os valores mobiliários são definidos como documentos de
massa, negociáveis no mercado regulamentado. Inicialmente, entendia-se
que eram títulos suscetíveis de serem cotados em mercado regulamentado.
Com a evolução do conceito, passou-se a agregar, primeiramente, a noção de
bem instrumental para uso em massa, e, por fim, a ideia de negociabilidade
do título (VINCENZO VITO CHIONNA, “Le origini della nozione di valore
mobiliare”, Rivista delle Società. Milano: Giuffrè, f. 4, lug.-ago. 1999, pp.
831-866). A Ley del Mercado de Valores espanhola (Ley 24/1988) assim define
valores mobiliários: “Artículo 2. Quedan comprendidos en el ámbito de la presente
Ley los valores negociables emitidos por personas o entidades, públicas o privadas,
y agrupados en emisiones. Reglamentariamente se establecerán los criterios de
homogeneidad en virtud de los cuales un conjunto de valores negociables se
entenderá integrado en una emisión. También quedarán comprendidos dentro de
su ámbito los siguientes instrumentos financieros: a) Los contratos de cualquier
tipo que sean objeto de negociación en un mercado secundario, oficial o no.
b) Los contratos financieros a plazo, los contratos financieros de opción y los
contratos de permuta financiera, siempre que sus objetos sean valores negociables,
índices, divisas, tipos de interés, o cualquier otro tipo de subyacente de naturaleza
financiera, con independencia de la forma en que se liquiden y aunque no sean
objeto de negociación en un mercado secundario, oficial o no. c) Los contratos u
operaciones sobre instrumentos no contemplados en las letras anteriores, siempre
que sean susceptibles de ser negociados en un mercado secundario, oficial o no,
y aunque su subyacente sea no financiero, comprendiendo, a tal efecto, entre
otros, las mercancías, las materias primas y cualquier otro bien fungible. A los
instrumentos financieros, les serán de aplicación, con las adaptaciones precisas,
las reglas previstas en esta Ley para los valores negociables.”

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A Lei nº 6.385/1976, em seu artigo 2º, na sua feição original,


considerava como valores mobiliários: I – as a­ções, partes beneficiá-
rias70 e debêntures, os cupões desses títulos e os bônus de subscrição;
II – os certificados de depósito de valores mobiliários; III – outros
títulos criados ou emitidos pelas sociedades anônimas, a critério do
Conselho Monetário Nacional (CMN).
Posteriormente, o Decreto-Lei nº 2.286, de 23.07.1986, estabeleceu,
em seu artigo 3º, que também constituem valores mobiliários, sujeitos ao
regime da Lei nº 6.385/1976: (a) os índices representativos de carteira de
a­ções; e (b) as op­ções de compra e venda de valores mobiliários.
A Resolução nº 1.723, de 27.06.1990, do Conselho Monetário Na-
cional, com base no inciso III do artigo 2º da Lei nº 6.385/1976, dispôs,
em seu artigo 1º, que são considerados valores mobiliários, para os efeitos
da Lei nº 6.385/1976, as notas promissórias emitidas por sociedades por
a­ções, quando destinadas à oferta pública (commercial papers).
A lei e a regulamentação também incluíram no elenco de valo-
res mobiliários: (a) os direitos de subscrição, recibos de subscrição,
op­ções, certificados de depósitos71 (Resolução CMN nº 1.907, de
26.02.1992); (b) as cotas de fundos imobiliários (artigo 3º, Lei nº
8.668, de 25.06.1993); (c) os certificados de investimentos audiovisuais
(Lei nº 8.685, de 20.07.1993, antes regulamentada pelo Decreto nº
974, de 08.11.1993, o qual foi revogado e substituído pelo Decreto nº
6.304/2007); (d) os certificados representativos de contratos mercantis
de compra e venda a termo de energia elétrica (Resolução do CMN
nº 2.405, de 25.06.1997 e Instrução CVM nº 267, de 01.08.1997)72; e

70 Com a edição da Lei nº 10.303/2001, vedou-se, mediante a introdução do


parágrafo único ao art. 47 da Lei das S.A., a emissão das partes beneficiárias
pelas companhias abertas. Por tal motivo, referidos títulos foram excluídos
do rol de valores mobiliários previsto no atual art. 2º da Lei nº 6.385/1976.
71 A respeito dos certificados de depósito bancário, ver item 3.8 deste Capítulo.
72 A Resolução CMN nº 2.405/1997 foi revogada pela Resolução nº 2.801/2000,
no entanto, a definição dos certificados como valores mobiliários permanece.
Repare-se que a Resolução 2.405 tratava de certificados representativos
de contratos mercantis de compra e venda a termo de energia elétrica e

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(e) os certificados de recebíveis imobiliários – CRI (artigo 6º da Lei nº


9.514, de 20.11.1997 e Resolução do CMN nº 2.517, de 29.06.1998).
Por outro lado, não foram incluídos no âmbito de fiscalização da
CVM: (a) os títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal,
que integram o mercado monetário (Lei nº 6.385/1976, artigo 2º,
parágrafo primeiro, inciso I; e artigo 1º, § 1º da Lei nº 10.198/2001);
b) os títulos cambiais de responsabilidade de instituição financeira,
como são tipicamente os títulos emitidos pelos bancos – Certificados
de Depósito Bancário – ou de aceite de instituição financeira – como
são as Letras de Câmbio – (inciso II, do § 1º, do artigo 2º, da Lei nº
6.385/1976 e artigo 1º, § 1º da Lei nº 10.198/2001); c) as notas pro-
missórias emitidas por institui­ções financeiras, sociedades corretoras,
sociedades distribuidoras e sociedades de arrendamento mercantil
(Resolução nº 1.723/1990, do CMN, artigo 2º).
Até a edição da Medida Provisória nº 1.637, de 08.01.1998,
convertida na Lei nº 10.198/2001, a legislação brasileira não havia
conceituado “valores mobiliários”, preferindo o legislador apenas
enumerá-los73. Embora o elenco de valores mobiliários tenha sido
gradativamente ampliado, mediante a edição de leis e de regulamentos
administrativos, o sistema legislativo brasileiro até então consagrava a
acepção estrita de valores mobiliários.
A doutrina74, no entanto, há muito salientava a necessidade de
adoção de um conceito mais amplo de valores mobiliários, que pudesse
abarcar as mais diferentes hipóteses de empreendimentos, inclusive os

a Resolução 2.801 dispõe sobre certificados representativos de contratos


mercantis de compra e venda a termo de mercadorias e de serviços, sendo,
portanto, mais abrangente.
73 NELSON EIZIRIK, FLÁVIA PARENTE. “Aplicação do Conceito de Valor Mobiliário
no Direito Brasileiro”, Revista da Comissão de Valores Mobiliários, n. 27. Rio
de Janeiro: Comissão de Valores Mobiliários, out. 1998.
74 Nesse sentido, ARY OSWALDO MATTOS FILHO. “O Conceito de Valor
Mobiliário”, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro,
n. 59. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul.-set. 1985, p. 30.

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contratos negociados em Bolsas de Mercadorias e de Futuros, assim


como quaisquer contratos de investimentos oferecidos publicamente.
Nesse sentido, a Lei nº 10.198/2001 constituiu importante marco
no mercado de capitais brasileiro, ao conferir uma acepção abrangente
aos valores mobiliários, mediante adaptação, ao nosso sistema legal, do
conceito de security do Direito norte-americano, tal como entendido
pela jurisprudência dos tribunais.
A Medida Provisória nº 1.637/1998, posteriormente convertida
na Lei nº 10.198/2001, estabeleceu que seriam considerados “valores
mobiliários”, sujeitos ao regime da Lei nº 6.385/1976, quando ofer-
tados publicamente, os títulos ou contratos de investimento coletivo
que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração,
inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm
do esforço do empreendedor ou de terceiros.
A redação deste dispositivo teve nítida inspiração no Direito nor-
te-americano, já que pela primeira vez o legislador brasileiro se afastou
da mera enumeração dos valores mobiliários, passando a conferir-lhes
uma acepção mais ampla.
Com o advento da Lei nº 10.198/2001, passaram a ser conside-
rados “valores mobiliários” não apenas aqueles que já se encontravam
previstos na legislação em vigor, mas também quaisquer contratos
de investimento oferecidos ao público investidor, que aplica os seus
recursos na expectativa de obter lucro, não tendo, no entanto, controle
direto sobre o empreendimento, uma vez que o responsável pelo sucesso
do negócio é o empreendedor75.

75 Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa entende que, por exemplo, o lançamento


público de um edifício de flats, dos quais a grande maioria deles é destinada
para locação centralizada em um pool de administração pode ser considerado
investimento coletivo para fins da MP nº 1.637/1998. HAROLDO MALHEIROS
DUCLERC VERÇOSA. “A CVM e os contratos de investimento coletivo (‘boi
gordo’ e outros)”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro, v. 108. São Paulo: Malheiros, out.-dez. 1997, p. 100.

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94 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

A principal preocupação do legislador, ao editar a Lei nº


10.198/2001, foi a de regular os contratos realizados com derivativos
e commodities, e, em especial, os chamados “contratos de boi gordo”76.
Com efeito, desde o final de 1997, a CVM vinha defendendo a ne-
cessidade de regulamentação dos contratos de investimento lastreados
em produtos agropecuários.
Com a edição da Lei nº 10.198/2001, que considera como “va-
lor mobiliário” qualquer contrato de investimento coletivo, ofertado
publicamente, que gere lucros advindos do esforço do empreendedor
ou de terceiros, os “contratos de boi gordo” passaram a ser regulados
e fiscalizados pela CVM, que, em 23.01.1998, editou a Instrução
CVM nº 270, dispondo sobre o registro das companhias emissoras
de títulos e contratos de investimentos coletivos, dentre as quais se
incluem as empresas ligadas à engorda de gado. Atualmente, a matéria
é disciplinada pela Instrução CVM nº 480/2009, que dispõe “sobre o
registro de emissores de valores mobiliários admitidos à negociação
em mercados regulamentados de valores mobiliários”.
Em complementação às reformas até então empreendidas na Lei
de Sociedades por A­ções, editou-se, em 2001, a Lei nº 10.303. Entre
outras inova­ções, a Lei nº 10.303/2001 sistematizou o elenco de valores
mobiliários, nele incorporando o conceito mais amplo já contido na
Lei nº 10.198/2001, de títulos ou contratos de investimento coletivo,
além de ter incluído os chamados derivativos e as cotas de fundos de
investimento77.
A vantagem da adoção desta acepção mais ampla de valores
mobiliários, em vez de mera enumeração78, é que, assim, evitar-se-á

76 A propósito dos “contratos de boi gordo”, ver item 3.8 deste capítulo.
77 A respeito de cotas de fundos de investimentos e de derivativos, ver,
respectivamente, itens 4 e 5 deste capítulo.
78 O Colegiado da CVM, no julgamento do Processo CVM nº RJ 2003/0499,
Rel. Dir. Luiz Antonio de Sampaio Campos, j. 28.08.2003, já se manifestou
favoravelmente ao entendimento de que a lista de valores mobiliários contida
no artigo 2º da Lei nº 6.385/1976 é exemplificativa. Confira-se: “Esse novo

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a reformulação periódica da legislação sobre mercado de capitais.


O alargamento do conceito de valores mobiliários tem o condão de
incluir as situa­ções futuras em que serão ofertados novos produtos ao
investidor, tendo sido, por via de consequência, aumentado o âmbito
de atuação e fiscalização da CVM.
Além dos títulos expressamente previstos no artigo 2º da Lei nº
6.385/1976, também deverão ser considerados “valores mobiliários”
aqueles incluídos no conceito de contrato de investimento coletivo, a
que se refere o inciso IX do artigo 2º da Lei nº 6.385/1976 – os títulos
ou contratos que apresentem as seguintes características:
(a) que caracterizem modalidade de investimento coletivo;
(b) em que haja fornecimento de recursos (dinheiro ou outros
bens suscetíveis de avaliação econômica) por parte do
investidor;
(c) em que haja gestão dos recursos por parte de terceiros, não
controlando o investidor o negócio no qual seus recursos
foram empregados79;

conceito pode-se dizer que representou verdadeira revolução copérnica


na regulação do mercado de valores mobiliários – muito embora não se
tenha atentado para toda a sua extensão –, pois significa o abandono de uma
concepção fechada de valor mobiliário, para a adoção de uma concepção
funcional-instrumental do que seria valor mobiliário, acabando por alargar
sobremaneira sua definição, bem como a competência da CVM. Incorporou-
se, então, na realidade brasileira substancialmente o conceito de security do
direito norte-americano, sem maiores inova­ções, o que não significa nenhuma
crítica, neste particular. [...] a definição do art. 2º tem conteúdo meramente
instrumental, para fins de, conjugado com os demais artigos da Lei nº 6.385,
e principalmente o seu art. 1º, conferir competência à CVM para regular a
negociação dos títulos e instrumentos ali mencionados quando realizada no
mercado ou quando se inserir em oferta pública.”
79 Embora modernamente, como acentua Ary Oswaldo Mattos Filho, admita-
se a participação do investidor na tentativa de obtenção do lucro, como,
por exemplo, no caso de franchising. ARY OSWALDO MATTOS FILHO. “O
Conceito de Valor Mobiliário”, Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro, n. 59. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul.-set.
1985, p. 42.

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(d) que tratem de um empreendimento comum, cujo sucesso é


almejado tanto pelo investidor quanto pelo gestor, havendo
entre ambos uma comunhão de interesses econômicos
interligados juridicamente;
(e) em que exista uma expectativa de obter lucros, ou seja, o
investidor, ao decidir pela alocação de seus recursos em um
valor mobiliário, visa à obtenção de algum tipo de ganho,
benefício ou vantagem econômica, em função do contrato
de investimento de risco realizado – esses lucros podem ser
auferidos através de participação, parceria ou remuneração,
inclusive resultante de prestação de serviços; e
(f ) em que o investidor assuma os riscos de financiador do ne-
gócio (ou os riscos do empreendimento), que são diversos
dos riscos comuns comerciais, ou seja, os riscos poderão
resultar na perda total ou parcial dos recursos investidos.

3.2.4. Previsão legal dos valores mobiliários no


Direito brasileiro
O artigo 2º da Lei nº 6.385/1976, com a redação dada pela
Lei nº 10.303, de 31.10.2001, traz o elenco de valores mobiliários,
incorporando, como antes mencionado, no inciso IX, os contratos de
investimento coletivo e, nos incisos VII e VIII, os derivativos.
Desde que foi editada a Lei nº 6.385/1976, a CVM e o CMN
vinham, com fundamento no inciso III do artigo 2º 80, mediante
Instru­ções e Resolu­ções, aditando novos valores mobiliários ao rol
original da Lei da Comissão de Valores Mobiliários.
Com a promulgação da Lei nº 10.303/2001, não caberá mais à
CVM e ao CMN a inclusão de quaisquer outros valores mobiliários,
por meio da edição de normas regulatórias. Em virtude do caráter
flexível dos conceitos de derivativos e de “contratos de investimento

80 Dispõe a Lei no 6.385/1976: “Art. 2º – São valores mobiliários sujeitos ao regime


desta Lei: [...] III – os certificados de depósito de valores mobiliários [...].”

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coletivo”81, consagrados na Lei nº 10.303/2001, presume-se que o


legislador entendeu que não será mais necessária a ampliação do
elenco de ativos considerados “valores mobiliários”. Dessa forma, o rol
de valores previstos no artigo 2º da Lei nº 6.385/1976, em sua nova
redação, passa a ser exaustivo, e não mais exemplificativo82.
Todavia, as normas legais e as regulamentares baixadas antes da
edição da Lei nº 10.303/2001, tanto pela CVM quanto pelo CMN,
permanecem em vigor e os valores mobiliários por elas criadas conti-
nuam a existir. Na realidade, muitos destes valores mobiliários podem
ser enquadrados nos incisos VII, VIII e IX do artigo 2º da Lei nº
6.385/1976, com a redação dada pela Lei nº 10.303/2001, uma vez que
grande parte deles constituem derivativos ou podem ser caracterizados
como contratos de investimento coletivo.
A seguir, passar-se-á à análise dos valores mobiliários previstos
no artigo 2º da Lei nº 6.385/1976, com a redação dada pela Lei nº
10.303/2001 e também dos que foram por ela recepcionados.

3.3. Ação

3.3.1. Conceito
A ação constitui um título de participação no capital social da
sociedade anônima emissora, que confere ao seu titular o status socii, ou
seja, o direito de participar da sociedade, como acionista. Representa
os direitos e as obriga­ções que o acionista adquire, na qualidade de
sócio da companhia, em função de sua participação no capital social83.

81 Introduzidos pela Medida Provisória nº 1.637/1998, posteriormente,


convertida na Lei nº 10.198/2001.
82 MODESTO CARVALHOSA, NELSON EIZIRIK. A nova Lei das S.A. São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 481.
83 NELSON EIZIRIK. A Lei das S/A Comentada, 2ª ed., v. 2. São Paulo: Quartier
Latin, 2015, p. 137-138.

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98 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

A ação confere ao seu titular – o acionista – direitos que podem ser


classificados em essenciais ou modificáveis. Os direitos essenciais dos
acionistas – que não podem ser invalidados ou derrogados pelo estatuto
social e muito menos por deliberação da maioria reunida em assembleia
geral, salvo quando a própria lei admite essa possibilidade, como acontece,
por exemplo, com o direito de voto – são os seguintes: direito de participar
dos lucros sociais; direito de participar do acervo social, no caso de liqui-
dação; direito de fiscalização, na forma da lei; direito de preferência para
subscrição de valores mobiliários emitidos pela companhia; e direito de
recesso, nos casos previstos em lei. O elenco desses direitos funciona, na
prática, como verdadeiro limite imposto aos poderes dos controladores84.
Os direitos modificáveis são aqueles que não estão expressamente elen-
cados no artigo 109 da Lei das S.A. e que o estatuto ou a lei permitam a
sua restrição ou até mesmo sua supressão.
Ressalte-se que o artigo 109 não traz um elenco exaustivo. Há
outros artigos esparsos na Lei das S.A. que asseguram ao acionista di-
reitos individuais de caráter essencial, tais como o direito de promover
ação de responsabilidade contra a administração (artigo 159), o direito
de participar das assembleias e nelas discutir os assuntos previstos nas
pautas (artigo 125), o direito ao “tag along” (artigo 254-A), o direito
de negociar livremente suas a­ções (artigo 36), o direito de requerer o
funcionamento do Conselho Fiscal e de eleger seus membros (artigo
161), o direito de requerer a adoção do voto múltiplo e do voto em
separado na eleição dos membros do Conselho de Administração
(artigo 141), e o direito de requerer judicialmente a exibição dos livros
sociais (artigo 105), dentre outros85.
Os direitos elencados no artigo 109 da Lei das S.A. são individuais,
de caráter essencial, intangível, inderrogável e irrenunciável. Tanto é assim

84 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, 5ª


ed., v. 2. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 381.
85 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, 5ª
ed., v. 2. São Paulo: Saraiva, 2011, v. 2, pp. 438-439.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 99

que o § 2º do artigo 109 dispõe taxativamente que os meios, processos


ou a­ções que a lei confere ao acionista para assegurar os seus direitos não
podem ser elididos pelo estatuto social ou pela assembleia geral.
Os direitos conferidos aos sócios por conta da titularidade das a­ções
são divididos em patrimoniais ou políticos, de acordo com a contraparti-
da econômico-patrimonial direta ou indireta fruída pelos acionistas. Os
direitos ao dividendo, à quota de liquidação, de preferência em aumento
de capital e à livre transmissibilidade das ações são exemplos de direitos
patrimoniais, enquanto que os de participar das assembleias gerais, de voto,
de informação, de ação judicial, de legitimidade para impugnar assembleias
e os de minoria são considerados direitos políticos.
Os direitos atribuídos aos acionistas em razão da propriedade das
a­ções podem, ainda, ser classificados como gerais ou especiais, sendo
os primeiros atribuídos a todos os sócios indistintamente; os segun-
dos, a uma categoria de acionistas, cujas ações possuam características
diversas das demais.

3.3.2. Espécies de a­ções


Tendo em vista os direitos e vantagens conferidos a seus titulares,
as a­ções, de acordo com o artigo 15 da Lei nº 6.404/1976, podem ser
classificadas em três espécies: ordinárias, preferenciais e de fruição.
As a­ções ordinárias, cuja emissão é obrigatória em todas as
companhias, outorgam aos seus titulares todos os direitos comuns de
um acionista, isto é, os direitos ordinários de sócio, sem restri­ções ou
privilégios. Pode-se dizer que o principal direito conferido ao titular
de uma ação ordinária é o direito de voto (artigo 110 da Lei das S.A.).
As a­ções preferenciais são as que conferem aos seus titulares
determinadas preferências ou vantagens – que devem ser, necessaria-
mente, definidas pelo estatuto – em relação às a­ções ordinárias, como a
prioridade na distribuição de dividendo, fixo ou mínimo, a prioridade
no reembolso do capital, com prêmio ou sem ele, ou a acumulação
destas preferências e vantagens (artigo 17 da Lei das S.A.).

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100 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

As a­ções preferenciais com dividendo fixo ou mínimo são aquelas


cuja vantagem consiste no direito de o seu titular receber, antes que
haja qualquer distribuição de dividendos entre os demais acionistas, um
montante previamente quantificado nos estatutos sociais, seja um valor
certo em reais, seja em percentual determinado do capital social, do
valor nominal da ação ou, ainda, do patrimônio líquido da companhia.
No caso das a­ções preferenciais com dividendo fixo, o acionista
tem direito a receber apenas o valor estatutariamente predeterminado.
Uma vez atingido esse montante, tais a­ções não participam dos lucros
remanescentes que venham a ser distribuídos, ainda que o valor dos
dividendos pagos às demais classes e espécies de a­ções supere o do
dividendo fixo. A prioridade no recebimento de um dividendo mínimo,
por sua vez, consiste na acumulação da vantagem outorgada aos porta-
dores de dividendos fixos com a possibilidade de participar dos lucros
remanescentes em igualdade de condi­ções com as a­ções ordinárias.
Os titulares de a­ções preferenciais que tenham como vantagem
a prioridade no reembolso do capital, na hipótese de liquidação da
sociedade, preferem os demais acionistas na restituição da importância
contribuída para o capital, recebendo o valor correspondente às suas
a­ções mesmo que o montante do patrimônio remanescente, após o
pagamento dos credores, não seja suficiente para satisfazer a integra-
lidade dos acionistas da companhia.
A ação preferencial sem direito de voto e negociada no mercado
de valores mobiliários deve conferir a seu titular, no mínimo, um dos
seguintes direitos, nos termos do § 1º do artigo 17 da Lei Societária,
com a redação dada pela Lei nº 10.303/2001: a) dividendo mínimo
de pelo menos 3% (três por cento) do valor do patrimônio líquido da
ação; b) dividendo pelo menos 10% (dez por cento) maior do que o
atribuído a cada ação ordinária; ou c) direito de ser incluída na oferta
pública de alienação de controle86.

86 A CVM entende que a obrigatoriedade da atribuição de uma das vantagens


previstas neste dispositivo para que a ação possa ser negociada no mercado

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Em relação às a­ções preferenciais não negociadas no mercado de


valores mobiliários, o estatuto social pode livremente estabelecer as
vantagens e preferências a que fazem jus seus titulares.
Essas vantagens, de natureza econômica, muitas vezes são conferi-
das aos titulares em detrimento de alguns direitos comuns, geralmente
o de voto, sendo certo que as restri­ções às a­ções preferenciais devem
constar expressamente do estatuto social. Com efeito, de acordo com
o artigo 111 da Lei Societária, “o estatuto poderá deixar de conferir
às a­ções preferenciais algum ou alguns dos direitos reconhecidos às
a­ções ordinárias, inclusive o de voto, ou conferi-lo com restri­ções”,
observado o disposto no artigo 109 da Lei das Sociedades Anônimas,
que trata dos direitos essenciais do acionista. Dessa forma, no silêncio
do estatuto, as a­ções preferenciais possuem direito de voto.
É importante destacar, ainda a respeito do direito de voto das
a­ções preferenciais, que se a companhia deixar de pagar dividendos
fixos ou mínimos – quando estes forem previstos como vantagem es-
tatutária para as a­ções preferenciais – pelo prazo previsto no estatuto
não superior a três exercícios consecutivos, a cláusula estatutária de
supressão ou restrição do direito de voto tem sua eficácia suspensa,
adquirindo os preferencialistas o exercício desse direito até receberem
o dividendo a que fazem jus (artigo 111, § 1º, Lei das S.A.).

de valores mobiliários somente subsistem em relação às a­ções preferenciais


emitidas após a vigência da Lei nº 10.303/2001. De acordo com a decisão
do Colegiado da CVM proferida em 22.11.2002 pelo Diretor Luiz Antonio de
Sampaio Campos, relativa aos Processos CVM nº 2002/4915, 2002/4120,
2002/5490, e 2002/5713, “A leitura do parágrafo 3º do art. 8º [...] a meu ver,
fortalece a interpretação que me parece mais adequada. Com efeito, diz o
referido parágrafo 3º que as companhias abertas somente poderão emitir
ações preferenciais em consonância com a nova redação do parágrafo
1º do art. 17, da Lei nº 6.404/1976. Essa disposição, a meu ver, autoriza as
seguintes conclusões: i. o parágrafo 1º do art. 17 somente é aplicável às ações
preferenciais emitidas após a sua promulgação; e ii. as a­ções preferenciais
de companhias abertas que já estavam admitidas à negociação no mercado
de valores mobiliários não precisam se adequar e podem continuar a ser
negociadas livremente no mercado de valores mobiliários.”

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102 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Havia uma discussão a respeito da extensão da aplicabilidade


deste dispositivo a todas as a­ções preferenciais, tendo, por fim, a
CVM87 entendido que a lei deveria ser interpretada restritivamente,
de modo a conceder o direito de aquisição do voto somente às a­ções
com dividendos mínimos ou fixos.
De um lado, argumentava-se que manter a supressão do direito
de voto quando cessada a vantagem econômica, qual seja, o pagamento
de dividendos, iria de encontro ao princípio da equidade e às boas
práticas de governança corporativa. De outro, defendia-se que, uma vez
tendo a própria lei limitado a garantia de aquisição do direito de voto,
em razão do não pagamento dos dividendos, às a­ções detentoras de
dividendos fixos ou mínimos, não poderia o intérprete da lei expandir
sua aplicação. Esta posição fundamentava-se, também, na interpre-
tação histórica da lei, tendo em vista os debates legislativos ocorridos
no decorrer de sua elaboração, que apontam para a opção restritiva.
Cumpre acentuar, ademais, que o número de a­ções preferenciais
sem direito a voto, ou sujeitas a restrição no exercício desse direito,
não pode ultrapassar 50% (cinquenta por cento) do total das a­ções
emitidas (artigo 15, § 2º, da Lei das S.A., com a redação dada pela
Lei nº 10.303/2001) para as companhias constituídas a partir de 2001
e para aquelas já existentes, que abriram seu capital após aquela data
(artigo 8º, § 1º, da Lei nº 10.303/2001).
Da análise conjunta da nova redação do artigo 15, § 2º, da Lei
Societária, dada pela Lei nº 10.303/2001 e do artigo 8º, §§ 1º e 2º,
deste mesmo diploma legal, verifica-se que o legislador, ao estabelecer
diferentes limites de emissão de a­ções sem direito a voto, criou duas
categorias de sociedades anônimas: (a) a das companhias que estarão
obrigadas a adotar o critério ou regime de paridade entre ações ordi-

87 A respeito, consulte-se o Processo CVM nº RJ 2002/4819, Rel. Dir. Norma


Jonssen Parente, j. 04.08.2004.

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nárias e preferenciais; e (b) a das companhias que poderão manter o


critério de disparidade, permanecendo indefinidamente autorizadas a
emitir a­ções sem direito a voto na proporção de até 2/3 (dois terços)
do capital total.
Nos termos dos incisos I e II do § 1º do artigo 8º da Lei nº
10.303/2001, o critério de paridade entre a­ções ordinárias e prefe-
renciais deve ser compulsoriamente adotado pelas: (a) companhias
abertas e fechadas que vierem a se constituir após a vigência da Lei nº
10.303/2001, ou seja, após 1º de março de 2002, conforme dispõe o
artigo 9º da referida lei; (b) companhias fechadas já constituídas que
decidirem abrir seu capital com a emissão de a­ções preferenciais após
a vigência da Lei nº 10.303/2001.
Por outro lado, face ao disposto no artigo 8º, § 1º, inciso III,
da Lei nº 10.303/2001, as companhias abertas preexistentes estão
excepcionadas da adoção compulsória do regime de paridade. Estas
continuam, indefinidamente, com a faculdade de emitir até 2/3 (dois
terços) de a­ções preferenciais sem direito a voto, inclusive nos aumentos
de capital que vierem a fazer na vigência da nova lei.
Igual autorização para a emissão de até 2/3 (dois terços) de pre-
ferenciais sem direito a voto e apenas 1/3 (um terço) de ordinárias
aplica-se às companhias fechadas existentes. A possibilidade de manu-
tenção de até 2/3 (dois terços) do capital em ações sem direito a voto
subsistirá por todo o tempo em que a companhia se mantiver como
fechada, passando a ser obrigatória a adoção do regime de paridade
por ocasião da eventual abertura de seu capital, se houver.
Observe-se que a Lei das S.A. também prevê, em seu artigo 18,
a possibilidade de o estatuto social estabelecer a­ções preferenciais
com vantagem política, assegurando a uma ou mais classes de a­ções
preferenciais o direito de eleger separadamente determinados admi-
nistradores. O estatuto social pode ainda subordinar determinadas

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104 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

altera­ções estatutárias à aprovação, em assembleia especial, dos titu-


lares de uma ou mais classes de a­ções preferenciais (parágrafo único
do referido dispositivo legal).

3.3.3. Classes de a­ções


A­ções de uma mesma espécie podem ser divididas, nos termos
do § 1º do artigo 15 da Lei das S.A., em classes diversas, de acordo
com os direitos e as vantagens atinentes a cada uma. Desse modo,
determinada classe deverá reunir a­ções que ofereçam aos seus titulares
as mesmas prerrogativas e restri­ções.
As a­ções preferenciais sempre podem ser divididas em classes, de
acordo com as vantagens e preferências a elas atribuídas, nos termos
dos artigos 17 a 19 da Lei das S.A.
Já as ordinárias comportam diferentes classes apenas no caso das
companhias fechadas e em função de três elementos: a conversibilidade
em preferenciais; a exigência de nacionalidade brasileira do acionista;
ou o direito de voto em separado para o preenchimento de determi-
nados cargos de órgãos administrativos (artigo 16 da Lei das S.A.).
Cumpre mencionar, ainda, as chamadas golden shares, ou a­ções de
classe especial, que foram introduzidas na Lei Societária com a edição
da Lei nº 10.303/2001, com o acréscimo do § 7º ao artigo 17 da Lei
das S.A., basicamente, para permitir a atribuição exclusiva aos entes
públicos desestatizantes do direito de veto ou de privilégios sobre
determinadas delibera­ções das companhias privatizadas.
As denominadas golden shares, ou a­ções de classe especial, passaram a
ser largamente utilizadas a partir do final da década de 1970, nos processos
de privatização implementados pelo governo britânico, com o objetivo
de garantir ao Estado o exercício de um papel regulatório nos serviços
públicos que estavam sendo transferidos para a iniciativa privada.
Ou seja, após a cessão da maioria das a­ções emitidas por empre-
sas estatais para agentes privados, o Estado, pela simples titularidade
de uma única golden share, dotada de direito de veto e outros poderes

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especiais, garantia para si o poder de intervir de forma efetiva em


decisões empresariais que entendesse de interesse público88.
A golden share constitui o mecanismo encontrado pelo Estado para
garantir a existência de controle público residual sobre as sociedades
privatizadas, atribuindo-se direitos ou poderes especiais com relação
a conjunto de matérias previamente delimitadas nos estatutos dessas
sociedades89.
No Brasil, a criação de a­ções de classe especial de propriedade
da União, em decorrência de processos de desestatização, foi expres-
samente autorizada pelo artigo 8º da Lei nº 8.031/199090.
Posteriormente, a Lei nº 9.491/1997, que revogou a Lei nº
8.031/1990, estabeleceu que as golden shares criadas no âmbito dos pro-
cessos de privatização federais poderiam conferir ao Estado “poderes
especiais em determinadas matérias”, o que ampliava os direitos que
poderiam ser conferidos a tais a­ções, antes limitados ao direito de veto.
Apesar de já estar admitida nas leis que instituíram o Programa
Nacional de Desestatização – PND, a criação das golden shares ainda
não havia sido expressamente prevista na Lei Societária. Apesar disso, a
doutrina já considerava que o artigo 18 da Lei nº 6.404/1976 permitia
a emissão de a­ções de classe especial com o direito de indicar membros
dos órgãos de administração e com o poder de veto sobre determinadas
matérias91. Ademais, o princípio de que as leis especiais referentes ao

88 MODESTO CARVALHOSA, NELSON EIZIRIK. A nova Lei das S.A. São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 110.
89 THEREZA MARIA SARFERT. “Técnicas de Privatização: a experiência brasileira”,
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, v. 117. São
Paulo: Malheiros, jan.-mar. 2000, p. 244.
90 “Art. 8º. Sempre que houver razões que o justifiquem, a União deterá, direta
ou indiretamente, a­ções de classe especial do capital social de empresas
privatizadas, que lhe confiram poder de veto em determinadas matérias, as
quais deverão ser caracterizadas nos estatutos sociais das empresas, de acordo
com o estabelecido no art. 6º, inciso XIII e §§ 1º e 2º desta lei.”
91 LUIZ LEONARDO CANTIDIANO. Reforma da Lei das S.A. Comentada. Rio
de Janeiro: Renovar, 2002, pp. 88-89.

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PND deveriam prevalecer sobre a legislação societária geral afastava


qualquer eventual dúvida sobre a legitimidade da previsão das golden
shares nos estatutos sociais de empresas privatizadas.
De qualquer forma, no âmbito da reforma empreendida pela
Lei nº 10.303/2001, optou-se por introduzir na Lei Societária, de
forma expressa, a possibilidade de criação das golden shares, mediante
a inclusão do § 7º do artigo 17 da Lei nº 6.404/1976.
Com a edição da Lei nº 10.303/2001, a figura da golden share
passou a estar plenamente consolidada no ordenamento jurídico brasi-
leiro, podendo ser utilizada não apenas nas empresas privatizadas pela
União Federal, como estabeleciam as Leis nº 8.031/1990 e 9.491/1997,
mas também nas privatiza­ções realizadas por entes públicos estaduais
e municipais.

3.3.4. Circulação das a­ções


Na sociedade anônima, a regra é a da livre circulação das a­ções,
o que significa que o titular de uma ação pode transferi-la livremente
a quem lhe convier e quando o desejar, com exceção da preferencial
de classe especial – a golden share (artigo 17, § 7º, da Lei das S.A.).
Nas companhias abertas, esse princípio é absoluto, sendo suas
a­ções livremente negociáveis no mercado de valores mobiliários, ou
seja, em Bolsas de Valores e no mercado de balcão (artigo 4º da Lei das
S.A. e artigo 22 da Lei nº 6.385/1976). Vale dizer, qualquer disposição
estatutária que imponha restri­ções à livre circulação das ações de uma
companhia aberta é considerada nula92.
Em relação às companhias fechadas, no entanto, a lei permite que
o estatuto estabeleça “limita­ções à circulação das a­ções nominativas,
contanto que regule minuciosamente tais limita­ções e não impeça a
negociação, nem sujeite o acionista ao arbítrio dos órgãos de adminis-

92 Isso não significa, no entanto, que os acionistas não possam, contratualmente,


estabelecer restri­ções à circulação das a­ções de sua propriedade, como ocorre
nos acordos de acionistas.

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tração da companhia ou da maioria dos acionistas” (artigo 36 da Lei das


S.A.). Essa limitação é frequentemente utilizada para estabelecer, no
estatuto, o direito de preferência para os demais acionistas na hipótese
de um dos sócios resolver transferir suas a­ções a terceiros.

3.3.5. Formas de a­ções


Com relação à forma, atualmente, no Brasil, as a­ções podem ser
nominativas ou escriturais, já que a Lei nº 8.021, de 12.04.1990 (Plano
Collor), proibiu a emissão de títulos endossáveis ou ao portador.
As a­ções nominativas (artigo 20 da Lei das S.A.) são aquelas cuja
propriedade se presume pela inscrição do nome de seu titular no livro
próprio da sociedade anônima emissora – livro de “Registro de A­ções
Nominativas” – ou pelo extrato que seja fornecido pela instituição
custodiante, na qualidade de proprietária fiduciária das ações (artigo
31 da Lei das S.A.). A transferência das a­ções nominativas, portanto,
se dá mediante registro no livro competente, datado e assinado pelo
cedente e cessionário ou por seus respectivos representantes.
As a­ções escriturais, previstas nos artigos 34 e 35 da Lei Societária,
por sua vez, são as “mantidas como registros contábeis na escrituração
de institui­ções financeiras, sem emissão de certificados, em contas de
depósito semelhantes aos depósitos bancários de moeda. O objetivo
é permitir a difusão da propriedade de ações entre grande número de
pessoas, com a segurança das a­ções nominativas, a facilidade de circu-
lação proporcionada pela transferência mediante ordem à instituição
financeira e mero registro contábil, e a eliminação do custo dos cer-
tificados”, conforme dispõe a Exposição de Motivos da Lei das S.A..
Trata-se de um valor mobiliário cuja propriedade se transfere
escrituralmente, por meio de assentamentos próprios nas institui­ções
financeiras depositárias, a débito da conta de a­ções do alienante e a
crédito da do adquirente.

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108 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

3.4. Debêntures93

3.4.1. Conceito
As debêntures constituem valores mobiliários (artigo 2º, inciso I,
da Lei nº 6.385/1976, com a redação dada pela Lei nº 10.303/2001)
que conferem aos seus titulares um direito de crédito contra a compa-
nhia emissora, nas condi­ções estabelecidas na escritura de emissão e
no certificado, se houver (artigo 52 da Lei nº 6.404/1976, com redação
dada pela Lei nº 10.303/2001).
Assim, a configuração da debênture como um título de crédito
decorre dos próprios termos da lei. A palavra “debênture”, ainda que
decorrente de prática financeira inglesa, é de procedência latina, desig-
nando o debere, a dívida pecuniária; trata-se, a debênture, de documento
comprobatório de uma dívida da companhia. A debênture, dessa forma,
designa o direito de crédito de seu titular contra a companhia emissora,
em razão de um empréstimo por ela contraído94.
A finalidade econômica da debênture consiste em possibilitar o
financiamento da companhia emissora, mediante empréstimo contraí-
do junto a restrito círculo de pessoas (quando se trata de uma emissão
privada) ou mediante apelo à poupança popular (no caso de emissão
pública colocada no mercado de capitais). É uma forma de a companhia
contrair um empréstimo junto ao público, quando necessita de recursos
e não deseja recorrer às institui­ções financeiras, nem aumentar o seu
capital social, com a consequente emissão de novas a­ções.

93 Em 30.12.2010, foi editada a Medida Provisória nº 517, posteriormente


convertida na Lei nº 12.431/2011, que, dentre outras providências, alterou a
redação de alguns dispositivos da Lei nº 6.404/1976 (arts. 55, §§ 1º e 2º; 59,
§§ 1º, 2º e 3º; e 66, § 3º, “a”) e revogou seu art. 60, modificando o regime
legal das debêntures.
94 A respeito da qualificação jurídica das debêntures, confira-se NELSON EIZIRIK.
“Repactuação da Remuneração de debêntures – Aplicação da Teoria da
Imprevisão”. In: Aspectos Modernos do Direito Societário. Rio de Janeiro:
Renovar, 1992, pp. 86 et seg.

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Por este motivo, a doutrina brasileira e estrangeira são praticamente


consensuais em caracterizar a debênture como um contrato de mútuo
mercantil, ainda que especial, uma vez que a quantia mutuada é dividida
em fra­ções, correspondentes ao número de debêntures subscritas.
As debêntures encontram-se vinculadas a um contrato subjacente
(daí a sua natureza causal), cujos termos constam da escritura de emissão
e dos próprios certificados, se existentes (artigo 52 da Lei Societária).
Normalmente, a debênture atribui uma remuneração que consiste
no pagamento de correção monetária95 e determinada taxa de juros,
prevista na escritura de emissão. É possível ainda a emissão de debên-
tures com direito a participação nos lucros da companhia emissora.
Quem possui uma debênture é credor efetivo e incondicional
da sociedade emissora. Isto significa que no vencimento a debênture
deverá ser resgatada pela companhia.
Admite-se também a emissão das chamadas “debêntures perpé-
tuas”, as quais caracterizam-se pela não vinculação de seu vencimento
a um prazo predeterminado, isto é, a obrigação de adimplir o principal
fica subordinada à condição suspensiva: a ocorrência ou do inadim-
plemento da obrigação de pagar juros ou da dissolução da companhia
ou ainda de outras hipóteses expressamente previstas na Escritura de
Emissão (artigo 55, § 4º, da Lei nº 6.404/1976)96. Vencido o título,

95 O art. 8º da Lei nº 12.431/2011 tratou da correção monetária das debêntures,


nos seguintes termos: “Art. 7º. As debêntures e as letras financeiras podem
sofrer correção monetária em periodicidade igual àquela estipulada para
o pagamento periódico de juros, ainda que em periodicidade inferior a 1
(um) ano”.
96 Como a debênture perpétua é um título em que o pagamento do principal
está sob condição suspensiva, discute-se a respeito de sua contabilização nas
demonstra­ções financeiras da companhia – se integraria o passível exigível
ou o patrimônio líquido. Diante da omissão legal, a CVM, no julgamento do
Processo Administrativo CVM nº RJ 2005/4105, Rel. Dir. Wladimir Castelo
Branco Castro, j. 06.12.2005, teve oportunidade de apreciar a questão, tendo
se posicionado a favor da escrituração da debênture perpétua no passivo
exigível. No entanto, houve posicionamento minoritário, a nosso ver correto,
no sentido de ser possível alocar as debêntures tanto no passivo exigível

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110 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

a obrigação de remunerar os debenturistas converte-se no dever da


companhia emissora de pagar quantia referente ao seu valor. Contudo,
a devolução da quantia tomada em empréstimo pela companhia não
se insere na finalidade econômica visada pelas partes ao celebrarem o
negócio jurídico da emissão de debêntures perpétuas.
O negócio jurídico da debênture comporta duas fases: a emissão
propriamente dita, na qual se produz uma manifestação de vontade
da companhia, formada de acordo com as normas legais e estatutárias,
cujo momento essencial é o da deliberação da assembleia geral ou do
Conselho de Administração, nos termos previstos na Lei das S.A.97; e a
subscrição, na qual os tomadores dos títulos manifestam sua aceitação

quanto no patrimônio líquido, em função das características apresentadas


pelas debêntures perpétuas criadas pelas companhias.
97 Com a alteração da redação do § 1º do art. 59 da Lei das S.A., promovida
pela Lei nº 10.303/2001, o legislador passou a permitir que o Conselho
de Administração deliberasse sobre a emissão de debêntures simples,
não conversíveis em a­ções e sem garantia real. A Lei nº 12.431/2011, no
entanto, conferiu nova redação a este dispositivo, prevendo que o Conselho
de Administração pode deliberar “sobre a emissão de debêntures não
conversíveis em a­ções, salvo disposição estatutária em contrário”. A Lei nº
12.431/2011 introduziu, ainda, novo § 2º ao art. 59 da Lei das S.A., conferindo
competência ao Conselho de Administração de companhia aberta para
deliberar sobre a emissão de debêntures conversíveis em a­ções, caso o
estatuto assim o permita. Nesta hipótese, o estatuto deverá especificar o
“limite do aumento de capital decorrente da conversão de debêntures,
em valor do capital social ou em número de ações, e as espécies e classes
das acões que poderão ser emitidas”. Ressalte-se que a Lei das S.A., em sua
redação original, já autorizava, na parte final do § 1º do art. 59 , à assembleia
geral delegar ao Conselho de Administração a deliberação sobre as condi­
ções de que tratam os incisos VI a VIII deste artigo (isto é, sobre a época e as
condi­ções de vencimento, amortização ou resgate; a época e as condi­ções do
pagamento dos juros, da participação nos lucros e do prêmio de reembolso,
se houver; o modo de subscrição ou colocação, e o tipo das debêntures) e,
ainda, sobre a oportunidade da emissão, independentemente de disposição
estatutária. No entanto, com a Lei nº 12.431/2011, foi incluído o § 4º ao
mencionado artigo, prevendo a possibilidade de tal delegação apenas nos
casos não previstos nos §§ 1º e 2º, isto é, quando a assembleia geral não tiver
delegado ao Conselho de Administração a deliberação sobre a emissão de
debêntures tanto conversíveis quanto não conversíveis em ações.

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à oferta da companhia emissora, pagando o preço e tornando-se, a


partir daquele momento, credores da companhia98.
A Lei das S.A. distingue os dois momentos, apartando a emissão
das debêntures, enquanto manifestação de vontade da companhia (ar-
tigos 53 e 59) da subscrição (artigo 57, § 1º), enquanto manifestação,
por parte dos tomadores, da aceitação da oferta da companhia.

3.4.2. Espécies
De acordo com a garantia oferecida aos seus titulares, as debêntu-
res podem ser de quatro espécies (artigo 58 da Lei das S.A.): (a) com
garantia real; (b) com garantia flutuante, que confere aos debenturistas
preferência sobre os credores quirografários, na hipótese de falência
da sociedade emissora; (c) quirografária ou sem preferência, quando
o debenturista concorre na massa falida com os demais credores sem
garantia; e (d) subordinada aos demais credores da companhia ou sub-
quirografárias, cujo titular tem preferência somente sobre os acionistas
da companhia emissora, no caso de falência.

3.4.3. Formas
Com a proibição da emissão de quaisquer títulos ao portador ou
endossáveis, mediante a edição da Lei nº 8.021/1990, as debêntures
podem ser nominativas (artigo 63, caput e parágrafos, da Lei das
S.A., com as reda­ções dadas, respectivamente, pela Lei nº 9.457, de
05.05.1997, e pela Lei nº 10.303/2001) ou escriturais (parte final do
caput do artigo 63, que remete às Se­ções V a VII do Capítulo III e
parte final do artigo 74, todos da Lei nº 6.404/197699).

98 Para Tulio Ascarelli, porém, a manifestação da empresa de emitir as debêntures


constitui uma oferta ao público e a subscrição consiste na aceitação da oferta,
momento em que se aperfeiçoa o negócio de emissão. TULIO ASCARELLI.
Studi in Tema di Società. Milano: Giuffrè, 1951, p. 33.
99 A respeito da admissão de debêntures escriturais, confira-se NELSON EIZIRIK.
“Debêntures. Desmaterialização. Possibilidade de Execução sem a existência
de certificado”. In: Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005,
pp. 407 et seg.

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112 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

3.4.4. Limites à emissão


Até a edição da Medida Provisória nº 517/2010, posteriormente
convertida na Lei nº 12.431/2011 (que, dentre outras providências,
revogou o artigo 60 da Lei das S.A.), a regra geral era a de que o valor
total da emissão das debêntures não poderia ultrapassar o capital social.
Havia, contudo, casos previstos no texto original da Lei Societária em
que esse limite poderia ser excedido:
(a) se as debêntures fossem emitidas com garantia real, em
até oitenta por cento do valor dos bens gravados, próprios
ou de terceiros (artigo 60, § 1º, alínea “a”, da Lei das
S.A.)100. A redação original da Lei Societária admitia que
este limite acompanhasse o aumento do valor da garantia
decorrente de valorização do bem onerado em virtude do
investimento do produto da emissão. Tratava-se da cha-
mada “garantia progressiva”, fixada pelo § 2º do artigo 60
da Lei das S.A.
(b) se as debêntures fossem emitidas com garantia flutuante,
até alcançar setenta por cento do valor contábil do ativo
da companhia, diminuído do montante de suas dívidas
garantidas por direitos reais (artigo 60, § 1º, alínea “b”,
da Lei das S.A.);
(c) a emissão de debêntures subordinadas não estava sujeita
a qualquer limite (artigo 60, § 4º, da Lei das S.A.).

100 O § 2º do art. 60 da Lei Societária, em vigor até a edição da Medida Provisória


nº 517/2010, dispunha que “O limite estabelecido na alínea ‘a’ do § 1º poderá
ser determinado em relação à situação do patrimônio da companhia depois
de investido o produto da emissão; neste caso, os recursos ficarão sob controle
do agente fiduciário dos debenturistas e serão entregues à companhia,
observados os limites do § 1º, à medida que for sendo aumentado o valor
das garantias” (grifamos).

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O art. 56, I, da Lei nº 12.431/2011, no entanto, revogou o art. 60


da Lei das S.A., que tratava dos limites à emissão de debêntures. Dessa
forma, não mais há limitações aos valores de emissão de debêntures101.

3.4.5. Debêntures conversíveis em a­ções102


A emissão de debêntures conversíveis em a­ções vem sendo ad-
mitida desde a edição da Lei nº 4.728/1965, a Lei do Mercado de
Capitais, e encontra-se prevista no artigo 57 da Lei Societária.
As debêntures emitidas com a cláusula de conversibilidade em
a­ções asseguram a seu titular a faculdade de ter os seus títulos conver-
tidos em a­ções da companhia emitente, nas condi­ções estabelecidas
na escritura de emissão. Confere-se ao debenturista, assim, a opção
de conservar a sua debênture até o vencimento ou de passar do status
de credor a participante da sociedade, mediante a conversão das de-
bêntures em a­ções.
As bases de conversão, a espécie e a classe das a­ções em que poderá
ser convertida, o prazo ou a época para o exercício do direito à con-
versão e as demais condi­ções a que a conversão ficará sujeita deverão
estar estipuladas na escritura de emissão (artigo 57 da Lei das S.A.).
Nos termos do artigo 57, § 1º, da Lei das S.A., os acionistas
terão direito de preferência para subscrever a emissão de debêntures
conversíveis em a­ções, observado o disposto nos artigos 171 e 172 do

101 Ressalte-se que a Lei nº 12.431/2011 não manteve o antigo § 3º do artigo 59 da Lei
das S.A., que vedava a emissão de novas debêntures antes de colocadas todas
as das séries de emissão anterior ou canceladas as séries não colocadas, bem
como proibia a negociação de nova série da mesma emissão antes de colocada
a anterior ou cancelado o saldo não colocado. Por este motivo, entende-se ser
permitida a realização de emissões de debêntures concomitantes.
102 A Lei nº 12.431/2011, dentre outras providências, deu nova redação aos §§
1º e 2º do art. 59 da Lei das S.A., conferindo maiores poderes ao Conselho
de Administração. Após a mudança, o órgão passa a poder decidir sobre a
emissão de debêntures não conversíveis em ações, inclusive as que possuem
garantias. Além disso, o estatuto poderá prever a competência do Conselho
para deliberar sobre a emissão de debêntures conversíveis em ações.

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114 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

mesmo diploma legal. Tal direito deve ser exercido no momento da


emissão das debêntures conversíveis, não no momento da conversão
pelo titular da debênture.
Durante o período em que puder ser exercido o direito à con-
versão, a alteração do estatuto para a modificação do objeto social ou
para a criação de a­ções preferenciais ou mudança das vantagens das
existentes, com prejuízo das a­ções em que são conversíveis as debên-
tures, estará sujeita à prévia aprovação dos debenturistas (artigo 57, §
2º, da Lei das S.A.).
Em síntese, vislumbram-se nas debêntures conversíveis dois di-
reitos: o de crédito e o de subscrição de a­ções da companhia emissora.

3.4.6. Agente fiduciário103


A Lei nº 6.404/1976, “para maior proteção dos investidores do
mercado, [...] prevê e regula a função do agente fiduciário dos de-
benturistas, tomando por modelo o trustee do direito anglo-saxão e
adaptando-o à nossa técnica jurídica” (Exposição de Motivos).
O agente fiduciário representa a comunhão dos debenturistas
perante a companhia emissora (artigo 68 da Lei das S.A.) e tem como
principal dever o de proteger os direitos e interesses dos debenturistas
(artigo 68, § 1º, alínea “a” da Lei das S.A.), podendo, para tanto, usar
de qualquer ação (artigo 68, § 3º, da Lei das S.A.).

103 A Lei nº 12.431/2011 alterou a redação do art. 66, §3º, alínea “a” da Lei das S.A.,
para determinar que a CVM poderá permitir que um mesmo agente fiduciário
exerça esta função em diferentes emissões de uma mesma companhia: “§3º – Não
pode ser agente fiduciário: a) pessoa que já exerça a função em outra emissão da
mesma companhia, a menos que autorizado, nos termos das normas expedidas
pela Comissão de Valores Mobiliários” (grifamos). Nos termos Instrução CVM
nº 583/2016, pode o mesmo agente fiduciário atuar em mais de uma emissão
do mesmo emissor, sociedade coligada, controlada, controladora ou integrante
do mesmo grupo, desde que assegure tratamento equitativo a todos os titulares
de valores mobiliários. Além disso, essa informação deve ser divulgada, com
destaque, na escritura de emissão, no termo de securitização de direitos
creditórios ou no instrumento, equivalente e no prospecto da oferta, juntamente
com os dados especificados no Anexo 15, art. 1º, inciso XI da Instrução.

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A escritura de emissão pode atribuir aos agentes fiduciários ou-


tros deveres, além daqueles que derivam diretamente da lei. Por outro
lado, serão reputadas nulas as cláusulas da escritura que implicarem
em restri­ções dos deveres, atribui­ções e responsabilidade do agente
fiduciário previstos em Lei (artigo 68, § 6º, da Lei das S.A.).
Na emissão de debêntures distribuídas ou admitidas à negociação
no mercado, a intervenção do agente fiduciário é obrigatória (artigo
61, § 1º, da Lei das S.A.), devendo o agente, inclusive, ser nomeado e
aceitar a sua função na própria escritura de emissão (artigo 66, caput,
da Lei das S.A.).
A função de agente fiduciário pode ser exercida por pessoa física
ou por instituição financeira104 especialmente autorizada pelo Banco
Central (artigo 66, §§ 1º e 2º, da Lei das S.A.), observados os impe-
dimentos que a Lei das S.A. estabelece no artigo 66, § 3º.
A Instrução CVM nº 583/2016 regula o exercício da função de
agente fiduciário105. Dentre outras disposições, estabelece que somente
poderão atuar como agentes fiduciários as instituições financeiras
previamente autorizadas pelo Banco Central do Brasil, que tenham
como objeto social a administração ou a custódia de bens de terceiros,
bem como outras entidades autorizadas para esse fim nos termos de
lei específica.

3.4.7. Debêntures padronizadas


Em 13 de fevereiro de 2004, a CVM editou a Instrução 404,
que instituiu as chamadas “debêntures padronizadas”, estabelecendo

104 Nos termos da redação original do inciso II do art. 7º da Instrução CVM nº


28/1983, o Banco Central deveria autorizar em cada emissão o exercício da
função de agente fiduciário por uma instituição financeira. A Instrução CVM
nº 123/1990 alterou a redação deste dispositivo, permitindo que fossem
nomeadas para exercer a função de agentes fiduciários as institui­ções
financeiras previamente autorizadas para tanto pelo Banco Central. Esta é a
redação da regulamentação atual sobre o assunto, isto é, da Instrução CVM
nº 583/2016.
105 Confira-se, a respeito, a Nota Explicativa CVM nº 27/1983.

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116 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

padrões de cláusulas e condições que devem ser adotados nas escrituras


de emissão de tais títulos. Por adotarem cláusulas e condi­ções padro-
nizadas, a CVM poderá deferir o registro de distribuição pública de
tais debêntures mediante análise simplificada dos documentos e das
informa­ções fornecidas. Ademais, o exame dos requisitos para a dis-
tribuição pública das debêntures simplificadas é realizado pela CVM
de forma mais célere, ocorrendo seu deferimento em, no máximo, 5
(cinco) dias úteis a contar da data do protocolo do pedido na autarquia
(artigo 4º da Instrução CVM nº 404/2004).
Somente poderão ser adotadas as cláusulas padronizadas e o pro-
cedimento simplificado de registro na CVM, referidos nesta norma
regulamentar, quando se tratar de emissão de debêntures subordinadas
ou sem preferência, conforme esclarece a Nota Explicativa à Instrução
CVM nº 404/2004106. Nos termos do artigo 2º, inciso I, da Instrução
CVM nº 404/2004, a escritura de emissão das debêntures padronizadas
deverá observar o padrão constante do seu Anexo I.
As debêntures padronizadas foram criadas com a finalidade de
“estimular o desenvolvimento de um mercado transparente e líquido
para títulos privados de renda fixa”, objetivando, ainda, “assegurar
o acesso irrestrito dos investidores às ofertas de distribuição dessas
debêntures e estabelecer as bases para que esse mercado permita às
companhias abertas a gestão eficiente do fluxo de caixa, a qualquer

106 Dispõe a Nota Explicativa à Instrução CVM nº 404/2004: “Dentre as


diversas características e condi­ções constantes do modelo de escritura
devem ser comentados: 1. a utilização exclusiva de debêntures das espécies
subordinadas ou sem preferência – por permitirem o incremento do volume
emitido e, consequentemente, da liquidez e por refletirem o risco de crédito
da emissora e não de uma determinada garantia. Dado que dentro da mesma
espécie não há ordem de precedência para pagamento, essas debêntures
possibilitam que diferentes séries emitidas em distintas ocasiões possam
ser negociadas sob o mesmo código, desde que tenham a mesma condição
financeira e data de vencimento, Dessa forma, um título para determinado
vencimento, que obtenha boa liquidez no mercado, poderá ter o volume
eficientemente incrementado mediante a oferta de outras séries ou de novas
emissões.”

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tempo, ao custo financeiro mais adequado à percepção do seu risco de


crédito pelos investidores” (parágrafo único do artigo 1º, da Instrução
CVM nº 404/2004).
Tais títulos são negociados em segmento especial de Bolsa de
Valores ou entidade de mercado de balcão organizado, que ofereça,
de modo transparente, mecanismos de formação de preço com amplo
acesso dos investidores; promova cota­ções em percentual do valor
do principal dos títulos; e esteja integrado a câmaras de liquidação e
custódia autorizadas a funcionar no país (artigo 6º da Instrução CVM
nº 404/2004).
De acordo com sua Nota Explicativa, a Instrução CVM nº
404/2004 é orientada pelas seguintes estratégias:
“I. A adoção de debêntures cujas escrituras observem um padrão de cláusulas
e condi­ções de fácil compreensão e assimilação (Art. 2º, inciso I e Anexos I a
V da Instrução);
II. O aprimoramento dos sistemas de negociação e da transparência do mercado
de debêntures (Art. 2º, inciso II e Art. 6º), imprescindíveis ao incremento da
liquidez desses títulos; e
III. A redução dos custos de emissão e distribuição dessas debêntures, quer
pela adoção do procedimento simplificado de registro na CVM (Arts. 3º
e 4º), quer pela possibilidade de colocação de lotes ao longo de 24 meses
(Art. 5º).”

A Instrução, ao determinar que as debêntures simplificadas sejam


objeto de “atividade permanente por parte de formadores de mercado”
(artigo 2º da Instrução CVM nº 404/2004), visa à incrementação
do mercado secundário destes títulos, na medida em que o objetivo
primordial dos “market makers” é fomentar a liquidez de valores mo-
biliários negociados publicamente107, mediante a garantia de oferta

107 A atividade de formador de mercado está regulada na Instrução CVM nº


384/2003. Ela deve ser exercida por pessoas jurídicas cadastradas junto
às bolsas de valores e às entidades de mercado de balcão organizado. Nos
termos do artigo 7º da Instrução, “o formador de mercado poderá exercer
sua atividade de forma autônoma ou ser contratado pelo emissor dos

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118 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

de compra e venda de tais ativos108. Com efeito, a atuação obrigatória


de formadores de mercado tem como finalidade propiciar a existência
permanente de um valor indicativo para a realização de negócios com
as debêntures padronizadas109.
A Nota Explicativa à Instrução CVM nº 404/2004 esclarece, por
fim, que “não há restri­ções à emissão de ‘Debêntures Padronizadas’
por quaisquer companhias abertas, impondo-se, sempre, a obtenção
dos registros de distribuição pública na CVM e para negociação no
ambiente específico de bolsa de valores ou de mercado de balcão
organizado e que é livre a adoção do modelo de escritura em outras
emissões de debêntures”.

3.5. Bônus de subscrição


Os bônus de subscrição, previstos nos artigos 75 a 79 da Lei das
S.A., são títulos negociáveis, de emissão privativa das companhias de
capital autorizado (artigo 168 da Lei das S.A.), que atribuem a seus
titulares o direito de, nas condi­ções previstas no ato de sua criação,
subscrever a­ções de emissão da companhia, mediante o pagamento
do respectivo preço110.

valores mobiliários em que se especialize, por empresas controladoras,


controladas ou coligada ao emissor ou , por quaisquer detentores de valores
mobiliários que possuam interesses em formar mercado para os papéis de
sua titularidade”.
108 A atuação do Formador de Mercado nos mercados administrados pela B3 está
disciplinada na sua Resolução nº 004/2012-DN. De acordo com o parágrafo
1 do Capítulo V de tal Resolução, compete, basicamente, ao Formador de
Mercado estar presente diariamente no mercado, através da colocação de
ofertas de compra e venda para, pelo menos, o lote mínimo ou a quantidade
mínima de ativos de cada oferta determinada pela B3, respeitado o intervalo
máximo entre o preço da oferta de compra e da oferta de venda de ativos
para os quais é credenciado, bem como envidar os melhores esforços para
executar as ofertas recebidas.
109 Conforme dispõe a Nota Explicativa à Instrução CVM nº 404/2004.
110 Confira-se, a respeito dos bônus de subscrição, NELSON EIZIRIK. “Bônus
de Subscrição. Cláusula de Ajustamento do Preço de Exercício. Aplicação
em decorrência de aumento de capital efetuado para atender a plano

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 119

Os bônus de subscrição conferem aos seus titulares o direito de


subscrever ações da companhia emissora, dentro de um prazo deter-
minado, por um valor de emissão determinado ou determinável, nas
condi­ções previamente estabelecidas na deliberação da assembleia
geral ou do Conselho de Administração que aprovou a sua criação111.
Os bônus poderão ser alienados pela sociedade ou atribuídos
gratuitamente como vantagem adicional aos subscritores de suas
a­ções ou debêntures (artigo 77 da Lei das S.A.). Em qualquer caso, a
fim de proteger os interesses dos acionistas da companhia emissora,
a Lei das S.A. expressamente assegura o direito de preferência para a
subscrição dos bônus emitidos (parágrafo único do artigo 77 da Lei
das S.A.). No entanto, conforme menciona o artigo 171, § 3º, da Lei
Societária, tal direito deve ser exercido no momento da emissão do
título, não podendo os acionistas exigir que lhes seja outorgada nova
oportunidade de subscrição preferencial na época do exercício dos
direitos conferidos pelos bônus.
O grande atrativo deste título, do ponto de vista do investidor,
está no fato de ele conferir o direito de subscrever a­ções a um preço
previamente estabelecido.
Assim, ao subscrever o bônus, o investidor tem a expectativa
de que, no momento do exercício do título, as a­ções de emissão da
companhia estarão sendo negociadas por valor superior ao preço de
exercício fixado no ato de emissão do bônus. Caso tal expectativa não
se confirme, o direito conferido pelo bônus não deverá ser exercido,
pois o investidor, em regra, poderá adquirir, no mercado, a­ções de
emissão da companhia a preços inferiores.

de opção de compra de a­ções”. In: Temas de direito societário. Rio de


Janeiro: Renovar, 2005, pp. 449 et seg. MARIA LÚCIA DE ARAÚJO CINTRA.
Aspectos jurídicos do bônus de subscrição. São Paulo: Universidade
de São Paulo, 1980, e PAULO CÉZAR ARAGÃO. “Op­ções de Compra de
A­ções e Bônus de Subscrição”. Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista
dos Tribunais, v. 631, 1988.
111 MAURO BRANDÃO LOPES. S.A.: títulos e contratos novos. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1978, p. 85.

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120 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Para a companhia emissora, os bônus de subscrição podem servir


para a captação de recursos junto a terceiros ou para estimular a colocação
de outros valores mobiliários de sua emissão. Como referido, nos termos
do artigo 77 da Lei das S.A., os bônus de subscrição podem ser emitidos
para alienação onerosa ou para serem atribuídos como vantagem adicional
aos subscritores de a­ções ou debêntures da companhia.
Ao direito subjetivo do proprietário do bônus de subscrever a­ções
de emissão da companhia, corresponde, por outro lado, o dever jurídico
desta, por ocasião do exercício do direito, de proceder ao aumento de
capital para emitir as a­ções correspondentes e entregá-las ao detentor
do título.
Ou seja, o bônus de subscrição representa, inequivocamente,
um direito de crédito de seu titular, consistente no direito de exigir a
prestação do devedor, nele especificada.
O bônus de subscrição constitui, assim, título cuja finalidade é
corporificar um direito de crédito, assegurando que tal direito possa ser
livremente negociado, em condi­ções de certeza e segurança jurídica.
Embora seja caracterizado como título de legitimação, na medida
em que legitima o seu proprietário a tornar-se acionista da companhia,
a doutrina é unânime em afirmar que o bônus de subscrição possui
natureza jurídica de título de crédito112.

112 WALDIRIO BULGARELLI. Questões de Direito Societário. São Paulo: Revista


dos Tribunais, 1983, p. 60. MARIA LÚCIA DE ARAÚJO CINTRA Aspectos
jurídicos do bônus de subscrição. São Paulo: Universidade de São Paulo,
1980, p. 57. MAURO BRANDÃO LOPES. S.A.: títulos e contratos novos.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 78. JOSÉ ALEXANDRE TAVARES
GUERREIRO. Regime Jurídico do Capital Autorizado. São Paulo: Saraiva,
1984, pp. 119-124. Modesto Carvalhosa ressalta, ainda, que o fato de ser
caracterizado como título de legitimação não exclui sua característica de
título de crédito. MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades
Anônimas, 5ª ed., v. 2. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 60-61.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 121

3.6. As cotas de fundos e de clubes de investimento

3.6.1. Os fundos de investimento

a) Introdução

Ao longo das últimas décadas, foram sendo criados, em prati-


camente todos os países que dispõem de sistemas financeiros desen-
volvidos, diferentes instrumentos de investimento coletivo visando à
diversificação de riscos113, dentre os quais destacam-se os fundos de
investimento114.
O fundo de investimento, ao permitir a aplicação de recursos de
pequeno volume e proporcionar o acesso a uma administração espe-
cializada, constitui um dos mais notáveis e democráticos instrumentos
de alocação da poupança dos investidores115, muitas vezes não afeitos
à complexa dinâmica do mercado financeiro.

113 De acordo com a Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho,


as entidades de investimento coletivo, na prática internacional, podem
revestir-se das seguintes modalidades: fundos de investimento, sociedades
de investimento, e unit trusts.
114 No Brasil, de acordo com o pioneiro estudo de Peter Walter Ashton, a
primeira experiência relevante no setor deu-se em 1956, com a criação do
Fundo de Investimentos Crescinco, cuja administração foi confiada a uma
companhia brasileira subsidiária de uma empresa financeira norte-americana,
a International Basic Economy Corporation, de Nova York. A partir de então,
os fundos de investimento passaram a ser objeto de minuciosa disciplina
regulamentar, inicialmente por parte da Sumoc, depois, a partir de 1964,
por parte do Banco Central, e, mais recentemente, com a edição da Lei nº
10.303/2001, pela Comissão de Valores Mobiliários. PETER WALTER ASHTON.
Companhias de Investimento. Rio de Janeiro: Edi­ções Financeiras S.A., 1963,
pp. 40 et seg.
115 Presentemente, a indústria dos fundos constitui um dos mais dinâmicos
setores do mercado financeiro. No Brasil, este segmento vem crescendo
significativamente e, em 2015 o patrimômio líquido dos fundos de
investimento já alcançava R$ 3,1 trilhões, cerca de 50% do PIB (Informação
retirada do Relatório Anual CVM 2015. Disponível em: <http://www.cvm.
gov.br/export/sites/cvm/publicacao/relatorio_anual/anexos/Relatorio_
Anual_2015.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2017).

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122 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

O público, ao investir nos fundos, tem como objetivo conjugar


seus recursos em busca de solu­ções de investimentos mais seguras e
que lhe proporcionem rentabilidade e liquidez116.
A possibilidade de aplicação em uma carteira de ativos diver-
sificada, mediante a aquisição de cotas de fundos de investimentos
constitui um dos fatores mais atrativos para os investidores. Com efeito,
a diversificação dos investimentos em ativos de vários segmentos do
mercado financeiro permite que o rendimento satisfatório de deter-
minados ativos compense a eventual baixa dos demais.
Além disso, a administração profissional e especializada do fundo
tende a gerar rendimentos maiores do que o investidor individualmente
conseguiria obter, já que os profissionais atuantes na área dispõem de
proje­ções, estudos e experiência que lhes permitem realizar aplica­ções
com maior probabilidade de êxito117.
A liquidez, ao seu turno, advém da possibilidade de cessão,
transferência ou resgate das cotas dos fundos, que, dependendo de
sua natureza, poderão ocorrer a qualquer momento118, bem como da
composição da carteira de investimentos com ativos líquidos.
Os fundos de investimento são constituídos pelo administrador,
que elabora o regulamento e o prospecto, ofertando publicamente as
cotas de emissão do fundo ao mercado (artigo 6º da Instrução CVM
nº 555/2014). Por sua vez, os investidores que adquirem estas cotas
passam à condição de cotistas do fundo, mantendo nele sua aplicação.

116 Neste sentido, confira-se FELIX RUIZ ALONSO. “Os Fundos de Investimento”,
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 1. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1971, p. 62.
117 Sobre as vantagens dos fundos como forma de investimentos, confira-se
MARIA JOÃO ROMÃO CARREIRO VAZ TOMÉ. “Notas sobre os aspectos
financeiros e civis dos fundos de investimento mobiliário aberto”. In.: Direito
dos Valores Mobiliários, v. I. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, pp. 12-15.
118 Por exemplo, no caso dos fundos abertos, como esclarecido no 3.6.1 deste
capítulo, o resgate das cotas dos fundos poderá ser solicitado a qualquer
momento.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 123

b) A natureza jurídica dos fundos de investimento


A Instrução CVM nº 555, de 17.12.2014 dispõe sobre normas
gerais que regem a constituição, a administração, o funcionamento e a
divulgação de informa­ções dos fundos de investimento. Em seu artigo
3º, a Instrução define fundo de investimento como “uma comunhão de
recursos, constituída sob a forma de condomínio, destinado à aplicação
em ativos financeiros”.
Assim, os fundos de investimento organizam-se, juridicamente,
sob a forma de condomínio119, sem personalidade jurídica, constituindo
uma comunhão de recursos destinados à aplicação em carteiras com-
postas pelos mais diversos ativos financeiros, como títulos da dívida
pública, a­ções, debêntures e outros títulos ou contratos existentes no
mercado120.
Os fundos de investimento, ao contrário do que ocorre com as
companhias de investimento, apresentam uma feição contratual e não
societária, uma vez que não há entre os investidores relação interpessoal
associativa – a affectio. Ao contrário, a relação dos investidores entre si
é irrelevante para a constituição e funcionamento de um fundo121, uma

119 Existem diversas correntes a respeito da natureza jurídica dos fundos de


investimento, a saber: a) Teoria Condominial; b) Teoria da Comunidade
de Bens não Condominial; c) Teoria da Propriedade em Mão Comum; d)
Teoria da Propriedade Fiduciária; e) Teoria da Organização Associativa.
Conferir a propósito, RICARDO DE SANTOS FREITAS. Natureza Jurídica dos
Fundos de Investimento. São Paulo: Quartier Latin, 2005; e MARIA JOÃO
ROMÃO CARREIRO VAZ TOMÉ. “Notas sobre os aspectos financeiros e
civis dos fundos de investimento mobiliário aberto”. In.: Direito dos Valores
Mobiliários, v. I. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, pp. 40-41. O sistema legal
brasileiro, conforme se depreende da leitura do artigo 2º da Instrução CVM
nº 409/2004, adotou a teoria condominial.
120 Confira-se NELSON EIZIRIK. Temas de direito societário. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005, pp. 549 et seg.
121 Sobre a diferença entre a comunhão voluntária e a sociedade, esclarece Felix
Ruiz Alonso que “[a] diferença entre a comunhão voluntária e a sociedade,
estriba nas disposições internas das pessoas, que são umas nos sócios e outras
diferentes nos comunheiros. No comunheiro não se dá a relação interpessoal
associativa – affectio – característica da sociedade que é preponderante no caso
do associado. A sociedade, antes de mais nada, une os sócios entre si para um fim

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124 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

vez que, ao aderirem ao fundo, estes vinculam-se ao administrador,


que lhes presta serviços de administração e de gestão de seus recursos.
A Instrução CVM nº 555/2014, em seu artigo 4º, classifica os
fundos de investimento em condomínios abertos ou fechados, confor-
me seja ou não admissível o resgate das cotas de sua emissão. Dessa
forma, nos fundos abertos, os cotistas podem solicitar o resgate de
suas cotas a qualquer momento; nos fechados, o resgate somente pode
ocorrer com o término do prazo de duração do fundo.
Por outro lado, conforme determina o artigo 13 da Instrução
CVM nº 555/2014, as cotas de fundo aberto não são passíveis de
cessão ou transferência, exceto nas hipóteses de: (a) decisão judicial ou
arbitral; (b) operações de cessão fiduciária; (c) execução em garantia;
(d) sucessão universal; (e) dissolução de sociedade conjugal ou união
estável por via judicial ou escritura pública que disponha sobre a par-
tilha de bens; e (f ) transferência de administração ou portabilidade
de planos de previdência. Já as cotas de fundo fechado podem ser
livremente cedidas ou transferidas, mediante termo ou negociação
em Bolsa de Valores ou no mercado de balcão.

c) Deveres e responsabilidades dos administradores e gestores dos


fundos de investimentos

O fundo de investimento é constituído por deliberação do ad-


ministrador, que deve aprovar, na mesma ocasião, o seu regulamento
(artigo 6º da Instrução CVM nº 555/2014) contendo, dentre outras,
informa­ções sobre a espécie de fundo e seu prazo de duração, a política
de investimento, de divulgação de informa­ções e de administração de
riscos, o público alvo e a distribuição de resultados (artigo 44, Instrução

comum. Enquanto que a comunhão relaciona apenas os sujeitos com a coisa; é


uma relação real que se repete tantas vezes quantos são os comunheiros, não é
relação das pessoas entre si. A relação dos coproprietários entre si é irrelevante,
por isso não se pode falar em affectio entre eles, que implica sempre – repetimos
– uma relação entre pessoas” (FELIX RUIZ ALONSO. “Os Fundos de Investimento”.
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 1. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1971, pp. 76-77.)

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 125

CVM nº 555/2014). Os fundos de investimento dependem, para seu


funcionamento, de prévio registro na CVM.
A administração do fundo é usualmente confiada a uma entida-
de especializada, instituição financeira com capacitação técnica para
administrar e gerir o patrimônio comum dos cotistas, que deve ter
autorização da CVM para exercer de forma profissional a atividade
de administração de carteiras de valores mobiliários (artigo 78, § 1º,
da Instrução CVM nº 555/2014).
O administrador tem poderes para praticar todos os atos ne-
cessários ao funcionamento do fundo, sendo responsável por sua
constituição e pela prestação de informa­ções à CVM (artigo 80 da
Instrução CVM nº 555/2014).
Nos termos do artigo 78 da Instrução CVM nº 555/2014, a ad-
ministração do fundo compreende o conjunto de serviços relacionados
direta ou indiretamente ao seu funcionamento e à sua manutenção,
que podem ser prestados pelo próprio administrador ou por terceiros
por ele contratados, desde que por escrito e em nome do fundo.
O administrador poderá contratar a prestação dos serviços listados
no § 2º do artigo 78 da Instrução CVM nº 555/2014, ou seja, a gestão da
carteira do fundo; a consultoria de investimentos; as atividades de tesouraria,
controle e processamento de títulos e valores mobiliários; a distribuição,
escrituração de emissão e resgate de cotas; a custódia de títulos e valores
mobiliários e demais ativos financeiros; a classificação de risco por agência
especializada constituída no País; e o serviço de formador de mercado.
Somente os serviços elencados neste dispositivo da Instrução podem ser
contratados perante terceiros, devendo todas as demais atividades relacio-
nadas ao fundo ser prestadas exclusivamente pelo administrador.
Assim, ao administrador é facultado terceirizar, dentre outros
serviços, a gestão da carteira do fundo122, que pode ser exercida por

122 “Pode dizer-se que os poderes da sociedade gestora de negociar valores


mobiliários (e equiparados), assim como de exercer os direitos a eles inerentes,
sem qualquer possibilidade de interferência dos participantes, exprimem,

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126 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

pessoa natural ou jurídica, credenciada junto à CVM como adminis-


tradora de carteira de valores mobiliários, de acordo com o disposto
nos artigos 3º, 4º e 6º da Instrução CVM nº 558/2015. Cumpre ao
gestor de carteira negociar, em nome do fundo, os ativos integrantes da
carteira (artigo 78, § 3º, da Instrução CVM nº 555/2014)123, decidindo
quais os ativos deverão ser comprados ou vendidos.
Caso o administrador não cumule as fun­ções de distribuição e
custódia, deverá contratar ainda a prestação destes serviços. A distri-
buição é exercida por um membro do sistema de distribuição de valores
mobiliários, que compreende os agentes mencionados no artigo 15 da
Lei nº 6.385/1976.
A custódia, por sua vez, somente pode ser exercida por institui­ções
financeiras, entidades de compensação e entidades autorizadas por
lei a prestar serviços de depósito centralizado. O serviço de custódia
compreende o depósito de valores mobiliários sob a guarda da institui-
ção depositária (parágrafo único do artigo 24 da Lei nº 6.385/1976).
A Instrução CVM nº 555/2014 exige que os contratos de custódia
contenham cláusula estipulando que o custodiante somente deverá
acatar ordens proferidas pelo administrador e pelo gestor ou por seus
representantes legais ou mandatários, desde que tais ordens estejam
diretamente relacionadas às opera­ções do fundo (artigo 81, incisos I
e II, da Instrução CVM nº 555/2014).

em último recurso, a cisão, legalmente consagrada, entre a ‘titularidade’ dos


participantes do património dos fundos e a ‘legitimação’ da sociedade.” MARIA
JOÃO ROMÃO CARREIRO VAZ TOMÉ. “Notas sobre os aspectos financeiros
e civis dos fundos de investimento mobiliário aberto”. In.: Direito dos Valores
Mobiliários, v. I. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 23.
123 O Código de Regulação e Melhores Práticas para Fundos de Investimento
editado pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados
Financeiro e de Capitais) em vigor desde 01.07.2016 define a gestão de carteira
de fundos de investimento da seguinte forma: “Art. 28 – A gestão compreende
o conjunto de decisões que, executadas com observância dos termos do
regulamento, prospecto, ou do formulário, conforme aplicável determinam
a performance do fundo de investimento.”

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 127

O administrador, no exercício de suas fun­ções, deve observar uma


série de deveres previstos no artigo 90 da Instrução CVM nº 555/2014,
tais como: (a) diligenciar para que sejam mantidos atualizados o
registro de cotistas; o livro de atas das assembleias gerais; o livro ou
lista de presença de cotistas; os pareceres do auditor independente; os
registros contábeis referentes às opera­ções e ao patrimônio do fundo; e
a documentação relativa às opera­ções do fundo; (b) elaborar e divulgar
informa­ções periódicas, os atos e fatos relevantes, bem como publicar
as demonstrações contábeis e os relatórios de auditoria; (c) fiscalizar
os serviços prestados por terceiros contratados pelo fundo; (d) observar
as disposi­ções constantes do regulamento124_125.
O administrador deve, ainda, atuar de acordo com as seguintes nor-
mas de conduta: (a) exercer suas atividades buscando sempre as melhores
condições para o fundo, empregando o cuidado e a diligência que todo
homem ativo e probo costuma dispensar à administração de seus próprios
negócios, atuando com lealdade em relação aos interesses dos cotistas e
do fundo, evitando práticas que possam ferir a relação fiduciária com eles
mantida, e respondendo por quaisquer infra­ções ou irregularidades que
venham a ser cometidas sob sua administração ou gestão; (b) exercer, ou
diligenciar para que sejam exercidos, todos os direitos decorrentes do pa-
trimônio e das atividades do fundo, ressalvado o que dispuser o formulário
de informações complementares sobre a política relativa ao exercício de
direito de voto do fundo; (c) empregar, na defesa dos direitos do cotista, a
diligência exigida pelas circunstâncias, praticando todos os atos necessários
para assegurá-los, e adotando as medidas judiciais cabíveis (artigo 92 da
Instrução CVM nº 555/2014).

124 O Código de Regulação e Melhores Práticas para Fundos de investimento


editado pela Anbima também estabelece deveres a serem observados
pelas institui­ções administradoras e gestoras de fundos. A respeito, vide
seu artigo 6º.
125 Além disso, o artigo 91 da citada Instrução impõe ao administrador e ao gestor
o dever de zelar pela liquidez do fundo, assegurando que seja compatível
com os prazos previstos no regulamento para pagamento dos pedidos de
resgate e com o cumprimento das obrigações do fundo.

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128 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Além da Instrução CVM nº 555/2014, o administrador e o gestor


de fundos de investimento, assim como o administrador de carteira de
valores mobiliários, devem observar as regras de conduta estabelecidas
pela Instrução CVM nº 558/2015, que prevê, dentre outros, os deveres
de diligência e de lealdade, o dever de buscar atender aos objetivos
de investimento de seus clientes 126, o dever de informar, o dever de
declarar os potenciais conflitos de interesses por força do exercício de
outras atividades no mercado, e o dever de informar os participantes
a respeito do grau de intensidade dos riscos a que a carteira está sub-
metida (artigo 16, da Instrução CVM nº 558/2015).
Um dos deveres mais relevantes do administrador dos fundos
de investimentos consiste na adequada prestação de informa­ções, em
atenção ao princípio do disclosure que norteia o funcionamento do
mercado de valores mobiliários, no qual os fundos estão inseridos127.
Neste sentido, a CVM, através da Instrução CVM nº 555/2014,
estipulou padrões para a divulgação de informa­ções mínimas, consi-
deradas essenciais ao mercado, e que estão previstas nos artigos 56 a
65 da citada Instrução. Tais artigos estabelecem ainda a periodicidade
com que as informa­ções mínimas devem ser prestadas ou deixadas à
disposição dos cotistas.
De acordo com a Instrução CVM nº 555/2014, o fundo deve
prestar três modalidades de informa­ções ao mercado: (a) informa­ções
periódicas; (b) atos ou fatos relevantes; e (c) demonstrações contábeis
e relatórios de auditoria128.

126 Tal dever corporifica o que se denomina de regra de suitability, que impõe
aos intermediários a obrigação de verificar a adequação existente entre
a qualificação do investidor (medida pelo seu nível de experiência e as
características de seu conjunto de ativos), assim como o grau dos riscos
assumidos nas opera­ções.
127 Conforme será analisado no item 3.6.1.c) deste capítulo.
128 A elaboração das demonstra­ções contábeis dos fundos de investimento deve
ser feita com observância às regras fixadas pela Instrução CVM nº 438/2006.

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As informa­ções de atos ou fatos relevantes, nos termos do artigo


60 da Instrução CVM nº 555/2014, devem ser prestadas sempre que os
administradores tenham acesso a qualquer fato que possa ser relevante
para o julgamento dos investidores, sendo considerados relevantes
quaisquer atos ou fatos que possam influir de modo ponderável no
valor das cotas ou na decisão dos investidores de adquirir, alienar ou
manter tais cotas (artigo 60, § 1º, da Instrução CVM nº 555/2014).
Tais eventos devem, ainda, ser comunicados à entidade administradora
de mercado organizado onde elas estiverem admitidas à negociação,
divulgados por meio do Sistema de Envio de Documentos disponí-
vel na página da CVM, e mantidos nas páginas na rede mundial de
computadores do administrador e do distribuidor do respectivo fundo
(artigo 60, § 2º, da Instrução CVM nº 555/2014). Ressalte-se que
as informa­ções a respeito do fundo dirigem-se não apenas aos seus
cotistas, mas também ao mercado como um todo, razão pela qual a
obrigatoriedade de divulgá-las imediatamente se mantém, mesmo que
o fundo tenha um único cotista.
Aliás, é este sistema de divulgação de informa­ções ao mercado que,
por ser aplicável indistintamente a todos os fundos de investimento,
possibilita uma melhor comparação entre a rentabilidade apresentada
pelos diversos fundos, tornando mais fácil a avaliação do desempenho
da instituição administradora129.
Além da imposição de deveres e responsabilidades, a Instrução
CVM nº 555/2014 lista, em seu artigo 89, um rol de condutas cujas
práticas são vedadas aos administradores, tais como receber depósito
em conta corrente; contrair ou efetuar empréstimo; prestar fiança, aval,
aceite ou coobrigar-se sob qualquer outra forma, ressalvada a hipótese

129 Com o objetivo de aperfeiçoar a divulgação de informa­ções ao mercado, a


Anbima, em seu Código de Regulação e Melhores Práticas, estabeleceu que
a divulgação do material técnico e publicitário dos fundos deveria observar
as melhores práticas do mercado (artigo 15), devendo, ainda, ater-se aos
princípios dispostos nos artigos 1º e 6º.

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130 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

de fundo para investidores qualificados, com a expressa concordância


de representantes de, no mínimo, dois terços das cotas emitidas pelo
fundo; vender cotas à prestação, sem prejuízo da integralização a prazo
de cotas subscritas; prometer rendimento predeterminado aos cotistas;
realizar opera­ções com a­ções fora de Bolsa de Valores ou de mercado
de balcão organizado por entidade autorizada pela CVM130; utilizar
recursos do fundo para pagamento de seguro contra perdas financeiras
de cotistas e praticar qualquer ato de liberalidade.
O administrador e cada prestador de serviço por ele contratado
respondem por prejuízos decorrentes de atos e omissões próprios a
que derem causa, sempre que contrários à lei, ao regulamento e às
disposições regulamentares aplicáveis. Ademais, nos contratos fir-
mados pela administração com prestadores de serviços, referentes à
gestão da carteira do fundo, às atividades de tesouraria, de controle
e processamento dos títulos e valores mobiliários e à escrituração da
emissão e resgate de cotas, é obrigatória a inserção de cláusula que
estipule a responsabilidade solidária entre o administrador do fundo e
os terceiros por eles contratados, por eventuais prejuízos causados aos
cotistas em virtude das condutas contrárias à lei, ao regulamento e aos
atos normativos expedidos pela CVM (artigo 79, § 2º, da Instrução
CVM nº 555/2014)131.

130 Ressalvadas as hipóteses de distribui­ções públicas, de exercício de direito


de preferência e de conversão de debêntures em a­ções, exercício de bônus
de subscrição, negociação de ações vinculadas a acordo de acionistas e nos
casos em que a CVM tenha concedido prévia e expressa autorização.
131 A respeito da cláusula de solidariedade, confira-se o posicionamento
da CVM – manifestado antes da Instrução CVM nº 555/2014: “Antes de
terminar, julgo importante, para casos futuros, fazer alguns registros quanto
aos termos da acusação. Em primeiro lugar, a referência feita pela acusação
à responsabilidade solidária de que trata o § 2º do art. 57 da Instrução 409
não é correta, em processos sancionadores. As normas regulamentares não
têm legitimidade constitucional para criar hipóteses de responsabilidade
civil que decorrem sempre da lei, e muito menos para criar hipóteses de
solidariedade em obriga­ções civis que segundo o próprio artigo 265 do
Código Civil, dependem de lei ou da vontade das partes para surgir. O que a
norma do § 2º do art. 57 fez foi criar um requisito para o exercício da faculdade
de contratação de um gestor, pelo administrador, faculdade regularmente

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 131

O administrador e o gestor respondem pelo patrimônio líquido


negativo do fundo decorrente da inobservância das políticas de inves-
timento ou dos limites de concentração (artigo 15 da Instrução CVM
nº 555/2014)132 e, também, pela infração aos limites de concentração
por ativo financeiro ou por emissor; de composição e concentração
de carteira; e de concentração em fator de risco (artigo 104, caput e
§ 2º da Instrução CVM nº 555/2014).O administrador e o gestor
estarão isentos de responsabilização por eventuais danos provocados
aos investidores, desde que o descumprimento dos aludidos limites
– de concentração e de diversificação da carteira, ou de concentração

concedida pela Instrução. Tal requisito consiste na contratação com cláusula


de solidariedade civil em favor dos cotistas, entre administrador e gestor. Ou
seja: o administrador, que é civilmente responsável, pode transferir a outrem
parte de suas fun­ções, mas deve conservar sua responsabilidade integral.
Isto nada tem que ver com responsabilidade administrativa, e muito menos
com responsabilidade administrativa solidária, que não existe, nem pode
existir. A responsabilidade administrativa, como a penal, deve ser sempre
pessoal, decorrente de atos ou omissões próprios. Essa separação entre
responsabilidade civil e administrativa é clara na Instrução 409: enquanto o §
2º do art. 57 [atual artigo 79, § 2º, da Instrução CVM nº 555/2014] determina a
necessidade de contratação com cláusula de responsabilidade civil solidária, e
o § 3º [atual artigo 79, § 3º, da Instrução CVM nº 555/2014] explicita o fato de
que, apesar de contratar o gestor, o administrador continuará respondendo
civilmente por seus atos próprios, o § 5º[atual artigo 79, § 4º, da Instrução
CVM nº 555/2014] trata da responsabilidade administrativa, nos seguintes
termos: ‘§ 5º Sem prejuízo do disposto no § 2º, o administrador e cada
prestador de serviço contratado respondem perante a CVM, na esfera de
suas respectivas competências, por seus próprios atos e omissões contrários
à lei, ao regulamento do fundo e às disposi­ções regulamentares aplicáveis.’
Entenda-se: fazendo expressa ressalva ao fato de que a subjetividade inerente
à responsabilidade administrativa não afasta a solidariedade civil decorrente
do contrato requerido pelo § 2º, a norma do § 5º deixa absolutamente
cristalino que cada prestador de serviços ao fundo responde ‘por seus
próprios atos e omissões’, ‘na esfera de suas respectivas competências’.
Não há, portanto, em nenhuma hipótese, que se falar em responsabilidade
solidária em processo sancionador” (grifos existentes no original). (Processo
Administrativo Sancionador nº RJ 2005/9245, Rel. Dir. Marcelo Fernandez
Trindade, j. 16.01.2007).
132 Nos termos do artigo 15 da Instrução CVM nº 555/2014, os cotistas também
podem vir a responder por eventual patrimônio negativo do fundo.

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132 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

de risco – tenha sido ocasionado por desenquadramento passivo133,


observadas as seguintes condi­ções, ambas previstas pelo artigo 105 da
Instrução CVM nº 555/2014:
(a) o desenquadramento passivo deve decorrer de fatos exó-
genos e alheios à vontade do administrador, que causem
altera­ções imprevisíveis e significativas no patrimônio
líquido do fundo ou nas condi­ções gerais do mercado de
capitais134, e
(b) tal desenquadramento não deve ultrapassar o prazo máxi-
mo de 15 (quinze) dias consecutivos e não deve implicar
em alteração do tratamento tributário conferido ao fundo
ou aos cotistas do fundo.
Por outro lado, constitui infração grave o descumprimento das
normas relativas à distribuição de cotas, ao exercício das atividades
autorizadas ao administrador, à contratação de terceiros para a pres-
tação de serviços; à política de investimento do fundo; à publicação
de fato relevante; às regras contábeis; à transformação de (a) fundo
aberto em fechado, (b) clube de investimento em fundo e vice-versa
ou (c) fundo regulado por instrução específica da CVM em fundo

133 O desenquadramento da carteira corresponde ao descumprimento dos limites


por ativo e por emissor fixados pelas normas da CVM para os fundos.
134 A CVM, no Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ 2005/9245, Rel.
Dir. Marcelo Fernandez Trindade, julgado em 16.01.2007, entendeu que o
resgate de cotas efetuado por cotista em fundo exclusivo não caracteriza fato
exógeno, como requer a CVM (por meio da Instrução CVM nº 555/2014, antiga
Instrução CVM nº 409/2004) na definição de desenquadramento passivo.
Segundo a decisão proferida pela autarquia, o resgate “decorre diretamente
da grandeza de participação de um cotista no patrimônio do fundo de
investimento”, além de não ser um evento imprevisível, como também é
exigido pela referida Instrução no conceito de desenquadramento passivo.
Para o resgate ser considerado um evento imprevisível, o administrador ou
o gestor deveriam provar “que foram adotados mecanismos de proteção
para uma tal hipótese, os quais, entretanto, aí sim por fatores exógenos
e imprevisíveis, não foram suficientes para evitar o desenquadramento”.
Segundo o voto do Relator Diretor Marcelo Fernandez Trindade, em casos
de resgate expressivo, espera-se que o administrador diligente feche o fundo
– nos termos do artigo 39 da atual Instrução CVM nº 555/2014.

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regulado especificamente pela Instrução CVM nº 555/2014 e vice-


versa (artigo 137 da Instrução CVM nº 555/2014); ao regulamento
do fundo; à classe adotada pelo fundo, com exceção dos fundos da
classe “multimercado”; aos limites de concentração por emissor e por
modalidade de ativo; à concentração em créditos privados; aos deveres
de conduta do administrador; às ordens de compra e venda de ativos
financeiros; e às políticas destinadas à liquidez do fundo; bem como
o descumprimento das delibera­ções tomadas nas assembleias gerais
de cotistas (artigo 141 da Instrução CVM nº 555/2014).
Os demais diretores, os empregados e os prepostos do administra-
dor ou do gestor do fundo também podem ser responsabilizados pela
violação dos dispositivos da Instrução CVM nº 555/2014, desde que
tenham concorrido para a prática do ilícito (artigo 143 da Instrução
CVM nº 409/2004).

d) Cotas
As cotas são representativas de fra­ções ideais do patrimônio do
fundo, adotando as formas escriturais e nominativas. O valor das cotas
varia de acordo com a valorização do patrimônio do fundo135 (artigo
11 da Instrução CVM nº 555/2014).

135 A CVM, mediante a Instrução nº 438/2006 impõe a utilização da marcação a


mercado no registro das cotas. Sobre a matéria, dispõe o Código de Regulação
e Melhores Práticas para Fundos de Investimento da Anbima “Art. 18— As
Institui­ções Participantes devem utilizar a Marcação a Mercado (‘MaM’) no
registro dos ativos financeiros , conforme definidos pela regulamentação da
CVM em vigor,componentes das carteiras dos Fundos de Investimento que
administrem. § 1º – A MaM consiste em registrar todos os ativos, para efeito de
valorização e cálculo de cotas dos Fundos de Investimento, pelos respectivos
preços negociados no mercado em casos de ativos líquidos ou, quando este
preço não é observável, por uma estimativa adequada de preço que o ativo
teria em uma eventual negociação feita no mercado. § 2º – A MaM tem como
principal objetivo evitar a transferência de riqueza entre os cotistas dos Fundos
de Investimentos, além de dar maior transparência aos riscos embutidos nas
posi­ções, uma vez que as oscila­ções de mercado dos preços dos ativos, ou
dos fatores determinantes destes, estarão refletidas nas cotas, melhorando
assim a comparabilidade entre suas performances.”

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134 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Os cotistas possuem iguais direitos e obriga­ções. Os direitos


podem ser de natureza política, consubstanciados no direito à infor-
mação e no direito à convocação e votação em assembleia (artigos
69 e 71 da Instrução CVM nº 555/2014); ou patrimonial, corpori-
ficados no direito ao resgate das cotas (artigo 37 da Instrução CVM
nº 555/2014), no direito à administração do patrimônio do fundo
(artigo 78 da Instrução CVM nº 555/2014), no direito de participar
dos lucros nos limites de sua cota (artigo 44, XIII, da Instrução CVM
nº 555/2014) entre outros.
Os cotistas são responsáveis pelo patrimônio líquido negativo do
fundo, sem prejuízo da responsabilidade do administrador e do gestor,
se houver, em caso de inobservância da política de investimento ou
dos limites de concentração previstos no regulamento e nas normas
da CVM. Neste sentido, ressalte-se que uma das condi­ções para o
ingresso no fundo é a subscrição de termo no qual o cotista atesta
a ciência da possibilidade de ocorrer patrimônio líquido negativo e
reconhece, quanto a esse ponto, sua responsabilidade, além de de-
clarar o recebimento do regulamento, do formulário de informações
complementares e, se for o caso, da lâmina e a ciência dos riscos e da
política de investimento adotada pelo fundo (artigo 25 da Instrução
CVM nº 555/2014).

e) A assembleia de cotistas
A instituição administradora possui apenas as atribui­ções normais
de gestão sobre o patrimônio do fundo, não tendo poderes absolutos
para, independentemente de consulta aos cotistas, decidir sobre ques-
tões que modifiquem a própria estrutura do fundo, afetando direitos
fundamentais dos cotistas, como, por exemplo, a alteração no regula-
mento e a transformação, fusão, incorporação, cisão ou liquidação do
fundo. Os próprios cotistas têm poderes para assegurar que o fundo
atinja seus objetivos e seja satisfatoriamente administrado.

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Além da função deliberativa, a assembleia geral dos cotistas


também funciona como órgão fiscalizador da aplicação dos recursos
do fundo e da atuação do administrador. Para exercer tal função, a
Instrução CVM nº 555/2014 atribui-lhe competência para tomar,
anualmente, as contas relativas ao fundo e para deliberar sobre as
demonstra­ções financeiras apresentadas pelo administrador, bem como
sobre a eventual substituição deste.
Assim, compete privativamente à assembleia geral dos cotistas
deliberar sobre as matérias previstas no artigo 66 da Instrução CVM
nº 555/2014136.
É possível a constituição de procurador para representar o cotista
nas assembleias, assim como permite-se a votação por meio eletrônico
ou escrito (artigos 73 e 75 da Instrução CVM nº 555/2014)137.
Embora prevista na regulamentação da CVM, a assembleia dos
cotistas constitui uma “ficção”, pois, na prática do mercado, raramente
comparece algum cotista para votar, sendo as decisões tomadas pelo
administrador.

f) O regulamento e o prospecto dos fundos de investimento


O prospecto é o documento que consolida os objetivos da cria-
ção do fundo, devendo conter todas as informa­ções relevantes para
o investidor com relação à política de investimento e os riscos138. O

136 Sobre a convocação da assembleia geral de cotistas, ver o artigo 69 da


Instrução CVM nº 555/2014; sobre as hipóteses de conflitos de interesses,
verificar o artigo 76; sobre quorum de instalação e deliberação, conferir os
artigos 70 e 71.
137 A Instrução CVM nº 555/2014 inovou ao inserir na disciplina da matéria a
possibilidade de realização da assembleia por meio eletrônico “devendo
estar resguardados os meios para garantir a participação dos cotistas e a
autenticidade e segurança na transmissão de informações, particularmente os
votos, que devem ser proferidos por meio de assinatura eletrônica legalmente
reconhecida” (artigo 72, da Instrução CVM nº 555/2014)
138 “Notoriamente, os maiores riscos a que estão expostos os ativos das carteiras
são: a) o risco de crédito: aquele em que a contraparte (emissor do título)
não cumpre com as obrigações decorrentes do título, isto é, quando incorre

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136 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

prospecto deve estar publicamente disponível, durante o período de


distribuição, a qualquer investidor que queira consultá-lo.
O prospecto, com as informa­ções previstas no artigo 39 da Instru-
ção CVM nº 400/2003, deve ser redigido de maneira clara e acessível
ao público investidor139.
Os fundos devem elaborar também um regulamento, disciplinan-
do todas as matérias relevantes para o seu funcionamento.
Os regulamentos dos fundos destinados unicamente a investi-
dores qualificados ou profissionais deverão ser explícitos no que se
refere à exclusiva participação destes investidores, bem como conter

em inadimplemento; b) risco de mercado: é o decorrente das condi­ções


adversas do mercado financeiro e de capitais relativamente à oscilação do
preço dos ativos que compõem a Carteira do fundo; c) risco de liquidez:
é o que decorre da dificuldade de venda de um ativo da Carteira no
mercado. Tem-se ainda o risco legal que decorre de irregularidades de
ordem jurídica diversas que impedem, por exemplo, a execução de um
contrato, resultando em eventual prejuízo, ou o não cumprimento das
normas legais estabelecidas. E finalmente o risco operacional, que está
diretamente relacionado à gestão do fundo, e que decorre de erro humano,
falha de sistema, falha de controles internos, procedimentos inadequados
de controle, errôneas avalia­ções de risco etc.” SHEILA PERRICONE. “Fundos
de Investimento: A política de investimento e a responsabilidade dos
administradores”. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da
Arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 11, 2001, p. 87. Nos termos do
§ 5º do artigo 104 da Instrução CVM nº 555/2014, “entende-se por principal
fator de risco de um fundo o índice de preços, a taxa de juros, o índice de
a­ções, ou o preço do ativo cuja variação produza, potencialmente, maiores
efeitos sobre o valor de mercado da carteira do fundo”.
139 Nos termos do artigo 13 do Código de Regulação e Melhores Práticas
para Fundos de Investimento da Anbima, os prospectos dos fundos de
investimentos devem conter suas principais características, dentre as quais
todas as informa­ções relevantes para dar conhecimento ao investidor de suas
políticas de investimento e dos riscos envolvidos, bem como dos direitos e
responsabilidades dos cotistas, devendo conter, dentre outras informações, a
base legal do fundo, a indicação dos prestadores de serviços de administração,
gestão, custódia, distribuição, registro escritural de cotas, auditor, a política
de divulgação de informa­ções, o objetivo de investimento, a política de
investimento, fatores de risco, gerenciamento de riscos, público alvo, regras
de movimentação, política de distribuição de resultados, se aplicável, taxas,
breve histórico do administrador e do gestor, regras de tributação do Fundo
de Investimento e atendimento ao cotista.

Mercado de Capitais - Regime Jurídico.indd 136 13/08/2019 19:42:09


Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 137

dispositivos detalhados quanto à possibilidade de serem utilizados


títulos ou valores mobiliários na integralização das cotas subscritas
e no pagamento dos resgates (artigo 123, § 2º; artigo 125, inciso I; e
artigo 127, § 2º, da Instrução CVM nº 555/2014).
Dentre as matérias que devem ser disciplinadas no regulamento
do fundo, a sua política de investimentos é de extrema relevância, pois
determina como serão aplicados os recursos do fundo, garantindo
que sejam observados os objetivos dos cotistas em termos de risco e
rentabilidade140.
Segundo dispõe o parágrafo único do artigo 44 da Instrução CVM
nº 555/2014, a política de investimentos deve estabelecer o percentual
máximo que poderá ser aplicado em valores mobiliários e títulos de
um mesmo emissor, o percentual máximo que poderá ser aplicado em
ativos financeiros de emissão do administrador, gestor ou de empresa
a eles ligada, bem como de cotas de fundos de investimento por eles
administrados, e a possibilidade, se for o caso, de o fundo realizar
opera­ções em valor superior ao seu patrimônio, indicando os níveis
de exposição em mercados de risco141.
Como se verifica, a política de investimentos impõe limites à atu-
ação da entidade administradora na aplicação dos recursos do fundo,

140 Dada à importância da política de investimentos adotada pelo fundo, o Código


de Regulação e Melhores Práticas para Fundos de Investimento da Anbima
previu, no seu artigo 31, a possibilidade do regulamento dos fundos criar um
Conselho Consultivo, um Comitê Técnico ou um Comitê de Investimentos.
141 O Código de Regulação e Melhores Práticas da Anbima fixa outros critérios a
serem estabelecidos pelo regulamento dos fundos com relação à política de
investimentos, além de fixar algumas veda­ções, em seu artigo 32: “Art. 32 – O
regulamento de um Fundo de Investimento deve ser claro e objetivo quanto
à política de investimentos, incluindo as faixas de alocação de ativos, limites
de concentração e a maneira pela qual se dá o processo de análise e seleção
dos mesmos, sendo vedado estabelecer: I – exceção a parâmetros objetivos da
política de investimentos, mesmo que vinculada à anuência dos cotistas; e II – a
possibilidade de realização de opera­ções não previstas ou vedadas de forma
objetiva, sem que haja a respectiva alteração no Regulamento, incluída aí a
mudança nas faixas de alocação de ativos, mesmo que as opera­ções de que ora
se trata sejam pontuais e praticadas com autorização expressa dos cotistas”.

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138 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

sendo, por isso, de fundamental importância para os cotistas que ela


fique delimitada com clareza no regulamento do fundo.
Apesar de determinar que o encaminhamento das comunicações
e documentos sejam feitos por meio físico aos cotistas, a Instrução
CVM nº 555/2014 admite que o regulamento do fundo preveja o
uso de canais eletrônicos ou outros meios por ela aceitos, inclusive a
rede mundial de computadores, para divulgação destas informações.
O regulamento pode também prever que o administrador deve
enviar correspondências por meio físico aos cotistas que assim soli-
citarem expressamente, especificando quem arcará com os custos da
remessa – o fundo ou os cotistas que optatem por tal meio.

g) Os limites por emissor e por ativo financeiro – limites de


concentração e de diversificação

A carteira dos fundos deve obedecer aos limites por emissor (ar-
tigo 102) e aos limites por ativo financeiro (artigo 103) fixados pela
Instrução CVM nº 555/2014142.

142 Antes mesmo das altera­ções promovidas pela Instrução CVM nº 450/2007
na regulamentação de fundos de investimento, a CVM já entendia que tais
limites não eram aplicáveis aos fundos exclusivos, conforme se verifica da
decisão proferida nos autos do já citado Processo Administrativo Sancionador
CVM nº RJ 2005/9245: “É preciso, então, saber se apesar dessa omissão
da Instrução, que não excepciona genericamente os fundos exclusivos da
incidência das regras relativas a limites de concentração e diversificação,
tais regras são aplicáveis àqueles fundos. A resposta, a meu ver, é negativa.
Com efeito, me parece bastante claro que as regras de diversificação e os
limites de concentração são normas de natureza prudencial, que visam a
diminuir os riscos dos fundos de investimento. Tais regras simplesmente não
existem quando se trata de carteiras administradas. Em outras palavras: se
um investidor entregar recursos a um gestor, na forma da Instrução 306/99,
e determinar, ou permitir, que a gestão se dê de maneira concentrada em
um único ativo, ou em ativos de emissão em só emissor, isto é perfeitamente
legal e admitido. A razão dessa admissão parece repousar no fato de que, ao
contrário do que ocorre geralmente com fundos de investimento, o investidor
contrata diretamente com o administrador de carteira, em uma relação
contratual específica, sobre a qual não deve interferir o Estado, inclusive
porque, para poder arcar com os custos dessa gestão sob medida, o investidor
provavelmente tem recursos significativos, capacidade de negociação e
discernimento quanto aos riscos envolvidos.”

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 139

O artigo 103, III, da Instrução CVM nº 555/2014 isenta de li-


mites de concentração os investimentos: em títulos públicos federais
e opera­ções compromissadas lastreadas nestes títulos; em ouro, desde
que adquirido ou alienado em negocia­ções realizadas em Bolsas de
Mercadorias e Futuros; em títulos de emissão ou coobrigação de
instituição financeira; em valores mobiliários, desde que objeto de
oferta pública registrada na CVM, e em contratos derivativos. Do
mesmo modo, os fundos que exijam um investimento mínimo de R$
1.000.000,00 (um milhão de reais) para adesão do investidor têm a
faculdade de, desde que previsto no regulamento, não atenderem aos
limites de concentração por emissor e por ativo financeiro (artigo 129,
I, c/c artigo 152 da Instrução CVM nº 555/2014).

h) As diversas modalidades de fundos de investimento


Nos termos da Instrução CVM nº 555/2014, de acordo com os
ativos que compõem sua carteira, os fundos de investimentos podem
ser qualificados como: de renda fixa; de a­ções; cambial; e multimercado.
Os Fundos de Renda Fixa143 são aqueles que possuem como
principal fator de risco a variação da taxa de juros ou a variação de
índice de preços, sendo estes dois referenciais passíveis de cumulação.
É preciso que, ao menos, 80% dos ativos estejam atrelados a quaisquer
destes fatores de risco. Esta modalidade de fundo abriga quatro outros
tipos, a seguir expostos (artigo 110 da Instrução CVM nº 555/2014).
Os fundos de renda fixa curto prazo são aqueles que aplicam seus
recursos exclusivamente em: (a) títulos públicos federais ou privados
prefixados ou indexados à taxa Selic ou a outra taxa de juros, ou em
títulos indexados a índices de preços, com prazo máximo a decorrer

143 Conforme as estatísticas da Anbima, o número de Fundos Renda Fixa


aumentou entre dezembro de 2015 e janeiro de 2016, de 2.542 para 2.546. Em
fevereiro de 2017, este número aumentou para 2.559. ANBIMA. Consolidado
Histórico de Fundos. Disponível em: <http://www.anbima.com.br/pt_br/
informar/estatisticas/fundos-de-investimento/fi-consolidado-historico.htm>.
Acesso em: 03 abr. 2017.

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140 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

de 375 dias, e prazo médio da carteira do fundo inferior a 60 dias; (b)


títulos privados com o prazo já mencionado e que sejam considerados
de baixo risco de crédito pelo gestor; (c) cotas de fundos de índice
que apliquem nos títulos previstos em (a) e (b) e utilizem derivativos
somente para proteção da carteira; ou (d) operações compromissadas
lastreadas em títulos públicos federais. As operações deste tipo de
fundo no mercado de derivativos devem se limitar àquelas com o fito
de proteger a carteira. (artigo 111 da Instrução CVM nº 555/2014).
Os fundos de renda fixa referenciados são aqueles em que os
ativos da carteira estão atrelados a um indicador de desempenho.
Estes fundos devem ter em seu patrimônio líquido: no mínimo, 80%
de títulos da dívida pública federal; ativos financeiros de renda fixa,
considerados de baixo risco de crédito pelo gestor; ou cotas de fundos
de índice que invistam preponderantemente nos ativos mencionados
e que restrinjam a respectiva atuação nos mercados de derivativos à
realização de operações com objetivo de proteger posições detidas à
vista. Cumulativamente, devem estipular que pelo menos 95% da car-
teira seja composta por ativos financeiros que acompanhem a variação
do indicador de desempenho. A atuação dos fundos referenciados em
mercados de derivativos deve se limitar a opera­ções que tenham a fina-
lidade de proteger posi­ções à vista do fundo (artigo 112 da Instrução
CVM nº 555/2014).
Os fundos de renda fixa simples são aqueles cujo patrimônio
líquido é representado, na proporção de 95%, por: (a) títulos da dívida
pública federal; (b) títulos de renda fixa de emissão ou coobrigação de
instituições financeiras que possuam classificação de risco atribuída
pelo gestor, no mínimo, equivalentes àqueles atribuídos aos títulos da
dívida pública; (c) operações compromissadas lastreadas em títulos da
dívida pública federal ou em títulos de responsabilidade, emissão ou
coobrigação de instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central
do Brasil, desde que, na hipótese de lastro em títulos de responsabilida-
de de pessoas de direito privado, a instituição financeira contraparte do

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 141

fundo na operação possua classificação de risco atribuída pelo gestor,


no mínimo, equivalente àquela atribuída aos títulos da dívida pública
federal. Além disso, é preciso que estes fundos realizem operações com
derivativos exclusivamente para fins de proteção da carteira, sejam
constituídos sob a forma de condomínio aberto, e prevejam em seu
regulamento que todos os documentos e informações a eles relaciona-
dos sejam disponibilizados aos cotistas preferencialmente por meios
eletrônico. (artigo 113 da Instrução CVM nº 555/2014)
Por fim, os fundos de renda fixa dívida externa possuem, no mí-
nimo, 80% da carteira composta por títulos representativos da dívida
externa de responsabilidade da União. O percentual excedente pode
ser aplicado em operações em mercados organizados de derivativos no
exterior,para fins de proteção da carteira. Nesse caso, o total de emissão
de uma mesma pessoa jurídica, de seu controlador, de sociedades por
eles direta ou indiretamente controlados e de suas coligadas sob con-
trole comum não pode exceder 10% do patrimônio líquido do fundo.
O excedente também pode ser mantido em conta de depósito em
nome do fundo, no exterior, observado o limite de 10% do patrimônio
líquido. Por fim, o percentual excedente pode também ser aplicado
em operações em mercados de derivativos nacionais, exclusivamente
para fins de proteção da carteira e desde que referenciadas em títulos
representativos de dívida externa da União, ou ser mantido em conta
de depósito à vista em nome do fundo, no país, observado o limite de
10% do patrimônio líquido do fundo.
Já nos Fundos de A­ções144, o principal fator de risco é a variação
de preços das a­ções admitidas à negociação em Bolsa ou em mer-
cado de balcão organizado. Do patrimônio líquido dos fundos de
a­ções, 67% deve estar concentrado em a­ções, em bônus ou recibos de
subscrição e certificados de depósito de a­ções, em cotas de fundos de

144 Conforme levantado pela Anbima, o número de Fundos Ações caiu de


dezembro de 2015 até dezembro de 2016, de 1.897 fundos para 1.767,
diminuindo ainda mais em fevereiro de 2017, para 1.757.

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142 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

a­ções e cotas dos fundos de índice de a­ções e em Brazilian Depositary


Receipts (BDRs) de Níveis II e III. O restante do patrimônio líquido
pode ser composto de quaisquer outros ativos (artigo 115, inciso II,
da Instrução CVM nº 555/2014).
Os Fundos Cambiais145 caracterizam-se pelo fato de terem, no
mínimo, 80% dos ativos da carteira atrelados à variação de preços de
moeda estrangeira ou à variação de cupom cambial (artigo 116 da
Instrução CVM nº 555/2014).
Os Fundos Multimercado146 são aqueles que têm políticas de
investimento diversificadas, abrangendo vários fatores de risco, sem
concentração em nenhum fator em especial.
Além destes, há os chamados fundos para investidores quali-
ficados, que se destinam exclusivamente a alguns investidores que
aceitam maiores riscos, dado seu conhecimento do mercado e a ex-
periência que possuem. A Instrução CVM nº 539/2008, alterada pela
Instrução CVM nº 554/2014, em seu artigo 9º-B, considerou como
investidores qualificados: a) os investidores profissionais; b) as pessoas
físicas ou jurídicas detentoras de investimentos financeiros superiores
a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), que atestem, por escrito, sua
condição de investidor qualificado; c) as pessoas naturais que tenham
sido aprovadas em exames de qualificação técnica ou possuam certifi-
cações aprovadas pela CVM como requisitos para o registro de agentes
autônomos de investimento, administradores de carteira, analistas e
consultores de valores mobiliários, em relação a seus recursos próprios;
e d) os clubes de investimento, desde que tenham a carteira gerida por
um ou mais cotistas, que sejam investidores qualificados. Em virtude
de ser composto exclusivamente de investidores qualificados, os fundos

145 De acordo com os dados da Anbima, o número de Fundos Cambiais


aumentou entre dezembro de 2015 e dezembro de 2016, de 55 para 58 fundos,
mantendo-se estável até fevereiro de 2017.
146 O número de Fundos Multimercado subiu de 7.081, em dezembro de 2015,
para 7.377, em dezembro de 2016, número que aumentou para 7.438,
conforme indicam as estatísticas da Anbima.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 143

desta espécie, ao contrário dos demais, podem dispensar a elaboração


de prospecto na distribuição de cotas de fundos fechados, cobrar taxas
de administração e de performance, estabelecer prazos diversos dos
fixados pela Instrução para conversão de cota e pagamento de resgate,
bem como admitir a utilização de ativos financeiros na integralização e
resgate de cotas, e prestar fiança, aval, aceite ou coobrigar-se de outra
forma relativamente a operações direta ou indiretamente relacionadas
à carteira do fundo, desde que haja concordância de pelo menos dois
terços das cotas emitidas (artigo 125 da Instrução CVM nº 555/2014).
Além disso, uma inovação da Instrução CVM nº 555/2014 é o
instituto do fundo para investidores profissionais (artigo 127). A Ins-
trução CVM nº 539/2013 elencou como figuras enquadráveis neste
perfil: a) as instituições financeiras e demais instituições autorizadas
a funcionar pelo Banco Central; b) as companhias seguradoras e so-
ciedades de capitalização; c) as entidades abertas e fechadas de previ-
dência complementar; d) as pessoas naturais ou jurídicas que possuam
investimentos financeiros em valor superior a R$ 10.000.000,00 (dez
milhões de reais) e que, adicionalmente, atestem por escrito sua con-
dição de investidor profissional; e) fundos de investimento; f ) clubes
de investimento, desde que tenham a carteira gerida por administrador
autorizado pela CVM; g) agentes autônomos de investimento, admi-
nistradores de carteira, analistas e consultores de valores mobiliários
autorizados pela CVM, em relação a seus recursos próprios; e h)
investidores não residentes (artigo 9º-A).
O fundo para investidores profissionais criado para receber aplica­
ções de um único cotista é denominado Fundo Exclusivo (artigo 130
da Instrução CVM nº 555/2014).

i) Os fundos de investimento com regulação própria


Existem diversas espécies de fundos de investimentos, de acordo
com a composição de suas carteiras, tendo cada um deles característi-

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144 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

cas próprias e sendo regulados por normas específicas, excluindo-se,


portanto, da disciplina da Instrução CVM nº 555/2014.
O artigo 1º da Instrução CVM nº 555/2014 estabelece que todo
e qualquer fundo registrado junto à CVM se submete à sua disciplina,
ressalvando que devem ser observadas as disposições das normas es-
pecíficas aplicáveis a cada tipo de fundo. Dentre os tipos de fundo que
possuem regulamentação específica da CVM, destacam-se os Fundos
de Investimento em Participa­ções (FIP); os Fundos de Investimento
em Direitos Creditórios (FIDC); e os Fundos de Investimento Imo-
biliário (FII).

i.1) O Fundo de Investimento em Participa­ções (FIP)


O Fundo de Investimento em Participa­ções (FIP), regulado pela
Instrução CVM nº 578/2016, constitui modalidade de fundo de in-
vestimento fechado destinado à aplicação em a­ções, debêntures, bônus
de subscrição e demais títulos e valores mobiliários conversíveis ou
permutáveis em a­ções bem como títulos e valores mobiliários repre-
sentativos de participação em sociedades limitadas. Este fundo deve
participar do processo decisório da companhia investida, seja através
da detenção das a­ções integrantes do bloco de controle, seja por meio
de acordo de acionistas ou de qualquer outro acordo que assegure o
exercício de efetiva influência na definição da política estratégica e
na gestão da companhia,inclusive com a indicação de membros do
Conselho de Administração (artigos 5º e 6º da Instrução CVM nº
578/2016).
Os FIPs podem, inclusive, participar de companhias fechadas,
desde que estas adotem as seguintes práticas de governança corpo-
rativa: (i) proibição de emissão de partes beneficiárias e inexistência
desses títulos em circulação; (ii) mandato unificado de até dois anos
para todos os membros do Conselho de Administração; (iii) adesão
à arbitragem como forma de mediação de conflitos; (iv) realização de
auditoria anual de suas demonstrações contábeis através de auditores

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 145

independentes; (v) disponibilização para os acionistas de contratos


com partes relacionadas, acordos de acionistas e programas de op­ções
de compra de a­ções ou de outros valores mobiliários de emissão da
investida; e (vi) no caso de obtenção de registro de companhia aberta
categoria A, assunção do compromisso de ingresso em segmento
especial de Bolsa de Valores ou de mercado de balcão que mantenha
níveis diferenciados de governança corporativa.
A adesão ao FIP é realizada mediante a subscrição de cotas sob
a forma nominativa ou escritural, atendendo aos termos e condições
estipulados no regulamento do fundo, e o investimento pode ser efe-
tivado por instrumento mediante o qual o investidor fique obrigado
a integralizar o valor do capital comprometido à medida que o admi-
nistrador do fundo fizer chamadas, de acordo com prazos, processos
decisórios e demais procedimentos estabelecidos no respectivo ins-
trumento. As cotas não estão sujeitas ao resgate, salvo nas hipóteses
de sua liquidação, sendo permitidas a amortização e a distribuição de
rendimentos nos termos do regulamento.
Os FIPs são administrados por pessoa jurídica autorizada a
funcionar como administradora de carteira de valores mobiliários. A
administração e a gestão do fundo podem ser exercidas pela mesma
pessoa ou por pessoas distintas, caso em que a gestão será atribuída
a terceiros.
Ao administrador do fundo são conferidos poderes para praticar
todos os atos necessários ao funcionamento do fundo.
Os administradores de FIPs têm os seguintes deveres: I – manter,
a suas expensas, atualizados e em perfeita ordem: (a) os registros de
cotistas e de transferências de cotas; (b) o livro de atas das assembleias
gerais e de atas de reuniões dos conselhos consultivos, comitês técnicos
ou de investimentos, conforme aplicável; (c) o livro de presença de
cotistas; (d) o arquivo dos relatórios dos auditores independentes sobre
as demonstrações contábeis; (e) os registros e demonstra­ções contábeis
referentes às opera­ções realizadas pelo fundo e seu patrimônio; e (f ) a

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146 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

documentação relativa às opera­ções do fundo; II – receber dividendos,


bonifica­ções e quaisquer outros rendimentos ou valores atribuídos ao
fundo; III – pagar, às suas expensas, eventuais multas cominatórias
impostas pela CVM, nos termos da legislação vigente, em razão de
atrasos no cumprimento dos prazos previstos na Instrução CVM nº
578; IV – elaborar parecer a respeito das opera­ções e resultados do
fundo, incluindo a declaração de que foram obedecidas as disposi­ções
da Instrução e do regulamento do fundo; V – exercer, ou diligenciar
para que sejam exercidos, todos os direitos inerentes ao patrimônio
e às atividades do fundo; VI – transferir ao fundo qualquer benefício
ou vantagem que possa alcançar em decorrência de sua condição de
administrador do fundo; VII – manter os títulos e valores mobiliários
fungíveis integrantes da carteira do fundo custodiados em entidade
de custódia autorizada ao exercício da atividade pela CVM; VIII –
elaborar e divulgar as informa­ções periódicas, demonstrações contá-
beis, relatórios de auditoria, e informações eventuais; IX – cumprir as
delibera­ções da assembleia geral; X – manter atualizada junto à CVM
a lista de prestadores de serviços contratados pelo fundo, bem como
as demais informações cadastrais; XI – fiscalizar os serviços prestados
por terceiros contratados pelo fundo; e X – cumprir e fazer cumprir
todas as disposi­ções do regulamento do fundo (artigo 39 da Instrução
CVM nº 578/2016).
Os administradores e os demais prestadores de serviços por ele
contratados respondem perante a CVM e solidariamente perante os
cotistas por danos a estes causados, por seus próprios atos e omissões
contrários à lei, ao regulamento do fundo ou às disposições regulamen-
tares aplicáveis (artigo 33, §§ 4º e 5º, da Instrução CVM nº 578/2016).
Vale destacar que a Lei nº 11.478/2007, instituiu duas novas
espécies de Fundo de Investimento em Participa­ções: o Fundo de In-
vestimento em Participa­ções em Infraestrutura – FIP-IE – e o Fundo
de Investimento em Participação na Produção Econômica Intensiva
em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação – FIP-PD&I.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 147

Os FIP-IEs foram instituídos com a finalidade de promover os


investimentos em projetos de infraestrutura direcionados aos setores
de energia, de transportes, de água e saneamento básico e de irrigação,
enquanto os FIP-PD&I têm o objetivo de investir em “projetos de
produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inova-
ção”. Estes fundos devem ser constituídos sob a forma de condomínio
fechado, com aplicação de, pelo menos, 90% de seu patrimônio em
ações, bônus de subscrição, debêntures, conversíveis ou não em ações,
ou outros títulos de emissão das sociedades de propósito específico
criadas para atender aos objetivos do projeto. Tanto os FIP-IEs
quanto os FIP-PD&Is encontram-se regulados na Instrução CVM
nº 578/2016, que trata dos Fundos de Investimento em Participações.

i.2) O Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC)


Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), cuja
constituição foi autorizada pela Resolução do Conselho Monetário
Nacional nº 2.907, de 29.11.2001, encontram-se regulados pela Ins-
trução CVM nº 356/2001, já alterada por diversas instruções, sendo
a última a Instrução CVM nº 558/2015.
Nos termos dos incisos III e VII do artigo 2º da Instrução CVM
nº 356/2001, o Fundo de Investimento em Direito Creditório constitui
uma comunhão de recursos, organizada sob a forma de condomínio,
que destina parcela superior a 50% (cinquenta por cento) de seu pa-
trimônio líquido à aquisição de direitos creditórios147.
Consideram-se direitos creditórios os créditos originários de
opera­ções realizadas nos segmentos financeiro, comercial, industrial,
imobiliário, de hipotecas, de arrendamento mercantil e de prestação
de serviços, bem como de warrants e de contratos mercantis de com-

147 Ressalte-se que, nos termos do artigo 40 da Instrução CVM nº 356/2001,


após 90 (noventa) dias do início das atividades do fundo – prazo passível de
prorrogação pela CVM por igual período –, o percentual mínimo de 50% de
seu patrimônio líquido já deve ser representado por direitos creditórios.

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148 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

pra e venda de produtos, mercadorias e/ou serviços para entrega ou


prestação futura.
Tais direitos creditórios devem ser custodiados por instituição
credenciada na CVM, que é responsável, dentre outras atividades,
pela análise do lastro e validação dos direitos creditórios ou títulos
deles representativos, pela administração, cobrança e/ou guarda dos
direitos creditórios e por sua liquidação física e financeira (artigo 38
da Instrução CVM nº 356/2001).
Os FIDCs podem ser constituídos sob a forma de condomínio
aberto ou fechado. No caso de um fundo aberto, os cotistas, uma vez
observadas as condi­ções estabelecidas no regulamento do fundo, po-
dem efetuar resgates a qualquer tempo.
Por outro lado, na hipótese de fundo fechado, as cotas somente
são resgatáveis por ocasião do término do prazo do FIDC ou de cada
série ou classe de cotas, conforme estipulado no regulamento, ou de sua
liquidação. Ademais, em se tratando de fundo fechado, a distribuição
das cotas depende de registro específico na CVM, sendo permitida a
amortização das mesmas, ou seja, o pagamento aos cotistas de parcela
do valor de suas cotas, sem redução do seu número de cotas (inciso VI
do artigo 2º da Instrução CVM nº 356/2001).
A aplicação em cotas do FIDC dirige-se apenas a investidores
qualificados148. Ademais, o fundo ou seus ativos devem ser classificados
por agência classificadora de risco em funcionamento no país, devendo
a nota conferida pela agência ser atualizada trimestralmente.
A avaliação das cotas do FIDC deve ocorrer, no mínimo, men-
salmente, conforme metodologia estabelecida no regulamento do
fundo, e deve observar, se houver, o valor de mercado dos ativos do
FIDC, utilizando critérios passíveis de verificação. Além disso, a me-
todologia deverá considerar aspectos inerentes aos próprios direitos

148 Sobre a definição de investidores qualificados, conferir item 3.6.1.h) deste


Capítulo. Ver também a Instrução CVM nº 554/2014.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 149

creditórios, tais como a qualidade de seus devedores e garantidores e


as características específicas das opera­ções originadoras (artigo 14 da
Instrução CVM nº 356/2001).
As cotas do FIDC devem ser escriturais e podem ser distribuídas
e negociadas em bolsas de valores e mercados de balcão. Tais cotas são
divididas em duas classes distintas: classe sênior e classe subordinada.
As cotas de classe sênior são aquelas que não se subordinam às demais
para efeitos de amortiza­ções e resgates. Em caso de fundos fechados,
as cotas de classe sênior podem ser divididas em diferentes séries, com
base em valores e prazos distintos para amortização, resgate e remu-
neração. As cotas de classe subordinada, a seu turno, são aquelas que
se subordinam às demais para fins de amortiza­ções e resgates (artigo
12 da Instrução CVM nº 356/2001).
Note-se que as cotas subordinadas, nos termos do regulamento do
fundo, podem ser integralizadas, amortizadas e resgatadas em direitos
creditórios. Já no que se refere às cotas seniores, admite-se o resgate
em direitos creditórios somente nas hipóteses de liquidação antecipada
do fundo (artigo 15 da Instrução CVM nº 356/2001).
O funcionamento do FIDC dependerá de prévio registro na
CVM da deliberação de sua constituição por seu administrador (ar-
tigo 8º da Instrução CVM nº 356/2001). A administração do fundo
poderá ser exercida por banco múltiplo, comercial ou de investimento;
Caixa Econômica Federal; sociedade de crédito, financiamento e in-
vestimento; sociedade corretora e/ou distribuidora de títulos e valores
mobiliários (artigo 32 da Instrução CVM nº 356/2001).
Os direitos creditórios podem ser cedidos por meio da transferên-
cia, pelo cedente, credor originário ou não, de seus direitos creditórios
para o FIDC. Se o cedente dos créditos for instituição financeira ou
sociedade de arrendamento mercantil, tanto a instituição cedente como
sociedades direta ou indiretamente controladas, coligadas ou sob seu
controle comum, somente poderão adquirir cotas do FIDC da espécie
subordinada (artigo 36, inciso VII, da Instrução CVM nº 356/2001).

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150 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

i.3) O Fundo de Investimento Imobiliário (FII)


O Fundo de Investimento Imobiliário (FII) foi criado no Brasil
pela Lei nº 8.668/1993, e regulamentado pelas Instru­ções CVM nos
516/2011 e 472/2008 – alterada pelas Instru­ções 478/2009, 482/2010,
516/2011, 517/2011, 528/2012, 554/2014, 571/2015 e 580/2016.
Nos termos do artigo 2º da Instrução CVM nº 472/2008, o Fundo
de Investimento Imobiliário consiste numa comunhão de recursos
captados por meio do sistema de distribuição de valores mobiliários
e destinados à aplicação em empreendimentos imobiliários. Os FIIs
são organizados sob a forma de condomínio fechado, sendo vedado
o resgate de suas cotas149.
Os Fundos de Investimento Imobiliário são instrumentos gerado-
res e alocadores de poupança no desenvolvimento de empreendimentos
imobiliários. Nesse sentido, têm o mérito de viabilizar a participação
de pequenos e médios investidores, que, de outra forma, não teriam
condi­ções de realizar investimentos imobiliários diretamente.
A criação do Fundo de Investimento Imobiliário justifica-se, do
ponto de vista econômico, pela necessidade de viabilizar empreendi-
mentos imobiliários. A securitização da propriedade imóvel, mediante
a emissão de cotas por parte do Fundo, e sua colocação pública no
mercado de capitais, permite a captação de maior volume de recur-
sos para o financiamento de empreendimentos no setor imobiliário,
como prédios com unidades habitacionais, shopping centers, prédios de
escritórios, hospitais etc. Assim, este instrumento representa, simulta-
neamente, uma alternativa de investimento para o mercado de capitais
e uma nova fonte de recursos para o mercado imobiliário.
Vale ressaltar que, por força do artigo 1º da Lei nº 8.668/1993, o
Fundo de Investimento Imobiliário não possui personalidade jurídica,

149 A respeito do assunto, confira-se: RACHEL SZTAJN, “Quotas de Fundos


Imobiliários – Novo valor mobiliário”, Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro, n. 93. São Paulo: Revista dos Tribunais, jan./mar.
1994, pp. 104-108.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 151

sendo representado ativa e passivamente por seu administrador. Apesar


disso, o Fundo possui patrimônio próprio, que não se confunde com
o da instituição administradora.
O objeto do Fundo pode ser amplo, bastando que, nos termos do
artigo 15, I, da Instrução CVM nº 472/2008, seja definido, com clareza,
os segmentos em que o fundo atuará e a natureza dos investimentos
ou empreendimentos imobiliários que poderão ser realizados.
Nos termos da Lei e da regulamentação administrativa da CVM,
as principais características do Fundo de Investimento Imobiliário
são as seguintes: (a) deve ser constituído sob a forma de condomínio
fechado, não sendo permitido, assim, o resgate de cotas; (b) as cotas
deverão ser vendidas no mercado, mediante o sistema de distribuição
de valores mobiliários; (c) o cotista poderá desfazer-se de suas cotas,
vendendo-as no mercado secundário; (d) o prazo de duração do Fun-
do pode ser determinado ou indeterminado; (e) a administração do
Fundo compete a bancos comerciais, banco múltiplo com carteira de
investimento ou carteira de crédito imobiliário, banco de investimento,
sociedade corretora ou sociedade distribuidora, sociedade de crédito
imobiliário, caixas econômicas e associa­ções de poupança e emprésti-
mo; (f ) a instituição administradora, nos termos do artigo 6º da Lei nº
8.668/1993, será proprietária fiduciária dos bens imóveis e dos direitos
sobre imóveis adquiridos com os recursos do Fundo, cabendo-lhe, em
tal qualidade, administrar e dispor dos referidos bens e direitos em
benefício do Fundo; (g) compete à assembleia geral dos cotistas de-
liberar sobre as questões de seu interesse, entre as quais: o exame das
contas; a destituição ou substituição da instituição administradora; a
emissão de novas cotas, salvo se o regulamento do fundo dispuser sobre
a aprovação da emissão pelo administrador; a fusão, incorporação, cisão
e transformação do fundo; a eleição de representantes para exercer as
fun­ções de fiscalização e controle gerencial dos empreendimentos ou
investimentos do fundo etc., a fixação de sua remuneração e a aprovação
do valor máximo que poderá por ele ser despendido no exercício de

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152 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

sua função; e (h) compete à CVM autorizar, disciplinar e fiscalizar a


constituição, o funcionamento e a administração do fundo.

i.4) Demais fundos com regulação específica


Os outros fundos regidos por regulação específica, desde que
registrados junto à CVM, também são disciplinados pela Instrução
CVM nº 555/2014, nos termos do seu artigo 1º. São eles: (a) os Fundos
de Investimento em Participa­ções (regulados pela Instrução CVM nº
578/2016); (b) os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios
no Âmbito do Programa de Incentivo à Implementação de Projetos
de Interesse Social (regulados pela Instrução CVM nº 399/2003); (c)
os Fundos de Investimento em Cotas de Fundos de Investimento em
Direitos Creditórios (regulados pela Instrução CVM nº 356/2001);
(d) os Fundos de Financiamento da Indústria Cinematográfica Na-
cional (regulados pela Instrução CVM nº 398/2003); (e) os Fundos
Mútuos de Privatização – FGTS (regulados pela Instrução CVM nº
279/1998); (f ) os Fundos Mútuos de Privatização – FGTS – Carteira
Livre (regulados pela Instrução CVM nº 279/1998); (g) os Fundos
de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FI-
FGTS (regulados pela Instrução CVM nº 462/2007); (h) os Fundos
de Investimento em Empresas Emergentes (regulados pela Instrução
CVM nº 578/2016); (i) os Fundos de Índice, com Cotas Negociáveis
em Bolsa de Valores ou Mercado de Balcão Organizado (regulados
pela Instrução CVM nº 359/2002); (j) os Fundos de Conversão (re-
gulados pela Instrução CVM nº 227/1994); (k) os Fundos Mútuos
de A­ções Incentivadas (regulados pela Instrução CVM nº 153/1991);
(l) os Fundos de Investimento Cultural e Artístico (regulados pela
Instrução CVM nº 186/1992); (m) os Fundos de Aposentadoria
Programada Individual – FAPI (regulados pela Instrução CVM nº
423/2005); (n) os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios
Não-Padronizados (regulados pela Instrução CVM nº 444/2006);
e (o) Fundos de Investimentos vinculados exclusivamente a planos
de previdência complementar ou a seguros de vida com cláusula de

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 153

cobertura por sobrevivência, estruturados na modalidade de contri-


buição variável, a que se referem os artigos 76 e seguintes da Lei nº
11.196/2005 (regulados pela Instrução CVM nº 459/2007).

j) A aplicação do CDC às rela­ções constituídas entre instituição


financeira e investidor em cotas de fundos de investimentos

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) define “relação


de consumo” como aquela na qual há, de um lado, o consumidor,
conceituado como o destinatário final de produtos, bens ou serviços
e, de outro, o fornecedor, que, dentre outras opera­ções, pode ser um
prestador de serviços (artigo 3º da Lei nº 8.078/1990).
Serviço, por sua vez, constitui qualquer atividade prestada ao
consumidor mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária,
financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das rela­ções de
caráter trabalhista (artigo 3º, § 2º, da Lei nº 8.078/1990).
Diante da expressa referência legal às atividades de natureza
bancária no rol de serviços que caracterizam uma relação de consumo,
discutiu-se a respeito da subsunção dos serviços prestados aos clientes
de institui­ções financeiras à legislação de consumo.
No tocante às rela­ções entre institui­ções financeiras e investidores
de fundos, alguns doutrinadores150 sustentam a não incidência do CDC

150 Conforme NELSON EIZIRIK (Temas de direito societário. Rio de Janeiro:


Renovar, 2005, pp. 547 et seg.), in verbis: “Os quotistas de fundos de
investimento financeiro não são consumidores, mas investidores do
mercado de valores mobiliários. Com efeito, nos termos do artigo 1º da Lei
6.385/1976, com a redação que lhe foi dada pela recente Lei, as quotas de
fundos de investimento são consideradas valores mobiliários. Nos termos da
Lei nº 6.385/76, a Comissão de Valores Mobiliários detém amplos poderes
de regulamentação e fiscalização de todas as entidades que emitem ou
colocam valores mobiliários no mercado, dentre as quais se enquadram
os fundos de investimento. Verificando qualquer infração às normas legais
e regulamentares que disciplinam o mercado, a CVM pode instaurar
procedimento administrativo sancionador, visando à aplicação de penalidades
administrativas. Ademais, a CVM mantém, em caráter permanente, um serviço
de proteção a todos os investidores em valores mobiliários, de reconhecida
especialização. Assim, quem adquire quotas de um fundo de investimento

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154 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

por lhes faltar a finalidade de consumo151. Com efeito, os investidores


de fundos não poderiam ser tutelados pela legislação consumerista,
já que o serviço prestado pelas institui­ções financeiras – repasse de
recursos – não encontra no investidor o destinatário final da cadeia
bancária, conforme exige o próprio CDC (artigo 2º).
A instituição financeira presta ao investidor um serviço de in-
termediação de recursos, através do repasse de valores adquiridos por
meio de opera­ções bancárias realizadas com outros agentes. O inves-
tidor, por sua vez, utiliza tais recursos na aplicação de sua carteira de
ativos, com o fim de aumentar o montante nela investido. Ou seja, o
investidor não consome os recursos repassados pela instituição, pois
os reinveste em novas aplica­ções, com o objetivo de multiplicar seus
rendimentos152.
Outros doutrinadores153, no entanto, defendem a aplicação do
CDC às institui­ções financeiras, com base na interpretação extensiva

financeiro é considerado investidor – e não consumidor – do mercado de


valores mobiliários, o qual é submetido à regulamentação e fiscalização da
CVM, agência reguladora que dispõe de amplos poderes para proteger os
investidores. O investidor do mercado de valores mobiliários não pode ser
confundido com o consumidor de serviços bancários, financeiros, creditícios
e securitários a que se refere o CDC em seu art. 3º, § 2º [...]. Ao incluir as
atividades bancárias, financeiras, creditícias e securitárias entre os ‘serviços’,
o Código de Defesa do Consumidor refere-se somente àquelas desenvolvidas
no mercado de consumo.” Sobre a matéria, conferir ainda ARNOLDO WALD.
“O Direito do Consumidor e suas repercussões em relação às instituições
financeiras”. Revista dos Tribunais, v. 666. São Paulo: Revista dos Tribunais,
abr. 1997, p. 13; e WALDÍRIO BULGARELLI. Questões Contratuais no Código
de Defesa do Consumidor. São Paulo: Atlas, 1998, pp. 33-35.
151 Por consumo, entende-se a “função de satisfação das necessidades,
significando o uso imediato e final de bens e serviços para a satisfação das
necessidades humanas” (LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES. “As rela­
ções de consumo e o crédito ao consumidor”. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro, n. 82. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1991, p. 16.).
152 NELSON EIZIRIK. Temas de direito societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005,
pp. 558-559.
153 CLÁUDIA LIMA MARQUES. Contratos no Código de Defesa do Consumidor.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005; JOSÉ LUIZ TORO DA SILVA. No­ções
de Direito do Consumidor. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 15.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 155

do termo “serviço bancário”, que abrangeria todas as atividades pres-


tadas pelas institui­ções financeiras aos seus clientes.
Os tribunais estaduais, ao julgarem casos relativos à perda do ca-
pital investido em fundos de investimentos, em virtude de “imperícia”
das institui­ções financeiras responsáveis pela administração da carteira,
e, ainda, de propaganda enganosa quanto aos riscos do investimento,
consolidaram o entendimento de que o CDC é aplicável aos investi-
dores dos mercados financeiros e de capitais, em especial aos cotistas
de fundos de investimento154.

154 Os tribunais estaduais, notadamente o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, têm


decidido favoravelmente à aplicação do CDC às rela­ções entre investidores e
institui­ções financeiras administradoras de fundos de investimento. O Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro consolidou entendimento no sentido de que as
rela­ções de prestação de serviços bancários e econômicos entre institui­ções
financeiras administradoras de fundos e seus cotistas encontram-se regidas
pelo Código de Defesa do Consumidor, aplicando nesses casos as regras
consumeristas relativas à inversão do ônus da prova e à responsabilização
objetiva por danos causados em decorrência do serviço de gestão. Veja-
se, exemplificadamente, a Apelação nº 0030780-48.2015.8.19.0209, 26ª
Câmara Cível, Des. Maria Aglae Tedesco Vilardo, j. 25.01.2018; a Apelação
nº 0059520-65.2009.8.19.0002, 26ª Câmara Cível Consumidor, Rel. Des.
Arthur Narciso de Oliveira Neto, j. 22.09.2016; bem como a Apelação nº
0015329-64.2007.8.19.0014, 26ª Câmara Cível Consumidor, Rel. Des. Adriana
Lopes Moutinho, j. 20.08.2015. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,
por sua vez, considerou defeituosa a prestação de serviços de administradora
que procede a investimento que dá causa à indisponibilidade dos recursos
do correntista, sem o seu conhecimento e anuência. Considerou-se, nesse
caso, que, tendo em vista a existência de uma relação de consumo, a
administradora dos fundos de investimentos responderia pela reparação
dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos
serviços, independentemente de culpa, conforme o art. 14 do CDC. Em outro
caso, o Tribunal de Alçada de Minas Gerais entendeu constituir “acidente de
consumo” a perda de 40,33% dos recursos financeiros de um investidor, em
razão de não lhe ter sido esclarecido que se tratava de investimento de risco,
qualificando como “legítima e razoável” sua expectativa quanto ao lucro que
pretendia auferir. A decisão, nesse caso, fundou-se na constatação de que
tal expectativa não resultou apenas da falta de esclarecimento por parte da
instituição financeira, mas também por ter ela passado informa­ções falsas
e enganosas a seus clientes, afirmando que o fundo de investimento teria
como característica a “impossibilidade de perda” (TAMG, Quarta Câmara
Civil, Apelação Cível nº 323.833-3, Rel. Juíza Maria Elza, j. 18.04.2001,
RJTAMG 83/96.)

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156 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro tem reconhecido, em


diversos acórdãos, a competência absoluta das Câmaras Cíveis espe-
cializadas em direito do consumidor para dirimirem as controvérsias
entre fundos de investimento e seus cotistas, havendo mesmo editado o
enunciado de Súmula nº 306: “Os recursos nas demandas que envolvam
operações bancárias entre instituição financeira e cliente na qualidade
de destinatário final são da competência das Câmaras Especializadas
em matéria de consumo”.
O Superior Tribunal de Justiça editou, sobre a matéria, o verbete
de número 297 de sua súmula, com o seguinte teor: “O Código de
Defesa do Consumidor é aplicável às institui­ções financeiras”. Com a
edição do verbete, consolidou-se entendimento favorável à aplicação
do CDC às rela­ções mantidas entre institui­ções financeiras e seus
clientes, sem, contudo, que se tenha também definido quais os serviços
bancários que deverão ser considerados como rela­ções de consumo.
O STJ já se manifestou no sentido da aplicabilidade da disciplina do
CDC ao caso específico dos serviços de administração de fundos de
investimento por parte das instituições financeiras. Nesse sentido, o
Ministro Marco Buzzi, em voto vencedor no Agravo Regimental no
Agravo de Instrumento nº 1.140.811/RJ, asseverou: “Esta Corte posi-
cionou-se no sentido de que entre o investidor e a instituição financeira
administradora de fundos de investimento existe uma típica relação
de consumo, ante a inafastável prestação de serviços que a entidade
bancária/instituição financeira realiza, sendo aplicável, portanto, o
disposto no § 2º do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor”
(AgRg no Ag 1140811, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma,
j. 23.02.2016).
O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, no julgamento da ADI
nº 2591, proposta pela Confederação Nacional do Sistema Finan-
ceiro (Consif ), manifestou-se pela constitucionalidade da expressão
“inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária”,
constante do artigo 3º, § 2º, do CDC, e, consequentemente, pela

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 157

constitucionalidade da aplicação do Código de Defesa do Consu-


midor às institui­ções financeiras, não tendo examinado, no entanto,
especificamente a aplicação do CDC aos fundos de investimento155.

3.6.2. Os Clubes de Investimento

a) A constituição e o funcionamento dos Clubes de Investimento


Os Clubes de Investimento estão regulados na Instrução CVM nº
494, de 20.04.2011, que dispõe sobre sua constituição e funcionamento.
Nos termos do artigo 1º da Instrução CVM nº 494/2011, en-
tende-se por Clube de Investimento o condomínio aberto constituído
por pessoas físicas para aplicação de recursos comuns em títulos e
valores mobiliários.
O Clube de Investimento deverá registrar-se, previamente, em
Bolsa de Valores, mediante o arquivamento de seu estatuto, através
da instituição a que estiver vinculado (artigo 3º da Instrução CVM
nº 494/2011 e suas cotas corresponderão a fra­ções ideais em que se
dividirá o seu patrimônio (artigo 4º da Instrução CVM nº 494/2011).

b) Diferenças entre fundos e clubes de investimento


O Clube de Investimento é constituído por um grupo de pessoas
ligadas por um determinado tipo de vínculo, uma affectio, seja por
trabalharem em uma mesma empresa, seja por qualquer outro tipo
de vínculo associativo, que enseje a formação de uma coletividade,
diferenciando-se, assim, dos fundos. No fundo de investimento, a ade-

155 Vale destacar, a propósito, o interessante dictum presente no voto do Min.


Nelson Jobim, que conceituou como serviços bancários típicos – e, portanto,
aptos a caracterizar uma relação de consumo – todas as atividades de
natureza não-financeira, isto é, que não envolvam empréstimos e créditos,
e, exemplificadamente, incluiu neste rol a administração de fundos. Dessa
forma, há, na decisão, importante indicativo de que também as instituições
financeiras que administrem fundos de investimento serão consideradas,
pela Corte Constitucional, como prestadoras de serviços e, nessa qualidade,
enquadradas na hipótese do artigo 3º do CD C (STF, Tribunal Pleno, ADI 2.591
/ DF, j. 07.06.2006, Rel. Min. Carlos Velloso, p. 160).

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158 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

são ocorre somente após a constituição do fundo pelo administrador,


mediante a aquisição de cotas por terceiros. Para os fundos, não há
exigência de qualquer vínculo entre os cotistas.
Na medida em que o clube é criado em função desta affectio,
restringe-se a aplicação às pessoas físicas, bem como é estipulado
um número máximo de condôminos, que, pela Instrução CVM nº
494/2011 é da ordem de 50 pessoas enquanto o número mínimo de
condôminos é fixado em 3 pessoas, podendo cada cotista ser titular
de, no máximo 40% do total das cotas do Clube (artigo 6º). O fundo,
por não ter esta affectio, pode ser integrado tanto por pessoas físicas
quanto por pessoas jurídicas, além de não haver fixação de um número
máximo de cotistas.
Outra diferença entre os dois institutos reside na amplitude da
diversificação da carteira. Enquanto os fundos podem investir em
quaisquer ativos financeiros, os clubes devem limitar seus investimentos
a títulos e valores mobiliários.

3.6.3. As cotas de fundos e de Clubes de Investimento como


valores mobiliários

Uma vez estabelecidas as no­ções de clubes e fundos de investi-


mentos, passar-se-á à análise da redação do inciso V do artigo 2º da
Lei nº 6.385/1976, com a redação dada pela Lei nº 10.303/2001.
O mencionado dispositivo legal dispõe que constituem valores
mobiliários as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários
ou de clubes de investimento em quaisquer ativos.
Em relação aos fundos de investimentos, havia dúvidas, quando
a Lei nº 10.303/2001 foi promulgada, sobre se poderiam ser consi-
deradas também valores mobiliários as cotas de fundos cujos ativos
não constituíssem valores mobiliários. Questionava-se, por exemplo,
se seriam valores mobiliários as cotas de fundos de investimentos
cuja carteira fosse composta por títulos da dívida pública, que estão

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expressamente excluídos do elenco de valores mobiliários, nos termos


do § 1º do artigo 2º da Lei nº 6.385/1976.
A doutrina156 sustentava que muitos fundos, como os de investi-
mentos financeiros (FIFs), cujas carteiras fossem compostas por valores
mobiliários e títulos da dívida pública, permaneceriam numa espécie
de “limbo jurídico”, não sendo possível identificar se deveriam ser fis-
calizados pela CVM ou pelo Banco Central. Isto é, a redação dada ao
inciso V do artigo 2º da Lei nº 6.385/1976, pela Lei nº 10.303/2001,
teria criado uma zona cinzenta entre as competências da CVM e do
Banco Central.
Na realidade, não há justificativa para tratamento diferenciado
entres cotas de clubes e de fundos de investimentos, uma vez que ambos
constituem carteiras administradas de ativos financeiros.
Visando a dirimir dúvidas sobre a matéria, a CVM, em 22 de
julho de 2003, deliberou (Deliberação CVM nº 461/2003) esclarecer
ao mercado que:
“I. ressalvadas as hipóteses de previsão ou restrição específica, as referências
a valores mobiliários nos normativos da CVM que tratam de fundos de
investimento englobam as cotas de fundo de investimento, as cotas de fundo
de fundos de investimento e os demais valores mobiliários previstos em lei
ou assim definidos pela CVM;
II. o entendimento disposto em I acima também se aplica aos fundos de
investimento financeiro e demais modalidades de fundos, cuja regulação
expedida pelo Banco Central do Brasil foi recepcionada pela CVM.”

Na realidade, mesmo antes da adoção desta Deliberação, a CVM


vinha disciplinando, mediante a edição de Instru­ções, os fundos de
investimento financeiro, os fundos de aplicação em cotas de fundos
de investimentos e os fundos de investimento no exterior157.

156 NELSON EIZIRIK. Temas de direito societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005,
p. 427.
157 Confira-se NELSON EIZIRIK. Temas de direito societário. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005, p. 553.

Mercado de Capitais - Regime Jurídico.indd 159 13/08/2019 19:42:10


160 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Com efeito, segundo a Decisão Conjunta 10, de 02.05.2002, do


Banco Central e da CVM, as cotas de fundos de investimento finan-
ceiro, fundos de aplicação em cotas de fundos de investimento e fundos
de investimento no exterior estão abrangidas no conceito de “quaisquer
títulos ou contratos de investimento coletivo ofertados publicamente”,
previsto no inciso IX do artigo 2º da Lei nº 6.385/1976, motivo pelo
qual cabe exclusivamente à CVM regular a matéria.
Esclarece ainda a referida Decisão Conjunta que, enquanto não
forem editadas pela CVM normas tratando da concessão de autoriza­
ções e de registros e da supervisão dos contratos de derivativos, bem
como das Bolsas de Mercadorias e de Futuros, das entidades de
compensação e liquidação de opera­ções com valores mobiliários e
de quaisquer títulos ou contratos de investimento coletivo ofertados
publicamente158, permanecem em vigor as disposi­ções baixadas pelo
CMN e pelo Banco Central. Portanto, não há dúvida de que, apesar
da redação deficiente do inciso V do artigo 2º da Lei nº 6.385/1976, as
cotas de fundos e clubes de investimento constituem valor mobiliário
e estão sujeitas à fiscalização e regulamentação pela CVM.

3.7. Derivativos
A noção de “derivativo” não é jurídica; trata-se de termo tradu-
zido literalmente do inglês (derivative) de uso corrente na prática
dos negócios desenvolvidos em mercados futuros. Os derivativos são,
genericamente, instrumentos financeiros cujo valor é derivado, resul-
tante de outro instrumento ou ativo financeiro, como a taxa de juros,
índice de um mercado, contrato de op­ções etc.159

158 Entre os quais se incluem as cotas de fundos de investimento financeiro, fundos


de aplicação em cotas de fundos de investimento e fundos de investimento
no exterior.
159 LUIZ GASTÃO LEÃES FILHO. “Derivative’s suitability”. Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 102. São Paulo: Revista dos
Tribunais, abr.-jun. 1996, p. 60.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 161

Um “derivativo” constitui um contrato, ou mesmo dois contratos


conexos, ou um título, cujo valor “deriva”, é resultado do valor de de-
terminado ativo financeiro. Assim, por exemplo, uma opção de compra
de a­ções preferenciais emitidas pela Companhia X constitui um de-
rivativo, cujo valor, em princípio, resulta da cotação de tais a­ções, que
constituem, no elíptico jargão do artigo 2º, VIII, da Lei 6.385/1976,
os “ativos subjacentes”.
Podem servir de referência para um contrato derivativo vários
tipos de ativos, como, por exemplo, a cotação de uma ação, o valor de
mercado de uma carteira de ações medido por um índice, a taxa de
câmbio entre duas moedas, ou o preço de mercado de uma commodity,
como a soja, o café, o ouro, entre outros.
No mercado brasileiro, diz-se que o ativo de cujo preço depende
o valor do derivativo é o “ativo subjacente” ou o “ativo de referência”,
de modo que os derivativos são sempre contratos referenciados em
algum outro ativo.
Os derivativos são negociados em mercados futuros, que cons-
tituem mercados cuja função econômica básica, tradicionalmente,
consiste em propiciar, àqueles que dele participam, a possibilidade de
se protegerem (hedge) contra os riscos provenientes de movimentos
adversos ocorridos nos preços do mercado à vista, seja de ativos finan-
ceiros, seja de commodities.
Assim, a finalidade precípua dos derivativos consiste em conferir
aos agentes econômicos um mecanismo efetivo de proteção contra
riscos de oscila­ções de preços assumidos em função de suas aplica­ções.
Tal se dá porque a venda a futuro constitui forma de projetar os preços
ao longo do tempo e estabilizar as possibilidades de lucros e prejuízos.
No mercado de derivativos, há quatro modalidades de negocia­
ções: a termo; a futuro; com op­ções, e com swaps160.

160 Ver a propósito, Capítulo 6.

Mercado de Capitais - Regime Jurídico.indd 161 13/08/2019 19:42:10


162 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

O mercado a termo é aquele no qual há a compra ou a venda


de uma determinada quantidade de ativos, a um preço fixado, para
pagamento futuro, com prazo e preços certos e determinados.
Nos mercados futuros, negociam-se contratos de risco sobre as
expectativas de variação de preços futuros de ativos negociados no
mercado à vista. A finalidade econômica dos mercados futuros é a de
oferecer aos que deles participam a possibilidade de fazer uma espécie
de “seguro” (hedge) contra eventuais riscos decorrentes de baixa das
cota­ções de ativos negociados no mercado à vista.
O mercado futuro tem cinco fun­ções básicas: auxiliar a adminis-
tração de risco inerente ao comportamento do preço futuro, propiciar a
difusão de preços, minimizar o impacto negativo de novas informa­ções
econômicas, diminuir a sazonalidade de preços entre safras e indicar
o preço futuro do ativo161.
As op­ções são contratos cujo objeto é a negociação do direito de
compra ou venda, em data futura, de um ativo a preço previamente
determinado. Há, de um lado, o lançador da opção, e, de outro, o titular
ou comprador. O lançador é aquele que outorga a opção, obrigando-
se a comprar ou a vender o ativo na data fixada no contrato, uma vez
exercido o direito de opção pelo comprador.
Numa opção de compra (call), o lançador possui a obrigação de
liquidar o contrato pelo preço acordado. O comprador, por sua vez,
tem o direito de exercer a opção e comprar o ativo. A vantagem da
opção de compra é a de adquirir um ativo, que neste intervalo de tempo
sofreu uma valorização, por preço menor ao negociado no mercado.
Numa opção de venda (put), o lançador está obrigado a comprar
o ativo pelo preço fixado no contrato e o titular tem o direito de ven-
dê-lo. A vantagem da opção de venda está na alienação do ativo por
preço superior ao de mercado.

161 ERNESTO LOZARDO. Derivativos no Brasil. Fundamentos e Práticas. São


Paulo: Bolsa de Mercadorias & Futuros, 1998.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 163

No momento da celebração do contrato de opção, o comprador


paga ao lançador um valor, denominado “prêmio”, relativo ao estabe-
lecimento deste pacto. A quantia paga pelo ativo quando do exercício
da opção, estipulada no contrato, é chamada de “preço de exercício”.
O contrato de swap constitui instrumento financeiro mediante
o qual um agente troca o tipo de recursos que pode obter com maior
facilidade por outro, do qual realmente necessita. O swap é definido
como o contrato pelo qual as partes ajustam a permuta de fluxos de
caixa futuros, de acordo com fórmula predeterminada162.
Os contratos de swap caracterizam-se pela troca de fluxos finan-
ceiros, ou da taxa de rentabilidade entre diferentes indexadores, por
certo período de tempo, visando a minimizar os riscos decorrentes das
oscila­ções de tais ativos. Assim, por exemplo, pode-se trocar o risco do
Certificado de Depósito Interfinanceiro – CDI – por um Certificado
de Depósito Bancário – CDB – prefixado. Ou o risco da variação do
dólar norte-americano por CDI; ou os riscos decorrentes da variação
de cotação internacional entre moedas de dois países163.
Os contratos derivativos são transacionados em Bolsa e tam-
bém no mercado de balcão. Nas Bolsas, os contratos negociados são
padronizados, observando termos e condi­ções gerais estabelecidas
pelas próprias Bolsas e previamente aprovadas pela CVM, nos termos
da Instrução CVM nº 467/2008, alterada pela Instrução CVM nº
486/2010. No mercado de balcão, por outro lado, eles são mais flexíveis,
já que são normalmente celebrados entre uma instituição financeira e
um cliente, de acordo com as suas necessidades e interesses específicos.
Nos Estados Unidos, há grande discussão sobre o status legal dos
derivativos, principalmente daqueles transacionados diretamente entre
os particulares, que, sendo negociados privadamente, não necessitam
do recurso a Bolsas ou a qualquer tipo de intermediação (os chamados

162 RACHEL SZTAJN. Futuros e “swaps” – uma visão jurídica. São Paulo: Cultural
Paulista, 1999, p. 215.
163 Confira-se, MODESTO CARVALHOSA, NELSON EIZIRIK. A nova Lei das S.A.
São Paulo: Saraiva, 2002, pp. 486-487.

Mercado de Capitais - Regime Jurídico.indd 163 13/08/2019 19:42:10


164 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

over-the-counter derivatives – OTC), que não se enquadram integral-


mente em qualquer das áreas objeto de regulação no mercado finan-
ceiro: sistema bancário; commodities; e securities. Daí decorrem certas
“zonas cinzentas” na regulação dos mercados de derivativos, entre a
competência da Securities and Exchange Commission (SEC), encarre-
gada da fiscalização do mercado de capitais, e a da Commodity Futures
Trading Commission (CFTC), que fiscaliza os mercados futuros164.
No Brasil, antes da Lei nº 10.303/2001, a regulação do mercado
de derivativos era dividida da seguinte forma: quando os ativos aos
quais os derivativos eram referenciados estavam sujeitos à regulação da
CVM, por serem valores mobiliários, estendia-se também à CVM a
regulação do derivativo. Todos os demais derivativos estavam sujeitos,
por outro lado, à regulação do Bacen.
Com a reforma empreendida pela Lei nº 10.303/2001, o artigo
2º, inciso VII, da Lei nº 6.385/1976 passou a dispor que constituem
valores mobiliários os contratos futuros, de op­ções e outros derivati-
vos165 “cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários”.
Já o inciso VIII do mesmo diploma legal, com a redação dada pela
Lei nº 10.303/2001, define como valores mobiliários “outros contratos
derivativos, independentemente dos ativos subjacentes”.
Ora, se o inciso VIII considera como valores mobiliários todos
os contratos derivativos, quaisquer que sejam os “ativos subjacentes”, a
teor da sua dicção, qual a razão de ser do inciso VII? Trata-se de dis-
positivos não só pessimamente redigidos como também redundantes,
uma vez que bastaria dizer “todos os contratos derivativos”.
Os incisos VII e VIII consideram como valores mobiliários todos
os contratos derivativos, quer os ativos de que “derivem” sejam valores

164 MODESTO CARVALHOSA, NELSON EIZIRIK. A nova Lei das S.A. São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 483.
165 Sobre derivativos, ver MODESTO CARVALHOSA, NELSON EIZIRIK. A nova
Lei das S.A. São Paulo: Saraiva, 2002, pp. 483-487; e ARI CORDEIRO FILHO.
Swaps. Aspectos Jurídicos, Operacionais e Administrativos. Rio de Janeiro:
Forense, 2000. Ver, também, o Capítulo 6, sobre as Bolsas de Valores.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 165

mobiliários ou não. Assim, tanto um contrato de opção de compra


de a­ções como um contrato futuro de câmbio são tidos como valores
mobiliários.
Portanto, após a aludida reforma, tendo a nova redação do artigo
2º da Lei nº 6.385/1976 deixado claro que todos os derivativos são
considerados valores mobiliários, não há dúvida de que a fiscalização
das opera­ções com derivativos é de competência da CVM.
A inclusão dos contratos derivativos no conceito de valores
mobiliários, e a consequente atração da competência regulatória e
fiscalizatória da CVM para tais títulos, faz com que toda a regulamen-
tação que trate genericamente sobre a emissão e circulação de valores
mobiliários passe a ser, em princípio, aplicável aos contratos derivativos.
De fato, quando se inclui determinado instituto jurídico em uma
categoria previamente existente, como se fez com os derivativos em
relação aos valores mobiliários, o que se deseja é estender a regulação
desta categoria a tal instituto.
Contudo, tendo em vista que, antes da reforma implementada
pela Lei nº 10.303/2001, havia sido editado, pelo Conselho Monetário
Nacional e pelo Bacen, um complexo de normas sobre os contratos
derivativos, ambas as autarquias decidiram, por meio da Decisão Con-
junta nº 10, de 02 de maio de 2002, estabelecer algumas disposi­ções
transitórias, a fim de compatibilizar a regulamentação e fiscalização que
vinham sendo exercidas pelo Bacen quanto a uma parte do mercado
de derivativos – aquele no qual os ativos de referência não são valores
mobiliários – com a que passaria a ser desempenhada pela CVM.
Nesse sentido, a Decisão Conjunta estabelecia que, enquanto
não fossem editadas pela CVM normas tratando da concessão de
autoriza­ções e de registros e da supervisão dos contratos derivativos,
bem como das Bolsas de Mercadorias e de Futuros, permaneceriam
em vigor as disposi­ções baixadas pelo CMN e pelo Bacen.
Tal decisão não retirava da CVM a competência para regulamentar
os contratos derivativos que lhe foi atribuída pela Lei nº 10.303/2001,

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166 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

mas apenas esclarecia que a CVM podia exercer sua fiscalização sobre
os contratos derivativos, enquanto não promulgasse normas próprias,
“provisoriamente” com base nas normas anteriormente editadas pelo
CMN e pelo Bacen sobre a matéria.
Cabe ressaltar que, não obstante a solução dada pela Lei nº
10.303/2001, de incluir os derivativos no rol de valores mobiliários
e, via de consequência, de estender a eles a competência da CVM, os
derivativos apresentam características muito peculiares que os afastam
dos títulos tradicionalmente compreendidos na categoria dos valores
mobiliários.
De fato, a noção de valores mobiliários sempre esteve atrelada a
títulos que corporificam investimentos de risco, nos quais o retorno
dos investidores está diretamente vinculado ao sucesso de determinado
empreendimento, no qual eles têm pouca ou nenhuma ingerência.
Ademais, sempre se considerou que os valores mobiliários, após
serem ofertados publicamente aos investidores, poderiam ser nego-
ciados no mercado secundário, tendo em vista a sua aptidão para
circularem publicamente em massa, devido à sua natureza fungível.
Os instrumentos derivativos, por sua vez, têm a função precípua
de, conforme referido, criarem novas maneiras de transferência e alo-
cação de riscos entre os participantes do mercado.
Ou seja, os títulos tradicionalmente considerados como valores
mobiliários e os derivativos visam a atender diferentes fun­ções eco-
nômicas, pois, enquanto aqueles voltam-se à captação de poupança
popular, os derivativos cuidam da transferência de risco166.
A distinção existente entre a finalidade econômica dos valores
mobiliários e dos derivativos é acentuada pelo fato de que dentro
desta rubrica genérica denominada “derivativos” são incluídos vários
institutos cujas estruturas são absolutamente diversas, tanto sob a ótica

166 DANIEL K. GOLDBERG. “A Lei 10.303, de 2001, e a inclusão dos derivativos


no rol de valores mobiliários”. Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro, v. 129. São Paulo: Malheiros, jan.-mar. 2003, p. 78.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 167

jurídica quanto econômica, como é o caso dos contratos futuros, das


op­ções e dos swaps.
Especificamente quanto aos swaps, a doutrina ressalta o abismo
existente entre eles e os valores mobiliários. Isto porque os swaps não
são passíveis de negociação no mercado secundário, algo que, conforme
verificado, é da essência dos títulos tradicionalmente considerados
valores mobiliários167.
Tendo em vista as notórias diferenças existentes entre os derivati-
vos e os valores mobiliários, sustentou-se que deveria ter sido adotada,
no Brasil, a mesma sistemática vigente nos Estados Unidos da América,
onde existem, paralelamente, conforme referido, a Securities and Ex-
change Commission, encarregada da fiscalização do mercado de valores
mobiliários, e a Commodity Futures Trading Commission (CFTC), que
regulamenta as opera­ções no mercado de derivativos168.
Outros autores, no entanto, apesar de reconhecerem as diferenças
existentes entre os derivativos e os títulos tradicionalmente classifica-

167 “As opera­ções de swap são incompatíveis com a lógica de um mercado


secundário. Tais opera­ções podem ser traduzidas, em nosso ordenamento,
como opera­ções de troca de rentabilidade. Tal troca é incompatível com
um sistema em que se negociam ativos padronizados (como seria o caso de
uma ação, uma debênture, ou uma commodity). Não é razoável imaginar que
existam no mercado tomadores em número suficiente buscando a troca (ou
permuta) de taxas de rentabilidade exatamente iguais, de forma a que se
possa ter taxas padronizadas, criando ativos fungíveis, emitidos em massa,
exercendo a função dos swaps. É por isso que apesar de existirem contratos
padrão de swap no âmbito da BM&F e da Cetip, não se pode dizer que exista
um mercado secundário, propriamente dito, para este tipo de contrato”
(grifamos). JULIAN FONSECA PEÑA CHEDIAK. “A Reforma do Mercado de
Valores Mobiliários”. In: JORGE LOBO (org.). Reforma da Lei das Sociedades
Anônimas. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 532.
168 DANIEL K. GOLDBERG, “A Lei 10.303, de 2001, e a inclusão dos derivativos
no rol de valores mobiliários”. Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro, v. 129. São Paulo: Malheiros, jan.-mar. 2003, p.
81. Também contrária à inclusão dos derivativos cujos ativos subjacentes
não sejam valores mobiliários no âmbito da competência da CVM: RACHEL
SZTAJN. “Regulação e o Mercado de Valores Mobiliários”. Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, v. 135. São Paulo: Malheiros,
jul.-set. 2004, p. 146.

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168 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

dos como valores mobiliários, entendem ter sido acertada a posição


do legislador de inserir as opera­ções com derivativos no âmbito do
mercado de valores mobiliários e, por consequência, de submetê-las
à fiscalização da CVM169.
No entanto, mesmo tais autores reconhecem que a equiparação
dos derivativos aos valores mobiliários poderá acarretar, tendo em
vista as diferenças entre as duas figuras, a aplicação aos derivativos
de normas editadas pela CVM a respeito da emissão e circulação de
valores mobiliários que irão se revelar, na prática, inadequadas e, por
vezes, incompatíveis com o regime dos derivativos.
De qualquer forma, não se discute que, com a reforma da Lei nº
6.385/1976 empreendida pela Lei nº 10.303/2001, a CVM passou a
ter competência para regular e fiscalizar todos os derivativos ofertados
ou negociados publicamente, independentemente das características
peculiares que lhes são inerentes e que os afastem do conceito tradi-
cional de valor mobiliário.
De todo modo, o Colegiado da CVM já reconhecia, mesmo antes
da promulgação da Instrução CVM nº 467/2008, que o exercício do
seu poder regulamentar deveria levar em consideração as diferenças
existentes entre os derivativos e os títulos tradicionalmente conside-
rados como valores mobiliários, assim como as diferenças existentes
entre as várias espécies de derivativos170.

169 JULIAN FONSECA PEÑA CHEDIAK. “A Reforma do Mercado de Valores


Mobiliários”. In: JORGE LOBO (org.). Reforma da Lei das Sociedades
Anônimas. Rio de Janeiro: Forense, 2002, pp. 532-533.
170 “O grande desafio que a CVM enfrentará, neste particular, futuramente, é
notar as diferenças que existem entre a forma de regular derivativos e outros
valores mobiliários. E reconhecer ainda que nem todos os derivativos devem
ser regulados da mesma forma e saber que não regular é também uma
decisão regulatória. Deverá também reconhecer as diferenças regulatórias
evidentes entre os derivativos ofertados publicamente e aqueles que apenas
são negociados em mercados, sem oferta pública. Deverá saber avaliar as
diferenças entre os derivativos negociados em bolsa e aqueles negociados
em mercado de balcão”. Comissão de Valores Mobiliários, Processo CVM nº
RJ 2003/0499, Rel. Dir. Luiz Antonio de Sampaio Campos, j. 28.08.2003.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 169

A CVM regulou a autorização e fiscalização dos contratos


derivativos em abril de 2008, com a edição da Instrução CVM nº
467/2008171. Tal norma, em conformidade com o disposto no artigo
8º da Lei nº 6.385/1976, estabelece o procedimento para a concessão
de registro dos contratos derivativos, bem como outorga às entidades
administradoras de mercados organizados o dever de promover sua
fiscalização.
A Instrução torna obrigatória, conforme dispõe o artigo 2º, a
aprovação prévia de todos os derivativos negociados em mercados
organizados (de Bolsa ou de balcão), sujeitando ao registro obrigatório
apenas os contratos negociados por meio dos sistemas de negociação
de que dispõem esses mercados, isto é, contratos transacionados entre
partes indeterminadas, de maneira impessoal, e que, por essa razão,
necessitam de certo grau de “padronização”.
A Instrução estabelece um procedimento uniforme para o registro
de todos os tipos de derivativos, independentemente do seu conteúdo
material. Com isso, procura-se delegar à análise de cada instrumento
a tarefa de determinar, a partir das características do seu “ativo de
referência”, a natureza do contrato e, consequentemente, definir a
regulamentação aplicável.
O pedido de aprovação deverá ser formulado pela entidade ad-
ministradora do mercado em que o contrato será negociado (artigo
7º). Os modelos de contratos submetidos à aprovação deverão conter,
no mínimo, as seguintes informa­ções: (a) o objeto, a unidade de ne-
gociação e a forma de cotação; (b) as datas de negociação, vencimento
e liquidação do contrato; (c) os critérios de cálculo dos preços de
liquidação, dos ajustes e das margens; e (d) as formas de liquidação
admitidas, incluindo a possibilidade ou não de entrega física do ativo
subjacente. A entidade requerente do pedido deve, ainda, especificar:
(i) as características do ativo subjacente ao contrato, dos mercados em

171 Alterada pela Instrução CVM nº 486/2010.

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170 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

que é negociado e de seus participantes; (ii) as restri­ções de acesso aos


contratos por determinados investidores, se for o caso; (iii) os limites
de posição por investidor, por intermediário e de contratos em aberto;
(iv) a adequação da metodologia de determinação do valor de referência
do ativo subjacente ao contrato; (v) a origem da iniciativa da proposta,
se da própria entidade responsável pela submissão do pedido, ou de
outros sujeitos.
Por outro lado, excetuam-se da necessidade de aprovação prévia
os contratos negociados privadamente ou em mercado de balcão não
organizado (artigo 3º). Para esses contratos, em que as partes podem
livremente estabelecer seus termos e condi­ções, de maneira a ajus-
tá-los às suas necessidades específicas, o registro perante a entidade
administradora do mercado é meramente facultativo. Sendo assim,
o pedido de aprovação de tais contratos obedece à conveniência das
partes e pode ser realizado, inclusive, posteriormente à sua negociação.
Entretanto, uma vez requerido o registro, a entidade administradora
deve obrigatoriamente proceder à análise e aprovação de seu conteúdo,
tendo em vista seu dever de identificar e coibir infra­ções às normas
legais e regulamentares do mercado.

3.8. Títulos e contratos de investimento coletivo


Nos termos do inciso IX do artigo 2º da Lei nº 6.385/1976, com
a redação dada pela Lei nº 10.303/2001, também constituem valores
mobiliários “quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos
ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participa-
ção, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação
de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor
ou de terceiros”.
A redação do artigo 2º repete o conceito contido na Medida
Provisória nº 2.110-40/2001, posteriormente convertida na Lei nº
10.198/2001, que foi nitidamente inspirada no Direito norte-ame-
ricano.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 171

Ao incluir os contratos de investimento coletivo no rol de títulos


denominados “valores mobiliários”, o legislador teve o objetivo de
conferir à Comissão de Valores Mobiliários o poder de regulamentar
e fiscalizar os negócios lastreados nestes contratos172. Afinal, irregu-

172 A CVM, no julgamento do Processo CVM nº RJ 2003/0499, referido na nota


anterior, considerou que os Certificados de Potencial Adicional em Construção
– CEPACs são valores mobiliários, com base no atendimento aos requisitos
para a configuração do contrato de investimento coletivo. Confira-se os
argumentos utilizados pela autarquia nesta decisão: “[...] estes elementos estão
presentes nos CEPACs, pois há apelo à poupança pública, mediante esforço
de colocação pública, de um instrumento de massa, no caso um certificado,
que garante direitos homogêneos aos seus titulares. Os investidores ao
se disporem a investir nos CEPACs têm expectativa de ganho financeiro,
que deverá ser obtido mediante a negociação destes títulos no mercado
secundário, até que alguém resolva utilizar dos CEPACs para a construção.
Além disso, os CEPACS reúnem outras características que são próximas, senão
próprias, dos valores mobiliários tradicionais: (i) a existência de uma emissão,
com captação de recursos para financiar uma atividade; (ii) a existência de
um certificado, que corporifica e externa os direitos oriundos do CEPAC,
permitindo a circulabilidade e transmissão mediante tradição e não cessão
de direitos; e (iii) a negociação em um mercado secundário. [...] o investidor
de CEPAC, ressalvado aquele que compra para o próprio consumo, realiza o
investimento na expectativa de obter um ganho futuro, um rendimento, que
compense o risco assumido e remunere adequadamente o seu investimento.
Como todo investimento de risco, o rendimento é apenas uma possibilidade,
que pode não se materializar”. Em contrapartida, no julgamento do Processo
CVM nº SP 2007/0075, em 08.05.2007, a CVM entendeu que o crédito de
volume florestal – CVF não constitui valor mobiliário por não se adequar aos
requisitos exigidos para a configuração de contrato de investimento coletivo.
Confira-se o despacho ao parecer da Procuradoria Federal Especializada nº
002/2007: “Em linhas gerais, tais CVF apresentam-se, salvo melhor juízo,
como mero instrumento de compra e venda de determinado bem, por
meio do qual as empresas legalmente obrigadas a fazer reposição florestal
podem se regularizar comprando os créditos de quem tiver floresta plantada.
A legislação baiana criou, assim, um título que tem por objetivo incentivar a
produção florestal sustentável, bem como integrar as florestas de produção
ao agronegócio. [...] Não há que se falar, portanto, em ‘direito de participação,
de parceria ou de remuneração’ gerado a partir do título – e essencial à
sua caracterização – uma vez que tal direito inexiste nas opera­ções com
CVF, na medida em que a emissão e aquisição do título visam, em síntese e
primordialmente, ao cumprimento de uma obrigação de reposição florestal
(art. 41, I do Decreto Estadual nº 6.785/97). [...] Ademais, convém observar que
as áreas florestais relacionadas com os créditos de volume florestal deverão
ser objeto de termo de compromisso a ser assinado pelo responsável pelo
plantio e pelos beneficiados com o vínculo, perante o Estado da Bahia, por

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172 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

laridades vinham sendo sistematicamente cometidas com transa­ções


envolvendo “contratos de boi gordo”, cuja regulamentação era ine-
xistente173, por não possuir o órgão regulador competência legal para
discipliná-los.
O sistema de funcionamento das empresas que negociam com
“boi gordo” é semelhante ao de um clube de investimentos: os inves-
tidores, chamados de “parceiros proprietários”, aplicam seus recursos
e os vendedores ou “parceiros tratadores e criadores” encarregam-se
da compra, engorda e venda do animal.
Em outras palavras, os “contratos de boi gordo” são aqueles me-
diante os quais o empreendedor toma recursos junto ao público para
serem utilizados na aquisição, criação e engorda de bovinos, compro-
metendo-se, em contrapartida, a distribuir entre os investidores os
lucros originados da venda dos animais.
A CVM regulou o registro de companhias emissoras de títulos
ou contratos de investimento coletivo por meio da Instrução CVM
nº 270/1998. Posteriormente, este ato normativo foi revogado pela
Instrução CVM nº 480/2009, que dispõe, de maneira ampla, sobre
o registro de todos os emissores de valores mobiliários admitidos à
negociação em mercados regulamentados de valores mobiliários.

intermédio da SEMARH, no qual se comprometem a manter a área vinculada


ao referido crédito coberta por formação florestal que apresente potencial
de produção florestal suficiente para garantir o volume referente ao crédito
vinculado ou o valor ecológico-econômico que justificou a emissão do crédito
(§ 4º do art. 41 do Decreto Estadual nº 6.785/97). Logo, depreende-se que
o CVF destina-se a um público específico e especializado, que só poderá
negociá-lo mediante prévia autorização legal, o que, por mais esta razão,
afasta-o da disciplina inerente aos valores mobiliários.”
173 Assim como no caso dos “bois gordos”, a CVM, em 2005, instaurou inquérito
administrativo para apurar irregularidades na colocação de contratos de
investimento coletivo envolvendo a comercialização de avestruzes, tendo em
vista que a empresa ofertante não estava registrada perante a Autarquia como
companhia aberta. Ver a propósito, JULIO RAMALHO DUBEUX. A Comissão
de Valores Mobiliários e os principais instrumentos regulatórios do mercado
de capitais brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2006, p. 77.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 173

Os contratos de investimento coletivo somente são submetidos à


fiscalização da CVM quando forem ofertados publicamente, conforme
expressamente dispõe o inciso IX do artigo 2º da Lei nº 6.385/1976.
Assim, tratando-se de venda privada dos referidos contratos, na qual
não estejam presentes os elementos caracterizadores da distribuição
pública, a CVM não terá ingerência sobre a transação, ainda que
preenchidos os demais requisitos componentes do conceito de valor
mobiliário, devido à inaplicabilidade do inciso IX do artigo 2º da Lei
nº 6.385/1976 às negociações privadas.
Ressalte-se, ainda, que o conceito de contratos de investimento
coletivo, contido no inciso IX do artigo 2º da Lei nº 6.385/1976,
abrange determinadas modalidades de títulos ou contratos, que eram
considerados valores mobiliários pela legislação e regulamentação
anteriores e que não foram enumerados na atual redação, como é
o caso: (a) das cotas de fundos imobiliários; (b) dos certificados de
investimentos audiovisuais; (c) dos certificados representativos de
contratos mercantis de compra e venda a termo de energia elétrica; e
(d) dos certificados de recebíveis imobiliários.

3.8.1. Cotas de fundos imobiliários


As cotas de fundos imobiliários constituem valores mobiliários
que representam uma fração de patrimônio do fundo imobiliário, o
qual foi introduzido em nosso sistema jurídico pela Lei nº 8.668, de
25.06.1993, e posteriormente regulamentado pela CVM, mediante
as Instruções CVM nº 206/1994 (revogada pela Instrução CVM nº
516/2011) e 472/2008.
A criação do Fundo de Investimento Imobiliário, entre nós, jus-
tifica-se, do ponto de vista econômico, pela necessidade de viabilizar
o desenvolvimento de empreendimentos imobiliários.
A securitização da propriedade imóvel, mediante a emissão de co-
tas por parte do Fundo, e sua colocação pública no mercado de capitais,
permite a captação de maior volume de recursos para o financiamento

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174 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

de empreendimentos no setor imobiliário, como prédios com unidades


habitacionais, shopping centers, prédios de escritórios, hospitais.
Nos termos da Lei e da regulamentação administrativa da CVM,
as principais características do Fundo são: (a) deve ser constituído sob
a forma de condomínio fechado, não sendo permitido, assim, o resgate
de cotas; (b) as cotas deverão ser vendidas no mercado; (c) o cotista
poderá desfazer-se de suas cotas vendendo-as no mercado secundário;
(d) a administração do Fundo caberá a institui­ções financeiras; (e) a
instituição administradora será proprietária fiduciária dos bens imóveis
e dos direitos sobre imóveis adquiridos com os recursos do Fundo,
cabendo-lhe, em tal qualidade, administrar e dispor dos referidos bens
e direitos em benefício do Fundo; (f ) compete à assembleia geral dos
cotistas deliberar sobre as questões de seu interesse; (g) compete à
CVM autorizar, disciplinar e fiscalizar a constituição, o funcionamento
e a administração do fundo.

3.8.2. Certificados de investimentos audiovisuais


As cotas representativas de direitos de comercialização referen-
tes à produção de obras audiovisuais cinematográficas brasileiras de
produção independente são caracterizadas por certificados de inves-
timentos e consideradas valores mobiliários, nos termos do § 1º do
artigo 4º do Decreto nº 6.304, de 12.12.2007, que regulamenta a Lei
do Audiovisual – Lei nº 8.685, de 20.07.1993.
Os certificados de investimento de audiovisuais são negociados
publicamente174, atendidos os requisitos previstos na Instrução CVM
nº 260/1997, que trata de sua emissão e distribuição, com as altera­ções
promovidas pelas Instruções CVM nos 433/2006 e 545/2014.

174 Os certificados de investimento audiovisuais estavam regulados na Instrução


CVM nº 208/1994, que previa, nos artigos 5º, 6º e 7º, seu registro simplificado
e sua negociação privada. Tal diploma regulamentar foi revogado pela
Instrução CVM nº 260/1997, que foi, posteriormente, alterada pela Instrução
CVM nº 433/2006 e 545/2014. Como não há dispositivo correspondente
na nova Instrução, entende-se que os referidos títulos somente podem ser
negociados publicamente.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 175

A concessão do registro dos certificados de audiovisual depende


da apresentação de uma série de documentos, listados no artigo 4º
da Instrução CVM nº 260/1997, como a aprovação do projeto pela
Agência Nacional do Cinema (Ancine), o estatuto social da emissora, a
ata deliberativa da emissão dos certificados e o contrato de distribuição
dos certificados, especificando os direitos e obriga­ções da emissora e
dos subscritores dos títulos.
O indeferimento do registro de emissão ocorrerá na hipótese da
empresa emissora dos certificados não cumprir tempestivamente as
exigências formuladas pela CVM e na hipótese da empresa emissora
ou o seu diretor ou o sócio-gerente responsável pelo projeto estar
inadimplente junto à CVM.
Concedido o registro e tendo o prospecto sido colocado à dispo-
sição do público, pode ser iniciada a distribuição pública dos certifi-
cados. Contudo, esta distribuição pode ser suspensa a qualquer tempo
pela CVM, caso esta autarquia entenda que a distribuição está sendo
realizada de forma fraudulenta ou ilegal ou em descompasso com a
Instrução CVM nº 260/1997 ou com os termos do registro.
Na relação jurídica estabelecida no contrato de distribuição de
certificados de audiovisual, há, de um lado, a empresa emissora dos
certificados, que pretende captar recursos no mercado para viabilizar
seu projeto audiovisual e emite os títulos, e, de outro, os intermediários,
as institui­ções underwriters, que são responsáveis pela distribuição
dos títulos no mercado e, dependendo do contrato de underwriting
firmado, pela garantia da subscrição dos certificados.
A empresa emissora possui determinadas obriga­ções, estipuladas
no artigo 21 e seguintes da Instrução CVM nº 260/1997, dentre as
quais se destacam o dever de manter livros de registro de transferência
dos Certificados de Investimento, de providenciar todas as atividades
necessárias à execução do projeto, de elaborar relatório mensal sobre a
integralização das cotas e a evolução do projeto, e de, findo o projeto,

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176 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

elaborar relatório acerca das informa­ções dos rendimentos decorrentes


de sua comercialização.
De outra parte, a instituição líder de distribuição é responsável,
dentre outros, pela avaliação da viabilidade da distribuição, por for-
mular a solicitação do registro e informar à CVM e aos participantes
do consórcio a quantidade de Certificados atribuídos a cada um, por
remeter à CVM os relatórios mensais redigidos pela empresa emissora,
por elaborar o prospecto e por subscrever as cotas não colocadas no
período de distribuição, caso tenha firmado contrato de underwriting
com garantia firme. A responsabilidade do líder de distribuição é
limitada ao risco assumido contratualmente.
Em contrapartida às obriga­ções assumidas pelas partes respon-
sáveis pela emissão de tais títulos, são assegurados aos investidores os
seguintes direitos: (a) participação nos resultados de comercialização
dos projetos, nos termos e prazos estipulados pela empresa emissora,
sendo a participação proporcional ao número de cotas adquiridas por
cada investidor; (b) eleição, através de assembleia, de um represen-
tante, que terá acesso aos livros contábeis referentes aos direitos de
comercialização; e (c) acesso aos relatórios mensais sobre a evolução
do projeto, elaborados pela empresa emissora e mantidos em sua sede.
Uma vez concluído o projeto, o investidor terá acesso, no mínimo,
semestralmente, aos relatórios contendo informa­ções relativas aos
rendimentos decorrentes dos direitos de comercialização do projeto.

3.8.3. Certificados representativos de contratos mercantis de


compra e venda a termo de energia elétrica

Os certificados representativos de contratos mercantis de compra


e venda a termo de energia elétrica foram previstos na Resolução do
CMN nº 2.405, de 25.06.1997, posteriormente revogada pela Reso-
lução do CMN nº 2.801 de 07.12.2000175, e na Instrução CVM nº
267/1997, ainda em vigor, que dispõe sobre a sua emissão.

175 Alterada pelas Resoluções CMN nos 2.829/2001 e 2.967/2002.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 177

A Resolução CMN nº 2.405/1997 tratava de certificados repre-


sentativos de contratos mercantis de compra e venda a termo de energia
elétrica, enquanto que a Resolução CMN nº 2.801/2000 dispõe sobre
certificados representativos de contratos mercantis de compra e venda
a termo de mercadorias e de serviços, sendo, portanto, mais abrangente.
Nos termos dos artigos 1º e 2º da Resolução 2.801/2000, os
certificados representativos de contratos mercantis de compra e venda
a termo de mercadorias e de serviços são considerados valores mobi-
liários, desde que atendam às seguintes condi­ções:
(a) sejam registrados em sistema de registro, de custódia e de
liquidação financeira, devidamente autorizado pelo Bacen
ou pela CVM (artigo 1º, inciso I);
(b) sejam negociáveis em mercado secundário organizado, em
recinto ou em sistema autorizado a funcionar pela CVM, e
mantido por entidade autorreguladora (artigo 1º, inciso II);
(c) adicionalmente, os certificados de responsabilidade de
empresas públicas e sociedades de economia mista não
financeiras, suas subsidiárias e demais empresas contro-
ladas, direta ou indiretamente, pela União, pelos Estados,
pelo Distrito Federal e pelos Municípios, inclusive as
sociedades de objeto exclusivo, devem:
I – ser distribuídos por meio de leilões públicos, realizados
em recinto ou em sistema mantido por Bolsa de Valores,
Bolsa de Mercadorias e de Futuros ou mercados de balcão
organizados; e
II – conter, no respectivo instrumento de emissão, cláusula
estabelecendo que os recursos obtidos mediante sua coloca-
ção serão direcionados, exclusivamente, para investimentos
especificados no instrumento de emissão dos certificados.
Uma vez classificados como valores mobiliários, estes títulos
ficam submetidos à regulação da CVM. De acordo com a Instrução

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178 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

CVM nº 267/1997, os Certificados a Termo de Energia Elétrica só


podem ser emitidos por companhia aberta participante de programa
de privatização e distribuídos, obrigatoriamente, de forma pública,
por meio de leilões públicos.
Estes certificados são resgatáveis, a qualquer tempo, pela compa-
nhia emissora e, na data do vencimento, pelo seu titular, nos termos
do artigo 5º da Instrução CVM nº 267/1997.

3.8.4. Certificados de recebíveis imobiliários


Os certificados de recebíveis imobiliários encontram-se previstos
na Lei nº 9.514, de 20.11.1997, que dispõe sobre o Sistema de Finan-
ciamento Imobiliário, na Resolução do CMN nº 2.517, de 29.06.1998
e na Instrução CVM nº 414/2004, cuja última alteração se deu por
meio da Instrução CVM nº 600/2018.
Nos termos do artigo 6º da Lei nº 9.514/1997, o Certificado de
Recebíveis Imobiliários (CRI) é título de crédito nominativo, de livre
negociação, lastreado em créditos imobiliários, e constitui promessa de
pagamento em dinheiro. De acordo com o parágrafo único deste dispo-
sitivo legal, o CRI é de emissão exclusiva das companhias securitizadoras,
institui­ções não financeiras organizadas sob a forma de sociedades anô-
nimas, que têm como objetivo adquirir e securitizar créditos imobiliários,
bem como emitir e colocar, no mercado financeiro, dentre outros títulos
compatíveis com suas atividades, os CRIs (artigo 3º da Lei nº 9.514/1997).
O § 1º do artigo 7º determina que o registro e a negociação do
CRI far-se-ão por meio de sistemas centralizados de custódia e liqui-
dação financeira de títulos privados. Já o § 2º estabelece que o CRI
poderá ter, conforme dispuser o Termo de Securitização de Créditos,
garantia flutuante que lhe assegurará privilégio geral sobre o ativo da
companhia securitizadora, mas não impedirá a negociação dos bens
que compõem esse ativo.
A securitização de créditos imobiliários, por sua vez, encontra-se
definida no artigo 8º da Lei nº 9.514/1997 como sendo a operação

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 179

por meio da qual tais créditos são expressamente vinculados à emissão


de uma série de títulos de crédito, mediante Termo de Securitização
de Créditos, lavrado por uma companhia securitizadora.
Poderá ser instituído, mediante declaração unilateral da com-
panhia securitizadora no Termo de Securitização, regime fiduciário
sobre créditos imobiliários com a finalidade de lastrear a emissão dos
CRIs (artigo 10 da Lei nº 9.514/1997).
Tal diploma legal autoriza expressamente (artigo 10, II) a forma-
ção de patrimônio de afetação176 ao prever que os créditos submetidos
ao regime fiduciário constituem patrimônio separado e manter-se-ão
apartados do patrimônio da companhia securitizadora (artigo 11, I e II).
Os créditos objeto do regime fiduciário destinam-se exclusiva-
mente à liquidação dos títulos a que estiverem afetados e ao pagamento
dos custos de administração e de obriga­ções fiscais, isto é, somente
respondem pelas obriga­ções inerentes a tais títulos. Estes créditos
estão, ainda, isentos de qualquer ação ou execução, bem como não são
passíveis de constituição de garantias ou de excussão pelos credores da
companhia securitizadora, por mais privilegiados que sejam177.
Uma vez instituído o regime fiduciário, deverá ser nomeado um
agente fiduciário (artigo 10, IV), a quem caberá a representação dos
direitos e interesses dos beneficiários do patrimônio separado (artigo 13).

3.8.5. Certificados de recebíveis do agronegócio


O Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) está previsto
na Lei nº 11.076/2004 e foi regulamentado pela Instrução CVM nº
600/2018.

176 Patrimônio de afetação consiste na massa patrimonial independente,


segregada do patrimônio geral da pessoa, com o objetivo específico de
viabilizar o cumprimento de determinadas finalidades econômicas e jurídicas
(CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA. Institui­ções de Direito Civil, v. 1, 18ª ed.
Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 251). A respeito do conceito de patrimônio
de afetação, confira-se o Capítulo 6 desta obra.
177 Artigo 11 da Lei nº 9.514/1997.

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180 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Antes da edição da Instrução CVM nº 600/2018, as emissões


dos CRA eram reguladas por meio da interpretação extensiva da
Instrução CVM nº 414/2004, a qual disciplina os Certificados de
Recebíveis Imobiliários178. No entanto, diante do grande potencial de
desenvolvimento deste título no mercado financeiro179, a CVM criou
regulamentação específica.
De acordo com o artigo 36 da Lei nº 11.076/2004, o CRA é título
de crédito nominativo, de livre negociação, representativo de promessa
de pagamento em dinheiro e constitui título executivo extrajudicial.
Segundo o parágrafo único deste artigo, o CRA é de emissão exclusiva
das companhias securitizadoras de direitos creditórios do agronegócio,
instituições não financeiras constituídas sob a forma de sociedade por
ações que têm por finalidade a aquisição e securitização desses direitos
e a emissão e colocação de CRAs no mercado financeiro e de capitais
(artigo 38).
O §1º do artigo 23180 explicita que os CRAs são títulos de crédito
vinculados a direitos creditórios originários de negócios realizados
entre produtores rurais, ou suas cooperativas, e terceiros, inclusive
financiamentos ou empréstimos, relacionados com a produção, a co-
mercialização, o beneficiamento ou a industrialização de produtos ou
insumos agropecuários ou de máquinas e implementos utilizados na
atividade agropecuária.

178 Por meio de comunicado ao mercado datado de 21.11.2008, a CVM considerou


aplicável aos Certificados de recebíveis do Agronegócio a Instrução CVM nº
414/2004.
179 De acordo com o jornal Valor Econônimo, “O agronegócio representa mais de
20% do PIB brasileiro; o setor imobiliário, por sua vez, tem representatividade
na ordem de 8%. Apesar da maior expressividade do agronegócio, o estoque
de CRI (Certificado de Recebíveis Imobiliários) é de cerca de R$ 72 bilhões,
enquanto o de CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio) é de R$
21 bilhões. Tal discrepância é suficiente para que se reconheça o potencial
do agronegócio no mercado financeiro, e não é por acaso que a CVM
finalmente decidiu colocar sob audiência pública uma proposta de minuta
especificamente para os CRA.” (CAUÊ BOCCHI. “Marco Regulatório dos CRA”.
Valor Econômico, 27.06.2017)
180 Parágrafo incluído pela Lei nº 13.331/2016.

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A Instrução CVM nº 600/2018, por outro lado, também admite


a emissão de debêntures a servirem de lastro para os CRA. De acor-
do com a norma, nesse caso, as debêntures podem ser emitidas por
terceiros – que não produtores rurais e suas cooperativas –, desde que
vinculadas a uma relação comercial entre o terceiro e produtores rurais
ou suas cooperativas. Também é necessário que os recursos recebidos na
negociação das debêntures sejam destinados a produtores rurais, para
fim de comprovação da referida vinculação (Artigo 3º, caput, § 4º, II, e
§ 7º). As debêntures que servem de lastro ao CRA também podem ser
emitidas pelo próprio produtor rural, e os recursos captados devem ser
destinados às atividades de produção, comercialização, beneficiamento
e industrialização de produtos agropecuários, insumos agropecuários
ou máquinas e implementos utilizados na atividade agropecuária.
A securitização de créditos do agronegócio, a seu turno, encon-
tra-se definida no artigo 40 da Lei nº 11.076/2004 como a operação
pela qual esses direitos são expressamente vinculados à emissão de
uma série de títulos de crédito, mediante Termo de Securitização de
Direitos Creditórios emitido por uma companhia securitizadora.
Da mesma forma que os CRIs, as companhias securitizadoras
poderão instituir regime fiduciário sobre os créditos do agronegócio
com a finalidade de lastrear a emissão dos CRAs (artigo 39 da Lei
nº 11.076/2004, com aplicação subsidiária dos arts. 9º ao 16 da Lei
nº 9.514/1997).

3.8.6. A não caracterização das cédulas de crédito bancário


e certificados de cédulas de crédito bancário como
valores mobiliários

As Cédulas de Crédito Bancário (CCBs) foram inicialmente


criadas por meio da Medida Provisória nº 1.925, de 14.10.1999, e,
após inúmeras reedi­ções da referida Medida Provisória, vieram a ser
disciplinadas pela Lei nº 10.931, de 02.08.2004.

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182 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

O surgimento das CCBs constituiu uma resposta aos diversos en-


traves à concessão de financiamentos bancários em nosso ordenamento
jurídico, os quais decorriam, principalmente, da insegurança e insta-
bilidade oriundas de controvérsias existentes nos tribunais brasileiros,
relacionadas, entre outras questões, à possibilidade de capitalização dos
juros e à conferência de força executiva aos contratos de concessão de
crédito celebrados pelas institui­ções financeiras e seus clientes.
De acordo com o artigo 26 da Lei nº 10.931/2004, a CCB
constitui uma promessa de pagamento em dinheiro, necessariamente
lastreada em uma operação de crédito de qualquer modalidade. No
que não contrariar as especificidades da legislação que a criou, sub-
mete-se ao regime jurídico dos títulos de crédito (artigo 44 da Lei
nº 10.931/2004). Do ponto de vista processual, trata-se de um título
executivo extrajudicial, representando dívida em dinheiro certa, líquida
e exigível.
Pode-se, dessa forma, classificar a CCB como um título de cré-
dito estrito senso, dotado de cartularidade – sendo vedada a emissão
escritural da cédula –, literalidade, autonomia e causalidade, visto que
ela deve ser necessariamente vinculada a uma determinada operação
de crédito181.
Em razão da autossuficiência da CCB como documento de
legitimação e prova dos direitos cambiários por ela representados,
preocupou-se o legislador em indicar os requisitos essenciais182 que

181 HAROLDO MALHEIROS DUCLERC VERÇOSA, “A Cédula de Crédito Bancário


(Medida Provisória 1.925, de 14.10.1999)”, Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro, v. 116. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 130.
182 “Art. 29. A Cédula de Crédito Bancário deve conter os seguintes requisitos
essenciais: I – a denominação ‘Cédula de Crédito Bancário’; II – a promessa
do emitente de pagar a dívida em dinheiro, certa, líquida e exigível no seu
vencimento ou, no caso de dívida oriunda de contrato de abertura de crédito
bancário, a promessa do emitente de pagar a dívida em dinheiro, certa,
líquida e exigível, correspondente ao crédito utilizado; III – a data e o lugar
do pagamento da dívida e, no caso de pagamento parcelado, as datas e os
valores de cada prestação, ou os critérios para essa determinação; IV – o nome
da instituição credora, podendo conter cláusula à ordem; V – a data e o lugar

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 183

ela deve conter (artigo 29, § 2º, da Lei nº 10.931/2004). Como em


todos os títulos de crédito, a ausência de um ou alguns deles leva à
descaracterização do documento como tal.
O emitente da CCB pode ser qualquer pessoa física ou jurídica
que possua um débito com uma instituição financeira ou entidade a
ela equiparada, domiciliada no Brasil ou no exterior. Em contrapartida,
o tomador original da CCB é sempre a instituição financeira titular
do crédito contra o emitente.
A transferência da CCB deve se dar, em princípio, por meio de
endosso em preto, isto é, pela assinatura do proprietário no anverso
ou no dorso do título com a expressa indicação do nome do novo
titular183. Além do endosso em preto, a Lei nº 10.931/2004 também
previu, de forma expressa, um outro instrumento destinado a facilitar
a circulação dos créditos representados pelas CCBs. Trata-se dos cha-
mados Certificados de Cédulas de Crédito Bancário, títulos emitidos
pelas institui­ções financeiras com lastro em CCBs por elas mantidas
em depósito (artigo 43 da Lei nº 10.931/2004)184.
Assim, a instituição financeira, tendo concedido um crédito, e
recebendo a cédula, ao invés de cedê-la ou negociá-la, guarda-a ou a
mantém em custódia, e emite certificados no seu valor correspondente,
os quais, como títulos, são colocados à venda.

de sua emissão; e VI – a assinatura do emitente e, se for o caso, do terceiro


garantidor da obrigação, ou de seus respectivos mandatários.”
183 O § 1º do artigo 29 da Lei nº 10.931/2004 expressamente menciona que “a
Cédula de Crédito Bancário será transferível mediante endosso em preto, ao
qual se aplicarão, no que couberem, as normas do direito cambiário, caso em
que o endossatário, mesmo não sendo instituição financeira ou entidade a
ela equiparada, poderá exercer todos os direitos por ela conferidos, inclusive
cobrar os juros e demais encargos na forma pactuada na Cédula.”
184 A emissão e negociação dos Certificados foram disciplinadas pela Resolução
nº 2.843/2001, editada pelo Conselho Monetário Nacional. O artigo 2º dessa
Resolução permitiu a emissão de Certificados representando uma ou várias
CCBs, as quais podem apresentar diferentes valores, prazos e condi­ções de
remuneração, bem como ser de propriedade da própria instituição ou de
terceiros.

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184 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Da mesma forma que ocorre em relação à CCB, a Lei nº


10.931/2004185 também elencou os elementos essenciais que devem
compor o Certificado. Os Certificados, independentemente da anuência
do emissor das CCBs que lhes conferem lastro, podem ser negociados
com quaisquer pessoas, integrantes ou não do Sistema Financeiro, no
mercado nacional ou internacional, e circulam por endosso, quando
emitidos com forma cartular, ou mediante termo de cessão, se escriturais.
O emitente do Certificado será sempre uma instituição financeira, ao
passo que o seu tomador poderá ser qualquer pessoa.
A negociação do Certificado acarreta a cessão dos créditos repre-
sentados pela CCB, ficando a instituição financeira emitente respon-
sável, na condição de depositária do Certificado e mandatária legal do
seu titular, por promover a cobrança dos créditos para, posteriormente,
repassar o produto da cobrança ao titular do Certificado.
Note-se que, ao contrário do que ocorre na cessão mediante
endosso, a instituição financeira emissora do Certificado responde
apenas pela origem e autenticidade das CCBs e não pela solvência do
devedor (artigo 43, § 1º, da Lei nº 10.931/2004).
As CCBs e os Certificados de Cédula de Crédito Bancário são
negociados no mercado de crédito, no qual as opera­ções se realizam
por meio de intermediação das institui­ções financeiras na concessão

185 “Art. 43. As institui­ções financeiras, nas condi­ções estabelecidas pelo Conselho
Monetário Nacional, podem emitir título representativo das Cédulas de
Crédito Bancário por elas mantidas em depósito, do qual constarão: I – o
local e a data da emissão; II – o nome e a qualificação do depositante das
Cédulas de Crédito Bancário; III – a denominação ‘Certificado de Cédulas de
Crédito Bancário’; IV – a especificação das cédulas depositadas, o nome dos
seus emitentes e o valor, o lugar e a data do pagamento do crédito por elas
incorporado; V – o nome da instituição emitente; VI – a declaração de que a
instituição financeira, na qualidade e com as responsabilidades de depositária
e mandatária do titular do certificado, promoverá a cobrança das Cédulas de
Crédito Bancário, e de que as cédulas depositadas, assim como o produto da
cobrança do seu principal e encargos, somente serão entregues ao titular do
certificado, contra apresentação deste; VII – o lugar da entrega do objeto do
depósito; e VIII – a remuneração devida à instituição financeira pelo depósito
das cédulas objeto da emissão do certificado, se convencionada.”

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 185

de empréstimos ou financiamentos. Nestas opera­ções, o adquirente do


título não almeja participar do negócio desenvolvido pelo empreen-
dedor ou dos lucros por este gerados, mas apenas visa à remuneração
do capital por ele emprestado.
As opera­ções de natureza creditícia não estão, em regra, subor-
dinadas ao regime legal dos valores mobiliários e à fiscalização da
CVM, mas, ao contrário, são reguladas e supervisionadas pelo Bacen.
No entanto, determinados negócios de natureza creditícia podem,
excepcionalmente, subordinar-se ao regime dos valores mobiliários, desde
que a lei expressamente os inclua em tal categoria, pois o critério distintivo
essencial é o legal, ou seja, são valores mobiliários aqueles papéis ou docu-
mentos, passíveis de negociação em massa, que a Lei considere como tal
e, em consequência, os submeta a uma disciplina jurídica própria, diversa
daquela aplicável aos demais segmentos do mercado financeiro.
Conjugando os elementos da “Howey definition”, consagrados
no Direito norte-americano186, com as características básicas que, em
princípio, distinguem as opera­ções no mercado de capitais dos negócios
de natureza creditícia, conclui-se que a submissão de determinado
título ou contrato ao regime legal dos valores mobiliários pressupõe
a existência dos seguintes elementos essenciais:
(a) a sua caracterização como modalidade de investimento
coletivo, isto é, o fato de ser destinado a circular em massa,
perante uma pluralidade de investidores;
(b) o fornecimento de recursos, em dinheiro ou outros bens
suscetíveis de avaliação econômica, por parte do investidor
para o emissor do título ou contrato;
(c) a gestão dos recursos por parte de terceiros, não contro-
lando o investidor o negócio no qual seus recursos foram
empregados;

186 A respeito da evolução do conceito de valores mobiliários, ver item 3.2 deste
capítulo.

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186 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

(d) o fato de tratar-se de um empreendimento comum, cujo


sucesso é almejado tanto pelo investidor quanto pelo
gestor, havendo entre ambos uma comunhão de interesses
econômicos interligados juridicamente;
(e) a expectativa do investidor em participar diretamente dos
lucros resultantes do empreendimento comum gerido pelo
empreendedor ou por terceiros; e
(f ) a circunstância de o investidor partilhar os riscos do empre-
endimento no qual ele deseja participar, que são diversos
dos riscos meramente comerciais ou de crédito187.
A CCB não atende aos requisitos necessários para a caracterização
da figura do “contrato de investimento coletivo”, previsto no artigo 2º,
do inciso IX, da Lei nº 6.385/1976188.
Primeiramente, a criação da CCB não pressupõe a existência de
um “empreendimento” por parte do devedor, uma vez que ela pode

187 NELSON EIZIRIK. Reforma das S.A. e do Mercado de Capitais. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 1998, p. 160.
188 O Colegiado da CVM, em decisão datada de 22.01.2008, entendeu
que a distribuição de Cédulas de Crédito Bancário (CCBs), preenchidos
determinados requisitos, pode estar sujeita ao registro prévio perante a
Autarquia. Em resposta a um pedido de dispensa de registro formulado por
instituição bancária para a colocação, perante fundos de investimento, de
CCBs emitidas por sociedade limitada, o Colegiado da CVM decidiu, por
unanimidade, que as CCBs poderão ser consideradas valores mobiliários,
e, portanto, sujeitas ao poder regulatório da Autarquia, se: (a) ocorrer a sua
distribuição mediante oferta púbica, e (b) for excluída a responsabilidade
da instituição financeira pelo pagamento do crédito representado no
título (Processo CVM nº RJ 2007/11593, Rel. Dir. Marcos Barbosa Pinto, j.
22.01.2008). Em sentido favorável à regulação das CCBs pela CVM, conferir
ARY OSWALDO MATTOS FILHO. “CCB é valor mobiliário?”. Revista Capital
Aberto, n. 56. São Paulo: Editora Capital Aberto, abr. 2008. Em sentido
contrário: NELSON EIZIRIK. “A polêmica sobre a cédula de crédito bancário”.
Valor Econômico. São Paulo, fev. 2008; GUSTAVO ALBERTO VILLELA FILHO.
“A exigência de registro prévio de CCBs na CVM”. Valor Econômico. São Paulo,
mar. 2008; BRUNO DE ALMEIDA CHAVES, JULIANO BATTELLA GOTLIB.
“Problema para os bancos”. Revista Capital Aberto. São Paulo: Editora Capital
Aberto, maio 2008, n. 57.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 187

ser emitida para representar qualquer espécie de crédito detido pela


instituição financeira, independentemente de sua origem.
Na emissão da CCB não se verifica, em regra, o requisito de que
o investidor, em contrapartida pela aquisição do título, está entregando
recursos para viabilizar o desenvolvimento de determinado empreen-
dimento por parte do emissor. Ao contrário, a entrega dos recursos
pela instituição financeira precede a emissão do título, o qual apenas
visa a representar o crédito concedido, a fim de facilitar sua cobrança
e circulação.
Em segundo lugar, a expectativa do recebimento de “lucros” por
parte do titular da CCB, inerente a qualquer investimento financeiro,
não decorre diretamente dos resultados gerados pelo empreendimento
gerido pelo devedor, mas tão somente da taxa de juros cobrada pela
concessão do empréstimo.
O titular da CCB – a instituição financeira credora –, ao contrário
do que ocorre com aquele que investe em valores mobiliários, não está
assumindo os riscos do empreendimento eventualmente desenvolvido
com os recursos por ele emprestados, tanto que a remuneração prevista
na cédula continuará a lhe ser devida ainda que o empreendimento
não seja bem-sucedido.
Diante disso, não existe, no caso da CCB, qualquer comunhão de
interesses envolvendo o devedor e a instituição financeira tomadora
do título em torno do sucesso de um determinado empreendimento.
Do mesmo modo, os Certificados de Cédulas de Crédito Bancário
não se enquadram nos requisitos para a caracterização de contrato de
investimento coletivo, estando excluídos da classificação de valores
mobiliários.
Não existe qualquer “empreendimento comum” vinculando os
interesses do emissor dos Certificados e de seus adquirentes, os quais
pretendem apenas receber dos devedores das CCBs o valor correspon-
dente ao principal e aos juros dos créditos representados pela cédula.

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188 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Ou seja, o valor do retorno esperado pelos investidores não têm qual-


quer relação com o sucesso ou insucesso das atividades desenvolvidas
pela instituição emissora.
Assim como ocorre com a instituição financeira em relação às
CCBs, os investidores, ao adquirirem os Certificados, não estão dis-
postos a “participar” do empreendimento eventualmente desenvolvido
pelo devedor, na medida em que não desejam partilhar o lucro gerado
por tal empreendimento e, tampouco, assumir o risco econômico a
ele inerente.
Ainda que os recursos provenientes da emissão dos Certificados
sejam entregues ao devedor das CCBs para que este desenvolva deter-
minado empreendimento econômico, não se pode considerar que exista
uma comunhão de interesses entre o empreendedor e os titulares dos
Certificados, uma vez que a remuneração a eles devida não depende
do sucesso da atividade econômica exercida pelo devedor.
Portanto, da mesma forma que as CCBs, os Certificados não
constituem “contratos de investimento coletivo” e, consequentemente,
não estão sujeitos à aplicação das regras previstas na Lei nº 6.385/1976
e na regulamentação administrativa editada pela CVM.
A propósito, a jurisprudência norte-americana expressamente
exclui da categoria de valores mobiliários determinados títulos que
instrumentalizam operações creditícias bancárias, como é o caso, por
exemplo, das “notes evidencing a ‘character’ loan to a bank customer” e
das “notes evidencing loans by commercial banks for current operations”189.

3.8.7. Letras Financeiras


As Letras Financeiras – LFs foram criadas pela Medida Provisória
nº 472/2009, que originalmente conferia a competência de regulação
ao CMN, sendo tal Medida Provisória posteriormente convertida na

189 RICHARD W. JENNINGS, HAROLD MARSH, JR., JOHN C. COFFEE, JR. Securities
Regulation – Cases and Materials, 17th edition. New York: The Foundation
Press, 1992, p. 312.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 189

Lei nº 12.249 de 11 de junho de 2010, a qual, em sua versão aprovada


pelo Congresso Nacional, conferiu à CVM a competência para regular
a distribuição pública das Letras Financeiras.
O objetivo principal da criação das LFs consiste em diminuir as
disparidades que podem ocorrer entre ativos e passivos das institui­ções
financeiras. Conforme apontado pela CVM, “a melhor adequação dos
prazos das posi­ções passivas das institui­ções financeiras às suas posi­
ções ativas contribui para o aumento de oferta de crédito de longo
prazo e minimiza turbulências em momentos de menor liquidez no
mercado.”190
Conforme definição dada pelo artigo 37 de tal lei, a letra financeira
é um “título de crédito nominativo, transferível e de livre negociação”191.
O valor unitário de emissão deve ser igual ou superior a R$ 300.000,00
(trezentos mil reais), não tendo sido estabelecido um teto. O prazo
mínimo de resgate de tais letras é de 24 meses, sendo proibido o resgate
antecipado, o que torna possível uma melhor captação de recursos de
médio e longo prazo por parte das institui­ções financeiras, as quais
constituem as únicas entidades que podem emiti-las192.
Para regular a distribuição das Letras Financeiras no mercado, a
CVM criou o Programa de Distribuição Contínua – PDC193, que, uma
vez registrado, autoriza a concessão automática de registro dos títulos
inseridos nesse Programa, além de permitir o registro de múltiplas
séries de letras financeiras.

190 Edital de Audiência Pública CVM nº 08/2010.


191 Redação dada pela Lei nº 12.838/2013.
192 Art. 1º da Resolução CMN nº 4.123/2012, alterado pela Resolução nº
4.382/2014: “Art.1º Os bancos múltiplos, os bancos comerciais, os bancos
de investimento, as sociedades de crédito, financiamento e investimento,
as caixas econômicas, as companhias hipotecárias, as sociedades de
crédito imobiliário, as cooperativas de crédito e o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) podem emitir Letra
Financeira (LF).”
193 Ver item 4.4.4.

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190 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

A regulamentação emitida pelo CMN (Resolução nº 3.836/2010)


prevê remuneração prefixada, que pode ser combinada ou não com
taxas flutuantes ou índices de preços (como inflação, por exemplo), e
está proibido o uso de cláusula com variação cambial. O papel pode
contar com “cupom” semestral, ou seja, pagar juros de seis em seis meses.

3.8.8. Contratos de investimento coletivo hoteleiro –


condo-hoteis

Os CIC hoteleiros são contratos de investimento coletivo voltados


para o financiamento da construção de imóvel destinado ao negócio
hoteleiro. Em contrapartida aos recursos aportados pelo investidor, a
ele é prometido retorno baseado no resultado esperado do empreendi-
mento. Seu enquadramento no conceito de contrato de investimento
coletivo ora se encontra assentado, mas já foi objeto de controvérsias.
Em 12 de dezembro de 2013, depois de receber diversas denún-
cias, a CVM publicou um alerta194 sobre ofertas públicas irregulares,
realizadas por incorporadores e corretores de imóveis, de frações ideais
de imóveis, conferindo aos investidores participação nos resultados,
“resultados esses oriundos de atividades como hotelaria [...]”. Desde
então, a CVM passou a enquadrar tais produtos como valores mobi-
liários, pois configuram “o que a Lei nº 6.385/76 chama de contratos
de investimento coletivo”, determinando, por isso, o registro das socie-
dades ofertantes e das ofertas em si195. Sendo assim, o regime aplicável
aos condo-hotéis passou a ser mais rígido diante da obrigatoriedade
de registro da sociedade emissora e dos títulos por ela emitidos, ini-

194 Disponível em: <http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2013/20131212-1.


html>. Acesso em: 28 mar. 2017.
195 “Por força do disposto nos art. 2º, inciso IX, e art. 19, ambos da Lei nº 6.385/76,
as ofertas de investimento que utilizarem a forma e os meios de divulgação
aqui descritos devem ser previamente registradas na CVM e somente podem
ser realizadas por sociedades também registradas na Autarquia”. Disponível
em: <http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2013/20131212-1.html>.
Acesso em: 28 mar 2017.>

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ciando uma onda de pedidos de dispensa dos registros por parte dos
condo-hotéis.
Após algumas suspensões de ofertas de condo-hotéis por inob-
servância ao registro obrigatório, a CVM afinal editou a Deliberação
CVM nº 734/2015, posteriormente alterada pela Deliberação CVM
nº 752/2016 a fim de regulamentar a oferta deste tipo de contrato de
investimento coletivo. A norma vigeu por pouco tempo, até a edição
da Instrução CVM nº 602, de 27 de agosto de 2018.
A Instrução CVM nº 602/2018 define como contrato de inves-
timento coletivo hoteleiro o conjunto de instrumentos contratuais
ofertados publicamente, que contenha promessa de remuneração
vinculada à participação em resultado de empreendimento hoteleiro
organizado por meio de condomínio edilício.
A definição do que seja ofertante também foi modificada, passan-
do a ser caracterizado como “a sociedade incorporadora ou qualquer
outra pessoa que realize esforços de distribuição pública de CIC ho-
teleiro”. A nova classificação deixou de fora as operadoras hoteleiras,
reconhecendo que elas não costumam ser as responsáveis pela venda
dos títulos, isto é, não são os ofertantes na relação com os investidores.
Mesmo assim, a operadora hoteleira precisa declarar que são verdadei-
ras as informações do prospecto e estudo de viabilidade econômica e
financeira do empreendimento hoteleiro (artigo 6º, inciso VI).
Em regra, as ofertas de CICs hoteleiros precisam ser registradas
previamente na CVM, mas a Instrução retirou algumas formalidades
do pedido de registro, a fim de deixá-lo mais ágil e ampliar o acesso
do público às ofertas. Por exemplo, o pedido não mais precisa, obri-
gatoriamente, ser instruído com o material publicitário a ser usado.
Essa é uma inovação benéfica, porque, ao longo das ofertas públicas,
o material publicitário poderia ser modificado várias vezes, ou nem
mesmo estar pronto quanto do protocolo do pedido de registro. Por
outro lado, a Instrução exige que o material publicitário diga expressa-
mente que a oferta pública do CIC hoteleiro não consiste na aquisição

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192 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

de um imóvel, recomendando que os investidores leiam o prospecto


(artigo 21, § 1º).
O pedido de registro da oferta pública de distribuição de CIC hote-
leiro deve ser instruído com todos os documentos elencados no artigo 6º
da Instrução, e dirigido à Superintendência de Registro de Valores Mo-
biliários – SRE –, que deverá manifestar-se dentro de 20 dias úteis. Caso
não o faça, haverá o deferimento automático do pedido de registro. Da
decisão de indeferimento do registro, cabe recurso ao Colegiado da CVM.
Além disso, nas ofertas públicas realizadas nos termos da Ins-
trução, o ofertante de CIC hoteleiro é dispensado da contratação de
instituição intermediária, mas deve fiscalizar a atividade dos corretores
de imóveis, assegurando o cumprimento do disposto na Instrução.
A dispensa automática do registro das ofertas públicas de CICs
hoteleitos ocorre em três situações: (i) quando a oferta não ultrapassar,
no mesmo ano calendário, a alienação de frações ideais correspondentes
a 10 unidades autônomas por pessoa natural ou jurídica; (ii) quando a
oferta for realizada depois da divulgação das demonstrações financei-
ras – da sociedade operadora do empreendimento hoteleiro – em que
se tiver reconhecido, pela primeira vez, receita operacional hoteleira,
independentemente da quantidade de unidades autônomas ofertadas,
desde que o empreendimento já tenha sido objeto de distribuição pública
registrada ou dispensada de registro pela CVM; e (iii) quando a oferta
compreender a alienação de frações ideias correspondentes a mais de 10
unidades autônomas, no mesmo ano calendário, e for realizada enquanto
estiver em curso a oferta pública promovida pela sociedade incorporadora
ou no período entre o encerramento de oferta pública e a divulgação
das demonstrações financeiras anuais, em que se tiver reconhecido, pela
primeira vez, receita operacional hoteleira (artigo 28).

3.8.9.Tokens
Com a maior frequência de operações conhecidas como Initial
Coin Offerings (ICOs) no mercado, a CVM mostrou-se atenta a esse

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tipo de transação, principalmente por conta dos ativos que nelas são
oferecidos, a fim de verificar se se tratavam de valores mobiliários – em
caso positivo, a ela caberia a sua fiscalização196.
Não há definição pacífica do que seja a Initial Coin Offering ou
Oferta Inicial de Moedas, mas, em geral, trata-se da captação de re-
cursos oferecendo-se ao investidor, em troca, um token. Comumente,
esses tokens são criptomoedas desenvolvidas pelo emissor, mas podem
ser de diversos outros tipos, como um ativo que conceda acesso do
investidor ao projeto desenvolvido ou acesso ao serviço oferecido197.
Os tokens ou criptomoedas oferecidos por meio dos IPOs podem ou
não se encaixar na definição de valor mobiliário, “a depender do contexto
econômico de sua emissão e dos direitos conferidos aos investidores”198,
estando ou não sujeitas à legislação e à regulamentação próprias do mer-
cado de valores mobiliários, bem como à fiscalização pela CVM.
Como dito, normalmente o ICO busca financiamento para o de-
senvolvimento de novas criptomoedas desenvolvidas pelo emissor. Por
meio dele, a startup ou empresa crescente, que pretende desenvolver e
colocar em ciculação uma nova criptomoeda, oferece um meio de troca
aos investidores que nela aportam dinheiro. Significa dizer que, em um
ICO, a criptomoeda criada é oferecida aos investidores interessados no
projeto em troca de dinheiro ou outras criptomoedas199 (geralmente

196 BRASIL. Ministério da Fazenda. Comissão de Valores Mobiliários. Initial


Coin Offering (ICO). Disponível em: <http://www.cvm.gov.br/noticias/
arquivos/2017/20171011-1.html>. Acesso em: 27 dez. 2017.
197 A respeito, confira-se: DAVID SCHECHTMAN. Necessidade de Registro de
ICO: criptomoedas são valores mobiliários?. Disponível em: <https://papers.
ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3203911>. Acesso em: 31 out. 2018. O
autor explica que a denominação de tokens é controversa. Há aqueles que
diferenciam entre os tokens – emitidos em plataformas de terceiros – e os
altcoins – que utilizam plataformas próprias.
198 BRASIL. Ministério da Fazenda. Comissão de Valores Mobiliários. Initial
Coin Offering (ICO). Disponível em: <http://www.cvm.gov.br/noticias/
arquivos/2017/20171011-1.html>. Acesso em: 27 dez. 2017.
199 “Contudo, o recurso aportado pelo investidor não necessariamente precisa
ser uma criptomoeda. É possível que esta associação entre o recurso

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194 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

o Bitcoin). Se os recursos arrecadados não atingirem o mínimo neces-


sário para o início do empreendimento ou seu desenvolvimento, são
restituídos aos investidores.
Criptomoedas são, basicamente, códigos, representações digitais
de valores, que servem como meio de pagamento nos lugares que as
aceitam, ou algumas podem ser trocadas por dinheiro – a depender
de sua liquidez. A mais bem sucedida dessas moedas é a Bitcoin, atre-
lada ao sistema de blockchain, uma base de dados descentralizada, que
prescinde de um intermediário (o qual, em operações normais, seria
um banco) para a verificação e registro das transações realizadas. Isto
porque as operações são realizadas em rede e registradas em blocos
de códigos criptografados, que, se resolvidos por mais de um usuário,
resultam na verificação da transação. Isto torna as transações mais
baratas, pois não há o custo da intermediação, e mais seguras, pois
registradas em diversos computadores, tornando a possibilidade de
serem “hackeadas” altamente improvável.
O Bitcoin em si, no entanto, não é considerado um valor mo-
biliário, visto que é apenas um mecanismo de troca, que não oferece
qualquer direito ao adquirente. Apesar de, em grande parte das vezes,
essas moedas serem adquiridas tendo em vista a sua futura valorização,
é preciso diferenciar entre a mera expectativa de lucro decorrente da
valorização por parte do investidor, e a efetiva promessa de remunera-
ção feita pelo emissor. Apenas neste segundo caso é que o token poderá
ser considerado um valor mobiliário200.

aportado em ICOs e criptomoedas se deva ao fato da predominância do uso


de plataformas de blockchain e smartcontracts que possuem criptomoedas
próprias para realizar o ICO (sendo a mais comum a Ethereum, mencionada
na seção anterior). O motivo desta escolha é que, além de economizar
para o ofertante o custo de criar uma plataforma própria, o uso de uma
plataforma já consolidada no mercado aumenta a credibilidade da oferta.”
(DAVID SCHECHTMAN. Necessidade de Registro de ICO: criptomoedas são
valores mobiliários?. Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.
cfm?abstract_id=3203911>. Acesso em: 31 out. 2018)
200 DAVID SCHECHTMAN. Necessidade de Registro de ICO: criptomoedas são
valores mobiliários?. Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.
cfm?abstract_id=3203911>. Acesso em: 31 out. 2018

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 195

Além disso, as plataformas destinadas a operações com esse tipo


de ativos virtuais (virtual currency exchanges) tampouco estão sujeitas
à fiscalização da CVM. Elas apenas não podem oferecer tokens que
sejam considerados valores mobiliários, visto que não são autorizadas
pela CVM201.
A CVM já se manifestou sobre situação relacionada a esse as-
sunto por ocasião do Processo nº 19957.011454/2017-91202. Nele,
uma plataforma online chamada Hashcoin Brasil oferecia cotas em
grupo de investimento em mineração de Bitcoins. A mineração é a
autenticação de um bloco da blockchain. Isto só pode ser feito por
meio de um computador com alta capacidade de processamento, que
deverá realizar milhares de cálculos por segundo a fim de resolver
os problemas matemáticos que confirmam as transações registradas
em cada bloco. Ao encontrar a sequência correta das informações, o
minerador ajuda a confirmar a operação – e a manter a confiança no
sistema – e, por isso, recebe uma recompensa em Bitcoin.
Portanto, os Hashcoins eram títulos que conferiam a seus adqui-
rentes o direito de participar nas recompensas recebidas pelos grupos
de mineradores – quanto mais mineradores, mais confirmações são
realizadas e mais Bitcoins são obtidas. Assim, os detentores das Hash-
coins passariam a receber Bitcoins ganhas na atividade de mineração,
o que significava um rendimento considerável, levando-se em conta o
valor das Bitcoins, que, no dia 31 de dezembro de 2017, por exemplo,
chegou à cotação máxima de R$46.798,00203. Conforme informado
à época no site Hashcoin Brasil, a cada R$100,00 investidos, era pro-
metido um retorno de 180% ao ano204.

201 Comissão de Valores Mobiliários. Initial Coin Offering (ICO). Disponível em:
<http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2017/20171116-1.html>. Acesso
em: 31 out. 2018.
202 DAVID SCHECHTMAN. Necessidade de Registro de ICO: criptomoedas são
valores mobiliários?. Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.
cfm?abstract_id=3203911>. Acesso em: 31 out. 2018
203 Mercado Bitcoin. Gráficos. Disponível em: <https://www.mercadobitcoin.
com.br/graficos>. Acesso em: 01 nov. 2018.
204 Memorando nº 17/2017-CVM/SRE.

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196 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

No Memorando nº 17/2017-CVM/SRE, elaborado no âmbito


do mesmo processo, o Superintendente de Registro de Valores Mo-
biliários analisou o enquadramento do token oferecido no conceito de
valor mobiliário por meio do Howey Test205. Nele foram respondidas
as seguintes perguntas:
a) Há investimento?
b) Esse investimento é formalizado por um título, ou por um
contrato?
c) O investimento é coletivo?
d) Alguma forma de remuneração é oferecida aos investidores?
e) A remuneração oferecida tem origem nos esforços do
empreendedor ou de terceiros?
f) Os contratos são ofertados publicamente?
Ocorre que, no caso das Hashcoins: a) os investidores aplicavam
recursos financeiros e, em troca, recebiam cotas; b) o investimento
era formalizado por um aceite ao contrato disponibilizado no site; c)
o investimento era oferecido e adquirido indistintamente ao público
em geral; d) era prometida uma rentabilidade de 180% ao ano; e) a
rentabilidade advinha da mineração realizada por terceiros; e f ) os
contratos eram ofertados publicamente no site da Hashcoin Brasil.
Diante da resposta positiva a todos os quesitos, o Superintendente
concluiu se tratar de um valor mobiliário, e recomendou a suspensão
da oferta desses contratos, o que foi atendido pela CVM. O Colegiado
emitiu a Deliberação CVM nº 785/2017 declarando que a sociedade
e a pessoa física responsáveis pela oferta não estavam habilitados a
ofertar publicamente os títulos ou contratos de investimento – não
tinham o registro de emissora de valores mobiliários e de oferta pública
(ou dispensa deste) –, devendo suspendê-la. Assim é que a HashCoin
Brasil suspendeu a negociação de suas cotas de mineração no dia 19 de
dezembro de 2017, no mesmo dia da Deliberação. Portanto, o Howey

205 V. item 3.2.2.

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Test é uma das formas de analisar se os tokens ofertados em ICOs


configuram valores mobiliários.
Além desse parâmetro, por meio de um Comunicado ao Mercado,
a CVM reconheceu que os tokens oferecidos em ICOs podem configurar
valores mobiliários principalmente quando, por exemplo, atribuem ao
investidor direitos de participação no capital ou em acordos de remu-
neração prefixada sobre o capital investido ou de voto em assembleias
que determinam o direcionamento dos negócios do emissor206.
A atenção dos investidores à caracterização ou não como valor
mobiliário dos ativos oferecidos é crucial, pois há muitos riscos atre-
lados ao ICO. Fraudes e “esquemas de pirâmides”; a possibilidade de
que a moeda não venha a ter liquidez; material publicitário em descon-
formidade com as exigências impostas pela CVM; risco de operações
de lavagem de dinheiro; e evasão fiscal por trás da oferta são apenas
alguns dos perigos em potencial que cercam o Initial Coin Offering.

206 Comissão de Valores Mobiliários. Initial Coin Offering (ICO). Disponível em:
<http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2017/20171116-1.html>. Acesso
em: 31 out. 2018.

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IV
Ofertas Públicas
de Distribuição de
Valores Mobiliários

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4.1. Noção e objetivos econômicos


A oferta pública de distribuição de valores mobiliários constitui
a operação pela qual a companhia ou titulares de valores mobiliários
de sua emissão promovem, mediante apelo ao público, a colocação
de a­ções ou outros valores mobiliários no mercado de capitais1. Os
investidores interessados em se tornar titulares dos valores mobiliários
ofertados devem subscrevê-los ou adquiri-los e o preço por eles pago
é revertido para o ofertante.
Distinguem-se duas modalidades de ofertas públicas de distribui-
ção: as chamadas ofertas primárias e as secundárias. Nas ofertas primá-
rias, a companhia emite novos valores mobiliários, com o objetivo de
proceder à sua colocação perante os investidores, e os recursos obtidos
são revertidos para a própria companhia emissora, a fim de financiar
seus projetos de desenvolvimento ou suas necessidades de caixa.
As ofertas primárias atendem à principal função econômica do
mercado de valores mobiliários, qual seja, permitir o financiamento
de médio e longo prazos das empresas, que poderão direcionar os
recursos obtidos, entre outras aplica­ções, para a execução de projetos
e/ou adequação de seu passivo2.
As ofertas secundárias, por sua vez, são aquelas em que os acionistas
da companhia ou titulares de outros valores mobiliários de sua emissão
vendem ao mercado, também mediante apelo ao público,3 os títulos de

1 As ofertas tratadas neste Capítulo são usualmente designadas, na prática do


mercado, pela sigla IPO – Initial Public Offer, que se refere às ofertas mediante
as quais uma companhia fechada acessa o mercado pela primeira vez,
promovendo a distribuição pública de valores mobiliários de sua emissão.
No entanto, as considera­ções objeto do presente Capítulo aplicam-se tanto
às ofertas iniciais, quanto àquelas realizadas por companhias que já tenham
os valores mobiliários de sua emissão admitidos à negociação no mercado.
2 A propósito, consultar o Capítulo 1.
3 Contudo, “[n]ão há, atualmente, limite a partir do qual passa a ser obrigatória
a oferta secundária [...]. Inexistindo esforço público de captação, nada há que
impeça os investidores que queiram se desfazer de lotes significativos de valores
mobiliários de sua titularidade de os alienarem privadamente, ou utilizando

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202 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

sua propriedade já emitidos pela companhia. Nesse caso, os recursos


pagos pelos investidores para adquirir as a­ções ou os outros valores
mobiliários ofertados não são destinados à companhia emissora, mas aos
próprios ofertantes. As ofertas secundárias constituem, normalmente,
a forma utilizada pelos acionistas controladores ou outros investidores
estratégicos que realizaram investimentos na companhia para obter o
seu retorno financeiro e/ou dar liquidez aos títulos de sua propriedade.
Note-se, ainda, que é bastante comum a existência, na prática do
mercado, de ofertas mistas, isto é, aquelas em que parte dos valores
mobiliários ofertados provém de uma nova emissão da companhia e
outra parte tem origem em títulos já emitidos.
A distinção entre ofertas primárias e secundárias, contudo, é
relevante apenas em termos econômicos, tendo em vista as diferentes
finalidades por elas visadas. Juridicamente, não há distinção entre estas
duas modalidades de ofertas públicas, já que a Lei nº 6.385/1976 e a
regulamentação expedida pela CVM (Instrução CVM nº 400/2003)
tratam, de maneira uniforme, a oferta de novos valores mobiliários
pela companhia emissora e a oferta de valores mobiliários de emissão
da companhia já existentes por seus titulares.

4.2. A relevância do sistema de registros perante a CVM


Considerando que um dos objetivos básicos do mercado de capi-
tais consiste em permitir o acesso das sociedades anônimas à poupança
popular, torna-se fundamental prover aos investidores um adequado
sistema de proteção. Por outro lado, tal proteção aos investidores
não pode restringir demasiadamente a possibilidade de captação de

o procedimento de leilão especial de que trata a Instrução 168, de 23 de


dezembro de 1991.” (ALINE DE MENEZES, Artigo 1º, In: GABRIELA CODORNIZ;
LAURA PATELLA (coord.). Comentários à Lei do Mercado de Capitais – Lei nº
6.385/76. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 28)

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recursos pelas companhias, sob pena de inviabilizar o próprio funcio-


namento do mercado de capitais. A tutela estatal, visando a conciliar
estes dois objetivos, dá-se, basicamente, a partir de uma eficiente
política de disclosure de divulgação de informação.
A implementação da política do disclosure está, a seu turno, fun-
damentada na existência de um sistema de registros perante a CVM,
por meio dos quais são canalizadas as informa­ções consideradas neces-
sárias para o público investidor efetuar suas decisões de investimento
de maneira consciente.
Como regra geral, o primeiro registro a ser obtido por uma com-
panhia para ter ações ou outros valores mobiliários de sua emissão
ofertados à generalidade de investidores constitui o registro inicial
de companhia aberta, por meio do qual visa a CVM a assegurar o
fornecimento ao mercado de informa­ções periódicas e eventuais sobre
a companhia emissora e os negócios por ela desenvolvidos. A negocia-
ção de qualquer valor mobiliário emitido por sociedade anônima no
mercado de valores mobiliários depende da obtenção, pela emissora,
do registro como companhia aberta perante a CVM4.
O registro de companhia aberta, mediante o qual a sociedade
anônima obtém da CVM a autorização para que os valores mobiliários
por ela emitidos sejam aptos à negociação em bolsa de valores ou no
mercado de balcão, encontra-se disciplinado nos artigos 21 da Lei nº

4 A propósito, verificar a Instrução CVM nº 480, de 07.12.2009: “Art. 1º A


negociação de valores mobiliários em mercados regulamentados, no Brasil,
depende de prévio registro do emissor na CVM. § 1º O pedido de registro de que
trata o caput pode ser submetido independentemente do pedido de registro de
oferta pública de distribuição de valores mobiliários. § 2º O emissor de valores
mobiliários deve estar organizado sob a forma de sociedade anônima, exceto
quando esta Instrução dispuser de modo diverso. § 3º A presente Instrução
não se aplica a fundos de investimento, clubes de investimento e sociedades
beneficiárias de recursos oriundos de incentivos fiscais.”

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204 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

6.385/19765 e 4º, § 1º, da Lei nº 6.404/19766, atualmente regulamen-


tados pela Instrução CVM nº 480/2009.
Além do registro de companhia aberta, faz-se necessária, para
que se possa promover a oferta pública de distribuição, a obtenção do
registro da oferta propriamente dita. O registro da oferta compreende
informa­ções específicas sobre os valores mobiliários publicamente
distribuídos e sobre a oferta pública em si.
O registro de oferta pública de distribuição de valores mobiliários
é expressamente previsto no caput do artigo 19, da Lei nº 6.385/19767,
bem como no artigo 4º, § 2º, da Lei nº 6.404/19768, sendo, ademais,
detalhadamente disciplinado pela Instrução CVM nº 400/2003.
Os registros anteriormente referidos – de companhia aberta e
de oferta pública de distribuição –, “embora distintos, caracterizam-
se pela complementaridade das informa­ções que contêm”9; assim,
a CVM apenas apreciará o pedido de registro de oferta pública de
distribuição para a companhia que mantiver o registro de companhia
aberta atualizado.
As normas que impõem a obrigatoriedade de registro na CVM,
tanto da companhia quanto da oferta pública, apresentam nítida
feição instrumental, já que o registro consiste basicamente no meio

5 “Art. 21. A Comissão de Valores Mobiliários manterá, além do registro de


que trata o art. 19: I – o registro para negociação na Bolsa; II – o registro para
negociação no mercado de balcão, organizado ou não. § 1º Somente os
valores mobiliários emitidos por companhia registrada nos termos deste
artigo podem ser negociados na Bolsa e no mercado de balcão.”
6 “Art. 4º [...] § 1º Somente os valores mobiliários de companhia registrada na
Comissão de Valores Mobiliários podem ser negociados no mercado de
valores mobiliários.”
7 “Art. 19. Nenhuma emissão pública de valores mobiliários será distribuída no
mercado sem prévio registro na Comissão.”
8 “Art. 4º [...] § 2º Nenhuma distribuição pública de valores mobiliários
será efetivada no mercado sem prévio registro na Comissão de Valores
Mobiliários.”
9 Voto nº 426, do Conselho Monetário Nacional, de 21 de dezembro de 1978.

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de se proceder à prestação de informa­ções à CVM com vistas à sua


divulgação ao público investidor.
Os registros da companhia e da distribuição pública estão inseri-
dos no contexto mais amplo da política de disclosure, que consiste exa-
tamente na divulgação de informa­ções amplas e completas a respeito
da companhia e dos valores mobiliários por ela publicamente ofertados.
Assim, o registro não é um fim em si mesmo, mas um meio de
se proceder à ampla divulgação de informa­ções ao público. Daí segue
que, em princípio, a aplicação de sanção disciplinar, pela CVM, não
decorre, por exemplo, de mera realização de uma distribuição pública
sem registro, mas sim de sua realização sem a prestação das informa­
ções necessárias para pleno conhecimento, por parte dos investidores,
dos riscos do empreendimento10.

4.3. Os elementos caracterizadores da oferta pública de


distribuição de valores mobiliários

4.3.1. A distinção entre oferta pública e oferta privada


Conforme referido, a exigência de registro das ofertas públicas
de valores mobiliários perante agências governamentais especializadas
visa a proteger os interesses do público investidor, assegurando-lhe o
acesso a informa­ções sobre a companhia emissora e sobre os valores
mobiliários ofertados à venda que permitam a tomada das decisões
de investimento de maneira consciente.
Por outro lado, tendo em vista os custos e o desperdício de tempo
inerentes ao processo de registro, exigir-se o aludido registro em todas
as situa­ções que envolvam a emissão ou venda de valores mobiliários
poderia acarretar custos desnecessários ao funcionamento do merca-

10 O caráter instrumental do registro foi destacado na Exposição de Motivos da


Lei nº 6.385/1976, ao mencionar que o sistema de registros tem basicamente
por fim colocar à disposição de todos os investidores informa­ções atualizadas
sobre a companhia emissora.

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206 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

do e, inclusive, inibir as sociedades anônimas de promoverem a sua


capitalização.
Ou seja, há situa­ções em que não se justifica a exigência de prévio
registro da oferta de venda de valores mobiliários, dada a inexistência
de qualquer benefício para o interesse público.
Diante disso, torna-se indispensável conceituar a oferta pública
de valores mobiliários, a fim de se apurar quais opera­ções devem ser
obri­gatoriamente precedidas do registro e quais seriam aquelas em
que dita exigência não se faz necessária.
Em regra, a oferta pública de venda de valores mobiliários carac-
teriza-se por ser uma proposta dirigida à generalidade dos indivíduos.
Ou seja, a oferta pública tem como destinatários pessoas indetermina-
das, não individualizadas, pois qualquer um pode aceitar a proposta11.
Todavia, para se analisar se, em cada caso concreto, deve ou não
ser exigido o prévio registro da operação de colocação de valores mo-
biliários, faz-se necessário identificar os elementos que caracterizam
a oferta destinada ao público em geral.
Nos Estados Unidos, tal questão começou a ser discutida a partir
da edição do Securities Act de 1933, cuja Section 4(2) isentava do registro
perante a Securities and Exchange Commission – SEC as opera­ções de
colocação de valores mobiliários que “não envolvessem qualquer oferta
pública” (“not involving any public offering”).
Como o Securities Act não definia expressamente o que se deveria
entender por public offering, a determinação dos elementos necessários
à caracterização da oferta pública foi sendo desenvolvida com base na
jurisprudência e nas decisões da SEC.
O leading case sobre a questão foi o processo SEC v. Ralston Purina
Co. , julgado pela Suprema Corte em 1953, no qual uma oferta de
12

11 MODESTO CARVALHOSA. Oferta Pública de Aquisição de A­ções. Rio de


Janeiro: Ibmec, 1979, p. 23.
12 No caso da Ralston Purina – empresa voltada à produção de sementes e cereais,
com cerca de sete mil empregados espalhados por vários estados norte-

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a­ções formulada pela companhia a cerca de 300 de seus empregados


foi caracterizada como pública13.
Em tal decisão, a Suprema Corte estabeleceu dois elementos bási-
cos para a verificação do caráter público de determinada colocação de
valores mobiliários: (i) a capacidade dos ofertados de defenderem-se
por conta própria (“fend for themselves”); e (ii) o acesso dos ofertados
ao mesmo tipo de informação que seria fornecida caso a operação
tivesse sido registrada perante a SEC14.

americanos e pelo Canadá – discutiu-se se a oferta de a­ções em tesouraria


feita pela companhia a aproximadamente 300 de seus empregados estaria
enquadrada na isenção de registro prevista pelo Securities Act. Embora a
empresa alegasse que a oferta não fora efetuada a todos os seus funcionários,
mas tão somente a um pequeno grupo de key-employees, restara demonstrado
que os títulos haviam sido adquiridos, dentre outros, por estenógrafos,
carregadores e veterinários, os quais, certamente, não se enquadravam
à definição de empregados-chave utilizada como parâmetro. A decisão
adotada pela Suprema Corte alicerçou-se basicamente numa interpretação
teleológica. Fundamentando-se tanto na finalidade do Securities Act – qual
seja, a de proteger o investidor através do disclosure de informa­ções, bem
como na intenção legal de isentar transa­ções “where there is no practical need
for [...] the bill’s aplication”, concluiu o Tribunal que a proteção conferida pela
lei não seria necessária para as hipóteses em que ficasse comprovado que os
investidores em potencial seriam capazes de “fend for themselves”, tornando
sem relevância as informa­ções eventualmente prestadas pelo registro.
13 “Exemption from the registration requirements of the Securities Act is the question.
The design of the statute is to protect investors by promoting full disclosure of
information thought necessary to informed investment decisions. The natural way
to interpret the private offering exemption is in light of the statutory purpose. Since
exempt transactions are those as to which ‘there is no practical need for [the bill’s]
application’, the applicability of § 4(1) should turn on whether the particular
class of persons affected need the protection of the Act. An offering to those
who are shown to be able to fend for themselves is a transaction ‘not involving
any public offering’. [...] The focus of inquiry should be on the need of the offerees
for the protections afforded by registration. The employees here were not shown
to have access to the kind of information which registration would disclose. The
obvious opportunities for pressure and imposition make it advisable that they be
entitled to compliance with § 5.” (grifamos). LARRY D. SODERQUIST. Securities
Regulation. New York: Foundation Press, 1999, pp. 227-228.
14 NELSON EIZIRIK. Aspectos Modernos do Direito Societário. Rio de Janeiro:
Renovar, 1992, p. 19.

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208 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Em 1974, a SEC, visando a estabelecer standards mais objetivos


para a caracterização das ofertas públicas, editou a Rule 146, na qual
foram disciplinados os principais problemas concernentes à aplicação
da dispensa do registro de oferta pública15.
Posteriormente, a Rule 146 foi substituída pela Regulation D, que
estabeleceu três hipóteses expressas em que ofertas de venda de valores
mobiliários não seriam caracterizadas como públicas. De acordo com
tal regulação, passaram a estar isentas da obrigatoriedade de registro
perante a SEC ofertas: i) envolvendo valores inferiores a determinado
limite; ii) realizadas perante um número limitado de ofertados; ou iii)
dirigidas apenas a investidores qualificados.
A partir da análise dos precedentes jurisprudenciais e da regulação
expedida pela SEC, constata-se que os elementos mais importantes
para configurar o caráter público de determinada operação, no Direito
norte-americano, são: (a) a qualificação dos ofertados; (b) o acesso deles
às informa­ções sobre o valor mobiliário que está sendo oferecido; e
(c) a maneira pela qual é efetuada a colocação16.
Em outros ordenamentos jurídicos, estas premissas também são,
em essência, consagradas. Com efeito, na legislação italiana, o conceito
relevante para se configurar uma oferta pública de distribuição de
valores mobiliários é o de “appello al pubblico risparmio” (apelo à pou-
pança popular), definido no artigo 1, 1, ‘t’ e no artigo 94 e seguintes,
do Decreto Legislativo nº 58/9817, entendendo-se como tal: o anúncio

15 ARIÁDNA BOHOMOLETZ GAAL, “A Caracterização de Emissão Pública e


Privada de Valores Mobiliários no Direito Norte-Americano”, Revista de
Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro, n. 63. São Paulo:
Malheiros, jul.-set. 1986, p. 63.
16 A propósito, veja-se o entendimento da American Bar Association quanto
à melhor inerpretação do Securities Act de 1933, “A Position Paper of the
Federal Regulation of Securities Committee, Section of Corporation,
Banking and Business Law of the American Bar Association”, reproduzido
em LARRY D. SODERQUIST. Securities Regulation. New York: Foundation
Press, 1999, p. 239.
17 Decreto Legislativo 24 febbraio 1998, n. 58.

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público de emissão; a compra ou venda mediante oferta ao público;


a oferta pública de subscrição; a oferta pública de permuta de valores
mobiliários.
A legislação francesa, por sua vez, determina no artigo 30 da
Lei 98-54618, que se considera que fazem apelo à poupança popular
(“L’appel publique à l’épargne”) as sociedades cujos valores mobiliários
estejam admitidos à negociação em Bolsa de Valores (“marché regle-
menté”). Na hipótese de companhias cujos valores mobiliários não
estejam cotados em Bolsa, e, independentemente da quantidade de
destinatários, há apelo à poupança popular quando houver recurso, para
a colocação de tais títulos no mercado, a publicidade ou a instituições
de crédito ou prestadores de serviço de investimento. Verifica-se que,
no Direito francês, o simples fato de uma companhia ter a­ções cota-
das em Bolsa já caracteriza como pública qualquer oferta de valores
mobiliários por ela formulada.
O Direito português estabelece, no artigo 109 do Código dos
Valores Mobiliários, que existe oferta pública quando: (i) os valores
mobiliários forem oferecidos, no todo ou em parte, a destinatários
indeterminados, ainda que tal oferta seja realizada através de múltiplas
comunica­ções padronizadas endereçadas a destinatários individual-
mente identificados; (ii) os valores mobiliários forem oferecidos a
pelo menos 150 (cento e cinquenta) investidores não profissionais;
(iii) a oferta for, no todo ou em parte, precedida ou acompanhada de
promoção publicitária, ou prospecção de inten­ções de investimento
junto a destinatários indeterminados; e (iv) a oferta for dirigida à ge-
neralidade dos acionistas de companhia aberta, ainda que o respectivo
capital social esteja representado por ações nominativas.
No Direito Comunitário Europeu, não foi formulado um concei-
to uniforme de oferta pública de distribuição de valores mobiliários.
Inicialmente, a Diretiva 89/298/CEE utilizou um enfoque mais prag-

18 Loi nº 98-546, du 2 juillet 1998.

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mático, ao prescindir da caracterização de uma oferta como pública


ou privada e estabelecer, em contrapartida, uma série de exce­ções ao
regime de oferta pública. O importante, nos termos da Diretiva, não
era a configuração do caráter público ou privado da oferta, mas sim a
verificação se a situação concreta se beneficiava de alguma das referidas
exce­ções. Neste sentido, o artigo 2.b da Diretiva estabelecia que ela
não se aplicava às ofertas de distribuição dirigidas exclusivamente a
um grupo reduzido de pessoas, embora não determinasse qual seria
essa quantidade de pessoas.Em 2003, foi editada a Diretiva 2003/71/
CE, que revogou a primeira Diretiva mas continuou usando o mesmo
método ao elencar, em seu artigo 3º, as ofertas que não são obrigadas
a publicar um prospecto, isto é, a divulgar suas informações19.
O Direito alemão seguiu a orientação da Diretiva, ao transpô-la
para o ordenamento jurídico germânico por meio da Lei de 13.12.1990
(Gesetz über Wertpapier-Verkaufsprospekte). Tal lei também não contém
um conceito de oferta pública e excepciona, da mesma forma, do seu
âmbito de aplicação, as ofertas dirigidas a um círculo restrito de pessoas,
sem determinação do número.
O Direito inglês, a seu turno, no seu Prospectus Regulations 2005
– que emendou o Financial Services and Markets Act 2000 e revogou o
Public Offers of Securities Regulations 1995 –, estabelece que não existe
oferta pública no Reino Unido se, por exemplo, os valores mobiliá-
rios forem oferecidos a no máximo 100 (cem) pessoas que não sejam
investidores qualificados; se a oferta é dirigida apenas a investidores
qualificados; e quando a contraprestação total para os valores mobi-
liários oferecidos não excede a 100.000 (cem mil) euros.
No Direito espanhol, também não há um conceito de oferta
pública. Inicialmente, a Lei do Mercado de Valores espanhola, Ley
24, de 28.07.1988, já seguia orientação parecida àquela adotada pela
Diretiva 89/298/CEE. Posteriormente, foi revogada pelo Real Decreto

19 Da mesma forma fez o artigo 100, do Decreto Legislativo italiano nº 58/98.

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Legislativo 4/2015, que seguiu o mesmo caminho. Em princípio, toda


oferta de distribuição de valores mobiliários está sujeita à obrigação
de análise e registro pela Comissão de Valores Mobiliários espanhola.
Estão isentas, total ou parcialmente, de tais formalidades, determinadas
categorias de emissão, em função da natureza do emissor, do pequeno
volume da emissão, do número restrito ou das características especiais
dos destinatários ou de outras circunstâncias que tornem aconselhável
o estabelecimento de exce­ções ao cumprimento das obriga­ções20.
No ordenamento jurídico brasileiro, a caracterização das ofertas
públicas de venda de valores mobiliários está prevista no artigo 19 da
Lei nº 6.385/197621, que, em vez de estabelecer uma distinção con-
ceitual entre a distribuição privada e a distribuição pública de valores
mobiliários, limitou-se a enunciar algumas hipóteses em que esta
última vem a se caracterizar.
O artigo 19 da Lei n º 6.385/1976 foi regulamentado pelo artigo
3º da Instrução CVM nº 400/200322, que também não estabelece o

20 A respeito, conferir o artículo 35 do Real Decreto Legislativo 4/2015.


21 “Art. 19 – Nenhuma emissão pública de valores mobiliários será distribuída
no mercado sem prévio registro na Comissão. [...] § 3º – Caracterizam a
emissão pública: I – a utilização de listas ou boletins de venda ou subscrição,
folhetos, prospectos ou anúncios destinados ao público; II – a procura de
subscritores ou adquirentes para os títulos, por meio de empregados, agentes
ou corretores; III – a negociação feita em loja, escritório ou estabelecimento
aberto ao público, com a utilização dos serviços públicos de comunicação.”
22 “Art. 3º São atos de distribuição pública a venda, promessa de venda, oferta
à venda ou subscrição, assim como a aceitação de pedido de venda ou
subscrição de valores mobiliários, de que conste qualquer um dos seguintes
elementos: I – a utilização de listas ou boletins de venda ou subscrição,
folhetos, prospectos ou anúncios, destinados ao público, por qualquer meio
ou forma; II – a procura, no todo ou em parte, de subscritores ou adquirentes
indeterminados para os valores mobiliários, mesmo que realizada através de
comunica­ções padronizadas endereçadas a destinatários individualmente
identificados, por meio de empregados, representantes, agentes ou quaisquer
pessoas naturais ou jurídicas, integrantes ou não do sistema de distribuição
de valores mobiliários, ou, ainda, se em desconformidade com o previsto
nesta Instrução, a consulta sobre a viabilidade da oferta ou a coleta de inten­
ções de investimento junto a subscritores ou adquirentes indeterminados;
III – a negociação feita em loja, escritório ou estabelecimento aberto ao

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212 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

conceito de oferta pública, optando por apenas enumerar, de forma


exemplificativa, determinados elementos objetivos que podem confi-
gurar a distribuição pública de valores mobiliários.
Os elementos objetivos constituem os meios empregados para a
colocação dos valores mobiliários junto ao público. Ou seja, deve-se
verificar se os meios ou instrumentos utilizados pela companhia para
fazer chegar sua emissão junto aos potenciais investidores caracterizam
a intenção de atingir o público em geral ou apenas um número restrito
e determinado de pessoas23.
A divulgação de anúncios relativos à oferta nos meios de comu-
nicação de massa constitui uma tentativa evidente de se atingir uma
quantidade indeterminada de investidores e, consequentemente, é
considerada como elemento caracterizador da oferta pública por todas
as legisla­ções que tratam da matéria.
Neste sentido, no Direito Argentino, a Ley nº 26.831, de 27.12.2012,
define a oferta pública como “invitación que se hace a personas en general
o a sectores o a grupos determinados para realizar cualquier acto jurídico
con valores [...] por medio de [...] ofrecimientos personales, publicaciones
periodísticas, transmisiones radiotelefónicas, telefónicas o de televisión,
proyecciones cinematográficas, colocación de afiches, letreros o carteles,
programas, medios electrónicos, circulares y comunicaciones impresas o
cualquier otro procedimiento de difusión” (grifamos).
Nos Estados Unidos, além da utilização dos meios de comunica-
ção de massa, também se considera incompatível com uma operação

público destinada, no todo ou em parte, a subscritores ou adquirentes


indeterminados; ou IV – a utilização de publicidade, oral ou escrita, cartas,
anúncios, avisos, especialmente através de meios de comunicação de massa
ou eletrônicos (páginas ou documentos na rede mundial ou outras redes
abertas de computadores e correio eletrônico), entendendo-se como tal
qualquer forma de comunicação dirigida ao público em geral com o fim
de promover, diretamente ou através de terceiros que atuem por conta do
ofertante ou da emissora, a subscrição ou alienação de valores mobiliários.”
23 NELSON EIZIRIK. Aspectos Modernos do Direito Societário. Rio de Janeiro:
Renovar, 1992, pp. 15-16.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 213

privada a realização de reuniões ou seminários relacionados à oferta


abertos à participação de qualquer pessoa interessada, nos termos da
Rule 502 (c) da Regulation D da SEC24.
No Brasil, o artigo 19, § 3º, inciso I, da Lei nº 6.385/1976 ex-
pressamente menciona que caracteriza “a oferta pública a utilização
de listas ou boletins de venda ou subscrição, folhetos, prospectos ou
anúncios destinados ao público”.
Tal dispositivo legal foi regulamentado pela Instrução CVM nº
400/2003, que relaciona como elemento indicador da existência da
distribuição pública de valores mobiliários a “utilização de publicidade,
oral ou escrita, cartas, anúncios, avisos, especialmente através de meios
de comunicação de massa ou eletrônicos (páginas ou documentos
na rede mundial ou outras redes abertas de computadores e correio
eletrônico)” (grifamos).
Diante disso, constitui circunstância indicadora da natureza pú-
blica de determinada oferta a distribuição indiscriminada, a qualquer
pessoa, de prospectos, folhetos e outros materiais publicitários sobre
a oferta. Com efeito, tal prática, assim como os demais elementos
acima referidos, também pode demonstrar o esforço do ofertante em
oferecer os valores mobiliários a um número ilimitado de potenciais
adquirentes, independentemente de suas características pessoais.
Assim, a oferta de valores mobiliários, para não ser caracterizada
como pública, deve ser formulada diretamente aos ofertados pelo
próprio ofertante ou por seus representantes25.

24 “(c) Limitation on manner of offering. Except as provided in § 230.504 (b) (1) or


§ 230.506 (c), neither the issuer nor any person acting on its behalf shall offer or
sell the securities by any form of general solicitation or general advertising,
including, but not limited to, the following: (1) Any advertisement, article, notice
or other communication published in any newspaper, magazine, or similar
media or broadcast over television or radio; and (2) Any seminar or meeting
whose attendees have been invited by any general solicitation or general advertising
[…]” (grifamos).
25 LOUIS LOSS. Fundamentals of Securities Regulation. Boston: Little, Brown
and Company, 1988, p. 314.

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214 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Contudo, o simples fato de, em vez de ser baseada em material


publicitário e anúncios divulgados ao público em geral, a oferta ser
apresentada diretamente aos potenciais investidores não assegura que
ela não possa ser classificada como pública.
De fato, a Lei nº 6.385/1976 (artigo 19, § 3º, inciso II) também
estabeleceu ser pública a emissão em que investidores indetermina-
dos são procurados por empregados da companhia ou por agentes ou
corretores por ela contratados para tal finalidade.
Em vista disso, torna-se relevante determinar o número de pessoas
procuradas pela companhia ou por seus representantes, posto que a
realização de um número significativo de ofertas diretas também pode
comprovar o eventual esforço da companhia na colocação pública dos
valores mobiliários de sua emissão.
Isto porque, apesar de tal fator isoladamente não ser decisivo
para configurar a natureza da oferta, é inegável que quanto maior o
número de pessoas procuradas pela companhia emissora, maior será
a probabilidade de que a oferta seja caracterizada como pública. A
respeito, a jurisprudência norte-americana já se manifestou no sentido
de que “the more offerees, the more likelihood that the offering is public”26.
A Rule 506 da Regulation D editada pela SEC isenta de registro
qualquer oferta de valores mobiliários em que o número de aquisi­ções
realizadas por investidores não qualificados seja inferior a 35 (trinta
e cinco)27.

26 Trata-se do caso Hill York Corp. v. American International Franchises, Inc., citado
por RICHARD W. JENNINGS, HAROLD MARSH, JR., JOHN C. COFFEE, JR.
Securities Regulation – Cases and Materials 17th edition. New York: The
Foundation Press, 1992, p. 335.
27 “(a) Exemption. Offers and sales of securities by an issuer that satisfy the conditions
in paragraph (b) or (c) of this section shall be deemed to be transactions not
involving any public offering within the meaning of section 4(a)(2) of the Act.
(b) Conditions to be met. [...] (2) Specific conditions. (i) Limitation on number of
purchasers. There are no more than or the issuer reasonably believes that there are
no more than 35 purchasers of securities from the issuer in any offering under this
section” (grifamos).

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 215

Ou seja, de acordo com aquela regra, determinada distribuição


de valores mobiliários não será considerada pública caso seja realizada
com base em contatos diretos entre os representantes da emissora e
até 35 (trinta e cinco) subscritores.
Antes de 2012, a maioria das hipóteses de isenção de registro
proibia a divulgação da oferta ao público em geral. No entanto, em
abril de 2012, o Congresso norte-americano aprovou o Jumpstart
Our Business Startups Act (JOBS Act), o qual determinou à SEC que
removesse da Rule 506 a proibição, passando a admitir a divulgação
bem como a publicidade da oferta dirigida ao público em geral, desde
que as vendas dos valores sejam limitadas a investidores qualificados
e que o emissor tome as medidas necessárias para verificar que todos
os investidores o sejam. O objetivo do Congresso com essa exigência
foi possibilitar que as companhias, especialmente as pequenas, atraiam
investidores e captem recursos com maior facilidade.28 A SEC atendeu
à determinação em 10.06.2013, quando aprovou o ato que emendou
a Rule 506.29
Finalmente, o último elemento expressamente mencionado pela
Lei nº 6.385/1976 e pela Instrução CVM nº 400/2003, como indi-
cativo da natureza pública da oferta, refere-se ao fato de a negociação
dos valores mobiliários ser feita em loja, escritório ou estabelecimento
aberto ao público, desde que precedida da utilização, pelo ofertante, de
serviços públicos de comunicação. Não é o simples fato de ser a tran-
sação efetuada em estabelecimento aberto ao público que caracteriza
a distribuição pública, mas sim a prévia publicidade de sua realização.

28 U.S. Securities and Exchange Commission. Fact Sheet – Eliminating the


Prohibition on General Solicitation and General Advertisin in Certain
Offerings, SEC Open Meeting. Disponível em: <https://www.sec.gov/news/
press/2013/2013-124-item1.htm>. Acesso em: 26 abr. 2017.
29 O texto integral do ato normativo aprovado pela SEC pode ser encontrado no
Federal Registrer, o diário oficial do Governo Federal dos Estados Unidos da
América de 24.07.2013. Disponível em: <https://www.gpo.gov/fdsys/pkg/
FR-2013-07-24/pdf/2013-16883.pdf>.

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216 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Note-se que os elementos objetivos elencados no § 3º do artigo 19


da Lei nº 6.385/1976 e no artigo 3º da Instrução CVM nº 400/2003
são exemplificativos. Quaisquer outros instrumentos de apelo à pou-
pança popular, desde que não individualizados os destinatários da
oferta, podem também ser considerados como caracterizadores da
distribuição pública.
A Internet, não considerada à época da elaboração da lei, ao longo
do tempo se tornou recurso amplamente utilizado como facilitador
das operações no mercado de capitais. Por essa razão, a CVM editou
o Parecer de Orientação nº 33/2005 indicando quatro requisitos a
serem observados nas ofertas de distribuição de valores emitidos fora
do Brasil, realizadas pela Internet, para que elas não se caracterizem
como públicas, e, consequentemente, não tenham que ser fiscalizadas
e registradas perante a CVM: a) o aviso, exposto de maneira clara e
de fácil acesso, de que a distribuição de valores mobiliários destina-
se apenas aos países em que o patrocinador da página – information
provider – (ou a entidade que tenha a distribuição de seus valores
mobiliários anunciados na página) estiver autorizado a ofertar seus
valores mobiliários (a lista desses países deve estar incluída no próprio
anúncio); b) medidas efetivas tomadas pelo patrocinador da página na
Internet para impedir que investidores residentes no Brasil tenham
acesso ao conteúdo da página; c) indicação direta ou indireta, desde
que suficientemente clara, de que a página não foi criada para inves-
tidores residentes no Brasil (a divulgação de projeções econômicas
em moeda brasileira ou incluindo o Brasil entre os países listados em
algum formulário, ou ainda a comparação entre a emissora dos valores
mobiliários e emissoras brasileiras, são considerados como indicação
de que a página também se dirige a investidores residentes no Brasil);
e d) inexistência, mesmo em idioma estrangeiro, de texto para atrair
investidores residentes no Brasil.
A caracterização de determinada oferta como pública deve levar
em conta outros fatores, e não apenas a presença dos meios objetivos

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 217

mencionados na Lei nº 6.385/1976 e na Instrução CVM nº 400/2003.


Com efeito, a interpretação literal de tais dispositivos poderia levar a
situa­ções absurdas, como seria o caso de se considerar como colocação
pública uma operação de compra e venda de a­ções realizada entre dois
particulares, apenas porque ela foi concretizada no escritório, aberto
ao público, de uma instituição financeira.
Assim, apesar de os dispositivos legais e regulamentares mencio-
narem apenas os elementos objetivos, a sua interpretação teleológica
permite concluir que a caracterização da oferta pública pressupõe a
presença de outros requisitos, especialmente as características pessoais
dos investidores perante os quais a oferta será realizada.
Neste sentido, a Exposição de Motivos da Lei nº 6.385/1976,
claramente influenciada pela experiência do Direito norte-americano,
enfatiza que a exigência do registro perante a CVM não deve ser apli-
cada às hipóteses em que os investidores não necessitam da atuação
estatal para proteger seus interesses30.
Portanto, também no Direito brasileiro, a determinação da na-
tureza pública ou privada de uma oferta de valores mobiliários deve
levar em conta aspectos de natureza subjetiva, os quais dizem respeito
aos destinatários da oferta.
Conforme anteriormente referido, a oferta pública caracteriza-
se, em síntese, por ser dirigida à generalidade de indivíduos, ou seja,
por ser direcionada a pessoas indeterminadas, não individualizadas.
Assim, no momento da realização da oferta há uma indeterminação
dos destinatários; qualquer pessoa pode aceitar a proposta, individua-
lizando-se apenas no momento da aceitação.

30 “Apenas a emissão pública (isto é, a emissão oferecida publicamente) está


sujeita ao registro. Não se aplica essa norma à emissão particular, como é o
caso da emissão negociada com um grupo reduzido de investidores, que já
tenham acesso ao tipo de informação que o registro visa divulgar. Se estes,
porém, adquirirem a emissão com o fim de colocar no mercado, mediante
oferta pública, estão sujeitos às mesmas restri­ções que a companhia emissora”
(grifamos).

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218 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Não há que se confundir generalidade com totalidade. Nesse


sentido, a lei argentina considera como pública a oferta dirigida não só
às pessoas em geral como também a setores ou grupos determinados31.
A Instrução CVM nº 400/2003 estabelece, na mesma linha, que se
considera como “público em geral uma classe, categoria ou grupo de
pessoas, ainda que individualizada nesta qualidade”.
Dessa forma, uma oferta direcionada, por exemplo, “a todos os
empresários” é também pública, ainda que a generalidade esteja limi-
tada por certas características dos destinatários, que não chegam ao
ponto de estabelecer uma individualização pessoal. Em outras pala-
vras, a essência da distribuição pública está contida precisamente na
ausência de individualização do ofertado, ainda que este se encontre
em um grupo determinado de pessoas32.
Dada a feição nitidamente instrumental do registro de distribui-
ção pública, a aplicação das normas não deve criar custos desnecessários
para as companhias. Ou seja, não cabe à CVM impor o registro de
distribuição, com a consequente divulgação de informa­ções, quando
ficar manifesto que os destinatários da oferta, dada a sua situação,
simplesmente não necessitam de proteção governamental.
Assim, para se distinguir a distribuição pública da distribuição
privada, além da indeterminação dos ofertados, há que se perquirir
sobre dois outros elementos subjetivos adicionais.
Em primeiro lugar, deve ser levada em consideração a qualificação
dos ofertados, isto é, o seu grau de sofisticação como investidores, ou
seja, se eles detêm conhecimento e experiência em questões financei-
ras e empresariais e se são capazes de avaliar os riscos e o mérito do
investimento33.

31 Lei nº 26.831/2012, artigo 2º.


32 SAMUEL F. LINARES BRETÓN. Operaciones de Bolsa – Bolsas de Comercio y
Mercado de Valores. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1980, p. 56.
33 Conforme determina a Rule 506(b)(2)(ii), da SEC norte-americana. Sobre
o assunto, leia-se A. SORAGHAN. “Private Offerings: Determining ‘Access’,
‘Investment Sophistication’ and ‘Ability to Bear Economic Risk’”, Securities

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 219

Logo, podem ser consideradas privadas as distribui­ções colocadas


apenas junto a investidores sofisticados, os quais não necessitam da pro-
teção estatal conferida pelo registro. Nesta linha, coloca­ções realizadas
unicamente para um número limitado de investidores institucionais,
institui­ções financeiras ou sociedades de capital de risco podem ser
consideradas como privadas, independentemente dos meios utilizados
no processo de oferta.
O segundo elemento refere-se à disponibilidade de informa­
ções sobre a companhia e os valores mobiliários em questão. Ou seja,
deve ser verificado se os ofertados tiveram acesso às informa­ções que
a companhia teria apresentado por ocasião do registro, que lhes per-
mitissem uma avaliação completa dos riscos do empreendimento34.
A jurisprudência dos tribunais norte-americanos já decidiu que o
“acesso” refere-se à informação do mesmo tipo das que seriam presta-
das no registro, não necessariamente idênticas. O fundamental é que
sejam suficientes para permitir ao ofertado uma avaliação completa
dos riscos do empreendimento35.
Como o registro tem natureza basicamente instrumental, se os
investidores estão de posse de informa­ções que lhes permitem uma

Regulation Law Journal. Rochester: Thomsom-West, v. 8, 1980. De acordo


com Louis Loss, “the relevant inquiry should be whether the investor can understand
and evaluate the nature of the risk based upon the information supplied to him”
(LOUIS LOSS. Fundamentals of Securities Regulation. Boston: Little, Brown
and Company, 1988, p. 336).
34 “The requirement that all offerees have available the information registration
would provide has been firmly established by this court as a necessary condition
of gaining the private offering exemption. More specifically, we shall require
on remand that the defendants demonstrate that all offerees, whatever their
expertise, had available the information a registration statement would have
afforded a prospective investor in a public offering” (grifamos). Doran v. Petroleum
Management Corp., reproduzido em RICHARD W. JENNINGS, HAROLD
MARSH, JR., JOHN C. COFFEE, JR. Securities Regulation – Cases and Materials
17th edition. New York: The Foundation Press, 1992, pp. 336-337.
35 CARL W. SCHNEIDER. “The Statutory Law of Private Placements”, The Review
of Securities & Commodities Regulation. New York: RSCR Publications, v. 14,
n. 14, 1981.

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220 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

tomada de decisão consciente, não há porque se obrigar a companhia


emissora a proceder ao registro perante a autoridade governamental,
com custos desnecessários.
Em regra, considera-se que a possibilidade de acesso a tais
informa­ções pode ser presumida caso os ofertados possuam alguma
espécie de vínculo com a companhia emissora, o qual pode decorrer
de fatores como rela­ções familiares, de amizade, de emprego ou de
negócios com a emissora.
Nesse sentido, o artigo 3º, § 1º, da Instrução CVM nº 400/2003
expressamente ressalva que não se caracteriza como pública a oferta
realizada a um grupo de pessoas que mantenha “prévia relação comercial,
creditícia, societária ou trabalhista, estreita e habitual, com a emissora”.36
Assim, no caso de subscrição de valores mobiliários em decor-
rência do exercício do direito de preferência, não há, por definição,
emissão pública, dado o relacionamento direto existente entre a com-
panhia emissora e os subscritores. Em tal hipótese, não há necessidade
de efetivação de registro, uma vez que já se encontram à disposição
dos acionistas as informa­ções necessárias a uma decisão consciente
de investimento37.
Com efeito, a emissão destinada apenas aos acionistas da com-
panhia constitui uma oferta privada.38 Os destinatários são pessoas

36 A respeito do tema: “[...] a única inteligência adequada que a ele se pode


conferir é no sentido de que há uma relação ‘estreita e habitual’ quando, por
meio da ligação com o emissor, o investidor obtém informações suficientes
para tornar dispensável a tutela pública. É o caso do investidor com grande
participação societária, que acompanha com proximidade o andamento das
atividades da sociedade; dos empregados que ocupam posição de chefia
e dispõem de acesso privilegiado a informações da empresa [...]”. GABRIEL
SAAD KIK BUSCHINELLI. Artigos 19 e 20. In: GABRIELA CODORNIZ; LAURA
PATELLA (coord.). Comentários à Lei do Mercado de Capitais – Lei nº
6.385/76. São Paulo: Quartier Latin, 2015, pp. 386-387.
37 Nota Explicativa CVM nº 19/1980.
38 Por outro lado, há posição que entende não ser estendido este entendimento à
hipótese de oferta de títulos de dívida não conversíveis aos acionistas: “Não há
razão para considerar que um acionista minoritário, por exemplo, teria menos

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 221

determinadas, mantêm vínculo direto com a emissora e, tendo sido


regularmente praticados os atos societários prévios ao aumento de
capital (publicação de editais, atas e avisos, realização de Assembleia
Geral), pode-se supor que estavam convenientemente informados para
exercer seu direito de preferência39.
Ainda no que se refere ao vínculo existente entre a companhia
emissora e os ofertados, vale ressaltar decisão proferida pelo Colegia-
do da CVM, na qual se concluiu que a relação entre os bancos e seus
clientes, por ser, em regra, uma relação “de massa”, não consubstancia
a “prévia relação comercial” referida no artigo 3º, § 1º, da Instrução
CVM nº 400/2003 e, portanto, nessa hipótese, não cabe a exceção ao
regime de oferta pública40.
Ademais, também admite-se que o investidor possa ter acesso a
informa­ções similares às que seriam prestadas no registro da distri-
buição pública em função de possuir poder de barganha econômico
(“economic bargaining power”) frente à emissora41.
De fato, geralmente considera-se que institui­ções financeiras e
outros investidores institucionais não necessitam da proteção estatal

necessidade de proteção que um investidor comum quando almeja adquirir


debêntures de emissão da companhia. O acionista, somente por ostentar essa
condição, não tem acesso a nenhuma informação da qual o mercado não
disponha”. GABRIEL SAAD KIK BUSCHINELLI. Artigos 19 e 20. In: GABRIELA
CODORNIZ; LAURA PATELLA (coord.). Comentários à Lei do Mercado de
Capitais – Lei nº 6.385/76. São Paulo: Quartier Latin, 2015, pp. 386-387.
39 No Direito português, ao contrário, considera-se como pública a emissão
de a­ções de sociedades cujos valores mobiliários estejam cotados em Bolsa
de Valores, mesmo que a emissão seja reservada aos acionistas. A propósito,
verificar, LUIZ DE CARLOS BERTRAN. Régimen Jurídico de las Ofertas Publicas
de Suscripcion y Venta de Valores Negociables. Madrid: Editorial Civitas,
1998, pp. 214-215.
40 Decisão da Diretora Maria Helena dos Santos Fernandes de Santana, em
reunião de 26.02.2007, em consulta sobre emissão de Cédulas de Debêntures
Não Vinculadas formulada pelo Unibanco (Processo Administrativo CVM RJ
2006/8566).
41 LOUIS LOSS. Fundamentals of Securities Regulation. Boston: Little, Brown
and Company, 1988, pp. 338-339.

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222 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

representada pelo registro, pois detêm este atributo do “poder de bar-


ganha”. Vale dizer, o seu poder econômico permite a tais investidores
exigir do ofertante, como condição para que venham a participar da
operação, não apenas o acesso a todas informa­ções sobre os valores
mobiliários ofertados, mas também a outras formas de proteção que,
em regra, não são oferecidas aos investidores em uma oferta pública
registrada perante a autoridade reguladora42.
Em função deste “poder de barganha econômico” perante a
companhia emissora, presume-se que tais investidores terão acesso às
informa­ções por eles consideradas necessárias para avaliar adequada-
mente a conveniência de participar da oferta, ainda que as informa­ções
por eles exigidas não sejam idênticas àquelas que seriam disponibiliza-
das aos demais investidores por ocasião do registro da oferta pública.
A utilização dos elementos subjetivos ora comentados para defi-
nir a natureza de determinada oferta de venda de valores mobiliários
também é expressamente reconhecida em nosso ordenamento jurídico.
O artigo 4º, § 1º, inciso VII, da Instrução CVM nº 400/2003
permite à CVM dispensar o registro das ofertas públicas de venda de
valores mobiliários dirigidas exclusivamente a investidores qualifica-
dos, desde que os subscritores declarem que “a) têm conhecimento e
experiência em finanças e negócios suficientes para avaliar os riscos
e o conteúdo da oferta e que são capazes de assumir tais riscos”, que
“b) tiveram amplo acesso às informa­ções que julgaram necessárias
e suficientes para a decisão de investimento, notadamente aquelas
normalmente fornecidas no Prospecto” e que “c) têm conhecimento

42 DAVID L. RATNER. Securities Regulation in a nutshell, 6th. ed. St. Paul: West
Publishing, 1998, p. 263: “The vast bulk of these offerings, however, consists of
‘private placements’ of large blocks of securities with institutional investors [...]. The
SEC has generally raised no objections to the consummation of these transactions
in reliance on the § 4(2) exemption, since the purchasers are customarily in
a position to insist upon the issuer providing them with information more
extensive than that contained in a registration statement and to give them other
protections not available to purchases in a registered public offering” (grifamos).

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 223

de que se trata de hipótese de dispensa de registro ou de requisitos,


conforme o caso”.
Tendo em vista o caráter instrumental das normas relativas
ao registro de ofertas públicas, já mencionado, a caracterização dos
destinatários da oferta constitui o critério mais importante para a
classificação da colocação como pública.
Assim, para a caracterização da distribuição como pública ou
privada, embora sejam relevantes os meios utilizados na colocação
dos títulos, o elemento essencial e decisivo refere-se à situação dos
ofertados. Daí decorre que, independentemente dos meios utilizados
no processo de oferta, determinada distribuição de valores mobiliários
não deve ser considerada pública se os ofertados, além de pessoas certas
ou determinadas, forem investidores sofisticados e, em função de suas
rela­ções com a companhia emissora ou do fato de deterem “poder de
barganha” perante esta, tiverem acesso ao mesmo tipo de informação
que seria exigido em decorrência do registro43.
Portanto, determinada oferta de venda de valores mobiliários
somente pode ser considerada como pública após a análise de todas
as circunstâncias fáticas envolvidas, a fim de se verificar se estão pre-
sentes os elementos objetivos e subjetivos e se eles permitem inferir
a intenção do ofertante de atingir um número indeterminado de
potenciais investidores.

4.3.2. Oferta Pública de Distribuição com Esforços Restritos


Seguindo a noção acima exposta de que certos investidores não
precisam da proteção concedida pelo registro, a CVM pretendeu regu-
lar, por meio da Instrução CVM nº 476/2009, uma terceira modalidade
de oferta de venda de valores mobiliários, que se dintingue tanto da
oferta pública propriamente dita como da oferta privada. Esta terceira

43 NELSON EIZIRIK. Aspectos Modernos do Direito Societário. Rio de Janeiro:


Renovar, 1992, p. 21.

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224 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

modalidade foi denominada “oferta pública de valores mobiliários


distribuída com esforços restritos” ou, simplesmente, “oferta restrita”.
As ofertas feitas seguindo a mencionada Instrução somente podem
ter por destinatários investidores profissionais (conforme definidos pelo
artigo 9º-A da Instrução CVM nº 539/2013)44. Além disso, somente
podem ter como objeto os títulos descritos no art. 1º, § 1º, da Instrução
CVM nº 476/200945. Inicialmente, nem mesmo as a­ções e outros títulos
conversíveis em a­ções poderiam ser objeto de oferta restrita, mas, após a
alteração implementada pela Instrução CVM nº 551/2014, estes passaram
a ser admitidos, desde que emitidos por emissor registrado na categoria A.

44 “Art. 9º-A. São considerados investidores profissionais: I – instituições


financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central
do Brasil; II – companhias seguradoras e sociedades de capitalização; III –
entidades abertas e fechadas de previdência complementar; IV – pessoas
naturais ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor
superior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) e que, adicionalmente,
atestem por escrito sua condição de investidor profissional mediante termo
próprio, de acordo com o Anexo 9-A; V – fundos de investimento; VI – clubes
de investimento, desde que tenham a carteira gerida por administrador de
carteira de valores mobiliários autorizado pela CVM; VII – agentes autônomos
de investimento, administradores de carteira, analistas e consultores de
valores mobiliários autorizados pela CVM, em relação a seus recursos
próprios; VIII – investidores não residentes.”
45 “Art. 1º [...] §1º Esta Instrução se aplica exclusivamente às ofertas públicas
de: I – notas comerciais; II – cédulas de crédito bancário que não sejam de
responsabilidade de instituição financeira; III – debêntures não-conversíveis
ou não-permutáveis por a­ções; IV – (revogado); V – certificados de recebíveis
imobiliários ou do agronegócio; VI – letras financeiras, desde que não
relacionadas a operações ativas vinculadas; VII – certificados de direitos
creditórios do agronegócio; VIII – cédulas de produto rural – financeiras
que não sejam de responsabilidade de instituição financeira; IX – warrants
agropecuários; X – certificados de operações estruturadas; XI – os seguintes
valores mobiliários, desde que emitidos por emissor registrado na categoria
A: a) ações; b) debêntures conversíveis por ações; e c) bônus de subscrição,
mesmo que atribuídos como vantagem adicional aos subscritores de
debêntures; XII – debêntures permutáveis por ações, desde que tais ações
sejam emitidas por emissor registrado na categoria A; XIII – certificados
de depósito de valores mobiliários mencionados neste parágrafo; e XIV –
certificados de depósito de valores mobiliários no âmbito de programa de
BDR Patrocinado Nível I, Nível II e Nível III.”

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Tais ofertas não estão sujeitas às regras de registro previstas na


Instrução CVM nº 400/200346, ficando automaticamente dispensadas
do registro de distribuição de que trata o artigo 19, caput, da Lei nº
6.385/1976. O intermediário da oferta deve apenas informar o seu
início à CVM, no prazo de 5 (cinco) dias contados da primeira procura
a potenciais investidores, bem como o seu encerramento, dentro de 5
dias contados do fim da oferta. Essa dispensa de registro proporciona,
entre outros efeitos, uma maior agilidade na colocação de valores mo-
biliários, uma redução dos custos inerentes ao processo de distribuição
de valores mobiliários e uma maior segurança aos emissores quanto
à inexigibilidade de registro na CVM, tendo em vista a incerteza que
caracteriza o conceito de oferta pública (ver item 4.3.1).
A CVM, porém, devido a esta dispensa, exige uma declaração,
por escrito, dos investidores que pretendam adquirir ou subscrever
títulos e valores mobiliários objeto de tais ofertas, atestando sua ciência
de que a oferta não foi registrada na Autarquia e de que os títulos e
valores mobiliários ofertados estão sujeitos às restrições de negociação
previstas na própria Instrução, observadas as hipóteses previstas no
parágrafo único do art. 13 e nos parágrafos do art. 1547.
De acordo com a Instrução, na oferta com eforços restritos,
somente é permitida a procura de, no máximo, 75 (setenta e cinco)
investidores profissionais pelos representantes do ofertante, sendo que
os valores mobiliários ofertados não podem ser subscritos por mais de
50 (cinquenta) investidores profissionais. Porém, os investidores que
exercerem direito de prioridade ou preferência não são considerados
para os fins desses limites. Além disso, fundos de investimento e car-
teiras administradas de valores mobiliários cujas decisões de investi-
mento sejam tomadas por um mesmo gestor são considerados como
um único investidor para efeitos da aplicação dos limites de ofertados
e subscritores/adquirentes anteriormente referidos.

46 Artigo 5º, Instrução CVM nº 476/2009.


47 Dispositivo modificado pela Instrução CVM nº 551/2014.

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226 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Outra característica relevante da Instrução CVM nº 476/2009


consiste no fato de que não apenas sociedades anônimas, mas também
sociedades limitadas e cooperativas podem utilizar-se da sistemática
das ofertas públicas com esforços restritos para colocarem títulos de
sua emissão no mercado, não se exigindo que o emissor obtenha o
registro de companhia aberta perante a CVM.
O art. 17 da referida Instrução estipula uma lista de exigências
que devem ser cumpridas pelo emissor dos valores tratados acima,
dentre as quais destacam-se a preparação e auditoria das demonstra­
ções financeiras anuais, de acordo com as normas editadas pela CVM
para as companhias abertas; a necessidade de observar as regras da
Instrução CVM nº 358/2002 acerca do dever de sigilo e vedação à
negociação por pessoas relacionadas ao emissor – tais como adminis-
tradores e acionistas controladores; e a obrigação de divulgar em sua
página na rede mundial de computadores fatos relevantes ocorridos
em seus negócios.
Ainda de acordo com a Instrução CVM nº 476/2009, o ofertante
não pode fazer, dentro de um período de 4 (quatro) meses, outra oferta
restrita de valores mobiliários de mesma espécie e emissor, sem que
esta se submeta ao registro perante a CVM – observadas as exceções
elencadas no artigo 9º, § 1º.
Os valores mobiliários colocados por meio de oferta restrita so-
mente podem ser negociados entre investidores qualificados48, e apenas
depois de decorridos 90 (noventa) dias da subscrição/aquisição pelo

48 O conceito de “investidor qualificado” é um pouco mais amplo do que


o de investidor profissional, como estabelece o artigo 9º-B da Instrução
CVM nº 539/2013: “Art. 9º-B – São considerados investidores qualificados:
I – investidores profissionais; II – pessoas naturais ou jurídicas que possuam
investimentos financeiros em valor superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de
reais) e que, adicionalmente, atestem por escrito sua condição de investidor
qualificado mediante termo próprio, de acordo com o Anexo 9-B; III – as
pessoas naturais que tenham sido aprovadas em exames de qualificação
técnica ou possuam certificações aprovadas pela CVM como requisitos para o
registro de agentes autônomos de investimento, administradores de carteira,
analistas e consultores de valores mobiliários, em relação a seus recursos

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 227

investidor – salvo em duas hipóteses previstas na Instrução (artigo 13,


incisos I e II) –, cabendo aos intermediários nas negocia­ções certificar
o cumprimento dessas restri­ções. Após o período de 90 (noventa) dias
durante o qual a negociação é vedada, os valores podem ser negociados
nos mercados de balcão, organizado ou não, sendo expressamente
vedadas negocia­ções em Bolsa sem que o emissor possua o respectivo
registro para tal.
Por outro lado, se o emissor tiver ou vier a obter o registro para
negociação em Bolsa, os valores mobiliários ofertados com esforços
restritos podem ser negociados entre outros agentes, que não apenas
investidores qualificados.
Vale ressaltar que, apesar de ser denominada “pública”, na oferta
restrita não é admitida a “busca de investidores através de lojas, escri-
tórios ou estabelecimentos abertos ao público, ou com a utilização de
serviços públicos de comunicação, como a imprensa, o rádio, a televisão
e páginas abertas ao público na rede mundial de computadores”49.
Devido ao acima disposto, observa-se claramente que as ofertas
restritas, na forma em que foram reguladas pela Instrução CVM nº
476/2009, possuem determinadas características que as aproximam
das ofertas privadas, como o fato de serem realizadas sem a utilização
de meios de comunicação de massa ou estabelecimentos abertos ao
público em geral (elemento objetivo) e de serem destinadas exclusiva-
mente a um número limitado de investidores qualificados (elemento
subjetivo).
Em nosso entendimento, a CVM, ao editar a Instrução CVM
nº 476/2009, incorreu em equívoco conceitual, na medida em que as
denominadas ofertas públicas de valores mobiliários distribuídas com
esforços restritos são, na verdade, ofertas privadas.

próprios; e IV – clubes de investimento, desde que tenham a carteira gerida


por um ou mais cotistas, que sejam investidores qualificados.”
49 Artigo 2º, parágrafo único, Instrução CVM nº 476/2009.

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228 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Com efeito, a venda de valores mobiliários realizada diretamente


a um número reduzido de investidores profissionais, sem a utilização
de formas de comunicação que indiquem a intenção de atingir o pú-
blico em geral (publicação de anúncios, distribuição indiscriminada
de prospectos ou folhetos, realização de reuniões abertas a qualquer
interessado, etc.) constitui inequivocamente uma oferta privada.
A CVM, contudo, ao invés de admitir a natureza privada das
ofertas descritas na Instrução CVM nº 476/2009 e reconhecer que
elas não estariam sujeitas à obrigatoriedade de registro, preferiu qua-
lificá-las como públicas e dispensá-las automaticamente da obtenção
de registro perante a Autarquia.
No entanto, como é evidente, a regulação das ofertas restritas
pela CVM não eliminou a existência das ofertas privadas, o que é
expressamente reconhecido pelo § 2º do artigo 1º da Instrução nº
476/2009, segundo o qual “esta Instrução não se aplica às ofertas
privadas de valores mobiliários”.
No mesmo sentido, no Edital de Audiência Pública nº 05/2008,
que divulgou ao mercado a minuta que deu origem à Instrução CVM
nº 476/2009, a CVM consignou que a minuta apresentada, naquela
ocasião, “não procura definir o que seja oferta pública ou privada; ela
simplesmente dispensa de registro as ofertas que atendam aos seus
requisitos. Quanto às ofertas privadas, a Minuta parte do pressuposto
de que nenhum registro é necessário, pois elas não estão sujeitas à
competência da CVM.”.
Dessa forma, partindo da premissa adotada pela CVM, devem ser
analisados os critérios que poderiam distinguir as ofertas descritas na
Instrução CVM nº 476/2009 das ofertas privadas. Para tanto, deve-se
lembrar que a denominada oferta restrita é, de acordo com a Instrução
CVM nº 476/2009, uma oferta pública distribuída aos investidores
mediante esforços restritos de colocação.
A oferta pública, por definição, consiste naquela mediante a qual
se busca atingir investidores indeterminados. Neste sentido, o artigo 3º

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da Instrução CVM nº 400/2003 permite concluir que o caráter público


da oferta caracteriza-se em função de ela ser destinada a investidores
“indeterminados”, enquanto a oferta privada de valores mobiliários é
aquela na qual os investidores procurados, independentemente do seu
número, são previamente determinados ou determináveis.
Neste sentido, constitui uma oferta privada, conforme se infere
do disposto no § 1º do artigo 3º da Instrução CVM nº 400/2003,
aquela destinada apenas a investidores qualificados que mantenham
relação “estreita e habitual”, seja de natureza comercial, creditícia ou
societária, com o ofertante. Isto porque, nesta hipótese, o universo de
destinatários da oferta pode ser previamente determinado, ainda que o
número de potenciais investidores seja muito superior a 50 (cinquenta).
Pode-se concluir, portanto, que a diferença entre uma oferta
privada de valores mobiliários e uma oferta pública restrita residiria,
basicamente, no fato de a primeira dirigir-se a um universo previamen-
te determinado de ofertados, ao passo que, na segunda, investidores
profissionais indeterminados é que poderiam ser contatados pelo
ofertante, ainda que em número limitado, utilizando-se, para tanto,
de esforços restritos de colocação.
De qualquer forma, fica evidente que o número de investidores
ofertados, ainda que possa ser um elemento indicativo, não constitui,
por si só, critério adequado para se qualificar determinada oferta como
pública ou privada, conforme já reconheceu a própria Superintendên-
cia de Desenvolvimento de Mercado (SDM) da CVM, declarando
que a “SDM entende que, dado o disposto no art. 18, § 3º, da Lei
6.385, de 1976, resta evidente a vontade do legislador no sentido de
caracterizar uma oferta de distribuição de valores mobiliários como
pública ou não pela forma de procura dos investidores, e não pelo
número de investidores procurados ou que venham a subscrever ou
adquiri-la. Logo, no entendimento da SDM, não há como se afirmar,
de antemão, que toda oferta em que vierem a ser contatados menos de
75 investidores, ou que seja subscrita ou adquirida por menos de 50

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230 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

investidores, será considerada uma oferta privada ou pública. O que a


instrução faz, repita-se, é simplesmente dispensar o registro na CVM
das ofertas públicas que atendam aos requisitos ali estabelecidos, entre
os quais se incluem o número máximo de investidores que podem ser
procurados e o número máximo de subscritores ou adquirentes dos
valores mobiliários ofertados”50. Com efeito, tanto podem existir ofertas
públicas em que o número de investidores ofertados seja inferior a 50
(cinquenta), conforme salientado pela SDM no trecho supra trans-
crito, como existem casos de ofertas privadas que podem atingir uma
quantidade enorme de ofertados. O exemplo mais claro desta última
hipótese é a emissão de a­ções por uma grande companhia aberta, a
qual, embora inequivocamente privada, destina-se a ser subscrita por
todos os acionistas da emissora.

4.4. As regras aplicáveis à obtenção do registro de oferta


pública de distribuição de valores mobiliários

4.4.1. Procedimento Ordinário


Conforme referido, a Instrução CVM nº 400/2003 regulamenta,
indistintamente, o registro das ofertas públicas primárias e secundárias
de valores mobiliários, o que se justifica pelo fato de ambas as moda-
lidades implicarem o apelo à poupança popular.
Tendo em vista as particularidades da oferta pública de distribui-
ção de valores mobiliários, a CVM poderá, a seu critério, levando em
consideração a preservação do interesse público, da adequada informa-
ção e da proteção do público investidor, dispensar o registro ou alguns
dos seus requisitos, inclusive publica­ções, prazos e procedimentos,
mediante requerimento do ofertante e da instituição intermediária.
O registro é automaticamente dispensado, sem a necessidade de for-

50 Relatório de Análise SDM de Audiência Pública nº 05/2008.

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mulação do pedido de dispensa, nas hipóteses previstas no artigo 5º,


incisos I e II, da Instrução CVM nº 400/200351.
O pedido de registro de oferta pública de distribuição de valores
mobiliários deve ser apresentado pelo ofertante em conjunto com a
instituição financeira intermediária da oferta52. Tal pedido deverá estar
instruído com os documentos e as informa­ções constantes do Anexo II
da Instrução CVM nº 400/2003, hábeis a permitir um amplo disclosure
das informa­ções sobre a oferta, tais como as características, volumes e
preços dos valores mobiliários ofertados, forma, local de colocação etc.
Dentre os documentos que devem obrigatoriamente instruir
o pedido de registro, merece destaque o prospecto da distribuição
pública, previsto no artigo 38 da Instrução em tela, o qual constitui
o principal documento de caráter informativo a ser apresentado pela
companhia que pretenda obter o registro de uma distribuição pública
de valores mobiliários53.
A partir da Instrução CVM nº 482/2010, que alterou a Instrução
CVM nº 400/2003, o prospecto passa a conter apenas informa­ções

51 “Art. 5º Sem prejuízo de outras hipóteses que serão apreciadas especificamente


pela CVM, será automaticamente dispensada de registro, sem a necessidade
de formulação do pedido previsto no art. 4º, a oferta pública de distribuição
I – de ações de propriedade da União, Estados, Distrito Federal e municípios
e demais entidades da administração pública, que, cumulativamente: a) não
objetive colocação junto ao público em geral; e b) seja realizada em leilão
organizado por entidade administradora de mercado organizado, nos termos
da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993; e II – de lote único e indivisível de
valores mobiliários.”
52 Sobre a atuação das institui­ções financeiras intermediárias em ofertas públicas
de distribuição, ver Capítulo 5.
53 A obrigatoriedade do prospecto decorre da necessidade de se nivelar os
investidores e os emissores, diante da grande assimetria de informações
existente entre eles. “Ademais, não faria sentido, em uma oferta pública, seguir
a regra geral de que, primariamente, cabe ao comprador o ônus de se informar
sobre o bem adquirido. Obter informações é custoso. O investidor individual
dificilmente disporá de tempo e recursos para fazê-lo” GABRIEL SAAD KIK
BUSCHINELLI. Artigos 19 e 20. In: GABRIELA CODORNIZ; LAURA PATELLA
(coord.). Comentários à Lei do Mercado de Capitais – Lei nº 6.385/76. São
Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 394.

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232 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

sobre os valores mobiliários ofertados e as características e condi­ções


da oferta, enquanto as informações acerca da emissora dos valores
ofertados, que antes eram parte do Prospecto em si, passam a constar
somente no formulário de referência54, devendo este ser periodicamente
atualizado pelas companhias emissoras. O formulário de referência
substitui, assim, todas as se­ções do prospecto que continham informa­
ções sobre a companhia emissora, devendo a última versão de tal docu-
mento55 ser incorporada ao prospecto (fisicamente ou por referência ao
endereço eletrônico em que pode ser encontrado), conforme disposto
no item 5 do Anexo III da Instrução CVM nº 400/2003.
Vale ressaltar, contudo, que ainda é permitido que o prospecto
contenha certas informa­ções resumidas acerca da companhia emis-
sora, no item denominado “Sumário do Emissor”, que passou a ser
facultativo56 e, se incluído no Prospecto, deverá: (i) ter no máximo 15
páginas; (ii) ser consistente com o formulário de referência; (iii) in-
formar, com destaque, que as informa­ções completas sobre a emissora
estão no formulário de referência; e (iv) indicar os 5 (cinco) principais
fatores de risco relativos à emissora.
O prospecto deve conter informação “completa, precisa, verdadei-
ra, atual, clara, objetiva e necessária, em linguagem acessível, de modo
que os investidores possam formar criteriosamente a sua decisão de
investimento” a respeito (i) da oferta; (ii) dos valores mobiliários ob-
jeto da oferta e dos direitos que lhes são inerentes; (iii) do ofertante;

54 O Formulário de Referência é o documento instituidos pela Instrução


480/2009, em substituição ao antigo formulário de Informa­ções Anuais –
IAN, que todas as companhias abertas tinham que apresentar anualmente,
contendo informa­ç ões detalhadas sobre a sua estrutura acionária e
administrativa, sua situação patrimonial e financeira, o desenvolvimento de
seus negócios, entre outros.
55 LUIZA RANGEL DE MORAES. “A revisão da regulamentação sobre oferta
pública para distribuição de valores mobiliários – Inova­ções da Instrução
CVM 482/2010”, In Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais.
São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 49, jul.-set., 2010, p. 24
56 Item 1-A do Anexo III da Instrução CVM nº 400/2003, incluído pela Instrução
CVM nº 482/2010.

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(iv) da companhia emissora e sua situação patrimonial, econômica e


financeira; (v) de terceiros garantidores de obriga­ções relacionadas com
os valores mobiliários objeto da oferta; e (vi) de terceiros que venham a
ser destinatários dos recursos captados com a oferta57. Outros detalhes
a serem trazidos ao conhecimento do público por meio do prospecto
estão previstos no Anexo III da mencionada Instrução.
O prospecto, assim, não pode omitir dados relevantes, nem in-
cluir informa­ções que possam induzir a erro, devendo estar redigido
de maneira clara e precisa.
Considerando-se, por um lado, a importância de que o pros-
pecto seja levado ao conhecimento dos investidores antes da tomada
de decisão quanto à compra dos valores mobiliários ofertados, e, por
outro, o fato de que a regulamentação vigente não proíbe a existência
de esforço de vendas antes da concessão do registro pela CVM, a Ins-
trução nº 400/2003 autoriza a utilização, pelo ofertante, do chamado
prospecto preliminar58.
As informa­ções constantes do prospecto preliminar, por ainda
não terem sido analisadas pela CVM, sujeitam-se à complementação
e correção, devendo esta possibilidade ser expressamente informada
aos potenciais investidores.
Os investidores poderão efetuar reservas de subscrição ou aquisi-
ção com base no prospecto preliminar, mas estas somente poderão ser
confirmadas após o registro da oferta, quando o prospecto definitivo
deve ser disponibilizado aos investidores.
Outro documento de relevo que deve ser submetido pelo ofertante
com o pedido de registro de distribuição pública, em determinadas situa­
ções específicas elencadas no artigo 32 da citada Instrução59, é o chamado

57 Artigos 38 e 39 da Instrução CVM nº 400/2003.


58 Artigo 46 da Instrução CVM nº 400/2003.
59 “Art. 32. O pedido de registro de oferta pública de distribuição de valores
mobiliários emitidos por companhia deve ser instruído com estudo de
viabilidade econômico-financeira da emissora quando: I – a oferta tenha

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234 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

estudo de viabilidade econômica60. A exigência da apresentação desse


estudo está motivada pela obtenção de informa­ções mais aprofundadas
de companhias cuja atuação ainda não esteja consolidada no mercado,
nas quais o valor da distribuição se baseie em proje­ções empresariais,
que apresentem dificuldades financeiras ou que vinculem a captação
de investimentos que realizarão a empresas controladas ou coligadas.
A contar do pedido de registro, a CVM tem o prazo de 20
(vinte) dias úteis para se manifestar sobre ele (artigo 8º da Instrução

por objeto a constituição da emissora; II – a emissora esteja em fase pré-


operacional; ou III – os recursos captados na oferta sejam preponderantemente
destinados a investimentos em atividades ainda não desenvolvidas pela
emissora”. Note-se que uma das principais altera­ções introduzidas na
Instrução CVM nº 400/2003 pela Instrução CVM nº 482/2010 foi a redução
das hipóteses em que é obrigatória a apresentação do estudo de viabilidade
econômico-financeira da emissora, tendo sido dispensada a apresentação de
tal estudo nas seguintes hipóteses: (i) quando a emissora exerça a sua atividade
há menos de dois anos e esteja realizando a primeira distribuição pública de
valores mobiliários; (ii) quando a fixação do preço da oferta baseie-se, de
modo preponderante, nas perspectivas de rentabilidade futura da emissora;
(iii) quando a empresa tenha apresentado patrimônio líquido negativo, ou
tenha sido objeto de falência nos 3 exercícios sociais que antecedem a oferta;
e (iv) quando houver emissão de valores mobiliários em montante superior ao
patrimônio líquido da emissora, considerando o balanço referente ao último
exercício social, e os recursos captados visarem à expansão ou diversificação
das atividades ou investimentos em controladas ou coligadas.
60 Vale notar que, a despeito de o estudo de viabilidade econômico ser
facultativo em alguns casos, ele deve ser apresentado caso tenha sido
produzido. Isso foi decidido no Processo Administrativo Sancionador CVM
nº 2005/6924, julgado em 31.10.2006, de relatoria do Dir. Marcelo Fernandez
Trindade, em que se apurou a distribuição dos títulos em condi­ções diversas
das constantes do registro de sua emissão perante a CVM. Dois documentos,
que só viriam a público depois da emissão, não foram divulgados aos possíveis
investidores durante o processo de subscrição, quais sejam, um Protocolo de
Inten­ções firmado entre a companhia emissora e a instituição intermediária,
e um relatório de análise econômico-financeira elaborado por analistas do
mercado de capitais do banco intermediário em favor da ofertante. Decidiu
o Colegiado que haveria, no caso, a obrigação de apresentar o relatório à
CVM e incorporá-lo às informa­ções públicas, uma vez que, embora não
fosse necessário preparar um estudo como condição para o registro, seu
encaminhamento seria obrigatório, caso a instituição líder viesse a elaborá-
lo, persistindo a obrigatoriedade da apresentação durante todo o prazo de
distribuição.

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CVM nº 400/2003). Para impedir demoras injustificadas na análise, a


regulamentação administrativa estabelece que o registro será automa­
ticamente efetivado caso a CVM não se manifeste nesse prazo.
O prazo de 20 (vinte) dias úteis pode ser interrompido uma única
vez, caso a CVM solicite documentos e informa­ções adicionais, conce-
dendo-se prazo não superior a 40 (quarenta) dias úteis, prorrogáveis por
mais 20 (vinte) dias úteis, para o atendimento das eventuais exigências.
A partir do recebimento dos documentos e das informa­ções
apresentados em cumprimento às exigências formuladas pela CVM,
começa a fluir um prazo de 10 (dez) dias úteis para a autarquia se
manifestar sobre o registro ou – caso, além da apresentação de docu-
mentos e informa­ções adicionais, também sejam realizadas altera­ções
em documentos e informa­ções anteriormente apresentadas – o prazo
para análise da CVM será de 20 (vinte) dias úteis.
A interrupção da análise do pedido de registro também pode
ocorrer, uma única vez, por até 60 (sessenta) dias úteis, em função de
requerimento apresentado, de maneira fundamentada, pelo ofertante
e pela instituição líder. Findo esse prazo, recomeçam a fluir integral-
mente os prazos de análise, como se um novo pedido de registro tivesse
sido apresentado, independentemente da fase em que se encontrava
a análise da CVM.
Uma questão importante diz respeito às hipóteses em que cabe
o indeferimento do pedido de registro de emissões públicas; ou, em
outros termos, ao alcance do poder da CVM de aprovar ou desaprovar
as emissões públicas de valores mobiliários.
Na quase generalidade dos países que dispõem de leis sobre o
mercado de capitais, não se atribui ao Estado o poder de aprovar ou
desaprovar uma distribuição pública de títulos por razões de conve-
niência ou oportunidade. Assim, praticamente inexistem casos em
que o Estado escolhe as empresas que podem distribuir publicamente
valores mobiliários de sua emissão, exercendo, portanto, uma análise
do mérito do investimento proposto ao público.

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236 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Isto se justifica por algumas razões básicas. Em primeiro lugar,


considera-se que não cabe ao Estado substituir os investidores na
análise de qualidade das empresas. Com efeito, não há porque se
presumir que o funcionário público melhor poderia aquilatar o mé-
rito de determinado investimento do que o investidor de mercado.
Em segundo lugar, razões de ordem prática normalmente impõem
às agências reguladoras tal política, uma vez que assumir o encargo
de julgar o mérito da distribuição pode ter como consequência sua
responsabilidade civil pelos prejuízos sofridos pelos investidores no
caso de insucesso do empreendimento.
O princípio básico, adotado na generalidade dos países, é de que
o exame do mérito da distribuição cabe unicamente aos investidores
do mercado e que o pedido de registro das distribui­ções apenas ga-
rante aos investidores que as informa­ções exigidas foram prestadas,
encontrando-se à disposição dos interessados. Assim, a atuação estatal
volta-se exclusivamente para propiciar o acesso igual para todos os
investidores às informa­ções materialmente relevantes, cabendo apenas
a ele, investidor, qualquer julgamento sobre o seu mérito.
Entre nós, da mesma forma, nos termos da legislação vigente, não
cabe à CVM realizar qualquer exame sobre a qualidade dos títulos
ofertados, sobre a empresa emissora ou mesmo sobre a conveniência
do momento escolhido para a realização da distribuição pública.
A única hipótese prevista na lei de exame substantivo por parte da
CVM é aquela, de rara ocorrência na prática, referente à constituição
da companhia por subscrição pública, nos termos do artigo 82, da Lei
das S.A., e 16, inciso I, da Instrução CVM nº 400/2003. Em tal caso,
cabe à companhia instruir o pedido de registro da distribuição com
estudo de viabilidade econômica e financeira do empreendimento,
podendo a CVM denegá-lo por considerar dito empreendimento
inviável ou temerário, ou inidôneos seus fundadores. Justifica-se em tal
caso uma análise econômica da CVM, posto que a distribuição pública
é realizada para a constituição da empresa, havendo maiores riscos

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envolvidos no empreendimento e inexistindo, ademais, informa­ções


a serem divulgadas sobre a performance da companhia.
Já no caso de aumento de capital por emissão pública de a­ções,
há determinação legal expressa no sentido de não caber à CVM a
análise de viabilidade econômico-financeira do empreendimento
(Lei das S.A., artigo 170, § 6º). Em tal hipótese, portanto, não pode
a autoridade reguladora do mercado indeferir o pedido de registro da
distribuição por considerá-la inviável, temerária ou mesmo inoportuna.
Assim, tratando-se de distribuição pública de valores mobiliários
de empresa já constituída, a CVM somente pode denegar o pedido de
registro em duas hipóteses. Em primeiro lugar, a CVM pode indeferir
o pedido de registro caso a companhia não apresente as informa­ções
consideradas necessárias à avaliação, pelos investidores, do mérito do
empreendimento, e previstas na regulamentação administrativa, ou
apresente-as de maneira incompleta ou insatisfatória. Nos termos
da Lei nº 6.385/1976, artigo 19, § 6º, a CVM deve subordinar o
registro de distribuição à divulgação das informa­ções necessárias à
proteção dos investidores, tal como exigidas pela regulamentação
administrativa.
Em segundo lugar, o pedido pode ser indeferido caso o estatuto
social da companhia apresente irregularidades, ou os atos societários
que precederam à emissão pública (convocação e realização da As-
sembleia Geral, por exemplo) sejam ilegais ou viciados. Em tais hi-
póteses, o deferimento do pedido de registro da distribuição pode ser
condicionado ao atendimento das exigências formuladas pela CVM,
inclusive quanto às modifica­ções necessárias no estatuto social, visando
adequá-lo à legislação vigente (artigo 170, § 6º, c/c artigo 82, § 2º,
primeira parte, da Lei nº 6.404/1976).
O ato da CVM de aprovar ou desaprovar o pedido de registro de
oferta pública de distribuição de valores mobiliários é necessariamente
vinculado, uma vez que a lei e a regulamentação administrativa esta-
belecem os requisitos e as condi­ções para a sua prática. Não se está,

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no caso, na esfera de poder discricionário da CVM, ou seja, não pode


a autoridade reguladora indeferir o pedido de registro de distribuição
por razões de conveniência ou de oportunidade61.
O deferimento do pedido de registro pela CVM não importa,
por sua vez, a chancela estatal quanto à qualidade da companhia ou
dos valores mobiliários por ela oferecidos ao público ou quanto à
veracidade das informa­ções prestadas62.
A CVM tem poderes para suspender ou cancelar, a qualquer
tempo, a oferta pública de distribuição que esteja se processando em
condi­ções diversas das constantes do registro ou que tenha sido havida
como ilegal, contrária à normatização da CVM ou fraudulenta, ainda
que após obtido o respectivo registro63. O prazo máximo de suspensão
da oferta é de 30 (trinta) dias, dentro do qual a irregularidade apontada
pela autarquia deverá ser sanada, sob pena de cancelamento do registro.
As ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários deve-
rão ser realizadas em condi­ções que assegurem tratamento equitativo

61 NELSON EIZIRIK. Aspectos Modernos do Direito Societário. Rio de Janeiro:


Renovar, 1992, pp. 11-12.
62 Nesse sentido, o Anexo III à Instrução CVM nº 400/2003 determina que
o prospecto da oferta pública expressamente informe que o registro da
distribuição não implica, por parte da CVM, garantia de veracidade das
informa­ções prestadas ou um julgamento da qualidade da companhia
emissora ou dos valores mobiliários a serem distribuídos.
63 Lei nº 6.385/1976, artigo 20, e Instrução CVM nº 400/2003, artigo 19. O
Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ 2005/4356, julgado em
20.06.2006, foi instaurado para apurar colocação no mercado de Contratos
de Investimento Coletivo (CICs) em condições diversas das do registro. Este
previa um penhor pecuniário superior ao que vigia quando da colocação dos
títulos no mercado, tendo em vista que os contratos de penhor pecuniário
foram alterados posteriormente à data da concessão do registro, efetivamente
reduzindo a garantia. Ficou comprovada também a colocação de CICs com
opção de resgate antecipado em 12 meses, sendo que o registro foi concedido
sem tal opção, com o vencimento dos CICs em 24 meses. O colegiado da
CVM decidiu estar qualificada a colocação de CICs no mercado em condi­ções
diversas das constantes no registro. Vale ressaltar que afirma o Relator Diretor
Pedro Oliva Marcilio de Sousa que nem a quitação dos CICs seria suficiente
para excluir a ilicitude da colocação irregular, embora eventual reversão dos
danos pudesse ser levada em conta no momento da fixação da pena.

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aos destinatários e aceitantes das ofertas, permitida a concessão de


prioridade aos antigos acionistas. Ademais, a oferta deverá ser irre-
vogável, embora possa estar sujeita a condi­ções que correspondam a
um interesse legítimo do ofertante, que não afetem o funcionamento
normal do mercado e cujo implemento não dependa de atuação direta
ou indireta do ofertante ou de pessoas a ele vinculadas64.
O preço da oferta é único, mas a CVM poderá autorizar, em
opera­ções específicas, a possibilidade de preços e condi­ções diversos,
de acordo com o tipo, espécie, classe e quantidade de valores mobi-
liários ou de destinatários, fixados em termos objetivos e em função
de interesses legítimos do ofertante, sendo admitido ágio ou deságio
em função das condi­ções do mercado65.
Na hipótese de haver, a juízo da CVM, alteração substancial,
posterior e imprevisível nas circunstâncias de fato existentes quando
da apresentação do pedido de registro de distribuição pública, que
acarrete aumento relevante dos riscos assumidos pelo ofertante e
inerentes à própria oferta, poderá ela acolher pedido de modificação
ou revogação da oferta66.
A revogação torna a oferta e os atos de aceitação anteriores ou
posteriores ineficazes, de maneira que os valores, bens ou direitos dados
pelos aceitantes em contrapartida aos valores mobiliários ofertados
devem ser a eles restituídos integralmente67.
Caso haja modificação da oferta, os investidores devem ser devi-
damente informados e as entidades integrantes do consórcio de dis-
tribuição se certificarem, no momento do recebimento das aceita­ções

64 Artigos 21 e 22 da Instrução CVM nº 400/2003. Maiores detalhes a respeito


do conteúdo de uma oferta pública serão desenvolvidos no capítulo referente
às ofertas públicas de aquisição. As características genéricas da oferta pública
de aquisição, tratadas no Capítulo 11, aplicam-se, mutatis mutandi, à oferta
pública de distribuição.
65 Artigo 23 da Instrução CVM nº 400/2003.
66 Artigo 25 da Instrução CVM nº 400/2003.
67 Artigo 26 da Instrução CVM nº 400/2003.

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da oferta, de que o manifestante está ciente de que a oferta original


foi alterada e de que tem conhecimento das novas condições68.
Além disso, deve ser facultado aos investidores que já tiverem
aderido à oferta a possibilidade de manterem ou não a sua aceitação.
Para tanto, tais investidores deverão ser diretamente comunicados a
respeito da modificação efetuada, para que confirmem a sua posição,
presumindo-se a manutenção da aceitação caso eles não se manifestem
no prazo de 5 (cinco) dias úteis.

4.4.2. Procedimento Simplificado


Por meio da Instrução CVM nº 471/2008, alterada pela Instru-
ção CVM nº 575/2016, a CVM instituiu o chamado Procedimento
Simplificado, que visa a reduzir o prazo necessário para o registro69. O
Procedimento Simplificado consiste na análise prévia dos documentos
da oferta por entidade autorreguladora que tenha celebrado convênio
com a CVM para tal finalidade.
Após a conclusão desta análise prévia, e não havendo exigências a
serem feitas ao ofertante, a entidade autorreguladora conveniada deverá
apresentar, em nome deste, o pedido de registro à CVM, acompanhado
de toda documentação pertinente e, principalmente, de um Relatório
Técnico, no qual deverá recomendar o deferimento ou indeferimento
do pedido de registro de oferta (art. 3º, caput e § 1º, Instrução CVM
nº 471/200870).

68 Artigo 27 da Instrução CVM nº 400/2003.


69 CARLOS AUGUSTO DA SILVEIRA LOBO, “Constituição por Subscrição Pública”.
In: ALFREDO LAMY FILHO e JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA (Coord.). Direito
das Companhias. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 531-535.
70 “Art. 3º O pedido de procedimento simplificado deve ser acompanhado de:
I – todos os documentos que devam acompanhar os pedidos de registro da
respectiva oferta pública de distribuição, de acordo com as regras da CVM
aplicáveis; II – todas as correspondências e informa­ções trocadas entre a
entidade autorreguladora e o ofertante em relação ao pedido de registro
sob análise; III – comprovante de pagamento da correspondente taxa de
fiscalização; e IV – relatório técnico elaborado pela entidade autorreguladora
conveniada nos termos estabelecidos pelo convênio.§ 1º O relatório de que

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Abre-se então o prazo de 7 (sete) dias úteis para que a CVM se


manifeste sobre o pedido de registro, sob pena de concessão automática.
Caso, porém, a CVM formule exigências adicionais, estas devem ser
cumpridas e entregues pela entidade autorreguladora em 20 (vinte)
dias úteis, junto com novo Relatório Técnico, para uma segunda
apreciação pela Autarquia, a qual deverá ocorrer no prazo máximo de
4 (quatro) dias úteis.
Os pedidos de dispensa de registro ou de algum de seus requi-
sitos também devem ser analisados pela entidade autorreguladora
71

conveniada.
A adoção do procedimento simplificado constitui uma escolha
do ofertante, que pode sempre optar por pedir o registro diretamente
à CVM, seguindo os prazos do procedimento ordinário. Note-se que
o procedimento simplificado somente pode ser adotado em ofertas
que tenham por objeto valores de emissão de companhia aberta,
fundo de investimento ou companhia estrangeira patrocinadora de
programas de BDR. Porém, caso se trate da primeira oferta pública
de distribuição de a­ções, BDRs ou valores mobiliários conversíveis em
a­ções de quaisquer das entidades supracitadas, é vedada a adoção do
Procedimento Simplificado, sendo obrigatória a modalidade ordinária
do pedido de registro.
O convênio regulado pela Instrução CVM nº 471/2008 pode
ser celebrado com qualquer entidade autorreguladora que, a juízo da
CVM, consiga comprovar ter estrutura adequada e capacidade técnica
para o cumprimento das obriga­ções previstas na referida Instrução.
Neste sentido, a CVM mantém convênio com a Associação
Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais –
Anbima, o qual estabelece como deverá ser realizada a análise prévia,
impõe aos responsáveis por esta a observância de Código de Conduta

trata o inciso IV deverá recomendar o deferimento ou indeferimento do


registro da oferta pública sob análise.”
71 Artigo 4º da Instrução CVM nº 400/2003.

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242 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Profissional e, acima de tudo, reconhece o preenchimento pela Anbima


dos requisitos necessários para analisar ofertas versando sobre debên-
tures, notas promissórias, a­ções, bônus de subscrição e certificados
de depósito de a­ções, desde que de espécie ou classe já admitidas à
negociação no mercado.

4.4.3. Emissoras com Grande Exposição de Mercado


Ainda visando a proporcionar maior celeridade ao processo de re-
gistro das ofertas de distribuição pública, de modo a melhor adequá-lo
à velocidade e às demandas do mercado de capitais, a CVM, por meio
da Instrução CVM nº 482/2010, instituiu o registro automático para
ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários que tenham sido
emitidos por companhias classificadas como “Emissoras com Grande
Exposição ao Mercado” (EGEM).
Conforme disposto no art. 34 da Instrução CVM nº 480/2009,
as Emissoras com Grande Exposição ao Mercado são aquelas que,
cumulativamente, I – tenham a­ções negociadas em bolsa há, pelo
menos, 3 (três) anos; II – tenham cumprido tempestivamente com
suas obriga­ções periódicas nos últimos 12 (doze) meses; e III – cujo
valor de mercado das a­ções em circulação seja igual ou superior a R$
5.000.000.000,00 (cinco bilhões de reais), de acordo com a cotação de
fechamento no último dia útil do trimestre anterior à data do pedido
de registro da oferta pública de distribuição de valores mobiliários.
Às companhias que atendam a todos os requisitos acima expostos,
o registro é concedido automaticamente, passando a produzir efeitos
5 (cinco) dias úteis após seu pedido ser protocolado na CVM.72
A fundamentação para esta concessão automática de registro
provém do fato de que as companhias classificadas como EGEMs já
possuem um volume elevado de valores mobiliários em negociação no
mercado, de onde se extrai que tais companhias já são mais conhecidas

72 Artigo 6º-B, caput e § 3º, Instruição CVM nº 400/2003.

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e, principalmente, mais bem monitoradas pelos investidores. Em outras


palavras, o próprio acompanhamento feito pelo mercado, com todas
as eventuais cobranças feitas pelos investidores, já cumpre a função
de mecanismo de aperfeiçoamento das informa­ções divulgadas por
este tipo de emissores, o que, por sua vez, permite uma flexibilização
do monitoramento exercido pela autarquia no momento do registro
das ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários emitidos
por tais companhias.
A documentação que deverá acompanhar o pedido de registro
das ofertas públicas de valores mobiliários emitidos pelas EGEMs
segue o disposto na Instrução CVM nº 400/2003, o que significa que
o formulário de referência deve estar incorporado ao prospecto, na
forma de anexo ou contendo um indicativo da página na rede mun-
dial de computadores no qual ele pode ser encontrado, não podendo
conter informa­ções que alterem o conteúdo do último formulário de
referência entregue pelo emissor à CVM.
A regra que veda a alteração do último formulário de referência
entregue à CVM visa a permitir maior rapidez na análise da oferta,
pois a Autarquia já terá analisado grande parte das informa­ções da
emissora, pelo formulário de referência, de forma que o prazo de 5
(cinco) dias úteis acima mencionado será utilizado para a análise da
oferta e dos valores mobiliários ofertados, bem como para a verificação
de que a companhia emissora realmente pode ser classificada como
EGEM. Assim, dentro deste prazo, a CVM poderá exigir a adequação
das informa­ções prestadas, converter o pedido de registro automático
em ordinário e, ainda, suspender ou cancelar o registro.
Após protocolizado o pedido, a emissora de grande exposição
ao mercado não poderá alterar a documentação apresentada à CVM.

4.4.4. Programa de Distribuição Contínua – PDC


O Programa de Distribuição Contínua – PDC, instituído pela
CVM por meio da Instrução CVM nº 488/2010, foi originalmente

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criado para viabilizar que os bancos múltiplos, os bancos comerciais,


os bancos de investimento e as caixas econômicas73 procedam com
o registro de distribui­ções de letras financeiras74 não vinculadas de
maneira automática.
Segundo o Edital de Audiência Pública CVM nº 08/2010, que
resultou na edição da Instrução CVM nº 488/2010, o PDC foi criado
para tratar especificamente das ofertas públicas de letras financeiras não
vinculadas, porém, a CVM já manifestou a intenção de futuramente
utilizá-lo também para ofertas públicas de outros valores mobiliários,
em especial, aqueles emitidos por companhias que estejam sob regime
prudencial. Neste sentido, o mesmo Edital já fez referência a futuras
altera­ções nas regras que regem o PDC, de modo que este possa
abranger ofertas de certificados de opera­ções estruturadas75.
Na elaboração das normas sobre o PDC, a CVM buscou adaptar
às ofertas de letras financeiras o sistema já em vigor para o registro
automático de ofertas públicas no âmbito das Emissoras com Grande
Exposição ao Mercado – EGEMs76, em vez de criar um novo, de modo
a inibir a insegurança jurídica que poderia surgir de novos conceitos
não familiares aos participantes do mercado, inclusive no âmbito da
própria CVM. Assim, os emissores de letras financeiras devem efetuar,

73 Apesar de também estarem autorizadas a emitir letras financeiras, foi vedado


às sociedades de crédito, financiamento e investimento, companhias
hipotecárias e sociedades de crédito imobiliário a adoção do PDC, pois
a CVM considerou prudente, em um primeiro momento, que o PDC seja
somente utilizado por institui­ções que tenham uma maior experiência com
investidores de varejo, restando às institui­ções proibidas de utilizar o PDC
dois caminhos para promover a distribuição de letras financeiras: (i) a oferta
pública com esforços restritos, conforme a Instrução CVM nº 476/2009; e
(ii) o procedimento de registro ordinário, seguindo o disposto na Instrução
CVM nº 400/2003.
74 Ver item 3.8.7.
75 Tais Certificados, assim como as letras financeiras, também foram criados pela
Medida Provisória nº 472, de 15 de dezembro de 2009 (convertida na Lei nº
12.249, de 11 de junho de 2010). Porém, os referidos certificados ainda não
foram regulamentados pelo Conselho Monetário Nacional – CMN.
76 Ver item 4.4.3.

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inicialmente, o registro do Programa de Distribuição Contínua perante


a CVM. O prazo de análise do pedido de registro do Programa é de 20
(vinte) dias úteis, com exceção dos casos em que a Superintendência
de Registros da CVM – SRE formule exigências adicionais, as quais
deverão ser cumpridas em até 40 (quarenta) dias úteis e analisadas pela
SRE em 10 (dez) dias úteis. Posteriormente, a cada emissão efetuada
no âmbito do Programa previamente registrado, é conferido registro
automático, desde que a CVM não se manifeste em sentido contrário
no prazo de 5 (cinco) dias úteis.
A utilização de procedimento de registro automático acima
mencionado (nos termos dos artigos 6º-A e 6º-B da Instrução CVM
nº 400/2003), confere uma maior celeridade à captação de financia-
mento pelos emissores, permitindo que estes acessem o mercado de
forma imediata.
Outro efeito da adoção do PDC é a possibilidade de registro
de múltiplas séries de letras financeiras, que permite a realização de
várias ofertas de títulos fungíveis entre si. Ou seja, um emissor poderá
fazer – de tempos em tempos e a depender do interesse do mercado
por um certo tipo de letras financeiras – ofertas de uma mesma série
em diferentes momentos no decorrer da vida deste título, de modo a
aumentar o volume financeiro de cada tipo de letra financeira, estimu-
lando assim a liquidez no mercado secundário desses títulos.
Para a concessão de registro de um PDC, a CVM faz uma
distinção entre os emissores de valores mobiliários já registrados e
os ainda não registrados. Os emissores já registrados não terão ônus
adicionais além daqueles que já devem cumprir regularmente. Já para
os não registrados, a CVM determinou que, por ocasião do pedido do
registro, deverão ser apresentados: (i) formulário cadastral da emissora;
(ii) formulário de referência da emissora, nos termos aplicáveis aos
emissores registrados na categoria B; (iii) ato societário da emissora que
aprovou o PDC, se houver; (iv) estatuto social atualizado da emissora;
e (v) determinadas informa­ções sobre os títulos que se planeja inserir

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246 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

no programa, conforme previsto no Anexo X da Instrução CVM nº


400/2003, além de ter que observar as regras da Instrução CVM nº
358/2002 acerca do dever de sigilo e vedação à negociação por pessoas
relacionadas ao emissor, tais como administradores e acionistas con-
troladores e da obrigação de divulgar fatos relevantes e comunicados
ao mercado acerca de seus negócios77.
Por outro lado, os emissores não registrados não são obrigados a
apresentar à CVM o Formulário de Demonstra­ções Financeiras Padro-
nizadas – DFP ou Formulário de Informa­ções Trimestrais – ITR. Devem
simplesmente produzir e manter à disposição dos investidores, em sua
página na rede mundial de computadores e em sua sede, as informa­ções
financeiras trimestrais e as demonstrações financeiras de final de exercício
auditadas, relativas aos últimos 3 (três) exercícios sociais e ao exercício
social em curso, na mesma data da entrega ao Banco Central do Brasil.
Note-se ainda que estão dispensados de publicação em jornais
os Anúncios de Início e de Encerramento da Distribuição de ofertas
públicas realizadas no âmbito do PDC, devendo ser apenas enviados
para a CVM por meio do mecanismo de envio de documentos dis-
ponível no site da autarquia.
Em síntese, a intenção da CVM ao criar o PDC foi atender as
necessidades do mercado de uma maior celeridade no processo de
registro das ofertas de distribuição de letras financeiras, ao mesmo
tempo em que assegura que o público investidor tenha as informa­
ções e dados suficientes para uma decisão abalizada de investimento.

4.5. Consequências da realização de distribuição pública


sem o registro na CVM

A realização de uma distribuição pública de valores mobiliários


sem o prévio registro na CVM, ou sem a divulgação das informa­ções

77 Artigo 48, § 6º, da Instrução CVM nº 400/2003, conforme alterada pela


Instrução CVM nº 553/2013.

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ao público, pode ter consequências relevantes nas esferas administra-


tiva, civil e penal.
Na esfera administrativa, cabe à CVM, em primeiro lugar,
determinar a suspensão ou o cancelamento da oferta pública de dis-
tribuição não registrada, ou mesmo daquela que, embora registrada,
seja considerada fraudulenta ou ilegal, ou nos casos em que a oferta,
a promoção e os anúncios publicitários estejam se processando em
condi­ções diversas das constantes do registro, ou com informa­ções
falsas, dolosas ou substancialmente imprecisas78. O ato suspensivo
tem a natureza de medida cautelar da autoridade administrativa; seu
objetivo é o de sustar, de pronto, a colocação dos valores mobiliários
no mercado, com vistas à proteção dos investidores.
A suspensão e o cancelamento da distribuição podem ser decretados
pela CVM independentemente das medidas punitivas que eventualmente
vierem a ser tomadas em procedimento administrativo sancionador.
A suspensão e o cancelamento da distribuição pública realizada
sem registro ou em condi­ções diversas das constantes do registro ope-
ram efeitos ex tunc, ou seja, retroagem no tempo, tornando ineficazes
os atos de distribuição desde o seu início. Em caso de suspensão, uma
vez corrigidos, pela emissora, os vícios apontados pela CVM (efetivação
do registro ou correção das informa­ções prestadas ao público em de-
sacordo com o registro), pode a autarquia revogar o ato administrativo
suspensivo, permitindo a retomada do processo de distribuição pública.
Note-se, a propósito, que o parágrafo único do artigo 20 da Ins-
trução CVM nº 400/2003 estabelece que terão direito à restituição
integral dos valores, bens ou direitos dados em contrapartida aos valores
mobiliários ofertados: (i) todos os investidores que já tenham aceitado
a oferta, na hipótese de seu cancelamento; e (ii) os investidores que
tenham revogado a sua aceitação, na hipótese de suspensão.
Cumpre ainda à CVM, no exercício de seu poder disciplinar,
instaurar inquérito administrativo para apurar a responsabilidade

78 Lei nº 6.385/1976, artigo 20, e Instrução CVM nº 400/2003, artigo 19.

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administrativa das pessoas envolvidas na distribuição pública sem


registro ou contendo informa­ções incorretas ou falsas.
Na esfera civil, duas questões essenciais devem ser suscitadas. A
primeira refere-se à eventual nulidade de subscrição de valores mo-
biliários emitidos publicamente sem o prévio registro na CVM ou
sem a correta prestação e divulgação das informa­ções requeridas. A
segunda questão diz respeito à responsabilidade civil da companhia e
seus administradores pelos prejuízos causados aos subscritores.
O problema da nulidade da subscrição foi objeto de cuidadoso
exame por parte da antiga Superintendência Jurídica da CVM, tendo-
se entendido que o ato é nulo, de pleno direito, quando não registrada
a distribuição pública79. A nulidade decorre da preterição, no caso, de
formalidade essencial (registro na CVM) à realização de uma oferta
pública. A omissão de tal formalidade prévia configura vício de forma,
a contaminar todos os atos subsequentes, inclusive o da subscrição.
A subscrição de valores mobiliários publicamente emitidos constitui
uma fattispecie complexa de formação sucessiva, iniciando-se com a
deliberação da companhia e encerrando-se com o arquivamento na
Junta Comercial da ata da AGE de homologação do aumento de
capital80. Há, portanto, uma cadeia de atos, de modo que a invalidade
de qualquer um deles contamina todos os demais, por conexão.
No caso de oferta pública realizada por companhia fechada, a
nulidade da subscrição decorre não só do vício de forma como também
de ilicitude do objeto, posto que somente as companhias abertas po-
dem emitir publicamente valores mobiliários. Já o caso de distribuição
pública realizada por companhia aberta, sem registro da distribuição
na CVM, a nulidade deflui do vício de forma. Em qualquer dos casos

79 Parecer CVM/SJU nº 088/79.


80 Segundo Mauro Rodrigues Penteado, o procedimento de aumento de capital
pode ser qualificado como vinculado ou formal, no sentido de que pressupõe
a estrita observância dos requisitos e formalidades previstos na lei. MAURO
RODRIGUES PENTEADO. Aumentos de Capital das Sociedades Anônimas,
2ª edição. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 186-191.

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pode, portanto, o subscritor pleitear a decretação de nulidade do ato,


bem como a devolução dos valores pagos à companhia.
Além disso, o ofertante responde civilmente pelos prejuízos causa-
dos aos subscritores ou adquirentes, não se exigindo destes a produção
de prova de culpa ou dolo daqueles. No caso da distribuição pública
sem registro, ou sem adequada divulgação de informa­ções, presume-se
a culpa do ofertante, salvo prova em contrário. Ofertados os valores
mobiliários mediante os meios caracterizadores da distribuição pú-
blica, presume-se que o investidor imaginasse se tratar a emissora de
companhia aberta, ou de distribuição registrada na CVM, ou, ainda,
de informa­ções adequadamente prestadas.
O ofertante, para se eximir da responsabilidade civil, deve de-
monstrar que a oferta era privada ou que as informa­ções foram coloca-
das à disposição dos investidores ou, ainda, que estes não necessitavam
da proteção conferida pelo registro. Quando caracterizada a efetiva
distribuição pública a investidores comuns, resta apenas ao ofertante
provar que o investidor tinha conhecimento dos fatos, ou seja, que
sabia que a companhia era fechada ou que a distribuição não havia
sido registrada, não tendo sido ele, portanto, enganado.
Finalmente, o artigo 7º da Lei nº 7.492/1986, que disciplina os
crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, sanciona penalmente,
entre outras, a conduta de quem emite, oferece ou negocia valores
mobiliários sem registro prévio junto à autoridade competente, em
condi­ções divergentes das constantes do registro, ou irregularmente
registrados81_82.

81 Assim dispõe o artigo 7º da Lei nº 7.492/1986: “Art. 7º. Emitir, oferecer ou


negociar, de qualquer modo, títulos ou valores mobiliários: I – falsos ou
falsificados; II – sem registro prévio de emissão junto à autoridade competente,
em condi­ções divergentes das constantes do registro ou irregularmente
registrados; III – sem lastro ou garantia suficientes, nos termos da legislação;
IV – sem autorização prévia da autoridade competente, quando legalmente
exigida. Pena – Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.”
82 Nesse sentido, a ACR 1993.51.01.036184-7, Rel. Des. Federal André Fontes,
Segunda Turma Especializada do TRF 2ª Região, j. 20.03.2006. Nela, foi

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250 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

reconhecida a incidência de todos os recorrentes no tipo previsto no art. 6º,


Lei nº 7.492/1986 (“Induzir em erro, sócio, investidor ou repartição pública
competente, relativamente a operação ou situação financeira, sonegando-lhe
informação ou prestando-a falsamente.”). Isto porque os acusados omitiram da
CVM e dos investidores a existência de contrato de contragarantia paralelo ao
de underwriting, considerada informação relevante. Destaca o acórdão: “[...] o
dever legal de prestar as informações relevantes à CVM e ao mercado também
é das intermediárias e não se restringe à líder. [...] [A]s normas expedidas pela
CVM sobre a matéria informam que a líder deve desempenhar esse papel de
informar e até orientar a emissora sobre a importância de comunicar todas as
circunstâncias que influem na operação, atentando-­se para a total veracidade
das informações. No entanto, essa responsabilidade não exclui o dever da
companhia emissora e das demais financeiras envolvidas. In casu, constata­-
se que os underwriters destinatários das contragarantias tinham consciência
de que essas foram prestadas no deliberado intuito de que a existência
das mesmas não fosse informada. Por outro lado, se algum ou alguns dos
recorrentes que atuaram a frente dessas intermediárias alegam não terem o
conhecimento dessas contragarantias desde o início, aos mesmos cumpria
informar sobre esse fato assim que fosse de seu conhecimento.”

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V
Underwriting

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5.1. A atuação dos underwriters


A possibilidade de as companhias emitirem valores mobiliários
visando a captação de recursos junto à generalidade dos investidores,
para o financiamento de suas atividades e projetos de desenvolvimento,
constitui a função econômica básica do mercado de capitais.
Com efeito, o mercado de capitais constitui o único canal que as
companhias podem utilizar para captar recursos existentes na poupança
popular. Para ter acesso a tais recursos, as companhias devem promo-
ver a emissão pública de seus valores mobiliários, a qual, conforme
previsto no artigo 19, § 4º, da Lei nº 6.385/1976, e artigo 3º, § 2º,
da Instrução CVM nº 400/2003, pressupõe, entre outros requisitos,
a prévia autorização da CVM e a intermediação de uma instituição
financeira na colocação dos valores mobiliários junto aos investidores1.
Aliás, a distribuição pública de valores mobiliários sem a inter-
mediação de instituição financeira é considerada infração grave, de
acordo com o disposto no artigo 59 da Instrução CVM nº 400/2003,
sujeitando os infratores às penalidades previstas no artigo 11 da Lei
nº 6.385/1976.
A atuação das institui­ções financeiras na intermediação da cap-
tação de recursos para as companhias, negócio jurídico denominado
de underwriting, configura, assim, uma das principais atividades de-
senvolvidas no mercado de capitais.

1 A intermediação ou corretagem de valores mobiliários depende de prévia


autorização da CVM (Art. 16, Lei nº 6.385/1976). No entanto, até recentemente,
não havia manifestação expressa e específica acerca da necessidade de
registro no caso de uso da Internet por intermediários estrangeiros nas ofertas
de valores mobiliários; ou por intermediários nas ofertas de valores emitidos
no exterior. Por meio dos Pareceres de Orientação nos 32/2005 e 33/2005 a
CVM, então, expressou-se no sentido de que devem se submeter ao registro e
fiscalização da autarquia: (a) as intermediárias que ofertam valores mobiliários,
via Internet, a investidores residentes no Brasil, a menos que a oferta seja
privada, o que é avaliado consoante determinados requisitos preenchidos
pela página virtual na oferta; e (b) as intermediárias estrangeiras que ofertam
publicamente valores mobiliários a investidores residentes no Brasil.

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254 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

As companhias, em regra, não apresentam capacidade profissional


nem experiência para apelar diretamente à poupança popular. Também
não desejam assumir os riscos inerentes à venda ao público dos valo-
res mobiliários que emitem. Por estas razões, contratam institui­ções
financeiras especializadas para procederem à distribuição pública de
a­ções, debêntures ou outros valores mobiliários de sua emissão.
Ao decidirem captar recursos junto ao público investidor, me-
diante a venda de valores mobiliários de sua emissão no mercado de
capitais, as companhias procuram se defender de certos riscos inerentes
à colocação pública de valores mobiliários2.
A propósito, vale lembrar que o termo underwriter, consagrado no
Direito inglês e norte-americano, foi tomado de empréstimo da legis-
lação sobre seguros, em que era inicialmente utilizado para se referir à
atividade dos indivíduos ou das empresas que “seguravam” o emissor
dos papéis contra as perdas provenientes do insucesso da colocação3.
O primeiro de tais riscos é o chamado “risco de espera” (waiting
risk), referente ao lapso temporal que transcorre entre o momento em
que a companhia verifica a necessidade de captar recursos, projeta a
operação e atende às exigências legais e administrativas, e a data do
efetivo lançamento dos títulos no mercado. Durante esse interregno, é
possível que as condi­ções do mercado sejam substancialmente afetadas
por questões políticas, econômicas ou de outra índole que impeçam
que a oferta pública seja levada a cabo ou que dificultem a colocação
dos títulos perante os investidores4.

2 ERNEST BLOCH. Inside Investment Banking, 2nd. ed. Homewood: Beard


Books, 1989, pp. 248 et seg.; ALEJANDRO FERNÁNDEZ DE ARAOZ. “Entidades
Colocadoras y Comercializadoras”. In: FERNANDO SÁNCHEZ CALERO (org.).
Régimen Jurídico de las Emisiones y Ofertas Públicas de Venta (OPVs) de
Valores. Madrid: Centro de Documentación Bancaria y Bursátil, 1995, p. 835.
3 RICHARD W. JENNINGS, HAROLD MARSH, JOHN C. COFFEE JR. Securities
Regulation – Cases and Materials 17th edition. New York: The Foundation
Press, 1992, p. 88.
4 Na Espanha, há vários exemplos de ofertas públicas de venda de grandes
dimensões que, quando estavam a ponto de serem concretizadas, tiveram que

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Há também o risco proveniente da fixação do preço de lança-


mento dos títulos (pricing risk), que deve ser objeto de acurada análise,
não somente por conta da complexidade técnica relativa à valoração –
especialmente no caso de ofertas públicas primárias, já que os papéis a
serem emitidos não apresentam cotação no mercado secundário – mas
principalmente por causa do conflito por que passa toda companhia
emissora entre, por um lado, obter o maior preço possível e, por outro,
estabelecer um preço que seja atrativo para os investidores. Com efeito,
a determinação de um preço muito baixo fará com que a companhia
capte volume menor de recursos do que teria condi­ções, ao passo que
um preço muito alto poderá comprometer a colocação.
Por fim, há o risco de distribuição pública dos títulos (marketing
risk), resultante das dificuldades de venda dos papéis por quem não
dispõe de uma estrutura especializada e não tem condi­ções de prever
como evoluirá o mercado. Os underwriters, ao contrário da companhia
emissora, possuem o chamado “poder de colocação” (placing power)
que lhes garante expertise na distribuição dos valores mobiliários, haja
vista a estrutura profissional de que dispõem5_6.

ser canceladas tendo em vista a ocorrência de acontecimentos imprevistos, de


importantes consequências para os mercados de capitais internacionais, como
foi, por exemplo, a Guerra do Golfo Pérsico em 1991. ALEJANDRO FERNÁNDEZ
DE ARAOZ. “Entidades Colocadoras y Comercializadoras”. In: FERNANDO
SÁNCHEZ CALERO (org.). Régimen Jurídico de las Emisiones y Ofertas
Públicas de Venta (OPVs) de Valores. Madrid: Centro de Documentación
Bancaria y Bursátil, 1995, p. 839.
5 ALEJANDRO FERNÁNDEZ DE ARAOZ. “Entidades Colocadoras y
Comercializadoras”. In: FERNANDO SÁNCHEZ CALERO (org.). Régimen
Jurídico de las Emisiones y Ofertas Públicas de Venta (OPVs) de Valores.
Madrid: Centro de Documentación Bancaria y Bursátil, 1995, p. 841.
6 “O intermediário deve fazer as vezes de uma contraparte negocial na emissão
de valores mobiliários. Como, normalmente, nenhum dos investidores
terá tempo ou recursos disponíveis para investigar o emissor, cabe ao
intermediário assumir essa função, simulando uma negociação entre partes
independentes. Além disso, os investidores poderão contar com um potencial
responsável civil adicional ao emissor caso sofram prejuízo.” (GABRIEL SAAD
KIK BUSCHINELLI. Arts. 19 & 20. In: GABRIELA CODORNIZ, LAURA PATELLA
(Coord.). Comentários à Lei do Mercado de Capitais – Lei nº 6.385/76. São
Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 420-421).

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Dos três riscos listados, a companhia emissora somente costuma


incorrer no risco “de espera”, visto que os dois outros riscos são ge-
ralmente assumidos pela instituição financeira contratada para atuar
como “underwriter” na distribuição pública dos títulos. Em regra, a
instituição financeira underwriter assume, profissionalmente, por meio
da cobrança de comissões, os riscos provenientes da determinação do
preço dos valores mobiliários, assim como os riscos decorrentes de
eventual insucesso na colocação pública de tais títulos7.
A função econômica fundamental do underwriter é a de servir
como um elo de aproximação entre a empresa que emite publica-
mente os títulos e os investidores, prestando assessoria à companhia
emissora em todas as etapas do lançamento ao público de seus valores
mobiliários.
Em um primeiro momento, o underwriter realiza um estudo de
viabilidade econômica da distribuição pública, levando em consi-
deração as características da companhia emissora e de seus papéis e
as condi­ções do mercado de capitais na ocasião em que se pretende
proceder à colocação. Posteriormente, uma vez tendo a companhia
decidido efetivamente emitir seus valores mobiliários publicamente,
o underwriter desenvolve, em conjunto com a companhia, a monta-
gem da operação, examinando o volume de títulos e as condi­ções de
liquidez do mercado para tais papéis, bem como as possibilidades de
sua absorção por parte do público investidor.
Em seguida, deverá o underwriter assistir a empresa em todas
as fases do desenvolvimento da operação: convocação e realização da
Assembleia Geral ou da reunião do Conselho de Administração; re-
gistros perante a CVM; elaboração do prospecto de venda e de outros
documentos publicitários distribuídos ao público.

7 NELSON EIZIRIK. “Negócio Jurídico de Underwriting: Questões Contemporâneas”.


In: ECIO PERIN JUNIOR, DANIEL KALANSKY, LUIS PEYSER (coords.). Direito
Empresarial: aspectos atuais de Direito Empresarial brasileiro e comparado.
São Paulo: Editora Método, 2005, p. 250.

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Uma vez montada a emissão e registrada na CVM, compete


ao underwriter desenvolver o processo de efetiva colocação pública
dos valores mobiliários, nos termos e condi­ções contratados com a
companhia emissora.

5.2. As modalidades de underwriting


O artigo 19, § 4º, da Lei nº 6.385/1976, dispõe que a emissão
pública de valores mobiliários somente poderá ser colocada no mer-
cado através do sistema de distribuição, disciplinado no artigo 15 da
mesma Lei.
Nos termos do artigo 15, inciso I, da Lei nº 6.385/1976, o sistema
de distribuição compreende, dentre outras, as institui­ções financeiras e
demais sociedades que tenham por objeto distribuir a emissão de valo-
res mobiliários, seja como agentes da companhia emissora (artigo 15,
inciso I, alínea “a”), seja por conta própria, subscrevendo ou comprando
a emissão para colocar no mercado (artigo 15, inciso I, alínea “b”).
As alíneas do inciso I do artigo 15 da Lei nº 6.385/1976 eviden-
ciam as duas modalidades essenciais de underwriting existentes no
mercado de capitais – underwriting firme e underwriting de melhor
esforço – as quais se distinguem em função da natureza das atribui­
ções e responsabilidades assumidas pela instituição intermediária em
uma colocação pública de valores mobiliários.
No underwriting firme (straight, ou “com garantia de subscrição
total”), a instituição financeira assume o compromisso de subscrever
a totalidade dos valores mobiliários para posterior revenda ao público.
No caso, o underwriter assume o risco integral da colocação, uma vez
que, enquanto subscritor, torna-se titular dos valores mobiliários, não
podendo devolvê-los à companhia emissora, ou dela receber qualquer
compensação, na hipótese de insucesso da colocação pública. Assim, o
underwriter subscreve a emissão, pagando de imediato à companhia a

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258 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

importância respectiva e depois passa a colocar os valores mobiliários


subscritos junto ao público.
Na prática do nosso mercado, o “firme” tem consistido na obriga-
ção do underwriter de garantir a liquidação das subscrições dos títulos,
realizadas por investidores previamente determinados por meio de
bookbuilding. Dessa forma, os riscos para o intermediário são mini-
mizados consideravelmente, uma vez que, antes mesmo da emissão,
já se estipulam os agentes que irão subscrever e integralizar as ações8.
A garantia oferecida pelo underwriter tem sido denominada “garantia
firme de liquidação”, pois, caso as ações objeto da garantia subscritas
ou adquiridas pelos investidores não forem totalmente integralizadas
ou pagas, o intermediário deverá subscrever e integralizá-las9.
Por outro lado, no underwriting de melhor esforço (best effort ou
“sem garantia de subscrição”), compromete-se o underwriter apenas a
realizar os seus “melhores esforços” para colocar os títulos, não se obri­
gando a adquiri-los na hipótese de insucesso da distribuição pública.
Ou seja, o que existe, na realidade, é um contrato de mera distribuição
de valores mobiliários, não se obrigando o underwriter, em qualquer
momento, a adquirir os títulos.
Além destas duas modalidades básicas, também se costuma
mencionar o underwriting residual (stand by ou “com garantia de
sobras”), no qual o underwriter assume a obrigação de subscrever as
sobras, após a colocação dos títulos junto aos acionistas da companhia
ou no mercado. Ou seja, o underwriter faz um esforço de colocação,
subscrevendo posteriormente os valores mobiliários não vendidos ao

8 NELSON EIZIRIK, DAVID SCHECHTMAN. Notas sobre o “underwriting” firme.


In: FELIPE HANSZMANN. Atualidades em Direito Societário e mercado de
capitais, volume II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, pp. 342-345.
9 Como exemplos, os prospectos de emissão de ações da Companhia de
Saneamento de Minas Gerais (Copasa MG) de 23 de abril de 2008 e Movida
Participações S.A. de 6 de fevereiro de 2017, citados por NELSON EIZIRIK,
DAVID SCHECHTMAN. Notas sobre o “underwriting” firme. In: FELIPE
HANSZMANN. Atualidades em Direito Societário e mercado de capitais,
volume II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.

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público. O underwriting “residual” constitui, em verdade, uma espécie


de underwriting com garantia firme, com a única diferença de que, no
caso, o underwriter primeiro procede a um esforço de colocação junto
ao público, para, ao final do período de distribuição pública, subscrever
os valores mobiliários que não logrou vender. Em um mesmo contrato
podem ser combinadas as duas modalidades de underwriting. Assim,
existem, na prática do mercado de capitais, contratos em que o un-
derwriter presta garantia firme com relação a uma parte da emissão e
compromete-se a envidar seus “melhores esforços” para colocar a outra
parte perante os investidores.

5.3. O consórcio de underwriters


A operação de underwriting pode ser efetuada por uma única
instituição financeira ou por um conjunto delas, atuando como um
consórcio de underwriters. A colocação pública de uma oferta de valores
mobiliários por meio de um consórcio de underwriters é expressamente
admitida pela nossa legislação desde a Lei nº 4.728/1965 (artigo 15) e
foi confirmada pela Instrução CVM nº 400/2003, cujo artigo 34 dispõe
que “as Institui­ções Intermediárias poderão se organizar sob a forma
de consórcio com o fim específico de distribuir os valores mobiliários
no mercado e/ou garantir a subscrição da emissão”.
A formação do consórcio, em termos econômicos, justifica-se
quando a colocação pública envolve montante expressivo de valores
mobiliários, cuja distribuição, por uma única instituição financeira,
poderia representar risco excessivo para o underwriting.
Mediante a formação dos consórcios, os underwriters podem pul-
verizar o risco decorrente de um eventual insucesso de uma colocação
objeto de garantia firme, na medida em que esta for prestada por mais
de uma instituição, bem como aumentar as possibilidades de as a­ções
serem distribuídas com sucesso, uma vez que se estará ampliando os
canais de contato com os investidores.

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260 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Dessa forma, tratando-se de emissões de elevado valor, as institui­


ções financeiras, visando a reduzir os riscos potenciais de insucesso
da colocação, normalmente constituem um consórcio de underwriters,
ao qual se aplicam as regras gerais previstas nos artigos 278 e 279 da
Lei das S.A., bem como aquelas estabelecidas, especificamente para
disciplinar o consórcio de underwriters, no artigo 34 da Instrução
CVM nº 400/2003.
O consórcio de underwriters constitui um contrato de colaboração
entre institui­ções financeiras, mediante o qual elas conjugam esforços
com vistas à viabilização de determinado empreendimento, consistente
na colocação dos títulos emitidos por uma companhia.
A “duração” do consórcio (artigo 279, inciso III, da Lei nº
6.404/1976) está condicionada à execução do empreendimento que
constitui seu objeto, não necessariamente a um lapso de tempo pre-
determinado. Assim, o consórcio de underwriters, cujo fim específico
é o de garantir a subscrição e/ou distribuir os valores mobiliários no
mercado, normalmente não apresenta um prazo prefixado, extinguin-
do-se apenas quando estiver concluído o empreendimento, isto é,
quando cumpridas as obriga­ções das consorciadas.
Constituindo o consórcio um contrato de natureza plurilateral, a
falência de uma consorciada não se estende às demais, subsistindo o
consórcio com as outras contratantes, conforme expressamente dispõe
o artigo 278, § 2º, da Lei das S.A.. No consórcio de underwriters, assim,
a intervenção ou a liquidação extrajudicial de uma das institui­ções
financeiras consorciadas acarreta apenas a sua retirada do consórcio, o
qual, porém, permanece íntegro em relação aos demais participantes.
Caracteriza, dito consórcio, uma relação obrigacional múltipla,
uma vez que se constitui de tantas obrigadas quantas forem as institui­
ções financeiras que participam da colocação. Trata-se de caso típico
de aplicação do princípio da divisibilidade das obriga­ções, conforme
dispõe o artigo 257 do Código Civil. No contrato de underwriting, em

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princípio, a companhia emissora somente pode exigir de cada membro


do consórcio o cumprimento da sua quota.
Vale dizer, os membros do consórcio obrigam-se nas condi­ções do
contrato de underwriting, respondendo cada um por suas obriga­ções,
sem presunção de solidariedade. A cada underwriter correspondem
presta­ções específicas e cada um deles obriga-se pela subscrição e/
ou colocação de um determinado montante de títulos. Não pode o
credor exigir-lhe o cumprimento integral das obriga­ções assumidas
conjuntamente por todas as institui­ções integrantes do consórcio, visto
que a responsabilidade de cada consorciado, em princípio, corresponde
ao montante de risco assumido no contrato10.
As cláusulas relativas ao consórcio deverão ser formalizadas no pró-
prio contrato de underwriting firmado entre as institui­ções intermediárias
e o ofertante dos valores mobiliários que serão publicamente colocados11.
Não há, portanto, um instrumento contratual de consórcio celebrado
exclusivamente pelas consorciadas, apartado do contrato de underwriting.
No contrato de distribuição deve ser indicada a instituição fi-
nanceira que ocupará o papel de líder do consórcio, a qual assumirá
obriga­ções adicionais e atuará como representante do consórcio frente
à CVM, à companhia emissora e aos investidores. Assim, deve constar
do contrato a outorga de poderes de representação das institui­ções
intermediárias consorciadas ao líder da distribuição.
Constituem obriga­ções específicas do coordenador líder na co-
locação pública dos valores mobiliários: (i) avaliar, em conjunto com
o ofertante, a viabilidade da distribuição, suas condi­ções e o tipo de
contrato de distribuição a ser celebrado; (ii) solicitar, juntamente com
o ofertante, o registro de distribuição devidamente instruído, asses-
sorando-o em todas as etapas da distribuição; (iii) remeter à CVM,
mensalmente, relatórios indicativos do movimento de distribuição

10 Lei das S.A., artigo 278, § 1º e Instrução CVM nº 400/2003, artigo 34, § 3º.
11 Instrução CVM nº 400/2003, artigo 34, § 1º.

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262 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

pública dos valores mobiliários; (iv) participar ativamente, em conjunto


com o ofertante, na elaboração dos prospectos preliminar e definitivo
e na verificação da consistência, da qualidade e da suficiência das
informa­ções dele constantes; (v) acompanhar e controlar o plano de
distribuição da oferta; (vi) controlar os boletins de subscrição ou os
recibos de aquisição; e (vii) guardar, por 5 (cinco) anos, à disposição
da CVM, toda a documentação relativa ao processo de registro de
distribuição pública e de elaboração do prospecto12.
Normalmente, o contrato de underwriting prevê que, a critério da
consorciada líder, ou das várias coordenadoras, poderão participar da
colocação outras instituições financeiras que não o tenham celebrado,
as quais são normalmente denominadas como sub-underwriters.
Neste caso, os sub-underwriters devem, por meio de instrumento
firmado com a instituição líder, aderir aos termos do contrato celebrado
com a companhia emissora, o que, de acordo com o § 2º do artigo 34
da Instrução CVM nº 400/2003, somente pode ocorrer até a data da
obtenção do registro da oferta na CVM.

5.4. Qualificação jurídica do contrato de underwriting


O contrato de underwriting, na prática do mercado, usualmente
recebe a denominação de “contrato de garantia de colocação” no caso
do underwriting com garantia firme, ou de “contrato de colocação”,
quando a instituição financeira assume apenas a obrigação de empe-
nhar seus melhores esforços para vender os títulos.
O contrato de underwriting caracteriza-se como um ajuste bila-
teral, não solene, comutativo e de trato sucessivo. É bilateral porque
gera obriga­ções para a companhia emissora e para o underwriter. Não
solene, por inexistir qualquer formalidade específica para a sua concre-
tização. É um contrato comutativo, na medida em que as presta­ções dos
contratantes são de antemão conhecidas e compensam-se umas com as

12 Instrução CVM nº 400/2003, artigo 37.

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outras, cabendo ao underwriter receber as comissões negociadas e, em


contrapartida, realizar as presta­ções certas e determinadas pactuadas
com o ofertante. Constitui ainda um contrato de trato sucessivo, uma
vez que as presta­ções são executadas em etapas, de modo contínuo, até
o encerramento do período de distribuição dos valores mobiliários13.
O contrato deve conter obrigatoriamente as seguintes cláusulas:
(i) a qualificação da empresa emissora, da instituição líder e das de-
mais institui­ções intermediárias envolvidas na distribuição, se for o
caso; (ii) a menção à Assembleia Geral Extraordinária ou reunião do
Conselho de Administração que autorizou a emissão; (iii) o regime de
colocação dos valores mobiliários; (iv) o total de valores mobiliários
objeto do contrato, devendo ser mencionada a forma, valor nominal,
se houver, preço de emissão e condi­ções de integralização, vantagens
e restri­ções, especificando, inclusive, aquelas decorrentes de eventuais
decisões da Assembleia ou do Conselho de Administração que deli-
berou o aumento; (v) as condi­ções de revenda dos valores mobiliários
pela instituição líder ou pelas demais institui­ções intermediárias en-
volvidas na distribuição, no caso de regime de colocação com garantia
firme; (vi) a remuneração da instituição líder e demais institui­ções
intermediárias envolvidas na distribuição, discriminando as comissões
devidas; (vii) descrição do procedimento adotado para distribuição;
e (viii) a menção a contratos de estabilização de preços e de garantia
de liquidez, se houver14.
Ademais, o contrato de underwriting deve especificar todas as
modalidades de remuneração devidas pelo ofertante, ainda que indi-
retas, devendo dele constar, ainda, a política de desconto e/ou repasse
concedido aos investidores, se for o caso, suportado pelas institui­ções
intermediárias.

13 NELSON EIZIRIK. “Negócio Jurídico de Underwriting: Questões Contem-


porâneas”. In: ECIO PERIN JUNIOR, DANIEL KALANSKY, LUIS PEYSER (coords.).
Direito Empresarial: aspectos atuais de Direito Empresarial brasileiro e
comparado. São Paulo: Editora Método, 2005, p. 253.
14 Artigo 33 e Anexo VI da Instrução CVM nº 400/2003.

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Caso venha a ser formado um consórcio, o contrato celebrado


entre os underwriters e a companhia emissora deve prever expres-
samente qual a instituição financeira líder, isto é, aquela que atuará
como representante das consorciadas frente à companhia e à CVM.
Cabe ainda, na hipótese do consórcio, discriminar com precisão qual
a remuneração devida, e a que título, às diversas categorias de com-
ponentes (coordenadores, colíderes e sub-underwriters), bem como as
obrigações específicas de cada parte, especialmente no que se refere
ao montante de valores mobiliários que cada consorciado obrigou-se
a colocar.
As referidas disposi­ções constituem, evidentemente, as cláusulas
mínimas. Além delas, também podem integrar o contrato de under-
writing, em consonância com o princípio da autonomia da vontade,
quaisquer outras cláusulas que venham a ser acordadas pelas partes.

5.5. Responsabilidade do underwriter frente ao ofertante


A obrigação assumida pelo underwriter perante o ofertante pode
ser de meio ou de resultado, em função da modalidade de underwriting
contratada.
Nas obriga­ções de meio, considera-se que o devedor tem a obri-
gação geral de prudência e de diligência que incumbe ao bonus pater
familiae. Assim, são de meio as obriga­ções assumidas pelo médico e
pelo advogado, por exemplo, em relação aos seus clientes, na medida
em que devem tomar todas as medidas necessárias para atendê-los
da melhor forma possível, não se comprometendo, porém, com o
resultado, qual seja, a efetiva cura de determinado mal ou o sucesso
em uma disputa.
Já nas obriga­ções de resultado, o devedor tem a obrigação espe-
cífica de alcançar um resultado certo e determinado. Assim, são de
resultado as obriga­ções assumidas pelo transportador e pelo depositá-
rio, aos quais incumbe, respectivamente, conduzir em segurança algo

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 265

ou alguém até o seu destino, e custodiar e devolver os bens recebidos


em depósito.
No underwriting de melhor esforço, tipicamente a obrigação do
underwriter perante o ofertante é de meio, haja vista que não se com-
promete com o sucesso de operação, ou seja, com a efetiva colocação
de todos os valores mobiliários.
Já no underwriting com garantia (firme ou stand by), poderia ser
entendido que a obrigação do underwriter perante o ofertante dos
valores mobiliários é de resultado, na medida em que existe, para o
credor da prestação a certeza de que os todos os títulos serão colo-
cados ou subscritos pela instituição financeira. Comprometer-se-ia o
underwriter, no caso, com o resultado da operação, qual seja, com a
efetiva subscrição da totalidade da emissão.
No entanto, não se pode classificar a obrigação do underwriter
com garantia firme como de resultado. A obrigação principal desse
contrato não é um resultado, não é apenas subscrever os valores mo-
biliários objeto da colocação pública, mas consiste em um conjunto
de procedimentos, estes sim visando a um fim específico.
A obrigação de meio ou de resultado não é definida pelo modo
que é adimplida, mas pelo ânimo das partes no momento de seu
acordo15. Do contrário, caso o modo de execução divergisse do pac-
tuado, isto modificaria a natureza da obrigação. A obrigação de meio é
aquela na qual as partes, ao acertarem uma obrigação de fazer, tinham
a expectativa de que esta só poderia ser considerada adimplida pela

15 “A categorização de uma obrigação não depende do modo de seu


adimplemento. Este é consequência da categoria de obrigação, não o
oposto; uma obrigação inadimplida não tem sua natureza alterada. Tratando
temporalmente, uma obrigação tem sua natureza definida no momento que
surge, somente podendo seu adimplemento ser confirmado em momento
futuro.” NELSON EIZIRIK, DAVID SCHECHTMAN. Notas sobre o “underwriting”
firme. In: FELIPE HANSZMANN. Atualidades em Direito Societário e mercado
de capitais, volume II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 346.

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266 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

consecução de diversos meios a fim de atingir determinado resultado,


sem que haja comprometimento de atingi-lo16.
Por isso, não se pode classificar a obrigação principal do under-
writer firme como de resultado. O emissor busca, com o contrato,
não a mera subscrição dos ativos pelo intermediário. Pelo contrário:
pretende atingir uma série de objetivos, como a aquisição de capital;
a diminuição e eficiente alocação de riscos da emissão; e a dispersão
dos valores no mercado, todos os quais devem ser cumpridos pelo un-
derwriter para que haja o adimplemento do contrato. Daí a conclusão
de que se trata de obrigação de meio17.
Constituindo o contrato de underwriting um ajuste mediante
o qual se busca viabilizar uma distribuição pública de valores mobi-
liários, sujeita ao permanente controle da CVM, não se admite a sua
resilição por mero capricho das partes. Assim, a irrevogabilidade e a
irretratabilidade são da essência do contrato de underwriting18.
Tal característica decorre do fato de a natureza da obrigação
assumida pelo underwriter perante a companhia emissora constituir

16 Mudamos nossa orientação, como se vê em NELSON EIZIRIK, DAVID


SCHECHTMAN. Notas sobre o “underwriting” firme. In: FELIPE HANSZMANN.
Atualidades em Direito Societário e mercado de capitais, volume II. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2017, pp. 342-345.
17 “[T]ratando das consequências materiais, a adoção do posicionamento
sugerido permite uma solução mais estável para os casos relacionados.
Imagina-se o caso extremo de uma instituição intermediária com contrato de
underwriting firme que, por dolo, deixou de sequer exercer qualquer esforço
de venda para a emissão, adquirindo-a toda para si. Se tratada como obrigação
de resultado o underwriting firme, em estrito senso, estaria o underwriter isento
de qualquer responsabilidade, uma vez que o contrato estaria cumprido,
porém, seria possível aplicar a doutrina de boa-fé para resolver o caso e decidir
pelo inadimplemento da obrigação.” NELSON EIZIRIK, DAVID SCHECHTMAN.
Notas sobre o “underwriting” firme. In: FELIPE HANSZMANN. Atualidades em
Direito Societário e mercado de capitais, volume II. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2017, p. 354.
18 NELSON EIZIRIK. “Negócio Jurídico de Underwriting: Questões
Contemporâneas”. In: ECIO PERIN JUNIOR, DANIEL KALANSKY, LUIS PEYSER
(coords.). Direito Empresarial: aspectos atuais de Direito Empresarial
brasileiro e comparado. São Paulo: Editora Método, 2005, p. 254.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 267

elemento relevante na tomada de decisão dos investidores quanto à


aceitação ou não da oferta.
De fato, o investidor, ao tomar conhecimento de que um banco
de sólida reputação prestou garantia firme em determinada emissão
pública de valores mobiliários, levará tal informação em conta, como
um fator importante para a decisão de adquirir tais títulos.
Na prática dos negócios, conforme já reconhecido pela doutri-
na , o underwriter dá credibilidade à colocação pública dos títulos,
19

emprestando-lhe sua chancela.


Tão relevante é a participação do underwriter na colocação da
oferta perante os investidores, especialmente nos casos de garantia
firme, que a jurisprudência já considerou que constitui crime, tipifi-
cado no artigo 6º da Lei nº 7.492/198620, a não divulgação à CVM e
ao mercado da prestação de uma contragarantia aos underwriters por
parte do controlador da companhia emissora, por meio da qual este
se obrigava a recomprar o saldo dos títulos não colocados perante o
mercado21.

19 E. ARNOULD, J. P. LAMAIRE. Euro Emissions – Nouvelles Prospectives


Bancaires Internationales. Paris: Maison Marme, 1972, p. 101.
20 “Art. 6º Induzir ou manter em erro sócio, investidor, ou repartição pública
competente, relativamente à operação ou situação financeira, sonegando-
lhes informação ou prestando-a falsamente: Pena: reclusão, de 2 (dois) a 6
(seis) anos, e multa.”
21 “Se a sociedade anônima emite em favor de algumas financeiras intermediárias,
‘underwriters’, cartas contendo compromisso equivalente à contragarantia em
relação à cláusula de garantia firme prestada, sobre a qual foi montada toda
a operação, tal informação constitui informação relevante à confiabilidade
da operação, que, omitida, caracteriza o crime previsto no art. 6º da Lei
7.492 de 1986, crime de mera conduta, não exigindo, pois, efetivo prejuízo
ao mercado para sua configuração. A omissão intencional da contragarantia
firmada pela sociedade emissora com vistas a minimizar os riscos assumidos
pelas financeiras prestadoras da garantia firme, cláusula que, integrando o
contrato levado ao conhecimento geral, inspira maior confiança do público
investidor, conforme se depreende de toda a instrução, caracteriza o dolo
do crime mencionado”. Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Apelação
Criminal nº 3671, Rel. Des. André Fontes, j. 16.05.2006.

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268 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Em princípio, o contrato de underwriting é irrevogável e irre-


tratável, por viabilizar a captação da poupança popular, tanto que,
após o início da distribuição, somente poderá ser alterado mediante
prévia autorização da CVM e apenas em relação: (i) à remuneração
paga pelo ofertante; (ii) ao procedimento de distribuição; (iii) à al-
teração das condi­ções de distribuição, no que se referem à emissora
ou ofertante; (iv) à exclusão ou redução de garantia de distribuição
dos valores mobiliários no mercado (garantia firme) pelas institui­ções
intermediárias contratadas; e (v) à substituição ou exclusão de institui­
ções intermediárias22.
Cabe à CVM agir com cautela na apreciação de eventuais pedidos
de alteração do contrato de underwriting, especialmente no que se
refere ao regime de garantia prestado pelas institui­ções intermediárias,
admitindo a sua modificação em circunstâncias excepcionais, em que
fique demonstrado que a exclusão ou a redução da garantia firmada,
mesmo após o início da distribuição, não acarretará qualquer prejuízo
aos investidores.
Há determinados fatos ou eventos que podem ensejar a rescisão
do contrato ou a alteração das bases originalmente pactuadas. Inicial-
mente, no caso de ser negado o registro pela CVM é evidente que o
contrato perde o seu objeto, cabendo então a sua rescisão.
Ademais, é possível a rescisão do contrato de underwriting diante
de eventos que se caracterizam como caso fortuito ou de força maior,
incluindo-se em tal categoria tanto os fatos naturais como os atos de
terceiros ou do poder público (altera­ções substanciais na legislação do
mercado) que inviabilizem a colocação pública dos títulos23.
A irretratabilidade do contrato de underwriting também pode
ser afastada em função da aplicação da teoria da imprevisão, diante
de situa­ções que ocasionem o agravamento extraordinário da onero-

22 Artigo 35 da Instrução CVM nº 400/2003.


23 NELSON EIZIRIK. Aspectos Modernos do Direito Societário. Rio de Janeiro:
Renovar, 1992, pp. 54 et seg.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 269

sidade da prestação de uma das partes, em virtude de acontecimentos


imprevisíveis à época da assinatura do contrato24. Em casos em que
fique caracterizada, por acontecimentos imprevisíveis, a inviabilidade
da colocação pública nas condi­ções previamente estabelecidas, o que
agravaria extraordinariamente a prestação do underwriter, com extre-
ma vantagem para a companhia emissora, seria cabível a revisão do
contrato, mediante altera­ções em taxas ou na modalidade de garantia.
Note-se, no entanto, que a alteração das disposi­ções contratuais com
base na teoria da imprevisão depende de decisão judicial, conforme dispõe
o artigo 478 do Código Civil25, o que pode dificultar a situação do under-
writer que havia prestado garantia firme para determinada emissão e que
foi surpreendido por mudanças imprevisíveis nas condi­ções do mercado
tornando a garantia por ele prestada extremamente gravosa.
Para reduzir as incertezas quanto à aplicação da teoria da imprevi-
são, a prática do mercado levou à inclusão, nos contratos de underwri-
ting, de cláusulas que permitam a modificação de taxas ou mesmo de
exoneração da responsabilidade do underwriter, visando precisamente
a impedir o agravamento extraordinário da sua prestação em situa­ções
que inviabilizem a colocação pública dos títulos.
Esta espécie de cláusula foi inicialmente introduzida em contratos
de underwriting celebrados nos Estados Unidos, sob a denominação

24 O Código Civil prevê, em seu art. 478, nos contratos de execução continuada
ou diferida, a resolução por onerosidade excessiva, se a prestação de uma das
partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra,
em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis. A Instrução
CVM nº 400/2003, em seu art. 25, algo confusamente, assim dispõe: “Art.
25 Havendo, a Juízo da CVM, alteração substancial, posterior e imprevisível
nas circunstâncias de fato existentes quando da apresentação do pedido
de registro de distribuição, ou que o fundamentem, acarretando aumento
relevante dos riscos assumidos pelo ofertante e inerentes à própria oferta, a
CVM poderá acolher pleito de modificação ou revogação da oferta.”
25 “Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação
de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem
para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis,
poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que
a decretar retroagirão à data da citação.”

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270 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

de market out clauses, tendo sido posteriormente adotada também na


prática de outros países.
A adoção de tais cláusulas tem sido objeto de críticas por parte
da Securities and Exchange Commission, por julgar que elas acabam
transformando, na prática, o underwriter com garantia firme em un-
derwriter de melhor esforço26.
Por esta razão, tanto a doutrina e a jurisprudência dos Estados
Unidos como a Securities and Exchange Commission têm entendido
que tais cláusulas devem ser interpretadas restritivamente, cabendo
sua aplicação apenas quando ocorrer uma inesperada e extraordinária
queda das cota­ções no mercado27.
Como a natureza da garantia do underwriter constitui uma in-
formação essencial para a tomada de decisão do investidor, e como a
exoneração da responsabilidade do underwriter de garantir a subscrição
transforma, de fato, a garantia firme em contrato de melhores esforços,
é evidente que somente em casos excepcionais justifica-se a aplicação
da cláusula de market out.
Conforme antes analisado, é da essência da função do underwriter
assumir o risco da distribuição pública (marketing risk), incluindo-se
em tal risco o das eventuais mudanças no mercado, desde que não
impossibilitem a venda dos papéis.
Portanto, as cláusulas de exoneração da responsabilidade do
underwriter de garantir a emissão (market out) somente podem ser
utilizadas quando ocorrem fatos imprevisíveis que inviabilizem a co-
locação dos títulos. Eventuais modifica­ções nas condi­ções do mercado
que não impossibilitem a colocação dos títulos, tornando-a apenas
mais difícil ou onerosa, não podem ser utilizadas pelos underwriters

26 FREILICH, JANVEY. “Understanding best efforts offerings”. Securities


Regulation Law Journal, n. 17, 1989. Rochester: Thomsom-West, p. 156.
27 RICHARD W. JENNINGS, HAROLD MARSH, JR., JOHN C. COFFEE, JR..
Securities Regulation – Cases and Materials 17th edition. New York: The
Foundation Press, 1992, p. 88.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 271

para eximirem-se de sua obrigação de resultado, consistente na efetiva


subscrição dos valores mobiliários objeto do contrato28.

5.6. Responsabilidade do underwriter frente aos


investidores

Do contrato de underwriting, tendo em vista a natureza dos servi-


ços pactuados – a colocação de valores mobiliários, com o consequente
apelo à poupança popular —, emergem efeitos que alcançam não apenas
as partes contratantes, mas também os destinatários da oferta pública.
Os investidores, ao tomarem suas decisões de investimento,
confiam na reputação e na experiência do underwriter, de modo que a
sua participação em determinada oferta pública confere uma chancela
sobre a qualidade dos títulos emitidos e a consistência das informa­ções
prestadas ao mercado.
Usualmente, o underwriter é o único, dentre as pessoas ou
institui­ções atuando na emissão pública, realmente experiente em
realizar investiga­ções diligentes sobre a veracidade e a consistência
das informa­ções prestadas pelo ofertante29.
Compete ao underwriter revisar as informa­ções disponibilizadas
pela companhia emissora e certificar-se de sua veracidade, acuidade
e suficiência30.
A Seção 11 do Securities Act, de 1933, lei federal norte-americana
que regula as ofertas públicas de títulos, relaciona o underwriter como
um dos participantes da oferta que podem ser responsabilizados pela
divulgação de informa­ções falsas ou enganosas ou pela omissão na

28 RICHARD W. JENNINGS, HAROLD MARSH, JR., JOHN C. COFFEE, JR..


Securities Regulation – Cases and Materials 17th edition. New York: The
Foundation Press, 1992, p. 88.
29 JEREMY WIESEN. Regulating Transactions in Securities. St. Paul: West
Publishing Company, 1975, pp. 246-247.
30 Escott v. BarChris Construction Corp. (United States District Court, Southern
District, New York, 1968), reproduzido em LARRY D. SODERQUIST. Securities
Regulation. New York: Foundation Press, 1999, p. 104.

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272 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

prestação de informa­ções relevantes em um processo de colocação


pública de valores mobiliários.
No Brasil, este princípio foi expressamente reconhecido pelo § 1º
do artigo 56 da Instrução CVM nº 400/2003, o qual determina que
incumbe ao underwriter líder tomar todas as cautelas e “agir com eleva-
dos padrões de diligência” para assegurar que as informa­ções prestadas
pelo ofertante sejam verdadeiras, consistentes, corretas e suficientes,
permitindo aos investidores uma tomada de decisão fundamentada não
só por ocasião do registro da emissão pública, mas também durante
todo o prazo de distribuição dos valores mobiliários31.
Aliás, um estudo econômico nos Estados Unidos demonstra que
a existência de normas legais e regulamentares impondo responsabi-
lidade aos underwriters pelos prejuízos causados aos investidores em
razão de informa­ções falsas ou enganosas nos prospectos de ofertas
pública é essencial para aumentar a eficiência do sistema de colocação
dos valores mobiliários no mercado. Ademais, fortalece a atuação dos
underwriters na supervisão da atuação dos administradores e acionistas
controladores da companhia emissora32.
Assim, o que se requer do underwriter é que utilize sua estrutura
profissional e experiência em favor dos investidores, revisando com
diligência as informa­ções prestadas pela companhia emissora e que
deverão ser levadas em consideração pelos investidores em seu pro-
cesso de decisão.
O dever de diligência é usualmente empregado como uma con-
sagração do standard do bonus pater familiae, que significa que cabe ao

31 Na mesma linha, dispõe o artigo 49 da Instrução CVM nº 400/2003 que


“a emissora, o ofertante e as Institui­ções Intermediárias deverão assegurar
a precisão e conformidade de toda e qualquer informação fornecida a
quaisquer investidores, seja qual for o meio utilizado, com as informa­ções
contidas no Prospecto” (grifamos).
32 NOAM SHER. “Underwriters’ Civil Liability for IPOs: An Econcomic Analysis”.
Journal of International Economic Law, v. 27, n. 2. Philadelphia: University
of Pennsylvania Law School, 2006, pp. 389 et seg.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 273

agente, no desenvolvimento de suas atividades, empregar o zelo e o


cuidado que o tipo médio ou o “homem comum” utilizaria na condução
dos seus próprios negócios33.
Todavia, em se tratando de responsabilidade pelo exercício de
atividade profissional, entende-se que o dever de diligência não se
exaure na observância da conduta do “homem médio”, exigindo-se
que o agente adote comportamento semelhante ao que seria esperado
de um bom profissional na atividade por ele desenvolvida34.
Assim, por exemplo, a disciplina da responsabilidade de auditores
e contadores obriga-os a atender aos standards da profissão, responsa-
bilizando-os pelos prejuízos causados caso deixem de proceder com a
habilidade e diligência que um profissional razoavelmente competente
e cauteloso procederia35.
Da mesma forma, nosso moderno Direito Societário, ao tratar
da responsabilidade dos administradores de sociedade anônima, vem
substituindo o paradigma do “bom pai de família” pela figura do
administrador competente. Assim, o administrador diligente seria
identificado com a figura do profissional qualificado e competente,
que pautasse sua atuação de acordo com os ditames da ciência da

33 Para maiores informa­ções sobre o dever de diligência, ver Capítulo 9 sobre


Deveres e Responsabilidades dos Administradores.
34 “Interpretando a função do intermediário, a jurisprudência consigna que ele
não pode aceitar passivamente as informações providas pelos administradores
do emissor, nelas confiando cegamente, pois um homem de negócio
prudente que estivesse administrando sua propriedade e negociando
independentemente com o emissor não se contentaria com meras afirmações.
[...] Ressalta-se, com isso, a necessidade de que o intermediário realize uma
investigação autônoma das informações fornecidas.” (GABRIEL SAAD KIK
BUSCHINELLI. Arts. 19 & 20. In: GABRIELA CODORNIZ, LAURA PATELLA
(Coord.). Comentários à Lei do Mercado de Capitais – Lei nº 6.385/76. São
Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 422).
35 NELSON LUIZ GUEDES FERREIRA PINTO, MARCO ANTÔNIO GONÇALVES
TORRES. “Responsabilidade Civil – Parecer de Auditores – Obriga­ções de Meio
e de Resultado – Dever de Indenizar”. Revista dos Tribunais, v. 716, 1995. São
Paulo: Revista dos Tribunais, p. 143.

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274 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

administração de empresas36. Não basta que a instituição financeira


tenha a diligência normal do leigo; é preciso que utilize todos os
mecanismos de controle que estejam à sua disposição, ou seja, faça
funcionar, de modo meticuloso e eficiente, a estrutura de que dispõe
para evitar que os investidores sejam induzidos em erro por informa­
ções falsas ou imprecisas37.
Deste modo, o primeiro requisito que o underwriter, em con-
sonância com o seu dever de diligência, deve atender é atuar com a
habilidade e perícia que normalmente se espera de um profissional
competente, na atividade por ele desenvolvida, qual seja, a interme-
diação na captação de recursos no mercado de capitais.
Assim, não poderá ser responsabilizado pela falsidade ou pela
inexatidão das informa­ções prestadas no processo de oferta pública
se ficar demonstrado que ele atuou em conformidade com os usos
e práticas profissionais geralmente aceitos ou recomendados para a
revisão das informa­ções prestadas pela companhia emissora.
Além disso, é também necessário que o underwriter seja in-
dependente em relação à companhia emissora. Caso o underwriter
líder tenha alguma vinculação societária, direta ou indireta, com a
companhia emissora ou com seu acionista controlador, tal fato deve
ser informado com destaque no prospecto38.
Um outro aspecto do dever de diligência constitui a obrigação
do underwriter de se informar a respeito das matérias que estejam
relacionadas às decisões que deve tomar no exercício de suas fun­ções.
Assim, é recomendável que o underwriter, para assegurar que
está desempenhando suas fun­ções de maneira diligente, procure obter

36 FLÁVIA PARENTE. O Dever de Diligência dos Administradores de Sociedades


Anônimas. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, pp. 102-107.
37 JACK VÉZIAN. La Responsabilité du Banquier em Droit Prive Français, n. 271,
2a ed. Paris: Librairies Techniques, 1977, p. 211.
38 Artigo 33, § 2º, da Instrução CVM nº 400/2003.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 275

o maior número de informa­ções disponíveis sobre as atividades da


companhia emissora.
Diretamente relacionado ao dever de se informar, encontra-se o
dever de investigar, nos termos do qual o underwriter deve analisar
criticamente as informações que lhe são transmitidas, a fim de verificar
se são suficientes, consistentes, verídicas e fidedignas39.
Com efeito, o underwriter deve realizar minucioso exame da
regularidade dos valores mobiliários, analisando e conferindo a veraci-
dade dos fatos que ensejaram a sua emissão, não se deixando contagiar
pelo “entusiasmo” dos dirigentes da empresa emissora em vender seus
títulos. Em outras palavras, o líder da distribuição não pode aceitar,
incondicionalmente, as informa­ções prestadas pelo ofertante, devendo
realizar uma revisão profissional e independente sobre elas40.
Cabe notar que, dada a responsabilidade do underwriter pelos da-
dos divulgados ao público, deve ele ter amplo e total acesso às informa­
ções da companhia, podendo conferir a sua veracidade, inclusive com
o auxílio de auditor independente. Constitui obrigação do ofertante
fornecer ao underwriter todas as informa­ções por ele solicitadas, as
quais digam respeito, direta ou indiretamente, à emissão pública dos
valores mobiliários. Na prática norte-americana, aliás, é bastante
comum o sistema pelo qual as institui­ções financeiras condicionam a
assinatura do contrato de underwriting à prévia remessa, pelo auditor
independente, de uma comfort letter, na qual são prestadas todas as
informa­ções necessárias à correta avaliação dos riscos que estão sendo
assumidos pelo underwriter41.

39 Artigo 37, inciso VII, da Instrução CVM nº 400/2003.


40 NELSON EIZIRIK. Aspectos Modernos do Direito Societário. Rio de Janeiro:
Renovar, 1992, pp. 60-62. No mesmo sentido, Escott v. BarChris Construction
Corp. (United States District Court, Southern District, New York, 1968),
reproduzido em LARRY D. SODERQUIST. Securities Regulation. New York:
Foundation Press, 1999, p. 104.
41 NELSON EIZIRIK. “Aspectos Jurídicos do ‘Underwriting’”. Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 66, 1987. São Paulo: Revista
dos Tribunais, p. 25.

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276 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Em síntese, o underwriter está obrigado a desempenhar um


papel ativo na divulgação de informa­ções relacionadas à companhia
emissora, devendo investigar se são quantitativa e qualitativamente
suficientes para que o investidor possa formar um juízo consciente
sobre os títulos publicamente ofertados. Conforme já salientado pela
doutrina, a instituição intermediária deve atuar como um “advogado
do diabo” perante a companhia emissora42.
O underwriter poderá ser responsabilizado caso as informa­ções
apresentadas ao mercado sejam falsas, enganosas ou insuficientes,
somente se eximindo caso consiga comprovar que atuou de acordo
com o padrão de diligência esperado do profissional competente no
exercício de suas atividades, tendo realizado uma investigação razoável
sobre a qualidade das informa­ções prestadas pela companhia emissora.
Alguns princípios fundamentais foram desenvolvidos pela juris-
prudência dos tribunais norte-americanos na apreciação da respon-
sabilidade civil e administrativa do underwriter.
Em primeiro lugar, o investidor prejudicado, para obter a inde-
nização por ele requerida, não necessita demonstrar o intuito frau-
dulento do underwriter, ou seja, a sua intenção de acarretar prejuízos
aos investidores. Isto porque há uma presunção juris tantum de que o
comprador dos títulos foi prejudicado por ter confiado nas informa­
ções, que depois verificou serem falsas, enganosas ou insuficientes43.
O autor da ação deve provar, no entanto, que comprou os títulos
e que o registro da emissão, assim como os prospectos e demais do-
cumentos de venda, apresentavam informa­ções falsas ou enganosas,
ou mesmo omitiam fatos relevantes.

42 ALEJANDRO FERNÁNDEZ DE ARAOZ. “Deberes de la entidad directora”. In:


FERNANDO SÁNCHEZ CALERO (org.). Régimen Jurídico de las Emisiones
y Ofertas Públicas de Venta (OPVs) de Valores. Madrid: Centro de
Documentación Bancaria y Bursátil, 1995, p. 901.
43 Barnes v. Osofsky (United States Court of Appeals, Second Circuit, 1967),
reproduzido em LARRY D. SODERQUIST. Securities Regulation. New York:
Foundation Press, 1999, p. 385.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 277

Ademais, é fundamental que os fatos omitidos ou falsificados


possam ser caracterizados como relevantes. Caso contrário, não se
presume o prejuízo, uma vez que o investidor médio não os teria le-
vado em consideração para comprar os títulos publicamente ofertados.
Com efeito, da leitura da Seção 11 do Securities Act, verifica-se
que o pré-requisito fundamental da responsabilidade civil das pessoas
e institui­ções participantes da oferta diz respeito à irregularidade na
prestação de informa­ções sobre fatos relevantes (material facts) no
registro da emissão ou nos prospectos de venda.
Assim, a responsabilidade do underwriter por ocasião de uma
emissão pública não decorre da omissão ou falsidade de quaisquer
informa­ções, mas cinge-se tão somente às informa­ções consideradas
relevantes, isto é, que possam ter influência sobre o processo decisório
dos investidores.
Em linhas gerais, para efeitos da divulgação de informa­ções
relativas a uma emissão pública de valores mobiliários, deve-se consi-
derar o fato relevante como sendo aquele que, uma vez corretamente
divulgado ou revelado, impediria ou tenderia a impedir o investidor
prudente médio de comprar os títulos em questão.

5.6.1. A impossibilidade de responsabilização objetiva do


underwriter

O underwriter deve atuar de acordo com o padrão de diligência


que se espera de um profissional competente, não podendo ser res-
ponsabilizado civil ou administrativamente caso demonstre que atuou
em conformidade com o referido dever de diligência.
Diante disso, cumpre analisar se seriam eventualmente aplicáveis
ao underwriter os princípios da responsabilidade objetiva.
Os artigos 186 e 927, caput, do Código Civil, erigiram a culpa
(nesse caso, a culpa em sentido amplo, abarcando também as condu-
tas dolosas) como pressuposto para a obrigação de reparar o dano.
Assim, a regra geral, em nosso ordenamento jurídico, continua a ser

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278 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

a da responsabilidade civil subjetiva, isto é, aquela cuja caracterização


pressupõe a prova da culpa do agente.
Contudo, verificou-se na prática que, em determinadas situa­ções,
a exigência de prova da existência de culpa impunha dificuldades
praticamente intransponíveis à vítima, de forma que a aplicação da
responsabilidade subjetiva inviabilizaria a obtenção do ressarcimento.
Para evitar tais situa­ções, passou-se a adotar, em determinadas
circunstâncias, a teoria da responsabilidade objetiva. Nela, o dever de
indenizar pressupõe apenas a comprovação da existência do ato pra-
ticado pelo agente, do dano sofrido pela vítima e do nexo causal entre
ambos, prescindindo-se, assim, da demonstração de culpa.
Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, a teoria da respon-
sabilidade objetiva passou a ser aplicada às hipóteses em que a atividade
do agente, em razão da sua natureza, crie um risco maior de danos para
terceiros44. Ou seja, a obrigação de reparar o dano, independentemente da
prova de culpa, justifica-se em função do exercício de atividade perigosa,
tendo em vista o risco que ela representa para terceiros.
No entanto, face à natureza excepcional da responsabilidade ob-
jetiva, ela não deve ser aplicada a toda e qualquer atividade econômica,
mas apenas àquelas atividades que, por envolverem um risco extraor-
dinário, muito maior do que o normal, justifiquem a adoção de um
tratamento jurídico especial no que se refere à responsabilidade civil45.
Assim, a regra prevista no artigo 927 do Código Civil não deve
ser aplicada ao underwriter, cuja atividade não pode ser tida como
perigosa, por não ensejar risco extraordinário para os investidores ou

44 “Art. 927 [...] Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,


independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem.”
45 CARLOS ALBERTO BITTAR. “Responsabilidade civil nas atividades perigosas”.
In: Responsabilidade Civil – Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Saraiva,
1984, pp. 93-94.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 279

para o mercado em geral. Sendo assim, não cabe falar em responsa-


bilidade objetiva na sua atuação.
Também não se pode cogitar da aplicação das regras do Código
de Defesa do Consumidor (CDC), que estabelecem a responsabili-
dade objetiva do fornecedor perante o consumidor, às atividades do
underwriter.
Em princípio, não é razoável a aplicação o CDC aos investidores
no mercado de capitais, dada a clara inexistência de relação de consumo
nas opera­ções realizadas em tal mercado46.
Tal conclusão não é afetada pelo fato de o artigo 3º, § 2º, do CDC,
expressamente mencionar que estão sujeitas às regras nele estabelecidas
as atividades de “natureza bancária, financeira, de crédito e securitá-
ria”. Nem todas as atividades exercidas pelas institui­ções financeiras
podem ser incluídas na noção de “serviços de natureza bancária”, uma
vez que só poderão estar nela inseridas aquelas fornecidas no mercado
de consumo, como expressamente determina o próprio artigo 3º, §
2º, do CDC47.
Não se deve considerar que exista uma relação de consumo entre
os adquirentes de valores mobiliários emitidos por determinada socie-
dade e o underwriter, razão pela qual a hipótese de responsabilidade
objetiva prevista no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor
também não deve ser aplicada à relação jurídica ora analisada.

46 ADA PELLEGRINI GRINOVER et al. Código Brasileiro de Defesa do


Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. São Paulo: Forense
Universitária, 1997, p. 41; PEDRO PAULO CRISTÓFARO. “Limites do campo
de incidência da Lei 8.078, de 11.9.90: O Código de Defesa do Consumidor
e os investidores ou poupadores”. Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro, n. 92, 1993. São Paulo: Revista dos Tribunais, pp.
89-90; ARNOLDO WALD. “O Direito do Consumidor e suas repercussões em
relação às institui­ções financeiras”. Revista dos Tribunais, v. 666, abr. 1997.
São Paulo: Revista dos Tribunais.
47 LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES. “As rela­ções de consumo e o crédito ao
consumidor”. In: GERALDO VIDIGAL (Coord.). Lei de Defesa do Consumidor.
São Paulo: IBCB, 1991, pp. 69-70.

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280 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

O underwriter somente pode ser responsabilizado se não tiver


atuado com a diligência profissional dele exigível. Neste sentido, o
próprio artigo 56 da Instrução CVM nº 400/2003 textualmente dis-
põe que a instituição líder “deverá tomar todas as cautelas e agir com
elevados padrões de diligência”.
Assim, a responsabilidade do underwriter em relação aos inves-
tidores origina-se de uma obrigação de meio, consistente em atuar de
acordo com o padrão de diligência, e não de uma obrigação de resultado.
O underwriter não tem a obrigação específica de alcançar um re-
sultado certo e determinado – impedir que sejam prestadas informa­ções
falsas e tendenciosas pela companhia emissora —, tal qual impõem
as obriga­ções de resultado, mas sim a obrigação geral de prudência e
diligência, o que caracteriza as obriga­ções de meio, que, inclusive, são
também chamadas de obriga­ções de diligência48.
Em se tratando de obrigação de meio, a responsabilidade do
agente deve estar, por definição, subordinada à prova de culpa. Ou
seja, não há como se cogitar de responsabilidade objetiva quando se
está diante de obrigação de meio, visto que, nessa espécie de obrigação,
a diligência, ainda que perfeita, deixa aleatório o resultado desejado.
Sem dúvida, a diligência não pode jamais ter seu sucesso assegurado
e é isso que torna necessária a comprovação de culpa para que haja a
responsabilização do devedor49.
A propósito, a CVM já reconheceu, em determinado caso, que,
embora não tenham constado do prospecto de emissão pública de
debêntures informa­ções corretas e suficientes sobre o contrato cele-
brado pela companhia emissora, cujo conhecimento seria relevante
para a decisão dos investidores, o coordenador líder não deveria ser

48 ANDRÉ TUNC. “A distinção entre obriga­ções de resultado e obriga­ções de


diligência”. Revista dos Tribunais, v. 776, ago. 2000. São Paulo: Revista dos
Tribunais, pp. 755-764.
49 ANDRÉ TUNC. “A distinção entre obriga­ções de resultado e obriga­ções de
diligência”. Revista dos Tribunais, v. 776, ago. 2000. São Paulo: Revista dos
Tribunais, pp. 757.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 281

responsabilizado, pois, tendo em vista as características peculiares do


caso concreto, “por mais intensa que se fizesse a due diligence, ele não
teria conhecimento da existência” das informa­ções que deixaram de
ser corretamente prestadas50.
Portanto, quanto à veracidade, consistência, correção e suficiência
das informações prestadas pela companhia emissora, a obrigação do
underwriter é de meio, cabendo-lhe exercer seus melhores esforços
para verificar a acuidade dos dados e suprir as informa­ções que não
foram fornecidas, mas não respondendo, objetivamente, pelo simples
fato de alguma informação ter sido omitida ou divulgada de forma
tendenciosa, ainda que ela tenha tomado todas as cautelas possíveis
para evitar que isto acontecesse.
Deve prevalecer uma solução intermediária, consistente no re-
conhecimento da presunção de culpa do underwriter. Ou seja, não se
cogita da sua responsabilidade objetiva, uma vez que os atos por ele
praticados podem ser concretamente examinados, mas ocorre uma
inversão do ônus da prova. Ao underwriter cabe provar que atuou de
acordo com os padrões de diligência exigíveis.
Com efeito, em vez da distinção radical entre responsabilidade
subjetiva e objetiva, deve-se adotar, como padrão para aferir a respon-
sabilidade do underwriter, a presunção de sua culpa, com inversão do
ônus da prova, tal como é consagrado pela doutrina em relação aos
administradores de sociedades anônimas51.

50 Processo Administrativo Sancionador nº RJ 2003/8172, Rel. Dir. Eli Loria, j.


15.10.2000.
51 NELSON EIZIRIK. “Responsabilidade civil e administrativa do diretor de
companhia aberta”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico
e Financeiro, n. 56, 1984. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 47; NELSON
EIZIRIK. “‘Insider Trading’ e responsabilidade de administrador de companhia
aberta”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro,
n. 50, abr.-jun. 1983. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 42; ALFREDO LAMY
FILHO, JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA. A Lei das S.A. Rio de Janeiro: Renovar,
1992, pp. 596-606; LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES. Mercado de
Capitais & “Insider Trading”. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982, p. 178; J.

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282 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Constatando-se que o Prospecto de determinada emissão pública


contém informa­ções falsas ou enganosas, presume-se a culpa do under-
writer, isto é, presume-se que ele não atuou com a diligência exigível
para evitar tal acontecimento. Tal presunção, porém, não é absoluta,
admitindo-se que o underwriter prove que a inclusão de informa­ções
incorretas no Prospecto não decorreu de sua atuação dolosa ou culposa.
Diante disso, cabe analisar as defesas de que pode se utilizar o
underwriter para eximir-se de eventual responsabilidade. Para tanto,
deve o underwriter demonstrar que:
(a) as afirma­ções contidas no registro, prospecto e demais
documentos ou materiais publicitários não eram falsas ou
enganosas;
(b) embora as informa­ções fossem incorretas, referiam-se
a fatos não relevantes, isto é, que não deveriam ter sido
levados em conta por um investidor médio;
(c) ao tempo da aquisição realizada, o investidor sabia da
falsidade ou omissão;
(d) os prejuízos do adquirente dos papéis decorreram de outros
fatos, não relacionados às informa­ções falsas ou omissas,
como, por exemplo, condi­ções do mercado ao tempo da
transação; e
(e) atendeu ao dever de diligência, isto é, tomou todas as cau-
telas possíveis para verificar se as informa­ções fornecidas
pela companhia emissora eram verdadeiras.
Além disso, também constituem circunstâncias que podem
minorar a responsabilidade do underwriter, sempre dependendo de
prova por ele produzida: o prospecto e demais documentos foram
preenchidos sem o seu consentimento ou conhecimento; sabendo
que tais documentos continham falsidades ou omissões, manifestou

C. SAMPAIO DE LACERDA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v.


3. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 206.

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a sua discordância; que, com relação às partes dos documentos feitas


por um expert, não tinha motivos razoáveis para acreditar que existisse
qualquer falsidade ou omissão; com relação às partes em que ele atuou
como expert, contendo informa­ções falsas, por ele não produzidas,
tinha, após razoável investigação, motivos para acreditar que não eram
falsas; sabendo das falsidades ou omissões, imediatamente delas deu
ciência à agência reguladora do mercado de capitais.
Vale ressaltar que os princípios referentes à eventual responsa-
bilidade da companhia emissora são substancialmente distintos, uma
vez que a Lei das S.A. não previu a sua obrigação de reparar danos
sofridos pelos investidores em decorrência de divulgação de informa-
ções falsas ou enganosas52.

5.7. O processo de coleta de inten­ções de investimento e de


bookbuilding

A Instrução CVM nº 400/2003 inovadoramente passou a discipli-


nar, em seus artigos 43 e 44, as consultas sobre a viabilidade de oferta
a potenciais investidores e as coletas de inten­ções de investimento.
Tais procedimentos – consultas sobre a viabilidade de oferta a
potenciais investidores e coletas de inten­ções de investimento – con-
tribuem inequivocamente para a redução do pricing risk e do marketing
risk que existem em toda oferta pública de valores mobiliários, uma vez
que permitem aferir a potencial demanda existente dos investidores
e compatibilizar o preço e as condi­ções de remuneração dos títulos à
situação do mercado53.

52 NELSON EIZIRIK. “A ‘fraud-on-the-market theory’ pode ser aplicada no Direito


Societário brasileiro?”. In: ALBERTO VENÂNCIO FILHO, CARLOS AUGUSTO
DA SILVEIRA LOBO, LUIZ ALBERTO COLONNA ROSMAN (Org.). Lei das S.A.
em seus 40 anos. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
53 ALEJANDRO FERNANDEZ DE ARAOZ. “Entidades Colocadoras y
Comercializadoras”. In: FERNANDO SÁNCHEZ CALERO (Org.). Régimen
Jurídico de las Emisiones y Ofertas Públicas de Venta (OPVs) de Valores.
Madrid: Centro de Documentación Bancaria y Bursátil, 1995, p. 853.

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284 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

O artigo 43, que trata da consulta sobre a viabilidade da oferta,


permite a consulta a potenciais investidores pelo ofertante e pela ins-
tituição líder da distribuição para apurar o interesse do mercado em
participar de uma eventual oferta pública de distribuição, devendo
esta consulta não exceder de 50 (cinquenta) investidores e ter critérios
razoáveis para assegurar a confidencialidade e o sigilo sobre a existência
da oferta até a sua ampla e regular divulgação ao mercado.
Tal consulta a potenciais investidores não poderá vincular as
partes, sob pena de caracterizar distribuição irregular de valores mo-
biliários, sendo vedada a realização ou aceitação de ofertas, bem como
o pagamento ou o recebimento de quaisquer valores, bens ou direitos
de parte a parte.
Esta consulta destina-se apenas a auxiliar o ofertante e o coorde-
nador líder a analisarem a viabilidade da oferta, não se confundindo
com o denominado processo de bookbuilding, o qual tem por finalidade
servir de base para a fixação do preço da oferta.
O chamado bookbuilding (“prospección de la demanda”, no Direito es-
panhol; “construction du livre d’ordre“ no Direito francês), que, nos últimos
anos, vem sendo crescentemente adotado na prática do mercado, constitui
um sistema de aferição do interesse dos potenciais compradores dos tí-
tulos e está previsto no artigo 44 da Instrução CVM nº 400/2003, o qual
faculta a coleta de inten­ções de investimento, com ou sem o recebimento
de reservas, a partir da divulgação do prospecto preliminar e do protocolo
do pedido de registro de distribuição na CVM.
Por meio do referido procedimento, buscam os underwriters
identificar a demanda pelos títulos, aferindo o interesse do mercado
pela nova emissão mediante as diversas propostas de compra recebi-
das dos potenciais destinatários54. De posse de tais informa­ções, os
underwriters, em conjunto com a companhia emissora, fixam o preço

54 HUBERT DE VAUPLANE, JEAN-PIERRE BORNET. Droit de la Bourse. Paris: Litec,


1994, p. 230.

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de lançamento dos títulos, ou, tratando-se de papéis de renda fixa, os


níveis de remuneração que serão praticados.
Neste sentido, o artigo 23, § 1º, da Instrução CVM nº 400/2003,
estabelece que o preço de emissão dos valores mobiliários e a taxa de
juros, se forem títulos representativos de dívida, poderão ser deter-
minados no dia de apuração da coleta de inten­ções de investimento.
O valor apurado no procedimento de bookbuilding vem sendo
considerado, na prática, como indicativo do preço de mercado para
as a­ções que ainda não são negociadas no mercado secundário: razão
pela qual a fixação do preço de emissão das a­ções com base em tal
procedimento atenderia ao disposto no artigo 170, § 1º, da Lei nº
6.404/197655.
A adequação do valor apurado no procedimento de bookbuilding
ao critério estabelecido no inciso III do artigo 170 da Lei das S.A.
constitui uma presunção relativa, podendo ser elidida mediante prova
em contrário. Isto porque, apesar de o procedimento de bookbuilding
fundamentar-se nas inten­ções de investimento apresentadas pelos
investidores consultados pelo coordenador líder, este dispõe de ampla
discricionariedade no momento de escolher as propostas que serão
levadas em consideração para a fixação do preço final, uma vez que
a regulação vigente não determina os critérios que deverão orientar
tal decisão.
Diante da falta de parâmetros legais ou regulamentares, verifica-
se a existência de uma margem à manipulação do procedimento de
bookbuilding por parte do underwriter. Com efeito, é possível que o
processo de bookbuilding conduza à fixação de um preço subvaloriza-

55 O artigo 170, § 1º, da Lei das S.A., estabelece que o preço das a­ções emitidas
em aumento de capital das sociedades anônimas, a fim de evitar a diluição
injustificada da participação dos acionistas que não exercerem o aumento
de capital, deve ser obrigatoriamente fixado com base em um dos seguintes
critérios: (a) a perspectiva de rentabilidade da companhia; (b) o valor do
patrimônio líquido da ação; e (c) a cotação de suas a­ções em Bolsa de Valores
ou no mercado de balcão organizado, admitido ágio ou deságio em função
das condi­ções do mercado.

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286 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

do dos valores mobiliários emitidos em uma oferta pública primária


(underpricing), favorecendo o underwriter e seus clientes e, em con-
trapartida, prejudicando os interesses da companhia emissora e de
seus acionistas, que, em tese, poderiam arrecadar um maior volume
de recursos na oferta pública.
Assim, o processo de bookbuilding pode constituir um conveniente
mecanismo para os underwriters favorecerem seus maiores clientes, por
meio de alocações favoráveis em emissões subvalorizadas que apresen-
tem forte demanda. Em contrapartida, tais clientes favoreceriam os
underwriters, garantindo, por meio das aquisi­ções por eles realizadas,
o sucesso da colocação de ofertas para as quais eventualmente haja
pouca demanda56.
Por essas razões, diversos países estão passando a adotar outras formas
de se aferir o preço pelo qual os valores mobiliários devem ser oferecidos
ao mercado, com as ofertas híbridas, que consistem na utilização do
bookbuilding para investidores institucionais e uma oferta aberta (open
offer) dirigida a investidores não institucionais57, e o denominado leilão
holandês (Dutch auction), no qual opera-se com preços decrescentes.
Diante disso, deve a CVM exigir ampla transparência do coorde-
nador líder na utilização do processo de bookbuilding, a fim de evitar
que este possa ser eventualmente manipulado. A seleção das propostas
deve ser realizada a partir de critérios de qualidade e de estabilidade
do investimento, a fim de evitar excessivas tensões na negociação dos
valores mobiliários, assegurando uma evolução equilibrada da cotação
do papel na fase posterior à oferta58.

56 ANN E. SHERMAN, SHERIDAN TITMAN. Building the IPO Order Book:


Underpricing and Participation Limits With Costly Information, jun. 2000.
Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=235926>. Acesso em: 06 jul. 2007.
57 ANN E. SHERMAN. IPO and Long Term Relationships: An Advantage of Book
Building, jul. 2000. Disponível em: <http://www.ssrn.com/abstract=235928>.
Acesso em 06 jul. 2007.
58 FERNANDO SÁNCHEZ CALERO (Org.). Régimen Jurídico de las Emisiones
y Ofertas Públicas de Venta (OPVs) de Valores. Madrid: Centro de
Documentación Bancaria y Bursátil, 1995, p. 855.

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5.8. A opção de lote suplementar


Outra inovação relevante introduzida pela Instrução CVM nº
400/2003, que visou a equiparar as ofertas públicas realizadas no
mercado brasileiro com as práticas adotadas em outros países, foi a
previsão da opção de distribuição de lote suplementar, disciplinada
pelo artigo 24 da referida Instrução.
Trata-se do mecanismo normalmente conhecido como green
shoe option59, que consiste em uma cláusula contida no contrato de
underwriting, pela qual a companhia ofertante atribui à instituição
intermediária o direito de colocar no mercado uma quantidade de
a­ções superior àquela que fora originalmente prevista.
Como é evidente, tal opção somente é exercida pelo underwriter
se a demanda dos investidores pelos papéis ofertados for maior do que
aquela inicialmente esperada. Além de permitir uma captação adicional
de recursos por parte da companhia, a green shoe option tem a função
de preservar a estabilidade do preço dos valores mobiliários emitidos,
na medida em que o underwriter pode aumentar o volume ofertado e,
com isso, evitar flutua­ções causadas por excesso de demanda.
Nos termos do artigo 24 da Instrução CVM nº 400/2003, o
montante das a­ções adicionais a serem distribuídas a critério do
underwriter deve ser predeterminado e constar expressamente do
prospecto da oferta, não podendo ultrapassar 15% (quinze por cento)
da quantidade inicialmente ofertada.

59 A denominação deriva do fato de que tal opção foi utilizada pela primeira vez
no mercado norte-americano na oferta pública de a­ções emitidas por uma
companhia denominada Green Shoe Company.

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VI
Mercado Secundário
de Valores Mobiliários

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6.1. Introdução
O mercado primário caracteriza-se pela negociação de valores
mobiliários provenientes de novas emissões entre a companhia e os
subscritores, com a intermediação do underwriter. Ou seja, fazem parte
do mercado primário as negociações ocorridas no momento em que a
companhia está ofertando novos valores mobiliários aos investidores,
com objetivo de obter recursos para seus projetos de desenvolvimento
ou necessidades de caixa.
Assim, o mercado primário viabiliza o atendimento a uma das
fun­ções básicas do mercado de capitais, qual seja, oferecer às compa-
nhias uma fonte de acesso a recursos possivelmente mais baratos do
que os que poderiam ser obtidos por meio de empréstimos e outras
opera­ções bancárias.
No entanto, a existência do mercado primário seria extremamente
prejudicada se, após subscreverem os novos valores mobiliários emiti-
dos, os investidores não tivessem condi­ções de negociá-los com tercei-
ros. Portanto, o mercado secundário tem a função de conferir liquidez
aos valores mobiliários emitidos no mercado primário, permitindo que
os investidores transfiram, entre si, os títulos previamente adquiridos.
No mercado secundário, os valores mobiliários poderiam, em tese,
ser negociados diretamente entre os investidores ou por intermédio de
institui­ções financeiras que os representem. No entanto, a negociação
direta normalmente acarreta inúmeras dificuldades, tais como a de se
encontrar outros investidores interessados em negociar com determi-
nado valor mobiliário, a de se estabelecer o valor da operação e de se
assegurar formas eficientes e seguras de se garantir a sua liquidação.
As Bolsas e entidades de mercado de balcão organizado exercem
esse papel de facilitar as negocia­ções no mercado secundário, pois têm a
função primordial de organizar, manter e fiscalizar um local ou sistema
adequado e seguro para a realização de opera­ções de compra e venda de

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valores mobiliários, dotando-o, permanentemente, de todos os meios


necessários à pronta e eficiente realização e visibilidade das opera­ções.

6.2. Bolsas de Valores e de Mercadorias e Futuros

6.2.1. Fun­ções e natureza jurídica


As Bolsas de Valores e de Mercadorias e Futuros constituem,
em regra, entidades privadas de natureza tipicamente corporativa,
formadas pela livre vontade de seus associados.
De um modo geral, às Bolsas são atribuídas duas fun­ções básicas:
a primeira é a de fornecer um local ou sistema adequado à realização
de opera­ções com títulos, dotado de todos os meios necessários à
pronta realização e visibilidade dos negócios, e que assegure, ademais,
continuidade de preços e liquidez aos referidos títulos; a segunda é
a de preservar elevados padrões éticos de negociação, estabelecendo
normas de comportamento para seus membros e fiscalizando a sua
observância.
A primeira função é de natureza econômica, constituindo a Bolsa,
por essência, o locus destinado a propiciar a realização de negócios
transparentes e contínuos. Incumbe à Bolsa, nesse sentido, a função
econômica básica de conferir liquidez aos papéis transacionados em
seu sistema de negocia­ções.
A segunda função diz respeito à atuação da Bolsa como entidade
autorreguladora, na medida em que ela exerce sobre seus membros e
sobre as operações nela realizadas poderes de regulamentação e fisca-
lização, sempre com vistas à manutenção de elevados padrões éticos
de negociação1.

1 Por autorregulação entende-se, basicamente, o fato de os próprios membros


do mercado, organizados em associa­ções ou sociedades de natureza privada,
serem responsáveis pela edição das normas destinadas a regular o exercício
de suas atividades, pela fiscalização ao cumprimento de tais normas e pela
imposição de penalidades para as irregularidades eventualmente praticadas.
Assim, ao invés de haver uma intervenção direta do Estado nos negócios dos

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 293

Apesar de sua natureza privada, é amplamente reconhecido que


as Bolsas exercem fun­ções de interesse público, na medida em que lhes
é assegurado o exercício de autêntico poder de polícia, não apenas no
recinto do pregão e durante a sua realização, mas também fora dele,
fiscalizando as atividades das sociedades corretoras.
Nesta linha, as Bolsas podem ser incluídas dentre os órgãos de
colaboração do Poder Público, que assumem uma função cada vez
mais importante, em face da hipertrofia do Estado e sua consequente
impossibilidade de exercer todas as suas fun­ções.
Ou seja, as Bolsas constituem entidades privadas, que atuam em
colaboração com o Poder Público, e para as quais são delegados poderes
para o exercício de atividades de natureza regulamentar e disciplinar
no âmbito do mercado de valores mobiliários2.
O sistema de regulação acima mencionado, baseado na autorre-
gulação pelas Bolsas de Valores sujeita à supervisão governamental,
originou-se, essencialmente, a partir da edição, nos Estados Unidos,
do Securities Exchange Act de 1934.
Com efeito, até 1934, as Bolsas de Valores norte-americanas não
estavam sujeitas a qualquer interferência governamental e, portanto,
exerciam autoridade absoluta sobre as sociedades corretoras que delas
fossem membros – razão pela qual chegaram a ser consideradas como
simples “clubes de negócios”.
O Securities Exchange Act, no entanto, expressamente delegou
certos poderes regulatórios às Bolsas de Valores, que passaram então
a exercer a autorregulação por imposição legal. Para assegurar que a

participantes do mercado, sob a forma de regulação, estes se autopoliciam


no cumprimento dos deveres legais e dos padrões éticos consensualmente
aceitos. A respeito do tema, ver NELSON EIZIRIK. “Regulação e Auto-Reg-
ulação no Mercado de Valores Mobiliários”. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro, n. 48. São Paulo: Revista dos Tribunais,
out.-dez. 1982, pp. 48-59.
2 ARNOLDO WALD, NELSON EIZIRIK. “O regime jurídico das Bolsas de valores e sua
autonomia frente ao Estado”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico
e Financeiro, n. 61. São Paulo: Revista dos Tribunais, jan.-mar. 1986, p. 8.

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294 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

atuação das entidades autorreguladoras fosse pautada pela consecução


do interesse público, o legislador submeteu o exercício de tal poder
conferido às Bolsas de valores à supervisão da Securities and Exchange
Commission – SEC, entidade reguladora do mercado de capitais.
Posteriormente, o Congresso norte-americano aprovou a aplicação
do modelo de autorregulação que havia sido estabelecido para o mercado
de valores mobiliários às opera­ções com contratos futuros e derivativos.
Assim, em 1974, foi editado o Commodity Exchange Act, que impôs às
bolsas de mercadorias e futuros a obrigação de autorregular seus membros
e os mercados por elas administrados, tendo, ainda, criado a Commodity
Futures Trading Commision (CFTC) para supervisionar o exercício do
poder autorregulatório pelas bolsas de mercadorias e futuros.
No Brasil, verificou-se evolução semelhante no que se refere à
disciplina do mercado de valores mobiliários, tendo nossa legislação,
a partir da edição da Lei nº 4.728/1965 e da Resolução CMN nº
39/1966, nitidamente se inspirado no modelo jurídico dos Estados
Unidos quanto ao sistema de autorregulação.
Neste sentido, o artigo 17 da Lei nº 6.385/1976, em sua redação
original, dispôs que as bolsas de valores teriam autonomia administra-
tiva, financeira e patrimonial, operando sob a supervisão da Comissão
de Valores Mobiliários (CVM) e tendo competência para, na condição
de órgãos auxiliares desta, fiscalizar os respectivos membros e as opera­
ções com valores mobiliários realizadas em seus recintos de negociação.
A partir do advento da Lei nº 10.303/2001, a redação do artigo
17 da Lei nº 6.385/1976 foi alterada, estendendo-se a aplicação do
modelo de autorregulação subordinada à fiscalização da CVM também
para as bolsas de mercadorias e futuros.

6.2.2. A autonomia das bolsas perante a Comissão de


Valores Mobiliários
No sistema estabelecido pela Lei nº 6.385/1976, os poderes
autorregulatórios atribuídos às bolsas decorrem de expressa previsão

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 295

legal, mas o exercício de tais poderes fica submetido à “supervisão da


Comissão de Valores Mobiliários”.
A supervisão que a CVM exerce sobre as bolsas não compromete a
autonomia que lhes foi legalmente reconhecida. De fato, a supervisão da
CVM sobre as bolsas é semelhante àquela exercida pelo Poder Executivo
sobre as entidades da administração indireta, visto que deve abranger
apenas a orientação e a verificação, por parte da entidade supervisora, do
cumprimento dos objetivos e finalidades do ente supervisionado.
Nosso sistema legal de disciplina do mercado de capitais funda-
menta-se no conceito de que a fiscalização e regulação das corretoras e
das opera­ções bursáteis compete, primeiramente, às bolsas, cabendo à
CVM supervisionar o exercício de tais poderes autorregulatórios, a fim
de assegurar que estes sejam exercidos tendo em vista o interesse público.
Neste sentido, constata-se a existência de um duplo grau de
fiscalização, em que as Bolsas fiscalizam as corretoras e as opera­ções
por elas realizadas, enquanto a CVM supervisiona o exercício de tal
competência por parte das Bolsas.
Não há qualquer dispositivo na Lei nº 6.385/1976 que permita à
CVM limitar a competência autorreguladora da Bolsa de Valores ou
substituí-la no papel de responsável, em caráter primário, pela fiscali-
zação das opera­ções bursáteis. Ao contrário, conforme reconhecido em
trabalho elaborado pela própria CVM, a autorregulação do mercado
de capitais em nosso ordenamento jurídico não constitui uma questão
meramente de princípios, mas uma imposição legal3.

6.2.3. Vantagens e desvantagens do sistema de autorregulação


pelas Bolsas

O sistema de autorregulação vem sendo considerado, na expe-


riência internacional, a forma mais eficaz de controle da atividade

3 BRASIL. MINISTÉRIO DA FAZENDA. COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS


(CVM). Mercado de Valores Mobiliários Brasileiro, 3a. ed. Rio de Janeiro:
Comissão de Valores Mobiliários, 2014. Disponível em: <http://www.por-
taldoinvestidor.gov.br/portaldoinvestidor/export/sites/portaldoinvestidor/
publicacao/Livro/LivroTOP-CVM.pdf>. Acesso em: 29 maio 2017.

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296 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

desempenhada pelas institui­ções intermediárias no âmbito do mercado


de valores mobiliários4.
De fato, a doutrina reconhece que as normas internas, às quais os
membros das Bolsas de Valores se submetem voluntariamente, muitas
vezes são mais eficazes do que as normas emanadas do Poder Público5.
A maior eficácia das normas autorreguladoras decorre do fato
de elas serem elaboradas pelos próprios membros do mercado, a
partir de sua experiência concreta no desenvolvimento dos negócios,
tornando-as mais flexíveis e de mais fácil adequação às mudanças das
circunstâncias do mercado.
Ademais, a participação dos próprios regulados na disciplina de
suas atividades também leva à maior eficácia da regulação, derivada
da aceitação e observância menos litigiosa de sua parte6.
A fiscalização do mercado de capitais exclusivamente pela enti-
dade governamental, por outro lado, tenderia a ser mais burocrática
e, consequentemente, ineficiente, pois seria exercida por pessoas que
não estão diretamente envolvidas nos problemas existentes na prática
dos negócios.
Aliás, conforme apontado em estudo divulgado pela SEC, foram
justamente estas as considera­ções que levaram o Congresso norte-a-
mericano a estabelecer o sistema de autorregulação com supervisão
governamental, ao invés de adotar um modelo de regulação direta
pelo Estado7.

4 HENRIQUE REZENDE VERGARA. “A regulação do mercado de valores mo-


biliários”. In: ROGÉRIO EMILIO DE ANDRADE (coord.). Regulação Pública
da Economia no Brasil. Campinas: Edicamp, 2003, p. 397.
5 RAFAEL BATOLOME LABORDA. La Bolsa en el mundo. Zalla Biskaia: Ediciones
Deusto S.A., 1980, pp. 80-81.
6 EDUARDO TOMASEVICIUS FILHO. “A auto-regulação profissional no Brasil”.
In: MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (org.). Direito Regulatório: Temas
Polêmicos. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 666.
7 U.S. SECURITIES AND EXCHANGE COMMISSION (SEC). Concept Release
concerning self-regulation. Washington, DC, mar. 2005. Disponível em:

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 297

Após mais de 70 (setenta) anos de vigência do Securities Exchange


Act, o sistema da autorregulação ainda é visto como mais adequado para
promover a eficiência do mercado de capitais, tanto que a doutrina tem
enfatizado que “self-regulation still offers greater potential for fostering
dynamic markets affording vigorous investor protection, than does direct
governmental regulation”8.
Apesar de suas inegáveis virtudes, o sistema de autorregulação
do mercado de capitais pode apresentar conflitos de interesses entre,
de um lado, as atividades reguladoras das bolsas e, de outro lado, as
opera­ções comerciais de seus membros e da própria bolsa.
Com efeito, as bolsas, enquanto entidades autorreguladoras, são
responsáveis por editar regras disciplinando diversos aspectos dos
negócios realizados por seus participantes, bem como por assegurar a
aplicação de tais regras, fiscalizando a ocorrência de eventuais infra­
ções e, quando necessário, impondo penalidades por tais infra­ções.
Por outro lado, o fato de os corretores membros serem, na estru-
tura tradicional, os “donos” da bolsa, e, consequentemente, os respon-
sáveis, em última análise, pela maioria das decisões por ela tomadas,
pode resultar em pressões para que a atividade autorregulatória, espe-
cialmente aquela referente à fiscalização e à aplicação de penalidades,
seja exercida de forma menos rigorosa, de modo a não prejudicar os
negócios dos associados.
Além disso, existem diversas situa­ções em que os interesses de
longo prazo das bolsas podem ser conflitantes com os interesses par-
ticulares dos corretores, visto que estes tendem a basear suas decisões
na possibilidade de maximizar seus próprios lucros. Neste sentido,
verifica-se que o desenvolvimento de sistemas eletrônicos de nego-

<http://www.sec.gov/rules/concept/34-50700.htm>. Acesso em: 12 maio


2017.
8 STUART KASWELL. Self-Regulation and the Securities Market: A Renewed
Effort, jan.-fev. 2004. Disponível em: <http://www.futuresindustry.org/
fimagazi-1929.asp?v=p&iss=140&a=894>. Acesso em: 6 ago. 2007.

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298 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

ciação para tornar os negócios mais rápidos e seguros e a redução dos


custos de corretagem constituem medidas que, em regra, atendem aos
interesses das Bolsas, na medida em que podem aumentar o volume de
opera­ções nelas realizadas, mas que, por outro lado, podem ter impacto
negativo nas receitas auferidas pelos corretores9.
O exercício da função regulatória também pode representar
conflito com os interesses comerciais da própria Bolsa. Com efeito,
as bolsas, apesar de deverem exercer a autorregulação no interesse
público, são entidades privadas que têm por objetivo desenvolver, da
forma mais eficiente possível, a atividade econômica que constitui seu
objeto, isto é, a manutenção e administração de um ambiente destinado
a viabilizar a realização de opera­ções com valores mobiliários.
No entanto, os “clientes” da bolsa, isto é, aqueles que geram as
receitas por ela auferidas por meio das opera­ções realizadas em seu
sistema de negociação, são justamente as pessoas e entidades que ela
tem a obrigação de fiscalizar e, eventualmente, de aplicar san­ções.
Tal fato pode representar um incentivo a que as fun­ções regulató-
rias não sejam exercidas de forma eficiente, visto que os responsáveis
por tais fun­ções podem se sentir pressionados a não adotar medidas que
influenciem negativamente o volume de negócios realizados na Bolsa.
A crescente competição em escala internacional entre as Bolsas
pode agravar tal conflito, na medida em que os investidores e as cor-
retoras passaram a ter maior flexibilidade para, a qualquer momento,
redirecionar seus negócios para outras Bolsas, aumentando, assim, os
riscos de determinada Bolsa vir a perder negócios caso, no exercício
de sua função regulatória, venha a tomar medidas contrárias aos in-
teresses de seus clientes.
Apesar de reconhecerem esta realidade, as agências governamen-
tais e as próprias Bolsas vêm continuamente buscando novas medidas

9 ANDREAS M. FLECKNER. Stock Exchanges at the Crossroads, nov. 2004,


p. 35. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_
id=836464>. Acesso em: 29 maio 2017.

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para reduzir os referidos conflitos de interesse e assegurar a indepen-


dência dos responsáveis pela execução da atividade autorreguladora,
a fim de que esta possa ser exercida, exclusivamente, com vistas a
promover o desenvolvimento do mercado de valores mobiliários.

6.2.4. Tendências para aprimorar o exercício da


autorregulação pelas Bolsas

As principais medidas que vêm sendo adotadas pelas Bolsas de


Valores e de Mercadorias e Futuros para aprimorar o exercício de suas
fun­ções reguladoras, mitigando a ocorrência dos conflitos inerentes ao
sistema de autorregulação, são: (i) a desmutualização; (ii) a separação de
suas atividades comerciais e regulatórias; e (iii) a exigência de indicação
de membros independentes para seus conselhos de administração.

6.2.5. Desmutualização das bolsas de valores e das bolsas de


mercadorias e futuros

a) Conceito e características
Tradicionalmente, as bolsas de valores e de mercadorias e futuros
sempre foram organizadas, no Brasil e no exterior, sob a forma de as-
sociação de seus corretores membros, os quais detinham a totalidade
dos títulos emitidos pela bolsa da qual faziam parte, além do direito
exclusivo de negociar em seu recinto.
No entanto, a partir do início da década de 1990, verificou-se
crescente tendência no sentido de as associa­ções de corretores mem-
bros serem convertidas em sociedades empresariais, visando, portanto,
ao lucro e adotando o tipo societário de sociedades anônimas. Este
processo de transformação de associa­ções integradas exclusivamente
pelos membros registrados nas bolsas para estruturas corporativas
com capital detido por acionistas foi denominado desmutualização.
No sistema tradicional de associação, os próprios membros
(corretores) são tidos como os “donos” da bolsa, ou seja, eles detêm os

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300 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

direitos de negociação na bolsa, a totalidade de seus títulos emitidos e,


ainda, o poder de decisão relativo à condução dos negócios da entidade.
Nas bolsas desmutualizadas, por outro lado, os direitos de nego-
ciar em seu recinto não estão vinculados à titularidade das a­ções por
elas emitidas; ao adotarem a forma de sociedades anônimas, as bolsas
conferem o direito de negociação aos corretores membros que, para
tanto, não necessitam deter quaisquer títulos representativos do patri-
mônio da bolsa, os quais passam a ser de propriedade dos investidores
que adquirem a­ções de sua emissão. Em decorrência do processo de
desmutualização, o poder de decisão sobre os negócios da bolsa é
transferido dos corretores membros para os acionistas.
O processo de desmutualização é normalmente realizado em
distintas etapas, consistindo a primeira, em regra, na atribuição de
a­ções aos membros da bolsa que, desta forma, passam a ser acionis-
tas da companhia recém-formada. Neste primeiro estágio, as bolsas
desmutualizadas ainda são organizadas sob a forma de companhias
fechadas, nas quais a possibilidade de transferência das a­ções a ter-
ceiros investidores é restrita. Posteriormente, as bolsas promovem a
abertura de seu capital, passando a admitir que as a­ções de sua emissão
sejam listadas em uma bolsa de valores e, em consequência, possam
ser livremente negociadas, ocorrendo, então, a transferência do poder
decisório para os acionistas.
As bolsas europeias e asiáticas foram as pioneiras na adoção do pro-
cesso de desmutualização. De fato, a primeira bolsa a desmutualizar-se
foi a Bolsa de Valores de Estocolmo, em 1993, sendo seguida por diversas
outras, como a Bolsa de Valores de Helsinque, em 1995, a Bolsa de Valores
de Copenhague, em 1996, a Bolsa de Valores de Amsterdã e a Bolsa de
Valores de Milão (Borsa Italiana), em 1997. Em 2000, desmutualizaram-se
as Bolsas de Valores de Singapura, Hong Kong e Toronto, a London Stock
Exchange e a Euronext (a bolsa pan-europeia).
Nos Estados Unidos, o processo de desmutualização iniciou-se
um pouco mais tarde, sendo a Chicago Mercantile Exchange a primeira

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 301

bolsa americana a abandonar a estrutura associativa tradicional, em


2002. Logo, esta foi seguida pelas principais bolsas de valores e de
mercadorias e futuros norte-americanas, como a Chicago Board of Trade,
a Nasdaq e, no ano de 2006, a New York Stock Exchange (NYSE) e a
New York Mercantile Exchange (NYMEX).
No Brasil, tanto a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), quanto
a Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) promoveram, no segundo
semestre de 2007, as reformas societárias que culminaram com a sua
“transformação” em sociedades anônimas e a posterior abertura de capital
com a realização das respectivas ofertas públicas iniciais (IPOs).
Vale ressaltar que a conclusão dos processos de desmutualização
da Bovespa e da BM&F foi decisiva para a “fusão” de ambas as bolsas,
anunciada em fevereiro de 2008, que resultou na criação da BM&-
FBovespa10, reunindo as opera­ções das duas companhias em uma só
estrutura acionária.

b) Causas da desmutualização
As razões que levaram as bolsas de valores e de mercadorias e
futuros a seguirem o processo de desmutualização estão relacionadas,
essencialmente, ao crescimento significativo da competição global,
verificado, a partir da década de 1990, no mercado de valores mobiliá-
rios, em decorrência de inúmeros fatores, dentre os quais os principais
foram o desenvolvimento tecnológico e a “globalização”.
O desenvolvimento de inova­ções tecnológicas permitiu a substi-
tuição da estrutura tradicional de negociação, qual seja, o denominado
“pregão”, pelas transações eletrônicas, via computador, que dispensam
a necessidade de deslocamento das partes até o recinto físico onde
eram realizadas as opera­ções.
Com o desenvolvimento das aludidas inova­ções tecnológicas,
surgiram no mercado sistemas eletrônicos de negociação, dentre os

10 A respeito desse tema, ver item 6.5.

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302 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

quais os Electronic Communications Networks (ECNs) e Alternative


Trading Systems (ATSs). Em tais sistemas, não há pregão. Os compra-
dores e vendedores registram-se no sistema, discriminando o tipo de
operação que pretendem realizar. Posteriormente, o sistema localiza as
ordens de compra e venda que se complementam e efetua a transação
eletronicamente, de forma segura e eficiente. A facilidade e a rapidez
oferecida por estes sistemas de negociação atraíram muitos clientes11.
A crescente utilização de tais sistemas eletrônicos contribuiu para
a intensificação da competição, demonstrando a necessidade de ado-
ção, pelas bolsas que operavam pelo sistema tradicional, de estruturas
organizativas e operacionais mais ágeis, de modo que os investidores
que negociavam nos mercados por elas administrados não migrassem
inteiramente para tais sistemas alternativos12.
Além disso, a “globalização” constituiu outro fator determinante
para o incremento da competição entre as bolsas, uma vez que permitiu
a integração dos mercados financeiros e de capitais em todos os países,
pondo um fim ao “monopólio” que as bolsas nacionais detinham sobre
os mercados nos quais estavam inseridas.
Desta forma, companhias emissoras, corretores e investidores
começaram a realizar suas transa­ções nas bolsas internacionais que
lhes oferecessem maiores vantagens competitivas, independentemente
do local onde estavam situadas. A facilidade de acesso aos mercados

11 De acordo com um relatório elaborado pela SEC em junho de 2000, as ECNs


concentraram 30% do volume total de títulos e 40% do montante total de
dólares negociados na Nasdaq. No que se refere ao volume total negociado
dos títulos registrados em bolsas de valores, as ECNs responderam por 3%
das negocia­ções. Comparativamente, em 1993, as ECNs haviam respondido
pela negociação de somente 13% do volume de títulos da Nasdaq e 1,4% do
volume total dos títulos registrados em bolsas de valores (REENA AGGARW-
AL, SANDEEP DAHIYA. Demutualization and Public Offerings of Financial
Exchanges, nov. 2005, p. 8. Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/
papers.cfm?abstract_id=85930>. Acesso em: 16 maio 2017.
12 G. CHESINI. Changes in the Ownership Structure of Stock Exchanges: from
Demutualization to Self-listing, dez. 2001. Disponível em: <http://www.
irbrp.com/static/documents/November/2007/1423628037.pdf>. Acesso
em: 16 mai. 2017, p. 1.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 303

internacionais proporcionada pela “globalização” levou as Bolsas de


todo o mundo a competir tanto por investidores e companhias nacio-
nais, de forma que não migrassem para Bolsas internacionais, como
por investidores e companhias estrangeiros, para que passassem a
negociar em seus recintos.
A desmutualização foi a solução encontrada pelas bolsas para se
modernizarem e flexibilizarem as suas estruturas organizacionais e
operacionais, de forma que tivessem condi­ções de atrair um volume
maior de negócios aos seus respectivos recintos e, consequentemente,
de fazer face à intensificação da competição no mercado internacional
verificada a partir da década de 1990.
Em síntese, verifica-se que a desmutualização teve como causa
direta o crescimento da competição entre as bolsas de valores e de
mercadorias e futuros internacionais e, como causa indireta, os pro-
gressos tecnológicos e a “globalização”13.

c) Vantagens e desvantagens decorrentes do processo


de desmutualização

A primeira vantagem normalmente associada ao processo de des-


mutualização consiste na maior possibilidade de captação dos recursos
necessários para o desenvolvimento e a atualização constante dos
sistemas de negociação, tendo em vista, especialmente, a necessidade
de as bolsas adotarem inova­ções tecnológicas que tornem os negócios
mais seguros e eficientes do que em suas concorrentes.
Na estrutura organizacional tradicionalmente adotada, a possibi-
lidade de captação de recursos pelas bolsas era extremamente restrita,
pois somente os próprios membros, que eram seus únicos proprietários,
poderiam realizar os aportes de capital que se fizessem necessários ao
desenvolvimento de seus negócios.

13 JOHN W. CARSON. Conflicts of Interest in Self-Regulation: Can Demutu-


alized exchanges successfully manage them?, dez. 2003. Disponível em:
<https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=636602>. Acesso
em: 16 mai. 2017, p. 5.

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304 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

As companhias, por sua vez, caso necessitem de recursos adicio-


nais, têm a alternativa de emitir a­ções ou outros valores mobiliários
no mercado, os quais poderão ser subscritos por qualquer investidor.
Assim, as bolsas desmutualizadas e, especialmente, aquelas que se
tornam companhias abertas, dispõem de maior capacidade para se
capitalizarem e realizarem investimentos indispensáveis à sua atuação
em um ambiente de competição global.
Outra vantagem geralmente relacionada ao processo de des-
mutualização consiste na possibilidade de as bolsas organizadas sob
a forma de sociedades anônimas recorrerem a processos de fusões e
aquisi­ções com outras bolsas, de modo a agregarem mercados e clientes,
otimizarem a prestação de serviços, reduzirem custos e, consequente-
mente, conquistarem novos investidores e aumentarem seus lucros14.
O principal objetivo do processo de desmutualização consiste em
desvincular o processo decisório nas bolsas dos interesses dos corre-
tores membros, reduzindo o poder que estes dispõem na condução
dos negócios das bolsas.
A desmutualização, quando seguida da abertura do capital da
companhia, acarreta a separação do poder político dos direitos de
negociação detidos pelos corretores membros. Dessa forma, o poder
de controle sobre a bolsa passa a ser detido pelos acionistas e, conse-
quentemente, os membros deixam de apresentar influência relevante
na condução dos negócios da entidade15.

14 Muitas bolsas recorrem a processos de fusões e aquisi­ções com vistas a


viabilizar o crescimento de seus negócios, como é o caso, por exemplo: (i)
a aquisição da NYSE Euronext pela Intercontinental Exchange (ICE), em 2013,
após o que a NYSE e Euronext passaram a operar como divisões da Interconti-
nental Exchange. (ii) a fusão entre a Chicago Mercantile Exchange (CME), a New
York Mercantile Exchange (NYMEX) e a COMEX, concretizada em 2008; (iii)
a aquisição da OMX, sociedade que opera seis Bolsas de países nórdicos e
bálticos, pela Nasdaq, informada ao mercado em 25 de maior de 2007; e (iv)
a incorporação, em 2017, da Cetip pela BM&FBovespa, integrando em uma
única companhia os negócios com ações, derivativos e títulos de renda fixa.
15 BENN STEIL. Changes in the ownership and Governance of Securities Ex-
changes: Causes and Consequences, fev. 2002, p. 6. Disponível em: <http://
ideas.repec.org/p/wop/pennin/02-15.html. Acesso em: 06 ago. 2007.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 305

Ou seja, a desmutualização foi a solução encontrada para tornar o


processo decisório no âmbito das bolsas livre de eventuais conflitos de
interesses com os seus membros e, por esta razão, mais apto a atender
às reais necessidades das bolsas16.
Assim, as principais vantagens oferecidas pelo processo de des-
mutualização consistem: (i) na facilidade de obtenção de recursos pelas
bolsas, por meio da colocação pública dos títulos de sua emissão; (ii) na
possibilidade de as bolsas recorrerem a processos de fusão ou integração
de atividades com outras bolsas; e (iii) no afastamento dos corretores
membros do processo de tomada de decisões, mitigando-se eventuais
conflitos de interesses e, consequentemente, agilizando-se a adoção de
políticas essenciais para o desenvolvimento dos negócios das bolsas.
O processo de desmutualização, em contrapartida, pode ocasionar
outras hipóteses de conflitos de interesses, tendo em vista a dificuldade
de harmonização entre a função regulatória exercida pelas bolsas e o
propósito lucrativo inerente às sociedades anônimas.
Ao adotarem a forma de companhias abertas, as bolsas pas-
sam a ter, como objetivo essencial de sua atuação, a distribuição
de dividendos aos acionistas, gerando receios de que a pressão
por maiores lucros possa, em algumas hipóteses, fazer com que
elas exerçam suas fun­ções regulatórias de forma ineficiente. Tal
pode ocorrer, por exemplo, na hipótese de as Bolsas optarem por
cortar despesas referentes à manutenção da função regulatória do
mercado, a qual não é, em regra, uma atividade geradora de lucros.
Pode também ocorrer de as bolsas, devido à crescente pressão por
lucros, adotarem normas regulatórias e disciplinares mais brandas,
com o objetivo de atrair novos investidores para seus mercados ou,
ainda, omitirem-se na fiscalização de condutas irregulares por parte

16 REENA AGGARWAL. Demutualization and Corporate Governance of Stock


Exchanges, nov. 2002, p. 9. Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/
papers.cfm?abstract_id=327360>. Acesso em: 17 maio 2017.

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306 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

de seus clientes, a fim de evitar que estes transfiram suas opera­ções


para outras bolsas.17
Por outro lado, cogita-se também a possibilidade de as bolsas, com
vistas a maximizarem seus lucros, exercerem a função regulatória de
forma extremamente rigorosa, aplicando penas de multa em valores
excessivos para aumentarem suas receitas18.
No entanto, a longo prazo, o fato de as bolsas passarem a ter fina-
lidade lucrativa não deve afetar a forma mediante a qual elas exercem
suas fun­ções regulatórias. Isto porque, caso determinada bolsa opte por
adotar uma regulação negligente ou rígida demais, ela poderá perder a
confiança de clientes e investidores que, consequentemente, poderão
transferir seus negócios para outras bolsas19.
Ou seja, tendo em vista o ambiente competitivo em que as Bolsas
atuam hoje em dia, a desmutualização não deve, a longo prazo, criar
incentivos para que as funções regulatórias sejam exercidas de forma
inadequada, com o objetivo de tentar aumentar a lucratividade das
Bolsas, uma vez que, com isto, elas se arriscariam a perder a credibili-
dade perante o mercado, o que poderia levar à redução do seu volume
de negócios e, em última instância, de sua própria lucratividade.

6.2.6. Separação das fun­ções regulatórias e comerciais


das Bolsas

Outro mecanismo que as bolsas de valores e de mercadorias e


futuros vêm adotando com o objetivo de aprimorar a sua estrutura
administrativa e mitigar a ocorrência de conflitos de interesses consiste

17 INTERNATIONAL ORGANIZATION OF SECURITIES COMMISSIONS. Technical


Committee of the International Organization of Securities Commissions (IOS-
CO), Issues Paper on Exchange Demutualization, jun. 2001, p. 7. Disponível
em: <http://www.iosco.org/library/pubdocs/pdf/IOSCOPD119.pdf>. Acesso
em: 06 ago 2007.
18 ANDREAS M. FLECKNER. Stock Exchanges at the Crossroads, nov. 2004, p. 53.
19 ANDREAS M. FLECKNER. Stock Exchanges at the Crossroads, nov. 2004, p. 55.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 307

na separação entre as fun­ções regulatórias e as atividades comerciais


por elas exercidas.
Existe praticamente um consenso entre os diversos agentes que
atuam no mercado financeiro e de capitais (bolsas, corretores, inves-
tidores, órgãos reguladores etc.) no sentido de que a separação das
atividades regulatórias e comerciais constitui um dos procedimentos
mais eficazes para atenuar os eventuais conflitos entre a função re-
gulatória que as bolsas devem desempenhar e os interesses de seus
acionistas ou membros.
A respeito do tema, entende-se que a implementação de um
programa regulatório independente evita que eventuais pressões e
influências por parte daqueles que estão sendo regulados possam
prejudicar a boa condução das fun­ções regulatórias20.
Neste sentido, a Futures Industry Association (FIA) salientou que
o exercício conjunto de ambas as fun­ções cria um incentivo para que
as atividades regulatórias sejam exercidas com o objetivo de promover
o desenvolvimento dos negócios no mercado operado pela bolsa ou o
interesse financeiro de seus proprietários: razão pela qual a separação
das duas fun­ções – regulatória e comercial – deveria consistir em um
dos aspectos essenciais da reforma das entidades autorreguladoras21.
A primeira modalidade de separação das fun­ções regulatórias e
comerciais – denominada separação estrutural – caracteriza-se pela
criação de uma pessoa jurídica distinta da bolsa, com administração e

20 Regras propostas pela SEC, em novembro de 2004, para modificar a legislação


que regula as SROs. U.S. SECURITIES AND EXCHANGE COMMISSION. 17
CFR parts 240, 242 and 249 [Release no. 34-50699; File no. S7-39-04]. RIN
3235-AJ33. Washington, DC. Disponível em: <http://www.sec.gov/rules/
proposed/34-50699.htm>. Acesso em: 19 maio 2017.
21 Comentário da Futures Industry Association (FIA) na audiência pública proposta
pela Commodity Futures Trading Commission (CFTC), set. 2004. FUTURES IN-
DUSTRY ASSOCIATION. Re: The Governance of Self-Regulatory Organiza-
tions. 69 Fed. Reg. 32326, June 9, 2004. Washington, DC, 30 Sept. 2004, p.
4. Disponível em: <http://www.fia.org/downloads/regulatory/CL9-30-04.
doc>. Acesso em: 19 maio 2017.

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308 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

patrimônio próprios, e que tem por objetivo exercer, com exclusividade,


todas as atividades relacionadas à função regulatória.
Tal modelo foi adotado, por exemplo, pela NYSE, em que as
fun­ções regulatórias e comerciais são exercidas por pessoas jurídicas
distintas, administrativa e patrimonialmente independentes, cada
qual responsável por um setor da bolsa. De fato, a NYSE Group, Inc.,
companhia aberta com capital disperso no mercado, constituiu sub-
sidiárias juridicamente independentes para atender àquelas funções.
Atualmente, a New York Stock Exchange LLC, a NYSE MKT LLC,
a NYSE Arca, Inc., e a NYSE National, Inc. (coletivamente, “NYSE
Exchanges”), têm por objetivo realizar todas as atividades comerciais
da bolsa, enquanto a NYSE Regulation, Inc. (NYSER) responde pelas
fun­ções regulatórias juntamente com a FINRA – Financial Industry
Regulatory Authority – (resultado da fusão entre o comitê regulató-
rio do NYSE e o National Association of Securities Dealers) e outras
organizações autorreguladoras22.
A segunda forma de separação de atividades, denominada sepa­
ração funcional, consiste na criação de órgãos específicos, dentro da
própria estrutura administrativa da bolsa, com a função de administrar,
de forma exclusiva, todas as questões referentes à atividade autorre-
guladora da bolsa.
Normalmente, a separação funcional é implementada por meio
de duas medidas, quais sejam:
(a) a criação, no âmbito do Conselho de Administração, de
um Comitê de Regulação, composto somente por pessoas
independentes em relação aos corretores membros e demais
participantes do mercado, que tem por objetivo fiscalizar
o cumprimento das fun­ções regulatórias da bolsa, além de
auxiliar no planejamento da política, orçamento, indicação
de pessoal e remuneração do setor regulatório; e

22 NEW YORK STOCK EXCHANGE. Regulation. Disponível em: <https://www.


nyse.com/regulation>. Acesso em: 25 maio 2017.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 309

(b) a nomeação de um Diretor – normalmente denominado,


nas bolsas norte-americanas, de Chief Regulatory Officer
(CRO) – com competência exclusiva para gerir e executar
todas as atividades relacionadas à regulação dos mercados
operados pela bolsa.
A separação funcional foi adotada, por exemplo, pela Chicago
Mercantile Exchange, mediante a criação do Market Regulation De-
partment, do cargo de Chief Regulatory Officer e do Market Regulation
Oversight Committee (MROC)23.
No entendimento da CME, a separação funcional por ela ado-
tada atende plenamente aos objetivos de minimizar a ocorrência de
conflitos de interesses, observando que a criação de uma estrutura
legal e fisicamente independente – separação estrutural – não seria
adequada, na medida em que: (i) poderia reduzir a familiaridade dos
reguladores com as práticas adotadas no mercado, o que contrariaria
o próprio conceito de autorregulação; (ii) as sinergias existentes entre
os setores comercial e regulatório seriam prejudicadas; e (iii) a criação
de uma entidade separada juridicamente traria custos e burocracias
desnecessários à bolsa24.
Como se verifica, não obstante eventuais discordâncias a respeito
da forma mais adequada a ser adotada, as bolsas de valores e de mer-
cadorias e futuros norte-americanas vêm promovendo a separação das
fun­ções regulatórias e comerciais como instrumento para minimizar
os conflitos de interesses inerentes ao sistema de autorregulação.

23 CME Group. Market Regulation. Disponível em: <http://www.cmegroup.


com/market-regulation.html>. Acesso em: 8 jun. 2017.
24 Comentário da Chicago Mercantile Exchange (CME) na audiência pública
proposta pela Securities and Exchange Commission (SEC), mar. 2005. U.S. SE-
CURITIES AND EXCHANGE COMMISSION. Re: Concept Release Concerning
Self-Regulation; File no. S7-40-04; 69 Fed. Reg. 235 [December 8, 2004].
Washington, DC.Disponível em: <https://www.sec.gov/rules/concept/
s74004/scdonohue030805.pdf>. Acesso em: 22 maio 2017.

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310 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

No Brasil, a Instrução CVM nº 461/2007, que disciplina os


mercados regulamentados de valores mobiliários, reconheceu a neces-
sidade de se separar as áreas administrativas das bolsas e as áreas de
autorregulação, encarregadas da fiscalização dos mercados operados
pela bolsa. A Instrução admite, em seu artigo 36, que as fun­ções de
autorregulação sejam desempenhadas por órgãos integrantes da própria
estrutura interna da bolsa (separação funcional), bem como permite
que ela constitua associação, sociedade controlada ou submetida a
controle comum, sociedade de propósito específico, ou, ainda, que
contrate terceiro independente para exercer tais atividades (separação
estrutural). Para as entidades que optarem pelo modelo de separação
funcional, a Instrução determina que a bolsa tenha um Conselho de
Autorregulação, um Diretor do Departamento de Autorregulação e
um Departamento de Autorregulação, aos quais deve ser atribuída
autonomia funcional e orçamentária em relação aos órgãos de admi-
nistração da bolsa.
Em execução à Instrução CVM nº 461/2007, a BM&FBovespa
constituiu a BM&FBovespa Supervisão de Mercados (BSM), as-
sociação autônoma com o objetivo específico de exercer as funções
fiscalizatórias e sancionadoras a ela atribuídas pela Lei nº 6.385/1976
e pela Instrução CVM nº 461/2007.
A competência autorreguladora da BSM abrange a fiscalização
do cumprimento tanto das normas editadas pela própria BM&F,
como também das regras legais e regulamentares às quais se sujeitam
os participantes do mercado.
Tal atribuição tem supedâneo nas normas regulamentares da
CVM (artigo 43 da Instrução CVM nº 461/200725), e igualmente na

25 “Art. 43. Caberá ao Departamento de Autorregulação, sem prejuízo de outras


atribuições que lhe sejam conferidas: I – fiscalizar as operações realizadas
nos mercados administrados pela entidade, com intuito de detectar even-
tuais descumprimentos que possam configurar infrações às normas legais e
regulamentares; II – fiscalizar, direta e amplamente, as pessoas autorizadas
a operar; III – apontar deficiências no cumprimento das normas legais e

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 311

lei do mercado de capitais, que estabelece que as bolsas devem atuar


como “órgãos auxiliares da CVM”, o que pressupõe a competência
para fiscalizar todas as normas abrangidas na competência da autarquia
(artigo 17, § 1º, Lei 6.385/1976).
Neste sentido, esclareça-se que o sistema da Lei nº 6.385/1976
não implica delegação ou usurpação de competência legalmente atri-
buída à CVM, mas atuação das bolsas – e consequentemente, da BSM
– como “órgão auxiliar” da autarquia. Vale dizer, os poderes de autor-
regulação atribuídos à BSM pela Lei nº 6.385/1976 e pela Instrução
CVM nº 461/2007 não excluem a competência da própria autarquia
para também fiscalizar e sancionar as normas legais e regulamentares
que disciplinam o mercado de capitais.
Poderia-se argumentar que o sistema instaurado por essa legis-
lação específica daria azo ao bis in idem, diante da possibilidade de
aplicação de dupla apenação aos participantes do mercado, pela CVM
e pela BSM. No entanto, o artigo 49, §§ 4º a 6º, da Instrução CVM nº
461/1976 evita justamente cenários como este. Isto porque determina
que a CVM, nos casos em que instaure processos administrativos
tendo por objeto os mesmos fatos já apurados em processos julgados
no âmbito da autorregulação, leve em consideração as penas aplicadas
e os termos de compromisso celebrados pela BSM.
Ainda dentro da função autorreguladora da bolsa, a BSM desem-
penha atividades como a auditoria de todos os participantes que atuam
nos mercados administrados pela BM&FBovespa; o monitoramento
das ofertas e negócios realizados no mercado da bolsa para identificar
indícios de irregularidades; a análise e julgamento das reclamações

regulamentares verificadas no funcionamento dos mercados administrados


pela entidade, ainda que imputáveis à própria entidade administradora, bem
como nas atividades das pessoas autorizadas a operar, acompanhando os
programas e medidas adotadas para saná-las; IV – instaurar, instruir e conduzir
processos administrativos disciplinares para apurar as infrações das normas
que lhe incumbe fiscalizar; [...]”.

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312 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

dirigidas ao Mecanismo de Ressarcimento de Prejuízos (MRP)26; e a


adoção de medidas de orientação, persuasão ou disciplinares nos casos
de infração às normas, como cartas de recomendação, carta censura
ou Processo Administrativo Disciplinar (PAD).
A BSM tem orçamento próprio, pessoal especializado e pode
dispor de recursos financeiros decorrentes de suas atividades, oriundos
de diversas fontes, como, por exemplo, das contribuições concedidas
pela BM&FBovespa e das multas pecuniárias impostas no exercício
de seu poder de polícia.
Com efeito, sendo uma associação autônoma em relação à Bolsa,
sem fins lucrativos e cujo objetivo exclusivo é exercer a atividade de
autorregulação no âmbito dos mercados administrados pela Bolsa, os
recursos por ela arrecadados com multas e termos de compromisso
não poderiam ter nenhuma outra destinação, que não a aplicação no
desenvolvimento da própria atividade de autorregulação.27
Vale destacar, ainda, que o exercício das atividades fiscalizatórias
e sancionadoras por parte da BSM é objeto de permanente supervisão
por parte da CVM, a qual, sempre que entender necessário, pode adotar
medidas para evitar qualquer eventual desvio na atuação da associação.

6.2.7. Independência dos membros do conselho de


administração

Outra tendência que vem caracterizando a reforma das estruturas


dos órgãos administrativos das bolsas de valores e de mercadorias e
futuros internacionais consiste na obrigatoriedade da participação
de membros “independentes” na composição dos seus Conselhos de
Administração.

26 Ver, a propósito do Mecanismo de Ressarcimento de Prejuízos, item 6.4.


27 O próprio artigo 49, § 2º da Instrução CVM nº 461/2007 determina que “os
recursos arrecadados com multas e termos de compromisso celebrados no
âmbito da autorregulação devem ser revertidos, em sua totalidade, para as
atividades previstas neste Capítulo ou para a indenização de terceiros preju-
dicados”.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 313

A participação de membros independentes no Conselho de


Administração das bolsas vem sendo considerada como medida fun-
damental para assegurar que as decisões tomadas pelo referido órgão
não sejam afetadas por eventuais conflitos de interesse existentes em
relação aos corretores membros da bolsa ou aos próprios administra-
dores profissionais da entidade.
Assim, as próprias bolsas começaram a prever, em seus estatutos
sociais, a exigência de que o Conselho de Administração contasse com
um número mínimo obrigatório de membros independentes.
No entanto, existe grande discussão a respeito do conceito de
“independência”, bem como em relação à participação ideal de con-
selheiros independentes em proporção ao número total de membros
no Conselho de Administração.
Em relação às sociedades anônimas, o conceito de “indepen-
dência” fundamenta-se na inexistência de eventuais vínculos entre o
conselheiro e a própria companhia, membros de sua administração ou
seus acionistas controladores. Todavia, no que se refere às bolsas de
valores e de mercadorias e futuros, tendo em vista a função de regular
as atividades de seus membros, a discussão sobre o conceito de inde-
pendência dos conselheiros está relacionada, ainda, com a existência
de vínculos que os tornem subordinados aos interesses de participantes
dos mercados operados pela bolsa.
Por esta razão, distingue-se, no Direito norte-americano, a figura
do conselheiro independente da própria bolsa ou de sua administração,
daqueles que, adicionalmente, não mantêm qualquer relação relevante
com os corretores membros da bolsa ou demais participantes do mer-
cado, sendo estes últimos normalmente denominados de conselheiros
non-industry.
A inclusão de membros non-industry no Conselho de Adminis-
tração justifica-se na medida em que pode evitar eventuais “pressões”
de conselheiros relacionados aos corretores membros sobre diretores
e funcionários da bolsa, bem como pode reduzir a possibilidade de as

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314 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

decisões tomadas pelo Conselho de Administração serem influencia-


das pelos interesses particulares dos corretores da bolsa, e não pelos
interesses da própria instituição28.
A natureza especial dos poderes e atribui­ções de uma entidade au-
torreguladora torna essencial que seu Conselho de Administração seja
formado por membros verdadeiramente independentes, sem ligação
direta e atual com a “indústria” por ela regulada. Assim, os membros do
Conselho de Administração das bolsas devem ser independentes não
apenas de sua respectiva administração, mas também das sociedades
cujas atividades sejam por elas fiscalizadas e disciplinadas29.
Algumas bolsas, apesar de concordarem com os benefícios da
inclusão de conselheiros independentes no Conselho de Administra-
ção, acreditam que não se deveria impedir totalmente a participação
de pessoas ligadas aos seus membros30. Segundo tal entendimento, a
exigência de que todos os conselheiros sejam non-industry poderia
resultar em outro tipo de problema: os Conselhos de Administração
teriam membros com pouca experiência e conhecimento do mercado
de valores mobiliários, o que poderia prejudicar a qualidade das deci-
sões tomadas pelo órgão31.

28 Nesse sentido, confira-se o comentário da Universidade de Princeton na


audiência pública proposta pela SEC: WOODROW WILSON SCHOOL OF
PUBLIC AND INTERNATIONAL AFFAIRS, POLICY TASK FORCE REPORT. Pub-
licly Traded Securities, jan. 2005, p. 39. Disponível em: <http://www.sec.
gov/rules/proposed/s73904/mara011405.pdf>. Acesso em: 23 maio 2017.
29 Comentário da Futures Industry Association (FIA) na audiência pública proposta
pela Commodity Futures Trading Comission (CFTC), jan. 2006, p.4. Disponível
em: <www.fia.org/downloads/regulatory/CL9-30-04.doc>. Acesso em: 23
maio 2017.
30 Comentário apresentado na audiência pública proposta pela SEC, em con-
junto, pelas seguintes Bolsas: Archipelago Exchange, Boston Stock Exchange,
Chicago Stock Exchange, International Securities Exchange, Nasdaq Stock Market e
Philadelphia Stock Exchange, p. 2. Disponível em: <http://www.sec.gov/rules/
proposed/s73904/various030805.pdf>. Acesso em: 24 maio 2017.
31 Comentário da New York Mercantile Exchange (NYMEX) na audiência pública
proposta pela CFTC, fev. 2006, p. 4. Disponível em: <http://www.cftc.gov/
files/foia/comment05/foicf0507b004.pdf>. Acesso em: 24 maio 2017.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 315

Neste sentido, a própria FIA, apesar de defender a presença


de conselheiros non-industry, reconhece o papel significativo de-
sempenhado pelos representantes dos participantes do mercado nas
delibera­ções dos Conselhos de Administração das bolsas, tendo em
vista a substancial expertise por eles agregada ao desenvolvimento das
fun­ções regulatórias32.
Por estas razões, a maioria das bolsas norte-americanas, tais como
a CME, a Nasdaq e a NYMEX, ao definir a composição de seus
Conselhos de Administração, procura contrabalançar a imparcialidade
do conselheiro independente com a experiência e o conhecimento
daqueles que trabalham diretamente no mercado.
Portanto, apesar de haver divergências quanto ao conceito de
“independência” a ser adotado, assim como em relação à composi-
ção adequada do Conselho de Administração, percebe-se um claro
consenso em relação à importância da presença de conselheiros não
vinculados aos participantes do mercado em tais órgãos, para mitigar
possíveis conflitos de interesses.
No Brasil, a Instrução CVM nº 461/2007 segue esta tendência,
exigindo que a maioria dos membros do Conselho de Administração
das bolsas sejam independentes. De acordo com a referida Instrução,
são considerados independentes os Conselheiros que não mantenham
vínculo com a própria Bolsa, seus acionistas controladores, adminis-
tradores, titulares de mais de 10% do seu capital votante e pessoas
autorizadas a operar nos mercados por ela administrados. Além disso,
a Instrução veda que mais de um membro do Conselho de Adminis-
tração mantenha vínculo com a mesma pessoa autorizada a operar ou
com uma mesma entidade, conglomerado ou grupo a que pertença
uma mesma pessoa autorizada a operar.

32 Comentário da Futures Industry Association (FIA) na audiência pública proposta


pela Commodity Futures Trading Comission (CFTC), jan. 2006, p. 3. Disponível
em: <http://www.cftc.gov/files/foia/comment05/foicf0507c010.pdf>. Aces-
so em: 30 maio 2017.

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316 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

6.3. Ativos negociados – opera­ções à vista e a prazo


As opera­ções nas bolsas podem ser efetuadas à vista ou a prazo.
O mercado a prazo compreende, por sua vez, três diferentes tipos de
mercado: o mercado a termo, o mercado futuro e o mercado de op­
ções. A seguir, passamos a descrever as características principais de
cada um destes mercados.

6.3.1. O mercado à vista


No mercado à vista são realizadas opera­ções financeiras com
ativos, títulos e valores mobiliários que são liquidadas à vista, ou seja,
logo após a realização do negócio. Vale dizer, a operação à vista é a
compra ou venda de, por exemplo, uma determinada quantidade de
a­ções, na qual cabe ao comprador, após a concretização da operação,
fazer o pagamento do preço, devendo o vendedor, em seguida, entregar
os títulos que forem objeto da negociação.
Após executada uma operação de compra e venda de determinado
título no mercado à vista da B3, proceder-se-á à liquidação de tal ope-
ração. O dia da liquidação dos títulos poderá variar de acordo com o
ativo transacionado e com o mercado no qual ocorreu a negociação. Por
exemplo, em uma operação de compra de a­ções realizada no mercado à
vista da B3, a liquidação dar-se-á três dias após a realização do negócio33.
Em linhas gerais, no dia da liquidação da operação, o título é
retirado da conta mantida junto à câmara de liquidação pelo vende-
dor e incluído na conta mantida pelo comprador. Ao mesmo tempo,
o valor relativo ao preço pago por este título é debitado da conta do
comprador e creditado na conta do vendedor. Este procedimento de
troca dos títulos pelo valor pago é realizado automaticamente pela
câmara, sem interferência dos participantes do negócio34.

33 B3. Ações. Disponível em: <http://www.b3.com.br/pt_br/produtos-e-servi-


cos/negociacao/renda-variavel/acoes.htm>. Acesso em: 19 out. 2018.
34 As regras sobre a liquidação dos títulos no mercado à vista podem ser consul-
tadas no Manual de Procedimentos Operacionais da Câmara BM&FBovespa.

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Por esta razão, entende-se que as negocia­ções em bolsa não pos-


suem natureza contratual, já que o comprador e o vendedor não se
relacionam diretamente, mas entre eles há a interposição do sistema
de negociação de cada bolsa35.

6.3.2. O mercado a termo


O mercado a termo caracteriza-se por abranger as opera­ções de
compra e venda de um determinado ativo para liquidação em data
futura. As partes contratantes estabelecem um preço a ser pago pelo
ativo e um prazo para a entrega de tal ativo, contado a partir da data
do fechamento do negócio em pregão, ficando vinculadas uma a outra
até a liquidação do contrato.
Na verdade, o preço a termo de determinado ativo resulta de
uma combinação de seu preço no mercado à vista e da taxa de juros
esperada para o prazo contratado. Uma operação a termo equivale a
uma operação de renda fixa com lastro em determinado ativo.
No âmbito da B3, o prazo do contrato a termo para compra e
venda de a­ções é livremente escolhido pelos investidores, mas deve obe-
decer ao mínimo de 16 (dezesseis) e ao máximo de 999 dias corridos36.
As estratégias dos investidores que recorrem às opera­ções de
compra a termo normalmente estão relacionadas ao seu interesse em:
(i) garantir o preço de algum tipo de ativo cuja cotação ele espera que
vá subir37; (ii) diversificar riscos, adquirindo diferentes papéis a termo;

Disponível em: <http://www.b3.com.br/pt_br/regulacao/estrutura-norma-


tiva/pos-negociacao/>. Acesso em: 16 out 2018.
35 JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO. “A Celebração de negócios em Bolsa”. In:
Direito dos Valores Mobiliários, v. I. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 189.
36 B3. Termo de Ações. Disponível em: <http://www.b3.com.br/pt_br/produ-
tos-e-servicos/negociacao/renda-variavel/termo-de-acoes.htm>. Acesso
em: 19 out. 2018.
37 “É bastante simples verificar como tais operações permitem o hedge. Se duas
partes pactuam uma compra e venda para data futura, já fixando o preço, elas
desde o início ‘travam’ aquele preço, que entendem como satisfatório. Com

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318 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

(iii) obter caixa rapidamente sem perder, por exemplo, a participação


na companhia por meio da venda de a­ções à vista e da subsequente
compra de tais papéis a termo; e (iv) alavancar ganhos, já que a com-
pra a termo confere ao investidor a possibilidade de adquirir uma
quantidade de ativos superior à que sua disponibilidade financeira
permitiria comprar à vista.
Em contrapartida, as vantagens das opera­ções de venda a termo
referem-se, notadamente, à obtenção de renda adicional, já que, por
meio da venda a termo, o vendedor receberá os juros relativos ao prazo
do contrato, que não incidem em uma venda à vista.
Os contratos a termo podem ser liquidados na data do vencimento
do contrato ou antecipadamente, sempre que o comprador manifestar
interesse nesse sentido, devendo ser, no entanto, mantidas todas as
demais condi­ções pactuadas no contrato, ou seja, o vendedor entregará
os títulos objeto da negociação e o comprador pagará o preço acordado.
As negocia­ções no mercado a termo exigem depósito de garantia,
tanto do comprador quanto do vendedor, na sociedade corretora, e
desta, na câmara de liquidação. As corretoras podem pedir aos seus
clientes garantias adicionais àquelas exigidas pela câmara.
As garantias podem ser prestadas sob a forma de cobertura ou
margem. Na cobertura, o vendedor deposita, como garantia de sua
obri­gação, a totalidade dos títulos objeto da operação. Já na garantia
prestada sob a forma de margem, o investidor efetua depósito de
dinheiro ou de demais ativos autorizados pela respectiva câmara de
liquidação, em valor calculado de acordo com a avaliação da volatilidade
e da liquidez dos papéis objeto da operação, bem como das condi­ções
gerais das companhias emissoras.

isso, cada uma das partes abre mão de oscilações potencialmente vantajosas,
a fim de se proteger contra aquelas que lhe seriam prejudiciais.” (OTAVIO
YAZBEK. Regulação do mercado financeiro e de capitais. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2007, p.110)

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Os ativos autorizados38 pela câmara de compensação e liquidação


para servir como garantia das opera­ções realizadas no mercado a termo
são: (i) moeda corrente nacional; (ii) títulos públicos federais nego-
ciados no Brasil; (iii) ouro ativo financeiro; (iv) a­ções de companhias
abertas admitidas à negociação na Bolsa; (v) certificado de depósito
de ações (unit) de companhia aberta admitida à negociação na Bolsa;
(vi) ADRs (American Depositary Receipts) de ação elegível à acei-
tação como garantia; (vii) títulos de renda fixa emitidos por bancos
emissores de garantias (Certificados de Depósito Bancário – CDB,
letras de crédito imobiliário – LCI, e letra de crédito do agronegócio
– LCA); (viii) dólar; (ix) título de emissão do tesouro norte-ame-
ricano; (x) título de emissão do tesouro alemão; (xi) carta de fiança
bancária; (xii) cota de fundo de índice negociado na Bolsa; (xiii) cota
do fundo de investimento BM&FBovespa Margem Garantia Renda
Fixa Referenciado DI Fundo de Investimento em Cotas de Fundos de
Investimento – FIC; (xiv) e cota do Fundo de Investimento Liquidez
da Câmara BM&FBovespa – FILCB.

6.3.3. O mercado futuro


O mercado futuro caracteriza-se por englobar opera­ções de
compra ou venda de um determinado ativo para liquidação em data
futura especificada. Nele são realizadas opera­ções envolvendo lotes
padronizados de commodities ou ativos financeiros.
Tal mercado nasceu, primeiramente, em função da necessidade
dos produtores de se protegerem contra instabilidades no preço das
mercadorias, atividade normalmente chamada de hedging.
Com efeito, as negocia­ções a futuro sempre tiveram como objetivo
econômico essencial propiciar a redução de riscos. Tal se dá porque
a venda a futuro (que não se confunde com a venda pura e simples

38 Os ativos elegíveis à aceitação como garantia pela câmara de compensação


e liquidação encontram-se previstos no respectivo Manual de Administração
de Risco. Disponível em: <http://www.b3.com.br/pt_br/regulacao/estrutu-
ra-normativa/pos-negociacao/>. Acesso em: 16 out. 2018.

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320 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

para entrega futura da mercadoria) tem sido utilizada como forma de


projetar os preços ao longo do tempo e estabilizar as possibilidades
de lucros e prejuízos39.
Entre os participantes dos mercados futuros, pode-se destacar o
hedger, que é aquele que efetivamente realiza o negócio com o objetivo
de se proteger das varia­ções de preço do seu produto. Geralmente é,
pois, o produtor daquela mercadoria.
Do outro lado, destaca-se o investidor, ou especulador, que é
aquele que participa do mercado apenas com o objetivo de auferir
os ganhos gerados a partir das varia­ções dos preços das mercadorias
ou dos ativos financeiros, assumindo, pois, os riscos inerentes a essas
oscila­ções.
Os contratos futuros são bastante similares aos contratos a termo,
exceto pela presença de algumas diferenças, tais como: (i) nos contratos
futuros, ao contrário daqueles celebrados a termo, as partes original-
mente contratantes não ficam vinculadas uma a outra até a data do
vencimento, podendo haver troca de posi­ções; e (ii) no contrato a termo
as diferenças de preço são ajustadas na data do vencimento, ao passo
que nos contratos futuros tais diferenças são ajustadas diariamente.
No mercado futuro, ocorre o ajuste diário do valor dos contratos,
de modo que os lucros e prejuízos do dia possam ser financeiramente
liquidados. Em outras palavras, diariamente, após o encerramento das
negocia­ções, é calculado um ajuste sobre o valor dos contratos futuros,
devendo, as partes contratantes, receber ou pagar, neste mesmo dia, o
valor referente às perdas ou ganhos auferidos em suas posi­ções a futuro.
Suponha-se, como exemplo, que um investidor compre um
contrato no mercado futuro, pelo valor de R$ 1.000,00. Suponha-se,
ainda, que, no dia seguinte, aquele seja cotado pelo preço de R$ 990,00.

39 NELSON EIZIRIK. “Negócio jurídico de ‘hedging’”. Revista de Direito Mercantil,


Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 90,
abr.-jun. 1993, p. 13.

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Conforme explicado no parágrafo anterior, ocorrerá um ajuste diário


dessa posição, retirando-se, no caso, R$ 10,00 da conta do comprador
e adicionando-se tal valor à conta do vendedor. Ao contrário, se no dia
seguinte o contrato estiver cotado a R$ 1.015,00, a liquidação dar-se-á
pela retirada de R$ 15,00 da conta do vendedor, valor esse que será
adicionado à conta do comprador.
Tal liquidação ocorrerá diariamente e indefinidamente, até que
o prazo do contrato seja atingido, ou que investidor realize a venda
de um mesmo contrato no mercado futuro, o que fará com que seja
invertida sua posição, por meio de uma compensação automática
realizada pelo próprio mercado.
A negociação no mercado futuro oferece muito mais riscos do
que uma negociação de a­ções, por exemplo. Isto porque, como não
há transferência efetiva dos ativos negociados, não é necessário que o
investidor possua os valores referentes àquela negociação em si. Assim,
tal investidor poderá negociar com valores muito mais altos, o que
elevará seu risco, e também, como contrapartida, oferecerá ganhos
potenciais muito maiores.
Para ilustrar essa situação, veja-se o exemplo anterior. Para a nego-
ciação daquele contrato futuro no valor de R$ 1.000,00, o comprador
não precisará dispor do valor do contrato em si. Na liquidação diária,
conforme visto anteriormente, o montante retirado da sua conta refere-
se apenas à diferença entre as cota­ções, e não à totalidade do contrato.
Tal situação permite que o investidor, dispondo apenas de R$ 20,00,
realize o negócio com esses valores referidos. Desta forma, se a cota-
ção do contrato descer a R$ 980,00, o investidor perderá todo o valor
investido. Ao contrário, se o valor do contrato chegar a R$ 1.020,00,
ele auferirá um ganho de 100% sobre o valor anteriormente detido40.

40 Conforme antes referido, é necessário para esse tipo de negociação que se-
jam depositadas margens de garantia, apenas como uma forma de proteger
o mercado contra a eventual inadimplência dos participantes.

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322 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

6.3.4. O mercado de op­ções


O mercado de op­ções é aquele no qual se processam negocia­ções
de direitos e obriga­ções de compra ou venda – op­ções de compra ou
op­ções de venda – de determinado ativo, com preços de exercício e
prazos preestabelecidos contratualmente. O preço de exercício, ou
seja, o preço pelo qual será exercida a opção, é determinado pela bolsa,
segundo critérios por esta estabelecidos41.
Nos contratos de opção, realizados por meio de acordo pactuado
em pregão na bolsa, um determinado investidor, denominado “titular”,
paga para a outra contraparte da operação, designada de “lançador”, o
chamado “prêmio”, uma quantia em dinheiro que consubstancia o preço
da opção negociada entre as partes. O titular passa, a partir de então, a
poder exercer o direito de opção, seja até a data de vencimento fixada
(opção norte-americana), seja unicamente na própria data de venci-
mento (opção no estilo europeu), ou mesmo revendê-lo no mercado.
Vale ressaltar que, até o vencimento, todas as op­ções são obriga-
toriamente liquidadas, seja pelo exercício por parte de seu titular, seja
pelo não exercício.
O objetivo principal do mercado de op­ções, uma vez que o preço
do ativo objeto está sujeito a flutua­ções nem sempre previsíveis, é ofe-
recer aos investidores uma forma de proteção (hedge) contra possíveis
prejuízos.
Com efeito, apesar de não ser o único meio pelo qual é possível
realizar a proteção dos riscos dos negócios, ou seja, o hedge (conforme
anteriormente referido, tal atividade é desenvolvida, primordialmente,
no mercado futuro), o mercado de opções pode ser uma forma bas-

41 A propósito do mercado de op­ções e das características das rela­ções con-


tratuais das opera­ções nele realizadas, conferir: NELSON EIZIRIK. Questões
de direito societário e mercado de capitais. Rio de Janeiro: Forense, 1987,
p. 214.

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tante eficaz de se precaver contra a insegurança gerada pela atividade


negocial, principalmente no que se refere ao mercado de capitais.
Desta forma, suponha-se que, no mercado de a­ções, um investidor
possui 100 a­ções da companhia X, e as tenha comprado por R$ 40,00.
Precavido, tal investidor adquiriu, também, no mercado de op­ções, o direito
de vender aquelas a­ções, e receber R$ 35,00 por tal venda. Por mais que o
preço dessas a­ções caia, o investidor terá a possibilidade de vendê-las pelo
preço estipulado nas op­ções, limitando a possibilidade de sofrer prejuízo,
o que o protege, em parte, dos riscos inerentes ao mercado de capitais.
Com efeito, tal mecanismo foi justamente o utilizado no chamado
POP (Proteção do Investimento com Participação), produto criado
pela Bovespa através da combinação de uma ação com uma opção de
venda42, divulgado como investimento seguro, já que, conforme de-
monstrado no parágrafo anterior, o risco do investimento, neste caso,
é limitado ao preço de exercício das op­ções.
Vale ressaltar, contudo, que o mercado de op­ções apresenta deter-
minados riscos, principalmente com relação a flutua­ções no preço do
ativo objeto no mercado à vista contrárias às expectativas dos investido-
res. Por exemplo, um investidor, para honrar uma opção de compra por
ele outorgada, pode ser obrigado a adquirir no mercado determinado
lote de a­ções que não possui por um preço muito superior ao preço
de exercício fixado, ou ainda, para cumprir uma opção de venda, pode
se ver obrigado a comprar as a­ções do titular a um preço contratado
muito superior ao preço das a­ções no mercado naquele momento.
Existem, no mercado de op­ções, duas modalidades operacionais:
as chamadas op­ções de compra e as op­ções de venda, as quais passamos
a descrever a seguir.

42 No caso deste produto, também o compõe uma opção de compra, a ser


vendida pelo adquirente do POP, com o objetivo de limitar uma parte dos
ganhos que seriam auferidos com a valorização das a­ções. Tal mecanismo
funciona como uma forma de compensação pela proteção oferecida por
este instrumento.

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a) Op­ções de compra
As op­ções de compra garantem aos seus titulares o direito de
comprar determinado ativo, a um preço de exercício preestabelecido.
Tal direito poderá ou não ser exercido até a data de vencimento, de
acordo com a conveniência de seu titular.
O comprador de uma opção de compra paga à vista para o lan-
çador o chamado prêmio, adquirindo o direito de comprar, no futuro,
até a data de vencimento da opção, o ativo-objeto, pelo preço de
exercício fixado.
O lançador, ou seja, o vendedor da opção de compra, recebe à
vista o prêmio correspondente à venda da opção e assume a obrigação
de vender o ativo-objeto pelo preço de exercício fixado, desde que o
comprador exerça o seu direito de compra até a data de vencimento
da opção. Neste caso, o lançador tem o direito de receber o pagamento
do preço de exercício e o titular a receber a totalidade do ativo.
Registre-se que a obrigação de entrega do ativo pelo lançador
estará garantida por um depósito do próprio ativo ou pelo depósito
de margens de garantia, dentro dos parâmetros requeridos pela bolsa,
perante as entidades de compensação e liquidação.
Na hipótese de o comprador da opção não exercer seu direito de
compra (o que deverá ocorrer caso o preço do ativo no mercado à vista
fique abaixo do preço de exercício fixado), ele perde o prêmio ante-
riormente pago, ficando o vendedor da opção com esta importância,
sem qualquer compromisso adicional.
O lançador de uma opção de compra espera que, na data de ven-
cimento da opção, o preço do ativo a que se refere a opção seja menor
no mercado à vista do que aquele estabelecido no contrato (diz-se
comumente que, neste caso, a opção está “fora do dinheiro”), para que,
diante desse quadro, o comprador da opção não exerça seu direito e
ele realize um lucro com a operação decorrente do recebimento do
prêmio pago pelo comprador.

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Por outro lado, o titular da opção de compra tem a expectativa de


que, na data do vencimento, o preço do ativo no mercado à vista seja
superior ao preço de exercício da opção (ou seja, que a opção esteja
“dentro do dinheiro”), de modo que ele possa comprar tal ativo por
valor inferior ao de mercado.

b) Op­ções de venda
Uma opção de venda, por sua vez, garante a seu titular o direito
de vender ao lançador determinado ativo a um preço de exercício
preestabelecido.
Assim, nas op­ções de venda, cabe ao comprador da opção pagar à
vista o prêmio, adquirindo o direito de vender, na data de vencimento
fixada, o ativo-objeto pelo preço de exercício. Ao vendedor da opção,
por outro lado, cumpre receber o prêmio e obrigar-se a comprar o
ativo-objeto, pelo preço de exercício fixado, na data de vencimento,
se o comprador das op­ções de venda optar por vendê-lo.
O lançador de uma opção de venda, ou seja, o investidor que vende
tal opção, assume, portanto, a obrigação de, na hipótese de exercício
da opção, pagar o preço de exercício para receber, em contrapartida,
o ativo objeto.
Imaginemos que, na data de vencimento da opção de venda, o
preço do ativo-objeto esteja inferior no mercado à vista do que o preço
de exercício da opção. Nesse caso, o lançador deverá ser designado para
atender ao pedido de exercício, sendo, então, obrigado a comprar o
ativo por tal preço. Ou seja, o lançador poderá ser obrigado a comprar
as a­ções do titular a um valor superior ao preço de mercado de tais
a­ções naquele momento.
Por outro lado, se o preço do ativo no mercado à vista estiver
superior ao preço de exercício da opção de venda, o titular das op­ções
provavelmente não irá exercer seu direito. Isto porque, se tal direito fos-
se exercido, o titular venderia suas a­ções ao lançador a um preço menor

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326 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

do que ele mesmo poderia ter vendido as mesmas a­ções a outrem no


mercado à vista. Tal operação, se fosse consumada, não faria sentido.
Da mesma forma que ocorre com as op­ções de compra, o lançador de
op­ções de venda também será obrigado a depositar garantias, observados
os parâmetros estabelecidos pelas entidades de compensação e liquidação.

6.3.5. O mercado de derivativos


Derivativos são todos os contratos negociados cujo valor resulta,
total ou parcialmente, do valor de outro ativo, financeiro ou não. Com
efeito, o valor de tal contrato deriva de outro contrato, ativo ou índice,
refletindo as varia­ções diárias destes, daí o seu nome.
Podem servir de referência para um contrato derivativo vários
tipos de ativos, como, por exemplo, a cotação de uma ação, o valor de
mercado de uma carteira de ações medido por um índice, o preço de
mercado de uma mercadoria, também chamada de commodity, como
soja, ouro ou café, e a taxa de câmbio entre duas moedas, certificados
de depósitos interbancários ou índices de preços, entre outros.
No mercado brasileiro, diz-se que o ativo de cujo preço depen-
de o valor do derivativo é um “ativo de referência”, de modo que os
derivativos são sempre contratos referenciados em algum outro ativo.
O mercado de derivativos engloba os contratos a termo, os con-
tratos a futuro e as op­ções, tratados nos itens anteriores, bem como
os swaps, isto é, contratos por meio dos quais as partes acordam trocar
rendimentos gerados por dois ativos diferentes, com o objetivo de fazer
hedge, casar posi­ções ativas com posi­ções passivas, equalizar preços,
arbitrar mercados ou até alavancar sua exposição ao risco.
Nos contratos de derivativos, duas partes acordam pagamentos
futuros baseados em expectativas sobre o comportamento atual dos
preços de determinado ativo.
Como seus valores e características de negociação estão relacio-
nados a um ativo predeterminado, as opera­ções com derivativos não

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requerem liquidação financeira quando são contratadas, já que esta


será feita por diferença de preços em data futura43.
O mercado de derivativos se desenvolveu efetivamente a partir
do momento em que institui­ções de crédito e investidores passaram a
buscar mecanismos eficientes para proteção contra riscos de oscila­ções
de preços assumidos em função de suas aplica­ções.
Ao operar com derivativos, o investidor visa a obter ganhos fi-
nanceiros de modo a compensar possíveis perdas em outros mercados.
Um exemplo desta situação são as opera­ções feitas no mercado de
op­ções de a­ções, no qual o investidor procura se proteger de possíveis
oscila­ções nas cota­ções no mercado à vista.

6.4. Mecanismo de Ressarcimento de Prejuízos (MRP)

6.4.1. No­ções gerais


Desde a edição da Resolução CMN nº 39/1966, as bolsas sem-
pre foram obrigadas a manter um fundo de garantia para assegurar
aos investidores a devolução ou a reposição de dinheiro ou de títulos
perdidos em decorrência da atuação de administradores, empregados
ou prepostos das sociedades membros em relação à intermediação
das opera­ções realizadas em seus pregões e aos serviços de custódia.
A Instrução CVM nº 461/2007, em seu artigo 77, passou a exigir
que as bolsas mantenham um mecanismo de ressarcimento de prejuízos
causados aos investidores pela atuação das pessoas autorizadas a operar
em seus mercados, o qual não precisará, necessariamente, possuir as
mesmas características do Fundo de Garantia, como seria o caso, por
exemplo, da Bolsa contratar um seguro para tal finalidade

43 “[N]ão se efetua a entrega dos ativos negociados ‘a futuro’, mas apenas o


pagamento de valores correspondentes à diferença entre o preço pactuado
e o preço de mercado na liquidação, [...] tratando-se, assim, de operações
financeiras puras. O efeito de hedge é dado, assim, por essa movimentação
financeira.” (OTAVIO YAZBEK. Regulação do mercado financeiro e de capi-
tais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 109)

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328 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

O mecanismo de ressarcimento dos prejuízos atualmente adotado


pela B3 possui características semelhantes ao antigo fundo de garantia,
constituindo uma modalidade de “seguro de responsabilidade civil”, ou
seja, caracteriza-se como uma técnica de indenizar o risco decorrente
da atuação das sociedades corretoras na intermediação de negocia­ções
realizadas em Bolsa e na prestação de serviços de custódia de títulos e
valores mobiliários.
O ressarcimento efetuado pelo MRP visa, basicamente, a cobrir
a responsabilidade civil da corretora, motivo pelo qual diz-se que ele
possui uma responsabilidade reflexa da sociedade corretora44.
Normalmente, o sujeito passivo de uma obrigação é também a
pessoa que está obrigada a satisfazê-la. No entanto, o ordenamento
jurídico pode atribuir a outrem a responsabilidade pelo adimplemento
da obrigação. Surge, então, a figura do “sujeito passivo indireto”, que
é aquele que, sem ter relação direta com o fato gerador da obrigação,
está, por força de dispositivo legal, obrigado a cumpri-la.
É exatamente isto o que ocorre nas hipóteses legalmente previstas
de ressarcimento pelo MRP, visto que o dano é provocado pela cor-
retora, mas o MRP, na condição de responsável por substituição, tem
a obrigação de ressarcir os prejuízos causados pela corretora faltosa45.
A responsabilidade reflexa do MRP encontra-se limitada, eviden-
temente, às hipóteses legalmente previstas. Ou seja, o MRP não cobre
todo e qualquer dano causado pela corretora ou por seus prepostos
aos investidores, mas unicamente aqueles decorrentes das hipóteses
previstas na regulamentação em vigor. Como a responsabilidade in-
direta por substituição constitui exceção ao princípio de que o sujeito

44 NELSON EIZIRIK. Questões de direito societário e mercado de capitais. Rio


de Janeiro: Forense, 1987, p. 251.
45 FÁBIO KONDER COMPARATO. Direito Empresarial: Estudos e Pareceres. São
Paulo: Saraiva, 1990, p. 360.

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passivo de uma obrigação é a pessoa que deverá satisfazê-la, somente


dela pode cogitar-se quando houver previsão legal expressa46.
Portanto, caso uma sociedade corretora cause prejuízos a deter-
minado investidor em razão dos serviços de intermediação de opera­
ções em bolsa ou de custódia de valores mobiliários por ela prestados,
o investidor lesado poderá pleitear o correspondente ressarcimento
perante MRP, independentemente de qualquer medida judicial ou
extrajudicial contra a sociedade corretora ou a própria Bolsa de Valores.
Ressalte-se que, após o ressarcimento do investidor pelo MRP, a
corretora responsável pelo dano fica obrigada a repor ao patrimônio
do mecanismo a quantia paga aos clientes lesados.
Também deve ser destacado que as perdas dos investidores são
reembolsadas até o limite de R$ 70.000,00 (setenta mil reais) por
investidor reclamante em cada ocorrência, podendo a Bolsa volunta-
riamente estabelecer limites maiores. A BM&FBovespa Supervisão de
Mercados, por exemplo, como administradora do MRP, fixa o limite
de R$ 120 mil para a indenização de cada reclamante47. Isto significa

46 A matéria é regulada pelo Artigo 77 da Instrução CVM nº 461/2007, que


estabelece que o mecanismo de ressarcimento de prejuízos somente estará
obrigado a indenizar o investidor por conta de prejuízos decorrentes da ação
ou omissão de pessoa autorizada a operar em relação à intermediação de
opera­ções em bolsa ou aos serviços de custódia de valores mobiliários. O
referido artigo 77 contém um elenco de hipóteses, relacionadas aos serviços
de intermediação ou custódia, que podem dar ensejo ao ressarcimento pelo
MRP, quais sejam: (a) inexecução ou infiel execução de ordens de compra
ou venda de valores mobiliários; (b) uso inadequado de numerário, de va-
lores mobiliários ou outros ativos, mantidos na conta do investidor perante
a corretora; (c) entrega ao investidor de valores mobiliários ou outros ativos
ilegítimos ou de circulação restrita; (d) inautenticidade de endosso em valor
mobiliário ou outros ativos ou ilegitimidade de procuração ou documento
necessário à transferência dos mesmos; (e) intervenção ou decretação de
liquidação extrajudicial da corretora pelo Banco Central do Brasil; e (f) en-
cerramento das atividades.
47 BM&FBOVESPA SUPERVISÃO DE MERCADOS. Regulamento do Mecanismo
de Ressarcimento de Prejuízos – MRP. Disponível em: <http://www.bsm-au-
torregulacao.com.br/assets/file/leis-normas-regras/Novo-RegulamentoMRP.
pdf>. Acesso em: 21 jun 2017.

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330 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

que, se o prejuízo sofrido pelo investidor for superior a tal montante,


a diferença dos valores somente poderá ser cobrada da corretora res-
ponsável pelo evento lesivo.
O patrimônio do MRP é geralmente formado por contribui­ções
mensais cobradas das corretoras, as quais são estabelecidas pelo Con-
selho de Administração da Bolsa. Uma vez paga tal contribuição, as
corretoras não têm qualquer obrigação de aportar recursos adicionais
ao patrimônio do fundo, a não ser que este venha a apresentar valor
inferior ao limite mínimo estabelecido pela própria Bolsa.

6.4.2. A natureza do MRP como patrimônio de afetação


A Bolsa e o MRP por ela administrado têm patrimônios distintos,
que não se confundem, nem se contaminam, constituindo o MRP,
portanto, um patrimônio de afetação.
O chamado patrimônio de afetação consiste na massa patri-
monial independente, segregada do patrimônio geral da pessoa, com
o objetivo específico de viabilizar o cumprimento de determinadas
finalidades econômicas e jurídicas48.
De acordo com a teoria do patrimônio de afetação, as pessoas
podem ser titulares de mais de uma massa patrimonial, com tratamento
e finalidades diferentes e com capacidade para estabelecer rela­ções
jurídicas e dívidas próprias, mantendo-se essa massa patrimonial
completamente afastada do patrimônio geral de seu titular49.
Vale dizer, todo patrimônio de afetação possui um fim específico,
que motivou a sua constituição e justifica o tratamento especial que
lhe é conferido pelo ordenamento jurídico.

48 CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA. Instituições de Direito Civil, 18a ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1997, p. 251.
49 LUIZ CARLOS STURZENEGGER. “A Doutrina do ‘Patrimônio de Afetação’ e
o Novo Sistema de Pagamentos Brasileiro”. Revista de Direito Bancário, do
Mercado de Capitais e da Arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, n.
11, jan.-mar. 2001, p. 239.

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Para viabilizar a consecução desta finalidade específica, os bens


que integram o patrimônio de afetação, além de não poderem ser
utilizados para outra destinação, são geralmente reservados em favor
de certo grupo de credores50.
Com efeito, uma das principais características do patrimônio de
afetação é o fato de responder exclusivamente pelas dívidas em relação
às quais ele foi afetado, isto é, às obriga­ções relacionadas ao fim que
justificou a segregação patrimonial. Assim, o patrimônio de afetação
possui dívidas próprias, não sofrendo os efeitos das demais obriga­ções
contraídas por seu titular.
Como a separação de certos bens do patrimônio geral para o
cumprimento de obriga­ções específicas é geralmente prejudicial aos
credores gerais do sujeito, pois contraria o princípio de que o patri-
mônio responde integralmente pelas dívidas de seu titular, não se
admite que qualquer pessoa possa, a seu exclusivo critério, dividir seu
patrimônio em massas distintas e, com isso, afastar determinados bens
da ação executiva de seus credores.
Ao contrário, a doutrina é unânime em afirmar que a formação
do patrimônio de afetação deve ter fundamento legal, somente sendo
possível nas hipóteses expressamente autorizadas ou impostas pelo
direito positivo51.
No Direito brasileiro não existe uma disposição legal que auto-
rize, em caráter genérico, a constituição de patrimônios de afetação.
No entanto, diversos atos normativos contemplam, expressa ou im-
plicitamente, a figura do patrimônio de afetação, admitindo que, em
determinadas situa­ções, uma massa patrimonial seja reservada para a
satisfação de credores específicos.

50 FRANCESCO MESSINEO. Manual de Derecho Civil y Comercial. Buenos Aires:


Ediciones Jurídicas Europa-América, 1971, p. 263.
51 CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA. Instituições de Direito Civil, 18a ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1997, p. 251.

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332 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

No caso das bolsas, a regulamentação editada pelo Conselho


Monetário Nacional sempre foi clara no sentido de que o fundo de
garantia por elas administrado constituía um patrimônio de afetação,
separado, portanto, do patrimônio da bolsa que o administrava, o que
foi expressamente mantido pela Instrução CVM nº 461/2007.
A respeito, o artigo 77 da referida Instrução expressamente deter-
mina que o mecanismo de ressarcimento de prejuízo deve ser mantido
pelas bolsas com a “finalidade exclusiva” de assegurar aos investidores
do mercado de valores mobiliários o ressarcimento de prejuízos de-
correntes da atuação de administradores, empregados ou prepostos
de pessoa autorizada a operar. O artigo 87 da Instrução CVM nº
461/2007, por sua vez, estabelece que o patrimônio do mecanismo
de ressarcimento de prejuízo tem escrituração própria e especial, de
forma a garantir a destinação exclusiva de seus recursos.
Verifica-se, pois, que o patrimônio do MRP, por configurar um
patrimônio de afetação, não pode ser utilizado para outra destinação
senão aquela prevista na regulamentação que determina a sua manu-
tenção por parte das bolsas, qual seja, a de indenizar os investidores
por danos provenientes da atuação das sociedades corretoras na
intermediação de negocia­ções realizadas em bolsa e na prestação de
serviços de custódia de títulos e valores mobiliários.

6.4.3. O procedimento para requisição de ressarcimento ao MRP


Cada bolsa de valores deverá regular, por meio de atos normativos
específicos por ela editados, o funcionamento de seu fundo de garantia
e o procedimento a ser observado para apurar a procedência dos pe-
didos de indenização apresentados pelos investidores. No entanto, a
regulamentação vigente, editada pela CVM, estabelece algumas regras
mínimas que deverão ser obrigatoriamente observadas pelas bolsas em
relação a seus MRPs.
Ao receber os pedidos de indenização, a Bolsa deve apurar os fatos
alegados pelo investidor, verificando, por exemplo, se o reclamante
tem legitimidade para obter o ressarcimento, se as opera­ções que

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lhe causaram prejuízos efetivamente ocorreram e estão relacionadas


ao serviços de intermediação ou custódia das sociedades corretoras
e, em caso afirmativo, se o pedido de ressarcimento foi apresentado
tempestivamente52.
No curso de tal processo de apuração, a Bolsa, a fim de assegu-
rar a observância do contraditório, deve solicitar que as corretoras
supostamente responsáveis pelo prejuízo manifestem-se acerca da
reclamação do investidor, podendo, ainda, caso entenda necessário,
tomar o depoimento das demais pessoas envolvidas nas operações e
realizar outras diligências (artigo 83 da Instrução CVM nº 461/2007).
Com base nos elementos apurados no referido processo, a Bolsa
deverá decidir sobre a obrigatoriedade ou não de o MRP indenizar
os prejuízos reclamados por cada investidor.
Caso a Bolsa decida negar o pedido formulado pelo investidor,
o reclamante poderá apresentar recurso à CVM, solicitando que a
autarquia reveja a decisão.53

6.5. A BM&FBOVESPA – Bolsa de Valores, Mercadorias


e Futuros, atual B3

6.5.1. A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa)


Em 1895, foi fundada a chamada Bolsa de Fundos Públicos de
São Paulo. Nesta época, havia uma limitação imposta pelo governo
ao número de corretores que poderiam atuar na Bolsa e a função de
corretor era tida como ofício público. Existia, ainda, um órgão de
classe, com poderes autorregulatórios, considerado o embrião dos
atuais conselhos de administração das Bolsas. Tal órgão denominava-

52 Nos termos do artigo 80 da Instrução CVM nº 461/2007, o pedido de


ressarcimento ao MRP deve ser apresentado, sob pena de prescrição, no
prazo máximo de 18 (dezoito) meses contados da data da ocorrência do
evento lesivo.
53 Artigo 82, parágrafo único, da Instrução CVM nº 461/2007.

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334 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

se Câmara Sindical, e era responsável pela indicação dos corretores a


serem nomeados, por meio de decreto, pelo Presidente da República54.
Em 1935, a referida Bolsa ganhou o nome de Bolsa Oficial de
Valores de São Paulo, passando a ser considerada instituto semiautô-
nomo, diretamente subordinado ao Secretário da Fazenda do Estado55.
Nesta época, as negocia­ções eram travadas em torno de um balcão
central onde os corretores se reuniam.
A Bolsa Oficial de Valores de São Paulo deu origem, já na dé-
cada de 1960, à Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), que passou
a ostentar esse nome em 1967. Em tal período, a Bolsa deixou de ser
subordinada ao Secretário da Fazenda do Estado para se transformar
em associação civil sem fins lucrativos, com autonomia administrativa,
financeira e patrimonial.
A função de Corretor Oficial deixou de existir e foram formadas
as Sociedades Corretoras. Surgiram os denominados operadores de
pregão, que eram as pessoas que realizavam as opera­ções, a partir das
ordens dadas pelas Sociedades Corretoras.
O sistema tradicional de Pregão Viva Voz foi desaparecendo
paulatinamente para ser substituído por um sistema de negociação
totalmente eletrônico. Em 2005, a Bovespa encerrou as atividades de
negociação por meio do Pregão Viva Voz, passando a adotar somente
o sistema de negociação eletrônico chamado de Mega Bolsa, que, em
razão da avançada tecnologia utilizada, ampliou bastante o volume de
processamento das informa­ções.
No final da década de 1990, foram implementados na Bovespa
dois serviços adicionais para estimular a participação do pequeno e
médio investidor no mercado, quais sejam: (i) o Home Broker, serviço

54 ARY OSWALDO MATTOS FILHO. “Natureza Jurídica das atividades das Bolsas
de valores”. Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 603,
1986, pp. 27-28.
55 ARY OSWALDO MATTOS FILHO. “Natureza Jurídica das atividades das Bolsas
de valores”. Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 603,
1986, p. 12.

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que permite aos investidores transmitir suas ordens de negociação


diretamente ao Sistema de Negociação da Bolsa, a partir do site das
Corretoras; e (ii) o After-Market, um sistema que permite a negociação
eletrônica fora do horário regular do pregão.
Passaram a existir, então, na Bovespa, duas formas possíveis de se
lançar ofertas: (i) pelo Sistema Eletrônico de Negociação – o Mega
Bolsa –, quando ofertas de compra ou venda encaminhadas pelas Cor-
retoras eram efetivadas por meio de terminais de computador, sendo
que o encontro de ofertas e o fechamento dos negócios são realizados
automaticamente pelos computadores da Bolsa; e (ii) pelo Home Broker,
que possibilitava ao investidor encaminhar, por meio de Corretoras,
ordens de compra e venda de a­ções e de op­ções pela Internet.
No ano 2000, iniciou-se um processo de integração das bolsas de
valores do Brasil, que permitiu que a Bovespa passasse a concentrar
toda a negociação de a­ções do País. A partir de então, as Bolsas re-
gionais passaram a manter apenas algumas atividades relacionadas ao
desenvolvimento do mercado e à prestação de serviços às praças locais56.
Em setembro de 2007, foram aprovados os atos societários des-
tinados a implementar o processo de “desmutualização” da Bovespa57.
Em virtude de tal processo, as atividades econômicas por ela exercidas
foram transferidas para uma sociedade denominada Bolsa de Valores
de São Paulo S.A. (BVSP). Os antigos associados da Bovespa recebe-
ram, em substituição aos títulos patrimoniais por eles detidos, a­ções
de emissão da sociedade Bovespa Holding S.A. (Bovespa Holding),
a qual, por sua vez, detinha a integralidade do capital social da BVSP
e da Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC). Já as

56 Até a década de 1980, a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro – BVRJ – era a


principal Bolsa do País. Para um histórico da BVRJ, ver MARIA BÁRBARA LEVY.
História da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ibmec, 1977.
57 Por “desmutualização” entende-se o processo destinado a fazer com que as
atividades econômicas compreendidas no objeto social das Bolsas de valores
e de mercadorias e futuros deixem de ser exercidas por meio de uma estru-
tura jurídica associativa e passem a ser desenvolvidas sob a forma de uma
sociedade anônima. A propósito, conferir o item 6.2.5 deste Capítulo.

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336 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

atividades de autorregulação das opera­ções e dos participantes dos


mercados administrados pela Bovespa, que anteriormente eram exerci-
das pela própria Bolsa, passaram a ser de responsabilidade da Bovespa
Supervisão de Mercados58, associação sem finalidades lucrativas cujos
únicos associados eram a própria BVSP e a CBLC.
Em outubro de 2007, foi concluído o processo de abertura de
capital da Bovespa Holding, cujas a­ções passaram a ser admitidas
à negociação nos mercados administrados pela própria Bolsa, uma
situação conhecida como autolistagem.

6.5.2. A Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F)


Em 26 de outubro de 1917, foi criada a Bolsa de Mercadorias de
São Paulo (BMSP), que foi pioneira no Brasil na negociação de opera­
ções a termo e alcançou forte tradição nos contratos agropecuários,
notadamente café, boi gordo e algodão.
A Bolsa Mercantil e de Futuros (BM&F) foi fundada, por sua
vez, em julho de 1985, tendo seus pregões começado a funcionar em
31 de janeiro de 1986. Destacou-se no mercado brasileiro pela dis-
ponibilização de negocia­ções com produtos financeiros em diferentes
modalidades operacionais.
Em 9 de maio de 1991, a BM&F e a BMSP celebraram acordo
operacional para unir suas atividades, surgindo, então, a Bolsa de
Mercadorias e Futuros, cuja sigla – BM&F – foi mantida. Em junho
de 1997, a BM&F fechou novo acordo operacional, desta vez com a
Bolsa Brasileira de Futuros (BBF), fundada em 1983 e cuja sede ficava
no Rio de Janeiro.
A partir de então, a BM&F passou a centralizar as negocia­ções
com derivativos no Brasil e tornou-se o principal centro de mercado

58 Após a integração das atividades da Bovespa e da BM&F (ver item 6.5.3 deste
Capítulo) a Bovespa Supervisão de Mercado passou a ser denomidada BM&F-
Bovespa Supervisão de Mercados – BSM.

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de derivativos da América Latina e uma das principais bolsas de de-


rivativos do mundo59.
Em setembro de 2007, foi implementado o processo de “desmu-
tualização” da BM&F, com a transferência das atividades econômicas
e de autorregulação por ela exercidas para uma sociedade denominada
Bolsa de Mercadorias & Futuros – BM&F S.A., e a consequente
atribuição, aos antigos associados da bolsa, de a­ções representativas
do capital de tal sociedade.
A partir de 30 de novembro de 2007, as a­ções de emissão da
BM&F S.A. passaram a ser negociadas no Novo Mercado da Bovespa,
completando, assim, o proceso de desmutualização da Bolsa.
Em fevereiro de 2008, foi aprovado contrato de parceria entre
BM&F e o CME Group, controlador da Chicago Mercantile Exchange
e da Chicago Board of Trade, por meio do qual a BM&F passou a de-
ter a­ções representativas de 2,18% do capital do CME Group, e este
passou a deter participação de 10% do capital da BM&F. Tal acordo
permitiu a interligação da rede eletrônica de distribuição da BM&F
e do CME Group, possibilitando o rastreamento de ordens referentes
aos produtos negociados em ambas as institui­ções.

6.5.3. O surgimento da BM&FBovespa – Bolsa de Valores


Mercadorias e Futuros, atual B3
A conclusão dos processos de desmutualização da Bovespa e da
BM&F, no segundo semestre de 2007, criou condi­ções para o pro-
cesso de “fusão” de ambas as Bolsas, de forma a reunir em uma única
estrutura acionária as atividades relacionadas aos mercados de a­ções
e de derivativos. Assim, já em fevereiro de 2008, as duas bolsas anun-
ciaram publicamente que estavam iniciando conversa­ções visando à
integração de suas atividades.

59 De acordo com o ranking divulgado pela Futures Industry Associaton, a BM&F


era, em 2005, a quinta maior bolsa de derivativos do mundo por volume
negociado, atrás apenas da CME, da Eurex, da CBOT e da Euronext-Liffe.

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338 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Em 8 de maio de 2008, foi aprovada, pelas Assembleias Gerais


Extraordinárias de ambas as bolsas, a operação de reestruturação
societária que permitiu a integração das atividades da Bovespa e da
BM&F, com a “migração” de todos os seus acionistas para uma nova
companhia, constituída especialmente para tal finalidade, a qual foi
denominada BM&FBovespa S.A. – Bolsa de Valores, Mercadorias e
Futuros (BM&FBovespa), passando a ser a terceira maior bolsa do
mundo em valor de mercado.
A referida operação de reestruturação societária consistiu, basi-
camente, em duas etapas, quais sejam: (i) a incorporação da BM&F
S.A. pela BM&FBovespa, com a extinção da primeira; e (ii) a incor-
poração das a­ções de emissão da Bovespa Holding ao patrimônio da
BM&FBovespa, tornando-se aquela subsidiária integral desta. Em
virtude de tais opera­ções, os acionistas da BM&F S.A. e da Bovespa
Holding receberam a­ções ordinárias de emissão da BM&FBovespa, na
proporção de 50% (cinquenta por cento) para o conjunto de acionistas
de cada uma das companhias anteriormente existentes60.
As principais vantagens atribuídas ao processo que resultou na
criação da BM&FBovespa são: (i) a obtenção de sinergias de custos e
de receitas, com potencial de racionalização nas despesas combinadas
das duas bolsas; (ii) a adoção de uma estrutura integrada mais eficiente,
propiciando o desenvolvimento de novos produtos e serviços, o que
poderia redundar num maior volume de negociação nos mercados
por elas administrados; e (iii) o fortalecimento da posição das bolsas
brasileiras no processo de consolidação do mercado internacional,
tornando-as um centro de referência na negociação de a­ções e deri-
vativos na América Latina.

60 Além das referidas a­ções ordinárias, os acionistas da Bovespa Holding re-


ceberam ainda a­ções preferenciais resgatáveis de emissão da Nova Bolsa,
cujo resgate foi aprovado em Assembleia Geral realizada no próprio dia 8
de maio de 2008, resultando em um pagamento da ordem de R$ 1,24 bilhão
aos antigos acionistas da Bovespa Holding.

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As atividades da BM&FBovespa eram segregadas em dois


segmentos. O Segmento Bovespa era responsável pelas atividades
outrora exercidas pela Bovespa, quais sejam, a negociação de valores
mobiliários, de derivativos de renda variável e de títulos de renda fixa
corporativa, ao passo que no Segmento BM&F eram negociadas
mercadorias, derivativos de índices, taxa de juros, câmbio e futuros
e títulos de dívida públicas, atividades antes exercidas pela BM&F.
No Segmento Bovespa, eram negociadas, além de a­ções de emis-
são de companhias abertas, op­ções sobre a­ções, direitos e recibos de
subscrição, bônus de subscrição e quotas de fundos, debêntures, notas
promissórias, BDRs (Brazilian Depository Receipts) – certificados re-
presentativos de valores mobiliários de emissão de companhia aberta
ou assemelhada sediada no exterior, emitidos no Brasil por instituição
depositária –, op­ções não padronizadas (warrants) emitidas de acordo
com as Instru­ções CVM nº 223/1994 e 328/2000, e certificados de
depósitos de a­ções lançados por empresas sediadas nos países que
integram o Acordo do Mercosul (Mercado Comum do Sul).
No Segmento BM&F eram negociados contratos à vista (apenas
para determinados ativos ou commodities), a termo, de futuros, de op­
ções e de swaps. Os principais contratos são referenciados a taxas de
juros, taxas de câmbio, índices de preços e índices do mercado acio-
nário. Além disso, também eram negociados, no âmbito do Segmento
BM&F, contratos relativos a mercadorias, tais como açúcar, boi gordo,
álcool, café arábica, milho e soja, dentre outros.
No que se refere à estrutura de autorregulação, a BM&FBovespa
passou a adotar o mesmo modelo de separação estrutural anteriormente
seguido pela Bovespa, isto é, a concentração da função autorregulado-
ra em uma estrutura jurídica e patrimonialmente independente das
atividades comerciais da Bolsa, passando a Bovespa Supervisão de
Mercado a ser denominada BM&FBovespa Supervisão de Mercado
– BSM e a responder pela autorregulação dos mercados de valores,
mercadorias e futuros.

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340 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

6.5.4. Incorporação da Cetip pela BM&FBovespa: O


surgimento da B3 – Brasil, Bolsa, Balcão

Após a fase preparatória – na qual são negociadas as bases da


incorporação61 –, em 15 de abril de 2016, os administradores da BM&-
FBovespa e da Cetip celebraram o protocolo e justificação objetivando
a reestruturação societária que culminaria na incorporação da Cetip
pela BM&FBovespa. Em seguida à aprovação dos atos societários da
operação pelas assembleias gerais da Cetip e da BM&FBovespa, as
companhias finalmente obtiveram, em 22 de março de 2017 todas as
autorizações das autarquias competentes, isto é, do Cade e da CVM,
para que a operação pudesse ser materializada. Findas as preparações,
a reestruturação deu-se mediante duas etapas62.
Em primeiro lugar, as ações de emissão da Cetip foram incor-
poradas pela Companhia São José Holding, subsidiária integral da
BM&FBovespa, resultando na emissão, pela Holding, em favor dos
acionistas da Cetip proprietários das ações incorporadas, de ações
ordinárias e preferenciais resgatáveis de emissão da Holding.
Em um segundo momento, a Holding foi incorporada pela
BM&FBovespa, havendo a extinção da Holding e sucessão, pela
BM&FBovespa, de todos os seus bens, direitos e obrigações. Por
conseguinte, houve a migração dos acionistas da Cetip para o quadro
acionário da bolsa e o nascimento da B3 – Brasil, Bolsa, Balcão, como
a quinta maior operadora de bolsas do mundo em valor de mercado,
operando com ações, derivativos e renda fixa63.

61 NELSON EIZIRIK. A Lei das S/A Comentada, vol. IV – 2ª edição revista e am-
pliada – artigos 206 a 300. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 131.
62 BM&FBOVESPA. Protocolo e justificação da incorporação da CETIP S.A. –
Mercados organizados pela BM&FBOVESPA S.A. – Bolsa de Valores, Merca-
dorias e Futuros. Disponível em: <http://ri.bmfbovespa.com.br/ptb/3227/
ANEXO%20II.1%20Protocolo%20e%20Justificacao_versao%20para%20
assinatura.pdf>. Acesso em: 6 jun. 2017.
63 CAROLINA MANDL. Agora B3, Bolsa inicia nova fase com longa integração.
Disponível em: <http://www.valor.com.br/financas/4921524/agora-b3-Bol-
sa-inicia-nova-fase-com-longa-integracao>. Acesso em: 6 jun. 2017.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 341

A B3 oferece – nos mercados de produtos listados em bolsa


– sistemas e serviços de negociação e pós-negociação de ações, de-
rivativos de ações, financeiros e de mercadorias, ativos de renda fixa,
títulos públicos federais, moedas à vista e commodities agropecuárias.
Além disso, oferece o serviço de listagem e depositária central para
os ativos que são negociados em seu ambiente; bem como os serviços
de licenciamento de softwares e índices.
A companhia realiza a compensação e liquidação de todos esses
ativos, mas a prestação de outros serviços – dentre os quais a pré-a-
nálise, o registro e a custódia – varia conforme o valor mobiliário64.
Por exemplo, no mercado de derivativos listados, são oferecidos os
serviços de negociação, compensação/liquidação e contraparte central. Já
no mercado de derivativos de balcão são oferecidos os serviços de registro,
compensação/liquidação e contraparte central, mas não o de negociação.
Já os produtos não listados, negociados diretamente entre as par-
tes, em operações bilaterais no mercado de balcão, têm à sua disposição
na B3 a infraestrutura para o seu registro.
Além disso, após a incorporação, a B3 passou a ter uma unidade
de financiamento de veículos e imóveis, pela qual oferece produtos e
serviços com o fim de facilitar, abreviar e tornar mais seguro o proce-
dimento de análise e aprovação de crédito.

6.5.5. Central Depositária


O depósito centralizado consiste em um sistema por meio do
qual todos os valores mobiliários e ativos financeiros são depositados
em um depositário central, para posteriormente serem admitidos à
negociação nos mercados regulamentados.
Seu objetivo principal é assegurar, para os participantes do merca-
do e para os órgãos reguladores, a existência e a titularidade dos ativos

64 A lista completa e detalhada de produtos e serviços oferecidos pela B3 pode


ser consultada em: <http://www.b3.com.br/pt_br/produtos-e-servicos/>.

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342 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

negociados. Sendo assim, funciona como uma segurança adicional ao


registro centralizado de operações e ativos.
Isso porque o registro por si só não é capaz de assegurar a regular
emissão e existência do ativo, ou ainda que o alienante seja o seu efetivo
titular. Apesar de registrado em um ambiente de negociação, o ativo
permanece com seu emissor ou titular originário.
Assim, para aumentar a segurança das operações no mercado, os
ativos são “imobilizados”, isto é, são depositados no depositário central,
a quem compete, basicamente, a prestação de serviços de custódia
centralizada de tais ativos.
Todo o processo de “imobilização” de um ativo envolve não ape-
nas o depositário central (que passa a deter a titularidade fiduciária
do ativo), como também um escriturador, que mantém os registros
escriturais de emissão e movimentação do ativo em questão.
Por meio desse procedimento, os ativos deixam de ser diretamente
detidos pelos investidores, passando a ser registrados em contas es-
criturais mantidas pelos depositários centrais. Uma vez certificadas
a existência e a titularidade dos ativos financeiros pelo depositário
central, os agentes de mercado passam a ter a segurança necessária
para negociá-los em mercados organizados.
A rigor, o depósito centralizado de ativos existia plenamente
apenas para as ações emitidas por companhias abertas. A Lei nº
10.303/2001, incorporando a prática que existia até então, reformulou
o instituto da custódia de ações de emissão de companhias abertas,
que passou a basear-se na transferência da propriedade fiduciária das
ações, uma vez depositadas junto à instituição custodiante (artigo 41
da Lei das S.A.) 65.
Com o advento da Lei nº 12.810/2013 (regulamentada pela
Instrução CVM nº 541/2013), no entanto, foi formalmente instituída,

65 MODESTO CARVALHOSA, NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S/A. São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 132.

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no ordenamento jurídico brasileiro, a figura do depositário central,


titular da propriedade fiduciária de todos os ativos nele depositados66.
Assim, o depósito centralizado é materializado com a transfe-
rência da propriedade fiduciária do valor mobiliário. A partir desse
momento, o ativo fica “imobilizado”67 e sua movimentação é operada
exclusivamente por meio de registros escriturais nas contas de depósito
do depositário central.
Nos termos do artigo 23 da Lei nº 12.810/2013 e do §1º do
artigo 1º da Instrução CVM nº 541/2013, o serviço de depósito cen-
tralizado compreende as seguintes atividades: (i) a guarda dos valores
mobiliários, fungíveis e infungíveis, pelo depositário central; (ii) o
controle de titularidade dos valores mobiliários por meio de contas
de depósito mantidas em nome dos investidores; (iii) a imposição de
restrições à prática de atos de disposição dos valores mobiliários, pelo
investidor final ou por qualquer terceiro, fora do ambiente do depo-
sitário central; e (iv) o tratamento das instruções de movimentação e
dos eventos incidentes sobre os valores mobiliários depositados, com
os correspondentes registros nas contas de depósito.
Conforme dispõe o artigo 3º da Instrução CVM nº 541/2013, o
depósito centralizado é condição obrigatória para a distribuição pública
e negociação, em mercados organizados, de valores mobiliários. Assim,
para que um ativo possa ingressar e permanecer no mercado de capitais,
não basta o seu mero registro; faz-se necessária a sua imobilização por
meio de um depositário central.
Além de fixar, em um regulamento, as regras de acesso dos partici-
pantes aos seus serviços de depósito centralizado, o depositário central

66 Nesse sentido, o artigo 24 da Lei dispõe que “Para fins do depósito centraliza-
do, os ativos financeiros e valores mobiliários, em forma física ou eletrônica,
serão transferidos no regime de titularidade fiduciária para o depositário
central.”
67 A transferência de valores mobiliários para o depositário central, uma vez
realizada, é considerada definitiva e irrevogável, conforme estabelece o artigo
37 da Instrução CVM nº 541/2013.

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344 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

também é responsável pela fiscalização e supervisão da atuação dos


seus participantes. Para isso, deve (i) monitorar o cumprimento das
regras e procedimentos previstos na Instrução CVM nº 541/2013 e
em seus regulamentos; (ii) julgar e impor penalidades decorrentes da
violação às referidas regras; e (iii) zelar pela regularidade dos procedi-
mentos internos dos custodiantes e escrituradores, inclusive mediante
inspeções periódicas em seus sistemas e livros de registro.
Assim, por determinação da CVM, o depositário central exerce a
função de entidade autorreguladora dos seus participantes e das ope-
rações por eles realizadas, podendo, para tanto, constituir associação,
sociedade controlada ou submetida a controle comum, de propósito
específico, ou, ainda, contratar terceiro independente (artigo 41 da
Instrução CVM nº 541/2013).

6.5.6. As Câmaras de Registro, Liquidação e Custódia da B3


As chamadas clearing houses são institui­ções que prestam serviços
de registro, compensação e liquidação de opera­ções realizadas em bol-
sas e mercados organizados. Tais institui­ções têm a função de garantir
que as opera­ções de compra e venda efetuadas pelos investidores sejam
liquidadas nos prazos e condi­ções previamente estabelecidos, o que é
de suma importância para a credibilidade e estabilidade do mercado.
O sistema de clearings da BM&FBovespa era formado pela Câ-
mara de Ações e Renda Fixa Privada (antiga Companhia Brasileira
de Liquidação e Custódia – CBLC), Câmara de Derivativos, Câmara
de Ativos e Câmara de Câmbio68. Como já referido, a BM&FBovespa
resultara da combinação dos negócios da Bovespa Holding S.A. e da
Bolsa de Mercadorias e Futuros – BM&F S.A., as quais operavam
múltiplos sistemas de liquidação e compensação e não haviam sido
unificados quando daquela operação societária.

68 BM&FBOVESPA Clearing. Disponível em: <http://ipn.bmfbovespa.com.


br/O-Projeto/Historico-4>. Acesso em 6 jun 2017.

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A B3, no entanto, conta com apenas duas clearings: a Câmara


B3 e a Câmara de Câmbio. Após a reorganização societária que deu
lugar à B3, houve a conclusão do projeto – iniciado em 2014 – de
integração das quatro clearings anteriormente existentes69. Assim, uma
única câmara integrada, a Câmara B3, é responsável pelo registro,
compensação, liquidação e gerenciamento de risco de operações com
derivativos financeiros e de commodities, mercado de balcão (swaps,
termo de moeda e opções flexíveis) e mercado a vista de ouro. Já a
Câmara de Câmbio realiza o registro, a compensação, a liquidação e
o gerenciamento de risco de operações do mercado brasileiro inter-
bancário de dólar a vista (dólar pronto).
Além disso, participam do sistema, atuando como Agentes de
Compensação, os Bancos, as Corretoras e as Distribuidoras de títulos
e valores mobiliários.
Na cadeia de responsabilidades, a câmara de liquidação garante
a liquidação das obriga­ções dos Agentes de Compensação e estes, por
sua vez, respondem por eventuais inadimplências das Corretoras a eles
vinculadas. Já as Corretoras se responsabilizam pela inadimplência de
seus clientes.
Normalmente, a liquidação das opera­ções se realiza por com-
pensação multilateral de obriga­ções e, neste caso, a clearing atua como

69 São muitos os benefícios decorrentes da integração das clearings. Dentre os


principais, pode-se citar, em primeiro lugar, a redução dos custos operacio-
nais – com departamentos responsáveis, por exemplo, pela administração
dos riscos e tecnologia –, ante a unificação de regras, processos e rotinas dos
participantes. Também resulta da integração a maior eficiência na gestão
de caixa, já que passa a haver a compensação de créditos e débitos entre
a clearing e as corretoras, o que otimiza a utilização de caixa para todo o
sistema financeiro. Além disso, o sistema de cálculo de risco deixa de ser
fragmentado em quatro e passa a ser integrado: o chamado CORE (Closeout
Risk Evaluation) possibilita maior eficiência na alocação de capital por realizar a
avaliação conjunta de risco de portfólios diferentes, compostos por diferentes
tipos de ativos, contratos e garantias. Por fim, a modernização tecnológica é
mais um dos grandes benefícios trazidos pela integração, que potencializa a
capacidade de processamento de negócios por dia. (Disponível em: <http://
clearing.com.br/>. Acesso em: 4 set 2018)

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346 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

contraparte central garantidora, assegurando a liquidação das opera­


ções. Para tanto, exige depósito prévio de garantias.
Com base nas garantias previamente depositadas, a câmara atribui
um limite operacional para cada Agente de Compensação, sendo que
cada um deles, de acordo com critérios próprios de avaliação, deve
distribuir o limite recebido entre as Corretoras a eles vinculadas.
Para efetivar a liquidação de opera­ções no caso de ocorrer ina-
dimplência de um participante de negociação, a câmara primeiramente
executa as garantias depositadas pelo Agente de Compensação ina-
dimplente, ou pelo investidor a ele vinculado. Esgotados esses recursos,
utilizará parcela do fundo de liquidação correspondente à participação
do Agente de Compensação inadimplente. Caso tais recursos sejam
ainda insuficientes, a câmara utilizará parcela dos recursos do fundo
de liquidação correspondentes à participação dos demais Agentes de
Compensação. Se, ainda assim, os recursos ainda não forem capazes de
cobrir o inadimplemento, será utilizada parcela dos recursos do fundo
de liquidação correspondentes à contribuição institucional da B3 e,
por fim, recursos do patrimônio especial da própria câmara.
Tais Clearings operam um sistema de compensação multilateral
de obriga­ções, que se utiliza do Sistema de Transferência de Reservas
(STR), para movimentar contas mantidas no Banco Central do Brasil,
atuando a B3 como contraparte central e garantidora da liquidação
das posi­ções.
Na Câmara B3 também são registradas opera­ções com derivativos
realizadas em mercado de balcão, cuja liquidação, conforme opção das
partes contratantes, pode ser garantida (nesse caso a câmara atua como
contraparte central garantidora) ou não (as opera­ções são liquidadas
diretamente entre as partes contratantes).
A B3 aceita como garantia da liquidação das opera­ções dinheiro
(dólar americano no caso de comitentes não residentes no Brasil, e
moeda nacional no caso dos demais participantes); títulos públicos
federais; ação de companhia aberta admitida à negociação na B3; cer-

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tificados de depósito de ações (unit) de companhia aberta admitida à


negociação na B3; ADR (American Depositary Receipt) de ação elegível
à aceitação como garantia; títulos de renda fixa emitidos por bancos
emissores de garantias (CDB, LCI e LCA); dólar; título de emissão
do tesouro norte-americano; título de emissão do tesouro alemão;
carta de fiança bancária; cota de fundo de índice negociado em bolsa
no Brasil (ETF – Exchange Traded Fund); cota do fundo de investi-
mento B3 Margem Garantia Renda Fixa Referenciado DI Fundo de
Investimento em Cotas de Fundos de Investimento (FIC); e cota do
Fundo de Investimento Liquidez da Câmara da B3 (FILCB). Caso
as garantias sejam insuficientes para cobrir eventuais inadimplências,
serão responsabilizados a Corretora que intermediou a operação e
o Membro de Compensação ao qual a Corretora está ligada. Caso
estes não honrem a operação, a B3 utilizará os recursos existentes nos
fundos e salvaguardas por ela mantidos para garantir o cumprimento
das obriga­ções assumidas perante os mercados por ela administrados.

6.5.7. O Novo Mercado e os Níveis Diferenciados 1 e 2 de


Governança Corporativa
A partir de dezembro de 2000, a Bovespa implantou o deno-
minado Novo Mercado e dois Níveis Diferenciados de Governança
Corporativa – Nível 1 e Nível 2. Em 2005 foi implantado o Bovespa
Mais e, em 2014, o Bovespa Mais Nível 2. Todos constituem seg-
mentos especiais de listagem que revelam o comprometimento das
companhias que a eles voluntariamente aderem em adotar melhores
práticas de governança corporativa, a partir da implementação em suas
estruturas societárias de regras mais rígidas do que aquelas previstas
na legislação brasileira.
Com isso, pretendeu a Bolsa conferir ao mercado ambientes de
negociação que atraíssem o interesse dos investidores e que, parale-
lamente, valorizassem as companhias neles listadas. Com efeito, vem
sendo reconhecido que a migração das empresas para os referidos

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348 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

segmentos de listagem “tem impacto sobre a valoração das a­ções


(existência de retornos anormais positivos), aumenta o volume de
negociação e aumenta a liquidez”70.
O principal resultado da implementação do Novo Mercado e dos
Níveis Diferenciados de Listagem é tornar as a­ções emitidas pelas
companhias que a eles aderiram mais atrativas para os investidores,
uma vez que “a passagem para um patamar superior de governança
aumenta o grau de segurança oferecido aos acionistas, bem como
melhora a qualidade das informa­ções prestadas pelas empresas. O
resultado esperado seria a menor volatilidade das a­ções e os retornos
acima da média do mercado”71.
A adesão ao Novo Mercado e aos Níveis 1 e 2 ocorre mediante
a assinatura de um contrato entre a companhia, seus controladores,
administradores, e a própria B3. As partes contratantes assumem a
obrigação de dar cumprimento ao Regulamento de Listagem do seg-
mento específico, que consolida os requisitos que devem ser observados
pelas companhias ali listadas.
As companhias listadas no Nível 1 de Governança Corporativa
comprometem-se, notadamente, a implementar melhores práticas no
que concerne à prestação de informa­ções ao mercado e à dispersão
acionária.
Assim, as companhias que migram para tal segmento assumem
a obrigação de, por exemplo:
(i) fornecer ao mercado informa­ções adicionais a serem pres-
tadas aos investidores nas Informa­ções Trimestrais – ITR

70 ANTONIO GLEDSON DE CARVALHO. Efeitos de Migração para os Níveis de


Governança da Bovespa, jan. 2003. Disponível em: <http://raceadmv3.nuca.
ie.ufrj.br/buscarace/Docs/agcarvalho1.pdf>. Acesso em: 6 jun. 2017.
71 SOLANGE PAIVA VIEIRA, ANDRÉ GUSTAVO SALCEDO TEIXEIRA MENDES.
“Governança Corporativa: Uma Análise de sua Evolução e Impactos no Mer-
cado de Capitais Brasileiro”. Revista do BNDES, n. 22. Rio de Janeiro: Banco
Nacional do Desenvolvimento Social, dez. 2004, p. 110.

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e no Formulário de Referência, em relação às informa­ções


já exigidas pela CVM;
(ii) realizar, ao menos uma vez por ano, reunião pública com
analistas e quaisquer outros interessados para divulgar
informa­ções sobre a sua situação econômico-financeira,
projetos e perspectivas;
(iii) divulgar um Calendário Anual contendo, no mínimo,
a menção e a respectiva data da reunião pública acima
referida e das divulga­ções de informações financeiras
programadas no exercício social.
No que se refere à dispersão acionária, as companhias listadas
no Nível 1 devem apresentar um free float – a­ções em circulação no
mercado72 – que represente, no mínimo, 25% (vinte e cinco por cento)
do seu capital social73.
As companhias listadas no Nível 2, por sua vez, comprometem-se
a, além de observar as regras aplicáveis ao Nível 1, atribuir aos seus
acionistas minoritários uma série de direitos especiais, quais sejam:

72 A­ções em circulação são, conforme definido no Regulamento de Listagem no


Nível 1 de Governança Corporativa da Bovespa, todas as a­ções emitidas pela
companhia, excetuadas as detidas pelo acionista controlador, por pessoas a
ele vinculadas, por administradores da companhia, aquelas em tesouraria e
preferenciais de classe especial que tenham por fim garantir direitos políti-
cos diferenciados, sejam intransferíveis e de propriedade exclusiva do ente
desestatizante.
73 Em 2010, a BM&FBovespa promoveu uma audiência restrita que teve por
objetivo alterar os regulamentos dos níveis diferenciados de Governança
Corporativa. Os debates sobre tais altera­ções se iniciaram em 2009, quando
a BM&FBovespa realizou diversos fóruns de discussões com as companhias
listadas nos diferentes segmentos. O resultado da referida audiência foi di-
vulgado pela BM&FBovespa em 09 de setembro de 2010. No que se refere
ao Nível 1, as principais altera­ções aprovadas foram a proibição do exercício
cumulativo dos cargos de Diretor Presidente e Presidente do Conselho de
Administração pela mesma pessoa e a obrigatoriedade de as companhias
aderentes possuírem uma Política de Negociação com valores mobiliários
de sua emissão por administradores controladores e outras pessoas a elas
relacionadas e um Código de Conduta. Em 2017, a BM&FBovespa novamente
iniciou um procedimento de revisão dos regulamentos – abordado abaixo –,
dessa vez, referente ao Novo Mercado e ao Nível 2.

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350 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

(i) direito de voto aos acionistas detentores de ações preferenciais


no que tange a determinadas matérias de especial relevância,
quais sejam, transformação, incorporação, fusão e cisão da
companhia; aprovação de contratos entre a companhia e seu
acionista controlador, diretamente ou por meio de terceiros,
assim como de outras sociedades nas quais o acionista con-
trolador tenha interesse, sempre que, por força de disposição
legal ou estatutária, sejam deliberados em Assembleia Geral;
avaliação de bens destinados à integralização de aumento de
capital da companhia; escolha de empresa especializada para
determinação do valor econômico da companhia nos casos
em que tal avaliação for requerida; e alteração ou revogação de
dispositivos estatutários que alterem ou modifiquem quais-
quer das exigências previstas para o Nível 2 de Governança
Corporativa, ressalvado que esse direito a voto prevalecerá
enquanto estiver em vigor o Contrato de Adoção de Práticas
diferenciadas de Governança Corporativa Nível 2;
(ii) obrigatoriedade de que, na hipótese de alienação do con-
trole acionário, o adquirente do controle formule oferta
pública para aquisição das a­ções pertencentes aos demais
acionistas da companhia, comprometendo-se a pagar,
pelas a­ções ordinárias, o mesmo preço pago pelas a­ções
integrantes do bloco de controle74;
(iii) obrigatoriedade de a companhia ou o acionista controlador
realizarem oferta pública de aquisição de todas as a­ções
em circulação, no mínimo, pelo valor econômico, calculado
através de laudo de avaliação elaborado por instituição
ou empresa especializada, com experiência comprovada e

74 No processo de votação ocorrido durante o ano de 2010, foi aprovado que,


nas companhias do Nível 2, as ofertas públicas por alienação de controle
devem ser realizadas com o oferecimento do mesmo preço pago ao acionista
controlador a todos os acionistas minoritários, inclusive os titulares de a­ções
preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito.

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independência em relação ao poder de decisão da com-


panhia, nas hipóteses de fechamento do capital ou cance-
lamento do registro para negociação em tal segmento; e
(iv) previsão de que o Conselho de Administração será
composto por, no mínimo, 5 (cinco) membros com man-
dato unificado de até 2 (dois) anos, permitida a reeleição,
e terá a participação de, pelo menos, 20% (vinte por cento)
de conselheiros independentes em relação ao acionista
controlador e à administração ordinária da companhia75.
Além disso, as companhias listadas no Nível 2 devem estabelecer,
em seus estatutos sociais, que os conflitos surgidos entre os participan-
tes do mercado de capitais em geral (acionistas, administradores etc.)
sejam solucionados por meio da Câmara de Arbitragem do Mercado,
constituída pela Bovespa em julho de 2001. Tal medida confere aos
investidores maior segurança para resolução de eventuais conflitos
societários, na medida em que se constitui uma alternativa mais rápida
e especializada do que o Poder Judiciário.
O Novo Mercado obedece, basicamente, aos mesmos princípios
dos Níveis Diferenciados 1 e 2, havendo, porém, uma diferença funda-
mental: enquanto as empresas dos Níveis 1 e 2 têm a­ções preferenciais
negociadas na B3, as companhias do Novo Mercado podem emitir
somente a­ções ordinárias. No que tange às regras aplicáveis, as com-
panhias listadas no Novo Mercado assumem as mesmas obriga­ções

75 Conforme a definição constante do Regulamento do Novo Mercado, não


é considerado Conselheiro Independente aquele que: (i) é acionista con-
trolador direto ou indireto da companhia;(ii) tem seu exercício de voto nas
reuniões do conselho de administração vinculado por acordo de acionistas
que tenha por objeto matérias relacionadas à companhia; (iii) é cônjuge,
companheiro ou parente, em linha reta ou colateral, até segundo grau do
acionista controlador, de administrador da companhia ou de administrador
do acionista controlador; e (iv) foi, nos últimos 3 (três) anos, empregado ou
diretor da companhia ou do seu acionista controlador.Além destes, o Regula-
mento traz outras hipóteses de possível ausência de independência, as quais
devem passar por uma análise subjetiva a fim de determinar a independência
ou não do conselheiro.

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daquelas pertencentes ao Nível 2, com o compromisso adicional de


manterem seu capital social composto apenas por a­ções ordinárias.
Além desses, a fim de abrigar em suas listagens as empresas em
crescimento que desejam ingressar no mercado de capitais de forma
gradativa, foram criados outros dois segmentos de listagem: o Boves-
pa Mais e o Bovespa Mais Nível 2. Conhecidos como mercados de
acesso76, ambos têm regras muito parecidas, uma vez que se destinam
às empresas iniciantes no mercado de capitais. O que os diferencia
é que, ao contrário do Bovespa Mais, no Bovespa Mais Nível 2 são
admitidas negociações de ações preferenciais, e não apenas ordinárias.
Recentemente, a BM&FBovespa – posteriormente B3 – iniciou
novo procedimento para revisitar o Novo Mercado e o Nível 2. Após
pesquisas voltadas à evolução dos segmentos, análises de práticas
adotadas em outras jurisdições e amplo debate com os agentes de
mercado, o processo foi iniciado. Primeiramente, foram coletadas
opiniões e reflexões dos participantes do mercado e demais partes
interessadas, as quais serviram de base para as propostas de evolução
elaboradas pela BM&FBovespa. As propostas foram submetidas a
duas audiências públicas e, uma vez integradas com as manifestações
dos participantes do mercado, foram submetidas a audiência restrita
para colher as opiniões das companhias listadas nesses segmentos. O
período de votação da audiência restrita estendeu-se de 1º a 23 de
junho de 2017.
Afinal, as 131 companhias integrantes do Novo Mercado votaram
pela aprovação do regulamento-base proposto pela Bolsa, e da obriga-
ção de avaliação do conselho de administração, de seus comitês e da
diretoria. Entre outras, o novo regulamento traz disposições sobre ações
em circulação, dispersão acionária, conselho de administração, quórum
para saída do segmento, reorganização societária e fiscalização e con-

76 NORMA JONSSEN PARENTE. Mercado de Capitais. Coleção Tratado de Direito


Empresarial, vol. VI. Modesto Carvalhosa (coord.). São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2016, p. 384.

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trole. Por outro lado, foram rejeitados três dos quatro pontos votados
em separado: a obrigação de divulgação de relatório socioambiental;
o quórum de 50% para saída do segmento; e a OPA por aquisição de
participação relevante (20% a 30%, a critério da companhia).
Com relação às ações em circulação, a atualização não altera a
regra geral do percentual de 25% do capital social de free-float. Ago-
ra, no entanto, é possível sustentar um percentual correspondente a
15% do capital social, desde que o volume financeiro médio diário de
negociação das ações da companhia se mantenha igual ou superior
a R$25.000.000,00 (vinte e cinco milhões de reais), considerados os
negócios realizados nos últimos 12 meses (artigo 10 do Regulamen-
to). Além disso, na hipótese de ingresso no segmento concomitante
à realização de oferta pública de distribuição de ações, a companhia
pode manter, nos primeiros 18 meses, ações em circulação em per-
centual de, no mínimo, 15% do capital social, apenas caso o volume
financeiro das ações em circulação da respectiva oferta seja superior a
R$3.000.000.000,00 (três bilhões de reais).
Em matéria de dispersão acionária, a novidade trazida é a ressalva
destinada às ofertas públicas de distribuição de ações com esforços
restritos. Especificamente nestas operações, as companhias não preci-
sam envidar melhores esforços para atingir dispersão acionária (artigo
12 do Regulamento).
O Conselho de Administração passa a ser obrigatoriamente
composto por 20% de conselheiros independentes ou dois membros,
sempre arredondando o número para cima. É sutil a alteração, que
apenas elimina a possibilidade de arredondá-lo para menos. Houve
também a supressão do número mínimo de membros e da obrigatorie-
dade de assinatura do termo de anuência como condição para a tomada
de posse de cargo no Conselho de Administração ou Diretoria. Já os
critérios determinantes da independência dos conselheiros ficaram
mais detalhados no novo regulamento, passando a não considerar
independente também aquele cujo exercício de voto nas reuniões do

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conselho seja vinculado por acordo de acionistas que tenha por ob-
jeto matérias relacionadas à companhia. Além disso, outros critérios
foram flexibilizados, devendo passar por uma análise subjetiva que
determinará a independência ou não. Por exemplo, antes, o conselheiro
que recebesse outra remuneração da companhia que não decorrente
de participação no capital social não era considerado independente.
Agora, porém, esta circunstância passa por uma análise a fim de se
verificar se implica na perda da independência ou não (artigo 16, § 2º,
do Regulamento). Por fim, nas companhias com acionista controla-
dor, os conselheiros eleitos em votação em separado são considerados
independentes.
Na hipótese de saída voluntária do Novo Mercado, deve esta
ser precedida por Oferta Pública de Aquisição, por preço justo, com
observância da regulamentação editada pela CVM referente a OPA
para cancelamento de registro. É preciso também que 33% das ações
em circulação, ou percentual maior definido no estatuto social, aceitem
a oferta pública ou concordem expressamente com a saída sem efetuar
a venda das ações. No regime anterior, não havia quórum estabelecido,
mas a saída deveria ser previamente aprovada em Assembleia Geral
de acionistas e a oferta pública deveria ser por valor econômico.
Outra regra acrescentada pelo Regulamento determina que, em
caso de reorganização societária que envolva a transferência da base
acionária da companhia, as sociedades resultantes devem pleitear o
ingresso no segmento do Novo Mercado em até 120 (cento e vinte) dias
da data da Assembleia Geral que deliberou a referida reorganização.
A atualização também trouxe novas disposições sobre fiscalização
e controle. As companhias listadas no Novo Mercado devem instalar
comitê de auditoria, estatutário ou não, incumbido de atuar como
órgão de assessoramento vinculado ao Conselho de Administração.
Do mesmo modo, determina-se a constituição de auditoria interna,
com o fim de aferir qualidade e efetividade dos processos de geren-
ciamento de riscos, controle e governança, com atribuições aprovadas

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pelo Conselho de Administração. Alternativamente, pode a companhia


contratar auditor independente registrado na CVM responsável por
essa função. Por fim, dentro da temática de fiscalização e controle, tam-
bém é obrigatória a implantação das funções de compliance, controles
internos e riscos corporativos, vedada a acumulação com atividades
financeiras e operacionais.
Já na audiência restrita do Nível 2, a maioria das 19 empresas
nele listadas votou contra as mudanças intentadas, bem como contra
os pontos votados em apartado – quais sejam, a avaliação do conse-
lho de administração, de seus comitês e da diretoria; a divulgação de
Relatório Socioambiental em padrão internacionalmente aceito; e a
ampliação, para 50%, do quórum da OPA de Saída do Nível 2. Sendo
assim, seu regulamento em nada foi alterado.

6.6. A Cetip S.A. – Balcão Organizado de Ativos


e Derivativos

Em agosto de 1984, foi criada a Câmara de Custódia e Liqui-


dação (Cetip Associação) por diversas institui­ções financeiras e pelo
Banco Central do Brasil. Instituída sob a forma de uma entidade sem
fins lucrativos, a Cetip tinha como objetivo principal propiciar maior
agilidade e segurança às opera­ções realizadas no mercado financeiro
brasileiro, mediante a prestação de serviços de custódia e liquidação
de títulos públicos e privados.
Em 2000, a Cetip Associação recebeu autorização da CVM para
atuar como entidade de balcão organizado. Tal autorização, embora
provisória, foi convolada em definitiva por força do artigo 122, pará-
grafo único, da Instrução CVM nº 461/2007.
Em 2008, os associados da Cetip aprovaram, em Assembleia Ge-
ral Extraordinária, proposta de desmutualização, processo que se deu
por meio de uma operação de cisão parcial. Foi constituída sociedade
anônima, a Cetip S.A. – Balcão Organizado de Ativos e Derivativos

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(Cetip S.A.), que incorporou a parcela patrimonial cindida da Cetip


Associação77. Após o implemento da operação, as atividades outrora
executadas pela Cetip Associação passaram a ser exercidas unica-
mente pela Cetip S.A., que sucedeu aquela em todos os seus direitos
e obrigações.
Em 2009, a Cetip S.A. abriu capital, sendo as suas a­ções nego-
ciadas no Novo Mercado da BM&FBOVESPA.
A companhia administrava mercados organizados de valores
mobiliários, de títulos, de derivativos e de outros instrumentos finan-
ceiros, nos termos do seu estatuto social. Operacionalizava e mantinha
sistemas de registro de ativos, de negociação, de registro de opera­ções
previamente negociadas, e de compensação, liquidação e de depósi-
to ou custódia de ativos, nos mercados organizados administrados
pela companhia ou administrados por outras entidades. Além disso,
constituía uma câmara de compensação e liquidação sistemicamente
importante, que efetuava a custódia escritural de ativos e contratos,
registrava opera­ções realizadas no mercado de balcão, processava a
liquidação financeira e oferecia ao mercado uma plataforma eletrôni-
ca para a realização de diversos tipos de opera­ções online, tais como
leilões e negociação de títulos públicos, privados e valores mobiliários
de renda fixa.
Além disso, a Cetip também era responsável pelos serviços de
custódia prestados aos investidores dentro do Sistema Nacional de
Debêntures (SND) e do Sistema de Distribuição de Títulos (SDT).
Hoje em dia, porém, a Cetip não mais existe, pois foi extinta na
reestruturação societária realizada junto à BM&FBOVESPA e à São
José Holding – em 2017 –, que culminou na sua incorporação pela
Bolsa.

77 O estatuto social da Cetip Associação foi reformado, tendo sido alterada a


sua denomiação para Cetip Educacional. A entidade ficou responsável por
atividades de cunho educacional, tais como de estudo e pesquisa.

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6.7. O mercado secundário de debêntures


O Sistema Nacional de Debêntures – SND, atualmente desig-
nado Módulo Nacional de Debêntures – SND, foi constituído em
1988, fruto de uma parceria entre a então Associação Nacional das
Institui­ções do Mercado Financeiro (ANDIMA)78 e a Cetip, chamada
à época de Câmara de Custódia e Liquidação.
Participam do SND, dentre outros, bancos comerciais, de inves-
timento, sociedades corretoras e distribuidoras, outras institui­ções fi-
nanceiras, pessoas jurídicas não-financeiras, investidores institucionais
e companhias emissoras de debêntures.
No mercado de balcão, os participantes, tanto os compradores,
quanto os vendedores, devem registrar a operação no SND, por meio
de comando duplo, “em tela ou transfêrencia de arquivo no Sistema, ou
envio de mensagem através da RSFN – Rede do Sistema Financeiro
Nacional”79. Sendo os dados do comprador e vendedor compatíveis,
o SND efetua a validação.

78 Em assembleia realizada no dia 21.10.2009, os associados da ANDIMA de-


cidiram por integrar suas atividades às da ANBID – Associação Nacional dos
Bancos de Investimento, passando ambas a constituir a ANBIMA – Associação
Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais.
79 Debêntures/Associação Nacional das Institui­ções do Mercado Financeiro.
Estudos Especiais. Produtos de Captação. Rio de Janeiro: ANDIMA, 2008,
p. 101.

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VII
Comissão de
Valores Mobiliários

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7.1. Constituição e funcionamento


A estruturação básica da regulação de nosso sistema financeiro
teve início com a edição, nas décadas de 1960 e 1970, de quatro dis-
tintos textos legais, respectivamente, a Lei nº 4.595, em 1964, a Lei
nº 4.728, em 1965, e as Leis nos 6.385 e 6.404, ambas em 1976.
A Lei nº 4.595/1964, conhecida como Lei da Reforma Bancária,
criou o Banco Central do Brasil (Bacen) e substituiu o conjunto de
normas esparsas que disciplinavam o mercado, à época, promovendo
uma profunda alteração no contexto do sistema financeiro nacional,
especialmente com vistas a possibilitar a implementação da política
monetária, creditícia e cambial, indispensável ao seu desenvolvimento.
A Lei nº 4.728/1965, designada Lei de Mercado de Capitais,
voltava-se, por sua vez, à complementação da Lei nº 4.595/1964, de
forma a reorganizar e disciplinar o mercado de capitais.
Em dezembro de 1976, foram editadas a Lei nº 6.404 – Lei
das Sociedades por A­ções – e a Lei nº 6.385, que criou a Comissão
de Valores Mobiliários, para exercer as fun­ções de órgão regulador
e fiscalizador do mercado de valores mobiliários, as quais, até então,
eram atribuídas ao Bacen.
O legislador optou por distribuir a competência normativa e
fiscalizadora a ser exercida sobre o mercado entre as duas entidades,
cabendo ao Banco Central a disciplina do sistema financeiro bancário,
monetário e creditício e à CVM, especificamente, aquela relacionada
ao mercado de valores mobiliários.
A estrutura do mercado financeiro lato sensu passou do modelo
bipartido da Lei nº 4.728/1965 para o modelo tripartido da Lei nº
6.385/1976, com clara distinção entre os objetos, de um lado, do
mercado financeiro stricto sensu e, de outro, do mercado de capitais. O
Conselho Monetário Nacional conservava seu papel de órgão superior,
ditando as políticas a serem observadas nos dois mercados, cabendo
à CVM, a disciplina, a fiscalização e a sanção no âmbito do mercado

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362 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

de valores mobiliários, continuando o Bacen com as mesmas fun­ções


quanto ao mercado financeiro1.
Em 1997, decorridos cerca de vinte anos da edição da Lei nº
6.385/1976, esta sofreu algumas altera­ções com a promulgação da Lei
nº 9.457/1997, a qual aumentou a extensão do poder de polícia da CVM
sobre os participantes do mercado, de maneira a permitir-lhe uma atuação
punitiva mais eficaz, com a previsão de san­ções bem mais severas do que
aquelas elencadas na redação original da Lei nº 6.385/1976.
Em 31 de outubro de 2001, a Lei nº 6.385/1976 sofreu nova
modificação decorrente da edição, simultaneamente, de uma Lei – a
Lei nº 10.303/2001 —, de uma Medida Provisória – a MP nº 8, que
se converteu na Lei nº 10.411/2002 – e de um Decreto – o Decreto
nº 3.995/20012.
Dentre as reformula­ções introduzidas, destacavam-se: a amplia-
ção do mercado de valores mobiliários mediante a inclusão de novos
títulos e contratos no conceito de valores mobiliários3; a extensão da
competência da CVM; a alteração nos procedimentos administrativos
por ela instaurados; e a modificação de sua estrutura.
Com a edição da Medida Provisória nº 8, posteriormente conver­
tida na Lei nº 10.411/2002, a Comissão de Valores Mobiliários – até
então uma “entidade autárquica vinculada ao Ministério da Fazenda”
– foi elevada à condição de entidade autárquica em regime especial,
ou seja, passou a ostentar o status de agência reguladora.

1 MARCELO FERNANDEZ TRINDADE. “O Papel da CVM e o Mercado de Capitais”.


In: JAIRO SADDI (org.). Fusões e Aquisi­ções: Aspectos Jurídicos e Econômicos.
São Paulo: IOB, 2002, p. 305.
2 Como observa Julian Chediak, embora a ideia original fosse a de proceder às
altera­ções pretendidas mediante a promulgação de uma única lei, isso não foi
possível em razão de questionamento acerca de sua constitucionalidade. (JULIAN
FONSECA PEÑA CHEDIAK. “A Reforma do Mercado de Valores Mobiliários”. In:
JORGE LOBO (org.). Reforma da Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro:
Forense, 2002, pp. 525 et seg.).
3 A respeito, conferir o Capítulo 3.

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Conceitua-se como agência reguladora independente a autarquia


dotada de autonomia, exercendo fun­ções regulatórias, cuja administra-
ção compete a um Colegiado em que seus membros são nomeados pelo
Presidente da República e detêm mandato por tempo determinado.
De acordo com o artigo 3º, da Estrutura Regimental da Comissão
de Valores Mobiliários, disciplinada pelo Decreto nº 6.382/2008 – al-
terado pelo Decreto nº 8.965/2017 —, a CVM é, atualmente, dirigida
por um Colegiado composto por um Presidente e quatro Diretores,
todos eles nomeados pelo Presidente da República, depois de apro-
vados em sabatina pelo Senado Federal, dentre pessoas de reputação
ilibada e reconhecida competência em matéria de mercado de capitais.
O mandato do Presidente e dos Diretores é de cinco anos, sendo
vedada a sua recondução. Um quinto de seus membros deve ser reno-
vado anualmente. A perda de mandato só poderá ocorrer nos casos
de (i) renúncia, (ii) condenação judicial transitada em julgado ou (iii)
processo administrativo disciplinar a ser instaurado pelo Ministério da
Fazenda. Assim sendo, diversamente dos órgãos vinculados ao Poder
Executivo, os dirigentes da Comissão não são demissíveis ad nutum.
Esse modelo de composição do Colegiado segue aquele das
demais agências reguladoras brasileiras, de forma a atribuir maior
independência e estabilidade às entidades, visando evitar possíveis
interferências do Poder Executivo e do setor econômico regulado4.
A CVM funciona como órgão de deliberação colegiada, pro-
nunciando-se por meio dos votos de seu Presidente e Diretores. No
cômputo dos votos, não há hierarquia.
Tanto o Presidente quanto os Diretores da CVM possuem igual
competência para apreciar, em conjunto, as questões submetidas ao
Colegiado.

4 JÚLIO RAMALHO DUBEUX. A Comissão de Valores Mobiliários e os principais


instrumentos regulatórios do mercado de capitais brasileiro. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris, 2006, pp. 34-37.

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364 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Ainda que todos os membros do Colegiado possuam idêntica


competência material, o Decreto nº 6.382/2008, que aprovou a estru-
tura regimental da autarquia, estabeleceu, em seu artigo 29, caber ao
Presidente planejar, dirigir, controlar e coordenar as suas atividades,
representá-la em juízo ou fora dele (podendo delegar estas atribui­ções
aos demais diretores), além de convocar e presidir as reuniões do órgão
colegial. Aos Diretores, por sua vez, compete participar das reuniões
do Colegiado, colaborando na definição das diretrizes da CVM, bem
como desenvolver projetos e atividades de acordo com as atribui­ções
que lhes forem conferidas pelo Presidente, segundo o disposto no
artigo 30 do Anexo I ao Decreto nº 6.382/2008.
Existe, ainda, divisão material interna na entidade reguladora, a
qual diz respeito às áreas técnicas da CVM, que atuam sempre por
delegação das fun­ções atribuídas pela Lei a seu Colegiado.
O corpo técnico da CVM está dividido nas seguintes Superin-
tendências especializadas: Superintendência Geral (SGE); Supe-
rintendência de Rela­ções com Empresas (SEP); Superintendência
de Rela­ções Internacionais (SRI); Superintendência de Fiscalização
Externa (SFI); Superintendência de Normas Contábeis e Auditoria
(SNC); Superintendência de Rela­ções com Investidores Institucionais
(SIN); Superintendência de Desenvolvimento de Mercado (SDM);
Superintendência Administrativo-Financeira (SAD); Superintendên-
cia de Tecnologia da Informação (STI); Superintendência de Rela­
ções com o Mercado e Intermediários (SMI); Superintendência de
Registro de Valores Mobiliários (SRE); Superintendência de Proteção
e Orientação aos Investidores (SOI); Superintendência de Planeja-
mento (SPL), Superintendência de Processos Sancionadores (SPS)
e; Superintendência de Relações Institucionais (SRL). Além desses
órgãos, a CVM possui também Assessoria de Comunicação Social
(ASC), Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Risco (ASA),
Auditoria Interna (AUD) e Chefia de Gabinete da Presidência (CGP).

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Por constituir uma autarquia federal – e, assim, uma entidade da


Administração Pública federal indireta —, a Advocacia Geral da União
(AGU) presta à CVM orientação e defesa jurídica por intermédio
da Procuradoria Federal Especializada (PFE-CVM)5. Compete à
PFE-CVM: representar a CVM judicial e extrajudicialmente; exercer
as atividades de consultoria e assessoramento jurídico a seus órgãos,
aplicando-se, no que for pertinente, o disposto no artigo 11 da Lei
Complementar nº 73/1993 (Lei Orgânica da Advocacia Geral da
União); e apurar a liquidez e certeza dos créditos, de qualquer natureza,
inerentes às atividades da entidade, inscrevendo-os em dívida ativa
para fins de cobrança amigável ou judicial.

7.2. Âmbito de Competência da CVM


A CVM, como ente da Administração Pública, tem a sua atuação
limitada pelos ditames legais. A Lei nº 6.385/1976 atribui-lhe compe-
tência para disciplinar e fiscalizar as atividades ligadas a determinado
segmento do sistema financeiro, o mercado de valores mobiliários.
Dentre os quatro segmentos compreendidos no Sistema Financeiro
Nacional – o de crédito, o monetário, o de câmbio e o de valores
mobiliários, este último encontra-se sob a fiscalização da CVM. Os
outros três são regulados e supervisionados pelo Banco Central do
Brasil (Bacen).
O conceito de valor mobiliário é, portanto, o balizador de sua
competência, daí decorrendo que as opera­ções envolvendo esses tipos
de títulos ou contratos serão reguladas e fiscalizadas por essa autarquia.
Tal âmbito de atuação já foi ampliado em três oportunidades distintas,
com a edição das Leis nos 9.457/1997, 10.198/2001 e 10.303/20016.

5 Com a criação, no âmbito da Advocacia Geral da União (AGU), da Procuradoria


Geral Federal, em virtude da Lei nº 10.480/2002, a Procuradoria da CVM passou
a integrar a estrutura da Procuradoria Geral Federal (PGF), sob a denominação de
Procuradoria Federal Especializada na CVM.
6 Sobre o assunto, ver o Capítulo 3.

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A atuação da CVM abrange a disciplina e a fiscalização das


seguintes atividades no mercado de valores mobiliários, conforme
estabelecido no artigo 1º da Lei nº 6.385/1976: emissão, distribui-
ção, negociação, intermediação, administração de carteiras, custódia,
auditoria das companhias abertas e os serviços de consultor e analista
de valores mobiliários. Ademais, também é atribuição da CVM a
organização e o funcionamento das opera­ções das Bolsas de Valores
e das de Mercadorias e Futuros.
Tendo em vista sua natureza jurídica de agência reguladora, a
CVM tem poderes para regular, fiscalizar e sancionar todas as ativida-
des referidas acima, as quais se encontram, em última análise, ligadas
ao conceito de valor mobiliário.
Dessa forma, companhias abertas, empresas de auditoria, cor-
retoras de valores mobiliários, agentes autônomos de investimento,
fundos de investimento, administradores de carteira, enfim, todas as
entidades que exercem atividades dentro do escopo previsto no artigo
1º da Lei nº 6.385/1976 e envolvendo valores mobiliários serão re-
guladas e fiscalizadas pela CVM. A tabela abaixo destaca os números
de algumas categorias de institui­ções submetidas à atuação da CVM:
Categorias de entidades submetidas à fiscalização7 Números do ano de 2018

Companhias abertas 615

Companhias incentivadas com registro ativo 48

Auditores 384

Corretoras e distribuidoras 177

Agentes autônomos (pessoas físicas e jurídicas) 7.600

Administradores de carteiras 3.832

Administradores de Fundo de Investimento Imobiliário 56

Fundos de investimento 15.341

7 Tais dados podem ser encontrados na Central de Sistemas da CVM, acessível


por meio do site <http://sistemas.cvm.gov.br/>, que disponibiliza dados
cadastrais das diversas entidades submetidas à sua fiscalização.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 367

Compete à CVM o poder de regular as matérias expressamen-


te previstas na Lei das Sociedades Anônimas e na própria Lei nº
6.385/1976 (artigo 8º, I). Cabe-lhe, por exemplo, definir os tipos de
institui­ções financeiras que poderão exercer atividades no mercado,
assim como as espécies de opera­ções ou serviços que poderão realizar
(artigo 15, § 1º); expedir normas relativas a informa­ções mínimas e à
periodicidade de sua apresentação por pessoas com acesso a informação
relevante (artigo 21-A); bem como normas aplicáveis às companhias
abertas, sobre, entre outras matérias, a natureza das informa­ções que
devam divulgar e sua periodicidade, padrões de contabilidade, relatórios
e pareceres de auditores independentes (artigo 22, § 1º).
A competência para fiscalizar encontra-se prevista, de maneira
genérica, no artigo 8º, III, da Lei nº 6.385/1976. As atividades expres-
samente contidas no artigo 1º da Lei estão submetidas à fiscalização
permanente da CVM. Diversos dispositivos esparsos acrescem outros
poderes à competência fiscalizatória da CVM, entre eles, o artigo 8º,
V, que permite à CVM fiscalizar e inspecionar as companhias abertas;
o artigo 9º, § 1º, que relaciona as a­ções fiscalizatórias da CVM; e o
artigo 9º, § 6º, que se refere à apuração e à punição, pela CVM, de
condutas fraudulentas que tenham produzido efeitos no território
nacional, ainda que tenham sido praticadas fora do seu âmbito.
Algumas dessas competências mencionadas, como referido anterior-
mente, foram acrescidas durante a reforma da legislação do mercado de
capitais ocorrida em 2001 e implementada mediante a edição: (i) da Lei
nº 10.303, que alterou e acrescentou dispositivos à Lei nº 6.404/1976 e
à Lei nº 6.385/1976, que “dispõe sobre o mercado de valores mobiliários
e cria a Comissão de Valores Mobiliários”; (ii) da Medida Provisória nº
8, transformada, em 28.02.2002, na Lei nº 10.411, cujo preâmbulo apre-
senta teor idêntico ao da Lei supra referida; e (iii) do Decreto nº 3.995,
que alterou e acrescentou dispositivos à Lei nº 6.385/1976, que dispõe
sobre o mercado de valores mobiliários nas matérias reservadas a Decreto,
conforme referido no item 7.1 acima.

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368 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

O Decreto nº 3.995/2001 teve sua constitucionalidade questio-


nada8, em razão de outorgar poderes à CVM para impor às pessoas
físicas e jurídicas de direito privado deveres e obriga­ções de prestação
e de abstenção de atos próprios da esfera jurídica privada, obrigando
-as a fazer e a não fazer, atingindo sua privacidade e cominando-lhes
condutas que cerceiam a liberdade e os direitos subjetivos, o que só
poderia ter sido feito por lei9.
Ao conferir nova redação ao artigo 9º da Lei nº 6.385/1976,
por exemplo, o Decreto nº 3.995/2001 criou obriga­ções e restringiu
direitos de particulares, submetendo quaisquer pessoas ao poder da
CVM de examinar livros, registros contábeis e arquivos eletrônicos.
No que diz respeito ao acesso aos documentos, registros, progra-
mas eletrônicos e arquivos magnéticos, ópticos ou de qualquer natureza,
de que trata o artigo 9º da Lei nº 6.385/1976, com a redação dada pelo
referido decreto, vale dizer que este somente poderá atingir as pessoas
fora do âmbito do poder de polícia da CVM quando o respectivo
envolvimento ficar comprovado no devido processo administrativo,
asseguradas todas as garantias processuais, tais como a ampla defesa
e a fundamentação das decisões.

7.3. A função normativa da CVM


A regulação das atividades econômicas e também da exploração
privada de bens e serviços públicos é desempenhada, no direito brasi-
leiro, por autarquias especiais dotadas de autonomia e independência,
e exercida mediante um conjunto de competências normativas, exe-
cutivas e judicantes10.

8 MODESTO CARVALHOSA, NELSON EIZIRIK. A nova Lei das S.A.. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 447.
9 JULIAN FONSECA PEÑA CHEDIAK. “A Reforma do Mercado de Valores Mobiliários”.
In: JORGE LOBO (org.). Reforma da Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro:
Forense, 2002, pp. 528-529.
10 Nesse sentido: “A intervenção do Estado na ordem econômica por via normativa
há de ser rápida, eficaz, ágil e abarcar todos os aspectos que sejam necessários.

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De todas as fun­ções exercidas pelas agências reguladoras, a fun-


ção normativa é mais criticada pela doutrina, sob o argumento de
que re­presentaria verdadeira invasão da esfera destinada, por força do
princípio da separação de poderes, ao Poder Legislativo.
Mesmo antes da promulgação da Constituição de 1988, o
Estado brasileiro já dispunha de entes administrativos dotados de
alguma capacidade normativa e judicante, como é o caso da CVM e
do Banco Central, na regulação do mercado financeiro, e do CADE,
na proteção da livre concorrência. Na verdade, a partir do século XX,
tem-se verificado a necessidade de o Estado agir para regular a ativi-
dade econômica de modo a atenuar os efeitos das decisões tomadas
soberanamente pelo mercado11.
Assim, muito embora a regulação do mercado de capitais cons-
titua uma realidade concreta desde a década de 70 do século passado,
a releitura das instituições jurídicas que legitimam, limitam e justi-
ficam a regulação estatal das atividades econômicas está em pleno
aprimoramento.
Tal discussão está inserida em um contexto político mais amplo,
de redefinição do papel do Estado no domínio econômico e, conse-
quentemente, do papel do Direito na disciplina jurídica do mercado12.

Daí a criação de entes da administração indireta dedicados a um determinado


setor de atividade, criando uma especialização que lhes confere competência
técnica para normatizar, controlar e fiscalizar a atividade econômica naquele
segmento” (FERNANDO A. ALBINO DE OLIVEIRA. Poder regulamentar da
Comissão de Valores Mobiliários, 1989. Tese de Doutoramento em Direito
Econômico apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo,
sob a orientação do Prof. Geraldo de Camargo Vidigal, p. 162). A distinção entre
as fun­ções exercidas pelas agências reguladoras é feita por Sergio Guerra, com
base nas li­ções de Adilson de Abreu Dallari. A propósito, leia-se SÉRGIO GUERRA.
Controle Judicial dos Atos Regulatórios. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 92.
11 A respeito, leia-se FÁBIO KONDER COMPARATO. “O indispensável direito
econômico”. In: Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial. Rio de Janeiro:
Forense, 1978 e PEDRO DUTRA: “Órgãos Reguladores: social-democracia ou
neogetulismo”. In: Livre concorrência e regulação de mercados. Rio de Janeiro:
Renovar, 2003.
12 RACHEL SZTAJN. “Regulação e o Mercado de Valores Mobiliários”. Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros, n.

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As agências reguladoras emergem em um contexto político-jurídico


em que se busca a consolidação de um Estado regulador de atividades
econômicas – de serviços públicos, predominantemente —, e não mais
de um Estado interventor na economia13. É por meio das agências
que o Estado passa a fixar um conjunto de regras técnicas atinentes
à conformidade da prestação de serviços públicos ou do exercício de
atividades econômicas com o interesse coletivo.
Em determinadas áreas em que o interesse público se revela pa-
tente, mesmo as rela­ções puramente privadas deverão ser reguladas.
A ação estatal passa, dessa forma, a induzir o comportamento dos
particulares à produção de resultados úteis à coletividade – diga-se,
comportamentos estes que, sem o necessário estímulo, diriam respeito
tão-somente à maximização dos lucros dos agentes privados.
No caso específico da CVM, o exercício dos poderes para organizar e
disciplinar o mercado tinha fundamento, desde sua criação, na construção
doutrinária da delegação de poderes legislativos14. Justificava-se o exercício
de certa parcela de poder normativo por órgão da Administração Indireta,
desde que assim fosse determinado pela lei competente.
Tradicionalmente, a vinculação da Administração à legislação
especial que lhe atribuía competências era interpretada em sentido
estrito, conforme a máxima de que inexiste poder para a Adminis-
tração Pública que não seja concedido pela lei – ou seja, o que não se
permite expressamente, nega-se implicitamente. Por isso, os agentes

135, jul.-set. 2004, pp. 136 et seg.


13 Utilizando a dicção de Eros Grau, a intervenção no domínio econômico cede em
primazia à intervenção sobre o domínio econômico (EROS ROBERTO GRAU. A
Ordem Econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. São Paulo:
Malheiros, 2004, pp. 148-151).
14 Leia-se, por todos, BOLÍVAR B. M. ROCHA. “O Poder Normativo de Órgãos da
Administração. O caso da Comissão de Valores Mobiliários”. Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 64, out.-dez. 1986. São Paulo:
Revista dos Tribunais, pp. 47 et seg.

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administrativos não disporiam de liberdade – existente somente para


os indivíduos – mas de competências, hauridas e limitadas pela lei15.
Nunca, em qualquer hipótese, poder-se-ia ir além da letra da lei,
sendo sempre vedado acrescer, suprir ou aditar os parâmetros legais.
O propósito único das normas administrativas seria explicitar o di-
reito positivo, visando a especializar a sua aplicação a situa­ções cujas
peculiaridades escapassem à leitura da norma legal.
Contudo, o tratamento da disciplina do mercado de capitais no
contexto da teoria da regulação implica uma adaptação de teorias
antigas a novas realidades. Com efeito, fala-se hoje em atua­ções quasi
-legislativas e quasi-judicantes das agências reguladoras e não apenas
na delegação de parcelas de fun­ções estatais. O moderno direito admi-
nistrativo, com efeito, desloca o tratamento das autarquias especiais do
âmbito do controle exclusivo do Poder Executivo, para situá-las como
entidades dotadas de autonomia e, portanto, independentes de todos
os Poderes estatais, daí resultando a afirmativa de que atuam como
se fossem poderes legiferantes ou como se fossem órgãos judicantes.
Tal, por motivos óbvios, não significa que as agências regulado-
ras estejam imunes a todo e qualquer controle. Muito pelo contrário,
elas são instâncias autônomas apenas no que toca às suas fun­ções de
promulgar normas, fiscalizar e sancionar seu descumprimento, sendo,
porém, todos os seus atos passíveis de controle a ser exercido a pos-
teriori pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Em outras
palavras, ditas agências reguladoras não são tão independentes quanto
são autônomas, ou seja, não possuem independência para agir livres
de parâmetros legais, mas são dotadas de autonomia para que possam
desenvolver, com imparcialidade, suas atividades.
Com a proteção da autonomia e independência das entidades,
procura-se, na verdade, defender sua atuação eficaz na regulação do
subsistema econômico relevante, de modo a manter o processo de-

15 Excelente síntese deste posicionamento pode ser encontrada em CARLOS ARI


SUNDFELD. Fundamentos do Direito Público. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 148.

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372 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

cisório protegido contra indesejáveis influências político-partidárias,


ou mesmo pressões dos próprios regulados, geralmente detentores de
grande poder econômico.
Todavia, os atos administrativos poderão ser sempre objeto de
controle posterior, quer seja este controle judicial, como no caso do
controle de constitucionalidade, quer político, mediante a promulgação
de leis pelo Legislativo.
Dessa forma, não se trata de uma “imunidade injustificável” das
agências em face de qualquer controle estatal, mas de uma necessária
barreira à intervenção política em decisões ou julgamentos que se
pretendem neutros, eficazes, e que devem guardar correlação apenas
com as políticas públicas democraticamente referendadas, estas sim
emanadas do Poder Político da Nação, e cuja observância será sempre
obrigatória.
A moderna doutrina administrativista justifica o caráter inovador
– ou, melhor dizendo, a possibilidade de inovação – dos atos nor-
mativos emanados da Administração Indireta por meio da distinção
conceitual entre regulação e regulamentação16.
A regulamentação é atribuída a chefes de Estado ou Governo e é
uma função política, que visa a impor regras de caráter secundário em
complementação às normas legais, com o objetivo de explicitá-las e
dar-lhes execução. Já a regulação constitui uma função administrativa,
que não decorre da prerrogativa do poder político, e sim da “abertura”
da lei para que o agente regulador pondere, de forma neutra, conflitos
entre os interesses público e privado, sejam eles potenciais ou efetivos.
Assim é que a competência das agências reguladoras não consiste
apenas em executar leis.
A função reguladora abrange, mas não se limita a dar fiel execu-
ção às leis (função regulamentar). Não se trata, pois, de hipótese de

16 DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO. Muta­ções do direito público. Rio de


Janeiro: Renovar, 2006.

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delegação de poderes legislativos, uma vez que a função reguladora,


incluindo-se aqui sua parcela normativa, não compete originalmente
ao Poder Legislativo17. A função reguladora não é atribuída especifi-
camente à Administração, ao Legislativo ou ao Judiciário, mas, como
a função normativa, está presente em todos os ramos do Estado18.
Cabe ao Poder Legislativo, por meio de lei, atribuir função re-
gulatória a determinada autarquia especial, bem como fixar a política
pública que norteará sua atuação. Logo, não se delegam poderes. A
atividade normativa da agência é necessária, nesse contexto, à própria
implementação da política pública, o que não equivale a dizer que
a atividade normativa inova apenas na medida em que promove a
mera execução da lei. A agência reguladora deve correspondência à
política pública democraticamente estabelecida e é por ela limitada
no desempenho de suas competências; sua atuação é independente
e autônoma, mas sempre limitada pelo marco regulatório pertinen-
te – a lei ou o conjunto de leis que atribuem a função regulatória ou
disciplinam o mercado.
Dentro desse contexto, entende-se ultrapassada a concepção tra-
dicional de que a regulação estatal da economia, exercida por meio de
autarquias integrantes da Administração Indireta, padeceria de uma
insanável inconstitucionalidade formal, em decorrência da violação ao
princípio da separação de poderes.
Com efeito, a superação da crença liberal clássica de que os mer-
cados, apenas mediante sua autorregulação, seriam capazes de ordenar
a iniciativa privada para produzir riquezas sem qualquer intervenção
do Poder Público passa a conferir ao Direito um papel eminentemente
transformador, responsável por mudanças sociais e econômicas e pelo

17 SÉRGIO GUERRA. Controle Judicial dos Atos Regulatórios. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2005, p. 123.
18 LEOPOLDO UBIRATAN CARREIRO PAGOTTO. “Fundamento Constitucional da
Atividade Normativa das Autarquias no Direito Brasileiro”. In: MARIA SYLVIA
ZANELLA DI PIETRO (org.). Direito Regulatório: Temas Polêmicos. Belo Horizonte:
Fórum, 2003, pp. 235-294.

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374 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

fomento da economia. Tal mudança ocorre, sobretudo, em virtude da


atribuição de capacidade normativa a instâncias independentes que,
dotadas de capacidade técnica, demonstram-se mais aptas a proferir
decisões rápidas, eficientes e, acima de tudo, sem injunção política.
A atuação da CVM, portanto, deve pautar-se pela eficiência de
seus atos, procurando, sempre que possível, agir com rapidez; para
tanto, precisa ser tratada, a exemplo do que ocorre no sistema jurídico
norte-americano – sua inegável fonte de inspiração – como verda-
deira instância regulatória que é, cuja capacidade normativa, frente a
conceitos indeterminados como “condi­ções artificiais de demanda”,
“manipulação de preço”, “opera­ções fraudulentas”, “práticas não equi-
tativas”, revela-se necessária à disciplina eficaz do mercado.
A CVM está, inegavelmente, sujeita ao princípio da legalidade, como
todas as demais autarquias de nosso ordenamento. Porém, é inquestionável
que, pelas particularidades do mercado que disciplina – o de valores mobi-
liários —, sua atuação não pode ser comparada à de outras autarquias cuja
liberdade de atuação é mais restrita, incapazes de inovar a lei, disciplinar
o acesso de agentes privados ao mercado e regular sua conduta.
Não por outra razão, a reforma legislativa de 2001 visou asse-
gurar a autonomia e ampliar a competência da CVM, qualificando-a
como “entidade autárquica em regime especial”, dotada de “autoridade
administrativa independente, ausência de subordinação hierárquica,
mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes, e autonomia financeira
e orçamentária”, extinguindo-se também a incoerente figura da de-
missibilidade ad nutum anteriormente existente19.

7.4. Atuação preventiva da CVM


No exercício de seu mister, a CVM deve atuar não só repressi-
vamente, mas também preventivamente, isto é, de maneira a impedir

19 Sobre o assunto, ver NELSON EIZIRIK. “O Colegiado da CVM e o CRSFN como juízes
administrativos: reflexões e revisão”. Revista de Direito Bancário e do Mercado
de Capitais, n. 34, out.-dez. 2006. São Paulo: Revista dos Tribunais, pp. 32 et seg.

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a ocorrência de ilícitos no mercado, resguardando, assim, o interesse


dos investidores potencialmente lesados20.

7.4.1. Interrupção do prazo de convocação de AGE


A Lei das S.A., artigo 124, § 5º, inciso I, permite que a CVM,
em decorrência de pedido de qualquer acionista, proceda ao aumento
do prazo de antecedência para publicação do primeiro anúncio de
convocação da assembleia geral de companhia aberta, em virtude de
opera­ções que sejam objeto da assembleia e que apresentem grau de
complexidade a demandar maior prazo para a análise de documentos21.
O inciso II do mesmo artigo possibilita que a CVM, também a
pedido de qualquer acionista22, interrompa o prazo de convocação de
assembleia geral extraordinária de companhia aberta, a fim de conhecer
e analisar as propostas a serem submetidas e, sendo o caso, informar à
companhia as razões pelas quais acredita que a deliberação proposta
viola dispositivos legais ou regulamentares23.
A CVM vem reconhecendo, em reiteradas decisões, que a inter-
rupção do prazo de convocação, com base no aludido dispositivo legal,
somente deve ser deferida nas hipóteses em que possa ser verificada,
a priori e independentemente de extensa dilação probatória, a exis-
tência de ilegalidades flagrantes nas delibera­ções a serem submetidas
à assembleia geral24.

20 A atuação preventiva dos órgãos de mercado encontra-se prevista, no âmbito de


atuação do Banco Central do Brasil, desde a edição da Resolução nº 1.065/1985,
que estabeleceu que “por força de sua ação preventiva e fiscalizadora, poderá
alertar a pessoa física ou jurídica fiscalizada para a falta observada, assinalando-se,
se for o caso, prazo razoável para saná-la”.
21 Artigo 2º da Instrução CVM nº 372/2002.
22 A CVM já decidiu que não pode proceder, ex officio, à interrupção prevista no inciso
II do artigo 124, § 5º (Processo CVM nº RJ 2007/3453, Rel. Dir. Sergio Weguelin,
j. 18.04.2007).
23 Artigo 3º da Instrução CVM nº 372/2002.
24 No julgamento do Processo nº RJ 2005/5203, Rel. SEP, j. 26.08.2005, o Colegiado
da CVM considerou que “o procedimento previsto no art. 124, § 5º, II impõe sérias
restri­ções de tempo às partes envolvidas, para expor seus argumentos, e a este
Colegiado, para manifestar seu entendimento sobre a questão e, por isso, deve

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376 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Ainda que vislumbre a existência de flagrante ilegalidade, a CVM


deverá apenas comunicar à Companhia as razões de seu posiciona-
mento. Em decorrência do princípio constitucional da legalidade, a
CVM não poderá determinar que seu entendimento prevaleça na
assembleia, nem poderá anular a deliberação da assembleia que vier a
contrariar tal entendimento. Nesses casos, a CVM, se assim entender,
pode dar início a processo sancionador, com direito a ampla defesa e
observância do devido processo legal, visando punir os agentes que
procederam da maneira considerada como ilegal.
A aplicação desse mecanismo justifica-se em virtude da consta-
tação de evidente ilegalidade nas propostas submetidas à assembleia
geral, não se admitindo que ela seja deferida nos casos em que se alega
a existência de abuso de poder de controle ou de erros nas avalia­ções e
informa­ções colocadas à disposição dos acionistas, matérias estas que,
por sua própria natureza, não podem ser decididas a priori, necessitando
de uma maior dilação probatória25.

ser utilizado, tão-somente, nos estritos limites conferidos pela legislação. Assim,
entendo que nada que não se relacione com a legalidade ou ilegalidade das
delibera­ções a serem tomadas em assembleia de acionistas deve ser objeto de
análise pela CVM neste procedimento” (trecho extraído do voto do Diretor Pedro
Marcílio). No mesmo sentido o Processo CVM nº 19957.004743/2016-53, Rel. SEP,
j. 31.07.2016; Processo CVM nº 19957.002527/2016-73, Rel. SEP, j. 26.04.2016; e
Processos CVM nos RJ2012/14312 e RJ2012/14317, j. 30.11.2012.
25 Isso é o que consta da decisão da CVM no Processo nº RJ 2007/8844, Rel.
SEP, j. 23.07.2007, em que alguns acionistas recorreram da decisão da SEP de
indeferir o pedido de interrupção do prazo de convocação da assembleia geral:
“Adicionalmente, o Colegiado entendeu que qualquer conclusão quanto a
eventual conflito de interesses ou benefício particular do acionista controlador,
assim como quanto ao exercício abusivo de poder de controle, somente poderá
se dar a posteriori à deliberação, uma vez que, como já decidido em 18.04.2007,
no Processo RJ2007/3453, o art. 124, § 5º da Lei 6.404/76 fala das ‘propostas a
serem submetidas à assembleia’, mas não das delibera­ções ou votos. Finalmente, o
Colegiado salientou que a conduta do acionista controlador pode ser examinada
em processo administrativo sancionador, após investigação apropriada,
incompatível com o prazo e a natureza cautelar do pedido de interrupção do
curso do prazo de antecedência de AGE” (grifamos). O precedente citado por essa
decisão também estabelece: “A CVM deve, portanto, pressupor a validade dos
atos societários da acionista controladora na análise da legalidade das propostas
a serem submetidas às assembleias de acionistas da Companhia, a não ser que
haja decisão judicial que determine de forma provisória ou definitiva que esses

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Adicionalmente, vale salientar que, ao decidir sobre o pedido de


interrupção, cabe à Comissão levar em consideração os possíveis pre-
juízos que um adiamento da Assembleia Geral destinada a deliberar
sobre opera­ções relevantes acarretaria para as companhias envolvidas26.

7.4.2. Manifestação de entendimento


A atuação da CVM destina-se também a dar segurança ao mer-
cado, o que pode ser feito por meio das denominadas “manifesta­ções
de entendimento”, as quais, embora não expressamente previstas em
qualquer dispositivo legal, encontram seu fundamento no artigo 13
da Lei nº 6.385/1976, ao determinar que “a CVM manterá serviço
para exercer atividade consultiva ou de orientação junto aos agentes
de mercado de valores mobiliários ou qualquer investidor”.
A manifestação de entendimento consiste na divulgação, por parte
da CVM, de opiniões sobre possível ocorrência de ilegalidade num caso
concreto, assim como sobre a existência de violação de regulamento,
norma estatutária, contratual ou proveniente de autorregulação. Pos-
sui, portanto, cunho eminentemente interpretativo e visa divulgar aos
agentes do mercado o entendimento da Comissão sobre os assuntos
de sua competência.
Normalmente, a manifestação da CVM é motivada por uma
consulta ou reclamação, pressupondo-se que se pronuncie sobre uma

atos societários são ilegais; alguns dos argumentos apresentados não foram
comprovados documentalmente, necessitando de provas adicionais, e, portanto,
não podem ser analisados no âmbito do processo estabelecido pelo art. 124, §
5º, II da Lei 6.404/76” (Processo CVM nº RJ 2007/3453, Rel. Dir. Sergio Weguelin,
j. 18.04.2007 – grifamos). Da mesma forma, o Processo CVM nº RJ2014/3059, Rel.
SEP, j. 25.03.2014; Processo CVM nº 19957.002527/2016-73, Rel. SEP, j. 26.04.2016;
e Processo CVM nº 19957.003229/2017-81, Rel. SEP, j. 12.04.2017.
26 Inclusive, já entendeu o Colegiado, no julgamento do Processo CVM nº RJ
2002/5907, Rel. Dir. Luiz Antonio Sampaio Campos, j. 13.08.2002, que: “Quando
a companhia convoca uma assembleia para determinada data, parece-me
que esta data, em regra, não é escolhida caprichosamente. Há, certamente,
toda uma previsão e um custo relacionado, quando mais não seja de recursos
humanos, logística e publicação. O simples adiamento da assembleia representa,
inegavelmente, um custo para a companhia”.

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situação concreta. Quando proferida pelo Colegiado, o que ocorre


em virtude do recurso previsto no inciso X da Deliberação CVM nº
463/2003, a manifestação vincula a Administração Pública quanto à
opinião esposada naquele caso, de forma a não contrariar o próprio
princípio inspirador da existência de manifesta­ções de entendimento,
que é o da segurança jurídica27.
Não se deve confundir a manifestação de entendimento com a
figura da “no-action letter” norte-americana – que, aliás, constituiria,
caso adotada entre nós, um instrumento interessante para incentivar
o exercício da atuação preventiva e consultiva da CVM.
A “no-action letter”, muito embora também divulgue a interpre-
tação que a Securities and Exchange Commission (SEC) faz do Direito,
é sempre motivada pela consulta dos interessados e a partir da análise
de um caso particular, de provável realização fática, permitindo ao
mercado prever como a agência exercerá sua função fiscalizatória em
situa­ções semelhantes.
Na prática norte-americana, as respostas às consultas dos advo-
gados podem ser resumidas a frases similares a essa: “se seu cliente
proceder da forma descrita na sua consulta, não recomendaremos a
aplicação de qualquer medida punitiva”. Tais cartas, emitidas pelo

27 O então Presidente da Comissão, Marcelo Fernandez Trindade, reflete sobre o


que chama de “guinadas de procedimento ou interpretação”, explicando que
entende ser possível que novas interpreta­ções da lei sejam apenas aplicadas a
novos casos, em conformidade com o inciso XIII do parágrafo único do artigo
2º da Lei 9.784/1999 (“Art. 2º, parágrafo único, XIII – interpretação da norma
administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que
se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação”). Assim, continua sua
exposição – provocada por recurso de manifestação de entendimento proferida
pela SEP —, ressaltando a importância de uma manifestação da CVM coerente
com o histórico por ele traçado no caso concreto. Consigna, por fim, que: “No
caso em tela com mais razão se deve privilegiar a segurança jurídica, pois a CVM,
examinando requerimento fundado no art. 124 da Lei 6.404/76, manifestou-se
sobre a legalidade das delibera­ções (que incluía a compensação de prejuízos
em formação), e tal manifestação, embora não explícita quanto ao tema, pode
ser considerada como uma reiteração de um comportamento não repressor
da utilização do prejuízo em formação para a redução de capital durante o
exercício” (Processos CVM nos RJ 2004/4558, RJ 2004/4559, RJ 2004/4569 e RJ
2004/4583, j. 21.09.2004 – grifamos).

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quadro técnico da SEC, são disponibilizadas ao público em geral, per-


mitindo que aqueles agentes em situa­ções semelhantes também levem
em consideração tal opinião em seu processo de tomada de decisão.
Mediante o uso da “no-action letter”, a SEC exerce, de fato, uma
atuação preventiva, pois particulariza as condutas que não espera que
ocorram e oferece, como incentivo aos consulentes – e, por analogia,
também aos demais agentes do mercado em situa­ções semelhantes
—, a recomendação de não instauração de persecução administrativa
(fiscalizatória ou punitiva). Critica-se, no entanto, o “mantra” do quadro
técnico da SEC de afirmar que tais cartas não obrigam a Comissão28.

7.5. Função fiscalizadora da CVM


Como agência reguladora do mercado de valores mobiliários, a
CVM detém função de fiscalização desse mercado, de forma a coibir
e punir condutas que lhe sejam danosas. Dessa forma, a CVM age
imbuída de seu poder de polícia, ou seja, limitando a liberdade indi-
vidual em prol de um interesse público ou coletivo29.
A noção de poder de polícia remonta à Antiguidade, quando
significava “ordenamento político do Estado ou cidade”. Após uma
ampliação de seu sentido na Idade Média, tal noção atingiu seu apogeu
no fim do período absolutista, época em que o Estado realizava intro-
missão opressiva na vida dos particulares30. A restrição de seu sentido
adveio da Revolução Francesa e da Declaração de Virgínia, quando
ganharam força os direitos fundamentais do homem, principalmente
aqueles em face do Estado. A atual expressão “poder de polícia”, uti-
lizada pelo ordenamento brasileiro, origina-se do inglês “police power”,

28 NELSON EIZIRIK. “O Colegiado da CVM e o CRSFN como juízes administrativos:


reflexões e revisão”. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, n. 34,
out.-dez. 2006. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 37.
29 MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas,
2001, p. 110.
30 ODETE MEDAUAR. “Poder de Polícia”. Revista de Direito Administrativo, v. 199,
jan.-mar. 1995. Rio de Janeiro: Renovar, p. 90.

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que foi empregado pela primeira vez no julgamento, pela Suprema


Corte norte-americana, do caso Brown v. Maryland, em 182731.
Como se pode observar, o perfil evolutivo do poder de polícia já
permite antever duas de suas características: a primeira é a de que ele
se origina como um poder do Estado de ordenação social, limitando
o indivíduo em prol do coletivo; a segunda é a de que se submete aos
princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
razoabilidade para que não seja exercido de maneira arbitrária, ferindo
os direitos fundamentais do homem.
O poder de polícia pode ser conceituado em sentido amplo e
restrito. Naquele, inclui toda e qualquer ação restritiva do Estado
em relação aos direitos individuais. Já no sentido estrito, constitui a
prerrogativa conferida aos agentes da Administração Pública para
restringir e condicionar a liberdade e a propriedade.
No direito positivo brasileiro, há uma definição de poder de
polícia contida no Código Tributário Nacional, em seu artigo 7832. O
caput do artigo ressalta esse aspecto restritivo do direito do particu-
lar, a primeira característica antes mencionada. Já o parágrafo único
refere-se ao regular exercício dessa prerrogativa estatal, aludindo à
competência, à observância do processo legal e à vedação ao abuso ou
desvio de poder, aproximando-se do que foi afirmado como sendo a
segunda característica do poder de polícia.
O poder de polícia encontra-se submetido a limita­ções, demarca-
das pela ordem jurídica. Genericamente, pode-se falar nos princípios

31 CAIO TÁCITO. “Princípio de Legalidade e Poder de Polícia”. Revista de Direito


Administrativo, v. 227. Rio de Janeiro: Renovar, jan.-mar. 2002, p. 41.
32 “Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que,
limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato
ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança,
à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao
exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização
do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos
direitos individuais ou coletivos. Parágrafo único. Considera-se regular o exercício
do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites
da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade
que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder”.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 381

referidos acima como limitantes do exercício daquele poder. Além


deles, os direitos fundamentais também cerceiam o seu exercício33.
De fato, o exercício do poder de polícia só será regular se obedecer
à ordem jurídica presidida pela Constituição Federal, onde estão inse-
ridos aqueles princípios e os direitos aludidos. Isto é, não se concebe
o poder de polícia exercido arbitrariamente.
Nesse sentido, ressalte-se a importância da competência como
condição à atuação da Administração; a competência contém a exten-
são do poder de agir da Administração34. A vinculação do ato, fato ou
procedimento realizado pela Administração a um fim público específico
também constitui uma das mais relevantes limita­ções. Não se deixa ao
alvedrio do administrador a livre escolha na realização do ato público,
como ocorre no caso dos atos jurídicos praticados por particulares35.
O poder de polícia, ainda que marcado pela característica de
ser uma prerrogativa da Administração, encontra-se cerceado, não
podendo ser exercido regularmente fora dos limites mencionados.
A discricionariedade da Administração na atuação de seu poder de
polícia, ou seja, seu juízo de oportunidade e conveniência, não pode
importar, portanto, em arbitrariedade36.
A CVM tem poderes para aplicar a lei de maneira preventiva ou
repressiva, pelos meios que lhe foram outorgados pela Lei nº 6.385/1976.
O artigo 9º, incisos e § 1º, por exemplo, habilita a CVM a averiguar
fatos, investigando-os, e a impor condutas com o objetivo de prevenir
ou reprimir danos aos investidores. Portanto, o aludido dispositivo legal
expressamente confere à CVM poderes para: (i) examinar os registros

33 ÁLVARO LAZZARINI. “Limites do Poder de Polícia”. Revista de Direito


Administrativo, v. 198, out.-dez. 1994. Rio de Janeiro: Renovar, p. 79.
34 CAIO TÁCITO. “Princípio de Legalidade e Poder de Polícia”. Revista de Direito
Administrativo, v. 227, jan.-mar. 2002. Rio de Janeiro: Renovar, p. 40.
35 CAIO TÁCITO. “Princípio de Legalidade e Poder de Polícia”. Revista de Direito
Administrativo, v. 227, jan.-mar. 2002. Rio de Janeiro: Renovar, p. 44.
36 JOSÉ CRETELLA JÚNIOR. “Polícia e Poder de Polícia”. Revista de Direito
Administrativo, v. 198, out.-dez. 1994. Rio de Janeiro: Renovar, p. 30.

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382 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

contábeis, livros e documentos de companhias, auditores, fundos etc.;


(ii) intimar as pessoas arroladas para a prestação de informa­ções; (iii)
requisitar informa­ções a outros órgãos públicos; (iv) determinar a repu-
blicação de demonstrações financeiras, relatórios e outras informa­ções;
(v) apurar atos ilegais, aplicando-lhes penalidades previstas no artigo 11,
como será abordado no item específico deste Capítulo; (vi) suspender a
negociação de valores mobiliários; (vii) suspender ou cancelar registros;
(viii) divulgar informa­ções ou recomenda­ções com o fim de esclarecer
ou orientar os participantes do mercado; (ix) proibir aos participantes
do mercado a prática de atos que especificar, prejudiciais ao seu funcio-
namento regular, chamado de stop order37.
Em conformidade com o Decreto nº 6.382/2008, enquanto
incumbe à Superintendência de Fiscalização Externa (SFI) a realiza-
ção de inspe­ções nas entidades integrantes38 do mercado de valores
mobiliários (artigo 20), compete à Superintendência de Processos
Sancionadores “conduzir, na forma da regulamentação específica, os
processos administrativos sancionadores” (artigo 21).

7.6. A CVM e o Poder Judiciário

7.6.1. A CVM como Amicus Curiae


Originário do Direito Constitucional norte-americano, o amicus
curiae constitui o instituto que permite a interferência de terceiros
em processos judiciais que podem afetar a sociedade como um todo.

37 Sobre a inconstitucionalidade da modificação legislativa empreendida pelo


Decreto nº 3.995 ao artigo 9º, Lei nº 6.385/1976, remete-se o leitor ao item 7.2.
deste Capítulo. Confira-se também MODESTO CARVALHOSA, NELSON EIZIRIK.
A nova Lei das S.A.. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 447.
38 As estatísticas da CVM apontam para um número aproximado de 225 inspe­ções
por ano, tendo sido 326 em 2013, 270 em 2014, 145 em 2015 e 157 em 2016. O
número de processos administrativos sancionadores (Inquéritos Administrativos,
Termos de Acusação e Rito Sumário) instaurados em 2016 foi 113 (dados obtidos
no Relatório Anual 2016 da CVM, disponível em: <http://www.cvm.gov.br/
publicacao/relatorio_anual.html>).

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O artigo 31 da Lei nº 6.385/1976 admite a intervenção da CVM


em processos judiciais nos quais se discutam questões de Direito So-
cietário e de mercado de capitais sujeitas, no plano administrativo, à
sua competência39.
Em nosso ordenamento jurídico, são raros os órgãos judiciais
dotados de competência especializada em matéria empresarial. Daí a
possibilidade conferida à CVM para cooperar com o Judiciário visando
a melhor adequação de suas decisões a tais questões40.
Após receber a intimação judicial, a Procuradoria Federal Es-
pecializada da CVM (PFE-CVM) ou a área relacionada ao assunto
tratado opinam tecnicamente sobre o tema discutido no processo,
fornecendo informa­ções – tais como, jurisprudência administrativa,
legislação e doutrina aplicáveis ao caso – com o objetivo de propiciar
ao julgador os esclarecimentos necessários à tomada de sua decisão.
De acordo com o § 1º, do artigo 31 da Lei nº 6.385/197641, a
CVM será intimada para oferecer parecer ou prestar esclarecimentos
após a contestação. Portanto, só será apresentado o parecer do amicus

39 A CVM pode atuar como amicus curiae “nos processos judiciais, de caráter
individual, nos quais devam ser apreciadas questões de direito societário sujeitas,
no plano administrativo, à competência fiscalizadora dessa autarquia” (ATHOS
GUSMÃO CARNEIRO. Intervenção de Terceiros. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 182).
40 A atuação da CVM como amicus curiae, ao contribuir com conhecimento
especializado para o julgamento de demandas relacionadas ao mercado de
capitais, exerce um papel de grande relevância para o Poder Judiciário. A
manifestação da CVM auxilia não só o juiz em sua decisão, mas o mercado como
um todo. Segundo afirmou o desembargador do Tribunal de Justiça do Estado
do Rio de Janeiro, Antônio Carlos Esteves Torres, a norma que prevê a intimação
judicial da Procuradoria Especializada da CVM atende ao propósito de auxiliar na
prestação do serviço jurisdicional, possibilitando que se decida o caso concreto
levando-se em consideração também os interesses do mercado (ANDRÉA
HÁFEZ. Amigo da Corte. Disponível em: <http://www.portaldoinvestidor.gov.
br/portaldoinvestidor/export/sites/portaldoinvestidor/entrevistas/Arquivos/
Amigo_da_Corte.PDF>. Acesso em: 29 jun. 2017).
41 “Art. 31. Nos processos judiciários que tenham por objetivo matéria incluída na
competência da Comissão de Valores Mobiliários, será esta sempre intimada
para, querendo, oferecer parecer ou prestar esclarecimentos, no prazo de quinze
dias a contar da intimação. § 1º A intimação far-se-á, logo após a contestação, por
mandado ou por carta com aviso de recebimento, conforme a Comissão tenha,
ou não, sede ou representação na comarca em que tenha sido proposta a ação.”

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curiae após a manifestação das partes. Assim, ao redigir sua manifes-


tação, a CVM tem a possibilidade de conhecer todos os aspectos da
questão e as várias versões dos fatos, antes de apresentar o seu posi-
cionamento ao juiz.
Após apresentado parecer ou prestados esclarecimentos, a CVM
deverá ser intimada de todos os atos processuais subsequentes, sejam
atos de instrução ou de julgamento. Além disso, a Lei nº 6.385/1976
atribui à CVM legitimidade para interpor recursos quando as partes
ficarem inertes. O prazo para a interposição de recursos, por parte da
CVM, começa a correr, independentemente de nova intimação, no
dia imediatamente posterior ao final do prazo conferido às partes42_43.
O artigo 31 da Lei nº 6.385/1976 explicita que a CVM “sempre
será intimada” em processos que tenham por objeto matéria incluída
em sua competência44. Entende-se que quando não é realizada a in-
timação, nas situa­ções previstas em lei, o processo é anulável, sendo,

42 “Art. 31 [...] § 2º Se a Comissão oferecer parecer ou prestar esclarecimentos, será


intimada de todos os atos processuais subsequentes, pelo jornal oficial que publica
expedientes forense ou por carta com aviso de recebimento, nos termos do
parágrafo anterior. § 3º À Comissão é atribuída legitimidade para interpor recursos,
quando as partes não o fizeram. § 4º O prazo para os efeitos do parágrafo anterior
começará a correr, independentemente de nova intimação, no dia imediato àquele
em que findar o das partes.”
43 Conforme o entendimento de Osvaldo Hamilton Tavares, “com a intervenção da
CVM, ocorre sempre uma extensão subjetiva da sentença. Não é a CVM sujeito da
relação jurídica deduzida em Juízo pelas partes, mas de relação jurídica outra que
àquele se pretende no resguardo do mercado de valores mobiliários” (OSVALDO
HAMILTON TAVARES. “A CVM como amicus curiae”. Revista dos Tribunais, v. 690,
abr. 1993. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 287).
44 A propósito, o Processo nº 1062820-44.2014.8.26.0100, que tramita na 43ª Vara
Cível do Foro Central Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, no qual a CVM
foi intimada a se manifestar sobre a demanda, que versa sobre indenização por
danos patrimoniais sofridos em decorrência de atos ilícitos praticados no mercado
de capitais. Da mesma maneira, a CVM foi chamada a manifestar-se na Apelação
Cível nº 1120688-77.2014.8.26.0100, Des. Rel. Carlos Alberto Garbi, j. 15.08.2016,
julgada pela 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça
de São Paulo.

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entretanto, tal irregularidade sanável, já que, ao perceber a falha, o juiz


poderá determinar a intimação da CVM45.
Caso o juiz não determine a intimação da CVM, existe a possibili-
dade das próprias partes solicitarem, por via judicial, a sua manifestação
no processo. Ao solicitarem essa intervenção, as partes evidentemente
não têm qualquer garantia de que as manifesta­ções da CVM serão
favoráveis às suas teses. O ingresso da CVM na demanda judicial busca,
independentemente de quem deu origem à sua intervenção, apresentar
o seu posicionamento institucional, qualificado, técnico sobre matéria
que está no âmbito de sua competência.
Não existe, evidentemente, qualquer obrigação de o juiz seguir
o parecer e os esclarecimentos da CVM, podendo divergir de seu
entendimento. Contudo, a opinião do órgão regulador do mercado de
capitais mostra-se de grande importância para uma boa compreensão
das questões de fato e de direito discutidas no processo.
Deve ser ressaltado ainda que o parecer emitido pela CVM não
tem caráter vinculante em relação às decisões do seu Colegiado ou de
suas áreas técnicas46.
Por fim, cabe salientar que os pareceres proferidos pela CVM na
condição de amicus curiae certamente, por propiciarem um conheci-

45 A propósito, decidiu-se que: “Por isso, nos processos judiciais que tenham por
objeto matéria incluída na competência da Comissão de Valores Mobiliários, será
esta sempre intimada para, querendo, oferecer parecer ou prestar esclarecimentos,
no prazo de 15 dias a contar da intimação, que deverá ocorrer logo após a
contestação, conforme determina o art. 31 da citada lei. Assim, tenho que melhor
solução não há senão a de anular o processo, por total afronta a dispositivo de lei
federal. Mercê de tais considera­ções, hei por bem instalar preliminar, de ofício,
anulando o processo a partir da f. 250, determinando seja intimada a Comissão
de Valores Mobiliários, para o regular prosseguimento do feito” (TAMG, Apelação
Cível nº 414.706-4, Rel. Juiz Domingos Coelho, j. 10.12.2003).
46 DANILO ALVES CORRÊA FILHO. “Direito de Recesso. Inaplicabilidade do art. 37
da Lei das S.A. (Amicus curiae – Consoante disposto no art. 31 da Lei 6.385/76)”.
Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, n. 31, jan.-mar. 2006. São
Paulo: Revista dos Tribunais, p. 161.

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386 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

mento mais amplo do mercado, contribuem para a sua maior eficiência


e desenvolvimento47.

7.6.2. A CVM e o Ministério Público


Desde sua criação, a CVM tem seu relacionamento com o Minis-
tério Público regulado por dispositivos legais. O artigo 12 da Lei nº
6.385/1976 já previa que, quando o inquérito administrativo concluísse
pela ocorrência de crime de ação civil pública, o Ministério Público
deveria ser oficiado48 e, mesmo após as reformas sofridas pela Lei, esta
redação permaneceu inalterada.
Posteriormente, a Lei nº 7.492/1986, em seu artigo 2849, também
determinou que, quando no exercício de suas atribui­ções legais a CVM
verificar a ocorrência de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional,
deverá informar ao Ministério Público e enviar os documentos necessá-
rios à comprovação do fato. Ademais, o parágrafo único do artigo 2650

47 Como observado a respeito por Paulo Cezar Aragão, “creio, francamente, que
os memoriais em que a autarquia age como amicus curiae representam, a longo
prazo, uma das mais eficazes formas pelas quais a atividade didática da CVM se
irá desenvolvendo no curso do tempo. Por isso mesmo, a apresentação didática
dos conceitos como a orientação do órgão máximo da CVM têm, a meu ver, uma
importância fundamental” (PAULO CEZAR ARAGÃO. “A CVM em juízo: limites e
possibilidades”. Revista de direito bancário e do mercado de capitais, v. 9, n. 34,
out.-dez. 2006. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 47).
48 “Art. 12. Quando o inquérito, instaurado de acordo com o § 2º do art. 9º, concluir
pela ocorrência de crime de ação pública, a Comissão de Valores Mobiliários
oficiará ao Ministério Público, para a propositura da ação penal.”
49 “Art. 28. Quando, no exercício de suas atribui­ções legais, o Banco Central do Brasil
ou a Comissão de Valores Mobiliários – CVM, verificar a ocorrência de crime
previsto nesta lei, disso deverá informar ao Ministério Público Federal, enviando-
lhe os documentos necessários à comprovação do fato.”
50 “Art. 26. A ação penal, nos crimes previstos nesta lei, será promovida pelo Ministério
Público Federal, perante a Justiça Federal. Parágrafo único. Sem prejuízo do
disposto no art. 268 do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-lei nº
3.689, de 3 de outubro de 1941, será admitida a assistência da Comissão de Valores
Mobiliários – CVM, quando o crime tiver sido praticado no âmbito de atividade
sujeita à disciplina e à fiscalização dessa Autarquia, e do Banco Central do Brasil
quando, fora daquela hipótese, houver sido cometido na órbita de atividade
sujeita à sua disciplina e fiscalização.”

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da mesma Lei possibilita que a CVM atue como assistente quando


o crime estiver relacionado às atividades sujeitas à sua fiscalização51.
A comunicação ao Ministério Público de indícios de crimes de
ação pública observados pela CVM também foi prevista no artigo 9º
da Lei Complementar nº 105/200152, que estabelece que, se a CVM,
no exercício de suas competências legais, verificar a ocorrência ou
indícios de prática de crimes definidos em lei como de ação pública,
deverá, em tais situa­ções, informar ao Ministério Público.
Em muitos casos, o Ministério Público, após receber da CVM au-
tos de processos administrativos sancionadores, oferece logo denúncia
contra os envolvidos, sem individualizar a conduta de cada um como
ordena o artigo 41 do Código de Processo Penal, invocando, para tanto,
o § 5º do artigo 39 do mesmo diploma, que autoriza a dispensa do
inquérito policial se “com a representação forem oferecidos elementos
que o habilitem a promover a ação penal”.
Há dúvidas, no âmbito da CVM, sobre o momento adequado
para o fornecimento das informa­ções legalmente demandadas – se a
qualquer tempo ou somente após a decisão do processo administrativo.
Ao regular a comunicação ao Ministério Público, a Instrução CVM nº

51 A autarquia atuou, juntamente com o Ministério Público Federal (MPF), como


assistente processual ao longo de todo o julgamento do caso Sadia/Perdigão,
no qual o DRI da companhia foi acusado da prática de insider trading. Trata-se
da primeira condenação criminal por uso de informação privilegiada no Brasil.
(CVM. “Caso de Insider – Sadia/Perdigão”. Disponível em: <http://www.cvm.gov.
br/noticias/arquivos/2017/20170515-1.html>. Acesso em: 15 mai 2017)
52 “Art 9º Quando, no exercício de suas atribui­ções, o Banco Central do Brasil e
a Comissão de Valores Mobiliários verificarem a ocorrência de crime definido
em lei como de ação pública, ou indícios da prática de tais crimes, informarão
ao Ministério Público, juntando à comunicação os documentos necessários
à apuração ou comprovação dos fatos. § 1º A comunicação de que trata este
artigo será efetuada pelos Presidentes do Banco Central do Brasil e da Comissão
de Valores Mobiliários, admitida delegação de competência, no prazo máximo
de quinze dias, a contar do recebimento do processo, com manifestação dos
respectivos serviços jurídicos. § 2º Independentemente do disposto no caput
deste artigo, o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários comunicarão
aos órgãos públicos competentes as irregularidades e os ilícitos administrativos de
que tenham conhecimento, ou indícios de sua prática, anexando os documentos
pertinentes.”

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607/2019 apenas estabelece que a comunicação seja efetuada quando


constatados indícios de crimes, sem determinar se deve ser esperada ou
não a decisão administrativa em relação ao caso. Cabe à Procuradoria
da Federal especializada da CVM a elaboração de Parecer referente
a tal comunicação53.
A comunicação ao Ministério Público, a princípio, só deve ser
realizada após o término do processo em seu âmbito administrativo
para que não sejam prestadas informa­ções duvidosas ou incorretas54.
Entretanto, temendo a ocorrência de prescrição, a CVM vem, em
muitos casos, oficiando o MP antes da conclusão do processo sancio-
nador55. Tal procedimento é inaceitável, uma vez que a comunicação
prematura pode causar danos sem qualquer fundamento ao indiciado
em processo administrativo56.

53 “Art. 13. Compete à Superintendência Geral efetuar comunicações: I – ao Ministério


Público, quando verificada a existência de indícios de crimes definidos em lei como
de ação pública; [...] § 1º A PFE deverá emitir parecer prévio sobre as comunicações
previstas neste artigo.”
54 Nesse sentido, o entendimento de Técio Lins e Silva: “Os investigados [pela
CVM] têm o direito de se defender e ser julgados pelo seu Colegiado antes
que qualquer das informa­ções lá investigadas seja remetida para outro órgão.
Até mesmo porque o Colegiado da instituição, ao final do procedimento
administrativo, pode entender tanto pela ocorrência de infração administrativa
(que não necessariamente terá implica­ções na esfera penal), como também pela
total improcedência dos indícios que ensejaram a atuação da CVM. [...] Trata-se
de verdadeiro disparate a remessa prévia das informa­ções obtidas pela CVM ao
Ministério Público. Tal atitude expõe os investidores e transforma o mercado
de capitais em uma área insegura de atuação, disseminando o medo através da
ameaça penal” (TÉCIO LINS E SILVA. Tribuna do Advogado – OAB/RJ, n. 454. Rio
de Janeiro: OAB-RJ, ano XXXV, abr. 2007).
55 Justificando a adoção de tal posicionamento, a manifestação da Procuradoria
Jurídica da CVM, em Parecer datado de 04.07.2007 argumenta que: “cinge-se a
função do Procurador Federal – no exercício do controle de legalidade – a uma
análise formal da presença do conjunto probatório mínimo (indícios de autoria
e materialidade) e acaso verificada sua existência, tem o membro da AGU a
obrigação funcional – sob pena de responsabilização pessoal, ex vi do disposto
nos artigos 9º da Lei Complementar nº 05/2001 e 12 da Lei nº 6385/1976 – de
propugnar pelo envio do expediente ao Parquet Federal, para que este formule
sua opinio delicti”.
56 Como observa, a respeito, Luís Roberto Barroso: “a comunicação ao Ministério
Público para fins penais só deve ocorrer quando as autoridades administrativas
dispuserem de elementos de suspeita relevantes acerca do crime [...] a exceção

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 389

Outro exemplo de atuação conjunta entre CVM e Ministério


Público diz respeito, na esfera cível, à Lei nº 7.913/1989, que instituiu
um regime específico para a hipótese de ajuizamento de ação civil
pública destinada à repressão de danos causados aos investidores no
mercado de valores mobiliários.
A Lei nº 7.913/1989 disciplina de maneira específica o uso da
ação civil pública no âmbito do mercado de capitais e elenca as causas
de pedir que darão ensejo à reparação judicial dos danos sofridos pelos
investidores. A enumeração legal, contudo, não é taxativa, como se
depreende da leitura da expressão “especialmente quando decorrerem
de”, constante do caput do artigo 1º. Assim, além das condutas exem-
plificadas, a Lei será aplicável também a outras opera­ções, desde que
tenham ocorrido no âmbito do mercado.
A Lei nº 7.913/1989 confere legitimidade ao Ministério Público
para, de ofício ou por solicitação da CVM, adotar as medidas judiciais
cabíveis para evitar prejuízos ou obter ressarcimento aos danos causa-
dos aos investidores do mercado57. A CVM pode, entretanto, na forma

ao mandamento da inviolabilidade da honra e da imagem do indivíduo só


deve ser admitida quando haja um fundamento razoável; essa a conclusão da
ponderação dos princípios em exame. Antes do percurso próprio do processo
administrativo, antes que os envolvidos apresentem seus argumentos, não é
razoável autorizar a comunicação (e a consequente instauração de um inquérito
criminal) que gerará um dano certo à imagem e ao bom nome dos acusados.
Basta mencionar que, ao longo do processo administrativo, diante dos elementos
apresentados pelos envolvidos e das provas produzidas, a Administração poderá
se convencer de que não há indício de crime algum e de que sequer houve ilícito
administrativo. A comunicação prematura teria causado um dano sem qualquer
fundamento ao acusado” (LUÍS ROBERTO BARROSO. “Banco Central e Receita
Federal – Comunicação ao Ministério Público para fins penais. Obrigatoriedade
da conclusão prévia do processo administrativo”, Revista de Direito Bancário, do
Mercado de Capitais e da Arbitragem, n. 17, jul.-set. 2002. São Paulo: Revista dos
Tribunais, pp. 196 et seg.).
57 “Art. 1º Sem prejuízo da ação de indenização do prejudicado, o Ministério Público,
de ofício ou por solicitação da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, adotará
as medidas judiciais necessárias para evitar prejuízos ou obter ressarcimento de
danos causados aos titulares de valores mobiliários e aos investidores do mercado,
especialmente quando decorrerem de: I – operação fraudulenta, prática não
equitativa, manipulação de preços ou criação de condi­ções artificiais de procura,
oferta ou preço de valores mobiliários; II – compra ou venda de valores mobiliários,

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390 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

do artigo 5º, § 2º, da Lei nº 7.347/1985, habilitar-se como litisconsorte


do Ministério Público ou atuar como seu assistente processual.
A CVM tem utilizado o meio processual que lhe faculta a Lei nº
7.347/1985 para, em cooperação com o Ministério Público, coibir a
prática de ilícitos no âmbito do mercado de capitais, destacando-se, a
propósito, a sua atuação na repressão do uso indevido de informa­ções
privilegiadas58 e da manipulação de mercado.
O Ministério Público e a CVM firmaram, em 12 de maio de 2008,
convênio institucionalizando sua atuação conjunta na repressão às
práticas lesivas ao mercado de capitais, o qual prevê a troca de informa­
ções e conhecimento especializado, de modo a conferir agilidade à sua
atuação preventiva e repressiva. Tal convênio foi prorrogado em 2013
e novamente em 2018, por mais 5 (cinco) anos, podendo ser renovado
por prazos idênticos e sucessivos.

7.7. O processo administrativo sancionador

7.7.1. O devido processo legal


O direito administrativo sancionador, na esfera da disciplina do
sistema financeiro e do mercado de capitais, constitui reflexo do exer-
cício do poder de polícia do Estado sobre as atividades desenvolvidas

por parte dos administradores e acionistas controladores de companhia aberta,


utilizando-se de informação relevante, ainda não divulgada para conhecimento
do mercado, ou a mesma operação realizada por quem a detenha em razão de
sua profissão ou função, ou por quem quer que a tenha obtido por intermédio
dessas pessoas; III – omissão de informação relevante por parte de quem estava
obrigado a divulgá-la, bem como sua prestação de forma incompleta, falsa ou
tendenciosa.”
58 O exemplo mais conhecido de tal atuação, amplamente divulgado pela mídia, é
o “caso Ipiranga”, em que as institui­ções investigaram a ocorrência de transa­ções
suspeitas com papéis da Refinaria Ipiranga, assim como da Distribuidora Ipiranga.
Ajuizada ação cautelar pelo Parquet, tendo a CVM como litisconsorte, foi obtida
medida liminar bloqueando contas de investidores suspeitos de operar com base
em informa­ções privilegiadas. Posteriormente, contra as mesmas pessoas, foi
ajuizada ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos titulares
de valores mobiliários e aos investidores do mercado.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 391

pelos particulares, como agente normativo e regulador, nos termos do


artigo 174 da Constituição59.
As garantias conferidas aos particulares decorrem da constatação
de que o poder punitivo atribuído à Administração Pública somente
pode ser considerado legítimo na medida em que se confira aos acu-
sados em processos administrativos prerrogativas da mesma natureza
daquelas existentes no âmbito do Direito Penal.
Embora inexistissem, até 1999, quando da edição da Lei nº 9.784
– que disciplinou o processo administrativo sancionador no âmbito da
Administração Pública federal —, dispositivos específicos sobre a ma-
téria, é inequívoco que as garantias assecuratórias do devido processo
legal, em sua acepção mais ampla, sempre constituíram direito subjetivo
público do acusado em qualquer processo administrativo sancionador,
decorrente de dispositivo constitucional expresso (artigo 5º, inciso LV,
da Constituição Federal). O inciso LIV, do artigo 5º da Constituição
também estabelece que ninguém será privado da liberdade ou de seus
bens sem o devido processo legal.
Em nosso sistema jurídico, todas as normas que impõem penali-
dades – entre as quais as do direito administrativo sancionador – sub-
metem-se aos mesmos princípios exegéticos consagrados no Direito
Penal, de maneira a assegurar aos indivíduos submetidos ao poder de
polícia estatal as garantias do devido processo legal.
Verifica-se, pois, uma fundada preocupação em assegurar ao admi-
nistrado o mais amplo direito de defesa em processos administrativos
sancionadores, o que se justifica pela dupla função desempenhada pelo
ente público em sua simultânea atuação na condição de autor e de
juiz60. Em processos sancionadores, diversamente do que ocorre nos

59 “Art. 174 Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado


exercerá, na forma da lei, as fun­ções de fiscalização, incentivo e planejamento,
sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.”
60 RENATO MARTINS PRATES. “O Processo Administrativo e a Defesa do
Administrado”. Revista de Direito Público, n. 86, abr.-jun. 1988. São Paulo: Revista
dos Tribunais, p. 131.

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392 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

judiciais, a Administração acusa e julga; daí a necessidade de rigor


absoluto, por sua parte, no atendimento dos princípios que asseguram
ao administrado o mais amplo direito de defesa.
A amplitude das normas constitucionais que impõem o devido
processo legal é de tal magnitude que não pode sofrer qualquer tipo
de restrição, seja por parte da Lei, seja pela atuação da autoridade
administrativa61. De fato, a defesa pela metade presta-se mais como
instrumento de acusação do que como esforço em benefício do acu-
sado62, ou seja, defesa restrita não constitui defesa.
A garantia do devido processo legal no processo administrativo
sancionador reveste-se de extremo rigor, somente podendo serem co-
minadas penalidades mediante processo regular em que seja facultada
ao interessado a mais ampla defesa63. A cláusula do due process of law,
nesse contexto, opera, conjuntamente com o princípio da legalidade,
como autêntica salvaguarda contra apena­ções arbitrárias.
Ainda que as san­ções penais sejam diversas das administrativas,
como em ambas prevalece a atuação punitiva do Estado, as causas de
justificação e de isenção da pena consagradas pelo Direito Penal devem
ser reconhecidas na esfera do processo sancionador. Daí decorre uma
nítida tendência de jurisdicionalização do processo administrativo,
quando de cunho sancionador, com o objetivo de assegurar ao admi-
nistrado o mais amplo direito de defesa.
Tal tendência de jurisdicionalização do processo sancionador é
verificada na Lei nº 9.784/1999 que, ao disciplinar o processo ad-
ministrativo, incorporou, em seu texto, diversas garantias típicas do
processo judicial, quais sejam:

61 PAULO BROSSARD. “Defesa do Consumidor. Atividade do Ministério Público.


Incursão em opera­ç ões bancárias e quebra do sigilo. Impossibilidade de
Interferência”. Revista dos Tribunais, v. 718, ago. 1995. São Paulo: Revista dos
Tribunais, p. 93.
62 JOSÉ ARMANDO DA COSTA. Teoria e Prática do Processo Administrativo
Disciplinar. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 70.
63 CARLOS ROBERTO DE SIQUEIRA CASTRO. O Devido Processo Legal e a Razoabilidade
das Leis na Nova Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 347.

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(a) o direito do administrado de ter ciência da tramitação do


processo em que seja interessado, de ter vista dos autos,
de obter cópias de documentos, de conhecer as decisões
proferidas, de apresentar alega­ções e documentos antes da
decisão e de fazer-se assistir por advogado (artigo 3º, I a
III);
(b) o direito de arguir a suspeição de autoridade ou servidor
(artigo 20);
(c) a garantia de ser intimado dos atos do processo que resul-
tem na imposição de deveres, ônus, san­ções ou restri­ções
ao exercício de direitos e atividades, bem como dos atos
de outra natureza de seu interesse (artigo 28) ou da ne-
cessidade da prestação de informa­ções ou da apresentação
de provas (artigo 39);
(d) o direito de, na fase instrutória do processo e antes da
tomada de decisão, juntar documentos e pareceres, reque-
rer diligências e perícias, bem como de aduzir alega­ções,
devendo os elementos probatórios ser considerados na
decisão (artigo 38);
(e) o direito de ter vista do processo e de obter certidões e
cópias dos documentos que o integram (artigo 46); e
(f ) a obrigatoriedade de a Administração motivar, com a
indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, os atos
administrativos que imponham ou agravem deveres, en-
cargos ou san­ções (artigo 50, II).
Em razão de a Constituição Federal de 1988 estabelecer expressa-
mente, em seu artigo 5º, LVII, que ninguém será considerado culpado
até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, o devido
processo deve ser observado durante todo o procedimento.
Dada a prevalência do postulado constitucional da presunção de
inocência, vige plenamente, tanto no processo penal como no processo

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394 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

administrativo sancionador, o princípio essencial do contraditório, o


qual garante ao acusado o direito de contradizer todas as afirma­ções
referidas na peça acusatória.
É evidente que somente pode existir contraditório se o acusado
tiver plena ciência de todos os elementos da acusação; caso contrário,
encontrar-se-á na terrível situação vivida pelo personagem Josef K., em
O Processo, de Franz Kafka, que luta para descobrir do que é acusado,
quem o acusa e com base em que norma jurídica64.
O direito de ser informado da acusação, em toda a sua extensão,
constitui um direito essencial, integrando o direito de defesa; sem a
informação plena de todos os termos da acusação e das san­ções cabí-
veis, não há contraditório e, consequentemente, não pode ser exercido
o direito de defesa.
Com efeito, como o contraditório desdobra-se em dois mo-
mentos – a informação e a possibilidade de reação – é inegável que o
conhecimento, necessariamente inserido no contraditório, constitui
pressuposto para o exercício do direito de defesa65. Assim, a informação
é condição essencial ao exercício da plena defesa66.

64 NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005,


p. 586.
65 ODETE MEDAUAR. A processualidade no direito administrativo. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1993, pp. 115 et seg.
66 A propósito, a jurisprudência de nossos tribunais reconhece a importância da
informação para o exercício do direito de defesa. Conforme se verifica em voto
de lavra do Min. Fernando Gonçalves: “ninguém pode defender-se eficazmente
sem pleno conhecimento das acusa­ções que lhe são imputadas” (STJ, MS 5316/
DF, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 14.10.98). No mesmo sentido, o RHC 69794
(2016/0101837-0), Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma do Superior Tribunal de
Justiça, j. 28.03.2017 reitera a jurisprudência do Tribunal: “é imperioso destacar
que o devido processo legal constitucionalmente garantido deve ser iniciado
com a formulação de uma acusação que permita ao réu o exercício do seu
direito de defesa, para que eventual cerceamento não macule a prestação
jurisdicional reclamada. É dever do órgão acusatório, portanto, narrar de
forma satisfatória a conduta delituosa atribuída ao agente, descrevendo todas
as suas circunstâncias [...]”. Na doutrina, ver FÁBIO MEDINA OSÓRIO. Direito
Administrativo Sancionador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 399.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 395

No âmbito do processo administrativo sancionador, nenhuma


defesa pode resultar eficaz se o acusado desconhece, antes de exercê-la,
de que fatos é acusado e quais as san­ções que lhe podem ser aplicadas.
Assim, o direito de ser informado de todos os termos da acusação,
além de impedir a situação característica de processos inquisitoriais,
nos quais o acusado não sabe do que está sendo acusado, nem a que
penas está sujeito, constitui um direito instrumental indispensável ao
exercício do direito de defesa67.
A informação completa sobre a sanção cabível, inclusive com
relação a circunstâncias agravantes, que possam torná-la mais se-
vera, constitui elemento essencial, devendo o acusado dela tomar
ciência antes de apresentar sua defesa, sob pena de ficar prejudicado
o contraditório68. Ou seja, a utilização, na decisão condenatória, de
uma circunstância agravante, sem que o administrado tenha podido
manifestar-se a respeito em sua defesa, constitui manifesta ofensa ao
princípio do contraditório, sujeitando-a à anulação.

7.7.2. O processo sancionador da CVM


O processo administrativo sancionador constitui a modalidade de
processo administrativo mediante a qual a Administração Pública, no
exercício do seu poder de polícia e obedecendo sempre o postulado do
devido processo legal, aplica as penalidades administrativas às pessoas
que praticam atos qualificados em lei ou regulamento como ilícitos
administrativos69.
O Processo Administrativo Sancionador da CVM deve observar,
além das normas procedimentais específicas elencadas em diversos nor-
mativos, também as disposi­ções da Lei nº 9.784/1999, que estabelece

67 JOSÉ GARBERÍ LLOBREGAT. El Procedimiento administrativo sancionador.


Valencia: Tirant lo Blanch, 1996, pp. 215 et seg.
68 NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005,
p. 587.
69 ODETE MEDAUAR. A processualidade no direito administrativo. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1993, p. 129.

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396 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

os princípios orientadores do processo administrativo no âmbito da


Administração Pública federal, dentre os quais os seguintes: legalidade,
finalidade, motivação, proporcionalidade, contraditório, ampla defesa,
publicidade e segurança jurídica.
É indispensável, ademais, que exista uma separação funcional
entre as fases de instrução e de decisão; cada uma delas deve ser de-
senvolvida por um órgão distinto, de maneira a garantir a obrigatória
imparcialidade da decisão proferida.
Tal orientação já há muito explicitada pelo Parecer de Orien-
tação nº 6, de 198070, veio a ser fortalecida em 27 de fevereiro de
2008, quando da edição do Decreto nº 6.382 que alterou a estrutura
organizacional da CVM, criando a Superintendência de Processos
Sancionadores (SPS), com a função de conduzir os Processos Adminis-
trativos Sancionadores instaurados pela Autarquia e, assim, promover
a segregação das fun­ções de fiscalização das fun­ções acusatórias. Tal
segregação tem o objetivo de trazer mais eficiência na condução dos
processos administrativos sancionadores – com maior agilidade na
fase de investigação e na apresentação de acusa­ções – e de qualidade
no resultado final das acusa­ções produzidas.
A SPS assumirá a responsabilidade pela condução dos processos
administrativos sancionadores (artigo 9º, inciso V e § 2º, da Lei nº
6.385/1976), tornando desnecessária a constituição de Comissão de

70 Parecer de Orientação nº 6, de 28 de abril de 1980: “[...] A CVM adotou, segundo


ficou claro em várias ocasiões, o reconhecimento da existência de uma fase de
investigação, denominada inquérito, e de uma fase contraditória, que se inicia pela
intimação daquelas pessoas físicas ou jurídicas cuja responsabilidade pelos atos
ilegais ou práticas não equitativas efetivamente apurados se vier a verificar, para
a apresentação e defesa [...] em síntese, existe no Inquérito, simples investigação
de fatos e de responsabilidade pela sua prática, se ilegais. Nada além disso, não
cuidando ainda de acusação, que só surgirá no eventual processo administrativo
posterior [...] Convém recordar, a propósito, a lição da doutrina, de que, como
é óbvio, somente pode haver acusado depois da acusação. Se, portanto, no
inquérito administrativo da CVM só é formulada a acusação quando da elaboração
do relatório do encarregado do inquérito, é infundada a afirmativa de que os
indivíduos notificados da instauração do inquérito sejam acusados de atos ilegais
cuja instauração, a rigor, sequer está ultimada [...]”.

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Inquérito. Por fim, deve-se esclarecer que a criação da SPS não subtrai
a competência das demais Superintendências para oferecerem termo
de acusação, quando se revelarem suficientes os elementos destinados
à configuração da autoria e da materialidade.
Com a implementação da SPS – também informalmente de-
nominada “superintendência de enforcement” – objetivou a CVM a
consecução de um duplo objetivo. O primeiro, relacionado à redução
dos prazos de tramitação dos processos em andamento; o segundo,
voltado ao aprimoramento da fiscalização71.
Com efeito, um dos mais importantes elementos constitutivos
do modelo teórico acusatório, por ser pressuposto de todos os outros,
é o da separação entre juiz e acusação, que comporta não só a dife-
renciação entre os sujeitos que desenvolvem fun­ções judicantes e os
que desenvolvem fun­ções de postulação, como também a garantia do
distanciamento do juiz em relação às partes em causa72.
Conforme a orientação adotada pela CVM73, são reconhecidas
duas fases no processo administrativo sancionador: a primeira, de in-
vestigação, e a segunda, de contraditório, que se inicia com a intimação
dos indiciados para a apresentação de defesa, na qual já existe uma
efetiva acusação de prática de atos ilícitos.
A instauração de processo administrativo sancionador, por parte
da CVM, constituindo um ato administrativo, deve ser devidamente
motivada; há de ficar evidenciada a existência de fatos sobre os quais
haja indícios de ilegalidade e que sirvam de fundamento à sua ins-
tauração74.

71 Ver, a propósito, “Nova área na CVM quer tornar processos mais ágeis”, reportagem
de Catherine Vieira veiculada no jornal “Valor Econômico”, edição de 20.05.2008,
p. b2.
72 LUIGI FERRAJOLI. Direito e Razão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 522.
73 Parecer de Orientação CVM nº 6, de 28.04.1980, do Dr. Paulo Cezar Aragão,
então, Superintendente Jurídico da CVM.
74 Consoante a doutrina, a acusação não pode ser hipotética quanto à configuração
típica do fato que se imputa ao Réu e “muito menos pode alguém ser submetido
às agruras de um processo a título de precipitação do órgão acusador, ansioso em

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Para que alguém seja indiciado em processo administrativo san-


cionador, deve ficar demonstrado que existem indícios de que perpetrou
ato ilícito no mercado de valores mobiliários. O prosseguimento do
processo sem a existência de tais indícios constituiria evidente abuso
de poder, contaminando de nulidade o ato administrativo75.

a. Modalidades de procedimentos administrativos sancionadores


No âmbito da CVM, são disciplinadas duas modalidades de
procedimento administrativo sancionador: a primeira, sob a deno-
minação de procedimento de rito ordinário, regido pela Resolução
CMN nº 454/1977 e pela Instrução CVM nº 607/2019; a segunda,
sob a denominação de procedimento de rito simplificado – anterior-
mente chamado de rito sumário —, regulado pela Resolução CMN
nº 1.657/1989, e pela Instrução CVM nº 607/2019.

a.1. O procedimento administrativo de rito ordinário


No processo administrativo sancionador, a competência para a
investigação de infrações administrativas, a instrução processual e a
instauração do processo é das superintendências.
Na fase pré-sancionadora do processo administrativo sancionador,
isto é, antes da formulação da acusação pela CVM, as superintendên-
cias devem primeiramente diligenciar a fim de obter do investigado
esclarecimentos sobre fatos que podem ser a ele imputados. Trata-se
de momento do processo em que a existência de uma acusação pode

demonstrar a sua tese” (MIGUEL REALE JÚNIOR. Direito Penal Aplicado, v. 3. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, pp. 5-20).
75 Nesse sentido, o voto do Ministro Celso de Mello, nos autos do Habeas Corpus nº
86.879-7, 2ª Turma do STF, j. 21.02.2006: “Na realidade, os princípios democráticos
que informam o modelo constitucional consagrado na Carta Política de 1988
repelem qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa
penal por presun­ções nem responsabilidade criminal por mera suspeita. Meras
conjecturas sequer podem confiar suporte material a qualquer acusação estatal.
É que, sem base probatória consistente, dados conjecturais não se revestem, em
sede penal, de idoneidade jurídica, quer para efeito de formulação de imputação
penal, quer para fins de prolação de juízo condenatório”.

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nem mesmo ser dotada de certeza. Assim, é oferecida oportunidade


ao investigado para manifestar-se sobre ocorrências que podem ou
não resultar em uma acusação contra ele76.
Após a obtenção das informações, podem ser tomadas três possí-
veis atitudes: (i) a não lavratura do termo de acusação; (ii) a lavratura
do termo de acusação; ou (iii) a instauração de inquérito administra-
tivo a fim de coletar elementos adicionais à verificação da autoria e
materialidade da infração.
A superintendência pode optar pela não lavratura do termo diante
da inexistência de irregularidades, extinção da punibilidade, ou caso
reste demonstrada a pouca relevância da conduta, a baixa expressivi-
dade da ameaça ou lesão ao bem jurídico tutelado e a possibilidade de
utilização de outras medidas de supervisão mais efetivas77.
Caso a superintendência entenda já dispor de elementos su-
ficientes ao oferecimento de uma acusação fundada, poderá lavrar
diretamente o termo de acusação. Assim, o processo administrativo
sancionador de rito ordinário tem início com a elaboração, pelas áreas
técnicas da CVM, de uma acusação – o termo de acusação – a qual
descreve as práticas alegadamente irregulares, bem como nomeia
aqueles aos quais se imputa a responsabilidade por seu cometimento.
Por outro lado, se as áreas técnicas da CVM e o Superintenden-
te Geral entenderam que não há elementos suficientes de autoria e
materialidade de infra­ções para o oferecimento de termo de acusação,
sendo necessárias maiores investigações, será instaurado um inquérito
administrativo a ser conduzido pela Superintendência de Processos
Sancionadores (SPS)78. Tal procedimento tem como finalidade reu-

76 Relatório de Análise da Audiência Pública SDM nº 02/18 – Processo CVM SEI nº


19957.006565/2017-86.
77 O artigo 4º, § 2º da Instrução CVM nº 607/2019 estabelece que medidas são essas:
“Art. 4º. [...] § 2º Consideram-se instrumentos e medidas de supervisão, para os
fins deste artigo, a expedição de ofício de alerta, a atuação prévia e coordenada
de instituição autorreguladora, entre outros”.
78 Artigo 9º, da Instrução CVM nº 607/2019.

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nir os elementos necessários à apuração das práticas que se supõem


irregulares.
Nesses casos, caberá à SPS aprofundar as investiga­ções a respeito
da suposta irregularidade e, ao final, elaborar uma peça de acusação,
da qual deverão constar os elementos de autoria e materialidade que
justifiquem a formulação de acusação contra as pessoas investigadas,
contendo a individualização da conduta dos investigados, referência
às provas sobre a participação nas infra­ções apuradas, os dispositivos
infringidos, o rito a ser observado no processo administrativo san-
cionador e a descrição dos esclarecimentos prestados pelos acusados
antes da formulação da acusação79.
Ademais, se for o caso, a peça acusatória deverá conter a proposta
de comunicação ao Ministério Público, desde que verificada a ocor-
rência ou indícios de prática de crime de ação pública, bem como a
proposta de comunicação a outros órgãos e entidades da Administração
Pública se verificada a ocorrência de indícios ou práticas de atos em
suas respectivas áreas de atuação80. Quando necessário para assegurar
a efetividade das investigações, essa comunicação pode ser feita de
modo sigiloso.
A peça de acusação deve ser neutra, sem qualquer prejulgamento
sobre a conduta dos indiciados81, posto que a função de julgar compete,
com exclusividade, ao Colegiado, em atenção ao princípio da separação
funcional das fases de instrução e de julgamento82.

79 Artigo 6º, da Instrução CVM nº 607/2019.


80 Artigo 13, da Instrução CVM nº 607/2019.
81 Parecer de Orientação CVM nº 6/1980.
82 Conforme a clássica lição de Hely Lopes Meirelles: “O relatório é a síntese do
apurado no processo, feita por quem o presidiu individualmente ou pela Comissão
processante, com apreciação das provas, dos fatos apurados, do direito debatido
e proposta conclusiva para decisão da autoridade julgadora competente. É peça
informativa e opinativa, sem efeito vinculante para a Administração ou para os
interessados no processo. Daí por que pode a autoridade julgadora divergir das
conclusões e sugestões do relatório, sem qualquer ofensa ao interesse público
ou ao direito das partes, desde que fundamente a sua decisão em elementos
existentes no processo ou na insuficiência de provas para a sua decisão punitiva,

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Caso a SPS não obtenha provas suficientes para a formulação


de acusação ou se convença da inexistência de infração ou ocorrência
da extinção de punibilidade, proporá ao Superintendente Geral o
arquivamento do inquérito83.
Com as modificações trazidas pela Lei nº 13.506/2017 ao proces-
so administrativo sancionador, foi consagrado o princípio da insignifi-
cância no âmbito de atuação da Comissão de Valores Mobiliários, que
pode deixar de instaurar o processo administrativo sancionador após
considerar “a pouca relevância da conduta, a baixa expressividade da
lesão ao bem jurídico tutelado e a utilização de outros instrumentos
e medidas de supervisão que julgar mais efetivos”84. Assim, além das
hipóteses já mencionadas, a SPS também pode promover o arquiva-
mento do inquérito caso entenda pela insignificância da lesão ao bem
jurídico, nos termos do artigo 4º, I, ‘b’ da Instrução CVM nº 607/2019.
A peça acusatória deve apresentar todos os requisitos considerados
indispensáveis à caracterização do ilícito, aplicando-se analogicamente
o disposto no artigo 41 do Código de Processo Penal, nos termos do
qual a denúncia ou a queixa deverá conter a exposição minuciosa do
fato, com todas as suas circunstâncias, assim como a classificação do

ou mesmo deferitória ou indeferitória da pretensão postulada [...]” (HELY LOPES


MEIRELLES. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 597).
No âmbito da CVM: “A CVM adotou, segundo ficou claro em diversas ocasiões, o
reconhecimento da existência de uma fase de investigação, denominada inquérito,
e de uma fase contraditória, que se inicia pela intimação daquelas pessoas físicas
ou jurídicas cuja responsabilidade pelos atos ilegais ou práticas não equitativas
efetivamente apurados se vier a verificar, para apresentação da defesa” (Parecer
de Orientação CVM nº 6/1980).
83 Artigo 12, da Instrução CVM nº 607/2019: “Art. 12. A SPS deverá propor à
Superintendência Geral o arquivamento do inquérito administrativo sempre
que: I – não obtiver provas suficientes para formular a acusação; II – se convencer
da inexistência de infração ou da ocorrência de extinção da punibilidade; ou
III – observar, após o aprofundamento da instrução processual, a hipótese de
que trata o art. 4º, I, “b”. Parágrafo único. Em qualquer das hipóteses deste artigo,
os investigados deverão ser intimados da decisão que acolher a proposta de
arquivamento.”
84 Artigo 9º, § 4º, da Lei nº 6.385/1976, alterado pela Lei nº 13.506/2017.

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crime85. Vale notar, nesse sentido, que é inadmissível – tal como ocorre
no âmbito do direito penal – a imputação da prática de ilícitos com
base em acusa­ções vagas, sob pena de caracterizar-se o cerceamento
ao direito de defesa. A acusação deverá conter a conclusão do órgão de
instrução, devidamente justificada, ou seja, fundamentada e motivada
com a indicação das normas aplicáveis e explicita­ções das razões de
seu convencimento.
Antes da intimação dos acusados para a apresentação das res-
pectivas defesas, a Procuradoria Federal Especializada da CVM
(PFE-CVM) emitirá parecer sobre o termo de acusação, analisando,
objetivamente, a presença dos requisitos enumerados nos artigos 5º
e 6º da Instrução CVM nº 607/2019 e a adequação do rito adotado
para o processo administrativo sancionador. Caso constatada, pela
Procuradoria, a ausência de alguns requisitos necessários à formulação
de acusação ou a inadequação do procedimento, a Superintendência
que a tiver oferecido poderá efetuar ajustes na peça acusatória, adequar
o rito do processo administrativo ou arquivá-lo86.
Após concluído o Inquérito ou oferecido o termo de acusação,
os autos seguirão para a Coordenação de Controle de Processo Ad-
ministrativo – CCP – que encaminhará a citação aos acusados para
que apresentem suas defesas por escrito dentro de 30 dias87. Dessa

85 Nesse sentido, o entendimento do STF no voto do Ministro Celso de Mello,


no julgamento do Habeas Corpus nº 86.879-7, 2ª Turma do STF, ocorrido em
21.02.2006: “Uma das principais obriga­ções jurídicas do Ministério Público no
processo penal de condenação consiste no dever de apresentar denúncia que
veicule, de modo claro e objetivo, com todos os elementos estruturais, essenciais
e circunstanciais que lhe são inerentes, a descrição do fato delituoso, em ordem
a viabilizar o exercício legítimo da ação penal e a ensejar, a partir da estrita
observância dos pressupostos estipulados no art. 41 do CPP, a possibilidade de
efetiva atuação da cláusula constitucional da plenitude de defesa”.
86 Artigo 12, da Instrução CVM nº 607/2019.
87 Artigo 16, da Instrução CVM nº 607/2019.

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citação deverá constar a observação de que o acusado poderá apresentar


proposta de Termo de Compromisso88_89.
Uma das maiores inovações introduzidas pela Lei nº 13.506/2017
e regulamentada pela Instrução CVM nº 607/2019 foi a comunicação
dos atos processuais por meio eletrônico. Assim, a disponibilização dos
atos por meio eletrônico e sua divulgação na seção “Diário Eletrônico”
do site da CVM substituem qualquer outro meio de publicação oficial.
Apresentada a defesa, os autos seguirão para o Colegiado para
que seja sorteado um diretor relator; até que isso seja feito, a superin-
tendência é quem decidirá sobre os incidentes processuais arguidos.
Após a distribuição do processo a um relator, a superintendência poderá
oferecer manifestação técnica complementar sobre as razões da defesa.
Na hipótese de todos os acusados apresentarem proposta de Ter-
mo de Compromisso, a designação do relator aguardará a apreciação do
parecer do Comitê de Termo de Compromisso pelo Colegiado. Caso o
processo não seja suspenso pela celebração de Termo de Compromisso,
haverá a designação do relator.
O indiciado, em sua defesa, poderá solicitar a produção de pro-
vas, cabendo ao relator deferi-las ou não, bem como, considerando
as circunstâncias do caso, encaminhar essa solicitação à decisão do
Colegiado. Também é facultado ao relator requerer outras diligências,
a serem realizadas por quaisquer das superintendências. Da decisão do
relator que negar o pedido de diligências, cabe recurso ao Colegiado,
dentro de 10 (dez) dias a contar da sua ciência90.
A Deliberação CVM nº 481/2005, que regula a concessão de
vistas de processos administrativos de qualquer natureza, em seu artigo
6º, dispõe que sempre será assegurada a concessão de vista dos autos
aos acusados em processos administrativos sancionadores. Quanto ao

88 Sobre o Termo de Compromisso, ver o item 7.7.15.


89 Artigo 21, da Instrução CVM nº 607/2019.
90 Artigo 39, § 1º, da Instrução CVM nº 607/2019.

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pedido de vista formulado por terceiros, cabe ao relator a análise do


sigilo das informações constantes do processo, a fim de concedê-lo
ou não91.
O julgamento dos processos administrativos sancionadores será
realizado pelo Colegiado da CVM, em sessão pública, convocada com,
pelo menos, 15 dias de antecedência, presidida pelo Presidente, ou,
na sua ausência ou impedimento, por seu substituto eventual, sendo
exigida a presença de, no mínimo, 3 (três) membros do Colegiado.
Para a sustentação oral da defesa será concedido o prazo máximo
de 15 (quinze) minutos, prorrogáveis por mais 15 (quinze) a critério
do presidente da sessão, ao acusado ou ao seu representante92.
A decisão proferida, independentemente de haver ou não recurso,
será publicada na seção “Diário Eletrônico” do site da CVM, na forma de
ementa, contendo no mínimo a identificação das partes, as infrações a elas
imputadas e as penalidades aplicadas. Ao acusado será dado conhecimento
da decisão para, querendo, em petição encaminhada à CVM, recorrer ao
Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, no prazo de 30
(trinta) dias corridos a contar da intimação da decisão93.
O recurso será recebido apenas com efeito devolutivo quando
for interposto contra decisão que tenha condenado o acusado à pe-

91 Artigo 48, da Instrução CVM nº 607/2019.


92 A propósito, a doutrina observa que: “Não há razão alguma para se dar à sustentação
oral no processo administrativo a mesma desimportância que a caracteriza no
processo judicial. Neste a sustentação oral é feita após um relatório sumário do
relator e antes do seu voto, de maneira a que o advogado tenha que ‘adivinhar’
os elementos de fato havidos como relevantes e os fundamentos jurídicos desse
voto, que quase sempre é simplesmente acolhido pelos demais julgadores.
Perde-se, assim, uma excelente oportunidade para um exame ao mesmo tempo
rápido e aprofundado da lide, que poderia gerar enorme economia processual.
No processo administrativo é perfeitamente possível que a sustentação oral seja
feita após o voto do relator (salvo se houver disposição normativa em contrário)
pois isso não ofende princípio algum e pode contribuir decisivamente para a
percepção da verdade material, possibilitando uma decisão final mais robusta,
mais justa e mais confiável, pacificando uma contenda judicial” (SÉRGIO FERRAZ,
ADILSON DALLARI. Processo Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 190).
93 Sobre o assunto, ver o item 7.8 deste Capítulo.

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nalidade de: (i) inabilitação temporária para o exercício de cargo de


administrador ou conselheiro fiscal de companhia aberta ou outra
entidade que dependa de autorização ou registro na CVM; (ii) ina-
bilitação temporária ou suspensão da autorização para o exercício
de atividades no mercado de capitais; (iii) proibição temporária de
praticar determinadas atividades ou operações, para os integrantes
do sistema de distribuição ou de outras entidades que dependam de
autorização ou registro na Comissão de Valores Mobiliários; ou (iv)
proibição temporária de atuar direta ou indiretamente em uma ou mais
modalidades de operação no mercado de valores mobiliários94. Nesses
casos, o efeito suspensivo poderá ser requerido por meio de petição
apresentada em separado por ocasião da interposição do recurso, e sua
análise pelo Colegiado não obstará o encaminhamento do recurso ao
CRSFN95. Deve o Colegiado deferir o efeito suspensivo, exceto se, em
decisão fundamentada, demonstrar o risco a ser causado ao mercado
de capitais pela permanência da atuação do acusado. Com efeito,
constituem penas que impedem o acusado de atuar profissionalmente
(Constituição Federal, artigo 5º, XIII).
Já quando o recurso for interposto contra decisão que impuser as
penalidades de advertência ou multa, terá efeito suspensivo96. Quando
houver cumulação de penalidades, o efeito suspensivo somente recairá
sobre a advertência e a multa, sem prejuízo da possibilidade de requerer
o mesmo efeito para das demais.

a.2. O Procedimento administrativo de rito simplificado


Além do procedimento ordinário, a CVM poderá, em determi-
nadas hipóteses, instaurar processo administrativo sancionador de
rito simplificado.

94 Artigo 71, caput¸ da Instrução CVM nº 604/2019.


95 Artigo 71, § 2º, da Instrução CVM nº 607/2019.
96 Artigo 72, da Instrução CVM nº 607/2019.

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406 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

O procedimento de rito simplificado é disciplinado, atualmente,


pelo Regulamento Anexo à Resolução CMN nº 1.657/1989, com as
altera­ções introduzidas pela Resolução CMN nº 2.785/2000, e pela
Instrução CVM nº 607/2019.
As hipóteses nas quais cabe a utilização do rito simplificado estão
elencadas exaustivamente na Instrução CVM nº 607/2019, em seu
Anexo 7397.
A Instrução CVM nº 607/2019 faz referência aos ilícitos que
serão processados pelo rito simplificado como aqueles que “em razão
do seu nível de complexidade, não exigem dilação probatória ordinária”.
No entanto, caso uma infração de menor complexidade seja proces-
sada em conjunto com uma infração de outra natureza, o processo
administrativo sancionador seguirá o rito ordinário.
Nos termos do artigo 2º do Regulamento Anexo à Resolução
CMN nº 1.657/1989, o processo administrativo de rito simplifica-
do não dependerá do prévio inquérito disciplinado pela Resolução
CMN nº 454/1977, considerando-se instaurado com a intimação
dos acusados, que terão o prazo de dez dias para apresentar defesa
escrita e requerer provas98. O procedimento será instaurado e julgado
pela Superintendência correspondente ao mérito do processo. Assim,
como preceitua o artigo 73, § 2º, da Instrução CVM nº 607/2019, os
inquéritos administrativos e seus desdobramentos deverão observar
o rito ordinário.
Após a apresentação da defesa pelo acusado, a superintendência
que formulou a acusação terá 60 dias para elaborar um relatório con-
tendo: (i) o resumo da acusação e da defesa, (ii) o registro das principais

97 “Art. 73. Submete-se ao rito simplificado o processo administrativo sancionador


relativo às infrações previstas no Anexo 73 desta Instrução, as quais, em razão do
seu nível de complexidade, não exigem dilação probatória ordinária.”
98 O parecer da PFE anteriormente à intimação do acusado para apresentação de
defesa não é necessário nos processos administrativos sancionadores submetidos
ao rito simplificado, nos termos do artigo 7º, § 3º, da Instrução CVM nº 607/2019.

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ocorrências no andamento processual e (iii) uma análise acerca dos


argumentos de defesa e da procedência da acusação.
Finalizado o relatório, o acusado será novamente intimado para
manifestar-se a seu respeito dentro de 15 dias99. Decorrido esse pra-
zo, com ou sem sua manifestação, o processo é encaminhado para a
designação de relator.
O relator pode, a seu critério, adotar o relatório elaborado pela área
técnica, e os diretores podem, na sessão de julgamento, fundamentar
seus votos fazendo remissão às razões desse mesmo relatório. Essas
disposições têm como objetivo garantir a celeridade do procedimento
simplificado, mas, por outro lado, suscitaram questionamentos acerca
da imparcialidade do relator que adota o relatório da área técnica. Por
ocasião da Audiência Pública que resultou no texto da Instrução CVM
nº 607/2019, no entanto, a Superintendência de Desenvolvimento
de Mercado assegurou que tais normas não afetam a separação entre
a função acusatória e a julgadora, pois apenas facultam ao relator a
adoção do relatório da superintendência, sem impactarem sua função
privativa de análise do mérito.

7.7.3. Princípio da legalidade


O princípio da legalidade, garantia basilar do Estado Democrá-
tico de Direito, destina-se a resguardar a liberdade e os direitos do
cidadão frente a atuação arbitrária do Poder Público. O princípio é
objeto de dupla menção constitucional. Prescreve a Constituição que
“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude de lei” (Constituição Federal, artigo 5º, II), e também que

99 Assim estabelece o artigo 74 da Instrução CVM nº 607/2019: “Art. 74. [...]§ 1º


Uma vez elaborado ou complementado o relatório de que trata este artigo, e
desde que o acusado não seja revel, deverá o acusado ser intimado para, no
prazo de 15 (quinze) dias, apresentar manifestação específica sobre o relatório,
após o que, com ou sem manifestação, o processo seguirá para designação de
Relator. § 2º Sem prejuízo do disposto no § 1º, o prazo nele previsto poderá ser
excepcionalmente prorrogado pela superintendência, por igual período, diante
de pedido devidamente fundamentado apresentado pelo acusado, em que se
justifique a impossibilidade de seu cumprimento.”

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408 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

a Administração, por se encontrar sujeita ao referido princípio, apenas


poderá proceder quando e conforme autorizada pelo ordenamento
jurídico vigente (Constituição Federal, artigo 37, caput). Logo, as
normas jurídicas constituem, simultaneamente, condição e limite ao
exercício das prerrogativas da Administração Pública.
A CVM, ao sancionar a conduta dos particulares atuantes no
mercado de capitais, tem competência, nos termos do artigo 11, caput,
da Lei nº 6.385/1976, para aplicar san­ções não só aos infratores das
leis que lhe incumbe fiscalizar (Lei das S.A., Lei nº 6.385/1976 etc.)
como também das normas que editar, sob a forma de Instru­ções.
A aplicação do princípio da legalidade, neste caso, refere-se à
necessária reserva legal, a teor do artigo 5º, XXXIX, da Constituição
Federal, nos termos do qual não há crime sem lei anterior que o defina,
nem pena sem a necessária cominação legal.
Trata-se, o princípio da reserva legal, de postulado plenamente aplicá-
vel ao processo administrativo sancionador, essencial à defesa dos cidadãos
frente ao exercício do poder coercitivo do Estado, e que se desdobra em
duas exigências fundamentais, desenvolvidas pelo Direito Penal:
a) nullum crimen sine lege, de maneira que é necessário que
norma legal determine previamente que uma conduta
pode ser qualificada como delituosa;
b) nulla poena sine lege, mediante a qual se veda a imposição
de penas não predeterminadas legalmente.
No Direito Penal, a Lei, em sentido formal, constitui a única fonte
normativa, por força de expresso comando constitucional (Constituição
Federal, artigo 22, I). Todavia, na esfera do direito administrativo san-
cionador, o princípio da reserva legal vem sendo entendido de maneira
mais flexível, podendo a previsão da conduta ilícita estar contida não
só em lei, mas também em norma elaborada pela Administração100.

100 NELSON EIZIRIK. Reforma das S.A. e do Mercado de Capitais, 2a ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 1998, pp. 179-180; FÁBIO MEDINA OSÓRIO. Direito Administrativo
Sancionador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 268.

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Assim, dado o princípio da legalidade, a CVM somente pode


aplicar penalidade se a conduta estiver prevista como ilícita em norma
legal ou regulatória.

7.7.4. Princípio da irretroatividade


Nos termos do artigo 1º do Código Penal, não há crime sem lei
anterior que o defina e não há pena sem prévia cominação legal101.
Trata-se do postulado genérico da irretroatividade, em razão do qual
nenhuma ação pode ser declarada crime e seu autor castigado – sob
pena de se configurar “ato de hostilidade” – senão em virtude de uma
norma anteriormente posta em vigor102.
O princípio da irretroatividade, plenamente aplicável no âmbito
do direito administrativo sancionador, significa que somente pode ser
punido o acusado por conduta já tipificada como ilícita ao tempo do
seu cometimento. A norma que proíbe determinado comportamento,
sancionando a infração com penalidade administrativa, não pode,
assim, ser aplicada a fatos anteriores à sua vigência. Daí decorre a ir-
retroatividade absoluta na esfera do direito administrativo sancionador

101 A respeito, observa Daniel Ferreira que: “Referido princípio é reflexo imediato
de outro – o da legalidade —, que, em nível sancionador (inclusive penal), veda
a imposição de qualquer consequência jurídica restritiva de direitos de natureza
repressiva (sanção ou pena) em decorrência de um ilícito (infração ou crime)
até então – à época do seu cometimento – não reconhecido como tal. Da forma
simples como prescreveu nosso legislador constituinte originário, ‘não há crime
sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal’. Ocorre que
– como muito bem anotado por Carlos Ari Sundfeld —, ampliando o alcance de tal
vetor, ‘não basta a sanção estar na lei: mister haver sido criada antes da ocorrência
concreta do comportamento a punir. Sanção administrativa alguma incide em
fato anterior à vigência da lei que a estabeleceu’. Assim, ‘não há possibilidade
de punição sem prévia previsão normativa da infração’, ou, dito de outro modo,
‘a lei há de ser anterior à prática da infração para que se possa punir o infrator’”
(DANIEL FERREIRA. San­ções Administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 137).
102 Ao justificar o referido princípio, já afirmava Hobbes que “se a pena supõe um fato
considerado pela lei como sendo uma transgressão, o dano infligido por um fato
cometido antes de existir uma lei que o proíba não é um fato punível, mas um ato
de hostilidade, pois antes da lei não existe transgressão da lei; por isso nenhuma
lei elaborada depois de realizar-se uma ação pode dela fazer um delito” (LUIGI
FERRAJOLI. Direito e Razão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 351).

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da lex gravior, que é aquela que cria ilícito até então inexistente ou que
agrava as consequências punitivas do fato.
Se a lei nova impõe san­ções mais severas (inovatio legis in pejus),
esta somente poderá ser aplicada às infra­ções ocorridas após a data
em que entrar em vigor.
O artigo 5º, inciso XL da Constituição Federal, ao estatuir que
“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”, estabelece o
princípio de que a aplicação da norma com caráter retroativo somente
pode ocorrer em benefício do acusado (novatio legis in mellius).
Ademais, de acordo com o Código Penal, em seu artigo 2º, pa-
rágrafo único103, a lei posterior que se revele mais favorável ao agente
será aplicável ao fato não definitivamente julgado, de acordo com o
princípio da novatio legis in mellius.
Em virtude do princípio da novatio legis in mellius, deverão ser admi-
tidos todos os meios de defesa para que os efeitos jurídicos da nova ordem
vigente também venham a alcançar processos sancionadores pendentes
de decisão definitiva ou de eventuais san­ções anteriormente impostas.
Isto porque, não se justifica o exercício do poder punitivo, por parte da
Administração Pública, quando o legislador passa a não mais valorar ou
ainda a conferir valoração menos relevante a condutas antes consideradas
ilícitas ou passíveis da aplicação de penalidades mais gravosas.
Assim, se a norma incriminadora for revogada após a ocorrência
do fato considerado ilícito administrativo, mas antes da instauração
de inquérito para sua apreciação, extingue-se a punibilidade do agente
(abolitio criminis).
Deve, igualmente, ficar impune a conduta cuja norma tipificadora,
vigente ao tempo de sua ocorrência, foi revogada antes da decisão final

103 Código Penal, artigo 2º: “Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixe
de considerar crime, cessando em virtude dele a execução e os efeitos penais da
sentença condenatória. Parágrafo único – A lei posterior, que de qualquer modo
favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença
condenatória transitada em julgado”.

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do processo administrativo, em atenção ao postulado da retroatividade


benigna.
É de ser admitida a retroatividade benigna, da mesma forma, quando,
ocorrendo sucessão de normas incriminadoras no tempo, a nova norma
jurídica diminui a severidade das san­ções aplicáveis (lex mitior)104.
Quando a nova norma altera prazos de prescrição, provocando,
sua aplicação imediata, prejuízo para o infrator, cabe igualmente a
aplicação do princípio da retroatividade benigna.
É inaplicável, entretanto, a retroatividade benéfica, nas hipótese
de leis excepcionais – quais sejam, aquelas promulgadas para vigorar
em situa­ções anormais enquanto estas perdurarem – e de leis tem-
porárias – quais sejam, aquelas cujo prazo de vigência encontra-se
previamente determinado105.

104 Nesse sentido, a decisão do CRSFN, nos autos do Recurso nº 1814, julgado na
140ª Sessão, em 10.10.1996. As decisões mais recentes, mencionam a doutrina
ao examinarem a aplicação das leis no tempo, como, por exemplo, no Recurso
11753-CS, 318ª sessão, Rel. Cons. Felisberto Bonfim Pereira: “Por essa razão as
posteriores gradações (substancialmente mais gravosas) inseridas na Resolução
CMN no 3.192/04 não podem seu utilizadas como parâmetro válido para a fixação
da multa referente à conduta da ora defendente. Para a determinação de qual
regime normativo seria aplicável [...] esclarecedoras as seguintes considerações:
‘Vê-se que da sucessão das leis no tempo ressaem, didaticamente, as hipóteses
de que a lei posterior (lei nova) incrimina fato não previsto na anterior – vale o
princípio da irretroatividade; a lei posterior desincrimina fato anteriormente
punível – vale o princípio da retroatividade favorável (abolitio criminis); a lei
posterior pune o mesmo fato mais gravemente que a anterior – vale o princípio
da ultratividade; a lei posterior beneficie de qualquer forma o agente – vale o
princípio da retroatividade favorável. Para a determinação da lei penal mais
favorável, deve-se realizar um exame cuidadoso do efeito da aplicação das
leis – anterior e posterior – e utilizar-se da que se apresente, in concreto, como
a mais benigna ao réu. Acentua-se que esse caráter deve ser considerado em
relação ao agente e à situação judicial concreta em que se encontre. [...] Também
para a lei intermediária – em vigor depois da prática do fato e revogada antes de
seu julgamento final – permanece válido o postulado da retroatividade da lex
mitior e da não-retroatividade da lex gravior’. (grifou-se) Neste mesmo sentido,
GILMAR FERREIRA MENDES/INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO/PAULO GUSTAVO
GONET BRANCO [...] ‘Se, entre as leis que se sucedem, surge uma intermediária
mais benigna, embora não seja a do tempo do crime nem daquele em que a lei
vai ser aplicada, essa lei intermediária mais benévola deve ser aplicada’.”
105 A respeito, os comentários de Silvânio Covas e Adriana Cardinali, com fundamento
na jurisprudência do CRSFN: “Ao longo de seu funcionamento, o CRSFN tem

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Dessa forma, os processos sancionadores da CVM não podem


resultar na aplicação de penalidades se o ato não era tido como ilícito
quando foi praticado. Ademais, se nova norma legal ou regulamentar
deixar de considerar ilícito ato que, ao tempo de sua prática, era tido
como tal, não pode haver aplicação de san­ções, dado o princípio da
retroatividade benéfica.
O princípio da irretroatividade também está expresso no artigo
2º, inciso XIII, da Lei nº 9.784/1999, segundo o qual, nos processos
administrativos, as normas aplicáveis deverão ser interpretadas “da
forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se
dirige, vedada a aplicação retroativa de nova interpretação”106.

se posicionado no sentido de que as normas editadas no exercício de política


monetária, relacionadas com a higidez do chamado Sistema Financeiro Nacional
e à estabilidade da moeda num determinado momento, configuram-se como
de caráter temporário ou excepcional, o que ocasiona a sua ultratividade. No
Recurso nº 3593, julgado na 228ª Sessão, realizada em 28 de agosto de 2003, o
Colegiado considera que: ‘a edição, pelo Conselho Monetário Nacional e pelo
Banco Central do Brasil, de normativos cujo escopo é a formulação de política
monetária e econômica tem tido na história do Brasil caráter temporário, dinâmico
e conjuntural’. A doutrina justifica a ultratividade com base no argumento de
que esse princípio visa a impedir que, tratando-se de regras que tenham eficácia
limitada no tempo, possam ser frustrados seus objetivos e suas san­ções por
expedientes astuciosos adotados pelos agentes no intuito de retardamento dos
processos punitivos [...]” (SILVÂNIO COVAS, ADRIANA LAPORTA CARDINALI.
O Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional: Atribui­ç ões e
Jurisprudência. São Paulo: Quartier Latin, 2008, pp. 214-215). Esse entendimento
ainda vigora, como se vê, por exemplo, no Recurso CRSFN 12169-MI, 326ª sessão,
j. 27.04.2011 e Recurso CSFN 11397-MI, 367ª sessão, j. 03.06.2014.
106 Já se afirmou, no Superior Tribunal de Justiça: “II – A Lei 9.784/99 é, certamente,
um dos mais importantes instrumentos de controle do relacionamento entre
Administração e Cidadania. Seus dispositivos trouxeram para nosso Direito
Administrativo, o devido processo legal. Não é exagero dizer que a Lei 9.784/99
instaurou no Brasil o verdadeiro Estado de Direito. III – A teor da Lei 9.784/99
(Art. 26), os atos administrativos devem ser objeto de intimação pessoal aos
interessados. IV – Os atos administrativos, envolvendo anulação, revogação,
suspensão ou convalidação devem ser motivados de forma ‘explícita, clara e
congruente’ (L. 9.784/99, Art. 50). V – A velha máxima de que a Administração pode
nulificar ou revogar seus próprios atos continua verdadeira (Art. 53). Hoje, contudo,
o exercício de tais poderes pressupõe devido processo legal administrativo, em
que se observa os princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade,
proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica,
interesse público e eficiência (L. 9.784/99, Art. 2º)” (MS 8.946-DF, Rel. Min.
Humberto Gomes de Barros, j. 22.10.2003).

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Ou seja, todo ato praticado à luz de decisão ou orientação ad-


ministrativa vigente à época de sua ocorrência não poderá vir a ser
sancionado com fundamento em uma nova e distinta orientação, sob
pena de violação ao princípio da boa-fé implícito à atuação do Poder
Público. A conduta administrativa implica a estabilidade, de maneira
a assim impedir quaisquer surpresas ao administrado que praticou
determinado ato com base na orientação que vinha sendo adotada
pela Administração.
A CVM, observando o princípio da segurança jurídica, vem
reconhecendo a impossibilidade de aplicação retroativa de uma nova
interpretação legal. Esta só pode ser utilizada em novos casos e não
com relação aos já existentes107.

7.7.5. Princípio da tipicidade


A aplicação de qualquer penalidade administrativa deverá estar
necessariamente vinculada ao princípio da reserva legal, consubstan-
ciado na prévia definição dos tipos ou condutas que se pretendem
ilícitas e das comina­ções que lhes devam corresponder108.

107 “[S]e estivermos determinados a aplicar uma nova interpretação, somente


podemos fazê-lo para os novos casos, em prol da segurança jurídica. É bom que
assim seja. Diante de uma decisão heterodoxa, mesmo o vitorioso temerá, pois
amanhã pode ser ele a vítima das guinadas de procedimento ou interpretação”
(Voto proferido pelo Presidente Marcelo Fernandez Trindade, em 21.09.2004, nos
processos CVM nos RJ 2004/4558, RJ 2004/4559, RJ 2004/4569 e RJ 2004/4583).
108 Como observa, a respeito, Celso Antônio Bandeira de Mello: “Com efeito, toda
a construção jurídica objetivada com o princípio da legalidade para ensejar
segurança jurídica e isonomia valeriam nada e seriam ‘monumentos à esterilidade’
se a caracterização das condutas proibidas aos administrados pudesse ser feita
de modo insuficiente, de tal maneira que estes não tivessem como saber, com
margem razoável de certeza, quando e ‘do que’ deveriam abster-se para se
manterem ao largo das consequências sancionadoras aplicáveis aos infratores
do direito. É evidente, portanto, e da mais solar evidência, que para cumprirem
sua função específica [...] as normas proibitivas que de alguma maneira interfiram
com o âmbito de liberdade dos administrados terão de qualificar de modo claro,
perfeitamente inteligível, ‘qual’ a restrição imposta e ‘quando’ cabível” (CELSO
ANTONIO BANDEIRA DE MELLO. “Regulamento e Princípio da Legalidade”, Revista
de Direito Público, n. 96, out.-dez. 1990. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 44).

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A exigência da tipicidade importa na necessidade da definição


da conduta que a lei considera ilícita. Ou seja, da mesma forma que
ocorre no direito penal, também no contexto do direito administrativo
sancionador é necessário, além da lex praevia (princípio da legalida-
de ou reserva legal), a lex certa (princípio da tipicidade), de vez que
para que alguém possa ser punido é indispensável que tenha o prévio
conhecimento da proibição da prática de determinada conduta. Ade-
mais, a aplicação de san­ções somente poderá ser imposta se houver
uma correspondência entre a transgressão definida em lei e a ação em
concreto do indiciado.
Assim, se no decorrer do procedimento sancionador não se ve-
rificar uma perfeita vinculação entre os fatos considerados irregulares
e o tipo que se pretende infringido, nenhuma penalidade poderá ser
aplicada aos nele indiciados109.
Constitui pressuposto necessário à aplicação da penalidade a
presença do tipo, ou seja, o conjunto dos elementos caracterizadores
do comportamento punível. Sem a tipificação da conduta proibida, é
impossível a aplicação de penalidades administrativas, uma vez que
não se poderia exigir do acusado conduta diversa.
Dado o princípio da tipificação, não é possível aplicar-se qualquer
interpretação analógica ou extensiva prejudicial ao acusado (in malam
partem) às normas legais ou regulamentares das infra­ções e san­ções
administrativas. Por outro lado, admite-se a analogia in bonam partem,
ou seja, quando benéfica ao acusado110.

109 Nesse sentido, Hely Lopes Meirelles: “Se em um processo administrativo punitivo
[...] os motivos fundamentadores da sanção aplicada inexistem ou não resultam das
provas dos autos ou não correspondem exatamente ao apurado na instrução ou
não coincidem com os pressupostos de direito que ensejar a punição, a penalidade
aplicada é nula por inexistência ou falsidade de motivos” (HELY LOPES MEIRELLES.
Estudos e Pareceres de Direito Público, v. IV. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1981, pp. 136-138).
110 A respeito da analogia, explica Ferrajoli que para sua proibição há que se distinguir,
previamente, dentre as leis aplicáveis, aquelas que se demonstrem favoráveis ou
contrárias ao réu: “a analogia encontra-se excluída se é in malam partem, enquanto
é admitida caso seja in bonam partem, ao estar sua proibição dirigida, conforme o

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Cabe a analogia como forma de autointegração da lei, ou seja,


quando prevista em uma norma que, após definir a conduta delituosa
mediante fórmula casuística, menciona as hipóteses que devem ser
compreendidas por semelhança; pode ser utilizada, assim, a analogia
quando a própria lei incriminadora admite a sua aplicação. Modali-
dade de analogia admitida, conforme reconhece a doutrina111, pode
ser encontrada no artigo 171, caput do Código Penal, que, ao definir a
figura do estelionato, inclui no tipo qualquer outro meio fraudulento,
ou seja, qualquer outro meio semelhante ao ardil ou artifício.
No âmbito do Direito Societário, verifica-se exemplo de analogia
incriminadora admitida na hipótese do artigo 117, § 1º, alínea “c”, da
Lei das S.A., nos termos da qual constitui modalidade de abuso de
poder do acionista controlador promover alteração estatutária, emis-
são de valores mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não
tenham por fim o interesse da empresa e visem a causar prejuízos aos
acionistas minoritários, empregados e investidores112.
O princípio da tipicidade não deve ser aplicado ao direito ad-
ministrativo sancionador, particularmente quando trata da regulação
de atividades econômicas, com o mesmo rigor verificado no Direto
Penal, em sua feição clássica.
Na esfera do Direito Penal Econômico, assim como do direito
administrativo sancionador do sistema financeiro e do mercado de
capitais, ocorre uma crescente utilização de normas incriminadoras
em branco, bem como de standards jurídicos.

critério geral do favor do rei, a impedir não a restrição, mas somente a extensão
por obra da discricionariedade judicial do âmbito legal da punibilidade. Disso
segue-se, em termos mais gerais, o dever de interpretação restritiva e a proibição
da interpretação extensiva das leis penais. ‘Não está permitido estender as leis
penais’, escreveu Francis Bacon ‘a delitos não contemplados expressamente’ e ‘é
cruel atormentar o texto das leis para que estas atormentem os cidadãos’” (LUIGI
FERRAJOLI. Direito e Razão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 522).
111 DAMÁSIO DE JESUS. Direito Penal, v. 1. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 44.
112 NELSON EIZIRIK. Reforma das S.A. e do Mercado de Capitais, 2a ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 1998, p. 184.

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A norma penal em branco é aquela que, embora contendo a


sanção, depende do complemento de outra norma para a precisa
determinação do seu conteúdo. Em sentido lato, a norma penal em
branco é complementada por norma promulgada pela mesma fonte;
ou seja, lei complementada por lei. Já na norma penal em branco em
sentido estrito, o complemento está contido em norma baixada por
outra instância legislativa.
No âmbito da repressão aos ilícitos econômicos, admite-se a
integração da norma penal em branco mediante disposi­ções esta-
belecidas pela autoridade administrativa, mediante atos normativos
representados por Regulamentos, Instruções etc.113
Assim, por exemplo, o artigo 7º da Lei nº 7.492/1986, que con-
sidera criminalmente punível a conduta de quem emite, oferece ou
negocia valores mobiliários sem o prévio registro da emissão junto à
autoridade competente, em condi­ções divergentes das constantes do
registro, ou irregularmente registrados, constitui tipicamente norma
penal em branco, a ser complementada pelas disposi­ções regulamen-
tares da CVM que disciplinam o registro de emissão pública.
No contexto do direito administrativo sancionador, da mesma
forma, admite-se que o complemento da norma legal em branco esteja
contido em norma baixada pela autoridade administrativa. Ou seja,
existe, no caso, a norma infracional em branco, cujo conteúdo pode
ser preenchido pela própria Administração Pública.
Existindo prévia e expressa autorização legal, pode ainda a Admi-
nistração estabelecer novas hipóteses de caracterização do tipo, desde
que não antinômicas com a norma legal.
Neste sentido, a Lei nº 6.385/1976, em seu artigo 19, § 3º, após
definir certas situa­ções que caracterizam a emissão pública de valores
mobiliários, delega à CVM, no § 5º do mesmo dispositivo, compe-
tência para “definir outras situa­ções que configurem emissão pública,

113 NELSON HUNGRIA. Comentários ao Código Penal, v. I, t. I. Rio de Janeiro: Forense,


1977, p. 104.

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para fins de registro”. Daí decorre a legitimidade da aplicação de san­


ções por parte da CVM contra quem descumpra Instrução por ela
editada definindo situa­ções caracterizadoras da emissão pública não
elencadas na lei.
Ademais, a disciplina do mercado de capitais apresenta inúmeros
standards legais, ou seja, conceitos amplos, não precisamente determina-
dos e adaptáveis às circunstâncias, mediante os quais são estabelecidos
os padrões legais de conduta.
A possibilidade de serem aplicadas penalidades administrativas
por alegadas infra­ções a standards legais tem sido discutida, essen-
cialmente, pela discricionariedade que confere tal prática ao órgão
administrativo. A exigência da tipicidade decorre da necessidade de
ter o indivíduo o conhecimento prévio de qual é a conduta punível.
A extensão da discricionariedade no caso de ausência de tipo pre-
ciso ou de standard enseja críticas, até pelos próprios órgãos julgadores,
seja em razão da inobservância ao princípio da legalidade, seja ainda
em razão de sua possível anulação, em decorrência do grau de subje-
tividade da qual se reveste a sua apreciação. Ademais, entende-se que
poderia ocorrer, em tal situação, a chamada “nulidade por vagueza”114.
Como o standard advém de conceitos que os destinatários das
normas – administradores de companhias abertas, institui­ções finan-
ceiras etc. – podem retirar de sua experiência profissional concreta,
deve ser admitido o seu uso na aplicação de san­ções administrativas
por parte da CVM.

114 “Cogita-se, aí, de um consectário do princípio da legalidade que busca atender ao


postulado da segurança jurídica e que exige para a satisfação do devido processo
legal, a inteligibilidade na descrição das condutas normatizadas, reprimidas ou
permitidas. A ausência de clareza ou a exigência de vagueza no traçado das
condutas juridicamente exigíveis conduz, ou deve conduzir, à nulidade do tipo
legal; isto por força da formulação doutrinária que os autores norte-americanos
identificam sob a ementa ‘void for vagueness’, que pode traduzir-se pela locução
‘nulidade por vagueza’“ (CARLOS ROBERTO DE SIQUEIRA CASTRO. O Devido
Processo Legal e a Razoabilidade das Leis na Nova Constituição. Rio de Janeiro:
Forense, 1989, pp. 95 et seg).

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É impossível prever, na esfera do ilícito econômico, altamente


especializado e dinâmico, todas as condutas nocivas. Ademais, o re-
curso ao standard legal permite a superação da inadmissibilidade da
analogia in malam partem115.
Na prática, a utilização do standard na lei importa na concessão de
ampla discricionariedade à autoridade administrativa, bastante comum
na esfera do direito econômico116, para que ela possa preencher os vazios
do padrão genérico de conduta, caso a caso, no julgamento de processos
sancionadores. Mediante a aplicação de penalidades administrativas, o
órgão regulador da atividade econômica sinaliza para o mercado qual a
interpretação que ele está conferindo a determinado padrão de conduta.

7.7.6. Princípio da culpabilidade


Além da prévia tipificação da infração, a aplicação da sanção
administrativa pressupõe a existência de um sujeito passivo a quem
tal comportamento possa ser imputado.
Nos termos da Constituição Federal, artigo 5º, XLV, nenhuma pena
passará da pessoa do condenado. A conjugação dos princípios da reserva
legal e da responsabilidade pessoal demonstra que nosso sistema de direito

115 A propósito, a CVM entende que: “O standard independe de qualquer regulamentação.


Deriva de conceitos que o cidadão comum considera como válidos em determinada
época. Note-se que em virtude do ‘standard’ representar conceitos que fazem parte
da consciência coletiva, não representam qualquer inovação. A enumeração das
regras de conduta que devem ser seguidas pelo administrador é praticamente
impossível. Por isso, a lei opta por estabelecer um padrão que será apreciado à luz da
experiência daquele a quem se destina” (Processo Administrativo Sancionador CVM
nº RJ 2003/7642, Rel. Dir. Norma Jonssen Parente, j. 27.06.2005). O entendimento
exarado pela Diretora Norma Parente ainda é seguido, como se vê, por exemplo, no
PAS CVM nº 18/2010: “Tome-se, por exemplo, o PAS CVM nº 04/99, julgado em
17.04.2002, diretora-relatora Norma Parente, que afirmou: ‘... a lei estabelece que
o administrador deve empregar no exercício de suas funções o cuidado que todo
homem ativo e probo costuma usar na administração de seus próprios negócios. O
texto é bastante claro e dispensa qualquer regulamentação. Assim, não é verdade
que o ‘standard’ jurídico não pode ser aplicado enquanto não for regulamentado.
Na verdade, o ‘ standard’ indica uma conduta abrangente aceita pela sociedade,
reconhecido pela lei e independe de qualquer regulamentação. O seu desrespeito,
portanto, representa uma ilegalidade [...].’”
116 ALBERTO VENÂNCIO FILHO. A Intervenção do Estado no Domínio Econômico.
Rio de Janeiro: Renovar, 1998, pp. 87-88.

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constitucional repele a responsabilidade pelo fato de outrem, bem como


a responsabilidade objetiva, na esfera do poder punitivo estatal.
Como a infração penal é inseparável da conduta e, se a conduta,
por definição, reflete a vontade, não há como se cogitar de crime sem
a presença do elemento subjetivo117.
A culpabilidade significa, basicamente, a reprovabilidade de
determinado comportamento, a atribuição a alguém de um caráter
censurável em sua atuação. Assim, como nenhum comportamento
humano é valorado como ação se não é fruto de uma decisão, não pode
ser penalizado se não é intencional, isto é, se não é realizado com cons-
ciência e vontade por uma pessoa capaz de compreender e querer118.
A pena, enquanto elemento de intimidação, somente faz sentido
quando relacionada à evitabilidade do comportamento humano; po-
de-se intimidar alguém a abster-se de determinado comportamento
quando tal agir é evitável, isto é, quando esteja na esfera do indivíduo
fazer ou não fazer o que se deseja evitar por meio da ameaça de punição.
Assim, não cabe a apenação do indivíduo quando caracterizada
a inexigibilidade da conduta diversa.
Consequentemente, para a sua responsabilização, o agente deve
ter a consciência da ilicitude do ato que está praticando, do que
resulta que a aplicação de san­ções, por parte do órgão fiscalizador
do mercado, pressupõe a caracterização perfeita e fundamentada do
elemento intencional, representado, no caso, pela consciência acerca
de sua ilicitude119.

117 LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, PAULO JOSÉ DA COSTA JR. Direito Penal na
Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, pp. 76-77.
118 LUIGI FERRAJOLI. Direito e Razão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 447.
119 O erro sobre a ilicitude do fato constituiu a fundamentação para a absolvição dos
acusados nos autos Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ 2003/6894,
julgado em 08.11.2005, no qual se discutia a possibilidade de aplicação à hipótese
das normas que vedam a marcação a mercado: “seria impossível exigir de qualquer
agente de mercado que, lendo esse conjunto de regras, revogadas e editadas, as
interpretasse no sentido de que era proibido, após a edição da Circular 3.086/02,
avaliar as LFT’s pela curva do papel. Por isto, ainda que se entenda – e não é o meu

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420 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Embora, nos termos da legislação penal vigente – e aplicável


subsidiariamente ao Direito Administrativo Sancionador – o desco-
nhecimento da lei seja inescusável, é plenamente admitida, em nosso
sistema jurídico, a escusabilidade do desconhecimento do injusto,
expressamente contemplada pelo artigo 21 do Código Penal120.
Na realidade, conforme a orientação doutrinária121 e jurispruden-
cial122, a ignorância da lei constitui conceito completamente distinto
do de ignorância da ilicitude ou falta de consciência da ilicitude, a
qual se fundamenta, basicamente, na deficiência ou na ausência de
informação a respeito da ilicitude de uma determinada conduta, em

caso – que a Circular 3.086/02 quis manter a proibição de marcação pela curva
exatamente como ‘esclarecida’ pela Carta-Circular 2.929/00, seria o caso de
aplicar-se, neste processo administrativo, a regra do art. 21 do Código Penal. Tal
norma, aplicável aos processos punitivos de condutas criminosas (portanto mais
graves), estabelece desde a reforma de 1984, expressamente, a vigência entre
nós da hipótese de erro sobre a ilicitude do fato, também chamado de erro de
proibição” (voto do Presidente Marcelo Fernandez Trindade).
120 “Art. 21 O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se
inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço”.
121 Como bem explica, a respeito, Francisco de Assis Toledo: “[A] lei, em sentido
jurídico, é a norma escrita editada pelos órgãos competentes do Estado. Ilicitude
de um fato é a correlação que se estabelece entre esse fato e a totalidade do
ordenamento jurídico vigente. Se tomarmos, de um lado, a totalidade das leis
vigentes e, de outro, um fato da vida real, não será preciso muito esforço para
perceber que a eventual ilicitude desse fato não está no fato em si, nem na lei,
mas entre ambos, isto é na mútua contrariedade que se estabelece entre o fato
concreto, real e o ordenamento jurídico no seu todo. Assim, pode-se conhecer
perfeitamente a lei e não a ilicitude de um fato o que bem revela a nítida distinção
dos conceitos em exame” (FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO. Princípios Básicos do
Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1987, pp. 250-251).
122 A propósito, a decisão do Superior Tribunal de Justiça: “RHC – Penal – Processual
Penal – Erro sobre a ilicitude do fato – Denúncia – Crimes Societários – A infração
penal, por ser conduta proibida, implica reprovação ao agente. Ocorre, pois,
culpabilidade, no sentido de censura ao sujeito ativo. O erro sobre a ilicitude do
fato, se inevitável, exclui a punibilidade. Evidente, as circunstâncias não acarretam
a mencionada censura. Não se confunde com o desconhecimento da Lei. Este é
irrelevante. A consciência da ilicitude resulta da apreensão do sentido axiológico
das normas de cultura, independentemente de leitura do texto legal, a denúncia
deve descrever o fato imputado de modo a ensejar individualização da conduta a
fim de possibilitar, no sentido material, o contraditório e o exercício da plenitude
de defesa. A exigência alcança também o chamado crime societário e os delitos de
concurso de pessoas.” (Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 4722-SP, Relator
para o Acórdão Min. Vicente Cernicchiaro, DJ 30.09.1996, p. 36.651).

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virtude da contradição encontrada entre esta mesma conduta e os


próprios termos da lei.
No âmbito do direito administrativo sancionador do mercado
de capitais, é plenamente aplicável o princípio da culpabilidade. Ou
seja, não pode o agente ser punido, administrativamente, se não tiver
a consciência da ilicitude de seu ato; não caracterizada a culpa ou o
dolo do acusado em processo administrativo, não pode a autoridade
aplicar-lhe qualquer penalidade123.
As penalidades administrativas não podem ser aplicadas de modo
mecânico, posto que inexistente a responsabilidade objetiva na esfera
do direito administrativo sancionador; só cabe a aplicação de tais pe-
nalidades se ficarem demonstradas, não só a infração da norma, como
também a culpabilidade do agente.
Nosso ordenamento jurídico consagra a tese da responsabilidade
individual e concreta de cada indiciado, particularmente na esfera dis-
ciplinar, a qual vem sendo enfatizada pela doutrina, ao repelir qualquer
pretensão punitiva com fundamento na responsabilidade objetiva124.

123 A esse respeito, a seguinte manifestação: “Dentre esse princípio destaca-se o


princípio constitucional da culpabilidade, que pressupõe a evitabilidade do ilícito,
isto é, a possibilidade de o fato ser evitado, e remete às no­ções de exigibilidade
ou inexigibilidade de conduta diversa, as quais lastreiam as clássicas excludentes
de ilicitude, como a legítima defesa, o estado de necessidade ou o estrito
cumprimento do dever legal. No direito punitivo, portanto, a responsabilidade
é sempre subjetiva. A Constituição Federal, ao assegurar a dignidade da pessoa
humana, os princípios da pessoalidade e da individualização, o devido processo
legal e os demais direitos e liberdades fundamentais estatuídos no direito
internacional e no próprio texto constitucional, não admite a responsabilidade
objetiva na seara punitiva, seja penal, seja administrativa” (RICARDO VILLAS BOAS
CUEVA. “Aplicação do Direito Administrativo Sancionador nos Julgados do CRSFN”,
Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, n. 30, out.-dez. 2005. São
Paulo: Revista dos Tribunais, p. 329).
124 Como observado por Tavares Guerreiro: “a imposição de sanção disciplinar a
determinado sujeito passivo pressupõe a caracterização perfeita e fundamentada
do elemento intencional, sem o qual não se configura a infração administrativa.
Repele-se, pois, modernamente, a responsabilidade disciplinar objetiva” (JOSÉ
ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. “Sobre o Poder Disciplinar da CVM”. Revista
de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 43, jul.-set. 1981. São
Paulo: Revista dos Tribunais, pp. 75 et seg).

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422 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

A consagração dos princípios que regem a responsabilidade sub-


jetiva na esfera administrativa também vem sendo objeto de expresso
reconhecimento por parte das agências reguladoras do mercado, as
quais se manifestam no sentido de que vigora, em matéria de respon-
sabilidade disciplinar, o princípio da culpa própria, não cabendo ape-
nação quando não demonstrada, de forma inequívoca, a participação
dos eventuais indiciados125.
Como a aplicação de penalidades por parte da CVM pressupõe a
caracterização da culpa própria, concreta e individual de cada um dos
indiciados, mesmo quando componentes de órgão colegiado, deve ser
exaustivamente analisada e provada a participação de cada um deles
no ato tido como ilegal126.
Da mesma forma, é inadmissível, no processo administrativo sancio-
nador, a responsabilidade objetiva de diretor de companhia aberta ou de
instituição financeira por infração praticada por subordinado seu, mesmo
dentro de sua específica área de responsabilidade127; a Súmula 341 do

125 Nesse sentido, o entendimento unânime perfilhado por ambas as institui­ções


reguladoras do mercado, no caso, a Comissão de Valores Mobiliários e o Banco
Central do Brasil seguem abaixo, respectivamente: “Os inquéritos administrativos
desta CVM visam a apuração da responsabilidade disciplinar (ou administrativa)
dos indiciados. A aplicação de penalidades [...] pressupõem a culpa própria,
concreta e individual de cada um dos indiciados, devendo, portanto, ser
analisada a sua participação efetiva nos eventos tidos ilegais. Vigora, em matéria
de responsabilidade disciplinar, o princípio da culpa concreta, oposta, portanto,
ao da culpa comunicável ou solidária” (IA CVM 20/88, j. 17.10.1989) e “a hipótese
em apreciação tem como pressuposto a verificação da responsabilidade subjetiva
do agente. Isto significa que o ditame tem incidência apenas nos casos em que
se verificar a presença na conduta reprovada de culpa ou dolo. Uma vez que os
autos não demonstram, de forma inequívoca, a participação das pessoas físicas
no cometimento da falta, não cabe a sua apenação” (Pt. 7232017490). O mesmo
entendimento foi manifestado, por exemplo, no PAS CVM nº SP2010/178; no PAS
CVM nº 21/95; e no Recurso CRSFN nº 13409, julgado na 393ª sessão, Rel. Cons.
Thiago Paiva Chaves.
126 NELSON EIZIRIK. “A Responsabilidade Civil e Administrativa do Diretor de
Companhia Aberta”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro, n. 56, out.-dez. 1984. São Paulo: Revista dos Tribunais, pp. 59-60.
127 LUIZ ALFREDO PAULIN. “A Responsabilidade do Administrador de Instituição
Financeira em face da Lei Bancária”. Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro, n. 97, jan.-mar. 1995. São Paulo: Revista dos Tribunais,
p. 57. Conforme decisão da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região,

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 423

STF, mediante a qual se presume a culpa do patrão por ato culposo do


empregado ou comitente, aplica-se unicamente à responsabilidade civil.
Ainda que se possa cogitar, em algumas hipóteses, da responsa-
bilidade administrativa por culpa in vigilando, a aplicação de penali-
dades pressupõe, necessariamente, a culpabilidade do acusado. Deve
ficar demonstrado que, dispondo o acusado dos meios necessários à
fiscalização do seu subordinado, sabendo que estava ele praticando
determinado ilícito, ou podendo saber, com o exercício da diligência
requerida para as suas fun­ções, omitiu-se no exercício do dever de
fiscalizar, daí decorrendo a sua culpabilidade.
Por força de dispositivo constitucional expresso (Constituição
Federal, artigo 5º, inciso XLV), a penalidade, por definição, não poderá
passar da pessoa do condenado. Os sucessores, embora civilmente
responsáveis, em determinadas circunstâncias previstas em lei, não
podem ser punidos administrativamente por ilícito cometido pelo
sucedido. Assim, por exemplo, se uma companhia aberta é incorporada
por outra, a incorporadora, nos termos do artigo 227 da Lei das S.A.,
sucede a incorporada em seus direitos e obriga­ções. Tal não ocorre
na esfera do direito administrativo sancionador, dado o princípio da
individualização da responsabilidade; a companhia incorporadora não
poderá ser punida pela CVM pelo fato de ter a incorporada cometido
eventualmente alguma infração à legislação do mercado de capitais128.
Por outro lado, aceita-se a aplicação da teoria da desconsideração
da personalidade jurídica in bonam partem, isto é, em benefício da so-
ciedade129. Ou seja, não cabe a aplicação de penalidades administrativas
à instituição financeira ou à companhia aberta que teve seu controle

no Acórdão nº 0124441, em 12.05.1993, “na esfera administrativa, assim como na


esfera penal, ninguém pode ser punido em virtude de ação ou omissão imputada
a outrem”.
128 NELSON EIZIRIK. Reforma das S.A. e do Mercado de Capitais, 2a ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 1998, p. 198.
129 FÁBIO KONDER COMPARATO, CALIXTO SALOMÃO FILHO. O Poder de Controle
na Sociedade Anônima. Rio de Janeiro: Forense, 2005, pp. 352 et seg; FLÁVIA
PARENTE. Disregard Doctrine: A Relatividade do Princípio da Autonomia da

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424 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

acionário alienado em razão de ilícitos cometidos antes da mudança


de controle, pois tal penalização resultaria injusta às pessoas que estão
a desempenhar a função de novos controladores130.
Também são admitidas no âmbito do moderno direito sancio-
nador as denominadas causas de exclusão de ilicitude expressamente
contempladas pelo artigo 23 do Código Penal131 e representadas pelo
estrito cumprimento do dever legal e pelo exercício regular de direito.
Tais hipóteses justificatórias integram as causas de inadequação típi-
ca132, ou seja, excluem a tipicidade proibitiva, porque tornam a conduta
ab ovo lícita, permitida, autorizada pelo ordenamento jurídico133.

7.7.7. Presunção de inocência do acusado


A Constituição Federal, no artigo 5º, inciso LVII, estabelece
expressamente que “ninguém será considerado culpado até o trânsi-

Personalidade da Pessoa Jurídica. Escola da Magistratura do Estado do Rio de


Janeiro, 1994, p. 67.
130 A questão foi objeto de criteriosa análise, por parte de Silvânio Covas e Adriana
Laportta Cardinali, com fundamento na jurisprudência do CRSFN (O Conselho
de Recursos do Sistema Financeiro Nacional: Atribuições e Jurisprudência. São
Paulo: Quartier Latin, 2008, pp. 222 et seg.).
131 Código Penal, artigo 23: “Não há crime quando o agente pratica o fato. [...] III – em
estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito.”
132 FÁBIO MEDINA OSÓRIO. Direito Administrativo Sancionador. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2000, p. 272.
133 A questão foi objeto de debate no decorrer do julgamento do Recurso nº 3037,
julgado na 230ª Sessão do CRSFN, realizada em 29.10.2003, quando se discutiu
se a negativa por parte de empresa de auditoria em entregar à CVM cópias de
seus papéis de trabalho – embora permitindo sua consulta – frente ao dever
de sigilo a que se encontra adstrita, seja nos termos da Constituição, seja nos
termos do Código Penal configuraria embaraço à fiscalização: “[...] Auditoria
independente – Falha de ressalva no parecer – Irregularidades configuradas –
Embaraço à fiscalização não caracterizado – Provimento aos apelos interpostos
pelos auditores – Recurso de ofício improvido [...]. No tangente ao embaraço à
fiscalização, impõe-se consignar não ter havido prejuízos à atuação oficial, na
medida em que a autoridade supervisora do mercado de capitais teve vista dos
papéis de trabalho – de resto, acessíveis na própria companhia auditada —, ou
seja, do conjunto de formulários e documentos que contêm as informa­ções e os
apontamentos obtidos pelo auditor durante seu exame, bem como as provas e as
descri­ções dessas realiza­ções, e em relação aos quais nada apresentou a autarquia
de restritivo ao salientar que atenderam às formalidades procedimentais básicas
de auditoria”.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 425

to em julgado de sentença penal condenatória”. Consagra, assim, o


princípio fundamental da presunção de inocência, aplicável, em toda
a sua extensão, não só no âmbito do Direito Penal, mas também aos
processos administrativos sancionadores.
A presunção de inocência representa, em sentido amplo, o prin-
cípio constitucional do favor libertatis. O caráter hipotético da sanção
tem, como base do processo, a dúvida, a qual somente se desfaz com
a decisão final da autoridade competente. Até que se chegue a tal
decisão final, persiste a dúvida, e com ela, a presunção de inocência
do indiciado ou acusado134. Assim, a presunção de inocência constitui
um direito subjetivo público do indiciado ou acusado, pois ele tem o
direito de ser considerado inocente até que haja a decisão de que não
caiba mais recurso.
A presunção de inocência, enquanto direito subjetivo público
do acusado, opera não só como uma garantia, no âmbito do processo
sancionador, como também constitui prerrogativa mais ampla, de
não sofrer qualquer tipo de tratamento discriminatório pelo fato de
ser indiciado: se a autoridade nega ou retarda autorizações solicitadas
pelo particular pelo fato de estar indiciado em processo sancionador,
caracteriza-se o abuso de poder. Com efeito, a autoridade que deixa
de executar determinado serviço a que, por lei, está obrigada, pratica
forma omissiva de abuso de poder, cabendo o mandado de segurança
para corrigir tal ilegalidade135.

134 De acordo com Sérgio Ferraz e Adilson de Abreu Dallari: “cabe recordar que a
presunção de inocência é garantia constitucional (art. 5º, LVII). Não importa se a
parte interessada tem uma, cinco ou cem condena­ções em curso. A presunção
de inocência só cede passo com a sentença judicial condenatória transitada em
julgado. Condena­ções, ainda que várias, em tramitação podem ser revertidas por
uma única, última e definitiva oportunidade, em grau de embargos em recurso
extraordinário no Supremo Tribunal Federal, após cinco ou seis considera­ções
anteriores no mesmo processo. Por isso que somente o trânsito em julgado cassa
a referida presunção com todas as consequências daí provenientes. É mau juízo
e precipitado comportamento sustentar o contrário” (SÉRGIO FERRAZ, ADILSON
DALLARI. Processo Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2007, pp. 157-158).
135 NELSON EIZIRIK. Reforma das S.A. e do Mercado de Capitais, 2a ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 1998, p. 203.

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A aplicação do princípio da presunção de inocência ao âmbi-


to do processo sancionador já foi questionada pela Administração,
entendendo-se que a “presunção de que ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado diz respeito apenas à sentença penal
condenatória e não a julgado administrativo”136. Tal posição não foi
aceita pelo Colegiado da CVM, que tem entendido que a presunção
de inocência é plenamente aplicável ao processo sancionador137.

136 No processo CVM nº RJ2001/0134, Rel. Dir. Luiz Antonio de Sampaio Campos, j.
30.08.2002, menciona-se parecer da Procuradoria Federal especializada da CVM,
endossado pelo Procurador Chefe, com idêntico entendimento. Nesse mesmo
caso, o Diretor Relator proferiu voto no sentido de que a prerrogativa da presunção
de inocência tem plena e irrestrita aplicabilidade em processo administrativo
sancionador.
137 A aplicação do princípio da presunção de inocência pode ser encontrado no
PAS CVM nº RJ2014/10082, Rel. Dir. Gustavo Borba, j. 07.03.2016; PAS CVM nº
RJ2015/2666, Rel. Dir. Roberto Tadeu, j. 13.09.2016; e PAS CVM nº 2011/3823, Dir.
Rel. Pablo Renteria, j. 09.12.2015. No tocante à aplicação do princípio da presunção
de inocência na análise do pedido de registro de profissionais na CVM, não há
entendimento uniforme no âmbito da própria autarquia. No Processo CVM nº
RJ2002/4677, Rel. Dir. Sergio Weguelin, j. 24.05.2005, o Colegiado manifestou-se
no sentido da manutenção do registro de administrador de carteira demandado
pelo Requerente “até uma eventual confirmação da decisão de inabilitação pelo
CRSFN”. Já em hipótese praticamente idêntica (Processo CVM nº RJ2001/8273, j.
04.10.2005) envolvendo o cadastramento de agente autônomo, o voto vencedor
foi no sentido de consagrar a tese da discricionariedade conferida à autarquia para
a determinação dos requisitos necessários ao exercício das atividades dos referidos
agentes. Em processos mais recentes, observa-se tendência à admissibilidade
do descredenciamento antes do trânsito em julgado de decisão condenatória,
em contrariedade ao princípio da presunção de inocência. No Processo CVM
nº RJ2013/7556, Rel. SIN, j. 15.04.2014, a Superintendência de Relações com
Investidores Institucionais (SIN), após ter sua decisão de descredenciamento de
administrador de carteiras recorrida, exarou parecer declarando: “Ressaltamos
ainda que a descaracterização da reputação ilibada por parte de um administrador
de carteiras de valores mobiliários não depende do trânsito em julgado das
decisões tomadas como fundamento, razão pela qual se pode dizer que
considerá-las não ofenderia o princípio da presunção da inocência, tampouco,
o da legalidade ou da ampla defesa.”. No PA RJ 2009/12425, Rel. Dir. Alexsandro
Broedel, j. 09.11.2010, ficou consignado: “Inicialmente, afasto o argumento
apresentado pelo recorrente de que é necessário trânsito em julgado de sentença
condenatória para caracterização de perda da ilibada reputação. Conforme
disposto nas páginas precedentes não se pode confundir reputação ilibada com
primariedade. Quisesse o legislador usar o critério de primariedade como requisito
para o exercício da função de gestor de carteiras (bem como para membro de
conselho de administração conforme disposto na Lei 6.404/76 e em outras

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 427

A consequência mais importante da presunção de inocência


do indiciado refere-se ao ônus da prova, que compete, sempre, à
autoridade administrativa que exerce o poder de polícia, mediante a
aplicação analógica do princípio contido no artigo 156, do Código
de Processo Penal, nos termos do qual a prova da alegação incumbirá
a quem a fizer138.
De fato, o ônus da prova é, inequivocamente, da Administração, ou
seja, de quem acusa; compete à CVM demonstrar os fatos caracteriza-
dores do ilícito, assim como a responsabilidade do presumido infrator.
A ausência de provas deve acarretar o arquivamento do processo ou a

situações supramencionadas) ele o teria usado no texto da norma. [...] E por isso
mesmo, embora condenações já revertidas em instância administrativa superior
ou ainda pendentes de recurso administrativo não constituam antecedentes,
elas, por outro lado, são dados válidos e até mesmo incontornáveis para apreciar
a reputação ilibada do sujeito em evidência.”. No PA RJ2007/11399, Rel. Dir. Eli
Loria, j. 03.07.2008, o Colegiado se manifestou no mesmo sentido: “Para dirimir-
se a dúvida da SIN, é imprescindível buscar-se também o alcance do art. 5º, LVII,
da Constituição Federal: ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória’ [...] Quanto ao princípio constitucional da
presunção de inocência, de que trata o art. 5º, LVII, entendo que o mesmo somente
abrange a esfera penal, sentença penal condenatória, e não julgado administrativo,
e, além disso, entendo não ser tal princípio aplicável ao exame de vida pregressa.
Assim, no meu entender, para aferir-se o preenchimento do requisito “ilibada
reputação”, as condenações anteriores deverão ser consideradas, mesmo sem ter
havido trânsito em julgado na esfera administrativa. A necessidade de proteção
da poupança popular faz necessário o exame da natureza das infrações indicadas
e as circunstâncias do caso, a gravidade e a época dos fatos, a punição aplicada
e o histórico do peticionário junto aos órgãos reguladores do Sistema Financeiro
Nacional, Bacen, CVM, SUSEP e SPC, não se confundindo com o exame da culpa
no que se refere aos ilícitos administrativos indicados.”
138 A prova incumbe ao acusador; havendo dúvida, a decisão deve ser pró-
administrado, como pondera Fábio Medina Osório, citado por Silvânio Covas e
Adriana Laporta Cardinali, com apoio em extensa jurisprudência do CRSFN: “A
própria questão da dúvida é, no fundo, um problema de correta distribuição do
ônus probatório. Quem não satisfaz seu ônus probante deve suportar as respectivas
consequências. Ao julgador jamais é lícito invocar a ‘dúvida’ para eximir-se da
obrigação de decidir. [...] a regra do ‘in dubio pro reo’ se aplica em geral, somente
em relação ao fato típico, cuja prova incumbe ao acusador. As causas justificatórias
ou eximentes devem ser provadas pela defesa [...]” (O Conselho de Recursos do
Sistema Financeiro Nacional: Atribuições e Jurisprudência. São Paulo: Quartier
Latin, 2008, pp 121 et seg.).

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absolvição do indiciado, pois milita a seu favor uma presunção relativa


de inocência: “in dubio pro reo”139.
Assim, cabe à CVM provar os fatos e a responsabilidade dos
indiciados. A aplicação de penalidades administrativas pressupõe,
necessariamente, demonstrar não só a existência da infração, como
também sua autoria.
Uma vez provados, pela CVM, o fato e a autoria, se o indiciado
alegar a existência de causas excludentes da ilicitude, da tipicidade, da
antijuridicidade, ou extintiva da punibilidade, é seu o ônus da prova,
à semelhança da orientação fixada no âmbito do processo penal140.
Quando a CVM, no curso de processo sancionador, acusa alguém
da prática de determinado ilícito, deve provar, portanto, a prática do
fato e a sua autoria. No que toca ao fato, cabe-lhe evidenciar a pre-
sença dos elementos do tipo. No que diz respeito à autoria, deve ser
demonstrado não só quem praticou o ato, como também a presença
do elemento subjetivo (culpa ou dolo).

7.7.8. A exigência de justa causa: a comprovação da autoria


e materialidade

A exigência de justa causa, seja no que diz respeito à denúncia –


própria do direito penal – seja no que diz respeito à intimação – pró-
pria do direito sancionador – encontra-se inserida dentre os direitos
constitucionalmente assegurados ao acusado, sendo representada,
em ambos os casos, pela garantia de que ele não será indevidamente
indiciado ou denunciado, quando ausentes os pressupostos mínimos

139 Nesse sentido, o entendimento expresso pela CVM quanto à inadmissibilidade


de decisões condenatória com fundamento em meras suposi­ções: “A sentença
condenatória criminal somente pode vir fundada em provas que conduzam a uma
certeza. Até mesmo a alta probabilidade servirá como fundamento absolutório,
pois teríamos tão-só um juízo de incerteza que nada mais representa que não
a dúvida quanto à realidade” (Des. Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha,
citado no voto vencedor do Diretor Relator Luiz Antonio Campos no Processo
Administrativo Sancionador CVM nº RJ 2002/2405, j. 09.10.2003).
140 DAMÁSIO E. DE JESUS. Código de Processo Penal Anotado. São Paulo: Saraiva,
1995, p. 139.

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da correta tipificação dos fatos que lhe são imputados, da sua perfeita
identificação e, ainda, da individualização da sua conduta141.
Em relação especificamente à materialidade, a peça acusatória
deve fundamentar-se em fato provado e indiscutível, não se admitindo
aquela alicerçada em meras conjecturas ou suposi­ções.
A acusação não pode ser uma hipótese no que tange à caracte-
rização do fato típico. Ou seja, constatado o ilícito, a lei admite que
alguém seja tido como seu provável autor, com base em circunstâncias
de fato que levem razoavelmente a essa presunção. Porém, presumir a
existência do ilícito para acusar alguém de o haver praticado consti-
tui procedimento que repugna ao mais elementar senso de justiça142.
Ademais, ninguém pode ser submetido às agruras de um processo por
precipitação do órgão acusador, ansioso em demonstrar a sua tese143.
Na medida, portanto, que as limita­ções à atividade persecutória do
Estado traduzem garantia conferida pela ordem jurídica à preservação,
pelo suspeito, pelo indiciado ou pelo acusado, do estado de liberdade
e da dignidade que lhes são constitucionalmente assegurados, é inad-
missível a instauração de quaisquer procedimentos quando ausentes
tais pressupostos, isto é, autoria e materialidade.

7.7.9. Meios de prova


São admitidos no processo administrativo sancionador, nos termos
do artigo 5º, LVI da Constituição Federal, os meios de provas tidos
como lícitos pelo ordenamento jurídico, ou seja: provas documentais;

141 “[P]rocurou o legislador evitar acusa­ções temerárias, sem qualquer fundamento


[...]. Assim, [...] não basta a simples afirmação que houve crime e que fulano ou
sicrano foi seu autor. É preciso, para que o pedido da acusação, consubstanciado na
denúncia ou queixa, seja afinal apreciado, que no limiar da ação veja o magistrado
se o que se pede traz a nota da idoneidade.” (FERNANDO DA COSTA TOURINHO
FILHO. Processo Penal, v. I, 27 ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 527).
142 FÁBIO KONDER COMPARATO. Direito Público: Estudos e Pareceres. São Paulo:
Saraiva, 1996, pp. 256 et seg.
143 MIGUEL REALE JÚNIOR. Direito Penal Aplicado, v. 3. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1994, pp. 11 et seg.

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430 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

testemunhas; confissão; indícios; e diligências realizadas por funcio-


nários do órgão administrativo.
Nos termos do artigo 36, da Lei do Processo Administrativo, a
prova das alegações incumbe a quem as faz e o dever de persegui-las,
por força do princípio da oficialidade, incumbe à Administração.
Tal dever vem a ser reafirmado por outros dispositivos do mesmo
texto legal – artigos 35, 37 e 39 – os quais impõem ao Poder Público a
obrigação de colher provas constantes de documentos em seu poder, de
intimar terceiros para que apresentem provas necessárias à instrução e
de, até mesmo, promover a realização de reuniões com representantes
de diversos órgãos administrativos, quando houver necessidade da
audiência de uma pluralidadde deles144.
Os atos praticados pela autoridade administrativa (diligências,
autos de infração etc.) têm uma presunção de veracidade juris tantum;
ou seja, são tidos como verdadeiros até que se prove o contrário.
Cabe também a utilização de indícios como meio de prova.
Nos termos do artigo 239 do Código de Processo Penal, o indício
constitui a circunstância conhecida e provada que, tendo relação com
o fato, autorize, por indução, concluir-se sobre a existência de outra
ou outras circunstâncias. Os indícios não se confundem com a mera
conjectura, que se funda muitas vezes em criação da imaginação145;
devem os indícios ser necessariamente provados para que deles possa
extrair-se, indutivamente, a demonstração do fato tido como ilícito146.

144 SÉRGIO FERRAZ e ADÍLSON DALLARI. Processo Administrativo. São Paulo:


Malheiros, 2007, pp. 133 et seg.
145 DAMÁSIO E. DE JESUS. Código de Processo Penal Anotado. São Paulo: Saraiva,
1995, p. 286.
146 Como manifestou-se, a respeito, a CVM: “Mesmo admitindo-se – para simplificar
– que a possibilidade de condenação baseada exclusivamente em indícios fosse
unanimemente aceita, sem qualquer contestação, ainda assim, o presente caso não
poderia ter outra solução senão a absolvição de todos os acusados. Para isso, basta
ver que, no caso, não se indica nem a autoria nem a materialidade, tecnicamente
falando, e se está apenas a especular sobre a suposta e eventual ocorrência de
um ilícito, que não se sabe se houve nem quem o teria praticado. Com efeito,
não se tem prova – nem mesmo indiciária – da ocorrência de qualquer ilícito; de

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Os indícios, que constituem modalidade de prova indireta, devem


ser apreciados com muita cautela pela autoridade julgadora, posto que
as decisões que não resultam de provas diretas são normalmente fontes
de inúmeros equívocos147. A prova indiciária somente é suficiente para
permitir a condenação do acusado quando existente uma cadeia de
indícios que relacione a atuação do acusado à infração supostamente
praticada e quando não existam contraindícios que lancem dúvidas
sobre a efetiva responsabilidade do indiciado148.
O acompanhamento da produção das provas, em todas as etapas
do processo administrativo sancionador, é direito subjetivo do indicia-
do; eventual cerceamento ao seu pleno exercício acarreta nulidade do
processo. Pode também o indiciado produzir ou requerer a produção
de todas as provas que entender convenientes à sua defesa; a recusa
da autoridade administrativa caracteriza o cerceamento do direito
de defesa.
Por outro lado, requerimentos de produção de provas imperti-
nentes ou com finalidades meramente protelatórias podem ser legi-
timamente indeferidos pela autoridade administrativa, aplicando-se,

outro lado e igualmente, não se tem prova – mesmo indiciária – da autoria deste
ilícito do qual não se sabe sequer se ocorreu. A questão é, portanto, do ponto
de vista material e processual, absolutamente gasosa, no sentido de não ter
qualquer concretude, mas apenas, com o devido respeito, conjecturas. A mera
plausibilidade teórica de que determinada situação ocorra ou tenha ocorrido não
autoriza nem acusação, que dirá condenação. [...] Felizmente isso não é verdade,
pelo menos à luz do processo administrativo, porque aqui se cuida essencialmente
de um processo de natureza disciplinar e, como já assentado em toda e qualquer
doutrina em que se cuidou do assunto, nesse tipo de processo é fundamental a
existência de provas” (Voto nos Autos do Processo Administrativo Sancionador
CVM nº RJ 2002/2405, Rel. Dir. Luiz Antonio de Sampaio Campos, j. 09.10.2003).
147 JOSÉ ARMANDO DA COSTA. Teoria e Prática do Direito Disciplinar. Rio de Janeiro:
Forense, 1982, p. 348.
148 Nesse sentido, a própria CVM já decidiu que somente nas hipóteses em que os
indícios são “convergentes e unívocos” poderá ser a eles atribuído valor probatório
suficiente a ensejar a condenação: “Os indícios possuem valor probatório
suficiente para ensejar condenação. Exige-se, todavia, que tais indícios sejam
convergentes e unívocos. A existência de contra-indícios suficientes para inspirar
dúvida nos julgadores deve conduzir à absolvição, em homenagem ao princípio
da presunção de inocência” (Processo Administrativo Sancionador CVM nº 06/95,
Rel. Dir. Norma Jonssen Parente, j. 05.05.2005, grifamos).

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432 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

analogicamente, o artigo 184 do Código de Processo Penal, desde que


fundamentada a recusa.
A prova impertinente é aquela que, por não ter relação com os
fatos tidos como ilícitos, não serve para fundamentar os argumentos
exculpatórios ou para destruir os pontos em que se baseia a acusação.
Já a prova solicitada com intuito dilatório é aquela inútil, meramente
reiterativa, que nenhuma informação acrescenta ao processo, reque-
rida pelo acusado apenas para postergar a decisão final da autoridade
administrativa149.
A prova obtida por meios ilícitos é repudiada pelo direito brasi-
leiro, segundo o inciso LVI, do artigo 5º, da Constituição Federal150.
Essa garantia processual que irradia sobre todo o ordenamento jurídico
também se reflete sobre o Processo Administrativo, em conformidade
com o artigo 30 da Lei nº 9.784/1999151.
A prova emprestada também é admitida no processo adminis-
trativo, desde que, como ocorre no processo civil e no processo penal,
tenha sido produzida sob o crivo do contraditório152.
A utilização de prova emprestada é condicionada à presença das
mesmas partes litigantes em ambos os processos. Ou seja, as partes
presentes no processo em que foi colhida a prova objeto de empréstimo

149 NELSON EIZIRIK. Reforma das S.A. e do Mercado de Capitais, 2a ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 1998, p. 205.
150 Esclarecem Silvânio Covas e Adriana Laporta Cardinali, com fundamento em Egon
Bockman Moreira, que a prova obtida por meio ilícito poderá ser aproveitada
desde que o ilícito praticado para obtê-la não seja gravíssimo: “Uma vez existente
a prova e sendo juntada aos autos do processo, caberá ao órgão julgador avaliar
– de forma fundamentada – se, frente às peculiaridades do caso concreto, ela
merece ser aproveitada. Caso seja fruto de ilícito gravíssimo, deve ser descartada
e presta-se unicamente à responsabilização do autor. Caso não o seja, e com
base nos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e finalidade, deverá o
julgador decidir se a prova obtida por meio ilícito trará ao processo o excelente
atendimento ao interesse público posto em jogo” (O Conselho de Recursos do
Sistema Financeiro Nacional: Atribuições e Jurisprudência. São Paulo: Quartier
Latin, 2008, p 147).
151 Artigo 30, Lei nº 9.784/1999.
152 LUIZ FUX. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005, pp.
699-700.

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devem ser as mesmas que participam da lide atual. A obrigatoriedade


do efetivo exercício do contraditório no processo originário tem por
finalidade evitar a ocorrência de prejuízo para a parte contra a qual
se pretende usar a prova emprestada, garantindo assim que tenha
participado da sua formação.

7.7.10. Impossibilidade de dupla apenação


O princípio jurídico da impossibilidade da dupla apenação (non
bis in idem), de acordo com o qual ninguém pode ser acusado e punido
duas vezes pela mesma infração, é plenamente aplicável na esfera do
direito administrativo sancionador153.
Se a pena funciona como elemento de prevenção de condutas
tidas como ilícitas, resultaria de todo injustificado e brutal que o
Estado, no exercício do seu jus puniendi, seja na esfera criminal, seja
na esfera administrativa, pudesse penalizar alguém mais de uma vez
pelo mesmo fato154.
Nesse sentido, a Súmula nº 19 do STF estabelece expressamente
que “é inadmissível segunda punição de servidor público, baseada no
mesmo processo em que se fundou a primeira”, entendendo-se como
processo, para efeitos do bis in idem, o mesmo fato, ou a mesma in-
fração disciplinar.

153 A respeito, observa Cretella Jr., que: “o regime jurídico do non bis in idem em
virtude do qual ninguém pode ser processado e punido duas vezes pela mesma
infração, encontra plena aplicação em matéria disciplinar, considerando-se ambos
os campos como absolutamente distintos. Isto é [o administrador] que cometeu a
mesma falta ou crime não pode sofrer duas penas disciplinares ou duas criminais,
o que não significa que não possa sofrer acumuladamente, uma pena disciplinar
e outra pena criminal, respondendo também a dois processos distintos” (JOSÉ
CRETELLA JÚNIOR. Prática do Processo Administrativo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1989, p. 76).
154 O absurdo da dupla apenação chega ao seu paroxismo no exemplo clássico da
Rainha de Copas, ao ordenar a punição de Alice: “Cortem-lhe a cabeça! Cortem
de novo!” (LEWIS CARROLL. “Alice no País das Maravilhas”, apud NELSON EIZIRIK.
Reforma das S.A. e do Mercado de Capitais, 2a ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998,
p. 206).

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A proibição à dupla apenação ocorre na mesma esfera de com-


petência estatal; ou seja, não cabe dupla apenação na esfera criminal,
nem dupla apenação na esfera administrativa.
Tendo em vista a independência das instâncias (civil, criminal e
administrativa) nada impede, a princípio, que alguém seja punido cri-
minal e administrativamente pelo mesmo fato. Com efeito, o processo
administrativo não elide o processo criminal, e vice-versa; a mesma
falta pode, portanto, ser sancionada administrativa e penalmente155.
Tal independência de instâncias não é evidentemente absoluta,
dada a necessária unidade do sistema jurídico. Assim, se determinado
fato constitui ilícito administrativo e penal, a decisão final do juízo
criminal declarando inexistente o fato ou que o acusado não foi o seu
autor é válida na instância administrativa, a qual fica, no caso, vinculada
à decisão judicial156.
Somente cabe a penalização administrativa, nos termos da Súmula
nº 18, do STF, caso seja verificada a ocorrência de falta residual, não
compreendida na absolvição do juízo criminal.
Os pressupostos caracterizadores do princípio do non bis in idem
são os seguintes:
(a) identidade subjetiva – o sujeito passivo deve ser o mesmo,
independentemente de ter sido a pessoa responsabiliza-
da individualmente ou em conjunto com outras, ou do

155 JOSÉ CRETELLA JÚNIOR. Prática do Processo Administrativo. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1989, p. 76. Em sentido contrário, o artigo 31 da Lei nº 40/2015 da
Espanha consagra a impossibilidade de a Administração Pública sancionar atos
ilícitos que tenham sido objeto de penalização na esfera criminal.
156 O contrário – isto é, a decisão administrativa vincular a decisão penal – também
pode ocorrer: “Penal – Processual Penal. Habeas Corpus. Crime contra o sistema
financeiro nacional. Representação. Denúncia. Processo Administrativo.
Arquivamento. Ação Penal: trancamento: falta de justa causa. I – No caso, tendo a
denúncia se fundado exclusivamente em representação do Banco Central, não há
como dar curso à persecução criminal que acusa o paciente de realizar atividade
privativa de instituição financeira, se a decisão proferida na esfera administrativa
afirma que ele não pratica tal atividade. Inocorrência, portanto, de justa causa
para o prosseguimento da ação penal contra o paciente. II. – HC deferido” (STF,
HC 83.674, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 16.03.2004).

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fundamento da culpabilidade (prática dolosa ou culposa,


descumprimento do dever de fiscalizar etc.);
(b) identidade fática – os fatos constitutivos da infração e que
estão contemplados na norma sancionadora, devem ser os
mesmos;
(c) identidade de fundamento legal – a norma sancionadora
violada com a conduta típica, a princípio, há de ser a
mesma. Considera-se igualmente presente este pressu-
posto quando, embora existindo normas distintas, os bens
jurídicos por elas protegidos são semelhantes: se os bens
jurídicos afetados por uma mesma conduta ilícita são hete-
rogêneos, existirá diversidade de fundamento legal, não se
caracterizando portanto o bis in idem; se os bens jurídicos
são homogêneos, haverá identidade de fundamento legal,
ainda que as normas jurídicas infringidas sejam distintas,
ficando vedada a dupla punição157.
Ou seja, a CVM não pode punir duas vezes uma pessoa pela práti-
ca do mesmo ato, de vez que atentaria contra o princípio da segurança
jurídica se a mesma acusação pudesse ser formulada várias vezes158.

157 JOSÉ GARBERÍ LLOBREGAT. El Procedimiento administrativo sancionador.


Valencia: Tirant lo Blanch, 1996, p. 181.
158 A jurisprudência do CRSFN, em diversos de seus julgados, se manifestou no
sentido de que, nas hipóteses em que se configura a instauração, por um único e
mesmo órgão fiscalizador de distintos procedimentos voltados à apenação de uma
mesma irregularidade, deveriam os subsequentes ser objeto de arquivamento:
“O Direito Positivo, por razões óbvias não permite a existência de duas a­ções
tendo o mesmo objeto. Com efeito, se o Estado é chamado a compor uma lide,
esta ação estatal deve se dar em um único processo. Atentaria contra o princípio
da segurança jurídica que a mesma demanda pudesse ser proposta várias vezes.
Desse modo, o Direito Processual como um todo, rejeita a existência de mais
de uma ação referente ao mesmo objeto [...] O processo administrativo segue
a solução propugnada pela Teoria Geral do Processo [...] até porque outra não
seria cabível. Assim, bem agiu a autoridade ao julgar inválido o procedimento em
vista da existência de outro tratando do mesmo assunto. [...] Isto posto, advoga a
Procuradoria da Fazenda Nacional que a decisão deste Conselho de Recursos do
Sistema Financeiro Nacional deve se restringir ao exame da matéria preliminar, já
que esta é suficiente para determinar o arquivamento dos autos” (Recurso nº 2161,
julgado na 166ª Sessão, realizada em 29.10.1998). Ainda: “decidem os membros

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436 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Assim, uma mesma conduta não pode ser duplamente sancionada


na esfera administrativa – quer no âmbito do mesmo órgão, quer ainda
no âmbito de órgãos distintos – sob pena de afronta ao princípio do
non bis in idem.
Constituem exemplos típicos de tal modalidade de bis in idem,
as hipóteses de decretação pelo Banco Central do Brasil de regimes
especiais previstos pela Lei nº 6.024/1974 e pelo Decreto-lei nº
2.321/1987 e a posterior instauração, pelo mesmo órgão, de procedi-
mentos administrativos punitivos159.

do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, por unanimidade e


em caráter de preliminar, arquivar o presente processo em relação aos apelados
[...] já indiciados em outro processo tendo [como fundamento] o mesmo
questionamento implicando evidente duplicidade de procedimentos apuratórios”
(Recurso nº 2419, julgado na 161ª Sessão, realizada em 28.04.1998).
159 Conforme a doutrina: “a) as institui­ções integrantes dos mercados financeiro e de
capitais, dentre outras, sujeitam-se desde o seu surgimento até a sua extinção ao
denominado ‘poder de polícia’ do Banco Central do Brasil que o exerce de forma
preventiva, fiscalizadora e repressiva; b) aquela entidade, inserida no contexto
da Administração Pública Federal, ao determinar a submissão de empresas a
regimes especiais, conforme previsto na legislação pertinente ou mesmo quando
instaura processos administrativos punitivos, com vistas a apurar um ato ilícito,
está exercendo o chamado ‘poder de polícia’, na sua expressão repressiva; c)
as restri­ções de direitos e de liberdades originadas da decretação de regimes
especiais, previstas na Lei 6.024/74 e no Dec. Lei 2.321/87, têm origem ex lege,
caracterizando-se, portanto, como efeitos legais autorizados por aquelas mesmas
normas e têm a questionável natureza de san­ções administrativas e sujeitam-se,
dessa forma, ao regime jurídico-administrativo; d) as restri­ções de direitos e de
liberdades decorrentes de decisões proferidas em processos administrativos puni
tivos formalmente instaurados e precedidas do correlato direito de defesa, como
exigido nesses casos, também possuem a natureza de san­ções administrativas
e, portanto, submetem-se àquelas mesmas regras pertinentes ao regime antes
referido; e) a imposição de ambas as modalidades de san­ções administrativas,
de forma sobreposta e consecutiva, atingindo as mesmas pessoas, em virtude
dos mesmos fatos, vem a representar, a um só tempo, flagrantes agressões aos
princípios da legalidade, da proporcionalidade, da razoabilidade e da eficiência;
f ) tal postura da Administração Pública desborda, desse modo, do que seria
demandado para o atendimento do interesse público que lhe incumbe zelar e que
é a sua finalidade última, e, por isso, apresenta-se ilegítima; g) o comportamento
assumido pela Administração Pública, nos casos aqui tratados, é também ofensivo
ao princípio penal do non bis in idem acatado em sede administrativa, como
reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência, em virtude da natureza punitiva
de ambas as matérias” (ANTONIO CARLOS VERZOLA. “Dos marcos legais impostos
ao exercício do direito de punir por parte da administração pública”. Revista de

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 437

Assim, descabe a concomitante apenação, pela prática do mesmo


ato, por parte da CVM e do Banco Central. A possibilidade de ins-
tauração de dois processos administrativos, ainda que por dois órgãos
administrativos, para apreciar idênticas irregularidades, praticadas pela
mesma pessoa, poderia consagrar o absurdo jurídico denominado de
duas verdades, vale dizer, de duas conclusões diversas, adotadas pelas
instâncias administrativas, por ocasião da apreciação do mesmo fato160.
Entretanto, é cada vez mais frequente o julgamento de um mesmo
fato pelo Banco Central e pela CVM, sob a alegação de que as normas
de cada uma das autarquias tutela bens jurídicos distintos161.
Essa tendência, todavia, não deve prevalecer, por violar os princípios
do devido processo legal, que delimita a competência de cada um desses
órgãos e ainda os da unidade e da eficiência da Administração Pública.
Como se sabe, a competência para a prática de ato administrativo,
além de resultar de lei e ser por ela delimitada, constitui pressuposto
indispensável à sua própria validade, do que resulta que nenhum ato
poderá ser realizado sem que tal competência esteja presente162.

Direito Bancário e do Mercado de Capitais, n. 32, abr.-jun. 2006. São Paulo:


Revista dos Tribunais, pp. 108-109).
160 GARCIA ENTERRIA, TOMÁS RAMON FERNANDEZ. Curso de Direito
Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, pp. 901-902.
161 Como se vê, por exemplo, no PAS CVM nº RJ2013/6183, Rel. Pablo Renteria, j.
22.11.2016: “Discordo do acusado. O Colegiado já se manifestou a respeito dessa
alegação diversas vezes, com o entendimento de que a atuação concorrente do
Bacen e da CVM não fere o princípio do non bis in idem, quando as atividades
sancionadoras dos dois órgãos se fundamentam em normas editadas para tutelar
bens jurídicos distintos e que foram simultaneamente violadas mediante a prática
de uma mesma conduta. De fato, são diferentes os bens jurídicos tutelados pelas
duas autarquias no presente caso”. Também o PAS CVM nº 03/96, Rel. Dir. Eli
Loria, j. 08.07.2004: “apesar de tratar-se das mesmas pessoas e mesmos fatos,
os valores tutelados pela CVM são diversos daqueles tutelados pelo Bacen no
exercício de seu poder de polícia. Enquanto cabe ao Bacen zelar pela higidez
do sistema financeiro, a CVM tutela o mercado de valores mobiliários. Assim, o
Bacen e a CVM têm como competência apurar a ocorrência de ilícitos, cada qual
em sua esfera e de acordo com suas respectivas normas e uma mesma conduta
pode constituir mais de um tipo de ilícito. De um lado, as operações em exame
infringiram normas do Bacen e, de outro, violaram normas da CVM”
162 Nesse sentido, observa Hely Lopes Meirelles: “A competência resulta de lei e é
por ela delimitada. Todo ato emanado do agente incompetente ou realizado além

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438 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

A instauração de processo administrativo por parte de cada um


dos órgãos reguladores do mercado pressupõe, necessária e obrigato-
riamente, a infração à norma legal ou regulamentar cuja fiscalização
lhe haja sido legalmente conferida, nos termos da legislação vigente163.
Consequentemente, a atuação fiscalizadora do Banco Central do
Brasil e da Comissão de Valores Mobiliários, sob pena de sua invalidade,
somente poderá ser exercitada dentro dos limites da competência que é
conferida, respectivamente, pelas Leis nos 4.595/1964 e 6.385/1976.
Não compete, pois, ao Banco Central do Brasil ou à Comissão de
Valores Mobiliários a instauração de processo administrativo que tenha
como objeto a apreciação e eventual punição de ilícitos praticados
por pessoas que não se sujeitam ao seu poder disciplinar ou ainda a
apuração de práticas ocorridas em outros segmentos que não aqueles
cuja fiscalização lhes tenha sido legalmente conferida.
Atribui-se ao Banco Central do Brasil a competência para disci-
plinar e fiscalizar todas as opera­ções desenvolvidas nos mercados de
crédito, monetário e cambial. Isto é, a disciplina normativa e a fiscali-
zação das atividades e opera­ções ligadas a esses mercados a ele foram

do limite de que dispõe a autoridade incumbida de sua prática é inválido por


lhe faltar um elemento básico à sua perfeição, qual seja, a correta manifestação
da vontade da Administração. Daí a oportuna advertência de Caio Tácito de que
não é competente quem quer, mas quem pode” (HELY LOPES MEIRELLES. Direito
Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 134).
163 Neste sentido, aliás, a advertência efetuada pelo ex-Procurador da Fazenda Nacional,
então atuando junto ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, Dr.
Luiz Alfredo Paulin, ao estabelecer, didaticamente, os exatos limites da atuação
reguladora que incumbe ao Banco Central do Brasil exercitar e a inadmissibilidade
de sua indevida extensão: “Não é o descumprimento de qualquer lei ou de qualquer
regulamento que enseja a possibilidade do Banco Central do Brasil vir a aplicar pena
ao administrador de instituição financeira. O texto legal que estabelece o sistema
de penalidades, mais especificamente, o artigo 44, da Lei nº 4.595/64, é conclusivo
ao circunscrever a aplicação de penas por parte do Banco Central do Brasil ao
descumprimento dos objetivos da Lei Bancária. [...] Até porque este é o limite da
atuação fiscalizadora do Banco Central do Brasil. Resta, pois, concluir que haverá
conduta delituosa, para os fins de que trata o art. 44, da Lei nº 4.595/64, se e somente
se a ação ou omissão desrespeitarem os objetivos da lei bancária” (LUIZ ALFREDO
PAULIN. “A Responsabilidade do Administrador de Instituição Financeira em face da
Lei Bancária”, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n.
97, jan.-mar. 1995. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 54).

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conferidas. Já à CVM incumbe a regulação das opera­ções realizadas


no mercado de valores mobiliários.
O critério distintivo entre a competência de uma e de outra enti-
dade, portanto, deriva da plena diferenciação das opera­ções realizadas
no mercado de crédito, monetário e cambial de um lado, e daquelas
no mercado de valores mobiliários de outro.
Portanto, é inadmissível que o Banco Central e a CVM instau-
rem, concomitantemente, procedimentos voltados à apreciação da
participação dos mesmos acusados, em idênticas práticas.
Qualquer situação que pareça suscitar a competência de ambas
as entidades deve ser examinada com extrema cautela, tendo em vista
que a lógica e a estrutura do sistema financeiro não permitiriam que
dois órgãos da Administração Pública tivessem competência para
disciplinar e fiscalizar o mesmo fato jurídico.
O princípio da unidade da Administração Pública164 e o da efi-
ciência165 devem repelir qualquer situação, seja no exercício do poder
regulamentar, seja no exercício do poder fiscalizatório, que redunde
em duplicidade de atuação da CVM e do Bacen.

7.7.11. Prescrição
A existência da prescrição, como princípio fundamental em ma-
téria de direito administrativo sancionador, decorre de três elementos
essenciais:

164 A ideia da unidade da Administração Pública está ligada à tão mencionada


característica de que o poder estatal é “uno e indivisível” (MARIA SYLVIA ZANELLA
DI PIETRO. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2001, p. 55).
165 O princípio da eficiência passou a ser expressamente previsto na Constituição
Federal de 1988 com a reforma administrativa empreendida pela Emenda
Constitucional nº 19/1998. Define-se o princípio como aquele que: “impõe à
administração pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem
comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial,
neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da
qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para
a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitarem-se
desperdícios e garantir-se maior rentabilidade social” (ALEXANDRE DE MORAES.
Reforma administrativa. São Paulo: Atlas, 1999, p. 28).

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(a) da necessária segurança jurídica, uma vez que é inadmis-


sível que as relações jurídicas já formadas possam ficar
perenemente sob a ameaça de potencial sanção;
(b) do princípio do devido processo legal, em razão de o
decurso de tempo dificultar ou mesmo impedir a correta
apreciação da culpabilidade do acusado, aumentando o
risco de decisões administrativas equivocadas;
(c) do princípio da moralidade administrativa, que impõe
à Administração o dever de proceder em relação aos
administrados com sinceridade e lisura, constituindo um
evidente incentivo ao cumprimento imoral da lei asse-
gurar ao funcionário público o poder de instaurar, ao seu
bel-prazer, e a qualquer tempo, procedimento sancionador
para apurar e punir ato há muito praticado166.
Quando as san­ções não são contemporâneas aos ilícitos praticados
– e, consequentemente, ao risco social que se deseja evitar – perdem
a sua finalidade. Puni­ções administrativas aplicadas muito tempo
após a ocorrência dos fatos caracterizam absoluto desvio do poder de
polícia estatal167.
Assim, em virtude do princípio da oficialidade, que impõe à au-
toridade administrativa o dever de movimentação contínua e regular
dos processos por ela instaurados, compete à Administração zelar pela
correspondência entre o momento de ocorrência da sanção e a prática
do ilícito. Com efeito, o desenvolvimento do processo administrativo

166 NELSON EIZIRIK. Reforma das S.A. e do Mercado de Capitais, 2a ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 1998, pp. 211-212.
167 A respeito, observa Heraldo Garcia Vitta que: “De fato, assim como o Estado deve
punir a pessoa infratora, terá o dever de ofício, de reconhecer o prazo prescricional
da ação punitiva. Isto porque ambas as situa­ções estão teleologicamente implicadas
e estão na mesma linha de raciocínio lógico. A finalidade das penas é prevenir
as pessoas a não cometerem ilícitos; se passar o lapso temporal demarcado por
normas jurídicas para a promoção dos atos tendentes àquela finalidade, deve o
Estado reconhecer o prazo prescricional estabelecido na lei, eis que a imposição
tardia de penalidade não atinge o fim para que ela existe” (HERALDO GARCIA
VITTA. A Sanção no Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 152).

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constitui encargo da própria Administração, a quem incumbe levá-lo


adiante e chegar à sua conclusão, independentemente da conduta do
administrado168. O particular não pode ser castigado pela inércia da
autoridade administrativa, condenado a aguardar que se digne ela a
instaurar e julgar processo sancionador no momento que entender
mais adequado.
A própria Constituição Federal adota como regra a prescritibili-
dade dos ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que
causem prejuízos ao erário público (artigo 37, § 5º). Se a Constituição
adotou o princípio da prescritibilidade para ilícitos de tal natureza,
de graves consequências, não há dúvida de que prescrevem também
todos os demais ilícitos administrativos.
Entretanto, a observância do instituto no âmbito do mercado
financeiro nem sempre foi pacífica e, mesmo após sua previsão legal,
sua interpretação pelas instâncias administrativas ainda apresenta
contornos divergentes.

a. Desenvolvimento do instituto no âmbito do mercado de capitais


Inexistiam, até quase o final da década de 90, disposi­ções legais
específicas disciplinando a extinção da punibilidade de pessoas e en-
tidades submetidas ao poder de polícia da CVM e do Banco Central
do Brasil.
A necessidade do reconhecimento da prescrição já era defendida
pela própria CVM, que, com fundamento no acúmulo de processos
nos quais a questão era suscitada e, ainda, nas insuperáveis dificuldades
decorrentes da reconstituição de fatos já há muito ocorridos, deu início
a uma série de análises voltadas à reconsideração de tais procedimentos,
com vistas ao seu possível arquivamento169.

168 CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO. Direito Administrativo na Constituição


de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 30.
169 Nesse sentido, trecho do Memorando nº 012185, pertinente ao Processo CVM
nº 90/0474-2, encaminhado no início de 1995, à SMI: “Assunto: Reapreciação
de Processos: [...] Consoante nossos entendimentos anteriores, estamos

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Em razão da inexistência de previsão legal para ocorrência da


prescrição administrativa, utilizava-se a Lei nº 6.838/1980 para fun-
damentar as alega­ções de prescrição das infra­ções ocorridas no âmbito
do mercado de capitais, por entender-se cabível, por analogia, os pra-
zos prescricionais previstos para as faltas cometidas por profissional
liberal (5 anos).
Nesse período – até o final da década de 90 —, não obstante os
argumentos apresentados por numerosos estudos doutrinários170, a
prescrição foi acatada pela CVM apenas em duas oportunidades, a
saber, no julgamento dos Inquéritos Administrativos nos 09/93 e 16/93,
sem, contudo, ter sido aceita pelo Banco Central em suas decisões171.
O CRSFN, embora tivesse uma vez aceito a prescrição172, alterou,

encaminhando a relação de casos/processos originários dessa Gerência já


encaminhados ao Colegiado da CVM com proposta de abertura de Inquérito
Administrativo. Estes casos/processos referem-se a possíveis infra­ções a regras
de mercado cometidas até o primeiro semestre da ano de 1990. Conforme tese
ultimamente acatada pelo Colegiado, os possíveis ilícitos cometidos há mais
de cinco anos poderiam ser considerados à luz daquela tese que trata de sua
prescrição. Por esta razão sugerimos seja levada à consideração do Colegiado
da CVM a proposta de arquivamento dos casos/processo seguintes por estarem
enquadrados naquela situação [...] Processo CVM nº 90/0474-3 [...] Período
analisado jan./fev./90”.
170 GERALDO DE CAMARGO VIDIGAL. “Prescrição no Direito Administrativo”. Revista
de Direito Administrativo, v. 200, abr.-jun. 1995. Rio de Janeiro: Renovar, pp.
299-309; JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA. “Fraudes Cambiais – Responsabilidade
dos Bancos – Prescrição Administrativa”. Revista de Direito Administrativo, v.
205, jul.-set. 1996. Rio de Janeiro: Renovar, pp. 322-325; RENATO SOBROSA
CORDEIRO. “Prescrição Administrativa”. Revista de Direito Administrativo, v. 199,
jan.-mar. 1995. Rio de Janeiro: Renovar, pp. 105-119; CAIO TÁCITO. “Prescrição
Administrativa – Comissão de Valores Mobiliários – Inquérito Administrativo”.
Revista de Direito Administrativo, v. 196, abr.-jun. 1994. Rio de Janeiro: Renovar,
pp. 285-293.
171 Em ambos os casos, por não reconhecer o CRSFN a possibilidade de prescrição
em razão de lacuna legislativa, os autos foram remetidos novamente à instância
a quo para o pertinente exame de mérito. Nesse sentido, o voto vencedor no IA
16/93, julgado em 10.02.1995: “Considerando a inexistência de previsão legal,
voto pelo não acatamento da prescrição administrativa, como prejudicial de
mérito, em relação ao recorrido [...] devendo ser devolvidos os autos à CVM para
julgamento das demais questões de mérito, com vistas à preservação do duplo
grau de jurisdição”.
172 Recurso CRSFN nº 243, julgado em 30.07.1991.

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posteriormente, sua orientação, passando, na esteira do entendimento


do Departamento Jurídico do Banco Central173, a considerar impres-
critíveis os ilícitos administrativos ocorridos no contexto do sistema
financeiro devido à ausência de norma legal expressa.
Com base no Parecer PGFN/CAT/912, de 23.09.1993, encami-
nhado pelo Ministro da Fazenda às instâncias julgadoras do mercado,
a prescrição passou a não mais ser admitida174.
Em 1997, com a edição da Lei nº 9.457175, o instituto da pres-
crição foi finalmente consagrado no âmbito do mercado de valores

173 Nota DEJUR 009/92 de 1992.


174 A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, mediante o Parecer PGFN/CAT nº
912/93, de 23.09.1993, entendeu imprescritíveis as san­ções aplicadas pelo Banco
Central e pela CVM. A ementa do Parecer é a seguinte: “Prescrição administrativa.
Conselho de Recurso do Sistema Financeiro Nacional. Lei nº 4.595, de 31.12.64, art.
44, § 5º, e Decreto 91.152, de 15.03.85. Lacuna Legislativa. Recurso voluntário, com
efeito suspensivo, de decisão do Banco Central do Brasil ou da Comissão de Valores
Mobiliários. Impossibilidade de extinção do direito punitivo e da exigibilidade
da penalidade aplicada durante o período em que vigorar o efeito suspensivo.
Matéria de direito estrito, vedada a aplicação analógica e admitida a interpretação
extensiva da lei. Impossibilidade material”. O Parecer foi enviado pelo Ministro
da Fazenda para CVM, mediante o aviso ministerial nº 454, de 07.06.1995, no
qual se chamava a atenção do Presidente da CVM sobre a necessidade de ser
observado o entendimento da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. A CVM,
inexplicavelmente, uma vez que tal parecer não tem efeito vinculante, passou a
seguir o entendimento da PGFN.
175 “Art. 3º Fica incluído na Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, o seguinte
art. 33, renumerando-se os demais: Art. 33. Prescrevem em oito anos as infra­
ções das normas legais cujo cumprimento incumba à Comissão de Valores
Mobiliários fiscalizar, ocorridas no mercado de valores mobiliários, no âmbito
de sua competência, contado esse prazo da prática do ilícito ou, no caso de
infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. § 1º Aplica-se
a prescrição a todo inquérito paralisado por mais de quatro anos, pendente de
despacho ou julgamento, devendo ser arquivado de ofício ou a requerimento
da parte interessada, sem prejuízo de serem apuradas as responsabilidades pela
paralisação, se for o caso. § 2º A prescrição interrompe-se: I – pela notificação
do indiciado; II – por qualquer ato inequívoco que importe apuração da
irregularidade; III – pela decisão condenatória recorrível, de qualquer órgão
julgador da Comissão de Valores Mobiliários; IV – pela assinatura do termo
de compromisso, como previsto no § 5º do art. 11 desta Lei. § 3º Não correrá a
prescrição quando o indiciado ou acusado encontrar-se em lugar incerto ou não
sabido. § 4º Na hipótese do parágrafo anterior, o processo correrá contra os demais
acusados, desmembrando-se o mesmo em relação ao acusado revel.”

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mobiliários, mediante a inclusão, ao artigo 33 da Lei nº 6.385/1976,


de disposi­ções destinadas à sua regulamentação.
Na realidade, o novo texto legal praticamente reproduziu os
dispositivos constantes da Lei nº 6.838/1980, promovendo apenas
alteração dos prazos por ela previstos e introduzindo algumas normas
especiais sobre sua incidência aos processos sancionadores da CVM.
Com a nova redação dada ao artigo 33 da Lei nº 6.385/1976,
passou a ser de oito anos o prazo prescricional para as infra­ções ocor-
ridas no âmbito do mercado de valores mobiliários. Tal prazo seria
contado da prática do ato ilícito, e não do seu conhecimento por parte
da CVM. Nos casos de infração permanente ou continuada, contar-
se-ia o prazo prescricional a partir de sua cessação.
Nos termos do § 1º, do artigo 33 da Lei nº 6.385/1976, ocorreria
a prescrição intercorrente caso o processo administrativo sancionador
não fosse julgado no prazo máximo de quatro anos, cabendo o seu
arquivamento de ofício ou a pedido da parte interessada; ou seja, o
processo administrativo deveria ser decidido, necessariamente, em até
quatro anos, contados de sua instauração, sob pena de perder a CVM
o poder de punir o indiciado.
Todavia, os prazos então estabelecidos para a prescrição demons-
travam-se extremamente longos e, caso a lei permanecesse vigente,
possibilitariam uma injustificável letargia por parte da administração
pública176.

176 De acordo com Nilza Pinto Nogueira: “No entanto, o prazo prescricional de
oito anos, estabelecido pela Lei nº 9.457 estava acima do prazo já consagrado
em relação a este tipo de infração. Tal prazo prescricional, por sua vez, acabou
por acarretar em males semelhantes aos ocorridos no caso de seu próprio
não estabelecimento ou da consideração de uma imprescritibilidade, que é a
letargia por parte da Administração Pública e o dano à imagem daquele que
está sujeito à infração por um lapso de tempo demasiadamente longo” (NILZA
PINTO NOGUEIRA. Da prescrição da puniblidade no processo administrativo:
o caso da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, maio de 2005. Monografia
apresentada ao Instituto de Economia da UFRJ, orientada pelo Prof. Alexandre
Santos Aragão. Disponível em: <http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/menu/
acesso_informacao/serieshist/trabacademicos/anexos/Nilza_Pinto_Nogueira-
proc-adm.pdf>. Acesso em: 07.07.2017, p. 27).

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Ademais, tratando-se de prazos superiores aos já existentes


quando a lei entrou em vigor,177 evidentemente não poderiam ser apli-
cados aos procedimentos pendentes ou a fatos já ocorridos, sob pena
de caracterizar-se afronta ao artigo 5º, XL da Constituição Federal,
segundo o qual a lei somente retroage para beneficiar o acusado. Aos
procedimentos pendentes ou a fatos já ocorridos, aplicar-se-iam os
prazos previstos na Lei nº 6.838/1980.
Com a edição da Medida Provisória nº 1.708/1998, posterior-
mente convertida na Lei nº 9.873/1999178, ocorreu a primeira tentativa
de disciplinar, no contexto do direito administrativo sancionador, a
prescrição da ação punitiva da Administração Pública no exercício de
seu poder de polícia, pondo um fim a toda e qualquer dúvida quanto
à sua admissibilidade.

177 A Lei nº 6.838/1980, ressalte-se, até então utilizada para fundamentar as alega­
ções de prescrição das infra­ções ocorridas no âmbito do mercado de capitais,
estabelece o prazo prescricional de 5 (cinco) anos para as faltas cometidas por
profissional liberal.
178 Lei nº 9.873/1999 (sem as alterações introduzidas pela Lei nº 11.941/2009): “Art.
1º – Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal,
direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração
à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração
permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. § 1º Incide a prescrição
no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de
julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante
requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade
funcional decorrente da paralisação, se for o caso. § 2º Quando o fato objeto da
ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á
pelo prazo previsto na lei penal. Art. 2º – Interrompe-se a prescrição: I – pela
citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital; II – por qualquer
ato inequívoco, que importe apuração do fato; III – pela decisão condenatória
recorrível. Art. 3º – Suspende-se a prescrição durante a vigência: I – dos
compromissos de cessação ou de desempenho, respectivamente, previstos nos
arts. 53 e 58 da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994; II – do termo de compromisso
de que trata o § 5º do art. 11 da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, com a
redação dada pela Lei nº 9.457, de 5 de maio de 1997. Art. 4º – Ressalvadas as
hipóteses de interrupção previstas no art. 2º, para as infra­ções ocorridas há mais
de três nos, contados do dia 1º de julho de 1998, a prescrição operará em dois
anos, a partir dessa data. Art. 5º – O disposto nesta Lei não se aplica às infra­ções
de natureza funcional e aos processos e procedimentos de natureza tributária.
Art. 6º – Ficam convalidados os atos praticados com base na Medida Provisória
nº 1.859-16, de 24 de setembro de 1999.”.

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Ainda que a necessidade de parâmetros legais no que diz res-


peito à prescrição fosse, há muito, suscitada179, a Lei nº 9.873/1999,
somente em data recente, e, em razão de interpreta­ções equivocadas
de suas disposi­ções, com efetividade extremamente reduzida, passou
a ser utilizada no âmbito da CVM e do CRSFN.
Na realidade, da mesma forma que ocorria antes do advento da
Lei nº 9.873/1999, a preliminar de prescrição continuou a ser sumaria-
mente rejeitada, agora sob a argumentação de que seus termos somente
passariam a vigorar para os casos anteriores à sua edição – de acordo
com a redação que se conferiu ao seu artigo 4º – a partir de um lapso
temporal de dois anos, ou seja, a partir de 1º de julho de 2000180, bem

179 A propósito, as observa­ções do Padre Antônio Vieira, há cerca de cinco séculos,


ao comentar as desventuras e o sofrimento causado àqueles que, no Brasil colônia
aguardavam, por anos sem fim, até que a justiça fosse feita: “Vede um homem
desses que andam perseguidos de pleitos ou acusados de crimes e olhai quantos
os estão comendo. Come-o o meirinho, come-o o carcereiro, come-o o inquiridor,
come-o a testemunha, come-o o julgador e ainda não está sentenciado e já está
comido. São piores os homens que os corvos. O triste que foi à forca, não o comem
os corvos senão depois de executado e morto e o que anda em juízo ainda não está
executado, nem sentenciado e já está comido [...].” (ANTÔNIO VIEIRA. Sermões
Pregados no Brasil. Lisboa: Agencia Geral das Colônias, 1940, v. 3, pp. 207-208).
180 O artigo 4º da Lei nº 9.873/1999 apresenta uma regra de transição, em decorrência
da qual as infra­ções ocorridas a partir de julho de 1998 teriam o prazo para
decretação de sua prescrição dilatado por mais dois anos. Nesse sentido, como
justificado pelo Parecer do Procurador da Fazenda Nacional junto ao CRSFN nos
autos do Recurso 2698, 190ª Sessão, j. 01.09.2000: “Conforme é do conhecimento
geral, era entendimento deste CRSFN, ainda que não unânime, que à míngua
de dispositivo legal específico, não se reconhecia a prescrição como causa
extintiva do direito à pretensão punitiva da Administração no tocante aos ilícitos
administrativos apurados no âmbito do Banco Central [...] A partir da vigência da
Medida Provisória nº 1708, no entanto, a pretensão punitiva do Estado, decorrente
de seu poder de polícia, de modo geral [...] ficou sujeita a um disciplinamento
unificado, tendo sido revogados expressamente todos os demais dispositivos
pertinentes à matéria [...]. Entendeu o legislador, no entanto, ao unificar a legislação
referente à matéria de prescrição, instituir uma regra de transição em relação às
infra­ções ocorridas há mais de três anos, prescrevendo o lapso prescricional de
dois anos a partir de 1º de julho de 1988, seja pelo fato de a administração, no
exercício de seu poder de polícia ainda não ter iniciado o procedimento apuratório
através da notificação do sujeito passivo (prescrição normal) seja pelo fato de
não ter proferido decisão nos processos já regularmente instaurados (prescrição
intercorrente) [...]”.

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como sob a igualmente equivocada invocação quanto à possibilidade


de “atos inequívocos” interromperem o prazo legalmente discriminado.
Nos termos do artigo 1º da Lei nº 9.873/1999, a ação punitiva
da Administração Pública, no exercício de seu poder de polícia, de-
verá ocorrer em cinco anos a partir da data do ato ou, na hipótese de
infração permanente ou continuada, da data de seu término.
Em conformidade com o § 1º do mesmo artigo, incidirá também
a prescrição em qualquer procedimento administrativo paralisado por
mais de três anos, pendente de despacho ou julgamento.
Trata-se, no caso, da denominada prescrição intercorrente – que
somente poderá ser invocada quando o processo já houver sido instau-
rado – ou seja, aquela fundamentada na inércia ou lentidão do Estado
no desenvolvimento de suas atividades fiscalizadoras, resultando na
paralisação do procedimento, “pendente de despacho ou julgamento”,
pelo prazo de três anos.
Se a infração administrativa também constitui crime181, o prazo
de prescrição da penalidade administrativa é o mesmo fixado para a
prescrição da ação penal ou da própria pena, como atualmente determi-
nado, de maneira expressa, pelo artigo 1º, § 2º, da Lei nº 9.873/1999182.

181 Nesse sentido, a manifestação da Procuradoria da Fazenda Nacional, nos autos


do Pt BCB 9800921961, ao questionar a admissibilidade da prescrição punitiva de
vez que o ilícito apontado – sonegação de cobertura cambial – também configura
ilícito penal (Lei nº 7.492/1986), cuja prescrição alcança doze anos, conforme o
que dispõe a Lei nº 7.492/1986, vindo a ampliar a prescrição quinquenal aplicável
à esfera administrativa, nos termos do § 2º do artigo 1º da Lei nº 9.783/1999. De
acordo com o Procurador, encontra-se consolidado no Departamento Jurídico do
Bacen, acompanhado pela Procuradoria da Fazenda Nacional, o entendimento de
que o § 2º do artigo 1º da Lei nº 9.783/1999 só pode ser compreendido mediante
interpretação sistemática. É que de sua leitura surge de imediato a dúvida sobre
a competência para decidir se determinado fato constitui crime. Na realidade,
quando se ultrapassa a mera interpretação literal, somente o Poder Judiciário tem
competência para dizer se o indício do ilícito é crime ou não. Assim, o Colegiado
do CRSFN entende afastada a incidência, à hipótese, do referido dispositivo legal.
182 Lei nº 9.873/1999, artigo 1º, § 2º: “Quando o fato objeto da ação punitiva da
Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto
na lei penal”.

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b. Interrupção da prescrição

Determina o artigo 2º da Lei nº 9.873/1999 que se opera a


interrupção da prescrição da ação punitiva pela: (i) notificação ou
citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital; (ii) por
qualquer ato inequívoco que importe a apuração do fato; (iii) pela
decisão condenatória recorrível; e (iv) por qualquer ato inequívoco que
importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória
no âmbito da administração pública federal.
O artigo suscita duas questões distintas, relacionadas, respecti-
vamente: a) ao momento a partir do qual a interrupção poderá ser
computada e, b) à correta interpretação a ser conferida à expressão
“ato inequívoco”.
No que diz respeito à primeira questão (o momento no qual a
interrupção passa a ocorrer), na medida em que na fase de investigação
inexistem os “acusados” ou “indiciados” de que trata o artigo 2º, inciso
I, da Lei nº 9.873/1999, e tendo em vista que o processo administra-
tivo sancionador apenas terá início com a notificação ou intimação
daqueles, é inconteste que as causas interruptivas somente poderão
ser invocadas após a sua instauração183_184.

183 Conforme a manifestação de Sídio Rosa de Mesquita Júnior: “O preceito do


artigo 2º, inciso I, tem a grande vantagem de esclarecer a dúvida outrora reinante
sobre o momento da interrupção. Hoje, a conclusão que se impõe é de que
somente a instauração do processo administrativo interrompe a prescrição. Esse
entendimento [...] está melhor solidificado, em face da previsão legal, pois na
averiguação preliminar não existirá nenhuma notificação semelhante à citação
[...]” (SÍDIO ROSA DE MESQUITA JÚNIOR. Prescrição Penal. São Paulo: Atlas, 1997,
p. 128), e, ainda, conforme leciona Nelson Eizirik: “Quando ocorre a notificação
do indiciado de instauração do inquérito, verifica-se uma presunção absoluta de
apuração de irregularidade. Qualquer outro ato da CVM, do qual o suspeito não foi
notificado, não gera a presunção de apuração do ilícito; cabe à CVM demonstrar
que está apurando a ilicitude para que se possa cogitar da interrupção do prazo
prescricional [...]” (NELSON EIZIRIK. Reforma das S.A. e do Mercado de Capitais,
2a ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 201).
184 Nesse sentido, é o que dispõe o artigo 33, § 1º, da Portaria nº 456/2010, do
Ministério da Justiça: “Art. 33. A prescrição intercorrente incide em qualquer das
espécies de processo administrativo previstos nesta Portaria, que estiver paralisado
por mais de 3 (três) anos, cujos autos serão arquivados de ofício oumediante
requerimento do interessado, sem prejuízo da apuração da responsabilidade

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Esse entendimento foi corroborado pelo Colegiado CVM, em


reunião datada de 27 de dezembro de 2005, ao manifestar-se no sen-
tido da extinção da punibilidade dos envolvidos nos autos do Processo
Administrativo Sancionador de Rito Sumário RJ 2004/3648, uma vez
que, embora os atos apontados como irregulares houvessem aconte-
cido em 1997, sua comunicação somente ocorrera em 2003 “quando
já havia expirado o prazo quinquenal previsto pela Lei nº 9.873/99”.
A segunda hipótese de interrupção da prescrição, contemplada
pelo inciso II do artigo 2º, da Lei nº 9.873/1999, configura-se mediante
“qualquer ato inequívoco que importe a apuração do fato”.
Esse dispositivo é alvo de inúmeras críticas por parte da doutri-
na, que questiona a imprecisão dos termos utilizados em sua redação,
tendo em vista que, além de não esclarecer o que deve ser entendido
por “ato inequívoco” para os efeitos legais, também não torna claro o
que virá a consistir a denominada “apuração do fato” e muito menos
em que casos ela ocorrerá185.

funcional decorrente da paralisação, se for o caso. § 1º. A decisão terminativa e o


ato ou decisão interlocutória que, de forma inequívoca, importarem apuração
do fato, interrompem a prescrição intercorrente. § 2º. Suspende-se a prescrição
durante a vigência dos compromissos de cessação ou de desempenho de que
trata a Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994” (grifamos). A Portaria destina-se à
regulamentação das diversas espécies de processos administrativos submetidos à
apreciação da Secretaria de Direito Econômico, nos termos da Lei nº 8.884/1994.
185 “O art. 2º, inc. 2º como redigido, é inaplicável. Em primeiro lugar, por não
identificar no que consista o elemento normativo nele contido, correspondente à
‘apuração do fato’, sem se preocupar em dizer, por exemplo, quando se entenderá
o fato por apurado ou no que, afinal, consistirá a ‘apuração do fato’. Em segundo
lugar, por desigualar as partes no processo administrativo, que se trava entre a
Administração Pública, de um lado, e de outro, o particular, consabido, como
dispõe o art. 5º da Constituição Federal, ao proclamar os direitos e deveres
individuais e coletivos, intangíveis, que ‘todos são iguais perante a lei (...)’ regra
da qual não se excepciona a Administração Pública. Em terceiro lugar, por admitir,
como em um passe de mágica, um ‘ato inequívoco’ e misterioso a ser praticado
pela própria Administração Pública, que importe nessa indefinida e pouco
compreensível ‘apuração do fato’, ignorando neste passo, que todo processo,
inclusive administrativo, na vigência da Constituição Cidadã, editada em 1988,
se transcorre sob o pálio e garantias constitucionais, art. 5º, inc. LIV e LV, do due
process of law, do contraditório e da ampla defesa [...]” (JOSÉ ADRIANO MARREY
NETO. “A MP 1708, de 20 de junho de 1998 e a Prescrição da Pretensão Punitiva da

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450 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

As expressões “enigmáticas” existentes na norma possibilitam que


os órgãos julgadores do mercado, mediante o alargamento do conceito
das causas de interrupção, “adiem” indevidamente a contagem dos
prazos prescricionais186.
Na prática, como demonstrado pela própria jurisprudência dos
órgãos fiscalizadores do mercado, o alargamento do conceito de fato
interruptivo da prescrição vem sendo frequentemente utilizado para
promover a dilação dos prazos que passaram, a partir da edição da Lei
nº 9.873/1999, a limitar o exercício de seu jus puniendi187.

Administração Pública”, Revista da CVM, n. 28, abr. 1999. Rio de Janeiro: Comissão
de Valores Mobiliários, pp. 20 et seg.).
186 “[O] preceito do inciso II é muito vago, gerando certa insegurança jurídica,
mormente porque pode criar em favor da Administração Pública o entendimento
de que é admissível a imprescritibilidade. Estando a prescrição sujeita a inúmeras
causas interruptivas, ou seja, podendo ser interrompida ‘a cada ato inequívoco
de apuração dos fatos’ poderá o prazo estender-se indefinidamente, por meio de
diligências vazias de objetivos, sem escopo prático significativo. Assim, melhor
seria a determinação exata de quais são os atos administrativos que interrompem o
prazo da prescrição [...]” (SILVÂNIO COVAS. “A prescrição no Conselho de Recursos
do Sistema Financeiro Nacional”. Revista de Direito Bancário e do Mercado de
Capitais, n. 26, out.-dez. 2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, pp. 55 et seg).
187 Ou, como se nota do voto proferido por ocasião do julgamento do Processo
Administrativo Sancionador CVM nº 16/01, Rel. Dir. Norma Jonssen Parente,
j. 03.11.2005: “De fato, cessa a pretensão punitiva desta Autarquia em cinco
anos contados da data do ilícito. Todavia os recorrentes desconsideraram
completamente as hipóteses de interrupção do prazo, alegando erroneamente,
a toda evidência, a preliminar de prescrição supedaneados tão-somente no fato
de já se ter passado mais de cinco anos da época dos fatos. Ora, tal entendimento
não merece prosperar. [...]. O item II, do art. 2º supra, estabelece como causa
à interrupção do prazo prescricional, ‘qualquer ato inequívoco que importe
apuração do fato’, tema sobre o qual já se posicionou o Diretor Luis Antônio
Sampaio Campos, no âmbito do Processo Administrativo Sancionador CVM
nº 12/98, em manifestação que vem sendo adotada por este Colegiado. Vale,
portanto, relembrar: ‘Nesse sentido, parece-me que qualquer ato praticado
pela administração pública, quando tenha por finalidade a apuração ou o
esclarecimento do fato objeto da ação punitiva, insere-se na hipótese prevista no
inciso II, do art. 2º, da Lei nº 9.873/99, desde que seja inequívoco. Dentre esses
fatos, por certo, se enquadram as diligências, a oitiva de pessoas, inclusive como
testemunhas, indiciados ou informantes, a troca ou a solicitação de informa­ções
a outros órgãos ou à Bolsa de Valores, e tudo o mais que leve a apurar um fato, um
ato ilícito e buscar os seus responsáveis’ [...]”. Gustavo Borba, no entanto, discorda
desse entendimento, como expresso em seu voto no PAS CVM nº 12/2013, j.
24.05.2016: “Considero, contudo, não ser essa a melhor interpretação da Lei nº
9.873/99, uma vez que, seguindo esse raciocínio, o prazo para instauração do PAS

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 451

No mesmo sentido, o CRSFN, tem se manifestado pela possibi-


lidade de se qualificar como “atos inequívocos de apuração do ilícito”
os atos praticados pela autoridade pública que, por ocorrerem no
âmbito interno de sua instituição, não sejam levados ao conhecimento
das partes envolvidas188. Apesar dos entendimentos sobre a questão
destoarem dentro do CRSFN, o posicionamento majoritário – e equi-
vocado – é o de que não é necessária a comunicação ao acusado dos
atos de apuração para que a prescrição seja interrompida189.

poderia ser sucessiva e indefinidamente interrompido, em razão de diversos ‘atos


inequívocos’, o que obstaria a própria razão de ser dos institutos da prescrição e da
decadência, que é a pacificação social. O prazo prescricional, por meio de várias
interrupções, poderia se estender enormemente, causando insegurança jurídica,
prejudicando o efetivo direito de defesa (pois não seria razoável a manutenção da
documentação por período muito dilatado) e, muitas vezes, prejudicando a própria
formulação de uma acusação robusta e consistente, pelo elevado distanciamento
temporal dos fatos relacionados ao caso”. Apesar da posição divergente do Diretor,
a CVM ainda entende que a prescrição intercorrente só é possível após a instauração
do processo, sendo o prazo prescricional interrompido por qualquer ato inequívoco
posterior. Nesse sentido o PAS CVM nº RJ2008/9574, Rel. Dir. Ana Novaes, j.
27.11.2012; e PAS CVM nº 08/2012, Rel. Dir. Ana Novaes, j. 16.12.2014.
188 De acordo com Silvânio Covas: “não são atos inequívocos aqueles produzidos
exclusivamente pela entidade investigadora. Isto porque há necessidade de
alcançar-se segurança jurídica nos procedimentos investigatórios, evitando-
se a produção intempestiva desses atos [...]” (SILVÂNIO COVAS, “A prescrição
no Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional”, Revista de Direito
Bancário e do Mercado de Capitais, n. 26, out.-dez. 2004. São Paulo: Revista
dos Tribunais, pp. 55 et seg). No acórdão do Recurso 12513-MI, 317ª sessão, o
Conselheiro-Relator Johan Albino, j. 18.08.2010 externalizou seu entendimento
de que. “não podem ser tomados como atos inequívocos de investigação e, ainda
que assim o fossem, não teriam o condão de interromper a prescrição, posto que
unilaterais”.
189 Nesse sentido o Conselheiro Marcos Martins Davidovich, no Recurso 12582, 365ª
sessão, j. 15.04.2014, explica: “Deve-se ressaltar, no entanto, que não prevalece
neste Conselho a tese de que haveria necessidade de bilateralidade para
interrupção da prescrição. Com efeito, não é essa a interpretação que deve – e vem
– sendo dada ao disposto no art.2º, inciso II, da Lei n.º 9.873/99. [...] Este Conselho
tem decidido reiteradamente, ainda que como decorrência de posicionamento
majoritário, pela desnecessidade do conhecimento prévio do investigado para
a incidência da causa interruptiva, conforme pode ser inferido dos seguintes
precedentes: Recurso 11.149-MI, julgado em 25.04.2007 (272ª sessão), Recurso
11.350-MI, julgado em 17.10.2008 (291ª sessão), Recurso 12.385-MI, julgado em
26.07.2011 (329ª sessão). [...] [P]ela própria lógica do art. 2º da Lei n.º 9.873/99
não haveria, ao meu ver, como se sustentar posição diversa. Ora, o inciso I do
mesmo art.2º, alterado pela Lei n.º 11.941/2009, estabelece como hipótese de
interrupção a notificação ou citação do indiciado ou acusado. [...] Dessa forma,

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452 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Atualmente, tanto a CVM como o CRSFN parecem ter seus


entendimentos pacificados no sentido de admitir a interrupção pres-
cricional intercorrente mesmo diante de “atos inequívocos de apuração”
não comunicados ao acusado190.
Embora o CRSFN, em sua maioria, acatasse “teoricamente” a
necessidade da bilateralidade do “ato inequívoco”, entendendo não
ser este princípio absoluto, devendo ser apreciado caso a caso191, agora
majoritariamente adota a concepção alargada do termo, aceitando a
interrupção do prazo prescricional por atos não bilaterais, isto é, não
comunicados ao acusado192.

7.7.12. San­ções administrativas e o princípio da proporcionalidade


De acordo com o artigo 11, da Lei nº 6.385/1976, com a redação
dada pela Lei nº 13.506/2017, podem ser aplicadas pela CVM em

se exigirmos para a hipótese do inciso II a bilateralidade do ato, estaríamos


estabelecendo hipótese similar àquela prevista no inciso I, o que nos permitiria
concluir que o inciso II seria mera repetição do inciso I [...]. Ocorre, porém, que
a lei não contém palavras inúteis. Reforçando ainda mais esse posicionamento
acho importante esclarecer que a prescrição da pretensão punitiva dá-se em
relação a fatos e não em relação a pessoas. A partir do momento em que a
Administração inicia um procedimento investigatório para apurar determinada
irregularidade, nem sempre os verdadeiros autores do ilícito estarão evidenciados
de plano. Muitas vezes é preciso aprofundar a investigação para determinação da
autoria, não havendo como exigir-se a intimação do autor ainda não identificado
para que haja a interrupção. Seria, portanto, contrário à natureza do inquérito
administrativo ou investigação preliminar exigir a comunicação aos investigados
dos atos administrativos de apuração para serem considerados como atos
interruptivos. Ressalto que, nesses casos em que há investigação em andamento
para identificação da autoria não estaria, de forma alguma, inerte a Administração
Pública, não havendo que se cogitar em ocorrência de prescrição.”
190 PAS CVM nº SP2010/178, Rel. Dir. Roberto Tadeu, j. 25.03.2014; PAS CVM nº 12/2013,
Rel. Dir. Gustavo Borba, j. 24.05.2016; e PAS CVM nº RJ2015/10276, Rel. Dir. Pablo
Renteria, j. 11.07.2017.
191 No Recurso 5816, julgado na 254ª Sessão, em 9 e 10 de novembro de 2006, entendeu-
se que a CVM não poderia justificar sua demora utilizando atos inequívocos como
“desculpa”. No Recurso 5631, julgado na 242ª Sessão, em 20 e 21 de outubro de 2004,
salientou-se que meros atos de administração, atividades fiscalizadoras de rotina,
realizados pela Administração Pública, não podem ser considerados atos inequívocos
sob pena de nunca se ter prescrição. Os atos, portanto, precisam ser conhecidos e
sua existência não pode estar sombreada de dúvidas.
192 Recurso 13594, 399ª sessão, j. 10.02.2017.

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processo sancionador as seguintes penalidades, isolada ou cumulati-


vamente:
(i) advertência;
(ii) multa;
(iii) inabilitação para o exercício do cargo;
(iv) suspensão de autorização ou registro para o exercício de
atividades;
(v) inabilitação para o exercício de atividades;
(vi) proibição para a prática de atividades ou opera­ções; e
(vii) proibição de atuar em modalidades de opera­ções no mercado.

a. Advertência
A penalidade de advertência é aplicada nos casos de infra­ções
leves. A advertência significa uma repreensão ao acusado, por escrito,
e, muito embora constitua uma sanção branda, importa inequivo-
camente em penalidade administrativa, cuja imposição pressupõe a
certeza da culpabilidade do infrator. Daí decorre que não pode ser
utilizada como “válvula de escape” pela CVM quando, embora não
demonstrada a responsabilidade do acusado, tenham restado suspeitas
quanto à ilegalidade ou reprovabilidade de sua conduta.

b. Multa
A pena de multa, que importa em sanção pecuniária, sem ca-
ráter de composição dos prejuízos causados, tem, nos termos do §
1º do artigo 11 Lei nº 6.385/1976, com a redação dada pela Lei nº
13.506/2017 o teto máximo de:
(a) R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais);
(b) o dobro do valor da emissão ou da operação irregular;
(c) três vezes o montante da vantagem econômica ou da perda
evitada em decorrência do ato ilícito; ou

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454 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

(d) o dobro do prejuízo causado aos investidores em decor-


rência do ilícito.
Apesar do aumento no teto da multa em 100 vezes (alteração
operada pela Lei nº 13.506/2017) ser alvo de inúmeras críticas, esse
dispositivo reflete expressamente o princípio da dosimetria punitiva,
possibilitando a imposição de multas calculadas sobre a vantagem eco-
nômica auferida pelo infrator ou sobre a operação por ele realizada193.
Em atenção ao postulado da dosimetria punitiva, deve a CVM,
ao fixar o montante da multa, levar em consideração a situação econô-
mica do apenado (artigo 11, §1º da Lei nº 6.385/1976 e artigo 60 do
Código Penal). A aplicação da pena de multa não pode, por definição,
levar o condenado à insolvência ou à ruína financeira; em tal hipótese,
por constituir a penalidade pecuniária um autêntico “confisco”, ocor-
reria o abuso de poder de autoridade. Ademais, a pena de multa deve
ser sempre imposta com moderação, em atenção ao antigo brocardo:
“multa immoderata et excessiva, ipso jure nulla est”.
Requer-se, para a aplicação da pena de multa, que o julgador
atente: a) para as condi­ções sócio-econômicas do apenado, fixando
o quantum em razão de seu patrimônio; b) para o delito cometido,
levando em consideração sua gravidade, repercussão social, grau de
culpa e intensidade do dolo, assim como c) as circunstâncias atenuantes
e agravantes194.
Caso se adote o primeiro critério de fixação da multa, isto é, o
limite de até R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), a pe-
na-base da multa deverá ser fixada em conformidade com os limites
aplicáveis a cada infração previstos no Anexo 63 da Instrução CVM

193 O próprio texto do dispositivo impõe a observância de tal princípio: “Art.11 [...] § 1º A
multa deverá observar, para fins de dosimetria, os princípios da proporcionalidade
e da razoabilidade, a capacidade econômica do infrator e os motivos que
justifiquem sua imposição, e não deverá exceder o maior destes valores: [...]”
194 VALDIR SZNICK. Da pena de multa. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de
Direito, 1984, p. 86.

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nº 607/2019. Caso a infração não esteja prevista na tabela, o Cole-


giado deverá enquadrá-la em uma das condutas lá previstas a fim de
encontrar a pena-base.
No Anexo 63 da Instrução CVM nº 607/2019, as infrações são
divididas em 5 grupos, cujas penas-base e eles atribuídas aumentam
conforme sua gravidade. Assim, as infrações “relacionadas à elabora-
ção e manutenção dos livros sociais”, previstas no Grupo I, têm como
valor máximo de pena-base R$ 300.000,00 (trezentos mil reais). Já as
infrações “relacionadas à utilização de informação relevante ainda não
divulgada ao mercado” foram inseridas no Grupo V, o último, e têm
como valor máximo de pena-base o montante de R$ 20.000.000,00
(vinte milhões de reais).
Ainda em atenção ao princípio da dosimetria punitiva, deve a
CVM aplicar, prioritariamente, a pena de multa calculada sobre o
montante da vantagem econômica obtida pelo infrator, ou da perda
por ele evitada em decorrência do ato ilícito.
O valor máximo da multa, em tal hipótese, é de três vezes o valor
da vantagem econômica ou da perda evitada. Busca-se, mediante esta
norma, aumentar o “custo” da infração, de sorte a desincentivar a prá-
tica de opera­ções ilegais; a sanção deve acarretar uma perda pecuniária
superior ao benefício auferido pelo infrator com a prática do ilícito.
A segunda modalidade de multa proporcional é aquela prevista
no inciso II do § 1º do artigo 11, equivalente, no máximo, ao dobro
do valor da emissão ou operação irregular.
A terceira modalidade de pena pecuniária é a multa com valor
fixo de até R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais). Cabe a
sua aplicação quando não for possível a determinação do benefício
auferido pelo infrator ou do valor da operação ou emissão irregular.
Por fim, a quarta modalidade de pena pecuniária é cabível quan-
do haja prejuízo aferível aos investidores em decorrência do ilícito
praticado. Nesses casos, a multa será no valor do dobro do prejuízo.

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c. Inabilitação temporária

O artigo 11, inciso VI da Lei nº 6.385/1976 prevê a penalidade


de inabilitação temporária, até o máximo de 20 anos, para o exercício
das atividades de que trata a lei. O inciso IV do mesmo artigo, por
sua vez, prevê a penalidade de inabilitação temporária, até o máximo
de vinte anos, para o exercício dos cargos de administrador ou de
conselheiro fiscal de companhia aberta, de entidade integrante do
sistema de distribuição de valores mobiliários ou de outras entidades
que dependam de autorização ou registro na CVM.
Trata-se de penalidade extremamente severa, somente cabendo
sua aplicação na hipótese de comprovada infração dolosa às normas
disciplinadoras do mercado de capitais.
A inabilitação acarreta o impedimento temporário para a atua-
ção no mercado de capitais ou para o exercício de cargo em entidade
submetida à fiscalização da CVM. Assim, por exemplo, aplicada a
pena de inabilitação por um prazo determinado a um administrador
de companhia aberta, fica ele impedido, durante aquele período, de
ocupar cargo diretivo em órgão de administração em qualquer com-
panhia aberta.
Não são admitidas, em nosso sistema legal, penalidades de caráter
perpétuo (Constituição Federal, artigo 5º, XLVII, alínea “b”). Não
podem ser aplicadas, assim, penalidades administrativas das quais
resultem, direta ou indiretamente, priva­ções perpétuas do exercício
de direito ou do desempenho de atividades empresariais ou profis-
sionais195.

195 De acordo com a doutrina deve-se distinguir entre san­ções permanentes e san­
ções de efeito permanente: “Sanção permanente é aquela que, voltada ao futuro,
inviabiliza o regular exercício de um direito (cujo implemento pode, ou não,
depender do prévio preenchimento de certos requisitos para tanto, conforme
estatuído em lei). Sanção de efeitos permanentes [...] é aquela que atinge uma
parcela restrita de direitos do sancionado em grau de definitividade sem que,
contudo, genericamente obstaculize seu exercício. A demissão inviabiliza a
manutenção da situação de servidor público, mas não veda o acesso a outro cargo
mediante novo concurso público e após certo lapso temporal; a inutilização de

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Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, como


a vedação constitucional às penas de caráter perpétuo não deve ser
interpretada restritivamente, não podem as autoridades fiscalizadoras
do sistema financeiro aplicar penalidades de inabilitação permanente
para o exercício de cargos de administração ou gerência em institui­
ções financeiras196.
Para que a penalidade de inabilitação temporária não se converta,
na prática, em sanção de caráter perpétuo, deve a autoridade adminis-
trativa levar em consideração a idade do apenado; um indivíduo com
mais de sessenta anos, por exemplo, inabilitado por vinte anos, está,
de fato, sofrendo sanção de caráter perpétuo.

d. Suspensão de autorização ou registro


Nos termos do inciso V do artigo 11 da Lei nº 6.385/1976, poderá
também a CVM aplicar as penalidades de suspensão de autorização ou
registro para o exercício das atividades previstas em lei e submetidas
ao poder de polícia da CVM.

e. Proibição temporária
O inciso VII do artigo 11 da Lei nº 6.385/1976, com a redação
conferida pela Lei nº 9.457/1997 (mantida pela Lei nº 13.506/2017),
estabelece a penalidade de proibição temporária, até o prazo máximo
de vinte anos, para as entidades integrantes do sistema de distribuição
de valores mobiliários ou outras que dependam de autorização ou
registro na CVM, de praticar determinadas opera­ções ou atividades
no mercado. Seu objetivo é conferir à CVM o poder de sancionar
com a pena de proibição da prática de determinadas atividades, sem
a necessidade de cassar a autorização ou o registro da entidade apena-

produto não autoriza seu reaproveitamento porque não mais existente, porém
não proíbe seja outro, de mesma natureza, comercializado; a cassação de alvará
de licença proíbe a manutenção de dada atividade num específico lugar, contudo
não em todos os outros [...]” (DANIEL FERREIRA. Sanções Administrativas. São
Paulo: Malheiros, 2001, p. 136).
196 STJ, MS 1.119, Rel. Min. Peçanha Martins, j. 18.12.1991.

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458 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

da. Assim, por exemplo, se uma instituição financeira, atuando como


underwriter, infringe as normas legais ou regulamentares referentes à
atividade, pode ser proibida pela CVM de atuar em tal modalidade de
operação, durante um prazo determinado, não superior a vinte anos,
sem que sejam afetadas as demais atividades para cujo exercício está
autorizada.
O inciso VIII, ainda do artigo 11 da Lei 6.385/1976, permite à
CVM a aplicação de penalidade de proibição de atuar, direta ou indi-
retamente, em uma ou mais modalidades de operação no mercado de
valores mobiliários. O objetivo da norma é permitir a aplicação de tal
penalidade a pessoas ou entidades que não dependem de autorização
prévia da CVM, como são tipicamente os investidores do mercado
de capitais. Assim, por exemplo, se um investidor pratica opera­ções
fraudulentas no mercado de op­ções, pode ser apenado com a proibição
de atuar em tal mercado, durante um prazo determinado, de até dez
anos, seja diretamente, seja mediante pessoas seguindo suas instru­ções
(os chamados “laranjas”).
As san­ções previstas nos incisos IV a VIII do artigo 11 da Lei nº
6.385/1976 são bastante severas, uma vez que proíbem, ou pelo menos
limitam, a atividade profissional de agentes e, portanto, sua própria
liberdade. Essas penalidades são cabíveis nos casos de infração grave,
assim definidas em normas da CVM, ou de reincidência, pois objeti-
vam retirar temporariamente do mercado, como forma de punição e
prevenção, pessoas físicas ou jurídicas que colocaram em risco a sua
confiabilidade e regular funcionamento.

g. Circunstâncias agravantes e atenuantes


Nos termos do artigo 62 da Instrução CVM nº 607/2019, o Co-
legiado deverá, na dosimetria da pena, fixar inicialmente a pena-base,
aplicando na sequência as circunstâncias agravantes e atenuantes, bem
como, em um terceiro momento, a causa de redução da pena.

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Os §§ 2º e 9º do artigo 11 da Lei nº 6.385/1976 tratam das


circunstâncias agravantes e atenuantes das penalidades.
A reincidência constitui circunstância agravante, a ensejar a
possibilidade de aplicação, por parte da autoridade administrativa, de
penalidade superior àquela imposta na primeira vez: segundo o § 2º do
artigo 11, nos casos de reincidência, poderá a CVM aplicar as multas
previstas no § 1º até o triplo dos valores ali previstos197. Da mesma
forma, o § 3º do artigo 11, com a redação que lhe foi dada pela Lei
nº 13.506/2019, autoriza a aplicação das penalidades de suspensão,
proibição temporária e inabilitação – reconhecidamente mais gravosas
– nos casos de reincidência, ainda que não se trate de infração grave198.
Enquanto circunstância agravante, a reincidência deve ser especí-
fica, necessitando, assim, não só de condenação anterior, mas também
que tal condenação tenha como objeto o mesmo ato ilícito.
A reincidência pressupõe sempre uma decisão condenatória
transitada em julgado. Na esfera do direito sancionador do sistema
financeiro, só ocorre a reincidência se novo ilícito foi cometido após
a decisão final do CRSFN.
Em nosso ordenamento jurídico, a reincidência somente se ve-
rifica quando alguém comete algum ilícito após ter sido condenado,
em decisão definitiva, por crime ou infração anteriormente praticado
(artigo 63 do Código Penal)199. Ou seja, não se considera reincidente
o agente que já tenha sido condenado anteriormente por outro ilícito,
caso esta primeira condenação tenha sido imposta em decisão que
somente se tornou definitiva depois da prática da segunda ilicitude200.

197 O artigo 61, § 1º da Instrução CVM nº 607/2019 traz disposição idêntica.


198 “Art. 11 [...]§ 3º As penalidades previstas nos incisos IV, V, VI, VII e VIII do caput
deste artigo somente serão aplicadas nos casos de infração grave, assim definidas
em normas da Comissão de Valores Mobiliários, ou nos casos de reincidência.”
199 “Art. 63 Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de
transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado
por crime anterior” (grifamos).
200 HELENO CLÁUDIO FRAGOSO. Li­ções de Direito Penal: parte geral, 11ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1987, pp. 344-345: “Verifica-se a reincidência quando o agente

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460 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

O artigo 55, § 3º, da Circular Bacen nº 3.857/2017, ao regular


o processo administrativo sancionador no âmbito do Banco Central,
adotou conceito de reincidência semelhante ao do Código Penal, es-
tabelecendo que esta somente ocorre “quando o agente comete nova
infração depois de ter sido punido por força de decisão administrativa
definitiva, salvo se decorridos três anos do cumprimento da respectiva
punição ou da extinção da pena”. De modo similar, a Instrução CVM
nº 607/2019, em seu artigo 65, § 3º, estabelece que a reincidência exige
a existência de decisão administrativa definitiva, “salvo se decorridos 5
anos do cumprimento da respectiva punição ou da extinção da pena”201.
Portanto, é inequívoco que, também na esfera do direito sancio-
nador do sistema financeiro, a reincidência pressupõe uma decisão
condenatória definitiva anterior ao novo ilícito, somente ocorrendo
se este foi cometido após a decisão final do Conselho de Recursos
relativa à primeira infração202.
Além da reincidência, a Instrução CVM nº 607/2019 prevê como
circunstâncias agravantes, quando não constituem ou qualificam a
infração: (i) a prática sistemática ou reiterada da conduta irregular;
(ii) o elevado prejuízo causado; (iii) a expressiva vantagem auferida ou
pretendida pelo infrator; (iv) a existência de dano relevante à imagem
do mercado de valores mobiliários ou do segmento em que atua; (v)
o cometimento de infração mediante ardil, fraude ou simulação; (vi)
o comprometimento ou risco de comprometimento da solvência do
emissor; (vii) a violação de deveres fiduciários decorrentes do cargo,

comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no país ou


no exterior, o tenha condenado por crime anterior (artigo 63, CP). Isso significa
que o réu pode manter a primariedade, embora condenado por vários crimes,
desde que nenhum deles tenha sido praticado depois da primeira condenação
imposta” (grifamos).
201 “Art. 65 [...]§ 3º Ocorrerá reincidência quando o agente comete nova infração
depois de ter sido punido por força de decisão administrativa definitiva, salvo se
decorridos 5 (cinco) anos do cumprimento da respectiva punição ou da extinção
da pena.”
202 NELSON EIZIRIK. Reforma das S.A. e do Mercado de Capitais, 2a ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 1998, p. 256.

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posição ou função que ocupa; e (viii) a ocultação de provas da infração


mediante ardil, fraude ou simulação.
Fornecendo parâmetros objetivos para a aplicação da pena pela
autarquia, a Instrução CVM nº 607/2019 delimita o percentual máxi-
mo de aumento referente a cada um dos tipos de penalidade quando há
circunstância agravante. A penalidade de multa será acrescida em até
25% para cada agravante verificada; já quando se tratar de penalidade
de suspensão, inabilitação e proibição, serão acrescidas em até 25% para
cada agravante, considerando-se o número de meses da pena-base e
desprezando-se as frações.
Por outro lado, serão consideradas como circunstâncias atenuan-
tes, a teor do § 9º do artigo 11, da Lei nº 6.385/1976: o arrependimento
eficaz; o arrependimento posterior; a confissão do ilícito ou a prestação
de informa­ções sobre a sua materialidade.
O arrependimento constitui o ato de desistência voluntária de
praticar o ilícito, não o consumando o agente ou impedindo que se
produza o seu resultado.
No arrependimento eficaz (Código Penal, artigo 15), o agente atua
de molde a que o ilícito não se consume, ou que não sejam atingidos
os resultados anteriormente pretendidos. Em tal caso, responde ele
somente pelos atos já praticados, não se podendo imputar-lhe sanção
pelo ilícito que não chegou a praticar.
Caso os atos já praticados pelo agente não constituam ilícito
administrativo, vindo ele a arrepender-se antes da consumação do
ilícito, não se pode cogitar da aplicação de penalidades.
O arrependimento posterior (Código Penal, artigo 16), que
também constitui circunstância atenuante, ocorre quando o agente
repara o dano antes de ser notificado da instauração do procedimento
sancionador. Portanto, quando devidamente comprovadas a ocorrência
das circunstâncias atenuantes acima, não deverá a CVM, a nosso ver,
aplicar ao indiciado penalidade mais severa do que a advertência.

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Constituem ainda circunstâncias atenuantes a confissão e a presta-


ção de informa­ções relativas à materialidade do ilícito, que caracterizam
a boa-fé processual do acusado.
Além da confissão e prestação de informações, a Instrução CVM
nº 607/2019 enumera como circunstâncias atenuantes, em seu artigo
66: (i) os bons antecedentes do infrator; (ii) a regularização da infração;
(iii) a boa-fé dos acusados; e (iv) a adoção efetiva de mecanismos e
procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à de-
núncia de irregularidades, bem como a aplicação efetiva de códigos de
ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica, avaliada por entidade
pública ou privada de reconhecida especialização.
Trata-se de rol exemplificativo de circunstâncias atenuantes, visto
que o § 1º do artigo 66 prevê que, embora não previstas nas hipóteses
expressas na Instrução, outras circunstâncias relevantes, anteriores ou
posteriores à infração poderão ser consideradas na etapa de atenuação
da penalidade.

h. Multas cominatórias
De acordo com o artigo 9º, inciso II, da Lei nº 6.385/1976, com
redação alterada pela Lei nº 10.303/2001, a CVM poderá intimar a
prestar informa­ções, sob pena de multa, as seguintes pessoas: inte-
grantes do sistema de distribuição de valores mobiliários; companhias
abertas e demais emissoras de valores mobiliários e, quando houver
suspeita fundada de atos ilegais, as respectivas sociedades controlado-
ras, controladas, coligadas e sob controle comum; fundos e sociedades
de investimento; auditores independentes; consultores e analistas de
valores mobiliários; e quaisquer outras pessoas, naturais ou jurídicas,
quando da apuração de atos ilegais e práticas não equitativas de ad-
ministradores, membros do conselho fiscal e acionistas de companhias
abertas, dos intermediários e demais participantes do mercado.
Além disso, conforme dispõe o artigo 9º, § 1º, inciso IV da Lei
nº 6.385/1976, com o fim de prevenir ou corrigir situa­ções anormais

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do mercado, a CVM poderá proibir seus participantes, sob cominação


de multa, de praticar determinados atos prejudiciais ao seu funciona-
mento regular. Tal proibição é normalmente aplicada mediante ato
do Superintendente da CVM responsável pela fiscalização do setor
do mercado correspondente.
Os dois casos acima mencionados constituem as hipóteses em
que a CVM pode aplicar a chamada multa cominatória, a qual não se
confunde com aquela imposta em decorrência da prática de ilícitos
apurados no âmbito de processo administrativo sancionador.
Nessas hipóteses, de acordo com o disposto no artigo 11, § 11
da Lei nº 6.385/1976, com redação dada pela Lei nº 13.506/2017
a CVM poderá cominar multa diária que não exceda o maior dos
seguintes valores:
a) 1/1.000 (um milésimo) do valor de faturamento total ou
individual ou consolidado do grupo econômico, obtido no
exercício anterior à aplicação da multa; ou
b) R$ 100.000,00 (cem mil reais)
Tal multa é cominada por dia de atraso no cumprimento de
suas ordens, independendo sua aplicação da instauração e decisão de
processo administrativo.
O § 12 do artigo 11 da Lei nº 6.385/1976, acrescentado pela
Lei nº 9.457/1997, dispõe que, da decisão que cominar tal multa
diária, caberá recurso ao Colegiado da CVM, no prazo de dez dias,
sem efeito suspensivo. Tal dispositivo agride o devido processo legal;
caso o Colegiado da CVM não aceite o recurso com efeito suspensivo,
cabe mandado de segurança para corrigir o flagrante abuso de poder
da autoridade administrativa; a decisão judicial, nesta hipótese, deve
determinar que o recurso seja aceito com efeito suspensivo.
Note-se que a CVM, mediante a Instrução CVM nº 608/2019,
regulou a imposição de multas cominatórias às pessoas que deixam de
prestar informa­ções exigidas ou deixam de cumprir ordens específicas
por ela emitidas.

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Ao contrário da regulamentação anterior203, a Instrução CVM nº


608/2019 não prevê a possibilidade de atribuição de efeito suspensivo
aos recursos interpostos contra decisões que apliquem a multa comi-
natória. Por outro lado, determina que, na pendência de julgamento
de recursos, a inscrição dos créditos não pagos não serão inscritos no
Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público
Federal (Cadin). Sendo assim, caso a Superintendência aplique multa
cominatória a um agente do mercado de capitais e este interponha um
recurso contra essa decisão, não haverá efeito suspensivo: a exigibilidade
da multa é imediata. Seu não pagamento, no entanto, não resultará em
inscrição no Cadin até que o recurso seja julgado.
A Instrução CVM nº 608/2019, em seu anexo 3, apresenta tabela
dos valores a serem aplicados a título de multa cominatória conforme
o participante que não entregue a informação solicitada pela supe-
rintendência. Já o anexo 9 da Instrução apresenta a tabela dos valores
máximos de multa cominatória aplicada com o fim de prevenção ou
correção de situações anormais do mercado, como, por exemplo, por
ocasião da proibição do exercício irregular de administração de carteiras
ou colocação irregular de valores mobiliários.
A Instrução CVM nº 480/09, estabelece, prudentemente, uma
escala de valores para a multa cominatória diária que pode ser apli-
cada à companhia aberta que não mantiver o seu registro atualizado,
tendo em vista a maior ou menor gravidade dos atrasos verificados
na apresentação das demonstra­ções financeiras e demais documentos
exigidos pela regulamentação administrativa.

i. Acordo Administrativo em Processo de Supervisão


A Lei nº 13.506/2017 criou o Acordo Administrativo em Pro-
cesso de Supervisão, por meio do qual pessoas físicas ou jurídicas

203 A Instrução CVM nº 452/2007, em seu artigo 13, § 1º, determinava que o
Superintendente que tivesse aplicado a multa cominatória poderia, de ofício ou
a pedido, conceder efeito suspensivo ao recurso caso houvesse possibilidade de
prejuízo de difícil reparação decorrente da decisão objeto do recurso.

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reconhecem a prática de infrações, cuja fiscalização caiba à CVM,


em troca de benefícios (artigo 34 c/c artigo 30 e seguintes da Lei nº
13.506/2017). Pode o infrator ser favorecido com a redução de 1/3 a
2/3 da penalidade aplicável ou com a extinção da ação punitiva, desde
que haja efetiva, plena e permanente cooperação para a apuração dos
fatos, da qual resulte utilidade para o processo.
São consideradas como úteis para o processo, em especial, a iden-
tificação dos demais envolvidos na prática da infração e a obtenção de
informações e de documentos que comprovem a infração noticiada
ou sob apuração.
O acordo administrativo em processo de supervisão é cabível
quando, de forma cumulativa, o envolvimento na infração tiver cessado
completamente à data da propositura; a CVM não dispuser de provas
suficientes para assegurar a condenação administrativa do infrator;
a pessoa física ou jurídica confessar participação no ilícito, cooperar
com as investigações e com o processo administrativo e comparecer
a todos os atos processuais (artigo 30, §2º, da Lei nº 13.506/2017).
Além desses requisitos, a pessoa jurídica deverá cumprir um
requisito a mais: ser a primeira a se qualificar com respeito à infra-
ção. Do contrário, poderá celebrar o acordo, mas só se beneficiará
da redução de 1/3 da pena aplicável, isto é, não poderá ter as outras
benesses previstas na lei, como a extinção da ação punitiva e a redução
da penalidade em mais de 1/3.
A rejeição da proposta não importará em confissão da matéria
de fato nem em reconhecimento de ilicitude da conduta noticiada
ou investigada. No entanto, o desincentivo para a tentativa da sua
celebração aparentemente continua sendo maior do que as vantagens.
Mesmo que a proposta seja sigilosa até sua efetiva assinatura
(artigo 30, §1º), a CVM não poderá deixar de descumprir seu dever
de comunicar ao Ministério Público a ocorrência de crimes de ação
pública (artigo 9º da Lei Complementar nº 105/1964). Isso significa
que, mesmo sendo rejeitada a proposta e não confessada a prática do

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ilícito, o Ministério Público já terá informações para que ofereça de-


núncia ou promova investigações mais aprofundadas acerca da infração.
Soma-se a isso o fato de que a atuação do parquet não é afetada
pela celebração do acordo administrativo (artigo 31, §6º da Lei nº
13.506/2017). Ainda que eficaz o acordo e plenamente cumprido
pelo beneficiário, este terá a redução da pena ou extinção do processo
administrativo, mas não se terá livrado de possível processo penal.
Portanto, sendo a proposta – sigilosa – rejeitada, ou sendo o acor-
do – público – integralmente cumprido, em qualquer dos cenários o
infrator não se verá livre de um possível processo penal, motivo pelo
qual o acordo administrativo em processo de supervisão pode ser
pouco atrativo àqueles que cometeram ilícitos no mercado de capitais.
Na declaração de cumprimento do acordo, a autarquia deverá
levar em consideração o atendimento das condições estipuladas, a
efetividade da cooperação prestada e a boa-fé do infrator na execução
do acordado (artigo 32 da Lei nº 13.506/2017).
Caso haja descumprimento da avença, o beneficiário fica impe-
dido de celebrar novo acordo administrativo em processo de super-
visão pelo prazo de 3 anos, contado do conhecimento pela CVM do
descumprimento (artigo 32, §2º da Lei nº 13.506/2017).
Apesar da falta de incentivos para a celebração de acordo admi-
nistrativo em processo de supervisão, os interessados podem apresentar
proposta para tanto em qualquer momento até o início do julgamento
pelo Colegiado, sem prejuízo da investigação e tramitação do processo
administrativo sancionador já instaurado.
O responsável pelo juízo de admissibilidade, negociação e aprova-
ção da proposta de Acordo Administrativo em Processo de Supervisão
é o Comitê de Acordo Administrativo em Processo de Supervisão
(CAS), cuja composição e funcionamento são regulados pela Portaria
CVM nº 109/2019.
Sendo assim, a proposta deverá ser submetida diretamente ao
CAS, que deverá se manifestar a respeito da sua admissibilidade
dentro de 30 dias (artigo 96, § 1º da Instrução CVM nº 607/2019).

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Na negociação dos termos do acordo, o Comitê poderá assessorar-se


da Procuradoria Federal Especializada (PFE-CVM), bem como so-
licitar informações a outros componentes organizacionais da CVM.
A negociação deverá ser concluída dentro do prazo estabelecido pelo
CAS, sob pena de rejeição da proposta.
A decisão final sobre a aceitação ou não da proposta de Acordo de
Supervisão será proferida em reunião restrita do Comitê e não poderá
ultrapassar 180 dias contados da data de recebimento da proposta204.
As condições do Acordo só poderão ser modificadas por nova delibe-
ração do CAS, mediante requerimento da parte interessada ou para
correção de erros materiais205.
Caso o Acordo de Supervisão não seja celebrado, por desistên-
cia do acusado ou pela não aceitação do CAS, todos os documentos
serão descartados ou devolvidos ao proponente, devendo a CVM não
permanecer na posse de qualquer cópia (artigo 99, § 1º, da Instrução
CVM nº 607/2019).

7.7.13. Princípio da proporcionalidade da pena


No exercício do seu poder de polícia administrativa, deve a
CVM, necessariamente, dosar as penalidades, tendo em vista as suas
finalidades; devem ser elas necessárias e suficientes à reprovação e à
prevenção dos ilícitos. Ou seja, cumpre à autoridade administrativa,
na aplicação das penalidades, seguir o princípio fundamental da pro-
porcionalidade das san­ções.
O princípio da proporcionalidade, incluído no postulado geral da
proibição de excesso, constitui critério informador de toda e qualquer
atividade desenvolvida pela Administração Pública e, em especial, por
ocasião do exercício de sua função de cunho sancionador. Isso porque
as penas disciplinares não constituem castigos no sentido do direito
penal, nem recomposi­ções no sentido do direito civil, “mas meios de
que dispõe o Estado para assegurar a boa ordem no serviço e a ob-

204 Artigo 98, da Instrução CVM nº 607/2019.


205 Artigo 100, da Instrução CVM nº 607/2019.

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servância aos deveres prescritos”206. Consequentemente, em razão do


dever de vedação de excessos, a Administração deve sempre atuar de
maneira proporcional à finalidade que deseja atingir207.
Por conseguinte, a atuação repressiva das autoridades adminis-
trativas somente poderá ser legitimamente levada a cabo quando
resulte estritamente necessária, idônea e proporcional aos objetivos
perseguidos em sua atuação.
Com efeito, as san­ções aplicadas pelo Estado na esfera criminal
e na esfera administrativa devem ser: (a) adequadas à defesa social e à
política econômica do Estado; (b) dosadas criteriosamente, de acordo
com a gravidade da infração; (c) ajustadas à personalidade dos infra-
tores, pessoas físicas ou jurídicas; (d) aplicadas com certeza e firmeza,
de molde a não desmoralizar o sistema repressivo208-209.
A proporcionalidade da sanção criminal ou administrativa decorre
de seu caráter retributivo. Na medida em que encontra o seu funda-

206 JOSÉ CRETELLA JÚNIOR. Prática do Processo Administrativo. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1989, pp. 66-67.
207 Vale observar a respeito, que, como ressaltado por Luigi Ferrajoli, o simples fato
de inexistir qualquer “relação natural” entre a pena e o delito não exime a primeira
de ser adequada ao segundo: “ao contrário, precisamente o caráter convencional
e legal do nexo retributivo que liga a sanção ao ilícito [...] exige que a eleição da
qualidade e da quantidade de uma seja realizada pelo legislador e pelo juiz em
relação à natureza e à gravidade do outro. O princípio da proporcionalidade
expressado na antiga máxima ‘poena debit commensurari delicto’ é, em suma, um
corolário dos princípios da legalidade e da retributividade, que tem nestes seu
fundamento lógico e axiológico [...]” (LUIGI FERRAJOLI. Direito e Razão. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006, p. 366).
208 MANOEL PEDRO PIMENTEL. Direito Penal Econômico. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1973, p. 95.
209 No mesmo sentido, adverte a doutrina que, na medida em que as imposi­ções
de polícia são sempre restritivas das liberdades, estas hão de se demonstrar
substancialmente apropriadas, isto é, proporcionais aos fins visados. De acordo
com Comparato, três critérios cumulativos para a aferição do poder de polícia
devem ser obrigatoriamente observados: “a) A medida somente é apropriada,
quando ela pode, em regra, alcançar o resultado visado; b) A medida apropriada
somente é necessária, quando não existe outro meio adequado à disposição, o
qual seja menos prejudicial aos atingidos e à coletividade em geral; c) A medida
necessária somente é proporcional, quando não tenha nenhuma outra relação
com o resultado visado” (FÁBIO KONDER COMPARATO. Direito Público: Estudos
e Pareceres. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 214).

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mento no princípio ético da Justiça, não em qualquer manifestação


de vingança por parte do Estado, deve a pena, nesse mesmo princípio,
conter os seus limites210.
Verifica-se, no Direito Comparado, tendência crescente no senti-
do de as legisla­ções sobre ilícitos administrativos adotarem normas ex-
pressas estabelecendo a necessidade de as puni­ções serem proporcionais
às infra­ções211. As autoridades administrativas não podem empregar
meios de coação mais severos do que os necessários para alcançar os
objetivos desejados mediante as normas repressivas212.
No âmbito do Direito Administrativo brasileiro, o princípio da
proporcionalidade das puni­ções foi consagrado pela Lei nº 9.784/1999,
segundo a qual o processo administrativo deve observar “o critério de
adequação entre os meios e fins, vedada a imposição de obriga­ções,
restri­ções e san­ções em medida superior àquelas estritamente neces-

210 Como entende Celso Antonio Bandeira de Mello: “as competências administrativas
só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais
ao que seja realmente demandado para cumprimento da finalidade de interesse
público a que estão atrelados. Segue-se que os atos cujo conteúdo ultrapassem
o necessário para alcançar o objetivo que justifica o uso de competência ficam
maculados de ilegitimidade, porquanto desbordam de âmbito da competência,
ou seja, superam os limites que naquele caso lhes corresponderiam [...]” (CELSO
ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo. São Paulo:
Malheiros, 2003, p. 101). Ver também JOSÉ FREDERICO MARQUES. Tratado de
Direito Penal, v. III. São Paulo, Saraiva, 1966, p. 105.
211 Veja-se, a propósito, o artigo 29 da Lei 40/2015, da Espanha, que assim dispõe:
“PRINCIPIO DE LA PROPORCIONALIDAD 1. Las sanciones administrativas, sean o no
de naturaleza pecuniaria, en ningún caso podrán implicar, directa o subsidiariamente,
privación de libertad. 2. El establecimiento de sanciones pecuniarias deberá prever que
la comisión de las infracciones tipificadas no resulte más beneficioso para el infractor
que el cumplimiento de las normas infringidas. 3. En la determinación normativa del
régimen sancionador, así como en la imposición de sanciones por las Administraciones
Públicas, se deberá observar la debida idoneidad y necesidad de la sanción a
imponer y su adecuación a la gravedad del hecho constitutivo de la infracción. La
graduación de la sación considerará especialmente los siguientes criterios: a) El grado
de culpabilidad o la existencia de intencionalidad. b) La continuidad o persistencia em
la conducta infractora. c) La naturaleza de los perjuicios causados. d) La reincidencia,
por comisión en el término de un año de más de una infracción de la misma naturaleza,
cuando así haya sido declarado por resolución firme em vía administrativa.” (grifamos)
212 FRITZ FLEINER. Instituciones de Derecho Administrativo. Barcelona: Editorial
Labor, 1933, p. 174.

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sárias ao atendimento do interesse público [...]” (artigo 2º, parágrafo


único, inciso VI)213.
Assim, se a Administração Pública, em processo sancionador,
desobedece ao princípio da proporcionalidade, age com abuso de po-
der; pode ela própria anular ou revogar a decisão, ressalvada sempre a
apreciação judicial, nos termos da Súmula 473 do STF.

7.7.14. Motivação das decisões


A autoridade administrativa deve, na aplicação de penalidades,
descrever as razões e fundamentos que motivaram sua decisão, sob
pena de violação aos princípios constitucionais vigentes214.
A obrigatoriedade da motivação da decisão disciplinar constitui pre-
ceito constitucional, nos termos do artigo 93, IX, da Constituição Federal,
sendo, portanto, condição sine qua non de validade da própria decisão.
O mesmo princípio também foi expressamente consagrado
pela Lei nº 9.784/1999, a qual, além de estabelecer, no caput do
seu artigo 50, a obrigatoriedade da motivação de todos os atos
que imponham san­ções ou decidam recursos administrativos215,

213 A observância ao princípio acima referido, destinado a resguardar a proporcionalidade


a ser mantida entre a infração e a pena, vem sendo objeto de reconhecimento por
parte dos Tribunais, os quais já declararam configurar abuso de poder a aplicação de
quaisquer sanções extremadas que possam vir a comprometer a atividade profissional
ou até mesmo o patrimônio daqueles aos quais é imputada a infração disciplinar.
Assim, conforme pacificamente admitido, “nunca é demais lembrar que o fim último
da pena não é o de eternizar e, muito menos, o de infernizar a situação do apenado”
(TARS, RA 290108117, JUTARS 76-27).
214 A esse respeito, observa-se que “todas as operações realizadas na dosimetria da pena,
que não se resume a uma simples operação aritmética, devem ser devidamente
fundamentadas, esclarecendo o magistrado como valorou cada circunstância
analisada, desenvolvendo um raciocínio lógico e coerente que permita às partes
acompanharem e entenderem os critérios utilizados nessa valoração” (CEZAR
ROBERTO BITENCOURT. “O arbítrio judicial na dosimetria penal”. Revista dos
Tribunais, v. 723, jan. 1996. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 497.
215 Lei nº 9.784/1999, artigo 50: “Os atos administrativos deverão ser motivados, com
indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: I – neguem, limitem ou
afetem direitos ou interesses; II – imponham ou agravem deveres, encargos ou
san­ções; [...] V – decidam recursos administrativos [...]”.

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também determina, em seu § 1º, que aquela deverá ser “explícita,


clara e congruente”216.
Da obrigatoriedade da motivação da decisão, ou seja, da necessária
exposição do fundamento normativo e fático que servem de base à
decisão217, decorre a própria garantia da defesa do indiciado, a qual
vem a se configurar na perfeita correlação entre a acusação contra ele
levantada e a condenação que lhe é imposta218.
Entretanto, não basta que a decisão seja motivada; é indispensável
que ela seja, sob pena de nulidade, inteligível, congruente e lógica, re-
presentando uma efetiva e verdadeira justificação do posicionamento
adotado pelo julgador219.

216 Lei nº 9.784/1999, artigo 50, § 1º: “A motivação deve ser explícita, clara e
congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos
de anteriores pareceres, informa­ções, decisões ou propostas, que neste caso,
serão parte integrante do ato”.
217 CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO. Direito Administrativo na Constituição
de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 35.
218 Nesse sentido, destaca a doutrina que: “A quebra do princípio da simetria entre
a imputação e a condenação que constitui apanágio indispensável do direito
de defesa [...] importa em irremediável nulidade [...]. Em consequência, para
que o condenado possa aferir acerca do vínculo temático entre a denunciação
e a condenação, é preciso que fique perfeitamente esclarecida a motivação da
sentença cominatória da pena, o que consiste também em intocável direito do
jurisdicionado [...]” (CARLOS ROBERTO DE SIQUEIRA CASTRO. O Devido Processo
Legal e a Razoabilidade das Leis na Nova Constituição. Rio de Janeiro: Forense,
1989, p. 274). Os tribunais corroboram: “Decisão Administrativa Imotivada
Examinável pelo Poder Judiciário. Ilegalidade do Procedimento [...]. A autoridade
necessita referir não apenas a base legal em que se quer estribada, mas também
os fatos ou circunstâncias sobre os quais se apoia e, quando houver discrição, a
relação de pertinência lógica entre seu sucedâneo fático e a medida tomada, de
maneira a se poder compreender sua idoneidade para lograr a finalidade legal.
A motivação é, pois, a justificativa do ato” (STJ, REsp. nº 2640, Min. Américo Luiz,
j. 03.06.1992).
219 “[Q]uanto ao julgamento, há que estar em perfeita correspondência com as provas
colhidas nos autos e com a fundamentação que precede a sanção aplicada. O
essencial é que a decisão seja motivada com base na acusação, na defesa e na
prova, não sendo lícito à autoridade julgadora argumentar com fatos estranhos ao
processo ou silenciar sobre as razões do acusado, porque equivale a cerceamento
de defesa e conduzirá à nulidade do julgamento que não é discricionário,
mas vinculado ao devido processo legal” (HELY LOPES MEIRELLES). Estudos e
Pareceres de Direito Público, v. IV. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 136.
No mesmo sentido, enfatiza a jurisprudência: “Erro de fato. Ato administrativo

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472 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

7.7.15. Termo de compromisso

a. Introdução

O Consent Decree, instituto existente no direito norte-americano,


representa um acordo firmado entre o indiciado ou acusado da prática
de algum ilícito e a autoridade pública encarregada da sua fiscalização
e eventual responsabilização, por meio do qual ele, sem que tenha que
admitir a sua culpa, compromete-se a cessar os atos ilegais que lhes
são imputados.
O Consent Decree é utilizado no âmbito do mercado de capitais nos
Estados Unidos, com o objetivo de permitir à Securities and Exchange
Comission (SEC) firmar acordo com eventuais indiciados ou acusados
para que estes cessem a prática de atividades consideradas irregulares.
Nos termos da regulamentação da SEC, as propostas para a
celebração do Consent Decree encontram-se condicionadas a algumas
Rules of Practice, que prevêem inclusive a constituição de garantias para
assegurar eventuais indeniza­ções aos prejudicados220.
O Termo de Compromisso, consagrado no sistema de regulação
do mercado de valores mobiliários brasileiro, mediante a introdu-
ção, pela Lei nº 9.457/1997, dos §§ 5º a 8º ao artigo 11, da Lei nº
6.385/1976221, foi inspirado na figura do Consent Decree norte-ameri-

viciado na motivação. Sua anulação [...]. A motivação da punição disciplinar é


sempre imprescindível para a validade da pena e tem por escopo evidenciar-
se a sua conformação com a falta cometida, além de permitir que se configure
a todo o tempo a realidade e a legitimidade dos atos ou fatos ensejadores da
punição administrativa [...]. Estando o ato disciplinar vinculado a motivo falso ou
mesmo inidôneo para o fim colimado [...] o ato tornou-se inoperante, em face
da improcedência dos motivos, pelo que deve deixar de subsistir, por patente
ilegalidade.” (STJ, AR 147, Rel. Min. Américo Luz, j. 19.06.1990).
220 LUIZA RANGEL DE MORAES. “Considera­ções sobre o Consent Decree e sua
aplicação no âmbito da disciplina do Mercado de Valores Mobiliários”. Revista
de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, n. 4, jan.-abr. 1999. São Paulo:
Revista dos Tribunais, pp. 99 et seg.
221 Após a edição da Lei nº 9.457/1997, as reda­ções de alguns destes parágrafos do
artigo 11 da Lei nº 6.385/1976 que instituíram o Termo de Compromisso foram
alteradas: i) a do § 5º, pelo Decreto nº 3.995/2001, para determinar que o

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 473

cano, que, por sua vez, também serviu de inspiração para a instituição,
na Legislação Antitruste (Lei nº 8.884/1994), do “Compromisso de
Cessação”222.
Na realidade, tais institutos destinam-se ao mesmo propósito: o
de facultar a celebração de acordo entre o investigado ou o acusado da
prática de algum ilícito e o ente público responsável por sua apuração
e eventual condenação223.
Assim, no curso do procedimento administrativo investigativo ou
sancionador instaurado pela CVM para reprimir eventuais infra­ções às
normas legais e regulamentares cujo cumprimento cabe-lhe fiscalizar,
o investigado224 ou acusado pode propor à Autarquia a celebração do
Termo de Compromisso, visando a suspender o curso do procedimento.
Para tanto, conforme dispõem os incisos I e II do § 5º do artigo 11 da
Lei nº 6.385/1976, o investigado ou acusado deve comprometer-se a

compromisso será firmado a critério exclusivo da CVM, tendo em vista o interesse


público e, ainda, para consignar que os procedimentos que poderão vir a ser
suspensos, mediante a assinatura do Termo, são os relativos à apuração de infra­
ções à legislação do mercado de capitais; e ii) a do § 7º, para excluir a previsão do
crime de desobediência nos casos de inadimplemento das obriga­ções previstas no
acordo e para estabelecer que o Termo de Compromisso constitui título executivo
extrajudicial.
222 O artigo 53, caput da Lei nº 8.884/1994 (com redação dada pela Lei nº 11.482/2007)
determinava: “Art. 53. Em qualquer das espécies de processo administrativo, o
CADE poderá tomar do representado compromisso de cessação de prática sob
investigação ou dos seus efeitos lesivos, sempre que, em juízo de conveniência
e oportunidade, entender que atende aos interesses protegidos por lei.”. Após
a revogação da maioria dos seus dispositivos pela Lei nº 12.529/2011, a norma
correspondente, localizada no art. 85 no novo diploma, passou a dispor: “Art.
85. Nos procedimentos administrativos mencionados nos incisos I, II e III do art.
48 desta Lei, o Cade poderá tomar do representado compromisso de cessação
da prática sob investigação ou dos seus efeitos lesivos, sempre que, em juízo de
conveniência e oportunidade, devidamente fundamentado, entender que atende
aos interesses protegidos por lei.”
223 Uma distinção básica entre tais institutos reside no fato de que o consent decree
deverá ser apreciado e homologado em juízo, enquanto que a Lei nº 6.385/1976,
seguindo orientação consignada na Lei do Sistema Brasileiro de Defesa da
Concorrência (Lei nº 12.529/2011) para o Compromisso de Cessação, não impôs
tal obrigatoriedade em relação ao Termo de Compromisso.
224 O artigo 11, § 5º da Lei nº 6.385/1976, com a redação que lhe foi dada pela Lei
nº 13.506/2017, dispõe que a CVM pode “deixar de instaurar o procedimento
administrativo sancionador se o investigado assinar o termo de compromisso”.

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474 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

cessar a prática da conduta sob investigação da CVM e a indenizar,


se for o caso, possíveis prejuízos dela decorrentes.

b. Natureza jurídica do termo de compromisso


Na medida em que implica necessariamente concessões de ambas
as partes, o Termo de Compromisso pode ser considerado uma tran-
sação. A CVM “abre mão”, provisoriamente, de seu jus puniendi e o
particular deixa de praticar o ato sob investigação, comprometendo-se
a indenizar eventuais danos causados pela sua conduta.
A transação constitui o negócio jurídico bilateral mediante a
qual as partes previnem ou extinguem rela­ções jurídicas duvidosas
ou litigiosas, por meio de concessões recíprocas ou ainda em troca de
determinadas vantagens pecuniárias225.
Embora os dispositivos que tratam do poder de polícia da CVM
sejam considerados de ordem pública, e, portanto, indisponíveis226 – o
que poderia dar ensejo à interpretação de que a Autarquia não estaria
autorizada a firmar tal “acordo” —, entende-se que mesmo os interes-
ses difusos ou coletivos podem ser objeto de transação, se constituir
medida de interesse público227.
Na realidade, a outorga da possibilidade de “transacionar” con-
ferida pelo legislador à CVM não implica alienação ou renúncia dos
interesses difusos dos investidores do mercado de capitais. Ao con-
trário, a assinatura do Termo de Compromisso consiste uma forma
rápida e eficiente de alcançar a sua realização, por meio da suspensão

225 SILVIO RODRIGUES. Direto Civil, v. 2. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 237.
226 MARCOS PAULO DE ALMEIDA SALLES. “Aspectos da Competência do CMN e da
CVM no Mercado de Valores Mobiliários”. Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro, n. 108, out.-dez. 1997. São Paulo: Revista dos Tribunais,
p. 114.
227 RODOLFO MANCUSO. Ação Civil Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, pp. 114-148. RITA DI TOMASSO. “Inquérito Civil”. Revista de Direito do
Consumidor, v. 16, out.-dez. 1995. São Paulo: Revista dos Tribunais, pp. 103-115.
MARCO ANTONIO MARCONDES PEREIRA. “Transação no curso da ação civil
pública”. Revista de Direito do Consumidor, v. 16, out.-dez. 1995. São Paulo:
Revista dos Tribunais, pp. 116-127.

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da prática de atos que poderiam ser tidos como ilícitos pela Autarquia
e/ou indenização das partes eventualmente prejudicadas. Com efeito,
como a atividade regulatória envolve uma ponderação entre custos e
benefícios, caberá à CVM entre as distintas op­ções – representadas
por um lado, pela aplicação de penalidades decorrentes da atividade
regulatória e, por outro, pelo acordo configurado no Termo de Com-
promisso – privilegiar aquela que se revele mais benéfica ao mercado228
e mais consentânea ao interesse público.

c. Vantagens da celebração do Termo de Compromisso


O Termo de Compromisso, assim como o Compromisso de
Cessação disciplinado pela legislação do Sistema Brasileiro de Defesa
da Concorrência, constituem mecanismos que conferem às entidades
reguladoras independentes maior flexibilidade e celeridade229 na im-
plementação de seus objetivos. Por meio de tais instrumentos, a CVM
e o CADE buscam conciliar o rigor da coercitividade estatal com as
vantagens da flexibilidade negocial230.
Conforme vem se manifestando a CVM, o Termo de Compro-
misso não pode, em hipótese alguma, ser confundido com tolerância

228 De acordo com Marcos Juruena Villela Souto: “Tal ocorre porque a atividade
regulatória envolve uma ponderação entre custos e benefícios de regulação;
tal função envolve poderes quase-legislativos, quase-executivos e quase-
judiciais; nesta última etapa a ponderação deve considerar se da imposição de
uma penalidade resultará a maximização do interesse coletivo representado
pela atividade regulatória, do contrário, tal análise deve recomendar o acordo
substitutivo, se dele resultar maior proveito geral” (MARCOS JURUENA VILLELA
SOUTO. Direito Administrativo Regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004,
p. 125).
229 JULIO RAMALHO DUBEUX. A Comissão de Valores Mobiliários e os principais
instrumentos regulatórios do mercado de capitais brasileiro. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris, 2006, p. 98.
230 Trecho do voto proferido pelo Rel. Dir. Sergio Weguelin no Processo CVM RJ nº
2001/4652, j. 22.03.2005: “Trata-se, como se disse alhures, de alcançar o máximo
de eficiência na solução de problemas, aferindo, na dosagem necessária para cada
hipótese, as vantagens da flexibilidade negocial com o rigor da coercitividade
estatal. Nesse sentido, cabe também referência à espécie congênere aplicável ao
CADE (Art. 53 da Lei 8.884/94)”.

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476 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

ao ilícito231; ao contrário, deve ser entendido como instrumento que


lhe permite perseguir o interesse público de forma rápida e eficaz,
nos casos em que, em seu entendimento, a eventual continuidade do
processo não traria qualquer benefício ao desenvolvimento do mercado.
Embora desnecessária, tendo em vista que todo ato administra-
tivo deve pautar-se pela observância do interesse público, o Decreto
nº 3.995/2001, ao modificar a redação do caput do § 5º, do artigo 11,
da Lei 6.385/1976, fez expressa menção ao interesse público como
requisito necessário à celebração do termo de compromisso232.
Ao dizer que a celebração do termo de compromisso caberá ao
juízo de conveniência e oportunidade da Comissão de Valores Mobi-
liários, o artigo 11, § 5º, da Lei nº 6.385/1976, com a redação que lhe
foi dada pela Lei nº 13.506/2017, deixa expressamente consignado
que não poderá o particular compelir a autarquia a firmar o acordo. Ou
seja, não tem o investigado ou o acusado o direito subjetivo de exigir
da Comissão de Valores Mobiliários a sua assinatura.

d. Conteúdo da proposta de acordo


Nos termos dos incisos I e II, do § 5º, do artigo 11 da Lei nº
6.385/1976, o interessado na celebração de Termo de Compromisso
poderá apresentar proposta escrita à CVM, obrigando-se a: “I – cessar
a prática de atividades ou atos considerados ilícitos pela Comissão

231 Como se verifica do seguinte trecho do voto proferido pelo Rel. Dir. Sergio
Weguelin: “Vale destacar que o instituto legal do termo de compromisso não
tem outro sentido senão o de dar certa flexibilidade à CVM. Não se trata,
evidentemente, de tolerar o ilícito, mas sim de permitir à entidade reguladora
identificar o momento em que a resposta regulatória já se apresentou suficiente
para o bom desenvolvimento do mercado” (Processo CVM RJ nº 2001/4652, j.
22.03.2005).
232 Tal modificação foi mantida pela Lei nº 13.506/2017: “Art. 11, § 5º A Comissão
de Valores Mobiliários, após análise de conveniência e oportunidade, com
vistas a atender ao interesse público, poderá deixar de instaurar ou suspender,
em qualquer fase que preceda a tomada da decisão de primeira instância, o
procedimento administrativo destinado à apuração de infração prevista nas
normas legais e regulamentares cujo cumprimento lhe caiba fiscalizar, se o
investigado assinar termo de compromisso no qual se obrigue a:[...]” (grifamos).

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de Valores Mobiliários; e II – corrigir as irregularidades apontadas,


inclusive indenizando os prejuízos”233.
A redação de tais dispositivos vem merecendo críticas pela dou-
trina234. Com efeito, o legislador não foi preciso ao redigir o inciso I,
do § 5º do artigo 11 que determina que o interessado na celebração
do acordo deve cessar a prática de “atividades ou atos considerados
ilícitos” pela CVM. Isso porque, no momento da celebração, não há,
por parte da Autarquia, qualquer julgamento a respeito da ilicitude
dos atos sob investigação. O melhor teria sido o legislador, tal como
o fez na Lei nº 12.529/2011, estabelecer que haveria a obrigação de
cessar os atos “sob investigação”235.
A partir de uma interpretação sistemática da Lei nº 6.385/1976,
conjugando o referido inciso com o disposto no § 6º, do artigo 11236,
pode-se concluir que, como o Termo de Compromisso não importa em
confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento da ilicitude
da conduta analisada, os atos ou atividades objeto do compromisso
não podem ser considerados ilícitos.
Ainda no que diz respeito à condição de cessar a prática do ilícito
objeto de questionamento, de acordo com entendimento do Colegiado
da CVM, será considerada preenchida caso o ato sob investigação já
tenha se consumado ou não possua caráter continuado237.

233 Artigo 82, da Instrução CVM nº 607/2019.


234 NELSON EIZIRIK. Reforma das S.A. e do Mercado de Capitais, 2a ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 1998, pp. 269 et seg.
235 Artigo 85, caput, da Lei nº 12.529/2011.
236 O artigo 11, § 6º, da Lei nº 6.385/1976 dispõe: “Art. 11, § 6º O compromisso a que
se refere o parágrafo anterior não importará confissão quanto à matéria de fato,
nem reconhecimento de ilicitude da conduta analisada”.
237 Nesse sentido, vem decidindo a CVM que: “[A]s irregularidades apontadas
por essa CVM caracterizaram-se pela prática de determinados atos que já se
consumaram [...] encontrando-se prejudicado o estrito atendimento do requisito
acima indicado, o que, no meu entender, para o presente caso, em princípio, não
inviabilizaria a celebração do Termo, dado que não há mais o que cessar [...]”
(Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ 2002/4778, Rel. Dir. Wladimir
Castelo Branco Castro, j. 29.07.2003). No Processo Administrativo Sancionador
CVM nº RJ2007/3428, em análise de proposta de termo de compromisso, a

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A redação do artigo 11, § 5º, inciso II, da Lei nº 6.385/1976, que


estabelece que o investigado ou acusado deverá indenizar prejuízos,
merece, igualmente, reparo, uma vez que a composição dos danos não é
condição indispensável para que se firme o Termo de Compromisso238.
De fato, pode ocorrer que as condutas sob investigação da CVM não
tenham causado qualquer prejuízo ao mercado, aos investidores ou à
própria CVM.
A Lei nº 6.385/1976, na verdade, exige que o investigado ou
acusado corrija as irregularidades apontadas, indenizando prejuízos,
desde que: i) haja, obviamente, prejuízo, pois não há ressarcimento sem
dano; ii) tais prejuízos possam ser quantificados; e iii) os prejudicados
possam ser identificados de maneira a atribuir-se a cada prejudicado
um valor a ser pago a título de “indenização”.
Ressalte-se que a “indenização” prevista no referido dispositivo
legal não significa que o investigado ou o acusado esteja aceitando ou
reconhecendo a ilicitude dos fatos a ele imputados, já que o Termo de
Compromisso não importa em confissão quanto à matéria de fato, nem
reconhecimento da ilicitude da conduta analisada, como dispõe expres-

PFE emitiu parecer dizendo: “De fato, a suposta conduta ilícita atribuída aos
indiciados refere-se a ato praticado e consumado, qual seja, sua atuação como
analistas de mercado de valores mobiliários [...] sem prévio registro junto à CVM,
o que se constitui em pré-requisito obrigatório para o exercício de tal atividade.
Conforme explicita o Termo de Acusação, a suposta conduta ilícita teria sido
praticada pelos indiciados entre agosto de 2006 e fevereiro de 2007.[...] Assim,
os Termos de Compromisso submetidos à análise atendem aos parâmetros
estabelecidos no artigo 11, § 5º, da Lei nº 6.385/76, posto que já cessaram a prática
dos atos supostamente ilícitos[...].” e ainda: “as irregularidades apontadas pela
Comissão de Inquérito caracterizaram-se pela prática de determinados atos que
não possuem natureza continuada, vez que, conforme verificado nos autos, as
opera­ções em análise originaram-se em maio de 1998, não havendo notícia de
reincidência por parte dos indiciados nas condutas investigadas, de forma que
se encontra preenchido o primeiro dos requisitos acima indicados [...]” (Processo
Administrativo Sancionador CVM nº 10/01, Rel. Dir. Wladimir Castelo Branco
Castro, j. 11.05.2004).
238 Como expressamente referido pela CVM: “[P]or não existir indícios da existência
de danos a terceiros, nada obstante a ilicitude das condutas investigadas por esta
CVM [...] não vislumbro necessária a aposição de cláusula de reparação de danos
[...].” (Processo Administrativo Sancionador CVM nº 10/01, Rel. Dir. Wladimir
Castelo Branco Castro, j. 11.05.2004).

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samente o artigo 5º, § 6º, da Lei nº 6.385/1976. Esse acordo é firmado


simplesmente para evitar os custos desnecessários que poderiam advir da
continuação do processo sancionador até sua decisão final.
Nos casos em que não existam prejuízos a serem ressarcidos, a
CVM vem entendendo que a obrigação de realizar pagamentos em
dinheiro à Autarquia constitui forma adequada de inibir a prática de
infra­ções semelhantes no mercado e, portanto, pode ser aceita como
condição para a celebração do Termo de Compromisso239.
Além de pagamento de indenização aos prejudicados, se houver, e
de quantias em dinheiro à CVM, há uma variada gama de obriga­ções
assumidas pelos proponentes que já foram aceitas na celebração de Termos
de Compromissos, podendo ser mencionadas, apenas a título de exemplo,
as obriga­ções de: i) promover cursos aos participantes do mercado ou aos
funcionários da CVM; e ii) editar cartilhas educativas sobre as regras legais
ou regulamentares vigentes no mercado de capitais240.

e. Procedimento
Objetivando regulamentar de maneira mais clara o instituto do
Termo de Compromisso, a Comissão de Valores Mobiliários expediu

239 Nesse sentido, a CVM vem entendendo que: “a orientação recente do Colegiado
tem sido no sentido de que, além de cessar a prática de atividades ou atos ilícitos,
corrigir as irregularidades e indenizar os prejuízos, requisitos mínimos estabelecidos
em lei para a celebração do Termo de Compromisso, as presta­ções em termos de
compromisso não destinadas ao reembolso dos prejuízos devem consistir em
pagamento à CVM em valor suficiente para desestimular a prática de infra­ções
semelhantes pelos indiciados e por terceiros que estejam em posição similar à dos
indiciados” (Análise da proposta de Termo de Compromisso apresentada nos autos
do Processo Administrativo Sancionador CVM nº SP 2005/0128, Rel. Dir. Pedro Oliva
Marcilio de Sousa, realizada em 19.04.2006, grifamos).
240 Recentemente, foi acatado pelo Colegiado da CVM, nos autos do Processo
Administrativo Sancionador CVM RJ2014/10859, analisado em 01.12.2015, o
compromisso assumido pelos então Proponentes de disponibilizarem, para
dois servidores da CVM, Curso de Mestrado Executivo em Gestão Pública, da
Universidade de Columbia. Nos autos do Processo Administrativo Sancionador
CVM nº 12/04,relatado pelo Diretor Pedro Oliva Marcilio de Sousa, foi aceito o
compromisso assumido pelos Proponentes de deixarem de atuar, pelo prazo de
dois anos, na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e na Bolsa de Mercadorias
e Futuros (BM&F).

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a Deliberação CVM nº 390/2001 – posteriormente revogada pela


Instrução CVM nº 607/2019 – que instituiu o Comitê de Termo de
Compromisso241.
Com a criação do Comitê242, as propostas de celebração do Termo
de Compromisso passaram a ser encaminhadas ao Superintendente
Geral e, por este, à Procuradoria Federal especializada da CVM (PFE-
CVM), que realiza a análise de sua legalidade (artigo 83, da Instrução
CVM nº 607/2019).
Todos os procedimentos instaurados pela CVM para apurar a
eventual infração às normas sobre mercado de capitais poderão ser
objeto de proposta de Termo de Compromisso.
A proposta de celebração de Termo de Compromisso poderá ser
apresentada ainda na fase de investigação preliminar ou mesmo após a
instauração do processo sancionador em si, devendo o acusado, nesse
caso, manifestar sua intenção de firmar o acordo, no máximo, até o
término do prazo para a apresentação de defesa. Após a manifestação
da intenção de celebrar o acordo, o acusado terá o prazo de 30 dias
para apresentar a proposta completa do Termo de Compromisso.

241 Deve ser destacado que a implementação do Comitê de Termo de Compromisso


conferiu maior celeridade à análise das propostas, vindo assim a colaborar para
que sua celebração cumpra a finalidade precípua a que se destina, qual seja, a
de evitar, mediante o acordo firmado, o prolongamento indesejável dos conflitos
instaurados. A respeito, Marcos Juruena Villela Souto ressalta que: “[N]o exercício
da função regulatória mais vale prevenir o litígio e a solução do conflito que a sua
preservação (durante um longo procedimento de apuração, nem sempre bem
conduzido ou conclusivo); assim o órgão regulador pode, antes ou depois de lavrar
o auto de infração, celebrar com as partes interessadas o que, genericamente, se
denomina de ‘acordo substitutivo’.”(MARCOS JURUENA VILLELA SOUTO. Direito
Administrativo Regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 78).
242 O Comitê, disciplinado pela Portaria/CVM/PTE/Nº 71, de 17.08.2005, é
coordenado pelo Superintendente Geral da CVM, a quem compete a convocação
das reuniões e a definição de sua periodicidade (artigo 3º da referida Portaria) e é
composto pelos titulares de diversas Superintendências da CVM dentre as quais:
Superintendência Geral (SGE), Superintendência de Fiscalização Externa (SFI),
Superintendência de Rela­ções com Empresas (SEP), Superintendência de Rela­ções
com o Mercado e Intermediários (SMI) e Superintendência de Normas Contábeis
e Auditoria (SNC). De acordo com o artigo 2º, § 1º, desta Portaria, também integra
o Comitê, o titular da Procuradoria Federal Especializada da CVM (PFE-CVM), que
não tem, contudo, direito a voto.

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Também determina a Instrução CVM nº 607/2019, em seu artigo


84 que a proposta, ainda que intempestiva, poderá vir a ser apreciada,
desde que revestida de interesse público.
Uma vez realizada a análise da legalidade da proposta pela PFE-
CVM, esta será submetida ao Comitê de Termo de Compromisso,
que, após manifestar-se sobre a oportunidade e a conveniência de sua
celebração, sugerirá ao Colegiado sua aceitação ou rejeição (artigo 83
da Instrução CVM nº 607/2019).
Caso entenda conveniente, o Comitê poderá, antes da elaboração
de seu parecer, negociar243 com os proponentes as condi­ções do acordo,
sugerindo alterações destinadas ao seu aprimoramento (artigo 83, §
4º, da Instrução CVM nº 607/2019).
O parecer do Comitê de Termo de Compromisso, juntamente
com a Proposta para a celebração do acordo, serão submetidos à de-
liberação do Colegiado, que, após examinar a natureza e a gravidade
das infra­ções objeto do processo, os antecedentes dos acusados ou
a colaboração de boa-fé destes e as possibilidades de aplicação de
penalidade, no caso concreto, deliberará acerca da oportunidade e da
conveniência de sua celebração244.

243 Luiza Rangel de Moraes explica que, no âmbito da SEC, em geral são os seguintes
os objetivos visados nas negocia­ções para o acordo: “amenizar a severidade
das denúncias; reduzir as san­ções; diminuir os custos e esforços tendentes
a interromper as práticas que estejam sendo levadas a efeito pelo indiciado;
minimizar os efeitos colaterais decorrentes do acordo; facilitar o uso do acordo
como forma de composição de lide, existente ou provável, ou mesmo de evitar atos
sancionadores decorrentes do poder de polícia dos agentes reguladores” (LUIZA
RANGEL DE MORAES. “Considerações sobre o Consent Decree e sua aplicação
no âmbito da disciplina do Mercado de Valores Mobiliários”. Revista de Direito
Bancário e do Mercado de Capitais, n. 4, jan.-abr. 1999. São Paulo: Revista dos
Tribunais, p. 101).
244 O artigo 86 da Instrução CVM nº 607/2019 incluiu como um dos parâmetros a ser
considerado pelo Colegiado na apreciação da proposta a “colaboração de boa-
fé” dos acusados: “Art. 86 Na deliberação da proposta, o Colegiado considerará,
dentre outros elementos, a oportunidade e a conveniência na celebração do
compromisso, a natureza e a gravidade das infrações objeto do processo, os
antecedentes dos acusados ou investigados ou a colaboração de boa-fé destes,
e a efetiva possibilidade de punição, no caso concreto” (grifamos). Antes dessa
mudança, a Instrução CVM nº 690/2001 previa os demais elementos, exceto esse.

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Dentre as várias causas que têm ensejado a rejeição das propostas


apresentadas, destacam-se, por exemplo: i) a existência de concomi-
tante processo judicial, destinado à apreciação de mesmo fato; ii) a
inadequação de alguma obrigação proposta pelo interessado; e iii) a
inexpressividade dos valores sugeridos no acordo245.
Da rejeição da proposta de celebração de Termo de Compromisso
não cabe recurso ao CRSFN, uma vez que somente a CVM possui o
poder discricionário para decidir sobre a oportunidade e a conveniência
da aceitação da proposta. Nesse sentido, o artigo 11, § 5º, da Lei nº
6.385/1976, após a redação dada pela Lei nº 13.506/20147, determina
que a CVM, após análise de conveniência e oportunidade, com vistas a
atender ao interesse público, poderá deixar de instaurar ou suspender
o procedimento administrativo já instaurado para apurar eventuais
infra­ções da legislação do mercado de capitais246.
O artigo 87 da Instrução CVM nº 607/2019 estabelece que, apro-
vado o conteúdo da proposta pelo Colegiado, será lavrado o Termo de
Compromisso que deverá ser assinado pelo Presidente da Comissão
de Valores Mobiliários e pelo compromitente. Antes da edição dessa
Instrução, o Termo de Compromisso deveria ser assinado também por
duas testemunhas, conforme disposto no artigo 3º, § 1º, da revogada
Deliberação CVM nº 390/2007.

245 Nesse sentido, as seguintes decisões: (i) Processo Administrativo Sancionador


CVM nº 24/04, julgado em 29.08.2006: “[A] proposta não vislumbra qualquer
indenização[...]. [Existindo paralelamente] demanda judicial que pode ensejar
posicionamento absolutamente conflitante com uma postura de aceitação de
Termo de Compromisso, em que pese a sabida independência – não absoluta –
entre as esferas judicial e administrativa, o Comitê concluiu pela inconveniência
de sua celebração.” (grifamos); e (ii) Processo Administrativo Sancionador CVM
nº 30/00, julgado em 22.08.2006, “[A]s propostas se revelam insuficientes
para suspender o andamento do processo, sendo que, no caso, as propostas se
restringem a fazer com que os funcionários do setor de cadastro participem de
curso de reciclagem e esoecialização, o que já é uma obrigação para o exercício
dessa função e independe da celebração de Termo de Compromisso, e, no caso
[...], a proposta não tem qualquer utilidade prática, uma vez que a acusada não
exerce mais a função de intermediária.” (grifamos).
246 NELSON EIZIRIK. Reforma das S.A. e do Mercado de Capitais, 2a ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 1998, pp. 270-271.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 483

Após sua assinatura, o Termo de Compromisso deverá ser pu-


blicado na seção “Diário Eletrônico” do site da CVM, discriminando
o prazo para cumprimento das obrigações assumidas, nos termos do
artigo 91, da Instrução CVM nº 607/2019.
Aprovado o Termo de Compromisso, suas as condi­ções não pode-
rão ser alteradas, salvo se, por requerimento da parte interessada, houver
nova deliberação do Colegiado (artigo 87, § 1º da Instrução CVM nº
607/2019). Um dos motivos que poderia dar ensejo à possibilidade de
mudança das obriga­ções assumidas no Termo Compromisso, aplican-
do-se por analogia o artigo 85, § 12, da Lei nº 12.529/2011, seria a
de comprovação de ônus excessivo para o compromitente, desde que
essa alteração não provoque prejuízos a terceiros e à coletividade247.
Tanto o artigo 11, § 7º, da Lei nº 6.385/1976, quanto o artigo
87, § 2º da Instrução CVM nº 607/2019 determinam que seja es-
tabelecido um prazo para o cumprimento das obriga­ções assumidas

247 Como ocorreu, por exemplo, quando do cumprimento da proposta de Termo


de Compromisso, firmada nos autos do Processo Administrativo Sancionador
CVM nº 20/03, consistente na realização de cursos com término previsto para
abril de 2006, na Superintendência de São Paulo: “Alegam os requerentes que
não há disponibilidade de tempo, na Superintendência Regional de São Paulo,
para a realização dos cursos de Direito Societário e Direito Administrativo no
decorrer do período previsto quando da assinatura do Termo de Compromisso.
Consultado sobre o assunto, o titular da Superintendência, presente à reunião,
confirmou a falta de disponibilidade de local para a realização dos cursos até
abril de 2006, sugerindo que os mesmos sejam realizados até dezembro, nas
dependências da CVM [...]. O Colegiado, acatando as justificativas apresentadas
pelos Requerentes, e tendo em vista o posicionamento favorável do SRS, deliberou
pelo deferimento do pleito, tendo sido prorrogado o prazo para cumprimento do
Termo para dezembro de 2006” (Ata da reunião de Colegiado da CVM realizada
em 25.04.2006). Também no âmb ito do Processo Administrativo Sancionador
CVM nº 20/2009, quando do cumprimento de Termo de Compromisso, foi
pleiteada a dilação, por 10 dias, do prazo para pagamento do valor acordado, posto
que, conforme o termo, o montante deveria ser atualizado com base no Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA do mês de março, que ainda
não havia sido divulgado. Dessa forma, o Colegiado deferiu o prazo de 10 dias para
cumprimento, contados a partir da divulgação do índice. Da mesma forma, em
decisão de 13.09.2016, o Colegiado deferiu a prorrogação de prazo para cumprir
com o pagamento dos valores pactuados em termo de compromisso, visto que a
greve nacional dos funcionários bancários teria prejudicado o recolhimento da
Guia da União relativa aos Termos.

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484 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

no compromisso, sendo tal prazo improrrogável, exceto por motivos


alheios à vontade do compromitente248.
Caberá à Comissão de Valores Mobiliários fiscalizar o cumpri-
mento do Termo, por meio da Superintendência responsável pela
matéria sobre a qual versa o processo ou por outra Superintendência
indicada pelo Colegiado. O compromitente, a seu turno, está obri-
gado a fornecer, periodicamente, no prazo previsto no compromisso,
informa­ções relativas ao cumprimento do que foi ajustado no termo
(artigo 89 da Instrução CVM nº 607/2019).
Uma vez cumprido o Termo de Compromisso, o procedimento
instaurado pela CVM será arquivado, operando-se a “coisa julgada” na
esfera administrativa. Não é admissível, nessa hipótese, recurso de ofício
ao CRSFN, uma vez que não existe previsão legal para apreciação por
aquela instância de arquivamento do processo sancionador em virtude
do cumprimento do Termo de Compromisso.

f. Descumprimento do Termo de Compromisso


De acordo com a redação original do § 7º do artigo 11 da Lei
nº 6.385/1976, dada pela Lei nº 9.457/1997, o descumprimento do
pactuado no Termo de Compromisso configurava crime de desobe-
diência, previsto no artigo 330 do Código Penal.
Tal dispositivo foi bastante criticado pela doutrina249, uma vez que
o inadimplemento das obriga­ções consignadas no Termo de Compro-
misso jamais poderia configurar o crime de desobediência por não se
expedir, quando da sua assinatura, qualquer tipo de ordem pela Co-
missão de Valores Mobiliários. Com efeito, possuindo o compromisso
natureza negocial (transação), não há ordem e, sim, mero acordo de

248 NELSON EIZIRIK. Reforma das S.A. e do Mercado de Capitais, 2a ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 1998, pp. 273-274.
249 DAMÁSIO DE JESUS. “Lei Penal Benéfica”. Revista Forense, v. 262, abr.-jun. 1978.
Rio de Janeiro: Forense, p. 113.

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suspensão do processo e de cessação da prática de atos que poderiam


ser eventualmente considerados ilícitos pela CVM.
Tendo em vista a absoluta inadequação da previsão do crime de
desobediência às hipóteses de descumprimento do Termo de Compro-
misso, o legislador, em 2001, com a edição da Lei nº 10.303, alterou
a redação do § 7º do artigo 11 da Lei nº 6.385/1976, excluindo a
menção ao crime de desobediência – alteração mantida pela Lei nº
13.506/2017.
Com a reforma do dispositivo, não há mais a possibilidade de se
considerar como crime de desobediência a conduta dos investigados ou
acusados que firmaram o compromisso, mas descumpriram o seu teor antes
da vigência da Lei nº 10.303/2001, já que a Lei nova lhes é mais benéfica.
Assim, o § 7º do artigo 11, da Lei nº 6.385/1976, com a redação
dada pela Lei nº 10.303/2001, retroagirá e beneficiará aqueles que
porventura tenham descumprido o avençado no Termo de Compro-
misso celebrado com a Comissão de Valores Mobiliários. Se a nova
Lei não prevê mais esse crime, então deve retroagir e beneficiar o réu,
inexistindo restrição à sua aplicação250.

g. Termo de compromisso como título executivo extrajudicial


A Lei nº 10.303/2001, além de revogar a parte final do § 7º
do artigo 11 da Lei nº 6.385/1976, em sua redação original, modi-
ficou tal dispositivo para estabelecer que o Termo de Compromisso
constitui título executivo extrajudicial, o que foi mantido pela Lei nº
13.506/2017251.

250 O artigo 11, § 7º da Lei nº 6.385/1976, com a redação dada pela Lei nº 10.303/2001
dispunha: “O Termo de Compromisso deverá ser publicado no Diário Oficial da
União, discriminando o prazo para cumprimento das obriga­ções eventualmente
assumidas, e constituirá título executivo extrajudicial”. Após a Lei nº 13.506/2017,
o mesmo dispositivo passou a estabelecer: “O termo de compromisso deverá
ser publicado no sítio eletrônico da Comissão de Valores Mobiliários, com
discriminação do prazo para cumprimento das obrigações eventualmente
assumidas, e constituirá título executivo extrajudicial.”
251 NELSON EIZIRIK. Reforma das S.A. e do Mercado de Capitais, 2a ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 1998, p. 272.

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486 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

A Lei do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – Lei


nº 12.529/2011 – também prevê no § 8º, do seu artigo 85, que o
Compromisso de Cessação constitui título executivo extrajudicial.
Tal diploma legal, contudo, estabelece, nos artigos 93 e seguintes, o
procedimento a ser observado na hipótese de inexecução das decisões
do CADE, o que não ocorre na Lei nº 6.385. Dessa forma, as normas
previstas na Lei nº 12.529/2011 poderão ser utilizadas, por analogia,
nos casos de inadimplemento das obriga­ções pactuadas no Termo de
Compromisso firmado com a CVM.
O Termo de Compromisso, como título executivo, pode ter como
objeto obrigação de fazer ou não fazer, ou estabelecer o pagamento de
indenização ou de quantia certa em dinheiro.
Na hipótese de descumprimento de obrigação de fazer ou não
fazer prevista no Termo de Compromisso, caberá à Comissão de
Valores Mobiliários ingressar com a ação de execução e dar conti-
nuidade ao procedimento administrativo que fora suspenso com a
assinatura do compromisso, como determina o § 8º do artigo 11 da
Lei nº 6.385/1976.
Tratando-se de inadimplemento de obrigação de pagar quantia certa,
mesmo antes da promulgação da Lei nº 10.303/2001, o entendimento252
era no sentido de que, obedecidas as condi­ções previstas no artigo 585,
II253 do Código de Processo Civil de 1973 – atual artigo 784, II a IV do

252 O Código de Processo Civil de 1973 dispunha em seu artigo 585: “São títulos
executivos extrajudiciais: [...] II – a escritura pública ou outro documento público
assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por
duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério
Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores.”. O Código
de Processo Civil de 2015 repete as disposições: “Art. 784 São títulos executivos
extrajudiciais: [...] II – a escritura pública ou outro documento público assinado
pelo devedor; III – o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas)
testemunhas; IV – o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público,
pela Defensoria Pública, pela Advocacia Pública, pelos advogados dos transatores
ou por conciliador ou mediador credenciado por tribunal”
253 Nesse sentido, os Processos Administrativos Sancionadores nos RJ2013/6294,
Dir. Rel. Pablo Renteria, j. 21.03.2017, e RJ2008/8046, Rel. Dir. Pablo Renteria, j.
30.10.2018.

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CPC/2015 –, se o acordo estipulasse o valor a ser pago como indenização


e quanto caberia a cada indenizado, uma vez descumprido, poderia o
prejudicado ingressar com ação de execução contra a parte que firmou o
Termo de Compromisso com a Comissão de Valores Mobiliários.
Por outro lado, caso não tenha sido estabelecido no Termo de
Compromisso o quantum a ser pago como indenização a cada preju-
dicado, não poderá ser proposta ação de execução, uma vez que, nessa
hipótese, não haverá dívida líquida e certa.
Não poderá, ademais, a Comissão de Valores Mobiliários pro-
mover ação de execução, quando houver o descumprimento de obri-
gação de indenizar os prejudicados, tendo em vista que a Lei não lhe
outorgou a possibilidade de atuar como substituto processual. Dessa
forma, somente poderá promover a ação de execução o prejudicado a
quem efetivamente caberia o recebimento da indenização fixada no
Termo de Compromisso.
A CVM poderá, no entanto, propor ação de execução na hipótese
de inexecução da obrigação, prevista no Termo de Compromisso, de
pagar quantia certa à própria Autarquia.

h. Retomada do curso do procedimento administrativo no caso de


descumprimento do termo

De acordo com o disposto no § 8º do artigo 11 da Lei nº


6.385/1976, não cumpridas as obriga­ções no prazo estipulado, a
CVM dará continuidade ao processo administrativo, que havia sido
suspenso quando da assinatura do Termo de Compromisso254. Caso
o termo de compromisso tenha sido celebrado na fase pré-processual,
seu descumprimento resultará na instauração do processo255.

254 Assim estabelece a Instrução CVM nº 607/2019: “Art. 90. Caso as obrigações
assumidas pelo compromitente não sejam cumpridas de forma integral e
adequada, o processo será instaurado ou seu curso retomado, conforme o caso,
sem prejuízo das penalidades ou de outras medidas eventualmente cabíveis.”
255 Embora tenha sido alegada, à ocasião da criação do órgão, a extrapolação,
por parte do Executivo, de sua competência, essa alegação veio a ser afastada
pela Procuradoria da Fazenda Nacional, no Parecer PGFN/CRF/Nº 1587/1986,

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Isso significa que o procedimento é retomado na fase em que


ocorreu a paralisação, não se podendo afirmar que sempre haverá, como
sugere a redação final do § 8º, do artigo 11 da Lei nº 6.385/1976, a
aplicação de penalidades. Estas somente serão cabíveis se restarem
demonstradas a ilicitude do ato praticado e a responsabilidade do
indiciado ou acusado, a quem serão asseguradas todas as garantias
processuais que informam o processo administrativo sancionador.
Ademais, não há aplicação automática de penalidades, em razão
de não ter sido apurada a responsabilidade do indiciado ou acusado.
Consequentemente, não cabe, nem poderia caber, punição pelo simples
descumprimento do acordo.

i. Prejudicado não é parte no Termo de Compromisso


De acordo com o artigo 85 da Instrução CVM nº 607/2019, a
Comissão de Valores Mobiliários poderá, à sua escolha, notificar os
investidores lesados ou publicar editais, no caso de número indeter-
minado de investidores prejudicados, para que prestem informações
a respeito do montante que eventualmente lhes será pago, a título de
reparação. Tal faculdade, no entanto, não tem o condão de erigir o

aprovado por Cid Heráclito de Queiroz, sob a invocação do artigo 81, V, da


Constituição então vigente: “O decreto expedido por força do poder regulamentar
apenas integra a lei, completando e esclarecendo o seu sentido, porém sempre
estritamente nos seus limites, não podendo aumentar ou diminuir a força
obrigacional. Já o decreto expedido com base na competência para dispor sobre
a estruturação, atribui­ções e funcionamento dos órgãos da administração federal
é autônomo em relação às leis comuns, pois enquanto que, segundo a letra da
Constituição, o regulamento está adstrito à fiel execução das leis, a competência
para dispor sobre os órgãos públicos é ampla, englobando a criação de órgãos
e a fixação de suas competências. Assim, o decreto fundado no item V, do art.
81, da Constituição tem eficácia obrigacional mais intensa do que o decreto
regulamentado do item III do mesmo artigo, caracterizando-se como verdadeira
lei, em sentido material, no âmbito da administração pública. Acrescente-se o
fato de que essa competência é atribuída diretamente pela Constituição e em
caráter privativo, o que confere mais força jurídica a sua eficácia obrigacional, já
bastante intensa pelas razões materiais acima referidas” (LUIZ ALFREDO PAULIN.
“Da Competência do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional”.
In: ROBERTO QUIROGA MOSQUERA (coord.). Aspectos Atuais do Direito do
Mercado Financeiro e de Capitais, v. I. São Paulo: Dialética, 1999, pp. 143-144).

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investidor à posição de parte no procedimento administrativo san-


cionador na Comissão de Valores Mobiliários.
O eventual “prejudicado” não participa do Termo de Compromis-
so, sendo, dessa forma, sujeito estranho à relação. Poderá, no entanto,
ingressar com ação de procedimento ordinário, visando à apuração dos
fatos praticados pelo indiciado ou acusado no processo administrativo,
requerendo reparação do dano sofrido, cuja quantia será fixada pelo juiz.

7.8. Conselho de Recursos do Sistema Financeiro


Nacional (CRSFN)
O Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN)
foi criado mediante o Decreto nº 91.152, de 15.03.1985256, com a
finalidade de julgar, em segunda e última instância, na esfera adminis-
trativa, os recursos interpostos contra as decisões punitivas aplicadas
pelos órgãos disciplinadores do sistema financeiro e do mercado de
capitais, em substituição ao Conselho Monetário Nacional (CMN),
que, desde sua constituição, em 1964, detivera tal competência.
Trata-se de órgão de deliberação colegiada de segundo grau,
existente na estrutura do Ministério da Fazenda, com competência
exclusiva para atuar como instância recursal no âmbito do Sistema

256 Conforme textualmente referido na Exposição de Motivos ao Decreto nº


91.152/1985: “Todavia, a experiência haurida pelo Conselho Monetário Nacional,
ao longo desses últimos anos, está a indicar a conveniência de se rever essa
atribuição. De fato, a finalidade precípua do Conselho Monetário Nacional é a
de formular a política de moeda e crédito, objetivando o progresso econômico
e social do País. Nessas condi­ções, foge a tal finalidade o encargo específico e
casuístico de julgar os recursos interpostos das decisões do Banco Central do
Brasil, da Comissão de Valores Mobiliários, do Banco Nacional de Habitação,
da Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil e, no caso de trading
companies, da Secretaria da Receita Federal, relativa à aplicação de penalidades
administrativas. O julgamento desses recursos, vale acentuar, envolve meticuloso
exame de autos processuais, com a apreciação de matéria fática e probatória, que
exigem acentuada especialização. Por isso mesmo, a apreciação e o julgamento
desses recursos, inclusive pelo elevado volume de processos, têm sobrecarregado,
enormemente, a pauta do Conselho Monetário Nacional, em prejuízo do exercício
das atribui­ções mais relevantes, relacionadas para a formulação da política da
moeda e do crédito”.

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490 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Financeiro Nacional e do mercado de capitais, e cuja sede situa-se nas


dependências do Banco Central, em Brasília, ao qual também incumbe
fornecer os recursos técnicos, humanos e materiais necessários ao seu
funcionamento. Cabe, também, aos órgãos do Ministério da Fazenda,
sempre que necessário, proporcionar auxílio técnico, material e admi-
nistrativo, para que o CRSFN cumpra os seus objetivos.
A criação do CRSFN justificou-se pelo fato de não ter o CMN
competência exclusiva para atuar como segunda instância na esfera ad-
ministrativa. O julgamento, em grau recursal, das penalidades aplicadas
pelas autarquias fiscalizadoras, com efeito, diluía-se entre as distintas
atribui­ções do Conselho Monetário, acarretando uma situação em que,
de fato, os recursos não eram convenientemente analisados, especial-
mente tendo em vista o volume excessivo de processos submetidos à
sua apreciação e a ausência de conhecimentos técnicos especializados
por parte de seus membros257.

7.8.1. Competência do CRSFN


A competência recursal do Conselho foi expressamente conferida
com relação às penalidades aplicadas pelas instâncias administrativas
inferiores (fundamentalmente, CVM e Bacen), e não, como requer a
boa técnica legislativa, com relação às matérias discutidas (competência
ratione materiae).
Cabe ao CRSFN julgar, em segunda e última instância na esfera
administrativa os recursos voluntários258, oferecidos pelas partes em

257 Art. 12 da Portaria MF nº 68 de 26 de fevereiro de 2016.”Art. 12. Observados os


prazos e efeitos previstos na legislação pertinente, o recurso será interposto pela
parte, em petição dirigida ao Presidente e apresentada perante [sic] o ou entidade
que houver aplicado a penalidade.”
258 “Art. 81 Fica transferida para o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro
Nacional, criado pelo Decreto nº 91.152, de 15 de março de 1985, a competência
do Conselho Monetário Nacional para julgar recursos contra deci­sões do Banco
Central do Brasil relativas à aplicação de penalidades por violação à legislação
cambial, de capitais estrangeiros e de crédito rural e industrial. Parágrafo único:
Para atendimento ao disposto no caput deste artigo, o Poder Executivo disporá

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petição dirigida ao Presidente do Conselho e apresentadas perante o


órgão que houver aplicado a penalidade.
A Lei nº 9.069/1995, além de ampliar o âmbito da competência
recursal até então conferida ao CRSFN, também delegou ao Poder
Executivo, no parágrafo único do seu artigo 81259, a competência para
dispor sobre a sua organização e funcionamento. Com base em tal
dispositivo, foi promulgado o Decreto nº 1.935/1996, cujo Anexo ins-
tituiu o Regimento Interno do CRSFN, posteriormente revogado pelo
Decreto nº 8.652/2016. Apesar de recente, esse decreto foi revogado
pelo Decreto nº 9.889/2019, que dispõe sobre o CRSFN, mas não
sobre detalhes de sua organização e funcionamento, que permanecem
disciplinados na Portaria MF nº 68/2016, a qual aprovou o Regimento
Interno do CRSFN.
De acordo com relatório de atividades elaborado pelo Ministério
da Fazenda em 2014, a evidente morosidade nos julgamentos pelo
CRSFN – que duravam em média três anos e meio – demandava
mudanças em seu procedimento de análise dos recursos, mudanças
estas introduzidas pela referida Portaria.
Até sua edição, além do recurso voluntário, eram também ad-
mitidos os recursos de ofício, dos órgãos e entidades competentes,
contra decisões que deixassem de aplicar penalidades e decisões de
arquivamento dos processos que versassem sobre as matérias elencadas
no art. 3º, inciso I e inciso II, ‘a’ e ‘b’ do antigo Regimento Interno,

sobre a organização, reorganização e funcionamento do Conselho de Recursos


do Sistema Financeiro Nacional, podendo inclusive modificar sua composição.”
259 O Relatório de Atividades 2014 “A baixa reversão pelo Conselho das decisões
que absolveram os indiciados em primeira instância pode ser detalhada com os
seguintes dados. No ano de 2013, foram julgadas 507 decisões de 1ª instância
sujeitas ao recurso de ofício. Dessas, em 497 (98,02%) foi mantido o arquivamento.
Outras 4 decisões (0,78%) foram convoladas em multa e 6 (1,12%) foram convoladas
em advertência. No ano de 2014, de 470 decisões de arquivamento em primeira
instância, houve a manutenção em 448 casos (95,32%), com modificação em 22
dos casos, sendo 9 para advertência, 12 para multa e apenas um para inabilitação.
Com base nessas considerações de ordem prática, propôs-se a extinção do recurso
de ofício ou, alternativamente, a limitação das hipóteses de seu cabimento

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492 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

anexo ao Decreto nº 1.935/1996. No entanto, as novas regras aboliram


aquelas hipóteses, estabelecendo apenas a possibilidade de recurso
voluntário (artigo 12). O fundamento dessa inovação foi a percepção
de que o índice de reversibilidade das decisões prolatadas em primeira
instância era ínfimo, o que não justificava os custos enfrentados pela
Administração nessa tarefa de revisão automática260.
Dentre as novas medidas visando conferir celeridade à atividade
do Conselho, destaca-se ainda a não obrigatoriedade do parecer da
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que passa a ser elaborado
somente em caso de requisição motivada do Relator ou dos demais
Conselheiros (artigo 15) – e deve ser concluído em 180 dias (artigo
16, IV) 261.
Além disso, o novo Regimento determina que os processos que
envolvam aplicação da penalidade de inabilitação terão tramitação
prioritária (artigo 14, IV), correndo seus prazos pela metade. Essa
disposição pretendeu dar uma resposta à hipótese de atuação de tais
agentes inabilitados pela CVM no mercado de capitais durante o
período em que a instância recursal reaprecia a decisão.

260 Isso porque, conforme apontado pelo Relatório de Atividades 2014 do Ministério
da Fazenda, o represamento de processos na PGFN aguardando parecer opinativo
era um dos maiores obstáculos enfrentados pelo CRSFN, que atrasava o sorteio e
apreciação pelo Relator.
261 “A Súmula, relacionada a processos e sanções por falha na Declaração de Capitais
Brasileiros no Exterior, foi publicada no Diário Oficial da União de 02/05/2017 com
o seguinte texto: ‘O Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, tendo
em vista o disposto no art. 38 do seu Regimento Interno, aprovado pela Portaria MF
nº 68, de 26 de fevereiro de 2016, na 401ª Sessão de Julgamento, em 18 de abril de
2017, votou e aprovou a seguinte Súmula: Processo Nº 10372.000508/2016-17 –
SÚMULA DO CRSFN – Enunciado nº 1: A irregularidade de declaração intempestiva
de bens e capitais brasileiros no exterior ao Banco Central do Brasil não é
descaracterizada pela boa-fé do declarante, pelo desconhecimento da legislação
à época dos fatos, pela ausência de prejuízos à Administração ou a terceiros,
ou pela a declaração do ativo à autoridade fiscal”. VINÍCIUS VILHENA COTA
MOURA. Eficácia do CRSFN como instância revisora do processo administrativo
sancionador da CVM. 2017. 61f. (Monografia – Direito) – Faculdade de Direito,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017. p. 39.

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Outro preceito sem correspondente no Regimento anterior é o


que permite a edição, pelo Conselho, de enunciados de súmula com
efeito vinculante para os conselheiros (artigos 38 e seguintes.). Tal
medida também trabalha a favor de maior celeridade processual ao
unificar o entendimento pacífico acerca de assuntos recorrentes, o que
agiliza o julgamento de recursos que versem sobre o mesmo tema. Esta
nova ferramenta já foi inaugurada, em 18.04.2017, quando o Colegiado
do CRSFN editou sua primeira Súmula Vinculante262.

7.8.2. Composição do CRSFN


Nos termos do artigo 3º do Decreto nº 9.889/2019, o CRSFN
é integrado por oito Conselheiros titulares, “de reconhecida capaci-
dade técnica e notório conhecimento especializado nas matérias de
competência do Conselho”, observada a seguinte composição: dois
indicados pelo Ministro de Estado da Economia, um dos quais será o
Presidente; um indicado pelo Presidente do Banco Central do Brasil;
um indicado pela CVM; e mais quatro indicados por entidades dos
mercados financeiro e de capitais263, sendo um desses quatro represen-

262 As entidades de classe que integram o Conselho de Recursos são estabelecidas


pela Portaria do Ministério da Fazenda nº 246/2011, alterada pela Portaria nº
423/2011. São as seguintes: FEBRABAN (Federação Brasileira dos Bancos), ANBIMA
(Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais,
ANCORD (Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de Títulos e
Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadorias, ABRASCA (Associação Brasileira das
Empresas de Capital Aberto), OCB/CECO (Conselho Consultivo do Ramo Crédito
da Organização das Cooperativas Brasileiras), ABECIP (Associação Brasileira das
Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança), AMEC (Associação de Investidores
no Mercado de Capitais) e IBRACON (Instituto dos Auditores Independentes do
Brasil), sendo que os representantes das quatro primeiras entidades têm assento
no Conselho como membros titulares e os demais como suplentes.
263 Conforme o entendimento expresso em Parecer da Procuradoria da Fazenda
Nacional DOU, Seção I, em 03.02.1989, os membros do CRSFN não são
mandatários nem delegados das respectivas classes, limitando-se a expressão
representante a dar um critério de origem aos conselheiros para a composição do
órgão colegiado o que vem a implicar sua completa liberdade na prolação de seu
voto: “Os recorrentes questionam a validade do voto proferido pelo Conselheiro
representante da CVM, sob a argumentação de que representante é aquele que
atua em nome e por conta do representado e, portanto, quem estaria revendo
a questão no segundo grau seria o mesmo julgador no primeiro grau, qual seja,

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494 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

tantes o Vice-Presidente, conforme prevê o artigo 3º, § 4º, do Decreto


nº 9.889/2019.
Os Conselheiros titulares e suplentes são designados por ato do
Ministro de Estado da Economia, com mandato de três anos, contados
a partir da data da posse, prorrogáveis duas vezes por idêntico prazo,
não sendo passíveis de demissão ad nutum (artigo 47 do Regimento
Interno do CRSFN). Desde a época de criação do Conselho, tornou-
se pacífico o entendimento, expresso em parecer da Procuradoria da
Fazenda Nacional firmado por seu Procurador Geral e assinado pelo
então Ministro da Fazenda, que “os membros de CRSFN não são
mandatários nem delegados das respectivas classes”, daí resultando a

a CVM. Daí, resultando as conclusões dos Recorrentes, o voto do Conselheiro


representantes da CVM, em grau de recurso, estaria viciado de parcialidade. Sem
embargo do devido respeito ao erudito pronunciamento dos Recorrentes, cuja
peça recursal demonstra ter o causídico domínio profundo do direito processual,
a argumentação não pode prosperar, porque a premissa em que se assenta não é
razoável. De fato, a expressão representante, no contexto de Decreto nº 91.152,
de 15 de março de 1985, está utilizada no sentido de dar o modo de composição
do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, significando que o
membro deve ser egresso da classe ou órgão referido. A chamada composição
por representação integra a tradição dos órgãos colegiados no Brasil, vindo o
exemplo mais contundente da própria Constituição Federal, onde está garantida
a participação de membros do Ministério Público e advogados na composição
do Tribunal Federal de Recursos, do Tribunal Superior do Trabalho, dos Tribunais
Regionais do Trabalho e dos Tribunais de Justiça dos Estados. Certamente, não
se trata de representação para atuar por mandato ou por delegação. É critério
de composição, o membro assim indicado não está obrigado a julgar de acordo
com o órgão ou classe de que foi indicado. Veja-se que o item V do art. 2º do
Decreto nº 91.157, de 15 de março de 1985, prevê a composição do Conselho de
Recursos do Sistema Financeiro Nacional, quatro representantes das entidades de
classe dos mercados financeiro e de capitais, por estas indicados em lista tríplice,
por solicitação do Ministro da Fazenda. Por acaso seriam também questionados
os votos desses conselheiros, sob a argumentação de que são representantes
de pessoas ou entidades diretamente interessadas na sorte dos julgamentos?
Evidentemente que não, pois, conforme dito acima, esses membros não são
mandatários nem delegados das respectivas classes. Repetimos, assim, a expressão
representante e usual no sentido de dar um critério de origem dos conselheiros
para a composição do colegiado. Veja-se, ainda, no âmbito do Ministério da
Fazenda, a composição dos Conselheiros de Contribuintes, onde está prevista
a participação de representantes da Fazenda – Os Auditores Fiscais do Tesouro
Nacional – e de Representantes dos contribuintes indicados pelas respectivas
organiza­ções de categorias econômicas.”

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absoluta ausência de qualquer vinculação entre o prolator do voto e o


órgão ou classe que o indicou264.
O Regulamento Interno do Conselho trouxe a previsão de pu-
nições – dentre as quais a perda do mandato – para os Conselheiros
que não cumprirem os seus deveres, prazos e atos processuais (artigo
11 do Regimento Interno do CRSFN).
Funcionam também junto ao CRSFN procuradores da Fazenda
Nacional, – designados pelo Procurador Geral da Fazenda Nacional
– cuja atribuição é zelar pela fiel observância das normas legais e re-
gulamentares (artigo 4º do Regimento Interno do CRSFN).
Além dos procuradores não serem parte no processo e, consequen-
temente não votarem, os pareceres de sua lavra não são vinculantes; na
hipótese de divergência entre os posicionamentos por eles adotados,
com relação a determinada matéria recursal, os respectivos pareceres
serão encaminhados à Procuradoria Geral para sua manifestação265.
Sua atribuição precípua é a de zelar pela fiel observância das leis e
da regulamentação pertinente, atuando como “custus legis”. Nos termos
do artigo 8º do Regimento Interno do CRSFN, compete aos referidos
procuradores: (i) o comparecimento às reuniões do Conselho, zelando
pela fiel observância das normas jurídicas; (ii) o assessoramento jurídico
ao Presidente do Conselho; (iii) a manifestação acerca dos recursos ou
pedidos de revisão quando solicitado formal e motivadamente pelo
Relator, Presidente ou qualquer Conselheiro, na forma do regimento;
e (iv) o requerimento do quanto necessário à realização da justiça e
aos resguardo dos interesses da Fazenda Nacional.

264 Isso ocorreu, exemplificativamente, no julgamento do Recurso nº 5822, apreciado


em dezembro de 2006, no decorrer da 268ª Sessão do CRSFN.
265 De acordo com o Relatório anual de 2015, foram julgados 282 recursos, 23% a
mais do que no ano anterior. Conforme dados disponibilizados pelo CRSFN, 231
recursos foram oriundos do Bacen, enquanto apenas 36 partiram da CVM (tendo
o número caído praticamente pela metade).

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496 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Não obstante os esforços despendidos pelo Conselho, o grande


número de processos266 resulta no retardamento da prolação de decisões
finais, em evidente prejuízo aos envolvidos.
Embora já se tenha afirmado que a tendência do Conselho de
Recursos seja de “atenuar e amenizar, muitas vezes absolvendo e reti-
rando as puni­ções devidas”267, as estatísticas divulgadas apontam em
direção contrária: em 2015, 78,7% das decisões proferidas pelo Bacen
e CVM foram confirmadas, em sede recursal, por aquele órgão.268
A deficiência do sistema informativo, representada pela extrema
concisão dos acórdãos e pela ausência de divulgação na internet das
decisões dos recursos posteriores a 2004, foi atenuada com a inclusão
de acórdãos posteriores àquela data, contendo a integralidade dos
relatórios e votos.

7.8.3. Os Recursos perante o Conselho de Recursos do


Sistema Financeiro Nacional

a. O pedido de reconsideração
Das decisões condenatórias proferidas tanto pela CVM como
pelo Banco Central, no julgamento de procedimentos sancionadores,
cabe recurso ao CRSFN.

266 Conforme a exposição de motivos ao Projeto de Lei nº 368/2005 – arquivado


desde 2014 –, destinado à reformulação proposta pelo Senador Pedro Simon,
que será tratado adiante.
267 CRSFN, Relatório de Atividades. Ano-base: 2015. Disponível em: <https://www.
fazenda.gov.br/orgaos/colegiados/crsfn/arquivos/relatorios-gerenciais/2015/
relatorio_2015_crsfn.pdf>. Acesso em: 30 ago 2017, p. 26.
268 Conforme observado por Álvaro Lazzarini: “Note-se que a regra é não se
confundirem recurso e pedido de reconsideração. Aquele é pedido de reexame
dirigido ao órgão superior ao que praticou o ato punitivo; este é dirigido ao mesmo
órgão que o praticou, com pretensão de reexame de ato. Pedido de reconsideração
não suspende nem interrompe o prazo para a manifestação regular do recurso,
ao órgão superior competente [...]” (ÁLVARO LAZZARINI. “Do Procedimento
Administrativo”. Revista de Direito Administrativo, v. 212, abr.-jun. 1998. Rio de
Janeiro: Renovar, pp. 71-87).

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Pode o apenado, entretanto, antes da interposição de recurso


perante aquela instância, requerer aos órgãos a quo que reconsiderem
a decisão punitiva.
Constitui princípio geral de direito que toda decisão pode ser
reconsiderada, dentro da esfera em que foi proferida. A Administração
Pública pode sempre rever seus próprios atos de natureza punitiva,
tendo a CVM, em alguns procedimentos sancionadores, admitido tal
possibilidade.
A reconsideração – faculdade atribuída tanto a quem pede,
quanto a quem decide – constitui um pedido de reexame formulado
à mesma autoridade que exarou a decisão com a qual o interessado
não se conforma269.
O fundamento para a aceitação do pedido de reconsideração reside no
reconhecimento, por parte da entidade administrativa, da inconveniência
da decisão anteriormente adotada, por não se revelar a mais justa, a mais
adequada ou, ainda, a mais consentânea ao interesse público270.
Se a decisão punitiva constitui ato administrativo inválido, a ad-
ministração tem não o poder, mas sim o dever de anulá-lo. No caso, a
anulação não é uma faculdade, mas algo que decorre imperativamente
do ordenamento jurídico271.
A plena admissibilidade da reconsideração de seus atos pela própria
Administração, por motivos de conveniência ou oportunidade, respeitados

269 NELSON EIZIRIK. Reforma das S.A. e do Mercado de Capitais, 2a ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 1998, p. 233.
270 ALMIRO COUTO E SILVA. “Princípios da Legalidade da Administração Pública e
da Segurança Jurídica no Estado de Direito Contemporâneo”. Revista de Direito
Público, n. 84, out.-dez. 1987. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 46. WEIDA
ZANCANER. Da Convalidação e da Invalidação dos Atos Administrativos. São
Paulo: Malheiros, 1993, p. 63.
271 São os seguintes os enunciados dos mencionados verbetes: “346 – A Administração
Pública pode declarar a nulidade dos próprios atos”; e “473 – A Administração pode
anular os próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque
deles não se originam direitos, ou revogá-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos
a apreciação judicial [...]”.

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498 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

os direitos adquiridos e ressalvada sempre a possibilidade de apreciação


judicial, já pacificamente aceita, nos termos expressos dos verbetes 346
e 473 da Súmula do Supremo Tribunal Federal272, passou a ser expres-
samente contemplada pela Lei nº 9.784/1999, que regula o Processo
Administrativo no âmbito da Administração Pública Federal273.
É de se notar que a CVM admite o pedido de reconsideração, por
entender que toda decisão é passível de revisão pela autoridade que a pro-
feriu, revelando-se, inclusive, o instrumento adequado para tal finalidade274.

b. O pedido de revisão
Dispõe o artigo 65 da Lei nº 9.784/1999 que o processo admi-
nistrativo que resultar em sanção poderá ser revisto caso venham a
surgir fatos novos ou circunstâncias relevantes que levem à conclusão
quanto à inadequação da penalidade aplicada275.

272 Nesse sentido, determina o artigo 53 da referida Lei que “a Administração deve
anular seus próprios atos quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-
los por motivo de conveniência ou oportunidade”.
273 Confira-se trecho da decisão do Inquérito Administrativo CVM nº 37/88: “De
início, entendo ser plenamente cabível a possibilidade de a CVM, a requerimento
do interessado, reapreciar a decisão adotada em processo disciplinar. No particular
concordo com a procedência dos argumentos expostos pelos requerentes
respaldados, inclusive, em Súmulas do E. STF e, até mesmo, em decisões já
proferidas no âmbito da própria CVM que, ao longo do tempo, vem admitindo,
face à apresentação de pedidos de reconsideração, reexaminar decisões antes
adotadas pela autarquia. A esse respeito, cumpre mencionar no IA CVM nº 23/83,
depois de proferida a decisão tomada na Seção de Julgamento, o Colegiado a
reconsiderou, atendendo argumentos trazidos por um dos apenados [...].”
274 Inquérito Administrativo CVM nº 04/89.
275 Como observa Álvaro Lazzarini ao estudar a questão: “A revisão em matéria
disciplinar é conhecida na doutrina e contemplada, como regra, na generalidade
das leis disciplinares. O Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São
Paulo a prevê nos artigos 312 e seguintes [...]. No âmbito do ‘Regime Único dos
Servidores Públicos Civis da União’ (Lei Federal nº 8112, de 11 de dezembro de 1990)
o pedido revisional tem tratamento específico nos artigos 174 a 182, prevendo-se
que o processo disciplinar poderá ser revisto, a qualquer tempo, a pedido ou de
ofício, quando aduzirem fatos novos ou circunstâncias suscetíveis de justificar a
inocência do punido ou a inadequação da penalidade aplicada [...]”. (ÁLVARO
LAZZARINI. “Do Procedimento Administrativo”. Revista de Direito Administrativo,
v. 212, abr.-jun. 1998. Rio de Janeiro: Renovar, pp. 71-87).

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Vale observar que, não obstante a sua inclusão dentre as modalida-


des recursais especificamente contempladas pela Lei nº 9.457/1999, o
instituto da revisão sempre foi reconhecido pelas instâncias disciplina-
res, vindo a sua admissão, mesmo na ausência de previsão específica276,
decorrer do princípio do due process a que faz menção expressa o artigo
5º, LXV, da Constituição Federal, ao determinar que ao acusado será
assegurado a ampla defesa “com os meios e recursos a ela inerentes”.
Não se trata, o pedido de revisão, de um recurso em sentido estrito
propriamente dito, mas de um exame à luz de informa­ções recentes
– concretas e relevantes – capazes de demonstrar o erro ou o desvio
ocorridos quando da prolação da sanção original.
Seu objetivo consiste em alterar uma situação jurídica já proferida
no âmbito administrativo, revertendo a pena aplicada, caso ocorram
fatos novos ou sejam reveladas provas até então ignoradas capazes
de justificar a modificação pretendida, podendo sua formulação ser
processada a qualquer tempo, a pedido ou de ofício.
Como entende a doutrina, a revisão não é um pedido de anulação
da decisão proferida anteriormente, mas sim a sua reformulação em
razão da inadequação ou da inconveniência da penalidade imposta277.
O pedido de revisão não pode ser fundamentado no vazio, ou
na mera reiteração dos argumentos já apresentados na peça de defesa
do apenado, devendo ser trazidos argumentos novos, aptos a elidir os
fundamentos da decisão punitiva.

276 SÉRGIO FERRAZ, ADÍLSON DALLARI. Processo Administrativo. São Paulo:


Malheiros, 2007, p. 246
277 A respeito, a manifestação de José Cretella Júnior, ao contestar a alegada
necessidade de apresentação de “argumentos novos”, fazendo menção expressa à
Lei nº 8.112/1990: “A questão dos argumentos novos é de aplicação difícil, envolve
matéria de alta indagação [...] O argumento novo e que ainda não foi apreciado é
aquele que se funda em outra disposição legal, mas a verdade é que muitas vezes
o mesmo raciocínio se apresenta de outra forma, dentro de uma expressão mais
lógica. Nada justifica, portanto, a aplicação restrita, literal do dispositivo legal [...]”
(JOSÉ CRETELLA JÚNIOR. Controle Judicial de Ato Administrativo. Rio de Janeiro:
Forense, 1984, p. 412).

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500 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Os pressupostos indispensáveis à interposição do pedido de


revisão são: (i) ocorrência de fato novo e/ou circunstância relevante,
(ii) suscetível de justificar a inadequação da sanção, (iii) a qual ou não
deveria ter sido aplicada, ou, ter sido menos rigorosa.
São admitidas, como argumentos novos, as razões que já tenham
sido objeto de anterior apreciação, desde que concatenadas de forma
lógica, de maneira a resultar numa interpretação mais clara dos fatos
que se pretende reapreciados278. Consideram-se como “fatos novos”
aqueles não levados em consideração no processo original do qual
resultou a sanção por terem ocorrido a posteriori. O sentido de “novo”
guarda relação com o tempo de sua ocorrência e, por conseguinte,
com sua ausência ou inexistência quando da apuração da infração279.
Constitui “circunstância relevante”, para efeitos do pedido de revisão,
a importância dos fatos apresentados no que diz respeito à pretendida
alteração da decisão proferida. Cabe destacar, a respeito, que ainda que
um fato possa não vir a caracterizar-se como novo – por haver ocorrido
ao tempo em que o processo original encontrava-se em tramitação – a
sua importância para a reversão da pena que se pretende aplicada poderá
ser admitida na condição da denominada “circunstância relevante”280.
O pedido de revisão passou a ser regulado mais especificamente,
a partir de 01.11.2006, pela Portaria nº 10 do CRSFN, que elenca em

278 Conforme explica a doutrina, “fato novo é por exemplo, o depoimento de pessoas
que não deram anteriormente as informa­ções que vieram a ser transmitidas em
momento posterior. O fato novo é o depoimento em si e não o evento que constitui
objeto do relato” (JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO. Processo administrativo
Federal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 335).
279 Assim, conforme já observado “a descoberta de determinado documento
já existente à época do fato, mas desconhecido pelas partes, é circunstância
relevante, se necessário, para justificar a injustiça da punição” (JOSÉ DOS SANTOS
CARVALHO FILHO. Processo administrativo Federal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
2007, pp. 335-336).
280 Vale observar, a respeito, que a supra referida Portaria vem sendo alvo de severas
críticas no âmbito do próprio CRSFN, por sua duvidosa constitucionalidade.

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seu artigo 1º uma série de hipóteses – de cunho meramente exempli-


ficativo – nas quais a revisão poderá ser admitida281.
De acordo com o artigo 2º da citada Portaria CRSFN nº 10,
a revisão pode ocorrer a qualquer momento antes da extinção da
punibilidade. São legitimados para propor o pedido de revisão (i) os
interessados no processo administrativo, conforme o artigo 9º da Lei
nº 9.784/1999; (ii) os Conselheiros e os representantes da Procuradoria
da Fazenda Nacional atuantes no CRSFN; e (iii) as autoridades admi-
nistrativas responsáveis pela decisão de primeira instância (conforme
dispõe o artigo 3º da mencionada Portaria).
O pedido de revisão deve ser dirigido ao Presidente do Conselho e
apresentado perante o órgão responsável pela aplicação da penalidade.
A distribuição e o julgamento da revisão devem observar o Re-
gimento Interno do CRSFN, sendo que o Conselheiro Relator do
acórdão a ser revisado não participará da distribuição (artigo 7º da
Portaria CRSFN nº 10).
Os efeitos da decisão e o exercício dos atos executivos não são
suspensos pelo pedido de revisão (artigo 5º da Portaria CRSFN nº 10).
Caso o pedido seja julgado procedente, o Colegiado pode reformar a
decisão ou anular o processo, sem jamais agravar a sanção (artigo 6º
da Portaria CRSFN nº 10)282.

281 Conforme SILVÂNIO COVAS, ADRIANA LAPORTA CARDINALI. O Conselho de


Recursos do Sistema Financeiro Nacional: Atribuições e Jurisprudência. São
Paulo: Quartier Latin, 2008, pp. 167-168.
282 Conforme já referido, esta foi inovação trazida pelo novo Regimento, porquanto
o anterior admitia a existência de mais um tipo: o recurso de ofício, oferecido
no despacho do próprio órgão que deixar de aplicar a penalidade, ou oferecido
contra decisões de arquivamento de processos que versem sobre determinadas
matérias (relacionadas no inciso I e nas alíenas “a” a “d” do inciso II do artigo 3º do
antigo Regimento Interno do CRSFN). Após a avaliação do procedimento de análise
dos recursos pelo CRSFN, constatou-se que, a despeito de representarem um
alto custo à Administração, as decisões recorridas de ofício apresentavam baixos
índices de reversibilidade, o que levou à abolição dessa modalidade recursal no
novo Regimento.

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502 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

c. Recurso voluntário
Nos termos do do Regimento Interno do CRSFN, aprovado
pela Portaria MF nº 68, de 26 de fevereiro de 2016, há apenas uma
modalidade de recurso: o recurso voluntário, oferecido pela parte, em
petição dirigida ao Presidente do Conselho e apresentada perante o
órgão que houver aplicado a penalidade283.
Havendo recurso voluntário, o CRSFN tem, ao apreciá-lo, apenas
duas op­ções: manter a decisão recorrida ou modificá-la – para absolver
o apenado ou para reduzir as penalidades aplicadas pelo órgão admi-
nistrativo de primeira instância.
A possibilidade de revisão da decisão em casos de erro in judi-
cando foi expressamente prevista pelos artigos 31 e 32 do Regimento
Interno do CRSFN e também contemplada pela Lei nº 9.784/1999,
permitindo os dispositivos legais a anulação do ato decisório, em
casos de ilegalidade, ou mesmo sua revogação, conforme os juízos de
oportunidade e conveniência do órgão julgador284.
É inadmissível, porém, no âmbito do CRSFN, o agravamento
das penalidades aplicadas pelas instâncias de primeiro grau, em razão
da proibição legal de se agravar, em sede recursal, a condenação im-
posta ao réu (Código de Processo Penal, artigo 617). Isso porque, em

283 “A legislação atual dá plenos poderes à Administração para o conserto desse erro,
porquanto ela pode rever seus atos, anulando-os quando ilegais, ou revogando-
os quando oportuno ou conveniente. Semelhante posicionamento advinha de
entendimento sumulado do próprio STF, estando agora agasalhada em nosso
direito positivo, por meio da Lei n. 9.784/99, que cuida das regras a serem
aplicadas nos processos administrativos. O Regimento Interno do CRSFN, nos
arts. 26 e 27, oportuniza a possibilidade de correção de erros materiais, contradi­
ções ou dúvidas que tenham ficado no acórdão, por parte de manifestação do
presidente daquele órgão [...]” (Parecer da PFN no Recurso Administrativo 1099,
Sessão 189, j. 28.07.2000).
284 Artigo 52 do Regimento Interno do CRSFN, aprovado pela Portaria MF nº 68 de
2016: “Art. 52. Aplicam-se, subsidiariamente, a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de
1999, e as disposições de caráter exclusivamente processual do Código de Processo
Penal, e, não existindo estas, as regras do Código de Processo Civil.”

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conformidade com o artigo 52, do Regimento Interno do CRSFN285,


as normas de Processo Penal são aplicadas subsidiariamente ao pro-
cedimento administrativo recursal.
Assim, não pode o CRSFN aumentar as penalidades aplicadas
na decisão de primeira instância administrativa, dada a proibição à
reformatio in pejus. De acordo com a orientação adotada pela maior
parte da doutrina, a admissão da reformatio in pejus no processo admi-
nistrativo sancionador constitui modalidade indireta de cerceamento
do direito de defesa286 e pode, na prática, funcionar como meio de
coagir os particulares a não recorrerem das decisões condenatórias de
primeira instância, sob a ameaça, real ou virtual, de terem agravada a
sua situação na instância recursal.
O agravamento da pena cominada, conforme o entendimento
jurisprudencial, pode ocorrer tanto com relação à espécie, quanto
com relação à quantidade da pena. Dessa forma, a impossibilidade do
agravamento das penalidades aplicadas pelo CRSFN desdobra-se na
proibição de agravamento de san­ções – por exemplo, na transformação
de multa em inabilitação —, e de majoração de valores (aumento no
valor das multas aplicadas).

285 SÉRGIO FERRAZ, ADÍLSON ABREU DALLARI. Processo Administrativo. São Paulo:
Malheiros, 2007, p. 196.
286 Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 80, p. 42.

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VIII
Caracterização do
Controle Acionário
e Responsabilidade do
Acionista Controlador

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8.1. Caracterização do acionista controlador


A Lei nº 6.404/1976, de forma pioneira, tratou não só de definir
a figura do acionista controlador (artigo 116) como também de es-
tabelecer a sua responsabilidade pelos atos praticados com abuso de
poder (artigo 117), elencando, ademais, exemplos de modalidades de
exercício abusivo do poder de controle (artigo 117, § 1º).
Ao definir a figura do acionista controlador, permitindo a identi-
ficação do poder de controle acionário, a Lei das S.A. superou a “ficção
democrática” da sociedade anônima, que acarretava a diluição das respon-
sabilidades pelas delibera­ções sociais, uma vez que prevalecia até então a
noção de que as decisões eram tomadas pela comunhão dos acionistas,
como se não existissem acionistas controladores e minoritários.
A figura do controlador, o mais das vezes, identifica-se com a do
empresário, aquele que dirige os negócios sociais. Na moderna socie-
dade anônima, conforme vem sendo observado doutrinariamente, o
acionista controlador afirma-se como novo “órgão”, como titular de
um novo “cargo” social, em sua acepção jurídica mais ampla, ou seja,
como um centro de competência, envolvendo fun­ções próprias e ne-
cessárias. Tais fun­ções – e deveres – existem vinculados à figura do
acionista controlador, resumindo-se, no Direito Societário, ao poder
de orientar e dirigir, em última instância, as atividades sociais; ou, na
dicção do artigo 116, alínea “b”, da Lei das S.A., no poder de “dirigir
as atividades sociais e orientar o funcionamento dos demais órgãos da
companhia”. O legislador de 1976, ao invés de manter tais prerrogati-
vas funcionais diluídas no corpo acionário, como ocorria no passado,
preferiu localizá-las na figura do controlador1.
Assim, a Lei das S.A. reconheceu a existência do poder de con­
trole acionário, definindo-o em função da titularidade da maioria dos
votos e do exercício efetivo da direção dos negócios sociais.

1 FÁBIO KONDER COMPARATO, CALIXTO SALOMÃO FILHO. O Poder de


Controle na Sociedade Anônima. Rio de Janeiro: Forense, 2005, pp. 141-142.

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Nos termos do artigo 116, a caracterização do acionista con-


trolador requer, em princípio, a observância cumulativa dos três
requisitos mencionados em suas alíneas “a” e “b”: a maioria dos votos
nas delibera­ções da assembleia geral; o poder de eleger a maioria dos
administradores da companhia; e o uso efetivo do poder de controle
para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos
da companhia.
Com efeito, conforme o artigo 116 da Lei das S.A., considera-se
como acionista controlador a pessoa ou grupo de pessoas, vinculadas
por acordo de acionistas ou sob controle comum, que:
(a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo
permanente, a maioria dos votos nas delibera­ções da
assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos admi-
nistradores da companhia; e
(b) usa efetivamente o seu poder para dirigir as atividades
sociais e orientar o funcionamento da companhia.
Tal conceito foi praticamente repetido no § 2º do artigo 243
da Lei das S.A., que estabelece ser controlada a sociedade na qual a
controladora, diretamente ou através de outras controladas, é titular
de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, pre-
ponderância nas delibera­ções sociais e o poder de eleger a maioria
dos administradores.
O Código Civil segue o mesmo conceito de controle estabele-
cido na Lei das S.A., ao dispor que é controlada a sociedade de cujo
capital outra sociedade possua a maioria dos votos nas delibera­ções
dos cotistas ou da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos
administradores (artigo 1.098, inciso I).
É possível a existência de “controle externo”, aquele que se
manifesta à margem dos direitos de sócio, decorrendo da possibili-
dade de conduzir as atividades da sociedade independentemente da
participação direta em qualquer de seus órgãos. A doutrina ressalta

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que o controle externo caracteriza-se em situações nas quais a última


palavra na orientação da empresa não procede de um acionista nem
dos administradores da sociedade, mas de centros decisórios estranhos
à sua estrutura orgânica, os quais podem situar-se, por exemplo, na
esfera de grandes credores, fornecedores em situação de oligopólio
ou monopólio, franqueadores ou, ainda, compradores em situação de
oligopsônio ou monopsônio2.
O controle externo, não acionário, exercido mediante uma influ-
ência dominante, porém, não está previsto na Lei das S.A, e, por isso,
da sua configuração não decorre qualquer consequência na esfera do
Direito Societário3_4. A influência dominante constitui um controle
externo quando se estende a toda a atividade desenvolvida pela empresa

2 RICARDO FERREIRA DE MACEDO. Controle não societário. Rio de Janeiro:


Renovar, 2004, p. 123.
3 Neste sentido, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça afastou, por unanimi-
dade, a tese de que seria possível caracterizar como controladora empresa que
exercia o “controle externo”, independentemente da participação acionária
na “controlada”, conforme se verifica da leitura dos votos dos Ministros Dias
Trindade e Nilson Naves, respectivamente: “De ver, por conseguinte, que
a recorrida não participa da constituição acionária da recorrente, o que
serve a indicar que não poderia encontrar-se naquela posição de ‘acionista
controlador’, definido no art. 116 da Lei 6.404/76 [...]” e “Lendo e relendo
estes autos, os pareceres apresentados por ambas as partes, e a pesquisa
que mandei proceder, ficou-me a noção de que, no caso, inexiste vínculo
societário, tornando-se difícil aceitar, em face do nosso sistema jurídico, a
existência de ‘grupo econômico com subordinação externa’ [...].” (Superior
Tribunal de Justiça, REsp 15.247-RJ, Terceira Turma, Rel. Min. Dias Trindade, j.
10.12.1991)
4 Em sentido contrário: “Tal não significa, porém, que a nova lei de companhias
seja totalmente alheia ao fenômeno do controle não acionário. Ao contrário,
cremos discernir uma clara previsão do fato em pelo menos um dos seus
dispositivos. No art. 249, parágrafo único, ao conferir à Comissão de Valores
Mobiliários o poder de designar as sociedades a serem abrangidas pela
regra da consolidação das demonstrações financeiras, o legislador de 1976
determinou ‘a inclusão de sociedades que, embora não controladas (enten-
da-se, ‘não controladas acionariamente’, segundo a norma do art. 243, § 2º),
sejam financeira ou administrativamente dependentes da companhia’. Essa
‘dependência financeira’ pode, obviamente, ser interpretada como controle
externo [...]” (FÁBIO KONDER COMPARATO; CALIXTO SALOMÃO FILHO.
O poder de controle na sociedade anônima, 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora
Forense, 2005, p. 83-84)

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“controlada”, em caráter duradouro, sem que esta última possa subtrair-


se à influência, sem séria ameaça de sofrer grave prejuízo econômico5.
O endividamento também pode representar um mecanismo jurídico
de transferência, para a credora, da direção dos negócios da devedora6.
Na realidade, constata-se a ocorrência de defini­ções diversas de
controle, em outros ramos do Direito. No Anexo V à Resolução do
CADE nº 15/198, parcialmente revogada pela Resolução do CADE
nº 45/2007, o controle é definido como o poder de dirigir, de forma
direta ou indireta, interna ou externa, de fato ou de direito, as atividades
sociais e/ou o funcionamento da empresa.
No mesmo sentido, a Agência Nacional de Telecomunica­ções –
Anatel, ao regulamentar o disposto no artigo 97 da Lei nº 9.472/19977,
em sua Resolução nº 101/1999, conferiu ao conceito de “controle
acionário” uma acepção extremamente ampla, definindo-o como o
“poder de dirigir, de forma direta ou indireta, interna ou externa, de
fato ou de direito, individualmente ou por acordo, as atividades sociais
ou o funcionamento da empresa”, o que mereceu justificadas críticas
doutrinárias8.
Tal modalidade de “controle externo”, exercido não mediante o
poder de controle acionário, mas mediante vínculos ccontratuais ou
situa­ções fáticas não previstas na Lei das S.A., não se caracteriza como
controle acionário; assim, da sua configuração, não decorre qualquer
consequência na esfera do Direito Societário, muito menos a respon-

5 GUILHERME DORING CUNHA PEREIRA. Alienação do poder de controle


acionário. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 14. RICARDO FERREIRA DE MACEDO.
Controle não societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, pp. 123 et seg.
6 FÁBIO ULHOA COELHO. “O conceito de poder de controle na disciplina
jurídica da concorrência”. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo,
n. 3. São Paulo, jan.-jun. 1999, pp. 23-24.
7 O art. 97 da Lei nº 9.472/1997 dispõe que “dependerão de prévia aprovação
da Agência a cisão, a fusão, a transformação, a incorporação, a redução do
capital da empresa ou a transferência de seu controle acionário”.
8 Cf. Parecer de José Luiz Bulhões Pedreira apresentado por ocasião da Consulta
Pública nº 86, de 10 de dezembro de 1998 promovida pela Anatel.

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sabilidade pela eventual infração a qualquer das modalidades de abuso


de poder previstas no artigo 117 da Lei das S.A.9.
O legislador optou por não exigir a propriedade de percentual
mínimo de a­ções votantes para caracterizar a figura do acionista con-
trolador; assim, deve ser examinada cada situação em particular para
que possa ser detectado quem é o titular do controle acionário.
A orientação adotada na Lei das S.A. é no sentido de identificar
a figura do acionista controlador como aquele que, de fato, comanda
os negócios sociais, fazendo prevalecer, de modo permanente, sua
vontade nas delibera­ções assembleares, elegendo a maioria dos admi-
nistradores da companhia e utilizando o seu poder para determinar,
efetivamente, os rumos da sociedade. Tal preponderância da vontade do
acionista controlador pode ocorrer diretamente, quando ele é acionista
da companhia, ou indiretamente, quando ele é acionista controlador
da sociedade controladora.
O poder de comando sobre as atividades desenvolvidas pela com-
panhia, de eleger a maioria dos administradores e determinar a ação
da sociedade, é usualmente exteriorizado na assembleia geral, órgão
que manifesta a vontade social10.
Verificamos, presentemente, no entanto, um gradual “esvazia-
mento” da assembleia geral como o “locus” onde se exterioriza, de fato,
a manifestação do poder de controle. Ainda que legalmente continue
a ser o órgão que expressa a vontade social, seus poderes vêm sendo
“transferidos” cada vez mais para o conselho de administração, nas

9 O Superior Tribunal de Justiça rejeitou a tese, fundamentada em Parecer de


FÁBIO KONDER COMPARATO (“Grupo societário fundado em controle con-
tratual e abuso de poder do controlador”. In: Direito Empresarial: estudos
e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990, pp. 270-291), de que seria possível
caracterizar como acionista controladora e responsabilizá-la, nos termos do
art. 117 da Lei das S.A., empresa que exercia o controle externo, sem partici-
pação acionária, na “controlada” (Superior Tribunal de Justiça, REsp nº 15.247,
Terceira Turma, Rel. Min. Dias Trindade, j. 10.12.1991).
10 ALFREDO LAMY FILHO, JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA. A Lei das S.A., v. 2.
Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p. 195.

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companhias abertas, assim como para a chamada “reunião prévia” dos


acionistas integrantes de acordos de acionistas, que se caracteriza como
“órgão” não institucionalizado, mas de fundamental importância no
processo decisório das companhias que apresentam uma estrutura de
controle compartilhado11. Constatamos, ademais, uma tendência no
sentido até mesmo de eliminar-se a obrigatoriedade de assembleia
geral, para sociedades com reduzido número de sócios12, assim como
para microempresas e sociedades de pequeno porte, visando a reduzir
os custos e a “desburocratizar” o seu processo decisório13.
O controle da sociedade anônima constitui um poder de fato,
não um poder jurídico, visto que não há norma que o assegure. O
acionista controlador não é sujeito ativo do poder de controle, mas o
detém enquanto for titular de direitos de voto em número suficiente
para obter a maioria nas delibera­ções assembleares14.
A caracterização do poder de controle não prescinde da circuns-
tância fática de que ele seja efetivamente exercido; além de titular dos
direitos de sócio que lhe permita dirigir ou eleger quem irá dirigir a
companhia, o acionista deve efetivamente dirigi-la ou eleger a maioria
dos administradores15.

11 MODESTO CARVALHOSA, NELSON EIZIRIK. A nova Lei das S.A. São Paulo:
Saraiva, 2002 p. 4.
12 O § 1º do art. 1.072 do Código Civil estabelece a obrigatoriedade de deliberação
em assembleia geral somente se o número de sócios for superior a dez.
13 A Lei Complementar nº 123, em vigor desde 15 de dezembro de 2006, que
instituiu o Novo Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno
Porte, em seu art. 70, desobriga-as de realizarem reuniões e assembleias, que
serão substituídas por delibera­ções do sócio controlador.
14 ALFREDO LAMY FILHO, JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA. A lei das S.A., 2ª ed,
v. 2. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 620.
15 ROBERTA NIOAC PRADO. Oferta Pública de A­ções Obrigatória nas S.A. – Tag
Along. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 126. A Exposição de Motivos da Lei
das S.A. Mensagem nº 204, de 1976, do Poder Executivo ao tratar do art. 116,
menciona expressamente que a caracterização do acionista controlador pres-
supõe, além da maioria dos votos, o efetivo exercício do poder de controle.
O Regulamento de Listagem do Novo Mercado da Bovespa define o poder de
controle como aquele efetivamente utilizado de dirigir as atividades sociais

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Dessa forma, não será considerado acionista controlador, para os


efeitos da Lei das S.A., a pessoa que – embora detendo quantidade
de a­ções que, em tese, lhe assegura a maioria dos votos em assembleia
geral – não utiliza efetivamente tal poder para impor sua vontade
na condução direta dos negócios sociais e na eleição da maioria dos
administradores.
Com efeito, somente se configura a posição de acionista controla-
dor quando ele utiliza efetivamente esse poder para dirigir os negócios
sociais; o simples fato de possuir a maioria de votos suficiente para tan-
to não caracteriza a sua responsabilidade, diversamente do que ocorre
no caso da sociedade controladora, na qual a simples propriedade da
maioria das a­ções induz à presunção do exercício do controle16.
Verifica-se, pois, que o poder de controle não está relacionado à
pessoa do acionista, mas ao lote de a­ções que confere ao seu titular o
poder de fazer valer sua vontade nas assembleias gerais, de eleger a
maioria dos administradores e de conduzir os negócios sociais17.
A Lei das S.A., em seu artigo 116, alínea “a”, vincula o conceito de
acionista controlador ao exercício dos direitos de sócio que assegurem,
de modo “permanente”, a maioria dos votos na assembleia geral e o
poder de eleger a maioria dos administradores.
Assim, não bastaria, por exemplo, que um acionista detivesse a
maioria das ações votantes, sendo necessária também a prevalência do
sócio de forma permanente na Assembleia, sem o que ele não reu-

e orientar o funcionamento dos órgãos da Companhia, de forma direta ou


indireta, de fato ou de direito.
16 FERNANDO BOITEUX. Responsabilidade Civil do Acionista Controlador e
da Sociedade Controladora. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 35.
17 O Diretor Pedro Oliva Marcilio de Sousa, em voto prolatado no Processo CVM
nº RJ2005/4069, discorda da interpretação restritiva dada ao caput do art.
116, da Lei nº 6.404/1976, dando acepção mais ampla à expressão “direitos
de sócio”: “Embora não seja necessário analisar em profundidade esses dois
requisitos para os fins desta decisão, acho importante realçar que o primeiro
deles fala em ‘direitos de sócio’ e não em ações, indicando que acordos e
contratos que transfiram o direito de voto também são utilizados na definição
de acionista controlador, para fins do art. 116.”

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514 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

niria o poder de controle e, por isso, não estaria submetido ao regime


legal correspondente, conforme já decidiu a Comissão de Valores
Mobiliários18.
Não fixando a lei os contornos do que se deva entender como
“permanente”, pode ser seguido o parâmetro estabelecido por ocasião
da edição da Resolução 401/1976, do Conselho Monetário Nacional,
hoje revogada expressamente pela Resolução 2.927/2002. O item IV
daquela Resolução considerava como controlador o acionista titular
de a­ções que assegurassem a maioria absoluta dos votos dos acionistas
presentes nas três últimas assembleias gerais.

8.2. Modalidades de controle acionário


Em trabalho pioneiro, escrito em 1932, Adolpho Berle e Gardiner
Means19 empreenderam um original e sistemático estudo sobre a se-
paração entre propriedade e controle nas grandes sociedades anônimas
norte-americanas, que se transformou na principal fonte da chamada
teoria do “capitalismo gerencial”. De acordo com os autores – e muito
resumidamente –, com o processo de concentração empresarial verifi-
cado nos Estados Unidos, ocorreria uma crescente dispersão da pro-

18 “Vencer uma eleição ou preponderar em uma decisão não é suficiente. É


necessário que esse acionista possa, juridicamente, fazer prevalecer sua
vontade sempre que desejar (excluídas por óbvio, as votações especiais entre
acionistas sem direito a voto ou de determinada classe ou espécie, ou mesmo
a votação em conjunto de ações ordinárias e preferenciais, quando o estat-
uto estabelecer matérias específicas). Por esse motivo, em uma companhia
com ampla dispersão ou que tenha um acionista, titular de mais de 50% das
ações, que seja omisso nas votações e orientações da companhia, eventual
acionista que consiga preponderar sempre não está sujeito aos deveres e
responsabilidades do acionista controlador, uma vez que prepondera por
questões fáticas das assembleias, não preenchendo o requisito da alínea ‘a’ do
art. 116, embora preencha o da alínea ‘b’. Esse acionista seria considerado, para
determinação de sua responsabilidade, como um acionista normal (sujeito,
portanto, ao regime do art. 115).” (PA CVM nº RJ2005/4069, Rel. Dir. Pedro
Oliva, j. 11.04.2006)
19 ADOLPHO BERLE, GARDINER MEANS. The Modern Corporation and Private
Property, 4th ed. New York: Harcourt, Brace & World, 1967 (originalmente
publicado em 1932).

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priedade, passando o moderno proprietário – o acionista das grandes


empresas – a uma posição cada vez mais passiva, enquanto que os admi-
nistradores profissionais, a nova tecnocracia de “managers”, com pouca
ou nenhuma participação acionária, passariam a deter o “controle” de
fato dos negócios sociais. De acordo com os levantamentos que então
realizaram, 44% das maiores 200 empresas estariam controladas pelos
administradores; 21% mediante expedientes legais (controle piramidal,
a­ções com voto limitado e “voting trust”); 23% estariam sob controle
minoritário; e os restantes sob administração judicial ou controle de
acionistas majoritários. Assim, a maioria das grandes empresas estaria
controlada pelos administradores ou mediante instrumentos legais,
com pequena ou nenhuma participação acionária, a demonstrar que
propriedade e controle teriam se cindido20. Estudos mais recentes,
porém, vêm sugerindo que o modelo de separação entre propriedade
e controle elaborado por Berle e Means, que seria consequência da
grande dispersão acionária nas macroempresas, não é usual, mesmo
nos países mais desenvolvidos, uma vez que os grandes acionistas
controlam um número significativo de companhias21.
Podemos identificar, em nossa prática societária, as seguintes
modalidades de controle acionário: (a) majoritário; (b) compartilhado;
(c) minoritário; e (d) “pulverizado”.

20 Para uma análise da teoria e de suas repercussões entre nós: FÁBIO KONDER
COMPARATO, CALIXTO SALOMÃO FILHO. O Poder de Controle na Sociedade
Anônima. Rio de Janeiro: Forense, 2005, pp. 52 et seg. NELSON EIZIRIK. “Proprie-
dade e Controle na Companhia Aberta – Uma Análise Teórica”. In: Questões de
Direito Societário e Mercado de Capitais. Rio de Janeiro: Forense, 1987, pp. 3-27.
Há incontáveis análises críticas ao trabalho de Berle & Means, notadamente ao
seu caráter ideológico, por tentar caracterizar, com a emergência dos “managers”,
um capitalismo sem proprietários; a mais importante delas foi desenvolvida por
MAURICE ZEITLIN em seu artigo “Corporate Ownership and Control: the Large
Corporation and the Capitalist Class”, American Journal of Sociology. Chicago:
University of Chicago Press, v. 79, n. 5, 1974, também publicado em livro do
mesmo autor intitulado The Large Corporation and Contemporary Classes.
New Jersey: Rutgers University Press, 1989.
21 Ver, a propósito RAFAEL LA PORTA, FLORENCIO LÓPEZ-DE-SILANES, ANDREI
SHLEIFER. “Corporate Ownership around the World”. The Journal of Finance.
Boston: Blackwell Publishing, v. 54, n. 2, abr. 1999, pp. 471-518.

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O controle majoritário, de mais fácil identificação, caracteriza-se


quando um acionista, pessoa física ou jurídica, ou uma família, detém
a maioria das a­ções com direito de voto. Trata-se, mesmo no caso das
companhias abertas, da modalidade mais comum de controle acionário,
dada a extrema concentração acionária entre nós verificada22. Em tais
companhias, ademais, verifica-se uma sobreposição entre a propriedade
das a­ções que asseguram o poder de controle e as fun­ções executivas,
particularmente aquelas atribuídas ao conselho de administração.
Já o “controle compartilhado” configura-se quando, mesmo ine-
xistindo um acionista majoritário, o poder de controle é exercido por
várias pessoas em conjunto, usualmente como signatários de acordo
de acionistas, que se obrigam a votar em bloco nas matérias atinentes
ao exercício do poder de controle. Embora nenhum dos signatários
do acordo detenha, individualmente, a maioria das a­ções votantes, a
união das suas a­ções assegura o controle acionário, mediante o chamado
“bloco de controle”. Os acordos de acionistas são da espécie “acordo
de voto em bloco” quando seus integrantes instituem um “órgão” de-

22 De acordo com dados da OCDE, em estudo divulgado em 2003, mais da


metade das ações das 459 companhias abertas pesquisadas estavam em mãos
de um único acionista, sendo que 65% das a­ções são detidas pelos três maiores
acionistas (FÁBIO KONDER COMPARATO, CALIXTO SALOMÃO FILHO. O
Poder de Controle na Sociedade Anônima. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.
75). No mesmo sentido, o sistemático estudo de RICARDO P. C. LEAL E ANDRÉ
L. CARVALHAL DA SILVA demonstra igualmente que a estrutura de controle
acionário nas companhias brasileiras apresenta grande concentração, o que
é atribuído, em grande parte, à emissão de a­ções preferenciais sem direito de
voto (“Corporate Governance and Value in Brazil (and in Chile)”. Disponível
em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=726261.>. Acesso
em: 05 set. 2017. Tais dados não apresentam evolução muito significativa com
relação aos obtidos pela CVM, em 1985, segundo os quais, nas 456 maiores
companhias abertas pesquisadas, na média das companhias o acionista
majoritário detinha quase 70% das a­ções com direito de voto; em apenas
15% o controle era exercido com menos de 50% do capital votante, caindo
tal percentual para 1.10% nos casos em que o controle era exercido com
menos de 20% das a­ções votantes (NELSON EIZIRIK. “O mito do ‘controle
gerencial’ – alguns dados empíricos”. Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 66, abr.-jun.
1987, pp. 103-106).

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liberativo interno, designado “reunião prévia”, na qual a deliberação


será tomada por maioria absoluta dos convenentes e vinculará todos
eles, nos termos dos §§ 8º e 9º do artigo 118, da Lei das S.A.
O mais das vezes, caracterizam o controle compartilhado as se-
guintes modalidades de cláusulas constantes do acordo de acionistas:
(a) acordo de voto conjunto para determinadas matérias, que
somente podem ser objeto de aprovação, em assembleia
geral ou em reunião de conselho de administração, se
aprovadas em reunião prévia dos integrantes do acordo
de acionistas;
(b) direito de preferência para aquisição das a­ções do signa-
tário que deseja retirar-se da companhia;
(c) direito de eleger um número determinado de membros
da diretoria e do conselho de administração;
(d) necessidade de aprovação, por parte de todos ou de maio-
ria qualificada dos signatários, para o ingresso de novos
sócios; e
(e) direito de veto sobre matérias relevantes para o desen-
volvimento dos negócios da companhia, como aumento
de capital, distribuição de dividendos, investimentos ou
empréstimos acima de certo valor, incorporação, fusão e
cisão etc.23
No entanto, o simples fato de existir um acordo de voto entre um
acionista ou grupo majoritário e um acionista minoritário relevante,
a fim de assegurar determinados direitos especiais a tal minoritário,
não implica necessariamente que o controle esteja sendo exercido de
forma compartilhada.
Com efeito, o acordo de acionistas entre controlador e minoritá-
rio pode constituir um simples instrumento para conciliar legítimos

23 NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005,


p. 234.

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interesses de dois grupos de acionistas, sem alterar suas respectivas


condi­ções de controlador e minoritário.
Portanto, não basta a celebração de um acordo de acionistas para
caracterizar a hipótese legal do controle conjunto ou compartilhado.
Para tanto, faz-se também necessário que os direitos contratualmente
assegurados ao minoritário caracterizem uma situação na qual ele passe
a efetivamente exercer parte das atribui­ções inerentes ao poder de
controle, participando da condução dos negócios sociais em conjunto
com o grupo majoritário.
Para que o acordo de acionistas possa configurar hipótese de con-
trole compartilhado com o acionista minoritário, é imprescindível que,
em função dos direitos que lhe são atribuídos, fique claro que o grupo
controlador abriu mão de seu poder de determinar, isoladamente, todas as
decisões da Assembleia Geral e de eleger a maioria dos administradores24.
Já o controle minoritário caracteriza-se quando, dada a dis-
persão das a­ções da companhia no mercado, um acionista ou grupo
de acionistas exerce o poder de controle com menos da metade do
capital votante, uma vez que nenhum outro acionista ou grupo está
organizado ou detém maior volume de a­ções com direito de voto. A
Lei das S.A., em seu artigo 116, ao não exigir um percentual mínimo
de ações para definir o controle acionário, admitiu implicitamente o
controle minoritário.

8.2.1. O controle “pulverizado”


Temos verificado, recentemente, a adoção, por companhias aber-
tas, do modelo denominado de “controle pulverizado”, semelhante ao
chamado “controle gerencial”, no qual não se identifica a figura do
acionista controlador25. A expressão “controle pulverizado” é de certa

24 Nesse mesmo sentido, decisão do Colegiado da CVM proferida no Processo


CVM nº RJ 2001/7547, Rel. Dir. Wladimir Castelo Branco Castro, j. 16.07.2002.
25 Conferir, a respeito, LUIZA RANGEL DE MORAES. “A Pulverização do Con-
trole de Companhias Abertas”. Revista de Direito Bancário e do Mercado
de Capitais, n. 32. São Paulo: Revista dos Tribunais, abr.-jun. 2006, p. 48.

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forma enganosa, constituindo contradição em termos, uma vez que


o controle acionário configura-se pelo fato de estar concentrado em
mãos de pessoa, família ou grupo; porém, estando consagrada pelo
uso, vamos empregá-la doravante.
No modelo de controle pulverizado, seguindo o exemplo das public
corporations norte-americanas, a direção efetiva dos negócios sociais
é realizada por administradores profissionais, membros do Conselho
de Administração e da Diretoria, no exercício de suas fun­ções legais
e estatutárias, sem que exista um bloco de a­ções que assegure o poder
de controle.
Para tanto, a companhia emite apenas a­ções com direito de voto26,
podendo ainda restringir, estatutariamente, o número máximo de
votos de cada acionista, ou grupo de acionistas, nas delibera­ções da
Assembleia Geral (por exemplo, em cinco por cento do capital social)
independentemente da participação acionária por eles detida, o que
é permitido pelo artigo 110, § 1º, da Lei das S.A. Assim, mesmo que
determinado acionista possua participação acionária de quinze por
cento, por exemplo, não poderá votar com mais de cinco por cento
do capital social27.
Em tal hipótese, nenhum acionista tem condi­ções de, em caráter
permanente, eleger a maior parte dos administradores e impor a sua
vontade nas delibera­ções da Assembleia Geral da companhia, não

26 O “Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa”, do Instituto


Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC –, em seu item 1.8., recomenda
que as companhias abertas devem esforçar-se para manter em circulação
um número adequado de a­ções. Em seu item 1.1., o Código recomenda que
o direito de voto seja assegurado a todos os acionistas, segundo o conceito
“uma ação = um voto”.
27 Este tipo de limitação é hoje adotado por companhias como a Embraer, que
restringe o direito ao voto a 5% do número de ações em que se divide o capital
social, e a B3, que o fixa em 7%. (FERNANDO TORRES; IVO RIVEIRO. União terá
limite de voto na Eletrobras. Valor Econômico. Disponível em: <http://www.
valor.com.br/empresas/5094326/uniao-tera-limite-de-voto-na-eletrobras>.
Acesso em: 21 set 2017)

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existindo, assim, os elementos exigidos pelo artigo 116 da Lei das S.A.
para a caracterização do acionista controlador.
Em nossa prática de Direito Societário, algumas companhias que
adotam o modelo de controle pulverizado têm introduzido em seus
estatutos, além da restrição ao número máximo de votos por acionista,
dispositivos que visam a impedir ou a dificultar a aquisição do seu
controle acionário, como os seguintes:
(a) obrigatoriedade de divulgação de aquisição acionária,
de modo que todo acionista ou grupo de acionistas que
aumentar a sua participação em 1% do capital social, por
exemplo, deve comunicar tal fato à companhia e ao mer-
cado;
(b) obrigatoriedade de realização de oferta pública (OPA) pelo
acionista ou grupo de acionistas que adquirir participação
acionária superior a determinado percentual, de maneira
que, sempre que o limite de participação estabelecido no
estatuto (por exemplo, 30% do capital) for ultrapassado,
é obrigatória a realização de oferta pública de aquisição
das a­ções detidas pelos demais acionistas, por preço a ser
fixado conforme as regras do estatuto (valor de mercado,
valor econômico, múltiplos de EBITDA28) acrescido de
prêmio.
O descumprimento de tais obriga­ções estatutárias sujeita o acio-
nista ou grupo de acionistas infratores a ter suspenso, por deliberação
da assembleia geral, o exercício de determinados direitos conferidos
pelas a­ções de sua propriedade, inclusive o de voto, conforme permite
o artigo 120 da Lei das S.A.
A conjugação da elevada dispersão acionária com a introdução
de normas estatutárias destinadas a evitar o surgimento de uma nova

28 EBITDA é a abreviação de “earnings before interest, taxes, depreciation and


amortization”.

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maioria política permanente na companhia faz com que a direção


efetiva dos negócios sociais seja realizada pelos administradores pro-
fissionais, membros do Conselho de Administração e da Diretoria,
no exercício de suas fun­ções legais e estatutárias, sem que exista um
bloco de a­ções que assegure o poder de controle.
Como não existe, nas companhias com controle pulverizado, a figura
do acionista controlador, não são aplicáveis os dispositivos da Lei das S.A.
que tratam da responsabilidade do acionista controlador (artigo 116, pará-
grafo único, e artigo 117). Também não se aplicam as normas da Lei das
S.A., que tratam da alienação do controle acionário (artigo 254-A), bem
como do procedimento de votação em separado para eleição de membros
do Conselho de Administração (artigo 141, § 4º).
O fato de não se aplicarem as disposi­ções referentes à respon-
sabilidade dos controladores não significa que os acionistas e demais
grupos que possam ser atingidos pelos atos praticados pela companhia
– os denominados stakeholders – fiquem sem qualquer proteção frente
a abusos praticados pela sociedade sob controle gerencial. Nestas hi-
póteses, a responsabilidade civil e administrativa deverá recair sobre
os administradores que conduzem as atividades sociais, com funda-
mento nos artigos 153 a 159 da Lei das S.A., os quais lhes im­põem
um conjunto de deveres mais rigorosos do que aquele instituído pelos
arts. 116 e 117 em relação ao acionista controlador.
Algumas empresas que adotaram o modelo do controle pulve-
rizado vêm sentindo grande dificuldade para realizar as Assembleias
Gerais em que há necessidade de quorum especial, particularmente
quando possuem um número significativo de acionistas estrangeiros29.

29 Cf. notícia do Jornal Valor Econômico, de 11 de abril de 2007, p. B2: a ad-


ministração da Lojas Renner, primeira companhia a adotar o modelo de
“controle pulverizado” – cuja base acionária (entre 85% e 90%) era formada
por estrangeiros, sendo que os dois maiores detinham pouco mais de 5% do
capital – demorou mais de seis meses até conseguir o quórum para aprovar
em assembleia geral a adaptação do seu plano de op­ções de a­ções para os
executivos.

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Em princípio, pode-se dizer que o acionista terá maiores incen-


tivos para comparecer à assembleia quando acreditar que os possíveis
benefícios advindos do seu ato – direta ou indiretamente – superem
os custos de sua participação nas deliberações sociais. Porém, em
sociedades com altos níveis de dispersão da propriedade acionária, a
probabilidade de que o voto de um único acionista seja determinante
no resultado final das deliberações é extremamente reduzida. Nesses
casos, os custos incorridos pelo acionista ao participar da assembleia
superam a probabilidade – e a convicção – de que se consiga alcançar
o resultado esperado. Essa realidade levou à criação, pela CVM, do
sistema de voto a distância, menos oneroso para o acionista30.

8.3. Responsabilidade do acionista controlador


Em princípio, o exercício do poder de comandar os negócios so-
ciais é lícito e legítimo, exercendo o acionista controlador a soberania
societária e expressando a vontade da companhia.
O poder de controle na sociedade anônima, na medida em que
constitui um “direito-função”, é atribuído ao seu titular para a conse-
cução de determinadas finalidades31. Como ele não constitui um poder
absoluto, o legislador estabeleceu determinadas regras visando a preve-
nir e reprimir eventuais abusos praticados pelo acionista controlador.
Nesse sentido, o parágrafo único do artigo 116 da Lei das S.A. dispõe
expressamente que o acionista controlador deve usar o seu poder para
fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social.
O poder de controle constitui, com efeito, um poder vinculado
ao objetivo de “fazer a companhia realizar seu objeto e cumprir sua
função social” (artigo 116, parágrafo único) tendo o controlador de-
veres e responsabilidades para com os demais acionistas, para com os

30 A Instrução CVM nº 481/2009 dispõe sobre a votação a distância em assem-


bleias de acionistas.
31 FÁBIO KONDER COMPARATO, CALIXTO SALOMÃO FILHO. O Poder de
Controle na Sociedade Anônima. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 363.

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empregados e para com a comunidade. Quando o controle for exer-


cido contrariamente a estas finalidades relacionadas pela lei, estará
configurado o abuso desse poder. Assim, o abuso de poder de controle
caracteriza-se pela prática de uma infração no exercício da prerrogativa
legal de controle acionário32.
Pode ficar caracterizado o abuso do poder de controle por omissão.
Ao dispor a Lei das S.A., no artigo 116, que “o acionista controlador
deve usar o poder para o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto
e cumprir sua função social”, imputou-se ao controlador um dever ativo,
daí decorrendo que sua conduta omissiva pode caracterizar abuso do
poder de controle, se prejudicial à companhia33. A possibilidade de
se caracterizar abuso de poder de controle a partir de uma conduta
omissiva do acionista controlador já foi, inclusive, plenamente reco-
nhecida pela CVM, conforme se verifica do voto vencedor proferido
pela Diretora Luciana Dias, no âmbito do Processo Administrativo
Sancionador CVM nº RJ2012/113134.
O abuso de poder constitui instituto do direito administrativo
adotado na Lei das S.A., mediante o qual se busca caracterizar aquelas
medidas do acionista controlador em respeito formal à lei, mas visando

32 WALDÍRIO BULGARELLI. A Proteção das Minorias na Sociedade Anônima.


São Paulo: Pioneira, 1977, pp. 95 et seg.
33 ALFREDO SÉRGIO LAZZARESCHI NETO. Lei das Sociedades por Ações Ano-
tada, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 231.
34 “A análise da conduta do controlador diante de uma situação concreta, que
envolve tanto aspectos de diligência quanto de lealdade, deve ser pautada
pelos mecanismos existentes à sua disposição – como dito acima, não se
resume à atuação em assembleias gerais, mas engloba também sua reação
diante da atuação da administração por ele indicada e suas funções de
orientação geral da companhia, exercidas, muitas vezes, por mecanismos
informais de comunicação e controle.[...] Assim, diferentemente de outros
acionistas cuja responsabilidade por conduta omissiva me parece mais remo-
ta, tendo em vista a limitação dos mecanismos de que eles dispõem, quando
se está tratando da conduta do acionista controlador, cujas ferramentas de
atuação na condução do negócio social são mais amplas que o exercício
do direito de voto, parece-me possível a configuração de responsabilidade
por condutas omissivas.” (grifamos)

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a interesses extrassociais e lesivos aos minoritários, aos investidores,


aos empregados e à própria comunidade onde a sociedade desenvolve
suas atividades.
A respeito do tema, tanto a Lei das S.A. quanto a regulamen-
tação expedida pela Comissão de Valores Mobiliários estabelecem o
princípio básico de que constitui abuso de poder de controle qualquer
decisão que não tenha por finalidade o interesse social, mas que vise
beneficiar exclusivamente o acionista controlador, em detrimento da
sociedade, dos acionistas minoritários e de terceiros.
O interesse social não pode ser reduzido ao interesse de cada um
dos acionistas, mas sim ao seu interesse comum de realização do escopo
social. A especificidade da comunhão de interesses na sociedade anôni-
ma consiste no fato de ser ela uma comunhão voluntária de interesses.
Os sócios reúnem-se para realizar um escopo comum, cujo objetivo
final é a produção de lucros e sua repartição entre eles. Ao acionista
controlador compete, mais do que a qualquer outro sócio, o dever de
atuar visando a alcançar tal finalidade, não só mediante o exercício do
voto, mas também definindo a política empresarial e promovendo a
sua aplicação pelos órgãos de administração35.
Portanto, o abuso do poder de controle não se configura apenas
nas hipóteses em que o acionista controlador exerce seu direito de
voto em assembleias gerais de forma contrária ao interesse social.
Poderá configurar abuso por parte do acionista controlador qualquer
ato em que fique caracterizada a utilização de seu poder para atender
a fins pessoais, em prejuízo dos interesses da sociedade ou dos demais
interesses que ele tem o dever de preservar36.
Com efeito, o artigo 116 da Lei das S.A. expressamente aponta
como uma das prerrogativas do poder de controle a orientação do

35 FÁBIO KONDER COMPARATO, CALIXTO SALOMÃO FILHO. O Poder de


Controle na Sociedade Anônima. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 382.
36 JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Direito Societário, 13ª ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2012, p. 368-370.

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funcionamento dos órgãos da companhia, reconhecendo, assim, que


a influência do acionista controlador ultrapassa a sua atuação nas as-
sembleias gerais e atinge também atos que visem a afetar a condução
da administração da sociedade.
A CVM já se manifestou no sentido de que o controlador exerce
influência sobre as atividades e órgãos sociais por outros meios que
não o voto, e, por isso, essa influência deve obediência também ao
interesse social37.
Ou seja, o abuso do poder de controle pode ficar configurado
também na influência ilegal que os acionistas controladores exerçam
sobre a administração da companhia, induzindo-a a praticar atos
contrários ao interesse social, conforme expressamente reconhece a
Lei das S.A., em seu artigo 117, § 1º, alínea “e”.
O exercício do poder de controle não pode implicar benefício
unilateral e exclusivo ao acionista controlador, mas deve levar em
consideração os interesses da companhia e da coletividade de seus
acionistas.
Uma vez caracterizado o abuso no exercício do poder de comandar
os negócios sociais, deve o acionista controlador responder pelos danos
causados por sua conduta, conforme estabelece o caput do artigo 117
da Lei das S.A. Nos termos da Lei das S.A., a sanção prevista para o
abuso no poder de controle – salvo quando ocorre na Assembleia Geral,
hipótese em que há previsão da anulabilidade da deliberação tomada
em decorrência do voto do acionista em situação conflitante com o

37 “O acionista controlador passa a ser órgão da companhia e sua influência, con-


forme reconhece a lei, não se restringe ao voto na assembleia. Antes ao contrário,
diversas disposições legais deixam claro que o acionista controlador pode e
deve orientar os negócios sociais e as atividades dos órgãos de administração,
evidentemente sempre no interesse social. [...] Evidentemente, essa orientação
pode não ser exclusivamente sob a forma de voto na assembleia, até porque,
para isso, já haveria o artigo 115 da Lei nº 6.404/76. [...] Tudo isto serve para
demonstrar que a influência e o poder do acionista controlador não estão res-
tritos ao voto na assembleia geral, mas vão muito além e podem ser verificados
no dia-a-dia da administração da sociedade.” (PAS CVM nº 04/1999, Rel. Dir.
Luiz Antonio de Sampaio Campos, j. 17.04.2002)

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interesse da companhia (artigo 115, § 4º) – é apenas a de perdas e


danos, não existindo previsão legal de desconstituição do ato abusivo38.
Para que fique caracterizada a atuação abusiva do acionista con-
trolador, nos termos do artigo 117 da Lei nº 6.404/1976, seja na esfera
civil, seja na esfera administrativa, no curso de processo administrativo
sancionador instaurado pela CVM, deve haver a prova do dano efetivo

38 A doutrina critica a opção legal pela sanção meramente compensatória, como


“um dos traços marcantes do individualismo patrimonialista que domina nossa
organização jurídica” (FÁBIO KONDER COMPARATO, CALIXTO SALOMÃO
FILHO. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. Rio de Janeiro: Forense,
2005, p. 383), observando-se, de lege ferenda que, na hipótese de favoreci-
mento pessoal do acionista controlador, seria melhor que nos libertássemos
da “obsessão lusitana por perdas e danos” para chegarmos à sanção maior da
desconstituição do ato e a eliminação de seus efeitos danosos (JOSÉ ALEX-
ANDRE TAVARES GUERREIRO. “Direito das minorias na sociedade anônima”,
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 63. São
Paulo: Revista dos Tribunais, jul.-set. 1986, p. 107). No Direito Italiano, com a
reforma a diversos dispositivos do Código Civil que disciplinam as sociedades
por a­ções, realizada em janeiro de 2004, foram introduzidos dispositivos que
tratam da responsabilidade do acionista controlador, quando pessoa jurídica,
em grupo de sociedades, pelos prejuízos causados à sociedade controlada,
cabendo ao autor da ação o ônus de provar que: o acionista controlador
estava agindo em interesse próprio ou de outras pessoas; os princípios da
“boa gestão” foram infringidos; a atuação do controlador prejudicou a lucra-
tividade ou o valor das a­ções da companhia, ou, quando proposta a ação por
credores, a integridade dos ativos da companhia. A doutrina tem apresentado
as seguintes críticas: as novas disposi­ções somente responsabilizam por abuso
o acionista controlador pessoa jurídica, não se aplicando aos casos de grupos
controlados por um indivíduo, comuns na Itália; a imprecisão de algumas ex-
pressões, como “princípios da boa gestão” e o fato de o ônus da prova recair
sobre o autor dificilmente permitirão uma maior efetividade das normas que
tratam da responsabilidade da companhia controladora; a lei permite que
os danos sejam compensados por benefícios ocasionados pela atuação do
controlador; assim, por exemplo, se a holding de controle exige da controlada
que compre produtos a um preço inflado, mas também a auxilia a vender
os seus produtos a um preço mais alto, os danos poderiam ser tidos como
compensados e a companhia controladora não poderia ser responsabilizada
(MARCO VENTORUZZO. “Experiments in Comparative Corporate Law: the
Recent Italian Reform and the Dubious Virtues of a Market for Rules in the
Absence of Effective Regulatory Competition”. In: Nuovo Diritto Societario
e Analisi Economica Del Diritto (Seminari di Studio – Università Bocconi – 21
maggio 2004 – 11 giugno 2004). Milano: Egea, 2005, pp. 199-200).

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por ele causado à sociedade ou a seus acionistas, devendo a lesão ser


concreta e atual, não meramente possível ou hipotética39.
A jurisprudência judicial tem sido bastante cautelosa na aprecia-
ção da responsabilidade civil do acionista controlador, pelas seguintes
razões: o seu caráter excepcional, uma vez que sempre prevaleceu, em
nosso ordenamento societário, o princípio da responsabilidade limi-
tada dos acionistas; a dificuldade de analisarem os tribunais o mérito
da gestão empresarial, devendo-se presumir a sua legitimidade, até
prova em contrário; a necessidade de ficarem comprovados os danos
concretos causados à companhia pela ação abusiva do controlador.
Nesse sentido, já se manifestou o entendimento de que, quando os
choques entre os controladores e minoritários põem em risco a sobrevivên-
cia da companhia, cabe à maioria acionária exercer a gestão empresarial;
não pode o controle da legalidade dos atos da administração e da assem-
bleia – criado para se evitar a violação da lei, não para dotar a minoria de
um poder soberano – impedir a marcha normal dos negócios sociais40.
Ademais, a jurisprudência, em reiteradas decisões, tem exigido a
efetiva comprovação do dano causado pelo acionista controlador para
a caracterização de sua responsabilidade, não podendo a mera confi-
guração do abuso, sem a prova correspondente dos danos sofridos pelo
autor da ação, ensejar a condenação ao pagamento de indenização41;
exige-se a prova do abuso de poder e da ocorrência do dano efetivo,
concreto e atual42, patrimonialmente ressarcível, cujo ônus cabe ao

39 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, 5ª


ed, v. 2. São Paulo: Saraiva, 2011, v. 2, p. 629.
40 Tribunal de Justiça de São Paulo, 4ª Câmara de Direito Privado, A.R. 105.060-
4/5-01, Rel. Des. Barbosa Pereira, j. 17.12.1998.
41 Tribunal de Justiça de São Paulo, E.I. 29.481-1, Rel. Marcio Bonilha, j. 28.03.1985,
reproduzido em NELSON EIZIRIK. Sociedades Anônimas – Jurisprudência. Rio
de Janeiro: Renovar, 1996, p. 89; Superior Tribunal de Justiça, REsp nº 10.836, Rel.
Min. Cláudio Santos, j. 04.02.1992, reproduzido em NELSON EIZIRIK. Sociedades
Anônimas – Jurisprudência. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 157.
42 A título de exemplo, a manifestação do Desembargador Cesar Ciampolini:
“Quanto ao abuso de poder de controle, reitere-se que, conforme ensina
NELSON EIZIRIK, ‘para que fique caracterizada a atuação abusiva do acionista

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autor da ação43; mesmo que o controlador tenha incidido em uma


das modalidades previstas como abuso de poder, se não houver dano
concreto, não será ele responsabilizado44; ademais, a demonstração da
inconveniência de certas delibera­ções e da excelência de outras, não
adotadas, mas aceitas pela maioria do capital votante, não basta para
configurar o abuso de poder da controladora.
A orientação dos tribunais, assim, diversamente do que ocorre com
a CVM, de cujas decisões sobre a matéria não se pode extrair um enten-
dimento uniforme45, é clara no sentido de definir o abuso de poder de
controle como a conduta do acionista controlador na direção dos negócios
contrária ao interesse social, da qual resultem prejuízos concretos e atuais
para a sociedade, para seus acionistas ou para terceiros.

8.4. Modalidades de abuso de poder de controle acionário


A Lei das S.A., em seu artigo 117, § 1º, enumera, exemplificativa-
mente, as seguintes modalidades de abuso de poder de controle acionário:

controlador, deve haver a prova do dano efetivo por ele causado à sociedade
ou a seus acionistas, devendo a lesão ser concreta e atual, não meramente
possível ou hipotética’ (A Lei das S/A Comentada, vol. II, pág. 246; grifei)”
(Tribunal de Justiça de São Paulo, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresar-
ial, Agravo de Instrumento nº 2105459-64.2017.8.26.0000, Rel. Des. Cesar
Ciampolini, j. 23.08.2017 – grifos no original)
43 Tribunal de Justiça de São Paulo, E.I. 29.481-1, Rel. Marcio Bonilha, j. 28.03.1985,
reproduzido em NELSON EIZIRIK. Sociedades Anônimas – Jurisprudência.
Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 89.
44 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Apel. Cív. nº 0055355-
27.1999.8.19.0001 (2001.001.10296), Rel. Des. Mauro Fonseca Pinto Nogueira,
j. 28.08.2001.
45 Os membros do Colegiado da CVM, em alguns processos sancionadores,
analisam os danos concretos ou “potenciais” causados pela conduta do
controlador; em outros, não consideram necessário demonstrar os danos,
passando ao largo da questão. Embora o abuso de poder do controlador seja
invocado em vários processos sancionadores, a jurisprudência administrativa
da CVM sobre a matéria ainda não possibilita a identificação de orienta­ções
consistentes e uniformes.

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“a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social


ou lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra
sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da partici-
pação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da
companhia, ou da economia nacional”.
A alínea “a” acima transcrita descreve três modalidades de com-
portamento abusivo do controlador: orientar a companhia para fim
estranho ao objeto social; orientá-la para fim “lesivo ao interesse nacio-
nal”; levá-la a favorecer outra sociedade, em prejuízo dos minoritários
ou da “economia nacional”.
As expressões “interesse nacional” e “economia nacional” consti-
tuem “topoi”, ou seja, lugares-comuns, expressões de certa forma vazias,
que conferem ao aplicador das normas o poder de “preenchê-las”,
diante de casos concretos e conforme a sua vontade. Na realidade, tais
padrões de conduta são de remota aplicação, uma vez que deveria o
Ministério Público, legitimado para propor a ação, demonstrar a lesão
ao interesse ou à economia nacional, bem como os danos concretos
causados por tal comportamento abusivo46.
O abuso de poder consistente em orientar a companhia para fim
estranho ao objeto social ocorre quando o acionista controlador vota em
assembleia geral ou orienta a atuação dos administradores no sentido de
desviar os negócios da companhia para outros, não previstos estatutaria-
mente como integrantes de seu objeto social. O objeto social da com-
panhia constitui o conjunto de atividades econômicas por ela exercidas,
usualmente a produção continuada de determinados bens ou serviços. Sob
o ângulo formal, o objeto social corresponde à sua definição estatutária
(artigo 2º, § 2º, da Lei das S.A.); já sob o ângulo substancial, às atividades
com fins lucrativos realmente desenvolvidas pela empresa.
Em princípio, devem coincidir a disposição estatutária prescritiva
do objeto social com a atividade empresarial efetiva; podem, porém,
ser praticados atos empresariais necessários ou complementares à
atividade empresarial, caracterizados como meios para se atingir o

46 Conforme art. 129 da Constituição Federal.

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objeto social, que não implicam, em princípio, em desvio ou alteração


do objeto social47.
Tal modalidade de abuso – desvio do objeto social – não se con-
funde com a alteração estatutária do objeto social, objeto de deliberação
válida pela Assembleia Geral, e da qual pode decorrer, por parte dos
acionistas dissidentes, o exercício do direito de recesso (artigo 136,
VI e artigo 137).
A modalidade também prevista na alínea “a”, consistente em levar
a companhia a favorecer outra sociedade em prejuízo da participação
dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, é
das mais relevantes, ocorrendo muitas vezes na prática dos negócios,
particularmente em grupos de sociedades “de fato”, nos quais não há,
como nos grupos de direito, a teor do artigo 265 da Lei das S.A., uma
convenção de grupo. Nos termos do artigo 276 da Lei Societária, a
administração geral do grupo de direito pode adotar legitimamente
medidas contrárias ao interesse dos acionistas minoritários de cada
companhia que o integra, desde que previstas na convenção. Já no
caso dos “grupos de fato” (expressão não utilizada na Lei das S.A.), as
sociedades integrantes encontram-se vinculadas apenas por meio de
participação acionária, mediante relação de controle ou de coligação,
sem uma convenção de grupo, preservando cada companhia sua plena
autonomia, sem qualquer subordinação aos interesses gerais do grupo
ou da sociedade controladora.
As rela­ções mantidas entre as sociedades integrantes do “grupo
de fato” devem obedecer a condi­ções estritamente comutativas, res-
pondendo a sociedade controladora por atos praticados com abuso
de poder (arts. 245 e 246). Tais sociedades devem manter a sua plena
autonomia, a sua independência nas respectivas políticas empresariais,
evitando a confusão patrimonial entre controladora e controlada e,

47 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. “Sobre a interpretação do objeto


social”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, v.
54. São Paulo: Revista dos Tribunais, abr.-jun. 1984, p. 69.

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principalmente, a manipulação do patrimônio da segunda em favor


da primeira, prática caracterizadora do abuso de poder de controle.
Não são proibidas as opera­ções entre sociedade controladora e
controlada, admitindo-as o artigo 245 da Lei Societária, desde que
observadas condi­ções estritamente comutativas, ou com pagamento
compensatório adequado. O caráter comutativo das rela­ções entre
sociedade controladora e controlada assegura a existência de uma
“via dupla”, de modo que a primeira não favoreça, nem prejudique a
segunda. Por comutatividade, deve entender-se a equivalência entre as
presta­ções das partes; assim, são comutativas as rela­ções equilibradas,
existentes quando cada uma das partes compromete-se a dar ou fazer
algo equivalente ao que recebe.
O Direito Societário tem buscado identificar alguns critérios para
aferir a legitimidade do comportamento do controlador, tendo em
vista a configuração do caráter comutativo das rela­ções mantidas com
a controlada. Há dois testes básicos para a aferição do comportamento
equitativo do acionista controlador: (a) comparação da operação com
outra, hipotética; (b) ou com outras similares, realizadas no mercado48.
Conforme o primeiro teste, denominado no Direito norte-ameri-
cano “arms-length bargain comparison”, a decisão não será considerada
equitativa se o resultado da operação, para a companhia controlada,
resultar menos vantajoso do que seria caso tivesse sido tomada por
uma pessoa independente, sem qualquer conflito de interesses. De
acordo com o segundo teste (o “fairness test”), a decisão será tida
como ilegítima se o resultado da operação for menos vantajoso para
a companhia do que o verificado em outras, realizadas no mercado
por partes independentes49. Tais testes são particularmente relevan-
tes quando as companhias envolvidas têm administradores comuns

48 NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005,


pp. 130 et seg.
49 ROBERT C. CLARK. Corporate Law. Boston: Little, Brown and Company, 1986,
pp. 147 et seg.

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(“interlocking directors”); em tal situação, é necessário examinar se os


negócios seriam celebrados ainda que não houvesse qualquer relação
entre as partes envolvidas50.
O acionista controlador e os administradores das companhias
envolvidas devem considerar não apenas se o negócio será equitativo,
mas também se a operação está atendendo aos melhores interesses
das sociedades envolvidas.
Assim, pode ficar caracterizada a responsabilidade do acionista
controlador se ficar demonstrado que o negócio: (a) ocorreu fora dos
padrões geralmente adotados no mercado em transa­ções semelhantes;
(b) não foi realizado de forma a atender aos melhores interesses da
companhia; e (c) não teria sido concluído se as partes fossem inde-
pendentes ou não interessadas51.
“b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a transfor-
mação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de
obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo
dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos
investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia”.
A norma visa a proteger os diversos interesses que podem ser
afetados pela atuação do acionista controlador: dos acionistas mino-
ritários, dos empregados e dos investidores da companhia.
A liquidação de companhia próspera, assim como as diversas moda-
lidades de reestruturação societária – transformação, incorporação, fusão
ou cisão –, não pode ser realizada se de interesse exclusivo do acionista
controlador, em prejuízo dos demais acionistas, empregados e investidores.
Aplicam-se os mesmos princípios e testes acima enunciados,
tendo em vista a apuração do caráter comutativo da operação. Par-
ticularmente no caso de operação de reestruturação societária entre
companhia controladora e controlada, ou companhias sob controle

50 ROBERT W. HAMILTON. The Law of Corporations in a nutshell. St. Paul: West


Group, 2000, pp. 486-488.
51 NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 132.

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comum, é fundamental perquirir sobre o atendimento ao interesse


social das companhias envolvidas, estabelecendo a Lei das S.A., em
seu artigo 264, proteção adicional aos acionistas minoritários em
opera­ções de incorporação, incorporação de a­ções e fusão.
No caso de incorporação de controlada, por exemplo, a Lei das
S.A. estabelece um regime especial de proteção aos minoritários da
incorporada, consistente na avaliação dos patrimônios líquidos a preços
de mercado, ou com base em outro critério aceito pela CVM (artigo
264) já que, quando duas sociedades não estão submetidas a controle
comum, os interesses dos acionistas de cada companhia são defendidos
pelos respectivos administradores e controladores52.
Quando a operação é realizada entre sociedade controladora e
controlada, não se verifica o caráter bilateral que assegura os interes-
ses dos minoritários das companhias envolvidas, visto que o mesmo
acionista controlador decide pelos dois lados da operação, daí justifi-
cando-se o regime especial de proteção dos minoritários.
Em tal hipótese, a legitimidade da operação decorrerá de seu caráter
comutativo, restando atendidos os interesses de todas as sociedades envol-
vidas, sem a geração de benefícios econômicos indevidos para o acionista
controlador. É recomendável a apresentação de estudo que demonstre as
vantagens econômicas e financeiras da operação para as sociedades envol-
vidas, como a redução de custos, a ocorrência de sinergias na integração das
atividades, a possibilidade de captar mais facilmente recursos no mercado
de capitais, o aumento na capacidade de competição, etc.
“c) promover alteração estatutária, emissão de valores mo-
biliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham
por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a
acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos
investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia.”
Dada a prevalência do princípio majoritário na sociedade anô-
nima, aceito em todos os sistemas de Direito Societário, o acionista

52 ALFREDO LAMY FILHO, JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA. A lei das S.A., 2ª ed,
v. 2. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, pp. 562-563.

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controlador pode ser tido, a princípio, como o intérprete do interesse


social, presumindo-se que ele age no interesse da companhia e de
todos os acionistas.
À indagação sobre porque deve a maioria comandar, a resposta
predominantemente aceita é simples: a ideia que está na base do
princípio majoritário é a de que tanto o ordenamento social como o
de uma companhia, devem estar de acordo com o maior número de
sujeitos (de a­ções, na companhia) e em desacordo com o menor número
possível. A maioria deve comandar pelo fato de que a sociedade existe
no interesse dos sócios, e como ninguém, a princípio, pode decidir
pelos interesses alheios, prevalece sempre a vontade do maior número53.
Presume-se, a priori, a legitimidade dos atos praticados no exercí-
cio do poder de controle, dada a prevalência do princípio majoritário. O
acionista controlador poderá ser responsabilizado pelos danos quando
alterar o estatuto, emitir valores mobiliários, ou adotar políticas ou
decisões que: (a) não tenham por fim o interesse da companhia; e (b)
visem a causar prejuízo aos acionistas minoritários, aos empregados
ou aos investidores em títulos emitidos pela companhia.
A Lei claramente exige a existência cumulativa dos requisitos “a” e
“b”; porém, a finalidade de prejudicar somente necessita ser provada se
o dano ainda não ocorreu. Ocorrendo dano real, em virtude da orien-
tação dada pelo controlador, desde que na decisão tenha havido desvio
de finalidade, é suficiente para que se caracterize a responsabilidade,
uma vez presentes: a ação; a culpa (uso abusivo do poder de controle);
a relação de causalidade; e o dano sofrido pela vítima54.
Evidentemente tal não significa que o acionista controlador possa
ser responsabilizado quando adotar uma decisão que posteriormente

53 FÁBIO KONDER COMPARATO, CALIXTO SALOMÃO FILHO. O Poder de


Controle na Sociedade Anônima. Rio de Janeiro: Forense, 2005, pp. 60-61.
54 FERNANDO BOITEAUX. Responsabilidade Civil do Acionista Controlador
e da Sociedade Controladora. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 72.

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revele-se inadequada, causando danos à companhia. Assim, por exem-


plo, se resolve investir parcela significativa dos recursos da companhia
em determinado empreendimento, inserido no objeto social, que não
produz os resultados esperados, não poderá ser responsabilizado por
tal fato, exceto se ficar demonstrado que tomou tal decisão não no
interesse social, mas em seu interesse próprio.
O mesmo ocorre, exemplificativamente, por ocasião da delibe-
ração de aumento de capital da companhia, mediante a emissão de
a­ções. O fato de eventualmente o acionista minoritário não concordar
com o aumento, por considerá-lo desnecessário, ou por entender que
ocasionará diluição em sua participação acionária, não constitui argu-
mento eficaz para a responsabilização do controlador. Em tal hipótese,
deve demonstrar que o preço de emissão das a­ções não obedeceu aos
parâmetros do artigo 170, § 1º, da Lei das S.A., ou que o aumento
foi realizado única e exclusivamente para reduzir a sua participação e
impedir o exercício de determinados direitos de sócio, ou seja, que o
controlador agiu contra os interesses dos minoritários e sem visar ao
interesse social.
Ademais, a decisão ilegal, para ensejar a responsabilidade do
controlador, deve estar inserida em sua esfera de atuação. Eventuais
atos ilegais praticados por administradores, nos limites de sua com-
petência, não podem ser imputados ao acionista controlador, exceto se
ficar demonstrado que se originaram de determinação sua55.
“d) eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou
tecnicamente”.
O acionista controlador responde por eleger membro do Conselho
de Administração ou da Diretoria, assim como membro do Conselho

55 No Processo Sancionador nº 10/03, em que se discutia a eventual ilegal-


idade da contratação do diretor-presidente de uma companhia aberta, a
CVM decidiu que não caberia a responsabilização do controlador por fatos
que, ainda que ilegais, estavam na esfera de atuação exclusiva do Conselho
de Administração (Processo Administrativo Sancionador nº 10/03, Rel. Dir.
Norma Parente, j. 08.12.2005).

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Fiscal, que sabe, ou, acrescentaríamos, deveria saber, exercendo um


mínimo de diligência, incapacitado, por razões técnicas ou morais,
para o exercício de tais cargos.
Evidentemente, a falta de aptidão deve ser conhecida, ou passível
de ser descoberta, para que se caracterize a responsabilidade do contro-
lador em indenizar os prejuízos decorrentes de sua culpa “in eligendo”.
Ademais, o simples insucesso na condução dos negócios não
induz a responsabilidade do controlador referentemente à inaptidão
do administrador ou membro do conselho fiscal56.
“e) induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar
ato ilegal, ou, descumprindo seus deveres definidos nesta lei e
no estatuto, promover, contra o interesse da companhia, sua
ratificação pela assembleia geral”.
O dispositivo visa a coibir duas modalidades de práticas abusivas:
a de induzir ou tentar induzir membro do Conselho de Administra-
ção, diretor ou membro do Conselho Fiscal a praticar ato ilegal57; e a
de promover a ratificação de atos ilegais por eles praticados, contra o
interesse da companhia.
O objetivo da norma é evitar que o poder de eleger redunde no
poder de corromper, presumindo a lei que o acionista controlador abusa
da sua posição de força quando induz ou tenta induzir o administrador
ou fiscal a praticar ato ilegal, ou quando promove, contra o interesse
social, sua ratificação pela assembleia geral. Assim, configuram o

56 FERNANDO BOITEAUX. Responsabilidade Civil do Acionista Controlador


e da Sociedade Controladora. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 72.
57 No Processo Administrativo Sancionador n. 02/03, a CVM puniu o acionista
controlador por ter induzido o diretor de rela­ções com os investidores a
não publicar fato relevante referente à decisão de realizar oferta pública de
aquisição das a­ções dos minoritários para promover o cancelamento do
registro de companhia aberta. No caso, entendeu-se que o dano decorrente
da conduta do controlador ficara demonstrado, uma vez que haviam sido
prejudicados os acionistas da companhia que venderam as suas a­ções sem
saberem dos planos para o “fechamento de capital” (Processo Administrativo
Sancionador nº 02/03, Rel. Dir. Maria Helena Santana, j. 24.07.2007).

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abuso tanto a prática do ato ilegal em nome da companhia, como a


sua suposta convalidação pela Assembleia Geral58.
Quando o administrador ou fiscal pratica o ato ilegal, responde
solidariamente com o acionista controlador (artigo 117, § 2º) pelos
danos dele decorrentes.
“f ) contratar com a companhia, diretamente ou através de
outrem, ou de sociedade na qual tenha interesse, em condi­ções
de favorecimento ou não equitativas.”
A princípio, não está o acionista controlador proibido de con-
tratar com a companhia, direta ou indiretamente, desde que o faça
em condi­ções equitativas, sem obter qualquer tratamento benéfico; o
fundamento da restrição está no fato de que existe, em tal hipótese,
situação assemelhada a do contrato consigo mesmo59.
Para que se possa verificar o caráter equitativo da contratação,
devem ser aplicados os mesmos testes e princípios antes mencionados,
nos comentários à alínea “a”.
A princípio, não há proibição a que o controlador contrate com
a companhia, por exemplo, a prestação de determinados serviços. Os
serviços, porém, devem ser necessários ou úteis à companhia, devendo
obedecer estritamente às condi­ções existentes no mercado para contra-
tos da mesma natureza, com relação a preço, condi­ções de pagamento,
hipóteses de rescisão, etc.60 É recomendável, para se prevenir o con-
trolador de eventuais a­ções judiciais propostas por minoritários, que a
deliberação do órgão competente que aprovar a contratação demonstre,
se possível com estudos independentes, que estão sendo seguidas as
condi­ções de mercado. Assim, se a companhia contratar com o con-
trolador ou com instituição financeira por ele controlada os serviços

58 EGBERTO LACERDA TEIXEIRA, JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Das


Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro. São Paulo: Bushatsky, 1979,
p. 300.
59 FÁBIO KONDER COMPARATO, CALIXTO SALOMÃO FILHO. O Poder de
Controle na Sociedade Anônima. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 403.
60 Sobre a divulgação de opera­ções entre “partes relacionadas” no âmbito das
demonstra­ções financeiras, vide a Deliberação CVM nº 642/2010.

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de underwriting para colocação pública de suas a­ções, deve demonstrar


que o contrato está prevendo comissões semelhantes àquelas cobradas
por outras institui­ções, em opera­ções de mesmo porte.
Caso o controlador empreste recursos de sua controlada, também
exemplificativamente, deve pagar taxa de juros de mercado, assim como
prestar as garantias normalmente exigidas para opera­ções da espécie.
“g) aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administra-
dores, por favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denún-
cia que saiba ou devesse saber procedente, ou que justifique
fundada suspeita de irregularidade”.
A norma prevê duas modalidades de atos abusivos: a aprovação de
contas para acobertar atos irregulares ou ilegais dos administradores; e a
omissão na apuração de denúncias de irregularidades da administração.
A primeira hipótese é de grande relevância prática, uma vez
que, nos termos do artigo 134, § 3º da Lei das S.A., a aprovação das
demonstra­ções financeiras acarreta a exoneração da responsabilidade
dos administradores.
Com efeito, a aprovação das contas, sem reservas, apresenta efi-
cácia liberatória dos administradores, significando que a companhia
renuncia a exigir-lhes responsabilidade por eventuais danos causados
ao seu patrimônio61. Uma vez deliberada pela assembleia a aprovação
das contas, a exoneração da responsabilidade não pode ser desconsti-
tuída por simples ato posterior da própria sociedade, cabendo-lhe ir ao
Judiciário para que seja reconhecido o vício que invalida a deliberação62.
Ao aprovar ou fazer aprovar contas irregulares dos administrado-
res, o controlador acoberta atos ilegais e libera a responsabilidade dos
administradores por sua prática, impedindo a companhia de cobrar

61 ALBERTO XAVIER. Administradores de Sociedades. São Paulo, Revista dos


Tribunais, 1979, p. 107. NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005, p. 112.
62 ALFREDO LAMY FILHO. Temas de S.A. Rio de Janeiro: Renovar, Revista dos
Tribunais, 2007, p. 288.

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deles os prejuízos causados ao patrimônio social, incorrendo na prática


de abuso de poder.
A segunda modalidade prevista na alínea “g” consiste na omissão
propositada na apuração de denúncias, que o acionista controlador sabe
ou devia saber, atuando com diligência, procedentes. Ao não apurar
as denúncias, o acionista controlador obstrui o direito da companhia
de propor ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos
prejuízos causados ao seu patrimônio, nos termos do artigo 159 da
Lei das S.A.
“h) subscrever a­ções, para os fins do disposto no art. 170, com
a realização em bens estranhos ao objeto social da companhia”.
Trata-se de modalidade de comportamento abusivo acrescenta-
da pela Lei nº 9.457/1997, consistente na integralização do capital,
por ocasião de seu aumento, com bens estranhos ao objeto social da
companhia.
Assim, por exemplo, se a companhia tem por objeto a produção de
ligas metálicas e o controlador subscreve a­ções em aumento de capital
com maquinário destinado à produção de tecidos, fica caracterizado o
abuso do poder, pois tais bens são estranhos ao objeto social.
A norma foi objeto de crítica, pelo fato de ser desnecessária, uma
vez que a enumeração do § 1º do artigo 117 é exemplificativa. Ade-
mais, o abuso de poder que se deseja evitar já está disciplinado, posto
que, nos termos do § 1º do artigo 115 o acionista está impedido de
votar, dentre outros casos, na deliberação da assembleia geral relativa
ao laudo de avaliação dos bens com que concorrer para a formação ou
aumento do capital social (artigo 170, § 3º)63.
A Instrução CVM nº 323/2000 adicionou, ao elenco de moda-
lidades de condutas abusivas do acionista controlador, para o caso das
companhias abertas, as seguintes condutas:

63 NELSON EIZIRIK. Reforma das S.A. e do Mercado de Capitais, 2a ed. Rio de


Janeiro: Renovar, 1998, p. 106.

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“I. a denegação do direito de voto atribuído aos titulares de


a­ções preferenciais ou aos acionistas minoritários, por parte
de acionista controlador que detenha a­ções da mesma espécie
e classe das votantes;
II. a realização de qualquer ato de reestruturação societária, no
interesse exclusivo do acionista controlador;
III. a alienação de bens do ativo, a constituição de ônus reais e a
prestação de garantias, bem como a cessação, a transferência ou
a alienação, total ou parcial, de atividades empresariais, lucra-
tivas ou potencialmente lucrativas, no interesse preponderante
do acionista controlador;
IV. a obtenção de recursos através de endividamento ou por
meio de aumento de capital, com o posterior empréstimo desses
recursos, para sociedades sem qualquer vínculo societário com
a companhia, ou que sejam coligadas ao acionista controlador
ou por ele controladas, com juros ou prazos desfavoráveis em
comparação às prevalecentes no mercado, ou em condi­ções
incompatíveis com a rentabilidade média dos ativos da com-
panhia;
V. a celebração de contratos de prestação de serviços, com socie-
dades coligadas ao acionista controlador ou por ele controladas,
em condi­ções desvantajosas ou incompatíveis às de mercado;
VI. a utilização gratuita, ou em condi­ções privilegiadas, pelo
acionista controlador ou por pessoa por ele autorizada, de quais-
quer recursos, serviços ou bens de propriedade da companhia
ou de sociedades por ela controladas;
VII. a utilização de sociedades coligadas ao acionista contro-
lador ou por ele controladas, como intermediárias na compra
e venda de produtos ou serviços prestados junto aos fornece-
dores e clientes da companhia, em condi­ções desvantajosas ou
incompatíveis às de mercado;
VIII. a promoção de diluição injustificada dos acionistas não
controladores, por meio de aumento de capital em propor­ções
desarrazoadas, inclusive mediante a incorporação, sob qualquer

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modalidade, de sociedades coligadas ao acionista controlador ou


por ele controladas, ou da fixação do preço de emissão das a­ções
em valores substancialmente elevados em relação à cotação de
bolsa ou de mercado de balcão organizado;
IX. a alteração do estatuto da companhia, para a inclusão do
valor econômico como critério de determinação do valor de
reembolso das a­ções dos acionistas dissidentes de deliberação
da Assembleia Geral, e a adoção, nos doze meses posteriores
à dita alteração estatutária, de decisão assemblear que enseje
o direito de retirada, sendo o valor do reembolso menor ao
que teriam direito os acionistas dissidentes se considerado o
critério anterior;
X. a obstaculização, por qualquer modo, à realização da As-
sembleia Geral convocada por iniciativa do conselho fiscal ou
de acionistas não controladores;
XI. a promoção de grupamento de a­ções que resulte em elimi-
nação de acionistas, sem que lhes seja assegurada, pelo acionista
controlador, a faculdade de permanecerem integrando o quadro
acionário;
XII. a instituição de plano de opção de compra de a­ções, para
administradores ou empregados da companhia, sem o efetivo
comprometimento com a obtenção de resultados, em detri-
mento da companhia e dos acionistas minoritários;
XIII. a compra ou a venda de valores mobiliários de emissão da
própria companhia, de forma a beneficiar um único acionista
ou grupo de acionistas;
XIV. a compra ou a venda de valores mobiliários em mercado,
ou privadamente, pelo acionista controlador ou por pessoas a
ele ligadas, com vistas à promoção, pelo acionista controlador,
do cancelamento do registro de companhia aberta;
XV. a aprovação, por parte do acionista controlador, da cons-
tituição de reserva de lucros que não atenda aos pressupostos
para essa constituição, assim como a retenção de lucros sem
que haja um orçamento que a justifique.”

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542 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

A Instrução, que apresenta, em várias disposi­ções, redação bas-


tante deficiente, revela o intento da agência reguladora de prever, de
maneira casuística, condutas verificadas no mercado no momento
de sua edição e que poderiam ser caracterizadas como abusivas. Pra-
ticamente todas as modalidades de condutas abusivas elencadas no
artigo 1º da Instrução nº 323/2000 já estão previstas, como standards
de conduta, no § 1º do artigo 117 da Lei das Sociedades Anônimas.
Assim, sua edição pouco contribuiu para a melhor disciplina da con-
duta do acionista controlador.

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IX
Deveres e
Responsabilidades dos
Administradores de
Companhias Abertas

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9.1. Introdução
Antes de proceder à análise dos deveres e responsabilidades dos
administradores de sociedades anônimas abertas, convém destacar
alguns princípios que norteiam a matéria e que servem como critérios
para a interpretação de questões relacionadas ao assunto1.
A primeira observação a ser feita é que há um interesse público
na atuação da companhia aberta, dada a captação da poupança po-
pular por ela realizada. Assim, as companhias abertas são em grande
parte disciplinadas por normas de ordem pública, inderrogáveis pela
vontade dos acionistas porque destinadas à proteção dos investidores.
Com efeito, os interesses em causa na companhia aberta não
são privativos dos acionistas. Justifica-se, portanto, a existência de
normas específicas quanto aos deveres e à responsabilidade civil dos
administradores de companhias abertas, bem como um sistema de
fiscalização permanente exercido pela CVM, particularmente no que
toca à divulgação de informa­ções sobre tais companhias como forma
de atender ao princípio do disclosure2.
Um segundo aspecto importante reside na verificação da natureza
da relação estabelecida entre os administradores da companhia e a pró-
pria sociedade, uma vez que a natureza deste vínculo vai condicionar a
determinação dos deveres a que os administradores estão submetidos e,
consequentemente, o regime de responsabilidade que lhes é aplicável3.
Durante muito tempo, prevaleceu no Direito Societário a visão
contratualista desta relação, sendo o administrador considerado ora

1 A propósito do tema responsabilidade dos administradores, consulte-se


NELSON EIZIRIK. Questões de Direito Societário e Mercado de Capitais. Rio
de Janeiro: Forense, 1987, pp. 94 et. seg. e sobre os deveres, FLÁVIA PARENTE.
O dever de Diligência dos Administradores de Sociedades Anônimas. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005.
2 Sobre princípio do disclosure, confira-se o Capítulo 4 desta obra.
3 JOSÉ LUIS DÍAZ ECHEGARAY. Deberes y Responsabilidad de los adminis-
tradores de sociedades de capital, 2ª ed. Navarra: Editorial Aranzadi, 2006,
p. 75.

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prestador de serviços, ora representante legal ou mesmo mandatário


da sociedade4.
Contudo, por se revelarem inadequadas5 para caracterizar a na-
tureza da relação existente entre os administradores e a sociedade, as
correntes contratualistas foram cedendo espaço à teoria organicista,
amplamente consolidada no Direito Público. Com base nessa teoria,
o Direito Societário desenvolveu a ideia de que os administradores
constituem elementos integrantes da própria sociedade ou meios de
exteriorização6 ou de acesso do ente moral à capacidade jurídica7.
Dessa forma, os administradores não atuam em nome da socieda-
de, mas, enquanto titulares dos órgãos da administração, simplesmen-
te, “corporificam” a própria sociedade ou “presentam”8 a companhia.
Em outras palavras, quando a sociedade age por intermédio de seus
administradores, é ela mesma quem manifesta sua vontade e pratica
o ato jurídico9.

4 ERNESTO EDUARDO MARTORELL. Los directores de sociedades anônimas.


Buenos Aires: Depalma, 1994, pp. 72-80.
5 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. “Responsabilidades dos
administradores de Sociedades Anônimas”. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro, n. 42. São Paulo: Revista dos Tribunais,
abr.-jun.1981, pp. 70-73.
6 GIANCARLO FRÈ. L’organo amministrativo nelle società anonime, v. 16. Roma:
Soc. Ed. Del “Foro Italiano”, 1938, p. 25. No sentido de que os administradores
constituem órgãos da companhia que expressam ou exteriorizam a vontade
coletiva, verifique-se, na doutrina brasileira, as li­ções de Cunha Peixoto
e Valverde (CARLOS FULGÊNCIO DA CUNHA PEIXOTO. Sociedade por
A­ções, v. 4. São Paulo: Saraiva, 1973, p. 3. TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE.
Sociedade por A­ções, v. 2. Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 276).
7 JEAN-PIERRE BERDAH. Fonctions et responsabilité des derigeants de Societés
par actions. Paris: Sirey, 1974, p. 122.
8 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, t. L, 3ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1984, p. 384.
9 LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES. “Responsabilidade Civil dos
Administradores das Sociedades por quotas”. Revista Forense, v. 271. Rio de
Janeiro: Forense, jul.-set. 1980, p. 328. Por este motivo, os atos praticados pelos
administradores no exercício de suas atribui­ções são imputados diretamente
à sociedade (JOSÉ LUIS DÍAZ ECHEGARAY. Deberes y Responsabilidad de los

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Não obstante sejam nomeados pela Assembleia Geral ou, se


existir, pelo Conselho de Administração, não se estabelece entre os
administradores e a companhia uma relação contratual. Na realidade, a
nomeação dos administradores consiste em um ato jurídico unilateral
por meio do qual lhes é atribuída a qualidade de órgãos da sociedade.
Embora a eficácia de tal ato esteja condicionada à aceitação dos no-
meados, nem por isso surge entre eles e a sociedade uma vinculação
contratual10.
Assim, as sociedades anônimas manifestam-se mediante a atuação
de seus órgãos, cabendo ao Conselho de Administração e/ou à Dire-
toria, por intermédio das pessoas físicas dos conselheiros e diretores,
a função de conduzir os negócios sociais e representar a sociedade.
As obriga­ções e os deveres dos administradores não decorrem
de contrato, mas basicamente da lei11. Isto significa que o descum-
primento dos deveres por parte dos administradores não importa em
inadimplemento contratual, constituindo, portanto, delitos ex lege.
Um terceiro ponto a ser destacado refere-se à crescente comple-
xidade das empresas, que impõe um modelo de gestão cada vez mais
especializado e “compartimentalizado”. É bastante frequente a adoção
pelas sociedades da administração “descentralizada”, segmentada em
diferentes níveis organizacionais, cada qual responsável por exercer
uma função específica dentro das companhias. Disto decorre que
a responsabilidade dos administradores não pode ser analisada em

administradores de sociedades de capital, 2ª ed. Navarra: Editorial Aranzadi,


2006, p. 85).
10 ORLANDO GOMES. “Responsabilidade dos Administradores de Sociedades
por A­ções”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro.
São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 8, 1972, p. 12.
11 NELSON EIZIRIK. Questões de Direito Societário e Mercado de Capitais.
Rio de Janeiro: Forense, 1987, pp. 95 et seg. MODESTO CARVALHOSA.
Comentários à Lei de Sociedade Anônimas, 5ª ed., v. 3, São Paulo: Saraiva,
2011, pp. 69-70. DANIELA ZAITZ. “Responsabilidade dos Administradores de
Sociedades Anônimas e por Quotas de Responsabilidade Limitada”. Revista
dos Tribunais, v. 740. São Paulo: Revista dos Tribunais, jun. 1997, pp. 17-19.

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548 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

abstrato, mas concretamente, tendo em vista suas efetivas atribui­


ções na gestão e condução dos negócios sociais – motivo pelo qual a
doutrina vem enfatizando que uma construção jurídica harmoniosa
supõe, necessariamente, que a responsabilidade seja a projeção de uma
definição prévia das fun­ções dos administradores12.

9.2. Os administradores das sociedades anônimas


As atividades de gestão e administração das sociedades anônimas
são exercidas, conforme dispõe o artigo 138 da Lei Societária, pelo
Conselho de Administração, quando houver, e pela Diretoria, em
níveis distintos de fun­ções e de poderes.
O Conselho de Administração constitui um órgão de deliberação
colegiada (artigo 138, § 1º, da Lei das Sociedades Anônimas) de exis-
tência obrigatória nas companhias abertas, nas sociedades de economia
mista e nas de capital autorizado (artigos 138, § 2º, e 239 da Lei das
Sociedades Anônimas), ao qual a Lei Societária atribui algumas das
competências originalmente conferidas à Assembleia geral, visando
ao funcionamento mais ágil da companhia.
Nos termos do artigo 142 da Lei das Sociedades Anônimas, cabe
ao Conselho de Administração, entre outras tarefas, fixar a orientação
geral dos negócios da companhia; eleger e destituir diretores, fiscali-
zando-os; examinar os papéis da companhia; convocar a Assembleia
Geral quando julgar conveniente; escolher e destituir os auditores
independentes; deliberar, quando autorizado pelo estatuto, sobre a
emissão de a­ções ou bônus de subscrição.
A Diretoria, por sua vez, constitui órgão obrigatório em todas as
sociedades anônimas, cabendo aos diretores as fun­ções de represen-
tação legal da companhia e de execução das delibera­ções da Assem-
bleia Geral e do Conselho de Administração. A Diretoria deverá ser

12 JEAN-PIERRE BERDAH. Fonctions et responsabilité des dirigeants de Societés


par actions. Paris: Sirey, 1974, pp. 1-2.

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composta de dois ou mais diretores, eleitos e destituíveis a qualquer


tempo pelo Conselho de Administração ou, caso este não exista, pela
Assembleia Geral.
O artigo 143, inciso IV, da Lei Societária estabelece que caberá
ao estatuto fixar as atribui­ções e os poderes de cada diretor, demons-
trando, assim, que a Diretoria não é um órgão colegiado. No entanto,
nada impede que o estatuto determine que algumas decisões sejam
tomadas, conjuntamente, em reunião da Diretoria (§ 2º do artigo 143
da Lei das S.A.). O estatuto deverá, ainda, consignar a quem compete
a representação da sociedade, sendo que, se não houver disposição esta-
tutária expressa sobre a matéria e inexistindo deliberação do conselho
de administração, a representação da companhia competirá a qualquer
diretor (artigo 144 da Lei das S.A.).

9.3. A classificação dos deveres dos administradores das


sociedades anônimas

Existem dois critérios básicos para classificar os deveres impostos


aos administradores13: o sintético, segundo o qual o legislador se limita
a introduzir, no texto legal, referências genéricas e abstratas à obriga-
ção de atuar de forma diligente, tendo em vista o interesse social; e
o analítico, em que há uma enumeração exemplificativa dos deveres
que lhes são impostos.
O legislador brasileiro adotou um critério misto: se por um lado,
descreve os deveres e as obriga­ções impostos aos administradores de
maneira “minuciosa, e até pedagógica”, como esclarece a Exposição de
Motivos da Lei Societária, por outro, utiliza standards ou referências
genéricas e abstratas para estabelecer alguns desses deveres.

13 Orlando Gomes propõe tais critérios para classificar a responsabilidade dos


administradores de sociedades anônimas, mas esta classificação pode ser
utilizada também em relação aos deveres que lhes são impostos (ORLANDO
GOMES. “Responsabilidade dos Administradores de Sociedades por Ações”.
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 8. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1972, p. 11).

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550 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Assim, a Lei Societária, nos artigos 153 a 157, elenca os princi-


pais deveres conferidos aos administradores14, que são os de diligência
(artigo 153), o de cumprimento das finalidades da sociedade (artigo
154), o de lealdade (artigo 155); o de evitar situa­ções de conflitos de
interesses (artigo 156) e o de informar (artigo 157)15.
No entanto, embora consignados expressamente na Lei, tais deve-
res representam padrões de conduta ou standards a serem observados.
Isto é, não são formulados em caráter absoluto, nem possuem um
conteúdo fixo, dependendo das particularidades de cada caso concreto.
Vale dizer, os standards expressam condutas sociais médias, de caráter
enunciativo, que funcionam como diretivas genéricas e servem como
medida ou elemento de comparação para o juízo de casos concretos.

14 Os deveres e as responsabilidades são aplicáveis também aos membros do


Conselho Fiscal e aos membros de outros conselhos criados estatutariamente
(artigo 165 da Lei das S.A.), conforme Paulo Salvador Frontini: “A responsabilidade
de órgãos societários alcança, a esse título, os administradores, os membros
de outros órgãos estatutários e os conselheiros fiscais” (PAULO SALVADOR
FRONTINI. “Responsabilidade dos Administradores em face da nova lei das
sociedades por a­ções”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico,
Financeiro, n. 26. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 41).
15 Ressalte-se que, além dos deveres enumerados nos artigos 153 a 157 da Lei
Societária, existem outros, que se encontram dispersos na Lei das Sociedades
Anônimas, como o de convocar a Assembleia Geral Ordinária (artigo 123); o de
divulgar e deixar à disposição dos acionistas, até um mês antes da Assembleia
Geral Ordinária, os documentos da administração (artigo 133); o de estar
presente à Assembleia Geral Ordinária (artigo 134 e parágrafos, bastando a
presença de um dos administradores); o de providenciar as demonstra­ções
financeiras (artigo 176); o de zelar para que as opera­ções entre sociedades
coligadas, controladoras ou controladas observem condi­ções estritamente
comutativas (artigo 245); quando for administrador de sociedade filiada, o
de observar a orientação e as instru­ções expedidas pelos administradores
do grupo (artigo 273) e o de zelar para que não ocorram prejuízos a esta
decorrentes de atos estranhos à convenção instituidora do agrupamento
(artigo 276, § 3º). Existem ainda as obriga­ções implícitas que são impostas aos
administradores, as quais se deduzem das normas gerais ou dos princípios
que informam o nosso sistema de Direito Societário, tais como, o dever de
cumprir as normas estatutárias ou as delibera­ções tomadas por órgãos que
lhes são hierarquicamente superiores (FÁBIO ULHOA COELHO. Curso de
Direito Comercial, v. 2. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 243).

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Daí, comportarem tais standards forte carga de subjetivismo, impli-


cando um certo juízo de valor sobre a conduta.
Na realidade, a utilização de standards acarreta a não exigência de
prévio conhecimento jurídico sobre uma matéria específica, mas implica
o emprego do sentido comum ou cotidiano da conduta em questão.
Os standards, ao indicarem o modelo ou a combinação de ele-
mentos aceitos como corretos ou perfeitos pelo homem médio sob
determinadas circunstâncias, revestem-se da necessária flexibilidade
para abranger as mais variadas situa­ções, de acordo com o tempo, o
lugar, as circunstâncias e as peculiaridades de cada caso concreto.
A utilização, pela lei, de conceitos indeterminados e abstratos
resulta da impossibilidade de previsão exaustiva e rigorosa de todos
os deveres a que estão submetidos os administradores da sociedade.
Contudo, a indeterminação e a abstração que caracterizam os stan-
dards cessam diante do caso concreto. Com efeito, a indeterminação
do enunciado não representa a indeterminação de sua aplicação – ao
contrário, possibilita uma única solução justa para cada caso16.
Assim, diante de um caso concreto, uma vez delimitados os con-
tornos de um standard fixado em lei, poderá o intérprete verificar se
determinada conduta corresponde ou não ao padrão desejado.

9.4. Dever de diligência – artigo 153 da Lei das S.A.


O artigo 153 da Lei das S.A. trata do dever de diligência, o mais
importante – e de difícil caracterização – de todos. Sua importância
reside no fato de constituir, mais que um dever, a transposição de
um princípio geral de direito, que sempre acompanha a execução de
qualquer obrigação, para o âmbito da gestão das companhias17.

16 EDUARDO GARCÍA DE ENTERRÍA, TOMAS-RAMON FERNANDEZ. Curso de


Derecho Administrativo, t. I. Madrid: Civitas, 1997, p. 456.
17 FLÁVIA PARENTE. O dever de Diligência dos Administradores de Sociedades
Anônimas. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 41.

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Tal dever impõe ao administrador o exercício de suas fun­ções


com o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo emprega
na administração do seu próprio negócio.
Ao determinar que o administrador se comporte como um
homem ativo e probo, assentou o legislador um parâmetro, cujo fun-
damento reside no princípio do bonus pater familias, originário do
Direito Romano, que indica o cuidado, zelo e aplicação no exercício
de suas fun­ções.
A figura do “bom pai de família”18 comporta dois elementos: o
vocábulo “bom” indica que se trata do “homem médio” ou a “pessoa
normal”; “pai de família”, ao seu turno, sugere alguém desprovido de
conhecimentos técnicos19.
O dever de diligência dos administradores, no entanto, distingue-
se do dever de diligência dos demais devedores de obriga­ções em geral,
uma vez que se exige destes últimos a diligência de um “bom pai de
família”, enquanto aos primeiros, atualmente, impõe-se algo mais do
que a simples conduta como um bonus pater familias.
Na realidade, a figura do bonus pater familias está associada à pre-
servação do patrimônio da entidade familiar, enquanto que a atuação
do administrador sempre deve ser dirigida à consecução do objeto
social, visando à obtenção de lucros, já que é da essência da sociedade
anônima a finalidade lucrativa20. Em outras palavras, o bom pai de

18 Segundo Antunes Varela, bom pai de família seria “no fundo, o homem médio,
a pessoa normal, que sem grandes rasgos mas também sem defeitos abaixo
do comum, razoavelmente cuida da sua pessoa e das suas coisas e respeita
os interesses legítimos de seu semelhante” (ANTUNES VARELA. Direito das
Obriga­ções: conceito, estrutura e função da relação obrigacional, fontes
das obriga­ções, modalidades das obriga­ções. Rio de Janeiro: Forense, 1977,
p. 226).
19 FLÁVIA ALMEIDA VIVEIROS DE CASTRO. “O modelo do bom pai de família
e a responsabilidade civil contratual: origens e desdobramentos”. Direito,
Estado e Sociedade, n. 15. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, ago.-dez. 1999,
p. 18.
20 A finalidade lucrativa da sociedade de economia mista foi discutida no PAS
CVM nº RJ2013/6635, Rel. Dir. Luciana Dias, j. 26.05.2015 (Caso Eletrobras).

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família deve procurar manter o patrimônio e o administrador deve


buscar multiplicá-lo.
A inadequação do padrão do bom pai de família para servir de
fundamento para a verificação do dever de diligência pode ser ainda
constatada, tendo em vista que, tradicionalmente, tal parâmetro é as-
sociado ao contrato de mandato, instituto, por sua vez, impróprio para
caracterizar a relação existente entre administradores e sociedade21.
O Código Comercial Brasileiro, de 1850, em seu artigo 142, já
consagrava o padrão de diligência do bom pai de família ao dispor que
o mandatário deveria demonstrar, na execução do mandato, “a mesma
diligência que qualquer comerciante ativo e probo costuma em­pregar
na gerência de seus próprios negócios”, equiparando, desta forma, as
fun­ções do administrador às do mandatário22.

Posteriormente, foi interposto recurso para o CRSFN – Recurso nº 14.306,


403ª Sessão, Rel. Conselheiro Flávio Maia, que reformou a decisão daquele
Colegiado.
21 A inadequação do mandato para definir o vínculo jurídico existente entre a
sociedade e seus administradores pode ser constatada tendo em vista suas
características. O mandato consiste em um negócio jurídico pelo qual um
sujeito – mandante – outorga poderes a outro – mandatário – para atuar nos
limites dos poderes a ele conferidos e em conformidade com as instru­ções
dadas pelo mandante. O mandato, portanto: (1) pressupõe a voluntariedade
dos sujeitos contratantes, (2) pressupõe a existência de dois sujeitos, (3) admite
delegação de poderes (art. 667, § 1º do Código Civil de 2002), (4) em princípio,
o mandante poderia praticar por si próprio os atos que delega ao mandatário.
Diversamente do mandato, nas rela­ções existentes entre a sociedade e o
administrador (1) a vontade do legislador impõe a presença dos órgãos da
administração, (2) os administradores fazem parte da sociedade enquanto
titulares de seus órgãos, (3) as fun­ções exercidas pelos administradores são
indelegáveis, (4) a sociedade somente pode praticar atos por meio de seus
órgãos, (5) os administradores não recebem instru­ções, pois podem atuar
da maneira que entenderem mais adequada ao atendimento dos interesses
sociais, desde que respeitadas as disposi­ções legais e estatutárias.
22 WALDÍRIO BULGARELLI. Manual das Sociedades Anônimas, 9ª ed. São Paulo:
Atlas, 1997, pp. 181 et seg. Essa aproximação das duas figuras – administrador
e mandatário – encontrava-se prevista expressamente no Direito italiano,
que, no antigo art. 2.392 do Código Civil, prescrevia que: “gli amministratori
devono adempiere i doveri ad essi imposti dalla legge e dall’atto costitutivo con la
diligenza del mandatario”. Tal dispositivo do Código Civil Italiano foi alterado,
com a edição do Decreto Legislativo n. 6, de 17 de janeiro de 2003, possuindo,

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Contudo, a transposição de regra típica do mandato para o âmbito


da administração das companhias encontra-se em dissonância com o
moderno Direito Societário23, que já consolidou a teoria organicista
para explicar a natureza do vínculo existente entre administradores e
a sociedade24.
Ou seja, o dever de diligência previsto no artigo 153 da Lei Socie-
tária, ao consagrar a figura do bom pai de família, não se coaduna com
a atual doutrina do Direito Societário, que afasta os administradores
do instituto do mandato e que lhes impõe uma atuação competente
e profissional.
O dever de diligência é de difícil definição, por representar um
conceito extremamente fluido25.

atualmente, a seguinte redação: “gli amministratori devono adempiere i doveri


ad essi imposti dalla legge e dallo statuto com la diligenza richiesta dalla natura
dell’incarico e dalle loro specifiche competenze”. O novo texto legal abandonou,
portanto, o padrão de diligência do mandatário para consagrar a obrigação
dos administradores de atuarem de acordo com os deveres que lhes são
impostos pela lei e pelos estatutos com a diligência requerida tendo em vista
a natureza de seus cargos e as competências que lhes são atribuídas. Isto
não significa que os administradores devam ser peritos em contabilidade,
em finanças ou em outras áreas desenvolvidas pela sociedade, mas que
deverão se informar antes de tomarem quaisquer decisões que possam ser
consideradas precipitadas, irresponsáveis ou negligentes. Ou seja, a atuação
dos administradores deve ser consciente e fruto de um risco calculado
(ROBERTO CROSTA. La Riforma Del Diritto Societario. Napoli: Gruppo
Editoriale Esselibri-Simne, 2004, p. 96).
23 Neste sentido, causa estranheza que o Código Civil Brasileiro, de 2002, tenha
estabelecido, em seu art. 1.011, § 2º, que trata da administração das sociedades,
que “aplicam-se à atividade dos administradores, no que couber, as disposi­
ções concernentes ao mandato”. Confira-se, FLÁVIA PARENTE. O Dever de
Diligência dos Administradores de Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005, pp. 20-31.
24 Ver a propósito, MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades
Anônimas, 5ª ed, v. 3. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 65-66. FÁBIO ULHOA
COELHO. Curso de Direito Comercial, v. 2. São Paulo: Saraiva, 2003, pp. 241-242.
25 Conforme reconhecido pela própria CVM, no julgamento do Processo
Administrativo Sancionador CVM nº RJ 2005/1443, em 10.05.2006, Rel. Dir.
Pedro Oliva Marcilio de Sousa, a dificuldade de limitação da abrangência do
atuar diligente do administrador também é observada no modo pelo qual a
autarquia investiga e julga os processos administrativos por ela instaurados.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 555

Em muitos países, os legisladores recorreram às figuras do co-


merciante e do “homem de negócios” para servirem de parâmetro de
verificação da conduta diligente do administrador. O artigo 59 da Lei
das Sociedades Comerciais Argentina (Lei nº 19.550/1972, modificada
pela Lei nº 26.994/2014), por exemplo, prevê que os administradores e
os representantes da sociedade devem agir com a lealdade e a diligência
de um bom homem de negócios; a Lei das Sociedades Anônimas es-
panhola (Real Decreto Legislativo nº 1/2010), por sua vez, estabelece,
em seu artigo 225, que os administradores devem desempenhar seus
cargos com a diligência de um empresário organizado. Verifica-se,
portanto, que vários sistemas legais aproximam o dever de diligência
do administrador de figuras como o mandato, a representação e a do
“bom pai de família”.
A primeira legislação que propôs, de forma efetiva, a dissociação
do dever de diligência de institutos que lhes são estranhos (mandato,
representação e “bom pai de família”) foi a Lei das Sociedades Anô-
nimas alemã (AktG), de 1965, que determinou, em seu artigo 93, que
“os membros da direção devem dar à sua gestão os cuidados de um
administrador competente e consciencioso” (grifamos).
Assim, a questão da diligência no Direito germânico está identifi-
cada com a competência do administrador, isto é, com a sua capacidade
de reunir conhecimentos técnicos ou profissionais específicos para
desenvolver, adequadamente, o objeto social da companhia26.

No mais das vezes, procura-se substituir a decisão tomada pela administração


preventivamente, através de expedição de mandados de ordens, ou em
caráter repressivo, pela condenação em seus processos, sem que haja uma
preocupação em delinear os contornos da diligência exigida pela lei. Com
isto, a CVM acaba por ingressar no mérito das decisões da administração das
companhias. Deste julgado, ainda se extrai que a CVM aceita como subsídio
as decisões dos Tribunais norte-americanos: “Na ausência de decisões prévias
ou de reflexões sobre o assunto no Brasil, a jurisprudência norte-americana
pode servir como um bom subsídio, especialmente porque lá se procura
extrair conceitos e regras a partir de casos concretos”.
26 O Direito português, de forma bastante semelhante ao direito alemão,
igualmente, consagrou o modelo de diligência do gestor criterioso e ordenado,

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556 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

É inegável, também, a contribuição do Direito norte-americano


para a identificação da diligência com o padrão do administrador
competente e profissional.
O standard of care, do Direito norte-americano, encontra-se
previsto no Model Business Corporation Act, de 1984, no § 8.30(a), que
estabelecia, em sua redação original, que o diretor deveria desempenhar
seus deveres: (1) com boa-fé, (2) com o cuidado que uma pessoa razo-
avelmente prudente, em posição semelhante, teria em circunstâncias
parecidas, e (3) convencido de estar agindo de forma a melhor atender
aos interesses da companhia.
Em 1999, o § 8.30 (a) do Model Act teve sua redação alterada
para eliminar a cláusula (2), uma vez constatada ser inadequada a re-
ferência a “ordinarily prudent person”, tendo em vista que a função de
um diretor – que não é uma “pessoa comum” – envolve determinados
riscos, visando à obtenção de lucros para a companhia27.
Este duty of care expresso no Model Business Corporation Act en-
contra-se consagrado nos diferentes Estados norte-americanos, com
pequenas varia­ções. Na Virgínia, por exemplo, houve a substituição
das partes (1), (2) e (3) pelo standard das decisões “in accordance with
his good faith business judgment of the best interests of the corporation”28. O
American Law Institute também adota redação semelhante ao estabe-

no artigo 64º do Código de Sociedades Comerciais, alterado pelo Decreto-Lei


nº 280/87 (“Artigo 64º. Os gerentes ou administradores da sociedade devem
observar: a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência
técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas
funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e
ordenado; e b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo
aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos
outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como
os seus trabalhadores, clientes e credores.”).
27 A reforma do Model Business Corporation Act, empreendida em 1999, tratou
ainda da chamada “business judgment rule”. A propósito, ver item 9.4.7 deste
Capítulo.
28 ROBERT W. HAMILTON. The Law of Corporations in a nutshell. St. Paul: West
Group, 2000, p. 447.

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lecer no § 4.01 de seus princípios que “a director or a officer has a duty to


the corporation to perform the director’s or officer’s functions in good faith,
in a manner that he or she believes to be in the best interests of corporation,
and with the care that an ordinarily prudent person would reasonably be
expected to exercise in a little position and under similar circumstances”29.
Na realidade, para facilitar a verificação do cumprimento do dever
de diligência, a doutrina30, principalmente a partir da análise de casos
e julgados de tribunais norte-americanos, tem ressaltado que ele se
decompõe em cinco diferentes aspectos, a saber31: o dever de se qua-
lificar para o exercício do cargo; o dever de bem administrar; o dever
de se informar; o dever de investigar; e o dever de vigiar.
Examinar-se-ão, a seguir, cada um destes aspectos do dever de
diligência.

9.4.1. O dever de se qualificar para o exercício do cargo


O dever de se qualificar para o exercício do cargo evidencia a
necessidade de o administrador possuir ou adquirir os conhecimentos
mínimos acerca das atividades que serão desenvolvidas pela sociedade32.

29 AMERICAN LAW INSTITUTE. Principles of Corporate Governance: Analysis


and recommendations, v. I. St. Paul: American Law Institute Publishers, 1994.
30 JOSE ORIOL LLEBOT MAJÓ. Los deberes de los administradores de la
sociedad anônima. Madrid: Civitas, 1996, pp. 49-69. PAULA CRISTINA
RAPOSO DOMINGUES CABRIZ SIMÕES. Os deveres de diligência e de
lealdade dos administradores das sociedades anônimas. Dissertação
(Mestrado em Direito – Ciências Jurídico-comerciais) – Universidade Católica
Portuguesa, Lisboa, 1998, pp. 107-109.
31 A propósito dos aspectos do dever de diligência, confira-se FLÁVIA PARENTE.
O Dever de Diligência dos Administradores de Sociedades Anônimas. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005, pp. 101-131.
32 Sobre a matéria, destaca-se o famoso caso julgado nos Estados Unidos
da América, Francis v. United Jersey Bank, no qual foi concluído que: “as a
general rule, a director should acquire at least a rudimentary understanding of
the business of the corporation. Accordingly, a director should become familiar
with the fundamentals of the business in which the corporation is engaged”.
A partir da análise do caso Francis, os doutrinadores concluíram que se o
administrador não possui conhecimentos mínimos para o desempenho de
suas fun­ções, não deverá aceitar o cargo que lhe foi oferecido (ROBERT C.

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558 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Apesar de o artigo 153 da Lei das S.A. não exigir do administra-


dor habilitação profissional específica, a complexidade das atividades
empresariais verificada na atualidade requer dele não apenas probidade
e honestidade, conforme textualmente preceitua a Lei Societária,
mas também competência profissional, traduzida por escolaridade
ou experiência33.
O administrador não precisa ser um técnico altamente espe-
cializado, mas sim uma pessoa com conhecimentos gerais a respeito
das atividades desenvolvidas pela companhia que administra, com
capacidade para tomar decisões de maneira refletida e responsável e
supervisionar os negócios sociais34_35.

CLARK. Corporate Law. Boston: Little, Brown and Company, 1986, pp. 125-
126. ROBERT W. HAMILTON. The Law of Corporations in a nutshell. St. Paul:
West Group, 2000, pp. 451-452. JOSE ORIOL LLEBOT MAJÓ. Los deberes
de los administradores de la sociedad anônima. Madrid: Civitas, 1996,
pp. 55-56. PAULA CRISTINA RAPOSO DOMINGUES CABRIZ SI­MÕES. Os
deveres de diligência e de lealdade dos administradores das sociedades
anônimas. Dissertação (Mestrado em Direito – Ciências Jurídico-comerciais)
– Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 1998, pp. 107-125). Embora as
legisla­ções societárias não exijam capacidade técnica dos administradores, a
doutrina vem entendendo que estes deverão possuir capacidade profissional
específica para o desempenho de seus cargos. O administrador não tem
o dever de ser perito em todas as áreas, mas deve ser diligente e obter os
conhecimentos necessários para o correto desempenho de seu cargo. A
respeito, MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades
Anônimas, 5ª ed., v. 3. São Paulo: Saraiva, 2011; EDUARDO DE SOUSA
CARMO. Rela­ções Jurídicas na Administração da S.A. Rio de Janeiro: Aide,
1988; FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. 4ª ed.
revista e atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 2010; FLÁVIA PARENTE. O Dever
de Diligência dos Administradores de Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005, pp. 102-107.
33 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, 5ª
ed., v. 3. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 314.
34 RENATO VENTURA RIBEIRO. Dever de Diligência dos Administradores de
Sociedades. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 204.
35 Sobre a qualificação dos conselheiros, ver OTÁVIO YAZBEK. “Representações
do Dever de Diligência na Doutrina Jurídica Brasileira”. In: Luiz Fernando
Martins Kuyven (Coord.). Temas Essenciais de Direito Empresarial: Estudos
em homenagem a Modesto Carvalhosa. São Paulo: Quatier Latin, 2012, p.
940-961, observa que: “Se por um lado o dever de qualificar-se reside no
núcleo do dever de diligência [...], não há como, nas grandes companhias

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O administrador diligente, quando tiver que tomar decisões a


respeito de assuntos que exijam conhecimentos que ele não possua,
deve amparar-se em informações obtidas junto a técnicos qualificados,
sejam eles profissionais da própria empresa, ou, quando necessário,
consultores externos .

9.4.2. O dever de bem administrar


O dever de bem administrar consiste na atuação do administrador
visando à consecução do interesse social, dentro dos limites do objeto
social36. Contudo, não exige que as decisões negociais por ele tomadas
acarretem necessariamente um resultado econômico positivo para a
companhia.
Isto porque o dever de diligência constitui uma obrigação de
meio, e não uma obrigação de resultado. O conteúdo da prestação
nas obriga­ções de meio consiste justamente no comportamento dili-
gente do devedor em benefício do credor, não sendo necessário que o
resultado seja alcançado37.

9.4.3. O dever de se informar


O dever de se informar impõe aos administradores a obrigação
de obter as informa­ções necessárias ao desenvolvimento adequado do
negócio social.

contemporâneas, presumir uma especialização ao mesmo tempo abrangente


e aprofundada. [...] Daí porque pode-se impor alguma razoabilidade quando
da responsabilização dos conselheiros conforme o seu grau de especialização
e a natureza dos problemas ocorridos – não se pode ignorar que estes
podem, em alguns casos, não ser de fato considerados responsáveis pelas
irregularidades ocorridas”.
36 O objeto social “pode ser definido como a atividade econômica em razão da
qual se constitui a sociedade e em torno da qual a vida social se realiza e se
desenvolve” (MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades
Anônimas, 5ª ed, v. 3. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 333).
37 LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES. “A Obrigação de Melhores Esforços
(Best Efforts)”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro, v. 134. São Paulo: Revista dos Tribunais, abr.-jun. 2004, pp. 8-9.

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Evidentemente, não se pode exigir que os administradores ob-


tenham, quando da tomada de uma decisão, todas as informa­ções a
respeito das opera­ções que serão implementadas, sob pena de a decisão
ser adiada a ponto de a companhia poder perder uma oportunidade de
negócio. Assim, o conteúdo do dever de buscar informa­ções imposto
aos administradores deve ser limitado de modo que as informa­ções
exigidas sejam razoáveis e não excessivas38_39.

38 Nesse sentido, o PAS CVM nº 02/2008, Rel. Dir. Roberto Tadeu, j. 05.03.2015:
“Para se aferir o descumprimento do dever de se informar, o qual está
diretamente relacionado ao dever de diligência de que trata o art. 153
da lei societária, cumpre primeiramente perquirir o grau de informação
exigível dos administradores no processo de obtenção de informações. Em
resposta a essa indagação, Flávia Parente destaca que ‘não se pode exigir dos
administradores a obtenção de todas as informações relevantes a respeito dos
negócios que serão implementados – as informações exigíveis são as razoáveis,
tendo em vista as circunstâncias concretas diante das quais se encontram os
administradores e a própria companhia, quando da tomada de decisão.’.”
39 O dever de obter as informações necessárias, segundo a CVM, não se extingue
com a mera apresentação de laudos ou opiniões especializadas emitidos por
experts. O administrador deve também, sob pena de faltar com a diligência
necessária na busca de informações, supervisionar, investigar e, inclusive,
conferir o trabalho dessas fontes. Nesse sentido, a CVM, no julgamento do
Processo Administrativo Sancionador nº 08/05, Rel. Dir. Eli Loria, j. 12.12.2007,
decidiu que a mera contratação de uma empresa de auditoria renomada não
exime os administradores de responsabilização por infração ao dever de
se informar, sobretudo quando existentes “flagrantes omissões”. Confira-se
trecho do voto do Diretor Relator: “O dever de cuidado exige a desconfiança,
inclusive de laudos técnicos e periciais, desde que fundamentada e nada
mais natural que o administrador exija esclarecimentos e eventuais revisões
de um trabalho contratado quando este apresenta flagrantes omissões”. O
mesmo entendimento foi reiterado pelo Diretor Relator Eli Loria na decisão
do Processo Administrativo Sancionador nº 25/03, j. 25.03.2008: “A decisão
fundada nessas opiniões não exime, de maneira alguma, o administrador
do dever de analisar criticamente as informações a ele fornecidas, a fim de
identificar eventuais problemas [...]. Uma vez detectados sinais de alerta
que levem o administrador a suspeitar de que algo não está correto, incide
sobre ele o dever de investigar esses pontos buscando esclarecimentos
até que esteja seguro de que está lidando com a situação corretamente”.
Além disso, no PAS CVM nº 02/2008, Rel Dir. Roberto Tadeu, j. 05.03.2013,
foi consignado: “Da mesma forma, como dever de investigar, não deve o
administrador se satisfazer com as informações que lhe são fornecidas pela
parte interessada na contratação, deve ele diligenciar no sentido de obter
informações de forma independente.”

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Dessa forma, na verificação do grau de esforço perpetrado pelo


administrador visando à obtenção de informa­ções, não se pode ado-
tar parâmetros demasiadamente rigorosos40. Em tal análise, ademais,
devem ser levadas em consideração as circunstâncias concretas diante
das quais se encontram os administradores e a própria companhia, no
momento da adoção de uma determinada decisão.
Neste sentido, diversos fatores devem ser ponderados na análise
do cumprimento do dever de se informar imposto aos administrado-
res, tais como o tempo disponível para a efetiva tomada de decisão, os
custos demandados por uma eventual investigação mais detalhada a
respeito das informações que lhes foram fornecidas, etc.41

9.4.4. O dever de investigar


O dever de investigar impõe aos administradores a obrigação de
não apenas analisar criticamente as informa­ções que lhes foram forne-
cidas para verificar se são suficientes ou se devem ser complementadas,
como também, de posse destas informa­ções, considerar os fatos que
podem eventualmente vir a causar danos à sociedade, tomando as
providências cabíveis para evitá-los.

40 PAULA CRISTINA RAPOSO DOMINGUES CABRIZ SIMÕES. Os deveres de


diligência e de lealdade dos administradores das sociedades anônimas.
Dissertação (Mestrado em Direito – Ciências Jurídico-comerciais) –
Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 1998, p. 115.
41 A CVM ressaltou, em decisão proferida no julgamento do Processo
Administrativo Sancionador CVM nº RJ 2005/0097, Rel. Dir. Maria Helena
de Santana, j. 15.03.2007, que “o gestor de companhia lida com restri­ções
de tempo e de recursos que o levam a dedicar mais ou menos tempo a
certas decisões, a realizar estudos mais ou menos aprofundados em cada
caso, e isso faz parte de suas responsabilidades”. No julgamento do Processo
Administrativo Sancionador CVM nº RJ 2005/1443, Rel. Dir. Pedro Oliva
Marcilio de Sousa, j. 10.05.2006, a Autarquia considerou, na mesma linha,
que “uma decisão negocial não pode ser analisada fora do contexto em que
se insere, o que deixaria de considerar que o administrador, muitas vezes
em virtude da escassez de tempo, precisa escolher quais serão as questões
revistas e quais não serão analisadas”.

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562 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Note-se, todavia, que o dever de investigar somente se impõe


quando o administrador está diante de circunstâncias específicas que
o fazem crer que a companhia está enfrentando algum tipo de risco,
isto é, em situa­ções que o deixem em “estado de alerta”42.
Neste sentido, a doutrina norte-americana enfatiza que os ad-
ministradores devem promover uma investigação mais minuciosa a
respeito da existência de eventuais problemas que a companhia pode
vir a enfrentar quando forem alertados por circunstâncias ou eventos
que indiquem a necessidade de dedicarem maior atenção a determina-
do assunto. Ou seja, quando estiverem diante das chamadas red flags,
que sugiram que a sociedade está ou pode vir a enfrentar problemas
significativos em seus negócios ou, mesmo, envolver-se em alguma
conduta ilícita43.

42 ROBERT C. CLARK. Corporate Law. Boston: Little, Brown and Company, 1986,
p. 131. FLÁVIA PARENTE. O Dever de Diligência dos Administradores de
Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 122. Neste sentido,
o Corporate Director’s Guidebook, elaborado pela American Bar Association,
expressamente preceitua que: “A director should inquire into potential problems
or issues when alerted by circumstances or events suggesting that board
attention is appropriate: for example, inquiry is warranted when information
provided on an important matter appears materially inaccurate or inadequate or
there is reason to question the veracity of management” (grifamos). AMERICAN
BAR ASSOCIATION. Corporate Director’s Guidebook, 4th ed. The Business
Lawyer. Chicago: Section of Business Law of the American Bar Association,
v. 59, n. 3, may 2004, pp. 1.069-1.070.
43 Nesse sentido, dispõe o Corporate Director’s Guidebook, elaborado pela
American Bar Association: “When directors see ‘red flags’ indicating that the
corporation is or may be experiencing significant problems in a particular area of
business, or may be engaging in unlawful conduct, they should make further inquiry
until they are reasonably satisfied that management is dealing with the situation
appropriately”. A respeito da matéria, o American Law Institute estabelece,
expressamente, que o dever de diligência “includes the obligation to make, or
cause to be made, an inquiry when, but only when, the circumstances would alert
a reasonable director or officer to the need therefor” (AMERICAN LAW INSTITUTE.
Principles of Corporate Governance: Analysis and recommendations, v. I.
St. Paul: American Law Institute Publishers, 1994, pp. 138-139). Salienta ainda
que o dever de investigar “only arises if it is reasonably called for by specific
facts and circumstances” (p. 163). Entre os doutrinadores espanhóis, verifica-se
também essa orientação, como ressalta Majo para quem o dever de investigar
somente surge “cuando las circunstancias (v. gr., la insuficiencia de la información

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Assim, se os administradores, ao se informarem, não tiverem co-


nhecimento de qualquer fato ou ato que os levem a suspeitar de que
algo esteja errado ou possa vir a causar prejuízos à companhia, não
haverá necessidade de maiores investigações.
A propósito, saliente-se que os administradores podem e devem
confiar nas informa­ções contidas em relatórios ou estudos que lhes
são fornecidos por subordinados, auditores e outros profissionais. Tal
confiança somente é quebrada caso verifiquem algum fato ou encon-
trem-se diante de algum sinal de alerta (red flag) que os faça suspeitar
da existência de alguma irregularidade44 ou inconsistência de dados45.

disponible, o la naturaleza de los hechos) presentes en cada situación exigen la


actuación de los administradores” (JOSE ORIOL LLEBOT MAJO. Los deberes de
los administradores de la sociedad anônima. Madrid: Civitas, 1996, p. 68).
44 ROBERT C. CLARK. Corporate Law. Boston: Little, Brown and Company, 1986,
p. 131.
45 O Corporate Director’s Guidebook textualmente dispõe a respeito do direito
do administrador de “confiar nos outros” (“the right to rely on others”) nos
seguintes termos: “A director is entitled to rely on reports, opinions, information
and statements, including financial statements and other data, presented by [...] (ii)
legal counsel, public accountants or other persons as to matters that the director
reasonably believes to be within the person’s professional or expert competence
or as to which the person merits confidence. Such reliable is permissible only
if the directors has no knowledge that would make the reliance unwarranted”
(grifamos). (Corporate Director’s Guidebook, 4th ed. The Business Lawyer.
Chicago: Section of Business Law of the American Bar Association, v. 59, n. 3,
may 2004, p. 1.069). No mesmo sentido, dispõe o Model Business Corporation
Act, de 1984, em seu § 8.30 (e) combinado com § 8.30 (f), bem como no § 8.42
(c) (AMERICAN BAR ASSOCIATION. Model Business Corporation Act: official
text with official comment and statutory cross-references revised through
2005. USA, ABA Books, 2005, pp. 8-39 e 8-83). Na mesma linha, a própria
CVM consignou, no julgamento do Processo Administrativo Sancionador
CVM nº RJ 2005/1443, Rel. Dir. Pedro Oliva Marcilio de Sousa, j. 10.05.2006,
que, para o atendimento do dever de diligência, o administrador deve
tomar uma “decisão informada”, ou seja, aquela na qual “os administradores
basearam-se nas informa­ções razoavelmente necessárias para tomá-la.
Podem os administradores, nesses casos, utilizar, como informa­ções, análises
e memorandos dos diretores e outros funcionários, bem como de terceiros
contratados”. No mesmo sentido o PAS CVM nº RJ2009/2610, Rel. Dir. Marcos
Barbosa Pinto, j. 28.09.2010.

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564 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Este princípio fundamenta-se no fato de que seria impossível,


especialmente nas grandes companhias abertas, exigir-se que o ad-
ministrador, por mais diligente que seja, conferisse pessoalmente a
veracidade de todas as informa­ções levadas a seu conhecimento46.

9.4.5. O dever de vigiar


O dever de vigiar consiste na obrigação permanente do admi-
nistrador de monitorar o desenvolvimento das atividades sociais. Não
implica, porém, que ele supervisione direta e detalhadamente todas
as opera­ções rotineiras da companhia. A doutrina ressalta, inclusive,
que seria indesejável que os administradores adquirissem informações
sobre todos os aspectos das atividades da companhia, uma vez que os

46 Com a edição da Sarbanes-Oxley Act (SOX), nos Estados Unidos, em 2002,


estes e outros aspectos do dever de diligência foram positivados. A Seção
302, por exemplo, impõe uma obrigação com a finalidade de assegurar
que os administradores realmente tomem conhecimento dos relatórios
financeiros da companhia. Tal dispositivo determina que o principal
diretor e os demais administradores da área financeira certifiquem que
cada relatório financeiro periódico foi revisado e que, baseados em seus
conhecimentos, tais relatórios, a princípio, não contêm qualquer dado
falso, refletindo, de maneira geral, a real situação financeira da companhia
no período de tempo nele compreendido. Outro mecanismo relevante no
sentido de obrigar o administrador a se manter informado está contido na
Seção 404, que estabelece, dentre outras medidas, que a SEC prescreverá
regras requerendo que cada relatório anual de contas contenha um relatório
de controle interno, em que deverá estar estatuída a responsabilidade dos
administradores de estabelecer e manter uma estrutura de controle interno
adequada e, ainda, procedimentos para elaboração de relatórios financeiros.
Além disso, o administrador deverá atestar a efetividade daquela estrutura
e dos procedimentos. Dessa forma, os administradores deverão ter uma
preocupação com o fluxo de informa­ções financeiras. A propósito das
consequencias da edição da SOX em relação aos deveres dos administradores,
confira-se: BRETT H. MCDONNELL. Sarbanes-Oxley, Fiduciary Duties, and
the Conduct of Officers and Directors, Jul. 2004. Disponível em: <https://
papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=570321>. Acesso em: 9 jan.
2019 e LISA M. FAIRFAX. The Sarbanes-Oxley Act as confirmation of recent
trends in director and officer fiduciary obligations. Disponível em: <https://
scholarship.law.stjohns.edu/cgi/viewcontent.cgi?referer=https://www.
google.com/&httpsredir=1&article=1373&context=lawreview>. Acesso em:
9 jan. 2019.

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benefícios poderiam ser inferiores aos custos incorridos47. Em reali-


dade, cabe ao administrador tão somente monitorar o andamento
geral dos negócios sociais. Isto é, não se exige do administrador a
supervisão detalhada de cada um dos negócios diária e rotineiramente
desenvolvidos pela companhia48.

9.4.6. A análise dos aspectos do dever de diligência


Diante de um caso concreto, os aspectos do dever de diligência
antes referidos poderão ser considerados para que se possa verificar se
o administrador procedeu como deveria e, eventualmente, afastar sua
responsabilização pelo descumprimento deste dever de cuidado. Estas
obriga­ções específicas que corporificam o dever de diligência podem,
dessa forma, servir como “medida” para apurar se houve violação do
dever de cuidado por parte dos administradores.
Como o dever de diligência não possui um conteúdo delimitado,
além destas obriga­ções subsumidas no dever de cuidado, é necessário

47 MELVIN EISENBERG. The Duty of Care of Corporate Directors and Officers.


Pittsburgh: University of Pittsburgh Law Review, v. 51, n. 4, p. 954. NELSON
EIZIRIK. A Lei das S/A Comentada, v. II. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 354.
48 Recentemente, a CVM tem adotado entendimento mais rigoroso quanto à
violação do dever de monitorar, exigindo, como parte de seu cumprimento,
que os administradores implementem na companhia sistemas de controle
eficientes, que sejam capazes de evitar a prática de fraudes e atos irregulares
no âmbito da companhia. Nesse sentido, o Processo Administrativo
Sancionador CVM nº RJ18/2008, Rel. Dir. Alexsandro Broedel Lopes, j. em
14.12.2010. Assim também o Processo Administrativo Sancionador CVM nº
24/2006, Rel. Dir. Otávio Yazbek, j. 18.02.2013: “Assim, quando os diretores
não tomam diretamente decisões negociais, eles devem se assegurar que a
Companhia conta com um sistema de controle que represente aquele que
um homem ativo e probo constituiria se estivesse na administração dos seus
próprios negócios. Este sistema (que pode adotar uma infinidade de formas)
deve servir para proporcionar razoável segurança de que os atos praticados
pelos subordinados serão, ao menos, praticados de forma diligente e com
lealdade.”. A respeito, ver OTAVIO YAZBEK. Representações do dever de
diligência na doutrina jurídica brasileira: um exercício e alguns desafios. In:
LUIZ FERNANDO MARTINS KUYVEN (coord.). Temas essenciais de direito
empresarial: estudos em homenagem a Modesto Carvalhosa. São Paulo:
Saraiva, 2012, p. 942 et seg.

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566 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

verificar, diante de um caso concreto, como teria agido um adminis-


trador competente naquela situação específica, comparando, hipote-
ticamente, sua atuação com a de um bom administrador de empresas.
Ou seja, para se verificar se um administrador observou o dever
de diligência é preciso avaliar, em cada situação, qual seria a atitude
recomendável, naquelas circunstâncias específicas, naquele tipo de
negócio, de acordo com as normas da ciência da administração de
empresas49.
É importante ressaltar, no entanto, que, apresentando o dever de
diligência um conteúdo indeterminado, caberá ao administrador, nos
limites do objeto social e tendo em vista o interesse da companhia,
escolher, no exercício do seu poder discricionário, os meios adequados
para conduzir as atividades da companhia.
Neste sentido, mais uma vez, ressalte-se que os administradores
possuem obrigação de meio, e não de resultado50. Com efeito, o dever
de diligência não é dever de inteligência51, motivo pelo qual os adminis-
tradores não respondem pela efetiva concretização dos fins sociais, caso
tenham atuado de acordo com o comportamento que lhes é exigível,

49 Sobre a matéria, ver FÁBIO ULHOA COELHO. Curso de Direito Comercial,


v. 2. São Paulo: Saraiva, 2003, pp. 242-243, que propõe que se substitua
o “paradigma bom pai de família por administrador competente”. Esta é
também a opinião de Modesto Carvalhosa, in verbis: “Não basta, em nosso
direito, por sua inquestionável feição institucional, que o administrador
atue como homem ativo e probo na condução de seus próprios negócios.
São insuficientes os atributos de diligência, honestidade e boa vontade para
qualificar as pessoas como administradores. É necessário que se acrescente
a competência profissional específica, traduzida por escolaridade ou
experiência e, se possível, ambas. O próprio art. 152 expressamente estabelece
esses requisitos, ao falar em competência, reputação profissional e tempo de
dedicação às suas fun­ções” (MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de
Sociedades Anônimas, 5ª ed, v. 3. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 314).
50 A propósito da distinção entre obriga­ções de meios, de resultado e de garantia,
confira-se FÁBIO KONDER COMPARATO. Ensaios e pareceres de direito
empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1978, pp. 88-115.
51 ANDRÉ TUNC. Le droit anglais des sociétés anonymes. Paris: Dalloz, 1997,
p. 177.

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ou seja, caso tenham empregado, com diligência e lealdade, as técnicas


aceitas como adequadas pela ciência da administração de empresas52.

9.4.7. A business judgment rule como parâmetro para


verificação do cumprimento do dever de diligência

Como o dever de diligência não possui um conteúdo delimitado e


não está codificado de maneira uniforme, foi desenvolvida, nos Estados
Unidos, a partir do julgamento de a­ções de responsabilidade contra
administradores, a chamada business judgment rule53, para verificar se
estes cumpriram o duty of care54.
A business judgment rule constitui um standard of judicial review55,
isto é, corporifica uma regra de controle judiciário sobre as decisões

52 Neste sentido, Fábio Ulhoa Coelho salienta: “O administrador, em outros


termos, tem o dever de empregar certas técnicas – aceitas como adequadas
pela ‘ciência’ da administração – na condução dos negócios sociais, tendo
em vista a realização dos fins da empresa. Mas ele não responde pela efetiva
realização dos fins sociais – sujeitos também à implementação de várias
outras condi­ções não inteiramente controláveis pela administração societária.
A pesquisa jurídica sobre a incidência da norma do art. 153 da LSA em
determinado caso não precisa e não deve ultrapassar os limites da apreciação
técnica pertinente ao cumprimento da obrigação de meio” (FÁBIO ULHOA
COELHO. Curso de Direito Comercial, v. 2. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 243).
53 Sobre a business judgment rule, consulte-se DENNIS J. BLOCK, NANCY E.
BARTON, STEPHEN A. RADIN. The Business Judgment Rule. Fiduciary Duties
of Corporate Directors. New York: Aspen Law&Business, 1998 e também,
ALEXANDRE COUTO SILVA. Responsabilidade dos Administradores de S/A:
business judgement rule. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
54 Para Majo, a business judgment rule somente é aplicável nos casos em que se
examina o cumprimento por parte dos administradores do dever de diligência,
não sendo possível empregar a regra nas situa­ções em que se discute a
violação do dever de lealdade (JOSE ORIOL LLEBOT MAJÓ. Los deberes de los
administradores de la sociedad anônima. Madrid: Civitas, 1996, p. 80). Sobre
a business judgment rule e o dever de diligência, confira-se: FLÁVIA PARENTE.
O Dever de Diligência dos Administradores de Sociedades Anônimas. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005, pp. 63-100.
55 MELVIN A. EISENBERG. Whether the Business – Judgment Rule Should
be Codified, maio 1995. Disponível em: < http://www.clrc.ca.gov/pub/
BKST/BKST-EisenbergBJR.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2019. De acordo com o
Corporate Director Guidebook, elaborado pelo Committee on Corporate Laws
of the American Bar Association’s (ABA) Section of Business Law, “[the business

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568 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

dos administradores, estabelecendo a presunção de que estes agiram de


forma independente e desinteressada, com conhecimento e informa­
ções adequados, com boa-fé e acreditando que seus atos visaram a
atender aos melhores interesses da companhia56.
Assim, a princípio, as decisões tomadas pelos administradores
de boa-fé, no interesse da sociedade e com base em informa­ções
razoáveis, não podem ser revistas pelos tribunais, nem os sujeitam à
responsabilização, mesmo que tais decisões revelem-se inadequadas
e/ou mal-sucedidas. Existe, em última análise, uma presunção em
favor da regularidade e da propriedade dos atos praticados pelos
administradores.
A business judgment rule tem por finalidade oferecer proteção às de-
cisões de negócios bem informadas, constituindo uma espécie de “porto
seguro”57 para os administradores, que devem ser encorajados não apenas
a assumirem cargos de administração, como também a correrem determi-
nados riscos inerentes à gestão empresarial, sem o receio da possibilidade
de terem seus atos questionados no caso de insucesso.

judgment rule] is a standard of judicial review used in analyzing director conduct


to determinate whether a board decision can be successfully challenged or director
should be held personally liable”. (A 4ª edição do Guia está publicada na revista
The Business Lawyer. Chicago: Section of Business Law of the American Bar
Association, v. 59, n. 3, mai. 2004, pp. 1.057-1.119. A business judgment rule
está tratada nas pp. 1.072 e 1.073).
56 A business judgment rule pode ser vista também como um “standard of non-
review”, uma vez que evita ao máximo a interferência do Judiciário nas decisões
tomadas pela Administração das companhias. Pelo mesmo motivo, também é
chamada de “doctrine of abstention”, afinal, “the rule creates a strong presumption
against judicial review of duty of care claims. The court will abstain from reviewing
the substantive merits of directors conduct unless the plaintiff can carry the very
heavy burden of rebuting that presumption” (BERNARD S. SHARFMAN. “Being
Informed does matter: fine tuning gross negligence twenty plus years after
Van Gorkom”. The Business Lawyer. Chicago: Section of Business Law of the
American Bar Association, v. 62, nov. 2006, p. 145).
57 Neste sentido, confira-se AMERICAN LAW INSTITUTE. Principles of Corporate
Governance: Analysis and recommendations, v. I. St. Paul: American Law
Institute Publishers, 1994, p. 173: “the business judgment rule has offered a safe
harbor for director or officer who make honest, informed business decisions that
they rationally believe are in the best interests of their corporations”.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 569

A regra tem como objetivo ainda evitar que os tribunais e os


próprios sócios substituam os administradores em seu mister. Com
efeito, os administradores têm poderes de gestão explícitos e implíci-
tos. Os explícitos são os necessários à efetiva condução dos negócios
da companhia, visando à consecução do objeto e dos fins sociais,
tendo em vista o interesse da sociedade. Os implícitos envolvem a
discricionariedade do administrador, que escolhe os meios adequados
para tanto. Ou seja, o administrador, dentro dos limites da lei e do
estatuto social, tem a liberdade para decidir sobre a oportunidade e a
conveniência de seus atos58.
O juízo de oportunidade e conveniência (discricionariedade)
de uma decisão empresarial não pode ser exercido por juízes ou por
quaisquer outras pessoas. Trata-se de prerrogativa exclusiva dos admi-
nistradores59, que, em razão da sua experiência e do acesso a informa­

58 OSMAR BRINA CORRÊA-LIMA. Sociedade Anônima, 3ª ed. Belo Horizonte:


Del Rey, 2005, pp. 207-208. Sobre a discricionariedade na condução dos
negócios sociais, sustenta Tavares Guerreiro que: “Não se pode negar, na
experiência concreta, que se defere aos administradores certa margem de
discricionariedade na condução dos negócios sociais, pois nem a lei nem
o estatuto poderão jamais definir, com exatidão e amplitude exaustiva, as
condi­ções específicas de legitimação dos gestores à prática dos chamados atos
regulares de gestão, individualmente considerados. Na aferição da conduta
dos administradores, dois fatores, porém, introduzem elementos valorativos
de singular expressão. Em primeiro lugar a relativa discricionariedade da
gestão tem por limite específico o objeto social, que há de ser definido no
estatuto de modo preciso e completo, segundo o preceito do § 2º do art.
2º da lei. Além dessa limitação de caráter objetivo, outro temperamento
se impõe: a liberdade de gestão somente se admite enquanto ordenada
a perseguir um escopo concreto: o atendimento do interesse social. Até
certo ponto, o limite e o escopo se entrelaçam. E, também, de certo modo,
a observância do objeto social e a consecução do interesse social derivam
primariamente da própria lei, como normas imperativas que devem reger o
procedimento dos administradores” (JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO.
“Responsabilidades dos administradores de Sociedades Anônimas”. Revista
de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista
dos Tribunais, n. 42 abr.-jun.1981, pp. 74-75).
59 A lei espanhola (Real Decreto nº 1/2010, alterado pela Lei nº 31/2014) faz
referência a tal discricionariedade ao tratar do dever de diligência, em seu artigo
226: “Artículo 226. Protección de la discrecionalidad empresarial. 1. En el ámbito
de las decisiones estratégicas y de negocio, sujetas a la discrecionalidad empresarial,

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570 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

ções, estão mais habilitados do que os juízes e os próprios acionistas a


tomarem quaisquer decisões referentes aos negócios da companhia60.
Busca-se, portanto, conferir uma proteção especial aos adminis-
tradores de modo a limitar a intromissão dos juízes e dos sócios no
processo de tomada de decisões no âmbito da sociedade. Os admi-
nistradores, utilizando-se de seu poder discricionário na condução
dos negócios sociais, dentre as várias alternativas, optam pela que
lhes parece mais adequada naquele momento e diante daquelas cir-
cunstâncias, não sendo justo substituir sua discricionariedade pela de
outrem que, em um julgamento a posteriori, já conhece os resultados
dos atos por eles praticados61_62.

el estándar de diligencia de un ordenado empresario se entenderá cumplido cuando


el administrador haya actuado de buena fe, sin interés personal en el asunto objeto
de decisión, con información suficiente y con arreglo a un procedimiento de decisión
adecuado. 2. No se entenderán incluidas dentro del ámbito de discrecionalidad
empresarial aquellas decisiones que afecten personalmente a otros administradores
y personas vinculadas y, en particular, aquellas que tengan por objeto autorizar las
operaciones previstas en el artículo 230.”
60 EDWARD BRODSKY, M. PATRICIA ADAMSKI. Law of Corporate Officers
and Directors: Rights, Duties and Liabilities. St. Paul: West Group, 1999,
p. 25. Neste sentido, também o caso Auerbach versus Bennett, citado por
OSMAR BRINA CORRÊA-LIMA (OSMAR BRINA CORRÊA-LIMA. Sociedade
Anônima, 3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 208), in verbis: “Auerbach
versus Bennett: Parece-nos que a business judgment rule, pelo menos em
parte, fundamenta-se no prudente reconhecimento de que as Cortes são mal
equipadas e infrequentemente chamadas para avaliarem o que são e devem
ser necessariamente julgamentos de negócios [...]. Não há nenhum critério
objetivo disponível pelo qual o acerto de cada decisão da sociedade possa
ser medido pela Corte ou por quem quer que seja. Ainda que não fosse assim,
por definição, a responsabilidade por julgamento de negócios deve ficar afeta
aos administradores; suas capacidades individuais e expertise os qualificam
peculiarmente para o desempenho dessa atividade. Assim, ausente a prova
de má-fé ou fraude [...] as cortes devem respeitar as suas determina­ções”.
61 OSMAR BRINA CORRÊA-LIMA. Sociedade Anônima, 3ª ed. Belo Horizonte:
Del Rey, 2005, p. 208.
62 A respeito do tema, confira-se o voto da Diretora Ana Novaes no Processo
Administrativo Sancionador CVM nº RJ2008/9574, Rel. Dir. Ana Dolores
Novaes, j. 27.11.2012.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 571

Dessa forma, a adoção da business judgment rule é justificável pelos


seguintes motivos63:
a) mesmo os administradores mais diligentes podem tomar
decisões que, julgadas posteriormente, parecem negligen-
tes por terem causado danos à sociedade;
b) a assunção de riscos é inerente às decisões empresariais,
não podendo ser exigidos dos administradores sempre
resultados favoráveis à companhia;
c) seria prejudicial à própria sociedade que as decisões toma-
das pelos administradores pudessem ser constantemente
questionadas pelos sócios; e
d) os juízes, por não possuírem experiência empresarial, não
estão aptos a substituírem os administradores e decidirem
sobre a oportunidade e a conveniência (discricionariedade)
de suas decisões de negócios64.
Nos Estados Unidos, embora a business judgment rule seja utiliza-
da, fundamentalmente, para verificar se os administradores observaram
o dever de diligência, não existe uma formulação uniforme sobre o
conceito e o alcance da regra na case law65.

63 OSMAR BRINA CORRÊA-LIMA. Sociedade Anônima, 3ª ed. Belo Horizonte:


Del Rey, 2005, pp. 200-210.
64 JOSE ORIOL LLEBOT MAJÓ. Los deberes de los administradores de la
sociedad anônima. Madrid: Civitas, 1996, p. 75.
65 Embora previsto no Model Business Corporate Act, a business judgment rule não
está propriamente codificada, como advertem os comentários oficiais ao Act:
“Section 8.31 does not codify the business judgment rule as a whole. The section
recognizes the common law doctrine and provides guidance as to its application in
dealing with director liability claims. Because the elements of the business judgment
rule and the circumstances for its application are continuing to be developed by
the courts, it would not be desirable to freeze the concept in a statute. [...] While
codification of the business judgment rule in section 8.31 is expressly disclaimed, its
principal elements, relating to personal liability issues, are embedded in subsection
(a) (2)” (AMERICAN BAR ASSOCIATION. Model Business Corporation Act:
official text with official comment and statutory cross-references revised
through 2005. Chicago: ABA Books, 2005, pp. 8-67).

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572 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Quase todos os Estados norte-americanos, independentemente


de possuírem legislação sobre o dever de diligência, adotam o padrão
do reasonable care para analisar se, para efeitos da aplicação da business
judgment rule, os administradores informaram-se adequadamente
antes de tomarem as decisões a respeito dos negócios da companhia.
As Cortes consideram que houve violação do duty of care por parte
dos administradores apenas se eles foram negligentes.
Por outro lado, em determinados Estados, como Delaware, por
exemplo, constata-se a redução do nível de diligência exigível dos
administradores do standard do reasonable care para o do rational care,
em que estes estarão protegidos pela business judgment rule desde que
não se verifique gross negligence, isto é, desde que os administradores
não tenham sido gravemente negligentes66.
De fato, a business judgment rule tem sido objeto de inúmeros jul-
gados, não existindo, contudo, uma exata definição de seus contornos.

66 Conforme LEWIS D. SOLOMON, DANIEL FESSLER, ARTHUR E. WILMARTH,


JR. Corporations and alternative business vehicles, 5th ed. Santa Monica:
Casenotes Publishing Company, 2000, p. 44: “The various states do not apply
a uniform standard of care in determining whether directors have adequarely
informed themselves for purposes of the business judgment rule. Under the business
judgment rule as applied in Delaware, directors must use rational care in informing
themselves concerning a decision. The standard of care is breached if directors are
grossly negligent in informing themselves. [...] Under the business judgment rule
as applied in states that have adopted statutary duties of care [...], the courts have
generally required that directors must use reasonable care in informing themselves
concerning a decision. The standard of care is breached if directors are negligent in
informing themselves. [...] In the absence of a governing statutory duty of care, it
appears that the modern trend, in courts outside Delaware, is to allow a plaintiff to
rebut the business judgment rule if corporate directors fail to use reasonable care in
informing themselves concerning a decision to be taken by the board [...]” (grifos no
original). No mesmo, sentido, Block, Barton e Radin anotam: “Director liability
for a breach of the duty to exercise appropriate attention may, in theory, arise in two
distinct contexts. First, such liability may be said to follow from a board decision that
results in a loss because the decision was ill advised or ‘negligent’. Second, liability
to the corporation for a loss may be said to arise from an unconsidered failure of
the board to act in circumstances in which due attention would, arguably, have
prevented the loss” (DENNIS J. BLOCK, NANCY E. BARTON, STEPHEN A. RADIN.
The Business Judgment Rule. Fiduciary Duties of Corporate Directors. New
York: Aspen Law & Business, 1998, p. 134).

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 573

Um dos julgados mais famosos em que se testou o escopo dessa


regra foi o caso “Smith v. Van Gorkom”67, em que a Suprema Corte de
Delaware, por três votos contra dois, decidiu que os administradores
não haviam se informado adequadamente a respeito da proposta de
compra da companhia, nem realizaram maiores investiga­ções sobre o
negócio que lhes foi oferecido, tendo concluído que estes agiram com
grave negligência (“gross negligence”) e violaram o dever de diligência,
não podendo gozar, portanto, do direito à proteção fornecida pela
business judgment rule68.
Da análise da decisão no caso Van Gorkom, são extraídos os se-
guintes parâmetros69:

67 Van Gorkom era o chief executive officer da Trans Union Corporation, uma
sociedade de capital aberto e possuía 75.000 a­ções da companhia dentre as
20.000.000 em circulação. Discutindo o futuro da companhia, foram aventadas
duas possibilidades: fechar o seu capital mediante uma “leveraged buyout”
(aquisição alavancada) ou vendê-la imediatamente. Van Gorkom, que estava
próximo à idade de se aposentar, declarou que aceitaria US$55 por cada ação sua;
naquele período, a ação estava sendo negociada em um faixa que variava entre
US$24 e US$39. Sem realizar maiores estudos a respeito do valor da companhia e
sem procurar outros possíveis compradores, Van Gorkom contactou Jay Pritzker,
“um renomado especialista em aquisi­ções de companhias e um conhecido seu”
e informou-lhe que seria possível proceder à “leveraged buyout” da Trans Union
por US$55 por ação. Pritzker imediatamente propôs a compra da sociedade.
Assim, Van Gorkom convocou uma reunião de emergência do board of directors,
que aprovou a operação sem formular perguntas ou estender as discussões.
Ver maiores detalhes do caso em FLÁVIA PARENTE. O Dever de Diligência dos
Administradores de Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, pp.
79-84, e também em ROBERT W. HAMILTON. The Law of Corporations in a
nutshell. St. Paul: West Group, 2000, pp. 455-459.
68 Embora muito questionada pelos doutrinadores, Robert Hamilton entende
que o caso Van Gorkom foi corretamente decidido, já que a venda de uma
companhia de capital aberto é a mais importante decisão que pode ser
submetida à apreciação de seus administradores, motivo pelo qual deve
ser precedida de uma investigação minuciosa sobre os termos do negócio
proposto (ROBERT W. HAMILTON. The Law of Corporations in a nutshell.
St. Paul: West Group, 2000, p. 458).
69 Para uma análise da repercussão do caso Van Gorkom na jurisprudência norte-
americana, ver BERNARD S. SHARFMAN. “Being Informed does matter: fine
tuning gross negligence twenty plus years after Van Gorkom”. The Business
Lawyer. Chicago: Section of Business Law of the American Bar Association,
v. 62, nov. 2006, pp. 135-160.

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574 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

a) De acordo com o dever de diligência, os administradores


podem, a princípio, confiar nas informa­ções que lhes são
fornecidas por outros administradores, empregados ou
consultores. No entanto, eles não podem confiar “cega e
passivamente” em tais informa­ções a ponto de não pro-
moverem uma razoável investigação sobre o material que
lhes foi encaminhado, principalmente quando se tratar de
negócios relevantes para a companhia. Eles devem ainda
verificar se existem pontos dos relatórios que devem ser
melhor esclarecidos por estarem incompletos, inconsis-
tentes, duvidosos ou ambíguos;
b) Mesmo diante de situa­ções verdadeiramente urgentes, os
administradores não devem se sentir pressionados a deci-
dir sem estudarem o assunto submetido a sua apreciação,
cumprindo-lhes deliberar de maneira consciente; e
c) Quando tiverem de decidir a respeito da venda da com-
panhia ou de parte substancial desta, os administradores
devem solicitar detalhados estudos (internos e externos)
sobre a operação antes de aprová-la70.

70 Como consequência dessa decisão e de outras nesse sentido, os


administradores passaram a solicitar a bancos de investimentos “a written
fairness opinion” antes de aprovarem a venda da companhia. Por tal motivo,
o caso Van Gorkom foi apelidado de “Investment Bankers Full Employment Act
of 1985”. A doutrina (ROBERT W. HAMILTON. The Law of Corporations in
a nutshell. St. Paul: West Group, 2000, pp. 458-459) assinala ainda que as
consequências imediatas da decisão do caso Van Gorkom na comunidade
empresarial foram perturbadoras. A principal delas é que, a partir de então,
os advogados, após prevenirem seus clientes sobre o risco de imputação
de responsabilidade na ausência de investiga­ções cuidadosas, passaram a
recomendar que, nas hipóteses de negocia­ções relevantes para a companhia,
contratassem especialistas para opinar sobre a matéria. Recomendaram ainda
que seus clientes documentassem todo o processo de tomada de decisão
para que ficasse demonstrada a existência de uma investigação adequada, de
modo a cumprir com os requisitos da business judgment rule. A doutrina ressalta
também que a partir desse julgamento, muitos Estados norte-americanos
editaram leis permitindo que as sociedades incluíssem em seus contratos
sociais um dispositivo protegendo os administradores da responsabilização

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 575

Embora a business judgment rule dê origem à presunção de que


os administradores estavam bem informados ao tomarem a decisão,
pode-se refutar tal presunção, como no caso Van Gorkom, demonstran-
do que os administradores não cumpriram o seu dever de se informar
adequadamente a respeito da matéria em discussão, isto é, a business
judgment rule não protege julgamentos irrefletidos, devendo-se ainda
ressaltar que a obrigação de se informar constitui um dos aspectos do
dever de diligência71.
Assim como os tribunais, a doutrina norte-americana ainda não
chegou a uma exata definição da business judgment rule, havendo di-
vergências também quanto ao seu alcance e campo de aplicação. Há,
por exemplo, quem sustente que a business judgment rule não deve ser
estendida aos officers da mesma forma que é aplicada aos directors72. A
maioria dos doutrinadores, no entanto, entende que a regra deve ser
utilizada, indistintamente, a diretores e conselheiros73.

nas hipóteses de danos financeiros decorrentes da violação do dever de


diligência. LEWIS D. SOLOMON, DANIEL FESSLER, ARTHUR E. WILMARTH,
JR. Corporations and alternative business vehicles, 5th ed. Santa Monica:
Casenotes Publishing Company, 2000, pp. 4-17.
71 Esse e outros aspectos do dever de diligência estão tratados em FLÁVIA
PARENTE. O Dever de Diligência dos Administradores de Sociedades
Anônimas. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, pp. 101-131.
72 LYMAN P. Q. JOHNSON. “Corporate officers and the business judgment rule”.
The Business Lawyer. Chicago: Section of Business Law of the American Bar
Association, v. 60, Feb. 2005, pp. 439-469.
73 Lawrence A. Hamermesh e A. Gilchrist Sparks assinalam que a posição adotada
por Lyman é isolada (LAWRENCE A. HAMERMESH, A. GILCHRIST SPARKS III,
“Corporate Officers and the business judgment rule: a replay to Professor
Johnson”. The Business Lawyer. Chicago: Section of Business Law of the
American Bar Association, v. 60, mar. 2005, pp. 865-876). De fato, tanto o
American Law Institute (Comment to section 4.01 do ALI Principles: Ҥ 4.01 Duty of
Care of Directors and Officers; the Business Judgment Rule [...] c) A director or officer
who makes a business judgment in good faith fulfills the duty under this Section
if the director or officer: 1) is not interested [§ 1.23] in the subject of the business
judgment; 2) is informed with respect to the subject of the business judgment to
the extent the director or officer reasonably believes to be appropriate under the
circumstances; and 3) rationally believes that the business judgment is in the best
interests of the corporation”), quanto The American Bar Association Committee on
Corporate Laws (Comment to sections 8.30 e 8.42 do Model Business Corporation

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576 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

De modo geral, a business judgment rule é aplicável se forem


atendidos os seguintes requisitos:
a) É preciso que se verifique a ocorrência de uma decisão, isto
é, as condutas omissivas não estão protegidas pela business
judgment rule. Saliente-se, contudo, que os administradores,

Act) expressamente admitem a aplicação da business judgment rule aos officers.


Os Professores Hamermesh e Sparks informam ainda que desde 1992, quando
escreveram sobre o assunto, nenhuma Corte decidiu que a business judgment
rule não se aplica aos officers, havendo, ao contrário, um número considerável
de casos em que foi consignado que a regra pode ser utilizada para amparar
decisões tomadas por tais administradores (LAWRENCE A. HAMERMESH,
A. GILCHRIST SPARKS III. “Corporate Officers and the business judgment
rule: a reply to Professor Johnson”. The Business Lawyer. Chicago: Section
of Business Law of the American Bar Association, v. 60, mar. 2005, p. 869). A
regra está prevista no Model Business Corporate Act nos seguintes termos: “§
8.31. STANDARDS OF LIABILITY FOR DIRECTORS. (a) A director shall not be liable
to the corporation or its shareholders for any decision to take or not take action,
or any failure to take any action, as a director, unless the party asserting liability
in a proceeding establishes that: [...] (2) the challenged conduct consisted or was
the result of: (i) action not in good faith; or (ii) a decision (A) which the director did
not reasonably believe to be in the best interests of the corporation, or (B) as to
which the director was not informed to an extent the director reasonably believed
appropriate in the circumstances; or (iii) a lack of objectivity due to the director’s
familial, financial or business relationship with, or a lack of independence due to
the director’s domination or control by, another person having a material interest
in the challenged conduct (A) which relationship or which domination or control
could reasonably be expected to have affected the director’s judgment respecting
the challenged conduct in a manner adverse to the corporation, and (B) after a
reasonable expectation to such effect has been established, the director shall not
have established that the challenged conduct was reasonably believed by the
director to be in the best interests of the corporation; or (iv) a sustained failure of
the director to devote attention to ongoing oversight of the business and affairs of
the corporation, or a failure to devote timely attention, by making (or causing to be
made) appropriate inquiry, when particular facts and circumstances of significant
concern materialize that would alert a reasonably attentive director to the need
therefore; or (v) receipt of a financial benefit to which the director was not entitled
or any other breach of the director’s duties to deal fairly with the corporation
and its shareholders that is actionable under applicable law” (AMERICAN BAR
ASSOCIATION. Model Business Corporation Act: official text with official
comment and statutory cross-references revised through 2005. Chicago:
ABA Books, 2005, pp. 8-56). Nos Comentários ao Model Business, é feita a
ressalva de que a business judgment rule é aplicável aos officers: “In addition,
the business judgment rule will normally apply to decisions within an officer’s
discrecionary authority” (p. 8-87).

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 577

diante de uma determinada situação, podem preferir não


tomar quaisquer medidas – essa “não atuação” é deliberada,
motivo pelo qual não pode ser considerada omissão74;
b) Os administradores cujas decisões são questionadas não po-
dem ter qualquer interesse financeiro ou pessoal na matéria;
c) A regra somente é aplicável se o administrador cumpriu a
sua obrigação de se informar antes de tomar a decisão75;
d) O administrador deve ter cumprido com sua obrigação
de perseguir o interesse social76; e

74 Conforme assinala o AMERICAN LAW INSTITUTE (Principles of Corporate


Governance: Analysis and recommendations, v. I. St. Paul, American Law
Institute Publishers, 1994, p. 176), “a business decision may involve a judgment
either to act or abstain from action”.
75 MELVIN A. EISENBERG. “The duty of care or corporate directors and officers”,
University of Pittsburgh Law Review. Pittsburgh: University of Pittsburgh Law
Review, v. 51, n. 4, 1990, p. 954, Summer 1990. Neste sentido, Osmar Brina Corrêa-
Lima ressalta que: “a business judgment rule só protege a decisão informada.
Decisão desinformada equivale a negligência, contrário de diligência” (OSMAR
BRINA CORRÊA-LIMA. Sociedade Anônima, 3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey,
2005, p. 203). Segundo Clark, a business judgment rule pressupõe o julgamento
diligente dos administradores a respeito da decisão a ser tomada. Dessa forma,
a presunção em favor dos administradores submetidos a business judgment rule
pode ser refutada se ficar demonstrado que os administradores não observaram
os padrões de diligência (due care), informando-se sobre as questões relacionadas
às decisões a serem implementadas (ROBERT C. CLARK. Corporate Law. Boston:
Little, Brown and Company, 1986, pp. 124-125). Sobre o requisito “razoavelmente
acredita serem os melhores interesses da sociedade”, confira-se o comentário
oficial ao Model Business Corporation Act: “b. Reasonable belief. In each case, the
director’s reasonable belief calls for a subjective belief and, so long as it is his or her
honest and good faith belief, a director has wide discretion. When the party challenging
the director’s conduct can establish that the relationship or the domination or control in
question could reasonably be expected to affect the director’s judgment respecting the
matter at issue in a manner adverse to the corporation, the director will then have the
opportunity to establish that the action taken by him or her was reasonably believed to
be in the best interests of the corporation” (AMERICAN BAR ASSOCIATION. Model
Business Corporation Act: official text with official comment and statutory
cross-references revised through 2005. Chicago: ABA Books, 2005, pp. 8-69).
76 Neste sentido, confira-se JOSE ORIOL LLEBOT MAJÓ. Los deberes de los
administradores de la sociedad anônima. Madrid: Civitas, 1996, p. 80; e
AMERICAN LAW INSTITUTE. (Principles of Corporate Governance: Analysis
and recommendations, v. I. St. Paul, American Law Institute Publishers, 1994,
p. 176), pp. 172-185.

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e) O administrador deve ter atuado com boa-fé77.


Pode-se concluir, portanto, que se os tribunais, ao examinarem o
processo por meio do qual a decisão relativa a determinado negócio
foi tomada pelos administradores, verificarem que essas condi­ções
foram preenchidas, tais decisões estarão, em princípio, protegidas pela
business judgment rule e, consequentemente, os administradores não
poderão ser responsabilizados pelos atos praticados.
Na medida em que tenham empregado o devido cuidado, te-
nham agido com boa-fé e desempenhado suas fun­ções no interesse
da companhia e visando à consecução do objeto social, os adminis-
tradores não podem ser responsabilizados pelo insucesso da decisão
que tomaram, ou pelos erros de julgamento78, estando protegidos pela
business judgment rule.

77 Há quem sustente (FRANCO BONELLI et al. Società per azioni. Casi e materiali
di diritto commerciale. Milano: Giuffrè, 1974, p. 720), ainda, que o ato praticado
deve ser considerado como regular de gestão, devendo estar circunscrito no
âmbito do objeto social (intra vires) e, também, consistir numa decisão negocial
razoável. A respeito da má-fé, em contraposição à boa-fé na doutrina norte-
americana, Dennis J. Block assinala que: “The term bad faith has been defined as
not simply bad judgment or negligence...[R]ather it implies the conscious doing of a
wrong because of dishonest purpose or moral obiquity; it is different from the negative
idea of negligence in that it contemplates a state of mind affimatively operating with
furtive design or ill will. By bad faith is meant a transaction that is authorized for some
purpose other than a genuine attempt to advance corporate welfare or is known to
constitute a violation of applicable positive law” (DENNIS J. BLOCK, NANCY E.
BARTON, STEPHEN A. RADIN. The Business Judgment Rule. Fiduciary Duties of
Corporate Directors. New York: Aspen Law & Business, 1998, pp. 80-81).
78 Robert Clark assinala que “virtually all courts agree that directors will not be held
liable of ‘honest mistakes’ of judgment” (ROBERT C. CLARK. Corporate Law.
Boston: Little, Brown and Company, 1986, p. 124). Sobre o erro de julgamento
escusável, Osmar Brina Corrêa-Lima ressalta que: “a business judgment rule foi
desenvolvida pelas cortes como expediente para proteger os administradores
das companhias contra a responsabilidade pessoal por erros de julgamento
em negócios, cometidos de boa-fé. [...] Existe uma multiplicidade de situa­
ções em que um administrador, agindo com a maior lisura e boa-fé, pode
tomar a decisão errada, do ponto de vista de política de negócios e, com isso,
causar prejuízos à companhia. [...] O business judgment rule leva em conta é,
precisamente, o erro técnico profissional na aplicação desses princípios. [...]
Errar é humano” (OSMAR BRINA CORRÊA-LIMA. Sociedade Anônima, 3ª ed.
Belo Horizonte: Del Rey, 2005, pp. 203-204).

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 579

Por outro lado, admite-se a revisão judicial das decisões tomadas


pelos administradores em algumas hipóteses excepcionais, tais como,
nos casos de fraude, conflito de interesses, ilegalidade ou negligência79.
No direito brasileiro80, embora poucos autores sustentem que o
artigo 159, § 6º da Lei das Sociedades Anônimas tenha consagrado
a business judgment rule, não há dúvidas de que o legislador procurou
proteger os administradores da responsabilização em determinados
casos específicos em que se constata que agiram de boa-fé e visando
a atingir os melhores interesses da companhia81. Tal não significa, no

79 Conforme salienta Clark: “Some say that no challenge to the directors’ judgments
will be considered on the merits unless the judgment in question was tainted by
fraud, conflict of interest, or illegality; others say, unless the alleged defect in the
directors’ judgment rises to the level of fraud; still others, unless it rises to the level
of gross negligence” (ROBERT C. CLARK. Corporate Law. Boston: Little, Brown
and Company, 1986, p. 124). Há ainda quem sustente que a revisão judicial
somente será admitida nas hipóteses em que não houver uma explicação
para amparar a decisão tomada pelos administradores, conforme esclarecem
EDWARD BRODSKY, M. PATRICIA ADAMSKI. Law of Corporate Officers
and Directors: Rights, Duties and Liabilities. St. Paul: West Group, 1999,
p. 26. JOSE ORIOL LLEBOT MAJÓ. Los deberes de los administradores de
la sociedad anônima. Madrid: Civitas, 1996, p. 80, por sua vez, entende
que, quando estiverem presentes os requisitos que permitem a aplicação
da business judgment rule, somente será verificada a infração ao dever de
diligência quando a decisão tomada pelos administradores não puder ser
explicada racional, lógica e coerentemente.
80 O Direito português, no art. 72º do Código das Sociedades Comerciais,
incorporou em seu ordenamento regra semelhante à business judgment rule:
“Artigo 72º. Responsabilidade de membros da administração para com a
sociedade 2 – A responsabilidade é excluída se alguma das pessoas referidas
no número anterior [gerentes e administradores] provar que actuou em
termos informados, livre de qualquer interesse pessoal e segundo critérios
de racionalidade empresarial”.
81 A CVM tem aceito a regra da business judgment rule, conforme se verifica
no Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ 2005/1443, Relatado
por Pedro Oliva Marcilio de Sousa, j. 10.05.2006, no qual consignou-se que
para dela se utilizar o administrador deve seguir os seguintes princípios: “(i)
Decisão informada: A decisão informada é aquela na qual os administradores
basearam-se nas informa­ções razoavelmente necessárias para tomá-la.
Podem os administradores, nesses casos, utilizar, como informa­ções, análises
e memorandos dos diretores e outros funcionários, bem como de terceiros
contratados. Não é necessária a contratação de um banco de investimento
para a avaliação de uma operação; (ii) Decisão refletida: A decisão refletida

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580 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

entanto, que tenha sido concedido um “salvo-conduto” a administrado-


res desonestos e irresponsáveis82. Buscou-se, apenas, corporificar uma
regra, calcada na ideia de boa-fé, como critério de justiça83, que permita

é aquela tomada depois da análise das diferentes alternativas ou possíveis


consequencias ou, ainda, em cotejo com a documentação que fundamenta
o negócio. Mesmo que deixe de analisar um negócio, a decisão negocial
que a ele levou pode ser considerada refletida, caso, informadamente,
tenha o administrador decidido não analisar esse negócio; e (iii) Decisão
desinteressada: A decisão desinteressada é aquela que não resulta em
benefício pecuniário ao administrador. Esse conceito vem sendo expandido
para incluir benefícios que não sejam diretos para o administrador ou para
institui­ções e empresas ligadas a ele. Quando o administrador tem interesse
na decisão, aplicam-se os standards do dever de lealdade (duty of loyalty).”
Nesta decisão, conclui a CVM: “A construção jurisprudencial norte-americana
para o dever de diligência em nada discrepa do que dispõe o art. 153 da Lei
6.404/76, sendo possível utilizar-se, no Brasil, dos mesmos standards de
conduta aplicados nos Estados Unidos. A utilização desses standards poderia
fazer com que a aplicação do art. 153 fosse mais efetiva do que é hoje, pois
poderíamos passar a observar o processo que levou à tomada da decisão para
ver se os cuidados mínimos, que demonstram a diligência do administrador,
foram seguidos, não nos limitando a simplesmente negar a possibilidade de
re-análise do conteúdo da decisão tomada” (grifos no original). A respeito, ver
PEDRO HENRIQUE CASTELLO BRIGAGÃO. A Administração de companhias
e a business judgment rule. São Paulo: Quartier Latin, 2017.
82 Alguns Diretores da CVM já admitiram, em tese, a possibilidade de se
afastar a incidência da regra da business judgment rule no julgamento de
operações envolvendo controlador e controlada. Em tais operações, em que
os acionistas majoritários frequentemente possuem interesse econômico
direto na realização do negócio, julga-se comprometida a independência
dos administradores para fazer valer o interesse social. Essa hipótese de
exceção à aplicação da business judgement rule como parâmetro para a
análise das decisões negociais foi exposta pelos Diretores Marcos Barbosa
Pinto e Maria Helena dos Santos Fernandes de Santana, respectivamente,
no julgamento dos Processos Administrativos Sancionadores 08/05, Rel.
Dir. Eli Loria, j. 12.12.2007, e 25/03, Rel. Dir. Eli Loria, j. 25.03.2008, ambos
versando sobre incorporações de empresas controladas. Segundo o Diretor
Marcos Barbosa Pinto, no julgamento desses casos, “a CVM deve analisar
não só o procedimento adotado pelos administradores para assegurar sua
independência [...], mas também o mérito da decisão negocial tomada,
de modo a verificar se ela observou condições comutativas e ensejou
a compensação adequada. Além disso [...], a CVM deve verificar se o
administrador cumpriu os mandamentos legais com a devida diligência”.
83 EDUARDO DE SOUSA CARMO. Relações Jurídicas na Administração da S.A.
Rio de Janeiro: Aide, 1988, p. 190.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 581

a exclusão de responsabilidade dos administradores nas hipóteses de


erros honestos de julgamento.
Apesar de não ser consensual o reconhecimento pela doutrina de
que o artigo 159, § 6º, da Lei nº 6.404/1976 consubstancia a business
judgment rule, verifica-se a aplicação deste princípio nos julgamentos
da CVM utilizando seu comando central de que não cabe ao regulador
adentrar no mérito das decisões negociais84_85.

9.5. Finalidade das atribui­ções e desvio de poder – artigo


154 da Lei das S.A.
A Lei Societária, em seu artigo 154, consagrou as finalidades e os
objetivos das atividades dos administradores. Nesse sentido, subordi-
nou o exercício das atividades do administrador às exigências do bem
público e da função social da empresa, condicionando-as aos fins e
interesses da companhia86.

84 PEDRO HENRIQUE CASTELLO BRIGAGÃO. A Administração de companhias


e a business judgment rule. São Paulo: Quartier Latin, 2017, p. 203 et seg.
Conforme exposto pelo autor no capítulo 5, a CVM menciona expressamente
a business judgment rule nos PAS CVM RJ2005/1443; PAS CVM 21/04; PAS
CVM 25/03; PAS CVM RJ2007/4476; PAS CVM 14/05; PAS CVM 18/08; e
PAS CVM 24/06. Por outro lado, verifica-se que o princípio foi aplicado
sem que houvesse a sua expressa menção no Inquérito Administrativo
RJ2002/1173; PAS CVM RJ2004/3098; Inquérito Administrativo 09/03; PAS
CVM RJ2005/7229; PAS CVM RJ2004/5392; PAS CVM RJ 2005/8542; PAS
CVM RJ2005/0097; PAS CVM RJ 2009/2610; e PAS CVM 11/02.
85 A CVM reitera que a doutrina da business judgment rule não se aplica
indiscriminadamente a qualquer decisão tomada pelo administrador, mas
apenas às decisões propriamente negociais: “Os precedentes desta casa
têm admitido a aplicação da lógica subjacente à business judgment rule para
a proteção de decisões negociais tomadas por administradores de maneira
informada, refletida e desinteressada. Entretanto, é preciso lembrar que,
mesmo nas jurisdições em que teve origem, a doutrina da decisão negocial
não diz respeito a toda e qualquer decisão da administração de uma
companhia, mas volta-se a decisões de cunho negocial e afasta decisões
relacionadas a questões organizacionais, ou ao mero cumprimento de
obrigações impostas pela regulamentação ou pelo estatuto da companhia.”
(PAS CVM nº 09/2009, Rel. Dir. Luciana Dias, j. 21.07.2015).
86 Encontra-se previsão das finalidades dos administradores em diversas legisla­
ções estrangeiras, como a espanhola – Real Decreto Legislativo nº 1/2010:

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582 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Quando a Lei impõe uma atuação dos administradores visando a


atender o bem público e a função social da empresa, isto significa que,
no exercício de suas atividades, devem os administradores considerar
não apenas os interesses dos acionistas da companhia como também os
da coletividade. Devem levar em consideração as atividades exercidas
pela companhia em relação aos que nela trabalham ou com as quais se
relaciona, bem como à comunidade na qual está inserida e ao próprio
Estado, que dela retira contribui­ções mediante tributos87.
Por outro lado, quando a Lei Societária estabelece que o ad-
ministrador deve exercer suas atribui­ções visando a lograr os fins da
companhia, entende-se que ele deve atuar não apenas buscando a
implementação do objeto social, como também tendo em vista o seu
escopo lucrativo.
Nesse sentido, o artigo 2º da Lei das S.A. trata do objeto eco-
nômico da sociedade anônima, que constitui a produção de lucros e a
sua partilha entre os acionistas.
Com efeito, quem é acionista de uma companhia tem em mente,
sem qualquer dúvida, um investimento com finalidades lucrativas. O
artigo 206, II, alínea “b”, da Lei das S.A. contempla como hipótese de
dissolução judicial da companhia, a pedido de acionistas, o fato de ela
não poder preencher o seu fim; ou seja, a princípio, se a companhia
não produz lucros para distribuí-los entre seus acionistas, não está
atingindo o seu fim, podendo ser dissolvida judicialmente.
Ainda que possa trazer consequencias sérias, se aplicado em toda
a sua extensão, tal dispositivo constitui uma espécie de “válvula de
escape” para o acionista minoritário, que não pode ficar obrigatoria-

“Artículo 227. Deber de lealtad. Los administradores deberán desempeñar el cargo


com la lealtad de um fiel representante, obrando de buena fe y en el mejor interés
de la sociedad”.
87 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, 5ª
ed, v. 3. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 335-336.

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mente vinculado, indefinidamente, a um empreendimento que não


produz lucros88.
A jurisprudência igualmente reconhece a realização de lucros
como essência das sociedades anônimas, tendo o Supremo Tribunal
Federal, em julgamento que constitui autêntico leading case, decidido
que cabe a dissolução judicial de sociedade anônima que sistematica-
mente não vinha dando lucros a seus acionistas89.
Além disso, a Lei das S.A. determina expressamente, nos artigos
116, parágrafo único, e 154, caput, que o acionista controlador90 e os
administradores devem exercer suas fun­ções de modo a propiciar que a
companhia produza lucros e promova a sua partilha entre os acionistas.
Além de serem obrigados a atuar visando a alcançar os fins da
sociedade, os administradores, nos termos do caput do artigo 154 da
Lei das S.A., devem ainda conduzir os negócios da companhia tendo
em vista os interesses sociais.
Esse dispositivo legal, em verdade, encerra um dos princípios fun-
damentais em matéria societária – o da prevalência do interesse social.

88 MAURO RODRIGUES PENTEADO. Dissolução e Liquidação de Sociedades.


Brasília: Livraria e Editora Brasília Jurídica, 1995, p. 184.
89 No acórdão de 28.04.52, da 1ª Turma do STF, RE nº 20.023, publicado na
Revista Forense, v. 155, p. 166, a ementa consigna textualmente que o “fim
lucrativo é essencial à S.A”. Os Tribunais vêm reconhecendo a lucratividade
como elemento fundamental nas sociedades anônimas, constituindo a sua
ausência causa de dissolução da companhia, nos termos do art. 206, II,
alínea “b”, da Lei Societária, conforme se depreende da leitura dos seguintes
julgados: STJ, Agravo Regimental em AI nº 145809, Rel. Min. Carlos Alberto
Menezes Direito, j. 23.09.1997; TJ/SP AC nº 324.222-4/0, Rel. Des. Flávio
Pinheiro, j. 14.09.2004; TJ/SP AC nº 137.674-4/4, Rel. Des. Quaglia Barbosa, j.
04.11.2003; TJ/SP AC nº 139.172.4/8, Rel. Des. Nivaldo Balzano, j. 11.06.2003;
STJ REsp nº 247.002-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.12.2001; STJ REsp
nº 111.294-Paraná, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 19.09.2000; TJ/RJ AC nº
97.001.3734, Rel. Des. Galdino Siqueira Neto, j. 29.07.1997; STJ REsp nº
164125- RJ, Rel. Min. Costa Leite, j. 26.05.1998.
90 Ver, a propósito do aproveitamento de oportunidade comercial pelo
controlador, a decisão proferida no Processo Administrativo Sancionador
CVM nº: RJ 29/05, Rel. Dir. Eli Loria, j. 30.09.2008 e RJ 2008/1815, Rel. Dir.
Eli Loria, j. 28.04.2009.

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584 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

De fato, para proteger o interesse social, a Lei das S.A. estabelece,


em diversos dispositivos, uma série de limites, objetivando impedir que
os direitos e poderes por ela outorgados aos acionistas e administrado-
res sejam direcionados ao atendimento de seus interesses particulares.
Neste sentido, os artigos 115 e 117, § 1º, alínea “c”, da Lei
Societária consagram, expressamente, o princípio da prevalência do
interesse social.
O artigo 115 da Lei das S.A. determina, textualmente, que o
voto a ser proferido nas assembleias gerais da companhia deve ser
manifestado tendo em vista o interesse social91.
A alínea “c” do artigo 117, da mesma Lei, por sua vez, considera
modalidade de abuso de poder de controle a promoção de altera­ções
estatutárias, emissão de valores mobiliários ou a adoção de políticas
ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e que
visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que trabalham
na empresa ou aos investidores em valores mobiliários emitidos pela
companhia92.
O caput do artigo 154, da Lei das S.A. aborda os limites e as
finalidades do exercício das fun­ções dos administradores. Em com-
plemento, os parágrafos do artigo 154 enumeram as condutas que
configuram desvio de poder93.
O desvio de poder pode ocorrer quando os administradores
das sociedades, embora observando formalmente as regras previstas
no estatuto ou na legislação, delas se afastam substancialmente, ao

91 “Art. 115. O acionista deve exercer o direito de voto no interesse da


companhia; considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar
dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem,
vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para
a companhia ou para outros acionistas”.
92 NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005,
p. 133.
93 FÁBIO ULHOA COELHO. Curso de Direito Comercial, v. 2. São Paulo: Saraiva,
2003, p. 245.

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conduzir-se de forma a atingir finalidades diversas das previstas nas


normas estatutárias e legais94.
O § 1º do artigo 154 da Lei Societária estabelece um dever éti-
co-social da maior relevância ao impor ao administrador eleito por
determinado grupo ou classe de acionistas os mesmos deveres que
os demais, não podendo sacrificar os interesses da companhia para
beneficiar os de seus eleitores. Desse modo, os interesses da socie-
dade deverão sempre prevalecer em relação às pretensões de grupos
ou classes de acionistas. Tal disposição pode ser aplicada a todos os
administradores, qualquer que tenha sido a forma de sua eleição, se
por voto múltiplo, por classe ou espécie de ação, ou se por votação
majoritária, ou se eleitos pelos empregados95.
Isto significa que deve haver a estrita observância do interesse
social ou do interesse geral da companhia em contraposição aos in-
teresses pessoais dos administradores e de quem os tenham elegido96.
A prevalência do interesse social justifica-se na medida em que ele
constitui o meio para a consecução dos fins da companhia. Em outros
termos, o legislador pressupõe que o administrador que sobreponha
os interesses de seus eleitores e os seus próprios aos da companhia

94 A CVM já decidiu que não atua com desvio de poder membro do conselho
de administração que se opõe, perante terceiros, a uma decisão tomada
pelos demais conselheiros da companhia, desde que acredite estar agindo
legitimamente conforme o interesse social (Processo Administrativo
Sancionador nº 2007/4476, Rel. Dir. Eli Loria, j. 12.03.2008).
95 A Lei nº 12.353/2010, que dispõe sobre a participação de empregados nos
conselhos de administração das empresas públicas e sociedades de economia
mista, determina, no §2º do art. 2º, que: “O representante dos empregados
está sujeito a todos os critérios e exigências para o cargo de conselheiro de
administração previstos em lei e no estatuto da respectiva empresa.”. Esta
disposição foi reprisada no artigo 19 da Lei nº 13.303/2016, o Estatuto Jurídico
das Empresas Estatais. O art. 6º, por sua vez, estabelece que “Observar-se-á,
quanto aos direitos e deveres dos membros dos conselhos de que trata esta
Lei e ao respectivo funcionamento, o disposto na Lei nº 6.404, de 15 de
dezembro de 1976, no que couber”.
96 FLÁVIA PARENTE. O dever de Diligência dos Administradores de Sociedades
Anônimas. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 141.

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contribui para que os fins societários não sejam alcançados ou fiquem


prejudicados.
As atua­ções proibidas previstas nas três alíneas do § 2º do artigo
154 da Lei das Sociedades Anônimas são decorrências naturais da regra
segundo a qual o administrador deverá atuar almejando a consecução
do objeto social e de acordo com os interesses da companhia e não os
seus próprios ou os de seus eleitores.
A Lei das S.A., em seu artigo 154, § 2º, alínea “a”, veda ao admi-
nistrador a prática de atos de liberalidade, que são aqueles que, embora
onerosos para a companhia, não lhe trazem qualquer retorno lucrativo97.
Por “atos de liberalidade” entendem-se os que diminuem, de
qualquer sorte, o patrimônio social da companhia, sem que lhe tragam
benefício ou vantagem de ordem econômica98. Haverá liberalidade
quando parcela do patrimônio da sociedade for alienada indevidamente
a terceiros, sem contrapartida equitativa à companhia. A equivalência
das presta­ções considerada objetivamente, isto é, comparada a opera­
ções semelhantes em iguais condi­ções de mercado é que dará o caráter
de comutatividade legalmente exigido.
Justifica-se a proibição da prática de atos de liberalidade na me-
dida em que a sociedade anônima tem, por lei (artigo 2º, § 1º, Lei das
S.A.), finalidade lucrativa, não podendo ser desfalcado seu patrimônio,
que, a princípio, deve ser utilizado exclusivamente na consecução do
objeto social99.

97 Segundo Modesto Carvalhosa, “os atos de liberalidade constituem fraude à lei


e podem ocorrer por ação ou omissão do administrador, de forma direta ou
indireta. O que caracteriza objetivamente essa antijuridicidade é a redução
do patrimônio social ou a prática de negócio jurídico que, de qualquer forma,
impeça o crescimento, imediato ou mediato dele” (MODESTO CARVALHOSA.
Comentários à Lei de Sociedade Anônimas, 5ª ed., v. 3, São Paulo: Saraiva,
2011, p. 339).
98 JOSÉ ALBERTO BASTOS DE MENEZES. “Os atos de liberalidade nas sociedades
anônimas”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro.
São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 11, 1973, pp. 53-55.
99 EGBERTO LACERDA TEIXEIRA, JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Das
Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, v. 2. São Paulo: Bushatsky, p. 472.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 587

Ademais, os administradores são meros gestores de um patrimô-


nio que não lhes pertence, devendo utilizá-lo em benefício da compa-
nhia e ainda zelar pelos interesses de seus acionistas, consubstanciado
no intuito lucrativo100.
A vedação da prática de atos de liberalidade, porém, não é abso-
luta, uma vez que as sociedades, eventualmente, efetuam doa­ções com
finalidades filantrópicas ou caritativas. Por este motivo, ao contrário do
que ocorria no regime jurídico anterior (Decreto-Lei nº 2.627/1940)101,
permitiu-se, expressamente, a realização de atos gratuitos razoáveis,
nas situa­ções elencadas no § 4º do artigo 154 da Lei das S.A.
Isto significa que a proibição poderá ser afastada, por deliberação
do Conselho de Administração ou da Diretoria, quando se tratar de
liberalidade razoável, que consiste não apenas naquela de pequeno
valor, como também na que tenha como beneficiários, por exemplo,
os empregados (assistência médica, alimentar, educacional, etc.) ou a
comunidade de que participe a companhia (auxílio em empreendi-
mentos culturais, artísticos, assistenciais, etc.), tendo em vista as suas
responsabilidades sociais102.
Presume-se que da prática de atos gratuitos razoáveis advenham
benefícios indiretos à companhia, uma vez que representará uma atu-
ação em prol da comunidade, estando a sociedade, em consequencia,
cumprindo a sua função social.

100 Neste sentido, salienta Fran Martins que: “pertencendo o patrimônio à


sociedade, aos administradores compete apenas gerir esse patrimônio, não
dissipá-lo a seu bel-prazer, com naturais prejuízos para os acionistas, em
benefício de quem a sociedade realiza as suas atividades” (FRAN MARTINS.
Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. 4ª ed. revista e atualizada. Rio
de Janeiro: Forense, 1978, p. 577).
101 Decreto-Lei nº 2.627/1940: “Art. 119. Os diretores não poderão praticar atos de
liberalidade à custa da sociedade. Não lhes será, igualmente, lícito hipotecar,
empenhar ou alienar bens sociais, sem expressa autorização dos estatutos
ou da Assembleia geral, salvo se esses atos ou opera­ções constituírem
objeto da sociedade. Parágrafo único. É também defeso aos diretores, tomar
empréstimos à sociedade, sem prévia autorização da Assembleia geral”.
102 NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro Renovar, 2005.

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588 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Afora essas hipóteses de atos gratuitos razoáveis, que encon-


tram justificativa tanto na sua extensão como na sua finalidade e não
oneram demasiadamente o patrimônio social, constituem atos de
liberalidade, de que os administradores devem se abster, entre outros,
a renúncia imotivada de direitos e o oferecimento de garantias em
favor de terceiros.
A Lei das S.A. veda ao administrador ainda na alínea “b” do § 2º
de seu artigo 154, sem prévia autorização da Assembleia Geral ou do
Conselho de Administração, tomar empréstimo de bens ou recursos
da companhia, ou a utilização, em proveito próprio, de sociedade em
que tenha interesse, ou de terceiros, dos bens, serviços ou créditos da
companhia103.
Na realidade, a aprovação pelo Conselho de Administração da
prática, pelos administradores, dos atos previstos na alínea “b” do § 2º
do artigo 154 não é justificável, tendo em vista a possibilidade de exis-
tência de conflito de interesses, principalmente quando o interessado
for um conselheiro. Neste caso, o esprit de corps, na prática, poderia vir
a prevalecer sobre os interesses sociais104.
Com efeito, o ideal seria que o estatuto social estabelecesse que
tais autorizações ficassem reservadas à apreciação da Assembleia Geral,
que, presumivelmente, não teria conflito de interesses, já que é órgão
soberano formado pela coletividade de acionistas.

103 No Direito norte-americano, foi promulgada, em 2002, a Sarbanes-Oxley


Act, com o intuito de proteger os investidores através da acuidade e da
confiabilidade das informa­ções divulgadas pelas companhias que integram o
mercado. Um dos dispositivos apontados pela doutrina como mais relevantes
é a Seção 402, em que há uma proibição de a companhia emissora, direta ou
indiretamente, inclusive através de subsidiária, emprestar ou manter crédito
ou renovar crédito anteriormente concedido a qualquer administrador
(Conforme BRETT H. MCDONNELL. Sarbanes-Oxley, Fiduciary Duties, and
the Conduct of Officers and Directors. Disponível em: <https://papers.ssrn.
com/sol3/papers.cfm?abstract_id=570321.>. Acesso em: 11 jan. 2018).
104 EGBERTO LACERDA TEIXEIRA, JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Das
Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, v. 2. São Paulo: Bushatsky, p. 473.

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Na hipótese de ausência de estipulação estatutária permitindo que


o Conselho de Administração conceda autoriza­ções deste tipo, está
tal órgão impedido de assim proceder. Por outro lado, a Assembleia
Geral, como órgão soberano, pode conceder a devida autorização sem
que haja dispositivo autorizativo no estatuto105.
O artigo 154, § 2º, alínea “c”, da Lei das Sociedades Anônimas,
por sua vez, prescreve que o administrador não pode receber de ter-
ceiros, sem expressa autorização do estatuto ou da Assembleia Geral,
qualquer modalidade de vantagem pessoal, direta ou indireta, em razão
do exercício de seu cargo. A inobservância deste dispositivo implica,
obrigatoriamente, a transferência à companhia das importâncias ou
vantagens recebidas, de acordo com o artigo 154, § 3º.
No entanto, a Lei Societária brasileira não regulou minuciosa-
mente tais prerrogativas, admitindo que o administrador as receba,
desde que previstas no estatuto ou autorizadas pela Assembleia Geral.
A respeito da autorização estatutária para o recebimento dos
benefícios previstos no artigo 154, § 2º, entende-se que, desde que a
companhia possua Conselho de Administração, será ele o órgão com-
petente para concedê-la, em cada caso concreto, seja para os próprios
conselheiros, seja para os diretores. Com efeito, a situação dos diretores
é diferente, pois, por não serem interessados diretamente nos negócios
sociais, não podem conferir tal autorização a si mesmos. Entretanto,
caso a companhia não possua Conselho de Administração, a autori-
zação teria que ser dada pela Assembleia Geral106.

105 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedade Anônimas, 5ª


ed., v. 3, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 342.
106 EDUARDO DE SOUSA CARMO. Rela­ções Jurídicas na Administração da S.A.
Rio de Janeiro: Aide, 1988, pp. 125-126: “Desde que a sociedade anônima
tenha conselho de administração, será ele competente para autorizar os
benefícios do § 2º do artigo 154, sejam para os próprios conselheiros, sejam
para os diretores. Os diretores, no entanto, não o podem conferir a si mesmos.
E aí está uma diferença de fundo conceitual entre diretores e conselheiros;
estes podem concedê-los a qualquer administrador – conselheiro ou diretor
– porque são, em tese, interessados diretamente nos negócios sociais, como
acionistas. Os diretores, não”.

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590 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Os atos de liberalidade, bem como os empréstimos ou vantagens


pessoais, sem prévia autorização do estatuto ou do órgão competente,
são considerados nulos, respondendo os administradores pelos pre-
juízos eventualmente causados, nos termos dos artigos 158 e 159 da
Lei das Sociedades Anônimas.

9.6. Dever de lealdade – artigo 155 da Lei das S.A.


O artigo 155 da Lei das Sociedades Anônimas incorporou ao
sistema jurídico brasileiro o padrão de lealdade (standard of loyalty)107
dos administradores frente à companhia, considerando o fato de que
estes se encontram em uma posição fiduciária108, que lhes impõe o
exercício de seus poderes segundo os princípios da boa-fé, tendo em
vista os interesses sociais.
O dever de lealdade previsto no artigo 155 da Lei Societária pode
ser traduzido em um elenco, exemplificativo, de condutas vedadas aos
administradores109.

107 Trata-se da consagração no Direito Societário brasileiro do standard of


loyalty dos norte-americanos. A propósito, o Corporate Director’s Guidebook
(AMERICAN BAR ASSOCIATION. Corporate Director’s Guidebook, 4th ed.
The Business Lawyer. Chicago: Section of Business Law of the American
Bar Association, v. 59, n. 3, may 2004, pp. 1.057-1.119), assim define,
especificamente à p. 1.070, o standard of loyalty no direito norte- americano:
“The duty of loyalty requires a director’s conduct to be in good faith and in the
best interests of the corporation – and not in the director’s own interest or in the
interest of another person (such as a family member) or an organization with
which the director is associated. Simply put, the director should not use the directors
corporate position for personal profit or gain or for other personal or non-corporate
advantage”.
108 Com relação à posição fiduciária dos administradores em face da companhia,
ver CARLOS KLEIN ZANINI. “A doutrina dos ‘fiduciary duties’ no Direito
norte-americano e a tutela das sociedades e acionistas minoritários frente
aos administradores das sociedades anônimas”. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 109,
jan.-mar. 1998.
109 FÁBIO ULHOA COELHO. Curso de Direito Comercial, v. 2. São Paulo: Saraiva,
2003, p. 246.

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De acordo com o inciso I, do artigo 155, o administrador deve


servir à companhia com lealdade, sendo-lhe vedado usar em benefício
próprio ou de outra pessoa, com ou sem prejuízo para a sociedade, as
oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em razão do
exercício de seu cargo.
Este dispositivo consagra a corporate opportunity doctrine dos
norte-americanos110, que impede que os administradores ou acionis-
tas controladores utilizem, em proveito próprio, as oportunidades de
negócio oferecidas à companhia.
Os principais problemas apontados pela doutrina ao examinar o tema
são estabelecer quando se configura uma corporate opportunity111 e quando
o seu aproveitamento pelo administrador, controlador ou pessoas a eles
vinculadas consubstancia violação de seu dever de lealdade112.
O American Law Institute, em seus Principles of Corporate Gover-
nance, § 5.05, considera que existe corporate opportunity:

110 A propósito da corporate opportunity doctrine: ROBERT C. CLARK. Corporate


Law. Boston: Little, Brown and Company, 1986, pp. 223 et seg.; MICHAEL P.
DOOLEY. Fundamentals of Corporation Law. New York: The Foundation Press,
1995, pp. 681 et seg. WILLIAM E. KNEPPER. Liability of Corporate Officers
and Directors. Columbus: The Allen Smith Company, 1978, pp. 71 et seg.;
VICTOR BRUDNEY, ROBERT CHARLES CLARK. “A New Look at Corporate
Opportunities”. Harvard Law Review. Cambridge: The Harvard Law Rewiew
Association, v. 94, n. 5, mar. 1981, pp. 997-1.062; ANDRÉ TUNC. Le Droit
Américan des Sociétes Anonymes. Paris: Economica, 1985, pp. 145 et seg.; J.
Y. MARTIN. Le détournement d’une chance économique par um dirigeant
de société (droit anglais e nord-américains). Paris I, 1981.
111 Sobre a Corporate Opportunity Doctrine, ver ERASMO VALLADÃO
A.N. FRANÇA e MARCELO VIEIRA VON ADAMEK. “Aproveitamento de
Oportunidades Comerciais da Companhia pelo Acionista Controlador
(Corporate Opportunity Doctrine)”. In: Erasmo Valladão A. N. França e Marcelo
Vieira von Adamek (Coord.). Temas de Direito Empresarial e Outros Estudos
em Homenagem ao Professor Luiz Gastão Paes de Barros Leães. São Paulo:
Malheiros, 2014, p. 88-110.
112 JOSÉ LUIS DÍAZ ECHEGARAY. Deberes y Responsabilidad de los
administradores de sociedades de capital, 2ª ed. Navarra: Editorial Aranzadi,
2006, p. 171.

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592 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

a) quando os administradores, tomando ciência do negócio


em virtude do exercício de seu cargo, podem razoavel-
mente deduzir que a oportunidade comercial tenha sido
oferecida para a sociedade; ou
b) quando os administradores podem, razoavelmente, acreditar
que a oportunidade seria de interesse da companhia; ou
c) se a oportunidade oferecida está intimamente relacionada
a algum negócio no qual a companhia está envolvida ou
esteja em vias de se envolver113.

113 Esta representa a tradução livre de: “§ 5.05.b – Definition of Corporate


Opportunity. For purposes of this Section, a corporate opportunity means: (1) Any
opportunity to engage in a business activity of which a director or senior executive
becomes aware, either: In connection with the performance of functions as a director
or senior executive, or under the circumstances that should reasonably lead the
director or senior executive believe the person is offering the opportunity expects
it to be offered to the corporation; or through the use of corporate informations
or property, if the resulting opportunity is one that the director or senior executive
should reasonably be expected to believe would be of interest to the corporation;
(2) Any opportunity to engage in a business activity of which a senior executive
becomes aware and knows is closely related to the business in which the corporation
is engaged or expects to engage” (AMERICAN LAW INSTITUTE. Principles
of Corporate Governance: Analysis and recommendations, v. I. St. Paul:
American Law Institute Publishers, 1994, p. 284). O Model Business Corporation
Act (AMERICAN BAR ASSOCIATION. Model Business Corporation Act: official
text with official comment and statutory cross-references revised through
2005. USA, ABA Books, 2005, pp. 8-168) também dispõe de forma semelhante
sobre oportunidades de negócios: “§ 8.70. BUSINESS OPPORTUNITIES. (a) A
director’s taking advantage, directly or indirectly, of a business opportunity may
not be the subject of equitable relief, or give rise to an award of damages or other
sanctions against the director, in a proceeding by or in the right of the corporation on
the ground that such opportunity should have been first offered to the corporation,
if before becoming legally obligated respecting the opportunity the director
brings it to the attention of the corporation and: (1) action by qualified directors
disclaiming the corporation’s interest in the opportunity is taken in compliance with
the procedures set forth in section 8.62, as if the decision being made concerned a
director’s conflicting interest transaction, or (2) shareholder’s action disclaiming the
corporation’s interest in the opportunity is taken in compliance with the procedures
set forth in section 8.63, as if the decision being made concerned a director’s
conflicting interest transaction; except that, rather than making ‘required disclosure’
as defined in section 8.60, in each case the director shall have made prior disclosure
to those acting on behalf of the corporation of all material facts concerning the
business opportunity that are then known to the director. (b) In any proceeding

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 593

Na realidade, a doutrina norte-americana114, a partir da análise de


julgados sobre a usurpação das oportunidades comerciais, formulou
alguns testes para identificar as corporate opportunities115:
a) teste do interesse ou expectativa (“interest or expectancy
test”), segundo o qual a oportunidade comercial pertence
à sociedade, se a companhia tem interesse ou expectativas
em relação ao negócio oferecido ou se a oportunidade
comercial é necessária ao desenvolvimento das atividades
da companhia;
b) teste da linha de negócios (“line of business test”), que
confronta a oportunidade que foi oferecida e o ramo
de negócios a que a sociedade se dedica – quanto mais
próxima for desse ramo de negócios, mais provavelmente
será considerada uma oportunidade comercial. Assim,
uma oportunidade de negócios é potencialmente uma

seeking equitable relief or other remedies based upon an alleged improper taking
advantage of a business opportunity by a director, the fact that the director did not
employ the procedure described in subsection (a) before taking advantage of the
opportunity shall not create an inference that the opportunity should have been first
presented to the corporation or alter the burden of proof otherwise applicable to
establish that the director breached a duty to the corporation in the circumstances”.
A propósito das corporate opportunies, a legislação espanhola (Real Decreto
Legislativo nº 1/2010, alterado pela Lei nº 31/2014) assim estabelece: “Artículo
229. Deber de evitar situaciones de conflicto de interés. 1. En particular, el deber de
evitar situaciones de conflicto de interés a que se refiere la letra e) del artículo 228
anterior obliga al administrador a abstenerse de: [...] b) Utilizar el nombre de la
sociedad o invocar su condición de administrador para influir indebidamente en la
realización de operaciones privadas. C) Hacer uso de los activos sociales, incluida
la información confidencial de la compañía, com fines privados. d) Aprovecharse
de las oportunidades de negocio de la sociedad. ”
114 ROBERT HAMILTON. The Law of Corporations in a nutshell. St. Paul: West
Group, 2000, pp. 479-481; LEWIS D. SOLOMON, DANIEL FESSLER, ARTHUR
E. WILMARTH, JR. Corporations and alternative business vehicles, 5th ed.
Santa Monica: Casenotes Publishing Company, 2000, pp. 4.27-4.28. ROBERT
C. CLARK. Corporate Law. Boston: Little, Brown and Company, 1986, 225-230.
HENRY WINTHROP BALLANTINE. Ballantine on Corporations. Chicago:
Callaghan, 1946, p. 206.
115 Conforme destacado por FLÁVIA PARENTE. O Dever de Diligência dos
Administradores de Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

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oportunidade comercial da companhia se (1) a sociedade


detém o conhecimento, a experiência prática e a possi-
bilidade financeira de utilizar ou exercer a oportunidade
e (2) a oportunidade está intimamente relacionada com
os negócios já desenvolvidos pela companhia ou em vias
de desenvolver no futuro, segundo as suas necessidades e
planos de expansão; e
c) teste da honestidade, justiça ou imparcialidade (“fairness
test”), segundo o qual é necessário realizar uma dupla
aferição para se determinar se a oportunidade pode ser
considerada uma oportunidade comercial: primeiro,
aplica-se o teste de linha de negócios para se verificar se
a oportunidade é intimamente relacionada às atividades
desenvolvidas pela companhia ou em vias de desenvolver;
se o autor da ação demonstra que a oportunidade está rela-
cionada aos negócios praticados pela companhia, caberá ao
administrador provar que não violou o dever de lealdade,
boa-fé e “fair dealing” ao se aproveitar da oportunidade
comercial116.
Um dos julgados que mais contribuiu para a atual formulação da
corporate opportunity doctrine foi o caso Guth v. Loft, INC.117 De acordo

116 Este teste, utilizado pela Suprema Corte de Minnesota no julgamento do


caso “Miller v. Miller”, foi considerado muito favorável aos administradores
da companhia porque permite que eles se beneficiem das oportunidades
mesmo que elas estejam relacionadas à linha de negócios da sociedade,
desde que demonstrem terem agido de maneira justa. Confira-se: LEWIS D.
SOLOMON, DANIEL FESSLER, ARTHUR E. WILMARTH, JR. Corporations and
alternative business vehicles, 5th ed. Santa Monica: Casenotes Publishing
Company, 2000, p. 4.28 e ROBERT C. CLARK. Corporate Law. Boston: Little,
Brown and Company, 1986, § 7.2.4, p. 229.
117 No caso, Guth, o principal executivo da Loft, Inc., uma empresa fabricante e
vendedora de refrigerantes, adquiriu, para si próprio, com recursos da Loft,
a­ções e a fórmula industrial da então falida National Pepsi-Cola Company.
Após recuperar e desenvolver os negócios da Pepsi-Cola, vendeu grande
quantidade dos refrigerantes por ela produzidos para a própria Loft. A
Corte de Delaware, no julgamento do caso, entendeu que a possibilidade

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 595

com a decisão proferida, são elementos caracterizadores da usurpação


da oportunidade comercial da companhia:
a) a possibilidade de utilização de tal oportunidade por parte
da companhia;
b) o fato de estar, tal oportunidade, inserida na linha de
negócios da companhia;
c) o fato de poder acarretar, tal oportunidade, um benefício
ou vantagem para a companhia.
Os tribunais norte-americanos, no julgamento de casos em que
foi examinada a existência de uma corporate opportunity, indicaram
ainda exemplos de condutas que deveriam ser evitadas pelos admi-
nistradores e controladores, sob pena de configurarem atos desleais: a
compra de imóveis, para depois vendê-los à companhia, sabendo que
ela tinha interesse na sua aquisição; o desenvolvimento de negócios
secretamente, em competição com a companhia; a aquisição de a­ções
da companhia, quando ela podia ou desejava comprá-las para sua
tesouraria etc.118
Na realidade, a doutrina e a jurisprudência norte-americanas vêm
consagrando também o chamado “two-step process”119 para verificar a

de comprar as a­ções e a fórmula industrial da Pepsi-Cola constituíam uma


oportunidade comercial da Loft, não de Guth, cabendo a este último devolver
à Loft os lucros que ele obtivera com tal transação. A Corte decidiu que os
administradores de uma companhia não podem utilizar a sua posição para
privilegiar seus interesses particulares, posto que se encontram numa relação
fiduciária com a companhia e os acionistas. Assim, devem abster-se de praticar
qualquer ato que prejudique a companhia ou que a impeça de obter lucros,
no desenvolvimento normal de suas atividades.
118 Klinicki v. Lundgren; Demoulas v. Demoulas Supermarkets, Inc.; Broz v. Cellular
Information Systems, Inc.; e Ostrowski v. Avery citados por ROBERT W.
HAMILTON. The Law of Corporations in a nutshell. St. Paul: West Group,
2000, pp. 482- 483.
119 Sobre two steps process, confira-se a lição de ROBERT C. CLARK (Corporate Law.
Boston: Little, Brown and Company, 1986, p. 229): “The first step is to determine
whether the opportunity is a corporate one. This is done by asking whether it was
so closely or intimately associated with the corporation’s existing or prospective
activities as to fall within its line of business. If the answer is yes, the second step is

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596 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

legitimidade da utilização, por parte do administrador ou controlador,


das oportunidades comerciais: primeiro, verifica-se a existência da
corporate opportunity, com base em um dos testes mencionados120; uma
vez constatada a ocorrência de uma oportunidade comercial, passa-se
ao exame da conduta do administrador ou controlador propriamente
dita. Com efeito, nem todo aproveitamento de uma oportunidade co-
mercial por parte do administrador ou controlador implica a violação
dos seus deveres de lealdade121 e de atuação com boa-fé.

taken: determining whether the officer who took the corporate opportunity violated
his fiduciary duties of loyalty, good faith, and fair dealing towards the corporation.
Plaintiff has the burden of proof with respect to the first step; defendant has it with
respect to the second”.
120 ROBERT W. HAMILTON (The Law of Corporations in a nutshell. St. Paul:
West Group, 2000, p. 480) chama a atenção para o fato de que outros fatores
podem ser considerados importantes para se verificar se existe corporate
opportunity, in verbis: “Other factors may also be important in determining whether
an opportunity is a corporate opportunity. For example, weight might be given
to whether or not there were prior negotiations with the corporation about the
opportunity or whether the opportunity was originally offered to the corporation
or to the director as an agent of the corporation. Another factor might be whether
the director learned of the opportunity by reason of his or her position with the
corporation. Another factor is whether the director used corporate facilities or
property to take advantage of the opportunity. Finally, it may be relevant to assess
how substantial was the need of the corporation for the opportunity. These factors
may be considered as sufficient separately or in combination. For example, an
opportunity may be viewed as a corporate opportunity if it was originally offered
to the corporation whether or not the opportunity is within corporation current ‘line
of business’”.
121 Alguns autores brasileiros entendem que o ilícito previsto no art. 155 da Lei
das S.A. é formal, bastando, para caracterizar a antijuridicidade, a utilização
da oportunidade por parte dos administradores, independentemente do
seu resultado, isto é, independentemente da ocorrência de prejuízo para
a companhia. Neste sentido, confira-se Modesto Carvalhosa, in verbis: “A
dispensa da verificação de prejuízo remete à caracterização da antijuridicidade
ao uso da oportunidade e não ao seu resultado. [...] A lei explicita [...] que,
mesmo não decorrendo da prática nenhum prejuízo material para a
companhia, há quebra do dever de lealdade. O ilícito, na espécie, é formal
e decorre objetivamente da ofensa ao direito da companhia, haja ou não
prejuízo para o patrimônio social” (MODESTO CARVALHOSA. Comentários
à Lei de Sociedade Anônimas, 5ª ed., v. 3, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 362).
No mesmo sentido, encontram-se EDUARDO DE SOUSA CARMO (Rela­ções
Jurídicas na Administração da S.A. Rio de Janeiro: Aide, 1988, pp. 129-130)
e FRAN MARTINS que ressalta, no entanto, que a ação de responsabilidade

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A princípio, tendo em vista a posição fiduciária por eles ocupada,


o administrador ou acionista controlador não pode utilizar as opor-
tunidades comerciais que, potencialmente, pertencem à companhia,
pois, enquanto órgãos da sociedade, devem sempre exercer as suas
atribui­ções visando a alcançar os interesses sociais e não os seus pró-
prios interesses ou os de terceiros.
Ou seja, se um determinado negócio constitui uma corporate
opportunity, o administrador, ao realizá-lo privadamente, deve ser
tratado, via de regra, como se estivesse apropriando-se, indevidamente,
de bens pertencentes à companhia.
Assim, a utilização por parte dos administradores, em benefício
próprio ou de terceiros, das oportunidades de negócios que estejam
dentro do escopo de atividades desenvolvidas pela companhia e que
podem apresentar, para ela, vantagens reais ou potenciais, a princípio,
caracteriza um ato de deslealdade em detrimento dos interesses da
companhia.
Porém, para estar caracterizada a infração à lei, a companhia deve
ter interesse, real ou potencial, na operação ou deve estar em condi­ções
de aproveitá-la122.
Diante disso, conclui-se que em algumas situa­ções a utilização
da oportunidade de negócio pelo administrador não é ilegítima123,

contra o administrador somente pode ser proposta quando houver prejuízos


decorrentes de seus atos (FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades
Anônimas. 4ª ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 2010, pp. 582).
122 ROBERT C. CLARK (Corporate Law. Boston: Little, Brown and Company, 1986,
p. 224) e ROBERT W. HAMILTON (The Law of Corporations in a nutshell. St.
Paul: West Group, 2000, p. 481).
123 A CVM, no julgamento do Processo nº RJ 2004/5494, Rel. Dir. Wladimir
Castelo Branco Castro, j. 16.12.2004, entendeu que o aproveitamento pelos
administradores, na qualidade de controladores, de oportunidade comercial,
inviável para a sociedade, não configura usurpação das oportunidades da
companhia. Confira-se trecho da decisão: “No mundo real, este negócio
tem aparência de ter sido concebido, desde o começo, como o que foi
(não importando o formato final): um negócio entre controladores, com
repercussão para a companhia, como ocorreu em inúmeras opera­ções de

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598 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

se a companhia não tiver recursos financeiros para aproveitá-la; se


estiver proibida de realizar negócios daquela natureza; se o estatuto
da companhia não permitir que ela realize tal negócio; ou se a com-
panhia já houver recusado tal oportunidade que lhe fora previamente
oferecida124_125. Daí decorre que a proibição do aproveitamento de
oportunidade comercial não é absoluta126.

alienação de controle em empresas fortemente alavancadas, isto é, com


grande parte de seu capital em a­ções preferenciais sem voto [...]. Quando
tais a­ções preferenciais não têm o direito de participar na oferta pública
decorrente da alienação de controle (o chamado tag along), não se pode
acusar o controlador de praticar algum ilícito quando se apropria da mais
valia, ou prêmio, correspondente ao poder de dirigir os negócios sociais.
Foi isto que aparentemente aconteceu neste caso: a sociedade controladora
de Ambev apropriou-se de tal mais valia através da alienação, por permuta,
das a­ções de controle de Ambev para os controladores de Interbrew. E este
negócio não era um negócio possível para a própria Ambev, seja porque
ela não detinha este direito, que apenas os controladores detinham, seja
porque tal negócio somente seria viável sem perda do controle de Interbrew
(adotadas as rela­ções de troca estabelecidas) se realizado apenas com alguns
dos acionistas de Ambev (os controladores e, no máximo, os titulares de
a­ções ordinárias, caso aceitem a oferta de permuta, decorrente da alienação
de controle)”.
124 WILLIAM E. KNEPPER. Liability of Corporate Officers and Directors. Columbus:
The Allen Smith Company, 1978, p. 76. Tratando-se de companhias abertas,
porém, há entendimento doutrinário no sentido de que os administradores
devem, por definição, abster-se de aproveitar qualquer tipo de oportunidade
comercial, dada a posição fiduciária por eles ocupada frente à companhia
e aos acionistas minoritários (VICTOR BRUDNEY, ROBERT CHARLES CLARK.
“A New Look at Corporate Governance Opportunities”, Harvard Law Review.
Cambridge: The Harvard Law Review Association, v. 94, n. 5, mar. 1981).
125 Conforme já manifestado pela CVM, é importante que esta inviabilidade
de aproveitamento da oportunidade pela companhia seja documentada,
demonstrando que a ela foi oferecida, a fim de legitimar a sua utilização pelo
administrador: “Assim, para utilizar, individualmente ou em outra sociedade,
a oportunidade comercial relacionada à atividade desempenhada pela
companhia, o administrador deve demonstrar e documentar a inviabilidade
do negócio para a companhia ou a sua falta de interesse. Caso contrário,
poderá ser caracterizada a usurpação da oportunidade comercial e a
consequente infração ao art. 155, II, da Lei nº 6.404/1976. E este é o caso
concreto.” (PAS CVM nº RJ2013/1840, Rel. Dir. Ana Novaes, j. 15.04.2014.)
126 ALFREDO SÉRGIO LAZZARESCHI NETO. Lei das Sociedades por Ações
Anotada, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 421.

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Complementando o rol de condutas proibidas por constituírem


violação do dever de lealdade, é vedado ao administrador, de acordo
com o inciso II, do artigo 155, da Lei das Sociedades Anônimas,
omitir-se no exercício ou na proteção de direitos da companhia, ou,
visando à obtenção de vantagens, deixar de aproveitar oportunidade
de negócios de interesse da companhia127.
Em caso de inércia, o administrador estará descumprindo também
o seu dever de diligência, expressamente consignado no artigo 153 da
Lei Societária, que lhe impõe, dentre outros, o dever de atuar.
Contudo, se o administrador, de forma deliberada, deixa de apro-
veitar as oportunidades de negócios de interesse da companhia, estará
se omitindo voluntariamente, o que pode indicar sua eventual má-fé128.
Por fim, o inciso III do artigo 155 da Lei Societária proíbe que
os administradores adquiram, para revenda com lucro, bem ou direito
que sabem ser necessário à companhia, ou que esta pretenda adquirir.
A infração prevista no inciso III, do artigo 155, da Lei das So-
ciedades Anônimas consiste na frustração dos interesses negociais da
companhia, não importando, desse modo, segundo alguns doutrina-
dores, a obtenção ou não de lucro na transação129.

127 A propósito, o PAS CVM nº 29/05, Rel. Dir. Eli Loria, j. 30.09.2008.
128 EDUARDO DE SOUSA CARMO. Rela­ções Jurídicas na Administração da S.A.
Rio de Janeiro: Aide, 1988, p. 130.
129 Neste sentido, confira-se Eduardo Carmo: “[...] Ainda uma vez reafirmou
o legislador a preferência do interesse da pessoa moral sobre o interesse
individual do administrador. A norma, ao intercalar a oração reduzida fi­nal (....
para revender com lucro....), parece autorizar o administrador a atravessar os
negócios sociais, quando não puder obter lucro na transação. Não é, porém,
assim. Ao administrador é defeso frustrar os interesses negociais da sociedade
anônima, neles se interpondo, para comprar e re­vender bens ou direito que
saiba atender aos objetivos em­presariais da companhia” (EDUARDO DE
SOUSA CARMO. Rela­ções Jurídicas na Administração da S.A. Rio de Janeiro:
Aide, 1988, pp. 130-131). Modesto Carvalhosa igualmente entende que “[a]
falta de verificação do nexo causal lucro-prejuízo não leva, por outro lado, à
conclusão de que o administrador é livre para adquirir e revender à companhia
bem ou direito, desde que não ocorra vantagem-prejuízo patrimonial nesse
negócio. Em tal hipótese, a proibição poderá ser facilmente capitulável

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600 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Ressalte-se, contudo, que a interposição do administrador em um


negócio que interesse a companhia, em algumas situa­ções excepcionais,
a serem analisadas em cada situação específica, pode ser legitimamente
admitida. Justifica-se, por exemplo, a interposição do administrador
nos casos em que a revelação do nome da companhia possa acarretar
uma excessiva valorização do preço do bem que pretendia adquirir.
Nesta hipótese, a intervenção do administrador decorreria de uma
necessidade da própria companhia, isto é, o administrador estaria ad-
quirindo o bem para satisfação de interesse exclusivo da sociedade130.
Além deste elenco de condutas proibidas, a Lei Societária, im-
põe no § 1º do artigo 155, o dever de sigilo aos administradores de
sociedades.
O dever de sigilo constitui uma consequencia lógica do dever de
lealdade, que impoe ao administrador, dentre outras, a obrigação de
atuar tendo em vista exclusivamente o interesse social131.
O dever de sigilo comporta dois aspectos: (a) o primeiro, rela-
cionado à manutenção de reserva sobre os negócios da companhia,

no inciso I” (MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedade


Anônimas, 5ª ed., v. 3. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 366).
130 Modesto Carvalhosa cita ainda outros exemplos que justificam a interposição,
a saber: “Somente será legítima a interposição quando se torna ela necessária
à efetivação posterior do negócio pela companhia. Será o caso, v.g., de
exigência do alienante de pronta celebração do contrato ou o seu imediato
pagamento, parcial ou total. O aproveitamento dessas oportunidades
únicas será perfeitamente admissível. Outros casos de interposição também
são admissíveis, como o do sigilo temporário sobre o real adquirente – a
companhia –, sigilo esse sem o qual não seria possível fazer o negócio ou se da
revelação decorresse excessiva valorização do preço. Assim, a oportunidade,
as facilidades ou o interesse de sigilo podem justificar a interposição”
(MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedade Anônimas, 5ª
ed., v. 3. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 366).
131 O dever de sigilo está presente também na legislação espanhola, incluído
dentro do dever de lealdade, e não como um dever apartado (Real Decreto
Legislativo nº 1/2010). Confira-se: “Artículo 228. Obligaciones básicas derivadas
del deber de lealtad. En particular, el deber de lealtad obliga al administrador a:
[...] b) Guardar secreto sobre las informaciones, datos, informes o antecedentes
a los que haya tenido acceso en el desempeño de su cargo, incluso cuando haya
cesado en él, salvo en los casos en que la ley lo permita o requiera.”

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 601

quando a divulgação de determinadas informações ao público possa


resultar em prejuízo à sociedade, e (b) o segundo, relativo à vedação à
utilização de informação confidencial.
No primeiro caso, impõe-se o dever de sigilo quando existir um
interesse legítimo da companhia em manter certos fatos em segredo,
isto é, sempre que a sua divulgação possa resultar em eventual “perigo”
para a condução dos negócios sociais, ou que possa atribuir vantagem
a algum concorrente. A obrigação de reserva, nessas situações, está
relacionada à “confidencialidade” de uma informação, isto é, o dever
de sigilo impõe-se enquanto as informações forem desconhecidas do
público.
A extensão do dever de segredo deve ser determinada pelos pró-
prios administradores, uma vez que é impossível estabelecer, a priori,
o que deve ser considerado confidencial. Esta tarefa dependerá da
análise das circunstâncias de cada caso, sendo possível, inclusive, que
o interesse social exija do administrador a obrigação de “falar”, como,
por exemplo, em situações em que a sociedade precise revelar objetivos,
metas ou políticas ao mercado.
O segundo aspecto do sigilo veda a prática do chamado “insider
trading”. O administrador, em razão de sua posição fiduciária em
relação à sociedade e seus sócios, deve guardar sigilo sobre qualquer
informação relevante da companhia, da qual tenha conhecimento em
razão de seu cargo, sendo-lhe proibido valer-se da informação para
obter, para si ou para outrem, vantagem mediante a compra ou venda
de valores mobiliários132.

132 O Direito português (Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo


Decreto-Lei nº 262/86 e alterado pelo Decreto-Lei nº 89/2017) dispõe da
seguinte forma sobre o dever de sigilo: “Artigo 449º. Abuso de informação
1 – O membro do órgão de administração ou do órgão de fiscalização de
uma sociedade anónima, bem como a pessoa que, por motivo ou ocasião
de serviço permanente ou temporário prestado à sociedade, ou no exercício
de função pública, tome conhecimento de factos relativos à sociedade aos
quais não tenha sido dada publicidade e sejam susceptíveis de influenciarem
o valor dos títulos por ela emitidos e adquira ou aliene ac­ções ou obriga­ções

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602 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

O artigo 155, § 1º da Lei das Sociedade Anônimas deve ser in-


terpretado conjuntamente com o disposto no § 4º do artigo 157, que
trata do dever de informar (disclosure), mais adiante analisado.
Da leitura conjunta destes dois dispositivos, resulta claro que a Lei
seguiu o padrão normativo do Direito norte-americano, referente ao
dever do “insider” de divulgar ou abster-se de utilizar a informação em
proveito próprio (“disclose or refrain from trading”)133. Assim, estando
o administrador na posse de informação relevante, sua obrigação fun-
damental é revelá-la ao público, em razão do princípio fundamental
do “disclosure”. Porém, enquanto tal informação não for divulgada ao
público, ele fica proibido de negociar com os valores mobiliários de
emissão da companhia134.

da referida sociedade ou de outra que com ela esteja em relação de domínio


ou de grupo, por esse modo conseguindo um lucro ou evitando uma perda,
deve indemnizar os prejudicados, pagando-lhes quantia equivalente ao
montante da vantagem patrimonial realizada; não sendo possível identificar
os prejudicados, deve o infractor pagar a referida indemnização à sociedade.
2 – Respondem nos termos previstos no número anterior as pessoas nele
indicadas que culposamente revelem a terceiro os factos relativos à sociedade,
ali descritos, bem como o terceiro que, conhecendo a natureza confidencial
dos factos revelados, adquira ou aliene ac­ções ou obriga­ções da sociedade
ou de outra que com ela esteja em relação de domínio ou de grupo, por
esse modo conseguindo um lucro ou evitando uma perda. 3 – Se os factos
referidos no nº 1 respeitarem à fusão de sociedades, o disposto nos números
anteriores aplica-se às ac­ções e obriga­ções das sociedades participantes e das
sociedades que com elas estejam em relação de domínio ou de grupo. 4 – O
membro do órgão de administração ou do órgão de fiscalização que pratique
alguns dos factos sancionados no nº 1 ou no nº 2 pode ainda ser destituído
judicialmente, a requerimento de qualquer accionista. 5 – Os membros do
órgão de administração devem zelar para que outras pessoas que, no exercício
de profissão ou actividade exteriores à sociedade, tomem conhecimento de
factos referidos no n.º 1 não se aproveitem deles nem os divulguem”.
133 Sobre insider trading, consulte-se o item 10.1.3 do Capítulo 10 desta obra.
134 A Associação Brasileira das Companhias Abertas – Abrasca editou, em
julho de 2007, um manual de normas de controle e divulgação de informa­
ções relevantes, com o objetivo de “instruir as companhias abertas sobre
como as informa­ções privilegiadas devem ser tratadas, interna corporis, de
forma a assegurar o sigilo dessas informa­ções”, prevenindo a prática do
crime de utilização de informação privilegiada. Este manual prevê uma
série de condutas a serem adotadas pelas companhias sob três aspectos:
(1) manutenção do sigilo sobre informa­ções privilegiadas (com a criação

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 603

9.7. Conflito de Interesses – artigo 156 da Lei das S.A.


No Direito Societário, verifica-se uma crescente preocupação
com a prevenção e a repressão a determinadas situa­ções de conflitos
de interesse, que podem ocasionar prejuízos aos acionistas minoritários
e à própria companhia135.

de políticas de divulgação de fatos relevantes e de negociação de valores


mobiliários pelos administradores, a adoção de políticas internas para
“instituir procedimentos formais para identificar as informa­ções relevantes e
alertar os seus administradores e colaboradores sobre o caráter confidencial
das informa­ç ões privilegiadas”, a subsunção dos administradores ao
comprometimento formal “com a manutenção do sigilo de todas as informa­
ções privilegiadas e com as políticas adotadas internamente pela companhia,
por meio, por exemplo, da assinatura de termo de confidencialidade”),
(2) divulgação de fatos relevantes ao mercado (com o acompanhamento
constante das “negocia­ções realizadas com valores mobiliários de sua
emissão, para que possam identificar eventual oscilação atípica na cotação,
volume ou quantidade de negócios de seus valores mobiliários” no caso de
manutenção de sigilo “a respeito de informação relativa a ato ou fato relevante
para salvaguarda de interesse legítimo da companhia ou de ainda não estar
o ato ou fato relevante suficientemente maduro para ser divulgado”) e (3)
controle das informa­ções privilegiadas pelas companhias (com a criação de
órgãos de monitoramento interno).
135 Outras legisla­ções também se preocuparam em regular o conflito de interesses,
tais como a legislação espanhola (Real Decreto Legislativo nº 1/2010, alterado
pela Lei nº 31/2014: “Artículo 228. Obligaciones básicas derivadas del deber de
lealtad. [...] c) Abstenerse de participar en la deliberación y votación de acuerdos
o decisiones en las que él o una persona vinculada tenga un conflicto de intereses,
directo o indirecto. Se excluirán de la anterior obligación de abstención los
acuerdos o decisiones que le afecten en su condición de administrador, tales como
su designación o revocación para cargos en el órgano de administración u otros
de análogo significado.”); a portuguesa (Código das Sociedades Comerciais,
aprovado pelo Decreto-Lei nº 262/86 e alterado pelo Decreto-Lei nº 89/2017:
“Artigo 410.º [...] 6. O administrador não pode votar sobre assuntos em que
tenha, por conta própria ou de terceiro, um interesse em conflito com o da
sociedade; em caso de conflito, o administrador deve informar o presidente
sobre ele”), a argentina (Ley nº 19.550/84. “Interés contrario. ARTÍCULO 272.
– Cuando el director tuviere un interés contrario al de la sociedad, deberá hacerlo
saber al directorio y a los síndicos y abstenerse de intervenir en la deliberación, so
pena de incurrir en la responsabilidad del artículo 59”) e a italiana (Il Codice Civile
Italiano. R.D. 16 marzo 1942, nº 262 alterado pelos Decretos Legislativos nº
38 de 15 de março de 2017 e nº 117, de 7 de julho de 2017: “Art. 2373 Conflitto
d’interessi. 1. La deliberazione approvata con il voto determinante di coloro che
abbiano, per conto proprio o di terzi, un interesse in conflitto con quello della
società è impugnabile a norma dell’articolo 2377 qualora possa recarle danno.

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604 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

O conflito de interesses é tratado na Lei das Sociedades Anôni-


mas, fundamentalmente, em dois dispositivos: no artigo 115, § 1º, que
regula as situa­ções de conflito de interesses do acionista quando do
exercício do seu direito de voto; e no artigo 156, que impõe ao admi-
nistrador o dever de abstenção em relação à prática de determinados
atos que possam caracterizar hipóteses de conflito de interesses.
Configura-se o conflito de interesse quando a satisfação do
interesse meramente individual somente poderá ocorrer mediante
o sacrifício do interesse coletivo, e vice-versa136. Existe, dessa forma,
um conflito de interesse entre o sócio ou administrador e a sociedade
quando o sócio ou administrador é portador, diante de determinada
deliberação, de um dúplice interesse: o social e o seu particular, sendo
esta duplicidade de tal monta que um dos interesses não pode ser
satisfeito sem sacrificar o outro137.
Distingue-se o conflito formal do conflito substancial de interesses.
O conflito formal de interesses ou conflito de interesses lato sensu
é aquele existente em todo negócio jurídico bilateral ou unilateral,
em que o acionista ou o administrador e a sociedade são as partes
contratantes.
O contrato bilateral pressupõe que as partes contratantes possu-
am interesses diversos. O conflito formal advém, portanto, da própria
natureza do negócio bilateral. O conflito é pressuposto da formação
dessas rela­ções contratuais entre a companhia e seu acionista ou ad-
ministrador.

Gli amministratori non possono votare nelle deliberazioni riguardanti la loro


responsabilità. I componenti del consiglio di gestione non possono votare nelle
deliberazioni riguardanti la nomina, la revoca o la responsabilità dei consiglieri
di sorveglianza”).
136 ERASMO VALLADÃO AZEVEDO E NOVAES FRANÇA. Conflito de Interesses
nas Assembleias de S.A. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 20.
137 Tratando do conflito de interesses entre acionista e companhia, confira-
se FRANCESCO GALGANO, “La Società per Azioni”. In: Trattato di Diritto
Commerciale e di Diritto Pubblico dell’Economia, v. 7. Padova: CEDAM,
1984, p. 230.

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No conflito formal ou lato sensu, o impedimento da atuação do


acionista ou administrador tem como fundamento a existência de uma
relação contratual de natureza unilateral ou bilateral, envolvendo o
acionista ou administrador e a sociedade.
Assim, sempre haverá conflito formal ainda que o negócio jurídico
acarrete benefícios equitativos para a sociedade e para seu acionista
ou administrador138.
Haverá, por outro lado, conflito substancial de interesses ou
conflito de interesses stricto sensu, quando o voto for utilizado com
desvio de finalidade, para promover interesses do administrador ou
do controlador incompatíveis com o interesse social139.
Caracteriza-se o desvio de finalidade no caso, quando o acionista
ou administrador, embora observando as formalidades do voto e não
cometendo violação expressa à lei ou ao estatuto, exerce esse direito ou
atua com uma finalidade diversa daquela que lhe foi conferida por lei.
Ao exercer o direito de voto ou praticar determinado ato, o
acionista ou o administrador deve sempre observar o interesse social
em detrimento dos interesses individuais que possam ser com ele
incompatíveis.
Vale dizer, a discricionariedade do acionista ou do administrador
no exercício do voto e na prática de determinado ato tem no interesse
social o seu limite.
Verifica-se, assim, o conflito substancial de interesses quando o
voto ou ato é exercido ou praticado pelo acionista ou administrador
com desvio de finalidade, não atendendo, por conseguinte, ao interesse
social, em desrespeito aos princípios da boa-fé e da lealdade.
O conflito substancial pode relacionar-se com o interesse próprio
ou alheio, como será o caso, por exemplo, de beneficiar ilicitamente

138 NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005,
Capítulo 5.
139 DOMINIQUE SCHMIDT. Les droits de la minorité dans la société anonyme.
Paris: Librairie Sirey, 1970, pp. 48 et seg.

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uma sociedade concorrente na qual o acionista ou administrador tenha


um interesse maior do que aquele que possui na sociedade em que
está votando ou atuando. Nessa hipótese, será ilícito o voto ou o ato
do acionista ou do administrador uma vez que estará sacrificando o
interesse da sociedade em benefício de outra. Haverá, portanto, nítido
desvio de finalidade.
Para que se possa falar em conflito substancial de interesse, é es-
sencial que se analise a situação fática em que a satisfação do interesse
do indivíduo, nesta qualidade, importe em sacrifício do interesse de
grupo do qual também faz parte, ou vice-versa.
Na esfera do Direito Societário, verifica-se a existência de nor-
mas que tratam do conflito de interesses, quer do acionista, quer do
administrador perante a companhia.
Nos casos em que a lei adota o critério do conflito de interesses
formal do administrador ou acionista com a companhia, a proibição
de intervir é absoluta, não dependendo do mérito da decisão ou das
circunstâncias de fato em que foi adotada. A violação de tal proibição
acarreta a nulidade da deliberação, independentemente de ela ter ou
não causado prejuízo à sociedade.
Por outro lado, nas hipóteses em que o legislador optou por
coibir tão-somente as situa­ções de conflito de interesses substancial,
a eventual ilegalidade da interferência do administrador ou acionista
constitui uma questão fática, a ser apreciada em cada caso concreto,
devendo ser analisado o mérito da deliberação.
Nessas situa­ções, o controle da participação do administrador ou
acionista é realizado a posteriori, ou seja, ele não está impedido de partici-
par da deliberação, porém, caso comprovado que esta efetivamente tenha
causado prejuízos à sociedade, ela pode ser anulada e o administrador ou
acionista infrator ser obrigado a responder por perdas e danos.
Em regra, quando a Lei menciona, genericamente, o conflito de
interesses, sem especificar claramente as situa­ções em que este estaria

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caracterizado, entende-se que o legislador está se referindo ao conflito


substancial.
Em nosso sistema jurídico, o artigo 115, § 1º, da Lei das Socie-
dades Anônimas, regula as situa­ções de potencial conflito de interesses
entre o acionista e a companhia, contemplando hipóteses de conflito
formal, em que há proibição absoluta de voto, e de conflito substan-
cial. Estabelece tal dispositivo que o acionista não poderá votar nas
delibera­ções: (i) da Assembleia Geral relativas ao laudo de avaliação de
bens com que concorrer para a formação do capital social; (ii) relativas
à aprovação de suas contas como administrador; (iii) que puderem
beneficiá-lo de modo particular; ou (iv) em que tiver interesse confli-
tante com o da companhia.
O § 4º do artigo 115 da Lei das S.A., por sua vez, considera anu-
lável apenas a deliberação tomada em decorrência do voto do acionista
que tem interesse conflitante com a companhia, obrigando-o, nesta
hipótese, a indenizar as perdas e danos a ela causados.
Como a regra geral é considerar que existe conflito formal de
interesses somente quando a lei especifica claramente as delibera­ções
em que o acionista está proibido de participar e como o § 1º do artigo
115 elenca quatro situa­ções em que o acionista poderia, em tese, ser
impedido de votar, mas, em seguida, estabelece uma regra adicional
específica para apenas uma daquelas situa­ções – a do conflito de inte-
resses estrito senso, prevista na última parte do § 1º –, pode-se concluir
que a solução a ser dada a tal hipótese é diversa daquela conferida às
três outras situa­ções previstas no § 1º do dispositivo em questão.
Diante disso, nos casos em que a Lei Societária menciona, ge-
nericamente, que o acionista em situação de conflito de interesse está
impedido de participar das delibera­ções da companhia, prevalece o
entendimento de que está se referindo ao conflito substancial, que
deve ser apreciado em cada situação concreta, cabendo, portanto, a
verificação do mérito do voto exercido pelo acionista detentor de
interesse potencialmente conflitante com a sociedade.

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608 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Assim, tendo em vista a interpretação sistemática dos §§ 1º e 4º


do artigo 115 da Lei Societária, o acionista somente está proibido de
votar nas três primeiras hipóteses, isto é, nas delibera­ções da Assem-
bleia Geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer
para a formação do capital social, naquelas relacionadas à aprovação
de suas contas como administrador e em quaisquer outras que possam
beneficiá-lo de modo particular140.
A proibição prevista no § 1º, do artigo 115, initio, é absoluta,
constituindo aplicação do princípio nemo iudex in causa propria, e
acarretando, a sua transgressão, nulidade da deliberação, independen­
te­mente do mérito da decisão e das circunstâncias de fato em que foi
adotada141.
Já na hipótese genérica de conflito de interesse, prevista na parte
final do § 1º do artigo 115, a Lei não está se reportando a um conflito
meramente formal, mas a um conflito substancial, que somente pode
ser aferido mediante o exame do conteúdo da deliberação142. Isto sig-
nifica que o acionista não pode, a priori, ser impedido de participar das
delibera­ções, mas deve ser levado em conta se a decisão efetivamente
causa prejuízos à companhia.
A CVM, na primeira vez em que analisou a questão, firmou o
entendimento de que havia vedação absoluta para participação do
acionista no negócio em que estivesse em situação de interesse po-
tencialmente conflitante com a companhia, tendo considerado que se
tratava de uma hipótese de conflito formal de interesses143.

140 FÁBIO KONDER COMPARATO. “Controle Conjunto, Abuso no Exercício do


Voto Acionário e Alienação Indireta de Controle Empresarial”. In: Direito
Empresarial: Estudos e Pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 91.
141 NELSON EIZIRIK. Reforma das S.A. e do Mercado de Capitais, 2a ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 1998, p. 108.
142 ERASMO VALADÃO AZEVEDO E NOVAES FRANÇA. Conflito de Interesses
nas Assembleias de S.A. São Paulo: Malheiros, 1993, pp. 91-92.
143 Neste sentido, confira-se trecho de voto proferido pela Rel. Dir. Norma
Parente, em 19.12.2001, no julgamento do Inquérito Administrativo CVM
nº 2001/4977: “Na presente hipótese, é inquestionável, a meu ver, que o

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Posteriormente, o Colegiado da CVM manifestou o entendi-


mento de que o artigo 115 da Lei das S.A. disciplina as situa­ções de
conflito de interesses a partir de uma análise substancial, em que não
há vedação absoluta à participação do acionista nas delibera­ções da
Assembleia Geral, devendo ser verificado se a decisão efetivamente
causa prejuízos à companhia144.

benefício do controlador decorre do próprio contrato por figurar ele nos


dois lados, razão pela qual deveria abster-se de votar independentemente
de o contrato ser ou não eqüitativo. Trata-se de negociação consigo próprio.
Ao referir-se a delibera­ções que puderem beneficiar o acionista, a lei não
pressupõe que o acionista está contratando com a companhia contra o
interesse social. Por outro lado, o conflito de interesses não pressupõe que os
interesses sejam opostos mas que o acionista tenha duplo interesse. O conflito
de interesses, na verdade, se estabelece na medida em que o acionista não
apenas tem interesse direto no negócio da companhia mas também interesse
próprio no negócio que independe de sua condição de acionista por figurar
na contraparte do negócio. Não precisa o conflito ser divergente ou oposto ou
que haja vantagem para um e prejuízo para o outro. A lei emprega a palavra
conflito em sentido lato abrangendo qualquer situação em que o acionista
estiver negociando com a sociedade”.
144 Inquérito Administrativo CVM nº TA-RJ 2002/1153, cujo voto vencedor
foi relatado por Wladimir Castelo Branco Castro, julgado em 06.11.2002.
A propósito, o Diretor Luiz Antônio Sampaio Campos enfatiza que o
entendimento pelo qual o conflito de interesses deve ser apreciado de
forma substancial é largamente dominante na doutrina: “A linha que afinal
veio a prevalecer para a hipótese de conflito de interesse, como ficará
demonstrado abaixo, foi aquela para a qual o conflito de interesse deveria
ser apreciado no caso concreto e específico, de forma substancial e não
formal, e a meu ver é aquela que melhor defende os valores da sociedade
e se integra no sistema do anonimato. Esse entendimento, conforme já tive
a oportunidade de expor, é o majoritário tanto no Brasil quanto fora dele,
sendo mesmo raro quem sustente o contrário, notadamente no Brasil. [...]
No Brasil, o assunto também não ficou esquecido. A opinião sempre foi
no sentido de que o conflito de interesses seria uma questão de fato, a ser
examinada caso a caso, e que o conflito precisaria resultar evidente, colidente,
estridente, inconciliável.” O entendimento esposado pelo referido Diretor,
que prevaleceu em sede do Colegiado da CVM, foi reformado pelo Conselho
de Recursos do Sistema Financeiro Nacional – CRSFN, no Acórdão/CRSFN
4706/2004, julgado em 21.01.2004. A respeito do conflito de interesses do
artigo 115, § 1º, assim entendeu o CRSFN: “A interpretação mais adequada
para a parte final do dispositivo em tela – que trata de benefício particular
ou interesse conflitante – deve ser a que conclui que o voto do acionista
que se considerar em conflito é vedado a priori, mas apenas no caso de esse
acionista votante, em seu juízo de valor, se verificar na situação de conflito.

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610 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Com a edição do Parecer de Orientação CVM nº 34, em 18 de


agosto de 2006, iniciou-se uma mudança de orientação da CVM, visto
que o acionista controlador ficou impedido de votar nas operações de
incorporação de controladas que prevejam relações de substituição
distintas para acionistas controladores e minoritários ou para diferentes
espécies de ações145. Ao final de 2010, o Colegiado da CVM voltou a
entender que há vedação absoluta para participação do acionista no
negócio em que esteja em situação de interesse potencialmente con-
flitante com a companhia, tratando-se, portanto, o artigo 115, § 1º, da
Lei das S.A. de hipótese de conflito formal de interesses146.
As situa­ções de conflito de interesses entre o administrador e a
companhia, por sua vez, são disciplinadas pelo artigo 156 da Lei das
Sociedades Anônimas, que estabelece que o administrador está proi-

[...] A questão fulcral é que, havendo, como havia, interesse da coligada


externa e indiretamente de sua controlada e ora apelante na celebração
do contrato, essa deveria ter se abstido de votar, com o que teria evitado a
materialização do conflito”. Sobre este caso, confiram-se os comentários de
ERASMO VALADÃO AZEVEDO E NOVAES FRANÇA. “Conflito de interesse
formal ou substancial? Nova decisão da CVM sobre a questão”. Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos
Tribunais, v. 128, out.-dez. 2002, p. 259: “É justamente o fato de o acionista
votar com o intuito de obter vantagem a que não faz jus, aliado ao dano (atual
ou potencial) para a companhia que caracteriza, a nosso ver, o interesse
conflitante com o da sociedade, a que faz referência o § 1º do art. 115 da Lei
6.404. [...] Não basta, assim, em nosso entender, um mero conflito formal: é
necessário que o conflito seja substancial, efetivo. [...] O Colegiado da CVM,
a nosso ver, desta vez interpretou corretamente a lei”. No mesmo sentido da
decisão proferida pelo Colegiado, ver também o Inquérito Administrativo
CVM nº TA-RJ 2002/2405, julgado em 09.10.2003.
145 O Colegiado da CVM, no PA CVM RJ2006/6785, pouco tempo depois decidiu
por maioria que o acionista titular das ações beneficiadas, e, portanto, cujo voto
esteja impedido, pode votar com ações de outra espécie ou classe cujos direitos
políticos de voto não estejam impedidos. (NORMA JONSSEN PARENTE. Mercado
de Capitais. Coleção Tratado de Direito Empresarial, vol. VI. Modesto Carvalhosa
(coord.). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 330).
146 Decisão do Colegiado, em reunião de 09 de setembro de 2010, em consulta
sobre o impedimento de voto do acionista controlador na assembleia que
deliberar sobre transação com parte relacionada à companhia – Tractebel
Energia S.A. (Processo Administrativo CVM nº RJ2009/13179).

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 611

bido de intervir em qualquer operação social em que tiver interesse


conflitante com o da companhia147.
O artigo 156 da Lei Societária não relaciona, de maneira espe-
cífica, quais seriam as delibera­ções em que o administrador estaria
formalmente impedido de participar, mas, ao contrário, refere-se
genericamente às situa­ções de conflito de interesses com a companhia.
Assim, em nosso entendimento, também em relação aos admi-
nistradores, o conflito de interesses deveria ser analisado caso a caso,
tendo em vista o mérito da deliberação aprovada.
As considera­ções relativas ao exercício do direito de voto pelo
acionista aplicam-se integralmente às delibera­ções tomadas no âmbito
dos órgãos de administração das companhias, nas hipóteses em que
algum de seus membros possui interesse potencialmente conflitante
com a sociedade148.

147 A respeito do conflito de interesses, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio


de Janeiro teve a oportunidade de se manifestar, no Agravo de Instrumento
nº 2001.002.8605, Rel. Des. Fabrício Paulo B. Bandeira Filho, julgado em
05.09.2001, no seguinte sentido: “O conflito de interesses de que ela trata
(art. 156) refere-se não ao conflito entre acionistas, mas ao conflito entre
o administrador e a companhia. A recusa do administrador de cumprir as
suas fun­ções não pode ser confundida com a sua recusa em se submeter
aos desaguios contrariados de um acionista. O partidarismo que se imputa
ao agravante traduz-se em não admitir ele que se procedesse à eleição
do presidente do conselho de administração por órgão que não tinha tal
competência. A violação das regras legais envolve a interpretação que a
agravada lhes atribui, sempre de molde a favorecer os seus interesses”.
148 NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005,
Capítulo 5. Observa-se que uma das preocupa­ções do Instituto Brasileiro
de Governança Corporativa, ao elaborar o Código das Melhores Práticas de
Governança Corporativa, foi a de prevenir situa­ções de conflitos de interesses
entre os membros da administração. Os itens 5.4 e 5.4.c do referido Código tratam
especificamente da questão, nos seguintes termos: “Há conflito de interesses
quando alguém não é independente em relação à matéria em discussão e pode
influenciar ou tomar decisões motivadas por interesses distintos daqueles da
organização.” (grifamos); e “A pessoa que não é independente em relação à
matéria em discussão ou deliberação deve manifestar, tempestivamente, seu
conflito de interesses ou interesse particular. Caso não o faça, outra pessoa deve
manifestar o conflito, caso dele tenha ciência. Tão logo identificado conflito de
interesses em relação a um tema específico, a pessoa envolvida deve afastar-se,

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612 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Confirmando o entendimento de que a análise do conflito de


interesses do administrador com a sociedade deve ser substancial,
não formal149, o § 2º do mencionado artigo 156 considera meramente
anuláveis, e não nulos de pleno direito150, os negócios contratados em
situa­ções de interesse conflitante.
Na medida em que a eventual existência do conflito de interesses
não deve ser verificada a priori, mas depende da análise do mérito da
operação, pode-se afirmar que o administrador está, inclusive, autori-
zado a participar de delibera­ções sobre contratos que ele, pessoalmente,
tenha intenção de celebrar com a sociedade, desde que o negócio
esteja em consonância com o interesse social e que haja transparência
e lealdade na contratação151_152(p.seg.).

inclusive fisicamente, das discussões e deliberações. Esse afastamento temporário


deve ser registrado em ata.”
149 Neste sentido, Luiz Gastão Paes de Barros Leães leciona: “Inicialmente,
cumpre advertir que a configuração dos interesses conflitantes é de natureza
substancial, e não meramente formal, como a significar a posição das partes
contrastantes, que de resto existe em todo contrato bilateral ou sinalagmático.
[...] Daí porque o art. 156 dispõe, em seu § 2º, que o negócio contratado é
anulável (não nulo), sendo o administrador interessado ‘obrigado a transferir
para a companhia as vantagens que dele tiver auferido’. A norma de que a
operação não é nula, mas anulável, é consagração da opinião dominante no
império do decreto-lei regulamentador transato, de Carvalho de Miranda a
Valverde” (LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES. Estudos e Pareceres sobre
Sociedades Anônimas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 32).
150 Alguns autores sustentam que, embora a Lei se referira à anulabilidade, os
atos praticados em conflito deveriam ser nulos (MODESTO CARVALHOSA.
Comentários à Lei de Sociedade Anônimas, 5ª ed., v. 3. São Paulo: Saraiva,
2011, pp. 391-392; FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades
Anônimas. 4ª ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 587).
151 A propósito, José Luiz Bulhões Pedreira ressalta que “a improcedência da
interpretação que caracteriza o conflito de interesses a partir de defini­ções
genéricas baseadas em aspectos formais, como tipos de negócios jurídicos,
é demonstrada pelos exemplos de conclusões absurdas ou desarrazoadas
a que conduz, como a que considera que há necessariamente conflito
de interesses quando a companhia e o acionista são partes de negócios
bilaterais comutativos, como, por exemplo, a compra e venda. O vendedor
e o comprador têm interesses distintos: o primeiro, de vender a coisa para
realizar o preço, e o segundo, de adquirir a propriedade da coisa mediante
pagamento do preço. São partes opostas no contrato, mas esses interesses
não são conflitantes, e sim complementares: cada um somente pode satisfazer

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No entanto, cabe ressaltar que tem prevalecido na CVM o enten-


dimento de que as hipóteses de conflito de interesses entre o adminis-
trador e a companhia, reguladas pelo artigo 156 da Lei das S.A., devem
ser analisadas tendo em vista um critério meramente formal153_154(p.seg.).

seu interesse se o outro satisfizer o seu” (Parecer elaborado por José Luiz
Bulhões Pedreira acostado nos autos do Inquérito Administrativo CVM nº
TA-RJ2002/1153, julgado em 06.11.2002).
152 Em sentido contrário, o PAS CVM nº RJ2013/11699, Rel. Dir. Ana Novaes,
j. 02.09.2014: “Conforme mencionei no PAS 09/2006, julgado por
unanimidade em 05.03.2013, o conflito de interesses do art. 156 é em relação
à pessoa natural do administrador e ocorre, por exemplo, quando há uma
transação/operação social sendo negociada com a companhia na qual o
administrador: i. seja parte do contrato/operação à época da negociação; ou
ii. tenha consciência acerca de um interesse à época da negociação; ou iii.
sabia que uma parte relacionada dele (p. ex. parente próximo ou sociedade na
qual ele tem interesse) era parte do contrato/operação e tinha um interesse.
46. Nesses casos, tendo em vista o interesse peculiar do administrador na
realização do negócio, há de se pôr em dúvida a sua isenção para avaliar, à
luz do interesse comum dos acionistas, se a transação, ao preço e nos demais
termos submetidos à administração, deve ser aprovada. É por cenários como
esse que a Lei Societária, buscando proteger a integridade da companhia,
requer que o administrador não intervenha nas operações sociais em que
estiver em conflito de interesses, não bastando observar a posteriori a não
ocorrência de dano.”. Esta também é a leitura dada ao artigo nos PAS CVM
nº RJ2013/1840, Rel. Dir. Ana Novaes, j. 15.04.2014.
153 No julgamento do Processo CVM nº RJ 2004/5494, relatado por Wladimir
Castelo Branco Castro, em 16.12.2004, foi firmado o entendimento, extraído
do voto do relator, de que o impedimento imposto ao administrador pelo
artigo 156 é de caráter pessoal: “Da análise do disposto no § 1º do artigo
156 da Lei 6.404/76 acima transcrito, pode-se concluir que no caso dos
administradores é vedada a participação do administrador em qualquer
tratativa ou deliberação referente a uma determinada operação em que figure
como contraparte da companhia ou pela qual seja beneficiado. O disposto
em tal § 1º deve ser lido, a meu juízo, como ‘ainda que o administrador não
participe da deliberação, somente poderá contratar com a companhia...’.
[...] Conclui-se, portanto, que o conflito de interesses é, no caso do art. 156
da Lei 6.404/76, presumido, isto é, independe da análise do caso concreto
a sua aplicação, restando os administradores da companhia impedidos de
participar de qualquer tratativa ou deliberação referente a uma determinada
operação em que figure como contraparte da companhia ou pela qual seja
beneficiado, independentemente se está a se perseguir o interesse social
ou não”. No mesmo sentido, as decisões proferidas pelo Colegiado da CVM
nos autos do Processo Administrativo Sancionador nº 12/01, julgado em
12.01.2006; e no Processo Administrativo Sancionador nº RJ2005/1443,
julgado em 10.05.2006.

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614 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Ou seja, de acordo com o entendimento da CVM, a interferência do


administrador em operação em que esteja em situação de conflito
de interesses com a companhia seria caracterizada como violação ao
artigo 156 da Lei nº 6.404/1976, ainda que fosse comprovado que a
deliberação em questão foi benéfica para a sociedade.
Vale ressaltar que não se considera que o administrador esteja
necessariamente atuando em conflito de interesses em situa­ções que
envolvam o interesse do acionista que o elegeu155_156. De fato, a regra
prevista no artigo 156 da Lei das S.A. refere-se aos casos em que o
administrador tenha interesse pessoal ou venha a ser diretamente
beneficiado pela deliberação a ser tomada157.

154 A respeito, o PAS CVM nº RJ2013/11699, Dir. Rel. Ana Novaes, j. 02.09.2014:
“[...] Para os administradores, vige o conflito formal. Esse tratamento
diferenciado vem do próprio texto legal que, além de vedar a participação
nos atos relativos à operação, determina que o administrador revele o
conflito. Adicionalmente, ao contrário do acionista, que pode agir no interesse
próprio, essa faculdade não é conferida ao administrador, que age, sempre,
no interesse da companhia ou da coletividade de seus acionistas. O § 1º do
art. 156 estabelece a necessidade de comutatividade (condições razoáveis
e equitativas) e liga-a não só às condições de mercado, mas também às
condições em que a companhia contrataria com terceiros. Estabelece,
portanto, critérios semelhantes ao entire fairness (justiça integral) ou o intrinsic
fairness (justiça intrínseca), mencionados quando discuti o padrão de revisão
da conduta do acionista controlador em operações em que tinha interesse”.
155 Conforme expresso no voto da Diretora Ana Novaes no PAS CVM nº
RJ2013/11699, Rel. Dir. Ana Novaes, j. 02.09.2014, na eleição de membros do
Conselho para cargo na diretoria, não há impedimento a que os administradores
votem em si mesmos. Isto porque tal situação não necessariamente denuncia
um benefício particular buscado pelo administrador, cujo cargo presume-se
desempenhado em favor da companhia, e não em benefício próprio.
156 A respeito, confira-se MODESTO CARVALHOSA. Comentários À Lei de
Sociedades Anônimas, 5ª ed., v. 3. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 215.
157 J. C. SAMPAIO DE LACERDA. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v.
3. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 196; SILVIO HITOSHI YANAGAWA. “Contratos
entre Sociedades e seus administradores. Conflito de Interesses”. Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista
de Tribunais, n. 20, 1975, p. 115; J. X. CARVALHO DE MENDONÇA. Tratado
de Direito Comercial Brasileiro, v. IV. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1959,
pp. 64 e 65. A CVM também já decidiu que a demonstração de interesse
pessoal contrário aos interesses da sociedade é indispensável para que se
configure o conflito de interesses (Processo Administrativo Sancionador nº

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Nas situa­ções em que julgue ter interesse conflitante com o inte-


resse social, o administrador deve se abster de participar da deliberação
a ser tomada, cientificar os demais administradores e fazer constar da
ata o seu impedimento158.
A obrigação do administrador de se abster de participar da deli-
beração que for tomada, informar os demais administradores e fazer
constar da ata o seu impedimento ao exercício do direito de voto tam-
bém está presente no Direito norte-americano, inclusive nas normas
e orienta­ções do American Bar Association159.
A questão passou, naquele país, por interessante processo de
evolução. Até o final do século passado, a regra, nas distintas leis
estaduais sobre sociedades anônimas, refletida também nas decisões

25/03, Rel. Dir. Eli Loria, j. 25.03.2008). No mesmo sentido, segundo voto
proferido pelo Diretor Eli Loria no Processo Administrativo nº RJ 2007/3453,
Rel. Dir. Sergio Weguelin, j. 18.04.2007, ao impor o dever de atuar sempre no
interesse da companhia, a Lei das S.A. optou por presumir lícita a atuação dos
administradores, a menos que fique comprovado que determinada operação
resultou em benefício pessoal a seu favor. Assim, “o simples fato do negócio
ter sido celebrado entre controladora e controlada, com administradores em
comum, não é suficiente, por si só, para que se comprove a ocorrência de
conflito de interesses do administrador, visto que em nossa legislação não é
vedada a participação do mesmo em atividades negociais de outras empresas,
interpretando-se o art. 156 à luz do art. 245 da Lei das S.A.”.
158 NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005,
Capítulo 5.
159 “When a director, directly ou indirectly, has a financial or personal interest in a
contract or transaction to which the corporation is to be a party, or is contemplating
entering into a transaction that involves use of corporate assets or competiton
against the corporation, the director is considered to be ‘interested’ in the matter.
The director should seek approval by disinterested directors of the transaction or
conduct in which he or she is interested and should, subject to any confidentiality
obligations owed to others outside the corporation, first disclosure that interest to
the board members who are to act on the matter, and then describe all material facts
concerning the matter known to the director. After such disclosure, the interested
director should abstain from voting on the matter and, in most situations, after
disclosing the interest, describing the relevant facts and responding to any questions,
leave the meeting while the disinterest directors complete their discussion and vote”
(AMERICAN BAR ASSOCIATION. Corporate Director’s Guidebook, 4th ed.
The Business Lawyer. Chicago: Section of Business Law of the American Bar
Association, v. 59, n. 3, may 2004, p. 1.070).

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judiciais, era no sentido de considerar nulo qualquer negócio realizado


entre o administrador e a companhia, independentemente do mérito
da operação.
A partir de 1910, a regra geral passou a ser a seguinte: poderiam
ser celebrados contratos entre o administrador e a companhia, desde
que aprovados pelos demais administradores desinteressados e desde
que não fossem considerados fraudulentos ou prejudiciais à companhia.
A partir de 1960, no terceiro estágio, o entendimento firmou-se no
sentido de que tais contratos, a princípio, são válidos, a não ser que
o Judiciário, diante de situação concreta, entenda que o negócio é
prejudicial aos interesses da companhia160.
Atualmente, identifica-se um quarto estágio de evolução da
matéria, ainda mais liberal, conforme se verifica nas leis societárias de
alguns Estados, nas quais a regra é a seguinte: é permitido o contrato
do administrador com a sociedade, desde que ele seja fair ou que
seja aprovado pela maioria dos acionistas, uma vez adequadamente
informados.
O entendimento, em alguns Estados, é também no sentido de que
um contrato entre o administrador e a companhia, uma vez aprovado
pelos acionistas, não pode ser objeto de apreciação judicial quanto à
fairness de seus termos161. Trata-se de tendência bastante inovadora no
contexto do Direito Societário norte-americano, posto que os princí-

160 Em pioneiro estudo citado por Clark (ROBERT C. CLARK. Corporate Law.
Boston: Little, Brown and Company, 1986, p. 160). Marsh (HAROLD MARSH
JR. “Are Directors Trustees? Conflict of Interest and Corporate Morality”. The
Business Lawyer. Chicago: Section of Business Law of the American Bar
Association, n. 22, 1966, p. 35) ressalta a propósito do terceiro estágio que:
“no transaction of a corporation with any or all of its directors was automatically
voidable at the suit of a shareholder, wheter there was a disinterested majority of
the board or not; but... the courts would review such contract and subject it to rigid
and careful scrutiny, and would invalidate the contract if was to be unfair to the
corporation”.
161 ROBERT C. CLARK. Corporate Law. Boston: Little, Brown and Company, 1986,
p. 160.

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pios referentes à caracterização do conflito de interesse, naquele país,


foram sempre objeto de construção jurisprudencial162.
Conclui-se, portanto, que, tal como nos Estados Unidos, a mera
existência de uma situação de conflito formal de interesses não é sufi-
ciente para determinar o impedimento do voto do administrador, visto
que, também em relação a ele, as situa­ções de conflito de interesses
devem ser analisadas sob o aspecto substancial.
Na realidade, o dever de evitar conflito de interesses consubstan-
ciado no artigo 156 da Lei das Sociedades Anônimas está diretamente
relacionado com o dever de lealdade, previsto no artigo 155 da mesma
Lei, segundo o qual os administradores, no exercício de suas fun­ções,
não podem obter quaisquer benefícios para si ou para outrem em
detrimento dos interesses da sociedade.
O que a Lei buscou impedir foi a atuação do administrador
contrária ao interesse social. Em alguns casos, como os previstos nos
incisos do artigo 155163, o legislador pressupõe que determinada ação
do administrador implicaria necessariamente prejuízos à companhia.
Nestas hipóteses, prescreveu uma proibição absoluta. Em outras situa­
ções, reguladas pela norma geral do artigo 156, o legislador admite que
seja realizado um exame a posteriori da atuação do administrador, não
impondo uma abstenção absoluta ou uma proibição, mas sancionan-
do com anulabilidade o caso em que a intervenção do administrador
contraria o interesse social. A intervenção do administrador nestes

162 WILLIAM E. KNEPPER. Liability of Corporate Officers and Directors.


Columbus: The Allen Smith Company, 1978, p. 50.
163 Lei das S.A.: “Art. 155. O administrador deve servir com lealdade à companhia
e manter reserva sobre os seus negócios, sendo-lhe vedado: I – usar, em
benefício próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo para a companhia,
as oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em razão do
exercício de seu cargo; II – omitir-se no exercício ou proteção de direitos da
companhia ou, visando à obtenção de vantagens, para si ou para outrem,
deixar de aproveitar oportunidades de negócio de interesse da companhia;
III – adquirir, para revender com lucro, bem ou direito que sabe necessário à
companhia, ou que esta tencione adquirir.”

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casos não é ilícita em si164; a ilicitude nasce da constatação de que sua


atuação não atende os interesses sociais.
A análise substancial das situa­ções genéricas de conflito de in-
teresses é a que melhor se ajusta ao sistema da Lei nº 6.404/1976 e a
que melhor assegura a consecução dos interesses sociais165, uma vez
que o legislador não pode, nem deve, estabelecer um critério fixo ou
um rol hermético de condutas proibidas aos administradores, sob pena
de eventualmente “engessar” a administração da companhia.
De fato, a consagração do critério do conflito de interesses formal
resultaria na adoção de regras fixas e determinadas em relação à atua-
ção do administrador, ao passo que o sistema de conflito de interesses
substancial estabelece um princípio – o da preservação do interesse
social – permitindo que seja verificado em cada caso concreto se este
foi observado166.

9.8. Dever de informar – artigo 157 da Lei das S.A.


A Lei das Sociedades Anônimas, no artigo 157, estabelece para
o diretor e para o membro do Conselho de Administração o dever
de informar167. Tal dever de “disclosure” existe com relação à própria

164 Neste sentido, ver AMERICAN BAR ASSOCIATION. Committee on Corporate


Laws, Model Business Corporation Act annotated, 3 rd. ed., New York: Law
and Business, 1985-1993, esp., p. 1.142.4-1, in verbis: “[...] it is important to keep
firmly in mind that it is a contingent risk we are dealing with-that an interest conflict
is not in itself a crime or a tort or necessarily injurious to others. Contrary to much
popular usage, having a ‘conflict of interest’ is not something one is ‘guilty of’; it is
simply a state of affairs [...]” apud JOSE ORIOL LLEBOT MAJO. Los deberes de
los administradores de la sociedad anônima. Madrid: Civitas, 1996, p. 98,
nota 104.
165 Conforme voto proferido pelo Dir. Luiz Sampaio Campos no julgamento do
Inquérito Administrativo CVM nº TA/RJ2001/4977, em 19.12.2001.
166 PAULA CRISTINA RAPOSO DOMINGUES CABRIZ SIMÕES. Os deveres de
diligência e de lealdade dos administradores das sociedades anônimas.
Dissertação (Mestrado em Direito – Ciências Jurídico-comerciais) –
Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 1998, p. 138.
167 A Lei nº 10.303/2001 alterou o texto da Lei das S.A., estendendo, em
determinados aspectos, o dever de informar também aos membros do

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companhia e seus acionistas minoritários e, no caso da companhia


aberta, com relação ao mercado e investidores em geral.
O dever de informar a que se submetem os administradores de
companhias abertas, previsto no artigo 157 da Lei das Sociedades
Anônimas, pode ser analisado sob dois aspectos:
a) o primeiro refere-se às informa­ções que devem ser presta-
das aos acionistas da sociedade, as quais se desdobram no
dever de declaração no termo de posse (artigo 157, caput) e
no dever de revelação à Assembleia Geral ordinária (artigo
157, §§ 1º e 2º);
b) o segundo consiste no dever de comunicação e de divul-
gação de informações que possam influir no mercado de
capitais de uma forma geral (artigo 157, § 4º).
O dever de informar dos administradores corresponde ao direito
subjetivo de ser informado dos acionistas em geral e dos acionistas
minoritários em especial, posto que constitui instrumento indispen-
sável à fiscalização da gestão social.
Dispõe o artigo 157 que, ao assumir cargo, o administrador deve
informar o número de a­ções, bônus de subscrição, op­ções de compra de
a­ções e debêntures conversíveis de a­ções, emitidas pela companhia, por
sociedades por ela controladas ou do mesmo grupo, de que seja titular.
O aludido dispositivo possui dupla finalidade. A primeira con-
siste em estabelecer se o administrador, de acordo com o número e
espécie de valores mobiliários de que é titular, é também acionista
controlador da companhia, caso em que, além dos deveres atribuídos

Conselho Fiscal (artigo 165-A da Lei Societária). O dever de informar encontra-


se regulado, dentre outras, na legislação portuguesa (Código das Sociedades
Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 262/1986, alterado pelo Dec.-Lei
nº 89/2017: “Artigo 432º. 2. O conselho de administração executivo deve
informar o presidente do conselho geral e de supervisão sobre qualquer
negócio que possa ter influência significativa na rentabilidade ou liquidez da
sociedade e, de modo geral, sobre qualquer situação anormal ou por outro
motivo importante”).

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620 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

aos administradores, acumulará os deveres próprios de acionistas


controladores, conforme determina o § 3º do artigo 117 da Lei das
Sociedades Anônimas.
A segunda finalidade da norma consubstancia-se na repressão do
insider trading. Esta regra, nitidamente inspirada no Direito norte-a-
mericano, era praticamente inócua, por refletir uma posição estática
da carteira de valores mobiliários detida pelos administradores. No
entanto, tal norma foi atualizada pelo § 6º do artigo 157, introduzido
pela Lei nº 10.303/2001, e pela Instrução CVM nº 358/2002168, que
estabeleceram o princípio de que o administrador deve informar à
CVM qualquer negociação com valores mobiliários de emissão da
companhia169.
Diante do dever de declaração previsto no § 6º, do artigo 157,
da Lei das Sociedades Anônimas, os administradores passam a ter
a obrigação de informar imediatamente à CVM, à companhia e às
bolsas de valores ou entidades do mercado de balcão organizado as
modifica­ções em suas posi­ções acionárias na companhia.
Os preceitos antes referidos visam a facilitar o combate ao “insider
trading”170. O administrador pode, legitimamente, comprar e vender
a­ções de emissão da companhia, desde que não esteja de posse de in-
formação confidencial e relevante sobre a companhia171. O princípio

168 Alterada pelas Instruções CVM nos 369/02, 449/07, 547/14, 552/14, 568/15 e
590/17. A Instrução 547/2014 trouxe importantes flexibilizações ao normativo,
permitindo que as informações relevantes sejam comunicadas por meio de
portais de notícia na Internet e não apenas em jornais de grande circulação.
169 Tal obrigação de informar encontra-se prevista no artigo 11 da Instrução CVM
nº 358/2002, com a redação dada pela Instrução CVM nº 449/2007.
170 Para maiores informa­ções a respeito da matéria, consulte item 10.3 desta obra.
171 A Instrução CVM nº 358/2002 estabelece as hipóteses de vedação à negociação
com valores mobiliários de emissão da companhia pelo administrador em
seu artigo 13, caput e §§ 3º e 4º, com a redação dada pela Instrução CVM
nº 369/2002 e pela Instrução CVM nº 568/2015, respectivamente: “Art.
13. Antes da divulgação ao mercado de ato ou fato relevante ocorrido nos
negócios da companhia, é vedada a negociação com valores mobiliários
de sua emissão, ou a eles referenciados, pela própria companhia aberta,

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é o de que todos devem ter igualdade de condi­ções de negociação dos


valores e que disponham das mesmas informa­ções para tomada de
suas decisões de investimento.
O administrador pode ainda ser obrigado a revelar à Assembleia
Geral, a pedido de acionistas que representem pelo menos 5% do
capital social: o número de valores mobiliários emitidos pela com-
panhia, companhia por ela controlada ou do mesmo grupo, que tiver
adquirido ou alienado, direta ou indiretamente no exercício anterior;
as op­ções de compra de a­ções que tiver contratado ou adquirido no
exercício anterior; os benefícios ou vantagens que tenha recebido ou
esteja recebendo da companhia ou de sociedades coligadas, controladas,
ou do mesmo grupo; as condi­ções dos contratos de trabalho firmados
pela companhia com diretores e empregados de alto nível; quaisquer
atos ou fatos relevantes nos negócios da companhia (artigo 157, § 1º,
da Lei Societária).
Com relação ao segundo aspecto, ou seja, o dever de informar
dirigido ao mercado, a Lei das Sociedades Anônimas estabelece, no
§ 4º, do artigo 157, que o administrador da companhia aberta deve
comunicar imediatamente à Bolsa e divulgar pela imprensa qualquer
deliberação da Assembleia Geral ou dos órgãos de administração,

pelos acionistas controladores, diretos ou indiretos, diretores, membros do


conselho de administração, do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com
fun­ções técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária, ou por
quem quer que, em virtude de seu cargo, função ou posição na companhia
aberta, sua controladora, suas controladas ou coligadas, tenha conhecimento
da informação relativa ao ato ou fato relevante. [...] § 3º A vedação do caput
também prevalecerá: I – se existir a intenção de promover incorporação,
cisão total ou parcial, fusão, transformação ou reorganização societária; e
II – em relação aos acionistas controladores, diretos ou indiretos, diretores
e membros do conselho de administração, sempre que estiver em curso a
aquisição ou a alienação de a­ções de emissão da companhia pela própria
companhia, suas controladas, coligadas ou outra sociedade sob controle
comum, ou se houver sido outorgada opção ou mandato para o mesmo fim.
§ 4º Também é vedada a negociação pelas pessoas mencionadas no caput
no período de 15 (quinze) dias que anteceder a divulgação das informa­ções
trimestrais (ITR) e anuais (DFP) da companhia, ressalvado o disposto no § 2º
do art. 15-A.”

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622 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

qualquer fato relevante ocorrido nos negócios da companhia, que possa


influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores de comprar
ou vender os valores mobiliários emitidos pela companhia172.
Trata-se de consagração do princípio do full disclosure173 ou da
transparência das informa­ções acerca das companhias que oferecem

172 A CVM assim entende: “Deve-se notar que o administrador é o responsável pela
divulgação, desde o início, do fato relevante de forma completa. Não obedece
à legislação quem anuncia um fato, mas espera uma ordem da CVM para
divulgar os aspectos relevantes deste fato que já sejam de seu conhecimento.
A iniciativa deve, sempre, partir da administração da companhia. Por isso,
se a legislação ou uma decisão concreta da CVM determinar a divulgação
de uma dada informação específica e essa informação específica não puder
ser considerada completa, em razão de outras informa­ções que sejam de
conhecimento da administração, cabe à companhia complementar as
informa­ções solicitadas de forma a fazer com que sua divulgação satisfaça
a exigência de divulgação completa. Por fim, deve-se notar que, embora a
Instrução 358/02 atribua à administração da companhia aberta a definição do
que seja informação relevante (ao Diretor de Rela­ções com Investidores, mais
precisamente), esse poder conferido à administração não é absoluto. Caso
os investidores alterem seu comportamento (decisão de vender ou comprar
valores mobiliários da companhia ou a expectativa de preço quanto a esses
valores mobiliários) em função de informação relativa à companhia da qual
tenham conhecimento parcial (ou total), mas não divulgada pela companhia,
essa informação deverá ser considerada relevante e a administração, mesmo
que não tenha a mesma opinião que os investidores quanto à relevância da
informação, deverá negá-la ou confirmá-la e, se for o caso, complementá-la”
(Processo Administrativo Sancionador nº 2006/4776, Rel. Dir. Pedro Oliva
Marcilio de Sousa, j. 17.01.2007).
173 A filosofia do disclosure foi adotada pelos norte-americanos, em 1934, com a
criação da Securities and Exchange Commission – SEC e a edição do Securities
Act, conforme relata Louis Loss: “[...] Congress opted for the British disclosure
philosophy over the native merit philosophy of the blue sky laws. [...] Congress was
conscious also of Louis D. Brandeis’s statement seventy years later in Other People’s
Money, strongly urging publicity as a remedy for social and industrial diseases
generally and for excessive underwriter’s charges specifically. ‘Sunlight is said to
be the best of disinfectants; electric light the most efficient policeman. [...] He
cited the Pure Food Law as an example: It does not guarantee quality or prices, but it
does help the consumer to judge quality by requiring the disclosure of ingredients.
[...]. In short, Congress did not take away from the citizen ‘his inalienable right to
make a fool of himself.’ It simply attempted to prevent others from making a
fool of him” (LOUIS LOSS. Fundamentals of Securities Regulation. Boston:
Little, Brown and Company, 1988, pp. 31-33) (grifamos). Desde então, a
filosofia do disclosure, de se levar ao conhecimento do público todos os fatos
relevantes relacionados aos negócios da empresa, foi se impondo como uma

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publicamente seus títulos aos investidores, em Bolsa de Valores ou no


mercado de balcão.
O princípio do disclosure encontra-se previsto, igualmente, em
vários dispositivos da Lei nº 6.385/1976. Dentre eles, destacam-se
os artigos 4º, VI; 8º, III; 19; 20 e 22, § 1º. Tais normas delegam à
Comissão de Valores Mobiliários o poder de fiscalizar a veiculação
de informa­ções relativas ao mercado de capitais, fixando sua compe-
tência normativa para regular, dentre outras matérias, a natureza e a
periodicidade das informa­ções prestadas pelas companhias abertas;
os relatórios da administração das companhias; os padrões de con-
tabilidade e pareceres dos auditores independentes; a divulgação de
deliberação da Assembleia Geral ou dos órgãos de administração, etc.
O princípio do disclosure baseia-se na presunção de que uma vez
adequadamente provido das informa­ções relevantes sobre a companhia
e sobre os títulos emitidos, o investidor tem condi­ções de avaliar o
mérito do empreendimento e a qualidade dos papéis.
O postulado básico da regulação do mercado de capitais, assim,
é o de que o investidor estará protegido na medida em que lhe sejam
prestadas todas as informa­ções relevantes a respeito das companhias
com os títulos publicamente negociados.

regra fundamental para a segurança e bom funcionamento do mercado de


capitais. Anteriormente à criação da SEC, cada Estado norte-americano tinha
a sua própria legislação de securities, que ficaram conhecidas como “blue sky
laws”. A respeito da origem do termo “blue sky laws”, confira-se Louis Loss: “[...]
the term ‘blue sky law’ first came into general use to describe legislation aimed at
promoters who would sell building lots in the blue sky in fee simple” (LOUIS LOSS.
Fundamentals of Securities Regulation. Boston: Little, Brown and Company,
1988, p. 8.) e David Ratner: “Prior to 1966, the various federal securities laws
specifically preserved the power of the states to regulate securities activities. [...]
Every state has some law specifically regulating transactions in securities. These
laws are known as ‘blue sky’ laws [...] While these ‘blue sky’ laws vary greatly state
to state, they generally contain the following three types of provisions (although not
all contain all three types): (a) prohibitions against fraud in the sale of securities;
(b) requirements for registration of brokers and dealers; and (c) requirements for
registration of securities to be sold in the state” (DAVID L. RATNER. Securities
Regulation in a nutshell, 6th ed. St. Paul: West Publishing, 1998, p. 300).

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O conceito de fato relevante adotado pela Lei Societária brasi-


leira advém do material fact, previsto na Rule 10 b-5 promulgada pela
SEC. Fato relevante é aquele que pode influir, de modo ponderável, na
decisão dos investidores de comprar ou vender os valores mobilliários
da companhia. Trata-se de norma flexível, a ser analisada diante de
cada caso concreto; a princípio, o fato é relevante na medida em que
sua divulgação ocasionará um impacto razoável sobre a cotação dos
valores mobiliários da companhia174.

174 Com relação à análise do administrador sobre a relevância dos fatos a serem
divulgados ao mercado e seu impacto sobre a negociação dos valores
mobiliários da companhia, a CVM, no Processo Administrativo Sancionador
nº RJ 2006/4776, Rel. Dir. Pedro Oliva Marcilio de Sousa, j. 17.01.2007,
afirmou que: “Dado que a decisão de publicar o fato relevante se dá, via de
regra, antes que ele seja de conhecimento do público, na maioria das vezes,
o administrador deve fazer juízo de valor sobre a probabilidade de que ele
impacte a decisão de negociar valores mobiliários emitidos pela companhia,
sem, no entanto, poder confirmar, antes da divulgação, se o fato realmente
influenciará a decisão dos investidores. É, por isso, que a análise é sobre a
‘potência’ de impacto e não sobre o real impacto. Para o administrador, é
mais fácil calcular essa pro­ba­bilidade quando o impacto do ‘fato’ sobre os
negócios da companhia é direto. Por exemplo, a parada extraordinária de
atividade em uma linha industrial da companhia é relevante se essa parada
afetar significativamente as receitas, o resultado ou as demais opera­ções
da companhia. Outro exemplo, o trânsito em julgado de uma decisão
judicial impondo uma perda ou um ganho para a companhia será relevante
se o montante do ganho ou da perda for significativo em comparação ao
patrimônio líquido da companhia. Para completar esses dois primeiros
exemplos, que se referiam, respectivamente, a um fato operacional e a
outro patrimonial, podemos lembrar de um fato financeiro: a obtenção de
um empréstimo pode ser relevante, embora seja, usualmente, um fato do
dia a dia da companhia. Digo isso, pois o empréstimo pode ser a condição
suspensiva para a conclusão de uma aquisição relevante já divulgada pela
companhia ou uma condição necessária ao início da construção de um
projeto industrial substancial também já divulgado pela companhia. Um
empréstimo pode, ainda, ser suficiente para o equacionamento da situação de
liquidez, que poderia levar a companhia à falência ou a requerer recuperação
judicial, e que é de conhecimento dos investidores. [...] Em certas situa­ções,
um fato não é relevante, se olhado isoladamente, ou se forem consideradas,
segregadamente, suas características quantitativas e qualitativas. Por isso, a
administração deve analisar a relevância de um fato a partir do conjunto de
informa­ções de que dispõe e ponderando, de forma agregada, as informa­
ções quantitativas e qualitativas. Dessa forma, uma informação não deixará
de ser relevante se a companhia dividir a sua implementação, sua divulgação

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De acordo com o artigo 2º da Instrução CVM nº 358/2002,


considera-se relevante qualquer decisão do acionista controlador,
deliberação da Assembleia Geral ou dos órgãos de administração da
companhia aberta, ou qualquer outro ato ou fato de caráter político –
administrativo, técnico, negocial ou econômico – financeiro ocorrido
ou relacionado aos seus negócios que possa influir de modo ponderável:
I – na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia
aberta ou a eles referenciados;
II – na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter
aqueles valores mobiliários;
III – na decisão dos investidores de exercer quaisquer direitos
inerentes à condição de titular de valores mobiliários emitidos
pela companhia ou a eles referenciados.
A Comissão de Valores Mobiliários, mediante a Instrução CVM
nº 358/2002, listou uma série de atos ou fatos que, em regra, são
considerados relevantes (artigo 2º, parágrafo único, Instrução CVM
nº 358/2002) e, por isso, devem ser divulgados pelos administradores
das companhias, na forma prevista no artigo 3º da aludida Instru-

ou sua análise em várias etapas, que, isoladamente, não sejam relevantes”.


Conforme expresso em votos mais recentes na autarquia, não apenas os
fatos que dizem respeito a situações financeiras são relevantes, mas também
aqueles que produzem efeitos para além desta esfera: “No entanto, um
fato pode ser relevante por diversas razões que ultrapassam o seu valor
econômico. Uma informação de pouca importância financeira pode ter
consequências reputacionais ou estratégicas que a administração, em seu
poder discricionário, julga dignas de divulgação como fato relevante. Esse
aspecto mais subjetivo da determinação de se uma informação é relevante
ou não torna muito difícil e até mesmo indesejável a tarefa da CVM de se
substituir à administração da companhia, a posteriori, e de dizer se algo
que ela julgou relevante não é tão importante assim. [...] Por outro lado,
quando a administração divulgou referida informação como relevante, esse
julgamento é muito mais complexo porque a CVM pode estar ignorando
aspectos subjetivos e estratégicos que a administração da companhia levou
em conta. Assim, ainda que seja possível afastar o critério da relevância, esse
processo é difícil e inconveniente para a CVM, bem como é arriscado para a
companhia e seus administradores e colaboradores.”(PAS CVM nº SP2013/12,
Rel. Dir. Luciana Dias, j. 18.08.2015)

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ção175. Ressalte-se, no entanto, que essa enumeração é meramente


exemplificativa.
O objetivo da relação exemplificativa contida em tal dispositivo
regulamentar é apenas facilitar a identificação, por parte dos adminis-
tradores das companhias abertas, das situa­ções que podem dar ensejo
à necessidade de divulgação aos investidores, elencando uma série de
fatos ou opera­ções que, em regra, constituem fatos relevantes.
Contudo, para que se possa caracterizar se determinada operação deve
ou não ser divulgada por meio de fato relevante, não basta que ela esteja
enquadrada em uma das hipóteses da relação exemplificativa prevista no
parágrafo único do artigo 2º da Instrução CVM nº 358/2002176.
Com efeito, determinada operação, ainda que esteja mencionada na
aludida relação exemplificativa, somente estará subordinada ao regime de
divulgação obrigatória caso ela possa ensejar alguma das três circunstâncias
referidas nos incisos I a III do artigo 2º da aludida Instrução, isto é, caso
possa influir, de modo ponderável: (i) na cotação dos valores mobiliários
de emissão da companhia; (ii) na decisão dos investidores de comprar,

175 Com redação dada pela Instrução CVM nº 547/2014.


176 A autarquia já se manifestou no sentido de que a divulgação de toda e qualquer
informação por meio de fato relevante pode confundir o mercado, devendo
os administradores submeterem as informações a uma adequada análise a
fim de verificar sua relevância. Assim, no PAS CVM nº SP2013/12, Rel. Dir.
Luciana Dias, j. 18.08.2015: “Justamente para preservar o caráter excepcional
e de destaque das informações classificadas como ‘relevantes’ para fins
desse dispositivo, bem como a fim de assegurar que todas as informações
divulgadas sejam claras e não induzam os investidores a erro, é extremamente
importante que a administração e, em especial, o DRI de companhias abertas
ponderem sobre o formato a ser utilizado para a divulgação de informações.
15. Nesse sentido, uma informação não deve ser divulgada como relevante
quando a administração não a considera como tal. Ao mesmo tempo, uma
vez tomada a decisão de divulgar um determinado fato relevante, transmite-
se ao mercado a mensagem de que a administração da companhia refletiu
sobre aquela informação e concluiu que ela seria efetivamente relevante. 16.
A política adotada por certas companhias de divulgar qualquer informação
como “fato relevante” causa mais desinformação ao mercado que informação,
além de gerar situações como as que ocorreram no presente caso. Por isso,
esse ‘conservadorismo’ deve ser evitado.”

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vender ou manter tais valores mobiliários; ou (iii) no exercício de qualquer


direito inerente à condição de titular desses papéis177.
Assim, o critério fundamental para configurar um fato relevante
não é apenas verificar se ele está incluído na mencionada relação
exemplificativa, mas saber se ele pode influenciar a cotação das a­ções
da companhia, a intenção dos investidores de comprá-las ou vendê-las
ou de exercerem quaisquer direitos inerentes à condição de titulares
de tais a­ções178_179(p.seg.).

177 A respeito, a Nota Explicativa CVM nº 28/1984 – editada em conjunto com a


Instrução CVM nº 31/1984, que foi posteriormente revogada pela atual Instrução
CVM nº 358/2002 – expressamente reconhece que os exemplos relacionados
na aludida relação apenas podem vir a caracterizar fato relevante, não sendo
certo, portanto, que isto necessariamente ocorra: “A relevância da informação
resulta do efeito que o ato ou fato que lhe dá conteúdo poderá ter sobre o
mercado e sobre os investidores que nele atuam. [...] Com vistas a facilitar o
reconhecimento imediato de situa­ções que podem vir a caracterizar ato ou
fato relevante, a CVM resolveu elencar, exemplificativamente, como ocorre em
legisla­ções de outros países, alguns acontecimentos que podem vir a gerar os
efeitos acima mencionados. Determinada a relevância do ato ou fato ocorrido
nos negócios da companhia, impõe-se a sua imediata divulgação ao mercado”
(grifamos). Tal conclusão foi reiterada pelo Colegiado da CVM, que asseverou
expressamente que o rol exemplificativo previsto no parágrafo único do artigo
2º traz fatos que, em regra, são relevantes, mas que, eventualmente, em casos
concretos, podem não ser: “O fato relevante deve ser reconhecido como tal a
partir da avaliação de sua repercussão no valor da companhia, não importando
que figure no rol exemplificativo do artigo 2º, da antiga Instrução CVM nº 31/84,
atual Instrução CVM nº 358/2002. [...] Embora a Instrução forneça uma lista de
fatos potencialmente relevantes, entre os quais se incluem a cisão e incorporação
de sociedades, a avaliação da efetiva repercussão destes eventos no valor da
companhia há de ser analisada caso a caso, à luz dos critérios supracitados”
(grifamos). Processo Administrativo Sancionador CVM nº 2002/1822, Rel. Dir.
Norma Jonssen Parente, j. 06.05.2005.
178 A CVM, ao analisar a possível materialidade de empréstimos ocorridos
entre uma sociedade e sua controladora, decidiu que não constituem “fatos
relevantes” contratos de mútuo que, avaliados sob a ótica patrimonial da
sociedade contratante, representavam um endividamento de menos de 5% do
seu patrimônio líquido. Veja-se, a respeito, a decisão da autarquia no Processo
Administrativo Sancionador nº RJ 2007/1079, Rel. Dir. Eli Loria, j. 10.07.2007.
Decidiu ainda o Colegiado da CVM, no mesmo processo, que um mesmo
fato envolvendo duas ou mais sociedades pode repercutir diferentemente na
realidade de cada uma. Dessa forma, a averiguação de possível infração ao
dever de informar previsto no artigo 154, § 4º, deve pautar-se pelo provável
impacto da informação não divulgada vis-à-vis as peculiaridades de cada

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A divulgação dos fatos relevantes deve ser oportuna, isto é, deve


ocorrer imediatamente após a administração da companhia formar seu
juízo sobre a relevância da situação180. Deve haver o que os doutrina-
dores norte-americanos chamam de timely disclosure181.
Dessa forma, quando houver rumores sobre eventuais hipóteses
que configurem fatos relevantes, devem os administradores, tão logo
que possível, esclarecer o público a respeito das matérias ventiladas no
mercado182. A Bolsa de Valores ou as entidades de mercado de balcão

sociedade, isto é, um fato pode ser “relevante” – e, portanto, de divulgação


obrigatória – para apenas uma das sociedades, sem que seja igualmente
“relevante” para sua contraparte em um negócio jurídico.
179 A respeito, no PAS RJ2013/5793, Rel. Dir. Luciana Dias, j. 27.01.2015, a CVM
decidiu que, tendo a companhia divulgado, por meio de fato relevante, que
faria um Programa de ADRs Nível 1, não seria necessária a posterior divulgação
de fato relevante sobre sua aprovação pela CVM e pela SEC, pelo simples fato
de esta não ser informação inovadora capaz de influir de modo ponderável
na cotação das ações de emissão da companhia.
180 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedade Anônimas, 5ª
ed., v. 3, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 412. A respeito do juízo de valor acerca
da relevância das informa­ções, a CVM posicionou-se no sentido de que
“a informação deve ser disponibilizada tão logo mereça esse nome, isto é,
desde que se trate não de mero projeto inicial e desconexo, mas se tenha
traduzido em objetivo concreto da administração ou do controlador. O juízo
do administrador é o mais sábio para atestar o momento em que se passa do
campo da mera expectativa para o da possibilidade real sobre a efetivação
de um negócio, de uma perda ou de um lucro, e a eventual incerteza quanto
à concretização final do evento não deve afastar o dever de informar, desde
que, naturalmente, seja feita a ressalva quanto àquela incerteza” (Inquérito
Administrativo nº 22/99, Dir. Rel. Marcelo F. Trindade, j. 16.08.2001).
181 ROBERT C. CLARK. Corporate Law. Boston: Little, Brown and Company, 1986,
pp. 270-272. Além de oportuna, a divulgação da informação deve dar-se
de forma completa, clara e precisa, nos termos dos §§ 4º e 5º do art. 3º da
Instrução CVM nº 358/2002. A CVM considera “completa uma informação
quando ela contém os fatos, dados, nuances e demais informa­ções necessárias
para a avaliação do impacto da informação principal sobre preço dos valores
mobiliários ou sobre as decisões de investimento relativas a esses valores
mobiliários. Não é considerada informação completa aquela que possa
induzir os investidores a erro” (Processo Administrativo Sancionador nº RJ
2006/4776, Rel. Dir. Pedro Oliva Marcilio de Sousa, j. 17.01.2007).
182 A CVM manifesta o entendimento de que o administrador é obrigado a
divulgar informa­ções em caso de rumores ou oscila­ções atípicas, conforme
se pode extrair de seus julgados: “A CVM tem sempre confirmado que, se

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podem, previamente, nestas situa­ções, suspender a negociação dos


valores mobiliários das companhias envolvidas, enquanto não houver
a confirmação ou negação dos “boatos”.
Entretanto, os administradores poderão deixar de divulgar infor-
mações, se entenderem que sua revelação trará risco a interesse legítimo
da companhia, conforme autoriza o § 5º, do artigo 157, da Lei das
Sociedades Anônimas183. Em tal hipótese, podem os administradores

a informação foge ao controle da companhia ou se se constata oscila­ções


atípicas nas cota­ções ou no volume dos valores mobiliários negociados,
é dever do diretor de rela­ções com investidores esclarecer a situação,
divulgando fato relevante, confirmando ou desmentindo o que, até então,
não passa de simples boato ou trazendo a público o fato que pode justificar
a oscilação na cotação ou nos volumes negociados. Se o fato relevante
ainda não puder ser considerado um fato consumado ou definitivo, é dever
do diretor de rela­ções com investidores divulgar a informação até então
disponível sobre esse fato. Igual atitude há de ser tomada se o fato for um
ato jurídico. Nesse caso, o dever de divulgar independe da formalização
desse ato jurídico, devendo o diretor de rela­ções com investidores divulgar
a existência de negociação ou a intenção de formalização do ato jurídico”
(Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ 2006/5928, Rel. Dir.
Pedro Oliva Marcilio de Sousa, j. 17.04.2007). A respeito, consultem-se
também os seguintes julgados: Processo Administrativo Sancionador nº
04/04, Rel. Dir. Marcelo Fernandez Trindade, j. 28.06.2006. Processo
Administrativo Sancionador nº 2006/4776, Rel. Dir. Pedro Oliva Marcilio
de Sousa, j 17.01.2007. Processo Administrado Sancionador nº 2004/6238,
Rel. Dir. Marcelo Fernandez Trindade, j. 05.10.2005. Processo Administrativo
Sancionador nº 16/00, Rel. Dir. Wladimir Castelo Branco Castro, j. 05.12.2002.
Processo Administrativo Sancionador nº 22/99, Rel. Dir. Marcelo Fernandez
Trindade, j. 16.08.2001.
183 Em Portugal, o Código de Sociedades Comerciais (aprovado pelo Decreto-Lei nº
262/86, alterado pelo Dec.-Lei nº 76-A/2006) prevê, em seus arts. 290º e 291º,
determinados fatos, como a possibilidade de revelação de segredo imposto
por lei, que tornam lícita a recusa de informação. O Direito português admite a
recusa da prestação de informa­ções por parte dos administradores quando: a)
a sua prestação: i) puder ocasionar graves prejuízos para a sociedade ou a outra
sociedade a ela coligada; ou ii) implicar a violação de segredo imposto por lei
(segredo profissional, sigilo bancário, etc.); b) houver receio de que a informação
seja utilizada para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta ou de algum
acionista; ou c) embora sem fins estranhos à sociedade, tal informação seja
suscetível de prejudicar relevantemente a companhia ou seus acionistas. O
direito português prevê ainda a responsabilidade criminal para a recusa ilícita de
informa­ções (art. 518º do Código de Sociedades Comerciais), bem como outros
casos de violação do dever de informar, tais como “a prestação de informação

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630 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

informar à CVM, solicitando-lhe sigilo e requerendo-lhe a dispensa


da divulgação, dada a natureza das informa­ções confidenciais. Podem
os administradores, ainda, dividir com terceiros a informação relevante
mantida em segredo, sem, contudo, ter a obrigação de divulgar o ato
ou fato simultaneamente para todo o mercado. É o caso, por exemplo,
de administradores que, no decorrer do seu processo decisório, buscam
o auxílio de profissionais alheios à companhia, como, por exemplo,
consultores de mercado. Entretanto, para que tal ato não configure
uma divulgação seletiva de informações, a relação entre terceiros e a

falsa e de prestação maliciosa de informa­ções incompletas e que possam induzir


os destinatários a conclusões erróneas de efeito idêntico ou semelhante ao que
teriam informa­ções falsas sobre o mesmo objecto, casos previstos no artigo 519º,
nos 1 e 2, e a convocatória enganosa, referida no artigo 520º”(CARLOS MARIA
PINHEIRO TORRES. O direito à informação nas sociedades comerciais. Coimbra:
Almedina, 1998, p. 232). Saliente-se, no entanto, que tais condutas somente serão
puníveis quando praticadas com dolo (art. 527º, nº 1 do Código de Sociedades
Comerciais). A Lei de Sociedades Anônimas espanhola (Real Decreto Legislativo
nº 1/2010, alterado pela Lei nº 31/2014), igualmente, prevê a possibilidade de
recusa da prestação de informa­ções ao estabelecer, na hipótese de a divulgação
de informa­ções prejudicar ou ser contrária aos interesses sociais. Conforme
dispõe o art. 197, in verbis: “Artículo 112. Derecho de información en la sociedad
anónima. 1. Hasta el séptimo día anterior al previsto para la celebración de la junta, los
accionistas podrán solicitar de los administradores las informaciones o aclaraciones
que estimen precisas acerca de los asuntos comprendidos en el orden del día, o
formular por escrito las preguntas que estimen pertinentes. 2. Durante la celebración
de la junta general, los accionistas de la sociedad podrán solicitar verbalmente las
informaciones o aclaraciones que consideren convenientes acerca de los asuntos
comprendidos en el orden del día. Si el derecho del accionista no se pudiera satisfaces
em esse momento, los administradores estarán abligados a facilitar la información
solicitada por escrito, dentro de los siete días siguientes al de la terminación de la junta
3. Los administradores estarán obligados a proporcionar la información solicitada al
amparo de los dos apartados anteriores, salvo en los casos en que esa información
sea innecesaria para la tutela de los derechos del socio o existan razones objetivas
para considerar que podría utilizarse para fines extrasociales o su publicidad
perjudique a la sociedad o a las sociedades vinculadas La información solicitada
no podrá denegarse cuando la solicitud esté apoyada por accionistas que representen,
al menos, el veinticinco por ciento del capital social. Los estatutos podrán fijar un
porcentaje menor, siempre que sea superior al cinco por ciento del capital social. 5.
La vulneración del derecho de información previsto em el apartado 2 solo facultará
al accionista para exigir el cumplimiento de la obrigación de información y los daños
y perjuicios que se le hayan podido causar, pero no será causa de impugnación de la
junta general. 6. En el supuesto de utilización abusiva o perjudicial de la información
solicitada, el socio será responsable de los daños u perjuicios causados.” (grifamos)

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 631

companhia deve (a) obedecer ao interesse da sociedade, bem como (b)


ser obrigatoriamente de caráter confidencial. Existindo, porém, indícios
de que a informação mantida em sigilo tenha fugido do controle da
sociedade, a orientação adotada pela CVM é pela obrigatoriedade da
divulgação imediata dos fatos, mesmo que se trate apenas de tratativas
a respeito de uma operação ainda incerta.184
A recusa na divulgação de informações somente será legítima se
constituírem atos ou fatos relevantes e quando sua divulgação implicar
risco aos interesses sociais185.

9.9. Responsabilidade civil dos administradores de


companhias abertas – artigo 158 da Lei das S.A.

9.9.1. Introdução
Para a análise da responsabilidade civil dos administradores de
companhias abertas, é importante, inicialmente, considerar os seguin-
tes princípios que informam o Direito Societário: 1º) por captarem

184 Ver, a respeito, decisão do Colegiado da CVM no Processo Administrativo


Sancionador nº RJ 2007/1079, Rel. Dir. Eli Loria, j. 10.07.2007.
185 De acordo com o entendimento da CVM, “a proteção dos investidores por
meio da divulgação de informa­ções não é absoluta, podendo se adequar
às necessidades empresariais das companhias” (Processo Administrativo
Sancionador nº 2006/4776, Rel. Dir. Pedro Oliva Marcilio de Sousa, j.
17.01.2007). Assim, “a divulgação de informa­ções relativas a negócios em
andamentos ou não concluídos” é exemplo de situação em que a companhia
estaria autorizada a negar-se a realizar a divulgação. Com relação ao
fechamento de capital, a CVM, no Processo Administrativo Sancionador
nº 02/03, Rel. Dir. Maria Helena de Santana, j. 24.01.2007, entendeu que
“se o estudo referido [sobre a possibilidade de realização de oferta pública
para fechamento de capital] estiver em fase ainda tão inicial, ou se for tão
dependente de decisões das quais os administradores em questão não
participem e nem possam antecipar, pode ser o caso de deixar de divulgá-lo,
para que não se venha a afetar as percep­ções de acionistas e de investidores
com base apenas em uma possibilidade, cuja probabilidade de que aconteça
a administração da companhia sequer tem elementos suficientes para
dimensionar”, ainda que, em regra, o fechamento de capital constitua-se em
fato relevante a ser divulgado ao mercado.

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632 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

poupança popular, existe interesse público na regulação das sociedades


anônimas abertas, incidindo sobre elas normas de ordem pública, in-
derrogáveis por vontade dos acionistas e cujo cumprimento incumbe
à CVM fiscalizar; 2º) as atribui­ções dos administradores, enquanto
órgãos da sociedade, decorrem da lei e não de contrato; e 3º) as fun­ções
dos administradores estão cada vez mais especializadas, motivo pelo
qual, na apuração de suas responsabilidades, deverão ser consideradas
as fun­ções por eles desempenhadas na companhia.

9.9.2. No­ções gerais de responsabilidade civil


A disciplina da responsabilidade civil, de um modo geral, não
consideradas aqui as rela­ções contratuais, constitui um instrumento
que permite a manutenção do equilíbrio entre a liberdade e os deveres
sociais de cada pessoa.
Nesse sentido, cumpre destacar, num primeiro momento, a função
da reparação do dano, inerente a qualquer ação de responsabilidade
civil, pela qual visa o sistema jurídico a permitir ao lesado a recompo-
sição do seu estado anterior.
O ressarcimento dos prejuízos compreende, assim, nos termos
do artigo 402 do Código Civil, a perda ou a diminuição efetiva do
patrimônio da vítima (danos emergentes) e ainda os eventuais ganhos
que ela deixou de auferir em virtude do prejuízo que lhe foi causado
(lucros cessantes).
Constitui princípio geral de direito a regra segundo a qual qual-
quer pessoa está obrigada a indenizar os danos causados a outrem em
decorrência de sua ação ou omissão voluntária.
Em algumas situa­ções, a obrigação de indenizar resulta do ina-
dimplemento de uma obrigação contratual pactuada entre o lesado
e o causador do dano. Porém, em diversas hipóteses, a obrigação de
ressarcir o prejuízo independe da existência de relação contratual entre
as pessoas envolvidas, pois surge em virtude da prática de um ato ilícito,
isto é, do descumprimento de um dever jurídico geral imputável ao

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 633

causador do dano. Com base nisso, divide-se a responsabilidade civil


em contratual e extracontratual, também denominada de aquiliana.

9.9.3. Pressuposto para o exame da responsabilidade civil dos


administradores de sociedades anônimas

O pressuposto fundamental para o exame da responsabilidade civil


dos administradores é o fato de que, no sistema do Direito Societário
brasileiro, estes não são considerados mandatários e sim órgãos da
sociedade186.
Do fato de os administradores serem considerados órgãos da
sociedade, decorrem importantes consequencias:
a) na qualidade de órgãos das sociedades, os administradores
têm suas atribui­ções derivadas da lei, estando, desta forma,
investidos de poderes legais;
b) a responsabilidade dos administradores não decorre de
inadimplemento ou infração contratual, uma vez que é
aquiliana, delitual ou ex lege; e
c) a responsabilidade dos administradores de sociedades
anônimas advém da prática de ato ilícito, isto é, o admi-
nistrador será responsável quando violar um dever legal187
ou descumprir obriga­ções preexistentes188(p.seg.).

186 Neste sentido, confira-se a lição de Orlando Gomes: “Está evidentemente


superada a teoria que qualifica esse vínculo como uma relação jurídica informada
pelo contrato de mandato. Prevalece atualmente o entendimento de que é uma
relação sobre a base da representação orgânica [...]. A condição de administrador
decorre, não de um contrato com a sociedade, mas de um ato jurídico unilateral,
por via do qual se lhe atribui, com os respectivos poderes, a qualidade de órgão
da pessoa jurídica. Conquanto esse ato unilateral, denominado nomeação, tenha
a sua eficácia condicionada à aceitação do nomeado, nem por isso se torna
contratual, porquanto ela é simples condição de eficácia” (ORLANDO GOMES.
“Responsabilidade dos Administradores de Sociedades por Ações”. Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos
Tribunais, n. 8, 1972, p. 11).
187 FÁBIO ULHOA COELHO. Curso de Direito Comercial, v. 2. São Paulo:
Saraiva, 2003, pp. 258-259. Para Tavares Guerreiro, a responsabilidade dos
administradores de sociedades anônimas deriva “de um dever geral de

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634 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

9.9.4. A irresponsabilidade pessoal do administrador por atos


regulares de gestão

Em princípio, os administradores não são pessoalmente respon-


sáveis pelas obriga­ções assumidas pela companhia por ato regular
de gestão (artigo 158, caput, primeira parte da Lei das Sociedades
Anônimas). Ou seja, a regra sobre a matéria é a da irresponsabilidade
pessoal do administrador pelas obriga­ções contraídas em nome da
sociedade em virtude de atos regulares de gestão189.
Na hipótese em que o administrador pratica ato regular de gestão,
apenas a sociedade responde pelos prejuízos causados pelas obriga­ções
adotadas em seu nome. Isto porque o administrador, ao praticar ato

diligência, inerente a todos quantos têm a incumbência de gerir patrimônio


alheios” (JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. “Responsabilidades dos
administradores de Sociedades Anônimas”. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro, n. 42. São Paulo: Revista dos Tribunais,
abr.-jun.1981, p. 69). Neste sentido, Alarico Silveira Neto esclarece: “Todo
administrador deve, ao gerir a sociedade, empregar um dever de diligência
no trato da coisa alheia. Na sociedade o dever de diligência estará voltado
para a consecução de seu objeto, tendo sempre em mira o interesse da
empresa, observadas as exigências do bem público e da função social da
Companhia. [...] deve o diretor, para que não seja responsabilizado pelas
obriga­ções da sociedade tê-las contraído sempre visando os interesses da
companhia e dentro das formalidades legais” (ALARICO SILVEIRA NETO.
“Responsabilidade dos Administradores e do Acionista Controlador por
Obriga­ções da Sociedade”. Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, v.
288, ano 80, out.-dez. 1984, p. 109). Daniela Zaitz destaca ainda uma outra
alteração no sistema advinda da consagração da teoria do órgão: “não
havendo mais contrato de mandato, forçoso foi abandonar o parâmetro
do mandatário, de bonus pater familias, para substituí-lo por outro
ligado ao exercício da atividade, portanto, profissional” (DANIELA ZAITZ.
“Responsabilidade dos Administradores de Sociedades Anônimas e por
Quotas de Responsabilidade Limitada”. Revista dos Tribunais, v. 740. São
Paulo: Revista dos Tribunais, jun. 1997, p. 21).
188 ORLANDO GOMES. “Responsabilidade dos Administradores de Sociedades
por Ações”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro.
São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 8, 1972, pp. 11-16.
189 A regra da irresponsabilidade pessoal do administrador por atos regulares
de gestão está prevista no ordenamento legal brasileiro desde a edição do
Decreto-Lei nº 2.627/1940 (art. 121).

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regular de gestão, atua como órgão da sociedade190 e, na medida em


que ele age como tal, quem contrai a obrigação é a própria sociedade.
O ato, portanto, é da companhia, que por ele responde exclusivamen-
te, não havendo qualquer responsabilidade pessoal do administrador
(artigo 158, caput, da Lei das S.A.)191.
A expressão “ato regular de gestão”, no entanto, não foi definida
pelo legislador, cumprindo aos doutrinadores o importante papel de
estabelecer seus contornos.
Embora alguns autores sustentem que regulares são os atos ordi-
nários de administração192, entende-se por “atos regulares de gestão”
aqueles praticados nos limites das atribui­ções dos administradores e
sem violação da lei ou do estatuto193.
Na realidade, a melhor maneira de se chegar à definição de ato
regular de gestão é examinando em que consistem atos irregulares
praticados pelos administradores.

190 Conforme salienta Tavares Guerreiro, “atuando como órgão da pessoa


jurídica, nada mais faz a pessoa física do administrador do que realizar a
vontade do ente coletivo. No relacionamento com terceiros, é a própria
sociedade anônima que se obriga, inexistindo, em consequencia, qualquer
razão capaz de justificar o comprometimento pessoal do administrador e de
seu patrimônio particular em virtude de atos praticados como representante
da companhia, ressalvadas as exce­ções previstas em lei” (JOSÉ ALEXANDRE
TAVARES GUERREIRO. “Responsabilidades dos administradores de
Sociedades Anônimas”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico
e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 42 abr.-jun.1981, p. 73).
191 NELSON EIZIRIK. Questões de Direito Societário e Mercado de Capitais. Rio
de Janeiro: Forense, 1987, p. 107.
192 Para Tavares Guerreiro, no entanto, “tal expressão [atos regulares de gestão] não
deve nem pode ser entendida como abstração do conceito de administração
ordinária” (JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. “Responsabilidades dos
administradores de Sociedades Anônimas”. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 42
abr.-jun.1981, p. 73).
193 NELSON EIZIRIK. Questões de Direito Societário e Mercado de Capitais. Rio
de Janeiro: Forense, 1987, pp. 94 et seg.

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636 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Será considerado ato irregular de gestão aquele contrário à lei ou


ao estatuto194. Se o diretor, contrariando os interesses sociais, pratica,
por exemplo, ato de liberalidade à custa da sociedade, desrespeitando
a vedação prevista no artigo 154, § 2º, “a”, da Lei das Sociedades
Anônimas, responde pessoalmente pela ilegalidade perpetrada, que é
tida como ato irregular de gestão.
Assim, conforme dispõe a primeira parte do caput do artigo 158
da Lei das Sociedades Anônimas, o administrador não será pessoal-
mente responsabilizado nos casos em que atuar nos limites de suas
atribui­ções e sem violação da lei ou do estatuto.

9.9.5. Responsabilidade pessoal do administrador


A responsabilidade pessoal do administrador decorre de sua
atuação, dentro de suas atribui­ções ou poderes, com culpa ou dolo
(artigo 158, I, da Lei das S.A.) ou da violação de dispositivo legal ou
estatutário (inciso II deste mesmo dispositivo legal). Trata-se, como
referido, de responsabilidade aquiliana ou ex lege, não de responsabi-
lidade contratual.
Discute-se, porém, acerca da natureza de tal responsabilidade, se
objetiva ou subjetiva.

194 Para Tavares Guerreiro, “[o]s únicos parâmetros admissíveis para a aferição
da regularidade do ato de gestão são exatamente os preceitos da lei e às
disposi­ções do estatuto. Assim sendo, não há sentido para a duplicidade de
condi­ções, confundindo-se o ato irregular de gestão com o ato praticado
com violação da lei ou do estatuto”. Continua o autor, “será ato irregular de
gestão todo aquele que resultar da infração de dever legal do administrador,
qualquer que seja. Assim, exempli gratia, se o diretor contrair obrigação lesiva
ao interesse social, estará, ipso facto, infringindo o dever estatuído no art. 153,
de tal sorte que, comprovada a falta de cuidado e diligência que todo homem
ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios bens,
responderá o diretor pela obrigação contraída, configurando-se, na espécie,
ato irregular de gestão”. Conclui, por fim, o referido autor, pela “equivalência
conceitual entre ato irregular de gestão e atos praticados por administrador
com violação da lei ou do estatuto” (JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO.
“Responsabilidades dos administradores de Sociedades Anônimas”. Revista
de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista
dos Tribunais, n. 42 abr.-jun.1981, pp. 73, 74 e 76).

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Para a caracterização da responsabilidade subjetiva, devem estar


presentes quatro elementos:
a) o dano ou prejuízo sofrido pela pessoa que está buscando
a indenização195;
b) o ato ilícito196;
c) o nexo de causalidade entre o dano e a conduta antijurídica,
isto é, a relação de causa e efeito entre o ato ilícito praticado
pelo administrador e o prejuízo sofrido pela vítima; e
d) o dolo ou a culpa, ou seja, a intenção de provocar o prejuízo
ou a falta de cautela para evitar que ele ocorresse.
Na hipótese de responsabilidade objetiva, por outro lado, não há
necessidade de se investigar sobre a existência do dolo ou da culpa, pres-
cindindo-se, portanto, do elemento subjetivo para a sua caracterização.
Comprovado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pela vítima

195 A comprovação do prejuízo é da essência da responsabilidade civil.


Neste sentido, FERNANDO RUDGE LEITE FILHO. “Da Responsabilidade
dos Administradores das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro e
no Comparado”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 11, 1973, p. 38. O dano,
segundo Orlando Gomes, abrange “não apenas o prejuízo emergente e
o lucro cessante, mas, como particularidade, o que for causado, direta ou
indiretamente, por ato impediente do incremento patrimonial” (ORLANDO
GOMES. “Responsabilidade dos Administradores de Sociedades por Ações”.
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo:
Revista dos Tribunais, n. 8, 1972, p. 13). Para Carvalhosa, o prejuízo não
precisa ser necessariamente patrimonial, isto é, o termo “prejuízo”, previsto
na Lei Societária, tem uma amplitude maior do que o meramente material
(MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedade Anônimas, 5ª
ed., v. 3. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 431-432). No mesmo sentido, confira-
se DANIELA ZAITZ. “Responsabilidade dos Administradores de Sociedades
Anônimas e por Quotas de Responsabilidade Limitada”. Revista dos Tribunais,
v. 740. São Paulo: Revista dos Tribunais, jun. 1997, p. 29.
196 Segundo Orlando Gomes, “quanto à ilicitude, importa que não se considerem
apenas as infra­ções tipificadas, mas as varia­ções de quaisquer deveres, uma vez
se verifiquem os requisitos gerais, isto é, que os atos impliquem infringência
de normas que não são específicas” (ORLANDO GOMES. “Responsabilidade
dos Administradores de Sociedades por Ações”. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 8,
1972, p. 13).

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638 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

e o ato ilícito praticado pelo agente, este responderá objetivamente,


independentemente de ter agido com dolo ou culpa.
Na realidade, embora a doutrina tenha se centrado no exame
da natureza da responsabilidade, muitas vezes, no caso de infra­ções
cometidas pelo administrador de companhia aberta no âmbito do
mercado de capitais, o elemento fundamental para a análise de sua
responsabilidade civil é o nexo causal entre a sua conduta e o prejuízo
sofrido pelos investidores. Assim, por exemplo, se o administrador,
praticando insider trading (artigo 155, § 1º, da Lei Societária), apro-
veita-se de informação sigilosa da companhia para obter vantagem,
comprando ou vendendo suas a­ções no mercado, não será necessário
que o prejudicado prove que comprou ou vendeu do insider. Com
efeito, nas opera­ções realizadas em Bolsa de Valores, particularmente
nos mercados futuro e de op­ções, é impossível “ligar” os comitentes.
Em tais casos, não é essencial saber de quem o administrador insider
comprou ou para quem vendeu os títulos, inferindo-se o nexo de
causalidade mediante a prova de que as informa­ções por ele omitidas
eram relevantes e privilegiadas197.
Neste sentido, os tribunais norte-americanos, ao analisarem, em
determinada oportunidade, a questão da causalidade nas negocia­ções
entre o administrador insider e os investidores, concluíram que a verifi-
cação de quem comprou ou vendeu do insider torna-se irrelevante para
a legitimação ativa na ação de indenização, uma vez que o fundamento
do prejuízo é a ausência da revelação, por parte do insider, do material
fact e não a negociação em si198.

197 NELSON EIZIRIK. “Insider Trading e Responsabilidade de Administrador de


Companhia Aberta”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico
e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 50, abr.-jun. 1983, p. 53,
também publicado na Revista da CVM. Rio de Janeiro: Comissão de Valores
Mobiliários, v. I, n. 2, mai.-ago. 1983, p. 47.
198 DOUGLAS HAWES, PETTER LEE, MARIE-CLAUDE ROBERT. “Insider Trading Law
Developments: An International analysis”. Law and Policy in International
Business. Washington: Georgetown University Law Center, v. 14, n. 2, 1982.

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Assim, não é necessário comprovar a existência de qualquer


relação direta entre o administrador insider e os investidores lesados,
tendo em vista que seria impossível determinar quem negociou com
ele, em um mercado público, anônimo e aberto, como é o bursátil199.
Portanto, todos aqueles que sofreram prejuízo no período em que o
administrador insider estava negociando no mercado, com base em
informação privilegiada e relevante sobre os negócios de companhia,
podem mover-lhe ação de responsabilidade civil. Reforça esta conclu-
são a consideração de que, in casu, a responsabilidade não é contratual,
mas sim aquiliana ou ex lege.
Nos termos do artigo 158, inciso I, da Lei Societária, o admi-
nistrador é civilmente responsável pelos prejuízos que causar quando,
embora procedendo dentro de suas atribui­ções ou poderes, atuar com
culpa ou dolo.
Há que se examinar, preliminarmente, o que se entende por atu-
ação do administrador “dentro de suas atribui­ções ou poderes”.
Embora alguns autores identifiquem a prática de atos “dentro de
suas atribui­ções e poderes” com os atos de administração ordinária200,

199 FRANCISCO ANTUNES MACIEL MUSSNICH. “A Utilização Desleal de Informa­


ções Privilegiadas – ‘insider trading’ – no Brasil e nos Estados Unidos”. Revista
de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista
dos Tribunais, n. 34, abr.-jun. 1979, pp. 43-46.
200 Segundo Carvalhosa, “serão ordinários os atos previstos no estatuto
como de competência originária da diretoria (art. 143) ou do Conselho
de Administração (art. 142). No que respeita à diretoria, será ordinária a
administração que abrange os negócios jurídicos que podem ser celebrados
pelos diretores independentemente de qualquer deliberação do Conselho
de Administração, se houver, ou da Assembleia Geral. Quanto ao órgão de
administração, serão ordinárias as delibera­ções que podem ser tomadas
por ele independentemente da aprovação pela Assembleia Geral. A
administração extraordinária verifica-se quando os negócios jurídicos, para
serem celebrados pelos diretores, dependem da aprovação do Conselho de
Administração ou da Assembleia Geral, para sua eficácia. E quanto ao primeiro,
quando as sua delibera­ções dependem da aprovação da Assembleia Geral”
(MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedade Anônimas,
5ª ed., v. 3. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 433). No mesmo sentido, DANIELA
ZAITZ. “Responsabilidade dos Administradores de Sociedades Anônimas e

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640 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

entende-se que a expressão prevista no artigo 158, I da Lei das S.A.


possui conteúdo mais amplo.
Na realidade, as atribui­ções e os poderes dos administradores estão
definidos na Lei Societária e nos estatutos, que preveem um conjunto
de competências necessárias à exploração e ao desenvolvimento ade-
quados das atividades sociais. Cada órgão da administração, tendo em
vista as disposi­ções legais e estatutárias, tem competência própria e
atribui­ções e poderes específicos201.
Compreendidas na expressão “dentro de suas atribui­ções ou po-
deres” estão ainda as no­ções de objeto e de interesse social.
Nos termos do artigo 154 da Lei das Sociedades Anônimas, os
administradores devem atuar, visando a atingir os fins e os interesses
sociais, considerando também as exigências do bem público e da função
social da empresa.
Dessa forma, no exercício de sua discricionariedade, têm os admi-
nistradores poderes para escolher os meios apropriados à consecução
de tais objetivos. No entanto, a atuação dos administradores tem como
limites justamente o conjunto de valores consignado no artigo 154 da
Lei Societária. Isto significa que os administradores, no desenvolvi-
mento de suas atividades, devem observar o objeto social e atender o
interesse da companhia.
Em última análise, o ato praticado pelo administrador “dentro
de suas atribui­ções ou poderes” é aquele em que foram observados,
quanto à forma, as disposi­ções legais e estatutárias relativas aos limites
de competência e, quanto ao conteúdo, de acordo com o disposto no
artigo 154 da Lei Societária, o objeto e o interesse sociais.

por Quotas de Responsabilidade Limitada”. Revista dos Tribunais, v. 740. São


Paulo: Revista dos Tribunais, jun. 1997, p. 29.
201 Neste sentido, JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. “Responsabilidades
dos administradores de Sociedades Anônimas”. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 42
abr.-jun.1981, p. 78.

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Uma vez compreendida a expressão “dentro de suas atribui­ções ou


poderes” contida na Lei Societária, cumpre examinar a culpabilidade
do administrador.
A alusão na Lei das Sociedades Anônimas à culpa ou dolo cor-
responde apenas à culpa civil, para cuja caracterização é feita remissão
aos princípios de direito privado que disciplinam a matéria202.
Em sede de responsabilidade civil, a expressão “culpa” deve ser
entendida em sentido lato, correspondendo a “toda a violação de um
dever jurídico”203. Dessa forma, a “culpa” abrange não apenas as con-
dutas eivadas de negligência, imprudência ou imperícia (culpa strictu
sensu)204, mas também os atos dolosos, isto é, aqueles praticados com
intenção de causar dano, quando se verifica uma violação deliberada,
consciente e intencional do dever jurídico ou aqueles realizados sem
a preocupação que o dano, efetivamente, venha a ocorrer.
A hipótese prevista do inciso I do artigo 158 da Lei Societária
trata de responsabilidade subjetiva205, já que a existência de culpa ou

202 PAULO SALVADOR FRONTINI. “Responsabilidade dos Administradores em


face da nova lei das sociedades por ações”. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico, Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 26,
1977, p. 45.
203 CLÓVIS BEVILÁQUA. Código Civil Comentado. Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1940, obs. nº 1 ao art. 1.057, p. 219.
204 Sobre o conceito de culpa em sentido estrito e de suas modalidades, confira-
se: NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar,
2005, Capítulo 12.
205 Neste sentido, confira-se: NELSON EIZIRIK. Questões de Direito Societário
e Mercado de Capitais. Rio de Janeiro: Forense, 1987, pp. 94 et seg.
MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedade Anônimas, 5ª
ed., v. 3. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 435. LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS
LEÃES. “Sociedade por Ações. Atos praticados por seus diretores, em razão
de administração – Responsabilidade daquela e destes, solidariamente,
se agirem com culpa ou contrariamente aos estatutos sociais”. Revista
de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo:
Revista dos Tribunais, n. 2, 1971, p. 80. FERNANDO RUDGE LEITE FILHO.
“Da Responsabilidade dos Administradores das Sociedades Anônimas
no Direito Brasileiro e no Comparado”. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n.
11, 1973, pp. 38-39. FÁBIO ULHOA COELHO. Curso de Direito Comercial,

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642 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

dolo, nesse caso, é pressuposto para o surgimento da obrigação de re-


parar o dano. Isto é, a reparação somente se justifica se o autor da ação
provar que o administrador, mesmo atuando dentro de suas atribui­ções
ou poderes, com culpa ou dolo, causou prejuízos à companhia206. Ou
seja, se atuar dentro de suas atribui­ções ou poderes, e a culpabilidade
não restar demonstrada, o administrador não será responsabilizado207.
Como exemplo deste ilícito, cite-se a hipótese em que o adminis-
trador celebra negócio jurídico, motivado por interesses torpes, sabendo
ou podendo prever que tal avença provocaria danos à sociedade208.

v. 2. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 258. MÁRCIA ANDRADE SANTIAGO. “A


Responsabilidade do Administrador de Sociedade Anônima”. Revista
da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. Porto
Alegre: Síntese, v. 37, 2002. JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO.
“Responsabilidades dos administradores de Sociedades Anônimas”.
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São
Paulo: Revista dos Tribunais, n. 42 abr.-jun.1981, p. 80. DANIELA ZAITZ.
“Responsabilidade dos Administradores de Sociedades Anônimas e por
Quotas de Responsabilidade Limitada”. Revista dos Tribunais, v. 740. São
Paulo: Revista dos Tribunais, jun. 1997, p. 29.
206 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. “Responsabilidades dos
administradores de Sociedades Anônimas”. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n.
42 abr.-jun.1981, p. 78. J. C. SAMPAIO DE LACERDA. Comentários à Lei das
Sociedades Anônimas. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 206 e J. X. CARVALHO
DE MENDONÇA. Tratado de Direito Comercial Brasileiro, v. IV, l. II. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 1959, pp. 78-79.
207 Modesto Carvalhosa afirma ainda que “não se presume a conduta culposa
ou dolosa do administrador, quando proceder nos limites de suas
atribui­ções ou poderes” (MODESTO CARVALHOSA. “Responsabilidade
civil dos administradores das companhias abertas”. Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos
Tribunais, n. 49, jan.-mar. 1983, p. 17). No mesmo sentido, DANIELA ZAITZ.
“Responsabilidade dos Administradores de Sociedades Anônimas e por
Quotas de Responsabilidade Limitada”. Revista dos Tribunais, v. 740. São
Paulo: Revista dos Tribunais, jun. 1997, p. 30.
208 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. “Responsabilidades dos
administradores de Sociedades Anônimas”. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n.
42 abr.-jun.1981, p. 78. Para Carvalhosa, “o ilícito praticado ‘dentro de suas
atribui­ções ou poderes’ refere-se à administração ordinária terminativa. O
administrador, na espécie, age nos limites de suas atribui­ções, porém com

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 643

Já o inciso II, do artigo 158 da Lei Societária estabelece a res-


ponsabilidade civil do administrador quando ele procede com violação
da lei209 ou do estatuto. A culpa, nesse caso, é presumida, ocorrendo
inversão do ônus da prova210. Tal presunção, portanto, não é absoluta,
sendo admissível prova em contrário. Caberá ao administrador provar
que, embora tenha violado a lei ou o estatuto, agiu sem culpa ou dolo.
Pode acontecer, v.g., que o administrador tenha procedido de
forma contrária à lei ou ao estatuto por ter considerado como única
alternativa viável para favorecer a companhia diante de uma situação

abuso ou desvio de poder” (MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei


de Sociedade Anônimas, 5ª ed., v. 3. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 433).
209 Segundo Fernando Rudge Leite Filho, “dentro da ‘violação da lei’ cabe
a infração a qualquer norma jurídica e não apenas a Lei das Sociedades
Anônimas” (FERNANDO RUDGE LEITE FILHO. “Da Responsabilidade
dos Administradores das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro e
no Comparado”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 11, 1973, p. 39).
210 Neste sentido, encontra-se grande parte da doutrina: ALFREDO LAMY FILHO,
JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA. A lei das S.A., 2ª ed, v. 2. Rio de Janeiro:
Renovar, 1996, p. 405. NELSON EIZIRIK. Questões de Direito Societário e
Mercado de Capitais. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 104. LUIZ GASTÃO
PAES DE BARROS LEÃES. “Sociedade por Ações. Atos praticados por seus
diretores, em razão de administração – Responsabilidade daquela e destes,
solidariamente, se agirem com culpa ou contrariamente aos estatutos sociais”.
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São
Paulo: Revista dos Tribunais, n. 2, 1971, p. 80. J. C. SAMPAIO DE LACERDA.
Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. São Paulo: Saraiva, 1978, p.
206. JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA. Direito Societário, 13ª ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2012, p. 435. ALARICO SILVEIRA NETO. “Responsabilidade
dos Administradores e do Acionista Controlador por Obrigações da
Sociedade”. Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, v. 288, out.-dez. 1984,
pp. 109-110. Em posição isolada encontra-se Modesto Carvalhosa, para
quem a responsabilidade prevista no inciso II do art. 158 da Lei Societária é
objetiva, fundamentada no risco de dano criado (MODESTO CARVALHOSA.
Comentários à Lei de Sociedade Anônimas, 5ª ed., v. 3, São Paulo: Saraiva,
2011, pp. 436-437 e 442). Fábio Ulhoa Coelho, a seu turno, sustenta (também
em posição minoritária, mas contrária à de Modesto Carvalhosa), que nas duas
hipóteses elencadas pelo artigo 158 da Lei Societária a responsabilidade civil
dos administradores tem natureza subjetiva, do tipo clássico (FÁBIO ULHOA
COELHO. Curso de Direito Comercial, v. 2. São Paulo: Saraiva, 2003, pp.
258-260).

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644 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

de impasse. Em tal circunstância, caberia a ele demonstrar que, apesar


de ter agido voluntariamente, não foi negligente nem imprudente,
muito menos teve a intenção de causar prejuízos211.
Como exemplo, mencione-se a hipótese em que o administra-
dor tem que optar entre divulgar informa­ções ou manter sigilo sobre
opera­ções societárias que ainda estão em curso. Nos termos do § 4º,
do artigo 157, da Lei das S.A., os administradores devem comunicar
imediatamente à Bolsa de Valores e divulgar pela imprensa qualquer
fato relevante ocorrido nos negócios da companhia, capaz de influir na
decisão dos investidores de comprar ou vender os valores mobiliários de
sua emissão. Ora, conforme já foi observado, o disclosure (transparência),
embora constituindo elemento essencial no modelo de regulação do
mercado de capitais, não é um princípio absoluto, que não comporte
eventuais exce­ções. Assim, em determinadas circunstâncias, o admi-
nistrador da companhia aberta, ambivalente entre o cumprimento
do dever de informar e o de guardar sigilo, por estar envolvido um
interesse legítimo da companhia (artigo 157, § 5º, da Lei Societária),
pode validamente optar pela segunda alternativa.
Outro exemplo seria a hipótese de o administrador, diante da
obscuridade do texto do estatuto ou da lei, agir de acordo com uma
das interpreta­ções possíveis, conforme os posicionamentos doutrinários
ou consulta a especialista na matéria. Nesta situação, o administrador
terá atuado de boa-fé e, portanto, estará isento de responsabilidade212.
Na realidade, ao invés da distinção radical entre responsabilidade
objetiva e subjetiva, a evolução do Direito, na matéria, inclina-se no
sentido da aceitação de situa­ções intermediárias, nas quais avultam

211 PAULO SALVADOR FRONTINI. “Responsabilidade dos Administradores em


face da nova lei das sociedades por ações”. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico, Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 26,
1977, p. 46.
212 CARLOS FULGÊNCIO DA CUNHA PEIXOTO. Sociedade por Ações, v. 4. São
Paulo: Saraiva, 1973, p. 78.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 645

os mecanismos das presun­ções e das provas em contrário. Assim,


presume-se a culpa do administrador que viola a lei ou o estatuto,
admitindo-se certas escusas de sua parte, cabendo-lhe, porém, provar
a ausência de responsabilidade213.

9.9.6. Responsabilidade da companhia pelos atos de seus


administradores

A questão da responsabilidade da sociedade anônima pelos atos


de seus administradores que causam prejuízos a terceiros ou aos acio-
nistas é de fundamental importância, posto que, muito seguidamente,
os dirigentes, pessoas físicas, não podem suportar os ônus financeiros
decorrentes de sua responsabilidade civil, tornando-a, assim, inócua.
No caso em que o administrador pratica ato regular de gestão, a
sociedade responde pelos prejuízos decorrentes de sua atuação. Isto
porque, conforme antes mencionado, o administrador, ao praticar
ato regular de gestão, é considerado órgão da sociedade. O ato,
portanto, é da sociedade, que por ele responde com exclusividade,
não havendo qualquer responsabilidade pessoal do administrador
(artigo 158, caput, da Lei das S.A.).
Na hipótese em que o administrador contrai obriga­ções em virtu-
de de ato regular de gestão, porém, agindo com culpa ou dolo (artigo
158, I, da Lei das S.A.), a companhia, igualmente, responde pelos
prejuízos decorrentes de tais atos, uma vez que, nestas circunstâncias,
o administrador também atua como órgão da sociedade. Assim, a
companhia, nesta hipótese, responde pelos danos causados, podendo
o prejudicado propor a ação solidariamente contra a sociedade e o
administrador, isto é, a companhia concorre necessariamente como

213 WALDÍRIO BULGARELLI. “Apontamentos sobre a Responsabilidade dos


Administradores das Companhias”. Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros, n. 50, abr.-jun. 1983, pp. 94-96.

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646 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

coobri­gada214. Se a ação for proposta apenas contra a companhia, terá


ela, posteriormente, ação regressiva em face do dirigente culpado215,216.
Tratando-se de ato do administrador com violação da lei ou do
estatuto, previsto no inciso II do artigo 158 da Lei Societária, há al-
guma discussão sobre a responsabilidade da companhia.
Alguns doutrinadores217 sustentam que na hipótese de violação
da lei ou do estatuto, a sociedade, a princípio, não poderia ser respon-
sabilizada pelos danos decorrentes de atos ilegais praticados pelos

214 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. “Responsabilidades dos


administradores de Sociedades Anônimas”. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 42
abr.-jun.1981, p. 80.
215 ALARICO SILVEIRA NETO. “Responsabilidade dos Administradores e do
Acionista Controlador por Obrigações da Sociedade”. Revista Forense. Rio de
Janeiro: Forense, v. 288, out.-dez. 1984, p. 110. PAULO SALVADOR FRONTINI.
“Responsabilidade dos Administradores em face da nova lei das sociedades
por ações”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico, Financeiro.
São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 26, 1977, p. 45 e LUIZ GASTÃO PAES DE
BARROS LEÃES. “Sociedade por Ações. Atos praticados por seus diretores, em
razão de administração – Responsabilidade daquela e destes, solidariamente,
se agirem com culpa ou contrariamente aos estatutos sociais”. Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista
dos Tribunais, n. 2, 1971, pp. 80-81.
216 A Lei nº 12.846/2016 (“Lei Anticorrupção”), que dispõe sobre a
responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de
atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, assim estabelece
sobre a responsabilidade dos administradores: “Art. 3º. A responsabilização da
pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou
administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe
do ato ilícito. § 1º A pessoa jurídica será responsabilizada independentemente
da responsabilização individual das pessoas naturais referidas no caput. § 2º
Os dirigentes ou administradores somente serão responsabilizados por atos
ilícitos na medida da sua culpabilidade.”. Sobre este assunto, ver MODESTO
CARVALHOSA. Considerações sobre a Lei Anticorrupção das Pessoas
Jurídicas. São Paulo: Thomson Reuters – Revista dos Tribunais, 2015.
217 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. “Responsabilidades dos
administradores de Sociedades Anônimas”. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 42
abr.-jun.1981, p. 75. DANIELA ZAITZ. “Responsabilidade dos Administradores
de Sociedades Anônimas e por Quotas de Responsabilidade Limitada”.
Revista dos Tribunais, v. 740. São Paulo: Revista dos Tribunais, jun. 1997, p.
31. ALARICO SILVEIRA NETO. “Responsabilidade dos Administradores e do

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 647

administradores, pois estes, ao perpetrarem as condutas ilícitas, não


agem como órgãos da companhia218.
Como o direito tende a proteger o terceiro de boa-fé, notadamente
diante de situa­ções aparentes, este entendimento não pode ser aplicado
com absoluto rigor, no caso de atos ultra vires.
Tome-se, por exemplo, um caso de violação do estatuto em que o
administrador, excedendo seus poderes, realiza determinado ato sem
estar para tanto autorizado219. Nesta hipótese, o administrador estará
praticando ato ultra vires societatis, extrapolando sua competência em
relação ao objeto social.
A princípio, poder-se-ia dizer que aos terceiros não caberia alegar
a ignorância de tal fato, dado o regime de publicidade das sociedades
anônimas, fundamentado no arquivamento de seus atos constitutivos e
posteriores altera­ções no Registro do Comércio, que gera a presunção
de que os contratantes conhecem, precisamente, a extensão de poderes
dos responsáveis pela gestão e representação da companhia.
Contudo, verificou-se, na prática, que, em determinadas situa­ções,
a atribuição de responsabilidade exclusivamente ao administrador que

Acionista Controlador por Obrigações da Sociedade”. Revista Forense. Rio


de Janeiro: Forense, v. 288, out.-dez. 1984, p. 110.
218 Neste sentido, Tavares Guerreiro afirma: “O diretor só é órgão da sociedade
na medida em que atua como tal, ou seja, subordinado ao equacionamento
de suas atribui­ções, dentro dos limites de representação que dimanam
da literalidade do objeto social estatutário, e sob o enfoque finalístico
do interesse social. E ainda mais. Os poderes concretos para a prática
de atos determinados devem ser aferidos por referência às disposi­ções
estatutárias, que os graduam e hierarquizam, consoante um ordenamento
específico” (JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. “Responsabilidades
dos administradores de Sociedades Anônimas”. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 42
abr.-jun.1981, p. 75).
219 Um exemplo citado por Tavares Guerreiro é a alienação não autorizada de
bens do ativo permanente, que, segundo o autor, representa, a um tempo,
violação do estatuto e ato irregular de gestão (JOSÉ ALEXANDRE TAVARES
GUERREIRO. “Responsabilidades dos administradores de Sociedades
Anônimas”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro.
São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 42 abr.-jun.1981, p. 76).

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648 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

excedeu seus poderes poderia inviabilizar a obtenção de indenização,


caso seu patrimônio pessoal fosse insuficiente para ressarcir os preju-
ízos sofridos. Estaria, dessa forma, comprometido o ideal de justiça220,
segundo o qual os danos causados a outrem devem ser reparados.
A partir desta constatação, a jurisprudência, apoiada na doutrina
e com fundamento na Teoria da Aparência, foi aos poucos admitindo
a possibilidade de a companhia vir a ser responsabilizada por atos
ultra vires praticados por seus administradores221. Assim decidindo,
os Tribunais asseguram proteção a terceiros de boa-fé; a companhia
responde, portanto, pelos danos causados222, tendo, contudo, ação
regressiva contra o administrador que atuou com excesso de poderes.
Embora a tendência dos nossos tribunais seja manifestamente
pela responsabilização da companhia pelos atos ultra vires de seus
administradores223, a sociedade pode se eximir de tal encargo se provar
que o terceiro contratante tinha conhecimento dos atos constitutivos

220 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. “Responsabilidades dos


administradores de Sociedades Anônimas”. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 42
abr.-jun.1981, pp. 76-77.
221 Note-se que os Tribunais vêm decidindo que os atos ultra vires não são nulos
ou anuláveis, mas acarretam responsabilidade, dependendo da situação,
da sociedade ou dos administradores. A respeito, veja-se o RE nº 85.100,
relatado pelo Min. Cunha Peixoto, julgado pelo STF em 21.02.1978. Em sentido
contrário, confiram-se os embargos infringentes de nº E.I. 646.796-9/02/São
Paulo, julgados pelo 1º Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, cujo relator foi
o juiz Hélio Lobo Júnior, em 18.08.1998, em que se decidiu pela aplicação
da teoria da aparência, no caso de tomada de empréstimo bancário de valor
considerável pelo administrador em nome da companhia, para reputar o ato
válido em face da instituição financeira.
222 Segundo Daniela Zaitz, “a sociedade responde perante terceiros quando: i.
houver tirado proveito; ii. houver ratificado o ato; ou iii. o ato atingiu terceiro
de boa-fé” (DANIELA ZAITZ. “Responsabilidade dos Administradores de
Sociedades Anônimas e por Quotas de Responsabilidade Limitada”. Revista
dos Tribunais, v. 740. São Paulo: Revista dos Tribunais, jun. 1997, p. 32.).
223 NELSON LAKS EIZIRIK, AURÉLIO WANDER BASTOS. O Poder Judiciário e a
Jurisprudência sobre Sociedades Anônimas e Institui­ções Financeiras. Rio
de Janeiro: Ibmec, 1980, pp. 222-227.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 649

da sociedade ou que, em razão de sua atividade profissional, jamais


teria firmado contrato semelhante sem o prévio exame do estatuto224.
Na realidade, a atribuição de responsabilidade pelos atos ultra
vires à sociedade ou seu administrador dependerá do exame, no caso
concreto, das circunstâncias que envolvem o negócio jurídico celebrado
e das características dos contratantes225.

9.9.7. Responsabilidade individual e solidária


dos administradores

Cumpre examinar ainda se a responsabilidade dos administrado-


res pelos prejuízos na esfera cível é individual ou solidária.
Na companhia aberta, a gestão dos negócios sociais é exercida, em
níveis distintos de poderes e atribui­ções, pelo Conselho de Adminis-
tração e pela Diretoria226. As diferenças fundamentais existentes entre
as responsabilidades dos administradores devem ser estudadas tendo
em vista estas fun­ções autonomamente consideradas227.

224 A propósito, Nelson Eizirik anota que, “visando a resolver o dilema entre a
responsabilidade absoluta da companhia pelos atos ultra vires praticados por
seus administradores e a sua irresponsabilidade, pode ser adotada a sugestão
de Leães, para quem, dada a circunstância de que a verificação dos poderes
dos diretores não é fácil, nem faz parte dos hábitos do homem comum, a
limitação dos poderes do administrador é somente oponível a terceiros que
dela tenham conhecimento, ou que devessem ter em razão da sua profissão
ou atividade” (NELSON EIZIRIK. Questões de Direito Societário e Mercado
de Capitais. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 107).
225 Neste sentido, Tavares Guerreiro sugere que seja realizada uma “determinação
valorativa, em cada caso concreto, porquanto o erro do terceiro contratante há
que ser avaliado em relação a um padrão médio de pessoa, de conhecimentos
relativos” (JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. “Responsabilidades dos
administradores de Sociedades Anônimas”. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 42,
abr.-jun.1981, p. 75).
226 Sobre as atribui­ções da Diretoria e do Conselho de Administração, consulte-
se o item 9.2 deste capítulo.
227 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. “Responsabilidades dos adminis-
tradores de Sociedades Anônimas”. Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 42, abr.-jun.1981
pp. 78-79.

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650 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

O Conselho de Administração é um órgão de deliberação co-


legiada (artigo 138, § 1º, da Lei das S.A.), motivo pelo qual seus
membros deliberam em conjunto, isto é, os conselheiros não detêm
competência individual.
O caráter colegiado do Conselho de Administração é deter-
minante na responsabilização conjunta de seus membros. Não há
responsabilidade individual, pois a representação da vontade social do
órgão é manifestada pela deliberação da maioria. A responsabilização
de um implica a responsabilidade de todos, porque as delibera­ções ex-
ternam a vontade do órgão – e não de um ou alguns de seus membros
–, decidida e debatida pelos conselheiros em reunião.
A prática de atos irregulares de gestão no âmbito do Conselho de
Administração impõe, portanto, a responsabilidade solidária de seus
membros228. Em outras palavras, quaisquer dos conselheiros podem ser
demandados a responder por irregularidades ocorridas no Conselho.
Para exonerar-se da responsabilidade, o conselheiro deve consignar
em ata de reunião sua discordância com as delibera­ções tomadas pelo
Conselho. Caso não seja possível assim proceder, deverá dar ciência
imediata e por escrito ao órgão de administração, ao Conselho Fiscal,
se em funcionamento, ou à Assembleia Geral229. A divergência em
relação às decisões do Conselho deve ser manifestada expressamente.

228 Para Modesto Carvalhosa, a responsabilidade dos conselheiros é coletiva:


“Diferentemente do que ocorre com os diretores, o exercício dos encargos
legais e estatutários dos conselheiros faz-se pela maioria dos seus integrantes.
A vontade, nesse caso, é necessariamente coletiva, para que seja eficaz. Trata-
se de manifestação unilateral de vontade, a do próprio órgão, vinculando
os seus membros coletivamente pelos seus efeitos internos e externos.
Assim, os conselheiros, ao participarem coletivamente da formação de
vontade do respectivo órgão, têm responsabilidade colegiada” (MODESTO
CARVALHOSA. “Responsabilidade civil dos administradores das companhias
abertas”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro.
São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 49, jan.-mar. 1983, pp. 15-16).
229 Diversas legisla­ções societárias estrangeiras possuem disposi­ções semelhantes
à brasileira quanto ao meio de exoneração de responsabilidade do
conselheiro de administração. A respeito, confira-se a legislação espanhola
(Decreto Real Legislativo nº 1/2010, alterado pela Lei nº 31/2014: “Artículo

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 651

Já a Diretoria, cuja existência é obrigatória em todas as compa-


nhias, não tem características de órgão colegiado. Os diretores têm,
individualmente, fun­ções próprias, cabendo-lhes, conforme dispuser
o estatuto, a representação da sociedade e o desempenho de tarefas
executivas, cada um no âmbito de suas atribui­ções específicas.
O caráter não colegial da Diretoria afasta, a princípio, a solidarie-
dade entre seus membros. A independência da atuação dos diretores
faz incidir a regra da responsabilidade por culpa própria, respondendo
cada diretor pelos atos imanentes às suas fun­ções.
As atribui­ções dos diretores são definidas pela Lei e especificadas
nos estatutos das companhias. Mediante o exame da Lei e do estatuto,
chega-se à individualização da responsabilidade de cada diretor e ao grau
de diligência exigível de cada um, em determinada situação concreta230.

237. Carácter solidario de la responsabilidad. Todos los miembros del órgano


de administración que hubiera adoptado el acuerdo o realizado el acto lesivo
responderán solidariamente, salvo los que prueben que, no habiento intervenido
en su adopción u ejecución, desconocían su existencia o, conociéndola, hicieron
todo lo conveniente para evitar el daño o, al menos, se opusieron expresamente
a aquél”); portuguesa (Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo
Decreto-Lei nº 262/1986, alterado pelo Decreto-Lei nº 89/2017: “Artigo
72º Responsabilidade de membros da administração para com a sociedade
[...]. 3 – Não são igualmente responsáveis pelos danos resultantes de uma
deliberação colegial os gerentes ou administradores que nela não tenham
participado ou hajam votado vencidos, podendo neste caso fazer lavrar no
prazo de cinco dias a sua declaração de voto, quer no respectivo livro de
actas, quer em escrito dirigido ao órgão de fiscalização, se o houver, quer
perante notário ou conservador. 4 – O gerente ou administrador que não
tenha exercido o direito de oposição conferido por lei, quando estava em
condi­ções de o exercer, responde solidariamente pelos actos a que poderia
ter-se oposto”); e Argentina (Ley nº 19.550/84: “Articulo 274. [...] Exención de
responsabilidad. Queda exento de responsabilidad el director que participó en la
deliberación o resolución o que la conoció, si deja constancia escrita de su protesta
y diera noticia al síndico antes que su responsabilidad se denuncie al directorio, al
síndico, a la asamblea, a la autoridad competente, o se ejerza la acción judicial”).
230 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. “Responsabilidades dos adminis-
tradores de Sociedades Anônimas”. Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 42 abr.-jun.1981,
pp. 78-79.

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652 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Ainda que não haja previsão estatutária de discriminação de fun­ções


entre os diretores, prevalece a incomunicabilidade da culpa231.
Entretanto, provada a negligência, a omissão ou o conluio, a in-
comunicabilidade da culpa cede espaço à solidariedade da obrigação
de indenizar232. O fundamento da solidariedade está na quebra do
dever de diligência, cuja observância é indistintamente obrigatória a
todos os administradores.

231 DANIELA ZAITZ. “Responsabilidade dos Administradores de Sociedades


Anônimas e por Quotas de Responsabilidade Limitada”. Revista dos Tribunais,
v. 740. São Paulo: Revista dos Tribunais, jun. 1997, p. 25: “No caso do estatuto
ser omisso relativamente às atribui­ções de cada diretor, de modo que todos
tenham poderes iguais e plenos de gestão e de representação da sociedade,
ainda assim não ocorre a solidariedade entre eles”. ALARICO SILVEIRA NETO.
“Responsabilidade dos Administradores e do Acionista Controlador por
Obrigações da Sociedade”. Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, v. 288,
out.-dez. 1984, p. 110: “Da leitura do Estatuto, terceiros não sabem quais
as obriga­ções de cada diretor dentro do BLB. Não existe, por outro lado,
nenhum documento com efeito público atribuindo tais fun­ções, como Ata de
Reunião de Diretoria arquivada na Junta Comercial ou Regulamento Interno
igualmente arquivado. Como não existe, ao menos publicamente divulgada – a
discriminação das fun­ções de cada diretor – poderíamos concluir que todos
são solidariamente responsáveis por atos ilícitos praticados por determinado
diretor? Acreditamos ser a resposta negativa. A sociedade, ao ingressar com
uma ação contra seus administradores, terá meios para saber e provar quais os
diretores direta ou indiretamente envolvidos no caso. Tais meios poderão ser o
organograma da companhia, descri­ções de cargos, depoimento testemunhal,
etc.” Carvalhosa sustenta: “Mesmo que o estatuto seja omisso, no tocante à
atribuição individual dos diretores, dando a todos eles poderes plenos e iguais
de representação e atuação interna, não se estabelece a solidariedade. Isto
porque a responsabilidade civil é sempre pessoal” (MODESTO CARVALHOSA.
Comentários à Lei de Sociedade Anônimas, 5ª ed., v. 3, São Paulo: Saraiva,
2011, p. 445).
232 Na vigência do Decreto-Lei nº 2.627/1940, Valverde defendia a solidariedade
entre os diretores exclusivamente no tocante às obriga­ções de fazer: “Claro
é que unicamente as obriga­ções de fazer, ou positivas, impostas por lei ou
pelos estatutos aos diretores, indistintamente, podem fundamentar a sua
responsabilidade solidária. Pois as de não-fazer, ou negativas, são, por sua
natureza, pessoais; não dependem, em regra, da vontade de outrem a fiel
observância do preceito proibitivo. Contudo, haverá solidariedade entre os
administradores, quando a violação do preceito proibitivo não se poderia dar
sem o concurso de todos eles, v.g., na distribuição de dividendos não devidos
ou fictícios” (TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedade por A­ções, v. 2.
Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 339).

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 653

Tendo em vista a competência do Conselho de Administração


para fiscalizar os atos da direção, conforme previsto no artigo 142,
incisos II e III, da Lei Societária, cabe indagar a respeito da respon-
sabilidade daquele órgão pelos atos praticados pelos diretores233.
Dado o caráter coletivo da responsabilidade dos membros do
Conselho de Administração, bem como da natureza de suas fun­ções,
que não compreendem a representação e a gestão dos negócios da
companhia, os conselheiros não são responsáveis pelos atos pratica-
dos por diretores que não chegam a seu conhecimento, salvo se com
eles forem coniventes, se negligenciarem em descobri-los ou se, deles
tendo conhecimento, deixarem de agir para impedir a sua prática234.
Os membros do Conselho de Administração somente poderão
ser responsabilizados pelos negócios jurídicos sobre os quais tenham
deliberado ou sobre atos de administração que tiverem sido levados a
seu conhecimento. Não é possível, legalmente, que assuntos, decisões
ou opera­ções que sequer tenham sido discutidas ou submetidas à
apreciação daquele órgão sejam atribuídas à esfera de responsabilidade

233 A respeito da distinção da responsabilidade imputada a diretores e conselheiros


em razão da natureza do cargo ocupado, a CVM se manifestou no seguinte
sentido: “a diretoria tem a função executiva, tem poderes que a doutrina chama
de disjuntivo, porque cada um tem o seu poder individual, não é colegial,
embora algumas decisões possam ser objeto de reunião de diretoria onde
também se delibera de forma colegiada. Já o Conselho de Administração, que
não cuida evidentemente do dia-a-dia da administração da companhia, não
é o responsável pela administração diária, corrente, ordinária da companhia.
O Conselho de Administração é um órgão colegial, onde os conselheiros
não têm poderes individuais, contrariamente até ao Conselho Fiscal, onde se
verifica que os conselheiros têm poderes individuais por expressa disposição
legal em diversas hipóteses, mas o Conselho de Administração não tem, à falta
de expressa disposição legal. Embora o Conselho de Administração tenha
funcionamento permanente, a atividade ou atuação de seus membros é apenas
parcial. Eles não estão diariamente na companhia e não se exige que estejam.
[...] O Conselho de Administração foi pensado, evidentemente, para ter uma
atuação muito mais focada na estratégia da companhia, no desenvolvimento do
negócio, do que na administração diária” (Processo Administrativo Sancionador
CVM nº 31/00, Rel. Dir. Norma Jonssen Parente, j. 10.07.2003).
234 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedade Anônimas, 5ª
ed., v. 3. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 428-430.

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654 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

de seus membros, sobretudo se não integram também a Diretoria da


sociedade235.
Ou seja, os conselheiros serão responsáveis solidariamente por cul-
pa in vigilando, caso não fiscalizem a gestão dos diretores, nos limites
das suas atribui­ções de controle da legitimidade dos atos da Diretoria.
Embora, em regra, não respondam pelos negócios jurídicos sobre
os quais não tenham deliberado ou sobre atos de administração dos
quais não tiveram conhecimento, excepcionalmente, os conselheiros
podem vir a ser responsabilizados por atos praticados pelos diretores
caso tenham sido negligentes em descobrir irregularidades por estes
praticadas. Todavia, não lhes pode ser imputada responsabilidade por
atos dos diretores que não sejam de seu conhecimento, ou que apresen-
tem difícil constatação. Com efeito, não se pode exigir dos membros
do Conselho de Administração que examinem a regularidade de todo
e qualquer ato praticado pela Diretoria da companhia236.

235 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedade Anônimas, 5ª


ed., v. 3. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 431.
236 Neste sentido, vale citar o Processo Administrativo Sancionador CVM nº
32/99, Rel. Dir. Marcelo Trindade, j. 05.12.2001, no qual o então Presidente
da autarquia, José Luis Osório, esclareceu que “o exercício permanente do
controle de legitimidade dos atos dos diretores que cabe aos conselheiros
deve ser encarado com certa temperança, uma vez que não se lhes pode
exigir determinados conhecimentos técnicos que são inerentes à função dos
diretores de companhia. O dever de supervisão dos conselheiros encontra,
portanto, certos limites, não podendo estes serem responsabilizados por atos
praticados pelos diretores que sejam sonegados ao seu conhecimento, de
difícil ou impossível constatação, especialmente em se tratando de questões
eminentemente técnicas”, enquanto o Diretor Luiz Antônio de Sampaio
Campos enfatizou que “o dever de fiscalização previsto no inciso III, do art. 142,
da Lei nº 6.404/76, deve ser sempre interpretado à luz da função de definição
de políticas e estratégias gerais que cabe ao Conselho de Administração, em
contraposição à Diretoria é aos diretores que compete a representação da
companhia e a prática de seus atos, conforme se vê claramente no art. 144 da
Lei nº 6.404/76. A Diretoria é, portanto, numa feliz expressão, a companhia
em ação. O Conselho de Administração não tem como função, e por isso não
pode ser responsável, a administração diária e ordinária da Companhia.” A
Comissão de Valores Mobiliários, no julgamento do PAS CVM nº 01/03, Rel.
Dir. Marcelo Fernandez Trindade, j. 01.02.2007, confirmou que não se pode
atribuir, no âmbito de processos sancionadores, interpretação extensiva ao
disposto no artigo 142, inciso III, da Lei das S.A., tornando os Conselheiros
responsáveis por todo e qualquer ato praticado pela Diretoria da Companhia.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 655

Na realidade, não há como se aferir, corretamente, a responsabi-


lidade dos membros do Conselho de Administração de companhia
aberta, sem que se verifique sua condição de insider ou outsider, tendo
em vista o distinto nível de informa­ções sobre a gestão social que
possuem237.
Diversamente dos conselheiros insiders, que, por ocuparem
concomitantemente cargos na Diretoria ou por serem acionistas
controladores ou pessoas a eles diretamente vinculadas, têm pleno
conhecimento acerca dos negócios empresariais, os outsiders somente
tomam conhecimento daquelas matérias expressamente submetidas
à sua apreciação238.
Por outro lado, os conselheiros são responsáveis pela eleição de
diretor cuja inidoneidade poderia ter sido apurada a tempo de sua
eleição (culpa in eligendo), bem como pela manutenção no cargo de
diretor manifestamente inidôneo ou incompetente239.
A Lei nº 6.404/1976 (artigo 158, § 2º) consagra genericamente
o princípio da responsabilidade solidária do administrador pelos pre-

237 Quanto à distinção da responsabilidade imputada a conselheiros insiders e


outsiders, confira-se o seguinte julgado da CVM: “E isso quando se verifica
a questão dos conselheiros não executivos, os conselheiros de fora,
independentes, que todos os manuais boas práticas de governança corporativa
recomendam a presença, a meu ver tem que ser tratado com maior razão
com flexibilidade, sob pena inclusive de não incentivar a presença de pessoas
externas nos Conselhos de Administração. [...] E, sendo conselheiros não
executivos, independentes, que certamente têm várias outras atividades e não
vivem o dia a dia da companhia, porque essa não é a sua função, parece-me que
não faltou a eles diligência e nem o dever de fiscalizar” (Processo Administrativo
Sancionador CVM nº 31/00, Rel. Dir. Norma Jonssen Parente, j. 10.07.2003).
238 Segundo Carvalhosa, “existem conselheiros insiders e outsiders. Os primeiros
por comporem igualmente a Diretoria (art. 143) têm pleno acesso às opera­
ções levadas a efeito por este órgão. Já os conselheiros outsiders têm função
meramente receptiva, como reiterado, pois conhecem apenas as matérias que
lhes são submetidas. Não podem, portanto, esses conselheiros outsiders sofrer
os efeitos da solidariedade imputável aos conselheiros insiders e aos diretores”
(MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedade Anônimas, 5ª
ed., v. 3. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 452).
239 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedade Anônimas, 5ª
ed., v. 3. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 443.

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656 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

juízos causados em virtude de não cumprimento dos deveres legais240


para assegurar o funcionamento normal da companhia, mesmo que, nos
termos do estatuto, tais deveres não caibam a todos os administradores.
Exemplos destes deveres legais são a elaboração ou a publicação das
demonstra­ções financeiras anuais241, convocação da Assembleia Geral,
promoção do arquivamento dos atos societários previstos em lei no
Registro do Comércio, tomada de providências quanto à integralização
do capital subscrito pelos acionistas, prestação de todas as informa­ções
solicitadas pelos acionistas em Assembleia Geral, dentre outros242.
Nas companhias abertas, dado o princípio da especialização de
atribui­ções, a responsabilidade é individual. No que tange aos deveres
impostos pela lei para assegurar o funcionamento normal da compa-
nhia, a solidariedade somente ocorre entre aqueles administradores
que, por disposição do estatuto, tenham atribuição específica de dar

240 DANIELA ZAITZ. “Responsabilidade dos Administradores de Sociedades Anônimas


e por Quotas de Responsabilidade Limitada”. Revista dos Tribunais, v. 740. São
Paulo: Revista dos Tribunais, jun. 1997, pp. 26-27. “Este dispositivo legal cuida da
não obediência aos deveres impostos a todos os administradores pela Lei das
Sociedades Anônimas nos seus arts. 153 a 157, quais sejam, o dever de diligência,
o dever de lealdade, o dever de informar e, finalmente, o caso de conflito de
interesses entre os interesses do administrador e os da companhia. [...] Não se
trata portanto de responsabilidade por ato de terceiro (responsabilidade indireta),
mas por falta própria (responsabilidade direta)” Já Tavares Guerreiro entende que,
pelos deveres legais quanto ao funcionamento normal da companhia, respondem
somente os diretores, cujos deveres lhes foram delegados estatutariamente:
“Diferente é a situação nas companhias abertas, em que a solidariedade, no tocante
a deveres impostos pela lei para assegurar o funcionamento normal da sociedade,
apenas ocorre entre os administradores que, por disposição do estatuto, tenham
atribuição específica de dar cumprimento àqueles deveres (Lei 6.404, art. 158, § 3º;
veja-se, porém, o que dispõe o § 4º)” (JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO.
“Responsabilidades dos administradores de Sociedades Anônimas”. Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos
Tribunais, n. 42 abr.-jun.1981, p. 85).
241 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. “Responsabilidades dos adminis-
tradores de Sociedades Anônimas”. Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 42 abr.-jun.1981,
p. 84.
242 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedade Anônimas, 5ª
ed., v. 3, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 447.

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cumprimento àqueles deveres (artigo 158, § 3º). Assim, na companhia


aberta, cada administrador, a princípio, responde apenas pelos prejuízos
decorrentes de sua própria culpa243.
Todavia, os administradores que, cientes da infração aos deveres
legais por outro administrador, não comunicarem o fato à Assembleia,
obrigam-se solidariamente com o administrador faltoso (artigo 158, §
4º). Esta obrigação de comunicar está calcada no dever de lealdade244
que os administradores possuem para com a sociedade. Frise-se que a
solidariedade também é instituída na hipótese de terceiro agir em con-
luio com o administrador a fim de obter vantagens (artigo 158, § 5º).

9.10. A ação de responsabilidade civil contra os


administradores – artigo 159 da Lei das S.A.

9.10.1. A ação de responsabilidade civil


Do ato do administrador, praticado dentro de suas atribui­ções
ou poderes, com culpa ou dolo, ou com violação da lei ou do estatuto

243 Neste sentido, a Dir. Relatora Maria Helena Santana, no julgamento do


PAS CVM nº 03/04, ocorrido em 23.05.2007, expressamente, consignou
em seu voto: “é necessário observar que a Comissão de Inquérito invoca a
responsabilidade solidária de todos os diretores, ao citar os parágrafos 2º,
3º e 4º do art. 158 da lei societária, além de não apontar as condutas de cada
acusado que seriam passíveis de punição. De plano, a acusação com base
nessas disposi­ções não merece ser acolhida. Não bastasse o estatuto social
da Companhia conferir atribui­ções específicas a cada diretor, sendo este um
processo punitivo, e não civil, entendo que é imprescindível a demonstração
da culpabilidade de cada acusado para a aplicação de pena. Penso, portanto,
que os parágrafos mencionados não têm aplicação neste processo e merecem
ser desconsiderados para efeito de responsabilização. Em decorrência disso,
as acusa­ções pela suposta realização de pagamentos sem a comprovação
de prestação dos serviços correspondentes só poderiam ser atribuíveis
ao(s) diretor(es) a quem se possa, de acordo com as atribui­ções fixadas no
estatuto [...], considerar responsável(is) pelo acompanhamento desse tipo
de atividade na Companhia [...]” (grifamos).
244 DANIELA ZAITZ. “Responsabilidade dos Administradores de Sociedades
Anônimas e por Quotas de Responsabilidade Limitada”. Revista dos Tribunais,
v. 740. São Paulo: Revista dos Tribunais, jun. 1997, p. 25.

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(artigo 158 da Lei das S.A.), podem advir prejuízos à companhia, a


determinados acionistas ou a terceiros. Assim, nos termos do artigo
159 da Lei das Sociedades Anônimas, estão legitimados a mover
ação de responsabilidade civil contra o administrador245: a própria
sociedade, por si ou por intermédio de seus acionistas (caput e §§ 1º a
5º); ou quaisquer acionistas e terceiros que tenham sido diretamente
prejudicados (§ 7º). A primeira hipótese caracteriza a ação social e a
segunda, a ação individual.
Assim, a ação de responsabilidade civil contra o administrador
é considerada social ou individual, na medida em que os interesses
afetados sejam, respectivamente, próprios da companhia ou de outrem
(acionista ou terceiro) diretamente prejudicado.

9.10.2. Ação social


Conforme dispõe o caput do artigo 159 da Lei Societária, “com-
pete à companhia, mediante prévia deliberação da Assembleia geral, a
ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos
causados ao seu patrimônio”. Trata-se da ação social “ut universi”,
intentada diretamente pela companhia, visando, fundamentalmente,
a restabelecer o equilíbrio interno da sociedade, com a reconstituição
do seu patrimônio.
A ação prevista no caput do artigo 159 tem como finalidade pre-
servar o interesse social, consubstanciado na deliberação da maioria dos
acionistas de buscar o ressarcimento dos prejuízos efetivamente sofri-
dos pela companhia em decorrência da atuação dos administradores.
Como o fundamento desta ação consiste na preservação do inte-
resse social, tal medida não pode servir como instrumento à consecução

245 Sobre a legitimidade para propor a ação, ver TIAGO ASFOR ROCHA LIMA.
“A Legitimidade Ativa e Passiva nas Ações de Responsabilidade Civil Contra
Administrador e o Controlador na Lei das S/A”. In: FLAVIO LUIZ YARSHELL,
GUILHERME SETOGUTI J. PEREIRA (Coord.). Processo Societário. São Paulo:
Quartier Latin, 2012, p. 711-724.

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de interesses individuais de acionistas246, devendo o Poder Judiciário


indeferir os pedidos de responsabilização fundados em motivos alheios
ao verdadeiro interesse da companhia247.
Para a propositura da ação social “ut universi” é necessário que
haja prévia autorização da Assembleia Geral248, ou seja, a decisão as-
semblear constitui condição especial de procedibilidade da ação. Tal
autorização assemblear prévia tem como fundamento o princípio da
soberania do colégio acionário249.
Esta Assembleia Geral para deliberar sobre a propositura da ação
de responsabilidade civil contra administradores, por sua vez, pode
ser ordinária ou extraordinária; neste último caso, porém, a matéria
deverá constar da ordem do dia no edital de convocação250 ou deverá

246 A aprovação da propositura de ação de responsabilidade civil objetivando


unicamente o simples afastamento de administradores constituiria exercício
abusivo do direito de voto.
247 Neste sentido, confira-se Eduardo de Sousa Carmo, que sustenta que disputas
pessoais e de grupos de acionistas não podem ter abrigo na ação social
(EDUARDO DE SOUSA CARMO. Rela­ções Jurídicas na Administração da
S.A. Rio de Janeiro: Aide, 1988, p. 180).
248 A respeito da necessidade de prévia deliberação, destaque-se o acórdão
proferido no Agravo de Instrumento nº 174.174-4/Campinas pela 10ª Câmara
Cível TJ/SP (Rel. Des. Juiz Ruy Camilo, j. 13.02.2001), cuja ementa tem a
seguinte redação: “SOCIEDADE ANÔNIMA – Responsabilidade civil – Ação
proposta por acionista minoritário contra administradores – Necessidade de
prévia deliberação em assembleia geral – Inteligência do art. 159 e parágrafos
da Lei 6.404/76, atualizada pela Lei 9.457/97. Conforme interpretação
do art. 159 e parágrafos da Lei 6.404/76, atualizada pela Lei 9.457/97,
pressuposto para a propositura da ação de responsabilidade civil contra
os administradores da sociedade anônima, quer por parte de acionista,
minoritário ou não, ou por parte da própria sociedade, é a deliberação
prévia em assembleia geral” (grifamos). Confira-se também a decisão da 3ª
Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,
proferida nos autos do Agravo de Instrumento nº 990.10.147539-1, Rel. Des.
Donegá Morandini, j. em 29.06.2010.
249 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. “Responsabilidades dos
administradores de Sociedades Anônimas”. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 42
abr.-jun.1981, p. 81.
250 Sobre a necessidade de que a matéria – deliberação sobre propositura de ação
social contra administrador – conste da ordem do dia no caso de Assembleia

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660 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

ser consequência direta de assunto nela incluído (artigo 159, § 1º, da


Lei das S.A.).
A indicação das matérias a serem discutidas na Assembleia,
consubstanciadas na ordem do dia, constitui uma das maneiras de
assegurar aos acionistas seu direito à informação, já que lhes permite
tomar conhecimento do que será discutido na Assembleia, podendo
decidir se têm interesse em comparecer à reunião e exercer seu direito
de voto251.
O direito à informação possui nítida feição instrumental, não
sendo um fim em si mesmo, mas consistindo em um meio de permitir

Geral Extraordinária, confira-se a ementa do seguinte julgado (Agravo de


Instrumento nº 2001.002.8605, julgado pela 17ª Câmara Cível do TJ/RJ
em 05.09.2001, Relator Des. Fabrício Paulo B. Bandeira Filho): “Sociedade
Anônima. Conselho de Administração. Assembleia Geral Extraordinária
convocada para deliberar sobre a destituição de dois conselheiros e eventual
eleição de outros dois em lugar dos destituídos. Voto múltiplo. Possibilidade.
Conseqüente destituição dos demais conselheiros e eleição dos novos.
Presidência do Conselho de Administração. Eleição pelos seus próprios
membros, se o contrário não dispuser o estatuto social da companhia.
Destituição do presidente do Conselho de Administração, sob a justificativa
de deliberação da Assembleia Geral de ajuizar ação de responsabilidade
contra ele. Matéria que não estava incluída na ordem do dia do edital de
convocação, impossibilitando defesa. Razões invocadas que não guardam
pertinência com as contempladas na Lei das Sociedades Anônimas. Liminar
concedida em medida cautelar afrontando o disposto no art. 804 do CPC e
confirmando o afastamento do presidente do Conselho de Administração.
Agravo provido” (grifamos).
251 A ordem do dia representa uma garantia aos acionistas, sendo que a ausência
de menção explícita no edital de convocação da matéria a ser tratada
na Assembleia Geral Extraordinária acarreta o vício de convocação da
Assembleia e, consequentemente, a sua nulidade. A propósito, consulte-se
a jurisprudência: TJRJ, AC nº 2004.001.04835, Rel. Des. Antônio Saldanha
Palheiro, j. 18.05.2004; STJ, RESP nº 136.568-SP, Rel. Min. Nilson Naves, j.
23.03.1999; TJRJ, AI nº 15.236/2001, Rel. Des. Walter Felippe D’Agostino, j.
01.11.2001; TJRJ, AC nº 2004.001.01358, Rel. Des. Elisabete Filizzola Assunção,
j. 03.03.2004; TJRJ, AI nº 9898/2001, Rel. Des. Leila Mariano, j. 11.09.2001;
TJRJ, AI nº 2001.002.8.605, Rel. Des. Fabrício Paulo B. Bandeira Filho, j.
05.09.2001. A respeito da matéria, a Instrução CVM nº 481/2009 determina
que o anúncio de convocação da Assembleia Geral contenha na ordem do
dia a listagem de todos os assuntos a serem deliberados.

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que o acionista exerça outros direitos que lhes são inerentes252, tais
como votar, impugnar delibera­ções sociais e propor a­ções judiciais em
face dos administradores e controladores da companhia253.
Uma vez reunida a Assembleia Geral, podem ocorrer as seguintes
situa­ções, que serão a seguir examinadas:
i) a Assembleia Geral delibera propor ação de responsabi-
lidade em face do administrador;
ii) a Assembleia Geral delibera propor ação de responsabi-
lidade, mas não ajuíza tal medida no prazo de três meses,
contados da deliberação;
iii) a Assembleia Geral delibera não promover ação de res-
ponsabilidade; e
iv) a Assembleia Geral Ordinária aprova as contas dos ad-
ministradores.

a) Ação social “ut universi”

a.1) A Assembleia geral delibera propor ação de responsabilidade em


face do administrador

Caso a Assembleia Geral delibere mover ação de responsabilida-


de, caberá aos diretores – representantes legais da companhia (artigo
138, § 1º, da Lei das S.A.), enquanto órgãos da sociedade –, tomar
as providências necessárias para tanto, inclusive, contratar advogados.
Trata-se de hipótese de legitimação ordinária, uma vez que há coinci-
dência entre o direito firmado e a figura do autor254, ou seja, o titular

252 As informa­ções, portanto, consistem no meio para o acompanhamento da


vida da sociedade e da sua gestão. A respeito, ver CARLOS MARIA PINHEIRO
TORRES. O direito à informação nas sociedades comerciais. Coimbra:
Almedina, 1998, p. 21.
253 Sobre a matéria, ver ainda RAÚL VENTURA. Sociedades por quotas:
comentário ao Código das Sociedades Comerciais, v. I. Coimbra: Almedina,
1993, pp. 281-306.
254 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. “Responsabilidades dos adminis-
tradores de Sociedades Anônimas”. Revista de Direito Mercantil, Industrial,

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662 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

da posição ativa na relação jurídica de direito material está apto ou


qualificado para pleitear este direito na esfera processual.
Uma vez deliberada a propositura da ação de responsabilidade, o
administrador contra quem será promovida a demanda ficará impedido
de exercer suas fun­ções, devendo ser substituído neste mesmo conclave,
como dispõe o § 2º do artigo 159 da Lei Societária.
O impedimento do administrador da companhia, previsto no
artigo 159, § 2º, da Lei das Sociedades Anônimas, constitui instituto
inspirado no impeachment do Direito Constitucional255.
O impeachment, no Direito Constitucional256, constitui medida
que tem por objetivo obstar que determinada pessoa investida de
fun­ções públicas continue a exercê-las257, uma vez que não há mais
confiança na sua atuação.
Da mesma forma, o fundamento do impedimento do administra-
dor de sociedade anônima reside precisamente na perda de confiança
dos acionistas no seu desempenho e conduta.
Em verdade, embora sejam considerados órgãos da sociedade, a
relação entre administradores e os acionistas encontra-se impregnada

Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 42 abr.-jun.1981,


p. 81.
255 Conforme NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005, Capítulo 6.
256 Originário da Inglaterra, onde foi aplicado especialmente do século XIII à
primeira metade do século XVII, o impeachment funda-se na noção de que
o governante não é senhor do povo, mas seu delegado ou representante
(MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO. Curso de Direito Constitucional.
São Paulo: Saraiva, 1976, p. 98), não podendo violar ou abusar da confiança do
público em sua atuação. Assim, considera-se que as infrações são de natureza
essencialmente política, na medida em que afetam a sociedade como um todo
(ALEXANDER HAMILTON, “Number 65”. In: ALEXANDER HAMILTON, JAMES
MADISON, JOHN JAY. The Federalist. New York: Barnes & Noble Books, 1996,
p. 426).
257 PONTES DE MIRANDA. Comentários à Constituição de 1946, v. II. Rio de
Janeiro: Henrique Cahen Editor, p. 141.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 663

da noção de confiança, tanto que a doutrina reconhece que os dirigentes


mantêm com a companhia e seus acionistas uma relação fiduciária258.
Essa corrente identifica duas ordens de fun­ções dos administrado-
res: as externas e as internas. Em relação a terceiros (aspecto externo),
os administradores figuram como representantes da companhia; em
relação à companhia e a seus acionistas (aspecto interno), os admi-
nistradores são considerados “quasi-trustees”, na medida em que são
responsáveis pela gestão dos bens sociais e pela condução dos negócios
em benefício da sociedade e dos acionistas259.
De acordo com a teoria da relação fiduciária, os administradores
devem atuar sempre em benefício de todos os acionistas, e não em
benefício apenas dos acionistas controladores, ou seja, os interesses a
serem protegidos pelos administradores são os sociais e não os dos
controladores260.
Na realidade, quer sejam considerados trustees, quer representan-
tes, essa relação fiduciária exige que administradores atuem sempre de
boa-fé e de maneira diligente261.

258 Sobre o tema, conferir: FLÁVIA PARENTE. O dever de Diligência dos


Administradores de Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.
28. HENRY WINTHROP BALLANTINE. Ballantine on Corporations. Chicago:
Callaghan, 1946, pp. 167-184. WILLIAM E. KNEPPER. Liability of Corporate
Officers and Directors. Columbus: The Allen Smith Company, 1978, pp. 12-16.
ROBERT W. HAMILTON. The Law of Corporations in a nutshell. St. Paul: West
Group, 2000, pp. 444-445. NORMAN D. LATTIN. The law of corporations,
2nd ed. Mineola: Foundation Press, 1971, pp. 282-290.
259 A expressão “quasi-trustees” é oriunda do direito norte-americano, devido à
adoção, naquele país, da teoria da relação fiduciária, pela qual o administrador
é titular de deveres fiduciários perante a companhia. Nas fiduciary relationships,
há um aspecto interno e outro externo, em que o interno traduz-se na relação
de trust estabelecida entre o administrador e a companhia, e o externo, na
figura do mandato, quanto ao exercício da representação da companhia
(WILLIAM E. KNEPPER. Liability of Corporate Officers and Directors.
Columbus: The Allen Smith Company, 1978, p. 12).
260 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedade Anônimas, 5ª
ed., v. 3, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 73. Nesse sentido, HENRY WINTHROP
BALLANTINE. Ballantine on Corporations. Chicago: Callaghan, 1946, p. 121.
261 WILLIAM E. KNEPPER. Liability of Corporate Officers and Directors.
Columbus: The Allen Smith Company, 1978, p. 13.

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664 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

À semelhança do que ocorre na sociedade política, o impeachment,


na sociedade anônima, pressupõe a deliberação da Assembleia. Ao
decidir mover contra o administrador da companhia ação de respon-
sabilidade civil, os acionistas, em sua maioria, deixam claro que não
mais nele confiam; desaparecendo o vínculo fiduciário, desaparece,
por consequência, a delegação, e daí o impeachment automático, de
natureza legal262.
Da caracterização do impedimento previsto no § 2º do artigo 159
da Lei Societária como caso de afastamento de natureza legal decorre
que, uma vez deliberada a propositura da ação, os administradores
contra quem serão ajuizadas tais medidas ficam automaticamente
impedidos de exercerem suas fun­ções. O impedimento dos admi-
nistradores, neste caso, não constitui mera faculdade da Assembleia
Geral. Ao contrário, é obrigatório. O legislador presume a existência
de conflito, determinando a imediata substituição do administrador
cujos atos estão sendo objeto de ação de reparação.
O impeachment dos administradores ocorre na mesma Assem-
bleia que delibera a propositura da ação de responsabilidade. Nesta
263

mesma ocasião, serão designados novos administradores para preen-


cherem os cargos vagos.
O princípio que rege a matéria é o da preservação da continuidade
dos negócios sociais, evitando-se situa­ções de vacância dos membros
da administração.
Constituindo o impeachment dos administradores medida de
caráter excepcional, o artigo 159, § 2º, da Lei Societária deve ser

262 NELSON EIZIRIK. Aspectos Modernos do Direito Societário. Rio de Janeiro:


Renovar, 1992, p. 75.
263 A propósito, Fábio Ulhoa Coelho entende que: “Durante o prazo da
investigação, se considerar útil, a assembleia geral poderá suspender de suas
fun­ções o diretor ou conselheiro sob suspeita, e, uma vez reunidos todos
os elementos indispensáveis à apreciação da matéria, esse órgão voltará
a se reunir para decidir pela responsabilização, ou não, do administrador
investigado” (FÁBIO ULHOA COELHO. Curso de Direito Comercial, v. 2. São
Paulo: Saraiva, 2003, p. 262).

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 665

interpretado restritivamente, devendo atingir somente os administra-


dores que romperam o vínculo fiduciário necessário à continuidade
no exercício de suas fun­ções.
Como vigora em nosso sistema legal de responsabilidade civil o
princípio da incomunicabilidade da culpa264, os membros da adminis-
tração que não participaram efetivamente do ato lesivo à sociedade ou
não se omitiram no dever de impedir a sua prática não serão afastados
do comando da companhia, em função da aprovação da propositura
da ação de responsabilidade em face dos demais administradores265.
Do mesmo modo, também em virtude da vedação à interpretação
ampliativa do disposto no § 2º do artigo 159 da Lei das S.A. e do
princípio da incomunicabilidade da culpa, a propositura de ação de
responsabilidade em face do titular de determinado cargo da admi-
nistração não acarreta impedimento do seu suplente266.
De fato, na qualidade de suplentes, não lhes pode ser exigido o
cumprimento de qualquer dos deveres impostos aos administradores
pela Lei Societária. Ou seja, enquanto permanecerem nesta condição,
os suplentes não estão sujeitos aos poderes, direitos e obriga­ções dos
administradores efetivos267, razão pela qual o impedimento em virtude

264 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. “Responsabilidades dos


administradores de Sociedades Anônimas”. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 42
abr.-jun.1981, p. 85.
265 Conforme NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005, Capítulo 6.
266 Conforme NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005, Capítulo 7, item 2.E.
267 Conforme salienta Luís Brito Correia, “os administradores suplentes são
administradores designados para substituírem outros administradores
(efectivos), nas suas faltas definitivas ou no caso de suspensão, antes de estas
se verificarem. Têm a qualidade de administrador, mas não estão, enquanto
suplentes, a exercer fun­ções e, por conseguinte, não têm a plenitude dos
poderes, direitos e obriga­ções dos administradores (efectivos)” (LUÍS
BRITO CORREIA. Os Administradores de Sociedades Anônimas. Coimbra:
Almedina, 1993, p. 758, grifamos).

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666 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

da aprovação da propositura de ação de responsabilidade dos adminis-


tradores titulares não pode ser a eles estendido. Ademais, na qualidade
de suplentes, eles, em princípio, não participaram de qualquer ato que
pudesse ter causado prejuízo à sociedade e nem tinham o dever de evitar
a sua prática.

b) Ação social “ut singuli”


A Lei das S.A. estabelece a possibilidade de os acionistas mi-
noritários demandarem contra os administradores, no interesse da
companhia, em duas circunstâncias distintas:
i) a primeira está contemplada no § 3º do artigo 159, que
prevê a hipótese de a Assembleia Geral ter deliberado
propor ação de responsabilidade, mas não ter ajuizado tal
medida no prazo de três meses, contados da deliberação.
Neste caso, diante da letargia da administração da com-
panhia, qualquer acionista poderá fazê-lo, independen­te­
mente da quantidade de a­ções de que seja titular;
ii) a segunda é tratada no § 4º do artigo 159 da Lei das
S.A., que autoriza acionistas que representem pelo menos
5% (cinco por cento) do capital social a ajuizar ação de
responsabilidade contra os administradores, caso a As-
sembleia Geral tenha deliberado não promover ação de
responsabilidade.
Tanto no § 3º (inércia dos representantes legais da companhia)
quanto no § 4º do artigo 159 da Lei das Sociedades Anônimas (delibe-
ração contrária à propositura da ação de responsabilidade), o acionista
minoritário promove a demanda em benefício da companhia, isto é,
age em nome próprio, mas no interesse da companhia, já que visa a
obter indenização dos danos sofridos pela própria sociedade.
Dessa forma, ambas as situa­ções (§§ 3º e 4º do artigo 159 da
Lei das Sociedades Anônimas) referem-se a casos de ação social “ut

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 667

singuli”268, largamente difundida em outros países, particularmente


nos Estados Unidos, onde é denominada shareholder derivative suit269.
A “derivative suit” constitui medida subsidiária à ação social ut
universi; com efeito, o ajuizamento da ação pela própria companhia
torna impossível o exercício da ação por parte dos minoritários.
O caráter subsidiário destas medidas derivadas manifesta-se no
prazo legal para a legitimação dos acionistas em ação de responsabi-
lidade. Nos primeiros três meses contados da deliberação assemblear
favorável ao exercício da ação em face do administrador, a compa-
nhia possui legitimidade ativa exclusiva na demanda. Somente se a
companhia ficar inerte por mais de três meses, os acionistas estarão
legitimados, concorrentemente à sociedade, a ingressar em juízo.
A ação social ut singuli tem fundamento idêntico ao da ação social
ut universi, uma vez que nas duas situa­ções ocorrem danos diretos à
companhia e indiretos ao conjunto de acionistas270. Trata-se de típico
exemplo de legitimação extraordinária, prevista no artigo 6º do CPC
sob a forma de substituição processual, posto que há dissociação
entre o sujeito da lide (sociedade) e o sujeito do processo (acionista);
na realidade, o interesse perseguido é o da companhia, atuando o
acionista como parte apenas em sentido formal271, isto é, em nome da
sociedade lesada.

268 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. “Responsabilidades dos


administradores de Sociedades Anônimas”. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 42,
abr.-jun.1981, pp. 80-83 e NELSON EIZIRIK. Aspectos Modernos do Direito
Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p. 75.
269 NOYES LEECH. “A­ções Judiciais Movidas por Acionistas”. Revista Brasileira
de Mercado de Capitais. Rio de Janeiro: Ibmec, v. 1, n. 3, 1975, p. 338.
270 DANIELA ZAITZ. “Responsabilidade dos Administradores de Sociedades
Anônimas e por Quotas de Responsabilidade Limitada”. Revista dos Tribunais,
v. 740. São Paulo: Revista dos Tribunais, jun. 1997, pp. 33-34.
271 ANTONIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA. “Atuação por Via Processual dos
Direitos Decorrentes da Nova Lei das Sociedades Anônimas”. In: A Nova
Lei das Sociedades Anônimas. São Paulo: Associação de Advogados de São
Paulo, 1978, p. 75.

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668 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Todavia, há entendimento doutrinário no sentido de que, na


hipótese em que o acionista ajuíza a ação, a despeito da deliberação
assemblear contrária, ele não representa a vontade da sociedade, des-
favorável à propositura da ação em face do administrador272.
No caso do artigo 159, § 3º da Lei das Sociedades Anônimas, em
que se verifica inércia da companhia em ajuizar a ação de responsabi-
lidade no prazo de três meses após a deliberação, ocorre substituição
derivada; por outro lado, se a Assembleia Geral delibera não promover
a ação e acionistas titulares de 5% do capital social promovem a de-
manda, verifica-se a hipótese de substituição originária (artigo 159,
§ 4º da Lei das Sociedades Anônimas)273.

272 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. “Responsabilidades dos


administradores de Sociedades Anônimas”. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 42
abr.-jun.1981, p. 82. Neste mesmo sentido, Mario Slerca Junior e Eduardo Slerca
esclarecem “que a lei não previu este tipo de órgão de acionistas minoritários”
(MARIO SLERCA JUNIOR. EDUARDO SLERCA. “Lei 6.404/76 – A­ções Sociais
contra o controlador e contra o administrador – Necessidade de atuação do
Ministério Público e temas polêmicos”, Revista do Ministério Público, n. 20.
Rio de Janeiro: Ministério Público. jul.-dez. 2004, p. 163). Há quem sustente
(MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedade Anônimas, 5ª
ed., v. 3. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 468) que, nos casos previstos nos §§ 3º
e 4º do artigo 159 da Lei Societária, não ocorre substituição processual, já que
a ação é proposta por acionista minoritário que, para este fim específico, atua
na qualidade de órgão da sociedade. Assim, segundo esta corrente, a ação,
em última análise, seria proposta pela própria sociedade representada, não
por seu diretor (como na hipótese da ação social ut universi, prevista no caput
do artigo 159), mas pelo acionista minoritário, enquanto órgão subsidiário de
representação, tendo em vista a institucionalização da minoria por meio do
agrupamento de capital para representar não só o interesse dos acionistas
minoritários, mas o interesse social.
273 Fábio Ulhoa Coelho classifica a ação do § 3º do artigo 159 como substituição
derivada e a do § 4º do artigo 159 como substituição originária, sem fazer
uso dos termos ut universi e ut singuli (FÁBIO ULHOA COELHO. Curso de
Direito Comercial, v. 2. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 263). Modesto Carvalhosa
entende que, em caso de omissão, por mais de três meses, do administrador
na propositura da ação de responsabilidade deliberada em Assembleia,
há substituição processual dos acionistas na ação social ut universi. A ação
social ut singuli, para este autor, é aquela do § 4º, isto é, proposta por
acionistas detentores de 5% do capital social, na hipótese de deliberação
assemblear contrária à propositura da ação social (MODESTO CARVALHOSA.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 669

Ressalte-se ainda que o fato de a ação de responsabilidade, com


fundamento nos §§ 3º e 4º do artigo 159, ser intentada por acionista
minoritário não a descaracteriza como social274, já que o titular do di-
reito de indenização é sempre a companhia. Neste sentido, observe-se
que os resultados destas a­ções revertem em proveito da companhia,
como prevê o § 5º do artigo 159 da Lei Societária.
Frise-se, ademais, que o acionista que ingressa com a ação social ut
singuli não deve pleitear a indenização proporcional à sua participação
no capital social, mas sim requerer o ressarcimento da totalidade dos
danos causados à sociedade.

b.1) O impedimento do administrador no caso das a­ções sociais


ut singuli

Em se tratando das a­ções sociais ut singuli previstas nos §§ 3º e 4º


do artigo 159 da Lei Societária, uma questão que suscita controvérsias
é a relativa ao impedimento do administrador em face de quem será
promovida a demanda.
Conforme referido, no caso de ser a ação social proposta pela
companhia (ação social ut universi prevista no caput do artigo 159 da
Lei das S.A.), fica o administrador impedido, devendo ser substituído
na mesma Assembleia que deliberar o ajuizamento da ação de respon-
sabilidade (§ 2º do artigo 159 da Lei das S.A.).

Comentários à Lei de Sociedade Anônimas, 5ª ed., v. 3. São Paulo: Saraiva,


2011, p. 460).
274 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. “Responsabilidades dos adminis-
tradores de Sociedades Anônimas”. Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 42 abr.-jun.1981,
p. 82. Neste mesmo sentido, WALDÍRIO BULGARELLI. “Apontamentos sobre a
Responsabilidade dos Administradores das Companhias”. Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros, n. 50,
abr.-jun. 1983, pp. 75-105. MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de
Sociedade Anônimas, 5ª ed., v. 3, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 467. NELSON
EIZIRIK. Aspectos Modernos do Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar,
1992, p. 72.

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670 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

A Lei Societária é clara no sentido de que deve haver deliberação


de Assembleia favorável à proposição de ação de responsabilidade para
que ocorra o impedimento legal.
Trata-se, portanto, de competência privativa da Assembleia, único
órgão a quem cabe deliberar se existe ou não conflito de interesses
entre a companhia e o administrador e se houve o rompimento do
vínculo fiduciário, que acarreta o impedimento legal do membro da
administração.
É a deliberação de ajuizar a medida que acarreta o impedimen-
to (com a consequente necessidade de substituir o administrador na
mesma Assembleia), não o ajuizamento da ação. Tanto é assim que a
substituição é imediata, ocorre na mesma Assembleia, ainda que nem
a companhia, nem qualquer acionista, venham posteriormente a de
fato ingressar em juízo contra o administrador.
Embora o legislador tenha atribuído competência exclusiva à
Assembleia Geral para, na qualidade de intérprete do interesse social,
decidir sobre a proposta de mover ação de responsabilidade, que resulta
no impedimento do administrador, silencia a Lei sobre a ocorrência
ou não de tal impedimento quando a ação é intentada pelos acionistas
minoritários.
Na realidade, a solução para suprir esta lacuna da Lei das S.A.
deve levar em consideração as diferenças entre as situa­ções previstas
nestes dois dispositivos – §§ 3º e 4º do artigo 159.
No § 3º do artigo 159 da Lei das S.A., tal como no caput, há,
efetivamente, deliberação da Assembleia Geral favorável à promoção da
ação de responsabilidade, com a presunção do rompimento do vínculo
fiduciário, que acarreta o impedimento do administrador.
Isto é, nos dois casos (caput e § 3º do artigo 159 da Lei das S.A.),
dá-se o impeachment do administrador em decorrência da decisão ma-
joritária da Assembleia no sentido de promover a ação indenizatória.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 671

Na situação prevista no § 3º do artigo 159 da Lei Societária, há


uma presunção absoluta de que o acionista autor da ação está defen-
dendo os interesses da sociedade, uma vez que a maioria dos acionistas
deliberou promover a medida judicial. Assim, na hipótese, a vontade
social, expressa pela maioria dos acionistas, é de mover a ação judicial;
não tomando a administração as medidas necessárias à implementa-
ção da demanda, a Lei confere a qualquer acionista legitimidade para
executar a decisão da Assembleia275.
Hipótese diversa é aquela em que a Assembleia Geral delibera
não promover a ação de responsabilidade civil contra o administrador
(§ 4º do artigo 159 da Lei das S.A.), isto é, a vontade social foi mani-
festada no sentido de não responsabilizar o administrador, preservado,
portanto, seu vínculo fiduciário com os acionistas, em sua maioria.
Dessa forma, na ação social de que trata o § 4º do artigo 159,
a presunção de que o acionista está defendendo o interesse social é
relativa, uma vez que a vontade social foi manifestada em sentido
contrário.
Cabe observar, a propósito, que os Tribunais já decidiram que não
é possível o afastamento dos administradores, com a investidura de
diretor designado pelo juiz, por iniciativa de acionistas minoritários,
contra o voto da Assembleia Geral276.

275 NELSON EIZIRIK. Aspectos Modernos do Direito Societário. Rio de Janeiro:


Renovar, 1992, p. 71.
276 Foi decidido que “o afastamento de diretores, ‘inaudita altera pars’, com a
conseqüente investidura de administrador designado pelo juiz, a despeito
da decisão da Assembleia e contrariamente ao por ela deliberado, configura
gravíssima intervenção na atividade privada, determinante da eclosão
de riscos, não somente de ordem econômica mas, também, jurídica, de
indisfarçável relevância, assim para a empresa como para acionistas”.
Entendeu o Relator, Ministro Fontes de Alencar, em sua declaração de voto,
que não é possível o afastamento de diretores por iniciativa de acionistas que
representem 5% do capital, não só pelo fato de a Lei das S.A. não autorizar
tal procedimento, como também por ter cuidado a Lei de cercear a prática
de abuso de poder das minorias (NELSON EIZIRIK. Sociedades Anônimas –
Jurisprudência, t. 1. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 428).

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672 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

O impedimento legal do administrador somente ocorre nas hipó-


teses disciplinadas pelo artigo 159, caput, e seu § 3º; no caso de ação
ajuizada após a deliberação desfavorável da Assembleia Geral, previsto
no § 4 do artigo 159, não há impedimento legal do administrador da
companhia277.
A Lei das S.A., ao não prever o impedimento do administrador
na hipótese do § 4º do artigo 159, visou a impedir a proliferação de
lides emulatórias, ajuizadas por acionistas minoritários eventualmente
insatisfeitos com alguma medida tomada pela administração. Isto não
significa, no entanto, que o legislador não tenha provido o acionista
minoritário de medidas próprias para elidir a impunidade do admi-

277 Neste sentido, confira-se NELSON EIZIRIK. Aspectos Modernos do Direito


Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, pp. 67 et seg. A tese defendida
pelo autor foi expressamente aceita na decisão do TRF mencionada na nota
anterior. Sobre a questão, Fábio Ulhoa Coelho sustenta: “concluindo [...] a
Assembleia geral que não é o caso de se promover a ação de responsabilidade,
por quaisquer razões que a motivem, o administrador acerca do qual se
levantaram suspeitas poderá continuar no exercício de suas fun­ções, se assim
for reputado conveniente. Se, durante as investiga­ções, a Assembleia havia
suspendido o administrador, caberá agora deliberar sobre sua recondução, ou
não, ao cargo” (FÁBIO ULHOA COELHO. Curso de Direito Comercial, v. 2. São
Paulo: Saraiva, 2003, p. 263). Em sentido contrário, Tavares Guerreiro defende
o impedimento dos administradores no caso de ação ut singuli (§ 4º), com base
nos seguintes argumentos: a) há identidade substancial entre a ação social ut
universi e a ação social ut singuli, posto que são as mesmas as partes, a causa
de pedir e o pedido, variando apenas a titularidade da iniciativa processual,
daí decorrendo que, por analogia legis, aplica-se à hipótese o disposto no §
2º do art. 159; b) o conflito de interesse entre a companhia e o administrador
recomenda igualmente o seu afastamento, ainda que temporário; c) não
prevalece, em nosso direito societário, o princípio majoritário no tocante à
responsabilização dos administradores pela companhia, processualmente
substituída pelos acionistas, do que decorre que a deliberação da Assembleia
geral de não responsabilizar o administrador, por expressar apenas a voz da
maioria, não justifica a permanência no cargo do referido administrador (JOSÉ
ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. “Impedimento de Administrador em Ação
Social ‘Ut Singuli’”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 46, abr.-jun. 1982, pp. 26-27).
Daniela Zaitz, igualmente, entende que o administrador deva ser afastado,
em analogia ao disposto no § 2º do artigo 159 da Lei das S.A. (DANIELA ZAITZ.
“Responsabilidade dos Administradores de Sociedades Anônimas e por
Quotas de Responsabilidade Limitada”. Revista dos Tribunais, v. 740. São
Paulo: Revista dos Tribunais, jun. 1997, p. 34).

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nistrador, eventualmente acobertada pela deliberação majoritária, já


que a Lei confere ao acionista titular de mais de 5% do capital social
a possibilidade de propor a ação indenizatória, não estabelecendo o
impedimento legal nesta situação.
Ressalte-se que nada impede, por outro lado, que a Assembleia
Geral ou mesmo o Conselho de Administração, conforme o caso, de-
cidam demitir o administrador. Em nosso sistema legal, diversamente
do que ocorre no Direito norte-americano, os administradores da
companhia são demissíveis ad nutum pelo órgão competente. Assim,
se a companhia entender que existe um conflito de interesses, pode
demitir o administrador, a seu juízo e a qualquer tempo. Porém, a
companhia não está obrigada a demitir o administrador, posto que
inexiste, no caso, o impedimento legal.

b.2) A exigência de pelo menos 5% do capital para a propositura da


ação social ut singuli

Outra questão que tem suscitado debates nas esferas doutrinária e


jurisprudencial refere-se à exigência prevista no artigo 159, § 4º, da Lei
das S.A., segundo a qual os acionistas minoritários devem representar,
pelo menos, 5% (cinco por cento) do capital social para a propositura da
ação de responsabilidade, no caso de deliberação assemblear contrária
ao ingresso desta demanda.
Com efeito, na companhia aberta, pode ser extremamente difícil
para os acionistas minoritários congregarem os 5% (cinco por cento)
do capital social, requisito indispensável à propositura da ação social
de responsabilidade contra os administradores.
Diante disso, algumas decisões judiciais “relativizam” as exigências
legais, previstas no § 4º do artigo 159 da Lei Societária, admitindo
que sejam propostas a­ções indenizatórias por acionistas minoritários
independentemente: a) do percentual de 5% (cinco por cento) de
a­ções, nas hipóteses em que acionistas controladores eram detentores

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de percentagem maior que 95% (noventa e cinco por cento) do capital


social278; ou b) de prévia deliberação assemblear279.

b.3) Tentativas da maioria de postergar a deliberação sobre ação de


responsabilidade contra administradores

Uma outra questão que surge ao se examinar o artigo 159 da Lei


das S.A. refere-se à necessidade de deliberação prévia para a proposi-
tura da ação e às medidas que podem ser tomadas na hipótese em que
a companhia posterga, indefinidamente, tal convocação.
Devem os tribunais, a princípio, impedir eventuais manobras do
grupo controlador da companhia, adotadas para impedir a promoção

278 A propósito, confira-se a ementa do Recurso Especial nº 16.410-SP, Rel. Min.


Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 14.12.1992: “Direito societário. Sociedade
anônima. Ação de responsabilidade civil. Administrador. Sociedade
controladora. Acionistas minoritários. Legitimidade ativa ad causam.
Prescrição. Prazo. Interrupção. Arts. 116, 117, 245 e 246 da Lei 6.404/76. I –
Detendo a sociedade controladora mais de 95% do capital social e das a­ções
com direito a voto da sociedade controlada, os acionistas minoritários desta
têm legitimidade ativa extraordinária para, independentemente de prévia
deliberação da assembleia geral, ajuizar, mediante prestação de caução, ação
de responsabilidade civil contra aquela e seu administrador, em figurando este
simultaneamente como controlador indireto. II – Prescreve em 3 (três) anos
a ação contra administradores e sociedades de comando para deles haver
reparação civil por atos culposos ou dolosos (art. 287, II, b, da Lei 6.404/76).
III – A interrupção da prescrição na lacuna da lei especial quanto ao ponto
regula-se pelo Código Civil” (grifamos).
279 Neste sentido, destaca-se o julgamento da Apelação Cível de nº 233.731-4/5-
00, Rel. Des. Ruy Camilo, j. 04.02.2003, interposto por Hermas Oliveira Santos
e outra em face de Sylvino de Godoy Neto e outros: “SOCIEDADE ANÔNIMA
– ACIONISTAS MINORITÁRIOS QUE ATRIBUEM IRREGULARIDADES
A ADMINISTRADORES – DECRETO DE EXTINÇÃO DO PROCESSO –
ACIONISTAS MINORITÁRIOS – LEGITIMIDADE AD CAUSAM – Detendo
a maioria acionária 95% do capital acionário, acionistas minoritários têm
legitimidade extraordinária ad causam para ajuizar ação, independentemente
de deliberação assemblear, mormente quando solicitação para convocação
de Assembleia não foi sequer considerada, sob pena de configurar-se
abuso de direito. – Recurso provido” (grifamos). A propositura de ação de
responsabilidade por acionistas minoritários de que trata o artigo 159, § 4º da
Lei das S.A. sem deliberação da Assembleia também foi admitida no Recurso
Especial nº 16.410-SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 14.12.1992,
referido na nota anterior.

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da ação social ut singuli. Interessante exemplo é o caso de companhia


na qual, tendo sido solicitada por acionistas que representavam mais de
5% (cinco por cento) do capital, a propositura de ação de responsabili-
dade civil pela companhia contra dois diretores, o acionista controlador
tratou de postergar a deliberação, sem tomar decisão alguma, visando
a inviabilizar a ação social280. Assim, a Assembleia Geral nem tomava
a providência de mover a ação, nem negava o pedido dos minoritários,
acenando apenas com a criação de uma comissão para apurar a res-
ponsabilidade. Diante da “não decisão”, os minoritários intentaram a
ação social, tendo o Tribunal entendido, acertadamente, que a falta de
solução positiva ou negativa expressa representa uma negativa implí-
cita, ficando, pois, titulados os acionistas como substitutos processuais
da companhia para ingressar com a ação de responsabilidade contra
os administradores281.

280 Na hipótese em que os acionistas controladores postergam a convocação


de Assembleia Geral para deliberar sobre a propositura de ação de
responsabilidade em face dos administradores, os acionistas detentores
de no mínimo 5% (cinco por cento) do capital social poderiam ter, eles
próprios, convocado o conclave, nos termos do artigo 123, parágrafo único,
alínea “c”, da Lei das Sociedades Anônimas. Prevendo expressamente a
possibilidade de convocação de Assembleia pelos minoritários, verifique-se a
Lei de Sociedades Anônimas espanhola (Real Decreto Legislativo nº 1/2010),
que dispõe: “Artículo 239. Legitimación de la minoría. 1. El socio o socios que
posean individual o conjuntamente uma participación que les permita solicitar la
convocatoria de la junta general, podrán entablar la acción de responsabilidad
en defensa del interés social cuando los administradores no convocasen la junta
general solicitada a tal fin, cuando la sociedad no la entablare dentro del plazo
de um mes, contado desde la fecha de adopción del correspondiente acuerdo, o
bien cuando este hubiere sido contrario a la exigencia de resposabilidad. El socio
o los socios a los que se refiere el párrafo anterior, podrán ejercitar directamente la
acción social de responsabilidad cuando se fundamente en la infracción del deber
de lealtad sin necesidad de someter la decisión a la junta general”.
281 TJRS, Agravo de Instrumento nº 31.353, j. 8.11.1978, Revista de Jurisprudência
do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, v. 74, pp. 337-342. Neste sentido,
Daniela Zaitz esclarece: “Vale a pena observar que a ação ut singuli também
pode ter como pressuposto a não deliberação assemblear sobre a denúncia
do acionista, isto é, a recusa da Assembleia de deliberar a esse respeito.
Nesse caso, os acionistas agirão diretamente contra os administradores. [...]
Cumpre ainda ressaltar que o art. 246 da Lei das S/A prevê a possibilidade
dos acionistas promoverem ação de responsabilidade em face da sociedade

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Neste caso, a não deliberação equivale à deliberação negativa,


ficando os minoritários autorizados a propor a ação indenizatória em
face dos administradores.

c) Aprovação de contas afasta a responsabilidade dos


administradores

Na Assembleia Geral Ordinária, uma das matérias a ser deliberada


consiste em “tomar as contas dos administradores, examinar, discutir
e votar as demonstra­ções financeiras” (artigo 132, I, da Lei das S.A.).
Podem os acionistas, portanto, nesta Assembleia, chegar à conclusão de
que as contas dos administradores estão corretas e decidir não propor
ação de responsabilidade em face destes últimos.
Neste sentido, o § 3º do artigo 134 da Lei nº 6.404/1976 esta-
belece que “a aprovação, sem reserva, das demonstra­ções financeiras
e das contas, exonera de responsabilidade os administradores, salvo
erro, dolo, fraude ou simulação”.
Ou seja, a Lei das S.A. expressamente acolheu o entendimento
de que a aprovação integral das contas da administração isenta os
administradores de responsabilidade, exceto se posteriormente for
comprovada a existência de algum vício em tal deliberação282.
A Lei Societária brasileira consagrou o princípio segundo o qual
a aprovação do balanço implica necessariamente a desoneração dos
administradores.
Os acionistas, ao analisarem as demonstra­ções financeiras, não
estão apenas verificando a regularidade formal dos lançamentos con-

controladora do administrador, hipótese em que não será necessária a prévia


deliberação assemblear, se o administrador também for controlador indireto
daquela” (DANIELA ZAITZ. “Responsabilidade dos Administradores de
Sociedades Anônimas e por Quotas de Responsabilidade Limitada”. Revista
dos Tribunais, v. 740. São Paulo: Revista dos Tribunais, jun. 1997, p. 34).
282 Conforme analisado em NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005, pp. 105 et seg.

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tábeis efetuados, mas também manifestando a sua concordância com


a gestão dos administradores naquele exercício social283.
Em outras palavras, a aprovação, sem reservas, das contas pressu-
põe que os acionistas concordaram com a atuação dos administradores,
liberando-os de qualquer responsabilidade por eventuais prejuízos
causados à sociedade284.
Portanto, não pode o acionista que votou pela aprovação, sem
reservas, das contas da administração manifestar-se, na mesma As-
sembleia, favoravelmente à propositura de ação de responsabilidade
contra os administradores.
Apenas posteriormente, se ficar demonstrado que as contas fo-
ram elaboradas com erro, dolo, fraude ou simulação é que se poderia
pretender anular a aprovação anterior e, caso houvesse prejuízo para
a sociedade, ajuizar ação para apurar a responsabilidade dos adminis-
tradores.
Todavia, para tanto seria indispensável, primeiramente285, anular
a deliberação que aprovou as contas, após ter sido comprovado que

283 Neste sentido, verifica-se a lição de Alberto Xavier, nos seguintes termos: “A
aprovação das contas anuais, sem reservas, além de fixar o lucro líquido do
exercício, tem, pois eficácia liberatória dos administradores, significando
isto que a sociedade renuncia a exigir-lhes responsabilidade pelos
prejuízos causados ao seu patrimônio” (grifamos). (ALBERTO XAVIER.
Administradores de Sociedades. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979,
pp. 107-108).
284 FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. 4ª ed. revista
e atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 486.
285 Neste sentido, José Luiz Bulhões Pedreira e Luiz Alberto Colonna Rosman,
in verbis: “A Assembleia geral somente pode deliberar que a companhia
promova a ação se as demonstra­ções financeiras do exercício em que
ocorreu o ato do administrador tiverem sido aprovadas com reserva,
ou seja, se a Assembleia, embora tenha aprovado as demonstra­ç ões
financeiras, tenha ressalvado que essa aprovação não implica a aprovação
das contas dos administradores. A anulação da deliberação que aprova
contas dos administradores é requisito para a ação de responsabilidade
do artigo 159. Se a Assembleia aprovou as demonstra­ções financeiras sem
reservas, ou se, além de aprová-las, aprovou, como item específico, as
contas dos administradores, a companhia está vinculada a seu ato, que

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tal aprovação ocorreu em função de algum vício (erro, dolo, fraude


ou simulação). A comprovação da existência de vícios na deliberação,
a seu turno, somente seria possível em razão do surgimento de ele-
mentos novos, que os acionistas não tinham conhecimento quando
da realização da Assembleia Geral Ordinária.

9.10.3. Ação individual: artigo 159, § 7º, da Lei das


Sociedades Anônimas
Os atos ilegais ou irregulares praticados pelos administradores
podem vir a causar danos à sociedade, aos seus acionistas e a terceiros.
Como a relação jurídica existente entre o administrador e cada um dos
potenciais lesados pelo ilícito possui caráter diverso, a ação oriunda da
responsabilidade civil também possui natureza distinta em função dos
respectivos prejudicados. Assim, as a­ções sociais visam a reparar danos
causados à companhia, enquanto que as individuais têm por objetivo

é irretratável, e somente pode ser modificada por decisão judicial. Para


isso, a companhia deverá pedir judicialmente a anulação da deliberação
de aprovar as contas dos administradores e a indenização dos prejuízos”
(grifamos). (JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA, LUIZ ALBERTO COLONNA
ROSMAN. “Aprovação das Demonstra­ções Financeiras, tomada de contas
dos administradores e seus efeitos. Necessidade de Prévia Anulação da
deliberação que aprovou as contas dos administradores para a propositura
da ação de responsabilidade”. In: RODRIGO R. MONTEIRO DE CASTRO,
LEANDRO SANTOS DO ARAGÃO (coord.). Sociedade Anônima. 30 anos
da Lei 6.404/76. São Paulo: Quartier Latin, 2007, pp. 54-55). Sob a égide
da antiga Lei de Sociedades por A­ç ões (Decreto-Lei nº 2.627/1940),
Cunha Peixoto sustentava, igualmente, que: “a aprovação das contas dos
administradores pela Assembleia Geral impede que o acionista promova
a ação social de responsabilidade contra os diretores faltosos, a não ser
que, nos termos do art. 101, anule, primeiro, o ato da Assembleia, eivado
de qualquer vício, erro, dolo, fraude ou simulação” (CARLOS FULGÊNCIO
DA CUNHA PEIXOTO. Sociedade por A­ç ões, v. 4. São Paulo: Saraiva,
1973, p. 97). Em sentido contrário, Carvalhosa entende que não tem
fundamento a interpretação de que primeiro deve-se anular judicialmente
a deliberação da assembleia geral, para depois se ingressar com ação
de responsabilidade (MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de
Sociedade Anônimas, 5ª ed., v. 3. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 484).

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o ressarcimento a terceiros e acionistas, que, nesta condição286, foram


diretamente prejudicados287.
O § 7º do artigo 159 da Lei das Sociedades Anônimas trata
da ação de reparação civil proposta por acionistas ou terceiros288,
que sofreram prejuízos diretos, pessoais ou particulares causados
por atos ilícitos ou ilegais imputáveis aos administradores289. A ação
é chamada individual, uma vez que o pedido dos autores não está
relacionado a danos causados à sociedade, mas a eles próprios290.

286 A propósito, assinala Robert Clark que “a direct suit is appropriate when the injury
was primarily to the shareholder(s) as such” (ROBERT C. CLARK. Corporate Law.
Boston: Little, Brown and Company, 1986, p. 662).
287 Segundo Modesto Carvalhosa, “a linha divisória ou distintiva entre o objeto
da ação social e o da individual é extremamente tênue”. Propõe, portanto, o
autor, três critérios para distinguí-las: a) o de prejuízo de natureza diversa, em
que não se verifica dano material direto à companhia, como no caso do uso
de informa­ções confidenciais pelos administradores, em que os acionistas
não possuem igualdade de condi­ções em relação aos insiders; b) a do dano
personalizado, em que são encontrados todos os atos ilegais, antiestatutários
e com abuso e desvio de poder, discriminadamente dirigido a determinado
acionista, como a recusa do fornecimento de certidões de que trata o art.
100 da Lei das S.A.; e c) o da existência de relação contratual direta entre
o acionista e o administrador, como na hipótese de abuso na utilização de
procuração outorgada pelo acionista, na forma e para efeitos do art. 126
(MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedade Anônimas, 5ª
ed., v. 3, São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 473-474).
288 Guerreiro assim ressalta: “Em relação à sociedade, o acionista é verdadeiro
terceiro, em razão da própria diferenciação ontológica criada pelo direito,
entre a pessoa jurídica e a pessoa de cada sócio. Mas o que se leva em conta,
na ação individual, não é tal circunstância, senão a existência de lesão a direitos
do acionista enquanto partícipe da comunidade acionária” (JOSÉ ALEXANDRE
TAVARES GUERREIRO. “Responsabilidades dos administradores de Sociedades
Anônimas”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro.
São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 42 abr.-jun.1981, p. 83).
289 A respeito, confira-se a Apelação Cível nº 0103650-17.2007.8.19.0001, 20ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Rel. Des. Marco Antonio
Ibrahim, j. 23.03.2011.
290 Terceiros não estão legitimados a propor ação de responsabilidade civil
por danos causados à própria companhia (MODESTO CARVALHOSA.
Comentários à Lei de Sociedade Anônimas, 5ª ed., v. 3, São Paulo: Saraiva,
2011,, p. 386). Algumas legisla­ções admitem a possibilidade de credores
responsabilizarem os administradores por quebra da integridade do
patrimônio social. A respeito do tema, Ascarelli leciona: “As normas ditadas

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Os interesses em questão são estranhos aos da coletividade de acio-


nistas.291

no interesse de terceiros são aquelas que visam a integridade do capital social.


[...] Penso, portanto, que a responsabilidade para com os diretores pode
ser invocada mesmo independentemente da insolvência da sociedade;
bastará que os atos dos diretores tenham acarretado uma diminuição do
capital social ou da reserva legal para que se verifique um prejuízo dos
terceiros, legalmente relevante. Terá, entretanto, a ação, como objeto não um
ressarcimento direto aos terceiros, mas a reconstituição do patrimônio social.
Legitimados à ação serão os terceiros credores da sociedade que, no momento
de adquirirem os seus créditos, desconhecessem e pudessem desconhecer
o ato ilegítimo dos diretores” (TULIO ASCARELLI. “Responsabilidade dos
diretores para com os terceiros”. In: TULIO ASCARELLI. Problemas das
Sociedades Anônimas e direito comparado. São Paulo: Saraiva, 1969, pp.
481-484). Na Espanha, trata-se de ação social, conforme dispõe o artigo 134
da Lei Societária (Real Decreto Legislativo nº 1/2010), in verbis: “Artículo 240.
Legitimación subsidiaria de los acreedores para el ejercicio de la acción social. Los
acreedores de la sociedad podrán ejercitar la acción social de responsabilidad
contra los administradores cuando no haya sido ejercitada por la sociedad o sus
socios, siempre que el patrimonio social resulte insuficiente para la satisfacción
de sus créditos.”. A legislação Argentina (Ley 19.550 de 1984) trata a matéria
nos seguintes termos: “Acción de responsabilidad. Quiebra. Articulo 278. En
caso de quiebra de la sociedad, la acción de responsabilidad puede ser ejercida
por el representante del concurso y, en su defecto, se ejercerá por los acreedores
individualmente”. Na Itália, o Codice Civile estabelece: “Art. 2394 Responsabilità
verso i creditori sociali. Gli amministratori rispondono verso i creditori sociali
per l’inosservanza degli obblighi inerenti alla conservazione dell’integrita del
patrimonio sociale. L’azione puo essere proposta dai creditori quando il patrimonio
sociale risulta insufficiente al soddisfacimento dei loro crediti. La rinunzia all’azione
da parte della societa non impedisce l’esercizio dell’azione da parte dei creditori
sociali. La transazione puo essere impugnata dai creditori sociali soltanto con
l’azione revocatoria quando ne ricorrono gli estremi”.
291 Nesse sentido, já entendeu o STJ: “PROCESSUAL CIVIL E SOCIETÁRIO.
AÇÃO PROPOSTA POR ACIONISTAS MINORITÁRIOS EM FACE DE
ADMINISTRADORES QUE SUPOSTAMENTE SUBCONTABILIZAM RECEITAS.
AJUIZAMENTO DE AÇÃO INDIVIDUAL PARA RESSARCIMENTO DE
DANOS CAUSADOS À SOCIEDADE EMPRESÁRIA. ILEGITIMIDADE ATIVA
RECONHECIDA. – Os danos diretamente causados à sociedade, em regra,
trazem reflexos indiretos a todos os seus acionistas. Com o ressarcimento dos
prejuízos à companhia, é de se esperar que as perdas dos acionistas sejam
revertidas. Por isso, se os danos narrados na inicial não foram diretamente
causados aos acionistas minoritários, não detém eles legitimidade ativa
para a propositura de ação individual com base no art. 159, § 7º, da Lei das
Sociedades por Ações. Recurso Especial não conhecido.” (STJ, Recurso
Especial nº 1.014.496 – SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.03.2008).

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Como seu objetivo é a reparação dos prejuízos pessoais sofridos


pelos autores, os efeitos das a­ções individuais limitam-se àqueles que
as propuseram, embora outras pessoas possam ter interesse no litígio.
De fato, ainda que outros, além dos autores, tenham sido lesionados
pelo ilícito, não serão favorecidos, nem prejudicados pelos resultados
auferidos com a demanda, se dela não participaram. Por essa razão,
diversamente da ação social, os resultados da lide não são revertidos
em benefício da companhia; os demandantes gozam, com plenitude,
os ganhos obtidos e as eventuais perdas cingem-se aos mesmos.
Na medida em que nas a­ções individuais não estão em pauta inte-
resses sociais, a Lei não estabelece o prazo de preferência de três meses
para o exercício da ação pela companhia, como ocorre na ação social,
prevista no § 3º do artigo 159 da Lei Societária. Assim, o acionista
não precisa observar qualquer prazo de prioridade para promover tal
demanda, podendo intentá-la dentro do lapso prescricional de três
anos (artigo 287, I, alínea “b”, da Lei das Sociedades Anônimas). O
acionista não necessita ainda deter um percentual mínimo do capital
social, como exige o § 4º do referido dispositivo legal para a propositura
da ação social ut singuli, na hipótese em que a Assembleia delibera
não propor a ação indenizatória292. Caberá ao acionista ou ao terceiro,
apenas, demonstrar a ocorrência de prejuízo direto ao seu patrimônio,
em razão do ilícito praticado pelo administrador293.

292 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. “Responsabilidades dos


administradores de Sociedades Anônimas”. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 42
abr.-jun.1981, p. 83.
293 Entendendo que os prejuízos no caso de ação individual devem ter sido
causados diretamente ao acionista ou ao terceiro encontra-se Bulhões
Pedreira, in verbis: “A ação para haver do administrador a reparação do dano
que causou ao patrimônio da companhia é dita social, porque pertence
à sociedade; a que cabe ao acionista para haver indenização causada
diretamente a seu patrimônio é individual. [...] Se o patrimônio da companhia
sofre prejuízo por efeito de ato ilícito de administrador ou de terceiro, a ação
para haver indenização compete à companhia, como pessoa jurídica titular
do patrimônio que sofreu dano e deve receber reparação. Somente negando
a existência da personalidade distinta da companhia seria possível atribuir a

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Como exemplos de situa­ções nas quais as a­ções individuais são


cabíveis, encontram-se as demandas de fornecedores ou credores ba-
seadas em dados falsos do balanço294 e a­ções visando a reparar danos
causados pelos administradores que praticaram insider trading295.
O prazo prescricional para a propositura de a­ções individuais
de responsabilidade em face do administrador, nos termos do artigo

cada acionista ação para haver, do administrador ou de terceiro, a sua quota-


parte ideal no prejuízo causado ao patrimônio da companhia; a reparação
do patrimônio social seria substituída pela reparação dos patrimônios dos
acionistas que promovessem a­ções de indenização. [...] A reparação do
chamado ‘prejuízo indireto’ somente pode dar-se, portanto, através do
exercício da ação social: assim como o prejuízo é ‘indireto’, a reparação há de
ser ‘indireta’, ou seja, através da recomposição do patrimônio da companhia”
(grifamos). (ALFREDO LAMY FILHO, JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA. A lei
das S.A., 2ª ed, v. 2. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, pp. 407-409). No mesmo
sentido, verifica-se, no Direito argentino, a lição de Halperin e Otaegui: “Para
el ejercicio de la acción individual de responsabilidad del art. 279 de la Ley de
Sociedades no basta con demonstrar que los administradores desplegaron una
conducta irregular en el desempeño de sus cargos, o que han actuado en violación
de la ley o del estatuto, sino que es menester acreditar un perjuicio concreto, directo
y personal en el patrimonio del demandante” (grifamos). (ISAAC HALPERIN,
JULIO C. OTAEGUI. Sociedades Anónimas. Buenos Aires: Depalma, 1998,
p. 558).
294 JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. “Responsabilidades dos
administradores de Sociedades Anônimas”. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 42
abr.-jun.1981, p. 84.
295 Se os administradores, dispondo de informa­ções relevantes, não divulgadas ao
público, compram ou vendem valores mobiliários de emissão da companhia,
para obter vantagens indevidas, terceiros ou acionistas que não tenham tido
acesso a tais informa­ções podem sofrer prejuízos por não terem vendido ou
comprado valores mobiliários da sociedade. Nesta hipótese, eles podem
promover ação de responsabilidade diretamente contra tais administradores,
que infringiram o dever de lealdade e praticaram insider trading (art. 155, §§
1º e 3º, combinados com art. 159, § 7º, da Lei Societária). Sobre a matéria,
ver JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. “Responsabilidades dos
administradores de Sociedades Anônimas”. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n.
42 abr.-jun.1981, p. 83. MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de
Sociedade Anônimas, 5ª ed., v. 3, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 472. ALARICO
SILVEIRA NETO. “Responsabilidade dos Administradores e do Acionista
Controlador por Obrigações da Sociedade”. Revista Forense. Rio de Janeiro:
Forense, v. 288, out.-dez. 1984, p. 112.

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287, I, alínea “b” da Lei das Sociedades Anônimas, é de três anos296.


Embora a Lei Societária não tenha especificado a partir de quando
começa a se contar tal prazo, entende-se que o triênio se inicia com
a publicação da ata que aprovar o balanço referente ao exercício em
que o ato ilícito ou ilegal tenha ocorrido297.

296 Neste sentido, Bulhões Pedreira esclarece: “A interpretação da alínea ‘b’ do


item II do artigo 287 da Lei nº 6.404/76 sem reconhecer a existência desse
erro [de redação da alínea ‘b’ do inciso II do artigo 287 da Lei 6.404/76]
conduz a conclusões incompatíveis com o sistema da lei, ou absurdas, tais
como: [...] b) o prazo de três anos de prescrição não se aplicaria às a­ções para
haver reparação por atos culposos ou dolosos quando não houvesse violação
da lei, do estatuto ou da convenção do grupo; a essas a­ções aplicar-se-ia o
dispositivo geral do Código Civil, sobre prescrição das a­ções pessoais, o que
conduziria à solução absurda de que a ação de responsabilidade civil por
ato violador da lei prescreveria em três anos, enquanto que a por ato doloso
ou culposo sem violação da lei prescreveria em 20 anos. A interpretação
sistemática da lei impõe, portanto, a conclusão de que o prazo de prescrição
de três anos aplica-se a todas as a­ções de responsabilidade civil contra os
administradores da companhia, seja qual for seu fundamento. O termo inicial
do prazo de prescrição aplica-se também a todas as a­ções contra quaisquer
atos ilícitos dos administradores” (grifamos). Quanto ao fundamento da
redução do prazo prescricional, argumenta Bulhões que: “A redução do
prazo de prescrição (em relação ao regime geral do Código Civil) justifica-se
porque o risco de praticar atos ilícitos que causem danos a terceiros é muito
maior para quem exerce o cargo de administrador da companhia do que na
vida civil.” (ALFREDO LAMY FILHO, JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA. A lei das
S.A., 2ª ed, v. 2. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, pp. 411-413). Egberto Teixeira e
Tavares Guerreiro também partilham da opinião de Bulhões Pedreira. Confira-
se: “Os atos incriminados do administrador poderão não ter seus efeitos
limitados aos interesses sociais. Ao contrário, poderão prejudicar diretamente
acionistas ou terceiros, que poderão demandar contra os administradores
faltosos, em seu próprio nome e desde logo, com apoio no § 7º do art. 159. O
prazo prescricional é o mesmo das a­ções anteriores (art. 287, inciso II, alínea
‘b’, número 2)” (EGBERTO LACERDA TEIXEIRA, JOSÉ ALEXANDRE TAVARES
GUERREIRO. Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, v. 2. São Paulo:
Bushatsky, p. 480).
297 Neste sentido, confiram-se: ALFREDO LAMY FILHO; JOSÉ LUIZ BULHÕES
PEDREIRA. A lei das S.A., 2ª ed, v. 2. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 412;
EGBERTO LACERDA TEIXEIRA, JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Das
Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, v. 2. São Paulo: Bushatsky, p.
480; e FRAN MARTINS. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. 4ª
ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 604. Carvalhosa,
a seu turno, sustenta que o triênio se inicia com a publicação do ato ilícito
ou ilegal que dá ensejo à ação de responsabilidade, ressaltando ainda que,

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684 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

O § 7º do artigo 159 da Lei Societária ainda admite, expressa-


mente, a possibilidade de cumulação das a­ções social e individual, ao
dispor que a ação social “não exclui a que couber ao acionista ou terceiro
diretamente prejudicado por ato do administrador”. Dessa forma, sem-
pre que, além da sociedade, acionistas ou terceiros sejam pessoalmente
prejudicados pelo ato ilícito praticado pelo administrador, poderão ser
propostas a­ções destas duas naturezas – social e individual298.
Os acionistas, individualmente ou por meio de ação social ut
singuli, não podem propor ação de responsabilidade, cuja matéria já
tenha sido objeto de sentença em ação social ut universi da qual não
caiba mais recurso. O inverso, igualmente, não pode ser admitido299.
A respeito da ação de responsabilidade civil em face dos ad-
ministradores, é importante, por fim, ressaltar que a CVM não tem
legitimidade para propor tal medida. Havendo danos a investidores,
caberá ao Ministério Público, em sua função constitucional de proteger
os interesses difusos e coletivos e em razão da competência que lhe
foi atribuída pela Lei nº 7.913/1989, pleitear o ressarcimento ou a

caso os administradores não publiquem os atos sociais que seriam objeto


da ação indenizatória, a prescrição extintiva não começa a fluir (MODESTO
CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedade Anônimas, 5ª ed., v. 3, São
Paulo: Saraiva, 2011, p. 485).
298 Márcio Slerca Júnior e Eduardo Slerca entendem que esta possibilidade de
cumulação deve ser estendida também às hipóteses previstas nos artigos 245
e 246 da Lei das S.A., que tratam da responsabilidade de administradores
e de sociedade controladora, embora estes artigos não façam expressa
referência à cumulação de a­ções como prevê o artigo 159, § 7º. A respeito da
possibilidade de cumulação das a­ções social e individual sustentam os autores
que: “Estamos, pois, contra a doutrina majoritária que segue, sem mais, a
exigência legal de que, para cumular a ação individual com a social, o acionista
tenha sido ‘diretamente prejudicado’ (art. 159, § 7º), com o que se excluiria a
possibilidade de cumulação quando o dano sofrido pelo acionista for reflexo
ou indireto da atuação ilícita” (MÁRCIO SLERCA JÚNIOR, EDUARDO SLERCA.
“Lei 6.404/76 – A­ções Sociais contra o controlador e contra o administrador –
Necessidade de atuação do Ministério Público e temas polêmicos”. Revista do
Ministério Público, n. 20. Rio de Janeiro: Ministério Público. jul.-dez. 2004,
p. 169).
299 Neste sentido, MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedade
Anônimas, 5ª ed., v. 3. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 484-485.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 685

adoção de medidas preventivas à ocorrência de danos, mediante ação


civil pública300.
A Lei nº 7.913/1989, que disciplina a ação civil pública por danos
causados aos investidores no mercado de capitais, confere legitimidade
ativa ao Ministério Público. À CVM é reservada, nos termos do artigo
1º do referido diploma legal, a prerrogativa de impulsionar o MP, soli-
citando-o a agir. A CVM pode, nestas situa­ções, também atuar como
amicus curiae301, conforme dispõe o artigo 31 da Lei nº 6.385/1976.

9.10.4. A exclusão da responsabilidade do administrador: artigo


159, § 6º da Lei das Sociedades Anônimas
De acordo com o disposto no artigo 159, § 6º da Lei das Socie-
dades Anônimas, o juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabi-
lidade do administrador, se convencido de que este agiu de boa-fé e
visando ao interesse da companhia. Trata-se da consagração, no direito

300 Sobre a legitimidade ativa exclusiva do Ministério Público em ação civil pública
para tutela de investidores do mercado de capitais, confira-se as li­ções de
MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedade Anônimas, 5ª
ed., v. 3. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 486; RODOLFO DE CAMARGO MAN-
CUSO. “Ação Civil Pública para a tutela dos interesses dos titulares de valores
mobiliários e investidores do mercado. Uma análise da Lei 7.913 de 7.12.89”.
Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 650, dez. 1989,
pp. 31-39; e MÁRCIO SLERCA JÚNIOR, EDUARDO SLERCA. “Lei 6.404/76 –
A­ções Sociais contra o controlador e contra o administrador – Necessidade
de atuação do Ministério Público e temas polêmicos”. Revista do Ministério
Público, n. 20. Rio de Janeiro: Ministério Público. jul.-dez. 2004, pp. 157-174.
De outro lado, Paulo Fernando Campos de Salles Toledo: “Não se pode, no
entanto, afastar de plano a possibilidade de, por aplicação extensiva do art.
5º da Lei 7.347/85 (o recurso a esse diploma é expressamente admitido pelo
art. 3º da Lei 7.913/89), ser a ação proposta por uma das pessoas relacio-
nadas no citado. [...] De qualquer maneira, de se reconhecer a legitimação
concorrente de terceiros, o Ministério Público deverá intervir no feito como
custus legis (art. 5º, § 1º, da Lei 7.347/85)” (PAULO FERNANDO CAMPOS DE
SALLES TOLEDO. “A Lei 7.913, de 7 de dezembro de 1989. A tutela judicial do
mercado de valores mobiliários”. Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista
dos Tribunais, v. 667, mai. 1991, p. 72, grifamos).
301 Sobre a atuação da CVM como amicus curiae, confira-se o Capítulo 7 desta
obra.

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686 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

societário brasileiro, da regra do business judgment rule, abordada no


item 9.4.6 deste capítulo.

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X
Ilícitos Administrativos
e Penais no Mercado
de Capitais

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 689

10.1. Introdução
Os principais ilícitos administrativos e penais contidos na legis-
lação sobre o mercado de capitais são: a manipulação do mercado; a
criação de condi­ções artificiais de demanda, oferta ou preço de valores
mobiliários; as opera­ções fraudulentas; as práticas não equitativas; o
uso indevido de informação privilegiada (insider trading); e o exercício
irregular de cargo, profissão ou atividade.
As condutas tidas como delitivas na esfera do mercado de capitais
podem ensejar a aplicação de san­ções administrativas e penais; a legis-
lação é confusa, uma vez que alguns tipos de ilícitos administrativos
estão contidos num único dispositivo penal, o que pode dificultar a
adequada interpretação e aplicação das normas.
Não há, em princípio, uma distinção de essência entre o ilícito
civil, o penal e o administrativo; em todos eles existe o mesmo funda-
mento ético, constituído pela infração a um dever preexistente e pela
imputação do resultado à consciência do agente. Assim, a ilicitude é
uma só, embora as suas consequências, na esfera jurídica, possam ser
diversas.
Em função da intensidade e da natureza do bem jurídico ofendido
é que surgirão as distintas consequências legais. Na esfera do Direito
Civil, o ilícito constitui um atentado contra o direito de outrem, daí
justificando-se a reparação do dano como forma de se restaurar o
equilíbrio da relação originalmente mantida entre as partes. Já na esfera
do direito punitivo – Penal ou Administrativo Sancionador – como o
delito é tido como um fator de ruptura social, justifica-se a aplicação
de medidas repressivas, como meio de se restabelecer o equilíbrio ge-
ral da sociedade1_2. Não há, portanto, distin­ções ontológicas entre as

1 NELSON EIZIRIK. Aspectos Modernos do Direito Societário. Rio de Janeiro:


Renovar, 1992, p. 181.
2 “É importante ressaltar que as condutas consideradas crimes contra o mercado de
capitais não são assim classificadas em razão dos danos que possam acarretar a um
investidor ou grupo de investidores, em particular. Pelo contrário, dificilmente se
consegue identificar alguém que tenha sido diretamente prejudicado em virtude das

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690 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

diversas modalidades de san­ções – civis, administrativas e penais —,


mas simplesmente conveniências de ordem política, daí decorrendo
que variam tais san­ções no tempo e no espaço.
A distinção entre ilícito administrativo e penal somente pode ser
encontrada a partir de critérios meramente formais, tendo em vista as
fontes legislativas e os órgãos encarregados da aplicação de san­ções:
no primeiro caso, os preceitos estão previstos em leis ou em normas
regulamentares e são aplicados pela autoridade administrativa; já no
segundo, os ilícitos estão previstos no Código Penal e legislação cri-
minal extravagante e são julgados pelo Poder Judiciário.
Os ilícitos administrativos estão contidos na Lei nº 6.385/1976
e em Instru­ções da CVM.
Os ilícitos penais foram, por sua vez, introduzidos em nosso
sistema jurídico mediante a reforma da Lei do Mercado de Valores
Mobiliários, empreendida em 2001; a Lei nº 10.303, em seu artigo
5º, estabeleceu que a Lei nº 6.385/1976 passaria a vigorar acrescida
do Capítulo VII-B, com três novos artigos: 27-C, 27-D e 27-E3. Tais
artigos disciplinam as modalidades de crimes contra o mercado de
capitais previstas na legislação específica: manipulação de mercado;
uso indevido de informação privilegiada; e exercício irregular de cargo,
profissão, atividade ou função.
Assim, a partir da entrada em vigor da Lei nº 10.303, de 31 de
outubro de 2001, tais ilícitos, até então tidos apenas como infra­ções
de natureza administrativa, passaram a constituir também ilícitos
penais. Visou o legislador, com a inserção de tais dispositivos na Lei
nº 6.385/1976, a suprir uma lacuna na Lei nº 7.492/1986, que, ao
disciplinar os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, não incri-

condutas ilícitas e, mesmo quando isso ocorre, pode não ser fácil mensurar o dano
causado.” (GABRIELA CORDONIZ; LAURA PATELLA (Coord.). Comentários à Lei do
Mercado de Capitais – Lei 6.385/76. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 606)
3 Alterados pela Lei nº 13.506, de 13 de novembro de 2017.

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minou as condutas ocorridas especificamente no âmbito do mercado


de capitais.

10.2. Manipulação do mercado, criação de


­ ões artificiais, operaç­ ões fraudulentas
condiç
e práticas não equitativas

10.2.1. O ilícito penal


O artigo 27-C da Lei nº 6.385/1976 disciplina o crime de ma-
nipulação do mercado4, seguindo a tendência verificada no Direito
comparado, uma vez que quase todos os países com mercados de-
senvolvidos contêm dispositivos sancionando penalmente tal prática.
O legislador tentou conjugar, em um mesmo tipo penal, três
figuras tidas como ilícitos administrativos: a criação de condi­ções ar-
tificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários; a operação
fraudulenta; e a manipulação de preços, disciplinadas pela Instrução
CVM nº 08/19795.
O delito de manipulação já era capitulado no artigo 3º, inciso VI,
da Lei nº 1.521/1951, que trata dos crimes contra a economia popular,

4 “Art. 27-C. Realizar opera­ções simuladas ou executar outras manobras fraudulentas


destinadas a elevar, manter ou baixar a cotação, o preço ou o volume negociado
de um valor mobiliário, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou
para outrem, ou causar dano a terceiros: Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos,
e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência
do crime.”
5 A CVM, mediante a Instrução CVM nº 08/1979, em seu item II, assim definiu os
referidos ilícitos: “a. condi­ções artificiais de demanda, oferta ou preço de valores
mobiliários aquelas criadas em decorrência de negocia­ções pelas quais seus
participantes ou intermediários, por ação ou omissão dolosa provocarem, direta
ou indiretamente, altera­ções no fluxo de ordens de compra ou venda de valores
mobiliários; b. manipulação de preços no mercado de valores mobiliários, a
utilização de qualquer processo ou artifício destinado, direta ou indiretamente, a
elevar, manter ou baixar a cotação de um valor mobiliário, induzindo, terceiros à
sua compra e venda; c. operação fraudulenta no mercado de valores mobiliários,
aquela em que se utilize ardil ou artifício destinado a induzir ou manter terceiros
em erro, com a finalidade de se obter vantagem ilícita de natureza patrimonial
para as partes na operação, para o intermediário ou para terceiros [...]” (grifos
existentes no original).

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692 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

mediante o qual pune-se a conduta daquele que provoca “a alta ou


baixa de preços de mercadorias, títulos públicos, valores ou salários por
meio de notícias falsas, opera­ções fictícias ou qualquer outro artifício”6
com detenção de dois a dez anos e multa7. Tal dispositivo sempre foi
considerado de difícil aplicação ao mercado de capitais, uma vez que
não só exige a demonstração do artifício empregado como também a
efetiva alta ou baixa dos preços dele decorrente8.
O bem juridicamente protegido pela ameaça penal, no artigo
27-C, é a estabilidade do mercado de capitais. A norma tem como
objetivo proteger o processo de formação de preços dos valores mobi-
liários no mercado, evitando a sua alteração artificial e o consequente
logro dos investidores.
Um dos objetivos essenciais da regulação do mercado de capitais
é o de propiciar eficiência na determinação do valor dos títulos nele
negociados. Em princípio, quanto mais rápida for a reação das cota­
ções dos papéis às novas informa­ções, mais eficiente será o mercado9.
Assim, o ideal é que a cotação de determinado valor mobiliário reflita
unicamente todas as informa­ções publicamente disponíveis; em tal
hipótese, pode-se falar em cotação real e verdadeira dos ativos finan-
ceiros negociados no mercado de capitais10.

6 A manipulação pode ser realizada por meio de operações no mercado (trade-based


manipulation) ou por meio de outros tipos de ações (action-based manipulation)
– como a divulgação de informações falsas a fim de, por exemplo, inflar o preço
das ações —, às vezes ocorrendo a conjugação de ambas as táticas. (GABRIELA
CORDONIZ; LAURA PATELLA (Coord.). Comentários à Lei do Mercado de Capitais
– Lei 6.385/76. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 627)
7 Vale ressaltar que, recentemente, houve a primeira condenação criminal
por manipulação de mercado no Brasil. Nos autos da Apelação nº 0006193-
78.2009.4.03.6181, 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), Rel.
Des. Fed. André Nekatschalow, em segredo de justiça, foi mantida a condenação
dos réus pela prática do ilícito previsto no art. 27-C, Lei 6.385/1976.
8 FAUSTO MARTIN DE SANCTIS. Punibilidade no Sistema Financeiro Nacional.
Campinas: Millenium, 2003, p. 98.
9 Ver, a propósito, os Capítulos 1 e 2.
10 NELSON EIZIRIK. O Papel do Estado na Regulação do Mercado de Capitais. Rio
de Janeiro: Ibmec, 1977, p. 54.

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A ocorrência da manipulação caracteriza um processo de forma-


ção de preços artificial, um “falso mercado”, agredindo, consequente-
mente, o funcionamento regular do mercado de capitais.
A manipulação não se confunde com a especulação, a qual, numa
economia de mercado, é tida, em princípio, como aceitável. Consiste
a especulação na realização de opera­ções comerciais ou financeiras
voltadas para a realização de lucros decorrentes da variação de preços.
Apontam-se dois traços essenciais na manipulação, que a distin-
guem da mera especulação: a alteração das “regras do jogo” do mercado;
e o engano dos investidores. Na especulação, existe sempre o risco,
uma vez que o especulador realiza opera­ções com a esperança de obter
lucros, em função de uma variação de preços que lhe seja favorável,
mas que pode não se verificar. Já o manipulador objetiva eliminar os
riscos da operação11, transformando em certeza a esperança de obter
lucros; para tanto, modifica as regras de funcionamento do mercado e
da formação de preços, enganando os investidores, que desconhecem
o caráter artificial das cota­ções dos títulos12.
Também não se confunde a manipulação com a estabilização de
preços, admitida em nosso sistema legal, que corresponde à prática,
por parte de intermediários financeiros, de um conjunto de opera­ções,
no contexto de uma distribuição pública de valores mobiliários, com
o objetivo de manter os seus preços dentro de um intervalo prefixado,
observados determinados requisitos que assegurem a transparência

11 Assim a manifestação do Diretor Wladimir Castelo Branco em inquérito de sua


relatoria: “O risco existe para o mercado, como em um jogo. Mas em todo jogo,
mesmo o mais arriscado, há regras, que devem ser cumpridas. Se as regras são
iguais para todos, tem-se um mercado equitativo. Mas, quando, por exemplo, as
cartas de um jogo vêm a ser marcadas, aí se configura uma situação não equitativa,
muito diferente do risco que o jogo traz em si. Lucros e perdas são normais, desde
que não provocados artificialmente, por manobras ardilosas, nem pela quebra do
equilíbrio entre as partes.” (IA CVM nº 05/99, Rel. Dir. Wladimir Castelo Branco,
j. 23.11.2000)
12 JOÃO GOMES DA SILVA. “O Crime de Manipulação do Mercado”. Direito e Justiça
– Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa. Lisboa:
Universidade Católica editora, v. 14, n. 1, p. 198.

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necessária ao bom funcionamento do mercado13. Assim, as opera­


ções de estabilização, admitidas como legítimas, visam a prevenir
flutua­ções excessivas de preços, mantendo-os dentro de intervalos
predeterminados14.
O processo de formação de preços que a norma visa a proteger é o
do mercado secundário de valores mobiliários, não o mercado primário,
conforme sua dicção expressa, ao mencionar o regular funcionamento
dos mercados de valores mobiliários em Bolsa de Valores, de merca-
dorias e de futuros, assim como no mercado de balcão. Ademais, no
mercado primário não há, por definição, cotação dos valores mobiliá-
rios, uma vez que são eles emitidos por preço determinado, com base
nos critérios estabelecidos em lei. Assim, por exemplo, tratando-se de
a­ções, o preço de sua emissão deve seguir, em conjunto ou isolada-
mente, os parâmetros estabelecidos no parágrafo primeiro do artigo
170 da Lei das S.A., quais sejam: o valor patrimonial, as perspectivas
de rentabilidade, ou a cotação de mercado.
É possível que se realizem opera­ções artificiais (a chamada “troca
de chumbo”) entre intermediários financeiros participantes de con-
sórcio de underwriters com a finalidade de elevar a cotação das a­ções
negociadas em Bolsa de Valores, para que as novas a­ções sejam emitidas
por valor mais alto; nesta hipótese, o ilícito penal ocorre nas opera­ções
realizadas em Bolsa, mediante as quais promoveu-se a cotação artificial,
não no processo de fixação do preço de emissão15.

13 A Instrução CVM nº 400/2004, em seu artigo 23, § 3º, admite a existência de


contratos de estabilização de preços, no curso de distribuição pública de valores
mobiliários, os quais devem ser previamente aprovados pela CVM e mantidos à
disposição dos interessados em consultá-los.
14 RUTE MARTINS SANTOS. “Estabilização de preços e manipulação de mercado – o
síndroma da ilha”. In: Direito dos Valores Mobiliários, v. IV. Coimbra: Coimbra
Editora, 2003, pp. 395 et seg.
15 Tal “troca de chumbo” poderia ser punida administrativamente pela CVM, por
caracterizar, nos termos da Instrução CVM nº 08/1979, operação fraudulenta no
mercado de valores mobiliários.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 695

O âmbito de aplicação da norma é amplo, abrangendo as opera­


ções no mercado secundário com todos os tipos de valores mobiliários16,
sejam a­ções, debêntures, contratos de investimento, derivativos etc.,
em negocia­ções à vista, ou em negocia­ções a futuro. Porém, não se
configura o crime de manipulação se a manobra fraudulenta ocorrer
em negociação privada, fora do âmbito de Bolsa de Valores, de mer-
cadorias e de futuros, ou do mercado de balcão.
Não é necessário que as opera­ções sejam realizadas na mesma
Bolsa. É possível que a manobra seja realizada numa Bolsa objetivando
a alteração das cotações em outra, caracterizando-se a manipulação
indireta, ou intermarket manipulation, muitas vezes verificada em mer-
cados de mercadorias ou de valores mobiliários cujos derivativos são
negociados a futuro17. Também podem ocorrer casos de manipulação
nos quais o agente realiza opera­ções em volume excessivo em Bolsa
de Valores para elevar ou “derrubar” os índices de a­ções negociados na
Bolsa de Futuros. Por outro lado, pode-se alterar os preços dos ativos
subjacentes, negociados no mercado à vista, mediante a manipulação
dos contratos futuros, como ocorre com as opera­ções em que o agente,
estando em uma posição vendedora a futuro, busca modificar o pre-
ço do ativo subjacente, em opera­ções à vista, visando a lucrar com a
liquidação de seu contrato a futuro18.
Referentemente ao tipo objetivo, o núcleo da norma do artigo
27-C está contido nas expressões “realizar opera­ções simuladas” ou
“executar outras manobras fraudulentas”. A norma equipara à simu-
lação “outras manobras fraudulentas”, apresentando, assim, dois nú-
cleos, simulação e fraude, como equivalentes para os efeitos da sanção

16 Sobre o conceito de valores mobiliários, ver o Capítulo 3.


17 DUANE SEPPI, PRAVEEN KUMAR. “Futures Manipulation with ‘Cash Settlement’”.
The Journal of Finance. Boston: Blackwell Publishing, v. 47, n. 4, set. 1992, pp.
485-502.
18 JEAN-BAPTISTE ZUFFEREY, MARGARET TSCHANZ-NORTON. Regulation of Trading
Systems on Financial Markets. London: Kluwer Law International, 1997, p. 113.

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696 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

penal19. Temos, pois, tipos mistos alternativos, que são aqueles em que
o legislador incrimina, da mesma forma, alternativamente, hipóteses
diversas, todas atingindo o mesmo bem ou interesse20.
No caso de opera­ções simuladas, verifica-se a presença do disfarce,
do simulacro, do artifício ou fingimento na prática de um ato com a
intenção de enganar, de mostrar como verdadeiro algo que é falso. É
o que ocorre, por exemplo, se duas institui­ções financeiras combinam
a troca de posi­ções acionárias para gerar uma impressão de liquidez
dos papéis, ou para aumentar-lhes as cota­ções, gerando um “falso
mercado”; há, no caso, opera­ções simuladas, pretensamente reais, mas
que não ocorrem de acordo com as regras da oferta e procura21.
O crime de manipulação abrange, assim, as condutas que se tra-
duzem em opera­ções aparentemente regulares, mas que, na realidade,
são controladas pelos agentes de forma a violar o livre jogo da oferta
e procura; tais opera­ções criam uma aparência de liquidez ou mesmo
geram cota­ções que, por serem artificialmente sustentadas, não cor-
respondem à realidade; os negócios têm uma natureza fictícia, que se
pode aferir principalmente pela ausência de intenção real de respeitar
os seus efeitos22.
Também se caracteriza o delito, sob a forma de manobra fraudu-
lenta, quando o agente divulga informa­ções falsas, com o objetivo de
alterar a cotação dos títulos. A propósito, o artigo 379 do Código de
Valores Mobiliários de Portugal, seguindo a orientação da legislação
penal italiana, incrimina quem divulga informa­ções falsas, incomple-

19 MODESTO CARVALHOSA, NELSON EIZIRIK. A nova Lei das S.A. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 537.
20 Em sentido contrário, JOSE CARLOS TORTIMA entende que as “opera­ções
simuladas” nada mais são do que uma espécie do gênero “manobras fraudulentas”,
daí decorrendo que a hipótese não seria de tipo misto alternativo mas sim de
interpretação extensiva (ou analógica) expressamente proposta na lei (Crimes
contra o Sistema Financeiro Nacional. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 175).
21 MODESTO CARVALHOSA, NELSON EIZIRIK. A nova Lei das S.A. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 536.
22 FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO. O Novo Regime dos Crimes e Contra-
Ordena­ções no Código dos Valores Mobiliários. Porto: Almedina, 2000, p. 89.

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tas, exageradas ou tendenciosas para alterar artificialmente o regular


funcionamento do mercado23.
Tratando-se de informação falsa prestada por instituição fi-
nanceira atuando como underwriter, em emissão pública de valores
mobiliários, ou seja, no mercado primário, pode ser aplicada a norma
do artigo 6º da Lei nº 7.492/1986, que incrimina a conduta de quem
induz ou mantém em erro sócio, investidor ou repartição pública relati-
vamente a operação ou situação financeira, sonegando-lhe informação
ou prestando-a falsamente24.
Há infindáveis hipóteses em que se caracteriza a manipulação,
seja mediante simulação, seja mediante outras manobras fraudulentas,
como, por exemplo: o intermediário financeiro, que, recebendo uma
ordem de compra de quantidade substancial de a­ções, adquire-as no
mercado para depois vendê-las a seu cliente; o chamado churning25,
que ocorre quando o corretor, administrando em base discricionária a
carteira de seu cliente, realiza grande volume de opera­ções, unicamente
para o fim de gerar corretagens; o scalping, prática mediante a qual um
consultor de investimentos compra para si valores mobiliários, acon-
selha seus clientes a fazer o mesmo e depois vende-os por um preço

23 ALEXANDRE BRANDÃO DA VEIGA. Crime de Manipulação, Defesa e Criação de


Mercado. Porto: Almedina, 2001, p. 43. O autor menciona interessante exemplo
histórico, tipicamente caracterizador de manipulação sob a modalidade de
divulgação de informa­ções falsas: em junho de 1800, Napoleão enviou um
mensageiro com a notícia de que a batalha de Marengo ainda não estava definida,
instruindo-o também a, em seguida, mandar adquirir títulos da dívida pública, que,
com a infausta nova, experimentaram substancial queda de preços; um segundo
mensageiro foi retardado cerca de um dia e meio, informando que a batalha tinha
sido ganha, o que aumentou o valor dos títulos e permitiu a Napoleão e aos seus
a obtenção de grandes lucros (p. 18).
24 A propósito, a Apelação Criminal nº 3671, decidida em 16.05.2006, pelo Tribunal
Federal da 2ª Região, tendo como Relator o Desembargador André Fontes, cujo
voto deslinda com grande acuidade as fun­ções e os deveres das institui­ções
financeiras underwriters.
25 A respeito, ver PAS CVM nº RJ2014/12921, Rel. Dir. Pablo Rentería, j. 10.02.2017; PAS
CVM nº 24/2010, Rel. Dir. Ana Novaes, j. 27.05.2014; PAS CVM nº SP2012/480, Rel.
Dir. Roberto Tadeu, j. 27.10.2014; PAS CVM nº 11/2013, Rel. Dir. Gustavo Gonzalez,
j. 30.01.2018; e PAS CVM nº RJ2014/12921, Rel. Dir. Pablo Renteria, j. 10.02.2017,
nos quais foi discutida a prática do churning.

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superior; o boiler room, que se caracteriza pela utilização de processos


de venda “agressiva”, sem levar em conta as necessidades dos clientes,
com o fim de criar uma aparente liquidez para os títulos; e o spoofing,
que consiste na inserção de ordens artificiais de compra e venda de
valores mobiliários e seu posterior cancelamento em curto espaço de
tempo, a fim de atrair contrapartes para a execução de suas ofertas26.
Para se configurar o delito, o meio executivo deve ser apto para
promover a falsa cotação dos valores mobiliários, ou o logro dos investi-
dores. Havendo ineficácia absoluta do meio ou absoluta impropriedade
do objeto, verifica-se o crime impossível (artigo 17 do Código Penal).
É o que ocorre, por exemplo, se duas institui­ções financeiras combinam
negociar quantidade ínfima de a­ções dotadas de grande liquidez; em
tal hipótese não se pode cogitar do crime, pois o meio não é idôneo
para provocar o falso mercado27.
Somente se caracteriza o crime de manipulação do mercado exis-
tindo o dolo específico; a conduta típica deve ser realizada para alcançar
um fim determinado: alterar artificialmente o regular funcionamento
do mercado com o fim de obter vantagem indevida, ou causar dano a
terceiros. Não ocorrendo a específica intenção prevista no delito, não
se aperfeiçoa o crime, ainda que a negociação provoque a alteração da
cotação dos valores mobiliários28.

26 No PAS CVM nº RJ2016/7192, Rel. Dir. Henrique Machado, j. 13.03.2018, o


Colegiado condenou dois acusados ao pagamento de multas pecuniárias pela
prática do spoofing.
27 No Direito italiano, para que se configure o delito de manipulação, a conduta
incriminada deve ser idônea para provocar uma sensível alteração de preços dos
instrumentos financeiros, ou a aparência de um mercado ativo dos mesmos (ENZO
MUSCO. Diritto Penale Societario. Milano: Giuffrè, 1999, p. 333). Da mesma forma,
em Portugal, nos termos do artigo 379, n. 1, do Código de Valores Mobiliários, as
condutas somente adquirem relevância criminal se forem “idôneas para alterar
artificialmente o regular funcionamento do mercado de valores mobiliários ou
de outros instrumentos financeiros”.
28 FAUSTO MARTIN DE SANCTIS. Punibilidade no Sistema Financeiro Nacional.
Campinas: Millenium, 2003, p. 98, p. 101.

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Dessa forma, pode acontecer que determinada instituição finan-


ceira negocie grande quantidade de títulos, em um pequeno período de
tempo, provocando, sem assim o desejar, a alteração em sua cotação; é o
que ocorre nas opera­ções que, dado o seu volume, causam um “impacto
de mercado”, que não se confunde com a manipulação, em virtude da
ausência do dolo específico. Em tal hipótese não se pode cogitar nem
do crime de manipulação do mercado, nem do ilícito administrativo29.
A manipulação constitui um delito material, cujo resultado, a
efetiva alteração do mercado e a vantagem indevida, são indispensá-
veis para a sua caracterização. Trata-se de um crime de dano, em que
deve restar demonstrado que as condutas puníveis tinham o condão
de elevar, manter ou baixar a cotação de determinado valor mobiliário,
induzindo terceiros à sua compra ou venda30_31.
O crime da manipulação do mercado constitui um delito comum,
podendo, portanto, ser cometido por qualquer pessoa, desde o admi-

29 Ver, a propósito, o Inquérito Administrativo da CVM nº 35/98, na qual a autarquia


decidiu que, embora determinada operação tenha causado uma queda no índice
da Bolsa, dado o seu volume, não tendo existido qualquer artifício ou intenção
de “derrubar” o índice, não se caracterizava a manipulação, mas sim o “impacto
de mercado”.
30 No mesmo sentido, JOÃO CARLOS CASTELLAR. Os Novos Crimes Societários,
2006. Dissertação de conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Senso”
em Direito Societário do Ibmec, Rio de Janeiro, p. 71. Em sentido contrário,
entendendo que se trata de crime de perigo: FAUSTO MARTIN DE SANCTIS.
Punibilidade no Sistema Financeiro Nacional. Campinas: Millenium, 2003, p. 98,
p. 104 e FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO. O Novo Regime dos Crimes
e Contra-Ordena­ções no Código dos Valores Mobiliários. Porto: Almedina, 2000,
p. 91.
31 Em sentido diverso: “Parte da doutrina entende que a manipulação de mercado
constitui crime material, não se caracterizando nos casos em que não haja, na
prática, a efetiva alteração do regular funcionamento do mercado e, também, a
vantagem indevida (ou o dano a terceiros). A melhor conclusão, todavia, parece
ser a de que se trata de crime formal, ou seja, consuma-se independentemente
da produção do resultado naturalístico. Da redação do art. 27-C, fica claro que
o crime se consuma com a realização de operações simuladas ou de manobras
fraudulentas, sendo que os demais elementos do tipo descrevem o dolo específico,
mas não o resultado a ser necessariamente obtido após a realização das ditas
operações ou das manobras”. (GABRIELA CODORNIZ; LAURA PATELLA (Coord.).
Comentários à Lei do Mercado de Capitais – Lei 6.385/76. São Paulo: Quartier
Latin, 2015, p. 629)

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nistrador ou acionista controlador de companhia aberta, instituição


financeira, até qualquer investidor do mercado de capitais.
A pena prevista é de reclusão de um a oito anos e multa de até
três vezes o montante da vantagem ilícita obtida em razão do crime32;
no caso de reincidência, a multa pode ser de até o triplo de tais valores,
nos termos do artigo 27-F, parágrafo único.
Conforme o artigo 27-F as multas devem ser aplicadas em razão
do dano provocado ou da vantagem ilícita auferida pelo infrator, guar-
dando proporção com a gravidade do fato e a culpabilidade do agente.

10.2.2. Os ilícitos administrativos


A Lei nº 4.728/1965, que regulava o mercado de capitais antes
da promulgação da Lei nº 6.385/1976, dispunha, em seu artigo 2º,
inciso III, ser atribuição do Conselho Monetário Nacional e do Banco
Central evitar modalidades de fraude e manipulação destinadas a criar
condi­ções artificiais de demanda, oferta ou preço de títulos ou valores
mobiliários distribuídos no mercado.
Posteriormente, a Resolução nº 39/1966, do CMN, hoje também
revogada, em seu artigo 93, vedou às corretoras associadas das Bolsas:
a divulgação de informações falsas, manifestamente tendenciosas ou
imprecisas, com o fim de incrementar a venda ou influir no curso dos
títulos ou valores mobiliários; consorciar-se, com a finalidade de influir
no curso de valores mobiliários, provocando altera­ções artificiais no seu
preço; a prática de manipulação ou fraude destinada a criar condi­ções
artificiais de demanda, oferta ou de preço de títulos ou valores mobi-
liários distribuídos no mercado ou negociados em Bolsa; a utilização
de práticas comerciais não equitativas.

32 DE SANCTIS observa, acertadamente, que a pena privativa de liberdade para o


crime de manipulação apresenta-se totalmente em desproporção com aquela
fixada nos delitos previstos no Código Penal para o furto qualificado e outros
delitos contra o patrimônio praticado sem violência ou grave ameaça, como é o
caso do estelionato (DE SANCTIS. Punibilidade no Sistema Financeiro Nacional.
Campinas: Millenium, 2003, p. 105).

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A Lei nº 6.385/1976, em seu artigo 4º, estabeleceu que o Conse-


lho Monetário Nacional e a CVM devem exercer suas atribui­ções para,
dentre outras finalidades: “evitar ou coibir modalidades de fraude ou
manipulação destinada a criar condi­ções artificiais de demanda, oferta
ou preço dos valores mobiliários negociados no mercado” (inciso V); e
“assegurar a observância de práticas comerciais equitativas no mercado
de valores mobiliários” (inciso VII).
Ao editar a Instrução nº 08/1979, a CVM visou a regulamentar
o artigo 4º da Lei nº 6.385/1976, distinguindo quatro tipos de ilícitos
administrativos, três dos quais foram unificados no preceito do artigo
27-C, acrescentado à Lei nº 6.385/1976 pela Lei nº 10.303/2001,
conforme antes analisado. Os ilícitos descritos na Instrução CVM nº
08/1976 são, conforme deixa claro a Nota Explicativa nº 14/1979, da
CVM, definidos como “tipos abertos”, pretendendo-se, de tal forma,
emprestar maior flexibilidade à atuação punitiva da CVM, ao permitir à
autarquia adaptar paulatinamente as defini­ções às práticas do mercado.
Tais tipos são construídos mediante standards legais, ou seja,
conceitos amplos, não precisamente determinados e que podem ser
adaptados às circunstâncias fáticas do mercado. Tais standards le-
gais, embora possam ser criticáveis, dada a incerteza que geram aos
destinatários das normas, são de uso bastante comum no âmbito da
regulação de mercados, uma vez que é impossível prever, na esfera
do ilícito econômico, altamente dinâmico, todas as condutas nocivas.
Na realidade, a utilização de tipos abertos importa a concessão de
ampla discrição à autoridade administrativa encarregada de aplicá-los à
prática dos negócios, cabendo-lhe preencher os vazios do padrão genérico
de conduta, caso a caso, no julgamento dos processos sancionadores.

a. Criação de condi­ções artificiais de demanda, oferta ou preço de


valores mobiliários

O primeiro destes tipos é o de criar condi­ções artificiais de de-


manda, oferta ou preço de valores mobiliários, “em decorrência de

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negocia­ções pelas quais seus participantes ou intermediários, por ação


ou omissão dolosa provocarem, direta ou indiretamente, altera­ções no
fluxo de ordens de compra ou venda de valores mobiliários” (Instrução
CVM nº 08/1979, inciso II, alínea “a”).
A norma é mal redigida, contendo expressões imprecisas, poden-
do ser confundido o tipo de criação de condi­ções artificiais com o de
manipulação de preços. Com efeito, a criação de condi­ções artificiais
de preço não se distingue ontologicamente da manipulação, estando os
dois ilícitos inseridos no mesmo tipo penal, conforme antes analisado,
posto que nos dois casos o que o agente visa é a alteração do livre jogo
de oferta e procura dos valores mobiliários.
Nos dois ilícitos administrativos – criação de condi­ções artificiais
e manipulação – o bem jurídico protegido é o mesmo: a regularidade
e transparência do mercado de valores mobiliários, assegurando que
o processo de formação de preços seja regido pela oferta e demanda.
A criação de condi­ções artificiais, porém, distingue-se da mani-
pulação por abranger um universo mais amplo de delitos; enquanto a
manipulação refere-se apenas aos preços, melhor dizendo, às cota­ções
dos valores mobiliários, a criação de condi­ções artificiais pode tam-
bém ocorrer com relação à oferta ou demanda de valores mobiliários.
Assim, por exemplo, se duas institui­ções financeiras, desejando criar
uma “aparência” de liquidez para determinada ação, passam a nego-
ciá-la, entre si, aumentando o volume de transa­ções, sem que a sua
cotação seja alterada, caracteriza-se a criação de condi­ções artificiais,
mas não a manipulação de preços, na esfera do direito administrativo
sancionador. Há, no caso, opera­ções simuladas, visando a criação de um
mercado “falso”, um falso parâmetro de volume de opera­ções, que não
correspondem a ordens efetivas de compra e venda dos investidores33.

33 Na decisão do Inquérito Administrativo nº 2/99, o Relator, Luiz Antonio de


Sampaio Campos, em seu bem fundamentado voto, assim acentuou: “[...] Na
criação artificial de condi­ções de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários,
o prejuízo potencial dirige-se à generalidade dos detentores de determinado valor
mobiliário e ao mercado como um todo, que receberiam uma sinalização fictícia

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Existindo compras verdadeiras de valores mobiliários, não se caracte-


riza a criação de condi­ções artificiais, podendo ocorrer a manipulação,
quando realizadas com a finalidade de alterar os preços dos papéis34.
Os elementos caracterizadores do tipo “criação de condi­ções
artificiais” na esfera administrativa são:
(a) um conjunto de negocia­ções “aparentes”, artificiais, simu-
ladas, isto é, realizadas sem as efetivas ordens de compra
ou venda por parte de investidores;
(b) que ocasionem altera­ções no fluxo de ordens de compra
ou venda de valores mobiliários, ou seja, que provoquem
um “falso mercado”, levando outras pessoas a negociarem
com aqueles papéis, por acreditarem que o mercado, arti-
ficialmente criado, é real e decorre de efetivas transa­ções;
(c) estando nelas caracterizado o intuito de criar um “falso
mercado”, daí decorrendo que deve estar presente o dolo
específico35.
Cabe a aplicação das penalidades administrativas ainda que não
se possam quantificar os prejuízos, uma vez que constitui ilícito ad-
ministrativo de mera conduta.
São exemplos típicos de criação de condi­ções artificiais: a cha-
mada “troca de chumbo”, em que duas ou mais institui­ções financeiras

a respeito de determinado valor mobiliário. Nesse mesmo tipo de operação,


entendo que não há ganho ou perda entre as partes que participam dessas condi­
ções artificiais, são opera­ções que, na verdade, não existiriam em essência, não
fosse a pretensão de se criar um falso mercado, um falso parâmetro de preço ou
volume. Percebe-se, portanto, que deste tipo de infração resultariam prejuízos a
um número considerável de investidores, e, por que não dizer, à estabilidade e
integridade do mercado [...]”.
34 A propósito, a decisão da Comissão de Valores Mobiliários no Processo
Administrativo Sancionador CVM nº 2132/2004, Rel. Dir. Norma Parente, j.
19.01.2005.
35 No Processo Administrativo Sancionador nº 14/2001, julgado em 12.04.2005, de
relatoria do Dir. Wladimir Castelo Branco Castro, o Colegiado da CVM decidiu que
para se caracterizar o ilícito é necessária a presença do elemento volitivo na ação
ou omissão destinada a provocar a alteração do fluxo de ordens de negociação
de valores mobiliários.

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704 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

negociam entre si, sem efetivas ordens de clientes, visando a criar uma
aparência de liquidez, um falso mercado; a divulgação de informa­ções
falsas ou tendenciosas, com o objetivo de alterar o processo regular
de formação de preços no mercado; e o chamado boiler room, antes
mencionado, mediante o qual também se cria uma aparente liquidez
para os títulos.

b. Manipulação de preços
Já a manipulação de preços no mercado constitui “a utilização de
qualquer processo ou artifício destinado, direta ou indiretamente, a
elevar, manter ou baixar a cotação de um valor mobiliário, induzindo
terceiros à sua compra e venda” (Instrução CVM nº 08/1979, inciso
II, alínea “b”).
O tipo administrativo da manipulação é mais restrito do que o
penal, uma vez que a norma contida na Instrução CVM nº 08/1979
refere-se apenas à manipulação de preços, ou seja, à utilização de ma-
nobras ou artifícios destinados a elevar, manter ou baixar as cota­ções,
não a outras manobras fraudulentas ou negocia­ções simuladas que
possam criar um “falso mercado” com aparência de liquidez.
Da mesma forma que ocorre com a norma prevista no artigo
27-C da Lei nº 6.385/1976, o preceito visa a proteger o mercado
secundário de valores mobiliários, ou seja, o mercado de bolsa de va-
lores, de mercadorias e de futuros, assim como do mercado de balcão,
nos quais há “cotação” de valores mobiliários, o que não se verifica no
mercado primário.
Ademais, o âmbito de aplicação da norma abrange as opera­ções
com todos os tipos de valores mobiliários, tal como definidos no artigo
2º da Lei nº 6.385/1976, desde que realizadas no mercado secundário.
Os elementos caracterizadores do tipo “manipulação de preços
no mercado” na esfera administrativa são os seguintes:
(a) a utilização de processo ou artifício;
(b) destinado a promover cota­ções falsas ou enganosas;

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(c) induzindo terceiros a comprar ou vender os valores mo-


biliários cujas cota­ções foram artificialmente produzidas;
(d) estando presente o intuito de alterar as cota­ções, ou seja, o
dolo específico, a vontade de induzir terceiros a negociar
com base nas cota­ções falsas.
Cabe a aplicação de penalidades ainda que não se logre quantificar
os prejuízos, por constituir ilícito de mera conduta.
Para que se possa aplicar qualquer penalidade, é necessário que
se demonstre o nexo causal entre o artifício e o resultado, ou seja, a
efetiva produção de cota­ções falsas ou enganosas. Caracteriza-se a
manipulação, por exemplo, se ficar provado que a elevação dos preços
de determinada ação não resultou das forças normais do mercado, mas
da atuação de um único investidor, o que pode ser demonstrado pelo
fato de as cota­ções caírem assim que ele para de negociar36.
Se o meio executivo não é apto para provocar a falsa cotação dos
valores mobiliários, por envolver, por exemplo, quantidade de papéis
incapaz de abalar a formação regular de preços, não se caracteriza o
ilícito. A propósito, a CVM já decidiu que não se caracteriza a ma-
nipulação quando são observados os preços de mercado em papéis
dotados de liquidez37.

c. Operação fraudulenta
A Instrução CVM nº 08/1979 considera como operação frau-
dulenta aquela “em que se utilize ardil ou artifício destinado a induzir
ou manter terceiro em erro, com a finalidade de se obter vantagem
ilícita de natureza patrimonial para as partes na operação, para o in-
termediário ou terceiros”.

36 Comissão de Valores Mobiliários, Processo Administrativo Sancionador nº


2004/2132, Rel. Dir. Sergio Weguelin, j. 30.11.2005.
37 Comissão de Valores Mobiliários, Processo Administrativo Sancionador nº 31/98,
Rel. Dir. Sergio Eduardo Weguelin Vieira, j. 30.11.2005.

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706 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

O conceito de operação fraudulenta é muito mais amplo e flexível


do que os de criação de condi­ções artificiais de demanda e de mani-
pulação, sendo muito difícil elencar exemplos de sua prática, uma vez
que a fraude pode se revestir de múltiplas formas.
Tal como ocorre com o crime de estelionato, que constitui uma
espécie de “arma de reserva”38, utiliza-se o tipo administrativo da
operação fraudulenta apenas quando outras normas que reprimem
diretamente determinada conduta não podem ser aplicadas. Em prin-
cípio, a norma administrativa visa a reprimir a fraude no mercado de
capitais, isto é, o comportamento malicioso, raposeiro, em que o agente
utiliza-se de ardil ou artifício para enganar alguém e obter vantagem
de natureza patrimonial39.
O bem jurídico protegido é o patrimônio dos investidores ou das
entidades integrantes do mercado, daí decorrendo a necessidade de se
demonstrar o dano material causado pelo comportamento do agente.
Os elementos caracterizadores da operação fraudulenta são os
seguintes:
(a) a utilização de ardil ou artifício malicioso, ou seja, da
trapaça;
(b) para o fim específico de induzir ou manter a vítima em
erro;
(c) com o objetivo de obter o infrator, para si ou para terceiro,
vantagem patrimonial;
(d) presente o dolo específico, a intenção do agente de prati-
car o ato que ele sabe fraudulento e prejudicial a terceiro,
mediante o qual deverá auferir vantagem patrimonial;

38 NILO BATISTA. Decisões Penais Comentadas, 2ª ed., v. 1. Rio de Janeiro: Líber


Júris, p. 125.
39 Conforme já decidiu a CVM, para que se caracterize a operação fraudulenta, deve
ficar comprovada a utilização de ardil ou artifício destinado a induzir ou manter
terceiros em erro, elementos característicos e indissociáveis do tipo (Inquérito
Administrativo nº 2/1999).

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(e) devendo ainda ficar demonstrado que o agente auferiu


vantagem patrimonial, não se tratando, pois, de delito de
mera conduta.
Deve ser comprovada, para a caracterização da operação fraudu-
lenta, a relação causal entre a trapaça e o induzimento de alguém em
erro; daí decorre que o sujeito passivo da fraude deve ser sempre pessoa
determinada: um investidor do mercado, um acionista minoritário,
uma companhia aberta etc.40
Ademais, a presença inequívoca do elemento subjetivo, do dolo,
é essencial, de vez que ele integra a figura da prática fraudulenta, que
somente se caracteriza quando manifesta a intenção do agente de, com
seu comportamento malicioso, induzir a vítima em erro, auferindo com
tal prática vantagem patrimonial41.

d. Prática não equitativa


A prática não equitativa no mercado de capitais é definida na
Instrução CVM nº 08/1979 como “aquela de que resulte, direta ou
indiretamente, efetiva ou potencialmente, um tratamento para qualquer
das partes, em negocia­ções com valores mobiliários, que a coloque em
uma indevida posição de desequilíbrio ou desigualdade em face dos
demais participantes da operação”.
A redação da norma é manifestamente defeituosa e mesmo
contraditória: se a prática “resulta” em um tratamento desigual, tal
tratamento só pode ser efetivo, não potencial; como algo pode “resul-
tar potencialmente” num tratamento que coloque uma das partes em
“indevida posição de desequilíbrio ou desigualdade”?

40 NELSON EIZIRIK. Aspectos modernos do direito societário. Rio de Janeiro:


Renovar, 1992, p. 188.
41 Da mesma forma, no Direito norte-americano, o elemento intencional deve estar
presente para que se caracterize a prática fraudulenta no mercado de capitais. A
propósito, RICHARD W. JENNINGS, HAROLD MARSH, JR., JOHN C. COFFE, JR.
Securities Regulation – Cases and Materials 17th edition. New York: The Foundation
Press, 1992, pp. 976-979. No mesmo sentido, a decisão do Colegiado da Comissão
de Valores Mobiliários no Processo Administrativo Sancionador nº 23/2002.

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708 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

O preceito foi utilizado durante algum tempo para a repressão ao


insider trading praticado por intermediários financeiros e demais parti-
cipantes do mercado, ao tempo em que não havia normas reprimindo
diretamente a sua conduta42; atualmente, conforme analisaremos mais
adiante, há normas legais e regulamentares que tratam especificamente
dos “insiders de mercado”.
Conforme se depreende da definição contida na Instrução da
CVM, a configuração do ilícito exige que a ação ou omissão dolosa
provoque como resultado uma efetiva posição de desequilíbrio para
uma das partes da operação, constituindo o dolo elemento fundamental
para a caracterização da infração43.
Os elementos caracterizadores da prática não equitativa são:
(a) a realização efetiva de opera­ções ou negócios no mercado
de valores mobiliários;
(b) das quais resulte uma posição de desigualdade, de dese-
quilíbrio, para uma das partes da operação;
(c) sendo tal desequilíbrio indevido, isto é, ilegal;
(d) ficando demonstrado que a parte em posição de dese-
quilíbrio sofreu um dano, em contrapartida ao benefício
auferido pelo infrator.
(e) presente o dolo específico do infrator.
Dentre as práticas não equitativas mais usuais estão as chamadas
opera­ções de “embonecamento”, que normalmente tem como vítimas
investidores institucionais, como fundos mútuos de investimento ou
entidades de previdência privada44.

42 NELSON EIZIRIK. Questões de Direito Societário e Mercado de Capitais. Rio de


Janeiro: Forense, 1987, p. 78.
43 ALEXANDRE DE M. WALD. “Uso de Prática Não-Equitativa. Inexistência”. Revista
de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, n. 9. São Paulo:
Malheiros, jul.-set., p. 286.
44 ILENE PATRÍCIA DE NORONHA. “Poder de Polícia da CVM”. In: Conselho da Justiça
Federal, Série Cadernos do CEJ. Simpósio sobre Direito dos Valores Mobiliários.
Brasília, 1998, v. 15, p. 104.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 709

Constituem típicas práticas não equitativas de “embonecamen-


to” as opera­ções de front running, mediante as quais os operadores
do mercado, ao receberem ordens de compra de valores mobiliários
de ponderável volume, compram antes, “na frente”, para si próprios
ou para “laranjas” e depois vendem para os clientes que lhes haviam
passado tais ordens. Em alguns casos, tais opera­ções são realizadas nos
mercados futuros e de op­ções, caracterizando-se a infração somente
após o exame de considerável número de opera­ções, cujo conjunto
demonstra que determinados investidores obtêm lucros em detrimento
de outros, investidores institucionais45.
Igualmente constitui modalidade de prática não equitativa a
“quebra” na distribuição de ordens que se verifica quando o inter-
mediário financeiro, após receber ordem de compra de determinada
ação, executa-a, porém sem especificar o comitente; verificando que
aumentou a cotação do papel, registra a ordem de compra primeiro
em seu nome ou de um “laranja“ para depois vender ao cliente, em
operação direta46.
Conforme se verifica dos exemplos acima, a prática não equitativa
decorre, na maioria dos casos, do abuso de uma relação fiduciária que
deve existir entre o intermediário financeiro e seu cliente.

10.3. Uso indevido de informação privilegiada (Insider Trading)


As normas que tratam do uso indevido de informação privile-
giada, quer na esfera penal, quer na esfera do direito administrativo
sancionador, obedecem aos mesmos princípios e apresentam redação
bastante similar, cabendo, portanto, a sua análise em conjunto.
O insider trading consiste na utilização de informa­ções relevantes
sobre valores mobiliários, por parte de pessoas que, por força de sua

45 Comissão de Valores Mobiliários, Processo Administrativo Sancionador nº


04/2000, Dir. Rel. Wladimir Castelo Branco Castro, j. 17.02.2005.
46 ILENE PATRÍCIA DE NORONHA. “Poder de Polícia da CVM”. In: Conselho da Justiça
Federal, Série Cadernos do CEJ. Simpósio sobre Direito dos Valores Mobiliários.
Brasília, 1998, p. 106.

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710 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

atividade profissional, estão “por dentro” dos negócios da emissora, para


transacionar com os valores mobiliários antes que tais informa­ções sejam
de conhecimento do público. Assim agindo, o insider compra ou vende
valores mobiliários a preços que ainda não estão refletindo o impacto
de determinadas informa­ções, que são de seu conhecimento exclusivo47.
Há razões de ordem econômica e de ordem ética que justificam
a repressão ao uso privilegiado de informa­ções por parte dos insiders.
As razões econômicas estão relacionadas ao conceito de eficiência
na determinação da cotação dos valores mobiliários negociados no
mercado de capitais. Considera-se que o mercado é eficiente quando
os preços das a­ções refletem todas as informa­ções sobre as emissoras
e os títulos negociados; quanto mais rápida for a reação dos títulos às
novas informa­ções, em princípio, mais eficiente será o mercado. O ideal,
pois, é que a cotação dos títulos reflita apenas todas as informa­ções pu-
blicamente disponíveis, o que se busca alcançar mediante normas que
estabeleçam a obrigação de se divulgar todas as informa­ções relevantes.
A ampla divulgação de informa­ções completa-se com um segundo
princípio, dela decorrente: as informa­ções devem estar disponíveis a
todos ao mesmo tempo, sem que os insiders possam utilizá-las antes
de sua divulgação48.
As razões de ordem ética derivam do princípio da igualdade de
acesso às informa­ções, o denominado market egalitarianism49. Com

47 NELSON EIZIRIK. Questões de Direito Societário e Mercado de Capitais. Rio de


Janeiro: Forense, 1987, p. 62.
48 NELSON EIZIRIK. Questões de Direito Societário e Mercado de Capitais. Rio de
Janeiro: Forense, 1987, p. 63. Há grande discussão acadêmica sobre o impacto da
repressão ao insider trading sobre a eficiência do mercado, particularmente após
a análise desenvolvida pelo Professor Manne, em seu livro “Insider Trading and
the Stock Market” publicado em 1966, no qual argumenta que o insider trading
é benéfico e não prejudicial à economia, não devendo, pois, ser reprimido, na
medida em que faz com que as cota­ções das a­ções movam-se na direção correta.
Para um bom resumo da discussão: DENNIS W. CARLTON, DANIEL R. FISCHEL.
“Insider Trading and the Coase Theorem”. Stanford Law Review. Stanford: Stanford
Law School, n. 35, mai. 1983, p. 857.
49 GIL BRAZIER. Insider Dealing – Law and Regulation. London: Cavendish Publishing
Limited, 1996, p. 86. A jurisprudência dos tribunais norte-americanos estabeleceu,

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 711

efeito, há um total desequilíbrio entre a posição do insider e a dos


demais participantes do mercado, sendo eticamente condenável a
obtenção de lucros unicamente em função da utilização de informa­
ções confidenciais que o insider sabe que não estão disponíveis para o
público. Assim, a legislação, nos diferentes países, busca impedir que
os insiders obtenham vantagens decorrentes da inevitável “assimetria”
de informa­ções, uma vez que eles sempre terão acesso a elas antes dos
investidores do mercado50.
A jurisprudência dos tribunais norte-americanos, a partir dos
casos Cady, Roberts e Texas Gulf Sulphur foi estabelecendo uma razão
adicional para a repressão ao insider trading, o denominado business
property view: as informa­ções referentes às atividades empresariais da
companhia são de sua propriedade, não de propriedade dos insiders,
o que implica uma discussão sobre quem é a parte prejudicada, se os
investidores que negociaram no período sem acesso às informa­ções
ou se a própria companhia51.
Usualmente, o combate ao insider trading é realizado mediante
normas preventivas e repressivas. As normas preventivas são as que:
promovem o sistema de “disclosure”, ou de transparência das informa­
ções, de maneira a assegurar a necessária visibilidade às opera­ções do

a partir da decisão do caso Speed v. Transamérica Corp que uma das finalidades
essenciais das regras sobre insider trading é a de prover os investidores de um
certo grau de igualdade em suas posi­ções negociais para que possam fazer um
juízo informado sobre as transa­ções (ver, a propósito, LUIZ GASTÃO PAES DE
BARROS LEÃES. Mercado de Capitais e “Insider Trading”. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1982, p. 171. FRANCISCO ANTUNES MACIEL MÜSSNICH. “A utilização
desleal de informa­ções privilegiadas – ‘insider trading’ – no Brasil e nos Estados
Unidos”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 34.
São Paulo: Revista dos Tribunais, jun. 1979.
50 Para uma interessante análise da questão, particularmente no Direito alemão,
vide: ALEXANDRE MESCHKOWSKI. The economics of D&O liability for false
information in german secondary markets, 2006, German Working Papers in Law
and Economics. Disponível em: <http://www.bepress.com/gwp>. Acesso em: 13
jul. 2007.
51 KENNETH E. SCOTT. “Insider Trading, Rule 10b-5, Disclosure, and Corporate
Privacy”. Journal of Legal Studies. Chicago: University of Chicago, n. 9, 1980,
p. 801.

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mercado de capitais; e impõem aos insiders a obrigação de informar


sobre as opera­ções por eles realizadas52; já as normas repressivas pro-
íbem a utilização de informação privilegiada, cominando san­ções de
natureza civil, administrativa e penal.
O artigo 27-D da Lei nº 6.385/1976, introduzido pela Lei nº
10.303/2001, trata do crime do uso indevido de informação privile-
giada53_54, que ocorre quando o agente utiliza informação relevante
e confidencial, de que tenha conhecimento e da qual deva guardar
sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida,
mediante a negociação, em nome próprio ou de terceiros, de valores
mobiliários.
Nossa legislação societária, desde a promulgação da Lei nº
6.404/1976, disciplina a matéria, de forma bastante acurada. O artigo
157 da Lei das S.A. consagra expressamente o “dever de informar”,
dispondo, em seu parágrafo quarto, que os administradores de compa-
nhia aberta são obrigados a divulgar qualquer deliberação da assembleia
geral ou dos órgãos de administração, ou fato relevante ocorrido nos
negócios da companhia que possa influir, de modo ponderável, na
decisão dos investidores de comprar ou vender os valores mobiliários
emitidos pela companhia. O parágrafo primeiro do artigo 155, que

52 Nesse sentido, o artigo 157 da Lei das S.A. impõe aos administradores o dever de
informar os valores mobiliários de emissão da companhia e de sociedades do
mesmo “grupo” de que seja titular, bem como as modifica­ções em suas posi­ções
acionárias; obriga­ções da mesma natureza estão previstas nos arts. 11 e 12 da
Instrução CVM nº 358/2002.
53 O art. 27-D está assim redigido: “Art. 27-D. Utilizar informação relevante de
que tenha conhecimento, ainda não divulgada ao mercado, que seja capaz de
propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em
nome próprio ou de terceiros, com valores mobiliários: Pena – reclusão, de 1 (um)
a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida
em decorrência do crime.”
54 Em 2017, ocorreu a primeira condenação criminal transitada em julgado por uso
indevido de informação privilegiada, após o STF manter a sentença que havia
condenado ex executivos da Sadia à pena de reclusão (ARE 971036, Segunda Turma
do Superior Tribunal de Justiça, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 05.05.2017). Disponível em:
<https://jota.info/justica/stf-mantem-primeira-condenacao-de-insider-trading-
do-pais-11052017>. Acesso em: 31 out. 2017.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 713

trata do dever de lealdade do administrador, estabelece que deve ele


guardar sigilo sobre qualquer informação que ainda não tenha sido
divulgada ao mercado, obtida em razão do cargo e capaz de influenciar,
de modo ponderável, na cotação dos valores mobiliários, sendo-lhe
proibido valer-se da informação para obter, para si ou para outrem,
vantagem mediante compra ou venda de valores mobiliários.
O Direito Societário brasileiro, seguindo o modelo norte-ame-
ricano, consagrou o padrão normativo de “disclose or refrain from tra-
ding”, ou seja, o administrador de companhia aberta, dado o seu dever
fiduciário com relação à companhia, aos acionistas minoritários e aos
investidores, deve divulgar o fato relevante ou abster-se de utilizar a
informação confidencial em proveito próprio ou de terceiro.
Assim, o administrador, detendo informação privilegiada, se não
divulgá-la, por entender que sua revelação colocará em risco interesse
legítimo da companhia, também não poderá utilizá-la para negociar
com valores mobiliários de sua emissão55.
No Direito Europeu, desde a Diretiva da CEE 592/89, a generali-
dade dos países membros vem adotando normas penais sobre o insider
trading, sob diversos fundamentos: a igualdade entre os investidores;
a confiança no mercado; a justa distribuição dos riscos do mercado; e,
principalmente, os pressupostos de eficiência do mercado de capitais56.
O bem juridicamente protegido pelas normas societárias e penais
que sancionam o insider trading é o da estabilidade e eficiência do
mercado de capitais, tutelando o princípio da transparência de informa­
ções, essencial ao desenvolvimento regular do mercado. Também pode
ser considerado como bem jurídico objeto da tutela a proteção da

55 A autarquia já admitiu, no entanto, ser lícita a negociação de posse de informação


relevante não divulgada ao mercado, quando comprovado que foi realizada por
uma ‘necessidade premente’, isto é, diante de situação emergencial cuja única
saída fosse a negociação das ações. Ver, nesse sentido: PAS CVM nº 07/1991,
julgado em 06.06.1994, Diretor-Relator José Estevam de Almeida Prado; PAS CVM
nº 17/2002, julgado em 25.10.2005, Diretor-Relator Wladimir Castelo Branco; e
PAS CVM nº RJ2011/3823, julgado em 09.12.2015, Diretor Relator Pablo Renteria.
56 SERGIO SEMINARA. Insider Trading e Diritto Penale. Milano: Giuffrè, 1989, p. 28.

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714 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

confiança e do patrimônio dos investidores que aplicam seus recursos


no mercado de capitais57.
A Lei das S.A., em sua versão original, considerava como insiders
apenas os administradores das companhias abertas. Posteriormente,
a Instrução CVM nº 31/1984 ampliou o elenco dos insiders. Presen-
temente, a Instrução CVM nº 358/2002, em seu artigo 13, dispõe
que podem ser considerados insiders: a companhia; seus acionistas
controladores, diretos ou indiretos, diretores, membros do conselho de
administração, do conselho fiscal, ou de quaisquer órgãos com funções
técnicas ou consultivas, criadas por disposição estatutária, bem como
quem quer que, em virtude de seu cargo, função ou posição na com-
panhia, sua controladora, controlada ou coligada, tenha conhecimento
da informação relativa ao ato ou fato relevante.
O parágrafo primeiro do artigo 13 da Instrução CVM nº
358/2002 proíbe a negociação por quem quer que tenha conhecimento
de informação sobre ato ou fato relevante, sabendo que se trata de
informação confidencial, especialmente aqueles que tenham relação
comercial, profissional ou de confiança com a companhia, tais como
auditores independentes, analistas de valores mobiliários, consultores
e institui­ções integrantes do sistema de distribuição58.
Com a reforma da Lei das S.A. ocorrida em 2001, o § 4º do
artigo 155 passou a vedar a utilização de informação relevante, ainda
não divulgada, por qualquer pessoa que a ela tenha tido acesso, com
a finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem, no mercado

57 JOÃO CARLOS CASTELLAR. Os Novos Crimes Societários, 2006. Dissertação de


conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Senso” em Direito Societário do
Ibmec, Rio de Janeiro, p. 104.
58 No julgamento do PAS CVM nº RJ2015/1591, ocorrido em 26.09.2017, foi discutido
o repasse de informações em encontros entre executivos de companhias e
profissionais do mercado (como analistas, gestores e investidores). O Colegiado
da CVM – nos termos do voto do Relator Diretor Gustavo González – concluiu
não haver ilicitude quando o emissor transmite, “de boa fé, ao profissional do
mercado [...] uma informação que não é relevante, mas que, combinada com outras
informações coletadas pelo especialista de outras fontes, resulte na produção de
uma nova informação relevante”.

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de valores mobiliários. Há, porém, um limite para a expressão “qual-


quer pessoa” utilizada na norma: deve haver um nexo profissional
entre o vazamento de informa­ções e os terceiros, para que possam
ser enquadrados na norma. Assim, apenas aqueles que, em virtude
do exercício de profissão tenham acesso às informa­ções (auditores,
advogados, peritos, operadores de mercado etc.) é que poderão ser
responsabilizados pelo seu uso59.
O núcleo do tipo é o de “utilizar” a informação privilegiada, ne-
gociando, em nome próprio ou de terceiros, com valores mobiliários60.
A caracterização do delito, quer na esfera penal, quer na esfera
administrativa, requer que a informação seja “relevante”. A Lei das
S.A., em seu artigo 155, parágrafo primeiro, considera relevante a
informação capaz de influir, de modo ponderável, na cotação dos va-
lores mobiliários, causando sua alta ou queda. Nos Estados Unidos, a
jurisprudência dos tribunais tem tradicionalmente entendido como
“fato relevante” (“material fact”) aquele que seria levado em conside-
ração por um investidor médio ao negociar no mercado.
Em nosso ordenamento jurídico, a exemplo do que ocorre nos
Estados Unidos e nos países da União Europeia, o conceito de fato
relevante pode abranger qualquer evento que, potencialmente, acarrete
efeitos significativos sobre as negocia­ções com valores mobiliários
emitidos pela companhia, independentemente de estar previsto em

59 MODESTO CARVALHOSA, NELSON EIZIRIK. A nova Lei das S.A. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 322. No mesmo sentido, conferir o Voto do Relator Marcelo Fernandez
Trindade no Processo Sancionador CVM nº 04/2004, julgado em 28.06.2006.
60 Nos termos do Caderno CVM nº 11 – Uso de informação privilegiada (insider
trading), “não é necessário que o infrator realize a operação completa, que seria
a venda do ativo antes da divulgação de informação negativa pelo emissor e a
recompra do ativo após a divulgação da informação, por exemplo, para que fique
caracterizado o uso indevido de informação privilegiada. Basta que ele realize
apenas uma das transações com base em informação privilegiada para que fique
configurada a irregularidade.” COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Uso
Indevido de Informação Privilegiada (Insider Trading). Rio de Janeiro: Comissão
de Valores Mobiliários, 2016, p. 20.

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norma legal ou regulamentar que relacione os fatos que devam ser


obrigatoriamente divulgados.
Nos termos do Regulamento UE nº 596/2014 da CCE, em seu
artigo 1º, considera-se informação privilegiada toda aquela relativa a
uma ou mais entidades emitentes de valores mobiliários e que, caso
divulgada, seja capaz de influenciar de maneira sensível a cotação de
tais valores mobiliários.
A Instrução CVM nº 358/2002, em seu artigo 2º, define como
relevante qualquer decisão do acionista controlador, deliberação da
assembleia geral ou dos órgãos de administração da companhia aberta,
bem como qualquer fato ocorrido em seus negócios que possa influir,
de modo ponderável, na cotação dos valores mobiliários, na decisão
dos investidores de negociarem com eles ou de exercerem quaisquer
direitos inerentes à sua posição de titulares de tais valores.
Com o objetivo de facilitar a identificação, por parte dos adminis-
tradores da companhia aberta, de situa­ções que poderiam dar ensejo à
necessidade de divulgação, o parágrafo único do artigo 2º apresenta uma
série de exemplos de atos ou fatos que podem ser relevantes, entre os
quais: mudança de controle da companhia; fechamento de seu capital;
incorporação, fusão, cisão, transformação ou dissolução da companhia etc.
O critério fundamental para configurar um fato relevante, con-
tudo, não consiste na mera verificação se ele está incluído na relação
exemplificativa da Instrução CVM nº 358/2002, mas em saber se ele
é capaz de influenciar a cotação dos valores mobiliários de emissão da
companhia, a intenção dos investidores de comprá-los ou vendê-los
ou de exercerem quaisquer direitos inerentes à condição de seus titu-
lares. Ou seja, fatos não relacionados podem ser relevantes, devendo
ser objeto de divulgação; por outro lado, exemplos de fatos relevantes
mencionados na referida Instrução podem, diante do caso concreto,
não merecerem tal qualificação, não sendo necessária a sua divulgação61.

61 A CVM já manifestou o entendimento de que “o fato relevante deve ser


reconhecido como tal a partir da avaliação de sua repercussão no valor da

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Além de relevante, a informação deve ser sigilosa, ainda não


divulgada ao mercado. Nada impede o agente, porém, de negociar
legitimamente os valores mobiliários após a divulgação das informa­
ções, uma vez que, a partir de então, não terá qualquer vantagem sobre
os demais investidores.
A regulamentação administrativa da CVM62 estabelece a forma a
ser adotada para conferir-se publicidade às informa­ções relevantes, de-
terminando que sua divulgação ocorra mediante comunicado à CVM,
por meio de sistema eletrônico disponível na página da autarquia na
Internet e, se for o caso, à Bolsa de Valores ou entidade do mercado
de balcão. Além do mais, a informação deve ainda ser divulgada por
meio de jornais de grande circulação ou de portal de notícias com
página na Internet gratuitamente acessível63. A publicação do “fato
relevante”, porém, não constitui a única modalidade admitida para
assegurar a observância do princípio da transparência; o atendimento
a tal princípio ocorre também mediante a divulgação de informa­ções
periódicas e eventuais a respeito dos negócios da companhia, tais como
as atas e editais de convocação de assembleias gerais, as reuniões da
administração e, especialmente, as demonstra­ções financeiras anuais
e as informa­ções financeiras trimestrais.
Deve ser considerada privilegiada a informação que: (a) tem um
caráter razoavelmente preciso, isto é, refere-se a um fato64, não a meros

companhia, não importando que figure no rol exemplificativo da Instrução CVM


358/2002”. Comissão de Valores Mobiliários, Processo Administrativo Sancionador
nº RJ 2002/1822, Rel. Dir. Norma Jonssen Parente, j. 06.05.2005.
62 Instrução CVM nº 358/2002, artigo 3º.
63 “Mesmo que a divulgação da informação relevante seja feita utilizando o
procedimento correto [...], isso não necessariamente significa que podemos
considerar que a informação está publicamente disponível. Uma avaliação
da adequação da disponibilização da informação requer que seja aferido se
os investidores realmente tiveram a oportunidade de tomar suas decisões de
investimento levando aquela informação em conta.” COMISSÃO DE VALORES
MOBILIÁRIOS. Uso indevido de Informação Privilegiada (Insider Trading). Rio
de Janeiro: Comissão de Valores Mobiliários, 2016, p. 11.
64 O Regulamento (UE) nº 596/2014 do Parlamento Europeu, de 16.04.2014, em
seu artigo 7º, nº 1, ao tratar do abuso de informação privilegiada, considera a

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rumores, apresentando um mínimo de materialidade ou objetividade,


ou seja, uma consistência mínima capaz de permitir sua utilização
por um investidor médio65; (b) não está disponível para o público,
encontrando-se reservada a um círculo restrito de pessoas; (c) é price-
sensitive, isto é, poderia, caso fosse divulgada, influenciar o preço dos
valores mobiliários no mercado; (d) é relativa a valores mobiliários ou
aos seus emissores66.
Referentemente ao “mínimo de materialidade”, tratando-se de
informa­ções financeiras, algumas decisões dos tribunais norte-ame-
ricanos vêm estabelecendo o teste do “mercado eficiente” para deter-
minar a materialidade ou não da informação: se os valores mobiliários
são dotados de liquidez, em um mercado eficiente, a informação será
tida como relevante se as cota­ções dos títulos, em uma análise ex post,
tiverem sido afetadas pela divulgação de informação67.
Nem sempre é fácil a conclusão sobre a “relevância” ou não da
informação, particularmente em casos envolvendo a celebração de
acordos de acionistas, a aquisição de controle acionário ou a reorga-
nização societária (incorporação, fusão, cisão) em que esteja envolvida

informação privilegiada como aquela relevante para a formação dos preços


dos valores mobiliários e com caráter preciso. O art. 226 da Ley Del Mercado de
Valores espanhola, Real Decreto Legislativo nº 4/2015, define como informação
privilegiada toda informação de caráter concreto que possa influir de maneira
apreciável sobre a cotação dos títulos.
65 Em sua declaração de voto no Processo Sancionador nº 04/2004, o Relator
e então Presidente da CVM, Dr. Marcelo Fernandez Trindade, observa que,
tratando-se de ofertas públicas, os deveres impostos aos “insiders” na pendência
de sua divulgação devem ser examinados como compreendendo não apenas a
ocorrência do evento em si, mas do processo em que se insere a sua formação; ou
seja, a objetividade da informação não significa, em casos de ofertas públicas, que
a decisão de realizá-las esteja perfeita e acabada, bastando que esteja em curso
o processo de sua efetivação, para que se caracterize a informação privilegiada.
66 FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO. O Novo Regime dos Crimes e Contra-
Ordena­ções no Código dos Valores Mobiliários. Porto: Almedina, 2000, p. 76.
ENZO MUSCO. Diritto Penale Societario. Milano: Giuffrè, 1999, p. 322.
67 SUBCOMMITTEE ON ANNUAL REVIEW, COMITTEE ON FEDERAL REGULATION
OF SECURITIES, ABA SECTION OF BUSINESS LAW. “Annual Review of Federal
Securities Regulation”. The Business Lawyer. Chicago: Section of Business Law of
the American Bar Association, maio 2006, v. 61, n. 3, p. 1.338.

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companhia aberta. Em que momento da negociação sobre uma in-


corporação de companhia aberta, por exemplo, a informação torna-
se relevante, impedindo os insiders de negociarem enquanto não for
divulgada a operação?
Não há, evidentemente, fórmula genérica e segura, particular-
mente nas operações de aquisição de controle ou de reorganização
societária, nas quais as negocia­ções são muitas vezes longas e comple-
xas, para se determinar o momento em que as informa­ções passam a
referir-se a fatos relevantes.
A partir de alguns julgados dos tribunais norte-americanos, esta-
beleceu-se um “teste de relevância” em opera­ções de tal natureza, com
base no juízo de probabilidade/magnitude, que leva em consideração
os seguintes fatores: a probabilidade do acordo final, tendo em vista
as negocia­ções já ocorridas; a existência ou não de decisões dos órgãos
de administração das companhias envolvidas, bem como de relatórios
ou pareceres elaborados por assessores externos; e o possível impacto
da operação sobre os negócios das companhias e sobre as cotações de
suas a­ções68. Ou seja, se a probabilidade de a operação ser concluída é
forte e trará impactos significativos sobre os negócios da companhia,
afetando as cota­ções de seus valores mobiliários, pode-se entender que
já existe uma informação relevante.
A relevância da informação não significa que ela deva ser necessa-
riamente tornada pública; com efeito, a informação pode ser mantida
em sigilo se a sua divulgação colocar em risco um interesse legítimo
da companhia, consistente, no caso, na conclusão da operação. Porém,
ela não pode ser utilizada pelos insiders para comprar ou vender os
valores mobiliários de emissão da companhia; também não podem
eles passar a informação confidencial para terceiros.

68 THOMAS LEE HAZEN. The Law of Securities Regulation, 3rd ed. St. Paul, 1996, pp.
793-806. CARLOS OSÓRIO DE CASTRO. “A Informação no Direito do Mercado
de Valores Mobiliários”. In: Direito dos Valores Mobiliários. Coimbra: Coimbra
Editora, 2003, p. 346.

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As normas não têm o seu alcance limitado apenas ao uso indevido


de informação confidencial sobre valores emitidos por companhia
aberta, posto que se referem à utilização de qualquer informação,
desde que sigilosa e relevante, na negociação com valores mobiliários.
Aplicam-se, portanto, também às pessoas que tenham informa­ções
confidenciais e sigilosas sobre quaisquer valores mobiliários, neles
incluídos os contratos de investimento, bem como os derivativos,
negociados em Bolsa de Valores, de futuros e de mercadorias69.
Se o insider utiliza a informação privilegiada para outro fim, que
não o de negociar valores mobiliários, as normas de repressão ao insider
trading não podem ser invocadas. É o que ocorre quando o insider,
administrador de sociedade anônima, usa, em benefício próprio ou
de terceiro, oportunidade comercial de que tenha conhecimento em
virtude de seu cargo, podendo caracterizar-se o ilícito previsto no
artigo 155, I, da Lei das S.A., não a infração ao artigo 27-D da Lei
nº 6.385/1976.
Diversamente do que ocorre no crime de manipulação do mer-
cado, os dispositivos que incriminam o uso indevido de informação
privilegiada podem ser aplicados não só no mercado secundário como
também no mercado primário e mesmo em transa­ções privadas entre
os investidores, que são aquelas realizadas sem a intermediação de
instituição financeira70.

69 A respeito, ver NORMA JONSSEN PARENTE. Mercado de Capitais. Coleção Tratado


de Direito Empresarial, vol. VI. Modesto Carvalhosa (coord.). São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2016, pp. 616-618.
70 Em sentido contrário: “Não se poderia falar do crime do art. 27-D, de uso indevido
de informação privilegiada, em uma situação em que são realizados negócios
privados com ações de uma companhia fora do ambiente de Bolsa, envolvendo
exclusivamente administradores desta companhia, que detenham idênticas
informações sobre esta. Conforme o texto do art. 27-D, essa conduta não seria
considerada crime porque a operação não seria capaz de gerar ‘vantagem indevida’
para alguma das partes, já que teriam elas negociado em absoluta condição
de igualdade. Haveria, nessa hipótese, a negociação com o uso de informação
privilegiada, mas, sob o prisma estrito da negociação ocorrida, essa negociação
não seria capaz de ocasionar prejuízos para a regularidade do mercado.”(GABRIELA
CODORNIZ, LAURA PATELLA (Coord.). Comentários à Lei do Mercado de Capitais
– Lei 6.385/76. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 610-611)

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Referentemente ao sujeito ativo, na esfera do direito administra-


tivo sancionador, nos termos do artigo 13 da Instrução CVM nº 358,
podem ser punidos não somente aqueles que, em virtude de cargo
ou posição, tenham acesso à informação privilegiada como também
qualquer pessoa que tenha conhecimento da informação, sabendo que
é privilegiada.
Na esfera penal, até o advento da Lei nº 13.506/2017, só poderiam
ser incriminadas as pessoas obrigadas a guardar sigilo, como o acio-
nista controlador, administradores, diretores e prestadores de serviço
que tivessem – em virtude de lei ou contrato – dever de sigilo. Após
a alteração legislativa, o tipo penal foi estendido a quem quer que se
utilize da informação relevante não divulgada, ocorrendo a majoração
de pena para aqueles que o fazem detendo o dever de sigilo71_72.
A propósito, cabe mencionar uma distinção relevante, largamente
aceita no direito comparado e também entre nós: a dos “insiders primá-
rios” dos chamados “insiders secundários”, ou tippees, que são aqueles
que recebem as “dicas” (tips) dos “insiders primários”.
Os “insiders primários” ou “institucionais” são aqueles que detêm
acesso à informação privilegiada em razão de sua condição de acionis-
tas controladores, pelo fato de ocuparem cargo de administração, ou
ainda no exercício de uma função, mesmo pública, de uma profissão ou
de um ofício, ainda que temporário, que lhes permita o acesso direto
a uma informação privilegiada. São as pessoas que recebem, direta-

71 “Art. 27-D. Utilizar informação relevante de que tenha conhecimento, ainda


não divulgada ao mercado, que seja capaz de propiciar, para si ou para outrem,
vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiros, de
valores mobiliários:Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3
(três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime. [...] §
2º A pena é aumentada em 1/3 (um terço) se o agente comete o crime previsto no
caput deste artigo valendo-se de informação relevante de que tenha conhecimento
e da qual deva manter sigilo.”
72 No Direito espanhol, nos termos do artigo 285 do Código Penal, qualquer
pessoa que tenha acesso à informação no exercício de atividade profissional
ou empresarial pode ser o sujeito ativo do delito de insider trading. ENRIQUE
BACIGALUPO. Derecho Penal Económico. Buenos Aires: Depalma, 2005, p. 285.

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722 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

mente, a informação privilegiada de sua fonte e têm o conhecimento


especializado suficiente para saber que tal informação é relevante73.
Já os “insiders secundários” (tippees) são aqueles que recebem a
informação privilegiada, direta ou indiretamente, dos “insiders primá-
rios” e não estão obrigados ao dever de sigilo e nem necessariamente
sabem que se trata de uma informação relevante.
A norma penal, antes aplicável somente aos “insiders primários”,
que são obrigados a guardar sigilo, após a Lei nº 13.506/2017 passou
a abranger os “insiders secundários”, que não estão obrigados a guardar
sigilo e também podem ser punidos administrativamente pela CVM,
se ficar demonstrado que tiveram acesso e utilizaram informação que
sabiam ser privilegiada74.
Com relação ao “insiders primários”, existe, na esfera do direito
administrativo sancionador, uma presunção juris tantum de que, tendo
em vista a posição que ocupam na companhia, eles detêm a informa-
ção relevante e que, por essa razão, a eventual negociação com papéis
de emissão da companhia é irregular75. Sendo tal presunção relativa,

73 Relatório da ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DAS COMISSÕES DE VALORES


MOBILIÁRIOS (IOSCO). Insider Trading- How Jurisdictions Regulate It, mar. 2003.
Disponível em: <http://www.iosco.org>. Acesso em: 31 out. 2017. ENZO MUSCO.
Diritto Penale Societario. Milano: Giuffrè, 1999, p. 315.
74 Após a reforma, o caput do artigo 27-D passou a abranger o crime cometido por
insider secundário, enquanto seu §2º dispõe sobre o crime práticado pelo insider
primário – perceptível pela referência ao dever de sigilo.
75 Com efeito, no julgamento do PAS CVM nº RJ2011/3823, Rel. Dir. Pablo Rentería,
j. 09.12.2015: “[...] nos casos contemplados no art. 13 da Instrução nº 358/2002,
a CVM considera determinado fato provado (e.g., o fato de o investigado ser
administrador da companhia aberta) como indício hábil a autorizar, por indução,
a conclusão quanto à ocorrência de fatos que configuram a prática do insider
trading (o conhecimento da informação relativa ao fato relevante pendente de
divulgação e o intuito de obter vantagem). Ou seja, esses elementos da infração
são reputados provados pela CVM, até que o investigado ou acusado demonstre o
contrário”. Em sentido semelhante, no PAS CVM nº RJ2013/13172, Rel. Dir. Henrique
Machado, j. 25.04.2017, o relator explicou que o artigo 13 da referida Instrução
apresenta, com relação aos insiders primários, “duas presunções relativas que têm
por objetivo preservar a integridade do mercado de valores mobiliários e atenuar
o ônus probatório da CVM, diante da gravidade da prática de insider trading e da
dificuldade em comprovar a intenção do agente: a efetiva utilização da informação
privilegiada pelo insider e a sua intenção de auferir vantagem” (grifamos).

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admite prova em contrário, podendo ser afastada, por exemplo, nas


hipóteses em que se demonstre que (i) não havia informação relevante
e confidencial; (ii) a negociação decorreu de um dever legal76; e/ou (iii)
não havia intenção de auferir vantagem em detrimento do mercado.
Contudo, com relação ao “insider secundário”, não existe tal pre-
sunção, cabendo à CVM a produção de prova efetiva de que ele tinha
conhecimento dos fatos não revelados ao mercado77.
Após a Lei nº 13.506/2017, também é crime o mero repasse da
informação sigilosa não divulgada, não sendo necessária sua efetiva
utilização para a ocorrência do delito (§ 1º, do artigo 27-D da Lei
6.385/1976). É o que ocorre em outros países, como Estados Unidos,
Itália e Portugal, em que se pune também o ato de transmitir a in-
formação, aconselhar ou dar recomenda­ções de negociar com base na
informação privilegiada78_79. Vale destacar que, nesse caso, pela Lei nº

76 Em alguns casos, existe uma “obrigação de negociar”, seja em decorrência de


contrato irrevogável ou irretratável, de determinação legal ou do princípio da
lealdade e da preservação da companhia. Em tais situações, o suposto insider não
determina livremente o seu modo de atuar, negociando ações em cumprimento
a uma obrigação. Nessas hipóteses, não seria exigível uma conduta diversa de sua
parte, e, por essa razão, não caberia a sua apenação. Nesse sentido, COMISSÃO
DE VALORES MOBILIÁRIOS. Uso indevido de Informação Privilegiada (Insider
Trading). Rio de Janeiro: Comissão de Valores Mobiliários, 2016, p. 24: “As normas
não devem proibir que transações legítimas sejam realizadas no mercado,
especialmente se a pessoa está negociando em atendimento a uma obrigação
legal ou regulamentar ou por força de uma obrigação irrevogável e irretratável de
operar. Por exemplo, o art. 15-A da ICVM 358/02 autoriza que os Insiders Primários
negociem valores mobiliários de emissão da companhia, desde que previsto em
seus planos individuais de investimento.”
77 A CVM já manifestou, em várias decisões, o seu entendimento de que lhe incumbe
o ônus da prova de que o insider secundário tivera efetivo acesso à informação
privilegiada para que caiba a aplicação de penalidades. Nesse sentido: Inquérito
Administrativo CVM nº 13/2000, j. 17.14.2002; PAS CVM nº 18/2001, j. 04.11.2004;
PAS CVM nº 13/2009, j. 13.12.2011; PAS CVM nº RJ2011/3665, j. 03.04.2012; PAS CVM
nº RJ2013/1730, j. 18.08.2015; PAS CVM nº RJ2012/9808, j. 18.12.2015; e PAS CVM nº
RJ2012/11002, j. 15.12.2016. A propósito, os comentários de JOSÉ MARCELO MARTINS
PROENÇA. Insider Trading. Regime jurídico do uso de informa­ções privilegiadas no
mercado de capitais. São Paulo: Quartier Latin, 2005, pp. 301-302.
78 FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO. O Novo Regime dos Crimes e Contra-
Ordena­ções no Código dos Valores Mobiliários. Porto: Almedina, 2000, p. 69.
79 A doutrina norte-americana estabelece a distinção entre o acesso e a utilização real
da informação relevante: “The Securities and Exchange Commission has long defined

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13.506/2017, apenas os insiders primários podem ser responsabilizados.


Aqueles que não tiveram acesso à informação relevante em razão de
seu cargo, posição ou relação com o emissor de valores mobiliários não
podem ser responsabilizados criminalmente pelo seu mero repasse.
Além disso, o insider administrador de companhia aberta, caso
repasse a terceiros informa­ções confidenciais, pode ser punido admi-
nistrativamente, por infração ao dever de lealdade, previsto no artigo
155 da Lei das S/A.
O tipo – uso de informação privilegiada – apresenta elemento
subjetivo especial, tratando-se, portanto, de dolo específico: o insider
deve não só ter a consciência da ilicitude como também desejar o
resultado, a vantagem indevida.
Assim, na ausência do elemento subjetivo de utilização da in-
formação com o intuito de auferir vantagem para si ou para terceiros,
não estará caracterizada a conduta típica descrita no ordenamento
jurídico, razão pela qual não tem cabimento a imposição de sanções
administrativas 80.
O delito é material, de forma que o momento consumativo é o da
realização do resultado, a vantagem indevida obtida com a utilização

the insider trading prohibition as involving trading ‘while in knowing possession of’
inside information. An alternative test, adopted in SEC v. Adler (11th Cir. 1998), was that
insider trading was unlawful only if the insider ‘used’ inside information when making
trades. The difference between ‘possession’ and ‘use’ becomes relevant primarily as
defenses against liability. For example, can a defendant who clearly possessed material
nonpublic information when he traded avoid liability by establishing by persuasive
evidence that he had firm plans to enter into the transaction before he learned of the
information? If so, he ‘possessed’ the information when he traded but did not ‘use’ the
information to make the trade. The leading case supporting the SEC’s position is United
States v. teacher (2nd Cir. 1993). However, the Rule [10b5-1] provides for affirmative
defenses including instances in which a person had a binding agreement to buy or
sell or have given instructions to another to execute a trade prior to acquiring inside
information.” (ROBERT. W. HAMILTON. The Law of Corporations in a Nutshell.
5th ed., St. Paul: West Group, 2000, p. 510-511).
80 No mesmo sentido, MARCELO FERNANDEZ TRINDADE. “Mútuo de Ações e
Insider Trading”. In: Rodrigo R. Monteiro de Castro, Walfrido Jorge Warde Jr. e
Carolina Dias Tavares Guerreiro (Coord). Direito Empresarial e Outros Estudos
de Direito em Homenagem ao Professor José Alexandre Tavares Guerreiro. São
Paulo: Quartier Latin, 2013, p. 527.

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da informação privilegiada. A norma penal, a propósito, é expressa no


sentido de exigir que a informação seja capaz de propiciar vantagem
indevida mediante negociação com valores mobiliários; não há como
se caracterizar a “vantagem indevida” sem a realização do resultado81_82.
A sanção penal no caso do artigo 27-D é cumulativa: reclusão de
um a cinco anos – aumentada de 1/3 caso o crime seja praticado por
insider primário – e multa de até três vezes o montante da vantagem
econômica do agente; ocorrendo reincidência, a multa pode ser de até
três vezes tais valores.

10.4. Exercício irregular de cargo, profissão ou atividade


A Lei nº 6.385/1976 estabelece, em seus Capítulos VI e VII, a
obrigatoriedade de prévia autorização ou registro na CVM para o exer-
cício de determinadas atividades no mercado de valores mobiliários,
como as de: administração de carteiras de valores mobiliários; custódia

81 Já na esfera administrativa, a CVM entende que, para a caracterização do ilícito, a


efetiva obtenção da vantagem não é necessária: “Vale lembrar que a finalidade de
auferir vantagem com a negociação de valores mobiliários não se confunde com
a efetiva obtenção da vantagem, ou seja, mesmo em casos em que o usuário da
informação sofra prejuízo com a transação, é possível que fique caracterizado o uso
indevido da informação privilegiada.” COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Uso
Indevido de Informação Privilegiada (Insider Trading). Rio de Janeiro: Comissão
de Valores Mobiliários, 2016, p. 36.
82 No mesmo sentido, FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO (O Novo
Regime dos Crimes e Contra-Ordena­ções no Código dos Valores Mobiliários.
Porto: Almedina, 2000, p. 81) entende que são crimes de perigo abstrato os
tipos que preveem a transmissão ilegítima de informação privilegiada; de perigo
abstrato-concreto o aconselhamento e a emissão de ordens de compra, venda
ou permuta (não previstos na norma do artigo 27-C) diversamente do que ocorre
com o tipo do crime em que ocorre a negociação com utilização da informação
privilegiada, que se caracteriza como crime material (de lesão). Também JOÃO
CARLOS CASTELLAR entende que se trata de um delito material, pois o resultado
dependerá da vantagem que o agente percebe ao negociar de posse de informação
privilegiada (Os Novos Crimes Societários, 2006. Dissertação de conclusão do
Curso de Pós-Graduação “Lato Senso” em Direito Societário do Ibmec, Rio de
Janeiro, p. 114). Em sentido contrário, FAUSTO MARTIN DE SANCTIS (Punibilidade
no Sistema Financeiro Nacional. Campinas: Millenium, 2003, p. 113) considera
que se trata de um delito de perigo abstrato, incumbindo ao Ministério Público
apenas demonstrar que a conduta – negociar utilizando informação relevante – foi
realizada.

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de valores mobiliários; auditoria independente das companhias abertas


e das sociedades que integram o sistema de distribuição e intermedia-
ção de valores mobiliários; consultor e analista de valores mobiliários.
Também depende de prévia autorização da CVM, nos termos
do artigo 16 da Lei nº 6.385/1976, o exercício das atividades de:
distribuição de valores mobiliários no mercado; compra de valores
mobiliários por institui­ções financeiras para revendê-los por conta
própria; mediação ou corretagem de opera­ções com valores mobiliários;
e compensação e liquidação de opera­ções com valores mobiliários.
Mediante a edição de Instru­ções, a CVM foi estabelecendo os
requisitos para o registro de tais pessoas ou entidades, prevendo a
possibilidade de aplicar penalidades administrativas para aqueles que
exerçam tais atividades sem o prévio registro ou autorização.
O artigo 27-E da Lei nº 6.385/197683 incrimina a conduta de
quem atua no mercado de capitais, ainda que a título gratuito, ou
exerce atividades ou cargo, profissão ou função, sem estar para tanto
registrado junto à autoridade administrativa competente, a CVM,
quando exigido por lei ou regulamento.
Não se justifica a tipificação penal do exercício irregular de cargo,
profissão ou atividade, bastando as puni­ções administrativas, previstas
nas normas da CVM. A norma prevista no artigo 27-E valoriza em
excesso a atuação registrária da CVM, pondo em ação o aparato penal
para punir atos que não constituem, em princípio, ofensas de maior
relevância para a sociedade.
Semelhante incriminação já consta da Lei nº 7.492/1986, que, em
seu artigo 16 prevê o delito de fazer operar – sem a devida autorização,

83 O artigo 27-E está assim redigido: “Art. 27-E. Exercer, ainda que a título gratuito, no
mercado de valores mobiliários, a atividade de administrador de carteira, agente
autônomo de investimento, auditor independente, analista de valores mobiliários,
agente fiduciário ou qualquer outro cargo, profissão, atividade ou função, sem
estar, para esse fim, autorizado ou registrado na autoridade administrativa
competente, quando exigido por lei ou regulamento: Pena – detenção de 6 (seis)
meses a 2 (dois) anos, e multa.”

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ou com autorização obtida mediante autorização falsa – instituição


financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários.
O objeto jurídico da norma é a estabilidade do mercado de ca-
pitais; o legislador pressupõe que o registro ou autorização da CVM
pode constituir instrumento capaz de elidir as fraudes e atos ilícitos
no mercado de capitais.
O núcleo do tipo da norma penal é o atuar, isto é, desenvolver
atividade em caráter habitual, sem a autorização ou registro na CVM,
quando tal for exigido por lei ou regulamento. A natureza dos verbos
utilizados – atuar e exercer – indica que para se configurar o delito
deve haver constância, reiteração, ou seja, habitualidade na conduta
do agente; a prática de um único ato, isolado, avulso, não caracteriza
o ilícito. Tratando-se de um delito habitual e formal, não se pode
cogitar da tentativa.
O tipo subjetivo da norma penal contida no artigo 27-E é o dolo.
Assim, deve ficar caracterizada a atuação reiterada ou o exercício de cargo,
profissão ou atividade no mercado sem a devida autorização da CVM.
A pena prevista é de detenção de seis meses a dois anos e multa,
calculada nos termos do artigo 49 do Código Penal, manifestamente
excessiva, uma vez que se trata de infração que deveria merecer apenas
san­ções administrativas.
O artigo 27-E constitui norma penal em branco, a ser complemen-
tada com os dispositivos constantes da Lei nº 6.385/1976 e da regula-
mentação administrativa da CVM que demandam a autorização ou o
registro para o exercício de atividades no mercado, em caráter habitual.

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XI
Ofertas Públicas de
Aquisição de Ações
de Companhia Aberta
(“OPAs”)

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11.1. Noção e modalidades


A oferta pública de aquisição de ações, conhecida no mercado
pela sigla OPA, constitui uma declaração unilateral de vontade por
meio da qual o proponente manifesta, por determinado prazo, seu
compromisso de adquirir um bloco de ações a um preço determinado
e segundo cláusulas e condições previamente estabelecidas1.
Tal procedimento destina-se a conferir a todos os acionistas de
determinada companhia aberta a possibilidade de alienar as ações de
sua propriedade, em igualdade de condições, em situações que envol-
vam alterações significativas na composição acionária da companhia.
O procedimento da OPA visa a assegurar que qualquer pessoa
que pretenda ou esteja obrigada a adquirir quantidade substancial de
ações emitidas por uma companhia aberta somente possa fazê-lo caso
ofereça a todos os acionistas titulares de ações da mesma espécie e
classe daquelas que sejam objeto da OPA a oportunidade de venderem
as suas ações, simultaneamente e ao mesmo preço.
Neste sentido, a Instrução CVM nº 361/2002, conforme alterada,
expressamente estabelece que a OPA deve ser “sempre dirigida indis-
tintamente aos titulares de ações da mesma espécie e classe daquelas
que sejam objeto da OPA”, bem como ser “realizada de maneira a
assegurar tratamento equitativo aos destinatários, permitir-lhes a
adequada informação quanto à companhia objeto e ao ofertante e
dotá-los dos elementos necessários à tomada de uma decisão refletida
e independente quanto à aceitação da OPA” (artigo 4º, incisos I e II).
A Lei nº 6.404/1976 estabelece 3 (três) situações que tornam
obrigatória a realização da OPA, quais sejam: (a) o cancelamento
de registro de companhia aberta (artigo 4º, § 4º); (b) o aumento da
participação do acionista controlador de companhia aberta por meio
de aquisições que impeçam a liquidez de mercado das ações rema-

1 MODESTO CARVALHOSA. Oferta Pública de aquisição de ações. Rio de Janeiro:


Ibmec, 1979, p. 24.

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732 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

nescentes (artigo 4º, § 6º); e (c) a aquisição de controle de companhia


aberta (artigo 254-A).
São designadas como OPAs voluntárias, por outro lado, aquelas
que são realizadas não em cumprimento de uma norma que imponha a
obrigação de promovê-la, mas em atendimento exclusivamente à intenção
do ofertante de adquirir ações mediante apelo público aos vendedores2.
Uma espécie de OPA voluntária contemplada pela Lei das S.A.,
em seus artigos 257 a 263, é a oferta pública para aquisição de con-
trole de companhia aberta, isto é, aquela mediante a qual o ofertante
pretende, por meio da aquisição das ações pertencentes a diversos
acionistas, assumir o controle de determinada companhia que não
possua um acionista ou grupo controlador previamente definido.
Ressalte-se, ainda, a possibilidade de formulação de OPA con-
corrente, que é aquela formulada por um terceiro que não o ofertante
ou pessoa a ele vinculada e que tenha por objeto ações abrangidas por
oferta pública de aquisição cujo edital já tenha sido publicado.
Por fim, cabe mencionar as OPAs exigidas por normas de segmentos
especiais de listagem de mercados regulamentados de valores mobiliários
no Brasil ou por disposições estatutárias de companhias abertas, em razão,
por exemplo, da saída da companhia do segmento de listagem (conforme
previsto nos Regulamentos do Nível 2 e do Novo Mercado da B3) ou do
atingimento de um determinado limite de participação acionária fixado
no estatuto social. Elas não estão sujeitas a registro na CVM e não são
consideradas pela Instrução CVM nº 361/2002 como OPAs obrigatórias,
por não decorrerem de norma legal.

11.2. Procedimentos gerais


Todas as modalidades de OPA, sejam elas obrigatórias ou voluntá-
rias, estejam ou não sujeitas a prévio registro na CVM, devem observar,

2 É a orientação adotada pela Superintendência de Registro de Valores Mobiliários


(SRE), no Processo CVM nº RJ 2007/5587, cuja decisão foi tomada em 29 de maio
de 2007.

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naquilo que lhes for aplicável, o procedimento geral estabelecido na


Instrução CVM nº 361/2002, além de se submeterem a requisitos e
procedimentos adicionais, previstos na lei e na regulamentação ad-
ministrativa editada pela autarquia, atinentes à respectiva modalidade
de OPA.
Passamos, agora, a analisar as regras gerais constantes da Instrução
CVM nº 361/2002 que se aplicam a qualquer espécie de oferta pública
de aquisição de ações de companhia.

11.2.1. Registro perante a CVM


Somente estão sujeitas a registro perante a CVM as OPAs para
cancelamento de registro, por aumento de participação e por alienação
de controle de companhia aberta. As OPAs voluntárias, incluindo-se
a OPA para aquisição de controle de companhia aberta, bem como
a OPA concorrente apenas deverão ser registradas na CVM quando
envolverem permuta por valores mobiliários.
O fundamento da exigência de registro das OPAs que envolverem
permuta reside no fato de que esta espécie de oferta constitui uma
emissão pública de valores mobiliários e sua distribuição no merca-
do, razão pela qual há a necessidade de serem prestadas informações
da mesma natureza das que são exigidas pela CVM por ocasião de
uma oferta pública de valores mobiliários. Ademais, em tais ofertas
devem ser estabelecidos critérios equitativos de equivalência dos va-
lores mobiliários oferecidos para troca com as ações objeto da oferta,
justificando-se a intervenção da autarquia3.
Quando exigido, o registro deve ser solicitado à CVM no prazo
máximo de 30 (trinta) dias contados da data de publicação de fato
relevante ou da deliberação que der notícia da realização da OPA. A
CVM deverá, então, apreciar o pedido de registro dentro do prazo

3 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, 5ª ed.,


v. 4, t. II. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 242-244.

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734 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

de 30 (trinta) dias, o qual, no entanto, pode ser interrompido caso a


autarquia formule exigências adicionais ao ofertante.

11.2.2. Sigilo e Anúncio Preliminar


O ofertante deve manter sigilo sobre a OPA até o seu anúncio ao
mercado, bem como zelar para que seus administradores, empregados,
assessores e terceiros de sua confiança também o façam. Caso a infor-
mação sobre a OPA escape do seu controle, o potencial ofertante deverá
imediatamente publicar o instrumento de OPA ou, alternativamente,
publicar um anúncio preliminar, por meio do qual informe ao mer-
cado que tem interesse em realizar a OPA ou que está considerando
a possibilidade de realizá-la, embora ainda não tenha certeza de sua
efetivação (artigo 4º-A da Instrução CVM nº 361/2002). O anúncio
preliminar visa a reduzir as incertezas do mercado quando existirem
rumores acerca de uma potencial oferta.
Na hipótese de o ofertante divulgar o aludido anúncio prelimi-
nar, a CVM pode fixar um prazo para que o ofertante (i) publique o
instrumento de OPA; ou (ii) anuncie ao mercado, de maneira inequí-
voca, que não pretende realizá-la dentro do período de 6 (seis) meses
(artigo 4º-A, §4º da Instrução CVM nº 361/2002). Tal regra segue
o princípio da Diretiva Europeia 2004/25/CE, que regula as takeover
offers, de que a companhia objeto não deve, em virtude de uma OPA,
ter o desenvolvimento normal de suas atividades afetado para além
de um período razoável.

11.2.3. Possibilidade de modificação e revogação


Juridicamente, a OPA constitui uma declaração unilateral de
vontade por meio da qual o ofertante formula uma proposta, dirigida
à totalidade dos acionistas da companhia, de compra das ações de sua
propriedade.
Dessa forma, sendo uma proposta de celebração de um negócio
jurídico, a oferta produz efeitos vinculantes sobre o ofertante, o qual

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não pode revogá-la ou alterá-la unilateralmente apenas em decorrência


de sua vontade.
Aplica-se à OPA o disposto nos artigos 427 e 429 do Código
Civil, segundo os quais a oferta dirigida ao público, desde que con-
tenha os requisitos essenciais ao contrato, equivale a uma proposta,
isto é, obriga o proponente, salvo se o contrário resultar dos termos da
própria oferta, da natureza do negócio ou das circunstâncias do caso.
Note-se, no entanto, que, no caso das OPAs sujeitas a registro pe-
rante a CVM, a oferta somente se torna obrigatória para o proponente
após a concessão do referido registro e da publicação de seu edital.
De fato, nas OPAs sujeitas a registro, este constitui um requisito
essencial ao negócio jurídico proposto, razão pela qual, até que ele ve-
nha a ser concedido, o ofertante poderá desistir da realização da OPA,
ainda que, anteriormente, tenha divulgado ao mercado sua intenção de
realizar a oferta, o preço e demais condições de pagamento propostas.
O artigo 5º da Instrução CVM nº 361/2002 estabelece que,
após a publicação do instrumento de OPA, sua modificação ou revo-
gação será admitida apenas nas seguintes hipóteses: (i) em qualquer
modalidade de OPA, independentemente de autorização da CVM,
quando se tratar de modificação por melhoria da oferta em favor
dos destinatários, ou por renúncia, pelo ofertante, a condição por ele
estabelecida para a efetivação da OPA; (ii) quando se tratar de OPA
sujeita a registro, mediante prévia e expressa autorização da CVM, a
qual somente poderá ser concedida caso tenha havido, a juízo da CVM,
alteração substancial, posterior e imprevisível, nas circunstâncias de
fato existentes quando do lançamento da OPA, acarretando aumento
relevante dos riscos assumidos pelo ofertante; ou (iii) quando se tratar
de OPA não sujeita a registro, independentemente de autorização da
CVM, em estrita conformidade com os termos e condições previstos
no respectivo instrumento.
A norma editada pela CVM expressamente consagrou uma
hipótese de aplicação da “teoria da imprevisão”, a qual permite a

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relativização dos efeitos obrigatórios dos negócios jurídicos quando


acontecimentos extraordinários e imprevisíveis ocasionam a radical
alteração no estado de fato existente à data da sua formulação, tor-
nando-o excessivamente oneroso para uma das partes.
O fato de, após a publicação do edital, a OPA tornar-se irrevogá-
vel não impede que o ofertante subordine a sua realização ao imple-
mento de determinadas condições, desde que o faça expressamente.
Neste sentido, a CVM já manifestou o entendimento de que não há
incompatibilidade entre a irrevogabilidade da oferta e a existência de
condições4.
Com efeito, o caráter irrevogável da oferta pública significa que,
após o seu registro, ela não pode deixar de ser realizada exclusivamente
em virtude da vontade do ofertante, mas não impede que ele subordine
a sua eficácia a acontecimentos futuros e incertos, que não dependam
de sua vontade.
Logo, assim como ocorre com qualquer outro negócio jurídico, é
perfeitamente lícito que o ofertante estabeleça determinadas condições,
desde que não potestativas, às quais esteja subordinada a eficácia da
OPA por ele formulada.
A possibilidade de a OPA estar sujeita ao implemento de condi-
ções impostas pelo ofertante é reconhecida pela própria CVM, que, no
artigo 4º, inciso VIII, da Instrução CVM nº 361/2002, expressamente
menciona que “a OPA poderá sujeitar-se a condições cujo implemento
não dependa de atuação direta ou indireta do ofertante ou de pessoas
a ele vinculadas”.
Além da hipótese prevista no mencionado dispositivo regula-
mentar, a fixação de condições também pode ser considerada irregular
nos casos previstos nos artigos 123 e 124 do Código Civil, isto é, se as
referidas condições forem contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons
costumes, visem a privar a oferta de qualquer efeito ou a sujeitarem ao

4 Decisão proferida pelo Colegiado da CVM no julgamento do MEMO/


SER/058/2001, Rel. Dir. Luiz Antonio de Sampaio Campos, j. 17.07.2001.

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puro arbítrio do ofertante, forem física ou juridicamente impossíveis,


ou, ainda, quando forem incompreensíveis ou contraditórias.
A fixação de condições constitui uma forma de o ofertante preca-
ver-se de situações de extrema volatilidade do mercado, que poderiam
afetar a realidade econômica da oferta. Assim, o ofertante pode, por
exemplo, estabelecer que a oferta não será realizada caso o preço de
mercado das ações objeto da OPA ou os índices representativos de
carteiras de ações mais negociadas do mercado, como é o caso do
Ibovespa, caiam abaixo de um patamar mínimo por ele fixado.
Note-se, contudo, que, em se tratando de ofertas obrigatórias,
a desistência da oferta em virtude da implementação das condições
estabelecidas pelo ofertante ou em razão da mudança substancial das
condições de mercado somente será legítima caso também sejam revo-
gados os atos jurídicos que deram ensejo à obrigatoriedade da oferta.
Ou seja, nos casos de OPA por alienação de controle ou por
aumento de participação do acionista controlador, por exemplo, o
ofertante somente poderá desistir da oferta, ainda que ocorra uma
desvalorização substancial e imprevisível nas condições de mercado, ou
se implemente alguma das condições fixadas no edital, caso se desfaça
a transferência do controle da companhia ou ele aliene as ações que
excederem o limite permitido pela CVM.

11.2.4. Liquidação financeira


Segundo a forma de pagamento proposta, a OPA pode ser, nos
termos do disposto no artigo 6º da Instrução CVM nº 361/2002, de
compra, de permuta ou mista.
A OPA de compra é aquela cujo pagamento proposto deva ser
realizado em moeda corrente. Nas ofertas públicas de permuta, por
outro lado, o preço oferecido pelas ações visadas é pago em valores
mobiliários.
A OPA de permuta, por envolver a emissão pública de valores
mobiliários e sua distribuição no mercado, deve ser sempre registrada

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na CVM. Tal exigência justifica-se para que seja assegurada a tutela


dos interesses dos acionistas destinatários em face de eventuais trocas
de suas ações por títulos que tenham valor ou liquidez incompatíveis
com os de suas ações.
Tem-se, por fim, a oferta mista quando o pagamento proposto
deva ser realizado parte em dinheiro e parte em valores mobiliários.
Também por acarretar emissão e distribuição de valores mobiliários,
a oferta mista deve ser sempre registrada na CVM.
A regulamentação admite que o ofertante formule oferta alter-
nativa, ou seja, aquela em que aos destinatários da oferta seja deferida
a escolha da forma de liquidação, se em moeda corrente ou se em
valores mobiliários.

11.2.5. Intermediação
Nas ofertas públicas de aquisição, o ofertante deve contratar a in-
termediação de sociedade corretora ou distribuidora de títulos e valores
mobiliários ou instituição financeira com carteira de investimentos.
A instituição intermediária atua como parte garantidora do ne-
gócio de oferta pública, devendo assegurar ao mercado a viabilidade
econômica do cumprimento da proposta pública realizada pelo ofer-
tante, evitando, dessa forma, o surgimento de ofertas temerárias ou
meramente especulativas que afetem a imagem da companhia visada
ou o normal funcionamento do mercado e possam causar danos pa-
trimoniais aos eventuais acionistas aceitantes5.
Deve a instituição intermediária, nos termos do § 2º do artigo
7º da Instrução CVM nº 361/2002, tomar todas as cautelas e agir
com elevados padrões de diligência para assegurar que as informações
prestadas pelo ofertante sejam verdadeiras, consistentes, corretas e
suficientes, respondendo pela omissão nesse seu dever.

5 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, 5ª ed,


v. 4, t. II. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 237.

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11.2.6. Avaliação
Nas hipóteses em que a OPA for formulada pela própria com-
panhia, pelo acionista controlador, pelo administrador ou por pessoa
vinculada ao acionista controlador ou ao administrador, deverá ser
elaborado laudo de avaliação da companhia objeto, o qual visa a conferir
aos destinatários da oferta meios suficientes para que possam tomar
uma decisão consciente de aceitarem ou não a proposta formulada.
A obrigatoriedade de apresentação do laudo de avaliação não é
aplicável aos casos de OPA decorrente de alienação de controle, uma
vez que, nesta modalidade de OPA, o preço deve corresponder a um
percentual do preço pago ao acionista controlador, nos termos do
artigo 254-A da Lei das S.A., o qual pode ser verificado, em regra,
pela simples análise do contrato de compra e venda de ações celebrado
entre o antigo e o novo controlador. Apesar de o laudo ser relevante
para a tomada de decisão do investidor, a CVM optou por dispensá-lo
no caso de OPA por alienação de controle, por entender que, neste
caso, o benefício por ele gerado não justifica o custo de sua elaboração.
Entretanto, nos casos de alienação indireta de controle acionário, a
CVM pode, diante do caso concreto, requerer a apresentação de laudo
de avaliação, a fim de verificar a consistência do demonstrativo de
cálculo do preço submetido à autarquia pelo ofertante juntamente
com o pedido de registro da oferta.
O laudo de avaliação deverá observar as disposições constantes do
artigo 8º, bem como do Anexo III da Instrução CVM nº 361/2002,
indicando os critérios de avaliação, os elementos de comparação ado-
tados e o responsável pela sua elaboração.
Os administradores e o acionista controlador devem fornecer
ao avaliador informações verdadeiras, completas, claras, objetivas e
suficientes para a elaboração do laudo. No que se refere às informa-
ções gerenciais, o avaliador somente poderá aceitá-las e utilizá-las na
elaboração do laudo se entender que são consistentes.

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De acordo com o artigo 8º, § 1º, da Instrução CVM nº 361/2002,


o laudo de avaliação pode ser elaborado pela própria instituição inter-
mediadora da oferta pública, por sociedade corretora ou distribuidora
de títulos e valores mobiliários, por instituição financeira com carteira
de investimento que possua área especializada e devidamente equipada
ou ainda por empresa especializada que tenha comprovada experiência
na avaliação de companhias abertas.
Quando se tratar de oferta de permuta, deverá também ser apre-
sentado laudo de avaliação da companhia cujos valores mobiliários
estejam sendo entregues em permuta. Nesses casos, o avaliador deverá
utilizar o mesmo critério de avaliação para ambas as companhias ou
justificar a adoção de critérios diferenciados.

11.2.7. Instrumento de OPA


As ofertas públicas de aquisição de ações têm como uma de suas
principais características a indefinição do destinatário da proposta.
Trata-se de declaração in incertam personam, dirigida a um número
indeterminado de pessoas. Sendo uma proposta dirigida não a um
acionista, mas a um número indeterminado deles, poderá dar origem
a inúmeras ordens de venda.
Vale dizer, a oferta é uma declaração que necessariamente precede
outra declaração – a ordem de aceitação por parte do acionista que
concorda com os termos da oferta e se dispõe a alienar suas ações. Esta
aceitação, a seu turno, propicia a formação do contrato de compra ou
permuta de ações que o ofertante objetivava enfim celebrar. Constitui
a oferta, portanto, um ato jurídico autônomo, distinto do contrato de
aquisição de ações que vem a se formar posteriormente, pela aceitação
da oferta.
O acionista destinatário, ao dar a ordem de aceitação da proposta
formulada pelo ofertante, vincula-se aos termos da oferta e obriga-se
contratualmente. Para tanto, a aceitação deve ser irrestrita e incon-
dicional, traduzida pela adesão plena à proposta, não se admitindo

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qualquer tipo de ressalva por parte do acionista, visto que a oferta


pública constitui uma proposta coletiva.
Assim, as cláusulas básicas que regem o contrato de compra e venda
de ações são aquelas expressas no instrumento da oferta e o acionista, ao
aceitá-las, adere ao contrato sem discutir seus termos. Em suma, o contrato
de compra das ações em oferta pública, que se aperfeiçoa com a aceitação
do acionista, possui natureza de contrato por adesão.
Por essas razões, deve o instrumento de OPA conter todos os
elementos configuradores do contrato que o ofertante se compromete
a celebrar com os titulares das ações visadas. Em outras palavras, a
oferta deve ter conteúdo preciso e completo, consubstanciando todos
os elementos do futuro contrato.
Dessa forma, caberá ao aceitante tão somente declarar o seu
consentimento por meio de uma simples ordem de aceitação, para
que, ao final da oferta, seja celebrado o contrato de aquisição das ações.
Note-se que as informações que devem ser prestadas no documen-
to de oferta têm de ser absolutamente verídicas e completas para que
o acionista destinatário não seja levado a uma distorcida apreciação do
mérito da oferta. Este dever consubstanciado no full and fair disclosure
cabe, conjuntamente, ao ofertante e à instituição financeira garantidora,
os quais são responsáveis pela exatidão das informações prestadas.
Por esta razão, o artigo 10 da Instrução CVM nº 361/2002 deter-
mina que o instrumento de OPA seja firmado tanto pela companhia
ofertante quanto pela instituição financeira participante da oferta.
Tal instrumento deve conter, basicamente, os requisitos constantes
do artigo 10 da Instrução bem como de seu Anexo II.
Nos termos do artigo 10, inciso I, da referida Instrução, quando
o ofertante for o acionista controlador, pessoa a ele vinculada ou a
própria companhia objeto, deverá obrigar-se a pagar aos aceitantes
da oferta pública a eventual diferença, a maior, entre o valor que estes
receberem pela venda de suas ações e:

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(a) o preço por ação que seria devido caso venha a se verificar,
no prazo de 1 (um) ano contado da realização do leilão da
oferta pública, fato que impusesse a realização de oferta
pública obrigatória; ou
(b) o valor a que teriam direito, caso ainda fossem acionistas
e dissentissem de deliberação que aprove qualquer evento
societário que autorize o exercício do direito de recesso,
quando este evento ocorrer dentro do prazo de 1 (um)
ano da data da realização do leilão da oferta pública.
Assim, se, por exemplo, a companhia objeto da OPA for envolvida,
no prazo de 1 (um) ano a partir da realização da oferta, em operação
de alienação de seu controle acionário – que dá ensejo à realização de
OPA obrigatória – ou de incorporação ou fusão – que podem motivar
o exercício do direito de recesso – e o valor a que o acionista mino-
ritário teria direito a receber, em função de tais eventos, for superior
ao preço pago na OPA, o ofertante fica obrigado a pagar a respectiva
diferença aos aceitantes da OPA.
Tal regra visa, evidentemente, a impedir que a OPA seja utiliza-
da como instrumento de fraude ao direito dos minoritários, tendo a
CVM estabelecido a presunção de que, no prazo de 1 (um) ano, seria
razoável supor que o ofertante já teria conhecimento da possibilidade
de realização de evento que dá ensejo à futura OPA obrigatória ou
ao direito de recesso.
Segundo o artigo 10, § 1º, da Instrução, o ofertante somente estará
dispensado do pagamento de tal diferença de preço caso divulgue, no
próprio edital da oferta pública, a informação sobre a futura ocorrência
de operação que dê ensejo à realização da oferta pública obrigatória
ou ao exercício do direito de retirada. Nesta hipótese, não se faz ne-
cessária a proteção conferida ao investidor pela Instrução, uma vez
que, ao aceitar a OPA, ele já tem conhecimento da possibilidade de,
no prazo inferior a 1 (um) ano, vender suas ações em uma nova OPA
ou exercer o direito de recesso.

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O ofertante e a instituição intermediária devem declarar que


desconhecem a existência de quaisquer fatos que possam influenciar
os resultados ou a cotação das ações da companhia objeto que não
tenham sido revelados ao público.
Devem, ainda, ser prestadas informações sobre o ofertante, tais
como a descrição do seu objeto social, os setores de atuação e as ativi-
dades desenvolvidas. Tais informações visam a assegurar ao mercado e
aos acionistas destinatários plenas condições de avaliação da proposta.
Tem esse requisito, outrossim, o escopo de informar a comunidade do
mercado de capitais a respeito da capacidade do ofertante de cumpri-
mento da promessa de aquisição.
As informações sobre a companhia também devem ser prestadas
no documento de oferta pública, conforme exige o inciso I, alínea “h”,
do Anexo II à Instrução da CVM, bem como o seu § 5º do artigo 10.
O instrumento de OPA também deve conter informações sobre
os valores mobiliários de emissão da companhia objeto detidos pelo
ofertante, bem como sua exposição em derivativos referenciados em
tais ativos, além de informações detalhadas sobre contratos dispondo
sobre a aquisição ou alienação de valores mobiliários de emissão da
companhia objeto.
Ademais, o edital de OPA deve informar ao mercado os locais
onde as listas de acionistas da companhia estão disponíveis ao público.
Tais locais devem ser, no mínimo, o endereço do ofertante e da insti-
tuição intermediária, a sede da companhia objeto, a CVM e a Bolsa
ou outro mercado onde será realizado o leilão da OPA.
A previsão da disponibilidade da lista de acionistas é de funda-
mental importância no processo da OPA, pois assegura a possibilidade
de os destinatários da oferta se organizarem e, em conjunto, defende-
rem seus interesses de forma mais adequada.
O § 2º do artigo 10 da Instrução CVM nº 361/2002 expressamen-
te prevê que, ressalvada a hipótese de OPA por alienação de controle,

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do instrumento de qualquer OPA formulada pelo acionista controla-


dor, por pessoa a ele vinculada ou pela própria companhia, que vise à
aquisição de mais de 1/3 (um terço) das ações de uma mesma espécie
ou classe em circulação, constará declaração do ofertante de que, caso
venha a adquirir mais de 2/3 (dois terços) das ações de uma mesma
espécie e classe em circulação, ficará obrigado a adquirir as ações em
circulação remanescentes, pelo prazo de 3 (três) meses, contados da
data da realização do leilão, pelo preço final do leilão, atualizado até
a data do efetivo pagamento.
O objetivo principal desta norma é assegurar ao acionista mino-
ritário a possibilidade de ele discordar da oferta, sem correr o risco
de, em não aceitando a OPA, ficar obrigado a permanecer acionista
de uma companhia cuja liquidez no mercado foi sensivelmente redu-
zida. Com efeito, caso não existisse tal regra, o acionista poderia ficar
“pressionado”, em muitas situações, a vender suas ações a qualquer
preço, em virtude da possibilidade de, após a OPA, não ter mais para
quem vendê-las.
Assim, o acionista discordante poderá opor-se à OPA sem qual-
quer receio, pois, na hipótese de esta ser aceita por parcela significativa
dos destinatários, acarretando a redução significativa da liquidez das
ações objeto, ele ainda poderá vender suas ações pelo mesmo preço
oferecido inicialmente.
O inciso I, alínea “f ”, do Anexo II à Instrução CVM nº 361/2002
estipula, ademais, que devem ser prestadas informações relativas ao
leilão da OPA, inclusive a data, o local e a hora de seu início.
Por fim, vale mencionar que o inciso I, alínea “g”, do Anexo II
à Instrução da CVM determina que o Edital contenha advertência
de que os acionistas que desejarem aceitar a OPA, vendendo as suas
ações no leilão, deverão atender as exigências para a negociação de
ações constantes do regulamento de operações da bolsa de valores
ou entidade do mercado de balcão organizado em que for realizado

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o leilão, e de que os acionistas poderão aceitar a OPA por meio de


qualquer sociedade corretora autorizada a atuar em pregão.

11.2.8. Publicidade
Uma característica inerente às ofertas públicas de aquisição é a
publicidade, que interessa aos acionistas destinatários, à companhia e ao
mercado de capitais como um todo. Deve ser dada à oferta publicidade
suficiente, mediante a publicação de editais com conteúdo preciso e
completo, para que o conjunto dos possíveis acionistas interessados,
bem como os demais participantes do mercado de valores mobiliários,
possam vir a tomar conhecimento da oferta e de todos os seus termos6.
Somente com a observância do chamado full and fair disclosure,
plenamente consagrado, no que tange às ofertas públicas de aquisição,
estar-se-á dando amparo ao princípio da igualdade entre os acionistas
titulares das ações objeto da OPA.
Para assegurar tal publicidade, o artigo 11 da Instrução CVM
nº 361/2002 exige que o edital de oferta pública seja publicado nos
jornais de grande circulação habitualmente utilizados pela companhia
objeto, observando-se, no caso de ofertas cujo registro seja exigível,
o prazo máximo de 10 (dez) dias contados da data da obtenção do
registro para que seja efetuada a publicação.
O § 2º do artigo 11 determina, ademais, que o edital deverá
também ser encaminhado ao diretor de relações com investidores da
companhia objeto, para que este o divulgue imediatamente ao merca-
do, por meio de sistema eletrônico disponível na página da CVM na
rede mundial de computadores, ficando ainda disponível a eventuais
interessados, no mínimo, na CVM, na bolsa de valores ou na entida-
de do mercado de balcão organizado em que deva ser processada a
oferta, no endereço do ofertante, na sede da instituição intermediária

6 FERNANDO NETTO BOITEUX. “Oferta pública de aquisição de controle de


companhia aberta”. Revista Forense, v. 301. Rio de Janeiro: Forense, mar. 1988,
p. 56.

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e da companhia objeto, bem como acessível no endereço eletrônico


da companhia objeto, se esta o possuir.

11.2.9. Leilão
O artigo 12 da Instrução CVM nº 361/2002 traz disposições re-
ferentes ao leilão da oferta, determinando que este deverá ser realizado
na bolsa de valores ou entidade de mercado de balcão organizado em
que as ações objeto da OPA sejam admitidas à negociação.
A realização por meio de leilão tem por objetivo assegurar duas
características básicas do processo de OPA, quais sejam: (a) a possi-
bilidade de o ofertante ir aumentando o valor por ele proposto, caso
constate o desinteresse dos destinatários pelo preço inicial – hipótese
em que os novos preços deverão ser necessariamente estendidos aos
aceitantes dos lances anteriores; e (b) permitir a livre interferência de
terceiros compradores na oferta.
A possibilidade de elevação do preço da oferta pelo ofertante
durante o leilão é benéfica para o mercado e para os investidores,
permitindo que o ofertante acompanhe o nível de adesão e habilitação
dos acionistas e, em função desses fatores, eleve o preço para um pa-
tamar que propicie uma adesão maior, em benefício dos destinatários
da OPA. Exclusivamente na OPA para aquisição de controle, não
poderá haver elevação de preço pelo ofertante durante o leilão, visto
que o § 1º do artigo 261 da Lei Societária determina que é permitido
ao ofertante melhorar a oferta originalmente formulada, desde que o
faça uma única vez, observando-se o percentual mínimo de 5% (cinco
por cento), e no interregno que vai até 10 (dez) dias antes da data da
expiração da oferta7.

7 A Instrução CVM nº 361/2002 estabelece, no artigo 12, § 7º, que, no caso de


OPA para aquisição de controle, o ofertante somente não poderá elevar o preço
no leilão caso tenha sido publicado edital ou solicitado registro de OPA para
oferta concorrente de aquisição de controle. Tal dispositivo não se coaduna com
o disposto no artigo 261, § 1º, da Lei Societária, segundo o qual não é possível,
em qualquer hipótese – e não apenas quando exista OPA concorrente —, que o
ofertante eleve o preço da oferta durante o leilão, uma vez que ele somente está

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Tendo em vista que a interferência de terceiros compradores no


leilão da OPA pode vir a tumultuar o leilão – abrindo caminho para
que alguém apareça repentinamente no momento de sua realização,
em prejuízo do ofertante, que não teria tempo hábil para preparar uma
estratégia a respeito —, a Instrução CVM nº 361/2002 estabelece
algumas limitações a esta possibilidade. Nos termos do § 4º do artigo
12 da Instrução, o terceiro interessado terá que divulgar ao mercado,
com 10 (dez) dias de antecedência, que tem interesse de interferir no
leilão. Ademais, nos casos de OPA para cancelamento de registro,
de OPA por aumento de participação e de OPA para aquisição de
controle, as interferências compradoras só poderão ocorrer se tiverem
por objeto o lote total de ações.
Note-se que a OPA poderá ser efetivada por meio diverso de leilão
caso a CVM autorize tal substituição, a requerimento do ofertante.
Vale ainda ressaltar que o artigo 12 da Instrução determina, em
seu § 1º, que o leilão da OPA deverá ser realizado no prazo mínimo
de 30 (trinta) dias e máximo de 45 (quarenta e cinco) dias, contados
da data da publicação do edital. Tal prazo visa a conferir aos acionis-
tas da companhia objeto tempo suficiente para conhecer e analisar
as condições propostas pelo ofertante e, consequentemente, decidir
quanto à aceitação ou não da OPA.
Após a realização do leilão, o processo da OPA é concluído por
meio da respectiva liquidação financeira, isto é, o pagamento aos acei-
tantes da OPA do preço por ação proposto pelo ofertante. Nos termos
do artigo 6º da Instrução CVM nº 361/2002, a liquidação financeira da
OPA pode ocorrer mediante pagamento em moeda corrente, por meio
de permuta por outro valor mobiliário ou, ainda, parte em dinheiro e
parte em valores mobiliários.
A liquidação financeira do leilão da OPA segue exatamente os
mesmos procedimentos adotados para qualquer operação realizada em

autorizado a fazê-lo até o prazo máximo de dez dias antes da data da expiração
da oferta.

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748 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

bolsa, inclusive em relação à sua conclusão no terceiro dia útil (D+3)


após a realização da operação.
Neste sentido, note-se que, nas OPAs cujo leilão ocorra na B3,
as ofertas que envolvem permuta são operacionalizadas por meio de
2 (dois) contratos de compra e venda simultâneos e de mesmo valor,
isto é, como se o aceitante da OPA estivesse vendendo suas ações ao
ofertante e, simultaneamente, comprando deste, pelo mesmo valor, os
valores mobiliários dados em permuta.

11.2.10. Vedações e Restrições


A decisão do acionista quanto à aceitação da OPA reflete, em
princípio, sua avaliação sobre o preço por elas oferecido. Na prática,
porém, existem outros fatores que podem influenciar indevidamente
essa decisão, pressionando o acionista a alienar suas ações ainda que
considere que o preço praticado na OPA é insuficiente.
Esta pressão decorre notadamente do fato de que o resultado da
oferta pode em determinadas situações afetar negativamente o valor
das ações que não tenham sido adquiridas na OPA. O acionista, para
evitar tal impacto negativo sobre suas ações, sente-se, então, pressio-
nado a vendê-las. Isso poderia ocorrer, por exemplo, no caso de uma
OPA para cancelamento de registro, hipótese em que o acionista, por
não querer permanecer em uma companhia fechada caso a OPA ve-
nha a ser bem-sucedida, poderia acabar decidindo vender suas ações,
mesmo não concordando com o valor ofertado.
O artigo 14 da Instrução CVM nº 361/2002 procura minimizar
esse problema, ao determinar que a companhia objeto, o acionista
controlador e pessoas a ele vinculadas não poderão efetuar nova OPA
tendo por objeto as mesmas ações objeto de OPA anterior, senão após
a fluência do prazo de 1 (um) ano, a contar do leilão da OPA ante-
rior, salvo se estiverem obrigados a fazê-lo, ou se vierem a estender
aos aceitantes da OPA anterior as mesmas condições da nova OPA,
pagando-lhes a diferença de preço atualizada, se houver.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 749

O artigo 15, por sua vez, prevê que em qualquer OPA formulada
pela companhia objeto, pelo acionista controlador ou por pessoas a ele
vinculadas, desde que não se trate de OPA por alienação de controle,
caso ocorra a aceitação por titulares de mais de 1/3 (um terço) e menos
de 2/3 (dois terços) das ações em circulação, o ofertante somente po-
derá: (i) adquirir até 1/3 (um terço) das ações em circulação da mesma
espécie e classe, procedendo-se ao rateio entre os aceitantes; ou (ii)
desistir da OPA, desde que tal desistência tenha sido expressamente
manifestada no instrumento de OPA, ficando sujeita apenas à condição
de a oferta não ser aceita por acionistas titulares de pelo menos 2/3
(dois terços) das ações em circulação.
Tal regra complementa aquela prevista no artigo 10, § 2º, da
Instrução CVM nº 361/2002 e também tem por objetivo preservar a
liquidez no mercado das ações emitidas pela companhia objeto, evitan-
do que o acionista minoritário se veja compelido a aceitar a OPA em
virtude do receio de permanecer titular de ações com reduzida liquidez.
Assim, se a OPA for aceita por até 1/3 (um terço) dos titulares
das ações em circulação, presume a CVM que a liquidez das ações
remanescentes não será significativamente afetada e, consequente-
mente, o ofertante está autorizado a comprar as ações pertencentes
aos aceitantes.
No caso de a OPA ser aceita por mais de 1/3 (um terço) das ações
em circulação, como ela resultaria em uma significativa redução de
liquidez, entende a CVM que o ofertante somente poderia comprar
todas as ações ofertadas à venda se a aceitação ultrapassar 2/3 (dois
terços) das ações em circulação, visto que, atingido tal patamar, ficaria
configurado que a oferta é equitativa para os minoritários, tanto que
foi aceita por parcela significativa deles e, além disso, os discordantes
ainda teriam a opção de, pelo prazo de 3 (três) meses, venderem suas
ações ao ofertante, conforme referido no artigo 10, § 2º.
A Instrução estabelece ainda restrições à aquisição e à alienação
de valores mobiliários de emissão da companhia objeto no curso da

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750 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

OPA. O artigo 15-A disciplina as negociações do ofertante com as


ações de emissão da companhia objeto, durante o período da OPA,
da seguinte forma: (i) proíbe alienação de ações objeto em quaisquer
casos; (ii) proíbe a aquisição de ações da mesma espécie e classe das
ações objeto no curso de uma OPA parcial (isto é, OPA que não
tenha por objeto a totalidade das ações daquela espécie ou classe em
circulação no mercado); e (iii) proíbe a realização de operações com
derivativos referenciados em ações da mesma espécie e classe das ações
objeto da OPA.
A possibilidade de aquisição de ações objeto pelo ofertante du-
rante o curso de uma OPA parcial feriria a regra do rateio e, portanto,
tornaria a OPA coercitiva. Por isso, a CVM expressamente proíbe
a aquisição de ações no curso da OPA parcial. Entretanto, para os
casos de OPA não parcial, a aquisição de ações durante o seu curso é
permitida, desde que a OPA não seja efetuada por preço inferior ao
que tenha sido pago pelo ofertante em qualquer aquisição realizada
no curso da oferta. Com efeito, o artigo 15-B da Instrução CVM nº
361/2002 expressamente determina que “o preço por ação da OPA
não poderá ser inferior ao maior preço por ação pago pelo ofertante
ou pessoas vinculadas em negócios realizados durante o período da
OPA”. O parágrafo único complementa o dispositivo, estabelecendo
que “caso o ofertante ou pessoas vinculadas adquiram ações após a
publicação do edital por preço superior ao preço ofertado, o ofertante
deverá, dentro de 24 (vinte e quatro) horas, aumentar o preço da OPA,
mediante modificação do respectivo instrumento”.

11.3. OPA para cancelamento de registro

11.3.1. Obrigatoriedade da realização de oferta pública para


aquisição das ações em circulação no mercado

O cancelamento do registro de companhia aberta, também de-


nominado, na terminologia do mercado, de “fechamento de capital”,

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constitui o procedimento mediante o qual uma companhia aberta


torna-se fechada, inviabilizando a negociação dos valores mobiliários
de sua emissão em Bolsa de Valores ou no mercado de balcão.
A decisão sobre o fechamento de capital de uma companhia é
de caráter eminentemente privado, competindo somente aos seus
acionistas decidir sobre as vantagens e desvantagens de se proceder
ao cancelamento do registro de companhia aberta.
Normalmente, as vantagens de a companhia ser aberta estão rela-
cionadas à possibilidade de acesso a recursos provenientes do mercado
de capitais para o financiamento de projetos de desenvolvimento. Por
outro lado, a condição de companhia aberta implica uma série de custos
para a companhia, como, por exemplo, a contratação de auditoria inde-
pendente, a publicação e divulgação de fatos relevantes, comunicados
e outras informações aos acionistas e ao mercado, a manutenção de
um departamento de relações com investidores, o pagamento das taxas
e emolumentos cobrados pela CVM e pelas Bolsas de Valores etc8.
Da ponderação de fatores como os acima elencados decorre a de-
cisão empresarial de abertura ou fechamento do capital da companhia,
não cabendo ao Estado, por intermédio da CVM, intervir ou opinar
sobre o mérito desta decisão.

8 Em estudo publicado pela então Bovespa, em 2005, estimou-se que tais custos
variam entre R$ 200 mil e R$ 2 milhões, dependendo do porte da companhia.
Apesar disso, alguns estudos defendem que os custos de manutenção do capital
aberto são irrelevantes na decisão de deslistagem. Os verdadeiros motivos para
a decisão de desligamento seriam o baixo free-float, o tamanho reduzido das
companhias e o reduzido número de negócios com as ações, isto é, o insatisfatório
custo-benefício de manter as ações listadas em bolsa, que não traz maiores
vantagens. A propósito ver ANDRÉ ROCHA. O custo de ser uma companhia
aberta é relevante?. Valor Econômico. Disponível em: < http://www.valor.com.
br/valor-investe/o-estrategista/2957362/o-custo-de-ser-uma-companhia-
aberta-e-relevante>; W. J. HORGN; W. EID JR (2005). A Saída: uma análise da
deslistagem na Bovespa. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas. Disponível em:
<https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/15553/A%20
sa%C3%ADda%20uma%20an%C3%A1lise%20da%20deslistagem%20na%20
Bovespa.pdf>; e WILLIAM EID JR. Custos de manter uma Sociedade Anônima
no Brasil. São Paulo: FGV/GVCEF, 2012.

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Até o advento da Lei nº 10.303/2001, os procedimentos exigidos


para a realização da operação de fechamento de capital não estavam
disciplinados em Lei, mas apenas em atos normativos expedidos pela
CVM.
As normas da CVM que regulavam a matéria sempre tiveram
em vista a tutela dos interesses dos acionistas minoritários, de forma a
impedir que as ações de sua propriedade deixassem de ser negociadas
no mercado de valores mobiliários por simples vontade dos acionistas
controladores ou dos administradores da companhia.
Neste sentido, para que o acionista minoritário não fosse com-
pelido a se manter acionista de uma companhia fechada, procurou-se
assegurar-lhe a possibilidade de alienar suas ações por ocasião do
fechamento de capital por valor conveniente, bem como o direito de
evitar o cancelamento de registro de companhia aberta, caso os acio-
nistas contrários a tal medida representassem uma parcela substancial
das ações em circulação no mercado9.
Para garantir a consecução destes objetivos, as Instruções editadas
pela CVM sempre estabeleceram o princípio de que, para que o registro
de companhia aberta fosse cancelado, o acionista controlador deveria
promover oferta pública para a aquisição das ações em circulação no
mercado, que deveria ser aceita por percentual relevante dos acionistas
minoritários.
Tal princípio foi consagrado pela Lei nº 10.303/2001, que incluiu,
no artigo 4º da Lei das S.A., dispositivo condicionando expressamente
o cancelamento de registro de companhia aberta à prévia realização de
oferta pública para a aquisição da totalidade das ações em circulação
no mercado10.

9 Nota Explicativa CVM nº 08/1978.


10 “Art. 4º – [...] § 4º – O registro de companhia aberta para negociação de a­ções
no mercado somente poderá ser cancelado se a companhia emissora de a­ções,
o acionista controlador ou a sociedade que a controle, direta ou indiretamente,
formular oferta pública para adquirir a totalidade das a­ções em circulação no
mercado, por preço justo, ao menos igual ao valor de avaliação da companhia,

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Vale ressaltar que tal dispositivo expressamente admite que a ofer-


ta pública com objetivo de obter o cancelamento de registro perante
a CVM seja promovida pela própria companhia aberta11.
Esta possibilidade constitui inovação em relação ao sistema ante-
rior, visto que todas as instruções até então editadas pela CVM eram
expressas no sentido de que a oferta pública deveria ser promovida
pelo acionista controlador, o qual estava, inclusive, proibido de repassar
os custos da oferta para a companhia.
Note-se, contudo, que a autorização legal para que a companhia
promova oferta pública de cancelamento de seu registro deve ser in-
terpretada em consonância com o princípio da integridade do capital
social, segundo o qual a aquisição de ações de própria emissão está
condicionada à existência de lucros ou reservas disponíveis.
Assim, a companhia emissora somente estará legitimada a promo-
ver a oferta pública de seu fechamento de capital caso o valor total das
ações a serem adquiridas não ultrapasse o saldo dos lucros ou reservas

apurado com base nos critérios, adotados de forma isolada ou combinada, de


patrimônio líquido contábil, de patrimônio líquido avaliado a preço de mercado,
de fluxo de caixa descontado, de comparação por múltiplos, de cotação das
a­ções no mercado de valores mobiliários, ou com base em outro critério aceito
pela Comissão de Valores Mobiliários, assegurada a revisão do valor da oferta, em
conformidade com o disposto no art. 4º-A” (grifamos).
11 “No caso de o proponente ser a companhia [...] o cancelamento de
registro deverá ser aprovado em assembleia-geral extraordinária, mediante
apresentação, pelo conselho de administração, de proposta na qual sejam
justificados os fundamentos para o cancelamento de registro. [...] Quando a
OPA for lançada pelo acionista controlador, o cancelamento de registro não
dependerá de deliberação em assembleia-geral da companhia. Neste caso,
o ofertante apenas comunicará ao conselho de administração sua intenção
de lançar a oferta, informando os motivos pelos quais pretende proceder
ao fechamento de capital, bem como o preço que será praticado na OPA. A
vontade social somente será manifestada mais adiante, no momento do leilão,
mediante averiguação do quórum mínimo de adesão e anuência dos demais
acionistas em relação à oferta.” (NORMA JONSSEN PARENTE. Mercado de
Capitais. Coleção Tratado de Direito Empresarial, vol. VI. Modesto Carvalhosa
(coord.). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 432)

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754 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

disponíveis12, e não implique diminuição do valor do capital social,


conforme prescreve o artigo 30, § 1º, alínea “b”, da Lei Societária13_14.
Neste sentido, a CVM expressamente condicionou o registro
da oferta pública promovida pela companhia emissora à existência
de lucros ou reservas disponíveis, tanto que o artigo 20, inciso IV, da
Instrução CVM nº 361/2002 determina que deve constar do instru-
mento de OPA lançada pela companhia a “referência à existência de
reservas exigidas por lei”.

11.3.2. Critérios para a determinação do preço da oferta pública


As instruções anteriormente editadas pela CVM sempre res-
peitaram o princípio de que a autarquia não deveria avaliar o mérito
do preço oferecido pelo acionista controlador na oferta pública de
fechamento de capital, mas apenas assegurar que fossem prestadas
todas as informações necessárias para que os minoritários pudessem,
conscientemente, tomar a decisão de vender ou não suas ações15.
Assim, a CVM jamais pretendeu impor determinado preço mí-
nimo para a oferta pública de aquisição das ações, por entender que
caberia aos investidores decidir sobre a conveniência ou não de aceitar

12 Nos termos da Instrução CVM nº 567/2015, consideram-se disponíveis todas as


reservas de lucros ou de capital com exceção das seguintes: a) legal; b) de lucros a
realizar; c) especial de dividendo obrigatório não distribuído; d) incentivos fiscais
(artigo 7º, §1º).
13 MODESTO CARVALHOSA, NELSON EIZIRIK. A nova Lei das S.A. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 60.
14 No Processo SEI nº 19957.003175/2017-54, Rel. Superintendência de Valores
Mobiliários, j. 06.06.2017, o Colegiado decidiu ser regular a aquisição de ações de
própria emissão, no âmbito de uma OPA para cancelamento de registro, quando
existem prejuízos acumulados, mas há saldo positivo na reserva de capital. O
fundamento para a decisão foi o de que “não há na Lei 6.404 ou na Instrução 567
qualquer exigência no sentido de que prejuízos acumulados por uma companhia
sejam compensados com os recursos sob a rubrica de reserva de capital para fins
de verificação do valor dos recursos disponíveis”. Sobre o assunto, ver LUCIANA
DIAS. “A Reserva de Capital em OPAs de Cancelamento de Registro”. Revista de
Direito Bancário e do Mercado de Capitais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n.
80, abril-junho, 2018, p. 207-225 e comentários ao artigo 30.
15 Ver, a propósito, a Nota Explicativa CVM nº 08/1978.

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a oferta. Vale dizer, quando o preço ofertado pelo acionista controlador


fosse considerado baixo, os minoritários não venderiam as ações de
sua propriedade e, consequentemente, a companhia não lograria o
fechamento de seu capital.
Durante o processo de reforma legislativa, que culminou com a
edição da Lei nº 10.303/2001, chegou-se a cogitar que a Lei Societária
deveria determinar um parâmetro para o valor oferecido em todas as
ofertas públicas visando ao cancelamento de registro de companhia
aberta, o qual teria que ser compulsoriamente seguido pelo acionista
controlador.
Entretanto, a Lei nº 10.303/2001, ao incluir o novo § 4º no artigo
4º da Lei das S.A., optou por não estabelecer um único critério obri-
gatório aplicável a todas as companhias, mas por relacionar uma série
de parâmetros que podem ser adotados, isolada ou cumulativamente,
na fixação do preço proposto para as ofertas públicas de cancelamento
de registro de companhia aberta.
Dessa forma, nos termos do § 4º do artigo 4º da Lei nº
6.404/1976, com a redação dada pela Lei nº 10.303/2001, a oferta
pública para fechamento de capital deve ser formulada “por preço
justo, ao menos igual ao valor de avaliação da companhia, apurado
com base nos critérios, adotados de forma isolada ou combinada, de
patrimônio líquido contábil, de patrimônio líquido avaliado a preço de
mercado, de fluxo de caixa descontado, de comparação por múltiplos, de
cotação das ações no mercado de valores mobiliários, ou com base em
outro critério aceito pela Comissão de Valores Mobiliários” (grifamos).
Ou seja, a Lei Societária passou a exigir que o acionista controla-
dor ou a própria companhia emissora, ao promoverem a oferta pública
de cancelamento de registro da companhia aberta, fundamentem o
preço oferecido em um dos parâmetros mencionados em seu artigo
4º, § 4º, ou ainda em outro critério eventualmente aceito pela CVM.
Portanto, a grande inovação trazida pelo regime instituído pela
Lei nº 10.303/2001 foi a obrigação de o ofertante fundamentar o valor

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proposto com base em laudo de avaliação independente, permitindo


que os destinatários da OPA tenham mais elementos para auxiliá-los
na tomada de decisão quanto à sua aceitação ou não, bem como
tornando mais fácil a possibilidade de os minoritários descontentes
eventualmente questionarem o valor proposto.
Vale lembrar que, apesar de não estarem vinculados a um único
critério de avaliação, o acionista controlador ou a companhia emissora,
ao definirem o preço da oferta pública, devem escolher o parâmetro
mais compatível com a situação da companhia e das ações de sua
emissão. Isto significa que o critério da “cotação das ações no merca-
do” somente poderá ser utilizado se as ações forem dotadas de efetiva
liquidez no mercado secundário; o critério de “comparação por múl-
tiplos” não poderá ser usado se não houver companhias que possam
ser objeto de comparação; o critério de “fluxo de caixa descontado”
não é adequado para empresas cíclicas, ou que estejam envolvidas em
processos de reestruturação.
Para fundamentar o preço a ser oferecido aos acionistas mino-
ritários, o controlador ou a companhia emissora estão obrigados a
contratar a elaboração de laudo de avaliação das ações objeto da oferta,
que contenha os critérios de avaliação e os métodos de comparação
adotados e indique o valor da companhia segundo o critério escolhido
para a definição do “preço justo” referido no artigo 4º, § 4º, da Lei nº
6.404/1976.
Portanto, o acionista controlador ou a companhia emissora, ao
proporem a realização de oferta pública para cancelamento de registro
de companhia aberta, devem não apenas divulgar o preço que se pro-
põem a pagar pelas ações pertencentes aos minoritários, mas também
informar qual o parâmetro adotado para a definição do “preço justo”
de tais ações e, ainda, colocar à disposição dos interessados o laudo de
avaliação que fundamentou a fixação do referido preço.
A CVM já decidiu ser possível que, na OPA para cancelamento
de registro, o ofertante pratique preços diferenciados para as ações

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ordinárias e as preferenciais16. Com efeito, o Colegiado da CVM


entendeu que o “preço justo” pode ser fixado em valores diferentes de
acordo com a classe ou espécie de ações, desde que a distinção prove-
nha de elementos objetivos ponderados no laudo de avaliação, como,
por exemplo, diferentes direitos patrimoniais atribuídos às classes de
ações preferenciais ou a existência de diferentes valores de cotações
em Bolsa de Valores para as ações ordinárias e preferenciais.
O item 10.1 do Regulamento de Listagem do Nível 2 e do Regu-
lamento de Listagem do Bovespa Mais exige, para o cancelamento do
registro das companhias abertas a ele sujeitas, laudo de avaliação das
ações objeto da OPA pelo respectivo valor econômico, a ser elaborado
por instituição especializada e independente.
Nas companhias com ações listadas no Nível 2, diferentemente
daquelas registradas no segmento tradicional da B3, o “preço justo” a
ser adotado para as OPAs de fechamento de capital deve necessaria-
mente corresponder ao valor econômico das ações objeto e os acionistas
destinatários da oferta participam da escolha da instituição responsável
pela elaboração do laudo de avaliação, sem prejuízo da possibilidade de
ainda requererem a convocação de Assembleia Especial para deliberar
sobre a realização de uma segunda avaliação, conforme previsto no
artigo 4º-A da Lei das S.A.

16 Processo CVM RJ nº 2005/3917, Rel. Dir. Marcelo Fernandez Trindade, j.


06.12.2005. O posicionamento manifestado pela CVM nesta decisão já foi objeto
de questionamento pela doutrina. Ver, a respeito, CARLOS AUGUSTO JUNQUEIRA
DE SIQUEIRA. “Dois preços?”. Revista Capital Aberto, n. 35. São Paulo: Capital
Aberto, jul. 2006, pp. 60-61: “No Caso [...], a decisão da CVM, permitindo a fixação
de dois preços na OPA visando ao cancelamento, introduziu [...] a aplicação,
por analogia, do Parecer de Orientação CVM nº 05 que trata [...] da hipótese de
diversidade de preços de emissão de a­ções em aumentos de capital, em função das
espécies a serem emitidas. Entendo inadequada essa analogia. A colocação pública
de papéis é operação na mão inversa da recompra obrigatória em operações de
fechamento.[...] A OPA tem caráter de restituição patrimonial aos investidores,
devendo ser atendidos, com equidade, os interesses de todos os acionistas. Assim,
não pode ser vista com a flexibilidade permitida às emissões de a­ções. [...] Assim,
parece-me que o entendimento vencido no Colegiado seria mais adequado.”

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758 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

11.3.3. Procedimento de revisão do preço da oferta pública


Sendo o valor da oferta pública fixado com base em um dos
parâmetros relacionados no artigo 4º, § 4º, da Lei Societária e funda-
mentado em laudo de avaliação elaborado de acordo com as regras do
artigo 8º da Instrução CVM nº 361/2002, a CVM não poderá inde-
ferir o registro da oferta de fechamento de capital por entender que o
critério adotado não seria adequado ou que o preço não seria “justo”17.
Com efeito, a Lei das S.A., conforme já mencionado, não conferiu
à CVM poderes para questionar o preço oferecido nas ofertas públicas
de fechamento de capital, mas apenas para obrigar o acionista contro-
lador a fundamentar o referido preço e a prestar todas as informações
necessárias para que os acionistas minoritários tenham condições de
avaliar se o preço proposto é efetivamente “justo”.
O poder de questionar o preço proposto para as ofertas públicas
de cancelamento de registro foi atribuído não à CVM, mas aos pró-

17 No entanto, pode fazer determinadas exigências. Por exemplo, no Processo


CVM SEI nº 19957.002961/2015-72, a Superintendência de Registro de Valores
Mobiliários – SRE, no âmbito do pedido de registro da OPA para cancelamento de
registro, determinou que o valor apurado no Laudo de Avaliação fosse atualizado,
diante das alterações significativas na cotação das ações ocorridas após a data
da avaliação (houve oscilação de mais de 151%). Isso foi ratificado pelo Diretor
Gustavo Borba, que assim motivou a exigência: “Afigura-se natural que, depois
da elaboração do laudo de avaliação, ocorram variações na cotação dos valores
mobiliários, sem que isso imponha a elaboração de novo laudo, mas apenas a
atualização do valor anteriormente calculado. Contudo, quando essa diferença
torna-se muito intensa, tal como ocorreu no presente caso, não há como afastar a
necessidade de elaboração de um novo laudo, sob pena de violação ao critério do
‘preço justo’ previsto no art. 4º, parágrafo único, da Lei nº 6.404/76 e no art. 16 da
Instrução CVM nº 361/02 [...] Anote-se que não se está a questionar a qualidade
do laudo técnico e o preço ofertado pelo controlador em 29/09/2015, mas sim
que, em virtude do longo tempo decorrido e da forte oscilação nas cotações, o
valor ofertado não mais corresponde, minimamente, ao valor justo das ações,
o que impõe, extraordinariamente, a realização de novo laudo de avaliação.”.
Também no Processo CVM SEI nº 19957.001060/2016-44 o Colegiado manteve
a determinação da SRE, no âmbito de pedido de registro de OPA para conversão
de registro de emissor da categoria A para B, de que o recorrente elaborasse outro
Laudo de Avaliação, de modo que o valor econômico da Companhia refletisse
a possibilidade de adição de novas concessões ou de renovação daquelas já
existentes, em linha com a sua estratégia de negócios.

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prios acionistas minoritários, a teor do que dispõe o artigo 4º-A da


Lei Societária.
De acordo com tal artigo, acionistas minoritários que sejam ti-
tulares de, no mínimo, 10% (dez por cento) das ações em circulação
no mercado podem requerer a convocação de assembleia especial,
a fim de deliberar sobre a realização de uma segunda avaliação da
companhia, por outro ou pelo mesmo critério adotado pelo acionista
controlador ou pela companhia emissora para a definição do “preço
justo” das ações objeto da oferta.
O dispositivo acima transcrito confere aos acionistas que repre-
sentem pelo menos 10% (dez por cento) das ações em circulação no
mercado enorme “poder de barganha”, visto que podem eles obstacu-
lizar a decisão do controlador de proceder ao fechamento de capital
da companhia18.
O requerimento para a convocação da referida assembleia espe-
cial deve ser apresentado no prazo de 15 (quinze) dias, contados da
data em que for publicado fato relevante informando ao mercado que
o laudo de avaliação elaborado para fundamentar o valor da oferta
pública encontra-se à disposição dos acionistas, conforme esclarece o
§ 1º do artigo 24 da Instrução CVM nº 361/2002. Tal requerimento
suspende o curso do processo de registro da OPA ou, já tendo sido este
concedido, o prazo de edital da OPA, adiando-se o respectivo leilão.
O pedido de convocação deve ser atendido pela administração da
companhia mediante a publicação de edital de convocação da assem-
bleia especial, no prazo de 8 (oito) dias, sob pena de serem legitimados
os acionistas minoritários, titulares de 10% (dez por cento) das ações
em circulação, a convocar diretamente o referido conclave.

18 A propósito, esclareça-se que, nos termos do artigo 3º, inciso III, da Instrução
CVM nº 361/2002, são consideradas em circulação no mercado todas as ações
do capital da companhia, menos as de propriedade do acionista controlador e
de pessoas a ele vinculadas, as detidas pelos administradores e as mantidas em
tesouraria.

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O objetivo único desta nova modalidade de assembleia especial


é o de deliberar sobre a realização de nova avaliação das ações, pelo
mesmo critério proposto pelo acionista controlador ou por outro.
Trata-se da assembleia de revisão do preço, mediante a qual a minoria
pode impugnar a avaliação apresentada pelo controlador.
Note-se que o pedido de revisão do preço da oferta pública, apre-
sentado pelos acionistas minoritários, deve ser devidamente fundamen-
tado, sob pena de ser recusado legitimamente pela administração da
companhia. De fato, a fim de evitar que o direito de requerer a revisão
do preço transforme-se em instrumento de abuso de minorias, o § 1º
do artigo 4º-A da Lei nº 6.404/1976 exige que seja ele acompanhado
de “elementos de convicção que demonstrem a existência de falha ou
imprecisão no emprego da metodologia de cálculo ou no critério de
avaliação adotado”.
Na prática, no entanto, é bastante remota a possibilidade de o
ofertante recusar-se a convocar a assembleia especial sob o fundamento
de que o pedido não está devidamente fundamentado. A não ser em
casos extremos de abuso por parte dos minoritários, o ofertante não
terá interesse em questionar a regularidade da fundamentação do
pedido de convocação, pois isto fatalmente suspenderia, por prazo
indeterminado, o curso do processo de registro e realização da OPA.
Convocada a assembleia especial, os titulares de ações em cir-
culação no mercado, incluindo os detentores de ações sem direito a
voto, deverão deliberar, por maioria absoluta de votos dos presentes,
conforme determina o artigo 129 da Lei das S.A., se rejeitam ou apro-
vam pedido de revisão do preço oferecido pelo acionista controlador
ou pela companhia emissora.
Caso os acionistas rejeitem o pedido de revisão na assembleia
especial, poderá ser dado prosseguimento ao procedimento de oferta
pública, retomando-se o curso do processo de registro da oferta pe-
rante a CVM.

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Na hipótese de ser aprovado o pedido de revisão, caberá à as-


sembleia especial nomear a empresa especializada responsável pela
elaboração do novo laudo de avaliação das ações objeto da oferta
pública, bem como aprovar sua remuneração e estabelecer o prazo,
não superior a 30 (trinta) dias, para que o novo laudo seja concluído.
As consequências da aprovação do pedido de revisão variarão
conforme a nova avaliação resulte em valor superior ou inferior ao
inicialmente oferecido pelo acionista controlador ou pela companhia
emissora pelas ações.
Caso o novo valor seja inferior ou igual ao preço original da oferta
pública, a oferta pública poderá prosseguir de acordo com o preço
inicialmente proposto pelo acionista controlador ou pela companhia
emissora.
Ressalte-se que, nesta hipótese, os acionistas que requereram a
realização da nova avaliação e aqueles que votaram a seu favor deve-
rão ressarcir a companhia pelos custos incorridos, de acordo com o
preceituado no artigo 4º-A, § 3º, da Lei das Sociedades Anônimas.
Por outro lado, se a nova avaliação resultar em valor superior ao
originalmente oferecido, não poderá ser dado prosseguimento à oferta
pública por preço inferior ao da nova avaliação. Em contrapartida, nem
o acionista controlador nem a companhia, conforme o caso, poderão
ser obrigados a adquirir as ações de emissão da companhia por um
preço superior ao que se dispuseram a pagar.
Dessa forma, na hipótese ora cogitada, o acionista controlador
ou a companhia terão que informar, mediante a publicação de fato
relevante no prazo de 5 (cinco) dias, contados da apresentação do laudo
de revisão, se concordam em pagar o valor apurado na nova avaliação
ou se desistem da oferta pública e, consequentemente, do fechamento
de capital da companhia.

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762 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

11.3.4. Necessidade de aceitação da oferta pública por mais de


2/3 (dois terços) das ações em circulação
Um dos objetivos essenciais das normas que regulam os proce-
dimentos de fechamento de capital, além de simplesmente assegurar
o direito de saída, é conferir aos minoritários titulares de percentual
relevante das ações em circulação no mercado a possibilidade de im-
pedir o cancelamento de registro de companhia aberta.
A respeito, lembre-se que qualquer pessoa, ao investir em deter-
minada companhia, tem a expectativa de que os valores mobiliários
por ela adquiridos poderão ser, a qualquer momento, negociados no
mercado. Logo, seria extremamente prejudicial ao próprio desenvolvi-
mento do mercado de capitais se tal expectativa pudesse ser revertida
por decisão discricionária dos acionistas controladores ou dos admi-
nistradores da companhia.
Assim, as instruções editadas pela CVM sempre condicionaram
o cancelamento do registro de companhia aberta à verificação de que
acionistas minoritários representando parcela significativa das ações
em circulação tivessem aceitado a oferta pública promovida pelo
acionista controlador ou manifestado expressa concordância com o
fechamento de capital.
Nos termos do artigo 16 da Instrução CVM nº 361/2002, tal
parcela está atualmente fixada em 2/3 (dois terços) das ações perten-
centes aos acionistas minoritários.
A verificação do atendimento ao requisito de que mais de 2/3
(dois terços) das ações em circulação tenham aceitado a oferta ou
concordado com o fechamento de capital não se faz exatamente sobre
a totalidade das ações em circulação no mercado, mas apenas sobre
aquelas detidas pelos acionistas que se credenciarem para participar
da oferta pública, conforme dispõe o artigo 16, inciso II, da Instrução
CVM nº 361/2002.

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A propósito, vale descrever, resumidamente, o procedimento pelo


qual os acionistas minoritários da companhia deverão aceitar a oferta
pública ou manifestar sua concordância ou discordância em relação
ao fechamento de capital.
Após a publicação do edital de oferta pública aprovado pela
CVM, os acionistas minoritários que pretendam vender suas ações,
concordar ou dissentir do cancelamento de registro da companhia
deverão credenciar, até a véspera do leilão, uma sociedade corretora
para representá-los no leilão da oferta pública.
No dia em que for realizado o leilão, as sociedades corretoras
deverão comunicar à Bolsa de Valores ou à entidade de mercado de
balcão organizado onde for realizado o leilão a quantidade de ações
detidas pelos acionistas por elas representados, assim como o número
de ações cujos titulares pretendam aceitar a oferta pública ou concor-
dem expressamente com o cancelamento de registro.
É com relação ao universo de acionistas credenciados, informa-
do pelas sociedades corretoras no dia do leilão da oferta pública, que
será apurado se foi ou não atendido o requisito de mais de 2/3 (dois
terços) de acionistas aceitantes ou concordantes com o fechamento
de capital da companhia.
Isto significa que as ações pertencentes aos acionistas que não
tenham se habilitado para participar do leilão da oferta pública não
serão consideradas como ações em circulação, para o efeito de se
verificar se a adesão à oferta atingiu mais de 2/3 (dois terços) dos
acionistas minoritários.
Logo, se o número de ações de propriedade dos acionistas aceitan-
tes ou concordantes for superior a 2/3 (dois terços) do total de ações
de titularidade dos acionistas credenciados, a CVM estará obrigada a
cancelar o registro de companhia aberta. Caso contrário, a companhia
manter-se-á como companhia aberta.

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Note-se, no entanto, que esses acionistas que não tenham se


habilitado para participar do leilão da oferta pública poderão, ainda,
exercer a faculdade de alienar suas ações pelo mesmo preço do leilão,
observando, para tanto, o prazo de 3 (três) meses da data da realização
do leilão, nos termos do artigo 21, § 1º, combinado com o § 2º do
artigo 10, todos da Instrução CVM nº 361/2002.

11.3.5. Resgate de ações após o cancelamento de registro de


companhia aberta

Uma das principais vantagens do procedimento de fechamento


de capital é a possibilidade de, após a realização da oferta pública e
uma vez cancelado o registro de companhia aberta, ser promovido o
resgate de ações que remanescerem em circulação.
O resgate, segundo o artigo 44 da Lei das S.A., constitui “o paga-
mento do valor das ações para retirá-las definitivamente de circulação,
com redução ou não do capital social”. Trata-se de faculdade atribuída
à companhia, a qual – desde que possua os fundos necessários – poderá,
a qualquer momento, proceder ao resgate das ações que compõem o
seu capital social19.
Mediante a operação de resgate, a companhia adquire compul-
soriamente as ações de sua emissão, com a finalidade precípua de
retirá-las de circulação. Opera, pois, o resgate, a transmissão forçada
e irrecorrível da propriedade das ações do acionista para o domínio da
sociedade, a qual, em seguida, tratará de extingui-las20.
Em função de seu caráter compulsório, o resgate, em regra, deveria
abranger a totalidade das ações de uma mesma espécie ou classe ou,
caso contrário, ser feito mediante sorteio, conforme prescreve o § 4º do
artigo 44 da Lei das Sociedades Anônimas. Tal regra visa a assegurar o

19 COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CVM). “Parecer sobre Resgate de Ação”.


Revista da Comissão de Valores Mobiliários. Rio de Janeiro: Comissão de Valores
Mobiliários, v. 1, n. 3, set.-dez. 1983, p. 26.
20 NELSON EIZIRIK. Aspectos Modernos do Direito Societário. Rio de Janeiro:
Renovar, 1992, pp. 98-99.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 765

caráter impessoal do resgate, impedindo que o instituto seja utilizado


para possibilitar a exclusão de determinados acionistas da companhia.
Além disso, por força do disposto no artigo 44, § 6º, da Lei nº
6.404/1976, introduzido pela Lei nº 10.303/2001, a efetivação do
resgate dependeria de sua aprovação, em assembleia especial, por parte
de acionistas representando, pelo menos, metade das ações da espécie
ou classe a serem resgatadas.
No entanto, a Lei nº 10.303/2001, ao acrescentar o § 5º ao artigo
4º da Lei Societária, autorizou a assembleia geral a aprovar o resgate
apenas das ações que remanescerem em circulação após o fechamento
de capital da companhia, desde que tais ações representem menos de
5% (cinco por cento) do total de ações emitidas pela companhia e que
seja depositado, em favor dos seus titulares, o valor praticado na oferta
pública de cancelamento de registro.
Vale dizer, a Lei Societária permite que, observadas as condições
nela previstas, a assembleia geral delibere o resgate apenas das ações
pertencentes aos acionistas minoritários, permanecendo o acionista
controlador com a titularidade de suas ações, visto que estas não são
consideradas ações em circulação.
A operação de resgate ora comentada constitui uma forma expres-
samente prevista pela Lei Societária para se converter em subsidiária
integral a companhia que teve seu capital fechado, retirando-se de
circulação todas as ações não detidas pelo acionista controlador.
Ademais, o resgate ora mencionado não depende de aprovação
em assembleia especial das ações resgatadas, visto que o artigo 4º, § 5º,
da Lei das S.A. expressamente afastou a incidência do § 6º do artigo
44 da Lei das Sociedades Anônimas.
Como se verifica, o artigo 4º, § 5º, da Lei nº 6.404/1976 instituiu,
em nosso sistema de Direito societário, uma nova modalidade de res-
gate, visto que, ao contrário das operações realizadas com fundamento
no artigo 44 da Lei das S.A., são resgatadas as ações pertencentes

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apenas aos acionistas minoritários remanescentes, sem sorteio, e estes


não são consultados sobre a efetivação da operação.
A intenção do legislador, no caso, foi a de permitir que a companhia
que cancelou o registro como aberta não seja obrigada a manter, indefini-
damente, nos quadros sociais uma quantidade muito pequena de acionistas,
possuidores de menos de 5% (cinco por cento) do capital social.
A manutenção nos quadros sociais de tais acionistas pode repre-
sentar custos desnecessários para a companhia fechada, com serviços
de emissão, registro, transferência e guarda de ações, especialmente
considerando que, na realidade, muitas vezes os aludidos acionistas
sequer têm conhecimento das ações de que são titulares.
Tal modalidade de resgate somente poderá ser aprovada, conforme
expresso na própria redação do artigo 4º, § 5º, da Lei das S.A., após
a realização da oferta pública de cancelamento de registro de com-
panhia aberta e desde que tal oferta tenha efetivamente resultado no
fechamento de capital da companhia.
Conforme o entendimento da CVM, as companhias em que o
percentual de ações em circulação seja inferior a 5% (cinco por cento)
não podem implementar diretamente o referido resgate, sem que antes
seja realizada a oferta pública de fechamento de capital21.
Portanto, para que a nova modalidade de resgate seja legitima-
mente utilizada, de acordo com a orientação da CVM, devem ser
atendidos os seguintes requisitos:
(a) tenha ocorrido o prévio fechamento de capital da com-
panhia, por meio de oferta pública de aquisição de ações,
realizada de acordo com a regulamentação editada pela
CVM22;

21 Neste sentido, inclusive, já se manifestou o Colegiado da CVM: veja-se o voto do


Diretor Relator Luiz Antônio de Sampaio Campos, proferido no Processo CVM
nº RJ 2002/3430, j. 11.02.2003.
22 Em nosso entendimento, o requisito “a”, acima, não é necessário, uma vez que
a possibilidade de realização do resgate previsto no § 5º do artigo 4º da Lei nº
6.404/1976 aplica-se também às companhias que realizaram ofertas públicas e

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(b) após a referida oferta pública tenha restado em circulação


menos de 5% (cinco por cento) das ações de emissão da
Companhia; e
(c) seja depositado em nome dos acionistas minoritários re-
manescentes, em estabelecimento bancário autorizado pela
CVM, valor equivalente ao praticado na oferta pública de
fechamento de capital.

11.3.6. Controvérsia envolvendo a incorporação de ações


A conversão de uma companhia aberta em subsidiária integral,
por força de uma operação de incorporação de ações, pode apresentar
como uma de suas consequências o fechamento de capital da socie-
dade incorporada, sem o cumprimento do procedimento previsto no
artigo 4º, § 4º, da Lei das S.A. e na Instrução CVM nº 361/2002,
notadamente a realização da oferta pública de aquisição das ações
pertencentes aos acionistas minoritários.
Nos termos do sistema atual, a eventual exigência, por parte da
CVM, de observância dos referidos procedimentos seria incompatível
com o próprio negócio jurídico da conversão em subsidiária integral,
que a Lei Societária prevê como legítimo e factível, independentemente
de ser ou não aberta a companhia convertida, uma vez que não haveria
destinatários para a eventual oferta pública de aquisição de ações.
No entanto, durante algum tempo, chegou a prevalecer o entendi-
mento, no âmbito da própria CVM, de que a operação de incorporação
de ações constituiria um negócio jurídico indireto que, em verdade,
teria por único objetivo obter o cancelamento do registro da sociedade
incorporada como companhia aberta, sem que fossem atendidos os
requisitos legais e regulamentares para tanto.

cancelaram seu registro perante a CVM antes da edição da Lei nº 10.303/2001


(NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005,
pp. 366-382).

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Neste sentido, ao analisar o Processo nº RJ 2000/6117, o Cole-


giado da CVM determinou que, para atingir o objetivo de incorporar
a totalidade das ações de sua controlada, a incorporadora deveria
previamente realizar oferta pública de compra da totalidade das ações,
em circulação no mercado, de emissão da incorporada.
Após a entrada em vigor da Lei nº 10.303/2001, a CVM refor-
mulou seu entendimento sobre a questão, tendo reconhecido que a Lei
Societária autorizava expressamente a operação de incorporação de
ações e não a submetia aos requisitos para o cancelamento de registro
de companhia aberta.
De fato, ao julgar o Processo nº RJ 2001/11663, o Colegiado
da CVM manifestou-se expressamente sobre a ausência de funda-
mentação legal para a exigência de realização de oferta pública como
condição de validade da operação de incorporação de ações.
Esta questão voltou a ser analisada pelo Colegiado da CVM no
Processo nº RJ 2004/2274. Note-se que este caso continha uma par-
ticularidade especialmente relevante para os acionistas minoritários
da companhia aberta convertida em subsidiária integral, uma vez que,
ao contrário do que ocorreu nos dois casos anteriormente citados,
a sociedade incorporadora não estava registrada como companhia
aberta. Ou seja, os acionistas minoritários perderiam as condições
de liquidez para seu investimento, visto que, em contrapartida pela
alienação compulsória das ações de sua propriedade, receberiam ações
de emissão de uma companhia fechada.
No entanto, mesmo ciente de tal circunstância, o Colegiado da
CVM manteve o entendimento de que não poderia obstar a realização
de uma operação de incorporação de ações, ou sujeitá-la aos requisitos
necessários ao cancelamento de registro de companhia aberta, uma
vez que “a incorporação de ações é modalidade de operação expres-
samente autorizada pela Lei nº 6.404, de 1976, cuja disciplina não
se confunde com as normas aplicáveis ao fechamento de capital de
companhias abertas”.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 769

A questão foi novamente levada ao Colegiado da CVM no Pro-


cesso nº RJ 2005/520323. Seguindo a mesma orientação das últimas
decisões proferidas, a CVM entendeu que a incorporação de ações
não se confunde com o procedimento exigido para o cancelamento
do registro de companhia aberta.
Verifica-se, pois, que a CVM consolidou corretamente o enten-
dimento de que a disciplina do artigo 4º e seus parágrafos, da Lei nº
6.404/1976, bem como as disposições da Instrução CVM nº 361/2002,
referentes aos procedimentos para cancelamento de registro de com-
panhia aberta, com a exigência da formulação de oferta pública, não
se confundem com o instituto da incorporação de todas as ações do
capital social de uma companhia ao patrimônio de outra para conver-
tê-la em subsidiária integral, instituto este regulado pelo artigo 252 da
Lei das S.A., que, em determinados casos, notadamente nas situações
envolvendo incorporação de companhias controladas, também obser-
vará, no que couber, as determinações do artigo 264 da referida lei.
Portanto, para que a incorporação de ações seja legitimamente
realizada, basta que as companhias envolvidas atendam aos requisitos
expressamente estabelecidos na Lei das S.A., não sendo necessário o
cumprimento das regras legais e regulamentares que disciplinam o
fechamento de capital, especialmente a realização de prévia oferta pú-
blica para aquisição das ações pertencentes aos acionistas minoritários.

23 Posteriormente, o entendimento foi corroborado no PA CVM nº RJ2007/14099,


Rel. Dir. Durval Soledade, j. 29.001.2008. Também no PA CVM nº RJ2008/4156,
Rel. Dir. Sergio Weguellin, j. 17.06.2008, no qual o Diretor Marcos Pinto explica
em seu voto: “2.1 Ninguém tem dúvidas, acredito eu, que a incorporação de uma
companhia não equivale a uma alienação de controle. A Lei nº 6.404/76 não deixa
margem para discussão a esse respeito, pois trata essas operações por meio de
dispositivos distintos e de maneira completamente diversa. 2.2 Tampouco resta
dúvida, acredito eu, de que a incorporação não gera a necessidade de oferta
púbica para os acionistas das companhias diretamente envolvidas, nem mesmo
quando ocorre mudança do acionista controlador de uma das companhias. Não
há necessidade de oferta pública porque, na incorporação, todos os acionistas
devem, via de regra, receber o mesmo valor pelas suas ações.”

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770 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Vale salientar, no entanto, que o objetivo da incorporação de


ações sempre deve estar vinculado ao interesse social, sendo essencial
a presença de motivações econômico-financeiras de interesse das
sociedades envolvidas que justifiquem a realização da operação pre-
tendida, independentemente dela eventualmente poder resultar em
fechamento de capital.
Caso o instituto seja utilizado com a finalidade única de se atingir
o fechamento de capital da companhia cujas ações serão incorporadas,
a incorporação de ações caracterizará negócio jurídico em fraude à lei.

311.4. OPA por aumento de participação


A expressão “fechamento branco” de capital é utilizada na prática
do mercado para designar os casos em que o acionista controlador
adquire, paulatinamente, as ações em circulação no mercado emitidas
pela companhia que controla, sem, no entanto, realizar uma oferta
pública para cancelar o seu registro perante a CVM.
Essa prática pode ser prejudicial aos interesses dos acionistas
minoritários, na medida em que, ao adquirir quantidade significativa
das ações de emissão de sua controlada, o acionista controlador reduz a
liquidez dos papéis, sem, no entanto, assegurar ao acionista minoritário
as proteções que lhe seriam conferidas caso a aquisição ocorresse por
meio de uma oferta pública de cancelamento de registro.
Com a liquidez reduzida, o acionista controlador passa a ter o
poder de determinar o preço e as condições em que as ações de sua
controlada serão negociadas no mercado secundário, visto que, caso
resolva alienar suas ações, o acionista minoritário passa a ter como
único comprador potencial o próprio acionista controlador.
Além disso, constata-se que, historicamente, as aquisições promo-
vidas pelo acionista controlador, nos casos de “fechamento branco” de
capital, não tratavam equitativamente os acionistas minoritários, visto
que o controlador tinha liberdade para, a cada negociação, oferecer
preços ou condições de pagamento diferenciados.

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A CVM, tendo detectado o caráter abusivo de tal prática, editou


a Instrução CVM nº 299/1999, a qual dispôs, em seu artigo 12, que
o controlador somente poderia elevar sua participação acionária em
10% (dez por cento) ou mais das ações de cada espécie ou classe de
emissão de sua controlada caso promovesse oferta pública destinada a
todos os minoritários, titulares de ações da mesma espécie e/ou classe
daquelas que constituíam o objeto da sua aquisição.
Assim, a partir da edição da Instrução CVM nº 299/1999, a
redução de liquidez das ações de companhia aberta somente poderia
ser feita por meio de procedimento de oferta pública, no qual é asse-
gurado o tratamento igualitário aos acionistas minoritários, visto que
todos teriam a oportunidade de vender suas ações ao mesmo preço e
nas mesmas condições.
No entanto, verificou-se que a obrigatoriedade de realização de
oferta pública, imposta pelo artigo 12 da Instrução CVM nº 299/1999,
não inibia a prática do “fechamento branco” de capital. De fato, o
acionista controlador continuava a poder adquirir parcela significativa
das ações de emissão de sua controlada, reduzindo a liquidez de tais
ações no mercado, sem que fossem assegurados aos minoritários os
mecanismos de proteção previstos nas ofertas públicas de cancelamento
de registro de companhia aberta.
Por esse motivo foi editada a Instrução CVM nº 345/2000, que
praticamente inviabilizou as operações de “fechamento branco” de
capital. De acordo com tal Instrução, para que o acionista controlador
pudesse adquirir mais de 1/3 (um terço) das ações em circulação no
mercado, a oferta pública por ele promovida deveria observar todas
as regras e procedimentos estabelecidos para as ofertas públicas de
cancelamento de registro de companhia aberta.
Com a reforma realizada pela Lei nº 10.303/2001 na Lei das
S.A., houve a institucionalização em lei de tais normas regulatórias
da CVM, inibidoras do “fechamento branco” de capital.

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772 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Foi introduzido no artigo 4º da Lei das S.A. o § 6º, criando-se


uma nova modalidade de OPA obrigatória, qual seja, a OPA por
aumento de participação do acionista controlador. De acordo com tal
dispositivo, “o acionista controlador ou a sociedade controladora que
adquirir ações da companhia aberta sob seu controle que elevem sua
participação, direta ou indireta, em determinada espécie e classe de
ações à percentagem que, segundo normas gerais expedidas pela CVM,
impeça a liquidez de mercado das ações remanescentes, será obrigado
a fazer oferta pública, por preço determinado nos termos do § 4º, para
aquisição da totalidade das ações remanescentes no mercado”.
Como se verifica, o objetivo do novo § 6º do artigo 4º, à seme-
lhança da Instrução CVM nº 345/2000, consiste em evitar que o
acionista controlador impeça a liquidez das ações de emissão de sua
controlada no mercado, em detrimento dos interesses dos acionistas
minoritários24. Para que possa adquirir quantidades significativas de
ações, o controlador deverá observar todos os procedimentos previstos

24 A CVM já registrou seu entendimento de que a aferição da redução de liquidez é


feita de forma objetiva, levando em consideração os parâmetros estabelecidos em
sua regulamentação (aquisição de mais de 1/3 das ações em circulação ou aumento
de 10% da participação), isto é, independente de qualquer outra circunstância
sobre o efetivo grau de liquidez das ações em circulação. Essa foi a conclusão do
Colegiado no PA RJ2011/2817, Rel. Dir. Henrique Machado, j. 02.08.2016. Nesse
caso, a Companhia recorrente alegava que a falta de liquidez das ações, anterior à
aquisição de mais de 1/3 dos títulos em circulação, não coincidia com a ratio legis da
norma, pois esta pretendia defender a perda de liquidez das ações. Não havendo
liquidez anterior, não haveria como perdê-la devido à aquisição. Por isso, pretendia
fosse dispensada de realizar a OPA obrigatória por aumento de participação. No
entanto, o Colegiado decidiu: “27. Em consonância com a competência que lhe
foi atribuída, a CVM redigiu o art. 26 da Instrução CVM nº 361, de 2002, que, tal
como já mencionado, fixou como critério de aferição da redução de liquidez a
aquisição, pelo controlador, pessoas a ele vinculadas ou pessoas que atuem em
conjunto com o controlador, de ‘mais de 1/3 (um terço) do total das ações de cada
espécie e classe em circulação’ [...] os precedentes também demonstram que a sua
verificação é objetiva, ou seja, que sua análise ocorre de maneira independente
de qualquer outro juízo sobre o grau de liquidez das ações em circulação de
determinada companhia.”. No mesmo sentido, o PA CVM nº RJ2012/14764 Rel.
Dir. Otavio Yazbek, j. 30.07.2013; e o PA CVM nº RJ2014/4394, j. 03.06.2014.
Também o PA CVM nº 2005/2789,Rel. Dir. Roberto Tadeu, j. 09.08.2005, no qual
se decidiu pela obrigatoriedade da OPA por aumento de participação ainda que
não houvesse indícios de liquidez anterior das ações em circulação.

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para as ofertas públicas de cancelamento de registro de companhia


aberta, especialmente no que se refere à fixação do preço da oferta.
A CVM, de acordo com a competência que lhe foi legalmente
atribuída, estabeleceu, então, no artigo 26 da Instrução CVM nº
361/2002, duas hipóteses em que o acionista controlador fica obrigado
a realizar oferta pública para aquisição de todas as ações em circulação
no mercado.
Em primeiro lugar, o caput do artigo 26 da Instrução CVM nº
361/2002 determina que a OPA por aumento de participação “deverá
realizar-se sempre que o acionista controlador, pessoa a ele vinculada,
e outras pessoas que atuem em conjunto com o acionista controlador
ou pessoa a ele vinculada,25 adquiram, por outro meio que não uma
OPA, ações que representem mais de 1/3 (um terço) do total das ações
de cada espécie e classe em circulação [...]”26.

25 Tem prevalecido na CVM o entendimento de que ascendentes, descendentes ou


parentes colaterais até o 2º grau do controlador representam, presumidamente,
os mesmos interesses, pelo que devem ser consideradas pessoas vinculadas para
fins de se exigir a realização de oferta pública por aumento de participação (como
explicitado, por exemplo, no PA CVM nº RJ2014/372, PA CVM nº RJ99/5850 e PA
CVM nº 2001/1466). No entanto, o conceito de pessoas vinculadas ao controlador,
por implicar uma limitação ao direito de aquisição de ações de emissão de
companhia aberta, deveria ser interpretado restritivamente. Deveria haver outros
elementos, que não a simples relação de filiação e/ou parentesco, a comprovar
o vínculo de interesses com o acionista controlador. Sobre o assunto, v. Processo
SEI CVM nº 19957.008059/2016-41.
26 O excesso de participação em ações de cada espécie e classe em circulação é o
que dá ensejo à obrigação de realizar a oferta pública. Em razão disso, em caso
em que a companhia controlada possuía diversas classes de ações preferenciais,
e o controlador havia excedido sua participação em relação a algumas delas, o
Colegiado da CVM já foi instado a se manifestar se a oferta pública deveria incidir
sobre a totalidade das ações preferenciais, ou apenas sobre as classes em que tinha
havido o excesso. Acertadamente, a Autarquia ponderou que, na precificação
dos papéis de uma companhia, leva-se em consideração questões atinentes a
cada classe – ou a cada espécie de ações, quando essas não são divididas em
classe. Dessa forma, o excesso de participação em relação a dada classe de ações
preferenciais afetaria apenas a liquidez dessa classe, não se justificando que a oferta
pública por aumento de participação incidisse sobre todas as ações preferenciais
.(Ver Processo Administrativo CVM nº RJ2011/2817, Rel. Dir. Henrique Machado,
j. 02.08.2016)

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774 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Como se verifica, a Instrução CVM nº 361/2002, seguindo a mes-


ma orientação da Instrução CVM nº 345/2000, considerou que ficaria
caracterizado o impedimento à liquidez das ações e, consequentemente,
fixou como parâmetro, para o estabelecimento da obrigatoriedade de
formulação de OPA por aumento de participação, a aquisição de ações
que representem 1/3 (um terço) do total de ações de cada espécie e
classe em circulação no mercado.
Note-se que tal critério foi fixado em relação ao número de ações
em circulação no mercado – ou seja, as ações emitidas pela compa-
nhia, excetuando-se deste rol aquelas detidas pelo controlador, por
pessoas a ele vinculadas, por administradores da companhia objeto,
e aquelas em tesouraria – e não com base no total de ações emitidas
pela companhia27.
Além disso, ao prever a obrigatoriedade da oferta pública por au-
mento de participação do acionista controlador, o referido dispositivo
expressamente excluiu as hipóteses em que tal aumento tenha decor-
rido de aquisições realizadas no âmbito de uma OPA. Fica claro que a
aquisição de ações por meio de uma OPA promovida pelo controlador
não enseja a obrigatoriedade da realização da OPA por aumento de
participação, ainda que, em função das aquisições efetuadas na OPA
anterior, tenha sido ultrapassado o limite de 1/3 (um terço) previsto
no dispositivo em tela28.

27 Tendo em vista que, muitas vezes, a quantidade de ações em circulação no


mercado de uma companhia sofre variações significativas após a abertura de
capital, em função de operações como aumentos de capital ou reorganizações
societárias, a Instrução CVM nº 361/2002 prevê, em seu artigo 35-A, que “a pedido
do acionista controlador, a CVM poderá autorizar que sejam realizados ajustes no
número de ações em circulação que serve de base para cálculo do limite de 1/3
(um terço) previsto nos arts. 15, inciso I e 26, caso esse número tenha se alterado
de maneira significativa após as datas estabelecidas nos referidos dispositivos e
no art. 37, §1º, em razão de aumentos de capital, ofertas públicas de distribuição
ou operações societárias”.
28 Sobre esta exceção, a CVM já se manifestou nos seguintes termos :“A própria
regra do art. 26 da Instrução 361/02, que disciplina a OPA por aumento de
participação, reconhece sua natureza posterior a uma aquisição, e deixa claro:
desde que tal aquisição tenha se dado ‘por outro meio que não uma OPA’. Em
outras palavras: uma OPA [...] do controlador não obrigará a realização de outra

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A segunda hipótese em que pode ser determinada a realização


da OPA por aumento de participação está prevista no § 1º do artigo
26 da InstruçãoCVM nº 361/2002, de acordo com o qual o acionista
controlador que detiver mais da metade das ações de cada espécie ou
classe de emissão de sua controlada também poderá ser obrigado a
promover a OPA quando adquirir ações representativas de, pelo menos,
10% (dez por cento) do total de ações de determinada espécie e classe,
em período inferior a 12 (doze) meses.
Dessa forma, para que se configure esta segunda hipótese da
oferta pública por aumento de participação, devem estar presentes os
seguintes requisitos:
(a) que o grupo controlador detenha mais de 50% (cinquenta
por cento) das ações de determinada espécie ou classe; e
(b) que o grupo adquira participação igual ou superior a 10%
(dez por cento) de determinada espécie ou classe, em
período não superior a 12 (doze) meses.
Note-se que, ao contrário do que ocorre com a hipótese descrita
no caput do artigo 26 da Instrução, a realização da OPA por aumento
de participação não se torna obrigatória pela simples configuração
dos requisitos acima elencados. Conforme dispõe o § 1º do aludido
dispositivo, uma vez constatada a presença de tais requisitos, a CVM
poderá, no prazo de 6 (seis) meses, determinar a realização da OPA,
caso entenda que a aquisição teve o efeito de impedir a liquidez das
ações da espécie ou classe adquirida.
Saliente-se, ainda, que, em qualquer das duas hipóteses, o acionista
controlador não poderá ser obrigado a realizar a oferta pública caso
sua participação em cada espécie ou classe de ações seja aumentada em

OPA, agora por aumento de participação. E isso pela simples razão de que a todos
os demais acionistas terá sido dada a oportunidade de aceitar a OPA, e vender
[...] suas ações.” (Processo Administrador CVM nº RJ2007/5587, j. 29.05.2007.
Voto proferido pelo Diretor Marcelo Fernandez Trindade). No mesmo sentido o
Processo Administrativo CVM nº RJ 2010/13241, Relator Diretor Otávio Yazbek, j.
em 19.04.2011.

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776 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

percentual superior ao autorizado pela CVM, em virtude da subscrição


de aumento de capital.
Com efeito, na hipótese de os acionistas minoritários não exerce-
rem integralmente seu direito de preferência nos aumentos de capital
da companhia, o controlador poderá aumentar sua participação no
capital de sua controlada por meio da subscrição de sobras, sem que,
com isso, possa ser obrigado a realizar oferta pública.
Entender o contrário praticamente inviabilizaria qualquer aumen-
to de capital de companhia aberta, visto que, se os minoritários não
exercerem o direito de preferência e não houver interesse de terceiros
subscritores, o acionista controlador estaria obrigado a cancelar o
aumento de capital ou a promover oferta pública para aquisição das
ações pertencentes aos minoritários.
Obviamente, essa não é a finalidade do § 6º do artigo 4º, visto
que não se poderia impedir o acionista controlador de financiar o de-
senvolvimento da companhia com seus próprios recursos. Ademais, a
subscrição de ações em aumento de capital não interfere no número
de ações em circulação e, consequentemente, não afeta a liquidez das
ações no mercado.
Note-se que, conforme referido, a OPA por aumento de par-
ticipação está sujeita a todas as regras incidentes sobre a OPA para
cancelamento de registro, inclusive a possibilidade de revisão do preço
da oferta, por deliberação aprovada em assembleia especial das ações
em circulação no mercado. No entanto, ao contrário do que ocorre na
OPA para fechamento de capital, o ofertante não poderá simplesmente
desistir da OPA caso o pedido de revisão resulte na fixação de um
valor superior ao que ele originalmente propôs.
Com efeito, como as aquisições por ele realizadas já tiveram o
efeito de reduzir a liquidez das ações remanescentes, ele somente
poderia se eximir da obrigação de promover a OPA em questão caso
alienasse no mercado as ações por ele adquiridas e que excedam os
percentuais estabelecidos no artigo 26 da Instrução.

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Tal possibilidade foi expressamente prevista no artigo 28 da


Instrução CVM nº 361/2002, segundo o qual será lícito ao acionista
controlador solicitar à CVM autorização para não realizar a OPA por
aumento de participação, desde que se comprometa a alienar, para
pessoas que não sejam a ele vinculadas, o excesso de participação no
prazo de 3 (três) meses, a contar da ocorrência da aquisição29.
A alienação da participação excedente antes da autorização
da CVM não exime o acionista controlador de realizar a OPA por
aumento de participação, sendo necessária a prévia manifestação da
autarquia para que a adoção do procedimento alternativo de que trata o
artigo 28 da Instrução CVM nº 361/2002 afaste a incidência da OPA.
A CVM poderá prorrogar uma única vez este prazo, caso verifique,
a requerimento do interessado, que a alienação de todo o bloco no
prazo inicial poderá afetar significativamente as cotações das ações na
bolsa de valores ou no mercado de balcão organizado em que estejam
admitidas à negociação.
Caso as ações não sejam alienadas no prazo e na forma previstos,
o acionista controlador deverá apresentar à CVM requerimento de
registro de OPA por aumento de participação no prazo de 30 (trinta)
dias, a contar do término do prazo de 3 (três) meses acima referido, e,
neste caso, poderá ser obrigado a promover a OPA independente­mente
do valor eventualmente apontado no processo de revisão solicitado
pelos minoritários.

29 Segundo já decidido pela CVM, o prazo de 3 (três) meses estabelecido pela norma
regulamentar deve ser prorrogado caso haja eventual atraso decorrente da atuação
da CVM em autorizar a adoção do procedimento alternativo: “Ao estabelecer o
prazo de 3 meses a contar da aquisição das ações para a venda do excesso, sem
levar em conta o prazo de autorização pela CVM, a Instrução quis, na verdade,
devolver as ações ao mercado o mais rapidamente possível, evitando, assim,
maiores prejuízos para a sua liquidez. Note-se, entretanto, que dentro desse
prazo deve também ser obtida a autorização da CVM. Isto o torna potestativo.
Diante disso, o eventual atraso decorrente da atuação da CVM deve gerar uma
prorrogação do referido prazo.” Processo Administrativo CVM nº RJ 2004/4912,
Rel. Norma Jonssen Parente, j. 16.11.2004.

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Os regulamentos dos segmentos especiais de listagem da B3 não


contêm previsão específica a respeito das ofertas públicas por aumento
de participação30. Entretanto, o autorregulador também se preocupou,
à semelhança da CVM, em assegurar a liquidez das ações de emissão
das companhias aderentes a elas. Dessa forma, exigiu que as socieda-
des listadas no Novo Mercado31 e nos Níveis 1 ou 2 mantenham em
circulação, pelo menos, 25% de suas ações (chamado free-float).
Esse mecanismo é ainda mais eficaz em garantir a liquidez dos
papéis do que a oferta pública por aumento de participação, pois se
trata de patamar aplicável a todas as companhias listadas nesse seg-
mento – ao passo que a regulação da CVM, ao disciplinar o § 6º do
artigo 4º da Lei das S.A., preserva a liquidez das ações no estado em
que se encontravam quando da entrada em vigor dessa exigência.

11.5. OPA por alienação de controle

11.5.1. Histórico e objetivos da OPA por alienação de


controle de companhia aberta

A alienação de controle é uma operação de caráter privado decor-


rente de uma prévia negociação entre o acionista controlador alienante

30 Para Luiz Leonardo Cantidiano, as OPAs para saída de segmento especial de listagem
têm caráter compulsório, por serem fruto de disposição estatutária aprovada em
AGE, e, por isso, não deveriam se submeter ao regramento destinado às OPAs por
aumento de participação, as quais têm caráter voluntário: “[...] é indiscutível, em minha
opinião, que a OPA tem um caráter compulsório, razão pela qual não faz sentido
algum submeter referida oferta às regras de OPA por aumento de participação, a qual
tem um caráter eminentemente voluntário, e resulta (i) de decisão prévia do próprio
controlador de adquirir ações no mercado que não por meio de uma OPA ou (ii) da
decisão do controlador de adquirir mais ações, quando já tiver ultrapassado, em OPAs
anteriores, o limite fixado no artigo 15 da Instrução CVM nº 361/02.” (LUIZ LEONARDO
CANTIDIANO. Oferta Pública para Saída de Nível Diferenciado de Governança
Corporativa. In: RODRIGO ROCHA MONTEIRO DE CASTRO; WALFRIDO JORGE
WARDE JÚNIOR; CAROLINA DIAS TAVARES GUERREIRO (coord.). Direito Empresarial
e Outros Estudos em Homenagem ao Professor José Alexandre Tavares Guerreiro.
São Paulo: Quartier Latin, 2013, pp.171-182.
31 Como já referido no item 6.5.7. do Capítulo 6, após as reformas implementadas
em 2017, a regra geral de manutenção de 25% de ações em circulação admite duas
exceções na regulamentação do Novo Mercado.

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e o adquirente do controle acionário, na qual, entre outras condições,


são estabelecidos contratualmente a quantidade de ações objeto de
alienação e o preço que deverá ser pago por esse bloco de ações32.
Tal operação de alienação de controle de companhia aberta
acarreta, em diversos ordenamentos jurídicos, a obrigatoriedade de o
adquirente do controle promover oferta pública dirigida aos acionistas
minoritários, assegurando-lhes o direito de venderem as ações de sua
propriedade em conjunto com o antigo controlador, no momento em
que este transfere o poder de controle.
Com efeito, no Direito Inglês, a imposição legal da oferta pú-
blica por ocasião da alienação do controle de companhia aberta foi
inicialmente adotada, com a promulgação do City Code, em 1968. O
fundamento para a obrigatoriedade de realização das ofertas públicas
obrigatórias (mandatory offers) é justamente permitir que os acionistas
minoritários possam usufruir das mesmas oportunidades obtidas pelos
controladores quando estes estejam se retirando da companhia33.
No Direito Francês, também prevalece o princípio de igualdade
de oportunidades entre os acionistas, do qual resulta a necessidade
de, nos casos de alienação de controle, o adquirente formular oferta
pública para comprar as ações detidas pelos acionistas minoritários ao
mesmo preço pelo qual a cessão do bloco de controle foi realizada34.
Com base em tais princípios, a Diretiva Europeia 2004/25/CE
sobre ofertas públicas de aquisições35 estabeleceu, como regra geral, a

32 ROBERTA NIOAC PRADO. Oferta Pública de Ações Obrigatória nas S.A. – Tag
Along. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 119.
33 PAUL L. DAVIES. Gower and Davies’ Principles of Modern Company Law. London:
Sweet & Maxwell, 2003, p. 727.
34 ALAIN VIANDIER. OPA, OPE et autres offres publiques. Paris: Francis Lefebvre,
1999, pp. 374 et seg
35 De acordo com o artigo 5º da Diretiva, “1. Sempre que uma pessoa singular ou
colectiva, na sequência de uma aquisição efectuada por si ou por pessoas que
com ela actuam em concertação, venha a deter valores mobiliários de uma
sociedade a que se refere o nº 1 do artigo 1º que, adicionados a uma eventual
participação que já detenha e à participação detida pelas pessoas que com ela
actuam em concertação, lhe confiram directa ou indirectamente uma determinada

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necessidade da realização da oferta de aquisição obrigatória sempre


que determinado acionista venha a deter ações em quantidade que lhe
confira o poder de controle sobre a companhia, delegando, no entanto,
à legislação de cada país a definição do percentual do capital votante a
partir do qual considera-se que o acionista passa a dispor do controle
da companhia e, consequentemente, está obrigado a realizar a oferta
obrigatória36.
Em nosso ordenamento jurídico, o direito de saída conjunta pas-
sou a ser assegurado aos acionistas minoritários a partir do advento
da Lei nº 6.404/1976, que impôs ao adquirente do controle acionário
de companhia aberta a obrigação de estender aos demais acionistas o
mesmo preço que havia sido pago ao alienante do bloco de ações que
lhe assegurava o poder de controle37.
Para garantir a efetividade de tal direito, o artigo 254 da Lei
nº 6.404/1976, em sua redação original, condicionou a alienação do
controle acionário de companhia aberta à prévia aprovação da CVM
e o § 1º do mesmo artigo atribuiu à CVM o dever de zelar para que
fosse assegurado tratamento igualitário aos acionistas minoritários,

percentagem dos direitos de voto nessa sociedade, permitindo-lhe dispor


do controlo da mesma, os Estados-Membros asseguram que essa pessoa deva
lançar uma oferta a fim de proteger os accionistas minoritários dessa sociedade.
Esta oferta deve ser dirigida o mais rapidamente possível a todos os titulares
de valores mobiliários, para a totalidade das suas participações, a um preço
equitativo definido no nº 4. 2. O dever de lançar uma oferta previsto no nº 1 não
é aplicável quando o controlo tiver sido adquirido na sequência de uma oferta
voluntária realizada em conformidade com a presente directiva, dirigida a todos
os titulares de valores mobiliários, para a totalidade das suas participações. 3. A
percentagem de direitos de voto que confere o controlo de uma sociedade, para
efeitos do nº 1, bem como a fórmula do respectivo cálculo, são determinados pela
regulamentação do Estado-Membro em que se situa a sua sede social.” (grifamos).
36 Na maioria dos países europeus, o percentual a partir do qual a OPA passa a ser
obrigatória foi fixado em 30% (trinta por cento) do capital votante.
37 Para uma análise sobre o histórico da OPA por alienação de controle, ver
EDUARDO SECCHI MUNHOZ. Aquisição de controle acionário: Alienação e
Tomada. Tese para obtenção do título de Livre-docente em Direito comercial
pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.Faculdade de Direito,
Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011.

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mediante a apresentação de simultânea oferta pública para aquisição


das ações de sua propriedade.
Vale dizer, impunha-se ao adquirente do controle acionário de
companhia aberta a obrigação de estender aos acionistas minoritários
o mesmo preço que havia sido pago ao alienante do bloco de ações
que lhe assegurava o poder de controle.
A Lei nº 9.457/1997, contudo, em seu artigo 6º, revogou ex-
pressamente o artigo 254 e os §§ 1º e 2º do artigo 255 da Lei das
S.A., que estendiam o mesmo princípio estabelecido no artigo 254 às
companhias abertas dependentes de autorização governamental para
funcionar, como é o caso das instituições financeiras. Eliminou-se,
dessa forma, de nosso sistema jurídico, a oferta pública obrigatória
de aquisição de ações dos minoritários, decorrente da alienação do
controle acionário de companhia aberta.
Conforme a Justificação do primeiro Projeto de lei que resultou
na Lei nº 9.457/1997 (Projeto Kandir), a eliminação do tratamento
igualitário para os acionistas minoritários fundamentou-se na neces-
sidade de reduzir, para o adquirente do controle acionário, os custos
da operação; extinguindo-se a oferta pública, os recursos que nela
seriam despendidos passariam a ficar disponíveis para a capitaliza-
ção da companhia. No entanto, a motivação principal da supressão
da obrigatoriedade da realização da OPA por alienação de controle
foi, em verdade, facilitar a privatização das companhias submetidas
a controle estatal, permitindo que o governo federal se apropriasse
de todo o sobrepreço que seria pago na venda de tais companhias a
investidores privados.
Nesta época, em que não havia obrigatoriedade de se estender aos
minoritários os valores pagos em virtude da transferência de controle,
foram realizadas diversas operações em que eram pagos ágios substan-
ciais ao alienante do poder de controle, enquanto que os minoritários

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782 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

recebiam, em ofertas voluntárias formuladas pelo novo controlador,


preços significativamente mais baixos38.
Assim, passou-se a defender a reintrodução em nosso orde-
namento jurídico do princípio estabelecido no antigo artigo 254
da Lei Societária, como forma de garantir maior proteção aos
interesses dos acionistas minoritários, o que foi feito por meio da
Lei nº 10.303/2001, a qual restaurou, sob novas condições, a obri-
gatoriedade de realização de oferta pública em virtude da alienação
de controle de companhia aberta.
No entanto, ao invés de obrigar o adquirente do controle a ofe-
recer aos minoritários as mesmas condições contratadas com o antigo
controlador, a Lei nº 10.303/2001, ao introduzir o artigo 254-A na Lei
das S.A., determina que ele pague aos minoritários preço, no mínimo,
igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação integrante do
bloco de controle39.
Assim, não se restaurou o princípio do tratamento igualitário
contido, originalmente, no artigo 254 da Lei nº 6.404/1976, mas,
ao contrário, consagrou-se, expressamente, a atribuição de um valor
econômico ao bloco de controle da companhia aberta, justificando-se,
pois, que as ações que integram tal bloco recebam um preço superior
ao dos acionistas minoritários, por ocasião de sua alienação.

38 A propósito dos valores dos prêmios de controle pagos em operações realizadas


no mercado brasileiro entre 1997 e 2001, que, em alguns casos eram superiores
a 200%, vale conferir artigo escrito por ANDREA FERNANDES ANDREZO, “A
alienação de controle de companhia aberta e a recente reforma da legislação
societária – efetivo avanço?”, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico
e Financeiro. São Paulo, Malheiros, v. 130, abr./jun. 2003, pp. 161 et seg
39 Caso, no entanto, o estatuto social da companhia objeto assegure o pagamento de
preço maior que 80% (oitenta por cento) do valor pago ao acionista controlador, a
CVM deverá verificar se tal exigência está sendo observada na oferta, uma vez que
a referida Comissão também tem competência legal para exercer suas atribuições
à luz de cláusulas estatutárias.

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11.5.2. Finalidades da realização da oferta pública por


alienação de controle

A disciplina legal das ofertas públicas por alienação de controle


decorre da constatação de que o poder de controle constitui um bem,
ao qual é atribuído um valor próprio, que não se confunde com o valor
individual das ações que garantem o exercício de tal poder.
Em vista disso, nas operações de transferência de controle, são
atribuídos às ações componentes do bloco de controle, em regra,
preços mais elevados do que aqueles pelos quais as demais ações são
normalmente negociadas no mercado secundário. Esta diferença entre
o valor conferido às ações que integram o bloco de controle e àquelas
pertencentes aos acionistas minoritários é usualmente denominada
como “ágio” ou “prêmio de controle”.
Entre as razões que justificam esta diferença significativa entre
o preço pago para aquisição do controle e o valor atribuído às ações
pertencentes aos minoritários encontra-se, segundo interessantes
estudos doutrinários, a insuficiente proteção aos interesses dos in-
vestidores pelo ordenamento jurídico, que permite que os acionistas
controladores se apropriem dos chamados private benefits of control,
isto é, a atribuição de remuneração superior à de mercado, o uso de
bens da sociedade para fins particulares, empréstimos subsidiados,
operações com partes relacionadas ao controlador em condições não
equitativas etc. Ou seja, aceita-se pagar um sobrevalor elevado pelo
controle de determinada companhia, em função da expectativa de que
o controlador possa recuperar seu investimento por meio da expro-
priação indevida de recursos da companhia. Na medida em que haja
maior proteção aos investidores por parte do sistema legal, a diferença
entre as ações integrantes do bloco de controle e aquelas pertencentes
aos minoritários tende a não ser tão significativa40.

40 RAFAEL LA PORTA, FLORENCIO LOPEZ DE SILANES, ANDREI SHLEIFER, ROBERT


W. VISHNY. Investor Protection: Origins, Consequences, Reform, jun. 1999.

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784 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

De qualquer forma, entende a doutrina que tal ágio deve ser


compartilhado com os acionistas minoritários, no momento da alie-
nação de controle de companhia aberta, evitando que o controlador
se aproprie de todo o sobre-preço decorrente da venda das ações
integrantes do bloco de controle.
Diversas razões fundamentam a obrigatoriedade de compartilha-
mento do ágio decorrente da venda do controle, como por exemplo,
o fato de tal ágio refletir a valorização patrimonial da companhia,
para a qual também contribuíram os acionistas minoritários41 ou o
fato de que o valor de venda do controle inclui não apenas o poder de
dirigir a companhia, mas os intangíveis e outros ativos que também
pertencem aos acionistas minoritários, justificando-se, assim, que estes
recebam ao menos parte do ágio apurado na operação de transferência
de controle42.
Assim, um dos objetivos da regra prevista no artigo 254-A da
Lei das S.A. consiste em estender aos acionistas minoritários a opor-
tunidade de sair da companhia, aproveitando, ao menos parcialmente,
o sobre-preço decorrente da alienação de controle.

Disponível em: < https://www.nber.org/papers/w7428>. Acesso em: 28 dez.


2017. JOHN COFFEE JR. Do Norms Matter? A Cross-Country Examination
of the Private Benefits of Control, jan. 2001. Disponível em: <https://
scholarship.law.upenn.edu/cgi/viewcontent.cgi?referer=https://www.google.
com/&httpsredir=1&article=3334&context=penn_law_review>. Acesso em 28
dez. 2017.
41 MODESTO CARVALHOSA. Oferta pública de aquisição de ações. Rio de Janeiro:
Ibmec, 1979. pp. 142-143; WALDÍRIO BULGARELLI. Regime jurídico da proteção
às minorias nas S/A. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 158.
42 ROBERTA NIOAC PRADO. “Da obrigatoriedade por parte do adquirente do
controle de sociedade por ações de capital aberto de fazer simultânea oferta
pública, em iguais condições, aos acionistas minoritários – art. 254 da Lei 6.404/76
e Resolução CMN 401/76 – É efetivo mecanismo de proteção aos minoritários?”.
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo:
Malheiros, n. 106, abr.-jun. 1997, p. 83 et seg; JORGE LOBO. “Interpretação Realista
da Alienação de Controle de Companhia Aberta”. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros, n. 123, jul.-set. 2001, p.
7 et seg; ANDREA FERNANDES ANDREZO. “A alienação de controle de companhia
aberta e a recente reforma da legislação societária – efetivo avanço?”. Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros, n.
130, abr.-jun. 2003, p. 160 et seg.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 785

Além disso, outro fundamento que justifica a exigência da reali-


zação da oferta pública nas hipóteses de alienação de controle consiste
no fato de que os minoritários, ao decidirem investir em determinada
companhia aberta, levam em consideração quem é seu controlador,
isto é, quem efetivamente irá conduzir os negócios sociais.
É na figura do controlador que os acionistas minoritários depo-
sitam sua confiança e, sob este aspecto, trata-se de verdadeira relação
intuitu personae. São as características pessoais do controlador que
podem motivar a vinculação do investidor/acionista minoritário à
companhia. Logo, justifica-se que, na hipótese de mudança de controle,
os minoritários tenham o direito de saída, caso não concordem em per-
manecer associados ao novo acionista controlador. Daí a necessidade
de proteger-se o direito de saída, em justas condições, dos minoritários
quando mudam as bases de controle da empresa43.
Ao prever no artigo 254-A da Lei das S.A. a realização da oferta
pública obrigatória, o legislador entendeu que não se pode impor ao
acionista minoritário um novo controlador com o qual ele não mantém
uma relação fiduciária. Assim, também sob este aspecto, é justificável
a possibilidade concedida ao acionista minoritário de se desligar da
sociedade, alienando suas ações por ocasião da OPA44.

43 ROBERTA NIOAC PRADO. “Da obrigatoriedade por parte do adquirente do


controle de sociedade por ações de capital aberto de fazer simultânea oferta
pública, em iguais condições, aos acionistas minoritários – art. 254 da Lei 6.404/76
e Resolução CMN 401/76 – É efetivo mecanismo de proteção aos minoritários?”.
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 106. São
Paulo: Malheiros, abr.-jun. 1997, p. 90.
44 A propósito, a CVM já manifestou o entendimento de que o artigo 254-A tem
por finalidade “conferir a possibilidade de uma ‘compensação’ à quebra da
estabilidade do quadro acionário, permitindo que os acionistas minoritários
alienem as suas ações por um preço determinado em lei (que pode ser aumentado
pelo estatuto social), quando esta estabilidade for perturbada” (Voto proferido
pelo Diretor Pedro Marcílio no Processo CVM nº RJ 2005/4069, j. 11.04.2006).
Em outro caso, o Colegiado da CVM entendeu, no mesmo sentido, que “o próprio
fundamento da OPA, a sua razão de ser, está no resguardo do direito dos acionistas
não controladores de se retirarem de uma companhia que, uma vez controlada
por pessoa diversa da que o fazia antes, já não representa seus interesses” Voto
proferido pelo Relator Diretor Eli Loria no Processo CVM nº RJ 2007/7230, j.
11.07.2007.

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786 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Portanto, a obrigatoriedade da realização de oferta pública de


aquisição de ações decorrente de alienação de controle justifica-se,
fundamentalmente, por duas razões: (a) ao acionista minoritário deve
ser assegurado o direito de participar no ágio ou prêmio pago pelo
adquirente do controle; e (b) ao acionista minoritário também deve
ser atribuído o direito de desvincular-se da sociedade se houver quebra
da affectio societatis, isto é, se houver alteração da base de controle da
companhia na qual ele havia depositado sua confiança.

11.5.3. Destinatários da oferta


Com a reintrodução do instituto da oferta pública de aquisição
de ações em decorrência da alienação de controle da companhia,
por meio do artigo 254-A da Lei nº 6.404/1976, trazido pela Lei
nº 10.303/2001, o legislador deixou expresso, dissipando as dúvidas
existentes no regime legal anterior45, que tal oferta somente é destinada
obrigatoriamente aos titulares das ações com direito de voto que não
integram o bloco de controle.
Dessa forma, os titulares de ações preferenciais, em regra, não
terão direito a vender suas ações por ocasião da alienação do controle
da companhia aberta, a não ser que o Estatuto Social confira a tais
acionistas o direito de voto.
Note-se que o artigo 29 da Instrução CVM nº 361/2002 esta-
belece que a oferta pública por alienação de controle terá por objeto
“todas as ações de emissão da companhia às quais seja atribuído pleno
e permanente direito de voto, por disposição legal ou estatutária”.
Assim, de acordo com o entendimento manifestado pela CVM,
as ações preferenciais que adquirirem direito a voto na hipótese de não
pagamento de dividendos, nos termos do artigo 111, § 1º, da Lei das
S.A., bem como aquelas com voto restrito, isto é, que tenham direito

45 No que tange às controvérsias referentes aos destinatários da oferta pública por


alienação de controle de companhia aberta, no regime do artigo 254 da Lei nº
6.404/1976, conferir: MODESTO CARVALHOSA, NELSON EIZIRIK. A nova Lei das
S.A. São Paulo: Saraiva, 2002, pp. 384-410.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 787

a voto apenas em determinadas matérias, expressamente previstas no


estatuto social, não têm direito a participar da oferta pública prevista
no artigo 254-A da Lei Societária, já que se trata de direito a voto
eventual, e não permanente e pleno, conforme determina a Instrução
da CVM.
Em nosso entendimento, contudo, tal orientação da Instrução
CVM nº 361/2002 é ilegal, uma vez que o artigo 254-A da Lei das
S.A. não faz qualquer menção a controle exercido de modo permanente
para o efeito de caracterizar a alienação de controle acionário.
As ações preferenciais, ainda que sem direito de voto ou com
restrição ao exercício deste direito, poderão ser objeto da oferta pública
por alienação de controle quando tal vantagem lhes for atribuída pelo
estatuto social. Neste sentido, aliás, um número cada vez maior de
companhias abertas vem adotando tal prática, como forma de valori-
zar as ações preferenciais de sua emissão e sinalizar ao mercado que
a companhia trata seus acionistas minoritários de forma equitativa.
É o caso, por exemplo, das companhias que aderiram ao Nível
2 de Governança Corporativa da B3, cujo regulamento estabelece a
obrigatoriedade de o adquirente do controle acionário para formular
a OPA também para adquirir as ações preferenciais em circulação no
mercado (item 8.1.2 do Regulamento).

11.5.4. Requisitos para a obrigatoriedade da oferta pública por


alienação de controle46

A Lei nº 10.303/2001 conferiu uma acepção ampla à expressão


“alienação do controle acionário”, nela incluindo todas as hipóteses
que, de acordo com as decisões proferidas pela CVM na análise dos
casos ocorridos na vigência da redação original da Lei nº 6.404/1976,
caracterizariam a efetiva transferência do poder de controle sobre
determinada companhia aberta.

46 Para análise da caracterização do controle acionário, ver Capítulo 8.

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Nos termos do § 1º do artigo 254-A da Lei das S.A., “entende-se


como alienação de controle a transferência, de forma direta ou indireta,
de ações integrantes do bloco de controle, de ações vinculadas a acordo
de acionistas e de valores mobiliários conversíveis em ações com direito
a voto, cessão de direitos de subscrição de ações e de outros títulos
ou direitos relativos a valores mobiliários conversíveis em ações que
venham a resultar na alienação de controle acionário da sociedade”.
No mesmo diapasão, o § 4º do artigo 29 da Instrução CVM
nº 361/2002 estabelece que “entende-se por alienação de controle a
operação, ou o conjunto de operações, de alienação de valores mobi-
liários com direito a voto, ou neles conversíveis, ou de cessão onerosa
de direitos de subscrição desses valores mobiliários, realizada pelo
acionista controlador ou por pessoas integrantes do grupo de controle,
pelas quais um terceiro, ou um conjunto de terceiros representando
o mesmo interesse, adquira o poder de controle da companhia, como
definido no art. 116 da Lei 6.404/76”.
Com o propósito de preservar a vasta amplitude do conceito de
“alienação de controle” para efeito de aplicação da oferta pública do
artigo 254-A da Lei das S.A., a Instrução CVM nº 361/2002, após um
elenco exemplificativo de operações que podem ensejar a alienação do
controle acionário, expressamente ressalva, no § 5º do artigo 29, que
“a CVM poderá impor a realização de OPA por alienação de controle
sempre que verificar ter ocorrido a alienação onerosa do controle de
companhia aberta”.
Verifica-se, pela leitura dos dispositivos supratranscritos, que o
conceito de “alienação de controle” abrange não apenas a venda direta
do conjunto das ações que compõem o bloco de controle, mas também
os casos de alienação indireta do controle – que ocorre mediante a
alienação do controle acionário de sociedade controladora de com-
panhia aberta – e de alienação por etapas – aquela implementada por
meio de uma sequência encadeada de operações que, ao longo de um

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 789

período de tempo determinado, resultam na transferência do poder


de controle sobre a companhia aberta47.
O fundamento para a extensão conferida ao referido dispositivo
legal decorre do fato de que o negócio jurídico de alienação do con-
trole acionário de uma companhia aberta, sobre o qual deve incidir a
regra prevista no artigo 254-A da Lei das S.A., não se confunde com
a simples cessão das ações emitidas por tal companhia, visto que estas
duas modalidades de negócio jurídico possuem objetos distintos.
Com efeito, a alienação do controle acionário de uma companhia
aberta tem por objeto não a simples cessão de um bloco de ações, mas
sim a transferência do próprio poder de dominação sobre a atividade
empresarial exercida pela sociedade48.
Isto significa que a alienação de controle não decorre exclusiva-
mente da alienação de valores mobiliários emitidos pela companhia,
mas pressupõe também, e necessariamente, a alienação de um poder
sobre os negócios da companhia49.
O objetivo do legislador, ao definir de forma abrangente as
hipóteses de alienação de controle, foi assegurar a obrigatoriedade
da realização da oferta pública sempre que determinada operação
resulte na efetiva transferência do poder de comandar as atividades
da companhia.
Portanto, em qualquer das hipóteses contempladas no artigo
254-A da Lei das S.A. (alienação direta, alienação indireta ou alie-
nação em etapas), o pressuposto fundamental, para que se configure
a obrigatoriedade de realização de oferta pública, é que a operação

47 MODESTO CARVALHOSA, NELSON EIZIRIK. A nova Lei das S.A. São Paulo: Saraiva,
2002, pp. 403-404.
48 FÁBIO KONDER COMPARATO, CALIXTO SALOMÃO FILHO. O Poder de Controle
na Sociedade Anônima. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 287.
49 FERNANDO ALBINO DE OLIVEIRA. “A alienação do controle societário na Lei
das S.A.”. In: JAIRO SADDI (org.). Fusões e Aquisi­ções: aspectos jurídicos e
econômicos. São Paulo: IOB, 2002, pp. 227-228.

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790 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

resulte, direta ou indiretamente, na transferência do poder de dirigir


o processo empresarial de determinada companhia aberta50.
O artigo 116, da Lei das S.A., trazendo o conceito de poder de
controle, demanda, para sua caracterização, a permanência e efetividade
do seu exercício.
O problema que surge quando se considera a alienação do controle
sem que este fosse antes exercido de forma efetiva e permanente é
impor a obrigação de realizar OPA ao adquirente que não determina
os rumos da sociedade empresária51.
A princípio, o acionista que, embora detendo a maioria do ca-
pital votante, não exerce efetivamente o poder de controle – pois não
comparece às assembleias gerais nem interfere na eleição dos admi-
nistradores – não pode ser considerado controlador, para efeitos do
artigo 116 da Lei das S.A., visto que não preenche todos os requisitos
nele referidos52.
Para que o conjunto de ações de propriedade de determinado
acionista ou grupo de acionistas possa ser identificado como “bloco
de controle” faz-se necessário que ele assegure aos seus detentores
o exercício do poder de controle independentemente de qualquer
outra circunstância, como a participação dos demais acionistas nas

50 CARLOS AUGUSTO JUNQUEIRA DE SIQUEIRA. Transferência do Controle


Acionário: Interpretação e Valor. Niterói: FMF, 2004, p. 64. LUIZ LEONARDO
CANTIDIANO. “Características das ações, cancelamento de registro e ‘tag-along’”.
In: JORGE LOBO (coord.). Reforma da lei de Sociedades Anônimas: inovações e
questões controvertidas da Lei nº 10.303, de 31.10.2001. Rio de Janeiro: Forense,
2002, p. 93. Processo CVM nº RJ 2001/10329, Rel. Dir. Marcelo Fernandez Trindade,
j. 19.02.2002, reproduzido em Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico
e Financeiro. São Paulo: Malheiros, v. 126, abr.-jun. 2002, p.181.
51 Ver PA CVM nº RJ2009/1956, Rel. Dir. Eliseu Martins, j. 15.07.2009, cuja análise
é feita em NORMA JONSSEN PARENTE. Mercado de Capitais. Coleção Tratado
de Direito Empresarial, vol. VI. Modesto Carvalhosa (coord.). São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2016, pp. 447-453.
52 NELSON EIZIRIK. Aquisição de Controle Minoritário. Inexigibilidade de Oferta
Pública. In: RODRIGO R. MONTEIRO DE CASTRO; LUÍS ANDRÉ N. DE MOURA
AZEVEDO (Coord.). Poder de Controle e Outros Temas de Direito Societário e
Mercado de Capitais. São Paulo: Quartier Latin, 2010, pp. 177-190.

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Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de F. Henriques 791

assembleias gerais. Por isso, somente existe um bloco de controle se


for composto por ações representativas de mais da metade do capital
votante da companhia, de forma a assegurar ao seu titular, em qualquer
circunstância, o exercício do poder de controle. A questão que surge
desta constatação é se o adquirente das ações do acionista controlador
minoritário precisa realizar a OPA.
Nas companhias sujeitas ao controle minoritário, não existe um
“bloco de controle”, mas apenas um conjunto de ações com direito
a voto que, ocasionalmente, permite ao seu titular – o controlador –
exercer as prerrogativas que identificam o poder de controle. Diante
da inexistência de um bloco de controle, não há como ocorrer uma
alienação de controle, apta a ensejar a aplicação da regra prevista no
artigo 254-A da Lei das S.A. Só pode alienar o controle aquele que
efetivamente seja o seu titular.
Logo, para se considerar que um acionista ou grupo de acionistas
é efetivamente titular do poder de controle para os efeitos do artigo
254-A, LSA é indispensável que detenha ações representativas de mais
de 50% do capital votante e, dessa forma, não possa perdê-lo, contra
a sua vontade, em virtude da eventual ação de outros acionistas de
reunirem uma quantidade maior de ações com direito a voto.
O acionista que, embora titular de participação minoritária no
capital votante, faz prevalecer sua vontade nas deliberações da assem-
bleia geral e elege a maioria dos administradores não detém o poder
de controle, mas apenas o exerce em função da dispersão acionária ou
do absenteísmo dos demais acionistas53.
Não se pode confundir a titularidade do controle acionário, que
pressupõe a propriedade de ações representativas de mais da metade
do capital votante, com o seu mero exercício, o qual pode decorrer de
circunstâncias fáticas relacionadas à estrutura acionária da companhia.

53 A propósito, ver o PA CVM nº RJ2009/1956, Rel. Dir. Eliseu Martins, j. 15.07.2009.

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O simples exercício de fato do controle acionário é suficiente para


permitir a aplicação do artigo 116, da Lei das S.A. No entanto, para
que fique caracterizada a alienação de controle e, consequentemente,
seja aplicável o comando previsto no artigo 254-A, da Lei nº 6.404/76,
é indispensável a efetiva titularidade do poder de controle, até porque,
repita-se, ninguém pode alienar algo que não possui.
Logo, se o acionista ou grupo detentor de menos de 50% do
capital votante não é titular do poder de controle, não há como se
considerar que a venda da participação acionária minoritária por ele
detida caracterize a alienação de controle da companhia.
A regra prevista no artigo 254-A da lei societária impõe uma
consequência extremamente onerosa ao adquirente do controle acio-
nário da companhia aberta, na medida em que o obriga a fazer uma
oferta de compra da totalidade das ações com direito a voto em cir-
culação no mercado. Diante disso, somente se justifica a imposição de
tal ônus ao eventual ofertante nas hipóteses em que se possa afirmar,
com segurança, que ele efetivamente tornou-se titular de ações que
lhe assegurem o exercício do controle.
Existindo uma situação de incerteza quanto ao exercício do con-
trole por parte do adquirente, visto que a manutenção da condição de
controlador depende da atuação dos demais acionistas, não se pode
obrigá-lo a formular a oferta pública por aquisição de controle.
O disposto no artigo 254-A somente pode ser aplicado caso os
integrantes do bloco de controle cedam suas posições para terceiro e este
assuma posição dominante na companhia, passando a exercer, em subs-
tituição ao antigo controlador, o poder de conduzir as atividades sociais54.
Ressalte-se, no entanto, que devem ser considerados terceiros em
relação ao poder de controle não apenas aqueles que não mantinham

54 No julgamento do Processo CVM nº RJ 2007/7230, o Voto do Diretor Eli Loria


expressamente menciona que “para que ocorra a alienação do controle, necessário
que haja mudança na titularidade do poder de controle, sendo fundamental,
portanto, a presença de novo controlador” (grifamos).

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qualquer relação com os antigos acionistas controladores, mas também


aqueles que, apesar de eventualmente integrarem o bloco de controle,
na hipótese de controle compartilhado, detinham posição minoritária
em tal bloco.
Ou seja, também fica caracterizada a alienação de controle, para
efeitos do artigo 254-A da Lei das S.A., quando alguém que detinha
uma participação minoritária no bloco de controle adquire ações que
lhe conferem uma posição de predominância em tal bloco, passando
ele a exercer o domínio da atividade empresarial55.
A contrário senso, a simples mudança de posição dentro do bloco
de controle, com a transferência de ações de um acionista para outro,
sem que haja a alteração da vontade prevalecente dentro do grupo
controlador, não configura alienação de controle. Em verdade, tal
transferência de ações dá ensejo a uma mera consolidação do controle56.
Neste sentido, a CVM já considerou que não fica caracterizada
a obrigatoriedade de realização da oferta pública na hipótese em que
dois acionistas exerciam o poder de controle de forma absolutamente
paritária, sem que qualquer um deles prevalecesse sobre o outro, e
um deles vende sua participação para o outro integrante do bloco de
controle57.
Pelas mesmas razões, também não configuram alienação do con-
trole, para os efeitos do artigo 254-A, as hipóteses em que um terceiro,

55 FÁBIO ULHOA COELHO. “O direito de saída conjunta (‘tag along’)”. In: JORGE
LOBO (coord.). Reforma da lei das sociedades anônimas: inovações e questões
controvertidas da Lei n.º 10.303/2001. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 481;
MODESTO CARVALHOSA, NELSON EIZIRIK. A nova Lei das S.A. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 398; NELSON CÂNDIDO MOTTA. “Alienação do Poder de Controle
Compartilhado”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro.
São Paulo: Malheiros, n. 89, jan.-mar. 1993, p. 45.
56 FERNANDO ALBINO DE OLIVEIRA. “A alienação do controle societário na Lei
das S.A.”. In: JAIRO SADDI (org.). Fusões e Aquisições: aspectos jurídicos e
econômicos. São Paulo: IOB, 2002, p. 229.
57 Comissão de Valores Mobiliários, Memo/SER/GER-1/Nº 147/2007, de 16.05.2007.
O entendimento manifestado em tal Memorando foi confirmado pelo Colegiado
da CVM, no julgamento do Processo CVM nº RJ 2007/7230, Rel. Dir. Eli Loria, j.
11.07.2007.

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que não integrava originalmente o grupo controlador, adquire apenas


parte das ações integrantes do bloco de controle, não assumindo uma
posição predominante dentro do grupo controlador anteriormente
constituído.
Nesta hipótese, não estará configurada a alienação de controle
da companhia, mas uma simples transferência de ações integrantes
do bloco de controle, conforme, inclusive, já decidiu o Colegiado da
CVM58.
Além da efetiva mudança no comando dos negócios sociais,
a aplicação da regra estabelecida no artigo 254-A da Lei das S.A.
exige, ainda, o caráter oneroso da operação. Vale dizer, somente pode
ser exigida a oferta pública para aquisição das ações pertencentes aos
acionistas minoritários nas operações em que haja pagamento, em
dinheiro ou em bens, pelas ações ou valores mobiliários que ensejam
a transferência do poder de controle.
De fato, como o artigo 254-A determina que o preço da oferta
pública dirigida aos acionistas minoritários corresponda a 80% (oitenta
por cento) do valor por ação pago ao antigo controlador59, dita oferta
pública, evidentemente, não teria qualquer finalidade nas hipóteses em
que a transferência do controle acionário ocorresse a título gratuito.
Isto não significa, contudo, que, a oferta pública somente deva ser
realizada nas hipóteses em que o preço pago pela aquisição do controle
contenha ágio em relação ao valor de mercado das ações emitidas pela

58 Comissão de Valores Mobiliários, Processo nº RJ 2001/10329, Rel. Dir. Marcelo


Fernandez Trindade, j. 19.02.2002.
59 As críticas ao fato de a Lei das S.A. ter determinado, após a Lei nº 10.303/2001,
que aos acionistas minoritários seja oferecido preço inferior àquele pago ao
acionista controlador foram enfrentadas no mercado por meio da autorregulação.
Neste sentido, o mais importante dos segmentos especiais de listagem da B3, o
Novo Mercado, tem como uma de suas principais inovações, em relação à OPA,
a obrigação de estender a todos os acionistas as mesmas condições obtidas pelos
controladores quando da venda do controle da companhia, prevalecendo o
tratamento igualitário.

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Companhia, visto que a existência de ágio não foi prevista no artigo


254-A como pressuposto para a obrigatoriedade da OPA.
Assim, desde que a operação tenha caráter oneroso, e estejam
presentes os demais requisitos, torna-se obrigatória a realização da
oferta prevista no artigo 254-A da Lei Societária, ainda que o valor
a ser pago aos minoritários seja eventualmente menor do que aquele
pelo qual as ações objeto da oferta sejam transacionadas no mercado
secundário60.
Em verdade, a realização de tal oferta pública, ainda que por valor
inferior ao de cotação no mercado, justifica-se na medida em que ela
pode representar para os acionistas minoritários a única oportunida-
de de sair da companhia em conjunto com o acionista controlador,
especialmente se a liquidez das ações de sua emissão no mercado
secundário for reduzida.
Por fim, alienação de controle acionário, para efeitos do artigo
254-A da Lei das S.A., pressupõe a cessão de todas ou de parte das
ações pertencentes aos acionistas que, anteriormente, eram titulares
do poder de dirigir as atividades sociais.
No regime original da Lei nº 6.404/1976, a Resolução CMN nº
401/1976, em seu inciso III, exigia, para a caracterização da alienação
de controle, que o alienante transferisse o conjunto de suas ações para
o novo controlador. Nos casos em que o controle era exercido por
um grupo de pessoas vinculadas por acordo de acionistas, somente se
consideraria alienação de tal controle “o negócio pelo qual todas as
pessoas que formam o grupo controlador transferem para terceiros o
poder de controle da companhia” (grifamos).
A orientação restritiva contida na Resolução CMN nº 401/1976
não foi seguida pela Lei nº 10.303/2001. De fato, o § 1º do artigo 254-A,
ao impor a realização da oferta pública, refere-se, genericamente, à

60 Processo CVM nº RJ 2006/7658 Rel. SRE/GER-1, j. 11.04.2007.

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transferência de ações vinculadas a acordos de acionistas que venha a


resultar na alienação do controle acionário da companhia.
Dessa forma, não há dúvida de que, para que se torne obrigatória a
oferta pública, não é necessário que os integrantes do grupo de controle
transfiram para o novo controlador a totalidade de suas posições acio-
nárias, bastando que da operação, em seu conjunto, resulte a alteração
da titularidade do poder de orientar o funcionamento da companhia.
Porém, é indispensável, para aplicação do artigo 254-A da Lei
Societária, que ocorra alguma transferência de ações, ou de direitos
sobre elas, por, pelo menos, um dos integrantes do grupo controlador,
que acarrete a alienação do controle acionário, ou seja, o aparecimento
de um novo acionista controlador.
A área técnica da CVM confirmou o entendimento de que não
é exigida a realização de OPA por alienação de controle nos casos em
que, embora haja alienação onerosa de ações pertencentes a integrantes
do bloco de controle para terceiros, a operação, em seu conjunto, não
resulta na presença de um novo controlador ou grupo de controle, que
substitua o antigo controlador no exercício do poder de dominação
sobre a companhia61.
Com efeito, a própria redação do § 1º do artigo 254-A expressa-
mente dispõe que “entende-se como alienação de controle a transferência,
de forma direta ou indireta, de ações integrantes do bloco de controle”.
Tal requisito justifica-se na medida em que não faz sentido exigir
que o novo titular do controle acionário adquira as ações pertencen-
tes aos minoritários, por meio da oferta pública, se ele não comprou
nenhuma ação de titularidade do antigo controlador. Com efeito, se
a oferta pública tem por objetivo, justamente, atribuir aos acionistas
minoritários a mesma oportunidade de alienar suas ações usufruída
pelo controlador, não há como se exigir a sua realização se este não
alienou qualquer ação de sua propriedade ao novo controlador.

61 Processo CVM RJ nº 2011/13706, Memo/SRE/GER-1/Nº 14/2012, de 02.02.2012.

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Assim, nos casos de aquisição originária de controle, em que este


é assumido por meio de compras de ações pertencentes a diversos
acionistas isoladamente minoritários, sem que, para tanto, o novo con-
trolador tenha que comprar ações pertencentes ao antigo controlador,
ou, ainda, em casos em que algum acionista ou grupo passa a exercer
o controle sem adquirir quaisquer ações – por exemplo, por meio da
celebração de um acordo de acionistas entre sócios que atuavam de
forma independente —, não é obrigatória a realização da oferta pública
prevista no artigo 254-A da Lei Societária62.
Neste sentido, a CVM já entendeu que os acionistas minoritários
de companhia aberta brasileira controlada por sociedade estrangeira
cujo controle foi objeto de aquisição originária, efetivada por meio de
operações realizadas no mercado, não têm direito de exigir a realização
da oferta pública prevista no artigo 254-A da Lei das S.A.63.
Assim, os elementos fundamentais para que se caracterize a alie-
nação do controle acionário, para os efeitos do artigo 254-A da Lei
Societária, são os seguintes:
(a) que a operação, em seu conjunto, resulte na presença de
um novo acionista controlador ou grupo de controle, que
substitua o antigo controlador no exercício do poder de
dominação sobre a companhia;
(b) que a transferência do controle, qualquer que seja a sua
modalidade, apresente caráter oneroso; e
(c) que tenha ocorrido a transferência da totalidade ou de
parte de ações ou de direitos sobre tais ações pertencentes
ao antigo controlador.

62 ALFREDO LAMY FILHO, JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA. A Lei das S.A., 2ª ed,
v. 2. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 620; MODESTO CARVALHOSA, NELSON
EIZIRIK. A nova Lei das S.A. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 405; LUIZ LEONARDO
CANTIDIANO. Reforma da Lei das S.A. Comentada. Rio de Janeiro: Renovar, 2002,
p. 238.
63 Processo CVM nº RJ 2007/14099, Rel Dir. Durval Soledade, j. 29.01.2008.

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798 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

11.5.5. Autorização da OPA pela CVM


Nos termos do § 2º do artigo 254-A, a CVM autorizará a alie-
nação do controle da companhia aberta desde que as condições da
oferta pública atendam aos requisitos legais.
Verifica-se, pois, que o poder da CVM é vinculado, não lhe com-
petindo examinar a oportunidade ou a conveniência da alienação de
controle, mas tão-somente analisar se foram cumpridos os requisitos
legais e regulamentares para a realização da oferta pública, especial-
mente se está sendo assegurado aos titulares de ações com direito de
voto o pagamento de preço, no mínimo, igual a 80% do valor pago por
ação com direito de voto integrante do bloco de controle.
Nos casos de alienação direta de controle, em que o novo con-
trolador adquire ações de emissão da companhia aberta pertencentes
ao antigo detentor do controle acionário, tal verificação, por parte da
CVM, é feita pela simples comparação entre o preço pago ao alienante,
revelado no contrato celebrado entre as partes, e aquele que está sendo
oferecido aos acionistas minoritários.
No entanto, na hipótese de alienação indireta de controle, espe-
cialmente nos casos em que a sociedade alienada possui outros ativos,
além do controle da companhia aberta objeto da OPA, torna-se mais
difícil determinar o valor correspondente a 80% (oitenta por cento) do
preço pago pelo bloco de controle. Ou seja, nestas situações, cumpre
à CVM determinar qual é a parcela do preço pago ao controlador
indireto, no qual estão refletidos os diversos ativos por ele possuídos,
correspondente às ações que asseguram o poder de controle da com-
panhia aberta objeto da oferta.
A Instrução CVM nº 361/2002, em seu artigo 29, § 6º, determina
que o ofertante deverá submeter à CVM, juntamente com o pedido
de registro da OPA, a demonstração justificada da forma de cálculo
do preço devido aos acionistas minoritários, isto é, daquele que repre-
sente 80% (oitenta por cento) do preço correspondente à alienação de
controle da companhia objeto.

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A CVM tem a obrigação de avaliar, como condição para concessão


do registro da OPA, (i) se o preço praticado na oferta é justificado pela
demonstração da forma de cálculo apresentada conforme o disposto na
Instrução CVM nº 361/2002; e (ii) se tal preço assegura o tratamento
que deve ser conferido aos acionistas minoritários por força da Lei
das S.A. ou da norma estatutária.
Assim, cabe à CVM não apenas avaliar se a demonstração do
cálculo do preço está devidamente justificada, mas também se o preço
apresentado atende ao requisito do tratamento equitativo, de acordo
com o disposto na lei e, se for o caso, no estatuto social.
Caso a CVM entenda que a demonstração da forma de cálculo do
preço não foi corretamente justificada64 ou que o preço não assegura
tratamento equitativo aos acionistas minoritários, ela poderá indeferir
o registro da oferta ou condicioná-lo à adoção da metodologia de
cálculo do preço que ela entenda ser adequada.
Além disso, a CVM ainda pode estabelecer, como condição ao
registro da oferta, que sejam corrigidos erros formais constantes da
demonstração justificada da forma de cálculo do preço oferecido65.

64 A propósito, a CVM já considerou, em hipótese de alienação indireta de controle,


que o laudo de avaliação apresentado com base em valor econômico não deveria
ser considerado demonstração suficientemente justificada do preço de OPA
simplesmente por se apoiar em critério frequentemente utilizado no mercado
para avaliação de empresas: “Quanto ao laudo de avaliação com base no valor
econômico elaborado pela Ernst & Young, por ser baseado em um critério
tão frequentemente utilizado para a avaliação de empresas, seria possível
pensar que deveria ser aceito pela CVM para demonstração justificada do valor
atribuído à parcela da empresa brasileira no negócio vendido. Ocorre que, não
sendo disponível a eventual avaliação a valor econômico de toda a companhia
vendida, não é possível realizar qualquer teste de consistência, para verificar se
o preço que se propõe agora para os minoritários corresponde a 80% do que
seria a participação proporcional da Companhia no valor econômico daquela
que teve o controle alienado.” (Voto da então Presidente, Diretora Maria Helena
dos Santos Fernandes de Santana, no âmbito do Processo Administrativo CVM nº
RJ2008/252, Rel. Dir. Durval Soledade, j. 04.03.2008 – grifamos)
65 Processo Administrativo CVM nº RJ2007/1996, Rel. Dir. Maria Helena dos Santos
Fernandes de Santana, j. 21.03.2007.

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800 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

É recomendável que os instrumentos celebrados entre o adqui-


rente e o alienante do controle indireto contenham expressamente a
informação sobre a parcela do preço total que corresponde às ações
de emissão da companhia aberta em relação à qual deve ser realizada
a OPA prevista no artigo 254-A da Lei das Sociedades Anônimas.
Isto porque, nesta hipótese, a CVM deverá presumir que tal preço,
expressamente informado pelo comprador e vendedor, efetivamente
corresponde às ações da companhia indiretamente controlada66, sem
prejuízo da possibilidade de a autarquia, ao analisar determinado caso
concreto, detectar a eventual ocorrência de práticas ilegais ou fraudu-
lentas visando a reduzir artificialmente o valor da OPA.
Tal presunção, no entanto, não é absoluta, cabendo à Autarquia,
ao analisar determinado caso concreto, averiguar se o preço informado
pelas partes no contrato de alienação efetivamente corresponde ao valor
da companhia indiretamente alienada e se confere o tratamento devido
aos acionistas minoritários por força das regras legais ou estatutárias67.
Caso as partes não estabeleçam, de forma explícita, o valor cor-
respondente à companhia aberta indiretamente controlada, a CVM

66 Nesse sentido, ver o voto proferido pelo então Presidente da CVM, o Diretor
Marcelo Fernandez Trindade, no âmbito do Processo Administrativo CVM
nº RJ2007/1996, Rel. Dir. Maria Helena dos Santos Fernandes de Santana, j.
21.03.2007.
67 Conforme entendimento manifestado pelo Colegiado da CVM no Processo
Administrativo CVM nº RJ2007/11573, j. 04.10.2007: “2.6 É claro que, como
ressaltou o ex-presidente da CVM Marcelo Trindade em seu voto no Proc. RJ
2007/1996, julgado em 21 de março de 2007, a área técnica da CVM deve dar
sempre a devida atenção para o disposto no contrato de compra e venda das
ações do controlador, que pode eventualmente discriminar o valor de cada ativo
alienado por via indireta.2.7 Todavia, não é sempre que o contrato discrimina
esses valores e, mesmo quando o faz, não lhe podemos conferir importância
nem credibilidade excessivas. Em muitos casos, os valores que constam do
contrato não são objeto de uma real negociação entre o adquirente e o alienante,
já que, para este último, a distribuição do preço entre os ativos indiretamente
alienados pode ter pouca ou nenhuma relevância. 2.8 Em tais situações, o laudo
de avaliação e também outras proxies, como o valor de mercado da companhia,
podem ser utilizados como meios auxiliares na determinação do preço devido
na oferta, ao lado dos instrumentos contratuais e outros documentos relativos à
negociação havida entre o adquirente e o alienante do controle.”

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deverá buscar, por outros meios, evidências que lhe permitam conside-
rar justificada a demonstração do preço da OPA, como, por exemplo,
a apresentação de outros documentos e a oitiva de depoimentos do
vendedor e do comprador.
No entanto, a utilização destes outros meios, além de certamente
retardar o processo de registro da OPA, com evidente prejuízo para
os acionistas minoritários, submeterá o ofertante a elevado grau de
incerteza, na medida em que a CVM poderá considerar que o preço da
oferta não foi devidamente justificado e, consequentemente, recusar-se
a conceder o registro para sua realização68 ou, alternativamente, deter-
minar que ela seja realizada com base na comparação entre preços de
mercado das ações de emissão controladora e o da companhia aberta
por ela indiretamente controlada, se for o caso69.
Portanto, a CVM deve analisar se a oferta pública por alienação
de controle atende aos requisitos legais, regulamentares e estatutários
aplicáveis, especialmente no que se refere às regras que estabelecem
os critérios para fixação do preço das ações e que asseguram o tra-
tamento equitativo aos acionistas minoritários na OPA. Não sendo
atendidos tais requisitos, a Autarquia deverá negar o registro da oferta

68 Nesse sentido, ao analisar um recurso apresentado contra decisão da área técnica


da CVM que havia indeferido um pedido de registro de OPA por alienação de
controle, o Colegiado da Autarquia manifestou seu entendimento de que a
CVM não pode autorizar o registro de OPA em que não tenha sido apresentada
demonstração devidamente justificada do cálculo do preço adotado na oferta: “4.
De fato, o que ensejou o indeferimento da OPA neste caso foi a impossibilidade
de considerar a demonstração de preço apresentada pelo ofertante como
justificada para fins do artigo 29, § 6º, da Instrução nº 361/02, e, assim, entendo
que a CVM agiu em consonância com seus deveres legais ao indeferir o pedido
de registro da OPA em tela. [...] 24. Não tendo qualquer evidência capaz de
comprovar a correlação entre o preço proposto para a OPA e o preço do negócio
de alienação de controle que ensejou a necessidade de realização da OPA, não
restou outra alternativa à SRE senão indeferir o registro da OPA.” (grifamos)
Processo Administrativo CVM nº RJ2008/252, Rel. Dir. Durval Soledade, j.
04.03.2008.
69 A propósito, vale conferir o voto proferido pelo Presidente Marcelo Fernandez
Trindade no julgamento do Processo CVM nº RJ 2007/1996, ocorrido em
21.03.2007.

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ou condicioná-lo à adequação dos termos da OPA às regras que lhe


são aplicáveis.
A propósito, vale destacar que a Instrução CVM nº 361/2002,
com a alteração dada pela Instrução CVM nº 487/2010, expressamente
permite que nos casos de alienação indireta de controle acionário,
diante do caso concreto, requeira a apresentação de laudo de avalia-
ção, a fim de verificar a consistência do demonstrativo de cálculo do
preço devido.
O requerimento de registro da OPA por alienação de controle
deverá ser apresentado à CVM no prazo máximo de 30 (trinta) dias, a
contar da celebração do instrumento definitivo de alienação das ações
representativas do controle.
A realização da OPA deve, nos termos do artigo 254-A da Lei das
S.A., constituir-se em condição suspensiva ou em condição resolutiva
da alienação de controle de companhia aberta.
A condição será resolutiva sempre que a transferência do bloco
de ações representativas do controle tiver ocorrido antes da efetivação
da oferta pública de aquisição das ações votantes dos minoritários.
Por outro lado, a condição será suspensiva se os efeitos do contrato de
alienação de controle não se produzirem desde logo, ou seja, permane-
cerem suspensos até a efetiva realização da oferta pública obrigatória70.

11.5.6. O pagamento de prêmio aos acionistas minoritários


O § 4º do artigo 254-A permite ao adquirente do controle acio-
nário oferecer aos acionistas minoritários a opção de permanecerem
na companhia, mediante o pagamento de um prêmio, no mínimo
equivalente à diferença entre o valor de mercado das ações e o valor
pago por ação integrante do bloco de controle.

70 ROBERTA NIOAC PRADO. Oferta Pública de Ações Obrigatória nas S.A. – Tag
Along. São Paulo: Quartier Latin, 2005, pp. 179-180.

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Tal prêmio pode ser vantajoso tanto para o adquirente do con-


trole, na medida em que lhe permite efetuar um menor desembolso
de recursos, quanto para o acionista minoritário, pois este pode rece-
ber uma parte do ágio pago na alienação de controle sem precisar se
desfazer de suas ações.
O pagamento do prêmio não consiste em procedimento alterna-
tivo à oferta pública, que é obrigatória de acordo com o disposto no
artigo 254-A, mas em uma faculdade, a ser adotada cumulativamente
com a oferta pública, se assim o desejar o adquirente do controle,
devendo constar tal opção, expressamente, no edital de oferta pública.
O prêmio a que se refere o § 4º do artigo 254-A deve ser calculado
com base na cotação média ponderada das ações objeto da oferta, nos
últimos 60 (sessenta) pregões realizados antes da divulgação do aviso
de fato relevante que der notícia da alienação de controle71.
Ademais, a Instrução CVM nº 361/2002 determina que a CVM
poderá deferir, a requerimento do ofertante, em determinadas condições,
a oferta de prêmio diverso daquele referido do § 4º do artigo 254-A.

11.6. OPA voluntária


Conforme já mencionado, as ofertas públicas de aquisição,
segundo a sua origem, podem ser obrigatórias, caso decorram de
mandamento legal, ou voluntárias, quando derivam da iniciativa do
ofertante, sem que sua realização seja imposta pela Lei das S.A. ou
pela regulamentação expedida pela CVM.
De acordo com o inciso IV do artigo 2º da Instrução CVM
nº 361/2002, oferta pública voluntária é aquela que visa à aquisição
de ações de emissão de companhia aberta, que não deva realizar-se
segundo os procedimentos específicos estabelecidos para as OPAs
obrigatórias.

71 Instrução CVM nº 361/2002, artigo 30, § 2º.

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A OPA voluntária, ainda que seja formulada pelo acionista


controlador e tenha por objeto a aquisição da totalidade das ações
em circulação no mercado, não está sujeita à prévio registro perante
a CVM, podendo ser lançada diretamente pelo ofertante, mediante a
publicação do respectivo edital72.
Por outro lado, o artigo 31 da referida Instrução estabelece que
determinadas regras e procedimentos gerais estabelecidos para as
OPAs obrigatórias aplicam-se também às ofertas voluntárias. Entre as
regras gerais aplicáveis às OPAs voluntárias, vale destacar as seguintes:
(a) os princípios gerais aplicáveis a qualquer OPA, tais como
os que preconizam que a OPA (i) deverá ser dirigida indis-
tintamente a todos os titulares dos valores mobiliários que
sejam seu objeto, assegurado o rateio entre os aceitantes de
OPA parcial; (ii) deverá assegurar tratamento equitativo
a todos os seus destinatários e permitir-lhes adequada
informação quanto à companhia objeto e o ofertante; (iii)
será lançada por preço uniforme; (iv) poderá sujeitar-se a
condições, cujo implemento não dependa da atuação direta
ou indireta do ofertante ou de pessoas a ele vinculadas; (v)
poderá ser, a qualquer tempo, suspensa pela CVM, caso
esta verifique que ela contém ilegalidade ou irregularidade
sanável, bem como cancelada pela autarquia, caso ela en-
tenda que a OPA apresenta irregularidade ou ilegalidade
insanável;
(b) a obrigatoriedade de o ofertante contratar sociedade cor-
retora, distribuidora ou instituição financeira com carteira
de investimento para realizar a intermediação financeira
da OPA;
(c) a necessidade de ser apresentado laudo de avaliação da
companhia objeto, sempre que se tratar de OPA formu-

72 Processo CVM nº RJ 2007/5587, cuja decisão foi tomada em 29.05.2007.

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lada pela própria companhia, pelo acionista controlador


ou por pessoa a ele vinculada, ou ainda por administrador
ou pessoa a ele vinculada;
(d) a exigência de que a OPA seja efetivada em leilão em bolsa
de valores, o qual será realizado no prazo mínimo de 30
dias e máximo de 45 dias, contados da data da publicação
do instrumento da OPA e de que sejam admitidas inter-
ferências compradoras no leilão pelos interessados que
tiverem previamente informado ao mercado;
(e) a proibição de a companhia objeto, o acionista controlador
e pessoas a ele vinculadas de efetuarem nova OPA dentro
do prazo de um ano, a contar do leilão da OPA anterior,
salvo se estiverem obrigados a fazê-lo ou se vierem a
estender aos aceitantes da OPA anterior as mesmas con-
dições da nova OPA, pagando-lhes a diferença de preço
atualizada, se houver; e
(f ) a estipulação de que, em qualquer OPA formulada pela
companhia objeto, pelo acionista controlador ou por pes-
soa a ele vinculada, caso ocorra a aceitação por titulares
de mais de um terço e menos de dois terços das ações em
circulação, o ofertante somente poderá adquirir até um
terço das ações em circulação, procedendo-se ao rateio
entre os aceitantes ou, alternativamente, desistir da OPA,
desde que tal desistência tenha sido manifestada no ins-
trumento da OPA.
O objeto de uma OPA voluntária poderá ser somente a aquisição
de participação minoritária em determinada companhia ou, ainda, o
reforço do bloco de controle, nos casos em que ela é promovida pelo
acionista controlador. Nesta hipótese, quando o ofertante formula es-
pontaneamente OPA, sem, no entanto, ter por objetivo a assunção do
seu controle acionário, aplicam-se apenas os procedimentos gerais pre-
vistos na Instrução CVM nº 361/2002, conforme acima mencionado.

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806 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

Contudo, quando se tratar de oferta pública para aquisição de


controle de companhia aberta, ou seja, aquela formulada voluntaria-
mente pelo ofertante que pretende assumir o controle de determinada
companhia que não possua um acionista ou grupo controlador previa-
mente definido, aplicam-se, além das regras gerais da Instrução CVM
nº 361/2002 acima mencionadas, as normas previstas nos artigos 257
a 263 da Lei das S.A., que serão analisados em seguida.

11.7. OPA para aquisição de controle

11.7.1. Noções gerais


A oferta pública para aquisição de controle de companhia aberta
é aquela mediante a qual o ofertante pretende, por meio da aquisição
das ações pertencentes a diversos acionistas, assumir o controle de
determinada companhia que não possua um acionista ou grupo con-
trolador previamente definido.
Este instituto, de larga utilização em outros países com merca-
dos de capitais mais desenvolvidos – onde é comum a existência de
companhias cujo poder diretivo encontra-se detido por acionistas com
reduzida participação acionária, ou mesmo pelos administradores –
em nosso ordenamento jurídico sempre esbarrou no perfil de elevada
concentração acionária das companhias.
A grande concentração das ações com direito a voto em poder do
acionista controlador, que caracterizava a totalidade das companhias
abertas brasileiras até bem pouco tempo, tornava praticamente im-
possível a ocorrência de ofertas públicas para aquisição de controle73.
Contudo, vem se percebendo que cada vez mais há companhias
brasileiras apresentando uma estrutura acionária em que inexiste um
único acionista ou grupo de acionistas detentores da maioria do capital

73 NELSON EIZIRIK. “O Mito do ‘Controle Gerencial’ – Alguns Dados Empíricos”.


Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo:
Revista dos Tribunais, n. 66, abr.-jun. 1987, p. 106.

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votante. O fenômeno, conhecido como “pulverização do controle”,


permite que o controle acionário de tais companhias seja adquirido
no mercado, sem negociação prévia com os seus principais acionistas,
mediante a utilização da oferta pública regulada nos artigos 257 a 263
da Lei das S.A.74.
O objetivo desta modalidade de oferta é proporcionar aos interes-
sados em adquirir o controle de companhia que esteja pulverizado no
mercado uma opção distinta daquela em que há necessidade de con-
tratação direta com os controladores de fato e, ainda, simultaneamente,
proteger os investidores contra ofertas inidôneas, proporcionando-lhes
amplo acesso às informações referentes à transação75.
As ofertas para aquisição de controle conferem aos acionistas
minoritários das companhias com capital pulverizado oportunidade
única de se pronunciarem a respeito da administração da sociedade e,
reflexamente, apresentam um incentivo para que a administração da
companhia otimize a gestão no interesse dos acionistas76.
Embora a oferta pública ora analisada seja modalidade de OPA
voluntária, já que existem outros meios para viabilizar a aquisição de
controle, uma vez escolhida esta via, o ofertante fica obrigado a adotar
todos os procedimentos legais e regulamentares exigidos para esse tipo
de oferta pública77.
No ordenamento jurídico brasileiro, conforme referido, os re-
quisitos que devem ser atendidos estão previstos na Lei das S.A., em
seus artigos 257 a 263, bem como na Instrução CVM nº 361/2002,
que, em seu artigo 32, confirma expressamente o caráter voluntário
da OPA para aquisição de controle e estabelece que se aplicam a esta

74 Ver Capítulo 8.
75 ROBERTA NIOAC PRADO. Oferta Pública de Ações Obrigatória nas S.A. – Tag
Along. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 65.
76 ROBERTO AMÉRICO BIANCHI. Regimen de la Transparencia en la Oferta Publica.
Buenos Aires: Zavalia, 1993, p. 243.
77 ROBERTO AMÉRICO BIANCHI. Regimen de la Transparencia en la Oferta Publica.
Buenos Aires: Zavalía, 1993, p. 267.

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808 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

modalidade de oferta pública, além do procedimento especial aplicável


a qualquer OPA voluntária, as regras gerais previstas na Instrução para
qualquer tipo de OPA.
O artigo 32, inciso III, da Instrução CVM nº 361/2002, repro-
duzindo a regra estabelecida no § 2º do artigo 257 da Lei das S.A.,
determina que a OPA deverá ter por objeto, pelo menos, uma quan-
tidade de ações com direito a voto capazes de assegurar o controle da
companhia visada.
Note-se que, quanto à sua finalidade, as OPAs em questão divi-
dem-se em duas espécies:
(a) para aquisição de controle acionário, no caso em que o
ofertante ainda não é acionista da companhia alvo, ou não
dispõe do montante necessário de ações que lhe assegurem
o controle (artigo 257, caput);
(b) para reforço do controle acionário, na hipótese em que o
ofertante já é titular de ações que lhe asseguram o controle
acionário, mas deseja passar a deter ações representativas
de mais de 50% (cinquenta por cento) do capital votante,
consolidando seu poder de controle (artigo 257, § 3º).
É importante notar que a OPA voluntária para aquisição de
controle de companhia aberta, regulada nos artigos 257 e seguintes
da Lei nº 6.404/1976, diferencia-se da OPA obrigatória decorrente
da transferência de controle de que trata o artigo 254-A da Lei das
Sociedades Anônimas.
Com efeito, a OPA prevista no artigo 254-A da Lei Societária
é aquela que ocorre após e em consequência da alienação privada de
controle de companhia aberta, sendo sua realização condição legal
para a eficácia da transferência de controle. Trata-se de modalidade
de OPA obrigatória, ou seja, ocorrendo o pressuposto legal – a trans-
ferência onerosa de controle de companhia aberta —, o adquirente
tem, compulsoriamente, que formular a oferta pública aos minoritários.

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A OPA disciplinada no artigo 257 da Lei das S.A., por sua vez,
tem como pressuposto o apelo ao público que faz aquele que deseja
adquirir o controle de determinada companhia aberta. Tal oferta possui
caráter facultativo e voluntário, uma vez que não decorre de exigência
legal, não sendo vedada a utilização de outros meios para a consecução
do fim colimado, qual seja, a aquisição do controle.

11.7.2. O registro perante a CVM


Em regra, a OPA para aquisição de controle de companhia aberta
não se sujeita a prévio registro na CVM. O parágrafo único do artigo
258 da Lei das S.A. estabelece expressamente que a oferta será apenas
comunicada à CVM dentro de 24 (vinte e quatro) horas da primeira
publicação do edital.
Incumbe apenas ao ofertante apresentar, no instrumento de oferta
pública, as informações previstas no artigo 258 da Lei das S.A. e, no
que for aplicável, na Instrução CVM nº 361/2002, publicando-o na
imprensa.
A CVM tomará conhecimento da oferta após a publicação do
edital, podendo, no entanto, intervir para que este seja republicado
caso não esteja em conformidade com as disposições legais e regula-
mentares.
A única exceção à regra acima referida verifica-se no caso em
que a oferta pública voluntária contiver proposta de permuta, total
ou parcial, de valores mobiliários.
Em tal hipótese, como se trata de uma OPA que envolve, por outro
lado, uma oferta pública de distribuição do valor mobiliário oferecido
como meio de pagamento, a Lei das S.A., em seu artigo 257, § 1º,
prevê expressamente que a oferta somente poderá ser efetuada após
prévio registro na CVM.
Tal conclusão é confirmada pelo caput do artigo 32 da Instrução
CVM nº 361/2002, que expressamente menciona que a OPA volun-

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810 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

tária para aquisição de controle somente dependerá de registro na


CVM caso envolva permuta por valores mobiliários.

11.7.3. O Instrumento de OPA


A Lei das S.A. disciplina o instrumento da oferta pública volun-
tária de aquisição de controle, que, nos termos de seu artigo 258, deve
ser firmado pelo ofertante e por instituição financeira que garanta a
liquidação financeira da OPA, bem como publicado na imprensa.
O artigo 258 da Lei Societária estabelece determinadas cláusulas
obrigatórias que devem expressamente constar do instrumento da
OPA firmado pelo ofertante e pela instituição financeira garantidora.
Somam-se a tais cláusulas aquelas previstas no artigo 10 e no Anexo II
da Instrução CVM nº 361/2002, que devem constar do instrumento
de qualquer modalidade de OPA.
Adicionalmente, do instrumento de OPA para aquisição de
controle, exceto no caso de OPA parcial, deverá constar declaração do
ofertante, nos termos do artigo 32-A da Instrução CVM nº 361/2002,
de que ficará obrigado a adquirir, após a OPA, as ações em circulação
remanescentes da mesma espécie e classe, pelo prazo de 30 (trinta)
dias, contado da data a realização do leilão, pelo preço final da OPA.
A possibilidade conferida aos acionistas de, mesmo após a realização
do leilão, venderem suas ações pelo preço da OPA visa a evitar que
os destinatários da OPA que tem por objeto a totalidade das ações
de determinada espécie e classe sintam-se compelidos a alienar suas
ações, ainda que não estejam de acordo com o preço ofertado, pelo
receio de que a OPA venha a ser bem sucedida e eles mantenham
sob sua titularidade ações que deixam de ter liquidez no mercado.
Ou seja, o acionista poderá inicialmente recusar a oferta, caso não
esteja interessado em alienar suas ações, mas terá a opção de vendê-las
posteriormente.
As cláusulas que devem constar do instrumento de OPA consti-
tuem os requisitos mínimos da declaração de vontade do proponente,

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visam a vinculá-lo irrevogavelmente ao ato jurídico autônomo da oferta


pública. Com efeito, refletindo o princípio geral da irrevogabilidade
que se aplica a qualquer tipo de oferta pública de aquisição, o § 2º do
artigo 257 da Lei das S.A. menciona expressamente que a OPA para
aquisição de controle não pode deixar de ser realizada exclusivamente
em virtude da vontade do ofertante.
Isto não impede, contudo, conforme já mencionado, que o ofer-
tante subordine a eficácia da oferta pública a condições, desde que
tais condições não sejam potestativas, isto é, não dependam, para
sua implementação, da atuação direta ou indireta do ofertante ou de
pessoas a ele vinculadas, conforme preceitua o artigo 4º, inciso VIII,
da Instrução CVM nº 361/2002.
Aliás, o artigo 258 da Lei das S.A., em seus incisos I e III, prevê
expressamente determinada espécie de condição a qual tal modalida-
de de OPA pode estar sujeita. De fato, tais incisos permitem que o
ofertante indique no edital de OPA o número mínimo de ações que
se propõe a adquirir, hipótese em que a oferta ficará subordinada à
aceitação por tal quantidade mínima de acionistas.
No âmbito do limite mínimo de ações que o ofertante eventual-
mente se propõe a adquirir em uma OPA para aquisição de controle,
o qual atua como uma condição suspensiva, não há irrevogabilidade.
Assim, se não for atingido tal limite mínimo, o ofertante não fica
obrigado a comprar nenhuma das ações oferecidas.
Além disso, o ofertante também pode fixar, com base nos referidos
incisos, o número máximo de ações que se dispõe a adquirir, sendo
que, caso as ordens de venda ultrapassem o número máximo fixado
na oferta, deverá ser promovido rateio entre os aceitantes.
O inciso II do artigo 258 da Lei nº 6.404/1976 determina, por
sua vez, que o edital deve prever o preço que o ofertante se compro-
mete a pagar pelas ações objeto da OPA, bem como as condições
de pagamento. Note-se que a Lei Societária não prevê a adoção de
nenhum critério de preço específico. Em consequência, nas ofertas

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que objetivam a aquisição voluntária do controle, o preço será fixado


pelas forças do mercado.
O inciso IV do artigo 258 da Lei das S.A. estabelece outro ele-
mento que deve constar do edital necessário à formação do vínculo
contratual, qual seja “o procedimento que deverá ser adotado pelos
acionistas aceitantes para manifestar a sua aceitação e efetivar a
transferência das ações”. A aceitação por parte do acionista constitui
uma declaração de vontade dirigida ao ofertante. Representa, assim,
a integração das vontades do proponente e do destinatário.
A propósito, o artigo 32-B da Instrução CVM nº 361/2002, ao
regular especificamente a OPA parcial para aquisição de controle, es-
tabelece procedimento específico sobre a aceitação da OPA. A norma
prevê que os acionistas poderão condicionar a aceitação da oferta ao seu
sucesso, o que remove o aspecto coercitivo da OPA parcial. Portanto,
no leilão da OPA, o acionista terá 3 (três) opções: (i) aceitar a OPA;
(ii) rejeitar a OPA; ou (iii) aceitar a OPA somente se ela tiver sucesso.
O sucesso da OPA é definido apenas pelos acionistas que a acei-
tarem incondicionalmente, ou seja, uma oferta será considerada bem
sucedida se receber aceitações incondicionais para uma quantidade
de ações capazes de, somadas às ações de propriedade do ofertante,
assegurar o controle da companhia. Os acionistas contrários à OPA,
mas que temam rejeitá-la para não se verem na situação ainda pior de
permanecer na sociedade em caso de sucesso da oferta, poderão optar
pela alternativa (iii) acima. Dessa forma, caso a OPA tenha sucesso,
o adquirente poderá adquirir a totalidade das ações objeto da oferta,
procedendo-se ao rateio entre todos os que aceitarem a OPA, inclusive
aqueles que a tenham aceitado de forma condicional.
No inciso V do artigo 258 da Lei Societária determina-se, ainda,
que o edital de OPA preveja o prazo de validade da oferta, que não
pode ser inferior a 20 (vinte) dias.

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No inciso VI do referido dispositivo exige-se, também, que o


instrumento de oferta pública de aquisição de controle de companhia
aberta contenha informações sobre o ofertante.
No caso de oferta que envolva permuta, o projeto de instrumento
de permuta deverá conter, ademais, nos termos do artigo 259 da Lei
das S.A., além das informações previstas no artigo 258, informações
sobre os valores mobiliários oferecidos em permuta e as companhias
emissoras desses papéis.

11.7.4. O sigilo
O artigo 260 da Lei das S.A. determina que “até a publicação da
oferta, o ofertante, a instituição financeira intermediária e a Comissão
de Valores Mobiliários devem manter sigilo sobre a oferta projetada,
respondendo o infrator pelos danos que causar”.
Tal previsão está em consonância com o disposto no artigo 155,
§ 4º, da Lei Societária, que, ao contemplar a figura do insider trading,
estabelece a regra de que o administrador deve guardar sigilo sobre
informações não divulgadas ao mercado, sendo-lhe vedado aproveitar-
se dessa informação privilegiada para obtenção de qualquer vantagem,
para si ou para outrem.
A regra de sigilo insculpida no artigo 260 da Lei das S.A. visa
a manter o funcionamento regular do mercado, evitando, assim, o
aparecimento de condições artificiais de demanda, oferta e preço dos
valores mobiliários envolvidos na futura oferta pública. Tal norma
objetiva, ademais, quando for o caso, prevenir eventuais manobras dos
administradores ou dos controladores da companhia visada, no intuito
de frustrar ou desestimular a oferta para manterem suas posições78.
Note-se que, ao lado do dever de sigilo previsto no artigo 260 da
Lei das S.A., que subsiste até o momento da publicação do edital de

78 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, 5ª ed,


v. 4. t. II. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 268.

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OPA, há o dever de ampla divulgação das informações da oferta, que


deve ser estritamente observado na fase pública da proposta.

11.7.5. Divulgação de informações


No âmbito de uma OPA para aquisição de controle, o acom-
panhamento da evolução da base acionária da companhia é muito
relevante para todos os interessados, razão pela qual a Instrução CVM
nº 361/2002 exige a divulgação de uma série de informações com esse
propósito.
Dentro de 3 (três) dias úteis contados da data da publicação
do edital de OPA para aquisição de controle, a companhia objeto
deverá fornecer uma série de informações ao mercado, tais como
número, classe, espécie e tipo de valores mobiliários da companhia
objeto detidos pela própria companhia objeto, pelos administradores
e por pessoas vinculadas à companhia objeto e aos administradores.
Tais informações também devem ser prestadas com relação a valores
mobiliários tomados ou concedidos em empréstimo, à exposição em
derivativos referenciados em valores mobiliários da companhia objeto,
a quaisquer contratos, pré-contratos, opções, cartas de intenção ou atos
jurídicos em vigor dispondo sobre a aquisição ou alienação de valores
mobiliários da companhia objeto envolvendo a própria companhia ou
seus administradores ou pessoas vinculadas.
Também deve ser divulgada descrição e análise de eventuais
consequências econômicas da OPA para os administradores da com-
panhia objeto, incluindo, dentre outros, pagamentos extraordinários
e vencimento antecipado de opções de compra de ações.
Adicionalmente, a companhia objeto deve divulgar a posição
detida pela própria companhia objeto e pessoas a ela vinculadas e por
seus administradores ou pessoas vinculadas em valores mobiliários de
emissão do ofertante.
Durante o período da OPA para aquisição de controle, o ofertante
e pessoas vinculadas deverão comunicar ao mercado: (i) os negócios

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realizados, direta ou indiretamente, com valores mobiliários de emis-


são da companhia objeto, informando as datas em que ocorreram os
negócios, o tipo, espécie, classe e quantidade negociadas, agrupados
por data, bem como o preço médio em cada data de negociação; (ii)
a celebração de contrato, pré-contrato, opção, carta de intenção ou
qualquer outro ato jurídico que disponha sobre a aquisição ou alienação
de valores mobiliários de emissão da companhia objeto, informando
a quantidade de valores mobiliários e descrevendo o preço e demais
termos e condições de cada ato jurídico; e (iii) a celebração de contrato,
pré-contrato, opção, carta de intenção ou qualquer outro ato jurídico
com a companhia objeto, seus administradores ou acionistas titula-
res de ações representando mais de 5% (cinco por cento) das ações
objeto da OPA, ou com qualquer pessoa vinculada às pessoas acima.
Tais obrigações aplicam-se também: (i) à companhia objeto e pessoas
vinculadas; (ii) aos administradores da companhia objeto e pessoas
vinculadas; e (iii) a terceiros que pretendam interferir no leilão da OPA.
Nos termos do artigo 32-F da Instrução CVM nº 361/2002, du-
rante o período da OPA para aquisição de controle, qualquer pessoa,
ou grupo de pessoas agindo em conjunto ou representando o mesmo
interesse, que seja titular, direta ou indiretamente, de ações ou de de-
rivativos a elas referenciados que correspondam a 2,5% (dois inteiros
e cinco décimos por cento) ou mais das ações de uma determinada
classe ou espécie da companhia objeto, deverá comunicar ao mercado
qualquer elevação ou redução de sua participação, direta ou indireta,
em mais de 1% (um por cento) das ações de uma determinada classe
ou espécie da companhia objeto, informando ainda as datas em que
ocorreram as negociações, as quantidades negociadas, agrupadas
por data, bem como o preço médio em cada data de negociação. Tal
obrigação estende-se à celebração de contrato, pré-contrato, opção,
carta de intenção ou qualquer outro ato jurídico que disponha sobre a
aquisição ou alienação das ações, bem como à realização de operações
com derivativos referenciados em ações.

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11.7.6. Manifestação da administração


Principalmente no que concerne à OPA para aquisição de contro-
le, é muito importante, para que haja a decisão refletida dos acionistas,
que a administração da companhia objeto manifeste sua opinião
favorável ou desfavorável sobre a aceitação da oferta pelos acionistas,
justificando as razões para tal opinião.
O artigo 32-D da Instrução CVM nº 361/2002 estabelece que,
caso o conselho de administração da companhia objeto decida se
manifestar sobre a OPA para aquisição de controle79, tal manifestação
deverá abordar uma série de informações sobre a quantidade de valores
mobiliários de emissão da companhia objeto e do ofertante detidos
pela própria companhia e pelos administradores. Tais informações são
prestadas com o objetivo de sinalizar possíveis conflitos de interesse por
parte dos administradores na formulação de sua opinião sobre a oferta.

11.7.7. O processamento da oferta


O artigo 261 da Lei das S.A. regula o processamento da oferta,
estabelecendo que “a aceitação da oferta deverá ser feita nas instituições
financeiras ou do mercado de valores mobiliários indicados no ins-
trumento de oferta e os aceitantes deverão firmar ordens irrevogáveis
de venda ou permuta, nas condições ofertadas, ressalvado o disposto
no § 1º do art. 262”.
No curso do processamento da oferta, que se inicia com a aceita-
ção, é permitido ao ofertante melhorar a oferta originalmente formu-
lada, nos termos do disposto no § 1º do artigo 261 da Lei Societária.
De acordo com tal preceito, “é facultado ao ofertante melhorar, uma
vez, as condições de preço ou forma de pagamento, desde que em

79 No processo de revisão dos Regulamentos do Novo Mercado e do Nível 2 de


Governança Corporativa da BM&FBovespa, foi aprovado, no âmbito da audiência
restrita, que o Conselho de Administração deve, no prazo de 15 (quinze) dias a
partir da publicação do edital da oferta pública de aquisição de ações, divulgar
manifestação sobre a OPA, levando em consideração o interesse do conjunto dos
acionistas.

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porcentagem igual ou superior a cinco por cento e até dez dias antes
do término do prazo da oferta; as novas condições se estenderão aos
acionistas que já tiverem aceito a oferta”.
Faz-se necessário, entretanto, analisar de maneira mais apro-
fundada o § 1º do artigo 261 da Lei Societária para se apurar em
que contexto tal dispositivo se insere e, consequentemente, em que
situações deve ser aplicado.
O dispositivo legal em tela admite a possibilidade de melhoria da
proposta formulada em OPA para aquisição de controle de companhia
aberta, no curso do seu prazo. Assim, pode o ofertante melhorar as
condições de preço e forma de pagamento, desde que o faça uma única
vez, observando-se o percentual mínimo de 5%, e no interregno que
vai até dez dias antes da data da expiração da oferta.
Note-se que o dispositivo que contém a norma relativa à melho-
ria da proposta está inserido, sob a forma de parágrafo, no âmbito do
artigo 261 da Lei das S.A., o qual, por sua vez, conforme textualmente
menciona a Lei Societária, regula o “processamento da oferta”.
O caput do artigo 261 refere-se expressamente à aceitação da
oferta, uma vez que, com esta etapa, inicia-se a fase de “processamento
da oferta”, a qual compreende, ainda, o leilão e a posterior liquidação
financeira da operação.
Ora, os parágrafos de determinado dispositivo legal devem ser
informados pela norma contida no caput do artigo em que se inserem,
não podendo, portanto, restringir ou ampliar a norma do caput80.
Por conseguinte, o § 1º do artigo 261 da Lei das S.A. deve ser
interpretado em consonância ao disposto no caput do mesmo artigo.
Assim, se o caput relaciona-se ao processamento da oferta pública, é
forçoso concluir que as limitações estabelecidas em seu § 1º para que

80 CARLOS MAXIMILIANO. Hermenêutica e Aplicação do Direito, 5ª ed. São Paulo:


Freitas Bastos, 1951, p. 325.

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818 – Mercado de Capitais: Regime Jurídico

a oferta possa ser melhorada apenas devem ser aplicadas a partir do


momento em que a OPA estiver sendo processada.
Tal conclusão é corroborada pelo disposto no próprio § 1º, in fine,
quando diz que “as novas condições se estenderão aos acionistas que
já tiverem aceito a oferta”. Ao estipular tal regra, a norma pressupõe
que, no momento da melhoria da oferta, já tenham sido dadas ordens
de aceitação por parte dos acionistas destinatários.
A esse respeito, cabe mencionar, ainda, o entendimento da doutrina
quanto ao § 1º do artigo 261, no sentido de que a “melhoria da proposta
inicial pressupõe a existência de dois fatos: o primeiro é a constatação de
poucas aceitações por parte dos acionistas destinatários, o que coloca a
oferta no caminho do insucesso; a outra é o surgimento de oferta concor-
rente, estabelecendo-se, nesse caso, um certame entre as duas”81.
Portanto, a restrição contida no § 1º do artigo 261 da Lei das S.A.
somente é aplicável após o início da fase de “processamento da oferta”,
que ocorre a partir do momento em que os acionistas da companhia
objeto podem aceitar a OPA.
Por fim, vale mencionar que a existência de oferta pública em
curso não impede oferta concorrente, desde que observadas as normas
sobre oferta pública para aquisição de controle. A publicação de oferta
concorrente torna, no entanto, nulas as ordens de venda que já tenham
sido firmadas em aceitação de oferta anterior. É facultado ao primeiro
ofertante, em caso de publicação de oferta concorrente, prorrogar o
prazo de sua oferta até fazê-lo coincidir com a da oferta concorrente.

11.8. OPA concorrente


O artigo 13 da Instrução CVM nº 361/2002 prevê a possibili-
dade da OPA concorrente que é aquela formulada por um terceiro
que não o ofertante ou pessoa a ele vinculada e que tenha por objeto

81 MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, 5ª ed,


v. 4, t. II. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 296.

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ações abrangidas por oferta pública de aquisição cujo edital já tenha


sido publicado.
A OPA concorrente poderá ser de modalidade diversa da OPA
com que concorrer e deverá observar as regras aplicáveis à modalidade
de OPA em que se enquadrar.
Note-se que a OPA concorrente deverá ser lançada, ou ter o
respectivo registro solicitado, até 10 (dez) dias antes da data prevista
para a realização do leilão da OPA com que concorrer. Adicional-
mente, deverá ser lançada por preço no mínimo 5% (cinco por cento)
superior à oferta principal, e o seu lançamento torna sem efeito as
manifestações que já tenham sido firmadas em relação à aceitação da
OPA com que concorrer.
Uma vez lançada uma OPA concorrente, será lícito tanto ao
ofertante inicial quanto ao concorrente, conforme autoriza o § 5º do
artigo 13 da Instrução CVM nº 361/2002, aumentarem o preço de
suas ofertas tantas vezes quantas julgarem conveniente, desde que
sejam observadas as regras do artigo 5º da referida Instrução, que
disciplinam as situações de modificação da oferta.
Tal possibilidade de diversos aumentos de preço não se aplica,
contudo, às ofertas públicas para aquisição de controle, visto que,
conforme referido, o artigo 261, § 1º, da Lei das S.A. somente admite
a melhoria das condições da oferta uma única vez.

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