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Aires F.

Barreto

Curso de Direito
Ii.Butia.
unicipal

2.! edição
2012

Editora
Saraiva
(\1.
H
Edit:or~
Saraiva
ISBN 978·85·02·12992·4

Rua Hennque Schaumann, 270, Cerqueira César - São Paulo - SP Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
CEP 05413·909 (Câmara Brasileira do livro, SP, Brasil) íNDICE SISTEMÁTICO
PABX: (11) 3613 3000
Barreto, Aires F.
SACJUR: 0800 055 7688 Curso de direito tributário municipal! Aires F,
De 2! a 6!, das 8:30 às 19:30 Barreto, - 2. ed. - São Paulo: Saraiva, 2012.
saraivajur@editorasaraiva.com.br Bibliografia.
Acesse: www.saraivajur.com.br L Direito tributário municipal - Brasil L Título.
Apresentação....................................................................................................... 15
FILIAIS 11·04609 CDU-34:336.2 (81-21)

AMAlONAS/RONDÔNIA/RORAIMA/ACRE
Capítulo 1 Direito Tributário......................................................................... 17
Rua Costo Azevedo, 56 - Centro
índice para catálogo sistemático:
Fone: (92) 3633·4227 - Fax: (92) 3633-4782 - Manaus 1. Brasil: Direito tributário municipal Capítulo 2 Conceito e classificação dos tributos............................................ 19
BAHIA/SERGIPE 34336.2 (81-21)
Rua Agripino Oórea, 23 - Brotas 1 Tributo: nascedouro ............................................................................... 19
Fone: (71) 3381·5854/3381·5895
Fax: (71) 3381·0959 - Salvador 2 Tributo: conceito ........................... ,........................................................ 20
BAURU (SÃO PAULO) 3 Tributos: classificação ............................................................................. 21
Rua Monsenhar Claro, 2·55/2·57 - Centro Diretor editorial Luiz Roberto Curia
Fone: (14) 3234·5643-Fax: (14) 3234·7401-Bauru 4 Tributos fixos e variáveis........................................................................ 24
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CEARÃ/PIAuI!MARANHÃO
Av. Filomeno Gomes, 670 - Jacarecanga Produtora editorial Clarissa Boraschi Maria
Fone: (85) 3238·2323 / 3238·1384 Preparação de originais Maria Izabel Barreiros Bitencourt Bressan Capítulo 3 Competência tributária................................................................ 26
Fax: (85) 3238·1331 - Fortaleza Cíntia da Silva Leitão
DISTRITO fEDERAL Arte e diagramação Cristina Aparecida Agudo de Freitas Capítulo 4 Princípios constitucionais ............................................................ 35
SIA/SUl Trecho 2 lote 850 - Setor de Indústria e Abastecimento
Fone: (61) 3344·2920/3344·2951 Revisão de provas Rita de Cássio Queiroz Gorgatí 1 Princípios: generalidades........................................................................ 35
Fox: (61) 3344·1709 - Brosma Amélia Kassis Ward
GOIÁS!TOCANTINS Ivani Cazarim 2 Princípio da segurança jurídica .............................................................. 38
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Fone: (62) 3225·2882/3212·2806
Fox: (62) 3224'3016-Gaiânio Maria Cecília Coutinho Martins
4 Princípio nonagesimal.. ................. "...... ....... .............. ...... ...................... 41
MATO GROSSO DO SUVMATO GROSSO Capa Roney Camelo
Rua 14 de Julho, 3148 - Centro Produção gráfica Marli Rampim 5 Princípio da igualdade............................................................................ 43
Fone: (67) 3382·3682 - Fax: (67) 3382·0112 - Campo Gronde Impressão Assahi Gráfica
MINAS GERAIS 6 Princípio da estrita legalidade ................................................................ 45
Acabamento Assahi Gráfica
Ruo Além Paraíba, 449 -lagoinha 6.1 O princípio da legalidade e os impostos.............................................. 47
Fone: (31) 3429·8300 - Fax: (31) 3429·8310 - Belo Horizonte
PARÁ/AMAPÁ 6.2 Princípio da legalidade e tributos vinculados...................................... 52
Travessa Apinagés, 186 - Bonsta Campos
Fone: (91) 3222·9034/3224·9038 7 Princípio da irretroatividade .......................................................... ,....... 53
Fox: (91) 3241·0499 - Belém
PARANÁ/SANTA CATARINA 8 Princípio do não confisco ....................................... ".............................. 54
Ruo Conselheiro laurindo, 2895 - Prado Velho
Fone/Fax: (41)3332·4894 - Curinbo
9 Princípio da vedação ao tratamento discriminatório em razão da
PERNAMBUCO/PARAiBA/R. G. DO NORTE/ALAGOAS procedência dos serviços ........................................................................ 63
Ruo Corredor do Bispo, 185 - Boa Vista
Fone: (81) 3421-4246 - Fax: (81) 3421·4510 - Recife 10 Princípio da territorialidade das leis ....................................................... 64
RIBEIRÃO PRETO (SÃO PAULO)
Av. Froncisco Junqueiro, 1255 - Cenfro
II Observância dos princípios implícitos .................................................... 66
Fone: (16) 3610·5843 - Fax: (16) 3610·8284 - Ribeirão Preto
RIO DE JANEIRO/ESpíRITO SANTO Capítulo 5 Imunidades tributárias ................................................................ 67
Rua Visconde de Santa Iso bel, 113 a 119 - Vila Isabel Dúvidas?
Fone: (21) 2577·9494 - Fax: (21) 2577·8867/2577·9565 - Rio de Janeiro Acesse www.saraivajur.com.br 1 Imunidades tributárias: considerações gerais......................................... 67
RIO GRANDE DO SUL 2 As imunidades: incondicionadas ou condicionadas ....................... "...... 68
Av. A. J. Renner, 231- Farrapos
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Porto Alegre Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida
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SÃO PAULO Editora Saraiva. 2.2 Imunidades condicionadas ................................................................. 70
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1120.240002001 I~ 5
A subsunção dos fatos tributários à norma é objeto de formalização através do
ato do lançamento, e com observância ao tipo fechado, que já elegeu a base de cálculo.
A Administração, a partir daí, procede à investigação e avaliação dos fatos, transfor- TRIBUTOS 00 MUNiCíPIO
mando a base de cálculo (conceito ou critério legal) em base calculada. Sobre ela
aplica a alíquota devida, na forma da lei, obtendo o tributo a ser carreado aos cofres
2
públicos.

3.1 Base calculada 1 Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana


-IPTU
A intensidade do comportamento humano a ser mensurada, de acordo com
as respectivas peculiaridades, não pode prescindir da prévia definição legal do cri-
tério genérico a ser utilizado. 1.1 Visão retrospectiva
Sendo a base de cálculo a definição legal da unidade de medida, constitutiva A maioria dos países iniciou a tributação imobiliária sobre as ter-
do padrão de referência a ser observado na quantificação financeira dos fatos tribu- ras cultivadas ou suscetíveis de cultivo, sem consideração à presença ou
tários, segue-se a mensuração dos fatos tributários, à luz dos critérios dados pela lei. não de edificações. No Brasil, porém, o caminho seguido foi diverso: o
Por conseguinte, base calculada é o resultado expresso em moeda de aplicação do primeiro imposto instituído sobre a propriedade imobiliária recaía so-
critério abstrato (designado base de cálculo) a um caso concreto. bre os imóveis urbanos "em estado de serem habitados". Ademais dis-
Para Juan Ramallo Massanet, a base calculada - por ele denominada base so, a própria criação do imposto sobre imóveis não edificados, prenun-
imponível fática - não é mais que "el resultado cuantitativo a que se llega para un ciada e proposta desde o período de regência imperial por financistas e
contribuyente concreto"64. legisladores, mas só concretizada após o advento da Constituição de
A base de cálculo é magnitude abstrata; a base calculada é magnitude concre- 1891 1, teve fundamento diverso: desestimular a especulação imobiliá-
tamente considerada. Esta, sendo a concreta mensuração de um fato tributário, só ria sobre grandes extensões territoriais sem cultivo ou edificação.
exsurge através do lançamento. É a Administração que, com observância dos crité- O imposto predial foi criado, no Brasil, pelo Alvará de 27 de
rios abstratos fixados pela lei, ao conceituar a base de cálculo, investiga cada fato junho de 1808 2 , sob a denominação de "décima urbana". Sua co-
tributário e aplica esses critérios ao caso concreto. brança foi regulada pelo Alvará de 13 de maio de 1809. Recaindo
A distinção entre base de cálculo e base calculada (embora a denominação sobre os prédios localizados na Corte, nas cidades, vilas e povoações
desta última tenha sido criada por nós) já fora vislumbrada por Alberto Xavier 6 '. da orla marítima, a tributação atingia, além dos proprietários, os afo-
Anteriormente, essa dicotomia já fora antevista por A. A. Becker66 . radores. A alíquota era de 10%, aplicável, em relação às proprieda-
Por sua vez, a alíquota, nesse estádio, não mais será aplicada sobre uma in- des plenas, com base no rendimento líquido dos prédios, se locados,
cógnita (v.g., 1 % sobre "x", onde "x" é o valor), mas sobre uma cifra (base calcula-
da), permitindo, assim, conhecer o quantum devido. Em outras palavras, a alíquota
in concreto é o fator aplicável à base calculada para a obtenção da dívida tributária. I A Lei n. 2.940, de 31 de outubro de 1879, impunha a cobrança de "20 réis,

por metro de terreno, não edificado, dentro da demarcação urbana" - diz


Amaro Cavalcanti. E acrescenta: "semelhante contribuição não chegou, po-
rém, a ser posta em execução" (Elementos de finanças. Rio de Janeiro: Impren-
sa Nacional, 1896, p. 235). No mesmo sentido, Viveiros de Castro, Tratado dos
impostos. Rio de Janeiro: Laemmert & Comp., 1901. p. 166.
64 Hecho imponible y cuantificación de la prestación tributaria. Madrid: Civitas, Revista Espanola de 2 José Maurício Fernandes Pereira de Barros, Apontamentos de direito financei-
Derecho Financiero, p. 618. ro brasileiro. Rio de Janeiro: Eduardo & Henrique Laemmert, 1855, p. 354,
Paul Hugon. O imposto. 2. ed., Rio de Janeiro: Financeiras, 1947, p. 160;
65 VI Curso de especialização em direito tributário. São Paulo: Resenha Tributária, 1978. v. 1, p. 40.
Amaro Cavalcanti, Elementos de finanças. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
66 Teoria geral do direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1972. p. 326. 1896, p. 236.

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ou em razão da renda presumida por arbitramento, se de uso dos respectivos pro- A denominação "décima" manteve-se até o ano de 1873 6 , quando deu lugar à de
prietários. Em se tratando de prédios aforados, a base de cálculo era constituída "imposto sobre prédios" e, mais adiante (1881), à de "imposto predial".
pelo foro anual. Em qualquer das situações, abatiam-se 10%, para prevenir "falhas Resplandecia o Brasil republicano quando se instituiu tributo destinado a
e consertos". gravar, indistintamente, a propriedade imobiliária edificada ou não, urbana ou ru-
A situação do imóvel atuava como critério distintivo entre urbano e rural. ral. A ampliação do campo de incidência surgiu com a outorga constitucional de
Efetivamente, o Alvará de 27 de junho de 1808 conceituava como urbanos todos os competência aos Estados-membros paxa instituir impostos "sobre imóveis rurais e
imóveis, em condições de habitabilidade, compreendidos nos perímetros das cida- urbanos" (art. 92., § 22., da Constituição de 24 de fevereiro de 1891). O gravame
des, vilas e na orla marítima, consoante demarcações das Câmaras respectivas. sobre imóveis não edificados não chegou, porém, a ser criado por vários Estados. E
Tal como ocorre com os tributos de hoje, o êxito dos resultados ensejou a mais, daqueles que o instituíram, nem todos o entregaram às comunas, malgrado
ampliação do campo de incidência do tributo que, conforme Alvará de 3 de ju- perdurasse a faculdade constitucional.
nho de 1809 passou a recair sobre as propriedades edificadas, localizadas ou não Esboçavam-se os primeiros contornos da discriminação de rendas, uma vez
à beira -mar. que, na época, as entidades públicas observavam uma repartição discricionária de
A "décima" recebeu influência do imposto francês sobre portas e janelas, ra- competências: inexistindo regulamentação a respeito, a situação de fato se sobrepu-
zão pela qual alguns diplomas legais concederam isenção do tributo aos que edifi- nha à de direito.
cassem" casas de um só sobrado de menos de cinco portas ou janelas de frente"3. Já A inesgotável necessidade de aumento de receita dava origem ao apareci-
7
nessa época se exigia a inscrição dos imóveis, para efeitos fiscais, e, ao contrário da mento de tributos sobre a propriedade imóveL de esdrúxulas denominações . Ob-
regra atual, cabia ao alienante promovê-la. jetivando pôr um paradeiro a essa realidade, a Carta Magna de 1934 alterou a dis-
As lutas e dissensões políticas, no período regencial, ocasionavam sensível criminação de rendas até então vigente, outorgando a competência do imposto
aumento das despesas da Nação, a exigir novos recursos. Assim, entre outras modi- imobiliário aos Municípios (art. 13, § 22., II), exceção feita ao "territorial rural", que
ficações, ampliou-se, em 1832, o campo de alcance e o próprio imposto predial, permanecia na dos Estados (art. 82., 1, letra a). O tributo recebido pelas municipali-
que, afora ser exigido além das áreas até então demarcadas, onerava as corporações dades denominava-se então "imposto predial e territorial urbano". No pertinente
de mão morta em duas décimas anuais. O tributo passou a recair, também, sobre os ao imposto predial e territorial urbano, nada inovaram quer a Carta Política de 10
prédios que, não estando efetivamente habitados, se achassem mobiliados. As zo- de novembro de 1937 (art. 28, II), quer a Constituição de 18 de setembro de 1946
nas urbanas passaram a ser demarcadas de quatro em quatro anos.
(art. 29, I).
A décima urbana manteve-se na competência do governo central, mesmo Alterações foram trazidas com o advento da Emenda Constitucional n. 5, de
depois de proclamada a independência. Todavia, com a distinção entre receita pú- 21 de novembro de 1961. Modificando a discriminação de rendas constante da
blica geral e provincial- fixada por lei de 24 de outubro de 1832 - o tributo foi Constituição de 1946, a par de conservar sob a competência das comunas o impos-
entregue, um ano após, à competência provinciaL por força da Lei Imperial n. 58, to sobre a propriedade predial e territorial urbana, entregava-lhes, também, o rela-
de 8 de outubro de 1833 4 (arts. 36 e 39). O marco inicial da descentralização do tivo à propriedade territorial rural. Essa nova outorga, todavia, seria efêmera. Reti-
imposto sobre a propriedade edificada estava lançado. rava-a a Emenda Constitucional n. 10, de 9 de novembro de 1964 (art. 22.), entre-
Em virtude de faculdade constitucional, várias comunas receberam, a partir gando o imposto sobre a propriedade territorial rural à competência da União, com
daí, das Províncias respectivas, poderes para instituir e arrecadar a décima urbana'. vistas à sua utilização como instrumento da política agrária.
A partir de então, os Municípios ficaram com a titularidade de dois impostos
sobre a propriedade imobiliária: "o predial" e o "territorial urbano".
3 Decreto de 26 de abril de 181l.
4Amaro Cavalcanti. Elementos de finanças. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1896, p. 240;
Gabriel Ayres Netto. O imposto predial. Revista do Arquivo. v. 113, São Paulo, Prefeitura Munici-
pal, 1947, p. 3. 6 Registre-se, contudo, a não rigidez da assertiva. Minas Gerais instituiu-o sob a nomenclatu-

5 Na Província de São Paulo, pela Lei estadual n. 124, de 28 de maio de 1866, o imposto foi
ra de "imposto predial".
entregue às comunas, exceção feita às cidades de Santos, Campinas e São Paulo, que o rece- 7 Paul Hugon refere criação de imposto sobre terrenos marginais às estradas de rodagem (O imposto.
beram em 1889, 1891 e 1934, respectivamente. 2. ed., Rio de Janeiro: Financeiras, 1947. p. 257).

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Em 1965, a Emenda Constitucional n. 18, de l Q de dezembro, alterou a dis- Na hipótese de que venha a criar um único imposto, pode, ainda, escolher
criminação de rendas (art. 20, I), outorgando aos Municípios o "imposto sobre a uma das seguintes alternativas: (a) o imposto será obtido pela aplicação, sobre o
propriedade predial e territorial urbana"8. v·alar venal do imóvel, de uma única alíquota; (b) o imposto será obtido pela soma
Foi com essa denominação que constou do Código Tributário Nacional (arts. da aplicação de uma alíquota "x" sobre o valor do terreno e de uma alíquota "y"
32 a 34) e, sem modificações quanto à esfera de competência, das Constituições sÇlbre o valor das edificações. É óbvio, já houvéramos anotado, que, não havendo
Federais de 1967 (art. 25, I) e de 1969 (art. 24, I). edificações, a alíquota "y" será aplicada sobre zero 10 .
A Constituição de 1988 manteve o IPTU na competência dos Municípios (art. Se optar por criar dois impostos, pode adotar (a) uma só alíquota para os dois
156, inciso I). Todavia, introduziu-lhe modificações, seja em virtude da adição da impostos ou (b) definir alíquotas diferenciadas para um e outro. Diante da criação
regra veiculada pelo § 1Q do art. 156, seja por força dos preceitos constantes do art. de dois impostos, será possível, quando de imóvel edificado, aplicar uma alíquota
182, especialmente em seus §§ 2 Q e 4Q, matéria essa que será objeto de análise de- sobre o valor do terreno e outra sobre o valor da edificação.
talhada, em item específico.

1.2.2 "Propriedade": sentido do termo


1.2 Arquétipo constitucional
O vocábulo "propriedade" não foi utilizado pela Constituição em sentido téc-
A Constituição de 1988, na esteira das anteriores, outorgou aos Municípios nico. O termo foi empregado na sua acepção correntia, comum, vulgar. Tanto isso
competência para criar imposto sobre "propriedade predial e territorial urbana" é certo que, ao garantir o direito de propriedade (art. 5Q , inciso XXII), ao afirmar
(art. 156, inciso I).
que a propriedade atenderá sua função social (art. 5Q, inciso XXIII), ao permitir o
Impostos há sobre os quais a Constituição dispôs de forma minudente. Esse uso da propriedade privada pela autoridade pública, no caso de iminente perigo
caminho, todavia, não foi perfilhado em relação ao IPTU. É razoavelmente amplo o público (art. 5Q , inciso XXV), ao vedar que a pequena propriedade rural seja objeto
espectro de opções cometido ao legislador ordinário do IPTU. Nada obstante os de penhora, em certos casos (art. 5Q, inciso XXVI), e de desapropriação para fins de
contornos traçados pela Constituição não possam ser ultrapassados, o perímetro reforma agrária (art. 185 e seu inciso I), seguramente não ousou a Constituição pôr
constitucional é suficientemente largo para abrigar os mais variados caminhos en- ao largo de tais proteções a enfiteuse, o usufruto, a posse. Certamente não preten-
gendrados pelo legislador municipal. Não se perca de vista, porém, que a legislatu- deu que a propriedade deva cumprir sua função social (arts. 182 e 186), mas infen-
ra tem "meras competências específicas, delimitadas e circunscritas"9, e não poder sas a esse dever estejam a enfiteuse e a posse.
tributário pleno.
Estamos convencidos de que a interpretação sistemática exige se conclua pela
utilização do termo "propriedade" no sentido comum e não em seu significado ju-
1.2.1 O Município pode criar um ou dois impostos rídico. Não fora o bastante, supor que o vocábulo possa ser visto como equivalente
Por conseguinte, é facultado ao legislador ordinário optar pela criação de um a domínio pleno implicaria manifesta afronta ao princípio da igualdade (art. 150, II)
único imposto, ou pela instituição de dois impostos. Desde que não incursione no e até mesmo à diretriz da capacidade contributiva (art. 145, § l Q ). Circunscrevendo
campo da progressão, que, na Constituição de 1988, é de aplicação restrita _ con- a criação do tributo à propriedade (imóvel), no sentido jurídico do termo (direito
forme será visto minudentemente em item específico -, também pode valer-se da pleno de uso, gozo e disposição), ficariam fora do campo de incidência, por qualifi-
definição de alíquotas diversificadas. Deveras, a lei municipal pode optar por: (a) cação constitucional, todos os titulares de domínio útil e todos os possuidores com
criar um único imposto cujo campo de incidência abranja assim os imóveis edifica- ânimo de donos. Se assim fosse, bastaria desdobrar as propriedades (em sentido
dos como os não edificados; (b) instituir dois impostos: um cujo campo de incidência jurídico) e transformá-las em direito de superfície, e, com a mera celebração desse
se limite aos imóveis edificados; outro, gravando os imóveis sem edificação. contrato de direito real, forrar-se-iam os proprietários - agora transmudados em
superficiários - à incidência do imposto.
Consiste o arquétipo constitucional precisamente na atribuição aos Municí-
8 Para maior facilidade redacional, as futuras menções ao imposto sobre a propriedade predial
pios de imposto que grava assim a propriedade como o domínio útil e a posse. No
e terntonal urbana poderão observar nomenclaturas simplificadas: "imposto predial" e "im_
posto territorial" ou, ainda, "predial" e "territorial" ou, por fim, apenas IPTU.
9 Geraldo Ataliba. Sistema constitucional tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1966. p. 38. 10 Manual do IPTU. Coautoria Ives Gandra. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985. p. 106.

198 199
particular, o Código Tributário Nacional, tantas vezes criticado, já captara, adequa- a outrem (denominado enfiteuta), reservando-se, tão só, o domínio direto ou
damente, o espírito das Constituições anteriores, mais vivo e emergente na Consti-
eminente. Embora o novo Código Civil não tenha previsto a enfiteuse, permane-
tuição de 1988 11 •
cem as existentes. Não obstante os poderes que enfeixa, de uso, gozo e disposição,
o enfiteuta não configura proprietário. No aprazamento ou aforamento não há a
1.3 Aspecto material da hipótese de incidência
plenitude de poderes ínsita à propriedade. No contrato de enfiteuse - embora se
Núcleo da hipótese de incidência do IPTU é a propriedade, o domínio útil trate, dentre os direitos reais, do mais amplo - o enfiteuta não recebe todos os
ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na poderes de proprietário. Falta-lhe o domínio eminente.
lei civil. Mesmo sem ser proprietário, o titular do domínio útil exerce o mais complexo
Com o advento do novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de direito sobre o imóvel, qual seja, o decorrente da utilização, fruição e disposição,
2002), esse núcleo foi ampliado com a inclusão do direito Je superfície, assegurado, ressalvadas as obrigações de pagamento da pensão anual e do laudêmio.
expressamente, pelo art. 1.369 12 • Por ser direito real 13 , o direito de superfície é con- A "posse" apresenta-se como terceira variável da hipótese de incidência.
siderado imóvel para efeitos legais l4, podendo o titular também retirar do bem as Examinada de per si, reflete o exercício de poderes inerentes à propriedade ls .
utilidades que ele é capaz de produzir. Encerra, pois, o fato econômico de relevância jurídica, no caso, contido na hipó-
Em decorrência, há que se examinar em que consistem tais institutos. tese de incidência do tributo em exame. Enfeixando o poder que se manifesta
Em sentido jurídico, o vocábulo "propriedade" é significativo de poderes ine- quando alguém age como se fora titular do domínio, a posse abriga - notada-
rentes ao domínio. Conforme dispõe o art. 1.228 do Código Civil, o proprietário mente quanto a uso e gozo - direitos nos quais se faz presente o substrato eco-
tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de nômico tributável. Exemplo característico dá-se com o usufruto, em que não se
quem quer que injustamente a possua ou detenha. cogita de alcançar o nu-proprietário, em que pese o poder de disposição, porque
Assim, o conceito de propriedade só pode ser extraído em razão dos direitos a substância econômica do fato jurígeno não lhe foi trespassada, continuando em
ou poderes que a integram, isto é, os emergentes das faculdades de uso, gozo, dis- poder do usufrutuário.
posição das coisas, até os confins fixados para a coexistência do direito de proprie- Similarmente, no compromisso de compra e venda temos a mesma situação.
dade dos demais indivíduos e das limitações de lei. Nesse sentido, propriedade re- O compromissário-vendedor torna-se possuidor indireto, transferindo ao compro-
flete, de um lado, os direitos de uso, gozo e disposição de bens, conferidos ao titular missário-comprador, a título precário, a posse do imóvel objeto do contrato. Com-
da coisa; de outro, o de retomada de quem injustamente os possua. promissário-comprador imitido na posse está sujeito ao imposto. Na condição de
O imposto predial e territorial urbano grava, pois, a propriedade, ou seja, re- possuidor, extrai benefícios do conteúdo econômico do direito de propriedade.
cai sobre esse gozo jurídico de uso, fruição e disposição de bem imóvel. Como tal, é contribuinte. Se não há posse, o gravame recai sobre o compromissá-
Também o "domínio útil" constitui fato imponível do imposto sobre a pro- rio-vendedor.
priedade predial e territorial urbana. Configura -se o domínio útil quando o proprie- Para haver posse tributável é preciso que se trate de posse ad usucapionem. É
tário, despojando-se dos poderes de uso, gozo e disposição da coisa, outorga-os dizer, posse que pode conduzir ao domínio. Caso se trate de posse que não tenha
essa virtude, não se há cogitar de ser esse possuidor contribuinte do IPTU. Assim,
não podem ser contribuintes do IPTU - embora sejam possuidores - os locatários
II Hoje, há que se incluir o direito de superfície. e os arrendatários de imóvel. Sobre essa impossibilidade, Misabel Derzi e Sacha
12 "Art. 1.369. O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em Calmon são incisivos: "A posse direta do arrendante do terreno ou do locatário do
seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no imóvel não apresenta préstimo à tributação. Quem deve pagar o IPTU é o proprie-
Cartório de Registros de Imóveis. Parágrafo único. O direito de superfície não autoriza obra no tário do imóvel alugado ou arrendado, irrelevante que o locador ou arrendante
subsolo, salvo se for inerente ao objeto da concessão."
13 "Art. 1.225. São direitos reais: ... II - a superfície".
14 "Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais: I - os direitos reais sobre imóveis e
15 Conforme o art. 1.196 do Código Civil, possuidor é todo aquele que tem de fato o exercício,
as ações que os asseguram".
pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.

200
20l
seja, v.g., o usufrutuário. A questão de ser possível embutir no preço da locação ou, Embora contidos na hipótese de incidência, a não inclusão, relativamente a
mesmo, transferir ex contractu o ônus financeiro da obrigação tributária para o loca- estes e àqueles, de árvores, frutos pendentes e plantações, para os efeitos do "pre-
tário não altera a relação jurídico-tributária entre o proprietário e o Município da dial" e "territorial urbano", decorre do fato de que ditos imóveis não encontram
situação do imóvel, a propósito do IPTU"16. perfeita adequação à sistemática do tributo, ao contrário do que possa ocorrer com
O direito de superfície, para efeitos do IPTU, configura-se quando o proprie- o ,ITR.
tário concede a outrem o direito de construir em seu terreno, por tempo determi- Refogem à sua incidência as demais espécies de imóveis (tudo quanto no
nado, mediante escritura pública devidamente registrada. O beneficiário é contri- imóvel o proprietário mantiver, intencionalmente, empregado em sua exploração
buinte em potencial do IPTU, porquanto retira do bem as utilidades que ele é capaz industrial, aformoseamento ou comodidade; os direitos reais sobre imóveis; as apó-
de produzir. lices da dívida pública oneradas com a cláusula de inalienabilidade; o direito à su-
Atente-se para o fato de que, muito embora o termo "superfície" reflita ape- cessão aberta etc.).
nas a ideia de área plana, o direito de superfície, como disciplinado, vai além: Ora atingindo a propriedade imóvel edificada, ora a sem edificação, a imposi-
abrange o solo e o espaço aéreo. ção exige a caracterização, para esse fim, do conceito de prédio e de terreno.
A Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001 (denominada Estatuto da Cidade), Na acepção civilista, o vocábulo "prédio" indica todo e qualquer imóvel,
anterior, portanto, à vigência do novo Código Civil, previu o direito de superfície. abrangendo toda porção de terra ou de solo, com edificação ou não. Assim, em
Mesmo se admitida a constitucionalidade de tal exigência, é passível de dúvida se a sentido amplo, "prédio" tem o significado de imóvel. Noutros campos, o vocábulo
referida Lei autoriza a previsão dessa nova hipótese de incidência, pelos Municí- é utilizado no sentido de imóvel construído.
pios, sem que lei complementar (como o CTN) preveja essa variável (direito de Relativamente ao imposto "predial", só se tomam em consideração certas
superfície) como nova modalidade de sujeição ao IPTU. Em qualquer caso, a nova construções, isto é, os edifícios l9 . A palavra "prédio" abrange, apenas, aquelas in-
cobrança depende de lei municipal. corporadas de forma permanente ao solo, que possam servir para a habitação ou
exercício de quaisquer atividades.
1.3.1 Bem imóvel Faz-se necessária, destarte, para a configuração fiscal de "prédio", a realização
O conceito de "bem imóvel por natureza ou por acessão física" alcança, para cumulativa dos seguintes elementos de natureza constitutiva:
efeitos do tributo, o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmen- a) tratar-se de bem imóvel por acessão, incorporado permanentemente ao
t e 17. A propriedade do solo abrange o solo e, ainda, o espaço aéreo e o subsolo, em solo (elemento jurídico);
altura e profundidade úteis ao seu exercício, até onde houver interesse no normal b) tratar-se de construção que possa servir para habitação ou exercício de
proveito econômico 18 • quaisquer atividades (elemento econômico).
O campo de aplicação do imposto restringe-se aos imóveis "por natureza" e O requisito da incorporação ou assentamento com o caráter de permanência
aos "por acessão física" (tudo que se une ou adere ao imóvel por acessão, conforme é essencial para qualificar os imóveis por acessão. Se falta às edificações essa condi-
é o caso de formação de ilhas, de aluvião, de avulsão, de abandono de álveo e de ção, não se há falar em prédio, pela não verificação do prius. O novo Código Civil
construções de obras). prevê, no entanto, que não perdem o caráter de imóveis as edificações que, "sepa-
radas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para outro local""o.

16 Do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 127.
17 Código Civil: "Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou 19 O termo "construção" é mais abrangente que "edificação". Vale dizer, todos os edifícios são

artificialmente" . construções, mas nem todas as construções são edifícios.


18 Código Civil: "Art. 1.229. A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo cor- 20Código Civil: "Art. 81. Não perdem o caráter de imóveis: I - as edificações que, separadas
respondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para outro local; II - os materiais
opor-se a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais, provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem". Note-se que esse últi-
que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las". mo inciso não guarda interesse para fins de IPTU.

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São exemplos as construções feitas a título precário, as barracas de campismo, de sido cometidos nessa matéria. As erronias decorrem ora das leis, ora das normas
feira, os quiosques, os circos.
administrativas. Estas têm olvidado que a propriedade imóvel tem volume e não
As construções ditas provisórias, destinadas à guarda de materiais das obras, apenas superfície. Logo, a aptidão para o exercício de atividade tem que ser exami-
podem ser tanto temporárias como permanentes. É comum que tais obras - nada nada considerando tanto o solo com sua superfície, como o subsolo e o espaço aé-
obstante erigidas com o propósito de posterior demolição - acabem sendo preser- reo. É errôneo reputar-se não construído o campo de futebol (ou as quadras desco-
vadas, vindo a assumir o caráter de permanentes. O tipo dos materiais construtivos, b~rtas), no qual a atividade lúdica exercida exige que as construções sejam feitas no
em si mesmo, não se constitui em critério para discernir o temporário do perma- nível do solo e do subsolo (tubulação, irrigação, drenagem, escoamento etc.). O
nente. Exemplo característico foi o do antigo "teatro de alumínio" que por anos exercício dessa atividade esportiva exige, precisamente, a não utilização, com cons-
esteve incorporado ao solo na Praça da Bandeira, no centro de São Paulo. truções, do espaço aéreo. Mais flagrante é o absurdo de pretender não sejam edifi-
O indispensável é que a construção (edificação) reúna todas as condições a cados (construídos) os campos destinados a uso como o golfe. Vale o mesmo para
torná-la suscetível de ser habitada, ou de nela serem exercidas quaisquer ativida- as pistas de atletismo e outras similares. Também devem ser vistos como edificados
des. Trata-se de possibilidade objetiva, isto é, relacionada ao prédio em si mesmo, os imóveis nos quais se assentam, em caráter permanente, silos, torres de transmis-
sem consideração à subjetiva, vale dizer, excluída a utilização ou não que lhe dá o são, oleodutos, estações de força e outros da espécie"22.
seu titular. É amplo o campo de incidência do imposto "predial" e meramente residual o
Para o "nascimento do prédio" bastará, pois, que este, em face do estado da do imposto "territorial", assevera Ives Gandra Martins, acolhendo a posição acima,
sua estrutura física, reúna condições de habitabilidade. Cobre-se, dessa forma, não in verbis: "A distinção entre as expressões 'territorial' e 'predial' reside no fato de
só o uso ou fruição de fato, mas, também, a virtual. Quando não houver a utilidade que a predial diz respeito aos terrenos construídos e edificados, mesmo que não
efetiva, mas estiver presente a potencial, estará configurado o imóvel edificado. utilizados. A propriedade territorial diz respeito a áreas sem qualquer aproveita-
A suscetibilidade de servir para os fins abordados tem no conceito de imóvel mento ou edificação, ou seja, o solo sem benfeitorias"23.
construído que ora se formula o seu elemento econômico; este, por sua vez, é de
natureza ontológica. Em razão disto, excluem-se do conceito fiscal de "prédio" as 1.4 Aspecto temporal da hipótese de incidência
estátuas, pontes, calçadas, muros de fecho; as construções paralisadas ou em andamen- Aspecto temporal da hipótese de incidência é a qualidade que esta tem de
to; as construções interditadas, condenadas, alvo de incêndio e outras quejandas. "designar (explícita ou implicitamente) o momento em que se deve reputar consu-
Ressalvados esses aspectos, o critério que tem sido utilizado pelas comunas mado (acontecido, realizado) um fato imponível"24.
- quando se valem de dois impostos - é o de considerar "prédio" a edificação não É de vital importância a determinação do momento em que se considera
descaracterizada pela incidência do "territorial"21. Data venia, trata-se de critério ocorrido o fato previsto na norma tributária, isto é, a caracterização, no tempo, do
inadequado. Sobre essa inadequação, no Curso de Direito Tributário já havíamos con- surgimento da obrigação tributária.
signado que: "Mesmo admitindo a validade dessa distinção, não se pode, a esse Como a regra brasileira é a de que o lançamento seja ânuo e posto tratar-se o
pretexto, transformar em não construído imóvel que o é. Equívocos flagrantes têm IPTU de imposto não cobrável em razão do chamado ano-base (tal como ocorre
com o imposto sobre a renda), pode a lei municipal, como faculta o CTN (§ 2 2 do
art. 144), estipular, por ficção jurídica, o momento desse período em que se dá a
21 A propósito, esclarece Gabriel Ayres Netto que o critério ou definição da espécie "talvez concretização da hipótese de incidência.
peque contra regra de lógica. Porém, é a que melhor atende aos interesses e conveniências em Fixada uma data, reputa-se ocorrido o fato imponível (descrito na hipótese de
jogo, estabelecendo íntima correlação entre dois tributos que, por terem a mesma origem e, incidência) apenas naquele momento, dando origem à obrigação tributária. As
por conseguinte, finalidades análogas, devem se suceder harmonicamente, no tempo, e ter
aplicação sincronizada, no caso de incidência combinada e simultânea. Tanto isso é exato, que
idêntico critério adota a legislação fiscal de outros países, como por exemplo, a França e a
Itália. Em conclusão, todo o imóvel que não é considerado pela legislação tributária como 22 Imposto predial e territorial urbano - IPTU. In: Curso de direito tributário. 9. ed. Coord. Ives
edificado, na sua totalidade ou em parte, é objeto da incidência do imposto territorial" (O Gandra da Silva Martins, São Paulo: Saraiva, 2006. p. 884.
Imposto predial. Revista do Arquivo, n. 113, Prefeitura Municipal. São Paulo: 1947, p. 15 - Se- 23 Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1990. v. 6. t. 1. p. 529.
parata repaginada).
24 Geraldo Ataliba. Hipótese de incidência tributária. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1992. p. 84.

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ocorrências, as alterações, físicas ou de titularidade, que se processem em relação Propositadamente, não damos ênfase ao encaminhamento da questão a partir
ao imóvel, a partir daí, são irrelevantes 25 . O que opera, no caso, é a existência da da classificação doutrinária dos "fatos geradores" em instantâneos e periódicos (ou
propriedade, do domínio útil ou da posse do imóvel, na data considerada. Pouco em isolados, continuados ou permanentes)28, porque, quer se os considere desta ou
importa que o lançamento seja válido por todo o ano, uma vez que a sua mensura- daquela espécie, a classificação não se sobrepõe à imposição legaF9.
ção se dá em razão do instante configurado em lei. A ficção jurídica é, na hipótese, . Assim, uma vez estabelecido o marco instaurador do fato imponível, reafir-
abstrativa do superveniente 26 • ma-se a irrelevância da efetiva concretização dos efeitos do estado de fato (manu-
O que a lei não pode fazer, seja em relação ao IPTU, seja em relação a qual- tenção ou continuação do patrimônio, por um período de tempo, em regra de um
quer outro tributo, é remeter a momento que antecede à própria materialização do ano civil), para gravá-lo de acordo com as mutações havidas no período. Estabele-
fato. É dizer, antes que se verifique a condição necessária e suficiente à sua ocorrên- cido esse momento, ainda que o tributo seja de lançamento mensal, semestral ou
cia. Embora goze o legislador de ampla liberdade na escolha do momento em que anual. a mensuração do imposto dá-se em razão e nas circunstâncias do instante,
se deve ter por verificado o fato tributário, a opção não vai ao ponto de permitir-lhe desprezadas quaisquer alterações que se processem ao longo do período coberto
30
indicar momento precedente ao da própria existência do aspecto material. Em ou- pela obrigação. À guisa de exemplo, tomado o caso do Município de São paul.0 : se,
tras palavras, não se pode fixar uma data de ocorrência do fato que faz nascer a em 1Q de janeiro, a parcela de patrimônio atingida for representada por Imovel
obrigação tributária antes da concretização desse mesmo fat0 2'. edificado, a imposição não se modifica por fato superveniente, no decorrer do exer-
cício, como a demolição do prédio ou o seu desaparecimento, ainda que pela ocor-
rência da força maior a que se refere Eros Roberto Grau'l. Examinando o tema, o
25 Merece transcrição o seguinte trecho da tese de Paulo de Barros Carvalho e que conta com Poder Judiciário acolheu esse entendimento, por sentença exarada pelo ilustre De-
a irrestrita adesão de Geraldo Ataliba: "De todo irrelevante sermos proprietários de imóvel sembargador Márcio Martins Bonilha, então Juiz de Direito, nos autos do Executi-
urbano no dia 4 de maio, posto que a hipótese de incidência do imposto predial e territorial
vo Fiscal n. 9.167/70, que teve trâmite pela 3~ Vara da Fazenda MunicipaP.
urbano exige que tal fato ocorra no dia 1" de janeiro" (Geraldo Ataliba. Hipótese de incidência
tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. p. 107).
26Relativamente ao aspecto temporal, as ficções podem ser ampliativas ou restritivas do fato
(ou do estado de fato) real ou natural. emitidos antes de 1" de janeiro de certo exercício. Equivale a admitir que o crédito tributário
Vai mais longe a lição de Pérez de Ayala: " ... es deI arbitrio exclusivo deI legislador ampliar, o nasceu antes mesmo de existir a obrigação tributária que lhe dá causa.
prescindir, en absoluto, de la dimensión temporal real o 'natural', de los conceptos que conti- 28 Relativamente a essa classificação, Geraldo Ataliba se expressa de forma incisiva: "Não é cien-
tuyen el elemento objetivo deI hecho imponible". E acresce, mais adiante, que "tanto por tífica ou útil a classificação dos fatos imponíveis em instantâneos e periódicos; tanto é assim que
exceso como por defecto pueden producirse, pues, ficciones de derecho en la definición legal o notável Rector Villegas pode escrever: 'En ciertos casos, los hechos imponibles son circunstan-
deI elemento temporal dei hecho imponible" (Las ficciones en el derecho tributario. Madrid: cias de hecho de verificación instantánea. Por ejemplo en el impuesto inrnobiliario el hecho
Editorial de Derecho Financiero, 1970. p. 76). imponible surge della mera circunstancia de ser propietario o poseedor ~ título de duefio dei
Não é outro o ensinamento de Sainz de Bujanda: "en los hechos duraderos, ellegislador pue- inrnueble, aI comienzo del afio fiscal. De igual manera, en el impuesto SUStItutlVO dei gravamen
de, en cambio, optar por alguna de estas dos soluciones técnicas: 1ª Situar el devengo en el a la translllÍssión gratuita de bienes, el hecho imponible es la posesión de capit~ yreserv~s to-,
momento inicial deI hecho imponible, en uno de los momentos de su existencia o, en fin, en mados en determinado momento. Se trata de hechos imponibles de venÍlcaclOn mstantanea
su momento terminal; o 2ª Situar el devengo el término o aI comienzo de un período imposi- (Curso de finanzas, derecho financiero y tributaria. Buenos Aires: Depalma, p. 161)".
tivo legalmente predeterminado" (Fernando Sainz de Bujanda. Notas de derecho financiero. 29 Fábio Fanucchi entende que "o fato gerador do imposto predial e territorial urbano é periódic~,
Madrid: Publicaciones de La Facultad de Derecho de Madrid, 1967, t. 1. v. 2. p. 423). Também verificando-se no fim de cada período ... ". Ressalva, porém, "... se a lei não dispuser em contra-
Sampaio Dória ressalva que, " ... dada a natureza própria de cada imposto, determinada pela rio ... " (Curso de direito tributário brasileiro. São Paulo: Resenha Tributária, 1971. v. 2. p. 41-2).
realidade econômica em que se assenta, pode o legislador eleger, dentro de um espectro mais
30 Parágrafo único dos arts. 14 e 34 da Lei n. 6.989, de 29 de dezembro de 1966 (Código tribu-
ou menos amplo de alternativas ou opções válidas, qual o momento em que um específico
fato gerador se exterioriza, desprezando outras componentes de fato que integram a mesma tário do município de São Paulo).
realidade econômica e cuja manifestação, antes ou depois, é juridicamente irrelevante para 31 Eros Roberto Grau. Força maior no direito tributário. Revista de Direito Público, n. 12, São

caracterizar ou modificar a obrigação tributária respectiva" (Da lei tributária no tempo. São Pau- Paulo: Revista dos Tribunais, abr./jun. 1970, p. 98 e s.
lo: Lael, 1968. p. 164). 32 " ... a obrigação tributária já se consolidara, quando ocorreu o evento questio,nado, '(incên~

São inválidos, por isso, lançamentos efetuados antes da ocorrência do fato tributário. É co-
27 dio)' por isso o aludido imposto, consoante disposição legal perfeItamente vahda, constltm
mum a constatação de que avisos de lançamento (notificações) de IPTU, por exemplo, foram encargo do proprietário do imóvel no primeiro dia do ano fiscal a que se refere (art. 14, §

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o imposto, por essas circunstâncias ou, inversamente, pela adição de acessões alteração do gravame: os fatos redutivos e os aumentativos. Além de situações que,
ou ampliações destas, não se reduz, nem se agrava. A via aí é de mão dupla: nem
de modo flagrante, geram oscilações na mensuração quantitativa da base imponí-
pró-contribuinte, nem pró-Fisco.
vel, tais como a realização de construções, reformas, ampliações, demolições totais
Diga-se o mesmo em virtude de mudança do proprietário, do titular do domí- ou parciais, deveriam ser enfocadas outras, como a construção de equipamentos
nio útil ou do possuidor do imóvel.
u~banos (pavimentação, redes d'água, iluminação pública, esgoto, telefone, esco-
Resta, todavia, a hipótese de falta de expressa disposição legal: nesse caso, las, postos de saúde etc.) ou decorrentes de prestação de serviços públicos (trans-
qual o momento a considerar?
portes, limpeza pública), todas conducentes à alteração dos valores venais.
Na linha de raciocínio de FanuchP3, dever-se-ia tomar em consideração o Uma vez listadas essas situações, os lançamentos (de novo débito ou de regis-
lapso de tempo abrangente de todo o exercício anterior. Entretanto, mesmo em se tro de crédito ao contribuinte) seriam ajustados, após rigoroso proporcionamento
aceitando a classificação dos "fatos geradores" em instantâneos, continuados e de cada um dos fatores a ocasionar variação quantitativa. A valoração final decor-
complexivos, a solução não nos parece adequada, por não se tratar do tributo cuja reria, verbi gratia, de cálculos da espécie: valor venal "x", durante 50 dias, acrescido
natureza da hipótese de incidência seja "complexiva"34, vale dizer, consistente em de "y"%, a partir do 51 2, em razão de reforma; a esse valor se deveria adicionar
um conjunto de fatos, em um ciclo de formação (tal como ocorre com o imposto mais a valorização de "z", correspondente à pavimentação da via, à qual o imóvel é
sobre a renda).
lindeiro, calculada na proporção de 100 dias; desse montante, deduzido "w" por
A propriedade (ou a posse) não resulta de uma somatória, de um aumento força de demolição de 10m2 , em 16 de novembro, e mais "k" por força de desapro-
patrimonial, enfim, não é composta de partículas que se acumulam até a formação priação de 5m2 , em 2 de dezembro etc.
do todo, no transcurso de um ano (ou de outro período qualquer). Ainda quando a lei é silente, da análise dos dispositivos que integram a legis-
Com relação ao imposto sobre a renda, há, no início do ano, um projeto de lação específica, é de inferir a ocorrência do fato gerador em 12 de janeiro. Por
semeadura (renda) que, eventualmente, se concretiza, faz surgir os embriões, cres- exemplo: como é regra que disposições legais fixem, para a transferência de um
ce e floresce, fenecendo ao término do exercício. imóvel, a obrigatoriedade da prova de quitação dos tributos sobre ele incidentes
Com a propriedade, tal não ocorre, porque ela já nasce adulta. Adulta e no naquele exercício, fica demonstrado que o fato gerador ocorre a cada 12 de janeiro.
próprio exercício, sem vistas ao anterior. A hipótese de incidência, no caso, é ser Acolhendo essa tese, Contreiras de Carvalho assevera que: " ... o modo de
proprietário (ou titular do dOIlÚnio útil ou possuidor) e não continuar proprietário; nascer o fato gerador do tributo ... está, sem dúvida, vinculado à ideia de periodici-
muito menos ter sido. dade. Ele surge no primeiro dia de cada ano fiscal em que se torna devido o tributo,
Forma diversa de análise da problemática será a de consideração do período bastando que se configure a situação jurídica, que constitui o suporte fáctico da
corrente (ânuo ou qualquer outro), que, como se verá, também pode ser arreda- norma tributária. Se, no primeiro dia do exercício, alguém se encontra na situação
da. de proprietário, ou titular de domínio útil, ou tem a posse, a qualquer título, de
Sem supedâneo pelos argumentos expendidos para a suposição anterior, po- imóvel, sujeito a tributação com as características já referidas, constitui-se, eviden-
deria ser aduzido que a sustentação dessa alternativa estaria jungida à expressa temente, devedor do imposto"35.
declaração, em lei, de que o lançamento (valorado em função das circunstâncias O consagrado Dino Jarach, embora não se refira às condições encontráveis
encontráveis a 12 de janeiro) teria caráter provisório, sujeito a ajuste posterior. De- em 12 de janeiro, ressalta que:
ver-se-iam explicitar (em lei) todos os acontecimentos supervenientes, geradores de " ... la vinculación con el tiempo nos indica que se trata de un gravamen instan-
táneo, en el sentido de que el hecho imponible no es un fenómeno que se desarrolla
a través deI tiempo; no es como el crédito, por ejemplo, que es el resultado de proce-
único da Lei Municipal n. 6.989/66) ... inequívoco que ao legislador municipal é dado estabe- sos económicos que van madurando y dan sus frutos aI final de un período, sino
lecer o .modo de aferir o fato gerador, daí a irrelevância do argumento segundo o qual o cogi- que es un hecho que se comprueba en un determinado instante. Es la situación
tad~ tnbuto grava fato complexivo e não instantâneo" (sentença de 1-ª instância, transitada patrimonial en una fecha determinada, a la que la doctrina alemana denomina
em Julgado).
33 Curso de direito tributário brasileiro, cit., v. 2, p. 4l.
34 Esse nem vocábulo sequer integra o nosso vernáculo.
35 Doutrina e aplicação do direito tributário. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1969. p. 398.

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No caso do "imposto predial" e do "imposto territorial", a circunstância de ser
'Zeitpunkt', o sea, un punto en el tiempo, expresión para la que no existe equiva-
seu lançamento anual leva, logicamente, à conclusão de que importa a situação de
lente en nuestro idioma, pero que es muy gráfica para indicar que el fenómeno se
fqto _ constitutiva da hipótese de incidência - imperante no termo inicial do pe-
verifica en el instante mismo.
ríodo, porquanto já nesta época o fato gerador é verificável. A própria realização do
Cuál es el instante que hay que tomar? Las leyes, en general, no lo dicen; pero
princípio da isonomia exige que se considere o mesmo momento inicial para iden-
ello se deduce de la conjunción de otras disposiciones que son comunes tanto en la
tiÍicar e imputar a carga tributária a todos os contribuintes.
ley nacional de contribución inmobiliaria como en las leyes provinciales. En ellas
Impõe-se, ainda, o exame do momento inaugural da transformação do ter-
existen disposiciones para garantizar el pago deI impuesto, por las cuales se establece
reno em prédio e vice-versa. Quer se empregue sistema dicotômico, quer se ado-
que no se puede transmitir un inmueble sin que esté pagado totalmente eI impuesto
te um único imposto, imprescindível determinar, com acerto, o instante em que
deI ano en que dicha transmisión se verifica. Esto parece indicar lógicamente que el
se reputa concluída a edificação, bem assim quando se considera desaparecida,
momento en que nace la obligación tributaria es e119. de enero de cada ano.
Quien es propietario o poseedor a título de dueno de un inmueble el 19. de com vistas à alteração da incidência, ao aditamento ou à supressão do valor resul-
enero de un ano fiscal, tiene la obligación deI pago deI impuesto. Lo único que tante das acessões.
puede ocurrir es que la exigibilidad de la obligación esté postergada para otra fecha; Quanto ao término da edificação, alguns têm expressado ponto de vista se-
pero la obligación nace el 12 de enero. Tan es cierto esto, que se pueden verificar gundo o qual a determinação desse momento estaria na expedição do "habite-se",
casos especiales de exigibilidad cuando el contribuyente o sujeito pasivo de esta ou do "auto de conclusão", também denominado "auto de vistoria". Outros têm-no
deuda qui era transmitir la propiedad en cualquier momento, que puede ser el mis- situado como aquele em que se dá a ocupação do imóvel construído.
mo 19. de enero. En este caso la exigibilidad se produce el mismo dia por todo el ano Há muito, sob o regime da "décima urbana", atingia-se com o gravame os
fiscal, y no se opone a este principio el arreglo de las relaciones entre comprador y prédios que "não estando efetivamente habitados se achassem mobiliados"38. Atu-
vendedor, a través de la distribución deI impuesto, que hagan las partes o el escri- almente' o momento da transformação ou da adição não se junge, somente, à ex-
bano en la proporción deI tiempo en que cada uno sea propietario durante el ano. pedição do "habite-se" ou à ocupação do imóvel. A regra é que a incidência não se
Este es un arreglo entre las partes que no tiene relevancia para la deuda con el Fis- subordine ao cumprimento de quaisquer exigências legais, regulamentares ou ad-
co. EI acreedor tiene que cobrar todo el impuesto y debe cobrarlo deI que era pro- ministrativas. Independe, outrossim, da efetiva ocupação do imóvel edificado, exi-
pietario a la fecha en que se transmitió el inmueble, y para otra parte la obligación gindo-se, apenas, possua condições de habitabilidade ou de utilização para o exer-
sólo nace en el ano siguiente"36. cício de quaisquer atividades. Na expressão do consagrado Aliomar Baleeiro, "não
De acatar-se, ainda, os ensinamentos de Hector Villegas, segundo o qual se exime o contribuinte pelo fato de o prédio estar desocupado"39.
" ... o fato imponível surge da mera circunstância de ser proprietário ou pos- Pressupostos substantivos da incidência não são, pois, apenas a ocupação do
suidor a título de dono do imóvel, no início do ano fiscal''37. imóvel ou a expedição do auto de vistoria ("habite-se"). A realidade fiscal "prédio"
O raciocínio acima esposado tem base no próprio direito pátrio. Com efeito, o surge diante da efetividade ou da simples suscetibilidade de utilização. É esse o
Código Tributário Nacional dispõe: momento a que se deve reportar.
"Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da A alteração da incidência, ou a variação do valor venal, deverá embasar-se,
obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou consoante o caso concreto, num dos seguintes instantes:
revogada". 1) conclusão das obras (prédio suscetível de ocupação), nas hipóteses que
E excetua, tão somente, as hipóteses de "impostos lançados por períodos cer- independam de auto de vistoria ("habite-se") ou em que este não tenha sido solici-
tos de tempo, desde que a respectiva lei fixe expressamente a data em que o fato tado no prazo legal ou, tendo sido, resulte em indeferimento ou retardamento na
gerador se considera ocorrido" (§ 22 do artigo supra transcrito).
expedição, por vício de origem;

36Curso superior de derecho tributaria, impuesto inmobiliario. Buenos Aires: Liceo Profisional
38 Amaro Cavalcanti, Elementos de finanças, cit., p. 234.
"CIMA", 1958. p. 341-2.
39 Direito tributário brasileiro, cit., p. 145.
37 Curso de finanzas, derecho financiero y tributaria. Buenos Aires: Depalma, 1074. p. 161.

211
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_ " 2) c,oncessão do auto de vistoria (quando a solicitação da "licença de ocupa-
Em verdade, se o compararmos com tributos nos quais a caracterização do
çao se da no prazo fixado pela legislação própria, em não estando o prédio ocupa- elemento espacial é extremamente complexa, haveres de concluir que essa apura-
do);
ç~o, no caso do IPTU, é singelíssima, porquanto se trata de tributo que recai sobre
3) ocupação do prédio, se anteceder à concessão do auto de vistoria ou ao coisa (sobre pessoa ligada à coisa) de natureza geográfica estática (que não muda de
término das obras.
lo~al), qual seja, a propriedade imobiliária na zona urbana do território municipal.
Em qualquer das hipóteses ventiladas, estaremos diante de edificação que Tal não ocorre. Inicialmente, porque a assertiva de que o imposto é exigido
pode se~v~r aos fi~s q~e lhe são próprios. Nas duas primeiras, temos como traço pelo Município onde de localiza fisicamente o imóvel terá deixado de parte imóveis
caractenstlCo a utllizaçao potencial; na terceira, a utilização efetiva. Mas, em todas situados em dois ou mais Municípios.
há um prédio em condições de desempenhar as utilidades a ele inerentes. ' Sob o ponto de vista jurídico, o problema aparentemente se desfaz, em razão
Sobre essa questão, ouçamos a lição de Ives Gandra Martins: "Inclui-se, toda- do direito de cada Município exigir o imposto correspondente à área do imóvel
~a: a edificação em condição de ser habitada, mesmo que o uso e a função do contida no território respectiv0 42 . O impasse prossegue, porém, a partir do instante
~m~v~l p.ossam não ter ocorrido. Deve ser considerada como virtual para efeitos da em que foi dito fracionamento teórico implica em dividir o que é indiviso, em cindir
lllerdenera do tributo"40. o incindível, verbi gratia, a edificação que se localiza sob a linha demarcatória dos
Em se tratando de reforma ou ampliação e atualização do valor venal, obser- territórios respectivos 43 .
vadas as mesmas alternativas, leva-se em conta o instante em que tais modificações No caso, a quem compete o imposto sobre a propriedade edificada, "o predial"?
desempenham - ou para isso estão aptas - a função útil que delas se espera. Na falta de norma geral de direito tributário a solver o entrave, o fato é que as
Em contrapartida, o momento de exclusão da edificação, por subtração, no pendências da espécie têm sido solucionadas no terreno prático dos "acordos" entre
caso de imposto único, ou da transformação do "predial" em "territorial", conside- comunas, até a ratificação (ou retificação), em virtude de alteração das divisas de
ra-se ocorrido quando da perda das ditas condições de habitabilidade ou da facul- Município, pelos órgãos competentes, e não no campo legal. Urge, destarte, a edi-
dade de servir para os fins pretendidos. ção de norma geral que coloque ponto final a essas questões.
Em suma, diante de quaisquer situações, o ponto de partida é o prédio, que só Esquecidos esses ângulos - que não raro afligem as comunas -, o problema
assume essa condição a partir da possibilidade de utilização, que, por essa razão, é parece esgotar-se. O restante afigurar-se-á resolvido pela localização do imóvel na
o seu elemento ontológico. zona urbana do Município.
_ ~ ~pli~ação das modificações aventadas apenas no exercício subsequente41 Infelizmente, não basta o exame da mera situação do imóvel, do loeus rei sitae,
nao dl~~Ul _a relevância da colocação dessa problemática no tempo, porque não para revelar o sujeito ativo, o titular do poder fiscal.
raro edifrcaçoes adquirem (ou perdem) condições de habitabilidade no final do Há que indagar inicialmente: que é zona urbana? Qual o traço diferenciador
exercício e são ocupadas, ou obtêm o "habite-se", no ano imediato. entre esta e a rural.

1.5 Aspecto espacial da hipótese de incidência 1.5.1 Zona urbana e zona rural
~m se tratando de tributo que grava o conteúdo econômico do direito de Há uma gama de conceitos de espaço urbano e rural, de acordo com a matéria
propnedade sobre imóveis, e mercê de uma clara delimitação jurisdicional dos Mu- regulada44 • Para os efeitos de polícia das construções, a distinção dessas áreas decorre
nicípios' poder-se-ia afirmar, em princípio, que esse imposto não apresenta proble-
mas no que respeita ao aspecto espacial da hipótese de incidência (territorialidade).
42 Apelação Cível n. 162.884, 7~ Câmara do Tribunal de Alçada Civil de São Paulo.
43 Frequentemente, as delimitações dão-se através de linhas imaginárias que, a par de dificul-
tar precisa determinação, "seccionam" terrenos e prédios.
40 ~anual do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana. São Paulo: Revista dos Tribu-
naIS, 1985. v. 1, p. 75. 44 "Não há conceito ecumênico de área urbana ou rural" (Celso Antônio Bandeira de Mello.
Súmulas de direito municipal aprovadas no IV Encontro de Juristas, promovido pelo SENAM,
41, ~encio~a-se, aqui, "exercício subsequente", porque não se logrou encontrar, no direito Caxias do Sul, fevereiro de 1970. Revista de Direito Público, n. 12, São Paulo: Revista dos Tribu-
patno, penodos de lançamento diversos.
nais, abr./jun. 1970, p. 289).

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213
de pressuposto diverso do adotado com vistas às normas de trânsito. Para os fins do Pode fazê-lo, ainda, relativamente ao campo tributário (taxa de localização,
Código Sanitário, outro é o critério diferenciador e, ainda uma vez, não coinciden- instalação e funcionamento, taxa de publicidade, de execução de obras, de ,es~ava­
te com o utilizado para efeitos administrativos. ção do solo, de limpeza pública, de conservação de vias e de logradouros ~ublIcos),
Discrepando de todos os anteriores, desponta novo conceito de zona urbana uma vez que em nenhum desses casos se engendram, efetiva ou potencIalmente,
por oposição à rústica: o embasado na existência ou não de equipamentos. Segun- conflitos de competência. ,
do esse critério, são urbanas as áreas dotadas de equipamentos que ensejam ao O mesmo não pode ser dito, porém, quando a definição de zona urbana e
homem condições de habitação, trabalho, educação, segurança, assistência, circula- para fins do IPTU. É que se, de um lado, a competência municipal é exclusiva, no
ção, recreação; rurais, as deles destituídas. que pertine à tributação imobiliária urbana, de outro, é a União, igualment~ com-
Nesse princípio basilar orientou-se o CTN. A realidade nacional exigiu, toda- petente, e também em caráter exclusivo, para criar o imposto sobre a propnedade
via, o enfoque parcial de apenas dois dos cinco elementos (Natureza, Homem, So- imobiliária rural. Ora, diante de arquétipos constitucionais confrontantes (IPTU e
ciedade, Construções e Redes) em que a Ekística45 divide o problema da locação do ITR), passíveis, portanto, de engendrar conflitos de competência, em virtude da
homem na terra, representados pelas cognominadas instalações da comunidade, autonomia assim do Município como da União, que caminho adotar? A prevalecer
como hospitais, centros de saúde, escolas, e pelas chamadas redes, onde despontam a tese de que o Município é livre para fixar sua zona urbana, para efeitos. ~oIPTU,
os sistemas de serviços públicos, tais quais, água, esgoto, luz, força. o que estaria a impedir que a definisse como equivalendo a todo o seu ~erntono,.=m
A propósito, o Professor Olivier Dollfus, da Sorbonne, registra, enfatica- casos nos quais fosse manifesta a presença de regiões tipicamente ruraIS? De re~lOes
mente, que o espaço urbano implica noção de "convergência de redes (estradas constituídas por fazendas e glebas efetivamente destinadas à vocação campesma e
de ferro e de rodagem, canalização, adutoras de água, de telefone, eletricidade, em relação às quais, mesmo em um século, nem sequer o governante estadista teri.a
esgotos, etc.)"46. o atrevimento de supô-las transformadas em áreas urbanas, em virtude do creSCI-
Não são poucos, todavia, os que entendem que a regra inserta no § 12. do art. mento das cidades e do êxodo rural? O que estaria a inibi-lo de (sempre para efeitos
32 do CTN afronta o princípio da autonomia municipal. Cabendo ao Município - do IPTU) dizer que todo o seu território é composto de zonas urbanas, de áre~s
asseveram - posição de relevo na Constituição (art. 12.), sendo ente político-cons- urbanizáveis ou de expansão urbana (em tese, e pensando em milênios, poderao
titucional que goza de autonomia, e competindo-lhe legislar sobre assuntos de in- até ser, desde que, à falta das zonas rurais, nas quais se produzam alimentos, ainda
teresse local (arts. 29 e 30), nenhuma lei, nem mesmo complementar, poderia exista vida sobre a terra).
dispor sobre zona urbana. É que esta configura matéria de interesse local, logo só o Ora, já se vê que a autonomia dos Municípios não tem amplitude tal que
Município pode sobre ela dispor. Inválido, por conseguinte, o critério fixado pelo permita respaldar esses extremos. E nem se diga que os exemplos alvitrados extra-
CTN. Zona urbana é a que for definida por lei do Município. Só ela obriga. Nenhu- polam os níveis da razoabilidade. Basta que os exemplos sejam passíveis de ocorrer,
ma outra lei pode versar esse tema, sob pena de invasão de competência ínsita ao ainda que, teoricamente, para justificar a necessidade de lei complementar que,
Município. explicitando o que está implícito na Constituição, acentue, com l~~s_mais forte~,
Data venia, não podemos concordar com essa posição. Ninguém nega - por- aquele contorno que, com traços leves, vem delineado pela Constltmçao. ~ M~n~­
que seria rematado erro - que o Município é ente político-constitucional, como cípio é autônomo, mas não é soberano. Os limites da sua autonomia para mstltmr
não se nega a sua autonomia e, nem mesmo, que zona urbana seja matéria perti- IPTU terminam precisamente onde se inicia a competência da União para criar o
nente ao interesse local. Por isso, pode o Município legislar sobre essa matéria, de- ITR. Nem União, que também é autônoma, nem Município podem dispor livre-
finindo zona urbana, para fins edilícios, para fins outros de natureza administrativa, mente: este não pode abstrair-se da competência da União; esta, por sua vez, deve
tais como uso e ocupação do solo, trânsito e em uma série de outros assuntos, bas- conter-se dentro das fronteiras delimitadas pela Constituição.
tando presente o interesse local. Precisamente porque IPTU e ITR são impostos confrontantes, passíveis de ense-
jar, quanto aos conceitos de zona urbana e de zona rural, conflitos de competên~a, é
que cabe, como coube, a edição de lei complementar dispondo sobre ~sses c.onfl~t~s.
45 Ciência moderna que tem por objeto as relações do homem com a natureza. Os parágrafos do art. 32 do CTN configuram normas gerais .d: ~ireltO Tn~utano,
46 O espaço geográfico. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1972, p. 79. destinadas a prevenir conflitos de competência entre os MumClplOs e a Umao.

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Se o Município pode dizer o que é urbano, haveremos de admitir que a União Notadamente hoje, quando se põem em destaque os chamados equipamentos
pode dizer o que é rural. Ora, forçosamente, de conceitos diversos surgirão conflitos sociais, destinados à integração efetiva do lazer na vida das pessoas, justifica-se sua
de competência. De sorte que, para prevenir esses conflitos, é legítimo que a lei inclusão pelos Municípios. Dentre eles, despontam os de recreação, nas suas subes-
complementar, desde logo, trace o "marco divisório" das duas competências con- pécies ativa e contemplativa. Exemplos destas são os centros esportivos dotados de
frontantes.
pi~cinas ou de pistas de atletismo, os play-Iots, playgrounds, playfields e os neigh-
E nem se diga que a competência da União, nessa matéria, é meramente borhood parks.
residual, porque essa afirmação não é corroborada pelo sistema, dele não flui ou Na lição de Hely Lopes Meirelles: "O conjunto de recreação ativa abrange
resulta.
quatro tipos a saber: '1 - play-Iots: recreio ativo para crianças de idade pré-escolar,
Para prevenir conflitos de competência entre Municípios e União, a lei com- abaixo de sete anos'. '2 - Playgrounds: recreio ativo para crianças de idade escolar,
plementar (o CTN) definiu as zonas urbanas por natureza (§ 12 do art. 32) e as zo- de 7 a 14 anos'. '3 - Playfields: recreio ativo para jovens de 15 anos para cima e
nas urbanas por equiparação (§ 22 ). As zonas urbanas, por natureza, foram concei- para adultos". "4 - Neighborhood park (parque de vizinhança): recreio contempla-
tuadas mediante a indicação dos equipamentos mínimos (dois) de que devem ser tivo para todas as idades"49.
dotadas as regiões para que sejam consideradas urbanas. Dessa forma, o critério que Ao lado destes, poderiam ser arrolados outros, como os conjuntos turísticos e
vige, para efeitos fiscais, é o de equipamentos urbanos. Onde há pelo menos dois hoteleiros, essenciais às cidades litorâneas ou estâncias hidrominerais. Cinemas e tea-
daqueles itens, pode-se afirmar que a zona é urbana; os núcleos que carecem da- tros também devem ser objeto de consideração e tudo o mais que proporcione à cida-
queles melhoramentos devem ser considerados como rurais. de vida orgânica, funcional e viva, onde se conjuguem cimento armado e natureza.
Há que se ter presente, todavia, que uma é a diferenciação entre zona urbana Não obstante, as comunas não se detiveram na análise dos equipamentos
e zona rural e outra a que discrimina o imóvel urbano do rústico (que deve tomar curiais às características e necessidades locais, limitando-se à transcrição, nas leis
em conta, ainda, o Decreto-lei n. 57/66). respectivas, do guia constante do CTN. A afoiteza impediu melhor inventário e a
A separação das áreas não está fundada na situação do imóvel, nem na desti- inclusão de equipamentos proporcionadores de maior impulso desenvolvimentista
nação. Não há zona urbana por situação, nem zona urbana por destinação. Há, isto às cidades respectivas.
sim, áreas urbanas e áreas rurais. Nestas, estão ausentes os equipamentos arrolados É bem de ver, de outra parte, que a lei nacional fala em "construídos ou man-
2
no § 1 do art. 32; naquelas, há obras ou serviços, construídos ou mantidos pelo Po- tidos pelo poder público", de tal sorte que ditos melhoramentos podem ser constru-
der Público. Eis aí o traço distintivo inserto no Código Tributário Nacional, delimitan- ídos por particulares e mantidos pelo poder público ou, inversamente, construídos
do os núcleos que se podem qualificar de urbanos, por oposição a rurais, com o fim por este e mantidos por aqueles.
de "extirpar veleidades interpretativas e normativas na tangência do conceito ... "47. Entende-se como zona urbana - na linguagem do Código - "a definida em
A enumeração do Código Tributário Nacional não é numerus clausus. O que a lei municipal", expressão essa que levou uns poucos à errônea interpretação de que
lei complementar exige é presença de pelo menos dois dos implementos de habita- as comunas estariam obrigadas, paralelamente, à observação - como requisito
bilidade ali registrados. Nada impede que os Municípios acrescentem outros. mínimo - da existência de pelo menos dois dos melhoramentos indicados pelo
As comunas poderão definir suas zonas urbanas valendo-se de 5, 4, 3, ou CTN (o que já seria definir zona urbana) e à delimitação do perímetro urbano, por
mesmo 2 dos equipamentos registrados pelo Código Tributário Nacional. Ressalva- lei municipal, como se este fosse imprescindível à definição daquela.
do o mínimo de dois, poderão exigir outros, à sua escolha. Não havendo, ao menos, A inserção em lei municipal dos equipamentos construídos ou mantidos pelo
dois desses melhoramentos, não há cogitar-se de zona urbana48. poder público, quaisquer que sejam, ressalvado o mínimo indicado pelo Código, já
significa definir, em lei municipal, zona urbana.
O perímetro é elemento acessório, sempre vinculado ao prius - "melhora-
47 J~sé Raimundo Gomes da Cruz. Urbanismo - normas urbanísticas _ competência da mentos". Nestes está a caracterização do que seja urbana; naquele, a configuração
umao, estados e municípios Revista de Direito Público n. 16, São Paulo: Revista dos Tribunais de ordem prática, a mera questão de fato.
abr.ljun. 1971, p. 309. '

48Apelação n. 181.609, Tribunal de Alçada Civil de São Paulo. Revista dos Tribunais, n. 446,
1972,p.162.
49 Direito municipal brasileiro, cit., v. I, p. 405.

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217
Não se profligue esse raciocínio alegando delegação de poderes, porque a de- 1.5.2 Imóvel urbano e rústico
marcação das divisas perimetrais será, no caso, abrangente apenas de áreas previa- Delimitado o raio de alcance da zona urbana, restaria distinguir agora o imó-
mente definidas como urbanas, por lei do Município. E é exatamente aqui que v~l urbano do rural. Despontam dois critérios diferenciadores: o da situação do
surge o desacerto. Em se subjugando a melhoramentos é lógico flua, a partir da imóvel e o da sua destinação.
delimitação do perímetro, plena identidade. O atrelamento integral transforma a Pelo critério da situação, considera-se urbano o imóvel que esteja localizado
figura em unitária. na zona urbana; rural, o que estiver fora das suas demarcações.
A coincidência, vale repisar, não permite a proscrição do critério "melhora- A destinação do imóvel como elemento de distinção entre urbano e rural,
mentos". A diferenciação entre urbano e rural com apoio exclusivo em linhas de- cujas raízes remontam ao direito romano, implica considerar "urbanos" os destina-
marcatórias terá posto de parte a própria essência do fenômeno, que é dinâmic0 50 e dos à habilitação, comodidade, recreio e ao exercício de atividades comerciais e
não estático. Equipamentos constroem-se, erigem-se, si'io postos à disposição dos industriais, não próprias do campo. E como "rurais", os imóveis destinados à explo-
Municípios, amiúde. ração extrativa vegetal, à agropecuária, enfim, aos usos campesinos.
Como preleciona Ives Gandra Martins: "O perímetro, é, ainda, elemento di- O critério em exame marca o caminho adotado pelo antigo Código Civil bra-
nâmico, podendo ser alterado à medida que dois dos cinco requisitos da lei comple- sileiro quando põe em relevo, no enunciado dos arts. 1.212, 1.214 e 1.215, o em-
mentar sejam preenchidos e a lei municipal o determine"sl. prego da expressão "colheita"s3. Na mesma esteira, o Decreto-Lei n. 7.449, de 9 de
Necessário se aclare de vez a opção dos Municípios: desde logo definem, por abril de 1945, que dispõe sobre a organização da vida rural.
lei, o espaço urbano, pela enumeração dos equipamentos que o caracterizam, e, a Esboçados os conceitos doutrinariamente aceitos no campo do Direito Civil,
partir daí, estabelecem, ou por ato do Executivo, o perímetro urbano da cidade, passemos ao conceito do Direito Administrativo. Por este, os Municípios se têm
objetivando fácil e rápida configuração física das áreas alcançadas, ou o delimitam, valido de divisas circunscricionais, isto é, têm adotado perímetros delimitadores das
também através de lei. Escolhido o primeiro caminho, ganham em flexibilidade; zonas geográficas, sem solução de continuidade, a que denominaram zonas urba-
optando pelo segundo, circunscrevem-se à obediência legal simultânea de equipa- nas. Estabelecida a área territorial circunscrita pelo perímetro, o que nela se con-
mento e perímetro. Nesta última hipótese, jungidos estarão à alteração, por lei, das tém, diz-se, para fins administrativos, zona urbana. Deflui do exposto que, adotado
o critério da situação, todo imóvel situado dentro dessa linha perimétrica será ur-
linhas demarcatórias, para a cobrança do imposto referente a áreas qúe extravasem
bano; os que estiverem além dos seus limites serão rurais. A solução será diversa,
os seus limites.
no entanto, diante da prevalência do critério da destinação do imóvel.
Ressalve-se, contudo, qualquer que seja o caminho, verificar-se a incidência
Registrados esses aspectos, passemos ao conceito de imóvel urbano para efei-
somente para o exercício vindouro s2 .
tos tributários. Também aqui, vamos encontrar a presença de dois critérios: o da
localização e o da destinação do imóvel.
Hoje, a classificação embasa-se no destino dado ao imóvel, observados os cri-
50 "Modemamente, porém" - assinala Alcino Pinto Falcão -, "os planos reguladores não são
térios legais. A espécie é decidida, pois, segundo um critério teleológico. Nem sem-
mais apenas projetos de traçados de vias ou de complexos edilícios, com a finalidade de ca-
nalizar o desenvolvimento urbano, mas sim abarcam um maior horizonte, a complexa pre, porém, foi assim. Vejamos:
'dinâmica' urbana ... ". E prossegue, trazendo à colação Guido Amorosi, " ... consideram o cen- O Alvará de 27 de junho de 1808, que instituiu a "décima urbana", reputava
tro urbano 'nella sua entità economica e sociale'" (Desenvolvimento urbano e regional. Re- urbanos todos os prédios que, de acordo com as demarcações das Câmaras respec-
vista de Direito Público, n. 17, São Paulo: Revista dos Tribunais, jul.!set. 1971, p. 52). tivas, estivessem compreendidos nos limites das cidades, vilas e lugares notáveis à
51 Manual do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana. São Paulo: Revista dos Tribu-
beira-mar. Acolhera, pois, o critério da situação. O sistema diferencia dor contido na
nais, 1985. v. L p. 77.
Lei de 23 de outubro de 1832 mantinha, ainda, o critério da localização. Nenhuma
52 "Passando um imóvel a pertencer, por força de lei, ao perímetro da cidade ao qual até então

contíguo, nem por isso, de imediato, sujeitar-se-á ao imposto próprio à nova categoria. So-
mente ficará subordinado a essa exigência no exercício seguinte, tudo à base de previsão or-
çamentária legal" (Agravo de Petição n. 130.284, Tribunal de Alçada Civil de São Paulo. Re- 53 No atual Código Civil essa estremação entre imóvel urbano e imóvel rural não se faz tão
vista dos Tribunais, n. 420, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970, p. 227). nítida.

218 219
alteração nesse sentido se processaria no decorrer do século XIX. Tais os ensina- Nem aqui se abre exceção ao critério da destinação do imóvel. No caso, o
mentos de João Pedro da Veiga Filh0 54 e Amaro Cavalcanti55.
que pode conduzir à confusão inicial. que logo se desfaz, é a existência de explo-
. Diplomas legais mais recentes abandonaram inteiramente esse modo diferen- ração hortigranjeira, da pomicultura ou quejandas. Isto até se examine e se con-
crador, para estabelecer critério diverso, lastreado na destinação do imóvel. Dentre clua ser a recreação, o lazer, o destino precípuo do imóvel. É com esse objetivo
56
esses, o Estatuto da Terra (Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964), bem assim q1fe se o mantém.
o Decreto n. 59.248, de 27 de outubro de 1966, que conceituavam o imóvel rural Na fuga ao burburinho citadino, aos ruídos excessivos, ao lufa-Iufa diário,
como o "prédio rústico" de área contínua, localizado em perímetro urbano ou rural estão suas razões de ser. A existência da horta, do pomar, da pequena criação, sem
dos Municípios, que se destinasse à exploração extrativa, agrícola, pecuária ou fins comerciais, não lhe desnaturam o destino urbano. Na bipartição, a recreação se
agroindustrial. sobrepõe, na mesma proporção em que se não vê como urbana a fazenda só pela
. . ~ Código Tributário Nacional optou pelo critério da situação do imóvel. A razão de que possui edificação que serve de habitação ao seu proprietário. Diante,
distmçao preconizada, todavia, teria curta duração. Com a edição do Decreto-Lei n. pois, de finalidade mista, pode dizer-se que um imóvel é rústico ou urbano conso-
~7" de 18 de novembro de 1966, retornava-se, uma vez mais, ao da destinação do ante seja rústica ou urbana sua finalidade precípua 59 •
lmovel. O enquadramento do sítio de recreio como imóvel urbano não é novo. No
Com efeito, em face do art. 15 do Decreto-Lei n. 57/66, editado em período passado já se assinalara que o imposto sobre a propriedade imóvel edificada recaía
de ~ecesso par~a~entar, in~ide o ITR sobre imóvel destinado à exploração extrativa, sobre os "prédios urbanos em geral. residências de recreio e outros em condições
agncola, pecuana ou agromdustrial, qualquer que seja a sua localização. semelhantes"6o.
Inversamente, nos termos do art. 14 do diploma focalizado 57, classificam-se Em relação aos sítios de recreio incide, pois, o imposto sobre a propriedade
urbanos os "sítios de recreio", entendidos estes os que satisfaçam todos os requisitos predial e territorial urbana, que poderá ser calculado, inclusive, onde o sistema
a que alude o art. 13, itens I a m, do Decreto n. 59.900, de 30 de dezembro de adotado seja o de dois impostos, sobre a área de terreno que, proporcionalmente,
1~~658. A expressão "sítios de recreio" abrange todos os terrenos edificados da es- exceder à construída, e que é, comumente, chamada "excesso de área".
peCle. Se o imóvel não é edificado não há falar-se em "sítio de recreio" Persiste, ainda, claro a ser preenchido, isto é, a qualificação de imóveis efeti-
vamente não destinados, mas apenas suscetíveis de destinação (destino potencial).
A classificação, nessas hipóteses, decorrerá de estar o imóvel situado na zona
54 Manual da ciência das finanças. 2. ed. São Paulo: Espindola e Comp., 1906. p. 199 e 200. urbana (zona com equipamentos) ou na rural (núcleo destituído de equipamen-
55 Elementos de finanças, cit., p. 234. tos). Na primeira hipótese, será urbano; rural. na segunda. Em se tratando de área
56 O item I d t 40 d .
" ' . ,o ar. - ,a LeI n. 4.504, de 30 de novembro de 1964, definia o imóvel rural como
o ~redlOru:tlCo, d; area cont~~ua qualquer que seja a sua localização que se destine a explo-
r~ça~ extratlva agr~cola, p~c.uana ou agroindustrial. quer através de planos públicos de valo- III - tenha edificação e seu uso seja reconhecido para a destinação de que trata este artigo".
nzaçao, quer atraves de mlClatlVa privada".
"Art. 14. Para aplicação do disposto no artigo 14 do Decreto-Lei n. 57, aos imóveis situados
57 "Art. 14. O disposto no art. 29 da Lei n. 5.172 de 25 de outubro de 1966 n- b fora da zona urbana e cadastrados como imóveis rurais, as Prefeituras submeterão, obriga-
. , I " ao a range o
Imove _que~ comprovadamente, seja utilizado como 'sítio de recreio' e no qual a eventual toriamente, ao exame e aprovação do IBRA. a comprovação e caracterização destes imóveis
produçao nao se destme ao comércio incidindo assÍlll sobre o m ' b como 'sítios de recreio', conforme exigido no artigo anterior para ser dada baixa no cadastro
' . ' esmo Imposto so re a Pro-
pnedade Predial e Territorial Urbana, a que se refere o artigo 32 da mesma lei" do IBRA".
58 O Decreto n. 59.900, de 30 de dezembro de 1966, estatui: 59 Não é outra a solução, em Portugal. A.M. Cardoso Mota, com apoio em Armando de Bastos

"Art. 13. Para efeito do disposto no artigo 14, do Decreto-Lei n 57 de 18 de b d e Silva e outros, registrou, à guisa de exemplo, que "uma casa com quintal aplicado a horta
1966 . , I' d ., novem ro e ligado, portanto, acessoriamente a um prédio de habitação - constitui, no seu todo, um
, ~ ,Imove SItua o na zona rural pertencente à pessoa física ou jurídica será considerado
como SItIO de recreio', quando: prédio urbano. Inversamente, a casa de habitação de um caseiro de uma quinta constitui, com
esta, um prédio, visto que está subordinada ao fÍlll principal. que é o da exploração agrícola".
I - sua produção não seja comercializada;
(Código da contribuição predial e imposto sobre a indústria agrícola, legislação, notas e comentários.
li - sua área não seja superior à do módulo para exploração não definida da zona típica em Lisboa: Atlântica, 1972. p. 77).
que estIver locahzado;
60 Amaro Cavalcanti. Elementos de finanças, cit., p. 234.

220
221
Consequência inexorável do exposto é não poder a lei federal adentrar o
que o Município declare urbanizável ou de expansão urbana, os imóveis nela con- campo privativo dos Municípios, pena de invasão de competência, não tolerada em
tidos assumirão a natureza de imóveis urbanos.
nosso sistema.
Ives Gandra Martins esposa idêntica postura: "O problema relacionado à des- , A Lei n. 5.868/72 versou duas hipóteses diferentes: no caput do § 62. colocou
tinação potencial, todavia, remanesce pendente de solução. O destino potencial . ·dAncI·a do ITR as áreas iguais ou inferiores a um hectare. Como a
à margem d a mCl e A ,

não pode ser equacionado se não através do critério da situação"6'. U~ião é competente para instituir esse imposto, também lhe era facultado por a
Imprescindível é, ainda, o registro de observação sobre o art. 62 e seu parágra- ilharga da incidência essas ou outras áreas. Quem pode instit~ir pode isentar, ~u,
fo único da Lei federal n. 5.868, de 12 de dezembro de 1972 62 . Sobre essa norma ainda, colocar certos atos, fatos ou situações a salvo da tnbutaçao de sua competen-
legal já havíamos tecido o seguinte comentário: "Dúvida há sobre a constituciona- cia. E, como visto, se a União era, como é, compete~te para cr:ar .0 I~~ e~a, como
lidade das disposições contidas no parágrafo em referência. A linha de raciocínio é / igualmente sua a atribuição para prever as hipoteses de nao mCldenCla ou de
~ /

a seguinte: se, de um lado, era lícito dispor a lei federal, elll razão de sua competên- isenção. Consequentemente, nenhum arranhão à Constituição era (ou e) perpetra-
cia, sobre o Imposto Territorial Rural, inclusive restringindo o campo de sua inci- do pelo caput do art. 62 da lei focalizada. /
2
dência, de outro, era-lhe defeso ampliar ou limitar a área de incidência do 'predial Já não se pode dizer o mesmo quanto ao parágrafo único desse art. 6 . E que
e territorial urbano'. Lei federal não pode modificar lei complementar à Constitui- esse preceito pretendeu transferir para a competência dos Municípios. a tri~utaçào
ção. A competência para legislar sobre o 'predial e territorial urbano' é dos Municí- de áreas rurais (portanto, ontologicamente subsumíveis ao ITR), iguaIS ou mfeno-
pios"63. res a um hectare. Aqui, precisamente, a inconstitucionalidade. Não pode a lei fede-
Em verdade, não tínhamos quaisquer dúvidas quanto à inconstitucionalidade ral transferir (delegar) competência tributária. Apesar da imprecisão terminol~~ca
do parágrafo único do art. 62 da Lei federal n. 5.868/72. É que mera lei federal não da Constituição de 1969 (arts. 18, § 52, e 21, § 52) a competência era, como e,.m-
poderia dispor sobre conflitos. Não é demais insistir no sentido de que lei federal transferível, indelegável e improrrogável, como tantas vezes denunciou a doutnna.
não é subordinante do Município, porque este, como entidade político-constitucio- Era o que defluía de interpretação sistemática da Carta de 1969. . ..
naL recebe sua competência diretamente do Excelso Texto. Lei federal que dispuser Bem por isso, o Supremo Tribunal Federal veio a conclmr pela mconS1ltUCl~-
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sobre matéria conferida à competência dos Municípios é lei inválida, inconstitucio- rd de do citado parágrafo único do art. 62 da Lei n. 5.868/72 • Todavia, ao faze-
na I a / d ..
nal. Comentando essa questão, já havíamos assinalado que "a lei federal não é -lo, também reputou inconstitucional também o caput do art. 62.. Assim esta re Igl-
hierarquicamente superior à lei municipal (nem à estadual). É errôneo falar, no da a ementa desse julgado:
Brasil, em níveis de governo. Entre nós, não há, como na Itália, entes menores". "Imposto predial - Critério para a caracterização do imóvel como rural ou
O âmbito das respectivas competências pode ser maior ou menor. Mas essas como urbano - A fixação desse critério, para fins tributários, é princípio geral de
competências são sempre e unicamente hauridas da Constituição. Entre a Consti- Direito Tributário, e, portanto, só pode ser estabelecido por lei complementar - O
Código Tributário Nacional, segundo a jurisprudência do STF, é lei complementar -
tuição e os Municípios não se interpõe qualquer outra esfera de governo. A compe-
·· l·d de do art . 62 e seu parágrafo único da Lei federal n. 5.868, de 12-
tência municipal, reitere-se, provém sempre e só diretamente da Constituição. Incons t ItuclOna I a
12-72, uma vez que, não sendo lei complementar não poderia ter estabelecido. crité-
rio, para fins tributários, de caracterização de imóvel como rural ou u~bano dIv~rso
do fixado nos arts. 29 e 32 do CTN - Recurso extraordinário conheCldo e proVIdo,
61 Ives Gandra Martins e Aires F. Barreto. Manual do imposto sobre a propriedade predial e territo-
rial urbana, cit., v. 1, p. 79. declarando-se a inconstitucionalidade do art. 62 e seu parágrafo único da Lei federal
62"Art. 6Q Para fim de incidência do Imposto Sobre a Propriedade Territorial Rural, a que se 5.868 de 12-12-72. Declarada a inconstitucionalidade do art. 62 e de seu parágrafo
refere o artigo 29 da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, considera-se imóvel rural aquele único: o Senado Federal suspendeu sua execução, pela Resolução n. 313/83"65.
que se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal ou agroindustrial e que, in-
dependentemente de sua localização, tiver área superior a 1 (um) hectare.
Parágrafo único. Os imóveis que não se enquadrem no disposto neste artigo, independente- 64RE 93.850-8-MG (DJU, 28 de agosto de 1982).
mente de sua localização, estão sujeitos ao Imposto Sobre a Propriedade Predial e Territorial 65JSTF, Lex, 46/91, e DJU, jun. 1983. Duas situações devem ainda ser superadas. A primei:a
Urbana, a que se refere o art. 32 da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966".
diz respeito ao fato de, posteriormente, ter o mesmo Supremo Tribunal Federal, por deClsao
63 Comentários ao CTN. São Paulo: Bushatsky, 1975. v. 4, p. 25.

223
222
o venerando aresto, de um lado, declara a inconstitucionalidade não só do trata-se de faculdade - "a lei municipal pode" - e não de obrigatoriedade, porque
art. 6 2 , caput, como do parágrafo único desse artigo, e, de outro, reafirma o critério é aos Municípios que compete disciplinar os aspectos urbanísticos da cidade e tudo
da localização veiculado pelos arts. 29 e 32 do CTN. o,mais que se traduza num crescimento ordenado. A estética, o embelezamento da
Data maxima venia, entendemos: (a) que o art. 62, caput, era constitucional, cidade, a disciplina das construções, o zoneamento, são matérias de seu peculiar
precisamente porque nada veda à União colocar à ilharga da incidência do ITR as interesse.
áreas iguais ou inferiores a um hectare, dispondo, assim, integralmente, sobre tri- Condição sine qua non para que as áreas urbanizáveis ou de expansão urbana
buto de sua competência; (b) que o respeitável decisum não atentou para a circuns- sejam consideradas urbanas é que para elas haja loteamento aprovado. A compe-
tância de que o critério fixado pelo Decreto-Lei n. 57/66 - cuja inconstitucionali- tência para a aprovação desses loteamentos (onde o destino futuro for eminente-
dade não se declarou - derrogou aquele estabelecido pelos arts. 29 e 32 do CTN. mente urbano) é dos Municípios. Isto não significa dizer que se exclua o poder da
Mais adiante, surpreendentemente, em outro julgado, o Supremo Tribunal Federal União de apreciar e aprovar ou não os projetos de loteamento. Cabe à União mani-
veio a considerar constitucional o art. 62 e seu parágrafo único da Lei n. 5.868/72. festar-se sobre estas áreas, decidindo se interessam ou não à política agrária. O
Essa matéria foi versada pelo Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Pau- exame do órgão federal competente é, em verdade, o que objetiva, exclusivamente,
66
10 , que, em julgado de inegável relevância - porquanto pôs em evidência todas a liberação da área. É manifestação a priori que não caracteriza invasão da exclusiva
as questões implicadas e deu a todas judicioso e jurídico desate - , declarou a competência municipal: aprovação de loteamentos urbanos. A apreciação federal é
inconstitucionalidade do art. 12 da Lei n. 5.868/72, uma vez que esse dispositivo representativa, tão somente, da adequação ou não da área aos fins precípuos da
"revogava" os arts. 14 e 15 do Decreto-lei n. 57/66. Assim se expressou aquele reforma agrária. Os objetivos do ITR são eminentemente extrafiscais, mas não se
Tribunal: conclua daí que a aprovação do loteamento por parte da União, por seu órgão com-
"Destarte, reconhecida, a despeito de valiosas e respeitáveis opiniões em con- petente, signifique obrigatoriedade de aceitação pelo Poder Público Municipal. É
trário, a natureza de norma complementar relativamente ao pré-transcrito art. 15 apenas a concreta manifestação da falta de requisitos da mesma àquele desiderato.
do Decreto-lei n. 57, de 1966, que exclui da incidência do art. 29 do Código Tribu- O projeto aprovado pela União sem a apreciação e a ratificação da comuna não a
tário Nacional os imóveis que elenca, evidencia-se que a Lei federal 5.868, de 1972 sujeita; se contraria quaisquer aspectos em que desponte o peculiar interesse do
não poderia revogá-lo, como o fez no seu art. 12. Tal revogação fere a hierarquia Município, pode ser rejeitado por este. Uma vez rejeitado, a área não perde a con-
legislativa albergada na Constituição pretérita e na vigente, de sorte a espontar a dição de rústica, defluindo daí que a competência tributária e a responsabilidade
inconstitucionalidade desse dispositivo legal"67. correspondente ficam com a União.
Em suma, os particulares ficam submetidos a duas autorizações: à da União,
1.5.3 Áreas urbanizáveis e áreas de expansão urbana de natureza liberatória; à do Município, em razão de seu peculiar interesse. A se-
Opondo as zonas urbanas às rurais, em razão da existência ou não de equipa- gunda depende de prévia expedição da primeira.
mentos urbanos, o que se visa a cobrir são as áreas destituídas desses melhoramen- Célio de Freitas Batalha discorda dessa nossa opinião, incisivamente: "a ple-
tos e, portanto, de natureza rústica. nitude da competência municipal é absoluta, não se podendo admitir esteja o Mu-
A modificação legal da qualidade dessas áreas (rural para urbana) exige lei nicípio subordinado a qualquer restrição nessa matéria"68. Sem embargo do respei-
municipal. Não havendo lei do Município, não há falar em equiparação. Ademais, to que esse estudioso nos merece, mantemos o nosso ponto de vista.
O fracionamento do solo está sujeito a todas as normas que, em regra, se con-
têm nos Códigos de Obras, ou nos de Uso e Parcelamento do Solo, ou ainda, nos
de Turma, considerado válido o mesmo art. 6". A segunda diz respeito a não ter o STF de-
Planos Urbanísticos.
clarado inconstitucional o preceito da mesma Lei n. 5.868/72, que revogou os arts. 14 e 15 do Releva notar, outrossim, que, aprovado o loteamento, a imposição do "terri-
Decreto-lei n. 57/66. Lembre-se, ainda uma vez: lei ordinária da União não tem o condão de torial urbano" só se poderá verificar no exercício subsequente. O gravame municipal
revogar decreto-lei, equiparado à lei complementar.
66Incidente de Declaração de Inconstitucionalidade em Apelação n. 380.210 (JTA, Lex,
122/209).
68Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana. In: Manual do imposto sobre a pro-
67 Agravo de Petição n. 130.284. Tribunal de Alçada Civil de São Paulo; RT, 420/227, 1970. priedade predial e territorial urbana. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985. v. 1, p. 81.

224 225
relativo à área equiparada à urbana representa, em relação aos imóveis que a inte-
Embora existam vários conceitos de· valor, podemos admitir, para os nossos
gram, exigência de tributo ex novo, porque, conforme decidiu o Judiciário, o enqua-
objetivos, que valor é a qualidade das coisas que expressa sua equivalência em ou-
dramento não significa, de pronto, "a ocorrência material do fato imponível"69.
tras coisas ou em dinheiro.
Antes do Código, prevalecia a partição urbano e rural ditada pela localização
Fixadas essas ideias, podemos traduzir valor venal, também denominado valor
do imóvel. Daí justificar-se a expressão "mesmo que localizados fora das zonas",
c(e mercado, como o valor de venda de determinado bem. Valor venal do imóvel é, em
constante do § 22 do art. 32, porque, pelo critério dos perímetros, nestes se conti-
decorrência, o valor de venda dos imóveis.
nham núcleos sem equipamentos urbanos.
Não é despiciendo registrar que existem várias outras espécies de valor do
Com o advento do CTN não se podem mais admitir áreas urbanizáveis, ou de
imóvel, como o valor de origem, o valor contábil, o valor depreciado, o valor sub-
expansão urbana, dentro dos perímetros, porque estes só podem alcançar as dota-
jetivo, o valor estimativo etc.72. Todavia, nenhum destes nos interessará de perto. O
das de equipamentos e, portanto, urbanas por natureza.
que buscamos encontrar é o valor venal do imóvel, que, como vimos, é o seu valor
de venda ou valor de mercado.
1.6 Aspecto quantitativo da hipótese de incidência Vejamos os vários conceitos de valor venal, ou valor de mercado, que, nos
1.6.1 Base de cálculo termos do art. 33 do CTN, é a base de cálculo do IPTU.
Erigido pelo Código Tributário Nacional como base de cálculo do imposto o É possível conceituar valor venal como o valor normal que qualquer bem
valor venal do imóvel, não é lícito ao legislador municipal adotar qualquer outra. comercial obtém no mercado. A seu turno, valor venal do imóvel nada mais é do
Não pode eleger, pois, o valor histórico, o valor locativo, o valor especulativo, o que espécie desse gênero, e, como tal, não foge às regras que ditam a apuração dos
valor justo, o valor de seguro, o "valor para quem"70 ou outros que não o valor demais valores venais. Estes, quaisquer que sejam, são sempre decorrentes das for-
venal. A base dimensível do tributo é, exclusivamente, o valor venal. ças econômicas que caracterizam a lei da oferta e da procura; todavia, ademais
Para o exame da sua determinação, mister se faz examinar o próprio conteú- disso, são valores altamente influenciados por fatores psicológicos ou subjetivos.
do do vocábulo "valor". Em si, o valor de um bem resulta de elementos a ele refe- Por isso, é temerário afirmar que na sua busca se venha a encontrar alguma coisa
ridos, como a utilidade, a raridade, o desejo. Tomemos, à guisa de exemplo, o ouro. mais precisa do que um "valor provável de venda".
Podemos asseverar que o ouro reúne esses três elementos: é raro, é útil e todos Diferença não há quando o que se busca é a obtenção do valor venal de imó-
veis. A dificuldade até se acentua, pelo fato de os imóveis serem bens infungíveis e,
desejam obtê-lo. Reunindo essas características, o ouro tem valor relativamente
portanto, impossíveis de serem substituídos por outros, da mesma espécie, quanti-
alto. Imaginemos, em contrapartida, tais qualidades, considerando o lápis, a água,
dade e qualidade. Essa característica dos imóveis torna mais difícil a comparação
o ar. Evidencia-se que a maior ou menor intensidade da presença, no bem conside-
- única forma razoável de aquilatar o valor das coisas.
rado, dos elementos formadores do valor, é que determinará a dimensão deste.
As Cortes da Califórnia definem valor de mercado como "o valor mais alto em
Raridade, utilidade e desejo de obtenção são, todavia, expressões abstratas,
termos de dinheiro que um imóvel pode ter, uma vez proposto à venda, dentro de um
cuja valoração, por sua vez, decorre de elementos subjetivos. Daí por que se tem
tempo razoável para encontrar comprador, que deverá ter conhecimento de todos os
recorrido, para mensurar as coisas, à capacidade de troca respectiva. Bem o lembra
usos e propósitos para os quais é útil e para que tem capacidade de utilizar-se"73.
Gustave Le Bon: "A humanidade só dispõe de uma ferramenta para medir as coisas,
a comparação, e é na seleção dos meios e padrões de comparação que se revela a
capacidade de apreciação e julgamento dos indivíduos"7!.
72 Valor de origem representa o valor inicial do bem, tal como foi capitalizado (contabilizado)

por seu atual proprietário, para fins contábeis ou impositivos. Geralmente, reflete apenas o
custo da compra. Valor contábil, que também se denomina valor líquido contábil, representa o
69 Agravo de Petição n. 130.284 - Tribunal de Alçada Civil de São Paulo. Revista dos Tribunais, custo de aquisição menos a amortização contábil. Valor do proprietário ou valor subjetivo ou esti-
n. 420, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970, p. 227. mativo é o atribuído ao imóvel pelo seu proprietário, com fundamento exclusivo em fatores de
70 Denomina-se "valor para quem" aquele "despropositado" para a generalidade de compra-
ordem subjetiva e personalíssimos, tais como o sentimento de orgulho, prazer ou utilidade
dores, mas "razoabilíssimo" para certo adquirente. São exemplos os preços pagos por certas específica que o imóvel lhe proporciona ou que sente em relação ao imóvel.
faixas de terreno para agregá-las aos imóveis lindeiros. 73General appraisal. Sacramento: Manual assessors' handbook. 1964, AR 501-13. Também em
Valuación de bienes raÍces. México D.F.: Instituto Mexicano de Valuación, julio/septiembre,
71 Apud Luiz Carlos Berrini JI. Avaliação de imóveis. São Paulo: Freitas Bastos, 1955. p. 17.
1973, p. 7.

226
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Dessa linha, não discrepa a Enciclopédia de Avaliação: "Valor de mercado es Infere-se, destarte, que valor venal do imóvel - em identificando "aquele
el precio que un comprador pudiera pagar justificadamente y un vendedor pudiera que o imóvel alcançará para compra-e-venda à vista, segundo as condições usuais
aceptar si cada uno está bién informado y bién advertido de las ventajas y desven- do mercado de imóveis"79 - implicará a estimativa do que seja esse valor alcançá-
tajas deI inmueble y ambos son motivados en este acto de vonluntad como inver- vel. É determinação teórica, provável, do acontecimento compra e venda.
sionistas normales, libres de estímulos especiales, con conocimiento deI usual que Em resumo, valor venal do imóvel, ou valor de mercado, é o preço ajustado
se destine el bién y permitiendo un tiempo razonable pulsar oferta y demanda". em condições normais, por comprador e vendedor bem informados, quando estive-
Enrique Lira Montes de Oca também acolhe essa definição, universalmente rem examinando o caso de um imóvel recém-transacionado. Todavia, os imóveis
aceita: "Valor de mercado es el precio mayor en términos de dinero que el inmueble não estão, todos, ou sequer a maioria, à venda. Daí por que, genericamente, o valor
puede tener, una vez propuesto en venta, abiertamente por un tiempo razonable venal do imóvel nada mais será que um valor provável que se obterá, em transação
para encontrar comprador, quien deberá tener conocimiento de todos los usos y à vista, em mercado estável e estando o comprador e vendedor bem informados
propósitos para los que es útil y para lo que tiene capacidad de utilizarse"74. sobre a sua utilidade. Valor venal é, pois, o "valor provável" que o imóvel atingirá,
No mesmo diapasão, Horst K. Dobner, grande especialista nessa área, consigna: diante de transação à vista e de mercado imobiliário estávepo.
"EI valor de mercado es el precio más alto, estimado en términos de dinero, que una A fixação dessa estimativa carece, portanto, de avaliação de cada imóvel, não
propiedad puede producir, siendo expu esta para la venta en un mercado abierto, per- sendo possível, dessa forma, estabelecer, previamente, em lei, o quantum do impos-
rnitiendo un tiempo razonable para encontrar un comprador, que compra con el cono-
to. A determinação numérica do valor venal só poderá ser realizada a posterioriBI •
cimiento de todos los usos a los cuales está adaptada la propiedad y apta de ser usada"75.
Por conseguinte, tratando-se de imposto avaliável, pode-se optar por uma
Idêntica definição é esposada pelo American Institute of Real Estate Appraisers76 •
destas formas:
John Heath Júnior prefere a expressão "valor razoável de mercado", e o defi-
a) proceder a avaliações individuais, inteiramente a cargo dos agentes tribu-
ne como o "preço pelo qual o bem poderia trocar de dono, entre um comprador
tadores;
interessado e um vendedor desejoso de vender, estando ambos razoavelmente
b) empregar o sistema de avaliação em massa, isto é, proceder a avaliações
bem-informados de todos os fatos pertinentes e sem que um ou outro estejam obri-
com lastro em regras e métodos predeterminados, mediante o emprego de pessoal
gados a comprar ou vender"77.
Já se definiu valor venal como o preço máximo que um comprador com ex- especializado e adrede distribuído nas várias fases do processo.
periência ofereceria a um proprietário igualmente experimentado e que venha, Do ângulo legal, não há restrições aos métodos e processos técnicos que se
após regateio, a ser aceito. venham a empregar, sendo ambas as hipóteses irrepreensíveis, posto constitucio-
Em trabalho anterior, já conceituamos valor venal do imóvel como o valor nais, consentâneas com o CTN e com a natureza do tributo.
provável que o imóvel atingirá, diante de transação à vista e de mercado imobili-
ário estáveFB.
79 Aliomar Baleeiro. Direito tributário brasileiro, cit., p. 148.
80Segundo o Instituto Americano de Valuadores de Bienes Raíces, o valor venal (valor de
74 Valuación de bienes raíces, cit., p. 7. mercado) "es el precio más alto, estimado en términos de dinero, siendo expu esta para la
75Sistema y procedimientos de la tasación aplicados ai planeamiento de nuevos sistemas cadastrales. venta en un mercado abierto, permitiendo un tiempo razonable para encontrar un compra-
Colección estudios fiscales/2. México: Ediciones Gobierno deI Estado de México, 1972. p. 22. dor, que compra con el conocimiento de todos los usos a los cuales está adaptada la propiedad
76Appraisal terminology and hand book. 3.ed. Chicago: 1960. p. 163. Cf. ainda Luis A. Nazario.
y apto de ser usada".
Compendio de valuación de inmuebles. Segundo curso. Sociedad de tasadores de Venezuela. Caracas: 81 A propósito, adverte o Professor Ruy Barbosa Nogueira: "é evidente que não existe no

Ediciones Sotave, 1966. p. 18. mundo jurídico nenhuma forma de técnica legislativa que pudesse 'a priori' fixar o próprio
77Cf. Appraisal terminology and hand book, cit., p. 163; d. ainda Luis A. Nazario. Compendio de cálculo do quantum dos impostos territorial e predial devido pelos contribuintes desses impos-
valuación de inmuebles, cit., p. 18. tos. Esses impostos não são tributos 'fixos', de capitação, mas ao contrário, tributos 'avaliáveis',
78 Apoiamo-nos na observação feita pelo expert em avaliações Prederick M. Babcock, em traba-
a serem fixados de acordo com as regras ou bases de avaliação - estas sim, prefixadas no
lho apresentado ao I Congresso Venezolano de Valuación sob o título Revisión de los principios básicos texto da lei - e postas em execução por meio de atos administrativos do procedimento de
de valuación, quando defendeu que a única definição aceitável de valor de mercado é a de lançamentos" (Base de cálculo do imposto predial. Revista de Direito Público, n. 11, São Paulo:
"preço provável disponível". Revista dos Tribunais, jan./mar. 1970, p. 96).

228 229
Todavia, enquanto a marca indelével da primeira é o subjetivismo, a segunda Quanto a esse aspecto, temos a confortável companhia do mestre Ives Gandra
caracteriza-se pelo impessoalismo. Martins, para quem: "A exclusão dos bens móveis, embora com referência a quatro
À falta de tratamento individual - esparsamente citada como aspecto des- facetas diferentes, é total. não havendo bem móvel. permanente ou temporário,
vantajoso da "avaliação em massa" -, opõe-se o argumento de que a admissão da que não se incorpore na indicação excludente. Desta forma, todos os bens móveis
subjetividade é mais danosa que eventuais discrepâncias isoladas deste processo de e,stão excluídos da determinação da base de cálculo, prevalecendo, para tais efeitos,
avaliações, corrigíveis, aí sim, mediante apuração individual do valor do imóvel. sempre o conceito outorgado pelo Direito Privado"83.
Daí, sem embargo da liberalidade do Código Tributário Nacional quanto aos Em consequência, não padece dúvida a não inclusão, na determinação da base
critérios de obtenção de valores venais, conclui-se que o ideal é o cerceamento, por de cálculo do IPTU, de mobilias, quadros, obras de arte, coleções, adornos etc.
lei municipal. do comportamento das autoridades administrativas, através da impo-
sição de regras e métodos genéricos e impessoais. 1.6.1.2 Atualização da base calculada
O mestre Geraldo Ataliba bem equaciona a questão: "Esta forma de proceder A norma do § 12· do art. 97 do CTN, à evidência, utiliza-se da expressão "base
é mais requintada, mais objetiva, mais racional e mais consentânea com as exigên- de cálculo" na acepção de conceito normativo, aludindo à grandeza indicada na lei
cias do Estado de Direito e do princípio da estrita legalidade da tributação, pois re- instituidora do tributo como capaz de medir o fato imponível. para efeito de deter-
tira qualquer desenvoltura, subjetivismo ou pessoalidade ao lançamento"82. minação do respectivo quantum debetur.
Nesse sentido, conforme o potencial de cada Município, podem ser elabora- Portanto, a "modificação da base de cálculo" de um tributo é alteração do
das pautas, tabelas, listas ou mapas de valores, bem como índices representativos de conceito normativo referido pela lei para indicar sua base imponível84 .
valorização ou desvalorização, orientadores das autoridades administrativas e ga- Ora, a vedação a tal modificação, por via de ato administrativo, é diretamente
rantidores de ação uniforme, livre de subjetivismo e arbítrio. inferível do princípio constitucional da estrita legalidade do tributo: ele exige, para
Conforme veremos com maior detença em item específico, a edição de Mapas sua realização, que a lei esgote a descrição da hipótese de incidência tributária: vale
de Valores Genéricos, por seus reflexos positivos, revela-se aconselhável: facilita e dizer, ela mesma deve prever todos e cada um dos seus aspectos. De tal sorte, não
racionaliza o trabalho, resguarda a necessária uniformidade de comportamento, pode o aplicador modificar nenhum dos conceitos referidos na lei para descrever
cada um dos aspectos da hipótese de incidência, inclusive - por óbvio - a base
evita discrepâncias próprias do alvitre e representa tranquilidade para Fisco e con-
tribuintes. imponível ("base de cálculo").
O § 2'" do art. 97 do CTN, por sua vez, está voltado para o legislador ordinário,
apenas para adverti-lo de que a mera variação monetária do valor concreto da
1.6.1.1 Exclusão dos bens móveis
grandeza apta para medir o fato tributário - a base calculada, portanto - refoge
Consoante disposição do parágrafo único do art. 33 do CTN, "na determina- ao princípio da legalidade.
ção da base de cálculo, não se considera o valor dos bens móveis mantidos, em ca- É de notável evidência que, aqui, embora a expressão empregada pelo dispo-
ráter permanente ou temporário, no imóvel". sitivo seja, também, "base de cálculo", já não está a se referir, obviamente, à gran-
Embora o parágrafo se refira a bens móveis, convém se observe a não co- deza, abstrata e genérica, indicada na lei instituidora do tributo como sua base im-
gitação de gravar os bens imóveis por acessão intelectual. como os empregados ponível; não está, enfim, referindo-se à "base de cálculo", enquanto conceito nor-
na exploração industrial. bem assim os móveis (imobilizados) que objetivam o mativo. Deveras, não se pode cogitar (é flagrante e total a impossibilidade) de
aformoseamento, ainda que assentes com caracteres de estáveis, como os pai- corrigir monetariamente um conceito normativo; o que se pode corrigir monetaria-
néis, as estátuas, os espelhos. Excluídos estão, também, os bens móveis empre- mente é a base calculada s5 , vale dizer, o valor já concretamente apurado do fato
gues visando à comodidade (v.g., um condicionador de ar) ou à utilidade (p. ex.,
extintor de incêndio).
83 Manual do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, cit., v. 1, p. 95.
84 Aires Barreto. Manual do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, cit., p. 193.
82Imposto predial urbano e taxas de serviços urbanos. Revista de Direito Público, n. 11, São Paulo: 85 Maior aprofundamento sobre a expressão "base calculada" é encontrável em nosso livro
Revista dos Tribunais, jan./mar. 1979, p. 122 e 123. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. 2. ed. rev. São Paulo: Max Limonad. 1998.

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(v.g. valor efetivo, em dfra, do preço de determinado bem ou serviço), cuja definição se quantum devido a título de imposto. Este será o resultado do produto valor ve-
subsume àquele conceito no=ativo adotado pela lei como "base de cálculo" do tributo. nal vezes alíquota.
A mera atualização da expressão monetária da base calculada, com efeito, Não há na Constituição dispositivo que estipule um "teto" da percentagem a ser
não significa aumento de tributo sem lei, porquanto:
aplicada sobre a base imponível. A não limitação encontra fundamento na diversida-
a) a base de cálculo (conceito no=ativo) não foi modificada, isto é, a grandeza cl,e das características regionais, a exigir tratamento consentâneo com as peculiarida-
cujo valor numérico a Administração apurou, concretamente, foi aquela indicada des sodoeconômicas das milhares de comunas brasileiras. Nem por isso pode ser
genérica e abstratamente pela lei instituidora do imposto - vale dizer, o preço do desmedida a estipulação desse percentual de sorte a tomar o imposto confiscatório.
serviço, ou o valor da apuração mercantil ou o valor venal do imóvel- e não outra; Já havíamos consignado, em oportunidade anterior 86 , ser legítimo e legal o
b) a base calculada, por sua vez, também não foi modificada, é dizer, V.g., o aumento ou redução das alíquotas quando o legislador munidpal tem em mira, a
preço do serviço, ou o valor da mercadoria ou o valor venal concretamente apura- par da obtenção de receita, imprimir ao imposto função regulatória, que se drcuns-
dos pela Administração são os valores da data da ocorrênda do fato tributário, creva ao campo das atribuições munidpais. Vale dizer, o emprego do imposto como
apenas atualizados em sua expressão monetária, para cumprir seu dever de fazer instrumento para fins extrafiscais 87 . Tinhamos acrescido que, na consecução de fins
constar do lançamento um valor efetivo, real. extrafiscais, o Município poderia valer-se da aplicação de alíquotas visando ora ao
A interpretação sistemática exige, enfim, que se entendam os §§ 12 e 22 do incentivo de certas situações, ora ao desestímulo de outras.
multiddado art. 97 do CTN como normas simplesmente esclarecedores das exigên- À luz da Constituição de 1988, como veremos mais adiante, mesmo as hipó-
das do princípio da legalidade. O art. 97 do CTN, na verdade, não altera - e nem teses de IPTU progressivo, com fins extrafiscais, estão limitadas às condições do § 42
poderia fazê-lo - o conteúdo desse princípio como constitudonalmente posto. do art. 182.
De sorte que, data venia, não tem arrimo na Constituição, muito menos, no O IPTU não pode ser objeto de agravamento seja pela ausência de muros e
CTN - antes contraria todo o sistema constitudonal tributário -, a afirmação no passeios ou por situações irregulares quanto à limpeza dos terrenos respectivos.
sentido de que o valor venal apurado para cálculo do IPTU, segundo os critérios Também não o pode em virtude de os imóveis não possuírem "habite-se" (auto de
legais, não possa ser o valor efetivo e real - comprovado por processo avaliativo vistoria, auto de conclusão, carta de "habite-se" etc). A progressão da alíquota só
técnica e legalmente admitidos -, mas que deva a Administração limitar-se a ado- poderá dar-se, no tempo, se o proprietário do solo urbano não edificado, subutili-
tar o valor apurado para exercído anterior, apenas corrigido monetariamente. zado ou não utilizado não promover seu adequado aproveitamento e, assim mes-
O que não se pode, a não ser por outra lei e respeitando o CTN, é modificar a mo, desde que observados os termos do § 4 2 do art. 182 da Constituição.
"base de cálculo" indicada na lei (conceito normativo). É dizer, não pode a Admi- Não pode ser progressivo, também, em razão da clandestinidade ou irregula-
nistração, a título de regulamentar a lei tributária, estatuir que, para cálculo do ridade em loteamentos ou arruamentos e nem mesmo para o desestímulo à exis-
IPTU, será adotado, V.g., o valor locativo. tência de terrenos baldios no centro das cidades, bem como em razão da maior ou
Há que registrar, ainda, que a Emenda Constitudonal n. 42, de 19 dezembro de menor existência de equipamentos urbanos da via ou logradouro público ou da
2003, excetua do princípio da noventena a fixação da base de cálculo do IPTU (cf. realização, por particular, de melhoramentos públicos, como guias e sarjetas, pavi-
nova redação dada ao § 12 do art. 150 da CF). Nisso incorreu em visível equívoco. mentação, arborização etc.
Excluiu o que não estava incluído. Deveras, só se submete ao princípio da estrita Qualquer que seja a sistemática adotada (um ou dois impostos), a aplicação
legalidade a alteração do conceito normativo (base de cálculo), e não a obtenção da da função regulatória do imposto fica limitada à observância dos requisitos previs-
base calculada, apurável mediante o ato administrativo de lançamento. A não ser tos no art. 182 da Constituição.
que se admita que o conceito de valor venal não integra o consequente da norma
jurídica tributária.
86 Aires F. Barreto. Comentários ao CTN. Direito tributário 4. São Paulo: Bushatsky, 1972. p. 20.
1.6.2 Alíquota 87 "Assim, como, por meio de leis cabe ao Município regular diretamente o planejamento da
cidade, estabelecendo regras de urbanismo, também ele o pode fazer e efetivamente o faz, por
A alíquota, no "predial e territorial", é representativa do fator que, aplica-
meio de impostos municipais" (Ruy Barbosa Nogueira. Direito financeiro. Curso de direito tribu-
do sobre a base calculada (base de cálculo transformada em dfra) conduzirá ao
tário. 3. ed. São Paulo: José Bushatsky, 1971. p. 157).

232
233
1.7 Aspecto pessoal arrendatário). Todavia, quando o CTN, explicitando a Constituição, menciona "domí-
1.7.1 Sujeito ativo nio útil", está a dispor apenas e tão só sobre o instituto da enfiteuse, desdobramento
do termo "propriedade" e que constitui direito complexo, que confere ao seu titular
Como regra, o titular do poder fiscal é o Município. Mas o IPTU não é impos-
o~ poderes de uso, gozo e disposição do bem imóvel, mesmo sem ser proprietário.
to de exclusiva competência municipal, porque existem as exceções arroladas no
Juridicamente, só há domínio útil quando o proprietário, despojando-se dos
art. 147 da Constituição. Consoante esse dispositivo, também são competentes para
p~deres de uso, gozo e disposição da coisa, outorga-os a outrem ,(deno,m.in~d~
instituir o tributo (a) a União, em Territórios Federais, se o Território não for divi-
enfiteuta), reservando-se, tão só, o domínio direto ou eminente. Ha domlm~ utll
dido em Municípios, e (b) o Distrito Federap8. Quanto a este último, convém man-
quando a propriedade plena se biparte, pelo contrato de enfiteuse, entre ,e~flt~~l­
ter presentes as lições de Roque Antonio Carrazza: "Com a atual Constituição, o ticador (senhorio direto, titular do domínio eminente) e titular do dommlO utll.
Distrito Federal deixou de ser mera sede administrativa da União, para assumir o Pelo contrato de enfiteuse, o proprietário atribui a outrem o domínio útil de bem
status de pessoa política (pessoa jurídica pública de capacidade política) "89. imóvel, pagando a pessoa que o adquire (enfiteuta) ao senhorio direto uma pen-
são ou foro anual, certo e invariável. O Código Civil vigente não mais prevê a
1.7.2 Sujeito passivo enfiteuse, mas preserva as existentes, na conformidade do Código Civil de 1916,
A sujeição passiva direta alcança todo aquele que detém qualquer direito de que assim estabelecia:
gozo, relativamente ao imóvel, seja pleno ou limitado. É nessa relação patrimonial "Art. 678. Dá-se a enfiteuse, aforamento, ou aprazamento, quando por ato
que vamos encontrar o substrato econômico tributável. entre vivos, ou de última vontade, o proprietário atribui a outrem o domínio útil do
Titulares desses direitos são, pois, o proprietário pleno, seja de domínio exclu- imóvel, pagando a pessoa, que o adquire, e assim se constitui enfiteuta, ao senhorio
sivo, seja na condição de coproprietário ou condômino, inclusive nas hipóteses de direto uma pensão, ou foro, anual, certo e invariável".
condomínio especial. Assim, é titular desses direitos o beneficiário do direito de Mesmo sem ser proprietário, o titular do domínio útil exerce o mais complexo
superfície, na medida em que retira do bem as utilidade que ele é capaz de produzir9o. direito sobre o imóvel, qual seja, o decorrente da utilização, fruição e disposição,
Também o é o fiduciário que tem a propriedade, embora sob condição resolutiva. ressalvadas as obrigações de pagamento da pensão anual 9' e do laudêmio 92. Rece-
Enquanto não se dá a extinção desse direito, o gozo econômico do direito de pro- bendo, outrossim, a terra, sob a forma de arrendamento perpétuo, pode transferir
priedade lhe pertence; daí o fundamento da sujeição. a terceiro o domínio útil do imóvel, hipótese em que fica sujeito ao pagamento,
A par do proprietário, o CTN elege como sujeito passivo do IPTU o titular do devido ao senhorio direto, do laudêmio. Apesar dos poderes que enfeixa, de uso,
domínio útil. Quando o CTN, desdobrando o que se contém na Constituição, se gozo e disposição, o enfiteuta, reafirme-se, não configura proprietário. O dom~n~o
refere a domínio útil, não está utilizando essa expressão em sentido comum, vulgar, útil do enfiteuta opõe-se ao domínio direto (do proprietário). O titular do dommlO
que possa abranger qualquer domínio no sentido correntio da palavra. Bem ao útil é aquele que, na enfiteuse, detém todos os poderes inerentes à propriedade,
contrário, só se vale desses termos para exprimir aquele domínio que resulta da salvo o domínio direto.
Deveras, no aprazamento ou aforamento não há a plenitude de poderes ínsita
celebração do contrato de enfiteuse e de nenhum outro. Em sentido vulgar, muitos
à propriedade. Celebrado o contrato de enfiteuse, embora se trate, dentre os dir~it~s
têm um "domínio útil", sobre o imóvel (aí estariam, por exemplo, o locatário, o
reais, do mais amplo, o enfiteuta não chega a receber todos os poderes de propneta-
rio. Falta-lhe o domínio eminente. Como titular do domínio útil, retira, no entanto,
todas as vantagens, bem assim as utilidades que lhe são próprias, tais como o uso,
88 "Art. 147. Competem à União, em Território Federal, os impostos estaduais e, se o Território

não for dividido em Municípios, cumulativamente, os impostos municipais; ao Distrito Fed-


gozo e disposição. Por força desse proveito, se o elege contribuinte do imposto.
eral cabem os impostos municipais".
89 Curso de direito constitucional tributário. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 448.
90Nesse sentido, o beneficiário do direito de superfície é contribuinte em potencial do IPTU. Foro ou pensão é a quantia anual e fixa que o foreiro ou enfiteuta paga ao senhorio direto,
91

Conforme visto anteriormente, o direito de superfície (art. 1.369 do novo Código Civil), para em caráter perpétuo, para o exercício de seus direitos sobre o domínio útil do imóvel.
efeitos de IPTU, configura-se quando o proprietário concede a outrem o direito de construir 92 Laudêmio é a importância que o foreiro ou enfiteuta paga ao senhorio direto quando há a

em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada. transferência do domínio útil do imóvel e este renuncia ao seu direito de reavê-lo.

234 235
O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial n. 40240/
Existem várias outras situações em que está presente um direito real, mas em
SP, já consolidou entendimento no sentido de que a posse direta - aquela exercida
nenhuma delas se pode cogitar de domínio útil. A concessão, embora erigida em
p,elo arrendatário, locatário e comodatário - não constitui hipótese de incidência
direito real, não se confunde com a enfiteuse ou aforamento, ou ainda aprazamen-
to, instituição civil bem diversa e menos adequada ao uso especial de bem público do IPTU, em acórdão assim ementado:
"IPTU - IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - IMÓVEL LOCADO.
por particulares 93 . É preciso insistir: domínio útil não é expressão comum, vulgar;
A posse tributária é a que exterioriza o domínio, não aquela exercida pelo
pelo contrário, é cláusula ínsita, imanente a um dos partícipes de uma espécie de
contrato típico inconfundível, que é o da enfiteuse. Só há falar em domínio útil na locatário ou pelo comodatário, meros titulares de direitos pessoais limitados em
enfiteuse. Não cabe a invocação desse termo para designar situações outras que não relação à coisa.
decorram do contrato de enfiteuse. Gozando a proprietária do imóvel de imunidade tributária, não se pode trans-
A posse se apresenta como terceira variável da hipótese de incidência do ferir ao locatário a responsabilidade do pagamento do IPTU.
IPTU. Assume, assim, a condição de contribuinte o possuidor do imóvel, como o Recurso improvido"97.
compromissário-comprador imitido na posse, o usuário e o titular do direito real de Interpretar de modo abrangente o termo "posse" contido no art. 32 do CTN,
habitaçã0 94 . Não se pode, porém, nela incluir a singela posse direta, mas apenas a de modo a considerar hipótese de incidência do IPTU toda e qualquer posse, seria
posse que reflete o exercício dos poderes inerentes à propriedade. desbordar a competência tributária outorgada aos Municípios pela Constituição
Para Savigny, segundo Silvio Rodrigues: "A posse é o poder de dispor fisica- Federal. A competência tributária dos Municípios cinge-se à instituição de imposto
mente da coisa, com o ânimo de considerá-la sua e defendê-la contra intervenção sobre a propriedade de imóvel (prédio ou terreno) urbano. Mais visível fica a ofen-
de outrem. Encontram-se, assim, na posse, dois elementos, um elemento material, sa à Constituição se, para submeter o locatário, o arrendatário, o comodatário,
o 'corpus', que é representado pelo poder físico sobre a coisa; e um elemento inte- atribui -se-lhes a qualidade de titulares de "domínio útil".
lectual, o 'animus', ou seja, o propósito de ter a coisa como sua, isto é, o 'animus O legislador poderá optar, para a decretação do tributo, por qualquer das situ-
rem sibi habendi'. Os dois elementos são indispensáveis para que se caracterize a ações previstas no Código Tributário Nacional. Vale dizer, poderá escolher, verbi
posse, pois se faltar o 'corpus', inexiste relação de fato entre a pessoa e a coisa; e se gratia, o proprietário de imóvel, compromissado à venda, ou o promitente compra-
faltar o 'animus', não existe posse, mas mera detenção"95. dor imitido na posse.
É dizer, não é toda e qualquer posse que pode ser submetida ao IPTU. Só se Definido em lei que contribuinte é o proprietário, o titular do domínio útil, ou
há de exigir o imposto do possuidor que detém a posse ad usucapionem, ou seja, a o possuidor a qualquer título (além, hoje, do superficiário), pode a autoridade ad-
posse que pode conduzir ao domínio. Caso se trate de posse que não tenha essa ministrativa optar pelo possuidor, no caso em que há proprietário. Há quem defen-
virtude, não se há cogitar seja esse possuidor contribuinte do IPTU. Assim, não da haja uma escala de preferência a ser observada. Em outras palavras, vedado seria
podem ser contribuintes desse imposto - embora sejam possuidores - os locatá- à autoridade administrativa optar pelo possuidor, sempre que conhecido fosse o
rios e os arrendatários de imóvel. Já havíamos advertido, há duas décadas, sobre proprietário. Não nos parece que assim seja. A escolha é livre. Opta-se por um ou
essa impossibilidade 96 • por outro visando a facilitar o procedimento de arrecadação. Ademais disso, em
relação a imóveis não edificados, mas com construções inadequadas (barracos, bar-
racões, telheiros), a regra é a da facilidade para identificar o possuidor, que, no mais
93 Hely Lopes Meirelles. Direito administrativo brasileiro. 15. ed. atual. São Paulo: Revista dos das vezes, proprietário não é 98 .
Tribunais. p. 433. É bem de ver, no entanto, que a escolha não pode recair sobre qualquer pos-
94 As nossas Cortes têm entendido que o possuidor é contribuinte do imposto. Cf. RE 72.638, suidor. É mister que se trate de posse ad usucapionem, pena de não se lhe poder
DJU, 9.6.72, Pleno, reI. Min.Oswaldo Trigueiro; RE 74.359 (DJU, 29.9.72, lª Turma, reI. Min.
Oswaldo Trigueiro). No mesmo sentido, Ap. 238.654, da 2ª Câmara do TACivSP: "... pode o
autor não ser o proprietário do imóvel..., mas mas resta a menor dúvida de que é possuidor,
por exercer pelo menos um dos poderes inerentes ao dollÚnio. E o possuidor de imóvel a 97 REsp 40240/SP, reI. Min. Garcia Vieira, DJ, 21.02.94.
qualquer título é contribuinte do imposto predial ... " (JTA, 51/51). 98 Alcides Jorge Costa afirma: "Muitas vezes, é até impossível dizer quem é o proprietário, mas

95 Direito civil. São Paulo: Saraiva, 1978. p. 79. é fácil sempre dizer quem é o posseiro" (apud Antonio José da Costa. Da regra padrão de in-
cidência do IPTU. Rio de Janeiro: Forense, 1985. p. 29).
96 Cf. nosso Manual do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, cit., p. 72- 3.

237
236
atribuir a qualidade de contribuinte do imposto (o locatário e o comodatário, por buintes do IPTU, sob designações incomuns, tais como a de sujeito passivo solidá-
exemplo, não têm posse ad usucapionem). Dito de outro modo, é indispensável que rio. Ora, como é cediço, se o arrendatário, o locatário, o comodatário não têm
se trate de posse que, por suas características, possa conduzir à propriedade 99 . posse conducente à usucapião, se sua posse não é equivalente à de dono, não ex-
O preceito do CTN que versa a sujeição passiva do IPTU não inova a Consti- pressa nenhuma capacidade contributiva e, por conseguinte, não pode ser contri-
tuição, "criando por sua conta" um imposto sobre a posse e o domínio útil. Não é buinte do IPTU. Não se esqueça que para contornar situações como essa é que se
qualquer posse que deseja ver tributada. Não é a posse direta do locatário, do co- c~iou o novel" direito de superfície", para cuja implementação é necessária a auto-
modatário, do arrendatário de terreno, do administrador de bem de terceiro, do rização legislativa cabível.
usuário ou habitador (uso e habitação) ou do possuidor clandestino ou precário A pretensão das municipalidades, consistente na exigência do IPTU sobre
(posse nova etc.). A posse prevista no Código Tributário como tributável é a de imóvel de propriedade da União, que é depois concedido e, a seguir, arrendado para
pessoa que já é ou pode ser proprietária da coisa!Oo. instalações portuárias, esbarra em vedação constitucional.
Corolário desse entendimento é ter por inválida a eleição dos meros detento- Não obstante as instalações portuárias pertençam à União, as áreas necessá-
res de terras públicas como contribuintes do imposto. rias à construção do porto organizado, como regra, foram atribuídas a empresas
Poderão ser previstas, contudo, hipóteses de sujeição passiva indireta, em concessionárias de obras e serviços de portos. Nestas áreas foram construídos anco-
virtude de transferência da responsabilidade tributária, através de expressa disposi- radouros, docas, vias férreas, armazéns, dentre outros, constituindo, desta forma, o
ção na lei municipal. complexo portuário, nos termos em que descrito no art. 32. do Decreto n.
Ives Gandra Martins lembra que: "Nos arrendamentos, nas locações, o pro- 24.447/34.
prietário pode transferir ao locatário ou arrendatário a responsabilidade tributária, A concessão administrativa, genericamente considerada, caracteriza-se como
permanecendo, entretanto, como corresponsável pela eventual inadimplência do a atribuição a terceiro de poderes ou direitos preexistentes da entidade concedente
suj eito passivo responsável" lO!. (translativa) ou poderes ou deveres derivados do ordenamento jurídico (constituti-
va). Na concessão de serviço e de obra pública, os direitos e poderes transferidos ao
1.7.2.1 Limites da sujeição passiva -
locatários, arrendatários e particular derivam daqueles preexistentes na entidade concedente (opera-se uma
comodatários não podem ser contribuintes do IPTU transferência de poderes ou direitos que a Administração já exercia). Na concessão
de uso, os poderes ou direitos decorrem, originalmente, da concessão em si; deri-
Já vimos, linhas acima, que não é toda e qualquer posse que pode ser subme-
tida ao IPTU, mas exclusivamente aquela que pode conduzir ao domínio. Contudo, vam do ato de concessão.
A concessão não absorve, não extingue o direito de propriedade, nem mesmo
por incrível que possa parecer, fiscos há que, sem respaldo no sistema, vêm proce-
transfere propriedade alguma ao concessionário. O concessionário de bem público
dendo a exigências descabidas de IPTU, a pessoas que são meras arrendatárias de
não está investido no poder de dispor do bem. O Poder concedenter - a União -
áreas, especialmente as localizadas em portos, cuja concessão é conferida pela
outorga o direito de utilização de bem público, mas conserva a propriedade do bem
União a pessoas jurídicas estatais, de regra concessionárias de serviço público. Con-
tra a Constituição e o CTN, de um tempo a esta parte, algumas municipalidades objeto da concessão.
Os portos organizados jamais deixaram de pertencer à União. As concessioná-
vêm pretendendo que as arrendatárias e não as concessionárias sejam as contri-
rias em nenhum momento tornaram -se proprietárias da área portuária, titulares do
seu domínio útil ou possuidoras ad usucapionem. A União apenas investe essas con-
cessionárias nos poderes de administração, operação e exploração de portos, por
99 Misabel Derzi e Sacha Calmon, mestres da maior envergadura, também entendem que o
força da concessão a ela concedida. Mas isso não implica transferência de imóvel de
locatário e o comodatário não são contribuintes do imposto (Do imposto sobre a propriedade
predial e territorial urbana. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 118-9). propriedade da União a terceiros, concessionários dos terminais portuários. Se nem
100 Essas são as lições, sempre acatadas, dos Professores Misabel de Abreu Machado Derzi e
mesmo a concessionária tem esses poderes, muito menos poderia tê-lo simples ar-
Sacha Calmon Navarro Coêlho. Do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana. São rendatária.
Paulo: Saraiva, 1982. p. 119-20. A concessão não retira da União a propriedade do bem imóvel, de tal sorte
101 Ives Gandra Martins e Aires F. Barreto. Manual do imposto sobre a propriedade predial e territo- que, não fosse a vedação constitucional do art. 150, VI, a, da CF, ela é que seria
rial urbana, cit., v. 1, p. 73. contribuinte do IPTU. Somente da União e de ninguém mais poderia ser exigido o

238 239
imposto.. Even_tual co~rança da concessionária mostrar-se-ia inconstitucional e,
"TRIBUTÁRIO. IMPOSTO PREDIAL. INSTITUIÇÔES DE ASSISTÊNCIA SO-
com maIOr razao, se o Imposto fosse exigido de singela arrendatária.
CIAL. IMÓVEIS POR ELA LOCADOS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA ....
_ ~esmo que inexistisse previsão constitucional no sentido de afastar a tributa-
... Não importa existir cláusula contratual de locação que estipule a obrigação
çao. de Imp~stos so~r~ o patrimônio, a renda e os serviços das pessoas políticas, ja-
de o inquilino pagar o imposto se for ele devido, pois tal transferência condicional
n:=ar~ p~~ena ~er e~~gIdo da arrendatária o IPTU, porquanto ela não integra a rela-
çao JundIca tnbutana que permitiria sua cobrança. do ,gravame não retira a imunidade do titular do benefício"106.
N~ ~m~ito do Superior Tribunal de Justiça são caudalosas as decisões afastan- "IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DO PATRIMÔNIO DAS INSTITUIÇÕES DE AS-
do a eXIgencIa de IPTU quando o proprietário goza de imurn·dade D SISTÊNCIA SOCIAL (CF, ART. 150, VI, C). Sua aplicabilidade de modo a preexcluir
. everas, essa
Col~nd: ~orte vem reco~~ecendo a imunidade tributária dos bens que integram o a incidência do IPTU sobre imóvel de propriedade da entidade imune, ainda quan-
patnmorno de .e~te polítIco-constitucional e considerando a impossibilidade de do alugado a terceiro, sempre que a renda dos aluguéis seja aplicada em suas fina-
eleger como SUjeIto passivo do IPTU pessoa diversa do proprietário (inclusive seus lidades institucionais" 107.
desdo~ramentos), quando este é imune. Vejam-se os seguintes julgados: Se essa era a exegese do STF, em face de imunidades outras que, embora re-
O IPTU
. tem como fato gerador a propriedade" o dOIIliIll'·0 u/til nao
- ab rangend o a levantes, não põem em jogo a própria Federação, qual haveria de ser sua postura
poss~ :xe~Cl~a pelo comodatário, em cujas obrigações, no caso concreto, não se inclui quando é esta que está no centro da questão e que poderia periclitar? A resposta só
a exrgenCla fiscal questionada, ainda porque o imóvel é do patrimônio do M . / . poderia ser uma: o STF não tolera ofensa ao princípio federativo e, por isso, em
que ·d /. urnClpIO,
, por evr ente, esta lIDune de pagar imposto da sua competência tributária"lo2 decisão recentíssima tendo por tema não só a imunidade recíproca dos entes políti-
/"~ posse tributária é ~ .que exterioriza o domínio, não aquela exercida ·pelo cos, mas precisamente a exclusão do IPTU de imóvel da União concedido a tercei-
locat:no o~ pelo comodatano, meros titulares de direitos pessoais limitados em ros, em relação ao qual o Município de Santos pretendeu exigir inconstitucional-
relaçao a COIsa.
mente esse imposto, foi categórico:
f . Gozan~o.a proprietária do imóvel de imunidade tributária não se pode trans-
"TRIBUTÁRIO. IPTU. IMÓVEIS QUE COMPÕEM O ACERVO PATRIMONIAL
enr ao locatano a responsabilidade do pagamento do IPTU"l03
DO PORTO DE SANTOS, INTEGRANTES DO DOMÍNIO DA UNIÃO.
. ."É a Autarquia imune ao IPTU incidente sobre imóvel ~e sua propriedade,
Imumdade que não cessa em caso de aluguel. Impossibilidade de tributação pela Municipalidade, independentemente de
encontrarem-se tais bens ocupados pela empresa delegatária dos serviços portuá-
. Ônus de informar ao Fisco que não deve ser suportado pela Autarquia, bem
aSSIm a prova da imunidade"lo4. rios, em face da imunidade prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal.
O Supremo Tribunal Federal também tratou do tema, mais de uma vez, em- Dispositivo, todavia, restrito aos impostos, não se estendendo às taxas"I08.
bora. ~e.rsando outras imunidades, diversas da recíproca, quando decidiu pela im- Na ocasião, o insigne Ministro Ilmar Galvão entendeu ser manifesta a
possIbIlIdade da exigência do IPTU l o5, verbis: ofensa pelo acórdão recorrido, do dispositivo constitucional da letra a do inciso
VI do art. 150, que prevê a imunidade recíproca de impostos entre as pessoas de
direito público interno. O seu voto é de hialina clareza: "No presente caso, é
102 Recurso Especial n. 46.434-0. reI. Min. Milton Luiz Pereira incontroverso que os imóveis tributados são do domínio público da União, en-
31717, LEXSTJv. 68, p. 267. ' l' Turma, DJ, 21.11.94, p.
contrando-se ocupados pela recorrente em caráter precário, na qualidade de
103 Recurso E . I 4 ..
speaa n. 0.240/SP. reI. Min. GarCia Vieira, l ' Turma DJ 21 02 94 2141 delegatária dos serviços de exploração do porto e tão somente enquanto durar
RSTJ, v. 59, p. 380. ' , . . ,p. ,
a delegação. ( ... ) Neste caso, tratando-se de bem público de uso especial, é fora
104 Recurso Especial n. 285799/MG. reI. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma DJ 06052002
270, RSTJ, v. 164/224. ' , .. , p.
105 E b . ·d d
m ora a 1I1~um a : a que s~ referem as decisões seja a da alínea c do inciso VI do art. 150
~a CF/8~ ~ cuJo teor e no sentIdo de que não impede o alcance do benefício a circunstância 106 Recurso Extraordinário n. 97708/MG, reI. Min. Aldir Passarinho, 2ª Turma, DJ, 22.06.84,
e ~ =o~e encontrar-se locado -, com mais razão deve ser essa a interpretação para o caso p. 10133, RTJ, v. 111-02, p. 694.
das Imumdades recíprocas (alínea a do inciso VI) de modo a colher· t I 107 Recurso Extraordinário n. 237718/SP, reI. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJ,
. I f·· ' 1 1 1 egra mente seu poten-
Cla : e etIvI~ade, ~omo garantia e estímulo à concretização dos valores constitucionais que 06.09.01, p. 21, EMENT, v. 02042-03, p. 515.
1I1SpIram as hmItaçoes ao poder de tributar.
108 Recurso Extraordinário n. 253.394/SP, DJ, 11.04.2003, Ementário, 2106-4.

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de dúvida que se acha acobertado pela imunidade constitucional, sendo insus- União, o que obviamente não ocorre. Outrossim, estariam, ainda, obrigadas ao
cetível de tributação pelo IPTU"lo9. pagamento de foro anual, o que, mais uma vez, não se dá.
Por força de contrato de arrendamento com a concessionária de serviço públi- Nem se diga que as arrendatárias, na qualidade de meras possuidoras de imó-
co, em área portuária, cuja concessão foi a esta concedida pela União, para a reali- veis por elas arrendados, de propriedade da União, seriam contribuintes do IPTU,
zação de suas atividades, empresas particulares ocupam a posição de arrendatárias eIl,l virtude da posse direta que detêm, fruto dos contratos de arrendamento cele-
de imóveis pertencentes à União.
brados com as concessionárias.
É irrelevante o modo pelo qual se dá a exploração portuária. Seja qual for a Como exaustivamente exposto, a única posse apta a gerar a incidência do
sua modalidade, não sendo a empresa privada proprietária, titular do domínio útil
IPTU é a posse ad usucapionem, que revela a capacidade contributiva do possuidor
ou da posse ad usucapionem da área portuária objeto da concessão, não pode sofrer
(cf. art. 32 do CTN). A posse que a arrendatária detém, quanto ao imóvel por ela
a tributação do IPTUllo.
arrendado é simples posse ad interdicta.
A arrendatária de bem imóvel público, de propriedade da União, não está
É oportuno reiterar trecho do acórdão do E. Superior Tribunal de Justiça,
investida cumulativamente nos poderes de usar, gozar e dispor da coisa. Não de-
transcrito em parte anteriormente, que consagra o entendimento de que a posse
tém, portanto, o domínio útil, que autorizaria a tributação por via do IPTU, nos
direta não constitui hipótese de incidência do IPTU. O Relator Ministro Garcia
moldes do art. 32 do CTN. Nem mesmo a concessionária, que também não é pro-
Vieira, em SeU voto, após advertir que" ... o IPTU só poderia ser cobrado do pro-
prietária do imóvel público - repise-se -, detém a titularidade do domínio útil.
Só há domínio útil em se tratando de enfiteuse. O arrendamento não se con- prietário e não do locatário, cuja posse direta não exterioriza a propriedade", sa-
funde com a enfiteuse. Esta consiste em direito real, enquanto o arrendamento, em lienta que "a posse tributável é a que exterioriza o domínio, não aquela exercida
direito pessoal. Na enfiteuse, o bem maior que se busca proteger é a coisa; já no pelo locatário ou pelo comodatário, meros titulares de direitos pessoais limitados
arrendamento o que se busca proteger é a vontade das partes, da qual decorre o em relação à coisa".
direito sobre a coisa. Nas palavras do ilustre mestre Pontes de Miranda, "o direito Nesse mesmo sentido, são as seguintes decisões proferidas pelo E. Superior
pessoal é direito a ato, ou conduta, de outrem: dirige-se contra o devedor. De modo Tribunal de Justiça:
que a conduta deste dá o conteúdo do direito. O direito real tem como conteúdo a "TRIBUTÁRIO - IPTU - PROPRIEDADE MUNICIPAL - COMODATO -
coisa, de modo que a prestação da parte contrária (e.g., de quem tem de restituir a ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA - CTN, ART. 32 - CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS 524,
coisa) apenas é consequência do direito"lll. 1.248 E SEGUINTES.
É inequívoco, portanto, que contrato de arrendamento celebrado entre ar- 1. O IPTU tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil, não abran-
rendatário e concessionário não constitui enfiteuse. Se assim fosse, as arrendatárias gendo a posse exercida pelo comodatário, em cujas obrigações, no caso concreto,
estariam investidas nos poderes de uso, gozo e disposição da área portuária da não se inclui a exigência fiscal questionada, ainda porque o imóvel é do patrimônio
do município, que, por evidente, está imune de pagar imposto da sua competência
tributária" 112.
109 Recurso Extraordinário n. 253.394/SP.
"TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. IPTU. LANÇAMENTO. LOCATÁRIO.
110Ainda que_ admitida a hipótese de sucessão da concessão, estar-se-ia diante de mera posse
ILEGITIMIDADE 'AD CAUSAM'.
dir~ta, ~ue nao reflete os poderes inerentes à propriedade, de tal modo que também por essa
razao nao seria a arrendatária contribuinte do IPTU. Como já decidiu o E. Tribunal de Justiça 1. O locatário é parte ilegítima para impugnar o lançamento do IPTU, pois não
do Rio Grande do Sul, verbis: "A ocupação de terreno de marinha, mediante pagamento de se enquadra na sujeição passiva como contribuinte e nem como responsável tribu-
taxa à União, constitui concessão remunerada de uso de bem dominical, distinta da enfiteuse. tário (art. 121 do CTN)"ll3.
No caso, não cabe falar em domínio útil, mas em simples direito pessoal de uso. O Município
"IPTU - LANÇAMENTO - IMPUGNAÇÃO - LEGITIMIDADE.
pode e::.propriar esse direito, desde que satisfaça, 'a posteriori', os requisitos impostos pela
leglslaçao federal a respeito do uso, por terceiro, dos bens da União" (Agravo de Instrumento
n. 583010277, Rel. Des. Galeno Lacerda, Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul-RJTJRS, v. 102/296). 112 REsp n. 46434/MG, rel. Milton Luiz Pereira, DJ, 21.11.1994.
III Tratado de direito privado. Parte especial. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971. v. 18, p. 5. 113 REsp. n. 117.771/SP, reI. Min. Humberto Gomes de Barros, 1" Turma, DJ, 24.05.99.

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o IPTU só pode ser cobrado do proprietário e não do locatário, cuja posse di- "TRIBUTÁRIO. IPTU. IMÓVEIS QUE COMPÕEM O ACERVO PATRIMONIAL
reta não exterioriza a propriedade"1l4.
DO PORTO DE SANTOS, INTEGRANTES DO DOMÍNIO DA UNIÃO.
A empresa privada que celebrar contrato de arrendamento com a concessio- Impossibilidade de tributação pela Municipalidade, independentemente de
nária é mera possuidora direta do imóvel arrendado. A propriedade do imóvel, ou encontrarem -se tais bens ocupados pela empresa delegatária dos serviços portuá-
seja, o direito de usar, gozar e dispor deste, permanece sob a titularidade da União, rios em face da imunidade prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal.
de modo que o IPTU somente poderia ser - caso não existisse óbice constitucional " Dispositivo, todavia, restrito aos impostos, não se estendendo às taxas.
- dela exigido. Recurso parcialmente provido" (Recurso Extraordinário n. 253.394/SP, DJ
A tributação do IPTU sobre o imóvel arrendado viola o art. 110 do Código 11.04.2003, Ementário 2106-4).
Tributário Nacional, que assim preceitua:
"Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance 1.8 Mapas de valores genéricos
de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implici-
1.8.1 Histórico
tamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis
Vimos, anteriormente, que a legislação de âmbito nacional determina que a
Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competên-
cias tributárias". base de cálculo do IPTU é o valor venal do imóvel. Assim sendo, a entidade tribu-
tadora fica obrigada à tarefa de apurá-lo, segundo critérios avaliativos de sua exclu-
Estabelecer como fato gerador do IPTU a posse a qualquer título, incluindo a
siva escolha.
simples posse ad interdicta, implica desnaturação do CTN, do conceito de "proprie-
Considerando que a fixação do valor venal depende de avaliação individual
dade", amplamente consagrado e conhecido no ordenamento jurídico pátrio, e
de cada imóvel e que é impossível sua prévia determinação em lei, cabe ao Execu-
utilizado pela Constituição Federal, no art. 156, I, e de domínio útil e posse, versa-
dos pelo CTN. tivo estabelecer normas e critérios genéricos de procedimentos tendentes a apurá-
lo ou, até mesmo, determinar que os próprios agentes fiscais avaliem cada imóvel
Em suma, nessa matéria, tenha-se presente que o legislador municipal não
individualmente, obedecidas algumas regras ou métodos da técnica avaliativa.
pode eleger como contribuinte do imposto qualquer possuidor de imóvel. Não pode
Registráramos, ainda, que, adotado o primeiro caminho, e conforme o poten-
alçar à condição de contribuinte o mero possuidor direto, cuja posse não conduzirá,
cial de cada Município, podem ser elaboradas pautas, tabelas, listas ou mapas de
jamais, a usucapião. Fazê-lo implica desbordar a competência tributária outorgada
valores, bem como índices representativos de valorização ou desvalorização, orien-
aos Municípios pela Constituição. O único possuidor que poderia integrar o polo
tadores das autoridades administrativas e garantidores de ação uniforme, livre de
passivo da obrigação tributária seria o detentor da capacidade contributiva relativa
subjetivismo e arbítrio.
ao imóvel, que - não fosse a imunidade tributária assegurada constitucionalmente
Tracemos, agora, em rápidas pinceladas, a origem dos mapas de valores gené-
- seria exclusivamente a União.
ricos, no Brasil.
É oportuno consignar, ainda, que os imóveis públicos não podem ser adquiri-
No crepúsculo da década de 1940, um estudo realizado por técnicos da cidade
dos por usucapião (d. art. 183, § 3Q, da CF), a evidenciar a precariedade da posse
americana de Boston, com vistas à cobrança da contribuição de melhoria, foi exibi-
de quem a detenha.
do na cidade de São Paulo. O trabalho em questão tinha por cerne a atribuição de
Saliente-se, por derradeiro, que, em decisão recente tendo por tema não só a
valores genéricos de metro quadrado de terreno a cada face dos quarteirões de de-
imunidade recíproca dos entes políticos, mas precisamente a exclusão do IPTU de
terminado núcleo de Boston, representados em uma planta e correspondentes ao
imóvel da União concedido a terceiros, em relação ao qual o Município de Santos
valor médio de mercado antes de realizada determinada obra. Em outra planta,
pretendeu exigir inconstitucionalmente esse imposto, o Egrégio Supremo Tribunal novos valores de metro quadrado estavam registrados na mesma conformidade.
Federal, demonstrando, mais uma vez, que não tolera ofensa ao princípio federati- Haviam sido colhidos logo após a ultimação da obra pública.
vo, foi categórico:
Na oportunidade, em São Paulo como nas demais cidades brasileiras, o im-
posto predial fundava-se no valor locativo efetivo ou arbitrado dos imóveis. Se,
mesmo quanto aos imóveis efetivamente locados, a coleta dos valores reais das lo-
114 REsp n. 119515/S1', reI. Min. Garcia Vieira, DJ, 15.12.1997. cações apresentava imprecisões consideráveis, quer pela escassez de tempo em face

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245
dos parcos recursos humanos, quer pelas formas de sonegação então imperantes, a -direito superior a 4m; eliminaram-se os descontos de 5% e 10% para as edifica-
dificuldade de apuração desses valores avolumava-se, sobremodo, nos casos de ções geminadas de um ou dos dois lados.
imóveis não locados residenciais, comerciais ou industriais; é que, nestes, a avalia- , As "plantas Genéricas de Valores" ganharam corpo e notoriedade, alcançando
ção locatícia fundava-se na potencialidade de renda que pudesse produzir. Tendo todo o Brasil. Sob o ponto de vista analítico, divergem as de um e outro Município;
como fonte apenas a comparação com os aluguéis dos prédios efetivamente produto- míl s, quanto ao cerne, a rigor, lastreiam-se sempre no importante exemplo nascido
res de renda, a coleta, a cargo de agentes lançadores, independia de diretrizes, de pelas mãos inteligentes e pelo descortino do municipalista Gabriel Ayres Netto,
parâmetros ou balizas, de tal sorte que predominava apenas e tão somente a avalia- então Diretor do Departamento da Receita da Municipalidade de São Paulo.
ção subjetiva, personalística. Não havia qualquer controle em termos da exatidão A edição de Mapas de Valores, por seus reflexos positivos, revela-se aconse-
desses dados. Assim, os critérios pessoais e empíricos, que variavam segundo a visão lhável: facilita e racionaliza o trabalho, resguarda a necessária uniformidade no
do avaliador, ainda que admitida sua competência e lisura de comportamento, deter- comportamento do Fisco, evita discrepâncias próprias do arbítrio e representa segu-
minavam discrepâncias que se faziam sentir de maneira brusca e acentuada à medida rança para o Fisco e os contribuintes.
que se comparassem as avaliações locatícias de quadra para quadra ou de região para
região, máxime entre polos distantes, ainda que de características homogêneas.
1.8.2 Conceito e objetivo
Diante dessa realidade, como primeiro passo, a Municipalidade de São Paulo
Há de ter o leitor observado que mencionamos, desde o início, "Plantas Gené-
instituiu pauta de valores de metro quadrado de locação, por zonas e regiões, dimi-
ricas de Valores", expressão que temos usado ao longo do tempo, porque, como diz
nuindo assim, consideravelmente, as disparidades existentes. Não sendo, contudo,
o provérbio popular: "O uso do cachimbo faz a boca torta". Todavia, à medida que
coletados os dados referentes às características físicas de terrenos e construções, a
meditamos sobre a expressão, fomos corrigindo-a, pouco a pouco. Inicialmente,
aplicação dos valores de aluguéis mínimos por metro quadrado, válidos de região a
verificamos que o termo "Plantas" é menos amplo que "Mapas", sobretudo por não
região, tinha por calcanhar de Aquiles a imprecisão do elemento "área construída"
conter a significação de tabelas, listas, róis etc., abrangida por este último. Recente-
utilizado nessas avaliações.
mente, fomos mais longe. Concluímos pela impropriedade de falar em "Plantas
Apercebendo-se da importância do estudo realizado em Boston, embora des-
Genéricas" ou mesmo "Mapas Genéricos", porque na verdade não são as "Plantas"
tinado à contribuição de melhoria, cuidou a direção do Departamento da Receita, à
ou os "Mapas" que são genéricos, mas sim os valores de metro quadrado que es-
época, de adaptá-lo e implantá-lo com vistas ao IPTU.
tampam. Daí nosso entendimento de a expressão correta ser "Mapas de Valores
Assim é que, de modo pioneiro, em 1952, São Paulo publicava o primeiro
trabalho da espécie, denominado "Planta Genérica de Valores de Terrenos", que, Genéricos" .
Os Mapas Genéricos de Valores podem ser definidos como o complexo de
além de registrar os valores de metro quadrado de terreno por face de quadra, es-
tava acompanhado de tabelas com fatores de correção para os valores genéricos, plantas, tabelas, listas, fatores e índices determinantes dos valores médios unitários
consoante a localização do lote no quarteirão (esquina, vila, encravado etc.). de metro quadrado (ou linear) de terreno e de construção, originários ou corrigi-
Obviamente, necessário se fez coligir a área de terreno de cada um dos imó- dos, acompanhados de regras e métodos, genéricos ou específicos, para a apuração
veis da cidade - tarefa de envergadura, suavizada apenas pela possibilidade de do valor venal de imóveis.
confronto entre o dado coligido e a representação gráfica desse mesmo lote na qua- É bom ter presente que o "mapa ou planta de valores" é ato administrativo de
dra fiscal, em poder do órgão da receita. aplicação da norma legal a casos concretos. Mas não é ato normativo: só declara os
Daí para a elaboração de tabelas de valores de metro quadrado de construção valores apurados pelo Fisco (declaração resultante de mera verificação de fato). A
foi um passo. Inicialmente, além de acompanhadas de índices e fatores de correção, planta constitui a aplicação da lei (esta sim abstrata e genérica) a um grupo de fatos,
em razão de depreciação física e de características do prédio, como o fato de ser uma série de fatos concretos já individualizados e identificados. Mas sempre aplica-
geminado de um ou dos dois lados, as tabelas continham diferenciação de valores, ção da lei a fatos. A única singularidade está em servir de instrumento para atingir
em função de a edificação ser principal ou constituir edícula e, também, da variação inúmeros fatos ao mesmo tempo.
do tipo de construção presente nas indústrias. O mapa (planta) de valores imobiliários, como instrumento infralegal, em
Com o tempo, todavia, a generalidade ganhou terreno, mais e mais; a especi- nada inova a ordem jurídica. Não altera a lei. Não muda o direito existente. Não
ficidade cedeu, dia a dia. Suprimiram-se acréscimos em razão de o imóvel ter pé- constitui a obrigação tributária. É ato que simplesmente declara fatos: os valores

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