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LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS:

Casos e Polêmicas
© FLÁVIO AMARAL GARCIA

Pela Lumen Juris: 1" ed., 2007; 2" ed., 2009; 3• ed., 2010.
Pela Malheiros Editores: 4" ed., 2016.
Direitos reservados desta edição por
MALHE/R OS EDITORES LTDA. Sumário
Rua Paes de Araújo, 29, conjunto 171
CEP 04531-940- São Paulo- SP
Te/.: (11) 3078-7205- Fax: (11) 3168-5495 Prefácio à 1• Edição- MARcos JURUENA VILLELA Souro ................... 23
URL: www.malheiroseditores.com.br Prefácio à 4° Edição- 0IOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO ............ 25
e-mail: malheiroseditores@terra.com.br
Apresentação- JESSÉ TORRES PEREIRA JUNIOR ...................................... 27

Composição: PC Editorial Ltda. Nota do Autor à S• Edição ..................................................................... 41


Capa Agradecimentos ........... ................... ......... ... ...... ............. .. ...... ..... ... ......... 43
Criação: Vânia Lúcia Amato
Arte: PC Editorial Ltda.
PARTE I- LICITAÇÕES PÚBLICAS
Impresso no Brasil
Printed in Brazil J. ASPECTOS GERAIS DAS LICITAÇÕES
02.2018
1.1 O conceito de licitação ................................................................... . 49
1.2 Uma necessária contextualização do tema das contratações públi-
cas no cenário atual ....................................................................... . 49
1.3 A competência para legislar ........................................................... . 52
Dados Internacionais de catalogação na Publicação (CIP) 1.3.1 Normas gerais .............................................................................. . 53
G2161 Garcia, Flávio Amaral. 1.4 Os serviços sociais autônomos e as licitações ............................... . 53
Licitações e contratos administrativos : casos e polêmicas I 1.4.1 As entidades do Sistema "S" como licitantes .............................. . 57
Flávio Amaral Garcia. - 5. ed. - São Paulo : Malheiros, 2018. 1. 5 As entidades privadas que recebem recursos públicos e a incidência
640 p. ; 21 em. ou não do princípio da licitação .................................................. . 59
1.6 As licitações privadas ..................................................................... . 60
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-392-0390-1
2. Os PRINCÍPIOS APLICÁVEIS
1. Licitação pública - Brasil. 2. Contratos administrativos. 3. 2.1 Princípios constitucionais
Consórcios. 4. Convênios. S. Terceirização. 6. Contratação. I. Título.
2.1.1 Princípios da legalidade e dajuridicidade .................................. 62
CDU 351.712.2(81) 2.1.2 Princípio da impessoalidade......................................................... 63
CDD 342.8106 2.1.3 Princípio da moralidade ............................................................... 63
Índice para catálogo sistemático: 2.1.4 Princípio da publicidade e princípio da transparência ............... 64
1. Licitação pública : Brasil 351.712.2(81) 2.1.5 Princípio da eficiência .................................................................. 65
(Bibliotecária responsável: Sablina Leal Araujo- CRB 10/1507) 2.1.6 Princípio da economicidade ......................................................... 66

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\ A definição do objeto e seus elementos característicos. A descrição
do objeto deve ser clara e objetiva.
O regime de execução ou a forma de fornecimento. O regime de
execução das obras e serviços pode se dar por empreitada global (art. 6°,
VIII, "a", da Lei 8.666/J 993), empreitada por preço unitário (art. 6º, VIII,
"b", da Lei 8.66611993), tarefa (art. 6º, VIII, "d", da Lei 8.666/1993) e
empreitada integral (art. 6º, VIII, "e", da Lei 8.666/1993). A forma de
12 fornecimento, em regra, é exigida nos contratos de compra e venda,
admitindo-se que a entrega seja integral, parcelada ou contínua.
A Estrutura do Contrato Administrativo
O preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e
periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização
12.1 Cláusulas necessárias. 12.2 A formalização do contrato. 12.3 A monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo
duração do contrato. 12.4 As distintas consequências das funções do pagamento.
prazo nos contratos por escopo e nos contratos de duração contínua:
12.4.1 Prazo de execução e prazo de vigência. 12.5 Prorrogação do Os prazos de início de etapas de execução, de conclusão, de obser-
prazo: conceito e a necessária previsão no edital e no contrato: 12.5.1 vação e de recebimento definitivo, conforme o caso. Os prazos devem
A ausência de direito adquirido do contratado à prorrogação do prazo estar previamente definidos nos contratos, podendo ser prorrogados nas
- 12.5.2 As prorrogações premiais- 12.5.3 A formalização da pror-
rogação do prazo - 12.5.4 A vedação à prorrogação tácita do prazo
hipóteses previstas no§ Iº do art. 57 da Lei 8.66611993. O recebimento,
contratual-12.5.5 O descabimento da lei como instrumento de pror- provisório e definitivo, do objeto é disciplinado nos arts. 73 e 74 da Lei
rogação do prazo- 12.5.6 A vedação da celebração de contratos com 8.666.
prazo indeterminado -12.5. 7 A vantajosidade para .fins de prorrogação
O crédito pelo qual correrá a despesa, com a indicação da classi-
- 12.5.8 Prorrogação e aplicação de multa- 12.5.9 Inaplicabilidade
do art. 57 da Lei 8.66611993 aos contratos de atribuição- 12.5.10 A ficação jimcional programática e da categoria econômica. A cláusula
prorrogação por iguais e sucessivos períodos- 12.5.11 A prorrogação deve indicar o programa de trabalho do orçamento e a nota de empenho.
contratual dos serviços contínuos em caráter excepcional. 12. 6 Cessão O empenho, segundo o art. 58 da Lei 4.320/1964, "é o ato emanado de
do contrato: 12.6.1 Cessão no po/o ativo. 12.7 Subcontratação: 12.7.1 autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento
Subcontratação das microempresas e empresas de pequeno porte. 12.8 A
declaração de nulidade dos contratos e os seus efeitos. 12.9 Pagamento
pendente ou não de implemento de condição".
antecipado. 12.1 OA prescrição dos débitos oriundos dos contratos ad- As garantias oferecidas para assegurar sua plena execução, quando
ministrativos. 12.11 Extinção dos contratos: 12.11.1 A re/icitação. 12.12 exigidas. A exigência de garantia fica a critério da autoridade competente,
Controle dos contratos: 12.12.1 A deferência dos órgãos de controle e
podendo o contratado escolher uma das modalidades de garantias previs-
liI o princípio da separação dos Poderes -12.12.2 O Tribunal de Contas
da União!TCU e a sua função reguladora no sistema de contratação
pública -12.12.3 A necessária atuação hannônica e coerente dos órgãos
!
tas no§ 1° do art. 56 da Lei 8.666/1993.
Os direitos e responsabilidades das partes, as penalidades cabíveis
~,
de controle -12.12.4 A vedação da interpretação retroativa pelos órgãos
de controle. 12.13 Direito contratual em tempos de crise. 12.14 Breves
reflexões criticas sobre o direito contratual brasileiro. II e os valores das multas. Os direitos e deveres das partes devem estar
expressamente previstos no contrato. Algumas das responsabilidades
dos contratados encontram-se previstas nos arts. 68, 69, 70 e 71 da Lei
8.66611993. As penalidades são aquelas mencionadas no art. 87 da Lei
12.1 Cláusulas necessárias
O art. 55 da Lei 8.666/1993 arrola as cláusulas que devem constar
I 8.666, não podendo o administrador acrescentar qualquer outra, já que se
trata de norma geral. Os valores das multas e os critérios para sua impo-
sição também devem estar definidos no instrumento contratual.
obrigatoriamente nos contratos administrativos. Lembre-se que tais Os casos de rescisão. As hipóteses de rescisão estão previstas no art.
cláusulas devem ser compatíveis com as disposições do edital. São elas: i 78 da Lei 8.666/1993.

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434 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
A ESTRUTURA DO CONTRATO ADMINISTRATIVO 435

O reconhecimento dos direitos da Administração em caso de resci- dos seus termos, mas apenas de extrato com seus principais elementos,
são administrativa prevista no art. 77 desta Lei. Busca-se com esta cláu- tais como nome das partes, objeto, valor, seu fundamento legal e o nú-
sula o detalhamento dos direitos da Administração nos casos de rescisão mero do processo.
do contrato. O art. 80 da lei detalha alguns destes direitos.
Cabe à Administração Pública convocar o interessado para assinar
As condições de importação, a data e a taxa de câmbio para con- o contrato dentro do prazo e condições estabelecidos no edital (art. 64
versão, quando for o caso. Cláusula indispensável somente quando a da Lei 8.666/1993); e, se este não o fizer, é facultativa a convocação de
contratação envolver a importação de bens. licitantes remanescentes na ordem de classificação e nas mesmas con-
A vinculação ao edital de licitação ou ao termo que a dispensou dições propostas pelo primeiro classificado (art. 64, § 2•, da Lei 8.666).
ou a inexigiu, ao convite e à proposta do licitante vencedor. O contrato O instrumento de contrato é obrigatório nos casos de concorrência
administrativo não pode estar em descompasso com os atos anteriores. e tomada de preços, bem como nas dispensas e inexigibilidades cujos
A legislação aplicável à execução do contrato e especialmente aos preços estejam compreendidos nos limites destas duas modalidades de
casos omissos. A legislação deve constar no preâmbulo do contrato, licitação. Nas demais situações poderá o instrumento do contrato ser
evitando desnecessária transcrição de todos os textos legais aplicáveis. substituído por outros instrumentos hábeis, tais como carta-contrato, nota
Lembre-se que, tratando-se de licitação com recursos de organismos inter- de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução
nacionais, poderá ser admitida a incidência das normas e procedimentos de serviço (art. 62 da Lei 8.666/1993).
contidos nas regras daquelas entidades, a teor do que dispõe o § 5• do Independentemente do valor, será dispensável o termo de contrato,
art. 42 da Lei 8.666/1993. a critério da Administração, nos casos de compra com entrega imediata e
A obrigação do contratado de manter, durante toda a execução integral dos bens adquiridos, dos quais não resultem obrigações futuras,
do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, inclusive assistência técnica.
todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação.
Ao longo de toda a execução contratual o particular deve demonstrar que 12.3 A duração do contrato
as condições de habilitação perduram. É razoável a inclusão de cláusula
que exija a comprovação do pagamento mensal relativo à Seguridade Os contratos administrativos têm sua duração adstrita à vigência
Social (INSS) e ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço/FGTS -art. dos créditos orçamentários, que, frise-se, é anual (art. 57, caput, da Lei
29, IV, da Lei 8.666/1993. 8.666/1993). O comando geral extraído do caput do art. 57 da Lei 8.666
determina que os contratos só duram enquanto vigorarem os créditos a
eles inerentes, em atendimento ao princípio da anualidade orçamentária.
12.2 A formalização do contrato
Tais créditos são os previstos na Lei Orçamentária Anual/LOA e, portanto,
Os contratos administrativos devem ser lavrados nas repartições atribuídos por exercício financeiro, coincidente com o ano civil, a findar-
interessadas, que devem manter em arquivo cronológico seus autógrafos -se no dia 31 de dezembro de cada ano.
e registros sistemáticos do seu extrato, salvo os relativos a direito reais Assim, ao final de cada exercício há necessidade da renovação dos
sobre imóveis (art. 60 da Lei 8.666/1993). créditos orçamentários, sob pena de extinção do contrato, de pleno direito.
Devem, necessariamente, mencionar os nomes das partes e os de Realmente, se o crédito do contrato, materializado pelo empenho, expira,
seus representantes, a finalidade, o ato que autorizou sua lavratura, o a causa de extinção natural do contrato resta caracterizada, já que não
número do processo de licitação, da dispensa ou da inexigibilidade e a pode haver a continuidade do contrato se não há recurso orçamentário
sujeição dos contratantes às normas da Lei 8.666/1993 e das cláusulas disponível. Já, os contratos que duram mais de um exercício devem estar
contratuais (art. 61 da Lei 8.666). previstos no Plano Plurianual de Investimentos/PPA (CF, art. 165, § I 2),
Os contratos devem ser publicados na Imprensa Oficial (art. 61, pa- que tem duração de quatro anos, contemplando, normalmente, o primeiro
rágrafo único, da Lei 8.666/1993), não se exigindo a publicação integral exercício do mandato seguinte.

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436 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

A bem da verdade, o art. 57 é norma essencialmente de direito Nos contratos por escopo o exaurimento do prazo inicialmente pre-
financeiro, eis que tem por objetivo alinhar a duração do contrato às visto no contrato não é causa suficiente para extinção do ajuste, eis que o
leis orçamentárias, evitando que o ente público assuma obrigações e se contrato apenas chega ao termo final com a entrega do objeto contratado.
comprometa com pagamentos sem o devido lastro financeiro. O TCU já teve a oportunidade de fixar o entendimento de que, "nos
O art. 57 excepciona esta regra em quatro situações: (i) aos projetos contratos por escopo, inexistindo motivos para sua rescisão ou anulação,
cujos produtos estejam contemplados nas metas previstas no Plano Plu- a extinção do ajuste somente se opera com a conclusão do objeto e o seu
rianual; (ii) à prestação de serviços continuados, que podem ter a duração recebimento pela Administração, diferentemente dos ajustes por tempo
prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de determinado, nos quais o prazo constitui elemento essencial e imprescin-
preços e condições mais vantajosos para a Administração, limitada a dível para a consecução ou a eficácia do objeto avençado". 1
60 meses. O prazo pode ser inferior e prorrogado até 60 meses ou pode O principal efeito do término do prazo nos contratos por escopo é a
ser dimensionado em períodos maiores, tudo a depender das vantagens possibilidade de caracterização de mora da contratada, o que ocorre quan-
e da opção que se revelar a mais eficiente. Serviços continuados devem do o objeto não é executado ou entregue em razão do seu inadimplemento.
ser compreendidos como aqueles cuja interrupção possa comprometer a
continuidade de suas atividades e cuja contratação deva estender-se por
mais de um exercício financeiro. Dito em outros termos: nos serviços de 12. 4.1 Prazo de execução e prazo de vigência
natureza contínua a necessidade pública é permanente e depende de uma
execução que se propaga ao longo do tempo, ao contrário do que ocorre Os contratos podem prever, ainda, prazo de vigência (de duração da
nos contratos de execução instantânea, que se exaurem com o cumpri- avença) e de execução (lapso temporal necessário para que o objeto seja
mento da prestação principal; (iii) no caso de aluguel de equipamentos e cumprido). Não raro esses prazos são fixados sem uma coincidência, a
quanto à utilização de programas de Informática, podendo sua duração fim de que propositadamente o prazo de execução seja inferior ao prazo
estender-se até 48 meses após o início de vigência do contrato; (iv) nas de vigência.
hipóteses de dispensa de licitação, previstas nos incisos IX, XIX, XXVIII O objetivo é permitir que mesmo após o adimplemento se efetivem
e XXXI do art. 24, cujos contratos poderão ter vigência por até 120 meses, as etapas de recebimento provisório e definitivo. Enfim, não é porque o
caso haja interesse da Administração. contratado executou o objeto que necessariamente se esgotaram as obri-
gações e direitos de ambas as partes.
12.4 As distintas consequências das funções do prazo
nos contratos por escopo e nos contratos de duração contínua 12.5 Prorrogação do prazo: conceito
Situação muito comum nos contratos administrativos é a ocorrência e a necessária previsão no edital e no contrato
de circunstâncias imprevistas que atrasam sua execução. No entanto, é O conceito tradicional de prorrogação nos contratos administrativos
certo que o prazo pode apresentar distintas funções, a depender do tipo pressupõe a extensão do prazo de vigência de um contrato originaria-
de contrato. mente fixado pelas partes por determinado período.' Trata-se de conceito
Quanto ao aspecto do prazo, é possível distinguir os contratos por teórico comum aos ramos do direito privado e do direito público e que
escopo e de duração continuada. decorre, a rigor, de um senso comum e prático da própria teoria geral
Nos contratos de escopo o que se busca é um resultado final. É, por dos contratos.
exemplo, o caso de uma obra pública. O prazo não é um elemento pri-
I mordial do negócio jurídico, não devendo ser causa extintiva do contrato. 1. Informativo 203.
l Ao contrário, nos contratos de duração continuada o prazo é ele- 2. Por todos, v. a conceituação de Pedro Costa Gonçalves: ..A prorrogação do
contrato de concessão consiste no prolongamento da sua vigência que determina o
I, mento essencial. É o caso, por exemplo, de um contrato de prestação de protelamento do termo de concessão" (A Concessão de Serviços Públicos, Coimbra,
l serviços. Uma vez extinto o prazo, encerrado estará o contrato. Livraria Almedina, 1999, p. 328).
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438 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS A ESTRUTURA DO CONTRATO ADMINISTRATIVO 439

Tem-se como obrigatório que o edital e o contrato estabeleçam 12.5.2 As prorrogações premiais
expressamente a possibilidade de o prazo contratual ser prorrogado. A fi-
xação da "regra do jogo" é indispensável para dar concretude ao princípio A despeito da regra acima enunciada, ou seja, de que não há direito
da igualdade, de modo a permitir que todos os licitantes tenham ciência adquirido à prorrogação do prazo, importante anotar que variações pode-
de que, futuramente, o prazo do contrato poderá ser prorrogado, e sob rão ser admitidas a esse entendimento, a depender das circunstâncias das
que condições e requisitos. leis setoriais disciplinadoras da prorrogação e da fmma como a cláusula
contratual foi elaborada-'
A contrario sensu, é suposto concluir que a omissão no instrumento
convocatório da licitação e nas cláusulas do contrato administrativo sobre É o caso, por exemplo, das prorrogações premiais, a saber, quando a
o tema da prorrogação implica vedação tácita à sua admissão. própria entidade adjudicante voluntariamente impõe limites à sua discri-
cionariedade e se autovincula para assegurar eventual extensão do prazo
Importante anotar que o contrato somente poderá ser prorrogado se
ainda estiver em vigor. do contrato quando atendidos requisitos objetivos que, por exemplo,
atestem desempenho excepcional do contratado. A extensão do prazo é,
nessa hipótese, utilizada para a finalidade específica de funcionar como
12.5.1 A ausência de direito adquirido do contratado um mecanismo de incrementar a peiformance do contratado na busca por
à prorrogação do prazo atingimento de metas e resultados previamente determinados.
No Brasil, o STF vem interpretando a prorrogação como mera expec- Evidente que conformação contratual dessa natureza deve ser ob-
tativa de direito, o que significa dizer, a contrario sensu, que o particular jeto de motivação razoável e proporcional, de modo a demonstrar que a
não pode invocar um pretenso direito adquirido à extensão do prazo extensão do prazo (e em que medida) é um meio adequado para induzir
contratual. Essa é a orientação que tem prevalecido para os contratos a eficiência. Afinal, prorrogação dessa natureza difere para momento pos-
administrativos' e para os contratos de trabalho por tempo determinado,• terior a concretização do princípio da concorrência. Mas o fato é que, se
o que indica uma orientação uniforme, conquanto direcionada a tipos o contratado comprovar o atendimento de todas as condições contratuais
contratuais distintos. para receber o prêmio (no caso, a extensão do prazo), não pode o ente
público simplesmente deixar de prorrogar o contrato. Caso o faça sem
Por conseguinte, se a prorrogação não passa de uma expectativa de
justo motivo, o contratado deverá ser indenizado.
direito, o particular não deve considerá-la como evento futuro e certo
no momento em que elabora e apresenta sua proposta no processo de
licitação. 12.5.3 A formalização da prorrogação do prazo
A prorrogação do prazo é instrumentalizada por meio de termo adi-
3. "Mandado de segurança - Acórdão do TCU que detenninou a não prorro-
gação de contrato administrativo- Inexistência de direito líquido.e certo- Violação tivo, a saber, acordo firmado consensualmente entre as partes e que tem
das garantias do contraditório e da ampla defesa não configurada. 1. Não há direito por objetivo prolongar o lapso temporal inicialmente ajustado.
líquido e certo à prorrogação de contrato celebrado com o Poder Público- Existência Os aspectos procedimentais e o conteúdo material para que a pror-
de mera expectativa de direito, dado que a decisão sobre a prorrogação do ajuste se
rogação se efetive devem estar previstos expressamente no contrato. São
inscreve no âmbito da discricionariedade da Administração Pública.( ...). 3. Segurança
denegada" (STF, Tribunal Pleno, MS 26.250, rei. Min. Ayres Britto,j. 17.2.2010, exemplos o prazo de antecedência para o contratado requerer a prorro-
DJe-045, divulg. 11.3.2010, publ. 12.3.2010, EMENT. VOL-02393-02 PP-00294). gação (se for o caso), o prazo para o ente público se manifestar sobre
4. Cf.: "Agravo regimental em recurso extraordinário- Direito administrativo eventual pedido de prorrogação, a demonstração do cumprimento das suas
- Contrato de trabalho por prazo detenninado - Prorrogação - Impossibilidade. I.
Não hã direito líquido e certo à prorrogação de contrato celebrado com o Poder Pú-
5. Entendendo que a prorrogação pode ser um direito adquirido, v.: Tércio
blico, mas simples expectativa de direito, dado que a decisão sobre a prorrogação do
Sampaio Ferraz Jr. e Juliano Souza de Albuquerque Maranhão, "Separação estrutural
ajuste se insere no âmbito da discricionariedade da Administração Pública, quando
entre serviços de telefonia e limites ao poder das agências para alteração dos contra-
embasada na lei. 2. Agravo regimental desprovido" (STF, za Turma, AgR no RE
tos de concessão", Revista de Direito Público da Economia 8/220-227, Ano 1, Belo
573.556, rei. Min. Ayres Britto, j. 14.2.2012, acórdão eletrônico DJe-041, divulg.
Horizonte, Fórum, outubro-dezembro/2004.
6.3.2012, publ. 7.3.2012).

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A ESTRUTURA DO CONTRATO ADMINISTRATIVO 441


440 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

obrigações, a ausência de infrações consideradas graves ou gravíssimas e o processo decisório no plano administrativo sejam abertos e transpa-
que possam constituir causa impeditiva da prorrogação, a avaliação do rentes, de modo a facilitar e viabilizar o controle externo dos cidadãos,
desempenho do contratado, bem como o preço que será ajustado para o assim caminhando para a concretização de uma Administração Pública
período de extensão do prazo. Democrática, 7 que incremente a legitimidade da tomada de decisão
Cada contrato deve, à luz das opções discricionárias e das necessi- governamental.
dades administrativas, modelar e disciplinar concretamente as condições
que autorizarão a prorrogação. Cláusulas excessivamente vagas e que 12.5.4 A vedação à prorrogação tácita
apenas reproduzem a lei devem ser evitadas. do prazo contratual
Ponto inconteste é que a prorrogação do prazo não é uma daquelas
cláusulas exorbitantes que podem ser unilateralmente impostas pela Ad- Parece incompatível no regime jurídico de direito público cogitar de
ministração Pública ou mesmo, no caso de recusa da sociedade empresá- uma espécie de prorrogação tácita, na qual a ausência de manifestação
ria contratada, resultar em aplicação de qualquer sanção administrativa. de vontade das partes, ao final do prazo contratual, seria bastante para
Trata-se de ato bilateral e convencional que assegura ao contratado o estendê-lo. Importante anotar que a Lei 8.666/1993 determina expres-
direito de não permanecer no vínculo contratual além daquele prazo samente, no seu art. 57, § 2º, que toda prorrogação de prazo deverá ser
originariamente fixado, salvo por expressa vontade própria. justificada por escrito e previamente autorizada pela autoridade compe-
Mas não basta a formalização por mero termo aditivo. Indispensável tente para celebrar o contrato.
o dever de fundamentação e motivação, porquanto ao se decidir pela O déficit de transparência e fundamentação que a extensão silenciosa
prorrogação se adia a concretização do princípio da licitação. do prazo contratual acarretaria, aliado à ilegítima limitação do exercício
A fundamentação deve ser clara, congruente e suficiente,6 fruto de de controle externo, toma a prorrogação tácita descabida nos contratos
procedimento disciplinado na própria cláusula do contrato administrativo administrativos, em especial porque adia a realização da licitação e, via de
que confira racionalidade e transparência ao processo decisório. É preciso, consequência, dos valores que a instauração da concorrência concretizou.
por exemplo, que a avaliação sobre a extensão ou não do prazo contratual
se dê num prazo mínimo de antecedência, sob pena de a decisão ser to-
12.5.5 O descabimento da lei como instrumento
mada em regime de urgência, sem a observância de tempo razoável para
de prorrogação do prazo
ponderação de todas as variáveis em jogo.
Como decorrência da transparência, o procedimento da prorrogação, Importa anotar que a prorrogação do prazo, assim como sua fixação
a ser previsto no contrato, precisa ser instruído com os documentos que originária, instrumentaliza-se por meio de manifestação consensual de
embasem a decisão final da autoridade competente, como manifestações vontade do ente público e do contratado, via termo aditivo, e jamais por
dos órgãos técnicos, delimitação motivada do novo período de extensão lei. Não cabe ao Poder Legislativo praticar atos de gestão que interfiram
do prazo, explicitação das causas que justificam a opção pela prorroga- em competências materialmente atribuíveis ao Poder Executivo e seu
ção do prazo, manifestações e requerimentos da sociedade empresária aparelho administrativo, sob pena de violação do princípio da separação
contratada e, ainda, o exame jurídico do órgão competente, a quem cabe de Poderes, prorrogando contratos por instrumentos legislativos. 8
avaliar a juridicidade da decisão administrativa a partir dos parâmetros
contratuais e da moldura normativa aplicável. 7. Sobre o tema, v.: Jacques Chevallier, L 'État Post-Modern, Jíl ed., Paris, LGDJ,
A boa govemança e a administração de resultados impostas aos ges- 2008. V. também: Daniela Bandeira Freitas e Vanice Regina Lírio Valle (coords.),
tores produzem como consectário lógico o dever de que as informações Direito Administrativo e Democracia Econômica, Belo Horizonte, Fórum, 2012.
8. Exemplo dessa patologia vem ocorrendo no Brasil. em especial. no segmento
do serviço postal. Adotou-se a opção pela extensão dos serviços por meio de franquias.
6. Sobre o tema, v.: José Carlos Vieira Andrade, O Dever da Fundamentação Sucede que esses contratos vêm sendo sistematicamente prorrogados pelo Poder Le-
Expressa de Actos Administrativos, Coimbra, LivrariaAlmedina, 2007. V. também: gislativo, perpetuando os atuais contratados no negócio e impedindo a realização de
João Caupers, Introdução ao Direito Administrativo, Lisboa, Âncora, 2013. nova licitação. V., a propósito, a prorrogação levada a efeito nas franquias pelas Leis

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442 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
A ESTRUTURA DO CONTRATO ADMINISTRATIVO 443
12. 5. 6 A vedação da celebração de contratos necessidade contínua da Administração Pública. A sua interrupção pode
com prazo indeterminado trazer efeitos nocivos à continuidade de serviços públicos.
A celebração de contrato com prazo de vigência indeterminado é O raciocínio é amparado na premissa de que não faria sentido
expressamente vedada pela Lei 8.666/1993 (§ 32 do art. 57). Os prazos submeter a Administração à vedação constante do § 32 do art. 57 da Lei
nos contratos administrativos não comportam qualquer indeterminação, 8.666/1993, limitando as contratações aos prazos previstos no art. 57, !1. A
eis que é da sua natureza a determinação concreta e objetiva do lapso formalização de um procedimento licitatório, para além de desnecessária,
temporal no qual perdurarão os direitos e obrigações previamente acor- porque o resultado seria sempre o mesmo, implicaria assunção de custos
dados entre as partes. de duvidosa justificação.
Alicerçam essa premissa os princípios da igualdade e da concorrên-
cia. Ao contrário do que ocorre nos contratos de direito privado, orienta- 12. 5. 7 A vantajosidade para fins de prorrogação
dos pela autonomia da vontade das partes, o ente público contratante não
tem o mesmo grau de liberdade na escolha dos seus parceiros ou socieda- O critério que orienta a vantajosidade na prorrogação é, como regra,
des empresárias contratadas para a consecução dos mais variados objetos. o preço. Mas outros fatores devem ser sopesados, como o desempenho
A regra, portanto, é a realização de licitação pública com vistas a anterior do contratado, as atuais condições concorrenciais de mercado, o
selecionar a proposta mais vantajosa ao ângulo do interesse público. É por conhecimento do objeto do contrato e outros aspectos que se inserem no
seu intermédio que se concretizam valores de elevada carga axiológica espectro de competências discricionárias do gestor, sujeitos a motivação
clara e transparente.
como isonomia, transparência e moralidade, por conseguinte configu-
rando-se como um dos mais importantes mecanismos de consecução Nada obsta a que a prorrogação do contrato ocorra mesmo que,
do interesse público, finalidade que norteia toda e qualquer atividade após pesquisa de preços, se comprove que o preço do contratado não
administrativa. é o menor. Isso porque o critério econômico não é o único que deve
Nos contratos públicos o princípio da concorrência impede a inde- prevalecer na avaliação discricionária do gestor. Outros fatores podem e
terminação e a perpetuação de vínculos com quaisquer operadores eco- devem ser ponderados para definir se a opção pela prorrogação é a que
nômicos ou agentes privados e, assim, justifica a referência ao princípio melhor atende ao interesse público. É claro que em hipóteses como essas
o ônus argumentativo deve ser maior, tudo com vistas a demonstrar que
da temporalidade como dominante nos contratos administrativos.
o princípio da eficiência foi atendido e que não houve qualquer tipo de
Norma que disciplinasse em linha contrária, ou seja, admitindo a favorecimento indevido ao atual contratado.
indeterminação desses prazos contratuais na seara do direito público,
seria claramente inconstitucional, na exata medida em que criaria um
privilégio injustificável e uma perpetuidade incompatível com o atendi- 12.5.8 Prorrogação e aplicação de multa
mento das necessidades da coletividade, que ficaria privada do acesso a Não se vislumbra óbice legal para que o contrato seja prorrogado
propostas e projetos que poderiam se revelar mais atraentes ao ângulo mesmo que durante seu curso tenha sido aplicada penalidade de multa
do interesse público. ao contratado. Os momentos são distintos. Se houve, por exemplo, atraso
Em âmbito federal, a Advocacia-Geral da União entende que há uma na conclusão de uma obrigação, é dever-poder da Administração Pública
exceção à referida regra. Trata-se da contratação de serviços públicos aplicar a sanção cabível.
prestados em regime de monopólio, como, por exemplo, o fomecu~ento Diverso é o momento que envolve a decisão de prorrogar o contra-
de água, esgoto e energia elétrica. 9 Tais serviços são essenctats, e ha uma to, cujo exame técnico avalia não apenas as eventuais faltas cometidas,

9.648/1998, 10.577/2002, 11.668/2008 e 12.400/2011. A ausência de concorrência em que seja usuária de serviços públicos essenciais de energia elétrica e água e esgoto,
no setor é objeto da ADI 4.155/2008, que tramita no STF. desde que no processo da contratação estejam explicitados os motivos que justificam
9. Cf. o teor da Orientação Normativa 36 da Advocacia-Geral da União/AGU: a adoção do prazo indeterminado e comprovadas, a cada exercício financeiro, a esti-
"A Administração pode estabelecer a vigência por prazo indeterminado nos contratos mativa de consumo e a existência de previsão de recursos orçamentários".

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A ESTRUTURA DO CONTRATO ADMINISTRATIVO 445


444 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

mas a execução do objeto como um todo e a ponderação envolvendo os 12.5.10 A prorrogação por iguais e sucessivos períodos
custos/beneficios entre realizar nova licitação ou prorrogar o contrato. A expressão "iguais e sucessivos períodos", prevista no art. 57, li, da
Se a avaliação é positiva, a despeito da aplicação de multa em momento Lei 8.666/93, não significa que o legislador tenha vedado prorrogações
anterior, pode o contrato ser prorrogado, inserindo-se tal decisão na seara com prazo menor do que o inicialmente ajustado. Isto por uma razão
discricionária do administrador, que, por óbvio, deve estar embasada em muito simples. A prorrogação é exceção, eis que a regra é a licitação.
motivação condizente que revele ser essa a opção que melhor concretiza A ideia é evitar que as mesmas pessoas se eternizem nas relações contra-
o princípio da eficiência. tuais travadas pela Administração Pública; daí ser admitida em hipóteses
excepcionais e com prazos máximos estabelecidos.
12.5.9 Inaplicabilidade do art. 57 da Lei 8.666/1993 Ora, se esta é a premissa, uma prorrogação que se efetive por menos
aos contratos de atribuição tempo que o prazo inicialmente ajustado valoriza e prestigiao princípio da
O art. 57 da Lei 8.666/1993 tem por objetivo resguardar a previsibi- licitação (art. 37, XXI, da CF). Por isso que se admite como viável uma
lidade dos recursos orçamentários (consoante mandamento previsto no prorrogação por prazo inferior ao que foi acordado, nunca superior. Esta
art. 167, § 1•, da CF). Daí a lógica de limitação temporal dos contratos teria sido a finalidade da inclusão do vocábulo "iguais" na referida norma,
à vigência dos créditos respectivos, que informa a aplicação do art. 57, que funcionaria como um limitador para o exercício de uma competência
caput, da Lei 8.666/1993, seus incisos e §§, tudo com vistas a dar pre- discricionária no momento de decidir pela prorrogação do contrato ou
visibilidade ao custeio dos encargos contratuais para a Administração realização de nova licitação.
contratante. Trata-se, pois, de norma de natureza estritamente financeira, Releva notar que devem sempre ser ponderadas as peculiaridades da
e aplicável, portanto, aos casos em que há dispêndio de recursos públicos. fattispecie. Assim, por exemplo, ficando demonstrado que a prorrogação
Daí por que o art. 57 da Lei 8.66611993 é inaplicável aos contratos de se afigura como a melhor alternativa para a Administração Pública, no
atribuição, 10 ou seja, aqueles em que a Administração confere determina- caso de uma sociedade empresária contratada apresentar o menor preço
das vantagens ou certos direitos ao particular, como é o caso da concessão na pesquisa de mercado a ser realizada (princípio da economicidade) ou
de uso de bem público ou concessão de direito real de uso. mesmo se a atual contratada vier desempenhando com qualidade o objeto
As hipóteses de prorrogação previstas nos § § do art. 57 da Lei contratual (princípio da eficiência), a interpretação literal poderia prestar
8.666/1993 vinculam-se aos contratos submetidos a prévia dotação orça- um desserviço ao interesse público.
mentária, nos quais é o ente público quem arca com os custos, por exem-
plo, de uma obra, serviço ou aquisição de um bem. A lógica dos contratos 12.5.11 A prorrogação contratual dos serviços contínuos
de atribuição é totalmente diversa, já que nessa espécie contratual não há em caráter excepcional
pagamento de prestações ao particular com o uso de recursos públicos;
há investimentos privados em determinado bem público. A base legal para a prorrogação em caráter excepcional dos servi-
ços contínuos encontra-se prevista no § 42 do art. 57 da Lei 8.666/1993,
I O. A respeito da distinção entre contrato de colaboração e de atribuição, v. que a admite por mais 12 meses mediante ato devidamente justificado e
os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles: "Os contratos administrativos podem autorização da autoridade superior.
ser de colaboração e de atribuição. Contrato de colaboração é todo aquele em que
o particular se obriga a prestar ou realizar algo para a Administração, como ocorre A situação deve ser excepcional (matéria de índole discricionária
nos ajustes de obras, serviços ou fornecimentos; contrato de atribuição é o em que do administrador, sujeita aos parâmetros de controle de razoabilidade) e
a Administração confere determinadas vantagens ou certos direitos ao particular, tal devidamente justificada (motivada), além da indispensável autorização
como o uso especial de bem público. O primeiro é firmado no interesse precípuo da autoridade superior.
da Administração; o segundo é realizado no do particular, desde que não contrarie
o interesse público. Essa distinção é fundamental para a correta interpretação dos Se a situação fática é excepcional, significa dizer que escapa das
contratos administrativos,( ... )" (Direito Administrativo Brasileiro, 4211 ed., São Paulo, situações de normalidade e de previsibilidade. Exatamente por essa cir-
Malheiros Editores, 2016, p. 241 ). cunstãncia é que não faz sentido imaginar que para prorrogar um contrato,
446 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS A ESTRUTURA DO CONTRATO ADMINISTRATIVO 447

em decorrência de uma situação excepcional, seria necessário previsão no A cessão total ou parcial do objeto do contrato configura situação
edital e no contrato. Pensar nestes termos constituiria um contrassenso. excepcional, e deve ser objeto de algumas condicionantes. Indispensá-
Por outro lado, quando o legislador utilizou a expressão "poderá ser veis a aquiescência do contratante e a verificação sobre se o cessionário
prorrogado por até 12 (doze) meses", objetivou fixar um limite máximo preenche os requisitos de habilitação e de contratação.
de extensão do prazo contratual. Portanto, nada impede que a prorrogação Além disso, no momento em que for analisar o pleito da cessão o
se dê em prazo inferior ao limite máximo fixado no dispositivo legal. contratante deve exigir que o contratado indique as razões pelas quais
pretende transferir o objeto (total ou parcialmente) para terceiros. Isso
12.6 Cessão do contrato atende ao princípio da motivação e permite subsidiar o contratante com
elementos para avaliar se há eventual fraude aos princípios da licitação,
A Lei 8.666/1993 prevê, no inciso VI do seu art. 78, que a Adminis- da isonomia e da moralidade.
tração Pública poderá rescindir o contrato administrativo firmado com É importante, também, que o contratante se certifique de que o con-
o particular nos casos de subcontratação total ou parcial de seu objeto, tratado vem executando a contento o objeto. Isso porque a cessão não
cessão total ou parcial do polo subjetivo da avença, bem como fusão, deve se prestar para contornar eventual inadimplemento do contratado,
cisão ou incorporação não admitidas pelo edital ou pelo contrato. que, por não conseguir desempenhar os encargos a que se obrigou, busca
Portanto, o vencedor do certame licitatório não pode, sem o con- se "livrar" do contrato, trespassando-o a terceiros. Deve, ainda, ser veri-
sentimento da Administração, ceder sua posição contratual a terceiros ficado se não há prejuízo ou sacrifício do interesse público em jogo com
estranhos ao processo de seleção. Isto porque o procedimento licitatório a cessão, em especial à luz do princípio da eficiência.
visa, primeiramente, a prestigiar o princípio da impessoalidade na sele- Eventual cessão deve levar em consideração a necessidade de manu-
ção de candidatos mas, depois, a preservar um padrão de execução na tenção das demais cláusulas e condições de execução do contrato. Assim,
contratação de particulares pela Administração, de modo que o contrato pode-se afirmar que na ocorrência da cessão da posição contratual deve
seja executado na forma, condições e qualificação licitadas. ser mantido o regime jurídico inicial da avença, sendo, pois, transferidos
Mas essa ideia de execução personalíssima não pode ser levada ao ao contratado os direitos e deveres do contrato original. A mudança se dá
extremo e nem ser interpretada de forma absoluta, já que a competição apenas no plano subjetivo da relação contratual.
visa à obtenção da melhor proposta, e não da melhor sociedade, ressal-
vadas as situações de contratação direta. 12. 6.1 Cessão no polo ativo
Tanto é verdade que a própria Lei 8.66611993, no § 2° do art. 64, A Lei 8.666/1993 não autorizou expressamente a cessão no polo
possibilita que a Administração convoque os licitantes remanescentes no ativo nos contratos administrativos. Mas isso não quer dizer que seja
procedimento licitatório quando o vencedor do certame não comparecer vedado fazê-la. Como se sabe, aplicam-se aos contratos administrativos
para a assinatura da avença, tomando por base a proposta vencedora, supletivamente os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições
que fixou o padrão de qualidade. A mesma lógica depreende-se da sis- de direito privado, conforme expressamente determinado no art. 54 da
temática da hipótese de contratação direta prevista no art. 24, XI, da Lei Lei 8.666.
8.666/1993, que admite, no caso de rescisão do contrato, a contratação di- Assim, seriam aplicáveis supletivamente aos contratos adminis-
reta dos demais licitantes, observada a ordem de classificação no certame. trativos as normas de direito privado, que admitem, via interpretação
Os contratos administrativos apresentam como uma das suas carac- analógica, a cessão da posição contratual utilizando como fundamento,
terísticas a mutabilidade, que alcança também o polo subjetivo da relação naquilo que couber, as regras que disciplinam a cessão de crédito.''
contratual. A rigor, é o próprio art. 78, VI, da Lei 8.666/1993 que admite
a cessão, desde que prevista no edital e no contrato. Mencione-se, ainda, 11. De acordo com Gustavo Tepedino: ..Finalmente, cumpre observar que o
o art. 27 da Lei 8.987/1995, que, do mesmo modo, admite que nas con- legislador suprimiu no texto atual o art. 1.078 do CC/1916, o qual previa, in verbis:
'As disposições deste Título aplicam-se à cessão de outros direitos para os quais não
cessões de serviços públicos ocorra transferência do objeto.

-.c.•-,- -..,.
1:
448 LICITAÇ0ES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS A ESTRUTURA DO CONTRATO ADMINISTRATIVO 449

Ademais, não há por que afastar essa possibilidade no campo do 12.7 Subcontratação
direito público, mormente quando não mais se compreende a ação do
administrador sob o ângulo da legalidade estritaY Com efeito, o ca- A subcontratação ocorre quando o contratado ajusta com terceiros
bimento da cessão do polo ativo em um contrato administrativo pode (subcontratados) a execução de parte do objeto do contrato celebrado com
o contratante. Significa dizer que não necessariamente todas as parcelas
decorrer de uma interpretação sistemática da legislação. Veja-se, por
do contrato serão executadas pelo contratado, já que a eficiência econômi-
exemplo, que são admitidas mudanças no polo passivo do contrato desde
ca força, não raro, uma especialização no mercado e justifica, por exem-
que previstas no edital e no próprio contrato, como consta no art. 78, VI,
plo, a terceirização de determinadas etapas por meio da subcontratação.
da Lei 8.666/1993.
Assim, o edital e o contrato podem admitir certa margem de sub-
Ora, se é autorizada a mudança no polo passivo, desde que o edital
contratação do objeto, como prática do instituto da terceirização, já am-
e o contrato admitam e com base, por óbvio, em uma motivação con- plamente aceito no Direito, com vistas ao alcance da especialização que
sistente, não se vê razão para vedar a cessão no polo ativo do contrato. leva à eficiência na execução contratual.
Não raro as circunstâncias iniciais da contratação são modificadas O legislador não fixou um percentual máximo ou mínimo para as
no decorrer da execução do contrato. Assim, muitas vezes ocorrem subcontratações. O art. 72 da Lei 8.666/1993 conferiu ao administrador
modificações na estrutura da Administração Pública, com alteração de público a prerrogativa de definir o limite, em cada caso, para as subcon-
competências ou mesmo aspectos técnicos ou orçamentários que podem tratações. Trata-se de matéria de índole discricionária, que, contudo, se
acarretar na mudança do polo ativo como forma de melhor atender ao sujeita ao controle de razoabilidade, para que não haja desvirtuamento
interesse público. do objeto do contrato.
Claro que, para tanto, é fundamental a motivação em cada caso A viabilidade da subcontratação depende de expressa previsão no
concreto, com a explicitação das razões que acarretam a cessão e com instrumento convocatório e no contrato. Caso sejam omissos, presume-se
a demonstração de que a finalidade pública será atendida com essa proibida a subcontratação, configurando até mesmo hipótese de rescisão
alteração subjetiva. Além disso, parece indispensável a concordância contratual quando efetivada sem previsão no edital e no contrato.
do contratado; afinal, trata-se de mudança que não pode ser imposta Anote-se que não há qualquer relação jurídica entre o subcontratado
unilateralmente. e o contratante, já que o contratado não se demite das responsabilidades
assumidas no ajuste. O vínculo do contratante é com aquele que partici-
haja modo especial de transferência'. Não obstante a aparente lacuna, a doutrina já
se pronunciou positivamente no sentido de que 'a regra analógica continua válida' pou da licitação e comprovou possuir as condições de executar a contento
(Sílvio Venosa, Direito Civil, p. 337), podendo-se aplicar as normas atinentes à cessão o objeto contratual. Na subcontratação o contratado não se desvincula
de crédito às cessões de posição contratual( ... )" (Gustavo Tepedino, Heloísa Helena do ajuste, permanecendo como responsável perante o contratante. Esta
Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes, Código Civil interpretado Conforme a é, aliás, a diferença em relação à cessão ou transferência do contrato,
Constituição da República, vol. 1, Rio de Janeiro, Renovar, 2004, p. 286). quando, ao contrário da subcontratação, ocorre a substituição do contra-
12. Gustavo Binenbojm, "A constitucionalização do direito administrativo
no Brasil: um inventário de avanços e retrocessos", Revista de Direito Eletrônica
tado, rompendo-se o vínculo anterior contratualmente estabelecido com
sobre a Reforma do Estado 13, março-maio/2008: "A ideia de juridicidade adminis- o contratante.
trativa, elaborada a partir da interpretação dos princípios e regras constitucionais, Não havendo relação jurídica entre o contratante e o subcontratado,
passa, destarte, a englobar o campo da legalidade administrativa, com um dos seus
o pagamento não pode ser efetivado diretamente. Não há como liquidar
princípios internos, mas não mais altaneiro e soberano como outrora. Isso significa
que a atividade administrativa continua a realizar-se, via de regra, (i) segundo a lei,
a despesa e consequentemente efetivar o pagamento se as partes não
quando esta for constitucional (atividade secundum legem), (i i) mas pode encontrar constituíram uma relação jurídica, salvo quando a lei expressamente
fundamento direto na Constituição, independente ou para além da lei (atividade autorizar. É o que ocorre com as microempresas e empresas de pequeno
praeter /egem), ou, eventualmente, (iii) legitimar-se perante o Direito, ainda que porte, que podem, na qualidade de subcontratadas, receber diretamente o
contra a lei, porém com fulcro numa ponderação de legalidade com outros princí-
empenho e o pagamento do órgão ou entidade da Administração Pública,
pios constitucionais (atividade contra legem, mas com fundamento numa otimizada
aplicação da Constituição)". conforme disposto no art. 48, li, e§ 2°, da Lei Complementar 123/2006.

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11 I

450 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS A ESTRUTURA DO CONTRATO ADMINISTRATIVO 451

A escolha do subcontratado fica a critério do contratado, não se Um dos pontos de destaque foi a inserção das microempresas e em-
realizando licitação para sua eleição. Isto decorre da própria natureza presas de pequeno porte por intermédio do instrumento da subcontratação.
da subcontratação, que, como visto, não vincula o contratante com o Conferiu-se ao administrador a possibilidade de exigir que os licitantes
subcontratado. subcontratem microempresas e empresas de pequeno porte nas obras
Não cabe ao edital exigir, na fase de habilitação, termos de compro- e serviços, como um legítimo mecanismo de inserção dessas espécies
missos de empresas que se qualifiquem como subcontratadas. Com efeito, societárias em contratos de maior vulto.
a relação da subcontratação se dá em momento posterior à licitação e Não se trata de um dever, mas de uma faculdade posta à disposição
envolve uma relação direta entre a contratada e a subcontratada. Eventual do administrador, não havendo mais a limitação de percentual máximo
arranjo que demande, na licitação, essa conjugação de esforços tem no de 30% para subcontratação de microempresas e empresas de pequeno
consórcio a solução mais adequada. porte, como previsto na redação original da Lei Complementar 143/2006,
A subcontratação não pode ser confundida com intermediação, nem a teor da redação do art. 48, II, inserida pela Lei Complementar 147/2014.
com falseamento do princípio da licitação, o que ocorreria na hipótese E o principal incentivo para a subcontratação das microempresas e
de subcontratação da integralidade do objeto. A prática é expressamente empresas de pequeno porte é exatamente a possibilidade de as subcon-
vedada no art. 72 da Lei 8.666/1993. Se o contratado precisa subcon- tratadas receberem diretamente o empenho e o pagamento do órgão ou
tratar totalmente o objeto, significa dizer que ele não deveria sequer ter entidade da Administração Pública, conforme disposto no art. 48, II, e §
sido selecionado, em clara violação aos princípios da competitividade e 22 , da Lei Complementar 123/2006, o que não é estendido para as demais
da isonomia. A subcontratação total implica o reconhecimento da inca- espécies societárias.
pacidade do contratado de executar o objeto, sendo contraditória com a
Com efeito, a simples circunstância de a Administração Pública po-
própria finalidade da licitação. ·
der emitir empenho em nome do subcontratado não tem o condão de criar
nova relação juridica entre a Administração Pública e os subcontratados.
12. 7.1 Subcontratação das microempresas A relação juridica, como é próprio da subcontratação, continua se dando
e empresas de pequeno porte entre o contratado e o subcontratado. Apenas a forma de pagamento é que
foi simplificada- o que confere, inclusive, beneficios de ordem tributária.
A questão da subcontratação das microempresas e das empresas de
Hipótese similar ocorre nas parcerias público-privadas, que admitem
pequeno porte tem origem no Direito Norte-Americano pós-I! Guerra.
que o empenho seja emitido em nome do financiador, que, igualmente,
Naquele País o fomento da subcontratação, por meio de incentivo às
não é parte na relação contratual, a teor do disposto no art. 5°, § 2°, II,
microempresas e às empresas de pequeno porte, seria um mecanismo
da Lei 11.079/2004.
de inserção em grandes mercados e parte importante da recuperação da
economia nacional.
Como visto, a Constituição da República prevê, em seu art. 179, que 12.8 A declaração de nulidade dos contratos e os seus efeitos
a União, os Estados e o Distrito Federal, dispensarão às microempresas e
Existe o dever de indenizar o contratado mesmo nos casos de nu-
às empresas de pequeno porte tratamento jurídico diferenciado, visando
lidade, a teor do disposto no art. 59 da Lei 8.666/1993. Situação muito
a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas,
comum ensejadora da incidência do referido dispositivo legal é a pres-
tributárias, previdenciárias e creditícias.
tação de serviços sem cobertura contratual (exemplo: contratos que se
Com esse fundamento valorativo foi editada a Lei Complementar encerram, mas em que o contratado continua a executar o objeto).
123/2006 (Estatuto Nacional das Microempresas), que alterou profunda-
A rigor, esse dispositivo legal é apenas uma derivação do princípio
mente a sistemática do regime das licitações e contratações administrati-
da vedação do enriquecimento sem causa, princípio geral do Direito que
vas, com vistas a conferir tratamento preferencial para as microempresas repudia o sacrificio desproporcional e o enriquecimento injusto de uma
e empresas de pequeno porte.
parte em desfavor da outra.

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452 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS


T
I A ESTRUTURA DO CONTRATO ADMINISTRATIVO 453

A discussão que a doutrina trava envolve não o dever de indenizar, Mas, a contrario sensu, se o particular agiu a partir de comporta-
mas tão somente o quantum. mentos pautados pela boa-fé e a ele não pode ser imputada a nulidade,
Parcela da doutrina 13 sustenta que a indenização deve considerar razoável considerar que o valor da indenização deve englobar também
0 preço contratado - o que significa embutir a margem de lucro devida sua margem de lucro. Não se pode conferir tratamento isonômico ao
pelo contratado que agiu de boa-fé. Para outra corrente doutrinária 14 essa particular que comprovadamente agiu de boa-fé e àquele que, de algum
indenização deveria se limitar ao custo em que o contratado incorreu na modo, concorreu para a situação irregular.
prestação dos serviços, sem incorporar o lucro a que faria jus. Do ponto de vista orçamentário, o instrumento que viabiliza o acerto
A natureza do pagamento não é, portanto, de índole remuneratória, da indenização é o termo de reconhecimento de dívida, no qual, além de
mas indenizatória. Mais complexo é saber se a indenização engloba, ou regularizar o passado, o contratado deve dar quitação quando a indeni-
não, a margem de lucro do contratado. Como acima visto, existem duas zação tiver sido integralmente paga.
correntes distintas.
Em qualquer hipótese deve ser apurada a responsabilidade de quem
É preciso averiguar, no caso concreto, se o particular agiu de boa-fé,
deu causa à nulidade, inclusive no caso de ter sido provocada por desídia
ou não. Esse elemento parece fundamental para definir o alcance da inde-
ou omissão de servidor público.
nização. Se agiu de má-fé, e a nulidade pode ser integralmente atribuída
à sua conduta, o próprio parágrafo único do art. 59 da Lei 8.666/1993
parece afastar o dever da Administração Pública de indenizá-lo, ou 12.9 Pagamento antecipado
mesmo reduzir a indenização no caso de culpa concorrente. Eventual
afastamento do direito de ser indenizado somente pode se concretizar caso A regra em matéria de despesa pública é o pagamento ser realizado
comprovados a má-fé da sociedade empresária contratada ou ·eventual apenas após a execução do objeto, por força do disposto nos arts. 62 e
conluio entre as partes. 63 da Lei 4.320/1964, que só admitem o pagamento da despesa após a
regular liquidação- o que, por sua vez, somente se dará após a verificação
13. Para Marcos Juruena Villela Souto a indenização deve levar em conta "o do cumprimento da obrigação.
efetivo ganho da Administração e o prejuízo do particular, que inclui, pois, a sua
margem de lucro.. (Direito Administrativo Contratual, Rio de Janeiro, Lumen Juris,
Contudo, a possibilidade de pagamento antecipado por bens ou ser-
2004, p. 392). Da mesma forma entende Marçal Justen Filho, para quem o montante viços deve ser considerada excepcional. O TCU deixou consignado que: 15
devido só será reduzido às perdas e danos se o particular tiver concorrido para a
nulidade: "Se o particular tiver concorrido para a consumação do ato ilícito, caberá (... )a realização de pagamentos antecipados aos contratados so-
promover a redução da indenização correspondente às perdas e danos sofridas, tendo mente poderá ocorrer com a conjunção dos seguintes requisitos: (i)
em vista uma avaliação sobre culpa concorrente" (Comentários à Lei de Licitações e previsão no ato convocatório; (ii) existência, no processo licitatório,
Contratos Administrativos, 131! ed., São Paulo, Dialética, 2009, p. 719). de estudo fundamentado comprovando a real necessidade e econo-
14. Jessé Tones Pereira Jr. entende tratar-se de hipótese de ressarcimento, por-
micidade da medida; e (iii) estabelecimento de garantias específicas
quanto o dano resultará reparado com o ressarcimento do que o contratado houver
e suficientes, que resguardem a Administração dos riscos inerentes à
despendido na execução realizada: "Entenda-se por indenizar o pagamento tão só
do custo do que foi executado pelo contratado, excluída a parcela remuneratória que
operação.
compõe o preço avençado. A satisfação do custo da prestação afasta o enriquecimento
ilícito da Administração, a exclusão do valor remuneratório acompanha o caráter de
sanção inerente à nulidade. ( ... ). Excepcionalmente, demonstrada a culpa exclusiva
12.1 O A prescrição dos débitos
da Administração Pública, o contratado terá direito ao pagamento do preço integral oriundos dos contratos ad1ninistrativos
(custo mais remuneração) do que houver executado" (Comentários à Lei das Lici-
tações e Contratações da Administração Pública, 7n ed., Rio de Janeiro, Renovar, Tema recorrente envolve a análise da ocorrência, ou não, de pres-
2007, p. 58). Essa também é a opinião de Alexandre Santos de Aragão: "Há também crição de dívidas contratuais contraídas em exercícios financeiros pre-
divergências quanto ao valor a ser pago ao particular: se apenas os seus custos, com téritos.
o que concordamos, pois se trata de mera indenização por enriquecimento sem causa,
não de contraprestação por um contrato inexistente,( ... )" (Curso de Direito Adminis-
trativo, Rio de Janeiro, Forense, 2012, p. 351). 15. TCU,Acórdão 1.341/2010.

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454 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
T A ESTRUTURA DO CONTRATO ADMINISTRATIVO 455

A prescrição das dívidas da Fazenda Pública é quinquenal, como ex- o pagamento devido, seja por não dar uma resposta ao requerimento
pressamente previsto no art. 12 do Decreto 20.910/1932. Esse, portanto, é administrativo formulado pelo credor.
o prazo prescricional relativo às dívidas que tenham por origem contratos Confira-se, a propósito, a orientação do STJ:
administrativos celebrados pelos entes públicos.
A contagem do prazo prescricional se inicia no dia seguinte ao I. O art. 12 do Decreto n. 20.910/1932 dispõe acerca da prescrição
término do prazo pactuado entre Poder Público e fornecedor/particular quinquenal de qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, seja
para o adimplemento da obrigação. Em outros termos: o dever de pagar qual for a sua natureza, a partir do ato ou fato do qual se originou.
se inicia após o recebimento do objeto pelo agente público competente. 2. A decretação de prescrição pressupõe inércia, fato inocorrente na
A teor do disposto no art. 40, XIV, "a", da Lei 8.66611993, esse prazo se hipótese sub examine, uma vez que a empresa endereçou diversas cor-
inicia após decorridos 30 dias a partir da data final do período de adim- respondências à autarquia requerendo a quitação do débito considerado
pendente, consoante se infere do excerto do voto-condutor do acórdão
plemento de cada parcela. recorrido:"( ... ). Compulsando os autos, verifico que a requerente não
O dies a quo da prescrição a favor do ente público começa quando se manteve inerte em relação à cobrança dos valores supostamente
ele se torna inadimplente, não honrando as obrigações financeiras pac- devidos pela recorrida( ... ). Assim, tendo a suplicante demonstrado a
tuadas na relação contratual. sua manifestação, inteligível ao expressar sua inconfonnação e o seu
ânimo de reverter a situação, e a Administração silenciando a respeito,
Assim, a inércia do contratado durante cinco anos, contados dessa suspenso ficou o curso prescricional, remanescendo a garantia consti-
data, sem qualquer requerimento administrativo, ou apenas com tramita- tucional do direito de ação (... )". 16
ções internas do processo administrativo, caracteriza a prescrição. 3. É pacífico o entendimento do STJ no sentido de que as ações
O art. 42 do Decreto 20.91011932 disciplina acerca de uma hipótese contra as Fazendas prescrevem em cinco anos, por conta do que de-
específica de suspensão do prazo prescricional: termina o art. 1• do Decreto n. 20.91011932. (...).
4. Quanto à suspensão do prazo prescricional, disse a instância or-
Art. 4". Não corre a prescrição durante a demom que, no estudo, no dinária (fls. 113): "Deve-se ressaltar, todavia, que a suspensão da pres-
reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tive- crição ocorrida com o requerimento administrativo em novembro/1995
rem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la. ( ... )obstou ao prazo prescricional apenas até a decisão administrativa
Parágrafo único. A suspensão da prescrição, neste caso, verificar- que reconheceu a dívida (fls. 25 e 25-v.) em 24.9.1996".
-se-á pela entrada do requerimento do titular do direito ou do credor S. Como se nota, a origem seguiu fielmente a jurisprudência desta
nos livros ou protocolos das repartições públicas, com designação do Corte Superior, segundo a qual o art. 4l' do Decreto n. 20.910/1932
dia, mês e ano. defere a suspensão do prazo prescricional apenas até a data da decisão
administrativa. 17
Aqui a hipótese não é de inércia absoluta do credor. Após iniciado o
prazo para pagamento, o ti!Úlar do direito protocoliza um requerimento De fato, a fo~ulação de requerimentos demonstra que o particular
perante a Administração Pública. A questão a ser enfrentada é saber se não se manteve inerte em relação ao débito, sendo, na percepção do
esse requerimento -enquanto pendente qualquer decisão administrativa Judiciário, uma afronta ao princípio da boa-fé que a Administração se
- tem o condão de suspender o prazo prescricional. beneficie da sua própria omissão administrativa.
O entendimento que tem prevalecido nos tribunais pátrios consiste Note-se que, na omissão do legislador, não se pode atribuir qualquer
em compreender que qualquer reclamação ou requerimento administrati- consequência jurídica ao silêncio administrativo, como bem explica
vo tem o condão de suspender o prazo prescricional, aplicando-se a norma
do art. 42 do Decreto 20.910/1932. O prazo somente recomeçaria a fluir 16. STJ, I' Turrna,AgR no REsp 1.187.552-MS, rei. Min. LuizFux,j. 22.6.20!0,
DJU30.8.2010; STJ, 2• Turrna,AgR no REsp 1.003.294-SC, rei. Min. Mauro Camp-
após a decisão administrativa acerca do requerimento.
bell Marques, j. 3.2.2009, DJU 17.2.2009.
O fundamento calca-se na premissa de que a Administração Pública 17. STJ, 2• Turma, AgR no REsp 1.003.294-SC, rei. Min. Mauro Campbell
não pode se beneficiar da sua própria inércia, seja em não providenciar Marques, j. 3.2.2009, DJU 17.2.2009.

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456 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS


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I
A ESTRUTURA DO CONTRATO ADMINISTRATIVO 457

Cláudio Brandão, para quem "o deferimento tácito necessariamente crição quinquenal dos débitos das Fazendas Públicas. O prazo quinquenal
deve resultar da lei nas situações em que o legislador atribui ao silêncio deve ser observado nesses casos.
administrativo o conteúdo positivo". 18 Ressalte-se que o STF fixou, por intermédio da Súmula 383, que a
A ausência de decisão administrativa pressupõe a suspensão do pra- prescrição recomeça a correr por dois anos e meio, mas não fica reduzida
zo prescricional, já que a Administração tem o dever de emitir decisão aquém de cinco anos, ainda que o titular do direito a interrompa durante a
conclusiva nos processos administrativos e sobre solicitações ou recla- primeira metade do prazo. Em outras palavras: a interrupção não poderia
mações em matéria de sua competência, a teor do disposto no art. 48 da acarretar uma redução do prazo prescricional de cinco anos, sob pena de
Lei 9.78411999, que regula o processo administrativo em âmbito federal. a norma ser desfavorável ao próprio titular do direito.
E nos casos em que a Administração Pública reconhece a dívida? Outra questão reside em saber se após o reconhecimento da dívida
Com efeito, o reconhecimento da dívida é causa de interrupção da o prazo prescricional reinicia imediatamente. Com efeito, entende-se que
prescrição, na forma prevista no art. 82 do Decreto 20.910/1932, c/c o art. esse prazo recomeça a fluir da data do reconhecimento da dívida. Isso
202, VI, do CC. Este último dispositivo é expresso quando afirma que a porque não apenas o art. 9• do Decreto 20.910/1932 como o próprio pa-
interrupção da prescrição somente poderá ocorrer uma vez e por qualquer rágrafo único do art. 202 do CC dispõem expressamente que a prescrição
ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe o reconhecimento interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu.
do direito pelo devedor. Aqui, ao contrário do que ocorre no requerimento administrativo
A finalidade principal do reconhecimento de dívida é viabilizar o pendente de decisão, a Administração pratica ato inequívoco de reconhe-
pagamento de despesas de exercícios anteriores, conforme expressamente cimento da dívida, não havendo nenhuma pendência a ser dirimida; logo,
previsto no art. 37 da Lei 4.320/1964, mas o fato é que uma das suas o prazo deve ser reiniciado do próprio ato que deu causa à interrupção
consequências indiretas é a interrupção da prescrição. O reconhecimento da prescrição, tal qual determina expressamente o parágrafo único do
não pode alcançar dívidas já prescritas. art. 202 do CC.
Lembre-se aqui a conhecida distinção entre suspensão e interrupção Saliente-se que, mesmo que ocorram sucessivos reconhecimentos
da prescrição no que se refere à contagem dos prazos. Nas palavras de de dívida - ainda que para fins meramente orçamentários -, apenas o
Elody Nassar: 19 primeiro terá o condão de interromper a prescrição, eis que o art. 202 do
CC admite a interrupção da prescrição apenas uma vez.
A suspensão impede a fluência de prazo em andamento, durante
o tempo de incidência do fator suspensivo, reiniciando-se, depois, a
contagem e somando-se os dois períodos; a intenupção se dá pela 12.11 Extinção dos contratos
ocorrência de fato ou ato que anula o efeito do tempo já decorrido,
eliminando a prescrição já igiciada. Os contratos po,dem se extinguir pela sua normal execução ou pela
inexecução. ·
Contudo, tratando-se de dívidas perante a Fazenda Pública, "a pres- Podem se extinguir pelo decurso do prazo, hipótese mais comum
crição interrompida recomeça a correr, pela metade do prazo, da data do nos contratos de prestação de serviço, que têm sua execução diferida no
ato que a interrompeu ou do último ato ou termo do respectivo processo", tempo. O contrato de obra, por exemplo, é ajuste que envolve obrigação
a teor do que dispõe o art. 92 do Decreto 20.910/1932, que regula a pres- de resultado, e só termina quando a obra se encerra.
Ocorre que nem sempre o contrato se extingue pela sua normal exe-
18. Cláudio Brandão, "O controle das omissões e do silêncio da Administração cução ou pelo simples término do prazo previsto, podendo, como dito, a
Pública", in Fábio Medina Osório e Marcos Juruena Villela Souto (orgs.), Direito relação contratual ser encerrada pela sua inexecução.
Administrativo: Estudos em Homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Rio
de Janeiro, Lumen Juris, 2006, p. 14. Se a causa for anterior à própria celebração do contrato a hipótese é
19. Elody Nassar, Prescrição na Administração Pública, 211. ed., São Paulo, de anulação, operando seus efeitos retroativamente (art. 59 da lei). Exem-
Saraiva, 2009, p. !57. plo clássico é o de um vício insanável na licitação que antecedeu o ajuste.

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458 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

Tratando-se de uma relação jurídica contratual, a pretensão do seu


desfazimento reclama a abertura de processo administrativo próprio, no
I A ESTRUTURADO CONTRATO ADMINISTRATIVO

tivo, desde que conectada a outros objetivos que atestem o atendimento


do interesse público. Para tanto, indispensável que sejam atendidos os
459

qual se assegurem amplo direito de defesa e exercício do contraditório requisitos específicos previstos na Lei 12.846/2013.
da outra parte interessada. A observância do devido processo legal, que
assegure o direito à ampla e prévia defesa, é inafastável, e tem sede no 12.11.1 A re/icitação
art. 52 , LV, da própria CF.
O agente público deve exercitar, orientado pelos princípios da se- O setor de infraestrutura brasileiro enfrenta um momento crítico,
gurança jurídica e da boa-fé, um juízo de ponderação que considere as causado, dentre outras razões, pelo impacto da "Operação Lava Jato" nos
consequências da manutenção do ato ou contrato e da sua convalidação, principais players que operam contratos de concessão e parcerias público-
bem como os efeitos do seu eventual desfazimento. -privadas, bem como pela grave recessão que acomete o País, fruto da
equivocada condução da política econômica e fiscal implementada pelos
O contrato pode ser extinto a partir de acordo firmado entre as partes. últimos governos.
É o que se denomina de distrato, ou seja, a extinção do vínculo a partir da
Não são poucos os concessionários que enfrentam dificuldades para
convergência de vontade dos contratantes acerca do encerramento da re-
fazer a travessia até que o País retome a estabilidade econômica. Em to-
lação contratual, a ensejar o exercício de uma competência discricionária
dos os setores os obstáculos se apresentam- com colorações que podem
e devidamente motivada do agente público. Encontra previsão expressa
variar de acordo com as características de cada segmento, mas que têm
no art. 79, § 2•, da Lei 8.666/1993.
como pano de fundo a incapacidade dos atuais concessionários na efetiva
Esta discricionariedade é limitada nos casos de eventual causa de nu- alocação dos investimentos contratualmente pactuados.
lidade do contrato ou mesmo de inadimplemento do contratado, hipóteses
Contratos de longo prazo são intensamente suscetíveis a variações
nas quais as formas da extinção do vínculo deverão ser, respectivamente,
econômicas, financeiras, sociais, tecnológicas e políticas, desafiando o
a anulação ou a rescisão unilateral.
manuseio de instrumentos jurídicos que possam operacionalizar a sua
O contrato pode ser extinto a partir da rescisão unilateral promovida mutabilidade e garantir a sua estabilidade sem, entretanto, ofender direitos
pela Administração no caso de inadimplemento do contratado, na forma de terceiros com indevidas alterações que modifiquem profundamente as
prevista na esmagadora maioria dos incisos do art. 78 da Lei 8.666/1993, "regras do jogo" à época da realização da licitação.
ou mesmo judicialmente, na forma reconhecida no art. 79, III. Foi neste cenário que o Governo Federal editou a Medida Provisó-
Em razão das assimetrias que regem e disciplinam os contratos ad- ria 752, de 24.11.2016, posteriormente convertida na Lei 13.448/2017,
ministrativos no Brasil, não pode o contratado rescindir unilateralmente cujo objetivo foi dispor sobre diretrizes gerais para a prorrogação e a
o ajuste em razão de inadimplemento do ente público contratante. relicitação dos contratos de parceria nos setores rodoviário, ferroviário e
Entretanto, o§ 22 do art. 79 da Lei 8.666/1993 assegura ao contrata- aeroportuário da AÇministração Pública Federal.
do, quando o vínculo se extinguir com base nos incisos XII a XVII do art. Trata-se de uma intervenção normativa que estabelece regras concre-
78- ou seja, sem que tenha havido culpa do contratado-, o ressarcimento tas para o enfrentamento das dificuldades econômicas e financeiras que
dos prejuízos regularmente comprovados que houver sofrido, tendo, ain- acometem as principais concessões brasileiras e que, em última análise,
da, direito à devolução da garantia, pagamentos devidos pela execução do colocam em risco a própria prestação eficiente dos serviços públicos.
contrato até a data da rescisão e pagamento do custo da desmobilização. Quando isso ocorre concomitantemente em vários contratos e em distintos
Não se vislumbra óbice a que um contrato administrativo seja extinto setores, não pode o Poder Público ignorar a realidade e "lavar as mãos"
no contexto de um acordo de leniência de maior amplitude a ser firmado diante do risco de colapso em infraestruturas que são fundamentais para
pelo ente público com a pessoa jurídica responsável pela prática de atos o desenvolvimento do País e indispensáveis para os usuários.
ilícitos. O acordo de leniência, que se notabiliza por ser um instrumento A relicitação afigura-se como procedimento que compreende a extin-
com maior vocação discricionária, envolve um plexo de distintos objetos ção amigável do contrato de parceria nos setores rodoviário, ferroviário e
e finalidades, podendo dentre eles estar a extinção do contrato administra- aeroportuário da Administração Pública Federal, coma celebração de novo

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460 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS


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i A ESTRUTURA DO CONTRATO ADMINISTRATIVO 461

ajuste negociai para o empreendimento, em novas condições contratuais 12.12 Controle dos contratos
e com novos contratados, mediante licitação promovida para esse fim. Os contratos administrativos podem ser objeto de controle interno
Conforme se extrai da "Exposição de Motivos" da medida pro- (efetivado pela própria Administração Pública) e externo (efetivado pelos
visória, trata-se de alternativa inovadora de "devolução coordenada e Poderes Legislativo e Judiciário).
negociada" da concessão, evitando-se o processo de caducidade, muitas Pelo controle interno a Administração Pública pode anular ou revo-
vezes moroso e com longa disputa judicial. Buscou-se conferir segurança gar seus atos, conforme já deixou expresso o STF na Súmula 473. É o
jurídica a essa devolução e a realização das novas licitações. princípio da autotutela administrativa.
O instituto da relicitação é mais vantajoso para as concessionárias Com o advento da Lei Complementar 101, de 4.5.2000- Lei de
que estejam com dificuldades de arcar com os custos da concessão, visto Responsabilidade Fiscal/LRF -, a gestão fiscal pública passa a pressupor
que pela Lei 8.987/1995 o inadimplemento contratual da concessionária uma ação planejada e transparente, inclusive em relação aos contratos
é causa de extinção do contrato, sob o fundamento da caducidade (art. 38 administrativos. Os arts. 16 e 17 dessa lei são os que repercutem direta-
da Lei 8.987/1995). Importante lembrar que a sociedade empresária que mente na fase interna da licitação.
tiver o contrato extinto por caducidade pode ser inabilitada para contratar
O controle externo, em linha de coerência com o princípio da sepa-
com a Administração Pública, enquanto na reli citação a empresa não será
ração e independência dos Poderes, previsto no art. 2° da CF, permite que
punida com pena de inabilitação, sendo apenas vedada sua participação
o Legislativo e o Judiciário fiscalizem a atuação do Poder Executivo, o
no certame de relicitação.
que alcança os contratos administrativos.
Amparada em um processo consensual e afastado de uma lógica
O controle pelo Poder Legislativo é exercido primordialmente
estritamente sancionadora, a relicitação tem por finalidade criar condições
pelos Tribunais de Contas, na forma do que preceitua o art. 113 da Lei
materiais favoráveis para que o projeto concessional seja recolocado no
8.666/1993, c/c o art. 70 da CF.
mercado. A sua estrutura normativa não tem como pano de fundo incen-
tivar o inadimplemento, mas é apenas o reconhecimento pragmático de O controle exercido pelo Poder Judiciário pode se dar por meio das
que, em razão da crise econômica, várias concessionárias se encontram ações constitucionais, sendo as mais comuns a ação popular (Lei 4.717,
em dificuldade para aportar os investimentos necessários que viabilizem de 29.6.1965) e o mandado de segurança (Lei 12.016, de 7.8.2009).
a prestação de um serviço público adequado. Importante destacar que, a teor do disposto no art. 113, § 1°, da Lei
A teor do disposto no art. 15 da Lei 13.448/2017, a relicitação será 8.666/1993, qualquer licitante, contratado ou pessoa fisica ou jurídica
condicionada à celebração de termo aditivo com o atual contratado, do poderá representar ao Tribunal de Contas ou aos órgãos integrantes do
qual constarão, entre outros elementos julgados pertinentes pelo órgão ou sistema de controle interno contra irregularidades na aplicação da lei.
pela entidade competente, os seguintes: (i) a aderência irrevogável e irre- Este controle dos Tribunais de Contas não se circunscreve apenas
tratável do atual contratado à relicitação do empreendimento e à posterior ao campo da legalidade estrita, alcançando também a legitimidade e
extinção amigável do ajuste originário, nos termos da referida lei; (ii) a a economicidade das opções eleitas pelo administrador, observados a
suspensão das obrigações de investimento vincendas a partir da celebra- deferência e o princípio da separação de Poderes, conforme destacado
ção do termo aditivo e as condições mínimas em que os serviços deverão no item subsequente; afinal, não pode o Tribunal de Contas assumir a
continuar sendo prestados pelo atual contratado até a assinatura do novo posição de um revisor geral de todos os atos de gestão praticados pela
contrato de parceria, garantindo-se, em qualquer caso, a continuidade e Administração Pública.
a segurança dos serviços essenciais relacionados ao empreendimento; A teor do disposto no § 2° do art. 112 da Lei 8.66611993, os Tribunais
(iii) o compromisso arbitral entre as partes com previsão de submissão, de Contas e os órgãos de controle interno poderão solicitar para exame,
à arbitragem ou a outro mecanismo privado de resolução de conflitos até o dia útil imediatamente anterior à data de recebimento das propos-
admitido na legislação aplicável, das questões que envolvam o cálculo tas, cópia de edital de licitação já publicado, obrigando-se os órgãos ou
das indenizações pelo órgão ou pela entidade competente, relativamente entidades da Administração interessada à adoção de medidas corretivas
aos procedimentos estabelecidos por essa lei. pertinentes que, em função desse exame, lhes forem determinadas.

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462 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

Note-se que o dispositivo faz referência à solicitação pelo Tribunal


de Contas, o que significa dizer que pode ser feito de forma casuística
1
I
A ESTRUTURA DO CONTRATO ADMINISTRATIVO

dos agentes públicos e órgãos e entidades controladas. Em matéria de


463

contratação pública, por exemplo, os Tribunais de Contas têm importância


para uma determinada licitação. Os Tribunais de Contas não podem, por
meio de atos normativos internos, criar regras que obriguem os entes destacada na proteção e tutela da economicidade, legitimidade e legalida-
públicos a encaminhar previamente todos os editais de licitação. Trata-se de, mas devem sempre agir com contenção e deferência às escolhas dos
de forma de controle não prevista em lei e que poderia causar prejuízos agentes públicos democraticamente eleitos.
ao interesse público, porquanto obrigaria os entes públicos a aguardar a É preciso reconhecer os legítimos espaços de competência reser-
aprovação dos editais para promover as suas licitações, podendo, inclu- vados aos agentes investidos em cargos de administração e gestão para
sive, gerar indesejáveis situações de contratação emergencial. tomar estas decisões. O controle deve se ater aos parâmetros de razoabi-
Outra questão polêmica reside em saber se podem os Tribunais de lidade que afastem interpretações abusivas e imotivadas, sem se imiscuir
Contas sustar contratos administrativos. Acolhe-se aqui o entendimento no mérito da decisão, substituindo a valoração do gestor pela sua própria.
de que não podem os Tribunais de Contas sustar contratos administrati- Até porque não raro o momento da tomada da decisão pelo gestor
vos, por falecer competência constitucional para tanto. pode apresentar contexto inteiramente distinto do momento de atuação
A teor do disposto no art. 71, X, da CF, os Tribunais de Contas po- do órgão de controle.
dem sustar, se não atendidos, a execução do ato impugnado, comunicando A excessiva responsabilização dos agentes públicos, em especial
a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal. A competência quando atuam nos estritos limites da sua competência e não praticam ne-
está bem definida e clara, a saber, autoriza-se a sustação de atos. nhum ato irrazoável ou despido de motivação, pode acarretar como efeito
No caso de contrato, a disciplina que prevalece é a dos §§ I• e 2º nefasto o afastamento de pessoas probas e competentes do serviço públi-
do referido art. 71, que determinam que o ato de sustação será adotado co, gerando medo e temor na assunção de cargos e empregos públicos.
diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Para o andamento e a continuidade eficiente das atividades adminis-
Poder Executivo as medidas cabíveis. Aqui a competência originária é trativas a consequência pode ser a paralisia e a inação, com a adoção de
do Congresso Nacional, e não do Tribunal de Contas. uma natural postura conservadora de proteção pessoal, que, como regra,
Mas a polêmica maior reside na interpretação do§ 2• do art. 71, que não produzirá os melhores resultados no atendimento do interesse público.
estabelece que, se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo
de 90 dias, não efetivarem as medidas previstas no parágrafo anterior, o 12.12.2 O Tribunal de Contas da União!TCU
Tribunal decidirá a respeito. e a sua JUnção reguladora no sistema de contratação pública
Corroborando a posição de Marcos Juruena Villela Souto,2° a inter-
pretação que se desvela como a mais adequada é a de que poderá o Tri- Atualmente o que se percebe é que o TCU vem funcionando indi-
bunal de Contas rejeitar al; contas por irregularidade naquela determinada retamente como,_ ente regulador do sistema de contratação pública. Suas
despesa contratual, mas não conferir um poder autônomo e discricionário orientações espraiam-se para outros entes federativos, o que por vezes se
de sustação do contrato, sobrepondo-se à avaliação do Poder Legislativo revela bastante positivo, considerando a excelência do seu corpo técnico,
e do Poder Executivo. mas em outras situações acaba por gerar indevida e excessiva extensão
dos seus entendimentos, que não raro são acriticamente transpostos para
outros entes da Federação.
12.12.1 A deferência dos órgãos de controle
e o princípio da separação dos Poderes A definição, por exemplo, da orientação sobre um tema cujo con-
teúdo é essencialmente jurídico cabe, nos Estados Federados, às suas
Os órgãos de controle não podem, sob pena de subverter o princípio respectivas Procuradorias.
constitucional da separação de Poderes, substituir as escolhas e opções Nada obsta a que as contratações públicas sejam objeto de regulação
por uma agência autônoma, o que seria a junção do Estado Regulador e
20. Marcos Juruena Villela Souto, Direito Administrativo Contratual, cit., p. 442. do Estado Contratante.
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464 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS A ESTRUTURA DO CONTRATO ADMINISTRATIVO 465

Essa solução é aventada por Pedro Gonçalves:" zação de jurisprudência, edição de súmulas e enunciados que facilitem
a compreensão das posições dos órgãos de controle externo e interno. É
(... )uma regulação do Estado Contratante por agentes profissionais direito subjetivo do controlado conhecer previamente a posição do con-
cumpriria o objetivo de esclarecimento e orientação das condutas trolador, em especial nos casos de matérias recorrentes.
das entidades adjudicantes no sentido da adoção das melhores prá-
ticas, quer no campo da integridade e da ética na contratação, quer
no domínio das melhorias na própria função de compra (qualidade, 12.12.4 A vedação da interpretação retroativa
criatividade, inovação, etc.). pelos órgãos de controle
O Direito tem como um dos seus pilares a segurança jurídica. Isso
Pondera o referido autor que uma instância reguladora da contra-
alcança a premissa de que novas interpretações promovidas pelos órgãos
tação pública deveria concentrar a função de regulação de todo o setor
de controle não podem retroagir e alcançar aquele que agiu de boa-fé.
econômico da contratação pública, pelo quê os regulados deveriam ser os
operadores econômicos (sobretudo no domínio da aplicação de sanções) Inteiramente aplicável aos órgãos de controle a regra do art. 2°,
bem como os outros atores do setor (entidades gestoras de plataformas parágrafo único, XIII, da Lei 9.784/1999, que estabelece que os proces-
eletrônicas), mas também as entidades adjudicantes, com a instância sos administrativos devem observar o critério de que a interpretação da
reguladora assumindo poderes de recomendação, aconselhamento e su- norma administrativa deve ser promovida da forma que melhor garanta
pervisão, bem como exercendo funções de mediação e arbitragem para o atendimento da finalidade pública a que se dirige, vedada a aplicação
resolução de conflitos no domínio da contratação pública. retroativa de nova interpretação.
Sugere, ainda, que essa seria uma solução bem-vinda no Direito Por- Sustentar a retroatividade de interpretação nova seria atentar di-
tuguês e que já se encontra implementada na Itália, por intermédio daAu- retamente contra a boa-fé e a confiança legítima do administrado, que,
torità per la Vigilanza sui Contra/ti Pubblici di Lavori, Servizi e Fomiture. incentivado pela certeza de não estar cometendo ilicitude alguma, pratica
determinada conduta.
Trata-se de tema inovador, e que merece maior aprofundamento e
debate no Brasil, em especial, para avaliar se o modelo de contratação
pública pode ser regulado por agências independentes e se essa solução 12.13 Direito contratual em tempos de crise
se mostra adequada a resolver alguns dos problemas aqui apontados.
A crise econômica e fiscal que assola o País desde 2015 revela-se
devastadora para o sistema público dos contratos administrativos.
12.12.3 A necessária atuação harmônica e coerente
Para além de outras gravíssimas consequências, como o não paga-
dos órgãos de controle
mento dos servidores, o arresto indiscriminado determinado pelo Poder
Os órgãos de controle externo e interno devem trabalhar em regime Judiciário em contas vinculadas a outras finalidades públicas, tais como
de harmonia e cooperação, buscando, na medida do possível, alinhar convênios e verbas vinculadas que decorrem de financiamentos com or-
seus entendimentos, como forma de assegurar um ambiente de segurança ganismos internacionais, o não cumprimento de limites e condicionantes
juridica para os administrados. Não raro os órgãos e entidades, bem como da Lei de Responsabilidade Fiscal, a crise tem provocado um inadimple-
seus respectivos administradores e gestores, ficam em dificil situação mento continuado no pagamento dos valores devidos aos particulares que
quando diferentes órgãos de controle manifestam entendimentos confli- se relacionam contratualmente com os entes públicos.
tantes em determinados assuntos. Os efeitos são avassaladores. A depender do tamanho do inadim-
Fundamental, também, que os administradores e gestores conheçam plemento, existe o risco de ruína econômica do contratado, com pedidos
o entendimento dos órgãos de controle. Daí a necessidade de uniformi- de falência e recuperação judicial, ações judiciais cobrando em juízo
as dívidas contratuais, o aumento do desemprego, com todas as suas
21. Pedro Costa Gonçalves, Reflexões sobre o Estado Regulador e o Estado consequências sociais e para o setor produtivo, pedidos de reequilíbrio
Contratante, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, pp. 25-27. econômico-financeiro do contrato e a invocação da exceção de contrato

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466 LICITAÇÜES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS A ESTRUTURA DO CONTRATO ADMINISTRATIVO 467

não cumprido, prevista no art. 78, XV, da Lei 8.666/1993, com o contra- ses públicos. Sem pretensão de indevidas generalizações, mas gastos com
tado pretendendo se liberar do vínculo contratual ou, mesmo, suspender publicidade, assessoria de imprensa e locação de veículos para os agentes
o cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação. públicos, dentre tantos outros exemplos, são atividades que devem sofrer
Há também um efeito sistêmico que pode se prolongar no tempo, uma retração mais firme, em especial quando comparados com gastos em
a saber, a falta de confiança dos particulares no Estado e a elaboração educação, saúde e segurança pública.
de propostas nas futuras licitações que precifiquem o risco de inadim- Não se necessita de maiores divagações para perceber que exis-
plemento, o que pode, a curto prazo, encarecer sobremaneira os preços te uma hierarquia axiológica quando comparados uns com os outros.
nos contratos administrativos, em prejuízo do interesse público primário O modo, a intensidade e a forma como fazê-lo inserem-se no espectro
e secundário. de competências dos agentes políticos eleitos, que devem pautar as suas
A retomada da normalidade no pagamento das obrigações contra- · decisões por meio de processos transparentes e motivados, demonstrando
tuais depende, fundamentalmente, de os entes federados reequilibrarem a racionalidade das suas escolhas.
as suas finanças e da própria capacidade de recuperação da economia Os entes públicos devem disciplinar, por meio de atos normativos
brasileira. inseridos na sua competência, medidas atenuadoras para preservação do
Mas até lá é preciso que os entes públicos se ocupem em promover contrato e da própria capacidade do contratado em manter a sua condição
uma gestão contratual que considere o contexto econômico atual e adotem técnica e econômica na execução do objeto.
providências concretas para minimizar os efeitos do inadimplemento no Claro que decretos que regulem estas situações devem ser excepcio-
fluxo de caixa dos contratados, cogitando, inclusive, de medidas atenua- nais e temporários. O seu fundamento de validade é a crise econômica,
doras que possam refrear as drásticas consequências acima mencionadas. não havendo razão para que medidas mitigadoras ou atenuadoras sejam
Como se sabe, não há na legislação de contratação pública brasileira mantidas em tempos de normalidade, o que poderia criar injustificados
normas que se destinem a regular a gestão dos contratos administrativos privilégios para os contratados.
em situações excepcionais e de crise econômica como a que estamos A edição de atos normativos tem a virtude de concretizar o princípio
vivendo. Talvez fosse uma pauta importante a ser cogitada em futuras da impessoalidade, permitindo que todos os contratados sejam contempla-
reformas da legislação de contratação pública. dos com ações e medidas que tenham por finalidade preservar o contrato,
Mas é possível afirmar a existência de um dever juridico estatal na afastando-se o risco de indevidos favoritismos.
defesa e proteção ao contrato, que se estende, evidentemente, a uma ação Tome-se como exemplo o Estado do Rio de Janeiro, cuja crise ainda
colaborativa aos contratados que enfrentem dificuldades financeiras em foi agravada pela perda de receita advinda dos royalties e participações
razão do continuado inadimplemento estatal. A boa-fé e a solidariedade especiais de exploração e produção de petróleo e gás natural, em razão
são valores ínsitos a qualquer relação contratual, não se. devendo admitir da abrupta queda do preço do barril.
ou mesmo incentivar comportamentos adversariais e antagônicos por
Neste cenário de diminuição aguda de receitas e aumento exponen-
parte dos contratantes.
cial das despesas públicas, adotou-se um conjunto de ações para reduzir
Ademais, escolhas devem ser feitas pelos agentes políticos. Governar os gastos com os contratos administrativos celebrados, considerando a
é, como se sabe, eleger prioridades. Quando se está diante de crises eco- realidade econômica atual, para flexibilizar determinados deveres legais.
nômicas de proporções gigantescas esta máxima deve ser compreendida
como um mantra. A ausência de recursos públicos importa a redução de Com a participação decisiva da Procuradoria-Geral do Estado na
algumas atividades administrativas, o que pode ter consequências diretas sua elaboração, foram editados o Decreto 45.109, de 5.1.2015, que
e imediatas nos contratos do setor. dispõe sobre a reavaliação das contratações dos órgãos ou entidades da
É preciso identificar o que efetivamente é indispensável para a ma-
Administração Pública do Estado do Rio de Janeiro, e o Decreto 45.387,
nutenção e o funcionamento dos serviços públicos essenciais e priorizar de 28.9.2015, que trata da dispensa temporária de aplicação de sanção
contratos e pactos que instrumentalizam e operacionalizam estes interes- administrativa e rescisão dos contratos administrativos.

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468 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS A ESTRUTURA DO CONTRATO ADMINISTRATIVO 469

O Decreto 45.109, de 5.1.2015, tem por objetivo primordial a rea- ensejadora do descumprimento das suas obrigações e a ausência de paga-
valiação e a redução das contratações, com a finalidade de contenção e mento regular e tempestivo por parte da Administração Pública Estadual;
diminuição das despesas públicas de cada órgão ou entidade. (ii) demonstração pelo contratado de que os contratos celebrados com a
Para tanto, determina que as licitações que estejam na fase interna Administração Pública Estadual cujos pagamentos estejam em atraso
representam ao menos 30% do seu faturamento; (iii) a execução do
e os objetos considerados não essenciais sejam suspensos. As licitações
objeto ter sido regularmente atestada; (iv) apresentação pelo contratado
relativas aos objetos essenciais deverão ter o quantitativo da contratação
de cronograma para o cumprimento das obrigações acessórias, no prazo
estimada reduzido em pelo menos 20%. Caso seja inviável qualquer re-
máximo de 180 dias, contados a partir da regularização dos pagamentos,
dução, caberá ao gestor motivar e justificar, com a explicitação das razões
prorrogável, justificadamente, por uma vez; (v) apresentação de decla-
fáticas para a não realização do corte, o que, no caso, será avaliado por um
ração pelo contratado, firmada pelos seus representantes legais, de que
órgão centralizado, a saber, a Comissão de Planejamento Orçamentário
o motivo da sua inadimplência está diretamente ligado à ausência dos
e Financeiro/COPOF.
pagamentos devidos pela Administração Pública Estadual.
Em relação aos contratos administrativos em vigor o decreto incide
Para além das soluções cogitadas nos referidos decretos, é possível
apenas sobre os objetos considerados não essenciais e que não causem
considerar, ainda, as seguintes medidas: (i) reorganização das obrigações
prejuízo imediato à continuidade do serviço público. Nestes casos a
do contratado, como, por exemplo, o aumento dos prazos de execução ou
diretriz é a alteração unilateral do contrato, qualitativa ou quantitativa
redução de alguns encargos originalmente impostos; (ii) a não exigência
do objeto, com a supressão de pelo menos 20% do saldo do contrato, na
de garantia contratual nas licitações (art. 56 da Lei 8.66611993) quando
forma do art. 65, I, "a" e "b", da Lei 8.666/1993. Como se sabe, desde
isto for possível e não comprometer o atendimento do interesse público;
que a supressão do contrato não ultrapasse o limite do § 1° do art. 65 da
(iii) suspensão da execução do contrato com fundamento na impossi-
Lei 8.666/1993, a alteração unilateral do contrato independerá-da con- bilidade, ainda que temporária, do regular cumprimento do seu objeto.
cordância do contratado.
Sob outro ângulo, e num plano macro e sistêmico do processo de
Supressões de contrato que ultrapassem o limite de 25% deverão contratação pública brasileiro, existem instrumentos consolidados na
necessariamente contar com a expressa concordância do contratado, sob legislação que podem ser mais bem utilizados em tempos de crise eco-
pena de afronta ao limite legal já referido. nômica. É o caso do registro de preços, do contrato de eficiência e dos
O Decreto 45.387, de 28.9.2015, por sua vez, estabelece normas contratos de atribuição, com exploração de naming rights.
sobre a dispensa temporária de aplicação das sanções administrativas No contexto de uma gestão pública eficiente é indispensável valo-
e contratuais e de rescisão. A ideia é conferir uma autorização para rizar o instrumento do registro de preços. Apesar do incremento na sua
que os gestores estaduais tenham espaço para não aplicar as sanções utilização nos últimos anos, ainda há muito o que fazer. Não raro órgãos
administrativas referidas !)O art. 87 da Lei 8.666/1993 ou não rescindir públicos e entidapes não conversam entre si e funcionam como verda-
unilateralmente o ajuste niesmo quando o contratado não mais reunir as deiras ilhas administrativas. Compram os mesmos bens e adquirem os
condições de habilitação. mesmos serviços isoladamente, sempre a um custo maior e sem parâme-
Dito de outro modo: quando o contratado está, por exemplo, com al- tros de controle e de comparação.
guma certidão positiva por não ter adimplido o pagamento de determina- O sistema de registro de preços busca combater esta visão solitária
do tributo estadual, poderá esta circunstância ser atenuada no momento da dos órgãos públicos na qualidade de contratantes, desvelando-se como
aplicação das penalidades ou mesmo de uma eventual rescisão. Trata-se uma importante ferramenta de planejamento e gestão, porquanto promove
de uma contenção e prudência no exercício das prerrogativas unilaterais significativa redução nos gastos públicos, obtida por meio de uma econo-
e exorbitantes dos entes públicos. mia de escala. Em momentos de crise econômica deveria ser priorizado e
Para que a referida flexibilização seja possível deverão ser apre- ter a sua utilização cada vez mais diversificada e expandida. Para tanto, é
sentadas as seguintes condições: (i) comprovação pelo contratado da preciso comando do chefe do Executivo e capacidade técnica e de gestão
relação de causalidade direta entre a sua situação econômico-financeira para a sua correta operacionalização.

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470 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS A ESTRUTURA DO CONTRATO ADMINISTRATIVO 471

Outro exemplo de medida estratégica de gestão contratual é o con- administrativos. É hora de repensar, discutir e debater com profundidade
trato de eficiência, expressamente previsto no art. 23 da Lei 12.462/2011, os elevados custos de transação que acometem os contratos públicos,
que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas/RDC. avaliar o custo-beneficio das assimetrias que outorgam poderes exorbi-
O objetivo primário deste contrato é reduzir as despesas correntes dos tantes para a Administração Pública, que, não raro, muito mais do que
entes públicos com o contratado, remunerando-se apenas com base em proteger o interesse público, afastam sociedades empresárias que desejam
percentual da economia gerada, o que induz a sua eficiência e performan- se relacionar com seriedade com os entes públicos.
ce. Mas, na prática, a sua utilização ainda é muito tímida e deveria, em Compreender os contratos como espaços consensuais que partilham
tempos de grave crise econômica, ser mais debatida e aplicada. riscos e desenham incentivos é de fundamental importância para que se
Olhar com mais atenção e cuidado os contratos de atribuição é, igual- alcance outro patamar.
mente, medida que se impõe em qualquer contexto, mas que deve ganhar É hora de repensar um sistema de contratação pública que não se
destaque no momento presente. Os contratos de atribuição são aqueles pretenda uniforme para todo tipo de objeto e que considere as especifici-
que prescindem de aporte de recursos orçamentários mas, ao contrário, dades e racionalidades de cada segmento econômico. É, sobretudo, hora
implicam o recebimento de valores de outorga de bens e serviços para os de investir em gestão, governança e em capacitação, sabendo-se que com
particulares explorarem em caráter de exclusividade. os mesmos recursos se pode fazer mais e melhor.
As concessões e permissões de uso de bem público são exemplos Fundamental reorganizar as relações entre Estado e mercado em
destes ajustes, com o ente público recebendo periodicamente receitas ad- bases mais éticas, esperando-se que a avalancha de denúncias de corrup-
vindas dos particulares pelo direito de utilizarem, para fins econômicos, o ção por ocasião da "Operação Lava Jato" despertem amplo e profundo
patrimônio público disponível. Deveria ser dada maior atenção a estas li- debate sobre os mecanismos e providências que podem ser adotados para
citações, o que implica, em consequência, o aproveitamento mais racional minorar os riscos de desvios de recursos no seio da contratação pública
e eficiente dos bens não afetados às finalidades públicas, criando fontes brasileira, sem que isso implique paralisa ou ineficiência. Eficiência e
permanentes e seguras de receita. Mesmo a alienação pode ser cogitada ética devem caminhar juntas.
como uma legítima opção quando ficar demonstrada a vantajosidade para
o interesse público na transferência de propriedade do bem.
Os bens públicos comportam, ainda, a exploração de naming rights.
Esta é uma forma empresarial de obtenção de receitas e que vem sendo
desenvolvida em diversos Países. Consiste, grosso modo, no direito que
os particulares têm na atribuição de nomes a bens públicos. Ainda que a
percepção mais imediata seja no sentido da sua utilização para os estádios
de futebol, bens que possuam expressão nacional e despertem interesse do
mercado podem comportar modelagens que explorem o naming rights.

12.14 Breves reflexões críticas


sobre o direito contratual brasileiro
Talvez tenha chegado o momento de abrir um amplo debate que
rediscuta o direito contratual brasileiro nas suas entranhas, ainda tão
excessivamente apegado ao direito administrativo francês construído em
outros tempos e para responder a outros desafios.
Oportuno lembrar que as recentes reformas e mudanças na legisla-
ção sempre se ocuparam muito mais das licitações do que dos contratos

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13
Convênios

I 3.1 Convênios e a Constituição Federal. 13.2 Conceito e sua distinção


para os contratos administrativos: 13.2.1 A nomenclatura dos convênios
após o advento da Lei 13.01912014. 13.3 Os participes nos convênios.
13.4 Remuneração nos convênios. 13.5 Denúncia do convênio. 13.6
Convênios e o regramento do art. 116 da Lei 8.666/1993. 13.7 Convênios
e prestação de contas. 13.8 Desvio de objeto e desvio de finalidade. 13.9
Convênios, princípio da licitação e os procedimentos seletivos. 13.10
Convênios e transferência de recursos: a necessária previsão de critéR
rios. 13.11 Contratos de gestão e termos de parceria. 13.12 Parcerias
entre entidade pública e organizações da sociedade civil: 13.12.1 Termos
de colaboração e termos de fomento e licitação- 13.12.2 Contra/ações
realizadas pelas organizações da sociedade civil.

13.1 Convênios e a Constituição Federal


A Constituição de 1967 foi a responsável por introduzir a figura
do convênio no ordenamento jurídico brasileiro. À época tratou-se do
instrumento no capítulo destinado a traçar as competências dos Estados
e Municípios, já que se prestava a viabilizar a execução, por funcionários
municipais ou federais, das leis, serviços ou decisões dos Estados (art.
13, § 3°, da CF de 1967). 1
Por sua vez, o Decreto-lei 20011967 (recepcionado pela atual Cons-
tituição de 1988) permitiu, no seu art. 10, § 1•, "b", que a execução das
I. CF de 1967:
.. Art. 13. Os Estados se organizam e se regem pelas Constituições e pelas leis
que adotarem, respeitados, dentre outros princípios estabelecidos nesta Constituição,
os seguintes: ( ... ).
'"( ... ) .
.. § J 2 . Para a execução, por funcionários federais ou municipais, de suas leis,
serviços ou decisões, os Estados poderão celebrar convênios com a União ou os
Municípios."

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476 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS CONVÊNIOS 477

atividades da Administração Federal também pudesse ser transferida às se usado indevidamente o convênio, poderá restar caracterizada violação
outras unidades federadas mediante a formalização de convênio admi- ao ordenamento jurídico, por fraude ao princípio da licitação.
nistrativo.
Atualmente, a Constituição Federal de 1988 arrola diversos dispositi- 13.2.1 A nomenclatura dos convênios
vos que aludem ao instrumento de convênio. Apenas a título de exemplo, após o advento da Lei 13.019/2014
determina que compete ao Congresso Nacional fiscalizar "a aplicação de
quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, O art. 84, parágrafo único, da Lei 13.019, de 31.7.2014- que es-
ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal tabelece o regime juridico das parcerias entre a Administração Pública
ou a Município" (art. 70, VI, da CF de 1988), e permite que instituições e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação
privadas participem, de forma complementar, mediante convênio, do -,prescreveu que serão regidos pelo art. 116 da Lei 8.666/1993 os con-
Sistema Unico de Saúde/SUS (art. 199, § 12, da CF de 1988). vênios: (i) entre entes federados ou pessoas jurídicas a eles vinculadas;
(ii) celebrados com entidades filantrópicas e sem fins lucrativos nos
termos do § 12 do art. 199 da CF. E o art. 84-A prescreve que, a partir
13.2 Conceito e sua distinção para os contratos administrativos
da vigência da lei, somente serão celebrados convênios nas hipóteses do
Os convênios administrativos são instrumentos jurídicos que mate- parágrafo único do art. 84.
rializam a consensual idade, exprimindo, em essência, viés de colaboração No ponto em questão, a Lei 13.019/2014 não foi feliz quando ex-
entre os partícipes. São espécies de acordos celebrados pela Administra- cluiu a adoção do convênio para outras situações que não as previstas no
ção Pública, desde que seja destacada a característica de atendimento de parágrafo único do art. 84, já que a expressão "convênio", de longa data,
interesse ou objetivo comum dos partícipes ou convenentes. é largamente utilizada na práxis administrativa, representando a soma de
Os convênios não possuem natureza contratual. Percebe-se, assim, a esforços dos partícipes para o atingimento de um objetivo comum.
nítida diferença dos convênios para os contratos. Nos contratos os interes- Com efeito, ainda que formalmente se atribua outro nome aos acor-
ses das partes não são convergentes, mas opostos, de tal forma que uma dos que reflitam convergência de vontades entre os partícipes, o fato é
pretende um bem objeto da contratação, e a outra a justa remuneração- o que, na essência, a sua natureza continuará a ser a de convênio.
preço- correspondente. Nos convênios os interesses são idênticos, ainda Nada obsta, contudo, a que se utilizem outras nomenclaturas (termo
que cada uma assuma uma obrigação distinta para alcançar a finalidade de cooperação, por exemplo) para designar as hipóteses de acordo de
comum. Cada partícipe colabora de acordo com suas possibilidades e vontades que não se enquadrem nas situações descritas no art. 84 da Lei
segundo a partilha de obrigações previamente definida no instrumento. 13.019/2014. Importante consignar que as expressões "termo de colabora-
Há, pois, no convênio efetiva cooperação entre os partícipes, não ção", "termo de fomento" e "acordo de cooperação" já foram circunscritas
sendo caracterizado pela comutatividade, típica dos contratos, quando a determinadas situações, conforme se depreende do art. 2º, VII, VIII e
o interesse dos contratantes se revela contraposto e nos quais cada parte VIII-A, da Lei 13.019/2014.
tem objetivos e finalidades antagônicos.
Não raro os convênios são utilizados indevidamente em hipóteses 13.3 Os partícipes nos convênios
que se caracterizam como típicos contratos administrativos, o que vem
sendo objeto de intensa fiscalização por parte do TCU. 2 Em tais hipóteses, Nos convênios não há partes, e sim partícipes, podendo ser multilate-
rais (ao contrário dos contratos, que são bilaterais), em função do regime
2. Cf. o seguinte julgado: "Representação- Celebração de convênio com na-
turezajurídica de contrato- Procedência- Determinações. O ponto fulcral consiste ser sintetizadas em contraprestação de uma atividade mediante pagamento da outra
em se verificar a natureza jurídica do ajuste firmado, nas palavras do representante, parte. Já, o convênio pressupõe interesses recíprocos na prática de urna atividade
entre órgãos públicos e o Banco do Brasil ou Caixa Econômica Federal para a fiscali- de interesse comum entre os participes, ou seja, não se visa ao lucro na celebração
zação de obras, ou seja, se é contrato ou se é convênio.( ... ). Nesse sentido, o contrato de um convênio" (TCU, Plenário, Acórdão 2.085/2007, rei. Min. Benjamin Zymier,
impõe natureza sinalagmática, ou seja, direitos e obrigações recíprocas, que podem j. 3.I0.2007).

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CONVÊNIOS 479
478 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

13.6 Convênios e o regramento do arL 116


de cooperação existente. Busca-se no convênio um parceiro para atuar em
da Lei 8.66611993
colaboração com Administração Pública, e não um executor- finalidade,
esta, dos contratos administrativos. A posição jurídica dos signatários é Os convênios encontram-se disciplinados no art. 116 da Lei
uma só e idêntica para todos, admitindo-se diversificação na cooperação 8.66611993 e se submetem às mesmas regras de formalização dos contra-
de cada um, segundo suas possibilidades, para a consecução do objetivo tos, destacando-se as cláusulas essenciais para o cumprimento da avença,
comum; daí a utilização da expressão "partícipes". a forma escrita, a submissão da minuta à assessoria jurídica da entidade
ou órgão, na forma do parágrafo único do art. 38 da Lei 8.666/1993, e a
13.4 Remuneração nos convênios comprovação de habilitação para conveniar, no caso de particular interes-
sado (em especial capacidade jurídica, regularidade fiscal e capacidade
Como no convênio não há intuito de lucro, não se tem admitido a técnica).
previsão de pagamento de taxa de administração, como tem sido reite- É requisito dos convênios (em especial daqueles que envolvem
rado pela jurisprudência do TCU. Em outros termos: sendo o convênio transferências de recursos) a prévia aprovação do plano de trabalho,
um ajuste de natureza não contratual, o partícipe não faz jus a qualquer que deverá conter, no mínimo, as seguintes informações: identificação
remuneração, sob pena de descaracterização do ajuste. do objeto a ser executado, metas a serem atingidas, etapas ou fases de
A celebração do convênio não acarreta, como regra, o surgimento execução, plano de aplicação dos recursos financeiros, cronograma de
de uma nova pessoa jurídica. Ao contrário dos consórcios públicos, dis- desembolso e previsão de início e fim da execução do objeto, bem assim
ciplinados pela Lei 11.107/2005, quando há a formação de uma pessoa da conclusão das etapas ou fases programadas.
jurídica distinta da figura dos consorciados, os convênios não criam nova Apesar da natureza não contratual dos convênios, aplicam-se su-
pessoa jurídica. Os conveniados mantêm sua personalidade jurídica, ainda pletivamente, a teor do disposto no art. 116 da Lei 8.666/1993, no que
que unidos num objetivo comum. Não há, contudo, impedimento para a cabível, os preceitos aplicáveis aos contratos administrativos, dentre
nomeação de um terceiro para funcionar como gestor. Não é incomum dar os quais se destacam: (i) a forma escrita; (ii) a submissão da minuta à
execução ao convênio por meio de outros ajustes ou contratos, cumprindo assessoria jurídica da entidade ou órgão convenente, na forma do art. 38
cada etapa do programa. da Lei 8.666/1993; e (iii) a comprovação de habilitação para conveniar,
no caso de particular interessado (especialmente capacidade jurídica,
regularidade fiscal e capacidade técnica).
13.5 Denúncia do convênio
Nem todos os convênios demandam a existência de plano de traba-
Não havendo vínculo contratual e nem partes, o convênio é passível lho. Muitas vezes o objeto do convênio é tão singelo que não justificaria
de ser denunciado a qualquer tempo. Não é possível em sede de convê- a existência de um detalhamento tal qual previsto no art. 116 da Lei
nio estipular cláusula que obrigue a permanência dos partícipes, o que 8.666/1993. Isso ocorre com frequência nos convênios de cooperação.
seria contrário à premissa básica de interesses convergentes que move Já, os convênios de transferência de recursos demandam, como regra, o
os convenentes. plano de trabalho.
Contudo, essa liberdade deve ser mitigada, mormente no caso de as
obrigações do outro partícipe ficarem comprometidas com a denúncia. 13.7 Convênios e prestação de contas
Em outras palavras: a despeito da premissa da livre denúncia, devem ser
respeitadas as obrigações relacionadas aos beneficios já auferidos e as O convênio cujo objeto envolva a transferência de recursos deve
consequências de prestações já atendidas por outros partícipes. Daí por ser objeto de prestação de contas demonstrando que os recursos foram
que é razoável que no instrumento conste cláusula no sentido de que o aplicados corretamente. Essa obrigação decorre do próprio art. 70, pará-
denunciante tenha a obrigação de recompor os prejuízos decorrentes do grafo único, da CF. Aquele que não prestar contas satisfatoriamente fica
inadimplemento de sua parcela de cooperação. impedido de receber recursos públicos, sujeitando-se a processo admi-
480 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS CONVÊNIOS 48I

nistrativo apura tório de responsabilidade (tomada de contas especial). No não se cogita da necessidade de procedimento de licitação para a escolha
caso de ser uma entidade pública, há vedação expressa de recebimento do parceiro neste acordo de vontades.
de transferência voluntária, a teor do disposto no art. 25, § 1º, IV, da Lei
Assim, enquanto os contratos administrativos estão submetidos,
Complementar 101/2000- Lei de Responsabilidade Fiscal/LRF.
como regra geral, ao procedimento licitatório (art. 37, XXI, da CF), nos
O objeto pactuado no convênio deve ser integralmente satisfeito, convênios a licitação se afigura inexigível, pela impossibilidade de com-
não sendo razoável considerá-lo cumprido quando: (i) ocorra apenas a petição quando se trata de avaliar interesses comuns, o que justifica seu
execução parcial do objeto; (i i) da execução parcial não decorra qualquer enquadramento no caput do art. 25 da Lei 8.66611993.
aproveitamento do que foi realizado. A hipótese caracteriza desperdício
Entretanto, quando o objeto do convênio puder ser executado por
de recursos públicos, situação que deve ensejar a devolução integral dos
muitos sujeitos tem-se admitido a procedimentalização de escolha do
recursos recebidos pelo particular para a execução do convênio, sem
parceiro, com vistas a concretizar os princípios da moralidade e da trans-
prejuízo de outras sanções previstas nas normas regedoras da disciplina
parência administrativa.
do convênio.
Portanto, diz-se que em regra não cabe licitação para os convênios,
Com efeito, o objeto pactuado no convênio deve, além de ser exe-
mas nada obsta a que em determinada hipótese concreta, por força do
cutado, satisfazer o interesse público que ensejou o acordo, não bastando
princípio da isonomia, seja necessária a realização de processo seletivo,
o mero cumprimento formal.
a fim de evitar privilégios e favoritismos. Tal cautela deve ser redobrada
no que se refere ao Terceiro Setor, quando os convênios envolvem, por
13.8 Desvio de objeto e desvio de finalidade vezes, volumosas transferências de recursos.
O TCU tem fixado distinção entre desvio de objeto e desvio de fina- Vale mencionar que já há em sede federal disciplina que institui
lidade quando os recursos não são corretamente aplicados. procedimentos seletivos simplificados. No âmbito do Terceiro Setor, a
escolha da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público/OSCIP
O desvio de objeto caracteriza-se quando o convenente executa
para a celebração do termo de parceria poderá ser feita por meio de pu-
ações que não foram previstas no ajuste mas que respeitam o interesse
blicação de edital de concurso de projetos, a teor do que dispõem os arts.
público e a área objeto do convênio. É uma irregularidade, mas que tem
23 a 31 do Decreto 3.100, de 30.6.1999.
sido relevada. Imagine-se, por exemplo, recursos transferidos para uma
Santa Casa de Misericórdia para reformar sua maternidade, e os recursos Essas novas figuras visam a reduzir o grau de discricionariedade do
acabam sendo destinados para reforma do Centro de Tratamento e Terapia administrador nas hipóteses de escolha de seus parceiros, legitimando
Intensiva!CTL Houve desvio do objeto, mas os recursos foram aplicados o processo de eleição com base em regras previstas em regulamentos e
na área objeto do convênio, atendendo-se, assim, a um interesse público critérios mais objetivos de seleção, com vistas a priorizar o mérito das
relevante. propostas e a isonomia entre os interessados.
Já, o desvio de finalidade caracteriza-se pela não obediência ao Pode-se dizer que são processos seletivos semelhantes a uma licita-
objeto pactuado, modificando a destinação do próprio objeto. Tem-se ção, mas que não necessariamente se sujeitam estritamente ao conjunto de
entendido que isso configura transposição do crédito sem autorização regras da Lei 8.666/1993. Ao invés de escolher livremente seu parceiro, à
legislativa.' própria Administração Pública, nas contratações diretas, se impõe o dever
de realizar um processo seletivo, com vistas a concretizar os princípios
da isonomia, eficiência e competitividade.
13.9 Convênios, princípio da licitação e os procedimentos seletivos
Com isso, seleciona-se a instituição mais bem aparelhada tecnica-
Na medida em que a celebração de convênios é pautada pelo ele- mente e que apresente projeto mais bem estruturado. Ao mesmo tempo
mento confiança, que não se identifica por critérios formais e objetivos, atende-se ao princípio da isonomia, evitando-se uma indesejável escolha
orientada por critérios estritamente subjetivos. Se a redução da discricio-
3. TCU, Processo TC-674.0II/I990-2. nariedade do administrador não é absoluta como em uma licitação -já

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482 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS CONVÉNIOS 483

que os critérios nem sempre conseguem atingir um grau máximo de cípios de direito público, como o da impenhorabilidade dos bens públicos,
objetividade -, ao menos são estabelecidos parâmetros que orientam e princípios do planejamento e do equilíbrio fiscal, princípio da finalidade
limitam o administrador no processo de escolha das entidades que firmam e princípio da indisponibilidade do interesse público.
essas parcenas. Existe um interesse público definido em lei que não pode ser sub-
Mesmo em hipóteses de dispensa ou inexigibilidade de licitação vertido casuisticamente, por mais relevante que seja o interesse público
a escolha do parceiro pode se dar por intermédio de prévia seleção de que venha o Poder Judiciàrio pretender proteger.
projetos ou chamamento público, conforme o caso. Essas transferências de recursos e os próprios convênios repas-
É preciso, no entanto, que haja um detalhamento acerca dos parâ- sadores devem ser objeto de prévia justificativa e motivação, sempre
metros que serão considerados para avaliar esses itens, sob pena de se vinculadas ao planejamento e áreas prioritàrias. É preciso que os critérios
conferir um grau elevado de subjetividade para a Comissão de Avaliação, sejam objeto de prévia definição, norteando o administrador acerca da
incompatível com a ideia de um processo seletivo. obtenção da melhor relação custo-beneficio no emprego dos recursos
públicos estaduais. As necessidades e carências são muitas, e os recursos
13.10 Convênios e transferência de recursos: finitos. A vinculação desse repasse ao planejamento e a critérios impes-
a necessária previsão de critérios soais evita que os convênios sejam utilizados como instrumentos de ações
meramente políticas. O mesmo ocorre com os convênios para instituições
Em linhas gerais, as despesas dos entes federativos devem corres- sem fins lucrativos.
ponder a programas previamente planejados, com base em diretrizes fixa-
das em lei (CF, art. 174) e devidamente traduzidas nas leis orçamentárias
(CF, art. 165). Nesse passo, a transferência voluntária de recursos entre 13.11 Contratos de gestão e termos de parceria
os entes federativos por meio de convênio representa um instrumento Os convênios são espécies de acordos, gênero no qual também se
de ação que deve ser objeto de prévio planejamento e vinculação às leis enquadram os contratos de gestão e termos de parceria com Organizações
orçamentárias, definidoras das prioridades estatais. Sociais/OS e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público/OS-
Tais convênios materializam relevantes interesses públicos, por- CIPs. Esses contratos delegam atividades relacionadas ao Terceiro Setor
quanto se transferem recursos entre os entes federados para implementar para que sejam geridas por entidades sem fins lucrativos.
importantes políticas públicas e concretizar valores constitucionais. Os contratos de gestão e os termos de parceria são disciplinados,
É o que ocorre na saúde, na assistência social, na execução de obras respectivamente, pelas Leis 9.63711998 e 9.79011999, que igualmente
e prestação de serviços públicos, dentre tantos outros campos relevantes tratam da caracterização das pessoas jurídicas de direito privado sem fins
· do agir administrativo que são impactados por este mecanismo de atuação lucrativos corno OS ou OSCIPs.
colaborativa entre os entes. É, portanto, instrumento de um federalismo Os contratos de gestão e os termos de parceria são firmados pelos
de cooperação que concretiza direitos fundamentais. entes públicos, respectivamente, com OS e OSCIPs. A título de esclare-
Há vinculação direta entre os recursos e os interesses públicos a cimento, OS e OSCIPs são pessoas jurídicas de direito privado. sem fins
serem satisfeitos, o que torna vedada a utilização das verbas para finali- lucrativos estruturadas sob a forma de fundação ou de associação que
dades que não sejam aquelas originárias e específicas. Daí a importância desempenham atividades de interesse público em regime de colaboração
das contas específicas, usualmente constituídas para o cumprimento dos com o Estado, por meio da outorga de uma qualificação jurídica especial.
repasses previstos em convênios celebrados por entidades públicas. Para tanto, esses parceiros privados devem comprovar, junto à pessoa
Os recursos públicos são vinculados aos convênios, que são carim- pública habilitante, a satisfação de determinados requisitos previamente
bados, devendo chegar ao seu destino protegidos de interesses privados estabelecidos na respectiva lei.
ou mesmo públicos desvinculados das regras orçamentárias e financeiras A ausência de fins lucrativos é caracterizada pela não distribuição
que determinaram a sua liberação, sob pena de violação de diversos prin- entre seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados
484 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS CONVÊNIOS 485

ou doadores de eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, 13.12 Parcerias entre entidade pública
dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio au- e organizações da sociedade civil
feridos mediante o exercício de suas atividades, aplicados integralmente
na consecução do respectivo objeto social. 4 Com a promulgação da Lei 13.019/2014 foi estabelecido novo marco
Para ser qualificada como OS ainda é necessário que as atividades regulatório para as parceiras voluntárias entre a Administração Pública
da pessoa jurídica sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao de- e as organizações da sociedade civil, envolvendo ou não transferências
de recursos financeiros.
senvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente,
à cultura e à saúde, a teor do que estabelece o art. 1" da Lei 9.63711998. Importante destacar que o diploma legal criou uma nova distinção,
Para ser qualificada como OSCIP, a Lei 9.790/1999, em seu art. 32 , na qual o termo "convênio" deverá ficar reservado para as parcerias ce-
exige que os objetivos sociais das OSCIPs tenham pelo menos uma das lebradas entre os entes federativos (art. 84), que continuarão a observar
seguintes finalidades: (i) promoção da assistência social; (ii) promoção o disposto no art. 116 da Lei 8.666/1993 e as normas destinadas àquele
instrumento.
da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; (iii)
promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de Contudo, algumas normas que possuem caráter específico e tra-
participação das organizações de que trata a lei; (iv) promoção gratuita da tam de parcerias entre entes públicos e privados não foram derrogadas
saúde, observando-se a forma complementar de participação das organi- por essa legislação, como é o caso da Lei 8.08011990, que regula as
zações de que trata a lei; (v) promoção da segurança alimentar e nutricio- parcerias firmadas pelo Sistema Único de Saúde/SUS, 5 bem como da
nal; (vi) defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção Lei 9.637/1998, que dispõe sobre os ajustes formalizados por meio dos
do desenvolvimento sustentável; (vii) promoção do voluntariado; (viii) contratos de gestão com as OS.
promoção do desenvolvimento econômico e social e combate àpobreza; As parcerias entre as entidades administrativas e as pessoas jurídi-
(ix) experimentação, não lucrativa, de novos modelos socioprodutivos cas de direito privado sem fins lucrativos passam a ser enquadradas da
e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito; seguinte forma:
(x) promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e (a) Termo de colaboração- instrumento pelo qual são formalizadas
assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar; (xi) promoção da as parcerias estabelecidas pela Administração Pública com organizações
ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de da sociedade civil, selecionadas por meio de chamamento público, para
outros valores universais; (xii) estudos e pesquisas, desenvolvimento a consecução de finalidades de interesse público propostas pela Admi-
de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e nistração Pública, sem prejuízo das definições atinentes ao contrato de
conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades gestão e ao termo de parceria, respectivamente, conforme as Leis 9.637,
mencionadas no artigo. de 15.5.1998, e 9.790, de 23.3.1999.
Tal qual ocorre nos convênios, qualquer tipo de transferência de (b) Termo de fomento - instrumento pelo qual são formalizadas as
verbas pela Administração para as OS ou OSCIPs não pode ter natureza parcerias estabelecidas pela Administração Pública com organizações
remuneratória, sob pena de caracterização de um contrato. Como as OS e da sociedade civil, selecionadas por meio de chamamento público, para
as OSCIPs devem necessariamente ostentar natureza de pessoas jurídicas a consecução de finalidades de interesse público propostas pelas orga-
de direito privado sem fins lucrativos, o produto da exploração do objeto nizações da sociedade civil, sem prejuízo das definições atinentes ao
contratual deve ser revertido em sua totalidade para a própria atividade,
não podendo ser distribuído de qualquer forma a sócios, associados, 5. Lei 8.08011990:
investidores ou afins. "Art. 24. Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir
a cobertura assistencial à população de uma detenninada área, o Sistema Único de
4. Segundo o art J•, § J•, da Lei 9.790/1999. Jâ, a Lei 9.637/1998 obriga que Saúde (SUS) poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada.
as Organizações Sociais/OS, no mesmo sentido, invistam seus excedentes financei- "'Parágrafo único. A participação complementar dos serviços privados será
ros no desenvolvimento das próprias atividades, o que implica impossibilidade de formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de
redistribuição de ganhos financeiros. direito público."

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CONVÊNIOS 487
486 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

contrato de gestão e ao termo de parceria, respectivamente, conforme as mantidas e aceitas as mesmas condições oferecidas pela organização da
Leis 9.637, de 15.5.1998, e 9.790, de 23.3.1999. sociedade civil vencedora do certame; (ii) guerra ou grave perturbação
da ordem pública, para firmar parceria com organizações da sociedade
Nota-se que os instrumentos se distinguem tão somente pelo res- civil que desenvolvam atividades de natureza continuada nas áreas de
ponsável pela iniciativa da proposta de parceria. Quando a iniciativa da assistência social, saúde ou educação, que prestem atendimento direto ao
proposta for da Administração Pública o instrumento adequado será o público e que tenham certificação de entidade beneficente de assistência
termo de colaboração; quando a iniciativa do projeto for da organização social, nos termos da Lei 12.1 Ol, de 27.11.2009; (iii) quando se tratar da
da sociedade civil o instrumento para firmar a parceria será o termo de realização de programa de proteção a pessoas ameaçadas ou em situação
fomento. que possa comprometer sua segurança.
Advirta-se que essa legislação impôs um novo conjunto de regras Já, a inexigibilidade segue a mesma lógica da Lei 8.666/1993, ocor-
para a celebração e a execução desses novos termos, determinado o afas- rendo quando houver inviabilidade de competição entre as organizações
tamento, em regra, da aplicação da Lei 8.666/1993. Com isso, há normas da sociedade civil em razão da natureza singular do objeto do plano de
específicas sobre plano de trabalho e prestação de contas. trabalho ou quando as metas somente puderem ser atingidas por uma
entidade específica.
13.12.1 Termos de colaboração e termos de fomento e licitação Inovação trazida pela Lei 13.019/2014 foi o Procedimento de Ma-
Não cabe licitação, propriamente dita, para os termos de colaboração nifestação de Interesse Social/PMIS, instrumento com características
semelhantes ao Procedimento de Manifestação de lnteresse/PMI do De-
e para os termos de fomento.
creto 8.428/2015, que tem por finalidade permitir que organizações da
Entretanto, a legislação brasileira tem evoluído no sentido de exigir a sociedade civil, movimentos sociais e cidadãos apresentem propostas ao
realízação de processo seletivo, a fim de evitar privilégios e favoritismos. Poder Público para que este avalie a possibilidade de realização de um
Trata-se do chamamento público, que, tendo em vista os princípios da chamamento público objetivando a celebração de parceria.
competitividade, isonomia e impessoalidade, deve se configurar como
Frise-se que a realização do PMIS não dispensa a convocação por
um procedimento claro, objetivo, simplificado e, sempre que possível,
meio de chamamento público para a celebração da parceria, tampouco
padronizado, que oriente os interessados e facilite o acesso direto aos
implicará necessariamente a execução do chamamento público, que
órgãos da Administração Pública (art. 23 da Lei 13.019/2014).
ocorrerá conforme os interesses da Administração.
A lei conceituou, em seu art. 22 , XII, o chamamento público como
procedimento destinado a selecionar organização da sociedade civil para
firmar parceria por meio de termo de colaboração ou de fomento, no qual 13.12.2 Contratações realizadas
se garanta a observância dos princípios da isonomia, da legalidade, da im- pelas organizações da sociedade civil
pessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade A teor do disposto no art. 43 da Lei 13.019/2014, as contratações de
administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento bens e serviços pelas organizações da sociedade civil feitas com o uso
objetivo e dos que lhes são correlatos. de recursos transferidos pela Administração Pública deverão observar
O legislador previu, ainda, hipóteses em que o interesse público os princípios da legalidade, da moralidade, da boa-fé, da probidade, da
poderá ser mais bem concretizado por meio da contratação direta, seja impessoalidade, da economicidade, da eficiência, da isonomia, da publi-
por dispensa ou inexigibilidade de chamamento público. cidade, da razoabilidade e do julgamento objetivo e a busca permanente
O chamamento público poderá ser dispensado nos seguintes casos: de qualidade e durabilidade, de acordo com o regulamento de compras e
(i) urgência decorrente de paralisação ou iminência de paralisação de contratações aprovado para a consecução do objeto da parceria.
atividades de relevante interesse público realizadas no âmbito de parceria O regulamento de compras e contratações deverá ser próprio ou de
já celebrada, limitada a vigência da nova parceria ao prazo do termo origi- terceiro, mas é importante que tenha sido aprovado pela Administração
nal, desde que atendida a ordem de classificação do chamamento público, Pública celebrante e observe os referidos princípios, conforme determina

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488 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS T
o art. 34, VIII, da Lei 8.66611993. Enfim, o fato de receberem recursos
públicos não iguala as organizações da sociedade civil às pessoas jurídicas
de direito público, com a indevida imposição de realizarem o procedi-
mento formal de licitação da Lei 8.666/1993.
I
14
Terceirização

14.1 Conceito e objetivos. 14.2 A distinção entre terceirização e for-


necimento de mão de obra: 14.2.1 A Lei de Responsabilidade Fiscal/
LRF e a contabilização da despesa no caso de fornecimento de mão de
obra. 14.3 Os limites da terceirização. 14.4 O limite da atividade-meio
e da atividade-fim. 14.5 O princípio da livre iniciativa como limitador
na modelagem das terceirizações. 14.6 A terceirização e a remuneração
por resultados: o Instrumento de Medição de Resultadoi!MR. 14.7 A
terceirização e o concurso público. /4.8 A responsabilidade subsidiá-
ria da Administração Pública nas terceirizações: 14.8.1 Medidas e
providências que podem ser adotadas para afJScalização dos encargos
trabalhistas pela Administração Pública - 14. 8.2 A exigência de regula-
ridade trabalhista- 14.8.3 A fiScalização contratual e a polêmica acerca
da retenção dos pagamentos -14.8.4 A extensão da garantia -14.8.5
O descabimento do pagamento das verbas trabalhistas diretamente nas
contas dos empregados. 14.9 Terceirização e cooperativas: viabilidade
jurídica e cautelas: 14.9.1 Uma critica à solução federal: o Termo de
Conciliação Judicial.

14.1 Conceito e objetivos


A terceirização consiste na técnica empresarial conhecida pela
contratação de serviços desempenhados por empresas especializadas,
permitindo, deste modo, que a tomadora do serviço se concentre na sua
principal vocação. Com o advento da terceirização busca-se alcançar efe-
tivo ganbo de qualidade e produtividade, redução da máquina administra-
tiva, do quadro de pessoal e maior eficiência, agilidade e competi ti v idade.
Quando se contrata um terceiro estranho aos quadros da Administra-
ção Pública para desenvolver essas atividades se está diante de um con-
trato de prestação de serviços. Cogitar que todos os serviços inerentes ao
funcionamento das atividades administrativas fossem executados direta-
mente pelos servidores públicos não apenas tornaria o quadro permanente
de setvidores excessivamente inchado como, possivelmente, ineficiente.

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TI TERCEIRIZAÇÃO 491
490 L!CITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
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Não foi à toa que desde o Decreto-lei 200, de 25.2.1967- que dispõe I inexistência de pessoalidade, deixando claro que o foco é a prestação do
sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para
' serviço, e não o seu prestador.
a Reforma Administrativa e dá outras providências - foi incentivada a Na terceirização busca-se especialização, com a contratação de um
execução indireta dos serviços como diretriz na gestão dos contratos, com serviço com objeto definido e que encontre no mercado várias empresas
vistas a impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa que concentram seus esforços em determinada área de conhecimento.
(§ 7° do art. 10). Logo se vê que a terceirização não se confunde com o fornecimento
Em regra esses contratos de prestação de serviços envolvem obri- de mão de obra, porquanto esta forma de contratar centra o objeto con-
gação de fazer, cuja vocação principal se destina à descentralização tratual nas pessoas, e não no serviço. No fornecimento de mão de obra
das atividades-meio dos entes públicos, tais como serviços de limpeza, não há um objeto definido. Não se almeja um serviço específico, mas
vigilância, Informática, manutenção e outros que rotineiramente são um suporte na área de recursos humanos com vistas a atender às mais
necessários para a manutenção das atividades administrativas e que se diversas necessidades administrativas. 1 Via de regra, as atividades são
encontram exemplificados no art. 6º, 11, da Lei 8.666/1993. Daí por que completamente díspares e envolvem áreas de conhecimento que nem de
não é juridicamente adequado considerar a terceirização como um con- perto se inter-relacionam.
trato, senão como uma técnica de gestão.
É, a rigor, um "pacote" de serviços, no qual o foco não é no serviço,
Em toda e qualquer terceirização forma-se uma relação triangular mas nas pessoas que irão desenvolver o projeto. Contratam-se, a um só
que envolve: (i) o tomador do serviço; (ii) a empresa terceirizada e tempo, serventes, motoristas, vigilantes, jardineiros, copeiras, ascenso-
especializada em determinada atividade; (iii) o empregado da empresa ristas, em clara exploração do trabalho alheio como mercadoria. Não há
terceirizada. A Justiça do Trabalho tem sido importante para definir os qualquer especialidade no desenvolvimento da atividade empresarial,
contornos e limites das terceirizações, ainda que não se concorde integral- senão a simples locação de pessoas.
mente com a conformação jurídica que advém dos tribunais trabalhistas,
como adiante se verá. Quando o objeto da licitação reúne serviços muito distintos
pode ocorrer violação à diretriz prevista no art. 23, §§ 1° e 2°, da Lei
No setor público a terceirização tem como premissa e fundamento
8.666/1993, que determina a divisão do objeto em tantas parcelas quantas
lógico o princípio da eficiência (art. 37, caput, da CF). A decisão de ter-
se comprovarem técnica e economicamente viáveis, o que visa a ampliar
ceirizar ou não um serviço não pode ser orientada por critérios políticos ·
a competitividade sem perda na economia de escala.
ou, mesmo, influenciada por questões de ordem ideológica.
Existem diversas formas de contratar mão de obra para a Admi-
A motivação da tomada de decisão deve estar lastreada em uma
nistração Pública por meio de interposta pessoa. Mencionem-se, como
racionalidade técnica e econômica que demonstre o melhor formato para
exemplos, convênios com entidades do Terceiro. Setor sem um objeto
a organização na prestação do serviço, sempre com vistas a identificar a
definido e como mero pretexto de alocar recursos humanos; as contra-
forma pela qual o interesse público será mais bem atendido, com a ma-
tações diretas com as instituições sem fins lucrativos (art. 24, XIII, da
ximização eficiente no aproveitamento dos recursos humanos, materiais
e financeiros.
1. Maria Sylvia Zanella Di Pietro explica: "Tais contratos têm sido celebrados
sob a fórmula de prestação de serviços técnicos especializados, de tal modo a asse-
14.2 A distinção entre terceirização gurar uma aparência de legalidade. No entanto, não há, de fato, essa prestação de
e fornecimento de mão de obra serviços por parte da empresa contratada, já que esta se limita, na realidade, a fornecer
mão de obra para o Estado; ou seja, ela contrata pessoas sem concurso público, para
A essência da terceirização é a atividade, e não a pessoa. Dito em que prestem serviços em órgãos da Administração direta e indireta do Estado.( ...). Tais
outros termos: o que o ente público espera em qualquer terceirização é contratos são manifestamente ilegais e inconstitucionais. Eles correspondem a uma
falsa terceirização e não escondem a intenção de burla à Constituição.( ... ). Portanto,
que o objeto seja adequadamente desenvolvido e que atenda ao escopo o que é perfeitamente possível no âmbito da Administração Pública é a terceirização
definido no edital. O próprio enunciado da Súmula 331 do TST expres- como contrato de prestação de serviços" (Parcerias na Administração Pública, 3n
sa essa ideia de forma categórica quando condiciona a terceirização à ed., São Paulo, Atlas, 1999, pp. 166-168).

~:
492 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
T TERCEIRIZAÇÃO 493

Lei 8.66611993) também podem, se manejadas de forma equivocada, se públicos: essas contratações não podem servir de subterfugio para solu-
prestar a essa intermediação, assim como as "falsas" cooperativas, que, cionar os problemas relativos aos gastos de pessoal dos entes públicos.
utilizando-se dessa forma societária, fornecem qualquer tipo de serviço,
normalmente em função de um amplíssimo objeto social.
143 Os limites da terceirização
Mesmo que, em qualquer das situações mencionadas, a contratação
seja precedida de licitação, o fato é que essa circunstância não a legitima, O principal limite norteador das terceirizações nas atividades admi-
eis que continuará sendo mera intermediação de mão de obra. nistrativas envolve o poder de império estatal, ou seja, aquelas atividades
Algumas cautelas devem ser observadas para evitar a contratação de que exigem atos de império e de autoridade, como, por exemplo, segu-
fornecimento de mão de obra como se terceirização fosse. rança, fiscalização, regulação e poder de polícia. Essas são atividades
estatais as quais, em sua essência, dependem de que as autoridades ad-
O primeiro e mais importante aspecto a considerar é que o objeto
ministrativas estejam investidas com prerrogativas públicas necessárias
da contratação seja bem definido, não permitindo a execução de várias
à satisfação dos interesses públicos tutelados, e que, portanto, não podem
atividades em um único contrato. Claro que essa é uma avaliação discri-
ser delegadas a agentes privados que não ostentem tal condição.
cionária do gestor, à luz das especificidades de cada segmento econômico
e da conformação do interesse público a ser tutelado; mas é uma premissa Essa diretriz encontra-se assentada no art. 4º, III, da Lei 11.079, de
importante a ser considerada no momento da definição dos contornos do 30.12.2004, que trata das parcerias público-privadas, que fixa como uma
objeto. das diretrizes a indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional,
do exercício do poder polícia e de outras atividades exclusivas do Estado.
Sob outro prisma, não deve o edital definir o efetivo de pessoal
O fato de essa diretriz estar contida em uma legislação específica - no
alocado na execução dos serviços, eis que o foco é na atividade, e não
caso das parcerias público-privadas- não afasta o núcleo essencial de que
na pessoa. Recomendável, também, que o edital expresse a exigência de
se trata de premissa aplicável a todas as hipóteses de delegação de ativi-
que os materiais e equipamentos utilizados sejam da contratada, evitando
dades estatais, o que inclui também as terceirizações.
caracterizar a simples locação de pessoal.
Note-se que as atividades meramente instrumentais e de apoio ao
poder de polícia podem ser terceirizadas, porquanto não encerram o
14.2.1 A Lei de Responsabilidade Fiscal/LRF exercício do poder de império estatal. É o caso, por exemplo, dos ser-
e a contabilização da despesa no caso de fornecimento viços de radares ou fotografias em rodovias para fiscalizar a velocidade
de mão de obra dos automóveis ou mesmo vistorias, perícias ou atos similares que se
Importante observar que o § I 0 do art. 18 da LRF, quando determinou configurem como meros atos preparatórios e antecedentes do exercício
que "os valores dos contratos de terceirização de mão de obra que se refe- do poder de polícia.
rem à substituição de servidores e empregados serão contabilizados como O mesmo vale para a terceirização de serviços de gerenciamento de
outras despesas de pessoal", ao contrário do que uma leitura apressada obras ou de outros serviços. No caso das parcerias público-privadas tem
poderia induzir, não validou o fornecimento de mão de obra como um sido, por exemplo, adotada a prática de contratar verificadores indepen-
modelo legal possível. dentes, ou seja, sociedades empresárias externas que auxiliam o parceiro
Ao revés, como forma de inibir sua proliferação, o legislador con- público na verificação das metas e resultados objetivamente definidos
tabilizou essa forma de contratar como despesa de pessoal, a fim, exata- no contrato.
mente, de bloquear essa prática no setor público. Não há nas hipóteses acima mencionadas uma delegação absoluta
Não raro os gestores, por estarem no limite dos gastos com pessoal, para um particular substituir, na tarefa primária da fiscalização dos con-
recorrem ao fornecimento de mão de obra para que as atividades adminis- tratos, os entes públicos, senão a contratação de empresa especializada
trativas não sofram solução de continuidade. Assim, o que o § Iº do art. que possa apoiar e fornecer os subsídios necessários para a realização de
18 da LRF pretendeu foi mandar um claro recado para os administradores uma fiscalização eficiente.

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LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS


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494 TERCEIRIZAÇÃO 495

Outro limite identificável das terceirizações consiste nas carreiras trabalhistas com a admissão da terceirização para as atividades-fim. Note-
com assento constitucional e, consequentemente, nas atividades por elas -se que a discussão alcança tanto as terceirizações realizadas pelo setor
desenvolvidas. Trata-se de uma opção do legislador constituinte origi- privado como aquelas efetivadas pelo setor público.
nário, que entendeu que determinadas atividades dependeriam de uma Adotando entendimento minoritário, pretende-se demonstrar que
carreira estruturada para melhor satisfação daqueles interesses públicos. esse critério não é suficiente para delimitar se uma terceirização é lícita,
E essa não foi uma escolha aleatória, já que a maior parte das car- ou não.
reiras estruturadas na Constituição Federal engloba atividades típicas O critério - que não se encontra expresso no ordenamento jurídico
estatais que demandam prerrogativas de autoridade ou que dependem de - foi delimitado pelo Tribunal Superior do Trabalho/TST quando editou
uma independência funcional indispensável para sua correta consecução. a Súmula 331. Confira-se:
Importante registrar que a Instrução Normativa 05, de 25.5.2017,
do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão- que dispõe III- Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação
sobre regras e diretrizes do procedimento de contratação de serviços no de serviços de vigilância (Lei n. 7.102, de 20.6.1983), de conser-
âmbito da Administração Pública Federal-, vedou as terceirizações em vação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à
quatro situações. atividade-meio do tomador. desde que inexistente a pessoalidade e a
subordinação direta.
A primeira alcança as atividades que envolvam a tomada de decisão
ou posicionamento institucional nas áreas de planejamento, coordenação,
supervisão e controle. A segunda, as atividades consideradas estratégicas Ora, não é tarefa do Poder Judiciário fixar limites para a terceiriza-
para o órgão ou entidade, cuja terceirização possa colocar em risco o ção, mormente no âmbito da Administração Pública. É flagrante a viola-
controle de processos e de conhecimentos e tecnologias. A terceira ex- ção ao princípio da separação dos Poderes (art. 2• da CF), eis que a Justiça
plícita que não cabe terceirizar funções relacionadas ao poder de polícia, do Trabalho pretendeu, com o Enunciado 331, legislar sobre terceirização,
regulação, outorga de serviços públicos e aplicação de sanções. A quarta e o que é absolutamente incompatível com sua função precípua de dirimir
última limitação imposta pelo referido ato normativo veda a terceirização conflitos. Trata-se de claro exemplo de ativismo judicial normativo,
em atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de quando o Poder Judiciário suprime lacunas normativas disciplinando
cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário temas que caberiam ao Poder Legislativo.
ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do Curioso observar, também, que o critério da atividade-meio/fim
quadro geral de pessoal. somente é aplicável às terceirizações. Não há nenhuma razão lógica para
que esse parâmetro sirva apenas para uma espécie de contrato (prestação
14.4 O limite da atividade-meio e da atividade-fim de serviços) e seja imprestável para os demais.
'· Fato é que o Estado delega diversas atividades-fim por meio de
A esmagadora maioria da doutrina, seja no campo do direito ad- outros contratos sem que esse embate tenha sido travado ou, mesmo,
ministrativo ou no do direito do trabalho, encampa esse critério como cogitado. É o caso, por exemplo, das concessões de serviço público re-
adequado para fixar os limites das terceirizações. Dito em outros termos: gidas pela Lei 8.987/1995. Por acaso não seria atividade-fim do Estado
apenas as terceirizações envolvendo as atividades-meio seriam consi- a celebração de contratos envolvendo saneamento, energia, telefonia,
deradas lícitas. A prática administrativa também aquiesceu com esse rodovias, gás?
parâmetro, com os gestores, como regra, observando a diferenciação
Nesses contratos, como se sabe, o poder concedente remanesce
entre atividade-meio e atividade-fim no momento de fixar os limites do
apenas com a titularidade do serviço, delegando sua execução ao conces-
objeto a ser terceirizado.
i sionário. Delega, na maioria dos casos, atividades típicas que envolvem
O tema é bastante polêmico, e a superação da distinção atividade- serviços essenciais à coletividade. O mesmo ocorre com a concessão
i
-meio e atividade-fim encontra enorme resistência em vários setores da
I
1 sociedade, que identificam a possibilidade de precarização das relações
patrocinada e a administrativa (as parcerias público-privadas), com a di-
ferença de que, aqui, ainda há o desembolso de recursos públicos, eis que

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496 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADM!NlSTRAT!VOS

não são negócios autofmanciáveis. Mas na sua essência o que o Estado


delega por meio dessas parcerias são atividades típicas suas.
T TERCE!RIZAÇÃO

darem suporte a apenas uma parcela ou parte da atividade-fim do órgão


ou entidade, o que não deve ser proibido quando ficar demonstrado que
497

Também no campo do Terceiro Setor existem vários formatos con- essa opção se revela mais eficiente.
tratuais nos quais o Estado delega atividades consideradas finalísticas Importante anotar que no campo das concessões e permissões de ser-
para as Organizações Sociais/OS e para as Organizações da Sociedade viços públicos parece existir autorização expressa para a concessionária
Civil de Interesse Público/OSCIPs, celebrando, respectivamente, con- contratar terceiros para o desenvolvimento das atividades inerentes ao ser-
tratos de gestão e termos de parceria. Por meio desses ajustes o Estado viço concedido. Confira-se a dicção do§ 1" do art. 25 da Lei 8.987/1995:
delega atividades em regra afetas ao ordenamento social, como hospitais,
museus, atividades de proteção a menores, defesa do patrimônio artístico § 1°. Sem prejuízo da responsabilidade a que se refere este artigo,
e cultural, além de outras que estariam no campo de suas atribuições. a concessionãria poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de
atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço conce-
Diante desses exemplos, que estão no cotidiano dos gestores públi- dido, bem como a implementação de projetos associados.
cos e dos operadores do direito administrativo, é de se indagar a razão
pela qual as delegações para particulares- aqui consideradas como gêne- Por exemplo: poderia uma concessionária de serviço público de ener-
ro do qual a terceirização é uma espécie- não sofrem qualquer limitação, gia terceirizar a construção e a reforma de rede e subestações de energia
e apenas o contrato de prestação de serviços se sujeita a um critério que elétrica, manutenção de rotina e de emergência? Isso seria atividade-fim
não tem fundamento constitucional e nem legal. da empresa?
Também se revela tarefa complexa identificar alguma consistência Ora, a atividade-fim da empresa é entregar energia de boa qualidade
no critério quando se sabe que a conceituação do que sejam atividade- ao usuário, com a observância dos princípios da generalidade, regularida-
-meio e atividade-fim e os traços que diferenciam uma da outra não são de, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, cortesia e modicidade
aspectos que podem ser solucionados apenas pela ciência do Direito. tarifária.
O desenvolvimento das atividades administrativas, nas suas mais Se a reforma ou manutenção da sua rede será efetivada por funcioná-
variadas dimensões, é bastante dinãmico, sendo certo que, a depender da rios próprios ou terceirizados é um problema de gestão da concessionária,
situação concreta, se toma tarefa bastante complexa delimitar com precisão a quem cabe avaliar a forma mais eficiente de executar a tarefa.
os espaços entre o que seja meio e fim ou pretender uma separação absolu- Outro exemplo de serviço usualmente terceirizado pelas concessio-
ta entre os dois campos. Não raro o limite entre atividade-meio e atividade- nárias de serviço público de energia elétrica é a realização de manuten-
-fim é muito tênue, não sendo na maior parte das vezes solucionado por ções preventivas e programadas que garantem o funcionamento de usinas,
critérios juridicos, mas por critérios econômicos, financeiros ou, mesmo, linhas e redes de distribuição.
técnicos inerentes à própria atividade e à realidade como ela se coloca. Também no campo dos serviços de manutenção as concessionárias
Diferenciar as terceirizações lícitas das ilícitas por esse critério de de energia contratam, ainda, sociedades empresárias para desempenhar
atividade-meio e atividade-fim cria um ambiente de absoluta insegurança atividades em prol da manutenção da própria via energizada- a rede de
jurídica para o administrador público, que, diante de situações que se transmissão de energia elétrica -, como a poda de árvores.
encontram na zona cinzenta, fica sem saber se pode, ou não, contratar Estariam essas empresas obrigadas a ter funcionários próprios para
determinado objeto, eis que isso pode ser considerado ilegal pela Justiça a realização de serviços de manutenção, ou poderiam terceirizar? Será
do Trabalho. que o simples fato de a atividade estar ligada ao objeto social da empresa
O que pode e deve ser repudiado é a hipótese de as entidades ou tem o condão de tomar a atividade-fim? E se for atividade-fim? Por que
órgãos públicos terceirizarem integralmente suas atividades finalísticas. não poderia o serviço de manutenção ser terceirizado?
Afinal, nesses casos seria razoável indagar a razão da existência do órgão Note-se que em todos os exemplos a conceituação da atividade (se
ou entidade, já que toda sua atividade teria sido delegada a um terceiro. meio ou fim) encontra-se numa zona cinzenta, o que gera enorme inse-
Isso não se confunde com a contratação de terceiros para apoiarem ou gurança jurídica ao gestor.

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TERCE!RIZAÇÃO 499
498 LJCJTAÇÓES E CONTRATOS ADMJNJSTRATJVOS

Com efeito, mesmo que essas atividades se enquadrem como fi- 14.5 O princípio da livre iniciativa
nalísticas das concessionárias, não se identifica nenhum óbice legal à como limitador na modelagem das terceirizações
terceirização nas hipóteses mencionadas. Há, ao revés, o sério risco de a Não cabe ao edital, sob pena de violar o princípio da livre iniciativa,
realização obrigatória de tais serviços por empregados da própria conces- se imiscuir na forma de organização das empresas terceirizadas. Logo,
sionária se revelar como alternativa mais ineficiente, repercutindo direta- caracteriza ingerência indevida a definição no edital do quantitativo de
mente na própria concepção de serviço adequado, em especial no que se empregados ou, mesmo, a prévia fixação dos seus salários.
refere à modicidade tarifária, já que não se pode afastar a possibilidade de
O que importa na terceirização é a atividade, o resultado e a pro-
tais custos serem transferidos ao usuário final nas revisões quinquenais.
dutividade. Como o contratado se desincumbirá da tarefa é questão que
Não cabe, aqui, dizer que o melhor caminho para as concessionárias se insere no âmbito da sua competência. As terceirizações devem ser
é a terceirização de tais serviços. Trata-se de decisão que depende da modeladas com a necessária deferência para que o setor privado organize
avaliação de cada concessionária à luz da sua realidade e das obrigações sua forma de atuação
impostas no contrato de concessão.
O número de empregados alocados no serviço, como dito, é matéria
Mas o que se pode afirmar é que não pode o Poder Judiciário limitar afeta à esfera de atuação da empresa, e não da Administração Pública,
o espaço discricionário que deve ser reservado às concessionárias de ser- devendo ser privilegiada a modelagem que permita a mensuração dos
viço público para decidir a melhor forma de gerir o negócio e os serviços resultados para pagamento da contratada e que elimine a possibilidade de
inerentes à própria concessão, mormente diante da regra contida no art. remuneração com base na quantidade de horas de serviço ou por postos
25, § 12 , da Lei 8.987/1995. de trabalho. Apenas em caráter excepcional esses critérios devem ser
Enfim, a vocação das terceirizações continua e continuará a ser as adotados, como ocorre, por exemplo, nas terceirizações de serviços de
atividades-meio. Essa é sua origem e sua própria essência. vigilância, quando a definição do número de empregados pode se orga-
Mas não há como extrair do ordenamento jurídico a existência de nizar naturalmente pelo número de postos existentes.
um critério distintivo a partir da natureza da atividade (se meio ou fim). Também devem ser afastadas pretensões indevidas de fixação do
Esse critério, a rigor, serve muito mais para propiciar um ambiente de salário dos empregados das empresas terceirizadas. Além de ser inter-
insegurança jurídica (seja no campo das terceirizações realizadas no setor ferência desmedida na gestão privada da sociedade empresária, possível
privado como naquelas efetivadas no setor público), deixando os gestores identificar violação ao princípio da competitividade, porquanto determi-
à margem da ilegalidade, ainda que a opção pela terceirização possa, nar o salário dos empregados pode ocasionar o aumento do preço final a
a depender das circunstâncias concretas, se revelar como alternativa ser pago pelo ente público.
comprovadamente mais eficiente. Claro que a Administração Pública não pode se furtar a pagar o valor
Importante registrar que a recente Lei 13.429, de 3l.G.2017- que mínimo vigente para aquela determinada categori_<t· Não é disso que se
tratou do tema da terceirização, preenchendo uma lacuna que existia no trata. O que se repudia é o edital, a pretexto de induzir à eficiência e à
ordenamento jurídico pátrio -, avançou no tema ao reconhecer que o contratação de empregados mais bem remunerados, fixar o salário que
contrato de trabalho temporário pode versar sobre o desenvolvimento considera ideal e adentrar indevidamente a organização de pessoal e dos
de atividades-meio e atividades-fim a serem executadas na empresa custos das empresas, violando o princípio da livre iniciativa.
tomadora de serviços. No plano federal, a Instrução Normativa 05, de 25.5.2017, do Mi-
Não se trata de um reconhecimento genérico da viabilidade de ter- nistério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, veda que a Admi-
ceirização da atividade-fim, porquanto limitado apenas ao contrato de nistração Pública defina o valor da remuneração dos trabalhadores da
trabalho temporário; mas é inegável que existe uma tendência a que esta empresa contratada para prestar os serviços, admitindo como exceção os
matéria volte a ser discutida em outros projetos de leis e que este limite casos específicos nos quais se necessita de profissionais com habilitação/
intransponível seja revisitado, o que produzirá importantes consequências experiência superior à daqueles que no mercado são remunerados pelo
nas terceirizações do setor privado e do setor público. piso salarial da categoria, desde que justificadamente.
500 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
TERCEIRIZAÇÃO SOl

A exceção, ao que tudo indica, lastreia-se no entendimento do TCU, 2 prestação do serviço, sempre que isso for viável, sendo permitido ao ges-
que admite que o piso salarial para determinadas atividades dotadas de tor glosar o pagamento quando a execução não atender aos parâmetros e
elevada especificidade, seja em razão da complexidade tecnológica ou indicadores de desempenho previamente estabelecidos no edital.
mesmo em razão do modelo de negócios, poderia provocar dificuldades
operacionais na execução do contrato. É possível identificar na disciplina normativa do IMR a influência
de métodos e premissas de um direito administrativo mais vocacionado à
busca dos resultados e indutor do princípio da eficiência- preocupação,
14.6 A terceirização e a remuneração por resultados: essa, que não era central à época da edição da Lei 8.66611993, porquanto
o 1nstrumento de Medição de Resultado/IMR mais voltada à definição dos meios do que propriamente à consecução
dos fins.
Os contratos regidos pela Lei 8.66611993 seguem, como regra, a
lógica de que a remuneração do contratado será determinada na licita- Veja-se que no campo da contratação de serviços de Tecnologia de
ção, sendo seu valor certo e determinado, independentemente do grau de Informação o TCU fixou, corretamente, o entendimento de que a remu-
eficiência do contratado na execução do objeto. neração deve estar atrelada aos resultados, a demonstrar que essa é uma
tendência que deve cada vez mais ampliar seu espectro de abrangência
Esse modelo legal vem sendo gradativamente substituído por uma
nas contratações públicas. Confira-se o teor da Súmula 269:
tendência no sentido de que a remuneração do contratado seja condi-
cionada a parâmetros de eficiência objetivamente previstos no contrato. Nas contratações para a prestação de serviços de Tecnologia da
É o que ocorre nas parcerias público-privadas, quando se admi- Informação, a remuneração deve estar vinculada a resultados ou ao
te a remuneração variável ao parceiro privado, cujo pagamento pode atendimento de níveis de serviço, admitindo-se o pagamento por hora
vincular-se ao seu desempenho, conforme metas e padrões de qualidade trabalhada ou por posto de serviço somente quando as características
e disponibilidade definidos no contrato, a teor do previsto no § 12 do art. do objeto não o permitirem, hipótese em que a excepcionalidade deve
6" da Lei 11.079/2004. O mesmo ocorre no Regime Diferenciado de Con- estar prévia e adequadamente justificada nos respectivos processos
tratações Públicas/RDC, que admite na contratação de obras e serviços, administrativos.
inclusive de engenharia, a fixação de remuneração variável vinculada ao
Nada impede que Estados e Municípios adotem modelos similares
desempenho da contratada, com base em metas, padrões de qualidade,
ou, mesmo, que os contratos administrativos regidos pela Lei 8.66611993
critérios de sustentabilidade ambiental e prazo de entrega definidos no
expressem, desde que possível sua parametrização, a forma de remune-
instrumento convocatório e no contrato, a teor do disposto no art. I O da
ração variável vinculada à obtenção de resultados.
Lei 12.462/2011.
Não se abona linha de entendimento que eventualmente considere
A premissa pressupõe a criação de um sistema remuneratório de
cristalizada pela Lei 8.66611993 a remuneração fixa e sem qualquer vin-
incentivos que induza o contratado a executar o objeto do modo mais
culação com a obtenção dos resultados. As partes devem ter liberdade
eficiente, o que repercutirá diretamente no incremento da sua remunera-
para disciplinar arranjos contratuais que privilegiem a remuneração atre-
ção e na obtenção de lucros.
lada à peiformance do contratado, o que encontra lastro nos princípios da
Essa tendência já alcançou as terceirizações. Difundiu-se ampla- eficiência e da juridicidade, além da moderna tendência à construção de
mente no setor federal a celebração do Acordo de Nível de Serviço/ANS, uma Administração Pública voltada à obtenção de resultados.
previsto na revogada Instrução Normativa MPOG-2, de 30.4.2008.
Com o advento da Instrução Normativa 05/2017 instituiu-se novo 14. 7 A terceirização e o concurso público
mecanismo, denominado Instrumento de Medição de Resultado/IMR,
em substituição ao ANS. A racionalidade do novo instrumento continua Não há, como regra, violação ao princípio do concurso público quan-
a ser a de efetivar o pagamento a partir da mensuração da qualidade na do se realizam terceirizações. O próprio Enunciado 331 do TST expressou
de forma muito clara a impossibilidade de qualquer vínculo de emprego
2. TCU, Plenário, Acórdão 3.006/2010. ser formado a partir de terceirização:

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502 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS TERCEIRIZAÇÃO 503

I- A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou
formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do
no caso de trabalho temporário (Lei n. 6.019, de 3.1.1974). quadro geral de pessoal.
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa
interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Adminis- Idêntica regra consta no art. 9º, IV, da Instrução Normativa 05/2017.
tração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, li, da CF/1988). Logo, para que se tome legítima a terceirização será necessária a ex-
[Revisão do Enunciado 256-TS1]
tinção total ou parcial dos cargos no quadro geral de pessoal, justamente
com vistas a evitar a indesejável coexistência de servidores concursados e
O importante é reconhecer que, no plano constitucional e legal, pode
terceirizados. Apenas situações excepcionais, temporárias e devidamente
o administrador, no exercício da sua competência discricionária, organizar
justificadas, podem autorizar essa situação de um mesmo serviço ser
e estruturar a prestação dos serviços por meio de quadro pessoal próprio
executado por concursados e terceirizados.
ou recorrendo às terceirizações. Marcos Juruena Villela Souto explica: 3
Em alguns setores, como, por exemplo, a saúde, é preciso reconhecer
Em pronunciamentos anteriores já me manifestei no sentido de que a juridicidade na coexistência de modelos distintos de gestão dos serviços
a Administração tanto pode se valer da criação de cargos ou empregos de saúde, porquanto expressamente admitida no art. 197 da CF a possi-
públicos - CF, art. 37, I e li - ou da contratação administrativa de bilidade de sua execução ser feita diretamente ou por meio de terceiro, o
empresas especializadas na prestação de serviços lícitos - CF, art. 37, que vem ocorrendo em diversos Estados, com as parcerias envolvendo o
XXI, Lei 8.666/1993, art. 6", 11, e CC, art. 1.216. Ambas as opções têm Terceiro Setor; afinal, em matéria de prestação de serviços de saúde assu-
sede constitucional, não se presumindo, pois, burla na opção discricio- me maior significância a garantia do acesso universal e igualitário, com
nária, constitucionalmente assegurada ao chefe do Poder Executivo a prestação de serviços que sejam eficientes e que atendam efetivamente
no exercício da função de direção superior da Administração Pública.
às demandas da população e dos usuários.
É claro que, como antes afirmado, essa decisão não é inteiramente
livre, senão que balizada pelo princípio da eficiência e pela própria natu- 14.8 A responsabüidade subsidiária
reza do serviço e da atividade. Reafirme-se que as atividades que envol- da Administração Pública nas terceirizações
vam o exercício do poder de império - como, por exemplo, segurança,
fiscalização, regulação e poder de polícia- são indelegáveis, assim como O legislador afastou qualquer responsabilidade subsidiária da Admi-
o são as carreiras que tenham assento constitucional. nistração Pública no caso de inadimplemento das obrigações trabalhistas
dos empregados da contratada. É o que se depreende da leitura do art. 71,
No plano da organização dos serviços e das atividades administrati- § 1º, da Lei 8.666/1993:
vas o que deve ser evitado é a coexistência de servidores efetivos e servi-
dores terceirizados no desenvolvimento da mesma função. Um exemplo Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, pre-
permite compreender a questão. Não pode ser realizada uma contratação videnciãrios, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
de serviços de limpeza se no plano de cargos do órgão ou entidade existir § 12 . A inadimplência do contratado com referência aos encargos
cargo público de servente. A referida diretriz encontra-se expressa no § 2º trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública
do art. 12 do Decreto 2.271, de 7. 7.1997- que dispõe sobre a contratação a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do
de serviços pela Administração Pública Federal: contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações,
inclusive perante o registro de imóveis.
§ 2!J:. Não poderão ser objeto de execução indireta as atividades
inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do Como se vê, o legislador excluiu expressamente qualquer respon-
sabilidade da Administração Pública no que conceme à inadimplência
3. Marcos Juruena Villela Souto, Direito Administrativo das Concessões, 511 ed., do contratado com os seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais,
Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004, p. 342. mesmo que originados por força da execução do contrato administrativo.
504 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS TERCEIRIZAÇÃO 505

De fato, é da essência da terceirização o foco na atividade, e não Enfim, hoje, o fato é que essas ações envolvendo a responsabili-
nas pessoas. Daí por que determinou o legislador que as obrigações e dade subsidiária dos entes públicos fazem parte da rotina da Advocacia
encargos dos contratados são de sua única e exclusiva responsabilidade, Pública e do próprio Poder Judiciário, movimentando a máquina ad-
evitando que o tomador do serviço- no caso, a Administração Pública- ministrativa em ações padronizadas e cujo resultado, como regra, já se
funcionasse como verdadeira seguradora de todo e qualquer encargo das sabe de antemão.
empresas contratadas. Criou-se uma excessiva onerosidade para a Administração Públi-
Aliás, quando o legislador objetivou estabelecer de modo diverso o ca, que passou a ter que atuar como se empregador fosse, organizando
fez expressamente, como, por exemplo, na hipótese dos encargos previ- pessoal e estrutura própria para fiscalizar os encargos trabalhistas dos
denciários, quando há responsabilidade solidária entre a Administração empregados do contratado- matéria, essa, totalmente estranha à realidade
Pública e o contratado, consoante dispõe o próprio art. 71, § 22 , da Lei vivida no setor público.
8.666/1993. A referida orientação jurisprudencial gerou intenso debate, até que,
Não obstante a clareza da norma, o fato é que o TST, por intermédio no bojo da ADC 16, ajuizada pelo Governador do Distrito Federal, o
do enunciado da Súmula 331, consolidou a responsabilidade subsidiária STF declarou a constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei 8.66611993,
da Administração Pública, amparado, principalmente, na proteção do afirmando que a mera inadimplência do contratado não poderia trans-
trabalhador, que não poderia ser prejudicado com o inadimplemento do ferir à Administração Pública a responsabilidade pelo pagamento dos
contratado: encargos.
IV- O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do Pelo entendimento do STF, o Judiciário deverá analisar caso a caso
empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador de para confirmar se a inadimplência da empresa prestadora teve por causa
serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da principal a falha ou a falta de fiscalização pelo órgão público contratante,
Administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das em- e não mais considerar automática a transferência da responsabilidade à
presas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam Administração. Assim, a declaração da constitucionalidade do art. 71
participado da relação processual e constem também do titulo executivo. não implica necessariamente assegurar a "irresponsabilidade" da Admi-
nistração Pública.
Portanto, desde que tenham participado da relação processual e
Diante da posição adotada pelo STF, o TST alterou a redação da
constem do título executivo, os entes públicos são responsáveis subsidia-
Súmula 331, nos seguintes termos:
riamente pelos encargos trabalhistas dos contratados. A responsabilidade
subsidiária pressupõe primariamente a execução do devedor principal. V- Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta
Apenas se frustrada essa execução é que os órgãos ou entes públicos respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso
serão demandados a arcar com os encargos trabalhistas dos empregados evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações
da empresa terceirizada. da Lei n. 8.666/1993, especialmente na fiscalização do cumprimento
Aliás, a jurisprudência trabalhista não vem aceitando a tese de que o das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como
esgotamento dos meios executórios em face da devedora principal deveria empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero ina-
incluir a desconsideração da personalidade jurídica da empresa ré, prin- dimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa
cipal. O entendimento que vem prevalecendo nos tribunais trabalhistas é regularmente contratada.
o de que, frustrada a execução em face do devedor principal, o juiz deve
Por ocasião do julgamento do RE 760.931, com Repercussão Geral,
direcioná-la contra o subsidiário, não havendo amparo jurídico para a
pretensão de prévia execução dos sócios ou administradores. 4 o STF ratificou o entendimento consolidado na ADC 16 de que não se
opera uma responsabilização automática da Administração Pública, cuja
4. Esse é o teor da Súmula 12, aprovada pelo Tribunal Pleno do TRT-1' Região, condenação depende de prova inequívoca de eventual conduta omissiva
através da Resolução Administrativa 33/201 O. ou comissiva na fiscalização dos contratos.

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506 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS TERCEIRIZAÇÃO 507

Data maxima venia, a posição do STF parece contraditória, tendo, 14.8.3 A fiscalização contratual e a polêmica
a rigor, ficado no meio do caminho. Ora bem, se reconhecida a consti- acerca da retenção dos pagamentos
tucionalidade do art. 71 da Lei 8.66611993 e, portanto, a inexistência de
responsabilidade subsidiária, como imputar à Administração Pública o Outra providência possível é a inclusão nos editais e contratos de
ônus de fiscalização dos encargos trabalhistas do contratado? O § Iº do cláusula estabelecendo para o contratado a obrigatoriedade de prestação
art. 71 é claro quando determina que a inadimplência do contratado com de contas periódica do cumprimento dos seus encargos trabalhistas.
referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Torna-se necessário que sejam definidos as verbas trabalhistas objeto
Administração Pública o seu pagamento. da fiscalização e o respectivo prazo da sua regular apresentação pelo
Mas o dado concreto é que continuam os entes públicos obrigados a contratado.
fiscalizar os encargos trabalhistas dos empregados das empresas tercei- Não se pode ignorar que em contratos que envolvam vários empre-
rizadas, com todos os ônus e inconvenientes que naturalmente decorrem gados a dificuldade na fiscalização destes encargos será considerável,
dessa atuação. A diferença, agora, é que, se demonstrado em juízo que mormente quando se sabe que os servidores públicos nem sempre são
agiram diligentemente na fiscalização dessas obrigações, a responsabili- dotados de conhecimentos suficientes para exercer esta função, porquanto
dade subsidiária poderá ser afastada. envolve expertise específica dos procedimentos e da contabilidade das
ALei 13.429, de 31.3.2017, que estabeleceu algumas regras gerais normas trabalhistas.
sobre terceirização, não modificou o panorama acima descrito e delimi- Diante do entendimento do STF antes referido, e revendo posicio-
tado pelo STF, fixando genericamente no§ 52 do art. 5"-A da Lei 6.019, namento firmado na última edição,5 compreende-se que a retenção de
de 3.1.1974, que a empresa contratante é subsidiariamente responsável pagamento, ainda durante a vigência do contrato, pode se apresentar
pelas obrigações trabalhistas referentes ao período no qual os serviços como um instrumento viável e possível de fiscalização das obrigações
foram prestados. trabalhistas do contratado, desde que observadas determinadas cautelas.
O principal fundamento para se admitir a retenção, além do dever
14.8.1 Medidas e providências que podem ser adotadas imposto pelo STF para que sejam fiscalizadas as obrigações trabalhistas
para a fiscalização dos encargos trabalhistas do contratado, é a exceção de contrato não cumprido.
pela Administração Pública Ora, se é dever legal do contatado arcar com os encargos trabalhis-
Diante da obrigatoriedade dos entes públicos na fiscalização dos tas dos seus empregados e dever contratual comprovar este pagamento
encargos trabalhistas dos empregados das empresas terceirizadas, im- periodicamente, ao não fazê-lo gera imediatamente para o ente contra-
portante examinar quais as principais providências e medidas postas à tante o direito de não proceder ao pagamento integral, eis que houve um
disposição da Administração Pública para atuar na forma determinada descumprimento das obrigações por parte do contratado.
pelo Poder Judiciário. Para além disso, cabe aduzir que não há enriquecimento sem causa
da Administração Pública, eis que a retenção do valor não é destinada
14.8.2 A exigência de regularidade trabalhista ao contratante, mas voltada à satisfação dos encargos trabalhistas dos
empregados do contratado.
Uma medida preventiva adotada foi a inclusão, na fase de habili- O TCU, por ocasião do Acórdão 567/2015, admitiu a retenção do pa-
tação, da regularidade trabalhista, a teor do disposto no art. 27, V, c/c gamento na hipótese da não comprovação das obrigações trabalhistas por
o art. 29, V, da Lei 8.666/1993, fruto da alteração promovida pela Lei parte do contratado como medida acauteladora do Erário, reconhecendo
12.440/20 li, que passou a exigir como requisito obrigatório para parti- o risco de ser imputada à Administração contratante culpa por omissão e,
cipação nas licitações a prova da inexistência de débitos inadimplidos
perante a Justiça do Trabalho, mediante a apresentação da Certidão
5. Entendimento ora revisto a partir dos Pareceres 06 e 10/2016 do Procurador
Negativa de Débitos Trabalhistas/CNDT. do Estado do Rio de Janeiro, Rogério Carvalho Guimarães.
508 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
TERCEIRIZAÇÃO 509
consequentemente, a atribuição de responsabilidade subsidiária, conforme
14.9 Terceirização e cooperativas: viabilidade jurídica e cautelas
entendimento que se encontra pacificado no TST e no STF.
Duas cautelas, entretanto, devem ser observadas para o caso de É plenamente viável a contratação das cooperativas por órgãos e
retenção do pagamento durante a vigência do contrato. entidades da Administração Pública, o que foi ratificado com o advento da
A primeira é que a retenção deve se limitar às parcelas não compro- Lei 12.349/201 O- que alterou a redação do art. 3", § 1", da Lei 8.666/1993
vadas pelo contratado no cumprimento das obrigações trabalhistas. Não -e da Lei 12.690, de 19.7.2012- que disciplinou sobre a organização e
parece razoável a retenção integral do valor devido ao contratado, mas o funcionamento das cooperativas de trabalho.
apenas da parcela relativa aos encargos trabalhistas dos empregados cujo A complexidade do tema é maior diante do problema das falsas
pagamento não restou comprovado. cooperativas, em especial aquelas que são meras fornecedoras de mão
de obra, nas quais os cooperados não participam verdadeiramente das
A segunda cautela é que a retenção deve ser precedida de prévia
notificação ao contratado, a fim de que sejam observados os princípios decisões da entidade e que se utilizam dessa forma societária tão somente
da ampla defesa e do contraditório. para explorar o trabalho alheio, em típica hipótese de precarização da
relação de trabalho.
Como se sabe, nesses casos o ente público pode ser responsabilizado
14.8.4 A extensão da garantia
subsidiariamente caso o Poder Judiciário entenda tratar-se de relação
A extensão da garantia (art. 56 da Lei 8.666/1993) para além do pra- mascarada de trabalho, o que atrairia o entendimento fixado no enunciado
zo do contrato é outra medida que vem sendo costumeiramente adotada da Súmula 331 do TST.
pelos entes públicos, tendo sido, inclusive, prevista no art. 65 da Instrução Mas o fato é que as cooperativas estão plenamente legitimadas a
Normativa 05/2017. contratar com o Poder Público, cujo principal desafio é criar mecanismos
Assim, mesmo após findo o contrato, e no caso de existirem pen- que possam afastar as cooperativas que apenas se revestem dessa forma
dências relativas aos encargos trabalhistas dos empregados, poderá societária para falsear uma relação jurídica que em nada se aproxima do
a Administração Pública reter a garantia como forma de assegurar o genuíno cooperativismo.6
cumprimento das obrigações devidas, evitando sua posterior responsa- Explica-se. As cooperativas podem participar de licitações públicas
bilização subsidiária. e, portanto, ser contratadas, como qualquer outra espécie societária. Essa
é a interpretação que decorre da Constituição Federal e da legislação
ordinária.
14.8.5 O descabimento do pagamento das verbas trabalhistas
diretamente nas contas dos empregados As cooperativas receberam tratamento diferenciado do legislador
constituinte originário, a teor do disposto nos arts. 52 , XVIII, 146, JII,
O pagamento das verbas trabalhistas pela Administração Pública "c", e 174, § 22, da CF. ·
diretamente nas contas dos empregados vinculados ao contrato é medida Entendeu o legislador constituinte originário que a forma de asso-
que atrai responsabilidade que não é própria dos agentes públicos. Com ciação por meio de cooperativas é importante instrumento de desenvol-
efeito, não pode o ente público, enquanto mero tomador dos serviços, vimento econômico e social, cabendo ao legislador ordinário disciplinar
adotar iniciativas extrajudiciais ou mesmo judiciais que tenham por obje- esse tratamento diferenciado com vistas a fomentar sua atuação e sua
tivo a satisfação direta dos créditos trabalhistas devidos aos empregados organização - o que, em última análise, concretiza valores substantivos
da prestadora de serviços. tutelados pela ordem constitucional.
Afinal, a lógica da terceirização pressupõe relação entre o tomador
do serviço e a empresa, e não com seu empregado. Em outros termos: 6. Para aprofundamento do tema, v.: "O novo marco legal das cooperativas e
admitir o pagamento das verbas trabalhistas diretamente aos empregados a sua repercussão nas licitações públicas", artigo elaborado em conjunto com o Dr.
Ronaldo Gaudio, publicado no Boletim de Licitações e Contratos- BLC 5/468-481,
do contratado contraria a própria essência da terceirização.
Ano XXVII, São Paulo, maio/2014.

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510 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS TERCEIRIZAÇÃO s ll

O comando constitucional de fomento previsto no § 22 do art. 174 Portanto, impedir as cooperativas de contratar com o Poder Público
pode se justificar, minimamente, pela eficiência econômica proporcionada implica descumprimento dos mandamentos constitucionais, não se vis-
lumbrando qualquer óbice para que atuem no mercado, como qualquer
por uma operação em cooperação.
outra espécie societária.
Nesse contexto, importa explicitar que as cooperativas operam sob
uma premissa econômica própria mas vocacionada à eliminação da ten- Ratificando essa linha de raciocínio, entendeu o legislador federal
são entre o capital e a remuneração pelo trabalho; amalgamando ambos que as questões da liberdade econômica e da plena participação de coo-
os fatores na figura do sócio e permitindo que este receba o excedente perativas em licitação mereciam ser inseridas de forma mais direta na Lei
produzido pela operação econômica na proporção de sua participação federal 12.690/2012- que disciplinou a organização e o funcionamento
nesta, e não em razão de sua fração no capital social. das cooperativas de trabalho. Confira-se:
São sociedades estruturadas para uma distribuição mais ampla de Art. 42 . A cooperativa de trabalho pode ser: I - de produção,
riqueza- justificando, já nessa medida, a norma constitucional. A lógica quando constituída por sócios que contribuem com trabalho para a
na organização das cooperativas encontra-se, igualmente, alicerçada no produção em comum de bens e a cooperativa detém, a qualquer títu-
princípio da promoção do desenvolvimento nacional sustentável, cuja lo, os meios de produção; e li - de serviço, quando constituída por
dimensão ultrapassa apenas os aspectos ambientais.' sócios para a prestação de serviços especializados a terceiros, sem a
A questão da subversão da estrutura das cooperativas para a prática presença dos pressupostos da relação de emprego.
de operações econômicas com finalidades incompatíveis com a espécie ( ... ).
societária (fraudes, seja à relação de trabalho, seja a outras relações jurí- Art. I O. A cooperativa de trabalho poderá adotar por objeto social
dicas) induz a necessidade de incrementar os instrumentos de prevenção e qualquer gênero de serviço, operação ou atividade, desde que previsto
repressão ao desvio, mas jamais a redução simplista de banimento dessas no seu estatuto social.
pessoas jurídicas dos certames públicos. § 12. É obrigatório o uso da expressão ucooperativa de Trabalho"
na denominação social da cooperativa.
As microempresas e empresas de pequeno porte também receberam
tratamento diferenciado, porque, assim como no caso das cooperativas, § 22. A cooperativa de trabalho não poderá ser impedida de par-
foi o legislador constituinte originário que pretendeu utilizá-las como ticipar de procedimentos de licitação pública que tenham por escopo
instrumentos para concretizar outros valores, como a busca pelo desen- os mesmos serviços, operações e atividades previstas em seu objeto
social. [Grifas nossos]
volvimento econômico e social e o pleno emprego. 8

7. Nesse sentido, cf. completo conceito de desenvolvimento sustentável:"( ... ) Também a Lei 8.666/1993- alterada pela Lei 12.349/2010- evi-
um conceito sistêmico, relacionado com a continuidade dos aspectos econômicos, dencia a ratificação da plena e integral participação de cooperativas em
sociais, culturais e ambientais da sociedade humana. Propõe-se a ser ,_um meio de certames e contratos públicos como conduta impositiva ao agente público,
configurar a civilização e atividade humanas, de tal forma que a sociedàde, os seus na forma prevista no § 12 do art. 32. ·
membros e as suas economias possam preencher as suas necessidades e expressar o
seu maior potencial no presente, e ao mesmo tempo preservar a biodiversidade e os Esses dispositivos legais demonstram o que parece apenas reforçar
ecossistemas naturais, planejando e agindo de forma a atingir pró-eficiência na ma- o insofismável: a livre escolha de qualquer atividade econômica como
nutenção indefinida desses ideais" (disponível em httpllwww.sustentabilidade.org.br, objeto da sociedade- o que é um dos supedâneos da sua plena participa-
acesso em 8.9.2011). Para uma profunda abordagem sobre o tema, v.: Juarez Freitas,
ção em contratos com a Administração.
Sustentabi/idade: Direito ao Futuro, Belo Horizonte, Fórum, 2011.
8. Veja-se, aliás, que foi inserido na Lei 11.488/2007 dispositivo que estende as
vantagens conferidas às microempresas e empresas de pequeno porte às cooperativas: da possibilidade de participar de licitação mesmo com problemas nos documentos
..Art. 34. Aplica-se às sociedades cooperativas que tenham auferido, no ano-calendário de habilitação (regularidade fiscal), com prazo de dois dias úteis, prorrogáveis por
anterior, receita bruta até o limite definido no inciso li do caput do art. 32 da Lei mais dois, para regularizar o débito caso seja declarada vencedora do certame; do
Complementar n. 123, de 14 de dezembro de 2006, nela incluídos os atos coope- empate ficto (10% superior à melhor proposta, sendo este percentual reduzido a 5%
rados e não cooperados, o disposto nos Capítulos V a X, na Seção IV do Capítulo no pregão); e do direito à apresentação de nova proposta pela microempresa, empresa
XI e no Capítulo XII da referida lei complementar''. Trata-se, em apertada síntese, de pequeno porte ou cooperativa que se enquadre no referido limite de receita bruta.
512 LlC1TAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS TERCEIRJZAÇÃO 513

Portanto, podem as cooperativas desempenhar qualquer gênero de ao encargo tributário a que se submetem as demais espécies societárias.
serviço, operação ou atividade e podem participar de todo e qualquer Se foi a Constituição Federal que desigualou a situação das cooperativas,
procedimento licitatório, desde que guardada a vinculação lógica com seu não cabe ao legislador igualar situações que reclamam tratamento juridico
objeto social. Aliás, a bem da verdade, como ocorre com toda e qualquer diferenciado, sob pena de desatender à vontade do legislador constituinte
sociedade empresária, cuja atuação se circunscreve ao seu objeto social. originário.
Ao admitir expressamente que as cooperativas podem participar de Ademais, esse procedimento de equalização de propostas não tem
licitações e contratar com o Poder Público, reconheceu o legislador a fundamento legal. O legislador, quando pretendeu, o fez de forma expres-
legitimidade de as cooperativas atuarem em concorrência com sociedades sa, como na hipótese das concorrências de âmbito internacional.
empresárias, valendo-se do tratamento diferenciado que a Constituição Portanto, são ilegais cláusulas que vedam ou, mesmo, restringem a
Federal lhes outorgou.
participação de cooperativas nas licitações públicas, eis que as alterações
Seria um absoluto contrassenso em relação à Constituição Federal na legislação ordinária- acima transcritas- foram explícitas em ratificar
impedir que as cooperativas tivessem acesso a essa importante e signi- a correta interpretação de que as cooperativas têm livre acesso ao mercado
ficativa parcela da economia que decorre dos contratos celebrados pelo que decorre das contratações administrativas.
Poder Público. Além da violação ao princípio da legalidade, haveria afronta ao
A redução do campo de atuação das cooperativas nas contratações princípio da isonomia, já que não cabe ao administrador igualar aquilo
administrativas criaria verdadeira reserva de mercado para sociedades que foi desigualado pelo legislador constituinte originário.
empresárias. Também implicaria entender como inadequadas muitas das O desafio no campo das contratações administrativas não é mais
cooperativas de trabalho que se dedicam a serviços tradicionais como saber se as cooperativas podem, ou não, participar de licitações públicas.
segurança, limpeza e conservação, entre outros, sonegando a esses tra- O problema que se coloca aos gestores é delimitar no edital e no contrato
balhadores a possibilidade de organizarem seu trabalho de acordo com administrativo critérios e parâmetros razoáveis que permitam a distinção
um modelo fomentado pela própria Constituição Federal. entre as verdadeiras cooperativas e as falsas cooperativas.
Note-se que, a rigor, a participação de cooperativas nos certames Como se sabe, as cooperativas obedecem à lógica e ao espírito do
nunca foi objeto de qualquer vedação legal. Ao revés, as proibições de compartilhamento dos custos dos meios de produção com vistas à presta-
participação direta ou indireta na licitação estão descritas no art. 9° da ção de um serviço de proveito comum, necessitando para tanto interagir
Lei 8.666/1993, que, na qualidade de exceções, devem ser interpretadas com terceiros contratantes (o mercado ou a Administração Pública), com
restritivamente, e não extensivamente. a participação de cada cooperado nas decisões inerentes às atividades
Daí por que mesmo antes da Lei federall2.690/2012 e da alteração desempenhadas.
da Lei 8.666/1993 decorrente do advento da Lei 12.349/20.10 as coope- Tal não ocorre com as falsas cooperativas, a I;Ilaior parte delas for-
rativas já poderiam participar de licitações públicas. Mas agora não cabe necedoras de mão de obra e claramente fraudulentas. As cooperativas
qualquer dúvida, sendo inconstitucional e ilegal que editais ou decisões fraudulentas são meras intermediadoras de mão de obra, não havendo
administrativas não reconheçam a legitimidade de as cooperativas parti- qualquer participação dos cooperados nas decisões das sociedades. A
ciparem de licitações públicas e contratarem com o Poder Público. estrutura societária cooperativa é utilizada como mera fachada para
Devem ser afastadas cláusulas que exigem a obrigatoriedade de exploração do trabalhador, que desempenha suas funções obedecendo a
vínculo empregatício com a única ·e exclusiva justificativa de afastar uma hierarquia, e não de forma coordenada e orientada pela diretriz da
as cooperativas - em especial quando despidas de qualquer motivação autogestão. 9
fática razoável.
9. Lei 12.690/2012, § 22 do art. 2!!: «§ 2º. Considera-se autogestão o processo
Como também se revelam desconformes com a ordem jurídica em
democrático no qual a assembleia-geral define as diretrizes para o funcionamento
vigor cláusulas que condicionam a participação das cooperativas à equa- e as operações da cooperativa, e os sócios decidem sobre a forma de execução dos
lização de seus preços, a fim de agregar ao preço o percentual relativo trabalhos, nos termos da lei".

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514 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS TERCEIRIZAÇÃO 515

O risco da contratação das falsas cooperativas é que pode levar à Nessa linha, cabe registrar o meritório exemplo do Estado do Rio de
responsabilização subsidiária do Estado por eventuais descumprimentos Janeiro, que de longa data reconhece o direito das cooperativas de partici-
dos encargos trabalhistas por parte da sociedade fornecedora de mão de parem de licitações 10 mas fixa nos seus editais e contratos cláusulas que
obra, na esteira da Súmula 331 do TST. Essas cooperativas fornecedoras têm por objetivo afastar as cooperativas fraudulentas e intermediadoras
de mão de obra escamoteiam a verdadeira relação de emprego, incidindo de mão de obra.
em precarização dos direitos dos trabalhadores. Nos editais de licitação (concorrência, tomada de preços, convite e
A Lei 12.690/2012 explicitou de forma bastante clara a vedação pregão) do Estado do Rio de Janeiro que tenbam por objeto a prestação
dessa espécie ilícita de intermediação de mão de obra: de serviços foi incluída cláusula na fase de habilitação jurídica, inspirada
nos editais do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro/TJRJ, que
Art. 5º. A cooperativa de trabalho não poderá ser utilizada para
exige documentos específicos das cooperativas, com o firme propósito de
intermediação de mão de obra subordinada. afastar as cooperativas fraudulentas.'' Essas exigências buscam verificar,
no caso concreto, se as cooperativas licitantes estão em conformidade
( ... ).
com o regime jurldico especial a que se submetem.
Art. 72 . ( •.. ).
Não há qualquer violação ao princípio da legalidade em razão de
( ... ).
essas exigências não estarem explicitadas na Lei 8.666/1993,já que esses
§ 6•. As atividades identificadas com o objeto social da coope- requisitos decorrem do regime jurídico especial a que se submetem as
rativa de trabalho prevista no inciso li do caput do art. 42 desta Lei,
cooperativas.
quando prestadas fora do estabelecimento da cooperativa, deverão ser
submetidas a uma coordenação com mandato nunca superior a 1 (um) O art. 28 da Lei 8.666/1993 não identificou de forma taxativa os do-
ano ou ao prazo estipulado para a realização dessas atividades, eleita cumentos que cada espécie societária deve apresentar para participar das
em reunião específica pelos sócios que se disponham a realizá-las, licitações públicas. O objetivo da habilitação jurídica é, em última análise,
em que serão expostos os requisitos para sua consecução, os valores verificar se as sociedades empresárias foram regularmente constituídas e
contratados e a retribuição pecuniãria de cada sócio partícipe. se estão aptas a adquirir direitos e obrigações.
( ... ). É evidente que o legislador conferiu um espaço para o gestor deli-
Art. 17. Cabe ao Ministério do Trabalho e Emprego, no âmbito de mitar, em cada edital, os requisitos específicos que devem ser exigidos, à
sua competência, a fiscalização do cumprimento do disposto nesta Lei. luz das características e peculiaridades de cada espécie societária.
§ 12 . A cooperativa de trabalho que intermediar mão de obra su- Portanto, a inclusão da referida cláusula tem dupla finalidade: (i)
bordinada e os contratantes de seus serviços estarão sujeitos à multa
viabiliza a participação das cooperativas de serviço, concretizando os
de R$ 500,00 (quinhentos Reais) por trabalhador prejudicado, dobrada
na reincidência, a ser revertida em favor do Fundo do Amparo ao
valores assentados na Constituição Federal e na legislação em vigor; e
Trabalhador- FAT.
10. Pareceres 16/1996 -JETB; 02/1996- FAG; 02/1997- MJVS; 07/1998-
§ 2 2 . Presumir-se-á intermediação de mão de obra subordinada JETP; e 08/2001 - PHSC.
a relação contratual estabelecida entre a empresa contratante e as 11. Cf.: "Cláusula (... )- Será admitida a participação de cooperativas que
cooperativas de trabalho que não cumprirem o disposto no § 62 do atendam as exigências da Cláusula ( ... ) deste ato convocatório, no que couber, e
art. 7• desta Lei. apresentem, no envelope de habilitação, os seguintes documentos: a) ata de fundação;
b) estatuto (com ata da assembleia de aprovação); c) regimento interno (com ata de
aprovação); d) regimento dos fundos (com ata de aprovação); e) edital de convocação
A partir dessas premissas fixadas na norma, é preciso que os editais de assembleia-geral e ata em que foram eleitos os dirigentes e conselheiros; f) registro
de licitação prevejam cláusulas que possam, na fase de habilitação, afas- da presença dos cooperados em assembleias-gerais; g) ata da sessão em que os coo-
tar as cooperativas fraudulentas e estabelecer no contrato administrativo perados autorizaram a cooperativa a contratar o objeto deste certame, se vencedora;
h) relação dos cooperados que executarão o objeto, acompanhada dos documentos
mecanismos efetivos de controle que diferenciam no exercício das suas comprobatórios da data de ingresso de cada qual na cooperativa" (cláusula incluída
atividades as verdadeiras cooperativas. pela Resolução PGE-1.794, de 8.8.2003).
516 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS TERCEIRIZAÇÃO 5I7

(ii) afasta as "falsas" cooperativas, que se regem a partir de uma lógica de O Termo partiu da equivocada premissa de que é possível arrolar em
hierarquia e subordinação, com o único e escuso objetivo de precarizar a listagem genérica todos os serviços que, supostamente, seriam exercidos
relação de trabalho, criando enorme risco de responsabilização subsidiária com subordinação dos trabalhadores, criando uma presunção absoluta de
ao ente público contratante. que determinados serviços- aqueles taxativamente arrolados na listagem
Ademais, o novo marco legal das cooperativas de trabalho reforçou a -implicam fornecimento de mão de obra e, portanto, devem ser vedados.
relevância de muitos desses elementos como instrumentos de incremento Para afastar o risco de fraude na contratação das falsas cooperativas,
da segurança na contratação de cooperativas, viabilizando exigências de o Termo de Conciliação Judicial simploriamente pune todas as coope-
habilitação compatíveis com o regime jurídico dessas sociedades. rativas que atuam licitamente e de acordo com os parâmetros legais,
As minutas de contrato de prestação de serviço para o Estado do Rio impedindo que exerçam o seu legítimo direito de participar de licitações
de Janeiro 12 sinalizam uma série de condutas ou mesmo indícios que po- públicas e que sejam contratadas pela União e demais entidades da Ad-
dem caracterizar o uso simulado da forma cooperativa, tais como os coo- ministração Pública Federal.
perados terem participado de um processo de seleção; os cooperados não Para eliminar o risco de responsabilidade subsidiária decorrente do
demonstrarem conhecimento sobre o trabalho cooperativo e a cooperativa Enunciado 331 do TST adotou-se o que se afigurou como uma "con-
de que fazem parte, não participarem de assembleias; com regularidade, fortável" solução de vedar o acesso das cooperativas ao mercado das
a "cooperativa" retirar do órgão contratante vários cooperados de uma contratações públicas.
vez só, surgindo outros novos "cooperados"; o controle da jornada ser O Termo de Conciliação Judicial se equivoca, ainda, na compreensão
realizado por "cartão de ponto"; os "cooperados" receberem recibo de do conceito de subordinação, adotando uma interpretação desconectada
salários e os sócios fundadores não exercerem as mesmas atividades dos da realidade, mas que tem como principal efeito o afastamento definitivo
cooperados - dentre outras. de toda e qualquer espécie de cooperativa das licitações públicas federais
Enfim, existe amplo espaço de atuação para que os entes públicos, e, consequentemente, do seu legítimo direito de se relacionar por meio
nos seus editais e contratos, busquem mecanismos e formas de afastar as de contratos administrativos com os entes públicos.
"falsas" cooperativas, que prejudicam, a um só tempo, os trabalhadores, A solução federal revela-se inconstitucional, porquanto não apenas
os entes públicos e as "verdadeiras" cooperativas. ignora o dever de fomento constitucionalmente previsto e os necessários
estímulos estatais que deveriam ser positivos, no sentido de promover o
14.9.1 Uma crítica à solução federal: cooperativismo, mas também porque institui medidas antifomento, em
o Termo de Conciliação Judicial oposição às normas constitucionais que protegem as cooperativas, inclusi-
ve para os atos de gestão praticados no exercício da função administrativa.
O que não pode é, por puro pragmatismo, os entes públicos vedarem
genericamente a participação de cooperativas nas licitações públicas A conduta da União contraria frontalmente o art. 5°, XVIII, da CF,
para minimizar o risco de responsabilidade subsidiária, o que implicaria que é expresso ao reconhecer que a criação das cooperativas e demais
punição para as cooperativas e flagrante descumprimento da Constituição associações independe de autorização, na forma da lei, sendo vedada a
Federal e da legislação em vigor. interferência estatal em seu funcionamento. Vedar a participação das coo-
perativas nas licitações, na forma e nos limites construídos conjuntamente
Foi exatamente o que ocorreu no plano federal com a celebração
pela União e pelo Ministério Público do Trabalho, é consumar a prática
de Termo de Conciliação Judicial firmado entre o Ministério Público
inconstitucional do antifomento.
do Trabalho e a União Federal, cuja resultante foi a vedação absoluta
da contratação de cooperativas pela União nos mais variados gêneros e Ao estabelecer restrições e limitações que afastam as cooperativas do
espécies de serviço. mercado das contratações públicas, o Termo de Conciliação Judicial inibe
o exercício das atividades previstas no objeto social das cooperativas que
12. Minuta de Contrato aprovada pela Resolução PGE-3.042, de 7.11.2011. atuam nos serviços genericamente vedados no referido Termo.

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518 LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS TERCEIRIZAÇÃO 519

O Termo de Conciliação Judicial viola flagrantemente o princípio da públicas federais todas as cooperativas que atuam nos diversos serviços
proporcionalidade. Com efeito, para evitar a contratação das "falsas" coo- genericamente vedados pelo Termo de Conciliação Judicial, restringe-se
perativas e evitar o dano ao Erário, consubstanciado na responsabilidade indevidamente a competição e cria-se um obstáculo para que propostas
subsidiária do contratante, a União, instada pelo Ministério Público do mais vantajosas sejam obtidas nos referidos certames, finalidade primária
Trabalho, simplesmente adotou a solução mais radical: criar uma presun- de qualquer procedimento licitatório.
ção absoluta de fraude em alguns serviços, supostamente caracterizadora A nosso juízo, o novo marco legal das cooperativas oferece todo
de fornecimento de mão de obra, impedindo qualquer cooperativa, que o instrumental necessário para que os entes públicos identifiquem as
tenha no seu objeto social o exercício daquelas atividades, de participar "falsas" cooperativas, trazendo novas luzes, inclusive, sobre o equivo-
das licitações públicas federais. cado conceito de subordinação que orientou a elaboração do Termo de
Ao invés de prever cláusulas instrumentais que pudessem auxiliar o Conciliação Judicial.
gestor na identificação das cooperativas fraudulentas, optou-se pela saída
mais fácil, ou seja, urna proibição genérica da participação das coopera-
tivas nas licitações de serviços, que representam quase que a totalidade
das atividades instrumentais desenvolvidas pela União e suas entidades
da Administração Pública indireta.
Em outros termos: aquilo que deveria ser objeto de exame casuístico
e a partir de urna avaliação das condições subjetivas de participação de
cada cooperativa em cada licitação passou a ser uma vedação objetiva
que leva em consideração a natureza do serviço.
Para além disso, o Termo de Conciliação Judicial não resiste ao teste
de proporcionalidade em nenhum dos seus subprincípios.
O subprincípio da adequação não é atendido, porque o meio eleito
(vedação genérica de qualquer relação administrativa com as cooperativas·
que atuem em um dos serviços listados) é claramente desproporcional
para atingir a finalidade pretendida (prevenir o risco de responsabilidade
subsidiária da União e evitar eventuais fraudes de direitos trabalhistas no
caso das "falsas" cooperativas).
O subprincípio da necessidade também foi ignorado, pois dentre
várias opções de fiscalização- preventiva e repressiva -, inclusive pre-
vistas em lei, o Termo de Conciliação - instrumento que não tem força
normativa - adotou a solução mais restritiva e gravosa para as coope-
rativas, interferindo diretamente na esfera jurídica de urna coletividade
constitucionalmente tutelada.
O subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito foi, igual-
mente, vilipendiado, pois os eventuais beneficios - se é que realmente
existem- são ínfimos frente aos prejuízos advindos do referido acordo.
Aqui um ponto deveras relevante a acrescentar: o prejuízo não é
apenas das cooperativas, senão que se estende ao próprio atendimento do
interesse público primário e secundário, eis que, ao se alijar das licitações

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