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Teoria Geral da Relação Jurídica

O negócio jurídico

Paulo Pichel
2008
TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

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Índice

PARTE I – OS ELEMENTOS E A NATUREZA DO NEGÓCIO JURÍDICO ................................................................. 6


ELEMENTOS ESTRUTURAIS DO NEGÓCIO JURÍDICO: ................................................................................................................ 6
O CONCEITO DE NEGÓCIO JURÍDICO ....................................................................................................................................... 6
Referência histórica: ........................................................................................................................................................ 6
ELEMENTOS DO NEGÓCIO JURÍDICO: ...................................................................................................................................... 6
PRESSUPOSTOS ESSENCIAIS PARA QUE SE POSSAM PRODUZIR OS EFEITOS JURÍDICOS PRETENDIDOS PELO NEGÓCIO:.............. 7
A DECLARAÇÃO DE VONTADE ................................................................................................................................................ 7
COMPOSIÇÃO DA DECLARAÇÃO DE VONTADE (REMISSÃO PARTE II). ................................................................................... 7
INEXISTÊNCIA DA DECLARAÇÃO DE VONTADE ....................................................................................................................... 7
A DECLARAÇÃO DE VONTADE E A CONSCIÊNCIA DA CRIAÇÃO DE UM VÍNCULO JURÍDICO ...................................................... 8
DISTINÇÃO ENTRE DECLARAÇÕES NEGOCIAIS E DECLARAÇÕES DE CIÊNCIA .......................................................................... 8
SITUAÇÕES EM QUE NÃO BASTA A DECLARAÇÃO DE VONTADE PARA QUE SE FORME UM NEGÓCIO JURÍDICO: ........................ 8
DISTINÇÃO ENTRE NEGÓCIO JURÍDICO E DECLARAÇÃO DE VONTADE ..................................................................................... 8
INTERVENIENTES NO NEGÓCIO JURÍDICO; A CONFORMAÇÃO UNILATERAL DE RELAÇÕES JURÍDICAS ...................................... 9
CONFORMAÇÃO UNILATERAL DE RELAÇÕES JURÍDICAS ......................................................................................................... 9
LIMITAÇÕES: ......................................................................................................................................................................... 9
Limitação de auto-vinculações: ....................................................................................................................................... 9
Impossibilidade de estabelecer, por acto unilateral, relações jurídicas que favoreçam outras pessoas: ........................ 9
Impossibilidade de negócios que produzam efeitos em desfavor de um terceiro alheio ao negócio: .............................. 9
NEGÓCIO JURÍDICOS QUE PARA ALÉM DE DECLARAÇÕES NEGOCIAIS EXIGEM A INTERVENÇÃO DE AUTORIDADES PÚBLICAS:
............................................................................................................................................................................................ 10
NEGÓCIOS JURÍDICOS QUE EXIGEM A INTERVENÇÃO DE OUTROS PARTICULARES AFECTADOS PELO NEGÓCIO PARA ALEM DE
UMA DECLARAÇÃO DE VONTADE: ........................................................................................................................................ 10
CLASSIFICAÇÃO DE NEGÓCIOS JURÍDICOS ............................................................................................................................ 10
Classificação de acordo com as declarações negociais que compõem o negócio jurídico ........................................... 10
Negócios jurídicos unilaterais: ...................................................................................................................................... 10
Negócios jurídicos plurilaterais:.................................................................................................................................... 11
O contrato em especial (negócio jurídico bilateral) ...................................................................................................... 11
CRITÉRIO DO CONTEÚDO DO CONTRATO, RELATIVO À ESTRUTURA E PRODUÇÃO DE EFEITOS: ............................................. 11
CRITÉRIO RELATIVO AO CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES EMERGENTES SE CUMPRIREM NUM ÚNICO MOMENTO OU SE
PROLONGAREM NO TEMPO: .................................................................................................................................................. 11
Negócio jurídicos gratuitos e onerosos: ........................................................................................................................ 11
Critério da forma: .......................................................................................................................................................... 12
Critério do modo de formação: ...................................................................................................................................... 12
Critério da natureza da relação jurídica constituída: ................................................................................................... 12
Negócios entre vivos e mortis causa: ............................................................................................................................. 12
DISTINÇÃO ENTRE ACTOS DE MERA ADMINISTRAÇÃO E NEGÓCIOS DE DISPOSIÇÃO: ............................................................. 12
PARTE II – FORMAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO .................................................................................................... 13
AS MODALIDADES DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL; OS SEUS ELEMENTOS................................................................................. 13
PRINCÍPIO DA LIBERDADE DECLARATIVA (LIBERDADE CONTRATUAL + PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PRIVADA): .................... 13
ELEMENTO INTERNO/SUBJECTIVO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL – VONTADE: ....................................................................... 13
O PROBLEMA DA CONCORDÂNCIA ENTRE ELEMENTO OBJECTIVO E SUBJECTIVO E CONSEQUENTES EFEITOS JURÍDICOS ....... 14
Teoria da declaração. .................................................................................................................................................... 14
Definição de Manuel de Andrade [visão objectivista] ................................................................................................... 14
DISTINÇÃO ENTRE VONTADE NEGOCIAL E MOTIVOS ............................................................................................................ 14
A FORMA DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL; A SUA DISTINÇÃO DA PUBLICIDADE ........................................................................ 14
PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PRIVADA: LIBERDADE DE FORMA E LIBERDADE DECLARATIVA; EXCEPÇÕES .............................. 14
FORMA CONVENCIONAL: ..................................................................................................................................................... 14
INOBSERVÂNCIA DA FORMA LEGAL EXIGIDA POR LEI ........................................................................................................... 15
DISTINÇÃO ENTRE FORMA DOS NEGÓCIO E PUBLICIDADE: ................................................................................................... 16
MODALIDADES DE DOCUMENTOS ESCRITOS (ART. 363º): ..................................................................................................... 16
TIPOS DE DECLARAÇÕES NEGOCIAIS: ................................................................................................................................... 16
A PERFEIÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL .......................................................................................................................... 16
FASES DA EXISTÊNCIA DE UMA DECLARAÇÃO NEGOCIAL (RECEPTÍCIA): .............................................................................. 17

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Exteriorização: ............................................................................................................................................................... 17
Expedição: ..................................................................................................................................................................... 17
Recepção: ....................................................................................................................................................................... 17
Conhecimento: ............................................................................................................................................................... 17
FASES DE EXISTÊNCIA DE DECLARAÇÕES NEGOCIAIS NÃO REPTÍCIAS: ................................................................................. 17
MOMENTO EM QUE A DECLARAÇÃO NEGOCIAL GANHA EFICÁCIA (VINCULA O DECLARANTE DE TAL FORMA QUE ESTE NÃO
SE PODE RETRACTAR) [TEORIAS]:......................................................................................................................................... 17
MOMENTO EM QUE A DECLARAÇÃO NEGOCIAL FICA PERFEITA DE ACORDO COM O CÓDIGO CIVIL: ...................................... 18
CONCLUSÃO DO CONTRATO ................................................................................................................................................. 19
A PROPOSTA CONTRATUAL E A SUA ACEITAÇÃO .................................................................................................................. 19
Distinção entre convite a contratar e proposta contratual ............................................................................................ 19
Convite a contratar: ....................................................................................................................................................... 19
Passos para a conclusão de um contrato ....................................................................................................................... 19
Modo de vinculação do proponente/ duração da proposta contratual (art.228º) .......................................................... 20
Aceitação eficaz da proposta ......................................................................................................................................... 20
DISSENSO MANIFESTO E OCULTO/LATENTE .......................................................................................................................... 21
OS EFEITOS REAIS DA CONCLUSÃO DO CONTRATO ............................................................................................................... 21
A CONCLUSÃO DO CONTRATO COM BASE EM CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS ................................................................ 22
As vantagens do recurso à contratação “standardizada” (cláusulas gerais) ................................................................ 22
Os problemas específicos das cláusulas contratuais gerais: ......................................................................................... 22
A CULPA IN CONTRAHENDO (ART. 227º)............................................................................................................................... 23
Comparação entre art. 227º e art. 229º,1 (2ª parte): ..................................................................................................... 24
AS RELAÇÕES CONTRATUAIS DE FACTO ; PROBLEMA DA SUA EXISTÊNCIA ........................................................................... 24
A REPRESENTAÇÃO NA CONCLUSÃO DO CONTRATO ............................................................................................................. 25
A REPRESENTAÇÃO: ............................................................................................................................................................. 25
OS INCAPAZES E A REPRESENTAÇÃO: ................................................................................................................................... 25
A REPRESENTAÇÃO NO CÓDIGO CIVIL: ................................................................................................................................. 25
PRINCÍPIOS GERAIS; DELIMITAÇÕES PARA COM FIGURAS SEMELHANTES.............................................................................. 25
DISTINÇÃO ENTRE REPRESENTAÇÃO OU DO REPRESENTANTE COM OUTRAS FIGURAS E INSTITUTOS: ................................... 26
Art. 259º - falta ou vícios da vontade e estados subjectivos relevantes ......................................................................... 26
Art. 260º - justificação dos poderes do representante .................................................................................................... 27
Art. 261º - negócio consigo mesmo ................................................................................................................................ 27
A PROCURAÇÃO E OS SEUS EFEITOS ..................................................................................................................................... 28
Art. 263º - capacidade do procurador ........................................................................................................................... 28
Art. 264º - substituição do procurador........................................................................................................................... 28
Art. 265º - extinção de procuração ................................................................................................................................ 28
Art. 266º - protecção de terceiros: ................................................................................................................................. 29
PROCURAÇÃO GERAL E PROCURAÇÃO ESPECIAL .................................................................................................................. 29
Art. 268º - representação sem poderes........................................................................................................................... 29
Art. 269º - abuso de representação ................................................................................................................................ 30
PARTE III - OS NEGÓCIOS JURÍDICOS COM EFICÁCIA LIMITADA ................................................................... 30
OS NEGÓCIOS JURÍDICOS COM EFEITOS SUBORDINADOS A CONDIÇÃO OU TERMO................................................................. 30
A CONDIÇÃO ........................................................................................................................................................................ 31
A condição suspensiva ................................................................................................................................................... 33
A condição resolutiva ..................................................................................................................................................... 34
O TERMO.............................................................................................................................................................................. 34
OS ENCARGOS OU CLÁUSULAS MODAIS................................................................................................................................ 34
OS NEGÓCIOS JURÍDICOS COM EFEITOS DEPENDENTES DE RATIFICAÇÃO .............................................................................. 35
OS NEGÓCIOS DOS INSOLVENTES E DOS FALIDOS CELEBRADOS SEM PODERES DE REPRESENTAÇÃO: .................................... 35
OS NEGÓCIOS CELEBRADOS SEM PODERES DE VINCULAÇÃO: ............................................................................................... 36
OS NEGÓCIOS JURÍDICOS COM EFICÁCIA RELATIVA .............................................................................................................. 36
PARTE IV - INTERPRETAÇÃO E A INTEGRAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL (ARTS. 236º, 237º,238º,
239º) ........................................................................................................................................................................................ 38
A INTERPRETAÇÃO............................................................................................................................................................... 38
A INTEGRAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL ....................................................................................................................... 40
PARTE V - A INVALIDADE DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS ......................................................................................... 40

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AS CAUSAS DA NULIDADE .................................................................................................................................................... 42


O regime das incapacidades negociais de gozo ............................................................................................................. 42
Negócios celebrados contra a lei (art. 294º): ................................................................................................................ 43
Os negócios com objecto ou fim desaprovados pela ordem jurídica ............................................................................. 44
Os negócios celebrados sem observância da forma legal .............................................................................................. 44
Os negócios celebrados com falta de vontade ............................................................................................................... 46
A simulação (arts. 240º a 243º) ...................................................................................................................................... 46
A reserva mental (Art. 244º)........................................................................................................................................... 49
A declaração não séria (art. 245º) ................................................................................................................................. 50
AS CAUSAS DA ANULABILIDADE .......................................................................................................................................... 51
Negócios celebrados sem capacidade de exercício: ...................................................................................................... 51
As ilegitimidades e as indisponibilidades relativas; as proibições legais relativas ....................................................... 58
Negócios que necessitam do consentimento de outros familiares ou de autorização do tribunal ................................. 59
Os negócios usurários .................................................................................................................................................... 60
Os negócios celebrados com erro na declaração .......................................................................................................... 61
O erro sobre os motivos ................................................................................................................................................. 62
O dolo............................................................................................................................................................................. 63
A coacção moral ............................................................................................................................................................ 64
AS CONSEQUÊNCIAS DA INVALIDADE NO NEGÓCIO JURÍDICO EM PORMENOR ....................................................................... 64
Efeitos da invalidade: .................................................................................................................................................... 64
A MINORAÇÃO DAS CONSEQUÊNCIAS DA INVALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO ..................................................................... 65
Princípio da conservação do negócio jurídico .............................................................................................................. 65
Princípio da abstracção ................................................................................................................................................. 65

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PARTE I – os elementos e a natureza do negócio jurídico

Negócio Jurídico – “Declaração de vontade privada que visa a produção de um efeito jurídico que se
verifica conforme a ordem jurídica por ter sido querido pelas partes” 1

Elementos estruturais do negócio jurídico:


o Sujeito – necessita de ter capacidade negocial (exercício). Quem se vincula juridicamente tem
que ter discernimento para formar uma vontade livre e esclarecida, só assim é possível proteger
o princípio da autonomia privada.
o Declaração de vontade – a vontade tem que ser livre e esclarecida (vontade perfeita e não
viciada) devendo coincidir com a declaração de vontade. Só assim é realizado o princípio da
autonomia privada.
o Objecto (conteúdo do negócio) – tem que ser lícito, possível e determinado, sendo necessário
perceber que direitos e deveres as partes quiseram constituir, modificar ou extinguir.

O conceito de negócio jurídico

Referência histórica:
o Apenas no séc. XVIII foi introduzido na linguagem jurídica o conceito de negócio jurídico.
o Séc. XIX – contrapõe-se negócio jurídico a factos ilícitos (Heise).
o Savigny (doutrina clássica) – sublinha a importância da vontade no negócio jurídico, usando
quase exclusivamente o conceito de declaração de vontade.

 “ O conceito de negócio jurídico é uma abstracção de todos os actos jurídicos privados,


reconhecidos pela ordem jurídica ... dentro do princípio da autonomia privada 2” que visam a realização
de determinados efeitos jurídicos queridos pelas partes.

 No respeito pelo princípio da autonomia privada, há uma ampla liberdade na conformação e no


estabelecimento de relações jurídicas. No entanto, o negócio jurídico está limitado aos tipos negociais
que a ordem jurídica reconhece para a conformação dos mesmos. “A relações jurídicas apenas podem
ser estabelecidas nas formas e nos limites previstos pela própria lei”3

 Não existe o tipo legal “negócio jurídico”. O que existem são os mais diversos tipos legais de
negócios jurídicos que têm como característica transversal apresentarem uma finalidade no sentido da
produção de efeitos jurídicos e de visarem, de uma maneira volitiva, a criação de relações jurídicas.

Elementos do negócio jurídico:


o Elementos essenciais – “são aqueles que caracterizam o respectivo tipo negocial, escolhido
pelas partes e admitido pela lei, que os individualizam face aos outros tipos negociais.” 4 (P. ex.:
elementos essência de um c.c.v. são os requisitos do art. 874º - necessária a propriedade de uma
coisa/direito + um preço).

1
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.417.
2
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.420.
3
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.420.
4
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.421.

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o Elementos naturais – “são as regras de ordem jurídica que complementam a regulamentação


encontrada pelas partes”5 (disposições supletivas, integradoras). Cf. art. 878º.
o Elementos acidentais – “são estipulações das partes que não integram o respectivo tipo
negocial, mas que contêm clausulas suplementares ou acessórias”6 (ex. estipulações de
condições ou prazos, clausulas modais).

Nota: elementos essenciais e acidentais situam-se no mesmo plano pois resultam da vontade das partes.
Elementos naturais resultam da lei, sendo esta que estabelece o tipo negocial e suas características (e
não em atenção à vontade das partes, no entanto, normalmente a lei encontra soluções que as partes
teriam querido adoptar uma vez que é objectivo da lei contribuir para a auto-realização das partes).

Pressupostos essenciais para que se possam produzir os efeitos jurídicos pretendidos pelo negócio:
1. Em termos subjectivos, é necessária uma vontade dirigida aos efeitos e manifestada
numa declaração de vontade.
2. É necessária uma declaração de vontade – exteriorização da vontade, criando um
vínculo jurídico.
3. Em termos objectivos, é necessária a garantia da produção dos efeitos jurídicos pela
ordem jurídica (através do direito objectivo).

A declaração de vontade

Nota: no código civil, “declaração de vontade” surge como “declaração negocial”.

Declaração de vontade – declaração negocial pela qual se manifesta a vontade que visa a produção de
negócios jurídicos.

Composição da declaração de vontade (remissão PARTE II).


o Elemento interno, subjectivo – vontade.
o Elemento externo, objectivo – a declaração.

Inexistência da declaração de vontade


 O negócio jurídico depende de uma declaração de vontade; a declaração de vontade é um elemento
essencial do negócio jurídico. Por conseguinte, a não existência de uma declaração de vontade,
inviabiliza a existência de negócio jurídico.
Formas que a falta de declaração de vontade pode assumir:
o A falta de declaração em si, que não chegou a ser manifestada.
o A falta de declaração com carácter negocial, ou seja, uma declaração desprovida de vontade de
produzir efeitos jurídicos (não tem a natureza de um acto volitivo-final). [Ver arts. 1628º,c +
246º]

Nota: a não existência de um negócio jurídico devido à inexistência de uma declaração negocial não
implica que não exista um outro facto jurídico ao qual a lei poderá ou não atribuir efeitos inclusive com
sanção. Têm uma natureza não negocial (Cf. art. 246º).

5
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.421.
6
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.421.

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Nota2: A falta de declaração de vontade não deve ser confundida com uma vontade invalidamente
formada ou manifestada. Aqui, já existe um negócio jurídico embora com os seus efeitos prejudicados
ou afectados pela invalidade, sendo estes efeitos, porém, sempre de natureza negocial.

A declaração de vontade e a consciência da criação de um vínculo jurídico

A vontade orientada no sentido da produção de determinados efeitos jurídicos implica,


sempre, a consciência de criar uma vinculação jurídica da parte do declarante.
Assim, certas relações de favor ou os negócios de pura obsequiosidade não são considerados
negócio jurídicos, pois, não existe a vontade de criar uma vinculação jurídica. (o mesmo ocorre com os
“gentlements agreements”, acordos mediante os quais alguém assume um compromisso de honra).
A delimitação entre estas figuras e o negócio jurídico nem sempre é fácil, dado o factor de
gratuitidade, que nelas frequentemente ocorre, os usos sociais, as circunstâncias específicas de cada
situação concreta, os interesses dos intervenientes, os valores em causa, etc.
Verifica-se um indício a favor da existência de uma vinculação jurídica por parte do declarante
que se presta a assumir a “atitude de favor” quando estão em causa interesses económicos essenciais ao
declaratário, que declarante não deve desconhecer.

Distinção entre declarações negociais e declarações de ciência


o Declarações de ciência – alguém dá conta de um facto, presta simples informações ou
declarações acerca de dados existentes ou a respeito de determinados acontecimentos
(identificação de uma pessoa, declaração de nascimento, etc). Falta ou não tem relevância a
vontade de assumir vinculações jurídicas.
o Nota: há no entanto situações em que a distinção entre declaração de vontade e declaração de
ciência é difícil, especialmente quando na perspectiva do destinatário existem razões
justificativas para acreditar na existência de uma vontade de assumir uma vinculação jurídica.
Nestes casos, embora não exista um negócio jurídico, existem outros factos jurídicos tais como
factos ilícitos e a correspondente responsabilidade.

Situações em que não basta a declaração de vontade para que se forme um negócio jurídico:
o São situações em que o próprio negócio é integrado não só pelas declarações como, para além
das mesmas, por outros actos que nele intervêm.
o “Assim, pode acontecer que o negócio jurídico inclua, alem das declarações de vontade,
determinados actos reais ou materiais.”7
o Exemplos: contratos reais (comodato-1129º; mútuo-1142º, depósito-1155º). Aqui, o acto
material de entrega faz parte, ao lado das declarações negociais, do próprio negócio jurídico.

Distinção entre negócio jurídico e declaração de vontade


o São conceitos coincidentes apenas quando estamos perante um negócio jurídico unilateral em
que existe apenas uma declaração de vontade (ex. direitos potestativos quando não dependem
de formalidade).
o Normalmente, são necessárias, para a celebração de um negócio jurídico, mais do que uma
declaração de vontade. Nestes casos, declaração de vontade e negócio jurídico já não são
coincidentes. (O CCiv. Faz esta distinção falando de negócio jurídico e declaração (negocial)).

7
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.420 e 421.

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Intervenientes no negócio jurídico; a conformação unilateral de relações jurídicas

 “São intervenientes no negócio jurídico as partes que nele acordaram sendo, por isso, abrangidas
pelos seus efeitos”8

 Por via de regra, os efeitos de um negócio jurídico produzem-se apenas entre as pessoas, pois são
estas que os querem, tendo acordado neles.

 Outra questão diferente, é a de saber se os efeitos do negócio jurídico se restringem às partes ou se


têm efeitos sobre terceiros. Tal depende:
o Conteúdo do negócio jurídico – se incide sobre direitos absolutos ou relativos.
o Conhecimento real ou presumido que os terceiros tenham do negócio acordado.

Conformação unilateral de relações jurídicas

 “Da necessidade de um acordo resulta, sem mais, que efeitos jurídicos negociais, normalmente não
procedem de um comportamento unilateral.”

Situações em que é possível um sujeito conformar relações jurídicas de uma maneira unilateral:
o Exercício de um direito já constituído – ex. direito potestativo e acção directa.
o Quando o acto afecta só o património próprio – ex. renúncia a um direito, testamento.
o Quando não são atingidos direitos de outrem – ex. ocupação de coisas sem dono.
o Quando o acto traz uma vantagem jurídica para o visado – ex. proposta da conclusão de um
contrato.

Limitações:
Limitação de auto-vinculações:
o De acordo com o art. 457º, as auto-vinculações estão circunscrita àquilo que é
legalmente admitido.
o “Não é possível atribuir, por via interpretativa, um sentido “objectivo” a uma conduta
com vista à criação de uma obrigação da parte do agente que se teria “auto-vinculado”
com semelhante conduta.”9 Tal implica uma limitação do princípio da autonomia
privada (não significando que não possa haver condutas criadoras de confiança como é o
“venire contra factum próprio” em que o agente cria a confiança ou saberá que o outro
confia).
Impossibilidade de estabelecer, por acto unilateral, relações jurídicas que favoreçam outras pessoas:
o “A ordem jurídica exige o consentimento prévio do outro ou, faltando este
consentimento, a aceitação ou a ratificação. Não querendo o outro aceitar ou ratificar o
acto, ele recusa a relação jurídica favorável”10. Exemplos: remissão de uma dívida
(863º), doação (940º,1), testamento (2179º; 2062º).
o “Também por via contratual não é possível favorecer terceiros contra a sua vontade”11.
Exemplos: contratos a favor de terceiros (447º e 443º), contrato com efeitos protectores
para terceiros. Aqui, os terceiros são favorecidos ou protegidos se o quiserem.
Impossibilidade de negócios que produzam efeitos em desfavor de um terceiro alheio ao negócio:

8
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.422.
9
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.423.
10
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.423.
11
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.423.

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o Duas partes celebram um contrato de compra e venda a respeito de um objecto que não
lhes pertence.
o Os parceiros sociais acordam um contrato colectivo de trabalho que ultrapassa os limites
funcionais da contratação colectiva e as suas razões justificativas.
o (São negócios INEFICAZES em relação aos visados que não intervieram e NULOS para
em relação às partes que o celebraram.
o NOTA: “há situações em que alguém age em vez de outrem como parte-outorgante do
negócio. É este o caso da representação, tanto voluntária como legal. Aqui, os negócios
celebrados pelo representante produzem os seus efeitos na esfera e na pessoa do
representado. Agir em nome ou em vez de outrem significa, por isso, agir dentro de
vinculações, determinadas pela autonomia do representado no caso da representação
voluntária, ou decorrentes dos interesses de um incapaz no caso da representação legal.
Daí que o agir em nome do representado não se verifica em função da autonomia e da
auto-realização do agente (representante), mas em atenção à autonomia ou interesse
daquele que suporta os efeitos (representado).”12

Negócio jurídicos que para além de declarações negociais exigem a intervenção de autoridades
públicas:
o Casamento civil – presença de um funcionário do registo civil (1628º e 1630º).
o Contrato de compra e venda de bens imóveis – necessidade de escritura pública (875º).
o Negócios jurídicos celebrados pelos pais como representantes dos filhos menores sem
autorização do tribunal são anuláveis (1893º/1894º).
o As intervenções das várias autoridades públicas têm graus de intensidade diferentes, pelo que a
sua falta terá efeitos diferentes:
o Casamento – a presença do funcionário faz parte do tipo negocial, a sua ausência torna o
casamento juridicamente inexistente.
o Notário/ tribunal – a sua intervenção no processo prende-se com pressupostos de
validade, assim, a sua ausência torna o negócio jurídico inválido.

Negócios jurídicos que exigem a intervenção de outros particulares afectados pelo negócio para alem
de uma declaração de vontade:
o Consentimento pessoal de outros familiares.
o Consentimento do representado no caso do conflito de interesses.
o Negócios do inabilitado que estão sujeitos à autorização do curador (art.153º).

Classificação de negócios jurídicos

Classificação de acordo com as declarações negociais que compõem o negócio jurídico

Estrutura e produção de efeitos:


Negócios jurídicos unilaterais:
o São negócios jurídicos em que há apenas declarações de vontade de um lado ou várias
declarações de vontade paralelas de um lado.
o Normalmente, não dependem da aceitação ou concordância de uma outra parte.
o Pode ser necessário que a outra parte conheça o conteúdo da declaração, ou que esta
chegue ao seu poder.
o Podem ser receptícios ou não receptícios:

12
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.424.

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Receptícios – são negócios jurídicos unilaterais em que, para alem da declaração


se exige a chegada ao poder ou a tomada de conhecimento do destinatário para
que o negócio jurídico produza efeitos. (ex, renúncia do arrendamento, rescisão
do contrato de trabalho).
 Não receptícios – são negócios jurídicos unilaterais em que não há um
destinatário, pelo que, para serem eficazes, basta a mera emissão de uma
declaração de vontade. (ex. testamento, promessa pública).
 Nota: por vezes, é difícil estabelecer a fronteira entre um negócio jurídico
unilateral ou não.
Negócios jurídicos plurilaterais:
o “São aqueles que se compõem de duas ou mais declarações de vontade, provenientes de
dois ou mais lados e cujos sentidos se encontram e convergem”13
o Exemplos: constituição de uma associação (167º), contrato de sociedade (980º),
deliberações sociais (175º).

O contrato em especial (negócio jurídico bilateral)


Critério do conteúdo do contrato, relativo à estrutura e produção de efeitos:
o Unilaterais/ não sinalagmáticos – contratos que criam obrigações apenas para uma das
partes contraentes. Ex. doação.
o Bilaterais:
 Sinalagmáticos/ bilaterais perfeitos – “aqueles em que existe uma reciprocidade
entre as obrigações das partes. A prestação de uma parte é realizada em virtude e
por causa da prestação de outra”14. Ex. CCV.
 Bilaterais imperfeitos – “aqueles em que inicialmente há apenas uma obrigação
de uma parte, podendo surgir, posteriormente e dependente da execução do
contrato, ainda uma obrigação da outra parte.”15 (Ex. o mandato gratuito – o
mandante pode ter que indemnizar o mandatário caso este sofra prejuízos).
Critério relativo ao cumprimento de obrigações emergentes se cumprirem num único momento ou se
prolongarem no tempo:
o Contratos de execução instantânea – esgotam-se num acto de cumprimento.
o Contratos de execução continuada – contêm uma obrigação duradoura (arrendamento,
contrato de trabalho, contrato de sociedade).
o Contrato de execução periódica – contêm uma obrigação periódica a realizar durante
certo tempo (contrato de fornecimento de mercadoria).

Negócio jurídicos gratuitos e onerosos:


o Gratuitos – Existe um sacrifício patrimonial apenas para uma das partes contraentes. Há
uma vantagem patrimonial do lado de quem recebe sendo a atribuição patrimonial
unilateral.
o Onerosos – “cada uma das partes envolvidas faz uma atribuição patrimonial à outra
como contrapartida ou contraprestação.”16 Não é necessário um equilíbrio objectivo ou
uma equivalência objectiva entre as prestações feitas.

13
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.427.
14
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.428.
15
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.428.
16
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.428.

11
TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

 Nota: os contratos sinalagmáticos são negócio onerosos (mas nem todos os


contratos bilaterais são onerosos – doação com encargos).[negócio bilateral
gratuito].
 Contratos aleatórios – são contratos em que uma das partes ou ambas estão
sujeitas a um risco, a uma álea. A possibilidade de ganho ou perda vai depender
de acontecimento futuro incerto (ex. renda vitalícia 1238º, o jogo e aposta 1245º,
o seguro, o risco).
 Negócios onerosos parciários – “são caracterizados pela participação no risco de
certo empreendimento no que diz respeito aos lucros esperados como
contraprestação a uma entrega realizada para o efeito”17 Exemplos: parceria
pecuniária 1121º, no caso do mútuo pode ser convencionada uma participação
nos lucros (1145º,1 + 405º + 1146º).

Critério da forma:
o Negócios não solenes/ não formais – celebram-se de acordo com a vontade das
partes não sendo necessária qualquer formalidade especial. (Princípio da liberdade
de forma + princípio da liberdade declarativa 217º  realização do princípio da
autonomia privada).
o Negócio solenes/ formais – negócios jurídicos que para serem concluídos exigem o
preenchimento de certa formalidade.
Critério do modo de formação:
o Negócio consensuais – “o contrato fica perfeito com o simples acordo das partes.”18
o Real – é necessário, para alem do acordo, um acto material (ex. depósito 1155º,
mútuo 1142º, comodato 1129º). No entanto, nestes casos, deve ser possível
considerar o contrato concluído com efeitos obrigacionais já no momento do acordo
e sem qualquer entrega, se tal corresponder à vontade das partes.
o Nota: negócio consensual pode também ser oposto a negócio formal.
Critério da natureza da relação jurídica constituída:
o Negócios obrigacionais – vale o princípio da liberdade contratual.
o Negócio reais – o princípio da liberdade contratual está afastado quanto à liberdade
de fixação do conteúdo (numerus clausus).
o Negócios familiares:
 Pessoais – exclusão do princípio da liberdade de fixação do contrato.
 Patrimoniais – o princípio da liberdade de fixação de conteúdo depende da
natureza obrigacional ou real.
Negócios entre vivos e mortis causa:
 Entre vivos – produzem os seus efeitos em vida das partes.
 Mortis causa – produzem os seus efeitos depois da morte das partes ou de uma delas. É comum
serem negócio jurídicos livremente revogáveis exceptuando certas convenções antenupciais.

Distinção entre actos de mera administração e negócios de disposição:


 Actos de mera administração – “são actos de gestão patrimonial limitados ou destinados a
conservar a substância dos bens (manter o seu estado frutífero), permitindo apenas actos de
alienação que mantenham intacta a raiz dos bens.
 Negócios de disposição – alteram a substância dos bens ou do património administrado.

17
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.429.
18
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.430.

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PARTE II – Formação do negócio jurídico

As modalidades da declaração negocial; os seus elementos

 “ o primeiro passo para o negócio jurídico consiste numa declaração de vontade”.

Princípio da liberdade declarativa (liberdade contratual + princípio da autonomia privada):


 Em princípio, o declarante dispõe de todos os meios que lhe servem para se fazer entender.
 Modalidades em que a vontade pode ser revelada:
o Declaração expressa – quando é feito por palavras escritas ou QUALQUER OUTRO
MEIO DIRECTO de manifestação de vontade (ex. gestos ou sinais). É uma
manifestação directa de vontade tendo com objectivo exteriorizar certa vontade
negocial.
o Declaração negocial tácita – quando se deduz de factos que com toda a probabilidade a
revelam. É uma manifestação indirecta de vontade que se baseia num comportamento
concludente do declarante.
o Silêncio como modo declarativo – por via de regra não vale nada enquanto declaração
negocial. Apenas nos casos previstos na lei, uso ou convenção, o silêncio vale como
declaração negocial (art. 218º). “O que está em causa não é a ausência de vontade é a
ausência de manifestação desta.”19 Só é possível no caso de uma resposta a uma
declaração negocial expressa ou tácita precedente (é uma maneira de reagir).
 Casos em que o silêncio tem valor declarativo:
 Aceitação da proposta de venda a contento (923º,2).
 Aprovação por silêncio no art. 1163º.
 Exemplos de situações em que o silêncio não funciona como declaração
negocial:
 O silêncio depois do recebimento de uma mercadoria não encomendada.

Elemento interno/subjectivo da declaração negocial – vontade:


 Vontade de acção – é a vontade dirigida à execução da própria acção mediante a qual se
manifesta a vontade negocial. Nota: não há vontade de acção no caso de movimentos reflexos,
inconvenientes ou de coacção física. Mas há vontade de acção quando o declarante age sobre
coacção moral.
 Vontade de declaração – existe quando o declarante tem consciência de que o seu
comportamento ou a sua manifestação significam uma declaração negocial num sentido
qualquer, ou podem ser entendidos nesse sentido. O declarante sabe que o seu agir tem
relevância jurídica. (- é a consciência de criar um vínculo jurídico).
 Vontade negocial – “é a vontade dirigida a um negócio jurídico concreto incidindo sobre um
determinado objecto ou referindo-se a uma realidade precisa.”20 É a vontade de concluir um
negócio específico. “A não coincidência entre a vontade negocial e a declaração feita pode levar
a um erro.”21
A declaração negocial é, portanto, formada por um elemento interno e um elemento externo que
devem coincidir sob pena de o negócio jurídico não poder desempenhar o seu papel. Se um dos
elementos subjectivos falta ou for deficiente ou se o elemento objectivo não obedecer às exigências

19
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.435.
20
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.437.
21
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.437.

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legais, a declaração negocial é atingida por esse facto e, conforme os casos, não existente ou inválida,
repercutindo-se a invalidade sobre os seus efeitos ou simplesmente irregular (podendo ser rectificado).

O problema da concordância entre elemento objectivo e subjectivo e consequentes efeitos jurídicos

Teoria Clássica – (teoria da vontade) – a vontade efectiva do declarante é decisiva.

Teoria da declaração – o elemento decisivo é o elemento externo, objectivo; A declaração tal como o
declaratário, dentro dos limites da boa fé, da confiança e da segurança no tráfico jurídico, podia e devia
entender o comportamento no qual ela se traduz.

Definição de Manuel de Andrade – “todo o comportamento de uma pessoa que, segundo os usos da
vida, convenção dos interessados ou por disposição legal aparece como destinado a exteriorizar um
certo conteúdo de vontade negocial, ou em todo o caso o revela e traduz.” [visão objectivista].

Código civil – não toma uma posição clara mas estabelece determinadas directrizes que impedem uma
solução subjectivista e que fornecem soluções objectivistas. A vontade como elemento subjectivo não é
negada, mas o significado da vontade pode estar condicionado pelas opções do código e pela
concepção social do direito privado que não olha o indivíduo de forma isolada mas num determinado
contexto social.

Assim, tendo em vista o princípio da autonomia privada e a necessidade de segurança e o princípio da


protecção da confiança (boa fé):
“ Uma declaração de vontade é um acto que produz um efeito jurídico intencionado pelo
declarante, de acordo com o conteúdo objectivo que a declaração apresenta ou que lhe é atribuído" [A
vontade do declarante é moldada por critérios objectivos].

Distinção entre vontade negocial e motivos


 Os motivos que levam à celebração de um negócio jurídico situam-se antes do negócio e não
possuem, em princípio, qualquer relevância jurídica.
 A inadequação dos motivos não pode afectar o negócio sob pena de trazer consequências
incompatíveis à segurança e certeza no tráfico jurídico.

A forma da declaração negocial; a sua distinção da publicidade

Princípio da autonomia privada: liberdade de forma e liberdade declarativa; excepções

 Existem situações em que a lei afasta o princípio da liberdade declarativa, exigindo que a declaração
negocial seja expressa. (ex. 590º,2;595º,2;731º,1;957º,1;)

 Em sintonia como o princípio da liberdade declarativa (art. 217º,1) o CCiv estabelece o princípio da
liberdade de forma (219º). Assim, por princípio, a forma das declarações é escolhida livremente pelos
declarantes.

Forma convencional:
 é a forma estipulada pelos declarantes no âmbito do princípio da liberdade declarativa e da
liberdade de forma.

14
TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

 As partes tendem a adoptar uma determinada forma voluntária por razões de clareza quanto à
conclusão do negócio e seu conteúdo, a segurança e a facilitação da prova, ou a melhor
ponderação da decisão a tomar no negócio em causa.
 As partes podem abandonar a forma apesar da convenção. A exigência de forma feita
voluntariamente pode ser afastada pelas partes através de uma determinação posterior ou
sucessiva em sentido contrário:
o Forma voluntária - Art.222º (forma escrita) o facto de os declarantes adoptarem a forma
escrita não invalida eventuais estipulações acessórias verbais, desde que correspondam à
vontade do declarante. Permite a validade de convenções adicionais ao documento
escrito, mas para se permitir a prova esta tem que ser feita por confissão ou por
documentos que o comprovem (394º).
o Forma convencional - Art.223º (não há uma forma específica) prevê em atenção à altura
em que a estipulação foi feita, dois tipos de efeitos:
1. Estipulação anterior ao negócio que se quer celebrar em seguida – “estabelece
uma presunção relativa no sentido de, as partes, tendo primeiro convencionado a
forma, apenas se querem vincular, no futuro, por meio dela. Sem a observância
da forma convencionada, não haverá vinculação entre elas, a não ser que
diversamente seja provada.”22
2. Estipulação da forma no momento da conclusão ou posterior à conclusão do
negócio – o negócio já está validamente celebrado, mas estabelece-se a
presunção de que as partes querem, mediante a forma convencionada, facilitar a
prova, consolidar o acto ou ter as suas clausulas mais perceptíveis. As partes não
querem ver o negócio substituído. (forma “ad probationem”).
o NOTA: de acordo com o art. 394º, a prova testemunhal não é admitida se tiver por
objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento
autêntico ou dos documentos particulares, quer as convenções sejam anteriores,
contemporâneas ou posteriores à formação do documento.

 Assim, verifica-se que a lei atribui uma força reduzida à forma convencional.
 O não cumprimento da forma convencional não leva à invalidade do negócio jurídico. Presume-se é
que este não se concluiu.

Inobservância da forma legal exigida por lei

 Ao contrário do que acontece com a forma convencional, a lei é muito rígida no que respeita à
observância da forma legal imposta, sendo esta um pressuposto de validade23. (Princípio da ordem
pública + transparência e publicidade)
 Existe também a hipótese da forma legal apresentar a forma “ad probationem” não tendo relevância
para a validade do negócio jurídico (obras realizadas por acordo das partes no arrendamento).
 A exigência da forma legal visa determinados fins de interesse público ou ordem pública que o
legislador considera superiores ao princípio da autonomia privada e, consequentemente, ao princípio da
liberdade de forma. As finalidades e razões justificativas para a imposição de forma legal são as
seguintes:
1. A ponderação da decisão em ordem a evitar soluções precipitadas ou irreflectidas, como meio
de protecção das partes.

22
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.441.
23
Nota: nulidade – está em causa um elemento essencial do negócio jurídico ou está em causa a ordem pública.
Anulabilidade – estão em causa interesses privados.

15
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2. A clareza do momento exacto da conclusão de um negócio, separando-o da fase de negociações.


3. A clareza a respeito do próprio conteúdo do negócio.
4. Segurança da prova.
5. Uma assistência profissionalmente competente, destinada a averiguar, em jeito de controlo
prévio, ainda a capacidade negocial dos intervenientes.
6. O conhecimento a terceiros, uma vez que os notários estão, em princípio, obrigados a prestar
verbalmente informações relativas aos actos, registos e documentos arquivados, ao abrigo da
publicidade notarial.
7. O controlo para preservar interesses da comunidade ou de terceiros (para alem de eventuais
exigências de autorizações por parte de tribunais ou outras entidades).
8. A dificultação do negócio em certas situações específicas ditadas por razões sociais (ex. vendas
ao domicílio ou vendas por correspondência).

Nota: as exigências legais devem estar de acordo com as características da sociedade (ex. índice de
alfabetização e a exigência de escritura pública).

Distinção entre forma dos negócio e publicidade:


 Existem negócios que estão sujeitos a publicidade, nomeadamente o registo.
 A falta de publicidade em nada afecta o negócio pois este já está concluído.
 Embora o negócio produza todos os efeitos para as partes, a sua não publicidade, torna-o
inoponível a terceiros.
 Em certas situações, as consequências da não publicidade do negócio poderão ser a mera
produção de efeitos latentes (casamento não registado – não pode ser invocado ou atendido) ou
a não produção de efeitos (o contrato de sociedade comercial não existente).
 Pode ser feita pela inscrição do contrato no registo respectivo (ex. registo civil, registo predial)
ou por publicação nos jornais (estatuto de uma associação).

Nota: quando a lei fala em forma, refere-se à forma escrita.

Modalidades de documentos escritos24 (art. 363º):


 Documentos particulares (373º e 376º).
 Documentos particulares autenticados (377º e 375º).
 Documentos autênticos.
 Ver DL 62/2003 – 3 Abril.

Tipos de declarações negociais:


 Declarações negociais receptícias – destinatário determinado.
 Declarações negociais não receptícias – não têm destinatário determinado.

A perfeição da declaração negocial

A importância da determinação do momento em que a declaração negocial está perfeita (tem eficácia/
está apta a produzir os seus efeitos):
 Esclarece se uma declaração foi feita tempestivamente ou não.

24
Nota: um cheque é um documento escrito – ordem pagamento dada pelo sacador ao banco a favor da pessoa que está
inscrito como beneficiário ou o portador do cheque.

16
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 Determina a parte que arca com o risco de uma transmissão errada da declaração, ao separar, no
decurso temporal, as esferas de poder do declarante e do declaratário (declarações negociais
receptícias).
 Determina o momento a partir do qual o declarante fica vinculado à sua declaração. Tal
importa:
o Conclusão do contrato e da consequente transferência de direitos reais e risco de
perecimento ou deterioração da coisa.
o Data a partir da qual correm os prazos para a anulação da declaração negocial.

Fases da existência de uma declaração negocial (receptícia):

Exteriorização:
 Corresponde ao momento em que o declarante exprime a sua vontade. A declaração é
formulada ou manifestada.
 É neste momento que são analisados os pressupostos de validade da declaração.
 A invalidade do negócio jurídico é uma consequência da invalidade da declaração que compõe
o negócio jurídico. (253º, 257º, 255º, 220º).
 É neste momento que a declaração ganha existência, o momento em que formulada,
abandonando a esfera interna do declarante.

Expedição:
 Corresponde ao momento em que a declaração é expedida pelo declarante.

Nota: “tanto a exteriorização como a expedição verificam-se do lado do declarante, podendo conduzir
ou coincidir com emissão da declaração”25 Ver art. 226º.

Recepção:
 É o momento em que a declaração chega ao poder do destinatário de forma a que este possa
tomar conhecimento do seu conteúdo. (entrada na esfera de poder do declaratário).
Conhecimento:
 É o momento em que o destinatário toma conhecimento da declaração que lhe foi dirigida.

Nota: “Tanto a recepção como o conhecimento verificam-se do lado do declaratário, sendo o


pressuposto lógico de ambos a anterior emissão da declaração negocial.”

Fases de existência de declarações negociais não reptícias:


 Existem apenas as fases de exteriorização e expedição uma vez que não existe um destinatário
determinado.

Nota: embora seja possível separar as quatro fases, tal não implica que elas não possam coincidir no
tempo.

Momento em que a declaração negocial ganha eficácia (vincula o declarante de tal forma que este não
se pode retractar) [teorias]:

Teoria da exteriorização – a declaração negocial ganha eficácia/ fica perfeita no momento da


exteriorização.

25
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.447.

17
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Teoria da expedição – a declaração negocial ganha eficácia quando é expedida.


Teoria da recepção – a perfeição obtém-se no momento em que a declaração chega ao poder do
destinatário.
Teoria do conhecimento/ percepção – a perfeição obtém-se no momento em que o destinatário toma
conhecimento da declaração.
Momento em que a declaração negocial fica perfeita de acordo com o código civil:
 Art. 224º,1:
o Estabelece uma distinção entre declarações negociais receptícias e não receptícias:
 Receptícias – tornam-se eficazes quando chega ao poder do destinatário ou é
dele conhecida.
 Conjugação da teoria do conhecimento e da recepção.
 Quando há prova do conhecimento efectivo não há necessidade de provar
a recepção para efeitos da perfeição da declaração negocial.
 Quando há prova da recepção mas não há prova de conhecimento, existe
uma divisão na doutrina:
o P.Lima e A.Varela – há uma presunção absoluta que o
declaratário tomou conhecimento da declaração caso se tenha
verificado que este a recebeu.
o Horster – defende que a tomada de conhecimento, suposta pela lei
quando de prova a recepção, depende das concepções reinantes no
tráfico jurídico para os negócios em causa.
 Ainda assim, basta que se verifiquem um dos pressupostos para que a
declaração seja perfeita.
 Nota: a chegada ao poder não implica a entrega imediata, esta é assumida
a partir do momento em que a declaração é entregue a uma pessoa que
possui a necessária competência de recebimento.
 Não receptícias – são eficazes com a simples emissão da declaração, desde que
esta se revista da forma adequada. (Teoria da exteriorização + expedição).
 Art. 224º,2  declaração receptícia – ficção legal no sentido de determinar que é eficaz a
declaração negocial que por culpa do destinatário não chega ao seu poder.
 Art. 224º,3  tem-se por ineficaz uma declaração recebida pelo destinatário em condições de,
sem culpa sua, não poder ser conhecida.
 Art. 225º:
o Declarações negociais receptícias – situações em que não se pode verificar a chegada ao
poder ou conhecimento do declaratário pelo que a perfeição da declaração negocial
receptícia (por este ser desconhecido ou por se desconhecer o seu paradeiro) verifica-se
no momento da publicação da declaração no jornal.
o Declaração negocial não receptícia/ não recipienda – nestes casos, a declaração torna-se
eficaz, quando um possível destinatário (indeterminado no momento de emissão da
declaração) toma conhecimento da declaração. (Adopta-se a 2ª alternativa do 224º,1).
Ex.: promessa pública (Art. 454º).
 Art. 226º (aplica-se a declarações receptícias e, por analogia, a não recipiendas):
o A morte e incapacidade do declarante não obstam, a que uma declaração já emitida
ganhe a sua perfeição ainda depois.
o A declaração é ineficaz ou enquanto o destinatário não a receber ou não tenha
conhecimento dela. A partir de o momento em que tal acontece, acontecimentos
supervenientes já não prejudicam a eficácia da declaração.

18
TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

 Para que uma declaração seja eficaz é necessário que esteja de acordo com os arts.224º/225º+226º.

Conclusão do contrato

 “As declarações negociais mais importantes são aquelas que conduzem à conclusão de um
contrato.”26

 Da leitura do art.232º “podemos deduzir que estamos em face da conclusão de um contrato quando
as partes tiverem chegado a um acordo entre elas sobre todas as cláusulas julgadas necessárias.”27
(enquanto houver dissenso o contrato não se conclui).
 Cláusulas objectivamente essenciais – relacionadas com o conteúdo do contrato.
 Cláusulas subjectivamente essenciais – são cláusulas que cada uma das partes considera
essencial para a celebração do acordo.

A proposta contratual e a sua aceitação

CONCLUSÃO DO CONTRATO = PROPOSTA EFICAZ + ACEITAÇÃO EFICAZ

Distinção entre convite a contratar e proposta contratual

Convite a contratar:
 “Sinaliza apenas o interesse ou disponibilidade para entrar em negociações com vista à
posterior conclusão de um contrato (...) constitui um incentivo para que alguém dirija uma
proposta contratual.”28
 Não é uma declaração negocial.
 Exemplos: pedido de reserva de mesa de um restaurante, exposição de mercadorias nas
montras, envio de catálogos.
 No entanto, por exemplo máquinas automáticas nos parques ou com sandes já são propostas
contratuais.

Passos para a conclusão de um contrato

1. Proposta Contratual:
 “Constitui elemento imprescindível da certa proposta contratual a sua susceptibilidade
de ser aceite”29
 Características:
i. Traduzir uma vontade firme de contratar:
1. Declaração inequívoca do declarante a vincular-se de forma directa e
imediata.
2. Tem de incluir na proposta os elementos objectivamente e
subjectivamente essenciais.
ii. Traduzir uma vontade precisa de contratar:

26
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.454.
27
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.455.
28
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.457.
29
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.457.

19
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1. A declaração tem de ser elaborada de tal modo que para a celebração de


um contrato baste um simples “sim” do declaratário.

 A partir do momento em que a declaração negocial (proposta) se torna eficaz (arts. 224º a 226º), o
declarante fica vinculado à proposta, não podendo retratar-se dos seus efeitos. A Irrevogabilidade30 da
proposta resulta do art. 230º e 231º:
 230º,1 – salvo declaração em contrário (na própria proposta ou por outro meio
declarativo idóneo), a proposta do contrato é irrevogável depois de ser recebida pelo
destinatário ou de ser conhecida por ele (nos termos do art. 224º,1.
 230º,2 – se o destinatário receber a retratação do proponente antes do recebimento da
proposta ou no momento do recebimento, esta fica sem efeito.
 230º,3 – “a revogação da proposta, quando dirigida ao público, é eficaz desde que seja
deita na forma de oferta ou em forma equivalente.”
 231º,2 + 224º,2 – proposta não é eficaz.
 231º,2 + 234º - possibilidade de “lege ferenda”.

Modo de vinculação do proponente/ duração da proposta contratual (art.228º)

 Estabelece 4 hipóteses diferentes:


1. Fixado um prazo, a partir do que a proposta perde eficácia (art. 217º+228º,1,a).
2. Não é fixado um prazo, mas o proponente pede uma resposta imediata (217º+228º,1,b).
“Condições normais”:
a. É o tempo de comunicação ou transporte ou transmissão regulares. Assim o aceitante
tem que utilizar o mesmo meio, um meio com rapidez equivalente ou rapidez superior.
3. Proposta feita a pessoa ausente ou por escrito a pessoa presente + não se estabelece um prazo.
Mantém-se até 5 dias depois do prazo em que, em condições normais, proposta e aceitação
chegam ao destino (217º+228º,1,c). ACUMULA OS DIAS AO PRAZO DO 228º,1,b.
4. Não é fixado prazo + não é pedido resposta imediata + proposta dirigida verbalmente a pessoa
presente – é possível que se deixe um período de reflexão ao destinatário (uma vez que não é
exigido um período de reflexão).

 “A caducidade da proposta tem como efeito que o proponente foi completamente desvinculado e
desobrigado da mesma (art.228º).”31

Aceitação eficaz da proposta

 o contrato conclui-se aquando de uma aceitação eficaz do destinatário da proposta (âmbito de


acordo das vontades art. 232º). [no momento em que a aceitação se torna eficaz, constitui-se um
vínculo bilateral, concluindo-se o contrato].
 A eficácia da aceitação da proposta depende desta ser tempestiva – chegar ao poder ou ao
conhecimento do proponente no prazo estabelecido (ou supletivo) art. 224º.
 Dispensa da declaração de aceitação (art.234º) + declaração negocial tácita (art. 217º).
 Irrevogabilidade de aceitação eficaz – já se concluiu o contrato  art. 406º, 1 e 2 | art. 235º,2.

30
Irrevogabilidade da proposta – relaciona-se com questões de segurança no tráfico jurídico e de proteger as legítimas
expectativas do lado do destinatário.
31
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.462.

20
TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

 Revogabilidade da rejeição – art. 235º,1.


 Aceitação com modificações (art. 233º) – importa a rejeição da proposta.
 A conclusão do contrato implica a produção dos efeitos (direitos e deveres de acordo com o seu
conteúdo) resultante da vontade das partes.
Nota: a proposta deixa de ser vinculativa para o preponente:
 Expirando o prazo.
 Rejeição da proposta.
 Quando a aceitação é revogada ao abrigo do art. 235º,2.
 Quando se torna ineficaz por morte do destinatário.(231º,2):
o Nota: diferente da solução prevista no art.226º. Aqui a proposta permanece eficaz
mesmo após a morte ou incapacidade do proponente.

Dissenso manifesto e oculto/latente

 Enquanto as partes não houverem acordado em todas as cláusulas sobre as quais uma delas julga
necessário o acordo, não há consenso entre elas de modo que o contrato não fica concluído (art.232º).
Está-se perante uma situação de dissenso.

Dissenso manifesto – as partes conhecem a divergência.

Dissenso oculto/ latente – as partes julgam (erroneamente) ter-se posto de acordo, o contrato não se
conclui (por falta de consenso), a menos que seja de admitir que as partes teriam contratado mesmo
sem acordo acerca do ponto acessório. Neste caso, o contrato não fica celebrado.

 Os casos em que o silêncio conduz à formação do contrato, estão expressamente tipificados na lei.

Os efeitos reais da conclusão do contrato


 Arts. 408º e 796º.
 Art. 408º,1 – “a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se
por mero efeito do contrato, salvo as excepções previstas na lei”.
 Art. 796º,1
o Regra “casum sentit dominus” – determina que nos contratos que importam a
transferência do domínio sobre certa coisa ou que constituam ou transfiram um direito
real sobre ela, é no momento da conclusão do contrato que o risco do perecimento ou
deterioração da coisa passa do alienante para o adquirente.
o O risco transfere-se em sintonia com o momento em que é transferido o direito (que é
feito por um mero conjunto sem necessidade de um acto material ou publicidade).
o O risco corre sempre por conta do proprietário.
o É uma norma supletiva, as partes podem convencionar o momento da transferência do
risco.
Exemplo: contrato de compra e venda (art. 874º) e os seus efeitos (art. 879º):
 O contrato de compra e venda tem como efeitos: a) transmissão da propriedade ou da
titularidade; b) obrigação de entregar a coisa, comportamento subsequente à celebração do
negócio; c) obrigação de pagar o preço, comportamento posterior ao consenso negocial.
 Para que se conheça por qual das partes corre o risco, é necessário conhecer o momento em que
foi concluído o negócio e que, portanto, houve transmissão da titularidade do direito.
 A eficácia real do contrato dá-se, em princípio, no momento da conclusão do contrato.

21
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A conclusão do contrato com base em cláusulas contratuais gerais

 “A negociação de um contrato nem sempre é feita de uma maneira individual, com cláusulas
ponderadas e acordadas uma por uma … este modo de contratar não é adequado em inúmeras
situações, à vida económica de hoje”.32

 “Assim, no tráfico jurídico actual desempenha uma função cada vez mais importante as chamadas
cláusulas contratuais gerais, elaboradas de antemão por uma das partes e destinadas a serem aceites,
sem mais, pela outra”33 (existe uma limitação da possibilidade de negociação de uma das partes).

As vantagens do recurso à contratação “standardizada” (cláusulas gerais)


1. Por um lado, as regras legais do código civil nem sempre contemplas os interesses e os
condicionalismos específicos das diversas áreas contratuais.
2. Conveniência prática de pré-formular as respectivas cláusulas para determinados negócios de
massa ou que têm grande complexidade técnica ou são muito sofisticados.
3. Permite reduzir custos.

 “Em todo o caso, também as declarações feitas por meio de cláusulas contratuais gerais … são
declarações negociais nos termos dos arts. 217º,219º e ss, 224º e ss, 228º e ss”.34
 “Apenas o modo de travar negociações é diferente e racionalizado”.35

Os problemas específicos das cláusulas contratuais gerais:


 O conhecimento objectivo – é necessário que aqueles que assinam os “contratos de adesão”
percebam aquilo que estão a assinar. (Não se deverá permitir cláusulas disfarçadas ou que não
se conseguem ver bem).
 Cláusulas abusivas – poderá acontecer que quem utiliza as cláusulas contratuais gerais abuse do
seu poder negocial.
 Sempre que uma cláusula seja considerada nula é necessário conseguir ampliar os efeitos do
caso julgado.

 “O efeito de racionalização pretendido com recurso a cláusulas gerais pode ser desvirtuado, porém,
e muitas vezes assim sucede, para afastar a liberdade contratual, na medida exacta em que aparecem
cláusulas concebidas unilateralmente no interesse do contratante determinado, que as formulou, sem
hipótese de alteração por parte do aderente que ficou sujeito a elas”.36

Para evitar os efeitos indesejados das CCG, o DL 446/85 de 25 de Outubro, estabelece o regime a que
estas estão sujeitas:

32
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.468.
33
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.468.
34
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.469.
35
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.469.
36
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.469.

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 Artigo 1º,1 (âmbito de aplicação) – “as cláusulas contratuais gerais sem prévia negociação
individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a
subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma” [note-se que tanto vale para o
proponente como para o destinatário. Tal deve-se ao facto de muitas vezes se assinar “propostas
de adesão” em que é a entidade que recebe a proposta que a pré-elabora].
 Artigo 4º - as cláusulas contratuais inseridas em propostas contratuais ficam incluídas nos
contratos pela aceitação, mas apenas desde que sejam observados determinadas disposições
legais.
 Artigo 5º,1 – as cláusulas devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes sob pena de não
serem incluídas no contrato e o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao
contraente que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais (art. 5º,3).
 Artigo 6º - dever de informação por parte do contraente que usa CCG (ónus).
 Artigo 7º - caso haja cláusulas especificamente acordadas elas prevalecem sobre as CCG.
 Artigo 8º/9º - as cláusulas não comunicadas ficam excluídas dos contratos individuais.
 Artigo 15º - são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé (novidade face ao
CCiv, art, 280º).
 Artigo 16º a 19º - concretização do art. 15º.
 Artigo 20º a 22º - proibição de cláusulas que possam prejudicar consumidores finais.
 Artigo 25º (acção inibitória) – as cláusulas contratuais gerais, elaboradas para utilização futura,
quando contrariem o disposto nos arts. 15, 16, 18, 19, 21 e 22 podem ser proibidas por decisão
judicial, independentemente da sua inclusão efectiva em contratos singulares.
 Artigo 26º - legitimidade de acção inibitória.

 Em princípio, a exclusão ou nulidade de uma CCG não arrasta consigo todo o negócio, mas leva
apenas à não aplicação da respectiva cláusula (art. 9º, 13º, 14º).

 Em vez de cláusulas contratuais gerais aplicam-se as normas dispositivas comuns, com recurso, se
necessário às regras de integração dos negócios jurídicos (art. 239º).

A culpa in contrahendo (art. 227º)

 “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na
formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que
culposamente causar à outra parte”.
 A lei estipula, deste modo, uma obrigação de indemnizar por culpa in contrahendo.
 A obrigação de indemnizar existe independentemente da formação posterior do contrato ou não (o
art. 227º visa proteger o próprio processo de formação do contrato em todas as suas fases). A
celebração do contrato ou a sua posterior anulação ou declaração de nulidade não afectam a aplicação
do preceito em causa.

 A aplicação do art. 227º pressupõe culpa (não basta a simples rotura de negociações), pois não é
lícito a uma das partes romper arbitrariamente as negociações depois destas terem alcançado um tal
desenvolvimento que a outra parte podia julgar-se autorizada a confiar na realização do contrato e,
assim, a fazer despesas, a abster-se de outros negócios, etc...
 Mas, por outro lado, pode observar-se que as negociações se destinam precisamente a dar às partes
oportunidades de apreciarem se o contrato deve ser feito e em que termos, portanto, enquanto o
contrato não é celebrado, devem elas ter a liberdade de romper as negociações.
O comportamento adoptado deve coincidir com:

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 O dever de cada um dos contraentes se exprimir claramente, a fim de evitar falsas interpretações
do seu comportamento.
 Dever de não começar negociações que se saiba de antemão condenadas ao malogro ou à
celebração de um negócio inválido.
 Dever de não abandonar arbitrariamente as negociações.
 Dever de comunicar à outra parte algum motivo da nulidade do negócio.
 Necessidade de sigilo quando se justifica.
 O art. 227º deve ser enquadrado no âmbito da responsabilidade civil extracontratual (obrigação
resultante da lei e não da autonomia privada).

 A responsabilidade prescreve nos termos do art. 498º.

 Ao calculo da indemnização serão aplicáveis os arts. 489º e 494.

Comparação entre art. 227º e art. 229º,1 (2ª parte):


 O art. 227º não exclui a aplicação do art. 229º,1 (2ª parte), aplicando-se independentemente.
 O art. 229º, 1 (2ª parte) não exige a culpa, estabelece uma obrigação de avisar como
contrapartida de atribuir ao proponente a possibilidade de, unilateralmente, impedir a conclusão
do contrato (direito potestativo – outra parte está num estado de sujeição).

As relações contratuais de facto ; problema da sua existência

 Há uma certa doutrina que defende a existência de obrigações contratuais sem a formação de
um contrato por meio das respectivas declarações negociais, unicamente com base num
comportamento de facto/ comportamento social.
 Tal doutrina conduz à não aplicação das regras das incapacidades negociais bem como das
disposições referentes às invalidades do negócio a fenómenos e negócio de massa da vida
diária.
 São situações em que aparece uma entidade pública (de forma directa ou indirecta) como
fornecedor de um serviço (transportes públicos, gás, electricidade).
 São situações em que há uma hipótese de aquele que tem um comportamento social típico
entrar em contacto com uma entidade pública que presta um serviço.
 Nestes casos, a conclusão do contrato seria dispensável, seria sempre devida a contraprestação
quando a prestação fosse de facto aceite ou utilizada.
 Esta doutrina deve ser rejeitada:
o Ela é supérflua visto o comportamento social-típico coincidir, na grande maioria dos
casos, com a declaração negocial tácita e na vontade correspondente.
o Se o comportamento não traduzir uma vontade subjacente, será possível recorrer ao
disposto no art. 244º, 2, (1ª alternativa) – a reserva mental não conhecida do declaratário
não prejudica a validade da declaração, inclusive da declaração tácita.
o Quando o comportamento observado for contrariado por declarações de protesto
recorre-se ao princípio acolhido nas regras da boa fé e do abuso de direito.
o No caso de menores ou incapazes, será aplicável o art. 127º,1,b) e subsidiariamente o
regime de enriquecimento sem causa.
o Nos casos de relações obrigacionais duradouras originadas por contratos inválidos, as
relações contratuais de facto não servem. O que importa é uma regulamentação
específica em relação ao regime geral do art. 289º.

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o Nos casos do dever jurídico de contratar a figura das relações contratuais de facto é
supérflua e dispensável. Quem está obrigado a contratar deve aceitar as propostas
contratuais que sejam feitas.
 O código civil não aceita a doutrina das relações obrigacionais de facto:
 Têm raízes colectivizantes.
 Rompe o sistema do negócio jurídico e do contrato alicerçado na autonomia privada.
 Conduz à inobservância da lei mesmo em casos inequívocos.
 Não é compatível com a doutrina da transferência de direitos reais por mero efeito do contrato.

A representação na conclusão do contrato


 A declaração negocial pode ser formulada e manifestada por outros que agem em vez das partes
ou de uma delas.

A representação:
 Há um representante que participa no tráfico jurídico negocial ou em nome de outrem
(representado).
 Os efeitos dos negócios concluídos pelo representado, produzem-se directa e imediatamente, na
esfera do representado.
 Os poderes de representação podem resultar:
o Da lei – representação legal.
o Negócio jurídico – representação voluntária.
 A figura da representação não põe em causa o princípio da autonomia privada, pelo contrário, é
uma forma da sua efectivação.

Os incapazes e a representação:
 Os incapazes não estão em condições para poderem participar no tráfico jurídico negocial.
 Assim, compreende-se que não se reconheça aos incapazes capacidade para nomear um
representante voluntário, pois carece de capacidade de exercício para o fazer (123º, 139º, 156º).
[Poderá haver uma excepção à sua incapacidade 127º, 139º, 156º).
 Ao ficarem excluídos do tráfico jurídico negocial, os incapazes não poderiam fazer uso da sua
capacidade de serem titulares de direitos e obrigações. Para evitar esta situação, serve a figura
da representação legal:
o Não se trata da realização do princípio da autonomia privada, mas da integração dos
incapazes no tráfico jurídico negocia, muito embora sem actuação própria.
o É uma representação conferida por lei: o representante age dentro de vinculações e
limitações impostas pela função do instituto e pelo facto da sua actuação produzir
efeitos na esfera jurídica de quem não possui capacidade para agir.
A representação no código civil:
 Art. 258º a 261º - contem os princípios gerais, aplicáveis a representação voluntária legal.
 Art. 262º a 269º - representação voluntária – focam o carácter negocial do instituto.

Princípios gerais; delimitações para com figuras semelhantes


 Pressupostos para a produção de efeitos jurídicos em virtude da representação (art. 258º):
o Um negócio jurídico.
o Realizado pelo representante em nome do representado.
o Nos limites dos poderes que lhes competem.
o Nota: o art. 258º abrange representação activo (o representante emite uma declaração
negocial) e representação passiva (o representante recebe uma declaração negocial).
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 Estabelecidos os pressupostos, o Negócio jurídico concluído pelo representante vincula e


responsabiliza juridicamente o representado e a outra parte com que o representante negociou.

Nota: não é elemento legal essencial que o representante aja no interesse do representado, embora isso
seja sempre o caso em relação à representação legal.

Distinção entre representação ou do representante com outras figuras e institutos:


 Distinção entre núncio e representante:
o Núncio – transmite uma declaração alheia formulada por outrem.
o Representante – presta uma declaração própria.
 Distinção entre representante e quem age em nome próprio por conta de outrem (comissário,
mandatário sem poderes de representação, “homem de palha”):
o Quem age em nome próprio por conta de outrem – são verdadeiras partes no negócio,
mas os efeitos do negócio são deslocados para a esfera daquele por cuja conta o negócio
se concluiu.
 Distinção entre mandato sem representação e com representação:
 Mandato sem representação – mandatário actua em nome próprio por
conta de outrem.
 Mandato com representação – alguém actua em nome e por conta de
outrem (procuração + contrato de mandato).
o Representante – não é parte no negócio, produzindo-se os efeitos deste na esfera jurídica
do representado.
 Distinção entre representante e quem age sob o nome de outrem, disfarçando a sua verdadeira
identidade.
 Distinção entre representante e pessoas que servem como medianeiros na conclusão de negócios
jurídicos ou de auxiliares na sua execução.
o Aqui, o negócio é celebrado pelos próprios, mediante uma retribuição daquelas pessoas.
 Distinção entre representantes e representação orgânica:
o Representação orgânica – órgãos inscritos nas pessoas colectivas e destinadas a fazer
agir as mesmas por actos próprios.
 Distinção entre representação e certos ofícios (testamenteiro, vogal do conselho de família,
administrador de falência).
 Distinção entre representação e consentimento e autorização como pressupostos de validade de
certos negócios jurídicos.
 Distinção entre representação e contrato para pessoa a nomear (452º a 456º) e contrato a favor
de terceiro (443º a 451º).
o Representação – categoria especial da conclusão do negócio.
o Contrato para pessoa a nomear ou a favor de terceiro – constituem categorias especiais
dentro das várias modalidades especiais.

Art. 259º - falta ou vícios da vontade e estados subjectivos relevantes


1. “No negócio, quando celebrado pelo procurador, há elementos em que é decisiva a vontade do
representado e elementos em que prevalece a vontade do representante”. Assim, os poderes do
representante são determinados pelo poder do representado. Tudo o mais pertence à esfera do
representante.
a. Se a falta ou vício da vontade incidir sobre os elementos em que prevalece a vontade do
representado, atende-se à pessoa do representado.

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b. Se a falta ou vício da vontade incidir sobre os elementos em que prevalece a vontade do


representante (por o representado não se ter pronunciado, ex. preço, edição...), atende-se
à pessoa do representante para saber se houve vício ou falta de vontade.
c. O mesmo se observa quanto à influência que o conhecimento ou ignorância de certos
factos poder ter sobre o negócio. É de grande importância o estado de boa fé ou de má fé
se este estado deriva do conhecimento ou ignorância do facto:
i. A boa fé do representante não poderá ser atendida para qualquer efeito do
negócio.
ii. Ao representado de má fé não aproveita a boa fé do representante.

Nota: compreende-se o relevo dado pela lei à vontade do representante, apesar de o negócio reproduzir
imediatamente os seus efeitos na esfera do representado, visto o papel activo que o representante tem
na celebração do negócio.

Nota 2: o art. 259º aplica-se à representação voluntária e, ainda que indirectamente, à representação
orgânica. O nº1 não faz sentido no caso da representação legal.

Art. 260º - justificação dos poderes do representante


 A justificação dos poderes de representação pode ter lugar tanto na representação legal como na
voluntária.
 A parte que trata com o representante tem a possibilidade de conhecer os poderes exactos a ele
conferido, antes de celebrar quaisquer negócios em que aqueles poderes poderão faltar.
 O representante não pode celebrar negócios com qualquer pessoa:
o O negócio é vedado ao representante em virtude de haver uma indisponibilidade ou
ilegitimidade do representado.
o Não pode o representante concluir um negócio “consigo mesmo” sob pena de ser
anulável (art. 261º).

Art. 261º - negócio consigo mesmo


 Art. 261º,1:
o proíbe o negócio celebrado pelo representante consigo mesmo, seja em nome próprio
seja em representação de terceiro a menos que:
 O representado tenha especificamente consentido na celebração.
 O negócio exclua por natureza a possibilidade de um conflito de interesses.
o Prevê duas hipóteses:
 Se o representante tem poderes para, em nome do representado, vender certo
objecto, não o pode vender a si próprio mas apenas a um terceiro como outra
parte do negócio.
 Hipótese da dupla representação – as proibições estabelecidas valem também
para as representações orgânicas.

 Art. 261º,2 – prevê a hipótese de o representante substalecer os seus o poderes de representação.


O representado continua o mesmo, mas os poderes para os representantes foram transmitidos
para um substituto do representante originário. Este substituto pode agora celebrar o negócio,
em nome do representado, com o primeiro representante, agindo este em nome próprio.

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A procuração e os seus efeitos

Procuração:
 Representação voluntária (arts. 262º a 269º).
 É um acto jurídico unilateral por meio do qual uma pessoa é nomeada procurador.
 Normalmente consta de uma declaração receptícia.
 É a posição de poder de representação, resultante de um acto de atribuição.

Art. 263º - capacidade do procurador


 Pode ser procurador quem não tem capacidade para o exercício de direitos, desde que tenha,
para a celebração do acto, o necessário discernimento.
 Exige-se, no entanto a capacidade de entender e querer correspondente à substância do negócio,
em vista do papel activo que na celebração deste tem a vontade do representante (art. 259º,1).
 Outra é a situação do outorgante dos poderes de representação; este precisa de ser capaz tanto
para a procuração como para a realização do negócio a que ela se destina.

Art. 264º - substituição do procurador


 Importante distinguir dois casos:
o O de o procurador pretender substituir-se na execução da procuração – tal depende do
consentimento do representado se não resulta do conteúdo da procuração ou da relação
jurídica que a determine.
o O procurador pretender servir-se de auxiliares no seu exercício – não há, em princípio,
quaisquer limitações às possibilidades do procurador.
 A autorização para a substituição, tal como qualquer outro dos poderes contidos na
representação, não necessita da ser expressa, podendo ser tácita.

Art. 265º - extinção de procuração


 A extinção da procuração procede-se por via unilateral.
 Causas da extinção da procuração:
o Renúncia do procurador – acto unilateral que não carece de aceitação por parte do
representado.
o Revogação pelo representado – em princípio, não há qualquer obstáculo à revogação, a
menos que a procuração tenha sido conferida também no interesse do procurador ou de
terceiro, exigindo-se o acordo do interessado.
o Cessação da relação jurídica que serve de base (contrato de mandato, sociedade,
trabalho...).
 Embora a renúncia à procuração, tal como a revogação dela, não necessite de aceitação da
contraparte, são declarações receptícias.
 A procuração é juridicamente autónoma da relação jurídica de base. Assim, a invalidade desta
não afecta a primeira. Pretende-se, desta forma, proteger a outra parte que negoceia com o
procurador.
o Nota: o mandato (arts 1157º e ss):
 É um contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos
jurídicos por conta de outrem.
 Mandato sem representação (1180º) – o mandatário actua por conta do mandante
mas em nome próprio. Produzem-se efeitos na esfera jurídica do mandatário.
 Mandato com representação (1178º):
 O mandatário actua por conta do mandante e em nome próprio.

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 Aplicam-se as regras da representação – o mandatário não é parte do


negócio, pelo que os efeitos jurídicos produzem-se directamente na esfera
do mandante.
 O mandato é sempre um negócio independente da procuração como acto
posterior ou subsequente.

Art. 266º - protecção de terceiros:


 Estabelecem-se dois regimes:
o Modificação e revogação da procuração – a lei exige que a modificação e a revogação
sejam levadas ao conhecimento de terceiros por meio idóneos, sob pena de lhes não
serem oponíveis, salvo se se provar que estes as conheciam (afasta-se um pouco da regra
do art. 224º).
o Restantes casos extintivos – estabelece uma presunção de ignorância por parte de
terceiros. A estes caberá provar que ignoravam, sem culpa, a extinção da procuração
(ex. extinção da relação jurídica de base).
 Nos casos de inoponibilidade da extinção da procuração, o representado fica vinculado pelas
declarações negociais do seu ex-procurador em relação a outra parte que não conhecia a
extinção ou a ignorava sem culpa, de modo que os negócios se concluem, produzindo os seus
efeitos.
 O procurador dever restituir o documento de onde constem os seus poderes, logo que a
procuração seja extinta, sem que ele goze do direito de retenção do documento (267º).

Procuração geral e procuração especial


 Procuração especial – confere poderes especiais no procurador para cada acto, portanto, para
um negócio só (em muitos casos, a lei apenas permite uma procuração especial – negócios
jurídicos familiares).
 Procuração geral – confere poderes gerais ao procurador e portanto para um multiplicidade de
negócios.
 A amplitude dos respectivos poderes resulta do conteúdo do acto de atribuição e,
indirectamente, da relação jurídica de base.

Art. 268º - representação sem poderes


 Alguém celebra um negócio em nome de outrem sem ter os necessário poderes de
representação.
 “sem poderes de representação” significa:
o Não existe procuração a favor da pessoa.
o Procuração inválida (nula).
o Violação dos limites formais estabelecidos na procuração.
 Consequências:
o O negócio não pode provocar quaisquer efeitos na esfera jurídica da pessoa em nome da
qual a outra celebra um negócio, não tendo poderes de representação.
o A pessoa que celebra o negócio em nome de outrem também não fica vinculada pois não
é parte no contrato. (Poderá ser-lhe exigida responsabilidade pré-contratual – art. 227º).
o A parte que celebra o negócio com aquela que não tinha poderes de representação fica
vinculada:
 Ignora a falta de poderes da outra parte – pode desvincular-se unilateralmente do
negócio (enquanto este não for ratificado).
 Sabia que a outra parte não tinha poderes de representação – não pode
desvincular-se unilateralmente do negócio, mas pode fixar um prazo razoável à
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outra parte para que ratifique (ou não) ou negócio. Caso tal ratificação não se
verifique no prazo estabelecido, então a outra parte já se pode desvincular.

Ratificação – negócio jurídico unilateral, não necessariamente receptício, destinado a atribuir efeitos a
outro negócios que deles carecem. Os efeitos do negócio jurídico ratificado produzem-se desde o
momento da sua celebração entre as partes, ou seja, entre quem o representante originariamente sem
poderes, tinha concluído o negócio.

 Situação diferente é quando alguém age sob nome falso. Caso o agente pretenda concluir o negócio
com efeitos para ele próprio, utilizando falso nome para dissimular a sua identidade, e a outra parte não
se interessa pela identidade mas sim pelo negócio em si, os seus efeitos produzem-se entre quem se
apresenta sobre um falso nome e a outra parte.

Art. 269º - abuso de representação


 O representante pratica um acto que está formalmente contido na procuração, mas pratica-o de
forma a lesar os interesses do representado:
o Viola instruções.
o Actos que não correspondem ao interesse do representado.
 O abuso de representação só é juridicamente relevante quando é conhecido pelo terceiro (em
princípio não afecta a invalidade ou ineficácia do negócio).
 É aplicado o disposto relativo à representação sem poderes quando o representante tiver
abusado dos seus poderes e a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso.

Nota: não se trata de abuso de representação quando o procurador, agindo formalmente dentro dos
seus poderes funcionais, e a outra parte colaboram conscientemente para prejudicar o representado –
COLUSÃO – o negócio é nulo pois é ofensivo dos bons costumes nos termos do art. 281º.

Parte III - Os negócios jurídicos com eficácia limitada

 “Em certos condicionalismos os efeitos, muito embora o negócio seja perfeitamente válido, não se
produzem desde logo... não se produzem de forma estável…ou não se produzem na íntegra.”37

 Os condicionalismos podem encontrar a sua origem na vontade das partes, na lei ou na lei com o
concurso da vontade das partes.

 A aplicação de condicionalismos traz alguma instabilidade ao tráfico jurídico uma vez que a
vontade das partes ou o comanda da lei fazem com que os efeitos de um negócio válido não se
desenvolvam plenamente.

Os negócios jurídicos com efeitos subordinados a condição ou termo

 “As partes de um negócio jurídico podem subordinar o início ou a cessação da produção dos
seus efeitos à verificação de uma condição ou de um termo”38
 Não é necessário que a lei o permita para que seja possível às partes imporem determinadas
condições ou termos a um negócio jurídico. Tal é compreensível à luz dos princípios da

37
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.490.
38
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.490.

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autonomia privada (no entanto, existem situações em que a lei vem expressamente permitir no
de modo a evitar dúvidas – ex. convenções antenupciais art. 1713º,1).
 Tanto a condição como o termo têm em comum o facto de serem exteriores ao negócio
(elementos acidentais), estando, no entanto, incidivelmente ligados a eles, uma vez que
determinam a produção dos seus efeitos.
 Tanto o termo como a condição são acontecimentos futuros, no entanto, no caso da condição, a
verificação do acontecimento futuro é incerta, no caso do termo, a verificação do acontecimento
futuro é certa.

A condição

 “É um elemento querido pelas partes, acrescentado ao negócio. Por ser voluntária, ela distingue-
se das “condições legais” (conditio iuris) que não são condições verdadeiras, mas exigências da
lei como pressupostos para a verificação de determinados efeitos jurídicos (ex. arts. 687º e
1669º). Assim, as condições legais de eficácia,, não são condições no sentido próprio.
 Art. 270º,1:
o Condição (própria) – um acontecimento FUTURO e INCERTO ao qual as partes
subordinam a produção ou a resolução dos efeitos do negócio jurídico (as cláusulas
apostas a um negócio jurídico para condicionar a produção dos seus efeitos, que não se
refiram a um acontecimento simultaneamente futuro e incerto são CONDIÇÕES
IMPRÓPRIAS).
 Acontecimento futuro – mostra que não são condições neste sentido as reservas
relacionadas com factos presentes ou passados, ou seja, acontecimentos já
verificados, mas que as partes ainda não conhecem (incerteza subjectiva). O
acontecimento em si tem de verificar-se objectivamente no futuro.
 Acontecimento incerto – tem como consequência que não são condições neste
sentido, as que se referem a acontecimentos impossíveis ou acontecimentos que
se verificam necessariamente (falta o elemento da certeza).
o A condição pode ser suspensiva ou resolutiva:
 Suspensiva – a produção de efeitos de um negócio jurídico fica subordinada a
um acontecimento futuro e incerto.
 Resolutiva – a resolução do negócio jurídico fica sujeita à verificação de um
determinado acontecimento futuro e incerto.
 271º (condições ilícitas ou impossíveis)
o Art. 271º,1 – Condições próprias mas ilícitas - condições contrárias à lei, à ordem
pública ou ofensiva dos bons costumes:
 Não há impossibilidade. “O facto de que fica a depender o efeito ou a resolução
do efeito é possível. O que é contrário à lei (à ordem pública ou ofensivo dos
bons costumes) é a imposição do facto”39. (Ex. o declarante exigir como
condição da eficácia, não sair o destinatário de sua casa).
 O negócio jurídico subordinado a uma destas condições é nulo.
 “Para saber se a cláusula é ilícita, não é a licitude ou ilicitude do problema, mas a
ilicitude ou licitude do nexo criado entre o facto e a eficácia do negócio, ou seja,
a subordinação querida pelas partes. Um facto lícito pode assim constituir
objecto de uma condição ilícita e uma condição ilícita pode ter por objecto um
facto lícito.”40

39
Cit. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed, Coimbra Editora, Limitada, Vol I, pp.251.
40
Cit. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed, Coimbra Editora, Limitada, Vol I, pp.251.

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o Art. 271º,2 – Condições física ou legalmente impossíveis:


 Condições impróprias – condição física ou legalmente impossível.
 Condições físicas ou legalmente impossíveis SUSPENSIVAS – o negócio é
nulo.
 Condições física ou legalmente impossíveis RESOLUTIVAS – o negócio produz
os seus efeitos desde logo e continua a produzi-los sem ameaça de resolução.
 Nem todos os negócio jurídicos admitem condições:
o Devido à natureza do negócio que não comporta incertezas quanto à produção dos seus
efeitos – ex. os negócio jurídicos familiares pessoais apresentam uma natureza
incompatível com a existência de uma condição.
o Devido a disposição legal expressa (art. 848º,2+1618º,2+1852º,1+2054º,1+2064º,1) –
ex. o contrato individual de trabalho será incondicionável, sobretudo quando está em
causa uma condição resolutiva.
o Exercício de direitos potestativos – não pode ser feito sob condição tendo em conta que
o declaratário deve ser protegido contra a insegurança resultante de um exercício
condicional.
 Apenas quando o preenchimento da condição depender unicamente da própria
vontade do declaratário, a condição é admissível para influenciar a vontade ou
comportamento deste. Aqui, o declaratário não necessita de ser protegido contra
uma situação de insegurança que lhe é criada por fora, da parte do declarante,
uma vez que cabe a ele próprio desfazer a situação de insegurança (CONDIÇÃO
POTESTATIVA OU DE QUERER).
 Art. 272º - pendência da condição:
o “No caso de se agir de má fé e de se prejudicarem as legítimas expectativas da outra
parte, pratica-se um facto ilícito, e que o pratica é responsável pelos danos que causa”41
[a doutrina do art. 275º,2 é uma consequência deste princípio, aliás na linha de
pensamento do art. 224º, 2 e 3].
 Art. 273º - pendência da condição: actos conservatórios:
o “É doutrina aceita, em várias disposições do código, a da admissibilidade da prática de
actos conservatórios, aquém tem uma expectativa legítima ou um direito condicional,
para salvaguarda dos seus interesses”42
 Efeitos imediatos do negócio condicional – efeitos produzidos pelo negócio
mesmo na pendência da condição, porque o negócio se encontra concluída, antes
da verificação da condição ou não da condição suspensiva.
 Art. 272º + 273º  resulta que o negócio jurídico embora ainda não produzindo ou não
produzindo definitivamente os seus efeitos pretendidos, produz, no entanto, os efeitos
protectores das expectativas jurídicas criadas. O negócio condicional produz de imediato
aqueles efeitos indispensáveis para que, no momento da verificação da condição, se possam
produzir os efeitos pretendidos, antes subordinados à condição. Os efeitos produzidos de
imediato são a expressão do facto de o negócio condicional, por ser um negócio validamente
concluído, implicar desde já uma VINCULAÇÃO MÚTUA DAS PARTES.
 Art. 275º- verificação e não verificação da condição:
o Art. 275º,1 – “não há que aguardar a não verificação da condição para que ela produza
os seus efeitos: basta que haja a certeza de que não pode verificar-se. Tratando-se de
uma condição suspensiva, tudo se passa como se o negócio não tivesse sido concluído;

41
Cit. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed, Coimbra Editora, Limitada, Vol I, pp.252.
42
Cit. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed, Coimbra Editora, Limitada, Vol I, pp.252.

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TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

tratando-se de uma condição resolutiva, os efeitos do negócio consolidam-se


definitivamente na titularidade do credor ou do adquirente.
o Art. 275º,2:
 É uma consequência da regra geral do art. 272º (e está de acordo com o art. 224º,
2 e 3).
 A boa fé tem o sentido ético do art. 227º.
 Com a celebração do negócio condicional nascem deveres secundários ou
acessórios, especiais, de conduta para uma das partes ou para ambas.
 A ninguém deve ser lícito tirar proveito dos actos que pratique, violando as
regras de boa fé.
 Art. 274º - pendência da condição: actos dispositivos
o Trata-se de um artigo que adopta uma solução diferente dos arts. 272º+273º e 275º.
o 274º,1 - Possibilita a alienação de direitos condicionais, COMO CONDICIONAIS,
sujeitando-se o adquirente e não o alienante, à contingência da verificação da condição.
A natureza aleatória do acto transmite-se para o adquirente.
o 274º,2 – “manda o nº 2 aplicar directamente, ou por analogia, o disposto nos arts. 1269º
e seguintes, se houver lugar à restituição do que houver sido alienado. A aplicação é
directa, se aquele que é obrigado a restituir tem a posse da coisa. Não havendo posse, há
lugar à aplicação analógica das mesmas disposições. Assim, o adquirente de um crédito
obrigado a restitui-lo tem direito aos juros nos termos do art. 1270º.”43
o Abrange também a transmissão da expectativa jurídica à aquisição plena do direito.
 Art. 276º - retroactividade da condição
o Verificada a condição os seus efeitos retrotraem-se à data conclusão do negócio, a não
ser que, pela vontade das partes, ou pela natureza do acto, o momento dos efeitos seja
outro.
o Deste preceito, juntamente com o art. 270º, retira-se que a retroactividade não constitui
parte necessário ou essencial do conceito de condição.
 Art. 277º - não retroactividade:
o A retroactividade fica excluída em determinadas situações:
 Contratos de execução continuada ou periódica (arts. 277º,1 + 434º,2).
 Actos de mera administração (arts. 277º,2 + 272º e 273º)
 Aquisição de frutos colhidos no exercício de actos de administração ordinária
(art. 277º,3+ 277º,2 + art. 1270º).

A condição suspensiva
 O negócio jurídico, embora validamente concluído, não transferiu ainda, ou pelo menos, de
modo definitivo, os direitos ou obrigações que tem por objecto.
 O a situação mais importante da condição suspensiva é a reserva de propriedade (art.409º):
o A transferência de direitos reais dá-se por mero efeito do contrato (art. 408º,1 e 879º,a +
954º,a) e 939º). É possível, que nos contratos de alienação o alienante reservar para si a
propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte
ou até à verificação de qualquer outro evento.
o A estipulação de uma condição pelas partes conduz, desta forma a um estado de
pendência:
 Não existe um direito pleno na pessoa do adquirente.
 Há uma EXPECTATIVA JURÍDICA – um direito à aquisição plena.

43
Cit. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed, Coimbra Editora, Limitada, Vol I, pp.253.

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TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

A condição resolutiva
 Embora validamente concluído o negócio jurídico não transferiu ainda de modo definitivo os
definitivo os direitos ou obrigações que tem por objecto.

O termo
 Momento a partir do qual o negócio jurídico deve começar a produzir os seus efeitos, ou a
deixar de os produzir.
 Negócio a termo é aquele em que as partes querem que os seus efeitos só se produzam depois
que se dê um acontecimento FUTURO e CERTO, ou até que este se verifique.
o Acontecimento certo – há a certeza da sua verificação independentemente da incerteza
do momento em que tal acontecerá.
 Tipos de termo:
o Termo certo e determinado (dies certus an et certus quando) – aquele que se sabe de
certeza que chegará e quando. (ex. data de um calendário).
o Termo certo e indeterminado (dies certus an et incertus quando) – aquele que se sabe
que chegará, mas sem se saber quando. (ex. morte).
o Termo suspensivo (inicial/ dies quo) – marca o momento a partir do qual o negócio
começa a produzir os seus efeitos.
o Termo extintivo ou final (dies ad quem) – quando assinala o momento em que o negócio
deixa de produzir efeitos.
 O contrato decorre, antes da verificação do termo, como se não estivesse sujeito
àquela estipulação.
 Verificado o termo, os efeitos do negócio cessam, mas somente para o futuro,
SEM QUALQUER ESPÉCIE DE RETROACTIVIDADE.
 Pode ser estipulado no interesse do devedor, do credor ou no interesse comum das partes.
Aquele a favor de quem o termo foi estabelecido pode renunciar a ele, pelo que a renúncia
também é causa da sua extinção.
 Aos negócios a termo, aplicam-se com as necessárias adaptações as disposições dos arts. 272º e
273º.
 Art. 279º - cômputo do termo.

Os encargos ou cláusulas modais


 Um encargo onera uma liberdade, mas não atinge (ao contrário da condição e do termo) a
produção dos efeitos do negócio que prevê.
 O não cumprimento do encargo não tem, só por si, qualquer influência sobre os efeitos da
liberdade. Para atingir os efeitos, é preciso accionar os meios previstos na lei para a resolução
dos negócios correspondentes.
 Constitui um elemento exterior ou acidental ao negócio jurídico, mas sem influenciar nos seus
efeitos.
 Enquanto condição e termo são imediatamente decisivos para a produção ou não produção dos
efeitos do negócio jurídico (ligação incindível), um encargo não o é (ligação cindível).
 Aos encargos referem-se os arts. 963º a 967º no contexto da doação e, em termos paralelos, os
arts. 2244º a 2248º, no contexto das disposições testamentárias. (Para a resolução dos negócios
correspondentes é necessário accionar os mecanismos previstos na lei arts. 966º e 2248º).

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TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

Os negócios jurídicos com efeitos dependentes de ratificação


 São negócios jurídicos em que a vinculação só se pode verificar em relação a um lado do
negócio.
 Ratificação – é um negócio jurídico unilateral que destinado a atribuir efeitos plenos a outro
negócio que deles careça. Se, porém, os negócios susceptíveis de ratificação, não forem
ratificados, não produzem os seus efeitos em relação à parte que pode ratificar ma entendeu não
o fazer.
 Exemplos: casos de inibição do insolvente civil e do falido, no caso de representação sem
poderes, contrato para pessoa a nomear, situação prevista no art. 229º,2.

Os negócios dos insolventes e dos falidos celebrados sem poderes de representação:


 São ineficazes relativamente à massa insolvente ou falida os negócios do insolvente e do falido
na medida em que estão inibidos, por força da indisponibilidade de que sofrem quanto aos seus
bens abrangidos pela respectiva massa, de fazer funcionar a garantia patrimonial geral do art.
601º.
 O negócio não é ineficaz em relação à parte com que o indivíduo contratou.
 A falta de vinculação existe apenas quanto à massa.
 “As inibições do insolvente civil e do falido resultam do seu estado de insolvência ou falência
em virtude do qual a massa insolvente é, como património separado ou autónomo, subtraída à
sua administração e disposição.”44
 Estado de insolvência (art. 1313º,1 CPC)  refere-se a não comerciantes “o devedor não
comerciante pode ser declarado em estado de insolvência quando o activo do seu património
seja inferior ao passivo”.
 Estado de falência (art. 1135º CPC)  diz respeito a comerciantes “o comerciante
impossibilitado de cumprir as suas obrigações considera-se em estado de falência.”
 Tanto a falência como a insolvência civil são declaradas por sentença judicial. Esta é notificada
ao Ministério Público, registada por este na conservatória competente e publicada no jornal
oficial, no jornal mais lido na comarca e em editais afixados na porta da sede e sucursais do
estabelecimento falido, na da sua residência e ainda na do tribunal. Tal pretende prevenir o
público contra eventuais negócios com quem estiver atingido por tal medida grave.
 Efeitos da insolvência civil e da falência:
o Separação dos patrimónios do devedor na medida em que esta declaração conduz a uma
apreensão dos seus bens penhoráveis e a uma inibição sua para os administrar ou dispor
deles (a administração desta massa patrimonial cabe ao “administrador da massa
insolvente ou falida”45).
o Apenas lhe ficam os bens impenhoráveis, necessários para a sua subsistência.
o Os negócio posteriores aquela sentença declaratória são INEFICAZES
(independentemente de registo). O falido ou insolvente não fica em nenhum estado de
incapacidade, fica na situação de quem perde o poder de disposição dos bens:
 Art. 226º,2  “A declaração é ineficaz, se o declarante, enquanto o destinatário
não a receber ou dela não tiver conhecimento, perder o poder de disposição do
direito a que ela se refere.

44
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.498.
45
Massa insolvente ou falida: destina-se a satisfazer os credores, em condições iguais, até à sua distribuição ou liquidação
total. Trata-se de uma execução global de todo o património penhorável do devedor no interesse de todos os credores.
(Assim, explica-se a razão da perda de disposição dos bens penhoráveis do falido ou insolvente, pois, caso contrário, este
poderia celebrar negócios que prejudicassem esta mesma massa patrimonial).

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TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

 Essa inibição conduz a uma indisponibilidade relativa, apenas limitada ao nível


da eficácia, mas sem afectar a validade do negócio.
 Se o negócio concluído pelo falido ou insolvente civil trouxer vantagens para a
massa patrimonial, o administrador poderá ratificar (= negócio jurídico unilateral
através do qual alguém vem atribuir pleno efeito a um outro negócio jurídico) o
negócio, tendo em conta os interesses dos credores. Assim, a partir do momento
da ratificação, o negócio jurídico celebrado com o falido ou insolvente e a outro
parte, ganha eficácia retroactiva ao momento da celebração do negócio.
 Nota: “Caso o administrador da massa não vincule a mesma por via da
ratificação, o insolvente ou falido responde à outra parte por incumprimento do
contrato se não consegue realizara contraprestação”46.

Os negócios celebrados sem poderes de vinculação:


 Caso da representação sem poderes (ver art. 268º). O representante sem poderes de
representação responde à outra parte com base na culpa na formação dos contratos, de acordo
com o art. 227º.
 Caso do contrato para pessoa a nomear:
o Uma das partes pode reservar o direito de nomear um terceiro que adquira os direitos e
assuma as obrigações provenientes desse contrato (art. 452º,1).
o A nomeação necessita de ser ratificada nos termos dos arts. 453º e 454º, sob pena de não
produzir efeitos em relação ao nomeado (arts. 453º,2 e 455º, 2: arg. a contrario).
o Sendo a nomeação feita, a pessoa adquire os direitos e assume as obrigações
provenientes do contrato a partir da celebração dele (arts. 455º,1).
o Se assim não for, o contrato produz efeitos apenas em relação ao contraente originário.

Os negócios jurídicos com eficácia relativa


 Há uma vinculação entre as partes com plena produção dos efeitos, não sendo estes, porém,
oponíveis a “terceiros” que não os conhecem devido à falta de publicidade dos negócios.
 Os casos da falta de publicidade:
o A preocupação de lei em proteger terceiros contra evoluções que não conhecem nem
podem prever reflecte-se em muitos preceitos:
 Art. 266º (protecção de terceiros).
 Art. 871º (eficácia em relação a terceiros).
 Arts. 276º+277º+1713º,2 – o preenchimento da condição não tem efeitos
retroactivos.
 Art. 268º,2 (a ratificação opera sem prejuízo de direitos de terceiro).
 Art. 291º - a anulação não prejudica certos direitos adquiridos por terceiro de boa
fé.
 Arts. 434º+435º - a resolução não prejudica direitos adquiridos por terceiros.
 Art. 979º - a revogação da doação não afecta terceiros adquirentes.
 Art. 1670º,2 – o registo tardio do casamento católico não afecta direitos
patrimoniais de terceiros.
o Os casos de ineficácia relativa a terceiros são precisamente aqueles em que um negócio
devia ter sido publicitado, respectivamente registado, mas não foi:
 Art. 168º,3 – a constituição da associação não produz efeitos em relação a
terceiros antes de ser publicitada.

46
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.500.

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TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

 Art. 185º,5+168º,3 – a instituição da fundação não produz efeitos quanto a


terceiros antes de ser publicitada.
 Art. 1711º,1 – as convenções antenupciais só produzem efeitos em relação a
terceiros depois de registadas.
 As diversas disposições das leis do registo – os factos sujeitos a registo só
produzem efeitos contra terceiros a partir do registo.
o O registo predial em particular:
 “O registo predial destina-se, essencialmente, a dar publicidade à situação
jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança no comercio jurídico
imobiliário” (CRPred art. 1º).
 Estão sujeitos a registo, entre outros, os factos jurídicos que importem a
constituição, a aquisição ou a modificação do direito da propriedade ou de um
direito real limitado sobre um prédio (CRPred art. 2º).
 O respectivo direito constitui-se, adquire-se ou modifica-se por mero efeito do
contrato entre as partes (art. 408º,1 + art. 879º,a – compra e venda / art. 939º,a +
954º,1,a) – doação), sendo depois levado a registo para aí ser inscrito em ordem
a que o facto se torne oponível a terceiros.
 Os factos sujeitos a registo podem ser invocados desde logo, a partir da sua
ocorrência, entre as próprias partes ou seus herdeiros, ainda que não registados
(art. 4º CRPred). [Na verdade, como os terceiros apenas precisam de conhecer os
factos depois de registados é natural que estes não lhes sejam oponíveis
anteriormente].
 Terceiros para efeito de registo  são terceiros para efeito de registo, aqueles
que adquirem do mesmo transmitente, um direito total ou parcialmente
incompatíveis com direitos de outrem, sobre o mesmo objecto.
 Neste tipo de negócios, os factos ou direitos não registados não são oponíveis a
terceiros que participam no processo aquisitivo quanto ao imóvel.
 Fora do processo aquisitivo, os direitos não registados gozam de
oponibilidade geral, de harmonia com os efeitos “erga omnes” que os
caracterizam, pois aqui não é posta em causa a segurança no tráfico
jurídico (ex. Art. 492º - o proprietário não inscrito de um prédio responde
pelos danos causados por defeitos de conservação. )
 O registo constitui a presunção de que o direito existe e pertence ao titular
inscrito, nos precisos termos em que o registo o define (art. 7º CRPred).
 Antes do registo, a eficácia é apenas relativa, não abrangendo os terceiros que
pretendam adquirir direitos sobre o mesmo imóvel  o registo estabelece em
relação a estes terceiros, a ficção de que a situação jurídica ainda não se
modificou, contradizendo assim a realidade.
 A inoponibilidade destes negócio jurídicos sujeitos a registo, enquanto não são
registados, relativamente a terceiros adquirentes, pode acarretar consequências
graves para quem devia registar a aquisição e não regista. No caso de dupla
disposição a favor de outro adquirente que confia nas presunções do registo, se a
segunda aquisição for registada primeiro, é essa que prevalece (Nos termos do
art. 6º CRPred).
 As regras da prioridade do registo podem assim ter como consequência a perda
de um direito adquirido que apenas possuía eficácia relativa, dada a falta da sua
publicidade por meio de registo e a inoponibilidade daí decorrente.
 (Para a resolução de casos práticos:

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TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

 O registo não tem efeitos constitutivos.


 Venda de bens alheios – art. 892º (o vendedor não pode opor a nulidade
ao comprador de boa fé) – é este direito que, uma vez registado, leva a
que o terceiro adquirente para efeitos de registo adquira pleno direito
sobre o bem, mesmo na sequência da um negócio nulo. [não se trata de
uma verdadeira excepção ao princípio “nemo plus iuris”]. )
o Existem casos em que a falta de registo exclui de todo a invocação de um facto ocorrido:
 Os factos constitutivos da hipoteca cuja eficácia, entre as próprias partes depende
da realização do registo (art. 4º, 2 CRPred + 687ºCCiv).
 No âmbito do registo civil – o estado civil da pessoa tem de ser registado sob
pena de produzir meros efeitos latentes. A partir do momento que é registado, o
registo tem efeitos retroactivos.
 Os casos da inoponibilidade da invalidade:
o Trata-se de casos em que o negócio é nulo.
o Os negócio aqui em causa dizem todos respeito a atribuições patrimoniais, cuja a
incerteza traz grandes perturbações ao tráfico jurídico. Como tal, a lei tenta atribuir o
mínimo de estabilidade, mesmo nos casos de nulidade. Determinando, a produção de
certos efeitos laterais quando se trata de negócios nulos cujo objecto são atribuições
patrimoniais.
o Art. 892º (para negócios onerosos) e art. 956º,1 (negócios gratuitos):
 O vendedor ou doador de bens alheios não opor a nulidade ao comprador ou
donatário de boa fé.
 Existe, portanto, uma eficácia relativa entre as partes de um negócio nulo,
resultante da inoponibilidade da nulidade entre as mesmas por virtude da boa fé
de uma delas, que será normalmente o adquirente de boa fé.
 Estes artigos constituem uma excepção ao art. 286º, segundo o qual a nulidade é
oponível a todos os interessados (ver também art. 939º).

PARTE IV - interpretação e a integração da declaração negocial (arts. 236º, 237º,238º, 239º)

A interpretação
 Serve para captar o sentido, o próprio conteúdo da declaração, mas não para avaliar o conteúdo
sob o aspecto da sua razoabilidade ou da sua conformidade ou não com a lei.
 O objecto da interpretação é a manifestação da vontade, o elemento externo, a própria
declaração negocial.
 O fim da interpretação é o sentido da mesma. Este sentido tem de estar de acordo com a função
do negócio jurídico – a autodeterminação da pessoa dentro da sua autonomia privada conforme
a sua vontade.
 “A interpretação parte, metodologicamente, de elementos objectivos para obter, através deles,
como finalidade, o elemento subjectivo, na medida em que isto é possível”47
 Art. 236º:
o Aplica-se a declarações negociais expressas e tácitas desde que sejam receptícias.
o “O sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um
declaratário normal, ou seja, medianamente instruído ou diligente, colocado na posição
do declaratário real, em face do comportamento do declarante.”48
o Exceptuam-se os casos:
47
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.490.
48
Cit. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed, Coimbra Editora, Limitada, Vol I, pp.222.

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TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

 Não possa ser imputado ao declarante, razoavelmente aquele sentido.


 O declaratário conhecer a vontade real do declarante.
o O objectivo da solução acenta na lei é o de proteger o declaratário, conferindo à
declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do
declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir.
o Consagra-se uma doutrina objectivista de interpretação em que o objectivismo é
temperado por uma salutar restrição de inspiração subjectivista  o objectivo é proteger
as legítimas expectativas do declaratário e não perturbar a segurança do tráfico jurídico.
 Este artigo não se aplica em casos de interpretação testamentária nem a actos
jurídicos que estão fora do comércio jurídico, nem aos actos jurídicos em que
não procedam as razões justificativas do regimes estabelecido.
 Este artigo só é aplicado para as declarações receptícias.
o “A ressalva contida na parte final do nº1 tem plena aplicação naqueles casos, por
exemplo, em que o sentido razoavelmente atribuído pelo declaratário a determinados
vocábulos da declaração seja completamente ignorado do círculo de pessoas em que
vive o declarante, e muito diferente do sentido com que este o empregou” 49 – art. 236º,1
atribui o risco do uso linguístico ao declarante, uma vez que ele dispõe de todos os
meios para se fazer entender. “Apenas quando o declarante não pode contar
razoavelmente com o no sentido deduzido pelo “declaratário normal” do seu
“comportamento”, o risco linguístico ou o risco do entendimento é imputado ao
declaratário.”50
o “Do disposto no nº2 resulta que, conhecendo o declaratário o sentido que o declarante
pretendeu exprimir através da declaração, é de acordo com a vontade comum das partes
que o negócio vale, que a declaração seja ambígua, quer o seu sentido seja
inequivocamente contrário ao sentido que as partes lhe atribuíram. É a condenação das
doutrinas objectivistas puras e a confirmação da velha regra segundo a qual “falsa
demonstratio non nocet””. 51 (Situações em que declarante e declaratário se exprimem
mal e se entendem bem, apesar deste entendimento contrariar o uso linguístico ou o
sentido normal das expressões empregues  A vontade real é que conta).
o A prevalência do sentido objectivo apenas se opera entre as legítimas expectativas do
declaratário e as justas necessidades de segurança do tráfico jurídico, que também hão-
se considerar as “reacções” do declarante contra eventuais interpretações abusivas.
 Art. 237º (casos duvidosos):
o Aplica-se apenas quando o sentido da declaração não puder ser esclarecido mediante a
aplicação do art. 236º.
o “A dúvida a que este preceito alude não é a que a declaração posso suscitar antes de
esgotadas as regras da sua interpretação, mas aquela em que o intérprete razoavelmente
se deva sentir depois de ter tentado, sem êxito, dar à declaração um sentido único.”52
 Art. 238º
o Art. 238º,1  Não há sentido possível que não tenha no texto do preceito um mínimo de
correspondência, ainda que imperfeitamente expresso, a não ser que se trate de matéria
relativamente à qual se não exija a forma prescrita na lei.

49
Cit. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed, Coimbra Editora, Limitada, Vol I, pp.223.
50
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.510.
51
Cit. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed, Coimbra Editora, Limitada, Vol I, pp.224
52
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.512.

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TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

o Art. 238º,2  Um sentido que não tenha correspondência com o texto sempre pode
valer se corresponder à vontade real das partes do negócio E as razões determinantes da
forma se não opuserem a essa validade (caso em que se aplica art. 220º).
 Art. 247º (erro na declaração):
o Erro obstáculo  formou-se, sem erro, certa vontade, mas declarou-se outra.
o O acto é anulável  a anulabilidade depende de o destinatário da declaração conhecer
ou dever conhecer a essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu o
erro.
o Nota: distinta do caso do erro na declaração é a figura do dissenso (art. 232º) em que o
sentido válido da declaração nem coincide com a vontade real do declarante, nem com a
vontade do declaratário.

A integração da declaração negocial


 Se a declaração negocial não apresentar um sentido obscuro ou equívoco mas lacunas, em
princípio desconhecidas das partes, aplicar-se-á na falta de disposição especial as regras
constantes no art. 239º.
 Art. 239º:
o Só se aplica na falta de disposição especial e caso não haja um dissenso (que nos termos
do art. 232º levaria à não conclusão do negócio).
o Deve atender-se à vontade presumível dos declarantes. Mas pode acontecer que, por
esse meio, se chegue a uma solução contrária aos princípios da boa fé. Neste caso
devem prevalecer estes princípios.
o A integração de lacunas nunca pode substituir ou alargar o objecto de negócio jurídico
em causa. Ela tem de manter-se dentro do âmbito negocial traçado pelas partes.

PARTE V - A invalidade dos negócios jurídicos

 Estão em causa negócios jurídicos com uma anomalia genética que se vai repercutir sobre a
validade do negócio jurídico (e, consequentemente, sobre a sua eficácia).
 “O regime geral da nulidade e da anulabilidade encontra-se nos arts. 285º, 286º a 294º. Estes
preceitos contemplam, por assim dizer, as suas configurações típicas. Mas qualquer delas
admite, devido à especificidade de determinados negócios inválido, cambiantes atípicas... é
apenas na falta de um regime especial que se aplicam à nulidade e à anulabilidade do negócio
jurídico os arts. 286º a 294º.” 53
 A lei exige certos pressupostos na tentativa de proteger certos valores:
o Conformidade – assegurar uma efectiva autonomia privada e produção dos efeitos
pretendidos.
o Exigência que a declaração coincida com a vontade – realização do princípio da
autonomia privada.
o Exigência de determinabilidade – a lei não pode proteger um negócio que não se
percebe.
o Protecção de valores fundamentais do sistema jurídico – normas imperativas, bons
costumes, ordem pública.
o Possibilidade física legal:
 Física – não se pode proteger um negócio impossível à partida.
 Legal – coerência normativa.

53
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.517.

40
TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

Existem dois tipos de invalidade:


o Nulidade:
 Art. 286º CCiv – o negócio jurídico não produz efeitos, sendo a nulidade
invocável a todo o tempo, por qualquer interessado.
 Surge, normalmente, associada à protecção de interesses públicos ou ausência de
elementos fundamentais do negócio jurídico (sujeito, declaração, objecto
negocial (conteúdo/ efeito que se pretende produzir).
 As causas da nulidade:
 Incapacidades negociais de gozo.
 Negócios celebrados contra a lei (art. 294º).
 Negócios cujo o objecto ou o fim são desaprovados pela ordem jurídica
(art. 280º).
 Negócio de fim ilícito (art. 281º).
 Negócios celebrados sem observância da forma legal.
 Negócios celebrados com falta de vontade:
o Simulação (art. 240º) + Reserva mental (art. 244) + Declarações
não sérias (art. 245º)+ Falta de consciência da declaração e
coacção física (246º).
o Anulabilidade:.
 Art. 287º CCiv – o negócio jurídico produz efeitos temporários, podendo a
nulidade ser requerida por aqueles em cujo o interesse a lei a estabelece.
 Surge associada à protecção de interesses particulares.
 Causas de anulabilidade:
 Negócios celebrados sem capacidade de exercício.
 Negócios celebrados contra a lei ou sem os necessários consentimentos.
 Negócios usurários.
 Negócios celebrados com erro na declaração.
 Negócios celebrados com vícios de vontade:
o Erro sobre os motivos.
o Dolo.
o Coacção moral.
 Distinção entre invalidade e ineficácia do negócio jurídico:
Invalidade Ineficácia
Nível de actuação É um elemento intrínseco do Elemento extrínseco da
negócio jurídico (da declaração declaração negocial.
negocial – deficiência genética)
Nível temporal Antecede a eficácia. Poderá ser posterior a uma
invalidade.
 “Deste relacionamento entre validade e eficácia resulta que uma invalidade, nas suas
modalidades de nulidade ou anulabilidade, afecta os efeitos pretendidos. Na verdade, sendo
a invalidade uma deficiência genética ligada ao momento da emissão, é natural que ela se
repercuta na fase posterior da emissão de efeitos.”54
 A falta de efeitos ou ineficácia de um negócio jurídico pode resultar não só de factores
situados a nível externo, ou seja, a nível de condição ou termo, inoponibilidade ou ausência
de ratificação, etc. – e nestes casos podemos falar de uma INEFICÁCIA EM SENTIDO

54
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.516.

41
TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

RESTRITO (uma espécie de ineficácia directa e imediata) – como pode aparecer também
em consequência de um factor situado a nível interno, isto é, por virtude de uma invalidade
(sendo então uma espécie de ineficácia indirecta, mediata) – INEFICÁCIA EM SENTIDO
AMPLO.55
 “A ineficácia em sentido restrito e a ineficácia provocada por uma invalidade não são,
porém, categorias dogmáticas que se impõem como tais, mas o resultado de decisões
técnico-normativas (p. ex., no caso previsto no art. 877º [venda a filhos ou netos], a lei, em
vez de sancionar com a anulabilidade a venda feita sem os necessários consentimentos,
podia também ter decretado uma ineficácia relativa).”56
 “A distinção entre as duas formas de ineficácia – ineficácia em sentido estrito, por um lado,
ineficácia provocada por invalidade, por outro – tem, no entanto, uma grande relevância
prática quando se trata de atender às consequências da respectiva falta dos efeitos,
UNICAMENTE nos casos da ineficácia provocada por uma invalidade são aplicáveis as
disposições dos arts. 285º a 294º.”57

As causas da nulidade

O regime das incapacidades negociais de gozo


 “As incapacidades resultam de deficiências, de “qualidades minguantes”, da própria pessoa que
afectam ou diminuem, de uma maneira ou doutra, o seu discernimento ou as suas capacidades
volitivas.”58
 “Regra geral, todas as pessoas são capazes de gozar a titularidade de quaisquer direitos
privados, salvo disposição legal em contrário (art. 67º).”59
 “A incapacidade reside na própria pessoa do incapaz. Trata-se de situações excepcionais em que
as pessoas por elas abrangidas não podem ascender à titularidade de direitos e obrigações de
carácter pessoal por virtude das suas próprias insuficiências.”60
 “As pessoas são incapazes porque lhes falta, regularmente, o discernimento mínimo necessário,
porque haverá, em última análise, sempre um defeito da vontade que lhes veda, em termos
absolutos, a aquisição de certos direitos pessoais, situação que conduz à não activação da sua
capacidade de gozo.”61
 “Como se trata de negócio de natureza estritamente pessoal a incapacidade não é suprível: não
há ninguém que se possa substituir ao incapaz concluindo o negócio em vez dele.”62
 Os casos das incapacidades negociais de gozo são 3:
o Incapacidade para casar (art. 1601º - impedimentos dirimentes absolutos) [Excepção: o
negócio é ANULÁVEL).
 Idade inferior a 16 anos.
 Demência notória, interdição ou inabilitação por anomalia psíquica.
 Casamento anterior não dissolvido.
o Incapacidade para perfilhar (1850º) [Excepção: o negócio é ANULÁVEL]:
 Menores de 16 anos.
 Interditos por anomalia psíquica.
55
Cfr. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.316.
56
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.517.
57
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.517.
58
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.315.
59
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.315.
60
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.315 e 316.
61
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.316.
62
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.316.

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TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

 Notoriamente dementes no momento da perfilhação.


o Incapacidade para testar (2189º) [o negócio é NULO]:
 Menores não emancipados (menores de 18 anos ao abrigo do art. 130º ou
maiores de 16 anos ao abrigo do art. 132º + 1604º,b).
 Interditos por anomalia psíquica.
 “A lei não nega a titularidade como tal; limita-se a impossibilitar de todo que ela possa vir a
dar-se. Sendo assim, no fundo, a figura da incapacidade negocial de gozo parece dispensável:
podia distinguir-se entre incapacidades de exercício insupríveis (referentes a negócios
estritamente pessoais) e supríveis (referentes aos negócios gerais, não estritamente pessoais).”63
 “Em apenas um dos três casos, a lei decreta, SEGUINDO O PRINCÍPIO GERAL (arts.
1600º;1850º,1; 2188º), a nulidade: no caso do testamento, feito por um incapaz (art. 2190º). Nos
outros dois casos os actos são anuláveis (1631º,a) e 1861º,1). Estes desvios à regra da nulidade
explicam-se pelo facto de estar em causa o estado civil das pessoas e pela necessidade
subsequente de manter estáveis as relações respeitantes ao estado civil até haver a respectiva
decisão judicial de anulação, pois seria inadmissível que “qualquer interessado” pudesse
invocar, ao abrigo do art. 286º, a invalidade de um casamento ou de uma perfilhação, pondo
assim em causa as respectivas relações jurídicas familiares.”64

Negócios celebrados contra a lei (art. 294º):


 Está em causa a violação de limites legais impostos à autonomia privada.
 Art. 294º - “os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são
nulos, salvo os casos em que outra solução resulte da lei”.
 Trata-se de negócios que pela sua natureza geral são possíveis, no entanto, a ordem jurídica
desaprova os negócios tendo em conta o seu conteúdo, fim ou circunstâncias concretas em que
são celebrados.
 “Quando uma norma imperativa não determina, ela própria, a consequência da nulidade para o
caso da sua violação (mas também não consagra uma outra sanção), a nulidade pode resultar da
aplicação do art. 294º, depois de feita a interpretação do preceito violado em causa. Assim
todas as normas imperativas que não determinem, elas próprias, a sanção resultante da sua
violação, devem ser interpretadas quanto ao seu escopo e à sua finalidade com vista à decisão, a
tomar ao abrigo do art. 294º relativamente à nulidade ou não do negócio. Deve perguntar-se
qual é o alvo que a lei quer atingir com a proibição, o próprio negócio ou fins ulteriores,
diferentes dele e não coincidentes com ele?”65
o A norma imperativa dirige-se ao conteúdo do negócio  Nulidade.
o A norma imperativa dirige-se a fins ulteriores  não conduz necessariamente à
nulidade.
 O Art.294º abrange, também, NEGÓCIO SUCEDÂNEOS (negócios jurídicos em que os
interessados defraudam uma norma imperativa). Assim, um negócio tanto pode ser nulo por ser
directamente contrário à lei como por fraude à lei.
o “Se a norma proibitiva em causa pretende vedas não só o negócio que especificamente
visou mas também quaisquer outros que conduzam ao mesmo resultado ou a um
resultado equivalente, a proibição vale também para eles.”66

63
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.317.
64
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.317.
65
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.520.
66
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.521.

43
TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

o “Os negócios jurídicos com que as partes defraudam uma lei imperativa são nulos, como
contrários à lei, não sendo necessária nem a intenção nem mesmo a consciência de
defraudar a lei.”67

Os negócios com objecto ou fim desaprovados pela ordem jurídica


 Art. 294º + 280º:
o Negócios cujo o objecto68 seja (280º,1):
 Fisicamente impossíveis – impossibilidade objectiva (envolve uma prestação
não realizável no domínio dos factos ou segundo as leis da natureza.
 Legalmente impossíveis – a ordem jurídica não prevê tipos negociais ou
meios para a sua realização ou não o admite sequer em relações jurídicas
privadas. (ex. promessa de contrato que a ordem legal proíbe, promessa de
vender coisas que estão fora do comercio jurídico).
 Contrários à lei – o negócio é materialmente possível mas contradiz
disposições legais imperativas.
 Indetermináveis – não é possível concretizar ou individualizar o objecto em
termos tais que se possa realizar a transferência ou a aquisição de direitos
sobre o “quid”.
o Negócios que são (280º,2):
 Contrários à ordem pública – um negócio jurídico é contrário á ordem
pública quando viola princípios de ordem pública que se deduzem de um
sistema de normas imperativas.
 Ofensivo dos bons costumes – tem por objecto actos imorais, contrário à
moral pública. Consiste na violação de normas de conduta de carácter não
jurídico que reflectem as regras dominantes da moral social de uma
determinada época e de certo meio.
 Não é necessário que os intervenientes num negócio tenham
consciência de violação dos bons costumes.
 Apenas é necessário que as partes conheçam a circunstância de que
resulta a ofensa.
 Art. 294º + 281º:
o Situações em que apenas o fim do negócio é contrário à lei ou aos bons costumes.
o O negócio é nulo se o fim negocial (desaprovado pela ordem jurídica) for comum a
ambas as partes.
o “Se o conteúdo do negócio não é imoral ou ilegal, mas a imoralidade ou ilegalidade
deriva dos seus motivos ou dos fins propostos, há uma infracção aos bons costumes
por ambas as partes, respectivamente um negócio contrário à lei ou à ordem
pública.”69
 Art. 271º:
o “A sanção da nulidade do negócio jurídico verifica-se também quando a produção
dos seus efeitos foi subordinada a uma condição ilícita ou impossível”70

Os negócios celebrados sem observância da forma legal

67
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.522.
68
Varia conforme a natureza deste e compreende os efeitos a que o negócio tende bem como aquilo sobre que aqueles
efeitos incidem.
69
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.525.
70
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.325.

44
TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

 Art. 219º + 220º.


 “Supõe a exigência de certa forma como elemento do negócio. Se a lei exigir a forma
apenas para a prova da declaração, já o acto não é nulo, visto poder provar-se por confissão,
nos termos do nº2 do art. 364º. É preciso, no entanto, que isso resulte claramente da lei,
como se diz neste último preceito.”71
 “Há, de facto, casos em que a forma é, não uma condição de validade da declaração, mas
um requisito apenas para que o negócio respectivo produza determinados efeitos, como
sucede quanto às exigências prescritas na lei processual para a exequibilidade dos títulos.”72
 “O artigo 220º consagra explicitamente, como regra, a solução que considera as
formalidades legais da declaração como formalidades ad substantiam (e não meras
formalidades ad probationem).”73
 “Quando a lei exige a observância de forma legal, parte do princípio de que o documento,
necessário para o efeito, inclui tudo o que as partes contraentes quiseram regular entre si.
Pode acontecer, porém, que as partes ainda façam estipulações, ou seja, resta saber se estão
abrangidas ou não pelo âmbito da forma legal.” O Art. 221º contempla 3 casos:
o Estipulações verbais acessórias anteriores ao documento legalmente exigido para a
declaração negocial.
o Estipulações verbais acessórias contemporâneas do documento legalmente exigido
para a declaração negocial.
o Estipulações verbais acessórias posteriores ao documento legalmente exigido para a
declaração negocial.
 A lei determina que as estipulações verbais acessórias anteriores ou
contemporâneas do documento legalmente exigido são nulas a menos que:
 Se tratem de clausulas acessórias não essenciais.
 De estipulações não abrangidas pela razão de ser da exigência do
documento.
 De estipulações que provem corresponder á vontade das partes.
 (A presunção não procede quando a razão determinante da forma não
for aplicável e se provar que elas continuam a corresponder à vontade
do autor da declaração).
 As cláusulas posteriores, uma vez que não poderiam ter sido incluídas no
documento, são, em princípio válidas, a menos que também estas estejam
sujeitas à forma legal em virtude de as razões da forma lhes serem
igualmente aplicáveis.
o O art. 221º cuida apenas das cláusulas acessórias, não tendo relevância quanto ao
resto do negócio.
o “Embora a lei trate o problema das cláusulas acessórias apenas para as estipulações
verbais, o disposto no art. 221º deve ser aplicável, por analogia, também aos casos
em que as cláusulas acessórias constem de um documento com valor probatório
inferior àquele que é exigido para a forma legal. Alem isso, tudo o que se refere às
estipulações acessórias deve ser aplicável ainda às cláusulas adicionais que
completem o documento. Não se vê razão para um tratamento diferenciado em casos
tão parecidos como o são as cláusulas acessórias e as cláusulas adicionais.”74

71
Cit. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed, Coimbra Editora, Limitada, Vol I, pp.210.
72
Cit. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed, Coimbra Editora, Limitada, Vol I, pp.211.
73
Cit. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed, Coimbra Editora, Limitada, Vol I, pp.211.
74
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.530.

45
TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

o No caso de inobservância da forma legal, em que uma das partes induziu a outra em
erro, de forma deliberada, haverá duas soluções:
 Art. 227º - o negócio é considerado nulo, mas há direito a indemnização da
parte lesada. (Considera-se que o interesse público tem supremacia).
 Art. 334º (abuso de direito75) – venire contra factum próprio - é adoptado um
comportamento positivo por parte do titular do direito subjectivo,
comportamento este que vai no sentido de não querer exercer o seu direito,
criando esta atitude como consequência a correspondente disposição da outra
parte (aumento da renda sem respeitar a forma legal e o inquilino paga
durante o tempo e só depois alega a nulidade do aumento). Chega-se a uma
situação de confiança em que a outra parte faz fé, devido à estabilidade da
conduta da outra parte durante um certo período, que o titular não fará uso do
seu direito, perdendo assim, esse mesmo direito.

Os negócios celebrados com falta de vontade


 “Podem surgir situações em que falte a coincidência entre o substrato volitivo interno e a
sua aparência externa. A vontade que aparece como manifestada não existe como tal. Esta
falta é o resultado de uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada.”76
 Existência de uma divergência entre a vontade e a declaração. Esta divergência pode ser:
o Intencional  Simulação, reserva mental e declaração não séria.
o Não intencional:
 Forçada – coacção física.
 Ignorada – falta de consciência da declaração, erro.

A simulação (arts. 240º a 243º)


 O declarante emite, de acordo com o declaratário, uma declaração não coincidente com a
sua vontade no intuito de enganar um terceiro. O declarante faz a declaração mas não quer o
declarado; o declaratário sabe disso; a actuação conjunta visa enganar ou prejudicar o
terceiro.
 Art.240º:
o Estabelece três requisitos, que necessitam de ser verificar simultaneamente:
 Divergência entre a vontade real e a vontade declarada.
 Intuito de enganar terceiros.
 Acordo entre declarante e declaratário. [De acordo com a doutrina
dominante, esta exigência não se aplica quando estão em causa negócios
jurídicos unilaterais (vd. Art. 2200º)].

75
O abuso de direito poderá aparecer sob duas formas básicas:
o Abuso institucional:
 É o abuso que o artigo refere quando se fala do “fim social ou económico” do direito.
 O direito subjectivo é invocado para fins que estão fora dos objectivos ou funções para os quais
ele foi atribuído pela norma.
 Contraria a ordem pública ou contradiz os princípios fundamentais da ordem jurídica, económica
ou social ou desvirtua os objectivos do instituto jurídico.
 Este tipo de abuso tem de ser apreciado oficiosamente pelo tribunal.
o Abuso individual:
 Neste caso, o exercício do direito estaria, em princípio, a coberto da norma.
 No caso concreto, existem circunstâncias ou relações especiais em virtude das quais o exercício
do direito incorre em contradição coma ideia de justiça.
76
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.532.

46
TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

o O negócio simulado é nulo [apenas no caso do casamento simulado e do testamento


simulado, o negócio é anulável – arts. 1635º,d) e 2200º].
 As modalidades da simulação:
o Simulação absoluta (art. 240º,1) – Os simuladores fingem concluir determinado
negócio e na realidade não há negócio nenhum.
o Simulação relativa (art. 241º,1) – os simuladores pretendem celebrar determinado
negócio jurídico, que todavia é dissimulado:
 Simulação objectiva  sob a aparência de um acto de conteúdo ou de
objecto diverso:
 Quanto à natureza do negócio – Ex. as partes simulam uma compra-e-
venda quando se trata de uma doação.
 Simulação quanto ao valor.
 Simulação subjectiva  concluído entre pessoas que não aquelas que
efectivamente nele intervieram (interposição fictícia de pessoas).
o Simulação inocente e simulação fraudulenta:
 A simulação inocente visa apenas enganar alguém.
 Simulação fraudulenta visa enganar e, com isso, prejudicar o terceiro.
 Legitimidade para arguir a simulação (Art. 242º):
o 242º,1  Têm legitimidade para arguir a nulidade todos os interessados nos termos
do art. 286º e os próprios simuladores mesmo que se trate de uma simulação
fraudulenta. (É excluída a prova testemunhal nos termos do art. 394º,2).
o 242º,2  A nulidade pode ser invocada pelos herdeiros legitimários que pretendam
AGIR EM VIDA do autor da sucessão contra os negócios por ele simuladamente
feitos com o intuito de os prejudicar.
o Nota: Os credores podem ainda invocar a nulidade ao abrigo do art. 605º
 Inoponibilidade da simulação a terceiros de boa fé (art. 243º):
o 243º,1  constitui uma limitação do art. 286º na medida em que exclui das pessoas
legitimadas para invocar a nulidade (em princípio “qualquer interessado”) os
simuladores em relação a terceiros de boa fé. Os herdeiros são também incluídos na
categoria de simuladores tal como os seus representantes (259º,2).
 P.Lima – “não interessa que os terceiros sejam prejudicados com a
declaração de nulidade ou sejam beneficiados com a manutenção do negócio.
Contra eles é sempre vedada a acção por parte dos simuladores.”
 Mota Pinto – “se forem beneficiados com a nulidade, claro que os terceiros
de boa fé, como interessados, podem propor a acção nos termos do art.
242º”.
o 243º,2  a boa fé consiste na ignorância da simulação ao tempo em que foram
constituídos os respectivos direitos do terceiro, podendo aquela ignorância ser
perfeitamente culposa.
 A simulação relativa e as suas formas (art. 241º):
o “Se o negócio simulado é sempre nulo, podendo a nulidade ser invocada ou não nos
termos que acabam de ser descritos, o mesmo já não acontece com o negócio
dissimulado no caso de uma simulação relativa.”77
o A validade ou invalidade do negócio dissimulado (“escondido” por trás do negócio
simulado) decide-se em termos perfeitamente autónomos e independentes do

77
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.539.

47
TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

negócio simulado, e como tal, sempre nulo, visto estarem em causa duas realidades
negociais diferentes.
o Simulação subjectiva (interposição fictícia de pessoas):
 Distinção entre interposição fictícia de pessoas, interposição real de pessoas
e representação:
 Interposição fictícia  a pessoa interposta é um sujeito simulado. Só
neste caso existe simulação. Existe um conluio entre as verdadeiras
partes do negócio e a pessoa interposta por elas. Todos os
intervenientes sabem da operação fictícia.
 Interposição real  é o caso do mandato sem representação, em que
alguém actua em nome próprio mas por conta de outrem. A pessoa é
parte verdadeira no negócio. Não existe conluio: há um acordo
interno entre uma das partes do negócio e a pessoa por ela interposta
que realiza o negócio com quem desconhece a situação.
 Representação  alguém age em nome de outrem. Alguém age em
nome de uma das partes, em vez dela, conhecendo a outra esta
posição representativa.
 Os negócio simulados são nulos por essa razão. A validade do negócio
dissimulado vai depender de outras razões legais (incapacidade, proibição do
negócio, conteúdo ou fim desaprovados, falta de forma, etc).
o Simulação relativa objectiva:
 Simulação sobre o conteúdo do negócio:
 Simulação sobre a natureza do negócio  mediante a qual se
pretende, em primeira linha, afastar ou ilegitimidades ou
indisponibilidades.
 Simulação sobre o valor do negócio  prentedem-se vantagens
económicas que não seriam possíveis caso não exista simulação.
 O negócio dissimulado é válido desde que o regime legal que lhe diz respeito
tenha sido integralmente observado.
 Simulação em negócios formais ou em prejuízo da Fazenda Pública
o “Se o negócio dissimulado estiver sujeito á forma legal é preciso observar o disposto
no art. 241º,2. Segundo este preceito, o negócio dissimulado de natureza formal
apenas é válido se tiver sido cumprida a forma exigida por lei. A exigência do nº2 do
art. 241º decorre logicamente do seu nº1 bem como do art. 220º.”78
o No que diz respeito ao cumprimento da forma legal, são admissíveis as seguintes
posições:
 A forma exigida na lei foi observada apenas para o negócio celebrado –
invalidade no negócio dissimulado.
 A forma legal apenas foi observada em relação ao negócio dissimulado –
validade do negócio dissimulado.
 A forma observada na conclusão do negócio simulado corresponde tanto à
forma legal do negócio simulado como à do negócio dissimulado.
 Horster  o negócio dissimulado deve ser considerado nulo sempre
que não conste CLARA e INTEGRALMENTE do documente que a
ele próprio disser respeito. A exigência de forma legal, implica que,
no documento, estejam todas as cláusulas sobre as quais as partes

78
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.544.

48
TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

devem concordar para que o contrato fique concluído (art. 232º- na


lógica do 221º). Só assim, podem ser atingidos os objectivos
superiores de interesse público que justificam a exigência da forma
legal. Portanto, o negócio simulado é nulo nos termos do art. 240º,1 e
o negócio dissimulado é nulo por falta de forma (art. 220º) uma vez
que as partes ou o conteúdo, desrespeitando a lei, não constam
integral e claramente do documento relativo ao acordo obtido (art.
221º).
 Doutrina dominante  o negócio dissimulado é formalmente válido
se o documento para ele exigido for do mesmo tipo do adoptado no
negócio simulado ou, pelo menos, se a forma adoptada no negócio
simulado satisfazer as razões da forma exigida para o negócio
dissimulado. Esta posição sustenta-se nos arts. 236º,2 e 238º,2 que
mandam atender à vontade real e coincidente das partes. Assim, a
doutrina defende que esta posição é a que melhor permite a satisfação
da vontade real dos interessados, atribuindo ao documento ou aos
documentos celebrados o sentido que as partes quiseram (mas não
manifestaram) ao outorgá-los.
o No entanto, a figura da “falso demonstratio” tem o seu lugar
no contexto da interpretação da declaração negocial e do mau
uso linguístico e não ao nível da simulação. Se assim fosse,
todas as simulações seriam falsae demonstratio.
 Carvalho Fernandes  quando estiver em causa uma simulação
objectiva em relação ao valor, deve considerar-se nula a cláusula de
preço. Havendo uma lacuna nas declarações negociais, esta será
preenchida nos termos do art. 239º.
o “Tendo sido feita em prejuízo da Fazenda Nacional, a simulação relativa tem os
efeitos previstos na lei civil: quer dizer, o negócio dissimulado não é posto em causa
pela lei fiscal quando for civilmente válido.”79

A reserva mental (Art. 244º)


 “O declarante emite – sem qualquer conluio com o declaratário – uma declaração não
coincidente com a sua vontade na intenção de enganar o próprio declaratário. Portanto: o
declarante faz a declaração, mas não quer o declarado; o declaratário não sabe disso; a
actuação isolada visa enganar (ou prejudicar) o declaratário.”80
 Requisitos da reserva mental:
o Declaração receptícia.
o Conteúdo contrário à vontade efectiva do declarante.
o Intuito do declarante enganar o declaratário.
 Quem emite, sob reserva mental, uma declaração tem consciência que o declaratário lhe
atribui efeitos jurídicos. O declarante sabe da relevância jurídica para o declaratário. Deste
modo, a declaração feita sob reserva mental é válida se for desconhecida do declaratário.
 Se a reserva mental for conhecida do declaratário, então aplica-se o regime da simulação,
pelo que a declaração negocial é nula (Art. 244º,2). O declarante não fica vinculado à sua
declaração embora não possa opor a reserva mental a terceiros de boa fé (art. 243º).

79
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.547.
80
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.533.

49
TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

 É possível que uma vinculação se venha a estabelecer no caso de ser verificar o


condicionalismo previsto no art. 241º,1. Pode haver uma reserva mental relativa que implica
a validade da declaração dissimulada desde que esta esteja em conformidade com a lei
(241º,2), situação muito semelhante a “falsa demonstratio”.
 A reserva mental distingue-se, no entanto, da simulação, uma vez que não houve o acordo
simulatório nem o intuito de enganar terceiros mas o próprio declaratário.
 Necessária para a consequência de nulidade é sempre o conhecimento positivo da reserva
por parte do próprio declaratário ou do seu representante (art. 259º).
 Em casos em que a nulidade poderá levar a resultados muito injustos (reserva mental
motivada por caridade ou por valores morais) poderá ser útil a figura do abuso de direito
(art. 334º).

A declaração não séria (art. 245º)


 “O declarante emite – sem qualquer conluio – uma declaração não coincidente com a sua
vontade na intenção de não enganar nem um terceiro, nem o declaratário. O declarante faz a
declaração mas não que o declarado. O declaratário não sabe disso, mas o declarante está
convencido que sabia; a actuação isolada não visa enganar ou prejudicar ninguém.”81
 As declarações devem ser não sérias e simultaneamente não enganadoras.
 As declarações não sérias carecem de qualquer efeito.
 Indemnização pelo dano da confiança  Se, porém, a declaração for feita em circunstâncias
que induzam o declaratário a aceitar justificadamente a sua seriedade tem ele o direito de ser
indemnizado pelo prejuízo que sofrer. Pressupostos:
o O declaratário tomou a declaração a sério.
o A atitude de tomar a sério foi originada pelas circunstâncias.
o A atitude do declaratário justifica-se nas circunstâncias do caso concreto.
o (Nexo de causalidade).

NOTA: “nas três figuras referidas até agora a posição do declarante face à sua declaração é sempre a
mesma: não quer o declarado. A posição ou a atitude do declaratário, porém, varia e é em sintonia com
ela que se diferenciam e definem as três figuras.”82

A falta de consciência da declaração e a coacção física (art. 246º)


 Coacção física ou violência absoluta – o declarante é um simples instrumento à mercê de
outrem que comanda irresistivelmente a acção mediante a qual se manifesta a vontade.
Portanto: o declarante faz – como mero instrumento – a declaração, não quer o declarado ou
não tem vontade nenhuma; não há vontade de acção nem acção do declarante.
 Falta de consciência da declaração – o declarante tem vontade de acção, observa um dado
comportamento, mas não quer manifestar com este nenhuma vontade jurídico-negocial.
Portanto: o declarante emite uma declaração, mas não quer o declarado por lhe faltar a
consciência de fazer uma declaração negocial (isto é, uma declaração com as características
volitivo-finais, tendentes a uma vinculação jurídica).
 À falta de consciência de fazer uma declaração correspondem duas alternativas:
o Falta de vontade de acção.
o Vontade de acção mas falta de consciência de fazer uma declaração negocial.

81
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.534.
82
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.534.

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TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

o “Se a falta de consciência foi devida à culpa do declarante, bastando a mera culpa,
foca este obrigado a indemnizar o declaratário que confiou na declaração, visto que,
da perspectiva deste, se trata de uma verdadeira declaração negocial”83 
Indemnização pelo dano de confiança, tendo por base um comportamento imputável
ao declarante.
 A falta de consciência da declaração ou a coacção física conduzem à nulidade do negócio.

As causas da anulabilidade

Negócios celebrados sem capacidade de exercício:


 “Tirando os casos das incapacidades negociais de gozo, todas as pessoas possuem, em
princípio, a capacidade de exercício desde que tenham atingido a maioridade.”84
 Situações em que existem incapacidades de exercício:
o Menoridade (art. 122º a 129º)  Incapacidade geral – o menor não pode reger a sua
pessoa nem os seus bens.
o Interdição (138º a 151º)  Incapacidade geral – o interdito não pode reger a sua
pessoa nem os seus bens.
o Inabilitação (152º a 156º)  Incapacidade específica – o inabilitado tem uma
incapacidade específica podendo ser geral conforme os casos concretos decididos
em tribunal.
 As incapacidades de exercício não dizem respeito a negócios estritamente pessoais, tratam-
se de incapacidades supríveis. [Os negócios celebrados sem o respectivo suprimento são
anuláveis].
 O instituto das incapacidades visa proteger o próprio incapaz contra as suas insuficiências as
quais lhe podem causar prejuízos.
 “Se a incapacidade não fosse suprível os incapazes ficariam excluídos de todo o tráfico
jurídico geral, resultado esse intolerável para a ordem jurídica. Por isso, ela consagra dois
meios, dois institutos, para o suprimento da incapacidade. Estes dois institutos são a
REPRESENTAÇÃO LEGAL e a ASSISTÊNCIA”85:
o Representação legal – é admitida a agir em lugar do incapaz uma outra pessoa,
designada não pelo próprio incapaz, mas pela lei ou por certa entidade (pública ou
mesmo particular) nos termos da lei. Essa outra pessoa vem a ser o representante
legal do incapaz, agindo umas vezes com inteira independência, precisando outras
vezes de autorização de outra entidade.
 Os representantes legais podem ser:
 Detentores do poder paternal (art. 124º, 1877º)  a representação diz
respeito à pessoa do incapaz e aos seus bens.
 Tutor (art. 139º, 143º e ss. 1921º e ss, 144º, 1877ºss)  a
representação diz respeito à pessoa do incapaz e aos seus bens,
dispondo o tutor de poderes menos amplos do que os detentores do
poder paternal.

83
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.553.
84
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.317.
85
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.319.

51
TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

 Administrador de bens (1971º,2; 1922º, 1967ºss e 139º)  a


representação estende-se apenas aos bens do incapaz, existindo ao
lado de quem é representante legal quanto à sua pessoa (tutor ou
detentores de poder paternal) ou ao lado daquele cuja representação
relativamente aos bens do menor tiver sido restringida (cf. art. 1888º).
 Agem em vez do incapaz e representam-no judicial e extrajudicialmente.
 Em certos actos levados a cabo pelo representante, a validade depende
sempre da autorização do tribunal (1889º e ss, 1938º, 1971º,1).
o Instituto da assistência – o incapaz pode agir ele mesmo. Simplesmente, para poder
realizar validamente os respectivos negócios, é-lhe necessário o consentimento de
certa outra pessoa ou entidade. Onde funciona a assistência, a entidade a quem ela
compete não pode incluir ela mesma, por si só, os respectivos negócios, sendo
essencial que o incapaz delibere realizá-los. Não assim quanto intervém a
representação. A função do representante é activa. A do assistente é apenas inibitória
ou completiva da vontade do assistido.
 Existem diversos graus de assistência em concordância com o grau de
incapacidade:
 Curador (153º,2) - para os inabilitados ou para negócios estritamente
pessoais (casamento e respectivo convenção antenupcial).
 Detentores do poder paternal ou tutor (1604º,a); 1612º e 1708º,2 em
contraposição com o art.1850º,2) – para os menores com mais de 16
anos.
 No caso do art. 154º,2 o curador é representante legal.

As três modalidades das incapacidades de exercício em pormenor

A menoridade:
 Art. 122º  é menor quem não tiver completado 18 anos de idade.
 Art. 123º
o Estabelece uma incapacidade geral – os menores não estão habilitados a reger a sua
pessoa e a dispor dos seus bens e eles não têm capacidade para adquirir direitos ou
assumir obrigações por acto próprio (ou por meio de um representante voluntário),
por via negocial.
o A menos que a lei abra excepções, a incapacidade só termina com a maioridade ou a
emancipação pelo casamento (129º + 132º).
 Art. 124º (suprimento da incapacidade dos menores):
o Pelo poder paternal (art. 1877º e ss) – representação legal do menor em relação à sua
pessoa e aos seus bens (1885ºe ss.).
o Pela tutela, subsidiariamente (art. 1921º e ss.) – representação legal do menor em
relação à sua pessoa e aos seus bens (art. 1935º). [Vd. 1901º a 1912º]
o Administração de bens (art. 1971º) – existe ao lado do poder paternal e da tutela,
tendo lugar nos casos previstos no art. 1922º e 1888º,1, a)-c). [Vd. 1927º e 1967º].
o NOTA:
 Em alguns casos especialmente previstos, os representantes legais precisam
de autorização do tribunal para poderem validamente celebrar determinados
actos quanto aos bens do menor (arts. 1889º, 1892º, 1938º, 1971º,1).
 Os tutores e administradores de bens estão proibidos de realizar certos actos
(1937º,1971º,1).

52
TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

 Art. 125º (anulabilidade dos actos dos menores):


o A legitimidade para invocar a anulabilidade do negócio jurídico cabe ao progenitor
que exerça o poder paternal, ao tutor ou administrador de bens. Poderá também ser
requerida pelo próprio menos (no prazo de um ano a contar da sua maioridade ou
emancipação – nº1, b)) ou a requerimento de qualquer herdeiro do menor (no prazo
de um ano a contar da morte deste ou ocorrida antes de expirar o prazo referido na
alínea anterior).
o O direito de requerer a anulabilidade baseia-se sempre no interesse do menor, pelo
que se explica que a outra parte não possa requerer esta anulabilidade. À excepção
no disposto no art. 126º, o risco da menoridade cabe sempre à outra parte.
o NOTA: Uma vez que o instituto da menoridade, e as incapacidades daí resultantes,
visam proteger o interesse do menor, não faz sentido que a menoridade seja um
elemento relevante para efeitos de um erro que torna o negócio anulável nos termos
dos arts. 251º e 247º.
 Art. 126º (dolo do menor):
o Conceito de dolo – qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a
intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem
como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante. (Art.
253º).
o Tendo em conta que o herdeiro sucede na posição patrimonial do “de cujus” parece
correcto aplicar o art. 126º, não lhe atribuindo a legitimidade para arguir a
anulabilidade nos termos do art. 125º,1,c).
o Uma outra questão é a de saber se o dolo do menor exclui, alem disso, o direito de
anulação dos representantes legais. A este propósito existe uma divisão na doutrina:
 Mota Pinto – Deve fazer-se uma interpretação extensiva, no sentido de
incluir os representantes legais nesta limitação à invocação da anulabilidade.
Se o menor actua com dolo, então significa que tem discernimento suficiente
para perceber as consequências do negócio jurídico que pratica, não fazendo
sentido que a lei proteja esta situação.
 Horster – “A resposta deve ser negativa, por duas razões: (1º) o texto do art.
126º refere-se unicamente ao menor; (2º) a exclusão do direito dos
representantes legais seria uma contrassenso: eles não são abrangidos pelo
ratio do art. 126º.”86
 Art. 127º (excepções à incapacidade dos menores) – ver artigo.
o Nota: 127º,b) – “a determinação de pequena ou grande importância das despesas
contraídas pelo menor ou dos actos de disposição por ele realizados fica entregue ao
prudente critério do julgador, que há-de atender às circunstâncias próprias de cada
caso, principalmente à situação económica do menor e dos seus pais – sem esquecer,
porém, que é o menor, e não os pais, quem está em causa.”87
 Art. 128º (dever de obediência) – ver artigo.
 Art. 129º (termo da incapacidade dos menores):
o Quando atingem a maioridade (18 anos – art, 130º).
o Quando são emancipados por casamento (art. 132º). “Mas se este casar sem ter
obtido autorização dos pais ou do tutor, ou o respectivo suprimento judicial, não
adquire capacidade plena para o exercício de direitos: continuará a ser considerado

86
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.331.
87
Cit. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed, Coimbra Editora, Limitada, Vol I, pp.140.

53
TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

menor quanto à administração dos bens que leve para o casal ou que posteriormente
lhe advenham por título gratuito até à maioridade (art. 1649º,1).

As interdições
 Art. 138º - pessoas sujeitas a interdições – maiores, que por anomalia psíquica, surdez-
mudez ou cegueira se mostrem incapazes de governar suas pessoas e bens.
 Art. 139º - o regime da interdição é equiparado ao da menoridade. Daqui resulta que o
interdito tem uma incapacidade geral.
 Art. 140º:
o Os tribunais comuns por onde corre o processo de interdição têm a mesma
competência atribuída aos tribunais de menores nas disposições que regulam o
suprimento do poder paternal.
o No respectivo processo, são dadas ao interditando todas as garantias processuais e
materiais correspondentes à gravidade do acto de interdição (arts. 950 e ss. CPC)
o O tribunal decide não em função do pedido da acção mas no interesse do
interditando, dispondo de uma margem de decisão apreciável (art. 953º,2; 954º
CPC).
o O tribunal pode decretar a interdição mesmo que inicialmente tenha sido pedida a
inabilitação (art. 954º CPC).
o O interditando dispõe sempre de um defensor que o representa no processo (arts.
946º, 947º,2 CPC).
 Art. 141º (legitimidade)
o A interdição pode ser requerida:
 Pelo cônjuge do interditando.
 Pelo seu tutor ou curador (aqui o interditando já está inabilitado).
 Qualquer parente sucessível.
 Ministério Público.
o O campo de aplicação do nº2 do art. 141º deve ser regularmente o caso em que a
interdição é requerida já antes de o menor ter atingido a maioridade (art. 131º,
125º,1,a), 124º).
o Art. 1901º,2 – os pais deve agir de comum acordo. Havendo desacordo, será
suficiente o requerimento de apenas um deles, sem a necessidade de recorrer
previamente ao tribunal para sanar o desacordo entre eles, visto a interdição servir,
em primeiro lugar, os interesses do interditando e tendo processo de interdição.
 Art. 142º (providências provisórias)
o Nomeação de um tutor provisório ou interdição provisória.
o Durante o decurso da acção há ainda um outro meio de proteger o interditando,
através do art. 149º.
 Art. 143º (a quem incumbe a tutela)
o Formas de representação legal.
o Caindo a tutela nos pais, estes continuam investidos no poder paternal tal como o
exercem em relação a filhos menores, sem as limitações que caracterizam o uso da
tutela (art. 1935º,1).
o Quando a tutela não recair nos pais aplicam-se-lhe em tudo o que não seja regulado
de uma maneira especial pelos arts. 139º a 151º, bem como as regras respeitantes aos
outros meios previstos para este fim (art. 1921º a 1972º).

54
TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

 Art. 145º (dever especial do tutor) – saúde deve ser entendida num sentido amplo: a
finalidade em vista é que o interdito recupere a sua capacidade, da qual é privado por razões
de saúde.
 Art. 147º (publicidade da interdição) – a sentença que decreta a interdição DEFINITIVA
está sujeita a registo civil obrigatório. A partir do registo, o regime da interdição funciona
plenamente.
o Enquanto a sentença não constar do registo, a interdição, embora produzindo os seus
efeitos, não pode ser invocada contra terceiro de boa fé (1920º-C).
o Está de boa fé quem não conhece a sentença nem razoavelmente deve conhecê-la.
 Art. 149º (actos praticados no decurso da acção)
o O regime estabelecido neste artigo difere do regime estabelecido no art. 148º. Exige-
se que:
 O negócio celebrado tenha causado prejuízo ao incapaz para que possa ser
anulado – critério objectivo: prejuízo causado pelo acto e não nos termos em
que agiria uma pessoa normal e sensata.
 A interdição venha a ser definitivamente decretada.
o O prazo da proposição da acção conta-se a partir do registo da sentença (1 ano – art.
287º,1).
 Art. 150º - no que diz respeito aos negócio celebrados antes de anunciada a propositura da
acção, não há regime especial para eles: são anuláveis ao abrigo do disposto acerca da
incapacidade acidental (257º).
o Nota: mas o art. 257º também protege o interditando depois de anunciada a
propositura da acção:
 Quando a interdição não veio a ser decretada.
 Não foi decretada nenhuma medida ao abrigo do art. 142º.
 Art. 151º (levantamento da interdição) - ver artigo.
 São aplicáveis ao interdito as disposições que regulam as excepções à incapacidade por
menoridade (art. 139º  123º a 128º).
o Os negócios do interdito que não forem praticados ao abrigo do art. 127º são
anuláveis nos termos do art. 125º.

“A cadeia de protecção é, deste modo, a seguinte: até à propositura da acção, regime da


incapacidade acidental; durante o decurso da acção, regime da incapacidade acidental reforçado
pelo regime resultante dos arts. 142º/149º; após o trânsito em julgado da sentença mas antes do seu
registo, regime da interdição, embora não invocável contra terceiro de boa fé para quem as coisas se
passam como se a acção ainda estivesse pendente; a seguir ao registo, regime da interdição sem
quaisquer restrições.”88

Nota: A tutela, como instituto da representação legal destinado a suprir incapacidades de exercício,
aparece em duas situações diferentes:
 Meio de suprir o poder paternal  aplica-se a menores (1921º e ss, 1927º a 1962).
 Meio de suprir uma incapacidade do interdito  aplica-se a interditos (art. 139º a 151º).
 Ao lado da tutela pode surgir, conforme as necessidades do caso concreto, a administração
de bens (1967º a 1972º).

As inabilitações

88
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.339.

55
TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

 Tal como a interdição, a inabilitação destina-se a maiores, mas constitui uma intervenção
mais fraca e menos ampla que esta.
 Art.152º (pessoas sujeitas a inabilitação):
o Podem ser inabilitados:
 Indivíduos cuja anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira, embora
permanente, não seja de tal modo grave que justifique a sua interdição.
 Indivíduos que pela habitual prodigalidade se mostrem incapazes de reger
convenientemente o seu património. Prodigalidade – é um comportamento,
originado por um defeito da vontade ou do carácter, que se define por gastos
desproporcionados em relação à situação patrimonial do inabilitado, sendo os
gastos improdutíveis e injustificáveis.
 Indivíduos que pelo uso de bebidas alcoólicas ou uso de estupefacientes se
mostrem incapazes de reger convenientemente o seu património. Abuso de
bebidas alcoólicas ou estupefacientes – significa que é preciso a existência de
um vício ou de um estado duradouro que já apresente sinais de carácter
patológico.
o A inabilitação aplica-se apenas no caso das pessoas que não sejam capazes de reger
o seu património e ainda que não sejam incapazes de todo de governar a sua pessoa e
bens (1º grupo do art. 152º).
o “Trata-se, portanto, de casos em que uma pessoa se encontra com uma capacidade
diminuída, sem a necessidade ou sem a possibilidade de uma interdição.”89
o A inabilitação existe em primeiro lugar para proteger os interesses do inabilitado
“mas ela pode beneficiar, sobretudo no caso das pessoas abrangidas pelo 2º grupo do
art. 152º, também outros interessados na administração conveniente do património
do inabilitado que serão o cônjuge, os herdeiros e até a própria comunidade que de
outra maneira podia vir a ter de assegurar o mínimo de existência ao incapaz.”90
 Art. 153º (suprimento da inabilidade):
o “O curador é uma entidade a quem cabe apenas, em princípio, autorizar o inabilitado
a alienar bens por acto entre vivos, a celebrar convenções antenupciais ou quaisquer
outros negócios jurídicos que tenham sido especificados na sentença de
inabilitação.”91
o “Os actos são pois celebrados pelo inabilitado, querendo celebrá-los, e não pelo
curador, que carece de legitimidade para esse efeito. Assim se explica também a
possibilidade de suprimento judicial de autorização do curador.”92
o É esta a característica da inabilitação que a distingue profundamente da interdição.
Aqui, não existe uma representação legal, existe um assistente, através do qual é
suprida a incapacidade.
o Tem uma importância fundamental para a interpretação deste artigo a distinção entre
actos de mera administração e actos de disposição de bens:
 Actos de mera administração (não alteram a raiz do património) – não estão
sujeitos a autorização do curador.
 Actos de disposição (alteram a raiz do património) – estão sujeitos a
autorização do curador.

89
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.544.
90
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.344 e 345.
91
Cit. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed, Coimbra Editora, Limitada, Vol I, pp.159.
92
Cit. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed, Coimbra Editora, Limitada, Vol I, pp.159.

56
TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

o Excepcionalmente, compete ao curador praticar certos negócios em representação do


inabilitado:
 Os previstos no art. 154º.
 Intentar a acção de simples separação judicial de bens (art. 1769º,3).
 Representar o inabilitado como cabeça de casal (2082º,2).
 Art. 154º (administração de bens do inabilitado)
o “É a titulo excepcional que a sentença pode transferir, no todo ou em parte, para o
curador, a administração dos bens do inabilitado. Este pode ser privado, nos termos
deste artigo, da administração de certos bens ou de praticar, em relação a todos eles
ou a alguns deles, certos actos de administração.”93
o Quando ao curador são atribuídos poderes de administração, a incapacidade do
inabilitado passa a ser suprida nos termos clássicos da representação, e não da mera
assistência, como nos casos normais de inabilitação previstos no artigo anterior.
 Art. 155º (levantamento da inabilitação)
o Deduz-se, a contrario, que não existe prazo para o levantamento da inabilitação
quando se trata de cegueira, surdez-mudez ou anomalia psíquica.
 Art. 156º (regime supletivo)
o De todo inaplicáveis às inabilitações são as disposições dos arts. 144º e 145º.
o Sempre que os arts. 152º a 155º não prevejam soluções específicas para a
inabilitação, deve recorrer-se ao regime estabelecido para a interdição, como regime
supletivo:
 Art. 138º,2.
 Art. 139º:
 Dupla remissão.
 Refgras dos arts. 123º a 128º e para as disposições dos arts. 1967º
como meios de suprir o poder paternal.
 Art. 140º (competência dos tribunais comuns).
 Art. 141º - legitimidade para requerer a inabilitação.
 Art. 142º + 149º - providências provisórias.
 Art. 143º - A quem incumbe a tutela.
 Art. 146º - Escusa da tutela e exoneração do tutor.
 Art. 147º - Publicidade da interdição.
 Art. 148º - actos do inabilitado posteriores ao registo da sentença.
 Art. 149º - actos praticados no decurso da acção.
 Art. 150:
 Horster – aplica-se directamente.
 A. Varela – nunca poderá ser directamente aplicável porque não é
possível, só por existirem as condições da inabilitação, verificarem-se
os requisitos exigidos pelo art. 257º. É necessário mais alguma coisa
para que o inabilitado não entenda o sentido da declaração ou não
tenha o livre exercício da sua vontade.
 Art. 151º - levantamento da inabilitação.
o De acordo com a remissão estabelecida, dois períodos importa distinguir quanto ao
regime dos actos praticados pelo inabilitado:
 Período que se estende desde o anúncio da proposição da acção até ao registo
da inabilitação definitiva  ART 149º e 125º.

93
Cit. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed, Coimbra Editora, Limitada, Vol I, pp.160.

57
TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

 A partir do registo  ART. 148º + 125º.


“O regime da inabilitação é, como se vê, muito graduado e maleável, conforme a diminuição da
capacidade do inabilitado no caso concreto, indo ao encontro da sua auto-realização, mas não
descuidando as exigências de segurança do tráfico jurídico (pois a sentença e a respectiva
nomeação do curador com as suas competências estão sujeitas a registo obrigatório).”94

Figuras afins

A incapacidade acidental
 Ao contrário das incapacidades de exercício referidas anteriormente, a incapacidade
acidental não afecta o estado da pessoa. Quem se encontra acidentalmente incapacitado
possui, em geral, capacidade de exercício normal como, aliás, resulta da lei.
 Art. 257º (incapacidade acidental)
o “O regime do art. 257º aplica-se a pessoas que, em princípio, possuem plena
capacidade de exercício, portanto, a maiores ou menores emancipados (ou também a
menores, interditos ou inabilitados quando e na medida em que possuem
excepcionalmente a capacidade de exercício ao abrigo do art. 127º).”95
o Quando os menores, interditos ou inabilitados não possuem capacidade, ou seja, na
situação regular da sua incapacidade, o regime do art. 257º nunca se sobrepõe ao
regime da respectiva incapacidade (salvo os actos de mera administração dos
inabilitados). Aplica-se então, o regime desta última.
o Para conseguir a anulação de uma declaração negocial, com base neste preceito, é
necessário provar:
 Que o autor da declaração, no momento em que a fez, se encontrava, ou por
anomalia psíquica ou por qualquer outra causa (embriaguez, estado
hipnótico, droga, etc...) em condições psíquicas tais que não lhe permitiam o
entendimento do acto que praticou ou o livre exercício da sua vontade.
 Esse estado psíquico era notório – uma pessoa de normal diligência o teria
podido notar.
 O prazo para invocar a nulidade é de um ano (art. 287º).
o Ao contrário da menoridade e da interdição e, frequentemente, da inabilitação, a
incapacidade acidental nunca é geral, mas sempre relacionada com um acto
específico, embora possa abranger todos os singulares actos específicos de uma
pessoa, praticados sucessivamente.
o Se o demente tiver sido interdito ou inabilitado, os seus actos são anuláveis em
virtude do regime de interdição ou inabilitação, inclusive os actos praticados durante
os intervalos lúcidos, por mais duradouros que fossem esses intervalos, até a
interdição ou inabilitação tiver sido levantada.

As ilegitimidades e as indisponibilidades relativas; as proibições legais relativas

94
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.344.
95
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.346.

58
TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

As ilegitimidades
 “A diferença fundamental entre as ilegitimidades e as incapacidades reside no seguinte: toda
e qualquer incapacidades resulta sempre de uma “qualidade minguante” da própria pessoa,
isto é, de um modo de ser do sujeito em si; os casos das ilegitimidades, pelo contrário,
resultam de uma posição, isto é, de um modo de se ser para com os outros. Por outras
palavras, a incapacidade tem em vista o próprio incapaz; as ilegitimidades têm em vista o
relacionamento de uma pessoa com os outros.”96
 As ilegitimidades implicam que uma pessoa que goza de plena capacidade, seja legalmente
impedida de celebrar determinados negócios com determinadas pessoas. Uma vez que se
tratam de negócio estritamente pessoais, as ilegitimidades não são supríveis.
 Situações que podem ser consideradas ilegitimidades:
o Art. 1602º + 1631º  o casamento celebrado com impedimento dirimente relativo é
anulável.

Indisponibilidade relativa
 “As limitações estabelecidas na lei não resultam de uma qualidades que é própria do
respectivo disponente, mas apenas operam no sentido de contemplar determinadas pessoas,
sendo nestas outras pessoas que reside a causa da indisponibilidade relativa. Em princípio, o
disponente tem capacidade, pode dispor, mas a lei proíbe-lhe de o fazer relativamente a
determinadas pessoas.”97
 Vêm reguladas nos arts. 2192º a 2198º - disposições testamentárias a favor de determinadas
pessoas.
 Art. 953º - doações que beneficiam determinadas pessoas.
 As disposições feitas em infracção às indisponibilidades são NULAS (art. 2192º 1 e 2) e não
podem ser realizadas por meio de interposição de outra pessoa (2198º + 579º,2).

Proibições legais relativas


 São negócio que a lei proíbe.
 Situações previstas:
o Art. 579º e ss  cessação de direitos litigiosos.
o Art. 876º  venda de coisa ou direito litigioso (remissão para 579º).
o Art. 1714º,2  contratos de CCV e de sociedade entre cônjuges não separados
judicialmente.
o Art. 1762º  proibição da doação entre cônjuges casados imperativamente com
separação de bens.
 Nos termos do art. 294º, são nulos os negócios celebrados contra a lei.

Negócios que necessitam do consentimento de outros familiares ou de autorização do tribunal


 Art. 877º (venda a filhos e netos).
 Art. 1892º (aquisição de bens dos filhos).
 Art. 1682º a 1863º (ilegitimidades conjugais).
 A falta do consentimento ou de autorização judicial, torna o negócio anulável. Excepções:
o 1687º,3  a anulabilidade não é oponível ao adquirente de boa fé.
o 1687º,4  o negócio é nulo por remissão ao art. 892º.

96
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.348.
97
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.349.

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TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

Os negócios usurários
 “Pertencem aos negócios jurídicos com conteúdo desaprovado pela ordem jurídica – e isto
em virtude do desequilíbrio das prestações neles acordadas devido à inferioridade de uma
das partes”98
 Ao contrário do que acontece nos negócios abrangidos pelo 280º e 281º, a sanção é a
anulabilidade.
 “A lei civil actual, por meio do art. 282º, reintroduziu a figura do negócio usurário e a
limitação da liberdade contratual daí resultante em atenção a considerações sociais, de
acordo com o princípio da protecção dos mais fracos”99
 “A finalidade dos arts. 282º e ss é, por conseguinte, a protecção de pessoas caracterizadas
ou afectadas por certas situações de inferioridade contra quem pretenda daí tirar benefícios
excessivos e injustificados.” 100 Trata-se de um correctivo material de índole social.
 Art. 282º:
o É anulável, por usura, o negócio jurídico quando alguém, explorando a situação de:
 Necessidade  “existe quando necessidades avultadas de uma pessoa
provocam a necessidade imperiosa para ela de obter uma prestação para se
libertar daquelas dificuldades”101 Pode ser: dificuldades económicas muito
sérias (desemprego), graves inconveniências de natureza política, social
habitacional ou estritamente pessoal...
 Inexperiência  “existe nos casos em que o discernimento necessário e
adequado ainda não foi adquirido ou voltou a perder-se, podendo ser várias
as causas que levam a tal situação.”102 Pode ser: juventude, idade avançada,
mentalidades não adaptadas, penas de privação da liberdade por bastante
tempo...
 Ligeireza  “significa um comportamento irreflectido, imaturo e
imponderado, sendo a maneira leviana e irresponsável de actuar um traço
característico da pessoa e não uma falha esporádica ou acidental.”103
 Dependência  “existe quando a autonomia de decisão está limitada de
facto.”104 Pode ser: relações de subordinação no âmbito laboral,
consequência de relações de situação de instruendo...
 Situação de estado mental  “deve abranger limitações das faculdades
mentais ou estados de emoção e descontrolo que restringem o discernimento
do interessado e afectam as suas capacidades decisórias.”105
 Fraqueza de carácter  “verifica-se quando uma pessoa não está em
condições morais ou não tem força anímica para se comportar devidamente,
apesar de poder possuir perfeita lucidez a respeito da sua situação e do seu
comportamento”106 Pode ser: virtude de doença, toxicodependência, vício do
jogo...

98
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.555.
99
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.556.
100
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.349.
101
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.349.
102
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.558.
103
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.558.
104
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.558.
105
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.558.
106
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.558/559.

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TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

o Pressupõe do lado subjectivo o explorar, aproveitamento CONSCIENTE da parte do


usurário de pelo menos uma das seis situações descritas, em que tira proveito de uma
situação inferioridade da outra parte.
o Não constitui um pressuposto da usura que o usurário leve a outra parte a praticar o
negócio, basta que se aproveite desta situação.
o É necessária a desproporção excessiva ou injustificada entre o benefício obtido e a
contraprestação dada.
o Resumo (pressupostos):
 Existência de um aproveitamento consciente da parte do usurário de uma
situação de inferioridade da outra parte.
 Desproporção excessiva ou injustificada entre o benefício obtido e a
contraprestação dada (critério aplicado pelo juiz!).
 Art. 283º,1:
o Permite que o lesado possa requerer a modificação do negócio usurário, segundo
juízos de equidade.
o Implica a confirmação do negócio anulável nos precisos termos em que ficou
modificado.
o Esta solução legal tem utilidade nos casos em que o lesado possui um interesse na
continuação do contrato, desde que sejam alteradas certas cláusulas.
 Art. 283º,2:
o “Prevê a hipótese de o próprio usurário declarar que prefere, em vez de uma
anulação, a modificação nos termos do art. 283º,1.
 Art. 284º  se o negócio usurário constituir simultaneamente um crime, este artigo prevê
um prolongamento do prazo para o exercício do direito de anulação modificação. Para a
contagem do prazo, a lei escolhe, entre várias hipóteses, sempre aquela que mais beneficia o
lesado.
Os negócios celebrados com erro na declaração
 São situações em que existe uma divergência entre a vontade e a declaração.
 O declarante diz algo que verdadeiramente não quer dizer e não tem consciência do erro.
 Art. 247º:
o “O caso previsto é o chamado erro obstáculo ou erro na declaração. Formou-se, sem
erro, certa vontade, mas declarou-se outra. Pretende-se, por exemplo, comprar por 10,
mas por lapso, diz-se que se compra por 20. Há, ao contrário do caso previsto na
primeira parte do artigo anterior, a consciência de que se faz uma declaração negocial,
mas esta tem um conteúdo diferente do que foi pretendido.”107
o “O acto é anulável e não nulo, a anulabilidade depende de o destinatário da declaração
CONHECER OU DEVER CONHECER a essencialidade para o declarante do elemento
sobre que incidiu o erro.”108
o “Não se exige, por conseguinte, para a anulabilidade da declaração, nem a
desculpabilidade do erro, nem o conhecimento ou sequer a recognoscibilidade deste por
parte do declaratário.”109 (Excepção em relação ao art. 1636º, em matéria de casamento).
 Tipos de erro na declaração:
o Erro na própria declaração  o declarante emprega palavras ou termos diferentes
daqueles que queria utilizar (ex. 53 em vez de 35) – emprega algo diferente daquilo que
estava na sua cabeça.
107
Cit. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed, Coimbra Editora, Limitada, Vol I, pp.232.
108
Cit. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed, Coimbra Editora, Limitada, Vol I, pp.232.
109
Cit. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed, Coimbra Editora, Limitada, Vol I, pp.233.

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TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

o Erro sobre o conteúdo da declaração  o declarante usou as palavras que queria mas
atribui um sentido diferente que teria no contexto.
o Erro de cálculo ou escrita (art. 249º)  deve tratar-se de um lapso ostensivo sob pena de
o caso ficar sob alçada do art. 247º.
o Erro na transmissão da declaração (art. 250º):
 Mensageiro comete um lapso de forma involuntária – aplica-se o art. 247º,
podendo o declarante anular desde que demonstre que a outra parte conhecia ou
devia conhecer o erro.
 Alteração intencional – o negócio é sempre anulável (dolo do mensageiro).
 Distinção entre erro na declaração e dissenso:
o “Distinta do caso do erro na declaração, é a figura do chamado dissenso (oculto), em
que o sentido válido da declaração nem coincide com a vontade real do declarante, nem
com a vontade do declaratário... Para alguns destes casos deve valer, directamente ou
por analogia o regime prescrito para o erro na declaração; para outros, porém, a
anulabilidade impõe-se, sem necessidade dos requisitos a que alude o art. 247º, por não
haver nenhuma expectativa legítima do declaratário, baseada no sentido válido da
declaração, que à lei incumbe tutelar.”110
o “Há situações, porém, em que é possível atribuir a ambas as declarações (a ambas as
manifestações), de acordo com as circunstâncias, um sentido ou conteúdo objectivo
comum. É evidente que este conteúdo objectivo, comum a ambas as declarações, não
está em sintonia com ambas as vontades (caso contrário não haveria dissenso). A este
tipo de casos de dissenso oculto deve aplicar-se, quanto às declarações, o regime do erro
na declaração: o contrato considera-se concluído, mas o declarante cuja vontade real
difere do conteúdo objectivo comum que foi atribuído à sua declaração pode anular com
base em erro.”111
o “Em todo o caso, o próprio facto da divergência entre a vontade real e a declaração
(manifestação) pode ser constatado, sempre e apenas, depois do recurso às regras sobre
a interpretação e integração da declaração negocial. O disposto no art. 247º só se aplica
quando a divergência se mantém, mesmo depois da interpretação. A interpretação é um
pressuposto lógico da decisão sobre a existência ou não do erro causador da
divergência”112

O erro sobre os motivos


 Trata-se de uma situação em que o declarante faz um representação inexacta sobre a
existência, subsistência ou verificação de um circunstância presente ou actual que era
determinante para a declaração em especial. É uma ideia inexacta sem a qual a declaração
negocial não teria sido emitida ou não teria sido emitida nos moldes em que foi. Desta
forma, recai sobre os elementos determinantes da vontade.
 “As possibilidades de ocorrência de um erro no âmbito do negócio jurídico não se limitam,
porém, ao erro na declaração... Pelo contrário, elas são muito numerosas e vão da primeira
motivação que é determinante para a formação da vontade até à manifestação da mesma.”113
 Enquanto que no caso do erro na declaração existe uma desconformidade entre a vontade e
a declaração, “quando o erro recai só sobre a vontade (elemento interno), não produz uma

110
Cit. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed, Coimbra Editora, Limitada, Vol I, pp.233.

111
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.558.
112
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.558.
113
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.568.

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TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

divergência entre vontade e declaração. A declaração está em perfeita conformidade com a


vontade; no entanto, é esta que está viciada. Trata-se agora de um erro sobre os motivos
(ainda designado por erro-vício). A vontade, por ser mal esclarecida (...) está viciada,
convergindo com ela a respectiva declaração.”114
 Modalidades de erros sobre os motivos:
o Erro que recai sobre as qualidades essenciais do objecto ou sobre as qualidades
essenciais do declaratário (art. 251º):
 Qualidades essenciais do objecto  características do objecto que
determinam o seu valor.
 Qualidades essenciais do declaratário  erro sobre as qualidades essenciais
para a prossecução do negócio, que afecte os objectivos daquele negócio.
 Quando o erro recaia sobre a pessoa ou sobre o objecto do negócio, as
consequências são iguais às do erro na declaração (art. 247º).
o Erro que as partes houveram reconhecido por acordo a essencialidade do motivo que
não se refira à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio (art. 252º):
 Exige-se, para que haja anulabilidade, que tenha sido reconhecida, por
acordo, a essencialidade do motivo.
o Erro sobre a base negocial:
 Trata-se de uma situação em que a base negocial objectiva é diferente da
base negocial proposta pelas partes.
 Há uma desconformidade entre a base negocial objectiva é diferente da base
negocial pressuposta pelas partes.
 Tem que ser um erro bilateral115: tem de ocorrer um erro e a situação não
pode ser coberta pelos riscos próprios da vontade.
 Remissão para artigo 437º (no entanto, a lei não é clara e não se percebe se a
remissão é feita para todo o artigo ou apenas para a estatuição).
O dolo
 Tal como no erro sobre os motivos, não existe uma divergência entre a vontade e a
declaração, a vontade formou-se mal devido a uma actuação exterior que impede a livre
formação da vontade do declarante.
 Art. 253º (definição de dolo/ distinção entre dolo lícito e ilícito/ pressupostos do dolo):
o Definição – sugestão ou artifício que alguém empregue com intenção ou
consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a
dissimulação pelo declaratário, ou terceiro, do erro do declarante.
o Dolo lícito (dolus bónus) – artifícios naturais do comercio jurídico.
o Dolo ilícito (dolus malus) – atribuição ao objecto de qualidades que ele
manifestamente não tem.
o Dolo positivo – há um comportamento activo no sentido de induzir em erro o
declarante.
o Dolo negativo/ omissivo – o declaratário permite que o declarante se mantenha em
erro, quando existe um dever legal ou contratual de elucidação (art. 227º).
o Pressupostos do dolo:
 Declarante esteja em erro.
 Erro induzido/ mantido em contrário de um dever de elucidar, dissimulado
pelo declaratário ou por um terceiro, de modo que eles provocaram o erro do
declarante.
114
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.570.
115
Nota: nem todos os autores consideram que o erro tem que ser bilateral.

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O declaratário ou terceiro haja recorrido ilicitamente a qualquer artifício,
sugestão, embuste, etc.
 Art. 254º (efeitos do dolo):
o Estabelece duas hipóteses:
 Dolo proveniente do destinatário da declaração – o acto é sempre anulável
mesmo que haja dolo de ambas as partes. O dolo de um não inutiliza o vício
proveniente do dolo do outro.
 Dolo proveniente de terceiro – o acto é, em princípio, válido. Todavia, se o
declaratário conhecia o dolo do terceiro ou devia conhecer, já o acto pode ser
anulado.
 Ex.: “Se A (terceiro) induziu em erro B e o levou a doar bens a C, a
doação não é anulável por dolo, se C ignorava e não tinha obrigação
de conhecer o dolo de terceiro. Mas imaginemos que A, o terceiro
que induziu B a fazer a doação, beneficiou de um encargo imposto ao
donatário C. Este benefício já é anulável nos termos da 2ª parte do
nº2.”116
A coacção moral
 “É prestada sob coacção moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de
que o declarante foi ilicitamente ameaçado pelo declaratário ou por terceiro com o fim de
obter dele por este meio a declaração pretendida pelos ameaçadores.”117
 “Consiste numa pressão psicológica que determina a vontade, de modo que falta ao coagido,
à semelhança da vítima do dolo, liberdade exterior. A vítima da ameaça ainda pode optar
entre a sujeição ao mal ou a oposição a ele. Se emite a declaração cedendo à ameaça, ela
baseia-se numa vontade, mas numa vontade formada em condições limitativas da liberdade
de decisão, causadoras de uma vontade viciada.”118
 Art. 255º (coacção moral):
o “A ameaça, para que constitua coacção, deve ilícita. Isto é, a ameaça do exercício de
um direito não constitui coacção”119
 Art. 256º (efeitos da coacção) e pressupostos:
o Efeitos – anulabilidade.
o Pressupostos:
 Quando a coacção provém do declaratário – declaração negocial determinada
pelo receio de um mal (não se depreende que a gravidade do mal e o
fundamento do receio sejam requisitos essenciais).
 Quando a coacção provém de terceiro:
 É necessário que o mal seja grave e que seja fundado o receio
(questões avaliadas pelo tribunal).

As consequências da invalidade no negócio jurídico em pormenor

Efeitos da invalidade:
 Invocação da invalidade – pode ser reconhecida por um acordo entre as partes, invocada por
acção judicial e pode ainda ser feita valer (no caso da nulidade) por via de excepção ou
oficiosamente pelo tribunal.

116
Cit. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed, Coimbra Editora, Limitada, Vol I, pp.233.
117
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.585.
118
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.585/586.
119
Cit. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed, Coimbra Editora, Limitada, Vol I, pp.238.

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TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

 Art. 289º.
 Pessoas legitimadas para arguir a invalidade:
o Nulidade – 286º.
o Anulabilidade – 287º.

A minoração das consequências da invalidade do negócio jurídico

Princípio da conservação do negócio jurídico


 A conservação dos negócios jurídicos em relação às partes:
o Confirmação do negócio anulável (art. 288º,1) – aplicada, em regra, às situações de
anulabilidade.
o Redução de negócio nulo ou anulável (art. 292º) – é possível viabilizar uma parte do
negócio.
o Conversão do negócio nulo ou anulável (art. 293º):
 “A conversão supõe a invalidade integral do negócio e a sua substituição por
outro do qual contenha os requisitos essenciais, não só de substância como
de forma.”120
 “Como resulta do próprio texto e do espírito da lei, não basta que o negócio
nulo ou anulado tenha a mesma substância do negócio em que se pretende
convertê-lo. É necessário ainda que este negócio não contrarie, em termos
decisivos, a vontade exteriorizada pelo declarante, em relação à forma do
negócio.”121
 “Para que se possa verificar a conversão, não basta que o negócio nulo ou
anulado contenha os requisitos essências de substância e de forma do
negócio que vai substitui-lo.”122
 “É ainda necessário, de acordo com a parte final do art. 293º, que a
conversão se harmonize com a vontade hipotética ou conjectural das
partes.”123
 “Há casos de conversão consagrados directamente pela lei: art. 946º,2; art.
1416º,1; art. 2251,2”124
 Protecção de terceiros adquirentes de boa fé:
o Inoponibilidade da declaração de nulidade ou da anulação do negócio que versa
sobre bens sujeitos a registo – art. 291º.
o Prevalência segundo as regras de prioridade das leis do registo.

Princípio da abstracção

120
Cit. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed, Coimbra Editora, Limitada, Vol I, pp.268.
121
Cit. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed, Coimbra Editora, Limitada, Vol I, pp.268.
122
Cit. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed, Coimbra Editora, Limitada, Vol I, pp.269.
123
Cit. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed, Coimbra Editora, Limitada, Vol I, pp.269.
124
Cit. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed, Coimbra Editora, Limitada, Vol I, pp.269.

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TGRJ – 2º SEMESTRE | Paulo Pichel

 “Faz parte de todo um sistema legal, devidamente construído, que tem a ver com a
existência de uma Parte Geral, com os fundamentos e formas da anulação do negócio
jurídico, com a aquisição de boa fé a um não titular e com a segurança e celeridade do
tráfico jurídico.”125

125
Cit. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Ed. Almedina, Coimbra, pp.585/586.

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