Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
MESTRADO EM TEOLOGIA
TEOLOGIA FILOSÓFICA
São Paulo
2015
CENTRO PRESBITERIANO DE PÓS-GRADUAÇÃO ANDREW JUMPER
MESTRADO EM TEOLOGIA
TEOLOGIA FILOSÓFICA
São Paulo
2015
Dissertação: SOBRE O PONTO DE CONTATO?
CORNELIUS VAN TIL, FRANCIS SCHAEFFER E A APOLOGÉTICA
PRESSUPOSICIONALISTA
Aprovada em: / /
BANCA EXAMINADORA
________________________________
Prof. Rev. Dr. Davi Charles Gomes
_________________________________
Prof. Rev. Ms. Filipe Fontes
__________________________________
Rev. Dr. José Carlos Piacente Jr.
Este trabalho é dedicado à memória de
Edith Schaeffer, companheira do Rev.
Francis Schaeffer e “alma” do L’Abri,
falecida em 30 de Março de 2013,
enquanto eu escrevia tais linhas.
AGRADECIMENTOS
This study intends to consider the subject of the point of contact between
a believer and an unbeliever in apologetics. It seeks to describe this aspect in
apologetics as presented by Cornelius Van Til and Francis Schaeffer, putting both
visions in perspective, and establishing the relation between them. Through
bibliographical research, it seeks to describe the environment in which both thinkers
lived, to show the foundations of presuppositional apologetics, and to compare their
systems. The study concludes by noting the the differences and similarities between
Schaeffer and Van Til about the point of contact in apologetics, and by identifying
Schaeffer with presuppositionalism.
RESUMO
INTRODUÇÃO 10
CONCLUSÃO 159
INTRODUÇÃO
que nos interessa: o pressuposicionalismo. Mas, pelo fato de ser um campo ainda
interessantes. Existem outros aspectos entre Van Til e Schaeffer que poderiam ser
contato na apologética.
aluno de Van Til e carregou consigo marcas do pensamento vantiliano por toda a
vida. Porém, ele deu seu toque pessoal a alguns aspectos e tinha ênfases próprias,
pressupostos. Assim, pode-se dizer que entre Van Til e Schaeffer existem
distanciamentos e aproximações, mas suas propostas não devem ser vistas como
dos conflitos possíveis entre seguidores dos apologetas2 , bem como promover maior
evangelização.
2 Justificativa
fundar uma perspectiva apologética que procura ser coerente com os pressupostos
contemporâneos. Sua proposta nem sempre é bem aceita, mas o seu nome aparece
importantes como Greg Bahnsen, John Frame e K. Scott Oliphint. Embora os livros e
apostilas de Van Til não tenham linguagem acessível ao grande público4, a sua
acadêmico, mas era um pensador de alto nível. Schaeffer foi um dos poucos líderes
3EDGAR, W.; OLIPHINT, K. S.. Christian apologetics past and present: volume 2 — from 1500.
Wheaton, Illinois: Crossway Books, 2011. p. 454.
4 Cf. Bahnsen, Van Til’s apologetic, p.xix-xxii.
5 Mission to intellectuals. Time magazine, Vol.LXXV, n.2, p.62-3, 11 Jan. 1960.
"13
teologia.
A sua relevância pode ser vista no impacto do ministério fundado com sua
6 SCHAEFFER, F. Two contents, two realities. In: SCHAEFFER, Francis. The complete works of
Francis A. Schaeffer, vol. 3. Wheaton, IL: Crossway Books, 1982. p.412.
7 SCHAEFFER, E. L’Abri. 2.ed. Wheaton, IL: Crossway Books, 1992; SCHAEFFER, Edith. The
Tapestry. Waco, Texas: Word Books, 1981; PARKHURST JR, L. G. How God teaches us to pray.
Edmond, Oklahoma: Agion Press, 2011. Loc. 270, Kindle edition; HANKINS, B. Francis Schaeffer
and the shaping of evangelical america. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 2008. Loc. 898 -
1041.
8 How should we then live? (1976) e Whatever happened to the human race? (1979).
"14
denominava9 .
justificativa para a relevância deste trabalho. A discussão é importante porque Van Til
e Schaeffer são importantes. Mas a pesquisa não tem por base apenas a fama de
seus objetos. Além de sua personalidade influente, o tratamento que ambos deram à
apologética é marcante.
inovadora. Até então, o método utilizado mais frequentemente tinha a ver com a
Warfield e J. Gresham Machen são exemplos dessa abordagem. Van Til apontou a
importância de considerar que os fatos não são neutros em relação a Deus, mas
visto que em Van Til se observa um tratamento mais dedicado aos efeitos noéticos
9 SCHAEFFER, F. O Deus que intervém. São Paulo: Cultura Cristã, 2002. p. 260.
10Cf. LEITH, D. R. Presupposing. Fox River Grove, IL: Leighist & Grateful Pressless Press, 2012.
Loc. 313. Kindle edition.
"15
a p o l o g é t i c a p o r n o m e s c o m o G o r d o n C l a r k 11 e G r e g B a h n s e n , o
apologetas calvinistas.
sido aluno de Van Til, teve o pressuposicionalismo por base. Porém, seu tratamento
Van Til12, Por isso a perspectiva teórica na qual Schaeffer se encaixa é uma questão
que sua maneira de pensar e fazer apologética também fez escola e influenciou a
muitos.
obras musicais, peças de teatro, e pinturas. Enquanto a igreja era retraída em seu
contato com os não-cristãos, Schaeffer ganhava espaço discutindo Jean Paul Sartre,
11Clark e Van Til são considerados os grandes nomes do pressuposicionalismo. Ambos trabalhavam
na mesma perspectiva, embora tivessem diferenças em aspectos de seu pensamento, especialmente
na maneira de compreender o papel da lógica. Cf. MUETHER, John R. Cornelius Van Til.
Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed, 2008. p. 98-113.
12Cf. VAN TIL, C. The apologetic method of Francis A. Schaeffer. Philadelphia, 1974. Syllabus não
publicado.
13Pesquisadores como Bryan Follis não consideram Schaeffer um pressuposicionalista. Cf. FOLLIS,
Bryan. Truth with love: the apologetics of Francis Schaeffer. Wheaton, IL: Crossway Books, 2006. p.
99.
"16
debate, mas uma tentativa de envolver o incrédulo pela força dos argumentos e pela
final14.
seminário para uma postura mais liberal. Ainda em 1929 começou a lecionar no
14Cf. SCHAEFFER, F. A igreja no final do século 20. in: SCHAEFFER, Francis. A igreja no século
21. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. p. 41.
15 Cf. SCHAEFFER, F. O Deus que se revela. São Paulo: Cultura Cristã, 2002. p. 103.
16Schaeffer acreditava que a criação de um sistema rígido era incoerente com a percepção dinâmica
da natureza humana. Cf. SCHAEFFER, Francis. O Deus que intervém. São Paulo: Cultura Cristã,
2002. p. 246.
"17
nasceu. Tal abordagem, portanto, é recente, contando com menos de cem anos de
primeiro, Por que creio em Deus, foi publicado apenas em 200219 . Oito anos depois,
Apologética cristã21.
Brasil há mais tempo — a primeira edição de O Deus que intervém data de 1981 (a
brasileira, bem como apropriação de tal método pelos cursos de apologética e pela
contato" costuma ser tratada nos diálogos apologéticos de maneira intuitiva e não
17
EDGAR, W.; OLIPHINT, K. S. Christian apologetics past and present: volume 2 — from 1500.
Wheaton, Illinois: Crossway Books, 2011. p. 453.
18As Complete works de Van Til contam com 40 volumes, entre livros, apostilas e coletâneas de
resenhas e artigos.
19 VAN TIL, C. Por que creio em Deus. Brasília: Ministério Refúgio, 2002.
20 VAN TIL, C. O pastor reformado e o pensamento moderno. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.
21 VAN TIL, C. Apologética cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.
"18
como caminhar para uma percepção mais consciente, que pode produzir diálogos
3 Objetivos
do ponto de contato, na apologética. Para que esse objetivo geral seja atingido,
Til e Francis Schaeffer, bem como a relevância desses pensadores para o campo da
apologética;
4 Questões metodológicas
O Dr. Antonio Raimundo dos Santos identifica três critérios para definir o
coleta22.
fato, fenômeno ou processo” 23. Essa também é a classificação proposta por Antonio
material coletado está nas obras literárias. Para Gil, “boa parte dos estudos
exploratórios pode ser definida como pesquisas bibliográficas”26. Esse é o caso com
o presente estudo: terá nos livros, sejam fontes primárias de Van Til e Schaeffer ou
5 Referencial teórico
perspectiva de uma ruptura entre Van Til e Schaeffer, aquele observa uma
observando um padrão que permite considerar a coerência entre Cornelius Van Til e
Francis Schaeffer.
definido por considerar as pressuposições no diálogo, bem como por reivindicar que
27 LEIGH, D. Presupposing. Fox River Grove, IL: Leighist & Grateful Press, 2012.
28 Cf. p. 14.
"21
essência do homem e seu lugar no mundo. Segundo Richard L. Pratt Jr., a Imago
portanto, têm a ver com a constituição humana, dotada de marcas do Criador, como
não é igual a Deus. Como ser criado, está em nível inferior, manifestando sua
dependência completa daquele que lhe deu e sustenta a vida. Tal distinção anuncia
criados, de modo que não pode haver univocidade entre Deus e o homem na
29Cf. PRATT JR., R. L. Every thought captive: a study manual for the defense of christian truth.
Phillipsburg, NJ: Presbyterian & Reformed, 1979. p. 19.
30 VAN TIL, C. The defense of the faith. Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed, 1955. p. 13.
31 SCHAEFFER, F. Gênesis no espaço-tempo. Brasília: Monergismo, 2014. p. 67.
"22
Deus33.
divindade, uma marca interna que o faz reconhecer a Deus34. A doutrina do sensus
homem possui as marcas da criação Divina em si; assim, é natural que também
David Leigh, “A apologética de Van Til é fruto de uma teologia que ensina a total
afetadas, de maneira que a sua vontade é avessa a Deus, suas emoções são
verdade. Isso não significa dizer que é impossível ao homem desejar, amar e pensar
seu coração.
35LEIGH, D. R. Presupposing: how to defend the faith — the methods of Francis A. Schaeffer &
Cornelius Van Til. Fox River Grove, IL: Leighist & Grateful Press, 2012. Kindle edition. Loc. 1326.
Tradução livre: Van Til’s apologetic is the fruit of a theology that teaches the total depravity of
unregenerate humanity and the ultimate dependence of all conversion on the work of the Holy Spirit.
"24
5.2 Fontes
primárias. De Cornelius Van Til, as principais obras para discutir sua apologética e
apreciação do ponto de contato são The defense of the faith e Apologética cristã.
como: Cornelius Van Til: an analysis of his thought, de John Frame; Van Til’s
apologetics: a critique, de Thomas Morris; Truth with love: the apologetics of Francis
pensadores, como acontece na obra Presupposing: how to defend the faith — the
methods of Francis A. Schaeffer & Cornelius Van Til, de David Leigh. Esses nomes,
6 Esboço
delineamento das biografias de Van Til e Schaeffer, bem como do momento histórico
encontram
Schaeffer. Seu registro biográfico, ainda que limitado, possibilita a compreensão dos
caminhos que seguiram. Nesse contexto, mais do que mera curiosidade, o trabalho
Van Til, estava uma fé calorosa em Jesus Cristo” 36 — desta maneira o teólogo e
marcado pela fé reformada37. Seu pai, Ite Van Til, era um fazendeiro simples, mas
temente a Deus.
Em sua obra Por que creio em Deus, ele descreve algo de sua vida
quando criança, e menciona ter sido ensinado a crer em Jesus desde cedo38,
da Bíblia40. Para Van Til, o impacto dessa "atmosfera de fé"41 foi marcante.
Não digo que tenha entendido sempre o significado de todas essas coisas.
Mas do efeito total não se pode duvidar. A Bíblia tornou-se para mim, cada
parte, cada sílaba, a verdadeira Palavra de Deus. Aprendi que devo
acreditar na história da Escritura e que a “fé” é um dom de Deus. […] Fui
“condicionado” na forma mais abrangente do termo. Não posso evitar a
crença em Deus — no Deus do cristianismo —, no Deus da Bíblia! 42
A família Van Til era composta de Ite, Klazina, sua esposa, e seus oito
filhos. Eles tiveram também uma filha, mas ela faleceu ainda na infância, como
Para John Muether, é importante dar um passo atrás e entender Van Til
38 VAN TIL, C. Por que creio em Deus. Brasília, DF: Monergismo, 2012. p. 19.
39 Ibid., p. 25.
40 Ibid., p. 26.
41Van Til se refere à realidade da fé como uma atmosfera que cercava o ambiente diário. Cf. VAN
TIL, Cornelius. Por que creio em Deus. Brasília, DF: Monergismo, 2012. p. 26.
42 Ibid., p. 27. Nessa citação, Van Til está respondendo a um argumento da incredulidade. O não-
cristão pode argumentar que a fé é mero produto de condicionamento humano. Van Til revela o fato
de que tal “condicionamento" existe para o teísta e para o ateísta.
43MUETHER, J. R. Cornelius Van Til: reformed apologist and churchman. Phillipsburg, New Jersey:
P&R Publishing, 2008. p. 21.
"28
Sínodo de Dort. O Estado sancionou tais medidas, e um grupo da igreja, liderado por
significa “secessão".
tradição. O princípio que norteava tal iniciativa era o retorno às origens da Reforma.
dinâmica social mais ampla. Esse movimento ficou conhecido como Doleantie
44 MUETHER, J. R. Cornelius Van Til: reformed apologist and churchman. Phillipsburg, New Jersey:
P&R Publishing, 2008. p. 22.
45 Ibid., p. 24. Minha tradução: He urged the kleine luyden to break out of the social and cultural
isolation that characterized the Afscheiding.
"29
filhos do Afscheiding, com sua tendência separatista, colocaram mais ênfase sobre a
separatista, mas trabalhou junto a Kuyper. Seu trabalho convocava as duas frentes a
teve maior simpatia pela perspectiva separatista, mas soube apreciar o valor de
Kuyper e Bavinck48 .
Nascido em 3 de maio de 1895, Van Til não apenas era membro de uma
teria a jardinagem como uma de suas disciplinas regulares. Isso explica, em parte,
por que muitas das metáforas utilizadas por Van Til, vieram da agricultura49.
Seu raciocínio lógico era forte, e aos cinco anos de idade ele ingressou em uma
46 MUETHER, J. R. Cornelius Van Til: reformed apologist and churchman. Phillipsburg, New Jersey:
P&R Publishing, 2008. p. 24-5.
47 Muether, Op. Cit., p. 27.
48 Ibid., p. 28.
49 Ibid., p. 29.
"30
escola cristã, ainda na Holanda. Tão logo entrou no ambiente escolar, Van Til teve
A família Van Til emigrou de seu país original para os Estados Unidos da
curso há algum tempo. Em parte, ela foi fomentada pelo clima de perseguição
família, Ite Van Til decidiu seguir o seu filho mais velho, Reinder, que já estava nos
do temor de Ite e Klazina estava em ver os filhos tendo que servir no campo militar,
teve sua autorização para começar53. Ela foi formada em 28 de abril do mesmo ano,
50 MUETHER, J. R. Cornelius Van Til: reformed apologist and churchman. Phillipsburg, New Jersey:
P&R Publishing, 2008. p. 30.
51 Ibid., p. 31.
52 Equivalente ao presbitério, na Igreja Presbiteriana.
53 Muether, Cornelius Van Til, p. 34.
"31
Em seu primeiro ano no novo país, Cornelius Van Til estudou em escola
pública. Porém, ele foi transferido para a escola cristã inaugurada em 1907, na
jovens seguiam para o High School55 , mas como a formação era muito cara para a
família Van Til, seus filhos, após a formação básica, dedicavam-se ao trabalho na
fazenda.
Aos dezenove anos, Cornelius Van Til e seu primo Herman Moes se
Christian Reformed Church, igreja pastoreada por R. B. Kuiper — a quem Van Til
magistério.
curriculares do tipo esportivo57. Por outro lado, era comprometido com a edição do
Calvin College Chimes, uma publicação estudantil que discutia variados aspectos da
Cristo58.
Em 1921, quando ainda estava em seu último ano na faculdade, Van Til
que depois veio a se chamar Calvin Theological Seminary. Seu ingresso se deu pelo
como professores, como por exemplo, Louis Berkhof, que ensinava Novo
Testamento.
Durante o curso no seminário, Van Til teve maior contato com as obras de
Abraham Kuyper, absorvendo grande parte de seus ensinos. A interação de Van Til
professores. Um foi o seu professor de filosofia, William Henry Jellema, e outro foi
57Muether informa que nos anuários desse período, não há registros de participação em atividades
esportivas. Cf. Muether, Cornelius Van Til, p. 42.
58 Muether, Op. Cit., p. 44.
"33
haviam suspeitado de que Janssen estava ensinando a alta crítica em suas aulas, e
levantaram uma queixa pública. Eles foram advertidos pela maneira como
licença do cargo, para que uma comissão avaliasse o caso — comissão composta
por alguns dos que levantaram a queixa, como Herman Hoeksema. Na reunião de
1922, o professor leu uma declaração, expressando estar frustrado por não ter um
processo justo, e foi deposto do cargo. Ironicamente, o próprio Hoeksema foi o alvo
no Sínodo de 1924.
tratativa da questão. O desgosto de Van Til também cresceu ao notar o modo como
O seminário de Princeton foi atrativo a Van Til por seu corpo docente.
no Calvin, Van Til foi impressionado pelas palestras de Robert Dick Wilson, que
Dessa maneira, em 1922, Van Til e seu amigo John DeWaard saíram de
Warfield faleceu em 1921. Então Van Til nunca foi seu aluno. Mas ele
(antes dele se chamar assim). Van Til também se aproximou de Machen, embora
não tenha sido seu aluno por causa das disciplinas aproveitadas.
Van Til foi bastante produtivo em Princeton: obteve quatro graus em cinco
universidade no mesmo ano, o ThM (mestrado) pelo seminário em 1925 e o seu PhD
(doutorado) em 1927. É possível notar, portanto, que Van Til, além do seminário,
Princeton Van Til adquiriu amigos para a vida, como John Murray, que veio a ser seu
61 FRAME, Van Til on antithesis. Westminster Theological Journal, v.57, n.1, p. 81, 1995. Minha
tradução: Van Til's concept of antithesis can be understood as a continuation of two men who had
great influence upon him: Abraham Kuyper and J. Gresham Machen. Kuyper devoted much
thought both to antithesis and to common grace. Indeed, he also devoted much action to the
application of these concepts in church and society. Machen's fundamental insight was the highly
antithetical point that orthodox Christianity and theological Liberalism are not two differing Christian
theological positions, as Calvinism and Lutheranism, but are rather two different religions, radically
opposed to one another. […] Van Til applied this 'antithetical' thinking to neo-orthodoxy and other
theological movements.
62 Muether, Cornelius Van Til, p. 55. Minha tradução: Taken together, these three seminary papers are
impressive works that show a strong unity and coherence of thought, with convictions that were
uncommonly firm and established for Van Til’s lifelong themes: the ontological Trinity, the organic
connections between creation and covenant, the reverent and creaturely use of reason, and the
radical antithesis between believing and unbelieving epistemologies.
"36
Eles retornaram em seguida para New Jersey, a fim de que Van Til prosseguisse nos
estudos — agora de doutoramento. Assim como havia sido influenciado por William
Henry Jellema no Calvin, Van Til foi influenciado na Universidade Princeton por A. A.
absoluto”, Van Til recebeu o seu PhD. No mesmo ano foi ordenado e convidado para
Seu ministério ali foi curto, mas ele trabalhou com afinco na visitação e
catequese. Seus dias em Spring Lake foram pacíficos, a ponto de marcar a sua
relatam que, no período de controvérsias, em 1950, Van Til sonhara ter recebido
convite para retornar a Spring Lake e encerrar seu ministério por lá63.
de setembro daquele ano, Van Til pregou o sermão de despedida na igreja de Spring
O contexto, no entanto, não era dos melhores. O chamado de Van Til para
não havia referendado J. Gresham Machen para lecionar a matéria. O ensino de Van
Til foi bem-sucedido, mas o seminário passava por outras modificações. Assim como
instituição.
visão de Machen e pediu demissão em 1929. Nesta altura, a igreja de Spring Lake
ainda não havia encontrado um pastor, e Van Til retornou ao pastoreio em junho de
1929. No mês seguinte nasceria o seu filho, Earl Calvin Van Til. Também em julho
telegrama a Allis, afirmou que eles deveriam “fazer de tudo para consegui-lo”65. Em
recebendo a visita de Allis. A essa altura, Machen já falava sobre ajustar o salário
Machen o que estava em jogo no caso de Van Til: sua lealdade e expectativas
uma visita pessoal e da concessão para um magistério temporário, Machen foi até
65 Muether, Cornelius Van Til, p. 61. Minha tradução: We must do everything in the world to get him.
66 Ibid.
67 Ibid., p. 62.
"38
setembro de 192968 . Seu corpo docente inicial era composto por quatro ex-
Foi como professor que Cornelius Van Til teve maior impacto. Ele ensinou
em Westminster por praticamente todo o período que vai até sua aposentadoria, em
Havia cooperação e amizade entre Murray e Van Til. Este produzia apologética,
zombava de si, afirmando dar notas boas facilmente73. Muether relata anedotas dos
lembravam como foram levados a amar a Teologia Reformada por meio do ensino
Van Til apenas por seu material escrito, perde parte importante do homem que ele
era.
jogava giz de cera em alunos que atrapalhassem a aula; quando Walter Stoll entrava
em sala antes da aula começar e desenhava apenas um círculo no quadro, Van Til o
pegava pelo pescoço e o fazia desenhar o segundo — era assim, com os dois
círculos, que ele ilustrava a diferença entre Criador e criatura; em certas ocasiões,
quando soava o sinal indicando o fim da aula, ele encerrava sua fala no meio de
uma frase. Para Frame, no entanto, Van Til era melhor pregador do que professor78.
Van Til seguiam muito rápido, sem considerar que muitos alunos não tinham treino
filosófico, e pouco treino teológico. Ele informa que Van Til raramente definia seus
Em certa ocasião, Frame fez uma pergunta da qual esperava uma resposta simples,
75 Ibid.
76 Ibid.
77FRAME, J. M. Cornelius Van TIl: an analysis of his thought. Phillipsburg, New Jersey: Presbyterian
and Reformed, 1995. p. 27.
78 Frame, Cornelius Van Til, p. 30.
79 Ibid.
"40
de quinze segundos. Para sua surpresa, o professor respondeu, afirmando que, para
de seu contexto original de fazenda. Frame descreve como ele contava histórias, em
suas aulas, sobre galinhas e vacas, sobre carpintaria, e usava ilustrações clássicas,
como a dos óculos amarelos grudados no rosto do incrédulo, por meio dos quais ele
ampla de Van Til. Por meio de suas apostilas, que se tornaram livros, produziu
Por isso, Muether dedica parte de seu trabalho biográfico sobre Van Til para
demonstrar como era possível a relação entre ambos em Westminster83 . Para ele, a
fosse nova, o princípio orientador era o mesmo: Van Til havia aprendido de Machen
80 Ibid.
81 Ibid., p. 31.
82 Edgar e Oliphint, Christian apologetics past & present, p. 453.
83 Muether, Cornelius Van Til, p. 67-71.
"41
reajuste na maneira de vindicar a fé. Por meio de seu labor, Van Til buscou
comunidade acadêmica. Van Til, por sua vez, mesmo escrevendo a pessoas comuns
Muether, “o uso que Van Til fazia de terminologia altamente filosófica (por exemplo,
perder alguns leitores, e falhava em comunicar com o efeito direto do apelo mais
Van Til se deu através de seus alunos, embora nem todos seguissem à risca as
ideias do mestre. Greg Bahnsen e John Frame são exemplos dos que deram
criticamente.
84 Muether, Cornelius Van Til, p. 70. Minha tradução: Van Til simply applied Warfield and Machen’s
insights more fully in his own apologetics.
85 Muether, Cornelius Van Til, p. 70.
"42
fundou uma Junta de Missões Independente. Esse foi o ponto focal do julgamento e
qual Machen foi eleito moderador88. A igreja viria a se chamar, em 1939, Orthodox
Presbyterian Church (OPC), nome que adota até hoje. Em sua organização estavam
filiados 43 ministros. Van Til, embora ainda fosse membro da Christian Reformed
Church, sinalizava o interesse em se unir à nova igreja. Por isso, foi arrolado, junto a
denominacional foi rápida e tranquila. Sua decisão foi motivada pelo desejo de ver a
foi difícil se identificar. Outro fator descrito por Muether foi a aproximação dos
Desde o início do WTS, Van Til exerceu uma postura de vigia sobre o
Today e do Presbyterian Guardian, Van Til conduziu um ataque de três etapas contra
seu antigo empregador”91 . Primeiro escreveu contra John E. Kuizenga, que assumiu
contratado para ensinar Educação Cristã — uma das paixões de Van Til. A crítica a
este último se deu por que ele era o primeiro professor de Princeton abertamente
barthiano.
Van Til. Ele foi um dos primeiros a fazer análises críticas das obras de Karl Barth.
Princeton como professor. Nesse contexto escreveu a obra The New Modernism, em
90 Ibid.
91 Muether, Cornelius Van Til, p. 73.
"44
Til e J. Oliver Buswell nunca se entenderam bem. Após a morte de Machen, Buswell
passou a questionar a afinidade entre Van Til e Machen, tendo em vista que os dois
campanha para que a OPC fosse mais engajada culturalmente e se tornasse mais
questão. Van Til criticou a comissão, afirmando que ela recebeu poderes demais, e
isso não era suficientemente “presbiteriano”. Criticou, ainda, o evangelho social que
de iniciar uma universidade. Rian era o secretário da associação, e Van Til, junto a
92 Ibid., p. 86.
93 Muether, Cornelius Van Til, p. 96-7.
94 Ibid., p. 97-8.
"45
Gordon Clark — episódio que rende frutos até o presente95. Para Muether, os relatos
relacionamento, mas suas diferenças se tornaram notáveis quando Van Til pediu a
Clark uma avaliação de seu syllabus sobre metafísica. A resposta de Clark afirmava
que o homem poderia ter o mesmo tipo de conhecimento que Deus possuía 96. Van
Til discordou, afirmando que tal noção destruía a distinção entre Criador e criatura.
Esse ponto foi discutido em diferentes ocasiões, seja em apostilas, cartas ou artigos.
caminhar para a ordenação na OPC. Até então, havia apenas sido professor de
Wheaton, onde morava, até a Filadélfia. Por isso, foi examinado no presbitério
Presbitério da Filadélfia, por não ter dado tempo suficiente entre o licenciamento e a
ordenação de Clark 98. Além do problema formal, era discutida questão teológica,
os relatórios foram enviados para ser estudados nas igrejas. Van Til não participou
95 Ibid.
96 Ibid., p. 101.
97 Muether, Cornelius Van Til, p. 102.
98 Ibid., p. 103.
"46
falando nas plenárias, mas o seu pensamento e linguagem forneciam a base das
críticas99; por isso, homens como Robert Strong consideravam Van Til o maior
denominada “Clark-Murray”, pois foi John Murray quem mais trabalhou na refutação
do pensamento de Clark101.
traço psicológico do holandês. Havia uma ambiguidade em Van Til, que denotava
Van Til, de maneira geral, tinham como foco a saúde da igreja. Seu envolvimento em
polêmicas só era justificado pelo amor que possuía para com os filhos de Deus.
Cornelius Van Til. Segundo ele, quem percebe apenas a dimensão do “apologeta”,
99 Ibid., p. 104-5.
100 Ibid., p. 105.
101 Muether, Cornelius Van Til, p. 105.
102 Frame, Cornelius Van Til, p. 9.
103Muether, Cornelius Van Til, p. 18. Minha tradução: He desired to find the best defense of the faith,
and that goal required the diligent and often polemical work of identifying inconsistency and exposing
errors in both believing and unbelieving thought. Yet, what fueled his polemics was not a penchant for
vain argumentation but a passion for the purity of the church.
"47
Os debates sobre o ensino de Van Til têm dividido os seus seguidores, que
têm criado versões do apologeta reformado que competem entre si. Há
vantilianos entre os protestantes de linha geral e entre os batistas
fundamentalistas; eles são encontrados tanto dentro de sua denominação, a
Orthodox Presbyterian Church (OPC), quanto fora. Entretanto, o que os
seus estudantes normalmente passam por cima é que separar Van Til, o
apologeta, de Van Til, o homem da igreja, é eclipsar o próprio coração e
simplicidade por trás de seu pensamento e vida. Assim, muitos de seus
seguidores estão buscando o significado de Van Til à parte do contexto no
qual ele serviu 104.
da OPC, sua voz foi uma das mais presentes e influentes. Ela teve grande
que Van Til manteve uma postura humilde, de quem nunca quis estar em evidência.
Mesmo ganhando reconhecimento internacional por seus escritos, Van Til não
demonstrada pelo fato de que ele não aceitou convites para ser o diretor do
seminário, nem a eleição para moderador da OPC. Este último caso foi curioso: na
sexta Assembleia Geral da OPC, realizada no dia 10 de maio de 1939, Van Til foi
eleito para moderar a igreja. Ele, no entanto, não estava no plenário, e quando
soube de sua eleição, tratou de solicitar que fosse liberado do cargo. O plenário
104 Muether, Op. Cit., p. 15. Minha tradução: Debates over Van Til’s teaching have divided his
followers, who have created competing versions of the Reformed apologist. There are Van Tilians
among mainline Protestants and fundamentalist Baptists; they are found both within his denomination,
the Orthodox Presbyterian Church (OPC), and without. However, what his students often overlook is
that to separate Van Til the apologist from Van Til the churchman is to eclipse the very heart and
underlying simplicity of his thought and life. Thus, many of his followers are searching for Van Til’s
significance apart from the context in which he served.
105 Muether, Cornelius Van Til, p. 89.
"48
Assembleia Geral, a leitos de hospital e até mesmo às esquinas das ruas de Nova
Iorque”106. Para Oliphint, o resumo do ensino e ministério de Van Til é: “não pode
evangelho, por outro”107. Essa declaração fica mais evidente em um caso relatado
por ele: certa vez o holandês foi convidado para a falar a um grupo de filósofos na
atrasado, com pouco tempo para apresentar sua palestra. Van Til, então, deixou
software de biblioteca digital Logos, contam com 40 volumes, que incluem livros,
arquivos em áudio109.
Perto de sua morte, ele solicitava a seus amigos que lessem os Salmos
para ele. Ao seu pastor, Steven Miller, foi pedido que lesse as últimas seções do
106Ibid., p. 17. Tradução livre: In truth, Reformed apologetics drove him to the pulpits of the Orthodox
Presbyterian Church, to General Assembly study committees, to hospital beds, and even to New York
City street corners.
107 OLIPHINT, K. S. Van Til the evangelist. Disponível em: <http://www.opc.org/os.hmtl?
article_id=118>. Acesso em: 10, abr, 2013.
108 Ibid.
109The works of Cornelius Van Til. Disponível em <http://www.logos.com/product/3994/the-works-of-
cornelius-van-til>. Acesso em: 08, mai.,2015.
110 Muether, Cornelius Van Til, p. 226.
111 Ibid.
"49
humanidade aprisionada em uma cela de sua própria autoria. Ele foi o que eu vi de
mais próximo ao ‘homem de dores’” 112. Com tais palavras o cantor e autor John
pessoas simples da classe operária. Seu lar não era preenchido por um clima
ambiente de crescimento. Ali, ainda criança, ele teve contato com um grupo de
Conforme diz o biógrafo Colin Duriez, os pais de Schaeffer foram criados na igreja —
seu pai, Frank114, na luterana, e sua mãe, Bessie Williamson na Evangelical Free
Church.
serem estudados.
112FISCHER, John. Learning to cry for the culture: let’s remember Francis Schaeffer’s most crucial
legacy — tears. Christianity Today, v. 51, n. 4, p. 40–41, 2007. Tradução livre: Schaeffer, who died in
1984, understood the existential cry of humanity trapped in a prison of its own making. He was the
closest thing to a "man of sorrows" I have seen.
113Colin Duriez afirma textualmente que livros e interesse intelectual era algo ausente nas conversas
de seus pais. Cf. DURIEZ, Colin. Francis Schaeffer: an authentic life. Wheaton, Illinois: Crossway
Books, 2008. p. 17.
114 Francis Schaeffer III, conforme a tradição da família.
"50
vivo e estimulante — poderia ser determinante para o futuro do jovem. Como, então,
Time116?
uso do intelecto. Embora ele admitisse ter passado pelo ensino médio com muita
dificuldade117 , nunca ficou sabendo o que a escola onde ele estudou na infância
informou a seus pais sobre sua nota em um teste de inteligência: Schaeffer havia
tirado a segunda maior pontuação em vinte anos118. Havia, portanto, potencial desde
o início.
interpretada de maneira tão rigorosa. Mesmo que em sua casa não tenha tido tanto
espaço para a literatura e as artes, Schaeffer lembrava de seu pai “como uma
pessoa pensante, que fazia, de fato, perguntas filosóficas, mesmo nunca tendo
passado da terceira série”119. Esse espírito curioso de seu pai foi importante no
entrar para a Roosevelt Junior High School, teve por professora a senhora Lidie C.
Bell. Duriez a descreve como a que “abriu portas” para o jovem120. Ele transcreve
afeição pessoal e admiração para com a senhora Lidie? Talvez o conjunto desses
elementos, como acontece em todo ensino significativo. O ponto é que este encontro
viagens a Atlantic City, cidade litorânea no estado de Nova Jersey. Nestas ocasiões,
Mundial encalhado e virado no Cabo May Point. Após brincar nos destroços do
navio, Schaeffer olhava para o mar a partir do ângulo invertido do navio e essa
perspectiva fazia com que “todos os fatos aceitos do mundo externo parecessem
loucos”122. Duriez indica que, posteriormente, este evento forneceu uma analogia
Germantown.
show elétrico no auditório da cidade. Duriez123 conta que ali Schaeffer ouviu e viu a
amor que se aprofundaria, cresceria e se tornaria parte permanente de sua vida” 124.
dominical que não ajudava muito nas questões bíblicas indicou Schaeffer para
ajudar um conde russo que havia se mudado para Germantown. O trabalho era de
ensiná-lo a ler em inglês. O russo já tinha uma ideia de como aprender: queria fazê-
a abandonar aquele projeto e buscar um livro para leitores iniciantes no inglês. Foi
então que a história tomou contornos interessantes: ao visitar uma livraria grande na
Filadélfia e pedir por um livro com tal perfil para o atendente, Schaeffer recebeu o
livro errado, o que só notaria depois. O material recebido era uma obra sobre a
Esse foi o ponto de partida para o interesse do jovem Schaeffer por filosofia. A partir
de então, ele passou a ler tudo o que chegava em suas mãos e apaixonou-se pela
vida reflexiva.
ele recebia muitas perguntas, mas nenhuma resposta. Ao mesmo tempo, uma
ter lido completamente a Escritura. Ele, que estava lendo Ovídio naquele período,
Schaeffer, The tapestry, p. 51. Tradução livre: “As he began to read, he felt as if he had come
126
home!”
127 Duriez, Op. Cit., p. 20.
128 Schaeffer, The tapestry, p. 51.
"54
Schaeffer simplesmente usou a lógica de qualquer outro livro: leu do início ao fim. E
aos poucos o tempo dividido com Ovídio eventualmente se tornou apenas da Bíblia.
anos. Em seu relato biográfico, The tapestry, Edith130 transcreve palavras do próprio
encontradas na filosofia lida, nem na pregação ouvida até então. Conforme Edith131,
sensibilidade foi despertada, bem como o amor pelas artes, e o intelecto foi
equivalente a uma escola técnica. Pouco a pouco, crescia em seu coração o desejo
1930, nos quais ele revela “ter se convencido completamente de se preparar para o
ministério”132. Tal decisão não foi facilmente recebida pelos seus pais, mas
Virgínia, onde ficava a instituição. A história de sua saída é marcada pela decepção
dos pais e por sinais graciosos de Deus. Schaeffer foi para os estudos pré-
No ano de 1932, em um período de férias, ele voltou a sua cidade e teve o primeiro
contato com sua futura esposa, em uma inusitada situação na Igreja Presbiteriana. A
garota concluíra seus estudos no ensino médio há pouco, e também se mudara para
a região enquanto Schaeffer estava fora, estudando. Ambos acabaram por defender
obras de Edith são fundamentais. Eles casaram-se no mesmo ano em que Schaeffer
Westminster Theological Seminary. Ali estudou por dois anos, mas controvérsias
deram origem a uma divisão dentro da nova denominação formada pelo teólogo e
133 SCHAEFFER, E. Celebração do matrimônio. São Paulo: Cultura cristã, 2000. p. 11.
"56
desnecessariamente separatista. Não deixa de ser irônico que eles, uma vez lutando
contra o uso de bebidas, cigarro, teatro e danças por parte dos cristãos, viessem a
durante dez anos ele desenvolveu o ministério pastoral em seu país de origem. As
Missouri, foram palco de sua atuação. Ao longo desse período, ele teve com Edith
três filhas: Susan, Priscila e Deborah. Posteriormente nasceria o seu filho, Franky.
Europa, em condições ruins. Essa jornada, no entanto, foi marcante para a trajetória
da família. Pouco tempo depois de seu retorno aos Estados Unidos, Schaeffer viajou
Churches.
Como Edith conta em seu livro L’Abri135, a família chegou à Suíça, o local
duraria dois meses, mas os seus desdobramentos teriam impacto sobre o resto da
vida de Francis e de sua família. Ele passou a questionar tudo em que cria até
então. Entendeu que era necessário refazer todo o seu caminho do agnosticismo à
fé. Edgar136 relata que Schaeffer lutava com depressão, mas, naquela ocasião
que a abordagem utilizada para com as pessoas de quem Schaeffer discordava era
marcada por feiúra, falta de gentileza, e menos do que amor; e o encontro com Karl
Amsterdã. Com o material, ele também solicitou outro encontro. Barth respondeu
Schaeffer por sua atitude. Como informa Edgar, “Barth recusou qualquer tentativa de
135 SCHAEFFER, E. L’Abri. 2. ed. Wheaton, Illinois: Crossway Books, 1992. p. 26.
136 Edgar, Schaeffer on the Christian life, locação 130.
"58
Conforme seu relato138, tal evento foi importante para a existência de L’Abri.
Sem o material que aqui se encontra não haveria hoje o L’Abri. Em 1951 e
1952, enfrentei uma crise espiritual em minha própria vida. Eu tinha voltado
do agnosticismo e me tornado cristão muitos anos antes. Em seguida, havia
sido pastor por dez anos nos Estados Unidos, e depois, durante alguns
anos, eu e Edith, minha esposa, trabalhamos na Europa. Durante esses
anos, pesava-me a responsabilidade de representar a posição cristã
histórica e a pureza da Igreja visível. Aos poucos, no entanto, constatei um
problema — o problema da realidade. Tinha duas partes: primeiro, tive a
impressão que, para muitos daqueles que se posicionavam pelo ortodoxo,
faltava a realidade quanto às coisas que a Bíblia claramente expunha como
devendo resultar do Cristianismo. Segundo, despertava a consciência de
que minha própria realidade era menor do que nos primeiros tempos de
cristão. Reconheci sinceramente que eu precisava voltar e repensar toda
minha posição.
137Edgar, Op. Cit., locação 132. Minha tradução: “Barth refused any attempts at further conversations,
arguing that conversations only occur between open-minded persons.”
138SCHAEFFER, F. Verdadeira espiritualidade: uma vida cheia de beleza, admirada pelos de dentro
e pelos de fora. São Paulo: Cultura Cristã, 1999. p. 7.
139 Ibid., p. 8.
"59
verdadeira espiritualidade.
ministério. Sua iniciativa com crianças, o Children for Christ, crescia. A capela de seu
vilarejo, Champéry, era usada para celebrar cultos. E vizinhos, estudantes próximos
pessoas, os locais e o dinheiro necessário, não apenas para que a família Schaeffer
140Schaeffer, L’Abri, p. 124: “This is what we felt we were being led to do: to ask God that our work,
and our lives, be a demonstration that He does exist [...]”
141 Ibid., p. 124-125.
"60
1. Eles iriam orar para que Deus enviasse as pessoas de Sua escolha e
um lar aberto;
2. Eles iriam orar para que Deus enviasse, semana após semana, e mês
após mês, dinheiro suficiente para lidar com as necessidades da família, comida e o
que mais fosse necessário para aqueles que Ele levantaria para ajudar;
4. Eles orariam para que, se Deus quisesse que o trabalho crescesse, Ele
análise cultural e apologética. Muitas pessoas passaram por ali, algumas da quais
influenciados por ele através do ministério literário. Até hoje, pessoas de diferentes
142 Cf. Hankins, B. Francis Schaeffer and the shaping of evangelical America, Loc. 843-1041
"61
partes do mundo, em diferentes idiomas, têm contato com as idéias daquele pastor
presbiteriano.
partir daí, deu-se uma longa luta contra a doença, com sessões de quimioterapia e
programas nutricionais, conforme revela Edith 143. A rápida perda de peso enquanto
filmavam um dos vídeos gravados144 pelo pastor demonstrou haver algo errado.
Segundo Duriez, havia nele um tumor “do tamanho de uma bola de futebol
assim, só na primeira noite, ele pôde falar a mil e quinhentas pessoas. Em 1980,
frequência de duas mil pessoas. Não demorou até que fundassem uma unidade de
viveria os últimos dias na UTI ou em casa (Rochester). Ela optou por tê-lo em seu
espaço. Assim viveu Schaeffer por mais dez dias, ouvindo seus compositores
preferidos, como Haendel, e tendo uma paisagem bela e ambiente acolhedor. Ele
havia sido fundado em 1929, e Van Til figurou, desde o início, no quadro de
McIntire. O último, especialmente, por ser tão jovem e estar em uma posição tal que
de modo que era possível ao aluno o contato com todos os professores em um curto
para a Bible Presbyterian Church, e para o Faith Theological Seminary. Mas sua
naquele período, Schaeffer deve ter estudado com Van Til em pelo menos três
mais aulas com Van Til, por causa das disciplinas eletivas. Ainda assim, em pelo
menos três dos quatro semestres que passou na instituição, Schaeffer estava em
contato com Van Til em um contexto de sala de aula pequena e muita aproximação
ficou habituada com os nomes dos professores, dentre os quais o de Van Til —
pensamento. Tais aulas renderam fruto, de modo que Schaeffer dava crédito de suas
A segunda forma de contato entre Van Til e Schaeffer foi por cartas. Leith
Van Til esteve “do outro lado”. Não há registros de que tenha havido confronto direto
entre ambos, especialmente por que Schaeffer ainda era um jovem seminarista, sem
teológica.
perceber o debate escrito entre Van Til e J. Oliver Buswell, Schaeffer propôs uma
vividamente das boas coisas que recebeu nos cursos com Van Til.
século XX”, em tradução livre151. Em Junho de 1967, Van Til enviou a Schaeffer uma
Eu acho que nós temos algumas diferenças, mas, ao ler o seu material, não
penso que tais diferenças possam, ou devam, ser classificadas na velha
grade de suas discussões com homens que defenderam a teologia natural,
ou ainda a dicotomia 152.
Por essas palavras é possível perceber que ele entendia que ambos eram
Schaeffer concluiu sua carta informando que levaria um livro inteiro para
responder toda a crítica de Van Til, e que ele esperava que seus livros a serem
esclarecer as questões153 .
150 SCHAEFFER, F. A. A review of a review. The Bible today. 42.1: Outubro de 1948. p. 7-9.
Disponível em: <http://continuing.wordpress.com/2011/07/02/f-a-schaeffer-a-review-of-a-
review-1948>. Acesso em: 08, mai.,2015.
151 Speaking the Historic Christian Position into the 20th Century.
152Citado em Leigh, Presupposing, Loc. 626. Tradução livre: I think we do have some differences but,
from reading your material, I don’t think these differences can, or should, be classified in the old grid of
your discussions with men who have stood for natural theology, nor for dichotomy.
153 Leigh, Presupposing, loc. 626.
"66
O tom tranquilo do diálogo não foi adotado por seguidores de Van Til,
como o editor do jornal The Presbyterian Guardian, John Mitchell, que, diante das
vantiliana155.
das diferenças entre seu pensamento e o de Van Til. Para ele, a questão central era
que Van Til escrevia para um ambiente acadêmico, enquanto ele lidava com o
homem não acadêmico. Mitchell, no entanto, não aceitou o ponto. Schaeffer, então
respondeu que não desejava gastar os próximos poucos anos de sua vida nas
diferenças que ele tinha com Van Til, considerando que eles tinham muito mais em
comum.
Para Leigh, essa não foi a mesma atitude adotada por Van Til, que
Os últimos anos de Van Til foram diferentes. Embora ele tenha retido certa
vivacidade de mente e senso de humor, Van Til gastou períodos
exorbitantes de tempo preocupado em refutar Schaeffer. Com o passar do
tempo e o envelhecimento, Van Til apenas copiava passagens dos livros de
Schaeffer, da Confissão de Westminster, e da Bíblia, com poucos
comentários coerentes como explicação. 156
154 Ibid.
155 Ibid., loc. 656.
156 Leigh, Op. cit., loc. 698.
"67
VanTil com Schaeffer acabou atingindo também quem estava associado, de alguma
forma, ao fundador de L’Abri. Foi o caso com Os Guinness, e também com Harold J.
comitê que analisava a questão, preocupado com o ingresso do candidato, por que
Logo que O Deus que intervém foi lançado, em 1969, Donald M. Sautter,
do Dallas Seminary, escreveu uma carta empolgada a Van Til, falando de como o
para Van Til por entender que a popularização do pensamento de Schaeffer era uma
vitória do sistema apologético de Van Til. Também relatou que os alunos, quando se
maneira que sua abordagem foi neutralizada160. Com a resposta, Van Til enviou um
entre seu pensamento e o de Van Til, mas as via como secundárias, diante das
evidências de unidade, Van Til reconhecia que Schaeffer estava tentando trabalhar a
Bryan Follis informa que outros elementos são úteis na compreensão das
não se envolveu no debate por, pelo menos, três razões: Primeiramente, porque o
Van Til, e acreditava que estava trabalhando a partir do fundamento lançado pelo
acadêmicos podem gerar reações acaloradas e feias, e queria evitar algo do tipo161.
com excessivas explicações e qualificações teóricas. Ele, como afirmava, não era
de Leigh162 , Schaeffer adotou postura semelhante à de Karl Barth diante das críticas
brigas”, e seguiu em frente. Van Til, por outro lado, insistiu em suas críticas e
Schaeffer”163. Essa atitude mais polêmica pode ser compreendida pela natureza
zelo parece ter resultado em um espírito faccioso, que também foi adotado por
sistema e prática apologética de ambos. É o que será feito nos próximos dois
capítulos. Eles apresentarão um panorama das propostas dos dois pensadores, com
pretende-se caminhar pelos elementos que tornam a leitura de Van Til um árduo
ajustar o foco para o aspecto específico do ponto de contato. A escolha de tal rota se
Van Til poderiam ser divididos entre aqueles que não concordavam com ele, e
aqueles que não o entendiam" 164. Esta brincadeira de Muether nasce de uma
observação real: tão fácil quanto encontrar aqueles que discordam de Cornelius Van
Til, é encontrar aqueles que não entenderam sua obra. A que se deve esse fato?
Como afirmado anteriormente, Van Til pouco fez para comunicar de modo
lidar com a proposta vantiliana. Além de seu texto, em alguns aspectos, obscuro — o
interação dos intérpretes com o pensamento de Van Til não foi sempre
intelectualmente honesta. John Frame aponta para uma divisão básica entre os
da apologética proposta por Van Til, parecem recebê-la in toto, integralmente, sem
tal área da reflexão teológica e filosófica, ora forjando caricaturas, ora simplificando
seus pontos. É o caso de Alister McGrath e sua obra “Apologética cristã no século
pressuposicionalismo.
Van Til diz que não é possível dialogar com indivíduos estranhos à fé cristã.
Não há terreno em comum. Se aceitarmos o pressuposto de Deus, com
tudo o que esse pressuposto implica, isso significa que já somos cristãos;
se não aceitarmos, não poderemos sequer começar a entender os méritos
do argumento cristão. Somente se o não-cristão se entregar totalmente ao
pressuposto da existência de Deus, poderá compreender os méritos do
argumento cristão.169
aprecie virtudes e critique dificuldades na obra de Van Til. Portanto, lidar com os
a obra de Van Til com mais liberdade, seja para criticá-la, ou para produzir a partir
dela, utilizando novas linguagens. Essa distinção de nomenclatura não deve ser
categoria. K. Scott Oliphint, por exemplo, seria um seguidor de Van Til, preservando
a obra e o discurso vantiliano em larga escala; e John Frame pode ser classificado
como um herdeiro, que interage mais crítica e livremente com o pensamento de Van
Til.
das fontes primárias — o texto de Van Til —, bem como essas questões envolvidas
do ensino de Van Til. Este esforço deverá levar em consideração o tipo de literatura
produzida por Van Til, alguns temas recorrentes em seu pensamento, e a sua
várias críticas por essa razão. Embora a publicação de seus syllabi lhe conferisse
e que pressupunham leituras avançadas da parte dos leitores. De todo modo, esses
textos, dentre os quais estão The defense of the faith171 [A defesa da fé], A christian
Van Til, de modo que tão rapidamente quanto ele costuma ser lembrado como “o pai
Esses escritos possuem um duplo exercício, análise e alerta, o que mostra que Van
textos polêmicos de Van Til também são excessivamente técnicos, e dentre eles
171VAN TIL, C. The defense of the faith. 3.ed. Phillipsburg, New Jersey: Presbyterian and Reformed,
1967.
172VAN TIL, C. A christian theory of knowledge. Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed,
1969.
173 VAN TIL, C. Common grace. Philadelphia: Presbyterian and Reformed, 1947.
174VAN TIL, C. An introduction do Systematic Theology. Phillipsburg, NJ: Presbyterian and
Reformed, 1974.
175VAN TIL, C. The new modernism: an appraisal of the theology of Barth and Brunner. Philadelphia:
Presbyterian and Reformed, 1973.
176 VAN TIL, C. Christianity and Barthianism. Philadelphia, PA: Presbyterian and Reformed, 1968.
177 VAN TIL, C. O pastor reformado e o pensamento moderno. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.
"75
se do livreto “Por que creio em Deus”178 em que, Van Til, mudando radicalmente seu
outras obras. O público de “Por que creio em Deus”179 parece ser o cristão comum.
maneira pela qual escreve. O público que ele tem em vista é formado,
Cornelius Van Til tivesse crescido em um lar simples — sendo o primeiro de sua
pessoas menos cultas, a sua comunicação escrita privilegia interlocutores com maior
instrução.
Frame escreve que “as quatro coisas mais importantes para se lembrar
sobre a cosmovisão cristã são: (1) a absoluta personalidade de Deus; (2) a distinção
entre Criador e criatura; (3) a soberania de Deus; e (4) a Trindade”180. Todos esses
2.2.2.1 Metafísica
178 VAN TIL, C. Por que creio em Deus. Brasília, DF: Monergismo, 2012.
179 VAN TIL, C. Por que creio em Deus. Brasília, DF: Monergismo, 2012.
180 FRAME, J. Apologética para a glória de Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. p. 35.
"76
que eu tenho dito”181 . Seu livro mais conhecido182 sobre apologética — The defense
de Deus, sua personalidade e Trindade 183. Para Scott Oliphint, este é um dos pontos
O que é, talvez, o ponto apologético mais radical que Van Til define,
especialmente dada a história da apologética antes dele, é a sua insistência
de que a apologética, como a teologia (de fato, como o todo da vida) deve
começar com a Trindade ontológica. 184
Existe uma razão para isso. No sistema proposto por Cornelius Van Til,
Deus é, não faz muito sentido discutir se esse Deus existe, afirma Van Til185.
181GEEHAN, E. R. (ed). Jerusalem and Athens: critical discussions on the theology and apologetics
of Cornelius Van Til. Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed, 1971. p. 3.
182Para William Edgar e K. Scott Oliphint, esse não é apenas o livro mais conhecido, mas também o
mais importante. Edgar, Oliphint, Christian apologetics past and present, loc. 11056: “Tudo o que ele
escreveu e ensinou anteriormente o levou ao The defense of the Faith, e tudo o que veio depois o
reflete de volta”.
183 Van Til, The defense of the faith, p. 9.
184 OLIPHINT, K. S. Van Til the evangelist. Disponível em: <http://www.opc.org/os.html?
article_id=118>. Acesso em:10, Abr., 2013.
185 Van Til, The defense of the faith, p. 9.
186 Van Til, The defense of the faith, p. 11.
"77
Sua [Deus] relação com o mundo. É nesse contexto que ele trata da doutrina da
independência; agora, reafirma que o arranjo total de Seus atributos pode ser
belo e do verdadeiro.
2.2.2.1.2 A Trindade
de reafirmar o caráter trino de Deus em Sua natureza, sem, porém, cair no erro dos
ontológica. Para Van Til, tal categorização não é gratuita. A fim de que se tenha uma
personalidade de Deus188 .
universo. Ele sustenta a realidade e a define; Ele dá sentido a tudo o que existe. Por
e sua filosofia, que gira em torno de uma noção abstrata do “ser”, para, só então,
fazer distinção entre ser divino e humano. Ao colocar ambos na categoria do “ser”,
Deus: “fazer asserções acerca do ser em geral constitui, pelo menos por implicação,
um ataque à natureza autônoma, e, portanto, única, do ser de Deus” 189. Para Van Til,
criados são dependentes dele”190. O cristão está comprometido com uma visão da
visões metafísicas, conforme sua tese, trabalham com apenas uma camada, ou
igualdade para com todos os demais, e assim passa a ser impossível desafiar
189 VAN TIL, C. Apologética cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. p. 28.
190 Ibid.
191 Ibid., p. 29.
"79
igualado, a Sua criação, Ele deixa de ser o ponto de referência, uma vez que passa
a fazer parte da ordem criada. A fonte de sentido, portanto, é perdida. Não apenas
proposta foi trazida pelo Dr. Davi Charles Gomes, com o conceito de
de Van Til sobre o ponto não é difícil de ser compreendida, considerando-se que
uma das tônicas da Escritura é a absoluta soberania de Deus, e Sua distinção dos
seres criados.
2.2.2.2 Epistemologia
diferente da relação que o homem tem com ele. Segundo Van Til, “assim como Deus
possui um ser autônomo, e todos os outros seres são criados ou derivados, assim
para só depois fazer distinção entre o conhecimento divino e o humano. Para Van
portanto, elevá-lo à categoria de divindade, visto que o próprio Deus estaria obrigado
a seguir tal “conhecimento”. Ele ilustra esse ponto com a história do Éden195. No
jardim, Adão e Eva tiveram que escolher entre um tipo de conhecimento que deriva
O conhecimento que Deus tem dos fatos precede os fatos [...] Deus
conhece ou interpreta os fatos antes que eles sejam fatos. É exatamente o
plano de Deus, a interpretação abrangente que ele tem dos fatos, que faz
deles o que eles são196.
de que apenas o Criador é autônomo e, como tal, está separado de Sua criação,
apenas em termos quantitativos. Ele não está acima dos homens porque tem mais
conhece como Criador, e o homem, como criação. Desse modo, torna-se impossível
conhecimento199.
humano é analógico. Escrevendo sobre o que está envolvido na analogia, ele afirma
atrelados aos dEle. Enquanto o homem tem acesso à realidade pré-interpretada por
Quando nós afirmamos que o pecado é ético, não queremos dizer que o
pecado envolveu apenas a vontade do homem, sem o seu intelecto. O
pecado envolveu cada aspecto da personalidade humana. Todas as reações
do homem em cada relação na qual Deus o colocou eram éticas e não
meramente intelectuais; o próprio intelecto em si é ético. 203
201Van Til apud BAHNSEN, Van Til’s apologetic: readings & analysis. Phillipsburg, NJ: Presbyterian
and Reformed, 1998. p. 252.
202Cf. Van Til, The defense of the faith, p. 54: Esta doutrina da depravação total do homem torna claro
que a consciência moral do homem como ele é hoje não pode ser a fonte de informação sobre o que
é o bem ideal, ou sobre o que é o padrão do bem, ou sobre qual é a verdadeira natureza da vontade
que deve lutar pelo bem. (tradução minha; grifos do original)
203 Ibid., p. 46.
204 Ibid., p. 54.
"83
Ela retorna a ter unidade em sua experiência. Ainda assim, o retorno à condição de
Adão é apenas em princípio, no sentido de que ainda pesa sobre ela a condição
adquirido. Van Til responde que sim, porque a ruptura com o Criador foi
Deus eticamente, o homem ainda está ligado ao Criador por aquilo que ele é — um
Por ser criatura e por causa dessa desorientação causada pela queda, o
realidade.
209Van Til, The defense of the faith, p. 54. Minha tradução: It is this point particularly that makes it
necessary for the Christian to maintain without any apology and without any concession that is
Scripture, and Scripture alone, in the light of which all moral questions must be answered. Scripture as
an external revelation became necessary because of the sin of man.
210 Ibid., p. 105.
211
VAN TIL, C. An introduction do systematic theology. Phillipsburg, NJ: Presbyterian and
Reformed, 1974. p. 75.
"85
especial que anuncia a graça, e que explica ou interpreta fatos revelatórios, como
perspicuidade e suficiência213.
212Van Til, An introduction to systematic theology, p. 110. Tradução livre: This necessity does not lie in
any defect in the general revelation that God gave to man when he created him. When we speak of
the insufficienty of general revelation we do not wish to suggest that this revelation is as such
insufficient for its purpose. It has been noted how all creation, including man’s own psychological
constitution, is inherently revelatory of God. This revelation was so clear and unavoidable that man
was always confronted with the face of God. But in sinning, man, as it were, took out his own eyes, so
that he could no longer see God in his general revelation. Moreover, through this act of self-immolation
man not only made himself helpless but also guilty and polluted before God. It is therefore to the
condition of man as a sinner, not to man as finite, that the idea of the necessity of a special or saving
revelation must be attached.
213 Ibid., p. 134-6.
214 Van Til, Apologética cristã, p. 64.
"86
revelação especial é bastante amplo. Para Van Til, “a Bíblia, como a revelação
luz através da qual todos os fatos do universo criado devem ser interpretados”215. A
Palavra escrita de Deus não trata de cada detalhe específico da realidade, mas
mundo sem pensar os pensamentos de Deus após Ele, visto não possuir a devida
consciência de sua condição debilitada e dos efeitos noéticos do pecado, bem como
2.2.2.3 Ética
Van Til fundamenta sua concepção ética na teologia da aliança. Uma das
pode-se concluir que Ele também é o paradigma fundamental das ações humanas,
certo e errado.
estabelecer no lugar de Deus. Van Til comenta a consciência moral surgida após a
consciência finita, porém derivada da revelação eterna de Deus, agora ela passa a
ser não apenas finita, como também pecaminosa217. É nessa percepção do Criador
Kuyper.
Frame afirma: “em alguns aspectos, a apologética inteira de Van Til pode ser vista
[…] Van Til defendia que não há pontos principais, princípios básicos
sistematicamente, ou verdades centrais na filosofia, nos quais a diferença
entre o cristão e o não-cristão não será vista. O conflito entre suas atitudes
sempre andará paralelo a uma antítese em suas perspectivas filosóficas. 221
Para Bahnsen, Van Til seguiu os insights de Kuyper, que ensinava haver
Mas ele argumenta que a antítese em Kuyper não atingia a totalidade do homem.
Inicialmente, Kuyper teria trabalhado a noção de graça comum como algo negativo,
dádivas da graça, que lhe permitiriam produzir coisas boas, para o florescimento da
humanidade224.
assim, o professor de Westminster não nega que o incrédulo possa ter virtudes.
Na descrição de Van Til, a graça comum atua, não permitindo que o incrédulo seja
O próprio Van Til é exemplo útil para esse ponto. Embora tenha
Deve-se dizer que, a essa altura, Van Til havia tomado seriamente o
idealismo de seus dias. Era o idealismo que reivindicava que todos os fatos
finitos têm seu significado apenas em relação ao Absoluto. Era o idealismo
que promovia a importância das pressuposições em todo o pensamento.
Era, semelhantemente, o idealismo que anunciava ter um método de
implicação. Repetidamente, Van Til se referia à obra de Bosanquet
225 Van Til apud Bahnsen, Van Til’s apologetic, p. 430. Tradução livre: And by the striving of the Spirit
men cannot be wholly insensitive to this goodness of God. Their hostility is curbed in some measure.
They cannot but love that which is honest and noble and true. They have many virtues that often make
them better neighbors than Christians themselves are. And as such they can cooperate with believers
in seeking the truth in science. They can contribute by virtue of their metaphysical constitution; they
can cooperate by virtue of the ethical restraint of common grace.
226 Van Til, The defense of the faith, p. 169.
"91
“Implication and linear inference”. Contudo, ao mesmo tempo, deve ser dito
e enfatizado como todo-importante que Van Til era crítico de tudo o que o
idealismo afirmava ser verdade! Isso significa dizer que Van Til pegou o que
formalmente verdadeiro no idealismo (devido à graça comum) e o
transplantou para a fé cristã reformada, lá nutrindo e regando para a fruição,
porque somente no “solo” cristão tais ideias formalmente verdadeiras
poderiam ter seu lugar apropriado de crescimento.227
de pensamento. A única aplicação clara feita por ele é o livreto “Porque creio em
Deus”. Ainda assim, Van Til discute a questão metodológica em suas obras, por
227 OLIPHINT, S. The consistency of Van Til’s methodology. Westminster Theological Journal,
Philadelphia, 52, n.1, p. 27-49, 1990. p. 34. Minha tradução: It must be said at this point that Van Til
has taken seriously the idealism of his day. It was idealism that contends that all finite-facts have their
meaning only in relation to the Absolute. It was idealism that promoted the importance of
presuppositions in all thought. It was accordingly idealism that claims to have a method of implication.
Time and again, in his early writings, Van Til referes to Bosanquet’s work, Implication and Linear
Inference. Yet at the same time it must be said and emphasized as all-important that Van Til was
critical of all that idealism held to be true! That is to say, Van Til took that which was formally true in
idealism (due to common grace) and transplanted it into the Reformed Christian faith and there he
nurtured and watered it to fruition because only in Christian “soil” could these formally true ideas have
their proper growing place.
"92
Materiais como The defense of the faith 228 e “Apologética cristã”229 possuem
capítulos separados para tratar do método em apologética. Além disso, seu discípulo
Greg Bahnsen230 organiza trechos de materiais variados para fornecer uma visão
em seu esforço por adequar sua visão apologética à sua visão teológica. Essa
mesma busca por consistência caracteriza as discussões de Van Til sobre o método
apologético. Segundo ele, era necessário haver continuidade entre a visão cristã do
homem e a visão cristã do método, pois elas fazem parte da posição cristã como um
potencialidades humanas.
especialmente no que diz respeito a Jesus, e então se chegar ao Deus cristão. Van
Til discorda intensamente de tal proposta. Para ele, o esforço de provar a mera
probabilidade de Deus, ou, ainda, de provar que uma “divindade em geral" existe é
inútil e infrutífero.
da natureza, nega a percepção mais profunda de que tal homem foi completamente
fundamental, por meio da qual toda neutralidade é extinta, visto que o quebrador do
realidade, mas agora tenta se estabelecer nesse lugar soberano. McGrath, por
pouco espaço à doutrina da Queda. Para ele, o ponto de contato deve ser a criação
é a verdade. Desse modo, partir de premissas teológicas que não estejam de acordo
fé.
criticado era desposado não apenas por arminianos, mas também por reformados.
transcendental.
sistema, sob pena de não defender o teísmo cristão. Nas palavras de Van Til: “Um
o Deus triuno, Pai, Filho e Espírito Santo, fala a ele com absoluta autoridade na
Escritura”.245
242“Ponto de partida” é semelhante a “ponto de contato” no pensamento de Van Til. Trata-se do lugar
onde há o encontro inicial entre cristão e incrédulo, de onde é possível travar o diálogo. Cf. Van Til,
Apologética cristã, p. 67: “Existe alguma área conhecida de ambos [crente e incrédulo] que possa ser
usada como ponto de partida para conduzir àquilo que é conhecido pelos crentes, mas desconhecido
pelos incrédulos?”
243 Van Til, Apologética cristã, p. 98.
244 Ibid.
245 Van Til, The defense of the faith, p. 179. Minha tradução: A truly Protestant apologetic must
therefore make its beginning from the presupposition that the triune God, Father, Son and Holy Spirit,
speaks to him with absolute authority in Scripture.
"97
pressupostos do observador.
direto”248. Explicando este fato, Van Til defende que embora a antítese entre cristãos
deste ponto não pode ser concluída com o apelo direto a “fatos”, ou “leis”, pois não
atrás, e coloca uma questão anterior: qual é o ponto de referência para definir o
significado dos “fatos” e “leis”? O que são, na verdade, esses “fatos” e “leis” —
aquilo que os cristãos dizem que são, ou o que os incrédulos afirmam ser? Van Til
assevera, assim, que a resposta a essa questão não pode ser obtida diretamente,
incrédulo, “os ‘fatos’ não são fatos e as ‘leis’ não são leis”249 . O cristão também deve
e “leis”.
busca demonstrar que, a menos que o teísmo cristão seja pressuposto, toda a
tão antigo quanto a formação educacional de Van Til. Em sua tese de doutorado,
possível.
Oliphint informa que o uso do termo transcendental tem origem em Kant251 . Segundo
ele, Van Til estaria “fazendo as mesmas perguntas” que o filósofo alemão, porém
indicam a prática sugerida por Van Til. Duas imagens concretas podem ser utilizadas
para ilustrar a práxis apologética de Van Til: entrar no terreno do oponente, e retirar a
interior. É verdade que a crítica ainda será realizada por alguém de fora257, com uma
Em seu âmago o homem natural sabe que é criatura de Deus. Ele também
sabe que é responsável diante deste Deus. Ele sabe que deveria viver para
255 Frame, Cornelius Van Til, p. 314-5. Tradução livre: We now have before us the basic elements of
Van Til’s apologetic method: (1) It seeks to show that all intelligibility depends on, or presupposes,
Christian theism. (2) It is indirect rather than direct, negative rather than positive, ad hominem rather
than ad rem, essentially a reductio ad absurdum. (3) It requires each member of the discussion to
“place himself upon” his opponent’s position “for the sake of argument” in order to show how that
position affects the intelligibility of predication.
256 Van Til, Apologética cristã, p. 99.
257 Para uma avaliação mais detida desta prática, cf. Frame, Cornelius Van Til, p. 320-322.
"101
a glória de Deus, e que em tudo que faz deveria enfatizar que a área da
realidade que ele investiga está marcada com o selo de propriedade de
Deus. Contudo, ele suprime o conhecimento de si mesmo, tal como ele é.
Ele é o homem com a máscara de ferro. Um método verdadeiro de
apologética deve buscar destruir essa máscara. 258
que tira a máscara do pecador e o compele a olhar para si mesmo e para o mundo
Uma última questão ainda deve ser mencionada neste tópico: as críticas
ao método de Van Til. Basicamente, as críticas sofridas por Van Til, por causa de sua
defesa da fé260. Mas, seria Van Til, de fato, contrário ao uso de evidências?
Não é difícil perceber que Van Til não era completamente contrário ao uso
de evidências por parte do apologeta cristão. Algumas de suas obras, bem como
alguns de seus comentadores, trazem luz à questão. Van Til elaborou um syllabus
apologética cristã. Neste trabalho ele argumentou que as evidências são “a defesa
do teísmo cristão contra qualquer ataque que possa ser levantado contra ele pela
‘ciência’”261.
lugar não é o de uma disciplina separada da apologética; nem o da busca por “fatos
devem ser utilizadas junto à apologética, e ambas devem defender o teísmo cristão,
sem abrir espaço para um “teísmo genérico”. O apelo aos fatos também deve vir
ineficaz.
autônoma. Thom Notaro afirma que “Van Til tem mais coisas gentis a dizer sobre as
evidências e o uso da razão do que podem parecer aos olhos, de início”263. Ele
lembra do apologeta, em seu The defense of the faith, afirmando não rejeitar a prova
teística, mas insistir em que ela seja formulada de maneira que não comprometa as
Til, desde que tenham por base os pressupostos corretos, isto é, não sejam vistas
como armas a serem usadas em um terreno neutro onde pisam tanto o cristão
quanto o incrédulo.
possível um diálogo entre o cristão e o incrédulo, e como ele pode ser estabelecido.
afirmando que “será praticamente impossível […] achar uma área comum de
conhecimento entre crentes e incrédulos, a não ser que haja acordo entre eles
Para Van Til, a visão do ponto de contato está atrelada ao sistema mais
protestante com o católico romano. Sua tese é que “Roma possui uma doutrina
defeituosa (1) com respeito à natureza do homem como criado e (2) com respeito ao
catolicismo, a justiça original não é algo natural do homem criado, mas um dom
concedido por Deus. Com a Queda, o homem não teria perdido essencialmente a
“informação adicional àquilo que ele já possui”268. Para Van Til, essa visão seria a
se faz necessário ter Deus como ponto de referência para conhecer a realidade. O
pecado do que a Bíblia diz que ele foi, e de perceber a Deus como menos poderoso
e central do que a Escritura afirma ser271. O exemplo escolhido por Van Til é o do
bispo Joseph Butler, que escreveu o livro The analogy of religion natural and
humana, confiando que, pelo uso adequado das faculdades racionais, alguém
Hodge e Warfield, os mesmos a quem ele havia apelado para apresentar a distinção
afirmando que ambos não foram tão longe quanto poderiam na aplicação do sistema
de pensamento calvinista. Hodge ainda reserva algum lugar para a razão, sem
discutir como a racionalidade humana está afetada pelo pecado. Com isso, o apelo
interpretado de maneira oposta à pretendida pelo apologeta. Van Til entendia que
revelação seria praticamente pedir “ao homem natural que aceite simplesmente o
aceitar, e nada mais que isso”273. Sintetizando sua argumentação, Van Til sustenta
contato, então, é que sua posição não faz uma distinção clara entre a natureza
Hodge trabalha com uma abstração que tem pouca ou nenhuma conexão com a
realidade275 , e o resultado é que “o apologeta não somente será desleal para com
sua própria doutrina do homem como criatura de Deus, como também falhará em
O que tem sido dito até aqui parece extremamente desanimador. Pode
parecer que o argumento até agora nos leva a uma negação da existência
de qualquer ponto de contato com o incrédulo. Não é verdade que os
homens precisam ter algum contato com a verdade se quiserem ampliar seu
conhecimento da mesma? Se os homens são totalmente ignorantes quanto
à verdade, como poderiam se interessar por ela? Se são totalmente cegos,
por que mostrar-lhes as cores do espectro? Se eles são surdos, por que
levá-los à academia de música?277
ignorante, nada há que possa ser feito para despertá-lo; por outro lado, se nele há
revelação de Deus. Van Til vai além e afirma que esse homem não apenas está
Deus.
reconhecer a Deus. Não há desculpa se ele não o fizer. A razão para que
falhe em reconhecer a Deus reside exclusivamente nele. É a sua
transgressão intencional da lei do seu ser.278
que fica constantemente jogando água em um fogo que não pode ser apagado”279,
incrédulo está correta. Mas Van Til entendia que, se tal interpretação permanecer
intacta, o ponto de contato adotado pelo apologeta será ineficaz, além de anti-
bíblico.
Sendo assim, Van Til afirma que: “o ponto de contato para o evangelho281,
portanto, deve ser buscado dentro do homem natural”282. É a sua constituição como
Deus, como ser pactual, também é fundamental na aproximação. “No fundo de sua
mente todo homem sabe que é uma criatura de Deus e responsável diante dele.
Todo homem, em seu íntimo, sabe que quebrou a aliança”283. “Existe um ponto de
contato garantido no fato de que todo homem foi feito à imagem de Deus e possui
Para Van Til, então, o ponto de contato não é encontrado em algo externo,
se identificar contornos gerais de sua proposta, com base na análise de seus livros,
apologética.
verdade, ele nunca acreditou que um sistema apologético fosse eficaz. Ao tratar
desta questão no apêndice do livro O Deus que intervém, ele tentou demonstrar que
[…] não sou um apologeta, se isto significar construir uma casa segura para
se morar, a fim de que nós cristãos possamos sentar-nos confortavelmente,
com segurança e tranquilidade. Os cristãos devem sair para o mundo tanto
como testemunhas quanto como sal, deixando de ficar sentados numa
fortaleza cercados por um fosso 287.
Nesse sentido, a apologética existe para servir, e não para ser servida. À
medida que um sistema deixa de ser instrumento para alcançar as pessoas e passa
princípios gerais para uma abordagem apologética, mas à aplicação rigorosa desses
ressaltava continuamente que suas ideias não deveriam ser aplicadas como uma
fórmula.
Essa breve introdução ajuda-nos sobre como devemos nos aproximar dos
maiores desafios. Ele não produziu um roteiro fundamental ou uma obra dedicada a
isso, embora em O Deus que intervém possa ser encontrado bastante material para
histórias.
está preocupado com o "fluxo da história” mais do que com os seus detalhes
específicos. Por isso, suas análises são feitas em contornos amplos e gerais, sem a
Ele ilustra, mostrando que Schaeffer fala dos deuses de Platão, como muito
pequenos para dar conta de unidade e diversidade290, enquanto é mais provável que
Platão fosse um ateu do que um politeísta. Para fundamentar seu ponto, Hoover
apresentação que ele faz de Kant. Para Hoover, o fundador de L’Abri não lida bem
com a história da filosofia. Em A morte da razão, ele declara que Kant encontrou
contrapõe essa declaração, afirmando que, no sistema de Kant, não havia sequer
fenomenal.
290SCHAEFFER, F. He is there and He is not silent. In: SCHAEFFER, Francis. The complete works
of Francis Schaeffer, vol. 1. Westchester, IL: Crossway Books, 1982. p. 286-287: […] Only a
personal-infinite God is big enough. Plato understood that you have to have absolutes, or nothing has
meaning. But the difficulty facing Plato was the fact that his gods were not big enough to meet the
need. So although he knew the need, the need fell to the ground because his gods were not big
enough to be the point of reference or place of residence for his absolutes, for his ideals.
291 Hoover, Op. Cit., loc. 381.
292 SCHAEFFER, F. Escape from reason. In: SCHAEFFER, Francis. The complete works of Francis
Schaeffer, vol. 1. Westchester, IL: Crossway Books, 1982. p. 227: Kant’s system broke upon the rock
of trying to find a way, any way, to bring the phenomenal world of nature into relationship with the
noumenal world of universals. The line between the upper and lower stories is now much thicker—and
is soon to become thicker still.
293 Hoover, Op. Cit, loc. 381.
"113
tão logo L’Abri é considerado, percebe-se como estes princípios eram encarnados e
essas supostas discrepâncias. Para ela, o foco do ministério tem sofrido alterações.
O perfil dos que buscam o centro de hospitalidade e reflexão mudou, de jovens não-
cristãos em busca existencial para cristãos frustrados com a igreja. Alguma diferença
294WORTHEN, M.; MACLEOD, S. (2008). Not your father’s L'Abri: the Swiss retreat now tends less to
philosophical skeptics than to disaffected evangelicals. Christianity Today, Ipswich, MA, n. 52(3), p.
60–65. Disponível em: <http://www.christianitytoday.com/ct/2008/march/36.60.html?start=5>. Acesso
em: <16, mai., 2014>.
"114
Schaeffer e obreiro no L’Abri da Suíça, e recebeu dele declarações como “eu não
sou um inerrantista, mas não sou um ‘errantista' também” 295, referindo-se à luta de
Schaeffer com a questão da inerrância bíblica. Sandri não revisa apenas a este
quesito. Como afirmou a Worthen, ele "veio a questionar tudo, desde a Trindade até
ainda mora em L’Abri com sua esposa, considera-se um ‘radical’. Vinte e três anos
após a morte de Schaeffer, suas visões não ortodoxas são uma expressão
A autora reconhece que a unidade da Suíça parece ser uma das mais
seu fundador? Os resquícios do projeto inicial devem ser úteis em tal empreitada,
mas a fonte mais segura está na percepção do centro sob a direção de Schaeffer,
prefácio de suas Complete works, ele alertou os leitores, dizendo: “todos os livros
295 Worthen; Macleod, Not your father’s L’Abri, p. 63: I'm not an inerrantist, but I'm not an 'errantist'
either. Both are wrong. Man makes these opposing points of view. The modernist agenda is behind
both. Tradução livre.
296Ibid.: Sandri had come to question everything from the Trinity to predestination, "but the one that
broke the camel's back was [biblical] inerrancy. Schaeffer felt this was the issue of the day, where
Christians have to dig into the trenches," Sandri said. Tradução livre.
297 Ibid.: Sandri, who still lives at L'Abri with his wife, calls himself a "radical." Twenty-three years after
Schaeffer's death, his unorthodox views are a telling expression of what L'Abri has become. Tradução
livre.
"115
esposa Edith). Eles, juntos, são uma unidade”298. Essa é exatamente a mesma
afirmação de Schaeffer no prefácio do livro L’Abri299, escrito por sua esposa. Uma
Este livro e os meus formam uma unidade. O trabalho de L’Abri tem dois
aspectos interrelacionados. Primeiro, há a tentativa de dar uma resposta
honesta a perguntas honestas — intelectualmente e sobre uma base
exegética cuidadosa. Meus livros, O Deus que intervém, A morte da razão e
Morte na cidade são direcionados a este aspecto. O segundo aspecto é a
demonstração de que o Deus infinito e pessoal está realmente presente em
nossa geração. Quando as pessoas do século vinte vêm a L’Abri,
encontram estes dois aspectos simultaneamente, como os dois lados de
uma mesma moeda. Agora, neste livro, o segundo lado é apresentado.
registrada nos escritos de Schaeffer, isto é, como a articulação intelectual era ornada
com a beleza da hospitalidade. O que explica, em parte, como o evangelista, não tão
Schaeffer.
deve considerar os diversos públicos com os quais ele dialoga. Se é possível definir
experiência existencialista exemplifica bem o perfil deste homem, que parece ser o
maior alvo de Schaeffer em obras como O Deus que intervém, A morte da razão, O
Schaeffer. É esse o caso em obras como Back to freedom and dignity [De volta à
manifesto cristão.
Mas apologética não se faz apenas com não-cristãos. Por isso, pelo
menos três públicos, dentro da tradição cristã, estão envolvidos nas discussões de
em sua caminhada. Ele fala a esse grupo em suas obras acerca da igreja, como Two
contents, two realities [Dois conteúdos, duas realidades]; A igreja no final do século
20; e A igreja diante do mundo que a observa. O terceiro grupo é composto pelo
Everybody can know [Todos podem conhecer], Basic Bible studies [Estudos bíblicos
público.
compreender a forma e o conteúdo adotado pelo fundador de L’Abri. Por vezes, ele
pessoal”. Para Schaeffer, somente esse conceito de Deus fornece base suficiente
para a visão sobre a realidade. Para ele, isso é o que diferencia o cristianismo das
tanto como uma necessidade metafísica — sem Ele, não há explicação para a
303SCHAEFFER, F. The God who is there. In: SCHAEFFER, Francis A.: The complete works of
Francis A. Schaeffer: a Christian worldview. Westchester, IL : Crossway Books, 1982. Vol.1,p. 102.
304SCHAEFFER, F. He is there and He is not silent. In: SCHAEFFER, Francis A.: The complete
works of Francis A. Schaeffer: a Christian worldview. Westchester, IL : Crossway Books, 1982. Vol.
1, p. 286: If we begin with a personal beginning to all things, then we can understand that man’s
aspiration for personality has a possible answer.
305Ibid., p. 302: […] But here is the infinite-personal God who has a character from which all evil is
excluded, and His character is the moral absolute of the universe.
306Ibid., p. 326: Christianity’s presupposition begins with a God who is there, who is the infinite-
personal God, who has made man in His image. He has made man to be a verbalizer in the area of
propositions in his horizontal communication to other men. Even secular anthropologists say that
somehow or other, they do not know why, man is a verbalizer. You have something different in man.
The Bible says, and the Christian position says, I can tell you why: God is a personal-infinite God.
There has always been communication, before the creation of all else, in the Trinity. And God has
made man in His own image, and part of making man in His own image is that man is a verbalizer.
That stands in the unity of the Christian structure.
"119
diferencial que deu força aos cristãos diante do Império Romano307; é o "ponto de
personal God [Deus infinito e pessoal] é utilizada setenta vezes ao longo de suas
obras completas, que não compreendem todos os livros escritos por Schaeffer, a
infinite God [Deus pessoal e infinito] é utilizada vinte e quatro vezes, o que totaliza
noventa e quatro usos da expressão, ao longo dos vinte e dois livros que compõem
Schaeffer nesta questão, basta lembrar que o seu projeto, ao fundar L’Abri, era, tão
307 SCHAEFFER, F. Como viveremos? São Paulo: Cultura Cristã, 2003. p. 14.
308SCHAEFFER, F. Genesis in space and time. In: SCHAEFFER, Francis A.: The complete works of
Francis A. Schaeffer: a Christian worldview. Westchester, IL : Crossway Books, 1982. Vol.2, p. 41:
The end of man is to stand as a finite, personal being in personal relationship with the infinite-personal
God who is there. When we hear the first command of Christ to love God with all our heart and soul
and mind, we are not faced with just an abstract duty, a devotional exercise separated from all that is
reasonable. Rather we have an infinite reference point that gives meaning to all of our finite reference
points. This infinite reference point not only exists, but is personal and can communicate with us and
we with Him, an infinite reference point whom we may love.
309SCHAEFFER, F. Art and the Bible. In: SCHAEFFER, Francis A.: The complete works of Francis
A. Schaeffer: a Christian worldview. Westchester, IL : Crossway Books, 1982. Vol.2, p. 409: So
therefore the major theme is an optimism in the area of being; everything is not absurd, there is
meaning. But most important, this optimism has a sufficient base. It isn’t suspended two feet off the
ground, but rests on the existence of the infinite-personal God who exists and who has a character
and who has created all things, especially man in His own image.
310SCHAEFFER, True spirituality. In: SCHAEFFER, Francis A.: The complete works of Francis A.
Schaeffer: a Christian worldview. Westchester, IL : Crossway Books, 1982. Vol.3, p. 205: This is not a
kind of magic; the infinite-personal God promises that He will work all things together for the
Christian’s good.
311 DURIEZ, C. Francis Schaeffer: an authentic life. Wheaton, Illinois: Crossway Books, 2008. p. 132.
"120
história do pensamento.
A apropriação que Schaeffer faz desse tema tem caráter menos rigoroso e
baixo, mais particular e concreto. Essa tensão se manifesta de várias formas, como
áreas. Ele ilustra, por exemplo, como as artes captaram tais dualismos313, ora se
interessando apenas pelo pavimento superior, ora pelo inferior; mostra como se deu
revela a tragédia no campo religioso, que chega a uma divisão irreconciliável entre
fé e razão316 .
fluxo da história e do homem. Por isso, ela estará presente em vários títulos do
a uma percepção integrada da realidade, que pode ajudá-lo a lidar com o homem e
determinista, nem a um salto místico irracional. Esse retorno também possui impacto
para a vida cristã. O cristão que experimenta a vida sem divisões valoriza a ação de
3.2.2.3 Metafísica
importância da visão cristã para uma compreensão de tais tópicos, e para uma
insuficiência do homem como ponto de integração para sua própria visão da vida.
Um homem finito não pode encontrar em si uma base consistente para encontrar
homem não pode encontrar significado ao crer em uma origem impessoal de tudo o
que existe. Para Schaeffer, a ideia de origem impessoal não fornece base para
322 SCHAEFFER, F. O Deus que se revela. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2008. p. 39.
323Schaeffer, O Deus que se revela, p. 54: “Não é que esta seja a melhor explicação possível para a
existência; trata-se da única resposta”.
"123
Schaeffer o trata como uma necessidade filosófica, mas vai além: Deus não é
apenas uma teoria para ser encaixada em nosso sistema, é uma pessoa que se
3.2.2.4 Ética
“Se partirmos da origem impessoal, a moral não existe como moral propriamente
que não há moral”324. O senso moral dos seres humanos contraria a noção de
3.2.2.5 Epistemologia
problema de sua geração, por causa das revoluções que afetaram o conceito de
comunica conosco.
que busca aplicar a perspectiva cristã aos dilemas do dia e demonstrar a realidade
doutrina é cara ao evangelista. Uma de suas mais intensas lutas se deu no campo
base sólida e consistente, encontrada unicamente na ortodoxia cristã. Por isso, além
bíblicos aplicados, em livros como Josué, Basic Bible Studies [Estudos bíblicos
suficiente. Ele fala de jovens que apareceram em L’Abri, vindo de igrejas ortodoxas,
considerando aquele encontro como a sua última esperança. Chegaram ali porque,
consistência intelectual em sua fé, a “não perguntar, apenas crer”329. Esse tipo de
epistemologia.
nível é o da falta de beleza. Schaeffer afirma que a crise desses jovens podia ser
explicada, em parte, por que eles não viam beleza em suas igrejas. Ele explica o
329SCHAEFFER, F. The new super spirituality. In: SCHAEFFER, Francis A.: The complete works of
Francis A. Schaeffer: a Christian worldview. Westchester, IL : Crossway Books, 1982. Vol.3, p. 388.
"126
amor e da comunidade. Uma boa confissão sem a exibição de uma vida coerente é
ilustra bem esse ponto. Identificando aspectos importantes para a vida da igreja,
igreja no final do século 20, nas seguintes palavras: “Com uma ortodoxia da
impacto da igreja primitiva, bem como a única maneira para que a igreja exiba
330Schaeffer, The new super spirituality, p. 388. Minha tradução: As one example, families were falling
apart, divorce with no biblical grounds was often accepted, and in many ways the older generation
was not living by the orthodoxy it was preaching. There often was little love, little concern, and little or
no community.
331SCHAEFFER, F. Two contens, two realities. In: SCHAEFFER, Francis A.: The complete works of
Francis A. Schaeffer: a Christian worldview. Westchester, IL : Crossway Books, 1982. Vol.3.
332Para Schaeffer, os dois conteúdos são: (1) a sã doutrina e (2) as repostas honestas às questões
honestas. Junto a esses conteúdos estão as realidades da (1) verdadeira espiritualidade e da (2)
beleza dos relacionamentos humanos. A ênfase está na harmonia de conhecimento e prática.
333 SCHAEFFER, F. The church at the end of the twentieth century. In: SCHAEFFER, Francis A.: The
complete works of Francis A. Schaeffer: a Christian worldview. Westchester, IL : Crossway Books,
1982. Vol.4, p. 33. Minha tradução: With an orthodoxy of doctrine there must equally be an orthodoxy
of community.
"127
ministério de L’Abri, nos livros, nas palestras e nas conversas pessoais em que
que estiveram em L’Abri, e ainda, os de que apenas tiveram contato pessoal com o
evangelista, revelam alguns aspectos importantes das abordagens utilizadas por ele.
334SCHAEFFER, F. A. A igreja diante do mundo que a observa. In: SCHAEFFER, Francis A. A igreja
no século 21. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. p. 131.
335SCHAEFFER, F. Verdadeira espiritualidade. São Paulo: Cultura Cristã, 1999. p. 8. A tradução em
português não faz jus à declaração em inglês, que apresenta o ensino do cristianismo histórico e as
respostas honestas como cruciais (importantes), e não como penosas. Cf. SCHAEFFER, Francis.
True Spirituality. In: SCHAEFFER, Francis A.: The complete works of Francis A. Schaeffer: a
Christian worldview. Westchester, IL : Crossway Books, 1982. Vol.3, p. 196.
"128
autenticidade e honestidade.
Existem respostas a serem dadas às questões levantadas pelo interlocutor, mas isso
deve ser feito de maneira honesta. Aqui se encontra compaixão pelo homem em
cristianismo e o seu vigor intelectual que ele define como abordagem a arte de
responder perguntas”336.
tal, que estivesse apto a falar sobre qualquer assunto, respondendo pronta e
que, porque o Cristianismo é a verdade, ele não temia lidar com as questões reais
da existência humana.
336SCHAEFFER, F. Two contents, two realities. In: SCHAEFFER, Francis A.: The complete works of
Francis A. Schaeffer: a Christian worldview. Westchester, IL : Crossway Books, 1982. Vol.3, p. 412.
"129
William Edgar, em seu livro Schaeffer on the christian life337. Descrevendo como
chegou pela primeira vez em L’Abri, ele conta como, no primeiro dia, ajudou a
preparar a refeição, enquanto era reproduzida uma fita cassete com uma palestra de
afirmou que não pregaria no dia seguinte, então não estaria exausto no domingo à
tarde, e assim teria tempo para conversar com ele. Pediu a ele que pensasse em
uma pergunta chave sobre a fé, que ele gostaria de fazer naquela ocasião. No dia
Então chegou o momento. Eu subi as escadas, até o pequeno hall fora dos
quartos, onde Schaeffer gostava de aconselhar as pessoas. Com aquela
mesma expressão profunda, seu sorriso acolhedor, e o claro senso de que
ele realmente se importava comigo e com as questões que precisávamos
discutir, ele perguntou se eu havia pensado em minha pergunta. Eu
derramei minha pergunta sobre relevância, e ele retornou com uma
resposta extensiva e profunda. Sua resposta envolvia a “defesa do livre-
arbítrio” para o problema do mal, e a importância do significado humano,
devido a sermos criados à imagem de Deus. Ficamos indo e vindo nos
comentários. Após algumas horas, eu simplesmente sabia que tudo aquilo
337
EDGAR, W. Schaeffer on the christian life: countercultural spirituality. Wheaton, IL: Crossway,
2013.
"130
com perguntas e sua prática deliberada de estimular e lidar com as questões das
pessoas a sua volta. Possivelmente foi esta abertura para as questões, sem fugas, e
a aplicação da cosmovisão cristã aos mais variados temas, que fizeram a revista
338Edgar, Schaeffer on the christian life, p. 23-4. Minha tradução: So then the moment arrived. I made
my way upstairs to the little chamber outside the bedrooms where Francis Schaeffer liked to counsel
people. With that same profound face, its warm grin, and the clear sense that he really cared about
me as well as the issues we needed to discuss, he asked whether I had thought of my question. I
spouted out my question about relevance, and he came back with an extensive, thoughtful reply. His
answer included the “free-will defense” for the problem of evil, and the importance of human
significance, owing to our being made after God’s image. We went back and forth. After a couple of
hours, I just knew this was all true. If it is possible to feel the Holy Spirit come into one’s heart, I could,
and I did. I was a Christian!
339 Mission to intellectuals. Time magazine, Vol.LXXV, n.2, p. 62-3, 11 Jan. 1960.
340 Em um artigo de 1970, Clark Pinnock descreve a “apologética cultural”: Cultural apologetics falls
within the field of general revelation or natural theology, whose aim it is to uncover the grounds for
belief in God, and to refute the grounds advanced in favor of disbelief. Unlike natural theology,
however, with its preoccupation toward theistic argument, cultural apologetics focuses on the
existential dilemma of unbelieving man. It conducts a journey through the vale of tears, the
metaphysical wasteland, moral, spiritual, intellectual, in which modern man by his own confession
dwells. It attempts a diagnosis of the "soulscape" of the worldly fashion that is passing away, and
prescribes the only antidote to this diseased condition, Jesus Christ. It is a new field for Christian
apologetics which has recently attracted both evangelical and nonevangelical interest.
[…] Cultural apologetics starts with the dilemmas of modern man as he expressed them in the cultural
media of our time. PINNOCK, Clark H. Cultural apologetics: an evangelical standpoint. Bibliotheca
Sacra, Dallas, 127, n. 505, p. 58-63,1 Jan. 1970.
No mesmo artigo, cita Schaeffer como exemplo de tal abordagem nas obras O Deus que intervém e A
morte da razão.
"131
abordagem em L’abri, ilustrada em muitas de suas obras, passa por uma interação
com música, cinema, literatura e pintura, o que ele fazia a fim de discutir aspectos da
Poucos anos depois […] fui parar em L’Abri […]. Fiquei fascinada pelo lugar.
Foi a primeira vez que encontrei cristãos que de fato respondiam às minhas
perguntas. […] O próprio Schaeffer costumava chocar as pessoas com a
sua aparência um tanto quanto estranha, de cavanhaque e bermuda
tipicamente suíça. […] Mas quando abria a boca e falava, as pessoas
ficavam pasmadas: tratava-se de um cristão falando sobre filosofia
moderna, citando os existencialistas, analisando temas de cosmovisão nas
letras de Led Zeppelin, explicando a música de John Cage e as pinturas de
Jackson Pollock. E não nos esqueçamos de que era uma época em que os
universitários cristãos não tinham permissão de ir ao cinema para assistir
aos filmes da Disney, e ali estava ele, discutindo filmes de Bergman e
Fellini 341.
ilustrar o avanço e a popularização das ideias que levaram a mente moderna a viver
Linha do desespero
Filosofia
Arte
Música
Cultura
Geral
Teologia
Fig.1: As etapas na linha do desespero
ao fazer algo inusitado até então. O seu objetivo era lidar com os "barômetros da
porque ele falava daquilo que lhes dizia respeito e lhes tocava diretamente.
diálogo e a crítica — não deve promover a falsa ideia de que o conhecimento dos
ou cosmovisão do interlocutor.
errado, verdadeiro e falso é visto por ele como algo claro e patente na cosmovisão
noção de antítese ainda fosse comum a todos. O resultado, afirma Schaeffer, foi
compreendido; porém, uma vez que tal influência foi reduzida, a apologética
tradicional se viu ineficaz, por não considerar a realidade de algo anterior que
precisava de exame.
apologética, pois é através delas que o homem obtém sentido da realidade — são
afirma:
a razão por que o homem moderno rejeita a resposta cristã, ou por que ele
muitas vezes nem sequer a considera, é por que (sic) ele já aceitou, com
uma fé implícita, a pressuposição da uniformidade das causas naturais em
um sistema fechado 350.
das pessoas, afirmando que “os homens tendem a agir, em última análise, com
geração presente, de modo que ela possa entender”355. Na articulação do autor, pelo
352EDGAR, W. Two christian warriors: Cornelius Van Til and Francis A. Schaeffer compared.
Westminster Theological Journal, 57, p. 57-80, 1995.
353
SCHAEFFER, F. How should we then live? The Complete Works of Francis A. Schaeffer, vol.5.
Wheaton, IL: Crossway, 1985. p. 217.
354 Schaeffer, O Deus que intervém, p. 211-2.
355 Ibid., p. 212.
"136
significa isso.
O seu ponto levanta questões que não ficam plenamente respondidas, dando ensejo
acadêmico, e sua preocupação com as minúcias foi menor, o que faz com que a
identificação das respostas seminais em seu texto seja mais difícil, as pistas são as
seguintes:
em conta a ação da terceira pessoa da Trindade. Ele afirma que “não podemos
separar a verdadeira apologética da obra do Espírito Santo”357. É essa obra que faz
356Cf. Van Til, The apologetic methodology of Francis A. Schaeffer, p. iii; Frame, Some thoughts on
Schaeffer’s apologetics, disponível em < http://www.frame-poythress.org/some-thoughts-on-
schaeffers-apologetics/>.
357 Schaeffer, O Deus que intervém, p. 214.
"137
pelo pecado, mas existe algo da estrutura dada por Deus ao homem que encoraja o
ressaltado, contudo, é que existem partes desse livro na mão do homem, que não
parece ter como objetivo central, estabelecer vínculos de afetividade para que as
não é aquilo que o incrédulo pensa ser. Não se trata apenas de encontrar algum
cosmovisão não cristã não passa no teste da realidade, e Schaeffer ressalta o ponto.
O incrédulo, desse modo, criaria uma espécie de casa, ou um teto sob o qual se
lidar com o real se manifesta mais evidentemente. Todo não-cristão possui esse
ponto, visto que a realidade é apenas o que a Escritura diz ser, e não o que os mais
pontos de tensão distintos, e assim, o trato deverá considerar cada pessoa de modo
dilema do homem.
A experiência de tirar o telhado é dolorosa ao incrédulo, mas deve ser feita como
terá como objetivo final a mera vitória no debate, ou a destruição do oponente, mas
cercados pela revelação à sua volta365, quanto carregam a revelação dentro de si366.
fugir daquilo que Deus estabeleceu como o mundo, e nem de sua própria
Por que o cristão pode conversar com o não-cristão em apologética? Porque ambos
ALVO DA APOLOGÉTICA
próprias de cada abordagem isoladamente. A pergunta que deve ser feita, neste
trabalho lidará com outras questões, como, por exemplo a adequada classificação
do método de Schaeffer.
quanto a esta questão, pelo que a resposta pode ser sim ou não, dependendo da
partindo da premissa de que ele era da escola vantiliana369 . Porém, Cornelius Van Til
Barry Seagren sugere que Schaeffer era um “evidencialista das idéias” 371, e a
mesma sugestão é feita por Robert Reymond, que também situa Schaeffer no
J. Carnell373.
369 MORRIS, T. Francis Schaeffer’s apologetics: a critique. Chicago: Moody Press, 1976. p. 12.
370 VAN Til, C. The apologetic method of Francis A. Schaeffer. Apostila não publicada, 1974. p. i.
371 Follis, Truth with love, p. 111.
372 Reymond apud Leigh, Presupposing, loc. 870.
373 Follis, Truth with love, p. 99.
"142
feita por ele entre a abordagem de Schaeffer e a sua é a palavra definitiva. Contudo,
não se pode desconsiderar o fato de que a crítica de Cornelius Van Til e sua
sistema, Van Til encontrou determinadas falhas e supervalorizou alguns trechos que
Tenho certeza que, nos lugares em que temos diferenças, sejam quais
foram, poderemos discuti-las com valor. De fato, embora não tenha mudado
o meu pensamento sobre certas questões nos aspectos práticos que
considero importantes em nossa geração, a conversa que tivemos com o
Dr. Clowney no Westminster, e as notas que você me deu, foram úteis em
me fazer ver que certas coisas que eu disse não estavam sendo explicadas
de uma maneira que me protegesse de dizer o que eu não pretendia 375.
Como já foi dito, há pensadores que entendem que a abordagem schaefferiana não
fundador de L’Abri, afirmando que ele foi influenciado tanto pela racionalidade
E. J. Carnell.
376Leigh, Presupposing, loc. 1227. Deve-se, também, levar em consideração, que o espírito radical
não faz parte apenas do temperamento de Van Til, mas de um contexto de luta contra o liberalismo
teológico e a neo-ortodoxia.
377 Follis, Truth with love, p. 106.
378 Follis, Truth with love, p. 107.
379 Follis, Truth with love, p. 106.
380LEWIS, G. Schaeffer’s apologetic method. In: RUEGSEGGER, Ronald W (ed.). Reflections on
Francis Schaeffer. Grand Rapids, Michigan: Academie Books, 1986. p. 69-104.
"144
uma hipótese, que será testada e, confirmada ou rejeitada, conforme sua coerência
com a realidade. Para Lewis, esses modelos de raciocínio são aplicados às distintas
terreno em comum; (3) o critério de verdade; (4) o papel da razão e (5) a base da fé.
Schaeffer tem início com o Deus infinito e pessoal, com ênfase no aspecto trinitário.
Ele reconhece que Schaeffer começa com pressuposições, mas sustenta que as
concreta. As leis da lógica também ocupariam papel importante para a coerência dos
sistemas. Lewis cita trechos nos quais Schaeffer sustenta que o cristianismo não é
prática384.
embora não encontre nada explícito385. A razão precede a fé, e ocupa lugar vital no
Finalmente, a fé lida com o Deus invisível, mas tem por base a ação
desse Deus no espaço e no tempo. Ela não deve ser vista como uma experiência de
Follis reconhece que, por vezes, Lewis parece ansioso por reivindicar o
no fato de que Schaeffer discorda do apreço que Carnell possuía pela ênfase
Enquanto para Van Til a pressuposição é axiomática e não pode ser testada, para
verificada. Follis cita um trecho de uma palestra de Schaeffer em L’Abri, na qual ele
dizer que não é possível sequer conversar com um homem até que este tenha
Follis também busca distanciar Schaeffer de Van Til com base nas críticas
espaço para fatos neutros ou terreno comum. Follis, contudo, reconhece que, “se o
Follis, no entanto, é a de afirmar que, visto de modo geral, Schaeffer está mais
seria tal representação, uma representação fiel da proposta de Van Til? Em outro
lugar, o próprio Follis cita a afirmação de William Edgar, de que a ideia da ausência
método.
aspecto mais factual393. Para Schaeffer, apologética tem natureza dupla: é a defesa
tal empreitada deve ser considerada não apenas na discussão dos fatos, mas na
maneira como ambos consideram a sua tarefa. Ambos, de maneira geral, buscam
antropológico; um que pressupõe Deus e outro que tenta provar a existência Dele;
Essa distinção não negava o papel das evidências ou do teste das hipóteses. Para
Van Til, ambos tinham o seu lugar se estivessem nas bases corretas. “O método de
Follis.
demonstrando que Schaeffer usa a mesma categoria de Van Til, embora com
Leigh indica que Schaeffer, como Van Til, atribui centralidade ao papel das
Reforma.
pecadores; (6) a graça comum; (7) o papel do Espírito Santo e (8) as implicações
apologética em Van Til tem início com o diálogo, no qual as cosmovisões são
assumir a visão cristã, para verificar como a partir dela há inteligibilidade403. Van Til
não rejeita o uso de provas, desde que com as pressuposições corretas, e tampouco
adequada filosofia dos fatos 404. No resumo de Leigh, a apologética de Van Til se dá
existe um ponto de contato, pelo fato de o incrédulo reter a imagem de Deus; (3) o
apologeta cristão deve trazer à tona o que o incrédulo já conhece, mas suprime; (4)
este é sem sentido, mas porque não querem se dobrar diante de Deus, e vivem na
busca por autonomia408. Por causa disso, a obra do Espírito Santo é essencial na
tarefa apologética409, que deve ser feita em oração410. Como Van Til, Schaeffer não
imagem de Deus um terreno em comum 411. Schaeffer também segue Van Til na
nomenclatura.
e que ele entendiam que eles trabalhavam a partir da mesma matriz414 . É também
Alguns autores, como Gordon Lewis, observaram o uso que Schaeffer faz
do termo verificação e o utilizaram para distanciar a abordagem de
Schaeffer da de Van Til. Mas, ao fazer isso, tais críticos cometem dois erros.
Primeiro, presumem que Van Til não reconheceu um meio de verificação, o
que vimos no capítulo anterior não ser assim […]. Segundo, eles presumem
que Schaeffer fala de verificação no sentido do método tradicional ou
evidencialista […]. Como Van Til, entretanto, Schaeffer baseia a sua crença
indicando a similaridade entre Van Til e Schaeffer. Aqui é interessante notar o ponto
ou “retirar a sua máscara de ferro”416 . Leigh vai além, e encontra em Van Til uma
posição417 .
pressuposicionalista. Isso não significa que ele deve ser visto como um pensador
idêntico a Van Til mas sim que ele pode ser reconhecido como um pensador que
Ao longo dos anos, com a multiplicação das críticas de Van Til e de seus
seguidores, Schaeffer se manteve mais distanciado, chegando a afirmar que não era
Se, para Van Til, o ponto de contato repousa no fato de o homem ter sido
consciência humana. Talvez por isso ele tenha recebido críticas da parte dos
vantiliana. Francis Schaeffer e Cornelius Van Til, embora com ênfases diferentes,
A divergência não é tudo o que restou entre Schaeffer e Van Til. Edgar
palestras, e o diretor da casa, o Rev. Edmund Clowney, fez questão de se reunir com
Van Til tentou começar um debate de várias maneiras. Para cada ponto afirmado
pelo professor de Westminster, Schaeffer respondia com um “eu concordo com isso”.
Finalmente, e talvez um pouco frustrado, destaca Edgar, Van Til fez um resumo de
que, após a longa apresentação, Schaeffer declarou: “Essa é a mais bela declaração
sobre apologética que eu já ouvi. Gostaria de ter um gravador aqui. Eu tornaria isso
palestrante escolhido foi Richard Keyes, e Van Til estava na plateia. Edgar conta que
Keyes ficou apreensivo com o que aconteceria, mas o desfecho foi surpreendente:
Van Til aguardou até o final, aproximou-se de Keyes, deu-lhe um grande abraço e
Senhor!”422.
conteúdo. Muether descreve um dos lemas de Van Til como suaviter in modo, fortiter
in re423, o que significa “suave na forma, e forte em conteúdo”. O ponto de Van Til
com tal lema é que a apologética deve ser feita com gentileza, tal qual o apóstolo
Pedro ensina 424. O papel do apologeta não é meramente vencer um debate, mas
apresentar a verdade, e isso não deve ser feito de maneira estridente, mas
equilibrada.
deveria ser feita com um coração que lamenta — e até mesmo chora — pelos
últimas consequências lógicas de sua posição deveria ser realizada com compaixão.
deveria ser praticada, no entanto, não deve ser confundida com a diluição do
e ministério de Van Til é esse: para Van Til, não pode haver separação entre a
demonstra como essa perspectiva era real na vida do professor de Westminster. Van
evangelho; era o homem que pregou nas ruas de Nova Iorque; e era o homem cujos
hesitava: “sou um evangelista”427. Ele afirmava que sua vocação não era a de ser
filosóficos. O seu ponto era que “todo o material cultural, intelectual ou filosófico não
vem da cruz.
"159
CONCLUSÃO
suas obras. Van Til foi demonstrado como o homem incisivo, teologicamente preciso
contato entre cristão e não-cristão, uma vez que o vínculo metafísico entre Criador e
criação não foi quebrado. O ponto de contato, para o holandês, reside no fato de o
Deus.
como ela pode ser encontrada na revelação de Deus), e de como a perda de Deus e
"160
discussão?”.
A hipótese que norteava a pesquisa era de que Cornelius Van Til situava o
entre Van Til e Schaeffer quanto ao ponto de contato, os dados revelam que ambos
pontos propostos por Van Til, ao recomendar sua obra. Fazia isso, no entanto, à sua
verdade de Deus.
perceberá que o ponto de contato que ambos viam, entre cristão e incrédulo, é
idêntico.
desse aspecto específico é semelhante, mas também a sua teoria apologética mais
acerca dos problemas acessórios. A percepção de Schaeffer como alguém que lida
recomenda as obras de Van Til em L’Abri, e que descreve não haver diferenças
para alguém afirmar que Francis Schaeffer era um pressuposicionalista. Ele está em
variadas.
"162
Deus, escrito de maneira mais (Van Til ) ou menos (Schaeffer) rigorosa, mais
acerca de como ambos viam o ponto de contato, a leitura de sua obra providencia
outros temas.
“fatos”, será iniciado, por Van Til e Schaeffer, na prática da reflexão por
pressuposição. Considerará o que está por trás dos fatos, e observará a importância
O cristão dos dias atuais pode tirar proveito dessa discussão ao identificar
assim que o leitor contemporâneo, após estudar a história das controvérsias entre
Van Til e Schaeffer, também pode ser alertado quanto à feiúra presente nas relações
que nem sempre tais diferenças são bem aceitas. A atitude obstinada de Van Til em
ambos os pensadores, sobre o objetivo final da apologética. Van Til e Schaeffer não
apologético. Seu alvo era o mesmo: demonstrar amor e gentileza, para comunicar a
Cristo429.
pesquisas, que tragam ainda maior luz sobre a apologética e suas possibilidades de
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
EDGAR, William. Two christian warriors: Cornelius Van Til and Francis A.
Schaeffer compared. Westminster Theological Journal, 57, p. 57-80, 1995.
FISCHER, John. Learning to cry for the culture: let’s remember Francis
Schaeffer’s most crucial legacy -- tears. Christianity Today, v. 51, n. 4, p. 40–41,
2007.
NOTARO, Thom. Van Til & the use of evidence. Phillipsburg, NJ:
Presbyterian and Reformed, 1980. p. 15.
PRATT JR., Richard L. Every thought captive: a study manual for the
defense of christian truth. Phillipsburg, NJ: Presbyterian & Reformed, 1979.
WORTHEN, M.; MACLEOD, S. (2008). Not your father’s L'Abri: the Swiss
retreat now tends less to philosophical skeptics than to disaffected evangelicals.
Christianity Today, Ipswich, MA, n. 52(3), p. 60–65. Disponível em: <http://
www.christianitytoday.com/ct/2008/march/36.60.html?start=5>. Acesso em: 16, mai.,
2014.