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CENTRO PRESBITERIANO DE PÓS-GRADUAÇÃO ANDREW JUMPER

MESTRADO EM TEOLOGIA
TEOLOGIA FILOSÓFICA

ALLEN RIBEIRO PORTO 80903606

SOBRE O PONTO DE CONTATO:


CORNELIUS VAN TIL, FRANCIS SCHAEFFER E A APOLOGÉTICA
PRESSUPOSICIONALISTA

São Paulo
2015

CENTRO PRESBITERIANO DE PÓS-GRADUAÇÃO ANDREW JUMPER
MESTRADO EM TEOLOGIA
TEOLOGIA FILOSÓFICA

ALLEN RIBEIRO PORTO 80903606

SOBRE O PONTO DE CONTATO:


CORNELIUS VAN TIL, FRANCIS SCHAEFFER E A APOLOGÉTICA
PRESSUPOSICIONALISTA

Dissertação apresentada ao Centro


Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew
Jumper como requisito para a obtenção
do título de Sacrae Theologiae Magister.
Orientador: Prof. Rev. Dr. Davi Charles
Gomes

São Paulo
2015

Dissertação: SOBRE O PONTO DE CONTATO?
CORNELIUS VAN TIL, FRANCIS SCHAEFFER E A APOLOGÉTICA
PRESSUPOSICIONALISTA

Dissertação apresentada ao Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew


Jumper como requisito para a obtenção do título de Sacrae Theologiae Magister.

Aprovada em: / /

BANCA EXAMINADORA

________________________________
Prof. Rev. Dr. Davi Charles Gomes

_________________________________
Prof. Rev. Ms. Filipe Fontes

__________________________________
Rev. Dr. José Carlos Piacente Jr.
Este trabalho é dedicado à memória de
Edith Schaeffer, companheira do Rev.
Francis Schaeffer e “alma” do L’Abri,
falecida em 30 de Março de 2013,
enquanto eu escrevia tais linhas.
AGRADECIMENTOS

Cada trabalho acadêmico traz consigo um conjunto de pessoas e


circunstâncias que o tornaram possível. As linhas abaixo pretendem honrar a quem
fez parte, direta ou indiretamente, da construção deste trabalho. Agradeço, portanto:
A Deus, sujeito e fonte de toda predicação. Seu chamado e graça me
trouxeram a este momento;
A minha esposa, Ivonete Porto, por caminhar comigo na sala de aula e
na vida;
A minha família de origem, Afonso, Iris e Allana Porto, pela estrutura de
minha formação e meu direcionamento para o Senhor;
À Igreja Presbiteriana do Renascença, representada pelo conselho:
Rev. Ilmar Almeida, Rev. Adenauer Lima, Rev. Emílio Azevedo, Pb. Eli Medeiros, Pb.
Antenor Siqueira e Pb. Fabiano Montenegro, pelo apoio, orações e investimento;
À antiga Congregação Presbiteriana do Araçagy e atual Congregação
Presbiteriana da Cohama, em seu núcleo-base: Ademir, Rosely, Elisa e Ana Garcia,
Igor, Matheus e Murilo Goytacaz Takayama, Felipe, Nádia, Sophia e Laís Costa,
Cauê e Ana Beatriz de Oliveira Paula, Fernando e Kamylla Melo, Lorena Torres,
Marcus e Eline Costa, Rilton, Thiago e Camila Reis (Sarah e AJ), Rafael Xavier,
Thiago e Rízia Buosi, Suemly, Suani e Alisson Barreto, Ytaiana Freire, Diego e
Fabiana Carvalho (Davi) José Carlos Junior, Allana Porto, Ivonete Porto, pelas
orações e apoio.
A Cauê e Ana Beatriz de Oliveira Paula pela amizade, conversas
significativas sobre o assunto do trabalho e auxílio na revisão e parte técnica dele;
Aos colegas de módulos, David Portela, Norma Braga Venâncio, Gaspar
de Souza e Jeferson Lustosa, pela troca de experiências e discussões em teologia
filosófica;
Aos professores do Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew
Jumper, especialmente os da linha de pesquisa em Teologia Filosófica, por serem
verdadeiros mestres e pastores;
Ao Rev. Filipe Fontes, pelo dedicado trabalho no aperfeiçoamento da
pesquisa;
À banca examinadora, pela preciosas correções;
E aos amigos de L’Abri Brasil, pela admiração compartilhada sobre a
obra e ministério de Francis Schaeffer.
Falhamos em nossa apologética se
pararmos apenas no desmascaramento
da incredulidade, mesmo que seja mais
fácil diagnosticar do que curar.
(William Edgar)
ABSTRACT

This study intends to consider the subject of the point of contact between
a believer and an unbeliever in apologetics. It seeks to describe this aspect in
apologetics as presented by Cornelius Van Til and Francis Schaeffer, putting both
visions in perspective, and establishing the relation between them. Through
bibliographical research, it seeks to describe the environment in which both thinkers
lived, to show the foundations of presuppositional apologetics, and to compare their
systems. The study concludes by noting the the differences and similarities between
Schaeffer and Van Til about the point of contact in apologetics, and by identifying
Schaeffer with presuppositionalism.
RESUMO

Este trabalho procura considerar a questão do ponto de contato entre


cristão e não-cristão na apologética. Ele busca descrever este aspecto na proposta
apologética de Cornelius Van Til e Francis Schaeffer, estabelecendo a relação entre
eles. Mediante pesquisa bibliográfica, ele procura descrever o ambiente no qual tais
pensadores viveram, apresentar os fundamentos da apologética
pressuposicionalista, e traçar uma comparação entre os pensadores em pauta. O
trabalho é concluído percebendo as diferenças e similaridades entre Schaeffer e Van
Til no que diz respeito à questão do ponto de contato na apologética, e identificando
Schaeffer com o pressuposicionalismo.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

1 CORNELIUS VAN TIL E FRANCIS SCHAEFFER:


biografias que se encontram 26

2 CORNELIUS VAN TIL E O PONTO DE CONTATO


NA APOLOGÉTICA 70

3 FRANCIS SCHAEFFER E O PONTO DE CONTATO


NA APOLOGÉTICA 109

4 O CONTATO COM O PONTO:


para não perder de vista o alvo da apologética 141

CONCLUSÃO 159

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 164


"10

INTRODUÇÃO

Há muito o que se pesquisar em Teologia Filosófica. Desde o

desenvolvimento da chamada Epistemologia Reformada, com Alvin Plantinga, à

Filosofia Reformacional de Herman Dooyeweerd, o campo é rico e frutífero. Dentro

dele, o tema da apologética é promissor. Especialmente no contexto da teologia

reformada, a descoberta de uma abordagem mais consistente com os pressupostos

calvinistas — o pressuposicionalismo — abriu espaço em uma área já explorada,

viabilizando novas possibilidades.

Já existem pesquisas, estudos e livros publicados sobre as distinções

entre abordagens apologéticas, sobre os teóricos que fundaram e consolidaram as

diferentes escolas de defesa da fé, e também sobre aspectos específicos da escola

que nos interessa: o pressuposicionalismo. Mas, pelo fato de ser um campo ainda

recente, há muito o que ser discutido e aprofundado. O contexto brasileiro ainda

carece de estudos mais aprofundados sobre os sistemas de apologética, e a

apreciação de autores específicos, como Francis Schaeffer e Cornelius Van Til é

bastante tímida. A presente pesquisa trata de um subtema na área de apologética.

1 O título: problema e hipótese

O título deste trabalho é: Sobre o ponto de contato: Cornelius Van Til,

Francis Schaeffer e a apologética pressuposicionalista. Como ele mostra, esta

pesquisa se dá no campo da apologética, concentra-se no estudo da abordagem

pressuposicionalista, e discute o aspecto específico do ponto de contato entre o

cristão e o não-cristão segundo a visão de Cornelius Van Til e Francis Schaeffer.

O problema central que direciona a pesquisa é: qual é a relação entre a

compreensão vantiliana e a schaefferiana sobre o ponto de contato na apologética?


"11

O foco em tal problema exclui a investigação em outras áreas, também

interessantes. Existem outros aspectos entre Van Til e Schaeffer que poderiam ser

estudados, como a noção do conhecimento da verdade. O presente trabalho não se

propõe a discutir tal aspecto, nem as discussões relacionadas à pré-evangelização

em Schaeffer e a divergência de Van Til. A atenção estará voltada para o ponto de

contato na apologética.

Deste problema central decorrem problemas correlatos, dentre os quais

estão os seguintes: A abordagem de Schaeffer pode ser considerada uma

abordagem pressuposicionalista? Que proveito os cristãos contemporâneos podem

tirar desta discussão?

A hipótese inicial para o problema central é a de que Cornelius Van Til

situava o ponto de contato entre cristão e não-cristão na apologética 1 na Imago Dei,

enquanto Francis Schaeffer o localizava na experiência da realidade. Schaeffer foi

aluno de Van Til e carregou consigo marcas do pensamento vantiliano por toda a

vida. Porém, ele deu seu toque pessoal a alguns aspectos e tinha ênfases próprias,

como a da experiência da realidade como fator importante para a validade de uma

cosmovisão e apologética, além do uso particular dos termos cosmovisão e

pressupostos. Assim, pode-se dizer que entre Van Til e Schaeffer existem

distanciamentos e aproximações, mas suas propostas não devem ser vistas como

radicalmente antagônicas — trabalham com ênfases e linguagem distintas. A

percepção dessas diferenças e aproximações pode contribuir para atenuar alguns

dos conflitos possíveis entre seguidores dos apologetas2 , bem como promover maior

1 Doravante, apenas “ponto de contato”.


2 Seguidores de Van Til ou Schaeffer podem ter conhecimento do histórico de conflitos entre os
pensadores, e reproduzir as mesmas críticas, sem a devida compreensão da perspectiva alheia.
Como se deu entre os seguidores de Gordon H. Clark e os de Van Til, ou entre os de Herman
Dooyeweerd e John Frame (aluno de Van Til), também se deu entre obreiros de L’Abri (seguidores de
Schaeffer) e os vantilianos. Cf. Leigh, Presupposing; Edgar, Two christian warriors.
"12

reflexão sobre os aspectos que viabilizam a comunicação entre cristãos e não-

cristãos, contribuindo para uma prática mais saudável da apologética e

evangelização.

2 Justificativa

Uma das primeiras razões para se considerar a importância de tal estudo

é a relevância das personagens envolvidas. Cornelius Van Til é reconhecido por

fundar uma perspectiva apologética que procura ser coerente com os pressupostos

da teologia reformada 3 — o pressuposicionalismo. Com isso, Van Til tornou-se um

dos pensadores mais importantes no campo da defesa da fé entre os reformados

contemporâneos. Sua proposta nem sempre é bem aceita, mas o seu nome aparece

em qualquer discussão séria sobre apologética, atualmente.

Através de seus esforços, o pressuposicionalismo se estabeleceu no

Westminster Theological Seminary, e seus ensinamentos formaram apologetas

importantes como Greg Bahnsen, John Frame e K. Scott Oliphint. Embora os livros e

apostilas de Van Til não tenham linguagem acessível ao grande público4, a sua

relevância na academia é grande.

Ao contrário de Van Til, Francis Schaeffer não tinha um projeto

acadêmico, mas era um pensador de alto nível. Schaeffer foi um dos poucos líderes

cristãos a figurar na revista Time5 em virtude de seu trabalho evangelístico.

Enquanto Van Til se tornou leitura obrigatória no contexto da academia, Schaeffer

conseguiu grande influência no contexto popular, traduzindo conceitos em linguagem

3EDGAR, W.; OLIPHINT, K. S.. Christian apologetics past and present: volume 2 — from 1500.
Wheaton, Illinois: Crossway Books, 2011. p. 454.
4 Cf. Bahnsen, Van Til’s apologetic, p.xix-xxii.
5 Mission to intellectuals. Time magazine, Vol.LXXV, n.2, p.62-3, 11 Jan. 1960.
"13

mais acessível, tendo como público o homem comum, e não o especialista em

teologia.

A sua relevância pode ser vista no impacto do ministério fundado com sua

esposa, Edith, em 1955, a comunidade L’Abri — "o abrigo", em francês.

Despretensiosa, a iniciativa buscava receber pessoas para “fornecer respostas

honestas a questões honestas” 6, e demonstrar a existência de Deus por meio de um

ambiente de hospitalidade, reflexão, devoção e beleza. Nas décadas de 60 e 70, os

chalés na Suíça, onde funcionava L’Abri, ficaram cheios de pessoas em buscas

existenciais. Ali Schaeffer ministrava palestras, e conversava pessoalmente com

quem aparecesse, a fim de lidar com seus questionamentos. Sua obra de

evangelização na Suíça alcançou grandes nomes, como o de Alexander

Solzhenitsyn, ganhador do prêmio Nobel de literatura em 1970 7.

Os livros de Schaeffer tiveram amplo alcance, e ele pôde palestrar nas

principais universidades do mundo, como Oxford, Harvard e o MIT. Suas séries de

vídeo também se tornaram populares8. Além disso, o fundador de L’Abri influenciou

pessoas cujos nomes se destacam em diversos campos do conhecimento: Os

Guinness, na sociologia; Nancy Pearcey, na matemática, filosofia da ciência, e

apologética de cosmovisão; Lane T. Dennis, no mercado editorial; Jerram Barrs, na

missiologia; William Edgar, na apologética; e Richard Winter, na psicologia, são

6 SCHAEFFER, F. Two contents, two realities. In: SCHAEFFER, Francis. The complete works of
Francis A. Schaeffer, vol. 3. Wheaton, IL: Crossway Books, 1982. p.412.
7 SCHAEFFER, E. L’Abri. 2.ed. Wheaton, IL: Crossway Books, 1992; SCHAEFFER, Edith. The
Tapestry. Waco, Texas: Word Books, 1981; PARKHURST JR, L. G. How God teaches us to pray.
Edmond, Oklahoma: Agion Press, 2011. Loc. 270, Kindle edition; HANKINS, B. Francis Schaeffer
and the shaping of evangelical america. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 2008. Loc. 898 -
1041.
8 How should we then live? (1976) e Whatever happened to the human race? (1979).
"14

alguns dos que sofreram influência direta do evangelista — como Schaeffer se

denominava9 .

Dessa maneira, a figura dos dois pensadores, é uma importante

justificativa para a relevância deste trabalho. A discussão é importante porque Van Til

e Schaeffer são importantes. Mas a pesquisa não tem por base apenas a fama de

seus objetos. Além de sua personalidade influente, o tratamento que ambos deram à

apologética é marcante.

Cornelius Van Til é considerado o pai da apologética pressuposicionalista

— a escola que reconhece o lugar dos pressupostos em nossa percepção da

realidade, e que defende a necessidade de se pressupor Deus para a atividade

racional10. Essa maneira de se aproximar da tarefa apologética é um tanto

inovadora. Até então, o método utilizado mais frequentemente tinha a ver com a

confiança em evidências e o apelo racional, sem considerar com profundidade o

lugar do coração e da discussão anterior à dos fatos propriamente ditos. B.B.

Warfield e J. Gresham Machen são exemplos dessa abordagem. Van Til apontou a

importância de considerar que os fatos não são neutros em relação a Deus, mas

interpretados conforme os pressupostos do observador.

Essa abordagem considera, de maneira mais coerente, aspectos básicos

da teologia reformada, como o sensus divinitatis e a doutrina da depravação total,

visto que em Van Til se observa um tratamento mais dedicado aos efeitos noéticos

do pecado. Van Til, portanto, busca reconhecer o lugar da apologética no sistema

teológico e o lugar de Deus na apologética. Busca, também, providenciar um método

articulado em harmonia com o edifício teológico reformado. Desde sua produção em

9 SCHAEFFER, F. O Deus que intervém. São Paulo: Cultura Cristã, 2002. p. 260.
10Cf. LEITH, D. R. Presupposing. Fox River Grove, IL: Leighist & Grateful Pressless Press, 2012.
Loc. 313. Kindle edition.
"15

aulas, apostilas e livros, passando pela popularização de sua perspectiva

a p o l o g é t i c a p o r n o m e s c o m o G o r d o n C l a r k 11 e G r e g B a h n s e n , o

pressuposicionalismo tem crescido como a abordagem mais frequente utilizada por

apologetas calvinistas.

O pensamento de Francis Schaeffer não é menos emblemático. Tendo

sido aluno de Van Til, teve o pressuposicionalismo por base. Porém, seu tratamento

de determinados aspectos do método pressuposicional é diferente, para desgosto de

Van Til12, Por isso a perspectiva teórica na qual Schaeffer se encaixa é uma questão

discutida13 . Contudo, quer seja considerado um pressuposicionalista ou não, o fato é

que sua maneira de pensar e fazer apologética também fez escola e influenciou a

muitos.

Schaeffer também é relevante pela abordagem distinta e alcance de seu

ministério. A maneira de interagir com o seu contexto se tornou um dos fatores de

popularidade do evangelista. Ele conseguia comunicar ao homem de sua época,

porque utilizava as expressões culturais como termômetro. Interagia com filmes,

obras musicais, peças de teatro, e pinturas. Enquanto a igreja era retraída em seu

contato com os não-cristãos, Schaeffer ganhava espaço discutindo Jean Paul Sartre,

Albert Camus, Ingmar Bergman, John Cage e o Teatro do absurdo.

O trato paciente e compassivo, a abertura para perguntas e respostas, e o

convite a que o não-cristão examinasse a igreja em sua vida e relacionamentos,

11Clark e Van Til são considerados os grandes nomes do pressuposicionalismo. Ambos trabalhavam
na mesma perspectiva, embora tivessem diferenças em aspectos de seu pensamento, especialmente
na maneira de compreender o papel da lógica. Cf. MUETHER, John R. Cornelius Van Til.
Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed, 2008. p. 98-113.
12Cf. VAN TIL, C. The apologetic method of Francis A. Schaeffer. Philadelphia, 1974. Syllabus não
publicado.
13Pesquisadores como Bryan Follis não consideram Schaeffer um pressuposicionalista. Cf. FOLLIS,
Bryan. Truth with love: the apologetics of Francis Schaeffer. Wheaton, IL: Crossway Books, 2006. p.
99.
"16

também são fatores importantes da apologética de Schaeffer. Não havia um mero

debate, mas uma tentativa de envolver o incrédulo pela força dos argumentos e pela

beleza dos relacionamentos. Como Schaeffer exemplifica, o amor é a apologética

final14.

Por sua linguagem mais acessível e o sucesso de seus livros, o

tratamento schaefferiano se tornou amplamente conhecido. Sua apologética envolvia

a consideração das pressuposições e da cosmovisão, embora essas tivessem um

sentido próprio para o evangelista15. Não havia a intenção de se criar um sistema16,

mas aspectos da abordagem de Schaeffer acabaram se tornando propostas

condensadas, a exemplo da apologética de cosmovisão, e da apologética cultural.

As contribuições de Van Til e Schaeffer para o campo da apologética,

portanto, merecem ser estudadas, discutidas e aprofundadas, pois ambos

articularam seus conhecimento com rigor intelectual e fidelidade bíblica, produzindo

impacto real na vida de muitas pessoas.

Para além da personalidade e produção das personagens acima a

relevância da pesquisa encontra-se também na necessidade de aprofundar o debate

em torno do pressuposicionalismo, especialmente no Brasil, onde as obras de Van

Til apenas começam a ser publicadas.

Cornelius Van Til começou a ensinar no Seminário Teológico de Princeton

em 1928. Saiu de lá um ano depois, com as mudanças que direcionavam o

seminário para uma postura mais liberal. Ainda em 1929 começou a lecionar no

14Cf. SCHAEFFER, F. A igreja no final do século 20. in: SCHAEFFER, Francis. A igreja no século
21. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. p. 41.
15 Cf. SCHAEFFER, F. O Deus que se revela. São Paulo: Cultura Cristã, 2002. p. 103.
16Schaeffer acreditava que a criação de um sistema rígido era incoerente com a percepção dinâmica
da natureza humana. Cf. SCHAEFFER, Francis. O Deus que intervém. São Paulo: Cultura Cristã,
2002. p. 246.
"17

recém-criado Westminster Theological Seminary, onde permaneceu até sua

aposentadoria, em 197517. Foi nesse período que a apologética pressuposicional

nasceu. Tal abordagem, portanto, é recente, contando com menos de cem anos de

existência. Na academia teológica brasileira o pensamento de VanTil ainda é bem

desconhecido. Existem apenas três títulos de Van Til publicados em português18. O

primeiro, Por que creio em Deus, foi publicado apenas em 200219 . Oito anos depois,

em 2010, foram publicados O pastor reformado e o pensamento moderno20, e

Apologética cristã21.

A apropriação schaefferiana do pressuposicionalismo está presente no

Brasil há mais tempo — a primeira edição de O Deus que intervém data de 1981 (a

obra é de 1968). Contudo, a edição de maior abrangência, por se tratar de editora

maior, é a terceira, publicada em 2002. Apesar de possuir divulgação mais antiga,

ainda há pouca discussão sobre o método de Schaeffer na academia teológica

brasileira, bem como apropriação de tal método pelos cursos de apologética e pela

prática apologética popular, evidencialista em sua maior parte.

Finalmente, a pesquisa possui relevância prática. A dinâmica do "ponto de

contato" costuma ser tratada nos diálogos apologéticos de maneira intuitiva e não

intencional, de modo que há pouca reflexão e tratamento deliberado do tema. Muitos

cristãos e apologetas interagem com incrédulos na base de pressuposições não

avaliadas, como a de que qualquer comunicação é facilmente absorvida pelo não-

cristão, ou a de que o ponto de contato reside no fato discutido. Ao ver como

17
EDGAR, W.; OLIPHINT, K. S. Christian apologetics past and present: volume 2 — from 1500.
Wheaton, Illinois: Crossway Books, 2011. p. 453.
18As Complete works de Van Til contam com 40 volumes, entre livros, apostilas e coletâneas de
resenhas e artigos.
19 VAN TIL, C. Por que creio em Deus. Brasília: Ministério Refúgio, 2002.
20 VAN TIL, C. O pastor reformado e o pensamento moderno. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.
21 VAN TIL, C. Apologética cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.
"18

Cornelius Van Til e Francis Schaeffer perceberam e articularam o tema, será

possível identificar e discutir as propostas não examinadas em caráter popular, bem

como caminhar para uma percepção mais consciente, que pode produzir diálogos

apologéticos mais consistentes.

3 Objetivos

A pesquisa tem como objetivo central discutir a relação entre o

pensamento de Cornelius Van Til e o de Francis Schaeffer, especialmente no quesito

do ponto de contato, na apologética. Para que esse objetivo geral seja atingido,

alguns objetivos específicos precisam ser considerados. Tais como:

a) Descrever o contexto histórico-cultural específico de Cornelius Van

Til e Francis Schaeffer, bem como a relevância desses pensadores para o campo da

apologética;

b) Oferecer uma compreensão do pressuposicionalismo, tal qual

defendido por Cornelius Van Til, e a perspectiva vantiliana do ponto de contato;

c) Considerar a abordagem apologética utilizada por Francis Schaeffer

e sua percepção do ponto de contato;

d) Possibilitar a noção das convergências entre os teólogos, e a ênfase

no ponto central dos esforços apologéticos;

e) Contribuir para a dissolução de possíveis conflitos entre seguidores

de Van Til e Schaeffer.

O exame da questão também poderá demonstrar a variedade de

pensamentos dentro do campo reformado, e promover a reflexão sobre qual postura

reflete de maneira mais adequada o ensino bíblico e a compreensão do homem. Tal

reconhecimento, antes de formar partidários do pensador A ou B, pode ser útil para o


"19

exercício de uma apologética mais bíblica. É possível, também, que a pesquisa

demonstre a convergência entre pensadores que ficaram marcados como bastante

distintos — Schaeffer e Van Til —, promovendo alguma conciliação entre aqueles

que preferem ver divergências.

4 Questões metodológicas

O Dr. Antonio Raimundo dos Santos identifica três critérios para definir o

tipo de pesquisa científica. Em sua descrição, o estudo pode ser caracterizado

segundo os objetivos, segundo as fontes utilizadas e segundo os procedimentos de

coleta22.

Levando em conta os objetivos a atual pesquisa pode ser classificada

como um estudo exploratório, pois “visa a criar maior familiaridade em relação a um

fato, fenômeno ou processo” 23. Essa também é a classificação proposta por Antonio

Carlos Gil24. Em suas palavras, um estudo exploratório “tem como objetivo

proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais

explícito ou construir hipóteses”25.

Outro critério é o dos procedimentos de coleta de dados. Em tal

perspectiva, identifica-se o presente estudo como pesquisa bibliográfica, vez que o

material coletado está nas obras literárias. Para Gil, “boa parte dos estudos

exploratórios pode ser definida como pesquisas bibliográficas”26. Esse é o caso com

22SANTOS, A. R.dos. Metodologia científica: a construção do conhecimento. 6.ed. Rio de Janeiro:


DP&A, 2004. p. 25.
23
SANTOS, A. R.dos. Metodologia científica: a construção do conhecimento. 6.ed. Rio de Janeiro:
DP&A, 2004. p. 25.
24 GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 41.
25 Ibid.
26 Ibid., p. 44.
"20

o presente estudo: terá nos livros, sejam fontes primárias de Van Til e Schaeffer ou

comentários e análises de terceiros, seu material fundamental.

Trata-se, portanto, de uma pesquisa teórica, que fará análise comparativa

do pensamento vantiliano e schaefferiano.

5 Referencial teórico

A pesquisa tem como referencial o olhar de David Leigh27, em contraste

com as propostas de Bryan Follis e Gordon Lewis. Enquanto estes trabalham na

perspectiva de uma ruptura entre Van Til e Schaeffer, aquele observa uma

continuidade entre ambos. A teoria de Leigh destaca os pontos de contato,

observando um padrão que permite considerar a coerência entre Cornelius Van Til e

Francis Schaeffer.

5.1 Campo conceitual

Tal referencial insere o pesquisador em um campo de estudos com

expressões próprias e um universo de significado em particular. Especialmente no

contexto da apologética pressuposicionalista, o marco teórico da pesquisa deve

considerar determinados conceitos fundamentais.

Um deles é a própria definição de pressuposicionalismo. Uma descrição

anterior28 o apresentou como a corrente de apologética que busca articular a

metodologia da defesa da fé à luz dos pressupostos calvinistas. Seu nome é assim

definido por considerar as pressuposições no diálogo, bem como por reivindicar que

é necessário pressupor Deus para que algo seja conhecido. O pressuposicionalismo

27 LEIGH, D. Presupposing. Fox River Grove, IL: Leighist & Grateful Press, 2012.
28 Cf. p. 14.
"21

se contrapõe a outras escolas de apologética, principalmente ao evidencialismo —

que busca um terreno neutro entre o cristão e o incrédulo, no qual o diálogo se dá

unicamente em torno das evidências.

Esta vertente apologética trabalha diretamente com conceitos que a

sustentam. É o caso da doutrina bíblica da Imago Dei. Segundo esse ensino, o

homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, e, portanto, carrega consigo as

marcas do seu Criador. A criação à imagem de Deus possui implicações para a

essência do homem e seu lugar no mundo. Segundo Richard L. Pratt Jr., a Imago

Dei anuncia que o homem, em suas habilidades e características físicas, revela o

Criador, bem como, em suas disposições internas de pensamento e alma imortal,

manifesta proximidade a Deus29. A possibilidade da apologética e da persuasão,

portanto, têm a ver com a constituição humana, dotada de marcas do Criador, como

a racionalidade. A imagem do Criador no homem, cristão ou não, também influencia

a maneira de se engajar em um debate ou diálogo — com mansidão e gentileza. Van

Til30 e Schaeffer 31 concordam que a marca fundamental da imagem e semelhança

de Deus no homem é a sua personalidade.

O tipo de pressuposicionalismo representado por Van Til também exige a

anuência à distinção Criador-criação. Embora criado à imagem de Deus, o homem

não é igual a Deus. Como ser criado, está em nível inferior, manifestando sua

dependência completa daquele que lhe deu e sustenta a vida. Tal distinção anuncia

a incomparável grandeza do Criador, e sua absoluta separação de todos os seres

criados, de modo que não pode haver univocidade entre Deus e o homem na

29Cf. PRATT JR., R. L. Every thought captive: a study manual for the defense of christian truth.
Phillipsburg, NJ: Presbyterian & Reformed, 1979. p. 19.
30 VAN TIL, C. The defense of the faith. Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed, 1955. p. 13.
31 SCHAEFFER, F. Gênesis no espaço-tempo. Brasília: Monergismo, 2014. p. 67.
"22

maneira de pensar e falar. A relação entre o pensamento e a fala de Deus e do

homem se dá na base da analogia 32, e assim a criatura pensa os pensamentos de

Deus após Ele. Tal entendimento protege a doutrina da incompreensibilidade de

Deus33.

A apologética pressuposicional também tem como pressuposto a doutrina

do sensus divinitatis. Segundo esta doutrina, cada homem traz em si um senso da

divindade, uma marca interna que o faz reconhecer a Deus34. A doutrina do sensus

divinitatis é consequência da doutrina da Imago Dei. Criado à imagem de Deus, o

homem possui as marcas da criação Divina em si; assim, é natural que também

carregue em sua existência alguma percepção da existência do Criador. O senso da

divindade é, geralmente, articulado a partir do ensino paulino em Romanos 1,

segundo o qual os homens, tendo conhecimento de Deus, preferem dar glória à

criatura no lugar do Criador, vivem “suprimindo a verdade pela injustiça”, em

esforços ativos de ocultação das evidências da presença de Deus no mundo.

Com o reconhecimento do sensus divinitatis, a tarefa apologética é tanto

apresentar ao não-cristão um conhecimento jamais obtido por ele, quanto apelar

para o conhecimento interno que ele já possui, ao mesmo tempo em que

desmascara os seus sofismas e tentativas de ocultação da verdade.

32 No pressuposicionalismo vantiliano, o homem existe em semelhança/analogia a Deus. A Imago Dei


ilustra o ponto. Porém, tal analogia não se reflete apenas na metafísica; na epistemologia, a área do
conhecimento, também existe tal realidade. O conhecimento do homem é análogo, no sentido de que
ele conhece as coisas como criatura, sempre dependendo do conhecimento de Deus para o seu ato
de conhecer.
33 Este era um dos pontos conflituosos entre Gordon Clark e Cornelius Van Til. No
pressuposicionalismo clarkiano, Deus e o homem são regidos pela mesma lógica e, assim, o homem
pode pensar os mesmos pensamentos de Deus, sem analogia.
34Cf. CALVINO, J. As institutas - edição clássica. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã,2006.I, III, 1.p. 47:
“[…] para que ninguém se refugiasse no pretexto de ignorância, Deus mesmo infundiu em todos certa
noção de sua divina realidade, da qual, renovando constantemente a lembrança, de quando em
quando instila novas gotas, de sorte que, como todos à uma reconhecem que Deus existe e é seu
Criador, são por seu próprio testemunho condenados, já que não só não lhe rendem o culto devido,
mas ainda não consagram a vida a sua vontade”.
"23

A luta pela supressão do que é verdadeiro se dá como resultado da

Queda histórica. A compreensão dos efeitos da queda — a doutrina da depravação

total — também é fundamental para a apologética pressuposicionalista. Segundo

David Leigh, “A apologética de Van Til é fruto de uma teologia que ensina a total

depravação da humanidade não-regenerada e a dependência última de toda

conversão na obra do Espírito Santo” 35. Para o pensamento reformado, a Queda

produziu impacto sobre o homem inteiro — todas as suas faculdades foram

afetadas, de maneira que a sua vontade é avessa a Deus, suas emoções são

contrárias ao Criador, e seu intelecto não opera mais segundo as normas da

verdade. Isso não significa dizer que é impossível ao homem desejar, amar e pensar

coisas boas, mas que o impacto do pecado produziu severas transformações em

seu coração.

Esta percepção da integralidade dos efeitos do pecado fala do lugar em

que o apologeta encontra o não-cristão, e também redireciona a sua maneira de

vindicar a cosmovisão cristã, considerando os obstáculos intelectuais, emocionais e

volitivos. Especialmente no campo intelectual, o pressuposicionalismo ressaltou os

efeitos noéticos do pecado. O homem caído e não-regenerado— o homem natural

— não pode entender as coisas espirituais, como o apóstolo Paulo afirma em 1

Coríntios 2.14. Ele, portanto, busca suprimir a verdade, e se tornou incapaz de

absorvê-la e a ela se render. Todo o raciocínio humano sem Jesus está

comprometido, de modo a ocultar as evidências da verdade, e a não seguir ao

caminho adequado de interpretar o mundo a partir da Revelação Divina, e finalmente

dar glória ao Criador.

35LEIGH, D. R. Presupposing: how to defend the faith — the methods of Francis A. Schaeffer &
Cornelius Van Til. Fox River Grove, IL: Leighist & Grateful Press, 2012. Kindle edition. Loc. 1326.
Tradução livre: Van Til’s apologetic is the fruit of a theology that teaches the total depravity of
unregenerate humanity and the ultimate dependence of all conversion on the work of the Holy Spirit.
"24

5.2 Fontes

Na observação, análise e classificação da proposta apologética de

Cornelius Van Til e Francis Schaeffer a pesquisa utilizará principalmente as fontes

primárias. De Cornelius Van Til, as principais obras para discutir sua apologética e

apreciação do ponto de contato são The defense of the faith e Apologética cristã.

Ambas fornecem compreensão sistêmica da metodologia apologética, e possuem

trechos específicos sobre o ponto de contato (common ground) — o objeto de

estudo dessa pesquisa.

Embora Francis Schaeffer não se proponha a discutir a apologética

visando à criação de um sistema, em sua trilogia — O Deus que intervém; A morte

da razão e O Deus que se revela — existem exibições contínuas de sua maneira de

lidar com o não-cristão. Especificamente em O Deus que intervém existem

discussões mais diretas sobre a metodologia apologética, como o ensino acerca da

abordagem de tirar o telhado, e um apêndice dedicado a isso.

Além de se utilizar das fontes primárias, esta pesquisa também se

utilizará do que os pesquisadores de Van Til e Schaeffer têm produzido. Ela se

valerá tanto de análises do pensamento de Schaeffer e Van Til separadamente, tais

como: Cornelius Van Til: an analysis of his thought, de John Frame; Van Til’s

apologetic: readings and analysis, de Greg Bahnsen; Francis Schaeffer’s

apologetics: a critique, de Thomas Morris; Truth with love: the apologetics of Francis

Schaeffer, de Bryan Follis; quanto de análise conjunta do pensamento dos dois

pensadores, como acontece na obra Presupposing: how to defend the faith — the

methods of Francis A. Schaeffer & Cornelius Van Til, de David Leigh. Esses nomes,

portanto, figurarão entre as fontes do trabalho.


"25

6 Esboço

Na busca por atender aos objetivos, o trabalho terá início com o

delineamento das biografias de Van Til e Schaeffer, bem como do momento histórico

do qual participaram, e do seu encontro no campo das ideias.

A seguir, apresentará as noções gerais do sistema apologético proposto

por Cornelius Van Til, conhecido como pressuposicionalismo, dando especial

atenção à maneira pela qual ele concebe o ponto de contato na apologética.

Esforço semelhante será feito com Francis Schaeffer e sua “proposta”,

identificando traços do seu pensamento e prática, enfatizando também suas

considerações a respeito do ponto de contato.

Finalmente, os dois pensadores serão reunidos no último capítulo, na

tentativa de demonstrar a relação entre a apologética de ambos, bem como de tecer

considerações finais sobre o problema do ponto de contato e do alvo da apologética. 



"26

1 CORNELIUS VAN TIL E FRANCIS SCHAEFFER: biografias que se

encontram

Considerar o pensamento de um autor envolve perceber aspectos de seu

contexto e trajetória. Para compreender o pressuposicionalismo e seus expoentes, é

necessário dedicar tempo e atenção à caminhada de Cornelius Van Til e Francis

Schaeffer. Seu registro biográfico, ainda que limitado, possibilita a compreensão dos

caminhos que seguiram. Nesse contexto, mais do que mera curiosidade, o trabalho

de pesquisa sobre a formação do indivíduo e seu pensamento é especialmente

elucidativo sobre toda a sua produção. À pergunta “quais são as propostas de

Francis Schaeffer e Cornelius Van Til?” deve anteceder o questionamento: “quem

são esses dois pensadores?”. Os recortes biográficos, ora apresentados, cumprem o

papel de apresentar os objetos de pesquisa, e demonstrar o que está para além da

mera leitura de seus livros.

1.1 Cornelius Van Til: Uma reforma da apologética reformada

“Sob toda a terminologia técnica e profundidade filosófica de Cornelius

Van Til, estava uma fé calorosa em Jesus Cristo” 36 — desta maneira o teólogo e

filósofo John Frame se refere ao pensamento de seu professor. Nascido em 1895,

no vilarejo de Grootegast, província de Groningen, na Holanda, Van Til teve um lar

marcado pela fé reformada37. Seu pai, Ite Van Til, era um fazendeiro simples, mas

temente a Deus.

Em sua obra Por que creio em Deus, ele descreve algo de sua vida

36 FRAME, J. M. The message of Cornelius Van Til. Disponível em: <http://www.frame-


poythress.org/the-message-of-cornelius-van-til/>. Acesso em: 10, abr. 2013.
37 GOMES, D. C.. A Apologética de Cornelius Van Til (TFL 615): Em busca de uma apologética
reformada consistente. Syllabus não publicado. São Paulo: CPAJ, 2009. p. 7.
"27

quando criança, e menciona ter sido ensinado a crer em Jesus desde cedo38,

enquanto era criado em um ambiente de fazenda, entre os celeiros e os animais39.

Em suas memórias estavam as refeições, sempre frequentadas por toda a família,

acompanhadas de uma oração antes e depois, bem como a leitura de um capítulo

da Bíblia40. Para Van Til, o impacto dessa "atmosfera de fé"41 foi marcante.

Não digo que tenha entendido sempre o significado de todas essas coisas.
Mas do efeito total não se pode duvidar. A Bíblia tornou-se para mim, cada
parte, cada sílaba, a verdadeira Palavra de Deus. Aprendi que devo
acreditar na história da Escritura e que a “fé” é um dom de Deus. […] Fui
“condicionado” na forma mais abrangente do termo. Não posso evitar a
crença em Deus — no Deus do cristianismo —, no Deus da Bíblia! 42

A família Van Til era composta de Ite, Klazina, sua esposa, e seus oito

filhos. Eles tiveram também uma filha, mas ela faleceu ainda na infância, como

resultado de uma concussão cerebral. Cornelius era o sexto da família.

Para John Muether, é importante dar um passo atrás e entender Van Til

no contexto mais amplo da história da igreja na Holanda. Segundo ele, Cornelius é

um filho do Afscheiding43, um movimento de avivamento dentro da Igreja Reformada

Holandesa. Com a influência do Iluminismo sobre os cristãos daquele país, e a

assimilação de pressupostos anti-cristãos — "revolucionários", diria Groen Van

Prinsterer — alguns cristãos ortodoxos da Igreja Reformada Holandesa passaram a

expressar sua preocupação. O Sínodo Nacional da denominação, em 1816, alterou

as fórmulas de subscrição ministerial, transformando a política quanto à adesão ao

38 VAN TIL, C. Por que creio em Deus. Brasília, DF: Monergismo, 2012. p. 19.
39 Ibid., p. 25.
40 Ibid., p. 26.
41Van Til se refere à realidade da fé como uma atmosfera que cercava o ambiente diário. Cf. VAN
TIL, Cornelius. Por que creio em Deus. Brasília, DF: Monergismo, 2012. p. 26.
42 Ibid., p. 27. Nessa citação, Van Til está respondendo a um argumento da incredulidade. O não-
cristão pode argumentar que a fé é mero produto de condicionamento humano. Van Til revela o fato
de que tal “condicionamento" existe para o teísta e para o ateísta.
43MUETHER, J. R. Cornelius Van Til: reformed apologist and churchman. Phillipsburg, New Jersey:
P&R Publishing, 2008. p. 21.
"28

Sínodo de Dort. O Estado sancionou tais medidas, e um grupo da igreja, liderado por

Hendrik de Cock — ministro na província de Groningen, a mesma em que Van Til

nasceu — organizou um ato de secessão e retorno em 183444. O termo Afscheiding

significa “secessão".

Houve perseguição estatal aos separatistas, mas o sofrimento produziu

fruto: o movimento se tornou nacional, e muitas igrejas foram plantadas nessa

tradição. O princípio que norteava tal iniciativa era o retorno às origens da Reforma.

Grupos distintos manifestaram ênfases peculiares: nas províncias do sul da

Holanda, o movimento teve contornos pietistas, com ênfase na conversão pessoal e

oposição à ortodoxia sem vida. No norte, especialmente na província de Groningen,

a ênfase central estava na ortodoxia confessional. Em geral, a postura separatista

do Afscheiding os deixava isolados, e sem maior influência na vida pública da nação.

A resposta a esse isolamento veio em um movimento posterior, liderado

por Abraham Kuyper (1837-1920), pastor, teólogo e estadista. Nas palavras de

Muether, “Ele convocou o kleine luyden (povo comum) a se libertar do isolamento

social e cultural que caracterizava o Afscheiding”45. A proposta de Kuyper era que o

confronto à secularização da Europa deveria se dar a partir de uma cosmovisão

coerente e abrangente: um sistema de vida. Somente o Calvinismo poderia desafiar

o modernismo, segundo o estadista. A direção proposta sugeria que a ortodoxia

teológica fosse além do campo explicitamente religioso, para se transformar em uma

dinâmica social mais ampla. Esse movimento ficou conhecido como Doleantie

44 MUETHER, J. R. Cornelius Van Til: reformed apologist and churchman. Phillipsburg, New Jersey:
P&R Publishing, 2008. p. 22.
45 Ibid., p. 24. Minha tradução: He urged the kleine luyden to break out of the social and cultural
isolation that characterized the Afscheiding.
"29

(Reclamação, 1886), e, segundo Muether, deu origem ao nomeado Neocalvinismo46.

Kuyper preservava duas ênfases em tensão: a noção de "antítese",

segundo a qual há divisões irreconciliáveis entre a cosmovisão cristã e o

pensamento incrédulo, e a noção de “graça comum”, que afirmava a possibilidade

de o incrédulo produzir boas obras, tanto em termos práticos, quanto intelectuais. Os

filhos do Afscheiding, com sua tendência separatista, colocaram mais ênfase sobre a

primeira, enquanto os filhos do Doleantie, ou neocalvinistas, enfatizavam a segunda.

Um passo de convergência entre os dois grupos veio nas formulações teológicas de

Herman Bavinck, o principal teólogo do neocalvinismo, que cresceu em um ambiente

separatista, mas trabalhou junto a Kuyper. Seu trabalho convocava as duas frentes a

se unirem pela causa da fé reformada na Holanda47 . A coalizão de forças entre o

Asfscheiding (1834) e o Doleantie (1886) deu origem às Gereformeerde Kerken in

Nederland (Igrejas Reformadas na Holanda) em 1892. Conforme Muether, Van Til

teve maior simpatia pela perspectiva separatista, mas soube apreciar o valor de

Kuyper e Bavinck48 .

Nascido em 3 de maio de 1895, Van Til não apenas era membro de uma

família piedosa, como trabalhadora. Criado no ambiente de uma fazenda, Cornelius

aprendeu o valor do trabalho duro e manual. Já adulto e imerso na vida acadêmica,

teria a jardinagem como uma de suas disciplinas regulares. Isso explica, em parte,

por que muitas das metáforas utilizadas por Van Til, vieram da agricultura49.

Desde cedo, o garoto demonstrava traços de uma inteligência aguçada.

Seu raciocínio lógico era forte, e aos cinco anos de idade ele ingressou em uma

46 MUETHER, J. R. Cornelius Van Til: reformed apologist and churchman. Phillipsburg, New Jersey:
P&R Publishing, 2008. p. 24-5.
47 Muether, Op. Cit., p. 27.
48 Ibid., p. 28.
49 Ibid., p. 29.
"30

escola cristã, ainda na Holanda. Tão logo entrou no ambiente escolar, Van Til teve

de decorar a primeira pergunta e resposta do Catecismo de Heidelberg, que o

acompanhou por toda a vida, moldando sua ortodoxia reformada50.

A família Van Til emigrou de seu país original para os Estados Unidos da

América em 1905. A migração de holandeses para a América do Norte já estava em

curso há algum tempo. Em parte, ela foi fomentada pelo clima de perseguição

religiosa, quando do ato de secessão e retorno; e em parte, pela esperança de

prosperidade econômica que a América indicava.

Os imigrantes holandeses se estabeleceram em Chicago, fazendo a área

crescer bastante em economia e população. Com o crescimento e aumento do valor

de terras, eles passaram a ocupar os espaços próximos, chegando a Indiana.

Tendo mudado várias vezes, ainda na terra natal, a fim de sustentar a

família, Ite Van Til decidiu seguir o seu filho mais velho, Reinder, que já estava nos

Estados Unidos, em busca das oportunidades providenciadas no jovem país. Parte

do temor de Ite e Klazina estava em ver os filhos tendo que servir no campo militar,

já que o segundo mais velho, Hendrik, havia sido convocado.

A família Van Til chegou aos EUA em 19 de maio de 190551. Cornelius

havia completado 10 anos há poucos dias. Depois de passar por um período de

adaptação em Hoboken, New Jersey, a família se estabeleceu na cidade de

Highland, Indiana. Frequentou a Christian Reformed Church na cidade de Munster,

até que, na reunião do Classis52 de Illinois, em 1908, a congregação em Highland

teve sua autorização para começar53. Ela foi formada em 28 de abril do mesmo ano,

50 MUETHER, J. R. Cornelius Van Til: reformed apologist and churchman. Phillipsburg, New Jersey:
P&R Publishing, 2008. p. 30.
51 Ibid., p. 31.
52 Equivalente ao presbitério, na Igreja Presbiteriana.
53 Muether, Cornelius Van Til, p. 34.
"31

e Ite Van Til foi eleito um dos três presbíteros.

Em seu primeiro ano no novo país, Cornelius Van Til estudou em escola

pública. Porém, ele foi transferido para a escola cristã inaugurada em 1907, na

cidade de Munster54. Em 1910, foi o primeiro formando daquela escola. Alguns

jovens seguiam para o High School55 , mas como a formação era muito cara para a

família Van Til, seus filhos, após a formação básica, dedicavam-se ao trabalho na

fazenda.

Mesmo não possuindo formação superior, os fazendeiros Van Til eram

criados em um ambiente de estímulo intelectual. Especialmente o filho mais velho,

Reinder, impressionou Cornelius com sua curiosidade aguçada, e dedicação ao

estudo das obras de Calvino e Kuyper 56.

Aos dezenove anos, Cornelius Van Til e seu primo Herman Moes se

inscreveram para a Calvin Preparatory School, em Grand Rapids, Michigan. Ambos

se percebiam chamados para o ministério pastoral, e suas famílias conseguiram

maneiras de custear os estudos. Foram os primeiros filhos da igreja de Highland a

ingressar na vida ministerial. A escola preparatória, como o nome sugere, formava

os alunos nos requisitos básicos para entrar no seminário e na faculdade.

Posteriormente ela se tornou a Grand Rapids Christian High School.

Van Til concluiu o curso preparatório, e iniciou os estudos no Calvin

College. Durante esse período de estudos, ele frequentou a Sherman Street

Christian Reformed Church, igreja pastoreada por R. B. Kuiper — a quem Van Til

considerou um mestre da pregação, e que, posteriormente, viria a ser seu colega no

54 Muether, Cornelius Van Til, p. 34-5.


55 Equivalente ao ensino médio no contexto brasileiro.
56 Muether, Op. Cit., p. 35.
"32

magistério.

Na faculdade, Van Til não tinha afinidade com atividades extra-

curriculares do tipo esportivo57. Por outro lado, era comprometido com a edição do

Calvin College Chimes, uma publicação estudantil que discutia variados aspectos da

vida acadêmica. Em seus editoriais, ele criticou o currículo da Preparatory School,

instruiu os estudantes quanto à necessidade de uma vida acadêmica dedicada e

articulou suas primeiras reflexões acerca da fé reformada. Nos anos de 1921 e

1922, Van Til apresentou, de forma embrionária, aspectos de sua metodologia

apologética, escrevendo sobre a relação entre fé e razão, e sobre a ressurreição de

Cristo58.

Em 1921, quando ainda estava em seu último ano na faculdade, Van Til

pôde iniciar os estudos no Theological Seminary of the Christian Reformed Church,

que depois veio a se chamar Calvin Theological Seminary. Seu ingresso se deu pelo

alcance de créditos acadêmicos suficientes. No seminário, teve notáveis teólogos

como professores, como por exemplo, Louis Berkhof, que ensinava Novo

Testamento.

Durante o curso no seminário, Van Til teve maior contato com as obras de

Abraham Kuyper, absorvendo grande parte de seus ensinos. A interação de Van Til

com o pensamento kuyperiano aconteceu por intermédio de dois de seus

professores. Um foi o seu professor de filosofia, William Henry Jellema, e outro foi

seu professor de teologia sistemática, Foppe Ten Hoor, um antagonista do

movimento Doleantie e do pensamento kuyperiano.

Em 1922, Van Til deixou o Calvin Seminary, para estudar no Princeton

57Muether informa que nos anuários desse período, não há registros de participação em atividades
esportivas. Cf. Muether, Cornelius Van Til, p. 42.
58 Muether, Op. Cit., p. 44.
"33

Theological Seminary. Uma das principais razões foi a controvérsia em torno de um

de seus professores, Ralph Janssen (Antigo Testamento), que começou antes

mesmo da chegada de Van Til ao seminário. Alguns membros do corpo docente

haviam suspeitado de que Janssen estava ensinando a alta crítica em suas aulas, e

levantaram uma queixa pública. Eles foram advertidos pela maneira como

procederam, mas levaram adiante a reclamação para o Sínodo da Christian

Reformed Church, em sua reunião de 1920. No ano seguinte, Janssen obteve

licença do cargo, para que uma comissão avaliasse o caso — comissão composta

por alguns dos que levantaram a queixa, como Herman Hoeksema. Na reunião de

1922, o professor leu uma declaração, expressando estar frustrado por não ter um

processo justo, e foi deposto do cargo. Ironicamente, o próprio Hoeksema foi o alvo

da controvérsia seguinte, tendo seus ensinos acerca da graça comum condenados

no Sínodo de 1924.

Van Til se viu em uma situação delicada, pois desejava a pureza do

ensino teológico, mas, com a proximidade de R. B. Kuiper — seu pastor na ocasião,

e cunhado de Janssen — também ouvia sobre os procedimentos imprudentes na

tratativa da questão. O desgosto de Van Til também cresceu ao notar o modo como

os alunos do Seminário reagiram à controvérsia. Em março de 1922, escreveu um

editorial no Chimes, intitulado “Estudantes e Controvérsias”, no qual criticou a atitude

dos discentes no caso Janssen. Segundo o jovem escritor, os seminaristas se

manifestavam com excessiva dureza, apresentavam-se como especialistas no

assunto, e falavam sem a devida reflexão sobre os pontos discutidos 59. Os

professores também foram alvo de crítica, tendo sido advertidos a discipular os

alunos em vez de "fazer propagandas" a eles.

59 Muether, Cornelius Van Til, p. 48.


"34

O seminário de Princeton foi atrativo a Van Til por seu corpo docente.

Enquanto o Calvin oferecia o melhor do calvinismo holandês, Princeton oferecia o

melhor do calvinismo americano. Nomes como B. B. Warfield, Charles Hodge, J.

Gresham Machen, e Geerhardus Vos figuravam entre os mestres da escola. Ainda

no Calvin, Van Til foi impressionado pelas palestras de Robert Dick Wilson, que

tratou de questões difíceis nas Escrituras, e apresentou um modelo cuidadoso e

corajoso de intelectualidade. Wilson também era professor em Princeton.

Dessa maneira, em 1922, Van Til e seu amigo John DeWaard saíram de

Grand Rapids, Michigan, em direção ao distrito de Princeton, New Jersey, para

estudarem no renomado Seminário de Princeton.

Warfield faleceu em 1921. Então Van Til nunca foi seu aluno. Mas ele

ficou impressionado com a qualidade de professores como Geerhardus Vos, que

havia sido membro da Christian Reformed Church, e ensinado no Calvin Seminary

(antes dele se chamar assim). Van Til também se aproximou de Machen, embora

não tenha sido seu aluno por causa das disciplinas aproveitadas.

Van Til foi bastante produtivo em Princeton: obteve quatro graus em cinco

anos — o ThB (bacharel) pelo seminário em 1924, o MA (master of arts) pela

universidade no mesmo ano, o ThM (mestrado) pelo seminário em 1925 e o seu PhD

(doutorado) em 1927. É possível notar, portanto, que Van Til, além do seminário,

estudou na universidade de Princeton. Cursou filosofia 60. Além dos graus, em

Princeton Van Til adquiriu amigos para a vida, como John Murray, que veio a ser seu

colega de trabalho no Westminster Theological Seminary. Ali também ele definiu o

trio de influências fundamentais sobre sua reflexão e produção teológica — Kuyper,

Bavinck e Warfield. Segundo John Frame, Machen também exerceu grande

60 Muether, Cornelius Van Til, p. 52.


"35

influência sobre Van Til, como se pode perceber:

O conceito de antítese em Van Til pode ser entendido como uma


continuação da obra de dois homens que tiveram grande influência sobre
ele: Abraham Kuyper e J. Gresham Machen. Kuyper devotou muito de seu
pensamento à antítese e à graça comum. De fato, ele também devotou
muita ação à aplicação destes conceitos na igreja e sociedade. O insight
fundamental de Machen foi o ponto altamente antitético de que o
Cristianismo ortodoxo e o liberalismo teológico não são duas posições
teológicas cristãs divergentes, como o Calvinismo e o Luteranismo, mas
duas religiões diferentes, radicalmente opostas uma à outra. […] Van Til
aplicou este pensamento “antitético” à neo-ortodoxia e outros movimentos
teológicos 61.

Nos ensaios produzidos em Princeton, Van Til esboçou abordagens e

temas que o acompanhariam para sempre, como o método transcendental e a

noção de Trindade ontológica. Muether avalia estes materiais produzidos afirmando

que eles refletiam uma impressionante coerência de pensamento.

Observados em conjunto, esses três papers do seminário são obras


impressionantes que mostram uma forte unidade e coerência de
pensamento, com convicções que eram, de maneira incomum, firmes e
estabelecidas para um estudante de seminário. Os papers compreendem a
base para os temas da vida de Van Til: a Trindade ontológica, a conexão
orgânica entre a criação e o pacto, o uso reverente da razão (como
criaturas), e a antítese radical entre a epistemologia do cristão e do
incrédulo 62.

Durante a estada em Princeton, Van Til se uniu a Rena Klooster, em

matrimônio celebrado na igreja de Munster, Indiana, no dia 15 de Setembro de 1925.

61 FRAME, Van Til on antithesis. Westminster Theological Journal, v.57, n.1, p. 81, 1995. Minha
tradução: Van Til's concept of antithesis can be understood as a continuation of two men who had
great influence upon him: Abraham Kuyper and J. Gresham Machen. Kuyper devoted much
thought both to antithesis and to common grace. Indeed, he also devoted much action to the
application of these concepts in church and society. Machen's fundamental insight was the highly
antithetical point that orthodox Christianity and theological Liberalism are not two differing Christian
theological positions, as Calvinism and Lutheranism, but are rather two different religions, radically
opposed to one another. […] Van Til applied this 'antithetical' thinking to neo-orthodoxy and other
theological movements.
62 Muether, Cornelius Van Til, p. 55. Minha tradução: Taken together, these three seminary papers are
impressive works that show a strong unity and coherence of thought, with convictions that were
uncommonly firm and established for Van Til’s lifelong themes: the ontological Trinity, the organic
connections between creation and covenant, the reverent and creaturely use of reason, and the
radical antithesis between believing and unbelieving epistemologies.
"36

Eles retornaram em seguida para New Jersey, a fim de que Van Til prosseguisse nos

estudos — agora de doutoramento. Assim como havia sido influenciado por William

Henry Jellema no Calvin, Van Til foi influenciado na Universidade Princeton por A. A.

Bowman, um idealista não-cristão. Em 1927, com uma tese sobre “Deus e o

absoluto”, Van Til recebeu o seu PhD. No mesmo ano foi ordenado e convidado para

pastorear a igreja de Spring Lake, Michigan.

Seu ministério ali foi curto, mas ele trabalhou com afinco na visitação e

catequese. Seus dias em Spring Lake foram pacíficos, a ponto de marcar a sua

memória. Segundo Muether, correspondências entre Cornelius e seu sobrinho Henry

relatam que, no período de controvérsias, em 1950, Van Til sonhara ter recebido

convite para retornar a Spring Lake e encerrar seu ministério por lá63.

Em 1928 veio o convite para ensinar no Seminário Princeton. No dia 23

de setembro daquele ano, Van Til pregou o sermão de despedida na igreja de Spring

Lake, e seguiu para ensinar apologética no Seminário onde havia se formado.

O contexto, no entanto, não era dos melhores. O chamado de Van Til para

ensinar a disciplina aconteceu porque, em 1926, a Assembleia Geral da PCUSA64

não havia referendado J. Gresham Machen para lecionar a matéria. O ensino de Van

Til foi bem-sucedido, mas o seminário passava por outras modificações. Assim como

Machen perdia espaço, dois signatários da Afirmação de Auburn — documento

elaborado em 1923, que negava a importância de doutrinas como a inspiração da

Escritura e o nascimento virginal de Jesus – foram acrescentados ao conselho da

instituição.

Princeton estava entrando em uma espiral decadente que terminaria por

63 Muether, Cornelius Van Til, p. 58.


64 Equivalente ao Supremo Concílio na Igreja Presbiteriana do Brasil.
"37

arruinar a sua identidade reformada. E apesar do esforço do Seminário para manter

Van Til, através da promessa de promoção e permanência no cargo, ele seguiu a

visão de Machen e pediu demissão em 1929. Nesta altura, a igreja de Spring Lake

ainda não havia encontrado um pastor, e Van Til retornou ao pastoreio em junho de

1929. No mês seguinte nasceria o seu filho, Earl Calvin Van Til. Também em julho

começariam os convites para ensinar em uma nova instituição.

Com o declínio teológico de Princeton, J. Gresham Machen decidiu sair,

acompanhado de O. T. Allis e Robert Dick Wilson, com o projeto de fundar um

seminário que carregasse consigo a tradição do "velho Princeton”. O Seminário

Westminster, como seria chamado, teria sede na Filadélfia, Pensilvânia.

Van Til recusou os convites iniciais, para desespero de Machen, que, em

telegrama a Allis, afirmou que eles deveriam “fazer de tudo para consegui-lo”65. Em

correspondência ao próprio Van Til, Machen literalmente implorou por sua

participação no projeto66. O pastor de Spring Lake continuava a recusar, mesmo

recebendo a visita de Allis. A essa altura, Machen já falava sobre ajustar o salário

para o que fosse necessário a fim de trazer o holandês67. A questão econômica, no

entanto, não era a principal, e com a participação de Ned B. Stonehouse o contato

produziu resultados. Stonehouse, formado no Calvin e em Princeton, explicou a

Machen o que estava em jogo no caso de Van Til: sua lealdade e expectativas

quanto à Christian Reformed Church, e o medo de assumir o projeto e deixá-lo logo

em seguida, caso fosse chamado para ensinar no Calvin. Com a recomendação de

uma visita pessoal e da concessão para um magistério temporário, Machen foi até

Van Til e finalmente conseguiu a resposta positiva.

65 Muether, Cornelius Van Til, p. 61. Minha tradução: We must do everything in the world to get him.
66 Ibid.
67 Ibid., p. 62.
"38

O Westminster Theological Seminary iniciou seu ano acadêmico em 25 de

setembro de 192968 . Seu corpo docente inicial era composto por quatro ex-

professores de Princeton: Robert Dick Wilson, J. Gresham Machen, Olswald T. Allis e

Cornelius Van Til, além de quatro graduados da mesma instituição: R. B. Kuiper,

Allan A. MacRae, Ned B. Stonehouse e Paul Wooley. John Murray se tornaria

professor no ano seguinte69.

Foi como professor que Cornelius Van Til teve maior impacto. Ele ensinou

em Westminster por praticamente todo o período que vai até sua aposentadoria, em

197570. A exceção é 1952, quando ele ensinou no Calvin por um semestre71. O

ambiente de trabalho no Westminster era agradável. Cada teólogo confiava na

competência dos demais colegas, e assim, desenvolvia a sua área de especialidade.

Havia cooperação e amizade entre Murray e Van Til. Este produzia apologética,

confiando na base exegética providenciada por aquele72.

Os alunos do holandês consideravam as suas aulas difíceis, mas ele

zombava de si, afirmando dar notas boas facilmente73. Muether relata anedotas dos

ex-alunos em Westminster, que lembravam de a turma ficar boquiaberta enquanto

Van Til destilava seu conhecimento enciclopédico de história da filosofia74. Outros

lembravam como foram levados a amar a Teologia Reformada por meio do ensino

vantiliano. O registro de John Gerstner é especialmente interessante, visto que ele

68RIAN, E. H. The presbyterian conflict - chapter 4: Westminster Theological Seminary. Disponível


em: <http://www.opc.org/books/conflict/ch4.html>. Acesso em: 06, mai, 2015.
69 Ibid.
70 EDGAR, W.; OLIPHINT, K. S. Christian apologetics past & present: a primary source reader (vol.
2: from 1500). Wheaton, Illinois: Crossway, 2011. p. 453: Van Til taught at Westminster for over four
decades until his retirement in 1975.
71 Muether, Cornelius Van Til, p. 65.
72 Muether, Cornelius Van Til, p. 72.
73 Ibid., p. 95.
74 Ibid.
"39

se tornou um apologeta clássico, e, portanto, avesso ao método de Van Til. Gerstner

apreciava a pedagogia de Van Til: o professor não simplesmente “palestrava”, mas

interagia com os alunos75. A didática vantiliana também impressionou Paul Wooley ,

que o considerava gentil em sala — o professor afirmava seus pontos com

convicção, mas com um temperamento gracioso76. Nesse sentido, quem conhece

Van Til apenas por seu material escrito, perde parte importante do homem que ele

era.

John Frame também descreve Van Til como alguém "encantador"

pessoalmente77 e relata memórias inusitadas acerca do professor. Ele, às vezes,

jogava giz de cera em alunos que atrapalhassem a aula; quando Walter Stoll entrava

em sala antes da aula começar e desenhava apenas um círculo no quadro, Van Til o

pegava pelo pescoço e o fazia desenhar o segundo — era assim, com os dois

círculos, que ele ilustrava a diferença entre Criador e criatura; em certas ocasiões,

quando soava o sinal indicando o fim da aula, ele encerrava sua fala no meio de

uma frase. Para Frame, no entanto, Van Til era melhor pregador do que professor78.

Recordando o método do mestre, Frame indica que as discussões conduzidas por

Van Til seguiam muito rápido, sem considerar que muitos alunos não tinham treino

filosófico, e pouco treino teológico. Ele informa que Van Til raramente definia seus

conceitos de maneira precisa, e, diante de questionamentos levantados, oferecia

respostas demasiadamente longas, que acabavam por desestimular a interação79.

Em certa ocasião, Frame fez uma pergunta da qual esperava uma resposta simples,

75 Ibid.
76 Ibid.
77FRAME, J. M. Cornelius Van TIl: an analysis of his thought. Phillipsburg, New Jersey: Presbyterian
and Reformed, 1995. p. 27.
78 Frame, Cornelius Van Til, p. 30.
79 Ibid.
"40

de quinze segundos. Para sua surpresa, o professor respondeu, afirmando que, para

tratar a questão, seria necessário retornar ao Jardim do Éden — dissertou de

Gênesis a Apocalipse e de Tales ao Existencialismo. Frame afirma que, no meio

disso, esqueceu a sua pergunta80.

Van Til era bom em usar metáforas e ilustrações, especialmente retiradas

de seu contexto original de fazenda. Frame descreve como ele contava histórias, em

suas aulas, sobre galinhas e vacas, sobre carpintaria, e usava ilustrações clássicas,

como a dos óculos amarelos grudados no rosto do incrédulo, por meio dos quais ele

vê toda a realidade amarela81.

Ao ambiente das aulas, deve-se somar a produção acadêmica mais

ampla de Van Til. Por meio de suas apostilas, que se tornaram livros, produziu

bastante material sobre a vindicação da fé. Sua dedicação ao campo da apologética

lhe rendeu frutos, em termos do desenvolvimento de uma abordagem diferenciada

da matéria. Segundo os professores de Westminster, Edgar e Oliphint, “foi enquanto

estava em Westminster que Van Til começou a usar o melhor da Teologia

Reformada e desenvolver suas implicações para a disciplina da apologética"82. A

abordagem diferenciada implicou rupturas com o método empregado por Machen.

Por isso, Muether dedica parte de seu trabalho biográfico sobre Van Til para

demonstrar como era possível a relação entre ambos em Westminster83 . Para ele, a

ênfase nas diferenças tende a obscurecer as semelhanças. Embora a metodologia

fosse nova, o princípio orientador era o mesmo: Van Til havia aprendido de Machen

o amor e zelo pela teologia reformada e a necessidade de um sistema coerente.

80 Ibid.
81 Ibid., p. 31.
82 Edgar e Oliphint, Christian apologetics past & present, p. 453.
83 Muether, Cornelius Van Til, p. 67-71.
"41

Visto por tal prisma, o holandês representava a continuidade dos anseios do

americano. Nas palavras de Muether, “Van Til simplesmente aplicou os insights de

Warfield e Machen mais completamente em sua apologética”84.

Aqui se nota a reforma da apologética reformada. Até então, os

apologetas calvinistas, na tradição do velho Princeton, faziam bom uso das

evidências, mas sem notar aspectos bíblicos e filosóficos que demandavam um

reajuste na maneira de vindicar a fé. Por meio de seu labor, Van Til buscou

desenvolver um método de defesa da fé consistente com a teologia reformada. Tal

escola veio a se chamar “pressuposicionalismo”, embora Van Til a denominasse

simplesmente de “apologética reformada”.

Embora seguindo os passos de Machen, Van Til nunca conseguiu ser um

comunicador tão bom quanto aquele. Machen, em seu Cristianismo e Liberalismo,

usou linguagem direta e simples, e, com isso, alcançou pessoas de fora da

comunidade acadêmica. Van Til, por sua vez, mesmo escrevendo a pessoas comuns

em periódicos como o Banner, utilizava linguagem técnica e filosófica. Conforme

Muether, “o uso que Van Til fazia de terminologia altamente filosófica (por exemplo,

denotando o liberalismo como ‘pensamento pós-Kantiano’) frequentemente o fazia

perder alguns leitores, e falhava em comunicar com o efeito direto do apelo mais

bíblico de Machen”85. O trabalho de popularização dos conceitos desenvolvidos por

Van Til se deu através de seus alunos, embora nem todos seguissem à risca as

ideias do mestre. Greg Bahnsen e John Frame são exemplos dos que deram

continuidade à obra vantiliana: o primeiro, de modo mais fiel; o segundo, interagindo

criticamente.

84 Muether, Cornelius Van Til, p. 70. Minha tradução: Van Til simply applied Warfield and Machen’s
insights more fully in his own apologetics.
85 Muether, Cornelius Van Til, p. 70.
"42

Os eventos que levaram à formação do Westminster Theological

Seminary tomaram proporções maiores. A PCUSA estava caminhando para uma

abertura teológica que se aproximava do liberalismo86. Por isso, J. Gresham Machen

fundou uma Junta de Missões Independente. Esse foi o ponto focal do julgamento e

condenação de Machen, em 1935. Com o direito de defesa cerceado, Machen foi

suspenso de suas atividades pastorais87. Como resultado desses sucessivos

conflitos, em 11 de junho de 1936 foi formada a Presbyterian Church of America, da

qual Machen foi eleito moderador88. A igreja viria a se chamar, em 1939, Orthodox

Presbyterian Church (OPC), nome que adota até hoje. Em sua organização estavam

filiados 43 ministros. Van Til, embora ainda fosse membro da Christian Reformed

Church, sinalizava o interesse em se unir à nova igreja. Por isso, foi arrolado, junto a

outros oito pastores, como membro associado, com privilégios a participação na

plenária da Assembleia geral. Algumas semanas depois, em 30 de junho do mesmo

ano, Van Til faria a transição da CRC para a OPC89.

Enquanto a decisão de se unir ao seminário foi lenta e difícil, a transição

denominacional foi rápida e tranquila. Sua decisão foi motivada pelo desejo de ver a

fé reformada fortalecida no cenário americano. Conforme Muether, Van Til via no

grupo que fundou a OPC um espírito semelhante ao do Afscheiding; portanto, não

foi difícil se identificar. Outro fator descrito por Muether foi a aproximação dos

padrões de Westminster — Van Til se sentia confortável com a descrição mais

86Signatários da Afirmação de Auburn, que consideravam doutrinas fundamentais como secundárias,


eram bem-vindos nas empreitadas missionárias.
87 STONEHOUSE, N. B. J. Gresham Machen: a biographical memoir. Willow Grove, PA: The
Committee for the Historian of the Orthodox Presbyterian Church, 2014. Epub. Cap. 24: Foreign
missions in the balance; An amazing trial.
88O cargo de moderador é equivalente ao presidente do Supremo Concílio no contexto da Igreja
Presbiteriana do Brasil.
89 Muether, Cornelius Van Til, p. 77.
"43

detalhada da aliança no símbolo de fé da igreja americana90. Além disso, ter

passado os últimos sete anos na companhia de Machen e seus companheiros em

Westminster contribuiu para o desenvolvimento de afinidades.

Machen se envolveu em várias polêmicas. Seja contra o liberalismo, ou

modernismo, seja contra a reorganização denominacional, em favor do Seminário

Westminster e da Junta de Missões Independente, seu ministério teve um claro tom

polêmico. O nascimento da OPC também trouxe tal marca. E, da mesma maneira,

Van Til também desenvolveu aspecto semelhante em seu ministério.

Desde o início do WTS, Van Til exerceu uma postura de vigia sobre o

andamento do Seminário Princeton. Conforme Muether, "nas páginas do Christianity

Today e do Presbyterian Guardian, Van Til conduziu um ataque de três etapas contra

seu antigo empregador”91 . Primeiro escreveu contra John E. Kuizenga, que assumiu

a disciplina de apologética; em seguida atacou Donald Mackenzie, que substituiu

Geerhardus Vos na teologia bíblica; e, na terceira fase, criticou E. G. Homrighausen,

contratado para ensinar Educação Cristã — uma das paixões de Van Til. A crítica a

este último se deu por que ele era o primeiro professor de Princeton abertamente

barthiano.

A polêmica com o barthianismo e a teologia da crise foi um dos focos de

Van Til. Ele foi um dos primeiros a fazer análises críticas das obras de Karl Barth.

Também se contrapôs ao ensino de Emil Brunner, que passaria curta temporada em

Princeton como professor. Nesse contexto escreveu a obra The New Modernism, em

referência às lutas de Machen contra o Modernismo (liberalismo teológico), e, no

mesmo espírito, Christianity and Barthianism.

90 Ibid.
91 Muether, Cornelius Van Til, p. 73.
"44

Desavenças internas também se manifestariam no contexto da OPC. Van

Til e J. Oliver Buswell nunca se entenderam bem. Após a morte de Machen, Buswell

passou a questionar a afinidade entre Van Til e Machen, tendo em vista que os dois

adotaram abordagens apologéticas distintas. As críticas foram além, sugerindo que

Van Til representava o abandono da tradição reformada de Charles Hodge92.

Posteriormente Buswell deixou a OPC, acompanhado de Carl McIntire, Allan

MacRae e outros de linha mais fundamentalista. Este último também esteve

envolvido em discussões com o holandês.

Muether identifica ainda outras controvérsias no contexto da OPC. Em

1942, o secretário executivo do Seminário Westminster, Edwin Rian, iniciou uma

campanha para que a OPC fosse mais engajada culturalmente e se tornasse mais

relevante. A denominação designou uma comissão de nove pessoas para tratar a

questão. Van Til criticou a comissão, afirmando que ela recebeu poderes demais, e

isso não era suficientemente “presbiteriano”. Criticou, ainda, o evangelho social que

estava envolvido nas propostas da comissão93.

Van Til ganhou o desafeto de Rian, e a polêmica entre ambos se estendeu

à controvérsia da Educação Cristã em nível superior. Vinte e sete pastores e

educadores, dentre os quais estava Van Til, passaram a considerar a possibilidade

de iniciar uma universidade. Rian era o secretário da associação, e Van Til, junto a

outros ministros, questionou se Rian estava apto a liderar a formação de uma

universidade consistentemente reformada. Van Til também se opôs a outros da

equipe, cuja visão educacional não buscava desafiar a mentalidade moderna94.

Van Til também esteve envolvido na controvérsia da ordenação de

92 Ibid., p. 86.
93 Muether, Cornelius Van Til, p. 96-7.
94 Ibid., p. 97-8.
"45

Gordon Clark — episódio que rende frutos até o presente95. Para Muether, os relatos

tendem a supervalorizar a participação de Van Til no processo. Alguns chegam a

nomear o evento como “a controvérsia Clark-Van Til”. Ambos tinham bom

relacionamento, mas suas diferenças se tornaram notáveis quando Van Til pediu a

Clark uma avaliação de seu syllabus sobre metafísica. A resposta de Clark afirmava

que o homem poderia ter o mesmo tipo de conhecimento que Deus possuía 96. Van

Til discordou, afirmando que tal noção destruía a distinção entre Criador e criatura.

Esse ponto foi discutido em diferentes ocasiões, seja em apostilas, cartas ou artigos.

Após pedir demissão do Wheaton College, em 1943, Clark decidiu

caminhar para a ordenação na OPC. Até então, havia apenas sido professor de

Filosofia, e não possuía formação teológica. Conforme Muether97, alguns pastores

estavam dispostos a apressar o processo, para poupar Clark das viagens de

Wheaton, onde morava, até a Filadélfia. Por isso, foi examinado no presbitério

daquela cidade em 1944. Foi licenciado e ordenado em 9 de agosto do mesmo ano.

Vários presbíteros registraram queixa desse processo, e assim teve início

a controvérsia. A Assembleia Geral de 1946 determinou que houve erro do

Presbitério da Filadélfia, por não ter dado tempo suficiente entre o licenciamento e a

ordenação de Clark 98. Além do problema formal, era discutida questão teológica,

especialmente da visão clarkiana sobre o conhecimento (incompreensibilidade) de

Deus. Foram nomeadas diversas comissões para tratar de aspectos doutrinários, e

os relatórios foram enviados para ser estudados nas igrejas. Van Til não participou

ativamente, nem elaborando a queixa e as avaliações das respostas de Clark, nem

95 Ibid.
96 Ibid., p. 101.
97 Muether, Cornelius Van Til, p. 102.
98 Ibid., p. 103.
"46

falando nas plenárias, mas o seu pensamento e linguagem forneciam a base das

críticas99; por isso, homens como Robert Strong consideravam Van Til o maior

oponente de Clark na questão 100. Para Muether, a controvérsia seria melhor

denominada “Clark-Murray”, pois foi John Murray quem mais trabalhou na refutação

do pensamento de Clark101.

A participação em muitas controvérsias, de certo modo, aponta para um

traço psicológico do holandês. Havia uma ambiguidade em Van Til, que denotava

dois perfis distintos, conforme a descrição de Frame: o de "acadêmico", e o de “líder

de movimento”102. O acadêmico lidava com conflitos e críticas de maneira tranquila,

enquanto o líder de movimento tendia a uma postura separatista.

Os conflitos nos quais o holandês se envolveu, no entanto, não se deram

por mero sentimento faccioso ou disposição violenta. As batalhas enfrentadas por

Van Til, de maneira geral, tinham como foco a saúde da igreja. Seu envolvimento em

polêmicas só era justificado pelo amor que possuía para com os filhos de Deus.

Ele desejava encontrar a melhor defesa da fé, e essa meta requeria o


trabalho diligente e frequentemente polêmico de identificar inconsistência e
expor erros no pensamento de cristãos e incrédulos. Contudo, o
combustível de suas polêmicas não era a inclinação por argumentação vã,
mas uma paixão pela pureza da igreja 103.

Essa é, de acordo com Muether, a chave para se entender quem foi

Cornelius Van Til. Segundo ele, quem percebe apenas a dimensão do “apologeta”,

perde uma chave importante de compreensão.

99 Ibid., p. 104-5.
100 Ibid., p. 105.
101 Muether, Cornelius Van Til, p. 105.
102 Frame, Cornelius Van Til, p. 9.
103Muether, Cornelius Van Til, p. 18. Minha tradução: He desired to find the best defense of the faith,
and that goal required the diligent and often polemical work of identifying inconsistency and exposing
errors in both believing and unbelieving thought. Yet, what fueled his polemics was not a penchant for
vain argumentation but a passion for the purity of the church.
"47

Os debates sobre o ensino de Van Til têm dividido os seus seguidores, que
têm criado versões do apologeta reformado que competem entre si. Há
vantilianos entre os protestantes de linha geral e entre os batistas
fundamentalistas; eles são encontrados tanto dentro de sua denominação, a
Orthodox Presbyterian Church (OPC), quanto fora. Entretanto, o que os
seus estudantes normalmente passam por cima é que separar Van Til, o
apologeta, de Van Til, o homem da igreja, é eclipsar o próprio coração e
simplicidade por trás de seu pensamento e vida. Assim, muitos de seus
seguidores estão buscando o significado de Van Til à parte do contexto no
qual ele serviu 104.

A participação de Van Til na vida da igreja foi intensa. Desde o nascimento

da OPC, sua voz foi uma das mais presentes e influentes. Ela teve grande

importância na preservação de uma identidade reformada na OPC, quando alas

internas sugeriam um caminho mais fundamentalista, ou evangelical. Muether indica

que Van Til manteve uma postura humilde, de quem nunca quis estar em evidência.

Mesmo ganhando reconhecimento internacional por seus escritos, Van Til não

buscava proeminência no Seminário, nem na denominação105. A evidência disso é

demonstrada pelo fato de que ele não aceitou convites para ser o diretor do

seminário, nem a eleição para moderador da OPC. Este último caso foi curioso: na

sexta Assembleia Geral da OPC, realizada no dia 10 de maio de 1939, Van Til foi

eleito para moderar a igreja. Ele, no entanto, não estava no plenário, e quando

soube de sua eleição, tratou de solicitar que fosse liberado do cargo. O plenário

acatou, e Everett DeVelde foi escolhido para assumir a função.

A preocupação com a igreja demonstra a inclinação pastoral de Van Til. A

sua apologética aprimorou o seu pastoreio: "Na verdade, a apologética reformada o

104 Muether, Op. Cit., p. 15. Minha tradução: Debates over Van Til’s teaching have divided his
followers, who have created competing versions of the Reformed apologist. There are Van Tilians
among mainline Protestants and fundamentalist Baptists; they are found both within his denomination,
the Orthodox Presbyterian Church (OPC), and without. However, what his students often overlook is
that to separate Van Til the apologist from Van Til the churchman is to eclipse the very heart and
underlying simplicity of his thought and life. Thus, many of his followers are searching for Van Til’s
significance apart from the context in which he served.
105 Muether, Cornelius Van Til, p. 89.
"48

levou aos púlpitos da Igreja Presbiteriana Ortodoxa, a comitês de estudo da

Assembleia Geral, a leitos de hospital e até mesmo às esquinas das ruas de Nova

Iorque”106. Para Oliphint, o resumo do ensino e ministério de Van Til é: “não pode

haver separação entre uma defesa da fé cristã, por um lado, e a pregação do

evangelho, por outro”107. Essa declaração fica mais evidente em um caso relatado

por ele: certa vez o holandês foi convidado para a falar a um grupo de filósofos na

Universidade Johns Hopkins. Por causa de problemas no trânsito, chegou ao local

atrasado, com pouco tempo para apresentar sua palestra. Van Til, então, deixou

suas notas de lado, e pregou sobre Jonas para o grupo de intelectuais108.

Durante os quase 92 anos completos, Cornelius Van Til teve um ministério

prolífico em aulas, sermões e publicações. Suas obras completas, fornecidas pelo

software de biblioteca digital Logos, contam com 40 volumes, que incluem livros,

syllabi — roteiros de aula —, panfletos, resenhas, artigos, e uma biblioteca de

arquivos em áudio109.

Perto de sua morte, ele solicitava a seus amigos que lessem os Salmos

para ele. Ao seu pastor, Steven Miller, foi pedido que lesse as últimas seções do

Apocalipse110. Conforme o relato de Muether, faleceu enquanto dormia em sua casa,

após uma doença de vários meses111.

106Ibid., p. 17. Tradução livre: In truth, Reformed apologetics drove him to the pulpits of the Orthodox
Presbyterian Church, to General Assembly study committees, to hospital beds, and even to New York
City street corners.
107 OLIPHINT, K. S. Van Til the evangelist. Disponível em: <http://www.opc.org/os.hmtl?
article_id=118>. Acesso em: 10, abr, 2013.
108 Ibid.
109The works of Cornelius Van Til. Disponível em <http://www.logos.com/product/3994/the-works-of-
cornelius-van-til>. Acesso em: 08, mai.,2015.
110 Muether, Cornelius Van Til, p. 226.
111 Ibid.
"49

1.2 Francis Schaeffer e a apologética do amor

“Schaeffer, que morreu em 1984, entendia o clamor existencial da

humanidade aprisionada em uma cela de sua própria autoria. Ele foi o que eu vi de

mais próximo ao ‘homem de dores’” 112. Com tais palavras o cantor e autor John

Fischer capturou a essência do ministério de Schaeffer — amor, que se traduzia em

clamor apaixonado e lágrimas.

Francis August Schaeffer IV nasceu em 30 de janeiro de 1912, filho de

pessoas simples da classe operária. Seu lar não era preenchido por um clima

intelectual estimulante — não há relatos de um direcionamento aos hábitos da

mente por parte de seus familiares113.

A cidade de Germantown, na Pennsylvania, Estados Unidos, foi seu

ambiente de crescimento. Ali, ainda criança, ele teve contato com um grupo de

escoteiros, e, por meio dele, passou a frequentar a Primeira Igreja Presbiteriana.

Conforme diz o biógrafo Colin Duriez, os pais de Schaeffer foram criados na igreja —

seu pai, Frank114, na luterana, e sua mãe, Bessie Williamson na Evangelical Free

Church.

Schaeffer aprendeu ofícios manuais com o seu pai — marcenaria e

encanamento — e, talvez como resultado deste tipo de estímulo, seguiu para os

estudos técnicos. Engenharia elétrica e metalurgia estavam entre os campos a

serem estudados.

112FISCHER, John. Learning to cry for the culture: let’s remember Francis Schaeffer’s most crucial
legacy — tears. Christianity Today, v. 51, n. 4, p. 40–41, 2007. Tradução livre: Schaeffer, who died in
1984, understood the existential cry of humanity trapped in a prison of its own making. He was the
closest thing to a "man of sorrows" I have seen.
113Colin Duriez afirma textualmente que livros e interesse intelectual era algo ausente nas conversas
de seus pais. Cf. DURIEZ, Colin. Francis Schaeffer: an authentic life. Wheaton, Illinois: Crossway
Books, 2008. p. 17.
114 Francis Schaeffer III, conforme a tradição da família.
"50

Não bastasse a ausência de estímulo à vida intelectual, Schaeffer

também possuía o que Duriez chamou de uma “dislexia severa”115. A combinação de

fatores assim — dificuldades de aprendizagem e a ausência de um ambiente cultural

vivo e estimulante — poderia ser determinante para o futuro do jovem. Como, então,

Schaeffer se tornou o missionário aos intelectuais, como descreveu a revista

Time116?

Primeiramente, deve-se destacar que o jovem Francis não era ruim no

uso do intelecto. Embora ele admitisse ter passado pelo ensino médio com muita

dificuldade117 , nunca ficou sabendo o que a escola onde ele estudou na infância

informou a seus pais sobre sua nota em um teste de inteligência: Schaeffer havia

tirado a segunda maior pontuação em vinte anos118. Havia, portanto, potencial desde

o início.

A falta de estímulo à vida intelectual no lar também não deve ser

interpretada de maneira tão rigorosa. Mesmo que em sua casa não tenha tido tanto

espaço para a literatura e as artes, Schaeffer lembrava de seu pai “como uma

pessoa pensante, que fazia, de fato, perguntas filosóficas, mesmo nunca tendo

passado da terceira série”119. Esse espírito curioso de seu pai foi importante no

ministério do evangelista, que percebeu que não apenas os intelectuais faziam

perguntas profundas, mas também as pessoas mais simples.

Alguns episódios em sua vida abriram janelas para o desenvolvimento

cultural e o encaminhamento ao campo da intelectualidade e sensibilidade. Um

115 Duriez, Francis Schaeffer, p. 17.


116 Edição de 11 de janeiro de 1960.
117 Duriez, Op. Cit., p. 18: “He later admitted to having ‘barely made it’ in high school.”
118 Ibid.
119Ibid., p. 19. Tradução livre: “Fran remembered his own father as a deeply thinking person who
asked what were in fact philosophical questions, even though he was not able to get past third grade
because of family hardship.”
"51

deles aconteceu quando Schaeffer, aos 11 anos de idade, mudou de escola. Ao

entrar para a Roosevelt Junior High School, teve por professora a senhora Lidie C.

Bell. Duriez a descreve como a que “abriu portas” para o jovem120. Ele transcreve

trechos de uma entrevista concedida por Schaeffer, na qual o pastor fala da

importância que tal professora de artes teve em sua vida.

Algumas pessoas-chave fizeram uma diferença real em meu pensamento.


Tudo volta bastante aos meus dias de high school, quando eu tinha apenas
uma professora de artes. Eu vim de uma família que não tinha qualquer
interesse em artes. Ela [a professora] abriu a porta para que eu
desenvolvesse um interesse em artes121.

Não se sabe quais fatores, exatamente, marcaram o jovem aluno. Seria a

didática da professora? O contato com as obras trazidas por ela? Elementos de

afeição pessoal e admiração para com a senhora Lidie? Talvez o conjunto desses

elementos, como acontece em todo ensino significativo. O ponto é que este encontro

foi um divisor de águas na trajetória de Schaeffer, sendo o marco a partir do qual o

interesse pelas artes se tornou constante e crescente na vida do fundador de L’Abri.

Duriez destaca outra lembrança de Schaeffer. Anualmente a família fazia

viagens a Atlantic City, cidade litorânea no estado de Nova Jersey. Nestas ocasiões,

o jovem Francis, que gostava de nadar, brincava em um navio da Primeira Guerra

Mundial encalhado e virado no Cabo May Point. Após brincar nos destroços do

navio, Schaeffer olhava para o mar a partir do ângulo invertido do navio e essa

perspectiva fazia com que “todos os fatos aceitos do mundo externo parecessem

loucos”122. Duriez indica que, posteriormente, este evento forneceu uma analogia

para a reflexão sobre o mundo moldada por pressuposições e cosmovisões.

120 Duriez, Francis Schaeffer, p. 18.


121Ibid. Tradução livre: “Certain key people made a real difference in my thinking. It goes all the way
back to my junior high school days when I had just one art teacher. I came from a family which was
not interested in art at all. She opened the door for me to an interest in art.”
122 Ibid., p. 18.
"52

Evento de impacto semelhante foi o ingresso no grupo de escoteiros de

sua cidade. Os desdobramentos desse ingresso para a vida de Schaeffer não se

deram apenas no campo relacional, ou no crescimento em virtudes e disciplina -

elementos básicos no escotismo. Aquele grupo foi especialmente significativo por

um concurso de oratória realizado entre várias tropas. O jovem Schaeffer foi o

representante de sua equipe, e venceu o torneio, guardando o troféu para o resto de

sua vida. Como mencionado anteriormente, foi também através do grupo de

escotismo que ele passou a frequentar a Primeira Igreja Presbiteriana de

Germantown.

Outro marco na história do fundador de L’Abri foi a participação em um

show elétrico no auditório da cidade. Duriez123 conta que ali Schaeffer ouviu e viu a

apresentação da Abertura 1812, de Tchaikovsky, e a combinação de sons e efeitos

especiais o impactou profundamente. Dias depois dessa apresentação, ele ligou o

rádio e pôde ouvir exatamente a mesma harmonia. Nas palavras de Duriez,

“enquanto reconhecia e a ouvia atentamente, apaixonou-se por tal música, num

amor que se aprofundaria, cresceria e se tornaria parte permanente de sua vida” 124.

O episódio mais engraçado e marcante, no entanto, se deu no contato

inicial de Schaeffer com a filosofia e a discussão intelectual mais deliberada e

profunda. No relato de Edith Schaeffer125, sua esposa, um professor de escola

dominical que não ajudava muito nas questões bíblicas indicou Schaeffer para

ajudar um conde russo que havia se mudado para Germantown. O trabalho era de

ensiná-lo a ler em inglês. O russo já tinha uma ideia de como aprender: queria fazê-

123 Duriez, Francis Schaeffer, p. 19.


124Ibid. Tradução livre: “As he recognized it and listened intently, he fell in love with such music, a love
that was to deepen, grow, and become a permanent part of his life.”
125
SCHAEFFER, E. The tapestry: the life and times of Francis and Edith Schaeffer. Waco, Texas:
Word Books, 1981. p. 51.
"53

lo tendo contato com livros — especialmente o registro não censurado da vida de

Catarina, a Grande. Após algumas semanas na obra, Schaeffer convenceu o conde

a abandonar aquele projeto e buscar um livro para leitores iniciantes no inglês. Foi

então que a história tomou contornos interessantes: ao visitar uma livraria grande na

Filadélfia e pedir por um livro com tal perfil para o atendente, Schaeffer recebeu o

livro errado, o que só notaria depois. O material recebido era uma obra sobre a

filosofia grega, e o jovem começou a ler, no intuito de ajudar o russo.

As palavras do próprio Schaeffer e a descrição de Edith neste ponto são

bastante intrigantes. No relato da esposa, “enquanto começava a ler, ele sentiu

como se houvesse chegado em casa!”126. Duriez127 compara a sensação de

Schaeffer com tal leitura à experiência de ouvir a Abertura 1812 de Tchaikovsky.

Esse foi o ponto de partida para o interesse do jovem Schaeffer por filosofia. A partir

de então, ele passou a ler tudo o que chegava em suas mãos e apaixonou-se pela

vida reflexiva.

A leitura de filosofia, no entanto, levou o novo pensador a perceber que

ele recebia muitas perguntas, mas nenhuma resposta. Ao mesmo tempo, uma

análise de sua situação na igreja promoveu semelhante percepção. Àquela altura,

Schaeffer se questionava se deveria parar de se chamar de cristão e desconsiderar

a Bíblia. Edith informa que ele havia se tornado um agnóstico128.

A busca por honestidade intelectual o levou a considerar o fato de nunca

ter lido completamente a Escritura. Ele, que estava lendo Ovídio naquele período,

decidiu ler um trecho da Bíblia e um de Ovídio todas as noites, antes de

Schaeffer, The tapestry, p. 51. Tradução livre: “As he began to read, he felt as if he had come
126

home!”
127 Duriez, Op. Cit., p. 20.
128 Schaeffer, The tapestry, p. 51.
"54

desconsiderar a Escritura. Edith129 revela que, não tendo quem o informasse,

Schaeffer simplesmente usou a lógica de qualquer outro livro: leu do início ao fim. E

aos poucos o tempo dividido com Ovídio eventualmente se tornou apenas da Bíblia.

A leitura direta do texto sagrado foi marcante para o jovem de dezessete

anos. Em seu relato biográfico, The tapestry, Edith130 transcreve palavras do próprio

Schaeffer declarando encontrar respostas reais em Gênesis — respostas não

encontradas na filosofia lida, nem na pregação ouvida até então. Conforme Edith131,

em algum ponto dos seis meses seguintes, o jovem se tornou cristão.

Esses eventos marcaram a virada na vida do jovem Schaeffer. A

sensibilidade foi despertada, bem como o amor pelas artes, e o intelecto foi

estimulado e alimentado para torná-lo um pensador profundo, ao mesmo tempo em

que um homem amável e preocupado com as pessoas.

Até este ponto, Schaeffer seguia matriculado no Drexel Institute, o

equivalente a uma escola técnica. Pouco a pouco, crescia em seu coração o desejo

de servir a Deus no serviço pastoral. Edith transcreve trechos do diário do marido em

1930, nos quais ele revela “ter se convencido completamente de se preparar para o

ministério”132. Tal decisão não foi facilmente recebida pelos seus pais, mas

eventualmente seu pai aceitou e o orientou a seguir em frente, argumentando que,

posteriormente, sua mãe se acostumaria com a ideia.

Em 1931, Schaeffer trocou o Drexel Institute pela Central High School

para ter aulas de latim e alemão, e se preparar para os estudos pré-ministeriais no

Hampden-Sydney College. Em setembro daquele ano, ele finalmente iria para a

129 Schaeffer, The tapestry, p. 51-2.


130 Ibid., p. 52.
131 Ibid.
132 Ibid., p. 58-9. Minha tradução: “[...] had fully made my mind to prepare for the ministry.”
"55

Virgínia, onde ficava a instituição. A história de sua saída é marcada pela decepção

dos pais e por sinais graciosos de Deus. Schaeffer foi para os estudos pré-

ministeriais, experimentando lutas por ser um pobre e simples garoto do norte em

meio a aristocratas do sul.

Enquanto cursava seus estudos pré-ministeriais, Francis conheceu Edith.

No ano de 1932, em um período de férias, ele voltou a sua cidade e teve o primeiro

contato com sua futura esposa, em uma inusitada situação na Igreja Presbiteriana. A

garota concluíra seus estudos no ensino médio há pouco, e também se mudara para

a região enquanto Schaeffer estava fora, estudando. Ambos acabaram por defender

o cristianismo ortodoxo diante de um unitarista liberal, e se interessaram um pelo

outro. Conforme o relato de Edith133 , esta primeira experiência foi simbólica.

[...] o nosso encontro havia acontecido no “campo de batalha” e durante


quase quarenta e nove anos nós ficaríamos juntos de pé, nos dois lados da
sala, por assim dizer, mas no mesmo lado das controvérsias, numa
diversidade de lugares e no meio de uma história sempre contínua.

A esposa de Schaeffer cumpriu papel fundamental em sua trajetória

pessoal e no ministério de L’Abri. Escreveu títulos que complementam a obra do

marido, e descrevem a realidade da vida deles e os bastidores de sua iniciativa na

Suíça. É impossível entender a apologética schaefferiana sem L’Abri, e para isso, as

obras de Edith são fundamentais. Eles casaram-se no mesmo ano em que Schaeffer

se graduou em Hampden-Sydey: 1935.

Francis Schaeffer concluiu seus estudos pré-ministeriais e seguiu para o

Westminster Theological Seminary. Ali estudou por dois anos, mas controvérsias

relacionadas à liberdade cristã, especialmente após a morte de J. Gresham Machen,

deram origem a uma divisão dentro da nova denominação formada pelo teólogo e

133 SCHAEFFER, E. Celebração do matrimônio. São Paulo: Cultura cristã, 2000. p. 11.
"56

fundador do Seminário Westminster — a Bible Presbyterian Church —, e a um novo

seminário — o Faith Theological Seminary. Schaeffer estava na facção mais

separatista e legalista, e participou da origem da nova instituição. Foi o primeiro

aluno graduado por ela. Eventualmente, Francis e Edith se arrependeram da postura

adotada naqueles dias — consideraram sua prática sem amor e

desnecessariamente separatista. Não deixa de ser irônico que eles, uma vez lutando

contra o uso de bebidas, cigarro, teatro e danças por parte dos cristãos, viessem a

formar um ministério caracterizado pelo diálogo com as expressões culturais e

artísticas do seu tempo.

Francis pastoreou nos Estados Unidos em pelo menos três lugares.

Edgar134, professor no Seminário Westminster e ex-obreiro em L’Abri, informa que

durante dez anos ele desenvolveu o ministério pastoral em seu país de origem. As

cidades Grove City, na Pennsylvania, Chester, no mesmo estado, e Saint Louis, em

Missouri, foram palco de sua atuação. Ao longo desse período, ele teve com Edith

três filhas: Susan, Priscila e Deborah. Posteriormente nasceria o seu filho, Franky.

Schaeffer foi designado para uma viagem de reconhecimento da situação

na Europa pós-guerra, em 1947. A preocupação era de saber como estavam as

igrejas, o trabalho com jovens e crianças, e o desafio do liberalismo teológico. Ele

passou três meses em uma rotina desgastante de entrevistas e viagens dentro da

Europa, em condições ruins. Essa jornada, no entanto, foi marcante para a trajetória

da família. Pouco tempo depois de seu retorno aos Estados Unidos, Schaeffer viajou

o país falando sobre a situação no continente europeu e sobre os desafios e

oportunidades. Não demorou até que a junta de missões de sua denominação o

134EDGAR, W. Schaeffer on the christian life: countercultural spirituality. Wheaton, Illinois:


Crossway Books, 2013. Locação 111. Edição iBooks.
"57

designasse para ir à Europa, trabalhar em projetos como o de evangelização infantil

e o da organização do Internacional Council of Christian Churches — um esforço

ecumênico para a preservação da ortodoxia teológica, diferente do World Council of

Churches.

Como Edith conta em seu livro L’Abri135, a família chegou à Suíça, o local

escolhido para ser a base de suas atuações, em setembro de 1948. Moraram em

Lausanne, Champéry e, finalmente, no vilarejo de Huemóz.

Em 1951, Schaeffer passou por uma severa crise de fé e ministério. Ela

duraria dois meses, mas os seus desdobramentos teriam impacto sobre o resto da

vida de Francis e de sua família. Ele passou a questionar tudo em que cria até

então. Entendeu que era necessário refazer todo o seu caminho do agnosticismo à

fé. Edgar136 relata que Schaeffer lutava com depressão, mas, naquela ocasião

específica, outras razões o levaram a tal postura: a reação de Allan MacRae,

professor e mentor de Francis, à mudança dele para a Suíça; o reconhecimento de

que a abordagem utilizada para com as pessoas de quem Schaeffer discordava era

marcada por feiúra, falta de gentileza, e menos do que amor; e o encontro com Karl

Barth. Schaeffer e J. Oliver Buswell Jr. visitaram Barth em 1950. A fim de manter o

diálogo e dissuadi-lo de suas ideias neo-ortodoxas, Schaeffer enviou a ele um paper

sobre a neo-ortodoxia, que ele apresentaria em um congresso na cidade de

Amsterdã. Com o material, ele também solicitou outro encontro. Barth respondeu

com dureza, chamando a teologia apresentada ali de criminologia, e repreendendo

Schaeffer por sua atitude. Como informa Edgar, “Barth recusou qualquer tentativa de

135 SCHAEFFER, E. L’Abri. 2. ed. Wheaton, Illinois: Crossway Books, 1992. p. 26.
136 Edgar, Schaeffer on the Christian life, locação 130.
"58

posteriores conversas, argumentando que o diálogo só pode acontecer entre

pessoas de mente aberta”137 .

A confluência destes fatores abalou o pastor, levando-o à crise de 1951.

Conforme seu relato138, tal evento foi importante para a existência de L’Abri.

Sem o material que aqui se encontra não haveria hoje o L’Abri. Em 1951 e
1952, enfrentei uma crise espiritual em minha própria vida. Eu tinha voltado
do agnosticismo e me tornado cristão muitos anos antes. Em seguida, havia
sido pastor por dez anos nos Estados Unidos, e depois, durante alguns
anos, eu e Edith, minha esposa, trabalhamos na Europa. Durante esses
anos, pesava-me a responsabilidade de representar a posição cristã
histórica e a pureza da Igreja visível. Aos poucos, no entanto, constatei um
problema — o problema da realidade. Tinha duas partes: primeiro, tive a
impressão que, para muitos daqueles que se posicionavam pelo ortodoxo,
faltava a realidade quanto às coisas que a Bíblia claramente expunha como
devendo resultar do Cristianismo. Segundo, despertava a consciência de
que minha própria realidade era menor do que nos primeiros tempos de
cristão. Reconheci sinceramente que eu precisava voltar e repensar toda
minha posição.

Francis também relata sua recuperação da crise139 , indicando a

experiência revivida de beleza, música e poesia.

Ao repensar meus motivos para ser cristão, vi novamente como havia


razões totalmente suficientes para se ter certeza de que o Deus infinito-
pessoal existe, e que o Cristianismo é verdadeiro. [...] Gradualmente, fui
percebendo que o problema era que, com todos os ensinamentos que eu
havia recebido depois de me tornar cristão, tinha ouvido muito pouco sobre
o que a Bíblia diz quanto ao sentido da obra concluída de Cristo para nossa
vida presente. Aos poucos, o sol raiou e a canção soou. Interessante é que,
embora eu não tivesse escrito poesia nenhuma durante muitos anos,
naquela época de alegria e canto descobri que a poesia fluía de novo — a
poesia da convicção, da afirmação da vida, de gratidão e louvor.

137Edgar, Op. Cit., locação 132. Minha tradução: “Barth refused any attempts at further conversations,
arguing that conversations only occur between open-minded persons.”
138SCHAEFFER, F. Verdadeira espiritualidade: uma vida cheia de beleza, admirada pelos de dentro
e pelos de fora. São Paulo: Cultura Cristã, 1999. p. 7.
139 Ibid., p. 8.
"59

O resultado dessa crise, portanto, foi não apenas uma convicção

fortalecida da veracidade do cristianismo histórico, mas também nova compreensão

e postura quanto aos desdobramentos da obra completa de Jesus — uma nova, ou

verdadeira espiritualidade.

O trabalho na Suíça despontou, trazendo novas possibilidades de

ministério. Sua iniciativa com crianças, o Children for Christ, crescia. A capela de seu

vilarejo, Champéry, era usada para celebrar cultos. E vizinhos, estudantes próximos

e amigos de sua filha universitária começavam a frequentar a casa para conversas

sobre a fé cristã. Isso deu a eles um senso de direcionamento da parte de Deus.

A insatisfação com a junta de missões que os enviara crescia, e, ao

mesmo tempo, o Senhor demonstrava, de maneira bastante palpável, Seu

encaminhamento para um ministério diferente na Suíça. Emblemática é a história de

como a situação em Champéry ficou difícil, por ser um cantão católico, e da

notificação de que deveriam deixar o país. Em pouco tempo, Deus providenciou as

pessoas, os locais e o dinheiro necessário, não apenas para que a família Schaeffer

permanecesse no país, mas também fosse morar em um cantão protestante da

Suiça: Huemóz. Diante dessa percepção, em 05 de junho de 1955, Francis pediu o

desligamento da junta de missões, e começou, então, a investir no trabalho já

nomeado de L’Abri, que significa “o abrigo” em francês.

A missão do ministério era ser, mediante o trabalho e a vida, uma

demonstração da existência de Deus140. Edith conta141 que alguns princípios foram

estabelecidos desde o início para direcionar a atuação:

140Schaeffer, L’Abri, p. 124: “This is what we felt we were being led to do: to ask God that our work,
and our lives, be a demonstration that He does exist [...]”
141 Ibid., p. 124-125.
"60

1. Eles iriam orar para que Deus enviasse as pessoas de Sua escolha e

mantivesse distante qualquer um que quisesse apenas esquiar ou se aproveitar de

um lar aberto;

2. Eles iriam orar para que Deus enviasse, semana após semana, e mês

após mês, dinheiro suficiente para lidar com as necessidades da família, comida e o

que mais fosse necessário para aqueles que Ele levantaria para ajudar;

3. Eles não teriam um plano, mas orariam pedindo direcionamento de

Deus quanto ao trabalho;

4. Eles orariam para que, se Deus quisesse que o trabalho crescesse, Ele

enviasse os obreiros de Sua vontade.

L’Abri, então, foi o campo fundamental, onde Schaeffer desenvolveu,

testou, aplicou e aperfeiçoou sua abordagem de evangelização, hospitalidade,

análise cultural e apologética. Muitas pessoas passaram por ali, algumas da quais

desenvolveram ministérios impactantes à sua maneira, a exemplo de Jerram Barrs,

professor no Covenant Theological Seminary; Rick e Nancy Pearcey, professores na

Houston Baptist University; Richard Winter, psicólogo; Os Guinness, sociólogo;

William Edgar, professor no Westminster Theological Seminary; Hans Rookmaaker,

crítico de artes e professor na Universidade Livre de Amsterdã; entre tantos

nomes142. Além desses beneficiários diretos, muitos sofreram influência indireta,

recebendo o conteúdo e o estilo do ministério na Suíça, ou em seus outros polos,

através de pessoas influenciadas por Schaeffer. Nesse cômputo também entram os

influenciados por ele através do ministério literário. Até hoje, pessoas de diferentes

142 Cf. Hankins, B. Francis Schaeffer and the shaping of evangelical America, Loc. 843-1041
"61

partes do mundo, em diferentes idiomas, têm contato com as idéias daquele pastor

presbiteriano.

O ministério na Suíça cresceu, desenvolvendo polos em outros locais.

Hans e Anky Rookmaaker fundaram L’Abri na Holanda; Ranald e Susan Macaulay

cuidaram de L’Abri na Inglaterra; Francis e Edith Schaeffer fundaram um em

Rochester, Minnesota, nos Estados Unidos e Richard e Mardi Keyes iniciaram o

trabalho em Southborough, Massachusetts, no mesmo país. Hoje o site do ministério

revela polos em lugares bastante variados, como: Suécia, Canadá, Coréia,

Alemanha, Austrália, e, o mais recente, no Brasil.

No dia 11 de outubro de 1978, Schaeffer foi diagnosticado com câncer. A

partir daí, deu-se uma longa luta contra a doença, com sessões de quimioterapia e

programas nutricionais, conforme revela Edith 143. A rápida perda de peso enquanto

filmavam um dos vídeos gravados144 pelo pastor demonstrou haver algo errado.

Segundo Duriez, havia nele um tumor “do tamanho de uma bola de futebol

americano, como resultado de um linfoma”145. Por causa do tratamento, passaram a

morar perto da clínica Mayo, onde se deu o diagnóstico, e assim se mudaram de

volta para Rochester, nos Estados Unidos.

A doença e o tratamento, porém, não impediram o evangelista de

continuar trabalhando. Alguns médicos do hospital pediram que Schaeffer exibisse

sessões de seus vídeos e conduzisse discussões às noites de domingo por lá, e

assim, só na primeira noite, ele pôde falar a mil e quinhentas pessoas. Em 1980,

organizou uma conferência de L’Abri em Rochester, tendo a impressionante

143 Schaeffer, Celebração do matrimônio, p. 84.


144 Whatever happened to the human race?
145Duriez, Francis Schaeffer, p. 195. Minha tradução: “Fran was found to have a tumor the size of a
football, as a result of a lymphoma”.
"62

frequência de duas mil pessoas. Não demorou até que fundassem uma unidade de

L’Abri por lá.

A quimioterapia pareceu ter sucesso, e a doença regrediu por alguns

meses, para voltar posteriormente. Com a melhora, Schaeffer retornou à Suíça. E

mesmo depois do retorno da doença, ele permaneceu na Suíça, pois passou

receber quimioterapia oralmente, indo à clinica Mayo de tempos em tempos para a

contagem de sangue. Ao longo desse período Schaeffer publicou Um manifesto

cristão, em 1981, organizou as suas Obras completas, lançadas em 1982, proferiu

palestras, e publicou O grande desastre evangélico, seu último livro, em 1984.

Em seu período final de vida, debilitado, coube a Edith decidir se ele

viveria os últimos dias na UTI ou em casa (Rochester). Ela optou por tê-lo em seu

ambiente familiar, próximo de pessoas queridas e da música que preenchia o

espaço. Assim viveu Schaeffer por mais dez dias, ouvindo seus compositores

preferidos, como Haendel, e tendo uma paisagem bela e ambiente acolhedor. Ele

faleceu em 15 de maio de 1984.

1.3 O encontro das biografias

Tendo vivido durante o mesmo período, Cornelius Van Til e Francis

Schaeffer não apenas acompanharam os mesmos eventos históricos no século XX,

como tiveram contato efetivo.

O primeiro encontro se deu em sala de aula. O Seminário Westminster

havia sido fundado em 1929, e Van Til figurou, desde o início, no quadro de

professores. Schaeffer ingressou no Seminário em 1935, e acompanhou os conflitos

da Junta de Missões Independente, a suspensão de Machen, e a formação da

Orthodox Presbyterian Church.


"63

Schaeffer era solidário à causa de Machen. Em carta a Edith, datada de

26 de abril de 1935, enquanto ainda cursava os estudos pré-ministeriais e se

preparava para o casamento, Schaeffer escrevia: “vamos colocar esses homens em

nossa lista de oração enquanto eles enfrentam o tribunal — Machen e [Carl]

McIntire. O último, especialmente, por ser tão jovem e estar em uma posição tal que

deveria ter nossa ajuda em oração”146. A adesão de Schaeffer ao Westminster,

portanto, não era gratuita. Ele acreditava na proposta de seus fundadores.

Deve-se lembrar, aqui, que o corpo docente da instituição era pequeno,

de modo que era possível ao aluno o contato com todos os professores em um curto

espaço de tempo. No caso de Van Til, que ensinava apologética e teologia

sistemática aos calouros, o contato era imediato.

Schaeffer não concluiu os estudos no Westminster. Acompanhando uma

das divisões posteriores do Seminário e da denominação recém-formada, ele seguiu

para a Bible Presbyterian Church, e para o Faith Theological Seminary. Mas sua

permanência no WTS entre o outono de 1935 e a primavera de 1937 foi decisiva.

David Leigh analisa os catálogos dos cursos à época e informa que,

naquele período, Schaeffer deve ter estudado com Van Til em pelo menos três

disciplinas: Apologética 411, Teologia Sistemática 512 e Evidências 422147.

Conforme a descrição de Leigh, existe a possibilidade de Schaeffer ter assistido

mais aulas com Van Til, por causa das disciplinas eletivas. Ainda assim, em pelo

menos três dos quatro semestres que passou na instituição, Schaeffer estava em

contato com Van Til em um contexto de sala de aula pequena e muita aproximação

entre professor e aluno. Conforme Duriez, durante os estudos de Schaeffer, Edith

146 Citado em Duriez, Francis Schaeffer, p. 35.


147 Leigh, Presupposing, loc. 549.
"64

ficou habituada com os nomes dos professores, dentre os quais o de Van Til —

alguém que “abriu portas para Fran”148 , especialmente quanto ao horizonte de

pensamento. Tais aulas renderam fruto, de modo que Schaeffer dava crédito de suas

percepções a Van Til, mesmo muito tempo após as aulas.

A segunda forma de contato entre Van Til e Schaeffer foi por cartas. Leith

demonstra que mesmo antes do conflito pessoal, eles já se correspondiam desta

maneira149. Já em 1964 Schaeffer enviava cartas a Van Til, solicitando o envio de

suas obras selecionadas. E, mesmo em 1971, após o conflito entre os dois,

Schaeffer ainda solicitava material para distribuir entre os estudantes e obreiros de

L’Abri. O movimento inverso também acontecia. Schaeffer enviava cada livro

publicado por ele como presente a Cornelius Van Til.

A terceira forma de contato entre Schaeffer e Van Til envolveu algo do

trato pessoal, da correspondência e das publicações — e foi, essencialmente, um

embate polêmico. Possivelmente a primeira controvérsia na qual estiveram

envolvidos se deu em 1937, quando um grupo de tradição mais fundamentalista

deixou a OPC e o WTS, iniciando a Bible Presbyterian Church e o Faith Theological

Seminary. Schaeffer saiu, acompanhando Allan MacRae e Carl McIntire, enquanto

Van Til esteve “do outro lado”. Não há registros de que tenha havido confronto direto

entre ambos, especialmente por que Schaeffer ainda era um jovem seminarista, sem

proeminência nas decisões da igreja ou relevância em termos de produção

teológica.

Outro "encontro" no campo polêmico se deu em 1948, quando, ao

perceber o debate escrito entre Van Til e J. Oliver Buswell, Schaeffer propôs uma

148 Duriez, Francis Schaeffer, p. 37.


149 Leigh, Presupposing, loc. 578.
"65

reconciliação de seus pontos de divergência no artigo A review of a review150. Não

se tratava de um conflito direto, e Schaeffer iniciou o seu artigo falando de lembrar

vividamente das boas coisas que recebeu nos cursos com Van Til.

O conflito pessoal, propriamente dito, se manifestou com o

desenvolvimento do ministério de Francis Schaeffer em L’Abri, e a projeção

internacional que o ministério obteve. Em 1966, Schaeffer ministrou uma série de

palestras no Wheaton College, denominada “Falando a posição cristã histórica no

século XX”, em tradução livre151. Em Junho de 1967, Van Til enviou a Schaeffer uma

análise (critique) de tais palestras, à qual Schaeffer respondeu, em agosto do

mesmo ano, com as seguintes palavras:

Eu acho que nós temos algumas diferenças, mas, ao ler o seu material, não
penso que tais diferenças possam, ou devam, ser classificadas na velha
grade de suas discussões com homens que defenderam a teologia natural,
ou ainda a dicotomia 152.

Por essas palavras é possível perceber que ele entendia que ambos eram

mais próximos do que distantes em sua percepção dos fatos.

Schaeffer concluiu sua carta informando que levaria um livro inteiro para

responder toda a crítica de Van Til, e que ele esperava que seus livros a serem

publicados em breve — “O Deus que intervém” e “A morte da razão” — ajudassem a

esclarecer as questões153 .

150 SCHAEFFER, F. A. A review of a review. The Bible today. 42.1: Outubro de 1948. p. 7-9.
Disponível em: <http://continuing.wordpress.com/2011/07/02/f-a-schaeffer-a-review-of-a-
review-1948>. Acesso em: 08, mai.,2015.
151 Speaking the Historic Christian Position into the 20th Century.
152Citado em Leigh, Presupposing, Loc. 626. Tradução livre: I think we do have some differences but,
from reading your material, I don’t think these differences can, or should, be classified in the old grid of
your discussions with men who have stood for natural theology, nor for dichotomy.
153 Leigh, Presupposing, loc. 626.
"66

Van Til respondeu a carta de Schaeffer em 30 de agosto, em tom cordial,

informando que não pretendia superestimar as diferenças, mas esperava identificar

alguns sinais de risco e indicá-los, para ajudar Schaeffer em seu “maravilhoso

trabalho”154 , ao que Schaeffer agradeceu, reafirmando o desejo de manter um

contato próximo com o mestre.

O tom tranquilo do diálogo não foi adotado por seguidores de Van Til,

como o editor do jornal The Presbyterian Guardian, John Mitchell, que, diante das

tentativas de aproximação entre a OPC e Schaeffer, através do Comitê de

Ecumenicidade e Relações Inter-eclesiásticas, posicionou-se contrariamente, por

cartas, afirmando que a apologética de Schaeffer diferia radicalmente da apologética

vantiliana155.

A resposta de Schaeffer a Mitchell tentava, novamente, diminuir o peso

das diferenças entre seu pensamento e o de Van Til. Para ele, a questão central era

que Van Til escrevia para um ambiente acadêmico, enquanto ele lidava com o

homem não acadêmico. Mitchell, no entanto, não aceitou o ponto. Schaeffer, então

respondeu que não desejava gastar os próximos poucos anos de sua vida nas

diferenças que ele tinha com Van Til, considerando que eles tinham muito mais em

comum.

Para Leigh, essa não foi a mesma atitude adotada por Van Til, que

cresceu no propósito de se diferenciar e criticar Schaeffer.

Os últimos anos de Van Til foram diferentes. Embora ele tenha retido certa
vivacidade de mente e senso de humor, Van Til gastou períodos
exorbitantes de tempo preocupado em refutar Schaeffer. Com o passar do
tempo e o envelhecimento, Van Til apenas copiava passagens dos livros de
Schaeffer, da Confissão de Westminster, e da Bíblia, com poucos
comentários coerentes como explicação. 156

154 Ibid.
155 Ibid., loc. 656.
156 Leigh, Op. cit., loc. 698.
"67

Leigh afirma que um manuscrito encontrado nos arquivos de Van Til

contém 300 páginas de excertos digitados. Aproximadamente um terço do material é

dedicado a trechos dos livros de Schaeffer, e o resto é dividido entre a Confissão de

Westminster, a Bíblia, Hegel, Kierkegaard e outros filósofos157. O incômodo de

VanTil com Schaeffer acabou atingindo também quem estava associado, de alguma

forma, ao fundador de L’Abri. Foi o caso com Os Guinness, e também com Harold J.

O. Brown, que chegou a ser entrevistado para ensinar no Seminário Westminster,

mas experimentou a contrariedade de Cornelius Van Til, que enviou um escrito ao

comitê que analisava a questão, preocupado com o ingresso do candidato, por que

ele era “muito schaefferiano em sua abordagem”158.

Logo que O Deus que intervém foi lançado, em 1969, Donald M. Sautter,

do Dallas Seminary, escreveu uma carta empolgada a Van Til, falando de como o

escrito de Schaeffer estava causando impacto na comunidade. Sautter escreveu

para Van Til por entender que a popularização do pensamento de Schaeffer era uma

vitória do sistema apologético de Van Til. Também relatou que os alunos, quando se

aproximavam de Schaeffer, ouviam-no dar o crédito de sua abordagem a Van Til,

além de recomendar a leitura dos livros do holandês159. O professor do WTS

respondeu prontamente, mas em um sentido diferente do esperado. Van Til

reconheceu que Schaeffer estava tentando trabalhar a partir de uma base

pressuposicional, mas sustenta que ele havia comprometido essa posição, de

157 Ibid., loc. 719.


158 Muether, Cornelius Van Til, p. 203.
159 Leigh, Presupposing, loc. 558.
"68

maneira que sua abordagem foi neutralizada160. Com a resposta, Van Til enviou um

material já pronto sobre as diferenças entre ambos.

Como se pode perceber, enquanto Schaeffer reconhecia as diferenças

entre seu pensamento e o de Van Til, mas as via como secundárias, diante das

evidências de unidade, Van Til reconhecia que Schaeffer estava tentando trabalhar a

partir do seu paradigma, mas que o pensamento do fundador de L’Abri possuía

diferenças que ele considerava irreconciliáveis.

Bryan Follis informa que outros elementos são úteis na compreensão das

atitudes de ambos os pensadores. Segundo ele, Van Til, preocupado com a

abordagem apologética de Schaeffer, e a confusão gerada por seu uso do termo

“pressuposições", passou a desafiá-lo com uma série de cartas pessoais. Schaeffer

não se envolveu no debate por, pelo menos, três razões: Primeiramente, porque o

seu trabalho como evangelista demandava atenção constante às pessoas que se

aproximavam, e ele temia que o envolvimento em um debate acadêmico envolvesse

um desgaste desnecessário. Em segundo lugar, porque ele respeitava bastante a

Van Til, e acreditava que estava trabalhando a partir do fundamento lançado pelo

professor de Westminster. Finalmente, porque Schaeffer sabia como os debates

acadêmicos podem gerar reações acaloradas e feias, e queria evitar algo do tipo161.

A diferença de atitude manifestou uma disparidade ainda maior de prática.

Schaeffer assumiu a postura não apologética de evitar o desgaste de suas energias

com excessivas explicações e qualificações teóricas. Ele, como afirmava, não era

um acadêmico, e, além disso, possuía um ministério amplo a conduzir. Na descrição

160 Ibid., loc. 577.


161 FOLLIS, B. Truth with love: the apologetics of Francis Schaeffer. Wheaton, IL: Crossway Books,
2006. p. 113.
"69

de Leigh162 , Schaeffer adotou postura semelhante à de Karl Barth diante das críticas

vantilianas — adotou a premissa de que “a vida é muito curta para gastar em

brigas”, e seguiu em frente. Van Til, por outro lado, insistiu em suas críticas e

qualificações, tendo deixado esse arquivo de citações das obras schaefferianas,

atingido alunos de Schaeffer, se esforçado para dissuadir quem lhe falava

positivamente do fundador de L’Abri, compartilhado um material sobre suas

diferenças, e até escrito um syllabus denominado “O método apologético de Francis

Schaeffer”163. Essa atitude mais polêmica pode ser compreendida pela natureza

acadêmica do holandês — buscando coerência, ele dedicava-se intensamente a

analisar e qualificar pontos e questões, a fim de tornar as percepções mais claras,

os argumentos mais fortes, e as abordagens mais bíblicas. Contudo, seu excesso de

zelo parece ter resultado em um espírito faccioso, que também foi adotado por

alguns de seus seguidores.

Diante do que foi descrito, surge a questão: Quão diferente é a

abordagem desses apologetas? Em que sentido a questão levantada pelo presente

trabalho, a do ponto de contato na apologética, significou convergência ou

divergência entre Cornelius Van Til e Francis Schaeffer?

Para esclarecer essa questão precisamos oferecer uma apreciação do

sistema e prática apologética de ambos. É o que será feito nos próximos dois

capítulos. Eles apresentarão um panorama das propostas dos dois pensadores, com

algumas considerações sobre a questão do ponto de contato, a fim de possibilitar a

posterior identificação de semelhanças e diferenças.

162 Leigh, Presupposing, loc. 767.


163 VAN TIL, C. The apologetic method of Francis Schaeffer. Unknown biding, 1972.
"70

2 CORNELIUS VAN TIL E O PONTO DE CONTATO NA APOLOGÉTICA

Como Cornelius Van Til considerava a questão do ponto de contato entre

o cristão e o não-cristão? Este é o objetivo do presente capítulo. Para respondê-lo,

pretende-se caminhar pelos elementos que tornam a leitura de Van Til um árduo

exercício, traçar um panorama do pensamento apologético vantiliano, e, finalmente,

ajustar o foco para o aspecto específico do ponto de contato. A escolha de tal rota se

dá para indicar barreiras e dificuldades que possam interpôr na busca por

compreender Van Til, para revelar o contexto no qual a compreensão do ponto de

contato está inserida, e para, abertamente, descrever a possibilidade e o lugar de

um ponto de contato entre interlocutores na apologética e evangelização.

2.1 Dificuldades na compreensão de Van Til

"Enquanto estava vivo, era frequentemente observado que os leitores de

Van Til poderiam ser divididos entre aqueles que não concordavam com ele, e

aqueles que não o entendiam" 164. Esta brincadeira de Muether nasce de uma

observação real: tão fácil quanto encontrar aqueles que discordam de Cornelius Van

Til, é encontrar aqueles que não entenderam sua obra. A que se deve esse fato?

Como afirmado anteriormente, Van Til pouco fez para comunicar de modo

claro seu ponto de vista. Ele se utilizava de um vocabulário recheado de

tecnicalidades filosóficas, que muitas vezes dificulta a compreensão e interação com

o seu pensamento por parte de estudantes, e confunde até mesmo teólogos

experientes. Seu texto não é claro e fácil de ler165.

164 Muether, Cornelius Van Til, p. 15.


165 Cf. Bahnsen, Van Til’s apologetic, p. xix-xxii.
"71

Essa, contudo, não é a única dificuldade enfrentada por quem começa a

lidar com a proposta vantiliana. Além de seu texto, em alguns aspectos, obscuro — o

que poderia ser facilitado pela existência de tradutores do seu pensamento — a

interação dos intérpretes com o pensamento de Van Til não foi sempre

intelectualmente honesta. John Frame aponta para uma divisão básica entre os

intérpretes do pensamento vantiliano166. De um lado, estão aqueles que ele

considera “aduladores” — pessoas notavelmente simpáticas ao pensador, tão

preenchidas de admiração por sua obra e pensamento, que, em sua representação

da apologética proposta por Van Til, parecem recebê-la in toto, integralmente, sem

questionar ou criticar aspectos que lhe pareçam problemáticos. Frame dá o exemplo

de obras como Foundations of christian scholarship167, na qual, exceto pelo artigo do

próprio Frame, nenhuma crítica é feita ao pensamento do holandês.

Do outro lado estão os “detratores” — os que, tomados de indignação, por

sua divergência em aspectos fundamentais da apologética, representam

erroneamente a proposta vantiliana, rejeitando in toto a contribuição de Van Til para

tal área da reflexão teológica e filosófica, ora forjando caricaturas, ora simplificando

seus pontos. É o caso de Alister McGrath e sua obra “Apologética cristã no século

XXI”, que apresenta reduções grosseiras, como a negação da realidade de um ponto

de contato na apologética vantiliana. O título da seção na qual McGrath discute a

apologética vantiliana é “Nenhum ponto de contato? Uma crítica à apologética

pressuposicionalista”168. Nessa seção ele afirma a impossibilidade de diálogo no

pressuposicionalismo.

166 Frame, Cornelius Van Til, p. 4-7


167 NORTH, G. (ed.). Foundations of christian scholarship: essays in the Van Til perspective.
Vallecito, California: Ross House Books, 1976.
168MCGRATH, A. Apologética cristã no século XXI: ciência e arte com integridade. São Paulo:
Editora Vida, 2008. p. 46.
"72

Van Til diz que não é possível dialogar com indivíduos estranhos à fé cristã.
Não há terreno em comum. Se aceitarmos o pressuposto de Deus, com
tudo o que esse pressuposto implica, isso significa que já somos cristãos;
se não aceitarmos, não poderemos sequer começar a entender os méritos
do argumento cristão. Somente se o não-cristão se entregar totalmente ao
pressuposto da existência de Deus, poderá compreender os méritos do
argumento cristão.169

O que há em comum entre aduladores e detratores é o fato de tratarem o

pensamento vantiliano como um pacote fechado, com o qual só é possível interagir

mediante completa aceitação ou rejeição. Utilizando-se da visão “tudo ou nada”,

parecem perder oportunidades de crescimento mediante análise cuidadosa, que

aprecie virtudes e critique dificuldades na obra de Van Til. Portanto, lidar com os

comentadores do pensamento pressuposicionalista envolve o risco de não se

encontrar uma representação fiel no reconhecimento de problemas ou de soluções.

Para além da divisão entre “aduladores” e “detratores”, existem

subdivisões propostas entre os apreciadores do sistema de Van Til. Neste tópico, a

classificação distintiva oferecida por Gomes é a de “seguidores, imitadores e

herdeiros”170. Cada um desses grupos observa a obra do professor de Westminster

de uma maneira específica. Os seguidores acompanham de perto a tradição

pressuposicionalista, refinando-a e traduzindo-a para novos contextos; os imitadores

simplesmente repetem os termos vantilianos, sem alterações; e os herdeiros tratam

a obra de Van Til com mais liberdade, seja para criticá-la, ou para produzir a partir

dela, utilizando novas linguagens. Essa distinção de nomenclatura não deve ser

tomada de maneira pejorativa, pois há estudiosos reconhecidos dentro de cada

categoria. K. Scott Oliphint, por exemplo, seria um seguidor de Van Til, preservando

a tradição no seminário Westminster; Greg Bahnsen seria um imitador, reproduzindo

169 McGrath, Apologética cristã no século XXI, p. 49.


170 GOMES, D. C. A apologética de Cornelius Van Til. Syllabus não publicado, 2009. p. 57.
"73

a obra e o discurso vantiliano em larga escala; e John Frame pode ser classificado

como um herdeiro, que interage mais crítica e livremente com o pensamento de Van

Til.

Desse modo, o trabalho de observação, descrição e análise do

pensamento vantiliano deve considerar as dificuldades relacionadas à compreensão

das fontes primárias — o texto de Van Til —, bem como essas questões envolvidas

na produção sobre Van Til.

2.2 Panorama da apologética vantiliana

Por mais difícil que seja sintetizar o pressuposicionalismo, faz-se

necessário apresentar uma versão resumida dele, a fim de se obter um panorama

do ensino de Van Til. Este esforço deverá levar em consideração o tipo de literatura

produzida por Van Til, alguns temas recorrentes em seu pensamento, e a sua

abordagem, ou método propriamente dito.

2.2.1 Os destinatários de Van Til

Os textos de Van Til podem, grosso modo, ser divididos em duas

categorias: os escritos didáticos e os escritos polêmicos. Os escritos didáticos

revelam o esforço de Van Til na definição de um método apologético consistente

com a teologia reformada. Nesta categoria se encontram alguns de seus livros, e,

principalmente, seus syllabi. As publicações de Van Til, geralmente, eram roteiros de

aula, eventualmente disponibilizados por alguma editora. Pesam sobre o holandês

várias críticas por essa razão. Embora a publicação de seus syllabi lhe conferisse

algum dinamismo em termos de produção, entregou aos leitores textos sofríveis em

fluxo e clareza na definição de conceitos, com pouca explicação de noções básicas


"74

e que pressupunham leituras avançadas da parte dos leitores. De todo modo, esses

textos, dentre os quais estão The defense of the faith171 [A defesa da fé], A christian

theory of knowledge172 [Uma teoria cristã do cohecimento], Common Grace173

[Graça comum] e An introduction to systematic theology174 [Uma introdução à

Teologia Sistemática] são dedicados a explicar e ensinar a "apologética reformada”.

Na segunda categoria, a dos escritos polêmicos, estão alguns livros,

cartas abertas, artigos e materiais escritos para analisar e combater o ensino de

outros autores. Como dito anteriormente, as polêmicas fizeram parte do ministério de

Van Til, de modo que tão rapidamente quanto ele costuma ser lembrado como “o pai

do pressuposicionalismo”, ele é também rememorado por suas disputas com Karl

Barth, J. Oliver Buswell, Herman Dooyeweerd, Francis Schaeffer e Gordon Clark.

Esses escritos possuem um duplo exercício, análise e alerta, o que mostra que Van

Til tinha em mente um público amplo: os “oponentes” propriamente, e os acadêmicos

que acompanhavam o debate, mas também a igreja, de maneira mais ampla. Os

textos polêmicos de Van Til também são excessivamente técnicos, e dentre eles

estão The new modernism175 [O novo modernismo], Christianity and Barthianism176

[Cristianismo e barthianismo] e O pastor reformado e o pensamento moderno177.

171VAN TIL, C. The defense of the faith. 3.ed. Phillipsburg, New Jersey: Presbyterian and Reformed,
1967.
172VAN TIL, C. A christian theory of knowledge. Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed,
1969.
173 VAN TIL, C. Common grace. Philadelphia: Presbyterian and Reformed, 1947.
174VAN TIL, C. An introduction do Systematic Theology. Phillipsburg, NJ: Presbyterian and
Reformed, 1974.
175VAN TIL, C. The new modernism: an appraisal of the theology of Barth and Brunner. Philadelphia:
Presbyterian and Reformed, 1973.
176 VAN TIL, C. Christianity and Barthianism. Philadelphia, PA: Presbyterian and Reformed, 1968.
177 VAN TIL, C. O pastor reformado e o pensamento moderno. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.
"75

Há também uma obra que foge aos padrões didáticos e polêmicos.Trata-

se do livreto “Por que creio em Deus”178 em que, Van Til, mudando radicalmente seu

estilo, escreve um diálogo hipotético com um incrédulo, e aplica aspectos de sua

teoria em uma ilustração rica e simples do que é apresentado com densidade em

outras obras. O público de “Por que creio em Deus”179 parece ser o cristão comum.

Entender a quem Van Til escreve pode auxiliar o leitor a compreender a

maneira pela qual escreve. O público que ele tem em vista é formado,

principalmente, de pessoas envolvidas com as discussões propostas, o que o fez

presumir algum grau de conhecimento e leitura em teologia e filosofia. Embora

Cornelius Van Til tivesse crescido em um lar simples — sendo o primeiro de sua

família a buscar educação formal — e tivesse condições de conversar com as

pessoas menos cultas, a sua comunicação escrita privilegia interlocutores com maior

instrução.

2.2.2 Temas recorrentes no pressuposicionalismo vantiliano

Frame escreve que “as quatro coisas mais importantes para se lembrar

sobre a cosmovisão cristã são: (1) a absoluta personalidade de Deus; (2) a distinção

entre Criador e criatura; (3) a soberania de Deus; e (4) a Trindade”180. Todos esses

temas são ênfases da obra de Cornelius Van Til.

2.2.2.1 Metafísica

A base do pensamento de Van Til é a realidade do Deus autocontido

apresentado na Bíblia. Em seu manifesto pessoal intitulado My credo, ele afirma

178 VAN TIL, C. Por que creio em Deus. Brasília, DF: Monergismo, 2012.
179 VAN TIL, C. Por que creio em Deus. Brasília, DF: Monergismo, 2012.
180 FRAME, J. Apologética para a glória de Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. p. 35.
"76

textualmente: “o Cristo autolegitimado da Escritura é o ponto de partida para tudo o

que eu tenho dito”181 . Seu livro mais conhecido182 sobre apologética — The defense

of the faith —, inicia-se com a teologia cristã, tratando, especificamente, da Doutrina

de Deus, sua personalidade e Trindade 183. Para Scott Oliphint, este é um dos pontos

mais importantes da apologética vantiliana.

O que é, talvez, o ponto apologético mais radical que Van Til define,
especialmente dada a história da apologética antes dele, é a sua insistência
de que a apologética, como a teologia (de fato, como o todo da vida) deve
começar com a Trindade ontológica. 184

Existe uma razão para isso. No sistema proposto por Cornelius Van Til,

uma noção adequada de Deus é tanto o fundamento da metafísica quanto a

condição fundamental de qualquer apologética cristã. Não se trata de uma divindade

indefinida, mas do Deus apresentado na Bíblia. Sem a visão adequada de quem

Deus é, não faz muito sentido discutir se esse Deus existe, afirma Van Til185.

A noção adequada de Deus se dá através da revelação bíblica. A

Escritura apresenta as características — atributos — de Deus. Cornelius utiliza as

categorias clássicas dos atributos comunicáveis e incomunicáveis para descrevê-Lo.

Os atributos incomunicáveis de Deus enfatizam a Sua transcendência e os


atributos comunicáveis enfatizam a Sua imanência. Os dois implicam um ao
outro. Uma noção cristã da transcendência e uma noção cristã da
imanência andam juntas. 186

181GEEHAN, E. R. (ed). Jerusalem and Athens: critical discussions on the theology and apologetics
of Cornelius Van Til. Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed, 1971. p. 3.
182Para William Edgar e K. Scott Oliphint, esse não é apenas o livro mais conhecido, mas também o
mais importante. Edgar, Oliphint, Christian apologetics past and present, loc. 11056: “Tudo o que ele
escreveu e ensinou anteriormente o levou ao The defense of the Faith, e tudo o que veio depois o
reflete de volta”.
183 Van Til, The defense of the faith, p. 9.
184 OLIPHINT, K. S. Van Til the evangelist. Disponível em: <http://www.opc.org/os.html?
article_id=118>. Acesso em:10, Abr., 2013.
185 Van Til, The defense of the faith, p. 9.
186 Van Til, The defense of the faith, p. 11.
"77

2.2.2.1.1 A personalidade de Deus

Para Van Til, a nossa concepção de Deus implica um modo de perceber a

Sua [Deus] relação com o mundo. É nesse contexto que ele trata da doutrina da

personalidade de Deus e da doutrina da Trindade. Ao considerar o ser Divino, Van Til

já havia destacado Sua auto-referência absoluta, fruto de sua auto-existência e

independência; agora, reafirma que o arranjo total de Seus atributos pode ser

sintetizado na expressão “personalidade absoluta” — Deus é a fonte do bom, do

belo e do verdadeiro.

2.2.2.1.2 A Trindade

Esse Deus é uma trindade de pessoas. Em seu ser existe o equilíbrio

fundamental entre unidade e diversidade, ou “diversidade e identidade”187 , como

descreve Van Til. Ele trabalha as noções de Trindade ontológica e econômica, a fim

de reafirmar o caráter trino de Deus em Sua natureza, sem, porém, cair no erro dos

subordinacionistas, que desejam afirmar algum tipo de hierarquia na Trindade

ontológica. Para Van Til, tal categorização não é gratuita. A fim de que se tenha uma

metafísica consistente, e a adequada solução para o problema do "um e do

múltiplo”, é necessário que a Trindade seja compreendida corretamente. A correta

percepção de unidade e diversidade só pode ser estabelecida na visão da absoluta

personalidade de Deus188 .

187 Van Til, The defense of the faith, p. 12.


188John Frame dedica mais tempo e espaço para discutir tal ponto. Cf. Frame, Cornelius Van Til, p.
71-6. Van Til o discute em The defense of the faith, p. 25-6.
"78

2.2.2.1.3 A distinção Criador-criatura

A metafísica vantiliana tem a Deus como o ponto de referência final do

universo. Ele sustenta a realidade e a define; Ele dá sentido a tudo o que existe. Por

isso, Ele é separado da Sua criação. A distinção Criador-criatura é um dos pontos

basilares na proposta de Van Til. Em sua descrição, todas as propostas não-cristãs

de compreensão da realidade falham em lidar com esse tópico. Menciona Aristóteles

e sua filosofia, que gira em torno de uma noção abstrata do “ser”, para, só então,

fazer distinção entre ser divino e humano. Ao colocar ambos na categoria do “ser”,

Aristóteles falha em providenciar uma base radicalmente separada para se notar

Deus: “fazer asserções acerca do ser em geral constitui, pelo menos por implicação,

um ataque à natureza autônoma, e, portanto, única, do ser de Deus” 189. Para Van Til,

“a distinção mais básica do cristianismo é que o ser de Deus é autônomo e os seres

criados são dependentes dele”190. O cristão está comprometido com uma visão da

realidade que trabalha em duas camadas, descreve o holandês. Todas as outras

visões metafísicas, conforme sua tese, trabalham com apenas uma camada, ou

“sustentam um pressuposto monista"191.

A falha nesse quesito específico causa um efeito dominó sobre todo o

sistema teológico e apologético. Não perceber adequadamente a distinção entre

Criador e criação, teologicamente, afeta todas as demais doutrinas cristãs — Deus

deixa de ser a personalidade absoluta, e isso promove distorções em Sua pessoa e

obra. Na apologética, não reconhecer tal distinção coloca o sistema cristão em

igualdade para com todos os demais, e assim passa a ser impossível desafiar

qualquer outra visão de mundo. Na medida em que Deus está associado, ou

189 VAN TIL, C. Apologética cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. p. 28.
190 Ibid.
191 Ibid., p. 29.
"79

igualado, a Sua criação, Ele deixa de ser o ponto de referência, uma vez que passa

a fazer parte da ordem criada. A fonte de sentido, portanto, é perdida. Não apenas

isso, mas o rebaixamento de Deus à condição das demais criaturas implica a

elevação dos demais seres criados à condição de Deus — o que, em termos

bíblicos, é chamado de idolatria. Na proposta vantiliana, o Criador é o único ser

autônomo, enquanto o resto da criação é dependente dEle. Uma adaptação de tal

proposta foi trazida pelo Dr. Davi Charles Gomes, com o conceito de

teorreferência192, mediante o qual toda a criação é relativa a Deus193. A insistência

de Van Til sobre o ponto não é difícil de ser compreendida, considerando-se que

uma das tônicas da Escritura é a absoluta soberania de Deus, e Sua distinção dos

seres criados.

2.2.2.2 Epistemologia

A metafísica vantiliana tem implicações para a epistemologia. A distinção

Criador/criatura, por exemplo, postula que a relação de Deus com o conhecimento é

diferente da relação que o homem tem com ele. Segundo Van Til, “assim como Deus

192 GOMES, Davi Charles. A suposta morte da epistemologia e o colapso do fundacionalismo


clássico. Fides Reformata, São Paulo, Vol.V, n.2, p. 12, 2000: O conhecimento humano, visto em
abstração desse contexto e de sua verdadeira fonte, é, em última instância, um “conhecimento falso”
que milita contra a soberania divina. Isso não significa que na superfície não se possa saber nada a
não ser que esse conhecimento seja fruto de um relacionamento positivo com Deus — o incrédulo
“sabe” muitas coisas! Mas tanto para aquele que reconhece explicitamente sua dependência
epistêmica do Deus que pré-interpretou a realidade em seu próprio ato criador, quanto para o que
nega esse reconhecimento, Deus continua sendo o princípio e o fim de todo significado. Logo, o
conhecimento que ignora sua teo-referência é um conhecimento parcial, um saber distorcido e
abstraído de seu contexto de significado; ele é fragmentado e incoerente com o todo — quase
sempre se tornando, em última instância, uma racionalização criada para evitar o confronto com a
realidade final de Deus, ou uma “capa,” como disse Calvino, usada para encobrir a realidade do Deus
criador que subjaz todo conhecimento.
193 Cf. VAN TIL, Cornelius. O pastor reformado e o pensamento moderno. São Paulo: Cultura
Cristã, 2010. p. 41: Quando, pela graça de Deus, recebe essa nova luz e esse novo poder de visão, o
pecador passa a ver todas as coisas em suas relações apropriadas. Antes, ele se apoiava na própria
cabeça, isto é, de cabeça para baixo, mas agora, ele se mantém firme sobre seus pés. Antes, ele
referia todas as coisas a si mesmo como ponto de referência final; agora, ele refere todas as coisas a
Deus — seu Criador, e ao seu Cristo Redentor — como ponto de referência final. Sua conversão foi
uma revolução copérnica.
"80

possui um ser autônomo, e todos os outros seres são criados ou derivados, assim

também Deus tem conhecimento autônomo e o homem conhecimento derivado”194.

O holandês critica outros sistemas epistemológicos, como o católico, por exemplo,

cuja fonte está no aristotelismo. Esses modelos falam de “conhecimento” em geral,

para só depois fazer distinção entre o conhecimento divino e o humano. Para Van

Til, fazer isso é tornar o conhecimento algo separado de Deus — autônomo — e,

portanto, elevá-lo à categoria de divindade, visto que o próprio Deus estaria obrigado

a seguir tal “conhecimento”. Ele ilustra esse ponto com a história do Éden195. No

jardim, Adão e Eva tiveram que escolher entre um tipo de conhecimento que deriva

de Deus, ou um tipo de conhecimento “autônomo”, atingido mediante a rebeldia e a

desobediência. A busca por uma fonte de “verdade” separada do Criador foi a

tragédia epistemológica humana.

Pelo fato de ser Deus o Criador da realidade, é também Quem lhe dá

significado: a realidade é pré-interpretada por Deus, e o conhecimento humano

precisa se conformar a essa interpretação.

O conhecimento que Deus tem dos fatos precede os fatos [...] Deus
conhece ou interpreta os fatos antes que eles sejam fatos. É exatamente o
plano de Deus, a interpretação abrangente que ele tem dos fatos, que faz
deles o que eles são196.

Van Til utiliza uma expressão característica para a adequação do

conhecimento humano à interpretação divina: “pensar os pensamentos de Deus

após Ele” 197. Se o conhecimento de Deus é autônomo e o humano é derivado, a

fidelidade no ato de conhecer vem da adequação aos pensamentos divinos. John

194 Van Til, Apologética cristã, p. 29.


195 Van Til, Apologética cristã, p. 31.
196 Ibid., p. 26.
197 Van Til, My credo. In: Geehan, Jerusalem and Athens, p. 19.
"81

Frame esclarece que essa afirmação envolve a dinâmica de continuidade e

descontinuidade entre Criador e criatura. “Pensar os pensamentos de Deus” significa

aproximação, enquanto que “após Ele” significa separação198. Partindo da premissa

de que apenas o Criador é autônomo e, como tal, está separado de Sua criação,

seria contraditório definir um campo — como o conhecimento — no qual ambos

pudessem estar em igualdade. Deus não difere do homem quanto ao conhecimento

apenas em termos quantitativos. Ele não está acima dos homens porque tem mais

pensamentos do que eles. A diferença fundamental está no campo qualitativo: Deus

conhece como Criador, e o homem, como criação. Desse modo, torna-se impossível

a univocidade: a diferenciação se manifesta em cada área, inclusive no

conhecimento199.

Para definir melhor a questão, Van Til assevera que o conhecimento

humano é analógico. Escrevendo sobre o que está envolvido na analogia, ele afirma

que o ponto chave “é a questão da relação de Deus com o homem. Mais

especificamente, a questão da prioridade de um destes dois”200. A ideia de analogia

estabelece a prioridade de Deus, ao passo que mantém os pensamentos do homem

atrelados aos dEle. Enquanto o homem tem acesso à realidade pré-interpretada por

Deus, ele permanece na categoria de criatura, sempre dependendo do Criador para

198FRAME, J. Van Til: the theologian. Disponível em: <http://www.frame-poythress.org/van-til-the-


theologian/>. Acesso em: 10, abr., 2013.
199Essa foi a razão dos conflitos entre Van Til e Gordon Clark, nos anos 1940. Para Clark, o
conhecimento de Deus e do homem eram idênticos, enquanto que, para Van Til, tal identidade
negaria a distinção Criador-criatura. Cf.FRAME, J. Cornelius Van Til, p. 97-113; HOEKSEMA,
Herman. A controvérsia Clark-Van Til. Disponível em: < http://www.monergismo.com/textos/
apologetica/A_Controversia_Clark_VanTil_Hoeksema.pdf>; e “The Clark/Van Til controversy".
Disponível em: < http://reformedforum.org/ctc163/>.
200 Van Til, O pastor reformado e o pensamento moderno, p. 77. Grifos do original.
"82

o ato de conhecer. Para o holandês, não apenas o conhecimento é analógico, mas o

próprio ser humano foi criado como “análogo a Deus”201.

O exercício desse conhecimento encontra barreiras na experiência

humana. A grande dificuldade do homem em conhecer a verdade tem a ver com os

efeitos noéticos do pecado — os desdobramentos do pecado sobre a mente

humana. Seguindo Calvino em sua percepção do completo impacto da Queda sobre

o homem — conceito definido pelos calvinistas posteriores como “depravação

total”202 — Van Til reconhece que um dos problemas epistemológicos mais

fundamentais do homem se deve ao fato de que a mente humana está corrompida.

Quando nós afirmamos que o pecado é ético, não queremos dizer que o
pecado envolveu apenas a vontade do homem, sem o seu intelecto. O
pecado envolveu cada aspecto da personalidade humana. Todas as reações
do homem em cada relação na qual Deus o colocou eram éticas e não
meramente intelectuais; o próprio intelecto em si é ético. 203

O resultado desse pecado que afetou integralmente o homem foi a

cegueira em seu intelecto e a corrupção de sua vontade204 — o endurecimento do

coração. O homem, portanto, não apenas é inapto para conhecer adequadamente a

realidade, como busca conhecê-la da maneira errada, subvertendo os padrões

estabelecidos por Deus na distinção entre Criador e criatura. A incapacidade

humana para conhecer a verdade, bem como as tentativas de conhecimento

201Van Til apud BAHNSEN, Van Til’s apologetic: readings & analysis. Phillipsburg, NJ: Presbyterian
and Reformed, 1998. p. 252.
202Cf. Van Til, The defense of the faith, p. 54: Esta doutrina da depravação total do homem torna claro
que a consciência moral do homem como ele é hoje não pode ser a fonte de informação sobre o que
é o bem ideal, ou sobre o que é o padrão do bem, ou sobre qual é a verdadeira natureza da vontade
que deve lutar pelo bem. (tradução minha; grifos do original)
203 Ibid., p. 46.
204 Ibid., p. 54.
"83

autônomo são reveladas na Escritura205, e podem ser percebidas também, por

exemplo, no dogma moderno da autonomia da razão206.

Ilustrativamente, Van Til distingue três estados da consciência humana,

nos diferentes momentos da história da redenção207. A consciência adâmica

reconhecia o fato de que era criatura, e se contentava em reinterpretar os fatos pré-

interpretados por Deus. Adão era receptivamente criativo, pois produzia

conhecimento a partir da revelação de Deus. A consciência caída não-regenerada é

apresentada em seguida. Ela busca negar sua condição de criatura, tentando

estabelecer uma interpretação autônoma, mas sem conseguir um ponto seguro de

unidade. Com o rompimento ético do Criador, ela furtou-se da possibilidade de um

conhecimento consistente da realidade. O terceiro é a consciência regenerada. Essa

consciência foi, em princípio, restaurada à condição adâmica. Ela reconhece sua

condição de criatura, e deseja entender a realidade a partir da revelação de Deus.

Ela retorna a ter unidade em sua experiência. Ainda assim, o retorno à condição de

Adão é apenas em princípio, no sentido de que ainda pesa sobre ela a condição

decaída, as reminiscências do pecado que afetam a mente.

Há de se questionar se, uma vez que os efeitos noéticos do pecado

afetam o homem tão incisivamente, o conhecimento de algo ainda pode ser

adquirido. Van Til responde que sim, porque a ruptura com o Criador foi

fundamentalmente ética, e não metafísica208. Conquanto distante de (e avesso a)

205 Cf. Romanos 1.18-32.


206 Cf. DOOYEWEERD, H. No crepúsculo do pensamento. São Paulo: Hagnos, 2010. p. 47: “Toda
filosofia que reivindicar um ponto de partida cristão será confrontada pelo tradicional dogma da
autonomia do pensamento filosófico, referente à sua independência de quaisquer pressupostos
religiosos. Pode-se mesmo afirmar que esse dogma é o único que sobreviveu ao abandono das
antigas certezas da filosofia, causado pelo profundo desenraizamento espiritual do pensamento
ocidental após as duas guerras mundiais”.
207 Van Til, The defense of the faith, p. 48-9.
208 Cf. Van Til, The defense of the faith, p. 49.
"84

Deus eticamente, o homem ainda está ligado ao Criador por aquilo que ele é — um

ser criado analogicamente. Desta maneira, é possível tanto algum conhecimento de

Deus, quanto algum conhecimento do mundo, embora normalmente reorientado em

uma direção apóstata.

Por ser criatura e por causa dessa desorientação causada pela queda, o

homem depende da revelação divina. Van Til proclama um tipo de epistemologia

revelacional, por meio da qual o homem necessita da Escritura para conhecer a

realidade.

É este ponto em particular [a depravação total do homem e os efeitos


noéticos do pecado] que torna necessário para o cristão manter sem
qualquer desculpas e concessões que é a Escritura, e somente a Escritura,
a luz na qual todas as questões morais devem ser respondidas. A Escritura
como uma revelação externa se tornou necessária por causa do pecado do
homem. 209 (grifo do original)

Van Til afirma que a apologética cristã precisa partir de um compromisso

inegociável com a doutrina da infalibilidade da Escritura, e com a afirmação da Bíblia

como a revelação inspirada final de Deus ao homem210.

É claro que, com a revelação geral, algum conhecimento de Deus está

disponível a todos os homens. Mas apenas os cristãos interpretam essa revelação

de modo adequado211. A Queda tornou necessário um tipo diferente de manifestação

de Deus para o homem.

Essa necessidade [da revelação especial] não está em algum defeito na


revelação geral que Deus deu ao homem quando o criou. Quando falamos
da insuficiência da revelação geral, não queremos sugerir que essa
revelação é insuficiente para o seu propósito. Foi notado como toda a

209Van Til, The defense of the faith, p. 54. Minha tradução: It is this point particularly that makes it
necessary for the Christian to maintain without any apology and without any concession that is
Scripture, and Scripture alone, in the light of which all moral questions must be answered. Scripture as
an external revelation became necessary because of the sin of man.
210 Ibid., p. 105.
211
VAN TIL, C. An introduction do systematic theology. Phillipsburg, NJ: Presbyterian and
Reformed, 1974. p. 75.
"85

criação, inclusive a constituição psicológica do homem, é inerentemente


revelatória de Deus. Essa revelação era tão clara e inevitável, que o homem
sempre foi confrontado com a face de Deus. Mas, ao pecar, o homem, em
sua condição, tirou seus próprios olhos, de modo que não mais pôde ver a
Deus em Sua revelação geral. Mais ainda: através deste gesto de
autoimolação, o homem não apenas se tornou desesperado, mas também
culpado e poluído diante de Deus. É, portanto, à condição do homem como
pecador, e não como finito, que a ideia da necessidade de uma revelação
especial ou salvífica deve ser atrelada 212.

A revelação geral e a especial estão integradas. Mas é a revelação

especial que anuncia a graça, e que explica ou interpreta fatos revelatórios, como

profecias e milagres. Por ser o instrumento principal da revelação de Deus, a

Escritura é autolegitimada, e carrega as marcas da necessidade, autoridade,

perspicuidade e suficiência213.

A Queda foi a busca por uma interpretação autônoma da realidade, e uma

de suas consequências é a incapacidade humana de pensar os pensamentos de

Deus após Ele.

Com a queda, o homem negou o caráter naturalmente revelado de cada


fato, incluindo o de sua própria consciência. Ele assumiu que era autônomo;
e que sua consciência não revelava Deus, mas apenas a si mesmo. Ele
supôs que era um ser não criado. Ele assumiu que a obra de interpretação,
na qual estava engajado pela força dos seus poderes naturais, era um
procedimento original em vez de derivativo. Ele não continuou a pensar os
pensamentos de Deus, após ele; mas apenas seus próprios pensamentos
originais.214

212Van Til, An introduction to systematic theology, p. 110. Tradução livre: This necessity does not lie in
any defect in the general revelation that God gave to man when he created him. When we speak of
the insufficienty of general revelation we do not wish to suggest that this revelation is as such
insufficient for its purpose. It has been noted how all creation, including man’s own psychological
constitution, is inherently revelatory of God. This revelation was so clear and unavoidable that man
was always confronted with the face of God. But in sinning, man, as it were, took out his own eyes, so
that he could no longer see God in his general revelation. Moreover, through this act of self-immolation
man not only made himself helpless but also guilty and polluted before God. It is therefore to the
condition of man as a sinner, not to man as finite, that the idea of the necessity of a special or saving
revelation must be attached.
213 Ibid., p. 134-6.
214 Van Til, Apologética cristã, p. 64.
"86

A Escritura, portanto, fornece ao homem a base fundamental sobre a qual

ele deve compreender a realidade e interpretar os fatos. Nesse sentido, o escopo da

revelação especial é bastante amplo. Para Van Til, “a Bíblia, como a revelação

infalível e inspirada de Deus ao homem pecador, permanece diante de nós como a

luz através da qual todos os fatos do universo criado devem ser interpretados”215. A

Palavra escrita de Deus não trata de cada detalhe específico da realidade, mas

apresenta ao homem a interpretação fundamental de Deus, do homem, do mundo e

de tais relações. Qualquer epistemologia consistente precisa partir do ponto sólido

que é a revelação autolegitimada de Deus na Escritura.

O problema epistemológico se apresenta, portanto, na realidade de que o

homem, em sua condição caída, pressupõe autonomia e deseja compreender o

mundo sem pensar os pensamentos de Deus após Ele, visto não possuir a devida

consciência de sua condição debilitada e dos efeitos noéticos do pecado, bem como

da necessidade da Escritura para a legítima experiência do mundo. Os falsos

pressupostos em cada aspecto da vida humana produzem grande impacto sobre a

maneira de conhecer e de fazer escolhas ao longo da existência. Nesse quesito a

metafísica e a epistemologia se encontram com a ética.

2.2.2.3 Ética

Van Til fundamenta sua concepção ética na teologia da aliança. Uma das

características fundamentais de seu sistema ético é a classificação dos homens em

covenant keepers (observadores/mantenedores do pacto) e covenant breakers

(quebradores do pacto)216. Uma vez que a absoluta personalidade de Deus O

215 Van Til, The defense of the faith, p. 107.


216 Van Til, O pastor reformado e o pensamento moderno, p. 77.
"87

apresenta como o summum bonum, a fonte de toda a bondade, beleza e verdade,

pode-se concluir que Ele também é o paradigma fundamental das ações humanas,

pois a humanidade foi criada analogicamente — à Sua semelhança — e a Sua

revelação ensina a interpretar o mundo adequadamente, fazendo distinção entre

certo e errado.

A Queda representou a quebra do pacto, e o surgimento de uma ética de

autonomia. Em vez de considerar o Criador como o ponto de referência final de toda

bondade, o homem passou a agir de maneira autorreferente, buscando se

estabelecer no lugar de Deus. Van Til comenta a consciência moral surgida após a

Queda, e demonstra que, enquanto antes do pecado, ela se tratava de uma

consciência finita, porém derivada da revelação eterna de Deus, agora ela passa a

ser não apenas finita, como também pecaminosa217. É nessa percepção do Criador

que repousa a origem das diferenças entre a ética cristã e as não-cristãs.

[…] toda as diferenças entre o ponto de vista cristão e não-cristão no campo


da ética, devem ser traçadas, em última análise, aos seus conceitos
diferentes acerca de Deus. Os cristãos defendem que o conceito de Deus é
o pressuposto necessário de toda atividade humana. Os não-cristãos
defendem que a concepção cristã de Deus é a morte de toda atividade
ética. Toda a ética não-cristã parte da ideia de que um Deus como aquele
no qual os cristãos creem não existe. 218

A consciência ética do cristão e a do não-cristão, portanto, possuem

diferenças irreconciliáveis. Essa distinção enfática demonstra a aplicação vantiliana

do conceito de antítese, conforme sustentado por J. Gresham Machen e Abraham

Kuyper.

217 Van Til, The defense of the faith, p. 54.


218Van Til, The defense of the faith, p. 60. Tradução livre: […] all the differences between the Christian
and the non-Christian point of view, in the field of ethics, must be ultimately traced to their different
God-concepts. Christians hold that the conception of God is the necessary presupposition of all
human activity. Non-Christian thought holds that the Christian conception of God is the death of all
ethical activity. All non-Christian ethics takes for granted that such a God as Christians believe in does
not exist.
"88

A noção de antítese parece ser tão importante no sistema vantiliano, que

Frame afirma: “em alguns aspectos, a apologética inteira de Van Til pode ser vista

como um repensar da natureza e implicações da ‘antítese’”219. Como Machen, que

em seu Cristianismo e Liberalismo apresentou a noção antitética de que o

modernismo em teologia representava uma religião completamente diferente da fé

cristã, Van Til demonstrou a diferença radical entre cristãos e não-cristãos. A

distinção entre “observadores e quebradores do pacto” ilustra bem o ponto. O

pensamento e a vida de cristãos e não-cristãos estão em relação antitética. Eles

partem de pressupostos e cosmovisões inteiramente divergentes.

Há apenas dois tipos de pessoas no mundo: mantenedores do pacto e


quebradores do pacto. Quebradores do pacto são os (sic) que são em tudo
o que fazem; e mantenedores do pacto são os (sic) que são em tudo o que
fazem. Os quebradores do pacto tentam tornar Deus à imagem do homem,
e os mantenedores do pacto veem, com acerto, o homem à imagem de
Deus. Tal distinção, ainda que ousadamente declarada, indica a antítese
entre o crente e o incrédulo, em princípio220.

Conforme a descrição de Bahnsen, a antítese filosófica anda

acompanhada da antítese ética.

[…] Van Til defendia que não há pontos principais, princípios básicos
sistematicamente, ou verdades centrais na filosofia, nos quais a diferença
entre o cristão e o não-cristão não será vista. O conflito entre suas atitudes
sempre andará paralelo a uma antítese em suas perspectivas filosóficas. 221

Para Bahnsen, Van Til seguiu os insights de Kuyper, que ensinava haver

um conflito entre o “princípio natural” e o “princípio sobrenatural” de interpretação.

Mas ele argumenta que a antítese em Kuyper não atingia a totalidade do homem.

219 Frame, Cornelius Van Til, p. 42.


220 Van Til, O pastor reformado e o pensamento moderno, p. 77.
221 Bahnsen, Van Til’s apologetic, p. 273-4. Tradução livre: […] Van Til held that there are no main
points, systematically basic principles, or central truths in philosophy where the disagreement between
the believer and the unbeliever will not be seen. The conflict between their attitudes always goes hand
in hand with an antithesis in their philosophical outlooks.
"89

Van Til teria expandido o pensamento kuyperiano aplicando a ideia de antítese de

maneira sistemática e total222.

No pensamento de Van Til, contudo, antítese não é algo que caracteriza

apenas a relação entre cristãos e não-cristãos, mas também a relação entre os

reformados e os demais grupos dentro do cristianismo protestante. Ele costumava

indicar os problemas severos contidos nos sistemas luterano, arminiano, e até no

“calvinismo menos consistente”223 .

Um contrapeso à noção de antítese no pensamento vantiliano é o seu

conceito de graça comum. Em sua análise, a formulação kuyperiana da graça

comum sofre um desenvolvimento nas obras daquele teólogo-estadista.

Inicialmente, Kuyper teria trabalhado a noção de graça comum como algo negativo,

isto é, como a restrição do pecado no processo de desenvolvimento histórico.

Posteriormente, uma noção positiva teria sido desenvolvida: o pecador receberia

dádivas da graça, que lhe permitiriam produzir coisas boas, para o florescimento da

humanidade224.

Van Til é menos otimista do que Kuyper. Enquanto o aspecto do potencial

criativo parece ter tomado proporções maiores na proposta do último (e de seus

seguidores), em Van Til o aspecto básico permanece o da restrição do mal. Ainda

assim, o professor de Westminster não nega que o incrédulo possa ter virtudes.

E pelo esforço do Espírito Santo os homens não podem ser completamente


insensíveis a essa bondade de Deus. A sua hostilidade é refreada em
alguma medida. Eles não podem deixar de amar o que é honesto, nobre e
verdadeiro. Eles têm muitas virtudes que frequentemente os fazem
melhores vizinhos do que os próprios cristãos. E, como tal, eles podem
cooperar com cristãos na busca pela verdade na ciência. Eles podem

222 Bahnsen, Van Til’s apologetic, p. 274.


223 Cf. Van Til, The defense of the faith, p. 79.
224 VAN TIL, C. Common grace. Philadelphia, PA: Presbyterian and Reformed, 1947. p. 15.
"90

contribuir em virtude de sua constituição metafísica; eles podem cooperar


em virtude da limitação ética da graça comum.225

Para Van Til, o rompimento que promove a antítese fundamental entre

quebradores e observadores da aliança se dá nas esferas ética e epistemológica. O

aspecto metafísico, porém, permanece menos alterado — o homem continua a

depender de Deus para existir, e continua formado à imagem e semelhança do

Criador. Dessa maneira, conquanto cristão e incrédulo estejam em absoluta antítese

no campo da ética e da epistemologia, ambos se encontram no campo metafísico.

Na descrição de Van Til, a graça comum atua, não permitindo que o incrédulo seja

plenamente consistente em sua vida226. É essa inconsistência, manifesta no campo

epistemológico, que permite o desenvolvimento da ciência, e que, manifesta no

campo ético, permite a vida em sociedade.

O próprio Van Til é exemplo útil para esse ponto. Embora tenha

permanecido crítico do idealismo em filosofia, o holandês se apropriou de muito do

que os idealistas ensinavam, como a importância dos pressupostos no pensamento,

e a necessidade de um método de implicação, inicialmente denominado desta

maneira por Van Til, mas posteriormente chamado de método indireto, ou

transcendental. Uma citação mais extensa de Oliphint pode comprovar o ponto:

Deve-se dizer que, a essa altura, Van Til havia tomado seriamente o
idealismo de seus dias. Era o idealismo que reivindicava que todos os fatos
finitos têm seu significado apenas em relação ao Absoluto. Era o idealismo
que promovia a importância das pressuposições em todo o pensamento.
Era, semelhantemente, o idealismo que anunciava ter um método de
implicação. Repetidamente, Van Til se referia à obra de Bosanquet

225 Van Til apud Bahnsen, Van Til’s apologetic, p. 430. Tradução livre: And by the striving of the Spirit
men cannot be wholly insensitive to this goodness of God. Their hostility is curbed in some measure.
They cannot but love that which is honest and noble and true. They have many virtues that often make
them better neighbors than Christians themselves are. And as such they can cooperate with believers
in seeking the truth in science. They can contribute by virtue of their metaphysical constitution; they
can cooperate by virtue of the ethical restraint of common grace.
226 Van Til, The defense of the faith, p. 169.
"91

“Implication and linear inference”. Contudo, ao mesmo tempo, deve ser dito
e enfatizado como todo-importante que Van Til era crítico de tudo o que o
idealismo afirmava ser verdade! Isso significa dizer que Van Til pegou o que
formalmente verdadeiro no idealismo (devido à graça comum) e o
transplantou para a fé cristã reformada, lá nutrindo e regando para a fruição,
porque somente no “solo” cristão tais ideias formalmente verdadeiras
poderiam ter seu lugar apropriado de crescimento.227

A obra de Van Til lida com os temas acima descritos. Categorizados em

metafísica, epistemologia e ética, estão os aspectos fundamentais do ser de Deus,

da constituição humana e seu conhecimento em analogia, bem como do pacto e

seus efeitos para a humanidade.

2.2.3 O método apologético de Van Til

Tendo apresentado os contornos gerais do pressuposicionalismo de

Cornelius Van Til, é necessário considerar a aplicação desse sistema de

pensamento. Como, de modo prático, a apologética reformada, nos moldes

vantilianos, se diferencia de outros métodos de defesa da fé? Como Cornelius Van

Til discute o método apologético em seu sistema?

Van Til não providenciou modelos concretos de aplicação do seu sistema

de pensamento. A única aplicação clara feita por ele é o livreto “Porque creio em

Deus”. Ainda assim, Van Til discute a questão metodológica em suas obras, por

considerá-la tão importante quanto a fundamentação teórica da apologética.

227 OLIPHINT, S. The consistency of Van Til’s methodology. Westminster Theological Journal,
Philadelphia, 52, n.1, p. 27-49, 1990. p. 34. Minha tradução: It must be said at this point that Van Til
has taken seriously the idealism of his day. It was idealism that contends that all finite-facts have their
meaning only in relation to the Absolute. It was idealism that promoted the importance of
presuppositions in all thought. It was accordingly idealism that claims to have a method of implication.
Time and again, in his early writings, Van Til referes to Bosanquet’s work, Implication and Linear
Inference. Yet at the same time it must be said and emphasized as all-important that Van Til was
critical of all that idealism held to be true! That is to say, Van Til took that which was formally true in
idealism (due to common grace) and transplanted it into the Reformed Christian faith and there he
nurtured and watered it to fruition because only in Christian “soil” could these formally true ideas have
their proper growing place.
"92

Materiais como The defense of the faith 228 e “Apologética cristã”229 possuem

capítulos separados para tratar do método em apologética. Além disso, seu discípulo

Greg Bahnsen230 organiza trechos de materiais variados para fornecer uma visão

mais sistemática do método em Van Til.

O professor de Westminster prezava pela coerência, como pode ser visto

em seu esforço por adequar sua visão apologética à sua visão teológica. Essa

mesma busca por consistência caracteriza as discussões de Van Til sobre o método

apologético. Segundo ele, era necessário haver continuidade entre a visão cristã do

homem e a visão cristã do método, pois elas fazem parte da posição cristã como um

todo231. Em suas palavras, “um método reformado de apologética deve buscar

defender a cosmovisão reformada como o cristianismo realmente é”232. Seria

impossível para o apologeta reformado, agir de modo semelhante ao católico

romano e ao arminiano, que concordam “com o incrédulo em seus princípios de

metodologia, a fim de averiguar se o teísmo cristão é ou não verdadeiro”233.

A crítica vantiliana a essa abordagem começa pela percepção de que

tanto católicos romanos quanto arminianos desconsideram a realidade da antítese.

Por não perceberem a radicalidade da diferença em termos de pressupostos e

cosmovisão, tais apologetas acreditam que a questão da metodologia é um “assunto

neutro”. Tal reconhecimento de neutralidade manifesta, não apenas a perda da

antítese, como também um assentimento às interpretações que o incrédulo tem

228 Van Til, The defense of the faith, p. 96-122.


229 Van Til, Apologética cristã, p. 95-119.
230 Bahnsen, Van Til’s apologetic, p. 461-697.
231 Van Til, Apologética cristã, p. 95.
232 Ibid., p. 95.
233 Ibid., p. 96.
"93

acerca de si, como se ele pudesse chegar ao conhecimento da verdade a partir de

sua falsa cosmovisão.

O método tradicional de apologética sugere essa concessão ao não-

cristão. Sua ênfase primeira nos “fatos” ou “evidências”, e sugestão de que a

apresentação de tais fenômenos comprobatórios seria suficiente para persuadir o

incrédulo e promover a sua transformação, manifesta uma percepção positiva das

potencialidades humanas.

Conforme a explicação providenciada por Bahnsen, essa percepção

positiva leva a uma abordagem que busca neutralidade religiosa, e o alcance do

não-cristão por meio de argumentos acessíveis a ele.

Tradicionalmente, os apologistas têm encorajado todas as partes [no


debate] a deixar de lado suas pressuposições religiosas; nem o cristão, nem
o incrédulo devem tomar por garantido aquilo que objetivam provar sobre a
religião, mas [devem] argumentar de maneira religiosamente neutra,
começando com critérios e fatos que são comumente aceitos por homens
“racionais” 234.

Sobre essa base o reconhecimento da necessidade da luz da Escritura é

perdido, e o “mundo natural” é dotado de autossuficiência, como evidência dos

pontos que se pretende estabelecer235. E o processo é definido em termos de duas

etapas: primeiramente se busca demonstrar, a partir da natureza, a realidade de

uma dimensão sobrenatural, e a existência de uma divindade; depois disso, apela-se

a evidências históricas e naturais, na tentativa de comprovar a veracidade de relatos

bíblicos, a fim de estabelecer a confiabilidade provável das Escrituras,

especialmente no que diz respeito a Jesus, e então se chegar ao Deus cristão. Van

Til discorda intensamente de tal proposta. Para ele, o esforço de provar a mera

234 Bahnsen, Van Til’s apologetic, p. 530.


235 Cf. Ibid., p. 531.
"94

probabilidade de Deus, ou, ainda, de provar que uma “divindade em geral" existe é

inútil e infrutífero.

[O apologeta protestante] está comprometido com a defesa do teísmo


cristão como uma unidade. Para ele o teísmo não é realmente teísmo,
exceto se for o teísmo cristão. O apologeta protestante não está interessado
em provar a existência de qualquer outro Deus que não aquele que falou ao
homem de forma possuidora de autoridade e final nas Escrituras236.

O método tradicional, para Van Til, é carente de boa fundamentação

teológica, bem como de consistência filosófica. Para o professor de Westminster, o

sistema mais coerente de compreensão da Escritura é a Teologia Reformada. Ali,

com doutrinas como a depravação total e a absoluta soberania de Deus, é possível

entender a realidade de maneira adequada. Ele afirma textualmente que “apenas na

fé reformada existe uma inflexível declaração das principais doutrinas do

cristianismo”237. Os sistemas não-reformados falham em aspectos metafísicos, como

a distinção entre Criador e criatura; e não compreendem corretamente aspectos

epistemológicos e éticos, como os efeitos noéticos do pecado.

O método apologético que concede ao homem a possibilidade de

compreender o mundo a partir de sua racionalização e observação dos fenômenos

da natureza, nega a percepção mais profunda de que tal homem foi completamente

afetado pelo pecado. A abordagem que vislumbre a realidade de um “terreno neutro”

no qual o cristão e o incrédulo se encontrem, falha em perceber a antítese

fundamental, por meio da qual toda neutralidade é extinta, visto que o quebrador do

pacto não apenas abandonou o Criador como ponto de referência último da

realidade, mas agora tenta se estabelecer nesse lugar soberano. McGrath, por

236 Van Til, Apologética cristã, p. 103.


237 Ibid., p. 109.
"95

exemplo, utiliza Calvino para falar do “teatro de Deus” — o mundo observável —

como revelação238, e enfatiza a realidade da criação e da redenção239, mas dedica

pouco espaço à doutrina da Queda. Para ele, o ponto de contato deve ser a criação

— a partir da observação do mundo, o incrédulo pode vir ao conhecimento da

Escritura, e, posteriormente, de Deus. Não é demonstrado de que maneira a

observação da realidade será suficiente para torná-lo convencido de que a Escritura

é a verdade. Desse modo, partir de premissas teológicas que não estejam de acordo

com a Teologia Reformada é a garantia de inconsistências e falhas na vindicação da

fé.

Ainda assim, até o desenvolvimento da proposta vantiliana, o método

criticado era desposado não apenas por arminianos, mas também por reformados.

Van Til escreve sobre a sua surpresa em perceber tal realidade.

Decidindo, então, seguir os reformadores na teologia, era natural que eu


tentasse fazer o mesmo na apologética. Observei, então, apologetas
reformados, como Warfield, Greene, e outros. O que encontrei? Encontrei
os teólogos do “Cristo autolegitimado” defendendo sua fé com um método
que negava precisamente este ponto! 240

Conforme Bahnsen, “a maneira tradicional de defender a fé cristã reflete

ou uma versão não-reformada da fé, ou (se o apologeta é reformado), um

isolamento do método apologético da teologia”241. Tal isolamento representa prejuízo

para a apologética, na medida em que não flui de um sistema teológico consistente.

238 McGrath, Apologética cristã no século XXI, p. 42


239 Ibid., p. 51.
240 Van Til, My credo. In: Geehan, Jerusalem and Athens, p. 10. Tradução livre: Deciding, therefore, to
follow the Reformers in theology, it was natural that I attempt also to do so in apologetics. I turned to
such Reformed apologists as Warfield, Greene and others. What did I find? I found the theologians of
the “Self-attesting Christ”, defending their faith with a method which denied precisely that point!
241 Bahnsen, Van Til’s apologetic, p. 531. Tradução livre: The traditional way of defending the Christian
faith reflects either a non-Reformed version of the faith or (if the apologist is Reformed) an isolation of
apologetical method from theology.
"96

Como, então, o apologeta reformado deve proceder em sua abordagem?

Pode-se definir a metodologia vantiliana apontando três características

fundamentais: o argumento por pressuposição, o método indireto e o método

transcendental.

Para Van Til, “um método de argumento apologético consistentemente

cristão, em concordância com sua própria concepção básica do ponto de partida242,

deve envolver a argumentação por pressuposição”243. Basicamente, “argumentar por

pressuposições é ressaltar os princípios epistemológicos e metafísicos que

sustentam e controlam cada método”244. O tipo de argumentação sugerida por Van

Til, portanto, reconhece, de início, o lugar dos pressupostos na maneira como

qualquer pessoa entende a realidade. Algumas implicações da argumentação

pressuposicional podem ser destacadas.

A primeira é que o apologeta cristão deve estar consciente das suas

pressuposições. Ele deve pressupor a Trindade Ontológica e as Escrituras em seu

sistema, sob pena de não defender o teísmo cristão. Nas palavras de Van Til: “Um

verdadeiro apologeta protestante deve, portanto, começar da pressuposição de que

o Deus triuno, Pai, Filho e Espírito Santo, fala a ele com absoluta autoridade na

Escritura”.245

242“Ponto de partida” é semelhante a “ponto de contato” no pensamento de Van Til. Trata-se do lugar
onde há o encontro inicial entre cristão e incrédulo, de onde é possível travar o diálogo. Cf. Van Til,
Apologética cristã, p. 67: “Existe alguma área conhecida de ambos [crente e incrédulo] que possa ser
usada como ponto de partida para conduzir àquilo que é conhecido pelos crentes, mas desconhecido
pelos incrédulos?”
243 Van Til, Apologética cristã, p. 98.
244 Ibid.
245 Van Til, The defense of the faith, p. 179. Minha tradução: A truly Protestant apologetic must
therefore make its beginning from the presupposition that the triune God, Father, Son and Holy Spirit,
speaks to him with absolute authority in Scripture.
"97

A segunda implicação é a inexistência de qualquer neutralidade na

maneira de conhecer as coisas.

A despeito da reivindicação de neutralidade por parte do incrédulo, o


apologeta reformado deve mostrar que todo método, tanto o supostamente
neutro, como qualquer outro, pressupõe ou a veracidade ou a falsidade do
teísmo cristão.246

Para um apologeta cristão não existem “fatos brutos”247 . Todas as

evidências e os fenômenos naturais ou históricos são compreendidos a partir dos

pressupostos do observador.

O apologeta reformado, portanto, reconhece o lugar das pressuposições,

percebe a antítese entre a cosmovisão do cristão e a do incrédulo, e passa a

confrontar os pressupostos da incredulidade.

Isso é possível, por que, como sustenta o professor de Westminster, “o

método de argumentação por pressuposição é um método indireto ao invés de

direto”248. Explicando este fato, Van Til defende que embora a antítese entre cristãos

e incrédulos repouse na aceitação e rejeição do teísmo cristão, a discussão acerca

deste ponto não pode ser concluída com o apelo direto a “fatos”, ou “leis”, pois não

há um significado comum entre cristãos e não-cristãos. Os cristãos observam os

“fatos” a partir do teísmo cristão, enquanto os incrédulos enxergam os mesmos

fenômenos, pressupondo a falsidade do teísmo cristão. Van Til, então, dá um passo

atrás, e coloca uma questão anterior: qual é o ponto de referência para definir o

significado dos “fatos” e “leis”? O que são, na verdade, esses “fatos” e “leis” —

aquilo que os cristãos dizem que são, ou o que os incrédulos afirmam ser? Van Til

246 Van Til, Apologética cristã, p. 105.


247Ibid., p. 143: “Como o homem natural assume a ideia dos fatos brutos na metafísica, e a ideia de
autonomia da mente humana na epistemologia, o apologeta reformado percebe que deve em primeiro
lugar desafiar essas noções.”
248 Ibid., p. 99.
"98

assevera, assim, que a resposta a essa questão não pode ser obtida diretamente,

mas apenas através do esforço de demonstrar como, a partir dos pressupostos do

incrédulo, “os ‘fatos’ não são fatos e as ‘leis’ não são leis”249 . O cristão também deve

pedir que o não-cristão assuma a sua visão para efeitos do argumento, a fim de

demonstrar como, apenas com os pressupostos cristãos, há sentido para os “fatos”

e “leis”.

O uso do método indireto argumenta pela “impossibilidade do contrário”.

Ao assumir a visão do oponente e levá-la às suas consequências finais, o cristão

busca demonstrar que, a menos que o teísmo cristão seja pressuposto, toda a

capacidade de compreender a realidade está perdida.

Oliphint demonstra que o argumento pela impossibilidade do contrário é

tão antigo quanto a formação educacional de Van Til. Em sua tese de doutorado,

“Deus e o absoluto” (1927), o holandês já trabalha com esse argumento.

É bom notar de uma vez a natureza do argumento; é transcendental e não


formalmente lógico. Um argumento em favor da existência de Deus
baseado na lógica formal implicaria a habilidade de definir Deus e chegar a
uma racionalidade abrangente de toda a nossa experiência. Um argumento
transcendental, pelo contrário, é negativo na medida em que arrazoa pela
impossibilidade do contrário.250

A proposta, portanto, manteve-se consistente ao longo do

desenvolvimento intelectual de Van Til, à medida que se dava o refinamento de sua

perspectiva apologética. Argumentar pela impossibilidade do contrário é demonstrar

o caminho possível: somente com os pressupostos corretos a inteligibilidade é

possível.

249 Van Til, Apologética cristã, p. 99.


250Van Til apud OLIPHINT, S. The consistency of Van Til’s methodology. Westminster Theological
Journal, Philadelphia, 52, n.1, p. 27-49, 1990.
"99

Os termos até então utilizados como características, na verdade denotam

uma mesma abordagem, indicando nuances peculiares. O argumento por

pressuposição aponta para a necessidade de se perceber e trabalhar no âmbito dos

pressupostos e cosmovisão; o método indireto indica a inadequação de qualquer

tentativa de argumentar apelando a “fatos” ou “leis” — evidências em geral —, pois

cada fato é interpretado conforme o sistema do observador; o argumento pela

impossibilidade do contrário sugere que o cristão assuma a visão do incrédulo,

demonstrando como, em seu sistema, a inteligibilidade é impossível.

Outra característica é o que denominamos de método transcendental.

Oliphint informa que o uso do termo transcendental tem origem em Kant251 . Segundo

ele, Van Til estaria “fazendo as mesmas perguntas” que o filósofo alemão, porém

“em um contexto totalmente diferente”252 . O método transcendental lida com as pré-

condições do conhecimento 253. A estratégia é de, considerando tais pré-condições,

que podem ser tanto a capacidade cognitiva humana, quanto as pressuposições do

homem, demonstrar que apenas no sistema cristão de compreensão do mundo

existe consistência e as condições anteriores são devidamente alcançadas 254.

Frame resume os elementos básicos do método vantiliano, e sugere uma

compreensão pautada em três aspectos.

Temos, agora, diante de nós, os elementos básicos do método apologético


de Van Til: (1) ele busca mostrar que toda inteligibilidade depende de, ou
pressupõe, o teísmo cristão. (2) Ele é indireto ao invés de direto, negativo
ao invés de positivo, ad hominem ao invés de ad rem, essencialmente um
reductio ad absurdum. (3) Ele requer que cada membro da discussão se

251 Oliphint, The consistency of Van Til’s methodology, p. 30.


252 Ibid., p. 30.
253Bahnsen, Van Til’s apologetic, p. 499: Kant propôs se engajar na análise transcendental, que
questiona quais são as pré-condições para a inteligibilidade da experiência humana. Sob quais
condições ela é possível, ou o que também teria de ser verdadeiro para que ela fosse possível, para
a experiência de mundo de alguém fazer sentido? Buscar as condições transcendentais para
conhecer é perguntar o que é pressuposto por qualquer experiência inteligível. (tradução livre)
254 Oliphint, The consistency of Van Til’s methodology, p. 32.
"100

coloque na posição do oponente “para efeitos do argumento” a fim de


mostrar como tal posição afeta a inteligibilidade da predicação.255

A descrição de Frame e o breve relato do método vantiliano acima

indicam a prática sugerida por Van Til. Duas imagens concretas podem ser utilizadas

para ilustrar a práxis apologética de Van Til: entrar no terreno do oponente, e retirar a

sua “máscara de ferro”.

Entrar no terreno do oponente é, essencialmente, a prática de assumir,

para os efeitos de argumentação, a cosmovisão do incrédulo, a fim de, raciocinando

“de dentro”, demonstrar como raciocinar, a partir das premissas da incredulidade, é

inconsistente256. Ao entrar no terreno do oponente, o cristão não se torna um

incrédulo efetivamente, mas busca avaliar o sistema não-cristão em sua lógica

interior. É verdade que a crítica ainda será realizada por alguém de fora257, com uma

cosmovisão diferente, mas a ideia é demonstrar que a racionalidade “autônoma” não

passa no próprio teste.

A outra imagem adotada por Van Til, ao descrever a prática apologética, é

a de “retirar a máscara de ferro” do oponente. Na narrativa vantiliana, o incrédulo é

um homem utilizando uma espessa e resistente máscara de ferro, que tanto

compromete a sua observação e compreensão do mundo, quanto o protege de ser

exposto à realidade. É tarefa do apologeta cristão retirar essa máscara de seu

oponente, a fim de deixá-lo sem defesa quanto à verdade.

Em seu âmago o homem natural sabe que é criatura de Deus. Ele também
sabe que é responsável diante deste Deus. Ele sabe que deveria viver para

255 Frame, Cornelius Van Til, p. 314-5. Tradução livre: We now have before us the basic elements of
Van Til’s apologetic method: (1) It seeks to show that all intelligibility depends on, or presupposes,
Christian theism. (2) It is indirect rather than direct, negative rather than positive, ad hominem rather
than ad rem, essentially a reductio ad absurdum. (3) It requires each member of the discussion to
“place himself upon” his opponent’s position “for the sake of argument” in order to show how that
position affects the intelligibility of predication.
256 Van Til, Apologética cristã, p. 99.
257 Para uma avaliação mais detida desta prática, cf. Frame, Cornelius Van Til, p. 320-322.
"101

a glória de Deus, e que em tudo que faz deveria enfatizar que a área da
realidade que ele investiga está marcada com o selo de propriedade de
Deus. Contudo, ele suprime o conhecimento de si mesmo, tal como ele é.
Ele é o homem com a máscara de ferro. Um método verdadeiro de
apologética deve buscar destruir essa máscara. 258

Segundo Van Til, “é precisamente a pregação e a apologética reformada

que tira a máscara do pecador e o compele a olhar para si mesmo e para o mundo

como realmente são”259.

Uma última questão ainda deve ser mencionada neste tópico: as críticas

ao método de Van Til. Basicamente, as críticas sofridas por Van Til, por causa de sua

abordagem apologética, sugerem que ele desconsiderava o lugar das evidências na

defesa da fé260. Mas, seria Van Til, de fato, contrário ao uso de evidências?

Não é difícil perceber que Van Til não era completamente contrário ao uso

de evidências por parte do apologeta cristão. Algumas de suas obras, bem como

alguns de seus comentadores, trazem luz à questão. Van Til elaborou um syllabus

denominado Christian-Theistic evidences, no qual discutiu o lugar das evidências na

apologética cristã. Neste trabalho ele argumentou que as evidências são “a defesa

do teísmo cristão contra qualquer ataque que possa ser levantado contra ele pela

‘ciência’”261.

Para o professor de Westminster, as evidências têm o seu lugar. E tal

lugar não é o de uma disciplina separada da apologética; nem o da busca por “fatos

brutos”, que, por si só, estabeleçam a verdade de uma questão. As evidências

devem ser utilizadas junto à apologética, e ambas devem defender o teísmo cristão,

258 Van Til, Apologética Cristã, p. 100.


259 Ibid., p. 145.
260Para uma lista de críticos que destacam este aspecto, cf. NOTARO, Thom. Van Til & the use of
evidence. Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed, 1980. p. 15.
261VAN TIL, C. Christian-Theistic evidences: In defense of biblical christianity, vol. 6. Phillipsburg,
NJ: Presbyterian and Reformed, 1978. p. i-ii.
"102

sem abrir espaço para um “teísmo genérico”. O apelo aos fatos também deve vir

dentro da compreensão mais ampla de que são necessários os pressupostos

corretos para se interpretar as evidências — sem isso, qualquer “prova” se torna

ineficaz.

Para Greg Bahnsen, “o pressuposicionalismo não desencoraja a prova

teística nem por um momento”262; a diferença está no fato de que o método

tradicional observa as evidências e o seu uso de maneira diferente, em uma base

autônoma. Thom Notaro afirma que “Van Til tem mais coisas gentis a dizer sobre as

evidências e o uso da razão do que podem parecer aos olhos, de início”263. Ele

lembra do apologeta, em seu The defense of the faith, afirmando não rejeitar a prova

teística, mas insistir em que ela seja formulada de maneira que não comprometa as

doutrinas da Escritura264. As evidências e provas, portanto, são valorizadas por Van

Til, desde que tenham por base os pressupostos corretos, isto é, não sejam vistas

como armas a serem usadas em um terreno neutro onde pisam tanto o cristão

quanto o incrédulo.

2.3 Cornelius Van Til e o ponto de contato

Existe algo acerca do qual cristãos e incrédulos concordam? Existe alguma


área conhecida de ambos que possa ser usada como ponto de partida para
conduzir àquilo que é conhecido pelos crentes, mas desconhecido pelos
incrédulos? E, será que existe um método comum de conhecimento dessa
“área conhecida” que possa simplesmente ser aplicado àquilo que o
incrédulo não conhece, a fim de convencê-lo de sua existência e
veracidade? 265

262 Bahnsen, Van Til’s apologetic, p. 614.


263 Notaro, Van Til & the use of evidences, p. 16.
264 Van Til, The defense of the faith, p. 197.
265 Van Til, Apologética cristã, p. 67.
"103

Pensar sobre o ponto de contato na apologética é considerar se é

possível um diálogo entre o cristão e o incrédulo, e como ele pode ser estabelecido.

Trata-se de identificar esse “lugar” comum entre ambos, no qual eles se

encontrariam e teriam uma conversa inteligível.

Van Til estabelece a realidade de uma antítese fundamental entre cristão

e incrédulo, e por isso responderá as perguntas levantadas na citação anterior

afirmando que “será praticamente impossível […] achar uma área comum de

conhecimento entre crentes e incrédulos, a não ser que haja acordo entre eles

acerca da natureza do homem. Mas tal concordância não existe”266.

Para Van Til, a visão do ponto de contato está atrelada ao sistema mais

amplo de conhecimento, e, sua teoria sobre ele é apresentada no contraste entre as

diferentes perspectivas apologéticas. Primeiramente, Van Til contrapõe o sistema

protestante com o católico romano. Sua tese é que “Roma possui uma doutrina

defeituosa (1) com respeito à natureza do homem como criado e (2) com respeito ao

efeito da entrada do pecado sobre a natureza humana”267 . Ele demonstra que, no

catolicismo, a justiça original não é algo natural do homem criado, mas um dom

concedido por Deus. Com a Queda, o homem não teria perdido essencialmente a

sua condição, mas apenas um dom exterior, permanecendo intacto em sua

natureza. O cristianismo apresentado a esse homem, portanto, é tratado como mera

“informação adicional àquilo que ele já possui”268. Para Van Til, essa visão seria a

reprodução do aristotelismo na religião cristã. Ele segue fazendo contraste dessa

proposta com a de João Calvino e Charles Hodge, para, finalmente, apresentar o

impacto dela sobre o ponto de contato:

266 Van Til, Apologética cristã, p. 68.


267 Van Til, Apologética cristã, p. 72.
268 Ibid., p. 73.
"104

Concluímos, então, que é natural e consistente para a apologética católico-


romana buscar seu ponto de contato com o incrédulo em uma ‘área comum’
de conhecimento. A teologia católico-romana concorda com a alegação
essencial daqueles a que, buscam persuadir, de que a consciência que o
homem tem de si mesmo e dos objetos do mundo é inteligível sem
referência a Deus269.

Esse é, para Van Til o ponto focal da divergência entre católicos e

protestantes, visto que, no protestantismo, a Queda afetou severamente o homem, e

se faz necessário ter Deus como ponto de referência para conhecer a realidade. O

catolicismo não desafia a noção autorreferente do homem, e assim, na

apresentação de seus argumentos em favor do cristianismo, permite que o incrédulo

os interprete conforme o seu falso padrão.

Depois, Van Til estabelece uma antítese entre o protestantismo de

convicção calvinista e o de convicção não-calvinista. Ele afirmava que, conquanto

exista a grande diferença apresentada anteriormente entre católicos e protestantes,

“nem todo o protestantismo tem sido completamente fiel ao princípio protestante”270.

O evangelicalismo — nomenclatura dada ao cristianismo não-reformado — guardou

algo do romanismo, no sentido de observar o homem como menos afetado pelo

pecado do que a Bíblia diz que ele foi, e de perceber a Deus como menos poderoso

e central do que a Escritura afirma ser271. O exemplo escolhido por Van Til é o do

bispo Joseph Butler, que escreveu o livro The analogy of religion natural and

revealed to the constitution and course of nature. Para o professor de Westminster, o

método empregado na apologética de Butler é semelhante ao de Tomás de Aquino,

e de parte do arminianismo. Por isso, ele ainda observa positivamente a razão

269 Ibid., p. 77.


270 Van Til, Apologética cristã, p. 78.
271 Ibid., p. 79.
"105

humana, confiando que, pelo uso adequado das faculdades racionais, alguém

poderia se tornar cristão.

Finalmente, Van Til estabelece uma terceira antítese: entre o calvinismo

consistente, e o “menos consistente”272. Neste ponto a sua interação se dá com

Hodge e Warfield, os mesmos a quem ele havia apelado para apresentar a distinção

da fé reformada em relação às demais. Van Til critica esses teólogos reformados,

afirmando que ambos não foram tão longe quanto poderiam na aplicação do sistema

de pensamento calvinista. Hodge ainda reserva algum lugar para a razão, sem

discutir como a racionalidade humana está afetada pelo pecado. Com isso, o apelo

ao intelecto e às evidências, além de faltar com o ensino bíblico, pode ser

interpretado de maneira oposta à pretendida pelo apologeta. Van Til entendia que

pedir ao não-cristão que, com sua razão, julgue a credibilidade e evidência da

revelação seria praticamente pedir “ao homem natural que aceite simplesmente o

cristianismo que, em sua concepção pervertida da natureza humana, ele puder

aceitar, e nada mais que isso”273. Sintetizando sua argumentação, Van Til sustenta

que “a principal dificuldade com a posição de Hodge nessa questão do ponto de

contato, então, é que sua posição não faz uma distinção clara entre a natureza

original e a natureza decaída do homem”274 . Ao sugerir o apelo nesses termos,

Hodge trabalha com uma abstração que tem pouca ou nenhuma conexão com a

realidade275 , e o resultado é que “o apologeta não somente será desleal para com

272 Ibid., p. 80.


273 Van Til, Apologética cristã, p. 82.
274 Ibid., p. 82.
275 Van Til, Apologética cristã, p. 84: “Tais abstrações não existem no universo dos homens. Sempre
lidamos com indivíduos concretos”.
"106

sua própria doutrina do homem como criatura de Deus, como também falhará em

seu propósito se apelar a uma espécie de ‘consciência comum do homem’”276.

Observando o desenvolvimento de suas críticas, Van Til reconhece que

elas atuam de maneira limitadora.

O que tem sido dito até aqui parece extremamente desanimador. Pode
parecer que o argumento até agora nos leva a uma negação da existência
de qualquer ponto de contato com o incrédulo. Não é verdade que os
homens precisam ter algum contato com a verdade se quiserem ampliar seu
conhecimento da mesma? Se os homens são totalmente ignorantes quanto
à verdade, como poderiam se interessar por ela? Se são totalmente cegos,
por que mostrar-lhes as cores do espectro? Se eles são surdos, por que
levá-los à academia de música?277

O estabelecimento das limitações anteriores funcionou para demonstrar

que apenas na percepção reformada do ponto de contato o problema pode ser

devidamente considerado. O dilema posto é que, se o homem é completamente

ignorante, nada há que possa ser feito para despertá-lo; por outro lado, se nele há

interesse pela verdade, é porque ele já possui os elementos da verdade em si

mesmo. Como, então, fugir do dilema?

Enquanto o protestantismo evangelical e o romanismo buscam encontrar

o ponto de contato em um “conhecimento comum”, o calvinismo desafia a noção de

uma mente humana autossuficiente, afirmando-a como derivativa, e reconhecendo,

na doutrina da criação e do pacto, a realidade de que o homem está cercado pela

revelação de Deus. Van Til vai além e afirma que esse homem não apenas está

cercado pela revelação de Deus, como traz em sua constituição o conhecimento de

Deus.

Nenhum homem pode escapar ao conhecimento de Deus. Este


conhecimento está indelevelmente envolvido na consciência que ele possui
de toda e qualquer coisa. Então, o homem deve, como diz Calvino,

276 Ibid., p. 84.


277 Ibid., p. 85-6.
"107

reconhecer a Deus. Não há desculpa se ele não o fizer. A razão para que
falhe em reconhecer a Deus reside exclusivamente nele. É a sua
transgressão intencional da lei do seu ser.278

Van Til descreve o homem natural como alguém que possui

conhecimento de Deus, mas, procura suprimi-lo. “O homem natural é como alguém

que fica constantemente jogando água em um fogo que não pode ser apagado”279,

afirma Van Til.

Para Van Til, portanto, é de fundamental importância na apologética que a

visão acerca de si adotada pelo homem seja desafiada. O romanismo e o

evangelicalismo, ao não fazerem isso, admitem que a autoavaliação realizada pelo

incrédulo está correta. Mas Van Til entendia que, se tal interpretação permanecer

intacta, o ponto de contato adotado pelo apologeta será ineficaz, além de anti-

bíblico.

Porque, se permitirmos a legitimidade da suposição do homem natural


acerca de si mesmo como ponto de referência último na interpretação em
qualquer dimensão, então não poderemos negar seu direito de interpretar o
próprio cristianismo em termos naturalistas 280.

Sendo assim, Van Til afirma que: “o ponto de contato para o evangelho281,

portanto, deve ser buscado dentro do homem natural”282. É a sua constituição como

imagem e semelhança de Deus que viabiliza o diálogo. A sua posição diante de

Deus, como ser pactual, também é fundamental na aproximação. “No fundo de sua

mente todo homem sabe que é uma criatura de Deus e responsável diante dele.

278 Van Til, Apologética cristã, p. 91.


279 Ibid., p. 92.
280 Van Til, Apologética cristã, p. 93.
281Faz-se digno de menção o uso do termo evangelho como equivalente de apologética. Para Van Til,
apologética e evangelização são inseparáveis.
282 Van Til, Apologética Cristã, p. 93.
"108

Todo homem, em seu íntimo, sabe que quebrou a aliança”283. “Existe um ponto de

contato garantido no fato de que todo homem foi feito à imagem de Deus e possui

impresso em sua natureza a lei de Deus”284.

Para Van Til, então, o ponto de contato não é encontrado em algo externo,

mas interno ao homem, e depende, em nível fundamental, da natureza de criatura e

de ser-em-aliança que o humano possui. O homem já está em contato com a

verdade, e gasta intensamente as suas energias no esforço de ocultá-la. Para o

professor de Westminster, a identificação do ponto neste locus é fator determinante

para a efetividade e fidelidade na apologética.

Somente ao encontrar o ponto de contato no senso de divindade que cada


homem possui escondido debaixo de sua própria concepção de auto-
consciência como ponto de referência último é que poderemos ser tanto
fiéis à Escritura quanto efetivos na argumentação com o homem natural.285

283 Ibid., p. 93.


284 Ibid., p. 93.
285 Van Til, Apologética cristã, p. 94.
"109

3 FRANCIS SCHAEFFER E O PONTO DE CONTATO NA APOLOGÉTICA

Tendo observado aspectos do sistema de Van Til, é possível passar à

observação do pensamento de Francis Schaeffer. O itinerário é semelhante: busca-

se identificar contornos gerais de sua proposta, com base na análise de seus livros,

bem como obter alguma compreensão de sua visão do ponto de contato na

apologética.

Schaeffer nunca pretendeu estabelecer um sistema de apologética. Na

verdade, ele nunca acreditou que um sistema apologético fosse eficaz. Ao tratar

desta questão no apêndice do livro O Deus que intervém, ele tentou demonstrar que

uma tentativa de sistematizar a apologética oferecendo "a abordagem final” é

inconsistente com a antropologia bíblica 286.

Schaeffer argumentava que não é adequado se esconder atrás de um

sistema apologético e deixar de ir atrás das pessoas onde elas estão.

[…] não sou um apologeta, se isto significar construir uma casa segura para
se morar, a fim de que nós cristãos possamos sentar-nos confortavelmente,
com segurança e tranquilidade. Os cristãos devem sair para o mundo tanto
como testemunhas quanto como sal, deixando de ficar sentados numa
fortaleza cercados por um fosso 287.

Nesse sentido, a apologética existe para servir, e não para ser servida. À

medida que um sistema deixa de ser instrumento para alcançar as pessoas e passa

a ser um fim em si mesmo, perdeu o objetivo da vindicação da fé.

A outra razão pela qual Schaeffer desacreditava sistemas absolutamente

abrangentes era a sua percepção da natureza humana. Para o fundador de L’Abri, é

impossível se aproximar das pessoas usando métodos rígidos ou mecânicos, pois o

286 Schaeffer, O Deus que intervém, p. 245-256.


287 SCHAEFFER, F. O Deus que intervém. São Paulo: Cultura Cristã, 2002. p. 245.
"110

fato de termos sido criados à imagem e semelhança de Deus, e, portanto, dotados

de personalidade, implica a complexidade de cada indivíduo, e exigir que as

pessoas sejam tratadas de maneira distinta. Forçar um molde sobre as pessoas é

desconsiderar a realidade e a importância da individualidade.

Quando nos voltamos para analisar em maiores detalhes como podemos


falar às pessoas do século 20, devemos enfatizar, antes de tudo, que não
existem regras mecânicas. Dentre todas as pessoas, deveríamos nos dar
conta disso, pois, como cristãos, acreditamos que a personalidade de fato
existe e é muito importante. Podemos estabelecer certos princípios gerais,
mas não pode haver aplicação automática. Se formos seres realmente
dotados de personalidade, enquanto criaturas de Deus, então cada
indivíduo será distinto de todo o resto do mundo. Por isso, é preciso lidar
com cada pessoa como indivíduo e não como caso, estatística ou máquina.
Se fôssemos trabalhar com estas pessoas, seria um contrassenso aplicar
os assuntos tratados neste livro de forma mecânica. Não podemos deixar
de apelar sempre para o Senhor em oração, e para a ajuda do Espírito
Santo, para que tudo isso seja aplicado de forma efetiva. 288

É possível perceber que Schaeffer não se opunha ao estabelecimento de

princípios gerais para uma abordagem apologética, mas à aplicação rigorosa desses

princípios, que segundo ele significava o achatamento da realidade, a transformação

de pessoas em máquinas, e a desconsideração da complexidade humana. Por isso,

ele achava estranho que alguém falasse numa “apologética de Schaeffer”, e

ressaltava continuamente que suas ideias não deveriam ser aplicadas como uma

fórmula.

Essa breve introdução ajuda-nos sobre como devemos nos aproximar dos

escritos do fundador de L’Abri. Devemos fazê-lo conscientes de que não é seu

objetivo estabelecer um sistema abrangente, nem princípios mecânicos. Na prática,

embora se possa organizar o material de Schaeffer, de modo que ele seja

apresentado com coerência e unidade, rigorosamente não podemos falar em um

288 Schaeffer, O Deus que intervém, p. 246.


"111

“sistema schaefferiano” sem violar a própria vontade do autor, e, portanto, revelar má

compreensão de sua obra.

3.1 Dificuldades na apreciação da apologética de Schaeffer

Porque Schaeffer não tem a pretensão de definir um sistema apologético,

a tarefa de definir o seu pensamento, e dar-lhe contornos de unidade encontra

maiores desafios. Ele não produziu um roteiro fundamental ou uma obra dedicada a

isso, embora em O Deus que intervém possa ser encontrado bastante material para

o tema. A maior parte das caracterizações precisa ser estabelecida através de um

passeio por seus livros e de deduções extraídas a partir de seus exemplos e

histórias.

Outro fator que dificulta a afirmação de uma “apologética schaefferiana” é

o fato de Schaeffer não escrever como um filósofo ou apologeta. Ele se denominava

um evangelista, e tinha pouca preocupação em escrever com riqueza de detalhes,

ou investir na precisão rigorosa das informações e conexões que fazia. Schaeffer

está preocupado com o "fluxo da história” mais do que com os seus detalhes

específicos. Por isso, suas análises são feitas em contornos amplos e gerais, sem a

preocupação de exaurir cada ponto.

Isso, obviamente, rendeu a Schaeffer muitas críticas. David Hoover

destaca negativamente a ausência de notas de rodapé e indicações das fontes

bibliográficas nos escritos de Schaeffer, bem como as generalizações a respeito de

Platão, Tomás de Aquino, Kant e alguns pensadores contemporâneos ao autor289.

Ele ilustra, mostrando que Schaeffer fala dos deuses de Platão, como muito

289 HOOVER, D. P. The apologetics of Francis Schaeffer. Lookout Mountain, Tennessee:


Interdisciplinary Biblical Research Institute (IBRI), 1981. Loc. 373. Kindle edition.
"112

pequenos para dar conta de unidade e diversidade290, enquanto é mais provável que

Platão fosse um ateu do que um politeísta. Para fundamentar seu ponto, Hoover

menciona o diálogo Eutífron, no qual, falando através de Sócrates, Platão parece

zombar da ideia de deuses no Olimpo291.

A crítica mais forte de Hoover à Schaeffer, no entanto, diz respeito à

apresentação que ele faz de Kant. Para Hoover, o fundador de L’Abri não lida bem

com a história da filosofia. Em A morte da razão, ele declara que Kant encontrou

dificuldade em relacionar o mundo fenomenal com o noumenal292. Hoover, porém,

contrapõe essa declaração, afirmando que, no sistema de Kant, não havia sequer

provas da existência de um mundo noumenal, das coisas-em-si 293. No sistema

kantiano, o mundo noumenal é apenas uma possibilidade, e, se existir, não serve

como o fornecedor dos universais, pois o conhecimento está restrito ao campo

fenomenal.

Outro fator merece consideração nas ressalvas iniciais sobre a tentativa

de se organizar o pensamento de Schaeffer em um tipo de sistema: parte

fundamental para se compreender apologética em Schaeffer não está em seus

escritos, nem em seus vídeos ou palestras, mas no trabalho de L’Abri. É na

comunidade organizada na Suíça que as ideias de Schaeffer foram formuladas,

290SCHAEFFER, F. He is there and He is not silent. In: SCHAEFFER, Francis. The complete works
of Francis Schaeffer, vol. 1. Westchester, IL: Crossway Books, 1982. p. 286-287: […] Only a
personal-infinite God is big enough. Plato understood that you have to have absolutes, or nothing has
meaning. But the difficulty facing Plato was the fact that his gods were not big enough to meet the
need. So although he knew the need, the need fell to the ground because his gods were not big
enough to be the point of reference or place of residence for his absolutes, for his ideals.
291 Hoover, Op. Cit., loc. 381.
292 SCHAEFFER, F. Escape from reason. In: SCHAEFFER, Francis. The complete works of Francis
Schaeffer, vol. 1. Westchester, IL: Crossway Books, 1982. p. 227: Kant’s system broke upon the rock
of trying to find a way, any way, to bring the phenomenal world of nature into relationship with the
noumenal world of universals. The line between the upper and lower stories is now much thicker—and
is soon to become thicker still.
293 Hoover, Op. Cit, loc. 381.
"113

testadas e aplicadas de modo mais consistente. Sem a consideração de L’Abri, os

escritos schaefferianos poderão parecer descrições distanciadas e abstratas; mas

tão logo L’Abri é considerado, percebe-se como estes princípios eram encarnados e

vivenciados no dia a dia de Schaeffer e dos demais obreiros (workers).

A comunidade ainda existe, agora espalhada pelo mundo inteiro.

Inglaterra, Holanda, Estados Unidos (2 polos), Suíça, Suécia, Canadá, Coréia,

Alemanha, Austrália e Brasil sediam atividades de L'Abri. Ainda hoje é possível

perceber os impactos das ideias de Schaeffer, em pilares como a hospitalidade e a

discussão aprofundada de questões honestas, que envolvem a filosofia, as artes e

as Escrituras. Mas há quem perceba diferenças significativas entre o L’Abri de 1970

e o contemporâneo. A pesquisadora Molly Worthen294, por exemplo, escreveu sobre

essas supostas discrepâncias. Para ela, o foco do ministério tem sofrido alterações.

O perfil dos que buscam o centro de hospitalidade e reflexão mudou, de jovens não-

cristãos em busca existencial para cristãos frustrados com a igreja. Alguma diferença

era de se esperar, considerando que as questões honestas tendem a mudar

conforme o contexto cultural — o espírito da época e a cosmovisão. Mas a descrição

de Worthen indica transformações intensas, que comprometem a identidade de

L’Abri. O apreço da geração recente pelo pastor presbiteriano diminuiu: em sua

matéria, alguns jovens parecem desconsiderar as propostas de Schaeffer, seja por

não lerem (desconhecerem) sua obra, ou por considerá-la obsoleta.

A diferença mais significativa, no entanto, não estaria nos visitantes do

centro. Segundo Worthen, os coordenadores atuais de L’Abri também divergem do

fundador e mudam a pauta da comunidade. Ela entrevistou John Sandri, genro de

294WORTHEN, M.; MACLEOD, S. (2008). Not your father’s L'Abri: the Swiss retreat now tends less to
philosophical skeptics than to disaffected evangelicals. Christianity Today, Ipswich, MA, n. 52(3), p.
60–65. Disponível em: <http://www.christianitytoday.com/ct/2008/march/36.60.html?start=5>. Acesso
em: <16, mai., 2014>.
"114

Schaeffer e obreiro no L’Abri da Suíça, e recebeu dele declarações como “eu não

sou um inerrantista, mas não sou um ‘errantista' também” 295, referindo-se à luta de

Schaeffer com a questão da inerrância bíblica. Sandri não revisa apenas a este

quesito. Como afirmou a Worthen, ele "veio a questionar tudo, desde a Trindade até

a predestinação”296. Diante de tal visão, a autora conclui, corretamente: “Sandri, que

ainda mora em L’Abri com sua esposa, considera-se um ‘radical’. Vinte e três anos

após a morte de Schaeffer, suas visões não ortodoxas são uma expressão

comunicativa do que L’Abri se tornou”297.

A autora reconhece que a unidade da Suíça parece ser uma das mais

distantes do projeto original. Há, no entanto, outros centros mais conservadores e

dispostos a caminhar na linha de Schaeffer. Tudo isto deve promover a reflexão

acerca da possibilidade de conhecer a apologética schaefferiana através de L’Abri.

Se a comunidade tem sofrido alterações ao longo do tempo — algumas das quais

radicalmente significativas — é ainda possível utilizá-la para conhecer as ideias de

seu fundador? Os resquícios do projeto inicial devem ser úteis em tal empreitada,

mas a fonte mais segura está na percepção do centro sob a direção de Schaeffer,

cuja história está registrada nas obras de sua esposa, Edith.

Schaeffer já indicava a importância do material escrito por sua esposa. No

prefácio de suas Complete works, ele alertou os leitores, dizendo: “todos os livros

devem ser lidos e entendidos conjuntamente (e também com os livros de minha

295 Worthen; Macleod, Not your father’s L’Abri, p. 63: I'm not an inerrantist, but I'm not an 'errantist'
either. Both are wrong. Man makes these opposing points of view. The modernist agenda is behind
both. Tradução livre.
296Ibid.: Sandri had come to question everything from the Trinity to predestination, "but the one that
broke the camel's back was [biblical] inerrancy. Schaeffer felt this was the issue of the day, where
Christians have to dig into the trenches," Sandri said. Tradução livre.
297 Ibid.: Sandri, who still lives at L'Abri with his wife, calls himself a "radical." Twenty-three years after
Schaeffer's death, his unorthodox views are a telling expression of what L'Abri has become. Tradução
livre.
"115

esposa Edith). Eles, juntos, são uma unidade”298. Essa é exatamente a mesma

afirmação de Schaeffer no prefácio do livro L’Abri299, escrito por sua esposa. Uma

citação mais longa encontra lugar aqui:

Este livro e os meus formam uma unidade. O trabalho de L’Abri tem dois
aspectos interrelacionados. Primeiro, há a tentativa de dar uma resposta
honesta a perguntas honestas — intelectualmente e sobre uma base
exegética cuidadosa. Meus livros, O Deus que intervém, A morte da razão e
Morte na cidade são direcionados a este aspecto. O segundo aspecto é a
demonstração de que o Deus infinito e pessoal está realmente presente em
nossa geração. Quando as pessoas do século vinte vêm a L’Abri,
encontram estes dois aspectos simultaneamente, como os dois lados de
uma mesma moeda. Agora, neste livro, o segundo lado é apresentado.

Por meio dos relatos de Edith, é possível observar a dimensão não

registrada nos escritos de Schaeffer, isto é, como a articulação intelectual era ornada

com a beleza da hospitalidade. O que explica, em parte, como o evangelista, não tão

preciso intelectualmente, teve tão amplo impacto entre homens simples e

intelectuais, é exatamente o fato de que ele conseguiu uma combinação entre a

dimensão intelectual e a afetiva, ou relacional. De posse dessa perspectiva, é

possível seguir na tentativa de oferecer um resumo unificado da apologética em

Schaeffer.

3.2 Contornos gerais da apologética de Schaeffer

Quais os traços característicos da obra de Schaeffer? Que temas são

recorrentes e configuram um perfil do pensamento do autor? É possível organizar

elementos de universalidade em meio aos particulares da apologética schaefferiana?

Os tópicos a seguir indicam tal possibilidade.

298 SCHAEFFER, F. A. The complete works of Francis A. Schaeffer: a Christian worldview.


Westchester, IL: Crossway Books, 1982. Vol.1, p. IX: All the books are to be read and understood
together (along with my wife Edith’s books). They together are a unit. Tradução livre.
299 SCHAEFFER, E. L’Abri. 2. ed.Wheaton, IL: Crossway Books, 1992. p. 5.
"116

3.2.1 O diálogo e os interlocutores

A tentativa de identificar temas e padrões na apologética de Schaeffer

deve considerar os diversos públicos com os quais ele dialoga. Se é possível definir

um “público médio” ou majoritário em seus esforços de comunicação, este é o

homem no limiar da pós-modernidade300, experimentando os desdobramentos

epistemológicos, éticos e metafísicos deste turbilhão de ideias e movimentos. A

experiência existencialista exemplifica bem o perfil deste homem, que parece ser o

maior alvo de Schaeffer em obras como O Deus que intervém, A morte da razão, O

Deus que se revela, Morte na cidade e Como viveremos?

Mas esse não é o único público de Schaeffer. Ao mesmo tempo em que

ele combate o irracionalismo pós-moderno, ele também responde a um tipo de

racionalismo naturalista, especialmente daqueles que ainda caminham sob as

rédeas da moderna ciência moderna301 — termo cunhado pelo próprio Schaeffer

Schaeffer. É esse o caso em obras como Back to freedom and dignity [De volta à

liberdade e à dignidade] e Genesis in space and time302 [Gênesis no espaço e

tempo, em tradução livre]. Schaeffer também dialoga em discussões com

desdobramentos imediatamente mais práticos, como a questão do aborto, da

300 O termo “pós-modernidade” é suficientemente complexo em si, possibilitando interpretações


distintas, e até mesmo a negação de sua existência. A utilização do termo não deve desviar o leitor do
ponto: seja hipermodernidade, modernidade líquida, ou a terminologia que se prefira, o termo
pretende descrever o homem no colapso de conceitos e atitudes modernas, como o otimismo e
crença no progresso, vínculos sociais e familiares fortes, defesa da lógica aristotélica e crença em
uma verdade absoluta, entre outros.
301 SCHAEFFER, F. Escape from reason. In: SCHAEFFER, Francis A.: The complete works of
Francis A. Schaeffer: a Christian worldview. Westchester, IL : Crossway Books, 1982. Vol.1, p.
229-30: It makes all the difference between what I would call modern science and what I would call
modern modern science. It is important to notice that this is not a failing of science as science, but
rather that the uniformity of natural causes in a closed system has become the dominant philosophy
among scientists. [Isso faz toda a diferença entra o que eu chamaria de ciência moderna e o que eu
chamaria de moderna ciência moderna. É importante perceber que essa não é uma falha da ciência
como ciência, mas que a uniformidade das causas naturais em um sistema fechado se tornou a
filosofia dominante entre os cientistas]
302Enquanto este trabalho era escrito, tal obra foi publicada em língua portuguesa, sob o título
Gênesis no espaço-tempo.
"117

ecologia, e da política, em obras como Poluição e morte do homem, Whatever

happened to the human race [O que aconteceu com a raça humana?] e Um

manifesto cristão.

Mas apologética não se faz apenas com não-cristãos. Por isso, pelo

menos três públicos, dentro da tradição cristã, estão envolvidos nas discussões de

Schaeffer. O primeiro é o dos proponentes da “nova teologia” — maneira pela qual

ele chamou os representantes da neo-ortodoxia. Schaeffer analisa as propostas e

pressupostos deste grupo, em trechos de O Deus que intervém, A morte da razão, O

Deus que se revela, Gênesis no espaço-tempo e A igreja diante do mundo que a

observa. O segundo é o dos cristãos legalistas, excessivamente tradicionalistas e

facciosos em sua disposição — algo que o próprio Schaeffer havia experimentado

em sua caminhada. Ele fala a esse grupo em suas obras acerca da igreja, como Two

contents, two realities [Dois conteúdos, duas realidades]; A igreja no final do século

20; e A igreja diante do mundo que a observa. O terceiro grupo é composto pelo

“cristão médio”, sem os dilemas do legalismo, mas ainda necessitado de pastoreio e

ensino. Obras como Verdadeira espiritualidade, Não há gente sem importância,

Everybody can know [Todos podem conhecer], Basic Bible studies [Estudos bíblicos

básicos], A marca do cristão e A obra consumada de Cristo se dirigem a esse

público.

Reconhecer essa diversidade de interlocutores é importante para

compreender a forma e o conteúdo adotado pelo fundador de L’Abri. Por vezes, ele

escreverá com a pena mais pesada, em críticas mais contundentes; em outros

momentos gritará, buscando ser ouvido; mas, de maneira geral, há de se manifestar

escrevendo com tranquilidade e mansidão, praticando uma de suas ênfases — a de

falar a verdade em amor.


"118

3.2.2 Temas que perpassam a obra e ministério do evangelista

Passeando pelas obras de Schaeffer reconhecemos alguns temas que

permeiam seus escritos e tornam possível melhor compreensão de seu pensamento.

3.2.2.1 O Deus infinito e pessoal

Uma das maiores ênfases de Schaeffer é a noção de um Deus “infinito e

pessoal”. Para Schaeffer, somente esse conceito de Deus fornece base suficiente

para a visão sobre a realidade. Para ele, isso é o que diferencia o cristianismo das

demais religiões do oriente e também do ocidente. As primeiras, em seu panteísmo,

possuem um deus infinito, porém, impessoal. As últimas possuem deuses pessoais,

porém, limitados. Nenhuma dessas características, isoladamente, fornece base

suficiente para a vida — somente o cristianismo bíblico a fornece, exatamente por

que conjuga ambas303. A existência de um Deus infinito e pessoal é apresentada

tanto como uma necessidade metafísica — sem Ele, não há explicação para a

personalidade humana304; quanto como uma necessidade moral — o Seu caráter é o

absoluto moral do universo305; e por fim, como uma necessidade epistemológica —

comunicação e compreensão existem porque Deus é pessoal306. Esse foi o

303SCHAEFFER, F. The God who is there. In: SCHAEFFER, Francis A.: The complete works of
Francis A. Schaeffer: a Christian worldview. Westchester, IL : Crossway Books, 1982. Vol.1,p. 102.
304SCHAEFFER, F. He is there and He is not silent. In: SCHAEFFER, Francis A.: The complete
works of Francis A. Schaeffer: a Christian worldview. Westchester, IL : Crossway Books, 1982. Vol.
1, p. 286: If we begin with a personal beginning to all things, then we can understand that man’s
aspiration for personality has a possible answer.
305Ibid., p. 302: […] But here is the infinite-personal God who has a character from which all evil is
excluded, and His character is the moral absolute of the universe.
306Ibid., p. 326: Christianity’s presupposition begins with a God who is there, who is the infinite-
personal God, who has made man in His image. He has made man to be a verbalizer in the area of
propositions in his horizontal communication to other men. Even secular anthropologists say that
somehow or other, they do not know why, man is a verbalizer. You have something different in man.
The Bible says, and the Christian position says, I can tell you why: God is a personal-infinite God.
There has always been communication, before the creation of all else, in the Trinity. And God has
made man in His own image, and part of making man in His own image is that man is a verbalizer.
That stands in the unity of the Christian structure.
"119

diferencial que deu força aos cristãos diante do Império Romano307; é o "ponto de

referência infinito que dá sentido a todos os pontos de referência finitos”308; o

fundamento para o significado no mundo e o valor das artes309; e a base para um

relacionamento pessoal com Deus e uma vida segura310. A expressão infinite-

personal God [Deus infinito e pessoal] é utilizada setenta vezes ao longo de suas

obras completas, que não compreendem todos os livros escritos por Schaeffer, a

exemplo de Everybody can know e A obra consumada de Cristo. A variante personal-

infinite God [Deus pessoal e infinito] é utilizada vinte e quatro vezes, o que totaliza

noventa e quatro usos da expressão, ao longo dos vinte e dois livros que compõem

a coleção. Esse é um conceito muito caro a Francis Schaeffer, e se apresenta como

espinha dorsal de seu pensamento, obra e ministério. Para entender a insistência de

Schaeffer nesta questão, basta lembrar que o seu projeto, ao fundar L’Abri, era, tão

somente, demonstrar a existência desse Deus pessoal 311.

307 SCHAEFFER, F. Como viveremos? São Paulo: Cultura Cristã, 2003. p. 14.
308SCHAEFFER, F. Genesis in space and time. In: SCHAEFFER, Francis A.: The complete works of
Francis A. Schaeffer: a Christian worldview. Westchester, IL : Crossway Books, 1982. Vol.2, p. 41:
The end of man is to stand as a finite, personal being in personal relationship with the infinite-personal
God who is there. When we hear the first command of Christ to love God with all our heart and soul
and mind, we are not faced with just an abstract duty, a devotional exercise separated from all that is
reasonable. Rather we have an infinite reference point that gives meaning to all of our finite reference
points. This infinite reference point not only exists, but is personal and can communicate with us and
we with Him, an infinite reference point whom we may love.
309SCHAEFFER, F. Art and the Bible. In: SCHAEFFER, Francis A.: The complete works of Francis
A. Schaeffer: a Christian worldview. Westchester, IL : Crossway Books, 1982. Vol.2, p. 409: So
therefore the major theme is an optimism in the area of being; everything is not absurd, there is
meaning. But most important, this optimism has a sufficient base. It isn’t suspended two feet off the
ground, but rests on the existence of the infinite-personal God who exists and who has a character
and who has created all things, especially man in His own image.
310SCHAEFFER, True spirituality. In: SCHAEFFER, Francis A.: The complete works of Francis A.
Schaeffer: a Christian worldview. Westchester, IL : Crossway Books, 1982. Vol.3, p. 205: This is not a
kind of magic; the infinite-personal God promises that He will work all things together for the
Christian’s good.
311 DURIEZ, C. Francis Schaeffer: an authentic life. Wheaton, Illinois: Crossway Books, 2008. p. 132.
"120

3.2.2.2 A realidade em dois pavimentos

Outro tema constante nas obras de Schaeffer é a percepção da realidade

em dois pavimentos. Neste particular, ele utiliza os motivos básicos religiosos, do

filósofo cristão Herman Dooyeweerd312, como paradigma de compreensão da

história do pensamento.

A apropriação que Schaeffer faz desse tema tem caráter menos rigoroso e

teórico do que a abordagem de Dooyeweerd. Para o evangelista, tais matrizes —

com exceção do motivo básico bíblico — indicam uma fragmentação na maneira de

observar e experimentar a realidade, com grande prejuízo para o homem. A ideia

fundamental é a de que, na realidade dividida em dois pavimentos, sempre haverá

conflito entre o patamar de cima, de natureza mais universal e abstrata, e o de

baixo, mais particular e concreto. Essa tensão se manifesta de várias formas, como

no dualismo natureza/graça: o âmbito da graça é apresentado como inatingível, ou a

natureza desinteressante; no dualismo natureza/liberdade é possível passar pelo

salto para uma liberdade irracional em detrimento da natureza, ou pela entrega a um

determinismo naturalista; no fim, chega-se a um contexto de impossível conciliação

entre os patamares, e assim, o destino é o desespero humano.

Schaeffer demonstra o impacto desta perspectiva dualista em várias

áreas. Ele ilustra, por exemplo, como as artes captaram tais dualismos313, ora se

interessando apenas pelo pavimento superior, ora pelo inferior; mostra como se deu

o desenvolvimento científico moderno e a destruição de um andar superior314;

312 O filósofo reformacional Herman Dooyeweerd descreveu o desenvolvimento do pensamento e


cultura ocidentais como resultado da operação do que ele mesmo denominava motivos básicos
religiosos dualistas. Cf. DOOYEWEERD, Herman. No crepúsculo do pensamento: estudos sobre a
pretensa autonomia do pensamento filosófico. São Paulo: Hagnos, 2010. p. 87.
313SCHAEFFER, F. A morte da razão: a desintegração da vida e da cultura moderna. São Paulo:
Cultura Cristã, 2002. p. 22, 24-30.
314 Ibid., p. 51.
"121

demonstra o problema moral decorrente da separação entre os pavimentos315; e

revela a tragédia no campo religioso, que chega a uma divisão irreconciliável entre

fé e razão316 .

Essa percepção dos dualismos, descrita de modo concentrado em A

morte da razão, é apresentada por Schaeffer como bússola para a compreensão do

fluxo da história e do homem. Por isso, ela estará presente em vários títulos do

evangelista. Ela é paradigma para a compreensão da neo-ortodoxia 317 e seus

problemas; para uma experiência legítima de adoração a Deus318; para a vivência do

impacto bíblico em sua plenitude319; para a compreensão das dimensões da Queda

histórica320; para entendimento do misticismo — otimismo irracional — do homem

moderno321 ; sendo retomada estrategicamente para providenciar uma perspectiva

adequada do problema humano. Schaeffer desafia o homem do século 20 a retornar

a uma percepção integrada da realidade, que pode ajudá-lo a lidar com o homem e

com a realidade da maneira adequada, sem entregá-lo a um mecanicismo

determinista, nem a um salto místico irracional. Esse retorno também possui impacto

para a vida cristã. O cristão que experimenta a vida sem divisões valoriza a ação de

315 Ibid., p. 51-2.


316 Ibid., p. 55.
317 SCHAEFFER, F. The God who is there. In: SCHAEFFER, Francis A.: The complete works of
Francis A. Schaeffer: a Christian worldview. Westchester, IL : Crossway Books, 1982. Vol.1, p. 53.
Cf. a análise proposta na p. 61: The new theology sounds spiritual and vibrant, and they are trapped.
But the price they pay for what seems to be spiritual is high, for to operate in the upper story using
undefined religious terms is to fail to know and function on the level of the whole man.
318 SCHAEFFER, F. Gênesis no espaço-tempo. Brasília: Monergismo, 2014. p. 40.
319 Schaeffer, Gênesis no espaço-tempo, p. 51.
320
SCHAEFFER, F. No final conflict. In: SCHAEFFER, Francis A.: The complete works of Francis A.
Schaeffer: a Christian worldview. Westchester, IL : Crossway Books, 1982. Vol.2, p. 140.
321SCHAEFFER, F. The church at the end of the twentieth century. In: SCHAEFFER, Francis A.: The
complete works of Francis A. Schaeffer: a Christian worldview. Westchester, IL : Crossway Books,
1982. Vol.4, p. 14-5.
"122

Deus no espaço e tempo, e, assim, considera o peso da historicidade da Bíblia, a

presença de Deus no mundo, e a racionalidade da fé.

3.2.2.3 Metafísica

Schaeffer trabalha, em seus escritos, com a divisão clássica, na filosofia,

entre metafísica, epistemologia e ética. Ao longo de suas obras, trata desses

aspectos, fornecendo subsídios para compreender os dilemas metafísicos, éticos e

epistemológicos que as falsas cosmovisões produzem, e ajuda a entender a

importância da visão cristã para uma compreensão de tais tópicos, e para uma

experiência saudável da realidade.

Em O Deus que se revela, o autor ataca tais dilemas de maneira direta e

concentrada. Ao discutir a metafísica, descrita por ele como o problema da

existência 322, Schaeffer aponta a finitude humana e sua consequência: a

insuficiência do homem como ponto de integração para sua própria visão da vida.

Um homem finito não pode encontrar em si uma base consistente para encontrar

valor, sentido e significado.

Uma visão adequada das origens do que existe também é importante. O

homem não pode encontrar significado ao crer em uma origem impessoal de tudo o

que existe. Para Schaeffer, a ideia de origem impessoal não fornece base para

compreender os particulares, bem como o fenômeno da pessoalidade. Ao considerar

a origem pessoal do universo, esse dilema é resolvido. Unidade e diversidade fazem

sentido, e o homem possui um ponto de integração eterno. É o Deus infinito e

pessoal do cristianismo que adequadamente responde aos dilemas da existência323.

322 SCHAEFFER, F. O Deus que se revela. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2008. p. 39.
323Schaeffer, O Deus que se revela, p. 54: “Não é que esta seja a melhor explicação possível para a
existência; trata-se da única resposta”.
"123

Schaeffer o trata como uma necessidade filosófica, mas vai além: Deus não é

apenas uma teoria para ser encaixada em nosso sistema, é uma pessoa que se

comunica e se relaciona conosco.

3.2.2.4 Ética

No campo da ética, o dilema do homem é discutido. Aqui, novamente, a

percepção de uma origem impessoal é apresentada como insatisfatória para a vida:

“Se partirmos da origem impessoal, a moral não existe como moral propriamente

dita; e a solução para a moral, certamente, acaba encontrando-se na asserção de

que não há moral”324. O senso moral dos seres humanos contraria a noção de

origem impessoal. A origem pessoal, por outro lado, revela a existência de um

projeto a ser cumprido. O caráter de Deus325 e a condição original do homem

formam o quadro de referência para o dilema humano. Nele se percebe o problema

da culpa real dos homens, e a maneira de se encontrar redenção.

3.2.2.5 Epistemologia

A epistemologia é pensada em seguida. Para Schaeffer, este é o grande

problema de sua geração, por causa das revoluções que afetaram o conceito de

verdade. Ele descreve a trajetória da perda dos universais, com o campo da

natureza “tragando” o da graça, e os resultados dessa caminhada: o irracionalismo,

o fim da antítese, o existencialismo e o fim da esperança326 . A resposta é

324 Ibid., p. 60.


325 Schaeffer, O Deus que se revela, p. 71: “O caráter de Deus é a moral absoluta do universo”.
326Schaeffer, O Deus que se revela, p. 85: “Antes, o homem tinha uma romântica esperança de que,
com base no racionalismo, ele iria se tornar capaz de encontrar um sentido para a vida, e colocar os
universais acima das particularidades. Mas, neste tempo de Rousseau, Kant, Hegel e Kierkegaard, tal
esperança não mais existe; abriu-se mão da esperança”.
"124

apresentada no Deus que Se revela. A chave para o dilema do conhecimento

repousa na percepção de um Deus pessoal, que nos criou à Sua semelhança e Se

comunica conosco.

A razão pela qual o cristão não tem problema epistemológico é


precisamente a mesma razão porque não há para o cristão problema
nenhum quanto à questão da natureza e da graça. Foi o mesmo Deus
inteligível que fez as duas coisas — ou seja, o cognoscente e o conhecido,
o sujeito e o objeto — e foi ele que os unificou 327.

Embora tratados de modo condensado em O Deus que se revela, os

temas da metafísica, ética e epistemologia são discutidos em todas as obras de

Schaeffer , com ênfases diferenciadas. Esta é parte da abordagem do evangelista,

que busca aplicar a perspectiva cristã aos dilemas do dia e demonstrar a realidade

de Deus como a única verdadeira e plausível para a vida.

3.2.2.6 As duas ortodoxias

Outro tema comum no pensamento de Schaeffer são as duas ortodoxias:

a ortodoxia da doutrina e a ortodoxia da comunidade (ou do amor) 328. A ortodoxia da

doutrina é cara ao evangelista. Uma de suas mais intensas lutas se deu no campo

da inerrância bíblica. Schaeffer combate intensamente o liberalismo teológico e

também a neo-ortodoxia. Ele entendia que o desvio da verdade bíblica destrói o

terreno da verdade e torna impossível a percepção da única resposta ao dilema

humano. Para que o ministério e a apologética cristã funcionem, é necessário uma

base sólida e consistente, encontrada unicamente na ortodoxia cristã. Por isso, além

de produzir ensaios de ordem filosófica, Schaeffer escreveu também comentários

327 Ibid., p. 107-8.


328SCHAEFFER, F. Basic Bible studies. In: SCHAEFFER, Francis A.: The complete works of
Francis A. Schaeffer: a Christian worldview. Westchester, IL : Crossway Books, 1982. Vol.2, p. 364.
"125

bíblicos aplicados, em livros como Josué, Basic Bible Studies [Estudos bíblicos

básicos], A obra consumada de Cristo, Everybody can know [Todos podem

conhecer], entre outros.

Schaeffer entendia, contudo, que apenas ortodoxia doutrinária não era

suficiente. Ele fala de jovens que apareceram em L’Abri, vindo de igrejas ortodoxas,

considerando aquele encontro como a sua última esperança. Chegaram ali porque,

no meio de pessoas ortodoxas, foram estimulados a abandonar a busca pela

consistência intelectual em sua fé, a “não perguntar, apenas crer”329. Esse tipo de

ortodoxia doutrinária não leva adiante os desdobramentos de seu credo. Schaeffer

seguiu em direção oposta e, entendendo a robustez de sua confissão, promoveu o

desdobramento da ortodoxia da doutrina para os campos da metafísica, ética e

epistemologia.

Contudo, mesmo essa ampliação doutrinária foi considerada insuficiente

para o evangelista. Caminhando na tradição bíblica de que o conhecimento da

verdade é expresso na prática da verdade, Schaeffer trabalhou a categoria da

“ortodoxia da comunidade”, ou ortodoxia do amor. Ainda falando dos jovens que

chegaram em crise ao L’Abri, mesmo vindo de igrejas ortodoxas, ele descreve o

problema em dois níveis. O primeiro, já mencionado acima, diz respeito à falta de

estímulo intelectual para a fé, considerando-a algo do patamar de cima. O segundo

nível é o da falta de beleza. Schaeffer afirma que a crise desses jovens podia ser

explicada, em parte, por que eles não viam beleza em suas igrejas. Ele explica o

significado de “beleza” na descrição que segue.

Como exemplo, famílias estavam se desintegrando, o divórcio em bases


não bíblicas era frequentemente aceito, e de muitas formas a geração mais
velha não estava vivendo de acordo com a ortodoxia que pregava.

329SCHAEFFER, F. The new super spirituality. In: SCHAEFFER, Francis A.: The complete works of
Francis A. Schaeffer: a Christian worldview. Westchester, IL : Crossway Books, 1982. Vol.3, p. 388.
"126

Frequentemente havia pouco amor, pouca preocupação [uns com os


outros], e pouca ou nenhuma comunidade 330.
Para Schaeffer, tão importante quanto a saúde doutrinária, é a prática do

amor e da comunidade. Uma boa confissão sem a exibição de uma vida coerente é

receita de confusão e contra-apologética cristã.

A obra Two contents, two realities331 [Dois conteúdos, duas realidades]

ilustra bem esse ponto. Identificando aspectos importantes para a vida da igreja,

Schaeffer apresenta como o primeiro conteúdo (content), a sã doutrina. Como

desdobramento dos conteúdos, vêm as realidades332. A segunda destacada é “a

beleza dos relacionamentos humanos" — outra maneira de falar de comunidade e

amor. Esse equilíbrio necessário entre verdade e amor é ressaltado também em A

igreja no final do século 20, nas seguintes palavras: “Com uma ortodoxia da

doutrina, deve haver, igualmente, uma ortodoxia de comunidade”333 (ênfase minha).

Para Schaeffer, a vivência das duas ortodoxias é a chave para a compreensão do

impacto da igreja primitiva, bem como a única maneira para que a igreja exiba

adequadamente o caráter de Deus, e não uma caricatura dEle.

Não é possível (…) explicar o material explosivo, o dunamis da igreja


primitiva, sem levar em consideração que praticava estas duas coisas ao
mesmo tempo: a ortodoxia da doutrina e a ortodoxia da comunidade no
meio da igreja visível, uma comunidade que o mundo podia ver. Pela graça
de Deus, portanto, a igreja deve ser conhecida simultaneamente pela
pureza de sua doutrina e pela realidade de sua comunidade. Muitas vezes,
nossas igrejas não passam de pontos de pregação, com pouca ênfase

330Schaeffer, The new super spirituality, p. 388. Minha tradução: As one example, families were falling
apart, divorce with no biblical grounds was often accepted, and in many ways the older generation
was not living by the orthodoxy it was preaching. There often was little love, little concern, and little or
no community.
331SCHAEFFER, F. Two contens, two realities. In: SCHAEFFER, Francis A.: The complete works of
Francis A. Schaeffer: a Christian worldview. Westchester, IL : Crossway Books, 1982. Vol.3.
332Para Schaeffer, os dois conteúdos são: (1) a sã doutrina e (2) as repostas honestas às questões
honestas. Junto a esses conteúdos estão as realidades da (1) verdadeira espiritualidade e da (2)
beleza dos relacionamentos humanos. A ênfase está na harmonia de conhecimento e prática.
333 SCHAEFFER, F. The church at the end of the twentieth century. In: SCHAEFFER, Francis A.: The
complete works of Francis A. Schaeffer: a Christian worldview. Westchester, IL : Crossway Books,
1982. Vol.4, p. 33. Minha tradução: With an orthodoxy of doctrine there must equally be an orthodoxy
of community.
"127

sobre a comunidade. A demonstração do amor de Deus na prática é algo


belo que precisa estar presente. (…) O objetivo central desses conjuntos de
princípios consiste em demonstrar o amor de Deus e a santidade dele
simultaneamente. Se demonstrarmos um, mas não o outro, não
apresentaremos ao mundo o caráter de Deus, e sim uma caricatura dele334.

Esses temas, apresentados de modo sucinto, são eixos em torno dos

quais giram os escritos e o ministério de Francis Schaeffer.

3.2.3 Abordagens schaefferianas

Deve-se perguntar, contudo, como tais conteúdos eram apresentados no

ministério de L’Abri, nos livros, nas palestras e nas conversas pessoais em que

Schaeffer se envolvia. E ao fazer isto, adentra-se o campo do método.

Conforme dito anteriormente, Schaeffer não acredita em uma abordagem

mecânica, a ser usada indiscriminadamente, mas defende que, segundo a riqueza

da personalidade humana, o trato apologético deve ser plural, considerando a

pessoa individualmente. A obra de Schaeffer, bem como o relato de Edith, de outros

que estiveram em L’Abri, e ainda, os de que apenas tiveram contato pessoal com o

evangelista, revelam alguns aspectos importantes das abordagens utilizadas por ele.

Um dos princípios fundamentais de Schaeffer, seja em seus livros ou no

trato pessoal, era o de fornecer “respostas honestas a perguntas honestas”. Em seu

livro Verdadeira espiritualidade335 , ele descreve sua crise existencial e de fé como

elemento decisivo para a formação de L’Abri; junto a isso, apresenta o ensino do

cristianismo histórico e o gesto de dar respostas sinceras a questões honestas como

334SCHAEFFER, F. A. A igreja diante do mundo que a observa. In: SCHAEFFER, Francis A. A igreja
no século 21. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. p. 131.
335SCHAEFFER, F. Verdadeira espiritualidade. São Paulo: Cultura Cristã, 1999. p. 8. A tradução em
português não faz jus à declaração em inglês, que apresenta o ensino do cristianismo histórico e as
respostas honestas como cruciais (importantes), e não como penosas. Cf. SCHAEFFER, Francis.
True Spirituality. In: SCHAEFFER, Francis A.: The complete works of Francis A. Schaeffer: a
Christian worldview. Westchester, IL : Crossway Books, 1982. Vol.3, p. 196.
"128

elementos importantes para a formação de L’Abri. Schaeffer, evangelista,

considerava importante apresentar a verdade em um contexto de legitimidade,

autenticidade e honestidade.

Neste particular, duas questões ganham ênfase. A primeira, mencionada

acima, envolve o ambiente teórico e afetivo no qual a apologética se manifesta.

Existem respostas a serem dadas às questões levantadas pelo interlocutor, mas isso

deve ser feito de maneira honesta. Aqui se encontra compaixão pelo homem em

suas dúvidas acerca de Deus, de si e do mundo. De fato, como se perceberá

adiante, esse é um dos aspectos mais intensos da manifestação apologética,

segundo Schaeffer: o amor.

Mas há uma segunda questão. O evangelista fala, claramente, em

fornecer respostas a perguntas. Isso mostra que ele não desconsiderava a

dimensão intelectual da fé cristã. Pelo contrário: é por considerar a veracidade do

cristianismo e o seu vigor intelectual que ele define como abordagem a arte de

responder às perguntas levantadas nas mais diversas áreas da vida e do

conhecimento. Em Two contents, two realities, Schaeffer argumenta que “o

cristianismo é a verdade, verdade que Deus nos informou; e se é verdade, pode

responder perguntas”336.

Não pretendemos afirmar que o fundador de L’Abri tivesse conhecimento

tal, que estivesse apto a falar sobre qualquer assunto, respondendo pronta e

sabiamente a indagações das pessoas em todas as áreas. O ponto de Schaeffer era

que, porque o Cristianismo é a verdade, ele não temia lidar com as questões reais

da existência humana.

336SCHAEFFER, F. Two contents, two realities. In: SCHAEFFER, Francis A.: The complete works of
Francis A. Schaeffer: a Christian worldview. Westchester, IL : Crossway Books, 1982. Vol.3, p. 412.
"129

Esse princípio da abordagem de Schaeffer é bem ilustrado no relato de

William Edgar, em seu livro Schaeffer on the christian life337. Descrevendo como

chegou pela primeira vez em L’Abri, ele conta como, no primeiro dia, ajudou a

preparar a refeição, enquanto era reproduzida uma fita cassete com uma palestra de

Schaeffer sobre o existencialismo; participou de uma confraternização com hot dogs

na área externa, e, à noite, reuniu-se com todos os hóspedes de L’Abri na sala de

estar para o grupo de discussão do sábado. Schaeffer se sentava com os hóspedes

e perguntava quem gostaria de começar. As perguntas daquela noite giraram em

torno da oração. Schaeffer as respondeu, relatando algumas de suas experiências

pessoais com a prática. Ao fim do encontro, ele foi em direção do jovem Edgar;

afirmou que não pregaria no dia seguinte, então não estaria exausto no domingo à

tarde, e assim teria tempo para conversar com ele. Pediu a ele que pensasse em

uma pergunta chave sobre a fé, que ele gostaria de fazer naquela ocasião. No dia

seguinte, o culto foi realizado, com pregação de Ranald Macaulay, e após o

momento de adoração, Edgar encontrou-se com Schaeffer. O encontro é narrado por

William Edgar da seguinte maneira:

Então chegou o momento. Eu subi as escadas, até o pequeno hall fora dos
quartos, onde Schaeffer gostava de aconselhar as pessoas. Com aquela
mesma expressão profunda, seu sorriso acolhedor, e o claro senso de que
ele realmente se importava comigo e com as questões que precisávamos
discutir, ele perguntou se eu havia pensado em minha pergunta. Eu
derramei minha pergunta sobre relevância, e ele retornou com uma
resposta extensiva e profunda. Sua resposta envolvia a “defesa do livre-
arbítrio” para o problema do mal, e a importância do significado humano,
devido a sermos criados à imagem de Deus. Ficamos indo e vindo nos
comentários. Após algumas horas, eu simplesmente sabia que tudo aquilo

337
EDGAR, W. Schaeffer on the christian life: countercultural spirituality. Wheaton, IL: Crossway,
2013.
"130

era verdade. Se é possível sentir o Espírito Santo vindo ao coração de


alguém, eu pude, e senti. Eu era um cristão! 338

A descrição de Edgar demonstra bem a disposição de Schaeffer para lidar

com perguntas e sua prática deliberada de estimular e lidar com as questões das

pessoas a sua volta. Possivelmente foi esta abertura para as questões, sem fugas, e

a aplicação da cosmovisão cristã aos mais variados temas, que fizeram a revista

Time descrever Schaeffer como “missionário aos intelectuais” 339.

Outro princípio da abordagem apologética de Schaeffer, que o faz soar

um tanto inovador, é a interação com as expressões artísticas, a fim de identificar

traços e inclinações do estado de coisas de uma mentalidade e cultura. Clark

Pinnock deu a isso o nome de apologética cultural 340.

Para quem lidava com as tensões do fundamentalismo protestante,

atingindo algum nível de legalismo, Schaeffer experimentou radical conversão. Sua

338Edgar, Schaeffer on the christian life, p. 23-4. Minha tradução: So then the moment arrived. I made
my way upstairs to the little chamber outside the bedrooms where Francis Schaeffer liked to counsel
people. With that same profound face, its warm grin, and the clear sense that he really cared about
me as well as the issues we needed to discuss, he asked whether I had thought of my question. I
spouted out my question about relevance, and he came back with an extensive, thoughtful reply. His
answer included the “free-will defense” for the problem of evil, and the importance of human
significance, owing to our being made after God’s image. We went back and forth. After a couple of
hours, I just knew this was all true. If it is possible to feel the Holy Spirit come into one’s heart, I could,
and I did. I was a Christian!
339 Mission to intellectuals. Time magazine, Vol.LXXV, n.2, p. 62-3, 11 Jan. 1960.
340 Em um artigo de 1970, Clark Pinnock descreve a “apologética cultural”: Cultural apologetics falls
within the field of general revelation or natural theology, whose aim it is to uncover the grounds for
belief in God, and to refute the grounds advanced in favor of disbelief. Unlike natural theology,
however, with its preoccupation toward theistic argument, cultural apologetics focuses on the
existential dilemma of unbelieving man. It conducts a journey through the vale of tears, the
metaphysical wasteland, moral, spiritual, intellectual, in which modern man by his own confession
dwells. It attempts a diagnosis of the "soulscape" of the worldly fashion that is passing away, and
prescribes the only antidote to this diseased condition, Jesus Christ. It is a new field for Christian
apologetics which has recently attracted both evangelical and nonevangelical interest.

[…] Cultural apologetics starts with the dilemmas of modern man as he expressed them in the cultural
media of our time. PINNOCK, Clark H. Cultural apologetics: an evangelical standpoint. Bibliotheca
Sacra, Dallas, 127, n. 505, p. 58-63,1 Jan. 1970.
No mesmo artigo, cita Schaeffer como exemplo de tal abordagem nas obras O Deus que intervém e A
morte da razão.
"131

abordagem em L’abri, ilustrada em muitas de suas obras, passa por uma interação

com música, cinema, literatura e pintura, o que ele fazia a fim de discutir aspectos da

cosmovisão cultural, demonstrada nas obras.

Nancy Pearcey descreve bem esse princípio ao relatar sua experiência

nos chalés suíços, onde Schaeffer ministrava.

Poucos anos depois […] fui parar em L’Abri […]. Fiquei fascinada pelo lugar.
Foi a primeira vez que encontrei cristãos que de fato respondiam às minhas
perguntas. […] O próprio Schaeffer costumava chocar as pessoas com a
sua aparência um tanto quanto estranha, de cavanhaque e bermuda
tipicamente suíça. […] Mas quando abria a boca e falava, as pessoas
ficavam pasmadas: tratava-se de um cristão falando sobre filosofia
moderna, citando os existencialistas, analisando temas de cosmovisão nas
letras de Led Zeppelin, explicando a música de John Cage e as pinturas de
Jackson Pollock. E não nos esqueçamos de que era uma época em que os
universitários cristãos não tinham permissão de ir ao cinema para assistir
aos filmes da Disney, e ali estava ele, discutindo filmes de Bergman e
Fellini 341.

Para o professor de humanidades Louis Markos, esta abordagem cultural

traz à apologética uma variação agradável; algum enriquecimento.

Embora fosse norte-americano e ostentasse uma sólida linhagem


evangélica reformada, e não anglocatólica, Francis Schaeffer manteve um
distinto ar europeu ao longo de sua vida e carreira. Seu amor por filosofia,
arte, literatura, música e cinema não somente acrescentou cor aos seus
argumentos apologéticos, como também deu à sua obra um sabor literário
que remete mais à Europa do que à América do Norte 342.

Segundo Pearcey, não havia irresponsabilidade na maneira como

Schaeffer tratava as expressões artísticas343. Enquanto muitos cristãos fugiam das

artes, ou as tratavam em um tom excessivamente moralista, Schaeffer falava delas

com propriedade, apreciava suas virtudes e demonstrava real compaixão em

denunciar os desvios e problemas na cosmovisão apresentada por elas.

341PEARCEY, N. Verdade absoluta: libertando o cristianismo de seu cativeiro cultural. Rio de


Janeiro: CPAD, 2006. p. 59.
342 MARKOS, L. Apologética cristã para o século XXI. Rio de Janeiro: Central Gospel, 2013. p. 119.
343 Pearcey, Verdade absoluta, p. 62.
"132

A escolha de Schaeffer por essa abordagem pode ser melhor

compreendida por descrições como a de Pearcey, mais uma vez344:

Os artistas são barômetros da sociedade, e, ao analisarmos as


cosmovisões embutidas em seus trabalhos, aprendemos bastante sobre
como abordar a mente moderna de forma mais eficaz. […] Quando a única
forma de comentário cultural que os cristãos oferecerem for condenação
moral, não admira que topemos com não-crentes exasperados e
repreendedores.

Em O Deus que intervém345, o evangelista apresenta um diagrama para

ilustrar o avanço e a popularização das ideias que levaram a mente moderna a viver

sob a linha do desespero 346. A ilustração se dá em forma de escada, com os

seguintes degraus descendentes: filosofia, arte, música, cultura geral e teologia.

Linha do desespero

Filosofia

Arte

Música
Cultura
Geral

Teologia
Fig.1: As etapas na linha do desespero

Nessa apreciação de uma história cultural — fluxo das ideias — o

fundador de L’Abri não apenas reconhece, mas também trabalha de maneira

estratégica ao perceber o lugar das expressões culturais na formação de um povo,

344 Pearcey, Verdade absoluta, p. 62-3.


345 Schaeffer, O Deus que intervém, p. 25-6.
346A “linha do desespero”, conforme Schaeffer, é o marco que diferencia a atitude das pessoas
quanto às questões últimas da vida — metafísica, epistemologia e ética. Acima da linha está a
percepção de absolutos e a crença na verdade; abaixo dela está o pensamento e a prática de
negação da verdade e do sentido, o que leva ao desespero e à irracionalidade. Cf. Schaeffer, O Deus
que intervém, p. 21-31.
"133

bem como na disseminação de ideias e desenvolvimento da cosmovisão dele. Daí

se depreende que Schaeffer não buscava, simplesmente, ser “inovador" ou diferente

ao fazer algo inusitado até então. O seu objetivo era lidar com os "barômetros da

sociedade”; identificar tendências e compreender as questões do seu tempo

conforme representadas nas artes.

O apelo da fala de Francis Schaeffer foi grande. Alguns, é verdade,

ficaram impressionados apenas com a novidade de poder assistir cinema e escutar

Led Zeppelin. Mas, em geral, as pessoas, principalmente os jovens, ouviam Schaffer

porque ele falava daquilo que lhes dizia respeito e lhes tocava diretamente.

A apresentação dos dois pontos práticos mencionados anteriormente —

oferecer respostas honestas e utilizar os meios culturais como instrumentos para o

diálogo e a crítica — não deve promover a falsa ideia de que o conhecimento dos

conceitos fundamentais está ausente do pensamento de Francis Schaeffer. A

abordagem de Schaeffer também visava contemplar a discussão dos pressupostos,

ou cosmovisão do interlocutor.

Em “O Deus que intervém”347, Schaeffer afirma a realidade da antítese

como base de sustentação do cristianismo histórico. O contraste entre certo e

errado, verdadeiro e falso é visto por ele como algo claro e patente na cosmovisão

cristã. Para o fundador de L’Abri, no entanto, essa premissa se tornou assimilada

pelos apologetas clássicos, que deixaram passar despercebida a mudança de

cosmovisão que se dava no seio da sociedade, e seguiram operando como se a sua

noção de antítese ainda fosse comum a todos. O resultado, afirma Schaeffer, foi

trágico: enquanto a influência judaico-cristã era predominante na sociedade, o

apologeta clássico poderia apresentar seus pontos e ser razoavelmente

347 Schaeffer, O Deus que intervém, p. 24-5.


"134

compreendido; porém, uma vez que tal influência foi reduzida, a apologética

tradicional se viu ineficaz, por não considerar a realidade de algo anterior que

precisava de exame.

Para Schaeffer, “a apologética pressuposicional teria impedido o

declínio”348 da igreja. Em sua descrição, “as correntes do pensamento secular e da

teologia liberal tomaram conta da igreja, porque os líderes não entendem a

importância de um falso grupo de pressuposições”349. A dificuldade em identificar a

importância das pressuposições, e a falta de reflexão crítica quanto à sua

cosmovisão levaram a igreja a se tornar cativa das influências culturais externas,

contra as quais não estava apta a se manifestar coerentemente.

Para o fundador de L’Abri, o lugar das pressuposições é central na

apologética, pois é através delas que o homem obtém sentido da realidade — são

as lentes pelas quais se observa e entende o mundo. As pressuposições, portanto,

podem contribuir para a compreensão adequada do mundo, ou podem atrapalhar

consideravelmente. Esse é o caso com o homem moderno. Sobre ele, Schaeffer

afirma:

a razão por que o homem moderno rejeita a resposta cristã, ou por que ele
muitas vezes nem sequer a considera, é por que (sic) ele já aceitou, com
uma fé implícita, a pressuposição da uniformidade das causas naturais em
um sistema fechado 350.

Para Bryan Follis, o conceito de pressuposição em Schaeffer é distinto da

compreensão vantiliana do termo351. Sua tese é a de que “cosmovisão”, em

Schaeffer, se assemelha mais ao conceito de “hipótese”, pois está aberta a

348 Schaeffer, O Deus que intervém, p. 24.


349 Ibid., p. 24.
350 Ibid., p. 176.
351 FOLLIS, B. A. Truth with love: the apologetics of Francis Schaeffer. Wheaton, IL: Crossway, 2006.
p. 110. A diferença entre ambos será discutida mais detidamente no próximo capítulo.
"135

verificação. Ainda assim, o método de Schaeffer contempla a séria consideração das

pressuposições na apologética. Dessa maneira, o fundador de L'Abri terá grande

consideração pelas cosmovisões. Para William Edgar, "Schaeffer era profundamente

comprometido com a noção do pensamento de cosmovisão”352. Em “Como

viveremos?”, ele reconhece o lugar da visão de mundo em determinar a vida prática

das pessoas, afirmando que “os homens tendem a agir, em última análise, com

notável consistência para com as suas presuposições, sua cosmovisão” 353.

O apologeta cristão, portanto, deve considerar as pressuposições e

cosmovisão em seu trato com o não-cristão. Sua abordagem precisa envolver o

desafio às percepções errôneas da realidade, e apresentar o cristianismo como a

única resposta para o dilema do homem, e a única proposta que verdadeiramente

passa no teste da realidade.

Isso explica o tratamento prático adotado e defendido pelo fundador de

L’Abri, composto, basicamente, por duas atitudes: a pré-evangelização e o gesto

denominado por ele de “tirar o telhado” do seu oponente.

A pré-evangelização é discutida no contexto dos propósitos da

apologética. Um desses propósitos, segundo Schaeffer, é a defesa da fé, uma vez

que o cristianismo sempre estará sob ataque354. O outro propósito é o da

comunicação da fé. “O lado positivo da apologética é a comunicação do evangelho à

geração presente, de modo que ela possa entender”355. Na articulação do autor, pelo

fato de o conhecimento preceder a fé, é importante que a verdade seja apresentada

352EDGAR, W. Two christian warriors: Cornelius Van Til and Francis A. Schaeffer compared.
Westminster Theological Journal, 57, p. 57-80, 1995.
353
SCHAEFFER, F. How should we then live? The Complete Works of Francis A. Schaeffer, vol.5.
Wheaton, IL: Crossway, 1985. p. 217.
354 Schaeffer, O Deus que intervém, p. 211-2.
355 Ibid., p. 212.
"136

antes de se reivindicar a resposta do interlocutor. Antes de convidar alguém a

“aceitar Cristo como salvador”, afirma Schaeffer, é necessário demonstrar o que

significa isso.

Não estaremos dizendo o que queremos realmente dizer se não deixarmos


completamente claro que, quando dizemos que o Cristianismo é verdadeiro,
estamos nos referindo a verdades objetivas e que, portanto, “aceitar a Cristo
como salvador” não significa meramente uma espécie de “salto para o
andar de cima”.

Schaeffer não discute com profundidade os efeitos noéticos do pecado e

a possibilidade do conhecimento e compreensão da verdade por parte do incrédulo.

O seu ponto levanta questões que não ficam plenamente respondidas, dando ensejo

a críticas de racionalismo e desconsideração da antítese entre cristãos e não-

cristãos no campo do conhecimento356. Embora não haja discussão profunda dessa

questão no pensamento de Schaeffer, o fundador de L’Abri deixa “pistas” de reposta

às críticas. Lembrando-se que, como Schaeffer não fez um trabalho primariamente

acadêmico, e sua preocupação com as minúcias foi menor, o que faz com que a

identificação das respostas seminais em seu texto seja mais difícil, as pistas são as

seguintes:

Em primeiro lugar, Schaeffer estabelece que toda a discussão deve levar

em conta a ação da terceira pessoa da Trindade. Ele afirma que “não podemos

separar a verdadeira apologética da obra do Espírito Santo”357. É essa obra que faz

o incrédulo despertar para as verdades apresentadas pelo apologeta. Sem ela,

qualquer comunicação da verdade será infrutífera. Tais afirmações enfraquecem as

críticas de racionalismo no pensamento de Schaeffer.

356Cf. Van Til, The apologetic methodology of Francis A. Schaeffer, p. iii; Frame, Some thoughts on
Schaeffer’s apologetics, disponível em < http://www.frame-poythress.org/some-thoughts-on-
schaeffers-apologetics/>.
357 Schaeffer, O Deus que intervém, p. 214.
"137

A segunda “pista” de um argumento está na apreciação do poder de

perceber a verdade pela mente caída. Schaeffer sugere que a apresentação da

verdade se dá, em parte, na exibição da mentira. A mente foi profundamente afetada

pelo pecado, mas existe algo da estrutura dada por Deus ao homem que encoraja o

apologeta a apresentar a verdade ao incrédulo. A metáfora utilizada por Schaeffer é

a de um livro rasgado: o homem possui trechos da obra que não configuram a

história completa, por isso não providenciam o sentido adequado. Somente as

Escrituras podem colocar a realidade em um todo harmônico. O fato a ser

ressaltado, contudo, é que existem partes desse livro na mão do homem, que não

devem ser desconsideradas358.

O pré-evangelismo seria o desenvolvimento do contato entre o cristão e o

incrédulo, a fim de estabelecer alguma conexão entre ambos, e o sistema da

verdade ser apresentado, enquanto a mentira é desmascarada. Conforme Daniel

Schrock359, trata-se de uma abordagem de duas etapas, com a primeira tratando

desse primeiro contato com a verdade, e a segunda, da apresentação explícita das

Escrituras. Essa abordagem é exemplificada por Schaeffer em “Morte na cidade”.

As pessoas me perguntam com muita frequência “o que faria se você


conhecesse um homem realmente moderno num trem e você tivesse
apenas uma hora para falar sobre o evangelho?” E eu tenho repetido com
constância que eu gastaria quarenta e cinco ou cinquenta minutos no
negativo, para lhe mostrar de fato o seu dilema — para lhe mostrar que ele
está mais morto do que possa pensar que esteja; que ele não está apenas
morto no significado da morte do século 20 (não tendo significado nesta
vida), mas que está moralmente morto porque está separado do Deus que
existe. Então eu levaria dez ou quinze minutos para pregar o evangelho. 360

358 Schaeffer, O Deus que intervém, p. 171-2.


359SCHROCK, D. It is there and it should not be silent: Van Til’s critique of Schaeffer. Disponível
em <http://reformedforum.org/schaeffer-and-van-til-on-presuppositions/>. Acesso em: <02, Jun.,
2015>.
360
SCHAEFFER, F. Morte na cidade: a mensagem à cultura e à igreja que deram as costas a Deus.
São Paulo: Cultura Cristã, 2003. p. 53.
"138

Configurada no contexto do exercício da compaixão, a pré-evangelização

parece ter como objetivo central, estabelecer vínculos de afetividade para que as

verdades tratadas venham embutidas em um cenário de amor e preocupação real.

Outra abordagem peculiar de Schaeffer se dá dentro da pré-

evangelização. Trata-se da prática de “tirar o telhado” do oponente. Para o fundador

de L’Abri, o não-cristão vive na tentativa de se firmar em sua interpretação e

experiência do mundo. Essa tentativa demanda bastante esforço, pois a realidade

não é aquilo que o incrédulo pensa ser. Não se trata apenas de encontrar algum

lugar na realidade, mas de se proteger “contra os golpes do mundo real”. A

cosmovisão não cristã não passa no teste da realidade, e Schaeffer ressalta o ponto.

O incrédulo, desse modo, criaria uma espécie de casa, ou um teto sob o qual se

esconde e protege. A abordagem proposta por Schaeffer é a de retirar esse

instrumento do engano, a fim de expor a fragilidade do sistema não-cristão.

O dever do cristão é o de amorosamente remover este teto, permitindo à


verdade do mundo externo e do que o homem é precipitar-se sobre ele.
Quando se remove o teto, as pessoas ficam expostas e ficam feridas sob o
peso da verdade das coisas que existem 361.

A retirada do telhado se faz mediante a identificação do “ponto de tensão”

— o lugar onde a inconsistência do pensamento incrédulo, ou sua incapacidade de

lidar com o real se manifesta mais evidentemente. Todo não-cristão possui esse

ponto, visto que a realidade é apenas o que a Escritura diz ser, e não o que os mais

variados sistemas de pensamento incrédulo definem. Encontrado o ponto de tensão,

o apologeta deve pressionar o não-cristão às últimas conclusões lógicas de seus

pressupostos, em uma espécie de reductio ad absurdum. As pessoas possuem

pontos de tensão distintos, e assim, o trato deverá considerar cada pessoa de modo

361 Schaeffer, O Deus que intervém, p. 198.


"139

particular. Tal pressão funcionará como a retirada do telhado, colocando o incrédulo

em contato com os golpes da realidade. E somente demonstrar o quão insustentável

é o sistema não-cristão, o apologeta deve apresentar a resposta bíblica para o

dilema do homem.

Schaeffer considera importante fazer tudo isso com um coração amoroso.

A experiência de tirar o telhado é dolorosa ao incrédulo, mas deve ser feita como

expressão de amor cristão, e de fidelidade bíblica362. O amor é um pressuposto do

método apologético schaefferiano. As pessoas são portadoras da imagem de Deus

e, portanto, dotadas de valor. Abordagens como a “retirada do telhado” não podem

ser feitas com disposição errônea.

À medida que busco proceder assim, preciso me lembrar constantemente


de que não é um jogo que estou jogando. Se eu começo a gostar da coisa,
como uma espécie de exercício intelectual, então sou cruel e não devo
esperar obter resultado espiritual verdadeiro algum. À medida que empurro
alguém para fora de seu falso equilíbrio, ele deve sentir que me importo
com ele. Do contrário, acabarei por destruí-lo, e toda esta crueldade e terror
acabará por me destruir igualmente363.

O amor como método é a garantia de uma prática apologética que não

terá como objetivo final a mera vitória no debate, ou a destruição do oponente, mas

a comunicação efetiva que busca aproximar o não-cristão de Deus.

3.2.4 Schaeffer e o ponto de contato

Na falta de um tratamento sistemático da questão, a observação da

compreensão de Schaeffer sobre o ponto de contato se torna desafiadora. Ainda

assim, é possível identificar, a partir dos tópicos apresentados anteriormente, traços

de sua compreensão do ponto.

362 Schaeffer, O Deus que intervém, p. 198.


363 Ibid., p. 195.
"140

Para Schaeffer o cristão deve se engajar no diálogo com o não-cristão. A

realidade da Queda afetou severamente o homem, de modo que, sem o Espírito

Santo é impossível haver transformação364. Contudo, os homens tanto estão

cercados pela revelação à sua volta365, quanto carregam a revelação dentro de si366.

Schaeffer chama isso de “realidade”.

Em sua proposta, o fato de o homem ter sido amarrado à realidade367, é

determinante para que o cristão encontre o incrédulo em diálogo. Ninguém pode

fugir daquilo que Deus estabeleceu como o mundo, e nem de sua própria

consciência. À moda de Paulo, em Romanos 1, Schaeffer propõe que a criação e a

consciência sejam levados em consideração como aspectos fundamentais para

tornar os homens indesculpáveis e apresentá-los à verdade bíblica.

Essa consciência, que nada mais é do que a imagem e semelhança de

Deus no homem — sua constituição — é chamada, por Schaeffer, de hombridade368.

Por que o cristão pode conversar com o não-cristão em apologética? Porque ambos

estão cercados pela revelação de Deus, externamente, e ambos partilham da Imago

Dei, em sua hombridade.

364 Schaeffer, O Deus que intervém, p. 255, 258.


365 Ibid., p. 249.
366 Ibid., p. 250.
367 Schaeffer, O Deus que intervém, p. 254.
368 Ibid., p. 250.
"141

4 O CONTATO COM O PONTO: PARA NÃO PERDER DE VISTA O

ALVO DA APOLOGÉTICA

Os dois capítulos anteriores procuraram apresentar as perspectivas de

Van Til e Schaeffer separadamente, com o propósito de demonstrar as nuances

próprias de cada abordagem isoladamente. A pergunta que deve ser feita, neste

capítulo, é: qual é a relação entre as duas abordagens, sobretudo no que diz

respeito ao ponto de contato? À medida em que esta pergunta é respondida, o

trabalho lidará com outras questões, como, por exemplo a adequada classificação

do método de Schaeffer.

4.1 A classificação da apologética schaefferiana

Era Francis Schaeffer um pressuposicionalista? Não há concordância

quanto a esta questão, pelo que a resposta pode ser sim ou não, dependendo da

análise. Thomas Morris, por exemplo, interage com o pensamento de Schaeffer,

partindo da premissa de que ele era da escola vantiliana369 . Porém, Cornelius Van Til

e alguns de seus seguidores enfatizam as diferenças, classificando Schaeffer como

um “não-pressuposicionalista”, associando-o, inclusive, com o método de Butler370.

Barry Seagren sugere que Schaeffer era um “evidencialista das idéias” 371, e a

mesma sugestão é feita por Robert Reymond, que também situa Schaeffer no

sistema do evidencialismo372. Para Gordon Lewis e Bryan Follis, Schaeffer não é um

pressuposicionalista, nem um evidencialista; mas um verificacionista, ao estilo de E.

J. Carnell373.

369 MORRIS, T. Francis Schaeffer’s apologetics: a critique. Chicago: Moody Press, 1976. p. 12.
370 VAN Til, C. The apologetic method of Francis A. Schaeffer. Apostila não publicada, 1974. p. i.
371 Follis, Truth with love, p. 111.
372 Reymond apud Leigh, Presupposing, loc. 870.
373 Follis, Truth with love, p. 99.
"142

A princípio pode-se pensar que a crítica de Cornelius Van Til e a distinção

feita por ele entre a abordagem de Schaeffer e a sua é a palavra definitiva. Contudo,

não se pode desconsiderar o fato de que a crítica de Cornelius Van Til e sua

tentativa de fazer separação entre o seu método e o de Schaeffer envolve uma

leitura seletiva de trechos que soam destoantes. A pressa em oferecer um material

se contrapondo a Schaeffer, e a admissão de sua avaliação baseada em pouco

material contribuem para compreender o ponto374. O problema da avaliação

vantiliana foi, basicamente, desconsiderar os propósitos da obra de Schaeffer. Ao ler

seu ex-aluno como se ele tivesse o interesse acadêmico de definição de um

sistema, Van Til encontrou determinadas falhas e supervalorizou alguns trechos que

sugeriam algo diferente de sua abordagem.

Em parte, os problemas mencionados por Van Til se explicam pela

abordagem não-acadêmica de Schaeffer, e sua menor preocupação com o rigor

acadêmico, que certamente possibilita problemas de interpretação.

Schaeffer estava consciente desta possibilidade, conforme mostra sua

correspondência com Van Til no ano de 1967.

Tenho certeza que, nos lugares em que temos diferenças, sejam quais
foram, poderemos discuti-las com valor. De fato, embora não tenha mudado
o meu pensamento sobre certas questões nos aspectos práticos que
considero importantes em nossa geração, a conversa que tivemos com o
Dr. Clowney no Westminster, e as notas que você me deu, foram úteis em
me fazer ver que certas coisas que eu disse não estavam sendo explicadas
de uma maneira que me protegesse de dizer o que eu não pretendia 375.

374 Leigh, Presupposing, Loc. 604.


375 Schaeffer apud Leigh, Presupposing, Loc. 636.
"143

Outro problema com a crítica de Van Til encontra-se no espírito radical

assumido pelo professor de Westminster376.

Mas e se Schaeffer realmente não pretendia ser um pressuposicionalista?

Como já foi dito, há pensadores que entendem que a abordagem schaefferiana não

era nem a do pressuposicionalismo, nem a do evidencialismo: classificando-o como

adepto do verificacionismo. Bryan Follis levanta os antecedentes intelectuais do

fundador de L’Abri, afirmando que ele foi influenciado tanto pela racionalidade

científica da velha Princeton 377, quanto pelo pressuposicionalismo de Van Til e da

escola kuyperiana 378, somando-se a essas influências, algo da espiritualidade

pietista379. A combinação de tais influências possibilitou uma abordagem que

considerasse a contribuição de correntes distintas — a apologética verificacional de

E. J. Carnell.

Follis acompanha a argumentação de Gordon Lewis380, que em sua

apreciação da apologética schaefferiana, parte da distinção panorâmica de três

métodos gerais de raciocínio — indução, dedução e verificação – que se relacionam

a três abordagens apologéticas. O método indutivo começa com uma mente

“objetiva”, que observa os fenômenos e passa a fazer inferências com graus de

probabilidade; o dedutivo parte de premissas estabelecidas (pressuposições) e leva

o raciocínio às conclusões, o que possibilita o conhecimento, desde que as

premissas sejam verdadeiras; o método verificacional tem início com a definição de

376Leigh, Presupposing, loc. 1227. Deve-se, também, levar em consideração, que o espírito radical
não faz parte apenas do temperamento de Van Til, mas de um contexto de luta contra o liberalismo
teológico e a neo-ortodoxia.
377 Follis, Truth with love, p. 106.
378 Follis, Truth with love, p. 107.
379 Follis, Truth with love, p. 106.
380LEWIS, G. Schaeffer’s apologetic method. In: RUEGSEGGER, Ronald W (ed.). Reflections on
Francis Schaeffer. Grand Rapids, Michigan: Academie Books, 1986. p. 69-104.
"144

uma hipótese, que será testada e, confirmada ou rejeitada, conforme sua coerência

com a realidade. Para Lewis, esses modelos de raciocínio são aplicados às distintas

propostas apologéticas. O método evidencialista privilegia a indução; o

pressuposicionalista, a dedução; e o verificacionista, a verificação381.

Depois de estabelecer essa distinção, Lewis passa, então, a identificar

cinco elementos principais em um método apologético: (1) o ponto de partida; (2) o

terreno em comum; (3) o critério de verdade; (4) o papel da razão e (5) a base da fé.

Ele compara as três propostas apologéticas, a fim de demonstrar suas diferenças. A

tabela abaixo382 pode tornar o ponto mais perceptível:

Evidencialismo Pressuposicionalismo Verificacionismo

Ponto de partida Observação e dados A fonte de toda A hipótese de que o


percebidos predicação: o Deus Deus revelado na
sensorialmente auto-legitimado Bíblia existe
revelado na Escritura

Terreno em comum Cristãos e não-cristãos Não há terreno em Embora os não-


têm acesso aos comum entre cristãos e cristãos possuam
mesmos dados da não-cristãos em pressuposições
experiência e possuem princípio, mas ambos metafísicas
habilidade para partilham do mesmo contraditórias, eles
entendê-los com acesso aos dados da possuem experiências
objetividade experiência e das sensórias e pessoais
ferramentas da lógica (internas e
existenciais) em
comum com os
cristãos.

Critério de verdade O critério final da Nenhum critério de O critério pelo qual as


verdade de uma verdade pode funcionar propostas são
declaração é a para confirmar ou examinadas são a lei
correspondência com desconformar a da não-contradição, a
os dados observados pressuposição de que o adequação factual
Deus da Bíblia existe (conformidade com os
dados sensórios da
experiência humana) e
viabilidade existencial
(conformidade com os
dados internos da
experiência humana)

381 Lewis, Schaeffer’s apologetic method, p. 70-74.


382 Adaptada de Lewis, Schaeffer’s apologetic method, p. 72-74.
"145

Evidencialismo Pressuposicionalismo Verificacionismo

Papel da razão A mente humana é O uso apropriado da A razão, embora


capaz de responder razão é dedutivo da afetada pela Queda, é
criticamente às Escritura e ajudada pela graça
reivindicações de interpretativo desta. comum. Cristãos e
verdade, investigando Tentar fazer o teste das não-cristãos são
as evidências reivindicações Bíblias é responsáveis por
observáveis e fazendo colocar a razão humana distinguir os
inferências acima da revelação verdadeiros dos falsos
Divina profetas. A razão
também possui
funções interpretativas
e aplicativas

Base da fé A crença não requer A base da fé não é Embora o objeto da fé


confirmação total, mas qualquer evidência seja invisível, a base
alta probabilidade sensória ou registro da fé é observável e
coerente, mas a auto- confirmável. A hipótese
autenticação do confirmada afasta da
pressuposto idolatria.

Definidas as noções gerais de cada abordagem, Lewis se propõe a

analisar o sistema de Schaeffer, a fim de sustentar a sua identificação com o método

verificacional. Quanto ao ponto de partida, ele demonstra que a proposta de

Schaeffer tem início com o Deus infinito e pessoal, com ênfase no aspecto trinitário.

Ele reconhece que Schaeffer começa com pressuposições, mas sustenta que as

pressuposições, na proposta schaefferiana, possuem um significado diferente do

apresentado por Van Til: as pressuposições seriam melhor denominadas como

hipóteses a serem testadas383. O terreno em comum entre cristãos e não-cristãos,

seria a imagem e semelhança de Deus no homem. Falando da “hombridade”,

Schaeffer demonstra que crentes e incrédulos partilham aspectos metafísicos e

traços epistemológicos, como as leis da lógica. O critério de verdade para Schaeffer,

segundo Lewis, seria o teste da realidade — a viabilidade das propostas na vida

concreta. As leis da lógica também ocupariam papel importante para a coerência dos

383 Lewis, Schaeffer’s apologetic method, p. 79.


"146

sistemas. Lewis cita trechos nos quais Schaeffer sustenta que o cristianismo não é

apenas verdadeiro no sentido da coerência dos dogmas, mas é verdade na

prática384.

Qual é o papel da razão para o fundador de L’Abri? Lewis busca

identificar críticas feitas por Schaeffer ao evidencialismo e ao pressuposicionalismo,

embora não encontre nada explícito385. A razão precede a fé, e ocupa lugar vital no

estabelecimento de uma relação com Deus. A antítese, usada como significando a

lei da não-contradição, também é importante. Testar, examinar e comprovar são

funções da razão, que também ocupa papel importante na espiritualidade.

Finalmente, a fé lida com o Deus invisível, mas tem por base a ação

desse Deus no espaço e no tempo. Ela não deve ser vista como uma experiência de

“salto”, mas como tendo relação com o fundamento histórico e as manifestações

palpáveis, como a correspondência com a realidade, por exemplo. A fé envolve

conhecimento (notitia) e assentimento (assensus) à verdade do teísmo cristão386.

Fundamentado nesta análise, Lewis declara que Schaeffer é um

verificacionista: sua posição se diferencia do evidencialismo e do

pressuposicionalismo, e se assemelha à proposta de Carnell. Nas palavras de

Lewis, Schaeffer adotou “uma versão não-técnica do método verificacional”387. A

semelhança de terminologia – o uso do termo verificação – também é usada por

Lewis para fundamentar sua sugestão.

Follis reconhece que, por vezes, Lewis parece ansioso por reivindicar o

verificacionismo para Schaeffer388, e questiona se seria adequado situar o fundador

384 Lewis, Schaeffer’s apologetic method, p. 82.


385 Ibid., p. 84.
386 Ibid., p. 85.
387 Lewis, Schaeffer’s apologetic method, p. 86.
388 Follis, Truth with love, p. 118.
"147

de L’Abri plenamente na escola verificacionista, fundamentando seu questionamento

no fato de que Schaeffer discorda do apreço que Carnell possuía pela ênfase

kierkegaardiana na experiência interior. Ainda assim, de maneira geral, Follis

acompanha Lewis na classificação da abordagem schaefferiana, dedicando atenção

à diferença entre ela e a abordagem vantiliana, no conceito de pressuposição.

Enquanto para Van Til a pressuposição é axiomática e não pode ser testada, para

Schaeffer, a pressuposição seria melhor denominada de hipótese, pois deve ser

verificada. Follis cita um trecho de uma palestra de Schaeffer em L’Abri, na qual ele

discordou de Van Til e afirmou que o professor de Westminster estava errado em

dizer que não é possível sequer conversar com um homem até que este tenha

aceito as suas pressuposições389 .

Follis também busca distanciar Schaeffer de Van Til com base nas críticas

do professor de Westminster. Ele sustenta que o uso da ideia de pressuposto como

hipótese separa Schaeffer do pressuposicionalismo, pois nesta abordagem não há

espaço para fatos neutros ou terreno comum. Follis, contudo, reconhece que, “se o

conceito de antítese é considerado o coração do pressuposicionalismo, então

Schaeffer ainda pode ser visto como um pressuposicionalista”390. A descrição final de

Follis, no entanto, é a de afirmar que, visto de modo geral, Schaeffer está mais

próximo do verificacionismo do que do pressuposicionalismo.

4.2 A relação entre a abordagem de Schaeffer e a de Van Til

Há de se questionar se o retrato da apologética pressuposicional,

realizado por Lewis e Follis, é preciso. A ênfase deles em definir a ausência de

389 Ibid., p. 109.


390 Follis, Truth with love, p. 115.
"148

terreno em comum funciona para colocar Schaeffer em classificação diferente. Mas

seria tal representação, uma representação fiel da proposta de Van Til? Em outro

lugar, o próprio Follis cita a afirmação de William Edgar, de que a ideia da ausência

de terreno em comum é uma interpretação errada do pressuposicionalismo, pois Van

Til reconhecia o ponto de contato na consciência humana391 .

David Leigh chega a uma conclusão diferente da de Lewis e Follis. Ele

começa por definir que a “apologética pressuposicionalista propõe que cada

cosmovisão seja testada em suas próprias pressuposições” 392. Essa apresentação

inicial é fundamental para fornecer uma diferença entre a apreciação de Leigh e a de

Lewis. Enquanto para Lewis as cosmovisões não podem ser testadas no

pressuposicionalismo, Leigh aponta para a realidade de que o teste faz parte do

método.

Leigh demonstra como Van Til e Schaeffer definiam “apologética”. Em Van

Til, apologética é a vindicação da filosofia cristã de vida sobre as propostas não-

cristãs. As “evidências" são uma subdivisão da apologética, que lidam com o

aspecto mais factual393. Para Schaeffer, apologética tem natureza dupla: é a defesa

da fé, e a comunicação da fé, de maneira inteligível. O fundador de L’Abri alerta que

tal empreitada deve ser considerada não apenas na discussão dos fatos, mas na

discussão anterior, das pressuposições. Para Leigh, não há diferença significativa na

maneira como ambos consideram a sua tarefa. Ambos, de maneira geral, buscam

vindicar a fé, e fazer isso no nível das pressuposições 394.

391 Edgar apud Follis, Truth with love, p. 109.


392 Leigh, Presupposing, loc. 779. kindle edition.
393 Leigh, Presupposing, loc. 787.
394 Leigh, Presupposing, loc. 829.
"149

A abordagem de análise adotada por Leigh é a de utilizar as

pressuposições do pressuposicionalismo sobre o método apologético, e, a partir

desse paradigma, avaliar a proposta de Schaeffer395.

Van Til fazia distinção entre dois métodos, um teológico, e outro

antropológico; um que pressupõe Deus e outro que tenta provar a existência Dele;

um antigo, e um recente; um reformado e um arminiano, ou ainda, católico romano.

Essa distinção não negava o papel das evidências ou do teste das hipóteses. Para

Van Til, ambos tinham o seu lugar se estivessem nas bases corretas. “O método de

hipótese e verificação é, então, inerentemente anti-teísta? Não, se a hipótese e

verificação estiverem baseadas na pressuposição de Deus”396. Van Til, como se vê,

também fala de “verificação” e “hipótese”, diferente do modo como sugerem Lewis e

Follis.

Semelhantemente, afirma Leigh, Schaeffer fazia distinção entre dois

métodos apologéticos: o clássico e o pressuposicional397. Em obras como “O Deus

que intervém”, a antítese entre tais abordagens apologéticas é apresentada com

clareza, a ponto de Schaeffer afirmar que “a apologética pressuposicional teria

impedido o declínio”398 de muitas pessoas para a vida abaixo da linha do desespero,

enquanto a apologética clássica não foi capaz de detê-lo. Leigh segue

demonstrando que Schaeffer usa a mesma categoria de Van Til, embora com

nomenclatura diferente. Em vez de criticar o método “antropológico”, Schaeffer

critica o “humanismo”; em vez de defender o método “reformado”, como fazia Van

395 Ibid., loc. 956.


396 Van Til apud Leigh, Presupposing, loc. 1019.
397 Leigh, Op. cit., loc. 1079.
398 Schaeffer, O Deus que intervém, p. 24.
"150

Til, Schaeffer fala de como o pensamento correto é o da “Reforma”, ou dos

evangélicos e cristãos ortodoxos399.

Leigh indica que Schaeffer, como Van Til, atribui centralidade ao papel das

Escrituras. O homem não pode chegar ao conhecimento através da razão

autônoma, mas depende da revelação divina400. Em sua obra “A morte da razão”,

narrando a perda da unidade de pensamento pelo homem moderno, o fundador de

L’Abri repete a mesma ênfase do professor de Westminster, que escreve sobre

como, apenas no cristianismo “a realidade finita é relacionada a um todo, e por isso

possui significado inteligível”401. O caminho escolhido por Schaeffer, descreve Leigh,

é o de argumentar negativamente, contra as pressuposições das cosmovisões

oponentes, e, então, apresentar o sistema bíblico de acordo com o cristianismo da

Reforma.

Para Leigh, oito pressuposições teológicas direcionam o método

vantiliano: (1) a imagem de Deus; (2) a perspicuidade da revelação; (3) como o

pecado afeta o intelecto; (4) o sensus deitatus; (5) a responsabilidade dos

pecadores; (6) a graça comum; (7) o papel do Espírito Santo e (8) as implicações

para um ponto de partida metodológico (terreno em comum)402. Em síntese, todo

homem possui remanescentes da imagem de Deus, que podem e devem ser

utilizados como um ponto de partida metodológico. Ainda que o pecado tenha

afetado severamente o intelecto, nenhum homem pode escapar de sua condição

como criatura, da revelação de Deus e da ação da graça comum. A conversão,

finalmente, só acontece mediante a obra do Espírito Santo.

399 Leigh, Presupposing, loc. 1121.


400 Ibid., loc. 1145.
401 Van Til apud Leigh, Presupposing, loc. 1166.
402 Leigh, Presupposing, loc. 1356.
"151

Leigh também resume aspectos do método vantiliano, afirmando que a

apologética em Van Til tem início com o diálogo, no qual as cosmovisões são

comparadas. O apologista assume as visões do incrédulo para efeitos de

argumentação e mostra a inconsistência delas, convidando finalmente o incrédulo a

assumir a visão cristã, para verificar como a partir dela há inteligibilidade403. Van Til

não rejeita o uso de provas, desde que com as pressuposições corretas, e tampouco

desconsidera o lugar da verificação, desde que considerada a partir de uma

adequada filosofia dos fatos 404. No resumo de Leigh, a apologética de Van Til se dá

nos seguintes termos: (1) a fé cristã é intelectual e filosoficamente defensável; (2)

existe um ponto de contato, pelo fato de o incrédulo reter a imagem de Deus; (3) o

apologeta cristão deve trazer à tona o que o incrédulo já conhece, mas suprime; (4)

existe lugar para a prova, evidência e verificação405.

Em seguida, Leigh lida com a apologética de Schaeffer. Ele indica que,

para o fundador de L’Abri, o homem não pode escapar da revelação de Deus406.

Schaeffer rejeita a idéia de mera probabilidade, o que, para Leigh, o distancia

significativamente de Carnell 407. Os incrédulos rejeitam o teísmo cristão, não porque

este é sem sentido, mas porque não querem se dobrar diante de Deus, e vivem na

busca por autonomia408. Por causa disso, a obra do Espírito Santo é essencial na

tarefa apologética409, que deve ser feita em oração410. Como Van Til, Schaeffer não

acredita em um ponto de partida neutro, mas reconhece na criação do homem à

403 Ibid., loc. 1523.


404 Ibid., loc. 1619.
405 Ibid., loc. 1915.
406 Leigh, Presupposing, 2136.
407 Ibid., loc. 2172.
408 Ibid., loc. 2191.
409 Ibid.
410 Ibid., loc. 2213.
"152

imagem de Deus um terreno em comum 411. Schaeffer também segue Van Til na

defesa de que é necessário uma linguagem adequada para comunicar ao

incrédulo412, e estabelece uma metodologia apologética que identifica o ponto de

tensão no incrédulo, demonstra a insustentabilidade de sua cosmovisão e apresenta

a resposta cristã413. Mediante essa comparação, Leigh conclui que o método de

Schaeffer é, basicamente, a proposta vantiliana, embora com diferente

nomenclatura.

O tratamento extensivo de Leigh possui mais precisão do que as

interpretações anteriores. Ele é fiel às declarações de Schaeffer, que se considerava

um parceiro apologético de Van Til — como se nota em sua correspondência,

afirmando que as diferenças entre ele e o professor de Westminster eram pequenas,

e que ele entendiam que eles trabalhavam a partir da mesma matriz414 . É também

fiel à prática de Schaeffer, que continuou solicitando livros de Van Til, e

recomendando a apologética vantiliana aos seus ouvintes.

Leigh também é mais cauteloso na interpretação dos termos usados por

Schaeffer. Enquanto Lewis seleciona o termo “verificação” e o associa prontamente

ao significado de Carnell, Leigh identifica que o termo possui um sentido que

encontra coerência dentro do pressuposicionalismo.

Alguns autores, como Gordon Lewis, observaram o uso que Schaeffer faz
do termo verificação e o utilizaram para distanciar a abordagem de
Schaeffer da de Van Til. Mas, ao fazer isso, tais críticos cometem dois erros.
Primeiro, presumem que Van Til não reconheceu um meio de verificação, o
que vimos no capítulo anterior não ser assim […]. Segundo, eles presumem
que Schaeffer fala de verificação no sentido do método tradicional ou
evidencialista […]. Como Van Til, entretanto, Schaeffer baseia a sua crença

411 Leigh, Presupposing, loc. 2278.


412 Ibid., loc. 2354.
413 Ibid., loc. 2379-2457.
414 Leigh, Presupposing, loc. 605.
"153

na verificação na pressuposição de Deus, sem o Qual somos deixados,


como ele disse na citação acima, com algo “irracional” 415.

Leigh é mais consistente na comparação dos termos e métodos,

indicando a similaridade entre Van Til e Schaeffer. Aqui é interessante notar o ponto

já identificado por Edgar, de que a abordagem schaefferiana de “tirar o telhado”, é,

em essência, uma releitura da prática vantiliana de “entrar no terreno do oponente”,

ou “retirar a sua máscara de ferro”416 . Leigh vai além, e encontra em Van Til uma

ilustração ainda mais parecida com a de Schaeffer — a de "queimar a casa” que

está sobre a cabeça do oponente, para demonstrar a insustentabilidade de sua

posição417 .

Desse modo, é consistente a perspectiva que observa Schaeffer como um

pressuposicionalista. Isso não significa que ele deve ser visto como um pensador

idêntico a Van Til mas sim que ele pode ser reconhecido como um pensador que

possui os traços fundamentais da abordagem pressuposicional, seguindo os

princípios definidos por Cornelius Van Til.

Leigh conclui a sua análise destacando uma questão irônica.

É, de fato, irônico! Francis Schaeffer pôde convencer milhares de não-


cristãos a se tornarem cristãos usando a sua versão do método de Van Til.
Contudo, ele não pôde convencer o próprio Van Til de que o seu método [de
Schaeffer] era cristão! (Quanto mais, vantiliano!) 418

Ao longo dos anos, com a multiplicação das críticas de Van Til e de seus

seguidores, Schaeffer se manteve mais distanciado, chegando a afirmar que não era

um pressuposicionalista419. A negação da nomenclatura, no entanto, tem mais a ver

415 Ibid., loc. 2510.


416 Edgar, Two christian warriors, p. 64.
417 Leigh, Presupposing, loc. 1531.
418 Leigh, Presupposing, loc. 4020.
419 Edgar, Two christian warriors, p. 58.
"154

com a dificuldade de se fechar em um sistema e tratar o contato com as pessoas de

maneira mecânica, do que com a negação dos pressupostos vantilianos.

4.3 Sobre o ponto de contato

A presente pesquisa partiu da hipótese de que Schaeffer e Van Til viam o

ponto de contato na apologética de maneira diferente. Van Til o situaria na Imago

Dei, enquanto Schaeffer o situaria na experiência da realidade. Autores como Colin

Duriez reforçam essa compreensão.

O jovem Schaeffer já estava convencido de que havia um ponto de contato


real entre o crente e o incrédulo, na base da verdade e da realidade
compartilhada, uma visão que levou a inquietação e protestos da parte de
Van Til, mesmo nos seus anos de aposentadoria 420.

De fato, Schaeffer fala da realidade como ponto de contato entre cristão e

incrédulo, e de como as cosmovisões não-cristãs não passam nesse teste. O que

parece faltar na descrição de Duriez, é que a realidade só pode ser compreendida,

em Schaeffer, a partir do Deus infinito e pessoal (trinitário).

Se, para Van Til, o ponto de contato repousa no fato de o homem ter sido

criado à imagem e semelhança de Deus, e não conseguir escapar da revelação,

vivendo como um supressor da verdade, em Schaeffer, o ponto de contato repousa,

primeiramente, no fato de que todo homem possui uma “hombridade” —

características fundamentais da humanidade que, em última análise, resultam da

criação humana à imagem e semelhança de Deus.

Deve-se evitar o extremo de tornar Schaeffer um vantiliano “puro”. Poucas

pessoas entrariam em tal categoria. O próprio Schaeffer reconhecia haver diferenças

420 Duriez, Francis Schaeffer, p. 40-1.


"155

entre eles. A linguagem e o estilo demonstram esse ponto. A leitura de Schaeffer dá

a impressão de que ele colocava mais peso na realidade externa do que na

consciência humana. Talvez por isso ele tenha recebido críticas da parte dos

pressuposicionalistas. Ainda assim, a matriz a partir da qual Schaeffer trabalha é

vantiliana. Francis Schaeffer e Cornelius Van Til, embora com ênfases diferentes,

percebiam o ponto de contato na consciência do homem criado à imagem de Deus,

que não pode fugir da revelação.

4.4 O contato com o ponto

A divergência não é tudo o que restou entre Schaeffer e Van Til. Edgar

demonstra, em duas anedotas, traços de gentileza e aproximação entre os dois. O

primeiro relato é de quando Schaeffer esteve no seminário Westminster para proferir

palestras, e o diretor da casa, o Rev. Edmund Clowney, fez questão de se reunir com

ele e Van Til, a fim de “aparar as arestas”. Eles estavam no escritório de Clowney, e

Van Til tentou começar um debate de várias maneiras. Para cada ponto afirmado

pelo professor de Westminster, Schaeffer respondia com um “eu concordo com isso”.

Finalmente, e talvez um pouco frustrado, destaca Edgar, Van Til fez um resumo de

todo o seu sistema apologético em quinze minutos, a fim de demonstrar os seus

distintivos teológicos e apologéticos. Edgar, citando as memórias de Clowney, relata

que, após a longa apresentação, Schaeffer declarou: “Essa é a mais bela declaração

sobre apologética que eu já ouvi. Gostaria de ter um gravador aqui. Eu tornaria isso

um material obrigatório para todos os obreiros de L’Abri” 421.

O segundo relato diz respeito ao trato de Van Til. No fim da década de

1960, Richard Keyes, obreiro em L’Abri, escreveu críticas ao professor de

421 Edgar, Two christian warriors, p. 59.


"156

Westminster, que respondeu em uma carta, distanciando-se do método de

Schaeffer. Alguns anos depois, na metade da década de 70, a equipe de L’Abri

estava fazendo um tour pelos Estados Unidos, exibindo os filmes de Schaeffer, e

proferindo palestras com perguntas e respostas. Quando ela foi à Filadélfia, o

palestrante escolhido foi Richard Keyes, e Van Til estava na plateia. Edgar conta que

Keyes ficou apreensivo com o que aconteceria, mas o desfecho foi surpreendente:

Van Til aguardou até o final, aproximou-se de Keyes, deu-lhe um grande abraço e

disse — “Isso é simplesmente maravilhoso! Continuem a boa obra para o

Senhor!”422.

O que esses dois homens ensinam acerca do ponto central na

apologética? Dois aspectos merecem destaque, um relacionado à forma, e outro ao

conteúdo. Muether descreve um dos lemas de Van Til como suaviter in modo, fortiter

in re423, o que significa “suave na forma, e forte em conteúdo”. O ponto de Van Til

com tal lema é que a apologética deve ser feita com gentileza, tal qual o apóstolo

Pedro ensina 424. O papel do apologeta não é meramente vencer um debate, mas

apresentar a verdade, e isso não deve ser feito de maneira estridente, mas

equilibrada.

A mesma ênfase é desenvolvida por Schaeffer, em um nível mais

profundo. Schaeffer falava do amor como a apologética final425. A apologética

deveria ser feita com um coração que lamenta — e até mesmo chora — pelos

efeitos da incredulidade na vida humana. A tarefa de “empurrar” o não-cristão às

últimas consequências lógicas de sua posição deveria ser realizada com compaixão.

422 Ibid., p. 59.


423 Muether, Cornelius Van Til, p. 27.
424 1Pe.3.15,16.
425
SCHAEFFER, F. The mark of the christian. The complete works of Francis A. Schaeffer, vol.4.
Wheaton, IL: Crossway, 1982. p. 189. Logos edition.
"157

Vindicar a fé não é participar de jogos intelectuais, mas acompanhar homens

perdidos que precisam de redenção.

A maneira suave e amorosa com que ambos entendiam que a apologética

deveria ser praticada, no entanto, não deve ser confundida com a diluição do

conteúdo central da apologética. Como Oliphint destaca, “o ponto central do ensino

e ministério de Van Til é esse: para Van Til, não pode haver separação entre a

defesa da fé cristã, de um lado, e a pregação do evangelho, de outro”426. Oliphint

demonstra como essa perspectiva era real na vida do professor de Westminster. Van

Til era o homem cujos vizinhos estavam acostumados a ouvir a pregação do

evangelho; era o homem que pregou nas ruas de Nova Iorque; e era o homem cujos

escritos teológicos e filosóficos tinham por finalidade o anúncio de Jesus.

Quando perguntado sobre maneira como se classificava, Schaeffer não

hesitava: “sou um evangelista”427. Ele afirmava que sua vocação não era a de ser

um intelectual ou acadêmico, embora ele usasse elementos acadêmicos e

filosóficos. O seu ponto era que “todo o material cultural, intelectual ou filosófico não

deve ser separado de levar as pessoas a Cristo”428.

Dessa maneira, a proposta de ambos os pensadores era a de utilizar um

pensamento rigoroso, com contornos de gentileza e compaixão, e que apontasse

unicamente para o Cristo das Escrituras.

O ponto da apologética é convocar os “quebradores da aliança” a se

tornarem seus observadores. É retirar os homens da condição de culpa na qual se

encontram, para serem achados em graça e reintegração. É levar não apenas a

426 Oliphint, Van Til the evangelist, p. 1.


427
Cf. SCHAEFFER, F. The God who is there. The complete works of Francis A. Schaeffer, vol.1.
Wheaton, IL: Crossway, 1982. p. 185.
428 Ibid.
"158

intelectualidade, mas o homem como um todo a experimentar a transformação que

vem da cruz.

"159

CONCLUSÃO

O que se conclui de tal investigação? Como se dá a relação entre o

pensamento de Cornelius Van Til e Francis Schaeffer. Os aspectos tratados nos

capítulos anteriores devem ser suficientes para solucionar a questão.

Passou-se algum tempo observando as origens de ambos os pensadores,

a fim de identificar a formação de seu pensamento, e os traços que dão contexto a

suas obras. Van Til foi demonstrado como o homem incisivo, teologicamente preciso

e comprometido com a igreja e a evangelização. Schaeffer foi apresentado como o

pensador abrangente, não-acadêmico mas profundo, compassivo e comprometido

com o diálogo com o homem de seu tempo.

Em seguida, observou-se os traços gerais do pensamento de ambos, a

fim de identificar a maneira como compreendiam o ponto de contato entre cristão e

não-cristão. Em Cornelius Van Til, além dos temas relacionados à Trindade

ontológica e econômica, à centralidade da revelação, e à dimensão pactual humana,

observou-se o seu método apologético, que envolvia a argumentação pela

impossibilidade do contrário e a entrada no território do oponente para efeitos do

argumento. Chegou-se à conclusão de que Cornelius Van Til via um ponto de

contato entre cristão e não-cristão, uma vez que o vínculo metafísico entre Criador e

criação não foi quebrado. O ponto de contato, para o holandês, reside no fato de o

homem ser criado à imagem e semelhança de Deus, e trazer consigo a revelação de

Deus.

Para Schaeffer, os temas centrais também envolvem metafísica,

epistemologia e ética. Falam do “Deus que está lá” — o fundamento objetivo da

realidade —, de como o homem contemporâneo perdeu a noção de “verdade” (e de

como ela pode ser encontrada na revelação de Deus), e de como a perda de Deus e
"160

da verdade implicam desvio moral e desespero. O ponto de contato, para Schaeffer,

está em sua “hombridade” — o fato de ter sido criado à imagem e semelhança de

Deus. Esse é o pressuposto que possibilita o teste da realidade externa.

Finalmente, colocou-se ambos pensadores em perspectiva,

harmonizando o seu pensamento e identificando não apenas um pensamento

comum, mas também métodos em comum e um objetivo semelhante.

A que conclusão se chega?

O problema inicial era: “qual é a relação entre a compreensão vantiliana e

a schaefferiana sobre o ponto de contato na apologética?”. Os problemas acessórios

eram: “A abordagem de Schaeffer pode ser considerada uma abordagem

pressuposicionalista? Que proveito os cristãos contemporâneos podem tirar desta

discussão?”.

A hipótese que norteava a pesquisa era de que Cornelius Van Til situava o

ponto de contato entre cristão e não-cristão na apologética na Imago Dei, enquanto

Francis Schaeffer o localizava na experiência da realidade.

Após a observação do material pesquisado, a conclusão para o problema

central é distinta da hipótese proposta. Enquanto a hipótese sugeria uma diferença

entre Van Til e Schaeffer quanto ao ponto de contato, os dados revelam que ambos

possuíam a mesma compreensão do tópico.

Embora as aparências possam enganar, e os conflitos entre Van Til e

Schaeffer possam ofuscar a percepção de suas semelhanças, uma leitura cautelosa

chegará à conclusão de que ambos pensavam de maneira semelhante acerca do

ponto de contato entre cristão e não-cristão na apologética.


"161

Schaeffer se via dentro da tradição pressuposicionalista, e reafirmava os

pontos propostos por Van Til, ao recomendar sua obra. Fazia isso, no entanto, à sua

maneira, dedicando tempo a considerar as dimensões da “realidade” e as tensões

vivenciadas pelos homens que estavam no mundo de Deus, tentando suprimir a

verdade de Deus.

As ênfases são distintas, e a linguagem, também, mas o olhar atento

perceberá que o ponto de contato que ambos viam, entre cristão e incrédulo, é

idêntico.

A presente pesquisa demonstrou que não apenas a sua compreensão

desse aspecto específico é semelhante, mas também a sua teoria apologética mais

abrangente, e o seu método de vindicar a fé.

Tal percepção contribui, significativamente, para se obter conclusões

acerca dos problemas acessórios. A percepção de Schaeffer como alguém que lida

com as pessoas no campo das pressuposições, que “entra no terreno do oponente”

a fim de demonstrar, de dentro, a insustentabilidade de seu sistema de vida, que lê e

recomenda as obras de Van Til em L’Abri, e que descreve não haver diferenças

significativas entre o seu sistema e o de seu ex-professor, fornece material suficiente

para alguém afirmar que Francis Schaeffer era um pressuposicionalista. Ele está em

plena harmonia com os pressupostos e métodos pressuposicionais, e faz uso

intencional deles. Portanto, a melhor leitura sobre o seu pensamento o localizará

entre os apologetas pressuposicionalistas.

“Que proveitos os cristãos contemporâneos podem tirar dessa

discussão?” — pergunta o último problema. As possibilidades de resposta são

variadas.
"162

O leitor contemporâneo das obras de Van Til e Schaeffer pode ser

amplamente beneficiado de seus escritos. Ali existe um conteúdo fiel à Palavra de

Deus, escrito de maneira mais (Van Til ) ou menos (Schaeffer) rigorosa, mais

(Schaeffer) ou menos (Van Til) acessível, capaz de aplicar o melhor da teologia à

serviço da apologética e evangelização. Antes de se perguntar especificamente

acerca de como ambos viam o ponto de contato, a leitura de sua obra providencia

grande enriquecimento em teologia sistemática, filosofia, análise cultural, dentre

outros temas.

O leitor contemporâneo é beneficiado quanto ao modo específico pelo

qual a perspectiva pressuposicional lida com a apologética. Em vez de apelar a

“fatos”, será iniciado, por Van Til e Schaeffer, na prática da reflexão por

pressuposição. Considerará o que está por trás dos fatos, e observará a importância

das cosmovisões para se compreender o mundo e as pessoas.

O cristão dos dias atuais pode tirar proveito dessa discussão ao identificar

como a variedade se faz presente mesmo em tradições particulares. Assim como o

pressuposicionalismo comporta um Gordon Clark, um Cornelius Van Til e um Francis

Schaeffer, existe espaço para variações e divergências em questões secundárias

quanto à maneira de se apropriar da tradição e torná-la prática.

O aprendizado se dá tanto pelos bons exemplos quanto pelos maus. É

assim que o leitor contemporâneo, após estudar a história das controvérsias entre

Van Til e Schaeffer, também pode ser alertado quanto à feiúra presente nas relações

humanas. Se é verdade que existem variações nas tradições, também é verdade

que nem sempre tais diferenças são bem aceitas. A atitude obstinada de Van Til em

refutar Francis Schaeffer e perseguir as pessoas a ele associadas foi além do

racional, revelando aspectos mais profundos do coração. O amor pela causa e o


"163

zelo ortodoxo podem se tornar um fim em si, e prejudicar o objetivo final da

apologética. A pressa em categorizar pessoas, sem a devida paciência e tempo para

considerar o que estão falando pode falhar em demonstrar a “ortodoxia da

comunidade” ou “ortodoxia do amor” que invariavelmente deve caminhar lado a lado

com a ortodoxia da doutrina.

Finalmente, o cristão contemporâneo pode ser edificado ao aprender, de

ambos os pensadores, sobre o objetivo final da apologética. Van Til e Schaeffer não

concordavam (ainda que isso estivesse oculto a eles) apenas no método

apologético. Seu alvo era o mesmo: demonstrar amor e gentileza, para comunicar a

verdade, transformar pessoas, e levar cativo todo pensamento à obediência de

Cristo429.

Os problemas levantados ao início da pesquisa se apresentam

respondidos. Como se viu ao longo do trabalho, existe mais de uma resposta

disponível para os questionamentos. Cabe ao pesquisador reconhecer a sua

existência, interagir com aqueles que se perguntam sobre aspectos semelhantes, e

oferecer a sua análise da questão.

Schaeffer e Van Til possuíam a mesma visão acerca do ponto de contato;

Schaeffer era um pressuposicionalista, e existem muitos benefícios e lições para o

leitor contemporâneo de ambos autores.

Como é característico das pesquisas bem-sucedidas, pretende-se que os

questionamentos respondidos sejam questionados e aprofundados por novas

pesquisas, que tragam ainda maior luz sobre a apologética e suas possibilidades de

aplicação a serviço de Deus e seu reino.


429 Cf.2 Co.10.5.


"164

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