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Relatório:

05/04/2018 e 06/04/2018

A Reforma Universitária de D. João III


Doutor Fernando Taveira da Fonseca (historiador especialista na
história da universidade de Coimbra)
Em 1537, a universidade é definitivamente estabelecida em Coimbra
por D. João III, concentradas no Paço Real da Alcáçova, o que viria a ser
conhecido, mais tarde, como o Paço das escolas. (1 e 2) Antes da sua
implementação em Coimbra, uma série de precedentes avisavam a sua
chegada e, depois da sua chegada, um conjunto de reformas a
aperfeiçoou. Mas de todas as perguntas que se podem fazer, destaca-
se uma, que por natureza humana é obrigatória, “o porquê”. Qual foi o
motivo que incentivou esta transferência de Lisboa para Coimbra? (2)
Lisboa, pouco antes da sua transferência, recebia influências externas,
de decisões políticas e religiosas que afetavam a estabilidade da
cidade. Um desses problemas era a “questão judaica”. Durante o séc.
XV, a política católica dos monarcas espanhóis levou á expulsão dos
judeus, sendo Portugal um porto de abrigo. A partir de 1497, o rei
impôs a lei da conversão dos judeus em “cristãos-novos”. O massacre
da “Matança da Páscoa” ocorreu em 1506, como um reflexo do
preconceito que já se estava a criar. Este acontecimento deveu-se a um
período de seca prolongada e surtos de peste que se vivia na cidade
(Lisboa). A 19 de abril desse ano, num momento de resignação na
Igreja do Convento de S. Domingos, na baixa de Lisboa, alguém afirmou
ter visto a imagem de cristo em um dos altares, visto pelos locais como
um sinal de esperança e bonança. Porém um outro local afirmou ter
sido um reflexo de um raio de sol e, sendo identificado como um
cristão-novo, logo foi espancado pela multidão que ali se reunia até
não poder mais respirar. (2 e 3)
Claro que isto por si só não é caso de massacre, mas começou o típico
comportamento de culpar alguém pelo sofrimento que a cidade
passava. Além deste incidente, um frade dominicano decretou 100 dias
de indulgências a quem matasse os hereges e durante os seguintes 3
dias (dessa Semana Santa), deu-se a “Matança da Páscoa” de 1506,
onde entre dois a quatro mil cristãos-novos foram mortos com a única
culpa de serem apenas “judeus”. (2 e 3)
Em 1536 a inquisição é instaurada em Portugal, como forma de
combater a propagação dos ideais protestantes. A ideia que dominava
as mentalidades da época é que “a religião dos súbditos tem de ser a
religião do rei.” (2)
Com o período de instabilidade que dominava a cidade, criava-se um
ambiente pouco propício ao estudo e ao alojamento de uma
universidade. (2)
Este período também é marcado pela introdução do humanismo, na
centralização dos elementos humanos, iniciando-se uma busca do ideal
da perfeição literária, destacando-se a cultura greco-latina, onde novos
ideais e estilos se desenvolvem. Isto cria um ambiente renovador em
termos de ensino, um novo modelo de ensino. (2)
Em Coimbra, a Igreja de Santa Cruz sempre teve um papel ativo na
cidade. D. Afonso Henriques guardava o seu tesouro ali e além disso,
de forma resumida, a igreja teve sempre um papel orientador na
política ao monarca e seu sucessor (D. Sancho I), assim como uma
influência política local. Apesar de perder importância durante a
deslocação das cortes mais para sul (Lisboa e Santarém), voltará a
erguer-se com o papel de uma “pré-universidade”. (2)
Em 1527, D. João III começou os preparativos para a transferência da
universidade. Responsável pela organização deste grande evento foi
Frei Brás de Barros, Prior-mor. Determinou-se que os colégios seriam
construídos na Rua da Sofia (sabedoria) e concedeu-se bolsas de
estudo para Paris, para formar os novos professores com o mais
moderno erudito que a Europa tinha para dar. Das áreas dadas nos
colégios, destaca-se a Gramática e as Artes (lógica, física, metafísica e a
ética). Estas transformações levam a uma reforma religiosa, científica e
económica da Igreja de Santa Cruz, que Frei Brás de Barros ficou
encarregado. (2)
Em 1533, surge um professor grego em Santa Cruz. (2)
Em 1535 o curso de artes já funcionava em Santa Cruz. (2)
O curso de artes era financiado pela própria Igreja e em 1537, após um
“momento de preparação gradual”, surge em Coimbra a Universidade.
(2)

Nessa universidade o reitor era a autoridade máxima, o representante


do monarca, onde funcionavam as faculdades de Direito civil, Direito
canônico, medicina e teologia. (2)
A Universidade funcionava como uma instituição independente, onde
as economias provinham de rendimentos/dízimos/direitos senhoriais.
(2)

Em 1544, todas as faculdades são deslocadas para o Paço Real, como


empréstimo de território. Porém, mais tarde o Paço real será “a casa”
da universidade. (2)
Esta nova instituição trás um impacto urbanístico e dinâmico á cidade:
com o surgimento dos colégios, das habitações para os novos
habitantes (estudantes, funcionários, professores), com a economia
centrada e adaptada ao novo estilo de vida estudantil, dinamizando o
mercado regional, pois a universidade contratava fornecedores de
carne e peixe locais. (2)
Com as recentes renovações urbanísticas e a dinâmica que elas
trouxeram á economia da cidade, Coimbra cresceu demograficamente
e consequentemente no espaço. (2)
Entre 1577-1771, a percentagem de estudantes nas seguintes
faculdades distribuíam-se, aproximadamente, da seguinte forma: 7 %
na medicina, 6% na teologia, 72% no Direito Canônico e 15 % no Direito
Civil. (2)

A Reforma Universitária protagonizada pelo


Marquês de Pombal
A universidade é frequentada pela classe média/alta (nobres,
burgueses e clérigos), cujo objetivo resume-se á ascensão da vida
social, como se fosse uma projeção de vontades, de pai para filho, em
que o filho superaria o pai. É no fundo o desejo de que os nossos
descendentes tenham uma vida melhor que nós tivemos, mentalidade
essa que ainda se verifica. (2)
Os estudantes partilhavam com os locais a cidade e essa partilha levou
a alguns conflitos sociais, como o de 1621/22 onde um grupo de
estudantes aterroriza as pessoas da cidade, sendo a polícia chamada a
intervir onde 18 estudantes foram detidos. (2)
Via-se com facilidade que os estudantes praticavam a indisciplina.
Como por exemplo, em 1660, no Pátio da Universidade, começou-se a
questionar quantos alunos realmente frequentavam a universidade. As
matrículas realizavam-se em Outubro e em Maio, sendo as únicas
épocas de controlo da população estudantil. Geralmente, os
frequentadores universitários, depois da matrícula voltavam para as
suas terras, e só vinham para renovar ou fazer os exames ao quinto
ano de estudo. Por outras palavras, eles não viviam em Coimbra, o que
por sua vez obrigou á descida dos preços de arrendamento (já que não
havia disputa pelo alojamento/falta de população). Esta situação
verificar-se-ia ao longo do séc. XVIII. (2)
A pedido dos locais e porque a universidade não detinha um “auxiliar
de estudos”, foi pedido ao rei a criação de uma biblioteca, o que se
veio a realizar (construída ao longo da década de 1720), ficando
conhecida como a Biblioteca Joanina. (2)
Em 1728, constrói-se a Torre da Cabra, onde no seu cimo haveria
espaço para a implementação de instrumentos que permitissem a
observação das estrelas. (2)
Em 1746, surge o plano para a construção do jardim botânico,
concluído em 1772. (4)
Em 1772, a Universidade viu-se objeto de uma reforma renovadora
onde se introduziria as ciências do rigor e da natureza. Criou-se duas
novas faculdades, Matemática e a Filosofia Natural. Também se
estabeleceu um limite de idade que podia variar entre os 13 e os 18
anos, consoante a faculdade.
Nesta reforma, a própria avaliação modifica-se: Implementa-se a
avaliação anual. O curso demoraria 5 anos, mais um ano caso o
estudante se aperfeiçoasse no doutoramento. A avaliação também
funcionava por interrogatórios, diários, semanários e mensais. Os
alunos que demonstrassem falta de desempenho podiam ficar retidos.
As propinas são pagas antes de fazer o exame (antes pagava-se cerca
de 30 reis (1kg de carne) como uma “taxa de inscrição”, depois passou
a 12800 reis por ano.
Esperava-se do professor universitário um espírito inventor, que
incorpora o novo.
12/04/2018
(complementação das duas últimas aulas)
No reinado de D. Manuel, um conjunto de renovações urbanísticas
foram iniciadas, de entre as quais destaca-se a ponte manuelina,
construída sobre a ponte medieval de 1131 (construção esta ordenada
por D. Afonso Henriques), realça-se também as obras de renovações no
Mosteiro de Santa Cruz (pelo arquiteto João de Ruão), construção de
uma nova torre e construção de um hospital, em 1504. (2)
Estas obras régias, sobretudo o hospital, são demonstrações da
centralização régia, onde o poder real auxilia a população de Coimbra.
Antes essa assistência estava ligada á ordem eclesiástica (assistência
médica). (2)
Em 1504, não só é criado o hospital, como se sucede um conjunto de
renovações a nível arquitetónico: inclui a Sé, o Paço Real e Porta
Especiosa, onde se destacou o arquiteto João de Ruão. (2)
As muralhas também foram alvo de obras para poder conter as cheias
e as suas desastrosas consequências, que afetavam os mosteiros de
Santa Clara-velha, Santana e S. Francisco. (2)
Após a morte de D. Manuel, as obras não cessaram com o seu
sucessor, D. João III, que preparou o caminho e recebendo a
universidade, o que consequentemente levou a um crescimento físico
e demográfico, assistindo-se a um rejuvenescimento da
população/cidade. Além disso conferiu um desenvolvimento
campestre, onde a natureza se “miscigena” com o urbano. Um dos
exemplos dessa miscigenação é o Claustro da Manga, construído pelo
já mencionado João de Ruão, entre 1527/1528. (2)
João de Ruão era de origem francesa, depois de em Coimbra se
estabelecer casa com a filha de um carpinteiro régio e integra-se na
corte como um arquiteto de renome. (2)
O crescimento da cidade é bem visível. Antes da chegada da
universidade, Coimbra era casa de 5 mil habitantes e pouco mais tarde,
chegou a ter cerca 10/12 mil de habitantes. (2)
Coimbra deve o seu estatuto por ser a única sede de Estudos Gerais do
império português até 1911. (2)
D. João III preocupa-se com a universidade e a sua inserção e entre
1537 e 1544 é a fase inicial, a década das iniciativas. (2)
Já em 1535, assiste-se á criação dos colégios de S. Miguel (para os
nobres) e o de Todos os Santos (para os mais desfavorecidos), estes
criados no interior do mosteiro de Santa Cruz. (6)
Além destas obras, destaca-se a Rua da Sofia (que substituiu o nome da
Rua Direita), uma rua larga (cerca de 13 metros) com 500 metros de
comprimentos, movimentada, que em 1535 surge na documentação a
intenção em criá-la (numa troca de documentos entre D. João III e Frei
Brás de Barros, por intermédio de D. Castillo) devido á intensa
movimentação que o colégio de Santa Cruz criava. O objetivo resumia-
se e criar uma rua onde iria comportar um conjunto de infraestruturas
estudantis (colégios). (5 e 6)
Em 1538, a rua direita toma formalmente a designação de “Rua de
Santa Sofia”. Em 1541 procede-se á construção de colégios ao longo do
lado nascente da rua (lado direito). Entre os quais destacam-se: “o de
S. Pedro dos Terceiros, em 1540; o de S. Bernardo ou do Espírito Santo,
da Ordem de Cister, em 1548; o de Nossa Senhora da Graça, em 1543;
o de S. Tomás, da Ordem de São Domingos, em 1547; e o Real Colégio
das Artes que, em 1547, foi ocupar as instalações dos de Todos-os-
Santos e S. Miguel”. (5)
No lado poente da rua (esquerdo), o espaço é dedicado a habitações
(estudantes/professores/funcionários), mas também funcionavam os
colégios: S. Boaventura (1527, onde hoje é tomado por espaços
comerciais) e S. Tomás (onde hoje é o Tribunal de Coimbra. Por Diogo
Castillo, 1543). (6)
Em 1537, com a vinda da universidade, dá-se a separação formal entre
a igreja e o ensino. Por outras palavras a universidade torna-se uma
instituição independente, às mãos do Reitor D. Garcia de Almeida. Com
a nomeação de Frei Diogo de Murça como reitor da universidade,
procedeu-se, em 1545, á unificação do estudo, em que as diversas
áreas (latim, medicina, teologia, artes) se instalassem na Alta da
cidade. Assim, “lançou-se” a ideia de que os estudos superiores
deveriam ser concentrados na Alta e os “estudos preparatórios das
artes e humanidades” deviam ser concentrados na Baixa. (5 e 6)
Assim, a Rua da Santa Sofia passou a albergar colégios somente com
fins religiosos, havendo de certo modo uma separação definitiva. (6)
Apesar da Rua da Santa Sofia ser considerada património mundial da
UNESCO, os colégios deixaram de ser funcionais devido á extinção das
ordens religiosas em 1834. Apenas o Colégio da Graça, também
construído por Diogo Castillo em 1543 (começo da construção), está
englobado em um plano de reabilitação para “reerguer”/dar a sua
devida importância a um local que o tempo e a sociedade deixaram
para trás. (6)
A universidade confere entidade/imagem á cidade, sendo por isso uma
das razões por ser uma das cidades mais conceituadas do País e do
mundo.
Bibliografia
1. Universidade de Coimbra. (s.d.). História da Universidade de
Coimbra. [Em Linha]. Disponível em
https://www.uc.pt/sobrenos/historia. [consultado em
24/04/2018]
2. Apontamentos
3. Patriarcado de lisboa. (s.d.). A Matança da Páscoa (1506). [Em
Linha]. Disponível em
http://www.ucp.pt/site/resources/documents/FT/Memoriais.p
df. [consultado em 24/04/2018]
4. Universidade de Coimbra. (s.d.). O Jardim Botânico da
Universidade de Coimbra. [Em Linha]. Disponível em
https://www.uc.pt/jardimbotanico/O_Jardim_Botanico_da_UC.
[consultado em 25/04/2018]
5. Araújo, Luís Paulo da Silva Araújo. (2015). Alta de Coimbra:
Evolução urbana e funcionalidades. (Tese de Mestrado
disponível em
https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/29849/1/Dissert
ação%20de%20Mestrado%20%28Luís%20Araújo%29.pdf.
Universidade de Coimbra, Portugal.
6. Pires, J. Norberto. (2017). A Rua de Santa Sophia e um FUTURO
POR CUMPRIR. [Disponível em https://pt.linkedin.com/pulse/rua-
de-santa-sophia-e-um-futuro-por-cumprir-j-norberto-pires.
[consultado a 25/04/2018]

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