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Azevedo

tremendo em Portugal e fundamentou as reformas educacionais na Uni­


versidade de Coimbra, em 1772.6Com D. João V, o “ancien régime” cm
Portugal alcançou o seu momento mais alto. Incorporou elementos do
iluminismo, mas nunca o abraçou totalmente.

O legado de Pombal

D. José I confiou o seu governo a seu ministro de Estado, o Marquês


de Pombal, que tentou fazer de Portugal uma nação moderna. Os seus ob­
jetivos foram os de controlar todas as atividades comerciais, os nobres e a
Igreja. Iniciou sua campanha suprimindo a Companhia de Jesus, que, a
seu ver, estava prejudicando o progresso educacional em Portugal e exer­
cia uma influência nefasta no Brasil. Tentativas esperançosas de reformas
eclesiásticas em Portugal, tais como a do Bispo de Coimbra, Miguel da
Anunciação, não teriam vez. O crime do Bispo foi proibir a publicação e
circulação de trabalhos regaljstas na sua diocese.7 Pombal preferiu os Ora-
torianos, já prestigiados por D. João V, nos seus planos para reformar a
educação secundária. Escolheu um deles, Antônio Pereira de Figueiredo,
para trabalhar no seu ministério, mas exigiu que deixasse os Oratorianos.
Pombal, porém, exilou um outro, o Pe. Teodoro de Almeida, um dos mais
famosos divulgadores das novas ciências em Portugal.8
A supressão de ordens religiosas, a destruição da família nobre Tá-
vora e a ruptura de relações diplomáticas em 1760 com o Papado que du­
rou dez anos, indicaram os êxitos do Marquês.9Menos vingativa foi sua
reforma dos Estatutos da Universidade de Coimbra em 1772, quando o
brasileiro D. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho era Reitor.
O eficiente Pombal fechou também os noviciados das Ordens Religio­
sas que funcionavam no Brasil, em 1764.10 Só depois da sua queda, em

í>. Antftnio Alberto de ANDRADE, Vemey e a cultura do seu tempo, Jmprensa de Coimbra, Coimbra 1965,
passim,
7, Ferdinand AZEVEDO, Teodoro de Almeida (¡722-1804) and the Portuguese Enlightenment, Univer-
Nliy Microfilms International, Ann Arbor 1997, p. 19.

8. ID.,passim.
V. Mnnool CARDOSO, Azeredo Coutinho and the Intellectual Ferment o f his Times, em: Henry H. KEITH
ti S I' EDWARDS (cds.), Conflict and Continuity in Brazilian Society, University of South Carolina Press, Co­
lumbia 1969, p, 81; Marin Emilia Cordeiro FERREIRA, Távora, em: Dicionário de História de Portugal, vol.
IV, Iniciativas Editorials, 1971, p. 122-4; Samuel J. MILLER, Portugal andRomec. 1748-1830, an Aspect o f the
( nlhalle Enlightenment, UnivcrsitA Gregoriana Editricc, Roma 1978, passim.
1(1 Mathias ( ’ KIEMEN, Igreja c Política na Regência, cm: Revista do Instituto Histórica e Geográfico
lliaslblro, v 107, nhi-Junhn 1975, p, 80.
Conflito Dom Vital-regalismo brasileiro: antecedentes <¿5

1777, Dona Maria I, concedeu licença para os Franciscanos no norte do


Brasil receberem trinta noviços.“ Além disso, estabeleceu uma “Junta
do Exame do Estado Atual e Melhoramento Temporal das Ordens” para
a qual deveriam ser submetidas todas as solicitações das Ordens para re­
ceber noviços.112 Por fim, se enlouqueceu e seu filho, João Príncipe do
Brasil, tomou o seu lugar, em 1792. Devido à invasão de Portugal, em
novembro dc 1807, pelo exército napoleânico, a Corte e o governo por­
tuguês fugiram para Brasil.

A Casa Real de Bragança no Brasil


•D*»/ /
Mesmo antes da chegada da Casa de Bragança ao Brasil, o espirito
reformista já se fez presente com a nomeação de José Joaquim de Cunha
de Azeredo Coutinho para Bispo da Diocese de Olinda, em 1794. Nas­
ceu em Campos dos Goitacazes, em 1742, na Capitania do Rio de Janei­
ro. Pertencia a uma família importante, cuja riqueza se baseava na cultu­
ra da cana de açúcar. Fez seus primeiros estudos na cidade do Rio de Ja­
neiro. Quando seu pai faleceu, em 1768, assumiu a administração dos
negócios da família. Era bom administrador, mas a vida do campo não
lhe interessava. Sua inclinação foi para a vida intelectual e uma carreira
eclesiástica. Com trinta e três anos, iniciou seus estudos na Universida­
de de Coimbra, em 1775. Estudou história natural, física e química, mas
ganhou sua primeira titulação universitária em direito canônico, em 1780,
e se ordenou no mesmo ano. Sua nomeação para Deputado da Inquisição
de Lisboa por D. Maria I ocorreu, também, em 1780. Em 1784, foi no­
meado Arcediago da Catedral do Rio de Janeiro, mas não voltou para o
Brasil, permanecendo cm Portugal por mais dez anos. ^
Nesse tempo, cm Portugal, ganhou fama, escrevendo sobre a cultura
da cana de açúcar. Ficou preocupado com uma lei em elaboração, em
Lisboa, para fixar o preço do açúcar que poderia ser prejudicial aos culti­
vadores dc cana no Brasil. Em 1791 escreveu um trabalho intitulado Me­
mória sobre o preço do açúcar. Esse trabalho impressionou tanto a Aca­
demia Real das Ciências de Lisboa que foi convidado a ser membro da
mesma, em 1792. Nesse momento de vida intelectual intensa, foi nome­
ado Bispo dc Oiinda. em 1794.

11. ID., p. 80.


12. ID.. p. 80-1.
92 F. Azevedo

sificou esse drama cultural. Os dois se enfrentavam e faziam parte dum


jjj ambiente agitado por diversos grupos motivados pelojggalismo, libera-
! lismo, republicanismo e ultramontanísimo, todos brigando entre si, numa
sociedade progressivamente clamando por aberturas sociais, religiosas
e econômicas - aspirações, já influentes na Europa e nas Américas des­
de o fim do século XVIII e durante o século XIX e que, agora, estavam
empurrando o Brasil para ser uma nação mais pluralista.1Mesmo saindo
dum contexto politicamente perturbado e contrariando muito a D. Pedro
II, a solução dada à divergência foi paliativa. As causas permaneceram.
No entanto, as outras correntes, com a finalidade de modificar o regime
monárquico cada vez mais enfraquecido, ganharam força e, finalmente,
alcançaram seu objetivo. O Império foi suplantado pela República e a
Igreja teria que repensar sua convivência num contexto social radical­
mente modificado.
Há muitos estudos sobre a “Questão Religiosa” e não queremos re­
petir o que já está bastante mastigado. Nosso intuito é colocá-la no seu
contexto histórico que começou no século XVIII, em Portugal, e se es­
tendeu praticamente até o fim do século XIX, no Brasil, para tentar com­
preender, nesse contexto, a atuação de D. Vital e sua posição política que
foi, de fato, uma expressão de fé.

O papel fundamental do padroado

Uma compreensão do Padroado é essencial para entender melhor as


divergências na união entre a Igreja o Governo Imperial do Brasil no sé­
culo XIX e o Pe. Herbert E. Wetzel nos fornece um ótimo resumo:2
O padroado é um conjunto de direitos e privilégios concedidos pela Santa Sé
aos reis de Portugal, dando-lhes o direito de: a) nomear bispos, conferir be­
nefícios eclesiásticos, conceder e/ou recusar o “Placet” (consentimento de
publicidade) aos decretos dos concílios, cartas apostólicas e quaisquer ou­
tros documentos eclesiásticos: b) receber os dízimos das Igrejas pertencentes
à Ordem de Cristo (Santiago e Aviz, a maioria das igrejas do Brasil). Inicial­
mente o Padroado era prerrogativa dos Grão-mestres das Ordens de Cristo,
Santiago e Aviz, mas em 1550 (29 de dezembro), Júlio III uniu inperpetuum

1. David Gueiros VIEIRA, O protestantismo, a maçonaria e a questão religioso no Brasil, Editora Univer­
sidade de Brasília, Brasília 1980,passim.
2. Herbert E. WETZEL, O condicionamento histórico étnico-cultural da Igreja no Brasil, em: Missão da
Igreja no Brasil, Loyola, São Paulo 1973, p. 42.
Conflito Dom Vital-regalismo brasileiro: antecedentes 93

os mestrados dessas ordens à Coroa Portuguesa, passando o Padroado do


Ultramar e do Continente à pessoa dos reis de Portugal.

Uma vez outorgados, esses direitos e benefícios se tornaram alicer­


ces patrimoniais da nação. Mas nem sempre os Reis e suas Cortçs visa­
vam o bem estar da Igreja./'*

Antecedentes portugueses

No século XVI os Reis Portugueses tentaram colonizar o Drasil sem


gastar muito, evidenciado pelo sistema de capitanias hereditárias e seus
donatários. Os parcos resultados e a cobiça de seus rivais europeus for­
çaram a Casa Real a repensar suas estratégias sobre o Brasil. Um gover­
no central, exercido por um Governador Geral, localizado na Bahia, foi
a resposta, c assim começou o lento, mas contínuo processo para fazer
do Brasil parte integrante de Portugal. Até o período da dominação espa­
nhola, 1580-1640, não o prejudicou tanto, porque, nesses anos, Portugal
teve a sorte incrível ele que dos espanhóis não descobrissem ouro. Mais
tarde, no século XVIII, com as riquezas de Minas Gerais, D. João V
abriu, mesmo com muita cautela, Portugal às influências iluministas eu­
ropéias. Para ele, Portugal continental c seus territórios formavam urna
só nação na qual o Brasil se destacava. Nessa visão, era natural que I).
João V trouxesHo muitos brasileiros para estudar, não somente em Portu
gal na Universidade de ( loimbrn, mas também, nn outras l Jniveisidacles
Européias. H não decepcionaram, eyempliliendo» por Alexandre de ( Um
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os estudos de Luís António Verney. cujo /I vridiulcini iminrnn ./<• iwln
dar,; mesmo sendo publicado com um pseudónimo, citou um impaelo345

3. Manoel CARDOSO, The InleiuiUiomilm ofthe I'orliiuue.ne Hnllnhleimieiil The rolen/lhe I riionuel
rado, c. 1700-c, / 7M), cm;
A, Al<lrl(|n OWI N (eil), ‘Hw Hiero American Hnllithleniiwnl, Unlvcully ul llllntil»
Press, Urbana 1971, p. 193 207.
4. CARDOSO, Ihld,
5. ID.,p. 153.
92 F. Azevedo

sificou esse drama cultural. Os dois se enfrentavam e faziam parte dum


jj ambiente agitado por diversos grupos motivados peloj^galismo, libera-
f lismo, republicanismo e ultramontanismo, todos brigando entre si, numa
sociedade progressivamente clamando por aberturas sociais, religiosas
e econômicas - aspirações, já influentes na Europa e nas Américas des­
de o fim do século XVIII e durante o século XIX e que, agora, estavam
empurrando o Brasil para ser uma nação mais pluralista.1Mesmo saindo
dum contexto politicamente perturbado e contrariando muito a D. Pedro
II, a solução dada à divergência foi paliativa. As causas permaneceram.
No entanto, as outras correntes, com a finalidade de modificar o regime
monárquico cada vez mais enfraquecido, ganharam força e, finalmente,
alcançaram seu objetivo. O Império foi suplantado pela República e a
Igreja teria que repensar sua convivência num contexto social radical­
mente modificado.
Há muitos estudos sobre a “Questão Religiosa” e não queremos re­
petir o que já está bastante mastigado. Nosso intuito é colocá-la no seu
contexto histórico que começou no século XVIII, em Portugal, e se es­
tendeu praticamente até o fim do século XIX, no Brasil, para tentar com­
preender, nesse contexto, a atuação de D. Vital e sua posição política que
foi, de fato, uma expressão de fé.

O papel fundamental do padroado

Uma compreensão do Padroado é essencial para entender melhor as


divergências na união entre a Igreja o Governo Imperial do Brasil no sé­
culo XIX e o Pe. Herbert E. Wetzel nos fornece um ótimo resumo:2
O padroado é um conjunto de direitos e privilégios concedidos pela Santa Sé
aos reis de Portugal, dando-lhes o direito de: a) nomear bispos, conferir be­
nefícios eclesiásticos, conceder e/ou recusar o “Placet” (consentimento de
publicidade) aos decretos dos concílios, cartas apostólicas e quaisquer ou­
tros documentos eclesiásticos: b) receber os dízimos das Igrejas pertencentes
à Ordem de Cristo (Santiago e Aviz, a maioria das igrejas do Brasil). Inicial­
mente o Padroado era prerrogativa dos Grão-mestres das Ordens de Cristo,
Santiago e Aviz, mas em 1550 (29 de dezembro), Júlio III uniu inperpetuum

1. David Gueiros VIEIRA, O protestantismo, a maçonaria e a questão religioso no Brasil, Editora Univer­
sidade de Brasília, Brasília 1980, possi/n.
2. Herbert E. WETZEL, O condicionamento histórico étnico-cultural da Igreja no Brasil, err: Missão da
Igreja no Brasil, Loyola, São Paulo 1973, p. 42.
Conflito Dom Vital-rcgalismo brasileiro: antecedentes 93

os mestrados dessas ordens à Coroa Portuguesa, passando o Padroado do


Ultramar e do Continente à pessoa dos reis de Portugal.

Uma vez outorgados, esses direitos e benefícios se tomaram1alicer­


ces patrimoniais da nação. Mas nem sempre os Reis e suas Cortçs visa­
vam o bem estar da I g r e ja .^

Antecedentes portugueses

No século XVI os Reis Portugueses tentaram colonizar o Brasil sem


gastar muito, evidenciado pelo sistema de capitanias hereditárias e seus
donatários. Os parcos resultados e a cobiça de seus rivais europeus for­
çaram a Casa Real a repensar suas estratégias sobre o Brasil. Um gover­
no central, exercido por um Governador Geral, localizado na Bahia, foi
a resposta, e assim começou o lento, mas contínuo processo para fazer
do Brasil parte integrante de Portugal. Até o período da dominação espa­
nhola, 1580 1640, não o prejudicou tanto, porque, nesses anos, Portugal
teve a sorte incrível de que dos espanhóis não descobrissem ouro. Mais
tarde, no século XVIII, com as riquezas de Minas Gerais, D. João V
abriu, mesmo com muita cautela, Portugal às influencias iluministas eu­
ropéias. Para ele, Portugal continental e seus territórios formavam urna
só nação na qual o Brasil se destacava. Nessa visão, era natural quo I).
João V trouxesse muitos brasileiros pura estudai, não somente em Portu­
gal na Universidade de <’oimbra, mas também, em outras Üniveisidades
Européias, lí não decepcionaram, exemplificados por Alexandre de t lua
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Ao todo, foram, pelo monos, l. /V Biasilelios que caludaiam na Uni­
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D. João V não foi menos generoso t mn os piópiiun pmluj'ih n ■ nu
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dar, mesmo sendo publicado com um pseudónimo, eiiou um impariu345

3. Manoel CARDOSO, Tlw biinnniitonallviitifthr l'nriuniiwu' Ibdlnhivimieni The tv lfu /lltv I diininci
rada, c. 1700 c. 1750, cm: A, Altli l|{r O WIN (m l), The íbero .hiwrlrtw Knllahleiimmit, I liilvn' ilv nl lllimil»
Press, Urbanft 1971, p. 193 207.
4. CARDOSO, Ibid,
5. ID., p, 153.
96 F. Azevedo

Apesar do fato de Pernambuco estar sem Bispo desde 1793, Couti-


nho - que foi consagrado em 25 de janeiro de 1795, e um mês mais tarde
tomou posse da Diocese, por procuração, pelo Deão Manuel de Araújo
de Carvalho Godim - só viajou para Brasil, em novembro de 1798. Esta­
va muito empolgado nos assuntos de educação e, nesse intervalo, plane­
jou duas instituições para a Diocese de Olinda: 1) o seminário em Olinda
para moços que queriam ser sacerdotes e, também, para aqueles que não
pretendiam ser sacerdotes, e 2} o Recolhimento de nossa Senhora da
Glória da Boavista para preparar moças verdadeiramente pobres para o
casamento. Para o Seminário, recebeu de D. Maria I a doação do antigo
'Colégio dos Jesuítas de Olinda. Os estatutos para essas escolas seriam
preparados e submetidos à Corte para aprovação.13
Coutinho chegou em Pernambuco no fim de 1798 e assumiu o go­
verno da Diocese no diaOl dejaneirode 1799.0 Governador da Capita­
nia de Pernambuco, D. Tomás de Melo, tinha dificuldades com o gover­
no em Lisboa e fora deposto pelo Príncipe Regente João em agosto de
1798. Seguindo a legislação vigente, o governo de Pernambuco foi en­
tregue a D. Coutinho, por ser Bispo da Diocese. Além de ser Governador
Interino, Coutinho assumiu o cargo de Diretor-Geral dos Estudos. O
Bispo, de fato, ficou como a autoridade mais poderosa em Pernambuco.
O início do Seminário de Olinda, em 1799, com estatutos aprumados
com o espírito iluminista e bons professores escolhidos, deu início a um
momento importante para Pernambuco. Os formados lá, porém, tiveram
que procurar seus estudos universitários na Europa. A surpresa é que Cou­
tinho voltou para Portugal em julho de 18.02. As razões de sua rápida pas­
sagem por Pernambuco saõ conflituosas, mas parece que sua divergência
sobre a jurisdição da “Mesa da Consciência e Ordens” foi a raiz da dificul­
dade. Parece que Coutinho não foi muito feliz em Pernambuco e queixa­
va-se dãmaneira como a “Mesa da Consciência e Ordens”, em Lisboa, di­
ficultava sua vida. Suas indicações para cargos eclesiásticos foram questio­
nadas e Coutinho foi contra o “recurso à Coroa”, cujo uso era totalroente
de acordo com a legislação vigente, e do qual os cidadãos e clérigos podi­
am dispor quando tivessem queixas contra o Bispo.14
As idéias do iluminismo e do liberalismo político, incorporadas ao
currículo do Seminário, sempre foram apontadas como a herança do

13. CARDOSO, Azeredo Coutinho, p. 86-98; E. Bradford BURNS, The Role o f Azeredo Coutinho in the
Enlightenment o f Brazil, cm: Hispanic American Histoarical Review, v. 44, May 1964, p. 145-160.
14. CARDOSO, Azeredo Coutinho, p. 86-98.
Conllllii Dum Vlml<r#pllHmi> briiNlIttlro tinlifCiuIuxU'» V

Bispo Coutinho. C) lato cio muitos Sacerdotes, participantes nns rcwolliin


ele 1K17 e 1824, terem recebido uma parte de sua formação no Si*nlinTi
rio, tende a confirmar essa herança. Cortamente, cm relação á ordem mi
ciai, o Bispo mio poderia ser considerado um revolucionário. Ao eontiá
rio, ao sair de Pernambuco para ser Bispo de Bragança, o que não ocou
teceu porque o Bispo de Bragança recusou-se a aposentar-se, Coutinho
foi nomeado, cm 1806, Bispo de Eivas e terminou sua carreira como
Inquisidor do Reino (1818-1821), do qual foi o último.15

As revoluções de 1817 c 1824

A revolução cie 1817 em Pernambuco revela um outro aspeto do ( lo


verno da Regencia do Príncipe João. Pernambuco, junto como uma boa
parte do Nordeste Brasileiro, já tinha experiência da subjugação dos lio
landeses de 1630-1654. Mais importante, esses “brasileiros” recorda
ram que, apesar das apreensões da Casa Real de que a revolta iria com
plicar uma diplomacia já complicada e que não acreditou no seu 6.x ito,
os holandeses foram vencidos. Instalada no Rio de Janeiro, a Casa Ronl
a transformou num centro do Império Português, dando-lhe uma iiili.i
estrutura governamental e estimulando a economia. D. Maria 1que já ch
tava louca por alguns anos, faleceu em 1816, e seu filho, o Príncipe João,
tornou-se D. João VI.
Aos poucos, os impostos pagos por Pernambuco começaram a pesai
e os benefícios só eram visíveis no Rio de Janeiro. Os novos talentos
produzidos nas salas de aulas do Seminário de Olinda estavam a par das
idéias iluministas sobre política e era tempo, também, duma maçonaria
patriótica que animou a muitos com discursos nas Academias Maçôni
cas. As aspirações dos Maçons e as dos jovens sacerdotes se aproxima
ram muito e o intercâmbio entre os dois grupos fortaleceu o movimento
pela independência. Devido às afinidades entre eles, muitos sacerdotes
se tomaram membros das Lojas Maçónicas. A reação de Príncipe João,
que não gostou dos princípios libei ais proclamados pelos revolucionári
os, foi terrível.16 Os revolucionários foram atacados por mar e terra e o
Governador da Bahia, Conde dos Arcos, reprimiu a revolta e aprisionou
seus chefes. Quando D. João VI foi declarado Rei do novo Reino Unido

15. ID.,p. 85.


16. K.IEMAN, Igreja, p. 83.
vo F. Azevedo

de Portugal, Brasil e Algarves, em 1818, suspendeu as prisões e devas­


sas, “gesto inútil, pois não havia mais chefes por castigar”.17 Três anos
mais tarde foi anistiado o resto dos prisioneiros que ainda não tinham
sido julgados, entre os quais se encontrava Frei Joaquim do Amor Divi-
I no Rabello, o Frei Caneca.18 Por causa da revolta de 1817, a maçonaria
(Sociedades secretas), também foi proscrita pela alvará de 30 de março
de 1818.19
Depois da volta de D. João VI para Portugal, em 1821, os brasileiros,
liderados por Pedro, filho de D. João VI, declararam sua independência.
Essa declaração foi eminentemente liberal e a constituição seguiu a mes­
ma filosofia. Aconteceu que D. Pedro, mesmo sendo orientado por José
Bonifácio de Andrada e Silva, foi um liberal à sua maneira. Exilou seu
colaborador principal e recusou a constituição. Fez outra, cujo conteúdo
iria dar aos pernambucanos razões para fazer uma nova revolta, em 1824,
a “Confederação do Equador”. Desta vez, menos Sacerdotes participa­
ram nessa revolta sem êxito. Frei Caneca foi um dos personagens mais
famosos e perdeu sua vida pela causa.

A Diocese de Olinda ^

Ninguém podia adivinhar que a rápida e promissória passagem de D.


Azeredo Coutinho iria deixar uma herança tão ambivalente para Per­
nambuco. A própria Diocese de Olinda ficou três anos sem Bispo. No­
meado como sucessor de Coutinho, D. Frei José de Santa Escolástica,
OSB, nem chegou a tomar posse, porque foi transferido para a Bahia em
1802, onde exerceu também as fúnçÕes de Bispo de Olinda, em 1805.
Faleceu em 1814. Seu sucessor, D. Frei José Maria de Araújo, que che­
gou em 1807, teve até menos sorte. O Cabido, poderoso órgão adminis-
trativó'da Diocese, resistiu-lhe. Além disso, D. José teve que assumir o
governo civil de Pernambuco, na ausência do Governador Caetano Pin­
to de Montenegro, em 1808. Conflitos entre o Bispo e o Deão Bernardo
Luís Ferreira Portugal minaram sua saúde e veio a falecer no mesmo

17. Ferdinand AZEVEDO, Temas americanos vistos sob o aspecto do idealismo de Manoel de Oliveira
Lima, em: Symposium, v. 25, n" 2, 1983, p. 23-4.
18. Vilar de CARVALHO, A liderança do clero nas revoluções republicanas (1817-1824), Vozes, Petró-
polis 1980, p. 37.
19. Muniz TAVARES, História da revolução de Pernambuco de 1817, n. 274-282; A. Tenório D ’ALBU­
QUERQUE, A Maçonaria e a grandeza do Brasil, 3* ed., Aurora, Rio de Janeiro s. d., p. 208, nota 2.

\
Conflito Dom Vital-rcgnlismo brasileiro: antecedentes 99

ano. Nem a morte o protegeu cie mais uma desgraça, visto que, na escuri­
dão de noite, “foi sepultado precipitadamente sem nenhuma solenidade”
na Catedral de Olinda.20
Já se tinham passado quase três anos, quando o Príncipe Regente
João nomeou o Abade de São Bento do Rio de Janeiro, Fr. Antônio de
São José Bastos, OSB, Bispo de Olinda, em 1810. Essa nomeação coin­
cidiu com tempos difíceis na Europa. O Papa Pio VII estava preso e isso
explica a demora para a nomeação formal do Bispo. Por causa disso, Fr.
Bastos foi nomeado Bispo eleito e Vigário Capitular de Olinda e Arce­
bispo Metropolitano da Bahia. Chegou a Olinda em 1811. O Cabido não
estava querendo entregar-lhe o governo da Diocese e somente a inter­
venção dò,!<3ovemador Caetano Pinto de Miranda Montenegro resolveu
a dificuldade. Fr. Bastos governou por quatro anos como Vigário Capi­
tular, quando, finalmente, em 1815, chegou a confirmação de Pio VII.
Sua sagração aconteceu no Rio de Janeiro, em outubro de 1816. Para
voltar a Olinda, D. Bastos precisava da autorização de D. João VI que,
por incrível que pareça, demorou anos. O desgosto foi tão grande para o
novo Bispo que ele adoeceu e faleceu em 1819.21 ^
Seu sucessor, D. Fr. Tomás de Noronha e Brito, OP, tomou posse em
1823, via procuração, peio Deão Bernardo Luiz Ferreira Portugal. O
Bispo só chegou em 1825. Outra vez, desentendimentos entre o Bispo e
o Deão Portugal dificultaram o governo da Diocese. D. Brito restaurou o
Palácio da Soledade, residência dos Bispos de Olinda, e fez dele sua re­
sidência. Mas as dificuldades foram grandes e renunciou ao cargo, vol­
tando para Portugal, em 1829.22
Nomeado Bispo em 1829, D. João da Purificação Marques Perdigão,
Cônego de Santo Agostinho, governou a Dioceses de Olinda por 34 anos,
algo extraordinário, levando èm consideração a brevidade das gestões
de seus antecessores. Dom João enfrentou os membros do Cabido, que,
depois de três escrutínios, -não conseguiu eleger um Vigário Capitular.
Por causa disso, Dom Pedro I logo designou Perdigão futuro Bispo de
Olinda. Perdigão teve que começar como Vigário Capitular, visto que
sua confirmação, dada peio Papa Gregorio XVI, só chegou em 1831. A

20. rheocloro HUCKELMANN,- Dom Frei José Maria de Araújo, em: Boletim Arquidiocesano, n° 418, Re-
cife, 13 ago. 1976, p. 3-4.
2 1 .1D., D. Fr. Antônio de São José Bastos, OSB, em: Boletim Arquidiocesano, n° 419, Recife, 20 ago.
1976, p. 3-4.
22. ID., Fr. Tomás de Noronha e Brito, OP, em: Boletim Arquidiocesano, n° 421, Recife, setembro de 1976,
p. 3-4.
100 F. Azevedo

demora de sua sagração episcopal, em 1833, no Rio de Janeiro, aconte­


ceu porque, o então Ministro da Justiça, o Pe. Diogc Antonio Feijó, não
quis dar o “exequátur” às bulas pontificias de sua confirmação como
Bispo. A autorização necessária foi feita por seu sucessor, Carneiro Leão.
D. João fez inúmeras visitas pastorais e colaborou muito para terminar a
guerra civil dos Cabanos, em Panela de Miranda. D. João restaurou o Se­
minário de Olinda em 1836 e publicou novos estatutos. O Seminário
agora só servia para candidatos ao sacerdócio. Essas mudanças trouxe­
ram dificuldades para o Seminário que teve suas atividades interrompi­
das por sete anos (1848-1855), e, mais de uma vez, D. João teve que ape­
lar por ajuda. Os recursos financeiros do Império só chegaram em 1853
e o Seminário foi reaberto formalmente em 1855, com as cadeiras ante­
riormente suprimidas, permanecendo o antigo nome dado ao Colégio
anterior dos Jesuítas, Seminário de N. S. das Graças. Na cerimônia de
abertura, o conhecido e problemático Deão Joaquim Francisco de Faria
discursou.23Notável é o fato que D. João ordenou um aluno do Seminário
de Aracatí, Emanuel do Rego de Medeiros, em 1853. Tinha sido professor
de humanidades em Fortaleza e feito outros estudos na França e em Roma
e voltava para o Brasil para ser o sucessor de D. João. Parece que o gover­
no de D. João sofreu uma avaliação negativa devido à desorganização nos
anos finais, por conta de sua velhice e das intervenções do governo civil
na distribuição dos benefícios eclesiásticos.24 Ao seu falecimento em 13
de abril 1865, o Deão Faria iria governar como Vigário Capitular.
Essa vista sumária dos Bispos em Pernambuco, no século XIX - antes
da seleção dos três Bispos conhecidos como ultramontanos, Dom Emanuel
do Rego de Medeiros, D. Francisco CardosoiAires e o próprio Dom Vital
Maria Gonçalves de Oliveira revela uma Diocese historicamente bastan­
te agitada. Agora precisamos olhar para o resto da política eclesiástica do
' ' ~ de D. Emanuel para a: Diocese de Olinda.

As ordens religiosas na regência do Príncipe Pedro

É consenso que a Igreja Católica no Brasil, depois de independência


brasileira, em 1822, precisava de uma reforma. Houve duas. A primeira,
entre 1826 e 1842, foi “regalista, nacionalista e liberal”. A segunda, en-

23. Annaes do Seminário Archiépiscopal de Olinda 1821-1921, s. d., p. 68-69; Cônego José de Carmo
BARATTA, Historia ecclesiástica de Pernambuco, Imprensa Industrial, Recife 1922, p. 95-98.
\ 24. BARATTA, História ecclesiástica, p. 98.
Conflllo Dom Vilal-regalismo brasileiro: antecedentes 101

tre IK'1'I e 1889, foi dos semi-regalistas (no início), “ultamontanos e


conservadores".*' A primeira iria falhar, enquanto, a segunda, inicial-
mento sem grandes perspectivas, prevaleceu.
( ’om a independência em 1822, o governo teve que formalizar seu
relacionamento com Roma. Alem de incorporar a mesma política rega-
lislu de IV Jofío Vl, o novo governo, foi mais longe, devido, em grande
parte, a seu regalismo ideológico. As negociações levaram 5 anos. Em
1824, Monsenhor francisco Corrêa Vidigal, responsável pelos assuntos
do Bmsil em Roma, recebeu instruções que, de fato, foram uma ameaça
ao Papa, dizendo que tinha que atender aos interesses imperiais, caso
contrário, dizem as instruções: “(S. M. Imperial) se verá na rigorosa
obrigação de nomear os bispos e fazê-los inmediatamente sagrar pelos
Metropolitas para evitar a falta total deste prelado, que produziria dano
ao bem espiritual dos povos”.2526 Roma também reagiu, e os antagonis­
mos só foram resolvidos em 1827 com a Bula Praeclara Portugaliae
Algarhlorum. A Bula deu os direitos do padroado a Pedro I, exatamente
como Vidigal tinha pedido três anos antes, mas a Câmara dos Deputados
mío a aprovou. A rigor, com a reposta negativa do Governo Imperial, a
Bula não tinha valor canônico. No entanto, Roma tolerou a situação.2728
A indicação, om 1833, do Pe. Antônio Maria de Moura, regalista no­
tório, apresentado pela Regência para ser Bispo do Rio de Janeiro criou
um outro impasse, igualmente, espinhoso. Como Moura, também o Pe.
1'eijô foi apresentado para o episcopado; seria bispo de Mariana, antes
de assumira Regência (1835-1837). Na Assembléia, em 1835, afirmou
que o celibato eclesiástico poderia ser abolido e que os Bispos de cada
diocese tinham autoridade para legislar.sobre o assunto. Com essa posi­
ção teológica, compartilhada, seria impossível que a Santa Sé os aceitas­
se como Bispos. A reação de Feijó, agora Regente, foi a de negar qual­
quer recurso dc um brasileiro à Santa Sé, até que as bulas de confirma­
ção dc Moura como Bispo do Rio de Janeiro fossem concedidas. Essa
briga durou dez anos. No fim, tanto Moura como Feijó renunciaram à
eleição episcopal e o Gcvemo apresentou outros candidatos, encerrando
o assunto.2" —^

25. 0«cur dc Figueiredo LUSTOSA (org.), Reformismo da Igreja no Brasil Império, do celibato à caixa
eclesiástica, Loyola, Sío Paulo 1985, p. 9-10.
26. KlliMAN, Igreja, p. 77-8.
27. II)., p. 78.
28. WliTZEL, Condicionamento histórico, p. 43.
102 F. Azevedo

Os reformadores tinham sugestões positivas em relação às finanças.


Quiseram reorganizar os governos das dioceses, abolindo o sistema de
Cabidos e racionalizar a organização financeira para não ficarem à mer­
cê do Governo central. De fato, apresentaram algumas idéias boas, mas,
seus princípios regalistas impediram-nos de ver que as possibilidades de
reformas poderiam ser alcançadas dentro da própria Igreja. Para eles, a
participação governamental era essencial para a reforma.29
Já vimos que, mesmo com a presença da Casa Real no Brasil, a proi­
bição da entrada de noviços e noviças nas Ordens Religiosas continuou,
e o Governo também “insistiu em cortar todas as relações com superio­
res religiosos fora do Império”.30 Houve uma pequena exceção entre
1818 e 1821, quando a Província Franciscana do Rio de Janeiro ganhou
permissão para 19 candidatos entrarem. No parlamento brasileiro houve
um verdadeiro desdém pela vida religiosa. Na Constituinte, o Pe. José
Antônio Caldas fez a proposta de “fechar o ingresso a todas as ordens re­
ligiosas de uma vez”.31 O reformador, Feijó, quis redistribuir os religio­
sos existentes no Brasil em poucas casas, a fim de usar as casas ociosas
para fins públicos.32Em 24 de outubro de 1827, foi proposto um projeto,
cujo objetivo foi declarar: “proibida a admissão de frades ou congrega­
dos estrangeiros em todo o império”, e, também, “que não serão admiti­
dos (nas ordens) brasileiros de um ou outro sexo, tendo menos de cin-
qüenta anos de idade”.33
Em Pernambuco, os Theresios ou Frades Marianos foram expulsos
de sua casa em Olinda, em 1823, e, em 1831, foram extintos no Brasil.
Os Missionários Capuchinhos italianos, que tinham uma casa em Per­
nambuco, também foram suprimidos no Brasil^ em 1823. Outros supri­
midos foram: a Congregação do Oratório, em 1825, no Brasil,34 e os *j
Carmelitas Descalços, em Pernambuco, em 1830.35 Á
- í-smj' ■ .

29. Oscar dc Figueiredo LUSTOSA, Reformismo da igreja, p. 13-8.


30. KEIM AN, Igreja, p. 81.
31. ID., p. 81-2.
32. ID., p. 82.
33. Um de seus primeiros membros do Brasii, o Pe. João Duarte do Sacramento, trabalhou muito para a
própria fundação do Bispado de Olinda. Cf. Ebian de LIMA, A Congregação do Oratório no Brasil, Vozes, Pe-
trópolis 1980, p. 147-65,175-6; BARATTA, História ecclesiástica, p. 93.
34. B. KJLOPPENBURG, Brazit, em: New Catholic Encyclopedia , vol. 11, p. 768.
3}5. KIEMEN, Igreja, p. 85-6.
Conflito Dom Vital-regalismo brasileiro: antecedentes 103

A reforma eclesiástica proposta por Feijó, em 1831, também incluía


as Ordens Religiosas, e o Núncio Apostólico no Brasil, Monsenhor Pe­
dro Ostini, pediu que as Ordens colaborassem com ela. As Ordens ti­
nham interesse na permissão da entrada de noviços, mas a autorização
não saiu. Em desespero, o provincial dos Franciscanos, frei Francisco do
Sacramento Brayner, entendendo que seria impossível convencer os po­
líticos, disse, em 1833: “Mas, enfim, parece que a sua extinção (da O rdem )/
é já inevitável”.36
Mas, nem tudo foi negativo. O federalismo foi uma característica da
Regência c o Ato Adicional, em 1834, foi uma expressão disso. Permitiu
que as Províncias pudessem legislar sobre assuntos eclesiásticas nas áreas
de sua jurisdição. Na Bahia, por exemplo, os Beneditinos receberam li­
cença para receber 30 noviços, o que foi sua salvação, visto que “Os no­
viços das décadas de trinta, quarenta e cinqüenta foram os sobreviventes
cm 1889.”3738

As Ordens Religiosas no governo de D. Pedro II

A política de D. Pedro II referente às Ordens Religiosas estava con­


jugada com seu plano de reforma dos seminários. Devido à contínua ne­
gação de entradas de noviços, não é de admirar que o estado das Ordens
se encontrava bastante desmoralizado. Uma indicação de que D. Pedro
não estava interessado em reformá-las foi uma decisão, surpreendente-
mente tomada quase no fim de seu período como Príncipe Regente. Em
1840, convidou de volta ao Brasil os Capuchinhos Italianos para traba­
lhar em algumas Províncias no Brasil. Já coroado Imperador, outros con­
vites foram feitos, em 1842, 1843 e 1844. Em 1845, um decreto gover­
namental tratou exclusivamente da catequese e da civilização dos índios
ministradas pelos Capuchinhos. Suas viagens da Itália e diárias no Bra­
sil foram pagas pelo Governo que, entre outras fontes, gerou recursos fi­
nanceiros via loterias.33 Como explicar essa liberalidade? Opino que D.
Pedro II: não vertdo possibilidade de que as Ordens existentes no Brasil
pudessem executar a catequese dos índios no interior, decidiu chamar

36. 1D., p. 88.


37. Modesto Rezende de TAUBATÉ e Fidelis Motta PRIMEIRO, Os Missionários Capuchinhos no Brasil,
Convento da Imaculada Conceição, São Paulo 1930, p. 192-3.
38. Riolando AZZI, D. Pedro II perante os institutos religiosos do Brasil, em: Revista do Instituto Histórico
c Geográfico Brasileiro, vol. 316, 1°77, pessini.
102 F. Azevedo

Os reformadores tinham sugestões positivas em relação às finanças.


Quiseram reorganizar os governos das dioceses, abolindo o sistema de
Cabidos e racionalizar a organização financeira para não ficarem à mer­
cê do Governo central. De fato, apresentaram algumas idéias boas, mas,
seus princípios regalistas impediram-nos de ver que as possibilidades de
reformas poderiam ser alcançadas dentro da própria Igreja. Para eles, a
participação governamental era essencial para a reforma.29
Já vimos que, mesmo com a presença da Casa Real no Brasil, a proi­
bição da entrada de noviços e noviças nas Ordens Religiosas continuou,
e o Governo também “insistiu em cortar todas as relações com superio­
res religiosos fora do Império”.30 Houve uma pequena exceção entre
1818 e 1821, quando a Província Franciscana do Rio de Janeiro ganhou
permissão para 19 candidatos entrarem. No parlamento brasileiro houve
um verdadeiro desdém pela vida religiosa. Na Constituinte, o Pe. José
Antônio Caldas fez a proposta de “fechar o ingresso a todas as ordens re­
ligiosas de uma vez”.31 O reformador, Feijó, quis redistribuir os religio­
sos existentes no Brasil em poucas casas, a fim de usar as casas ociosas
para fins públicos.32Em 24 de outubro de 1827, foi proposto um projeto,
cujo objetivo foi declarar: “proibida a admissão de frades ou congrega­
dos estrangeiros em todo o império”, e, também, “que não serão admiti­
dos (nas ordens) brasileiros de um ou outro sexo, tendo menos de cin-
qüenta anos de idade”.33
Em Pernambuco, os Theresios ou Frades Marianos foram expulsos j
de sua casa em Olinda, em 1823, e, em 1831, foram extintos no Brasil.
Os Missionários Capuchinhos italianos, que tinham uma casa em Per­
nambuco, também foram suprimidos no Brasil^ em 1823. Outros supri­
midos foram: a Congregação do Oratório, em 1825, no Brasil,34 e os
Carmelitas Descalços, em Pernambuco, em 1830.35 ^
. . . . . . . .

29. Oscar de Figueiredo LUSTOSA, Reformismo da igreja, p. 13-8.


30. KEIMAN, Igreja, p. 81.
31.1D., p. 81-2.
32. ID., p. 82.
33. Um de seus primeiros membros do Brasil, o Pe. João Duarte do Sacramento, trabalhou muito para a
própria fundação do Bispado de Olinda. Cf. Ebian de LIMA, A Congregação do Oratório no Brasil, Vozes, Pe-
trópolis 1980, p.147-65,175-6; BARATTA, História ecclesiástica, p. 93.
34. B. KLOPPENBURG, Brazil, em: New Catholic Encyclopedia , vol. II, p. 768.
35. K1EMEN, Igreja, p. 85-6.
Conflito Dom Vital-regalismo brasileiro: antecedentes 103

A reforma eclesiástica proposta por Feijó, em 1831, também incluía


as Ordens Religiosas, e o Núncio Apostólico no Brasil, Monsenhor Pe­
dro Ostini, pediu que as Ordens colaborassem com ela. As Ordens ti­
nham interesse na permissão da entrada de noviços, mas a autorização
não saiu. 1¿m desespero, o provincial dos Franciscanos, frei Francisco do
Sacramento Brayner, entendendo que seria impossível convencer os po­
líticos, disse, em 1833: “Mas, enfim, parece que a sua extinção (da Ordem)i/
6 já inevitável”.36 y
Mas, nem tudo foi negativo. O federalismo foi uma característica da
Regência c o Ato Adicional, em 1834, foi uma expressão disso. Permitiu
que as Províncias pudessem legislar sobre assuntos eclesiásticas nas áreas
de sua jurisdição. Na Bahia, por exemplo, os Beneditinos receberam li­
cença para receber 30 noviços, o que foi sua salvação, visto que “Os no­
viços das décadas de trinta, quarenta e cinqüenta foram os sobreviventes
cm 1889.”363738

As Ordens Religiosas no governo de D. Pedro II

A política dc D. Pedro II referente às Ordens Religiosas estava con­


jugada com seu plano de reforma dos seminários. Devido à contínua ne­
gação dc entradas de noviços, não é de admirar que o estado das Ordens
se encontrava bastante desmoralizado. Uma indicação de que D. Pedro
não estava interessado em reformá-las foi uma decisão, surpreendente-
mente tomada quase no fim de seu período como Príncipe Regente. Em
1840, convidou de volta ao Brasil os Capuchinhos Italianos para traba­
lhar cm algumas Províncias no Brasil. Já coroado Imperador, outros con­
vites foram feitos, em 1842, 1843 e 1844. Em 1845, um decreto gover­
namental tratou exclusivamente da catequese e da civilização dos índios
ministradas pelos Capuchinhos. Suas viagens da Itália e diárias no Bra­
sil foram pagas pelo Governo que, entre outras fontes, gerou recursos fi­
nanceiros via loterias.33 Como explicar essa liberalidade? Opino que D.
Pedro II; não vendo possibilidade de que as Ordens existentes no Brasil
pudessem executar a catequese dos índios no interior, decidiu chamar

36. lD.,p. 88.


37. Modesio Rezende de TAUBATÉ e Fidelis Motta PRIMEIRO, Os Missionários Capuchinhos no Brasil,
Convento da Imaculada Conceição, São Paulo 1930, p. 192-3.
38. Riolando AZZI, D. Pedro II perante os institutos religiosos dc Brasil, em: Revista do Instituto Histórico
c Geográfico Brasileiro, vol. 316, 1°77, pessim.
1U4 F. Azevedo

um grupo que poderia fazê-lo. E iria repetir convites ou dar permissão a


outros grupos, tais como os Lazaristas, as Irmãs de Caridade, as Dorotéi-
as, os Salesianos, as Irmãs de São José de Chambéry, as Irmãs do Cora­
ção de Maria, as Franciscanas da Penitência e da Caridade Cristã, as
Jrmãs Dominicanas, as Irmãs de Notre Dame de Sion, os Dominicanos,
os Palotinos, os Padres da Congregação do Espírito Santo e até, a “bête
noire” dos regalistas, os Jesuítas.39 Vem a pergunta: e por que, paralela­
mente, D. Pedro não renovou as Ordens Religiosas no Brasil, permitin­
do a entrada de noviços? Tudo indica que o governo queria utilizar os
bens das Ordens, tidas já em processo de extinção, para financiar as re­
forma dos seminários. Sabemos que, em Pernambuco, D. João Perdigão
conseguiu autorização, em 1823, para uma “extração de uma loteria em
favor do Seminário.” Os recursos demoraram, mas, com eles, reformou
o Seminário de Olinda, em 1836.40 Também, em 1843, para ajudar os
Capuchinhos que voltavam para o Brasil, o Governo autorizou seis lote­
rias “... para fazer-se a aquisição de prédios que servissem de Hospício
aos Missionários”.41 A impressão é a de que o Governo, querendo, pode­
ria gerar recursos para as reformas dos seminários, sem esperar pelos
bens das Ordens, “em extinção”.
José Thomás Nabuco de Araújo, Ministro da Justiça e dos Negócios
Eclesiásticos em 1854, nos ajuda a entender a atitude de D. Pedro II em
relação às Ordens Religiosas; Nabuco diz:42
D. Pedro II tinha o espírito fortemente imbuído do preconceito anti-sacer­

Í
dotal. Ele não era propriamente anti-clerical, não via perigo da parte do cle­
ro; o que não lhe inspirava interesse era a própria vocação religiosa. Eviden­
temente o padre e o militar eram, aos seus olhos de insaciável ciência, senão
duas futuras inutilidades sociais, duas necessidades que ele quisera utilizar
melhor: o padre, fazendo-o também mestre-escola, professor de Universida­
de; em vez do militar, um matemático, astrônomo, químico, engenheiro.

Como já vimos, a questão da entrada de noviços continuou sem reso­


lução, entretanto, vem a necessidade para escolher nomes para os bispa­
dos no Brasil e D. Pedro II, nesse assunto, divergiu radicalmente da polí­
tica durante a sua Regência. E possível que, tendo o pragmático José Bo­

39. Armais do Seminário, p. 68.


40. TAUBATÉ & PRIMEIRO, Capuchinhos, p. 192.
41. Joaquim NABUCO, Um estadista do império; Nabuco de Araújo, sua vida. suas opiniões, sua época,
vot. II, Companhia Editora Nacional, São Paulo 1936, p. 259-60.
42 Riolando AZZI, D. Pedro II, p. 134-9.
Conflito Dom Vital-rcgalismo brasileiro: antecedentes 105

nifácio de Andrada como tutor e vendo as dificuldades com a escolha de


sacerdotes para os bispados no Brasil durante a Regência, D. Pedro II
não queria repetir as relações conflituosas com a Santa Sé. Regalista foi,
mas para reformar os seminários no Brasil, sabia que tinha de designar
Padres idôneos para os Bispados. Um dos primeiros foi o Lazarista Pe.
Antônio Ferreira Viçoso, para a Diocese de Mariana, em 1844. D. Pedro
não previu que as novas correntes teológicas ultramontanistas na Euro­
pa teriam tanto impacto no clero brasileiro que lá terminava os seus estu­
dos. Dom Antônio não somente convidou outros Padres Lazaristas, que
chegaram em 1849, para cuidar do seminário em Caraça, mas também,
as Irmãs de Caridade, que chegaram ao Rió de Janeiro em 1849.43Como
vimos'acima, D. Pedro permitiu a entrada de grupos religiosos que, além
de ajudar na reforma de Seminários, iniciaram missões no interior. A pi­
edade disseminada pelos ultramontanistas encaixou-se muito bem com
a espiritualidade barroca da época colonial.44 Estas missões têm recebi­
do mais atenção recentemente e ajudam a explicar a distância da religio­
sidade popular, vigente na época, das atitudes da maioria das elites que
estavam governando o país. Na briga dos Bispos com o Governo Impe­
rial, a força dessa espiritualidade viria a manifestar-se.
Dentro dos limites da política imperial, o Ministro Nabuco tratou,
mais uma vez, da questão da entrada de noviços e, em 1855, mais uma
vez, a medida foi negada. Nabuco “quis sempre e que tudo se fizesse de
acordo com os Bispos e a Santa Sé”.45 Na questão dos noviços, Nabuco
consultou os Bispos, que éram nove em 1855. As suas opiniões foram
diferenciadas. Alguns acKãram que os rêtjglosos precisavam ser refor­
mados, mas foram hesitantes em concordar que os mesmos pudessem
receber noviços no seu estado atual. Outros consideravam difícil fazer a
reforma interna, visto que isso estava fora de sua autoridade. Todos esta­
vam de acordo com a reforma, inclusive o Núncio Vicente Massoni.-A
conclusão de Nabuco foi a seguinte:46
O que lhe (Nabuco) parecia preferível era reunir os religiosos em poucos
conventos, residindo "eles de família (da mesma ordem) ao menos quatro re­
ligiosos sacerdotes e nas capitais dez, estabelecendo-se regras sobre a ad­
missão, estudo, ordenação etc. Os prédios dos conventos poderiam ser ven­

43. Santiago Luís VILLARRÜB1A, Missões populares pregadas no Rio Grande do Sul de 1842-1825,
Introdução, Ferdinand AZEVEDO (Pesquisas, 22), Porto Alegre 1982, p. 21-51.
44. NABUCO, Um estadista, vol. 11, p. 228.
45. 1D., vol. I, p. 205-6.
4 6 .1D., p. 221.
106 I A / l'V P lll!

didos e convertidos em apólices. Tudo, porém, de acordo com a Santa Sé, “a


quem pertence decretar em tais matérias”.

Paralelamente a esse assunto dos noviços veio o plano de reformar


os seminários, usando os bens ociosos dos religiosos para sustentar fi­
nanceiramente as reformas. Ainda outro projeto afim foi o da fundação
das faculdades teológicas. Todos esses projetos dependiam de uma Con­
cordata com a Santa Sé que nunca foi realizada. Mesmo assim, Nabuco
levou avante a decisão de proibir a entrada dos noviços numa “medida
provisória” e não fez exceções.47 Fato incrível é que essa “media provi­
sória” ganhou uma vida longa, porque os vinte ministérios seguintes
nunca a revogaram. Somente com a separação Igreja e Estado, na Repú­
blica, é que noviços poderiam entrar nas Ordens Religiosas no Brasil.48
Essa decisão de 1855 foi tomada sem a conclusão de uma Concorda­
ta com a Santa Sé, que, por sua vez, estava ligada à reforma dos seminá­
rios. O governo deu prioridade à refoima dos seminários, cuja finalidade
era formar bem o clero secular, mas precisava-se de recursos para finan-
ciá-la. Inicialmente, achava que poderia usar os bens das Ordens que es- |
tavam em decadência, porém, a Santa Sé não concordava com esta parte
da Concordata proposta. Frustrado, o governo optou por esperar a lenta \
extinção das Ordens, que não podiam se renovar sem a entrada de novi­
ços.49 Segundo o filho, Joaquim Nabuco, seu pai, foi muito criticado
pela decisão sobre os noviços.50 Em compensação, o decreto de 28 de
março de 1857, do qual Nabuco foi autor, deu aos Bispos um meio judi­
cial de mais importância. O decreto conferiu aos Bispos meios para dar
suspensões, chamados ex-enformata conscientia, para punir membros
do clero que, por sua parte, não poderia ter recurso à coroa. Qual foi sua
razão desse extraordinário decreto? Joaquim nos informa: “Sem ele (o
decreto) o clero secular teria caído no mesmo grau de anarquia que o re­
ligioso.”51 A reação dos Bispos Brasileiros, em 1857, foi imediata, evi­
denciada pela carta de Dom Antônio, Bispo da Diocese de São Paulo, a
Nabuco, agradecendò-lhe por esse decreto extraordinário.52

47. ID., p. 226.


48. AZZ1, D. Pedro II, p. 129.
49. NABUCO, Um estadista, vol. I, p. 220.
50. ID., p. 234.
51. ID., p. 234.
52. Atualmente, o lugar onde nasceu, o sítio Jaqueira, engenho Aurora, pertence à Paraíba, mas, naquele
tempo, em 1844, não havia limites bem certos. Depois de ser Frade, D. Vital sempre se chamava Frei Vital Maria
de Pernambuco: Fólix deOLÍVOLA, Um grande Brasileiro, 4 ed.. Imprensa Universitária, Recife, p. 3, nota 6.
y
Pernambuco e seus bispos ultramontanos /
■ /
Os três sucessores de D. João Perdigão: D. Emanuel do Rego tle Me
deiros, D. Francisco Cardoso Aires e D. Vital Maria Antônio ( lonçiilvcs
de Oliveira iriam causar um impacto enorme em Pernambuco. Algumas
características em comum e suas experiências merecem atenção. Todos__
nasceram no Nordeste: Medeiros, cm Aracatí, CE; Cardoso Aires, no
Recife, PE; e Vital, em També, PB.53Todos foram escolhidos segundo os
critérios de D. Pedro II, sacerdotes brasileiros idôneos. Todos tinham
terminado seus estudos teológicos na Europa: Medeiros, em Paris c Ro­
ma; Aires, em Roma e Londres; e Vitãí, na França. Todos receberam (br
mação excelente, e somente Vital não tinha a titulação de doutor. Medei­
ros foi secretário por algum tempo de D. Antônio Macedo Costa, o futu­
ro companheiro de Dom Vital na “Questão Religiosa”. Dois tinham sido
religiosos: Aires, Rosminiano (Instituto da Caridade, fundado pelo Pe.
Antônio Rosmini-Serbati), e Vital* ÇapucJbdiiho. Medeiros viajou muito
pela Europa, Ásia e parte da África. Era bom em línguas e possuía talen­
to para a diplomacia. Aires se destacou por sua formação na Inglaterra,
no Instituto de Caridade, vivendo quase vinte anos lá, e por seu interesse
pelo pensamento de Rosmini.545Somente Medeiros convidou estrangei
ros para o Recife: as Dorotéias, os Jesuítas e o Pe. Gregorio Lipparoni,
que seria Reitor do Seminário de Olinda. Lipparoni era seguidor do pen
sarnento de Rosmini e certamente divulgou-o no Recife.ss Todos se inte­
ressaram muito pelo Seminário de Olinda e pela reforma, do clero. Otf
três cultivavam ürria gfãndFáHmimç^ Papa Pio IX e iriam enfren­
tar a poderosa política regalista: Medeiros na sua tentativa de reforma do
clero; Aires, com a questão do foro eclesiástico, quando o Instituto dos
Advogados-argumenfòu qudTBbdação^iTFãcütdade de Direito deu lhe
poderes para atuar no foro eclesiástico, argumento do qual Aires discor­
dou e ganhou o caso do sepultamento de Abreu e Lima56, e Vital, com a

53. Rosmini teria -!uas obras suas colocadas no índice de Livros Proibidos d? Santa Sé em 1848, provavel­
mente devido às divergências com o Secretário de Pio IX, Cardeal Giacomo Antonelli. Em 1854, porém, as obras
foram liberadas. Depois da sua morte em 1855, quarenta proposições de Rosmini foram condenadas, em 1888,
por Leão XIII: CHACON, Humanismo brasileiro, p. 164-5. Seria interessante saber, se Aires conhecia Lipparoni
na Itália, dado sua afinação com os pensamentos de Rosmini.
54. CHACON, Humanismo brasileiro, p. 166-7.
55. Theodoro HUCKELMANN, Dom Francisco Cardoso Aires, Universidade Federal de Pernambuco,
Recife 1970, p. 70-2.
56. Sebastião de Vasconcellos GALVÂO, Diccionario chorographico, historico e estatístico de Pernam­
buco, vol. A-O, Imprensa Nacional, Rio de janeiro 1908, p. 434-40.
ÍUO r . /vzeveuo

explosão da briga com o Governo Imperial. Fora dos ambientes regalis-


"Fas^Tõ^s ^ozavHTrrile urna graftde siitiApatlã do povo. A recepção dada a
Aires, como Bispo, por seus ^^fítêlíípoTân^üST^cííenses foi extraordiná­
ria.5758Os três faleceram jovens. Medeiros, voltando do Rio de Janeiro,
onde fora agradecer a D. Pedro II por sua nomeação, parou em Maceió,
onde faleceu em 1865 com 36 anos; seu governo foi de apenas oito me-
ses. Aires participou do Concílio Vaticano I, em Roma, onde faleceu, em
1870, com 48 anos. Seu governo foi de dois anos. Vital, depois de sair do
Brasil, faleceu naTrança, em 1876, com 34 anos. Seu governo foi de seis
anos.
Esses três Bispos faziam parte da Segunda reforma da Igreja no Bra­
sil, a reforma ultramontana, e seria útil saber exatamente o que o termo
significa. 58
fComo termo, “ultramontanismo” foi usado inicialmente no século XIII para
r Kv5? | designar Papas escolhidos no norte dos Alpes. Seis séculos mais tarde, po-
<0 r rém, o termo sofreu uma mudança radical e veie a significar as pessoas ou os
% I partidos que seguiam a liderança política e a orientação espiritual dos Papas,
! na luta contra os estados, levados pelas correntes de nacionalismo e liberalis­
V mo, as quais olhavam a Igreja como uma agência governamental a ser con­
trolada ou como um inimigo a ser destruído. No século XIX, os ultramonta- j
a nistas compartilhavam do pensamento do Papa Pio IX. O conjunto de idéias
que os guiavam foi designado “ultramontanismo”. «J

Temos que lembrar que os governos do “anden régime”, principal­


mente, no seu fim, controlavam muito a Igreja. O pior foi que vários mi­
nistros do “anden régime” seguiram o pensamento iluminista. unido a
uma política centralista. Foi a época dos “déspotas iluminados.” Na Fran­
ca, a revolução destruiu o “anden régime” e quase fez o mesmo com a
Igreja. Napoleão reverteu essa situação, e, apesar de fazer uma Concor­
data com Pio VII, à qual anexou os “Artigos Orgânicos”, que visavam
um controle rigoroso da Igreja, trouxe alguns benefícios para ela. Agora,
para cargos eclesiásticos menores, o clero seria nomeado pelos Bispos e
não pelos leigos (sistema de privilégios), os Capítulos dos Catedrais per­
deram seus privilégios e a administração das dioceses vacantes foi dada
ao Bispo Metropolitano.59 Com a restauração da Europa idealizada por

57. Ferdinand AZEVEDO, Ensino, jornalismo e missões jesuíticas em Pernambuco 1866 - 1874, 2a ed.,
1983, p. 15.
58. E.E.Y. HALES, The Catholic Church in the M odem World, Image Books, Garden City, p. 62-3.
\ 59. ID., p. 105-6.
1 Iinlllln Iiiiiii V iihI Unuiloirti »humtuluiii*»* l()ü

Klcmnm von Mdlcrnioh, cm 1815, o Papado leve uma oporluimlmlc cl»*


fa/er várias t 'onetMdatas com os países monárquicos, não porque tives­
se uma predileção por eles, mas simplesmente, porque neste momento,
ofereciam a imien possibilidade cie reorganizara Igreja cm paz.
A partir desse período, cresceu o processo do centralização da pollli
ca eclesiástica do Papado. Daqui para frente, o ponto de referência para
os bispos e a política eclesiástica não foi a monarquia, mas o Papado em
Roma. Foi a maneira de lidar com governos opressivos, sendo que a Itá­
lia ó uma Nituaçflo especial. O movimento para a unificação da Itália pelo
governo do Piemonte, o Risorgimento, tinha ambições liberais e nacio
nalistas. Quando assumiuvpJPrçipado, Pio IX estava a favor dc participar
da unificação da Itália, mas não tinha os meios para alcançá-la. O gover
no do Piemonte, porém, decidiu que tinha de fazê-lo independente c
contra o Papado. O namoro inicial de Pio IX com os liberais terminou
quando Giuscppe Mazzini e Giuseppe Garibaldi invadiram Roma e ele
teve que fugir para Gaeta. Quando Pio IX voltou para Roma, as idéias
dos católicos liberais, como Charles-René Montalembert, que tentaram
harmonizar os princípios da revolução, não iriam ter mais adesão em
Roma. Pio IX tomou o nome de Pio em honra do corajoso Pio VII, mas o
pensamento deste dc que, “nada impede que bons católicos sejam bons
republicanos”, dificilmente entraria nos documentos de seu Pontifica
do.60 \
Em 1854, a declaração do dogma da Imaculada Conceição também
fortaleceu o ultramontanismo. Quando Pio IX pubiicou a encíclica Ubl
Primurn, cm 1849, pedindo aos Bispos do mundo suas orações e opi­
niões sobre a declaração desse dogma, as repostas foram muito favorá- ,
veis e, numa reunião, em Roma, para a qual Bispos foram convocados, I
a primeira versão do documento foi discutida e emendada em vista da
proclamação formal em 08 de dezembro de 1854. Foi significativo,
porque esse dogma foi formalizado com a ajuda dos Bispos, algo que J
iria acontecer, também, mais tarde, em 1870, com a definição da infali- *
bilidade papal.
Na Itália, porém, a situação de Pio IX iria piorar. No fim da década
de 1850, o governo de Turim iria ocupar os territórios papais e Pio IX se­
ria o “prisioneiro do Vaticano”. É nesse cenário desastroso, que nós po­
demos entender a publicação do Syllabus de Erros em 1864.

60. lD .,p. 128-9.


i iU F. Azevedo

Fora do contexto do Risorgimento na Itália, seria impossível enten­


der o Syllabus .6I Na Câmara de Deputados em Turim, os termos “pro­
gresso,” “liberalismo” e “civilização moderna” estiveram na ordem do
dia e foram utilizados como bandeiras na luta para realizar o sonho de
unificação da Itália. O Syllabus foi chocante para as pessoas na França,
Inglaterra e na América. As 80 condenações foram um elenco de afirma­
ções já tratadas em encíclicas anteriores, mas a ultima condenação ga­
nhou notoriedade. Ela diz: “O Pontífice Romano pode e deve reconcili-
ar-se e aceitar os termos de ‘progresso’, ‘liberalismo’ e ‘civilização mo­
derna’”. Essa foi tirada do encíclica Jamdudum Cernimus, de 18 de mar­
ço de 1861, condenando a aplicação das leis anti-clericais do Govemo
de Turim às novas províncias unificadas do restante da Itália e recente-
mente tiradas dos territórios papais.62 Uma vez que essas condenações
foram universalizadas, fora do seu contexto italiano e, principalmente, a
de número oitenta, já citada, parecia que Pio IX estava condenando o
progresso e a modernidade como tal. Prescindindo do valor do conteúdo
do Syllabus, taticamente, sua publicação não foi feliz. Graças ao Bispo
de Crleans, Félix-Antoine Dupanloup foi dada uma saída dessa situação
constrangedora. O Bispo explicou que o que o Syllabus condenou foi a
posição universal (thesis) e não as conseqüências (hypothesis) da posi­
ção universal, concretizadas na sociedade atual. Essas não foram neces­
sariamente erradas. Para certas pessoas, essa distinção foi uma artima­
nha, mas para os seiscentos Bispos do mundo inteiro que enviaram car­
tas de agradecimento a D. Dupanloup, foi uma graça imensa.63
Como viemos mostrando, o ultramontanismo não foi programado
em Roma. Uma série de eventos vinham se aglutinando de tal maneira
que, no fim da década de 187.0, o seu perfil estava formado. Com a auto­
ridade espiritual mais centralizada, o Papado, que recebeu as simpatias
dos católicos pelo mundo inteiro, enffexitava nações fortes, liberais, na­
cionalistas e, às vezes, anti-cristãs, julgando-se competentes para criar
legislação sobre questões espirituais. Com o fim do Concílio Vaticano I,
a política ultramontanista estava formada e deu ao Papado, com o res­
paldo da maioria dos Bispos na Europa, o meio para defender e socorrer
católicos sofrendo de políticas repressivas por governos na Europa e nas

61. ‘‘The Roman Pontiff can, and ought to reconcile himself, and come to terms with progress, liberalism
and modem civilization”, em: The Papal Encyclicals it: their Historical Context, Ed. por Anne Fremantle, Men-
tor Books, New York 1956, p. 152.
62. HALES, Catholic Church, p. 126.
63. ID., p. 142-3.
Conflito Dom Vinil rogullimo bnisiluiro: antecedentes

Américas.6'1Nesse sentido, Pio IX irá contrabalançar a força política it


galista do I). Pedro II.
No Brasil, o confronto entre os regalistas e os ultramontanistas seria
inevitável. A igreja precisava de uma nova estrutura para trabalhar e al
cançar seus objetivos apostólicos. Os Bispos simplesmente não tinham
liberdade de ação. Por lei, eram obrigados a pedir autorização ató para
viajar fora de suas Dioceses e uma reunião entre eles para traçar linhas
de atuação seria inconcebível. A realidade foi que eles eram funcioná
y rios imperiais.
Com a introdução de novos prelados com experiência fora do Brasil,
1 e vendo que o Governo brasileiro .atuava como os governos na Europa,
abafando a própria vida eclesiástica, criando sérios problemas para as
atividades pastorais, esses Bispos também começaram a reagir. Já vimos
! que a primeira tentativa de reforma com forte espírito regalista não teve
J sucesso. Agora, os Bispos brasileiros, principalmente os mais recente
mente indicados por D. Pedro II, mesmo sendo poucos, viram que o ul
tramontismo assumido pela maioria dos Bispos no Vaticano I e inccnti
vado por Pio IX poderia ser o instrumento viável para lidar com o govei
no imperial. Algo tinha que acontecer. Em teoria, a política regalista do
* Império e as aspirações dos Bispos ultramontanistas iriam fornecer mo
| mentos de conflito, mas, o que aconteceu foi algo imprevisto. O ponto
■ de discórdia veio de outro grupo, a Maçonaria, que vivia sua própria his­
tória, c D. Vital, que seria sugado nesse vendaval, cujos desdobramentos
I vão marcar profundamente a Igreja no Brasil. Mas antes disso, um resu­
mo do incidente entre D. Cardoso Aires e o General Abreu e Lima.

Dom Cardoso Aires e o general Abreu e Lima


* *. . ’>•
O mais notável incidente no Bispado de D. Cardoso Aires foi o se-
pultamento do general José Inácio de Abreu e Lima. Seu pai tinha sido o
^ famoso Pe. José Ignácio Ribeiro de Abreu e Lima, conhecido como Pe.
Roma. Tanto José Inácio como seu pai participaram na Revolução de
1817. José Inácio foi preso na Bahia e, enquanto estava lá, presenciou o
fuzilamento de seu pai, o Padre Roma, ordenado pelo Conde dos Arcos.
Esse evento marcou tanto o jovem Abreu e Lima, que saiu do Brasil e se64

64. Francisco dc Assis BARBOSA, Abreu e Lima, em: Enciclopédia Mirador Internacional, vol. 1, p.
12-13;Theodoro HUCKELMANN, Dom Francisco Cardoso Aires do Instituto da Caridade, Universidade Fe­
deral de Pernambuco, Recife 1970, p. 72-80.
1 12 F. Azevedo

aventurou no serviço militar na Venezuela, com Simão Bolivar. Teve su­


cesso e foi promovido pelo grande libertador ao posto de general De
volta a Pernambuco, em 1835, Abreu e Lima escreveu bastante. Teve in­
clinação para o socialismo, mas foi mais um livre pensador. Entrou em
conflito sobre interpretações da Bíblia com o não menos polêmico Mons.
Joaquim Pinto de Campos. Usando o pseudônimo de Cristão Velho, Abreu
e Lima publicou, em 1867, As bíblias falsificadas, em resposta a Mons.
Pinto de Campos. Essa publicação, provavelmente pela instigação do
próprio Monsenhor, entrou na Congregação do Index e foi declarada he­
rética, em 1868.0 general ficou muito doente e D. Cardoso Aires o visi­
tou, tentando convencê-lo da seriedade da situação em que ele se encon­
trava, referente à sua vida como católico. Mas, um homem decidido
como ele, dificilmente, iria mudar sua atitude e, de fato, o general per­
maneceu resoluto. Nessas circunstâncias, faleceu na noite de 8 de março
de 1869, não recebendo os ritos finais como católico. O general ganhou,
mas sua valentia fechou-lhe as portas do cemitério católico. O cemitério
onde católicos são sepultados é bento e a posição religiosa do general
impediu que fosse enterrado nele. Não sabemos se o general considerou
essa possibilidade ou, se o fez, julgou-o simplesmente sem importância.
O que fazer? Não permitindo o sepultamento de um personagem como o
general, D. Cardoso Aires certamente iria mexer com cs sentimentos de
muitas pessoas de persuasão liberal, inclusive os maçons. O Bispo, tam­
bém decidido, seguiu as normas canônicas. Cabia ao então Presidente da
Província, Conde de Baependi dar uma solução, com a qual Dom Cardo­
so Aires concordou, a de sepultar o general, decentemente, no cemitério
protestante dos Ingleses.65
A decisão do próprio Presidente da Província para contornar a situa­
ção revela o prestígio do general. Com a decisão fatal de D. Cardoso Ai­
res, um recifense, em relação ao sepultamento de uma das glórias de
Pernambuco em terra não benta diminuiu sua popularidade. A reação
dos políticos da persuasão liberal veio logo da Assembléia Legislativa
da Província no projeto-lei de 22 de abril de 1869 para expulsar os Laza-
ristas e os Jesuítas. O projeto-lei não teve êxito. Em relação a esse inci­
dente do general, que foi julgado não apto para ser sepultado em terra
benta, é interessante, a opinião de Dom Vital, em 1873, quando foi infor­
mado:66

65. HUCKELMANN, Dom Francisco Cardoso Aires, p. 78.


66. OLÍVOLA, Um grande brasileiro, p. 63-4.
Condito Dom Vitnl-rcgolismo brasileiro: unleccdcnlcs 113

...que já foram sepultadas pessoas não católicas no cemitério sujeito à autori­


dade eclesiástica, prescreveu: “Agora em diante será preciso benzer singu­
larmente as sepulturas que houverem de receber os corpos dos católicos ro­
manos. Essa prática, admitida em vários países, é talvez preferível, atentas
certas circunstâncias, à que até agora temos seguido”.

Se D. Cardoso Aires tivesse sabido o que D. Vital pensaria em 1873,


poderia ter evitado um grande aborrecimento.

O ambiente que D. Vital encontrou

Já vimos como a Maçonaria estava presente nas Revoluções em Per­


nambuco, em 1817 e 1824, e no decorrer do século XIX. A Loja no Bra­
sil cresceu e influiu como grupo de elites importante na vida política da
nação. O Presidente do Conselho e Ministro da Fazenda, José Maria da
Silva Paranhos, Visconde do Rio Branco, teve o seu nome associado à
famosa lei do “ventre livre”, aprovada em 1871. O Grande Oriente do
Lavradio, no Rio de Janeiro, do qual o Visconde foi membro importante,
decidiu festejar o evento em março de 1872. Entre os oradores da cele­
bração estava o Pe. Almeida Martins, “membro efetivo” da Grande Loja
do Vale dos Beneditinos, e as palestras desses oradores foram publica­
das no Brasil. As palavras do Pe. Martins criaram escândalo na comuni­
dade católica e Dom Pedro M aria de Lacerda, Bispo do Rio de Janeiro,
chamou o Pe. Martins, pedindo que ele se afastasse da Loja. Lembrou ao
Padre a legislação eclesiástica existente e, que sendo ele membro da M a­
çonaria, estaria sujeito à excomunhão. O Pe. Martins tinha opinião dife­
rente e recusou a orientação de Dom Pedro Lacerda, que o puniu com a
suspensão das funções eclesiásticas.67 Ternos que lembrar que desde 1870,
quando a unificação da Itália foi alcançada e o Papado perdeu os seus
territórios, a impressa católica criticou bastante os Padres M açons.68 Im por­
tante notar que as penas lançadas pelo Bispo revelam que o episcopado
adotou uma outra postura. No Brasil, devido à pulítica regalista, nenhum
documento da Santa Sá referente à M açonaria recebeu o “beneplácito”
do governo.69 O Bispo estava se baseando num novo sentimento surgido
dentro da igreja no Brasil, porque, nesse caso, faltava-lhe cobertura le-

67. VIEIRA, O protestantismo, p. 280-1.


68. ID.,p. 281.
69. Antônio Carlos VILLAÇA, História da questão religiosa no Brasil, Francisco Alves, Rio de Janeiro
1974, p. 6.
114 F. Azevedo

gal da legislação para punir o Padre. Depois desse incidente, houve uma
nítida colaboração entre vários ramos da Maçonaria e o resultado foi
uma campanha jornalística espalhada pelo Brasil contra a igreja.
Em maio de 1872, pelos jornais do Rio de Janeiro, fora anunciado
que, no dia seguinte, uma missa seria celebrada na igreja do Bom Jesus,
pedida por uma Loja Maçónica. Dom Pedro Lacerda proibiu a missa,
mas a missa foi celebrada e o celebrante não sofreu penas canônicas.70
Parece que D. Pedro Lacerda não levou o assunto mais à frente devido
ao conselho do Intemúncio, Mons. Domingos Sanguini, que era amigo
pessoal do Visconde e ao qual deu "... em nome de Pio IX a graça de um
oratório privado”.710 pior foi que os jornais maçónicos elaboraram o as­
sunto, alfinetando o Bispo:7273
(O Bispo) Tenha a necessária coragem e dê execução às Bulas sem beneplá­
cito, que expulsam os maçons do seio da Igreja. Se não o fizer, confessará
que errou a princípio e que, chegando à razão, concorda conosco sobre a in­
declinável formalidade do placet... Seja franco Dom Lacerda; ou excomu­
nhão ou confissão de seu perigosíssimo erro. Não trepide. Não autorize a que
se diga que, depois de acoroçoar os companheiros, os abandona ou foge co­
vardemente. Parece que a consciência do Bispo do Rio de Janeiro se vai li­
bertando da pesada influência de Roma. Será assim. Que Deus o ilumine.

Parece que o poder do Visconde de Rio Branco, liderando e inspiran­


do os maçons para que coordenassem melhor o ataque jornalístico, foi
demais para o Intemúncio Sanguini que, tudo indica, quis fazer o possí­
vel para manter a paz, tal como existia. Outro sinal de que os ventos não
foram favoráveis à igreja foi a decisão de D. Pedro II de condecorar
Emest Renan, o filósofo francês de renome que se tomou nome comum
no Brasil pelas suas treze edições de seu livro, A vida de Jesus, um cristi­
anismo que substituiu.“... a Salvação através da Fé ou das Boas Obras,
pela Salvação mediante a Beleza”.7’ Renan encantou muitos brasileiros,
entre eles, o próprio Imperador. Tentando impedir o quase inevitável,
Dom Macedo Costa visitou o Imperador, pedindo: “Senhor, Renan é um
inimigo pessoal de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não Senhor. Vossa Ma­
jestade não nos dará esta mágoa. Seria um golpe profundo e doloroso no

70. ID., p. 6.
71. ID , p. 7.
72. CHACON, Humanismo brasileiro, p. 219.
73. VILLAÇA, Históna da questão religiosa, p. 7.
coração de todos os Bispos e de todos os católicos cio Ilmitil" M<i giMi*
de D. Macedo Cesta foi em vão.
D. Vital, mesmo quando ainda cra Padre, Frei, em Silo Paul<», < uiim
va como Professor de Seminário c, no interior, do Colégio dir. li inon
São José, em Itu (1868-1871), não estava alienado dos nconlu iinniim
no Brasil. Sabia muito bem da fermentação acontecendo entro os mu
çons e D. Pedro Lacerda no Rio de Janeiro. As datas são imporlinil«
porque D. Vital vai chegar a Pernambuco, já consagrado Bispo c ucoin
panhado pelo Bispo Dom Macedo Costa, aos 22 de maio de 187¡'. c |u
iria enfrentar, de cheio, a luta jornalística entre as publicares miiçOiii
cas, católicas e outros, como os liberais, no Recife. Essa luta já csl ivii
em ação mesmo antes das palavras do Visconde do Rio Branco, que ln
centivavam o ataque jornalístico. No Recife, os jesuítas italianos que it
nhain o Colégio de São Francisco Xavier colaboravam muito no jornal
O Catholico, cujo redator principal era Pedro Autran da Mata Albuqiiei
que. Quando D. Vital chegou, quis que o mesmo fosse ampliado, porém,
o superior, Pe. Filipe Sottovia, considerou a situação muito perigosa <>
jesuíta sugeriu a D. Vital que seria melhor fundar outro jornal, potlcnilt •
assim, alcançar o objetivo desejado. O Bispo concordou e o jornal, ■/
União começou sob a direção de José Soriano de Sousa.7475
Os ataques a D. Vital estavam seguindo os mesmos moldes daqueles
contra D. Cardoso Aires, com a única diferença de que os maçons não
consideravam Aires como ultramontanista. Foi diferente com I). Vilal
Desde o início, os maçons o designaram como ultramontanista, devido á
sua associação com D. Macedo Costa e a luta jornalista contra cie cstnvii
crescendo.76
D. Vital não reagiu publicamente a essa onda de críticas contra ele
Parecia muito passivo; tiabalhava, porém, individualmente, com o seu
clero, explicando o seu ponto de vista, exigindo fidelidade.77 Para rciloi
do .Seminário, D. Vital substitui o Pe. Lipparoni pelo Pe. Sebastião Cons
tantino de Medeiros e quis fundar um Seminário Menor. Iniciou também
a Associação Brasileira Ortodoxa, um grupo recrutado entre leigos e,
como já vimos, A União fez presentes seus pensamentos no mundo jor

74. AZEVEDO, Ensino, p. 33-69.


75. VIEIRA, O protestantismo, p. 327.
7 6 .1D., p. 331-45.
77. OLÍVOLA, O grande brasileiro, p. 52-4.
*

116 F. Azevedo

nalístico do Recife. O Bispo mantinha o Internuncio Sanguini informa­


do de todas essas atividades.78
Com a “passividade” do Bispo, os ataques contra D. Vital se toma­
ram mais violentos. Por quê? O historiador David Gueiros Vieira, que já
citamos várias vezes, pensa que Joaquim Saldanha Marinho, que dirigia
o Grande Oriente do Vale dos Beneditinos e era liberal e mais radical do
que o Visconde do Rio Branco, desejava a separação da Igreja. Vieira
explica assim:79
Portanto, quando se observa o modelo de provocação que os liberais e ma­
çons usavam contra a Igreja, não somente em Pernambuco como em partes
do Império, parece-me que as palavras de Blackford (missionário presbiteri­
ano Alexandre Lattimer Blackford) revelam, na verdade, um plano para pro­
vocar um conflito entre a Igreja e o Estado, de tal magnitude que, por fim,
ambos os lados concordariam com uma separação total. Como Tavares Bas­
tos expressou-o, “aproveitando-se da feliz oportunidade do conflito entre os
dois rivais... vamos exigir liberdade de religião”.

Foram os artigos sobre a virgindade perpétua da Nossa Senhora nos


jornais maçónicos que esgotaram a paciência do Bispo. Foram tirados
de um üvro escrito por Laurence Louis-Felix Bungencr, intitulado,
Rome et la Bible: manuel du controversiste évangêlique, de 1860, tradu­
zidos e publicados no Verdade, jornal maçónico, em dezembro de 1872.
A posição de Bungener foi essa: “...o nascimento de Cristo tinha sido
um nascimento virginal, por ordem e desígnio de Deus. Entretanto, de­
pois do nascimento de Jesus, Maria tinha dado à luz outros filhos, cujo
pai foi José, e que eram irmãos e irmãs de Jesus”.80No dia 2 1 de novem­
bro, festa da Apresentação de Nossa Senhora, D. Vital programou ceri­
mônias de desagravo a serem feitas nas igrejas e capelas da Diocese. A
resposta dos fiéis foi muito grande.81 No dia 27 de novembro, aniversá­
rio de D. Vital, o cabido, o clero e os fieis celebraram o momento. A ca­
tedral estava cheia e o Bispo deu uma palestra, na qual citava explícita­
mente a maçonaria, indicando-a como fonte dos insultos que estavam
sendo direcionados contra ele. Os maçons responderam, publicando os
nomes de todos os membros das irmandades que pertenciam à Loja. Por
sua parte, D. Vital tentou falar individualmente com os membros cujos

78. ID„ p. 53-4.


79. VIEIRA, O protestantismo, p. 329.
80. ID.,p. 331.
81. OLÍVOLA, O grande brasileiro, p. 67-8.
Cemfilio Dom V iiiil rcgulinmo brimllolro; mitoouiloniUH 11/

nomes foram publicados, com um certo sucesso, poróm, suas palavras


persuasivas não tiveram efeito nas irmandades, cuja maioria era do ma­
çons. D. Vital pediu que os vigários aconselhassem os fiéis que eram
maçons a deixar as irmandades. Houve retornos desfavoráveis, gerando
a ação punitiva de D. Vital que, no dia 16 de janeiro de 1$72, impAs a
pena de interdito às capelas elas irmandades do Santíssimo Sacramento
da Matriz de Santo Antônio e do Espírito Santo. Além disso, em 2 ele fe­
vereiro de 1873, o Bispo publicou a Carta Pastoral contra as ciladas da
maçonaria.82
A tramitação de posições antagonistas de D. Vital e do seu colega, 1),
Antônio Macedo Costa, no Pará, que estava enfrentando a mesma rcali
dade referente às irmandades e à maçonaria, com as autoridades impei i
ais levaria mais de dois anos e meio para chegar ao desfecho da anistia
imperial dos dois Bispos condenados em 1875. A história da condena
ção dos dois é bastante conhecida. O que nos interessa é o próprio D. Vi
tal e sua atuação, a reação dos católicos brasilefros e a posição de D. Vi
tal na história eclesiástica.

Dom Vital

Os dados bibliográficos sobre de D. Vital, sua juventude e sua for­


mação junto aos Capuchinhos, especialmente na França, não são abun­
dantes. Em geral, o D. Vital que nós conhecemos é c Bispo, jovem, lan­
çado logo no vendaval da “Questão Religiosa”, mas, aproveitando as
pesquisas de Monsenhor José Aragão, podemos entender um pouco me­
lhor o período de sua juventude.
O Capuchinho Frei Serafim de Catânia, missionário no Nordeste de
1842 a 1886, dava missões, em 1852, em Taipu, freguesia de N. Sra. Ra­
inha dos Anjos, onde nasceu o futuro Dom Vital. Lá, conheceu tanto o
jovem Antônio Gonçalves, o futuro Dom Vital, e sua mãe, Dona Anto­
nia Albina. Antônio, então como oito anos, o ajudava na missão. Um
pouco mais tarde, Dona Antonia e Antônio visitaram os Capuchinhos na
Igreja da Penha, no Recife, onde Antônio insistia em visitar Frei Serafim
que os apresentou a Frei Caetano de Messina, prefeito da Igreja. A ami­
zade entre Frei Caetano ê Antônio foi muito importante. O Frei, impres­
sionado com o jovem, aconselhou Dona Antonia a fazer com que Antô-

82. ID.,p. 71-2.


120 F. Azevedo

onde Montalembert discursou. Seu objetivo foi o de cristianizar a demo­


cracia, de maneira que a Igreja pudesse viver dentro de um liberalismo
livre do vício pelo qual o homem achava que ele mesmo era Deus. O
grande debate desse momento foi entre Montalembert e Louis Veuillot
que favoreceu uma política autoritária e antiliberal. Apesar das distin­
ções que Montalembert fez em seu pensamento referente à situação da
Itália, este não foi muito apreciado por Pio IX. No ano seguinte, em
1864, Pio IX iria publicar o Syllabus de Erros. Acreditamos que D. Vital
tenha acompanhado esses eventos e mais um, bastante elucidativo, devi­
do a seu futuro confronto com a maçonaria, quando Pio IX censurou o
Arcebispo de Paris, em 1865, por condecorar o marechal Magnon, Grão-
Mestre do Grande Oriente da França.90
É comum encontrar a descrição de D. Vital como o “homem de es­
panto”, designação dada a ele por sua mãe num incidente no qual reagiu
contra seu tio que estava espancando uma escrava. Pegou um cacete e
foi em cima do tio.91 Essa qualidade de Dom Vital se revelou várias ve­
zes em sua carreira. Sabia ponderar a situação, mas agiu com Firmeza.
Seus críticos o consideram inexperiente e imprudente, achando que ele
não entendia as diferenças existentes entre o contexto europeu c o brasi­
leiro. Muitos políticos do Império, como o Internúncio Sanguini, tinham
essa opinião. Mas as cartas e a atuação de D. Vital nos levam a questio­
nar essa opinião. Certamente a resposta ao Ministro do Império e com­
patriota seu, João Alfredo Corrêa Oliveira, revela um homem muito sen­
sível, reflexivo e muito prudente. Tudo contrariando a idéia de um ho­
mem que reage sem pensar. Vejamos alguns trechos:92
Desde que aqui cheguei, Exmo. Snr., a maçonaria me ofereceu um dilema
terrível: ou aceitar a hita, cumprindo os deveres de Bispo Católico, ou passar
por imprudente, precipitado e temerário, o que é muito consentâneo com a
minha idade; ou então fechar os olhos a tudo, transigir com a consciência e
resignar-me a ser um Bispo negligente, pusilânime e culpado; (isto foi con­
fessado pelos próprios maçons).
Se a maçonaria se tivesse contentado de trabalhar em sua lojas, de portas fe­
chadas, com diz V. Excia., nada teria havido. Mas para provocar o Prelado
diocesano, ela criou um periódico; começou a atacar, insultar e negar os dog­
mas de nossa Santa Religião, como provo em minha Pastoral de 2 de feverei-

90. VILLAÇA, Historiada Questão Religiosa, p. 8.


91. OLÍVOLA, O grande brasileiro, p. 6.
9 2 .10.,p. 80-81.. ...
( 'imltllo Dom Vllnl n hiiIihiihi ImuhIIoImi aiiuh i'iliinii'H

lo com documentos irrelrngávcis; mostrou-se enfim cie viseira ulçiiün. publl


cundo o nome vlo seus adeptos, tomando contas á Igreja, c formando no seio
das irmandades mesas á maçónica.
Nilo fui perturbar os maçons em suas oficinas, Exmo. Snr., mio sai do recinto
da Igreja da qual sou chefe. Não questiono diretamente com os maçons, po ­
rém sim com as irmandades. Não pretendo exterminar a maçonaria; infeliz
mente nem os próprios monarcas já hoje podem; só Deus. Desejo tão somente
que as irmandades realizem o fim para que foram criadas.
D. Vital assumiu a Diocese de Olinda acompanhado de D. Macedo
Costa. Conhecemos bem as opiniões desse prelado. É muito provável
que tenha aconselhado o jovem Bispo. Certamente, D. Vital foi muito
cauteloso, poróm, alguns atos são significativos. Não quis escravos no
serviço da residência da Soledade.93 Logo quis conhecer seu clero. Acci
tou a opinião dos jesuítas italianos para fundar um outro jornal que seria
o A União. Organizou um grupo de leigos sob a denominação de Associa
ção Brasileira Ortodoxa. Substituiu o reitor do seminário. Tudo isso in
dica um homem que contextualizou sua atuação conforme o ambiente
agitado do Recife. No decorrer dos fatos do conflito com o Governo Im
perial mostrou-se consistente e determinado. Se isso surpreendeu a al­
guém não foi porque agiu sem pensar. Atuou com determinação.
Sua resposta ao grande incidente com o Deão Joaquim Francisco de
Faria, no Recife, em 1873, que terminou com as manifestações que cul­
minaram com o saque ao Colégio São Francisco Xavier dos jesuítas foi a
publicação do Breve Quamquam dolores, recebido de Pio IX. Mesmo .
vindo dois meses depois do incidente, o apoio de sua atuação no Recife
pelo Papado fortaleceu-o. Essa publicação sem o “placef ’ imperial reve- ¡
la que D. Vital já progredia muito em sua determinação de defender o
que ele considerou essencial. Inicialmente, o Governo quis reprovar o (
Capuchinho, mas, vendo que o Breve foi publicado pelos outros Bispos 1
no Brasil, desistiu. O dia de seu aprisionamento, em 1874, merece mais
atenção. D. Vital sabia valorizpr o momento dramático e, naquele dia,
quando ouviu o decreto de prisão, lido pelo juiz da primeira vara civil,
disse que náo iria obedecer, “a não ser coagido pela força”.94Enquanto o
oficial mandou pedir ao Chefe de Polícia para tomar as medidas neces­
sárias, o Bispo retirou-se para rezar e escreveu uma resposta. Dois dias
antes, já providenciara a nomeação de três governadores do bispado. O

93. ID., p. 51.


94. 1D.,f . 105.
I 18 F. Azevedo

nio, no ano seguinte de 1854, estudasse no Colégio Benfíca do Recife. Já


vislumbrando a vocação do jovem para a vida religiosa nos Capuchinchos,
l;rci Caetano, apesar de suas viagens como missionário, se tomou seu
conselheiro e guia espiritual.83
No Colégio Benfíca, Pe. Joaquim Passos, professor de latim, confir­
mou a aptidão intelectual de Antônio e tudo indica que foi durante esse
período que o jovem decidiu ser Capuchinho; porém, esse desejo só se­
ria realizado fora do Brasil por causa da legislação existente contra o
funcionamento de noviciados das congregações e ordens religiosas. Por
causa da amizade entre Antônio e os Capuchinhos italianos, a Itália seria
o país mais indicado; contudo, devido à convulsão política criada pelo
Risorgimenío, uma formação religiosa adequada seria impossível nas
casas dos Capuchinhos de lá. Entretanto, os Freis italianos consideraram
que seus colegas capuchinhos franceses forneceriam um ambiente mais
propício para Antônio. A França, então, se apresentou como a solução.
Seria interessante saber os pensamentos e sentimentos de Antônio frente
a esta escolha. Por exemplo, os capuchinhos franceses seriam diferentes
dos italianos que conhecia no Recife? Em todo caso, o Pe. Joaquim, co­
nhecendo os conselhos de Frei Caetano segundo os quais Antônio deve­
ria entrar no Seminário antes de ir para França, apresentou-o ao Bispo
Dom João Perdigão. O jovem se matriculou então no Seminário de Olin­
da e, em 1860, recebeu a tonsura clerical com a idade de 16 anos.84
Um dos colegas de Antônio no Colégio Benfíca foi Carneiro Vilela,
que deixou informações interessantes sobre ele. Vilela considerava-o pi­
edoso, fisicamente forte e com uma boa aparência. Tinha senso de hu­
mor e contava histórias de santos e santas, aumentando a fé de seus cole­
gas.85 Vilela continua:86
Ano e meio depois, sai do colégio para entrar na Faculdade de Direito, e
Antônio Gonçalves embarcou para a Europa a fim de seguir a sua vocação.
Só muitos anos depois - talvez uns dez ou mais -, o tomei a ver completa­
mente outro, transformado, direi antes, completado. Foi quando, por entre as
alegrias e expansões festivas de um povo inteiro, animado, pela fé católica e

83. Essa informação foi dada ao Autor por Mons. José ARAGÃO e a mesma foi publicada no Boletim da
Arquidiocese do Olinda Recife. Os nomes de alguns Capuchinhos na época são Frei Plácido de Messina, Frei Ca­
etano de Troina, Frei Cassiano de Coir.acchio, Frei Serafim de Catânia, Frei Caetano de Messina. Cf. OLÍVOLA,
O grande brasileiro, p. 12.
84. Essa informação foi dada ao Autor por Mons. José Aragão.
85. Nilo PEREIRA, D. Pedro II: o trono e o altar, Editora Universitária, Recife ¡976, p. 142-6.
86. lD.,p. 146.
Conflito Dom Vital-regalismo brasileiro: antecedentes 119

impulsionado por um entusiasmo bairrista, voltou ele a Pernambuco para


governar-lhe a diocese, como bispo. O nosso simpático companheiro do co­
légio do Benfíca chamava-se então D. Vital Maria de Oliveira.

Antônio foi para França em outubro de 1862, estudou no Seminário


S. Sulpício, onde conquistou a amizade de outros brasileiros que estuda­
vam lá. Um deles, Romualdo de Seixas Barroso, tinha boas lembranças
dele. O mesmo não pode ser dito de seu futuro Mestre de Noviços, Frei
Saviniano, em Versalhes, onde Antônio entrou nos Capuchinhos. Depo­
is de ser recebido como candidato pelo Provincial Frei Lourenço, Antô­
nio teve de enfrentar o severo Frei Saviniano. Das informações disponí­
veis desse período^o relacionamento entre Antônio e o Mestre de novi­
ços foi pelo menos, estranho. Apesar de ser aprovado para fazer os votos
religiosos nos Capuchinhos em julho de 1863 com o nome religioso de
Fiei Vital Maria, o Mestre, mesmo dizendo que não tinha motivos para
não gostar do jovem brasileiro, prognosticou um futuro não muito auspi­
cioso para ele. Vem a pergunta então: por que o aprovou para os votos?
Falta mais informação para saber exatamente a razão dessa esquisita ati­
tude do Mestre.87 Frei Vital teve problema ainda de saúde e foi enviado
para o Convento de Perpignan, onde, melhorou. Terminados os estudos,
foi ordenado em Tolosa, em agosto de 1868. E, em outubro do mesmo
ano, voltou para o Brasil.88 É pena que não disponhamos de mais infor­
mação da experiência européia de D. Vital, não somente em relação à
sua formação capuchinha, mas também como pensava da vida eclesial,
principalmente, na França. Podemos, entretanto, especular. A revolução
francesa deixou a Igreja prostrada e, apesar de ser ditador, Napoleão per­
mitiu a atuação da Igreja dentro de determinados limites. Sem dúvida,
toda a história de Pio VII, feito prisioneiro por Napoleão, iria sensibili­
zar o jovem brasileiro.89*A subseqüente restauração, em 1815, idealizada
por Mettemich, deu uma certa estabilidade. No tempo de Louis Philip-
pe, indiferente às questões religiosas, a Igreja renasceu, mas no período
seguinte, quando D. Vital estava na França, no governo de Napoleão III,
a Igreja atuava, dentro dos limites mais restritivos. Lá, Frei Vital Maria
podia acompanhar os eventos dramáticos envolvendo Pio IX. Supomos
que tomou conhecimento de uma reunião em Malines, Bélgica, em 1863,

[¡7. OÜVOl.A, Grande Brasileiro, 19-24.


88. II)., p. 25-33.
89, VlLLAçA, História da Questão religiosa, p. 8. É interessante saber que naquele tempo turbulento,
qunmlo foi Bispo de Imola, Pio VII já assumiu o princípio ao qual se manterá fiel por toda a sua vida, ou seja, dc
que nndu impede que bons católicos sejam bons republicanos. Cf. HALES, Catholic Church, p. 76.
122 F. A ze ve d o

Juiz chegou e subiu aos aposentos do Bispo e o chamou. “A essa ordem,


abriram-se as portas da Capela e o Prelado compareceu em paramentos
pontificais, com mitra e báculo e, cercado dos Padres da Câmara eclesiás­
tica, desceu à rua.”95Nesse momento, D. Vital leu o seu protesto contra a
violência da imunidade eclesiástica do qual citamos uma parte:96
Nós, D. Fr. Vital Maria Gonçalves de Oliveira, por mercê de Deus e da Santa
Sé Apostólica, Bispo da Diocese de Olinda, do Conselho de Sua Majestade o
Imperador.
Protestamos, em face do nosso rebanho muito amado e de toda a Santa Igreja
de Jesus Cristo, da qual somos Bispo, posto que mui indigno, que só deixa­
mos esta cara Diocese, que foi confiada à nossa solicitude e vigilância, por­
que dela somos arrancados violentamente pela força do Governo.”

Que cena! Tudo preparado. Sabia o que queria dizer por palavra e
gesto. Donde aprendeu isso? Pode ser que D. Vital estava entendendo
bem as correntes do momento. Achamos que sim. Porque a reação do
povo e clero à atitude imperial seria enorme, tão diferente da reação da
nomeação do Pe. Antônio Maria de Moura para o Bispo do Rio de Janei­
ro em 1833.97 Naquele momento o assunto foi a nível governamental.
Agora seria bem maior. O volume da conscientização entre os católicos
chegou a uma massa crítica e constituilf ãlgõ novo queD. Pedro II tinha
muita dificuldade para entender, aliás, nunca entendeu. Essa falta de
compreensão por parte do Imperador levou Joaquim Nabuco a chamar
D. Pedro II, um “católico limitado”.98
No Brasil, correu a opinião de que a Maçonaria foi diferente de sua
versão européia. Pode ser que na época das Revoluções em Pernambu­
co, de 1817 e 1824 e, até, no próprio movimento para independência do
Brasil a Maçonaria fizesse parte de um contexto cultural mais harmôni­
co. Mas os tempos mudam. O Império Brasileiro estava mostrando sinais
de envelhecimento e falta de adaptação aos tempos e, na opção para ata­
car a Igreja no Brasil, uma facção mais radical da Maçonaria também
mudou sua maneira de ser no Brasil. Igualmente, a Igreja mudou, e não
podia continuar sofrendo as restrições do Império. Acontece que, nesse
momento, tanto a Maçonaria como o Governo Jmperial foram seme-

95. ID .,p. 106.


96. Nilo PEREIRA, Dom Vital e a questão religiosa no Brasil, Tempo Brasileiro, Recife 1986, p. 74.
97. KIEMEN, Igreja, p. 79.
98. Antônio Carlos VlLLAçA, O pensamento católico no Brasil, Zahar, Rio de Janeiro 1975, p. 55.
Con filio Dom Vilul ii’uiiIihoh) bntHiluh o nnlouoilcnlON 123

Ihantcs a seus contemporáneos da Europa. Uma Maçonaria ideológica e


um Império regalisia estavam reduplicando a mesma historia européia
no Brasil. Nesse contexto, o desejo da Igreja exercer sua missão em li­
berdade foi independente de lugar. Agora, Brasil e Europa eram iguais.
O gesto de fé de D. Vital não foi só dele e nem só da Igreja no Brasil, mas
foi da Igreja Universal, com algumas exceções. Nossa comparação de
D. Vital com seu colega D. Macedo Costa é semelhante a Pio IX. O que
Pio IX queria para a Igreja foi exatamente que esses dois Bispos no Bra­
sil estavam desejando realizar. No contexto brasileiro, D. Vital, repetiu a
expressão de fé de Pio IX. A dificuldade, sem solução até o fim do Impé­
rio, é que a Igreja não sabia para onde seria levada pelo gesto extraordi­
nário de fé do Bispo Capuchinho.
Depois da diplomacia, que foi uma verdadeira novela, incluindo a
missão desastrosa do Barão de Penedo, Francisco Inácio Carvalho Mo­
reira, e o cruzamento de informação entre Pio IX, Dom Vital e o Inter­
nuncio Sanguini, o Governo condenou D. Vital e, depois, D. Macedo
Costa, em grande parte porque D. Pedro II levou o assunto muito pelo
lado pessoal e simplesmente não entendeu as dimensões da questão. A
prisão na fortaleza de São João, na Ilha das Cobras, tomou-se um púlpito
para D. Vital; podemos dizer, até uma Capela, porque vários seminaris­
tas do Recife foram ordenados lá." Certamente, a prisão deu aos dois
Bispos uma plataforma poderosa para salientar sua mensagem para a na­
ção. Literalmente, estavam nas barbas do Governo, e todos, vendo a ilha
onde os dois estavam encarcerados, só podiam se lembrar deles.
Com a queda do Governo Rio Branco, o Duque de Caxias e as pres­
sões para encerrar o assunto dos Bispos, finalmente convenceram D. Pe­
dro II a anistiá-los. Pio IX tinha pedido isto ao Imperador, oferecendo o
levantamento dos interditos das irmandades, mas não sem uma reforma
das mesmas. A anistia veio em 17 de setembro de 1875 e, pouco depois,
o levantamento dos interditos. A maneira como isso foi feito, principal­
mente em Pernambuco, levou, porém, os maçons a proclamar vitória so­
bre os Bispos. Foi assim. Logo depois da anistia, D. Vital viajava para
Roma, enquanto D. Macedo Costa teve que ir à Bahia por causa do fale­
cimento de seu pai. Mons. Luigi Bruschetti escreveu várias cartas a D.
Macedo Costa, insistindo no levantamento dos interditos. Bruschetti dis­
se-lhe que essa instrução era do falecido Cardeal Antonelli, porém, a
mesma só falava sobre os interditos das Igrejas, mas, quanto às Irmanda-

99. OLÍVOLA, O grande brasileiro, p. 143.


124 F. Azevedo

des, estas deveriam seguir a célebre carta de Pio IX e as instruções nela


contidas. O Bispo sabia que a promessa tinha condições, e disse, com
ênfase, que o Papa só permitia o levantado depois que as “Confrarias
fossem expurgadas dos maçons notáveis que as infestavam”.100 Apesar
de suas inquietudes, decidiu obedecer a Bruschetti. Quando sua carta
para seu Vigário Geral chegou a Belém, o Vigário Geral em Olinda, Pe.
Graciano de Araújo, entendeu a carta de Bruschetti de modo diferente e
já tinha declarado o levantamento dos interditos, de tal maneira que as
irmandades simplesmente podiam voltar como eram antes. A reação dos
maçons foi estática.101
D. Macedo Costa escreveu a Roma, descrevendo esses tristes acon­
tecimentos. Consolação se houve, foi o fato de Pio IX ter dado pessoal­
mente a D. Vital a encíclica Exortae, reafirmando tudo o que tinha sido
dito no Breve Quamquam dolores. Uma vez de volta ao Brasil, D. Vital
teve uma reunião como o então Internuncio D. Cezar Roncetti e combi­
nou com ele como iria divulgar essa encíclica. Foi bem recebido pelo
Ministro da Fazenda, Barão de Cotegipe, e até conseguiu autorização
para reabrir o seminário menor, cujo Reitor seria o Pe. Joaquim A rco-_
verde Cavalcanti.102A saude de Dom Vital não estava boa e parece que
certos desentendimentos entre ele os membros do Partido Católico, for­
mado no Recife, não ajudaram seu espírito.103 Procurando melhorar sua
saúde, retomou à Europa onde faleceu aos 4 de julho de 1878, em Paris, I
no antigo Convento dos Padres Capuchinhos, na rua de la Santé, onde, :
quinze anos antes, tinha ingressado na vida religiosa. 1
Depois de tanta briga, de tantas.intrigas e agitações, q assunto pare- I
cia ter voltado ao início. D. Pedro achava que os Bispos eram funcioná­
rios públicos e seu poder moderador fez dele um monarca como o rei da
Inglaterra, que também era o chefe da igreja. Fato:significativo é que
para sucessor de D. Vital na diocese de Olinda, em ¡1880, D. Pedro apre­
sentou ao então Papa Leão XIII um Padre anteriormente suspenso de or­
dens por D. Vital. Agora ele queria Bispos mais ¡simpatizantes a seu
modo de pensar e não como aqueles indicados anteriormente, muito idô-

100. Antônio de Macedo COSTA, Bispo do Pará - Arcebispo Primaz (1830-1891), Loyola/DEPEHIB,
São Paulo 1982, p. 34.
101. lD .,p. 35-6. .

102. OLtVOLA, O grande brasileiro, p. 178-9. ¡ » /» w


103. Brazil. The Religious Question in the Empire {Caria do Pe. Raphael Maria GALANT1, SJ, Pará, May
166, 1880), Woodstock Letters, Woodstock Maryland, vol. 10, n° 1,1881, p. 50; PEREIRA, £>. Pedro 11: o trono
e o altar, p.86-8. . ' ■• •
Conflito Dom Vliitl icunllmno linmllviro milvcuilonlch

neos, mus muito ultramontanistas. Leão XIII recusou a nomonçAo,1"4 A


anistia e o levantamento dos inteiditos não resolverían a questão principal.

Considerações Unais

Olhando a trajetória da política eclesiástica, começando com os go


vernos portugueses do século XVIII e continuando com os governos
brasileiros até o fim do Império, alguns pontos impressionantes de com
paração aparecem, Cortamente as personalidades de D. João V c 1). I*c
dro 11 foram diferentes, mas existem certas decisões tomadas por eles
que facilitaram as grandes mudanças nos seus respectivos países. l*o
de-se criticar a centralização e a rigidez cultural de João V, mas sua ue
nerosidade de espírito trouxe muitos brasileiros para estudar, em ( 'oim
bilí), principalmente, mas também, noutras universidades européias. Tnl
vez o monarca nunca tivesse pensado que essas pessoas seriam capazes
de fazer o Brasil indepén d en téw p rp d tfeifum clero^taoiñnüéñcTacU) pe
las idéias regalistas e liberais para a7gféjà“nõ Brasit:
De modo análogo, faltando candidatos idôneos paraos bispados entre
a maioria do clero brasileiro, D. Pedro H nomeou candidatos aptos para os
mesmos, começando com Dom Àntônio Viçoso, para a Diocese de Mari
ana. Acontece que esses candidatos foram influenciados.pelas
ultramontanas. D. Pedro II, nem pensavaquees.tam dando-início aom u
vimento ultramontano que iria questionaras próprias bases de sua política
eclesial regalista. Outra decisão sua, que chama muita atenção, foi o con­
vite feito aos capuchinhos italianos para fazer m issões no interior do Bra
. 'sil. Mais tarde, outros religiosos e, até qs jesuítas, pelaThtérinedíação dô
Núncio Ambrosio Campodônico, voltaram para o Brasil. Acontece que a
piedade pregada por esses religiosos estrangeiros, tanto os jesuítas como
os capuchinos, se encaixou," senão env todos os aspetos, certamente, cm
grande parte, com a piedade barroca já existente desde a época colonial. A
pjedade populai dos ultramontanos aiudou a reviver o catolicismo adõr-
mecido. Isso teriárepercussõesna “questão religiosa” .
D. Pedro II queria nom ear um capuchinho bispo para agradecer lhes
pela ajuda na Guerra cpntra o Paraguai. O mais iminente deles era Frei
Caetano de M essina, porém, italiano. Não houve brasileiros com a idade
necessária, devido, em grande parte, à própria política do Império em

104. Ferdinand AZEVEDO, A inesperada trajetória do ullramontanismo no Brasil Império, em: Perspecti­
va Teológica 20 (1988) 201 -14.
12 6 F. Azevedo

não permitir a entrada de noviços nas ordens religiosas no Brasil. Mas,


houve um brasileiro de Pernambuco, não com idade necessária, mas a
Santa Sé poderia dar uma dispensa. Entrou na Ordem na França, e seu
nome era Frei Maria Gonçalves de Oliveira, nosso futuro Dom Vital. D.
Pedro II o nomeou e com a ajuda de outros ultramantonos; ele iria mos-
trar os limites da política eclesial regaíístaTEua defesa da Igreja, baseada
na orientação uítramontanista, não foi compreendida por ELEerirn JT. O
monarca não conseguiu distinguir a reverência para com o tron o e a re-
verência..para com a religião, simbolizada pelo papado. O que irritou D.
Pedro II foi não poder controlar o papado que expressava uma realidade"
fora do âmbito do ímperio Brasileiro. Para desgraça do Imperador, D..
Vital e seus colegas, ultramontanos alinhavam-se nessa mesma corrente,
desafiando a política regalista do Império.

Endereço do Autor:
Res. Manoel da Nóbrega
Rua do Príncipe, 526
50050-900 Recife - PE/BRASIL
E-mail: fazevèdo@unicap.br
COMUNICADOS

A co lh en d o A p a re c id a *

[Continuação] **

6. Caminhando à luz de Aparecida


h . Daqui para frente, nos próximos anos, a Igreja da América Latina vai se
lembrar com muita freqüência de Aparecida. Não só porque a Conferência se
realizou num clima muito saudável, que deixou a todos os participantes bem
contentes, levando para casa uma boa impressão de tudo o que aconteceu. Mas
sobretudo porque Aparecida, como V Conferência Geral de seu Episcopado, se
transformou numa referência indispensável para sua própria caminhada.
A Igreja latino-americana apostou na realização desta Conferência. Ela
serviu dc convergência para situar seus problemas, desafios e suas esperanças
Agora, a Conferência ajuda a encontrar respostas para muitas interrogações
que o tempo de hoje, cheio de mudanças, nos apresenta.
A maneira como foram vistos os problemas, no clima de fé e de confiança
em Deus que Aparecida proporcionou, serve agora de estímulo para enfrentar
os desafios que se apresentam.
O próprio ambiente de Aparecida ajuda a caracterizar como ela será lem­
brada. Os bispos ficaram impressionados vendo tantos romeiros chegando com
fé, cansados da viagem, certamente também cansados da vida, mas saindo feli­
zes e contentes, porque reconfortados ccm a graça de Deus que foram buscar no
Santuário.
Pois bem, o povo simples deu aos bispos o exemplo de fé e de confiança em
Deus, também para levar adiante, agora, os caminhos da igreja em nosso Continente.
Com certeza, j. lembrança da Conferência de Aparecida vai estar ligada ao
Santuário e à fé do povo. Esta será a marca registrada da V Conferência.

* Trata-se de uma síntese de Aparecida, elaborada em linguagem popular, em 18 “capítulos”, para servir dc
referência à Diocese de Jales e à romaria que a mesma Diocese preparava no mês de agosto/07, por ocasião de seu
aniversário da fundação. A Redação da REB fez uma pequena adaptação, aprovada pelo Autor, removendo as re­
ferências específicas à Diocese de Jales; as repetições que permanecem no texto são indício da relativa autonomia
de cada “capítulo” - n.d.r.
** Cf. REB 67 (2007) 1039-1043.

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