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1
O CONTEXTO HISTÓRICO-
LITERÁRIO
PARA SABER...
Autor desconhecido,
Padre António Vieira (início do século XVIII).
Padre António Vieira: vida
e obra
O Padre António Vieira nasceu em Lisboa, no dia 6 de fevereiro
de 1608, e morreu na Baía, no Brasil, no dia 18 de julho de 1697. De
origem modesta, era filho de Maria de Azevedo e de Cristóvão Vieira
Ravasco.
Em 1614, o pai decidiu emigrar para o Brasil, levando consigo a
família. Fixaram-se na Baía, onde Vieira começou a frequentar o
Colégio da Companhia de Jesus. Numa fase inicial, o menino não
obtinha resultados brilhantes na aprendizagem, tendo, no entanto,
subitamente revelado surpreendentes capacidades — mudança que
foi interpretada como um milagre de Nossa Senhora das Maravilhas.
A inteligência do jovem Vieira terá sido o principal motivo que levou
os Jesuítas a persuadi-lo a ingressar na Companhia de Jesus. Em 1623
inicia o noviciado, tendo sido enviado pelos seus superiores, quando
contava apenas 15 anos, para a missão do Espírito Santo. Esta
experiência permitiu-lhe conhecer a mundividência dos Índios e
aprender tupi.
Em 1634, Vieira recebe a ordenação sacerdotal na Sé da Baía.
Contudo, já antes iniciara a sua atividade de pregador — a sua
primeira pregação oficial foi proferida em 1633. Isto significa que,
mesmo antes da ordenação, os seus dotes de pregador já haviam sido
reconhecidos.
No início de 1641, chega ao Brasil a notícia da Restauração da
Independência de Portugal e de que D. João IV se tinha tornado rei. O
Padre António Vieira foi então escolhido pelo vice-rei, D. Jorge de
Mascarenhas, para integrar a delegação que viria a Lisboa comunicar
a adesão do Brasil à causa nacional. Quando a comitiva se encontrou
com o novo rei, a empatia entre o monarca e o Padre António Vieira
foi evidente, de tal forma que D. João IV viria a proteger o sacerdote ao
longo de todo o seu reinado.
Em Lisboa, António Vieira começou a ganhar fama pelos seus dotes
de pregador. As igrejas enchiam-se de tal forma para ouvir os seus
sermões que os nobres chegavam a enviar os seus criados para
marcarem, de véspera, o lugar que viriam a ocupar durante a missa.
Nos sermões, o pregador denunciava frequentemente as injustiças e
os abusos dos poderosos em relação aos mais desfavorecidos.
Além disso, Vieira apoiava também a causa da Restauração e D.
João IV, acreditando que seria este rei (e não D. Sebastião, como
antes se dissera) a concretizar o advento do Quinto Império, no qual
os Portugueses reinariam sobre o Mundo, difundindo a sua fé a todas
as nações. O apoio ao monarca leva-o a ser convidado a
integrar várias missões diplomáticas ao seu serviço. É nessa condição
que viaja para França e, posteriormente, para a Holanda. Neste país,
terá várias disputas teológicas e doutrinais com alguns dos membros
mais ilustres da sinagoga de Amesterdão, como Manassés-ben-
-Israel.
Os resultados destas suas missões diplomáticas não são
satisfatórios: quando regressa a Lisboa, todas as propostas que traz
são rejeitadas. Contudo, consegue a autorização do rei para organizar
a primeira de uma série de companhias de comércio para as colónias,
que seriam apoiadas pelo capital de cristãos-novos, com a
contrapartida de que, se estes fossem condenados pelo Santo Ofício,
os seus bens não seriam confiscados. No entanto, este projeto acaba
por se gorar devido à oposição da Inquisição. Em consequência, o
Padre António Vieira tece fortes críticas a esta instituição nos seus
sermões, o que leva a que seja denunciado ao Santo Ofício. A proteção
do rei salva-o de ser perseguido.
Enviado numa missão diplomática a Itália, Vieira não terá, mais uma
vez, sucesso na tarefa de que fora incumbido. Regressa a Lisboa e a
sua situação é tão desfavorável que nem o rei se opõe ao
seu regresso ao Brasil.
Em 1653, chega a São Luís do Maranhão. Contudo, também aqui
encontrará instabilidade. A publicação da ordem régia que concedia a
liberdade aos índios cativos provocou a discórdia entre os colonos e
os missionários. Com a coragem e a frontalidade que o
caracterizavam, o Padre António Vieira servia-se do púlpito não só
para defender a libertação dos Índios, como para criticar ferozmente os
pecados dos colonos. Estes enviaram então para Lisboa protestos
contra Vieira, pelo que o pregador decidiu deslocar-se pessoalmente
ao Reino para defender a sua posição. Porém, ainda antes de
partir, no dia 13 de junho de 1654, prega o Sermão de Santo António aos
Peixes, no qual, através de uma alegoria, recorre a estes animais para
criticar os pecados dos homens, em geral, e dos colonos, em
particular.
A viagem foi tumultuosa: além de tempestades, a embarcação
sofreu o ataque de corsários holandeses, que não só lhes roubaram
todo o açúcar que transportavam como os deixaram, sem roupa e com
fome, na ilha Graciosa.
Quando finalmente chegou a Lisboa, Vieira encontrou o rei
gravemente doente. Apesar disso, o monarca voltou a protegê-lo,
tendo elaborado uma provisão régia que dava razão aos jesuítas na
questão que os opunha aos colonos.
Assim, o sacerdote regressa ao Brasil, tendo mandado recolher
todas as expedições que andavam pelo sertão a capturar índios e
ordenando que todos os índios cativos fossem libertados. Os colonos
reagiram de forma muito violenta, mas Vieira conseguiu, com o apoio
do governador, fazer valer a sua posição.
Contudo, a morte de D. João IV, em 1656, vem privá-lo da proteção de
que gozara durante o seu reinado. Os seus inimigos vencem, e Vieira
é preso e enviado, juntamente com outros missionários, para Portugal.
Aqui, a Inquisição começa também a persegui-lo, em virtude da relação
que ele estabelecera entre D. João IV e o Quinto Império. Acaba por
ser condenado a um regime de clausura, pena que, no entanto, é
posteriormente atenuada.
D. João IV (1604-1656).
A época de Vieira
A situação de instabilidade de um Portugal pós-Restauração (1640) —
independente mas em crise, pressionado pela constante ameaça
estrangeira aos nossos domínios ultramarinos — e a defesa dos
direitos humanos, nomeadamente dos índios do Brasil escravizados
pelos colonos, bem como dos cristãos-novos perseguidos pela Inquisição,
são preocupações a que Vieira se manteve sempre fiel até ao fim da sua
vida.
Ao assumir o poder, D. João IV teve de enfrentar um país
moralmente exausto e financeiramente decadente em consequência da
longa luta travada com Castela. A monarquia encontrava-se ameaçada
e perigosamente vacilante, despojada como estava de órgãos de
autoridade capazes de lhe garantir o poder absoluto.
Com os cofres vazios, impunham-se necessidades de vária ordem a
um povo que conservava ainda a memória do esplendor passado dos
Descobrimentos.
A Restauração só poderia subsistir se fosse financiada pelos
«homens de negócio» que orientavam em Portugal as grandes
transações. Foi, com efeito, sobre os recursos económicos dos cristãos-
novos que o País se apoiou nas horas difíceis do recomeço, mediante a
isenção do confisco inquisitorial que lhes foi concedida pelo monarca a
conselho do sagaz jesuíta, cujo poder de argumentação é visível na
proposta que lhe submetera. A causa dos cristãos-novos advogada por
Vieira, além do incontestável carácter humanitário, do patriotismo e da
solidariedade para com a Companhia de Jesus (a qual tomava
partido contra a Inquisição, sua eterna rival), tinha também uma
finalidade económica, pois visava mitigar a miséria nacional através
dos largos proventos dos Hebreus.
Era, pois, angustioso o clima que se vivia então em Portugal, tanto no
aspeto económico, como político, como social. A Nação definhava em
consequência das perdas sofridas.
Os Holandeses haviam-se apoderado de cinco capitanias do
Nordeste Brasileiro e para as suas mãos resvalara também Angola e
São Tomé. Era urgente reconquistar esses territórios, mas impunha-
se, igualmente, a celebração de uma aliança entre os dois países para
esmagar Castela. Interessava a Portugal a influência da Holanda no
xadrez político para a sua admissão no Tratado de Vestefália, pois
tal equivaleria ao reconhecimento da independência por parte da
Europa. Vieira chegou a Haia em abril de 1646, onde projetava negociar
a paz com a Holanda através da entrega de Pernambuco «para a
tornarmos a tomar com a mesma facilidade, quando nos virmos em
melhor fortuna».
Um dos eventos históricos que já vinham recrudescendo ao longo
de toda a dominação filipina foi o Sebastianismo, forma de louca ânsia
messiânica num rei justo e redentor de uma pátria mergulhada em
letargia. Ideal cristalizado na memória de um povo sedento de
autonomia, a crença sebastianista no predestinado incitou os espíritos
à luta pela independência nos anos sombrios da repressão
castelhana. À semelhança dos seus contemporâneos, Vieira não se
mostrou insensível ao apelo profético, que ia, aliás, tão ao encontro do
seu marcado pendor, avivado por uma educação escolar propícia a
cogitações visionárias. Do alto do púlpito, desafiando corajosamente
os algozes da Inquisição, o jesuíta modela um sebastianismo novo,
dinâmico, ajustado ao contexto da Restauração.
D. João IV torna-se o Messias que após sessenta anos de humilhante
subordinação a Castela vem libertar o País e devolver-lhe o estatuto
de nação escolhida para os desígnios do Eterno.
Maria das Graças Moreira de Sá, in Padre António Vieira, Sermões Escolhidos,
4.ª ed., s.l. [Lisboa], Ulisseia, 1999, pp. 15-20 (com adaptações).
1. Registe por tópicos os principais factos sobre a época retratada
neste texto.
Vieira e a escravatura dos Índios
Em 16 de janeiro de 1653, «com vontade ou sem ela», António
Vieira desembarcou em São Luís do Maranhão. Chefiava uma missão
de trinta religiosos. Os colonos, os soldados, os administradores, a
«república» diziam que se não podiam sustentar sem índios. No
Maranhão, o sistema assentava na escravatura dos indígenas.
Naquele vastíssimo território, atravessado pelos grandes rios,
viviam os índios livres, no interior dos matos, os índios escravos dos
colonos portugueses e os índios cristianizados das aldeias que
circundavam as povoações dos brancos. Estas aldeias eram
administradas no espiritual e no temporal pelos padres da Companhia.
Mas estes índios livres das aldeias, como escreveu o Padre António
Vieira, «em tudo são tratados como escravos, não tendo mais
liberdade que no nome».
Mal chegou ao Maranhão, António Vieira quis saber se os escravos
índios tinham sido capturados cumprindo as obrigações da ordenação.
E no sermão da Primeira Dominga da Quaresma de 1653 entrou a
matar: «Todos estais em pecado mortal; todos viveis e morreis em
estado de condenação; e todos vós ides direitos ao inferno. Já lá
estão muitos, e vós também estareis cedo com eles, se não
mudardes de vida.»
A reação não se fez esperar. Ao afixarem a ordenação nas portas da
cidade, o demónio soltou as línguas: a ordenação era obra dos padres
da Companhia. Levantaram-se as vozes e no tumulto arrancaram das
portas o edital. Nobreza, religiosos e povo entregaram ao governador um
abaixo-
-assinado para retirar a ordenação. Mandaram o papel aos Jesuítas para
assinarem. Recusaram. Na primeira hora da noite, o tumulto cresceu e
reluziram as espadas: «Padres da Companhia fora! Fora inimigos do
bem comum. Metam-nos em duas canoas rotas!» O
Governador acorreu com três companhias com espingardas e morrões
acesos.
Entretanto chegavam do Reino os procuradores daquele Estado com
ordens para alterar a política relativa aos Índios. Surdos os ouvidos
dos homens, o Padre António Vieira falou então aos Peixes e veio a Lisboa.
Regressou ao Maranhão em 16 de maio de 1655. Obtivera que os
Jesuítas ficassem com o exclusivo das missões. De 1655 a 1661
peregrinou por mais de seiscentas léguas do sertão. Contudo, as
expedições de compra e captura de índios continuaram.
Porém, os colonos não viam com bons olhos o protagonismo dos
Jesuítas. E no ano seguinte, em maio, os habitantes de São Luís do
Maranhão assaltaram o Colégio e levaram presos os padres. Não os
queriam na administração dos Índios. Vieira vinha no mar. Não o
deixaram desembarcar. Meteram todos os jesuítas na nau Sacramento e
despacharam-nos para o Reino.
Entretanto, os Jesuítas puderam regressar ao Maranhão, sem
jurisdição secular, sem o exclusivo espiritual das comunidades
ameríndias e sem o Padre António Vieira.
António Borges Coelhos, «Algumas notas sobre o tempo e a vida do Padre António
Vieira»,
in J. Cândido Oliveira Martins (org.), Padre António Vieira: Colóquio, Sermões Escolhidos,
Braga, Universidade Católica Portuguesa, 2009, pp. 68-70 (com adaptações).
ESTUDO CRÍTICO
Sermão e pregação
As características do Sermão
Como orador, Vieira foi precetista no Sermão da Sexagésima (1655),
onde expôs parte das suas ideias retóricas, estéticas, linguísticas,
religiosas e morais, relativas às tradicionais faculdades do orador, as
cinco que sempre figuraram nos tratados de retórica, quer laica quer
cristã: invenção, disposição, elocução, pronunciação e memória (não
abordou esta última). Nesse importante texto, com que abriu
intencionalmente a obra maior, Sermões, apresentando-o como
manifesto artístico e religioso, toca ainda outros assuntos específicos
das artes retóricas, privilegiados na época barroca: os que dizem
respeito ao carácter do orador (ethos), à importância persuasiva da
visão (ponere ante oculos), às finalidades do discurso, ou
seja, movere, delectare, docere, com insistência na primeira delas, ou
ao valor dos afetos (pathos): «Quando o ouvinte a cada palavra do
pregador treme; quando cada palavra do pregador é um torcedor para
o coração do ouvinte; quando o ouvinte vai do sermão para casa
confuso, e atónito, sem saber parte de si, então é a pregação qual
convém, então se pode esperar que faça fruto.»
Margarida Vieira Mendes, História da Literatura Portuguesa, vol. 3, Lisboa, Publicações
Alfa, 2002, pp. 171-195, 182-183 (com adaptações).
Glossário
Barroco: período artístico que se segue ao Renascimento e ao
Maneirismo e se desenvolve ao longo do século XVII e primeira
metade do século XVIII. As artes plásticas barrocas caracterizam-se
pela força das cores, pelo excesso de ornamento, pelo apelo às
sensações e pela teatralidade. A ostentação está também presente na
literatura, onde se aposta na retórica (uso de recursos expressivos) e
numa linguagem rebuscada.
Agudeza: arte do uso das palavras, que se traduz sobretudo em
admiráveis associações e contrastes entre ideias e vocábulos: por
exemplo, a associação entre homens e peixes e as ideias e relações que
os aproximam.
Alegoria: cf. Ficha 12
Conceito predicável: frase ou expressão retirada da Bíblia que serve
de ponto de partida para a argumentação do pregador no Sermão: por
exemplo, «Vos estis sal terrae.» A ideia é retomada ao longo do texto
sermonístico para conferir coesão e garantir a ligação ao tema tratado.
Oratória: arte de falar em público e de argumentar com
propriedade e de forma persuasiva. No século xvii, aplica-se sobretudo
ao sermão.
Parenética: arte de pregar ou eloquência do orador religioso que se
revelava no sermão.
Púlpito: varandim das igrejas que servia de tribuna para
os sacerdotes pregarem.
Retórica: conjunto de princípios, regras e elementos (como os
recursos expressivos) que podem ser mobilizados quando se profere
um discurso ou quando se escreve um texto.
O CONTEXTO HISTÓRICO-
LITERÁRIO
PARA SABER...
Almeida Garrett (1799-1854).
Características da literatura romântica
A dimensão histórico-cultural, a variedade temática e mesmo
algumas contradições ideológicas fazem do Romantismo um período
literário de complexa e árdua caracterização.
O tempo do Pré-Romantismo, fase inicial do período, revela autores
e temas decisivos para a formação do Romantismo. A identificação
com a natureza, lugar de autenticidade e pureza, a vivência do
sentimento do amor, sentimento angustiado e fatidicamente resolvido,
a valorização emocional e mesmo estética do sentimento
religioso provêm do Pré-Romantismo e estendem-se ao Romantismo,
em várias latitudes e registos.
Com eles chegam também outros temas e
comportamentos fundamentais: a rebeldia do herói romântico, a busca
do absoluto (por exemplo: o absoluto amoroso), a ironia crítica e
distanciadora, o culto da liberdade, a instabilidade gerada pelo vague des
passions e pelo mal du siècle, a autenticidade por vezes aliada ao gosto
do popular e do tradicional, noutros casos conjugada com a evasão
para cenários exóticos ou para tempos medievais, e o dandismo
antiburguês constituem alguns desses temas e comportamentos.
O Liberalismo foi, pois, para muitos românticos, uma referência
ideológica incontornável do Romantismo. Declarou-o expressamente
Victor Hugo no famoso prefácio de Hernani: «O Romantismo»,
escrevia em 1830, «não existe levando-se tudo em consideração — e
esta é a sua definição real — se não for encarado pelo seu lado
militante, que é o do “liberalismo” em literatura».
A liberdade de pensamento e de expressão, a fraternidade social,
nalguns casos mesmo a apologia da soberania popular constituem
valores que estreitamente se cruzam com a
propensão individualista e idealista que caracteriza uma
parcela significativa do Romantismo europeu; não por acaso, Lilian R.
Furst conexionou o individualismo romântico com os ideais saídos
da Revolução Francesa: «A afirmação da esmagadora importância do
indivíduo representa, na verdade, o crucial ponto de viragem na
história da sociedade e na da literatura. Desta crença nos direitos dos
indivíduos decorrem os ideais de liberdade, fraternidade e
igualdade que inspiraram a Revolução Francesa.»
A par disso — e algumas vezes como consequência disso —, o
Romantismo foi também ideologicamente nacionalista. Não
esqueçamos que o tempo romântico corresponde à época de
refundação e reafirmação de nacionalidades; e o envolvimento direto
de escritores românticos em causas nacionalistas (em prol da
independência da Polónia ou da Grécia, por exemplo) revela
expressivamente o profundo significado romântico de tais causas, de
certa forma na decorrência do culto da autenticidade a que já fizemos
referência e em sintonia íntima com o valor da liberdade.
Carlos Reis, «Pré-Romantismo e Romantismo», O Conhecimento da Literatura. Introdução
aos Estudos Literários, 2.ª ed., Coimbra, Livraria Almedina, 2008, pp. 422-427 (com
adaptações).
1. Registe por tópicos as características do Romantismo
mencionadas no texto.
Caspar David Friedrich, Caminhante sobre o mar de neblina (1818).
O Sebastianismo
O Sebastianismo, conhecido também por mito sebástico ou mito do
« Encoberto», é um mito messiânico originado no desaparecimento do
rei D. Sebastião na batalha de Alcácer-Quibir em 4 de agosto de
1578, mas alimenta-se de raízes profundas, nomeadamente o
Bandarrismo (profecias do sapateiro de Trancoso, Gonçalo Anes
Bandarra, anterior a D. Sebastião e cujas Trovas foram depois àquele
rei adaptadas) e ainda os mitos peninsulares do Encubierto, além de
outras fontes do profetismo judaico correntes por toda a
Europa. Bandarra, nos meados do século XVI (pelos anos 30 e 40), ao
clamar pela vinda de «um chefe que mande» e de um «salvador» que
tire do mundo toda a «erronia», não está mais do que a fazer-se eco
de uma atmosfera messiânica relativamente generalizada, sobretudo
em comunidades de forte presença judaica.
O Sebastianismo viria a apropriar-se do Bandarrismo bem como, ao
longo do período de afirmação da Restauração (após 1640), de todos os
mitos e lendas que fortificassem a independência e um sentimento de
predestinação e de missão pátria (alicerçado no conhecido mito ou
milagre de Ourique, cuja batalha se situa em 1139-1140).
Nos anos subsequentes à derrota de Alcácer-Quibir, foi fácil fazer
acreditar em D. Sebastião «regressado», isto é, em falsos D.
Sebastião. A vontade de que D. Sebastião estivesse vivo, para
garantir a restauração da nacionalidade, o caudal de dúvidas e lendas
acerca do seu desaparecimento, e o fundo de messianismo judaico
(de que é forte componente o Bandarrismo) dão corpo a este mito
messiânico português que é o Sebastianismo, uma «resposta» mítica do
povo tiranizado, humilhado pela independência perdida.
Nascido após a morte do pai, D. Sebastião fora, de resto, o rei
«desejado». Desenvolvendo-se num contexto de perda da
independência, o Sebastianismo, alimentando-se do «mito do
Encoberto», transforma o Desejado no Encoberto.
O Sebastianismo transcende, porém, a figura de D. sebastião.
Envolve, com traços «sebásticos», muitas outras figuras da nossa
História. A vontade de que D. Sebastião estivesse vivo podia justificar
que durante algum tempo se esperasse por «ele». A lenda popular do
aparecimento de D. Sebastião (retido na «Ilha Encoberta » ou em
outra parte, à espera «da sua hora»), numa manhã de nevoeiro,
montado num cavalo branco, atravessou séculos, como crendice
popular de uns quantos. Mas o mais importante não é este
sebastianismo restrito e relativo a D. Sebastião ele mesmo; é o
sebastianismo em sentido lato, o sebastianismo transposto ou
messianismo (quase julgado estrutural) português, enchendo o
«molde do Encoberto», fazendo-se mesmo «tese» de interpretação do
modo de ser português e traço da cultura portuguesa. Em Frei Luís de
Sousa, Telmo é uma figura sebastianista.
António Machado Pires, «Sebastianismo», Biblos — Enciclopédia Verbo das Literaturas de
Língua Portuguesa, vol. 4, Lisboa, Verbo, 2001, cc. 1212-1215 (com adaptações).
1. Registe por tópicos os fatores que estiveram na origem do
Sebastianismo.
Cristóvão de Morais, O rei D. Sebastião, o Desejado (1571).
ESTUDO CRÍTICO
Eduardo Lourenço (n. 1923).
Portugal
e O Frei Luís de Sousa
Como tragédia sentimental e psicológica, o Frei Luís de Sousa tornou-
se quase ininteligível. Ou a sua inteligibilidade tornou-se insignificante,
quer dizer, sem possibilidade de apropriação e interiorização
autênticas. Felizmente essa ótica sentimental-psicologista nunca foi a
do próprio Garrett. Garrett escreveu com consciente determinação
uma obra política. É mesmo a primeira peça fundamentalmente política
do teatro português, em sentido moderno, como a Castro não podia
ser. A consciência das personagens não está centrada na sua
individualidade própria, mas refrata sob ângulos diversos uma relação
objetiva: a de cada uma com o destino histórico da Pátria, ou melhor,
com o seu ser. Tudo o que D. Manuel de Sousa, Telmo, D. Madalena,
Maria são (ou não são) está em relação direta com o que a Pátria é.
Essa relação, por sua vez, não é meramente acidental.
Por isso Garrett escolheu aquele momento da história nacional que
na ótica política não foi um presente. O conteúdo real de um país que não
tem presente mas teve um exaltante passado só pode ser a ruminação
— vã e exaltada — desse mesmo passado. Quer dizer que o Frei Luís
de Sousa é uma peça fantomática em volta de dois fantasmas, um sendo a
alegoria do outro, D. João a de Portugal que ele leva no nome. Uma
só personagem tem os pés no presente por tê-los no futuro, mas os
restantes fantasmas acabam por convertê-la em Frei Luís de Sousa,
em cronista encerrado entre os quatro muros, entregue à evocação
desse mesmo passado que o devorou vivo.
Garrett teve a audácia de conceber uma tragédia da pura
possibilidade e de imaginar heróis trágicos cuja culpabilidade é
duvidosa ou imaginária. Num certo sentido, a famosa aparição de D.
João de Portugal é dispensável. De resto, Garrett bem o inculca. Ele
é, em todos os sentidos do termo, Ninguém. Nas tradicionais
representações realístico-psicologistas essa nulidade adquire o
máximo de relevo e o mínimo de mistério. Uma interpretação «irónica»
seria mais certeira. De qualquer modo e, num eco mais que
hamletiano, D. João de Portugal não é mais que a projeção da
culpabilidade metafísica de todas as outras personagens sem presente.
No interior da peça há um momento em que esse «fantasmismo», que
não é arbitrário, mas a tradução profunda da ausência de presente próprio na
realidade portuguesa (de que a histórica é acidental), parece querer
romper o círculo encantado do seu sonambulismo. A Saudade,
encarnada em Telmo visiona um momento a sua conversão em
esperança e liquidação dos fantasmas pela presença regenerador de
Maria.
Na verdade, o espaço trágico estava de antemão traçado:
num Portugal sem autêntica existência, num país sem liberdade ou de
liberdade de pura repetição da gesta passada, a saída só podia ser a
de um castigo suplementarmente absurdo, uma pura «feliz-expiação»
de uma felicidade fora de tempo. É na identificação profunda com esse
momento coletivo de inexistência que os protagonistas encontram
enfim a sua identidade. Nenhuma será mais radical que a de Maria,
culpada do não ter culpa e exemplo de um sacrifício de pura
imaginação. A esse título não há morte mais romântica que a da
heroína garrettiana, morta da pura vontade de querer morrer mas
igualmente, e com mais fundura, da pura identificação com a sua
inexistência ideal, sem estatuto civil nem moral.
Eduardo Lourenço, «Romantismo e tempo e o tempo do nosso romantismo:
a propósito do Frei Luís de Sousa», Estética do Romantismo em Portugal: Primeiro Colóquio,
1970, Lisboa, Grémio Literário, [1974], pp. 109-111.
Glossário
Atos: divisão de um texto dramático: tradicionalmente, os atos
mudam quando muda o lugar representado. Por regra, os atos
dividem-se em cenas.
Aparte: convenção teatral em que a fala de uma personagem se
dirige ao público para exprimir um pensamento ou um comentário
que as demais personagens não escutam.
Didascálias: indicações cénicas que aparecem num texto dramático e
que têm informação sobre o cenário, os adereços, a movimentação e os
gestos das personagens, o seu tom de voz, etc.
Drama romântico: género literário que compreende as «peças teatrais»
escritas no período romântico e que, ao contrário da tragédia, não têm
de obedecer a regras rígidas (como as regras das unidades de ação,
espaço e tempo). Escritos em prosa, os dramas românticos são o
produto da sociedade moderna e tratam frequentemente temas
históricos mas à luz de ideias e valores que emergem no liberalismo (a
liberdade, a relação entre o indivíduo e a sociedade, etc.). Traduzem
uma visão cristã do mundo.
Falas: discurso proferido pelas personagens e que se distingue
graficamente, e pela função, das falas.
Romantismo: corrente artística que se inicia tardiamente em Portugal,
na década de 1820, e que se desvanece com a chegada do Realismo
(década de 1870). A literatura e as demais formas de expressão do
movimento romântico caracterizam-se pela liberdade artística e pelo
desafio a regras do período neoclássico, que o antecedeu. Nascido com
as ideias do liberalismo, o Romantismo vai privilegiar questões sociais
e políticos com implicações artísticas: a liberdade, a Nação e as suas
origens, a valorização do indivíduo (e dos sentimentos), o culto da
natureza na arte, etc.
Sebastianismo: crença de que, após o desastre de Alcácer-Quibir, D.
Sebastião regressaria fisicamente ou em espírito para resgatar Portugal
da situação decadente ou ruinosa em que se encontrava. (Quando a
crença surge, Portugal está sob domínio da coroa de Espanha).
Tragédia: género de «peças teatrais» de tom elevado que terminam
em desgraça (catástrofe). Seguindo regras rígidas (as regras das
unidades de ação, tempo e espaço, a presença de elementos trágicos),
são escritas tradicionalmente em verso e colocam em cena personagens
de condição elevada. A tragédia, que tem origem na Antiguidade
Clássica, representa uma visão do mundo pagão e encena um
problema insanável, em que o ser humano se defronta com
forças superiores como o destino, os deuses ou a sociedade.
3.1
AMOR DE PERDIÇÃO,
de Camilo Castelo Branco
PARA SABER...
A novela Amor de perdição
A história amorosa que opõe Simão Botelho e Teresa de
Albuquerque às convenções sociais encarnadas em Tadeu de
Albuquerque e ao desamor, incapaz de compreender a generosidade
do herói, personificado em Domingos Botelho e D. Rita Preciosa,
representa, por sinédoque, a luta romântica entre o ideal e o convencional,
entre os sentimentos passionalmente vividos e o rasteiro
materialismo burguês ou os preconceitos de casta, entre a verdade e as
aparências mistificadoras, numa palavra, entre o espírito que liberta e a
matéria que oprime.
É no quadro assim definido que se desenvolve a trama da ação
romanesca centrada no tema dos amores contrariados em nome de
rivalidades nobiliárquicas. No seu desenvolvimento encontramos,
porém, outros elementos fundamentais da temática ficcional camiliana,
como o encerramento forçado da heroína no convento, a perseguição,
prisão, desterro e morte do herói, como consequência de um
destino inexorável.
Para melhor estruturar essa realidade ficcional, o autor criou as
suas personagens com traços de grande propriedade, tanto na sua essência
psicológica, como no plano do seu enquadramento social,
distribuindo-as em dois grupos bem diferenciados: um, constituído
pela tríade dos protagonistas — Simão, Teresa e Mariana; outro,
pelas personagens secundárias que, ora como adjuvantes ora como
oponentes, os enquadram, condicionam e ajudam a definir. Enquanto
estas últimas mantêm, do princípio ao fim da história, uma
caracterização e comportamento uniformes, como personagens planas
que são, os protagonistas evoluem de uma situação e de um
estado psíquicos iniciais, até outros completamente diversos,
através de um percurso marcado por dois sentimentos-força
fundamentais: o amor e a honra.
Simão é um paradigma novo do herói romântico. O seu espírito de
impulsiva rebeldia leva-o de início a desafiar as leis habituais da
organização social e familiar; mas o amor transforma-o para se
consubstanciar no seu comportamento posterior, com um profundo
sentimento de honra e com uma visão poética da vida, que a desgraça
não deixará de concretizar.
Teresa e Mariana, por seu lado, oferecem dois tipos distintos de
mulher, em permanente confronto: conceitos diferentes de amor. Teresa
define-se pela constância, mas, com traços não menos incisivos, pela
firmeza do seu carácter. Só depois o autor valoriza nela as
características habituais dos modelos da heroína romântica. Muito
diferente é Mariana, que com ela concorre no amor por Simão. É, desde
o início, uma mulher feita, formosa e triste, dotada, não obstante a sua
simples condição de aldeã, de arguta inteligência e de profunda
delicadeza de sentimentos. Longe de obedecer a modelos prévios, o
seu progressivo enamoramento vai-se desvelando pouco a pouco, com
subtil penetração, mediante a perspetiva do narrador e das outras
personagens, ou através das notações que ela própria em si vai
descobrindo. Votada de corpo e alma a uma paixão, que, complexa e
simples, nem sequer desconhece o ciúme, Mariana atinge a grandeza
das personagens da tragédia antiga. A sua atuação desenvolve-se
segundo uma linha de harmonia tão bem definida que a imolação final
surge com inteira coerência, e sem cair na vulgaridade do figurino
estereotipado que o Romantismo reclamava.
Aníbal Pinto de Castro, «Amor de perdição», in J. A. Cardoso Bernardes et
alii (coord.), Biblos —
Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa, vol. 1, Lisboa, Verbo, 1995, cc. 228-
230.
ESTUDO CRÍTICO
A EVOLUÇÃO DE SIMÃO BOTELHO EM AMOR DE PERDIÇÃO
Amor de perdição (1943).
Nestes três andamentos da personagem Simão Botelho, nestas três
dinâmicas da sua psicologia, parece-me que Prado Coelho consigna
uma proposta digna de nota, tanto mais que distingue sem
concessões as motivações de Simão das do meio que o reprime.
A delineação na personagem de evolução e rutura, hiatos a que
aqueles ensaístas não foram sensíveis, ajuda-nos a melhor
compreender como se inscreve o seu percurso. Todavia a indicação
de leitura ainda é genérica. Simão tem, de facto, uma primeira
fase — «período da rebeldia, da negação revolucionária, extremista»
— em que rompe com tudo e todos, proclama ideais revolucionários e
faz prova de uma energia que contrasta com a dos outros, a começar
pelo irmão Manuel Botelho. Baltasar dá-nos um resumo das
façanhas do Simão dessa fase, síntese pouco isenta como se
compreende mas franco ponto de vista da moralidade conservadora
do Antigo Regime, ao tentar denegrir o rival junto de Teresa. É
também reconhecível um segundo momento, no qual, elevado pelo
sentimento amoroso, o herói manifesta ingenuamente reconciliação e
concórdia com o meio.
O desacordo com Prado Coelho pode instalar-se na última fase da
trajetória, demasiado alargada, até relativamente às anteriores, para
conter, numa unidade só, a perdição de Simão. Com efeito, nessa
terceira etapa, a do regresso à « oposição radical entre o indivíduo e a
sociedade», nada obsta no texto, bem pelo contrário, a que
descortinemos dois momentos. O primeiro antecederia o disparo
contra Baltasar e teria como termo ab quo o fim da segunda fase
enunciada por Prado Coelho. Nesse intermédio, Simão regressa de
Coimbra e, clandestinamente ajudado por João da Cruz e
por Mariana, luta pela emancipação e pelo direito à felicidade, direito,
como sabemos, sociologicamente moderno e liberal.
Depois de matar Baltasar, transfigura-se novamente. Antes do disparo,
Simão reveste-se de herói inconformado, disposto a tudo. Morto o
rival, a personagem inicia um outro tipo de resistência: a que tem
como ponto alto o sacrifício da própria vida e a que projeta para a
condição de bode expiatório. Simão abdica da felicidade com Teresa
e aceita, sem fraquejar, a condenação que culmina na morte.
Dispensa todos os apelos e os ajuizados conselhos (não foge da cena
do crime, não alega defesa legítima, não consente deliberadamente
na comutação da pena). Estes dois momentos diferem do
confronto ainda pueril com que abre a novela. Aqui, as consequências
são outras. Já não se trata de repreender as más companhias, de
chamar a atenção para a quebra de vasilhas ou de proibir discursos
inflamados de liberdade.
A morte de Baltasar consubstancia uma desordem socialmente
inadmissível. Simão não só matou como afrontou um valor supremo,
porque indispensável ao status quo da sociedade tradicional: o da
linhagem (consanguínea: Tadeu queria que Teresa casasse a todo
custo com o primo Baltasar reunindo assim a filha a um quase-filho).
Sérgio Paulo Guimarães e Sousa, «A tradição crítica», in Abel Barros Batista (coord.),
Amor de perdição: uma revisão, Coimbra, Angelus Novus, 2009, pp. 38-39.
Glossário
Herói romântico: personagem que acredita em valores elevados e se
move por ideais grandes e, regra geral, inalcançáveis: o amor, a justiça,
a liberdade, a construção de um mundo melhor, etc. Cf.
Sistematização de conhecimentos.
Novela: narrativa mais breve do que um romance (mas mais extensa
do que um conto) e que se centra num enredo mais simples (sem ações
secundárias relevantes). O número de personagens e lugares da ação
são também mais reduzidos.
4.1
O CONTEXTO HISTÓRICO-
LITERÁRIO
PARA SABER...
A Geração de 70
É chamada «Geração de 70» aquela que, entre 1865, data do
primeiro texto polémico de Antero de Quental contra Feliciano de
Castilho, «Bom senso e bom gosto», em Coimbra, e 1871, data das
Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, se afirmou como
elite intelectual que promoveu um movimento cultural e literário
renovador de funda repercussão no País. Os anos 70 teriam sido,
assim, uma década fulcral para o desenvolvimento da sua ação e as
Conferências do Casino uma espécie de primeira manifestação
pública da unidade dessa geração, para lá, obviamente, das grandes
diferenças de personalidades e obras, que mais tarde se foram
acentuando.
Com datas de nascimento que oscilam entre 1836 (Ramalho
Ortigão) e 1850 (Guerra Junqueiro), tendo ao centro o decénio 40-50
(Antero nasceu em 1842, Teófilo Braga em 1843, Eça de Queirós e
Oliveira Martins em 1845), os principais elementos da Geração de 70
viveram em pleno período da chamada Regeneração, período de
mudança do País, caracterizado por uma estabilidade do regime
liberal. A Geração de 70, herdeira espiritual da primeira geração do
Romantismo, retomando, de certo modo, os ideais de regeneração
dos primeiros liberais, voltados para a educação e a cultura, rebelou-
se contra esse progresso predominantemente material de tipo
mercantilista personalizado por Fontes Pereira de Melo. Por
outro lado, a sua formação revolucionária radica-se em leituras de
autores franceses e alemães e no conhecimento dos movimentos
insurrecionais vindos de França, desde o de 1848 (insurreição de 23 a
26 de junho dos bairros operários do Leste de Paris) até ao de 1871
(insurreição da Comuna de Paris).
Essas atitudes de carácter mais doutrinário seguem-se à célebre
Questão Coimbrã, que opôs Antero a Castilho. Devemos considerar
esta polémica muito mais do que literária, cultural e ideológica. E, logo
a seguir, vem uma longuíssima lista dos grandes modelos e dos
grandes movimentos do pensamento e da literatura seguidos, em
geral, pela Geração de 70, como uma espécie de apresentação
programática: «O grande espírito filosófico do nosso tempo, a grande
criação original, imensa da nossa idade, Hegel, Stuart Mill, Augusto
Comte, Herder, Wolff, Vico, Michelet, Proudhon, Littré, Feurbach,
Creuzer, Strauss, Taine, Renan, Buchner, Quinet, a filosofia alemã, a
crítica francesa, o Positivismo, o Naturalismo, a história, a metafísica,
as imensas criações da alma moderna, o espírito mesmo da nossa
civilização.» (Cf. Prosas da Época de Coimbra, ed. da obra completa,
org. por António Salgado Júnior, Lisboa, 1973.)
É em nome dessa «alma moderna» que Antero será ainda a figura
carismática do chamado Grupo do Cenáculo, da Travessa do Guarda-
Mor (perto do Chiado), grupo de uma fase intermédia de
preparação das Conferências do Casino, definido por Jaime Batalha
Reis como uma «academia obscura e terrível».
Álvaro Manuel Machado, «Geração de 70», in Álvaro Manuel Machado (org.), Dicionário
da Literatura Portuguesa, Lisboa, Editorial Presença, 1996 (com adaptações).
Rafael Bordalo Pinheiro, A situação (caricatura, n'O António Maria, 1881).
ESTUDO CRÍTICO
Carlos Reis
(n. 1950).
O amor nos romances
de Eça de Queirós
De um modo geral, o tema do amor, constituindo um sentido
crucial na obra queirosiana, aparece quase sempre representado nos
termos de uma conceção negativa, pessimista ou, pelo menos, crítica.
Se observarmos as conexões que o tema do amor estabelece
com outros temas relevantes em Eça, verificaremos que aquela
conceção crítica da problemática amorosa tem que ver diretamente
com as análises de índole social e cultural que dominam a literatura
queirosiana. Assim, o sentimento amoroso associa-se à questão da
educação, pelas deficiências que nesta são denunciadas; o adultério é
uma sua consequência negativa, relacionado também com
o bovarismo1 que afeta algumas mulheres queirosianas, sujeitas a
processos de sedução provindos do donjuanismo próprio de certas
personagens masculinas. Por outro lado, os exageros de uma
devoção religiosa fanática desviam para a relação com Deus (e
mesmo com os padres) a energia amorosa da mulher.
No caso de João da Ega, é na decoração da alcova de «Vila
Balzac» que se concentra essa dimensão erótica; já em Carlos da
Maia ela dispersa-se tanto em aventuras determinadas pelo
donjuanismo, como na tragédia da experiência do incesto,
envolvendo uma Maria Eduarda que atrai o protagonista antes de tudo
pelo seu intenso apelo da sua beleza física.
Carlos Reis, «Amor», Eça de Queirós, Lisboa, Edições 70, 2009, pp. 192-193.
Glossário
Espaço social: cenário propício ao estudo e à crítica de uma sociedade
e dos seus grupos sociais.
Realismo: movimento literário do fim do século xix que, no essencial,
produz um tipo de arte que procura representar a realidade social
«como ela é» (com verosimilhança) e analisar de forma crítica os
defeitos e tiques dos seus membros e dos grupos sociais que a
compõem. (Ver texto sobre o Realismo na página 201.)
Romance: narrativa longa (mais extensa do que o conto e a novela)
em que existe uma pluralidade de linhas de ação — embora, por regra,
domine uma principal — e um número considerável de
personagens. Por esse motivo, multiplicam-se os espaços em que o
enredo se desenvolve e a organização temporal torna-se mais
complexa. (cf. Sistematização de conhecimentos.)
5.1
VIDA E OBRA DE ANTERO DE
QUENTAL
PARA SABER...
O nome de Antero de Quental (Ponta Delgada, 18/IV/1842-
11/IX/1891, ib.) tornou-se o símbolo de uma geração (a Geração de
70 ou a Geração de Antero) e é referência obrigatória na poesia, no
ensaio filosófico e literário, no jornalismo, mas também nas lutas pela
liberdade de pensamento e pela justiça social, onde se afirmou como
ideólogo destacado.
Oriundo de uma das mais antigas famílias de colonizadores
micaelenses, alinhada nos setores liberais da sociedade, Antero
continuou essa tradição, a exemplo do avô, André da Ponte de
Quental, signatário da Constituição de 1822, e do pai, Fernando de
Quental, um dos «7500 bravos do Mindelo».
Desembarcado em Lisboa aos 10 anos de idade, para estudar no
colégio de António Feliciano de Castilho, Antero veio a ingressar na
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra em 1859, tornando-se
rapidamente o líder dos estudantes e seu porta-voz, sendo o autor de
vários manifestos contra o conservadorismo intelectual e sociopolítico
do tempo. Para esse prestígio contribuíam os poemas e artigos de
crítica literária e política que ia escrevendo para os jornais e revistas
coimbrãs: «A influência da Mulher na civilização», «A ilustração e o
operário», «A indiferença em política», «O sentimento da
imortalidade». Os Sonetos de Antero, o seu primeiro livro de poesia,
data de 1860, e em 1865 publica Odes modernas, obra por si
caracterizada como «a voz da Revolução», resultante da aliança entre
o naturalismo hegeliano e o humanismo radical francês de Michelet,
Renan e Proudhon. É decisiva a importância das Odes modernas no
panorama literário português, pois a sua edição marca, entre nós, o
advento da poesia moderna e está na origem da nossa maior
polémica literária de sempre (durou cerca de seis meses, com mais de
40 opúsculos) a «Questão coimbrã» ou do «Bom senso e bom gosto», o
título da violenta carta-panfleto de resposta à crítica provocatória feita
à Escola de Coimbra por António Feliciano de Castilho, que
personificava o tradicionalismo retrógrado e ultrarromântico.
Após a licenciatura, e atraído pelos ideais socialistas de Proudhon,
sobretudo, pensa alistar-se nos exércitos de Garibaldi, mas acaba por
aprender a arte de tipógrafo, na Imprensa Nacional, deslocando-se
depois a Paris, em 1867, para aí exercer o ofício e familiarizar-se com
os problemas do proletariado que, no nosso país, longe da
industrialização, ainda eram desconhecidos. Durante essa estada,
traumatizante e de curta duração, chegou a frequentar aulas no
Collège de France.
Em 1868 viaja para a América do Norte (EUA e Canadá) e, no
regresso, fica a residir com Batalha Reis num andar da Travessa do
Guarda-Mor (atual Rua do Diário de Notícias), o «Cenáculo», como era
conhecido entre os amigos: Oliveira Martins, Eça de Queirós, Manuel
de Arriaga, José Fontana, Ramalho Ortigão, entre outros. Inicia então
(1870) uma intensa atividade política e social. Colabora na fundação
de associações operárias e na introdução, em Portugal, de uma
secção da Associação Internacional dos Trabalhadores; publica
folhetos de propaganda.
O jornalismo também o atraía, tendo sido um dos diretores
do República — jornal da democracia portuguesa. Em 1872 publicou
anonimamente o folheto «O que é a Internacional», destinado a
angariar fundos para a criação de um novo jornal, O pensamento social,
que dirige em parceria com Oliveira Martins.
Todavia, o período mais estimulante da sua vida pública foi o que
culminou com a organização, junto com Batalha Reis, das Conferências
do Casino, que se inauguraram em 22-V-1871, no Casino Lisbonense.
A sua finalidade era a reflexão sobre as condições políticas, religiosas
e económicas da sociedade portuguesa no contexto europeu, porque
«não podia viver e desenvolver-se um povo isolado das grandes
preocupações intelectuais do seu tempo», lia-se no programa, redigido
por Antero. A mais célebre das conferências é a sua «Causas da
decadência dos povos peninsulares», que foi imediatamente impressa e se
tornou o seu mais conhecido texto em prosa. Para ele, a decadência
das nações peninsulares, tão prósperas nos séculos XV e XVI, era
devida a três causas de diversa natureza: moral, política e económica.
A primeira tinha que ver com a transformação pós-Concílio de
Trento do Cristianismo, «que é sobretudo um sentimento», no
Catolicismo, «que é principalmente uma instituição». Um vive da fé, o
outro do dogmatismo e da disciplina cega, que levou à Inquisição. A
segunda, atribuiu-a ao Absolutismo, tão nefasto para a vida política e
social como o Catolicismo para a Igreja. A terceira causa (sem discutir
o carácter heroico das Descobertas) tinha que ver com as conquistas
longínquas que levaram à decadência económica da Metrópole, com
largas camadas da população a abandonar os campos com o olho nas
riquezas da Índia.
Mas nunca a ação política impediu Antero de continuar a vida
literária. Em 1872 editam-se Primaveras românticas — Versos dos 20
anos e Considerações sobre a filosofia da história literária portuguesa. Dois
anos depois, manifesta-se a primeira crise de uma doença nunca
completamente diagnosticada, que o vai impedir de se consagrar
continuadamente a qualquer atividade. Ainda assim, fundou em 1875,
com Batalha Reis, a Revista ocidental, que visava a aproximação dos
povos peninsulares.
Entretanto, como a medicina nacional não conseguia atinar com o
seu mal, decide ir a Paris experimentar uma nova cura. De volta a
Lisboa, e sentindo algumas melhoras, aceita candidatar-se como
deputado pelo Partido Socialista nas eleições gerais de 1879 e 1880,
embora não alimentando esperanças de vir a ser eleito.
No ano seguinte, após ter adotado as filhas do seu grande amigo de
Coimbra, Germano Meireles, falecido em 1878 (Albertina, de 3 anos, e
Beatriz, de ano e meio), decide fixar residência em Vila do Conde, onde
irá permanecer dez anos, os mais calmos e literariamente mais
produtivos da sua vida. É lá que escreve os últimos sonetos, reflexo
do espiritualismo que lhe permitira ultrapassar a crise
pessimista: «Voz interior», «Solemnia verba», «Na mão de Deus», entre
outros, do último ciclo dos Sonetos completos, editados em 1886, e que
Unamuno considerou «um dos mais altos expoentes da poesia
universal, que viverão enquanto viva for a memória das gentes». Para
António Sérgio, os Sonetos constituem «o mais alto, luminoso cume a
que subiu a poesia no nosso país», enquanto José Régio
considerará os Sonetos «não só um livro único entre nós, como um dos
mais belos que possa escrever um poeta por igual rodeado de lucidez
crítica e uma imaginação metafísica».
Surge então o projeto de se fixar definitivamente em Ponta Delgada,
juntamente com as filhas adotivas, tendo embarcado em 5-VI-1891. As
primeiras cartas aos amigos são otimistas, mas em breve o seu
estado de saúde se agrava. No dia 11 de setembro, à hora do
crepúsculo, após ter comprado um revólver, Antero suicida-se, no
Largo de São Francisco, junto ao Convento da Esperança.
Ana Maria Almeida Martins, «Antero de Quental», in Centro Virtual Camões, http://cvc.
instituto-camoes.pt/seculo-xix/antero-de-quental.html#.Vfb9iRFViko (com adaptações).
ESTUDO CRÍTICO
O soneto em Antero
Em 1861, Antero, no surto do seu grande amigo João de Deus,
publica os seus primeiros sonetos (ed. Sténio) e, com eles, uma teoria
do género, dedicada ao mesmo, e na qual proclamava o soneto «a
forma superior do lirismo puro». Esta forma, que Almeida Garrett se
gabava de ter suprimido, embora, por fim, viesse a lamentar o excesso
da sua reação, era, pois, uma novidade, ao tempo.
Dentro de catorze versos, o poeta soube dar expressão aos mais
variados modos da sua sensibilidade, desde o amor místico dos
primeiros sonetos, ao amor da Morte e da Noite, e às mais diversas
evocações da sua imaginação, desde aquele quadro
intitulado Idílio (Quando nós vamos ambos de mãos dadas), efusão lírica
que deixa a nossa alma suspensa numa atmosfera de sonho indizível,
até às visões apocalípticas de Voz interior e de Contemplação. A
fantasia desempenha na obra do poeta um papel muito
importante. Ele sonha… Mas, como é a sua sensibilidade que ordena
as imagens segundo o tónus afetivo do momento, os «sonhos» são,
em regra, «dolorosos». «Sonhos de oiro» só o do soneto «À Virgem
Santíssima» — que não representa um estado de alma do poeta. […]
Cada soneto é uma projeção inteira do seu drama e, ao mesmo
tempo, parte de um drama que não tem fim — por mais que o filósofo
tente convencer-nos do contrário. É o drama da alma com os seus
espetros, com as vozes obscuras da natureza, com o terrível Absoluto
que o cinge, com o Mistério impalpável que o esmaga.
Este drama resulta, naturalmente, de um estado de insuficiência
que tem origem na natureza mística do poeta, no seu desejo de união
com o absoluto, que se torna mais insistente a seguir ao
desmoronamento das suas primeiras crenças. Não é
possível compreender a estética de Antero sem admitir este
postulado. «Conheci a Beleza que não morre / E fiquei triste», disse
ele. O canto do Poeta será, durante muito tempo, uma saudade do
Céu, um gosto da Imortalidade.
Álvaro J. da Costa Pimpão, «O soneto em Antero», in Carlos Reis e M. da Natividade
Pires, História Crítica da Literatura Portuguesa, vol. v, Lisboa, Verbo, 1993 (com adaptações).
Poética de Antero
O desdobramento entre o Poeta e Outro tanto poderá inscrever-se
numa latente dramaticidade do poema.
Notaremos, por outro lado, que esse desdobramento subjetivo pode
ser interpretado como uma exigência do próprio discurso alegórico.
Antero não utiliza a figura alegórica como um simples instrumento
formal: identifica-se com ela ao projetar a sua personalidade no
universo poético através do processo dramático. Ora, isto vai
desembocar numa personificação do próprio discurso, expressa na
dualidade vocal para que ele nos transporta; e, a partir daqui, permite-
nos encontrar na alegoria o melhor recurso para
transmitir, retoricamente, essa dualidade, dado que o significado da
figura transporta precisamente um desdobramento semântico: o que é
dito é distinto do que é significado.
Notaremos, ainda, que a figura alegórica está ligada à
temporalidade: a imagem tem um passado, uma história, transporta
por isso uma carga ficcional, imanente à forma dramática do conteúdo
poético dos Sonetos. Quer no intertexto religioso, que vai buscar um
passado imediatamente referencial, quer em poemas como «Mors
liberatrix» ou «Mors-amor», ou nos poemas que personificam a Noite, a
Morte, o Inconsciente, o texto requer esse passado, essa dimensão
temporal, não se esgotando no sentido imediato da metáfora ou
mediato do símbolo.
Nuno Júdice, «Poética de Antero», in M. Isabel Pires de Lima (org.)
Antero de Quental e o destino de uma geração, Porto, Asa, 1993, p. 146 (com adaptações).
ESTUDO CRÍTICO
6.1
CESÁRIO VERDE:
VIDA, OBRA E ÉPOCA
PARA SABER...
Cesário Verde
(1855-1886).
ESTUDO CRÍTICO
Helder Macedo
(n. 1935).
A cidade e o campo
É evidente […] que «cidade» e «campo» devem ser
entendidos como significantes — cada um deles correspondendo a um
conjunto de factos significativos — e não como significados na obra de
Cesário. Mas também são os polos de um processo intelectual
dinâmico, de uma viagem ideológica em que Cesário procura
reconciliar essas coordenadas antitéticas para poder definir a sua
própria identidade. […]
O tempo-espaço inicialmente definido nos poemas de Cesário é a
cidade, a realidade presente que, ao ser contrastada com a metáfora
antinómica representada pelo campo, é definida como confinadora e
destrutiva. A nível pessoal, a cidade significa a ausência, a
impossibilidade ou a perversão do amor, e o campo, a sua expressão
idílica. A nível social, a cidade significa opressão, e o campo, a recusa
da opressão e a possibilidade do exercício da liberdade.
Para escapar à dupla limitação da cidade, Cesário tenta encontrar
uma solução social e pessoal através de uma identificação ativa e
concreta com o campo. A partir desse momento, o campo deixa de ser
a idílica metáfora oposta ao tempo e ao espaço presente da cidade,
tornando-se uma realidade concreta observada tão rigorosamente e
descrita tão minuciosamente como a própria cidade o havia sido: um
campo de que o trabalho e os trabalhadores são parte integrante, um
campo útil onde o poeta se identifica com o povo e em cujas
atividades participa.
A participação ativa na vida rural levou assim Cesário a reformular o
básico contraste com a abstração metafórica do campo bucólico. Esta
mudança de atitude é expressa por uma negação específica das
associações românticas tradicionais com o campo e por uma
afirmação particularizada do trabalho rural em todos os seus
pormenores técnicos. […]
Esta reformulação leva, por sua vez, à transposição do contraste
campo-cidade para uma nova, mas equivalente, polaridade: o
contraste entre a sociedade agrária e a sociedade industrial. A cidade
artificial torna-se equivalente às nações industriais do Norte, e o
campo — o natural oposto ao artificial — torna-se equivalente a
Portugal, uma nação agrária do Sul identificada com o seu povo
comum. […]
A posição de Cesário perante o povo — entendido como o oposto
do «povo vil e fraco» de Oliveira Martins — está […] profundamente
relacionada com a sua perceção da fraqueza da sua «geração de
ricos». E ao identificar-se com o povo que mantém «as tradições
antigas, primitivas» que lhe permitem apreender «a formidável alma
popular » («Nós»), Cesário está a rejeitar o artifício do modelo
industrial das nações do Norte adotado em Portugal pela própria
classe burguesa e citadina.
O desenvolvimento industrial, que servia aos seus contemporâneos
de padrão para medir o atraso de Portugal, ao mesmo tempo
revelando a superioridade das nações do Norte e, implicitamente,
justificando o seu domínio sobre Portugal, é equiparado por Cesário
ao desenvolvimento da cidade e ao domínio desta sobre o campo.
Mas, ao rejeitar, por destrutiva, a própria base desse desenvolvimento
[…], Cesário parece estar a assumir uma atitude perigosamente
próxima da dos «neogarrettianos» da geração seguinte, que tenderam
a neutralizar as realidades sociais do campo na sua
idealização arcádica. […]
Helder Macedo, Nós — Uma Leitura de Cesário Verde,
Lisboa, Dom Quixote, 1986 (com adaptações).
Glossário
Alexandrinos: versos de doze versos, tradicionalmente acentuados na
sexta e na décima segunda sílabas métricas; entra na literatura
moderna portuguesa através da poesia francesa.
Encavalgamento: processo poético que consiste em acrescentar no
verso seguinte uma ou mais palavras que completam o sentido do
verso anterior.
Impressionismo: técnica de pintura (usada pelos pintores da corrente
do movimento impressionista) que, quando aplicada na literatura,
consiste na representação da realidade privilegiando as impressões
sensoriais de um incidente ou de uma cena; numa descrição de um
grupo de figuras ou de um lugar, representa-se o cromatismo e o efeito
visual do conjunto sem que o narrador ou o poeta se atenha
aos pormenores.
Parnasianismo: movimento literário que rejeita o excesso de
sentimentalismo romântico ao mesmo tempo que investe nos aspetos
formais da literatura (sobretudo, da poesia) e que recupera modelos da
Antiguidade Clássica. Os poetas parnasianos advogam a ideia de arte
pela arte, no sentido em que a arte (aqui, a literatura) vale por si e não
tem de copiar a realidade ou submeter-se às suas regras.