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O urbanismo da Baixa Pombalina

O sismo teve início às 9 horas e 40 minutos do Dia de Todos os Santos, 1 de


Novembro de 1755. A terra tremeu três vezes, num total de 17 minutos, e,
durante vinte e quatro horas, a terra não deixou de estremecer.
Enquadramento
geotectónico de
Portugal
O sismo teve epicentro no mar, a oeste do estreito de Gibraltar, atingiu o grau 8,6 na
escala de Richter e o abalo forte durou sete intermináveis minutos.
Por ser sábado, acorreram mais pessoas às preces. As igrejas tinham os devotos mais
madrugadores. Só na igreja da Trindade estavam 400 pessoas.
Se os abalos tivessem começado mais tarde, teria havido mais vítimas, pois os aristocratas e
burgueses iam à missa das 11 horas.
Depois dos abalos, começaram as derrocadas. O Tejo recuou e depois as ondas alterosas tudo
destruíram a montante do Terreiro do Paço e não só. Era o fim do mundo!
Os incêndios lavraram por grande parte da cidade durante
intermináveis dias. Foram dias de terror. As igrejas do Chiado
e os conventos ficaram destruídos.
A capital do império viu-se em
ruínas, já para não falar de
outras zonas do país, como o
Algarve, muitíssimo atingida
pelo sismo e maremotos
subsequentes.
Foi a partir do terramoto, seguido de incêndio, ocorrido a 1 de Novembro de 1755, que se
verificou em Portugal uma das mais ricas experiências arquitetónicas e urbanísticas: a
reconstrução da cidade de Lisboa.
Com cerca de um quarto de milhão de habitantes à época, da cidade medieval nada sobrou
depois da voragem e violência da catástrofe e Lisboa ficou transformada num vasto campo de
ruínas, propenso à propagação de doenças e pilhagens.
O estado de ruína em que ficaram muitos edifícios da cidade ainda hoje pode ser constatado no
“Convento do Carmo”.
Entre as importantes decisões
tomadas estão a prisão, rápido
julgamento e aplicação de pena de
enforcamento a muitos dos que
tentaram aproveitar-se da situação
….

É preciso tratar dos vivos e enterrar os


mortos é uma das frases atribuídas ao
futuro Marquês de Pombal…
Foi nesse contexto que adquiriu particular importância a ação de
Sebastião José de Carvalho e Melo, mais tarde Marquês de
Pombal, que agiu de modo a “enterrar os mortos e cuidar dos
vivos”.

Foram rapidamente aprovadas leis que:

restringiam a especulação de preços,

obrigavam a um levantamento seguro do que existia

foi decretada a proibição de construção fora do perímetro do


que fora a cidade e onde parte da população se tinha instalado.
Entretanto apesar da legislação, muitas
barracas e construções provisórias
tinham sido construídas, e o próprio rei
D. José I se tinha refugiado numa
construção no Alto da Ajuda.
Num esforço de financiamento da reconstrução da cidade, foi decretada uma taxa de 4% sobre
mercadorias importadas e chegaram auxílios substanciais do Brasil e da Inglaterra e materiais
de construção da Alemanha e da Holanda.
O primeiro estudo de reconstrução foi da responsabilidade do engenheiro-
mor do reino, Manuel da Maia. Entregue em três fases: a 1ª em
Dezembro de 1755, a 2ª em Fevereiro e a 3ª em Abril do ano seguinte. O
documento apontava para cinco projetos alternativos para reedificar a
cidade, cada um deles acompanhado pela respetiva planta:
na primeira era ponderada a reconstrução da cidade tal como era de
antes do terramoto;
Manuel da Maia (1672-1768,
mestre-de-campo, general e
engenheiro-mor do Reino
Dirigiu a equipa incumbida da
reconstrução de Lisboa
constituída, entre outros, pelo
capitão Eugénio dos Santos e pelo
tenente-coronel Carlos Mardel
na segunda, propunha-se o alargamento das vias principais;
na terceira, limitava-se a altura dos edifícios a dois andares, de forma a serem mais seguros;
na quarta hipótese, previa-se a demolição do pouco que restava da cidade e propunha-se um
novo plano, inteiramente livre;
na quinta, era encarada a possibilidade de construir uma cidade nova a ocidente da antiga,
numa zona poupada pelo sismo.
Esta última hipótese era a preferida de Manuel da Maia, pois permitia a construção de uma
cidade mais segura.
No entanto, seria a quarta: uma cidade geométrica, racional, com rígidas
imposições estéticas e construtivas, que seria edificada sobre os escombros
da Lisboa antiga.
O conjunto de estudos feitos a partir do Projecto nº5 (elaborado pelo Capitão
Elias Sebastião Poppe) delineados por Eugénio dos Santos, prepararam a
Planta da Reconstrução de Lisboa, aprovada em 12 de Junho de 1758.

Retrato de Eugénio dos


Santos e Carvalho (1711-
1760)
Nasceu em Aljubarrota,
Alcobaça. Foi capitão de
Engenharia e exerceu funções
de arquiteto nos Paços Reais.
Nessa função dirigiu várias
obras, entre as quais as do
Hospital das Caldas da Rainha
Esta planta cobre, além da “baixa pombalina”, S. Francisco – Sta Catarina – S. Roque até ao
Bairro Alto….
e fixou as regras fundamentais dos trabalhos: - os princípios
urbanísticos, os desenhos das fachadas, a determinação dos espaços.
A Planta de Eugénio dos Santos para a reconstrução de Lisboa,
baseada numa grelha de perpendiculares, verticais e horizontais, com
quarteirões retangulares em massas diversificadas (ora na vertical ora
na horizontal), apesar do seu rigor, impedia uma sensação de
monotonia das massas arquitetónicas. Essa retícula era balizada por
duas praças principais: o Terreiro do Paço e o Rossio (este último
ocupa metade da área do primeiro).
Estas duas praças são ligadas por três ruas principais, uma das quais
com ligação ao Terreiro do Paço através de um arco (a Rua Augusta),
sendo uma das outras, paralela com ligação ao Convento de S.
Domingos, no local da atual Praça da Figueira.
Para uma maior clarificação do conceito urbanístico da cidade convém
entender a importância das duas praças: o Terreiro do Paço, com
192,5 m de lado, junto ao rio, e 177 m de profundidade, foi logo
definido por Manuel da Maia na sua primeira intervenção, designada
por “Praça do Comércio”, e Praça Real, pois aí foram instaladas as
principais construções comerciais da cidade, com uma estátua equestre
prevista para o centro (a de D. José I da autoria de Machado de Castro).
Foi construída segundo o princípio da “Praça Real”, típica do barroco
europeu. Os seus três lados, rodeados por edifícios com arcadas,
conferem monumentalidade quer às construções quer à própria
praça, mas também proteção contra as intempéries.
Cada extremidade da praça é marcada por um pavilhão e um torreão
(a sua génese está seguramente nos torreões de Mafra desenhados
por Ludovice).
O arco no início da Rua Augusta foi sugerido a Eugénio dos Santos pelos desenhos de Le Brun
para o Arco de Triunfo, feito para glória de Luís XIV.
A Praça do Comércio simboliza assim uma nova situação política
e social criada pelo “pombalismo”, de onde a habitação real foi
excluída. Também simbolizou uma nova etapa na arquitetura
portuguesa.
No Rossio, coube a Carlos Mardel desenhar os blocos das fachadas dos
quatro lados. O topo norte continuou a ser ocupado pelo palácio da
Inquisição, onde , depois da Revolução de 1820 e do seu incêndio, viria a
ser construído o Teatro D. Maria II.
Os prédios do Rossio, através de uma tipologia um pouco diferente,
estabeleceram um ritmo mais variado, com portais mais largos, criando
Carlos Mardel (1695-1763) um jogo interessante de avanços e recuos de cada uma das fachadas dos
De origem húngara, foi um dos corpos dos edifícios, definidos por pilastras de maior ou menor relevo.
principais responsáveis pela
reconstrução da Lisboa
pombalina. Foi autor da residência
do marquês – um solar típico do
século XVIII
Também os telhados dos edifícios da Praça (designados
germânico) foram tratados de uma forma diferente do
resto da baixa, com estruturas de águas sobrepostas,
melhorando a qualidade das águas-furtadas (mansardas),
solução típica dos países do Centro da Europa.
Poderá ter sido uma opção de Carlos Mardel, nascido na
Hungria.
Estas duas praças, ligadas por três ruas nobres (Prata, Ouro e
Augusta) e por um arco de homenagem ao rei, determinam um
grande eixo norte-sul, num espaço onde se cruzam as ruas mais
importantes (com 60 palmos de largura) com as secundárias
(com 40 palmos).
Nas ruas manteve-se a toponímia que remetia para os
principais ofícios da cidade: douradores, correeiros,
sapateiros, fanqueiros; e ainda outra que, pelo seu carácter
religioso, evocava as igrejas que aí teriam existido: Santa
Justa, Vitória, São Nicolau, Assunção, Conceição.
Foram definidas três tipologias na construção de Lisboa pombalina: designadas por A, B ou C,
consoante a importância das ruas onde ficavam. Janelas rasgadas no 1º andar, de peito ou
“peitoril” no 2º e 3º (o 4º, as águas-furtadas, apareceria muito depois), com cantarias mais ou
menos recortadas, com ou sem fecho de lintéis no terceiro andar e existência de aletas só no
tipo C.
Nas portas havia alternância na sua largura
conforme a sua importância.
No primeiro andar as janelas eram
gradeadas, os telhados “à portuguesa” são
de águas escorridas ( ou de duas águas) e
existiam “para-fogos” entre cada prédio.
Eram pintados de amarelo “jalde”, o que se traduziu
numa grande homogeneidade.
O interior dos prédios pombalinos possuía escadarias
estreitas e mal iluminadas, com divisões que pouco
variavam, dando ou não para um átrio interior.
Eram assim casas práticas, reduzidas ao essencial,
para uma nova sociedade urbana, de carácter
burguês, sem lugar a palácios nobres.
A generalidade dos palácios, por não obedecer aos
esquemas rígidos da reconstrução de Lisboa, foram
reconstruídos posteriormente, tal como algumas
igrejas, cuja construção foi muito demorada no
tempo.
O interior dos prédios era, em parte, revestido azulejos.
A cidade assim organizada – revelando todos os avanços técnicos de construção, preservando o
saneamento e a saúde pública (tinham escoamento de águas a partir da pia da cozinha e
abastecimento em todos os quarteirões).
A construção do “sistema de gaiola” (estrutura em madeira flexível, como esqueleto
construtivo, que deve ser visto como uma primitiva técnica antissísmica),
o tratamento de pavimentos e passeios, a estandardização e prefabricação
de elementos de cantaria e madeira, possibilitando uma produção
massificada – deu origem, através de uma grande unidade estilística, a uma
cidade-emblema de um rei (D. José I) e principalmente do seu ministro,
Sebastião José de Carvalho e Melo. Não é por acaso, que o centro do seu
“fórum” é ocupado pela estátua equestre do monarca.
Lisboa pombalina é, pois, a imagem de um homem – o marquês de Pombal – e de
um tempo, a maior obra pública coletiva realizada em Portugal,
com reflexos no Brasil e ainda em Vila Real de Santo António, também da responsabilidade do
Marquês.
Bibliografia:
• A Grande Aventura do Homem – Da sombra às Luzes, ed. Abril Cultural, São Paulo 1976

• História da Arte em Portugal – Do Barroco ao Rococó, Nelson Correia Borges, vol. 9 Publicações Alfa, Lisboa 1986

•História da Cultura e das Artes - 12, 2ª parte, Ana Lídia Pinto e outros, Porto Editora, 2006

• História da Cultura e das Artes, 12º, Paulo Simões Nunes, Lisboa Editora, 2006

• Lisboa 1755, Dos escombros do Terramoto, Uma nova cidade, National Geographic Portugal, Novembro de 2005

• Lisboa e o Marquês de Pombal , vol. II, Exposição e edição do Museu da Cidade, Lisboa 1982

• 1755 – vol. I, II, III,IV, ed. FLAD e Público, 2005

• Sebastião José de Carvalho e Melo - Conde de Oeiras – Marquês de Pombal, Joaquim Coelho, CMO, S. Mamede de Infesta 1990

•http://pt.wikipedia. comuhnm

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