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PALAVRAS-CHAVE: casa urbana; ecletismo; casa corrente; técnicas construtivas; período colonial.
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A CASA URBANA LUSO-BRASILEIRA – Estudo de caso sobre um objeto em
transformação
1. APRESENTAÇÃO GERAL
Objeto em recorrente transformação, a casa urbana luso-brasileira esteve longe de ser uma
manifestação “homogênea e uniforme”, no modo como foi representada pela historiografia da
arquitetura produzida no interior do antigo SPHAN. Ao contrário dessa percepção oficial do
antigo serviço do patrimônio, podemos destacar, de acordo com a bibliografa disponível ao
alcance do nosso estudo, a presença de, pelo menos, três fases no processo geral de transição
das tipologias de partidos arquitetônicos entre os séculos XVII e XIX.
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existente nos núcleos urbanos portugueses no final da Idade Média. Denominaremos essa
manifestação de “concepção tardo-medieval”, pela condição de organização irregular das
fachadas, compostas por aberturas assimétricas, pela recorrência de andares escalonados e na
ampla difusão de balcões ou varandas nas paredes frontais.
Os artigos de Robert C. Smith publicados nas Revistas do SPHAN, de números 9 e 17, revelam
importantes aspectos dessa condição de arranjo das casas brasileiras e destaca os esforços da
Casa de Câmara de Salvador para organizar a fisionomia as edificações no séc. XVIII. Smith
(1945) destacou o papel regulador da instituição camarária da primeira capital do Vice-Reino,
que agiu com firmeza para eliminar das casas soteropolitanas os aspectos “góticos” das
fachadas, muitas vezes, dominadas por balcões e sacadas avançadas às ruas. Prova disto,
como demonstrou o pesquisador americano, foram as posturas urbanas emanadas proibindo
estes recursos. Um dos livros de posturas promulgadas pela Câmara local, do ano de 1696,
advertiu os moradores da seguinte forma: “Que nenhuma pessoa fabrique caza alguma que
bote sacada sobre a rua, e desta não tome parte alguma, fazendo escadas, balcão ou poyal,
sem licença da camera, pena de seis mil reis” (SMITH, 1945, p. 94). Esse fato, ocorrido no
Brasil no final do século XVII, pode ser relacionado com acontecimentos iniciados em Portugal,
no início da Idade Moderna.
Tal processo, identificado por Smith, teve origem em Lisboa, alguns anos antes do reinado de
D. Manuel I, nas décadas finais do séc. XV, como demostraram os pesquisadores portugueses
Helder Carita e Luisa Trindade. Em Portugal, o monarca teve o papel de inclusão do
pensamento associado à Idade Moderna na arquitetura e foi o responsável por introduzir na
ribeira lisboeta uma tipologia arquitetônica de caráter regular – baseada na metrificação dos
cheios e vazios e na organização simétrica das composições –, na tentativa de eliminar o perfil
caótico, herdado da arquitetura medieval e observado nas ruas daquela urbe. Inclusive, D.
Manuel I criou uma provedoria ligada à administração real para expandir as soluções da sede
da Coroa para todo o Reino e as possessões ultramarinas, que conceitualmente sustentaria
mais tarde as ações realizadas pela Câmara de Salvador.
Carita (1999) relatou a elaboração de diversas Cartas Régias nos primórdios dos quinhentos,
que seguiram uma linha de endurecimento contra o caráter irregular das casas urbanas de
Lisboa, dominadas pela ausência de alinhamento junto às ruas e a grande difusão de
elementos construtivos projetados para além dos limites dos terrenos. As diretrizes estipuladas
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por D. Manuel I exigiram a adequação de todas as fachadas, primeiro para as edificações em
reformas ou arruinadas e, posteriormente, as estendeu para o restante das construções. Esse
contexto identificado pelo pesquisador, também foi observado por Trindade (2013), fruto da
autoridade Real na regulamentação do espaço público, moldada em uma “política sistemática,
determinada e consequente” durante o reinado manuelino (TRINDADE, 2013, p. 146).
Figura 1: Balcões projetados às ruas – (a) Antiga Rua da Cruz (dos Judeus) – Recife – Pernambuco | (b) Rua da Quitanda –
Diamantina – Minas Gerais/ Fonte: Fotografia de Augusto Stahl, 1855 – Acervo online IMS – Adaptado / Iphan - Programa
Monumenta (2010, p. 4 – Adaptado).
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foi implementado nas chamadas “cidades de expansão” (ex nihilo). Tal fenômeno, segundo o
autor, do século XV até meados do séc. XVI, ocorreu no Reino, nas ilhas atlânticas e,
respectivamente, acabou exportada aos territórios ultramarinos. Em concordância com Teixeira
(2012), no caso brasileiro, Barreto (1938) e Delson (1979) identificaram um fenômeno comum
na formação de novas povoações no Brasil, entre os anos 1670 e 1750, baseado na produção
dos autos de criação de vilas e cidades locais, consequentes da reorientação da exploração
colonial, com a retomada, em Portugal, dos princípios urbanísticos introduzidos no período
manuelino. A Restauração do Trono português conformou-se como um evento decisivo para
reorientação dos interesses da Coroa em seu projeto mercantilista e, assim, efetivar o controle
administrativo no território brasileiro, até então destinado à nobres portugueses no regime das
capitanias hereditárias.
Para tanto, como Paulo Thedim Barreto já havia evidenciado no Piauí da segunda metade dos
seiscentos, os autos de ereção das povoações, as quais se concedeu títulos de vila ou cidade,
passaram a contar com a “obrigação de que as ditas casas sejam sempre fabricadas na mesma
figura uniforme, pela parte exterior, [...] para que desta sorte se conserve a mesma formosura
nas vilas” ou que “nas ruas delas a mesma largura, que se lhes assinar nas fundações”
(BARRETO, 1938, p. 189). Esta condição – anunciada precocemente na nossa historiografia da
arquitetura, mas pouco discutida – foi, no final dos anos 1970, identificada no estudo vasto de
Roberta M. Delson sobre os núcleos urbanos fundados no Brasil setecentista. Nesse percurso,
Delson (1979) identificou exigências de regularidade similares às apontadas por Carita (1999),
Teixeira (2012) e Trindade (2013) – pesquisadores portugueses com importantes trabalhos na
área nas últimas duas décadas. Do mesmo modo, a autora relatou a presença de prescrições
idênticas nas povoações criadas em Mato Grosso, Goiás, Pará e Amazonas – locais
estratégicos em função da expansão das fronteiras do Brasil, em terras espanholas. A
arquitetura civil mineira, na segunda metade do século XVIII, foi configurada a partir dessa
condição e conduziu às manifestações descritas por Sylvio de Vasconcellos em Vila Rica, que,
inclusive, demonstrou a presença da Casa de Câmara local interferindo para a adequação do
conjunto às citadas premissas impostas pela Coroa portuguesa.
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expressão plástica destas edificações, por consequência modulada por padrões eruditos de
composição, serviria para atender aos propósitos da gestão dos territórios nas colônias;
necessidade estabelecida para se fazer sentir a presença da Coroa em qualquer parte do
império ultramarino português. Como observaram Delson (1979), Fonseca (2011) e Bueno
(2012), para materialização das intenções Reais, o êxito desta empresa teria como essenciais
agentes os engenheiros militares e administradores, enviados para a consolidação dos modelos
regulares das composições e de uma arquitetura de programa, como convinha às nações
modernas.
Figura 2: Implementação dos padrões de uniformidade – Largo da Matriz Boa Vista – Recife – Pernambuco / Fonte: Gravura
de Emil Bauch, 1852 – Adaptado.
Figura 3: Sobrados reproduzindo a arquitetura pombalina – Cais das Amarras – Salvador – Bahia / Fonte: Fotografia de
Benjamin R. Mulock, 1860.
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A última fase, a qual designamos como “concepção ecletizada”, teve como frutos uma
arquitetura de manifestação de caráter híbrido, entre a incorporação das regras de composição
difundidas durante os setecentos e a absorção de parte da retórica arquitetônica dos estilos
neoclássico ou eclético. Como resultado, as fachadas mantiveram a organização de repetição e
ritmo das aberturas, na lógica dos partidos eruditizados da fase anterior (arquitetura
setecentista) – mas com a alteração das proporções na altura dos vãos e o aumento da
volumetria da edificação – e assimilaram elementos da nova arquitetura introduzida no país:
colunas, pilastras, frisos, cornijas, porões altos, entradas laterais, entre outros. A análise de
parte deste fenômeno teve lugar nos trabalhos de Paulo F. Santos Nestor Goulart dos Reis
Filho e Carlos A. C. Lemos – alguns dos poucos pesquisadores que discutiram a presença dos
efeitos das concepções neoclássicas ou ecléticas sobre a arquitetura luso-brasileira continuada
no séc. XIX.
Figura 4: Sobrados com elementos neoclássicos – Rua Campos Carvalho – Diamantina – MG. / Fonte: Fotografia de
Chichico Alkmim, 1924 – Acervo online IMS – Adaptado.
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sustentação dos frechais. Isso permitiria, conforme observou André Dangelo, o aumento das
dimensões verticais da edificação, adaptando-as às proposições de cunho higienista,
disseminadas durante o séc. XIX, e deixou preparados os coroamentos das fachadas para o
recebimento dos beirais com frisos e cornijas ou o arremate com as típicas beiras-seveiras,
presentes na cidade e na vizinha Tiradentes.
Essa situação foi mapeada melhor na cidade de São João del-Rei, a partir de uma pesquisa
sobre o acervo do conjunto arquitetônico do antigo Largo da Câmara, marco zero da ocupação
urbana a atual cidade de São João del-Rei, a partir de 1710, quando se inicia a reconstrução do
Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar, fundado por volta de 1705 e queimado pelos paulistas
em 1709 durante um dos episódios mais radicais da Guerra dos Emboabas na região. Em
1713, a Vila e elevada a condição de cidade, a Matriz foi transferida para a rua Direita, no sopé
da pequena elevação que forma o Largo da Câmara em 1721 e nessa região inicia-se a
processo de urbanização da Villa.
Embora o século XIX tenha sido muito diferenciado em São João del-Rei, frente às outras Vilas
do Ouro, já que a cidade, principalmente entre 1822 e 1889, vai se estruturando como uma das
mais importantes economias da Província, dando continuidade a um processo que tirava partido
da Vila ser um entreposto comercial importante, entre as regiões Sul e o Oeste do Estado e
também com a cidade do Rio de Janeiro, desde as ultimas décadas do século XVIII, e que
possibilitaria atrair uma estrada de ferro para a já cidade de São João del-Rei em 1881.
Com a economia forte, logicamente a arquitetura colonial, precária no século XVIII, foi
rapidamente se transformando ao longo do século XIX, bastante influenciada a partir de 1850,
pela arquitetura sofisticada dos Barões do Café do Vale do Paraíba. Entre estes, o próprio
Barão de Itambé, um dos fundadores da cidade de Vassouras, residiu em São João del-Rei até
por volta de 1860. Desse modo, essa arquitetura, implementada na renovação da arquitetura
colonial do século XVIII, estava repleta de valores neoclássicos, principalmente pela ideia de
“rigor e ordem”, trabalhada pelo prof. Gustavo Rocha-Peixoto (2000) na reorganização
arquitetônica das fachadas das velhas casas de taipa.
A partir de alguns estudos que fizemos, analisando as modernizações feitas na chamada Casa
da Marquesa de Santos – que como sabemos, era um sobrado do final do século XVIII,
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reformado em 1828 pelo arquiteto Pedro José Pezérat, para ser a residência da Marquesa de
Santos – verificamos que algumas premissas neoclássicas estruturavam esse tipo de ação:
ritmação das aberturas, traçado regulador para proporcionar a utilização das ordens e da altura
das aberturas, uso de sacadas, valorização de eixos de simetria focados na valorização da
entrada principal do edifício, utilização de repertorio de elementos da linguagem clássica da
arquitetra, já utilizando estuque e tijolo e o uso de elementos de ferro importados como grades
e balcões de ferro.
Logicamente, estamos falando aqui de um dos mais requintados edifícios do primeiro Império,
mas acreditamos que essas lições acabaram sendo também adaptadas para a modernização
de casas mais simples na segunda metade do século XVIII. Pelo menos, é o que nos evidencia
a análise de algumas imagens, feitas entre 1870 até 1915, pertencentes ao arquivo do IPHAN
de São João del-Rei, referente às casas do conjunto do Largo da Câmara em São João del-Rei,
como também algumas imagens internas da casa de n. 23, que pudemos fazer acompanhando
uma obra de restauração ali executada por volta de 2005.
Figura 5: Largo da Câmara – edificação n. 23 (1870 – 1890 – 1915) / Fonte: IPHAN, 1991.
Na primeira imagem por volta de 1870, vemos que 70% das casas já foram intervidas ao longo
do século XIX. Já possuem maior ritmação e um pé direito mais alto, que chega a 3,50m.
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Felizmente, nesta foto, ainda existe do lado direito das fotos duas casas oriundas do século
XVIII, onde se comprova que todo esse casario, tinha originalmente um pé-direito mais baixo,
por volta de 2,80 m e nenhuma preocupação com ritmação das aberturas, feitas da maneira
mais precária possível.
Nas fotos feitas na casa 23, em 1991, verificamos como esse processo de alteamento da
fachada foi feito, já que todas as casas originalmente eram feitas de taipa de pilão, num
processo construtivo ainda não mapeada, que utiliza uma série de burros de madeira de lei,
fixados diretamente na taipa, que sustentam a nova amarração dos frechais, que são depois
preenchidos por tijolos de adobe e aumentam a testada da casa.
Figura 6: Largo da Câmara – edificação n. 23 (intervenções para o alteamento das paredes) / Fonte: Dangelo, 1991.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Objeto em recorrente transformação, a casa urbana luso-brasileira esteve longe de ser uma
manifestação “homogênea e uniforme”, no modo como foi representada pela historiografia da
arquitetura produzida no interior do antigo SPHAN. Ao contrário dessa percepção oficial do
antigo serviço do patrimônio, podemos destacar, de acordo com a bibliografa disponível ao
alcance do nosso estudo, a presença de, pelo menos, três fases no processo geral de transição
das tipologias de partidos arquitetônicos entre os séculos XVII e XIX.
Dentre todas, a última fase, certamente, foi a que mais marcou o contexto de preservação do
patrimônio edificado no Brasil, iniciado na década de 1930; uma vez que as intervenções
ocorridas no século XIX determinaram o perfil dos conjuntos tombados. Embora a arquitetura
resultante desse processo não correspondesse legitimamente ao caráter de seu tempo, mas se
manifestasse sobre as bases herdadas da produção arquitetônica luso-brasileira, a junção das
formas regulares ecléticas às edificações coloniais contornou novas tipologias, singulares
enquanto expressão plástica. Estas condições, todavia, foram ainda muito pouco discutidas na
historiografia brasileira. Pretendemos, deste modo, incluir outra perspectiva de tratamento do
tema “casa urbana”, baseando-nos em uma interpretação de que o percurso desse objeto de
estudo não foi homogêneo e, ao contrário, abarcou transformações muito particulares, como
haveria de se esperar de um fenômeno de longa duração como foi a casa.
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