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A técnica e a história: a invenção de arquitetura Moderna brasileira

Eduardo Ferroni, Felipe de Souza Noto, Moracy Amaral e Almeida.

A consolidação da arquitetura Moderna no Brasil ocorreu em termos que surpreendem aos que
fazem uma leitura superficial. Já no inicio dos anos 1940, estruturou-se, a partir do empenho
financiador do Estado, como um movimento organizado que deixou marcas profundas no ideário
cultural do país: a modernidade passou a ser reconhecida como parte integrante da cultura nacional.

Não sem razão, Lucio Costa utilizou o termo milagre1 para descrever a velocidade de seu
amadurecimento e de seu sucesso inédito. Trata-se da consolidação, em menos de duas décadas, de
um movimento de caráter nacional de arquitetura Moderna2, fundado numa interpretação de
elementos da tradição cultural, numa região que não possuía as mesmas condições sócio-produtivas
dos países que que catalisaram a formulação daquela arquitetura no cenário centro-europeu. A
experiência brasileira foi amplamente divulgada pela imprensa especializada, sobretudo a partir da
publicação por Philip Goodwin de Brazil Builds o catálogo da exposição de mesmo nome organizada
pelo Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, em 19433.

O Brasil, como tantos outros de seus pares latino-americanos, assistiu a inúmeras transições de
regime político nas primeiras décadas do século XX, com alternância entre sistemas autoritários e
centralizadores e o sucesso limitado de movimentos revolucionários. A questão que emerge é por
que a Modernidade se estabeleceu com tanta potência e com aceitação unânime e transversal entre
os diversos agentes de sua produção, tendo superado divergências políticas e dificuldades
tecnológicas4.

A figura de Lucio Costa é central do entendimento deste fenômeno. Autor de alguns dos exemplares
inaugurais do Movimento Moderno brasileiro, foi também seu principal teórico e defensor de
primeira hora. A profundidade da investigação estética da modernidade brasileira em arquitetura
deve muito à equação formulada por ele que associa técnica e história como fatores fundamentais.

A técnica, para Costa, é a representação da atividade humana num determinado momento histórico,
mas resultado de um processo contínuo de conquistas intelectuais e deve ser entendida como a “a
base em que se tem de firmar, invariavelmente, como ponto de partida”. A técnica é, portanto, o
alicerce de sua lógica construtiva e fator que comanda a sequência de decisões no processo de
projeto. Esta premissa carrega em si o peso do tempo, e deve ser aceita para que “nós, arquitetos
modernos possamos aproveitar a lição da sua experiência de mais de trezentos anos, de outro modo
que não esse de lhe estarmos a reproduzir o aspecto já morto”.

Ao negar o aspecto já morto (que traziam as experiências arquitetônicas não Modernas), Lucio Costa
começa com lucidez a montagem de sua artilharia historiográfica que talharia o lugar da nova

1
Ver o artigo de Lucio Costa Muita construção, alguma arquitetura e um milagre (1951), in COSTA, Lucio.
Registro de uma Vivência. São Paulo, Empresa das Artes, 1995.
2
De acordo com Reyner Banham o Brasil foi o primeiro país a consolidar um “estilo nacional de arquitetura
moderna”, ao que chamou de Brazilian Style. BANHAM, Reyner. Age of masters: a personal view of modern
architecture. Londres, The Architectural Press, 1977, p.39.
3
GOODWIN, Philip. Brazil Builds: architecture new and old 1652-1942. New York, Museum of Modern Art,
1943.
4
É importante citar o papel complementar exercido pelo contingente de arquitetos europeus que imigraram
para o Brasil em decorrência das duas Guerras Mundiais. Gregori Warchavchik, Rino Levi, Lina Bo Bardi, Jaques
Pilon, Lucjan Korngold, Adolf Franz Heep são figuras centrais da Modernidade brasileira.
arquitetura na história cultural brasileira: a de única manifestação coerente a aceitável no processo
de formação do país no inicio do século XX5.

[IMAGEM 1]
Ilustração de Lucio Costa para Documentação Necessária (1938)
Coleção Casa de Lucio Costa

O Moderno nasce no Brasil já com posto descrito na sequência histórica dos estilos
arquitetônicos, numa concatenação tão lógica como aceita pelas gerações seguintes de arquitetos,
que não encontraram argumentos – durante décadas – para sequer questionar sua validade6. Em
outras palavras, Lucio Costa garantiu que a nova arquitetura ficasse por muitos anos alheia a
qualquer tipo de crítica, pairando numa sorte de certeza coletiva de que se estava a fazer única
arquitetura possível. A Modernidade criou-se congênita7 no Brasil: ocupou lacunas de uma cultura
em formação, e entranhou-se no imaginário nacionalista – apoiada nas referências tradicionais –,
tornando-se parte obrigatória da arquitetura do país.
Este último aspecto – também ele pautado por Lucio Costa – merece também especial
destaque. A aproximação entre as lições modernas e a tradição construtiva nacional foi feita de

5 Razões da Nova Arquitetura (1934) e Documentação Necessária (1938) estabeleceram-se como cartilha da
arquitetura Moderna no Brasil. COSTA (1995).
6
Na interpretação de Lucio Costa, a sequência resumia-se a três dados: a continuidade dos conhecimentos da
arquitetura tradicional, mantido pelos mestres até os primeiros anos do século XX; a interrupção do processo
natural com a vinda da Missão Francesa e a instalação da tradição erudita acadêmica; o restabelecimento da
saúde plástica com o Moderno, orientado corretamente com a tradição popular. A partir deste esquema, tem
início uma historiografia relativamente organizada da arquitetura brasileira, baseada na valoração desigual de
períodos específicos, notadamente o colonial barroco e a nova tradição Moderna. Ver mais em NOTO, Felipe
de Souza Noto. Paralelos entre Brasil e Portugal: a obra de Lucio Costa e Fernando Távora. Dissertação de
Mestrado. São Paulo: FAUUSP, 2007.
7
Ver WISNIK, Guilherme. Modernidade Congênita. In: ANDREOLI, Elisabeta. FORTY, Adrian (orgs). Arquitetura
moderna brasileira. Londres, Phaidon, 2004.
modo sistemático no Brasil, e contaminou a pureza formal do radicalismo Moderno inicial com
ruídos locais. A compreensão de que a produção contemporânea e as experiências do passado
fazem parte do mesmo processo histórico rompeu hierarquias entre elas e permitiu intercâmbios
metodológicos.

“A boa arquitetura de um determinado período vai sempre bem com a de qualquer período
anterior – o que não combina com coisa nenhuma é a falta de arquitetura. Da mesma forma
que um bom ventilador e o telefone sobre uma mesa seiscentista ou do século XVIII não
podem constituir motivo de constrangimento para os que gostam verdadeiramente de coisas
antigas...”8

Este trecho revela a postura de Costa frente à noção de patrimônio9, antecipando ideias que
se tornariam mais amplamente aceitas nas décadas seguintes: se por um lado afirma do valor da
preexistência, por outro eleva ao mesmo patamar de importância a nova arquitetura. Distanciando-
se dos excessos dos radicalismos modernos iniciais, Costa situa a Modernidade como capítulo atual
de um processo histórico, sem defender a negação dos feitos anteriores; ao contrário, os expõe em
contraposição para demonstrar sua lógica.
Com este modo de pensar, fica livre para operar livremente com a tradição e a
contemporaneidade, criando vínculos entre elas de diversas formas: resgatando técnicas ou
programas arquitetônicos em desuso, propondo adições em sítios históricos, ou construindo
edifícios modernos com elementos construtivos comuns em outras épocas.

[IMAGEM 2]
Museu das Missões, Lucio Costa (São Miguel das Missões,1937)
Coleção Casa de Lucio Costa

É o que vê no projeto para o Museu das Missões (Santo Ângelo, RS, 1937), criado como
intervenção nas ruínas da redução jesuítica de São Miguel, hoje Rio Grande do Sul, que demonstra a
preocupação em recuperar e expor o processo de formação do sítio. A implantação do conjunto,
formado pelo pequeno museu e por uma residência para zelador, demarca, pelo encontro dos dois

8
Lucio Costa, em carta para Rodrigo de Mello Franco de Andrade, diretor do IPHAN (Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional), in: MOTTA, Lia. A SPHAN em Ouro Preto. Revista do Patrimônio Artístico e
Nacional 22, 1982, pp.109-110.
9
A aproximação de Lucio Costa aos órgãos de patrimônio teve início em 1937, quando, por solicitação de
Rodrigo M. F. de Andrade foi incumbido da inspeção e proposta destinação das ruínas dos Sete Povos das
Missões. Foi nomeado diretor da Divisão de Estudos e Tombamentos do órgão, mas, como preferiu descrever,
atuou como “colaborador eventual”, não ficando restrito aos pareceres de tombamento, até sua
aposentadoria em 1972.
volumes, um dos vértices da praça quadrada original, revelando a intenção urbana jesuítica
apresentada ao nosso tempo em sua escala real.
A residência é delimitada por um bloco austero que, erguido em pedra, desenha um pátio
murado. O museu recria um alpendrado contínuo - comum em reduções como aquela - cercando um
volume de vidro que exibe as peças ao antigo povoado e traz, como cenário, o sítio para dentro do
novo recinto. Vivencia-se neste conjunto, de modo simultâneo, o passado e o presente; desde a
igreja, exemplar original, se vê a nova intervenção, não como objeto mimético ou volume
forçosamente destacado, mas como mais um elemento de uma composição que se processou ao
longo dos anos. Desde as novas construções, quando a igreja não está presente de modo visual, o
olhar recorre à idade dos materiais – coerentemente retirados das próprias ruínas – e reconstrói
uma percepção de conjunto, atemporal e coeso. Vale a citação ao breve memorial publicado por
Lucio Costa:

“O ‘museu’ deve ser simples abrigo para as peças que, todas de regular tamanho, muito
lucrarão vistas assim em contato direto com os demais vestígios; e como a casa do zelador
precisa ficar no mesmo recinto que as ruínas, é natural que os dois sejam tratados
conjuntamente, ocupando a construção, de preferência, um dos extremos da antiga praça
para servir de ponto de referência, e dar uma idéia melhor de suas dimensões. Conviria
mesmo, aproveitando-se o material das próprias ruínas e os esplêndidos consolos de madeira
do antigo Colégio de São Luis, reconstituir algumas ‘travées’ do antigo passeio alpendrado
que se desenvolvia ao longo das casas.
Aliás, para que os visitantes, - geralmente pouco ou mal informados, ‘compreendas’ melhor
a significação das ruínas, sintam que já houve vida dentro delas e, se possível, também
‘vejam’, como o Sr. Augusto Meyer, ‘aquela porção de índios se juntando de manhãzinha na
igreja’, parece-me indispensável a organização de uma série de esquemas e mapas, além da
planta de São Miguel, acompanhados de legendas que expliquem de maneira resumida,
porém clara e precisa, a história em verdade extraordinária das Missões, e como eram as
casas, a organização do trabalho nas estâncias e oficinas, as escolas de ler e de música, as
festas e os lazeres, a vida social de comunidade, em suma. Com datas e nomes, mas tudo
disposto de forma atraente e objetiva, tendo-se sempre em vista o alcance popular, o
alpendrado anexo à casa do zelador poderia então servir, também, para esse fim”.10

10
COSTA, Lucio. Registro de uma Vivência. São Paulo, Empresa das Artes, 1995, p.496.
[IMAGEM 3]
Implantação: Museu das Missões, Lucio Costa (São Miguel das Missões, 1937)

Há uma constante dualidade temporal neste projeto. O processo histórico da ocupação


jesuítica é resgatado e exposto por uma intervenção contemporânea; as novas construções, por
outro lado, reproduzem as formas de construir originais (inclusive reutilizando pedras do sitio) e
incorporam novas técnicas e materiais necessários para a nova condição de uso. Não há distinção de
tempos, tampouco hierarquias entre passado e presente. A arquitetura é o elemento de costura e
amarração de dois extremos tecidos em uma só (nova) realidade.

[IMAGEM 4]
Museu das Missões, Lucio Costa (São Miguel das Missões, 1937)
Foto: Felipe Noto
[IMAGEM 5]
Museu das Missões, Lucio Costa (São Miguel das Missões, 1937)
Foto: Felipe Noto

O discurso e a prática de Lucio Costa foram amplificados, entretanto, pela reverberação


oferecida pela obra de Oscar Niemeyer. Parceiro próximo, Niemeyer segue pela trilha da
Modernidade guiado pela exploração simultânea das novas técnicas e da tradição construtiva
brasileira. Seu vocabulário moderno foi construído com especial atenção às particularidades
programáticas de nossa realidade de colônia tropical (varandas, beirais, elementos de
sombreamento e ventilação natural, azulejos), e às virtudes das novas técnicas, principalmente a
liberdade formal permitida pelo concreto armado. Com esta dupla adequação - sem abrir mão das
novidades espaciais já experimentadas na Europa - consolida uma versão nacional de arquitetura
Moderna, a partir de um modus operandi que seria compartilhado por seus colegas cariocas
contemporâneos (Affonso Eduardo Reidy, Marcelo, Milton e Mauricio Roberto), não obstante o
caráter muito pessoal de suas investigações plásticas.
A intepretação de Lucio Costa e Oscar Niemeyer (com Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão,
Ernani Vasconcelos e Jorge Moreira)11, dos estudos de Le Corbusier para o Ministério da Educação e
Cultura (Rio de Janeiro, 1936) é exemplar. A neutralidade formal dos primeiros esboços é
transformada pelo reconhecimento de aspectos da tradição e do sítio de projeto. Surgem os
elementos de sombreamento nas faces expostas ao sol, ajustam-se a altura dos pilotis às proporções
do centro da então capital do país e imprimem-se as cores da tradição colonial portuguesa nos
painéis de azulejos – feitos pelo moderno Cândido Portinari, no melhor clima Síntese das Artes
pregado pelos CIAMs.
Neste projeto, a essência da lógica moderna garante a criação de volumes claramente
distintos e soltos do pavimento e, desta articulação, surgem espaços ambíguos que incorporam a
cidade em seu uso. A passagem dos pedestres não é interrompida por aquilo que poderia ser um

11
Em 1935 o Ministério organiza um Concurso Nacional para a contratação do projeto para sua sede no centro
da então capital federal, o Rio de Janeiro. O vencedor – projeto do arquiteto Archimedes Memória – foi
descartado por seu caráter conservador pelo próprio Ministro Gustavo Capanema, um intelectual ligado às
artes. Foi convidado o então diretor da Escola Nacional de Belas Artes, Lucio Costa, que monta uma equipe
com seus mais proeminentes ex-alunos para o intento de desenvolver um projeto a partir do risco original
deixado por Le Corbusier em sua rápida passagem pelo Rio de Janeiro.
Ver para mais informações: SEGRE, Roberto. Ministério da Educação e Saúde. Ícone urbano da modernidade
brasileira 1935-1945. São Paulo: Romano Guerra, 2013.
bloco encerrado em seu lote, mas é incorporada como elemento de ativação constante do uso do
solo, tornado público por esta operação.

[IMAGEM 6]
Ministério da Educação e Saúde (Palácio Capanema), Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso
Eduardo Reidy, Carlos Leão, Ernani Vasconcelos e Jorge Moreira (Rio de Janeiro, 1936)
Foto: Marcel Gaultherot.
Coleção Instituto Moreira Salles.

[IMAGEM 7]
Ministério da Educação e Saúde (Palácio Capanema), Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso
Eduardo Reidy, Carlos Leão, Ernani Vasconcelos e Jorge Moreira (Rio de Janeiro, 1936)
Foto: Marcel Gaultherot.
Coleção Instituto Moreira Salles.
[IMAGEM 8]
Plantas: Ministério da Educação e Saúde (Palácio Capanema), Lucio Costa, Oscar Niemeyer,
Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Ernani Vasconcelos e Jorge Moreira (Rio de Janeiro, 1936)

Modernidade e tradição são, neste edifício pioneiro, ingredientes que se sobrepõem, quase
como se os brasileiros tivessem feitos ajustes e vestido adereços locais na lógica espacial de Le
Corbusier. Identificam-se separadamente as duas intenções – a novidade volumétrica e libertadora e
as demandas climáticas e culturais que a técnica local já havia incorporado. Neste sentido, o projeto
da Capela de São Francisco, feito por Oscar Niemeyer poucos anos depois, apresenta o avanço
definidor, uma vez que trata de sintetizar em poucas decisões compositivas esta duplicidade de
representação temporal esboçada no projeto do Ministério.

“Se arquitetura é fundamentalmente Arte, não o é menos fundamentalmente construção. É


pois, a rigor, construção concebida com intenção plástica”12.

Em Pampulha, construção e intenção formal se fundem em uma única operação, tornam-se


indissociáveis como resultado da síntese entre tradição e modernidade. Não há como isolar os
processos criativos: a construção do espaço é feita de maneira livre, como elogio à plasticidade do
concreto armado, ao mesmo tempo em que reinterpreta os ensinamentos das igrejas barrocas: nave
central mais alta, capelas laterais secundárias mais baixas; coro como mezanino que marca o
ingresso; campanário como torre referencial. Decisões garantidas pela simplicidade de um risco
definidor, capaz de expor toda a complexidade intelectual de sua concepção.

12
COSTA, Lucio. Registro de uma Vivência. São Paulo, Empresa das Artes, 1995, p.113.
[IMAGEM 9]
Igreja de São Francisco, Pampulha, Oscar Niemeyer (Pampulha, Belo Horizonte, 1934)
Foto: Marcel Gaultherot.
Coleção Instituto Moreira Salles.

O reconhecimento internacional, catapultado por este projeto (e pela publicação de Brazil


Builds), coroou as certezas apresentadas por Lucio Costa, e permitiu que o porto seguro da tradição
fosse paulatinamente abandonado, em nome das experimentações técnicas e, fundamentalmente,
plásticas. As referências a programas e materiais do passado foram de tal forma absorvidas pelo
ideário moderno de Niemeyer que se tornaram citações sutis na sua construção de espaço,
abstraídas pela potência formal das investigações arquitetônicas. Os palácios de Brasília ganharam
longos beirais, como as antigas casas coloniais; as peças de sombreamento que reproduziam
sabedorias mouras da Península Ibérica foram industrializadas e padronizadas em peças cerâmicas;
as varandas – espaços externos cobertos – transformaram-se em marquises públicas, como na Casa
do Baile (Belo Horizonte, 1942) ou no Parque do Ibirapuera (São Paulo, 1954).

[IMAGEM 10 e 11]
Palácio da Alvorada, Oscar Niemeyer (Brasiília, 1958)
Foto: Marcel Gaultherot.
Coleção Instituto Moreira Salles.
[IMAGEM 12]
Croqui. Marquise, Parque do Ibirapuera, Oscar Niemeyer. (São Paulo, 1954)

[IMAGEM 13]
Marquise, Parque do Ibirapuera, Oscar Niemeyer. (São Paulo, 1954)
Foto: Lauro Rocha
[IMAGEM 14]
Marquise, Casa do Baile, Oscar Niemeyer. (Pampulha, Belo Horizonte, 1942)
Foto: Lauro Rocha

[IMAGEM 15]
Planta: Casa do Baile, Oscar Niemeyer. (Pampulha, Belo Horizonte, 1942)
A técnica, entretanto, manteve-se sempre como referência. Até o final de sua carreira, Niemeyer
espacializou geometrias inesperadas e expandiu as possibilidades formais do concreto armado,
mantendo o frescor da novidade em cada uma de seus projetos. Estes dois aspectos - a fidelidade à
lógica construtiva do concreto e a busca constante pela forma inédita e surpreendente - são centrais
em sua personalidade profissional. Se por um lado, contribuiu para uma especialização notável da
engenharia nacional, por outro construiu uma personagem de enorme ascendência sobre as
gerações seguintes sem, no entanto, apontar caminhos óbvios para eventuais seguidores.13

Desta condição, emerge sua estratégia projetual sofisticada, a procura da forma-síntese que realiza
a partir de uma geometria singela – explicada quase sempre por um simples traço – toda a
complexidade do discurso que a concebe. A evolução de sua obra é também a passagem da
figuração à abstração: a presença de elementos com citação literal à tradição colonial (azulejos) foi
abandonada, substituída por superfícies brancas contínuas.

É distância que separa a Igreja de São Francisco da Catedral de Brasília. Esta última é um tributo à
técnica: dezesseis peças de concreto curvam-se verticalmente e encontram-se no anel de
compressão a 20m do chão. A estrutura é a própria criação do espaço, da arquitetura; para além
dela, apenas vidro. Monumentalidade, solução dos programas e do uso, controle da incidência de luz
são todas questões solucionadas pelo mesmo gesto, que tampouco é perturbado pelo acesso, feito
por um túnel, ao longo do qual, pela penumbra, o visitante se prepara para o momento solene de
contraste com a luz.

[IMAGEM 16]
Croqui. Catedral Metropolitana, Oscar Niemeyer (Brasília, 1958)
Coleção Fundação Oscar Niemeyer

13
A arquitetura de Niemeyer é de tal forma singular que é difícil identificar arquitetos nas gerações seguintes
que reproduzam seus procedimentos formais e compositivos. Há, entretanto, a organização de escolas com
algum grau de coerência interna no Rio de Janeiro (com ascendência de Oscar Niemeyer, mas à qual não seria
justo restringir o alcance de sua obra) ou em São Paulo (também atenta à experiência carioca, mas nascida
num campo de formação distinto – a Escola Politécnica – que a tornou bastante particular).
[IMAGEM 17]
Catedral Metropolitana, Oscar Niemeyer (Brasília, 1958)
Foto: Felipe Noto

[IMAGEM 18]
Catedral Metropolitana, Oscar Niemeyer (Brasília, 1958)
Foto: Chico Rivers

O movimento moderno brasileiro tem seu mito de origem forjado pela articulação dos esforços
destas duas figuras seminais, Lucio Costa e Oscar Niemeyer, ao redor de um par de textos
panfletários14 e da construção do Ministério da Educação e Saúde (1936) e do Museu das Missões
(1937). Nasce, como já se disse, quase unânime, assumindo enfrentamentos das condicionantes
locais, o que o gabarita no contexto mundial como uma vanguarda nacional. E surge com foco nos
processos técnicos e históricos.
Se na equação ideologia de Lucio Costa a técnica teve o papel ético de situar a arquitetura em seu
lugar na história, para Niemeyer ela ganhou um protagonismo estético e evoluiu como uma
abstração sofisticada que sintetiza o conhecimento tecnológico em formas desconcertantemente

14
Razões da Nova Arquitetura (1934), Documentação Necessária (1938). In: COSTA, Lucio. Registro de uma
Vivência. São Paulo, Empresa das Artes, 1995.
simples, tornando-se uma manifestação vanguardista capaz de ser, ao mesmo tempo, genuinamente
autoral e nacional.
É esta a chave do enorme sucesso da obra de Niemeyer, que lhe garantiu um papel central no
contexto histórico e artístico brasileiro. Ela encerra o ciclo descrito por Lucio Costa ao se estabelecer
como herdeira de direito do saber barroco colonial, como seu desdobramento natural. Ganha, por
fim, a legitimidade ética de construtora da identidade nacional.
Na arquitetura Moderna do Brasil, em sua manifestação original, ética e estética são faces da mesma
moeda, ainda que construídas pela mais genial e personalista investigação formal.

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