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Notas de Leitura
INTERPRETAÇÕES DO PATRIMÔNIO
Ana Lúcia Cerávolo
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“[...] a partir da Revolução Francesa, afirma-se o entendimento da dimensão pública e coletiva


do patrimônio histórico, que proporcionou o controle público e estatal sobre os investimentos
para intervenções visando à conservação e restauração de bens.” (p.31)

“cada época e cada sociedade selecionam e valorizam os objetos a serem preservados,


reparando-os conforme o domínio técnico e as tecnologias disponíveis, ou modificando-os
parcial ou totalmente quando não se adaptam aos novos usos ou ideias.” (p.31)

Carta de Veneza 1964 representa a ampliação definitiva dos bens de interesse cultural: a
preservação não se destina apenas às obras de excepcional importância, mas também a todos os
bens que, com o tempo, adquiriram significação cultural. (p.32)

“Hoje, para que se estabeleça um repertório comum, o conceito de patrimônio cultural engloba
os bens mais tradicionais, como imóveis oficiais isolados, igrejas ou palácios, mas se estende
também a imóveis particulares, trechos urbanos e ambientes naturais de importância paisagística,
passando por imagens, mobiliário, utensílios e outros bens móveis. Abrange ainda tradições,
folclore, saberes, festas e diversos outros aspectos e manifestações, transmitidos oral ou
gestualmente, denominados patrimônio imaterial ou intangível, conforme define o IPHAN.”
(p.32)

Década de 1850: consagração do conceito de monumento histórico, de acordo com Choay. (p.32)

“As grandes transformações associadas à industrialização, que ocorrem durante o século XVIII e
início do XIX, têm impactos na área cultural e técnica.” (p.33)

Benevolo (ver História da Arquitetura moderna, p.35): “mudança na lógica comercial e na


atribuição de valor dos terrenos na área urbana” (p.33) - vertiginoso crescimento populacional
em algumas cidades.

“Esses fatores implicam um tempo menor de duração dos edifícios, que tendem a uma
longevidade maior antes da Revolução Industrial.” (p.33)

“Impõe-se um novo ritmo à transformação urbana. O valor do terreno que estava incorporado ao
valor do edifício passa a ter autonomia, numa dinâmica em que a vida do edifício é considerada
limitada, ou seja, o terreno adquire valor econômico independente.” (p.33)

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Benevolo (ver História da Arquitetura Moderna, p. 35-36): “[...] quanto mais rapidamente varia o
valor do terreno, mais curto se torna o ciclo econômico e a própria vida do edifício”. (p.33)

Sentimento nostálgico frente às mudanças + consciência de ruptura entre passado e presente =


reação à vida burguesa industrial (p.33)

Meados do século XIX: “novas formulações que refletem sobre a prática da restauração, são
criadas instituições públicas e privadas para proteção das edificações ‘antigas’ e novas leis são
elaboradas, visando à salvaguarda do monumento histórico-artístico” (p.34)

Viollet-le-Duc X Ruskin

1.1. A restauração como disciplina e a formulação do método de reintegração estilística

A legislação não garante a preservação dos bens.

Choay: tombar um monumento é diferente de preservá-lo fisicamente na prática. Século XIX


inventou os “arquitetos dos monumentos históricos”.

Choay (p.95-123): “ [...] na França, a revolução industrial foi menos determinante do que a
própria Revolução Francesa para a definição dos valores e sentidos do monumento histórico.
Desde o final do século XVIII, a França demonstra grande preocupação com o destino de uma
série de edificações e objetos eclesiásticos ou da nobreza que perderam seus proprietários e
função, passando a sofrer vandalismos frequentes” (p.35

“[...] Viollet-le-Duc exerce a Arquitetura em sua plenitude como profissional, atuando tanto em
projetos contemporâneos como em intervenções em monumentos. As concepções arquitetônicas
de seu tempo, assim, são fundamentais para compreender a extensão de sua contribuição para a
restauração” (p.36)

“O período Eclético, de maneira mais abrangente que o Renascimento, retoma os estilos


históricos, estendendo-se para além do Clássico, por outras épocas do passado.” (p.36)

Meados do século XVIII e todo o século XIX - Surgimento do Neoclássico, em oposição ao


Barroco, e depois o Neogótico

“Todas as atividades humanas, técnicas e artísticas, assim como expressões da natureza, foram
catalogadas e descritas pelos enciclopedistas do século XVIII e XIX, incluindo-se os elementos
de cada um dos estilos do passado.” (p.38)

“O rigor estilístico, constitutivo do ecletismo erudito, do qual Viollet-le-Duc era um dos maiores
expoentes, afirma sua postura por meio de restaurações que buscam a ‘unidade estilística’ da
obra, ou seja, o mesmo princípio que norteia sua Arquitetura. A historiografia é consensual em
considerar que, liderada pelo arquiteto francês, esta foi a primeira grande tendência moderna a
formular conceitualmente os procedimentos que estruturam a restauração e teve influência em
toda a Europa. Predominou durante um longo período e ainda é aplicada por diversos
restauradores. Para designar os seguidores de sua doutrina, utiliza-se ainda a denominação
‘método de reintegração estilística’” (p.39)

“Restaurar é, segundo a tendência ‘intervencionista’, fazer com que o edifício ou bem


patrimonial volte ao seu estado inicial, original, corrigindo imperfeições apresentadas que podem
ser frutos de acréscimos incultos ou de construções, como as medievais, que foram realizadas
durante longos períodos até sua conclusão.” (p.41)

“Para tanto, admite-se operação de supressão, correção e até mesmo criação, cancelando os
efeitos da degradação mediante a recuperação da forma original do monumento, removendo as
intervenções de outras épocas que interferiam na compreensão de seu estilo.” (p.41)

Citar pontos positivos da obra de VLD (CHoay, p.157): interesse pela história das técnicas e dos
canteiros de obra, valorização dos registros fotográficos, métodos para retirada das fachadas as
esculturas demasiadamente frágeis e ameaçadas, levantamento detalhado das condições
existentes da edificação, estudo do projeto original (ver também Cerávolo p. 41).

“enquanto Ruskin considera que o monumento mantém vivo o passado, para Viollet-le-Duc e
seus seguidores, o passado está irremediavelmente morto” (p.41)

1.2 A conservação e a ampliação do sentido do patrimônio

Corrente antirrestauradora ou conservacionista: Inglaterra, por volta de 1850.

John Ruskin (1819-1900) e William Morris (1834-1896)

“Propõe o entendimento do monumento como organismo vivo e considera ilegítimas as


intervenções para eliminar os efeitos do tempo sobre as edificações.” (p.42)

Naquele momento, “restauração” era entendida no sentido da reintegração estilística, praticada


por Viollet-le-Duc.

“Segundo Ruskin, seguido por Morris, é o trabalho das gerações predecessoras que confere o
caráter sagrado dos monumentos históricos. Assim, as marcas impressas durante os tempos
constituem sua essência. Essa postura diante do monumento desencadeia três corolários:
arquitetura é obra de arte; sua fruição deve ser dar no local de origem e o reconhecimento de que
a autenticidade é um atributo do monumento.” (p.42)

Morris (apud Choay p.125): “A tomada de consciência, cada vez mais forte, do presente, (...)
ligou-nos de tal modo ao passado que ele é parte integrante de nossa vida e mesmo de nosso
desenvolvimento. Esse fato, ouso dizer, nunca tinha acontecido antes.” (p.42-43)
1.3. Os debates na Itália sobre a preservação de monumentos

“Camillo Boito (1836-1914) é reconhecido por diversos autores como o formulador da primeira
importante teoria do restauro, que tenciona a oposição entre ‘reintegração estilística’ e
conservação, ou ‘artisticidade’ e ‘historicidade’, formuladas, respectivamente, por E. E.
Viollet-le-Duc e J. Ruskin.” (p.45)

“A tendência inaugurada por Boito, denominada ‘restauro moderno’, constitui uma proposta
intermediária entre as duas anteriores. Utiliza a conservação como método, mas aceita com
limitações a restauração, sobretudo como forma de consolidação dos bens históricos. Admite
contradições em suas próprias teorias, uma vez que considera a restauração um assunto em
formação.” (p.45)

Adições e reintegrações devem ser identificadas.


Todas as partes do edifício devem ser respeitadas como testemunhos da história, mas sem
deixá-lo cair em ruína passivamente (p.45)

Gustavo Giovannoni - “restauro científico”

Roberto Panne, Renato Bonelli e Cesare Brandi - “restauro crítico”

“O restauro crítico propõe uma reelaboração teórica, de caráter estético e filológico, em


decorrência da crise teórico-metodológica evidenciada pelos danos decorrentes da Segunda
Guerra Mundial. Cada intervenção deve constituir um caso em si, não classificável em categorias
(liberação, inovação, recomposição, etc.). Será, portanto, a própria obra, a partir do juízo crítico
do restaurador e de sua sensibilidade histórico-crítica, competência técnica e conhecimento de
história da arte e estética, ‘ a sugerir ao restaurador a via mais correta a ser empreendida’.” (p.47)

KÜHL: “Deu-se maior ênfase aos valores formais do que no período anterior - em que
predominou o valor documental da obra -, sem desrespeito, porém, aos aspectos históricos e às
várias fases por que passou o monumento ao longo de sua vida.” (p.47)

Segundo Kuhl, é do “dualismo entre os aspectos históricos e estéticos de uma mesma obra” que
emerge a teoria do restauro crítico”. (p.47)

“É relevante sublinhar que as teorias posteriores a Viollet-le-Duc e Ruskin são formas - ou


tentativas - de conciliar dois pensamentos, em princípios antagônicos, mas de suma importância
para pensar o patrimônio, sua preservação e os dilemas da relação entre passado, presente e
futuro.” (p.48)

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