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A PRAÇA MATRIZ DO DESUSO AO USO Espaços Públicos Urbanos Dialógicos View project
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Resumo
Na Europa, no século XIX, Ruskin, Viollet-le-Duc, Boito e Beltrami, seguidos de Gio-
vannoni e Brandi, entre outros no século XX, formularam as abordagens teóricas sobre a
conservação e a restauração dos monumentos. Também, em nível internacional, realizaram-
-se reuniões com o propósito da salvaguarda e restauração do patrimônio, manifestadas por
meio das cartas patrimoniais de Atenas (1931), de Veneza (1964), do Restauro (1972) e de
Burra (1980). Algumas delas norteiam, até hoje, as intervenções para a conservação, restaura-
ção e reabilitação do patrimônio arquitetônico.
Palavras-chave: método, patrimônio arquitetônico, teoria, restauração
Abstract
In Europe, in the XIX century, Ruskin, Viollet-le-Duc, Boito, Beltrami, and in the XX century,
Giovannoni and Brandi, among others, formulated the boards concerning preservation and monu-
ments restoration. Also, at the international level, meetings were realized with safeguard purpose and
restoration of heritage, manifested through patrimonium letters of Athens (1931), Venice (1964),
Restore (1972) and Burra (1980). Some of them still keep the conservation, restoration and rehabili-
tation of architectural heritage.
Keywords: method, architectural heritage, theory, restoration
Introdução hospitais, fábricas, entre outros. No século XX, com
o crescimento caótico das cidades,
Antes do século XVIII, as reformas dos edifícios
estavam voltadas apenas para sua adaptação às ne- [...] podemos diferenciar duas categorias: a primeira
cessidades da época, enquanto outros projetos de corresponde à dos países industrializados, onde se dá
a migração das populações mais abastadas em direção
reforma serviram de fonte de materiais para a cons-
dos subúrbios, consequência do uso de automóveis,
trução de novos edifícios. Em Roma, as obras de
abandonando as áreas centrais das cidades, que, assim,
restauração destacaram-se no período do governo
tendem a se deteriorar por deficiência de recursos.
francês (1798-1814), época em que a restauração era A segunda categoria corresponde à das cidades dos
voltada para sua recomposição ou para a consolida- países em desenvolvimento, caracterizando-se pela
ção do monumento, em que se utilizavam as partes maciça migração rural, que se instala em bairros mar-
originais ainda existentes (Salcedo, 2007). ginais carentes de serviços e de infraestrutura urbana.
No final do século XVIIII, a Revolução Francesa (Encontro Internacional de Arquitetos, 2004, p.237)
marcou uma época de destruições, vandalismos e
saques praticados contra as obras de arte e da arqui- Isso nos leva a constatar que o patrimônio cul-
tetura, com o intuito de destruir os símbolos da clas- tural e o patrimônio natural estão, cada vez mais,
se dominante. Em virtude disso, o Estado francês ameaçados de destruição, não somente pelos desas-
formulou a primeira legislação sobre a preservação tres naturais, mas também pelas mudanças da vida
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daquele patrimônio (Salcedo, 2007). social e econômica, resultando em fenômenos de al-
Nos anos finais do século XIX, houve o cresci- teração ou de destruição. Nesse contexto, na Europa,
mento urbano explosivo, com várias cidades pas- nos séculos XIX e XX, surgiram as primeiras abor-
sando da marca de milhão de habitantes, da forte dagens ou teorias sobre a conservação e a restaura-
migração para os centros urbanos, da mecanização, ção dos monumentos, algumas das quais norteiam,
da industrialização, da reorganização maciça dos até hoje, as restaurações arquitetônicas. Também em
ambientes construídos (Harvey, 1998, p.33). Nesse nível internacional, manifestadas por meio das car-
contexto, os arquitetos, os planificadores, os urba- tas patrimoniais, realizaram-se reuniões com o pro-
nistas e os administradores utilizaram a renovação pósito da salvaguarda do patrimônio arquitetônico.
urbana como solução para os problemas urbanos.
Assim, primeiro na Europa, depois na América, co-
locaram em prática a renovação urbana como solu- Restauração arqueológica
ção para os problemas urbanos. A Inglaterra adotou
uma legislação municipal e nacional de planejamen- Durante o primeiro terço do século XIX, nasceu
to bastante rigorosa. Restringiu a suburbanização, em Roma a teoria da restauração arqueológica para a
demoliu as habitações miseráveis e as substituiu conservação dos monumentos, com destaque para os
pelo desenvolvimento planejado, de alta densidade, trabalhos realizados pelos arquitetos Stern, Valadier,
com a construção de habitações populares, escolas, Camporesi,Camuccini,Canina e outros (Blanco,2008).
Para melhor compreensão do trabalho desses mentos e sua recomposição quando possível. Na
arquitetos, entende-se como restauro arqueológico: recomposição, há necessidade de diferenciar os ele-
mentos novos dos originais, por meio de imitações,
A operação realizada para completar ou consoli- com materiais novos, de forma a evidenciar a autenti-
dar os edifícios, uma vez estudados cientificamente, cidade do monumento e documentar a intervenção.
escavados e desenhados corretamente, para obter a Algumas restaurações voltadas para a arqueolo-
recomposição do monumento por meio da utiliza- gia foram realizadas em Roma, no século XIX, sendo
ção das partes originais ou, não sendo possível, deixar
os mais conhecidos os trabalhos realizados no Coli-
clara a diferença substancial das suas reproduções.
seu e no Arco de Tito. A restauração do Arco de Tito
(Blanco, 2008, p.130)1
foi executada por Stern e Valadier, entre 1817 e 1824.
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tava se afirmando como ciência. As formulações te- arqueológicos, do método comparativo entre os es-
óricas de Viollet-le-Duc (2006, p.29) sobre a restau- tilos, podendo ainda completar a obra segundo seu
ração estão enunciadas no Dictionnaire raisonné de estilo original.
l’architecture française du XIe au XVIe siècle, publi- A restauração de Viollet-le-Duc fundamentava-
cado em dez volumes entre 1854 e 1868: “Restaurar -se na hipótese de que algo incompleto pode ser
um edifício não é mantê-lo, repará-lo ou refazê-lo, reintegrado segundo a unidade estilística do perío-
é restabelecê-lo em um estado completo que pode do em que o edifício foi construído (Salcedo, 2000).
não ter existido nunca em um dado momento”. Por- Esse arquiteto formula a integridade estilística base-
tanto, o restaurador deve colocar-se e agir como o ada no conteúdo do conceito de unidade estilística,
arquiteto primitivo da obra em função dos estudos desenvolvido a partir de dois instrumentos:
Figura 2.4 – Igreja Notre Dame após a intervenção
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1. A história de cada época configurou o que per- arqueologia e a história da arte como sistema de de-
mite estabelecer, após os estudos arqueológicos, “as dução para conhecer, no edifício, as partes que se
regras gerais do estilo”; 2. seguindo o conhecimento devem reconstruir. Para Viollet-le-Duc, o ato de res-
dos estilos de cada época e aplicando-os ao projeto da taurar leva a seguir o estilo do edifício, por meio de
restauração de monumentos, poder-se-ão estabelecer uma interpretação filológica e científica, a partir do
os critérios analógicos do projeto de intervenção para
conhecimento da arqueologia e da história da arte.
conseguir a integração estilística. (Blanco, 2008, p.139)
O arquiteto restaurador “deve conhecer as for-
mas, os estilos pertencentes a cada edifício e a esco-
Portanto, a unidade estilística é a integração da la da qual proveio; deve ainda mais, se for possível,
obra segundo o estilo original. O método utiliza a conhecer sua estrutura, sua anatomia, seu tempe-
ramento, pois, antes de tudo, é necessário que ele o grações de obras inacabadas realizadas pelos segui-
faça viver” (Viollet-le-Duc, 2006, p.56). Além disso, dores do restauro estilístico, além de antirruskiano,
o arquiteto restaurador deve ser um construtor com porque defendia que, sob nenhum pretexto, não se
experiência e conhecer os procedimentos de cons- pode deixar morrer o edifício.
trução admitidos nas diversas escolas e nas diferen- Boito deve a Ruskin e a Morris sua concepção
tes épocas da arte. da conservação dos monumentos baseada na no-
Admite-se por princípio que “cada edifício ou ção de autenticidade: “Não se deve preservar ape-
cada parte de um edifício devam ser restaurados nas a patina dos edifícios antigos, mas os sucessivos
no estilo que lhes pertence, não somente como acréscimos devido ao tempo – verdadeiras estrati-
aparência, mas como estrutura” (ibidem, p.47). Tal ficações, comparáveis às da crosta terrestre” (Choay,
princípio é de grande importância na atualidade, 2001, p.165).
para quem procurar seguir a concepção de origem No Congresso dos Engenheiros e Arquitetos
na solução dos problemas estruturais; portanto, há Italianos realizado em Roma, em 1883, Boito (2003,
a necessidade de levantamentos pormenorizados p.21) propôs, no caso de monumentos históricos,
da situação atual por meio de documentos escritos critérios de intervenção, os quais, posteriormente,
ou gráficos que registrem a idade e o caráter de seriam adotados pelo Ministério da Educação para
cada parte. formular os seguintes princípios:
A prática da teoria estilística levou a restaurações
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agressivas ou historicizantes do edifício, bem como Ênfase no valor documental dos monumentos,
a reconstituições fantasiosas. Viollet-le-Duc, na res- que deveriam ser preferencialmente consolidados,
tauração da Notre Dame, alterou radicalmente seu reparados e restaurados; evitar acréscimos e reno-
perfil e modificou distintas partes, como na fachada, vações, que, se necessário, deveriam ter um caráter
onde acrescentou esculturas góticas espoliadas da diverso do original, mas não poderiam destoar do
Igreja de Santo André de Bordéus, considerada da conjunto; os acabamentos de partes deterioradas
mesma época (figuras 2.3 e 2.4). ou faltantes deveriam, mesmo se seguissem a for-
ma primitiva, ser de material diverso ou ter incisa a
data de sua restauração, ou, ainda, no caso das res-
Restauração moderna taurações arqueológicas, ter formas simplificadas; as
obras de consolidação deveriam limitar-se ao estri-
tamente necessário, evitando-se a perda dos elemen-
Camillo Boito, arquiteto, historiador, restaura-
tos característicos ou, mesmo, pitorescos; respeitar
dor, crítico, professor, literato e analista, nasceu em
as várias fases do monumento, sendo a remoção de
Roma, em 1835, e faleceu em Milão, em 1914. Ele
elementos somente admitida se tivessem qualidade
estabeleceu os princípios de uma nova restauração, artística manifestamente inferior à do edifício; regis-
defendendo a memória histórica do edifício, bem trar as obras, apontando-se a utilidade da fotografia
como a recuperação da imagem antiga sem o ex- para documentar a fase antes, durante e depois da
tremo da restauração estilística. Era contra as inte- intervenção, devendo o material ser acompanhado
de descrições e justificativas, bem como ser encami- esqueleto (ossatura) do edifício, deixando a esta-
nhado ao Ministério da Educação; colocar uma lápi- tuária e a decoração em deterioração. A restaura-
de com inscrições para apontar a data e as obras de ção arquitetônica, para os monumentos clássicos
restauro realizadas. e barrocos, que leve em conta os edifícios em sua
totalidade (ibidem).
Algumas propostas de Boito relacionadas à res- O método utilizado para as intervenções de res-
tauração estão na diferenciação entre o antigo e o tauração se fundamenta em
novo, no uso contemporâneo do edifício e na docu-
mentação da intervenção do edifício (antes, durante [...] análises aprofundadas da obra, procurando
e depois). Boito (2003, p.26) anuncia oito princípios aprender seus aspectos formais e técnico-constru-
na restauração para evidenciar que as intervenções tivos, baseado em estudos documentais e na ob-
não são antigas: servação, bem como em levantamentos métricos
do edifício. Fez-se largo uso de desenhos e também
[...] diferença de estilo entre o novo e o velho; diferen- de fotografias, examinando a configuração geral do
ça dos materiais de construção; supressão de linhas complexo e seus detalhes construtivos e ornamen-
ou ornatos; exposição das velhas partes removidas, tais. (Boito, 2003, p.13-4)
nas vizinhanças do monumento; incisão, em cada
uma das partes renovadas, da data da restauração ou Além disso, as intervenções de restauração
de um sinal convencionado; epígrafe descritiva gra- baseiam-se na arqueologia e no projeto moder-
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vada sobre o monumento; descrição e fotografia dos no, o qual consiste na recuperação do edifício de
diversos períodos das obras, expostas no edifício ou uma cultura morta para cumprir uma necessida-
em local próximo a ele, ou ainda descrições em publi- de contemporânea, que atenda à restituição his-
cações; notoriedade. tórica, estética, espiritual e material do edifício,
sem renunciar ao diálogo entre o antigo e o novo
Atualmente, esses princípios orientam grande (Blanco, 2008).
parte das restaurações. Boito (apud Choay, 2001) Na restauração arquitetônica, evidencia-se a re-
classifica a restauração arquitetônica baseada em levância dos valores históricos e estéticos do edifí-
três tipos de intervenção, de acordo com a idade cio, admitindo que a beleza possa prevalecer sobre
e o estilo dos edifícios: arqueológica, pictórica e o valor histórico. Como exemplo das restaurações
arquitetônica. Restauração arqueológica, para os de Boito está o Palácio Cavalli-Franchetti, em Ve-
monumentos da Antiguidade, “que busque, antes neza (figuras 2.5 e 2.6).
de tudo, a exatidão científica e, em caso de recons-
tituição, considere apenas a massa e o volume,
deixando de certo modo em branco o tratamen- Restauração histórica
to das superfícies e sua ornamentação” (Choay,
2001, p.166). Restauração pitoresca para os monu- O italiano Luca Beltrami (1854-1933), aluno de
mentos góticos, principalmente a restauração do Camillo Boito em Milão, adotou, na restauração,
Figura 2.5 – Palácio Cavalli-Franchetti, em Veneza, antes da Figura 2.6 – Palácio Cavalli-Franchetti após a restauração de
restauração Boito, Manetti e Matscheg
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Esses princípios são importantes, na medida em [...] se a adição deturpa, desnatura, ofusca, subtrai par-
que se recomendam intervenções de restauro, prin- cialmente à vista a obra de arte, essa adição deve ser
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cipalmente quando as integrações na obra são reali- removida e se deverá ter o cuidado apenas, se possí-
zadas com materiais de fácil remoção, de modo a fa- vel, com a conservação à parte, com a documentação
cilitar futuras intervenções. Na restauração da peça e com a recordação da passagem histórica que, desse
de um monumento, deve-se identificar a peça pri- modo, é removida e cancelada do corpo vivo da obra.
mitiva ou original, por meio do uso de materiais ou (ibidem, p.84)
cores semelhantes, de forma a preservar a unidade
potencial da obra e facilitar a leitura da intervenção. Numa obra de arte, surgem as seguintes ques-
Brandi (2004) ressalta que o ato de restauração tões: “Qual das duas instâncias se impõe?” e “Será
pode ser realizado segundo duas instâncias – histo- aquela que tem a maior importância na obra de
ricidade e estética –, de forma a nortear aquilo que arte?”. No entanto, antes devemos considerar que
pode ser o restabelecimento da unidade potencial cada caso é um caso.
da obra de arte, sem produzir um falso histórico,
nem perpetuar uma ofensa estética. Na restauração,
segundo a instância histórica, Cartas patrimoniais
[...] a adição sofrida por uma obra de arte é um novo A Carta de Atenas (Sociedade das Nações, 2004,
testemunho do fazer humano e, portanto, da história: p.13) ressalta que, na restauração, se respeite a obra
nesse sentido a adição não difere da cepa originária e histórica e artística do passado, sem prejudicar o es-
tilo de nenhuma época, e também recomenda que Quando as técnicas tradicionais se revelam
se mantenha uma utilização dos monumentos com inadequadas na consolidação do monumento, a
usos que respeitem seu caráter histórico ou artístico. Carta de Veneza de 1964 recomenda que a restau-
Para evitar os riscos de desagregação dos ele- ração:
mentos a serem conservados, a Carta de Atenas
(ibidem, p.15) recomenda “o emprego adequado de [...] pode ser assegurada com o emprego de todas as
todos os recursos da técnica moderna e, especial- técnicas modernas de conservação e construção cuja
mente, do cimento armado”. Ela, porém, especifica eficácia tenha sido demonstrada por dados científi-
que esses meios de reforço devem ser “dissimulados cos e comprovada pela experiência.
salvo impossibilidade, a fim de não alterar o aspecto As contribuições válidas de todas as épocas para
e o caráter do edifício a ser restaurado”. Em se tra- a edificação do monumento devem ser respeitadas,
tando de ruínas, dever-se-á realizar a conservação visto que a unidade do estilo não é a finalidade a
alcançar no curso de uma restauração. Quando um
escrupulosa, “com a recolocação em seus lugares
edifício comporta várias etapas de construção su-
dos elementos originais encontrados (‘anastilose‘),
perpostas, a exibição de uma etapa subjacente só se
cada vez que o caso permita; os materiais novos
justifica em circunstâncias excepcionais e quando o
deverão ser sempre reconhecíveis” (ibidem, p.16).
que se elimina é de pouco interesse e o material que é
Essa recomendação é de concordância com os prin- revelado é de grande valor histórico, arqueológico ou
cípios estabelecidos por Boito e muda o conceito de estético e seu estado de conservação é considerado
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restauro, defendido por Viollet-le-Duc, no qual os satisfatório. (ibidem, p.93-4)
materiais e as técnicas de restauro deveriam ser au-
tênticos em relação à construção original.
Essa nova abordagem elimina o conceito de uni-
Na Carta de Veneza de 1964, a restauração é de-
dade estilística de Viollet-le-Duc e, pelo contrário,
finida da seguinte maneira:
considera que se devem respeitar os diferentes esti-
Como uma operação que deve ter caráter excep-
los do edifício. Em relação aos acréscimos, a Carta
cional. Tem por objetivo conservar e revelar os valores de Veneza de 1964 expressa:
estéticos e históricos do monumento e fundamenta-
-se no respeito ao material original e aos documen- [...] os elementos destinados a substituir as partes fal-
tos autênticos. Termina onde começa a hipótese; no tantes devem integrar-se harmoniosamente ao con-
plano das reconstituições conjeturais, todo trabalho junto, distinguindo-se, todavia, das partes originais, a
complementar reconhecido como indispensável, por fim de que a restauração não falsifique o documento
razões estéticas ou técnica, destacar-se-á da com- de arte e de história.
posição arquitetônica e deverá ostentar a marca de Os acréscimos só poderão ser tolerados na medi-
nosso tempo. A restauração será sempre precedida e da em que respeitarem todas as partes interessantes
acompanhada de um estudo arqueológico e histórico do edifício, seu esquema tradicional, o equilíbrio de
do monumento. (Conselho Internacional dos Monu- sua composição e suas relações com o meio ambiente.
mentos e Sítios, 2004a, p.93) (ibidem, p.94)
Podemos dizer que a Carta de Veneza de 1964 4. modificações ou inserções de caráter susten-
sofre a influência da teoria de restauro de Brandi, no tante e de conservação da estrutura interna ou no
que diz respeito à conservação dos estilos que se apre- substrato ou suporte, desde que, uma vez realizada a
sentam no edifício e em relação a seus acréscimos. operação, na aparência da obra vista da superfície não
Outra importante contribuição para a restau- resulte alteração nem cromática nem de matéria;
5. nova ambientação ou instalação da obra, quan-
ração dos monumentos está expressa na Carta do
do já não existirem ou houverem sido destruídas a
Restauro de 1972 (Governo da Itália, 2004, p.148),
ambientação ou instalação tradicionais, ou quando as
na qual se define o conceito de salvaguarda como
condições de conservação exigirem sua transferência.
(Governo da Itália, 2004, p.149-50)
[...] qualquer medida de conservação que não im-
plique na intervenção direta sobre a obra; entende-
-se por restauração qualquer intervenção destinada A Carta do Restauro de 1972 acrescenta às anterio-
a manter em funcionamento, a facilitar a leitura e a res cartas patrimoniais e às teorias de Boito e Brandi a
transmitir integralmente ao futuro as obras e os obje- documentação necessária para o projeto de restauro:
tos definidos nos artigos precedentes.
A realização do projeto para restauração deverá ser
Ainda em relação à salvaguarda e à restauração, a precedida de um exaustivo estudo sobre o monumen-
Carta do Restauro de 1972 admite as seguintes ope- to, elaborado de diversos pontos de vista (que estabe-
rações ou reintegrações: leçam a análise de sua posição no contexto territorial
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ou no tecido urbano, nos aspectos tipológicos, das ele-
1. aditamentos de partes acessórias de função vações e qualidades formais, dos sistemas e caracteres
sustentante e reintegrações de pequenas partes veri- construtivos etc.), relativo à obra original, assim como
ficadas historicamente, executadas, se for o caso, com aos eventuais acréscimos ou modificações. Parte in-
clara determinação do contorno das reintegrações, ou tegrante desse estudo serão pesquisas bibliográficas,
com adoção de material diferenciado, embora har- iconográficas e arquivísticas etc., para obter os dados
mônico, facilmente distinguível ao olhar, particular- históricos possíveis. O projeto basear-se-á em uma
mente nos pontos de enlace com as partes antigas e, completa observação gráfica e fotográfica, interpreta-
além disso, com marcas e datas onde for possível; [...] da também sob o aspecto metrológico, dos traçados
3. “anastilose”, documentada com segurança, re- reguladores e dos sistemas proporcionais e compreen-
composição de obras que se tiverem fragmentado, derá um cuidadoso estudo específico para a verifica-
assentamento de obras parcialmente perdidas, re- ção das condições de estabilidade. (ibidem, p.157)
construindo as lacunas de pouca identidade com
técnica claramente distinguível ao olhar ou com zo- Além disso, a Carta do Restauro de 1972 expressa:
nas neutras aplicadas em nível diferente do das par-
tes originais, ou deixando à vista o suporte original [...] qualquer intervenção deve ser previamente estu-
e, especialmente, jamais reintegrando ex novo zonas dada e justificada por escrito e deverá ser organizado
figurativas ou inserindo elementos determinantes da um diário de seu desenvolvimento, a que se anexará a
figuração da obra; documentação fotográfica de antes, durante e depois
da intervenção. Serão documentadas ainda todas as 2. Renovação funcional dos elementos internos,
eventuais investigações e análises realizadas com o que se há de permitir somente nos casos em que
auxílio da física, da química, da microbiologia e de resultar indispensável para efeitos de manutenção
outras ciências. (ibidem, p.150) em uso do edifício. Nesse tipo de intervenções é
de fundamental importância o respeito às pecu-
Vê-se, então, a necessidade de documentar qual- liaridades tipológicas e construtivas dos edifícios,
quer intervenção no edifício, com o objetivo de nele proibidas quaisquer intervenções que alterem suas
facilitar futuros estudos e intervenções. A Carta do características como o vazado da estrutura ou a
Restauro de 1972 recomenda algumas especifica- introdução de funções que deformarem excessiva-
mente o equilíbrio tipológico-estrutural do edifí-
ções técnicas para a restauração:
cio. (ibidem, p.169)
No caso de paredes em desaprumo, por exemplo,
mesmo quando sugiram a necessidade peremptória Portanto, na restauração dos edifícios, há a ne-
de demolição e reconstrução, há que se examinar cessidade de respeitar a tipologia, o sistema cons-
primeiro a possibilidade de corrigi-los sem subs- trutivo para a definição do uso compatível, de
tituir a construção original. [...] A eventual substi- forma a evitar sua descaracterização. Também, na
tuição de paramentos murais [...] deverá ser sempre Carta do Restauro de 1972, tal como Brandi, admi-
distinguível dos elementos originais, diferenciando te-se a conservação da pátina da pedra, e assim deve
os materiais ou as superfícies de construção recente; ser por evidentes razões históricas, estéticas e tam- 41
mas, em geral, resulta preferível realizar em toda a bém técnicas, já que ela desempenha uma função
extensão do contorno da reintegração uma sinali-
protetora como ficou demonstrado pelas corrosões
zação clara e persistente, que mostre os limites da
que se iniciaram a partir das lacunas da pátina. Po-
intervenção. Isso poderá ser conseguido com uma
dem-se eliminar as matérias acumuladas sobre as
lâmina de metal adequado, com uma série contínua
pedras-detritos, pó, fuligem, fezes de pombo e ou-
de pequenos fragmentos de ladrilho, ou com frestas
visíveis, mais ou menos largas e profundas, segundo tros, usando apenas escovas vegetais ou jatos de ar
o caso. (ibidem, p.158) com pressão moderada (ibidem, p.158).
A Carta de Burra de 1980 contém as definições
Em relação à intervenção em nível edilício, a e as recomendações para a conservação, a restaura-
Carta do Restauro define dois tipos: ção, a manutenção, a preservação, a reconstrução, a
adaptação e o uso compatível:
1. Saneamento estático e higiênico dos edifícios,
que tende à manutenção de suas estruturas e a uma • o termo conservação designará os cuidados a serem
utilização equilibrada [...]. Nesse tipo de intervenção dispensados a um bem para preservar-lhe as caracte-
é de particular importância o respeito às particulari- rísticas que apresentem uma significação cultural. De
dades tipológicas, construtivas e funcionais do edifí- acordo com as circunstâncias, a conservação impli-
cio, evitando qualquer transformação que altere suas cará ou não na preservação ou na restauração, além
características. da manutenção; ela poderá, igualmente, compreender
obras mínimas de reconstrução ou adaptação que tância, nem modificações que sejam substancialmen-
atendam às necessidades e exigências práticas. te reversíveis ou que requeiram um impacto mínimo.
• o termo manutenção designará a proteção contínua (Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios,
da substância, do conteúdo e do entorno de um bem 2004b, p.247-8)
e não deve ser confundido com o termo reparação.
A reparação implica a restauração e a reconstrução, e
assim será considerada. Considerações finais
• a preservação será a manutenção no estado da subs-
tância de um bem e a desaceleração do processo pelo As intervenções para a conservação, restaura-
qual ele se degrada. ção e reabilitação dos bens culturais se baseiam nas
• a restauração será o restabelecimento da substância teorias e nos princípios sobre a restauração. As in-
de um bem em um estado anterior conhecido.
tervenções projetuais em conjuntos históricos, edi-
• a reconstrução será o restabelecimento, com o máxi-
fícios de interesse histórico, arquitetônico e cultural,
mo de exatidão, de um estado anterior conhecido; ela
devem ser realizadas com discernimento e respon-
se distingue pela introdução na substância existente de
sabilidade cultural e social.
materiais diferentes, sejam novos ou antigos. A recons-
trução não deve ser confundida, nem com a recriação, Qualquer intervenção de restauração deve ba-
nem com a reconstituição hipotética, ambas excluídas sear-se em estudos científicos sobre o monumento,
do domínio regulamentado pelas presentes orientações. desde a análise dos documentos históricos, icono-
42 • a adaptação será o agenciamento de um bem a uma nova gráficos e métricos, dos sistemas construtivos e da
destinação,semadestruiçãodesuasignificaçãocultural. patologia dos materiais, até a proposta projetual,
• o uso compatível designará uma utilização que não considerando os aspectos históricos e estéticos da
implique mudança na significação cultural da subs- construção.
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