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Fichamento de livro: Restauro, de Viollet-le-

Duc

O texto se inicia com uma consideração acerca do conceito de


restauração, que para Viollet-le-Duc não significa o ato de conservar,
reparar ou refazer a obra, mas restitui-la a “um estado de inteireza que
pode jamais ter existido em um dado momento”. Le-Duc viveu na França
em uma época em que a restauração se firmava como ciência, e logo ele
afirma que tanto a palavra como a coisa são modernas. A partir de
então ele desenvolve o texto na busca do significado da palavra restauro
na história das civilizações. Ele evidencia que na Ásia, sempre que um
templo ou palácio estivesse degradado pela ação do tempo, construía-se
outro ao seu lado, enquanto isso, na Roma Antiga, refazia-se os
edifícios. Ele deixa sua visão de restauração quando cita que os gregos
“longe de restaurar, ou seja, de reproduzir exatamente as formas dos
edifícios que tinham sofrido degradações”, imprimiam a marca de sua
época nos trabalhos que julgassem necessários.
Mais adiante podemos perceber sua visão positivista quando diz
que o tempo em que viveu assumiu, até então, postura singular em
relação ao passado, procurando “analisá-lo, compará-lo, classificá-lo e
formular sua verdadeira história” seguindo os progressos da
humanidade. Para ele, esta necessidade de analisar o passado, deve-se
justamente à rapidez dos progressos, e tal trabalho retrospectivo
proporcionaria a previsão de problemas futuros, facilitando, por
consequência, suas soluções.
O que distingue a sua época é exatamente o estudo menos parcial
do passado, provocando o renascimento político, social, filosófico,
artístico e literário e, logo, os perscrutadores do passado são obrigados
a vencer os preconceitos das pessoas que veem nestas ações a perda de
tradição.
Passadas estas constatações, Viollet-le-Duc fala sobre a reação
dos arquitetos e o desenvolvimento da arquitetura, quando comparada
às outras artes. Segundo ele, por volta do fim do primeiro quarto do
século, os estudos literários sobre a Idade Média estavam bastante
desenvolvidos, enquanto os arquitetos não tinham sequer superado seus
preconceitos aos arcos ogivais das catedrais góticas. As igrejas
medievais, devastadas durante a Revolução, estavam abandonadas
desde então. Segundo ele, “em todo caso, estas frases vazias, fizeram
com que diversos artistas se pusessem a examinar com curiosidade
estes restos dos séculos de ignorância e de barbárie com a ajuda do
Museu dos Monumentos Franceses, e de algumas coleções. (...) Era
necessário esconder-se para desenhar aqueles monumentos construídos
pelos godos, como diziam alguns doutos personagens.” O autor então
cita o espírito crítico de Vitet, que em 1830 foi nomeado Inspetor Geral
dos Monumentos Franceses e, no ano seguinte, endereçou ao Ministro
do Interior um relatório sobre as inspeções feitas por ele das províncias
do Norte, considerado uma obra prima nesse gênero de estudos. Le-Duc
acreditava que se este gênero de trabalho, aplicado aos monumentos
medievais, poderia gerar resultados ainda mais úteis. Para ele, Vitet foi
o primeiro a se preocupar com o restauro criterioso dos monumentos
antigos e a formular ideias práticas sobre o assunto, além de fazer
intervir a crítica neste tipo de trabalho.
Le-Duc também cita a obra História da Catedral de Noyon, escrita
por Vitet anos mais tarde, em que constata as etapas percorridas pelos
estudiosos e pelos artistas ligados ao mesmo estudo: “Com efeito, para
conhecer a história de uma arte, não é suficiente determinar os diversos
períodos por ela percorridos em um determinado lugar; é necessário
também seguir sua trajetória em todos os lugares em que foi produzida,
indicar as variedades das formas de que sucessivamente se revestiu e
traçar o quadro comparativo de todas estas variantes, levando em
consideração não só cada nação, mas cada província de um mesmo
país”. Seria necessário citar boa parte de seu texto para demonstrar o
quanto progrediu no estudo das artes medievais.
Já em 1835, Vitet havia abandonado a Inspeção Geral dos
Monumentos Franceses para presidir a Comissão dos Monumentos
Históricos e suas funções agora eram confiadas a P. Merimée e é em
torno destes dois estudiosos que se forma o primeiro núcleo de artistas
com o intuito de penetrar no conhecimento íntimo destas artes
esquecidas. Nesta época, foram executados muitos restauros, muitos
edifícios foram não só estudados, mas também preservados da ruína, na
França.
O autor evidencia novamente que o programa de um restauro era
então algo inteiramente novo. Para ele, os restauros realizados
anteriormente não eram outra coisa senão substituições ou composições
fantasiosas, mas que tinham a pretensão de reproduzir formas antigas.
A Igreja de Saint-Denis foi o local onde se exercitaram os primeiros
artistas que se interessaram pelo restauro. Le-Duc diz que durante trinta
anos a construção sofreu todas as mutilações possíveis e foi necessário
detê-los para retornar ao programa de restauro fixado pela Comissão
dos Monumentos Históricos.
Tal programa promove que cada edifício ou parte deste deve ser
restaurado no estilo que lhe é próprio, não só como aparência, mas
também em sua estrutura. Portanto, é necessário antes de qualquer
trabalho de reparação, o conhecimento da época e o caráter de cada
parte, segundo ele “compor uma espécie de dossiê apoiado em
documentos seguros, seja através de notas escritas, seja de
levantamentos gráficos”. Mais a frente, ele diz que os monumentos de
certa época e de certa escola podem ser restaurados por artistas de fora
da província em que está o edifício e que isso pode levar a questões
como quando se trata de restaurar, quer sejam as partes primitivas ou
não, deve-se restabelecer a unidade de estilo comprometida, ou então
reproduzir o todo com as modificações posteriores? Para ele, a escolha
severa de uma das alternativas pode apresentar riscos. Por isso, o
arquiteto encarregado por um projeto de restauro deve ser um
construtor hábil e experiente e deve conhecer os processos construtivos
adotados nas mais variadas épocas e escolas de arte.
O autor então segue seu texto com várias demonstrações de como
se deve prosseguir em diversas ocasiões, fazendo sempre valer a ideia
de que princípios absolutos podem conduzir a absurdos, quando falamos
de restauração. No caso de se refazer partes de monumentos dos quais
não restam vestígios, por necessidades construtivas ou para completar
uma obra mutilada, o arquiteto encarregado deve se imbuir do estilo
próprio do monumento cujo restauro lhe foi confiado. A visão positivista
do autor se revel novamente quando ele diz que “existe uma regra
dominante que é necessário sempre ter presente: não substituir as
partes retiradas senão por outras, executadas com materiais melhores,
mais duráveis e perfeitos” para que o edifício passe ao futuro com uma
duração maior do que a que ele teve até então.
Outra observação é que cada elemento deve ser proporcionado em
relação ao monumento para o qual foi composto. Caso a proporção seja
alterada, o elemento tornar-se-á disforme. Além disso, deve-se reforçar
as partes novas, aperfeiçoando o sistema estrutural para atingir maiores
resistências, estudando previamente o comportamento deste sistema. A
escolha dos materiais também faz parte dos trabalhos de restauro, e
todos material retirado deve ser substituído por um de qualidade
superior. Deve-se sempre ter meios de prevenir acidentes, para inspirar
confiança aos operários e também prever qualquer consequência
durante o processo.
Para Viollet-Le-Duc os trabalhos de restauro forçaram os
arquitetos a somar conhecimentos, a se relacionarem mais com os
operários, a instruí-los e formar núcleos. Outra consequência benéfica
foi que importantes indústrias ressurgiram, que a execução da obra
muraria tornou-se mais cuidadosa e que o emprego de materiais se
difundiu. A busca por recursos fez com que métodos regulares como a
contabilidade ou a gestão de canteiros tivessem início, nessa época. O
hábito de resolver problemas em construções foi introduzido nas
comunidades, que até então mal construíam casas simples.
A partir de então o autor faz menção ao processo de centralização
administrativa ocorrido na França, fala sobre suas inegáveis vantagens,
mas fala também sobre desvantagens, já que as localidades secundárias
ficavam excluídas de qualquer progresso artístico. Le-Duc fala sobre os
trabalhos de restauro realizados na França sob a direção da Comissão
dos Monumentos Históricos e do Serviço dos edifícios ditos diocesanos:
“não só salvaram da ruína obras de incontestável valor, como também
prestaram um serviço imediato”. Para ele, estes trabalhos combateram,
até certo ponto, os perigos da centralização administrativa no âmbito
dos trabalhos públicos.
Ao retornar às dificuldades que se apresentam aos arquitetos
restauradores e a indicação de um programa proposto por pessoas de
espírito crítico, o autor diz que tais dificuldades não se limitam a fatos
materiais uma vez que os edifícios restaurados tem uma destinação, não
se pode negligenciar este aspecto de utilidade, para fechar-se
inteiramente no papel do restaurador de antigas disposições fora de uso.
O edifício não deve ser menos cômodo após a restauração, pelo
contrário. O autor deixa claro que o melhor meio de conservação de um
edifício é dar-lhe uma destinação, desde que satisfaça plenamente todas
as necessidades que esta destinação impõe e sem que seja necessária
alguma mudança. “O melhor a fazer é colocar-se no lugar do arquiteto
primitivo e supor o que ele faria”. Sobre a colocação de novos
elementos, principalmente aqueles que podem aumentar o conforto dos
usuários ou os que podem evitar acidentes, Le-Duc diz “não devem ser
adotados senão em casos extremos; mas é necessário também convir
que eles são muitas vezes impostos por necessidades imperiosas; (...)
para evitar mutilações e acidentes, é compreensível”.
A fotografia parece ter assumido um papel importante nos estudos
científicos e no restauro dos edifícios antigos. Com os meios comuns da
época, como o desenho e a câmera clara, era comum cometer algum
esquecimento, descuidar de vestígios pouco evidentes, mas com a
câmera fotográfica as imagens são irrefutáveis e se tornam documentos
que podem ser consultados sempre. Sobre isso, ele diz que “nos
restauros jamais será excessivo o uso da fotografia, pois muito
frequentemente se descobre num negativo aquilo que passara
despercebido no próprio monumento”
O autor finaliza seu verbete atentando para que no âmbito do
restauro, um princípio dominante é aquele que leva em conta cada
indício indicativo de uma disposição. “O arquiteto só deve ficar
inteiramente satisfeito e colocar os operários na obra quando encontrar
a combinação que melhor e mais simplesmente se adeque. (...) Decidir
uma disposição a priori, sem tê-la confrontado com todas as
informações necessárias, significa cair no hipotético, e nada é mais
perigoso que a hipótese”.

Conclusão:
Viollet Le-Duc ao negar o ato de conservar, reparar ou refazer,
afirma a restituição da obra, ou seja, a reprodução de sua forma
original, como o conceito que fundamenta a restauração. Em toda a
modernidade do conceito e da prática da restauração em sua época,
podemos destacar a visão racionalista e positivista em várias partes de
sua fala, principalmente quando aborda o futuro das edificações
restauradas.
Para ele, a arquiteto restaurador deve se conscientizar das formas
e estilos do objeto a ser restaurado, bem como sua identificação ao
longo da história da arte, ter postura crítica e analítica a partir de seu
conhecimento, além das técnicas utilizadas para sua construção, sua
estrutura, anatomia e temperamento, pois antes de tudo, é necessário
que se reviva a arquitetura. O arquiteto deve compreender a obra como
se fosse de sua própria concepção. Tendo em mãos os meios
condizentes para a reparação do edifício e dominando as técnicas
necessárias, o arquiteto poderá iniciar seus trabalhos de restauração.
Outra observação importante é que o profissional não deve seguir uma
conduta rígida e absoluta no que desrespeito às decisões a serem
tomadas diante de dificuldades comuns no processo da restauração.
Escolhas severas podem apresentar riscos à obra. Porém, afirma que
tais dificuldades não estão limitadas a fatos materiais uma vez que os
edifícios restaurados devem ter uma destinação e o melhor meio de
conservação de um edifício é exatamente dar-lhe uma destinação.
Os trabalhos de restauro tiveram várias consequências benéficas
para toda a comunidade, pois forçaram os arquitetos a somar
conhecimentos e a formar núcleos. O hábito de resolver problemas em
construções foi introduzido nas comunidades, que até então mal
construíam casas simples. A busca por recursos fez com que métodos
regulares como a contabilidade ou a gestão de canteiros tivessem início,
nessa época. E a invenção da fotografia como a temos hoje parece ter
assumido um papel essencial nos estudos científicos e no restauro dos
edifícios antigos.

Referências bibliográficas:
VIOLLET-LE-DUC, Eugène Emmanuel; DOURADO, Odete (apres.
e trad.). Restauro. Salvador: Mestrado em Arquitetura e
Urbanismo/UFBA, 1996.

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