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INTERVENÇÕES NA PAISAGEM CULTURAL: A CONTRIBUIÇÃO DAS TEORIAS DA


RESTAURAÇÃO PARA O ENFRENTAMENTO DOS VAZIOS URBANOS EM
CONTEXTOS HISTÓRICOS

Conference Paper · August 2010

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Raquel Diniz Oliveira


Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais
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INTERVENÇÕES NA PAISAGEM CULTURAL: A CONTRIBUIÇÃO DAS


TEORIAS DA RESTAURAÇÃO PARA O ENFRENTAMENTO DOS VAZIOS
URBANOS EM CONTEXTOS HISTÓRICOS.

Oliveira, Raquel Diniz

Universidade Federal de Minas Gerais. Departamento de Tecnologia da Arquitetura e do Urbanismo


Endereço Postal: Rua Paraíba, 697. Funcionários. Belo Horizonte – MG. CEP: 30130-140.
E-mail: raqueldo@gmail.com

RESUMO
Este artigo aborda o tema dos vazios urbanos em conjuntos históricos, destacando a inevitável relação entre o
antigo e o novo, além da utilização de intervenções em patrimônio histórico como mecanismo para a
valorização dessas áreas e preservação da memória coletiva.

Para tanto, pretende-se enfocar alguns conceitos de restauração, com base em Leon Battista Alberti (1404-
1472), Tomás Morus (1478-1535), John Ruskin (1819-1900), Eugène Viollet-Le-Duc (1814-1879), Alöis Riegl
(1858-1905), Cesare Brandi (1906-1988) e Camillo Boito (1836-1914). Em seguida, buscar-se-á identificar como
as citadas teorias poderiam ser aplicadas ao tratamento de lacunas.

Ao final, espera-se contrastar essas teorias, extraindo, de cada uma, os aspectos que mais se compatibilizam
com a praxis contemporânea. Para tanto, buscar-se-á analisar alguns casos significativos em que a intervenção
em lacunas na paisagem cultural permite grandes discussões e polêmica acerca das soluções escolhidas.
Em suma, espera-se por meio da análise e apresentação de alguns casos referentes as lacunas urbanas em
paisagens culturais contribuir, ainda que de forma singela, para a discussão e enfrentamento do tema.

Neste contexto, buscar-se-á analisar cinco casos significativos em que a intervenção em lacunas na paisagem
cultural permite grandes discussões e polêmica acerca da escolha de uma dentre as várias soluções possíveis
de serem implementadas.
Palavras-chave: Vazio. Centro histórico. Teorias de Restauração. Monumentos.

1. INTRODUÇÃO
Um mesmo fenômeno pode ser enxergado de distintas formas, conforme os valores e
concepções do observador, resultando em percepções diversas de um mesmo fato. Nesse
contexto, é de se esperar que os muitos pensadores que se dedicaram ao tema da
restauração divirjam quanto à solução proposta para um dado problema. Em alguns casos,
inclusive, as soluções apresentadas são diametralmente opostas e, por isso, mutuamente
excludentes.
Não obstante, pretende-se transpor o raciocínio de alguns autores para a praxis da
Arquitetura e Urbanismo, especificamente para o problema do tratamento de lacunas em
conjuntos históricos, a fim de extrair, de cada um deles, um ou mais aspectos de sua teoria
1
que decisivamente contribuiriam para a solução dos problemas atuais. Para isso é preciso,
primeiro, citar brevemente os pontos nodais de seu raciocínio e, ao final, aplicá-lo a alguns
casos hipotéticos, de modo a inferir como cada autor se portaria diante de lacunas em
conjuntos históricos. Em seguida, a autora faz uma síntese dos principais pontos dessas
teorias, cuja aplicação se revela atual, ilustrando-os com base em exemplos atuais.
Contradições à parte, algumas teorias contém idéias que ainda se mostram atuais para
auxiliar na orientação e fundamentação de como intervir em lacunas. Deste modo, surge a
questão de manter o vazio decorrente da lacuna como está, refazer um edifício destruído tal
como era ou propor nova arquitetura.

2. A IDÉIA DE RESTAURAÇÃO EM ALBERTI E MORUS.


O livro X do tratado De Re Aedificatoria, de Leon Battista Alberti, discorre sobre o tema da
restauração e conservação de edifícios desgastados pelo tempo, pela natura ou pelos
próprios homens. Para ele, ainda que se construa para durar, a degradação é um estado
natural que será substituído por construções posteriores. Portanto, o restauro contínuo se
transforma em um combate incessante à natureza. Isto se assemelha ao conflito entre a virtù
e a destruição da fortuna1. O homem albertiano deve sempre combater a natureza, o tempo,
a fortuna, seus semelhantes e a si próprio. Deve, ainda, esforçar-se para apreender os bons
costumes e manter a virtù, protegendo o bene beateque vivendum. A virtù combate a própria
natureza humana contra o estado natural onde impera a fortuna. Ainda segundo o referido
autor, somente educando e exercitando a virtù o homem se salva, harmoniza-se com os
outros e controla a fortuna. (BRANDÃO, 2000: 103-108; 192-193).
Nesse contexto, a Arquitetura constitui importante instrumento para controlar os impulsos
humanos, evitando tanto a destruição natural, inerente à passagem do tempo, quanto a
degradação moral 2. Aliás, quanto mais rica a Arquitetura, maior a chance de se sujeitar à
fortuna e destruição dos homens3. Por esse raciocínio, o edifício constitui uma demonstração
perene da virtù ao longo do tempo, devendo merecer constantes esforços de restauração 4,
delatando os ornamentos inúteis e ressaltando o emprego da frugalidade (mediocritas).
Ressalte-se, apenas, que não se pode simplesmente restabelecer o passado, pois a história
decorre da inter-relação do pensamento com o presente. (BRANDÃO, 2000: 250-251; 257;
286)5.
Ao contrário do De Re Aedificatoria, o texto Utopia6, de Tomás Morus, destaca a nostalgia do
passado, a previsão das transformações sociais e o conformismo com a subversão.
Enquanto o princípio albertiano foca-se na imutabilidade do espaço, alterado apenas em
virtude de circunstâncias e necessidades excepcionais, Morus defende um modelo de
espaço passível de duplicações. Este autor concebeu uma utopia relacionada ao
planejamento da cidade, compreendendo-a como algo completo, um núcleo imutável que
afastasse a necessidade de complementos ou acréscimos, resultando numa “totam hanc
urbis figuram”. Por essa teoria, somente tarefas secundárias, como a decoração, seriam
reservadas às gerações futuras, uma vez que a estrutura das casas e da cidade não poderia
ser modificada. Esse núcleo imutável seria assegurado por meio de reparações contínuas,
iniciadas a partir da menor falha nos edifícios ou vias de circulação. Ressalte-se, entretanto,
que a finalidade desta reparação não deve ser confundida com aquela citada no livro X do
De Re Aedificatoria. (CHOAY, 1985: 151,161-164).

2
Nota-se, nos autores citados, uma preocupação comum em relação à economia e ao
desperdício, porém, sob perspectivas diferentes. Alberti crê que alguns edifícios devem ser
conservados como vestígios de uma história ainda em construção, tornando-se a memória
um fator importante para harmonizar passado, presente e futuro. Morus, por outro lado,
sustenta que a reparação dos objetos é indispensável, não para manter viva a memória, mas
para assegurar sua repetição. Esta reprodução, por sua vez, visa a conferir perenidade,
dando origem a um espaço-modelo integral.

3. A IDÉIA DE RESTAURAÇÃO EM JOHN RUSKIN E EUGÈNE VIOLLET-LE-DUC.


Há duas grandes correntes sobre a restauração do patrimônio histórico: uma Anti-
intervencionista (na Inglaterra) e outra Intervencionista (tipicamente européia). (CHOAY,
2003: 153).
A primeira corrente é simbolizada, principalmente, por John Ruskin e Willian Morris e a
segunda por Eugène Viollet-Le-Duc. Aquela defende um anti-intervencionismo radical, onde
“não se tinha o direito de tocar nos monumentos antigos, que pertenciam, em parte, àqueles
que os edificaram e, também, às gerações futuras”. Para os anti-intervencionistas, a
“restauração é impossível e absurda”, pois equivaleria a “ressuscitar um morto”, além de
romper com a autenticidade da obra. Todavia, esses pensadores não excluem a
possibilidade da manutenção, desde que imperceptível. Por outro lado, os intervencionistas
consideram que restaurar um edifício significa “restituí-lo a um estado completo, que pode
nunca ter existido”. Sendo assim, se um edifício não continha todos os elementos
necessários a compor um estilo, estes deveriam ser acrescentados no processo de
restauração7. (CHOAY, 2003: 154-157).
Em relação à corrente anti-intervencionista, Ruskin sustentava que a arquitetura era
essencial à lembrança, sendo o meio mantenedor das ligações com o passado e a
identidade coletiva. Nos edifícios antigos, por exemplo, pode-se perceber o valor incorporado
pelo trabalho das gerações pretéritas, desde as moradias humildes às mais luxuosas 8. O
citado autor era, ainda, contrário à industrialização e valorizava o trabalho manual realizado
nos edifícios antigos assim como as marcas decorrentes da passagem do tempo, por
entender que ambos conferiam um caráter sagrado às edificações. (CHOAY, 2003: 139-141;
154). Para Ruskin, o homem produzia, ao mesmo tempo, um objeto útil e uma obra de arte.
Neste contexto, discorre sobre o dualismo entre a beleza e a utilidade, sugerindo uma sutil
distinção entre a arquitetura e a construção9. (BENEVOLO, 1976: 7; 200).
O mesmo autor, na obra The Stones of Venice, critica as intervenções que causam danos à
estrutura da malha urbana das cidades antigas. Ademais, sugere que, no caso específico de
Veneza, a arquitetura doméstica como um todo desempenha o papel de monumento
histórico. Deste modo, teve o mérito de antever a inclusão dos conjuntos urbanos na herança
a ser preservada, ampliando a proteção dos monumentos em escala internacional. (CHOAY,
2003: 180-182).
Já no livro The Seven Lamps of Architecture, Ruskin destaca o potencial de memória do
monumento em função do valor histórico de que se reveste, sem tratar das antiguidades.
Desta forma, considera um “sacrilégio tocar nas cidades da era pré-industrial, propondo
continuar a habitá-las como no passado”, como garantia da identidade individual e coletiva.
Em suma: pretende-se viver as cidades históricas no presente. (CHOAY, 2003: 180-182).

3
No que toca os ornamentos dos edifícios industriais, tanto Ruskin como Viollet-Le-Duc os
consideravam efeitos “monstrificadores”, que além de comprometer a finalidade da
construção adulteravam sua verdadeira beleza. Ruskin acrescenta, ainda, que o local
apropriado para esses ornamentos artesanais seriam aqueles protegidos da agitação urbana,
de forma a possibilitar sua observação, excluídos os ambientes comercias e de trabalho, nos
quais tais enfeites conduziriam à dispersão do olhar. Destacou, também, a aplicação
criteriosa desta ornamentação no interior dos lares 10. Ademais, sustentou que a automação
industrial poderia substituir o trabalho humano em tarefas desgastantes, além de condenar
as ornamentações que se passavam por determinados materiais ou técnicas de construção,
com intenção mentirosa. (PAIM, 2000: 29-30; 34-35).
Neste contexto, em 1846, a Academia Francesa criou um manifesto condenando a imitação
dos estilos medievais. Não obstante, Viollet-le-Duc refuta tal imitação por acreditar que
plagiava a linguagem clássica, além de reforçar a arte gótica como nacional. Posteriormente,
em 1855, Ruskin também interveio dizendo “não ter duvidas de que o gótico setentrional do
século XIII se adequa às construções modernas dos países nórdicos”. (RUSKIN apud
BENEVOLO, 1976: 86).

4, A CONTRIBUIÇÃO DE ALÖIS RIEGL PARA A RESTAURAÇÃO.


Alöis Riegl não diferenciava os monumentos históricos e artísticos uma vez que acreditava
que um era complemento do outro. Ademais, classificava os monumentos como intencionais
ou não e lhes atribuía uma série de valores. O valor de rememoração, por exemplo, abrange
também o histórico, o de rememoração intencional e o de antiguidade. Já o valor de
contemporaneidade reúne o de uso e o de arte. Para cada valor tinha-se uma postura de
conservação ou de atuação, conforme suas características. (RIEGL, 2006: 37-39).
Nesse contexto, valor histórico11 seria aquele que nos remete a um testemunho marcante de
uma determinada atividade humana, como por exemplo, as colunas de Ingelheim, no Palácio
de Heidelberg12. Para este valor, o trabalho de recuperação e restauro funcionaria como
meio de garantir a perenidade da obra como fonte histórica. Assim, os efeitos da ação da
natureza são perturbadores e devem ser suprimidos. Riegl acrescentava, ainda, que o
importante neste valor é o estado primitivo da obra. Porém, a busca por este estado não
seria feita sob o monumento original e sim sob uma cópia. A razão para isso seria a
conservação do monumento o mais autêntico possível, possibilitando maior fundamento para
as pesquisas e reconstituições futuras, uma vez que toda especulação ou mesmo
reconstituição é passível de erros. Em suma, é desejável manter a obra em seu estado
presente de conservação, almejando, por meio de intervenções, frear o curso da degradação
causada pelos agentes naturais, diferentemente do valor de antiguidade, o qual não tolera
esta ação em hipótese alguma. Neste caso, o que fará um valor preponderar em relação ao
outro será a potencialidade de evocação histórica do monumento. Quando esta for mínima,
predominará o valor de antiguidade. (RIEGL, 2006: 38; 44; 76-78; 81-82).
Quanto ao valor de rememoração intencional, o citado autor acreditava que este reivindica
para o monumento o eterno presente, a perenidade de seu estado original, contrariando a
ação dos agentes naturais. Conseqüentemente, a restauração se mostra como seu
postulado base, fazendo com que este valor tenha um conflito permanente com o de
antiguidade. (RIEGL, 2006: 38; 85-86).

4
Já quanto ao valor de antiguidade, pode-se dizer que é o valor com maior poder de comoção
e sensibilidade do público, uma vez que não se vincula à obra em seu estado original, mas
sim às marcas do tempo, desde sua criação13. Com efeito, o culto deste valor considera um
sacrilégio a inibição das atividades da natureza, quando estas se mostram constantes,
considerando inaceitável a conservação propriamente dita ou mesmo a adição e supressão
de alterações. Por outro lado, esse processo de destruição natural tem um limite, já que um
amontoado de pedras não é o bastante para transmitir o valor de antiguidade14. Assim, se faz
necessária a persistência de ao menos um traço da forma original para que ele se manifeste.
Excepcionalmente, nos casos em que a ação da natureza for violenta, é aceitável a
intervenção moderada do homem, por ser menos danosa do que a destruição pelas forças
naturais. Contudo, esta ação buscará somente desacelerar o processo de degradação,
diferentemente do valor histórico que visa impedi-lo. (RIEGL, 2006: 38-39; 50; 71-74; 82-
83)15.
Em relação ao valor de contemporaneidade, Riegl considera o monumento em sua perfeita
integridade, sendo ele novo ou antigo, desde que se apresente intacto pela ação da
natureza. Tal valor se subdivide ainda em valor de uso e de arte (RIEGL, 2006: 39; 91).
O valor de uso, como o próprio nome sugere, refere-se à utilização dos edifícios antigos, na
qual, muitas vezes, para garantir as condições de segurança do imóvel, tem-se a demanda
por restaurações e adaptações a fim de combater os efeitos danosos dos agentes naturais.
Assim, o conflito com o valor de antiguidade é inerente. Todavia, poderá perder sua força na
medida em que obra é utilizável. Já o valor histórico convive melhor com os princípios do
valor de uso. (RIEGL, 2006: 39; 92; 96).
Por fim, Riegl encerra suas considerações discorrendo sobre o valor de arte, o qual se
subdivide em outros dois: o de arte relativa e de novidade. O primeiro valor é considerado
existente nas obras e relaciona-se diretamente ao tempo, às crenças e aos valores da época
em que foram realizadas. Deste modo, o restabelecimento da obra ao seu estado original é
aceitável a partir do momento em que haja razões para crer que esta mesma obra, sem as
alterações da natureza ou do homem, corresponderia melhor à vontade artística
(Kunstwollen) do presente. (RIEGL, 2006: 39; 96; 110-111).
O segundo valor está associado à forma, cores, qualidades presentes no monumento e
também sua perfeita integridade, fato difícil de ocorrência. Para Riegl, numa obra recente os
traços de degradação precoce distorcem tanto quanto uma criação nova numa obra antiga.
Deste modo, para que um monumento com traços de idade satisfaça este valor é necessário
extinguir todas as marcas deste envelhecimento e, ainda, por meio da restauração completa
de sua forma e cores, fazer com que o bem adquira o caráter de novidade, de obra recém
surgida. (RIEGL, 2006: 40; 71; 97)16.

5, AXIOMAS DA RESTAURAÇÃO SEGUNDO CESARE BRANDI.


O reconhecimento da obra de arte deriva da conscientização do valor que se tem
impregnado nela, seja pelo aspecto material, pela notoriedade do autor ou, ainda, pela
técnica utilizada. A restauração, assim, será condicionada pela obra de arte, tendo em vista
os valores nela presentes, como o estético e histórico, além do aspecto físico. (BRANDI,
1977: 4-6).

5
Assim, a imagem de uma obra de arte não depende, exclusivamente, do corpus, da
substância material que a compõe. Ao contrário, uma mesma substância pode apresentar-se
ora como obra de arte ora como simples matéria prima, dependendo de sua trajetória
histórica. Uma pedra de mármore, não trabalhada, tem valor distinto daquele que ostenta
uma escultura, porque a esta se agregam valores culturais e históricos que a tornam mais do
que simples matéria. Tem-se, assim, que a matéria atua mais como um veículo de
transmissão da imagem do que como um condicionante desta. (BRANDI, 1977: 10-12).
Portanto, os esforços de pesquisa relacionados à conservação devem se concentrar no
corpus que contém a imagem, a fim de que esta não se perca no tempo. Para tanto, Cesare
Brandi fixa duas diretivas a serem observadas no ato de restauração. A primeira pontua que
se deve restaurar apenas a matéria da obra de arte, o veículo que contém a imagem e a
segunda diretiva destaca que o restauro deve tomar como alvo o restabelecimento de uma
unidade potencial da obra, desde que isto seja possível sem que se cometa um falso artístico
ou histórico17 e sem cancelar os sinais da passagem do tempo. (BRANDI, 1977: 7-8).
Com efeito, a reconstituição de uma obra, ainda que se utilizem os mesmos materiais, não
configura restauração, na medida em que conforma um falso estético e histórico. O lugar,
assim como a matéria, contribui para a manifestação da imagem. Portanto, a remoção de
uma obra de arte do lugar de origem apenas deverá acontecer quando indispensável à sua
conservação. (BRANDI, 1977: 11-12).
Nesse contexto, a mais grave heresia da restauração é o restauro de repristinação, aquele
que abole o laço de tempo entre o período em que a obra foi concluída e o presente. Para
que seja uma operação legítima, a restauração não deve reverter a degradação natural das
obras, retirando-lhe os traços decorrentes da passagem do tempo, nem abolir sua história. A
ação de restauro deverá se dar de modo pontual, como evento histórico, por ser uma ação
humana inserida no processo de transmissão da obra para as gerações futuras. (BRANDI,
1977: 26).
No caso das ruínas, ainda que mantenham seu caráter histórico, os vestígios estéticos, por
serem resultado de uma destruição, excluem a possibilidade de intervenção direta. Desta
forma, faz-se necessária uma vigília conservativa e a consolidação da matéria. É recorrente
a ilusão de reerguer a ruína. Ainda que se tenha documentado o estado original da obra, a
reconstrução, a repristinação ou a cópia não podem ser tratadas como um tema de restauro,
mas como mera reprodução fria dos procedimentos de formulação da obra de arte. Portanto,
deve-se conservar a ruína do monumento no âmbito em que se insere. Reconduzir a obra a
sua unidade originária é como substituí-la por um “ex-novo”. (BRANDI, 1977: 31; 42-46).
Ademais, ao restabelecer a unidade potencial de uma obra, não se deve fazê-lo a ponto de
destruir sua autenticidade, sobrepondo-lhe uma realidade histórica “inautêntica”. A
legitimidade da conservação da ruína reside no juízo histórico que será dado ao objeto da
intervenção, como testemunho mutilado, mas ainda reconhecível de uma obra. (BRANDI,
1977: 32).
Segundo Cesare Brandi, a reconstituição é diferente do acréscimo. Neste, pode-se completar
ou desenvolver, sobretudo na Arquitetura, funções diversas das iniciais. Aquela, por outro
lado, tem como escopo modificar a obra, intervindo de maneira análoga ao processo criativo
originário, fundindo o velho com o novo, com a intenção de não diferenciá-los. Portanto,
quanto mais o acréscimo se aproximar da reconstituição, pior será. Já a reconstituição será
tão melhor quanto mais se afastar do acréscimo e visar à constituição de uma unidade nova
sob a antiga. (BRANDI, 1977: 36-37).
6
Destaque-se, ainda, que o restauro preventivo serve como tutela, remoção de perigos e
garantia de condições favoráveis. Não consiste apenas em intervenções práticas sobre a
matéria da obra, mas em qualquer procedimento que assegure, no futuro, a conservação
desta como imagem e matéria. Ao fazer uma adição, deve-se atentar para o que Brandi
entendia como cópia, imitação e falsificação 18, lembrando-se que é a intenção com a qual foi
produzido ou colocado em circulação que leva o objeto a ser classificado dentre essas
instâncias. (BRANDI, 1977: 54-55; 65-67).
No que tange à adição e supressão, o autor considera historicamente legítima a conservação
dos acréscimos, ao passo que a remoção, quando justificada, deve ser feita de modo a
deixar traços de si mesma sobre a obra, permitindo identificá-la. Entende ele que as adições,
apesar de feitas em diferentes épocas, também fazem parte da história da obra, razão pela
qual sua supressão deve ser fundamentada. (BRANDI, 1977: 35).
No que se refere ao tratamento das lacunas, Brandi as compreendia, com relação à obra de
arte, como uma interrupção no tecido figurativo. Sua teoria colhe fundamentos nas
experiências da Gestalt19 (ou psicologia da forma). Na corrente da Gestalt, a percepção
ocorre de um trecho restrito para uma visão global, nunca o contrário (do todo para as
partes). Ainda de acordo com esse raciocínio, a noção de conjunto se sobrepõe às
características individuais da imagem. Assim, não existem monumentos “vivos” ou “mortos”,
pois até mesmo aqueles em ruínas devem ser considerados “vivos” e capazes de transmitir
uma mensagem. (BRANDI, 1977: 18)20.
Todavia, é necessário transpor o raciocínio de Cesare Brandi, voltado às Artes Plásticas,
para a Arquitetura, especificamente para o problema dos conjuntos urbanos, nos casos em
que há uma interrupção de sua malha. No entanto, a tarefa se torna ainda mais complexa
quando a área escolhida constitui um conjunto histórico. Ao contrário do que se possa
imaginar, a questão mais grave não é o que falta, mas o que é inserido indevidamente e que
se torna, muitas vezes, um corpo estranho. (BRANDI, 1977: 18).
Ainda sobre o tratamento das lacunas, o referido pensador pontuava que as premissas
teóricas deveriam se adequar às particularidades de cada caso (caso per caso). Ressaltava,
ademais, que toda e qualquer integração ou “completamento”, ainda que mínimos, deveriam
ser facilmente identificados, sem a ajuda de documentos especiais. (BRANDI, 1977: 71; 74-
76)21.
Conforme relembra Brandi, na pintura, a solução para o problema da lacuna tentou escapar
da reintegração fantasiosa, fazendo-se uso da aplicação de tinta neutra. Todavia, a
imparcialidade deste método foi contestada por se acreditar que qualquer cor escolhida
poderia influenciar na distribuição cromática da obra. Outra opção seria converter a lacuna
em fundo da pintura, nos casos em que esta retratasse uma figura, como uma mancha que
permitisse perceber a continuação da imagem. (BRANDI, 1977: 18).
Ainda assim, a redução da percepção da lacuna como figura, por meio da utilização de tinta
neutra, mesmo arbitrária, é menos agressiva do que o completamento de fantasia. Em suma,
a solução ideal seria aquela que não prejudicasse o futuro da obra nem alterasse a sua
essência. (BRANDI, 1977: 19).
Há, ainda, o trateggio, um método reversível que utiliza finas linhas verticais para promover a
reintegração de partes perdidas da pintura, permitindo sua leitura integral, porém sem a
intenção de criar uma imagem fantasiosa, pois utiliza técnica e materiais diversos dos
aplicados na obra original, sendo, por isso, facilmente identificável. (BRANDI, 1977: 74)22.
7
Todavia, a Arquitetura não pode ser analisada simplesmente com as mesmas premissas de
uma obra de arte, pois muito além dos aspectos estético e histórico, tem-se a função e a
utilidade da obra arquitetônica ou urbana, o que a torna mais complexa. Pode-se assim, no
âmbito da Arquitetura, adotar solução análoga à proposta por Brandi para o problema das
lacunas na pintura, consistente na utilização de tinta neutra. Tal solução teria a virtude de
possibilitar a leitura do traçado urbano até mesmo em suas lacunas, por meio de elementos
que dêem continuidade ao desenho da cidade, tanto em planta quanto em volumetria.
Como já afirmado, não existe uma única solução para o problema. Qualquer que seja a
proposta de trato do vazio urbano em centro histórico, é preciso, primeiro, empreender
profunda retrospectiva histórica da área, analisando cuidadosamente suas transformações.
Em seguida, a proposta deve buscar um diálogo entre a área e seu entorno, sempre pautado
pelo bom senso e pelo juízo crítico.

6, A IDÉIA DE RESTAURAÇÃO EM CAMILLO BOITO.


Camillo Boito partiu das idéias de Ruskin e Viollet-le-Duc, conciliando-as no restauro
filológico. Entendia que a restauração só deveria ser praticada in extremis, ou seja, quando
todos os outros meios de salvaguarda (manutenção, consolidação, intervenções
imperceptíveis) tivessem fracassado. Ademais, formulou um conjunto de diretrizes para a
conservação e a restauração dos monumentos históricos. Suas idéias auxiliaram na
separação precisa entre os conceitos de restauração e conservação. Além disso, enunciou
sete princípios fundamentais para a intervenção em monumentos como a:

[...] ênfase no valor documental dos monumentos, que deveriam ser preferencialmente
consolidados a reparados e reparados a restaurados; evitar acréscimos e renovações,
que, se fossem necessários, deveriam ter caráter diverso do original, mas não
poderiam destoar do conjunto; os completamentos de partes deterioradas ou faltantes
deveriam, mesmo se seguissem a forma primitiva, ser de material diverso ou ter incisa
a data de sua restauração ou, ainda, no caso das restaurações arqueológicas, ter
formas simplificadas; as obras de consolidação deveriam limitar-se ao estritamente
necessário, evitando-se a perda dos elementos característicos ou, mesmo, pitorescos;
respeitar as várias fases do monumento, sendo a remoção de elementos somente
admitida se tivessem qualidade artística manifestamente inferior à do edifício; registrar
as obras, apontando-se a utilidade da fotografia para documentar a fase antes,
durante e depois da intervenção, devendo o material ser acompanhado de descrições
e justificativas e encaminhadas ao Ministério da Educação; colocar lápide com
inscrições para apontar a data e as obras de restauro realizadas. (BOITO, 2003: 21).

Por um lado, procurou separar os conceitos de conservação e restauração, considerando a


primeira como a única coisa a se fazer, uma obrigação geral necessária à própria
sobrevivência do bem. Já a restauração seria um princípio distinto, em alguns casos,
indispensável e até mesmo contrário à conservação. (BOITO, 2003: 22-23).
Em relação à escultura, alertou para os perigos dos “completamentos” que conduziriam a
enormes enganos e alterações no equilíbrio da composição. Considerava, ainda, estas
intervenções como perigosas, por induzir ao erro, além de não valorizar as ações anteriores,
recomendando a retirada destes acréscimos. Ademais, destacava a importância das técnicas
de proteção às esculturas expostas a intempéries, de forma que pudessem sair dos museus
8
e voltar ao seu local de origem23. Ainda com relação à escultura, julgava inconcebíveis as
restaurações e acrescentava que deveriam ser retiradas, sem misericórdia, todas aquelas
feitas anteriormente. (BOITO, 2003: 44).
No que se refere à pintura, considerava a restauração necessária para reavivar a obra, mas
ressaltava o princípio da mínima intervenção e da “distinguibilidade”. Todavia, destacava que
o ponto chave das restaurações da pintura era parar a tempo e contentar-se com o mínimo
possível. (BOITO, 2003: 24-25; 53).
No que toca à Arquitetura, discordava de Ruskin, quando este dizia que o edifício tinha que
ser deixado sujeito às intempéries do tempo e cair em ruínas, desconsiderando suas
sugestões de conservações periódicas para garantia de sobrevivência da obra. Já em
relação à Viollet-le-Duc, alertava sobre o perigo de se alcançar o estado completo, que pode
nunca ter existido, assumindo o restaurador a posição do arquiteto original. Ressaltava,
ainda, os riscos de falsificação deste tipo de intervenção. (BOITO, 2003: 24-25).
Neste contexto, defendeu as conservações periódicas como meio de evitar o restauro,
admitindo-o apenas quando indispensável à preservação da memória. Todavia, adiciona que
os “completamentos” e os acréscimos deveriam ser distintos do original, marcando o seu
próprio tempo. Com efeito, infere a necessidade de se reunir esforços impossíveis para
conservar no monumento o seu velho aspecto artístico e pitoresco além de pontuar que os
“completamentos” e adições indispensáveis ou inevitáveis deveriam se mostrar como obras
da atualidade. (BOITO, 2003: 24-25; 60-61).

7. A QUESTÃO DAS LACUNAS NOS CENTROS HISTÓRICOS.


As lacunas podem ser entendidas como a parte faltante de uma obra, perdidas ao longo do
tempo ou destruídas. Transpondo essa idéia para a Arquitetura e Urbanismo, pode-se
entendê-las como a ausência completa ou de parte de um edifício, ou do traçado urbano, em
razão de destruições bélicas, abalos sísmicos, ou mesmo destruição causada pelo homem.
Neste ponto, convêm abordar, sucintamente, algumas posturas de intervenção em centros
históricos que estimularam a produção de vazios urbanos, por meio da supressão de
edifícios: na Itália, o diradamento e, na Espanha, o esponjamiento.
O diradamento24 edilizio é uma teoria apresentada por Gustavo Giovannoni, na primeira
metade do século XX. Diradamento significa o desbastamento de parte da densa vegetação
de uma mata ou bosque, de modo a possibilitar o desenvolvimento da vegetação
remanescente, sem o que esta seria “sufocada”. Por meio de uma metáfora, o termo foi
transposto para a Arquitetura e Urbanismo. Nesta área, sua proposta é manter o tráfego
maciço de veículos fora dos centros históricos, como forma de evitar a abertura de novas
ruas. Buscava também o desenvolvimento de condições sociais e higiênicas, bem como a
conservação e restauração dos edifícios históricos. Para tanto, considerava necessário
demolir casas aqui e acolá, ou mesmo um grupo de edifícios, criando no lugar uma praça ou
jardim. O resultado pretendido é a criação de oportunidades para se introduzir áreas verdes
nos centros históricos, enfatizando os valores arquitetônicos e a singularidade dos
monumentos, através do aumento da quantidade de espaços vazios ao seu redor. (CHOAY,
2003: 201)25.
O esponjamiento é a manifestação espanhola de um raciocínio semelhante. Esta palavra
deriva do verbo esponjar, que significa abrir buracos, tornar mais poroso um objeto. Ou seja,
9
a expressão também se relaciona à criação de vazios no tecido urbano, em decorrência da
eliminação de edifícios. (GUTIERREZ, 2001: 3 e BENACH; TELLO, 2004: 104).
Ocorre que a adoção desmedida dessas teorias tem acarretado, algumas vezes, a demolição
de edifícios de inegável valor histórico, nos casos em que, apesar de sua importância para a
identidade coletiva, não se tem o cuidado necessário para preservá-los. Foi o que ocorreu,
por exemplo, com relação à área do Raval, no centro histórico de Barcelona. Este local foi
incluído em um plano de revitalização, sendo ali construído o Museu de Arte de Barcelona,
projetado por Richard Meier, em frente ao qual se situa uma enorme praça, praticamente
vazia, a fim de dar maior destaque à fachada do museu. (CAPEL, 2007: 12; 14).
Neste sentido, como a parte faltante, em diversos casos, consubstancia patrimônio histórico
e cultural, é de se esperar que a Arquitetura busque respostas a estas questões na teoria do
restauro. Contudo, nem sempre o assunto é tratado de forma clara, o que torna necessário
inferir qual seria o posicionamento de alguns autores. Ademais, vários assuntos pertinentes à
restauração foram tratados conjuntamente na Carta de Restauro de 1972, com o objetivo de
suprir a carência de normas jurídicas sobre o tema, estabelecendo as posturas ideais a
serem seguidas. (BRANDI, 1977: 132; 154).
Todavia é importante relembrar que tal carta serviu como importante orientação para as
obras de restauração. Contudo, ela não permitia que os profissionais exercessem atitudes
ligadas ao gosto ou mesmo a criação que não pudessem ser inteiramente definidas por
pressupostos do conhecimento histórico, morfológico e técnico. Porém, especialmente após
as destruições da Segunda Guerra Mundial, inúmeras cidades se depararam com a
dramática necessidade de uma grande intervenção. Neste caso, podemos citar a
reconstrução da cidade de Varsóvia, na Polônia, tal como era antes da feroz destruição
nazista. Tem-se, assim, uma ampliação das discussões ligadas ao restauro e se instala,
então, o dilema do tratamento das lacunas em conjuntos históricos, especialmente no caso
de danos bélicos. Deste modo, a carta se mostrou insuficiente para auxiliar tal questão.
(PANE, 1987: 135-137).
Assim, buscar-se-á discorrer, nas linhas seguintes, acerca de algumas hipóteses para o
tratamento de vazios situados em áreas tradicionais de algumas cidades, à luz do
pensamento dos autores mencionados ao longo do texto.
Para Alberti, talvez, a idéia de uma nova construção em substituição a uma ruína ou mesmo
a uma lacuna decorrente da destruição de um edifício não seria uma idéia reprovável, pois o
citado pensador considerava que a degradação era um estado natural, seja em razão dos
efeitos do tempo, do homem ou mesmo da própria natureza, o qual poderia ser substituído
por uma construção futura, como forma de ter presente a idéia da virtù. Por outro lado, os
esforços em se manter os edifícios pelos trabalhos de restauração contínuos, por mais
difíceis que se mostrassem, eram necessários não só em função do combate incessante às
ações da natureza e do tempo, mas também para evitar a deterioração moral, permitindo que
o homem restabelecesse sua virtù. Quanto à ornamentação, Alberti sugeria que fosse
banida, por acreditar que ela afastava os homens da virtù e os aproximava da fortuna.
Morus, por sua vez, compreendia a cidade como um organismo completo e imutável, sem
necessidade de complementos ou acréscimos. A finalidade das reparações contínuas era
justamente a de assegurar a manutenção da estrutura tal como ela é. Sendo assim, na
ausência de parte desta estrutura acredita-se que o mencionado autor optaria por reconstruí-
la, tal como era em seu modelo utópico, a fim de mantê-la completa e imutável. Segundo ele,
esse modelo poderia ser passível de duplicações, mas não de alterações. A estrutura das
10
casas e da cidade deveria ser sempre a mesma, uma vez que somente a tarefa de
decoração seria reservada às gerações futuras.
Já Ruskin era um anti-intervencionista radical. Pode-se imaginar que ele até concordaria com
os trabalhos de manutenção de um edifício, caso fossem imperceptíveis, porém jamais
aprovaria a intervenção em uma lacuna de um conjunto histórico. Esse autor acreditava que
a restauração era impossível e absurda, pois equivaleria a ressuscitar um morto, além de
romper com a autenticidade da obra. Por esse raciocínio, a construção simplesmente
deixaria de existir, pois ninguém teria o direito de tocar nas obras do passado.
Por outro lado, Viollet-Le-Duc considerava a restauração como um processo capaz de
restituir o edifício a um estado completo, que pode nunca ter existido. Assim, é de se
imaginar que, em face de um edifício total ou parcialmente destruído, esse autor o refaria
conforme o estilo anterior da edificação. Ele poderia, ainda, acrescentar à construção
elementos que acreditasse torná-la mais condizente com as características arquitetônicas
daquele estilo, mesmo que tais traços não estivessem documentados ou mesmo que não
existissem de fato.
Em relação a Riegl, o que pautaria ou não a intervenção seria o culto específico de um dos
valores em relação aos monumentos que pode estar ligado ao valor histórico, de
rememoração intencional ou de antiguidade, subdivisões do valor de rememoração, ou
ainda, de uso e de arte, subdivisões do valor de contemporaneidade. Deste modo, se
predominar no monumento o valor histórico, na hipótese da ausência de uma obra seria
plausível sua reconstrução como uma cópia equivalente, de valor limitado, de seu estado
original, no caso em que ela foi irremediavelmente perdida tal como ocorreu com o
Campanário de São Marcos em Veneza. O mesmo ocorreria para o valor de rememoração
intencional uma vez que reivindica para o monumento sua imortalidade e a perenidade de
seu estado original.
Por outro lado, o valor de antiguidade por priorizar as marcas do tempo na obra não toleraria
sua reconstrução. Assim, no caso da destruição de um monumento poderiam se ter dois
panoramas. Um primeiro seria a manutenção de sua ruína, para o caso em que esta
conseguisse transmitir traços de sua forma. Outro seria a permanência do vazio, no caso de
uma destruição completa em que os resquícios do monumento não manifestassem traços da
obra como uma espécie de memorial deste monumento.
Em relação ao valor de contemporaneidade, considerando a perfeita integridade que este
valor prezava, sendo o monumento antigo ou recente, na destruição deste não seria viável
resgatar aquele anterior, que já não é mais integro, mas aproveitar a oportunidade de se criar
um novo. Para o valor de uso, em caso de destruição total de um edifício sua função utilitária
se perderia. Desta forma, o modo de intervenção se justificaria de acordo com o outro valor
que estivesse agregado a este bem que poderia, por exemplo, ser histórico. O valor de uso
está sempre atrelado a um outro como forma de manter a aparência física do imóvel. Já o
valor de arte se subdivide em dois: o de arte relativa e de novidade. Desde modo, tem-se
para o primeiro a vontade artística do presente como mediadora da intervenção. Assim,
havendo razões que justifique, a lacuna tanto pode retornar a sua forma original quanto pode
vir a ser uma nova obra, uma vez que um monumento pode não mais apresentar valor para
gerações posteriores. Todavia, em relação ao valor de novidade, são as características de
uma obra íntegra como forma e cor associadas a idéia de recém surgida que serão
priorizadas. Deste modo, este valor somente teria sentido caso propusesse algo novo para o
vazio composto pela lacuna.
11
Já Cesare Brandi, em relação ao tratamento de vazios por meio da adição, advertia para o
risco de se incorrer numa cópia, imitação ou falsificação. Para o autor se deveria também
evitar a reprodução de um edifício segundo o estilo de determinado período histórico, pois
isto poderia gerar um engano acerca da época, material ou autor da obra, dando origem a
um falso histórico e/ou artístico. Deste modo, para ele seria possível reconstruir o vazio
desde que a nova edificação buscasse uma integração entre o antigo e o novo, sem destoar
das características tradicionais da cidade e sem recair num falso artístico ou histórico. Para
tanto, não bastaria apenas manter uma relação com o gabarito edificado. Seria desejável,
também, que se resgatasse a perspectiva anterior do conjunto histórico, mantendo a
proporção, a volumetria e o ritmo o mais próximo possível do que já existiu na área, sem,
contudo, recriar um estilo passado. Além disso, para esse pensador, a inserção de uma
arquitetura verdadeiramente contemporânea no contexto antigo é algo inaceitável.
Para Boito, a beleza somente é garantida pela sinceridade arquitetônica. Deste modo, este
autor entendia que uma intervenção atual deveria parecer contemporânea, diferenciando-se
de alguma forma do contexto, mas sem divergir do conjunto arquitetônico. Assim, se Boito
tivesse que intervir num vazio urbano situado em conjunto histórico, certamente o faria com
uma nova arquitetura, com materiais diversos daqueles utilizados na obra original e uma
volumetria que não destoasse do conjunto, diferentemente de Brandi, que não admitia uma
arquitetura verdadeiramente contemporânea.
Deste confronto de idéias pode-se extrair que seria possível manter nos dias de hoje a
lacuna por uma razão especial ou reconstruir algo no lugar. O vazio pode ser visto como uma
oportunidade para se aproveitar a área, como, por exemplo, para um parque arqueológico ou
mesmo um memorial. A título de curiosidade, a Igreja Memorial do Kaiser Guilherme (Kaiser-
Wilhelm-Gedächtniskirche), em Berlim, foi mantida, sem acréscimos ou modificações, para
mostrar a intensidade dos danos ocasionados pela guerra, como se observa a seguir:

1 2 3

FIGURAS 1 e 2. Imagem da Igreja em sua íntegra em 1933 e outra de um culto em 1953 posterior as
destruições. Fonte: Arquivo pessoal da autora. Imagem extraída do museu que funciona no interior da
referida igreja.

FIGURA 3. Vista atual (2008) do que restou da igreja. Fonte: Arquivo pessoal da autora.

12
No caso de uma obra significativa, por mais controverso que pareça, é aceitável reconstruí-la
tal como era, como feito no centro de Varsóvia ou no Campanário de São Marcos, em
Veneza. Ademais, pode-se, ainda, construir algo novo para preencher o vazio gerado,
remetendo-se ou não por meio de elementos construtivos à arquitetura anterior. Abaixo,
seguem os exemplos de Varsóvia e do Museu Ara Pacis26, em Roma, que contemplou uma
nova construção para preencher o vazio ocasionado por demolições, sem referência direta
às obras anteriores.

4 5 6

FIGURAS 4 e 5. Imagem da destruição de Varsóvia em 1945 e de sua reconstrução feita em 1948-


49. Fonte: REDAÇÃO, 2005.

FIGURA 6. Vista do Museu do Ara Pacis em 2007. Fonte: Arquivo pessoal da autora.

No que tange às intervenções na paisagem cultural, é perfeitamente aceitável uma nova


arquitetura no lugar de uma lacuna, mesmo que esta esteja situada em área de interesse
histórico. Tal ação se mostra ainda mais relevante quando a área vazia atinge grandes
proporções, representando um significativo desfalque na malha urbana, o que contribui
negativamente não só para a leitura como também para a continuidade do tecido da cidade.
Como exemplo deste tipo de intervenção tem-se o polêmico caso brasileiro em Salvador, na
Bahia, onde a implantação da atual sede da Prefeitura Municipal, o Palácio Thomé de Souza
(FIGURA 7, a seguir), feito em caráter provisório, com estruturas metálicas desmontáveis,
permanece por cerca de vinte e cinco anos. Anteriormente, existiu na área um
estacionamento-jardim (FIGURA 8, subseqüente) como tentativa de corporificar o vazio
deixado pelas antigas edificações demolidas. Todavia, este cenário se mostrou ineficiente
para solucionar a ligação do espaço vazio com o restante da cidade, mantendo ainda a idéia
de lacuna não solucionada. Assim, mesmo que duramente contestada, uma nova edificação
se faz necessária neste local, tradicionalmente marcado pela presença de diversas
edificações, que se sucederam ao longo dos anos.
A discussão sobre como lidar com essa área se mostra extremamente atual, tendo em vista
a possibilidade de remoção do edifício sede da Prefeitura, em decorrência de ação civil
pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, sob o argumento de que este edifício não se
harmoniza com o contexto histórico do lugar. Por outro lado, sua substituição por uma nova
arquitetura que representasse os valores atuais, poderia também ter a sua relação com o
contexto discutível. Na verdade, a inserção de um edifício que represente atualidade e que
se harmonize com o entorno histórico não se trata de uma simples ação. Resgatar
parâmetros das construções anteriores seria legítimo, mas não uma obrigatoriedade. O

13
importante seria manter um limite razoável, tanto nas proporções do edifício quanto na malha
urbana (OLIVEIRA, 2008:181-183)

7 8

FIGURA 7. Vista aérea da Praça Municipal e do Palácio Rio Branco à esquerda, do Palácio Thomé
de Souza à direita e do Elevador Lacerda ao fundo. Fonte: SKYSCRAPERCITY, 2008.

FIGURA 8. Imagem da Praça Municipal com o jardim anterior a instalação do Palácio Thomé de
Souza e o Palácio Rio Branco ao fundo. Fonte: COMPANHIA ESTADUAL DE DESENVOLVIMENTO
URBANO, 1978, p. 3.

Ainda em relação à possibilidade de novas intervenções na malha urbana, tem-se outro


interessante exemplo no centro histórico de Nápoles, Itália. Neste caso, destruições
ocasionadas por um terremoto, aliadas à permissão contida no plano regulador da cidade,
criaram a oportunidade de uma intervenção de grandes proporções no centro histórico,
especificamente na área em que situados os pavilhões de um antigo complexo hospitalar,
denominado de Policlínico, construído no século XX, no lugar de um antigo monastério. As
imagens a seguir ilustram, respectivamente, o vazio que já existe no local (FIGURA 9) e
aquele possibilitado pelo plano regulador, caso ocorra a demolição dos dois pavilhões
restantes (FIGURA 10).

9 10

14
FIGURA 9. Vazio atual (4.500 metros quadrados - 90 x 50 metros) com os pavilhões
remanescentes do policlínico. Fonte: GOOGLE EARTH. Imagem de satélite – Área do Policlínico de
Nápoles, 2008. Modificado por Raquel Diniz Oliveira.

FIGURA 10. Hipótese do vazio sem os pavilhões do policlínico perfazendo um total de 14.850
metros quadrados (aproximadamente 90 x 165 metros) . Fonte: GOOGLE EARTH. Imagem de
satélite – Área do Policlínico de Nápoles, 2008. Modificada por Raquel Diniz Oliveira.

O caso se mostra delicado, pois o fechamento do vazio existente por meio de novo edifício
representaria um grande desafio, uma vez que os pavilhões remanescentes do Policlínico
não se relacionam com o espaço ao seu redor, já que foram dispostos de modo centralizado
no lote, com formas bem distintas das tradicionalmente presentes ali, tal como se observa na
FIGURA 11. Já a manutenção deste vazio se mostra desaconselhável, tendo em vista a
proporção do vão que seria aberto no traçado remanescente do período greco-romano,
caracterizado justamente pela densidade dos edifícios.
Assim, sugere-se recriar alguns parâmetros a fim de estabelecer uma relação menos
discrepante entre esse novo espaço e as ruas e fachadas dos edifícios ao seu redor, uma
vez que o vazio lhes dará maior visibilidade e tais construções não possuem o tratamento
necessário para se relacionar com uma área livre tão grande.
A retirada dos pavilhões remanescentes, autorizada pelo Plano Regulador Geral, se baseia
na premissa que o edifício do Policlínico não possui interesse histórico podendo, portanto,
ser suprimido. Todavia, a demolição dos pavilhões abriria uma brecha para que a próxima
proposta se empenhe em valorizar mais a composição volumétrica tradicional da área. Isto
porque a conformação destes pavilhões, dois grandes blocos retangulares e espaçados,
excluiu a possibilidade de surpresas que a irregularidade do traçado antigo possibilitava aos
transeuntes. Tal traçado tinha como marca as ruas estreitas e com desenho irregular,
acompanhando a ondulação dos blocos edilícios, num ritmo inconstante, conduzido ora pela
mudança na direção das ruas ou largos, ora por recuos ou prolongamentos de algum edifício,
o que conferia à paisagem uma característica singular. Já os citados pavilhões são contrários
a essa tendência, pois estão soltos numa ampla área, sendo facilmente percebidos pela sua
regularidade, mesmo à distância. Em suma, a nova edificação deverá ser percebida como
algo contemporâneo, mas que dê continuidade à lógica já estabelecida. (OLIVEIRA,
2008:109-115)
Neste ponto, convêm relembrar, sucintamente, algumas posturas de intervenção em centros
históricos que estimularam a produção de vazios urbanos, por meio da supressão de
edifícios: na Itália, o diradamento e, na Espanha, o esponjamiento27.
O diradamento edilizio é uma teoria apresentada por Gustavo Giovannoni, na primeira
metade do século XX. Diradamento, em italiano, significa desbastar parte da densa
vegetação de uma mata ou bosque, de modo a possibilitar o desenvolvimento da vegetação
remanescente, sem o que esta seria “sufocada”. Significa, em suma, podar o excessivo e
desnecessário. Por meio de uma metáfora, o termo foi transposto para a Arquitetura e
Urbanismo. Nesta área, sua proposta é manter o tráfego maciço de veículos fora dos centros
históricos, como forma de evitar a abertura de novas ruas. Busca também o desenvolvimento
de condições sociais e higiênicas, bem como a conservação e restauração dos edifícios
históricos. Para tanto, considera necessário demolir casas aqui e acolá, ou mesmo um grupo
de edifícios, criando no lugar uma praça ou jardim. O resultado pretendido é a criação de
15
oportunidades para se introduzir áreas verdes nos centros históricos, enfatizando os valores
arquitetônicos e a singularidade dos monumentos, através do aumento da quantidade de
espaços vazios ao seu redor (CHOAY, 2003: 201; JOKILEHTO, 1986:352).

O esponjamiento é a manifestação espanhola de um raciocínio semelhante. Esta palavra


deriva do verbo esponjar, que significa abrir buracos, tornar mais poroso um objeto. Ou seja,
a expressão também se relaciona à criação de vazios no tecido urbano, em decorrência da
eliminação de edifícios. Ocorre que o exagero na adoção dessas teorias tem acarretado,
algumas vezes, a demolição de edifícios de inegável valor histórico, nos casos em que,
apesar de sua importância para a identidade coletiva, não se tem o cuidado necessário para
preservá-los. Foi o que ocorreu, por exemplo, com relação à área do Raval, no centro
histórico de Barcelona. Este local foi incluído em um plano de revitalização, sendo ali
construído o Museu de Arte Contemporânea de Barcelona, projetado por Richard Meier, em
frente ao qual se situa uma enorme praça a fim de dar maior visibilidade à fachada do museu
(FIGURA 12 apresentada abaixo). Indiscutivelmente, o vazio criado para destacar o museu
rompeu com a tradicional conformação do traçado existente, o que, de fato, contribuiu para
por em relevo a arquitetura de Meier. Todavia, o enorme vazio proposto para a praça
permanece ainda como uma lacuna na paisagem urbana tal como ocorre no caso napolitano
citado anteriormente. Apesar de não ter claramente tal intenção, os dois edifícios do
Policlínico se destacam no vazio gerado pela destruição de seu terceiro bloco, justamente
por contrastarem com a tipologia das edificações e também por sua disposição diferenciada
no tecido urbano, o que pode ser mais facilmente notado com o espaço livre (FIGURA 11,
seguinte) (BENACH, 2004: 104; CAPEL, 2007: 12;14; GUTIERREZ, 2001: 3).

11 12 13

FIGURA 11. Vista aérea do Policlínico. Fonte: MASTER, 2007.

FIGURA 12. Fachada do Museu de Arte Contemporânea de Barcelona em 2007. Fonte: Arquivo
pessoal da autora.

FIGURA 13. Vista aérea do Museu de Arte Contemporânea de Barcelona (destacado pela cor mais
clara) e da Plaça dels Àngels com cerca de 4.000 metros quadrados de espaço vazio. Fonte:
GOOGLE EARTH. Imagem de satélite – Entorno do Museu de Arte Contemporânea de Barcelona,
2008.

16
8 CONCLUSÃO
De tudo o que foi tratado, pode-se extrair uma primeira e importante conclusão: é inevitável
lidar com lacunas em conjuntos históricos. Seja pela ação do homem (guerras, revoluções,
etc.), seja por força de acontecimentos da natureza (terremotos, inundações, etc.), a
possibilidade de que construções situadas em centros históricos sejam destruídas, total ou
parcialmente, é um risco sempre presente.
Partindo desse pressuposto, é importante refletir sobre o tema, vislumbrando alternativas
para o tratamento dessas lacunas. Tem-se, destarte, a segunda conclusão deste estudo: não
existe uma única solução, ideal e válida para qualquer hipótese. Ao contrário, deve-se
observar a lição de Cesare Brandi, segundo a qual cada caso é um caso (caso per caso).
Desse modo, algumas circunstâncias justificam que se busque reviver a arquitetura que já
existiu no lugar, como no caso do centro de Varsóvia, praticamente todo destruído pela
guerra. Inserir ali uma arquitetura contemporânea poderia descaracterizar completamente a
cidade, traindo sua tradição histórica. Quanto à Igreja Memorial do Kaiser Guilherme, por
outro lado, existe forte justificativa para se manter a lacuna atual, lembrando os sombrios
tempos da guerra e a destruição por ela causada, a fim de que as futuras gerações não
cometam os mesmos erros. Existem, ainda, situações em que pode ser bastante útil a
inserção de uma arquitetura contemporânea em conjuntos históricos, de modo a preencher
um vazio ali existente. Nesse sentido, por exemplo, a construção do Museu Ara Pacis, em
Roma, ou do Palácio Thomé de Souza, em Salvador. No caso da Cidade de Nápoles ainda
não foi feita nenhuma modificação na configuração atual. Contudo, existe a oportunidade de
se propor uma nova intervenção para o local. Neste sentido, se abrem dois panoramas: um
primeiro que seria uma tentativa de conectar o vazio existente com o tecido urbano. Outra
opção seria demolir os dois blocos remanescentes do Policlínico, reconfigurando a área com
uma intervenção atual. Por último, vale lembrar que uma nova arquitetura nem sempre é
suficiente para solucionar uma lacuna na paisagem cultural, como se observou no caso do
Museu de Meier, em Barcelona, onde a praça criada urge por uma ligação com o entorno.
O mais importante é ter em mente que o tratamento da lacuna, seja qual for a técnica
utilizada, deve sempre preservar a harmonia do conjunto histórico, evitando os excessos,
quer pelo resgate de algo que não existe mais, ocasionando um falso histórico, quer pela
inserção de arquitetura contemporânea, descontextualizada em relação ao conjunto. A
arquitetura contemporânea, aliás, em regra causa forte impacto. Por isso, somente é
recomendável quando respeite as características do conjunto e lhe agregue novos usos, em
prol da valorização da cidade e do conforto de sua população.
Por fim, qualquer que seja a técnica escolhida, haverá sempre uma polêmica, caracterizada
pela divergência de opiniões, uma vez que o pano de fundo da controvérsia se baseia em
valores e estes, por definição, são variáveis.

17
ABSTRACT

This article focuses on the subject of urban voids in historic centers, putting in relief the unavoidable relation
between ancient and new, besides the use of interventions in historical heritage as a manner of adding value to
these areas and preserve the collective memory.
For these purpose, it intends to detail some restoration concepts, based on Leon Battista Alberti, Thomas More,
John Ruskin, Eugène Viollet-Le-Duc, Alöis Riegl, Cesare Brandi and Camillo Boito. Looking forward, the author
try to identify how those theories could be used to solve the problem of voids treatment.
Finally, those theories will be confronted in order to extract the aspects of each one that better fits on nowadays
praxis.
Keywords: Void. Historic center. Restoration Theory’s. Monuments.

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SKYSCRAPERCITY. Salvador. Berkshire (UK), 2008. Disponível em:
<http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=482154>. Acesso em 22 abr. 2008.
ZINGARELLI, Nicola. Lo Zingarelli Minore: vocabolario della lingua italiana. Edizione Terzo Millennio.
Bologna: Zanichelli, 2001.

NOTAS EXPLICATIVAS
1
BRANDÃO, 2000: 192-193. “A ‘natureza da Arte’ é ser antinatural mesmo que, ao final das contas, ela acabe
submetida à fortuna, envolta no turbilhão desumano do tempo e do mundo, diante do qual todos os esforços
acabam por se revelarem inúteis.”
2
Op. cit.: 250. “Na natureza humana há sempre uma funesta disposição a demolir, a arrasar e a destruir,
nefasta à História, à Natureza e a si própria, como já nos colocara o Theogenius. Tal disposição original do
homem se abriga sob sua ‘mania de construir’, sua libide aedificandi, e só a prudência pode moderá-lo neste
impulso. Construir requer combater tal hybris através da consciência ética do seu gesto, primeira
responsabilidade do arquiteto ao iniciar o seu projeto.”
3
Op. cit.: 251. “A permanente ameaça que paira sobre tudo aquilo que se constrói provém de vários lados: do
erro do construtor, das intempéries, do desgaste do tempo, das vicissitudes da fortuna, da natureza bélica e
destrutiva do homem e sua hybris. Como as demais artes, a cidade surge da fragilidade humana e seu perene
desamparo frente a essas forças.”
4
Op. cit.: 257. “É preciso restaurar sempre a edificação e ficar atento àquilo que, de sepultado e escondido,
vem à luz e revela verdades e efeitos antes insuspeitados. A arte não se limita à concepção formal, a
Arquitetura não se esgota no projeto.”
[...]
A beleza da Arquitetura emerge, mais que tudo, na sua capacidade de manter o combate da virtù e fazê-lo útil e
visível tanto para o habitante de seu espaço físico como para aquele que habita o seu ‘espaço Histórico’.”
5
Em complemento, consulte-se: CHOAY, 1985: 115.
6
CHOAY, 1985: 151. “O título que empregamos aqui somente prevaleceu a partir da edição da Basiléia (1563).
Anteriormente, Morus utiliza-o apenas por elipse em seu prefácio, e o termo Utopia somente aparece no título
da segunda edição (Basiléia, 1517): [...].”
7
Para maiores informações sobre Ruskin e Viollet-le-Duc ver também, respectivamente: RUSKIN, 1901: 353 e
ANDRADE,1993: 75-82.
8
CHOAY, 1985:139-140. “[...] ‘a arquitetura do presente (poderia) se tornar histórica’. Ela só poderia merecer
essa qualificação, segundo Ruskin, se readquirisse sua essência e seu papel memorial pela qualidade do
trabalho e do investimento moral de que seria objeto.”
9
RUSKIN apud BENEVOLO, 1976: 198. “Arquitetura é a arte que dispõe e adorna os edifícios construídos pelo
homem, para qualquer uso, de tal modo que sua vista possa contribuir para sua saúde mental, para sua
eficiência e para seu prazer.”

19
10
PAIM, 2000: 29-30. “Há uma lei geral, de importância singular para o tempo presente, uma lei do simples bom
senso, que consiste em não decorar coisas que pertencem aos propósitos da vida ativa e ocupada. Onde você
pode repousar, então decore; onde o repouso é proibido, a beleza também é.”
11
Este valor é parte daquele de rememoração que se subdivide em outros dois: valor de rememoração
intencional e de antiguidade, conforme já descrito anteriormente.
12
RIEGL, 2006: 81. “As colunas de Ingelheim, no pátio do palácio de Heidelberg, evocam tão veementemente o
castelo de Carlos Magno, de que outrora faziam parte, que o efeito produzido pela idade absoluta do
monumento é quase que inteiramente anulado.”
13
MARCONI, 2002: 33. “[...] il valore di antichità di um monumento si manifesta a prima vista attraverso il suo
aspetto non moderno [...], in una mancanza di unitarietà, in una tendenza al disfacimento della forma e del
colore [...].”
14
RIEGL, 2006: 87. Nota de Riegl da tradução francesa. “Nada é mais estranho ao culto do valor de antiguidade
do que querer acelerar esta perda. Não se considera de forma alguma, como se poderia crer, a ruína como um
fim em si, e prefere-se uma fortaleza medieval bem conservada. Porque, mesmo quando o efeito de
rememoração é menos intenso do que a ruína, ele é mais extenso e compensa sua falta de intensidade pela
multiplicidade e variedade de traços de antiguidade: se a fortaleza apresenta-se num estado menos
decomposto, esse afeta um número maior de elementos.”
15
Para maiores informações ver também: MARCONI, 2002: 32-35.
16
Adicionalmente, consulte-se: MARCONI, 2002: 35; 36.
17
Nesse sentido, entende-se por falso artístico ou histórico a representação que pretende apresentar como
autêntica mera reconstituição de obra que se desgastou ao longo do tempo. Seria possível, por exemplo,
reconstituir uma estátua que teve partes de si deterioradas com o tempo. Contudo, isso romperia a linha de
continuidade histórica daquele monumento, fazendo com que a réplica fosse equiparada ao original.
18
Conforme as afirmações de Brandi pode-se dizer que cópia é uma produção ou reprodução semelhante de
um objeto segundo o estilo de um determinado período histórico ou personalidade artística, com o objetivo de
documentação; a imitação se assemelha à cópia, exceto na intenção, que é a de gerar um engano acerca da
época, material ou autor (falso histórico); e falsificação é a difusão do objeto no comércio, ainda que não tenha
a intenção de trazer um engano em relação aos materiais, à época ou ao autor da obra (falso artístico). A
falsificação se funda no juízo.
19
SCHMIDT, 2008: 4. “[Gestalt é a] corrente psicológica que surgiu no final do século XIX, opondo-se ao
Behavionismo.”
20
Neste contexto, ver também: SCHMIDT, 2008: 4; KOHLSDORF, 1996: 32 e JOKILEHTO, 1986: 418.
21
Em caráter complementar, consulte-se: JOKILEHTO, 1986: 422.
22
Para informações adicionais, ver também: JOKILEHTO, 1986: 466.
23
DIDRON apud BOITO, 2003: 22. Neste contexto, Boito retoma a máxima de Adolphe Didron, que afirmou: “No
que tange aos monumentos antigos, é melhor consolidar do que reparar, reparar do que restaurar, restaurar do
que refazer, refazer do que embelezar; em nenhum caso se deve acrescentar e, sobretudo, nada suprimir.”
24
Diradamento significa, em suma, podar o excessivo e desnecessário. Adicionalmente, ver também
Diradamento. In: ZINGARELLI, 2001: 161.
25
Para maiores informações, ver também: JOKILEHTO, 1986: 352 e BAETA, 2008: 48.
26
O Ara Pacis é um monumento em homenagem à paz conquistada nas colônias pelo imperador Cesare
Ottaviano Augusto, datado de 9. a. C., que foi restaurado e reconstituído em 1930 e, posteriormente, por ordem
de Mussolini, foi transferido para uma área demolida em frente ao mausoléu do mesmo imperador, como parte
das comemorações do seu suposto bimilenário. Deste modo, foi devastado todo o entorno do mausoléu para
desobstruir sua vista e também dar lugar ao Ara Pacis, anteriormente situado em outro ponto da cidade. Nesta
operação, foi destruída também uma importante sala de concertos que ali funcionava. Ademais, para proteger o
monumento à paz, no novo local em que fora instalado, criou-se provisoriamente, em 1938, o Pavilhão de
Exposições de Vittorio Morpurgo. Todavia, esta edificação perdurou por mais de 60 anos até sua demolição em
2000. Atualmente, o pavilhão foi substituído pelo então Museu do Ara Pacis, executado por Richard Meier. Para
maiores informações, consultar: NERY; BAETA, 2008: 95-138.
26
Para maiores informações acerca da teoria do diradamento consulte: CHOAY, 2003: 201; JOKILEHTO, 1986:
352. Já sobre a teoria do esponjamiento ver: GUTIERREZ, 2001: 3; BENACH, 2004: 104; CAPEL, 2007: 12-14.

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