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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO


CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO – SELEÇÃO 2010

PROJETO DE PESQUISA PARA MESTRADO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: PROJETO DE ARQUITETURA


ORIENTADORA: DRA. HELENA APARECIDA AYOUB SILVA
CANDIDATA: MAIRA FRANCISCO RIOS
TEMA:

Construir no construído – Caminhos para enfrentar a intervenção em edifícios

existentes de relevância histórica.

RESUMO:

Esta pesquisa consiste em um estudo das soluções adotadas por arquitetos brasileiros

para intervir em construções preexistentes, com interesse por projetos que configuram uma

nova arquitetura, comprometida com a manutenção da identidade do existente e ao mesmo

tempo relevante no panorama geral da arquitetura contemporânea no nosso país.

Interessa a este estudo traçar as convergências e divergências entre algumas destas

obras de modo a identificar mecanismos e procedimentos práticos na criação de espaços

contemporâneos em intervenções na preexistência.

INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA:

“A relação entre uma nova intervenção arquitetônica e a arquitetura já existente é um

fenômeno que muda de acordo com os valores culturais atribuídos quanto so significado

da arquitetura histórica como às intenções da nova arquitetura. Daí se conclui que é um

grande erro pensar que se possa formular uma doutrina permanente ou, pior, uma

definição científica da intervenção arquitetônica. Ao contrário, apenas compreendendo

caso a caso os conceitos que fundamentam a ação é possível distinguir as

características que estas relações assumiram no decorrer do tempo.O projeto de uma

nova obra de arquitetura não somente se aproxima fisicamente da que já existe,

estabelecendo com ela uma relação visual e espacial, como cria uma interpretação

genuína do material histórico com o qual tem de lidar. De modo que este material é

objeto de uma verdadeira interpretação em toda a sua importância ” Ignasi de Solá-

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Morales Rubió “From Contrast to Analogy: Developments in the Concept of Architectural

Invervention” in Lotus International n.46, 1985, pp. 37-45.

Por décadas a arquitetura de vanguarda do Movimento Moderno no Brasil teve a

possibilidade de ignorar o construído em áreas urbanas, por estarmos em um país de

grandes áreas disponíveis e centros urbanos em constante crescimento e modificação. Por

exemplo, em São Paulo, muitos trechos urbanos foram transformados em terra arrasada:

“A cidade de São Paulo é um palimpsesto – um imenso pergaminho cuja escrita é

raspada de tempos em tempos, para receber uma nova (...) Qualquer mapa de São Paulo

de fins do século XIX ou inicio do XX nos dá a impressão de inacabado.” Benedito Lima

de Toledo “Três Cidades em um Século” São Paulo, Cosac Naify, Duas Cidades, 2007.

Ao longo dos anos, porém, com a evolução do conceito de patrimônio histórico e a

escassez de áreas centrais vazias para intervir, imóveis de importância cultural (muitas

vezes tombados pelos órgãos de proteção) têm despertado o interesse das iniciativas

pública e privada passando a fazer parte das premissas de projeto de muitos arquitetos em

todo o país.

Apesar da Carta de Restauro de Atenas, já em 1931, defender a diferenciação por

contraste entre os edifícios históricos protegidos e as novas intervenções, nos Estados

Unidos e em alguns países europeus este conceito ficou enfraquecido, tendo a arquitetura

pós-moderna muitas vezes optado por apagar os sinais das intervenções em edifícios

existentes, privilegiando a mimetização:

“Os efeitos de contraste permanecem válidos em projetos recentes de intervenção

apenas enquanto vestígio da poética do movimento moderno em alguns poucos

arquitetos de hoje, ou então, como de praxe, como uma das muitas figuras retóricas

usadas na nova e mais complexa relação entre sensibilidade contemporânea e a

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arquitetura do passado.” Ignasi de Solá-Morales Rubió “From Contrast to Analogy:

Developments in the Concept of Architectural Invervention” in Lotus International n.46, 1985, pp.

37-45.

Em 1964 a Carta de Veneza surge como documento internacional sobre conservação

e restauração de monumentos e sítios que procede a Cara de Atenas dos restauradores,

aprovada pelo Quarto CIAM em 1931. A partir de então, os órgãos de preservação adotam

estes parâmetros para orientar as intervenções na preexistência.

A idéia desta pesquisa é levantar a contribuição brasileira em termos de projetos

caracterizados por esta nova sensibilidade, de modo a documentar e colaborar com a

produção arquitetônica, pois é no cerne dessas discussões que poderemos encontrar

caminhos e novas possibilidades para a autêntica arquitetura em projetos de reestruturação

de edifícios históricos.

“Em síntese podemos dizer que um bem é autêntico quando há correspondência entre o

objeto material e seu significado, que é a mensagem cultural que este bem expressa.

Como decorrência, a conservação não se restringe apenas ao suporte tangível do bem

cultural. Nem este deve ser encarado como algo finito e estático. Ele se coloca, como a

cultura, no fluxo natural da vida, estando como aquela sujeita a alterações e

transformações que objetivem o enriquecimento do ser humano. Elas estão assim

calcadas em raízes comuns como a memória histórica, os testemunhos e a continuidade

cultural (...) Não se deve assumir a atitude de encantamento e imobilidade frente àquilo

que causa emoção. Não se deve assumir a atitude ‘platônica’ de quem contempla, mas a

atitude oposta, de quem estabelece interação, de quem usa, de quem vive (...) É preciso

também questionar a cada caso quais seriam os limites da mudança além dos quais os

artefatos perdem a sua substância e se transformam em algo diferentes de si próprios.

Esse limite é algo que se fixa da dimensão ‘projetual’ da intervenção, constituindo assim

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ação de autoria que, necessariamente deve agregar novos valores àqueles pré-

existentes. Trata-se, então de uma tomada de decisão que é assim individualizada e

diferenciada (...) Esse problema deverá ser enfrentado de modo criativo e

transformador, que são posturas constituintes da essência do trabalho da arquitetura e

de sua intervenção enquanto elemento constituinte da cidade, mesmo quando se trata de

ações que visem a conservação da substância material e da pré-existência.” Haroldo

Gallo “Arqueologia, Arquitetura e Cidade: A preservação entre identidade e autenticidade” in

Patrimônio: Atualizando o Debate. São Paulo, IPHAN, 2006, pp. 104 a 107

São necessárias novas reflexões sobre a abordagem do arquiteto em relação à

arquitetura construída, assim como quanto à evolução do conceito de monumento

arquitetônico e das premissas de intervenção indicadas pelos órgãos de preservação do

patrimônio no decorrer das últimas décadas. Porque, sem dúvida, para que se faça uma boa

arquitetura é imprescindível um bom entendimento do ‘terreno’ sobre o qual será

implantado um novo projeto.

“Sendo assim, projectar, planear, desenhar, não deverão traduzir-se para o arquitecto

na criação de formas vazias de sentido, impostas por capricho de qualquer natureza. As

formas que ele criará deverão resultar, antes, de um equilíbrio sábio entre a sua visão

pessoal e a circunstância que o envolve e para tanto deverá ele conhecê-la

intensamente, tão intensamente que conhecer e ser se confundem ” Fernando Távora “Da

Organização do Espaço” Porto, FAUP, 1999, pp77

Para fazer esta reflexão, são de especial interesse para esta pesquisa os projetos de

intervenção em edifícios existentes na arquitetura brasileira em que o resultado final

configura uma arquitetura autêntica e relevante para a discussão contemporânea. Podemos

citar os trabalhos de arquitetos como Paulo Mendes da Rocha, Lina Bo Bardi, Pedro Paulo

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de Mello Saraiva e Nelson Dupret, assim como propostas de grupos mais jovens como, por

exemplo, dos escritórios Brasil Arquitetura, Una Arquitetos e Andrade Morettin

Arquitetos.

Por meio da análise de obras e comparação, será possível distinguir algumas das

premissas que definem a prática do arquiteto enquanto profissional. Se considerarmos que

cada solução arquitetônica tem origem na visão pessoal e circunstância, precisamos

observar a diferenças e semelhanças circunstanciais de cada projeto (sítio, programa,

escala, público etc.) e compreender as relações que cada arquiteto estabelece com o

‘material’ que recebe, transformando-o em espaço contemporâneo associado ao patrimônio

preexistente. Pretende-se, portanto, por meio da investigação, gerar subsídios para

compreensão e evolução da arquitetura contemporânea.

“Ela [a arquitetura] nos leva, é verdade, além – é preciso não confundir – da

simples beleza que resulta de um problema tecnicamente resolvido; esta é,

porém, a base em que se tem de firmar, invariavelmente, como ponto de

partida”. COSTA, Lucio. “Razões na nova arquitetura”. In: COSTA (1995), pp.111.

OBJETIVOS:

Esta pesquisa estudará os partidos adotados por diferentes arquitetos em projetos

para edifícios existentes, tendo como objetivo selecionar um repertório de soluções

arquitetônicas e interpretações/leituras adequadas para este tipo de intervenção, que

respeitam o existente e consolidam uma obra de arquitetura contemporânea. Para este

estudo será imprescindível investigar também a evolução dos parâmetros para intervenção

em patrimônio ao longo dos anos.

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Essa análise pode se estender para projetos de outros arquitetos brasileiros e

estrangeiros que enfrentaram as mesmas questões, de modo a compreender de que forma se

desenvolveu o raciocínio para a implantação destas intervenções.

A partir deste estudo, será possível descrever mecanismos de concepção para

projetos de intervenção como, por exemplo, continuidade e contraposição, que expostos de

maneira clara servirão para auxiliar o entendimento da evolução da pratica profissional

Pretende-se, portanto, refletir criticamente sobre as intervenções propostas e fornecer

material para novos projetos de arquitetura que se comprometam com o contexto existente

e com a vida contemporânea, ou seja, nova cultura, novos programas e tecnologia.

PLANO DE TRABALHO E CRONOGRAMA:

Etapa 1: Levantamento de material pertinente à pesquisa.

Estudo de projetos, conversa com arquitetos e visitas pertinentes ao estudo, com

seleção dos projetos mais representativos dentro da proposta da pesquisa.

Serão pesquisadas bibliotecas e arquivos, além de consultadas páginas eletrônicas e

arquitetos que possam contribuir de alguma maneira.

Etapa 2: Leitura e organização do material.

Esta etapa inclui a seleção e leitura detalhada de desenhos, ensaios e textos.

Etapa 3: Análise e sistematização do Material Coletado.

Trata-se da investigação mais aprofundada das obras selecionadas, da identificação

de métodos de projeto. A idéia é criar fomento para a comparação, e para o traçado de uma

análise geral das obras.

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Etapa 5: Preparação da Qualificação (Organização dos Resultados)

A partir das etapas anteriores, os resultados alcançados até o momento serão

consolidados para serem apresentados à banca de qualificação.

Etapa 6: Consolidação e Apresentação dos Resultados.

Durante os últimos meses, os resultados da pesquisa serão consolidados com a

composição da dissertação de mestrado.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24

ETAPA 1                                          

ETAPA 2                                          

    ETAPA 3                    

                        ETAPA 4                

                                ETAPA 5            

                                    Q          
                                      ETAPA 6  
                                              B
Q: Qualificação B: Banca

MATERIAL E MÉTODOS:

O Estudo proposto requer uma observação detalhada de cada obra até a compreensão

da essência das intervenções para que se possam fazer comparações. Para tanto, faz-se

necessária uma metodologia de pesquisa que siga uma seqüência coerente de investigação.

Este método de pesquisa pode ser resumido nas seguintes etapas e atividades:

1. Definição do campo de abrangência da pesquisa com seleção preliminar de projetos e

bibliografia

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Nesta etapa, será feito o recorte dos projetos selecionados e revisão da bibliografia,

com adição e eliminação de projetos e textos em função das discussões com o orientador.

2. Investigação Histórica e Teórica

O desenvolvimento do trabalho contará com um estudo dos principais tratados,

teorias ou investigações sobre os temas de interesse da pesquisa, como teoria da

arquitetura, conceito de patrimônio arquitetônico e a questão do método no projeto de

arquitetura. Este estudo orientará a elaboração dos critérios para a análise de projetos.

3. Levantamento de Dados

Definidos os projetos e obras a analisar, levantar dados sobre cada projeto a partir de:

- projetos; desenhos, memoriais e registros fotográficos

- complementação das bases com imagens e desenhos de observação em campo;

- reunião de textos críticos;

- reunião de documentos referentes aos processos de aprovação dos projetos nos órgãos de

patrimônio (quando houver);

- conversas e entrevistas com arquitetos

Este material permitirá compreender as condições em que cada projeto foi

desenvolvido e identificar os caminhos percorridos para a sua concretização, de modo a

fornecer dados para a elaboração de critérios de análise.

3. Análise de Dados e Elaboração de Conclusões

As conclusões desta pesquisa serão satisfatórios na medida em que seja possível a

compreensão das obras em análise no contexto em que se inserem. Para tanto, o

pensamento crítico de cada arquiteto e suas obras mais significativas serão atentamente

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analisadas, de modo a identificar os mecanismos que tenham definido o método de

trabalho de cada um.

Os resultados deverão, portanto ser expostos de maneira a identificar as

especificidades de cada intervenção, mas ao mesmo tempo apontar e descrever o caminho

que torna estes projetos intervenções claramente contemporâneas que valorizam o

patrimônio construído, dando a este um novo significado.

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