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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE ARTES VISUAIS


CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO

Discentes: Breno Teixeira Martinelli e


Guilherme Ludovico de Melo Fernandes
Docente: Carolina Rodrigues Boaventura

Disciplina de Teorias da Arquitetura

O processo de criação do conceito de projeto arquitetônico para Bernard Tschumi e o


reflexo na obra New Acropolis Museum

Goiânia, Goiás
2022
Quando se trata de teóricos pós-modernos da arquitetura, o suíço Bernard Tschumi é um
dos nomes por trás de teorias envolvendo o processo arquitetônico de concepção.
Responsável por obras famosas, como o Parque de La Villette, em Paris, o autor contesta,
em vários momentos de sua carreira, o método de percepção e elaboração de arquitetura,
traçando críticas às práticas simplificadas de enxergar a forma e função, principalmente,
além de estabelecer um método de categorização de obras em relação à três definições.
Este artigo busca explicar uma parcela de sua teoria e demonstrar a aplicação desta em
uma das obras de Tschumi, o New Acropolis Museum.
Focando na teoria de Alberti, cujo tratado De Re Aedificatoria traz de volta a tríade
postulada por Vitrúvio no século I a.C: firmitas, venustas e utilitas, Tschumi busca explicar
quais fatores envolvendo estes conceitos se perderam nos princípios do século XX,
majoritariamente por conta da industrialização e pela opressão das instituições do Estado,
Família e Igreja. Dotado de uma posição visivelmente crítica, o autor analisa firmitas,
denominado pelo arquiteto como “estabilidade estrutural”, como uma condição contornada
pelos arquitetos modernos, que priorizam o aspecto formal à estrutura e cada vez menos se
atentam ao aspecto material das superfícies, mas que “a materialidade da arquitetura, afinal
de contas, está em seus sólidos e vazios, em suas sequências espaciais, suas articulações
e colisões” (TSCHUMI in NESBITT, 2006). Acusando como “prisão da linguagem da
arquitetura” a prática de se apropriar de códigos definidos por teorias arquitetônicas para
reduzir obras ou espaços urbanos em categorias específicas e inflexíveis, o autor lamenta
que o conceito de venustas, sua “aparência atraente”, esteja sendo encarado como uma
simples interpretação, a leitura de uma informação. E por fim, utilitas, chamada por ele de
“acomodação adequada do espaço”, não mais segue a lógica cartesiana de relação entre
corpo e espaço, conceito protagonista em obras do arquiteto, mas sim a visão de relação
entre sentidos e espaço, baseando-se numa posição fenomenológica de interpretação da
arquitetura. Como coloca de SÁ (2010):

O movimento moderno, embora contrário ao academicismo e às estratégias


compositivas da Beaux-Arts, fomenta, segundo Tschumi, certa omissão
crítica em relação ao conceito de programa, bem como o estreitamento entre
conteúdos programáticos, funcionalismo e a perspectiva utópica da
arquitetura em modelar a sociedade moderna. Contra a unicidade discursiva
e a favor da heterogeneidade, Tschumi defende a ruptura epistemológica
com o modernismo, principalmente a negação da “habitual exclusão do
corpo e de sua experiência de todo discurso sobre a lógica da forma”
(TSCHUMI in NESBITT, 2006)

Com isso, Tschumi critica a postura dos por ele denominados, depreciativamente,
“historicistas pós-modernos” e “neomodernistas” sobre o debate relacionado à forma e
função, nos quais estes proclamam que a “forma segue a forma”, reduzindo a arquitetura à
uma posição de objeto apreciativo, que pode ter sua contemplação assimilada à uma crítica
aos olhos de qualquer indivíduo que tenha a oportunidade de presenciá-lo, diferentemente
do seu conceito de interação de espaço com eventos, que depende especificamente de
condições apropriadas de instância e momento, interpretação do conceito e relação com
contextos.

Considerando que evento é a interação do corpo no espaço, ou a articulação


estrutural entre sujeito e objeto, a arquitetura nunca é autônoma nem tão
pouco se reduz a uma linguagem formal. Nesse sentido, “a arquitetura é
entendida a partir de dois termos mutuamente exclusivos – espaço e seu uso
ou, num sentido mais teórico, a concepção do espaço e a experiência do
espaço” (TSCHUMI, 1996, p. 16). Sua essência está, portanto, na bipartição
conceitual e experimental constituída pela cisão de fragmentos reais,
advindos da memória, e fragmentos virtuais oriundos da fantasia. É pelo e a
partir do movimento estabelecido nesse cisalhamento, pondo “em ação as
operações da sedução e o inconsciente” que a arquitetura condiciona-se
pela dimensão dos usos e apropriações pelo fruidor. A relação uníssona e
não hierárquica entre a proposta arquitetônica e sua experiência estética,
entre a articulação racional do conceito dada pelo arquiteto e sua
experimentação concreta no espaço real pelo fruidor constitui sua
bipolaridade. (de SÁ apud TSCHUMI in NESBITT, 2006).

Sendo o elo diferenciador de uma construção ordinária e arquitetura, esta última é sempre
pautada por um conceito, ou seja, um partido arquitetônico. Analisando as obras do autor,
de qualquer tipo de escala e ambiência, é notável o emprego de partidos arquitetônicos
claros, mesmo que estes estejam intrínsecos de forma que terceiros somente entendam por
meio de representações em diagramas ou recortes esquemáticos dedicados. Além disso,
segundo ele, não existe arquitetura sem uma avaliação do contexto, as circunstâncias em
que uma obra se insere devem ser analisadas a fim de decidir se devem ou não serem
agregadas ao conceito. E por último a ideia do conteúdo, em que se vê como uma falácia a
concepção da arquitetura como um objeto, sendo esta, como já colocado, uma interação
entre espaços e eventos.
Em conformidade, Tschumi estabelece sua arquitetura como um estudo de conceitos,
levando à criação, e afirma que a sociedade deve sempre se armar de novos conceitos com
o propósito de evitar que os obsoletos se mantenham em voga. A arquitetura se assemelha
a cidade contemporânea, em que nenhum sistema pré-definido se sobrepõe a outros, mas,
pelo contrário, a tensão inerente e as diferenças encaminham para novas alternativas e
novos modelos de ação (TSCHUMI, 2004). Essa afirmação se trata, novamente, de uma
crítica à categorização reducionista de arquitetura em linguagens pré-definidas.
De acordo com sua própria teoria, Tschumi estabelece seis inter-relações entre conceito,
contexto e conteúdo que podem pautar uma obra. O primeiro é a indiferença entre conceito
e contexto, quando o entorno não agrega nenhuma limitação, e a arquitetura pode ser
analisada de forma particular, sem interferências externas. De forma semelhante, o segundo
caso é quando a arquitetura se mantém um corpo anômalo, podendo estabelecer uma
relação de conexão ou completa ruptura com o entorno. A terceira pauta gira em torno de
obras cujo partido arquitetônico é adaptado a um ambiente. Em contrapartida, a quarta se
refere às obras onde seria problemático ignorar o contexto sobre o conceito, e por isso é
preciso congregá-los. Existem também casos em que o contexto define quase a totalidade
da obra, e é praticamente o definidor único do projeto. E por último os casos onde a escala
é tamanha que o contexto acaba se confundindo com o próprio conceito da obra, como em
casos de projetos urbanos.
O New Acropolis Museum se encaixa na quarta categoria. À primeira vista, existem
contextos que parecem limitar o projeto, mas, para o arquiteto, “os limites são áreas
estratégicas da arquitetura” (TSCHUMI in NESBITT, 2006), o que transforma as limitações
em elementos essenciais para a criação do partido arquitetônico, ou seja, o contexto neste
caso é delimitador do conceito. Estes contextos se tratavam de: a proximidade com o
Parthenon, um dos patrimônios edificados mais importantes da civilização ocidental; a
existência de um sítio arqueológico da cidade de Atenas no terreno; e a necessidade
imposta pelo programa do museu de expor os frisos do Parthenon, as peças de mármore
furtadas do entablamento do edifício pelos ingleses no século XVIII.
Dessa forma, Tschumi estabelece um partido arquitetônico simples, onde se dispõem três
partes distintas do edifício com volumes e disposições volumétricas específicas, em que
cada uma se relaciona diretamente a um dos contextos principais e, que por si fazem
alusão à períodos da história de Atenas. Aqui, Tschumi segue a linha oposta de muitas
obras pós-modernas que pouco utilizam de sua estrutura como forma de agregar parte do
partido arquitetônico na obra, usando do jogo de tríplice disposição de corpos para criar a
subdivisão interna do programa. Se colocando no lugar do visitante do museu, Tschumi e
sua equipe, sempre priorizando a escala do sujeito e sua interação com o espaço, criam um
percurso de passeio recomendado no museu. Nele, o indivíduo, entrando a partir do nível
da rua, tem seu primeiro contato no museu com as ruínas arqueológicas, na base do
edifício, que representam a cidade de Atenas na antiguidade. A partir deste ponto, se
deslocam até o pavimento mais alto, que representa a civilização milenar ateniense, no qual
existe um mirante com uma vista privilegiada para a Acrópole, onde se assenta o
Parthenon. Ademais, lá estariam localizados os frisos do Parthenon, uma referência
espacial ao posicionamento das peças de mármore na porção mais alta do edifício,
buscando assimilar-se ao contexto originário dos elementos expositivos. Por último, o
visitante desce ao pavimento central, no qual funciona a maior área do museu, local
predominante de exposição de objetos e onde se localiza um mirante voltado para a direção
oposta: a cidade de Atenas, representando a megalópole, contemporânea, em contraste
com a exposição, passado, e finalizando o circuito histórico.
Elevando sua primazia pela aplicação de seus conceitos, principalmente da relação
amigável entre conceito e contexto e a particular adoção do método, que segundo Tschumi,
é como se estabelece conteúdo, o arquiteto traça uma ruptura dos “paradigmas” dos
estudiosos de arquitetura pós-moderna ao utilizar de uma materialidade específica no
museu que faça uma alusão direta aos elementos em voga no conceito da obra: o
Parthenon e os objetos expostos no museu, predominantemente de mármore ou de pedra,
assim como o mármore e o concreto da fachada. Se o edifício fosse inteiro de fachadas
fechadas, branca e lisas, é verdade que os visitantes teriam uma boa experiência, mas que
não se assimilaria ao resultado atingido pelo projeto do New Acropolis Museum. Além
disso, o arquiteto não se preocupa em utilizar uma “linguagem pré-definida” que nomeia um
“estilo arquitetônico”, haja vista que sua preocupação principal era incorporar os contextos
no conceito do edifício, e não criar uma arquitetura sem interferência externa, anômala.

REFERÊNCIAS
TSCHUMI, Bernard. .Event-Cities 3 – Concept vs. Context vs. Content. New York: MIT
Press, 2004.
TSCHUMI, Bernard. Arquitetura e limites I. In: NESBITT, Kate. Uma nova agenda para a
arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac & Naify, 2006. p. 173-177.
TSCHUMI, Bernard. Arquitetura e limites II. In: NESBITT, Kate. Uma nova agenda para a
arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac & Naify, 2006. p. 179-182.
TSCHUMI, Bernard. Arquitetura e limites III. In: NESBITT, Kate. Uma nova agenda para a
arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac & Naify, 2006. p. 184-188.
SÁ, Daniele Nunes Caetano. Bernard Tschumi: Concepção e Experiência de Espaço. In:
Abstração formal, linguagem e experiência estética: interfaces entre arquitetura e
vanguardas históricas”. Programa financiado pela FAPEMIG. Belo Horizonte, 2010.

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