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Do fatti urbani à città analoga: o conceito de tipologia como eixo de entendimento da teoria

de Aldo Rossi
Discentes: João Vitor Torres e Breno Teixeira

Ao se tratar das discussões da arquitetura no pós-modernismo, é evidente a


importância do arquiteto milanês Aldo Rossi. Tendo levado suas críticas ao movimento
moderno, força dominadora de sua época, tanto às suas produções teóricas quanto
edificatórias, o arquiteto calcou uma teoria que possibilitou uma nova forma de enxergar a
arquitetura. Segundo Anthony Vidler, Rossi, através de sua percepção sobre a história e sua
importância para arquitetura, possibilitou uma forma de construir completamente diferente
do que se havia até então: Rossi via na história da própria arquitetura, e na cidade
construída por esta, o pano de fundo para se pensar a produção. Assim, Rossi propunha
uma análise da cidade construída, vista através do conceito do fatti urbani, para, a partir dela
e do entendimento de seus tipos, construir uma arquitetura que, pela sua característica
analógica, pudesse comunicar além da experiência individual do próprio arquiteto e se
colocar presente na cidade como uma experiência significativa para o coletivo. (VIDLER in
NESBITT, 2006)
Ao analisar esses conceitos que o arquiteto trata em sua obra, no entanto, é possível
perceber, entre eles, um contraste de natureza epistemológica: enquanto os fatti urbani
tratam da cidade construída, que pode ser conhecida a partir de sua dimensão histórica e
material, a città analoga, que Rossi propõe como forma de pensar a arquitetura, é um
conceito que parte justamente de uma forma não-material de conhecer a arquitetura e a
realidade. Ao falar da possibilidade de uma arquitetura analógica, Rossi trata da
possibilidade de reconhecer, na arquitetura, signos que, apesar de se relacionarem, vão além
dessa dimensão material do espaço. Porém, apesar dos conceitos do fatti e da città analoga
a partir dessas duas formas aparentemente distintas de se compreender a realidade, os
dois se mostram, ambos, como temas centrais na teoria do arquiteto.
Apesar de serem desenvolvidos em fases distintas de sua carreira, com a reflexão
sobre a cittá análoga marcando “a passagem do pensamento lógico ao analógico de sua
teoria” (BOAVENTURA, 2019, p. 98) nota-se que essa passagem não marca uma ruptura com
o que havia sido anteriormente pensado, mas sim algo que se assemelha a uma
continuação daquelas ideias. Sendo assim, torna-se importante, para uma melhor
compreensão da totalidade da teoria do arquiteto, um entendimento da forma com que
esses conceitos, aparentemente de esferas distintas, se relacionam. Nesse sentido, o
conceito da tipologia, também central na teoria do arquiteto, se mostra fundamental para
um entendimento da ligação entre esses, bem como para um entendimento dos próprios
outros dois conceitos. Busca-se, então, uma explicitação dos conceitos dos fatti urbani e da
cittá analoga, numa tentativa de explicar o contraste intrínseco às suas formas de conhecer
a arquitetura, seguido, então, por uma análise do conceito de tipologia e da forma com que
ele se inseriu na obra do arquiteto, numa tentativa de demonstrá-lo como uma peça que
consegue relacionar e trazer unidade à sua teoria.
Em primeira instância, o conceito do fatti urbani compõe um lugar central na teoria de
Rossi por se relacionar à sua forma de analisar a arquitetura enquanto objeto. Como coloca
na Introdução à edição portuguesa de seu livro "Arquitetura da Cidade", ao olhar para a
produção de alguns autores que também lidavam com a prática, como os arquitetos Adolf
Loos e Henry Van de Velde, Rossi encontra a necessidade de embarcar a história da
arquitetura na teoria e na produção prática, encontrando na cidade e na história o verdadeiro
objeto da arquitetura. Dessa forma, ao olhar para o que está posto na cidade, Rossi não
considera a arquitetura de forma isolada, mas sim como “uma construção com valor de
evento, de marco cultural e histórico da cidade” (BOAVENTURA, 2019, p. 95). A arquitetura,
portanto, recebia aqui um valor estritamente material a histórico, sendo vista como esse
produto da cultura e da história de um lugar.
A cittá analoga surge na sua autobiografia scientifica, onde Rossi propõe uma
arquitetura relacionada a signos que pudessem ser reconhecidos coletivamente.
Defendendo uma arquitetura que, como diz seu nome, não seria relacionada a lógica, Rossi
abarca a importância da proposição de uma arquitetura que, ainda ligada à história, se
relacionasse também com as memórias, imaginações e referências individuais de cada um.
Como Jung coloca, numa carta citada por Rossi:

“O pensamento “analógico” é percebido ainda que irreal, é imaginado mesmo que


silencioso; não é um discurso, mas uma meditação sobre temas do passado, um
monólogo interior. O pensamento lógico é um“pensar em palavras”. O pensamento
analógico é arcaico, inexplícito e praticamente inexprimível em palavras.” (JUNG,
apud ROSSI in NESBITT, 2006)

Aqui, portanto, é possível notar que, ao tentar conceituar uma arquitetura que também seja analógica,
Rossi começa a partir de um entendimento não apenas material e histórico do objeto arquitetônico,
concebendo-o, também, em uma dimensão imaginativa e, como ele mesmo coloca, arquetípica.
(ROSSI in NESBITT, 2006)
Assim, ao olhar separadamente, esses dois conceitos parecem tratar de duas esferas
completamente distintas: enquanto o fatti parece dizer respeito a um entendimento material
e histórico da arquitetura, a proposição de uma arquitetura que lida com a analogia se
coloca em outro contexto, relacionado a uma sublimação daquilo que é real, considerando a
arquitetura através de sua capacidade imaterial de comunicar ideias e se relacionar com o
ideário individual e coletivo. É aqui, então, que o terceiro conceito central da teoria de Rossi,
o da tipologia, aparece, possibilitando não só um entendimento mais aprofundado do
conceito do fatti e da città analoga, mas também um entendimento da relação entre ambos.
Já tendo sida discutida no campo da arquitetura por autores como Quatremère de
Quincy e Giulio Carlo Argan, a tipologia aparece como um elemento que diz respeito aos
tipos e às formas materializadas. Como coloca Boaventura, a tipologia pode ser entendida
como “uma regra, um enunciado lógico e apriorístico em relação à forma.[...] é aquilo mais
próximo da ‘essência da arquitetura'''; nesse sentido, esse entendimento de algo apriorístico
traz a teoria de Rossi a uma nova categoria epistemológica. Ao entender a tipologia como
algo que está na esfera de algo essencial, Rossi entende aquilo que está posto como fatti
como tipos, formas a posteriori que poderiam, portanto, se referir a essa essência. Por outro
lado, de certa forma, é a existência dessa essência tipológica que torna possível a
assimilação dos símbolos formais aos quais uma arquitetura analógica se referiria.
Para constatar a importância do conceito da tipologia como peça articuladora da
teoria de Rossi, uma análise cronológica mostra que, já na discussão de seu livro
Arquitetura da Cidade, o conceito da tipologia aparece como uma resposta a um problema
sugerido pela compreensão da arquitetura enquanto fatti, enquanto, ao mesmo tempo,
sedimenta o entendimento de uma dimensão imaterial da arquitetura que seria retomada
com o conceito da cittá analoga. Ao olhar para a condição dos fatti, Rossi se depara com o
problema de que estes estão sempre sujeitos à ação do tempo; de modo que seus usos,
com o passar dos anos seriam inevitavelmente alterados de acordo com as demandas
daqueles que ali viviam. Com isso, ao tentar sugerir um método para a concepção
arquitetônica, Rossi considera que esse entendimento material da arquitetura enquanto fatti
deveria se referir ao tipo, constatando uma necessidade de se referir a tipologia ao conceber
a arquitetura. Essa ideia, por fim, tem respaldo no pensamento da cittá analoga, que ao se
debruçar sobre a ideia de signos que transporiam a experiência individual do arquiteto, se
comunicando com a experiência coletiva daqueles que usariam o edifício, considera
justamente a existência de uma “essência” por trás dessa forma; responsável por tornar
essas analogias e significações possíveis.
Portanto, entende-se que, para chegar ao conceito da città análoga, ponto no qual a
teoria do arquiteto passa de um pensamento lógico a um pensamento analógico, Rossi
passou pelo entendimento dos fatti e da importância da cidade, desenvolvidos no
“Arquitetura da cidade”; reconhecendo, neles, tipos que vão além do material construído e
que podem, assim, atingir essa dimensão imaterial da ideia.
Nota-se, assim, que o conceito de tipologia atua como peça chave na teoria do
arquiteto, ligando e dando forma aos outros dois conceitos centrais e aparentemente tão
distintos de sua obra. Ao valer-se do conceito da tipologia, Rossi admite uma nova categoria
epistemológica em sua teoria; ao trazer a existência de esferas apriori da arquitetura,
consegue sobressair o entendimento estritamente material e histórico intrínseco ao
conceito dos fatti ao colocá-los como formas que estavam ligadas a uma essência. Essa
questão do que é essencial e apriorístico é retomada ao se pensar a cittá analoga, uma vez
que, posto o problema da relação entre a experiência individual e histórica do arquiteto e a
experiência coletiva daqueles que usariam o edifício no decorrer da história, Rossi recorre à
existência dessa tipologia para sugerir uma arquitetura que, sendo analógica, conseguiria,
através de seus signos, se referir a essa essência conhecida por todos.

Referências

BOAVENTURA, C.R., Aldo Rossi e a crítica italiana: nostalgia versus analogia. Grupo de Estudos em
Estética Contemporânea da USP, p.92.
NESBITT, K., 2006. Uma nova agenda para a arquitetura. Editora Cosac Naify.
ROSSI, A., 1976. Uma arquitetura analógica. in NESBITT, K., 2006. Uma nova agenda para a arquitetura.
Editora Cosac Naify.
VIDLER, A., 1976. A terceira tipologia. in NESBITT, K., 2006. Uma nova agenda para a arquitetura.
Editora Cosac Naify.

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