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Introdução
Segundo muitos autores, como David Harvey e Boaventura Souza Santos,
estamos diante de um momento crucial na história humana, que se torna efetivamente
urbana. As transformações atuais na estrutura social, na cultura, na tecnologia e na
informação, e os novos meios produtivos da indústria flexível demandam a construção
de novas alternativas para o espaço social. As estruturas que construíram a sociedade
moderna encontram-se agora no bojo de uma série de crises: a crise ecológica, a crise
econômica e a crise da racionalidade positiva nas ciências.
Nestes momentos de transformações radicais, como na virada do século XIX
para o XX, produziram uma série de reflexões e propostas utópicas, onde os
arquitetos tiveram um papel fundamental na construção de cidades e paradigmas de
desenvolvimento alternativos. Em seu livro, Espaços de Esperança, David Harvey
afirma que este é um papel fundamental para a construção de estruturas sociais
alternativas e, como diria Marx, o arquiteto (e urbanista) tem um papel fundamental
pois ele precisa antes imaginar (antever) o projeto em sua mente, antes de construí-lo.
Neste processo de tornar real as aspirações sociais, podemos perceber que o
arquiteto utiliza de diferentes instrumentos, táticas e processos mentais para criar e
imaginar novas possibilidades. Por um lado, em diferentes momentos da história, os
arquitetos se utilizaram da mitologia, da religião, da geometria, da cartografia, das
fotos de satélite e de diferentes racionalidades (como a lógica pura ou a dialética).
Mais recentemente, as tecnologias digitais, as ferramentas em rede e as plataformas
colaborativas tem transformado o modo de conceber e propor o modo como as
cidades deveriam se desenvolver. Por outro lado, a cada dia nos deparamos com
novas formas de ver e pensar, assim como, com estéticas cada vez mais diversas. Se,
nos movimentos de vanguarda do período moderno, arquitetos do mundo todo
tentaram propor cidades como modelos universais da verdade absoluta do homem,
hoje nos deparamos com uma pluralidade de possibilidades para a realidade urbana.
Neste contexto, o presente texto busca discutir a relação intrínseca entre os
instrumentos intelectuais e técnicos usados em diferentes estágios da história da
arquitetura, e as várias utopias urbanas que estes arquitetos propuseram.
Procurar-se-á entender as utopias urbanas propostas como “objetos virtuais”
que reconstroem poeticamente a realidade, como define Henri Lefebvre (1999; 1967).
Nestes termos, o objeto virtual seria uma possibilidade que é construída através da
análise da realidade, dos aspectos imanentes e das sementes contidas na realidade
atual. Diferente da ideia de mímesis, estas utopias devem ser entendidas não como
modelos perfeitos da realidade, mas como construtos sociais com relação direta com
fundamentos das cidades: os espaços percebidos, o espaço vivido e o espaço
concebido. No intuito de avançar sobre o legado de Lefebvre, dever-se-á investigar as
diferentes formas de percepção (entendida como um processo ativo), as diferentes
formas de experienciar a realidade vivida, e os axiomas dos diferentes instrumentos
usados para concepção do espaço social.
A justificativa para a importância deste estudo pode ser organizada em grandes
motivações.
Em primeiro lugar, os desafios do mundo contemporâneo, em transformação
cada vez mais intensa, demandam que enfrentemos o problema da criatividade, da
imaginação e da construção de novas alternativas sociais. Este é um desafio tanto
para o país, que se urbaniza e transforma radicalmente sua ordem social, devendo
conceber e pensar novos rumos a ser traçados, como um desafio técnico, que envolve
compreender a herança que as utopias das cidades do futuro do século passado nos
rende ainda hoje, além de fomentar novos instrumentos para conceber o futuro a partir
das demandas contemporâneas.
Em segundo lugar, o estudo dos processos e procedimentos de projeto ainda é
um campo com poucas pesquisas e sistematização no Brasil, sendo um campo de
pesquisa ainda pouco estruturado, embora existam muitas iniciativas louváveis. Para o
desenvolvimento de nosso campo, é fundamental pensar os métodos e procedimentos
intelectuais envolvidos na imaginação de novas soluções arquitetônicas, assim como
investigar o potencial criativo que as novas técnicas informacionais, de representação
e de simulação permitem ao ofício do arquiteto e urbanista.
Em terceiro lugar, a atividade da Arquitetura e do Urbanismo, entendida como
uma indústria criativa e uma ciência social aplicada, será sempre uma atividade tanto
prática quanto teórica. Por este motivo, é fundamental construir linhas de pesquisas
capazes de articular a prática projetual, os procedimentos metodológicos de
imaginação/criação e a reflexão teórica sobre a sociedade em seus aspectos
multidisciplinares.
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