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1. A COSMOVISÃO INDÍGENA
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Grupo Fibra
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. A frase foi retirada de um artigo publicado na Revista da Exposição Anthropologica Brasileira, ‘Deuses-
Fetiches do Amazonas’. São palavras ipsis litteris do Dr. Mello Moraes Filho (OLIVEIRA, 1890, p. 9).
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não era a physis (natureza)? Por que não uma perspectiva filosófica
indígena brasileira baseada nos mitos indígenas?
Penso que esta questão será respondida em parte neste texto,
porém, preciso da indulgência do leitor por fazê-lo percorrer um
caminho tortuoso e digressivo. Peço a transvaloração dos valores
ocidentais, que tanto se esforçaram em anular nossa cultura originária,
principalmente os raciais.
Por exemplo, uma das formas que os indígenas têm para se
expressar é ornamentar o corpo. As pinturas pretendem lembrar as
cores dos pássaros e animais, as folhagens, enfim, a natureza — como a
mimésis grega. Essa forma de imitação expressa um desejo: dizer que
eles fazem parte da floresta, que comungam sua história e sua vida. Por
meio de todas essas ações respeitosas com a floresta, o pensamento
indígena se expressa, de forma não convencional, e temos que buscar
estas pistas nas suas estórias, nos seus hábitos e nas suas artes.
A primeira crítica que esse ensaio poderia receber é de estar
propondo uma filosofia particular. Não, não é essa a proposta. Estamos
tentando introduzir uma filosofia periférica, mas não particular.
O professor Gerd Bornheim (1929-2002), em Filosofia e realidade
nacional, discutiu categoricamente o problema de uma filosofia
nacional, segundo o pensador, reiteradamente colocado no terceiro
mundo. Ele considera esse movimento intelectual um desiderato:
“trata-se do processo que pretende superar uma situação de
inferioridade cultural através da afirmação de uma ‘linguagem’
nacional” (BORNHEIM, 1998, p. 163, 167-168). A filosofia é universal.
Qualquer povo poderia se expressar por meio de conceitos filosóficos os
seus problemas, as suas aporias, o seu modo específico de ser … não tem
sentido ser nacional. As questões colocadas por um Comte ou por um
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. Em várias passagens usaremos os termos “filosofia brasileira” ou “filosofia no Brasil” para nos referirmos
ao lugar onde ocorreu, nas terras brasileiras.
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. Segundo o filósofo e matemático britânico Alfred North Whitehead (1861-1949): “The safest general
character-rization of the european philosophical tradition is that it consists of a series of footnotes to
Plato” (WHITEHEAD, 1978, p. 39).
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. Foge ao nosso objetivo aqui discutir o tema, mas acreditamos que o espaço acadêmico, de um modo
geral, forma pesquisadores, não filósofos. Pesquisador é um sujeito que sabe montar um trabalho, sabe
conduzi-lo com rigor, sabe chegar a conclusões e publicar. O filósofo é algo mais: é alguém capaz de
formular problemas da realidade ou da teoria originalmente. Muitos de nossos pós-graduandos são
simples fazedores de pesquisa. Raras as exceções.
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GUATTARI, Félix. Transcrito de uma entrevista concedida a Antoine Spire, Michel Field e Emmanuel
Hirsch, no Programa "Grandes Entrevistas" da televisão francesa (1989-1990), publicada nas Éditions de
L'aube, Paris, 2005. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=E9jwK0_eDds&t=11s>.
Consultado em: 20 abril de 2019.
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Sugiro a leitura de GRAYLING, 2021, Parte II, Cap. 3 (“Vim para matar índios”).
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Nota do autor: O sentido de floresta (urihi a) para a etnia Yanomami refere-se ao mesmo tempo à
floresta e ao espaço terrestre que a sustenta. Os termos floresta e natureza geralmente se confundem.
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. Anchieta chegou a escrever um poema de 3054 versos em latim para louvar as crueldades de Mem de
Sá. Um poema considerado pelos críticos como infeliz e provavelmente a razão do principal
impedimento à sua canonização (RIBEIRO, 1992, p. 29).
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[...] sabem esses índios que o homem tem alma (...) e que depois que morrem
vão suas almas a uns campos muito formosos cheios de árvores e figueiras
e se ajuntam com outros doutra nação, mas os veem afastados, e que não há
tristeza, senão cantar e bailar junto ao rio (SUÁREZ, 1989, p. 146).
2019.
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4. O PENSAMENTO INDÍGENA
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. Esse modo indígena de ser pode desaparecer se a educação imposta pelas escolas não respeitar a
língua e a cultura dos aborígenes. Quando morre uma língua, morre com ela um patrimônio intelectual
inestimável, uma forma de pensar e uma visão de mundo.
. Em Ser e Tempo, de Martin Heidegger (1889-1976), obra publicada em 1927, o filósofo alemão introduz
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o conceito de Dasein, um ser no mundo e não um ser-aí e o mundo. “O Dasein não é um caso de ente
para a representaç ão do ser por abstraçã o, mas precisamente a sede do entendimenco-do-ser”
(HEIDEGGER, 2012, p. 49).
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5. FILÓSOFOS INDÍGENAS
. Davi Kopenawa nasceu no Alto Rio Toototobi, Amazonas, em 18 de fevereiro de 1956, é um escritor,
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xamã e líder político yanomami. Atualmente, é presidente da Hutukara Associação Yanomami, uma
entidade indígena de ajuda mútua e etnodesenvolvimentista. Ele foi um dos responsáveis pela
demarcação do território Yanomami em 1992. Recebeu o prêmio ambiental Global 500 da ONU.
Consulta disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Davi_Kopenawa_Yanomami>. Consulta em: 29
abril 2019.
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caos. “Os brancos não temem como nós (yanomami), ser esmagado[s]
pela queda do céu” (KOPENAWA, 2015). É esse o maior medo dos
yanomamis: “a queda do céu”. Eles nos convidam a sonhar mais longe, a
pensar nos nossos filhos e nossos netos, pois só existe um céu e devemos
escutar a voz dos “espíritos da floresta”, já que o homem branco está
cheio de esquecimento.
Daniel Munduruku 14 é um escritor formado em filosofia, história,
psicologia e antropologia que gosta de escrever para crianças.
Questionado em uma entrevista (BBC News Brasil) sobre o papel da
literatura na mudança da visão indígena pela sociedade ele afirmou:
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. Daniel Munduruku nasceu em Belém (1964), é um escritor, professor brasileiro da etnia mundurucu e
é graduado em filosofia, história e psicologia. Tem mestrado em antropologia social pela Universidade
de São Paulo. É doutor em educação pela Universidade de São Paulo e Diretor-Presidente do Instituto
Uk´a – Casa dos Saberes Ancestrais. Como escritor, tem várias obras publicadas e destaca-se na área da
literatura infantil. É membro da Academia de Letras de Lorena, São Paulo. Recebeu a Comenda do mérito
cultural por duas vezes. Já recebeu vários prêmios no Brasil e no exterior: Jabuti, da Academia Brasileira
de Letras, Érico Vanucci Mendes (CNPq), Tolerância (UNESCO). Consulta disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Daniel_Munduruku>. Acesso em: 28 abril 2019.
. Consulta disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-47971962>. Consulta em: 28 abril
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. Ailton Krenak é um ativista, ambientalista, escritor e líder indígena natural da região do Médio Rio
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Doce (MG).
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Por que insistimos tanto e durante tanto tempo em participar desse clube
(da humanidade), que na maioria das vezes só limita a nossa capacidade de
invenção, criação, existência e liberdade? ... Será que não estamos sempre
atualizando aquela nossa velha disposição para a servidão voluntária?
(KRENAK, 2019, p. 13).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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. O termo mitoplástico foi encontrado no livro de Oswaldo Luiz Ribeiro, Homo Faber, e equivale a “mito
moldável” ou “mito adaptado”.
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REFERÊNCIAS
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WHITEHEAD, Alfred North. Process and reality: an essay in cosmology. New York: The
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