Você está na página 1de 4

1ª Avaliação da disciplina Cultura e Ambiente

Professora: Deborah Lima


Aluna: Ana Beatriz Nogueira Pereira

Questão 1
Ao ler o título da matéria do jornal The Guardian “Chimpanzees granted petition to
hear ´legal persons´status in court”, a reação imediata esperada pela maior parte das pessoas,
seria de no mínimo estranheza. Não se trata de uma ideia comum imaginarmos que animais
considerados irracionais sejam tratados judicialmente como se fossem seres humanos. Isto
porque, no geral, acreditamos que nós, seres humanos, somos dotados da superioridade
característica da “condição humana de ser”, o que teoricamente nos diferencia dos outros
animais e seria a linha divisória entre o estado de natureza e o estado de cultura. Esta discussão
é muito pertinente aos temas abordados em nossas aulas da disciplina “Cultura e Ambiente”,
sobretudo em torno das ideias de Natureza e Cultura. Tais conceitos geralmente são colocados
em oposição no imaginário ocidental, mas existem muitas teorias e correntes que buscam
desconstruir essa ideia, como os autores Claude Lévi-Strauss, Gregory Bateson, Tim Ingold,
entre outros.

Trazendo a discussão para o campo do saber antropológico, podemos remeter


inicialmente a Lévi-Strauss que, em “As estruturas elementares do parentesco”, discorre acerca
do suposto “estado de natureza” e “estado de cultura”. Ciente dos limites e controvérsias desses
conceitos e da impossibilidade de se estabelecer uma real separação entre os dois estados, Lévi-
Strauss propõe que a distinção entre natureza e cultura se justifica como método de análise
antropológica. Dentro dessa ideia, ele define as características da espécie humana de caráter
universal, ou seja, presentes em todos os grupos sociais conhecidos, como sendo do campo da
natureza e os elementos de caráter coercitivo, vinculados a normas e regras sociais, como sendo
do campo da cultura. Vale destacar o tabu do incesto, que Lévi-Strauss caracteriza como
gerador de relações sociais e que possui, ao mesmo tempo, o caráter universal que o liga à
Natureza e o caráter coercitivo que o ligaria à Cultura.

Pode-se fazer um paralelo interessante entre a teoria de Lévi-Strauss e o caso dos


chimpanzés, ao perceber que as características consideradas intrínsecas à condição humana,
como inteligência, complexidade emocional e autoconhecimento, foram identificadas nos
animais e usadas por advogados como uma maneira legal de se obter um julgamento similar ao
de seres humanos, no caso de uma espécie de “prisão ilegal”. Em uma visão tradicional, os
chimpanzés são pertencentes à condição natureza e não se enquadrariam na categoria de
humanidade e por isso estariam abaixo dos seres humanos em uma escala de importância ou até
mesmo, de evolução. O fato de haver um reconhecimento por parte de alguns, de algo que seria
natural dos seres humanos, foi lhes conferida uma condição de humanidade, mesmo que por
algum tempo e num contexto específico, já que, nesse caso, houve uma interpretação
direcionada de uma “brecha” encontrada na Lei, por um grupo que há algum tempo, luta por
direitos de “não-humanos”. Mesmo assim, o fato é de grande relevância na transformação do
pensamento humano em busca de uma visão mais integrada entre o ser humano e a natureza.

Seguindo essa ideia, é possível abordar de outra forma essa questão, à luz da teoria de
Bateson, que discorre sobre a ideia de mente imanente ao ambiente e que nos convida a ter uma
visão mais ecológica do mundo e da humanidade. Bateson desenvolve uma ideia onde o mundo
é visto como um sistema amplo e complexo, do qual as mentes individuais fazem parte,
influenciando e sendo influenciadas. Para ele, deve-se pensar esse sistema e suas partes de
forma cibernética, ou seja, associada e não dissociada, como se costuma pensar de forma a
separar Natureza e Cultura, os humanos dos não humanos. A própria ideia de Natureza é uma
construção cultural. Nesse contexto, devemos ter cautela ao impormos nosso modo de pensar e
nossa condição “superior” aos demais seres que habitam o mesmo ambiente, pois estamos todos
interligados e somos, de certa forma dependentes e contribuintes desse sistema, onde a ideia de
um desenvolvimento absoluto, baseado no controle pelo homem de tudo o que é natural, ou seja
não-humano, é uma ideia bastante perigosa. O fato de haverem animais “não-humanos”, como
os chimpanzés, dotados de características tão fortemente humanas nos faz pensar na nossa
condição de seres imanentes ao ambiente e de que, na verdade, essa separação entre estados de
natureza e cultura são bastante ilusórios.

Outro autor que desenvolve suas ideias nesse sentido é Tim Ingold, que nos faz pensar
por meio de uma pequena reconstrução histórica das ideias de humanidade e animalidade o que
caracteriza a condição humana. O exemplo dos chimpanzés dialoga com o dos homens com
cauda, citados por Ingold, onde, por alguns, tais seres foram considerados como uma espécie de
macacos, ou seja, não humanos, e por outros como humanos, por possuírem características
intrínsecas à condição humana de ser. Nesse caso, como demonstrado no texto de Ingold, em
referência a um juiz escocês, o que tornaria um ser humano não seria sua morfologia, mas sua
“condição humana”, marcada por aspectos como inteligência e linguagem. Podemos concluir,
ao refletir sobre a notícia à luz da antropologia que, apesar dos avanços nas reflexões sobre o
tema da antiga oposição entre humanidade e animalidade, ainda estamos muito distantes de uma
visão clara, harmoniosa e coerente sobre natureza e cultura.

Questão 2

A matéria do jornal The Guardian sobre a exposição de arte aborígene tem início com a
pergunta: O que é civilização? Eu acrescentaria ainda: O que é arte? E como estes dois
conceitos são fundados sobre as bases do modo “ocidental” de ver o mundo. A chamada
“cultura ocidental” construiu ao longo dos anos suas ideias práticas de civilização, que vem
sendo reinventada com o passar dos séculos. Como todos os povos do globo, os
desbravadores/colonizadores europeus foram (e, cabe dizer, ainda são) etnocêntricos e essa
característica marcou profundamente o contato entre “eles” e as outras culturas. Ao conceito
ocidental de civilização surge em algum momento da história os opostos, como a selvageria.
Quem não era civilizado era selvagem, ou inferior, do ponto de vista ocidental, assim como
todas as manifestações e formas de expressão e de ver o mundo das culturas não ocidentais.

Nesse contexto deu-se o encontro entre a Europa e o povo aborígene que ocupava o
território da atual Austrália. À época era inconcebível pensar nesses povos “selvagens e
primitivos” como algo similar a uma civilização como organização social e em qualquer
elemento de sua cultura como algo relevante. O pensamento “ocidental” sobre tais questões vem
se transformando ao longo do tempo e novas formas de se relacionar com o mundo tem ganhado
certo valor, até mesmo porque seu modus vivendi vem se mostrando altamente insustentável em
diversos aspectos.

Mas, apesar de toda esta mudança de contexto, muitas ideias, mesmo que muito sutis,
ainda estão profundamente enraizadas em nosso pensamento e ecoam nos discursos dos mais
diversos atores e das mais diversas áreas do pensamento. Em relação à arte, como colocado na
matéria em questão, existem inúmeras controvérsias e polêmicas que vieram à tona com a
exposição de arte aborígene, considerada então, como uma civilização sob os olhos ocidentais e
ocidentalizados. Mas, além das questões óbvias que são alvo de polêmicas e questionamentos,
como o fato de muitos destes objetos expostos terem sido violentamente roubados de seu local e
cultura de origem, é importante também questionar sobre o fato de tais obras, expressões de
uma cultura, carregadas de significados e simbolismos inteligíveis em sua profundidade apenas
em seu contexto, serem expostas como “obras de arte” de uma cultura que, a partir do momento
que passa a ter o aval de instituições e mecanismos do mundo ocidental, passa a se tornar
legítima e reconhecida como civilização. O próprio fato de se pensar tais obras como “arte” e a
cultura aborígene como “civilização” deve ser problematizado como uma forma etnocêntrica e
dominante de lidar com “o outro”, ao impor conceitos e ideias dominantes, como as categorias
citadas.

À luz da teoria antropológica, é aceitável a ideia de que haja um estranhamento


(tomando a expressão com uma conotação mais negativa) profundo entre dois povos e duas
culturas muito distintas. Porém, ao longo do desenvolvimento da interação e do pensamento
acerca das diferenças e semelhanças, seria razoável uma gradual transformação nas formas de
pensar e encarar os “outros culturais”. Lévi-Strauss discorre com muita propriedade sobre estas
questões em seu texto “Raça e História”, onde ele mostra que as culturas humanas podem sim
ser consideradas superiores ou inferiores em determinados aspectos, mas que a existência do
etnocentrismo provavelmente sempre estará filtrando tais comparações. Ele também mostra que
o relativismo absoluto não é a melhor maneira de pensar a diversidade cultural e que todas as
culturas dão sua contribuição no desenvolvimento da humanidade como um todo. Estas
questões devem ser consideradas por intelectuais e lideranças ao lidar com situações como uma
exposição de arte aborígene, por exemplo. Nesse caso, o diálogo e a atuação integrada entre os
dois lados seria uma ideia proposta importante a se considerar. O fato de se reconhecer o povo
aborígene como uma civilização tem sua importância em um cenário onde antes eram tratados
como primitivos e selvagens, mas, seguindo a visão colocada por Lévi-Strauss, pode também
ser problemática, pois, segundo o autor, a supressão da diversidade entre os povos em nome de
uma igualdade da humanidade é uma ideia perigosa. Tratar uma cultura distinta como
civilização, mesmo que de forma bem intencionada, pode entrar nesse caminho de suprimir a
diversidade, pois classifica uma cultura diversa nos moldes e termos ocidentais. Talvez uma
ideia mais razoável seja tratar tal cultura como uma forma de organização social e de interação
entre homem e ambiente que se dá de maneira diferente, porém tão legítimo e importante como
a civilização ocidental.

Outro ponto a se destacar é a tendência de homogeinização das culturas que geraria


possivelmente uma ocidentalização do mundo, ideia que pode ser inferida no caso da exposição.
Tal tendência, colocada por Lévi-Strauss, seria caracterizada pelo movimento de absorção entre
as culturas de suas “melhores partes”, o que levaria a uma civilização mundial onde o modo
dominante seria o ocidental. Mas, mesmo segundo o autor, trata-se de uma ideia muito incerta e
com inúmeras variáveis.

Ideias ligadas ao relativismo, evolucionismo e etnocentrismo são muito presentes no


pensamento antropológico e em teóricos como Claude Lévi-Strauss e Franz Boas. Muito se
desenvolveu por meio das teorias destes e outros importantes autores da antropologia, mas ainda
temos muito o que superar e transcender no que tange à relação entre o “nós” e os diversos
“outros” à nossa volta, estejam eles próximos ou distantes. Temos muito o que influenciar e
sermos influenciados, ensinar e aprender por meio de uma convivência mútua, respeitosa e
dialógica. E, como é colocado ao final da matéria, entre ocidentais capitalistas e aborígenes,
uma importante troca a ser feita e de grande valor aos primeiros, seria a forma de se relacionar
com o ambiente natural. Poderíamos assim, pensar, como propõe Bateson, de maneira
ecológica, onde todos os seres, humanos e não humanos, com todas as suas variáveis culturais,
sejam partes imanentes de um mesmo sistema, dotados de igual importância, a despeito de suas
diferenças.

Você também pode gostar