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Questão 1
Ao ler o título da matéria do jornal The Guardian “Chimpanzees granted petition to
hear ´legal persons´status in court”, a reação imediata esperada pela maior parte das pessoas,
seria de no mínimo estranheza. Não se trata de uma ideia comum imaginarmos que animais
considerados irracionais sejam tratados judicialmente como se fossem seres humanos. Isto
porque, no geral, acreditamos que nós, seres humanos, somos dotados da superioridade
característica da “condição humana de ser”, o que teoricamente nos diferencia dos outros
animais e seria a linha divisória entre o estado de natureza e o estado de cultura. Esta discussão
é muito pertinente aos temas abordados em nossas aulas da disciplina “Cultura e Ambiente”,
sobretudo em torno das ideias de Natureza e Cultura. Tais conceitos geralmente são colocados
em oposição no imaginário ocidental, mas existem muitas teorias e correntes que buscam
desconstruir essa ideia, como os autores Claude Lévi-Strauss, Gregory Bateson, Tim Ingold,
entre outros.
Seguindo essa ideia, é possível abordar de outra forma essa questão, à luz da teoria de
Bateson, que discorre sobre a ideia de mente imanente ao ambiente e que nos convida a ter uma
visão mais ecológica do mundo e da humanidade. Bateson desenvolve uma ideia onde o mundo
é visto como um sistema amplo e complexo, do qual as mentes individuais fazem parte,
influenciando e sendo influenciadas. Para ele, deve-se pensar esse sistema e suas partes de
forma cibernética, ou seja, associada e não dissociada, como se costuma pensar de forma a
separar Natureza e Cultura, os humanos dos não humanos. A própria ideia de Natureza é uma
construção cultural. Nesse contexto, devemos ter cautela ao impormos nosso modo de pensar e
nossa condição “superior” aos demais seres que habitam o mesmo ambiente, pois estamos todos
interligados e somos, de certa forma dependentes e contribuintes desse sistema, onde a ideia de
um desenvolvimento absoluto, baseado no controle pelo homem de tudo o que é natural, ou seja
não-humano, é uma ideia bastante perigosa. O fato de haverem animais “não-humanos”, como
os chimpanzés, dotados de características tão fortemente humanas nos faz pensar na nossa
condição de seres imanentes ao ambiente e de que, na verdade, essa separação entre estados de
natureza e cultura são bastante ilusórios.
Outro autor que desenvolve suas ideias nesse sentido é Tim Ingold, que nos faz pensar
por meio de uma pequena reconstrução histórica das ideias de humanidade e animalidade o que
caracteriza a condição humana. O exemplo dos chimpanzés dialoga com o dos homens com
cauda, citados por Ingold, onde, por alguns, tais seres foram considerados como uma espécie de
macacos, ou seja, não humanos, e por outros como humanos, por possuírem características
intrínsecas à condição humana de ser. Nesse caso, como demonstrado no texto de Ingold, em
referência a um juiz escocês, o que tornaria um ser humano não seria sua morfologia, mas sua
“condição humana”, marcada por aspectos como inteligência e linguagem. Podemos concluir,
ao refletir sobre a notícia à luz da antropologia que, apesar dos avanços nas reflexões sobre o
tema da antiga oposição entre humanidade e animalidade, ainda estamos muito distantes de uma
visão clara, harmoniosa e coerente sobre natureza e cultura.
Questão 2
A matéria do jornal The Guardian sobre a exposição de arte aborígene tem início com a
pergunta: O que é civilização? Eu acrescentaria ainda: O que é arte? E como estes dois
conceitos são fundados sobre as bases do modo “ocidental” de ver o mundo. A chamada
“cultura ocidental” construiu ao longo dos anos suas ideias práticas de civilização, que vem
sendo reinventada com o passar dos séculos. Como todos os povos do globo, os
desbravadores/colonizadores europeus foram (e, cabe dizer, ainda são) etnocêntricos e essa
característica marcou profundamente o contato entre “eles” e as outras culturas. Ao conceito
ocidental de civilização surge em algum momento da história os opostos, como a selvageria.
Quem não era civilizado era selvagem, ou inferior, do ponto de vista ocidental, assim como
todas as manifestações e formas de expressão e de ver o mundo das culturas não ocidentais.
Nesse contexto deu-se o encontro entre a Europa e o povo aborígene que ocupava o
território da atual Austrália. À época era inconcebível pensar nesses povos “selvagens e
primitivos” como algo similar a uma civilização como organização social e em qualquer
elemento de sua cultura como algo relevante. O pensamento “ocidental” sobre tais questões vem
se transformando ao longo do tempo e novas formas de se relacionar com o mundo tem ganhado
certo valor, até mesmo porque seu modus vivendi vem se mostrando altamente insustentável em
diversos aspectos.
Mas, apesar de toda esta mudança de contexto, muitas ideias, mesmo que muito sutis,
ainda estão profundamente enraizadas em nosso pensamento e ecoam nos discursos dos mais
diversos atores e das mais diversas áreas do pensamento. Em relação à arte, como colocado na
matéria em questão, existem inúmeras controvérsias e polêmicas que vieram à tona com a
exposição de arte aborígene, considerada então, como uma civilização sob os olhos ocidentais e
ocidentalizados. Mas, além das questões óbvias que são alvo de polêmicas e questionamentos,
como o fato de muitos destes objetos expostos terem sido violentamente roubados de seu local e
cultura de origem, é importante também questionar sobre o fato de tais obras, expressões de
uma cultura, carregadas de significados e simbolismos inteligíveis em sua profundidade apenas
em seu contexto, serem expostas como “obras de arte” de uma cultura que, a partir do momento
que passa a ter o aval de instituições e mecanismos do mundo ocidental, passa a se tornar
legítima e reconhecida como civilização. O próprio fato de se pensar tais obras como “arte” e a
cultura aborígene como “civilização” deve ser problematizado como uma forma etnocêntrica e
dominante de lidar com “o outro”, ao impor conceitos e ideias dominantes, como as categorias
citadas.