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INTRODUÇÃO AO SABER

ANTROPOLÓGICO

CONCEITUAÇÃO E ORIGENS
POR PROF. DR. AUGUSTO CÉSAR ACIOLY
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O homem é um ser especial?


Este questionamento que apresentamos, tem como ponto de partida a nossa
leitura do texto de Maria Luiza, “o homem um ser especial”, ao colocar a constatação da
nossa autora no formato de um questionamento, não queremos discordar das suas
posições, mas fornecer uma posição reflexiva da condição humana.
O que a Luiza procurou fornecer, foi a perspectiva de que o caráter especial do
ser humano, reside num conjunto de elementos que em nada tem haver com uma
condição limitadora, ou excepcional, mas ao fato de que ele comporta um conjunto de
habilidades que ao longo do seu processo evolutivo, foram o distanciando dos animais
que apresentam comportamento menos complexo, que podem ser destacados pelos
seguintes aspectos:
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O homem é um ser especial?

Raciocinar;
Rir;
Chorar;
 Possuir consciência da morte;
 Produzir cultura;
 Opor o polegar.
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O homem é um ser especial?


Tais características, que para nós podem parecer evidentes e óbvias, na
verdade é o que nos tornaria “especiais”, ou seja, complexos se comparados a
outros seres vivos. A nossa complexidade materializa-se tanto na dimensão
fisiológica quanto, simbólica.
A possibilidade de racionalizar, nos tornou como já frisamos, diferentes dos outros
animais, aliado a tal característica, a linguagem foi um dos elementos mais
importantes no processo de diferenciação da nossa forma de viver com relação aos
outros seres vivos. Pelo fato, de que através da comunicação/linguagem foi
possível a criação da Cultura e organizar a nossa realidade, pois ela acabou
fornecendo o sentido de tradição, aspecto necessário na transmissão e reformulação
do conhecimento.
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Explorando o texto
QUESTÃO 01.Utilizando como referência o capítulo abordado, produza um texto dissertativo, que
apresente quais aspectos contribuíram para o humano ser compreendido, pela autora como um “ser
especial”?

QUESTÃO 02. Qual a importância, segundo a autora, da linguagem no desenvolvimento dos seres
humanos? Forneça exemplos.

QUESTÃO 03. Partindo dos exemplos apresentados no texto, diferencie e relacione a questão do instinto
e do processo de aprendizagem na constituição do ser humano, enquanto, ser especial”.

QUESTÃO 04. Disserte sobre a importância de compreender o humano, como conceito e reflexão para à
Psicologia.
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Antropologia: Conceitos e Origens

O estabelecimento do conhecimento é um processo que se orienta dentro de alguns


aspectos. Dentre eles, podemos considerar que a delimitação do objeto e a concepção que se
quer construir aliados as práticas metodológicas que o ajudaram a fornecer uma identidade
pode ser elencado entre os elementos centrais na formulação de um dado saber. No caso em
questão, o da Antropologia, mesmo antes dela existir na condição de campo de reflexão
sistemático, podemos, encontrar uma “intenção” do que viria a se constituir como
Antropologia na condição de conhecimento científico, pois o humano e sua realidade, de
alguma forma sempre circulou como um campo de preocupações, desde pelo menos,
quando os grupos humanos passaram a formular questões sobre a sua realidade.
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Antropologia: Conceitos e Origens


Torna-se um aspecto importante apresentar alguns elementos que contribuíram para que
a fundação do saber antropológico se impusesse, mesmo que fosse antiga, a pratica de
observar o humano. Dentre as dimensões que se conjugaram na estruturação da
Antropologia na qualidade de saber, poderíamos destacar:
 A posição de reflexão que o homem passou a efetuar com relação a sua
existência em sociedade;
A partir do processo de expansão empreendido pela Europa, entre os séculos
XII-XVI, esta condição da diversidade do humano se inscreve no sentido de
gerar o questionamento sobre a existência e a diferença;
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Antropologia: Conceitos e Origens


 O que resultou na educação de um olhar sobre o “outro”, iniciando o olhar antropológico do
estranhamento.
Sobre este processo o antropólogo Laplatine, observou:
“A gênese da reflexão antropológica é contemporânea à descoberta do Novo Mundo. O
Renascimento explora espaços até então desconhecidos e começa a elaborar discursos
sobre os habitantes que povoa aqueles espaços. A grande questão que é então colocada, e
que nasce desse primeiro confronto visual com a alteridade, é a seguinte: aqueles que
acabaram de ser descobertos pertencem a humanidade?”
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Antropologia: Conceitos e Origens

 Tal contato, amadurece a posição/ação dos observadores e eruditos, de procurar explicar


aquela realidade dentro de um sistema de conhecimento classificatório, que num primeiro
momento foi largamente influenciado pelo conhecimento religioso, e depois passou a ser
pensado por um certo padrão de conhecimento dito “científico” na chave de leitura da
modernidade;
 O processo de contato com o outro, que de alguma maneira moldou o saber antropológico,
antes da sua existência na condição de ciência, foi um espaço de polêmica sobre a condição
e características deste humano. Podemos balizar o nível destas posições, observando ainda
no século XIV a polêmica entre o Jesuíta Las Casas e o Dominicano Sepulveda. Vejamos:
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Las Casas:
“Aqueles que pretendem que os índios são bárbaros, responderemos que essas pessoas têm aldeias,
vilas, cidades, reis, senhores e uma ordem política que, em alguns reinos, é melhor que a nossa. (...)
Esses povos igualavam ou até superavam muitas nações e uma ordem política que, em alguns reinos, é
melhor que a nossa. (...) Esses povos igualavam ou até superavam muitas nações do mundo
conhecidas como policiadas e razoáveis, e não eram inferiores a nenhuma delas. Assim, igualavam-se
aos gregos e os romanos, e até, em alguns de seus costumes, os superavam. Eles superavam também a
Inglaterra, a França, e algumas de nossas regiões da Espanha. (...) Pois a maioria dessas nações do
mundo, senão todas, foram muito mais pervertidas, irracionais e depravadas, e deram mostra de muito
menos prudência e sagacidade em sua forma de se governarem e exercerem as virtudes morais. Nós
mesmos fomos piores, no tempo de nossos ancestrais e sobre toda a extensão de nossa Espanha, pela
barbárie de nosso modo de vida e pela depravação de nossos costumes”.(LAPLATINE, p.26).
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Sepúlveda:

”Aqueles que superam os outros em prudência e razão, mesmo que não sejam superiores em
força física, aqueles são, por natureza, os senhores; ao contrário, porém, os preguiçosos, os
espíritos lentos, mesmo que tenham as forças físicas para cumprir todas as tarefas necessárias,
são por natureza servos. E é justo e útil que sejam servos, e vemos isso sancionado pela
própria lei divina. Tais são as nações bárbaras e desumanas, estranhas `a vida civil e aos
costumes pacíficos. E será sempre justo e conforme o direito natural que essas pessoas estejam
submetidas ao império de príncipes e de nações mais cultas e humanas, de modo que, graças à
virtude destas e à prudência de suas leis, eles abandonem a barbárie e se conformem a uma
vida mais humana e ao culto da virtude. E se eles recusarem esse império, pode-se impô-lo
pelo meio das armas e essa guerra será justa, bem como o declara o direito natural que os
homens honrados, inteligentes, virtuosos e humanos dominem aqueles que não têm essas
virtudes”. (LAPLATINE, p.27).
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Antropologia: Conceitos e Origens

Diante destas duas posições, em torno dos indígenas americanos, podemos observar
um dado interessante, as justificativas para a recusa ou admiração, baseavam-se ainda, nas
questões referentes a sua condição humana, mas esta compreendida e entremeada por
fundamentos religiosos. Seguindo então, tal posição, aos que não professassem a Fé e a
Cultura ocidental cristã, passavam a serem vistos, como não humanos. Mesmo os
racionalistas, no século XVIII acabariam reatualizando esta lógica na defesa do estatuto de
humanidade para os grupos humanos ( de Pauw e Hegel).
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Antropologia: Conceitos e Origens

A trilha na construção deste sentimento construiu-se num caminho de vários passos e


alguns desencontros, pois formulou-se num dado momento: a figura do “mal selvagem” ou
“bom selvagem”, que dependia como veremos mais adiante, de fórmulas dicotômicas que
alguns séculos mais tarde, sofreria reatualizações, sobre a influência de alguns filósofos do
movimento iluminista, a exemplo de personagens como Rousseau ou Voltaire, que
pensaram a condição de bom selvagem X mal civilizado.
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Antropologia: Conceitos e Origens

Na construção da humanidade dos indivíduos que os europeus entraram em contato a


partir do século XIV-XV, estruturaram-se alguns aspectos que seriam utilizados como
referências que reforçavam uma visão dicotômica e exótica:
 
1. A aparência física: eles estão nus ou ”vestidos de peles de animais”;
2. Os comportamentos alimentares: eles ”comem carne crua”, e diante de tal realidade
elaborou-se o imaginário do canibalismo;
3. A inteligência tal, como pode ser apreendida a partir da linguagem: eles falam ”uma
língua ininteligível”.
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Como resultado da conquista da


América, proliferou na Europa a edição
dos diários de viagem ilustrados com
“terríveis” imagens de canibais se
empanturrando de restos humanos. Um
banquete canibal na Bahia (Brasil), de
acordo com a descrição do alemão J.G.
Aldenburg.
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Conceitos e Origens: a figura do mau selvagem e do Bom


civilizado
As figuras reproduzidas que tinham por base, os diários de viagens que se tornaram
populares na Europa, constituíram-se numa das maneiras de difundirem um conceito dos
povos que os europeus entraram em contato na América. Claro que tal visão estabeleceu-se
dentro de um sentimento de estranhamento, que procurou observar no “outro”, aquilo que
era visto como negativo, usando como “parâmetro” o europeu. Neste sentido, o selvagem
passou a ser representado dentro de uma perspectiva que o reduzia na maior parte das
vezes, a dimensão animal, e nesta condição, a posição europeia seria a de domesticá-la.
Sendo assim, criou-se a compreensão do selvagem como oposto ao civilizado. Laplatine,
considera que ainda no século XVIII, alguns
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Conceitos e Origens: a figura do mau selvagem e do


Bom civilizado
pensadores colaboraram à reafirmar esta visão dicotômica, porém com um viés, baseado
num discurso científico e filosófico, fugindo à princípios religiosos.

A Figura do bom selvagem e do mau civilizado


Na construção destes tipos que contribuiriam para formular a maneira como, os
europeus viam os outros, ou seja, “os selvagens”, compreendidos como aqueles que
estavam no outro lado da experiência humana. O que se efetivou foi a construção, pela
sociedade ocidental de tipos para pensar tal realidade. Elementos que gravitavam, entre as
imagens do “mau civilizado” e do “bom selvagem”.
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Conceitos e Origens: a figura do bom selvagem e do


mau civilizado
condição que, após os primeiros contatos com um “paraíso idílico” foi reformulado,
respeitando agora uma inversão, pois o mau passou a ser bom, e o bom passou a ser mau. O
processo de mudança deste discurso, mesmo de maneira mais efetiva materializado, a partir
do século XVIII, sobre forte influencia dos filósofos iluministas, a exemplo de Rosseau e
dos românticos do século XIX. Podemos até mesmo, contemporaneamente a construção da
visão negativa do nativo e laudatória do civilizado, encontrar alguns que discordavam desta
dimensão, personagens como: Américo Vespúcio e Colombo. E, algumas décadas depois,
Léry e Montaigne, que refletiam sobre a questão da crueldade tanto entre os selvagens,
como dos civilizados com relação aqueles, vejamos:
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Conceitos e Origens: a figura do mau selvagem e do


Bom civilizado
“pela primeira vez, instaura-se uma critica da civilização e um elogio da “ingenuidade
original” do estado de natureza. Léry entre os Tupinambás, interroga-se sobre o que se passa
“aquém”, isto é na Europa. “Ele escreve, a respeito de “nossos grandes usurários”. Eles são mais
cruéis do que os selvagens dos quais estou falando””.(LAPLATINE, p.33).
Como podemos observar, mesmo compreendendo a sua condição selvagem, isto abriu, a
possibilidade de formular uma visão mais favorável a estes indivíduos que ajustavam-se na
formulação de uma posição idealizada, colaborando numa leitura estereotipada da realidade
vivenciada pelos ameríndios, este exercício contribui na realização de uma critica à maneira, como
o ocidente europeu se percebia.
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Conceitos e Origens: a figura do mau selvagem e do


Bom civilizado
Dentro deste processo de fascínio com relação ao selvagem, materializado no indígena
americano, que contribuiria na afirmação de uma imagem positiva se relacionarmos à séculos
anteriores, Laplatine expõe, a maneira como os hurons, povo ameríndio que entrou em contato
com os franceses foi representado, e como passou a integrar as reflexões de filósofos e literatos.
Esta visão de si mesmo e do outro, não permaneceu estática, ela oscilava dependendo de
quem a construía, isto abriu perspectiva para o selvagem na visão ocidental, ter sua imagem
construída sobre diversas perspectivas, ora dentro de uma visão “positiva”, ou “negativa”.
Constatando tal questão, Laplatine apresentava na estruturação desta visão, os seguintes
aspectos:
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Conceitos e Origens: a figura do mau selvagem e do Bom


civilizado
Era um monstro, “um animal com figura humana”(léry), a meio caminho entre a animalidade
e a humanidade, mas também os monstros eram os europeus, sendo que, pois os ameríndios
possuíam lições de humanidade à fornecer aos “civilizados”.
No estabelecimento de uma visão entre “selvagens “ X “civilizados”, é possível observar a
seguinte visão dicotômica:

 Era trabalhador - corajoso ou essencialmente preguiçoso;

 Não tinha alma e não acreditava em nenhum deus, ou era profundamente religioso;
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Conceitos e Origens: a figura do mau selvagem e do Bom


civilizado
Vivia um eterno pavor do sobrenatural ou ao inverso na paz e na harmonia;

Era um anarquista, sempre pronto a massacrar seus semelhantes, ou um comunista


decidido a tudo compartilhar, até as suas próprias mulheres.

A pergunta que fazemos, é por que tais imagens foram se afirmando? e encontravam-
se a serviço do que?
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Conceitos e Origens: a figura do mau selvagem e do Bom


civilizado
Esta forma de operar a construção de um olhar sobre o outro, baseado na alteridade,
formulou-se e ganhou visibilidade, a partir do contato entre o mundo europeu e o
americano, que transitava entre o fascínio e a repulsa. Tal processo, constitui-se num
mecanismo, ainda utilizado, o de estabelecermos visões para pensar o outro. Como
Laplatine observou, seriam “objetos pretextos que podem ser mobilizados tanto com
vistas à exploração econômica, quanto ao militarismo político, à conversão ou à
emoção estética. Mas, em todos os casos o outro não é considerado para si mesmo.
Mal se olha para ele. Olha-se a si mesmo nele”.(p.36).
Como atesta, Laplatine, ao refletir sobre como funcionam algumas correntes do
pensamento europeu-ocidental, responsáveis pela produção de avaliações sobre o outro.
Na sua avaliação, tal postura seria uma atitude
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Conceitos e Origens: a figura do mau selvagem e do


Bom civilizado
antes da Antropologia, pois apontariam questões que séculos mais tarde, por volta
do XIX, martelariam a cabeça do saber antropológico configurando-se, enquanto,
uma problemática.
Aliado, a estas inquietações, a partir do século XVII/XVIII, outra posição
materializou-se como abordagem do saber antropológico que foi o sentimento de
estranhamento, que colaborou decisivamente, na compreensão da alteridade,
conceito central no desenvolvimento do saber antropológico. Aspecto que tornou-
se essencial na formulação da antropologia, seria o da “invenção do humano”,
temática que retomaremos no próximo tópico.
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O século XVIII a invenção do conceito de homem


“ Se durante o Renascimento esboçou-se, com a exploração geográfica de continentes
desconhecidos, a primeira interrogação sobre a existência múltipla do homem[...] será preciso
esperar o século XVIII para que se constitua o projeto de fundar uma ciência do homem, isto é um
saber não mais exclusivamente, especulativo, e sim positivo sobre o homem.(LAPLATINE, p.39)

Ao pensarmos o homem, não em sua perspectiva físico-biológica, mas na sua condição


humana, Laplatine a considera como um conceito recente. A postura do autor é pensar,
como ao longo dos séculos foi se processando, e de maneira decisiva a partir daquilo no
ocidente que chamamos de Modernidade, a ideia do homem/humanidade. Tal conceito, foi
decisivo para pensarmos aquilo que passaríamos a denominar de ciências humanas. A
citação abaixo, ilumina a maneira como ocorreu tal processo,
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O século XVIII a invenção do conceito de homem


“Fundar a ciência do homem significa constituir um saber positivo e empírico, ao contrário de uma visão
especulativa que tinha na filosofia a sua principal formulação. O saber científico pretendido com as supostas
ciências humanas, era o de compreender a humanidade, tendo como princípio observar os aspectos que o fariam
humanos. E nesta perspectiva, o processo de constituição de tal saber, tinha que ser buscado manipulando outros
procedimentos metodológicos que passavam agora, a tentar observar as diferenças que faziam os humanos”.
Antes do final do século XVIII, escreve Foucault, “o homem não existia. Como também o poder da vida, a
fecundidade do trabalho ou a densidade histórica da linguagem. É uma criatura muito recente que o demiurgo
do saber fabricou com suas próprias mãos, há menos de duzentos anos (...) Uma coisa em todo caso é certa, o
homem não é o mais antigo problema, nem o mais constante que tenha sido colocado ao saber humano. O
homem é uma invenção e a arqueologia de nosso pensamento mostra o quanto é recente. E, acrescenta Foucault
no final de As Palavras e as Coisas, “quão próximo talvez seja o seu fim””. (LAPLATINE, p. 39-49).
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O século XVIII a invenção do conceito de homem


Esta ponderação, realizada por Foucault, contribui para que possamos construir uma
densidade histórica para as coisas, uma vez que, nos faz refletir sobre a construção do
conhecimento afastando desta forma, toda e qualquer perspectiva que concebesse o
conhecimento como algo dado, quando na verdade, ele é fruto de uma formulação teórico-
metodológica de dimensão histórica e sociocultural.
Diante, desta realidade, podemos compreender então, que na construção daquilo que
qualificamos como projeto antropológico, é possível perceber que a fundação e execução
deste processo orientou-se por algumas etapas, ou melhor dizendo aspectos que tornam-se
necessários de serem apresentados:
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O século XVIII a invenção do conceito de homem


 A construção de um certo número de conceitos, começando pelo próprio conceito de homem, não
apenas, enquanto, sujeito, mas na condição de objeto do saber. Abordagem inédita, já que consiste em
introduzir uma dualidade característica das ciências exatas (o sujeito observante e o objeto observado)
no coração do próprio homem;
 A preocupação em formular um saber que não fosse, eminentemente, uma reflexão, mas principalmente,
observação. Uma vez que, o homem passou a ser compreendido na sua forma concreta;
 A tomada de consciência desta dimensão, pressupõe a compreensão de que a humanidade é um
complexo, composto por vários aspectos;
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O século XVIII a invenção do conceito de homem


 Outro ponto decisivo reside na constatação da existência da diferença, como um elemento a ser levado
em consideração, pois romperia com a suposta transparência das coisas. Isto é possível, pelo fato da
sociedade europeia, ter atravessado nos séculos XIV-XVI, um processo de crise da identidade do
significado do que viria a ser humano.
Esta consciência originou-se, não dentro de um processo impositivo, mas a partir da difusão de um
conjunto de experiências que passavam pela produção de livros que propuseram-se a pensar esta
consciência. As “viagens filosóficas”, que funcionavam como “retratos” das diferenças entre os europeus
e várias populações, por exemplo, compõem-se como um provocador destes questionamentos à
condição do humano.
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O século XVIII a invenção do conceito de homem


Laplatine elencou um conjunto de autores e pensadores que tomaram o homem como fruto das suas
preocupações. Neste sentido, autores como: Lafitau, Rosseau, Jena Itard centraram as suas observações,
na fundação de uma “ciência dos costumes”. Para construí-la, foi necessário, alguns procedimentos:

 O desenvolvimento, de um método de observação que se orientava pelo procedimento


indutivo, pois mesmo com um ideal naturalista, os grupos humanos eram compreendidos
como sistemas passiveis de serem estudados empiricamente;
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O século XVIII a invenção do conceito de homem


 As consequências de tal consciência, acabou por provocar um processo que fundaria a
posição do conhecimento na modernidade o da separação do pensamento da sua raiz
teológica, promovendo desde então, uma busca na construção de um saber natural que não
se orientava mais, por exemplos ou revelações, ancorados em explicações de fundo
religioso ou transcendente;
Laplatine observa, que por trás desta modificação ocorreu um conjunto de transformações que
não deixavam de ser menos consideráveis no processo de fundação deste “mundo novo”, pois:
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O século XVIII a invenção do conceito de homem


 Ocorria uma mudança, na qualidade dos relatos produzidos. Ao longo dos séculos XVI e
XVII, as observações baseavam-se mais numa perspectiva cosmográfica do que humana.
Sendo assim, a partir do século XVIII, os objetos de observação e analise desta área de
conhecimento deixavam de ser as coisas e tornavam-se os homens.
Diante desta transformação, constituía-se de alguma forma, uma espécie de esboço de uma
antropologia física e depois, social e cultural;
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O século XVIII a invenção do conceito de homem


 Até o século XVII, a preocupação foi a coleta de curiosidades, tendo como centro, as diferenças
humanas. Porém, a questão que se colocava era como deveriam ser coletadas as informações. Por
tal mudança, podemos compreender que “Com a História Geral das Viagens, do padre Prévost
(1746), organizou-se um processo de coleta dos materiais para a formulação de uma coleção que
tinha como aspecto, não observar apenas, mas processar a observação. O que em outras palavras
significava que seria preciso: “interpretar as interpretações”.
 Este desdobramento, da constituição de tal discurso, foi essencial na atividade de organização e
elaboração do que viria a ser o saber antropológico.
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Considerações a respeito da Pré-História da


Antropologia e da invenção do conceito de homem
Como foi possível acompanhar nas páginas anteriores, a discussão que procuramos empreender,
circulou em torno de como foi se estabelecendo a constituição de um saber antropológico, que tinha
como objeto central o humano, a partir da experiência do estranhamento, condição necessária à
efetivação e formulação do conceito de humano. Diante de tais provocações, foi possível, que a
partir do século XIX, com o amadurecimento da experiência antropológica, um “saber dito
científico” fosse estabelecido. Procuraremos a partir das próximas páginas e dos nossos encontros,
abordar quais objetos e metodologias, colaboraram na confecção do saber antropológico.
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Explorando o texto
QUESTÃO 01. “ Se durante o Renascimento esboçou-se, com a exploração geográfica de continentes desconhecidos, a primeira
interrogação sobre a existência múltipla do homem[...] será preciso esperar o século XVIII para que se constitua o projeto de fundar uma
ciência do homem, isto é um saber não mais exclusivamente, especulativo, e sim positivo sobre o homem”. (LAPALATINE, p.39).
Seguindo os passos do autor, apresente quais os elementos que fizeram com que este olhar sobre o humano fosse sendo construído, a
partir deste século?

QUESTÃO 02. Apresente e comente qual a importância que o pensamento de pensadores como: Rousseau, Jenna Itard e Lafitau
possuem num saber de perspectiva antropológica?

QUESTÃO 03. Analise o impacto, que a obra do Pe. Prévost, “A História Geral das viagens”, desencadeou no amadurecimento de uma
posição antropológica, ao olhar o mundo e a diferença.
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A antropologia como chave de compreensão do humano


a antropóloga paulista, Mirela Berger, ao questionar qual a função, ou utilidade da
antropologia para a sociedade? Concebeu esta forma de pensar a realidade humana, como
uma “chave” de acesso, que teria como objetivo, abrir o humano enquanto, problemática
para as ciências humanas. Pensar a antropologia nesta perspectiva, a de ser uma chave de
acesso. Pode parecer, metaforicamente, simplista, mas não é na verdade, pois tal
consciência de alguma forma, nos ajuda a perceber que mesmo tendo uma suposta “chave
de acesso”, não se torna garantia no sentido de que possamos compreender nem tampouco
conhecer, a complexidade humana em profundidade.
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A antropologia como chave de compreensão do humano


A preocupação em fornecer uma explicação para a complexidade do homem, nas suas
várias dimensões propiciou no saber antropológico, o surgimento de especialidades
preocupadas em construir uma possibilidade de reflexão a respeito deste homem integral,
grande utopia da antropologia. Porém dentre as várias dimensões, a Cultura é uma das mais
importantes na relação antropologia-psicologia.
Na tentativa de compreender como a antropologia “funcionaria”, nesta tentativa de abrir
as várias portas do humano, procuramos, de forma esquemática elencar alguns aspectos, que
na verdade devem, ser utilizados a partir de uma posição problematizadora, vejamos:
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A antropologia como chave de compreensão do humano


Cultura

Antropologia – fazer Identidade


Devido a esta preocupação
antropológico totalizadora que a antropologia
trouxe na sua gênese, enquanto,
Sinais Diacríticos disciplina acadêmica, ela acabou
Na fundação ordenando-se nas seguintes áreas:
da Antro- antropologia biológica, antropologia
pologia o olhar
sobre o social e Cultural e a Arqueologia.
“outro” foi
inicialmente

POVOS Compreendidos como os “outros”, que


PRIMITIVOS necessitam ser explicados.
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A antropologia como chave de compreensão do humano


Ao pensar esta realidade, é importante pontuar que o saber de orientação cientifica,
estrutura-se dentro daquilo, que chamamos de referências epistemológicas. Diante disto,
podemos pensar o fazer antropológico, seguindo as “regras” elencadas:
Estudo do homem integral – línguas,
costumes, parentescos e hábitos
culturais.

É realizado em todas as
Conduzido metodologia - sociedades, épocas e latitudes
camente pelo trabalho de
campo. ANTROPOLOGIA

Marcado pela experiência do


Relativismo Cultural e
estranhamento.
39

A antropologia como chave de compreensão do humano


Como foi possível perceber as provocações apresentadas pela Antropóloga Mirela
Berger, nos auxilia no processo de compreensão dos elementos que constituem a
Antropologia, enquanto, saber. Desta forma, pontuar os aspectos que fornecem
diferenciações a esta forma de conhecimento colabora de maneira efetiva para que
possamos também, realizar aproximações entre Antropologia e Psicologia.
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ATIVIDADE
QUESTÃO 01. Tomando como referencia, a ideia da Antropologia como chave de acesso a
compreensão do humano. Construa um texto dissertativo, que explore esta metáfora ao mesmo
tempo em que correlacione, questões como estranhamento e o projeto de estudo do homem
integral, na constituição do saber antropológico.
QUESTÃO 02. Pensando como provoca Berger, o estudo da Antropologia como “chave de
acesso”, analise as questões abaixo e assinale V ou F:
( ) Tal metáfora nos ajuda a compreender a Antropologia, como possibilidade explicadora para
toda complexidade humana.
( ) Os sinais diacríticos que demarcam a nossa experiência humana, no ajuda a observar a nossa
homogeneidade.
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ATIVIDADE
( ) A realidade em tratar o saber antropológico, enquanto, uma chave de acesso nos ajuda a
perceber tal conhecimento, na condição de uma possibilidade de entrarmos em contato com a
complexidade humana.
( ) O fazer antropológico no momento da sua gênese, voltou-se praticamente, nos seus
primeiros anos para pensar a condição do humano a partir das experiências de povos
primitivos, atitude que ainda hoje é o único horizonte da Antropologia.
( ) O saber antropológico conduziu-se metodologicamente, pelo estudo de campo o que em
alguma medida nos ajuda à pensar as realidades humanas dentro de uma perspectiva
relativa, e procurando compreender o humano e a sociedade nos diversos momentos
históricos e nos vários espaços e latitudes.
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Antropologia e Psicologia

Seguindo o texto de Christina Toren, que discute as aproximações entre Antropologia e


Psicologia, a antropóloga escocesa que fez o caminho da Psicologia para a Antropologia, aponta o
papel central que esta ciência possui no interior das ciências humanas. A autora parte, da
compreensão de que o humano deve ser tratado como uma realidade que considere corpo e mente,
de forma integrada. Por mais, que desde o século XIX, através do processo de especialização das
áreas, tal compreensão não tenha sido realizada. Na avaliação da antropóloga, não analisar o
humano numa perspectiva unificada, é muito convidativa para que o estudo da complexidade do
humano não fique em segundo plano. A partir do olhar antropológico, principalmente, como
sugeriu, Toren este esforço tem que ser partilhado com a Psicologia como caminho na formulação de
reflexões mais complexas.
Neste processo, inicialmente, chama-nos a atenção o dialogo que desde pelos menos a
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a partir da década 1970, deu- se entre psicologia-antropologia. A questão indicada por Toren, é que esta
disciplina se esforçou na produção de uma resposta ao questionamento de: como deveríamos conceber os
seres humanos?
Compreender, tal perspectiva, na visão da autora seria estabelecer uma reflexão que pensasse o
humano de maneira unificada, ao mesmo tempo em que demonstrasse, as características históricas, a
dimensão psicológica e antropológica da humanidade. Diante de tal questão, a sugestão da estudiosa
escocesa foi o de tratar o humano, como modelo unificado, e para tal realidade, precisamos construir uma
visão que os vejam como:
 Seres autopoéiticos, ou seja, indivíduos que nos criamos, enquanto, humanos. Desde obvio, que
nós desenvolvamos numa interação com outros seres humanos, estabelecendo relações de
reciprocidade;
 A importância de compreendermos o mundo circundante, torna-se um aspecto crucial, para efetivar
o processo de aprendizagem;
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 Tal Perspectiva, que compreende o ser humano, enquanto, modelo unificado,


defendido por Christine Toren, propõe que a mente não seria uma estrutura
vinculada unicamente, ao cérebro ou sistema nervoso, mas um ente que, vincula-
se ao homem de forma integral, desse modo, ela liga-se ao meio no qual o
humano encontra-se inserindo e, se relaciona aos outros indivíduos;
 Conduzido por esta chave de interpretação, podemos, então, compreender que o
“modelo unificado pressupõe que a intersubjetividade é emocional, que perceber
e sentir são aspectos recíprocos e que a intencionalidade se dá em uma abertura
para o, e um engajamento sentido no mundo habitado. Assim aprendizado e
ensino são aspectos de um único e mesmo processo”.(TOREN, 2011, p.23);
Esta compreensão nos conduz aos modelos culturais, e como aponta, Toren,
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devem ser, compreendidos na sua dimensão singular e histórica. Uma vez que, sempre se
estabelece, o complexo entre, a ideia e o concreto, como se tais caracteres fossem em alguma
medida, separados e excludentes. Posicionando-se noutra lógica, podemos observar que:
 Com a compreensão da importância da Cultura, na condição de um dado, é
possível pelo fato de que pressupõe-se que este é um processo que vai ao longo
do tempo formulando-se no individuo a autora destaca o caso de um bebe
(TOREN, 2011, 25);
 Ela faz uma ampla discussão sobre a compreensão de que o processo de
“evolução” dos bebes segue uma lógica de que existem estruturas inatas que por
si realizariam tal ação, baseada em toda uma literatura de pesquisa extensa.
Toren, que não acredita integralmente, neste modelo de explicação, onde as ideias
seriam estruturas inatas, questiona novamente, que os aspectos deste
desenvolvimento seriam históricos;
45

.
Pelo fato de que muitas destas analises, não se encontrariam inseridas numa realidade de
sociabilidade, que na visão de Toren, não explica suficientemente as muitas variantes do
desenvolvimento dos indivíduos. Por isto a:
 Preocupação de Christina, foi realizar uma reflexão que levasse em consideração, a
interface entre Antropologia e Psicologia, vendo este dado como importante de ser
observada no convívio social, na qualidade de dimensão histórica.
Vejamos:
“Nossas analises etnográficas de relações sociais são essenciais para o entendimento da
especificidade histórica da intersubjetividade em qualquer caso, e, assim, para mostrar
como os processos de aprendizagem são, eles mesmos, estruturados de acordo com
certas ideias a proposito de que são e do que podem ser os humanos”.(TOREN, 2011,
p.31)
46

Partindo da citação destacada, é possível compreender a maneira como a antropóloga concebe a


construção das relações e a forma como elas atuam, no sentido de estruturar a subjetividade humana,
uma vez que podemos diante de tal aspecto, observar que não se trata de algo, exclusivamente,
organizado nas bases da formação mental. Para ela, o convívio e a dinâmica sociocultural são
necessárias para a nossa formação, na condição de sujeitos.
Prova disto, pode ser concebida, segundo Toren dentro da seguinte observação:
“os estudos etnográficos sobre como as crianças compreendem as condições no mundo criado para
elas pelos adultos podem contribuir para a perspectiva dos sistemas dinâmicos sobre o
desenvolvimento humano ao longo do tempo como um processo autopoiético e histórico – um
processo que fundamenta o completo espectro da diferença individual na maneira pela qual a nossa
biologia sustenta a socialidade, especificamente a empatia e a intersubjetividade, como a condição
básica do ser humano”(TOREN, 2011, p.32).
47
Explorando a aula
QUESTÃO 01. Conhecendo os argumentos da autora sobre a relação entre Antropologia e
Psicologia, apresente um texto analítico, que destaque os aspectos centrais do artigo.
QUESTÃO 02. “No modelo unificado, a mente é uma função não do cérebro, nem do sistema
nervoso incorporado, mas do ser humano integral em relações intersubjetivas com outros no
mundo circundante”. O exemplo em destaque, formulado pela autora, pretende destacar
então que:
a.A relação mente e corpo numa perspectiva unificada, são centrais para compreendermos o
desenvolvimento humano, uma vez que, só eles colaboram para o desenvolvimento humano.
b.Fica mais fácil compreender tal modelo, se concebermos que a mente tem uma posição
privilegiada na formulação do modelo unificado.
c.Tal modelo leva em consideração as relações que se estabelecem para além da realidade
48

fisiológica.
d. A realidade fisiológica sobrepõe-se sobre o meio circundante, na formulação do homem
unificado, proposto por Toren.
QUESTÃO 03. Apresente qual a importância levantada por Toren da relação entre
Antropologia e Psicologia?
QUESTÃO 04. O que significa, nas considerações apresentadas por Christina Toren, a
concepção dos seres humanos como autopoéiticos? você concorda com tal observação.
49

Psicologia e Antropologia: intersecções


José Luiz Cazarotto, no seu livro Psicologia e Antropologia: a vida humana em
construção, procurou lançar sobre estas duas áreas algumas possibilidades de dialogo, para
tanto ele centrou na vitalidade desta relação, como faz Maria Luiza, no seu texto, o ser
humano um ser especial, procurando problematizar o significado e importância do que é ser
humano. Na qualificação desta condição, Cazarotto, lançou uma assertiva que parece ser
muito obvia, mas que condensa um aspecto central, o de que o “ser humano enquanto ser
humano não surge do nada”(CAZAROTTO, p.11).
A partir do principio que o humano é uma construção, ele nos lembra que somos seres
complexos, uma vez que a nossa composição emerge, de um conjunto de elementos, como o
próprio autor aponta: cósmicos, biológicos, subjetivos e sociais, aspectos que não nos limita
mais apresenta a nossa condição “especial”.
50

Psicologia e Antropologia: intersecções

Tal característica humana colaborou para que tivéssemos, como qualidade a de


construirmos processos de vinculação e localização. Aspectos que nos tornam diferentes, e
são centrais para que pudéssemos estruturar a nossa condição humana, pelo fato de que,
seriamos seres que:

 Dependemos de água, luz e atmosfera;


 Da convivência com o outro, dimensão essencial para que nos reconheçamos na
qualidade de humanos;
 Desenvolvemos um processo de linguagem, uma vez que, ouvindo a nossa voz e
falando ao outro forjamos a nossa humanidade;
 Estamos imersos num espaço no qual, construímos relações, mediadas por
sensações como: sentimentos, lembranças e aprendizagens.
51

Psicologia e Antropologia: intersecções

Diante deste complexo simbolizado pelo humano, Cazarotto defende que o dialogo entre
a Antropologia e Psicologia, torna-se uma exigência pertinente e qualificada para à analise
sobre a dimensão humana. Compreendendo assim, a sua importância, qual seria uma
possível definição, a respeito da relação entre Antropologia e Psicologia?
Uma das possibilidades de resposta, apresentada pelo autor é que “a área limítrofe entre
a Psicologia e a antropologia, lida com os mundos subjetivos e socioculturais e as suas inter-
relações”(CAZAROTTO, p.13). Dito isto, o nosso desafio é compreender como as práticas
socioculturais se relacionam com as bases psicológicas humanas, uma vez que elas,
apresentam-se como estrutura a ser considerada, quando pensamos a complexidade humana.
52

Psicologia e Antropologia: intersecções


A dimensão sociocultural, encontra-se inscrita, naquilo que pode ser compreendido como
“gramatica humana”, pois ela colabora para, compreendermos que a humanidade não é algo
automático, uma vez que, apresenta permanentemente como questão: “o que é o ser
humano?”, ao destacar tal questão, devemos compreender o humano numa operação
processual de construção que, ao longo da sua evolução, passou pela superação de
sentimentos como “instintividade”, pelos de Razão e Cultura.
O que nos coloca, diante de um conjunto de questões, que não encontram respostas, só
numa disciplina, mas no dialogo entre várias delas, exercício que procuramos estabelecer
aqui nesta conjunção entre, Antropologia – Psicologia. Óbvio, que tal tarefa provoca
problemas, nem sempre fáceis de solucionar.
53

Psicologia e Antropologia: intersecções


Tal conflito pode ser encontrado nas indefinições que as áreas em dialogo, trazem no
seu processo de constituição. Neste sentido, Cazarotto, utilizou à avaliação do filosofo
austríaco, Wittgenstein (1889-1951), que observa a Psicologia desde as suas origens como
possuidora de dificuldades de identidade, na sua definição, enquanto, área de conhecimento,
o que na avaliação do filosofo, produzia “na psicologia métodos experimentais e confusão
conceitual”. O que pode colaborar numa realidade de insegurança para os psicólogos, mas
ao mesmo tempo, numa vitalidade para à área, expressando assim, uma certa criatividade
deste ramo de conhecimento.
Foi desse encontro e “confusão”, que abordagens ligadas aos fenômenos culturais que
fomentam o dialogo com a Antropologia emergem, e abrem possibilidades paradigmáticas
como a apresentada pela Linguistic Turn.
54

Psicologia e Antropologia: intersecções


A tradição assentada na Linguistic Turn, aposta em alguns aspectos que merecem ser
apresentados:
1. A capacidade que a linguagem possui de revelar as questões de ordem
sociocultural, destacando o seu aspecto comunicativo;
2. O aspecto apresentado acima, é importante, porque a linguagem possui a
capacidade de construir significados e sentidos à dimensões supostamente obscuras,
da nossa experiência humana;
3. A preocupação em lançar “luzes” sobre o mundo simbólico que é povoado pela
cultura e desafios como: mundialização, globalização e choque culturais,
constituem-se num esforço intelectual intenso.
Estes desafios acabam traçando um forte convívio entre, linguagem-cultura, que é
compartilhado pelos campos da Antropologia-Psicologia.
55

Explorando o texto
QUESTAO 01. O que Cazarotto, procurou afirmar quando ele destaca que “o ser humano,
enquanto ser humano não surge do nada”?
QUESTAO 02. O ser humano compartilha com a vida como um todo, de uma longa e até
agora, ainda bastante, misteriosa história. Dependeu e depende, radicalmente, como os
primeiros seres vivos, de água, luz e atmosfera. Para ter e dizer seu próprio nome, quando
isso é importante e até necessário, depende de uma outra voz, até para ter voz dependeu de
ouvir vozes. Partindo desta questão, o autor procurou compreender que
a.O humano é dependente, o que constrói um desenvolvimento limitado.
b.O desenvolvimento humano é um mistério, por isto somos complexos.
c.A nossa constituição dependente dos mais variados elementos, não nos pos-
sibilita, conhecer a liberdade de transformação e atuação humana.
56

Explorando o texto
d. Construímos os significados da nossa existência e do processo de nos tornarmos
humanos, através do encontro com o outro e o mundo.
QUESTAO 03. Qual o papel que o linguistc turn, ou a chamada virada linguística,
possui para a relação antropologia – psicologia?
QUESTAO 04. A linguagem humana comunica, mas também busca dar uma
significação clara a algo obscuro. Como se ao falar, além de gerar uma consciência de
algo imerso, geramos também um sentido. A linguagem é uma experiência que nos
transformou em humanos, por isto
a. Ela é importante, principalmente, porque expõe verdadeiramente, o que expressa.
b. É uma experiência humana, que sempre estabelece, os significados evidentes da
realidade.
c. Estabelece uma relação profunda entre o processo de nos entendermos e
57

Explorando o texto
promover significado sobre nós mesmos, enquanto seres que estamos no mundo.
d. Provoca sentimento de pertencimento e identidade, ao mesmo tempo que constrói uma
verdade única sobre o que somos.

QUESTAO 05. Construa uma analise que apresente, qual a importância do dialogo entre
Antropologia e Psicologia?
58

Antropologia e Psicologia possibilidades de


interconexão
Retomando as possibilidades de dialogo entre a Psicologia e Antropologia, perspectiva
que José Cazarotto, propõe-se à empreender, o referido autor inicialmente, procura definir o
que cada uma destas áreas possuem como preocupação na qualidade de disciplinas
acadêmicas, ambas surgidas, ao longo do século XIX e que teriam como ponto principal de
interseção a condição humana. Conceito que extrapola, tanto a Psicologia quanto a
Antropologia, mas
faz parte da preocupação destas duas áreas de conhecimento.
Ao questionar o que seria Antropologia?
As respostas elencadas mesmo sendo tão polissêmicas procuram fornecer um
significado para esta área. Podendo ser compreendido como:
59

Antropologia e Psicologia possibilidades de


interconexão
A área de
O estudo da
O estudo do ser conhecimento que
dimensão
humano aborda questões
fisiológica
socioculturais

A etnologia – Antropologia –
ocupada com os preocupada com a
aspectos culturais dimensão física
ou folclóricos
60

Antropologia e Psicologia possibilidades de


interconexão
A despeito da variedade de significados que podemos apreender entre a Antropologia e
Psicologia o importante seria pontuar que, outro conceito polissêmico como os dois já
apresentados, é o de Cultura, e que na acepção do autor do capítulo, exerceria uma função
importante: a de conectar as duas dimensões estudadas (Antropologia-Psicologia).
Procurando trilhar os caminhos que nos levam as manifestações daquilo que denominamos
de Cultura, encontramos o caráter simbólico estrutura importante, na aproximação entre a
Antropologia e Psicologia.
Diante disto, Cazarotto, afirma que, as interconexões se estabelecem porque, acontecem
o respectivo dialogo:
“A psicologia no que diz respeito à leitura das dimensões psicológicas da Cultura, e a
antropologia no que diz respeito ao sentido da rede de significados das experiências
psicológicas” (p.33).
61

Antropologia e Psicologia possibilidades de


interconexão
Este processo localiza-se, no interior daquilo que Duerr, explora como sendo o movimento
de passagem da dimensão Wildnis (selvagem) à Civilizada.
Pois, a compreensão de que como cada uma destas dimensões funcionam, é na verdade a
possibilidade de numa posição de reflexão profunda, observar a maneira como o humano se
constrói conduzir-se-ia na análise das fronteiras entre o selvagem e o civilizado. Pois
“Nas civilizações que definimos como “arcaicas” existe, diversamente da nossa, uma
consciência muito clara do fato de que somente se, ao mesmo tempo, somos o que não somos,
e que somente podemos saber quem somos fazendo a experiência de nossos limites, e com isso,
como diria Hegel, ultrapassando os mesmos”. (CAZARIOTTO, p.37).
Compreender tal ambivalência, é necessária para que possamos sentir que a experiência
humana identifica-se e fundamenta-se naquilo que seria o mundo interior e externo dos
sujeitos, perspectivas que tanto a Antropologia quanto a
62

Antropologia e Psicologia possibilidades de


interconexão
Psicologia se ocupam.
Por isto as duas áreas lidam “com o seu objeto de forma dialética, nos termos de Burke
as coisas são tratadas através de outras coisas” (CAZARIOTTO, p.43). O que não deixa de
se estruturar como um desafio para elas, neste caso especifico a Psicologia procura
aproximar-se da Antropologia, abordando “as questões que o ser humano se faz diante de
suas experiências sensoriais até elaborações mais complexas como os sonhos, os mitos, as
elaborações mentais mais sofisticados”. (CAZAROTTO, p.45).
A medida que trabalhamos com perspectivas mais sofisticadas, abrimos margem para
lidarmos, com objetos que constituem-se numa dimensão simbólica. Utilizando as reflexões
de Durrand, o processo de analise do simbólico, enquanto manifestação humana, elabora-se
em duas perspectivas:
63

Antropologia e Psicologia possibilidades de


interconexão
1ª - de forma direta, quando a coisa na qual se pretende representar de forma simbólica,
encontra-se presente na mente;
2ª - No caso especifico do símbolo, a experiência não é direta, pois aquele objeto no qual
procuramos identificar não está apresentada de forma direta.
Sendo assim, o símbolo é algo que permite o acesso ao indizível, inacessível, pois está
no campo do inconsciente, sobrenatural, metafisico e suprarreal.
Para explorar a maneira, como a dimensão simbólica funciona, Cazarotto, explora esta
dimensão apresentando a teoria da ação simbólica, nesta reflexão, Boesch (1916-2014),
observa que
ações -
Actemas
Contribui
Teoria Ação para nos
É processual
Simbólica tornarmos
humanos ação é
poliva-lente
64
Antropologia e Psicologia possibilidades de
interconexão
“Cada coisa e cada ação estão incluídos dentro de um leque deles
“(CAZARIOTTO, p.52).
Simbolismo funcional:
relaciona-se a ação e o objeto
As ações simbólicas podem ser Denotativa: o que esta fornecendo as dimensões
delimitadas em sendo feito internas significados

Simbolismo analógico:
estabelecer relações com os
Conotativa: o significado
objetos. A psicanálise atua
que à ação pressupõe
Simbolismo situacional: como possibilidade e chave
As ações podem ser quando nos localizamos de interpretação
compreendidas, através de num contexto especifico.
processos simbólicos Formas de simbolismo Lembranças turísticas

Simbolismo ideatorio:
Simbolismo de alteridade: quando as ações
observa que as ações ritualísticas expressam
envolvem opções / determinadas ideias
escolhas
65

Antropologia e Psicologia possibilidades de


interconexão
O dialogo provocado por Cazarotto, no qual observa a dimensão simbólica como um
meio importante na aproximação entre Antropologia – Psicologia, manifesta-se a partir dos
elementos que compõem a lógica simbólica que seriam os: ritos, emoções e construções
socioculturais. Diante de cada um destes elementos, os símbolos encontram-se lá, e podem
ser compreendidos como:
“as significações simbólicas estão presentes em tudo, e com isso a função é fundamental”.
(CAZAROTTO, p.59).
Ao destacar este papel de centralidade, é possível compreender que na nossa
constituição enquanto, seres humanos, encontramos a dimensão simbólica como
fundamento importante da nossa humanidade, característica que nos faria diferente ao
mesmo tempo em que organizaria a nossa experiência na qualidade de indivíduos.
66

Antropologia e Psicologia possibilidades de


interconexão
Tendo como orientação autores como Boesch, Firth e Turner, Cazarotto apresenta que
“os símbolos em um ritual – ou rito – deixam claros os elementos de uma dada Cultura; são
uma espécie de discurso intencional”. (CAZAROTTO, ).
A sua variação acontece, a partir de como o ator recebeu e trabalhou o objeto que se
encontra na estrutura ritualística. Pois, a experiência simbólica, contem uma polivalência o
que desemboca na polissemia tão destacada do significado do que poderia ser compreendido
como simbólico, Cultura ou as suas dimensões e elementos constituidores.
67

ATIVIDADE
QUESTÃO 01. Apresente quais as definições construídas por Cazarotto, para pensar a
Antropologia?
QUESTÃO 02. “A psicologia no que diz respeito à leitura das dimensões psicológicas da Cultura, e
a antropologia no que diz respeito ao sentido da rede de significados das experiências psicológicas”.
Diante desta citação, formulada a respeito das relações Psicologia-Antropologia, podemos
compreender que
a.A Psicologia congrega uma maior quantidade de possibilidades para a compreensão da experiência
humana.
b.Cultura e Psicologia são dimensões convergentes, pois não precisam dialogar com a Antropologia.
c.São dimensões que possuem áreas de complementaridade, uma vez que A psicologia possibilita
mais chaves de leituras da realidade do que a Antropologia.
68

ATIVIDADE
d. A leitura da realidade humana que as duas áreas de conhecimento propõe, possibilitam
um intercambio importante ao desenvolvimento da Antropologia-Psicologia sem
hierarquização das áreas.
QUESTÃO 03. Apresente de que forma para Durrand, estrutura a dimensão
simbólica.
QUESTÃO 04. Qual a importância do símbolo para a humanidade?
69

Cultura um conceito plural


É possível algum grupo ser desprovido de Cultura?
Para a Antropologia isto é impossível, pois ele só torna-se humano à medida que se torna
membro de uma sociedade e internaliza seus códigos e formas de agir no mundo. Nós
vivemos, a partir da articulação de vários códigos simbólicos, mesmo sendo impossível ter
conhecimento de todos eles, são extremamente necessários para a incompletude nos
relacionarmos com outros sujeitos.
Cultura X Senso Comum
Como o senso comum compreende a Cultura?
Acredita que ela só é compreendida, por aqueles que teriam um certo grau de formação a
identificando com alguns elementos como: museus, peças, exposição, música clássica ou
possuir formação no ensino superior. Esta concepção orienta-se por um grave
70

equivoco, o de hierarquizar ou achar que alguns grupos teriam Cultura e outros não. Esta
visão, é antes de tudo fruto da maneira como a sociedade brasileira foi construindo tal
percepção sobre o que seria Cultura e quais os seus principais elementos. Acreditamos,
que para compreendermos tal dimensão, seja necessário pensar alguns aspectos como: a
discussão franco-alemã dos conceitos de Civilização e Kultur e a construção antropológica
do conceito de Cultura.

Civilização X Kultur: o debate franco-alemão


Edward Taylor, definiu cientificamente a Cultura, como uma gama de ações humanas
da linguagem à moral, delimitando na modernidade tal conceito. Para nos apoiarmos, em
tais considerações vejamos alguns aspectos:
71

O significado desta Na matriz alemã,


palavra de origem Cultura possui o
latina, até o século significado de
XVII/XVII, referia-se a capacidade de
ideia de cultivar a cultivar a faculdade
Evolução terra pelo homem. do espirito humano
histórica do
conceito de
Cultura
Diante deste aspectos, entre
os séculos XVIII/XIX, foi
estruturando-se, na vertente
Natureza X cultura O que provocou a alemã, a compreensão de
ou discussão kultur, estaria vinculada ou
designaria a formação e
natureza X educação do espirito
sociedade humano.
72

Outra perspectiva, que passou a pensar o conceito de Cultura e que vai influenciar uma
visão desta dimensão, como algo elaborado e dentro de um certo grau “evolutivo”, foi a
visão francesa:
Otimista
Neste viés, a Cultura seria o
desdobramento de uma
racionalidade que conduz as
sociedades para uma direção.
Educação é Objetivo final
Sendo assim, é possível seria a
compreende-la numa Ilustração
perspectiva: Civilização

Progresso e
melhoria
73

Tendo como referencia os esquemas apresentados, podemos, então comparar, para efeito de
problematização as visões de cultura, no viés alemão e francês, e observar como eles exerceram um
influencia decisiva na forma como o ocidente pensou e praticou tais dimensões. Orientados por estes
modelos, podemos chegar as respectivas proposições:
 Na perspectiva alemã de Kultur, a cultura é algo particular, na acepção de que cada povo
possui a sua. Fazendo parte, da sua história, relacionada a características subjetivas e internas
dos indivíduos de cada povo;

 Já no caso francês, procura-se por uma perspectiva universal, sendo que o centro da Cultura,
seria o modelo ocidental/europeu/francês, no qual a cultura torna-se sinônimo de Civilização.
A partir, desta discussão podemos começar a compreender, como cultura tornou-se um conceito
antropológico.
74

A construção do conceito antropológico de Cultura

Compreendida como uma


A Cultura como conceito forma de organizar, Não é algo acidental, casual
antropológico mapear e ordenar a ou espontâneo
realidade

A cultura é uma dimensão Pressupõe um certo


Contribui na impressão de ordenamento, não sendo:
formulada pela sociedade e
significado na sociedade natural ou hereditária
os grupos humanos
75

Preocupando-se em difundir, e compreender a Cultura como uma linguagem ou código


simbólico, o antropólogo americano Cliford Geertz, ao pensar a dimensão da cultura, assim
apresenta tal realidade:
“Pensamos por signos, símbolos, elementos que possibilitam algo que não pode aparecer
diretamente, ganhe sentido e possa ordenar o fluxo de sensações tanto do mundo exterior, quanto
do interior”.(GEERTZ, 1978).
Ao ponderar, dentro desta perspectiva Geertz, reafirma alguns dos aspectos já destacados, pois
ao analisar a Cultura, ele reafirma que tal aspecto estrutura-se dentro deste dialogo entre o simbólico
e o concreto e como construções humanas que além de provocar uma ordem interna torna-se um
expressão das ações dos seres humanos no mundo. A partir, da discussão realizada passaremos a
analisar aspectos que estão relacionados com a produção da Cultura, enquanto, produção humana.
76

Explorando a aula
QUESTÃO 01. Diante do que foi abordado apresente uma conceituação para Cultura,
argumentando se todos os seres humanos a possuem.
QUESTÃO 02. Estabelecendo uma relação entre Senso Comum e Cultura, apresente quais os
aspectos que aparecem, diante desta correlação?
QUESTÃO 03. Pensando a emergência dos conceitos de Kultur e Civilização, analise as
sentenças abaixo e assinale V ou F:
( ) São conceitos que procuram responder , o que seria Cultura de maneira igual.
( ) Os conceitos de Kultur e Civilização, pretendem analisar o significado de Cultura, como
algo homogêneo.
77

( ) A partir do conceito de Kultur, procurou-se analisar a Cultura como sendo


fruto de um processo que leva invariavelmente a sociedade para um plano mais
civilizado.
( ) Kultur e Civilização, são maneiras de pensar a Cultura, porém cada uma delas
possuindo uma forma de leitura sobre este fenômeno de maneira diferenciada.

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