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falantes ou que haja uma língua, como a italiana, por exemplo, anterior
a seus dialetos – o que é redondamente “falso”!
Se quisermos, para compreender uma sociedade “de dentro”,
recuperar diferenças que foram colocadas de lado pelo conceito de
“cultura”, não é uma adaptação, nem uma manipulação desse conceito
que deve ser feita. Não se devem multiplicar conceitos como o de
“subcultura” e similares, pois estes, exceto pelo grau autoproclamado
e supostamente menor de abstração (o que é ilusório, aliás) carregam
as mesmas insuficiências de sua matriz. Seria mais profícuo optar por
outro(s) conceito(s), formulado(s) em bases teóricas diferentes,
apontando para propriedades sociológicas outras: conceito(s) que se
adicionaria(m) ao de “cultura”, sem o abolir.
Do telescópio ao microscópio
Considerar a sociedade como sistema de comunicação e
significação implica tomá-la também como sistema de distanciamento
e diferenças: qualquer forma de comunicação supõe necessariamente
um distancia-mento prévio que o ato comunicativo pretende superar.
154 Tal distan-ciamento é antes de tudo teórico e jamais será abolido
pela comunicação: é pré-requisito lógico, sem o qual a própria noção
de comunicação não tem razão de ser. Por exemplo, quando sonho,
quando faço anotações em minha agenda, quando escrevo um
rascunho, quando amarro um barbante no dedo para não esquecer
de algo, quando toco piano para mim mesmo ou vejo-me no espelho,
existe um “eu emissor” transmitindo uma mensagem para um “eu
receptor”: embora empiricamente possa se tratar de um mesmo e
idêntico “eu”, cada um desses “eus” é uma entidade teoricamente
diferente.
Por outro lado, mesmo quando entre duas posições se possa
imaginar uma distância tão infinitamente grande que se procura vetar
qualquer possibilidade de comunicação, a própria proibição é já, em
outro nível, uma maneira de expressar na natureza da relação entre
essas posições extremas e o resto do sistema – tal como acontece quando
se evita que reis desposem plebeus, que vivos e mortos troquem
intimidades ou que entre genro e sogra haja intercâmbio de palavras.
A própria ausência empírica de comunicação seria, assim, transformada
teoricamente em comunicação e a sociedade inteira seria considerada
um imenso ato comunicacional.