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201012 34068
781.2(091) S C H /m us
1630459
CNPq
EM CO-EDIÇÃO COM O
editora brasiliense
1989 CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO
CIENTÍFICO £ TECNOLÓGICO
Copyright © by Ernst F. Schurmann, 1988
Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada,
armazenada em sistemas eletrônicos, fotocopiada,
reproduzida por meios mecânicos ou outros
quaisquer sem autorização prévia do editor.
ISBN: 85-11-13088-8
Primeira edição, 1989
IMPRESSO NO BRASIL
Sumário
Introdução .......................................................................... 9
A m onodia.......................................................................... 38
Princípios gerais......................................................... 39
Dominação cultural e conflitos entre a civilização e a
barbárie................................................................... 49
A monodia no sistema feudal ..................................... 55
O Canto Gregoriano .................................................. 58
A polifonia.......................................................................... 64
A heterofonia............................................................. 64
As organa da Escola de Notre-Dame .......................... 69
O m otete da ars antiqua.............................................. 77
A Escola de Borgonha................................................ 86
Princípios gerais......................................................... 96
O Renascimento italiano............................................ 105
O estilo Palestrina................................................ Ill
LINGUAGENS SONORAS
LINGUAGEM
OUTRAS LINGUAGENS
N Ã O SONORAS
O estado selvagem
balho humano deve ter sido o principal fator pelo qual o homem
tivera que criar a linguagem." Isto significa que a linguagem só po
deria ter sido estabelecida a partir do momento em que ela se tor
nasse necessária no processo do trabalho. No caso da linguagem
verbal, esta necessidade deve ter surgido quando o homem, tendo
em vista o trabalho, passara a utilizar, produzir e aperfeiçoar uten
sílios, ferramentas e outros instrumentos de trabalho, dando início
ao longo e complexo processo histórico que propriamente caracte
riza a espécie humana.
Procuraremos esboçar aqui um sucinto quadro hipotético da
maneira como supomos ter tido origem a necessidade para o desen
volvimento da linguagem verbal. Em relação a este quadro, obser
ve-se primeiramente que a evolução histórica da sociedade humana
se dá na medida em que evoluem as forças produtivas, ou seja, os
instrumentos de trabalho e a experiência, as habilidades e os há
bitos adquiridos no seu manuseio. A evolução das forças produ
tivas, por sua vez, periodicamente vem exigir transformações nas
relações de produção, isto é, nas formas de relacionamento que se
estabelecem entre os membros da sociedade enquanto empenhados
na produção.
Ora, sabe-se que na fase média do estado selvagem o homem já
usava certos instrumentos de trabalho de madeira, de osso e de
pedra lascada, bem como o fogo que aprendera a manipular. E na
tural que se tenha desenvolvido toda uma habilidade — uma es
pécie de tecnologia — no uso de tais meios. Tratava-se, portanto,
de forças produtivas. E estas vieram exigir não apenas uma coope
ração mais efetiva entre os membros da sociedade, mas também a
mal que se diferenciou pela aquisição da capacidade de construir um mundo para si.
Se esta capacidade constitui a essência do processo de hominização, o trabalho cons
titui o modo em que é levada a cabo. A ocorrência, na natureza, de transfor
mações não espontâneas mas induzidas pelo homem define o trabalho” . {Ciência e
Existência, Rio, Paz e Terra, 1969, pgs. 325 e segs.)
6. F. Engels procura mostrar, a partir de uma comparação com os animais,
como a explicação da origem da linguagem através do trabalho é a única acertada:
“ O pouco que os animais, inclusive os mais desenvolvidos, têm a comunicar uns
aos outros pode ser transmitido sem o concurso da palavra articulada. Nenhum
anima! em estado selvagem sente-se prejudicado por sua incapacidade de falar ou de
compreender a linguagem humana. Mas a situação muda por completo quando o
animal passa a ser domesticado pelo homem. O contato com o homem [que exige
dele uma participação no trabalho] desenvolveu no cão e no cavalo um ouvido tão
sensível à linguagem articulada que esses animais podem, dentro dos limites de suas
representações, chegar a compreender qualquer idioma. Quem conhece bem esses
animais dificilmente poderá escapar à convicção de que, em muitos casos, essa
incapacidade de falar passa a ser experimentada agora por eles como um defeito” ,
( “ Sobre o Papel do Trabalho na Transformação do Macaco cm Homem " , in K
Marx & F. Engels, op. cit., pg. 273-74.)
16 A MÚSICA COM O LINGUAGEM
A barbárie
of Art, Londres, Beutledge & Kegan Paul, 1951; Historia Social de Ia literatura y
el Arte, Madrid, Guadarrama, 1969, vol. 1, pgs. 19 e segs.)
12. L. H . Morgan, op. cit.
ESTADO SELVAGEM, BARBÁRIE E CIVILIZAÇÃO 21
pações com uma fiel reprodução da realidade. Tudo leva a crer que
se tratava de manifestações que já não serviam para reproduzir o
objeto, mas para referir ao mesmo e, com isto, a arte acabava por
adquirir um caráter eminentemente simbólico.11
Para o observador de hoje, os processos simbólicos já estão de
tal maneira incorporados à arte e à própria vida que dificilmente se
percebe o seu real significado. A fim de esclarecer sobre a natureza
de tais processos, Langer propõe uma análise baseada na obser
vação de dois desenhos os quais, mediante um simples delinea
mento dos contornos, representam um coelho e um gato. O de
senho do coelho se distingue daquele do gato exclusivamente pelas
dimensões das orelhas e do rabo. E Langer observa que, na reali
dade, “ os gatos, porém, não se parecem com coelhos de rabo lon-
compradas. A família n2o se multiplicava com tanta rapidez quanto o gado. Agora
eram necessárias mais pessoas para os cuidados com a criação; podia ser utilizado
para isso o prisioneiro de guerra que, além do mais, poderia multiplicar-se tal como
o gado ” . (Ibid., pg. 46.)
23. Segundo A. Ponce, ‘ ‘uma vez que na organização da comunidade primitiva
não existiam graus nem qualquer hierarquia, o homem supôs que a natureza tam
bém estivesse organizada desse modo: por este motivo, a sua religião foi uma re
ligião sem deuses. Os primitivos acreditavam ém forças difusas que impregnavam
tudo o que existia, da mesma maneira como as influências sociais impregnavam
todos os membros da tribo” . (Educación y Lucha de Clases, Buenos Aires, Hector
Matera, 1957; Educação e Luta de Classes, São Paulo, Fulgor, 1963, pg. 18.)
26 A MÚSICA COM O LINGUAGEM
28. B. Nettl faz referência aos primitivos jogos de esconder ainda praticados rm
diversas aldeias indígenas norte-americanas. Formam-se dois grupos de jogadores:
enquanto um trata de esconder um pequeno objeto, o outro se empenha em en
contrá-lo. O jogo freqüentemente vem acompanhado de música, na medida em que
o primeiro grupo canta canções com o objetivo tanto de invocar uma ajuda sobre
natural para dificultar a tarefa dos adversários, como de camuflar as expressões
faciais dos jogadores, a fim de evitar que o esconderijo seja revelado por gestos, risos
ou outras atitudes involuntárias. ( Op. cit., pg. 7.)
ESTADO SELVAGEM, BARBARIE E CIVILIZAÇÃO 29
A civilização
32 . OP- c it-
33 “O homem aprendeu a usar a força do boi e dos ventos, inventou o arado o
carro àe fOdas e ° barco a vela, descobriu os processos químícos da fundição dos mi
nérios e 35propnedades fisicas dos metais, e começou a desenvolver um calendário
solaraperfe'Çoa<fc” . {Ibid., pg- 11L)
34. ífiíd-’ P8S-142esegs-
ESTADO SELVAGEM, BARBÁRIE E CIVILIZAÇÃO 31
41. Cf. B. Nettl: “ A música como entretenimento ocorre somente nas regiões
onde tanto a cultura como o estilo musical adquiriram uma relativa complexidade.
Uma dessas regiões é a África Negra, onde certos potentados reais, como os sobe
ranos de Ashanti e Dahomey, empregam músicos profissionais que atuam exclusi
vamente para o regozijo do rei” . (Op. cit., pg. 9 .)
42. ‘ ‘Na época neróica, as quatro tribos atenienses ainda estavam instaladas em
diferentes territórios da Ática. A constituição baseava-se na assembléia do povo, no
conselho e no basiléu. Até -"'-de alcança a história escrita, encontramos a terra já
repartida e como propriedade pr vada, o que corresponde à produção e ao comércio
de mercadorias relativamente desenvolvido da fase superior da barbárie. Como con
seqüência da compra e venda da terra e da crescente divisão do trabalho entre a
agricultura e os ofícios manuais, o comércio e a navegação, nos territórios dessas
tribos passaram a fixar residência habitantes que, embora fossem do mesmo povo,
não faziam parte daquelas corporações e, por conseguinte, eram estranhos a elas e
ao local. Isso desequilibrou de tal modo a organização gentílica que se tornou neces
sário modificá-la e adotou-se a constituição atribuída a Teseu. A principal mudança
foi a instituição de uma administração central em Atenas. A segunda instituição de
Teseu foi a divisão de todo o povo em três classes: os eupdtridas, ou nobres, os
geâmoros, ou agricultores, e os demiurgos, ou artesãos, garantindo-se para os no
bres a exclusividade do exercício das funções públicas ’ ’. (Ibid., pgs. 88-9 .)
34 A MÚSICA COM O LINGUAGEM
Princípios gerais
4. É mediante a organização das alturas dos sons que intervêm nos atos de fala
que se distinguem, por exemplo, os atos de interrogar daqueles de afirmar.
5. Este fato se reflete imediatamente na notação gráfica da música que gradati-
vamente se desenvolvera no decorrer da Idade Média: o som, como elemento sen-
sorial primário, é representado por uma figura (mínima, semínima, colcheia, etc.),
que se refere â sua duração; e esta figura é disposta num pentagrama, de forma que
sua localização, como nota (DO, RE, M I, etc.), sirva para indicar a sua altura.
6 . Esta oposição teórica entre rítmica e mélica, que se nos apresenta de forma
perfeitamente coerente na teoria grega, onde se usavam os termos rithmos e meios,
na nossa atual teoria musical tem sido retomada de forma algo deformada, fazendo-
se uma distinção entre aspectos rítmicos e melódicos. A inadequação do termo
melódico quando usado neste sentido ficará evidente na discussão do conceito de
melodia, do qual nos ocuparemos no quinto princípio geral. Teremos ocasião aí de
42 A MÚSICA CO M O LINGUAGEM
10. Observe-se que certos sinais gráficos usados na notação musical se referem
exatamente a elementos sonoros que a rigor são estranhos ao repertório. Um exem
plo é a fermata ( ^ ) que, colocada acima de uma figura, indica a indefinição do
respectivo som quanto à duração.
11. De acordo com a atual teoria musical tratar-se-ia de um repertório de notas
e um repertório de figuras ou valores• Quanto ao termo valor, usado na maioria dos
compêndios para designar a duração sonora, não encontramos nenhuma justifica
tiva. A incoerência terminológica, no campo dessa teoria musical, assume freqüen
temente proporções lamentáveis. A título de exemplo, transcrevemos aqui a con-
ceituação do termo valor que se, encontra no Dicionário Ilustrado de Lello. O res
pectivo verbete nos informa quejo valor seria a ‘ ‘ duração que deve ter cada nota (sic)
segundo a sua “ figura” . Ora, como é que uma nota, que nâo é senão a represen
tação gráfica de uma altura sonora, pode ter uma duração? Não seria o mesmo que
falar na “ duração de uma altura” ? E, além disto, essa nota teria ainda uma fi
gura?... Não vemos nenhum motivo por que não utilizar os termos de modo mais
simples e coerente, referindo-nos, por exemplo, à ‘ duração do som” ou â “ du
ração sonora ’ ’ .
44 A MÚSICA CO M O LINGUAGEM
16. É evidente que as alturas sonoras só podem ter existência real na medida em
que são alturas de sons reais, existentes no tempo, mas esta sua temporalidade diz
respeito não às características mélicas, mas à existência do próprio som como um
todo.
46 A MÚSICA CO M O LINGUAGEM
25. Cf. A . Hauser, Historia Social de la Literatura y el Arte , vol. 1, pg. 122.
“ Os poetas trágicos eram remunerados pelo Estado, que lhes pagava pelas peças
representadas, mas que, evidentemente, só fazia representar aquelas que estavam
de acordo com sua política e com os interesses das classes dominantes. A tragédia
grega era no mais exato sentido da palavra um “ teatro político” ; a cena final dos
Eumênides, com sua ardente oração pela prosperidade do Estado Ático, dá uma
boa mostra dessa sua principal finalidade. O controle da política sobre o teatro está
relacionado com o fato de que ojppeta-músico, era considerado como guardião de
uma verdade sublime e como educador de seu povo,/ ao qual havia de conduzir a
uma esfera superior de humanidade” . (Ibid ., pgs. 122-3.)
26. J. Subirá faz referência ao fato de que era comum que “ os oradores, para
falarem em público, se faziam acompanhar de um flautista, cujas notas intermi
tentes lhes iam indicando as alturas graves e agudas requeridas pela peroração” .
(Op. cit., vol. 1, pgs. 140-1.)
50 A MÚSICA COM O LINGUAGEM
■\
27. De acordo com A. Gramsci: “ Qualquer grupo social que surge como base
original de uma função essencial no mundo da produção econômica, estabelece
junto a ele, organicamente, um ou mais tipos de intelectuais que lhe dão homo
geneidade não apenas no aspecto econômico, mas também no aspecto social e polí
tico” . (A Formação dos Intelectuais, Venda Nova-Amadora, Rodrigues Xavier,
1972, pg. 10.)
A M O N O D IA 51
37. Seigneurie et Féodalité, Paris, 1959, pgs. 126 e segs. Cf. também J. Dhont:
“ A sociedade do império carolíngio, enquanto prolongamento da Antigüidade,
baseava-se no escravagismo, constituindo, na Europa, a última formação social
fundamentada nessa instituição. É verdade que, nessa época, a escravidão de certa
forma se havia suavizado, deixando entrever a tendência de converter-se na servidão
da gleba, isto é, na última forma jurídica na qual ainda não se reconhecia a liberdade
individual. Os documentos carolíngios, entretanto, ainda se referem inequivoca
mente a escravos” . (Das frühe Mittelalter, Frankfurt, Fischer, 1967; “ La Alta
Edad Media” , in: Historia Universal Siglo Veintiuno, México, 4? ed., 1974, vol.
10, pg. 23.)
38. Cf. G. Duby, L 'Economie Rurale et la Vie des Campagnes dans l ’Occident
Médiéval, Paris, 1962.
58 A MÚSICA COM O LINGUAGEM
O Canto Gregoriano
39. Note-se, neste sentido, que Adalberon, bispo de Remos, em fins do século
X , achara por bem declarar que “ a ordem eclesiástica não compõe senão um só
corpo. Em troca, a sociedade está dividida em três ordens. Além da já citada, a lei
reconhece outras duas condições: a do nobre e a do servo, que não são regidas pela
mesma lei. Os nobres são os guerreiros, os protetores da Igreja, que defendem a
todo o povo, aos grandes da mesma forma que aos pequenos, e ao mesmo tempo se
protegem a si mesmos. A outra classe é a dos servos: esta raça de desgraçados que
não possuem nada sem sofrimento, que fornecem provisões e vestimenta a todos,
pois os homens livres não podem valer-se sem eles. Assim, poi.v, a cidade de Deus,
que é tomada como una, na realidade é tripla. Uns rezam, outros lutam e outros
ainda trabalham. As três ordens vivem juntas e não podem ser separadas. Os ser
viços de cada uma dessas ordens permitem os trabalhos das outras duas e cada uma
por sua vez presta apoio às demais” . (In: J. Pinsky, Modo de Produção Feudal, São
Paulo, Global, 1982, pg. 71.)
Também nas Epístolas de São Paulo aos Romanos, lê-se o seguinte: “ Estais
todos submetidos às autoridades superiores, pois não há autoridade que não venha
de Deus e as que existem por Deus foram estabelecidas. Assim, quem enfrenta a
autoridade enfrenta a ordem estabelecida por Deus, e aqueles que a enfrentam
atraem para si sua própria condenação” . (Ibid., pg. 95.)
40. Contraponto, Copenhagen, Wilhelm Hansen, 1931; Counterpoint — The
Polyphonic VocalStyle of the Sixteenth Century, Englewood Cliffs, Prentice-Hall,
1939, pg. 59.
A M O N O D IA 59
- 1 = 5=
eX Í7> (a. So.e.- ou - - - lo row i A ~ m en.
44. Cf. K. Jeppesen, op. cit., (pgs. 64-7), que apresenta todas as versões da
doxologia, de acordo com os oito modos eclesiásticos.
A M Ó N O D IA 61
45. Historia Social de la Literatura y el Arte , vol. 1, pg. 242. A. Ponce nos dá
uma idéia do poder social exercido em nome dessa austeridade, em se referindo às
escolas monásticas, que eram as tfnicas instituições de ensino a que o povo tinha
acesso. Nestas escolas, entretanto, “ não se ensinava a 1er e nem a escrever. A
finalidade não era instruir a plebe, mas familiarizar as massas camponesas com as
doutrinas cristãs e, ao mesmo tempo, mantê-las dóceis e conformadas” . (Educação
e Luta de Classes, pg. 87.) De fato, não tinha sentido perder tempo com a educação
do povo, se, de acordo com a opinião dos monges, os trabalhadores, pelo simples
fato de serem analfabetos, “ apresentavam maior resistência à fadiga e eram capazes
de suportar uma tarefa mais longa e mais penosa” . (Cf. J. L. M. Besse, Les Moines
de l 'Ancienne France, pg. 249, citado ia: A. Ponce, op. cit., loc. cit.)
A M O N O D IA 63
46. É neste sentido que Mário de Andrade afirmava que ‘ ‘se é certo que a gente
escuta com prazer a ‘Salve Regina’, por exemplo, quem escuta uma “ Missa Gre
goriana” , com ouvidos simplesmente artísticos, se enfara e se distrai. E que o gre
goriano não foi feito para a gente escutar; mas para a gente se deixar escutar. Ele
provoca insensivelmente o estado de religiosidade” . (Pequena H istória da M ú s ic a ,
São Paulo, Martins, 5? ed., 1958, pg. 41.) Na nossa opinião, entretanto, não se
trata de provocar apenas um estado de religiosidade, mas sobretudo um estado de
submissão.
A polifonia
A heterofonia
' 10. M u ito pelo contrário, a Igreja se opunha violentamente à prática não só da
heterofonia, mas de toda música instrumental em geral. H. Raynor nos informa
que, na época carolíngia, a Igreja havia proibido os cristãos de tocarem harpa. (H is
toria Social da M ú sic a , pg. 34.)
11. Trata-se de um fenômeno que se assemelha de certa forma àquele que hoje
freqüentemente se enquadra no conceito de folc lore. “ As pessoas parece que estão
se divertindo, mas elas fazem isso para não esquecer quem são” . (C. R. Brandão, O
Q ue é F o lc lo re , Brasiliense, 2? ed., pg. 10.)
12. A título de mera hipótese, pode-se supor também que a heterofonia da Idade
Média tenha tido relevantes funções em certos tipos de rituais ligados às conspi
rações populares, às quais a nossa tradicional “ História da Civilização” pratica
mente não faz nenhuma alusão, mas cuja existência é confirmada pelas capitulares
expedidas pelo Estado carolíngio, muitas das quais se referem à repressão de orga
nizações populares de caráter defensivo, visto que estas, muitas vezes, tendiam a
transformar-se em movimentos sociais de rebelião dos pobres contra os ricos. (Cf.
J. Dhont, La A lta E d a d M e d ia , pgs. 41-2.)
A POLIFONIA 69
ORGANUM
A P O LIF O N IA
A POLIFONIA 73
15. Cf. J. Le Goff, D as H ocb m ittela lter, Frankfurt, Fischer, 1965; “ La Baja
Edad Media ” ,in \ H is to ria U n ive rsa lSiglo V e in tiu n o , voi. II, 4? ed., 1974, pgs. 31
e segs.
A POLIFONIA 75
20. Entendemos estar equivocada a concepção geral pela qual se costuma atri
buir à ars antiqua a qualidade de mera precursora — ainda primitiva — da verda
deira polifonia, que viria a atingir sua plena realização no Renascimento. N a nossa
opinião, trata-se, muito pelo contrário, da arte plenamente desenvolvida de uma
época em que, mais do que em qualquer outra, a música tivera uma plena realização
pela sua participação ampla em todo um processo político-cultural de emancipação
da classe burguesa.
78 A MÚSICA CO M O LINGUAGEM
21. M ns.: Montpelfier, loc. cit. Ia : C . Parrish & ]. F . O h l, op. c it . , pgs. 29-30.
22. O próprio termo m otete , como diminutivo de m ot = palavra — p a la vrin h a ,
portanto — , se refere a uma espécie de dito engraçado ou satírico.
23. Ch. van den Borren, Van H u c b a ld tot D u fa y. In : A . Smyers, A lg e m e e n e
M u ziekgesch ied en is , pg. 73.
A POLIFONIA 79
HOTETUS
A POLIFONIA 81
24. H . Besseler, Studien z u r M u sik des M ittela lters, Archiv für Musikwissen
schaft, 1925-1926; in : A . Smyers, op. cit., pgs. 73-4.
82 A MÚSICA CO M O LINGUAGEM
25. H isto ire de V A r t , Paris, Plon, 1939, vol. 2: L 'A rt M é d ié va l , pg. 120.
A POLIFONIA 83
30. É neste sentido que Le Goff comenta que, uma vez que a Igreja era “ a m u
ralha ideológica da sociedade feudal” , o fato de questioná-la significava minar os
próprios fundamentos dessa sociedade. ( O p . c it. , pg. 173.)
31. G o th ic A rc h ite c tu ra and Scholasticism , 1957; A rch itec ture G othiq ue et
Pensée Scolastique , Paris, M inuit, 1967.
86 A MÚSICA COM O LINGUAGEM
A Escola de Borgonha
32. Cf. E. Panofsky, op. cit. Na edição francesa, a primeira parte do livro é
dedicada a um estudo sobre o abade Suger de Saint-Denis.
88 A MÚSICA CO M O LINGUAGEM
90 A MÚSICA CO M O LINGUAGEM
K>«/£ I
A POLIFONIA 91
92 A MÚSICA COM O LINGUAGEM
A POLIFONIA 93
Princípios gerais
41. Observe-se que de fato são estas relações que caracterizam as entidades
rítmicas. Já muito antes de qualquer preocupação com a mensurabilidade musical,
na métrica clássica referente á versificação grega, os pés de verso haviam sido esta
belecidos em base de uma distinção entre sílabas longas e breves, onde a breve cor
respondia a uma duração igual à metade da longa. Também aí tratava-se, portanto,
de uma relação em que as durações absolutas não eram relevantes.
98 A MÜSICA COM O LINGUAGEM
47. Por motivos de maior clareza, tomamos aqui estas razões observando sem
pre uma ordem crescente dos termos.
104 A MÚSICA CO M O LINGUAGEM
48. E evidente que este postulado se refere exclusivamente aos intervalos har
mônicos.
49. Este corolário, entretanto, perde a sua validade prática na medida em que os
valores atribuídos aos expoentes n e m forem demasiadamente grandes. O motivo
desta limitação reside no fato de que as distâncias espaciais entre as alturas sonoras,
quando excessivas, dificultam o processo de fusão sonora.
A POLIFONIA 105
O Renascimento italiano
54. “ Todas as coisas devem ser organizadas de modo que as missas possam le
var tranqüilidade aos corações e ouvidos. Todo tratamento musical deve contribuir
não para proporcionar prazer ao ouvido, mas para que as palavras sejam claramente
compreendidas por todos, e assim os corações dos ouvintes sejam levados ao desejo
de harmonias celestiais, na contemplação do gozo dos bem-aventurados...” . (Ci
tado em H . Raynor, op. cit., pg. 148.)
55. Ainda em pleno século X V II, um escritor espanhol anônimo publicaria um
panfleto apregoando que “ conquanto o emprego do cantochão (monódico) seja cos
tume louvável, jamais a polifonia deve ser permitida no âmbito do culto religioso ’ ’ .
(.Ib id ., pg. 146.)
A POLIFONIA 109
56. Foi neste sentido também que o papa Paulo IV , diante das obras exuberan
temente monumentais de Miguel Ângelo, na Capela Sistina, dera vazão ao seu
pasmo, questionando se “ se tratava de uma casa de Deus ou de uma casa de banhos
públicos” . (Citado em H . Riemann, H a n d b u c h der M u sikgeschichte , Leipzig,
Breitkopf & Härtel, 1920.)
110 A MÚSICA COM O LINGUAGEM
O Estilo Palestrina
MISSA PAPAE MA R C t L L I
114 A MÚSICA COM O LINGUAGEM
58. O contraponto, portanto, se nos apresenta como uma espécie de gram ática
da polifonia renascentista. Em virtude disto, entendemos que essa disciplina deva
ter por objetivo principal esclarecer, utilizando uma atividade prática de caráter
eminentemente artesanal, como, num determinado momento histórico, as forças
produtivas envolvidas na produção musical puderam realizar-se de forma perfeita
mente adequada para atender às solicitações culturais da época. É evidente, então,
que esta disciplina deve basear-se numa investigação aprofundada da realidade m u
sical daquele momento histórico, sem pretender, por generalizações indevidas, uma
aplicação direta no âmbito da produção musical própria a outras realidades sócio-
culturais posteriores ao Renascimento. Neste sentido, entendemos ser perfeita
mente correta a posição assumida por K. Jeppesen, quando considera o contraponto
como um estudo do “ estilo polifônico vocal do século X V I ” . (C o u n terp oin t)
116 A MÚSICA COMO LINGUAGEM
deixavam de ter admiração pela cultura burguesa, como por algo su
perior e intangível a que deveriam todo respeito.
Foi exatamente neste sentido que o princípio da musica co
muna acabaria por atender aos interesses das classes dominantes,
diante da perspectiva de poder utilizar os produtos artísticos em
função da dominação. Assim caberia à música, juntamente com
outras atividades artísticas, concorrer para o estabelecimento de
uma aliança das classes dominantes com aquele setor da população
urbana que correspondia aproximadamente ao que hoje chamamos
de classe média, a fim de garantir, pelo menos no que concerne à
cultura, a dominação a ser exercida sobre as classes propriamente
populares.
Pode-se supor, entretanto, que uma tal função de dominação
não se constituía conscientemente como objetivo dos próprios mú
sicos enquanto produtores das estruturas polifônicas, mas unica
mente a um nível de aproveitamento dessas estruturas por parte
das instâncias detentoras do poder econômico e político. Caso se
verificar que esta suposição corresponde à realidade, concluir-se-á
que os atos de dominar não se situavam entre os atos elocutórios,
mas se qualificavam nitidamente como atos perlocutórios.
O sistema tonal
Princípios gerais
b =# 2na )
c + 2na > para qualquer valor inteiro de n.
c =f= 2nb )
1: 2: 3: 4 : .....: n.
9. Cf. H. Scherchen, Vom Wesen der Musik, Mondial Verlag, Zilrich, 1949,
pg. 36.
10. De fato, ouvindo-se um som musical de altura perfeitamente reconhecível,
uma audição atenta pode tornar perceptíveis, além dessa altura básica, também as
alturas correspondentes a muitos de seus harmônicos.
126 A MÚSICA CO M O LINGUAGEM
J Vi J/í
_ - . ---- fc>o
T rU d u d e s c e n d e n t*
\
O SISTEMA TONAL 129
dominante
Subdom inante
15. Note-se, por exemplo, que todo o fenômeno de simetria, que serve de base a
esta teoria, se realiza exclusivamente no espaço mélico, de forma que também aqui
se trata, a rigor, de uma incoerência, uma vez que os fenômenos espaciais acabam
por ser usados para a explicação das entidades harmônicas.
16. É esta a distinção que se encontra na grande maioria dos tratados teóricos,
como, por exemplo, em E. F. Richter: “ Enquanto muitas tríades são formadas por
terças maiores e quintas justas, há outras que contêm a terça menor e a quinta justa,
Trata-se, respectivamente, das tríades maiores emenores” . ( Op. cit., pgs. 9-10.) É
também nesta concepção que se baseia a terminologia usual, designando-se as tría
des pela altura do fundamento e pela natureza da sua terça. Assim, por exemplo, a
tríade com terça maior, cujo fundamento está situado na altura DO — [DO:MI:
SOL] —, é chamada tríade de DO maior, enquanto aquela com terça menor e
fundamento RE — [RE-.FA-.LA] — será a tríade de RE menor.
130 A MÚSICA COMO LINGUAGEM
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17. Esta forma de conceber o sistema tonal, como uma estrutura de tríades
interligadas por superposição, embora ausente na maioria dos tratados teóricos tra
dicionais, comparece explicitamente em E. F. Richter: “ Na forma sob a qual se
apresenta naturalmente a tríade fundamental, isto é, como superposição de terças, o
fundamento comparece na extremidade inferior, como base, e a quinta na extre
midade superior, como topo. Qualquer outra tríade que se queira relacionar com
esta deve, como entidade distinta, situar-se fora da realidade sonora desta, mas, ao
mesmo tempo, basear-se em um de seus elementos, para, desta forma, originar-se
como em conseqüência da primeira. Ora, este elemento-só pode ser encontrado nas
extremidades da tríade fundamental, ou seja, no seu fundamento ou na sua quinta.
A quinta da tríade fundamental, portanto, tornar-se-á fundamento de uma segunda
tríade, assim como o fundamento virá figurar como quinta de uma terceira” . (Op.
cit., pg. 10 .) * , ____ (____ _____
18. Como, por exemplo, na seguinte seqüência j - s -- j--— dr , que
y = f(x).2'
onde as letras minúsculas se referem tanto às funções das tríades menores como às
tonalidades menores, significa que o acorde aí especificado foi identificado como
um a tríade menor que se relaciona com a tonalidade de LA menor pela função de
Subdominante.
22. Propomos, neste sentido, a distinção entre as seguintes escalas:
1) as escalas maiores naturais, com tônica, dominante e Subdominante maiores;
2) as escalas maiores harmônicas, com tônica e dominante maiores e Subdo
minante menor;
3) as escalas maiores melódicas, com tônica maior e dominante e subdomi-
nantes menores (estas escalas se usam quase exclusivamente em sentido descen
dente);
4) as escalas menores naturais, com tônica, dominante e Subdominante me
nores ;
5) as escalas menores harmônicas, com tônica e Subdominante menores e do
minante maior;
6) as escalas menores melódicas, com tônica menor e dominante e Subdomi
nante maiores (estas escalas se usam quase exclusivamente em sentido ascendente).
Os termos aqui usados, de escalas naturais, harmônicas e melódicas, são os que
se encontram na teoria da música tradicional, onde, entretanto, são empregados
somente em referência ás escalas menores. Não vemos nenhum motivo por que não
ampliar seu uso também para as maiores, uma vez que tais escalas, embora com
menor freqüência, têm sido aplicadas na prática da música tonal.
O SISTEMA TONAL 133
jOO muior
134 A MÚSICA COMO LINGUAGEM
Qendel; MesSí^S
1) T(DO) - S(DO)
ou
2) D(FA) - T(FA).
T 1 —► Ss ou D 1 — T\
24. Isto vem mostrar como, já nos mais simples fragmentos do decurso tonal,
se torna importante a interação dos dois tipos de movimento que se realizam, res
pectivamente, no espaço mélico e no espaço tonal.
138 A MUSICA C O M O LINGUAGEM
(O.)
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3) T(DO) — D(DO)
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4) S(SOL) — T(SOL).
O SISTEMA TONAL 139
T —► D 1 ou Ss — T 1,
f= r T
J=
t— r
a)
«)
O SISTEMA TONAL 141
27. Cf. H . von Helmholz, Die Lehre von den Tonempfindungen, F. Vieweg &
Sohn, Braunschweig, 1913, pg. 470.
28. Cf. H. Riemann, op. cit.
142 A MÚSICA COM O LINGUAGEM
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144 A MÚSICA COM O LINGUAGEM
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146 A MÚSICA COMO LINGUAGEM
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O SISTEMA 147
A MÚSICA COMO LINGUAGEM
O SISTEMA TONAL 149
A + A + B + A + B + A,
ou, designando-se por a, e a_>as frases do período A e por b e b as
do período B,
- (a, + a^)] + [(b| + bj) + (a, V a^)] +
[(a! + a^) -+
+ [(b |+ b_,) + (a, + a ,)].
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O SISTEMA TONAL 151
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46. C. Meireles, Obra Poética, Rio de Janeiro, José Aguilar, 1958, pg. 36.
47. Um lingüista como J. R. Searle enquadraria os atos de fala desta natureza
na classe dos atos de auto-expressão emotiva, classe esta que, sem dúvida, apresenta
sérios problemas quando se trata de determinar a especificidade dos atos elocu
tórios envolvidos.
O SISTEMA TONAL 163
Linguagem e ideologia
57. Um outro exemplo que nos parece significativo se refere à norma pela qual,
em qualquer estrutura tonal, por mais extensa que ela seja e por mais contraditórias
que sejam as tonalidades abordadas na sua trajetória tonal, na sua conclusão final
sempre se acaba por retornar á tonalidade inicial, qualificando-se esta ainda como
sendo a tonalidade principal.
58. Op. cit., pg. 102. Tendo em vista que o texto de Hadjinicolaou se refere
especificamente à produção de imagens no domínio das artes visuais, substituímos,
na citação acima, o termo ideologia imagítica por ideologia musical.
172 A MÚSICA COM O LINGUAGEM
A vanguarda burguesa
O culto do passado
Cultura popular
A música de consumo
19. Note-se que os membros dessa sociedade de consumo, mesmo nas ocasiões
em que, cansados das atribulações constantes da vida urbana, fogem da cidade em
busca de um lazer longe das angústias urbanas e mais próximo á natureza, um lazer
capaz de proporcionar-lhes uma certa paz, não deixam de se fazer acompanhar dos
aparelhos — como rádio e toca-fitas — que lhes permitem prosseguir, sem perda de
tempo, no consumo de exatamente a mesma música que incessantemente os ator
menta na cidade.
Conclusão