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UNIVERSIDADE

FEDERAL DO PARANÁ

MARIA CLARA WASSERMAN

“ABRE A CORTINA DO PASSADO”


A Revista da Música Popular e o pensamento
folclorista (Rio de Janeiro: 1954 – 1956)

Curitiba
2002
1

MARIA CLARA WASSERMAN

“ABRE A CORTINA DO PASSADO”


A Revista da Música Popular e o pensamento
folclorista (Rio de Janeiro: 1954 – 1956)

Dissertação apresentada ao Curso


de Pós-graduação em História, da
Universidade Federal do Paraná,
como requisito parcial à obtenção
de título de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Marcos


Napolitano.

CURITIBA
2002
2

RESUMO

O presente trabalho tem como objeto o estudo do pensamento


folclorista, materializado em uma publicação periódica denominada
Revista da Música Popular. Com um curto período de circulação (1954 -
1956) e tendo apenas 14 números, a RMP reuniu reconhecidos
intelectuais e expressou o projeto de se ter uma música autêntica, pura
e nacional. Seria então necessário, mediante a denominada crise
musical dos anos 50, recriar uma tradição na música brasileira, expressa
nos 30, ou na “época de ouro”. A Revista, apesar de pouco conhecida,
foi em parte responsável pela criação de um elenco de nomes
referendados como gênios da música popular e também responsável
por formalizar conceitos posteriormente utilizados na historiografia
musical brasileira.
3

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS............................................................................................. 05
CARTA À LÚCIO RANGEL, POR BRASÍLIO ITIBERÊ............................................ 08
APRESENTAÇÃO................................................................................................. 09
1º CAPÍTULO:
A REVISTA DA MÚSICA POPULAR E A CENA MUSICAL DOS ANOS
50............... 13
2º CAPÍTULO:
O FOLCLORISMO EM QUESTÃO........................................................................ 47
3º CAPÍTULO:
A INVENÇÃO DO PASSADO NA REVISTA DA MÚSICA POPULAR
............................................................................................................................ 81
4º CAPÍTULO:
“FOLCLORISTAS DA CIDADE” - O PENSAMENTO CRÍTICO-MUSICAL
HERDADO DA REVISTA DA MÚSICA POPULAR ................................................. 119
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 137

ANEXOS .............................................................................................................
LEVANTAMENTO DETALHADO DOS 14 NÚMEROS DA RMP............................... 140
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................ 155
4

AGRADECIMENTOS

Meu primeiro agradecimento vai para a CAPES/MEC que, com o apoio em

forma de bolsa, me permitiu realizar a pesquisa no Rio de Janeiro e poder adquirir

livros e fontes essenciais para a realização desse trabalho. Também agradeço o

Departamento de Pós-Graduação de História da Universidade Federal do Paraná e

aos seus professores pela constante atenção. Um obrigado especialíssimo para a

Lucy, cuja atenção e boa vontade, foram fundamentais em vários momentos.

Meus agradecimentos aos professores Luís Carlos Ribeiro e Márcia Kersten

pelas importantes contribuições no exame de qualificação e que acabaram sendo

fundamentais para a conclusão do trabalho. Um obrigado especial para o professor

Carlos Sandroni, uma das primeiras pessoas a colaborar para a minha pesquisa.

Gostaria também de agradecer aos profissionais da Divisão de Música da

Biblioteca Nacional – RJ e da Biblioteca Amadeu Amaral, também no Rio de

Janeiro, onde encontrei a maior parte das fontes e da bibliografia pesquisadas.

Agradeço aos amigos que me deram importantíssimas formas de apoio, no

plano afetivo e profissional: Celso Branco, Marco Aurélio Hamellin, Renato

Bittencourt Gomes, Edinha Diniz, Olga Coutinho, Adriana Luiza do Prado, Mariana

Villaça, Roberto Gnattali, Lídia Becker, Regina Lucatto, Fabiano Salek, Miliandre

Garcia de Souza e Simone Reis.

Agradeço também a gentileza e atenção das pessoas que entrevistei:

Humberto Franceschi, Cláudio Murilo Leal e Roberto Gnattali.

À minha família, especialmente à minha mãe, que sempre apoiou meus

projetos, fossem eles quais fossem.


5

Ao Marcos Napolitano, orientador sempre presente e preciso, professor

dedicado, amigo de todas as horas... sem essa fundamental presença na minha

vida, nada disso teria acontecido.


6

Esse trabalho é dedicado à memória do maestro Marcos Leite, cuja genialidade artística me fez tomar a
decisão de estudar música brasileira. Um obrigada de sua eterna fã n.º 0.
7

CARTA A LÚCIO RANGEL1


Por : Brasílio Itiberê

- Música? Deus meu! Que coisa melancólica o panorama musical... Tudo


contorcido, hemiplégico, salafrário! O que me fez pensar na “boutade” de Jean
Jacques Rousseau: - A música é a arte de exprimir o silêncio por meio de ruídos.”
Nunca uma definição tão paradoxal exprimiu tão bem um estado de coisa. O
silêncio é o vazio, a grande ausência de substância interior, a incapacidade de
cantar com sinceridade, como qualquer homem do povo.
- Então vamos falar sobre folclore...
- Quer que lhe diga com franqueza? O folclore autêntico, nas sua fontes
originais, é a única coisa pura que há na face da terra (...)
Mas fique firme que tudo vai entrar nos eixos. E quando o gigante Sibelius figurar
empalhado na História da Música, como uma peça de museu, o “Azulão”, de
Jayme Ovalle e a “Linda Flor” ainda serão cantados numa terra de cem milhões
de habitantes. Afro-brasileiros, com a graça de Deus – pois foi essa prodigiosa
fecundação racial, a grande dádiva dos céus à música brasileira.

Um abraço do

Brasílio Itiberê

1
Revista da Música Popular n.º 13 pág. 12
8

APRESENTAÇÃO

Conta a lenda que, em um encontro nos anos 60 com João Gilberto, o

jornalista Lúcio Rangel dirigiu-se da seguinte forma ao cantor:

- Seu mal foi ter entrado para a bossa nova!!

A anedota retrata a visão de Lúcio Rangel sobre a modernidade musical

brasileira e marca uma postura de radicalismo tão forte, que, mesmo

reconhecendo a importância artística de João Gilberto, não foi capaz de perceber a

modernização provocada pelo criador do novo estilo musical. Outra famosa história

conta que, por volta de 1956, Rangel apresentou Tom Jobim ao poeta Vinícius de

Morais no Bar Villariño, no Rio de Janeiro e assim, acabou promovendo o encontro

dos principais compositores da bossa nova.

Mas antes da ruptura provocada pela bossa nova, durante os anos 50, Lúcio

Rangel, juntamente com músicos e jornalistas ligados à música popular brasileira,

criaram um projeto de proteção e restauração de um passado musical que,

segundo eles, tinha nos anos 30, a sua forma mais pura.

O jornalista que há anos escrevia para a imprensa carioca, em agosto de

1954 criou um projeto próprio: a Revista da Música Popular, um periódico

especializado em música popular, não apenas brasileira, mas também norte-

americana. A ambiciosa publicação reuniu os principais nomes da música e da

intelectualidade brasileira e congregou um novo pensamento musical, que tentava

alcançar a legitimidade através da abordagem folclórica. Também o

reconhecimento da música urbana carioca como autenticamente brasileira fazia

parte da proposta. Quanto à música norte-americana, a exclusiva abordagem do


9

jazz de New Orleans, deixava clara a intencionalidade de transformar a música “de

raiz” em música pura e autêntica.

A presente dissertação tem, portanto, como objeto, o estudo do pensamento

folclorista tal como se materializou na Revista da Música Popular, publicação

periódica que circulou no Rio de Janeiro, entre agosto de 1954 a setembro de

1956, com exatamente 14 edições O objetivo de combater a inferioridade estética

da música brasileira do momento e redefinir a música popular com bases

folclóricas foram seus eixos norteadores.

Este periódico também foi o articulador de um debate musical centrado na

divulgação massiva dos músicos populares que, para seus editores e

colaboradores, representavam a tradição urbana brasileira. A Revista foi também

responsável por formalizar os conceitos de “Época de Ouro” e “Velha Guarda,” 2 na

música popular brasileira..

Com 14 volumes, a RMP é um corpo documental praticamente inédito, e

seu estudo até hoje serviu apenas como fonte secundária para as análises do

contexto musical dos anos 50. Contexto este que é caracterizado como decadente

pelas crônicas de época e pela historiografia, com o predomínio do bolero, das

marchas carnavalescas, da rumba e das bigbands..

Parto da hipótese de que a RMP reuniu profissionais que procuraram criar

uma tradição a partir de bases folclorísticas e assim, através de um trabalho

sistemático, acabaram por gerar uma corrente de pensamento sobre música

brasileira que se estabeleceu na historiografia do tema.

A partir dessas considerações, o trabalho aqui apresentado divide-se em

quatro partes:
10

O primeiro capítulo, A Revista da Música Popular e a cena musical dos anos

50, procura revelar o panorama musical da década, especialmente entre 1954 e

1956, quando circulou a Revista. O capítulo tem como objetivo principal verificar

que a idéia de decadência sempre esteve presente na história da música urbana

do Brasil e que a internacionalização e a popularização excessiva da música

brasileira na década de 1950 formava apenas uma face do panorama musical,

uma vez que era constante a presença nos meios de comunicação dos grandes

sambas e dos grandes nomes da nossa música.

O segundo capítulo, O Folclorismo em Questão, procura acompanhar a

trajetória do movimento folclorista brasileiro, desde o final do século XIX, quando

apareceram os românticos folcloristas até a década de 1960, quando foi produzida

a Carta do Samba pela Comissão Nacional do Folclore Brasileiro. A idéia central é

apresentar os principais debates dos articuladores do movimento sobre a música

urbana brasileira. Coincidentemente com a circulação da Revista da Música

Popular, os anos 50 representaram o apogeu do movimento folclórico, quando

aconteceram os principais congressos, incluindo o Congresso Internacional do

Folclore de 1954. Em tais eventos, foram produzidos documentos sobre fato

folclórico e música popular, que acabaram sendo incorporados ao pensamento da

RMP.

O terceiro capítulo, A invenção da tradição na Revista da Música Popular,

analisa o periódico como um projeto de homens da imprensa, que procuraram criar

(ou inventar) uma tradição e combater a “inferioridade estética” da música

brasileira a partir de uma vertente folclorista. O capítulo ainda apresenta um estudo

detalhado dos artigos da RMP, sua estrutura editorial, o panteão eleito pelo

2
Época de ouro: denominação que Ary Vasconcelos vai usar para designar a fase dos anos 30. na
11

periódico, principais nomes, estatísticas e obras, assim como as ações culturais e

o espírito de colecionismo dos seus principais articuladores.

O quarto e último capítulo fugirá do recorte traçado durante o trabalho e

apresentará os principais pesquisadores herdeiros do pensamento musical gerado

pela Revista da Música Popular, como o próprio Lúcio Rangel, Almirante e Ary

Vasconcelos. Optamos por uma abordagem específica das principais obras desses

autores em vez de analisar a trajetória profissional e individual de cada um deles.

No capítulo também demonstraremos como o pensamento folclorista, ligado às

raízes da música urbana brasileira gerou uma corrente historiográfica própria na

música brasileira.

música popular brasileira.


Velha Guarda: músicos ligados à produção musical nos anos 20 e 30.
12

CAPÍTULO 1

A REVISTA DA MÚSICA POPULAR E A CENA MUSICAL BRASILEIRA NOS

ANOS 50

“Que coisa melancólica o panorama musical...”3

O presente capítulo tem por objetivo analisar o cenário musical dos anos 50

e suas variantes, como o rádio, a indústria fonográfica, os ídolos e os gêneros

musicais do período.. Em meio a este contexto, surgiu a Revista da Música

Popular, criada por Lúcio Rangel e Pérsio de Morais. A publicação teve início em

setembro de 1954. O trabalho editorial acontecia em um escritório na Rua Santa

Luzia 732, sala 702, centro do Rio de Janeiro e de lá, era distribuída para as

principais cidades brasileiras. A Revista circulou até setembro de 1956, no 14º

número, quando repentinamente deixou de existir, por falta recursos suficientes

para essa cara edição.4

Situada entre as gerações dos anos 30 e 60, a RMP foi resultado de um

trabalho de memória comum de um grupo, que julgava a forma musical dos anos

30, o momento mais expressivo da cultura brasileira. Para esses homens, o

jornalismo cumpria, ou melhor, devia cumprir, de forma reconhecida, a tarefa de

formador de opinião pública. Atuar em jornais e revistas, era fundamental, não só

porque fazia parte de qualquer estratégia de ascensão intelectual, mas porque a

imprensa era a base da circulação de idéias da época.

3
Brasílio Itiberê. Op. cit.
4
Acreditamos que o principal problema tenha sido a falta de anunciantes. Todas as pessoas
entrevistadas não souberam dizer o motivo do fechamento da RMP e também nada saiu na
imprensa da época.
13

A Revista da Música Popular contou com a colaboração direta e indireta de

reconhecidos intelectuais, como o caso dos artigos e discursos de Mário de

Andrade publicados postumamente, e ainda colaboradores especialistas em

diversos segmentos da história da música brasileira, fossem músicos, jornalistas,

escritores ou poetas. Entre estes, verificamos que os principais nomes ligados à

cultura brasileira do período: Almirante, Ary Barroso, Cláudio Murilo Leal, Clemente
5 6
Neto, Emmanuel Vão Gogo , Evaldo Rui , Fernando Lobo, Flávio Porto, Haroldo

Barbosa, Jorge Guinle, José Sanz, Manuel Bandeira, Mário Cabral, Mozart Araújo,

Nestor de Holanda, Nestor R. Ortiz Oderigo, Paulo Mendes Campos, Sérgio Braga,

Sérgio Porto, Sílvio Túlio Cardoso.

A linha editorial da Revista diferenciava-se de outras publicações, o que

direcionava para um outro tipo de leitor que não fosse o mesmo consumidor dos

periódicos de entretenimento da época, como Cinelândia, Radiolândia, Revista do

Rádio, entre outras. Cada edição contava com 50 páginas, cada página com duas

colunas de texto e um número reduzido de fotografias, uma média de quatro vezes

mais textos que fotos.

A identidade do leitor da Revista da Música Popular era fixada pelos

próprios editores: “pretendemos fazer dessa Revista o guia de uma imensa legião

de fãs, de interessados, de colecionadores de discos...” 7 Tratava-se de um público

apreciador da “velha música” , colecionadores, estudiosos sobre o assunto que

negavam o presente musical por este ter se desvirtuado da “pureza” (na expressão

dos editores) conquistada com Ismael Silva, Wilson Batista, Noel Rosa, Aracy de

Almeida.

5 Pseudônimo de Millor Fernandes


6
Evaldo Rui participou apenas do primeiro número, vindo a falecer assim que a Revista foi lançada.
Já no segundo número, Lúcio Rangel fez uma homenagem ao compositor.
7 Revista da Música Popular n.º 1 pág. 1
14

O projeto que criou a Revista da Música Popular tinha uma clara intenção:

diante da crise musical dos anos 50, tornava-se necessário recuperar o passado e

trazer à tona o elemento puro e original da música brasileira – o samba. Por isso

mesmo, o tema constante, gerador e não explícito era o resgate da pureza na

música brasileira.

O livro de Cláudio Bojunga, que biografa Juscelino Kubitschek, analisa a

Revista como um projeto de resistência, importante e criativo, porém voltado a um

passadismo inerte, uma vez que não havia como voltar atrás num período em que

se projetava a modernização para o país.

O tradicionalismo de Lúcio e Almirante não era um conservadorismo pelo


conservadorismo, mas saudável reação à avassaladora vaga dos Sinatras &
Crosbys & Tormé & Big Bands do pós-guerra. Mas a obsessiva referência a Noel
Rosa, Ismael Silva, Pixinguinha tinha virado resistência – não era solução. O
purismo tornava-se paralisia. Havia ótimas músicas do passado, mas o passadismo
8
não alimentava bem o futuro. Era impossível voltar atrás.

Bojunga concorda que realmente foi uma grande fase a deixada nos anos

30, com grandes expoentes, como Ary Barroso, mas mesmo assim “a célebre

Revista da Música Popular não conseguia ser uma trincheira suficientemente forte

para resistir aos assaltos de Dick Haymes e do Trio Los Panchos.”

A Revista deu um espaço significativamente menor para a música brasileira

produzida no seu próprio período. Os articulistas utilizavam a cena musical 9

daquela década para apontar o ambiente de decadência musical que o país vivia,

com músicas de fossa em espaços escuros das boates de Copacabana.

8
Cláudio Bojunga,. JK O Artista do Impossível. pág.483
9
Entendemos o conceito de cena musical como um espaço cultural no qual um leque de práticas
musicais coexistem, interagindo entre si, dentro de uma variedade de processos de diferenciação e
de acordo com uma ampla variedade de intercâmbios e influências entrecruzadas. WILL STRAW
APUD NEGUS, Keith. Popular Music in Theory. London, Polity, 1999 , p. 22
15

A idéia da decadência musical da década, corrente na historiografia da

música brasileira (e também pensamento dominante na RMP), será discutida

nesse capítulo, tendo por base a análise documental e bibliográfica da música dos

anos 50, que remete de maneira simplista à idéia de crise na música brasileira.

Isso se explica pelo crescimento da indústria fonográfica no período e pela

multiplicidade de ritmos que tomava conta das rádios. O samba deixava de ser

hegemônico e dividia com rumbas, jazz, boleros, fox e marchas de Carnaval, as

paradas de sucesso das maiores emissoras de rádio do país.

Novos ídolos apareciam e se consolidavam no universo radiofônico. Eram

construídas imagens de artistas com ardorosos fãs-clubes e que tinham sua vida

particular devassada pelas revistas de entretenimento. Segundo Alcir Lenharo, a

idolatria era um fenômeno constante, que se confundia com a própria história dos

meios de comunicação, ganhando características marcantes na virada dos anos

50.10

Os programas de auditório e os reis e rainhas do rádio, tratado como

panorama decadente pela Revista da Música Popular, não eram a única alternativa

de música brasileira do período. Os artistas que brilharam nos anos 30

continuavam com sólidas carreiras e com alto prestígio.

Na segunda metade da década de 50 a música popular foi tema constante

na imprensa brasileira. Cartola foi redescoberto por Sérgio Porto e retornou à vida

artística; a turma da Velha Guarda, comandada por Pixinguinha, voltou a gravar e

fazer shows, a atuação de Almirante nos programas de rádio continuava com

grande sucesso. Também foram características marcantes da década o

envelhecimento e/ou morte dos ícones dos anos 30 e 40, como Francisco Alves e

10
Alcir Lenharo, Cantores do Rádio, pág. 167.
16

11
Carmem Miranda e um intenso debate em torno dos rumos da música popular

brasileira.

Porém, apesar de todos os acontecimentos ligados à música popular, as

opiniões insistentes sobre a decadência do samba acabaram consagrando, na

memória, os anos 50 como período de crise.12

Pretendemos, ao longo desse capítulo verificar o conturbado contexto

musical que predominou a partir da segunda metade da década de 1950 e revisar

a idéia de “decadência”, não porque concordemos, mas porque a Revista da

Música Popular tinha como projeto formar uma grande rede nacional para discutir e

combater a crise na música brasileira e, a partir da conscientização popular, voltar

às origens e retomar a tradição, que seria o samba “puro” dos anos 30.

Alcir Lenharo lembra que, ao contrário do que se pressupunha, o cenário

musical era variado, sendo o samba o gênero principal.

O começo dos anos 50 era um período de especial criatividade musical no


calendário momesco. Haroldo Lobo, Braguinha, Nássara, Wilson Batista, Klécius
Caldas e Armando Cavalcanti, Zé da Zilda, entre outros sempre estavam na ponta.
Predominavam as marchinhas, mas o frevo aparecia bastante, através de Severino
Araújo e de outros artistas nordestino. E havia lugar para manifestações musicais
como o bigorrilho, cultivado por Jorge Veiga, para não falar da rica variedade de
sambas, samba de morro, samba duro, samba de roda, e os belíssimos “sambas de
13
última hora”, que vinham na boca do povo.

11 A partir de 1945, afastaram-se da cena musical, Orlando Silva, Pixinguinha, Cartola; também
grandes ídolos como Francisco Alves e Carmem Miranda morreram nos anos 50. Francisco Alves
morreu de acidente de carro em 1954 e Carmem Miranda foi vítima de um ataque cardíaco um ano
mais tarde.
12
Um exemplo, que discutiremos no quarto capítulo, é a divisão histórica que aparece
constantemente em obras especializadas em música brasileira. Pesquisadores como Tinhorão,
Vasco Mariz e Ary Vasconcelos classificam a história da música popular de maneira didática, para
demonstrar as diferenças musicais existentes em cada período: fase de formação (1902 – 1929),
época de ouro, (1930 – 1945) época moderna (1945 – 1958) e época contemporânea (1958 em
diante). As datas não são as mesmas para os autores, mas a proposta metodológica sugere os anos
30 como a época que corresponde a melhor fase da música popular brasileira. Os anos 50 por sua
vez, são citados como um período de decadência e (talvez por isso) transição para a bossa nova.
13
Alcir Lenharo. Cantores do Rádio, pág. 200.
17

Para entender o projeto que criou a RMP, há a necessidade de entender o

pensamento que influenciou os articuladores da Revista. Por isso privilegiaremos

os assuntos em pauta na publicação, como o mercado fonográfico que se

estruturava naquela década, o samba tradicional substituído por ritmos

estrangeiros, tais como boleros, rumbas e o próprio jazz popularizado por

orquestras Big Bands.

Positivamente o músico brasileiro está com espírito de imitação. Isso é uma coisa
evidente e que não pode originar controvérsias. Cada povo cultiva a sua música. No
Brasil, toca be-bop, toca-se cool e difundem as duas coisas. Tocam não é bem o
termo; tentam tocar. (...) Que os americanos inventem um estilo de música, já é
droga, porque música não se inventa; que nós toquemos música inventada por eles,
14
é mais droga ainda.

A condenação do novo panorama musical fez com que artistas e jornalistas

iniciassem um debate centrado na decadência do samba e da música brasileira em

geral. Um dos jornalistas mais críticos e atuantes da RMP, Cláudio Murilo Leal,

escrevia especificamente sobre o que considerava o “panorama negro” dos anos

50, ou seja, a internacionalização da música brasileira. Tanto Cláudio Murilo

quanto outros jornalistas eram imbuídos do saudosismo dos anos 30, época de

Noel Rosa, Ismael Silva, Aracy de Almeida, Orlando Silva, Pixinguinha e outras

personalidades que consagraram, através do rádio e do disco, o samba recém

nascido15

Um artigo escrito pelo compositor Ary Barroso sintetiza o pensamento crítico

dos jornalistas à respeito do ambiente musical da época e também ilustra o projeto

da Revista da Música Popular. Por isso mesmo, optamos por uma transcrição

integral.

14 Revista da Música Popular n.º 1 pág. 13


15
A partir de 1931, com a canção Se você jurar, de Ismael Silva, o samba adquiriu a batida que
caracterizou os anos 30. Antes desse período a síncope ainda não estava totalmente definida e o
samba se confundia com o maxixe, como é o caso do “primeiro samba”, Pelo Telefone, de 1917.
18

1 - Antigamente não havia “gramáticas” em samba. E todos o entendiam.


2 - Antigamente não havia “acordes americanos”
3 - Antigamente não havia “boites”, nem “night clubs”, nem black tie”. E o samba
andava pelos cabarets, humilde e sem dinheiro.
4 - Antigamente não havia “fans-clubs”. Então os cantores cantavam sem barulho
um samba sem barulho, vindo da Penha, único barulho era o preparatório para o
grande barulho que era o Carnaval.
5 - Antigamente as orquestras não tinham a disciplina militar das bandas, porque
eram bandas autênticas sem pretensão à orquestra. Então o samba saía sem
pretensão, mas gostoso.
6 - Antigamente o “compositor” não era “compositor”; era um veículo sonoro de suas
emoções. Então o samba saía à rua vestido de brasileiro, gingando com as “porta-
estandartes” dos ranchos.
7 - Antigamente não havia parceria de cantores, empresários e “veículos” Então o
cantor cantava: não impingia!
8 - Antigamente o teatro era palco dos triunfos populares. Então, o samba vinha da
Praça Tiradentes para a cidade e depois para o Brasil.
9 - Antigamente samba era uma coisa, hoje é outra...
10 - Decadência! Decadência! Decadência!

Os dez itens que Ary escreveu com o título de Decadência levantou temas

que, de forma sintética, expressaram opiniões sobre o período que se

consagraram na historiografia da música brasileira. O compositor identificou como

motivos da decadência a influência americana, as marchas carnavalescas, os fãs

clubes e programas de auditório, as orquestrações no samba e todo o

procedimento da indústria fonográfica. Tais assuntos, que foram intensamente

explorados pela RMP serão analisados neste capítulo.

O tipo de samba que a Revista considerava puro e que, conforme o texto de

Ary Barroso, se apresentava decadente nos anos 50, foi fruto dos anos 30.

Naquele período o samba sofreu mudanças do padrão rítmico operados pela

“turma do Estácio”16 (Ismael Silva, Nilton Bastos, Bide, Brancura e outros) Tal

transformação marcou a batida do samba moderno, formando uma escola de

sambistas e compositores que já nos anos 30 foi definido como paradigma de

samba tradicional.

O tipo de samba que teria sido criado no Estácio logo se difundiu, influenciando os
compositores de outras áreas da cidade, generalizando-se e tornando-se um

16 Bairro Estácio de Sá, Rio de Janeiro.


19

sinônimo do samba moderno, de samba, tal qual o reconhecemos hoje em dia. A


17
primazia do Estácio sobre os outros redutos do samba é admitida por todos.

Segundo os articulistas da Revista, o apogeu da música brasileira,

especialmente do samba, seguiu até por volta de 1945; os jornalistas argumentam

que depois desse período as rádios começaram a importar ritmos vindos da

América Central e dos Estados Unidos. Nesse último caso, o consumo principal

veio dos filmes musicais produzidos por Hollywood. Segundo o pesquisador Ary

Vasconcelos18 a mudança musical encerrou a época de ouro, cedendo lugar para a

fase do internacionalismo, das influências estrangeiras e da música comercial.

Outro colaborador da RMP, Evaldo Rui, lembra com saudosismo do samba

como o ritmo predominante no mercado brasileiro: (...) Daquele samba que o Brasil

inteiro cantava. Daquele samba que assim que ficava pronto, escorria pela

garganta de Francisco Alves, pela garganta de Mário Reis... Daquele samba, como

igual já ninguém sabe fazer, nem eu, que procurei aprender com eles.(...) 19

No mesmo artigo, Evaldo Rui critica a cena musical dos anos 50: “Cadê

bossa? Cadê aquele toque de genialidade tão necessários? (...) Aprendi qual a

diferença entre o bom e o puro samba, e o mau, o falso samba.” 20

Pesquisadores que marcaram a historiografia da música brasileira, como

Tinhorão e Vasco Mariz, analisam o período como propício à involução musical,

provocada pela moderna indústria do disco que começou a criar e a manipular uma

nova audiência. Na verdade, a base desse pensamento tomou forma com a

Revista da Música Popular que, pela primeira vez tratou sistematicamente do tema,

17 Carlos Sandroni,. Feitiço Decente. pág. 131


18 Ary Vasconcelos,. Panorama da Música Popular.pág.25
19 Revista da Música Popular , n.º 1 pág. 17
20 Revista da Música Popular , n.º 1 pág. 17
20

criticando a indústria fonográfica que a cada dia, “fabricava” artistas e músicas sem

qualquer compromisso com a tradição.

A menção constante da decadência e estrangeirismo que a canção

brasileira sofreu nos anos 50 não dá conta da complexa variedade musical pois,

como já afirmamos, havia grande diversidade do ambiente musical da década,

estando a música brasileira em plena atividade, na mídia.

Apesar das críticas às canções que faziam sucesso nos anos 50, o samba

ainda predominava com temas que caracterizavam o ambiente urbano carioca

desde os anos 30, como o cotidiano do trabalho e a malandragem.

Foi durante a década de 1920 que o malandro apareceu na música

brasileira como tema e a partir de então, um diálogo musical se travou esse

personagem constante da vida carioca, indicando um caminho temático para a

música brasileira. Carlos Sandroni, ao estudar o samba carioca, argumenta que “a

malandragem é mais do que uma palavra (...) pois se articula a uma rede de

questões”21, como a negação do mundo do trabalho, a vadiagem, a mulher. No

período conhecido como “Época de Ouro” esse malandro, fosse compositor,

intérprete ou tema musical, se tornou quase que sinônimo do bom samba.

O redimensionamento dos espaços da chamada malandragem, aconteceu

ainda nos anos 30, conforme afirma Alcir Lenharo. Para o autor, o lugar da boêmia

e do meio artístico carioca nos anos 30 e 40, sofreu uma trajetória descendente:

em 1942 foram fechados prostíbulos e desapropriados prédios “velhos e

insalubres”; em 1946, o presidente Eurico Gaspar Dutra fechou os cassinos e

proibiu o jogo no Brasil. Essas, entre outras alterações na aparência da cidade,

modificaram os redutos da malandragem característica dos anos 30, provocando

21 Carlos Sandroni, op. cit. Pág. 164


21

na população em geral, uma sensação de decadência no próprio mundo do

samba.

Lenharo afirma que, apesar de toda a mudança, o centro da cidade do Rio

de Janeiro, principalmente a Lapa, era o ambiente de uma vida noturna musical,

conferindo uma referência para as novas composições que cumpriam a trajetória

para as rádios e também para os discos. Tal afirmação contradiz o senso comum,

que acredita ser o morro o grande reduto do “samba puro”.

Nesta fase de mudanças musicais e culturais, um outro ponto da cidade

iniciava uma nova moda. Era a Zona Sul do Rio de Janeiro, que abria novos

espaços noturnos para “boites” e nights-clubs, principalmente em Copacabana.

Músicos (especialmente pianistas) se apresentavam com freqüência para um novo

grupo de freqüentadores assíduos das noites cariocas. 22 A nova boêmia que

ocupava Copacabana não era a mesma que circulava no Centro do Rio de Janeiro.

Mesmo em pontos opostos da cidade, a música popular ainda era o elo de união

entre espaços e classes sociais e o que se tocava em ambos os lugares,

direcionava o repertório das rádios, principalmente em relação aos sambas-de-

meio-de-ano ou sambas-canções. 23

Como não podia deixar de ser, tal processo também influenciou a música.

Nos anos 40, o samba teve seu espaço dividido nas rádios com outros gêneros

populares, como o chorinho e a valsa. Surgiam, vindos do Nordeste, ritmos

dançantes como o baião e o xote, representados principalmente por Luís Gonzaga

e Carmélia Alves (Rei e Rainha do Baião). Havia também um clima latino-

22 Lenharo comenta que, a partir dos anos 50 na zona sul, o whisky tornava-se a bebida da moda e
o uso das drogas disseminava-se.
23 Desde 1928 quando foi gravado o primeiro samba canção, Ai Yô Yô (Linda Flor), foi criado um
novo gênero para designar uma música mais lenta do que o samba carnavalesco. Essas canções
passaram a ser gravadas fora do período de Carnaval, entre março de novembro. Por isso também
eram chamadas de “sambas de meio de ano”.
22

americano, com rumbas, rancheiras, guarânias paraguaias, tangos e

especialmente o bolero mexicano, sensação ao longo dos anos 50.

Os anos 50 se iniciaram com o baião e o samba-canção assumindo a

liderança da popularidade entre os gêneros musicais, depois do domínio da música

americana durante a guerra, a invasão do bolero e da canção francesa. Os

defensores da música autêntica denunciaram, continuamente, a influência

deturpadora da música estrangeira no Brasil, inclusive a do bolero no samba,

produzindo um híbrido a que chamavam de sambolero.

O bolero era o gênero musical predominante nas rádios e na venda de

discos dos anos 50. Porém, ressaltamos que samba-canção e bolero são ritmos

diferentes. O samba-canção original, surgido no final da década de 20, era leve, de

andamento fluente, não arrastado. O bolero, por sua vez, chegou ao Brasil após a

2ª guerra mundial e fez enorme sucesso. Os compositores brasileiros pressionados

pelo mercado se influenciaram pelo ritmo mexicano. Não mudaram o ritmo do

samba-canção mas diminuíram o andamento, mudaram o teor das letras, que

passaram a ficar mais passionais, melodramáticas e sentimentais. Entre 1946 a

1950 nasceu então o “samba de fossa”, representado por seus expoentes

máximos, como Lupiscínio Rodrigues, Herivelto Martins e Ataulfo Alves. A levada

rítmica de suas músicas redefiniram o conceito de samba-canção e o andamento,

o embalo dançante, os temas das letras aproximaram-se do bolero. O samba-

canção assumiu então uma forma híbrida, o sambolero e se tornou um veículo fácil

de permanência, sucesso e alastramento por todo o Brasil. 24 Alcir Lenharo analisa

o bolero já com forma brasileira, como uma música “que trazia uma espécie de

24 O mesmo já havia acontecido entre a Polca e o Lundu, que se fundiram na polca-lundu e no


maxixe.
23

aconchego cultural para multidões que viviam sob o bombardeio de uma constante

troca de valores”.25

O baião foi outro gênero que predominou nas rádios da época. O ritmo

ganhou o país na década de 1940, trazido pelo nordestino Luís Gonzaga, que

tornou-se um dos artistas mais populares do período. 26 Mas apesar do sucesso do

baião, o samba-canção era a música intérprete do panorama cultural dos anos 50.

Luís Edmundo de Castro afirma que o ritmo era uma produção cuja origem era um

outro grupo social: parte da classe média em ascensão, moradora em sua maioria

da zona sul, com hábitos e necessidades inteiramente diferentes. 27

As boates nesse período, proliferaram na Zona Sul, principalmente em

Copacabana, fazendo florescer o samba-canção urbano, ligando músicos,

escritores, jornalistas e os antigos freqüentadores dos cassinos, congregando, no

novo espaço, todos aqueles que atuavam no meio da produção artística, cultural e

intelectual urbana. Tais boates, como Vogue, Fred’s, Arpège, Au Bom Gourmet e o

Sacha’s, a partir dos anos 50 tornaram-se ponto de encontro de uma nova boêmia,

diferente da Lapa, mais próxima da elite carioca, de artistas nacionais e

estrangeiros e ainda de colunistas sociais.

Um nome diretamente ligado ao novo ambiente cultural do Rio de Janeiro

merece ser aqui destacado: o jornalista e compositor Antônio Maria, responsável

pelas canções mais famosas dos anos 50. Autor de 62 músicas gravadas, Maria foi

menosprezado pela historiografia, talvez por ser letrista de samba-canção. Mas

suas composições sempre são lembradas como marcantes do período. Entre as

25 Alcir Lenharo. Cantores do Rádio, pág. 149


26 Em 1946, Asa Branca, do compositor, em parceria com Humberto Teixeira, consagrou o ritmo,
tornando-se o maior sucesso do país naquele ano. A canção introduziu o tema da seca nordestina
na música brasileira e, da mesma maneira que Paraíba e Vozes da Seca, também de Gonzaga e Zé
Dantas, tornaram-se sucesso absoluto nas vendas e nas paradas.
27 Luís Edmundo de Castro, Modernidade e crítica na música popular brasileira dos anos 50 pág. 19
24

canções mais famosas destacamos Ninguém me ama, Menino Grande, Canção da

Volta, Manhã de Carnaval, Valsa de uma cidade, O Amor e a Rosa, Se eu

Morresse Amanhã, entre outras.

Para Joaquim Ferreira dos Santos que escreveu uma biografia dedicada à

Antônio Maria, as críticas dirigidas ao compositor de fazer “melodramas

abolerados” eram infundadas: “O que Antônio Maria fazia era samba canção. Não

tinha nada de bolero. Ele não inventou nada, mas ouviu direitinho a lição dos

mestres que vieram antes e traduziu para os anos 50. Deu ao gênero suas cores

definitivas: o preto e o cinza”.28

O autor sugere que o tão criticado gênero, acusado constantemente de se

abolerar, era representação de um Rio mais urbano, com ritmo batendo como

samba, a melodia levada como canção e letras com tema de desilusão amorosa.

Apesar das canções de Antônio Maria ainda serem lembradas, seu biógrafo

observa que na briga entre grupos ligados a “tradição” e a “modernidade”, a música

do compositor ficou isolada:

Se os tradicionalistas, como Ary Barroso, lhe faziam restrições por causa do


sambolero, os moderninhos que vieram depois chegaram a fazer um movimento
inteiro para negar aquela conversa de que “ninguém me ama” e que “se eu morrer
29
amanhã minha falta ninguém sentiria”.

A disputa pelos ritmos e a briga entre compositores tinham o rádio o grande

veículo para divulgação. A televisão ainda não representava uma ameaça para a

audiência radiofônica. Em 1950 foi inaugurada a TV Tupi, primeira emissora de

televisão no Brasil, mas ainda, por ter um número reduzido de aparelhos

permaneceria, por toda a década, restrita a um universo reduzido de público, a

28 Joaquim Ferreira dos Santos. Antônio Maria, pág. 89


O autor intenciona recuperar a memória do compositor e desfazer enganos sobre essa
personalidade tão popular e famosa no Rio dos anos 50.
29 Joaquim Ferreira dos Santos. Op. cit. pág. 92
25

30
classe média alta. Em 1952 foi elevado de 10% para 20% o percentual

destinado à propaganda, aumentando assim, o número de patrocinadores. Aos

poucos, a televisão foi ganhando espaço, mas a popularização do aparelho só

aconteceu na década de 1960.

O rádio, por sua vez, popularizado desde 1932, 31 representaria ainda, nos

vinte anos seguintes, um fator simbólico de congregação das classes populares e

da burguesia. “Ele era fonte de informação, de lazer, de sociabilidade, de

cultura”32, tornando-se assim peça fundamental em todos os lares, dos mais ricos

aos mais pobres. A audiência se consolidou e transformou-se em um fenômeno

cotidiano, ligado à cultura popular urbana.

Interessante notar que a popularização do rádio incomodava os setores

conservadores e folcloristas da sociedade. Sérgio Cabral cita um artigo que Luís da

Câmara Cascudo escreveu em 1938, época em que o folclorista estava atuando no

movimento integralista:

(...) aqueles que esperavam ter no Rádio um elemento educador estão se


desiludindo. As estações emissoras brasileiras, cm exceções raras, comprem um
programa de perfeita banalização musical, irradiando, com lamentável insistência
sambas e sambas, sambas e sambas (...). O samba tem a sua função e a sua
beleza segura. Mas, se o auxílio do espírito, e com as finalidades meramente
emissoras, sem direção, sem escolha de linguagem e de moral, o Rádio está, como
33
o esporte, deseducando e preparando uma dúzia de futuros gozadores”.

A Revista da Música Popular compartilhava o pensamento de Cascudo e

preocupava-se com a dimensão excessivamente “popularesca” do veículo.

Acreditava que a audiência poderia ser “salva” se a tradição na música popular

30 Cláudio Aguiar Almeida. Cultura e Sociedade no Brasil, pág.39


31 A partir dessa data, o governo Vargas autorizou a publicidade paga nos programas de rádio,
criando novos programas, especialmente de música popular brasileira.
32 Luís Edmundo de Castro, op. cit. pág. 13
33 CASCUDO Apud. Sérgio Cabral. No tempo de Almirante, pág. 133
26

fosse preservada e o comercialismo crescente pudesse aliar-se a qualidade

musical.

O rádio era o intérprete da cultura popular desde os anos 40 e a Rádio

Nacional a maior e mais popular emissora. Por isso, um dos acontecimentos mais

significativos da década de 1940 foi a incorporação do veículo pela União. 34 Até

então, a emissora pertencia a um grupo empresarial no qual faziam parte o Jornal

A Noite, a Rio Editora, a Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande e

milhares de alqueires de terras no Paraná e em Santa Catarina. Tudo isso foi

incorporado pelo governo no dia oito de março de 1940, quando Getúlio Vargas

instituiu o decreto-lei n.º 2073 para pagar uma dívida de três milhões de libras

esterlinas assumida pelo grupo com o aval governamental:35

(...) Art. 1º: Ficam incorporadas ao patrimônio da União


a) Toda a rede ferroviária de propriedade da Companhia Estrada de Ferro
São Paulo – Rio Grande ou a ela arrendada.
b) Todo o acervo das sociedades “A Noite”, Rio Editora” e “Rádio Nacional”
c) As terras situadas nos estados do Paraná e Santa Catarina,
pertencentes à referida Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande

A incorporação tornou a Rádio Nacional a maior e mais importante emissora

de rádio do país. Apesar dos artistas e funcionários terem se mostrados

preocupados, o novo diretor, Gilberto de Andrade procurou conservar toda a

equipe e fazer a rádio crescer. Cabral nos informa que apesar de um passado

dedicado a repressão ditatorial do governo Vargas, Andrade tornou-se um dos

maiores comandantes que a Rádio Nacional já teve. O pesquisador José Ramos

Tinhorão afirma que a Rádio Nacional foi modernizada, possibilitando que sua

programação se espalhasse pelo resto do país.

Com a encampação (...) a emissora recebe um transmissor mais potente, e os


programas de auditório se transformam em espetáculos sui generis : seu centro de

34 A Rádio Nacional foi inaugurada em 1936.


35 Sérgio Cabral. No tempo de Almirante, pág. 203
27

interesse é local, mas seus sorteios, concursos, brincadeiras e ruídos chegam aos
mais distantes pontos do Brasil, estimulando a imaginação e o interesse das
36
grandes camadas do interior pela vida urbana da então capital do Brasil.

A Rádio Nacional criou a fórmula dos programas de auditório, passando a

reunir mil pessoas num só palco. Mas o fenômeno de popularização só aconteceu

a partir da segunda metade da década de 1940. Até essa data, a programação

ainda evidenciava o período “época de ouro”. Iniciava-se porém uma

transformação gradual, com o surgimento de grandes orquestras em estilo big-

band, transformando a sonoridade do samba dos anos 30. Radamés Gnattali era o

maestro que conferia uma identidade para esse repertório:

(...) arranjos modernos de Radamés – velhas páginas brasileiras orquestradas por


ritmos novos (...). Seguia-se Valsa, divina valsa!, programa produzido e apresentado
por Lamartine Babo na série Vida musical e pitoresca dos compositores (...). [Em
seguida] entrava em cena Almirante com Curiosidades Musicais. Os Produtos
Eucalol ofereciam Instantâneos Sonoros do Brasil, trabalho de Almirante e José
Mauro, com arranjo de Radamés. [Ainda havia] músicas especiais de Lamartine,
37
Alcir Pires Vermelhos, João de Barro, Dorival Caymmi (..)

Santuza Cambraia Naves chama a atenção para a “estética do excesso” que

Radamés Gnattali operou e que promoveu “uma verdadeira revolução nos arranjos

musicais”.38 O maestro tornou-se, a partir da década de 1930, um dos maiores

orquestradores do Brasil, desenvolvendo ainda as funções de pianista, regente,

compositor e arranjador. Gnattali trabalhou na Rádio Nacional por 30 anos,

conferindo em seu trabalho, um desenho rítmico diferente à batida original do

samba. Segundo Bide, os arranjos de Radamés davam vida e enfeitavam o

samba. Essa opinião é também compartilhada pelo já citado autor Luís Carlos

Saroldi que diz ser Radamés o responsável pela criação de uma nova moldura

36 José Ramos Tinhorão,. Música Popular – Do gramofone ao rádio e TV, pág. 66


37 Luís Carlos Saroldi,. Rádio Nacional – O Brasil em sintonia, pág. 30
38 Santuza Cambraia Naves. O Violão Azul, pág. 177
28

para os cantores brasileiros, limitados antes pela simplicidade dos arranjos

regionais. 39

Segundo o Maestro Roberto Gnattali, o trabalho musical desenvolvido por

Radamés sempre foi respeitado, “porém, de um lado, músicos e críticos populares

o acusavam de ser muito erudito, nos arranjos e de outro, os eruditos o acusavam

de ser muito popular, fazendo música nacionalista com clichês do rádio,” 40 ou seja,

utilizando temas populares nos arranjos sinfônicos e levando para o rádio

procedimentos de orquestra sinfônica erudita.. Para Roberto Gnattali, Radamés

era o músico que tinha o mais íntimo trânsito entre o erudito e o popular. 41

Nessa época, as grandes orquestras, principalmente as big bands

internacionais predominavam na vendagem de discos e também nas paradas de

sucesso, o que gerava uma certa frustração pela ausência de um som mais

vigoroso (timbres de samba) na música brasileira. Os efeitos grandiosos eram

adquiridos através dos instrumentos de sopro, que Pixinguinha, já em 1933, havia

tentado criar e que era a característica de Radamés. O maestro utilizava trumpete,

trombone e saxofone na orquestra, técnicas de condução da melodia em bloco e

paralelismo de vozes. Tudo isso gerava uma sonoridade que lembrava as big

bands americanas.

Para os artistas, porém, Radamés representava a salvação estética para o

samba. Cabral cita uma fala de Almirante no programa Curiosidades Musicais,

transmitido pela Rádio Nacional em 1939:

Hoje, queremos mostrar toda arte que pode haver num arranjo de samba. O samba,
esse ritmo que tem sido injustamente combatido por alguns críticos esnobes que só
vêem valor na música estrangeira, é, como gênero musical, tão bom ou melhor do

39 Idem, pág. 178


40 Entrevista concedida no dia 29/06/2002
41 Roberto Gnattali também afirma que enquanto os músicos utilizavam elementos folclóricos para
temas nas músicas eruditas, Radamés Gnattali utilizava o mesmo procedimento com música
popular.
29

que o fox americano, o tango argentino (...) A questão, caros ouvintes, é que essas
músicas dão a impressão de serem melhores, porque são tratadas musicalmente de
maneira mais elevada do que a nossa canção popular. Tudo se resume, no entanto,
numa questão de roupagem, de apresentação (...) Radamés emprega no samba
todos os recursos da técnica musical que tem sido os principais fatores da
42
popularidade da música típica de outros países.

As músicas brasileiras das décadas de 1940 e 1950, principalmente as de

Pixinguinha, Braguinha e Ary Barroso, além de outros compositores e intérpretes,

tinham a intervenção direta de Radamés Gnattali. São exemplos Aquarela do

Brasil, Carinhoso, Rosa e muitas outras que ficaram famosas no Brasil e no

exterior. Naves afirma que a utilização dos instrumentos de sopro no samba

caracteriza o comprometimento do maestro com a estética do excesso. O conceito

empregado registra a grandiosidade de tais orquestrações e confere uma

característica musical importante para a música brasileira no período. Mas a

importância do maestro não o livrava das críticas:

Mas também havia os puristas que o acusavam de americanizar o samba e o choro,


porque ele introduzia nas harmonias dos arranjos dissonâncias introduzidas pelo be
bop americano. E daí? Antes, já se tinha sido influenciado de todas as formas pela
música da Europa, do século XIX. Influências que eram melódicas, rítmicas e
43
harmônicas mas também formais, timbrísticas, etc.

As orquestrações no samba foram predominantes nos anos 40 e 50, mas

também alvo de críticas por parte da Revista da Música Popular, que não via como

puro o samba sinfônico. Daí a quase total ausência de referências à Radamés

Gnattali no periódico.

A partir de 1945 (lembrando que esse é o ano em que Ary Vasconcelos

considera terminada a “Época de Ouro da música brasileira), a Rádio Nacional

modificou sua programação e criou uma nova estrutura. A principal alteração foi a

massificação dos programas de auditório, com o objetivo (atingido) de aumentar a

42 Sérgio Cabral, No tempo de Almirante, pág. 187


30

audiência e a paixão em torno do próprio rádio. Essa nova prática trazia a

participação direta das massas, representadas pelo nome pejorativo de “macacas

de auditório”,44 pois aquela platéia constituía-se, na sua maioria, de empregadas

domésticas, negras e pobres, que se manifestavam de forma ruidosa diante dos

ídolos que agora podiam ver de perto.

O programa só passava a existir no momento em que aparecia o ídolo. Era um novo


tipo de relação público artista, era a identificação das classes de menos
possibilidades com seus artistas preferidos, era a realização de um sonho: se hoje
45
estou junto dele, amanhã posso perfeitamente ser igual a ele.

Outro processo de popularização desse meio de comunicação era a eleição

para Rainha do Rádio. O concurso, reorganizado em 1948 pela Associação

Brasileira do Rádio, representava motivo de alta mobilização popular, quase tanto

quanto a eleição presidencial. A votação era feita a partir da compra de cupons

que vinham nas populares revistas de rádio da época, como a Radiolândia e a

Revista do Rádio, vinculando o artista ao poder econômico de seus

patrocinadores. Um exemplo aconteceu com a cantora Marlene, em 1949, quando

a eleição foi manipulada para que ganhasse, provocando e iniciando uma

rivalidade histórica com outra popular cantora, até então constantemente

vencedora do concurso: Emilinha Borba.46

43 Entrevista com Roberto Gnattali concedida à autora em 02/07/2002


44 Tinhorão, (pág. 77) afirma ainda que “as condições especiais da vida carioca nas décadas de 40
e 50, permitindo à massa flutuante das empregadas domésticas, operárias, pequenos artesãos e
donas-de-casa suburbanas um contato mais íntimo com seus ídolos nos auditórios, contribuíram
para o aparecimento de um fenômeno novo nesse tipo de relação público-artista: as rainhas
passavam a ter o seu séquito pessoal, recebendo inclusive suas fãs em casa, familiarmente, com o
surgimento, então, de curiosíssimos episódios de vinculação pessoal.
45 Mário Lago. Bagaço de beira-estrada, pág.118
46 O pesquisador Tinhorão analisa o período dos concursos como um fenômeno de popularização
do rádio. Para esse autor os programas de auditório e as eleições para rainha do rádio
representavam um “impulso de nostalgia pequeno burguesa das pompas da monarquia”. (sic)
31

47
Tais rivalidades aconteciam entre os fãs-clubes das cantoras e também

entre as mesmas, com a imprensa fomentando e detalhando todas as ”brigas”.

Mário Lago lembra que as brigas entre Marlene e Emilinha eram as mais bem

preparadas, evidenciando as duas cantoras de outros artistas rivais, como

Francisco Carlos e Cauby Peixoto. “Se uma das duas fosse para Canudos íamos

ter outro Euclides da Cunha. Se fossem as duas juntas, adeus mundo!” 48

Apesar de parecer irrelevante para a história da música brasileira, as

rivalidades provocavam uma disputa musical que predominavam nas rádios. Tanto

os compositores quanto as gravadoras corriam para lançar o disco de uma das

rivais primeiro, garantindo com o próprio acirramento da disputa, grande divulgação

e o primeiro lugar nas paradas.

Os programas de auditório das rádios, as chanchadas nos cinemas, as revistas de


fotonovelas e o teatro de revista, eram todos vistos, segundo os críticos da época,
como expressões de mau gosto para um público nada sério em suas pretensões
estéticas. Na verdade, o desenvolvimento beneficiou as camadas mais baixas e a
classe média urbana, formando um público com maior poder aquisitivo - portanto
mais disponível para o mercado cultural - mas julgado como alienado pela
49
intelligentsia da época. Era o conceito de arte séria contra o de arte popular.

A Revista da Música Popular considerava as eleições de rei e rainha do

rádio como símbolo da decadência musical. O jornalista Nestor de Holanda 50 tinha

uma coluna fixa no periódico denominada “O Rádio em 30 dias” e ficava

encarregado de descrever e polemizar os acontecimentos nas principais emissoras

do país. Com estilo irônico, Nestor de Holanda criticava os fatos e as

personalidades radiofônicas:

47 Segundo Saroldi, “os fã-clubes que começaram a existir na década de 1940 estavam mais
organizados nos anos 50 e acompanhavam seus ídolos através de qualquer aparição em público”.
pág. 64
48 Mário Lago. Op. cit. pág. 117
49 Luís Edmundo de Castro, op. cit. pág.17
50 único colaborador da RMP que escrevia para outras revistas, como por exemplo, a Radiolândia.
32

A claque paga, à falta de idéias novas, o mergulho definitivo no ramerrão, os


mambos de Getúlio (o Macedo), as faixas de endeusamento, o ridículo dos
“slogans” ,(...), as sambistas-cronistas, os Fãs-Clubes ou Fã-Pagos – tudo isso faz o
51
bem intencionado homem de rádio falar até latim.

Apesar das criticas que fazia aos fãs clubes e aos concursos, a coluna do

jornalista era a única que possuía espaço para os principais nomes do rádio nos

anos 50, como Emilinha, Marlene, Jorge Goulart, Angela Maria e outros. Em meio

a críticas e sugestões, Nestor de Holanda chegava a noticiar os principais eventos

da Rádio Nacional e dos concursos em geral:

Nora Ney e forte candidata ao título de Rainha do Rádio no concurso promovido pela
Associação Brasileira do Rádio. Desde o começo do ano, assim que venceu o
mesmo certame, Angela Maria lançou a candidatura de Nora, no Programa Manuel
52
Barcelos.

O Programa Manuel Barcelos, da Rádio Nacional era um dos mais famosos

programas de auditório da época, só perdendo para o Programa César de Alencar,

da mesma emissora.53 Acusados de excessivamente popular esses programas

ganharam um espaço na Revista com a confiança de que um dos mais respeitados

jornalistas da época, Nestor de Holanda, realizaria um trabalho sério e crítico o

suficiente para polemizar os grandes eventos radiofônicos da época.

As marchas também faziam parte do ambiente musical dos anos 50 e dividia

com o bolero, a rumba, o baião, o samba-canção e o próprio samba, o repertório

dos programas de rádio. Executada principalmente entre novembro e março, a

marcha carnavalesca era responsável pela criação de novos reis e rainhas e

movimentava os fãs clubes.

51 Revista da Música Popular, n.º 1, pág. 28


52
Revista da Música Popular n.º 3 , pág. 29
53 A cantora Marlene apresentava-se constantemente no Programa Manuel Barcelos enquanto que
Emilinha Borba era assídua do Programa César de Alencar.
33

Com letras curtas, rimas simples, fácil de cantar e com poucos compassos,

a marcha possui uma aproximação bastante significativa com o samba, mas com

formas mais simples. A Revista da Música Popular porém considerava o ritmo

carnavalesco causador do empobrecimento do samba tradicional.

O jornalista Cláudio Murilo Leal afirmava que a fase musical era “das mais

críticas”, pois o samba estava perdendo “as formas puras”:

Não souberam os nossos músicos reagir às influências estrangeiras; o resultado aí


está: choros, be bop, sambas, boleros, etc., Os nossos irmãos yankees legaram-nos
os clichês bops, os sussurros melódicos e as orquestrações progressivas . E nós
aceitamos. O samba desnacionalizou-se. O que tinha sabor e marca do Brasil,
54
perdeu o valor para os ouvidos da nova geração. Foi-se o nosso monopólio.

Nesta citação, Murilo coloca o samba entre o be bop e o bolero, justamente

para evidenciar a idéia de marcha, que não é o mesmo “samba puro” dos anos 30.

Imbuído de um nacionalismo musical, o jornalista conclama o retorno ao passado

para sair do processo de decadência, sinônimo de misturas de ritmos e da

influência norte-americana. A idéia de monopólio que o jornalista defende talvez

jamais tenha existido, mas essa expressão, com certeza, remete aos anos 30,

quando o samba ocupava o primeiro lugar nas rádios.

Apesar das críticas da Revista e dos principais críticos da época, a

marchinha era “a grande pedra de toque da cultura musical desse momento do

rádio” ,55 possibilitando a entrada de novos artistas no mercado e uma diversidade

de composições que, mesmo longe do período de Carnaval, eram constantemente

executadas nas rádios.

Paralelamente com os acontecimentos do rádio, movimentava-se um outro

mercado, o fonográfico, que havia crescido na década de 50 provocado pelo

54 Revista da Música Popular, N.º 2 pág. 14


55 Alcir Lenharo. Cantores do Rádio, pág., 145
34

ecletismo dos gêneros musicais que traziam estabilidade para o novo mercado de

disco. As gravadoras mediante essa enorme diversidade de ritmos, passou a

produzir diretamente para agradar o público. Para o artista, tornou-se símbolo de

prestígio o lançamento de um LP no mercado, que era ainda custoso e portanto

difícil para “qualquer um” gravar. Apenas as grandes estrelas tinham acesso a um

10 polegadas, pois além do alto custo de produção, era de difícil acesso ao público

consumidor: apenas uma pequena parcela da população tinha poder aquisitivo

para comprar as vitrolas 33 rpms. Em face disso, foi lançado para um público

intermediário o 45 rpm, com compactos duplos que possibilitavam também o

consumidor diversificar suas compras. Em 1956 foi introduzido o sistema play

black no sistema de gravação, melhorando a qualidade do material gravado. Essas

inovações desvalorizavam o 78 rpm e o desprestigiavam junto ao público. Mas

mesmo assim, este 78, mais barato e já com mercado consolidado, continuou no

mercado pelo menos até 1965.56

O procedimento do mercado fonográfico foi duramente criticado pela Revista

da Música Popular. O repertório das rádios durante o período de circulação da

Revista (1954 a 1956) evidenciava uma política voltada para o gosto popular, onde

o melodrama era a principal característica das canções do período.

Compositores como Antônio Maria, com Se eu morresse amanhã e Ninguém me


Ama, Herivelto Martins, com Caminhemos, além do próprio Vicente Celestino, que
regravou O Ébrio em 1957, trabalharam o tema do homem abandonado à exaustão,
alcançando um sucesso que, no período anterior à Bossa Nova, só era comparável
57
ao baião de Luís Gonzaga

Basicamente, as músicas brasileiras que mais fizeram sucesso na década

de 1950 foram: Antonico, Balzaqueana, General da Banda, Nega Maluca, Qui nem

56 Alcir Lenharo. Cantores do Rádio, pág. 148


57 Cláudio Aguiar Almeida. Cultura e Sociedade no Brasil, pág.41
35

Jiló, Retrato do Velho, Vingança, Alguém como tu, Kalu, Ninguém me ama, Menino

Grande, Cachaça, Mulher Rendeira, Saudosa Maloca, Lata D’água, Sassaricando,

Duas Contas, Mulata Assanhada e muitas outras ainda presentes em nossa

memória.

Já as canções internacionais mais executadas foram os mambos de Perez

Prado e os boleros mexicanos, como Contigo e Vaya com Dios.

No período de atuação da Revista da Música Popular, entre 1954 a 1956, as

“paradas de sucesso” apresentavam-se da seguinte forma: 58

58 De acordo com Jairo Severiano, A Canção no Tempo 85 anos de musicas brasileiras. Optamos,
na seleção musical que fizemos acima, por usar apenas essa fonte, pois queremos apenas uma
amostragem do que se ouvia na época da circulação da Revista.
36

1954

CANÇÃO / GÊNERO COMPOSITORES


Carlos Gardel (tango) Herivelto Martins e David Nasser
Valsa de uma Cidade (valsa) Ismael Neto e Antônio Maria
A fonte secou (samba/carnaval) Monsueto Meneses, Raul Moreno
São Paulo Quatrocentão (dobrado) Garoto, Chiquinho do Acordeom e Avaré
Teresa da Praia (samba) Tom Jobim59 e Billy Blanco
Neurastênico (fox) Betinho e Nazareno de Brito
Um a um (coco) Edgar Ferreira
Vida de Bailarina (samba-canção) Chocolate e Américo Seixas
Quase (samba-canção) Mirabeau e Jorge Gonçalves
Saca-Rolha (marcha – carnaval) Zé da Zilda, Zilda do Zé e Valdir Machado

1955

CANÇÃO / GÊNERO COMPOSITORES


Café Soçaite (samba) Miguel Gustavo
Do-Re-Mi (samba-canção) Fernando César
Duas Contas (samba-canção) Garoto
Saudosa Maloca (samba) Adoniran Barbosa
O menino da porteira (cururu) Luisinho e Teddy Vieira
Pois é (samba) Ataulfo Alves
Adeus querido (tango) Eduardo Patané e Floriano Faissal
Amendoim Torradinho (samba) Henrique Beltrão
Beijo nos olhos (bolero) Portinho e Wilson Falcão
Samba da Volta (samba-canção) Ismael Neto e Antônio Maria

1956

CANÇÃO / GÊNERO COMPOSITORES


Conceição (samba-canção)60 Dunga e Jair Amorim
Foi a Noite (samba-canção) Tom Jobim e Newton Mendonça
Maracangalha (samba) Dorival Caymmi
Mulata Assanhada (samba) Ataulfo Alves
Neste mesmo lugar (samba-canção) Klecius Caldas e Armando Cavalcanti
Rapaz de Bem (samba) Johnny Alf
A voz do morro (samba) Zé Ketti
Meu vício é você (samba) Adelino Moreira
Mentindo (tango) Eduardo Patané e Lourival Faissal
Só louco (samba-canção) Dorival Caymmi

59 Depois do sucesso de Teresa da Praia, Antônio Carlos Jobim começava a despontar com alguns
sambas-canções, arranjos e direção musical para gravadoras.
37

Nos três anos citados pelas tabelas, os maiores sucessos internacionais

foram , Hi-Lili, Hi lo, Ruby, Vaya com Dios, Ruega por Nosostros, Sinceridad, Ci-

Ciu-Ci. Arrivederci Roma, My little one, Recuerdos de Ypacaraí, Unchained

Melody, entre outras canções.

Notamos, por essa pequena amostragem que o samba ocupava 30% do

repertório de sucesso, seguido de perto pelo samba-canção, também com quase

30%. Já as marchas de carnaval, segundo nossa lista, tinha menos de 10%, mas

esse índice variava conforme o mês, por causa do Carnaval, podendo chegar, em

fevereiro, a ocupar 50% do repertório total. Os ritmos internacionais, como o

bolero, o tango, a rumba e o fox tomavam 20% do repertório. Essa porcentagem

era quase que uma constante e por isso mesmo, os críticos da RMP afirmavam

que um número cada vez maior de boleros e ritmos estrangeiros tomava conta das

rádios, das revistas especializadas e da vendagem de discos. Para a Revista esse

cenário era “ apocalíptico e trágico” e caberia ao próprio periódico retomar a

tradição perdida.

Podemos também verificar que as tabelas foram classificadas em canções e

compositores. Os intérpretes, nos anos 50 ocupavam um espaço próprio. Se

voltarmos ao ambiente musical dos anos 30, verificamos que o compositor era o

grande personagem. Era ele que ficava conhecido pelas músicas que compunha.

Com Noel e Wilson Batista, por exemplo, as canções ganhavam caráter de

crônicas do cotidiano e os compositores tornavam-se personalidades típicas do

“ser brasileiro” ou do “ser carioca”. Outro exemplo é Francisco Alves que, para

gravar e tornar a canção conhecida, comprava parcerias de sambistas pobres. Nas

décadas seguintes porém, o intérprete ganhou uma importância que ultrapassou o

60 Gravado por Cauby Peixoto, no auge de sua fama, a canção tornou-se um dos principais
sucessos de 1956
38

próprio compositor. A Revista da Música Popular seguiu essa trajetória e, tanto

compositores, quanto intérpretes foram privilegiados como parte da história da

música brasileira.61

Mesmo assim, o panteão que a Revista da Música Popular tentou consagrar

era outro, diferente dos artistas que faziam parte do contexto dos anos 50.

Podemos perceber as diferenças de seleção feitas pela RMP e pela Revista

Radiolândia nas tabelas seguintes.

61 Essa visão centrada no compositor é fruto dos anos 30 e também da década de 60, quando vai
ser construída uma aproximação musical entre as duas décadas. Os nomes que surgem vão sugerir
também uma ligação entre os períodos, um exemplo típico é a ligação entre Noel Rosa e Chico
Buarque.
39

Elenco de artistas da Elenco de artistas da


RMP Radiolândia
Almirante Ademilde Fonseca
Aracy Cortes Angela Maria
Aracy de Almeida Carlos Galhardo
Ary Barroso Cauby Peixoto
Ataulfo Alves Dalva de Oliveira
Bororó Dick Farney
Braguinha Dircinha Batista
Carmem Miranda Doris Monteiro
Chiquinha Gonzaga Elizeth Cardoso
Donga Emilinha Borba
Dorival Caymmi Francisco Carlos
Elizeth Cardoso Isaurinha Garcia
Ernesto Narazé Jorge Goulart
Francisco Alves João Dias
Inezita Barroso Linda Batista
Jacob do Bandolim Luiz Vieira
Mário Reis Mário Lago
Noel Rosa Marlene
Pixinguinha Nelson Gonçalves
Sinhô Nora Ney
Wilson Batista Orlando Silva

Podemos afirmar, em síntese, que os intérpretes de maior sucesso

durante a década de 1950 foram os consagrados pelos periódicos, pelas

rádios e por todos os meios de comunicação que estavam presentes no

Brasil desde a década de 30. A tabela a seguir, expõe uma seleção de Alcir

Lenharo para a década que estamos analisando. Verificamos que os artistas

de grande sucesso eram também, na maior parte, os consagrados pela

Revista da Música Popular.62

62
Alcir Lenharo. Op. Cit. pág. 182
40

Cantoras Cantores
Angela Maria Sílvio Caldas
Isaurinha Garcia Carlos Galhardo
Elizeth Cardoso Francisco Carlos
Dircinha Batista Ivon Cury
Dalva de Oliveira Jorge Goulart
Linda Batista Nelson Gonçalves
Nora Ney Orlando Silva
Emilinha Borba Luís Gonzaga
Marlene Cauby Peixoto
Doris Monteiro Dick Farney
Carmen Costa Lúcio Alves

Utilizamos como critério para a seleção das tabelas anteriores, além

de Alcir Lenharo, as reportagens e os artigos das citadas revistas. Tomamos

também como exemplo de critério de seleção da RMP as 14 capas que

também nos mostram as escolhas de Lúcio Rangel e Pérsio de Morais. Cada

uma delas representa uma homenagem a artistas consagrados naquele

passado recente, mas esquecidos (segundo eles) pela indústria do período.

A seguir, colocamos uma breve seleção das capas da Revista Radiolândia no

ano de 1954, em comparação com a Revista da Música Popular.

Capas da Revista da Música Popular

CAPA DATA63
Pixinguinha Setembro de 1954
Aracy de Almeida Novembro de 1954
Carmem Miranda Dezembro de 1954
Dorival Caymmi Janeiro de 1955
Elizeth Cardoso Fevereiro de 1955
Inezita Barroso Março/Abril de 1955
Velha Guarda Maio/junho de 1955
Carmem Miranda Agosto de 1955
Sílvio Caldas Setembro de 1955
Jacob Bittencourt Outubro de 1955
Leny Eversong Nov/Dez de 1955
Dircinha Batista Abril de 1956
Marília Batista Junho de 1956
Orlando Silva. Agosto de 1956

63 Não aparecia na RMP a especificação do dia, somente o mês e o ano.


41

Capas da Revista Radiolândia64

CAPA DATA
Dircinha Batista 10 de julho de 1954
Elizeth Cardoso 17 de julho de 1954
Celso Guimarães 24 de julho de 1954
Angela Maria 31 de julho de 1954
Aidée Miranda 07 de agosto de 1954
Neusa Maria (rainha do jingle) 21 de agosto de 1954
Isaurinha Garcia 28 de agosto de 1954
Carmélia Alves 04 de setembro de 1954
Dalva de Oliveira 11 de setembro de 1954
Daysi Lúcidi 18 de setembro de 1954
Marlene e Luís Delfino 25 de setembro de 1954

Nomes como Elizeth Cardoso e Dircinha Batista figuravam nas duas

publicações, o que era uma exceção, pois percebemos que o critério utilizado

para seleção de cada um dos periódicos era diferente. Enquanto a Revista

destacava os artistas que estavam presentes nos anos 50 e se preocupavam

em manter a tradição, gravando os grandes compositores, como Pixinguinha

e Ary Barroso, a Radiolândia, como tantas outras publicações de

entretenimento, evidenciava os eventos sociais e musicais recém ocorridos

com o artista, como a eleição para rainha do rádio, uma nova gravação de

disco ou mesmo um casamento.

Apesar de opostas a Radiolândia era constantemente citada pela

RMP. A publicação da editora Globo não contava com especialistas na área

de música popular. Como tantas outras, era uma revista dedicada aos fãs-

clubes e aos bastidores do rádio.

Radiolândia é uma revista feita para vocês. Desde o primeiro número abrimos
páginas à colaboração de fãs e dos fans clubes, procurando ligar o público

64 A Radiolândia circulou de 1953 até a década de 60, com edição semanal. Por isso mesmo
selecionamos apenas 10 capas para poder comparam com o primeiro ano de circulação da
Revista da Música Popular.
42

radiofônico aso produtores e aos intérpretes, sem partidarismos nem


interferências (...). Aquilo que o grande público não vê – os bastidores do
rádio com suas lutas pela estabilidade econômica, pela melhor qualidade de
sua produção, pela sua liberdade de expressão – será também nosso objeto
de interesse. Atendemos à paixão popular (...) – capacidade de venerar os
65
verdadeiros intérpretes da alma nacional, simples e sensível.

Uma peculiaridade da Radiolândia era a presença dos próprios

artistas, que ganhavam uma coluna para conversar com os fãs, expor a

agenda de trabalho e esclarecer fatos sobre a vida pessoal. Era o caso de

Angela Maria, Linda Batista, Marlene, Francisco Carlos, Doris Monteiro, e

outros que faziam parte do universo do rádio durante a década de 1950.

Entre os jornalistas responsáveis pelos artigos estavam Miguel Curi, Sílvia

Donato, Eugênio Lyra Filho, Flávio Menezes, Nestor de Holanda (que

também tinha uma coluna na Revista da Música Popular), Henrique

Bernardo, Dias Gomes, entre outros.

Paradoxalmente, a Revista da Música Popular considerou a

Radiolândia a única publicação séria sobre música brasileira no período.

Uma matéria que se aproxima bastante com a proposta do periódico de Lúcio

Rangel, por exemplo, foi uma entrevista com os artistas Jorge Farad,

Lamartine Babo e Ary Barroso sobre a crise da música brasileira. 66

Podemos verificar pelo depoimento de Lamartine Babo, que as críticas

à música brasileira e à indústria fonográfica eram correntes entre os artistas

e também que o espaço para críticas não era exclusivo da Revista da Música

Popular.

O comercialismo desenfreado. O ambiente de imoralidade artística.


Concursos oficiais em que só há marmelada (...) – “Primeiro predominava o
espírito boêmio e amadorista, depois a música popular começou a dar
dinheiro. Foi um benefício e um malefício”. Ainda afirma que os compositores
antigos não visavam lucro e trabalhavam por amor, ” como Noel que tinha

65 RADIOLÂNDIA N.º 1 – Dezembro de 1953 pág. 1


66 RADIOLÂNDIA N.º 2 – janeiro de 1954, pág. 14
43

necessidade de criar”. Para o compositor os “gafanhotos” (profissionais da


música que trabalham por dinheiro) “não tem amor às nossas tradições e
muito menos à Arte. (...) boa música se faz por si mesma, não precisa ser
67
trabalhada.”

Ary Barroso, na mesma reportagem, era mais incisivo e garantia que a

influência estrangeira no samba seria responsável pelo “enterro da música

brasileira”. A citação reflete o ambiente musical da década de 1950

amplamente discutido pela revista de Lúcio Rangel.

Primeiro foi a introdução do “be-bop” nas orquestrações, quebrando


inteiramente o caráter histórico de nossas modulações inspiradas nas velhas
escolas dos seresteiros. Segundo, o alijamento quase completo dos nossos
instrumentos rítmicos. Terceiro, o estilo lacrimoso, gutural e binscrosbyano de
alguns de nossos cantores que deixaram de cantar como sabiam para tentar
cantar o que não sabem. Quarto: A industrialização por um grupo de
capitalistas que se organizam à base de rateio e compram horários nas
emissoras, subvertendo completamente a própria essência do Direito Autoral
(...) Se providências urgentes e oficiais não forem tomadas, preparemo-nos
68
para acompanhar o enterro da mais linda música do mundo.

O complexo ambiente cultural e musical, contradiz a idéia de

decadência e homogeneização em torno do bolero, recorrente em tudo o que

vimos. Se os ritmos estrangeiros tomavam conta das rádios e novos artistas

surgiam, desfigurando cada vez mais o passado de glória, ao mesmo tempo

um variedade de novos gêneros tomavam conta de todas as áreas artísticas,

como o teatro, o cinema, a recente TV e o rádio, com um número crescente

de emissoras e de patrocinadores. Havia um grande espaço para a música

popular, apesar desta sofrer visíveis transformações, como a influência do

jazz e do bolero. Na verdade, o que a Revista da Música Popular não

perdoava era o esquecimento dos ídolos dos anos 30 e o risco da perda de

referenciais de raiz, tal como pensado pelos folcloristas dos anos 50.

67 Para Lamartine Babo, música “trabalhada” é aquela que para tocar, foi preciso comprar
programadores e discotecários, além de distribuir os discos de maneira forçada, sem dar
atenção ao gosto do público.
68
RADIOLÂNDIA N.º 2 – janeiro de 1954, pág. 14
44

Em 1956, coincidentemente com o ano de fechamento da Revista os artistas


do rádio começaram a perder espaço profissional. Isso se explica devido a
alguns fatores como o crescimento da televisão, com novos canais e novas
capacidades de transmissão e também pelos novos ritmos que chegavam,
como o rock e a bossa nova. Os programas de rádio já não mais conseguiam
sustentar o padrão clássico, com tecnologia e repertório tornando-se
obsoletos. As expectativas tornavam-se diferentes com o aparecimento
também de novos ídolos com novas legiões de fãs, que demandavam
69
expectativa diferentes.

Ao longo de toda discussão que a Revista da Música Popular

desenvolveu em dois anos de circulação, uma idéia predominou: a arte não

deveria atender à demanda popular, ou seja, ser comercial. A arte popular,

que deveria representar uma radiografia cultural da população, se corrompia

através do circuito comercial. A indústria do entretenimento foi execrada pela

Revista porque identificada com a ignorância e com a perda das tradições,

por isso, o periódico insistia na preservação da aura artística.


70
Segundo Mônica Veloso, a idéia de cultura como lazer e diversão,

desvinculada de um projeto político não era vista com bons olhos por

homens ligados a imprensa. Estes utilizavam os meios de comunicação para

se colocar contra o que denominavam “degeneração da arte” e

argumentavam que a mesma deixaria de ser objeto de prazer estético para

se converter em mero objeto de consumo.

Pesquisadores e jornalistas ligados à musica brasileira tentavam criar

uma identidade cultural para o povo brasileiro, e ao mesmo tempo

indagavam se a cultura popular deveria ou não ser isolada dos meios de

comunicação para não perder a sua forma pura pois, para eles, o cinema

mataria o teatro, a TV mataria o rádio e a longo prazo morreria a própria arte.

Enquanto os folcloristas colocaram em cena as culturas locais de modo

69
Luís Edmundo de Castro. Op. cit.
70
Mônica Velloso . A dupla face de Jano: romantismo e populismo. p. 125
45

convincente, acreditou-se que os meios de comunicação de massa eram a

grande ameaça para as tradições populares.

Com o objetivo de deter esse processo, um outro grupo de homens da

imprensa ligados à música popular e/ou ao projeto folclorista, se reuniu para

concretizar a idéia de utilizar a tão criticada mídia para transformá-la em

veiculo de conscientização. Era esse o espírito e a missão das quais se

arvorava a RMP.

Para Mônica Veloso, esse grupo apresentava-se na posição de

“artífice da nação” e, portanto, caberia a ele realizar tal metamorfose,


71
fazendo prevalecer a beleza do lirismo e do popular. Esta intenção está

diretamente ligada ao aparecimento da Revista da Música Popular, em 1954.

71
Mônica Velloso . A dupla face de Jano: romantismo e populismo. pág. 136
46

CAPÍTULO 2

O FOLCLORISMO EM QUESTÃO

“Então vamos falar sobre folclore...”

Esse capítulo tem por objetivo verificar a ligação do movimento

folclorista com o projeto da Revista da Música Popular nos anos 50. Para

isso, de forma breve, acompanharemos o percurso do folclorismo, desde o

seu nascimento, no século XIX, até a década de 1960. A idéia central será

demonstrar que, no seio do movimento, uma corrente defendeu a existência

de um folclore urbano, nascido da confluência das culturas presentes nas

grandes cidades, principalmente no Rio de Janeiro. A existência de uma

tradição folclórica urbana está ligada diretamente ao pensamento que

orientou a Revista da Música Popular entre 1954 e 1956, coincidentemente,

período de apogeu do movimento folclorista.

Alguns debates sobre os temas folclóricos serão levantados, mas

como pretendemos chegar às discussões em torno do folclore urbano e do

folclore musical, localizaremos apenas os mais importantes e as mais

calorosas discussões que aconteceram em meio a congressos e encontros,

principalmente nos anos 50. Outra temática abordada no capítulo,

compreende a discussão entre o que seria folclórico e o que seria popular,

dentro do movimento folclórico.

A denominação de movimento na trajetória do folclore vem do uso

disseminado (mesmo que não sistemático) pelos próprios folcloristas. A

expressão se popularizou, mobilizando a opinião pública em torno de temas

da cultura popular e da identidade nacional; além de se tornar emblemática

para entender como esses intelectuais pensaram a nação no período.


47

2.1

Origem do movimento folclórico

Em 1878, foi criada, na Inglaterra, a primeira Sociedade do Folclore. A

palavra folclore designava disciplina especializada no saber e das

expressões “subalternas”, ou seja, uma cultura proveniente das classes

baixas. Os escritores românticos do período utilizaram, de forma lírica, um

conjunto de tradições populares para promover seus interesses artísticos.

Preocupados com as constantes desarticulações entre o político e o

cotidiano e com o esquecimento da cultura popular, acabaram por

impulsionar os estudos folclóricos, provocando assim críticas por parte dos

positivistas.72

Essa utilização do folclore, por parte dos românticos e a crítica feita

pelos positivistas, foram as primeiras manifestações da burguesia para gerar

uma identidade às recém formadas nações. 73 O folclorismo tem, portanto,

suas origens históricas na emergência das preocupações eruditas com a

cultura popular e na questão da identidade nacional. Os românticos

folcloristas pretendiam situar o conhecimento popular dentro do espírito

científico.

O termo “povo” foi definido de várias formas pelos folcloristas e,

segundo Peter Burke, no século XIX, todas elas convergiam para uma

definição purista. Concebia-se o povo em estado primitivo, sem influências

da sociedade urbana capitalista. Tal indicação nos permite concluir que os

72
“A característica do positivismo é a romantização da ciência. Com o romanticismo da
ciência, o positivismo acompanha e estimula o nascimento e a afirmação da organização
técnico-industrial da sociedade moderna e exprime a exaltação otimística que acompanhou a
origem do industrialismo.” Dicionário de Filosofia Nicola Abbagnano pág. 746.
73
Segundo Denys Cuche, (A noção de cultura nas ciências sociais. pág.178), a origem das
raízes seria o que fundamentaria toda identidade cultural e definiria o indivíduo de maneira
autêntica.
48

primeiros folcloristas, ao mesmo tempo que procuravam raízes autênticas e

genuínas para definir a cultura nacional,74 também enfatizavam o estudo das

“sobrevivências”, ou seja, as camadas que não acompanharam o progresso

passaram a constituir o povo.

Assim, o folclore se explica pelo apelo ao passado, sendo o estudo dos


elementos culturais praticamente ultrapassados. Seria: “cultura do inculto”.
Interpretação cheia de juízo de valor que é evolucionista e se opõe ao
materialismo histórico. A burguesia, sob essa ótica, seria a única capaz do
75
progresso enquanto o proletariado permaneceria estagnado.

O primeiro grupo que cuidou do tema da cultura popular com visão


76
folclórica foram denominados por Renato Ortiz de românticos folcloristas.

Eram intelectuais que procuravam entender o que era a tradição e em que

momento ela seria criada para gerar a ilusão de perenidade. Com esse

projeto, defenderam a legitimidade da cultura popular, considerada reduto da

essência nacional. A definição do nacional era necessária para a construção

da identidade da nação, de acordo com as características da autenticidade.

O povo, por sua vez, era caracterizado como um tipo homogêneo,

cujos membros teriam hábitos mentais similares e seriam os guardiões da

memória esquecida. Os românticos foram, portanto, responsáveis pela

fabricação de um conceito de popular, que segundo Renato Ortiz, era

sinônimo de ingênuo, anônimo, síntese da alma nacional. Mas não seria a

cultura das classes populares, enquanto modo de vida concreto, que

despertaria a atenção, mas a idealização de nação e povo, conferindo as

características necessárias para o modelo nacional que se buscava.

74
Luís Rodolfo Vilhena, Projeto e Missão, pág. 25
75
Florestan Fernandes,. O folclore em questão. Pág.
76
Renato Ortiz,. Românticos e Folcloristas pág. 24
49

Para Renato Ortiz, o século XX marcou a separação dos folcloristas

(científicos) com o grupo dos românticos (intuitivos). Mesmo assim, o autor

localiza os folcloristas como continuadores dos românticos; que viam no

Positivismo emergente um modelo para a interpretação do popular. Para o

novo grupo que buscava um rigor científico, o primitivo seria o testemunho da

tradição, o povo seria o arquivo dessa mesma tradição e o folclore, "o corpo

de conhecimento de homens deseducados, incluindo os costumes, as

instituições, as superstições".77

Na década de 1920, no Brasil, o projeto já era outro: o movimento

modernista lançado nesta década, procurava uma identidade estética na luta

contra o que denominavam “passadismo”, que seriam o romantismo e a

perspectiva positivista. Para tal, invocavam tendências artísticas européias

que podiam funcionar como modelos legitimadores de propostas locais. O

modernismo objetivava assim a existência do homem cultural, um agente

social que fosse capaz de deglutir antropofagicamente as falas populares

num discurso sonoro nacionalista atrelado à arte pura. A perspectiva do

folclore78 acoplava-se a esse projeto para submeter o elemento popular a um

olhar erudito e, assim, chegar a uma arte ao mesmo tempo cosmopolita e

enraizada no pathos popular. Na preocupação com a cultura popular, os

modernistas procuravam exaltar a potência criativa do povo, entendido como

portador da semente da tradição brasileira.

Tentando estabelecer um elo entre o projeto modernista e a música

popular, o musicólogo Mozart de Araújo, que mais tarde veio a ser

colaborador da Revista da Música Popular, procurou um critério funcional

77
Renato Ortiz, op cit. pág.24
78
“Elemento menos civilizado ou primitivo que vem do universo rural”
50

para definir e solucionar o que era popular, folclórico e erudito na música

brasileira.

Assim, a música é interessada – o que se aplica ao caso da folclórica e da


popular – quando se vincula a determinados aspectos da vida cotidiana ou a
rituais coletivos, como a canção de ninar, o canto do trabalho ou o de
recreação, o ritmo marcial, etc. Já a musica desinteressada, ou erudita, feita
para se ouvir, visa ao puro deleite, livre de qualquer critério de
79
funcionalidade.

O musicólogo, acreditava que o importante na música popular não era

a originalidade (que estava na música erudita), mas a autenticidade nacional.

Seguindo essa mesmo lógica, seriam nos redutos populares que

conservariam os elementos constitutivos da alma da “raça”.

A partir dos anos 40, o pensamento derivado do modernismo

propunha uma solução na qual se produziria uma identificação com a “nação”

através dos valores do povo. O folclorista desempenharia então um papel de

articulação decisivo, pois era possuidor do status do intelectual que pensava

a pureza e as raízes da nação. O movimento folclorista atingiu o ápice nos

anos 50, quando tornou-se uma das tendências do pensamento social

brasileiro, calcado na vertente etnico-cultural. Por este prisma, o passado

seria a força esclarecedora do presente e o folclore, o contato com a

sobrevivência cultural do povo, ou seja, o contato com a própria brasilidade.

Datam dessa época, os primeiros Congressos e organizações de

entidades, museus e exposições destinados à preservação da cultura


80
popular com o intuito de assegurar a continuidade da alma nacional.

79
Santuza Cambraia Naves, O violão azul., pág. 47
80
Essa idéia do popular enquanto revelação e/ou essência da nação não é criação exclusiva
dos folcloristas. Ela também vai estar subjacente às reflexões do ISEB e até mesmo às
análises do CPC da UNE. Ver SOUZA, Miliandre. Garcia de Da Prática à Teoria: Arte e
Engajamento no Brasil (1957-1964). Dissertação de Mestrado. UFPR. 2002
51

81
Na década de 1950 no Brasil, o povo foi então o grande eleito,

paradoxalmente, símbolo da tradição, da transformação ou da contestação.82

O passado social redescoberto cumpriria a missão de formar e informar o

sentido da nacionalidade (e da autenticidade) da cultura brasileira. 83

É a partir da documentação que o objeto (povo) adquire contornos visíveis.


Ou seja, a cultura popular ‘só é reconhecida enquanto documento que fala
sobre a nação’ (...). Assim, essa cultura se converte em uma espécie de
objeto mágico, fetiche, pedaço de história a ser contada para as crianças e os
84
curiosos.

O movimento folclórico, apoiado pelo Estado, tinha por objetivo

congregar intelectuais de todas as regiões do país, convocando membros

dos institutos e academias para construírem uma imagem de nação

unificada. A atividade foi se delineando e justificada pela idéia de “missão”,

segundo a qual seriam os folcloristas os elementos capazes de orientar esse

processo de modernização nacional frente às ameaças desagregadoras

apresentadas por essa mesma modernização.

Luís Rodolfo Vilhena denomina os folcloristas como intérpretes

particulares da nacionalidade pois, na medida em que enfatizam a dimensão

cultural e popular no processo de sua formação, também realçam, ainda que

de modo contraditório, o aspecto de contínua transformação do folclore.

81
O conceito de povo está atrelado à idéia de elemento social puro, representante legítimo
das tradições brasileiras.
82
Para Angela Castro Gomes, uma tradição tem seus temas, procedimentos, referências
organizacionais e simbólicas e suas figuras-chave. As tradições podem se fundir ou, ao
inverso, multiplicar-se em dado momento, para o que é preciso considerar a situação do
pequeno, mundo intelectual, além da conjuntura política maior. As tradições intelectuais
marcam o perfil de relações, que nelas e por elas procuram se demarcar. As tradições
exigem suportes materiais, que a noção de lugar de sociabilidade nos ajuda a mapear e a
dotar de um sentido subjetivo, uma convivência que a memória comum irá registrar.
83
Nesse período, de maneira surpreendente para alguns, os intelectuais da ABL conferiram
também um projeto para si. Para eles, o conceito de povo só vai adquirir sentido no mundo
do folclore, saber mais competente e o único capaz de construir um discurso sobre a nação.
Os intelectuais da ABL faziam distinção entre o que seria “fato folclórico” e “fato histórico”. A
história se preocuparia com a recuperação do passado e o folclore, buscaria sua inserção na
dinamicidade do presente. Seriam ainda os folcloristas a conferir importância fundamental às
fontes primárias.
84
Mônica Velloso, o cit. pág. 136
52

Concordamos com Vilhena quando ele afirma que, apesar dos constantes

estudos, o folclorista se tornou o paradigma de um intelectual não

acadêmico, ligado por uma relação romântica com seu objeto, estudado a

partir de um colecionismo descontrolado e de uma postura empiricista,

descontextualizando os fatos que analisa.85

Foram ainda os folcloristas os primeiros a formular um discurso

sistemático sobre a “cultura popular”. Para Vilhena “um traço recorrente da

produção folclorística é sua ênfase nos aspectos autênticos e comunitários

das culturas do “povo”, de maneira a apresentar suas manifestações como

uma base adequada para a definição do caráter nacional.”86

2.2

Eventos e definições: os congressos de folclore

O período amplo apogeu do movimento folclorista, seu apogeu e

decadência, foi marcado por dois grandes eventos: a criação da Comissão

Nacional do Folclore, em 1945 e o enfraquecimento da Campanha de Defesa

do Folclore Brasileiro, em 1964.87

85
Vilhena chama também de folclorista aquele que visava criar a figura do profissional
especialista e científico. Mereceria esse epíteto na medida em que escrevesse sobre o tema,
participasse de congresso, e comissões folclóricas, ainda que não fosse sua única atividade..
O autor procura também acompanhar as polêmicas do período de forma a compreender o
que estava em jogo nesses debates, tentando mostrar o que representou cada uma das
posições sobre o assunto e examina a estrutura institucional dentro do qual os intelectuais se
organizaram dentro da sociedade, discutindo algumas representações em torno de
identidades relevantes para eles – como o objeto, a ciência e sua nação.
86
Luiz Rodolfo Vilhena. Op. cit. pág. 28
87
O fim da CDFB deve-se ao golpe militar de 1964
53

O pesquisador e folclorista Renato Almeida fundou a Comissão

Nacional do Folclore – CNFL, e já em sua primeira reunião propôs um plano

de trabalho envolvendo diversas iniciativas para dinamizar o folclorismo

brasileiro. Consolidou-se em torno de Almeida um grupo mais constante que

participava intensamente das reuniões e dos congressos, incluindo Manuel

Diégues Júnior, Joaquim Ribeiro, Édison Carneiro, Mariza Lira e Cecília

Meireles. Nesse momento de estruturação da CNFL, Câmara Cascudo era o

folclorista de maior prestígio no Brasil.88

Esse grupo esteve bastante ativo, entre o fim do Estado Novo e

meados da década de 1960. Durante o período, todas as publicações

realizadas, objetivavam a ramificação do movimento, envolvendo o esforço

pela criação, em todo o Brasil, de um clima favorável ao “estudo e à

proteção” do folclore.

Nesse ambiente, onde se procurava institucionalizar o movimento

folclórico, foram organizados os eventos. Mas é importante frisar que os

mesmos caracterizaram-se por um caráter celebrativo da cultura nacional e

regional e tinham por objetivo, definir os trabalhos com cultura popular e

12 Joana Abreu faz uma análise do livro de Câmara Cascudo, Folclore do Brasil
(pesquisas e notas). Rio de Janeiro, São Paulo, Fundo de Cultura, 1967. Destaco, desse
trabalho, conceitos importantes do folclorista.
Segundo Cascudo, nós (?) somos formados pela convergência dessas diversas
continuidades de tradições com origens remotas – "Essas pequeninas citações apenas
positivam a convergência de elementos que ajudam a formar o nosso cotidiano."(p.11).
Distingue folclore e cultura popular – "O folclore é o popular, mas nem todo popular é folclore.
A Sociedade Brasileira de Folk-Lore (1941) fixou as características do conto, a estória, como
tive a inicial coragem de usar em 1942, e que coincidem com o fato folclórico: a) Antigüidade/
b) Anonimato/ c) Divulgação/ d) Persistência"(p.13).Explica o processo de incorporação de
um motivo pelo o folclore, de "reajustamento para o folclórico"(pp.14-16). Ao fazê-lo, ressalta
a autenticidade presente nos elementos folclóricos – "…somente o tempo, dando-lhe a pátina
da autenticidade a fará folclórica. A autenticidade é o resumo constante e sutil das
colaborações anônimas e concorrentes para sua integração na psicologia coletiva
nacional"(p.14).Apresenta uma visão de povo como aquele que conserva as próprias
tradições: "No campo ergológico o povo conserva o seu patrimônio tradicional, móveis e
utensílios nos formatos antiquados que muito lentamente vão sendo mudados. (…) é todo um
mundo ainda defendido, quanto possível em quinhentos anos de fidelidade inabalável.
(p.16/17). Mais adiante, citando Cláudio Bastos, diz: "O povo é um clássico que sobrevive"
(p.18).
54

folclore. Apesar de tumultuados, pouco objetivos e sem grandes definições

conceituais, estabeleceram orientações de um programa de investigação nos

moldes científicos desejados por seus participantes.

A procura por uma definição da identidade brasileira foi recorrente em

todos os encontros. Esse debate principal originou outros, também a respeito

da preservação da cultura popular, onde os folcloristas procuravam fornecer

contribuições subsidiárias a um problema, aproximar-se ligeiramente de um

assunto, ou acrescentar informações, porém sem objetivo de

aprofundamento. Tudo que não pudesse ser preservado teria que ser ao

menos registrado. A necessidade de preservação documental foi a marca

dos folcloristas durante todo o período em que atuaram.

Entre 1947 e 1954, aconteceram os seguintes encontros:89

- 1947 – Comissão Nacional do Folclore

- 1958 – Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro

- 1948, 1949, 1950, 1952 – Semana Nacional do Folclore

- 1951, 1953, 1959, 1963 – Congresso Brasileiro de Folclore.90

- 1954 – Congresso Internacional do Folclore

Um mapeamento dos principais encontros se faz necessário para

localizar as idéias que, nos anos 50, caracterizaram o folclore, a cultura

popular e o lugar da música.

O conceito de fato folclórico, muito citado na Revista da Música

Popular, foi debatido no primeiro Congresso Brasileiro de Folclore, em que foi

89
Angela de Castro Gomes,. História e historiadores. RJ: Fundação Getúlio Vargas, 1999.
pág. 172
90
No III Congresso Brasileiro de Folclore, em 1959, o presidente Juscelino Kubitschek
anunciou a formação de um grupo de trabalho para elaborar um plano em favor da proteção
das artes populares. Na comissão estavam Renato Almeida, Joaquim Ribeiro Manuel
Diegues Júnior, Edison Carneiro e Rossini Tavares de Lima. Para diretor da Comissão, o
ministro Clóvis Monteiro nomeou Mozart de Araújo (colaborador da Revista da Música
Popular), que não tinha ligação com o movimento folclórico e dirigiu na época, a Rádio MEC.
55

aprovada a Carta do Folclore Brasileiro. Este texto que se tornou

paradigmático do movimento folclórico. No documento, em meio a muitas

discussões, foi redefinido e ampliado o conceito de fato folclórico. Estes

argumentos marcavam uma nova percepção dos folcloristas sobre a

formação sociocultural da nacionalidade brasileira. Eis o texto da Carta:

O Congresso Brasileiro de Folclore reconhece o estudo do Folclore como


integrante das ciências antropológicas e culturais, condena o preconceito de
só considerar folclórico o fato espiritual e aconselha o estudo da vida popular
em toda a sua plenitude, quer no aspecto material, quer no aspecto espiritual.
Constituem fato folclórico as maneiras de pensar, sentir e agir de um “povo”,
preservadas pela tradição popular e pela imitação, e que não sejam
diretamente influenciadas pelos círculos eruditos e instituições que se
dedicam ou à renovação e conservação do patrimônio científico e artístico
humano ou à fixação de uma orientação religiosa e filosófica.
Também são reconhecidas como idôneas as observações levadas a efeito
sobre a realidade folclórica, sem o fundamento tradicional, bastando que
sejam respeitadas as características de fato de aceitação coletiva anônimo
ou não, e essencialmente popular.
Em face da natureza cultural das pesquisas folclóricas, exigindo que os fatos
culturais sejam analisados mediante métodos próprios, aconselha-se, de
preferência, o emprego de métodos históricos e culturalistas no exame e
91
análise do Folclore

Para um dos participantes, Manuel Diegues, o fato folclórico não

precisaria ser tradicional – contanto que fossem respeitadas as

características de fato coletivo, anônimo e essencialmente popular.

A Carta sugere que o popular seja privilegiado em todas as instâncias

desde que tenha aceitação coletiva. O texto tornou-se conhecido em outros

setores e mesmo entre os folcloristas, pouco foi modificado nos congressos

posteriores.

O folclorista Cruz Cordeiro utilizando-se do reconhecimento do

Congresso para com a cultura popular, escreveu um artigo para Revista da

Música Popular com o objetivo de privilegiar e defender a música popular,

91
ICBF, 1952, pág. 77
56

uma vez que a Carta tratava de aspectos culturais e manifestações coletivas,

como fato folclórico.

Folcmúsica (do anglosaxônico folk music, ‘música do povo”), a qual faz parte,
em conseqüência do Folclore, significa também, em conseqüência: a música
que é tradicional, funcional e típica num povo, país ou região. Música popular
(popular music em inglês) significa a folcmúsica ou não que se popularizou,
92
que dizer, que foi aceita pelo povo, coletivamente, num pais ou região.

O artigo de Cordeiro distingue três instâncias para a cultura popular:

folcmúsica, folclore e música popular, todas interligadas. O folclorista no

exemplo seguinte, tenta se fazer entender.

Se uma Congada, um Reisado, um Bumba-Meu-Boi, são tradicionais ou


típicos de certas regiões do Brasil, já um frevo, de Pernambuco, ou uma
Escola de Samba, do Rio de Janeiro, por serem criações relativamente
modernas do nosso povo, isto é, sem tradição propriamente dita, são apenas
típicos, mas em ambos os casos folcmúsica brasileira, e portanto, do folclore
brasileiro....) Quem criou e fixou, não só a nossa legítima música popular,
como sobretudo, a nossa folcmúsica, foi o Carnaval, que se tornou legítimo
93
folclore brasileiro.

Outro pesquisador participante do Congresso, Oracy Nogueira

procurava encontrar uma definição “tão ampla quanto possível” para o objeto

dos Estudos de folclore. Propunha então que o fato folclórico fosse definido

como aquelas “maneiras de pensar e agir de um povo, preservadas pela

tradição oral e pela imitação e menos influenciadas pelos círculos e

instituições que se dedicam à renovação e conservação do patrimônio

científico e artístico humano.”94

Apesar do caráter científico que o Congresso procurava em relação ao

conceito e a pesquisa folclórica, a Carta suscitou uma série de indagações,

entre elas a de Renato Almeida, que apontou três problemas fundamentais a

serem enfrentados: a pesquisa, para levantamento de material; a proteção do

92
Revista da Música Popular, n.º 7 pág. 6
93
Revista da Música Popular, n.º 7 pág. 7
57

folclore, evitando a sua regressão; e o aproveitamento do folclore na

educação. Os três problemas foram incorporados pela RMP para o âmbito da

música popular (pesquisa, proteção e educação).

Ao colocar a pesquisa em primeiro lugar, Renato Almeida via a

necessidade de conhecer os fatos folclóricos no Brasil, assim

fundamentando esforços contra a descaracterização: “Não queremos

pesquisar para estudar apenas, porque o fato folclórico não é coisa morta,

como uma peça arqueológica ou um documento histórico, queremos


95
conhecer, para manter, para guardar, para perpetuar.”

A análise de alguns documentos, como o Boletim do Congresso

Internacional do Folclore no mostra a indefinição das posições sobre o

folclore, causada pelas faltas de alguns inscritos, pelas diversidades

ideológicas e mesmo, como já dito anteriormente, pelo caráter celebrativo

que marcou tais encontros.96

A importância que os folcloristas dedicaram aos meios de

comunicação97, foi outro traço da atuação do movimento folclórico. Todos os

participantes do movimento viam com bons olhos a participação da imprensa

na cobertura dos eventos e na divulgação da própria pesquisa. Renato

Almeida, por exemplo, sempre solicitava a veiculação das pesquisas

folclóricas na imprensa local.

94
Luiz Rodolfo Vilhena, op. cit. pág. 140
95
Renato Almeida ainda discursa mais sobre o assunto: “O fato folclórico é universal. As
manifestações da sabedoria e da arte do povo, seu modo de pensar, de sentir e de agir são
de forma tão semelhantes que Bastian sublinhou a ‘espantosa monotonia das idéias
fundamentais da humanidade no mundo inteiro’. Não há mito, conto ou provérbio, não há
crença, arte ou técnica que não se vá encontrar, me formas e expressões diferentes, mas de
fundo igual, em todas as partes do mundo [...] Assim, as essências folclóricas de um povo
não são rigorosamente nacionais, embora o modo de enformá-las seja sempre peculiar a
cada cultura. [...]Há que concluir que, sendo a mais regional na sua exterioridade, o folclore é
a forma universal de cultura. RENATO ALMEIDA,– 1953, p.338
96
FOLCLORE – Órgão da Comissão Espírito-santense do Folclore. N.º 32/33
58

O mais importante evento para os folcloristas aconteceu em 1954 em

São Paulo: o Congresso Internacional do Folclore. Apesar de muito divulgado

e ainda hoje mencionado como um grande evento, o único tema realmente

importante foi a análise do conceito de fato folclórico pela comissão paulista,

que confirmou o texto da Carta do Folclore Brasileiro já aprovada pelo

congresso de 1951. Interessante também observar que o pequeno número

de trabalhos apresentados pelos participantes do congresso se deu (segundo

os próprios) por dificuldades com a língua, o que dificultou o entendimento de

várias expressões “tipicamente nacionais”. (sic)

O folclorista belga A. Marinus em seu relatório geral sobre o

Congresso, expressou sua decepção com os resultados: “O Congresso de

São Paulo teria sido o ponto de partida para um alargamento de estudos

tendo em vista a cooperação internacional.(...) [Houve] um insucesso de

nossos esforços”. Para o folclorista, que proclamava o Folclore como ciência

isolada de outras disciplinas, a indefinição de fato folclórico por parte dos

congressistas, atrapalhou o andamento dos trabalhos, pois continuaria difícil,

para os profissionais folcloristas, abstrair os conceitos estranhos ao folclore

para observar o fato em si mesmo. Para Marinus, se esse isolamento

acontecesse

resolveríamos facilmente a condição de primitivos e civilizados. Saberíamos


mesmo dar um sentido preciso à palavra popular que, ao meu ver, estorva
nossos trabalhos. Representaríamos mesmo o papel da tradição e
98
saberíamos delimitar mais profundamente a sua ação.

O desabafo de Marinus deu-se após a comissão ter definido como

impossível fixar uma terminologia unificada para o conceito de fato folclórico.

97
Durante os congressos, houve uma grande cobertura por parte dos jornalistas. Eram
divulgados os acontecimentos do evento em revistas, jornais e noticiário de rádio.
98
Relatório Geral do Congresso Internacional do Folclore, apresentado pelo Folclorista Belga
Sr. A. Marinus.
59

Renato Almeida, presidente do Congresso, também mostrou-se

inconformado com os resultados e considerou a posição deste

“inexplicavelmente retrógrada”.

A Comissão procurou então, na fase final do congresso, não alterar a

estrutura do documento original de 1951 e após todo esse percurso de

encontros, atas e relatórios, os folcloristas reunidos chegaram à seguinte

conclusão: “Considera-se fato folclórico toda maneira de sentir, pensar, agir;

que constitui expressão peculiar de vida de qualquer coletividade humana,

integrada numa sociedade civilizada”.99

Neste que foi o maior Congresso de folclore em nível internacional, o

conceito de popular não foi isolado do folclore e não se tornou disciplina

isolada das outras ciências humanas, apesar dos protestos de Marinus. Os

folcloristas, apesar de seus esforços, não conseguiram nesses congressos,

arbitrar para o folclore a condição de ciência.100

A Revista da Música Popular assimilou a concepção de fato folclórico

e utilizou esse conceito, e o próprio método folclorista, em seu projeto para

reforçar uma tradição para a música brasileira.

O trabalho desenvolvido pelos artífices da RMP, tinha como função a

preservação da memória musical do país e do elemento musical ligado à

tradição, considerado puro. Por isso também criaram uma hierarquia de

valores estéticos. O gênero samba foi privilegiado e teve o tratamento de fato

folclórico, pois carregaria consigo pureza, tradição, ideais. Segundo a

99
FOLCLORE – Órgão da Comissão Espírito-santense de Folclore. Ano VI, Ns. 32/33,
Setembro a Dezembro de 1954
100
Importante ressaltar que nem todos os folcloristas eram partidários dessa idéia de
isolamento do folclore das outras ciências humanas. Edison Carneiro e Florestan Fernandes,
por exemplo, sempre propuseram um trabalho interdisciplinar e diziam não ser possível o
folclore trabalhar isoladamente, pois existiria claramente uma interdependência entre
etnologia, antropologia e outras ciências sociais.
60

abordagem da RMP, a história da música no Rio de Janeiro, sincronizada

com a história do país (por ser sua capital), transformou o samba no gênero

característico do povo brasileiro.

A menção ao conceito de fato folclórico foi constante na Revista. Em

um artigo do número 10, o escritor Mário Cabral, situou o século XIX como a

fase heróica da música brasileira, período em que compositores como Villa

Lobos e Jaime Ovalle puderam assimilar o fato folclórico puro, sem ainda ter

sido “maculado” pela indústria: “hoje isso não seria mais possível, ante o

comercialismo voraz, o rádio, a música americana e os outros elementos

deformadores do nosso populário. 101

Como podemos verificar a constante citação do termo “fato folclórico”

levantou discussões acaloradas e apropriações por parte de outros setores

da sociedade.

Florestan Fernandes, de fora dos Congressos, definiu o termo fato

folclórico. Este seria caracterizado pela sua espontaneidade e pelo seu poder

de motivação sobre os componentes da referida coletividade, podendo

resultar tanto da invenção quanto da difusão.

Pelo poder de motivação do fato folclórico se tem visto que sendo ele uma
expressão da experiência peculiar da vida da coletividade, é constantemente
vivido e revivido pelos componentes desses, inspirando e orientando seu
comportamento. Encontra-se sempre em reatualização. Sua concepção
como sobrevivência reflete o etnocentrismo do observador que leva a reputar
como mortos ou em vias de desaparecimento os modos de sentir, pensar e
102
agir deste, se contrapondo à moda, à arte, à ciência e à técnica.

Florestan Fernandes dialogou, no período, com os ideólogos do

movimento folclorista.103 Na época, o autor foi qualificado como o arauto de

101
Revista da Música Popular N.º 10, pág. 3
102
Florestan Fernandes. O folclore em questão. .pág. 24
103
Uma boa forma de conhecermos parte desse diálogo está no livro “O Folclore em
Questão, de 1978 que traz uma coletânea de ensaios escritos entre 1944 e 1962, em
61

uma nova investida contra o folclore, pois criticou os folcloristas por não

levarem em conta a dimensão “sociológica” da cultura popular. Negava

também para o folclore a condição de ciência, caracterizando-o como método

a ser abordado de forma interdisciplinar, incluindo a sociologia e a

antropologia. Por isso, chamou a atenção para o trabalho do folclorista, pois

a medida em que este se comprometia com o método científico, perderia as

possibilidades de focalizar e de interpretar os aspectos do folclore que

realmente lhe caberia estudar. Florestan criticava o debate travado no seio

do movimento folclórico e criticava o espírito de colecionismo dos folcloristas.

Os folcloristas limitam-se à formação de coleções, de materiais folclóricos,


coligidos de modo assistemático. Revelam-se incapazes de aplicar o próprio
método folclorístico da análise dos dados folclóricos. São responsáveis pelas
piores coleções, feitas de materiais recolhidos sem critério, por terceiros e
editados sem nenhuma tentativa de ordenação metódica dos dados. Não são
coerentes, não têm procedimentos que permitem interpretar o folclore como
realidade social. A palavra FOLCLORISTA se tornará um jargão pouco
recomendável. O acúmulo dos dados representa uma condição deveras mais
importante para o progresso dos estudos sobre o folclore brasileiro que a
proliferação de meras verbalizações metodológicas. A cooperação entre
folcloristas e cientistas sociais constitui o único meio para corrigir as
104
diferenças de abordagem e de análise especializada.

Florestan Fernandes explicitava a falta de unanimidade no

pensamento dos folcloristas, ao mesmo tempo propunha um novo olhar

sobre o popular, que superasse o conceito estrito de folclore (etnias,

autenticidade, fato folclórico, espontaneidade, organicidade, isolamento

sociológico em comunidades, e tudo o que caracterizasse o pensamento

folclorista). Perturbava-se com o uso da categoria "classe social", pois para

ele as tradições populares seriam indistintas do termo.

diversas revistas e jornais. Em tais artigos, Florestan propôs uma colaboração mais eficiente
entre as ciências sociais e o folclore, que definiu como expressão da vida social e cultural de
um povo. Propunha que o folclore deveria ser disciplina humanística e não científica, pois
tratava-se mais de um método do que uma ciência e envolveria interpretações singularizantes
ocorrendo de forma indistinta, independente de classe social.
104
Florestan Fernandes op. cit. págs. 9, 20
62

O folclorista deixa de encarar o elemento folclórico como parte de um


conjunto cultural mais amplo, ou melhor, de uma configuração sócio- cultural
onde ele tem forma, uso, significado e função característicos. Toma-o
isoladamente, estuda-o sob o ponto de vista genético e depois o agrupa.
Esse método elimina a possibilidade de análise do folclore em seus
105
processos e transformações.

Importante ressaltar, nesse contexto de diálogo com o movimento

folclórico, e apesar da abundância de descrições, os folcloristas sempre

deram poucas explicações sobre o popular. Nunca consideraram que

processos sociais dariam as tradições uma função atual. Mesmo na Carta do

Folclore Brasileiro a referência ao conceito de popular foi tão amplo que

acabou se perdendo na discussão sobre folclore.

Verificamos então que a principal ausência nos trabalhos de folclore

que já citamos é o não questionamento sobre o que ocorre com as culturas

populares quando a sociedade se massifica. Esse fenômeno, segundo

Nestor Garcia Canclini “é quase sempre uma tentativa melancólica de

subtrair o popular à reorganização massiva”.106

A partir da constatação que o popular, enquanto cultura de massa é

refutado pelos folcloristas, partimos para a questão central do capítulo: a

música no debate folclorista.

O Congresso Internacional de 1954, considerado o mais importante

encontro dos profissionais ligados à pesquisa de folclore, reuniu musicistas

na Conferência Internacional de Música Folclórica com o objetivo de deliberar

sobre música folclórica e música popular. Como primeiro item, os folcloristas

discutiram a importância do uso do folclore musical na educação e julgavam

positiiva a divulgação na mídia (rádio, televisão, discos, filmes e audições

105
Florestan Fernandes op. cit. pág. 55
106
Nestor Garcia Canclini. Culturas Híbridas, pág. 211
63

públicas). Também reconheceram a importância do folclore como produto de

uma “tradição musical que evoluiu por meio da difusão oral”. Definiram como

fatores que condicionaram a tradição oral a “continuidade, que liga o

presente ao passado; a variabilidade, que emana dos impulsos criadores

tanto individuais como coletivos e a seleção no meio de uma coletividade.” 107

Nesse Congresso, a música popular foi excluída por não se encaixar

aos itens citados: no mesmo documento, os relatores afirmaram que em

hipótese alguma tal música poderia ser englobada como tradicional, pois não

sofreu a influência desses três fatores, ou seja, não tinha continuidade

cultural com o passado, não nascia de criação espontânea e sua seleção não

se dava pela coletividade, uma vez que era produto da indústria. Também

era senso comum utilizar a concepção clássica de folclore enquanto tradição

pura para se refutar a música popular por estar em ambiente urbano e sofrer

influências e sincretismos

A idéia de alguns folcloristas ligados ao tema, de preservar as

tradições, influenciou outros setores, principalmente musicólogos e

jornalistas ligados à música, mas essa idéia não foi bem definida ou

finalizada, com exceção da Revista da Música Popular que é fruto do mesmo

projeto, de manter vivo o passado musical.

As deliberações sobre popular e fato folclórico que citamos

anteriormente não foram unânimes e provocou uma certa diáspora entre os

folcloristas: alguns assumiram o estudo da música popular e defenderam a

existência de folclore nas grandes cidades. Ramificava daí um outro grupo,

disposto a tratar desse controvertido aspecto do projeto folclorista que se

tornou a música popular brasileira.

107
FOLCLORE – Órgão da Comissão Espírito-santense de Folclore. Ano VI, Ns. 32/33,
64

A música popular concebida como folclórica gerou tantos debates que,

os mesmos intelectuais que criticavam a música popular por não ter raízes,

em alguns momentos a defendiam como folclórica. A falta de um estudo

sistematizado e mesmo de um interesse centrado no universo popular

urbano, acabou provocando contradições nos discursos sobre o tema. Cruz

Cordeiro, no artigo folcmúsica e Música Popular ilustra todo o universo da

contradição:

Mas se o samba, música popular, tal como vimos, entrou em decadência, o


samba, folcmúsica, por isso mesmo, persistiu (...). Com efeito, o samba,
folcmúsica carnavalesca, é só coro e percussão, não tem instrumento algum
de sopro. (...) Talvez por isso é que o samba, música popular, tenha decaído
pros “be-bop” lacrimosos dos “crooners” das buates e das rádios sofisticadas
(...) Mas o samba, folcmúsica, persistindo, como se viu , tornou-se também,
108
expressão máxima de nossa atual folcmúsica, avassalante.

Luís Rodolfo Vilhena retoma a idéia de separação entre o folclórico e

popular e se posiciona sobre o samba da seguinte maneira:

A escolha do samba como representante de nossa identidade cultural não


corresponde ao projeto folclorístico. Para Andrade, o samba urbano não
representava a música popular, mas a que ele qualificava de popularesca. Ao
defender a necessidade de uma definição científica do folclore, o exemplo
principal que usa é justamente o desse gênero musical, equivocadamente
109
qualificado na época como popular.

Retomar Mário de Andrade neste ponto é essencial pois além de

fundar a Sociedade Brasileira de Folclore, foi o primeiro folclorista a pensar a

música popular (ainda que negativamente), constituindo-se como grande

referência para os debates posteriores sobre tradição, folclore e nação.

Setembro a Dezembro de 1954 pág.3


108
Revista da Música Popular, n.º 7 pág. 41
109
Luís Rodolfo Vilhena, op. cit. . Pág. 257
65

Florestan Fernandes afirmava que foi um dos primeiros folcloristas a se

especializar, fazendo do folclore musical o principal ramo de atividades. 110

O amplo debate que se verificou na música popular a partir dos anos

50 originou-se das primeiras preocupações nacionalistas de Mário de

Andrade, cuja produção edificou-se sobre os importantes temas e problemas

socioculturais gerados pela transição de uma civilização tipicamente rural

para urbano-industrial. Mário problematizou a natureza da modernidade, a

luta por uma identidade nacional e americana, a racionalidade da civilização,

o papel do artista e do intelectual e a relação entre cultura erudita e cultura

popular. Conquistou também o lugar de pensador e crítico da música no

Brasil a partir de 1922. Sua corrente estética derivada em modernismo

nacionalista tornou-se hegemônica até meados dos anos 40. Elizabeth

Travassos aponta cinco proposições das idéias de Mário de Andrade,

expostas no Ensaio da Sobre a Música Brasileira, em que pode ser

sintetizada a estética nacionalista.

1) A música expressa a alma dos povos que a criam. 2) a imitação


dos modelos europeus tolhe os compositores brasileiros formados
nas escolas, forçados a uma expressão inautêntica; 3) sua
emancipação será uma desalienação mediante a retomada do
contato com a música verdadeiramente brasileira; 4) esta música
nacional está em formação, no ambiente popular, e aí deve ser
buscada; 5) elevada artisticamente pelo trabalho dos compositores
cultos, estará pronta figurar ao lado de outras no panorama
internacional, levando uma contribuição singular ao patrimônio
111
espiritual da humanidade.

110
Florestan Fernandes – Mário de Andrade e o Folclore Brasileiro in Revista do Arquivo
Municipal de São Paulo (n.º CVI, 1946) apud, FOLCLORE, N.º 34/36 Florestan ainda coloca a
contribuição das pesquisas de Mário nas fontes do folclore musical brasileiro: “De suas
pesquisas, concluiu que os portugueses nos deram o nosso atonalismo harmônico, a
quadratura estrófica, provavelmente a síncope, desenvolvida posteriormente pelo negro, os
instrumentos europeus, como a guitarra (violão), a viola, cavaquinho, a flauta, oficlide, o
piano, o grupo dos arcos, textos, formas político-líricas, como a moda, o acalanto, danças do
gênero as rodas infantis, do fandango, danças dramáticas como os Reisados, as Pastoris, a
Marujada, a Chegança, a forma primitiva de Bumba-meu-boi.
111
Elizabeth Travassos, Modernismo e Música Brasileira, pág. 34
66

Na medida em que a nova função do artista era descobrir e conhecer

a realidade nacional, foi a própria realidade brasileira que, para Mário,

tornou-se o material de criação. Ao invés de reproduzir imitações das obras

européias, para ele, o artista mergulharia na experiência coletiva de busca de

uma identidade nacional. “Nós só seremos deveras uma Raça o dia que nos

tradicionalizarmos integralmente e só seremos uma Nação quando

enriquecermos a humanidade com um contingente original e nacional de

cultura.” 112

Nesse contexto, convém analisar como Mário de Andrade concebia a

cultura popular, com quais tipos de relação se constituía o povo e que peso

relativo ele atribuía aos processos ideológicos e políticos, na determinação

da natureza da cultura popular.

Seu engajamento como artista e intelectual manifestou-se em dois

níveis diversos, mas inter-relacionados: o nível da forma e da técnica artística

e si, e a militância para criar condições de surgimento de uma cultura

nacional autônoma com o objetivo de desenvolver uma memória histórica,

apropriar-se do passado, identificar-se com a sua própria história.

“Abrasileirar o Brasil”, segundo Mário seria “sentir e viver o Brasil não só na

sua realidade física, mas na sua emotividade histórica”. 113

Mário de Andrade entendia o nacionalismo vinculado a um

desenvolvimento futuro, voltado para o internacionalismo, uma vez que

entendia as culturas como internacionais; trabalhava voltado para a formação

de um novo discurso que abarcasse a realidade então emergente. Rejeitava

também a tradição da arte regionalista, dedicada à simples descrição dos

112
M. de Andrade Assim falou o papa do futurismo. Apud SCHELLING pág.104
113
SCHELLING pág.106
67

hábitos e modos de falar do Brasil rural, pois, a seus olhos, ela reforçava

uma visão exótica do país. 114

Uma arte nacional não se faz com escolha discricionária e diletante dos
elementos: uma arte nacional já está feita na inconsciência do povo. O artista
tem só que transpor elementos já existentes uma transposição que faça da
115
música popular, música artística isto é: imediatamente desinteressada.

Numa série de artigos escritos no final da década de 1920, propôs a

maneira como se devia estruturar a relação entre as tradições da cultura

erudita e da cultura popular, com o objetivo de contribuir para a sua

nacionalização. A distinção entre arte erudita e cultura popular viria a moldar

toda a obra de Mário de Andrade: sua ficção, seus textos de crítica e seus

estudos científicos sobre o folclore. Na década de 1930, viria a abordar

cultura popular como uma forma de conhecimento, designando não só o

conjunto de obras artísticas do “povo”, mas todo um modo de vida popular,

objetivando em sua linguagem, costumes, crenças e instituições. “A

experiência é outra, consistindo em permanecer popular sem permanecer

folclórico. Se os temas e ritmos conservam o caráter popular, já são porém

da própria invenção do compositor e não mais tirados do populário

tradicional.” 116

Nessa empreitada, o artista deveria evitar o perigo de enfatizar

demasiadamente o típico e de torná-lo “erroneamente” exótico. Essa mistura

114
A função intelectual de Mário de Andrade está ligada a uma definição de “construção” pois
dedicou suas energias a esse processo: a construção de uma linguagem que refletisse a
experiência coletiva da nação brasileira; a construção de uma consciência crítica sobre a
natureza da arte tanto em sua natureza imanente quanto em sua relação a determinantes
externos a ela; a recoleta e análise do folclore para promover a produção de uma música
“universal” e “brasileira”, a altura da “arte erudita” (veículo para a aquisição de uma memória
histórica) e criação das condições prévias para um autêntico sentido de identidade; a
construção de uma visão alternativa para o desenvolvimento da sociedade brasileira, de
acordo com um outro princípio civilizatório, diverso do princípio europeu herdado com a
colonização.
115
Mário de Andrade. Ensaio sobre a música brasileira, pág. 16
116
Idem pág. 18
68

complexa de temas étnicos e estrangeiros deveria ser feito de “maneira


117
espertalhona pela deformação e adaptação”.

Mário rompeu esteticamente com o naturalismo e a “poesia

passadista”. Em relação ao folclore, enquanto prática viva do povo, também

rompeu com a atitude predominante entre românticos de considerá-lo como

produto pitoresco de uma região atrasada.

Já afirmei que não sou folclorista. O folclore hoje é uma ciência, dizem (...)
Me interesso pela ciência porém não tenho capacidade para ser cientista.
Minha intenção é fornecer documentação para o músico e não, passar vinte
anos escrevendo três volumes sobre a expressão fisionômica do lagarto
118
(...).

Mário de Andrade deslocou também a ênfase de sua pesquisa da

literatura para a música, na qual achou possível identificar a influência dos

grupos étnicos não europeus, para com os modelos portugueses: “A Música

Popular Brasileira é a mais completa, mais totalmente nacional, a mais forte

criação de nossa raça até agora.

A bem dizer, o Brasil não possui canções populares muito embora possua,
incontestavelmente, música popular. Pelo menos não existem elementos por
onde provar que tal melodia tem sequer um século de existência. Tanto no
campo como na cidade florescem, com enorme abundância, canções e
danças que apresentam todos os caracteres que a ciência exige para
determinar a validade folclórica duma manifestação. Essas melodias nascem
e morrem com rapidez, é verdade, o povo não as conserva na memória. Mas
se o documento musical em si não é conservado, ele se cria sempre dentro
de certas norma de compor, de certos processos de cantar, reveste sempre
de certas formas determinadas (...) não é tal canção determinada que é
permanente, mas tudo de que ela é construída. A melodia, em seis ou dez
anos poderá obliterar-se na memória popular, mas os seus elementos
constitutivos permanecem usuais o “povo”, e com todos os requisitos,
119
aparências e fraquezas do tradicional.

Mário sugeriu localizar na música popular a marca principal da

nacionalidade. Nos anos 30, quando essa corrente floresceu, os estudiosos

de folclore alcançaram poucas conquistas institucionais universitárias, sendo

117
Mário de Andrade, op. cit. pág. 16
69

a principal a criação da cadeira de folclore musical, tornada obrigatória em

conservatórios e escolas de música.120

Essas considerações sugerem que o conceito de popular para Mário

de Andrade, era o folclore. Apesar de pouco ter se preocupado com a música

urbana, que chamava de popularesca, todos esses preceitos serviram de

base para o projeto de folcloristas e jornalistas (às vezes ambos em uma só

pessoa) na música popular dos anos 50. Verificando a Revista da Música

Popular, percebemos como Mário foi apropriado por esse grupo que

extrapolou os temas inerentes à música popular urbana e adotou o universo

das pesquisas folclóricas como método de pesquisa. Na verdade, ocorreu

uma leitura enviesada dos textos de Mário por parte dos nomes ligados à

RMP.

Outro grande folclorista que tratou do tema e que também foi

apropriado por esse grupo (um pouco mais de perto) foi Renato Almeida, que

desenvolveu uma abordagem diferente, apesar das “decisões” dos

congressos. Em um artigo de 1959,121 podemos notar a preocupação com o

samba e o problema em defini-lo como folclórico. Almeida revelou, no artigo,

que o trabalho nas escolas de samba não seria folclórico, pois pouco restou

da autenticidade. As escolas estariam demasiadamente próximas da

indústria cultural e acabariam seguindo o caminho do samba urbano. 122

118
APUD, Vilhena, pág.131
119
Ensaio sobre a Música Brasileira, 1928 ed. de 1962
120
Quando analisa “cantigas e danças”, mantém, grosso modo, um esquema no qual suas
origens são atribuídas a três fontes étnicas, como quando traça, por exemplo, as influências
de portugueses, africanos, ameríndios, espanhóis na composição de nossa música folclórica.
Essa fórmula ternária generaliza-se no estudo de nossa música e, quando o compositor
Lorenzo Fernandes vai realizar sua palestra sobre a música brasileira na I Semana Folclórica,
intitula-a de ‘Flor Amorosa de três raças tristes’ (note-se que Flor Amorosa é música urbana,
de autor conhecido que a princípio é negada como folclórica por esses intelectuais)
121
APUD, Luiz Rodolfo Vilhena op. cit., pág. 281
122
O secretário capixaba Guilherme dos Santos Neves afirmava que “aquilo que está sujeito
à transitoriedade da moda não é folclore”. O folclórico seria tudo que não é oficial, e a forma
70

Pela análise de outro longo texto de Almeida, verificamos como as

posições sobre a música popular ainda não estavam definidas. O autor

afirma que o samba foi a grande matriz de toda a folk-dance brasileira, tendo

sido influenciado pelas danças estrangeiras que “se aclimataram e tomaram

expressão nacional.” Também cria uma vertente histórico-folclorístico para a

gênese do samba e do Carnaval.

Dos folguedos (congos, congadas e maracatus), nasceram os “cordões”


carnavalescos, que se aprimoraram nos ranchos, empregando um
instrumental mais variado do que o de percussão, único usados pelos
primeiros, e organizando os préstitos com enredos fabulosos. “Esses
sambas, com que marchavam os ranchos – ‘samba-de-influência’ – fosse no
Carnaval ou na Penha, tiveram grande importância como elemento gerador
123
do samba carioca.

Almeida argumenta que o nascimento do samba parte do universo

folclórico. Na citação, vamos perceber como define a trajetória do ritmo, do

universo rural para o urbano. Outra questão interessante é o tratamento do

samba enquanto dança. Fator onde o ritmo popular se reencontra com o

folclore. Essa abordagem procura se legitimar pele bordagem folclorista.

O professor Artur Ramos fixou três etapas na música de dansa brasileira:


‘Numa primeira fase, vamos encontrar a forma genérica batuque ou samba,
que é dansa de roda, com execuções individuais, originadas dos negros
angola-conguenses. Uma segunda fase assinala o aparecimento do maxixe,
dansa brasileira que aproveitou o elemento negro dos batuques,
incorporando-o a estilizações hispano-americanas (habanera) e européia
(polca). Uma terceira fase, a atual, está realizando um amplo conglomerado.
É a fase do samba (com a nova significação), forma de dansa ainda
indefinida, mas de uma extraordinária riqueza de elementos musicais,
melódicos e rítmicos, e elementos coreográficos, onde intervêm o negro

de liderança exercida nas escolas de samba emanando autoridade constituída, afastaria tal
movimento do domínio folclórico.
123
Renato Almeida. O samba carioca. In. Mariza Lira 1ª exposição de folclóre no Brasil.
(Achegas para a exposição do Folclóre no Brasil.). Rio de Janeiro, 1953 pág. 61
71

africano e o negro de todas as Américas e dansas européias adaptadas. Não


124
sabemos ainda qual a sua fixação definitiva.’

Almeida sintetiza o pensamento que orientou os articuladores da

Revista da Música Popular, ao defender a existência de dois tipos de samba,

o de origem folclórica e o popular/comercial. Este apareceu após os anos 30,

com o crescimento da indústria do rádio e do disco. Já o samba da roda teria

sempre existido no morro ou fora dele, “onde houvesse agrupamento de

pretos” da zona urbana.

Foi com todos esses elementos que o samba começou e se vai fazendo. No
carnaval de 17 surgiu Pelo Telefone, fixando o samba, que se tornou
expressão legítima da nossa cidade. Os compositores foram surgindo e
125
demarcando as primeiras formas dessa expressão nova de dansa.

Diferente das sua próprias posições anteriores a respeito da música

popular, Renato Almeida considerava a escola de samba autêntica,

verdadeira, reduto de tradições. Sua análise apontava para o mesmo “rigor

científico” com que se estudava o folclore (rural).

Uma escola de samba é uma agremiação carnavalesca em primeiro lugar,


cuja função principal é preparar um préstito para ir à Praça Onze, nos desfiles
de Carnaval. Esse préstito, sem a importância do “Ranchos”, é contudo de
maior relêvo do que os “Cordões”. Tem enredo anunciado num dístico que o
precede. Com instrumentos apenas de percussão – tamborim, pandeiro,
cuíca e surdo. Alguns porém usam bandolins, cavaquinho e violão (...).O
samba que cantam constam de uma parte apenas. É tirado a seco, pelo
Mestre da harmonia, que é professor de canto e dansa e, em geral, compõe.
Depois entra o coro, que repete o samba, acompanhado pela bateria. O
samba é o verso aprendido de memória. Ã guisa de refrão, o Mestre tira
versos, não raro se ligação alguma com o sentido do samba. Improviso
algumas vêzes, outras repete quadras tradicionais (...) A melodia não muda,
enquanto o ritmo se multiplica em variações intermináveis. (...) O côro é de
mulheres e meninas, a quem chamam de ‘pastorinhas’, reminiscência do
126
cortejo dos Reis’ (...) Registram-se até intervalos de sextas.

124
Renato Almeida, op. cit pág. 62
125
Idem
126
Renato Almeida, op. cit. pág. 63
72

Mais uma vez, Almeida valorizava a dança como o elemento base do

samba, estabelecendo ligação direta com a tradição folclórica do ritmo

urbano.

A coreografia, quando em préstitos, é uma marcha. Se param há movimentos


de conjunto, em passinhos curtos, com figuras comuns nos sambas-de-roda,
embora seja raro grandes variações. (...) Nas Escolas, o samba é de roda,
indo para o centro, dois quando não mais dansarinos ou dansarinas. Dansam
independentemente uns dos outros. Não são umbigada para se substituírem
o centro da roda, mas fazem ligeira curvatura. Quase que basta um
dansarino parar em frente a um camarada de roda, para este se preparar e
127
cair no samba.

A busca da autenticidade foi outro elemento presente no texto de

Almeida que finalizou sua discussão sobre música popular no universo das

cidades.

“Só no Rio nasce o samba. O baiano Dorival Caymmi trouxe coisas lindas da
sua terra, mas fês samba aqui no Rio, que é o clima natural e propício. Só na
terra carioca germina o samba, mas, com nela se somam elementos de todo
128
o Brasil, o samba ficou brasileiro...”

As reflexões de um dos maiores folcloristas do Brasil na época,

Renato Almeida, sobre a possibilidade e validade de um folclore urbano nos

fazem refletir sobre o porquê da pouca atenção que o movimento folclórico

deu à música popular brasileira. Mesmo as referências feitas ao samba

tiveram um objetivo isolado, que era ressaltar a idéia da roda, do batuque,

enfim, das raízes folclóricas. Porém, tais afirmações acabaram por

desvendar que as posições dos folcloristas sobre o ambiente urbano não

eram definitivas, isentas de dúvidas e questionamentos. Mesmo o

radicalismo de alguns, ao querer isolar música folclórica de música popular

mostrou-se inconsistente no decorrer dos debates que aconteceram no seio

do movimento folclórico.

127
Renato Almeida, op. cit. pág. 66
128
Renato Almeida, op. cit. pág. 67
73

Outra importante posição sobre a música popular vem de Luiz Heitor

de Azevedo, catedrático de folclore da Escola Nacional de Música da

Universidade do Brasil, que escreveu sobre música nas principais

publicações dos anos 30 e 40, sendo a principal, a Revista Cultura Política.

Luiz Heitor defende a existência do folclore na cidade e critica os

folcloristas por pensarem que os grandes centros deveriam ser excluídos das

pesquisas populares, “porque era impossível a existência de um autêntico

folclore urbano”

Hoje em dia, entretanto, é bem outra maneira de se encarar essa questão, os


mais conceituados folcloristas contemporâneos, estão de acordo em que não
somente há folclore nas grandes cidades, com há mesmo tradições e
costumes populares que lhe são peculiares que só nelas podemos encontrar
129
e que constituem portanto a face original, própria de seu folclore.

O autor analisa a presença do folclore na cidade como provocadora do

sincretismo das tradições e de valioso material para o trabalho do folclorista.

Preocupa-se também em usar a palavra tradição, de forma a tornar legítima

sua argumentação. Nesse sentido, percebemos que o trabalho desenvolvido

pela Revista da Música Popular muito se aproximou desse ideário. A

constante pesquisa desenvolvida e os textos selecionados, mostravam uma

clara posição do periódico quanto a presença do folclore no ambiente

urbano. Apesar dessa idéia contrariar as decisões dos congressos folclóricos

que ocorriam em paralelo com os anos de circulação da Revista, foi

defendida integralmente pela mesma em todos os seus 14 números.

Luís Heitor ainda continua salientando a peculiaridade do folclore

existente na cidade e como esta constantemente seria a base do encontro de

diversas tradições.

129
Mariza Lira. Op. Cit. Pág. 8
74

Os grandes centros urbanos, como salientou Gorokin, sociólogo russo,


determinam uma imensa “mobilidade horizontal”, isto é, provocam fortes
correntes de imigração para o seu meio. Enquanto nas regiões rurais, as
tradições tendem a se manterem separadas e isoladas entre si, nos centros
urbanos as fusões, as trocas, as interferências, as convergências, enfim, o
sincretismo prevalece com máxima nitidez.

Por fim, o autor salienta a importância de se incorporar o folclore das

cidades aos estudos folclóricos tradicionais.

O folclorista, ao estudar o folclore urbano, tem diante de si um documentário


muito mais complexo do que uma coletânea de tradições campesinas, quase
sempre mais extensas, porém de exegese menos dificultosa que a dos
materiais citadinos”.

As afirmações de Luís Heitor aproximam-se do estudo desenvolvido

por André Gardel no livro O Encontro de Bandeira e Sinhô.130 Gardel analisa

a vida do Rio de Janeiro nos anos 20, como um momento da invenção do

que costumamos chamar de carioca. Segundo Gardel, a antiga capital do

país constituía um ponto de confluência de diversas etnias, juntando

“mundos de significado e procedências muitas vezes aparentemente

irreconciliáveis”131 e parte do pressuposto que a autenticidade foi um

elemento forjado para se criar uma tradição na cultura carioca e que o Rio de

Janeiro serviu como o espaço do encontro de diversas culturas:

O Rio de Janeiro da Primeira República é o espaço histórico do encontro. O


Rio de Janeiro de “nós todos” ‘é o espaço político do encontro, cidade em que
todas as ruas vão dar no mar, em que todas as vozes cantam sua miséria e
132
glória e que todos os corpos dançam a dança erótica do tempo.

Gardel salienta um traço importante sobre os centros urbanos. Pelo

fato das cidades representarem um espaço do encontro de etnias e culturas,

torna-se evidente a falta de raízes e de homogeneidade para se pensar no

130
André Gardel O Encontro de Bandeira e Sinhô. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de
Cultura, 1996.
131
Citado por Hermano Vianna O encontro... pág. 13
132
André Gardel Op. cit pág. 24
75

folclórico e na tradição. As defesas de Luís Heitor e Renato Almeida

denotaram a carência de um estudo mais amplo entre os folcloristas e

evidenciaram a multiplicidade cultural do ambiente urbano, principalmente

quando se pensou o Rio de Janeiro, capital do país.

A idéia de confluência e encontro mediado, ainda não era um

pensamento corrente nos anos 50 e, mediante o que chamavam de crise,

alguns folcloristas e intelectuais ligados à cultura popular sentiram a

necessidade de criar uma tradição para o espaço urbano e passaram a

considerar a história da cultura popular brasileira a partir de um viés

folclórico.133

Nos anos 50, a Revista da Música Popular tornou-se um elo de ligação

entre folcloristas e estudiosos e aficcionados da música urbana. Mas a

publicação não se manteve após 1956 e os debates a respeito da música

brasileira permaneceram isolados.

Porém, entre os folcloristas, o estudo da música popular só se

materializou de fato quando a Comissão Nacional do Folclore, preocupada

com as possíveis interferências estrangeiras134, abriu mão do caráter

tipicamente rural que vinha dando ao folclore e preparou um congresso sobre

samba em 1962.135 O conhecido folclorista Edison Carneiro organizou então

o I Congresso Nacional do Samba onde, com a promoção da Companhia de

Defesa do Folclore Brasileiro, participaram músicos, estudiosos e amigos do

133
Percebemos então que todas as argumentações e debates não são de modo algum
lineares. Isoladamente, permeando diversos eventos sobre folclore, podemos decifrar uma
concepção, no meio do movimento, sobre música popular urbana.
134
As interferências estrangeiras a que se refere a Carta do Samba está diretamente
relacionada à bossa nova.
135
Mais especificamente o Congresso aconteceu de 28 de novembro a 2 de dezembro de
1962, no Rio de Janeiro. apesar de estar fora do nosso recorte de estudo, o Congresso do
Samba marcou posições importantes que não podemos deixar de comentar.
76

samba em geral. No encerramento dos trabalhos, Carneiro redigiu a Carta do

Samba.136

A intenção desse Congresso seria preservar as características

tradicionais do samba sem tirar-lhe as perspectivas de modernidade e

progresso, como se verifica na introdução do documento:

O Congresso do Samba valeu por uma tomada de consciência: aceitamos a


evolução normal do samba como expressão de alegrias e tristezas populares;
desejamos criar condições para que essa evolução se processe com
naturalidade, como reflexo real da nossa vida e dos nossos costumes; mas
também reconhecemos os perigos que cercam essa evolução, tentando
137
encontrar modos e maneiras de neutralizá-los.

Renato Almeida, que já havia polemizado a questão da música

popular, tentou conciliar suas posições com a de Carneiro: “não vibrou por

um momento sequer a nota saudosista. Tivemos em mente assegurar ao

samba o direito de continuar como expressão legítima do sentimento de

nossa gente.” 138

Mesmo adotando concepções folclorísticas sobre o samba, Carneiro

reconhece e valoriza a síncope como elemento tradicional, ao contrário de

Mário de Andrade. Para Carlos Sandroni, “essa alusão à síncope é a única

tentativa em toda a Carta de definir, através de um termo técnico, o que

seriam as características musicais tradicionais do samba que se queria

preservar.”139

Apesar da posição assumida pelos folcloristas na defesa do samba,

cabe ressaltar que o popular e o folclórico continuaram em universos

distintos e o tipo de samba abordado caracterizava, via folclore, a identidade

da nação brasileira.

136
Edson Carneiro,. Carta do samba. Palácio Ernesto, 1962.
137
Idem, pág. 1
138
Carta do Samba, pág. 1
77

“Esse documento, que por assim dizer, oficializa o samba, garante copyright
dos autores, solicita do Congresso dispositivos legais que disciplinem os
problemas de sua divulgação, afasta de vez e em definitivo o samba dos
quadros do folclore, que afinal, é tudo o que não é oficial. Naturalmente, que
tudo se refere à forma urbana e popular do samba, não intervirá nos
batuques e sambas de roda da gente do povo, que continuarão em sua forma
puramente folclórica, no seu perpétuo vir-a-ser, na sua interminável fluidez”
140

Os folcloristas pediam que o samba evidenciasse a percussão –

elemento de características folclóricas – e garantiam autenticidade às

escolas de samba, desde que estas guardassem fidelidade às suas origens.

A preservação dessas características seria um dever patriótico, pois o samba

guardaria em si “um dos traços nacionais que mais distinguem a nossa

nacionalidade”.141 Temos então um projeto similar à Revista da Música

Popular, a tentativa de preservar a pureza na música brasileira, mantendo o

samba distante do vínculo comercial. Mas esse projeto seria implodido pelo

ulterior desenvolvimento da música popular brasileira, culminando na

chamada “linha evolutiva” bossa nova – MPB – Tropicália.

Carlos Sandroni observa que a própria escolha de Edison Carneiro

para a redação da Carta, manifestava “visivelmente a intenção de reforçar a

filiação folclórica do samba”. 142 Carneiro era o inventor da expressão samba-

de-umbigada (expressão que substituiu o batuque como termo genérico) e

essa separação diferenciava, para o folclorista, o samba folclórico (batuque),

do samba popular (vindo do maxixe).

Na Carta, Carneiro ainda recomendava que o compositor e o intérprete

não misturassem o samba puro com ritmos estrangeiros – que usassem ou

139
Carlos Sandroni. Feitiço Decente, pág.19
140
Carta do Samba, pág. 2
141
Idem. pág. 11
142
Carlos Sandroni. Feitiço Decente, pág. 98
78

um ou outro – para assim evitar a desnacionalização do samba, reduzindo-o

a música qualquer.

A Carta do Samba de 1962 encerra a trajetória de congressos,

documentos, discussões e contradições entre os folcloristas. Na década de

1950, muitos temas foram assumidos pela Revista da Música Popular que

optou por uma metodologia próxima ao que buscavam os folcloristas do

movimento: a pureza e a tradição na música brasileira, considerada reserva

cultural num processo de modernização capitalista e urbanização

acentuados.
79

CAPÍTULO 3

A INVENÇÃO DO PASSADO NA REVISTA DA MÚSICA POPULAR

“Mas fique firme que tudo vai entrar nos eixos.”

A Revista da Música Popular representou um eco direto da cena

musical dos anos 50 e do movimento folclorista. Foi uma resposta de alguns

críticos e jornalistas à “decadência musical” que se verificava no período e

também foi uma tentativa de resgatar a música brasileira considerada

autêntica.

Esse capítulo tem objetivo identificar que tipo de pensamento orientou

os jornalistas e intelectuais que colaboraram na Revista da Música Popular,

assim como mapear os grandes temas presentes no periódico, como o

folclorismo, resgate ou invenção da tradição, o panteão eleito pelo periódico,

a indústria cultural, o juízo de valor criado e, como já vimos no capítulo

anterior, a própria cena musical que a Revista refuta, mas que

inevitavelmente tornou-se um dos grandes temas de debate dos jornalistas.


143
O nacionalismo musical desenvolvido tanto pelos folcloristas da música

urbana, quanto pelos jornalistas ligados à Revista da Música Popular, gerou

uma escola que se mostrou forte, permeada por um espírito de aproximação

e paixão, sem porém endossar o discurso modernista de superioridade

artística da expressão erudita. A afirmação de Enor Paiano nos permite

entender como projeto dos jornalistas ligados à Revista da Música Popular

aproximava-se do espírito folclorista e da idéia de se criar uma identidade

para a nação brasileira. Paiano afirma que ao desenvolver obras sobre a

música popular, os autores extrapolaram o movimento modernista usando


80

uma metodologia similar - recolher, organizar, compilar, mantendo fidelidade

à expressão original e a um nacionalismo de caráter protetor, visando impedir

a “deturpação” da expressão nacional, pela comercialização ou pelas

influências estrangeiras.

Ao contrário do nacionalismo musical desenvolvido durante o Estado

Novo, que se aparelhou no Estado e se dirigiu à intelectualidade, os

folcloristas da cidade interferiram nos meios de comunicação de massa para

fazer com que suas idéias tivessem uma circulação mais ampla. Paiano vê

como principal vitória desse grupo o reconhecimento do samba como

manifestação nacional, autêntica e não regional. No fim dos anos 50, por

exemplo, os músicos populares já eram reconhecidos nacionalmente, vistos

como “genuína forma nacional.”.

Foi nesse período que se iniciou um debate musical centrado na

divulgação massiva da música popular brasileira Ainda segundo Enor Paiano,

os folcloristas urbanos (como ele os chama) não criaram um arsenal

ideológico próprio, que pudessem combater a desqualificação da música

popular dentro da hierarquia sócio-cultural, pois essa seria a contribuição dos

debates que viriam apenas nos anos 60.144

Outra característica da atuação dos folcloristas urbanos, além do

chamado rigor metodológico ou “rigor enciclopédico” (não esquecendo que

eles buscavam uma metodologia científica que acreditavam, vir do folclore),

era o trabalho baseado na memória que sempre pautou as ações desse

grupo. Essa contradição pode ser explicada pelo fato de a pesquisa, mesmo

sendo rigorosa, não vir acompanhada de instrumental crítico, principalmente

143
Enor Paiano. O Berimbau e o Som Universal
144
Para conhecer os debates em torno da MPB dos anos 60 ver: NAPOLITANO, Marcos,
Seguindo a Canção., 1998.
81

145
em termos cronológicos e de referência às fontes. José Honório Rodrigues

define esse tipo de trabalho como história memorialista, um tipo de arsenal

ideológico, mitificando e construindo personalidades de acordo com o projeto

desenvolvido.

Nestor Garcia Canclini, observa que o trabalho folclórico é também um

“um movimento de homens de elite que, através da propaganda assídua,


146
esforçam-se para despertar o povo e iluminá-lo em sua ignorância”

Tal valorização do passado a que se propunham esses intelectuais,

traduzia-se por um sentimento de nacionalidade. 147 A procura também exigia

um intérprete, representante do momento de glória, reconhecido pelas suas

aptidões específicas. Era um espírito nacional a ser criado, valorizando o

passado e fazendo uma leitura positiva do mesmo.

Podemos também verificar que o projeto da Revista da Música

Popular pressupunha um número de leitores mais dirigidos e mais restritos

do que a própria Revista do Rádio, principal periódico de entretenimento na

época, que tratava dos assuntos inerentes ao veículo, como os artistas, os

programas, as paradas musicais, de uma forma leve e com um caráter

simplesmente informativo. A Radiolândia, publicação que ocupava o segundo

lugar de venda sobre o tema, tinha uma estrutura parecida com a Revista do

Rádio. A mídia tradicional que ocupa o mercado, ainda segundo Canclini,

não concebe o popular como resultado de tradições e sim como lógica

145
, José Honório Rodrigues, História Memorialista e o Rio de Janeiro. In: Coaracy, Memórias da
Cidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, José Olímpio, 1965. Pág. 161
146
Idem, pág. 208
147
Se o "espírito nacional" está nos costumes, na raça, na língua e na memória, devendo
todos ser recuperados e valorizados, uma das concepções de passado está ligada à cultura
popular, manifestando-se através de um conjunto de tradições, convivendo com o presente,
sendo a-histórica e permanente.
82

comercial e por isso, tal noção é construída e manipulada pelos meios de

comunicação.

Popular é o que se vende e o que agrada a multidões. Não interessa ao


mercado e à mídia o popular e sem a popularidade. Não se preocupam em
preservar o popular como cultura ou tradição; “mais que a memória histórica,
interessa à indústria cultural construir e renovar o contato simultâneo entre
emissores e receptores. Também lhe incomoda a palavra “povo”, evocadora
de violências e insurreições. O deslocamento do substantivo povo para o
adjetivo popular e, mais ainda para popularidade, é uma operação
neutralizante, útil para controlar a “suscetibilidade política’ do povo. Enquanto
este pode ser o lugar do tumulto e do perigo, a popularidade é medida e
148
regulada pelas pesquisas de opinião.

A Revista da Música Popular procurou fugir desse perfil “popularesco”

e atingir um público mais restrito, propondo atuar no campo do resgate da

tradição, para eles, a música popular urbana carioca dos anos 30. A mídia

tornou-se então, para esse grupo, um meio de se tomar conhecimento do

folclore, entendido aqui ( e negado pelos folcloristas) como arte popular. O

objetivo era a formação de uma opinião valorizada em torno da música

popular brasileira.

A Revista da Música Popular propôs um novo projeto, tomando a mão

contrária da mídia tradicional e procurando um novo público, absolutamente

restrito, que fosse preocupado em manter as tradições e definir o papel do

povo na construção da nação. Lúcio Rangel, no primeiro número já dizia que

a Revista vinha para um “serviço meritório”.

O objetivo principal dos jornalistas que criaram a RMP era resgatar o

passado musical que representava a “alma nacional brasileira”. Mas tal

passado, onde se procurava encontrar raiz e tradição era fruto de um projeto

um tanto fortuito (obviamente não explícito e não assumido) de invenção de

148
Nestor Garcia Canclini, Op. Cit. pág. 259,
83

tradição. O historiador Eric Hobsbawn, desenvolveu o conceito de tradição

inventada, onde se compreende um conjunto de práticas normalmente

reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas; tais práticas, de

natureza ritual ou simbólica visam inculcar certos valores e normas de

comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma

continuidade em relação ao passado histórico apropriado.

A expressão pode incluir tanto as tradições que são verdadeiramente

inventadas, construídas e formalmente institucionalizadas, como também as

que são mais difíceis de localizar num período limitado e determinado de

tempo e que se estabeleceram com enorme rapidez. A função das tradições

seria dar a qualquer mudança (ou resistência à inovação) a sanção do

precedente e da continuidade histórica.

O fato folclórico, discutido no capítulo anterior e tido pelos folcloristas

(após as deliberações nos congressos) como invariável e científico,

funcionou como um elemento de sanção. Vemos então que, seguindo a

metodologia de Hobsbawn, para se inventar um objetivo original, seria

necessário a utilização de elementos culturais do passado, com base no fato

folclórico, para a elaboração de novas tradições. Para Hobsbawn, nesse

caso, o folclore poderia ser então modificado, ritualizado e institucionalizado

para servir a novos propósitos nacionais, gerando assim uma continuidade

histórica.

O autor verifica o caso das canções folclóricas, que se propagaram em

novo ambiente popular e urbano, sem que se perdesse sua origem rural ou

étnica. Podemos tomar emprestado essa afirmação, que se remete às

canções camponesas do interior da Inglaterra e colocar o samba urbano

carioca como um exemplo de invenção de tradição.


84

A linha de pensamento de Hobsbawn nos permite entender a atuação

dos jornalistas ligados ao projeto da Revista como intelectuais que buscavam

inventar uma tradição ao criar um projeto de restauração da música brasileira

dos anos 30.

O historiador inglês também deixa claro que não é necessário e não

tem sentido inventar tradições quando os velhos usos ainda se conservam.

Mas quando deliberadamente não são usados, nem adaptados, surgem

movimentos que defendem a restauração das tradições para indicar ruptura:

intelectuais que não podem preservar um passado vivo e por isso inventam

tradições ligadas ao nacionalismo, ou seja, à defesa de interesses nacionais.

Para outro autor que trabalha com o conceito de invenção de tradição,

Richard Peterson,149 pesquisar tradições seria uma forma de preservar as

características originais a fim de reestruturar a identidade de um determinado

grupo. O autor sugere que a autenticidade encontrada no passado seria

diferente da verdade histórica pois trata-se de uma construção social, uma

convenção que deforma parcialmente o passado.

Uma nação forte, segundo o autor deve ter música nacional, enraizada

na cultura popular, autêntica e emanada do diretamente do povo, das classes

baixas.150 Essa afirmação também pode se adaptar ao Brasil dos anos 50,

quando o samba de Ismael Silva, Noel Rosa, Aracy de Almeida, isto é, da

época da ouro, já não estava mais em moda. Seria preciso, segundo a linha

de resistência implantada por Rangel, recriar essas figuras de forma mítica

para se restaurar essa tradição. Como dito anteriormente, tal preservação

149
Richard Peterson,. La Fabrication de L’authenticité La country music. Pág. 8
150
A tradução para o francês coloca o termo ouvrière, para o povo. Traduzimos livremente e
adaptamos o termo de forma bem mais genérica, utilizando o termo classe baixa.
85

serviria ao propósito de construção da nação, garantindo a identidade e

consequentemente, a autenticidade.

A Revista da Música Popular é, portanto, o grande eixo dessa análise,

uma vez que compilou na forma de um periódico, toda a idéia de

autenticidade nacional e musical com metodologia folclorística.

Os folcloristas urbanos, emprestando o termo de Enor Paiano, seriam

os detentores da salvação da “autêntica” música brasileira. Por isso mesmo,

além do rigor científico que pretendiam, utilizavam a memória ( sua própria

memória, diga-se) como documento. Segundo Peterson, o trabalho com

memória torna a pesquisa infiel ao passado, uma vez que a pesquisa

memorialista procura satisfazer as necessidades do presente. 151

O passado evocado pela Revista da Música Popular, elegeu o samba

como o elemento autêntico, símbolo da brasilidade e da tradição. Um

levantamento dos termos mais utilizados na publicação demonstra que as

expressões “verdadeiro” e “autenticidade” “brasilidade” são freqüentes.

É um consolo a volta do verdadeiro samba nesta época do ano. Já não


ouvimos o samba de boite, o samba rumba ou o samba-blue. Agora as
batidas dos tamborins dominam tudo e quem canta o samba é o samba de
bossa ou o samba de voz. Acabou-se o reinado dos sussurrantes, o domínio
dos fazedores de boleros, o samba é agora o senhor absoluto.
E a gente ouve entusiasmado os Ataulfos, Monsuetos, e Haroldo Lobo e
outros do mesmo naipe, sambistas dos bons, sambistas autênticos. As
pastoras e as baterias estão nos discos, estão nos espetáculos nos teatros e
nos “shows” espetaculares. Mas breve estarão na rua , em volta da Praça 11
152
imortal.

Lúcio Rangel procurava evocar um clima de legitimidade no trabalho

desenvolvido pela Revista. Na afirmação que se segue podemos verificar a

tentativa do jornalista em criar uma ligação entre a brasilidade e a

autenticidade do periódico.
86

Sílvio é o intérprete ideal dos sambas cariocas cheios de malandragem e de


ternura, de poesia ingênua e de malícia. Mas é também o seresteiro
incomparável, o cantor das valsas, das modinhas e das serenatas, que fazem
lembrar um Rio mais antigo e mais brasileiro. (...) Sentimo-nos felizes ao
verificar que essa Revista, embora modesta, veio ao encontro do desejo de
milhares de leitores que reclamavam uma publicação séria, que tratasse com
elevação e amor tudo o que se refere à música brasileira

Todos os jornalistas ligados a essa publicação deixavam claro, através

de seus artigos, o que consideravam um passado legítimo. E, a partir disso,

procuravam recuperar a história através da revitalização dos documentos que

guardavam para a identificação das tradições populares do país,

estabelecendo um vínculo entre fonte e tradição. Para Gomes, “esse sentido

de tradição atribuído ao passado e desdobrado na idéia de história do povo é

convergente à idéia de espírito nacional.”153

Se analisarmos as múltiplas concepções de cultura e folclore, dentro e

fora do período estudado, notamos a impossibilidade de extrair uma única

compreensão desse conceito, embora se considere canção folclórica,

genericamente como a música vinda de raiz. Os colaboradores da Revista

posicionam-se no fato do samba ser considerado uma manifestação

"brasileira" e ser expresso através do "povo", como expressão de massa

ligada às suas origens. Para a RMP, inventar tradições significava recuperar

o material musical da cultura urbana brasileira com base no folclorismo.

Deve-se considerar música folclórica certo elemento pré-histórico, das


populações primitivas, cujo conteúdo conserva o povo em estado vivo e que
sejam originários de invenção coletiva (...) Se não possuímos uma verdadeira
música folclórica, no conceito de Mário de Andrade, possuímos, contudo,
uma criação musical com processos já fixados, apresentando uma unidade
154
de caráter que a torna perfeitamente popular

151
Richard Peterson. Op. Cit. pág. 4
152
Revista da Música Popular, n.º 3 pág. 1
153
Angela de Castro Gomes. Op. Cit. Pág. 171
154
Revista da Música Popular n.º 4, pág. 6
87

Certamente considerar o samba urbano como elemento folclórico

contrariava as decisões tomadas pelos Congressos do período, que

separaram o folclórico do popular (na música). Mas, não estando diretamente

envolvidos com os folcloristas, os articuladores da RMP acordaram entre si,

provavelmente não de forma explícita, que o periódico teria uma base


155
folclórica. Até porque tal categorização legitimava o projeto, dando-lhe

respeitabilidade perante a opinião pública

A RMP foi responsável por consagrar o samba como sinônimo de

tradição na música brasileira. Resgatá-lo, segundo seus autores seria

retomar o que estava disperso entre um passado “de glória” e um presente

obscurecido por outros ritmos, estrangeiros ou não. Concordamos com

Hobsbawn quando ele afirma que toda reverência ao passado acaba sendo

superficial, pois trata-se de uma resistência a situações novas. Resistir ao

presente, buscando a pureza no passado caracteriza a invenção de uma

tradição.156

Os projetos que envolveram o resgate da tradição musical brasileira

tem outra peculiaridade: a ligação dos artífices da Revista com os

movimentos de recuperação do passado que foram produzidos no período,

como a volta da velha guarda, a Antologia da Música Brasileira, os livros

lançados (posteriormente ao fechamento da Revista foram editadas

155
Em entrevista concedida a mim, o jornalista Cláudio Murilo Leal, colaborador da Revista,
afirmou não ser freqüente reunião de pauta ou mesmo discussões metodológicas entre os
colaboradores do periódico.
156
Eric Hobsbawn. Op. cit.
88

importantes obras que caracterizaram essa trajetória, como, por exemplo, No

tempo de Noel Rosa, de Almirante).157

Já verificamos anteriormente como os folcloristas se posicionaram

perante o que chamaram de folclore urbano. Também vimos a expressão

que Paiano utilizou para designar os intelectuais ligados a esse universo de

pesquisa: folcloristas da cidade. Cabe-nos agora verificar como e até que

ponto a RMP adotou esse critério.

Apesar de não estarmos tratando da seção de jazz da Revista,

faremos uma pequena análise para situar o pensamento folclorista também

nesse assunto. Sob a direção de José Sanz, a organização dessa seção fixa

tratava o jazz como folclórico, utilizando inclusive, expressões como folkways,

folklore afronorteamericano e folk música. Todos os artigos da seção de jazz

estavam relacionados com o universo do ambiente urbano vivido pelos

negros norte-americanos em New Orleans, para os articulistas das seção, a

única cidade que expressava a pureza da música “afroamericana”.

O crítico José Sanz deixou clara a abordagem folclórica, escolhida

pela Revista quando optou por utilizar a classificação, “excelente” de Ernest

Borneman:

1. Improvisação coletiva, em vez de partes escritas (arranjos).


2. Estrutura contrapontística, em vez de harmonia vertical
3. Orquestração individual para cada instrumento, em vez de por grupos ou
seções.
4. Variações baseadas em temas afroamericanos e não sobre temas
europeus ou americanos brancos. Temas afroamericanos em vez de
temas acadêmicos ou árias comerciais como ponto de partida para
improvisações coletivas.
5. Não acentuação dos quatro temos como base métrica das variações
rítmicas, em vez dos tempos 2/4 ou 4/4 acentuados.
6. Fraseado na tradição afroamericana (“spirituals, “work songs”, “blues”,
158
etc.), em vez de na tradição européia (Bix, Tatum, Wilson, Goodman).

157
Cartola também foi redescoberto nessa época por Sérgio Porto trabalhando como
garagista
158
Revista da Música Popular N.º 2, pág. 35
89

A classificação de Borneman nos dá uma dimensão exata do motivo

dos jornalistas para privilegiar um terço da Revista para o jazz. Tido como

gênero de raiz folclórica, podemos notar que até algumas deliberações dos

congressos de folclore, sobre espontaneidade e elementos primitivos,

encontram-se presentes na citação que transcrevemos.

Como já dissemos, a tradição criada pela Revista partia do

pressuposto que no passado estava o elo perdido da cultura musical

brasileira. Tal passado era visto pelo viés folclórico, tendo como base a idéia

de raiz, porém nunca foi claro para os jornalistas que escreveram no

periódico, qual e onde estava a base folclórica da música brasileira. Apesar

de receberem influência direta dos folcloristas em plena atividade no período,

também viam como autêntica, toda a manifestação musical carioca dos anos

30. Um panteão foi então construído, assim como conceitos valorativos de

obra prima (entendido como o samba) e obra medíocre (especialmente o

bolero). As ações culturais promovidas pelos interlocutores da RMP tinham

também por objetivo referendar uma tradição recém criada ou talvez

reorganizada.

3.1 Mercado, modernização e tradição

A Revista acreditava que a modernização suprimiria a tradição e que

esta se desapareceria com o aparecimento da indústria fonográfica. A crítica

que os jornalistas dirigiam ao moderno mercado fonográfico era a falta de

critérios estéticos e a não preocupação em deixar vivo o que chamavam de

passado de ouro, ou heróico da música brasileira. Os articuladores do


90

periódico acreditavam que a conservação das tradições resgataria uma

“consciência” da ainda nascente indústria fonográfica dos anos 50 para que

esta não se deixasse levar por “modernismos” e “estrangeirismos”. Outra

característica da publicação era o juízo de valor presente na definição de

“música boa” que estava ligada ao passado heróico e era desviada naquele

momento pela indústria do rádio e do disco.

Alguns editoriais nos dão uma dimensão mais exata dos temas

tratados. Lúcio Rangel escrevia e deixava claro que não faria concessões ao

mercado fonográfico.

Essa Revista contou, desde o seu primeiro número, com a colaboração de


diversos anunciantes, que souberam apreciar o nosso esforço, no sentido de
oferecer ao público uma publicação especializada que muitos desejavam. No
entretanto, e confessamos com tristeza, não tivemos o apoio daqueles que
mais de perto são beneficiados com a maior divulgação da nossa música
popular – os fabricantes de discos e os comerciantes das casas do ramo.
Devemos fazer uma exceção para Continental Discos, que desde o nosso
primeiro número nos honrou com a sua confiança, prestigiando o nosso
159
esforço, modesto, mas sério.

Temos exemplificado o embate entre tradição e modernização. Para a

Revista, toda música antiga (época de ouro) era considerada boa por

representar a alma da nacionalidade brasileira; enquanto a música moderna

era sinônimo de deturpação da autenticidade e da desnacionalização da

cultura brasileira. Um outro periódico que circulava no mercado foi convocado

pela Revista para a luta contra a modernização musical.

Radiolândia, conhecida revista especializada, vai iniciar uma campanha pela


nacionalização de nossa música popular, tão deturpada pelos falsos
compositores, pelos plagiadores de boleros, pelos “fabricantes” de sambas.
160
Ótima iniciativa, que conta com o nosso integral apoio (...)

159
Revista da Música Popular N.º 4 , pág. 1
91

Chamamos a atenção também para um dos artigos mais panfletários,

escrito por Cláudio Murilo, mesmo não chegando a analisar o panorama

musical da época, decretava a derrocada da música popular.

Não souberam nossos músicos reagir às influências estrangeiras; o


resultado está aí: choros be-bop, sambas, boleros, etc. Os nossos irmãos
yankees legaram-nos os “clichês bops” (...) e nós aceitamos. (...) O samba
desnacionalizou-se. O que tinha o sabor e marca do Brasil, perdeu o valor
161
para os ouvidos da nova geração.

Cláudio Murilo ainda afirmava que a música estava vivendo em meio

ao caos e à decadência e, para que houvesse esperança, seria necessária a

retomada da evolução, isto é, revolver ao passado, segundo seu próprio

termo, onde estaria presente a forma pura e nacional da música, sem

“cacoetes kantianos e outros exibicionismos de orquestras medíocres”.

Mesmo com a persistente crítica à indústria fonográfica, a Revista se

rendia ao fato de depender de publicidade para continuar circulando; mas

ainda oferecia resistência ao método tradicional de patrocínio, preferindo

agregar ideólogos em vez de pagantes.

Essa Revista precisa de publicidade para viver, como toda e qualquer


Revista. Avisamos, no entretanto, que a publicidade que inserimos é em
forma de anúncio. Não aceitamos reportagens e fotografias pagas. Fazemos
essa declaração aos nossos leitores e a quem possa interessar, para que
não se repita o caso de um certo diretor de publicidade de conhecida
gravadora que nos propôs um anúncio com a condição que a capa viesse
com o retrato do cantor X e, no texto, uma reportagem de duas páginas com
a cantora Y. Não, isso não fazemos. As capas, as fotografias e os textos que
publicamos não têm nenhum interesse financeiro. Focalizamos os artistas
que merecem o nosso interesse e o dos leitores, e não nos prestamos ao
papel de simples propagandistas de artistas muitas vezes “inventados” pelos
162
golpes e artimanhas já muito comuns em nosso meio.

O jornalista Pérsio de Morais era o responsável pela parte

administrativa da Revista da Música Popular e cuidava também dos

160
Revista da Música Popular N.º 5 pág. 1
161
Revista da Música Popular N.º 2 , pág. 14
92

patrocínios. A estrutura pouco comercial do periódico, além da postura

ideológica de Morais e Rangel provocaram uma crise financeira na Revista

após a 7ª edição, quando deixou de ser mensal e passou a circular de forma

aleatória, quando fechava o orçamento.

Os apoios comerciais e patrocínios que a que a Revista teve nos dois

anos de circulação merece uma consideração à parte. Já vimos que Lúcio

Rangel não aceitava participar do esquema comercial que a indústria

fonográfica começava a imprimir, tanto que se recusou a ter matérias pagas

de gravadoras. Isso levou Rangel e Pérsio de Moraes (diretor comercial) a

um direcionamento, uma escolha de quem iria custear a publicação mensal.

O interesse comercial não era prioridade. mas tratando-se de um projeto

independente, o patrocínio era absolutamente necessário. A lista que segue

oferece uma indicação da escolha.

ANUNCIANTES MAIS CONSTANTES


R.C.A VICTOR
LIVRARIA SÃO JOSÉ (LIVROS DE LUÍS EDMUNDO – CRONISTA DO RIO
RÁDIOS “BEL”
SUEBRA – MÚSICA POPULAR DE TODO O MUNDO
JUCA’S BAR
TEATRO CASABLANCA
FOTOGRAVURA SÃO JORGE
JORNAL DE LETRAS
PINTO BASTOS S.A. – IMPORTAÇÕES
GRAVADORA CONTINENTAL
DISCOS COPACABANA
LOJAS PALERMO S.A
LIVRARIA JOSÉ OLYMPIO

Os anunciantes citados acima não foram os únicos que ofereceram

apoio, mas foram os que mais publicaram seus anúncios. Contando com

algumas esparsas propagandas de companhias aéreas e tecidos, notamos a

162
Revista da Música Popular N.º 6, pág. 1
93

seleção rigorosa que os editores fizeram para o patrocínio da RMP, como

gravadoras especializadas em sambas, carnavais, livrarias que publicavam

livros de crônicas e memórias da cidade do Rio de Janeiro.

Apesar de parecer paradoxal, os anúncios de algumas rádios e

gravadoras indicam que as críticas não eram contra a modernidade, mas

contra a manipulação da indústria fonográfica no repertório musical que

alterava o gosto dos ouvintes.

No último número (14) ainda houve um apelo para conseguir

patrocínio, talvez fosse um último recurso para a Revista da Música Popular

continuar circulando.

Caro anunciante. Temos o prazer de informar-lhe que, neste momento, o seu


anúncio está sendo lido em todo o Brasil. [grifo da Revista](...) Podemos
afirmar, portanto, que a verba que V. S. destina à publicidade em nossa
Revista é uma verba bem aproveitada, além de contribuir para a manutenção
163
de um empreendimento cultural que é a REVISTA DA MUSICA POPULAR.

Durante os dois anos de circulação, colaboradores e patrocinadores

foram escasseando, dificultando o processo de edição da Revista da Música

Popular. A tiragem, que era para ser mensal, passou a ter intervalos maiores.

Em setembro de 1956, parou de circular sem qualquer aviso prévio. A única

referência é o editorial de número 12, que denunciava a crise:

Esta Revista não tem aparecido com a regularidade que desejaríamos.


Infelizmente, circunstâncias inteiramente independente de nossa vontade
vem contribuindo para isso. Os assinantes, contudo, nenhum prejuízo
sofrerão, pois contamos nossas assinaturas pelo número de exemplares
164
enviados, e não pelos meses em que fizeram suas assinaturas.

163
Revista da Música Popular n.º 14 pág. 15
164
Revista da Música Popular n.º 12 pág. 1
94

A Revista foi uma publicação que mereceu referência da imprensa na

época. A idéia de autenticidade do periódico foi corrente entre os jornalistas

que escreveram sobre o assunto:165

Não me lembro de outra publicação com esse propósito de se estudar de


verdade o nosso cancioneiro, de estimular o que é autêntico, de opinar e de
influir na gravação e na edição de músicas populares (Mário Cabral - Tribuna
da Imprensa)

Apareceu a Revista da Música Popular depois de uma longa e papeada


gestação. Saudamo-la, violões em continência. A turma que nela colabora é
de
primeira e sua influência poderá ser muito boa (Henrique Pongetti – O Globo)

A Revista tornava-se um foco de resistência contra o panorama

musical dos anos 50.

Aplaudimos a idéia de uma tal Revista, sobretudo agora, quando o rádio e a


televisão, com seus mil boleros e mambos, exercem uma influência danosa
sobre compositores e intérpretes de personalidade débil. Escrevo essa nota
para aplaudir a iniciativa. E, ao mesmo tempo, sugerir aos apreciadores da
boa musica popular que travam conhecimentos com a simpática publicação.
(Hoche Ponte – Correio da Manhã)

É a Revista que estava faltando a esta cidade tão sambista e seresteira, mas
que ainda não sabe, em termos de musicologia, a riqueza enorme que possui
em pouco mais de um século da sua canção de carnaval. (Antônio Bento –
Diário Carioca)

A proposta folclórica também foi destacada pela imprensa, assim

como a seriedade a que se propunha a publicação, uma vez que reuniu

nomes importantes do cenário intelectual da época:

O aparecimento da Revista da Música Popular é motivo de justa alegria para


os cultores da música folclórica e da música popular entre nós. [Esta]
selecionou um excelente corpo de colaboradores onde figuram especialistas
nos diversos aspectos musicais dos temas populares. É de louvar o
aparecimento dessa nova Revista, esperando que seja ela um instrumento de

165
Todas a publicações mencionadas saíram entre Setembro e Outubro de 1954, no Rio de
Janeiro.
95

valiosa orientação do público na compreensão da verdadeira música popular


166
e da música folclórica (Manuel Diegues Júnior – Diário de Notícias)

Tal grupo era tido pelos jornalistas “como abalizado e autorizado para

tratar da música brasileira”167 Também a possibilidade de ser um

instrumental para músicos foi mencionada pela imprensa. Por ser única em

sua proposta, foi referendada e anunciada como a melhor publicação sobre

música popular em sua época.

3.2 Espírito de colecionismo e as ações culturais

Outra marca do procedimento da RMP é o colecionismo. Além de

musicólogos, historiadores e jornalistas, foram chamados para colaborar na

Revista famosos colecionadores de discos raros. Eles emitiam opiniões,

mostravam suas coleções e realizavam críticas musicais. Tornaram-se peças

fundamentais para a proposta do periódico que pretendia cercar toda a

publicação musical do século XX.

Um exemplo importante é a Antologia da Música Brasileira, projeto

criado junto com a Revista, que não chegou a se concretizar. A Antologia

seria uma coleção de discos raros distribuídos apenas para quem se

associasse ao programa.

O folclore musical e a música popular brasileira estão sofrendo o impacto de


influências estranhas à medida que o progresso, - no caso, representado pelo
rádio - penetra nas camadas mais pobres da população e nas regiões mais
afastadas da civilização, que são a fonte de todo o nosso patrimônio musical.
Breve, o pesquisador terá imensa dificuldade em destacar exatamente o que
é música brasileira. Nos centros urbanos, principalmente, essa dificuldade já
se faz sentir. No Rio de Janeiro, por exemplo, rara é a música de compositor
popular ou sambista, atualmente, que não está cevada de modismos e estilos
pertencentes ao bolero, à rumba, à música popular americana e
principalmente sob a influência estética do atonalismo, através do be-bop.

166
Diário de Bauru - SP (citação da Revista) s/d
167
Diário de Bauru - SP (citação da Revista) s/d
96

Lúcio Rangel propunha então criar uma coleção para a preservação

da memória da música brasileira.

Urge, portanto, tomar medidas no sentido de preservar a nossa música, seja


pela regravação e popularização dos velhos discos hoje esgotados, seja pela
gravação de novos compositores e sambistas que, considerados não
comerciais, tem na sua música toda a pureza tradicional dos temas e formas
brasileiras. Daí a idéia de se criar uma Antologia da Música Popular
Brasileira, com o objetivo de proporcionar aos estudiosos e interessados o
que há de mais genuíno e importante no terreno do folclore musical e da
168
música popular.

Nos números seguintes, a referência à Antologia se perdeu. Na edição

de número 3, José Sanz esclarecia que "a Revista e a Antologia são

organizações inteiramente separadas, não sendo responsável uma pela

outra" Também argumentava que era uma idéia antiga de Lúcio Rangel e

que esta agora se concretizava com a colaboração de Mozart de Araújo. Em

seguida, Sanz explicava o objetivo do projeto que era “permitir aos

interessados na música brasileira, adquirir grandes coleções da nossa

música folclórica e popular hoje inteiramente esquecidas e pelas quais as

169
grandes firmas gravadoras não se interessam”.

José Sanz projetou a edição da Antologia. Os discos seriam de 12

polegadas, com seis músicas em cada face, selo próprio desenhado pelo

pintor Santa Rosa e que, principalmente, cada uma viria acompanhada de

um folheto "com um estudo crítico sobre o autor, intérprete e músicas”.

A Antologia era um exemplo do tratamento sistemático que os

folcloristas davam a uma coleção e demonstra como a tentativa de recuperar

o material musical da música urbana brasileira tornou-se preocupação

constante, presentes nos textos dos colaboradores da Revista.

168
Revista de Música Popular. n. 1, pág. 27
169
Revista da Música Popular n.º 3 pág.23
97

Outras seções que exemplificaram o espírito de colecionismo na

Revista da Música Popular foram: “Estes são raros” e “Discografia completa

de...”

No primeiro caso, a seção (que não era assinada), foi uma tentativa de

criar uma historicidade para a música popular e ao mesmo tempo, recuperar

o material musical. A coluna fixa trazia a ilustração de discos raros e pouco

conhecidos do grande público e os artigos contavam a história do intérprete,

do compositor ou mesmo do disco.

Seu Libório é um dos bons discos da música popular brasileira. Aliás, nesta
época de LP, não seria má idéia se os atuais possuidores das matrizes dos
discos de Vassourinha lançassem um disco reunindo todas as gravações do
170
cantor tão cedo desaparecido.

Outras vezes o autor da seção se orgulhava em apresentar um disco

peculiar e desconhecido do grande público:

Foram diversos os discos de Benedito Lacerda como cantor. Os


acompanhamentos são do Grupo Gente do Morro, dirigido elo próprio cantor.
Extremamente raro, acreditamos que nem mesmo o autor de Boneca seja
171
possuidor de um exemplar do mesmo.

A outra seção fixa, “Discografia Completa de...”, pretendia auxiliar os

colecionadores com informações precisas sobre a coleção discográfica de

artistas dos anos 30. Durante o período que circulou, a seção teve quatro

grandes discografias completas: Francisco Alves, Mário Reis, Jacob do

Bandolim e Orlando Silva.

A primeira seleção foi organizada pelo jornalista, radialista e crítico

Sílvio Túlio Cardoso, que procurou compilar a discografia de Francisco Alves

nos números 3, 4 e 5 da Revista. Mas o procedimento metodológico da

170
Revista da Música Popular, n.º 2 pág. 15
171
Revista da Música Popular, n.º 12 pág. 7
98

Revista da Música Popular exigia rigor de pesquisa e precisão nos dados, por

isso, uma retificação acontece no número 9, reformulada por um misterioso

Enegê, que Lúcio Rangel afirmava ser um grande discógrafo escondido sob

pseudônimo.

A Discografia Completa de Francisco Alves (...) de autoria de Sílvio Túlio


Cardoso apresentava muitas falhas. (...) Para que o trabalho ficasse completo
e sem falhas (esperamos) (...) encomendamos uma quarta e última relação,
com todos os discos que não foram arrolados por Sílvio Túlio. É o que
apresentamos hoje aos nossos leitores, ficando completa, realmente, a
172
discografia do grande cantor brasileiro.

A Revista da Música Popular fazia parte de um amplo programa para

preservar a tradição na música brasileira e isso incluía não apenas o cuidado

com o patrimônio, mas também as ações culturais. Entre os eventos culturais

promovidos, além da própria Revista, estavam o já citado projeto da

Antologia da Música Brasileira e o Festival da Velha Guarda.

No momento em que sai esse número, realiza-se em São Paulo o II festival


da Velha Guarda, a grande festa da Música popular brasileira. Como no ano
anterior, Pixinguinha, Benedito Lacerda, Donga, Caninha, os irmãos Palmieri,
Paraguassú, Raul Torres e muitas outras figuras tradicionais de nosso
populário estarão presentes. A REVISTA DA MÚSICA POPULAR, em seu
próximo número, fará uma cobertura jornalística completa do grande
acontecimento promovido, mais uma vez, pelo extraordinário homem de
rádio que é Almirante, e sob o patrocínio da Rádio Record, emissora que
cada vez mais prestigia a verdadeira música popular brasileira.

Em 1954, por ocasião do 4º Centenário de São Paulo, Almirante, que

trabalhava na Rádio Record, resolveu promover um espetáculo para

defender e consagrar a tradição na música popular. 173 Juntamente com

Eduardo Tapajós e Lúcio Rangel, reuniu os representantes da época de ouro

e reconduziu ao cenário musical artistas que há tempos não se

172
Revista da Música Popular, n.º 9 pág. 19
173
Revista da Música Popular N.º 7 pág. 20
99

apresentavam ou gravavam. Pixinguinha foi o mais homenageado, tomando

parte na galeria dos “gênios da música popular”.

Novamente os representantes dos primórdios da nossa música popular


receberam a consagração a qual fazem realmente jus, pela beleza e pela
excelência de suas interpretações, das composições realmente nossas.
Pixinguinha comandando, Moreira da Silva cantando, João da Baiana,
Alfredinho do Flautim, Bide da Flauta, Orlando com seu trombone, Haroldo e
Salvador, ritmistas, Cirilo Edgar e seu cavaquinho, e outros, brilharam (...) e
174
permanecerão lembrados para sempre.

O evento aconteceu nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e

Minas Gerais, e o sucesso das apresentações criou nos promotores a idéia

de lançar uma campanha de defesa da música brasileira. Segundo eles, a

nossas canções estavam sendo preteridas “de maneira injustificável pelas

composições oriundas de outros países, divulgadas entre nós em quantidade

considerada excessiva e danosa”.175

A campanha não chegou a acontecer de fato, mas a idéia da

preservação associada ao espetáculo gerou ainda outro fruto que foi o

lançamento do disco da Velha Guarda, representando “ o que há de melhor,

mais autêntico e puro em nossa música, tanto no que se refere aos números

escolhidos quanto à execução dos veteranos componentes do grupo, que

nada perderam com o correr dos anos176.

“Em todos os números, as três vozes do conjunto (Pixinguinha, Bide e


Alfredinho) apresentam um trabalho contrapontal que é o que há de mais
puro em nossa música e uma verdadeira lição para os “abolerizadores” de
nosso samba. (...) Esse LP, que aparece em momento oportuno, representa
uma esperança de que nossas gravadoras resolvam finalmente se interessar
pelo que nossa música tem de mais autêntico e belo, e que não se preocupar
apenas com o sucesso comercialmente fácil de certas coisas que andam por
aí. Alem do valor musical e artístico inestimável deste disco, salientamos as
notas de Lúcio Rangel e a capa de Lan, captando bem o espírito do grupo.
Este é um disco que ninguém, qualquer que seja seu gosto musical, pode
177
deixar de ter em sua discoteca.”

174
Revista da Música Popular N.º 1 pág. 23
175
Revista da Música Popular N.º 7 pág. 20
176
Revista da Música Popular n.º 9, pág. 16
177
Idem
100

A RMP deu grande cobertura para cada apresentação e para o

lançamento do disco. A divulgação ampla, tanto na Revista, quanto na

imprensa em geral, consagrou a expressão “Velha Guarda” , que passou a

ser corrente no vocabulário musical.

Apesar disso, quando ouvimos o resultado final das gravações,

percebemos que o tratamento fonográfico da velha guarda, a aproximou do

clima carnavalesco da cena musical dos anos 50. Como exemplo, tomemos

a gravação de Pelo Telefone, feita pelo conjunto de Pixinguinha, onde

percebemos a presença da tão fustigada marcha de Carnaval.

3.3 Algumas seções fixas

A Revista da Música Popular contou com vários autores consagrados

pela literatura e imprensa, como Manuel Bandeira, Almirante, José Sanz,

Sérgio Porto e outros. Lúcio Rangel criou seções fixas para alguns e

contribuições esporádicas para outros autores. As seções fixas objetivavam

transparecer um método de pesquisa para os leitores.

O primeiro caso refere-se à folclorista Mariza Lira que possuía uma

coluna fixa intitulada História Social da Música Carioca. A pesquisadora,

especialista em folclore brasileiro, trouxe para o periódico um estudo sobre

as raízes folclóricas da música do Rio de Janeiro.

A partir da edição número 3, a coluna de Mariza tornou-se constante

no periódico. A proposta seria historicisar a música popular carioca, garantir a

vertente folclórica e consolidar a idéia de que a música nascida no ambiente

urbano do Rio de Janeiro era a música que representava a identidade da

nação brasileira.
101

178
Mariza Lira escreveu dez artigos para a Revista da Música Popular

procurando evidenciar as raízes folclóricas da música brasileira.

Provavelmente, o objetivo da folclorista em cada artigo era chegar de forma

cronológica aos anos 50, o que não aconteceu pela suspensão do periódico

no número 14.

ARTIGO N.º DA REVISTA


O ALVORECER DA MÚSICA DO POVO CARIOCA 3
OS NOSSOS PRIMEIROS TROVADORES 4
RITMOS CARNAVALESCOS 5
A INFLUÊNCIA DO ÉTNICO NA NOSSA MÚSICA POPULAR 6
A INFLUÊNCIA AMERÍNDIA 7
A CONTRIBUIÇÃO DO NEGRO – O RITMO 9
A MÚSICA DAS SENZALAS 10
MÚSICA DAS TRÊS RAÇAS 11
A MODINHA 12
A MODINHA II 13
A POLCA 14

Nos dez artigos Mariza confirma a história da formação do povo

brasileiro a partir do conceito e da trajetória social das três raças, que deu

origem à mestiçagem, propalado elemento característico da brasilidade.

E enquanto as três raças se fundiam num caldeamento aprimorante de


mestiçagem, a música evoluía lindamente depois de três séculos de
marasmo e às vezes de indecisões. A melodia triste, alcançando o pungente,
era avivada pelo ritmo quente do africano. Enquanto a revolta do índio
179
guardava a originalidade que hoje é o grande encanto da música brasileira.

O elemento musical primitivo seria encontrado junto aos índios

tamoios “que eram os músicos mais inspirados e os primeiros gentios cuja

178 Mariza Lira era colaboradora da Revista da Música Popular, mas não temos certeza se
esses artigos foram especialmente escritos para o periódico. Durante a década de 30, a
folclorista escrevia para jornais do Rio de Janeiro e os temas dos artigos eram os mesmos.
Não localizamos, em pesquisa realizada nesses jornais, artigos iguais aos da RMP. Mas
devido a ausência de qualquer tipo de referência na Revista não podemos ter precisão da
data e nem a localização original dos artigos.
179
Revista da Música Popular , n.º 11 pág. 6
102

180
música foi apreciada pelos europeus.”. Concentrando a análise na mesma

época, Mariza Lira focaliza como outros elementos formadores, o português

e o “negro-africano escravizado”

Temos ainda os anos de dominação espanhola, a invasão holandesa ao


norte (...). Dessa fusão que se processou ao som das características
musicais desses vários povos, resultou a riqueza original e típica da música
181
desse Brasil mestiço.

A modinha, primeira manifestação brasileira, nasceu sob influência

portuguesa, mas foi inspirada “na beleza deslumbrante do cenário carioca” 182

O ritmo que ganhou os salões europeus levado pelo músico Domingos

Caldas Barbosa foi comparado por Mariza Lira com os sambas de Noel. A

folclorista afirma que a modinha foi a primeira música brasileira destina ao

comércio e também foi a primeira canção a narrar em forma de crônica o

modo de viver do carioca.

[Domingos Caldas Barbosa] por certo foi o precursor, nas nossas canções
dos “leilões quando são postos à venda corações, violões (Noel Rosa) e
outras coisas mais.(...) Ele, pois deve, neste setor, ser considerado o ponto
183
de partida da nossa riqueza popular.

Em outro artigo, Mariza observa que o Carnaval, na figura do Zé

Pereira, representou mais uma tradição portuguesa incorporada pelo povo

brasileiro. Durante o século XIX, Antonio da Silva Callado e Chiquinha

Gonzaga foram os nomes responsáveis por definir a tradição da música

urbana brasileira. No século seguinte, Mariza Lira elegeu a casa de Tia Ciata,

na Praça 11, e o empresário Fred Figner, como os responsáveis pela

180
Revista da Música Popular , n.º 3 pág. 20
181
Revista da Música Popular , n.º 3 pág. 22
182
Revista da Música Popular , n.º 4 pág. 10
103

consolidação do samba e da marcha. Figner foi dono da Casa Edison,

primeira gravadora do Brasil e a casa da Tia Ciata foi o ponto de encontro

dos boêmios e músicos da cidade. O reduto que reunia Donga, João da

Baiana, Pixinguinha entre outros, foi o local de nascimento do primeiro

samba gravado, Pelo Telefone, registrado por Donga. Segundo Mariza Lira,

mesmo sob influência de sincretismos, o samba se tornou o representante da

identidade nacional.

Outro elemento formador, segundo Mariza Lira, era a música das

senzalas, vinda dos negros africanos, “mártires da nossa nacionalidade” 184.

Em meio as danças primitivas, como lundus, acalantos e chulas, apareceu a

umbigada, que deu origem ao batuque, principal componente do samba.

Essa trajetória folclórica remete à idéia de evolução, onde o primitivo isolado

e sem influências, permaneceria puro. A folclorista ainda coloca que o lundu,

principal dança dos negros, adaptou-se, ganhando versos humorísticos em

vez de lamentosos e que evoluiu das senzalas para as ruas da cidade.

Do tempo da escravidão chegou-nos o eco desses lamentos das senzalas,


fragmentos de cânticos religiosos ou de solenidades sociais africanos,
extravasados nos leitos da capina ou abafados nos troncos, depois do castigo
185
tremendo.

No espaço urbano, a presença negra foi fundamental para a formação

da música nacional. “Os negros de ganho transportavam fardos e iam

cantando e as ruas ressoavam ecoando a bulha das vozes e das cadeias”

Enquanto o negro carregado ritmava o esforço muscular com exclamações


compassada a dois tempos: Ê...ê Ê...ê
Isso nos interessa ao folclore, embora tenham servido de inspiração para a
186
composição de músicas populares (...)

183
Revista da Música Popular , n.º 4 pág. 12
184 Revista da Música Popular, N.º 10, pág.11
185
Revista da Música Popular , n.º 10, pág. 11
186
Revista da Música Popular n.º 10, pág. 8
104

Depois de isolar os focos musicais primitivos, Mariza Lira afirmava que

a nacionalização da música popular aconteceu nas ruas do Rio de Janeiro,

no bailes de Carnaval e nas rodas de choro, esta última, “canção

autenticamente carioca”.

A intenção de encontrar as raízes folclóricas para a música brasileira e

ao mesmo tempo criticar o popular urbano (comercial) se perde um pouco na

trajetória rural-urbano que Mariza Lira faz nos artigos para a Revista da

Música Popular.

Os artigos que o jornalista Jota Efegê escreveu para a Revista tiveram

o objetivo de identificar os aspectos primitivos da música brasileira. 187 Nos

artigos, “Noel Rosa: O Cantor Mais Expressivo da Música Popular Carioca”,

“O Condutor de Bonde, Personagem Quase Clássica” e “Festa da Penha,

Prelúdio de Carnaval”, Efegê ressalta a importância das raízes da música

brasileira. Noel Rosa foi considerado um cantor expressivo (o termo mais

pertinente seria compositor) por trazer coisas, fatos, modismos do ambiente

em que vivia. Seu samba, denominado de música ligeira, pertencia à escola

negra que nasceu sob a influência dos “africanismos” no Rio de Janeiro,

especificamente na Casa da “Tia Assiata”.

Nesta hora em que os sambistas e ainda os marchistas, na feliz desinência


de Orestes Barbosa, são arrolados e quiçá reconhecidos como compositores,
mas que os afeitos às rodas os classificam como tiradores de samba, porque
era esse o termo usual nos morros para se designar os que arranjavam
facilmente melodia e versos para serem entoados, Noel Rosa deve ser
lembrado como compositor, compositor na verdadeira acepção do vocábulo.

187
Três artigos escritos para RMP foram selecionados para a publicação do livro Figuras e
Coisas da Música Popular Brasileira Rio de Janeiro: FUNARTE, 1978. Págs.18, 21 e 23.
105

As festas populares também foram lembradas como ponto de

encontro dos músicos que mantiveram contato com as tradições populares.

As festas que aconteciam em outubro na Igreja da Penha ficaram conhecidas

por apresentar um repertório pré-carnavalesco ao reunir músicos como

Pixinguinha, Sinhô e Caninha. Segundo Efegê, o repertório musical que

nascia no subúrbio indicava o início da popularização musical que se

espalhava e ficava conhecida por toda a cidade.

O morro era outro local onde a pureza das tradições, na visão da

RMP, estavam presentes. No artigo “Risoleta, Trêfega e Vaporosa” que abria

uma nova seção fixa denominada “O samba na Literatura”, Jota Efegê narra

a trajetória um tanto trágica dos sambistas, que sofrem por amor, brigam com

navalhas e sofrem todo o tipo de dificuldades. Seria a partir desse sofrimento

da gente do morro, que o samba nasceria simples e poético.

Risoleta! A musa vivida do morro. O estro dos “bacharéis” do samba. A


inspiração, a “bossa” poética do malandro. (...) Pequenos tamborins,
martelados com cadência, sustentam harmoniosamente o ritmo alegre. E,
como um paradoxo musical, as puitas têm um gemido contínuo na sinfonia
188
fácil que se espalha pelo sossego da noite. Forma-se o samba.

Outro colaborador da Revista era o folclorista Cruz Cordeiro. Em um

artigo denominado Teatro Folclórico Brasileiro, Cordeiro escrevia que o

“folclore é saber do povo”. A sucinta definição reitera o caráter folclórico da

Revista e ao mesmo tempo cria uma forma de pensar as tradições populares

dentro do periódico. Vejamos parte do artigo:

“Existe uma tremenda força folclórica potencial inapropriada em nosso país


(...). Foi apenas por falta de potencial ou de verba que tal poder criador da
arte do povo e da arte popular deixou de se concentrar um grandioso e único
empreendimento.”

188
Revista da Música Popular n.º 10 pág. 4
106

Cordeiro pede também para o governo a criação de uma entidade

especializada para captar elementos sempre presentes no “povo anônimo “ e

também para ”valorizar a união entre o erudito ou culto e com o popular e o

folclórico. Erudito e folclórico são então inversos, antagônicos. O rústico

estaria diretamente associado à arte vinda do povo.

Outro artigo de Cruz Cordeiro que merece nossa análise detalhada

denomina-se Problemas de um show folclórico. O folclorista relata a

Conferência Mundial da Energia que ocorreu em Petrópolis – RJ em 1954

onde fazia parte da equipe de tradutores e correspondentes do comitê

brasileiro e ficou junto com uma equipe, encarregado da organização de um

“show” folclórico.

A dualidade entre a indústria de disco que crescia e a preservação do

folclore é latente no artigo que ainda registra uma outra definição para

folclore: arte popular, sem interferências culturais que traz um espírito de

autenticidade e simplicidade

Logo nos opusemos a qualquer exibição do que hoje, em nosso meio


fonográfico, se chama de “cartazes”, pois de folclore nada dai podia sair além
do risco de oferecermos ao estrangeiro uma versão melhor ou pior do que já
se conhecia de “boites”, rádios e teatros mais ou menos convencionais e
padronizados em qualquer lugar”

A observação sobre a exibição gráfica é um ponto de partida para a


189
análise de Cordeiro, que recorreu ao Grupo Brasileiro de Arte Popular

para a apresentação no hotel. Assistindo aos ensaios, chegou às seguintes

observações:

1. “Por mais rica, atual e popular, o elemento da folcmúsica afro-brasileira


predominará, por enquanto, pelo menos, em qualquer espetáculo folclórico brasileiro

189
Grupo que era oriundo do antigo Teatro Folclórico Brasileiro
107

2. Há uma arte espontânea e criadora na população mestiça e de cor em nosso


país (arte ignorada e impraticável pelos brancos).
3. Há um amor e consciência perfeitos pelos nossos temas originais de folclore
em tal população, inclusive no seio do nosso povo anônimo, cujos elementos apareciam
no “grupo” em apreço ao menos anúncio de jornal, revelando talentos excepcionais.”

A próxima afirmação determina como a influência prejudica a pureza

do folclore:

4. Sem conhecimentos técnicos do ballet profissional dos brancos (...)


nossos artistas do povo tem uma escola própria e original, na qual só falta a parte de
ginástica física tecnicamente orientada sendo prejudicial para arte deles, não só a
técnica como as criações do ballet clássico, do mesmo modo que qualquer
intromissão [grifo meu] da técnica da música culta ou erudita, inclusive no seu
instrumental ou percussão.

O autor se refere a presença da técnica, ou de um material mais

elaborado como um elemento desnorteador, que tira a autenticidade do fato

folclórico. Também no caso da música “a intromissão dum cavaquinho”

desnorteia e transtorna a marcação de atabaques, dança e coro num samba

e num côco. ”Se for o caso de uma orquestra qualquer querendo

acompanhar, então o desastre será o mais completo possível, ninguém mais

se entendendo no coro, na dança ou na marcação”.

Foram pelas radicais posições de Cordeiro, que a apresentação do

Grupo Brasileiro de Arte Popular teve a supressão “de qualquer elemento

musical de corda ou sopro, nos seus números baseados apenas em ritmo de

percussão, de dança e coro ou vozes”.

A cena musical do período aparece no fim do artigo em tom de

completa reprovação, como não poderia deixar de ser:

Existe, pois, um vasto campo a ser estudado, cientificamente, para fundação


real, efetiva e técnica de arte do povo brasileiro na sua mais legítima
expressão, fora do espírito ‘boitístico’ ou de rádio, que, no momento,
desordenadamente impera em nosso populário.
108

A idéia de uma cultura pura e autêntica está também presente em um


190
artigo do músico Brasílio Itiberê sobre o filme “Orfeu do Carnaval”, de

Vinícius de Morais, com direção de Marcel Camus. Neste, o folclorista discute

o perigo do sincretismo na obra de arte: “Não posso imaginar obra de arte do

assunto brasileiro, dirigido por um estrangeiro que ainda não se integrou na

nossa formação racial. É um perigo tremendo..”

Itiberê sugere a Vinícius encontrar um material puro, não deturpado,

ou seja, um material folclórico utilizado de forma dosada “mediante o perigo

de uma fauna parasitária do folclore que poderia comprometer ou desvirtuar

a autenticidade da obra. 191

Posições como as de Cruz Cordeiro e Itiberê trazem à tona uma outra

discussão sobre os colaboradores da Revista. Classificá-los como

intelectuais talvez não fosse o caso, uma vez que nenhum deles estaria

ligado à academia. Mas a afirmação de Angela de Castro Gomes é

imprescindível para entender a posição desses artífices: "são historiadores,

em tese, aqueles que produziram na área de estudos históricos e são, com

freqüência, poetas, romancistas, juristas e, praticamente todos, jornalistas

militantes.192

Enquadro o termo aqui pelo fato desse jornalistas, ligados a Revista,

serem intelectuais de seu tempo, frutos de uma geração que pretendia criar

uma memória musical para o país dando continuidade a uma época dita

heróica. Gomes ainda coloca que

uma geração situa-se na junção de memória e história, entendida como um


conjunto de homens que experimentou um certo tempo. Falar de geração,

190
Revista da Música Popular, n.º 12, p. 2
191
Todos os congressos de folclore na década de 50 acabaram representando um perigo
para os folcloristas mais puristas, pois havia a proposta de um sincretismo que poderia
desvirtuar a pureza da cultura brasileira.
192
, Angela Castro Gomes. História e historiadores. RJ: Fundação Getúlio Vargas, 1999
109

nessa perspectiva, é falar de relações entre pessoas de um mesmo grupo e é


falar também das relações entre gerações, pois há uma nítida dinâmica
193
construtiva nesse processo.

Uma outra seção da Revista, Discoteca Popular, foi o espaço para a

crítica que se fazia à indústria cultural da época. O editor pede que sejam

criadas mais discotecas populares para que nestes houvesse a preservação

dos sambas antigos “que ainda detém a preferência absoluta dos ouvintes”

Nesse artigo, aparece o conceito de obra medíocre: “as músicas populares

mexicanas, de tão grande aceitação no momento, ocupam, bastante

distanciadas, o segundo lugar (...) À medida que esses programas são

realizados, cresce o interesse pela boa música ”.

A Revista ocupou várias seções para cuidar do assunto sobre a

desnacionalização que a música brasileira vinha sofrendo nos anos 50, com

a entrada dos ritmos estrangeiros. Em quase todas as seções especializadas

em tratar do tema, havia a referência sobre o assunto. A luta contra a

indústria fonográfica tinha um objetivo: a preservação do autêntico.

3.4 Os grandes ídolos do passado

Ao longo de suas 14 edições a Revista da Música Popular abordou

temas como folclore, tradição e época de ouro. O panteão de artistas eleito

pelo periódico também nos permite compreender o movimento pretendido

pela publicação.

Os ídolos dos anos 30 e 40 foram os personagens principais da

Revista da Música Popular. Eram os grandes destaques e foram

193
Idem. Pág. 40
110

apresentados em entrevistas, artigos e crônicas ao longo dos 14 números do

periódico.

Ary Barroso foi dos um dos personagens centrais da RMP. O

compositor de Aquarela do Brasil, ao lado de Pixinguinha, Caymmi e Noel,

formava o primeiro escalão de gênios da música brasileira.

Um exemplo foi a entrevista que Ary concedeu a Paulo Mendes

Campos, que traçou um perfil do compositor e ao mesmo tempo aproveitou

para referendar o que chamava de música legítima. É interessante a

configuração deste artigo, com forma rápida de perguntas e respostas, onde

o compositor falava de seus gostos musicais, de futebol, de política. Textos

pequenos, charges, fotos e os temas separados por pequenos títulos. Frases

de efeito para garantir a respeitabilidade ao “maior compositor popular”

Ary Barroso foi presidente de honra da Revista da Música Popular e

colaborou com diversos artigos e entrevistas. Nestes, se dizia protagonista

da História do Samba e, portanto, “uma fonte viva”

Começo por dizer que não sou espectador da História do Samba. Sou um
pouquinho mais, sou protagonista. Muita coisa que ouço e leio sobre o mundo
da música popular não passa de palpite, de alguém que deseja saber, mas
194
não investiga as fontes vivas dessa sabedoria.

No polêmico artigo, Ary escreveu sobre Noel, revelando a importância

das letras do poeta da Vila, mas o desconsiderando enquanto gênio. “Como

melodias, às vezes, tinha sorte. Como cantor, mau. Como violonista, o

suficiente para se fazer entender” 195

A pedido dos leitores, Almirante escreveu para a Revista uma

resposta: Noel foi grande, mesmo sem parceiros. Neste artigo, Almirante

194
Revista da Música Popular n.º 11, pág. 5
195
Revista da Música Popular n.º 11, pág. 5
111

defendeu Noel Rosa, chamando as críticas de Ary de “maledicências” que

pretendiam diminuir o mérito do compositor como produtor de melodias,

restringindo-o a condição de poeta. A defesa incondicional do poeta da Vila

era uma constante na vida de Almirante. Em outra ocasião, voltou ao tema.

Já vi e ouvi, por exemplo, grande Ary Barroso afirmar, em programas de rádio


e TV, que Noel Rosa fora, meramente, bom letrista, mas péssimo melodista.
E, além de Ary e suas autoridade, outras personalidades de valor de nossos
meios musicais, repetem e expandem opiniões do mesmo quilate, criando em
torno do saudoso companheiro do Bando de Tangarás as mais desbaratadas
inverdades, Muita gente, nos dias que correm, fala de Noel como se o
houvesse conhecido a fundo, como se tivesse privado da intimidade do
famoso compositor. A maioria, entretanto, jamais terá tido com ele mais do
196
que um breve contato do cafezinho.

Nos artigos que aparecem nos números seguintes, a visão de Ary

sobre Noel foi mencionada e respeitosamente refutada.

Dorival Caymmi foi outro nome constante na Revista. O baiano que

começou a carreira fazendo canções para Carmem Miranda foi considerado

pela RMP um representante do folclore nordestino, pois conciliou

regionalismo com música erudita. Uma alternativa válida à modernização,

conforme os valores da RMP.

O compositor que a Revista relacionava à pureza e a tradição,

concedeu uma entrevista a Paulo Mendes Campos e respondeu sobre a

situação da música popular no Brasil

A nossa música popular recebe em cada fase muitas influências exóticas e


de um caráter estritamente comercial. Há muitas falsidades, com o baião e a
música de morro. (...) Sou um produto do tempo em que o rádio cultivava as
197
coisas sérias(..)

196
Sérgio Cabral. No tempo de Almirante, pág. 301. Observação: Cabral não nos fornece
nem a data nem a fonte dessa citação de Almirante; mesmo assim a utilizei como referência
pelo seu importante contexto .
197
Revista da Música Popular n.º 4, pág. 2
112

Caymmi também se rendeu às críticas que a Revista fazia ao

panorama comercial da época e posicionou-se como representante da

verdadeira música brasileira.

O compositor Noel Rosa foi destaque especial da Revista, uma vez

que em todos os números apareceram artigos sobre o compositor da Vila

Isabel, o definindo como gênio e principal compositor brasileiro. Não seria

irreal supor que a própria RMP consagrou figura de Noel como o

representante da mais autêntica tradição brasileira. A visão que os inúmeros

artigos nos oferece acaba favorecendo essa constatação.

Rubem Braga, na edição de número 1 classificou Noel como símbolo

da brasilidade.

Os seus sambas de amor mais tristes tem na letra ou na música alguma


coisa que evita o patético pegajoso do tango (...). Noel está precisando de um
assunto sério. Um dia alguém o compreenderá e o fará – porque aquele
homenzinho sem queixo e de olhos de criança muitas vezes exprimiu, na
ingênua malícia tão saborosa de sua linguagem, mais de dois terços do Rio
198
de Janeiro.

O folclorista e escritor de música brasileira Jota Efegê escreveu outro

artigo sobre Noel classificando-o como o cantor mais expressivo da música

popular carioca. Como outros folcloristas, Efegê quer deixar claro o caráter

científico de sua pesquisa: 199

Quando se escrever uma história certa, precisa ser bem analisada, de música
ligeira carioca nas suas diversas modalidades, denominadas, genericamente,
samba e marcha, mas que dentro do ritmo ou andamento podem ser
classificadas: samba canção, samba corrido, chula, batucada, etc., há de
aparecer ao lado de Sinhô, Pixinguinha, Donga – o nome de Noel Rosa.

198
Revista da Música Popular, N.º 1, Pág. 11
199
Revista da Música Popular n.º 3, pág. 14
113

Noel foi colocado pelo escritor como um talento da geração posterior à

“escola negra”, composto pelos nomes citados acima. Para a RMP, havia

uma diferença entre ser compositor e “tirador de samba”

Noel era compositor porque era capaz de decompor e dizer a razão dos
elementos que punha em suas composições. Não era um desses “com jeito
para a coisa”, que às vezes são felizes em suas produções (...) Noel Rosa
deve ser lembrado como compositor, compositor da verdadeira acepção do
vocábulo.

Carmem Miranda também foi uma das figuras mais referendadas pela

Revista da Música Popular. O periódico constantemente fez alusões à

Carmem como grande cantora de samba, acompanhou seu retorno ao Brasil,

fez-lhe inúmeras homenagens e publicou uma edição extra (número 8),

inteiramente dedicada à artista por ocasião de sua morte, em agosto de

1955200. A edição especial não foi original pelo fato da morte da artista ter

sido tão repentina. Na verdade houve então uma compilação das publicações

de vários jornais do Rio, com artigos de Adalgisa Nery, Almirante, Joubert de

Carvalho, Fernando Lobo e outros

A Revista Radiolândia destacou a edição especial da RMP como um

documento histórico importante: “Vale a pena ter em casa, bem guardadinho,

o número especial da ‘Revista da Música Popular’ sobre Carmem Miranda.


201
Lúcio Rangel e Pérsio de Morais brilharam”.

Desde o primeiro número a Revista elegeu Carmem Miranda como um

dos maiores expoentes da música popular no Brasil. As críticas que a cantora

recebeu no período, por trabalhar nos Estados Unidos não foram

compartilhadas em nenhum momento pela a RMP, o que é bastante

200
Toda a edição em homenagem à Carmem Miranda foi organizada de modo peculiar: um
número grande de fotos (maior que das outras edições) e, principalmente, artigos que
centralizavam a presença do samba na vida da cantora.
201
Radiolândia N.º 76, ,pág. 28
114

paradoxal. A publicação levava em conta que antes de se tornar uma

representante latina nos Estados Unidos, cantando em Hollywood sambas e

rumbas, Carmem gravou centenas de músicas, participou de dezenas de

filmes e gravou um número de discos maior que qualquer outra cantora,

tendo sua importância fixada na história da música brasileira antes de 1939,

quando viajou.

Ao meu ver, Carmem tirou o samba de uma situação secundária e fê-lo


elevar-se à mais alta categoria da música popular., por meio de grandes
instrumentações e orquestrações. Como amiga, Carmem não se esqueceu
202
de seus amigos e colegas, mesmo estando no apogeu e no estrangeiro.

A trajetória de vida da artista acabou virando um drama a ser

compartilhados por todos os amigos, muitos deles colaboradores da Revista,

como Almirante. Em um artigo escrito para a Revista Manchete e publicado

na RMP, o radialista lembrou da amiga e fez duras críticas à indústria

americana.

A prova definitiva de sua noção de responsabilidade, de usa invejável


qualidade profissional, lá ficou na forma como se ajustou ao regime drástico
de trabalho artístico nos Estados Unidos, onde o estrelismo e os
temperamentais não intimidam diretores, colegas e organizações que
203
exploram a música e os intérpretes.

202
Revista da Música Popular n.º 8, pág. 17
203
Revista da Música Popular n.º 8, pág. 46
115

CAPÍTULO 4

“FOLCLORISTAS DA CIDADE”

O PENSAMENTO CRÍTICO-MUSICAL HERDADO DA REVISTA DA

MÚSICA POPULAR

“Afro-brasileiros, com a graça de Deus – pois foi essa prodigiosa fecundação racial, a grande
dádiva dos céus à música brasileira.”

Este último capítulo tem por objetivo analisar as ideologias e a

trajetória de alguns dos principais nomes ligados à Revista da Música

Popular que utilizaram os meios de comunicação para afirmar suas idéias de

pureza e tradição sobre a música urbana brasileira. Como já vimos, os

colaboradores da Revista possuíam um espírito de colecionismo e culto

folclórico ao passado. Mesmo não estando diretamente envolvidos no

movimento folclórico dos anos 50, incorporaram algumas das principais

idéias relativas à cultura popular.

Lúcio Rangel, editor da Revista da Música Popular e Almirante, um

dos seus articuladores, lançaram nos anos 60 os livros Sambistas e Chorões

e No tempo de Noel Rosa, respectivamente. As obras foram uma compilação

do pensamento que norteou o periódico entre os anos de 1954 a 1956. Outra

publicação importante denomina-se Panorama da Música Popular, de Ary

Vasconcelos, lançado em 1964. Ary não foi um dos membros da RMP,

participando de modo esporádico na publicação, mas sua produção estava

também voltada para a idéia de folclorismo. Panorama saiu com as obras de

Almirante e Rangel e ajudou a consolidar conceitos e análises que até então

tinham a forma de projetos historiográficos.204

204
Uma das expressões utilizadas no livro e que vão ser citadas a seguir: Era de Ouro
116

O trabalho minucioso desses estudiosos nos remete à uma citação de

Nestor Garcia Canclini:

Segundo Refaelle Corso o trabalho folclórico é um movimento de homens de


elite que, através da propaganda assídua, esforçam-se para despertar o povo
e iluminá-lo em sua ignorância” O conhecimento popular é requerido (...) para
205
libertar os oprimidos e resolver as lutas entre classes.

Canclini acredita que apenas os investigadores filiados ao historicismo

idealista se interessam por entender as tradições em um sentido mais amplo,

mas acabam as reduzindo a testemunhos de uma memória que supõem útil

para fortalecer a continuidade histórica e a identidade contemporânea. 206

O pensamento positivista, apesar de estar datado no século XIX, não

deixou de existir e se concretizar entre os intelectuais do século seguinte.

Almirante, Rangel e Vasconcelos procuraram desenvolver suas pesquisas

dentro do espírito folclorista e empregaram os conceitos de folclore e música

popular para recriar a tradição na música brasileira. Suas principais

produções, escritas posteriormente ao fechamento da RMP, indicam a

bagagem de colecionismo e memória. A procura por um sentimento de

nacionalidade exigia um intérprete reconhecido pelas suas aptidões

específicas. O “espírito nacional” que precisava ser recuperado e valorizado

estava nos costumes, na raça, na língua e na memória.

Se o presente permanece ancorado no passado como tradição(...), fez-se um


esforço para redescobrir o passado histórico enquanto realidade antecedente
e passível de compreensão. Um passado histórico que não podia, como a
tradição, coexistir com o presente, mas que era fonte de explicação para o
207
novo.

205
Nestor Garcia Canclini, Culturas híbridas, pág. 209
206
Nestor Garcia Canclini, Culturas Híbridas. Pág. 210
207
Angela de Castro Gomes, História e Historiadores pág.145
117

Também a historiadora Angela de Castro Gomes em seu estudo sobre

a Revista Cultura Política, afirma que o discurso que vinculava passado e

tradição era emitido em articulação com uma série de iniciativas como

comprovação da tese de recuperação do passado. Podemos tomar

emprestado da autora a mesma análise para a Revista da Música Popular.

Almirante, Rangel e Vasconcelos tiveram como característica de sua

trajetória artística, além do espírito folclorista, um romantismo exacerbado

que via no passado, a fonte da autenticidade da cultura brasileira. Esse ideal

que deu origem a RMP também gerou outras publicações com o mesmo

objetivo de preservação.

4.1 Autores herdeiros do pensamento da Revista da Música

Popular

Henrique Foréis Domingues, o Almirante, pesquisador rigoroso,

músico, apresentador de programas de rádio, tinha uma característica única

em seu trabalho: não colocava uma informação em seus programas ou em

seus artigos se não tivesse, o que ele chamava de provas documentais. Ele,

que já havia sido integrante do grupo Bando de Tangarás, juntou ao longo de

sua vida mais de cem mil partituras, centenas de álbuns de recortes de

jornais e revistas; além de discos, fotos, programas de teatro, catálogos de

gravadoras, livros, libretos teatrais. Por isso, conseguiu estatuto de consultor


208
de música popular.

208
Enor Paiano op. cit. Pág. 210
118

Almirante era chamado de “a maior patente do rádio”. Quando gravou

o LP para a gravadora Sinter, Mário Faccini escreveu na introdução disco.

Foi um dos maiores conhecedores da música popular no Brasil. sem medo


de erro, podemos afirmar que não existe nenhum arquivo particular no país
que possa ombrear com o de Almirante; e que ninguém manuseia e conhece
melhor o que possui do que ele. Por outro lado, no momento em que a
indústria do disco no Brasil, entrava no seu verdadeiro surto de
desenvolvimento, Almirante, muito moço ainda, isoladamente ou
acompanhado pelos legendário Bando de Tangarás, não só gravou um
punhado de músicas nossas, como pôde acompanhar de perto o movimento
desse ramo de atividade artística. Assim, Almirante sabe porque leu, porque
estudou; mas sabe, também porque fez; porque viveu lado a lado com Noel e
Carmem Miranda, como hoje está ao lado de Pixinguinha e Caymmi. E que
quiser, algum dia, escrever a história da música popular brasileira, não
209
poderá prescindir dos trabalhos de Almirante .

Reconhecidamente, o maior estudioso de música brasileira, Almirante

tornou-se sinônimo de conhecimento e respeitabilidade no campo da história

da música popular, por isso, tornava-se impossível não incluí-lo em algum

projeto que visava preservar a memória desse campo de estudo.

Na já citada Carta do Samba, Edison Carneiro louvou o esforço do

jornalista em organizar e catalogar toda a documentação referente à história

do samba e recomendou, a partir desse trabalho, que a OMB e a CDFB 210 se

apressassem em organizar e preservar a documentação sobre música

popular brasileira.

Almirante, por ser uma das figuras mais populares dos anos 50, tinha

uma ocupação intensa em seus programas de rádio e nos outros eventos

que organizava, por isso, acabou não participando de todas as edições da

Revista da Música Popular. A falta da grande “patente” provocou o

recebimento de várias correspondências dos leitores, sentindo falta de seus

artigos na Revista. A resposta veio em seguida: “É um dos homens mais

209
Revista da Música Popular n.º 14 pág. 11
210
Ordem dos Músicos do Brasil / Companhia de Defesa do Folclore Brasileiro.
119

atarefados do nosso Rádio, mas vai enviar a sua colaboração, conforme nos

prometeu”, responderam os editores nas constantes cartas. Sua presença

legitimava a proposta da Revista. Um dos peculiares casos211 foi abordado

por Sérgio Cabral no livro, No Tempo de Almirante:

“O segundo número da Revista da Música Popular, de Novembro, publicou


um artigo de Almirante a propósito da vitória de Jânio Quadros em São Paulo.
Não era um artigo político, mas uma reminiscência sobre a presença da
vassoura – símbolo da campanha eleitoral de Jânio – na música popular
brasileira. Chamava-se Vassouras Históricas”. No mesmo número, a Revista
publicou uma carta sua corrigindo um artigo do poeta Manuel Bandeira: o
samba ‘Claudionor’ não era de Sinhô, mas de Manuel Dias e o seu nome
certo era “Morro de Mangueira”. Além disso ‘Não posso mais meu bem’
também não era de Sinhô, mas de Antônio Silva ( o Antonico do Samba). O
poeta também errou no seu nome, pois o samba chamava-se mesmo ‘Já é
Demais’. Daí em diante, não saía uma edição da Revista da Música Popular
que não tivesse uma carta de leitor, querendo mais colaborações de
212
Almirante.”

Ainda na RMP, Almirante dedicou-se a destacar nomes como Carmem

Miranda e Noel Rosa, garantindo a preservação dos nomes no panteão de

gênios que os articuladores da Revista pretendiam criar.

Em 1962, Almirante escreveu No tempo de Noel Rosa,213 uma

compilação de seus programas de rádio e ao mesmo tempo um ensaio que

buscava uma definição do que seria nacional na formação da cultura

brasileira. Aliás, o nacionalismo tornou-se um registro importante de todos os

autores preocupados com a preservação da música popular.

O livro, que virou uma referência biográfica de Noel, procurou defender

o samba como uma manifestação tipicamente urbana, mas com origem rural

211
O artigo que Cabral comenta, Vassouras Históricas, destacava o apoio de Almirante à
Jânio Quadros” e historiava a presença da vassoura, enquanto objeto de limpeza, na música
brasileira. Durante a passagem pela Prefeitura paulista, a musa popular [vassoura] sintetizou,
num estribilho de marcha carnavalesca, o regime de higiene administrativa posto em
evidência: Vassoura pra cá, vassoura pra lá, Agora a coisa é outra, todos tem que trabalhar.
212
CABRAL, Sérgio. No tempo de Almirante. Uma história do Rádio e da MPB. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1990. Pág. 286
120

e nordestina, tendo sido influenciado, em seu nascimento, por temas

folclóricos-rurais. O autor não chega a citar a possibilidade da confluência

dos gêneros no centro do Rio, como é comum na história do samba. Para

Almirante, o primeiro samba, Pelo Telefone, de Donga, derivou de uma peça

de costumes sertanejos denominada “O Marroeiro”, de Catulo da Paixão

Cearense e Ignácio Rapôso. Na casa da Tia Ciata, os co-autores que

freqüentavam o lugar, oriundos do nordeste, acabaram por contribuir com

temas regionais nessa composição coletiva.

Noel Rosa, personagem central do livro, seria então descendente

dessa vertente folclorista. Almirante tenta comprovar sua tese, demonstrando

que as primeiras composições de Noel não foram sambas, mas músicas

nordestinas, regionais. O Bando de Tangarás, formado pelo próprio

Almirante, João de Barro, Henrique Britto, Álvaro Miranda Ribeiro e Noel

Rosa, cantava esses temas. Apenas após a inclusão do batuque dos

terreiros na música Na Pavuna (1929), que foi introduzida a batucada no

samba gravado, antes disso, os instrumentos de percussão não faziam parte

do samba, até porque a captação dos instrumentos ficava prejudicada no

sistema de gravação mecânica. Influenciado por Na Pavuna, Noel se

converte de uma vez à linguagem do samba, compondo Eu vou pra Vila.

Conclui-se portanto que, para Almirante, as culturas nortista e

nordestina constituíram e compuseram essencialmente o samba,

representado como fruto de uma manifestação urbana que sofreu influências

folclóricas. O batuque foi mais um acréscimo ao ritmo.

Um outro fator que destaca essa afirmação na obra de Almirante é a

reconstituição que faz da história da música popular brasileira. O pesquisador

213
ALMIRANTE. No tempo de Noel Rosa. São Paulo: Francisco Alves, 1963.
121

não cita figuras consideradas importantes para a formação desta

manifestação, como Chiquinha Gonzaga, Joaquim Callado, Ernesto Nazaré,

entre outros. Almirante deixa clara a importância de João Pernambuco e

Catulo da Paixão Cearense, quase em detrimento a Sinhô e Donga.

É importante também observar que apenas na década de 1950, que

Noel Rosa foi considerado o legitimo representante da “época de ouro”. O

trabalho iniciado por Almirante nos programas de rádio, nos artigos de

jornais, na Revista da Música Popular e na forma final, com o livro No tempo

de Noel Rosa, favoreceu bastante essa visão.

Ary Vasconcelos é outro nome ligado ao pensamento folclorista em

torno da música popular brasileira. O livro Panorama da Música Popular,

lançado em 1964, tentava preservar, de maneira mais sistematizada, uma

determinada tradição, corroborando a idéia de um passado original e

grandioso, que ele localizava nos anos 30, e que chamou de época de ouro.

O livro apresenta na estrutura, a história da música brasileira em quatro fases

(fase primitiva (1889 -1927) - fase de ouro (1927 - 1946) - fase moderna

(1946 - 1958) e fase contemporânea - 1958 em diante), de forma a organizar

uma linearidade para a história musical do Brasil.

Para debater sobre a música popular, Vasconcelos não negou a

origem urbana do samba, mas buscou folclorizar suas raízes no Nordeste e

na África. A intenção do autor seria a de contribuir, através de uma vertente

folclórica, para a formação da identidade nacional do povo brasileiro.

Assumindo tal posição para definir a origem do samba, Vasconcelos

inicia seu trabalho recorrendo ao folclorista Luís da Câmara Cascudo:”(...) em

seu Dicionário do Folclore Brasileiro é incisivo: ‘provém de semba, umbigada


122

em Loanda’. O autor também esclarece que a origem africana do ritmo está

relacionada com a vinda de escravos e a fixação da dança na Bahia.

Ao que tudo indica, foi na Bahia onde começaram a surgir as primeiras


sessões de samba, ou seja danças de negros, sagradas e profanas. Essas
danças foram aos poucos tomando forma autônoma, distinguindo-se das
214
danças africanas originais.

Ao criar a divisão em quatro fases na história da música, Vasconcelos

chama a atenção para a questão da pureza e da raiz na música brasileira.

Tal qual a Revista da Música Popular, a tradição estaria se perdendo devido

à influência crescente da música estrangeira.

Uma diferença fundamental entre o trabalho desenvolvido pelos

articuladores da RMP e por Ary Vasconcelos é a concepção de influência

estrangeira. Se para a Revista, a música se desnacionalizava devido aos

boleros e rumbas, para Ary a presença estrangeira já estava nas harmonias

elaboradas da bossa nova.

Ary pressupunha que, em comparação com a década de 1930, anos

50 retrocederam em termos musicais, mesmo assim, a música americana e o

bolero, segundo o autor, contribuíram para que o samba, nos anos 50, fosse

chamado de antiquado.

A Revista da Música Popular encontrou na indústria fonográfica a

grande vilã da história. Da mesma maneira, para Ary, os dois culpados pela

perda das raízes seriam a indústria cultural e as influências estrangeiras que

“sepultaram a expressão mais pura da alma nacional”. Vê-se a influência do

discurso predominante na RMP.

Já a fase de ouro, para o autor, seria a época em que o compositor se

profissionalizou.. Mas ainda assim, como vimos, Vasconcelos nega a origem

214
Ary Vasconcelos. Panorama da Música Popular, pág. 18
123

urbana e comercial do samba, o que seria um paradoxo com sua própria

afirmação e constata que, durante o período, as músicas eram compostas

mais por amor do que por dinheiro e quase nada rendia além do prazer de

expressar-se esteticamente. Reafirma-se aqui a visão romântica dos anos

30.

Mas o processo de profissionalização da música brasileira já havia

começado e há muito. Carlos Sandroni lembra que a compra de sambas e a

apropriação indébita das composições eram constantes desde que se

começou a gravar e a ganhar dinheiro com as canções.

Havia várias modalidades de compra e venda de sambas: o caso mais


drástico era aquele em que o autor, em troca de uma soma fixa, cedia não só
os direitos autorais como o reconhecimento da autoria – ou seja, seu nome
não aparecia nem no disco, nem na partitura. (...) Por fim, havia o caso em
que um cantor propunha uma barganha segundo a qual ele gravaria o samba
215
se lhe fosse cedida uma parte dos direitos autorais.

Uma série de negociações e brigas aparecem entre cantores e

compositores da chamada época de ouro. Sandroni ainda lembra que o

comércio de sambas foi possibilitado por uma tomada de consciência dos

sambistas de que poderiam auferir ganhos e entrar no nascente mercado

cultural moderno. Como vemos, a visão de Ary Vasconcelos sobre o

romantismo dos artistas da fase de ouro, corresponde a uma realidade

calcada no folclorismo e não no que era de fato.

O autor de Panorama continua o estudo da história da música

brasileira na fase moderna que, segundo ele, começava em 1946. A análise

que já poderia ter se iniciado nos anos 30 é deslocada para a fase seguinte,

onde um conjunto de fatores criaria a idéia de decadência. O movimento das

sociedades arrecadadoras e a música como negócio, para Ary Vasconcelos,


124

aparece apenas na fase moderna, onde surgiria uma nova casta musical que

desalojaria a antiga, pois então a grande força não viria mais da arte

enquanto expressão estética, mas sim do dinheiro.

Panorama da Música Popular, escrito em 1964 termina quando o autor

chama a atenção para o sucesso da bossa nova no exterior, principalmente

nos Estados Unidos mas, preocupado com as raízes de pureza, Vasconcelos

não consegue perceber a presença do samba na bossa nova e nem

distinguir a diferença entre João Gilberto e a turma que o imitava.

Mais informativo do que analítico, o livro se aproxima do projeto

realizado pela Revista da Música Popular quando se perde com informações

excessivas e, por outro lado, suprime questões importantes na história da

música brasileira.

O livro Sambistas e Chorões, de Lúcio Rangel procurava criar uma

continuidade ao trabalho desenvolvido pela Revista da Música Popular. Ao

selecionar e reunir textos já publicados pela imprensa carioca e paulista, o

jornalista reiniciava o trabalho pela busca da autenticidade e da tradição no

samba.

Lúcio Rangel foi um jornalista sempre presente na imprensa brasileira.

Em 1953 ele estreou uma coluna na Revista Manchete para comentar o

panorama musical brasileiro. Na estréia do primeiro artigo, teve o seu perfil

musical traçado pelo escritor Rubem Braga.

É intransigente com o que considera samba ruim. (...) Acha que samba como
os de Ismael, Cartola, Noel e Orestes Barbosa nunca forma superados com
graça, beleza e autenticidade. O que há com o samba hoje? Lúcio responde
que o samba antigamente era feito por sambistas e, hoje, por engenheiros,
216
aviadores, militares, advogados (...).

215
Carlos Sandroni. Op. Cit. pág. 148
216
Revista Manchete, 19 de dezembro de 1953, pág. 63
125

Rubem ainda comenta a paixão de Lúcio pelo jazz e pelas coisas

brasileiras, desde que autênticas. O pensamento disseminado pelo editor da

Revista da Música Popular em seus vários anos de imprensa foi compilado

no livro Sambistas e Chorões, de 1962.

Diferente da posição folclorista de Almirante, o samba foi privilegiado

por Rangel como carioca, popular e urbano, derivado da mistura de ritmos e

gêneros que tiveram no morro, sua época mais pura. Em sua visão, o samba,

“representa a história de nossos costumes, dos gostos de nosso povo, da

sensibilidade desse homem simples (...) que é o sambista carioca.”

Percebemos aqui a existência de duas visões folclóricas sobre a

origem do samba: na primeira visão, defendida por Almirante e Vasconcelos,

o samba tem raiz na África e na Bahia e na segunda, defendida por Rangel,

o samba nasceu da mistura de vários ritmos, mas foi nos morros cariocas

que ganhou a forma pura.

Carlos Sandroni procura esclarecer a questão sobre as diferenças

entre os dois tipos de samba. Para ele, não se poderia afirmar a existência

de “tradição carioca de sambas de roda”. O samba folclórico teria sido

introduzido no Rio de Janeiro apenas em fins do século XIX, onde já havia na

cidade, um misto baiano-carioca e uma grande contribuição de músicos e

tradições musicais de outros estados, como Minas Gerais e Pernambuco.

A idéia de invenção folclórica para o samba, da qual concordamos, se

faz clara na análise de Sandroni.

(...) a partir dos anos 30 os habitantes do Rio já teriam criado, a partir do


samba introduzido pelos baianos e das demais influências, uma nova
modalidade de samba folclórico, não sendo pois seus herdeiros (...), mas
217
seus inventores.

217
Carlos Sandroni. Op. Cit. Pág. 141
126

Ainda em Sambistas e Chorões, Lúcio Rangel faz uma crítica aos

“folcloristas de gabinete”, que preocupam-se em discutir “se o samba é

folclórico, popularesco ou popular” e cobra um estudo monográfico sobre o

assunto. O jornalista também critica a superficialidade (“visão ampla e pouco

profunda) dos estudos de Orestes Barbosa, Mariza Lira e Vasco Mariz, até

então, os principais pesquisadores de música brasileira e, no caso dos dois

primeiros, colaboradores da Revista da Música Popular.

Mesmo com a crítica que faz aos folcloristas, Rangel mantém uma

postura muito próxima a esses intelectuais, tanto que convida Brasílio Itiberê

para prefaciar o livro. No início do nosso trabalho, colocamos uma carta de

Itiberê dirigida a Lúcio Rangel que foi publicada na Revista da Música

Popular. Dez anos mais tarde, o folclorista torna-se mais radical,

denominando de calamitosa a música popular do período.

(...) ela foi ferida de morte na sua parte orgânica mais preciosa, atingida na
cerne, na medula - isto é - no ritmo. Desaparece o ímpeto dinamogênico do
sincopado e, privada de sua vivacidade rítmica, a melodia popular se
amolentou, tornou-se invertebrada, perdendo caracteres raciais específicos
(...) Há, entretanto, um fato que me consola: é pensar que o folclore é coisa
eterna e imperecível. A prova está na vitalidade criadora de alguns
218
remanescentes da velha guarda, a exemplo desse bravo Pixinguinha (...)”

Fica evidente no caráter dessa introdução, que o espírito de derrota

frente a cena musical do período permanece tão forte quanto nos anos em

que a Revista da Música Popular circulou. Observamos também que, apesar

de serem períodos musicais completamente diferentes, a visão do contexto

musical enquanto decadência é exatamente o mesmo.

Para o público, Sambistas e Chorões aparece como mais uma

218
Lúcio Rangel. Sambistas e chorões. Pág. 8
127

contribuição para a historia da música popular, mas não apresenta qualquer

novidade em relação aos artigos anteriores de Rangel ou mesmo à RMP. Tal

afirmação pode ser facilmente confirmada pelo fato de Itiberê ter escrito o

prefácio sem conhecer o livro e de confiar no talento de “folclorista” de Lúcio

Rangel.

Não conheço o livro, mas fico imaginando que será uma valiosa contribuição
para o estudo da nossa música popular e um bom “comando” e serviço de
profilaxia no arraial dos samboleros.(...) Mas não é só isso. O instinto seguro,
o bom gosto e sua autenticidade folclórica têm de lambuja as credenciais de
músico e instrumentista (...). Tudo leva a crer que ele é o homem indicado
para esse trabalho complexo, que ainda está por fazer: A História da música
219
popular carioca.

Para tentar conciliar o projeto modernista com a música popular, Lúcio

Rangel resgatou o trabalho de Mário de Andrade sobre música popular,

colocou a importância do escritor paulista na preservação do folclore, e o

criticou por seu distanciamento em relação à música urbana:

Como outros folcloristas, não sei porquê, Mário também preferiu o estudo de
certas manifestações musicais observadas em pequenos núcleos da
população ao grande samba, cantado e dançado por milhões de brasileiros,
embora influenciado pelas modas internacionais, como não poderia deixar de
220
ser.

Mas a crítica que intenciona criar uma legitimidade para o livro, torna-

se infundada, uma vez que Mário não estava preocupado com a música

urbana, ainda em formação no Brasil dos anos 20. Mesmo assim, Rangel

procura enquadrá-lo entre os estudiosos de samba, já que o folclorista é a

grande referência para todos os outros pesquisadores. Lembramos que a

tentativa de adoção do método de Mário de Andrade também aconteceu no

projeto da Revista da Música Popular.

219
Lúcio Rangel. Sambistas e chorões. Pág. 10
220
Idem, pág. 23
128

Os trabalho escritos e a vigorosa atuação pública (na imprensa e no

rádio) de Almirante, Lúcio Rangel e Ary Vasconcelos marcaram uma fase

importante na historiografia da música popular brasileira. Não se pode dizer

que os “folcloristas da cidade” tinham um projeto claro e orgânico, mas foram

vitoriosos na consagração do samba, através dos meios de comunicação,

como ritmo autêntico. Estabelecer uma tradição era interferir na formação da

audiência, na medida em que o gênero samba estava plenamente constituído

e possuía um público próprio. Na virada dos anos 40 para os 50, tratava-se

de afirmar um gênero específico, que deveria trazer uma marca de origem - o

samba - contra os outros gêneros reconhecíveis que interferiam na audiência

nacional - como o jazz, o bolero e a rumba.

4.2 A Revista da Música Popular e a historiografia

A Revista da Música Popular ajudou a consagrar nomes ligados época

de ouro e que também deu origem a uma corrente metodológica na pesquisa


221
em música brasileira diretamente ligada à idéia de raiz.

O debate historiográfico que associa nacionalismo e classes populares

é fruto do pensamento divulgado pela Revista da Música Popular e tem

encontrado um grande campo de aceitação. A corrente, que associa o samba

folclórico como representativo das classes médias-baixas urbanas no Rio de

221
Durante os anos 30, duas obras marcaram o debate em torno do samba pelas próximas
décadas e os princípios básicos para idéia de raiz: Na Roda de Samba, de Francisco
Guimarães e Samba, de Orestes Barbosa. No primeiro, Guimarães localiza o morro como
território mítico, lugar da roda, do verdadeiro samba. Também Guimarães inicia o debate que
a RMP assumiu: a crítica à indústria fonográfica, que estaria matando o samba autêntico
(essa crítica já se inicia nos anos 30). O livro de Orestes Barbosa também afirmava que o
samba era carioca, fruto de vários encontros em diferentes espaços da cidade. Diferente de
Guimarães, Barbosa acreditava que o rádio impulsionaria e propagaria o novo gênero
nacionalmente.
129

222
Janeiro. deu origem a vários ensaios, que, em comum, localizaram nos

morros e nos redutos da Cidade Nova, Gamboa e centro do Rio de Janeiro,

pontos de confluência e criação de um ritmo tipicamente brasileiro e de

origem primitiva, ou seja, negros e pobres.

Para entender como esse pensamento foi disseminado com a

influência da Revista, localizamos na historiografia da música popular

brasileira duas correntes de pesquisa: enquanto a primeira discute a “busca

das origens”, ou seja, a raiz estético-cultural da música popular, a segunda

corrente historiográfica procura criticar a própria questão da origem,

enfatizando os diversos vetores formativos da musicalidade brasileira. 223

Vamos nos concentrar em apenas algumas análises da primeira corrente,

222
Podemos citar aqui Samba, o dono do corpo, de Muniz Sodré; Tia Ciata e a Pequena
África no Rio de Janeiro, de. Roberto Moura , entre outros
223
Alguns autores não seguem a linha da pureza do samba entre classes, mas procuram
analisar os novos padrões e identidades que o gênero tomou quando configurado como
música popular e representante da autêntica cultura nacional.
Jorge Caldeira critica a idéia da pureza social do samba com base na canção urbana
brasileira e a relação que esse gênero musical obteve com o crescente mercado fonográfico
na década de 1920. O autor analisa a trajetória da consagração do samba, para o qual
concorreram novos hábitos de composição, produção, circulação e escuta musical. Para o
autor, é na trajetória roda - disco que deve-se pensar a questão da origem de canção urbana
brasileira, baseada no samba como gênero matriz. Esta posição afasta Caldeira das
tendências que buscam enfatizar uma identidade constituída de uma vez por todas como
marca de uma origem, e que vai se perdendo na ida ao mercado.
A idéia da pureza é também contestada por José Miguel Wisnik. Para esse autor, durante as
festas de Carnaval aconteceu a transformação do samba e a música popular emergiu para o
mercado (indústria fonográfica e rádio). Em Getúlio da Paixão Cearense, Wisnik traçou um
painel de clivagens que a música brasileira sofreu até os anos 30. O autor tenta esboçar uma
reflexão sociológica e estética que saia da armadilha da busca das origens, evitando
trabalhar com espaços sociais polarizados, como morro, roda, terreiro como contrapartida de
cidade, rádio, concerto. A utilização de espaços intermediários, para o autor, constituíram as
experiências das vivências musicais.
Hermano Vianna analisa a apropriação do samba através de duas questões centrais:
invenção das tradições e fabricação das identidades. O autor analisa a autenticação do
samba na expressão social de raiz como um dos parâmetros fundamentais da mediação
cultural pela qual esse processo se construiu. Outro problema central investigado pelo autor a
partir dos encontros sócio-culturais e ideológicos, é a clivagem que a questão da mestiçagem
sofreu nos anos 20 e 30: “da raiz dos males do Brasil à definidora do caráter nacional”. Esse
é um mistério do qual o samba é locus fundamental, pois muda o parâmetro pelo qual se
pensa a nacionalidade. O autor rejeita as teses que localizam o samba como patrimônio
cultural negro, expropriado pelos brancos e transformado em artigo de consumo. Vianna
trabalha a idéia que mitos, como da autenticidade do samba de raiz e da resistência cultural
que ele teria desempenhado, são invenções históricas de forte caráter ideológico. Tem-se aí
a invenção da tradição que, ancorada em práticas sociais, possui um passado tão enraizado,
que muitas vezes essas práticas passam como um processo natural.
130

pois trata-se de um eco direto do pensamento da Revista da Música Popular

José Ramos Tinhorão224 é um dos principais autores oriundos do

pensamento da Revista e do folclorismo urbano, ocupando um lugar

destacado na historiografia da música brasileira, tanto por sua grande

produção bibliográfica, quanto por sua vertente polemista. O pesquisador tem

como tese principal do seu trabalho, ou melhor, de toda sua obra sobre

música brasileira, a idéia de nação com base no folclorismo. Tinhorão

enfatiza a ligação direta entre autenticidade e base social (grupos de “negros

e pobres) e preocupa-se em separar o que é popular e o que é folclórico para

definir a visão dominante no Brasil: música folclórica seria de autor

desconhecido e transmitida oralmente de geração em geração; a música

popular, ao contrário, composta por autores conhecidos e divulgada por

meios gráficos, através da gravação e venda de discos, partituras, fitas,

filmes, etc.

A música popular, sob essa ótica, constitui-se de uma criação

contemporânea por ser urbana e estar associada com o aparecimento das

cidades, das classes sociais e da indústria cultural. Nesse aspecto, Tinhorão

defende a tese da expropriação da música popular pela classe média, cuja

conseqüência inevitável foi a perda de referenciais de origem.

A idéia de intencionalidade da expropriação não é compartilhada por

Muniz Sodré225 que acredita neste fato, mas não como roubo deliberado, ou

como corrupção cultural, mas como lógica de um processo produtivo que deu

à classe média poder econômico para influenciar a indústria fonográfica. O

autor tem como tese central de seu trabalho, a importância do negro na


131

formação do samba e suas vinculações religiosas. O samba é visto pelo

autor como um movimento de continuidade e afirmação dos valores culturais

negros, uma cultura não oficial e alternativa, que seria uma forma de

resistência cultural ao modo de produção dominante da sociedade carioca do

início do século XX. A casa de Tia Ciata é entendida como continuação da

cultura baiana, sem ter recebido qualquer influência urbana. Sodré chama a

comercialização do samba na década de 1920, após o sucesso de Pelo

Telefone, de “diáspora africana no Rio de Janeiro”.

O projeto que procurava configurar o Rio de Janeiro como síntese

cultural da nação teve na Revista da Música Popular o seu primeiro

momento. A intelectualidade ligada a tal projeto, apoiou-se no samba como

gênero matriz e procurou legitimar, no plano musical, o mito da autenticidade,

da tradição e da pureza. Tais aspectos, que nortearam toda a RMP,

formaram também a base de uma corrente de pensamento historiográfico e

memorialista que se apegou no folclore para firmar suas bases científicas.

224
José Ramos Tinhorão. Pequena História da Música Popular. São Paulo, 1978.
225
Muniz.Sodré. Samba, o dono do corpo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1998
132

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo desse trabalho procurei estabelecer relações entre a cena

musical dos anos 50, o pensamento folclorista da época e o projeto

desenvolvido pela Revista da Música Popular.

Com o objetivo de deter o processo que associava a cultura como

diversão e diversão como decadência, jornalistas e pesquisadores,

preocupados com a preservação da memória musical do Brasil reuniram-se

em torno de uma proposta voltada à restauração da tradição na música

urbana brasileira, idealizando as décadas de 20 e 30. Tal projeto,

materializado na Revista da Música Popular, foi o responsável pela formação

de um pensamento musical que buscava no folclorismo a possibilidade de

estabelecer um pensamento crítico-musical de um caráter pretensamente

científico e sistematizado para refletir sobre a música popular brasileira.

O movimento folclórico, fortalecido nos anos 50 pela realização do

Congresso Internacional do Folclore, em 1954, influenciou o pensamento dos

articulistas da RMP nas concepções de “fato folclórico” e “cultura popular”.

Enquanto um tipo de fato folclórico isolado, o samba se manteria puro, livre

de influências sincréticas ou comerciais. A maioria dos artigos da Revista

demonstrou essa vontade de isolar para manter e fortalecer uma

determinada noção de tradição na música popular.

Para a reorganização de uma história com bases folcloristas, várias

interpretações contraditórias ganharam corpo, entre elas a de que o samba

da época de Noel, Ismael, Pixinguinha e outros grande nomes não tinha

qualquer vínculo comercial mais estrutural com o rádio ou a indústria

fonográfica. Também a partir da idéia que a produção musical dos anos 30


133

era feita de forma “pura e ingênua”, os intelectuais procuraram localizar nos

morros do Rio de Janeiro a forma autêntica da criação musical brasileira.

O pensamento disseminado pela Revista gerou ações culturais e

correntes historiográficas ligadas à idéia de raiz na música brasileira. O

samba dos anos 30, reverenciado pelo periódico como “época de ouro” da

música ganhou outro sentido na interpretação dos “folcloristas urbanos”. A

chamada batida tradicional do samba constituiu-se como representação da

verdade histórica em oposição às formas ou ritmos estrangeiros que seriam

anti-nacionais. Portanto, pensar o samba como “autêntico ou puro”, embora

ameaçado pela modernidade e pelo tipo de popularização do consumo

musical dos anos 50, foi a base da proposta da Revista da Música Popular,

como tentamos demonstrar durante o trabalho. A música brasileira, vista

como enraizada no folclore, garantia a construção de um idioma nacional

próprio e propício para a construção da nação, ao menos no plano musical.

Como já havia afirmado Enor Paiano, a principal vitória dos

“folcloristas urbanos” foi o reconhecimento do samba como manifestação

nacional e autêntica e o Rio de Janeiro, por sua vez, acabou consagrado

como capital musical do país: o que fosse produzido em ambiente carioca,

era tomado sinônimo de nacional.

Nos anos 60, com a ruptura e o deslocamento do lugar social da

canção, catalisados pela bossa nova, a relação com a música dos anos 30 e

com o passado musical como um todo, transformou-se. O ideal de pureza e

tradição que Lúcio Rangel e outros folcloristas tanto perseguiram, deslocou-

se para uma perspectiva de modernização musical e cultural do país como

um todo. Ainda assim, em plena década de 60, o pensamento “folclorista”

construído nos anos 50, ainda será influente, incorporado em parte pela
134

esquerda nacionalista e reforçado sobretudo após o golpe de 1964, como

demonstram os espetáculos “Opinião” e “Rosas de Ouro”. Mesmo com esta

significativa influência, para a maior parte dos novos criadores e

consumidores de música popular, surgidos depois de 1959, já não se tratava

mais de abrir a cortina de um passado desconhecido e ameaçado, mas de

construir um projeto de futuro. Neste projeto, síntese das utopias da época,

tradição e modernidade, elite e povo, lazer e consciência social deveriam

estar harmonizados num só idioma político e cultural, a começar pelo campo

da música popular. Então, o samba da “época de ouro” deixou de ser objeto

inerte de um culto à tradição e passou a ser visto como a base musical e

ideológica para a formação da moderna música popular brasileira, que

passaria a ser designada pelas suas consagradas iniciais maiúsculas: MPB.


135

ANEXO

LISTAGEM DETALHADA DOS 14 VOLUMES DA REVISTA DA MUSICA

POPULAR

Edição mensal.

Diretor Responsável: Lúcio Rangel

Diretor Gerente: Pérsio de Moraes

Sede: Rua Santa Luzia 732 sala 702 Rio de Janeiro

Colaboradores da revista:
Almirante
Ary Barroso
Cláudio Murilo
Clemente Neto
Emmanuel Vão Gogo
Evaldo Rui
Fernando Lobo
Flávio Porto
Haroldo Barbosa
Jorge Guinle
José Sanz
Manuel Bandeira
Mário Cabral
Mozart Araújo
Nestor de Holanda
Nestor R. Ortiz Oderigo
Paulo Mendes Campos
Sérgio Braga
Sérgio Porto
Sílvio Túlio Cardoso
136

Número 1
Setembro de 1954
Diretor Responsável: Lúcio Rangel
Diretor Gerente: Pérsio de Moraes
Capa: Pixinguinha
Número de páginas: 52

Seções e Artigos –
Editorial
O Enterro de Sinhô; por Manuel Bandeira
Discoteca Popular
Ary Barroso define para o leitor seus gostos e suas idéias – Paulo Mendes Campos
Noel Rosa; poeta e cronista; por Rubem Braga
Espírito de Limitação; por Cláudio Murilo
A pretexto de violão elétrico; por Emmanuel Vão Gogo
O Café do Compadre; por Evaldo Ruy
Aracy de Almeida responde 15 perguntas feitas por Lúcio Rangel
Música dentro da noite; por Fernando Lobo
A noite da Velha Guarda
Um tipo da Música Popular; por Pérsio de Moraes
Antologia da Música Brasileira
O Rádio em 30 dias; por Nestor de Holanda
Um disco; por Sérgio Porto
Estes são raros...
Discos do mês
JAZZ ( Direção de José Sanz)
Gato por Lebre
Um disco por mês
O jazz e a cultura dos negros; por Nestor R. Ortiz Oderigo
Discografia selecionada de jazz tradicional; por Jorge Guinle
Notas de jazz
137

Número 2
Novembro de 1954
Diretor Responsável: Lúcio Rangel
Diretor Gerente: Pérsio de Moraes
Capa: Aracy de Almeida
Número de páginas: 50

Seções e Artigos –
Editorial
Vassouras Históricas; por Almirante
Ping-Pong; Stalislaw Ponte Preta entrevista Manezinho de Araújo
Três figuras do samba; por Orestes Barbosa
Sete Notas Musicais
Sambistas; por Manuel Bandeira
O Rádio em 30 dias; por Nestor de Holanda
Vamos tocar bem alto; por Cláudio Murilo
Estes são raros...
A Indumentária Sagrada no Candomblé da Bahia; por Martin Gonçalves
Música Popular no clube da crítica
Um tipo da Música Popular; por Pérsio de Moraes
Aracy: 23 anos de Música Popular
Discos do mês
Música dentro da noite; por Fernando Lobo
Coluna do leitor
Noticiário
Evaldo Ruy – Nota de falecimento
JAZZ ( Direção de José Sanz)
Notas sobre jazz
O jazz de New Orleans; por Marcelo F. de Miranda
Um disco por mês
Rock; church; rock; por Arno Bontemps
Discografia selecionada de jazz tradicional
Como a imprensa se referiu ao aparecimento da revista de Música Popular
Continental (lançamentos de discos)
138

Número 3
Dezembro de 1954
Diretor Responsável: Lúcio Rangel
Diretor Gerente: Pérsio de Moraes
Capa: Carmem Miranda
Número de páginas: 50

Seções e Artigos –
Editorial
Ernesto Nazaré; Conferência de Mário de Andrade de 1926
Nonô; oração de corpo presente; por Ary Barroso
Três bahianos na vida de Carmem Miranda; por Armando Pacheco
Escreve o leitor
Batalha no Largo do Machado; por Rubem Braga.
Discos do mês
Noel Rosa; o cantor mais expressivo da música popular carioca; por Jota Efegê
Discografia completa de Francisco Alves; organizada por Sílvio Túlio Cardoso.
Estes são raros...
O alvorecer da música do povo carioca; por Mariza Lira
Antologia da Música Brasileira
Música dentro da noite; por Fernando Lobo
Um tipo da música popular
O rádio em 30 dias
Esse Rio moleque é um show
JAZZ ( Direção de José Sanz)
Temas do folklore afroamericano
O trem
Lead Belly (arquivo humano do cancioneiro afroamericano; por Nestor R. Ortiz
Oderigo.
O jazz de New Orleans; por Marcelo F. de Miranda
Um disco por mês
Os fatores essenciais da música de jazz; por Jorge Guinle
Como a imprensa se referiu ao aparecimento da Revista de Música Popular
Continental (lançamentos de discos)
139

Número 4
Janeiro de 1955
Diretor Responsável: Lúcio Rangel
Diretor Gerente Pérsio de Moraes
Capa: Dorival Caymmi
Número de páginas: 50

Seções e Artigos –
Editorial
Dorival Caymmi fala sobre pintura, literatura e música; entrevista de Paulo Mendes
Campos.
Sete Notas Musicais; por Emmanuel Vão Gogo (Seção de folclore)
Sobrevivência portuguesa; por Luís Cosme
Quando Chico Alves era turista; por Haroldo Barbosa
História Social da Música Popular Carioca; por Marisa Lira
Os novos trovadores
Estes são raros...
Um tipo da Música Popular
Discos do mês
Recordando Minona Carneiro; por Jarbas Mello
Música dentro da noite; por Fernando Lobo
Onde mora o samba. A escola de samba da Portela; por Cláudio Murilo
Sobre a R. M. P. (Revista da Música Popular Brasileira); por Fauck Savi
Discografia completa de Francisco Alves; organizada por Sílvio Túlio Cardoso.
Vicente Celestino, cantor e canastrão; por José Guilherme Mendes
Estou muito satisfeito; madame; crônica de Bororó
O rádio em 30 dias
JAZZ ( Direção de José Sanz)
Dictionnaire du jazz
Retrato de Fats walker; por Santa Rosa
King Oliver e a “creole jazz band”; por Frederic Ramsey Jr.
Notas de jazz
Zutty escolhe
Escreve o leitor
Discos da Continental
140

Número 5
Fevereiro de 1955
Diretor Responsável: Lúcio Rangel
Diretor Gerente Pérsio de Moraes
Capa: Elizeth Cardoso
Número de páginas: 50

Seções e Artigos –
Editorial
Variações sobre o baião; por Guerra Peixe
Mestre Ismael Silva; por Vinícius de Morais
História Social da Música Popular Carioca; por Marisa Lira
Ritmos carnavalescos
Um pouco de recordação; por Jarbas Mello
Gafieiras; de Armando Pacheco
Philliipe-Gerard: o brasileiro mais cantado em Paris; por Nice Figueiredo
Discos do mês; por Lúcio Rangel
Música dentro da noite; por Fernando Lobo
Um tipo da Música Popular;- Conversa de Botequim -; por Pérsio de Moraes
O condutor de bonde; por Jota Efegê
Este é raro...
Discografia completa de Francisco Alves; organizada por Sílvio Túlio Cardoso.
O Rádio em 30 dias; por Nestor de Holanda
Noticiário
JAZZ ( Direção de José Sanz)
Apoio a um projeto
O muito vivo Mr. Pitman
Os 50 músicos que influenciaram o jazz
King Oliver e a “creole jazz band”; por Frederic Ramsey Jr.
Um disco por mês
Respondendo ao leitor
141

Número 6
Abril de 1955
Diretor Responsável: Lúcio Rangel
Diretor Gerente Pérsio de Moraes
Capa: Inezita Barroso
Número de páginas: 50

Seções e Artigos –
Editorial
Origem do fado; por Mário de Andrade
O adeus da Juriti; por Viriato Corrêa
Do folklore afrobahiano: a capoeira; por Nestor R. Ortiz Oderigo
Estes são raros...
Penaforte, um valsista célebre; e Onestaldo de Pennafort
Curandeiros, feiticeiros, bruxos e médicos; por Luísa Barreto Leite
João de Barro; por Sérgio Porto
Música dentro da noite; por Fernando Lobo
Catulo; letrista; por Jarbas Mello
O rádio em 30 dias
Um tipo da Música Popular- Seu Oscar - ; por Pérsio de Moraes
Discos do mês
História Social da Música Popular Carioca; por Marisa Lira
A influência do étnico em nossa música popular
Uma figura - Dorival Caymmi; por Rubem Braga
Noticiário
JAZZ ( Direção de José Sanz)
Um italiano e o jazz
King Oliver e a “creole jazz band”; por Frederic Ramsey Jr.
Um disco por mês
Dicionário de marcas de discos
Respondendo ao leitor
142

Número 7
Junho de 1955
Diretor Responsável: Lúcio Rangel
Diretor Gerente Pérsio de Moraes
Capa: Velha Guarda
Número de páginas: 50

Editorial
A propósito de um samba popular; por Clemente Neto
Música (demasiado popular); Emmanuel Vão Gogo
Folcmúsica e música popular brasileira; por Cruz Cordeiro
Este é raro...
São João no populário brasileiro; por Jarbas Mello
Inezita Barroso, por Thalma de Oliveira
Discos do mês
Os independentes da Gávea, por Vinícius de Morais
Histórias musicais (Música dentro da noite); por Norberto Lobo
O Festival da Velha Guarda, por Assis Brandão
Um tipo da música popular: O sambista inédito
Discografia mensal da indústria brasileira, por Cruz Cordeiro
História Social da Música Popular Carioca - a influência ameríndia; por Marisa Lira
Noticiário
Discografia completa de Mário Reis
Folk música e música popular
JAZZ ( Direção de José Sanz)
Jazz & champanhote ou o colibri e a flor
King Oliver e a “creole jazz band”; por Frederic Ramsey Jr.
Respondendo ao leitor
143

Número 8
Julho / Agosto de 1955
Diretor Responsável: Lúcio Rangel
Diretor Gerente: Pérsio de Moraes
Capa: Extra: A morte de Carmem Miranda
Número de páginas: 50

Seções e Artigos – Revista especial dedicada à vida de Carmem Miranda


144

Número 9
Setembro de 1955
Diretor Responsável: Lúcio Rangel
Diretor Gerente: Pérsio de Moraes
Capa: Sílvio Caldas
Número de páginas: 50

Seções e Artigos –
Editorial
Modinha, por Luís Cosme
Porto Alegre, zero grau: Lupiscínio Rodrigues; por Irineu Garcia
Decadência; por Ary Barroso
Música dentro da noite - Paris, meu pecado - ; por Fernando Lobo
História Social da Música Popular Carioca: - A contribuição do negro - ritmo; por
Marisa Lira
Estes são raros...
Festas da Penha: prelúdio de Carnaval; por Jota Efegê
Disco do mês
Discografia completa de Francisco Alves, por Enecê
Musicoterapia; por Lourdes Caldas
Marcelo Tupinambá; por Duprat Fiúza
Um tipo da Música Popular - Onde está a honestidade?; por Pérsio de Moraes
Discografia mensal da indústria brasileira, por Cruz
Cordeiro
JAZZ ( Direção de José Sanz)
Hear me talkin’ to ya
Olga James
King Oliver e a “creole jazz band”; por Frederic Ramsey Jr.
Dicionário de marcas de discos
Respondendo ao leitor
145

Número 10
Outubro de 1955
Diretor Responsável: Lúcio Rangel
Diretor Gerente: Pérsio de Moraes
Capa: Jacob Bittencourt
Número de páginas: 50

Seções e Artigos –
Editorial
Ovale, o seresteiro; por Mário Cabral
O samba na literatura: Risoleta, trêfega e vaporosa, por Jota Efegê
Estes são raros...
História Social da Música Popular Carioca - A música das senzalas; por Marisa Lira
Música dentro da noite; por Fernando Lobo
Teatro Folclórico Brasileiro; por Cruz Cordeiro
Noticiário
Discografia completa de Jacob Bittencourt; por Sérgio Porto
A ascensão de Gershin, por Sérgio Barcellos
Ai, saudade matadeira; por Jarbas Melo
Um tipo da Música Popular - Maria Maluca; por Pérsio de Moraes
Discos do mês
Discografia mensal da indústria brasileira; por Cruz Cordeiro
JAZZ (Direção de Marcelo F. de Miranda)
O problema do jazz
New Orleans memories de Jelly Roll Morton
Jazz no Copa, não, no Municipal
Respondendo ao leitor
146

Número 11
Novembro/ Dezembro de 1955
Diretor Responsável: Lúcio Rangel
Diretor Gerente: Pérsio de Moraes
Capa: Leny Eversong
Número de páginas: 50

Seções e Artigos –
Editorial
Erotilde de Campos: traços da vida do autor de Ave Maria; por Duprat Fiúza
Noel Rosa, letrista; por Jarbas Melo
Choro; por Rubem Braga
Problemas dum show folclórico; por Cruz Cordeiro
Bolero; conto de Homero Homem
Estes são raros
Um tipo da Música Popular - Palhaço de Natal; por Pérsio de Moraes
Música dentro da noite, por Fernando Lobo
Pixinguinha; por Paulo Pereira
Discografia mensal da indústria brasileira; por Cruz Cordeiro
Discografia completa de Jacob Bittencourt; por Sérgio Porto
Dicionário de marcas de discos, por Sylvio Túlio Cardoso
JAZZ (Direção de Marcelo F. de Miranda)
Os blues
Um disco por mês
New Orleans de hoje, por Eugene Willians
Respondendo ao leitor
147

Número 12
Abril de 1956
Diretor Responsável: Lúcio Rangel
Diretor Gerente: Pérsio de Moraes
Capa: Dircinha Batista
Número de páginas: 50
Seções e Artigos –
Editorial
Orfeu da Conceição, por Brasílio Itiberê
Notas e fragmentos de velhas canções portuguesas; por Celso Cunha
Literatura de violão; por Manuel Bandeira
História Social da Música Popular Carioca - A modinha; por Marisa Lira
Música dentro da noite - Carnaval sem crítica; por Fernando Lobo
Noel, poeta de outro mundo; por Jacy Pacheco
Discografia mensal da indústria brasileira; por Cruz Cordeiro
Pastoris Pernambucanos; por Jarbas Melo
Um tipo da Música Popular - O folião; por Pérsio de Moraes
Onde nasce o samba: Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira; por Cláudio
Murilo
Música concreta, revolução musical; por Sílvio Autuori - Pierre Gujon
JAZZ (Direção de Marcelo F. de Miranda)
Os blues
Um disco por mês
New Orleans de hoje, por Eugene Willians
Respondendo ao leitor
148

Número 13
Junho de 1956
Diretor Responsável: Lúcio Rangel
Diretor Gerente: Pérsio de Moraes
Capa: Marília Batista
Número de páginas: 50

Seções e Artigos –
Editorial
Este é raro
A mais recente elegia do pintor Emiliano à terra carioca
Noel Rosa foi grande, mesmo sem parceiros; por Almirante
Um tipo da Música Popular - Kid Pepe de volta; por Pérsio de Moraes
Parabéns pra você. Carta a Lúcio Rangel por Brasílio Itiberê
Música dentro da noite; por Fernando Lobo
Discografia completa de Orlando Silva; por Enecê
Os rumos da música popular brasileira; por Haroldo Costa
Um tipo da Música Popular - O Correio; por Pérsio de Moraes
O caso de Luciano; por Nestor de Holanda
As canções bilíngües de música popular brasileira; por Jota Efegê
Prêmios literários para 1956
Discografia mensal da indústria brasileira; por Cruz Cordeiro
a propósito do melhor trombonista de 1955. História de um músico simples; por João
Farias
História Social da Música Popular Carioca - A modinha II; por Marisa Lira
JAZZ (Direção de Marcelo F. de Miranda)
Jazz, críticos e estilos
Um disco por mês
New Orleans de hoje, por Eugene Willians
Respondendo ao leitor
149

Número 14
Setembro de 1956
Diretor Responsável: Lúcio Rangel
Diretor Gerente: Pérsio de Moraes
Capa: Orlando Silva
Número de páginas: 50

 Seções e Artigos –
Editorial
História Social da Música Popular Carioca - A polca; por Marisa Lira
Música dentro da noite - Nacional é a palavra; por Fernando Lobo
O circo; por Jarbas Melo
Catulo; o trovador do Brasil; por Edigar de Alencar
Almirante, a maior patente do rádio; por Mário Faccini
Um tipo da Música Popular - Pois é, Ataulfo; por Pérsio de Moraes
Os compositores nos roubaram Benedito
Discografia completa de Orlando Silva
A viagem da folclorista; por Nestor de Holanda
Suplemento de discos
JAZZ (Direção de Marcelo F. de Miranda)
Dizzy Gillespie no Rio
Jazz, críticos e estilos
New Orleans de hoje, por Eugene Willians
The Second line
Respondendo ao leitor
150

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- HISTORIOGRAFIA GERAL

1. CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas. Estratégias para entrar e


sair da modernidade. 3ª ed. São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo 2000.
2. HOBSBAWN, Eric & RANGER, Terence. A invenção das tradições.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
3. PETERSON, Richard. La Fabrication de L’authenticité La country music.
In Actes de la recherche en sciences sociales, 93, juin 1992, pp. 3-19

HISTORIOGRAFIA DA MÚSICA BRASILEIRA


4. ANDRADE, M. Ensaio sobre música brasileira. São Paulo : Martins
Fontes, 1962.
5. AUGRAS, Monique. “A ordem na desordem: a regulamentação do
desfile das escolas de samba e a exigência dos motivos nacionais”.
Revista Brasileira de Ciências Sociais, ANPOCS, nº21, fev/1993, p.
90-103.
6. CABRAL, S. “Getúlio Vargas e a música popular brasileira” IN:
Ensaios de opinião, vol. 2 (2-1), p.36-41
7. CALDEIRA, Jorge. Noel Rosa: de costas para o mar. São Paulo :
Brasiliense, 1984.
8. CALDEIRA, Jorge dos S. Voz macia: o samba como padrão de música
popular brasileira: 1917/1939. Dissertação de Mestrado, Sociologia,
FFLCH/USP: , 1989, 133 p.
9. CARLINI, Álvaro. Cantem lá que gravam cá : Mário de Andrade e as
missões de pesquisas folclóricas (1938). Dissertação de Mestrado
(História), FFLCH/USP , São Paulo , 1995
10. CONTIER, Arnaldo. “Edu Lobo e Carlos Lyra : o nacional e o popular na
canção de protesto”. Revista Brasileira de História, v.18 / nº35,
ANPUH/Humanitas, 1998, 13-52
11. CASTRO, Luiz Edmundo de. Modernidade e crítica na música
popular brasileira dos anos 50. Diss. Mestrado. Ciências da Artes /
UFF, Rio de Janeiro, 2000
12. CONTIER, Arnaldo D. “O ensaio sobre música brasileira: Estudo dos
matizes ideológicos do vocabulário social e técnico-estético (Mário
Andrade, 1928)”. Revista Música, São Paulo, 6: 1/2, maio/nov. 1995. p.
75-121
151

13. CONTIER, Arnaldo D. “Memória, história e poder: a sacralização do


nacional e do popular na música (1920-1950)”. Revista Música, São
Paulo (1): 5-36, maio, 1991.
14. CONTIER, Arnaldo D. Música e ideologia no Brasil, São Paulo : Novas
Metas, 1985.
15. GARDEL, André. O encontro entre Bandeira e Sinhô. Rio de Janeiro:
Secretaria Municipal de Cultura 1996.
16. GUIMARÃES, Francisco. Na roda de samba. Rio de Janeiro, Funarte,
1978.
17. KIEFER, Bruno. A modinha e o lundu : duas raízes da música popular
brasileira, Porto Alegre, 1977.
18. LENHARO, Alcir. Os cantores do rádio. Campinas : UNICAMP, 1995.
306p.
19. LOPES, Nei. O negro no Rio de Janeiro e sua tradição musical. Rio
de Janeiro., Pallas, 1992.
20. LOPES, Antônio Herculano. Entre Europa e África. A invenção do
carioca. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, Topbooks,
2000.
21. MARIZ, V. Vida musical. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1997.
276p.
22. MATOS, Claudia. Acertei no milhar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
23. MOURA, Roberto. Tia Ciata e a pequena África do Rio de Janeiro. Rio
de Janeiro, Funarte, 1983.
24. NAPOLITANO, Marcos & WASSERMAN, Maria Clara. Desde que o
samba é samba: A questão das origens no debate historiográfico sobre
a música popular brasileira. in. Revista Brasileira de História. São
Paulo: ANPUH/ Humanitas Publicações, vol. 20, n.º 39, 2000.
25. NAVES, Santuza Cambraia. O violão azul. Modernismo e Música
popular. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1998.
26. OLIVEN, Rubem Oliven. “A malandragem na música popular brasileira”.
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27. ORTIZ, Renato. Românticos e folcloristas. São Paulo : Olho D’água,
[19__].
28. PAIANO, Enor. O berimbau e o som universal. Lutas culturais e indústria
fonográfica nos ano 60. Dissertação de Mestrado em Comunicação
Social, ECA/USP, São Paulo, 1994.
29. PEDRO, Antonio. O samba da legitimidade. Dissertação de mestrado,
São Paulo, FFLCH/USP: , 1980
30. REVISTA USP. (Dossiê MPB), n.º 4, dez/jan. 1990.
31. RISÉRIO, Antonio. Caymmi: uma utopia de lugar. São Paulo:
Perspectiva/Copene, 1993.
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32. RODRIGUES, Ana M. Samba negro: espoliação branca. São Paulo :


HUCITEC, 1984.
33. SALVADORI, Maria Angela B. “Malandras canções brasileiras” IN:
Revista Brasileira de História, nº13, Marco Zero, ANPUH, São Paulo,
set. 1986-fev 1987
34. SANDRONI, Carlos. Feitiço Decente. Transformações do samba no Rio
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2001
35. SODRÉ, Muniz. Samba: o dono do corpo. 2. ed. Rio de Janeiro : Mauad,
1998
36. TINHORÃO, José R. Música Popular: do gramofone ao rádio e TV. São
Paulo: Ática, 1981
37. _____. Pequena História da Música Popular. São Paulo : Art, 1991
(6ª), 294p.
38. TRAVASSOS, Elizabeth. Modernismo e Música Brasileira. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000
39. (VVAA) . Brasil Musical : viagem pelos sons e ritmos populares. Rio de
Janeiro : Art Bureau, [19__ ], 304p.
40. VIANNA, Hermano. O mistério do samba. Rio de Janeiro : UFRJ/Jorge
Zahar, 1994
41. VIANNA, Hildegardes. “Nascimento e vida do samba”. Revista
Brasileira do Folclore. 12:35, abr./ 1973, p. 49-59
42. WISNIK, José M. “Getúlio da Paixão Cearense” IN: O nacional e o
popular na cultura brasileira (música). São Paulo : Brasiliense, 1983.
43. _____________ Algumas questões de música e política no Brasil. IN:
BOSI, Alfredo (org.) Cultura Brasileira. Temas e Situações. São Paulo
: Ática, 1987.

CRÔNICAS, BIOGRAFIAS - MÚSICA BRASILEIRA

44. ALMIRANTE. No tempo de Noel Rosa. Rio de Janeiro : Francisco


Alves, 1977
45. BARBOSA DA SILZA, Marília e Oliveira Fo., A. Cartola, os tempos
idos. Rio de Janeiro : Funarte, 1983
46. CABRAL, Sérgio. Pixinguinha, vida e obra, Rio de Janeiro : Funarte,
1978
47. _____________ . No tempo de Almirante. Uma história do rádio e da
MPB. Rio de Janeiro : Francisco Alves, 1990
48. _____________ . Antonio Carlos Jobim: uma biografia. Rio de Janeiro
: Lumiar, 1997.
153

49. ______________. No tempo de Ary Barroso. Rio de Janeiro: Lumiar


Editora, s/d.
50. CASTRO, Ruy. Chega de saudade : a história e as histórias da Bossa
Nova. São Paulo : Cia das Letras, 1990
51. ____________. A onda que se ergueu no mar. Novos mergulhos na
Bossa Nova. São Paulo: Cia das Letras, 2001
52. EFEGÊ, Jota Figuras e Coisas da Música Popular Brasileira Rio de
Janeiro: FUNARTE, 1978
53. KIEFER, Bruno. Villa Lobos e o modernismo da música brasileira. 2ª
ed. Porto Alegre; Brasília: INL: Fundação nacional Pró-Memória, 1986.
54. LIRA, Mariza 1ª exposição de folclóre no Brasil. (Achegas para a
exposição do Folclóre no Brasil.). Rio de Janeiro, 1953
55. LAGO, Mário. Bagaço de beira-estrada. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1977.
56. RANGEL, Lúcio. Sambistas e chorões. Aspectos e figuras da MPB.
São Paulo: Francisco Alves, 1962.
57. RIBEIRO, Ruy. Orlando Silva, cantor número um das multidões. São
Paulo : Cruzeiro do Sul, 1984
58. SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Antônio Maria. Noites de Copacabana.
Rio de Janeiro: Relume-Dumará: Prefeitura, 1996
59. SEVERIANO, Jairo & MELLO, Zuza Homem de. A Canção no Tempo
85 anos de musicas brasileiras. Vol. 1 - 1901 1957. São Paulo: Ed. 34,
1997
60. SIMÕES, Roberto. Sambistas e Chorões. Revista Brasiliense, São
Paulo, n. 44, nov./dez. 1962
61. SOARES, Maria Thereza. São Ismael do Estácio. Rio de Janeiro :
Funarte, 1985
62. VASCONCELOS, Ary. Panorama da Música Popular São Paulo:
Livraria Martins, 1964
154

OBRAS DE APOIO: HISTÓRIA DO BRASIL

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Paulo : Atual, 1996
64. AUGUSTO, Sérgio. Este mundo é um pandeiro. A chanchada de
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280 p.
65. BOJUNGA, Cláudio. JK O Artista do Impossível. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2001
66. COUTINHO, Carlos Nelson. “Os intelectuais e a organização da cultura
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Humanas, 1981, p. 93-110
67. CUNHA, Maria Clementina Pereira. Folcloristas e Historiadores no
Brasil: pontos para um debate. Projeto História. Revista do programa
de estudos pós-graduados em História e do Departamento de História.
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68. FERNANDES, Florestan,. O folclore em questão. São Paulo:
HUCITEC, 1978
69. GOLDFEDER, M. Por detrás das ondas da Rádio Nacional. São
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70. GOMES, Angela Castro. História e historiadores. RJ: Fundação
Getúlio Vargas, 1999
71. ____________________. Essa gente do Rio Modernismo e
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73. MOTA, Carlos Guilherme. “A cultura brasileira como problema histórico”.
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74. NAPOLITANO, Marcos. Seguindo a Canção. São Paulo : Fapesp/Anna
Blume, 2001.
75. OLIVEN, Ruben G. Relação estado e cultura no Brasil. São Paulo :
Difel,1984
76. ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. São Paulo :
Brasiliense, 1988
77. _____________. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo :
Brasiliense, 1994
78. PECAULT, D. Intelectuais e política no Brasil. São Paulo : Brasiliense,
1980
79. VELLOSO, Mônica. “As tias baianas tomam conta do pedaço. In:
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80. _____. “Os intelectuais e a política cultural do Estado Novo”. Revista de


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81. VILHENA, Luís Rodolfo. Projeto e Missão. O movimento folclórico
brasileiro. Rio de Janeiro: Funarte – Fundação Getúlio Vargas, 1997
82. WEFFORT, Francisco. O populismo na política brasileira. São Paulo :
Paz e Terra, 1978

OBRAS DE APOIO (GERAL)

DICIONÁRIO DE FILOSOFIA ABBAGNANO. 2ª ed. São Paulo: Mestre Jou,


1982

CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru : EDUSC,


1999.

ENCICLOPÉDIA DA MÚSICA BRASILEIRA. Erudita, folclórica e popular. São


Paulo : Art Editora, 1977.

SITES DE REFERÊNCIA NA INTERNET

Dicionário Cravo Albim de MPB – http://fbn-202.bn.br/dicionario/nova.htm

Alta Fidelidade – Página de apoio a pesquisa em Música Popular Brasileira:


http://www.geocities.com/altafidelidade
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FONTES

- Revista da Música Popular - 1954 a 1956

- Revista Radiolândia - 1953 a 1955

- FOLCLORE – Órgão da Comissão Espírito-santense do Folclore. N.º

32/33/34/35, 1954 e 1955

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