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COOK, Nicholas. Music: A Very Short Introduction.

New York, Oxford University Press Inc., 1998/2000.


 Nicholas Cook tenta se adaptar à nova realidade musical diante de nós e que pode ser
considerada como apontamentos em direção a uma nova filosofia da música, do pós-
guerra, do pós-modernismo e da sociedade pós-industrial.
 Série iniciada em 1995, que pretende servir como “um meio acessível” a qualquer
interessado nos mais variados assuntos.
 Coube a Cook falar sobre a música cujas barreiras que mantiveram separados estilos e
tradições hoje vemos desmoronar.
 Aquilo a que sempre estivemos acostumados – diferentes tipos de música, como
tradicional, folk, clássica, rock, pop, world etc – são hoje influenciadas pelos meios
modernos de comunicação e pela tecnologia de reprodução sonora, que fizeram do
pluralismo musical parte integrante de nosso dia-a-dia.
 Cook realiza de maneira sistemática, possivelmente pela primeira vez na historiografia
musical, uma abordagem que não deixa nada de lado por razões metodológicas, tentando
com isso uma síntese que, por mais distantes que ainda estejamos, já aparece como uma
contribuição inédita e indispensável ao debate.
 Apesar de termos consciência dessa pluralidade, cada tipo de música vem junto com sua
própria maneira de pensá-la, como se só existisse uma maneira de pensá-la e só um tipo de
música para ser pensado, ignorando todo o resto.
 Essa maneira de pensar a música vem dos estudos acadêmicos do século XIX europeu e
reflete o estado da música naquele século, criando assim uma falta de sintonia entre as
músicas e como as pensamos.
 Mais do que isso, música não é algo que simplesmente acontece, mas a música que
fazemos e o que fazemos dela; lembrando com isso que qualquer abordagem musicológica
deve se ocupar de texto e de contexto, recuperando assim os pressupostos de Kerman, que
já apontava em 1985 para uma história social da musicologia
 , sem esquecer que, como talvez tenha dito Elvis Costello, “escrever sobre música é como
dançar sobre arquitetura”...
 Talvez a mais etérea das linguagens artísticas, uma das muitas experiências para que a
música nos convida é a de abandonar o mundo de pessoas e coisas e penetrar no universo
de ideias e sentimentos.
 Cook se interessa em revelar não só o que nos faz usá-la nessa direção mas também a sua
função de auxiliar na construção de identidades, sejam nacionais ou individuais.
 Decidir qual música ouvir, diz ele (p.5), é também decidir o que queremos ser e o que
somos.
 Mas o que chamamos pelo nome de música é na verdade uma multiplicidade de atividades
e experiências, hierarquizadas segundo critérios de legitimidade (músicas naturais/ músicas
artificiais), e essas hierarquias criam selos de qualidade como marcas de automóvel: o
Beethoven de Pollini, o Mahler de Rattle etc.
 Além de haver também sociedades em que o próprio conceito de música é inexistente.
 Já na literatura musical, os intérpretes, como os empregados na sociedade vitoriana, estão
sempre lá, mas não se deve falar deles (p. 14) e são sempre enfatizados os inovadores e os
criadores de tradição.
 O sistema de valores que vigora na cultura ocidental coloca a inovação acima da tradição,
a criação acima da reprodução, a expressão pessoal acima do mercado, privilegiando a
autenticidade.
Palavras e música

 As palavras não refletem simplesmente a realidade, mas modificam as coisas e fazem delas
o que são, construindo realidades.
 Os valores envolvidos na ideia de autenticidade não estão simplesmente na música, mas
nas palavras que usamos para identificá-los, afetando assim a maneira como fazemos
música.
 É essa continuidade do pensamento a respeito das coisas que cria o que chamamos de
tradição, tanto em música quanto em qualquer outro campo (p. 15).
 Ideia deste livro é justamente a de que herdamos do passado uma maneira de pensar sobre
música – ancorada num corpus específico de obras de um determinado período de
eurocentrismo – que não faz justiça com a diversidade de práticas e experiências que esta
pequena palavra significa no mundo contemporâneo.
 A música baseada na economia clássica industrial supõe a produção de composições que
são subsequentemente executadas (performed) e finalmente vivenciadas (admiradas,
apreciadas) pelo público ouvinte, num processo de criação-distribuição-consumo que
levou, no início do século XIX, ao conceito de “obra musical”, termo que estabelece uma
evidente ligação com o mundo econômico.
 Da mesma maneira que a acumulação capitalista de produtos ou de capital, a obra musical
deu um formato permanente à música, que deixa de ser considerada como algo
evanescente , uma atividade ou experiência que se extingue no tempo, logo após sua
performance, porque enquanto a performance dura um intervalo determinado de tempo, a
obra permanece como algo que se pode estocar ou acumular, como um “capital estético”
que, embora não se diga, é o que chamamos de “repertório”.
 O ensino musical passou a basear-se no tripé cronologicamente hierarquizado
composição-performance-apreciação (como o autor define o sistema britânico),
transformando uma atividade em uma forma de capital estético acumulável.
O Teatro Santa Isabel do Recife
JCMN

Melhor que a música e a oratória,


Teias sem nada, sem raiz,
Contemplai meu cristal, cá fora,
Que é para todo o corpo, e diz:

Em vez das redes que lá dentro


Te envolvem, dissolvem, se vão,
Fica o meu mudo perfil lúcido,
Cristal oposto ao fumo e ao vão.
 De alguma maneira, essa cronologia torna-se uma hierarquia de valor: compositores e
intérpretes de um lado e os “apreciadores” em que se incluem os críticos profissionais,
educadores, melômanos e o ouvinte ordinário.
 Ao mesmo tempo, há repertórios em que esse tripé não é identificável como tal, por
exemplo a música de dança gerada em estúdio. De todo modo, essa terminologia dá, no
máximo, um novo brilho para um pensamento antigo.
 Na verdade, nada disso é exatamente natural, mas construções humanas, produtos culturais
que variam de época para época e de lugar para lugar, sendo a ideia amplamente divulgada
de “linguagem universal” uma ilusão.
 Todos os valores musicais que derivam dessa visão não são absolutamente universais, mas
sim um produto de um tempo e de um lugar particulares e que não é o nosso.
De volta a Beethoven (cf. DeNora)

 As capitais do norte e do centro da Europa do início do século XIX são o lugar e o tempo
em que se formam esses conceitos, e acompanham o modelo capitalista de produção,
distribuição e consumo, tempo de urbanização, com grandes migrações do campo para os
centros, em que a classe-média passa a ocupar um crescente papel econômico, político e
cultural, construindo a subjetividade burguesa, explorando e celebrando o mundo interior
de sentimento e emoção, distanciando-se do mundo e dedicando-se à expressão pessoal.
 http://www.scielo.br/pdf/pm/n26/08.pdf (minha resenha de DeNora)
 Por sua capacidade de apresentar sentimento e emoção sem a intervenção das palavras, a
música ocupou um papel privilegiado no Romantismo, como um novo estado de espírito
através do qual a arte era conhecida.
 Embora Dalhaus tenha caracterizado o início do século XIX como a era de Beethoven e
Rossini, foi Beethoven que dominou todo o pensamento musical a partir de então e cada
um que quisesse se encontrar como compositor precisava se definir em relação àquele que
se recusou a ocupar um posto assalariado seguro e só compunha o que queria e quando
queria.
 Cook mostra como óleo sobre tela de Khnopff (Ouvindo Schumann, de 1883) e o desenho
de Lami (Ouvindo uma sinfonia de Beethoven, de 1840) são comparáveis aos ouvintes
atuais com seus fones de ouvido (pp. 20-21).
 Na época em que Beethoven compôs Hammerklavier e a Nona sinfonia (que ele jamais
ouviu) o público já investia massiva e emocionalmente em sua música, além de ser
considerado por toda a Europa como o maior compositor de seu tempo como
possivelmente jamais se tinha visto.
 Sua audiência esforçou-se, como nunca antes na história, para compreender sua música e a
crítica passou a tentar explicar a aparente incoerência de suas composições demonstrando
uma trama ou uma narrativa subjacente que tornava suas propriedades “grotescas” pelo
menos compreensíveis.
 Romain Rolland ajudou a construir o moto central do culto a Beethoven definido como a
“felicidade através do sofrimento”, cuja expressão máxima é sua Ode à alegria da Nona
Sinfonia, que na queda do muro de Berlim tornou-se Ode à Liberdade, penetrando a
cultura popular.
Tomando partido dos anjos

 O culto a Beethoven é talvez o pilar central da cultura musical clássica e não é surpresa
que muitas das ideias mais arraigadas em nosso pensamento musical hoje podem ser
rastreadas no contexto de recepção de sua música.
 A música considerada como mercadoria naturalmente dá ao compositor uma posição
central, como gerador do produto principal e dá à audição um caráter de comunhão direta
com o compositor, conferindo outra dimensão ao fenômeno.
 O conceito de autoridade ligado ao compositor é que traz a noção de edição autorizada ou
de performance segundo as intenções do autor, o que facilmente transforma-se em
autoritarismo, principalmente se pensarmos nas relações entre maestros e músicos de
orquestra e que traduz nosso pensamento sobre a performance em geral.
 Dizia-se das interpretações beethovenianas de Bülow que ele se anulava para que os
ouvintes só estivessem conscientes de Beethoven e não dele.
 . Os mesmo poderia ser dito, lembra Cook, dos garçons de um bom restaurante, desde a
roupa até o status de subordinação que está totalmente em desacordo com a adulação dos
intérpretes carismáticos do mercado.
 Com isso, o intérprete ocupa um papel teórico de conflito e inadequação na cultura
musical.
 Sendo a educação musical focada em torno das escolas, conservatórios e universidades, a
maneira correta de ouvir música torna-se cada vez mais estreitamente prescrita, inculcando
a ideia de que se deve ouvir atentamente, respeitosamente, de maneira destacada e
imparcial (detached), evitando qualquer distração, e estar-se bem informado sobre o
conhecimento apropriado da obra. Submetido à autoridade do educador, cuja autoridade é
emprestada do compositor, o ouvinte ordinário é situado no plano mais inferior da
hierarquia musical.
 A surdez de Beethoven é um bom ponto de partida para a segunda ideia de Cook: o poder
de transcender fronteiras de tempo e espaço. Nos 170 anos que sucederam sua morte,
cresceu a mitologia de sua surdez como símbolo de independência ou da alienação com
relação à sociedade em que vivia, corroborada pela iconografia e pela literatura a seu
respeito, embora a realidade seja bem outra, como mostra por exemplo a biografia de
Solomon (1977) ao relatar suas aspirações sociais bizarras.
 Parte integrante da construção do mito, a música pode ser armazenada, como um bom
vinho, para futura degustação e Beethoven foi um dos primeiros compositores conhecidos
a ter pensado sobre o papel que teria após sua morte e a utilizar o termo “obra”, dando
seletivamente números de opus a suas composições maiores, omitindo as produções mais
efêmeras e dando origem à metáfora do museu musical, cujo julgamento estético pretende
ser universal, segundo os critérios dominantes de beleza, e que faz uma ligação direta com
o colonialismo das coleções de curiosidades.
 O chamado repertório ou o cânone da música clássica é na verdade a música selecionada
para ser incluída no “museu imaginário de obras musicais” (p.30) e não foi por acaso que,
poucos anos após sua morte (????), Mendelsohn, em 18??, viria promover a obra de Bach,
dando novo fôlego às notas antigas, e criando a noção de “música clássica”, tornando o
tempo musical estático e impedindo que as obras se tornassem velhas.
O reino do espírito

 Schenker escreveu que a música dos gênios é “removida da sua geração e suas modas”;
sendo esses gênios os compositores cujas obras entraram para o museu musical imaginário,
habitando um domínio próprio, imutável e imaterial.
 Schenker via a música como uma incursão no universo humano, numa forma superior de
realidade e que a música usa o gênio do compositor como um meio espontâneo.
 Enquanto para ele os compositores ordinários simplesmente escrevem o que querem, no
caso do gênio a “força superior da verdade (da natureza)” é que trabalha por trás de sua
consciência, guiando sua escrita, sem se importar se o artista queria ou não fazer a coisa
certa . E a norma em Schenker é o gênero masculino...
 cf. Lowinsky
 O compositor fala com uma voz que não é a sua, mas a da Natureza [Kant, in Menger,
2009, pp. 246-247]. Para ele, a autoridade do compositor – que é delegada ao maestro,
editor ou professor – é o reflexo do grande autor, porque o valor da música repousa na
elevação do espírito, na edificação de um caráter quase religioso, para Deus através do
gênio sobre o qual ele trabalha.
 A intuição da música como uma espécie de janela para um mundo esotérico que se situa
além do conhecimento ordinário remonta a épocas anteriores ao Cristianismo e replica-se
em civilizações distantes.
 No ocidente, ocorreu com a descoberta por Pitágoras de que as notas musicais
correspondem a simples proporções do número inteiro e ele e seus seguidores especularam
que talvez todo o universo seria construído pelos mesmos princípios matemáticos.
 Assim, a música que ouvimos é uma versão audível da harmonia que vincula a terra, o sol
e as estrelas juntos – a imperceptível, mas sempre presente “música das esferas”,
representado por seu monocórdio.
 Crenças parecidas persistiram por muitos séculos na China, onde terremotos e outros
desastres naturais eram atribuídos às “desafinações” entre a música terrena e seu
equivalente cósmico.
 O que é comum a essas culturas histórica e geograficamente remotas, e outras, é a ideia de
que beliscar uma corda ou fazer soar um sino pode dar acesso a outro plano de existência
(p. 32) e ser um ato de revelação, que tanto poderia ser o delírio diante de uma música bem
utilizada num comercial de TV, quanto o êxtase quando se canta Das Lied von der Erde.
 Como um walk-man, o disco ou a sala de concertos inventada no século XIX são meios
pelos quais se entra no reino do espírito.
 A diferença com os séculos anteriores é que a música antes era tocada num contexto de
Cortes ou lares aristocráticos e agora passa a ser acessível a qualquer um que possa
comprar uma entrada, para participar do ritual em que a performance se tornou.
 Entrar numa sala de concertos é como entrar numa catedral, um verdadeiro rito de
passagem para um interior separado econômica e acusticamente, prevalecendo uma
etiqueta peculiar.
 Convencionalmente, certos músicos devem ter melhor memória que outros, sem que se
explique bem o porquê, mas o fato de tocar de memória as obras do museu imaginário não
é arbitrário: o intérprete deve dar a impressão de que seu improviso coincide, nota por
nota, com o que compositor escreveu, como se estivesse possuído pela voz da Natureza – o
que não difere, em muitos aspectos, de um outro ritual como um show de rock...
 Aqui, a autenticidade agrupa, na arte-religião ou na religião da arte , a associação entre
musicalidade e qualidades éticas, sinceridade pessoal, ser verdadeiro consigo mesmo e
assim por diante. Cf. Adenot
 Mais forte é a associação entre a pureza e a música. Na segunda metade do século XIX e
primeira do século XX, muito se escreveu sobre a música pura, sem palavras.
 Como “uma mosca no mel ”, as palavras eram vistas como uma maculação da música,
diluindo seus poderes espirituais e na medida em que a palavra era eliminada da música,
ela começou a preencher os espaços em torno dela, penetrando a sagrada sala de concerto
em forma de nota de programa (outra invenção do século XIX) ou no bate-papo do
intervalo. ver também Einstein (Romantic Era)
 cf. Escal, 2006
 No mundo exterior, proliferaram textos de apreciação musical, encartes de discos, revistas,
CD-ROM e websites.
 Desse modo, o mundo do qual Beethoven lançou as bases desenvolveu não só a ideia de
música sem palavras e, paradoxalmente, o modelo básico que temos hoje de como as
palavras podem se relacionar com a música: explicando-a.
 Ou como diz Burnham: “a música não precisando mais de palavras parece precisar delas
mais do que nunca” (p. 38).
Capítulo 3: uma situação de crise?
Um recurso global

 O principal compositor modernista inglês, Birtwistle, afirmou: “Não posso me


responsabilizar pela audiência: não estou administrando um restaurante”.
 Com o estabelecimento do cânone de obras clássicas como capital cultural ao invés de sair
de moda uma geração após sua criação, a disponibilidade desse repertório – através dos
meios tecnológicos – é no fundo a culminação do pensamento romântico, tornando o
“museu musical imaginário” onipresente.
 A música torna-se um elemento para definir um estilo de vida pessoal, da mesma maneira
que se escolhe um carro novo, roupas ou perfume.
 Decidir o que ouvir é o mesmo que decidir em qual restaurante comer – italiano, japonês
ou tailandês. Contrariando as palavras de Birtwistle, os compositores são, sim, hoje donos
de restaurantes de alta classe...
 Quanto mais nos comportamos como consumidores de música, menos somos compatíveis
com as concepções românticas de autoridade do compositor.
 A própria ideia de autoria tornou-se perigosa diante da produção em estúdio, onde a
engenharia de som passa a ter uma importância criativa equivalente à dos assim chamados
artistas sobre o produto final .
 cf. Franklin in Born/H. Ele fala algo sobre a diluição da autoria na música pra cinema +
The sound of music (artigo)
 Numa sociedade pós-colonial e muticultural , fica difícil admitir os postulados de
Schenker, para quem a voz da natureza fala através do gênio e não há músicas, mas
música. Wiora
 É a mesma diferença entre acreditar no avanço da civilização ao invés de aceitar diferentes
sistemas de valores pertinentes a diferentes civilizações.
 Todavia o maior contraste hoje seja entre high e low art, que em música significa a
tradição baseada na música escrita pelas classes ociosas e o grande repertório de Bach,
Beethoven e Brahms.
 Low art significa toda a ilimitada e principalmente não escrita (e por isso irrecuperável)
variedade de tradições musicais populares . cf. Gramsci
 Conta-se a história da música como a história da música ocidental, focada primeiramente
na Europa e que se expandiu para a América do Norte no século XIX . também do sul!!!
 Depois disso, acrescenta-se um capítulo ou dois sobre a música popular, concentrada no
jazz como uma tradição alternativa [Hobsbawm] e no rock, criando um apartheid entre art
music e música popular [Huyssen].
 Uma estratégia comum é começar [como na Cité de la Musique] com um par de capítulos
sobre os elementos da música – escalas, notação, instrumentos etc – e apresentar as
músicas não-ocidentais.
 Ou então começar com as músicas primitivas e logo mudar para as sofisticadas tradições
asiáticas.
 No capítulo 3, como numa explosão histórica e geográfica, a cena muda para a Catedral de
Notre-Dame de Paris, com Léonin e Pérotin, associando implicitamente as culturas não-
ocidentais como o início e a cultura ocidental como o progresso . cf. Nisbet
 Encontrar tal tipo de história em pleno século XXI é estarrecedor [espantoso?], na medida
em que oferece bases completamente inadequadas para a compreensão da música na
sociedade pluralista de hoje.
 Difícil é pensar em algum outro campo em que concepções tão acriticamente etnocêntricas
e elitistas tenham se mantido até tão recentemente.
Morte e transfiguração

 Pelo menos em termos estatísticos de audiência, a autoproclamada “música contemporânea


séria” está em crise, como se toda música tocada fora das salas de concerto não pudesse ser
igualmente séria.
 De tal modo que a audiência da música contemporânea divorciou-se dos que ouvem o
repertório clássico tradicional e a popularidade do assobio sonhada por Schoenberg e seus
seguidores jamais ocorreu. são esnobes? (Menger, 2001, p.231) cf. Ross
Morte e transfiguração

 O compositor moderno acredita piamente no conceito romântico de autenticidade, tratando


o ouvinte com desprezo e crendo que o insucesso de sua obra é garantia de seriedade e
integridade, dirigindo-se a uma audiência especializada como foram os princípios que
orientaram a criação da Sociedade de Concertos Privados, criada por Schoenberg na Viena
de 1918, como reação à cotovelada (sic, p.46, “music was elbowed out by...”) que sofreu
de uma sucessão de desenvolvimentos na música popular que levou outros tipos de música
contemporânea a um peso de popularidade sem precedentes.
 A música moderna floresceu sob a proteção estatal do mercado assistido (cf. MENGER,
2001 e 2009) e da academia, e às vezes também na indústria de entretenimento (como nas
trilhas de filmes de terror ). “ becos sombrios”: onde vi isso, recentemente? (um dos ETs
em MEMES, talvez. Acho que a Fonterrada.
 Não é errado dizer que a indústria da música reposicionou os clássicos em um nicho maior
e altamente lucrativo na cultura consumista contemporânea; o que nos leva a concluir que
não é a música clássica que está em crise, mas a maneira de pensá-la.
Capítulo 4: um objeto imaginário
Parando o tempo em suas trilhas

 Muitas culturas desejaram dar à música uma presença tangível e duradoura e o resultado é
a sobrevivência de uma meia-vida, já que a notação é muda para certos aspectos como:
andamento, produção vocal, dinâmica, emissão vocal, vibratos etc.
 A notação – seja como partitura ou tablatura – “conserva” a música, mas esconde tanto
quanto revela.
 No entanto ela ocupa um posto central na manutenção e mesmo na definição da cultura
musical, mesmo quando cada vez mais músicos transitam sem esforço de uma tradição à
outra, questionando se há ou não uma coisa chamada Música Ocidental (p.58).
Música entre notas

 Etnomusicólogos sabem mais que ninguém que notar uma música de outra tradição é
trazê-la para um sistema para o qual ela não foi feita e é justamente o que está entre as
notas é o que mais fielmente responsável pelo efeito das músicas não ocidentais como a
chinesa ou a indiana.
 Há portanto uma colisão entre música e notação, mesmo para a música para a qual ela foi
criada, e o fato de a notação não cuidar de sutilezas de tempo ou dinâmica não quer dizer
que nós não nos ocupemos delas.
 A natureza da notação é simplificar e a tentativa de colocar tudo na partitura resulta numa
escrita muito complicada.
 Pode-se ver na história da música ocidental que toda notação perde algo e os compositores
dos séculos XX e XXI, ao contrário, tentam geralmente especificar o que querem nos
mínimos detalhes, sem que isso elimine a incerteza.
 Não seria um exagero dizer que a arte da performance repousa justamente nos interstícios
da notação, naquelas partes da música que a partitura não alcança.
 A função mais óbvia da notação é a conservação, mas o desenvolvimento das tecnologias
de reprodução teria tornado a notação obsoleta, não fossem suas outras funções mais
complexas de transmitir toda uma maneira de pensar a música, fixando certos atributos
essenciais, sem os quais não se pode dizer que determinada música foi realmente
executada.
O mestre da menor ligação

 O padrão do que é determinado pela notação e o que não o é; e o que deve ser entendido
como dado e o que é problema da interpretação é o que determina uma cultura musical.
 Compor dentro de uma determinada tradição então é imaginar sons em termos das
configurações de determinação e indeterminação próprias a esta tradição, e isso por sua
vez quer dizer que a notação está muito mais profundamente implicada no ato de compor
do que com qualquer outro aspecto do processo composicional que os olhos do século XIX
quiseram ver e os compositores sabem que a música não é algo que simplesmente
acontece, mas algo que se faz [cf. Breim].
O paradoxo da música

 O século XIX procurou revelar o significado da música através da hermenêutica, mas


qualquer descrição musical envolve uma metáfora, nem sempre tão óbvia.
 Quando, por exemplo, dizemos que a música se movimenta, tratamo-la como um objeto
imaginário, e nisso reside seu paradoxo: nós a experimentamos no tempo mas, para
manipulá-la, mesmo para compreendê-la, nós a pensamos fora dele e a falsificamos, e essa
falsificação é parte de qualquer compreensão que se constrói sobre ela, já que toda música
(e não só a ocidental) baseia-se em representações.
 O importante é identificar qual o tipo de metáfora está em jogo e não confundi-la com a
experiência temporal que ela proporciona, mas essa confusão lhe é indissociável.
 Em outras palavras, sempre que tentamos falar sobre música, acabamos por mudar de
assunto.
Capítulo 5: uma questão de representação
Dois modelos de Arte

 A linguagem constrói uma realidade e não apenas a representa, e o papel da arte seria
tornar disponíveis novas maneiras de construir nosso senso de realidade, fazendo-nos, por
exemplo, experimentar o mundo de forma diferente.
 O valor artístico repousa na experiência do espectador – que não está alheio ao processo
artístico, mas torna-se um participante essencial nele – e isso revela o quanto o status da
música como ciência da performance é sub-representado nos escritos acadêmicos.
Uma abordagem inclusiva para a música

 As sinfonias de Mozart fazem parte de uma tradição de música de câmara na qual a música
é escrita mais para o prazer de quem toca do que para quem ouve.
 Por outro lado, as de Beethoven foram escritas para o efeito que produzem no auditório; os
músicos da orquestra tornam-se técnicos, trabalhadores de uma espécie de linha de
produção.
 Quando ouvimos a música de Beethoven, não ouvimos apenas o som que ele produz, mas
em relação à imagem do compositor que construímos através da audição e da leitura sobre
ele.
 A estética da representação não é somente uma base inadequada para se pensar a música
clássica, mas deixa muita coisa de fora, como praticamente toda a música não-ocidental, a
música popular e o jazz.
 A visão artística da estética clássica é completamente exclusiva e reservada a especialistas;
e a prática amadora tornou-se uma categoria inferior : se você não é um compositor ou um
intérprete, então você não é músico, devendo ir a concertos, comprar discos e mesmo ler
livros como este, mas a estética clássica não o reconhece como parte interessada.
Ansermet in Kaelin
 Por outro lado, uma abordagem baseada na atividade musical considera todos os
envolvidos.
 Tradicionalmente, as histórias da música têm sido histórias das composições musicais, com
ênfase na produção e não na recepção, cujas necessidades, desejos e aspirações formam a
substância da história.
 Precisamos de um equilíbrio entre as visões de representação e de construção.
 Precisamos de ambas as abordagens, tanto a baseada na composição quanto na recepção,
pois ambas funcionam como uma espécie de contraponto.
 O que há para se ouvir determina o que se quer ouvir, e o que se quer ouvir determina o
que há para se ouvir.
 A abordagem baseada na recepção é inclusiva e podemos compreender melhor a música
estando dentro dela, e evita julgamentos prescritivos herdados de outra era, sobre o quê e
como devemos ouvir.
 Estudar música significa estudar nossa própria participação nela, significa pois estudarmos
a nós mesmos.
Capítulo 6: música e academia
Como podemos participar dela...

 Kerman (1985) argumentava que a agenda musicológica era o resultado do contexto


institucional no qual se desenvolveu, propondo uma abordagem crítica no lugar do que ele
chamou de abordagem irrefletida ou positivista.
 A teoria musical, como a conhecemos hoje, e a análise em particular provêm do fermento
das idéias que cercavam a recepção da música de Bethoven: uma disciplina apologética,
designada a defender um alto repertório e subscrever seu status canônico. Com o tempo, a
teoria e a análise tornaram-se progressivamente técnicas e incompreensíveis a qualquer um
que não fosse especialista .
 Menger, Kowalski etc
...e como deixá-la

 Talvez seja impossível publicar uma história da música do século XX sem considerar
também a performance (98).
 Se musicólogos e teóricos consideram a Etnomusicologia como o estudo da música que
eles não estudam, os etnomusicólogos vêem-na como o estudo de toda música em termos
de seus contextos social e cultural, abrangendo produção, recepção e significação,
respondendo bem mais eficazmente -- graças a suas ligações com as ciências humanas,
como a antropologia – às tendências de fora da disciplina.

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