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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI

Disciplina: DECOLONIALISMO E PERFORMANCE


Professor: Edilson Assunção Rocha
Orientador Dr. Guilherme Vincens
Aluno: Wesley Souza Silva
Data: 05/06/2022

PERSPECTIVA DESCOLONIAL NA PERFORMANCE:


IMPROVISAÇÃO

Pensar na performance como uma linguagem decolonial por excelência, torna-se inviável
sob uma perspectiva geral, tendo em vista que, o conceito e ideia de uma apresentação à um
público não representa uma atividade exclusiva de um nicho artístico ou colonial, mas uma
atividade em comum que atravessa culturas e regiões distintas da humanidade ao longo dos
séculos. A partir daqui, podemos suscitar a relevância em atribuir como prerrogativa à uma
performance, propostas decoloniais que podem corroborar com novas perspectivas estéticas e
intuitivas ao meio musical, atribuindo então, uma linguagem decolonial à performance.
O que seria uma performance com linguagem decolonial? Júlia Lotufo (2018) em sua
tese aponta que:

Os diferentes trabalhos que, de algum modo, podem ser inseridos dentro do


que estamos chamando de performance decolonial, apresentam questões
muito diversas, podemos, porém, reconhecer algumas que são bastante
recorrentes como: as representações e imagens criadas por instituições
oficiais e pela indústria cultural, a mercantilização da cultura popular em
situações turísticas, os estereótipos sociais relacionados a gênero, raça,
orientação sexual, as inúmeras formas de violência e violação sofridas por
populações marginalizadas, histórias e memórias de exploração e opressão e
ainda os diversos saberes e memórias subalternizados. Eles trazem questões
específicas de suas realidades, de seu contexto social e cultural, de suas
localidades, das histórias e memórias de seu povo, de seus antepassados,
partindo de onde fala o corpo, do lugar de onde se fala, de suas experiências
e vivências, interrogando esse corpo, sua constituição e as construções nos
quais ele está inserido (LOTUFO, 2018, p.81).

Lotufo (2018) denomina performances com linguagens decoloniais aquelas no qual


apresentam “questões específicas” da realidade do performer como “histórias e memórias de
seu povo, de seus antepassados, [...] suas experiências e vivências,[...]”. Neste ponto, atrelo a
prática de improvisação instrumental solo, como um caminho prático a incorporar os aspéctos
únicos e individuais de cada performer. Caminho este, que ja se mostrou ao longo da história,
um veículo incontestável de expressividade e categorização da realidade de cada performer.
A improvisação se estabeleceu como um modo de expressão musical que tem
atravessado os mais distantes períodos históricos e estilísticos, onde a união entre conjectura
composicional, a seleção dos meios técnicos para sua execução/interpretação final se
sobrepõem em tempo real, embora por ordem comprovadamente flexível ou até, por vezes,
arbitrária.
Todos os métodos musicais criados para culminar em uma possível habilidade ou técnica
instrumental, serão úteis para a improvisação.
Segundo Luís Leite:

Na música, a palavra improvisação se estabeleceu como uma expressão


referente a uma habilidade específica, ligada à ideia de criação espontânea,
normalmente associada a um discurso musical idiomático. Ainda que em
grande parte de suas manifestações a improvisação musical pouco tenha de
completamente aleatório, não deixa de ser interessante contemplar a ideia de
risco contida em sua própria essência conceitual (LEITE, 2015, p.6).

Em sua tese, Leite (2015) aponta que “a improvisação se dá justamente na interseção” da


“criação e execução, podendo ser definida como uma composição em tempo real” (LEITE,
2015, p.8). Ao refletir sob a óptica de Luís Leite, podemos vislumbrar um processo de
desenvolvimento criativo que transcende um processo de aprendizado unicamente
conservatorial, no qual o músico compreendendo de um fator fértil utiliza de todo o
conhecimento adquirido, não só para complementar e enriquecer uma obra empregando
elementos interpretativos, mas, também, compor integralmente um produto musical em tempo
real.
Leite (2015) aponta que no final do século XIX se estigmatizou uma hierarquia sobre o
fazer musical onde o compositor, por sua vez, era o ponto mais alto da cadeia e o interprete
um mero reprodutor subordinado ao compositor.

“A partir do final do século XIX estabeleceu-se paulatinamente na música de


concerto uma configuração heterogênea entre duas classes de profissionais:
de um lado o compositor per se, que, embora muitas vezes pudesse ser um
excelente instrumentista, em geral não se expunha como tal; e do outro, o
intérprete, concentrando suas energias na perfeição da execução de modo a
atender as exigências de um mercado emergente” (LEITE, 2015, p.20).

Podemos, portanto, enumerar perspectivas decoloniais latentes dentro de uma


performance no qual se apoia na improvisação como caminho principal e fundamental:
1) Performance pensada não em um repertório, nem a um compositor ou período, mas na
própria interação reflexiva e/ou emotiva da expressão, história de vida, e impulsos
instrumentais do próprio performer.
2) Composição em tempo real, lançando mão de uma hierarquia entre composição e
interpretação.
Portanto concluimos que a performance com linguagem decolonial parte de uma
perspectiva baseada em questões diversas, onde não se mantém calcada à um viés de critérios
coloniais. A improvisação é um veículo de expressão que proporciona uma evidencia ao
performer, sua trajetória social, histórica e musical, que contribui para um fazer musical
baseado em um viés criativo sob uma linguagem decolonial.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAILEY, Derek. Improvisation: its Nature and Practice in Music. Boston: Da Capo Press,
1993.

BATTISTUZZO, S. A. C. Francisco Araújo: O uso do idiomatismo na composição de obras


para violão solo. 2009. 178f. Dissertação. (Mestrado em Música) – Instituto de Artes,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009.

CLARKE, Erif F. “Improvisation, cognition and education”. In: PAYNTER, John, Editor.
Companion to Contemporary Musical Thought. London. Routledge.1992. Volume 2.

COKER, Jerry. How to Practice Jazz. New Albany, IN. Jamey Aebersold. 1990. 77p.

LEITE, Luis C. Música Viva: Novas perspectivas sobre a prática da improvisação musical.
2015. Tese (Doutorado em Música) – Programa de Pós- Graduação em Música, Centro de
Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

LOTUFO, Júlia Jenior Ensino de performance e descolonização na América Latina / Júlia


Jenior Lotufo. – 2018. 151 f. : il.

MEIRELES, F. J. S. R. Processos composicionais e escrita idiomática no guitarrista


compositor contemporâneo: Nuccio D’Angelo e Dusan Bogdanovic. 2021. Dissertação
(Mestrado em Música) – Escola superior de Música e Artes do Espetáculo, Politécnico do
Porto.

PROA: Revista de Antropologia e Arte. UNICAMP. 10(1). p. 153 – 199, 2020.

ROMAN, A.R. O conceito de polifonia. Mestrado em Linguística da Língua Portuguesa


Letras, Curitiba, n.41 -12, p,207 - 220, Editora da UFPR. 1992-93.

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