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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

ESCOLA DE TEATRO

Juliana Maria Araújo de Oliveira1

RESENHA

BIÃO, Armindo. Um léxico para a etnocenologia: proposta preliminar (2007). In:


Etnocenologia e a cena baiana: textos reunidos, (p.33) Salvador: P&A Gráfica e Editora, 2009.

Etnocenologia, uma área de estudo até então ainda desconhecido por muitos, mas que
está ganhado status de ciência. Essa nova etnociência, dedicada às artes do espetáculo e
aos comportamentos e práticas espetaculares humanos organizados, em 1995, foi motivo
de um primeiro Colóquio Internacional, na sede da UNESCO e na Maison des Cultures
du Monde, em Paris, França.

Na tentativa de contribuir para a construção de um léxico para a palavra, o autor


ressalta que “O esforço de conhecer-se o diferente e o diverso implica o desafio de
compreender-se o discurso do entorno do novo objeto que se quer conhecer, bem como o
conhecer de seu próprio interior, inclusive seu léxico e sua língua nativa. ” (BIÃO, 2007.)
Dessa forma, Bião propõe um conjunto de 18 expressões da língua portuguesa e as explica
de forma sucinta, relacionando-as com a etnocenologia, o que facilita o entendimento da
palavra de forma mais objetiva, são elas: teatralidade, espetacularidade, estado de
consciência, estados de corpo, transculturação, matrizes estéticas, alteridade, identidade,
identificação, diversidade, pluralidade, reflexividade, objeto, trajeto, sujeito, projeto,
apetência e competência.

1
Bacharel em Interdisciplinar em Artes pela Universidade Federal da Bahia - UFBA. Graduanda do curso
de Licenciatura em Teatro na UFBA. Bolsista do Programa de Iniciação à Docência da UFBA.
A etnocenologia busca articular, na interseção dos vastos campos do conhecimento
das ciências e das artes, as teorias e as práticas dos espetáculos, a criação e a crítica. Do
ponto de vista temático, essa perspectiva transdisplinar se refere, constantemente, à
tradição e à contemporaneidade e, também, aos universos da experimentação, do
amadorismo e do profissionalismo.

BIÃO, Armindo. A metáfora teatral e a arte de viver em sociedade (Étapes, 1989). In:
Etnocenologia e a cena baiana: textos reunidos, p. 153. Salvador: P&A Gráfica e Editora, 2009.

Em uma visão geral, o texto traz o diálogo da arte com a vida em sociedade e como o
teatro está presente nas interações humanas. O autor inicia explanando sobre a palavra
teatro e como ela abrange dois conjuntos de significações: um espacial, outro de
referência à atividade artística. A etimologia da palavra, a partir das raízes gregas, expõe
um significado geral que extrapolava o limite do óbvio: “O teatro, no mundo grego,
desempenhava, de maneira importante, múltiplas funções, a saber: estética,
antropológica, sociológica e política.”. Para aprofundar o tema, Bião cita diversos autores
para relacionar o teatro com a antropologia e a sociologia, o que tornou, pelo menos ao
meu ver, o texto um pouco mais complexo, porém, entendível.

Ao dar continuidade, busca-se explicar a distinção entre teatro e espetáculo, sobre isso
cita-se: “A atividade teatral ganha reconhecimento social, quando é realizada em
espetáculo, mas não se reduz a este. Além disso, existem espetáculos que não se pode
dizer teatrais. ”. Considerando os adjetivos espetacular e teatral, vê-se que o segundo
possui também um sentido figurativo e pejorativo quando se associa a termos como
“artificial”. Já por espetacular o Petit Robert remete a chocante, espantoso,
impressionante. Apesar de se relacionarem, o objetivo é recuperar do teatro sobretudo a
referência à representação cênica e deixar ao espetáculo o que remete ao chocante,
impressionante.

Entra-se então em mais uma distinção de termos: teatralidade e espetacularidade. Para


explicar tal distinção, o autor referencia, de forma muito inteligente ao entendimento,
duas grandes tendências que codificaram a arte teatral: uma tenta ir em direção ao
despojamento dos exageros teatrais, ou seja, em direção a vida, cuja referência é
Stanislavski e que busca mais a teatralidade, enquanto a segunda tenta ir em direção ao
que é diferente da vida, à espetacularidade, cuja referência é Meyerhold. Bião aborda
ainda a espetacularização do mundo, sendo o ponto onde ele mais consegue ver a
distinção dos termos levando em conta a sociedade contemporânea.

Em suma, Bião conclui muito bem o texto, explicando que enquanto a teatralidade
seria o jogo cotidiano de papéis sociais, a espetacularidade seria a colocação em cena
extracotidiana de relações sociais que têm lugar nos espaços sociais e públicos, além de
ser encontrado em diversas manifestações populares e religiosas. Ressalta ainda, que
“estas categorias não podem ser compreendidas como dois estados distintos e afastados
um do outro.”.

BIÃO, Armindo. Teatralidade e espetacularidade (A Tarde, 1990). In: Etnocenologia e a cena


baiana: textos reunidos, p. 161. Salvador: P&A Gráfica e Editora, 2009.

No artigo, somos apresentados aos temas centrais da tese de doutorado de Armindo


Bião. O autor nos guia a uma reflexão sobre as relações de poder político e o mundo dos
espetáculos, em que o século XX se recheia de metáforas, noções e figuras técnicas
teatrais, sem que o teatro seja, no entanto, o objeto eleito do discurso e exemplifica: o
complexo de Édipo, a noção de papel social, o psicodrama, os rituais políticos e
religiosos, etc. Bião vê a experiência de Artaud e Grotowski como contribuintes para
incorporar noções e temas das ciências sociais no teatro. Essa interface teatro/
antropologia é reveladora do grande problema do discurso científico da modernidade: a
definição dos termos. É nesse sentido que se propõe definir as noções de “teatralidade”,
“espetacularidade” e “pós-modernidade”.

Aos microeventos da vida cotidiana se relaciona à teatralidade, já os macroeventos,


aqueles que ultrapassam a rotina, são extraordinários, formam a espetacularidade. O ator
de teatro, no palco, vive uma espécie de estado modificado de consciência, semelhante,
mas diferente, do estado de uma pessoa na teatralidade cotidiana, nessas formas lúdico-
sociais, entre ter e não ter consciência, existe um amplo leque de estados modificados de
consciência.
Seguindo com a tese, Bião analisa os jesuítas, os primeiros modernos, que usaram um
teatro polilíngue para a formação de pessoas cristãs, sendo o genocídio e a escravidão
elementos fundadores. Faz um panorama dos marcos da modernidade e os considera
espetaculares. Em uma pesquisa de campo, revela a crescente importância das formas
espetaculares de matriz cultural negro-africana que ocupa um novo espaço urbano, e é
desse processo que se define como pós-modernidade antropofágica na Bahia.

BIÃO, Armindo. O estético dá a ligação comunitária, p 373. In: Etnocenologia e a cena baiana:
textos reunidos. Salvador: P&A Gráfica e Editora, 2009.

O texto é na verdade uma entrevista concedia para SBPC Cultural Bahia, a primeira
questão levantada é sobre o conceito de identidade cultural, ao que Bião responde
expondo o termo etnocenologia, que é a etnociência do espetáculo, termo cujo objetivo é
de superar o preconceito etnocentrista e valorizar a diversidade espetacular das diversas
culturas. Focando na Bahia, identifica uma multiplicidade de matrizes estéticas, e faz um
panorama das variadas influencias e justifica que essas culturas se misturam em uma
cidade e conclui “É uma cultura autorreferenciada, mas que absorve influências externas
e diz isso.”.

A entrevista segue e Bião justifica a importância da discussão para o fazer artístico e


para a sociedade, ressalta a importância da atualização, no sentido de valoriza e difundir
a diversidade cultural, e reafirma que, apesar do teatro ter matrizes europeias, temos
práticas espetaculares que não se restringem ao teatro a exemplo das procissões e dos
rituais afro-brasileiros. Levanta-se a reflexão em relação a homogeneidade da cultura
baiana, considerando-o um estado tão múltiplo, o autor discorda e dá uma explicação
muito objetiva: há uma dinamicidade e uma preocupação com o nicho de mercado, “[...]
a gente tem que ouvir o que está sendo vendido, aprender com isso[...]” e conclui que
nem tudo será dominante e nem tudo será dominante sempre.

A última pergunta da entrevista se refere ás manifestações culturais e artísticas que


Bião indicaria, ele cita diversas, entre elas: os programas Bahia Singular e Plural e Arerê
Geral, as procissões e festas religiosas, o Bando de Teatro Olodum, a Companhia Tupã
de Teatro, o Malê de Balê, a ópera montada por Carlos Petrovitch e os espetáculos da
Escola de Teatro, muito bem indicado, pois realmente tem uma grande representatividade
na vida artística da cidade.

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