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PANO DE ALAKÁ: tecendo os signos históricos do pano da costa no Brasil

Conference Paper · June 2019

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Aymê Okasaki
University of São Paulo
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PANO DE ALAKÁ: tecendo os signos históricos do pano da costa no Brasil
Aymê Okasaki ; Marina de Mello e Souza

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo (FFLCH-USP); 05508-080 ,
São Paulo, Brasil; ayme.okasaki@usp.br;

Resumo
No presente artigo foi abordada a temática do pano da costa ou pano de alaká, na
indumentária do candomblé. Por meio de um levantamento bibliográfico e imagético, foi
analisada a evolução do uso do pano da costa, desde sua introdução no traje de crioula. O
objetivo desta investigação é identificar os significados do uso do pano da costa e alterações
em sua utilização e confecção atualmente. Para isto, analisou-se a origem e composição desta
indumentária religiosa. Observa-se um dos principais elementos identificadores deste traje, o
pano da costa, por meio de seu histórico e das mudanças características da tecelagem e uso
destes tecidos, no Brasil.

Palavras-chave: Pano da costa. Alaká. Indumentária do candomblé.


Área Temática: Moda.

1. Introdução
A presente pesquisa investiga quais as interpretações funcionais e estéticas de um
identificador da indumentária feminina do candomblé: o pano da costa, desde sua
implantação no traje da crioula no período escravagista brasileiro, até a contemporaneidade
dentro do candomblé. Assim, o objetivo é investigar quais foram as modificações e
permanências do uso e confecção do pano, na Bahia. Estas alterações se referem aos modos
de se vestir e amarrar os panos, segundo suas significações litúrgicas e profanas; e
modificações quanto materiais, processo de confecção, cores e tamanhos. Como referencial
teórico, esta pesquisa se apoia na historicidade da indumentária do candomblé e cultura
material têxtil da África Ocidental, realizados por Raul Lody, Luis Nicolau Parés, Vagner
Gonçalves da Silva; Colleen Kriger e John Gillow. Como referencial imagético histórico
temos o trabalho do fotógrafo e antropólogo francês Pierre Verger, as fotografias de José
Medeiros e de Adenor Gondim. Para analisar a indumentária do século XIX, são
fundamentais as fotografias realizadas em estúdio de Marc Ferrez, Alberto Henschel e
Augusto Stahl.

2. Metodologia
A pesquisa tem como base referências bibliográficas e imagéticas, com obras focadas
no período após a segunda metade do século XIX até o contemporâneo, apenas na Bahia.
Também recorri ao estudo de campo no Terreiro de Òsùmàrè; e na Casa do Alaká, em
fevereiro de 2019. Neste estudo de campo analisei o processo de confecção do pano da costa,
e entrevistei uma das organizadoras do projeto, Iraildes Maria Santos. Também para analisar a
diversidade disponível no mercado religioso contemporâneo, foi realizada uma visita à Feira
de São Joaquim; principal mercado de artigos religiosos de Salvador. O estudo de campo e
entrevista foram essenciais para compreender a produção e o uso contemporâneo do pano da
costa.

Pano da costa no Brasil


A indumentária feminina do candomblé surgiu do encontro cultural entre etnias
africanas vindas para o Brasil, com a cultura luso-brasileira. A atual roupa das mulheres no
candomblé é derivada do traje das crioulas do séc. XIX, que possui o pano da costa como
uma de suas peças mais identitárias. No Brasil, trata-se de uma peça feita, principalmente em
algodão, em forma de xale, composto de tiras costuradas umas às outras pelas ourelas. As
tiras do alaká vinham do intenso comércio com a costa oeste africana, iniciando no séc.
XVIII, mas com maior presença no séc. XIX (IPAC, 2009, p. 18). Alguns tecelões brasileiros
misturavam as faixas africanas com as nacionais, dando maior similaridade ao produto; como
fazia Mestre Alexandre (LODY, 2015, p. 34). Na Bahia, os tecelões Alexandre Gerardis da
Conceição e seu afilhado, Abdias do Sacramento Nobre (1910-1994) se destacaram na
tecelagem dos panos. Em 1984, um projeto de tecelagem do pano da costa foi inserido dentro
do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, e desde 2002, o projeto se tornou a Casa do Alaká, onde a
feitura artesanal (IPAC, 2009, p. 21). Atualmente, além da Casa do Alaká (fig. 1), existe a
tecelagem do pano da costa, em tear manual, no Ilê Axé Iboro Odé e Terreiro de São Jorge
Filho da Goméia.

Usos sociais, estéticos e religiosos


O uso pano da costa permeia a ritualística do candomblé e demarca as entidades, seus
gêneros, o momento de incorporação, as tarefas a serem realizadas e a posição hierárquica do
candomblecista. Além das funções no candomblé, o uso profano do pano da costa remonta os
trajes das crioulas. As babás instituíram uma função prática a eles, amarrando-os nas costas
para carregarem os bebês (TORRES, 2004, p. 430-431). Quando quituteiras e ganhadeiras
iam vender algo na rua, elas colocavam o pano da costa nos quadris e franziam-no na cintura,
prendendo-o na saia. Dentro dos terreiros atuais, o pano também passou a ser enrolado como
uma faixa na cintura, quando as candomblecistas devem desempenhar tarefas no qual
precisassem de uma maior movimentação (LODY, 2015, p. 34). Já a disposição como
mantilha ou véu recebeu a conotação de proteção para o corpo, dentro do candomblé
(TORRES, 2004, p. 433-434). Nas cerimônias religiosas, o pano é transpassado sobre o
peito, dobrado um terço para dentro, reunindo as pontas acima dos seios com um laço com
pontas sobre o peito para os orixás masculinos ou um laço borboleta para orixás femininos
(LODY, 2015, p. 35).

Panos da costa contemporâneos


Em Salvador, os panos da costa contemporâneos se dividem em alguns tipos básicos:
importados africanos (e holandeses produzidos na África), importados chineses e nacionais.
Dentre os nacionais, estes se ramificam entre os produzidos no tear manual e os produzidos
com outros tecidos, como rendas e Richelieu. Desde a década de 1980, os terreiros baianos,
impelidos por um movimento de negação do sincretismo 1 e “re-africanização”, buscavam uma
estética que remetesse à uma África imaginada, por estes candomblecistas baianos. Em uma
visita de campo à Feira de São Joaquim, foram cotados os preços e origem dos panos da costa.
Na Feira de São Joaquim, os alakás africanos eram os mais caros encontrados no mercado.
Estes concorriam com os panos chineses; mais baratos e com boa qualidade. Já os panos
nacionais artesanais, sejam de Richelieu, rendas ou os de tecelagens artesanais, variavam
muito seu preço de acordo com a matéria-prima e as técnicas de produção; sendo muitos deles
também confeccionados sob encomenda. É importante notar que a maior parte da
indumentária de candomblé é confeccionada por encomenda. Por isso, é necessário verificá-
los em uso nos terreiros. Para tal, realizei um estudo de caso, visitando uma festa pública do
Terreiro de Òsùmàrè, e constatei um uso mais intenso de panos da costa listrados, feitos em
tear manual.

3. Resultados e conclusão
Com o comércio dos panos da costa, no Brasil, em especial na segunda metade do
século XIX, as negras libertas intensificaram seu uso em sua indumentária. Cada forma de

1 O Manifesto das Ialorixás Baianas, de 1983, foi um documento que formalizou este desejo dos
candomblés baianos. Mesmo que este fim do sincretismo não tenha se consolidado totalmente.
utilizar, amarrar e dispor e pano da costa, simbolizava a tarefa a se fazer. É certo que os
símbolos religiosos sofreram influências e mudanças em suas formas, materiais, usos e
significados socialmente declarados. No entanto, as razões de usos religiosos foram
preservadas dentro do candomblé. Portanto, o uso do pano da costa atualmente pelas mulheres
no candomblé demonstra certa preservação de tradições do vestir têxtil quando estes estão
envoltos dentro das ritualísticas, mesmo com alterações tecnológicas de confecção (buscando
aumento da produção) e de design, mas mantendo a estrutura básica desta peça centenária.
Figura 1 – Panos de cabeça expostos nas urdideiras artesanais e panos da costa expostos nas
vitrines ao fundo. Na direita, ao fundo da imagem, o tear artesanal; dentro da Casa do Alaká.

4. Referências

CONSORTE, Josedeth Gomes. Em torno de um Manifesto de Ialorixás Baianas contra o


Sincretismo. In: CAROSO, Carlos & BACELAR, Jeferson (orgs). Faces da Tradição afro-
brasileira: Religiosidade, Sincretismo, Anti-Sincretismo, Reafricanização, Práticas
terapêuticas, Etnobotânica e Comida. Rio de Janeiro, Pallas; Salvador, CEAO, 2ed., 2006,
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CORREIA LOPES, Edmundo. A escravatura: subsídios para a sua história. Lisboa: Agência
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ERMAKOFF, George. O negro na fotografia brasileira do século XIX. Rio de Janeiro:


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IPAC, Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia. Pano da Costa. Cadernos IPAC,
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Mestrado – Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Artes Visuais, 2012.

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