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COLEÇÃO PESQUISAS 6

De ‘improvisados’ a eméritos:
Trajetórias intelectuais
no CEAO (1959-1994)
Luiza Nascimento dos Reis
DE ‘IMPROVISADOS’ A EMÉRITOS:
TRAJETÓRIAS INTELECTUAIS NO CENTRO DE ESTUDOS
AFRO-ORIENTAIS (1959-1994)
DE ‘IMPROVISADOS’ A EMÉRITOS:
TRAJETÓRIAS INTELECTUAIS NO CENTRO DE ESTUDOS
AFRO-ORIENTAIS (1959-1994)

Luiza Nascimento dos Reis

Coleção Pesquisas
6

Recife/2022
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
Reitor:
Profº Drº Alfredo Macedo Gomes
COMISSÃO EDITORIAL
Coordenadora:
Profª Drª Luiza Nascimento dos Reis (DH/UFPE)
Vice Coordenador:
Profº Drº José Bento Rosa da Silva (PPGH/UFPE)
Conselho editorial:
Ana Cristina Vieira (UFPE/Brasil), Ana Piedade Monteiro (Unizambeze/Moçambique), Carlos Ar-
naldo (Universidade Eduardo Mondlane/ Moçambique), Colin Darch (University of Cape Town/
África do Sul), David Hedges (Universidade Eduardo Mondlane/Moçambique), Dayse Cabral de
Moura (UFPE/Brasil), Edilson Fernandes de Souza (UFPE/Brasil), Eliane Veras Soares (UFPE/Bra-
sil), Eurídice Monteiro (Universidade de Cabo Verde/Cabo Verde), Gustavo Gomes da Costa Silva
(UFPE/Brasil), Isabel Casimiro (Universidade Eduardo Mondlane/Moçambique), Jacimara Souza
Santana (UNEB/Brasil), João Carlos Trindade (Centro de Estudos Sociais Aquino de Bragança/Mo-
çambique), José Bento Rosa da Silva (UFPE/Brasil), Judith Head (University of Cape Town/África
do Sul), Maram Mané (Escola Nacional de Saúde/Guiné Bissau), Marco Mondaini (UFPE/Brasil),
Marcos Costa Lima (UFPE/Brasil), Remo Mutzbenberg (UFPE/Brasil), Robert Slanes (UNICAMP/
Brasil), Solange Rocha (University of Cape Town/África do Sul), Teresa Amal (Universidade de
Coimbra/Portugal), Tereza Cruz e Silva (Universidade Eduardo Mondlane/Moçambique), Valde-
mir Zamparoni (UFBA/Brasil).
Projeto Gráfico:
Daniel L. Apolinario e Xenya Bucchioni
Diagramação:
UM Design Gráfico
Revisão:
Roberto Santos de Carvalho

Catalogação na fonte
Reis, Luiza Nascimento dos.
R375 De ´improvisados´a eméritos: trajetórias intelectuais no Centro de
Estudos Afro-Orientais (1959-1994) / Luiza Nascimento dos Reis. – Recife:
Editora UFPE, 2022.
328 p.: il. (Série Brasil & África. Coleção Pesquisas, 6).

ISBN:  978-65-999071-0-4

1. Brasil e África - Relações. 2. Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO)


– Universidade Federal da Bahia. 3. Cultura Afro-brasileira e africana. 4.
Candomblé.
I. Reis, Luiza Nascimento dos. II. Título da Série.

CDD 303.4828106
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO DA SÉRIE 7
RELAÇÃO DE LIVROS PUBLICADOS DA SÉRIE BRASIL & ÁFRICA 9
PREFÁCIO 11
NOTA DA AUTORA E AGRADECIMENTOS 15
LISTA DE ILUSTRAÇÕES 17
LISTA DE ABREVIATURAS 19
INTRODUÇÃO 21

Capítulo 1 - UM LUGAR PARA A ÁFRICA NA BAHIA: O CENTRO DE ESTUDOS


AFRO-ORIENTAIS 31
Uma ponte acadêmica entre Brasil e África
O CEAO
Visão da Bahia
CEAO e a política internacional no Brasil
Uma sede para a cultura africana na Bahia

Capítulo 2 - UM PROJETO ACADÊMICO TRANSNACIONAL: PESQUISADORES


DO CEAO ENTRE A BAHIA E A ÁFRICA OCIDENTAL 73
O CEAO e a constituição de uma equipe de pesquisa
As viagens à África ocidental e as condições de produção
As produções acadêmicas e suas repercussões
Entre pesquisas e candomblés

Capítulo 3 - UM BRASIL NEGRO? NO SENEGAL COM PEDRO MOACIR MAIA,
INTELECTUAIS, DIPLOMATAS E ARTISTAS 125
Um baiano em Dacar

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Maia, adido cultural
Um acordo com o Senegal
O Brasil e o Festival Mundial de Artes Negras (Dacar, 1966)
Noite brasileira em Dacar
Fim da experiência senegalesa de Maia

Capítulo 4 - NO EXÍLIO AFRICANO: ITINERÁRIOS DE PAULO FARIAS


NA COSTA OCIDENTAL 179
O encontro com a história da África
O CEAO e o golpe militar em 1964
Itinerários: recepção de Pedro Maia no Senegal
No Institute de African Studies (IAS), Universidade de Gana
Em Zária, norte da Nigéria, na Ahmadu Bello University
No Centre of West African Studies da Universidade de Birmingham

Capítulo 5 - ESPRIT DE CORPS NO CEAO: ENTRE A POLÍTICA EDUCACIONAL


E A POLÍTICA AFRICANA 217
Renascimento africano na sociedade brasileira?
O Museu Afro Brasileiro (MAFRO)
Programa Brasil-África e intercâmbio no CEAO
O II Festival Mundial de Artes Negras e Cultura (FESTAC – Lagos, 1977)
Rumo ao Festival
A representação brasileira
O Colóquio Civilização Negra e Educação
A representação artística brasileira
Pós FESTAC

Capítulo 6 - NO CEAO, UMA EXPERIÊNCIA (1980-1994) 271
Incertezas e expectativas
Articulação
Dinâmica
A inauguração do MAFRO
Extensão e Financiamento Internacional
O CEAO e a UFBA em tempos de redemocratização
A gestão de Júlio Braga
Homenagem aos mais velhos

CONSIDERAÇÕES FINAIS 303

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E FONTES 311

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APRESENTAÇÃO DA SÉRIE
Constituída por 3 Coleções (Pesquisas, Ensaios e Clássicos), a Série
Brasil & África foi criada em 2014 com o objetivo de trazer ao público bra-
sileiro pesquisas empíricas, ensaios e estudos clássicos produzidos sobre
diferentes temáticas e contextos sócio-políticos no continente africano e
no Brasil. A coleção é parte de um projeto intelectual mais amplo de visi-
bilizar trabalhos acadêmicos desenvolvidos por investigadores africanos
e brasileiros sobre e a partir do continente africano que, em virtude das
lógicas de produção do conhecimento ainda concentradas no chamado
“Norte Global”, tendem a ter pouco ou nenhum espaço nas editoras e
publicações acadêmicas de prestígio nacional e internacional.
Este projeto intelectual tem sido fortemente influenciado pelas trans-
formações vivenciadas no âmbito das ciências humanas, particularmen-
te a partir das perspectivas teóricas decolonial e pós-colonial, que vem
denunciando a persistência das lógicas coloniais na produção do conhe-
cimento e a reprodução da subordinação cultural, econômica e política
dos países do “Sul Global” em relação aos centros econômicos do capita-
lismo global. Neste sentido, é imperativo trazer para o debate acadêmico
outros olhares e perspectivas teóricas e metodológicas produzidas desde
o “Sul Global”.
A Série Brasil & África assume o compromisso ético e político com o
fortalecimento da cooperação acadêmica e intelectual entre pesquisa-
dores brasileiros e africanos, especialmente, mas não exclusivamente,
com aqueles da África Lusófona com os quais compartimos não apenas

7
a mesma língua, mas também experiências e vivências semelhantes do
colonialismo. Dessa forma, a Série Brasil & África insere-se num esforço
mais amplo de estreitar os laços entre o Brasil e os países africanos, numa
perspectiva geopolítica de ênfase na chamada “Cooperação Sul-Sul” que
busca romper com as lógicas de poder coloniais que ainda persistem nos
dois lados do Oceano Atlântico.
A Série Brasil & África também está engajada na divulgação de pesqui-
sas que reconhecem as novas experiências sociais e políticas antissistê-
micas emergentes no Brasil e em África, que buscam edificar uma nova
ordem pautada pela afirmação da democracia e dos direitos humanos
compreendidos para além da dimensão legal e jurídica, enquanto gra-
máticas de convivência social caracterizada pela solidariedade, e pela
participação social e pela partilha do poder. A Série Brasil & África vin-
cula-se atualmente à Coordenadoria de Estudos da África (CEAf), que é
parte do Centro de Estudos Avançados da UFPE, órgão acadêmico criado
como parte dos esforços da UFPE no seu processo de internacionalização.

Gustavo Gomes da Costa


(Professor da UFPE e Coordenador da Coordenadoria de Estudos da África)

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RELAÇÃO DOS LIVROS PUBLICADOS
DA SÉRIE BRASIL & ÁFRICA

COLEÇÃO CLÁSSICOS
• Sonhar é preciso – Aquino de Bragança: Independência e revolução
na África portuguesa (1980-1986)
Marco Mondaini (organizador)
• O mineiro moçambicano: Um estudo sobre a exportação de mão de
obra em Inhambane
Ruth First (coordenadora)
• Cultura em tempos de libertação nacional e revolução social:
Amílcar Cabral, Samora Machel e Mário de Andrade
Marco Mondaini (organizador)

COLEÇÃO PESQUISAS
• Paz na terra, guerra em casa. Feminismo e organizações de
mulheres em Moçambique
Isabel Casimiro
• Entre os senhores das ilhas e as descontentes. Identidade, classe e
gênero na estruturação do campo político em Cabo Verde
Eurídice Furtado Monteiro

9
• HIV AIDS e as teias do capitalismo, patriarcado e racismo: África do
Sul, Brasil e Moçambique
Solange Rocha, Ana Cristina de Souza Vieira, Evandro Alves
Barbosa Filho (organizadores)
• História, saúde e culturas em África e Brasil
Jacimara Souza Santana (organizadora)
• Literatura, pensamento social e movimento de mulheres: um
mosaico moçambicano
Eliane Veras Soares, Remo Mutzenberg

COLEÇÃO ENSAIOS
• Mortalidade das mulheres em idade fértil e mortalidade materna:
Tendências, determinantes e causas numa coorte comunitária na
Guiné Bissau de 1996 a 2007
Maram Mané
• Voluntários forçados: Discurso e contradiscurso acerca do trabalho
nas colônias lusas – (1925-1935)
José Bento Rosa da Silva
• O continente demasiado grande: Reflexões sobre temáticas
africanas contemporâneas
Colin Darch
• As antinomias do desenvolvimento: Uma crítica aos megaprojetos
no Brasil, Moçambique e Cabo Verde
Marco Mondaini (organizador)
• África & Brasil no Século XXI
Eliane Veras Soares, Remo Mutzenberg (organizadores)

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PREFÁCIO
O livro De ‘improvisados’ a eméritos: Trajetórias intelectuais no Centro
de Estudos Afro-Orientais (1959-1994) de autoria de Luiza Nascimento dos
Reis apresenta um importante estudo que, como um casulo abre-se a
seu tempo para a vida, transformando-se em borboleta. Algumas espé-
cies de borboletas são agentes de polinização das plantas (garantindo
a fecundação, e consequentemente a produção de frutos e sementes),
podem percorrer longas distâncias, além de terem cor viva, e, incontes-
tável beleza.
Assim é Luiza Reis, que com seu trabalho como professora, pesqui-
sadora e articuladora acadêmica, a partir da vinculação de ações que re-
lacionam o Brasil com o Continente africano, como as borboletas realiza
polinização (fecundando e criando novos conhecimentos), percorre lon-
gas distâncias relacionando-se especialmente com as/os jovens intelec-
tuais negras/os abordadas/os em sua pesquisa de doutorado, possibili-
tando tornar conhecidas as buscas, as cores, as dificuldades, as belezas
e as competências.
Luiza Reis tornou-se Doutora pelo Programa Multidisciplinar de Pós-
-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos da UFBA – Universidade Fe-
deral da Bahia. Atualmente é Professora Adjunta do Departamento de
História na Universidade Federal de Pernambuco (História da África),
coordenou a Coordenadoria de Estudos da África do Centro de Estudos
Avançados (CEAF/UFPE) e coordena do Afrika’70: Grupo de Estudos em
História da África Contemporânea. Fato é que depois do doutorado, in-

11
tensificou o voo pelo mundo afora – relacionando-se mais intensamente
com o Brasil e o Continente Africano.
Reconhecer e destacar estudiosas/os negras/os como intelectuais,
é uma atitude extremamente louvável e necessária, pois na realidade
brasileira, o racismo penetra em todas as situações vividas, e no campo
acadêmico, os negros mesmo que competentes não são reconhecidos
como intelectuais. Um forte exemplo é a existência de Milton Santos
(1926-2001), estudioso baiano graduado em Direito pela UFBA e Doutor
em Geografia pela Universidade de Strasbourg/França, em sua trajetó-
ria tornou-se mais conhecido e reconhecido internacionalmente. Em sua
própria casa (no Brasil) demorou muito para que viesse a ser valorizado
como o grande e ilustre intelectual e acadêmico.
Visando quebrar esse ciclo de não reconhecimento e de não valoriza-
ção dos intelectuais e acadêmicos negros, a pesquisadora já tarimbada
pela inserção acadêmica, dedica o doutorado ao estudo do Centro de
Estudos Afro-Orientais (CEAO), entre os anos de 1959 e 1994, dando vida
ao projeto acadêmico e político de jovens pesquisadores que descreve-
ram trajetórias, tornando-se expressivos intelectuais baianos.
A validação das conexões culturais e religiosas entre Brasil e África
é com certeza uma tarefa árdua e mais que necessária, pois as relações
neste campo são em geral descontinuas, seja por parte de governos,
universidades e/ou instituições públicas e privadas. É fato, que as rela-
ções Brasil e África quando encarada com empenho e continuidade, traz
muitos resultados positivos. Os jovens acadêmicos baianos, garantindo
empenho e continuidade, fizeram muito bem a lição de casa, adentrando
no núcleo nascente na Universidade Federal da Bahia, tornando-o refe-
rência nos estudos afro-brasileiros.
O reforço por meio do intercâmbio acadêmico às relações políticas
entre Brasil-África é fundamental. Investir e intervir nas relações inter-
nacionais iniciando pelas relações acadêmicas com o olhar voltado para
a sedimentação política, é um voo estratégico. Aliás, foram muitos voos,

12
pois os intelectuais desenvolveram uma trajetória acadêmica no CEAO,
seguiram diferenciados caminhos entre Brasil e África.
A valorização da cultura negra baiana e do candomblé, como parte
das atividades nacionais e internacionais no mundo acadêmico poten-
cializou a africanidade baiana e brasileira, possibilitando desnudar as
desigualdades sociorraciais e impulsionou intervenções a favor de direi-
tos da população negra, mesmo que os resultados mais efetivos foram
possibilitados, bem mais adiante no CEAO.
Todo o caminho trilhado no CEAO, pela geração apresentada na
pesquisa foi pautada pela cultura de matriz africana e o candomblé. A
autora alega que os intelectuais estudaram, pesquisaram, traduziram,
publicaram a respeito dessa temática deixando lastros que embasam os
estudos até os dias de hoje. Considero interessante verificar que a cul-
tura afro-brasileira e africana e as religiões de matriz africana, podem
deixar de serem mitos ou tratadas como inexistentes no espaço aca-
dêmico, podendo tornar-se matérias efetivas de estudo e de interesse
intelectual e acadêmico.
A pesquisa de Luiza Reis abordou trinta e cinco anos de história do
CEAO, apresentou trajetórias dos acadêmicos que se tornaram intelec-
tuais, passando por várias fases do desenvolvimento do Brasil. O estudo
abarca desde 1959, quando o Centro foi iniciado 71 anos após a Abolição
da Escravidão, e desenvolve-se até 1994, muito próximo de nossos dias.
É muito importante identificarmos que já na terceira década do século
XXI, completados 134 anos da Abolição, o racismo ainda está vivíssimo,
mesmo com incessantes vozes chamando por justiça racial, social, eco-
nômica e política.
É nesse contexto, que devemos entender a importância da pesquisa
de Luiza Reis, ora transformada em livro, contribui para a ampliação do
conhecimento e de vozes políticas e acadêmicas a favor de efetiva justiça
racial, social, econômica e política nos dias de hoje e no futuro. Esses
passos contribuem para a construção da superação das instabilidades e

13
dificuldades que acompanham as instituições, visando garantir o reco-
nhecimento das capacidades e das potências das/os intelectuais negras/
os no CEAO, e nas instituições públicas e privadas, de maneira geral.
Retomando a metáfora das borboletas com a capacidade de polini-
zação e de percorrer longas distâncias, apresento meu profundo desejo
de que o livro De ‘improvisados’ a eméritos: Trajetórias intelectuais no Cen-
tro de Estudos Afro-Orientais (1959-1994) alce grandes voos, inspirando a
construção de novos conhecimentos, considerando as cores, as belezas e
as possibilidades de transformação dos seres humanos e das estruturas
racistas da sociedade brasileira!

Matilde Ribeiro
Doutora em Serviço Social recebeu título de Doutora Honoris Causa pela Fundação
Universidade Federal do ABC (UFABC). Professora no Instituto de Humanidades/Área
de Pedagogia da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira
(UNILAB) em Redenção/Ceará. Ex-Ministra da Secretaria Especial de Política Promoção
da Igualdade Racial (Governo Lula 2003/2008).

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NOTA DA AUTORA E AGRADECIMENTOS
Este livro, originalmente fruto da tese homônima defendida no Pro-
grama de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos, na Universida-
de Federal da Bahia em 2015, é uma versão revisada no primeiro semes-
tre de 2016. A decisão de publicá-lo é resultado do esforço promovido
pelo Centro de Estudos Avançados da Universidade Federal de Pernam-
buco, através da Coordenadoria de Estudos da África.

Agradeço a pessoas que contribuíram, outrora, para o desenvolvi-


mento da pesquisa e, agora, para sua difusão: Adailton da Silva, Ade-
niran Arimoro, Ana Clara Santos, Ana Júlia Santos, Anani Dzidzienyo (in
memoriam), Anderson Araújo, Angela Lühning, Arany Santana, Arivaldo
Paixão, Babatunde Babawale, Bosola Dosomu, Bruno Batista, Cláudio
Luís Pereira, Dosomu Disu, Eliane Veras Soares, Elisa Maria Nascimento
dos Reis, Eliseé Soumonni, Erasmo Cachoeira, Eveline Góes, Fábio Ba-
queiro Figueiredo, Fábio Batista Lima, Fábio Ferreira, Félix Ayoh’Omidire,
Fernanda Bianca Gallo, Flávio Gonçalves dos Santos, Gilberto Gil, Gus-
tavo Gomes da Costa Santos, Halysson Gomes, Hilsa Mukalê, Isac Lean-
dro dos Santos, Ivanilton Santos (Nego Freeza), Ivanize Santos, Jacques
Depelchin, Jeferson Bacelar, Jhennifer Dioh, Jide Ololajulo, Joana Maria
Nascimento (in memoriam), Jocélio Teles dos Santos, Jocenilda Bispo, José
Bento Rosa da Silva, José Tibúrcio dos Reis, Josielle Santana dos Santos,
Juliana Reis, Juvenal de Carvalho Conceição, Kabengele Munanga, Kátia
Vinhático, Laila Brichta, Lia Laranjeira, Licia Barbosa, Lindaiá Nascimen-

15
to, Lindinalva Barbosa, Livio Sansone, Lucas Robatto, Luna Neri, Marcelo
Cunha, Marcelo Loyola, Maria das Graças, Maria de Fátima Maia Ribeiro,
Maria de Jesus Brito Leite, Maria Ivonete Santos, Maria José Nascimento,
Marília Reis, Matilde Ribeiro, Naomí Lewá, Nicolau Parés, Nívea Santos,
Orlando Almeida dos Santos, Patrícia Godinho Gomes, Pauline Winter,
Paulo Fernando de Moraes Farias, Pedro Agostinho, Raimundo Konman-
nanji, Reinaldo Neves (Jax), Ronaldo Cruz, Rosenice Oliveira, Sarah Nas-
cimento, Simão Jaime, Solange Matos, Teresinha Severino, Thiara Matos,
Ubirajara Vieira, Valdina Pinto (in memoriam), Valdinéa Sacramento, Vil-
ma Reis, Waldir Oliveira (in memoriam), Yussuf Adam.

Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível


Superior, à Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado na Bahia e à Uni-
versidade Estadual de Santa Cruz pela concessão de diferentes subsídios,
entre 2008 e 2015, para a realização da pesquisa.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 01. Lasebikan, primeiro professor de yorubá do CEAO
Figura 02. Olga do Alaketo
Figura 03. Waldir e Vivaldo no II Congresso Internacional de Africanistas, 1967
Figura 04. Recepção ao presidente Leopold Senghor em Salvador
Figura 05. Pedro Maia em conferência na Faculdade de Letras da Universi-
dade de Dacar
Figura 06. Organização para exposições artísticas no Teatro Daniel Sora-
no. Dacar, Senegal, 1965. Recorte do Dakar-Matin
Figura 07. Agnaldo dos Santos e sua escultura. Recorte do Dakar-Matin
em 14/04/66
Figura 08. Apresentação do samba das Pastoras no I Festival Mundial de
Artes Negras (Dacar, Senegal, 1966)
Figura 09. Espetáculo da República dos Camarões no I Festival Mundial de
Artes Negras
Figura 10. Waldir Oliveira e sua tentativa de aproximação com Aimé Ce-
saire e Abdias do Nascimento, 1963
Figura 11. Gilberto Gil e banda no seu encontro com o continente africano
Figura 12. Dançarina do grupo de Olga do Alaketo no FESTAC, 1977
Figura 13. Detalhe da apresentação de Olga do Alaketo no FESTAC, 1977
Figura 14. Curso no Centro de Estudos Afro-Orientais
Figura 15. Ministro de Barbados, Yêda Pessoa de Castro e Pierre Verger no
MAFRO, 1982

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LISTA DE ABREVIATURAS
ACBANTU: Associação Nacional Cultural de Preservação
do Patrimônio Bantu
AESI/UFBA: Assessoria Especial de Segurança e Informação
AHI: Arquivo Histórico do Itamaraty
CBAAC: Centre for Black and African Arts and Civilization
CDCN: Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra
CEA: Centro de Estudos Africanos
CEAA: Centro de Estudos Afro-Asiáticos
CEAO: Centro de Estudos Afro-Orientais
CPDOC: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea
do Brasil 
DIAMANG: Companhia de Diamantes de Angola
EDUFBA:Editora da Universidade Federal da Bahia
EUA: Estados Unidos da América
FAMED: Faculdade de Medicina
FEBACAB: Federação Baiana do Culto Afro-Brasileiro
FESMAN: I Festival Mundial de Artes Negras
FESTAC: II Festival Mundial de Artes Negras e Cultura
FFCH: Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
FGV: Fundação Getúlio Vargas
FPAC: Fundação do Patrimônio Artístico e Cultural do Estado da Bahia
FPV: Fundação Pierre Verger

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FUNARTE: Fundação Nacional das Artes
IAS: Institute of African Studies
IBEAA: Instituto Brasileiro de Estudos Afro-Asiáticos
IFAN: Instituto Fundamental da África Negra
MAFRO: Museu Afro Brasileiro
MEC: Ministério da Educação e Cultura
MNU: Movimento Negro Unificado
MPLA: Movimento Popular pela Libertação de Angola
MRE: Ministério das Relações Exteriores
ONG: Organização não governamental
ONU: Organização das Nações Unidas
OUA: Organização da Unidade Africana
PAIGC: Partido pela Independência de Guiné Bissau e Cabo Verde
PENBA: Programa de Estudos do Negro na Bahia
PIDE: Polícia Internacional e de Defesa do Estado
SOAS: School of Oriental and African Studies
TEN: Teatro Experimental do Negro
UFBA: Universidade Federal da Bahia
UMG: Universidade de Minas Gerais
UNAZA: Universidade do Zaire
UNESCO: Organização das Nações Unidas para a educação,
a ciência e a cultura
UNIFÉ: Universidade de Ifé
UFRGS: Universidade Federal do Rio Grande do Sul
USP: Universidade de São Paulo

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INTRODUÇÃO
Este livro investiga o projeto acadêmico e político de pesquisadores
que descreveram trajetórias no Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO),
entre os anos de 1959 e 1994, tornando-se expressivos intelectuais baia-
nos. Reunidos sob o espírito desbravador do filólogo português George
Agostinho Baptista da Silva e inspirados pelas conexões culturais e reli-
giosas entre Brasil e África apresentadas pelo fotógrafo e etnólogo fran-
cês Pierre Verger, os jovens acadêmicos baianos adentraram naquele
núcleo nascente na Universidade Federal da Bahia, ainda Universidade
da Bahia, tornando-o referência nos estudos afro-brasileiros.
Ao longo da segunda metade do século XX, o antropólogo Vivaldo
da Costa Lima, o geógrafo Waldir Freitas Oliveira, os etnolinguistas Yêda
Antonita Pessoa de Castro e Guilherme Augusto de Souza Castro e o an-
tropólogo Júlio Santana Braga enveredaram por ações entre pesquisar e
valorizar o candomblé baiano e promover ligações entre a Bahia e a Áfri-
ca, de modo que adentrar em seus itinerários e sociabilidades implicou
discutir o campo de estudos afro-brasileiros e africanos, as relações aca-
dêmicas, culturais e políticas entre Brasil e África, a política internacional
do Brasil, a história da Universidade Federal da Bahia, e as relações entre
a universidade baiana e os terreiros de candomblé.
O professor de língua portuguesa Pedro Moacir Maia e o médico e
historiador Paulo Fernando de Moraes Farias, pelas relações que manti-
veram com o CEAO e pelos itinerários desenvolvidos no continente afri-
cano, também têm suas trajetórias aqui abordadas.

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O Centro de Estudos foi criado na Universidade da Bahia quando esta
não havia completado quinze anos de existência. Estava sob os manda-
tos sucessivos do reitor fundador Edgard Rego dos Santos (1946-1961)
que, além de reunir antigas escolas de ensino superior no estado, criou
novas escolas e centros, aí incluído o CEAO, num projeto acadêmico que
enfatizava artes e humanidades. Nos poucos estudos existentes acerca
da história dessa universidade há uma ênfase recorrente em seu projeto
fundador e no protagonismo do reitor Santos. A proposta do CEAO é vista
como um diferencial, pois foi o primeiro centro acadêmico no Brasil com
foco na população negra contrapondo-se à tradição eurocêntrica do ce-
nário intelectual baiano apoiado em centros de cultura europeus.
As análises existentes sobre a história do Centro de Estudos restrin-
giram-se a seus primeiros anos de funcionamento, focando a trajetória
de Agostinho da Silva ou as relações entre o CEAO e a política brasileira
para a África na promoção de intercâmbio acadêmico (Reis, 2010; Olivei-
ra JR, 2010). Têm o mérito de apresentar o acervo do Centro composto
por uma correspondência ativa e incessante, base documental primeira
para a análise aqui apresentada.
Os contatos, diálogos, ideias, propostas, projetos e seus detalhes,
expectativas e frustrações, dentre outros elementos presentes na cor-
respondência do CEAO, estimularam a proposição deste trabalho que
envereda pelas relações entre os intelectuais do CEAO e a Universidade,
o Itamaraty e o povo de santo, tanto de Salvador como do continente
africano, buscando discutir as redes de sociabilidade construídas, os iti-
nerários e percursos desenvolvidos, as relações de poder além de pro-
posições acadêmicas e políticas que conformam as diferentes trajetórias
descritas por esses intelectuais.
Essa abordagem pretende fazer emergir uma história deste Centro de
Estudos entendida tal qual René Remond a apresenta, ou seja, a partir
a agência de seus componentes, da atuação, articulação e expectativa
dos indivíduos (Remond, 2003). Aqui os sujeitos são o foco da pesquisa

22
e a perspectiva de análise recai sobre os intelectuais, seus itinerários,
percursos e trajetórias buscando apreendê-los dentro do contexto aca-
dêmico, político e institucional em que estavam inseridos.
O ponto de partida para este livro, inicialmente uma tese, é a reunião
dos pesquisadores no CEAO, entre o final dos anos 1950 e início dos anos
1960, a partir da proposta de Agostinho da Silva com o objetivo de pro-
duzir conhecimento sobre a África e os afrodescendentes. Apoiado pelo
reitor Santos e estimulado pelas discussões em favor da independência
africana, Agostinho reuniu em Salvador um grupo interessado em estu-
dos acerca dos afro-brasileiros a partir de uma perspectiva que consi-
derava suas conexões históricas com os países africanos. Compreender
o contexto de fundação do CEAO implicou analisar as dinâmicas locais
e internacionais que levavam em direção ao continente africano sem
descuidar da política brasileira e suas relações com Portugal, questões
abordadas no primeiro capítulo.
Ao longo do segundo capítulo discute-se o desafio dos pesquisadores
do CEAO em fazer pesquisa, ao longo dos anos 1960, com foco em atores
e cenários incomuns. As principais pesquisas no CEAO voltaram-se para
alguns países africanos no intuito de desvendar a história, o funciona-
mento e os segredos de casas de candomblé em Salvador. Os candom-
blés já haviam sido alvo de pesquisadores nacionais - Nina Rodrigues,
Manuel Querino, Artur Ramos, Édison Carneiro - e também internacio-
nais como Donald Pierson, Melville Herskovits, Franklin Frazier, Ruth
Landes, Roger Bastide, Juana Elbein, Pierre Verger.
Sob diferentes chaves de análise que passaram pelas teorias raciais,
pelo folclore, e o conceito de cultura, focaram a manutenção de tradições
africanas ou a reinvenção de tradições no Brasil. O que tiveram em co-
mum foi o fato de elegerem casas de candomblé para a realização de pes-
quisa valorizando suas práticas. Focaram, via de regra, os mesmos terrei-
ros, descendentes do candomblé da Barroquinha. Ao “concentrarem-se
num pequeno triângulo de terreiros de nação nagô ou ketu: Casa Branca,

23
Gantois e llê Axé Opô Afonjá” acabaram por “enfatizar o prestígio de uma
pequena elite de terreiros” (Castilho, 2008, p. 18). Reforçaram uma maior
tradição e estruturação dessas casas e, porque descendentes de uma
mesma linhagem yorubá, reforçaram o nagocentrismo (Dantas, 1988).
Os estudos promovidos no CEAO também se desenvolveram inicial-
mente sob a perspectiva do nagocentrismo, daí o foco em países como
Nigéria e Daomé (atual Benin), terra dos ancestrais desses terreiros baia-
nos. Contudo, as conclusões a que chegaram os pesquisadores após lon-
gos anos de pesquisa os fizeram reconhecer a existência de outra tradi-
ção yorubá no candomblé baiano, tão antiga quanto a que deu origem ao
candomblé da Barroquinha e seus descendentes. Além disso, afirmaram
a forte influência das línguas banto (congo-angola) na língua portuguesa,
mais presente e mais persistente que a língua yorubá.
Com tais conclusões, esses pesquisadores não apenas certificaram a
influência das práticas do candomblé na sociedade brasileira e, de modo
particular, na cidade de Salvador, como também valorizaram uma diver-
sidade de matrizes africanas em sua constituição. Vivaldo da Costa Lima,
Yêda Pessoa de Castro e Júlio Braga elegeram o candomblé Ilê Maroialaji,
localizado no bairro Matatu de Brotas, em Salvador, sob o comando da
Iyalorixá Olga Francisca Regis, a Olga do Alaketo, como principal local de
pesquisa. Seus esforços buscaram comprovar tanto a antiguidade como
a ancestralidade africana desta casa. Acabaram por discutir a singulari-
dade dos terreiros reconhecidos como os mais africanos que gozavam de
prestígio entre a comunidade religiosa e entre os pesquisadores.
Neste esforço, os pesquisadores do CEAO desempenharam um
papel relevante na promoção das relações políticas entre Brasil-Áfri-
ca uma vez que com o intercâmbio acadêmico em que se lançaram -
investindo em viagens de pesquisa no continente africano e fazendo
circular professores, estudantes, religiosos e artistas - reivindicavam
do Estado brasileiro a formalização de uma política de aproximação
com o continente africano.

24
Os pesquisadores do CEAO se colocaram na função de intervir nas
relações internacionais, favorecendo uma aproximação acadêmica que
reverberasse nas relações políticas. E envidaram os esforços possíveis,
em meio à falta de estrutura e limitação de recursos, para este fim que
acreditaram válido. Entre países africanos e candomblés baianos, os in-
telectuais que desenvolveram uma trajetória acadêmica no CEAO des-
creveram itinerários diferenciados, mas não desvirtuaram do foco nos
estudos sobre a religiosidade de Salvador, contribuindo decisivamente
para o campo dos Estudos Afro-Brasileiros.
Outras facetas desse movimento do CEAO em direção ao continente
africano emergem a partir dos itinerários de dois intelectuais baianos:
Pedro Moacir Maia e Paulo Fernando de Moraes Farias. Os dois profes-
sores da UFBA, impulsionados pelo CEAO, rumaram para o continente
africano, descrevendo trajetórias e experiências aqui analisadas.
A trajetória de Maia é abordada no terceiro capítulo. O professor
de letras na UFBA seguiu como leitor para a Universidade de Dacar, em
1960, e acumulou durante uma década o cargo de adido cultural, tornan-
do-se um agente da diplomacia brasileira na capital do Senegal. Maia
ofereceu suporte para a participação brasileira, a incluir membros do
CEAO, no I Festival de Artes Negras (Dacar, 1966). A trajetória de Pedro
Maia em Dacar revela esforços de um agente sensível a efetivação de po-
líticas culturais entre o Brasil e o Senegal e a projeção de personalidades
negras no continente africano.
A trajetória de Farias é abordada no quarto capítulo. Médico e histo-
riador, Farias seguiu para Acra, em 1964, para cursar um mestrado em
Estudos Africanos, buscando refúgio da perseguição do governo brasi-
leiro. Após experiências em diversos países da costa ocidental africana,
ao longo dos anos 1960, tornou-se um especialista em sua história. A
trajetória de Paulo Farias no continente africano revela as estratégias de-
senvolvidas por um professor, alvo de acusação, para manter-se fora do
país, e a articulação de colegas que não eram perseguidos em protegê-lo.

25
Nestes capítulos destaca-se a utilização de outras bases documentais,
a citar, a correspondência depositada na Fundação Pierre Verger, a cor-
respondência diplomática depositada no Arquivo Histórico do Itamaraty
e o registro de depoimentos e entrevistas orais.
Entre a dupla função de institucionalizar os estudos afro-brasilei-
ros na Universidade e intervir nas relações culturais e políticas entre
Brasil-África, ambas a partir de ações que valorizavam o candomblé,
os intelectuais que se mantiveram no Centro baiano parecem ter ex-
perimentado um momento de maior projeção ao logo dos anos 1970.
Nesta década, enquanto as políticas educacionais e a reforma univer-
sitária desvalorizavam as ciências humanas, o CEAO conseguiu manter
seu funcionamento na universidade executando deliberações da polí-
tica externa brasileira para o continente africano, como será abordado
no quinto capítulo.
Destaca-se nesse período um maior estímulo ao intercâmbio aca-
dêmico e a projeção internacional do candomblé especialmente com a
participação brasileira no II Festival de Artes Negras e Cultura (Lagos,
1977). Ao tempo em que projetaram aspectos da cultura negra foram
duramente criticados por não problematizarem o racismo. Este capítulo
contou com a consulta ao acervo do Arquivo Nacional, em Ibadan e do
Centre for Black and African Arts and Civilization (CBAAC) na cidade de Lagos,
ambos localizados na Nigéria.
Nestas trajetórias desenvolvidas pelos intelectuais do CEAO nota-se a
manutenção de um fazer acadêmico mais amplo com pesquisa de campo
e vivência intelectual no continente africano, pesquisa de campo e inser-
ção nos terreiros baianos, publicações diversas, participação em ações
e eventos da política externa brasileira com parcos financiamentos que
lhe garantiram eventualmente a sobrevivência em terras africanas ou a
manutenção do Centro na Bahia. Há que se destacar, ao logo de todo
o período abordado, a busca de um diálogo com o povo de santo que
resultou em ações de extensão, em especial, com a realização de cur-

26
sos abertos e a projeção de personalidades no continente africano cujo
maior exemplo é Olga do Alaketo.
Um momento particularmente rico para compreender a articulação
de intelectuais do CEAO no acolhimento de demandas da população ne-
gra é no estabelecimento do Museu Afro-Brasileiro. O MAFRO foi inau-
gurado após muitas tensões e controvérsias nos anos 1980 como será
abordado no sexto e último capítulo. Nos anos 1990, esses intelectuais
finalizam suas trajetórias no CEAO e na UFBA.
Os intelectuais que descreveram trajetórias no CEAO entraram na
Universidade aos poucos e, após anos de trabalho, alcançaram a condi-
ção de professores efetivos, alguns intitulados professores eméritos, em
reconhecimento ao persistente trabalho desenvolvido durante décadas.
Contudo, mesmo estabelecendo ao longo do tempo o forte sentido de
hierarquia e vivenciando as relações de poder e articulações nada de-
sinteressadas do âmbito acadêmico, alguns de seus pares não hesita-
ram em chamá-los publicamente de “improvisados” (Tribuna da Bahia,
08/08/1974 APUD Matos, 2012). Exatamente por investirem num campo
de estudo como pesquisadores e como religiosos, como estudiosos e
como articuladores.
Com toda a trajetória e reconhecimento obtido, os intelectuais que
estruturaram suas carreiras a partir do projeto do CEAO não conforma-
ram uma elite cultural, cujo conceito tem relação com o reconhecimento
dos pares e da sociedade (Rioux, Sirinelli, 1998). Até onde foi o discurso
que articularam? Este trabalho pressupõe que a inserção acadêmica e o
reconhecimento social dos intelectuais associados ao Centro de Estudos
Afro-Orientais estiveram fortemente relacionados ao tratamento que o
Estado brasileiro dispensou para as questões raciais ao longo da segunda
metade do século XX.
Um projeto acadêmico e político de valorização da população ne-
gra só era interessante na medida em que oferecia o substrato para
a narrativa nacional da mestiçagem brasileira apoiada no argumento

27
da democracia racial (Santos, 2005). Assim, a cultura negra devia ficar
circunscrita à perspectiva mais próxima do folclore, ou seja, ser apre-
sentada a partir de algumas práticas e alguns atores sem problematizar
seus produtores, suas especificidades, seu histórico ou condições de
produção.
Ao colocarem a valorização da cultura negra baiana no centro de
suas atividades nacionais e internacionais, esses intelectuais baianos
contribuíram para sedimentar o discurso de Salvador como a cidade
mais africana do Brasil e tensionaram com o Estado porque, de uma
forma ou de outra, reivindicavam uma representação da cultura que
extrapolava as perspectivas estatais. Se valorizaram a cultura, focando
de modo especial o candomblé, contribuindo para sua legalidade ocor-
rida finalmente em 1976, foram cobrados por discussões de questões
em torno das desigualdades sociorraciais e intervenções em favor de
direitos da população negra que emergiram ao longo do período abor-
dado e somente começariam a ser discutidas no CEAO, de modo mais
amplo, nos anos 1990.
O questionamento também vinha do povo de santo que, mesmo
com grande colaboração oferecida às pesquisas de cunho antropológico
e histórico, não podia chancelar aos acadêmicos se tornarem donos do
conhecimento religioso. Por mais que alguns intelectuais de fato perten-
cessem e fossem comprometidos com o candomblé, a palavra final sobre
o assunto foi sempre reivindicada pela comunidade e seus praticantes
mais velhos.
Mesmo focando as diferentes experiências de cada um dos intelec-
tuais aqui destacados, elas aparecem a partir da documentação analisa-
da, revelando lacunas que resultam em maior ou menor ênfase ao longo
do trabalho. E trazem consigo muitas outras personalidades e experiên-
cias, conforme a metodologia experimentada por Jerry Dávila (2011),
sem as quais seria impossível discutir o cenário mais amplo abordado
por este trabalho.

28
O marco cronológico cobre grande parte da segunda metade do
século XX: 1959 é o ano de fundação do Centro de Estudos e início da
reunião dos pesquisadores, 1994 é o ano em que finaliza a direção de
Júlio Braga, última de um pesquisador fundador do Centro de Estudos.
Ao abordar trinta e cinco anos de história do CEAO, discutimos as traje-
tórias desses acadêmicos que se tornaram intelectuais concomitantes às
mudanças na percepção das relações raciais brasileiras: entre os anos
sessenta e noventa, o Brasil passou do paraíso da democracia racial ao
reconhecimento nacional e internacional do racismo e dos altos índices
de desigualdades sociorraciais.

29
CAPÍTULO 1

UM LUGAR PARA A ÁFRICA NA BAHIA: O CENTRO


DE ESTUDOS AFRO-ORIENTAIS (CEAO)

“[...] a primeira missão que tem de ser confiada à grande língua


comum é a de livremente poder dizer a todos os governantes a
opinião de quem a fala [...]”. (Silva, 2009)

FIGURA 1– Lasebikan, primeiro professor de yorubá do CEAO. Black Orpheus, 1957

31
No trecho acima, apresentado em 1959 na Universidade Federal da
Bahia (UFBA), durante o IV Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasi-
leiros, George Agostinho da Silva comunicava seu entendimento de como
deveria se constituir uma comunidade luso-brasileira a interligar Portu-
gal, Brasil e países africanos. O filólogo luso-brasileiro repudiava qual-
quer tipo de sujeição colonial e apostava numa língua comum, a língua
portuguesa. Como extirpar a presença colonial se a base proposta para a
referida comunidade assentava-se na língua do colonizador? Vivaldo da
Costa Lima, outro participante deste conclave, aspirante a antropólogo
na Bahia, ouviu a recomendação, após a discussão sobre seu trabalho,
que uma língua africana deveria ser ensinada na universidade baiana, o
yorubá (Santos, 1961; Costa Lima, 01/11/1959, CEAO). Se a língua por-
tuguesa tinha poucos falantes em países como Angola ou Moçambique,
o yorubá na Bahia estava restrito a adeptos do candomblé. Ambos in-
terlocutores concordavam com o ensino de línguas como um modo de
aproximar-se da África que convergiria no nascente Centro de Estudos
Afro-Orientais.
Este capítulo aborda a fundação deste Centro de Estudos na UFBA,
considerando as dinâmicas da política e da universidade brasileira, suas
relações com Portugal e o contexto da descolonização africana. Discute
uma proposta da produção de conhecimento sobre África e afrodescen-
dentes, na UFBA, em meados do século XX.

Uma ponte acadêmica entre Brasil e África


George Agostinho Baptista da Silva foi o fundador e primeiro diretor
do Centro de Estudos Afro-Orientais instalado na Universidade Federal
da Bahia em setembro de 1959. A presença desse intelectual luso-brasi-
leiro em Salvador foi registrada no IV Colóquio Internacional de Estudos
Luso-Brasileiros, realizado na universidade baiana, em agosto de 1959,
quando conheceu Edgard Santos, reitor da Universidade da Bahia, a

32
quem propôs a criação de um espaço acadêmico dedicado aos estudos
africanos. Semelhante a uma unidade acadêmica, o CEAO surgiu subor-
dinado à reitoria da universidade, constituindo-se na primeira institui-
ção desta natureza inaugurada no Brasil. A primeira correspondência
emitida pelo CEAO data de 8 de setembro de 1959, quando iniciou suas
atividades internas (Silva, 08/09/1959, CEAO).
Tratava-se de um Centro que tinha por interesse estabelecer um in-
tercâmbio, no âmbito cultural, com países e territórios coloniais africa-
nos. Se primeiramente a instituição se propunha a reunir conhecimento
no Brasil sobre África e Ásia, o segundo passo seria levar a presença do
Brasil para esses territórios através do ensino da língua portuguesa, con-
forme Agostinho informava na correspondência emitida em 1959. Ainda
que o nome aglutinasse o continente africano e asiático, a prioridade
indubitável era o primeiro. Isto porque a proposta do Centro de Estu-
dos surgia amparada na ideia de contribuir para a conformação de uma
comunidade luso-brasileira a reunir além de Portugal e Brasil, Angola,
Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau e São Tomé e Príncipe.
Ao final dos anos 1950, Agostinho da Silva era um intelectual expe-
riente. Nascido em terras portuguesas, sua presença no Brasil desde
1944 era resultado da divergência com o governo autoritário de Oliveira
Salazar vigente em Portugal. Latinista e filólogo por formação, educador
por atuação, Agostinho – como era chamado – destacou-se pelo interes-
se em diferentes áreas do conhecimento. Inquieto, circulou no Brasil por
diversos estados a auxiliar instituições de ensino superior (Agostinho,
1995; 2006; Silva, Agostinho, 2007; Rodrigues, 2000; Silva, 1995; 2009).
A acolhida a um professor português nas dependências da UFBA na-
queles anos finais da década de 1950 não era uma exceção. Se a recep-
ção a professores estrangeiros foi um ato recorrente na gestão de Edgard
Santos, isso ganhava uma relevância especial quando se tratava das re-
lações com Portugal. O reitor acompanhava um movimento de proximi-
dade com instituições portuguesas tal qual o governo brasileiro sob a

33
presidência de Juscelino Kubitschek (1956-1960) estreitava relações com
o governo salazarista (Rampinelli, 2005).
Ainda presidente eleito, em janeiro de 1956, Kubitschek foi recebido
como chefe de estado em Lisboa. Em 1960, participou como coanfitrião
nas comemorações henriquinas ao tempo em que recebeu o doutora-
mento em Coimbra (Rampinelli, 2005). Apoiou o país colonialista na
Quarta Comissão da ONU que tratou da descolonização (1960). Em 1957,
o reitor da UFBA recebeu da Universidade de Coimbra o título de doutor
honoris causa numa cerimônia adjetivada como “impressionante” (Risé-
rio, 2013). Naquele mesmo ano, os professores da universidade conse-
guiriam garantir em Salvador a realização do IV Colóquio Internacional
de Estudos Luso-Brasileiros, em detrimento da candidatura do Rio de
Janeiro. Em 1958, seria o momento de Edgard receber o doutorado da
Universidade de Lisboa. Em 1959, deu-se a realização do grande coló-
quio internacional a reunir diversas autoridades e intelectuais portugue-
ses (Ribeiro, 1999).
O escritor e antropólogo Antonio Risério, ao abordar a trajetória de
Edgard Santos frente à UFBA, dedicou um capítulo aos “laços lusos”
(2013, p. 283-6). Um artigo do professor Pedro Moacir Maia, que sinte-
tizou a expressiva presença de professores portugueses que estiveram
na Bahia àqueles anos, é reproduzido no referido livro. Personalidades
como Mário Tavares Chicó, Hernani Cidade, Álvaro Júlio da Costa Pim-
pão, Vitorino Nemésio, Armando de Lacerda, Rodrigues Lapa, Adolfo Ca-
sais Monteiro e Agostinho da Silva. Não se pode esquecer do escritor e
crítico literário Eduardo Lourenço de Faria que lecionou na Bahia e levou
notícias da gestão de Edgard para Agostinho da Silva quando este estava
em Santa Catarina (Silva, 1995). Há que se destacar aqueles que vieram
quando houve a realização do colóquio, em 1959, como o historiador
Charles Boxer e o reitor da Universidade de Lisboa e ex-ministro do ul-
tramar português, Marcelo Caetano.

34
O texto de Pedro Maia esclarece que a vinda dos professores por-
tugueses começou a partir de 1957. Estes homens “de grandes e co-
nhecidos méritos ficariam entre nós alguns meses”. Língua e literatura
portuguesas eram as áreas privilegiadas nesse intercâmbio interme-
diadas e incentivadas pelo professor Helio Simões. Maia era profes-
sor desta área de conhecimento na UFBA e, também por isso, pôde
narrar “as alianças entre Portugal e Brasil” possibilitadas por Edgard.
O intercâmbio de portugueses para a UFBA reunia personalidades de
posicionamentos políticos diferentes, e até mesmo opostos. Há que se
destacar a crítica ao governo salazarista como a feita por Adolfo Casais
Monteiro para o qual Portugal, sendo uma ditadura, não poderia estar
interessado em difundir a cultura nacional. “De modo que o governo
português só tem real interesse no intercâmbio de... títulos universitá-
rios, salamaleques acadêmicos, e de discursos” (Risério, 2013, p. 298).
E, segundo Risério, este poeta teria classificado Edgard Santos como
salazarista.
O próprio colóquio foi considerado como um evento de sustentação
ao salazarismo, regime político autoritário estabelecido em Portugal. So-
bre isso, Waldir Freitas Oliveira, um dos participantes do evento inter-
nacional que mais adiante dirigiu o CEAO, afirmou que aquele conclave
não apoiava abertamente o governo português tendo ficado “como se
diz na gíria em cima do muro” já que deu a oportunidade de antissala-
zaristas se expressarem sem se comprometer abertamente. Disse isto,
rememorando que o governo português e a universidade baiana eram
patrocinadores do evento (Oliveira, 2004a).
A concessão de títulos honoríficos entre os magníficos evidencia que
as relações acadêmicas estavam ao menos implicadas nas relações po-
líticas. Não havia como dissociar uma e outra. A grande questão residia
na crítica internacional direcionada ao governo português em função da
manutenção de suas colônias na África quando já se impunha o processo
de descolonização e o referendo à autodeterminação dos povos. Cada

35
vez mais isolado internacionalmente, aproximar-se de Portugal implica-
va associação com a defesa daquele colonialismo decadente. Seria o caso
do governo brasileiro? Intelectuais brasileiros sustentariam tal condição?
Essas questões estariam presentes nas relações Brasil-África na segunda
metade do século XX.
O reitor baiano não se posicionou sobre autoritarismo ou colonialis-
mo português optando por uma ambiguidade estratégica. A discussão
política emergiu durante o evento. Contudo, o discurso oficial reiterava
a dimensão cultural das relações entre Portugal e Brasil. O mote para a
realização do congresso era a afirmação e valorização de um patrimônio
cultural comum, “a civilização de língua portuguesa” (Ribeiro, 1999, p.
33). O discurso pronunciado pelo reitor baiano na instalação dos traba-
lhos ressaltava uma “comunidade lusíada” aglutinada pela “língua de
Camões”. Em sua definição essa comunidade se daria

com a inclusão sob este apelo de todas as áreas demarcadas


pela mesma língua de Camões. Porque aí, não só o Brasil e
Portugal se integrariam, mas todos aqueles povos de além-
-mar que de nós se aproximam, pelas origens, na formulação
de uma existência típica. Africanos e asiáticos de formação lu-
síada, viriam também eles ao nosso encontro; a cujo encontro
estamos indo. (Risério, 2013, p. 307)

Nesta definição, Edgard Santos enuncia em quais parâmetros estaria


assentada essa comunidade. A língua portuguesa seria o fator de aglu-
tinação de Portugal, Brasil e países africanos e asiáticos, os quais, por
conta da colonização portuguesa, teriam origens comuns e “uma existên-
cia típica”. Sobre isso, diria na mesma oportunidade que Salvador seria
uma “cidade-síntese” pois sua “composição social e étnica” mantinha “a
contribuição de cada raça ou cultura [...] euro-afro-americana” (Risério,
2013, p. 307). Edgard estava certamente embasado no argumento do so-
ciólogo pernambucano Gilberto Freyre, convidado de honra do colóquio.

36
Segundo Maria Fátima Maia Ribeiro, o signo da comunidade proposta
por Freyre era a questão nuclear desse colóquio, daí que a discussão gi-
rou em torno de “problemas de interesse luso-brasileiro” (Lemos, Leite,
2003, p. 29-37).
À época, Freyre era um intelectual reputado entre os governos bra-
sileiro e português e igualmente entre suas instituições educacionais.
Sua tese, apresentada no livro Casa Grande e Senzala (1933), havia
estabelecido um viés interpretativo da sociedade brasileira que seria
estendido à sociedade portuguesa. Em linhas gerais, argumentava que
a colonização portuguesa tinha um diferencial que, por sua vez, ha-
via dotado o Brasil de um caráter especial. A maior contribuição desta
especificidade seria uma “democracia social e étnica” cujo resultado
seria a ausência de racismo. Uma espécie de harmonia entre portugue-
ses, africanos e indígenas, ou apenas entre portugueses e africanos,
poderia também ser verificada nos territórios ainda sob colonização
na África, como discorreu em O mundo que o português criou (1940). No
Brasil, esse argumento foi utilizado para justificar as desigualdades
sociorraciais legadas da escravidão; em Portugal, para justificar a po-
lítica de Estado que priorizava a manutenção da colonização na África.
Esse argumento ficou conhecido como luso-tropicalismo e as obras de
Freyre tornaram-se “clássicos lidos e estudados pelas elites, pelos for-
madores de opinião pública e pelos diplomatas brasileiros” (Sombra
Saraiva, 1996, p. 53).
Com a “comunidade lusíada”, Edgard Santos pronunciava um dis-
curso que cada vez mais se faria oportuno para os portugueses e para
brasileiros. Propor uma comunidade luso-brasileira, nestes termos, era
atualizar a importância de Portugal no mundo, valorizar o legado de sua
língua bem como sua cultura e civilização sem necessariamente ques-
tionar sua ação colonial nas terras africanas. Para o Brasil, um país de
dimensões continentais que pleiteava a saída do epíteto de terceiro
mundo, apoiar a conformação dessa comunidade era se colocar como

37
um mediador entre a nação europeia e as nações africanas, ganhando
destaque e relevância internacional.
A proposta do Centro de Estudos Africanos de Agostinho da Silva con-
cretizada como Centro de Estudos Afro-Orientais estava assentada nessa
proposição da comunidade entre países de língua portuguesa. A ideia do
Centro de Estudos instalado na Bahia foi configurada durante o IV Co-
lóquio de Estudos Luso-Brasileiros quando o professor apresentou seu
pensamento. Condições e Missão da Comunidade Luso-Brasileira foi a comu-
nicação enviada ao Colóquio. Agostinho da Silva falava de uma comuni-
dade em sua dimensão utópica, uma comunhão entre povos europeus e
não europeus, sem uma perspectiva de desigualdade. O eixo norteador
da comunidade seria dado por uma missão portuguesa no mundo, não
o Portugal atual, mas o dos tempos medievais aglutinados por valores
culturais como a unidade de origem (Silva, 2009).
Deste modo, a proposição da comunidade de Agostinho é semelhan-
te à de Edgard ou Freyre. Risério menciona que a proposição do CEAO
“deve ser vista no âmbito das relações e dos vínculos com Portugal (Ri-
sério, 2013, p. 303). O pronto aceite do reitor àquela ideia evidencia que
não havia um descompasso entre ambos. Tratava-se de criar um espaço
para estudos, pesquisas e intercâmbio cultural e acadêmico de modo a
estreitar laços entre o Brasil e países e territórios coloniais africanos, a
divulgar a língua e cultura portuguesa e conhecer as culturas africanas.
Agostinho da Silva sentiu-se tão acolhido na Bahia que seus regis-
tros referentes a Edgard Santos vêm sempre acompanhados de palavras
elogiosas. Em O nascimento do CEAO, disse de sua “iniciativa e habilidade
política”, “um príncipe do renascimento” (1995, p. 5). Em Da existência do
CEAO, falou “da capacidade de imaginação, a pronta inteligência e o in-
teresse de realizar que punha em tudo que significasse desenvolvimento
de espírito para a Bahia” (2009, p. 128). No seu Pensamento à solta reve-
lou: “Bem diferentes éramos Edgard Santos e eu: ligava-nos, porém, uma
secreta obediência aos deuses” (Agostinho, 2006, p. 66).

38
O diferencial de Agostinho residia em seu posicionamento contrário
à colonização que fez questão de expor no colóquio. Segundo Fátima
Ribeiro, suas intervenções polarizaram o debate na medida em que fez
“uma reflexão desestabilizadora da prática e do discurso coloniais” em
contraposição às falas do ex-ministro do Ultramar, Marcelo Caetano, que
exaltava “as benesses do colonialismo português”. A discussão do pro-
fessor luso-brasileiro fugiu ao “silêncio” que havia se estabelecido entre
os participantes do colóquio por conta das divergências ideológicas entre
os salazaristas e seus opositores (Lemos, Leite, 2003, p. 34).
O acolhimento da proposta de um professor luso-brasileiro de po-
sicionamento anticolonial, com a criação do CEAO, é ressaltado por
Risério como uma contradição de Edgard: o reitor que “celebrava o
pensamento português” criou uma entidade “inteiramente oposta à
presença do colonialismo português na África” (Risério, 2013, p. 292-
3). Quando examinamos detidamente a proposta do Centro de Estudos
de Agostinho, percebemos que, mesmo que o posicionamento político
do diretor fosse de oposição à Salazar e seu colonialismo, o CEAO em-
basava-se numa ideia de comunidade compartilhada pelos intelectuais
e políticos lusitanos e brasileiros. Daí que essa contradição não se sus-
tenta. O fundador e diretor do Centro podia ser anticolonialista, mas
as atividades propostas e desenvolvidas não questionavam o estatuto
colonial dos territórios africanos sob colonização portuguesa, nomea-
dos territórios ultramarinos.
Havia por parte de Agostinho uma tentativa de tratar os territórios
coloniais como entidades autônomas incentivando atividades culturais
que não dependessem apenas da metrópole, como ocorrido nas ten-
tativas de estabelecimento do Centro de Estudos Brasileiros em Angola
ou Moçambique que não lograram êxito exatamente por não obterem
autorização do governo ou apoio dos intelectuais, em sua maioria
portugueses, que referendavam a ordem metropolitana (Reis, 2010,
p. 50-62).

39
O CEAO
O Centro de Estudos Afro-Orientais começou a funcionar no subsolo
da reitoria da UFBA. Para o sucesso da nova empreitada, o reitor primei-
ro vincularia Agostinho como professor na Escola de Teatro para então
designá-lo diretor do Centro de Estudos. Tratava-se de uma estratégia
do médico e político Edgard Santos, reitor fundador daquela universida-
de. Segundo André Luis Mattedi Dias, habilidade política foi a principal
marca de sua gestão de dezesseis anos à frente da Universidade: reuniu
antigas escolas de ensino superior que funcionavam em Salvador, criou
novas e conseguiu geri-las em mandatos sucessivos (2005, p. 125-145).
Às escolas tradicionais – medicina, direito, politécnica, filosofia e ciên-
cias econômicas – juntaram-se as novas escolas – dança, teatro, música,
geomorfologia, física e o CEAO.
Os anos cinquenta em Salvador foram marcados por grande dinamis-
mo na área cultural, um verdadeiro avant-garde segundo Risério (1995).
A universidade era um dos motores através de amparo institucional
propiciado pelas novas escolas reunindo intelectuais e artistas que pro-
moveram movimentos culturais que influenciaram todo o país, como a
tropicália e o cinema novo. Alguns deles estiveram articulados no traba-
lho do CEAO. O objetivo das lideranças intelectuais e políticas era mais
amplo. Intentavam influenciar os direcionamentos políticos do estado
para, nas palavras de Dias, uma modernização conservadora (2005, p.
125-145)1. E por conta disso, os grupos tradicionais questionavam as no-
vidades de Edgard Santos e rivalizavam no Conselho Universitário, onde
possuíam voz e voto.

1 
Modernização conservadora, pois “as lideranças e os grupos oligárquicos disputaram
entre si a primazia de empunhar essa bandeira e de conduzi-la na direção que julgavam
mais apropriada ou conveniente, conforme as concepções que lhes eram próprias”.
Nesse contexto, a Bahia foi marcada por grande dinamismo não apenas no plano artís-
tico e cultural como também político e econômico. (DIAS, 2005, p. 125-145)

40
Embora não se resumisse a isso, investir em artes e cultura foi vis-
to como uma marca desse reitor. E mais ainda quando os diretores ou
professores dessas escolas e do Centro eram grandes personalidades es-
trangeiras, a exemplo dos intelectuais portugueses que circularam pela
Bahia. Edgard Santos articulou-se com instituições estrangeiras para
obtenção de financiamentos e propiciou a presença em Salvador de di-
versos estudantes e professores de vários lugares. Parecia não se limitar
com as divergências promovidas pela guerra fria: mantinha financiamen-
to da fundação norte-americana Rockfeller e convidou a polonesa Yanka
Rudzca para a direção da Escola de dança.
Intercâmbio, portanto, foi outra característica da gestão de Edgard fren-
te à UFBA. O CEAO não fugiu a esta marca. Intercâmbio era uma palavra-
-chave na proposta de Agostinho, que objetivava fazer circular professores,
pesquisadores, estudantes, livros, publicações, objetos de arte entre o Bra-
sil e países africanos e, por extensão, entre o Brasil e países asiáticos: daí
o investimento nos cursos de línguas que logo começaram em Salvador.
Em 1960, ensinou-se hebreu moderno, árabe e yorubá. Como filó-
logo, Agostinho certamente tinha entendimento mais amplo da língua.
Mas o objetivo no CEAO era permitir a comunicação entre as pessoas. E
por isso o plano de estabelecer cursos de língua portuguesa no exterior
para a divulgação da cultura brasileira. No relatório ao reitor, em junho
de 1960, escreveu que o ensino da língua era “para uma rápida utilização
por estrangeiros da informação brasileira” (Silva, 03/06/1960, CEAO). As
opções de línguas asiáticas ensinadas pelo CEAO foi o que Agostinho con-
seguiu dispor de imediato em Salvador. O ensino do yorubá era a reivin-
dicação da comunidade baiana do candomblé. Com o apoio de Verger,
conseguiu trazer a Salvador o linguista nigeriano Ebenézer Latunde Lase-
bikan que ensinou yorubá no CEAO numa turma composta basicamente
por adeptos do candomblé, pobres, negras e com baixa escolaridade,
ação que marcou a história da UFBA. O diretor se esforçaria para ter um
curso de “língua banta”, ou seja, oriunda da região Congo-Angola, mas

41
isso não se tornou uma realidade naquele momento (Reis, 2010, p. 62-
68; Verger, 16/10/1959, CEAO)2.
Da correspondência que fez circular entre 1959 e 1960, Agostinho
conseguiu obter a doação de 800 volumes para a constituição da biblio-
teca especializada em assuntos africanos e asiáticos. Também enviou li-
vros a seus diversos destinatários: primeiro os de Bezerra de Menezes e
Mestre Didi. Em 1961, editou uma palestra proferida por Waldir Freitas
Oliveira, no primeiro aniversário do CEAO, intitulada Importância atual do
Atlântico Sul que também distribuiu (Oliveira, 1961). Neste texto, Oliveira
referendava a ideia que a divisão global entre países do norte e do sul
superaria a então vigente leste-oeste, um argumento inovador de Agos-
tinho da Silva no IV Colóquio. A proposta do CEAO buscava desenvolver
ações de intercâmbio nessa perspectiva: fazer produzir e circular conhe-
cimento entre países do sul geográfico e político.
O conhecimento acerca do continente africano ou asiático era difícil
de ser obtido. Muito pouco se sabia sobre esses territórios até torna-
rem-se independentes e despertar novo interesse do Brasil. A narrativa
oficial era de completo distanciamento (Sombra Saraiva, 1996; Santos,
2013). Agostinho da Silva registrou quão “remotas” pareciam, àqueles
anos, “quaisquer relações com os então ainda longínquos países de Áfri-
ca e de Ásia” (Silva, 2009, p. 129). O brasilianista ganense Anani Dzid-
zienyo, que fez pesquisa na Bahia em 1970, publicou como “a África vista
do Brasil”, pontualmente apresentada em notícias jornalísticas, era equi-
vocada, generalizada e descontextualizada em relação à sua geografia ou
aos processos de descolonização (Dzidzienyo, 1970).
Por isso era importante para o CEAO produzir material bibliográfico
e jornalístico sobre países recém-independentes. Entre o ano de 1960 e
1961 há o registro de um Boletim Informativo do CEAO. Mimeografado, o

2 
Lasebikan ensinou no CEAO entre 1960 e 1965.

42
periódico registrava informações sobre ações do Brasil e outros países
para a aproximação com o mundo africano e asiático. Até meados de
1961 dispunha de uma coluna intitulada África e Ásia que trazia notícias
diversas dos respectivos continentes, a qual, conforme notícia do pró-
prio boletim, também era publicada no Diário de Notícias. Segundo Wal-
dir Oliveira, essa produção foi a moeda que o Centro dispunha nos anos
iniciais para trocar com as instituições que contatava (Oliveira, 2009).
Em 1962, o CEAO produziu um Boletim Bibliográfico, com informações
detalhadas do acervo de livros e revistas disponíveis para consulta fran-
queada ao público em geral. Em 1965, surgiu a Afro-Ásia revista especia-
lizada em circulação nos dias atuais, hoje com todo acervo disponível
para consulta on-line.
As notícias veiculadas pelo Centro eram obtidas através da inces-
sante correspondência. Contudo era necessário produzir estudos, rea-
lizar pesquisa. Medidas nesse sentido foram tomadas tão logo se insta-
lou o CEAO com o estímulo ao envio de pesquisadores brasileiros para
regiões do continente. Vivaldo da Costa Lima foi o primeiro, partindo
nos últimos dias de 1959 para a Nigéria. Pedro Moacir Maia o segun-
do, estabelecendo-se no Senegal em princípios de 1961. O primeiro
ansiava por realizar pesquisa etnográfica, o segundo era especialista
na língua portuguesa.
As pessoas que se juntaram ao CEAO estavam disponíveis para co-
nhecer essa parte do mundo e nela, literalmente, viajar. Do mesmo jeito
que Costa Lima ou Maia, outros também foram convidados por Agos-
tinho. O professor de geografia Waldir Oliveira, a professora de letras
Yêda Pessoa de Castro, o então funcionário dos Correios Guilherme Cas-
tro, o professor de história Paulo Farias. Parece que o diretor tinha um
jeito especial para fazer os jovens professores apostarem na proposta
do CEAO. Primeiro pelo fato de enveredar numa área do conhecimento
completamente nova na universidade. Segundo porque o projeto envol-
via produzir novos conhecimentos.

43
Os depoimentos registrados ressaltam um diferencial na persona-
lidade de Agostinho que os fizeram acreditar que podiam se respon-
sabilizar por algo tão importante. Vivaldo disse que foi um “louco” ao
aceitar um convite de viajar para África em poucos dias (Costa Lima,
2004). Farias disse ser ele um homem de grande “visão e inteligência
criadora” (Moraes Farias, 2010). Júlio Braga juntou-se ao grupo pou-
co depois. O trabalho de todos eles no CEAO, reunidos no início dos
anos 1960, mesmo com dinâmicas diferenciadas, pode ser considerado
o trabalho de um grupo à frente da instituição que durou mais de trin-
ta anos. Começou com Waldir Oliveira que assumiu a direção do CEAO
em 1961 e culminou com Júlio Braga que saiu da direção do Centro em
1994, em função da aposentadoria.
Na Bahia, dentro ou muito próximo à Universidade, estavam algumas
personalidades que constituíram um grupo de apoio importante para o
desenvolvimento das atividades do CEAO. Pierre Verger se tornou uma
verdadeira referência. O fotógrafo e pesquisador francês, radicado na
Bahia, colocou à disposição do Centro seu conhecimento acerca das re-
lações entre Brasil e África, pelo fato de ter iniciado as suas idas e vindas
desde 1949: contatos, experiências, materiais, bibliografia, questões de
pesquisa. Jeferson Bacelar o chamou de “cicerone” do grupo baiano na
África ocidental (Bacelar, 2001, p. 133).
Nelson Rossi, diretor do Laboratório de Fonética da UFBA, prestou
contribuição salutar às atividades do CEAO. Seu trabalho foi fundamental
quando o CEAO se responsabilizou pelo curso intensivo de língua por-
tuguesa oferecido aos estudantes africanos que chegaram à Bahia, em
1961 e 1962, e objetivavam ingressar em cursos superiores pelo país.
Enviou livros de gramática para Vivaldo quando, por força da condição
indispensável para sua manutenção na África, foi necessário dar aulas
de língua portuguesa em cursos livres. Outras personalidades presta-
ram apoio e colaboração a exemplo da arquiteta italiana Lina Bo Bardi,
o diretor da Escola de Teatro Martim Gonçalves, o diretor da Faculdade

44
de Filosofia Thales de Azevedo, o jornalista Flávio Costa, o artista Lênio
Braga Brasil3.
O fato de possibilitar viagens pelo continente africano, tanto de ida e
vinda, para pesquisas, estudos, palestras, resultou no estabelecimento
de outros contatos que ajudaram a manter a dinâmica internacional do
Centro. Vivaldo da Costa Lima auxiliou Raymundo de Souza Dantas no es-
tabelecimento da embaixada brasileira em Acra em 1961 quando atuou
como adido cultural. Waldir Oliveira conheceu Óscar Ribas em Luanda e,
anos depois, o etnólogo lançou um livro no Centro baiano. Pedro Maia tra-
balhou em Dacar com o líder anticolonial guineense Benjamin Pinto Bull e
conheceu o presidente Léopold Senghor. Yêda e Guilherme Castro, à época
casados, entrevistaram senhoras que faziam parte da comunidade de re-
tornados brasileiros estabelecidos em Lagos, como Romana da Conceição
e Maria Ojelabi. Paulo Farias e Júlio Braga foram bolsistas e fizeram pes-
quisa através do Instituto Fundamental da África Negra, o IFAN, em Dacar.
Outras pessoas que não eram acadêmicas, a partir da dinâmica do
Centro, foram ao continente africano. Deoscóredes dos Santos - o mestre
Didi – assobá e alapini4, escritor e artista, fez exposições de suas obras
na Nigéria em 1967. A Iyalorixá Olga do Alaketo representou o Brasil nos
dois grandes Festivais Mundiais de Arte Negra, em Dacar (1966) e Lagos
(1977). O mestre de capoeira Pastinha e cinco capoeiristas de seu gru-
po, como Camafeu de Oxóssi e Gilberto Satanás, também foram a Dacar
para o primeiro Festival de Artes. Por seu turno, Romana da Conceição
pertencente à comunidade de brasileiros retornados na Nigéria “reali-
zou o sonho” e veio de Lagos para o Brasil numa viagem oficial em 1964
(Alberto, 2012). Sua neta, Elisabeth Ganseh, veio como estudante no ano

3 
Lênio Braga Brasil foi responsável pela capa das primeiras edições da Afro-Ásia além
de ter pintado um retrato de Agostinho em óleo sobre tela.
4 
São cargos que desempenhou no candomblé. Assobá refere-se ao culto a Obaluaiê e
alapini, ao culto dos ancestrais.

45
seguinte, mas não ficou muito tempo (Jornal da Bahia, 05/03/1968, CEAO;
Dávila, 2011, p. 79-80).
Muitos encontros propiciados pelas atividades do CEAO resultaram
em profícuo trabalho e longas amizades. Muitas também foram as riva-
lidades, ciúmes e até mesmo brigas entre intelectuais, artistas que não
concordavam com as atividades do Centro. A disputa podia ter como
mote garantia por espaço, a exemplo dos intelectuais do Centro de Estu-
dos Afro-Asiáticos instalado no Rio de Janeiro, em 1961, que propunham
realizar atividades semelhantes à do CEAO. Situação semelhante à rivali-
dade nutrida com os escritores Antônio Olinto e Zora Seljan que atuaram
em embaixadas brasileiras na África. A rivalidade podia ser resultado de
divergências políticas e ideológicas, caso de Abdias do Nascimento que,
anos depois, estabeleceu dura crítica à perspectiva de trabalho desen-
volvida pelo Centro como veremos mais adiante.
Quase todos os intelectuais da primeira geração do CEAO eram bran-
cos. Conforme analisou o brasilianista norte americano Jerry Dávila, ao
se debruçar no estudo das relações entre Brasil e África, entre as décadas
de 1960 e 1980, os intelectuais e diplomatas que estiveram no centro
desse processo experimentaram a sensação de liberdade ao afirmarem
sua negritude e sua africanidade.

os brasileiros que viajavam para a África normalmente abraça-


vam a mitologia de um Brasil racialmente democrático. Eles a
representavam publicamente e a aceitavam em privado. Acre-
ditavam que todos os brasileiros têm uma herança africana
comum independente da cor. (Dávila, 2011, p. 12)

Dávila estendeu sua análise aos intelectuais e diplomatas do Rio de


Janeiro e Bahia. Aqui neste estudo, além de melhor delinear as redes
dos intelectuais baianos envolvidos nas relações Brasil-África, observa-se
como a afirmação dessa africanidade se dava em Salvador já que havia

46
uma forte vivência com o candomblé e era esse o maior vetor que os
mobilizava em direção ao continente africano.

Visão da Bahia
Toda a intelectualidade, incluindo o grupo do CEAO, que da Bahia se
voltava para a África teve seu interesse modulado pela experiência ou
estudos a respeito do candomblé que até duas décadas antes da criação
do CEAO ainda estava sujeito a perseguições severas pela polícia (Braga,
1995; Lühning, 1995-96). A presença expressiva de africanos, seus des-
cendentes e suas práticas culturais, na cidade de Salvador, resultantes
de séculos de escravidão, foi alvo de estudos etnográficos, na primeira
metade do século XX, que evidenciaram a religiosidade negra inicial-
mente considerada fetiche (Rodrigues, [1932] 1977) e paulatinamente
elevada à condição de manifestação folclórica (Ramos, 1934; Carneiro,
1937). Etnólogo e folclorista, Carneiro foi um intelectual que se colocou
a serviço da valorização do povo de santo sendo um dos responsáveis
por organizar em Salvador o II Congresso Afro-Brasileiro, em 1937, que
reuniu intelectuais nacionais e estrangeiros além de lideranças religiosas
num mesmo patamar de autoridade. O primeiro Congresso foi realizado
em Recife, em 1934, sob coordenação de Gilberto Freyre.
A postura de Carneiro, ao reunir intelectuais e povo de santo, os es-
tudiosos e seus, àquele momento, objetos de pesquisa, enuncia um di-
ferencial que se fez presente na abordagem de intelectuais da Bahia em
relação ao candomblé. Os estudiosos, artistas e políticos estabeleciam
uma relação de proximidade com a religião. Muitos nela se integraram.
Havia um verdadeiro fascínio pelas origens africanas e isso refletiu em
estudos, obras artísticas e literárias. O escritor Jorge Amado e sua obra é
um importante exemplo dessa relação (Santos et al, 2013).
Isso não significava que os praticantes da religião estivessem livres
da perseguição empreendida pelo estado que não admitia o candomblé
como religião. Jocélio Santos explica que, aos poucos, as notícias jornalís-

47
ticas da capital baiana registravam leituras ambíguas em relação ao can-
domblé que caminharam para seu reconhecimento como uma religião
(Santos, 2005). Aos poucos, entre as décadas de 1950 e 1960, em meio a
notícias que reforçavam o caráter maléfico de tais práticas, emergiam re-
ferências positivas a respeito do candomblé, especialmente em relação a
alguns terreiros e suas lideranças, sobretudo aquelas que os estudiosos
associavam a uma tradição africana em detrimento de outras casas asso-
ciadas à falta de tradição e, portanto, maléficas e não religiosas5.
Nos anos 1950, uma dimensão dessa relação pode ser delineada no
evento que marcou o encontro dos participantes do IV Colóquio Interna-
cional de Estudos Luso-Brasileiros com uma festa no terreiro Ilê Axé Opô
Afonjá. O escritor Jorge Amado, reconhecido mundialmente por narrar
histórias que retrataram o povo de santo da Bahia, recebeu os coloquis-
tas com um discurso que enunciava seu cargo naquele terreiro, os sauda-
va em nome de Xangô, orixá patrono da casa, da Iyalorixá Mãe Senhora e
de todos seus demais integrantes e os compelia a conhecer aquele espa-
ço de inteligência e cultura baiana tão caro para os “homens de cultura”.
Terminou exaltando as raízes africanas da Bahia. “Sim, é necessário que
se saiba e se proclame nosso orgulho baiano e brasileiro das raízes afri-
canas sobre as quais estamos plantados [...] (Santos, 1988, p. 24-27).
Um encontro entre homens de letras portugueses, convidados da
UFBA, e um terreiro soteropolitano evidencia o esforço dos intelectuais
para inverter ideias que desvalorizavam o candomblé tratando-o definiti-
vamente como religião. Mestre Didi, filho de Mãe Senhora, que interagiu
com o grupo, registrou num de seus livros o nome de personalidades que
mantinham cargos naquele terreiro. Além de Jorge Amado e Pierre Ver-
ger cita Antonio Olinto e Zora Seljan, Vivaldo e Sinval Costa Lima, Lênio

Desde os anos 1980, o CEAO se esforçou para contemplar, visibilizar e valorizar essas
5 

diferentes linhagens do candomblé. Ver ENCONTRO, 1984; II ENCONTRO,1997.

48
Braga, Vasconcelos Maia, Caribé, Moyses Alves, Zélia Amado e Rubem
Valentim (ibidem). Vários destes se envolveriam na promoção de novas
conexões culturais entre Brasil e África.
A inserção dessa atividade na programação do Colóquio revela o lu-
gar onde se situava a articulação baiana que buscava relações com a Áfri-
ca: a religiosidade de matriz africana. Uma vez que o Colóquio propunha
a criação da comunidade luso-brasileira, a incluir os territórios africanos,
os intelectuais mostraram com qual África buscavam aproximação. Tudo
isso com a chancela do reitor Edgard Santos que, se pouco entendia de
candomblé, sabia que politicamente fortalecia seu grupo de apoio (Risé-
rio, 1995).
A relação entre intelectuais e o terreiro Ilê Axê Opô Afonjá não era
recente. Essa casa, junto com o terreiro do Gantois e a Casa Branca, des-
cendentes do candomblé da Barroquinha, são considerados por muitos
como as casas mais antigas de candomblé da Bahia. Por essa condição
foram, de modo recorrente, acessadas para o trabalho de campo nos
estudos sobre religiosidade afro-brasileira, desde os trabalhos de Nina
Rodrigues, no final do século XIX. O esforço dos trabalhos de Carneiro e
Ramos, publicados nos anos 1930, era comprovar através do trabalho
etnográfico o caráter religioso das práticas do candomblé e, por concen-
trarem seus campos de pesquisa em terreiros de origem comum, acaba-
ram por reforçar uma matriz em detrimento de outras. As matrizes africa-
nas de origem nagô, ligadas à ancestralidade yorubá, foram valorizadas
como “puras” e mais “fiéis” a despeito de outras matrizes como banto,
ligada a ancestralidade congo-angola, consideradas misturadas, impu-
ras, ou ainda a matriz jeje, do culto aos voduns, associadas à prática da
feitiçaria e, portanto, não religiosa (Dantas, 1988).
A tradição nagô foi celebrada como a detentora das “verdadeiras”
raízes africanas e os citados terreiros conformaram uma pequena elite
valorizada pelos intelectuais (Castilho, 2008, p. 18), como vimos no dis-
curso de Jorge Amado. Juana Elben dos Santos, antropóloga argentina e

49
esposa de mestre Didi, na Bahia desde os anos 1960, afirmou que o Opô
Afonjá fazia parte de um circuito alternativo, da vivência noturna desses
intelectuais, uma espécie de “boemia” (Holanda, 1998). Waldir Olivei-
ra afirmou que esteve com Lauro Escorel, conselheiro do Itamaraty que
vinha a Salvador tratar de assuntos de intercâmbio com o CEAO, numa
festa no Afonjá. O livro sobre a juventude do cineasta Glauber Rocha in-
dica como sua circulação pelos terreiros soteropolitanos, acompanhado
de Vivaldo da Costa Lima, foi um elemento que mais adiante auxiliou em
sua produção cinematográfica inovadora, o cinema novo (Motta, 2011).
Dantas discutiu o papel dos intelectuais na legitimação de determina-
das casas que influenciaram o imaginário baiano e nacional sobre o can-
domblé. Essa valorização ficou conhecida como nagocentrismo. Ordep
Serra questionou a extensão dessa influência ao destacar a articulação
dos candomblés que, utilizando-se do espaço aberto pela academia, afir-
maram seu prestígio frente a outras casas (Serra, 1995). Matory discutiu
como essa celebração das raízes yorubanas na Bahia, o nagocentrismo,
tinha relação com um movimento transnacional de afirmação dos yoru-
bás frente às imposições do estado colonial inglês (Matory, 1999).
Tais discussões visam balizar o papel dos intelectuais, a agência da
comunidade religiosa baiana e da comunidade yorubá nigeriana na
construção dos discursos em torno de uma supremacia nagô. Os estudos
iniciais do CEAO foram marcados pelo nagocentrismo revelando que, di-
ferentemente do interesse primeiro manifestado por Agostinho da Silva,
o intercâmbio do Centro voltou-se para países da África ocidental com
foco nas tradições yorubás, em função do interesse existente na Bahia e
dos contatos com o continente que levavam para sua porção ocidental.
Alguns desses intelectuais, a partir do final dos anos 1950, mais do
que vivenciar, como membros ou colaboradores das casas, e exaltar essa
tradição em seus trabalhos, se lançaram à tarefa de realizar novas pes-
quisas em certas regiões do continente, em especial Nigéria e Daomé
(atual Benin), onde vivem os yorubás, tanto para verificarem aspectos

50
comuns entre os dados colhidos nos terreiros baianos e os referidos po-
vos africanos, quanto para estimular as conexões entre essas comuni-
dades. Procuraram contribuir com novos dados de campo para a reafir-
mação do caráter africano das práticas religiosas das casas consideradas
modelo em Salvador, uma vez que esse era o critério que lhes assegurava
legitimidade. Segundo Bacelar lançaram-se a uma “reafricanização dos
costumes” uma vez que endossavam a origem africana das práticas baia-
nas (Bacelar, 2001, p. 125).
Nessa busca pela África, desde a Bahia, destaca-se a articulação de
Pierre Verger que realizava, desde 1949, viagens entre a Bahia e o interior
da Nigéria e Daomé, fazendo fotografias e pesquisa de campo, começando
aos poucos a escrever (Lühning, 1998-1999). Por seu interesse na religião
dos orixás e prestígio acadêmico, desfrutou de consideração no terreiro do
Afonjá, sendo consagrado a Xangô. Enveredou pela religião dos orixás no
continente, passou pelos rituais necessários à iniciação e em 1953 tornou-
-se um babalaô em Ketu (Lühning, 2012), de nome ritual Fatumbi. Verger se
colocou como o mensageiro entre os dois mundos: o mundo religioso baiano
e o mundo religioso yorubano, na medida em trazia informações e objetos
rituais do continente africano e levava notícias à África do terreiro na Bahia
(Serra, 1995, p. 130).
O fascínio que essa intelectualidade baiana nutria pela África encontra-
va em Verger a motivação para atravessar o Atlântico. Ir até o continente
africano, de fato, estava na proposta do Centro de Estudos Afro-Orientais
conforme explicitou Waldir Oliveira num de seus depoimentos.

Um centro de estudos onde se pudesse levar a sério o relacio-


namento entre África e Brasil. Tentando descobrir, identificar
as raízes culturais africanas que participam da cultura brasilei-
ra, de outro ângulo. Porque até então todos que haviam traba-
lhado sobre o negro brasileiro tinha trabalhado aqui no Brasil
sobre os descendentes de africanos. Mas, nenhum historiador
tinha se deslocado para o outro lado do oceano, para as terras

51
africanas, para ver como era a vida dos africanos antes de vir
para cá. (Oliveira, 2004b)

Segundo essa narrativa, a proposta do Centro era ampliar o trabalho


de pesquisa feito com os negros brasileiros fazendo uma conexão com
a história dos negros africanos. Falava-se em raízes culturais africanas
e a tentativa contemporânea de verificar a vida dos africanos “antes de
vir para cá”, ou seja, esperava-se encontrar do outro lado do Atlântico
aspectos culturais correspondentes aos existentes na Bahia. Nesta pro-
posição as práticas religiosas daqui seriam idênticas ou similares às pra-
ticadas no tempo em que os africanos deixaram a África, ou seja, cerca
de pelo menos cem anos antes.
Conforme nos explica Dantas:

O que está subjacente neste raciocínio é que o modelo “nagô


puro” representaria realmente uma continuidade de insti-
tuições culturais africanas, que, para aqui transplantadas e
conservadas graças à memória coletiva negra, reproduziam-se
guardando fidelidade às origens, inclusive nos seus significa-
dos, tornando-se assim sinais de resistência. (Dantas, 1988,
p. 21)

Atualmente, os estudos em torno da cultura, etnicidade, religiosida-


de e resistência já extrapolaram essa perspectiva e, neste sentido, a dis-
cussão de Dantas ofereceu grande contribuição. Entende-se que cultura
não é algo estático, que pode ser simplesmente transplantado de um
lugar para outro permitindo a aculturação. Manuela Carneiro da Cunha
revelou como exatamente por sua plasticidade é que se faz possível que
determinados elementos culturais sejam mantidos, ressignificados ou
caiam em desuso (Cunha, 1985; 1987, p. 87-88). Deste modo não são
determinados elementos culturais como uma língua e uma religião,
mantidos em isolamento geográfico, que definem um povo conforme

52
enunciava o conceito de tribo aplicado aos povos africanos. Fredrik Barth
argumentou como os traços culturais que definem um grupo étnico são
definidos através da interação com outros grupos com os quais fazem
fronteiras (Poutignat, Streiff-Fenart, 1998). Esses autores deslocaram sua
observação dos conteúdos culturais para a análise do grupo.
No entanto, nos anos 1950 e 1960, eram nos conteúdos culturais que
residiam o foco dos intelectuais localizados na Bahia e mobilizados em
comprovar as ligações entre a religiosidade africana, diga-se yorubá, e
a religiosidade baiana. Como Verger, outros pesquisadores fascinados
com o repertório de práticas africanas do candomblé de Salvador acei-
taram o desafio de fazer pesquisa no continente africano resultando em
levantamentos etnográficos importantes. São esses pesquisadores que
se envolveram no Centro de Estudos Afro-Orientais.
As mudanças políticas pelas quais passava o continente africano
àquela década também eram elementos fortemente motivadores para
novas pesquisas. Afinal com os processos de independência em curso
não havia garantia de manutenção das práticas culturais africanas que
haviam sobrevivido à colonização europeia (Bittencourt, Ferreira, 2006).
E assim como aconteceu durante todo período após a abolição no Bra-
sil, em alguns países africanos pós-independência, muitas das práticas
culturais foram associadas ao atraso civilizacional e falta de modernida-
de e, portanto, duramente reprimidas (Santana, 2006). Por outro lado
a proposta de trabalho de campo no continente era favorecida com o
novo contexto internacional que, ao deparar-se com uma série de novas
nações independentes, ensaiou alguma política de aproximação, caso do
governo brasileiro6.

Segundo Dávila, “só com o processo de descolonização africano é que os intelectuais


6 

brasileiros se apressaram para atravessar o Atlântico” (DAVILA, 2011, p. 14).

53
CEAO e a política internacional no Brasil
O Centro de Estudos Afro-Orientais surgiu no contexto mais amplo da
descolonização de nações africanas e asiáticas que tomaram o cenário
internacional em meados do século XX. Em 1955, quando países asiáti-
cos e africanos se reuniram numa conferência em Bandung, Indonésia,
para defender a emancipação total dos territórios ainda dependentes e
repudiar a Guerra Fria - que dividia o mundo entre leste e oeste - o Ter-
ceiro Mundo surgiu no cenário internacional (Vizentini, 1998, p. 22). O
aumento do número de países com assento nas Organizações das Nações
Unidas e posicionamento político diferenciado - que podia funcionar em
bloco - chamou a atenção de políticos e intelectuais no Brasil para desa-
fios semelhantes na promoção do desenvolvimento, para a possibilidade
de retomada de relações diplomáticas e projeção internacional do Bra-
sil (Bezerra de Menezes, 1960; Rodrigues, 1961; Sombra Saraiva, 1996;
Döpcke, 1998; Vizentini, 1998; Cervo, Bueno, 2002; Dávila, 2011).
Agostinho tinha ideias para a aproximação entre o Brasil e África. O
CEAO seria um ponto de partida para desenvolver ações de modo a con-
formar uma “comunidade cultural” com os países então sob colonização
portuguesa e estender a influência brasileira aos demais países do con-
tinente. Neste intento a divulgação da língua portuguesa era uma das
principais ações. Thales de Azevedo, anos após a fundação, sintetizou as
origens do Centro afirmando que

Agostinho teria pensado em que um organismo como este se-


ria um laço, um ponto de apoio e ação, entre outros, que se
espalhariam por um vasto ecúmeno, para a reconstrução es-
piritual e quiçá política de uma comunidade cultural originada
no papel histórico dos lusitanos da época dos descobrimen-
tos, concebida, porém, como uma aliança de nações e povos
soberanos, desvencilhados das peias do colonialismo e assim

54
mais aptos a uma coligação espiritual consentida, espontânea
e sólida. (Azevedo, 1969)

O antropólogo Pedro Agostinho, seu filho, escreveu que Agostinho da


Silva considerava os territórios de língua oficial portuguesa como elos
que, interligados, poderiam ser agentes aglutinadores dos povos e paí-
ses meridionais. Pensando na distribuição do poder mundial sob a pers-
pectiva norte-sul, acreditava que os povos de língua portuguesa teriam
um importante papel e o Brasil ocuparia uma posição central (Agostinho,
1995, p. 16).
No Brasil, o tema da descolonização e os possíveis posicionamentos
que o governo brasileiro deveria ou poderia assumir vieram à tona a
partir do texto escrito por Bezerra de Menezes após a participação na
Conferência de Bandung. Em O Brasil e o mundo ásio-africano, publicado
em 1958, o diplomata estava convicto de que o Brasil deveria posicio-
nar-se favoravelmente à descolonização de modo a obter a colaboração
dos países africanos e asiáticos e ganhar projeção internacional. A pro-
posta de Agostinho era referenciada na obra de Bezerra de Menezes, não
por acaso, o destinatário da primeira correspondência do CEAO (Silva,
08/09/1959, CEAO; Reis, 2010).
Ao propor um Centro que desenvolvesse atividades de aproximação
cultural, Agostinho da Silva se apoiava nos argumentos apresentados
pelo diplomata para contribuir para uma “nova política internacional
do Brasil” (Silva, 08/09/1959, CEAO). Para o diplomata, o Brasil deveria
aproximar-se das novas nações para exercer influência política, antes
dos Estados Unidos e União Soviética, de modo a ganhar admiradores,
os quais, “terão de pesar fortemente na balança mundial, em meados
do século XXI, quando começaremos a figurar como grande país nos qua-
dros mundiais” (Bezerra de Menezes, 1960, p. 7). Bezerra de Menezes
lançou o argumento que embasou ou, segundo Dávila (2011, p. 20), alei-
joua política internacional brasileira: para o diplomata a melhor propa-

55
ganda para a aproximação brasileira aos países africanos e asiáticos, es-
pecialmente aqueles sob colonização portuguesa, era a suposta ausência
do racismo brasileiro, resultado da colonização diferenciada promovida
pelos portugueses nos trópicos.
As relações diplomáticas do Brasil com Portugal eram caracterizadas
por sentimentos de “afinidades históricas e tradicionais” (Döpcke, 1998,
p. 122), de “fraternidade e paternalismo” (Sombra Saraiva, 1996, p. 51)
e influenciavam e dividiam os intelectuais, políticos e diplomatas que ad-
vogavam uma aproximação com o continente africano. O debate no final
dos anos 1950 girava em torno de que tipo de relações o Brasil deveria
manter com a África: diretas sem intermediação, via portugueses ou não
manter relações? Questões que revelavam que o debate no Brasil acer-
ca da aproximação com os países do continente africano considerava a
manutenção das relações diplomáticas e culturais com Portugal. Pare-
cia consenso entre os interessados que para o estabelecimento de laços
com o continente africano era necessário manter os valores portugueses
nos territórios colonizados cujo maior expoente era a língua portuguesa.
Mesmo quando se fazia um questionamento da ação colonialista por-
tuguesa propondo uma aproximação direta com nações africanas, con-
forme argumentaria José Honório Rodrigues, havia a defesa dos valores
culturais portugueses na África (Rodrigues, 1961).
A exaltação de valores portugueses nas colônias africanas era o ar-
gumento de O mundo que o português criou apresentado por Gilberto
Freyre. O sociólogo pernambucano estendeu a análise da mestiçagem
brasileira às colônias africanas, argumentado ser essa uma caracterís-
tica especial da colonização ibérica. Conhecida como luso tropicalismo,
essa ideologia foi mobilizada pelo governo e intelectuais portugueses
para comprovar um suposto colonialismo benéfico português e tentar
manter a colonização num contexto de franca descolonização. A histo-
riadora portuguesa Cláudia Castelo, que analisou a recepção do luso
tropicalismo em Portugal, concluiu que as divergências a determina-

56
dos pontos do argumento freyriano não impediram o estado português
de divulga-lo como doutrina de estado nos anos 1960 (Castelo, 1998).
Freyre influenciou intelectuais brasileiros, como Waldir Oliveira que,
ao buscar verificar a mestiçagem e a democracia racial em Angola, só
encontrou uma maioria de africanos vivendo em extrema disparidade
social (Oliveira, 1965).
O argumento de grandes afinidades históricas e culturais que uniriam
tão fortemente Brasil e Portugal se estendia às relações diplomáticas
uma vez que o governo brasileiro não ousava questionar as ações do go-
verno português. Até 1960, antes da ascensão do presidente Quadros, o
Brasil ratificou seu apoio a Portugal e não questionou o colonialismo nas
reuniões da ONU (Döpcke, 1998, p. 41-43). Desde então, essa relação
ambígua do governo brasileiro que passou a apoiar o anticolonialismo
e autodeterminação dos povos, desde que não se referisse a Portugal e
suas colônias, marcou com descrédito as intenções brasileiras no conti-
nente. Somente quando o Brasil foi o primeiro país a reconhecer a inde-
pendência de Angola, em 1975, ele encerrou um ciclo de encontros com
a África marcado pelo luso tropicalismo freyriano (Dávila, 2011, p. 11).
Convergindo com o argumento de Bezerra de Menezes, os objetivos
de Agostinho da Silva, conforme o texto da correspondência, eram esti-
mular uma penetração cultural brasileira (Silva, 31/12/1959, CEAO) nos
países, através do ensino de língua portuguesa, para influenciar a cultura
desses países recém descolonizados uma vez que não estariam seguros
“de suas próprias tradições culturais” (Silva, 09/10/1959, CEAO) além de,
sendo o Brasil também uma ex-colônia, não despertaria qualquer reação
política (Silva, 30/12/1959, CEAO). Contrapartidas econômicas também
são citadas em uma correspondência (Silva, 16/11/1959, CEAO)7. A au-

“Angola tem de ser a contrapartida do Brasil no Atlântico Sul e para tal é necessário
7 

que haja, simultaneamente com a comunicação espiritual o acertamento de interesses


econômicos” (SILVA, 16/11/1959, CEAO).

57
sência de representantes de países africanos no IV Colóquio de Estudos
Luso-Brasileiros evidencia de qual lugar portugueses e brasileiros pro-
punham a criação da comunidade tomando para si a tarefa de conceber,
empreender e executar ações que resultassem na conformação de uma
comunidade justificada por aproximações culturais. Tal como pensou o
diplomata, Agostinho da Silva ou o presidente Quadros apoiavam a des-
colonização afro-asiática desde que significasse a projeção do Brasil –
cultural, política e econômica - e a divulgação e manutenção dos valores
culturais portugueses.
No início dos anos 1960, quando o Brasil buscava investir para a con-
formação de uma comunidade política entre Brasil, Portugal e seus ter-
ritórios ultramarinos, as sugestões de Bezerra de Menezes foram as me-
didas requisitadas. Tratava-se de investir no aumento da representação
diplomática nos referidos países, ampliar a cobertura jornalística, ampliar
o conhecimento por parte de intelectuais brasileiros, enviar professores
brasileiros para ensinar em universidades africanas, trazer estudantes afri-
canos para colégios e universidades brasileiras, divulgar o país através de
música, futebol, exposições, arquitetura. Nestas proposições estavam as
atividades a serem desenvolvidas pelo Centro de Estudos Afro-Orientais.
Um estudo da correspondência do Centro de Estudos evidenciou
que as primeiras atividades, entre 1959 e 1960 concentraram-se no
estabelecimento de contatos, com instituições educacionais na África e
na Ásia, na Europa e no Brasil. O diretor tratava de divulgar o surgimen-
to e objetivo da instituição. Interessava-se pelo estudo “das culturas
africana e oriental [...] nos campos da linguística, literatura e história
geral da cultura, desenvolvimento científico e resolução de problemas
técnicos” (Silva, 08/09/1959, CEAO). Havia ainda o objetivo de criar
espaços de documentação: biblioteca, salas de exposição, filmoteca e
discoteca (ibidem).
As cartas seguiram para os serviços culturais das diversas embaixadas
ou representações de países africanos e asiáticos instaladas no Rio de

58
Janeiro. Ao observar quais eram esses países é muito mais significativa
a presença de países asiáticos. Poucos países africanos eram indepen-
dentes naquele ano de 1959. Receberam, além do Egito, a União Sul-
-africana, a Etiópia e a República de Gana. Em seguida, os destinatários
foram os serviços culturais de países europeus que ainda eram metrópo-
les coloniais em 1959, como os da França, Inglaterra, Bélgica e Espanha.
Além dessas instituições formais, muitas correspondências a particulares
(Reis, 2010, p. 39-45).
Houve um empenho especial no envio de cartas a Portugal, Angola e
Moçambique, pois “cremos que será nestes estudos de intercâmbio e de
conjunto que se poderá encontrar mais sólido alicerce para estabeleci-
mento de uma comunidade cultural luso-brasileira” (Silva, 09/09/1959,
CEAO). Se em Portugal, Agostinho podia escrever ao Instituto Superior de
Estudos Ultramarinos, em Angola ou Moçambique, os endereços possí-
veis eram, basicamente, diretores de jornais.
Algumas dificuldades estruturais são evidenciadas neste esforço de
Agostinho da Silva em estabelecer um intercâmbio com fins de mobilizar
conhecimento acerca de países africanos e asiáticos. A primeira refere-se
à ausência de instituições educacionais nos países de recente indepen-
dência ou ainda sob colonização, caso dos territórios sob domínio por-
tuguês. Em Dacar, no Senegal, o CEAO pôde contatar o Instituto Funda-
mental da África Negra (IFAN) ou a Universidade de Dacar. Em Angola ou
Moçambique não havia institutos de educação ou pesquisa.
Outra questão refere-se à ausência de material bibliográfico redigido
em língua portuguesa. Na correspondência o diretor solicitava a todos
os seus interlocutores livros, revistas para a constituição de uma biblio-
teca do Centro na Bahia. Os materiais existentes sobre os continentes
em foco, além de parcos, não estavam redigidos em língua portugue-
sa. E mais, o esforço de fazer circular pelos países africanos diferentes
materiais e informações sobre o Brasil esbarrava nessa realidade: não
havia como trocar cartas entre estudantes do Brasil e Cabo Verde, uma

59
atividade secundarista proposta por Agostinho, se a maioria dos habitan-
tes desses e dos outros territórios coloniais não se expressavam nessa
língua, nem oral muito menos por escrito.
Para a projeção do Brasil em países africanos, interesse do CEAO,
havia que se estimular a produção de conhecimento sobre a África no
Brasil além de propiciar o ensino de língua e cultura portuguesa na-
quelas localidades. Desafios que o Centro se dispunha a enfrentar. Um
dos esforços do professor luso-brasileiro se concentrou no incentivo ao
estabelecimento de Centros de Estudos Brasileiros. Agostinho da Silva
estimulou a instalação deles em cidades como Lourenço Marques, atual
Maputo, em Moçambique, em Macau, na China, e em Lobito, Angola.
Mobilizava seus contatos, dialogava através da correspondência. No pri-
meiro Boletim Informativo de 1961, do CEAO, noticiou o surgimento de
um Centro de Estudos Brasileiros na Universidade de Sophia, em Tóquio,
Japão (Boletim Informativo, 15/01/1961, CEAO). Na correspondência do
Centro, noticiou a Wladimir Murtinho, chefe do Departamento Cultural
do Itamaraty, a existência do Centro de Estudos Brasileiros junto à Socie-
dade de Estudos de Moçambique, em Lourenço Marques (atual Maputo)
(Silva, 08/10/1959, CEAO). Ambas as articulações, que partiam de conta-
tos pessoais de Agostinho da Silva, sem apoio institucional ou financeiro,
não lograram qualquer êxito.
Havia interesse de intelectuais instalados nesses países, a exemplo da
professora Maria Conceição Nobre, que tentou instalar e até anunciou
um Núcleo de Estudos Angolano-brasileiros em Lobito, Angola. Havia
entusiasmo, mas era muito difícil concretizar tal projeto. A principal bar-
reira era a falta de autonomia política que esses territórios enfrentavam.
Nobre insistiu, mandou alguns livros, mas não conseguiu vir ao Brasil ou
mandar estudantes angolanos para realizar curso técnico ou superior,
sua principal intenção ao tentar um intercâmbio através do CEAO.
Agostinho da Silva deixou evidente desde o início que era necessário
que todo esse movimento em favor de uma aproximação com o conti-

60
nente africano fosse uma política do estado nacional. Somente com o
aparato estatal seria possível reunir os esforços necessários para efeti-
vamente estabelecer vínculos com os países (Ver Ferreira, 2010). A partir
de 1961 com um novo governo e nova proposta de política externa, as
ações do CEAO teriam nova dinâmica. Jânio Quadros, como chefe da na-
ção, apresentou uma proposta de aproximação diplomática com a África.
Tratava-se de uma demanda da Política Externa Independente (PEI) que
respondia à reordenação mundial e buscava nova inserção para o Brasil.
O presidente afirmou o anticolonialismo e sublinhou que envidaria es-
forços para que todos os povos atingissem sua independência (Sombra
Saraiva, 1996).
Jânio Quadros teve um governo marcado por polêmicas, uma vez
que promoveu uma política interna com medidas consideradas risíveis
(Skidimore, 2010, p. 239) e uma política externa inovadora (Vizentini,
1998, p. 22). A Política Externa Independente era uma tentativa de mul-
tilateralização da economia brasileira, buscando outros países, a incluir
o leste europeu. Apoiava-se “na autodeterminação, a não-intervenção
nos assuntos internos de outras nações, uma política de paz, desarma-
mento e coexistência pacífica” (idem). Sua implementação objetivava
uma política externa mais sintonizada com o desenvolvimento nacional
que, mesmo não desfazendo o tradicional alinhamento com os Estados
Unidos, intentava, ao aproximar-se dos povos do sul, construir espaços
de autonomia. Mesmo sem intenção declarada, o Brasil acabou por con-
frontar-se com os Estados Unidos devido à aproximação com Cuba e paí-
ses socialistas na África e Ásia (idem).
Ante a essa proposição, o trabalho de Agostinho da Silva no CEAO ga-
nhou algum destaque. Uma referência a sua atuação na UFBA já havia sido
feita no livro de Bezerra de Menezes, publicado em 1960, quando citou o
“erudito professor”, um dos “brasileiros de visão”(Bezerra de Menezes,
1960, p. 27-28). E antes mesmo do pronunciamento do governo em relação
à política africana, feito em março de 1961, o nome do CEAO foi referido em

61
pronunciamento feito pelo chefe da Divisão Cultural do Itamaraty, o conse-
lheiro Wladimir Murtinho, quando noticiou as ideias para a aproximação
com o continente (Reis, 2010, p. 85). Agostinho respondeu de imediato.
Desde então, uma correspondência se estabeleceu entre ambos. Outro in-
terlocutor foi o secretário da presidência, José Aparecido de Oliveira (idem).
A partir da correspondência depositada no CEAO, referente ao pri-
meiro semestre de 1961, conclui-se que Agostinho da Silva participou
ativamente das discussões que delinearam as ações de natureza cultural
e acadêmica para estabelecimento de ligações com países do continente
africano. Sua participação foi registrada no grupo de trabalho do Itama-
raty responsável por estudar ações para efetivar a aproximação entre
Brasil e África (Silva, 10/05/1961, CEAO). Algumas ações foram delinea-
das com destaque ao âmbito cultural e educacional

1. Redação da minuta de acordo cultural com o Senegal, acor-


do este a adaptar a outros países; por ele se cria uma cadeira
de estudos brasileiros na universidade de Dacar; quatro ca-
deiras de ensino secundário; um Serviço de intercâmbio de
informações científicas; bolsas de estudo para africanos aqui
e pós-graduados em África; ida anual de dois professores nos-
sos interessados em política, antropologia ou ciências, inclu-
sive a linguística; estabelecimentos de programa de rádio. 2.
Estabelecimento de um plano de estudos oceanográficos em
geral para o Atlântico Sul com a colaboração de nossas esta-
ções e das estações africanas. 3. Ida do navio-escola “Custódio
de Melo” transformando em Centro Cultural Brasileiro para
um Périplo da África. (...) 6. Quanto ao meu nobre Amigo [Vi-
valdo], o Itamaraty lhe atribuiu subsídio de Leitor desde ja-
neiro do ano corrente e espera comunicação sua de trabalhos
efetuados etc. (Silva, 10/05/1961), CEAO).

O diretor do CEAO ampliava e incluía ações que já eram desenvolvidas


através do Centro, como os estudos brasileiros em Dacar, desenvolvidos

62
por Pedro Maia e por Vivaldo da Costa Lima em Ibadan. Sua pretensão
maior era que o Centro fosse vinculado e subsidiado pelo Itamaraty de
modo que todas as suas ações custosas, como o deslocamento de pes-
quisadores para a África, fossem amparadas. À época, seu desejo pare-
cia se concretizar quando narrou, como resultado de sua intervenção,
a criação do Instituto Brasileiro de Estudos Afro-Asiáticos, o IBEAA, com
departamentos econômico, político e cultural. Sendo o último departa-
mento a cargo do CEAO. O IBEAA surgiu em abril de 1961 e tinha a função
de aproximar a academia e o Itamaraty para o planejamento das ações
(Conceição, 1991). Contudo, para total frustração de Agostinho, não foi
ele o escolhido para sua chefia, mas o crítico literário Eduardo Portella,
baiano estabelecido no Rio de Janeiro que havia publicado críticas em
favor da aproximação brasileira com a África (Portella, 1961).
A principal deliberação da política africana janista foi a criação de
embaixadas no continente africano. A primeira foi instalada em Acra
em 1961 e teve o escritor e jornalista negro Raymundo de Souza Dantas
como embaixador. Depois foram instaladas embaixadas brasileiras nas
cidades de Dacar e Lagos. Do mesmo modo que o governo de Quadros
inseriu Agostinho nos trabalhos em prol das relações Brasil-África, um
professor que não tinha relações anteriores com a diplomacia, também
deu oportunidade a pessoas sem carreira para ocupar cargos nas embai-
xadas em instalação (Dávila, 2011, p. 59).
Se Agostinho não foi contemplado inicialmente, os dois professores
que atuavam no continente o foram. Maia foi adido cultural em Dacar
e Vivaldo atuou como adido cultural em Acra. Das propostas para dina-
mizar o intercâmbio acadêmico, o CEAO ficou responsável por acolher e
ministrar cursos preparatórios de língua portuguesa para os estudantes
africanos que vieram de diferentes países e posteriormente realizariam
cursos superiores no país.
Contudo as deliberações para a África tiveram de ser realizadas sem
seu principal entusiasta, o presidente Quadros, que renunciou ao cargo

63
no segundo semestre de 1961. Em seu lugar assumiu o vice João Goulart.
A política africana foi mantida até 1964, com grande descontinuidade. A
constante troca de funcionários no Ministério das Relações Exteriores,
por exemplo, foi um dos fatores que contribuíram para isso. A experiên-
cia dos leitores do CEAO nos países africanos entre 1961 e 1963 revelou
como essa política internacional se desenvolveu na prática em meio a
imensas dificuldades (Reis, 2010, p. 172-193). Na UFBA, com a saída de
Edgard Santos da reitoria, o CEAO também perdeu espaço. Restou ne-
gociar com o novo reitor, Albérico Fraga, a continuidade das ações de-
senvolvidas e cobrar do Itamaraty a realização do intercâmbio acertado.
Agostinho da Silva esteve na direção do CEAO até dezembro de 1961.
A narrativa da experiência das duas turmas de estudantes africa-
nos na UFBA, sob os cuidados do CEAO, chegados em fins de 1961 e
de 1962, revelou quão difícil efetivar um intercâmbio quando as ins-
tituições brasileiras não se mostraram efetivamente interessadas no
acolhimento e sucesso da empreitada. Maia e Costa Lima foram os
responsáveis por reunir e embarcar os estudantes em meio à falta de
informações e descumprimento de prazos do Itamaraty. E Waldir Oli-
veira, novo diretor do CEAO, foi responsável por recebê-los e organizar
os cursos. As bolsas brasileiras foram concedidas quase que direta-
mente aos interessados, alunos de Maia ou Costa Lima. Isso causou
estranheza ao ministério da Educação de Gana que liberou os estu-
dantes somente com o aval do presidente da república. Esse formato
de concessão de bolsas dava a impressão de tratar-se de um prêmio a
particulares e não uma política educacional do Estado brasileiro, como
de fato assim não se configurou.
Diretamente enviados para Salvador, os estudantes realizaram o cur-
so intensivo de três meses de língua portuguesa e em seguida puderam
optar entre universidades brasileiras, sendo estimulados a continuar em
Salvador. Os que ficaram na capital baiana experimentaram as dificulda-
des para manterem-se matriculados nos cursos e o racismo da sociedade

64
brasileira. Reclamaram igualmente da falta de assistência do Itamaraty
que não garantiu bolsa ao fim do curso de português.
A diversidade do grupo, em especial dos estudantes enviados do
Senegal, trouxe ao Brasil representantes de países da África propo-
sitadamente silenciados no governo brasileiro, em especial os países
ainda sob colonização portuguesa, como Guiné-Bissau e Cabo Verde.
A ofensiva brasileira se afirmava anticolonial, mas priorizou relações
com países independentes. A imprensa baiana circulou notícias sobre
o desamparo do Itamaraty e denúncias da opressão colonial portugue-
sa, estas últimas feitas pelo estudante guineense Fidelis Cabral D’Al-
mada (Diário de Notícias, 10/11/1961, CEAO; Visão, 12/01/1962, CEAO).
O CEAO não endossou nenhuma das questões e buscou enfatizar os
laços culturais que uniriam baianos e nigerianos através da religiosi-
dade (Diário de Notícias, 24/11/1961, CEAO). Embora se movesse num
terreno da política internacional, o Centro ressaltava apenas ligações
culturais entre Brasil e África, como se essas múltiplas dimensões não
estivessem inevitavelmente imbricadas.

Uma sede para a cultura africana na Bahia


Instalar um museu era um intento particular de Agostinho com a cria-
ção do CEAO. Seu interesse era constituir um grande museu didático que
dispusesse de uma sala para cada país onde objetos de arte, artesanato,
moedas, tecidos e outros elementos da cultura material fizessem cada lu-
gar conhecido do público baiano. Para tanto, pensou em instalar a sede
do CEAO no forte de Santa Maria da Barra. O local situado às margens
da praia da Barra em Salvador, além de ser um prédio marcado pela
imponência da arquitetura colonial portuguesa, estava de “frente para
o Atlântico Sul” o que refletiria a intenção maior do Centro: ligar-se aos
territórios banhados por esse mar (Silva, 31/12/1959, CEAO).

65
A correspondência emitida por Agostinho da Silva, entre os anos de
1959 e 1960, registra a solicitação de objetos a seus diversos interlo-
cutores para compor um acervo. Seu interesse residia em “fotografias,
quadros estatísticos de produção, trajos regionais, qualquer espécie de
arte popular, selos, moedas, receitas de cozinha, etc” (Silva, 06/10/1959,
CEAO). Como tem sido salientado ao longo deste capítulo, Agostinho nu-
tria um carinho especial aos territórios colonizados pelos portugueses.
Isso se refletia na insistência para que esses países fossem representa-
dos no acervo. A função didática que o diretor atribuía ao acervo pode
ser compreendida a partir de uma atividade que foi realizada na cidade
de Feira de Santana, vizinha a Salvador:

Ficou resolvido que se faria uma exposição das fotografias e


mapas de Cabo Verde, quanto à paisagem, tipos humanos,
habitações, produção, etc; outra exposição de gravuras,
desenhos ou pintura de artistas; uma audição de música
gravada; um recital de poesia caboverdiana; uma pequena
amostra de selos e moedas de Cabo Verde; e que finalmen-
te se solicitaria uma lista de alunos de cursos primários e
secundários, inclusive Curso Normal, que pretendessem
corresponder-se com alunos de Feira de Santana. (Silva.
13/04/1960, CEAO)

Após o acerto para a realização das atividades, o diretor do CEAO


escreveu para autoridades portuguesas a descrever as atividades que
buscavam estabelecer troca de informações entre Brasil e Cabo Verde
e solicitar apoio. Tratava-se de pessoas do alto escalão português: Ma-
nuel Correia Henriques, adjunto do Gerente Geral do Ultramar (Silva,
17/04/1960, CEAO) e Adriano Moreira, diretor do Instituto Superior de
Estudos Ultramarinos (Silva, 18/04/1960, CEAO). Em ambas as cartas, o
destaque de que a exposição programada estava organizada “segundo
um critério especialmente didático” (idem).

66
O objetivo em reunir e expor materiais da arte e do cotidiano de po-
vos dos países africanos e asiáticos consistia em divulgar a existência, dar
conhecimento dos mesmos na Bahia. Ao destacar seu “critério didático”,
o autor da proposta o faz em detrimento do critério político. Assim não
problematizaria as questões de subordinação ou autonomia política que
marcaram os territórios coloniais aquela década. O interessante é que
Agostinho redigia para pessoas que ocupavam cargos de chefia no go-
verno colonial português. Será que tentava sensibilizar com atividades
aparentemente tão ingênuas?
Um estado que não permita autonomia alguma para seus territórios
coloniais, nem política, educacional ou econômica, fundado em critérios
de subordinação racial não poderia apoiar sequer as atividades de Agos-
tinho. Essas atividades sugeriam o reconhecimento de especificidades
entre os diferentes territórios africanos e propunha troca de contatos e
informações entre as pessoas. O diretor do CEAO propunha atividades de
limitadíssimo impacto para o estado colonial e este, por sua vez, insistia
num completo isolamento e subordinação dos povos africanos. Somente
uma mobilização revolucionária, que seria empreendida anos depois,
conseguiria dar fim àquela ordem colonial (Bittencourt, 1999).
Do mesmo modo que Agostinho buscava qualquer apoio do Estado
português para o desenvolvimento de atividades didáticas, buscou apoio
de alto funcionário daquele governo para o estabelecimento de um museu
em Salvador. A ideia de estabelecer o museu na Bahia foi, pelo menos,
inspirada na mostra realizada pelo Museu do Dundo em Salvador, durante
o IV Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros. Tão logo iniciaram
as atividades do CEAO, Agostinho trocou correspondência com o coman-
dante Ernesto de Vilhena, presidente da Companhia de Diamantes de An-
gola (DIAMANG), tecendo elogios à exposição e a ação da Companhia.

[...] a alta qualidade do material exposto, a técnica de mostrar,


o valor cultural deste empreendimento da Companhia [...]

67
a exposição do museu do Dundo aqui efetuada durante o IV
Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, constituiu
certamente o êxito marcante de todas as exposições. Embora
o local da instalação não fosse de modo a suscitar grande in-
teresse em massa, o número de visitantes foi muito louvável e
em todos eles despert[ou] a exposição não só o interesse pela
arte e condições de vida dos povos da Lunda, como também
pela obra cultural e humana que a Companhia está levando a
cabo. (Silva, 09/09/1959, CEAO)

Vilhena e Agostinho mantiveram um diálogo com a intenção de estabe-


lecer uma sala daquele museu na Bahia, mas a correspondência arrefeceu,
aparentemente, por falta de um espaço físico adequado. O primeiro esfor-
ço de Agostinho da Silva em estabelecer o museu, uma sala de exposição
no Centro de Estudos, mobilizou uma pessoa responsável por um grande
empreendimento colonial reconhecido pela exploração que promovia em
Angola. O português Ernesto Jardim Vilhena era um capitão de fragata da
reserva que exerceu diversos cargos administrativos nas colônias (Castelo,
1998, p. 156)8. Pela exploração realizada através da DIAMANG, “uma das
grandes empresas capitalistas instaladas na África”, recebeu duras críticas
de Gilberto Freyre que o acusou de dirigir um sistema que não era portu-
guês “prejudicado, como se acha, por um racismo que é de origem belga
e por um excesso de autoritarismo que é também exótico [...]” (Castelo,
1998, p. 93). E mais, Freyre observou que o interesse dessas e outras com-
panhias ou empresas que operavam na África

talvez seja para reduzir as culturas indígenas a puro material


de museu. Os indígenas vivos interessam-lhes quase exclusi-
vamente como elementos de trabalho, tanto melhores quanto

8 
Vilhena foi também governador de Lourenço Marques (1911-13). Além da DIAMANG,
atuava em casas bancárias (Ver CASTELO, 1998).

68
mais desenraizados das suas culturas maternas e mecanizados
em técnicos, operários e substitutos de animais de carga. (Cas-
telo, 1998, p. 93-94)

Essa crítica foi publicada por Freyre em 1954 no livro Aventura e Rotina
que redigiu após viagens realizadas entre Portugal e os países africanos
sob colonização, entre agosto de 1951 e fevereiro de 1952. Sob o patrocí-
nio do governo salazarista, seu objetivo foi verificar a obra colonizadora
dos portugueses na África, ao que concluiu ser “ativa e fecunda” (Castelo,
1998, p. 89-91). Cláudia Castelo, ao analisar a estruturação e recepção
da doutrina luso tropicalista freyriana pelos portugueses, observou que
a contra argumentação que Vilhena fez a esse texto assemelhava-se a ar-
gumentos apresentados por Marcelo Caetano. Para a autora, ambos não
aceitavam a mestiçagem biológica e a reciprocidade cultural e, imbuídos
em uma lógica racista, viam os negros como inferiores aos brancos (ibi-
dem, p. 94-95).
A produção e a exposição de objetos de arte pela Companhia, que
tanto encantaram Agostinho, eram ações que se apropriavam da arte
em proveito da própria Companhia como expôs a professora Conceição
Nobre. No diálogo com Agostinho da Silva, um ano depois, a professora
explicitou a falta de valor que os brancos atribuíam à cultura dos pretos
em Angola e a dificuldade em obter os objetos de arte de Lunda, cuja
escola, por ser explorada pela DIAMANG, produzia objetos caros (Nobre,
31/08/1960, CEAO).
Longe de valorizar os produtores daqueles bens, a empresa colonial
obtinha lucros com os objetos de arte produzidos em contexto de com-
pleta subordinação que não resultava em nenhum ganho material ou
simbólico para os produtores. O interessante é que Freyre, na citação
anterior, apresenta crítica exatamente ao museu da DIAMANG, cuja ação
associava a algo que colocava os povos num espectro de passado e de
imobilidade, desassociando-os das necessidades reais e prementes.

69
As concepções em torno da arte e cultura africana estiveram intrin-
secamente ligadas às concepções do que era África e africanos. O pen-
samento colonial, apoiado nas teorias raciais do século XIX, não atribuía
valor aos africanos, enquanto humanos, nem aos objetos de arte ou cul-
tura material por eles produzidos. Uma expressão desse pensamento foi
anunciada por Vilhena, para o qual, a cultura africana era estagnada e
somente pela ação do branco podia conservar-se e aperfeiçoar-se (Cas-
telo, 1998, p. 94). Esta acepção coaduna com os estereótipos associados
aos africanos vigentes na primeira metade do século XX, sintetizados na
argumentação de Marcelo Caetano: “grande bebedor, ancestralmente
indolente, incapaz de valorizar a si e a terra que habita há milênios” (ibi-
dem, p. 95).
O desmoronamento dos impérios coloniais arrastava consigo a prin-
cipal justificativa que os embasava, ou seja, a ideia de ausência de civili-
zação. Até então África e africanos eram considerados povos sem história
(Ki Zerbo, s/d). O exotismo era a palavra-chave para explicar todo o con-
tinente. A partir do conceito de raça, que entendia haver diferentes raças
humanas, cada uma com características físicas e morais, a raça negra
estava para o continente africano assim como a preguiça, o tribalismo,
o fetichismo. Características que associavam África e africanos à selvage-
ria e falta de humanidade (Hernandez, 2008). Conforme lembra Maldo-
nado-Torres, o conhecimento que a Europa havia produzido, até então,
sobre a África basicamente vinha da antropologia interessada nas socie-
dades “primitivas” ou “pré-lógicas” as quais buscava colonizar. Assim, “a
antropologia se aproximava do “primitivo” como o passado decadente
da civilização moderna”. Esses estudos eram “guiados por uma filosofia
da história eurocêntrica, que as impedia de ver os não-europeus como
contemporâneos” (Maldonado-Torres, 2006, p. 111).
Agostinho da Silva, quando tentou instalar o Museu na Bahia, não pa-
recia querer reforçar todos esses estereótipos e compreensões limitadas
acerca dos povos africanos, mesmo referendando a criticada DIAMANG.

70
Sua intenção parece dialogar com o que Luis Rodolfo Vilhena discutiu
acerca do projeto folclórico brasileiro que tentou apresentar as mais di-
ferentes expressões do Brasil ainda sob um olhar autoritário e que não
problematizava suas condições de produção e manutenção. O formato
e concepção de recolha e registro das tradições as imobilizava (Vilhena,
1997). O diretor do CEAO intentava apresentar e valorizar aquela pro-
dução oriunda dos povos africanos e seu diferencial, em relação aos
portugueses das instituições colonizadoras, era o incentivo à inclusão de
africanos nesse intercâmbio. Pelo menos para o ensino de uma língua
banto, na qual residia o maior interesse de Agostinho, um professor era
procurado entre especialistas portugueses e também entre nativos “com
cultura suficiente” (Silva, 21/11/1959, CEAO).
O esforço de Agostinho para a instalação de um museu, a mobilizar
personalidades e instituições colonizadoras e também independentes,
não se materializaria naquele momento. Contudo, a importância que
atribuiu à construção de um espaço museológico reflete seu lugar de
pensamento. O diretor propunha uma ação com vistas à valorização
de povos africanos no Brasil, ensaiando o reconhecimento de maior
autonomia dos mesmos. O CEAO, portanto, naqueles idos iniciais de
1960, era um esforço contra as instituições coloniais, mas ainda mar-
cado pelas mesmas.
Durante a gestão de Agostinho, a ação de maior destaque foi a chega-
da de Lasebikan para o ensino de língua yorubá para o povo de santo no
Centro de Estudos. Esta ação assinala quão profícuas seriam as relações
entre os intelectuais do CEAO, o povo de santo e a cultura, religião yoru-
bá, que, a despeito do interesse principal de Agostinho pelos povos de
língua portuguesa, seriam decisivas para a manutenção do CEAO. Inclu-
sive para a instalação do museu duas décadas depois. A visão da Bahia
prevaleceria sobre o projeto luso-brasileiro de Agostinho. Com a saída do
primeiro diretor após cerca de dois anos de trabalho, caberia aos jovens
acadêmicos levar adiante o CEAO.

71
CAPÍTULO 2

UM PROJETO ACADÊMICO TRANSNACIONAL:


PESQUISADORES DO CEAO ENTRE A BAHIA
E A ÁFRICA OCIDENTAL

FIGURA 2 – Olga do Alaketo. OLGA, 2006

73
Em 2006, a TV UFBA fez um vídeo a homenagear Olga do Alaketo
publicado logo após seu falecimento (OLGA, 2016). Para falar sobre a
conhecida Iyalorixá do terreiro soteropolitano Ilê Maroiolaji foram con-
vidados, dentre outros interlocutores, ex-professores daquela universi-
dade que conheciam intimamente sua história: o antropólogo Vivaldo
da Costa Lima, a linguista e antropóloga Yêda Pessoa de Castro e o ba-
balorixá e antropólogo Júlio Santana Braga. O depoimento de cada um
apresentava considerações acerca do diferencial na história daquela
casa de axé. A frase de Pessoa de Castro dá título ao vídeo e demonstra
o tom das interlocuções: “Ela era uma princesa, realmente (...) a úni-
ca descendente de matriz africana no Brasil, praticante de religiosidade
afro-brasileira, comprovadamente de origem real” (idem). O Centro de
Estudos Afro-Orientais foi o espaço acadêmico no qual a pesquisa desses
e outros professores ganhou impulso no decorrer dos anos sessenta. Ao
investir num projeto para comprovar as ligações histórico-culturais en-
tre baianos e africanos, esses pesquisadores conheceram terreiros, fo-
ram ao continente africano, fizeram pesquisas, entrevistas, ministraram
cursos. Compartilharam interesses, expectativas, disputas num período
de intensas transformações na universidade. Experimentaram o fazer, o
amadurecimento e o estabelecimento profissional a partir de uma pers-
pectiva que pensava a história baiana lincada à história dos povos africa-
nos. Partilharam e renovaram o interesse pelos estudos afro-brasileiros
no país ao tempo em que buscaram comprovar quão africana era Salva-
dor. Construíram e foram construídos pelo CEAO.
Este capítulo apresenta e discute a trajetória desses pesquisadores
no Centro de Estudos Afro-Orientais ao longo da década de 1960.

O CEAO e a constituição de uma equipe de pesquisa


Vivaldo da Costa Lima, dentista. Waldir Freitas Oliveira, professor
de geografia da educação básica. Yêda Pessoa de Castro, professora de

74
letras da educação básica. Guilherme de Souza Castro, licenciado em
letras, funcionário dos Correios e Telégrafos. Júlio Santana Braga, estu-
dante e logo licenciado em filosofia. Esses diferentes profissionais foram
reunidos nos anos iniciais de 1960 no Centro de Estudos Afro-Orientais. A
pouca experiência nas diferentes especialidades não parecia empecilho
para George Agostinho da Silva, fundador e primeiro diretor do CEAO
(1959 -1961). Sua proposta de constituir um Centro de Estudos que pro-
movesse uma religação acadêmica e cultural entre Brasil e África carecia
de pessoas que dispusessem de interesse e ousadia. A ideia era investir
nessa especialidade, estudos relativos à África in loco, numa época ainda
marcada por grande distanciamento da Universidade baiana em relação
a esse tema (Bastide, 1945; Azevedo, 1996; Corrêa, 2001; Pereira, San-
sone, 2007).
O grupo restrito de professores que foi reunido no CEAO investiu em
pesquisa acadêmica no continente africano numa década marcada por
intensas transformações na Universidade Federal da Bahia bem como
no cenário mais amplo da política e cultura nacional. Em termos profis-
sionais, foi um período fundamental para que saíssem da condição de
iniciantes e se tornassem professores universitários com todas as impli-
cações que uma inserção desse porte requer.
Contudo, o projeto acadêmico e político de pesquisar na África para
discutir a presença africana na sociedade brasileira não arrefeceu pouco
mais de uma década depois com a obtenção dos títulos de mestrado e
doutorado ou a estabilidade profissional. O CEAO continuou a ser nas
décadas seguintes o espaço, dentro da universidade, a concentrar as dis-
cussões em torno das questões raciais e alvo do interesse dos pesquisa-
dores que o construiu mesmo experimentando períodos com maiores ou
menores dificuldades para realização de atividades. Desde o início dos
anos 1960 até meados dos anos 1990 houve a presença de professores
do grupo inicial de pesquisadores no CEAO a defender um projeto acadê-
mico comum, mesmo com diferentes enfoques.

75
Talvez todos os que responderam pelo CEAO, na condição de pes-
quisadores e gestores, ao longo de toda sua história, tinham em comum
o desafio de desenvolver atividades acadêmicas, a partir da UFBA, em
torno de duas palavras-chave: África e afrodescendentes. Contudo, o
grupo inicial foi marcado pelo projeto de um Centro de Estudos deli-
neado a partir da proposta de Agostinho da Silva e em meio a contextos
vários como a descolonização e política internacional do Brasil, produ-
ção de conhecimento acadêmico sobre África e afrodescendentes no
Brasil e em vários países e instituições acadêmicas da África, Europa e
Estados Unidos.
Na Bahia esses pesquisadores vivenciaram o surgimento e pujança
da UFBA, primeiro como estudantes e depois como pesquisadores. Vi-
venciaram também as alterações da estrutura universitária, limitação
de recursos, sucessão de reitores, alterações na política nacional e local,
mudança na produção e política cultural negra. Adentraram em terrei-
ros, fizeram viagens, produziram dados, textos, livros. Mas, sobretudo, o
que marca esse grupo no CEAO é o interesse e expectativa que nutriam
– ou foram levados a discutir – acerca do que haveria de africano na
cultura soteropolitana. Fizeram coro aos que denominaram Salvador a
“Roma negra”: se dispuseram a argumentar e comprovar por que essa
cidade seria a mais africana do Brasil9.
A equipe inicial do CEAO foi articulada no IV Congresso Internacional
de Estudos Luso-Brasileiros uma vez que a envergadura do evento requi-
sitou a participação de diversos professores e alunos da UFBA especial-
mente das áreas de línguas e humanidades. Waldir Oliveira participou
como secretário da sessão I - O meio e o homem na qual Agostinho da Silva

Édison Carneiro creditou à mãe Aninha a referência à cidade de Salvador como a Roma
9 

Negra. Ver CARNEIRO, 1937. Vivaldo da Costa Lima explicou que a expressão surgiu de
uma conversa entre a Iyalorixá Mãe Aninha e a antropóloga Ruth Landes. Ver Correio da
Bahia, 10/03/2004, FPV.

76
atuou como relator. Neste mesmo dia, Agostinho relatou a comunicação
enviada pelo professor Nelson Rossi10 e Yêda Pessoa de Castro, que fa-
zia parte de sua equipe de pesquisadores (Rodrigues, 2000, p. 357-367).
Deste modo, Agostinho teve oportunidade de ler, relatar e comentar um
texto dos participantes oriundos da UFBA. Pedro Maia foi secretário e
expositor na sessão II – Literatura.
Vivaldo da Costa Lima, consultor da equipe do Laboratório de Foné-
tica, também participou do colóquio a enviar um trabalho sob orienta-
ção de Rossi. As considerações foram relatadas pelo professor Révoh
que propôs o ensino da língua yorubá na Universidade da Bahia (Costa
Lima, 01/11/1959, CEAO). A comunicação de Agostinho da Silva foi en-
viada à sessão V – Problemas africanos de interesse luso-brasileiro. Na-
queles dias de agosto de 1959, Agostinho da Silva pôde conhecer qual
a produção da universidade e verificar que havia interessados locais
pelos estudos africanos.
A narrativa de Waldir Oliveira, em depoimentos e entrevistas que se
referem à sua experiência no CEAO, não deixa de enfatizar o diálogo que
manteve com Agostinho durante o Colóquio, sobre a proposta de cria-
ção do Centro de Estudos na UFBA. Se Agostinho aproveitou a realização
do evento para articular contatos, Oliveira certamente não foi o único a
compartilhar das ideias do professor português naquela oportunidade.
Mesmo tendo conversado com Agostinho em agosto de 1959, a presença
efetiva de Oliveira nas dependências do CEAO se deu em 1961 quando
foi liberado pela secretaria de educação do estado (Silva, 25/03/1961,
CEAO). Em 20 de abril, assinou suas primeiras correspondências pelo
CEAO como chefe do setor de informação e intercâmbio (Oliveira,
20/04/1961, CEAO). Naquele ano, Oliveira possuía formação em direito
(1950) e em geografia/história (1955) ambas pela UFBA, e uma licença

10 
Nelson Rossi foi o diretor do Laboratório de Fonética da UFBA.

77
em geografia humana e econômica, pela faculdade de letras da Universi-
dade de Strasbourg, na França (1959).
A maneira particular que Agostinho tinha de conversar e convencer
as pessoas a adentrar no projeto articulado na UFBA é sempre destacada
nos depoimentos. Com Oliveira, ele tomou o bonde no retorno para casa
de modo a lhe explicar melhor a ideia que nutria (Oliveira, 2004b). Já em
relação a Vivaldo da Costa Lima, seu depoimento enfatiza o extraordiná-
rio que constituía a proposta feita pelo professor português: viajar para
a África em poucos dias. O antropólogo manteve conversa com Agosti-
nho da Silva durante o Colóquio. Através da correspondência do CEAO,
Agostinho divulgou a Costa Lima o primeiro curso de línguas, em outubro
de 1959 (Silva, 27/10/1959, CEAO). Em novembro, Costa Lima respon-
deu com um plano de trabalho para o Centro de Estudos (Costa Lima,
01/11/1959, CEAO). Em dezembro, a proposta de viagem. Vivaldo foi
visitá-lo, em Itapuã, e recebeu o convite para embarcar em quinze dias.
Em 1959, Vivaldo da Costa Lima já havia concluído o curso de odonto-
logia, se matriculado num curso de especialização na área em São Paulo,
experimentado a profissão e desistido. Não ingressou em novo curso
universitário. Optou por retornar a Salvador para estudos informais e vi-
vência nos terreiros11. Entrosado com professores da UFBA, participou de
uma exposição em São Paulo a convite de Martim Gonçalves, diretor da
Escola de Teatro, a expor objetos religiosos afro-brasileiros (Costa Lima,
01/11/1959, CEAO). A oportunidade que o diretor do CEAO lhe dava com
uma viagem de pesquisa à Nigéria vinha ao encontro de suas expecta-
tivas em torno do interesse acadêmico pelas “casas de santo” além de
um lugar formal dentro da universidade. Costa Lima partiu nos últimos
dias de dezembro rumo a Ibadan e conforme destacou, foi “o primeiro

O fato de Lima investir em estudos antropológicos sem a graduação na área é um


11 

elemento de tensão em sua trajetória de modo que chegava a afirmar que possuía tal
graduação (COSTA LIMA, 2004; 2005).

78
pesquisador” a se juntar ao CEAO e “primeiro professor da UFBA a ir pra
África” (Costa Lima, 2004).
Yêda Pessoa de Castro chegou ao CEAO em 1961 junto com Guilher-
me de Souza Castro, então casados. Yêda havia sido aluna de Rossi, no
Instituto de Fonética. Formada em letras anglo-germânicas (1958), ensi-
nava língua portuguesa no Instituto Isaías Alves. Guilherme, por sua vez,
tinha formação em letras e era funcionário dos Correios e Telégrafos. A
correspondência do Centro de Estudos evidencia a cobrança de Agos-
tinho da Silva para que Guilherme, com a aquiescência do presidente
Jânio Quadros, fosse colocado à disposição do emprego, para “receber
o treinamento necessário para o cargo a desempenhar na África” (Silva,
24/05/1961, CEAO). Ao secretário de Educação foi solicitada a licença de
Yêda, em 12 de junho de 1961. Em meados daquele ano, ambos estavam
disponíveis para o CEAO, mesmo que não soubessem exatamente quais
funções desempenhariam na instituição (Castro, 02/08/1961, CEAO).
Esses foram quatro dos selecionados e acolhidos por Agostinho da
Silva que ocupariam espaços de destaque no Centro de Estudos e para
tanto conformam um grupo de acadêmicos baianos que têm suas his-
tórias atreladas à história da instituição. Júlio Santana Braga também
chegou ao CEAO nos anos iniciais e tem sua trajetória acadêmica atre-
lada ao Centro. Estudante da Faculdade de Filosofia, Braga faz parte da
história do Centro de Estudos desde 1962 quando passou a auxiliar a
pesquisa desenvolvida por Costa Lima. Ao considerar essa diferente
inserção institucional e temporal, inicialmente estudante enquanto os
outros eram professores, Braga pode ser considerado nesta pesquisa
como discípulo e, depois, um contemporâneo dos outros professores
elencados uma vez que também enveredou na pesquisa e especializa-
ção dos temas alvo do Centro.
Dois outros professores foram igualmente recrutados pelo professor
português e descreveram trajetórias diferenciadas: o professor de língua
portuguesa da UFBA, Pedro Moacir Maia, e o professor de história do

79
Colégio Central, Paulo Fernando de Moraes Farias. O primeiro aceitou
o convite para ensinar língua portuguesa na Universidade de Dacar, em
1961, e acumulou a função de adido cultural à embaixada brasileira na-
quela cidade por quase uma década. O segundo enveredou pelos estu-
dos africanos no CEAO e fez cursos, pesquisa de campo e deu aulas em
países da costa ocidental africana. Por motivos diferentes, ambos passa-
ram longos anos afastados do Brasil. Suas respectivas trajetórias no con-
tinente africano, e as redes que mantiveram com o Centro de Estudos,
serão analisadas em detalhe nos capítulos seguintes.
Na sede do CEAO, primeiro em salas do subsolo da reitoria, depois
numa casa próxima no bairro Garcia12, os setores de trabalho iam surgin-
do conforme os novos colaboradores. Primeiro o setor de informações
sob a responsabilidade do jornalista Nelson de Araújo que publicou o
Boletim de Informações do CEAO que incluía a coluna África e Ásia, com
edições em português e inglês, em 1960 e 196113. Divulgar informações
era proposta do CEAO. Climério Joaquim Ferreira, bibliotecário, assumiu
esse setor em 1962 e passou a publicar um Boletim Bibliográfico com in-
formações detalhadas acerca do material disponível para consulta. Com
o grande número de livros e revistas especializados disponíveis, o CEAO
criou uma biblioteca franqueada a interessados.
O setor de cursos ficou sob a responsabilidade de Marita Frank já
que o Centro oferecia cursos de línguas: hebraico, japonês, yorubá. Esses
cursos de extensão tornaram-se uma marca na instituição. O setor de
estudos sociológicos e etnológicos ficou a cargo de Vivaldo da Costa Lima,

12 
O CEAO instalou sua sede num sobrado na Avenida Leovigildo Filgueiras, 69, no bairro
do Garcia, em 02/07/1961. Permaneceu neste endereço até dezembro de 1994.
13 
Este Boletim de Informações teve versões em português e inglês, era mimeografado e foi
distribuído na correspondência do Centro. No acervo do CEAO foram encontrados os nú-
meros 6, 7, 8, 11, 12 e 13 em português e os números 3, 4 e 5 em inglês. Todos publicados
em 1961. A coluna África e Ásia presente nos três primeiros números do Boletim também
era publicada do Diário de Notícias.

80
em 1960. Anos depois, juntou-se a ele Júlio Braga. O setor de informação
e intercâmbio, sob os cuidados de Waldir Oliveira, surgiu em 1961. Ao as-
sumir a direção do CEAO, esse setor ficou a cargo de Fernando da Rocha
Peres14. Em 1962, surgia o setor de estudos linguísticos sob a organização
de Guilherme Castro e colaboração de Yêda Pessoa de Castro. O setor de
História surgiu em 1963 com Paulo Farias logo ocupado por Johildo Lopes
de Athayde e Marli Geralda Teixeira.
Houve secretárias e bibliotecárias: Cira, Marita Frank, Iêda Macha-
do, Eliana Barbosa. A organização do Centro em setores de atividades
evidencia quais atividades empenhava-se em realizar: divulgação de in-
formações a um público mais amplo; atividades de extensão universitá-
ria através de cursos e palestras; realização de pesquisas no âmbito das
ciências humanas e sociais. O Centro contou com diversos colaboradores
como o poeta e crítico teatral Carlos Falck e o jornalista Flávio Costa, que
auxiliavam na divulgação das atividades do CEAO com notas jornalísticas.
O artista polivalente Lênio Braga Brasil criou a capa das primeiras edi-
ções de Afro-Ásia15. A professora de geografia Teresinha Pena de Carvalho
auxiliou na confecção de mapas e realização dos cursos de geografia afri-
cana implementados junto com os cursos de História da África no CEAO
em 1965.

As viagens à África ocidental e as condições de produção


“Agostinho realmente revolucionou a metodologia entre nós. Porque
nós éramos muito livrescos àquele tempo. Foi ele quem nos deu a pos-
sibilidade de fazer pesquisa de campo” (Costa Lima, 2004). Com tais pa-

14 
Fernando da Rocha Peres foi um jovem colaborador do Centro de Estudos a partir
do qual organizou seu trabalho acerca de Gregório de Matos e a guerra em Angola com
pesquisa em Portugal e publicação na Afro-Ásia (PERES, 1967; PESSOA DE CASTRO, s/d).
15 
Pintor, desenhista, ilustrador, publicitário, gráfico e fotógrafo.

81
lavras, Vivaldo da Costa Lima apresentou o diferencial metodológico que
a proposta de viajar e pesquisar diretamente no continente africano re-
presentou naqueles idos de 1959. Se a África, através dos traços culturais
mantidos no Brasil, já era alvo de sua pesquisa em Salvador, conhecê-la
pessoalmente tinha muito de extraordinário. Sobretudo porque, exceto
para o grupo aqui apresentado bem restrito de interessados nas relações
da Bahia com a África, ainda era vigente na sociedade a ideia que os in-
tensos laços construídos durante a vigência do período escravista haviam
se rompido.
Conhecer países africanos era uma proposta animada pelo intercâm-
bio que Pierre Verger realizava pessoalmente, desde 1949, entre a busca
e análise de documentos para a pesquisa acadêmica e a vivência religiosa
no interior do Daomé (atual Benin). Sua pesquisa abordava as relações
comerciais escravistas entre a Bahia e o Golfo do Benin junto a seu traba-
lho fotográfico e experiência religiosa que evidenciava a manutenção de
tradições culturais de um lado e outro do Atlântico (Verger, 1966; 1987;
Lühning, 1998-1999). Proposta aceita, Costa Lima passou cerca de um
semestre na Nigéria retornando em meados de 1960. Embarcou nova-
mente ao final de 1960 tendo permanecido entre Nigéria, Gana e Daomé
até o início de 1963.
A documentação consultada não revela qualquer informação sobre a
emissão de passagens para as duas partidas do professor. As viagens de
Vivaldo, assim como a de Pedro Maia para Dacar, haviam sido decididas
durante o reitorado de Edgard Santos. O reitor, conhecido pelos investi-
mentos no campo artístico e cultural, não se oporia a tamanha realização
uma vez que era um dos maiores entusiastas do Centro, pode-se dizer
uma realização também sua. Vivaldo, então com 34 anos, não era casado
ou possuía filhos de modo que embarcou para a pesquisa no exterior
sem data afixada para retorno.
Condição diferente foi vivenciada por Yêda Pessoa de Castro e Gui-
lherme de Souza Castro. Liberados de suas respectivas funções para esta-

82
rem à disposição do CEAO em junho de 1961, às vésperas de momentos
de incerteza resultantes da não recondução de Edgard Santos à reitoria,
em julho, e a renúncia inesperada do presidente da república, Jânio Qua-
dros. O primeiro era apoiador das atividades do Centro e o segundo ha-
via estabelecido ações para a aproximação com o continente africano nas
quais Agostinho da Silva tentava inserir os pesquisadores baianos. Em
meio à situação, as passagens para os pesquisadores só foram custeadas
pela reitoria após longo período de insistência e negociação, em janeiro
de 1962, seis meses após o pedido. Naquele momento, o semestre letivo
na Universidade de Ibadan, que tem um cronograma letivo diferente do
brasileiro, já estava no final. Ou seja, a viagem dos professores ocorreu
num momento em que não havia garantias de hospedagem pela univer-
sidade que deveria sido acertada e confirmada antes do início do semes-
tre letivo, iniciado em outubro de 1961.
Uma série de impasses, desde a chegada dos Castros em Gana, onde
aguardaram Vivaldo por dez dias, passando pela chegada a Ibadan, na
qual descobriram não ter acomodação ou aulas garantidas, até o esta-
belecimento na Universidade da Ifé, foram interpretados de diferentes
maneiras pelos pesquisadores do CEAO: Guilherme, Waldir e Vivaldo. Os
dois primeiros pensaram em falta de cooperação daquela universidade
para com o Brasil. O terceiro entendeu que a ausência de confirmação
sobre a ida dos professores causou todos os mal-entendidos e constran-
gimentos que os professores experimentaram. A expectativa em torno
das passagens fez os pesquisadores embarcarem dois dias após a libera-
ção sem realizar as confirmações necessárias que resultou nessa chegada
marcada pela sensação de abandono tão bem documentada na corres-
pondência emitida por Guilherme Castro a Waldir Oliveira (Reis, 2011).
As condições de vida naqueles países estrangeiros eram bem diferen-
tes das condições que os pesquisadores viviam no Brasil. O primeiro im-
pacto era causado pelo custo de vida muito mais alto. Somava-se a isto o
vínculo precário com a universidade que não lhes garantia hospedagem

83
ou transporte sem custos. Para sobreviver, Guilherme Castro dispunha
do salário pago pela UFBA16 que, em função do valor crescente do dólar,
tinha de ser depositado com bastante antecedência, dificultando enor-
memente o repasse. Deste modo, ter dinheiro em mãos no exterior para
suprir as necessidades básicas era algo nem sempre possível.
Essas condições precárias eram motivo para a insistência de Agos-
tinho da Silva, através do CEAO, para que o governo brasileiro estabe-
lecesse uma política de aproximação com o continente. Assim poderia
haver apoio institucional para os pesquisadores. Com o anúncio da po-
lítica africana de Quadros, uma possibilidade, ainda que elementar, foi
a vinculação como leitores do governo brasileiro no exterior, para a rea-
lização de cursos livres. Como leitor, Costa Lima atuou na Universidade
de Ibadan (1961) e na Universidade de Gana (1961- 62) e Pedro Maia
na Universidade de Dacar (1961-1970), o que lhes garantiu uma quantia
mensal de 150 dólares pagos em lotes trimestrais. Guilherme Castro foi
vinculado como leitor da Universidade de Ifé (1962-63)17.
A referência a dinheiro, ou à falta dele, é constante na correspondên-
cia enviada pelos pesquisadores Costa Lima e Castro ao Centro embora
a ênfase fosse completamente diferente. Quando soube que poderia ser
leitor, já na Nigéria, Costa Lima especulou que assim disporia de recurso
para a compra de um carro. Isso provavelmente aconteceu, dada a ne-
cessidade de grande circulação que mantinha pelos países, embora não
haja mais registro específico sobre o assunto.
Costa Lima referiu-se ainda a envios de dinheiro realizados pelo ir-
mão Sinval Lima, sempre com a recomendação que os valores deviam
subsidiar meses. Possivelmente Sinval acompanhava o pagamento do ir-

16 
Yêda Pessoa de Castro mantinha seu salário da Secretaria de Educação da Bahia cuja
licença tinha que ser periodicamente renovada (PESSOA DE CASTRO, 12/10/1962, CEAO).
17 
O repasse da UFBA, em 1961, era também de 150 dólares mensais (OLIVEIRA, 25/10/1961,
CEAO).

84
mão na Bahia garantindo o envio. Não se deve ficar com a impressão de
que Costa Lima não tinha dificuldades com dinheiro enquanto realizava
sua pesquisa. O fato é que ele, normalmente, não deixava esse ponto ser
a principal discussão de suas longas e constantes cartas18. O que parece
é que conseguia articular-se razoavelmente bem frente às condições di-
fíceis. Pesaria nessa postura um espírito aventureiro desse pesquisador,
uma organização financeira metódica, ou os repasses financeiros de seu
irmão eram mais robustos dada a melhor condição da família?
Leitor desde março de 1961, outra vinculação no continente prometia
melhorar suas condições: como adido cultural da embaixada brasileira
em Acra, Gana. Resultado de entendimentos de Agostinho da Silva com o
Ministério das Relações Exteriores, Costa Lima já dispunha de experiên-
cia naqueles países o suficiente para auxiliar o embaixador Raymundo
de Souza Dantas na primeira embaixada brasileira na África subsaariana.
Seria um cargo importante para o CEAO porque garantia a inserção de
um pesquisador de seu quadro num espaço importante para o proje-
to de incrementar as relações culturais entre o Brasil e países africanos.
Vale destacar que outros grupos de intelectuais no Brasil também dispu-
tavam o espaço aberto pelas ações governamentais.
Costa Lima mudou-se de Ibadan para Acra em outubro de 1961 e foi
compartilhar com Souza Dantas as dificuldades de instalar a embaixa-
da brasileira num destacado país africano frente a importantes contra-
dições políticas do governo brasileiro. Embora o Brasil afirmasse uma
política de aproximação com a África, tinha um posicionamento dúbio
em relação ao colonialismo português e mandou seu primeiro embaixa-
dor negro para a África, único entre todo o corpo diplomático brasileiro.

Exceto nos momentos finais no Daomé, cujo custo de vida era dobrado em relação à
18 

Gana, momento em que o reitor baiano Albérico Fraga ordenou o retorno (COSTA LIMA,
19/07/1962, CEAO).

85
O governo do estadista Kwame Nkrumah estava atento às articulações
brasileiras (Souza Dantas, 1965; 1982; Dávila, 2011).
Em Acra, Vivaldo vivenciou dificuldades materiais e políticas. Ao
chegar, encontrou o caso dos estudantes angolanos que, refugiados
naquela cidade, solicitavam bolsas de estudo no Brasil. A situação,
embora tratada como confidencial, evidenciou que a ação brasileira
no continente era limitada: afirmava anticolonialismo, mas fechava os
olhos para a guerra colonial angolana (Reis, 2010, p. 106-111). Pos-
sivelmente foi este um motivo importante para que Costa Lima não
fosse credenciado como adido. Sua ação foi ampla e de grande valia
para Souza Dantas, mas seu ordenado era de leitor da Universidade de
Gana (MRE, 08/07/1962, AHI). Na oportunidade, escreveu “política e
diplomacia... duas coisas para o que não nasci e de que não entendo”
(Costa Lima, 02/10/1961, CEAO).
As articulações políticas não atrapalharam a pesquisa de Vivaldo que
continuou a circular pelos países vizinhos como Daomé e Costa do Mar-
fim a investigar grupos étnicos e suas práticas religiosas. Souza Dantas
reconheceu o empenho e seriedade do trabalho de Vivaldo quando pu-
blicou um diário sobre sua missão africana (Souza Dantas, 1965, p. 40). O
leitor ficou um ano exato em Gana19. Em 1962, mudou-se para o Daomé
a fim de investir num projeto nutrido pelo Centro de Estudos Afro-Orien-
tais: a instalação de um centro de estudos brasileiros num país africano.
Suas gestões com o governo daquele país resultaram na cessão de
uma velha casa na capital Cotonou. Seu empenho e estímulo não conse-
guiram superar a negativa de qualquer apoio da UFBA ou do Itamaraty,
que desgastados com as incertezas da política para a África, aliada à difí-
cil situação denunciada por Guilherme Castro na Nigéria, e consideran-

Em 1º de outubro de 1962, assumiu Gasparino Damatta, adido àquela embaixada


19 

(MRE, 02/08/1962, AHI).

86
do o custo de vida dobrado na cidade de Porto Novo onde se instalou,
resultaram no retorno de Vivaldo à Bahia, no início de 1963, sob ordens
expressas do reitor (Costa, 04/02/1962, CEAO).
Através da correspondência enviada por Guilherme Castro ao CEAO
tem-se a impressão de que a estadia na Nigéria não foi nada produtiva.
O desespero causado pela chegada inesperada do casal deu lugar a um
continuum de reclamações, cobranças e frustrações. O professor reclamou
do atraso de cartas na Bahia, da situação “drástica” em relação à falta de
dinheiro que os deixavam “quase passando fome” (Castro, 05/04/1962,
CEAO), da necessidade de um carro (algo incomum no contexto baiano),
da frieza dos ingleses “pretos ou brancos” (Castro, 14/04/1962, CEAO),
da inexistência de um leitorado “de fato” (Castro, 23/03/1962, CEAO).
Costa Lima, que prestava todo apoio possível ao casal, no que resul-
tou a ida e estabelecimento em Ifé, foi visitá-los em julho de 1962 e con-
cluiu que a situação “nunca foi tão assustadora nem tão crítica” (Costa
Lima, 05/07/1962, CEAO). Na opinião do leitor em Acra, faltava ao casal
planejamento econômico. E deu o exemplo do carro que enfim compra-
ram utilizando todo o dinheiro relativo a dois trimestres recebidos de
uma só vez (ibidem). Como poderiam se manter, ao gastar o dinheiro de
um semestre na compra de um carro usado?
Costa Lima referiu-se ainda à falta de “ímpeto” e “arrojo” do novo
leitor receoso da dificuldade de expressar-se em inglês. Se chegaram em
janeiro, oito meses depois, em outubro, o ano letivo se iniciaria. Às vés-
peras do início das aulas, Guilherme Castro simplesmente “desistia de
tudo” e alegava não ter mais ânimo ante os dias sucessivos de apreen-
sões para continuar o trabalho. As considerações dramáticas que chega-
vam ao CEAO também foram enviadas a Lauro Escorel, chefe do Departa-
mento Cultural do Itamaraty, que mandou as passagens de retorno com
urgência (Oliveira, 23/10/1962, CEAO). Waldir Oliveira, diretor do CEAO,
reconheceu que após quase um ano no exterior, o casal de professores
não havia se adaptado e estava endividado.

87
Mesmo reconhecendo a dificuldade em gerenciar o limitado dinhei-
ro, parece que outro fator era preponderante na desistência do profes-
sor: a dificuldade de inserção naquela universidade. A experiência no
Brasil, que os legava certo reconhecimento e deferência por se tratarem
de funcionários públicos, então ligados à universidade baiana, não era a
mesma em Ibadan ou Ifé. O professor sentia-se ignorado por ambas as
universidades20 uma vez que não era convidado a dar aulas ou participar
de qualquer atividade.
Guilherme não entendeu, ou não aceitou, as condições precárias que
a Universidade de Ibadan ou Ifé ofereciam, de aulas e cursos livres que
dependiam, como alertava Vivaldo, de sua articulação. Não podia espe-
rar um convite, tinha de se oferecer. A falta de um lugar assegurado e
estável, mesmo temporário, pode ter sido a justificativa para sua desis-
tência. Na correspondência afirmou: “o mais importante de tudo é a de-
finição de meu status aqui, na Universidade de Ifé” (Castro, 10/09/1962,
CEAO). Tanto Costa Lima quanto Castro chegavam ao continente como
desbravadores, abrindo um campo de trabalho e pesquisa em meio à
precariedade tanto de vínculos institucionais quanto financeiros.
Guilherme teria regressado não fosse a intervenção de Yêda. A pro-
fessora havia viajado na condição de colaboradora de pesquisa, e como
esposa, embora já fosse conhecida pelo interesse no estudo das línguas
populares. Contudo o leitorado e o vínculo com a UFBA estavam a cargo
de Guilherme, de modo que Yêda, mesmo tendo participado ativamente
dessa experiência, não menciona no currículo Lattes a vinculação com o
CEAO nesses anos iniciais de 1960. Após o ultimato de Guilherme para
retornar, a professora que não tinha o hábito de corresponder-se com o
CEAO, passou a escrever num tom completamente diferente do compa-

O departamento Extra Mural Studies, no qual poderiam ministrar aulas, era comum
20 

às duas universidades. Como permitia cursos livres, há registro de que Verger também
realizou atividades neste departamento. Ver LUHNING, 1998-1999.

88
nheiro. Não se deteve em problemas, ressaltou o trabalho de pesquisa,
enviou um artigo e, mesmo com as passagens de retorno em mãos, jus-
tificou a necessidade de permanecerem na Nigéria até julho de 1963,
quando se encerraria o período letivo.
De volta à Bahia e ao CEAO, os pesquisadores haviam reunido dados
de campo. Costa Lima e seu interesse pelos grupos étnicos e práticas re-
ligiosas que teriam relação com o Brasil. Yêda e Guilherme Castro infor-
mações sobre a língua portuguesa falada na comunidade de retornados
e sobre a língua yorubá falada na Nigéria e em terreiros baianos.
As viagens tinham um nítido tom de aventura. Ingressar no CEAO,
um espaço que buscava produção de conhecimento sobre terras tão dis-
tantes, geográfica e politicamente, preconizava também aproximação in
loco. Se Vivaldo da Costa Lima e Pedro Maia, Guilherme Castro e Yêda
Pessoa de Castro foram os primeiros, outros pesquisadores ligados ao
Centro não deixaram de ir, mesmo que para a participação em eventos
ou realização de cursos. Nesse ponto, o continente africano era o alvo
principal, mas outros destinos também foram considerados. Na verdade,
parecia uma marca dos integrantes do CEAO, era quase uma necessida-
de, a disposição para viajar e adquirir conhecimento e experiência em
outras terras.
Waldir Oliveira, que esteve na direção do CEAO ao longo dos anos
1960, fez diversas viagens. Em dezembro de 1962, o professor de geogra-
fia esteve em Acra, para o I Congresso Internacional de Africanistas, de
onde rumou para a França, a fim de especializar-se em geografia humana
na Universidade de Strasbourg durante um semestre. No retorno, pas-
sou um mês nas principais cidades de Angola a realizar pesquisa. Vivaldo
da Costa Lima esteve no segundo semestre de 1965 a especializar-se em
universidades inglesas. Em 1967, Júlio Braga passou um ano entre Sene-
gal, Daomé e Nigéria, com bolsa de pesquisa do Instituto Fundamental
da África Negra. O professor de literatura Fernando da Rocha Peres, do
setor de informação do Centro e secretário da Afro-Ásia, esteve duran-

89
te o primeiro semestre de 1967 a realizar pesquisa em Portugal. Yêda e
Guilherme Castro retornaram à Nigéria, entre 1969 e 1971, como resear-
ch fellow e leitor, respectivamente, da Universidade de Ifé. Na oportu-
nidade, Yêda, que chegou um pouco depois, foi acompanhada de seus
dois filhos pequenos e sua mãe, que passou dois meses a auxiliá-los na
instalação (Pessoa de Castro, 09/03/1970, CEAO). Paulo Farias cursou o
mestrado em African Studies na Universidade de Gana, entre 1964 e 66 e,
nos meses seguintes, obteve bolsa do IFAN em Dacar. Todos têm artigos
publicados na Afro-Ásia, resultado da pesquisa que empreenderam.
As viagens se davam após grande negociação, insistência e busca de
recursos de modo que houve tentativas malogradas como a candidatu-
ra de Dilza Segalá, assistente da pesquisa de Vivaldo, para “estágio em
África” (Silva, 28/07/1961, CEAO) ou o pedido de uma viagem à Índia
para o pesquisador Cid Teixeira (Silva, 03/08/1961, CEAO) que não se
realizaram.
Se o objetivo prioritário das viagens era o estabelecimento de condi-
ções para a realização de pesquisa, outras viagens de caráter mais tran-
sitório, como a participação em eventos, não apenas reforçavam esse
caráter de intercâmbio nutrido pelo Centro, como os colocava frente a
diferentes situações que acabaram por influenciar a produção acadêmi-
ca – e os rumos pessoais – dos pesquisadores. As décadas de 1960 e,
em menor medida, de 1970 foram marcadas pela realização de grandes
eventos acadêmicos e culturais no continente africano21.
Frente à emergência de nações independentes, acadêmicos, políti-
cos e artistas se reuniam para discutir, produzir e divulgar conteúdos e
conhecimentos que dessem sustentação àquela nova ordem política e
oferecessem ao mundo outros referenciais pelos quais pudessem ser co-

21 
Em especial, o I e II Congresso Internacional de Africanistas, respectivamente, Acra
(1962) e Dacar (1967). E o I e II Festival de Artes Negras, respectivamente, Dacar (1966)
e Lagos (1977).

90
nhecidos. Era necessário refutar cientificamente a perspectiva europeia
de subordinação colonial que não atribuía civilização ou humanidade aos
povos africanos, razão que justificaria a colonização econômica, política e
cultural. Uma vez que esses pressupostos eram assegurados, sobretudo,
pela antropologia (colonial), essa disciplina aliada à história e às artes fo-
ram especialmente mobilizadas para desfazer a ideia de ausência de pas-
sado e futuro do continente africano (Hernandez, 2008; Barbosa, 2012).
Esse é o contexto em que diversas reuniões científicas foram convo-
cadas, em especial em países da África ocidental, a reunir intelectuais
africanos, europeus e americanos. A formação de novos estudiosos foi
estimulada. Intelectuais assumiram a condução de estados nacionais, a
exemplo de Leopold Senghor, no Senegal, e Kwame Nkrumah, em Gana
(Mkandwire, 2005). Nessas reuniões, com os maiores especialistas em
assuntos africanos, emergiu o projeto da UNESCO de redação de uma
História Geral da África, finalmente publicado vinte anos depois (Barbo-
sa, 2012).

FIGURA 3 – Waldir e Vivaldo (ao centro) no II Congresso Internacional de Africanistas, 1967. CEAO

91
Do CEAO, Vivaldo da Costa Lima e Waldir Oliveira participaram como
representantes brasileiros no I e II Congresso Internacional de Africa-
nistas ocorridos, respectivamente, em Acra, 1962 e Dacar, 1967. Nesses
espaços, os pesquisadores baianos tiveram contato com pesquisadores
de referência de modo que não podiam estar alheios às principais ques-
tões das ciências sociais e humanas do período. No Congresso de 1967
apresentaram uma comunicação enviada por Yêda Pessoa de Castro, na
seção de linguística, a única de uma pesquisadora brasileira (Pessoa de
Castro, 1967). O depoimento de Paulo Farias, cuja bolsa de mestrado foi
resultado da articulação de Vivaldo, ressalta como estavam antenados a
grandes pesquisadores do período (Moraes Farias, 2010).
A produção intelectual que emergia do contexto de descolonização
tinha um sentido político claro: a afirmação de um repertório africano.
Resta perguntar de que modo essas discussões influenciaram a produção
de pesquisadores do CEAO. A participação de Costa Lima na embaixada
brasileira em Acra e o caso dos estudantes africanos revelaram o quão
complicado podia ser o envolvimento em questões políticas diretas. Na
Bahia, a preocupação que norteou os trabalhos desses pesquisadores
era a afirmação política de terreiros de candomblé. E nesse ponto aca-
bam por se aproximar das discussões mais amplas que acompanharam
no cenário acadêmico internacional. Partiam do pressuposto que havia
alguma correspondência entre práticas culturais da religiosidade de ma-
triz africana no Brasil e na África. Assim, valorizavam um patrimônio afri-
cano e auxiliaram a projetar algumas personalidades de terreiros baia-
nos que, nesse intercâmbio entre Brasil e África, tiveram a oportunidade
de seguir para lá.
Neste contexto se insere a ida de Mestre Didi para pesquisa etnográ-
fica e exposição artística no Daomé e Nigéria, terra de seus ancestrais.
Este colaborador do CEAO desde a fundação do Centro e aluno da pri-
meira turma do curso de yorubá viajou por quatro meses, em 1967, com
bolsa da UNESCO e em companhia de sua esposa, a antropóloga Juana

92
Elbein dos Santos. Em 1966, realizou-se em Dacar o I Festival Mundial
de Artes Negras. Waldir Oliveira integrou o comitê organizador, seguiu
como representante brasileiro e articulou a participação de grupo de
capoeiristas de Mestre Pastinha. Sua intervenção para que a Iyalorixá
Olga do Alaketo fosse responsável por um jantar com comidas típicas
afro-brasileiras oferecido na capital senegalesa foi a primeira de outras
experiências que ela teria no continente africano, e nos Estados Unidos,
como uma representante da cultura afro-brasileira. O II Festival Mundial
de Artes Negras e Cultura, realizado em Lagos, Nigéria, 1977, contou com
expressiva delegação brasileira em que a ida de Olga e “as danças dos
orixás” (Oliveira, 2009), articulada pelo CEAO, foi um dos pontos altos
do evento.
A participação em atividades e eventos de grande vulto realizados no
exterior buscava conferir visibilidade e legitimidade ao trabalho desen-
volvido no CEAO dentro da UFBA. Desde seu surgimento, a reserva de um
espaço e de recursos dentro da universidade baiana para ações com foco
ou envolvimento de pessoas negras, em âmbito local, nacional ou inter-
nacional, especialmente através do CEAO, sempre foi motivo de questio-
namento. A proposta do CEAO, a eleger elementos culturais negros para
estudo, no Brasil e na África, estava na contramão desse direcionamento.
A inserção desses pesquisadores em formação e, portanto, jovens num
campo de pesquisa que buscava estabelecer, certamente disputava lugar
com outros pesquisadores estabelecidos ou envolvidos em áreas do co-
nhecimento sedimentadas ou aparentemente mais relevantes, como me-
lhor será delineado mais adiante na disputa entre o CEAO e profissionais
da Faculdade de Medicina para inauguração do Museu Afro-Brasileiro.
Disputas e rivalidades comuns no meio acadêmico eram motivado-
ras da insistência desses pesquisadores em obter respaldo internacio-
nal. Contudo, mesmo circulando entre especialistas que fervilhavam,
tratava-se de universidades africanas que não possuíam, nem de lon-
ge, o respaldo que instituições europeias e norte-americanas gozavam

93
no Brasil. Daí compreende-se a insistência de Vivaldo da Costa Lima
em realizar uma pesquisa dentro dos parâmetros acadêmicos e com
rigor metodológico e sua especialização em universidades londrinas
importantes como o School of Oriental and African Studies (SOAS) na Uni-
versidade de Londres22.
As disputas ficaram evidentes em relação aos intelectuais interes-
sados no mesmo campo de estudos. Na Bahia, um grupo restrito de
intelectuais estava interessado na cultura afro-brasileira de modo que
todos se conheciam. O grande colaborador do grupo do CEAO foi Pierre
Verger, desde a fundação até os anos 1980. Com outros intelectuais, que
nutriam interesses semelhantes, não havia demonstração de qualquer
proximidade ou realização de atividades conjuntas. Alguns são citados
em comentários ácidos. A ida do professor da UFBA, o reconhecido geó-
grafo Milton Santos, a Dacar, em 1961, e a possibilidade que havia de
assumir um posto importante nos cargos resultantes da política africana
levaram Vivaldo a redigir uma carta eivada de um tom grotesco (Costa
Lima, 10/03/1961, CEAO). Sobre os folcloristas na Bahia, o antropólo-
go do CEAO disse só entenderem de capoeira. Acaso referia-se a Wal-
deloir Rego, reconhecido pelo trabalho com este tema (Costa Lima,
27/11/1961, CEAO)?
A disputa era declarada com intelectuais que assumiram o Instituto
Brasileiro de Estudos Afro-Asiáticos (depois Centro de Estudos Afro-Asiá-
ticos), no Rio de Janeiro. Caso da indisposição entre Waldir Oliveira e
Eduardo Portella, o diretor do centro carioca, que quase chegaram às
vias de fato (Oliveira, 2009). A revista de CEAA, Estudos Afro-Asiáticos, pro-
vocou o CEAO em seu editorial ao afirmar tratar-se da única revista no
Brasil a abordar temas políticos relativos ao continente africano. No Rio,

Entre setembro e dezembro de 1965, Vivaldo realizou cursos em universidades in-


22 

glesas, no School of Oriental and African Studies (SOAS), na Universidade de Londres e na


Universidade de Edimburgo. Ver COSTA LIMA, 21/09/1965, 04/01/1966, CEAO.

94
outros intelectuais disputaram espaço nas ações culturais voltadas para
o continente africano. Ou eram baianos, caso de Jorge Amado e Eduar-
do Portella, ou tinham grande circulação em Salvador e no terreiro Opô
Afonjá, como o casal de escritores Zora Seljan e Antonio Olinto desig-
nados, respectivamente, leitora e adido cultural em Lagos, Nigéria, em
julho de 1962.
Souza Dantas, Verger ou Costa Lima não pareciam demonstrar interes-
se em aproximar-se do casal. O embaixador os chamou de interesseiros
e questionou o credenciamento e pagamento de salário numa embaixa-
da que não estava ainda em funcionamento (Souza Dantas, 20/07/1962,
AHI)23. Costa Lima, em 19 de julho de 1962, escreveu: “a besta do Olinto
que deu uma entrevista cabotina na Bahia” (Costa Lima, 19/07/1962,
CEAO). Gaparino Damatta, que foi credenciado à embaixada brasileira
em Acra, não poupou o casal de verdadeiros xingamentos numa carta
enviada a Waldir Oliveira em 1964. Apenas para adentrar no tom dado
a essa correspondência, basta dizer que chamou Zora de “chata” e o
“casal de vigaristas”, que viviam a falar mal de Souza Dantas “a Deus e
o mundo”. E após palavras de baixo calão, arrematou: “a inimigo não
dou colher de chá e nem perdão, mesmo na hora da morte” (Damatta,
26/08/1964, CEAO). Evidência dessa rivalidade foi a vinda da retornada
Romana da Conceição ao Brasil, em 1963, organizada por Olinto, que não
recebeu destaque nas atividades do CEAO. Em 1964, Olinto publicou o
livro Brasileiros na África e, em nenhum momento, referiu-se ao trabalho
dos pesquisadores do CEAO na costa ocidental africana (Olinto, 1964).
Obviamente, as rivalidades, disputas, chateações, indisposições e
amizades existiam no grupo do CEAO. Maia, de Dacar, registrou que Oli-
veira não lhe escrevia nenhuma carta. O professor de língua portuguesa

A embaixada brasileira em Lagos foi instalada no final de 1962 e, enquanto isso era
23 

cumulativa à embaixada brasileira em Acra.

95
tinha partido antes que Oliveira se estabelecesse no CEAO. Ambos não
demonstravam qualquer proximidade e dialogavam muito pouco em
cartas num tom nada amistoso. Seria por conta disso que a correspon-
dência de Maia ao CEAO era escassa? Ao que parece Maia era reservado,
mas outras pessoas recebiam cartas, enviadas de Dacar, com maior regu-
laridade e num tom completamente diferente, conforme registrou Milze
Eon, uma amiga do professor, cujos envelopes eram

tão recheados que eu tinha de abri-los com muito cuidado,


para que seu conteúdo não derramasse nem fosse danificado.
De Dakar, ele mandava até as primeiras flores dos flamboyan-
ts, entre postais, contos, poesias, recortes de jornal com notí-
cias várias. (EON, 2012)

Waldir Oliveira e Pedro Maia até ensaiaram cartear-se após encon-


trarem-se pessoalmente, em Dacar, em 1962, ou no contexto da visita
do presidente Senghor ao Brasil, em 1964, mas uma dinâmica de inces-
santes cartas não foi verificada entre os dois. Maia se indispôs com Oli-
veira quando este em 1966, antecipando uma possível saída do adido
em Dacar, começou a recomendar nomes de professores baianos para
substituí-lo (Oliveira, 09/05/1966, CEAO)24. Na oportunidade, Waldir
buscou desculpar-se: “Fico amolado porque você não me escreve. Se
mantivéssemos uma correspondência ativa, você nunca poderia chegar
a pensar mal de mim” (Oliveira, 22/11/1966, CEAO). Maia permaneceu
no cargo até 1970.
Guilherme Castro, que chegou ao CEAO num momento de crise e de
muitas cobranças que não tinham àquele momento respostas, não de-

Waldir Oliveira indicou Guilherme Castro para leitor na Universidade de Dacar, Vival-
24 

do da Costa Lima para adido cultural à embaixada brasileira em Dacar e Paulo Farias
para leitor na Universidade de Gana (OLIVEIRA, 09/05/1966, CEAO).

96
monstrou ou parece ter construído qualquer aproximação com Oliveira.
A partir de sua correspondência, parecia uma pessoa difícil de negociar
e acatar conselhos, conforme observado na experiência vivida na Nigé-
ria. Enquanto Vivaldo tentava resolver ou minimizar as dificuldades lá
encontradas, Castro não o poupou de um comentário maledicente so-
bre a palestra de Vivaldo em Ibadan que o deixou furioso (Costa Lima,
07/07/1962, CEAO).
Vivaldo da Costa Lima, sempre interessado na realização de sua pes-
quisa, nunca demonstrou interesse em assumir a direção do CEAO. Contu-
do, seu nome sempre figurava como segunda opção da lista tríplice envia-
da para o reitor, empurrando Guilherme para a terceira posição. Ou seja,
o nome Waldir Oliveira seguia em primeiro e o de Guilherme Castro se-
guia em terceiro lugar, evidenciando que tinha interesse em assumir a di-
reção, o que finalmente ocorreu em 1972 (Livro de Atas, 01, CEAO). Desse
modo, essa disputa pela direção do CEAO marcou a relação entre os dois
professores. Inclusive, Waldir Oliveira afirma que sua saída da direção do
Centro, após onze anos consecutivos, sendo substituído por Guilherme,
foi resultado de um golpe, embora não ofereça detalhes (Oliveira, 2009).
A correspondência de Oliveira para Castro era mais aprazível quando o
linguista estava bem longe, ou seja, na Nigéria (Oliveira, 28/01/1970,
15/03/1970, 14/04/1970, 09/11/1970 e 11/12/1970, CEAO).
Houve o estabelecimento de vínculos afetivos e amistosos, como
Yêda e Vivaldo que foram compadres. Waldir Oliveira, nos depoimen-
tos contemporâneos, não demonstra nutrir qualquer suscetibilidade em
relação à Yêda. Júlio Braga teve seu ingresso na pesquisa acompanhado
por Vivaldo, Verger e Yêda. Os dois primeiros são sempre citados como
referências pessoais e intelectuais especiais para Júlio (Braga, 1988).
Mas em livros publicados nos anos 1990, Júlio não faz maior referência
ou destaca o trabalho da pesquisadora do CEAO. Foi Júlio Braga quem
sucedeu Yêda Castro na direção do CEAO em 1990. Seria essa sucessão o
motivo da disputa e desencontro entre os professores?

97
Se Júlio questionou a permanência de Yêda por quase uma década
à frente do Centro, Yêda, após sair do CEAO e da UFBA, não deixou de
acompanhar e criticar publicamente as ações que as gestões seguintes
faziam do patrimônio construído pelo Centro (Bacelar, 2014). Numa
entrevista concedida muito recentemente, mesmo perguntado sobre o
assunto, Braga não destaca o trabalho dos primeiros pesquisadores do
CEAO (Braga, 2015). Talvez, para afirmar sua autonomia no trabalho aca-
dêmico que deve ter sido, muitas vezes, mesmo com sua longa trajetória
de trabalho e pesquisa, apresentada como um aluno dos mesmos.
Costa Lima e Oliveira sempre demonstraram grande proximidade
e amizade, observada com o envio de muitas lembranças e abraços, e
também presentes trazidos do continente africano, se indispuseram, nos
anos 1980, após uma publicação conjunta e a falta de consenso acerca
da ordem dos autores. Trata-se de Cartas de Édison Carneiro a Artur Ramos,
na qual Oliveira figura como primeiro autor e Costa Lima como segundo
(Oliveira, Costa Lima, 1987).
Paulo Farias, que rememora grande acolhimento e incentivo no
CEAO, acabou por irritar Vivaldo com a insistência para que confirmasse
uma bolsa de estudos na Universidade de Gana. O que podia ser ga-
rantido num contexto tão incerto para ambos (Costa Lima, 19/07/1962,
CEAO)? E Waldir Oliveira, que teria se precipitado ao abrir uma gaveta
no CEAO do professor de história para verificar a existência de papéis
possivelmente subversivos, foi quem anos depois manteve correspon-
dência ativa com o professor que se radicou entre África e Europa, sen-
do amigos até os dias atuais. A residência fora do Brasil é que parece
ter favorecido maior aproximação entre os professores. Na África oci-
dental, Paulo Farias e sua então esposa Rena Martins contaram com
uma rede de solidariedade composta por Pedro Maia e Claude Cros, o
estudante francês que esteve no CEAO em 1961 e se casou com a baiana
Maria Helena antes de retornar a Dacar. Cros se comprazia em receber
os professores baianos em sua casa como fez com Farias e com Estácio

98
de Lima na passagem por Dacar, com direito a moqueca de camarão e
feijoada (Cros, 16/06/1966, CEAO)!

As produções acadêmicas e suas repercussões


Gilberto Freyre e Pierre Verger foram os responsáveis por atualizar
informações acerca do grupo de ex-escravizados brasileiros que haviam
retornado para a costa da África ocidental e se estabelecido entre Porto
Novo, no Daomé e Lagos, na Nigéria. Em Acontece que são baianos I e II e
Casas brasileiras em Lagos, um assinando o artigo e o outro as fotografias,
havia notícias que animaram os pesquisadores interessados na cultura de
matriz africana pujante em Salvador (O Cruzeiro, 11/08/1951, 18/08/1951,
FPV)25. A manutenção de tradições brasileiras na África, verificada com os
retornados, seria uma evidência que justificaria a aproximação cultural
preconizada pelo CEAO. Este argumento foi mobilizado por Yêda Pessoa de
Castro quando redigiu, nos anos 1980, um texto sobre a história do CEAO.

Seguindo sua vocação histórica natural, o CEAO, com o apoio


do Ministério das Relações Exteriores, começa pioneiramente
a abrir os caminhos para a política de aproximação cultural
Brasil-África, iniciada através da África Ocidental com a qual a
Bahia manteve relações comerciais até 1903, quando da últi-
ma viagem no patacho Aliança de africanos e seus descenden-
tes para o porto de Lagos na Nigéria. Nessa região da Baía do
Benin, esses agudá fundaram comunidades brasileiras ainda
hoje ali existentes, as quais conservam tradições brasileiras
em língua, religião, culinária e usos, além da nossa arquitetura
colonial. (Pessoa de Castro, S/N, p. 2)

Verger já havia veiculado um programa de rádio com a fala de Romana da Conceição,


25 

em 1958, em Salvador. É importante destacar que Freyre, que assinou o texto das re-
portagens, nunca esteve na Nigéria, refletindo a pesquisa realizada por Verger, que aos
poucos começou a escrever.

99
Essa informação fazia uma referência direta ao texto do médico polí-
grafo Nina Rodrigues quando, no início do século XX, assistiu à partida do
que chamou de “os últimos africanos no Brasil”. Nina Rodrigues é con-
siderado o precursor dos estudos afro-brasileiros, pois dedicou-se a es-
tudos a respeito da população negra de Salvador no que tange aos seus
costumes. O livro do médico foi publicado nos anos 1930 quando houve
uma renovação do interesse de pesquisadores localizados na Bahia por
temas relativos à cultura negra em que se destacava o candomblé. Nesse
sentido houve publicação de estudos de autores baianos como Manuel
Querino, Édison Carneiro e Arthur Ramos e estrangeiros como Ruth Lan-
des, Roger Bastide e Melville Herkovitz.
Nos anos 1950, quando houve novo impulso na Bahia para a reali-
zação de estudos afro-brasileiros, Nina Rodrigues foi a principal refe-
rência tomada. Vivaldo da Costa Lima insistia que sua pesquisa com os
candomblés baianos e grupos étnicos na África ocidental visava “atua-
lizar” a obra de Nina Rodrigues (Costa Lima, 07/07/1962, CEAO). Ao in-
gressar no Centro disse estar interessado nos estudos afro-brasileiros
cuja leitura vinha se dedicando (Costa Lima, 01/11/1959, CEAO). Isso
pode ser verificado em sua primeira publicação, um roteiro entregue
aos participantes do IV Colóquio de Estudos Luso-Brasileiros, intitula-
do Uma festa para Xangô onde se apoiou em textos de Carneiro, Bastide,
Verger e Pierson para apresentar o terreiro do Opô Afonjá (Costa Lima,
1959). Interessado na valorização de Nina Rodrigues, Vivaldo propôs
entrega de prêmio de pesquisa por ocasião do centenário de nasci-
mento comemorado em 1962 e, mais adiante, propôs a publicação de
nova edição do livro por ocasião dos 20 anos da UFBA, em 1966 (Olivei-
ra, 11/05/1966, CEAO).
Yêda Pessoa de Castro reservava igualmente grande atenção à obra
de Nina Rodrigues uma vez que seu livro era o que mais apresentava in-
formações acerca das palavras africanas faladas na Bahia. O trecho citado
anteriormente é uma evidência importante dos escritos do médico para

100
a pesquisa que propunham desenvolver. Nina era uma referência sobre-
tudo pelas informações que havia conseguido reunir acerca dos grupos
étnicos africanos que foram trazidos para a Bahia durante o período es-
cravista. Seu trabalho afirmava um pressuposto que os pesquisadores
do CEAO, como Costa Lima e Pessoa de Castro, não questionavam e bus-
cavam comprovar: a presença e superioridade tanto numérica quanto
cultural dos povos yorubás – aqui chamados nagôs – em Salvador. Com
isso, fica clara toda a corrida à África Ocidental, em especial à Nigéria e
ao Daomé, dos pesquisadores do Centro de Estudos.
Gilberto Freyre é citado, mas não com a mesma ênfase que o fa-
zem com Nina Rodrigues. Marisa Côrrea argumentou como a filiação
ao médico etnógrafo não se fazia pelo argumento teórico uma vez que
essa produção estava amparada no critério da existência de diferentes
raças, não mais utilizado pelos pesquisadores em meados do século XX.
Contudo, mesmo reconhecendo que Freyre oferecia o embasamento
teórico, os pesquisadores do Centro de Estudos não davam ênfase a sua
produção. Possivelmente porque, àquele momento, Freyre representava
uma escola pernambucana que rivalizava com uma escola baiana, a
qual o CEAO se filiava. Nas diversas referências que os pesquisadores do
Centro fazem ao IV Colóquio, no qual conheceram Agostinho da Silva e o
Centro foi articulado, não há qualquer citação à presença de Freyre que
foi o convidado de honra. Freyre também ministrou uma aula para os
estudantes africanos bolsistas no CEAO que não recebeu qualquer desta-
que ou comentário por parte dos integrantes do Centro (Jornal da Bahia,
08/03/1963, CEAO).
Se essas duas obras eram referências para o grupo do CEAO, Pierre
Verger foi mais que um cicerone (Lühning, 1998-1999). Disponibilizou
seu conhecimento acerca das relações entre Brasil e África, indicou e dis-
cutiu pontos de pesquisa, acompanhou os primeiros passos desses pes-
quisadores na África. Waldir Oliveira citou o acompanhamento prestado
por Verger a Vivaldo em seus primeiros dias na costa africana (Oliveira,

101
2009). Yêda Pessoa de Castro registrou, no primeiro artigo resultante da
experiência na África, que chegaram à comunidade de retornados em La-
gos acompanhados por Verger (Pessoa de Castro, 1965). Braga também
se refere à sugestão e companhia de Verger para seguir do Senegal para
o Daomé, onde, pouco tempo depois, tal como o pesquisador francês, fez
sua iniciação religiosa (Braga, 2015).
As discussões, avanços e resultados dessas pesquisas puderam ser
conhecidos através das aulas ou cursos ministrados na UFBA, em pa-
lestras e, em especial, nas publicações da Afro-Ásia. A revista do Centro
surgiu em 1965 e foi editada por Waldir Oliveira e Nelson de Araújo. Um
projeto editorial era uma preocupação do Centro desde sua fundação.
Com Afro-Ásia puderam os pesquisadores do Centro expor os trabalhos
numa revista de “padrão internacional e pioneira em seu gênero na Amé-
rica Latina” (Pessoa de Castro, s/d).
O periódico, de frequência semestral, experimentou ininterrupta pu-
blicação entre 1965 e 1970, totalizando 11 números em 5 volumes. Sua
estrutura inicial contava com artigos acadêmicos, documentos, informa-
ções de atividades realizadas no Centro de Estudos e notícias sobre livros
e revistas. Era uma ampliação significativa do projeto editorial uma vez
que já publicava as duas últimas seções através do Boletim Bibliográfico e
Ásia e África, ambos datilografados e mimeografados. A apresentação do
número inaugural destacava que a revista era

fruto de esforços que há seis anos vem realizando o Centro


de Estudos Afro-Orientais da UFBA para alcançar um melhor
conhecimento das realidades africana e asiática, visará ela di-
fundir no Brasil e nos países da América Latina os resultados
destes esforços (Oliveira, 1965a, p. 6).

Queda de preconceitos em relação às nações “jovens e livres” bem


como de “nações rejuvenescidas”, orgulho das contribuições de tais po-
vos, e importância desses países num futuro próximo são pontos apre-

102
sentados pela revista (Oliveira, 1965a, p. 5). Acabam por evidenciar o
contexto descolonial, a afirmação de novos países e a possibilidade de
afirmação política. Por outro lado, expõe o projeto intelectual que es-
ses pesquisadores empreendiam interessados em rever a importância
da contribuição cultural dos povos negros na Bahia num contexto ainda
marcado por um consenso acerca do rompimento de ligações e conse-
quentemente distância com países e povos africanos e ausência de con-
tribuições significativas para a formação do povo brasileiro.
Este é o sentido dos esforços de Costa Lima, Pessoa de Castro e Braga
no continente africano: valorizar as comunidades de terreiro baianas a
partir da compreensão de que eram espaços de manutenção de modos
da vida africana e suas práticas religiosas. Longe de má-fé, invencionice
ou curandeirismo, eram a evidência da civilização desses povos, cujos
sentidos e significados só poderiam ser compreendidos e comprovados
cientificamente à luz de pesquisa etnográfica no continente africano. Os
terreiros privilegiados nessa investida foram aqueles de longa tradição
na cidade e de nação nagô-queto, amparados não apenas pelo discur-
so de legitimidade e superioridade compartilhado por essas casas como
também decorrentes da tradição etnográfica que os elegeu como lócus
de pesquisa e os assegurava como praticantes de rituais africanos (Cas-
tilho, 2008).
Os intelectuais interessados em comprovar que as práticas do can-
domblé constituíam de fato uma religião os levaram a investigar quais as
práticas que teriam origem no continente africano. Essa perspectiva além
de continuar a privilegiar grandes e conhecidas casas, como o terreiro
do Gantois e o Opô Afonjá, acabava por não atribuir valor à candomblés
que tinham outras matrizes ancestrais como os de origem congo-angola,
jeje ou de caboclo considerados de práticas menos rigorosas e, portanto,
mais propensos à prática da enganação, ou seja, não religiosa. O encanto
que nutriam pela cosmogonia yorubá não os fazia notar outras tradições
religiosas que somente décadas depois seriam alvos de pesquisas siste-

103
máticas e de reconhecimento mais amplo da sociedade. Como já salien-
tado, os artigos publicados nas primeiras edições daAfro-Ásia reprodu-
zem essa perspectiva que ficou conhecida como nagocentrismo.
Yêda Pessoa de Castro rumou para o campo na Nigéria em busca de
conhecer e analisar a língua portuguesa falada pelos retornados. A meto-
dologia aplicada seguiu o trabalho anteriormente realizado no instituto
de fonética e contou com a aplicação do Questionário linguístico experi-
mental (Pessoa de Castro, 1965) acrescida de entrevistas de caráter etno-
gráfico. O objetivo da pesquisadora foi verificar o português arcaico do
Brasil falado no final do século XIX já que os retornados, por não terem
contatos com outros falantes da língua portuguesa, mantiveram as ca-
racterísticas daquele período histórico. Tal qual a pesquisa na Bahia, ao
identificar formas e expressões do português arcaico, permitia diferen-
ciá-los de expressões oriundas de outros grupos étnicos, em especial, as
expressões de origem africana.
Os três artigos publicados na Afro-Ásia na década de 1960 – Yêda
Pessoa de Castro é quem mais tem artigos na revista – permitem acom-
panhar o paulatino aprofundamento da pesquisa. O primeiro intitulado
Notícia de uma pesquisa em África tem um caráter de texto prévio, com
algumas informações sobre o campo e as informantes selecionadas que
se ligam a essa preocupação etnográfica do Centro. Os dados biográficos
apresentados por Pessoa de Castro das suas duas informantes, uma com
mais de setenta e a outra com mais de oitenta anos, visavam garantir
a autenticidade das informações prestadas. São reveladoras da euforia
que marcava os pesquisadores por encontrar a expressão viva do que ar-
gumentavam, a presença de “brasileiros” em Lagos. Também evidencia o
trabalho de campo no continente. A análise se detém em palavras e can-
tigas de acalanto – as cantigas de ninar – apresentadas pelas senhoras
Mariana de Câncio (Ojelabi) e Romana da Conceição e a correspondência
das mesmas com arcaísmos da língua portuguesa através da literatura
disponível e dos resultados obtidos com a pesquisa anterior. Especula

104
como uma palavra muito presente nas cantigas, Sun, que em yorubá
significa dormir, pode ser uma contribuição da língua africana a língua
portuguesa falada no Brasil (Pessoa de Castro, 1965, p. 41-56).
O segundo artigo A sobrevivência das línguas africanas no Brasil: sua in-
fluência na linguagem popular da Bahia (Pessoa de Castro, 1967, p. 25),
que foi apresentado no II Congresso de Africanistas (Dacar, dezembro de
1967) aplica o argumento apresentado anteriormente para o Brasil. Mais
circunstanciado, a autora argumenta a respeito do enriquecimento léxico
da língua portuguesa no Brasil com a contribuição vocabular das línguas
africanas. Ao fazê-lo, curiosamente, reconhece a presença e contribuição
de palavras de diferentes línguas, não apenas o yorubá. O terceiro arti-
go, Etnônimos africanos e formas ocorrentes no Brasil avança no estudo das
línguas africanas, a exemplo da ocorrência dos tons e da sílaba tônica,
para compreender as alterações e variações que os termos sofreram no
Brasil e assim proceder “pela revisão ortográfica dos etnônimos que se
encontram em Africanos no Brasil (...)” (Pessoa de Castro, 1968, p. 64-65).
A revisão da obra de Nina Rodrigues é um ponto comum no traba-
lho desenvolvido tanto por Yêda Pessoa de Castro quanto por Vivaldo da
Costa Lima. As informações registradas sobre os grupos étnicos africanos
presentes no Brasil, seus costumes, seus falares são ponto de referên-
cia, apoio e constante diálogo. Os estudos acerca do tráfico de escravos
africanos para o Brasil, em especial para a Bahia, forneciam dados em
que se amparavam para, explicitando o grande contingente de africanos
oriundos da baía do Benin no século XIX, explicar a predominância nos
traços culturais baianos. Neste ponto, destaca-se a contribuição de Pier-
re Verger que, investigando esse movimento no Atlântico, concluiu pela
existência de um ciclo comercial específico entre essas duas partes do
Atlântico (Verger, 1966; Pessoa de Castro, 1968, p. 67).
A pesquisa de Verger estava amparada em extensa documentação de
arquivos escritos bem como de pesquisa etnográfica com os povos con-
temporâneos. Daí seu estímulo para que os pesquisadores do Centro,

105
como Pessoa de Castro e Costa Lima, aprofundassem o conhecimento
acerca dos grupos e costumes africanos. Note-se que a explicação atra-
vés dos ciclos econômicos acabava por não abarcar as influências cultu-
rais dos outros grupos étnicos, como os bantos, por preconizar que en-
cerrado o tráfico com a região Congo-Angola no século XVI, encerrou-se
também a influência desses povos na dinâmica da cultura baiana.
A proeminência nagô na Bahia é um argumento presente nos artigos.

Pode tratar-se de mera coincidência, mas não será um des-


propósito se considerarmos o fato de ser o verso Su, su su
corrente até hoje na Bahia, lugar para onde foram impor-
tados a maioria dos escravos nagôs, como ali são chamados
os iorubás, durante os últimos séculos do tráfico, ao lado
de terem sido os mais cotados nos ‘mercados’ principal-
mente para os trabalhos domésticos. A sua atuação foi tão
marcante na formação dos hábitos da família baiana que a
saborosa cozinha tradicional da Bahia é essencialmente a
mesma encontrada na África, na antiga Costa dos Escravos,
sem falar-se no sincretismo religioso e na linguagem popular
da Bahia, rica de vocábulos de evidente procedência nagô.
(Pessoa de Castro, 1965, p. 50)

Resultou que no século XIX a cidade de Salvador era exemplo


típico da coexistência de duas culturas diferentes: a portu-
guesa e a africana. Intensifica-se o comércio de negros pro-
cedentes da Costa dos Escravos, entre os quais parece ter
havido uma predominância culturológica dos Nagô, como
são conhecidos os Iorubá da Nigéria Ocidental e do Baixo
Daomé no Brasil, por ter sido a língua iorubá, ao lado da
portuguesa, falada corretamente entre a população negra
da cidade, que já naquela época possuía um número consi-
deravelmente grande de crioulos. Corria, então, um dialeto
crioulo ou semicrioulo do tipo nagô ou ioruba. (Pessoa de
Castro, 1967, p. 25)

106
Essa argumentação era decorrente da vivência em candomblés de
Salvador em que havia a presença do yorubá tanto em expressões fala-
das cotidianamente como nas cantigas rituais. A língua yorubá era muito
visível nos candomblés razão pela qual a insistência de sua supremacia
frente a outras. O avançar da pesquisa, conforme se pode verificar no
texto de Pessoa de Castro publicado em 1968, já demonstra a expressi-
va presença de palavras correntes na Bahia oriundas de outras línguas
africanas a exemplo do quimbundo. Para tanto, acreditava-se que essa
influência banto seria mais significativa em lugares como o estado de Mi-
nas Gerais – que havia recebido contingente de escravizados bantos no
século XVI – enquanto na Bahia “a língua do povo de santo” vigoraria.
Lembrando que para os pesquisadores do Centro de Estudos nos anos
1960, povo de santo significava candomblé yorubá. O avanço da pesqui-
sa de Yêda Pessoa de Castro, que resultou na tese de doutorado defendi-
da em 1976 na Universidade Nacional do Zaire, a despeito do argumento
inicialmente apresentado, concluiu que há grande influência banto na
língua portuguesa, não apenas no enriquecimento do vocabulário como
na alteração de formas (Pessoa de Castro, 1976).
Os estudos que focavam a contribuição ou história dos povos con-
go-angola receberam alguma atenção no CEAO perceptível através de
textos na Afro-Ásia do professor de literatura Fernando da Rocha Peres
(1967) e Marli Geralda Teixeira (1967) do setor de estudos históricos
do Centro. Os dois pesquisadores voltaram suas análises para períodos
históricos distantes. Peres analisou a obra do poeta Gregório de Matos
e sua relação com a guerra de Angola, e Teixeira apresentou pontos da
história do reino do Congo no século XVI. Ambos os textos subsidiaram
cursos ministrados no CEAO à época.
Abordar a história contemporânea de Angola era algo delicado, pois
estava diretamente relacionada com a política brasileira ambígua em re-
lação à manutenção de sua colonização. Waldir Oliveira, que publicou
um texto na primeira edição da Afro-Ásia, denominado Brancos e pretos

107
em Angola, e embora tenha tentado verificar a existência de uma demo-
cracia social, concluiu que as disparidades sociais gritantes eram resul-
tantes da colonização (Oliveira, 1965b). O diretor do CEAO esteve em
cidades angolanas a convite do governo português em 1963 e como seu
texto acabou por apresentar um panorama desfavorável de sua situação,
tornou-se uma persona non grata do governo português de Oliveira Sala-
zar (Oliveira, 2009).
Vivaldo da Costa Lima dedicou-se ao estudo da história e organização
de terreiros em Salvador. Em paralelo, investigava os grupos étnicos afri-
canos que, oriundos de países da África ocidental, foram trazidos para a
Bahia durante o regime escravista, ancestrais dos descendentes africa-
nos que constituíam os terreiros soteropolitanos. Desde seu ingresso no
CEAO, Costa Lima evidenciou o interesse pelos estudos sobre o candom-
blé na Bahia. Sua proposta inicial constituía em desenvolver, num setor
de etnologia, o estudo das “sobrevivências religiosas africanas no Brasil”
(Costa Lima, 01/11/1959, CEAO). Já empreendia uma pesquisa indepen-
dente que havia resultado num guia para os participantes do IV colóquio.
Com seu ingresso no Centro poderia, conforme expôs a Agostinho da Sil-
va, dispor de uma equipe. O objetivo da pesquisa que empreendia era
aprofundar a “história de uma casa de santo”, uma monografia em que
estudasse uma grande casa de candomblé na Bahia – “de suas origens
míticas até os dias de hoje, incluindo a análise de sua liturgia, folclore,
vida social e situação econômica de seus membros” (idem).
Costa Lima organizou a primeira pesquisa realizada no Centro de Es-
tudos. Tratava-se da construção de pequenas monografias acerca de di-
ferentes casas. Essa pesquisa, conforme refletiu o autor, passou por duas
fases. A primeira, a partir de 1959, enfatizava a história de vida de líderes
religiosos. A segunda fase, a partir de 1963, foi ampliada a incluir dados
socioeconômicos (Costa Lima, 2003). Diversos foram os colaboradores
para sua execução a citar Walter Barbosa, Júlio Braga e Regina de Souza
Castro (ibidem, p. 37).

108
Se a intenção era compreender a dinâmica e funcionamento dos can-
domblés, a pesquisa no continente africano, onde estariam os grupos
étnicos que deram origem aos rituais verificados na Bahia, foi mais que
pertinente. Costa Lima passou cerca de três anos, nas viagens realizadas,
a pesquisar ao longo de diversos países da costa ocidental africana gru-
pos yorubás, jejes, seus rituais, linguística, deslocamento e história. Todo
o acúmulo da pesquisa no exterior visava subsidiar a análise acerca das
nações de candomblé, seu padrão e estrutura organizacional em Salvador.
Nessa investida em que vários grupos étnicos foram conhecidos e
que várias casas baianas foram entrevistadas, o terreiro Ilê Maroialaji,
conhecido como terreiro da Alaketo, concentrou atenção especial do es-
tudioso. Tratava-se de um terreiro de tradição nagô que afirmava uma
descendência africana a partir de uma linhagem completamente diferen-
te das casas mais conhecidas e estudadas. Sua ancestralidade era reme-
tida, não para a antiga cidade de Oyó, de onde foram trazidos muitos
escravizados para Salvador. Ligava-se o Alaketo ao antigo reino de Ketu,
na fronteira entre a Nigéria e o Daomé.

Mas é do grupo originário de Ketu que trataremos aqui, grupo


que fala iorubá, localizado a oeste da região que seria mais
tarde chamada de Nigéria pelos colonizadores ingleses. Nessa
zona estava a fronteira, nem sempre tranquila, entre os jejes
do Daomé e os nagôs de Egbado – vizinhança mestiça que da-
ria a denominação hibrida de nagô-vodunce, conservada até
hoje na Bahia, notadamente na casa do Alaqueto: nagô-vo-
dunce, os orixás nagôs e os voduns jejes. (Regis, 2010, p. 14)

Muito trabalho foi necessário para as conclusões a que chegou Costa


Lima, em 1972, quando apresentou sua dissertação de mestrado a Facul-
dade de Filosofia e Ciências Humanas na UFBA. O pesquisador não tinha
grande paixão em publicar, o que dificulta o acompanhamento do seu tra-
balho ao longo dos anos 1960. Do roteiro apresentado aos coloquistas em

109
1959, o autor publicou Os Obás de Xangô na Afro-Ásia (1966), e “O conceito
de nação nos candomblés da Bahia” (1976) na mesma revista. A disserta-
ção faz um histórico da pesquisa desenvolvida ao longo da década.
Uma questão importante e sempre discutida era a metodologia a ser
utilizada. Desde a apresentação de seu plano de trabalho, em 1959, o
pesquisador chamava atenção para o “critério científico indispensável
aos trabalhos dessa natureza” (Costa Lima, 01/11/1959, CEAO). Refle-
xões acerca do rigor metodológico eram constantes em suas anotações.
O levantamento realizado com os terreiros não deveria parar em função
de suas viagens ao continente africano ou a Europa. Acompanhava ri-
gorosamente, mediante informações remetidas por correspondência, o
trabalho em andamento. De Acra em 1962, lamentou uma interrupção
da pesquisa (Costa Lima, 15/02/1962, CEAO). Ainda nesse contexto, ao
final do ano, pedia que Waldir Oliveira levasse consigo as fichas sobre o
candomblé “10 que eu fiz e mais 2 creio feitas depois de minha viagem”
(Costa Lima, 12/11/1962, CEAO).
Entre setembro de 1965 e janeiro de 1966, Vivaldo esteve em univer-
sidades londrinas e fez uma rápida passagem por Paris no retorno. Sua
correspondência ao Centro recomendava a Oliveira que acompanhasse
o andamento da pesquisa de campo, realizada por Júlio Braga e Marga-
rida Ferraz. “Elas [as pesquisas] não devem absolutamente parar” (Costa
Lima, 28/09/1965, CEAO). Ao conhecer o universo de produção acadê-
mico europeu, Vivaldo da Costa Lima surpreendeu-se com a constatação
de que o seu questionário aplicado na pesquisa baiana estava mais que
adequado às exigências científicas.

[...] Parece piada. Mas devo reconhecer que eu não estava


tão por fora, e que aí no nosso Centro, pequeno e pobre (em
relação às organizações daqui) estamos de fato fazendo um
trabalho atual, válido, importante, e estritamente dentro do
que há de mais ortodoxamente universitário. (Costa Lima,
06/11/1965, CEAO)

110
Na explanação feita acerca da obtenção dos dados de pesquisa,
na introdução da dissertação, Costa Lima registra o trabalho realizado
pela equipe do Centro, no setor de estudos sociológicos e antropológi-
cos, que “se iniciou com um levantamento censitário dos candomblés
situados na zona urbana de Salvador” (Costa Lima, 2003, p. 12). O cri-
tério empregado pela equipe “foi o de considerar como um candomblé
apenas o grupo que apresentasse uma organização estrutural nitida-
mente reconhecível através do roteiro do questionário-entrevista or-
ganizado para a coleta de dados” (ibidem, p. 13). Sobre o instrumento
para coleta dos dados, o autor indica duas fases. Um primeiro questio-
nário foi elaborado em 1959 e “enfatizava a história de vida dos chefes
dos grupos” (ibidem, p. 14), reflexo da fase ainda inicial da pesquisa,
resultando em informações sobre líderes religiosos depois falecidos26.
Em 1962, houve uma reformulação nos questionários estendidos “à in-
fraestrutura econômica dos terreiros e aos aspectos etnolinguísticos e
simbólicos do ritual” (ibidem).
Vivaldo destaca como a pesquisa foi desenvolvida simultaneamen-
te a outra de caráter etnolinguístico, também por sua equipe no CEAO
(1967- 69). Essas duas pesquisas desenvolvidas no Centro intitulavam-se
“Associações religiosas afro-brasileiras” e “Linguagem das associações
religiosas afro-brasileiras” (Costa Lima, 2003, p. 41). Mesmo tratando-se
de linguagem, essa pesquisa difere da desenvolvida no mesmo período
por Yêda Pessoa de Castro, que realizava um “levantamento léxico-esta-
tístico do vocabulário africano remanescente entre os adeptos dos cultos
religiosos afro-brasileiros”, no setor de estudos linguísticos (Pessoa de
Castro, 1968, p. 65). O fato é que as pesquisas de Costa Lima e Pessoa de
Castro se complementavam e tanto um como outro registram as novas

26 
Nicolau Parés utilizou as fichas da pesquisa de Costa Lima. Ver PARÉS, 2007. Essas
fichas não foram encontradas no acervo do CEAO.

111
informações que tomavam conhecimento a partir dos cursos ministrados
no CEAO nos quais se atualizavam.
Cursos ministrados no CEAO pelos seus pesquisadores foram inicia-
dos a partir de 1965. Até então havia diferentes cursos de línguas mi-
nistrados por diferentes professores nem sempre com experiência ou
formação para tal. Caso do professor de hebraico que aceitou a incum-
bência depois do conhecido poder de convencimento de Agostinho da
Silva. O curso da língua yorubá, ministrado por Ebenezer Lasebikan, fugia
a esse perfil. O docente era linguista vindo de Londres para a Bahia de
modo a atender uma demanda específica muito importante para o povo
de santo, público interessado e próximo do Centro de Estudos. Esses cur-
sos de língua funcionaram até 1964 e foram cancelados no início de 1965
quando foram programados os cursos teóricos do CEAO.
Essa mudança tem relação direta com alterações e dificuldades orça-
mentárias na Universidade. Desde 1964, com a assunção do reitor Jorge
Calmon em paralelo com o crescimento da inflação no país, o Centro de
Estudos tinha que melhor justificar a existência de tantas pessoas, que
não pertenciam ao quadro da universidade, incluídas nas folhas de pa-
gamento. O agravamento dessa situação resultaria no corte de 33% das
verbas de todos os setores da UFBA em 1967 e, com isso, a dificuldade
de dispor de recursos para o desenvolvimento das atividades do CEAO.
Os novos cursos ministrados refletiam as pesquisas desenvolvidas
pelo corpo de pesquisa do Centro de modo a valorizar esse trabalho,
além de justificar a manutenção do Centro com atividades integradas
com a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Uma vez que o obje-
tivo era que os alunos da faculdade pudessem aproveitar cursos realiza-
dos no CEAO para a grade curricular.
Se o rigor metodológico era uma preocupação para Vivaldo da Costa
Lima, o rigor teórico não se fazia menor. A condição de principiante em
relação aos professores consagrados da Faculdade fazia de Costa Lima in-
sistente em adquirir as habilidades necessárias, através do trabalho que

112
realizava no CEAO para adentrar no grupo mais estreito de professores
da Universidade. No relato enviado de Londres, em 1965, “Estou dando
um duro danado botando a coisa em inglês e lendo como o diabo milhões
de teóricos de Antropologia Social. Quando eu voltar os porretas daí vão
poder conversar comigo na sua gíria” (Costa Lima, 21/09/1965, CEAO). Os
cursos teóricos que passaram a ser oferecidos eram a possibilidade de ob-
ter maior reconhecimento dos pares. Enquanto realizava seu estágio nas
universidades londrinas, o pesquisador discutia com Waldir Oliveira quais
as possibilidades para a manutenção do CEAO, e os cursos apareciam como
uma possibilidade de “transformar – ou ampliar – o centro com cursos
reconhecidos pela universidade” (Costa Lima, 14-16/11/1965, CEAO).
Não se pode perder de vista que realizar pesquisa científica e mi-
nistrar aulas era o que garantiria o reconhecimento como um professor
universitário. Para Costa Lima – um dos poucos sem experiência docente
– oportunidades de apresentar seu trabalho surgiram quando substituiu
eventualmente Thales de Azevedo em 1966 e Carlos Ott em 1968. Sua
estratégia, uma vez que não se considerava habilitado didaticamente, foi
utilizar os dados da pesquisa sobre os candomblés para “introduzir os
alunos nas formulações teóricas e nos conceitos básicos da antropolo-
gia sociocultural” (Costa Lima, 2003, p. 10). O bom aproveitamento da
experiência levou os então discentes a participar, através de pequenas
equipes de pesquisa, com trabalhos práticos que colaboraram com a
pesquisa em curso.
Os resultados foram apresentados como A família de santo nos candom-
blés jejes-nagos da Bahia: um estudo das relações intragrupais (Costa Lima,
2003). O autor examina a expressão família de santo a partir da qual “estu-
dando os grupos de candomblé relaciona os planos religiosos e rituais de
sua estrutura com o comportamento de seus membros na estrutura social
mais ampla, analisando ainda, com os dados disponíveis da pesquisa de
campo, os sistemas organizacionais das casas de santo e a estratificação
mais ou menos rígida, de suas hierarquias” (ibidem, p. 11-12).

113
Entre pesquisas e candomblés
Frente ao esforço de realizar pesquisa e estudos no continente afri-
cano – e também na Europa – e as dificuldades em manter as atividades
do CEAO, Waldir Oliveira e Vivaldo da Costa Lima insistiam e estimulavam
uma ampliação e aperfeiçoamento da equipe do Centro de Estudos. Am-
bos pensavam e muitas vezes se referiam ao estabelecimento de um staff
do CEAO, ou seja, um grupo de especialistas nos temas afro-brasileiros
e articulados com o intercâmbio acadêmico e cultural com o continente
africano. Se no início dos anos 1960 o estímulo era seguir para a África,
em meados da década, quando Vivaldo conheceu o cenário europeu, di-
recionava para lá seu estímulo para cursos com especialistas.
Nesse ínterim houve o incentivo para que dois jovens colaboradores
descrevessem e aprofundassem a trajetória acadêmica. Paulo Fernan-
do de Moraes Farias e Júlio Santana Braga. Quando se aproximaram do
CEAO, ambos ainda cursavam a graduação. Embora Costa Lima os esti-
mulasse a seguir para a Europa, Farias teve uma bolsa de mestrado em
Estudos Africanos na Universidade de Gana, em 1964, e Braga viajou para
o Senegal com bolsa do IFAN, em 1968. Descrevendo trajetórias distintas,
como veremos, Farias não mais voltaria a trabalhar ou residir no Brasil, e
Braga trouxe mais que respaldo acadêmico do continente africano.
O nome de Júlio Braga é registrado na correspondência do CEAO des-
de 1961 quando Costa Lima, ao mandar lembranças à equipe do Centro,
o citava (Costa Lima, 27/10/1961, CEAO). Desde então, sua aproxima-
ção com o Centro se deu em função do auxílio prestado, cada vez maior,
à pesquisa com os terreiros em Salvador. Braga cursou a Faculdade de
Filosofia entre 1964 e 1967. Enquanto se graduava, Costa Lima tentava
conseguir uma bolsa de pesquisa no exterior.
Segundo Jocenilda Bispo, integrante do terreiro do Alaketo, Júlio lá
vivia desde quando chegou adolescente do interior (Bispo, 2014). A
yaquequerê relembra Braga mais jovem em meio a presença constan-

114
te de Costa Lima e Pessoa de Castro que realizavam pesquisa. Não é
possível informar quando exatamente se conheceram, o fato é que sua
presença naquele terreiro o aproximou dos pesquisadores do CEAO.
Teriam eles o influenciado a seguir para a FFCH? No CEAO, Braga com-
partilhava da confiança de Costa Lima que não colocava sua pesquisa
em mãos de pessoas que lhe causassem desconfiança. A trajetória aca-
dêmica de Braga demonstra que, uma vez aproximado dos candomblés
soteropolitanos através da vivência no Alaketo e da pesquisa de cam-
po, o professor tomaria temas relativos a essa religião para o desenvol-
vimento de pesquisa.
A correspondência de Vivaldo emitida de Londres, em 1965, regis-
tra a preocupação em conseguir uma bolsa de estudos para Braga con-
siderando que em breve concluiria a graduação. Nessa oportunidade,
Costa Lima pensava em algo como o estabelecimento de “uma equipe
permanente e treinada” (Costa Lima, 14-16/11/1965, CEAO) e citava o
nome de Braga como possível. Costa Lima contatou e conversou com di-
ferentes professores, a exemplo de Fage – professor de arqueologia em
Gana – com o qual pensava na possibilidade de um intercâmbio. “Nós
da Bahia mandaríamos alguém para pós-graduação (achei mais viável o
curto diploma de African Studies que é uma sessão apenas de 1 ano leti-
vo, formativos óbvios) e eles mandariam um pós-graduado para estudos
brasileiros” (Costa Lima, 28/10/1965, CEAO). Dentre as ideias surgidas,
Braga aproveitou uma possibilidade para o continente africano. Trata-
va-se, em 1968, de uma bolsa de pesquisa do Instituto Fundamental da
África Negra em Dacar, Senegal. Bolsa semelhante foi concedida no ano
anterior a Paulo Farias.
Júlio Braga seguiu para Dacar em janeiro de 1968. Conforme o relató-
rio de Waldir Oliveira ao reitor Roberto Santos, essa bolsa foi resultado
de articulações realizadas no II Congresso de Africanistas (Dacar, dezem-
bro de 1967) que reuniu grandes nomes da intelectualidade africana.
Vincent Monteil, o diretor do IFAN, mantinha alguma correspondência

115
com o CEAO, que resultou na publicação de um artigo na Afro-Ásia e sua
vinda ao Brasil (Monteil, 1967).
A correspondência remetida por Braga, em Dacar no primeiro semes-
tre do ano, revela que os primeiros momentos após sua chegada tanto
como os momentos finais, antes de regressar ao Brasil, foram marcados
pelo acometimento de febres que o deixaram dias acamado. Durante o
primeiro semestre, o professor tratou de aprofundar o estudo da língua
francesa e organizar o plano de trabalho com orientações de Vivaldo da
Costa Lima via correspondência. Com o incentivo de Verger, optou por
seguir para o Daomé e Nigéria. Seu interesse estava circunscrito às “reli-
giões africanas” (Braga, 20/06/1968, CEAO). Nos parcos informes envia-
dos ao Brasil acerca da pesquisa, revelou interesse especial nos ritos do
culto a Exu-Elegbále, mais tarde, revelou ter recolhido material acerca do
culto à Iansã naqueles países. Da comunidade de retornados brasileiros
em Porto Novo, Daomé, cidade sede de sua estadia durante o segundo
semestre do ano, Braga enviou um pequeno artigo publicado na Afro-Á-
sia, em 1968 (Braga, 1968).
A experiência de Júlio Braga entre Senegal, Daomé e Nigéria, em
1968, revela que embora a bolsa tenha sido confirmada a poucos dias
de sua viagem, o pesquisador tinha um interesse bem específico na-
quela porção do continente africano: o culto aos orixás. Com a vivência
e experiência nos candomblés baianos, Braga, em 1968, mostrava-se
bastante interessado no assunto. A opção em seguir ao Daomé estava
diretamente ligada à possibilidade de aprofundar conhecimentos que
seriam proveitosos para o seu trabalho no CEAO. Braga estava conscien-
te da importância que os estudos acerca do candomblé tinham para o
CEAO uma vez que visava “os trabalhos futuros aí no Centro”(Braga,
09/04/1968, CEAO).
Durante o período em que esteve no Daomé, Braga passou por rituais
religiosos que o consagraram como um iniciado na religião dos orixás e
o possibilitou assumir, no retorno a Salvador, o cargo de babalorixá no

116
terreiro que atualmente dirige. Numa entrevista recente, Braga afirmou
que sua iniciação naquele pequeno povoado no interior do continente,
tal como fizera Verger, se deu em função de motivos pessoais que o leva-
ram a assumir a responsabilidade com o culto. Essa afirmação evidencia
uma decisão solitária e completamente desvinculada com um contexto
em que uma relação direta com os rituais realizados no continente africa-
no conferia maior legitimidade às práticas realizadas na Bahia. E Braga,
que publica bastante a respeito do candomblé, abordou a questão nos
anos 1990:

Elemento novo na composição da imagem da África, são inte-


lectuais cada vez mais se submetendo aos rituais iniciáticos, e
nesta condição, influenciando na reinvenção permanente do
candomblé, produzindo uma cultura nova alimentada com as
leituras de clássicos da bibliografia especializada em assuntos
afro-brasileiros. (Braga, 1998)

Verger e o prestígio no Opô Afonjá acabavam por ser a principal evi-


dência dessa situação, pujante nos anos 1950 e 1960. Em meio à luta
para legitimar o candomblé como religião, investia-se num repertório
africano. Conforme ressaltou Braga, foi em companhia de Verger que
adentrou a região de Sakete para passar pelo tempo e rituais necessários
(Braga, 2015).
Se Braga levou a situação ao extremo, tornando-se mais tarde um
líder religioso, não era o primeiro do CEAO a vincular-se ao candomblé.
Na verdade, a ideia do Centro surgiu através do português Agostinho da
Silva, mas sua organização e seu funcionamento estiveram em diálogo
com demandas de terreiros de Salvador, notadamente os de maior pres-
tígio nos quais os pesquisadores circulavam e alguns afiliaram-se. Verger
foi acolhido no Opô Afonjá no qual Costa Lima assumiu os cargos de Ele-
maxó e Obá Odofin. Yêda, embora não apresente a credencial religiosa, é
reconhecida como povo de santo, como angoleira. Júlio Braga tornou-se

117
ogã do terreiro Ile Opo Aganju, de Pai de Balbino e, nos anos 90, babalori-
xá do terreiro Axeloiá. Waldir Oliveira, embora não demonstre qualquer
intimidade com o culto aos orixás, ressalta o fato de ter sido “suspenso”
(chamado) a ogã do Afonjá. E Agostinho da Silva foi ogã no Alaketo (Ri-
sério, 1995). A natureza da pesquisa e das atividades desenvolvidas no
Centro aproximava os intelectuais dos terreiros, além de tentar atender
algumas de suas demandas.
É sabido que desde sua fundação o CEAO havia estabelecido como
objetivo promover intercâmbio acadêmico, fazendo circular entre
Bahia e países africanos, pesquisadores e estudantes. O trabalho de
campo dos pesquisadores na África é expressão desse objetivo. Assim
como as duas turmas de estudantes africanos no Brasil (1961 e 1962).
Da mesma forma que Verger circulava pelo atlântico para realizar pes-
quisas acadêmicas e se nutrir de conhecimentos religiosos, como Costa
Lima e Braga, o intercâmbio promovido pelo Centro estimulava essa
natureza de interação, tal a experiência dos estudantes africanos e a
preferência pelos yorubás, mesma origem étnica dos mais visibilizados
terreiros baianos. No movimento produzido da Bahia para África des-
taca-se a presença de Mestre Didi que já havia publicado alguns livros
com mitos do seu terreiro, o Afonjá e após a viagem em 1967 recolheu
material que mais tarde foi publicado como o livro História de um terrei-
ro nagô (Santos, 1988).
Esse esforço para que representantes da religião e cultura afro-
-brasileira conhecessem e vivessem as raízes de onde emanaram suas
práticas mantidas na Bahia está inserido nesse contexto maior em que
tanto praticantes da religião quanto pesquisadores uniam esforços
para legitimar a prática do candomblé como religião com origens reais
e conhecidas, ou seja, origens africanas. E mais, apresentavam essa
contribuição africana à cultura baiana como um diferencial fundamen-
tal que fazia da Bahia um espaço de coexistência e convivência racial
ímpar. Referendavam a ideia de que o candomblé mantido especial-

118
mente pelas casas mais visibilizadas de Salvador contribuiria para uma
“civilização baiana”, ou seja, uma sociedade marcada pela ideia de de-
mocracia racial freyriana.
O CEAO trabalhava num projeto político para que Salvador fosse
reconhecida no seu diferencial resultado da manutenção de tradições
africanas contribuindo para a visão dessa cidade como uma cidade
africana fora do continente. As pesquisas empreendidas por Costa
Lima, Pessoa de Castro e Braga apresentavam o terreiro em sua inte-
ração com a sociedade uma vez que na dinâmica do terreiro se verifi-
cava a dinâmica da sociedade, a exemplo do estudo de Costa Lima e as
considerações sobre hierarquias, conflitos e interdições (Martins et all,
2000, p. 46-61).
Nesse movimento de valorização dos terreiros, os pesquisadores do
CEAO, nos anos 1960, não priorizaram a dinâmica do racismo em suas
análises e, valendo-se do espaço aberto pela teoria freyriana, podiam
afirmar sua africanidade como modo de justificar e legitimar a aproxima-
ção e trabalho nos terreiros. Verger e Costa Lima tinham sua inserção as-
segurada pelo fato de comungarem do culto aos orixás. Pessoa de Castro
e Oliveira encontraram na mestiçagem a justificativa para, afirmando-se
não brancos, justificarem a aproximação com o mundo dos candomblés
(Oliveira, 2009; Pessoa de Castro, 2012).
Nesse ponto, Oliveira fez a defesa mais aguerrida da mestiçagem
brasileira o que, por sua vez, invalidaria as discussões acerca das hierar-
quias sociorraciais no Brasil. Nas entrevistas utilizadas nesse trabalho,
Oliveira relembra as cobranças para que um homem negro assumisse
a direção do CEAO. Sobre isso, o diretor do CEAO assumiu a mea culpa,
reivindicando ser sua responsabilidade ter aberto espaço para os negros
na universidade o que, por sua vez, deu margem para a busca de outros
direitos, como as cotas raciais das quais também discordava (Oliveira,
2004b; 2009).

119
Vivaldo da Costa Lima, Yêda Pessoa de Castro e Waldir Oliveira, que
são brancos na Bahia, buscavam uma valorização do candomblé, mas
não compartilhariam de outras demandas políticas propostas pelo movi-
mento negro cada vez mais organizado nos anos 1970. Isso não significa
que estavam longe das tensões raciais que se verificavam na universida-
de ao tratar de um tema alvo de grande preconceito e desconhecimento
como o candomblé. Contudo há que se ponderar sobre a relação estabe-
lecida pela universidade com os professores baianos e com os professo-
res estrangeiros que trataram do tema e que, parece, sempre gozaram
de maior prestígio e reconhecimento.
Júlio Braga um homem negro-mestiço (para usar sua categoria) acaba
por representar o contraste. Se um homem como Verger é reconhecido
pelo ingresso no culto aos orixás e o extraordinário que isso significou
para um homem francês, Braga como um homem do povo, mesmo com
a trajetória acadêmica que construiu na vida, é um babalorixá baiano
a semelhança de outros e sua iniciação no continente africano é ainda
hoje alvo de controvérsias para o povo de santo sendo louvada por uns e
questionada por outros.
As tensões raciais vivenciadas pelos professores pesquisadores do
CEAO tomariam nova dimensão nos anos 1970 quando o governo bra-
sileiro investia numa imagem internacional de inexistência de racismo
amparada, cada vez mais, na exposição de expressões culturais numa
conjuntura de grande repressão política. O Ministério das Relações Ex-
teriores, sempre requisitado para, na medida do possível, amparar fi-
nanceiramente as ações de intercâmbio do CEAO, buscou em seus espe-
cialistas os argumentos e representantes da mestiçagem brasileira em
grandes eventos internacionais no continente africano, conforme vere-
mos em outro capítulo.
Em 1969 a pesquisa de campo de Costa Lima foi concluída. Foi tam-
bém neste ano que Yêda e Guilherme Castro rumaram novamente à
Universidade de Ifé, respectivamente, pesquisadora e leitor brasileiro,

120
contra todas as recomendações em contrário em função da instabilidade
política do país. Naquele ano, Vivaldo Costa Lima se dedicaria a analisar
e redigir o texto acerca dos dados obtidos, e Yêda Pessoa de Castro viaja-
va para a coleta de novos dados. Ambos se esforçavam para sistematizar
as pesquisas de uma década em dissertações de mestrado.
Aquele ano marcou a história da universidade com a implementação
de uma ampla reforma universitária que estabeleceu a departamenta-
lização e trouxe novos enquadramentos funcionais. Isso trouxe grande
impacto para o CEAO uma vez que desde 1964 estava difícil justificar à
reitoria a manutenção dos salários daqueles pesquisadores. No final de
1965, Yêda Pessoa de Castro ficou sem contrato com a universidade, o
que Vivaldo entendeu como um “golpe” ao Setor de Linguística (Costa
Lima, 20/10/1965, CEAO). Essa instabilidade é motivo para que a profes-
sora, que desenvolvia atividades de pesquisa no Centro desde 1962, só
se refira oficialmente ao vínculo com o CEAO a partir de 1966, quando um
novo contrato foi estabelecido.
A instabilidade significava limitação nos recursos para o desenvolvi-
mento da pesquisa de modo que Waldir Oliveira teve de responder à
reitoria que as pesquisas estavam entre as prioridades do Centro (Oli-
veira, 19/03/1969, CEAO). Os cursos existiam para discutir conteúdos e
questões trazidas a partir da pesquisa de campo que os pesquisadores se
esforçavam por manter. A situação esteve de tal modo precária que, no
final da década, Waldir tentou vincular Vivaldo e Guilherme como fun-
cionários do CEAO para manter seus salários. Esse contexto de reitera-
das dificuldades institucionais culminou com as mudanças trazidas pela
reforma universitária que subordinou o CEAO, antes vinculado direta-
mente à reitoria, à Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Oliveira,
04/02/1970, 05/03/1970, CEAO). Segundo a narrativa de Yêda

[...] o CEAO deixa de ser órgão autônomo para ficar vincu-


lado regimentalmente à Faculdade de Filosofia e Ciências

121
Humanas e reduzido aos serviços técnicos administrativos
(diretoria, secretaria e biblioteca). Foi extinto seu corpo
docente e de pesquisa, cuja equipe teve de ser relotada em
diversos departamentos da Universidade, havendo entre
eles uma preferência pelo Instituto de Geociências e Facul-
dade de Filosofia e Ciências Humanas, o que possibilitou a
ampliação de departamentos (como o de Antropologia da
FFCH) e o corpo docente dessas unidades, com a introdu-
ção de disciplinas curriculares em assuntos de interesse do
CEAO nas áreas de Geografia, História e Antropologia nos
cursos de graduação oferecidos pela UFBA e, mais recen-
temente, também a nível de pós-graduação em Ciências
Sociais, na linha de pesquisa sobre “O negro no Brasil”.
(Pessoa de Castro, S/N)

Tanto o texto de Yêda Pessoa de Castro anteriormente referido como


uma nota de rodapé de teor semelhante no livro de Costa Lima (2003, p.
40), ao abordar as consequências da reforma universitária, enfatizam as
novas atividades dos professores em detrimento das consequências para
o CEAO que somente anos depois seriam destacadas como uma tentativa
de desmantelamento do Centro (Oliveira, 20/03/1970, CEAO).
Desde então, foram necessárias quase duas décadas para que o
CEAO retornasse à autonomia institucional e orçamentária na UFBA.
O pronto ingresso de Vivaldo e Yêda na primeira turma dos cursos de
mestrado inaugurados na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
da UFBA revela mais que o desejo, a necessidade de obter uma titula-
ção que conferisse respaldo aos pesquisadores e condições de figurar
entre os docentes universitários. Quando defenderam as dissertações,
em 1972, Vivaldo e Yêda já estavam integrados à UFBA como professo-
res universitários. Waldir Oliveira já havia cursado uma especialização
na França e ocupava o posto de professor adjunto na Universidade
desde 1967 sem, portanto, uma necessidade institucional de novo tí-

122
tulo. Júlio Braga não tardou e cursou seu mestrado na UFBA tendo-o
concluído em 1975.
A vinculação dos professores à Faculdade e, por consequência, a
diminuição das atividades do Centro27 não arrefeceu o interesse pelo
mesmo. O grupo mais estreito de professores pesquisadores que teve
sua trajetória marcada pelo trabalho no Centro de Estudos continuaria a
mantê-lo como espaço prioritário para suas atividades. As disputas pela
sucessão na diretoria do CEAO revelam quão importante foi a manuten-
ção do espaço que construíram na universidade. Após Waldir Oliveira
dirigir o CEAO entre 1961 e 1972, assumiram Guilherme Castro, entre
1972 e 1979; Nelson Araújo entre 1979 e 1981, Yêda Pessoa de Castro
entre 1982 e 1991 e Júlio Braga entre 1991 e 1994.

27 
Uma evidência dessa fase do CEAO é a revista Afro-Ásia que vinha sendo publicada
ininterruptamente até 1970 e experimentou grande irregularidade desde então.

123
CAPÍTULO 3

UM BRASIL NEGRO? NO SENEGAL COM PEDRO MOACIR


MAIA, INTELECTUAIS, DIPLOMATAS
E ARTISTAS (1960-1970)

FIGURA 4 – Recepção ao presidente Leopold Senghor em Salvador. CEAO

Nas dependências da biblioteca do CEAO há uma pequena fotografia


de Leopold Sedar Senghor que o mostra garbosamente vestido, a osten-
tar insígnias e honrarias, tendo ao fundo estantes de livros compondo
uma pequena imagem oficial. A razão que justificaria a exposição de tal
imagem é uma narrativa corrente na instituição de que o estadista africa-
no teria visitado o CEAO. Mesmo que ninguém saiba localizar exatamente

125
quando teria ocorrido tal acontecimento, o porquê da visita ilustre esta-
ria associado à importância do Centro e suas relações com o continente
africano num passado glorioso. No entanto, uma pergunta se impõe: a
visita de um presidente do porte de Senghor num órgão da Universidade
Federal da Bahia não poderia ter merecido maior destaque? Onde esta-
riam os recortes jornalísticos e fotografias que rememorariam tal feito? É
sabido que Senghor esteve em Salvador, como vemos na Figura 4, onde
recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela UFBA mas não foi encon-
trado no acervo do CEAO nenhum registro mais específico de que tenha
estado no Centro de Estudos.
Este capítulo discute encontros e desencontros entre Brasil e Senegal;
entre Pedro Moacir Maia, a Bahia, o CEAO e instituições educacionais e
culturais nesse país da África ocidental ao longo dos anos 1960. Versa
sobre o desenvolvimento da política cultural brasileira frente à afirmação
de valores africanos da negritude e à organização do Estado senegalês.
Ao se aproximar do Senegal, o que o Brasil tinha a apresentar?

Um baiano em Dacar
Pedro Moacir Maia foi o selecionado para seguir a Dacar, capital do
Senegal. Tratava-se de um profissional jovem, com cerca de trinta anos e
solteiro conforme havia solicitado a Universidade de Dacar à Universida-
de da Bahia (Embaixada Brasileira em Dacar, 20/02/1964, AHI). Maia era
professor de língua portuguesa na UFBA e também no Colégio Central e
partiu para atuar no Senegal levando cerca de 900 livros doados pelo
reitor Edgard Santos e a disposição em ensinar em terras distantes. Sua
chegada ao Senegal foi registrada num informe no Jornal Paris-Dakar em
17 de janeiro de 1961 como um “funcionário da Secretaria do Estado
Brasileiro de Relações Exteriores”. As primeiras referências ao trabalho
de Maia no Senegal, além de associá-lo ao Itamaraty, já o apresentam
como leitor de língua portuguesa (Paris-Dakar, 17/01/1961, CEAO).

126
Tanto o diálogo entre as universidades, desde maio de 1960, como
o desembarque de Maia ocorreram antes da formalização de uma polí-
tica de aproximação do governo brasileiro frente ao continente africano
anunciada após a posse do presidente Jânio Quadros, em março de 1961.
Se for consenso que somente a partir de então algumas medidas foram
tomadas no sentido de promover aproximação com a África, como expli-
car a vinculação anterior de Maia?
Uma possibilidade é que o jornal senegalês especulasse e anteci-
passe sobre essa vinculação efetivada tão logo o estabelecimento da
nova diretriz da política internacional brasileira que já vinha sendo de-
batida – e aguardada - por alguns setores no Brasil e pelos novos go-
vernos africanos. O Paris-Dakar, ao noticiar a abertura da exposição dos
livros enviados da Bahia, considerou aquela doação como “ato inau-
gural das relações culturais entre o Brasil e o Senegal” (Paris-Dakar,
17/01/1961, CEAO). Certo era o interesse da Universidade de Dacar
pelo trabalho do professor.
Uma sala na Faculdade de Letras era o local de trabalho do novo pro-
fessor de língua portuguesa. O leitor era responsável por turmas para o
ensino da língua e literatura brasileira, sua especialidade. Temos notícia
de que o curso se iniciou em outubro de 1960, com o reinício do ano leti-
vo da instituição. A revista Visão, em 1962, informou que Maia trabalhava
e morava na Universidade tendo transformado sua sala “numa verda-
deira mostra de publicações, livros e artes plásticas” (Visão, 14/09/1962,
CEAO). Ensinava trinta e cinco alunos.

127
Figura 5 – Pedro Maia em conferência na Faculdade de Letras da Universidade de Dacar.
Paris-Dakar, 29/03/1961, CEAO

Não foi por acaso que a universidade convidou um professor brasi-


leiro. Essa prioridade foi dada em função de motivos bastante relevantes
para os senegaleses. Sob o comando do estadista e poeta Leopold Sedar
Senghor, o Senegal dava seus primeiros passos como um Estado indepen-
dente e buscava colaboradores que não fossem favoráveis à manutenção
da colonização. Daí a prioridade para o Brasil em relação a Portugal ou
a outros países europeus uma vez que não havia interesse num ensino
com “pronúncia e orientação marcadamente portuguesa” (Embaixada

128
Brasileira em Dacar, 20/02/1964, AHI). Ao acolher e estimular o ensino
de língua portuguesa, o Senegal reforçava seu posicionamento favorável
à descolonização dos países africanos ainda sob domínio português e
atribuía um papel de destaque para o Brasil. Senghor oficializou o ensino
dessa língua no país em 1961 (Visão, 14/09/1962, CEAO).
Evidência disto é o intelectual que tornar-se-ia um grande colabora-
dor de Pedro Maia na atividade docente. Exilado no Senegal, Benjamin
Pinto Bull era guineense e engajado na luta pela libertação das colônias
portuguesas. Diferentemente de outros reconhecidos pela luta contra a
metrópole, Bull defendia um processo gradual e, portanto, diferenciava-se
por não ser favorável à luta armada. Assim como muitos líderes antico-
loniais, Bull foi acolhido por Senghor do qual se tornou grande amigo
(Amado, 2005). Este professor também auxiliou no desenvolvimento do
ensino de português no país. Em 1961, Maia respondia por duas turmas
na Universidade de Dacar e Bull era titular nos dois principais liceus –
instituições de ensino secundário - do país (Embaixada Brasileira em
Dacar, 20/02/1964, AHI).
Mesmo que o interesse pela língua portuguesa, entre os estudantes,
não sobrepujasse o interesse pelas línguas francesa e espanhola, o tra-
balho do leitor brasileiro agradava. Ao final de cada ano letivo, o dire-
tor da Faculdade de Letras, Sr. Pierre Nardin, fazia chegar à embaixada
brasileira uma carta com as melhores recomendações referentes ao tra-
balho de Maia bem como o pedido para sua manutenção em tal posto
(Embaixada Brasileira em Dacar, 25/07/1962, AHI). Havia ainda o curso
de literatura brasileira, cujas discussões incluíam alguns autores brasilei-
ros (Embaixada Brasileira em Dacar, 20/02/1964, AHI)28 e uma questão

Discutia-se Castro Alves, Joaquim Nabuco e Jorge Amado. Depois Gonçalves Dias, Ma-
28 

chado de Assis e Graciliano Ramos.

129
geral sobre o Brasil, e integralizava o curso de literatura latino-americana
da faculdade.
A Universidade de Dacar não somente convidou um professor como
se disponibilizou para receber alunos brasileiros. Maia assessorou essa
interessante modalidade de intercâmbio. Não foram encontradas, na
correspondência diplomática, maiores informações sobre a seleção dos
alunos para seguirem a Dacar. O fato é que em 1961 seis alunos brasi-
leiros de graduação realizavam diferentes disciplinas como bolsistas da
Universidade, conforme quadro a seguir.

Cursos Universidades
Cursos realizados na
Discentes realizados brasileiras
Universidade de Dacar
no Brasil de origem
Vera Elisabeth Vivacqua Ciências UMG Sociologia Geral; Civilização
Von Tiesenhausen Econômicas Mulçumana e Francês

João Batista da Fonseca Filosofia UMG Gramática e Filologia


francesas; Civilização
Latino-americana
Hiltom Roberto Ciências
de Almeida Econômicas UMG Psicologia Geral

Roberto Valfredo Bicca Filosofia e direito URGS Civilização Mulçumana;


Pimentel Literatura Francesa
e Espanhola

Dorothéa Blauth Filosofia URGS Psicologia Geral


e Psicologia Social

Maria Dulce Porto Brasil Direito URGS Direito Internacional privado;


Civilização Mulçumana
e Francês
Estudantes brasileiros bolsistas da Universidade de Dacar em 1961.
Embaixada Brasileira em Dacar, 26/02/1962, AHI

130
O leitor brasileiro acompanhava a dinâmica dos estudantes na terra
estrangeira de modo que, ao solicitar pequena verba suplementar para
os estudantes, acabou por detalhar dificuldades enfrentadas. A principal
justificativa para a concessão de cinquenta dólares mensais a cada um
deles era o “altíssimo custo de vida local” (Embaixada Brasileira em Da-
car, 08/12/1962, AHI). Um pouco mais da experiência desses estudantes
pode ser conhecida a partir de uma correspondência enviada por Pedro
Maia a Vivaldo da Costa Lima, em fins de 1961. Com mais informalidade
e detalhes Maia narrou sua apreensão com o “escandaloso” isolamento
dos brasileiros em relação aos africanos.

Imagine: quando só tinham chegado dois porretinhas bra-


sileiros, tudo estava ótimo, encontrávamo-nos de vez em
quando, sentávamo-nos no refeitório ao lado de todo mun-
do, etc. No dia 6 chegaram três meninas, e outro rapaz:
houve um avança dos rapazes franceses e libaneses sobre
as meninas, e para melhor eficiência deste avança, cercaram
também os rapazes. Daí, é claro, colóquios, passeios, cine-
mas, praias... O que estava bem, se não passasse a haver
também exclusividade ao sentar a mesa das refeições... Fi-
cou tão escandaloso o fato de os brasileiros só andarem em
grupos, em só com os outros... brancos, que começaram os
murmúrios, e graças ao Pinto Bull, fiquei informado do que
estava se passando. No entanto, desde a chegada de todos,
recomendei-lhes, entre outras coisas, e acima de todas, es-
tas: não sentem todos juntos à mesa, não fiquem constante-
mente em grupos isolados ou só com as minorias francesas!
Não deram ouvidos e agora... Escrevi uma circular, grave, ur-
gente e confidencial, chamando-lhes a atenção, há dois dias.
E há poucos minutos, interromperam-me dois gaúchos, para
trazer-me um bonito lenço de presente de Natal... Disse-lhes
que o presente que esperava era a confraternização com
seus colegas africanos. (Maia, 24/12/1961, CEAO)

131
A falta de integração entre os estudantes brasileiros brancos com os
estudantes senegaleses negros preocupava o professor por uma questão
básica, mesmo que complexa. A suposta integração racial e a ausência de
conflitos entre brancos e negros, no Brasil, eram o argumento prioritário
das relações internacionais propostas pelo Itamaraty na segunda metade
do século XX. Ao veicular a existência de uma democracia racial, o Brasil
seria um exemplo não apenas para os países africanos como para as na-
ções desenvolvidas a exemplo dos Estados Unidos, cujos conflitos raciais
estavam na ordem do dia. O Itamaraty, a partir do governo de Jânio Qua-
dros, havia iniciado ações no sentido de promover uma aproximação do
Brasil com países africanos onde se insere o envio dos leitores brasileiros
para ensinar a língua e divulgar o país e a criação de embaixadas. A preo-
cupação de Maia revela como estava consciente do seu papel como um
agente da política externa brasileira mesmo que recebesse bem pouco
para isso.
O governo senegalês e a Universidade de Dacar fizeram o contato ini-
cial e demonstraram um interesse maior em estabelecer relações com o
Brasil. O oferecimento de condições para o estabelecimento do leitor e a
oferta de bolsa aos estudantes brasileiros reforçam esse entendimento.
Para o nosso governo, a presença de um professor brasileiro, a manu-
tenção dos cursos de português e a presença dos estudantes brasileiros
eram possibilidades de difusão de uma imagem positiva do nosso país
num destacado país africano.
Maia, uma vez no Senegal, passou a fazer parte dos esforços do Brasil
no continente. Portanto o caso dos estudantes não podia permanecer e
muito menos chegar aos jornais de modo a questionar a imagem inter-
nacional. Na mesma oportunidade o professor revelou como esse pro-
blema partia também da embaixada brasileira, em fase de instalação,
através de um novo funcionário, “que detesta isso aqui e os... pretos”
cujas “opiniões e impaciências” poderiam ter influenciado os adolescen-
tes (Maia, 24/12/1961, CEAO).

132
Neste exemplo, vemos que o esforço brasileiro em direção ao con-
tinente africano, através do estabelecimento de novas representações,
não foi devidamente acompanhado por alguns – ou muitos – dos fun-
cionários designados, cuja distância e repulsa em relação a negros e ao
continente eram compartilhadas pela instituição da qual faziam parte, o
Itamaraty29. Em 1962, informações sobre esse trabalho especial de Maia
foram enviadas de modo a tranquilizar o Itamaraty: a ausência de pro-
blemas com o comportamento dos estudantes brasileiros “é a melhor
propaganda da atitude natural dos brasileiros em relação às pessoas de
cor” (Embaixada Brasileira em Dacar, 08/12/1962, AHI).
O intercâmbio acadêmico teve seu fluxo de estudantes do Senegal
para o Brasil através da primeira turma de estudantes africanos que veio
para a Bahia, em 1961. A iniciativa fazia parte das ações estabelecidas
por nosso país para a aproximação política com o continente africano. O
Centro de Estudos Afro-Orientais se esforçou para que o curso de língua
portuguesa fosse realizado em sua sede, na Universidade da Bahia.
Incentivar intercâmbio acadêmico era uma das propostas do CEAO
e seus primeiros membros, como Agostinho da Silva, Waldir Oliveira e
Vivaldo da Costa Lima, participaram das discussões que delinearam a
política (cultural) em direção à África, em que a proposição desse in-
tercâmbio é um dos principais exemplos. Tanto Pedro Maia como Costa
Lima, que atuava como leitor brasileiro em Ibadan, foram responsáveis
por arregimentar os estudantes para virem ao Brasil. A narrativa da
experiência pioneira dos estudantes africanos no Brasil, chegados em
1961 e 1962, revelou os meandros da política brasileira marcada por
improviso e descontinuidade sendo evidentes os esforços e a insistên-
cia de agentes individuais, a exemplo dos dois professores envolvidos,

29 
Essa discussão viria à tona com Abdias do Nascimento que declararia, no ano seguin-
te, que “o Itamaraty era o primeiro a adotar o racismo, pois não tinha negros em seus
quadros” (Diário Carioca, 28/04/1962, CEAO).

133
que por diferentes motivos não prescindiram dessa interação (Reis,
2010, p. 93-124).
A turma de estudantes organizada no Senegal por Maia marcada por
sua heterogeneidade, a incluir um estudante francês, Claude Cros, uma
mulher, Colette Diallo, e um militante do Partido Africano para Indepen-
dência de Guiné-Bissau e Cabo Verde (PAIGC), Fidelis Cabral D’Almada,
fez questionar estereótipos em relação à realidade africana veiculados
na Bahia, onde desembarcaram. A presença, o elevado nível de escola-
rização e articulação política dos estudantes revelavam que os africanos
estavam longe das ideias de falta de civilização atribuídas ao continente.
Tal diversidade descortina os diferentes circuitos que Pedro Maia viven-
ciava em Dacar e que parecem tê-lo colocado bastante aproximado das
lutas contra a colonização portuguesa, tema propositadamente silencia-
do na ofensiva brasileira.
Ao conhecer informações sobre a trajetória acadêmica de Fidelis Ca-
bral, registradas numa reportagem brasileira, é impossível dissociá-lo da
luta anticolonial (Visão, 12/01/1962, CEAO). Sua presença como estudan-
te permitiu atuar como representante do PAIGC no Brasil. Cabral teve
sua vida bastante investigada pela PIDE, a polícia política portuguesa,
e pelo Itamaraty no país, sendo preso após o golpe militar de 1964 e
rapidamente liberado após intervenção do presidente senegalês e seu
embaixador no Brasil (Embaixada Brasileira em Dacar, 11/02/1964, AHI;
Dávila, 2011, 148-154). O estudante logo deixou o país.
Outros dois militantes presos, desta vez angolanos, Fernando Costa
Andrade e José Lima Azevedo, foram libertados pouco depois após notí-
cia veiculada no Le Monde, em Paris, e muito lido no Senegal. Buscava-se
evitar que o caso, divulgado internacionalmente, se tornasse um escân-
dalo a evidenciar a perseguição do governo brasileiro aos nacionalistas
africanos (Embaixada Brasileira em Dacar, 02/05/1964, 08/05/1964,
AHI). Em tempos de descolonização, em que se tornaria cada vez mais
crítica a situação das colônias sob domínio português, seria um verda-

134
deiro contrassenso se o Brasil entregasse ao governo português perse-
guidos políticos africanos estudantes no Brasil. Nos anos que seguiram
após o novo governo em 1964, o Brasil se aproximaria mais do governo
português colonialista em detrimento das relações com países africanos
(Dávila, 2011, 148-154).
Benjamim Pinto Bull, principal colega de trabalho de Maia, também
tentou vir ao Brasil. A visita chegou a ter um parecer positivo sendo de-
saconselhada, com recomendação para a recusa do visto, após reconhe-
cimento do ativo envolvimento do professor guineense na luta anticolo-
nial (MRE, 05/04/1963, 06/08/1963, 12/08/1963, AHI). Bull foi o único
líder anticolonial recebido pelo presidente português. Maia sabia qual
o motivo para o embargo, mas em 1963, argumentava com o ministro
do Itamaraty que o professor guineense precisava conhecer o nosso país
em função do ensino do português. “O senhor não precisa ter receio que
ele faça declarações sobre o regime apolíneo de Salazar e a situação das
colônias portuguesas em África”, dizia o leitor (Embaixada Brasileira em
Dacar, 08/02/1963, AHI).
Com o anúncio da política africana, a partir de 1961, anticolonialistas
buscaram o Brasil, a exemplo do estudante Cabral ou do professor Bull.
Embora, de modo discreto, o Brasil esforçava-se em impedir a presença
dessas pessoas no país. Em 1967, noutra oportunidade, ao propor ativi-
dades culturais, Pedro Maia sugeriu que o Brasil convidasse o senegalês
Sembene Ousmane, um dos mais importantes escritores e cineastas do
continente africano, cujo trabalho fazia grande crítica ao neocolonialis-
mo. (Embaixada Brasileira em Dacar, 30/10/1967, AHI). O leitor brasi-
leiro se esforçava, porém não há registro que Sembene tenha vindo ao
Brasil. Bull visitou o CEAO em 1978, após as independências das colônias
portuguesas (Castro, 07/12/1978, CEAO).
Alguns intelectuais e artistas brasileiros, após perseguição política e
ideológica pós 64, seguiram para o continente africano. De acordo com
a narrativa do então professor de história na Bahia, Paulo Fernando de

135
Moraes Farias, sua saída clandestina do Brasil em direção a Acra, Gana,
contou com a fundamental recepção de Maia em Dacar. Era necessário
confirmar a disposição da Universidade de Gana em recebê-lo para um
curso de mestrado cuja tramitação estava em andamento. Interessan-
temente os contatos do Senegal para Gana, para o estabelecimento de
Farias, foram realizados através de militantes do PAIGC e suas redes de
comunicação (Moraes Farias, 2010).
O nome de Farias figura na documentação do Itamaraty em Dacar,
no ano de 1966, a solicitar um pequeno auxílio financeiro semestral
concedido a estudantes. Naquele ano era referido como um “professor
e pesquisador [...] beneficiário de bolsa de estudos da Ecole Française
d’Afrique, da Universidade de Dacar” (Embaixada Brasileira em Dacar,
21/09/1966, AHI). O professor mantinha sua condição de autoexílio e a
solicitação do limitado recurso à embaixada era uma estratégia para a
própria manutenção no exterior.
Em 1964, Antonio Pitanga esteve em Dacar e em várias outras capi-
tais da África Ocidental expondo o filme Ganga Zumba. Segundo Dávila, a
iniciativa buscava evitar uma possível prisão em função do conteúdo de
seus filmes, que no exemplo citado, evidenciava a luta contra coloniza-
dores portugueses. A viagem teria sido acertada com o chefe do Depar-
tamento Cultural do Itamaraty e de acordo com a entrevista de Pitanga,
obteve declarada objeção na embaixada brasileira em Lagos, Nigéria
(Dávila, 2011, p. 106-107). Embora outras embaixadas não se opusessem
explicitamente quanto à projeção daquele filme, o embaixador brasileiro
em Dacar, Francisco Chermont Lisboa, relatou sua impressão a respeito
daquele filme, taxando-o de “ridiculamente mau” (Embaixada Brasileira
em Dacar, 08/02/1965, AHI).
A circulação de pesquisadores, estudantes, políticos e artistas
pelo Atlântico, incentivada pela instalação de embaixadas na África
ocidental, não impediu que personalidades com perspectivas e posi-
cionamentos políticos diferenciados em relação à postura oficial do

136
governo brasileiro também o fizessem, conforme os casos citados. O
Brasil ensaiava uma aproximação com países africanos, todavia não
questionava o colonialismo português e, internamente, não permitia
posicionamentos de afirmação negra que confrontassem a ideologia
da democracia racial. Regimes autoritários, anticolonialismo, racismo
eram temas candentes nas discussões e ações ao longo da década de
1960 entre Brasil e África.
Entre outras personalidades brasileiras que também se deslocaram
em direção a Dacar e contribuíram para uma divulgação do Brasil estão
o geógrafo e professor da UFBA, Milton Santos, que “pronunciou série de
conferências na Universidade de Dacar com pleno êxito”em 1962 e foi
cotado para assumir a embaixada brasileira em Acra (Embaixada Brasi-
leira em Dacar, 18/01/1962, AHI). O jornal Dakar-Matin, em 14 de feve-
reiro de 1962, estampou uma entrevista com o professor e trazia como
título sua afirmação: “O Senegal, capital cultural da África de expressão
francesa” (Embaixada Brasileira em Dacar, 15/02/1962, AHI).
Conferências na Universidade de Dacar foram anunciadas pelo jor-
nalista Marcio Moreira Alves, em junho de 1962, sob os títulos “Evolução
econômica do Brasil” e “Brasil de hoje” (Embaixada Brasileira em Dacar,
11/06/1962, AHI)30. Maria Helena Cros, que havia se casado com Claude
Cros, quando este foi bolsista no CEAO, seguiu junto com o marido para
Dacar onde continuou seus estudos de psicologia na Universidade de Da-
car entre 1965 e 1966 (MRE, 26/08/1965, AHI).

Maia, adido cultural


A instalação da embaixada brasileira em Dacar se deu em maio de
1962. Antes disso havia um consulado brasileiro cuja atuação remonta

Marcio Moreira Alves, bacharel em direito e jornalista, representava a Revista Visão


30 

e o Jornal Última Hora.

137
aos anos 1940 em função da Segunda Guerra Mundial e da localização
estratégica que o Senegal ocupara (Sombra Saraiva, 1996). Para a organi-
zação dessa nova unidade de representação brasileira na África ocidental
inicialmente foi enviado como encarregado de negócios, em 1961, Carlos
Augusto de Carvalho e Souza e finalmente designado o embaixador Fran-
cisco de Chermont Lisboa em maio de 1962.
Tanto um quanto outro não deixaram de registrar o auxílio prestado
por Pedro Maia nessa empreitada. Carvalho destacou sua “rara dedica-
ção” e “excelente e produtivo trabalho” (Embaixada Brasileira em Dacar,
16/01/1962, AHI), e Lisboa informava: “De minha parte encontrei no
professor Maia um colaborador inteligente e dedicado, de ajuda precio-
sa mormente nos difíceis momentos por que passo, sem o necessário
pessoal para o serviço desta missão diplomática” (Embaixada Brasileira
em Dacar, 09/07/1962, AHI). Ausência de pessoal era uma constante nas
anotações das novas missões africanas. Em decorrência disso, a presen-
ça dos leitores que tinham estímulo próprio, contatos e conhecimento
sobre o local era fundamental.
Dentre os objetivos a serem perseguidos com o estabelecimento
dessas relações de aproximação, iniciadas em 1961, constava uma
política de presença e visibilidade do Brasil ancorada na ideia de mul-
tirracialidade da sociedade brasileira. A divulgação de nossa riqueza
cultural seria uma maneira de fazer o Brasil conhecido. Deste modo, o
interesse pelo tema das atividades culturais era constante na corres-
pondência em Dacar.
Em abril de 1961, o cônsul agradeceu uma remessa de discos na qual
destacou Batucada fantástica de Luciano Perrone que demonstraria a “in-
fluência africana no folclore brasileiro” (Embaixada Brasileira em Dacar,
10/04/1961, AHI). Em maio, registrava a exibição dos filmes brasileiros
Petrobras e Manhã na roça na Faculdade de Letras da Universidade de
Dacar ao tempo que os requisitava para exibição nas outras cidades pró-
ximas como Acra e Ibadan (Embaixada Brasileira em Dacar, 31/05/1961,

138
AHI). Em novembro de 1962, o embaixador anunciava a exibição de
um programa de rádio sobre o Brasil (Embaixada Brasileira em Dacar,
22/11/1962, AHI). Em março de 1963, remetia um recorte de jornal a no-
ticiar uma conferência de Maia na Universidade de Dacar sobre “influên-
cias culturais negro-africanas no Brasil” que teria causado “repercussões
favoráveis nos meios intelectuais senegaleses” (Embaixada Brasileira em
Dacar, 04/03/1963, AHI). Em março de 1964, remetia um artigo publica-
do por Maia sobre o carnaval no Brasil (Embaixada Brasileira em Dacar,
13/03/1964, AHI).
A importância atribuída às atividades culturais pode ser verificada
com os relatórios enviados pela embaixada. A cobrança era recorrente.
Igualmente recorrente era a requisição de condições para efetivá-las. Em
julho de 1962, o embaixador Chermont Lisboa justificava a impossibili-
dade de preencher as fichas sobre as exposições culturais, pois nenhuma
havia sido realizada no primeiro semestre e não havia nenhuma progra-
mada para o segundo.

Esta missão diplomática está ainda em instalação, sem os ele-


mentos materiais e o pessoal necessários para um rendimen-
to normal. Entretanto já poderia atuar para a organização de
exposições e outras atividades de propaganda do Brasil neste
país. [...] apreciaria receber sugestões, diretrizes e material o
mais abundante possível, pois acho-me muito isolado aqui,
alheio ao que se passa nos outros postos e mesmo na secre-
taria do estado. [...] penso ser interessante qualquer exibição
que mostre aos africanos a realidade brasileira sob vários
aspectos, especialmente em relação à arquitetura, ao desen-
volvimento industrial, às artes, etc. (Embaixada Brasileira em
Dacar, 30/07/1962, AHI)

O texto finalizava com a sugestão de uma exposição itinerante sobre


Brasília, a circular por vários países da África ocidental que o mesmo

139
se dispunha a organizar com a devida antecedência. As proposições do
embaixador revelam que a política de presença do Brasil no continente
incluía a divulgação do nosso desenvolvimento industrial e arquitetô-
nico de modo a construir um mercado consumidor (Dávila, 2011, p.
269-296).
Grande oportunidade para investir na divulgação do repertório cul-
tural brasileiro no continente africano surgiu com o I Festival de Artes
Negras proposto pelo presidente senegalês Senghor e programado
inicialmente para fins de dezembro de 1965. Quando foi devidamente
informado, em dezembro de 1963, Chermont Lisboa comunicou à secre-
taria do MRE, ressaltando a expectativa em torno da “pronta resposta do
Governo Brasileiro” em razão “da participação africana na constituição
étnica da gente brasileira, e consequente influência na sua formação ar-
tística”. Era necessário indicar os nomes para uma comissão a qual, por
sugestão do embaixador, deveria recepcionar o presidente Senghor na
visita ao Brasil acertada para o segundo semestre de 1964 (Embaixada
Brasileira em Dacar, 12/12/1963, AHI).
Em 1º de janeiro de 1964, Pedro Moacir Maia passou a atuar como
adido cultural na embaixada brasileira em Dacar. A nova vinculação pare-
ceu responder aos apelos dos interessados na manutenção das relações
Brasil-África. Simultaneamente, Adhemar Ferreira da Silva, campeão de
salto olímpico, “o homem mais condecorado do Brasil”, foi designado
a atuar como adido na embaixada do Brasil em Lagos (Dávila, 2011, p.
101.). Waldir Oliveira, no CEAO, foi informado por telegrama de Scarabo-
tolo acerca das novas nomeações (Oliveira, 02/01/1964, CEAO).
Se havia expectativa em torno das atividades que estavam progra-
madas para os anos seguintes a envolver Brasil e Senegal no âmbito
cultural, as atividades de Maia não parecem ter sofrido grande altera-
ção. Ao final de seu primeiro ano como leitor e adido, correspondências
enviadas pela embaixada buscavam historiar as atividades culturais
realizadas que ainda eram marcadas por mais sugestões e solicitações

140
que realizações. Continuavam a esperar em Dacar discos, fotografias,
filmes, folhetos em francês, livros e revistas (Embaixada Brasileira em
Dacar, 15/12/1964, AHI). Como novidade, Maia sugeria a instalação de
um centro cultural brasileiro onde as pessoas poderiam de modo livre
“frequentar o local e a folhear e a ler nossas revistas e livros. Pense-se
em especial nos cabo-verdianos que, habitando e trabalhando em Da-
car, estão aos poucos esquecendo nossa língua e perdendo completa-
mente a vinculação com a cultura luso-brasileira” (Embaixada Brasileira
em Dacar, 15/12/1964, AHI).
Nenhuma resposta do Itamaraty para Maia sobre seu interesse em
estender o ensino da língua portuguesa ao grande contingente de gui-
neenses e caboverdianos que habitava em Dacar. Maia não seria o único
a lembrar desse público como uma possibilidade para a expansão da
influência do Brasil (Visão, 14/09/1962, CEAO). É preciso salientar que
esse público estava no Senegal – país limítrofe – a fugir da colonização
portuguesa, inserido nos extratos mais baixos da sociedade, realizando
os trabalhos mais duros e, portanto, fora das instituições escolares. O
que esperar do Itamaraty se sequer um novo filme brasileiro com legen-
da em francês chegava a Dacar para dinamizar as atividades culturais
(Embaixada Brasileira em Dacar, 17/02/1965, AHI)?
O tom do embaixador mudou quando foi questionado por não infor-
mar o uso da verba cultural em 1965. A cobrança estendia-se ao adido
cultural: estaria cumprindo suas funções? Além de descrever cada uma
das atividades realizadas ao longo do ano, Chermont Lisboa foi taxati-
vo ao caracterizá-las como “improvisação”. E interrogou “como realizar
manifestações desta espécie sem a presença em Dacar de musicistas, de
artistas, de personalidades brasileiras de prestígio, sem dispor essa em-
baixada de filmes?” (Embaixada Brasileira em Dacar, 27/12/1965, AHI).
O embaixador defendeu o adido cultural reivindicando reconhecimento
dos esforços empreendidos na embaixada que funcionava em tão difí-
ceis condições. Escreveu que Maia

141
tem amplos conhecimentos ou ao menos variada informação
dos aspectos da nossa cultura e é um entusiasta da aproxima-
ção entre o Brasil e os países africanos. Cumpre suas funções
conscienciosamente, como os demais funcionários dessa mis-
são, que, em número reduzido e na difícil situação própria dos
países recém independentes da África, procuram dar o máxi-
mo de rendimento ao seu trabalho. (Embaixada Brasileira em
Dacar, 27/12/1965, AHI)

Um acordo com o Senegal


Desde o delineamento das primeiras ações para aproximação brasi-
leira, nas reuniões do Itamaraty em 1961, o Senegal se fez presente atra-
vés da proposição de um acordo cultural que, dentre outros aspectos,
criava cadeira de estudos brasileiros na Universidade de Dacar e no ensi-
no secundário. A minuta desse acordo, cuja redação teve participação do
diretor fundador do CEAO, passou a ser discutida mais intensamente de
modo que estivesse pronta quando o presidente senegalês viesse ao Bra-
sil(Embaixada Brasileira em Dacar, 12/06/1964, AHI). Contudo essa ação
preconizada no documento só poderia ser efetivada com a concretização
desse acordo cuja discussão parecia ser resultado muito mais da recep-
tividade e interesse do governo senegalês e da Universidade de Dacar do
que do governo brasileiro. Uma das funções do novo adido era trabalhar
na finalização desse texto e auxiliar na organização dessa visita oficial.
A visita do presidente Leopold Senghor ao Brasil foi uma proposição se-
negalesa. De acordo com Dávila, o presidente insistiu para vir ao Brasil e sua
visita, acertada antes do golpe militar, foi confirmada para o mês de setem-
bro de 1964. O historiador analisa que, no Brasil, o presidente aproveitou-se
da ambiguidade brasileira em relação à descolonização para defendê-la

[...]testando seu potencial para influenciar o Brasil a adotar


uma posição mais neutra ou, melhor ainda, a desempenhar
o papel de mediador entre os movimentos nacionalistas e o

142
governo português [...] projetando uma visão do Brasil como
líder de uma “comunidade afro-luso-brasileira” de nações in-
dependentes. (Dávila, 2011, p. 159)

Não é possível delinear qual intervenção do adido brasileiro e demais


membros da embaixada para que o estadista não deixasse de visitar a
Bahia. Certamente acompanhou com proximidade a organização. Foi a
Pedro Maia que o diretor do CEAO, Waldir Oliveira, escreveu agradecen-
do informações. “Sabíamos que ele viria até aqui, mas não tínhamos a
certeza de quando isso se daria. Agora sabemos que será em setembro”
(Oliveira, 19/06/1964, CEAO). A correspondência faz referência às suges-
tões de Maia para visibilizar a presença ilustre na Bahia citando a publi-
cação de um suplemento especial nos jornais locais e a organização de
uma exposição de arte africana (idem).
No Brasil, Senghor visitou Recife, Rio de Janeiro, Salvador, Brasília e
São Paulo. “Ouviu pacientemente longos discursos sobre as virtudes do
sistema de relações raciais do Brasil e fez declarações cutucando as ideias
brasileiras sobre a África portuguesa” (Dávila, 2011, p. 157). Assinou o
acordo cultural entre os dois países. Na Bahia, o presidente Senghor foi
recepcionado pelo reitor da UFBA, Miguel Calmon, do qual recebeu o
título de Doutor Honoris Causa. Em sua conferência, afirmou os valores da
negritude: “Por ser do homem e por ser imaginação, a negritude é huma-
nismo” (Toutain et al, 2011, p. 69). Jantou com o Governador do Estado
Lomanto Júnior, o professor Renato Mesquita e o diretor do CEAO, Waldir
Oliveira, no Palácio da Aclamação, sede do governo estadual.
Após a assinatura, em 1964, o acordo cultural ainda levaria algum
tempo até que fosse revisado e ratificado pelos países. A existência desse
documento formal não resultaria numa intensificação de ações no plano
cultural. Ao contrário disso, as ações de intercâmbio cultural diminuiriam
tal qual o declínio do interesse do governo brasileiro pelas relações Bra-
sil-África ao longo daquela década.

143
O embaixador Chermont Lisboa, em 1965, pouco mais de um ano de-
pois da assinatura, argumentaria junto ao ministro brasileiro sobre a fal-
ta de justificativa para a suspensão definitiva de bolsas brasileiras para
estudantes senegaleses. Para tanto, lembrava que, desde 1961, onze es-
tudantes brasileiros haviam sido bolsistas da Universidade de Dacar con-
trapondo-se a apenas dois bolsistas senegaleses acolhidos pelo governo
brasileiro no mesmo período. “Tanto mais que os constantes pedidos de
informação a respeito assim como os discursos do presidente Senghor
são testemunho vivo do interesse dos estudantes e das elites deste país
pelo nosso” (Embaixada Brasileira em Dacar, 09/12/1965, AHI), acres-
centava. Sua correspondência iniciava lembrando que o intercâmbio de
bolsistas era o “ponto dos mais significativos do acordo cultural” (idem).
O acordo foi ratificado em 24 de maio de 1967 pelo novo embaixa-
dor brasileiro em Dacar, Raul Henrique Castro e Silva de Vincenzi. Em
julho, o adido cultural, Maia, remetia um relatório com dez páginas
acerca do “aperfeiçoamento das atividades culturais do Itamaraty” (Em-
baixada Brasileira em Dacar, 05/07/1967, AHI). Em relação às sugestões
não havia novidades. O índice, abaixo transcrito, destacava os pontos
abordados. Em outubro, Maia enviava pontos semelhantes para uma
tentativa de implementação do acordo (Embaixada Brasileira em Dacar,
30/10/1967, AHI).

I. Situação atual da difusão da cultura brasileira no Senegal;


II. Sugestões de possível realização imediata: a) aquisição de
eletrola e de projetores de dispositivos e filmes; b) bolsas de
estudo no Brasil (...); c) Semana ou mês do cinema brasileiro;
d) professor brasileiro de gravura na Escola de Artes local; III.
Exposições, concertos, exibições de esportistas: presente e fu-
turo. (Embaixada Brasileira em Dacar, 05/07/1967, AHI)

O esforço da embaixada, na pessoa de seu adido cultural, para rea-


lização de atividades que mantivessem o intercâmbio cultural entre o

144
Brasil e o Senegal esbarrava na falta de sistematização e interesse do
governo brasileiro que não respondia, satisfatoriamente, a ações de
pouca complexidade como o intercâmbio de alguns estudantes, o envio
de artistas, a realização de uma semana de cinema brasileiro. Maia ia
além e pensava na instalação de um Centro de Estudos Brasileiros, a se-
melhança dos centros mantidos em Dacar pela França e pelos Estados
Unidos. Maia não seria o único a insistir nessa ideia. Instalar Centros Bra-
sileiros em países africanos era uma das prerrogativas de Agostinho da
Silva quando propôs o CEAO. Vivaldo Costa Lima tentou fazê-lo em Acra
e no Daomé (atual Benin). No entanto, não houve qualquer resposta do
Itamaraty à sugestão dos professores.

O Brasil e o Festival Mundial de Artes Negras (Dacar, 1966)


Entre 1º e 22 de abril de 1966 realizou-se em Dacar, capital do Sene-
gal, o I Festival Mundial de Artes Negras (FESMAN). Na “capital cultural
da África” (Embaixada Brasileira em Dacar, 18/01/1962, AHI), Leopold
Sedar Senghor propunha reunir povos africanos e da diáspora negra
para mostrar ao mundo o legado artístico e, portanto, civilizatório,
africano. O Brasil era um convidado esperado uma vez que sua cul-
tura de matriz africana era o principal mote da imagem internacional.
Se a riqueza do Brasil estava em sua cultura, um grande festival de
artes negras, a ser realizado numa importante cidade africana, seria
um oportuno momento para vivenciá-la e exaltá-la. Oficialmente a em-
baixada foi informada em dezembro de 1963 e desde então o governo
senegalês aguardava não apenas o aceite como a colaboração do Brasil
para um evento exitoso.
Havia grande expectativa em torno da participação do Brasil. Além
da imagem de nação moderna e sem racismo, o Brasil mantinha uma
embaixada no Senegal e negociava a implementação de um acordo cul-
tural, único com um país da África subsaariana àquele momento. Se não

145
esquecermos da consideração de Dávila sobre a pressão de Senghor
para que o Brasil apoiasse a luta anticolonial africana, pode-se afirmar
que a participação no festival seria mais um evento neste sentido já que
o festival mantinha um forte viés descolonizador. Para o governo bra-
sileiro, que mantinha um posicionamento dúbio entre se aproximar de
nações africanas e não questionar o colonialismo português, seria uma
oportunidade para angariar apoio das nações africanas e destaque no
cenário internacional. A proposta nascia numa dinâmica bienal e o Brasil
foi cotado para o segundo anfitrião.
Na Bahia, o Centro de Estudos Afro-Orientais, através de seu diretor
Waldir Freitas Oliveira, demonstrou grande interesse pelo festival. O con-
vite havia sido feito pelo próprio Senghor na conferência pronunciada
em Salvador em 1964 (Senghor, 1964). O CEAO desde o início da década
trabalhava em função de promover e estreitar ligações culturais e acadê-
micas com países africanos tendo sempre mantido diálogo – e desgastes
– com o Itamaraty, participava das ações desenvolvidas no continente
africano. Havia a compreensão de que uma aproximação cultural e aca-
dêmica com países africanos deveria fazer parte de uma agenda política
do Brasil compactuando com a ideia de que ao fortalecer as relações com
África, o Brasil fortalecia seu posicionamento no cenário internacional de
modo mais amplo. E como o intercâmbio era a razão primeira do Centro
de Estudos, havia que disputar e garantir espaço nas ações oficiais pro-
movidas na África.
A participação neste grande evento internacional parecia, ao diretor
do CEAO, mais uma oportunidade para garantir projeção do Centro tanto
dentro da Universidade quanto na mídia local, nacional e internacional,
além de propiciar aproximação direta com o Ministério das Relações Ex-
teriores, em especial o Departamento Cultural ao qual tanto solicitava
atenção. Se o CEAO era rivalizado pelo Centro de Estudos Afro-Asiáticos,
como um órgão destinado “apenas” as questões culturais, não haveria
oportunidade melhor, como um grande festival de artes negras, para se

146
inserir, articular interesses e projetar a imagem da instituição, seus inte-
grantes e sua rede de colaboradores.
Pedro Moacir Maia, o adido cultural à embaixada brasileira em Dacar,
acompanhou a proposição, articulação e participação do Brasil no certa-
me. O Centro da UFBA e o Instituto Joaquim Nabuco, em Recife, foram as
duas instituições sugeridas por ele para atuação no comitê organizador
(Maia, 02/09/1965, CEAO). Seus respectivos diretores, Waldir Oliveira e
Mauro Mota, estariam entre os integrantes do comitê brasileiro noticia-
dos no Dakar-Matin, em 9 de junho de 1965, somados a Cicílio Matarazzo,
fundador do Museu de Arte Moderna de São Paulo, e Eduardo Portella,
diretor do Centro de Estudos Afro-Asiáticos (Lisboa, 11/06/1965, AHI).
Essa notícia tentava sanar o atraso na apresentação de um comitê bra-
sileiro uma vez que esses nomes divulgados na imprensa não foram an-
tecipadamente confirmados. Das quatro personalidades citadas, apenas
Waldir Oliveira foi a Dacar.
Chermont Lisboa referiu-se à intervenção pessoal do estadista sene-
galês. Em outubro de 1964, ao regressar da viagem ao Brasil, Senghor
apelou ao embaixador brasileiro para que se empenhasse numa “bri-
lhante” representação. Provavelmente, o presidente não ouviu aqui nada
consistente sobre seu convite. Ao rememorar essa cobrança, em meados
de 1965, Chermont Lisboa rogava informações a respeito e lembrava a
importância política do Fesman: “As disposições muito favoráveis que os
senegaleses manifestam em relação ao Brasil [...] poderão ser muito pre-
judicadas se não correspondermos à expectativa de cooperação neste
festival que pra eles tem enorme significação” (Lisboa, 13/05/1965, AHI).
Note-se que o texto do embaixador evidencia a importância do festival
para os senegaleses e não para o Brasil.
Em que pese a rigorosa organização do Itamaraty, a falta de informa-
ções e confirmações em meados de 1965, deixava evidente uma falta de
atenção ou interesse em relação ao festival. Se, entre os anos de 1961
e 1964, durante a vigência da Política Externa Independente, as ações

147
diplomáticas no continente africano a incluir as ações do CEAO desen-
volveram-se de maneira “dramática”, o que esperar nessa nova fase em
que o continente africano parecia não ser relevante para a Política Ex-
terna Brasileira?
Percepção semelhante foi a de Waldir Oliveira após a primeira reu-
nião do comitê organizador em setembro de 1965. Segundo sua corres-
pondência para Maia não havia “qualquer sinal de entusiasmo” do Ita-
maraty em relação ao festival (Oliveira, 14/09/1965, CEAO). Desse modo,
a ida ao evento tornava-se uma obrigação. O continente africano, como
se depreende do texto de Waldir, não parecia ter importância nas rela-
ções internacionais a serem mantidas pelo Brasil de modo que o autor
sintetizaria sua consideração na seguinte frase: “A África para o Itamaraty
voltou a ser infelizmente ‘terra de negrinhos!’” (idem).
Nessa reunião do Comitê organizador no Itamaraty, realizada em 10
de setembro de 1965, reuniram-se o embaixador Dayrell de Lima, Chefe
do Departamento Cultural do Itamaraty, Henri Senghor, embaixador do
Senegal no Brasil, Vasco Mariz, Raymundo de Souza Dantas, ex-embaixa-
dor brasileiro em Gana, os estudiosos Édison Carneiro, Cândido Mendes
e Waldir Oliveira, os artistas Mozart Pedroza e Lina Bo Bardi. A Comissão
envolvia representantes do Ministério das Relações Exteriores com os
dois principais Centros no país voltados para as relações Brasil-África,
quais sejam, o Centro de Estudos Afro-Asiáticos, da Faculdade Cândido
Mendes no Rio de Janeiro e o Centro de Estudos Afro-Orientais, além
de personalidades como Lina Bardi, artista responsável pela instalação e
manutenção do Museu de Arte Moderna em Salvador.
O programa do Festival, que Maia enviou para Waldir, destacava
como o evento estava organizado e as diversas categorias em que os ar-
tistas poderiam se inscrever. De posse dessas informações, Waldir fez
circular, em setembro de 1965, notícias na imprensa baiana. Destacou
sua presença no comitê e o elogio do presidente Senghor à edição espe-
cial em inglês do Jornal da Bahia, em 1962, organizado pelo CEAO. A pro-

148
gramação era ampla e cobria quase todo o mês de abril. Constava de um
colóquio intelectual intitulado Arte Negra na vida dos povos, exposições de
obras de arte africana tradicional e contemporânea com peças vindas
de museus europeus, diferentes tipos de exposição artísticas dos países
participantes tais como “grupos de dança, teatro, conjuntos musicais e
filmes relacionados com os povos e cultura negro-africanas” (Oliveira,
19/08/1965, CEAO).
Em cada notícia, Waldir enfatizava um diferente aspecto do festival.
Numa, destacou o concurso de obras cinematográficas “que revelem os
valores culturais e espirituais da África Negra”, onde seriam premiados
melhor diretor, melhor ator e atriz, melhor filme, dentre diversas outras
categorias, a enfatizar a participação de pessoas negras no processo (Oli-
veira, 01/09/1965, CEAO). Noutra, divulgou os espetáculos a serem exi-
bidos como “teatro, concertos, Ballet, Jazz e Coral” (Oliveira, 03/09/1965,
CEAO). Todos de autoria de negros ou descendentes. A notícia enviada
em 10 de setembro, para o jornal A Tarde, destacava por sua vez o “gran-
de prêmio de Disco”, a citar as diversas categorias existentes. No mesmo
dia circulariam notícias a respeito dos prêmios literários a contemplar
autores, ensaios, peças teatrais de autores negros (Castro, 10/09/1965,
CEAO). Cada trabalho enviado deveria acompanhar dados biográficos do
autor, fotografia e informações acerca do trabalho. Nas categorias de
música, observa-se que o festival reservava um lugar especial para a par-
ticipação de membros da diáspora negra. As categorias seriam

a) Canções africanas tradicionais ou religiosas (conjuntos e so-


listas); b) música africana tradicional instrumental; c) orques-
tras africanas típicas modernas; d) melhor documentário ou
gravação sobre a África; e) jazz (grandes bandas ou solistas);
f) “Negro Spirituals” e “gospel songs” (conjuntos e solistas);
g) canções afro-brasileiras ou afro-cubanas (conjuntos e solis-
tas); h) músicas e canções das índias ocidentais. (Costa Lima,
10/09/1965, CEAO)

149
Todas as categorias de expressão artística exigiam que os participan-
tes, africanos ou não, fossem negros. Para contemplar essa exigência,
quem seriam os representantes da arte brasileira na África? Devemos nos
questionar acerca de quem eram os artistas brasileiros que normalmen-
te representavam o Brasil em eventos internacionais e qual imagem o
Brasil veiculava, internacionalmente, através da arte. Diante da especi-
ficidade do evento no continente africano, quem poderia representar o
Brasil? Na primeira reunião do comitê organizador foram indicados quais
seriam os artistas.

Para representar o Brasil na exposição de Arte Contempo-


rânea, obras de Heitor dos Prazeres, Agnaldo dos Santos e
Rubem Valentim e o espetáculo a ser exibido em Dacar con-
tará com a participação do pianista Homero Magalhães que
interpretará músicas clássicas com inspiração africana, e mais
com Elizete Cardoso, Ataulfo Alves e as suas Pastoras, alguns
passistas da Mangueira e um grupo de capoeira da Bahia. Tal-
vez, seja ainda acrescentada ao grupo a cantora folclórica Cleia
Simões. (Oliveira, 14/09/1965, CEAO)

O grupo de artistas inicialmente indicado foi resultado de intensa dis-


puta entre os integrantes da Comissão. Na verdade, a primeira questão
estabelecida era sobre quem deveria compor o comitê organizador. Jerry
Dávila revelou, a partir de uma entrevista com Waldir Oliveira, que uma
tensão foi estabelecida pelo embaixador Henri Senghor. Este, coadunan-
do com militantes negros no Brasil, insistia que o comitê brasileiro fosse
composto apenas por pessoas negras. Entre os brasileiros convidados
para o comitê apenas Souza Dantas era negro. Após uma discussão aca-
lorada, todos votaram contrários a essa proposição. O embaixador do
Senegal teria acusado o ex-embaixador brasileiro de “negro degenera-
do” por votar contra a proposta por ele colocada (Dávila, 2011, p. 162).
Em resposta, Dantas teria dito ser um “brasileiro negro”, “indicando que

150
sua identidade brasileira era mais significativa que sua cor e defendendo
a ideia de que o comitê deveria ser formado por brasileiros de qualquer
cor” (idem).
Na entrevista concedida em 2009 para este trabalho, Waldir Olivei-
ra além de reproduzir o diálogo informado a Dávila, revelou que Hen-
ri Senghor estava sendo influenciado por Abdias do Nascimento, por
sua vez influenciado por Leon Damas. Nascimento era o membro que
Henri Senghor queria fazer figurar no comitê brasileiro e igualmente
no grupo de artistas selecionados. Isto estava em questão quando, ao
insistir no assunto e escrever para o embaixador brasileiro em Dacar,
obteve como resposta estar-se “portando de maneira indiscreta (...)
tentando forçar a inclusão de nomes rejeitados por todos os demais
membros da Comissão” (Dávila, 2011, p. 162). Não se rejeitariam “ar-
tistas que pudessem mostrar a integração dos valores culturais africa-
nos na cultura do Brasil, em favor de outros elementos que procuram
criar aqui um africanismo pretensamente puro, sem levar em conta
o sincretismo ocorrido nos quatro séculos de nossa história” (idem).
Tal depoimento revela as redes que o embaixador senegalês nutria no
Brasil – a abrigar tanto os militantes africanos anticolonialistas como
Fidelis Cabral e militantes negros brasileiros como Abdias - e expõe a
distância entre a perspectiva da proposição senegalesa em relação à
comissão brasileira, ou na reflexão de Dávila, entre negritude e a de-
mocracia racial brasileira.
Abdias do Nascimento tinha o que propor. À época já era um dos mais
contundentes críticos da democracia racial brasileira. Seus questiona-
mentos incluíam o tratamento racista dispensado à população negra no
Brasil e estendiam-se ao Itamaraty ao protestar contra sua composição
marcada por pessoas brancas e a divulgação do Brasil no exterior sob o
argumento da democracia racial. O trabalho desenvolvido pelo Teatro
Experimental do Negro (TEN), fundado em 1944 no Rio de Janeiro, pro-
punha uma arte em que “o negro não fosse uma caricatura de si mesmo”

151
(Nascimento, 1980, p. 126). Então abordava diversas problemáticas do
negro na sociedade, valorizava sua história, sua experiência, sua cultura.
Somava-se à luta dos negros pelo mundo, fosse nos Estados Unidos ou
nos países africanos. Ao rejeitar a ideia de integração, estimulada pelo
governo brasileiro, Abdias trabalhava com a afirmação de um repertório
negro e por isso aproximava-se da negritude senegalesa (Nascimento,
1980, p. 136).
O TEN agrupava artistas cuja produção extrapolava a concepção de
cultura e arte negra hegemônica àquele momento, associada a uma
ideia estática e folclórica. Uma dessas personalidades foi Abigail Moura,
conhecido como Biga, fundador e regente da Orquestra Afro-Brasileira.
Esse maestro compôs para a obra Sortilégio (Mistério Negro) (ibidem, p.
92-93), peça teatral de Abdias evidenciando a colaboração de entre am-
bos os projetos, a Orquestra Afro-brasileira e o Teatro Experimental do
Negro. A rica descrição de Nascimento apresenta o trabalho desse artista

Biga reuniu cerca de trinta ou quarenta músicos negros,


empunhando uma enorme variedade de instrumentos de
origem africana. Canto Coral, Percussão, ritmo pesado do
urucungo, executavam composições baseadas na tradição
africana. (...) O entrosamento desse complexo afro se mis-
turava ao piano, ao sax, à flauta, à clarineta. Não porque
copiasse o jaz. O Biga pisava num terreno virgem, no sentido
de uma relação integrada de instrumentos, polirritmia, pro-
duzindo uma expressão sonora que diferenciava seu cami-
nho mas não o alienava da autenticidade da fonte africana
e nem da circunstância existencial por onde essa fonte se
derramou. (ibidem, p. 131)

Mercedes Batista é outra personalidade a ser destacada no trabalho


em prol de uma arte negra que extrapolava os padrões da época. Dança-
rina desde os anos 1940, Mercedes lutou para ingressar no Teatro Muni-

152
cipal do Rio de Janeiro onde “bailava o clássico” e mantinha uma perfor-
mance de “danças negras” fora desse grande palco. Com sua atuação – e
articulação junto ao TEN - conseguiu, em 1950, uma bolsa de estudos por
um ano na Escola de Danças de Katherine Dunhan, em Nova York. De vol-
ta ao Rio, montou seu Ballet Folclórico e coreografou o musical Rapsódia
Negra, no TEN, sob direção de Abdias (Ibidem, p. 131-2).
Tanto Abigail Moura quanto Mercedes Batista ou Abdias do Nasci-
mento, através da música, dança ou peças teatrais, isolados ou em con-
junto, poderiam ser incluídos entre os artistas selecionados para o Fes-
tival de Artes senegalês. O fato de Abdias constituir um ferrenho crítico
não apenas do governo como dos intelectuais e artistas que estavam à
frente do comitê organizador e de propor expressões artísticas que afir-
mavam uma espécie de negritude brasileira fez com que fosse totalmente
excluído do festival. A notícia que Waldir Oliveira enviou aos jornais após
a primeira e decisiva reunião do Comitê informava que o Brasil não par-
ticiparia da categoria literatura e teatro pela “inexistência de obras de
autores negros no Brasil produzidas e publicadas em francês ou inglês”
(Oliveira, 15/09/1965, CEAO). Cabe esclarecer que, neste quesito, o festi-
val solicitava que as obras fossem traduzidas, e não inicialmente publica-
das nas referidas línguas. O debate ocorrido no comitê e a insistência de
que não havia um representante negro da literatura ou teatro brasileiro
revela a sumária exclusão de Abdias do Nascimento, seus colaboradores
e sua obra artística no festival.
Abdias e o embaixador Senghor não se calariam. Ainda em janeiro
de 1966, a menos de três meses do evento, a correspondência diplo-
mática evidencia a insistência do embaixador Senghor em questionar a
delegação brasileira. Questionava a presença de Ataulfo e as Pastoras e
a origem do samba. Obviamente Senghor estava sendo “insuflado” pelo
“elemento” Abdias. Caso a insistência se mantivesse, a apresentação bra-
sileira corria o risco de ser cancelada, dizia o telegrama confidencial do
Itamaraty (MRE, 28/01/1966, CEAO).

153
O modo que Henri Senghor e Abdias do Nascimento encontraram
de divulgar a divergência em relação à delegação enviada pelo Bra-
sil deu-se no mês seguinte ao festival, através da publicação de um
texto num jornal senegalês. Em Carta a Dacar, Nascimento criticaria a
representação brasileira que contribuiria para o embranquecimento
dos negros brasileiros e manutenção da democracia racial. Segundo
Dávila, o embaixador brasileiro Francisco Chermont Lisboa considerou
a carta um “violento ataque” especialmente ao Ministério das Relações
Exteriores. E especulou a provável colaboração de Senghor embaixa-
dor uma vez que o texto foi publicado no L’Unité, o jornal do partido
do governo, estava muito bem redigido em francês e trazia ideias da
negritude (Dávila, 2011, p. 162-4).

Noite brasileira em Dacar


Mesmo que nos anos de 1960 não fosse costumeiro que artistas
negros fizessem parte do rol de convidados a representar o Brasil em
eventos oficiais, os artistas selecionados para o Fesman atenderam ao
Itamaraty e ao comitê organizador. O negro compunha a narrativa na-
cional através da música popular numa perspectiva de miscigenação.
Basta lembrar dos famosos versos do samba de Assis Valente a cantar
o “Brasil, brasileiro” do “mulato inzoneiro”. Durante os anos 1930 e
1940, a música popular urbana, especialmente o samba, foi veiculada
pelo estado varguista como “produto e produtora de nacionalidade”.
Assim, “a ideia de brasilidade, apresentada como essência original, a
partir da qual o Brasil, e o brasileiro, poderiam ser expressos em sua
autenticidade” (Borges, 2012, p. 44). Contudo essa imagem de um Bra-
sil musicalmente mestiço não era oficialmente veiculada no exterior
por artistas negros.
Em meados dos anos 1960, para as apresentações no Festival, o
Itamaraty concordava com a seleção de artistas que apresentassem um
Brasil com influências africanas na cultura de forma bastante diluída,

154
“integrada” e “sincrética” (MRE, 28/01/1966, CEAO). O exemplo do
pianista Homero de Magalhães, “que interpretara[ria] músicas de ins-
piração africana de diversas épocas” (idem), coaduna com essa ideia.
Seria a junção do instrumento clássico da música erudita, o piano, para
uma apresentação tão somente inspirada em músicas africanas. Uma
vez que havia essa oportunidade, Ataulfo Alves e as Pastoras, Elisete
Cardoso e as passistas da escola de samba, representavam a inserção
dessa música popular urbana e também carnavalesca vivenciada no
Rio de Janeiro.
O grupo de capoeiras da Bahia e a cantora Cléia Simões represen-
tavam o que havia de mais popular no grupo. O último lugar em que
figuravam na lista, neste caso, é reflexo do pouco interesse do Itamaraty
na seleção inicial. Não havia naquele momento qualquer estímulo em
vincular a imagem brasileira a expressões, de qualquer natureza, consi-
deradas fora da modernidade. Toda a propaganda brasileira, no conti-
nente africano, esmerava-se em apresentar um Brasil moderno em ter-
mos políticos e comerciais como também arquitetônicos ou acadêmicos
exatamente para superar os argumentos contemporâneos que diziam do
seu subdesenvolvimento econômico e inverter os antigos argumentos
das teorias raciais que condenavam o país ao fracasso por conta de sua
evidente miscigenação.
Os baianos fizeram a diferença no comitê no sentido de inserir uma
arte mais ligada à ancestralidade africana. Waldir diria que a inserção do
grupo de capoeira foi resultado de sua insistência e, através da corres-
pondência do CEAO, sabemos que foi sua responsabilidade contatá-lo
e organizar seu embarque para Dacar. O crítico de arte Clarival Valada-
res, que posteriormente integraria o Comitê brasileiro no Festival como
membro do júri, fez grande defesa das obras de Agnaldo dos Santos, cha-
mado de “o escultor primitivo” (MRE, 10/01/1966, CEAO).
A perspectiva com a qual intelectuais localizados na Bahia olhavam
para a contribuição africana dizia da valorização de expressões da cultura

155
negra consideradas como influências – quase diretamente – africanas. O
esforço dessa intelectualidade era exatamente valorizar o que havia de
africano na sociedade baiana e os elementos que se destacavam estavam
associados ao candomblé. Acabavam por projetar a Bahia através dessa
especificidade contribuindo para a ideia de que Salvador seria uma cida-
de africana no Brasil. Contudo, se por um lado esse pensamento estimu-
lava alguns intelectuais e o povo de santo ao encontro com o continente
africano por outro se chocava com a ideia de Brasil moderno que o Ita-
maraty tentava projetar.
Logo que a programação brasileira foi delineada, e informalmente
comunicada aos organizadores senegaleses, a embaixada brasileira so-
licitou o envio de fotografias e informações sobre os artistas elencados
para divulgar no jornal (Embaixada Brasileira em Dacar, 15/09/1965,
AHI). O Dakar-Matin insistia em fazer uma cobertura especial sobre o
Brasil (Embaixada Brasileira em Dacar, 08/10/1965, AHI). O catálogo da
exposição artística, produzido por Valadares, seguiu em janeiro de 1966
(MRE, 10/01/1966, CEAO). Não se sabe se seguiram maiores informes
sobre os músicos. A embaixada não remeteu nenhuma notícia jornalísti-
ca com fotografia dos artistas selecionados para o festival. A embaixada
cogitou ainda a inclusão de música sacra, já que havia espaço para canto
coral, ou de um grupo de bossa-nova, ambas não concretizadas (Embai-
xada Brasileira em Dacar, 24/09/1965, AHI). Especulou-se convidar os
atores principais do filme Assalto ao trem pagador, Elieser Gomes e Luisa
Maranhão, pois havia grande expectativa sobre o prêmio (Embaixada
Brasileira em Dacar, 17/01/1966, AHI).
Dacar respirava o Festival de Artes Negras. O principal jornal da ca-
pital noticiava os preparativos para o grande evento internacional: a
visita do comitê britânico à cidade, a disposição de financiamento da
Alemanha Federal e o diálogo para que o Museu Britânico permitisse
o envio de peças para a exposição de arte africana tradicional (Embai-
xada Brasileira em Dacar, 16/07/1965, AHI). Outra notícia informava a

156
criação de uma associação francesa, sediada em Paris, para atuar em
honra do festival a reunir personalidades “de alcance” (Embaixada Bra-
sileira em Dacar, 12/12/1964, AHI). Estiveram em Dacar membros dos
comitês americano, alemão e inglês. O comitê brasileiro foi convidado
e aguardado, mas não compareceu previamente para dialogar com os
organizadores, conhecer a logística e para respaldar a organização. O
Teatro Nacional Daniel Sorano foi inaugurado em 17 de julho de 1965.
Era “provido dos mais modernos recursos técnicos, sala com capacida-
de para 1.130 espectadores e dois grandes vestíbulos onde poderão
realizar-se exposições” (Embaixada Brasileira em Dacar, 19/07/1965,
AHI). A secretaria geral do evento estudava o local para instalação das
exposições (Embaixada Brasileira em Dacar, 12/08/1965, AHI).
Os adidos culturais dos países participantes do festival foram con-
vidados a conhecer o teatro e programar exibições de filmes. Desde o
início do ano, o Cineclube Dakar cogitava um mês de exposição de filmes
brasileiros, ao que o embaixador brasileiro sugeriu que fossem enviados
títulos exibidos internacionalmente como Deus e o diabo na terra do sol, Os
fuzis ou Seara Vermelha. Indispensável a legenda em francês (Embaixada
Brasileira em Dacar, 08/02/1965, AHI).

157
FIGURA 6 – Organização para exposições artísticas no Teatro Daniel Sorano.
Dacar, Senegal, 1965. Recorte do Dakar-Matin, AHI

Nova sugestão da embaixada dizia que artistas brasileiros de pas-


sagem pela Europa incluíssem uma escala em Dacar para participar da
movimentação cultural promovida naquela cidade. Pedro Maia insistia
numa exposição de fotografias do Nordeste brasileiro que tinha em
mãos (Embaixada Brasileira em Dacar, 15/12/1964, AHI).

158
De todas as possibilidades aventadas, a única notícia de atividade cul-
tural brasileira em Dacar em 1965 - diferente das palestras de Maia - foi
a apresentação de dois concertos da pianista Yvete Magdaleno no centro
cultural francês, numa passagem acidental por Dacar e com um progra-
ma de compositores clássicos como Chopin e brasileiros como Frutuoso
Viana e sua dansa de nègres (Embaixada Brasileira em Dacar, 14/01/1965,
AHI). Interessante foi a disposição da cantora Maria d’Aparecida, brasi-
leira negra radicada em Paris, que intentava integrar a delegação brasi-
leira tendo até circulado em capa de revista como “elemento de primeira
categoria para o festival” (Embaixada Brasileira em Dacar, 30/07/1965,
AHI). Se a embaixada brasileira não conseguia realizar a exposição de um
filme na capital cultural ou fazer chegar notícias – tão esperadas – sobre
artistas brasileiros, outras redes apresentavam opções brasileiras para
o festival.
A um mês do início do evento, a embaixada aguardava a confirmação
dos nomes dos integrantes da delegação brasileira (Embaixada Brasileira
em Dacar, 01/03/1966, AHI). Uma semana depois, a embaixada exigia,
via telegrama, pensando ser um equívoco, a confirmação de que Homero
de Magalhães, responsável por parte do programa divulgado, não viria
(Embaixada Brasileira em Dacar, 07/03/1966, AHI). A comunicação en-
tre a embaixada brasileira em Dacar e o Itamaraty no Brasil revela um
descompasso entre as cobranças vindas do Senegal sobre a participação
brasileira e as repostas emitidas no Brasil. Havia grande expectativa no
Senegal sobre a presença brasileira, e o Brasil não conseguia fazer pro-
paganda de seus artistas no lócus do evento. Talvez tenha corroborado
para isso o gozo de férias extraordinárias do embaixador Chermont Lis-
boa nos meses iniciais de 1966, o qual comprometeu-se apenas a ir as-
sistir ao espetáculo (Embaixada Brasileira em Dacar, 13/12/1966, AHI).
Desde os primeiros preparativos não há referência de que a repre-
sentação brasileira tenha se interessado em participar do Colóquio A Arte
negra na vida dos povos. Tratava-se de uma reunião de trinta pesquisado-

159
res que inauguraria o mês de atividades, tendo sido realizada entre 1º
e 7 de abril de 1966. Essa ausência é curiosa, pois integravam o comitê
representantes dos dois Centros no país dedicados à estudos sobre o ne-
gro no Brasil e África. A embaixada solicitou a indicação de nomes (Em-
baixada Brasileira em Dacar, 13/08/1965, AHI), e não obteve resposta. A
embaixada rogava ao menos o nome de crítico de arte para participação
no júri internacional (Embaixada Brasileira em Dacar, 01/12/1965, AHI)
posição finalmente ocupada por Clarival Valadares. O júri atuou na ava-
liação das obras de artes tradicionais e contemporâneas expostas a par-
tir de 1º de abril no Teatro Daniel Sorano. Simultaneamente ocorreram
as exposições de filme, disco, teatro.
A representação brasileira de artistas que seguiu para Dacar mudou
pouco em relação à proposta inicial. O pianista Homero de Magalhães
e a cantora Cléia Simões não constaram entre os participantes. Ataulfo
Alves, as Pastoras e Elizete Cardoso juntaram-se a cantora Clementina de
Jesus, três passistas da Escola de Samba Mangueira, três pandeiristas,
seis capoeiristas baianos para as apresentações no Teatro Daniel Sora-
no. Na mostra de arte contemporânea mantiveram-se os trabalhos de
Agnaldo dos Santos (falecido), Rubem Valentim e Heitor dos Prazeres.
Para a mostra de filmes foi enviado um documentário curta-metragem
colorido Heitor dos Prazeres e o longa-metragem em preto e branco As-
salto ao trem pagador. Na categoria de discos foram enviadas produções
com sambas cariocas, um disco de capoeira organizado por Camafeu de
Oxóssi e um disco com músicas de candomblé (Embaixada Brasileira em
Dacar, 03/05/1966, AHI). O Brasil não participou das categorias de teatro
e literatura.
Na Bahia, Waldir Oliveira acompanhou de perto a seleção e organi-
zação dos representantes que seguiriam para o festival. O grupo de ca-
poeiristas seria chefiado, nada menos, por Vicente Ferreira Pastinha, o
Mestre Pastinha. Para um jantar especial oferecido pela embaixada bra-
sileira, Olga Francisca Régis, a Olga do Alaketo, foi a escolhida. Mestre

160
Pastinha era o responsável por desenvolver um estilo de jogar capoeira
conhecido por capoeira angola. Seu trabalho no Pelourinho, institucio-
nalizado no Centro Desportivo de Capoeira Angola, marcou uma das pri-
meiras escolas legalizadas de capoeira. Olga Régis, liderança no Terreiro
Ilê Mariolaje, conhecido como Terreiro do Alaketo, era grande conhecida
e colaboradora do CEAO. Tratavam-se, portanto, de duas referências da
cultura e religiosidade de matriz africana em Salvador.
Para Pastinha e Olga, a África representava a terra ancestral de onde
provinham os fundamentos religiosos e artísticos que os mobilizavam na
contemporaneidade. Se Pastinha era responsável por desenvolver uma
capoeira “de matriz africana”, a capoeira angola, Olga seria descendente
de uma princesa africana, descendente do antigo reino de Ketu no Benin,
cuja principal herança era o cargo à frente do terreiro. O Senegal não era
exatamente o local para onde os dois remetessem a sua ancestralidade.
Contudo, se lembrarmos de um pedido especial que Costa Lima recebeu
de uma mãe de santo numa de suas partidas para o continente africa-
no – que trouxesse um pouquinho da terra (Pereira, Bacelar, 2007) –,
entenderemos a importância que uma viagem ao continente ancestral
podia significar para ambos.
Os últimos acertos para a viagem do grupo baiano estão registrados
na correspondência do CEAO. Discutia-se liberação de passagens e ob-
tenção de vistos, confirmação de datas para embarque, liberação dos
capoeiristas de suas respectivas ocupações. Waldir insistia num adianta-
mento em dinheiro para que a delegação melhor se organizasse. Em 1º
de fevereiro de 1966, Waldir Oliveira enviou, para Vasco Mariz, os nomes
dos capoeiristas que seguiriam para o Fesman. Num bilhete para Waldir,
em 1º de março de 1966, Dinah Flusser apresentava Haroldo Costa, o
“contrarregra” da delegação brasileira em Dacar. Em 8 de março, Waldir
informava a Dayrell de Lima que havia mandado, por Haroldo, fotografia
dos capoeiras, dez exemplares do livro de Clarival Valladares sobre Ag-

161
naldo dos Santos e a lista dos ingredientes para o jantar que poderiam
ser encontrados em Salvador (Oliveira, 01/02/1966, 08/03/1966, CEAO).
A correspondência demonstra o interesse pessoal do embaixador
brasileiro para que o jantar fosse muito bem-sucedido. A opção por um
cardápio de comidas tidas como africanas no Brasil, e preparadas por
uma religiosa baiana, tornou o jantar mais uma expressão da cultura
negra brasileira demonstrada no Senegal. Dinah Flusser cuidou pessoal-
mente de tudo.

Quanto à cozinheira, recebi a relação das comidas necessá-


rias para o jantar calculado para 100 pessoas. Este problema
me preocupa muito. Primeiramente, verificamos que a D.
Olga deverá partir antes, uma vez que 2 dias não são sufi-
cientes para a confecção do jantar. Deverá ela então partir
dia 13 de abril. Já fiz a reserva. Espero que não haja pro-
blema, e que ela não se oponha a viajar sozinha. [...] Agora
o mais grave e importante é a aquisição dos ingredientes.
Conversei com o embaixador Chermont, nosso Embaixador
em Dacar, que está no Rio, o qual me assegurou que a maior
parte dos ingredientes podem ser encontrados em Dacar.
Chegando lá verificarei e comprarei tudo o que for necessá-
rio. (Oliveira, 15/03/1966, CEAO)

O “jantar à baiana” servido no dia anterior as apresentações da de-


legação brasileira, com direito a uma pequena prévia do espetáculo,
aumentou a expectativa acerca do evento que teve ingressos esgota-
dos. Cuidadosamente articulado desde a Bahia, incluiu a remessa dos
ingredientes para Dacar, como rapadura, farinha, quiabos, feijão (Dávi-
la, 2011, p. 165) e muito azeite de dendê (Oliveira, 10/05/1966, CEAO).
Numa entrevista para o Dakar-Matin, Pedro Maia destacou a presença
das duas cozinheiras – Olga e uma ajudante – vindas diretamente da
Bahia para preparar deliciosos pratos da cozinha afro-brasileira (Embai-
xada Brasileira em Dacar, 21/03/1966, AHI). Waldir enlevou a experiên-

162
cia “que constituiu êxito autêntico, mormente pela presença, em belos
trajes típicos, da Sra. Olga Francisca Regis [...] alvo das atenções gerais”
(Oliveira, 27/04/1966, CEAO).
Se o jantar foi um sucesso, a participação da delegação brasileira nas
atividades promovidas pelo Festival não parece ter sido tão bem orga-
nizada. Desde o final de 1965, a embaixada brasileira aguardava a lista
nominal com as datas dos participantes para providenciar a logística e já
alertava para possíveis problemas com alojamentos (Embaixada Brasilei-
ra em Dacar, 30/12/1965, AHI). Na primeira etapa, com a realização do
colóquio, seguiu para Dacar uma delegação oficial, composta pelo pro-
fessor Édison Carneiro, nomeado pelo embaixador, já em Dacar, como
chefe da delegação31, Waldir Oliveira, diretor do CEAO, Cândido Mendes
de Almeida, Diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Afro-Asiáticos, o
professor da UFBA Estácio de Lima, Raimundo de Souza Dantas, ex-em-
baixador do Brasil em Gana, o crítico de arte Clarival do Prado Valladares
e, por fim, os expositores Rubem Valentin e Heitor dos Prazeres.
Ocorre que somente em Dacar todos souberam que o Festival cobri-
ria as despesas apenas dos participantes inscritos no colóquio, ou seja,
o membro do júri e os dois artistas. Todos os outros constavam como
ouvintes do governo brasileiro. Certamente isso causou transtornos, pois
as diárias disponibilizadas pelo Itamaraty eram ínfimas uma vez que não
foram calculadas para tais despesas. Seria em razão dessa situação que
Édison Carneiro e Cândido Mendes passaram poucos dias na cidade?
Waldir insistiu para compor a delegação (Oliveira, 17/09/1965, CEAO)
e no dia do desembarque solicitou verba extra para sua manutenção
na cidade (Embaixada Brasileira em Dacar, 28/03/1966, AHI). Sua per-
manência em Dacar, com o fim do colóquio, a aguardar os membros da

Essa nomeação se fez à última hora e pareceu atender a necessidade de ter um repre-
31 

sentante negro à frente da delegação.

163
delegação de artistas brasileiros, deu-se sob a alegação de carência de
pessoal para acompanhá-los.
O conclave contou com as presenças de André Malraux, ministro das
relações culturais da França, o brasileiro Lourival Machado, representan-
te da Unesco e Alione Diop, presidente da Sociedade Africana de Cultura
junto aos representantes dos 37 países convidados. De acordo com a
Afro-Ásia foi Malraux quem melhor definiu o evento quando destacou “a
contribuição do passado já definitivamente incorporada ao patrimônio
artístico da humanidade e a contribuição do presente em busca da cria-
ção de um futuro tão grandioso quanto foi o passado histórico dos povos
negros” (Afro-ásia, 1966, p. 177). Estiveram presentes no Colóquio espe-
cialistas como o professor William Fagg do Museu Britânico, o professor
Roger Bastide da Universidade de Paris e Katherine Dunhan, coreógrafa
e dançarina norte-americana.

FIGURA 7 – Agnaldo dos Santos e sua escultura.Dakar-Matin, 14/04/1966, AHI

164
Nas discussões do colóquio, o Brasil só apareceu na comunicação
apresentada por Roger Bastide que falava da manutenção de influências
africanas no Brasil (Oliveira, 13/05/1966, CEAO). Das exposições de Arte
Tradicional Contemporânea, mantidas durante todo o evento, o Brasil
recebeu o Grande Prêmio de escultura com as obras de Agnaldo dos San-
tos. O prêmio foi concedido em condições especiais uma vez que era ve-
tado a artistas já falecidos, caso desse escultor. Vitória da argumentação
de Valladares que o considerou “único continuador de valores estéticos
ancestrais e atuais referentes a cultura negra” (Embaixada Brasileira em
Dacar, 05/04/1966, AHI). O prêmio de melhor ator foi cotado para Elieser
Carvalho, protagonista de Assalto ao trem pagador. O filme teria causado
“lisonjeira impressão do cinema brasileiro” segundo o único elogio de
Chermont Lisboa à participação brasileira. Ao final do festival, o filme
recebeu o prêmio especial, entregue às mãos de Maia, de melhor filme
exibido oferecido pelo Cineclube Dakar “inconformado com a decisão do
júri de não oferecê-lo o prêmio principal” (Embaixada Brasileira em Da-
car, 28/04/1966, AHI).
As exposições de música e dança foram programadas para a ter-
ceira semana do mês de abril. A grande noite do Brasil, agendada no
Teatro Daniel Sorano dia 19, de acordo com os relatos disponíveis, não
deixaram as melhores lembranças. O relatório do embaixador brasilei-
ro foi duro com os artistas. Em sua opinião, a apresentação brasileira
não correspondeu.

Os capoeiristas passaram mais tempo a fazer malabarismos


inúteis que a lutar. [...] A velha cantora Clementina de Jesus,
ao ensaiar passos de dança, despertou no público somente
compaixão ou hilariedade. As canções de Ataulfo [...] nada
representam para um público estrangeiro que ignora o portu-
guês [...] e as suas pastoras sobre se apresentar mal vestidas
e desafinadas provocando em determinados momentos um
esboço de vaia entre a plateia. Elizete Cardoso [melhor] em

165
boates ou na televisão. [...] Mais aplaudidos [...] foram os três
pandeiristas. Penoso suportar a reação do público. (Embaixa-
da Brasileira em Dacar, 28/04/1966, AHI)

Segundo o dossiê publicado na Afro-Ásia, o espetáculo “cuidadosa-


mente preparado” não incluiu “danças rituais (...) transplantadas da Áfri-
ca para o Brasil” as quais “resistem, de algum modo, à assimilação e a
integração”. Então, o objetivo foi mostrar como o Brasil partindo “das raí-
zes africanas da sua cultura, pôde criar uma maneira própria de expres-
sar-se”. Apresentaram-se Mestre Pastinha “com seus ritmos primitivos
de Angola”, sambas de roda, lundus, sambas de partido alto e beira mar
entoados por Clementina de Jesus, Ataulfo Alves com as Pastoras e três
“extraordinários” passistas da Escola de Samba Mangueira e “finalmen-
te, Elizete Cardoso popularizou o samba brasileiro em alguns períodos
recentes de sua evolução” (Afro-ásia, 1966, p. 179). O texto da revista co-
meça justificando a opção por um espetáculo que era influenciado pelas
raízes africanas ao invés de ter-se detido nelas.
Em suas lembranças, Waldir Oliveira é taxativo. A participação do Brasil
no I Festival Mundial de Artes Negras teria sido “muito ruim, foi péssima”
(Oliveira, 2009). Segundo o representante brasileiro, a apresentação teria
sido “fraca” porque a arte que o Brasil havia levado não se comparava as
expressões apresentadas pelos africanos. Em suas palavras,

a capoeira que aqui a gente fala tanto aqui, eles são muito
melhores do que nós em capoeira. Eles têm danças, do tipo
da capoeira, muito melhores (...) Eles tinham um percussão
muito superior a nossa. Nós não tínhamos ainda nem Olodum
nessa ocasião. Nossos percussionistas eram meninos diante
deles. Eles eram muito melhores. (Oliveira, 2009)

Tal como o embaixador, Waldir Oliveira atribuiu a falta de empol-


gação com os sambas brasileiros por estarem em língua portuguesa. As

166
considerações do professor são estabelecidas no sentido de evidenciar
que a arte levada pelo Brasil não foi a esperada pelos africanos. Eles que-
riam “movimento”, “arte visual, nós estávamos insistindo numa espécie
de música clássica”. Há que se destacar que o autor revela que o Brasil
estava muito confiante nos artistas escolhidos. “A gente estava pensando
que o Brasil era a grande coisa”. E conclui: “Nós não tínhamos nada real-
mente a apresentar. Nós tínhamos errado!” (Oliveira, 2009).

Figura 8 – Apresentação do samba das Pastoras no I Festival Mundial de Artes Negras (Dacar,
Senegal, 1966). CEAO

Chermont Lisboa também enfatizara que, numa próxima apresenta-


ção, os grupos dessem mais relevo à dança que ao canto; pois público
estrangeiro já haveria fixado a ideia, segundo sua opinião, de alegria car-
navalesca (Embaixada Brasileira em Dacar, 28/04/1966, AHI). O Dakar-
-Matin noticiou a decepção com a apresentação brasileira na avaliação
do júri que tinha Katherine Dunhan como membro (Embaixada Brasilei-
ra em Dacar, 03/05/1966, AHI). Vale lembrar que a dançarina conhecia
outras expressões artísticas negras brasileiras como Mercedes Batista.
Afro-Ásia não publicou uma fotografia sequer desses artistas, a exemplo
da apresentação das pastoras que ficou no acervo.

167
Figura 09 – Espetáculo da República dos Camarões no I Festival de Artes Negras. Afro-ásia, 1966.

A revista faz referência especial à exibição do Mali, uma vez que ao se


utilizarem de percussão, máscaras rituais e danças, seus artistas, estes
sim, “fizeram sentir a mensagem da África” (Afro-ásia, 1966, p. 179).
É preciso destacar que os preparativos para a apresentação dos artistas
brasileiros não parecem ter levado em consideração a dimensão e magni-
tude do Festival. Havia a necessidade de programar o espetáculo uma vez

168
que, no teatro, exigia-se ao menos uma indumentária correspondente. O
adiantamento de dinheiro para o grupo baiano fez-se diante de muita in-
sistência de Waldir, e uma verba para Ataulfo e as Pastoras foi concedida às
vésperas do evento que provavelmente não chegou em tempo. Chermont
escreveu mais de uma vez, indignado, que elas só tinham um traje para
todas as apresentações e aparições públicas. Foram enviadas considera-
ções sobre a dimensão, iluminação e a qualidade dos equipamentos do
teatro. O que justificaria o canto desafinado das pastoras? Seria apenas
uma impressão do embaixador ou elas não estavam preparadas para se
apresentar? No relatório, o embaixador pondera que o grupo não seguiu
com a quantidade adequada de músicos, o que interferiu na qualidade da
apresentação, e reconheceu que a participação brasileira foi “muito infe-
rior ao dos outros países e com um programa muito mais interessante pra
nós” (Embaixada Brasileira em Dacar, 28/04/1966, AHI).
A referência de Waldir Oliveira ao bloco afro-percussivo Olodum, que
surgiria alguns anos depois bem como o reconhecimento que haviam er-
rado na seleção das expressões artísticas levadas ao continente africano
vão ao encontro das discussões entre o comitê brasileiro e o embaixador
do Senegal, Henri Senghor. Pelo visto, embora não tenham concordado
com as colocações de Abdias do Nascimento, este estaria mais sintonizado
ao sugerir e insistir que fosse apresentado “um Brasil Negro”. A primeira
questão feita a Maia antes do Festival, na entrevista do Dakar-Matin, inda-
gava: “O Brasil é celebrado por seu folclore, sua música e suas danças. O
que veremos em Dacar?” (Embaixada Brasileira em Dacar, 03/05/1966,
AHI). Esse era o tom da expectativa do Senegal em torno do nosso país.
Se contemporaneamente Waldir admite que o comitê errou na es-
colha da representação e reconhece riqueza na produção artística afri-
cana, suas considerações à época legavam ao público africano falta de
condições em apreciar a música brasileira por conta da “dificuldade em
dissociar” música e dança (Oliveira, 26/05/1966, CEAO). Além de dizer da
“decadência” que enxergava nos artistas africanos (idem)! Chermont Lis-

169
boa também se referiu num tom preconceituoso à falta de exigência do
público reunido no Estádio da Amizade, “mais numeroso” e “mais sim-
ples” (Embaixada Brasileira em Dacar, 28/04/1966, AHI). Para o diretor
do CEAO, o vigor e a singularidade da arte africana estariam no passado
e não mantidos no presente.
Com tais considerações, Waldir colocava-se do lado oposto à propo-
sição de Senghor que procurava “demonstrar a originalidade dos valores
da civilização e da arte negra” (Afro-ásia, 1966, p. 177). Segundo Afro-Á-
sia, na abertura do Colóquio, o presidente ressaltou a vivacidade da arte
negra que continuava presente na vida dos povos africanos ao tempo
em que se preservava e renovava em terras não africanas, a exemplo
dos Estados Unidos (idem). Sua tese versava sobre a construção de uma
“Civilização Universal da qual participassem os povos negros devolvidos
à sua autenticidade” (ibidem). A revista transcreveu um trecho dessa fala
abaixo mencionado.

Sermos nós mesmos, cultivando nossos valores próprios –


disse – tais como os encontramos nas fontes das Arte Negra:
aqueles situados além da unidade profunda do gênero huma-
no, porque nascido de fatores biológicos, geográficos e his-
tóricos, e que constituem a marca da nossa originalidade no
pensamento, no sentimento e na ação. Sermos nós mesmos,
não sem contribuições alheias, mas não por procuração e sim
pelo nosso próprio esforço pessoal, em suma, por nós mes-
mos. (Afro-ásia, 1966, p. 178)

A referência ao presidente finaliza com o chamado para que os povos


do continente trouxessem seu espírito criador para a contribuição do hu-
manismo do século XX. Senghor foi grandemente criticado por sua propos-
ta da negritude especialmente porque não propunha uma ruptura com os
países antes colonizadores do continente. A retomada de suas palavras,
porém, evidencia que a ausência de ruptura não pressupunha subalterni-

170
zação. A postura de Henri Senghor frente à seleção da representação brasi-
leira para o Fesman revela a preocupação daquele governo com a presença
efetiva e ativa negra nos espaços oficiais. Não havia conciliação. A produ-
ção artística da negritude tinha forte conteúdo político de afirmação negra
e libertação da ideologia colonial. A produção articulada pelos diplomatas
e intelectuais brasileiros tinha um embasamento freyriano de miscigena-
ção e integração, onde a população negra entrava de modo bastante limi-
tado. Essa arte podia ter uma narrativa, presença e influência negra, porém
nenhum conteúdo de reivindicação política ou protesto.
Embora Waldir Oliveira tenha publicado artigo acerca da poesia de Sen-
ghor (Oliveira, 2001), seu depoimento a respeito do estadista liga-se à opi-
nião sobre a suposta falta de originalidade artística. Se a arte africana es-
taria perdida num tempo quase imemorial, sobre o presidente do Senegal
diria: “era muito mais francês do que africano” (Oliveira, 2009)! Inclusive
Waldir arremata que está numa foto da recepção a Senghor em Salvador,
em 1964, apenas por ser o diretor do CEAO, sugerindo formalidade e ne-
nhum interesse em demonstrar aproximação com o visitante ilustre.

Figura 10 – Waldir Oliveira (à esquerda) e sua tentativa de aproximação com Aimé Cesaire
e Abdias do Nascimento (à direita), 1963. CEAO

171
O fato é que o movimento da negritude chegou a Waldir Oliveira atra-
vés do questionamento do lugar que ocupava enquanto mediador entre
a população negra, a academia e o Estado. Leon Damas, poeta, igual-
mente articulador da Negritude, apareceria no depoimento de Waldir
como uma influência negativa a Abdias do Nascimento para o questio-
namento da delegação brasileira. “Ele se juntou com um tal africano...
um afro-americano das Antilhas, León Gontran Damas e tentou destruir
tudo que a gente queria fazer com a delegação” (Oliveira, 2009). Damas
veio ao Brasil e foi aguardado no CEAO, lugar no qual nunca compareceu
(Oliveira, 17/04/1964, CEAO).
Daí que a proposta artística e política de Abdias do Nascimento foi
acolhida pela embaixada senegalesa como algo mais sintonizado com o
Festival de Artes Negras. Abdias não pôde levar a Dacar o Teatro Experi-
mental do Negro. Sua presença, no entanto, seria notada através da Car-
ta a Dacar, onde expôs as contradições da política brasileira em relação
à população negra, resultando na exclusão do Brasil entre as possíveis
sedes do segundo Festival (Dávila, 2011, p. 165). Interessantemente, o
filme Assalto ao Trem Pagador, que fizera sucesso no festival, expunha
contradições e pobreza no Brasil contava, pelo menos, com uma atriz
oriunda do TEN, Ruth de Souza.
O esforço de Waldir em levar representantes da cultura negra baiana
a Dacar não foi em vão. O fracasso da apresentação brasileira realizada no
Teatro Daniel Sorano foi amenizado no dia seguinte, no Estádio da Amiza-
de, quando o espetáculo foi alterado e Olga do Alaketo dançou “as danças
do candomblé” (Oliveira, 2009). Essa experiência improvisada, que Waldir
avaliou como “um êxito total” (idem), a expor a musicalidade, corporei-
dade e indumentária do candomblé, seria uma componente que paula-
tinamente constituiria a fórmula da representação brasileira no exterior.
Ainda que de modo bastante sutil, os pesquisadores baianos Pedro Maia
e Waldir Oliveira trabalhavam no sentido de que elementos do candomblé
compusessem a imagem do Brasil, nacional e internacionalmente.

172
Em Dacar, ao longo de uma década de trabalho, o discurso de Pedro
Maia deslocou-se no sentido de contemplar elementos dessa africani-
dade baiana. Se sua primeira palestra realizada na capital senegalesa
tratou da “influência francesa no Brasil”, dois anos depois, em 1963, o
tema abordado na Universidade de Dacar foram “influências culturais
negro-africanas no Brasil” o que teria causado “repercussões favoráveis
nos meios intelectuais senegaleses” (Embaixada Brasileira em Dacar,
04/03/1963, AHI). O texto de outra conferência deste professor, em
1967, sobre pintura brasileira contemporânea, finalizava a abordar o
trabalho do pintor Rubem Valentin destacando sua relação com o can-
domblé (Embaixada Brasileira em Dacar, 23/05/1967, AHI). O termo can-
domblé apareceu na entrevista concedida por Maia quando apresentava
os discos brasileiros inscritos no festival. Além de discos de samba e um
com músicas da capoeira, havia um disco com músicas do candomblé,
“culto religioso de origem africana (Embaixada Brasileira em Dacar,
03/05/1966, AHI). O Dakar-Matin expôs uma fotografia, provavelmente
de Olga, toda paramentada de baiana. O texto destacava seus balangan-
dãs (ibidem).
Até aquele momento não foi encontrado em nenhum texto da cor-
respondência diplomática o termo candomblé. Falava-se em valores,
influências e contribuição africana à sociedade brasileira. A participação
artística de Olga do Alaketo no festival, mediada pelo diretor do CEAO, foi
um momento marcante para que os diplomatas verificassem que a cul-
tura africana, entendida como folclórica, vivida na Bahia encontrava res-
sonância no exterior, pelo menos, certamente, para o público africano.

Fim da experiência senegalesa de Maia


Os anos que encerram a década de 1960 culminam com a saída de
Pedro Maia de Dacar. O adido cultural se manteria até o ano de 1970.
Contudo, o ambiente em Dacar e na Universidade seria marcado por ten-

173
sões de ordem política e econômica. O Festival Mundial de Artes Negras,
assim como outros eventos de caráter científico e cultural, organizados
pelo governo senegalês, mostravam uma efervescência cultural africana,
mas não se fazia sem divergências políticas internas.
A Universidade de Dacar, no final dos anos 1960, seria o lócus de
reivindicações movidas sobretudo por estudantes e também professo-
res. O ano de 1968 foi um ano marcante em várias cidades no mundo,
também o foi no Brasil e no Senegal. Se aqui, o ano culminaria com a
instauração do Ato Institucional 5, conhecido como AI 5, que inaugurou
o período de maior repressão política do regime militar brasileiro; no
Senegal, Senghor também se utilizou – pela primeira vez em seu gover-
no – de repressão para barrar a crescente reivindicação das camadas
populares.
Os estudantes universitários estiveram envolvidos e foram prota-
gonistas nesse processo. A correspondência diplomática da Embaixada
brasileira registrou informações acerca das alterações políticas provoca-
das pelos estudantes da Universidade de Dacar que protestaram contra
a política financeira e salarial do governo resultando em “(...) choques
violentos que exigiram a intervenção das forças militares. Quando estas
invadiram a universidade e aprisionaram os elementos perturbadores,
foram mortos três estudantes e muitos feridos” (Embaixada Brasileira
em Dacar, 01/06/1968, AHI).
Havendo rumores de que outros setores da sociedade adeririam às
manifestações, o presidente da república senegalesa determinou o fe-
chamento por um ano da Universidade. O embaixador brasileiro, diante
de tal instabilidade, foi consultado pelo Ministro da Educação sobre a
possibilidade de custear alunos senegaleses no exterior ou acolhê-los no
Brasil para a continuidade dos cursos. Obviamente tratava-se de uma
consulta prematura, uma vez que a Universidade não poderia simples-
mente ser fechada. Seu funcionamento era viabilizado por um acordo
com a França e, caso rompido, o governo Senegal teria que assumir toda

174
a despesa, situação inviável diante da conjuntura econômica (Embaixada
Brasileira em Dacar, 26/06/1968; 04/07/1968, AHI).
São exatamente as dificuldades de ordem econômica apontadas pelo
embaixador brasileiro como a causa primeira das reivindicações no Se-
negal. Meses depois, em março de 1969, nova crise atingiria a Univer-
sidade de Dacar com a adesão de todos os estudantes após a expulsão
de vinte cinco que a teria iniciado. Em sua avaliação, essa greve “seria
a rigor apenas política, com vistas à derrubada do presidente Senghor,
e sua causa remota residiria na insatisfação geral provocada pela grave
crise econômica que o país atravessa” (Embaixada Brasileira em Dacar,
31/03/1969, AHI). Essa “dramática situação econômico-financeira” esta-
ria minando as bases políticas do presidente no interior do país. O novo
embaixador brasileiro Raul de Vicenzi anotaria que o presidente consi-
derou a “necessidade urgente de obter-se ajuda externa em víveres des-
tinados aos ministrados” (Embaixada Brasileira em Dacar, 08/05/1969).
Na verdade, o que esses fatos evidenciam é o estabelecimento de
uma crítica ao governo de Senghor em função de algumas fragilidades.
Vicenzi apontava a configuração de um quadro de crise apoiada na difi-
culdade de abastecimento; no deterioramento do preço do amendoim e
crescente custos para a manutenção do funcionalismo público e do custo
de vida, na crise do franco. Uma instabilidade na França reverberava no
Senegal que, dentre as ex-colônias, era a “mais dependente de ajuda e
assistência da França, com a qual guarda laços estreitos de colaboração
econômica, política, cultural e militar” (idem). O jornal senegalês publi-
cou texto crítico de um clube político recém-inaugurado que fez

críticas contundentes aos monopólios franceses, às elites


senegalesas – por demais apegadas aos valores e costumes
franceses e, portanto, divorciadas do povo e da realidade do
seu país – e mesmo à estrutura política vigente, por ele consi-
derada simulacro da democracia, tendo em vista a ausência de

175
participação do povo na vida nacional. (Embaixada Brasileira
em Dacar, 19/04/1969, AHI)

As principais críticas ao governo de Senghor residiam no relaciona-


mento estabelecido com a França. Carlos Moore, cientista político cuba-
no com vivência em países africanos, estabeleceu crítica contundente
àquele governo que estaria “imbricado da alienadora – e alienante –
trama neocolonial”. A negritude difundida através dos Festivais de arte,
congressos, colóquios encobriria, segundo Moore, “seu rosto assimilas-
sionista, seu hábil oportunismo político, mas também a sua proposta
de cooperação submissa com o neocolonialismo imperial” (Cesaire,
2010, p. 30). O governo de Senghor não foi marcado por “aberrações
ditatoriais”, mas intelectuais senegaleses dissidentes foram “vigiados,
banidos, expulsos das instituições de ensino, impedidos (...) de ensinar
nas universidades”, caso de Cheikh Anta Diop (Cesaire, 2010, p. 31).
Esse cenário expõe os debates no mundo político e acadêmico africanos
em torno dos projetos políticos que colocavam África e africanos como
protagonistas, fossem nos campos cultural e artístico, fossem nos cam-
pos histórico ou político.
A correspondência diplomática evidencia que o governo brasileiro
acompanhava com atenção esse momento de instabilidade do governo
senegalês. As relações entre o Senegal e o Brasil, mesmo com prioridade
no campo artístico e cultural, e um ensaio nas questões políticas com um
incentivo à mediação brasileira entre Portugal e as colônias, não resulta-
ram em maiores desdobramentos.
O processo de departamentalização da Universidade de Dacar amea-
çou a continuidade dos cursos de Português ministrados pelo leitor e
adido cultural brasileiro Pedro Maia. O encarregado de negócios escre-
veu sobre o tema a solicitar pressão na embaixada brasileira em Paris
(Embaixada Brasileira em Dacar, 26/07/1966, AHI). A realidade é que
durante toda uma década, mesmo com a oficialização do ensino de por-

176
tuguês pelo presidente, e a assinatura de um acordo cultural, só havia
Pedro Maia e Pinto Bull como professores em Dacar. Sem maior apro-
ximação brasileira mesmo diante de ações de aproximação senegalesa,
artística e cultural, não havia mesmo motivos ou condições para a insta-
lação de uma cátedra de língua portuguesa. Maia teve seu contrato re-
novado como adido em 1968 e o exerceu até 1970 quando deixou Dacar
em direção ao Chile para atuar como Conselheiro Cultural na embaixada
brasileira por mais dez anos.
Quando retornou à Bahia e à UFBA, em 1981, Pedro Maia doou todo
seu acervo de livros e revistas africanas para o CEAO, naquela oportuni-
dade sob a direção de uma “velha companheira”, Yêda Pessoa de Castro
(Pessoa de Castro, 08/05/1981, CEAO)32. Sua experiência africana foi
narrada junto com Vivaldo, em 1984, nas dependências do Centro de
Estudos, em comemoração aos vinte e cinco anos de funcionamento da
instituição, o jubileu de prata.

32 
Maia retornou à Bahia em julho de 1981 e assumiu a direção do Museu de Arte Sacra.

177
CAPÍTULO 4

NO EXÍLIO AFRICANO: ITINERÁRIOS DE PAULO FARIAS


NA COSTA OCIDENTAL

FIGURA 11 – Gilberto Gil e banda no seu encontro com o continente africano. Embaixada
Brasileira em Lagos, 16/02/1977, AHI

179
Em agosto de 2011, por ocasião do XI Congresso Luso-Afro-Brasileiro
de Ciências Sociais, Paulo Fernando de Moraes Farias retornou a Univer-
sidade Federal da Bahia. O evento, organizado por professores ligados ao
Centro de Estudos Afro-Orientais, aceitou prontamente a sugestão para
que Farias realizasse a conferência de abertura do evento oportunizando
que um antigo membro do Centro de Estudos e da UFBA fosse recebido
com as honras da casa e falasse acerca de sua especialidade, o islã na
história da África ocidental. Com formação completa em medicina, cur-
sando e ensinando história em Salvador, Farias chegou ao CEAO nos idos
de 1962 interessado em compreender a História da África. O interesse
em seguir para o continente africano e as redes estabelecidas a partir do
Centro de Estudos foram importantes para o professor quando o Estado
brasileiro mudou a orientação política e perseguiu aqueles que conside-
rou subversivos.
Este capítulo investiga as experiências de Farias em países africanos,
ao longo da década de 1960, para onde seguiu auto exilando-se frente à
perseguição do regime militar brasileiro.

O encontro com a História da África


O nome de Paulo Farias não é normalmente citado na história do
CEAO, pelo menos não nas memórias contemporâneas que se arvoram
em retomar os principais nomes e eventos da instituição. Mesmo assim, o
nome deste historiador está na primeira edição da revista Afro-Ásia, como
correspondente da revista no exterior, no caso em Acra, ao lado de Pedro
Moacir Maia, correspondente em Dacar (Afro-ásia, 1965). À semelhança
de outros acadêmicos que se integraram inicialmente ao CEAO, sua pre-
sença se deu em função de um chamado inesperado de Agostinho da Sil-
va, através de um telefonema, que Farias não sabe quem disponibilizou
ou exatamente o que despertou a atenção do primeiro diretor do CEAO
(Moraes Farias, 2007). Pode ter sido em função de debates travados com

180
o professor que ensinava a língua híndi no Centro, durante um veraneio
(Moraes Farias, 2010). Ou por ter feito uma questão ao Raymond Aron –
ato ousado para um estudante – quando esteve em palestra na reitoria
da UFBA (Moraes Farias, 2011). O fato é que Farias circulava em algumas
atividades do Centro como as palestras e, por algum motivo, Agostinho
acreditou que poderia oferecer sua contribuição ao Centro de Estudos
convidando-o pouco antes de deixar a instituição (Moraes Farias, 2010).
À época, Paulo Farias cursava história na UFBA e ensinava essa dis-
ciplina no Colégio Central, de modo que nessa matéria residia seu inte-
resse (idem). E foi neste setor, que acabava de ser criado, que foi incum-
bido de trabalhar no CEAO. A história era uma disciplina voltada para a
história de grandes homens do passado da sociedade e, do modo como
estava estruturada, não abordava um importante contingente da popu-
lação. E se o Centro surgiu com uma proposta de voltar-se para o estudo
dos africanos do outro lado do Atlântico, havia que investir neste campo
do conhecimento e enveredar por discussões relativas à população ne-
gra na Bahia e na África. Segundo Farias, seu interesse inicial era encon-
trar argumentos contra o racismo da sociedade baiana (Moraes Farias,
2007). Estudar a história africana, proposta no CEAO, podia ser um meio
de enfrentar essa questão.
No primeiro depoimento para esta pesquisa em 2010, Paulo Farias
nos oferece mais detalhes acerca de seu envolvimento com a História da
África. Diferentemente do que sugere a entrevista concedida a Alberto da
Costa e Silva, em 2007, não foi o CEAO que despertou seu interesse por
essa área de conhecimento. Mas seu interesse pela história africana foi
redimensionado com a aproximação com o Centro de Estudos. Em suas
memórias, Farias refere-se à necessidade de recorrer à história africana
como forma de combater a história naquele momento ensinada marcada
“pelas glórias do passado” para revelar aspectos até então ignorados da
sociedade brasileira, uma história que fosse “subversiva”. Entendia que
a sociedade brasileira era “marcada por heranças de desigualdade e de

181
supostas justificativas dessa desigualdade” sendo boa parte de tudo isso
herdado da escravidão. “Para combater essa herança, e o racismo que
ela carregava e continuava alimentando, seria necessária uma nova visão
crítica da história do Brasil e uma nova visão crítica da história da própria
África” (Moraes Farias, 2010).
As transformações políticas no continente africano ao final dos anos
50 faziam com que tal assunto estivesse na ordem do dia e que a atenção
do professor estivesse voltada também para a história africana. Se pen-
sarmos com Jerry Dávila, nosso professor baiano de história não seria
uma exceção (Dávila, 2011, p. 68-71). Maria Yedda Linhares destacou,
em entrevista concedida a Dávila, que no início dos anos 1960 havia um
entusiasmo de intelectuais brasileiros politicamente de esquerda pela
África, mas muito pouco sabiam a respeito. Havia muito idealismo. Para
esta historiadora, uma das primeiras a ensinar história da África numa
universidade brasileira, na Universidade do Brasil33, e que participou de
ações voltadas para aproximação do Brasil com a África, o continente era
visto com ingenuidade pelos intelectuais da época exatamente porque se
sabia muito pouco a respeito e olhava-se para o outro lado do Atlântico,
buscando resolver o problema do Brasil.

A África era um símbolo da mudança num meio intelectual


comprometido com medidas desenvolvimentistas que iam da
industrialização até a reforma agrária e que definiam sucesso
como a capacidade de o Brasil sair da sombra dos Estados Uni-
dos e se tornar um líder mundial por conta própria. (Dávila,
2011, p. 71)

Vale destacar que o interesse de Farias manifestou-se antes do posi-


cionamento brasileiro frente ao continente africano, em 1961, quando

33 
Atual Universidade Federal do Rio de Janeiro.

182
solicitou a participação de intelectuais brasileiros nas políticas então
postas em curso, caso de Yedda Linhares. Manifestou-se, inclusive, antes
de ingressar no Centro de Estudos Afro-Orientais. A dificuldade residia
em encontrar publicações que o ajudassem no “desenvolvimento de
uma nova perspectiva histórica em relação àquele continente” (Moraes
Farias, 2010). A história da África, até então, não era ensinada em ne-
nhum curso formal e não havia livros em livrarias.

Felizmente, mesmo antes da fundação do CEAO em 1959, eu


descobrira meios de acesso a algumas publicações europeias
desse tipo. A Maison de France em Salvador, dirigida por Ray-
mond Van der Hagen, aceitava encomendas de publicações
francesas  que ela pagava em Paris em moeda francesa mas
cobrava na Bahia em moeda brasileira. E fazia isso com qual-
quer tipo de publicação, fosse qual fosse a orientação desta.
A Casa d’Italia agia de maneira semelhante em relação a pu-
blicações italianas. A eficiência e a atitude liberal dessas ins-
tituições contornavam problemas de câmbio e ampliavam os
horizontes de leitura possíveis na Bahia. (idem)

Novos países emergiam no continente africano a resgatar nomes de


antigos estados a exemplo de Gana e Mali. Essa importante referência
à história africana a remontar períodos muito anteriores à experiên-
cia colonial chamava a atenção de Farias incitando-o a buscar leituras
a respeito. Um livro, conseguido em 1958 através das redes citadas, o
introduziria na história desses antigos impérios. O livro era L’Afrique noire
occidentale et centrale, de Jean Suret-Canale, geógrafo e historiador francês,
militante político anticolonialista, publicado naquele mesmo ano em Pa-
ris pela Éditions Sociales.
Deste contato pela história africana para o trabalho no CEAO não
demorou muito. Em sua memória, a personalidade e a forma de inter-
venção de Agostinho da Silva foram fundamentais para o convencer a

183
investir profissionalmente neste campo de conhecimento. Explicou que
logo seria substituído por Waldir Oliveira e “persuadiu-me de que have-
ria meios de corrigir minha falta de conhecimento da história da África,
e de que enfrentar o desafio desse assunto para mim novo seria um em-
preendimento intelectual mais cativante(...)” (Moraes Farias, 2010). De
Agostinho, à semelhança de depoimentos como de Waldir Oliveira ou
Vivaldo da Costa Lima, Paulo Farias guarda as melhores lembranças. “Ele
era uma figura inspirada, e falava ao mesmo tempo com clareza e com
paixão” (idem).

Sempre digo que conversar com Agostinho era coisa ‘arriscada’,


pois podia resultar em mudança de trajetória de vida (...) Era
um aventureiro intelectual (...) e se comprazia em descobrir e
inventar soluções novas para problemas novos (...)”. (idem)

O trabalho de Farias se iniciou voluntariamente no CEAO em 1962,


sob a direção de Waldir Oliveira. No início, horas e horas de leituras que
lhe pareciam uma tortura, pois lhe faltavam ainda as chaves para com-
preender aqueles estudos. Pierre Verger foi quem o ajudou com indica-
ções de documentos no Arquivo da Bahia e a indicação do livro a História
dos Iorubás, de Samuel Johnson (1937). “De início, achei esse texto ab-
solutamente impenetrável. Lembro-me de ter passado horas no CEAO,
lendo aquele livro e me perguntando quando é que eu ia começar a com-
preender aquilo [risos]” (Moraes Farias, 2010). Em 1962, Vivaldo, que se
encontrava em Gana, estimulou que ele seguisse para lá e lhe enviou o
livro da autoria de John Fage intitulado Ghana: A Historical Interpretation
publicado em 1959 (Costa Lima, 19/06/1962, CEAO).
Desde então, Farias passou a nutrir o interesse em seguir para a Uni-
versidade de Gana, para o recém fundado Institute of African Studies
(IAS), com intenção de aprofundar seus estudos da história africana. So-
mava-se aos outros pesquisadores do Centro de Estudos Afro-Orientais

184
que buscavam a oportunidade de conhecer a África e realizar pesquisa
no próprio continente como Vivaldo ou ainda Guilherme e Yêda Pessoa
de Castro que estiveram na Nigéria entre 1962 e 1963 (Reis, 2011). A
correspondência emitida por Vivaldo da Costa Lima, de Acra, lembra a
insistência de Farias por informações sobre o curso ganense (Costa Lima,
19/06/1962. CEAO).

O CEAO e o golpe militar em 1964


“O serviço prestado à segurança nacional é parcela decisiva para a
paz democrática da família brasileira” (Andréa, 30/09/1964, CEAO). O
ano era o de 1964. O Brasil experimentava novas alterações nos direcio-
namentos políticos do país que aos poucos viriam a interferir cada vez
mais no funcionamento de instituições brasileiras e na vida cotidiana das
pessoas. Para o Centro de Estudos Afro-Orientais, instituição da Universi-
dade Federal da Bahia, o impacto não tardaria a se fazer sentir.
A frase citada anteriormente podia ser lida ao final da correspondência
do Ministério de Guerra enviada em 30 de setembro daquele ano pelo te-
nente coronel Abelardo Andréa, representante do Excelentíssimo Senhor
General Comandante da 6º RM, junto a repartições e bancos. O destinatário
era Waldir Freitas Oliveira, diretor do CEAO, que tomava conhecimento que
a partir do dia seguinte “fica(va) dispensada a remessa de qualquer docu-
mentação, inclusive as que anteriormente haviam sido solicitadas, como
sejam: cópia da conta-corrente bancária, relação dos cheques emitidos e
respectivos comprovantes” (Andréa, 30/09/1964, CEAO). Esta circular é o
único documento mimeografado, até o presente momento, encontrado no
acervo de correspondência do Centro de Estudos, em relação ao período
abordado, o que sugere um caráter amplo e irrestrito.
Aquele ano seria marcado por grandes indefinições na história bra-
sileira. A instalação de novo governo que ficaria depois conhecido como
Ditadura Militar, em substituição ao governo de João Goulart, trataria

185
logo de investigar atividades e elementos classificados como subversivos.
Isso gerou, nos meios acadêmicos, um clima de suspeição, uma vez que
paulatinamente as pessoas eram chamadas a prestar esclarecimentos no
Quartel General.
Antes que se completassem dois meses do novo governo instaurado
no mês de abril, Waldir Oliveira foi chamado para explicar-se no Quartel
General da VI Região Militar. O reitor da Universidade da Bahia, Albéri-
co Fraga, recebeu como justificativa para tal convocação a necessidade
de se compreender “a existência na biblioteca do Centro de publicações
oriundas de países asiáticos comunistas tais como a República Popular
da China, a Coreia do Norte e o Vietnam do Norte, não havendo surgido
por parte dos comandos militares com os quais estive em contato quais-
quer restrições relacionadas com o trabalho aqui desenvolvido ou com a
presença das referidas publicações” (Fraga, 25/05/1964, CEAO).
As atividades do Centro estariam isentas de maiores suspeitas e in-
vestigação não fosse por uma consideração, motivo de grande preocupa-
ção: “foi o professor Paulo Fernando de Moraes Farias o único a ser pro-
curado pelas autoridades militares, estando presentemente a responder
inquérito instaurado contra a sua pessoa pelo Governo Estadual da
Bahia” (idem). O que levaria o referido professor a ser, aparentemente,
o único alvo de investigação do CEAO tão logo se tenha instaurado o regi-
me militar? Quais implicações essa averiguação teria para os integrantes
do Centro e para a Universidade? Que impactos essa situação traria para
o investigado?
No CEAO, entre 1962 e 1964, o professor de história organizava o se-
tor de estudos históricos: se dedicava às leituras, à obtenção da bolsa de
estudos no exterior e preparava cursos de história africana que estariam
a seu cargo no novo setor na instituição. Os cursos foram atividades mar-
cantes no CEAO desde sua instalação, em 1959. Destacavam-se os cursos
de línguas estrangeiras, a citar árabe, japonês, russo e yorubá que eram
livres, ou seja, abertos à população sem ser necessária a comprovação

186
de escolaridade. O diferencial deste novo setor, o de Estudos Históricos,
é que já surgia com a incumbência de ministrar cursos diferentemente
dos outros setores como o de Estudos Etnológicos e Sociológicos, sob
a responsabilidade de Vivaldo Lima ou o de Estudos Linguísticos, sob a
coordenação de Guilherme Castro, cuja atividade prioritária era a reali-
zação de pesquisa.
Outra importante consideração refere-se ao corpo de funcionários do
CEAO. Tratava-se de um Centro pequeno, cujas atividades estavam a car-
go de profissionais em formação inicial, reunidos por interesse ou pela
área de conhecimento. Inicialmente desvinculados da Universidade, aos
poucos foram inseridos a partir de diferentes situações. Os professores
de língua estrangeira eram pagos através de “folhas internas”, espécie
de pagamento que revelava a ausência de um contrato formal com a Uni-
versidade. Em 1964, a vinculação e as formas de pagamento de todos
seriam revistas (Fraga, 23/01/1964, CEAO).
Entre as alterações experimentadas naquele ano destaca-se a cres-
cente limitação de recursos financeiros em face das alterações orçamen-
tárias que seria o assunto prioritário tratado na correspondência enviada
nos meses de janeiro e fevereiro de 1964 por Waldir Oliveira ao reitor Al-
bérico Fraga. Assim, fazia-se necessário incluir o artista Lênio Braga como
funcionário do Centro, firmar contrato com os professores estrangeiros
de línguas, reajustar o salário do próprio Waldir que havia perdido a gra-
tificação como diretor (Fraga, 23/01/1964, CEAO).
As atividades eram marcadas por custos extraordinários uma vez que,
como um Centro voltado para a pesquisa e o intercâmbio, previa o des-
locamento de pessoas para outros países além de requisitar o trabalho
de profissionais sem vinculação efetiva com a universidade como vinha
ocorrendo desde sua instalação em 1959. Tornava-se, portanto, cada vez
mais difícil manter as atividades executadas por pessoas sem vinculação
efetiva com a universidade.

187
Além de firmar contratos com alguns desses novos funcionários do
CEAO, era necessário justificar a necessidade dos mesmos e fazê-los se
enquadrar nas categorias disponíveis. Isto foi motivo de indisposição do
diretor com Lênio Braga que realizava serviços de fotografia no Centro e
foi enquadrado na categoria de desenhista, percebendo um salário infe-
rior ao que recebia, além de ter que apresentar planos de trabalho que
não correspondiam às atividades que de fato estava habilitado para de-
senvolver. Os planos de trabalho para todo o ano se faziam importantes
para justificar a manutenção do Centro de Estudos Afro-Orientais. Diante
de tais cobranças, preferiu-se investir em cursos no CEAO que contassem
com os pesquisadores da Universidade em detrimento de profissionais a
serem contratados. Cursos desenvolvidos a partir de conteúdos das pes-
quisas do Centro foram instalados em detrimento dos cursos de língua
estrangeira que, vigentes desde o ano de 1959, foram suspensos no ano
de 1965.
No primeiro semestre de 1964, Albérico Fraga estaria nos meses fi-
nais do exercício de seu reitorado, vigente desde o segundo semestre
de 1961. Sua postura frente ao CEAO não era das mais simpáticas. Essa
relação já havia sido marcada pela indisposição do mesmo em apoiar
a vinda dos estudantes africanos para curso no CEAO nos meses finais
de 1961. Oportunidade na qual foi registrado por uma nota jornalísti-
ca o comentário racista que havia proferido ao dizer que a Bahia não
precisaria de mais negros, pois já tinha o suficiente (Reis, 2010; Verger,
20/10/1961, Afro-ásia, 2008, p. 254). Fraga estaria fortalecido com a ins-
talação do novo regime político do qual era partidário (Ferreira, 2004).
A situação ensejava cuidados e Waldir estava atento. Em 29 de abril
de 1964, escreveu ao pesquisador Fernando Moura, na Bélgica, com o
qual agendava a realização de um curso no CEAO

Quanto a possibilidade de sua vinda e da feitura de um curso


entre nós, acho-a plenamente viável, apesar das grandes trans-

188
formações que sofreu o Brasil nos últimos trintas dias. Apenas
aconselharia ao prezado amigo, evitar um curso especial sobre
Angola e Moçambique, uma vez que ainda não se sabe qual
será a orientação do novo governo brasileiro de referência ao
problema de Portugal na África. Um curso porém sobre “Po-
lítica Africana” mesmo com referência aqueles dois territórios
seria perfeitamente aceitável. (Oliveira, 29/04/1964, CEAO)

Em 1º de julho, informava a Claude Cros, em Dacar, que aqui não


havia maiores novidades “apesar de a revolução nos ter trazido uma
série enorme de preocupações” (Oliveira, 01/07/1964, CEAO).O fato é
que com a nova orientação política, que condenava veementemente a
orientação considerada de esquerda, as pessoas sabiam que estavam
em oposição ao governo, mas não eram informadas do que havia forma-
lizado contra elas.
Tão logo o governo militar foi instalado, alguns professores da Univer-
sidade passaram por situação vexatória. Milton Santos, eminente inte-
lectual baiano, geógrafo, foi responsável pelo Laboratório de Geomorfo-
logia e Estudos Regionais instalado na UFBA em 1959 e chefe da Casa Civil
no governo de Jânio Quadros. Com a instalação do golpe, Waldir escrevia
a Pedro Moacir Maia, em 19 de junho:

O Barros anda preocupado, mas até agora nada de positivo


houve contra ele. Quanto ao Milton, continua preso e há um
processo volumoso correndo contra ele, agora na justiça, no
qual ele é acusado de corrupção administrativa e malversação
de dinheiros públicos. Embora não acredite na sua culpabi-
lidade, a carga contra ele é pesada e encaro a possibilidade
de ele vir a sair a bem disto tudo com pessimismo. (Oliveira,
19/06/1964, CEAO)

As acusações contra Milton Santos e contra Isidório Batista de Oli-


veira, outro professor da universidade, que atuava no sindicato, ambos

189
negros, para justificar a imediata demissão sem direitos trabalhistas e
consequente prisão, foram evidências do tratamento dispensado aos
opositores do governo. A arbitrariedade e brutalidade destas atitudes
instauravam um clima de tensão entre todos e revelava quão fácil seria
tornar-se alvo da violência do novo governo. Paulo Farias não compa-
receu mais ao CEAO desde o final de abril de 1964 (Costa, 30/04/1964,
CEAO). E Waldir informava que um livro de ponto foi instituído para de-
mitir por justa causa os que não comparecessem ao trabalho por mais de
trinta dias (idem).
Neste bojo, a correspondência do CEAO anuncia a busca por uma bol-
sa de estudos para Paulo Farias no exterior. Em 18 de junho, Waldir faz
um pedido para Mr. Andoh, do Institute of African Studies, em Legon,
Ghana (Oliveira, 18/06/1964, CEAO). Em 24 de junho, falaria do assunto
com o embaixador de Gana no Brasil, Dr. John Ernest Jantuah (Oliveira,
24/06/1964, CEAO). Em 29 de julho, o apresenta ao Registrar da Univer-
sidade de Ghana: “É licenciado em História, realiza excelente trabalho,
adquirido no Departamento de Estudos Históricos do Centro desde 1962.
Sua admissão será importante para o intercâmbio entre a Universidade
da Bahia e a Universidade de Ghana” (Oliveira, 29/06/1964, CEAO). Can-
didatava-se ao Mestrado em Estudos Africanos daquela universidade.
A reação de Waldir ante a instalação do golpe, perceptível através da
correspondência, denota preocupação em relação ao professor do CEAO
que já se sabia alvo de investigação. Trata-se de um universo intelectual
e político onde havia o debate e o confronto de ideias e ideologias, que
se desdobravam em diferentes posicionamentos políticos, sobretudo em
torno do liberalismo e socialismo. Paulo Farias fazia parte do grupo de
intelectuais que mantinham uma “postura política de esquerda” (Dávila,
2011, p. 71) e embora não tenha mencionado a palavra “Comunismo”,
sabemos que é sob essa categoria que se enquadravam, ou eram enqua-
dradas, as pessoas que se posicionavam dessa maneira. O depoimen-
to de Farias refere-se a uma época de “constantes e intensos debates

190
intelectuais na Bahia, que ocorriam em ambientes e contextos vários”
(Moraes Farias, 2010).
O Colégio Central destacava-se como a mais importante instituição
ginasial da Bahia, nos anos 1960. Farias destaca os intensos debates lá
ocorridos muitas vezes “de um nível já praticamente equivalente ao nível
universitário” (idem). Para referir-se aos debates, Farias cita dois de seus
brilhantes alunos naquele colégio: Carlos Nelson Coutinho, que tornar-
-se-ia maior estudioso da obra de Antonio Gramsci no Brasil e o poeta
Waly Salomão. Gramsci, portanto, é a referência citada por Farias para
dimensionar seu posicionamento nos debates intelectuais do período34.
Foi Antonio Risério, em seu livro Avant-Garde na Bahia, quem buscou
apresentar um panorama das transformações pelas quais passavam a
Bahia, mais especialmente Salvador, entre o final dos anos 1950 e início
dos anos 1960. Essas tensões ideológicas que marcavam o ambiente inte-
lectual na Bahia, e se acirravam cada vez mais, podiam ser percebidas na
oposição que sofria o reitor Edgard Santos por receber financiamentos
de Fundações Norte-Americanas como a Rockefeller Fundation. A vinda
de estudantes americanos para a UFBA foi motivo de intensa reivindica-
ção por parte dos estudantes (Risério, 1995).
Segundo Farias, tão logo o regime foi instaurado ele e outros profes-
sores do Colégio Central foram prontamente demitidos após processo
sumário na Secretaria de Segurança Pública do Estado, cuja finalidade
era um expurgo de “elementos subversivos” (Moraes Farias, 2010). O
autor destaca que a coluna vertebral do aparelho de repressão instala-
do pela polícia militar era o exército e as outras forças armadas. Assim,
no mesmo período de sua demissão foi denunciado como subversivo ao

Antonio Gramsci foi filósofo marxista italiano. Escreveu sobre o papel do intelectual
34 

na organização das massas e do partido. Ver GRAMSCI, 1999 e 1982.

191
exército por alguns professores, colegas do Colégio Central. Outra ativi-
dade contribuía para essa situação:

Acrescente-se ao que eu digo acima que, no momento do gol-


pe de 1964, eu era um dos coordenadores da aplicação em
Salvador do método de alfabetização e conscientização criado
pelo professor Paulo Freire (e tanto Paulo Freire quanto o mé-
todo dele foram tratados como extremamente “subversivos”
pela ditadura). Diga-se de passagem, que Paulo Freire era um
homem da esquerda católica e eu não. Mas essa diferença
não impediu que houvesse entre nós uma forte relação de
amizade, que continuou no exterior depois de 1964. (Moraes
Farias, 2010)

A apreensão de Waldir ao comunicar ao Reitor Albérico Fraga o referi-


do processo pelo qual Farias era investigado revela o clima de incerteza.
A partir de 1º de abril, todos aqueles que de uma maneira ou de outra
participavam do debate acerca dos processos políticos e ideológicos no
país ou se posicionavam criticamente em relação aos rumos da socieda-
de brasileira eram suspeitos em potencial e tornaram-se alvo de investi-
gação e arbitrariedades, como no caso da prisão de Milton Santos. Diria
Farias “subitamente (passei) da categoria de cidadão em gozo de seus
direitos à categoria de “subversivo” que podia ser a qualquer momento
alvo de arbitrariedades. E, como eu, muitos outros e outras” (Moraes
Farias, 2010). Tudo isto criou um clima de terror e perseguição entre os
que não compartilhavam da orientação do governo. E assim como Waldir
Oliveira ou os colegas de Farias no colégio, muitos foram chamados a
depor e estimulados a entregar colegas que tivessem opinião contrária
ao governo ou parecessem subversivos.
Naquele início de governo, as pessoas não sabiam que tipo de ações,
legitimadas pelo Estado brasileiro, poderiam acontecer às pessoas que
se tornaram alvo de processos. Muitos foram os perseguidos, presos, tor-

192
turados, mortos e desaparecidos (Arns, 1986; Ferreira, s/d; Brito, 2003;
Souza, 2013). Somente recentemente as fichas existentes do Serviço
Nacional de Informação, criado para concentrar informações durante a
ditadura, estão sendo analisadas. Segundo Farias, as pessoas que viram
algumas dessas fichas dizem que acusações variavam entre invenções e
fofocas. Havia muita imprevisibilidade naquela repressão (Moraes Fa-
rias, 2011).

Eu tenho um amigo que é casado com uma alemã e que me


disse que a mulher dele sempre votou pelos democratas e na
ficha dele estava escrito que a mulher dele era uma mulher
perigosa subversiva, que votava em socialistas. Às vezes tam-
bém eu acho que esses agentes pegavam a verba, gastavam
no nigth clubs e inventavam o que queriam, não tinha nin-
guém que controlava. [...] Eles suspeitavam de pessoas que
às vezes tinham sido comunistas há quarenta anos atrás, mas
ainda tava lá na ficha deles na polícia, então eles iam atrás.
Ou alguém que algum dia tenha dito, sei lá, alguma coisa que
eles interpretaram como uma declaração subversiva. Pronto:
fichava lá! Uma vez que você estava fichado, toda vez que
houvesse uma onda de prisões, você ia no meio. (Moraes
Farias, 2011).

Entre os professores do Central em situação semelhante à de Farias


encontravam-se Rena Martins Farias, professora de História Natural,
e sua esposa. Ambos compartilhariam esses momentos de verdadeiro
acossamento que desembocaria na saída do país alterando definitiva-
mente suas trajetórias. Diante de tamanha pressão, violência e do im-
previsível, a opção pelo autoexílio foi uma estratégia muito utilizada.
Paulo Farias e Rena deslocaram-se da Bahia para São Paulo. O objetivo
era chegar em Gana.
Embora as cartas a solicitarem uma vaga para o curso de mestrado
na Universidade de Gana, no Institute of African Studies, apareçam insis-

193
tentemente em 1964, especialmente após o mês de abril, sabemos que
desde 1962 o professor interessava-se pelo curso. A viagem estava sendo
inicialmente programada para 1963. O adiamento para 1964 pode ter
se dado em função de Farias necessitar finalizar seu curso de História.
O fato é que Farias decidiu seguir para lá utilizando uma reserva finan-
ceira com a qual intentava comprar um carro. Para conseguir atravessar
o Atlântico, utilizou-se de uma rede de intelectuais que, em São Paulo,
colaborava na fuga de pessoas alvo da repressão militar.

Tratava-se do casal Ianni (o saudoso professor Octávio Ian-


ni da Universidade de São Paulo e a mulher dele), do casal
Weffort (o sociólogo Francisco Weffort, que anos depois seria
Ministro da Cultura no governo Fernando Henrique Cardoso,
e Ziláh Weffort, na época casada com ele), e o casal Segall (o
escritor e empresário Maurício Segall, filho do grande pintor
Lazar Segall, e a atriz Beatriz Segall, que na época era casada
com o Maurício). (Moraes Farias, 2010)

Assim foi possível obter os passaportes, conseguir o visto para Gana e


depois seguir de avião para Dacar no Senegal.

Itinerários: recepção de Pedro Maia no Senegal


A viagem foi realizada em setembro de 1964. O Senegal era o desti-
no em função de naquele período sua capital Dacar possuir importante
aeroporto da região recebendo muitos voos internacionais. Soma-se o
fato desta cidade reservar ao casal brasileiro o apoio de pessoas que
não eram desconhecidas na história do CEAO: o professor Pedro Moacir
Maia, adido cultural na embaixada brasileira em Dacar e leitor na Univer-
sidade de Dacar e Claude Cros, o estudante francês que havia estado na
Bahia durante três meses junto com a primeira leva de estudantes afri-
canos chegados em 1961 no CEAO. Interessantemente Cros, cuja estadia
no Brasil havia sido muito mais curta que a dos outros estudantes, não

194
tendo deixado maiores informações acerca da sua trajetória a partir da
correspondência do CEAO no período analisado (Reis, 2010, p. 126-172),
casou-se com Maria Helena, uma aluna de Rena no Colégio Central. Essas
pessoas constituíram uma rede fundamental para a recepção ao casal
saído do Brasil.
A inquietude era grande. A experiência de perseguição no Brasil os
havia marcado com a insegurança. Farias diria: “Nesse tempo eu dor-
mia vestido, pronto para fugir a qualquer hora, viajava de ônibus meio
disfarçado” (Moraes Farias, 2010). Uma vez em Dacar, a dificuldade se
concentraria em confirmar se a Universidade de Gana continuava dis-
posta a recebê-lo com acomodações para sua esposa e uma pequena
bolsa para garantir a sobrevivência. Desse modo, não havia como saber
se o contato entre o CEAO e a Universidade de Gana continuava e se a
resposta era favorável.
Ao sair do Brasil, Farias não havia informado Waldir. Não quis com-
partilhar informações para que ele não se tornasse cúmplice e também
alvo de investigação. Há outra possibilidade: Waldir teria aberto no CEAO
a gaveta do professor de história, para verificação de documentos que
podiam comprometê-lo e, de acordo como antropólogo Cláudio Pereira
em conversa pessoal, Vivaldo o alertou do fato. Uma situação, contudo,
não exclui a outra. Se o diretor abriu a gaveta sem autorização e isso
foi mais um motivo para Farias se afastar do país, não significou o rom-
pimento dos contatos com o Centro. Ao analisar a correspondência do
CEAO encontramos mais um pedido de bolsa, uma carta de recomenda-
ção referindo-se a Paulo Farias enviada por Vivaldo à Universidade de
Gana, em 5 de agosto de 1964. Em 25 de setembro, parte nova corres-
pondência, assinada por Waldir, a agradecer ao Mr. Andoh a concessão
da bolsa de estudos mesmo sem a garantia de um financiamento adicio-
nal (Oliveira, 25/09/1964, CEAO). Quem teria informado ao CEAO que
Farias já estava no continente africano? Certamente outras missivas que
não se encontram no acervo do Centro circularam entre os professores.

195
Em Dacar, o historiador penava em busca de informações. As comuni-
cações não se faziam com rapidez e a resposta à correspondência estaria
indo para o CEAO. Então não havia a confirmação necessária para se-
guir viagem. As redes que foram utilizadas para dar conta desse impasse
revelam as articulações que aproximavam aqueles que por diferentes
questões lutavam pela liberdade. Se, no Brasil, na primeira leva de es-
tudantes africanos havia a presença de um integrante dos movimentos
de libertação da África sob dominação portuguesa, que viera fazer arti-
culações por aqui, em Dacar são igualmente membros do Partido pela
Independência de Guiné-Bissau e Cabo Verde (PAIGC) que o ajudariam a
obter a informação necessária.

O PAIGC tinha meios próprios, e eficientes, para se comunicar


com outros movimentos que, na época, lutavam pela indepen-
dência das colônias africanas de Portugal.  Comunicaram-se
com representantes do Movimento Popular pela Libertação de
Angola (MPLA) que viviam em Gana, em Acra. Uma represen-
tante do MPLA teve a gentileza de ir à Universidade de Gana,
ao IAS, para falar com eles em meu nome. Certificou-se de que
o IAS (Institute of African Studies) continuava disposto a me re-
ceber e a conceder-me a bolsa pleiteada, e transmitiu de volta
essa boa nova ao PAIGC em Dacar, que me passou a notícia.
Compramos então novas passagens aéreas Dacar-Acra (ainda
com a ajuda de minhas pequenas economias), e no aeroporto
de Acra fomos recebidos por aquela representante do MPLA,
que nos levou à Universidade de Gana e ao IAS. (Moraes Fa-
rias, 2010)

No Institute de African Studies (IAS), Universidade de Gana


Os primeiros contatos de Farias com Gana não representaram a tran-
quilidade que uma pessoa perseguida necessitava. Tanto na entrevista
concedida em 2007, a Alberto da Costa e Silva, quanto em 2010, para

196
esta pesquisa, o professor menciona a tensão que a organização política
em Gana lhe causou. Ao imaginar uma configuração política diferente
da que havia vivido no Brasil foi surpreendido com o autoritarismo do
regime de Nkrumah: “isso me criou uma certa perturbação psicológica,
semelhante à que sentia no Brasil” (idem).
Em mais de um momento, o autor refere-se a essa marca que meses
de perseguição política no Brasil deixaria em sua vida. Em Gana, lem-
brando do idealismo a que se referiu Yedda Linhares, a realidade não
apresentava a sensação de liberdade desejada. Carlos Moore explica que
Kwame Nkrumah, um dos maiores dirigentes panafricanistas, que havia
apresentado um “projeto de constituição de um Estado Africano Conti-
nental e lançou um programa destinado a garantir a autonomia estraté-
gica do continente” à semelhança de outros líderes no continente, aca-
bou por erigir um governo ditatorial em função de estarem “acossados
e permanentemente ameaçados de assassinato” (Moore, 2010, p. 85).
Por outro lado, a inquietação também podia estar relacionada ao fato
de buscar em Gana um caráter não transitório, uma estabilidade domici-
liar. Depoimentos de exilados da ditadura militar brasileira, registrados
no livro organizado por Pedro Celso Uchoa Cavalcanti e Jovelino Ramos
(1976), revelam em comum a dor que essa permanente transitoriedade
causava. Como se estabelecer em um lugar que não se sabia por quanto
tempo ficar ou que não queria ficar por muito tempo? Além das questões
estruturais fundamentais, como casa e trabalho, nota-se que a marca do
transitório era igualmente perturbadora e, talvez por isso, que a inserção
em atividades que a pessoa gostasse de desempenhar fosse ao menos
um alento para os que não podiam voltar para casa.
Essa referência à perturbação que a realidade política de Gana lhe
causou antecede, em ambas as entrevistas de Farias, as notas bastante
elogiosas acerca da Universidade de Gana e de seu ambiente intelectual.
Segundo nosso historiador, esta instituição àquela época foi a mais cos-
mopolita que já experimentou em toda sua vida. Na entrevista concedida

197
em 2010, o autor dedica mais de três laudas a relatar aspectos dessa
experiência. Vejamos parte de seu relato.

O regime de Nkrumah resolveu então modificar as institui-


ções universitárias de modelo britânico que existiam em
Gana no momento da independência, e criar uma nova
educação universitária fora dos hábitos intelectuais gerados
durante a época colonial. Ao mesmo tempo, queria que as
novas instituições que iam ser criadas mantivessem padrões
de excelência comparáveis aos melhores do mundo - padrões
de excelência  que fossem internacionalmente reconhecidos
como tais dentro e fora da África. Convocou então uma co-
missão internacional de estudiosos para que oferecesse su-
gestões sobre o caminho a seguir. Isso se passava em uma
época em que o mundo estava dividido em dois campos pela
“Guerra Fria”. Mas Gana, que mantinha boas relações tanto
com a União Soviética e seus aliados quanto com os Estados
Unidos e seus aliados, incluiu naquela comissão  gente que
vinha de países e horizontes ideológicos diversos. Na co-
missão havia gente de orientação marxista bem como gente
de orientação liberal  não-marxista, professores  de origem
africana, norte-americana  (uma americana branca e um
afro-americano), britânica, e russa-soviética.  Uma das mais
importantes sugestões feitas por essa comissão  retomava
uma ideia já favorecida por alguns círculos universitários do
novo país independente (favorecida inclusive por professores
da Universidade de Gana  que politicamente faziam oposi-
ção a Nkrumah porque achavam o seu governo demasiado
autoritário). Essa sugestão dizia respeito à necessidade de
ser fundado um Instituto de Estudos Africanos (“Institute of
African Studies” = IAS) na Universidade de Gana. O governo
Nkrumah acolheu com entusiasmo a sugestão (o IAS viria a
ser pessoalmente inaugurado pelo próprio Nkrumah, que fez
um importante discurso nessa ocasião). E o governo Nkrumah
também decidiu que, em vez de ter um pessoal docente in-

198
teiramente ganeano (ou inteiramente africano) nesse novo
Instituto, criaria pelo contrário um IAS que fosse internacio-
nalista tanto no pessoal docente quanto no pessoal discente.
[...] Essa orientação interétnica, pan-africanista, e intercon-
tinental acima das divisões da Guerra Fria, dada ao IAS pelo
regime de Nkrumah, iria criar vastas, e extremamente inte-
ressantes, perspectivas de aprendizado para mim quando alí
cheguei em 1964. Acrescente-se a isso o fato de que o regime
decidiu fazer grandes investimentos em educação a todos os
níveis. Isso criou uma tradição que tem persistido através de
todas as reviravoltas políticas que têm acontecido em Gana
desde a deposição do governo Nkrumah em 1966, e através
de todas as crises econômicas que têm afetado a África e suas
universidades em nossa época. (Moraes Farias, 2010)

Essa narrativa, ao enfatizar a riqueza intelectual que o ambiente na Uni-


versidade de Gana lhe proporcionou, retoma uma importante experiência
da história daquela universidade pouco conhecida no universo intelectual
brasileiro. Porém, não se deve perder de vista a necessidade do nosso au-
tor em ocupar todo o tempo de que dispunha naquele exílio. Era importan-
te que a experiência desse certo e fosse produtiva, como ocorreu.
O embaixador brasileiro Raymundo de Souza Dantas, designado
para a embaixada brasileira em Acra, em 1961, tendo lá permanecido
até 1965, não enfatiza, em momento algum de sua narrativa, qualquer
impacto causado pelo universo intelectual da Universidade de Gana na-
queles anos. Sua referência, no diário que publicou após deixar o serviço
na embaixada, detém-se em refletir acerca de uma pergunta feita por um
estudante ganense sobre a inexistência de preconceito racial no Brasil
quando se utilizava da biblioteca durante as tardes.
O livro de Dantas, África difícil: missão condenada (1965), é um relato
das contradições daquela experiência que enviava um homem negro
para representar o Brasil no continente africano quando, na África,
Dantas era tão somente um brasileiro. Interessantemente a experiên-

199
cia de Dantas, oficial, financiada e designada pelo estado, por diferen-
tes motivos não foi exitosa. Paulo Farias em fuga, buscando um víncu-
lo para se manter em Gana e afastado do Brasil, pelo menos por um
tempo, foi uma experiência mais que rica e proveitosa, especialmente
academicamente.
O Institute of African Studies foi instalado na cidade de Legon, subúrbio
de Acra, a capital. Farias não oferece maiores informações em seu relato
acerca da instalação física e adaptação ao local com sua esposa. Sabe-se
que era usual nessas universidades haver uma estrutura para moradia e
alimentação. O autor destaca, contudo, que o fundamental para a manu-
tenção foi a pequena bolsa de estudos que lhe foi concedida.
Naquele ambiente de intensos debates, qual assunto despertaria o
interesse do jovem historiador? Sobre o que escrever? Poucos anos an-
tes, o Centro de Estudos Afro-Orientais lhe permitiu a possibilidade de
pensar uma história do Brasil diferente da produzida naquele momento
onde a história da África ocupasse um papel relevante. Esse Centro de
Estudos havia colocado uma preocupação, uma perspectiva de estudo
exatamente em torno das ligações entre o Brasil e partes do continente
africano no período escravista e a possível manutenção de ligações na
contemporaneidade do desenvolvimento dos estudos. Essa possibilida-
de, de diferentes modos, mobilizava pesquisadores do CEAO como Vival-
do Costa Lima ou Yêda Pessoa de Castro.
Toda essa movimentação estava relacionada com o trabalho desen-
volvido por Pierre Verger. Sua influência foi de tal modo significativa que,
ao abordar os anos iniciais do funcionamento do CEAO, Verger pode ser
considerado indispensável para a instalação do Centro. Esse pesquisa-
dor auxiliava e orientava as pesquisas e não seria diferente com Farias.
Na Fundação Pierre Verger encontra-se a primeira correspondência que
teria sido trocada entre Farias e Verger. Datada de 21 de maio de 1962
e datilografada num papel timbrado do CEAO, Farias literalmente apre-
senta-se informando que o conhece de “vista” e através dos “magníficos

200
trabalhos”. Após informar o trabalho com o ensino de história e a gra-
duação em curso, Farias prossegue:

Entrosei-me no Centro de Estudos Afro-Orientais [estimulado


pelos profs. Agostinho da Silva e Waldir Oliveira], onde tive
notícia de um Grupo de Trabalho organizado para levanta-
mento da documentação relativa às relações do Brasil com
África, instalado em 21 de junho de 1961, do qual o senhor faz
parte, contribuindo para o mesmo com uma lista de importan-
tes documentos relativos às relações entre o Brasil e a Nigéria,
inclusive navegações para o Benin, o caso entre o piloto José
Malaquias Ferreira e o Rei de Oere, a embaixada enviada à
Bahia pelo príncipe Ajan do Reino de Onin (1807) e etc. (Mo-
raes Farias, 21/05/1962, FPV)

O remetente apresenta uma lista, de cerca de uma lauda, de referên-


cias de documentos que teriam sido verificados no Arquivo Público do
Estado da Bahia. E, referindo-se à sugestão do amigo Vivaldo, pergunta:
“até que ponto utilizou estas Ordens Régias e cartas na preparação da
tese que deverá defender ante a Sorbonne, ou de outros trabalhos que
por ventura esteja elaborando?” (idem). Em verdade pedia licença para
saber até que ponto tais documentos haviam sido utilizados ao tempo
em que implicitamente solicitava orientação.
Embora as ações também ocorressem no sentido de favorecer “a histó-
ria dos povos asiáticos” e Farias também tenha feito esforços neste sentido
(Moraes Farias, 2010), sabemos que eram aos povos africanos, ou a his-
tória das relações entre povos africanos e o Brasil, onde se concentravam
a atenção e as principais ações dos pesquisadores aglutinados no CEAO.
A correspondência citada de Farias evidencia a referência de Verger no
desenvolvimento dos estudos no CEAO. Se Verger orientava o trabalho de
Vivaldo e este, por sua vez, havia estimulado Farias logo havia uma relação
direta deste com a pesquisa de Verger ao ponto de o jovem pesquisador

201
consultá-lo acerca da possibilidade de utilização dos documentos. A res-
posta direta à pergunta desta correspondência inicial não foi encontrada.
Através das entrevistas, Farias confirma o auxílio indispensável que Verger
lhe ofereceu para enveredar nos estudos africanos. A existência da corres-
pondência entre ambos, em anos posteriores, igualmente evidencia a ma-
nutenção do diálogo e colaboração iniciados em 1962.
O fato é que estava colocada a necessidade, por estes pesquisa-
dores, de compreender a experiência brasileira na inter-relação com
o continente africano enveredando pelas relações escravistas tão in-
tensas especialmente em relação a alguns povos. Ao experimentar um
ambiente intelectual diverso e estimulante na Universidade de Gana,
Farias esclarece:

Nesse ambiente em que tanta coisa interessante acontecia,


tantas ideias eram incessantemente debatidas, e tantos novos
resultados de pesquisa sobre a história e as culturas da África
eram constantemente apresentados, eu aprendia com sofre-
guidão. Fui percebendo que, para bem compreender as rela-
ções entre a África e o Brasil, não bastava estudar as regiões,
e os períodos históricos, diretamente ligados a essas relações.
Era preciso ir mais além, e estudar outras regiões e outras his-
tórias africanas. Era preciso estudar a África como África, não
como Brasil. (Moraes Farias, 2010)

Neste ponto o autor reflete acerca de outra dimensão que os estudos


africanos tomariam para sua vida. Segundo o relato citado, sem descon-
siderar a dimensão das relações com o Brasil, os estudos empreendidos
deveriam propiciar uma compreensão mais ampla da história africana.
Ao enveredar por esta opção, estaria o autor desvinculando-se ou afas-
tando-se de questões que estavam postas quando do seu ingresso no
CEAO? Como questões como a experiência negra ou o racismo no Brasil
seriam abordadas ao estudar África como África?

202
Para finalizar seu curso de mestrado do IAS era necessário apresentar
uma tese. Segundo Farias, os discentes eram encorajados a desenvolver
temas originais com o máximo possível de fontes igualmente originais.
A atenção do professor concentrou-se no movimento almorávida, “mo-
vimento islâmico surgido no século XI no Sahara ocidental (atual Mauri-
tânia), que dominou em seguida vastas regiões da África do Norte e da
Espanha e Portugal” (idem). Para tanto, o professor realizava estudos da
língua árabe para compreender as fontes disponíveis e necessitava se
deslocar para a Mauritânia a fim de realizar a pesquisa. Sem recursos
para tal deslocamento, Farias destaca que naquele momento foi auxilia-
do pela internacionalização da Universidade.
Em 1965, Vincent Monteil, especialista em Islã e diretor do Instituto
Fundamental da África Negra (IFAN), visitou a Universidade de Gana para
realização de uma conferência sobre documentos históricos árabes.35 O
experiente professor gostou do projeto de Farias e o convidou para par-
ticipar de uma expedição que faria justamente para a Mauritânia a fim
de investigar vestígios arqueológicos com participação de pesquisadores
franceses, um pesquisador senegalês e outro mauritaniano. Na oportu-
nidade teria dito: “Olha, estamos organizando uma segunda expedição à
ilha de Tidra36, e você vem com a gente” (Moraes Farias, 2007). Essa ex-
periência foi concretizada no início do ano de 1966 e permitiu o trabalho
de campo e o acesso a arquivos naquele país foi chamada uma “dádiva”
(Moraes Farias, 2010) ou “essas felizes coincidências que acontecem na
vida da gente” (Moraes Farias, 2007).
O autor rememora que foi durante este trabalho de campo que ouviu,
através do rádio, em 24 de fevereiro de 1966, que o regime de Nkhumah
havia sido derrubado por um golpe de estado em Gana. Na entrevista

35 
Logo depois se tornaria Instituto Fundamental da África Negra.
36 
Arquipélago localizado na costa da Mauritânia.

203
concedida a Costa e Silva, o historiador abordou outros aspectos daquela
experiência. A expedição contava com um arqueólogo francês, um his-
toriador senegalês e ele, um historiador brasileiro, “tudo verdinho na
matéria”. O chefe da expedição era o Sr. Hugot, “que tinha saído da Ar-
gélia no momento da independência”. Destaca, contudo, a presença do
mauritano Al-Mukhtar Ould Hamidin, “que era um homem boníssimo,
um erudito, de um saber imenso”, à semelhança de Agostinho da Silva,
“foi uma pessoa muito importante na minha vida”. O senhor Al-Mukh-
tar seria responsável por auxiliar Farias em sua primeira experiência de
campo, propiciando informações necessárias no momento mais adequa-
do e compreendendo-o em aspectos que poderia não compreender a
exemplo das brigas que ocorriam naquela “pequena tenda no meio do
deserto” (idem).

Com exceção do Mukhtar e do monsieur Hugot, éramos


todos novatos em trabalho de campo. Isso criava tensões
psicológicas que às vezes acabavam em briga. Eu me lembro
de momentos em que eu achava que aqueles tipos ali esta-
vam me perseguindo, querendo acabar comigo, me criando
as maiores dificuldades. E o Mukhtar, com aquela presença
santa, agradável, apaziguava tudo, se dava bem com todo
mundo. (idem)

A tese que defendeu no Institut of African Studies refletiu parte das ex-
pectativas do professor em relação a “uma pesquisa histórica sobre a
África que subvertesse preconceitos e criticasse modelos ultrapassados”
(Moraes Farias, 2010). A preocupação com uma nova abordagem histó-
rica está colocada pelo autor como um dos motivos que o fez enveredar
pelo estudo da disciplina história. Contudo, se inicialmente pensava em
redimensionar a história do Brasil, a discutir o racismo e a história das
relações com a África, a experiência no IAS o fez abordar um tema espe-
cífico da história africana.

204
De acordo com o autor, uma dimensão intelectual do movimento al-
morávida foi evidenciada através de sua pesquisa, baseada em fontes
arquivistas e arqueológicas

Até então os Almorávidas tinham sido vistos como um movi-


mento de nômades ignorantes que pouco se interessavam por
ideias. Mas, combinando uma nova análise dos documentos
árabes com os resultados de nossa expedição arqueológica,
foi-me possível mostrar que o movimento tinha uma dimen-
são intelectual muito importante. (Moraes Farias, 2010) 

Segundo Farias, a tese despertou interesse na Universidade. A biogra-


fia de Thomas Hodgkin refere ao interesse do mesmo pelo projeto quan-
do deixou de ser o diretor do Centro de Estudos Africanos da Universida-
de de Gana (Hodgkin, 2007, p. 159-161). O IFAN publicou a tese (Moraes
Farias, 1967). Anos depois, quando visitou a Mauritânia, descobriu que
circulava uma tradução em árabe do texto, feita pela faculdade de letras
da Universidade de Nouakchott (Moraes Farias, 2010).
Após a conclusão do curso em Gana, em meados de 1966, e conse-
quente finalização da bolsa de estudos, o IFAN ofereceu a Paulo Farias
uma nova bolsa, por um ano, para a continuidade da pesquisa. Nesse
momento, o autor refere-se à intervenção de Waldir Freitas Oliveira para
a concessão dessa nova bolsa. Data desse período a existência no Cen-
tro de Estudos Afro-Orientais de uma correspondência entre o diretor do
CEAO e o diretor do IFAN, inclusive sensibilizado pelo apoio que Waldir
oferecia ao perseguido político conterrâneo tal como Monteil fizera a ar-
gelinos (Moraes Farias, 20/11/1966, CEAO).
É interessante notar que Vincent Monteil, que concedera a primei-
ra oportunidade para a pesquisa de campo a Paulo Farias, não era um
desconhecido do CEAO. A participação de Waldir para a concessão da
nova bolsa evidencia que este professor na Bahia não havia se afastado,
pelo menos totalmente, das relações com Farias. Mais uma vez a inser-

205
ção numa universidade africana era fundamental para a manutenção do
pesquisador fora do Brasil. Desse modo, estaria a rede estabelecida no
CEAO, na Bahia, articulando ações de modo a não desamparar o pesqui-
sador auto exilado na África Ocidental.

Em Zária, norte da Nigéria, na Ahmadu Bello University


De acordo com os aerogramas que enviou ao CEAO em 1966, di-
reto da Universidade de Gana, estrategicamente sem seu nome como
remetente, Farias dialogava com Waldir sobre as possibilidades para
sua manutenção no continente africano (Moraes Farias, 01/07/1966;
04/08/1966; 20/11/1966, CEAO). Ensinar e pesquisar na cidade de Zária
era uma delas. Com a proximidade da conclusão do mestrado, em mea-
dos de 1966, Farias articulava possibilidades e contava com o auxílio de
Waldir. Assim tentava uma vaga no doutorado na Universidade de Bir-
mingham, tentava a obtenção de passagens para seguir para a Europa
através da Capes, tentava uma vaga no doutorado na Universidade do
Cairo, cogitava a pesquisa no IFAN e pensava em aceitar o convite para
seguir a Zária. A bolsa do IFAN foi a melhor alternativa imediatamente
após o mestrado (Moraes Farias, 01/07/1966, CEAO), mas todos os con-
tatos continuaram, inclusive com a remessa de documentos de Farias
para Waldir e deste para as instituições universitárias (Moraes Farias,
20/11/1966, CEAO). Waldir tomou todas as providências solicitadas
(Oliveira, 26/11/1966, CEAO).
As atividades na Ahmadu Bello University lhe apeteciam por permitir
que continuasse no continente africano recolhendo dados para a pes-
quisa. Em abril de 1967, escreveu a Waldir: “você [...] compreende que a
ruptura dos meus contatos em que realizo pesquisas, antes de ter podido
terminá-las e quanto tenho tantas lacunas a preencher, seria dolorosa e
mesmo mutiladora” (Moraes Farias, 28/04/1967, CEAO). E ressaltava a
distância dos historiadores brasileiros em relação a temas africanos, la-

206
cuna que sua pesquisa no continente buscava preencher. Segundo Paulo
Farias, o convite para ensinar na Ahmadu Bello University foi decorrente
do trabalho desenvolvido no IFAN. O departamento de história dessa
Universidade situada ao norte da Nigéria havia tomado conhecimento
de sua pesquisa. Começava, naquele momento, uma nova fase na vida
do historiador como professor de história da África, e como destacou,
“em uma das grandes universidades africanas” (Moraes Farias, 2010).
Seguiria para o novo trabalho em fins de 1967.

Aquele era um Departamento que, sob a direção do professor


Charles Smith (que, depois de sua conversão à religião islâ-
mica, passaria a chamar-se Abdullahi Smith), era conhecido
pelo notável trabalho que fazia: estava trazendo à tona todo
um capítulo do passado da África Ocidental até então negli-
genciado pelos modernos Estudos Africanos (a história do
grande movimento islâmico, chefiado por Osman Dan Fodio,
que triunfara no norte da Nigéria nos começos do século 19).
Moraes Farias, 2010)

Data desse período a existência no acervo do Centro de Estudos


Afro-Orientais de uma correspondência mais ativa entre o diretor e o
pesquisador africanista. Com o papel timbrado da Universidade, Paulo
informava sobre a viagem até o norte da Nigéria, a instalação na nova
universidade, a casa nova que ocupariam e o quarto que estaria reserva-
do para o amigo, o primeiro a quem escrevia daquela localidade (Moraes
Farias, 08/10/1967, CEAO). Nessas cartas, trocadas entre outubro e 1967
e novembro de 1969, dois temas são os prioritários e recorrentemente
abordados, a saber, o universo acadêmico na Nigéria e na Bahia e a vin-
culação de Farias com a UFBA.
Em relação à vida acadêmica, existem informações acerca das novas
atividades a serem desenvolvidas na Ahmadu Bello University, sobre os
contatos com professores novos ou velhos conhecidos, como a visita de

207
Vincent Monteil à Bahia em 1967 (Oliveira, 01/10/1967, CEAO). Waldir
informa sobre o II Congresso de Africanistas, do qual participou com
Vivaldo em dezembro (Oliveira, 03/01/1968, CEAO), e sobre a produção
acadêmica do Centro. Informa do andamento da Afro-Ásia, cuja publica-
ção do artigo de Farias foi comentada pelo próprio autor (Moraes Farias,
11/09/1968, CEAO). Farias também recebeu um suplemento publicado
no Jornal A Tarde, organizado por Waldir Oliveira, relativo ao 80º aniver-
sário da Abolição da Escravatura no Brasil (Moraes Farias, 20/05/1968,
CEAO) e tem notícia do interesse de Waldir em publicar, no referido
jornal, notas sobre a Nigéria retiradas de uma das cartas “desapaixo-
nadas” enviadas por Farias (Moraes Farias, 05/01/1968, CEAO). Cogi-
tavam, inclusive, a possibilidade de uma vinculação mais estreita entre
ambas as universidades, uma vez que “Zária é um centro das melhores
tradições da Nigéria do Norte no que diz respeito à erudição islâmica
(...) um excelente lugar para estudo da cultura haussá” (Moraes Farias,
30/10/1967, CEAO).
Maior atenção recebem as informações acerca da vinculação de
Farias com a UFBA em meio às alterações políticas e burocráticas vi-
venciadas pela Universidade e, consequentemente, pelo CEAO. A pri-
meira correspondência existente, em relação a essa fase, data de 8 de
outubro de 1967, e refere-se a cartas enviadas anteriormente a solici-
tar a extensão da licença sem vencimentos37. Em meio a esse contexto,
tomamos conhecimento que Paulo Farias continuava, mesmo estando
fora do Brasil, vinculado à Universidade como professor assistente no
Centro de Estudos Afro-Orientais. Se sua correspondência se refere a
um prolongamento da licença, por dois anos, evidencia-se a possibi-
lidade de um afastamento formal em curso. Ao que parece Farias era
estimulado por dispor do diploma de mestrado, pela possibilidade de

37 
Não foi encontrado no Acervo do CEAO o referido pedido formal à Universidade.

208
arquivamento dos processos e por Miguel Calmon ser o reitor (Moraes
Farias, 28/04/1967, CEAO).
A possibilidade de retomada do trabalho na UFBA é uma constante
na correspondência enviada por Farias. Em 30 de outubro de 1967 per-
gunta, a Waldir, se teriam ele e Rena oportunidade de trabalho na Bahia
(Moraes Farias, 30/10/1967, CEAO). Em 2 e 3 de janeiro de 1968, seguem
duas correspondências de Waldir a informar que havia sido concedida a
licença por dois anos (Oliveira, 03/01/1968, CEAO). Ao fim desse prazo
seria necessário voltar para o trabalho na Universidade. A boa notícia da
licença já havia chegado através de carta enviada por Guilherme Castro,
evidenciando outros contatos entre os membros do Centro38.
Após o contato em janeiro de 1968, somente em setembro e outubro
nova correspondência seria trocada entre Waldir e Farias quando este, a
fim de “quebrar o silêncio” escreveu a informar acerca das férias em paí-
ses do norte da África e da Europa, da qual haviam retornado e do novo
curso que daria na Ahmadu Bello University (Moraes Farias, 11/09/1968,
CEAO). A empolgação com as atividades da Universidade, informado em
setembro, e a notícia da inserção de Rena na Universidade não aplaca-
vam o desejo de retornar ao Brasil, informado na carta seguinte, datada
de 14 de outubro de 1968 (Moraes Farias, 14/10/1968, CEAO). O profes-
sor era estimulado pela possibilidade de arquivamento dos processos
de que era alvo. Neste texto ponderou sobre os recursos disponíveis em
maior quantidade nas universidades africanas em oposição às dificul-
dades existentes na universidade brasileira, criticou o modo superior
como o Brasil se colocava frente ao continente africano, mas o desejo
era retornar: “Tudo bem pesado, creio que o que devemos mesmo fazer
é regressar” (idem).

Não foi encontrada no acervo do CEAO nenhuma carta enviada por Guilherme Castro
38 

a Paulo Farias.

209
Há cinco anos estavam ele e a esposa fora do Brasil. Todas as ex-
periências exitosas que Farias havia experimentado nas universidades
africanas não arrefecia o interesse em voltar ao Brasil. Escreveria: “Mas
também de vento vive o homem, e os ventos do Brasil continuam mais
cariciosos aos meus ouvidos do que os ventos africanos, britânicos, gre-
gos ou libaneses” (Moraes Farias, 14/10/1968, CEAO). E seguia. “E por
mais amigos novos que façamos no exterior, a falta que sentimos dos
de casa não desaparece” (idem). Toda a tensa configuração política e
universitária brasileira

funciona como uma outra corrente que nos arrasta para aí,
com a esperança (ou talvez a ilusão) de poder concorrer de
algum modo para esse esforço, que vocês já vem de há muito
realizando no CEAO, de dar uma seriedade e produtividade
maiores à nossa vida universitária. (idem)

O fato é que nos meses finais do ano de 1968 pareceu que a si-
tuação política havia melhorado, levando Farias a informar, cumprin-
do a antecedência necessária, no início daquele semestre letivo, em
outubro, que não continuaria com o contrato em Zária. A impressão
do abrandamento do regime político brasileiro seria completamente
esfacelada com a proclamação do Ato Institucional número 5, em 13
de dezembro, que marcou os anos mais repressivos da ditadura militar
no Brasil. No depoimento, Farias relata: “Nosso plano de retorno ao
Brasil tornou-se inviável. Isso ficou mais claro ainda em maio de 1969,
quando fui demitido da UFBA sem direito a indenização ou pensão”
(Moraes Farias, 2010).
Em 10 de abril de 1969, Waldir transcreveu a Farias o ofício da Rei-
toria da UFBA, publicado no dia 2 daquele mês, obrigando-o a regres-
sar à Universidade em 30 dias, orientação que caso não fosse cumprida
resultaria aplicação de penas conforme a legislação em vigor (Oliveira,
10/04/1969, CEAO). A penalidade foi a exoneração comunicada, “muito a

210
contragosto”, em 27 de maio de 1969, por Waldir (Oliveira, 27/05/1969,
CEAO). Certamente os meses iniciais de 1969 foram bastante incertos
para Farias que perdia simultaneamente os dois vínculos universitários
que possuía. Em relação à desvinculação na Bahia, Waldir registrou “con-
tinuamos a lamentar profundamente que o nosso Centro tenha perdido
um especialista como você, talvez o único especialista brasileiro em His-
tória da África” (Oliveira, 04/11/1969, CEAO).

No Centre of West African Studies da Universidade de Birmingham


O historiador não oferece maiores detalhes, em seus depoimentos,
acerca do processo para o ingresso na Universidade de Birmingham,
localizada na cidade homônima, localizada próximo de Londres, capital
da Inglaterra. Apenas menciona que uma vaga foi aberta no Centre of
West African Studies, para a qual se candidatou, logrando o êxito de ser
selecionado em detrimento de candidatos ingleses (2010), isto no ano
de 1969.
Sabemos, contudo, que desde 1966 havia correspondência e con-
tato com Fage no sentido de obter uma vaga e o financiamento para o
professor. Na correspondência mantida com Waldir, o professor havia
comentado sua passagem pela Inglaterra nas férias de agosto de 1968.
“Passamos uma boa temporada em Londres com esticada até Oxford e
de lá a Moreton-in-Marsh e Ilmington, onde nos hospedamos na casa
de campo de Thomas e Dorothy Hodgkin” (Moraes Farias, 11/09/1968,
CEAO). Mais adiante, comenta: “Em Londres encontrei Peter Morton-
-Williams, que conhece Vivaldo e pediu-me o endereço do CEAO a fim de
retomar o contato com o nosso querido da Costa Lima” (idem).
Fage se interessou pela candidatura, mas questionava qual insti-
tuição arcaria com os custos (Fage, 17/02/1966, CEAO). Havia interes-
se na universidade inglesa pelo trabalho do professor brasileiro (Fage,
16/03/1966, CEAO) mas havia dificuldades quanto a manutenção do
professor. Deste diálogo mantido com o professor inglês, resultou a ida

211
de Farias em 1969 para realização de seleção para professor e ingres-
so no curso de doutorado (Moraes Farias, 2010). A correspondência de
Waldir, para esse período, finaliza exatamente quando o cumprimentava
pelo ingresso como professor na instituição inglesa. Nessa carta, anun-
ciou o envio da mais recente publicação do CEAO, o Atlas Histórico Regional
do Mundo Árabe, assinado por Rolf Reichert e recomendou que “mostre
o exemplar aos amigos e especialmente ao Fage” (Oliveira, 04/11/1969,
CEAO). Era necessário nutrir a rede acadêmica naquele momento decisi-
vo para a manutenção de Farias no exterior.
São as cartas trocadas entre Farias e Verger, existentes na Fundação
Pierre Verger, que podem oferecer informações acerca dos primeiros
anos da vida de Farias na Europa. Trata-se de um volume de cartas que
abarcam prioritariamente os anos entre 1969 e 197339. A correspondên-
cia revela a inquietude dos últimos dias antes da partida para a Europa
e os primeiros anos na instituição inglesa. Farias solicitou a compra de
vários adirês e pediu que os entregasse ao pai de Rena em Salvador,
pois estavam saindo do continente africano e não teriam mais como
comprá-los (Moraes Farias, 04/08/1969, FPV). Já instalado, trocaram
informações sobre livros e outros textos que Farias remeteu para Ver-
ger na Bahia (Moraes Farias, 24/06/1970, FPV). Verger solicitou um li-
vro (Verger, 06/05/1971, CEAO) que Farias encomendou imediatamente
(Moraes Farias, 19/05/1971, FPV) e remeteu dois meses depois (Moraes
Farias, 02/07/1971, FPV). Verger fez questão de pagar o livro (Verger,
06/09/1971, FPV) e também enviou um texto de sua autoria (Moraes Fa-
rias, 05/10/1972, FPV).
Um aspecto interessante apontado nessa correspondência é que a
presença do historiador na Inglaterra coincidiu com a de outros brasi-

Neste volume de cartas, registro duas exceções: a primeira e a última carta, ambas
39 

enviadas de Farias para Verger. A primeira data de 1962 e a última de 1987.

212
leiros que igualmente não podiam estar no Brasil. Havia outros exilados
em função do regime político brasileiro. Em 12 de dezembro de 1970,
Farias escreveu ao “caro Pierre”, na Bahia, pedindo um favor. “Gilberto
Gil, cantor-compositor-músico agora residindo em Londres com Caeta-
no, quer ir à África. Acho que será muito bom para ele e talvez algo de
muito bom venha a sair daí, seja do ponto de vista puramente musical
seja de um ponto de vista ainda mais largo, humanamente” (Moraes Fa-
rias, 12/12/1970, FPV).
Já havia dado alguns contatos no Daomé e Nigéria, mas solicitava uma
série de outros contatos e endereços de amigos de Verger para disponi-
bilizar ao artista brasileiro. A solicitação não era aleatória e Farias lem-
brava detalhadamente dos diversos contatos que queria indicação: “Por
onde anda Frank Speed, o cineasta?”; “E escritores como Amos Tutuola?”
ou “Também artistas que trabalham em metal como Yemi Bisiri e Ashiru
Olatunde” (idem)? Não é possível nesse momento ter informações deta-
lhadas de cada um dos nomes citados na correspondência. No entanto,
fica evidente a intenção do remetente em citar nomes de diferentes ar-
tistas, nas mais diversas atuações, não apenas os famosos, “mas também
seus aprendizes” (Moraes Farias, 12/12/1970, FPV).
Gilberto Gil, em entrevista para esta pesquisa, lembrou desse mo-
mento de encontro com Paulo Farias em Londres (Moreira, 2013). Dife-
rentemente do que a referida carta supõe, Gil já havia ido ao continente
africano em 1959 numa missão cultural para Angola da qual não foram
obtidas maiores informações. O cantor relembrou que, em 1970, a ideia
seria realizar um rally da Europa para o norte da África que, por fim, não
se realizou.
Entretanto, a empolgação da carta de Farias enuncia outra preocupa-
ção. Seu interesse era que Gil conhecesse o patrimônio cultural africano
e o reconhecesse como civilizador do Brasil. O pesquisador refletiu que
naquele momento “por uma série de motivos Gil afirmava não ter sofri-
do preconceito racial” (Moraes Farias, 2011). Esse encontro/desencon-

213
tro entre Gil e Farias, Europa, África e diáspora levanta interrogações a
respeito de quais debates se travaram entre esses diferentes produtores
de conhecimento no exílio inglês.
Gilberto Gil só reconheceria a importância e contribuição cultural e
artística do continente africano anos depois, em 1977, quando partici-
pou do II Festival de Artes Negras e Cultura, em Lagos, Nigéria. Oportu-
nidade que impactaria significativamente sua produção musical. Mas o
professor de história, com larga experiência nos estudos africanos, já in-
centivava o cantor a beber nas fontes africanas, “tanto do ponto de vista
puramente musical seja de um ponto de vista mais largo, humanamente”
(Moraes Farias, 12/12/1970, FPV).
Nesta correspondência uma carta chama atenção pelo pedido que
Paulo Farias fez a Verger. Confrontado com a necessidade de tomar al-
gumas decisões sérias, não explicitadas e relativas a seu futuro, o pro-
fessor de história pediu que Verger consultasse o Ifá (Moraes Farias,
29/10/1972, FPV). Além de solicitar confidencialidade, o professor ex-
plicou que era a primeira vez que o fazia. Revelava, com tal atitude, uma
plena confiança no babalaô e a necessidade de sentir-se amparado por
um conselho divino frente às decisões que a vida lhe exigia. Verger fez a
consulta e o respondeu dias depois (Verger, 04/11/1972, FPV). Confir-
mou o protetor Omolu e lhe falou de paciência e sabedoria. Ao agrade-
cer, Farias revelou o que de fato o afligia.

Gostaria de saber [...] se há ou não, à minha frente, caminhos


novos, em que eu possa criar coisas belas, e úteis para mim
e para os outros. Se não os há, como manter paz dentro de
mim mesmo, de modo a poder ao menos prosseguir. (Moraes
Farias, 07/11/1972, FPV).

Nestas interrogações o professor Paulo Farias explicitava suas angús-


tias. A trajetória e a inserção acadêmica de sucesso que descreveu ao
longo da década não eram suficientes para aplacar os desejos de quem

214
não podia escolher retornar. Havia que escolher caminhos e encontrar a
paz possível em qualquer lugar do mundo, África ou Europa, menos em
casa. A eterna sensação de transitoriedade, de que falamos um pouco
antes, seria permanente, além de outras aflições que só o próprio pro-
fessor poderia descrever, sobretudo, a saudade. Foi com este sentimento
que o professor escreveu uma longa carta a Verger em 1987. A última de
sua autoria guardada por Fatumbi. Naqueles dias, em que teria que viver
a dor da despedida de um amigo em comum, o ato de escrever era uma
maneira de reviver a alegria do encontro.

Querido Pierre [...] Escrevo muito pouco, mesmo para as


pessoas que eu mais respeito e estimo. Mas hoje estou triste
[...] então achei que, para tratar a saudade antecipada de um
amigo que vai viajar, o melhor remédio é escrever para ou-
tro amigo de quem também tenho saudade. (Moraes Farias,
04/08/1987, FPV)

Atualmente, Paulo Fernando de Moraes Farias pertence ao staff da


Universidade de Birmigham na qual trabalhou durante cerca de quatro
décadas e pela qual se aposentou. Seu trabalho de pesquisa enveredou
por fontes orais (griôs), escritas (crônicas de Tombuctu entre outras) e
epigráficas (inscrições funerárias em sítios arqueológicos) sobre a histó-
ria medieval da África Ocidental. Assim focou em “formas de pensamento
desenvolvidas na África Ocidental, sobretudo em áreas geográficas e si-
tuações históricas em que houve, ou há, uma interação entre religiões e
repertórios culturais de origem diferente (... entre as Religiões Africanas
Tradicionais e o Islã)” (Moraes Farias, 2010). O resultado de longos anos
de trabalho pode ser conhecido através do livro Arabic Medieval Inscrip-
tions from the Republic of Mali que combina as diferentes pesquisas que
empreendeu e foi muito bem recebido pela crítica acadêmica especiali-
zada em diferentes países (Moraes Farias, 2003; 2010).

215
CAPÍTULO 5

ESPRIT DE CORPS40 NO CEAO: ENTRE A POLÍTICA


EDUCACIONAL E A POLÍTICA AFRICANA

FIGURA 12– Dançarina do grupo de Olga do Alaketo no FESTAC, 1977. AHI

40 
Em livre tradução significa espírito de equipe.

217
Segundo Guilherme Augusto de Souza Castro, o que continuava
mantendo o funcionamento do Centro de Estudos Afro-Orientais em
1981 era “um tal esprit de corps”. Disse o ex-diretor do CEAO: “Trabalha-
mos duplamente, em nossos departamentos e, pela obrigação que não
temos, mas que nos impusemos, no CEAO” (Estudos Afro-Asiáticos, 1982,
p. 166-7). A reforma universitária, em 1970, havia esvaziado o Centro
de Estudos lotando seus pesquisadores nos novos departamentos. O
fato é que essa nova organização do trabalho docente para Waldir Oli-
veira, Yêda Pessoa de Castro, Vivaldo da Costa Lima, Júlio Braga e o
próprio Guilherme Castro, se por um lado os assegurava estabilidade
na universidade, por outro os colocava numa rotina que os afastava de
um fazer acadêmico mais amplo que incluía a realização de pesquisa
no Brasil e no exterior, as viagens, as atividades de extensão, o inter-
câmbio com pesquisadores e estudantes estrangeiros, a manutenção
da revista Afro-Ásia. Todos esses elementos subjazem um projeto inte-
lectual que investiam desde o início dos anos 1960, quando adentra-
ram no CEAO, e que não poderia ser abandonado em função da nova
estrutura universitária.
Este capítulo investiga a trajetória dos pesquisadores do CEAO na
década de 1970. Enquanto a política educacional incentivava fechar as
portas do Centro, a política africana lhe deu nova dinâmica. Destaca-se
o surgimento do projeto para o Museu Afro-Brasileiro e as investidas de
intelectuais baianos no Congo e Nigéria.

Renascimento africano na sociedade brasileira?


Em 1972 houve uma mudança na diretoria do Centro de Estudos
Afro-Orientais. Waldir Freitas Oliveira, diretor desde 1961, após onze
anos ininterruptos à frente da instituição, deixou o cargo em lugar de
Guilherme Augusto de Souza Castro, empossado em 15 de setembro de
1972 (Castro, 18/09/1972, CEAO). Essa nomeação se fez de modo re-
pentino após um desentendimento entre Waldir Oliveira e Lafayette de

218
Azevedo Pondé, o reitor da UFBA. Quinze dias antes, o CEAO recebeu a
visita do ministro da informação da Nigéria, Anthony Enahoro, que veio
à Bahia em companhia do conselheiro Rubens Ricupero reunir-se com
intelectuais e artistas a fim de congregá-los para o II Festival de Artes
Negras e Cultura (FESTAC) a se realizar em Lagos. Mesmo com a corri-
queira confirmação feita à última hora, Oliveira, como fazia de praxe,
encaminhou correspondência ao reitor (Oliveira, 25/08/1972, CEAO)
e ao público interessado e promoveu a reunião com sucesso (Matos,
2012, p. 107-108).
Teria sido uma reunião sem maiores consequências não fosse o fato
de Pondé estar desinformado do evento, sentir-se hierarquicamente des-
respeitado uma vez que como representante máximo da instituição de-
veria ter feito as honras ao ministro e demitir Waldir Oliveira da direção
do CEAO após pronunciar palavras “impactantes” (Oliveira, 31/08/1972,
CEAO). Mesmo considerando que já havia interesse em permitir que
outro professor assumisse o cargo (Livro de Atas, nº 1, CEAO), importa
destacar que a nomeação de Castro descumpria o trâmite da eleição via
o Conselho Deliberativo, revelando uma faceta autoritária já vivida na
Universidade.
Desde 1970, o Centro de Estudos vivia uma nova fase subordinado à
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FFCH), de acordo com a am-
pla reforma universitária de 1969 que continuava sendo implementada
na gestão de Pondé (1971-1975) (Oliveira, 04/02/1970, CEAO). Guilher-
me Castro, ligado ao CEAO desde 1961, havia retornado a pouco tempo
do leitorado na Universidade de Ile Ifé, na Nigéria, onde esteve por qua-
se três anos em companhia de Yêda Pessoa de Castro a ensinar língua
portuguesa e realizar pesquisa. Interessado na direção do Centro, Castro
recebeu a notícia com disposição para o cumprimento da nova função
(Castro, 18/09/1972, CEAO).
O ano de 1972 é também o da viagem do ministro das Relações Exte-
riores, Mário Gibson Barboza à África. Durante um mês, o ministro e sua

219
comitiva, estiveram em nove países da África Ocidental. A viagem fazia
parte da estratégia de Gibson para

romper a lealdade a Portugal que tinha se consolidado no


governo militar, ao mesmo tempo, que utilizava as conexões
raciais e culturais do Brasil para com a África para construir
parcerias econômicas e mercados de exportação que iriam
sustentar o milagre econômico. (Dávila, 2011, p. 173)

Por quase um ano, essa viagem foi cuidadosamente preparada e


sua organização envolveu além de diplomatas, diferentes especialistas
brasileiros como Waldir Oliveira que esteve por uma semana em Bra-
sília com o grupo de trabalho do Itamaraty a participar de uma mesa
redonda e proferiu conferência “sobre a problemática atual do negro
brasileiro” (Oliveira, 16/05/1972, CEAO). Para o geógrafo, a nova in-
vestida brasileira não possuía o “tom de aventura” de 1961 e anima-
do com a possibilidade de uma ação centralizada e orquestrada pelo
governo brasileiro no continente africano, elogiou a iniciativa no jor-
nal A Tarde (Dávila, 2011, p. 188; Santos, 2005, p. 112). Daí a ideia de
que, naquele momento, ocorria o redescobrimento da África no Brasil
(Dávila, 2011, p. 173). A ênfase dada nos aspectos culturais entre o
Brasil e países africanos fez Oliveira pensar ser essa a prioridade do
Brasil: “uma nova investida, de caráter cultural” (Oliveira, 16/05/1972,
CEAO). No entanto, o desenrolar dos acontecimentos, como ressalta
Dávila, mostrou ser um argumento utilizado para estabelecer relações
comerciais.
A visita de Enahoro ao Brasil e a visita de Barboza a diversos países
africanos, entre eles a Nigéria, são evidências de interesses mútuos. Se o
ministro nigeriano veio em busca de apoio para o II Festival de Artes Ne-
gras e Cultura, a visita do embaixador brasileiro resultou na assinatura
de um acordo cultural. Mais uma vez, à semelhança do que ocorrera na
política africana em 1961, o argumento da miscigenação racial e cultural

220
- com valorização de determinados aspectos da cultura de matriz africana
na cultura brasileira e a suposta ausência de racismo - era a propaganda
brasileira para justificar aproximação entre os países.
Deste modo, estava completamente justificada a participação de Oli-
veira nos preparativos do Itamaraty. Ardente defensor da tese da demo-
cracia racial brasileira, Oliveira pôde oferecer aos diplomatas brasileiros
sua perspectiva sobre as relações raciais na Bahia. E mais, conforme
verificado nos preparativos inesperados para a recepção do ministro, o
CEAO cumpria ao Itamaraty o papel de mostrar aos africanos a pujança
da africanidade em Salvador além de prestar apoio para as ações de in-
tercâmbio acadêmico e cultural como estava delineado nos acordos a
serem assinados.
A animação de Waldir Oliveira estava relacionada à possibilidade de,
através das diretrizes preconizadas pela equipe de Gibson Barboza para
impulsionar as relações Brasil-África, assumir uma parcela das ativida-
des relativas ao intercâmbio. Essa ação do Estado brasileiro vinha ao en-
contro de uma reivindicação antiga do Centro de Estudos que, somente
com a soma dos esforços governamentais, podia garantir o efetivo de-
senvolvimento de ações de intercâmbio acadêmico e cultural. Até então,
conforme destacou Oliveira, “a presença brasileira na África se manteve,
mas já sem contar com qualquer tipo de apoio concreto, movimentan-
do-se mais no campo das ideologias e pronunciamentos políticos que no
dos fatos” (Dávila, 2011, p. 188; Santos, 2005, p. 112). As ações desen-
volvidas pelo CEAO a duras penas nos países africanos, com o envio de
pesquisadores baianos e recepção a intelectuais e estudantes africanos,
poderiam, a partir de então, ser menos isoladas e mais amparadas insti-
tucional e financeiramente.
Gibson Barboza ao apresentar uma linha política voltada para a África,
que concentrou um terço de sua ação ministerial, argumentou a neces-
sidade de vencer a desconfiança dos países africanos para com o Brasil
com os quais teriam que manter “interesses e responsabilidades” além

221
de diálogo para “estabilização dos preços dos produtos primários” uma
vez que eram “nossos principais competidores nos mercados de produ-
tos tropicais” (Dávila, 2011, p. 174-175). A presença brasileira na África,
proposta pelo ministro, estaria justificada pelo “contingente negro na
nossa formação”, do qual vieram “instituições e costumes”. O orgulho
dos descendentes de brasileiros na costa africana era a evidência da in-
tensidade de contatos entre Brasil e África (Dávila, 2011, p. 174-175).
Pernambucano, Gibson Barboza foi aluno e amigo do sociólogo Gil-
berto Freyre, que o influenciou na percepção dos africanismos e das rela-
ções raciais do Brasil. Além disso, o diplomata iniciou sua carreira nos Es-
tados Unidos onde se impressionou com a segregação racial. “Tudo isso
me aproximou muito da África”, disse (ibidem, p. 177). Uma identidade
africana foi mobilizada pelo ministro ao expressar naturalidade frente a
costumes nos países africanos por onde passou como, em Gana, a inges-
tão de um prato típico com bastante pimenta ou a saudação com um gole
de champanhe ao orixá Xangô. Na Costa do Marfim toda sua comitiva
dançou ao ouvir uma música que se assemelhava ao frevo pernambu-
cano. Esses e outros eventos, que teriam impressionado os dignitários
africanos, são destacados no livro de memórias escrito pelo diplomata
(Barboza, 1992, p. 280-285).
Conforme Jerry Dávila, as investidas do ministro Barboza tinham o
objetivo de vencer disputas internas do Itamaraty e fazê-lo menos sus-
cetível à posição portuguesa colonialista no continente africano – como
ocorreu na década anterior – ao tempo em que se aproximava da África
e se colocava como mediador entre a insistente metrópole portuguesa e
as colônias a caminho da libertação. Neste intento, abria espaço para o
mercado brasileiro que vivia os anos de crescimento econômico, o mila-
gre econômico, e aumentava a exportação de manufaturados. O período
marcado como o mais duro do governo militar brasileiro, sob a presi-
dência de Emílio Garrastazu Médice (1969-1974), foi marcado também
por relativa estabilidade no Ministério das Relações Exteriores o que

222
permitiu, com a estratégia de Barboza, uma mudança no plano das ações
internacionais (Dávila, 2011, p. 178-183).
Nesse contexto de ações rumo à África, que prometiam dinamizar as
relações culturais e as atividades do CEAO, Waldir Oliveira enxergou a
possibilidade de reiterar a importância da manutenção do Centro den-
tro da Universidade. Solicitando ao reitor um pedido de reconsideração
frente ao novo enquadramento que havia retirado a autonomia e seu
corpo docente próprio. Ao retornar da reunião no Itamaraty, Oliveira es-
creveu ao reitor Pondé:

Solicito a Vossa Magnificência a permissão para sugerir, em


caráter de urgência, por parte dos Órgãos Superiores da Uni-
versidade, o reexame da situação deste Centro de Estudos no
âmbito da Universidade, desde que, nas condições em que
sobreviveu, após a Reforma Universitária, dificilmente poderá
prestar ao Governo Brasileiro, neste momento ou em momen-
tos futuros, a colaboração efetiva que dele se espera. (Oliveira,
16/05/1972, CEAO)

Uma colaboração específica inserida na proposta ministerial podia


evitar a completa anulação do Centro que apenas sobrevivia reduzi-
do a condições mínimas. Evitaria “o começo do fim” como temia Oli-
veira, em dezembro de 1970 (Oliveira, 11/12/1970, CEAO). Coube a
Guilherme Castro conduzir, a partir de meados de 1972, os projetos
apresentados pelo governo federal em sua linha de atuação africana. O
anúncio da criação de um museu na capital baiana renovou o ânimo do
novo diretor e a importância do Centro de Estudos dentro da estrutura
universitária.

O Museu Afro-Brasileiro (MAFRO)


Data de meados de 1972 a circulação das primeiras informações
acerca da criação de um Museu Afro-Brasileiro em Salvador. Foi ainda

223
Waldir Oliveira o primeiro a convidar personalidades para discussão do
assunto, como fez ao diretor da FFCH, Joaquim Batista Neves, em 3 de
julho de 1972 (Oliveira, 03/07/1972, CEAO). A proposta era apresentada
como um intento do Ministério das Relações Exteriores que requisitava
a colaboração do CEAO. O estado da Bahia, e mais especificamente Sal-
vador, configurava um importante lócus de manutenção de “instituições
e costumes” (Dávila, 2011, p. 174-175) de procedência africana de modo
que parecia como o espaço mais adequado para sediá-lo.
Uma instituição de representação da contribuição africana para o
Brasil encontraria na Bahia uma seleção de especialistas versados na in-
vestigação das relações culturais entre Brasil e África, todos, senão per-
tencentes, muito próximos ao CEAO. Um ponto importante é que esses
intelectuais e o ministro Gibson Barboza compartilhavam das mesmas
bases teóricas, ligadas à compreensão freyriana da formação do Brasil.
Gibson Barboza articulou-se de modo a proceder a uma verdadeira
mudança nas relações Brasil-África. Neste ínterim, a construção de um
espaço de representação do negro brasileiro, que há muito se fazia sen-
tir, buscou ser atendida com o MAFRO. Mais que pronunciamentos (Dá-
vila, 2011, p. 188; Santos, 2005, p. 112), o Brasil precisava apresentar ao
mundo africano, para o qual se dirigia, que a presença negra da narrativa
nacional era viva, pujante e podia ser verificada num espaço oficial de re-
presentação. É evidente, portanto, que a criação desse museu responde
inicialmente a uma demanda internacional.
Não se deve perder de vista que 1972 é o ano em que o governo
brasileiro comprometeu-se com o II FESTAC e era de todo interesse que
os nigerianos encontrassem no Brasil a materialização da narrativa que
ouviam dos diplomatas brasileiros sobre as relações raciais. A aproxima-
ção cultural entre os países era garantia de um melhor relacionamento
comercial. As origens nigerianas do candomblé baiano ou o orgulho dos
descendentes de brasileiros na Nigéria seriam elementos mobilizados
para a reafirmação de laços históricos entre os países.

224
A preocupação do reitor Lafayette Pondé com o estabelecimento
de novos compromissos que significassem mais dispêndio financeiro
(Oliveira, 16/05/1972, CEAO) não impediu o andamento do projeto em
fase de construção (Castro, 09/04/1973, CEAO). Afinal tratava-se de um
empreendimento promovido pelo MRE que significaria a transferência
de recursos, e também prestígio, para a universidade. O projeto foi de-
lineado ao longo do ano de 1973 e incluiu a ida de Guilherme Castro a
Brasília (Castro, 06/02/1973, CEAO) e a vinda de diplomatas à Bahia. O
conselheiro José Ferreira Lopes, Chefe da Divisão da África, programou
conferência no CEAO em 15 de outubro de 1973. (Castro, 10/10/1973,
CEAO). Rubens Ricupero, Chefe da Divisão e da Cooperação Intelectual, e
o próprio ministro Gibson Barboza estiveram em Salvador em dezembro
daquele ano (Castro, 10/12/1973, CEAO).
Pierre Verger foi o principal intelectual responsável pela articulação
do projeto para o Museu Afro-Brasileiro. Marcelo Cunha (1999; 2006),
Juipurema Sandes (2010) e Thiara Matos (2012), que analisaram dife-
rentes dimensões do MAFRO, destacam a importância determinante de
Verger. Matos analisou rascunhos encontrados no acervo do pesquisa-
dor que guardam semelhanças com o projeto final do MAFRO. Com uma
experiência de décadas no estudo das relações históricas entre Brasil e
África, em especial na sua porção ocidental, Verger esteve na própria or-
ganização do Centro de Estudos Afro-Orientais na década anterior. Em
1972, além de septuagenário, acumulava conhecimento, produção e
vivências acadêmicas e religiosas em ambos os continentes, sendo pro-
fundo conhecedor da cultura material africana. Verger se interessou pelo
projeto do MAFRO desde que teve notícia, em fins de 1972, conforme
envio de correspondências para Murtinho e Oliveira e obteve a melhor
recepção desses interlocutores sendo considerada a melhor pessoa para
o desenvolvimento da tarefa (Ricupero, 09/01/1975, CEAO).
Gestões foram realizadas ao longo do ano de 1973 para que o projeto
se delineasse em linhas gerais e nos detalhes (Matos, 2012, p. 103). Uma

225
comissão de peritos da UNESCO, dentre eles Jean Gabus, visitou Salvador
em julho de 1973 e escolheu o antigo prédio da Faculdade de Medicina,
localizado no Terreiro de Jesus, para a instalação do novo museu. Esta co-
mitiva, que contou também com representantes do MRE e do Ministério
da Educação, reuniu-se a partir de uma convocatória do CEAO com Ver-
ger e outros intelectuais interessados no projeto: alguns professores da
UFBA como Vivaldo da Costa Lima, Thales de Azevedo e Waldeloir Rego
além de Juana Elbein e Mestre Didi (Castro, 19-20/06/1973, CEAO). Antes
desse encontro, Guilherme Castro já havia se reunido mais amplamente
com professores e representantes culturais com destaque para os can-
domblés mais conhecidos da cidade, a incluir Olga do Alaketo e Camafeu
de Oxóssi (Castro, 29/06/1973, CEAO).
O convênio foi firmado em 4 de maio de 1974, no Palácio do Itamara-
ty, em Brasília. Tratava-se do Acordo de Cooperação com os países africanos
e de Desenvolvimento dos Estudos Afro-Brasileiros assinado entre o Ministé-
rio das Relações Exteriores, o Ministério da Educação e Cultura, o gover-
no do Estado da Bahia, a prefeitura de Salvador e a Universidade Federal
da Bahia. Assinaram, respectivamente, o ministro Gibson Barboza, o
ministro Jarbas Passarinho, o governador Antônio Carlos Magalhães, o
prefeito Clériston Andrade e o vice-reitor Augusto Mascarenhas.
O Centro de Estudos Afro-Orientais era o executor do Programa. Note-
-se que, com tal incumbência, o Centro de Estudos era tratado como uma
unidade acadêmica: nem órgão suplementar como era antes da reforma
universitária e muito menos órgão complementar, situação do CEAO à
época. O ato oficial, com discurso do ministro Barboza, foi assistido por
“representantes dos organismos oficiais brasileiros” e por “representan-
tes diplomáticos das nações africanas credenciadas ao Brasil”. Evento
e personalidades que Guilherme Castro não pôde ver ou conhecer. O
diretor do CEAO não conseguiu embarcar para a capital federal por de-
sorganização da empresa aérea que mesmo confirmando a emissão da
passagem não lhe garantiu assento no voo (Castro, 05/03/1974, CEAO).

226
Do modo como o convênio se apresentava, a criação do Museu Afro-
-Brasileiro era uma das várias ações que previam tornar o Centro de Es-
tudos Afro-Orientais um grande centro de pesquisa, ensino, extensão e
intercâmbio. Matos sintetizou as atividades previstas no Programa:

De um lado, a cooperação cultural entre o Brasil e os países


africanos, ou seja, a promoção do intercâmbio acadêmico cul-
tural Brasil-África, onde se inclui: o acolhimento de bolsistas
africanos; a recepção e orientação de personalidades intelec-
tuais africanas em visita ao Brasil; o recrutamento de profes-
sores para missão educacional e cultural na África; bem como
o assessoramento na organização de representação brasileira
a manifestações artísticas e culturais na África. E de outro, o
desenvolvimento dos estudos afro-brasileiros, ou seja, o estí-
mulo à produção acadêmica e artística sobre temas africanos e
afro-brasileiros através de: realização de cursos e seminários;
edição e divulgação de trabalhos em português e em idiomas
estrangeiros; concessão de bolsas de pesquisa; realização de
concursos artísticos ou a subvenção direta para artistas; cria-
ção de núcleos universitários e de coleções dedicadas aos te-
mas já mencionados; reinício dos Congressos Afro-Brasileiros.
(Matos, 2012, p. 73)

Estava prevista a montagem de infraestrutura necessária e laborató-


rio para o desenvolvimento das ações elencadas. Percebe-se que a expo-
sição de obras artísticas no museu fazia parte de um trabalho muito mais
amplo de produção de conhecimento humanístico, cultural e artístico
sobre temas africanos e afro-brasileiros. O texto se destacava pela com-
preensão ampla, moderna e dinâmica das culturas de origem africana
que, inclusive, previam duas categorias de exposição, o museu estático
e o museu dinâmico. Uma dimensão do vulto do programa pode ser per-
cebida através do número de trinta e cinco professores com contratação
prevista, muito mais do que já havia sido lotado no CEAO.

227
Quando se retoma a proposta que embasou a criação do Centro de
Estudos, bem como todos os esforços despendidos ao longo dos anos,
percebe-se que o que estava sendo apresentado em 1974 era a sistema-
tização de atividades que o CEAO sempre almejou desenvolver. O apoio
institucional e financeiro do Itamaraty era a chancela necessária para
que a UFBA investisse mais naquele espaço acadêmico que, até então,
só havia experimentado irrestrito apoio da reitoria na gestão fundadora
de Edgard Santos, ou seja, nos dois primeiros anos de funcionamento.
A criação do MAFRO, dentro do Programa de Cooperação Cultural com a
África, foi uma ação muito cara para o ministro Gibson Barboza. Confor-
me seu depoimento em 1992:

Ao apagar das luzes da minha chefia da Pasta, deixei criados,


em Salvador, o Museu Afro-Brasileiro e o Programa de Coo-
peração Cultural com a África. (...) O Museu seria dividido em
dois roteiros dinamicamente complementares: um dedicado
às culturas africanas, com atenção especial às de maior in-
fluência no Brasil, como é o caso dos iorubás, dos jejes, dos
fon, dos minas, dos hauçás, do malinhês etc.; o outro itinerário
voltado para mostrar o impacto da África na vida e na cultu-
ra do Brasil, através da contribuição histórica do negro nos
grandes círculos da nossa economia e na formação da nossa
nacionalidade, folclore, música, danças, artes plásticas, culi-
nária, literatura. Para a criação desse Museu contávamos com
a colaboração da UNESCO.

(...) O Programa era, na verdade, um Centro de Estudos Afro-


-Brasileiros, e dispunha de magnífico prédio próprio, que para
isso nos foi doado: a antiga Faculdade de Medicina, no Ter-
reiro de Jesus, em Salvador. E contava com verba adequada,
já consignada no orçamento do MEC. O corpo docente seria
escolhido pelo Itamaraty, que teria a responsabilidade de su-
pervisão e gerenciamento geral do projeto. (Barboza, 1992, p.
309-310)

228
Para execução do convênio, cabia ao Conselho Deliberativo, for-
mado com representantes de cada parte convenente, deliberar sobre
o andamento dos trabalhos e o cumprimento das obrigações que gi-
ravam em torno da concessão de recursos e disponibilidade de ins-
talações físicas (Acordo de Cooperação, 1974, CEAO). A contribuição da
UFBA era especialmente relativa à concessão de área e instalações,
mas Castro enviou uma relação de despesas com pessoal, ou seja,
com a contratação de metade dos trinta e cinco professores previstos,
cujo orçamento computava mais de um milhão de cruzeiros (Castro,
18/11/1973, CEAO). Em tempos de dificuldades orçamentárias, aquele
valor não era nada desprezível. Não é possível precisar qual o posicio-
namento do reitor Lafayette Pondé em relação ao funcionamento do
CEAO ou sobre o Programa instituído. Em sua gestão, o reitor efetivou
as alterações que não beneficiaram o Centro de Estudos, mudanças
que refletiam as diretrizes de um projeto de universidade pensada por
muitos e no qual as ciências humanas e sociais não eram privilegiadas
(Castro, 13/02/1974, CEAO).
A magnitude do projeto articulado por Barboza teve seu encaminha-
mento afetado em decorrência de alterações nas instituições cujos repre-
sentantes haviam assinado o acordo. O ministro Gibson Barboza concluiu
o mandato dez dias após a instituição do programa e, com a constituição
do novo ministério, novos diplomatas ascenderam às funções de chefia
dos setores estratégicos para a execução do acordo. Caso de Rubens Ri-
cupero, então chefe da Divisão de Cooperação Internacional do Itama-
raty, um dos grandes entusiastas do programa, que foi deslocado para
a embaixada brasileira em Washington, Estados Unidos, assumindo a
nova pasta em 1975 (Castro, 02/01/1975, CEAO). Situação semelhante
ocorreu no Ministério da Educação e Cultura. No governo da Bahia, o
mandato de Antônio Carlos Magalhães se encerrou ao final de 1974 sen-
do ocupado por Roberto Filgueiras Santos, ex-reitor da UFBA. A gestão
do reitor Lafayette Pondé na UFBA se encerrou em 1975. Na Prefeitura

229
de Salvador, o prefeito Clériston Andrade esteve no cargo até março de
1975 quando tomou posse Jorge Hage Sobrinho (idem).
Todas essas mudanças nas instâncias políticas envolvidas no Acordo
Cultural concorreram para uma descontinuidade do que foi planejado.
A primeira ação, uma reunião do Conselho Deliberativo, marcada para
um mês após a assinatura do convênio, teve de esperar as novas configu-
rações dos ministérios para se realizar (Castro, 26/03/1974, CEAO). Em
1974, Castro concluiu ter sido um ano de “vacas magras” para o Centro,
uma vez que houve dificuldades para a liberação das verbas previstas
para o projeto (Castro, 31/12/1975, CEAO). Naquele ano, o diretor do
CEAO fez uma viagem para conhecer alguns museus no Brasil, como o
Goeldi no Pará, e estudar a possibilidade de empréstimos de peças para
o museu baiano (Castro, 06/05/1974, CEAO). Insistiu com a reitoria da
UFBA para a contratação de Pierre Verger como assessor especializado
para o Museu, atividade que já executava (Castro, 15/10/1974, CEAO).
Em 1974, a ação mais importante foi a assinatura de um convênio
específico entre a UFBA e a Fundação do Patrimônio Artístico e Cultural
do Estado da Bahia (FPAC) para a recuperação do prédio da Faculdade de
Medicina. O FPAC estava sob a direção executiva de Vivaldo Costa Lima,
antropólogo da UFBA e pesquisador do CEAO, reconhecido pela pesquisa
com os candomblés soteropolitanos (Castro, 27/12/1974, CEAO). Com
aquele convênio, a UFBA iria arcar com apenas 20% do orçamento. A
parceria UFBA-FPAC, celebrada em 3 de julho de 1974, foi seguida por
intensa reação dos professores ligados à Faculdade de Medicina que uti-
lizaram de meios jornalísticos para expressar a opinião absolutamente
contrária acerca da utilização daquele espaço para um fim que conside-
ravam nada digno.
O prédio em questão havia sido historicamente a sede da Faculda-
de de Medicina na Bahia, primeiro curso superior do estado e um dos
primeiros no Brasil, criado em 1808 por D. João VI (Toutain et al, 2010,
p. 42-44). Localizado no Terreiro de Jesus, centro histórico de Salvador,

230
o prédio ainda estava em funcionamento quando foi escolhido pela
UNESCO para a instalação do Museu Afro-Brasileiro com a doação fei-
ta no convênio assinado. Com a parceria da FPAC e a estimativa de que
em breve seria inaugurado, a classe médica baiana reagiu duramente
estabelecendo uma disputa política dentro da Universidade que afetou o
desenvolvimento do projeto.
O que se destacava na argumentação dos médicos, publicada nos
jornais analisados por Marcelo Cunha e Thiara Matos, “eram posturas
discriminatórias a respeito da presença de africanos e seus descenden-
tes no Brasil”, cuja presença no histórico prédio, denominado “primeiro
templo da Medicina Brasileira”, o profanaria (Matos, 2021, p. 98-99).
O discurso era eivado de uma autoridade reveladora de um grupo de
longa tradição na política baiana e na universidade, de onde emergi-
ram diversos políticos e reitores, que não aceitavam ser contrariados.
A classe médica acabava também por desconsiderar e desrespeitar os
professores universitários que estavam à frente da iniciativa: “Considero
que haverá verdadeira profanação, sobretudo, se amanhã, como será
possível, o Museu do Negro servir de abrigo às práticas do candomblé,
hoje já sofisticado e alterado por aproveitadores e improvisados etnólo-
gos” (Matos, 2012, p. 100).
Ao referir aos “improvisados etnólogos”, Raimundo Gouveia, presi-
dente do Instituto Baiano de História da Medicina, explicitava uma carac-
terística que marcava o trabalho dos pesquisadores do CEAO, qual seja, a
proximidade e o envolvimento com os grupos alvo do trabalho acadêmi-
co que realizavam. Para o citado médico, ao fazê-lo, os professores não
seriam merecedores dos créditos acadêmicos. Esses “aproveitadores”,
que buscavam institucionalizar um campo de estudos, com uma prática
científica que de algum modo dialogava com demandas da população
negra, em especial do povo de santo, estavam publicamente sendo con-
frontados por uma classe com mais de 150 anos de institucionalização e
tradição no estado, reconhecida pela elitização e branquitude.

231
Essas tensões acadêmicas, políticas e raciais não surgiam naquele
momento, haja vista os cuidados de Edgard Santos com a instalação do
CEAO. O Centro de Estudos que mal sabia seu destino na universidade
ousava confrontar os interesses da classe médica, materializados na dis-
puta pelo prédio. Mesmo diante desse cenário não houve qualquer sinal
de intimidação, mesmo sendo um projeto chancelado por dois ministé-
rios (Matos, 2012, p. 103).
Outro dado que emerge na matéria citada é uma suposta sofisti-
cação do candomblé em decorrência do contato com os etnólogos.
Nesse ponto, o argumento do médico se assemelha à avaliação rea-
lizada pelos intelectuais baianos que assistiram ao I Festival de Artes
Negras, como Waldir Oliveira e Clarival Valadares. Para estes últimos
uma cultura ou arte original estaria no passado e não podia ser verifi-
cada no presente. Se os professores baianos do festival utilizaram tal
argumento para valorizar a arte afro-brasileira em detrimento da arte
africana, o médico utilizou argumento semelhante para questionar a
legitimidade de uma das principais expressões culturais a ser repre-
sentada no MAFRO, o candomblé. Houve matérias em favor do MAFRO
nos jornais, como uma resposta de Castro à nota citada (ibidem) e o
CEAO recebeu cartas de apoio de outros estados (Grupo Pró-África,
22/10/1974, CEAO).
Guilherme Castro e Pierre Verger, membros da Comissão de implan-
tação do Museu Afro-Brasileiro (Ricupero, 04/02/1975, CEAO), tiveram
que empreender esforços para o andamento dos trabalhos em meio ao
contexto adverso resultante da pressão da classe médica e da desconti-
nuidade nas gestões do convênio. O museu não foi implantado em três
meses como estava proposto e desde então houve uma longa jornada até
que uma parte do grande projeto pudesse ser inaugurado com o MAFRO,
quase dez anos depois. Naquele fim de ano de 1974, Verger, desapon-
tado com tantas dificuldades, falava de um “museu fantasma” (Matos,
2012, p. 94).

232
A cobrança de Castro às instituições parceiras era constante. O tom
estimulante das correspondências emitidas reiteradas vezes aos con-
venentes lembrava os compromissos assumidos (Castro, 31/10/1974,
CEAO). Na UFBA, o diretor do CEAO insistiu para a contratação de Verger
como assessor especializado do museu. O contrato, vigente a partir de
1975, o enquadrou como professor visitante, sem designação de aulas,
para cuidar da instalação. Castro insistia também para que Delfino Rial-
to, colecionador italiano de peças africanas, indicado pelo Itamaraty e
com um significativo acervo, também fosse contratado pela UFBA para
assessorar os trabalhos do museu e suas peças emprestadas em como-
dato (Castro, 30/08/1975, CEAO). O último pedido, registrado numa
correspondência à reitoria em agosto de 1975, não teria mais resposta
(idem). Augusto Mascarenhas (1975-1979) assumiu como novo reitor da
universidade e, a partir de então, daria um rumo diferente às gestões do
CEAO e do MAFRO.
Durante o reitorado de Lafayette Pondé, as considerações de Castro
sobre o tratamento dispensado ao CEAO focavam a política educacional
mais ampla do governo brasileiro. Em 25 de julho de 1974, assim justifi-
cou a ausência de interesse para os estudos africanos:

(...) Nesses departamentos (da UFBA), os seus programas


curriculares estão voltados para outra direção conforme os
interesses da atual política brasileira na educação superior,
orientada no sentido de prover a curto prazo as empresas
industriais e comerciais que se instalam no país da mão de
obra necessária à sustentação do seu crescimento econômi-
co, fazendo com isso que os estudos e pesquisas da nossa
área de interesse, centrada geograficamente na África e na
Ásia, sejam praticamente suprimidos das atividades des-
ta universidade, voltados os currículos quase que exclu-
sivamente para o Brasil e para a América Latina. (Castro,
25/07/1974, CEAO)

233
Diante da iminente posse do novo reitor, Guilherme Castro narrava a Ru-
bens Ricupero o posicionamento declarado de Mascarenhas acerca do CEAO.

Me declarou com franqueza não ter grande simpatia pela ativi-


dade do CEAO, que ele vê como um luxo desnecessário e sem
importância prática para a Universidade, que desse trabalho não
deriva qualquer vantagem na solução de problemas para am-
pliar o desenvolvimento brasileiro. (Castro, 31/10/1975, CEAO)

Guilherme Castro considerou que o projeto só teve andamento nos


dois anos seguintes à assinatura, ou seja, em 1974 e 1975. No registro
feito em janeiro de 1975, Castro aguardava otimista a previsão do de-
pósito de um milhão de cruzeiros na conta do projeto: 400 mil cruzeiros
da prefeitura municipal (relativos a 1974 e 1975); 200 mil do governo do
estado e 400 mil, em duas parcelas, do Ministério da Educação e Cultu-
ra (Castro, 21/01/1975, CEAO). Com a liberação desses recursos, 1975
foi o ano mais profícuo do Convênio (Castro, 18/12/1975, CEAO). Ano
em que Verger, contratado pela UFBA, viajou a países da costa ocidental
africana e recebeu subsídios do Itamaraty para a compra de peças (MRE,
24/06/1975, AHI).
A falta de simpatia do novo reitor significou dificuldade de acesso
aos recursos possíveis ao Centro. O movimento da correspondência do
Centro caiu tal qual o entusiasmo do seu diretor. Em meados de 1976,
falava a Verger em “má vontade do reitor” (Castro, 28/06/1976, CEAO) e
que nenhum dos convenientes havia honrado os compromissos (Castro,
15/07/1976, CEAO). Em 24 de fevereiro de 1977, Castro solicitava escla-
recimentos ao diplomata Francisco de Assis Grieco sobre a veiculação
de notícias na imprensa local, afirmando que o MEC teria devolvido o
prédio do MAFRO à UFBA (Castro, 24/02/1977, CEAO). A Euro Brandão,
da Secretaria Geral do MEC, dizia “temer pelo total aniquilamento do
programa” em função do recrudescimento da imprensa em relação ao
prédio do MAFRO (Castro, 03/07/1977, CEAO).

234
A análise de Castro, daquela conjuntura enfrentada pelo CEAO, era
creditada à deliberada falta de apoio da Universidade que não cobrava
os recursos dos signatários do convênio e o impedia de solicitar direta-
mente ao MEC e Itamaraty (Castro, 17/03/1978, CEAO). Sua avaliação foi
explicitada ao responder ao pesquisador Richard Patte. Este professor
canadense já estava aborrecido com a constante indefinição a respeito
de sua vinda à Bahia. Castro lhe explicou que

Tal situação é o resultado de uma luta política contra o CEAO


dentro da Universidade e, a nível mais amplo, nas áreas mu-
nicipal e estadual, em virtude da triste coincidência de ser o
atual governador (que, por lei, nomeia o prefeito municipal)
um ex-reitor desta universidade a que o CEAO sempre foi anti-
pático. (...) [O governador] dá ainda uma contribuição prática
e coerente aos grupos que na Universidade se opõem a exis-
tência do CEAO. (Castro, 18/08/1978, CEAO)

Guilherme Castro finalizava sua correspondência registrando que só


com a nomeação de um novo governador do estado, que aconteceria no
ano seguinte em 1979, poderia dinamizar as atividades do Centro. Na
verdade, aguardava o retorno de Antônio Carlos Magalhães, governador
que assinou o Convênio de Cooperação em 1974, e reconhecido interes-
sado na promoção do patrimônio cultural baiano, poderia dinamizá-lo
com o retorno ao governo do estado. Àquela altura, o diretor do CEAO ex-
punha, mesmo que a um interlocutor distante, as disputas políticas que,
dentro e fora da Universidade, afetavam diretamente o desenvolvimento
de uma instituição acadêmica.

Programa Brasil-África e intercâmbio no CEAO


As limitações e descontinuidades experimentadas pelo CEAO para
a execução do Programa de Cooperação não impediram que diversos
pesquisadores estrangeiros estivessem na instituição. Incitados pelo am-

235
biente de estímulo pró-África, por algum recurso disponível e por uma
proximidade estabelecida com o Centro de Estudos Africanos (CEA) na
Universidade de São Paulo (USP), o CEAO pôde recepcionar diferentes
pesquisadores africanos que mantiveram o caráter internacional da ins-
tituição ao longo dos anos setenta e colaboraram com a dinamização de
atividades na Universidade.
Desde o ano de 1973, há o registro de um diálogo entre Guilherme
Castro e Fernando Mourão, diretor do recém fundado Centro de Estudos
em São Paulo (Munanga, 2012). Diálogo marcado por uma perspectiva
de cooperação. Em 5 de dezembro de 1973, Castro – além de dar notícias
sobre o CEAO – consultava Mourão sobre o interesse em receber dois
alunos que Wilfried Feuser, da Universidade de Ifé, intentava enviar para
o Brasil (Castro, 05/12/1973, CEAO). A USP tinha interesse em receber
estudantes africanos e seu Centro já contava com estudantes oriundos
da Universidade do Zaire (UNAZA) que, a partir daqueles contatos, se in-
teressaram em vir à Bahia.
Em 1974, o etnomusicólogo Kazadi wa Mukuna solicitou apoio logís-
tico do CEAO para fazer pesquisa em Salvador (Mourão, 05/07/1975,
CEAO) e o professor Luiz Beltrán programou uma palestra no CEAO in-
titulada Os estudos africanos e Afro-Americanos na Íbero-América (Teixeira,
09/10/1974, CEAO). Contatos foram estabelecidos com outros professo-
res que estavam na UNAZA e programaram ir a Salvador para conhecer e
ministrar cursos no CEAO. Jean Pierre Angenot e Jean Pierre Jacquemim
vieram no primeiro semestre de 1975 e ofereceram, respectivamen-
te, Linguística generativa aplicada às línguas banto e Literatura africana de
expressão francesa, avaliados como de “excelente qualidade” (Castro,
03/06/1975, CEAO).
Nesse intercâmbio, Yêda Pessoa de Castro enviou um pedido de ins-
crição no curso de doutorado na UNAZA sob a orientação de Angenot,
que foi aceito (Castro, 15/05/1975, CEAO). Kabengele Munanga, oriundo
da UNAZA e recebido para o doutorado no CEA em julho de 1975, veio a

236
Salvador passar as férias na casa de Angenot e conheceu o CEAO. Neste
período, durante três meses, Munanga se utilizou da estrutura e bibliote-
ca do CEAO para realização de pesquisa que resultou na redação de dois
capítulos de sua tese. Com o auxílio de Iêda Machado, os capítulos foram
traduzidos para a língua portuguesa e datilografados (Munanga, 2013).
Em março de 1976, Yêda Pessoa de Castro viajou para o Zaire, para o
campus de Lubumbashi da UNAZA, a fim de concluir sua tese e defendê-
-la. Em seis meses no continente africano, a professora da UFBA, além de
obter o seu título e ministrar um curso na universidade zairense, viajou
para diferentes países de modo a fazer contatos acadêmicos, e incluiu
Angola recém independente no itinerário (Castro, 17/03/1976, CEAO).
Nesta época, o CEAO fazia esforço para estabelecer um curso de língua
de origem banto como o quimbundo conforme pedido expedido para
o embaixador brasileiro em Luanda (Castro, 14/11/1975, CEAO). Um
professor da língua quicongo veio da UNAZA, em 1976. Lando N’Totila é
lembrado com carinho por Valdina Pinto, que após tamanha dedicação
ao curso, tornou-se monitora do Tata Raimundo Pires, responsável pelas
turmas seguintes (Pinto, 2012).
Angenot voltou por alguns semestres para a UFBA e ministrou disci-
plinas no recente curso de mestrado em Letras. Júlio Braga, seguindo os
passos de Pessoa de Castro, também se inscreveu no curso de doutorado
na Universidade do Zaire onde esteve nos anos de 1976 e 1977 quando
se doutorou. Braga, em 1978, seguiu para a Universidade de Abidjan, na
Costa do Marfim, onde se manteve com parcos rendimentos e sem apoio
do Itamaraty até 1980.
Ambos, Yêda Pessoa de Castro e Júlio Braga, são os primeiros pro-
fessores brasileiros a obterem o doutorado numa universidade africana.
Suas teses refletiram o esforço de investigação de aspectos da cultura de
matriz africana na Bahia sobre os quais se debruçavam há bastante tem-
po. Pessoa de Castro (1976) escreveu sobre a influência das línguas banto
na língua portuguesa do Brasil e Braga (1977) escreveu sobre o sistema

237
de adivinhação do jogo de búzios nos candomblés da Bahia. Ao fazê-lo,
no Zaire, acabaram por dialogar com outra matriz africana da sociedade
brasileira, a banto, referente aos povos congo e angola, atentando para
sua influência na Bahia até então reconhecida apenas de matriz yorubá.
Intelectuais nigerianos, com os quais o CEAO mantinha tradicional-
mente mais contato, responderam positivamente à dinamização do Cen-
tro no início dos anos 1970. A Universidade de Ifé, através de Feuser do
Departamento de Línguas Modernas, no qual Yêda e Guilherme Castro
haviam exercido o leitorado entre 1969 e 1972, manteve a correspon-
dência com o Centro baiano. Por sugestão de Guilherme Castro, a pro-
fessora Isa Maria Drumond Simões, da Bahia, continuou as atividades
do leitorado entre 1973 e 1974. Com a finalização desse contrato e a
necessidade de nova indicação para assumir o cargo, Castro indicou a
professora Nilda Fernandes Silva.
Indicar pessoas da rede ligada ao CEAO para o leitorado nas univer-
sidades africanas era uma forma de manter o constante intercâmbio e
possibilidade de formação de novos pesquisadores em temas africanos.
Basta lembrar-se da importância desses leitorados para as pesquisas de
Costa Lima, Pessoa de Castro e Braga. Guilherme Castro insistiu para que
sua candidata fosse credenciada. Contudo, em 1974, surgiu uma indi-
cação da USP para ocupar a vaga. Tratava-se de Mariano Carneiro da
Cunha, professor de História Antiga e interessado em estudos africanos.
Cunha assumiu o leitorado em 1975 e seguiu para a Nigéria com sua
então esposa, a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha (Cunha, 2009,
p. 380-382).
Ambos já não eram novatos no âmbito acadêmico e compartilharam
da novidade que significava a vivência e pesquisa na África. Conheciam
Verger que também os estimulou na nova experiência (Matos, 2012, p.
60-65). Pouco mais de um ano de permanência em Ifé resultou em di-
versos trabalhos como o livro, hoje clássico, escrito por Manuela Cunha
sobre os retornados (Cunha, 1985). Do trabalho conjunto entre Mariano

238
Cunha e Verger resultou um livro e uma exposição fotográfica sobre a
arquitetura brasileira na África (Carneiro da Cunha, 1985), noutro livro,
editado em português e inglês na Universidade de Ifé (Feuser, 1984), na
recolha de peças para o Museu de Etnologia da USP e no auxílio a Verger
com as peças para o Museu Afro Brasileiro (Matos, 2012, p. 119).
No intercâmbio da África Ocidental para o CEAO, o professor Olabiyi
Yai veio para ministrar o curso de língua yorubá, em 1975. O Itamara-
ty aprovou o estágio no CEAO de Denis Dohou, do Museu de Histórico
de Uidá. A Universidade de Ifé criou um Programa de Pesquisas, o Nige-
rian Cultures in Diáspora – Brasil, e enviou professores para pesquisar as
influências da cultura yorubá no candomblé de Salvador. Um plano de
estudos foi solicitado a Vivaldo da Costa Lima (Costa Lima, 28/05/1975,
CEAO). Vieram Soremekum, em 1975, e Akintoye, em 1977. Como havia a
previsão inicial de que vários professores viessem em função desse pro-
grama de pesquisas, Guilherme Castro o utilizou como justificativa para
solicitar a remoção para o CEAO de Iêda Machado, experiente em inter-
câmbio e fluente em línguas estrangeiras (Castro, 21/01/1975, CEAO)41.
Pesquisadores de outros países realizaram pesquisas com o suporte
do CEAO. Anani Dzidzienyo, à época no Reino Unido, realizou pesquisa
em 1970 e 71, com orientação de Vivaldo e publicação na Afro-Ásia (Dzi-
dzienyo, 1970; Pereira, Bacelar, 2007). Para esse estudioso das relações
raciais nos EUA, a vinda ao Brasil fazia parte de seu interesse em com-
preender a experiência negra fora da África. Ralph Waddey, etnomusi-
cólogo da Universidade de Illinois, desenvolveu pesquisa na Bahia sobre
a capoeira para o seu doutorado resultando no livro Viola de Samba e
samba de viola publicado décadas depois. Acadêmicos em missão oficial
foram recepcionados e acompanhados pelo Centro em Salvador, como a

Iêda Machado Ribeiro dos Santos foi funcionária do CEAO. Muito próxima do povo de
41 

santo, Iêda também foi leitora na Universidade de Ifé e integrou o Conselho de Desen-
volvimento da Comunidade Negra.

239
missão enviada pela Universidade do Benin, em 1974, que foi assesso-
rada por Júlio Braga (Castro, 20/08/1974, CEAO). Estudantes africanos
na UFBA receberam suporte do Centro como os quatro senegaleses que
vieram em 1977 cursar administração e antes tiveram aulas de português
ministradas por Iêda Machado no CEAO (MRE, 24/05/1977).
Vale destacar três personalidades que visitaram o Centro de Estudos
Afro-Orientais, na década de 70, após dificuldades para estar na Bahia
frente ao contexto repressivo – do colonialismo africano ou da ditadura
no Brasil – nos anos sessenta. A professora residente em Angola Maria
Conceição Nobre, que se correspondeu com o CEAO no início dos anos
1960 e desde então tentava enviar estudantes angolanos e conhecer o
Brasil, visitou o CEAO em 1974. Pinto Bull, guineense anticolonialista,
professor da Universidade de Dacar, que teve sua presença no Brasil não
recomendada em 1963, visitou o CEAO em 1978 (Castro, 07/12/1978,
CEAO). Fidelis Cabral D’Almada, guineense e militante do PAIGC, que es-
teve em Salvador em 1962, como estudante africano do CEAO e foi preso
pelo regime militar em 1964 quando cursava direito na Universidade de
São Paulo, esteve no CEAO com a delegação da Guiné-Bissau em 1976
e recebeu as honras do governo brasileiro (Castro, 18/03/1976, CEAO).
Esses professores não foram novamente impedidos de estar no Bra-
sil, mas o movimento de professores estrangeiros no CEAO era acompa-
nhado por órgão repressor específico da Universidade. A Assessoria Es-
pecial de Segurança e Informação (AESI/UFBA) emitiu correspondências
sigilosas para obter informações detalhadas dos professores do Centro
que viajaram para o exterior e dos professores estrangeiros recepcio-
nados pelo CEAO como Angenot e Jacquemim. Questionou quem eram
pessoas de fora do quadro da UFBA que estariam ministrando aulas no
Centro e se professores do CEAO participariam de um evento em Moscou
(AESI/UFBA, 11/04/1975, CEAO). O caráter, por um lado, internacional e,
por outro, de extensão do Centro, sempre estimulando um trânsito de
pessoas de fora da universidade baiana, exigia esforço dos agentes vin-

240
culados à segurança do governo militar para evitar atividades de pessoas
consideradas subversivas.

O II Festival Mundial de Artes Negras e Cultura


(FESTAC, Lagos -1977)
A visita do ministro da Informação da Nigéria, Anthony Enahoro, a Sal-
vador, em 30 de julho de 1972, foi apenas o prenúncio de outras viagens
e visitas que seriam realizadas por políticos, intelectuais e artistas entre
Brasil e países africanos ao longo dos anos setenta. A Nigéria destacou-se
nessa circulação em função de estar no auge de sua produção de petró-
leo e do seu projeto de desenvolvimento e incremento comercial - o que
chamava atenção do governo brasileiro. Mutuamente, Nigéria e Brasil
enxergaram-se como possíveis parceiros: o país africano necessitava da
experiência brasileira industrial, comercial, arquitetônica e tecnológica
para desenvolver seu país e o Brasil investia nas exportações para a Nigé-
ria como alternativa para escoar seus produtos para o mercado mundial
e projetar-se como nação “industrial emergente” (Dávila, 2011, p. 271).
Jerry Dávila, ao analisar o próspero comércio entre as nações entre
a metade de 1970 e início de 1980, observou que a força dessa relação
“sustinha outros tipos do contato” (ibidem, p. 270). Conforme o discurso
projetado pelo governo brasileiro no início da década de 1960, o Brasil
seria uma grande nação “sem problemas raciais” e que teria laços his-
tóricos com a África. Desse modo, figurava como uma opção, ao menos,
diferenciada em contraste com as ex-metrópoles coloniais. Os critérios
raciais e culturais atravessaram a relação entre os dois países. O auge
do jogador de futebol Pelé, em 1970, seria uma evidência da presença
negra de sucesso num país tropical. Havia motivos para a Nigéria buscar
aproximação com o Brasil.
Enahoro esteve no Brasil antes da comitiva ministerial do Itamaraty à
África Ocidental. Veio buscar apoio do governo e instituições brasileiras

241
para o II Festival Mundial de Artes Negras e Cultura e não podia deixar
de conhecer a Bahia e o Centro de Estudos Afro-Orientais. A recepção em
Salvador, no CEAO, fazia parte do projeto do Itamaraty de ofensiva em
direção à África. O ministro veio acompanhado do conselheiro Rubens
Ricupero, então chefe da Divisão de Difusão Cultural do Itamaraty (Ma-
tos, 2012, p. 107-108). Desta missão, a Nigéria obteve o compromisso do
Brasil com o Festival e de Salvador emergiu o nome do vice-presidente
da zona latino-americana do FESTAC. Tratava-se do médico psiquiatra
baiano George Alakija, que em seguida integrou a comitiva brasileira de
Gibson Barboza à África (Dávila, 2011, p. 187-188).
O nome de Alakija significava a inclusão da rede de intelectuais liga-
dos ao CEAO naquele que prometia ser um dos maiores certames de inte-
lectuais e artistas do continente africano. Um projeto de tão grande vulto
acabava por reafirmar a inserção de Salvador na proposta internacional
do ministro Barboza. Somado ao Programa de Cooperação logo em dis-
cussão, era um contexto animador para o Centro de Estudos que desde
seu surgimento reivindicava atuação dentro de uma política estatal.
O impulso dado por Gibson Barboza, em termos de cooperação cien-
tífica e cultural, resultou na assinatura de diversos acordos com os países
pelos quais passou. Previamente negociados pelo conselheiro Rubens
Ricupero (Ricupero, 15/09/1972, AHI), foram assinados acordos cultu-
rais com o governo da Nigéria (em 16/12/72), com a Costa do Marfim
(em 27/10/72 e ratificado em 06/11/73), com Gana (02/11/72), com a
República Unida dos Camarões (14/11/72), com a República do Daomé
(07/11/72), com a República do Togo (em 03/11/72). Com o Senegal foi
negociado um protocolo para aplicação do acordo cultural assinado em
23/09/64 quando veio ao Brasil o presidente Leopold Senghor.
Tal como o acordo cultural assinado com o Senegal anos antes, que
não significou em incremento das relações culturais entre os países, os
novos acordos não resultariam em imediata dinamização do intercâm-
bio cultural, técnico ou científico. Motivaram, contudo, a assinatura de

242
alguns acordos específicos, por exemplo, entre a Universidade do Benin,
no Togo, e a UFBA, para cooperação em matéria de ensino e pesquisa
científica, assinado por Gabriel Johnson e Lafayette Pondé, os respecti-
vos reitores. O reitor togolês também assinou em Brasília acordos com as
Universidades de Brasília (UNB) e de São Paulo (USP).
A USP através de seu reitor, Miguel Reale e o Itamaraty através de
Gibson Barboza celebraram convênio de cooperação para concessão
de bolsas para estudantes estrangeiros em 1973. O interesse da USP
em receber alunos estrangeiros levou-a a uma participação expressiva
na organização da participação brasileira no FESTAC. Além de Maria-
no Carneiro da Cunha ser escolhido o leitor de estudos brasileiros em
Ifé, os melhores alunos desse leitorado passaram a receber uma bol-
sa prêmio no Brasil e foram encaminhados para a USP, como ocorreu
com as senhoritas Mercy Ohwovoriole, em 1974 (Embaixada Brasilei-
ra em Lagos, 26/08/1974, AHI) e Modupe Lawanson, em 1975 (MRE,
12/09/1975, CEAO).
Os 4 funcionários do governo nigeriano que vieram ao Brasil aprofun-
dar conhecimentos na língua portuguesa rumaram para USP, ao invés da
UFBA, como havia sido programado (MRE, 31/12/1975, AHI). Fernando
Mourão, diretor do Centro de Estudos Africanos da USP, responsável por
acompanhar esses estudantes, foi designado coordenador do Comitê
Brasileiro que seguiu ao Colóquio Civilização Negra e Educação, uma das
atividades do Festival.
A participação baiana na organização do II Festival Mundial de Artes
Negras e Cultura interessava ao Itamaraty por outros motivos. Destacada
como uma cidade que mantinha ligações históricas e ancestrais com o
continente africano, Salvador era desde o início do século espaço para
pesquisas que focalizavam africanos, seus descendentes e manutenção
de seus costumes. O CEAO já promovia há mais de uma década pesquisas
que visibilizavam a persistência de expressões culturais de matriz afri-
cana na cidade. Salvador já era reconhecida como uma cidade de forte

243
matriz africana e isso interessava ao Itamaraty. Paulatinamente, em meio
a esforços dos intelectuais e membros da comunidade religiosa, o can-
domblé passava a ser reconhecido como uma religião com matrizes his-
tóricas bem delineadas, que ligava os terreiros mais conhecidos à Nigéria
e às terras yorubás.
De acordo com a análise de Jocélio Santos, as leituras ambíguas em
relação ao candomblé nos jornais baianos, nas décadas de 1950 e 1960,
e a mudança de tratamento verificada nesta última, eram provas de mu-
dança nos espaços públicos e camadas mais abastadas:

O candomblé, que na mentalidade de alguns ainda era con-


siderado uma seita composta por pessoas semianalfabetas e
com costumes primitivos, passava a se constituir em um sím-
bolo, por excelência, de baianidade. Junto com a capoeira e
a culinária, ele foi incorporado pela mídia, por órgãos públi-
cos, empresas privadas como uma das marcas registradas da
Bahia. (Santos, 2005, p. 66)

A valorização do candomblé baiano e seus vínculos com a Nigéria fo-


ram capitados por funcionários do Itamaraty que, aos poucos, buscaram
colocá-los a serviço de uma aproximação entre Brasil e Nigéria. George
Alakija era um homem negro e de ascendência nigeriana, conforme evi-
dencia seu sobrenome em yorubá. Sua inserção no comitê organizador
do FESTAC deu-se em função dessas características uma vez que não era
“especialista em assuntos afro-brasileiros” (Dávila, 2011, p. 187-188).
Seu nome foi apresentado após o ministro Enahoro ter dito a Barboza
que fazia questão de um brasileiro para a vice-presidência do Comitê
desde que fosse negro. Caso contrário, não tinha como acreditar na au-
sência de problemas raciais. O médico baiano, além da prova de ausência
de racismo, seria “exemplo vivo dos vínculos que sempre existiram entre
Brasil e Nigéria” (ibidem, p. 187-188). Contudo, logo que se iniciaram as
reuniões organizadoras do evento, Enahoro solicitou que Alakija fosse à

244
Nigéria “acompanhado por pessoa conhecedora da cultura afro-brasilei-
ra” (Embaixada Brasileira em Lagos, 22/09/1972, AHI).
É necessário registrar que Salvador aglutinava, além de especialis-
tas em cultura afro-brasileira, artistas que se inspiravam, produziam e
vivenciavam aspectos dessa cultura. E também por isso, o arquiteto e
fotógrafo Silvio Robatto integrou, inicialmente com Alakija, o comitê or-
ganizador do Festival. Robatto era um homem das artes de modo que em
1975 esteve à disposição na UFBA para os trabalhos de implementação
do MAFRO (Matos, 2012, p. 96). Não é possível afirmar se Robatto era a
pessoa conhecedora da cultura afro-brasileira conforme solicitado. Con-
tudo, desde 1973, a documentação diplomática solicita as presenças de
Alakija e Robatto nas reuniões realizadas em Lagos iniciadas em maio de
1973. Alakija como vice-presidente da Zona Sul-americana do festival e
Robatto como “assistente para a construção do pavilhão brasileiro para
exposição” (Embaixada Brasileira em Lagos, 07/06/1973, AHI). Se a pre-
sença de Alakija tinha o objetivo de reforçar os laços culturais entre Brasil
e Nigéria, a presença de Robatto, em que pese seu interesse maior pela
fotografia, era como arquiteto.
Os governos brasileiro e nigeriano aproveitaram o festival para apro-
fundar o diálogo em torno da venda de produtos e serviços brasileiros.
Com a necessidade de estrutura a ser montada para o evento, o Brasil
aproveitou a oportunidade para expor diversos produtos na Exposição
Brasil 73 (Embaixada Brasileira em Lagos, 07/03/1973, AHI) e ofereceu
um total de 100 a 200 mil toneladas de cimento brasileiro (Embaixada
Brasileira em Lagos, 13/08/1973, AHI). Uma sugestão interessante surgiu
com a possibilidade de navios brasileiros servirem para a hospedagem
de turistas. A citação evidencia a empolgação do embaixador para a pro-
moção do carnaval brasileiro na África e os possíveis ganhos financeiros:

Acredito que, se o Llóide chegar a bom termo no que concerne


ao arrendamento dos dois navios, estará tornando a participa-

245
ção brasileira no festival de Lagos a mais importante do cer-
tame, visto que a presença dos dois navios no porto de Lagos
permite: a) Gesto político do Governo Brasileiro ajudando as
autoridades nigerianas a resolver, pelo menos parcialmente,
o problema de alojamento de turistas (os dois navios acomo-
dam 800 pessoas); b) Trazer do Brasil a custos reduzidíssimos,
em um dos navios, uma ala de escola de samba (250 figuran-
tes), a qual regressaria ao Brasil em avião fretado, sendo pos-
sível organizar em Lagos, no primeiro dia do festival, desfile na
principal avenida da cidade, cobrando o festival os ingressos,
os quais financiariam os cachês para a escola de samba e o
afretamento do avião para o regresso; c) Promoção no convés
dos navios, de feira flutuante que o Llóide poderia organi-
zar em colaboração com mais de uma centena de empresas
brasileiras (...); d) Promoção, em um dos navios, do primeiro
cruzeiro turístico brasileiro aos países africanos (...); e) pro-
moção, no regresso ao Brasil dos dois navios, de cruzeiro de
turismo de africanos (...). (Embaixada Brasileira em Lagos,
11/07/1974, AHI)

A organização do festival ensejou visitas de políticos nigerianos ao


Brasil com objetivos também comerciais. Em 8 de julho de 1974, o pre-
feito de Lagos, Alhaji F. A. Fasinro, programava vir ao Brasil e visitar Rio
de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Salvador. Seus objetivos foram
informados (e também influenciados?) pelo embaixador brasileiro He-
ráclito Lima:

No Rio de Janeiro desejaria (...) ver a usina de lixo. Em São


Paulo, também caráter privado, terá encontro marcado com
os presidentes das empresas “Construtora Guarantan”, cons-
trução de apartamentos de alcance popular, e da firma “Elu-
ma”, trading brasileira que lhe mostrará equipamentos para
serviços públicos (ambulâncias, veículos para corpo de bom-
beiros, hospitais e clínicas dentárias montadas para ônibus e

246
utilitários). No Rio Grande do Sul, a convite da empresa Marco
Polo, com planos de instalar na Nigéria linha de montagem
e carrocerias. Visitará a fábrica. Na Bahia (...) iniciará progra-
ma de visitas preparado pelo prefeito (Clériston Andrade)”.
Discutirá com o prefeito possibilidade de tornar Salvador e
Lagos cidades geminadas. (Embaixada Brasileira em Lagos,
11/07/1974, AHI)

Os contatos comerciais foram frutíferos para as empresas brasilei-


ras. Segundo Dávila, somente em 1975 “foram embarcados para Nigé-
ria 3.330 caminhões e ônibus Mercedes e Marco Polo” (Dávila, 2011,
p. 277).
Do mesmo modo que o Brasil enviou um representante brasileiro
para o festival em função de um discurso de proximidade, a Nigéria ten-
tou corresponder, ou pelo menos dar vazão, a esse discurso. Sabendo
que os brasileiros exaltavam a presença dos descendentes de brasileiros
em Lagos, o embaixador brasileiro Heráclito Lima registrou, no trecho
citado acima, a possibilidade de declarar Lagos e Salvador cidades irmãs.
Noutra correspondência, Lima ressaltou que o prefeito de Lagos, ao vi-
sitar a restauração ao Pelourinho, poderia aplicá-la em Lagos em “pelo
menos, parte do quarteirão brasileiro de Lagos que, para nós, tem um
valor para as relações nígero-brasileiras que só se aprecia bem quan-
do se reside aqui” (Embaixada Brasileira em Lagos, 17/06/1974, AHI). O
texto do embaixador parece projetar mais suas expectativas que as do
prefeito.
Noutro texto, quase um ano depois, em 29 de maio de 1975, quan-
do cogitava-se nova visita do prefeito de Lagos ao Brasil, Heráclito Lima
escreveu:

Manifestou-me, em longa audiência, seu interesse em co-


nhecer o processo empregado na ladeira do Pelourinho. Essa
iniciativa está relacionada com o plano da administração de

247
Lagos de promover a restauração do quarteirão brasileiro nes-
ta cidade, que poderia contar com a contribuição do Brasil sob
a forma de doação de uma réplica da estátua de Castro Alves
ou José do Patrocínio, que viria a ornamentar a nova praça que
se pretende construir naquela área. (Embaixada Brasileira em
Lagos, 29/05/1975, AHI)

A insistência na restauração do quarteirão de Lagos é uma preocupa-


ção brasileira e não parece expressar uma concordância real do prefeito
de Lagos ou do governo nigeriano. Em especial por conta da referência à
doação de estátuas dos abolicionistas brasileiros, que se já eram ques-
tionados como referencial no Brasil, não faziam maior sentido para Lagos
ou a Nigéria.
As estátuas fazem referência a um aspecto silenciado na aproxima-
ção Brasil – Nigéria: a escravidão. O Brasil enfatizou a cultura afro-bra-
sileira e baiana e os retornados a Lagos, mas em nenhum momento
falava-se que essas experiências eram resultados da escravidão. Tam-
pouco se discutiam aspectos e condições da população negra no Brasil
ou no continente africano (Alberto, 2012). A cultura afro-brasileira que
seria o vínculo do Brasil com a África era apresentada para reforçar a
ideologia nacional de mestiçagem que consubstanciava a democracia
racial brasileira. Ao focar numa cultura brasileira que conformaria o
diferencial da Bahia frente a outros estados do país endossavam for-
temente a ideia de que a Bahia era um lugar racialmente mais demo-
crático, uma nação dentro do Brasil, o berço da africanidade, um lugar
especialmente sem racismo de modo a assim justificar a suposta exce-
ção do Brasil.
Os nigerianos estavam atentos à democracia racial brasileira. Primei-
ro porque exigiram um representante negro no festival, cuja ausência
numa das reuniões preparatórias deixou o secretariado preocupado.
Nesta reunião, os representantes brasileiros, Fernando Mourão e Cla-
rival Valadares, notaram a necessidade indispensável de Alakija, “pre-

248
sença bem africana na representação do Brasil” (Embaixada Brasileira
em Lagos, 29/04/1976, AHI). Depois, o discurso da Bahia yorubá tinha
diferentes recepções na Nigéria. Para intelectuais yorubás na Nigéria, a
exemplo de professores da Universidade de Ifé, a vivacidade da cultura
e religiosidade yorubá na Bahia lhes apresentava parentes merecedores
do mesmo respeito que os nigerianos e, assim, projetava a existência
de uma comunidade fora de seu país, uma verdadeira diáspora (Castro,
04/07/1975, AHI).
As reuniões realizadas pelo comitê organizador do festival começa-
ram em março de 1973, embora articulações tenham começado antes.
Inicialmente, o evento estava previsto para ocorrer em 1974. Foi final-
mente realizado entre 15 de janeiro e 12 de fevereiro de 1977, onze anos
após o I Festival de Artes Negras em Dacar, Senegal. O Brasil teve sua pre-
sença registrada desde a primeira reunião, em 15 -18 de maio de 1973
(Embaixada Brasileira em Lagos, 21/03/1977, AHI).
Desde então, vários foram os convites para reuniões do Comitê, sem-
pre realizadas na cidade de Lagos. A função de George Alakija, na Zona
Sul-americana, era representar o Brasil e outros países da região nas
discussões para montagem da estrutura do festival: as categorias de exi-
bição, os critérios para avaliação das obras, as atividades a serem realiza-
das. Robatto foi indicado para organizar a exibição brasileira na categoria
“arquitetura tradicional e contemporânea”, mas acabou incumbido de
supervisionar todas as exposições nessa categoria junto com o professor
da Escola de Teatro de Ibadan, Mr. Domas Nwoko (6th Meeting of Inter-
national Festival Committee, 26/06/1975, CBBAC).
Entre as diversas categorias, os países da diáspora tinham um lugar
especial assegurado. Basta observar os quesitos de n° 10 “Exhibition ou
liberation moviment” que incluía os movimentos negros do EUA; n° 13
“Influence of African art on european art” e, por fim, o n°15 “Exhibition
impact of Black culture in Brazil” (idem). O Brasil, inicialmente, tinha uma
categoria específica para exposição de sua arte produzida. Assim, havia

249
um lugar especial para que sua produção artístico/cultural fosse apresen-
tada na Nigéria. Neste sentido foi organizada, pelos representantes bra-
sileiros e pela embaixada, uma viagem prévia de Olga do Alaketo ao país.
Logo em 1973, a senhora do Alaketo chegou à Nigéria acompanhada
de Alakija e Robatto. Enquanto os dois últimos logo retornaram, a Iyalori-
xá baiana ficou no país a cumprir programação preparada pelo ministro
Enahoro:

Dia 15- Encontro com tradicional regionalistas em Lagos, dia


16 – visita ao Obá de Lagos, dia 17 – Festival egungun em Apa-
pa, dia 19 – partida para Ibadan, Dia 22 – volta a Lagos, dia
23 – partida para o Daomé, dia 25 – volta a Lagos, dia 26 -
regresso ao Brasil via Dacar. (Embaixada Brasileira em Lagos,
16/11/1963, AHI)

Não era a primeira vez que ia ao continente africano, mas é o primei-


ro registro de viagem para a Nigéria e Daomé. As origens do Ilê Maroiala-
je, terreiro sob o comando de Olga em Salvador, remetiam a ascendên-
cia da fundadora da casa para o antigo reino de Ketu, então Daomé. A
oportunidade para pisar naquelas terras africanas cumpria uma espécie
de retorno às origens, cuja significação e emoção só a mesma poderia
descrever. Como uma representante viva da manutenção de vínculo an-
cestral, religioso e afetivo com aquelas terras africanas, a Iyalorixá era
apresentada como um ícone da África na Bahia. Contou para isso além
da história da casa, sua personalidade forte e imponente, sua disposição
para viajar, seu interesse pela África contemporânea e a relação que nu-
tria com os intelectuais do CEAO. Essa rede é que a inseria nas atividades
culturais como uma representante internacional da cultura africana na
Bahia. Cultura essa referida como tradição “genuinamente” africana.
Não há maiores detalhes acerca do que Olga do Alaketo viu e viven-
ciou no Benin e Nigéria. Sabemos que a realidade que encontrou con-
formava um tempo muito diferente do que se refere à narrativa mítica

250
de fundação da casa e que a manutenção das tradições se caracterizava
também por mudança. Como foi o encontro de Olga com a África con-
temporânea? A Iyalorixá baiana orgulhava-se de ter conhecido a terra
e seus parentes ancestrais e, pelo visto, foi bem acolhida ao ponto de
ter participado da coroação do rei do Alaketo. Certamente esse contato
com a África nutria seu terreiro em Salvador de um capital simbólico cuja
visibilidade auxiliou na manutenção e preservação42. Anos depois, em
1976, ainda antes do FESTAC, Olga do Alaketo seguiu com sua comitiva
para os Estados Unidos para representar o Brasil nas comemorações pela
independência (II Encontro, 1997).
A força do culto aos orixás em Salvador foi alvo do interesse de inte-
lectuais yorubás aglutinados na Universidade de Ilê Ifé. A universidade
estava situada na cidade homônima. Ilê Ifé é a cidade sagrada dos yoru-
bás. A cidade teve seu apogeu entre os séculos XII e XVI e é considerada
pela mitologia yorubana, como o “umbigo do mundo”. Essa forte relação
com o culto dos orixás era compartilhada e vivenciada pelos intelectuais
que se estabeleceram naquela universidade.
A relação entre intelectuais da Universidade de Ifé e da UFBA remonta
desde 1962. Guilherme Castro e Yêda Pessoa de Castro estiveram em Ifé
em 1962-63 e 1969-72. Feuser, diretor do Departamento de Línguas Mo-
dernas, alemão e casado com uma artista yorubá, esteve no CEAO para
ministrar o curso Aspectos da Literatura no Mundo Negro, publicado em
livro pelo Centro (Feuser, 1969). De lá, veio um leitor de língua yorubá
para o Centro baiano. Tratava-se de Olabiyi Yai que ministrou aulas entre
o final de 1975 e julho de 1976. Yai veio à Bahia entusiasmado também
em conhecer o culto aos orixás.

Em 01/12/2004, o Terreiro Ilê Maroialaje foi tombado pelo Instituto do Patrimônio


42 

Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) numa reunião realizada em Salvador. Na oportu-


nidade, também foi tombado o ofício das baianas de acarajé.

251
Em 1974, o Departamento de Estudos Africanos, da Unifé, organizou
um programa de estudos intitulado Nigerian Cultures in Diáspora-Brazil a
reunir dezesseis professores com o objetivo de investigar a cultura afri-
cana na Bahia. Sobre esse projeto, Feuser escreveu algumas linhas a
Castro em 14 de julho de 1975 e o Itamaraty consultou o Centro para
recepcioná-los (MRE, 29/07/1975, AHI). O interessante é que a proposta
desse projeto, ao se referir a culturas nigerianas, no plural, e a existên-
cia de uma diáspora yorubana inovava. Até então, a ideia da existência
de diferentes culturas era inconcebível dentro da conformação de um
Estado-Nação. Ao se referirem à diáspora, os nigerianos mostravam-se
antenados com a presença negra nas Américas. Guilherme Castro achou
descabido o uso dos termos. Em correspondência disse a Ricupero que
o termo diáspora “parece indicar uma unidade étnico-cultural existente
por cá” (Castro, 04/07/1975, CEAO). O diplomata reconheceu que o uso
dos termos tinha “certo valor de arma política nos espaços dos negros
em reconquistar uma identidade política” uma espécie de “sub-cultura”
(Ricupero, 29/07/1975, CEAO). Ambos, o diretor do CEAO e o diplomata,
eram confrontados com afirmações negras ainda aparentemente distan-
tes no Brasil. Acreditavam e esforçavam-se em referendar uma unidade
cultural nacional: “não chegamos a isso ainda no Brasil” (idem). O inves-
timento que faziam para evidenciar Salvador e sua manutenção de tra-
dições africanas decorria da ideia de que isso era o substrato da cultura
nacional (Santos, 2005).
Os estudiosos yorubás de Ifé estavam de tal modo interessados nas
práticas religiosas na Bahia que correspondiam ao intercâmbio religioso:
personalidades de terreiros baianos foram reconhecidos em sua ances-
tralidade familiar e religiosa yorubá. Mestre Didi não apenas reencon-
trou parentes na Nigéria como foi confirmado Balé Xangô, em 1970, pelo
“Mogbá Xangô, no principal templo de Xangô de Oió, – Nigéria tendo
como organizadores da cerimônia os professores Abimbolá e Adêribin-
gbê” (Santos, 1988. P. 34 -38).

252
Desse intercâmbio acadêmico e também religioso resultou a organi-
zação em Salvador do II Congresso Mundial sobre a cultura e tradição
dos orixás, em 1983 (Pessoa de Castro, 06/04/1983, CEAO). O primeiro
aconteceu em Ifé anos antes. Esse movimento evidencia um segmento
específico religioso buscando apoio da diáspora para sua valorização e
manutenção. As universidades nigerianas, a surgir e funcionar no contex-
to da descolonização, envidavam esforços para desfazer os referenciais
negativos e discriminatórios associados às tradições reconhecidas como
africanas – com destaque para a religiosidade – buscando valorização
e reconhecimento oficial. É neste sentido que diferentes intelectuais,
brancos e negros, da África e diáspora, se reuniram para assinar um ma-
nifesto a favor da representação de diversas religiões dentro do campus
universitário (Lühning, 1999). Entre eles, Pierre Verger e Abdias do Nas-
cimento. Os intelectuais nigerianos certamente se sentiam contemplados
com uma representação brasileira associada ao candomblé baiano pro-
postas para o II Festival Mundial de Artes Negras.

Rumo ao Festival
“O Brasil, cuja formação histórica e cultural muito deve à contribui-
ção africana, sente-se honrado em poder participar do II FESTAC, ao qual
enviará significativa representação artística como testemunho e reafir-
mação dos fortes laços de amizade que unem nossos países”. Assim res-
pondeu o presidente Ernesto Geisel ao convite oficial do FESTAC (Geisel,
08/1976, CPDOC). Das idas e vindas a Lagos, no comitê organizador do
Festival, George Alakija se manteve como vice-representante da zona
latino-americana, Clarival do Prado Valladares responsabilizou-se pela
organização da representação artística e Fernando Mourão pela partici-
pação brasileira no Colóquio.
Silvio Robatto não permaneceu no comitê. Seu filho, Lucas Robatto,
confirmou que sua saída do comitê organizador se deu em função de

253
questões raciais: “saiu do comitê por ser branco” (Robatto, 2014). Ao
considerar esse aspecto e a relevância que assumia para o secretariado
do festival, deve-se anotar que foi um motivo importante, mas não o úni-
co. Valladares e Mourão também não eram negros. A saída de Robatto
coincidiu com a cobrança do secretariado de um relatório acerca da ex-
posição de arquitetura (MRE, 22/11, 1974, AHI). Atividade, como lembra
Lucas Robatto, que o pai não gostava de exercer para fins comerciais e
que, como vimos, permearam todo o festival. A documentação diplomá-
tica revela o grande interesse dos nigerianos pelo arquiteto, contudo,
não puderam inseri-lo – ou mantê-lo – numa categoria de representação
mais ampla, que extrapolasse o comitê brasileiro e representasse todo
o festival, como no caso de Alakija. Se pudesse e tivesse interesse em
permanecer no festival, Robatto pai teria que atender à sanha constru-
tora da Nigéria, estimulada pelo Brasil, e empreender várias construções
para o Festival (Embaixada Brasileira em Lagos, 17/06/1973, AHI).
Para melhor organizar a participação brasileira, o Itamaraty con-
tratou uma empresa, a Foco, responsável pelo translado do acervo das
obras de artes a serem exibidas, da montagem do pavilhão brasileiro,
incluindo uma estrutura desmontável, da remessa dos textos dos colo-
quistas, filmes, enfim, de praticamente tudo que se referia ao festival.
Uma funcionária dessa empresa, Nita Cascardo Viana, fez algumas via-
gens preparatórias à Nigéria (MRE, 27/01/1975, AHI).
O comitê organizador do grande evento optou por inserir todos os
países do continente africano, todas as comunidades negras em todos
os países do mundo, os movimentos de libertação reconhecidos pela
Organização da Unidade Africana e todos os membros da OUA (FESTAC
77 Report, 1977, p. 44-46). Isso resultou na subdivisão em 16 zonas nas
quais foram inscritos 73 países. Na zona latino-americana, além do Bra-
sil, havia Equador, Colômbia, Venezuela, Paraná e Peru (ibidem, p. 44).
Ao optar por ser o mais amplo possível, o festival perdeu a colabora-
ção do Secretário Geral, Alioune Diop, que não concordou com a inser-

254
ção dos países da África do Norte. O intelectual senegalês Diop esteve
nos círculos em que emergiu o movimento da negritude (anos 30) e na
organização do I Festival de Artes Negras, no Senegal, em 1966. Foi ainda
o editor de uma das mais importantes revistas para intelectuais africanos
(anos 40 e 50), a Presence Africaine. Sua saída, alardeada pelos jornais,
foi uma grande perda para o evento. Outras ausências que influencia-
ram na realização foi a morte de Murtala Muhamed, então presidente da
Nigéria, e o falecimento do professor Dr. Pio Zirimu, diretor do Colóquio
(Colloquium, 1977, p. 12).
Apenas de participantes do festival esperava-se quase 10 mil pessoas
(FESTAC 77 Report, 1977, p. 57-58). As duas maiores delegações espe-
radas foram Nigéria e Estados Unidos, estimando 1.535 e 616 pessoas,
respectivamente. As categorias de eventos eram Drama, Música, Dança,
Filme, Literatura e Vestimentas populares. As exibições contavam com
artes visuais, livros, África e a Origem do homem, tecnologia da arquite-
tura africana (ibidem, p. 19-21) e o Colóquio Civilização Negra e Educa-
ção com dez subdivisões de temas (Colloquium, 1977, p. 117).
A delegação de artistas brasileiros estava estimada em 93 pessoas
(FESTAC 77 Report, 1977, p. 57-58). Como representantes brasileiros fo-
ram selecionados Olga do Alaketo e seu grupo de mais 16 pessoas para a
apresentação, o músico Paulo Moura acompanhado de mais 8 músicos,
os artistas plásticos Waldeloir Rego, José Domé, Emanuel Araújo, Mi-
guel dos Santos e Juarez Paraíso, o grupo de dança contemporânea de
Clyde Morgan, além de Gilberto Gil e banda (Embaixada Brasileira em
Lagos, 06/01/1977, AHI). A delegação oficial brasileira foi assim consti-
tuída: o chefe Euro Brandão/MEC, o sub-chefe Francisco de Assis Grieco
e os delegados Geraldo Heráclito Lima, George Alakija, Olga Francisca
Régis e Gumercindo Rocha Dórea/MEC (Embaixada Brasileira em Lagos,
11/01/1977, AHI).
Para o Colóquio seguiram Fernando Mourão, René Ribeiro, Yêda Pes-
soa de Castro e Guilherme Castro. Antônio Vieira da Silva, leitor brasileiro

255
na UNIFÉ e também coloquista, já estava em Lagos. Jurandir Santiago,
também inscrito no colóquio, não teve sua presença registrada. Havia
um total de 7 trabalhos inscritos. O diretor do CEAO não estava inscrito
no Colóquio, mas seguiu e apresentou a comunicação em conjunto com
Yêda, sendo um dos convidados do governo nigeriano.
Como Guilherme, outras pessoas receberam convites às vésperas do
evento como “hóspedes de honra”, ou seja, com todas as despesas cus-
teadas: Jurandir Santiago – MEC; Cleuza Millet – “especialista em cultura
afro-brasileira”; Aluízio Prata – UNB; Cassiano José das Neves, Rossini
Perez – gravador; Milton Gonçalves – ator e diretor; Rubens Rodrigues
– cineasta e Emílio Antônio Barbiere (Embaixada Brasileira em Lagos,
11/01/1977, AHI). Mais pessoas se juntaram à delegação: o secretário do
Itamaraty, Américo Fontenelle, quatro jornalistas da Rede Globo, além
de outras pessoas listadas nas fichas da delegação brasileira depositadas
no CBBAC, como Júlio Braga e Caetano Veloso (CBBAC).

A representação brasileira
O Colóquio Civilização Negra e Educação
O Colloquium on Black Civilization and Education ocorreu entre 17 e 31 de
janeiro de 1977 no Teatro Nacional, no Hall de Conferências. Tratava-se
de uma grande reunião de eminentes intelectuais a discutir temas rele-
vantes para o cenário acadêmico africano

O objetivo do Colóquio era ajudar os povos negros para tor-


nar-se mais familiarizados e consolidar o seu patrimônio
cultural como um meio de garantir a libertação cultural total
e promover a divulgação de seus valores culturais dentro de
suas próprias comunidades e em todo o mundo. O tema do co-
lóquio que era Civilização Negra e Educação foi abordado por
cinco comissões que examinaram civilização negra em termos
de artes, literatura, filosofia, religião, línguas africanas, cons-

256
ciência histórica, Governo Africano, meios de comunicação e
ciência e tecnologia. (FESTAC 77 Report, 1977, p. 29. Tradução
da autora)

Personalidades como Joseph Ki Zerbo (Alto Volta), Theophile Obenga


(República Democrática do Congo), Wole Soyinka (Nigéria) e Moulana
Ron Karenga (EUA) participaram dos trabalhos do Colóquio. Essa ativi-
dade de natureza acadêmica ocorreu concomitantemente aos eventos e
exibições de natureza artística e cultural. O Colóquio estava subdividido
em 5 Grupos de Trabalho, cada um, por sua vez, subdividido em 2 ses-
sões. Além dos discursos de abertura dos trabalhos pronunciados pelos
presidentes do evento, integrantes do governo nigeriano, houve a reali-
zação de 10 leituras públicas (conferências), por intelectuais africanos e
um afro-americano (Colloquium, 1977).
A delegação brasileira não apenas apresentou seus respectivos pa-
pers como teve membros inseridos na organização dos grupos de tra-
balho. Antonio Vieira da Silva como vice-presidente do 4° grupo de tra-
balho na sessão: Black civilization and historical awareness (Colloquium,
1977, p. 149) e George Alakija foi o presidente do 5° grupo de trabalho,
na sessão Black civilization and science and technology (ibidem, p. 159).
Cada grupo de trabalho devia, ao final, sintetizar as discussões e apre-
sentar suas resoluções.
O Brasil tinha inscrito sete trabalhos. Com a ausência de Jurandir San-
tiago e a adesão de Guilherme Castro, manteve sete delegados. Outros
intelectuais ligados ao Brasil estavam em Lagos como Pierre Verger e Jú-
lio Braga. Abdias do Nascimento também esteve presente e fez questão
de assistir e debater as questões colocadas pelos delegados brasileiros.
Nascimento era conhecido do Itamaraty e do CEAO. Crítico ferrenho da
política brasileira em relação à população negra e da imagem de ausên-
cia de racismo projetada no exterior havia desempenhado função de-
sestabilizadora no I Festival de Artes Negras quando, excluído do comitê

257
organizador e da delegação de artistas, criticou aquela representação
brasileira em Carta a Dacar. Nesta nova oportunidade, Nascimento faria o
possível para expor aspectos das relações raciais brasileiras em oposição
e embate frontal com os delegados brasileiros.
Desde 1968, com o acirramento da repressão ditatorial no Brasil,
Nascimento foi para os EUA onde, a partir da venda de sua pintura, foi
convidado como leitor/professor visitante em diferentes universidades
norte-americanas. De lá, com documentos norte-americanos, seguiu
para o continente africano em 1976 e passou por diferentes países. Es-
tava em Lagos na altura do FESTAC (Cavalcanti, Ramos, 1976, p. 48-52).
A embaixada brasileira na Nigéria, sabendo de sua crítica ao governo
brasileiro e sua presença no país e consequentemente no Colóquio, ar-
ticulou-se de modo que Nascimento não fosse um participante oficial do
evento (Embaixada Brasileira em Lagos, 06/02/1977, AHI).
Ocorreu que Nascimento chegava a Lagos contando com o apoio dos
intelectuais e artistas negros das universidades norte-americanas. Por
sua atuação e por essa rede de relações, encontrou receptividade de
intelectuais nigerianos engajados no festival. O escritor nigeriano Wole
Soyinka o convidou a escrever um artigo Arte afro-brasileira: um espírito
libertador, publicado em fins de 1976. Suas considerações ali explicitadas
antecipavam o que estava por vir durante o Colóquio.

Decisões sobre que artistas e quais obras seriam enviadas a Da-


car foram feitas por uma Comissão nomeada pelo Ministério das
Relações Exteriores, órgão cujo racismo é secular e ostensivo.
Órgão riobrancamente composto, rigorosamente, só de bran-
cos. O mesmo acontece agora com este segundo Festival a ser
breve realizado em Lagos: os artistas e intelectuais negros não
exerceram nenhum papel quando as decisões foram tomadas.
(Negro de alma branca, marionete do grupo branco dominante,
não conta.) Numa repetição tediosa, os afro-brasileiros foram
submetidos à condição de objetos, e as regras, as normas, e as

258
seleções, as definições, estiveram a carga de outros. Exatamente
quem seriam esses outros? (Nascimento, 2002, p. 239)

No desenrolar do Colóquio deu-se um embate entre Nascimento e


os delegados brasileiros. A cada apresentação brasileira “aproveitava-se
dos momentos destinados aos debates para atacar os brasileiros e rotu-
lá-los como agentes do Governo Brasileiro, opressor da raça negra e ou-
tros chavões”, avaliou Heráclito Lima (Embaixada Brasileira em Lagos,
06/02/1977, AHI). O fato é que Nascimento conseguiu explicitar sua con-
dição de brasileiro negro com participação cerceada. O primeiro diretor
do Colóquio, Pio Zirimu, fez o possível para inserir a comunicação envia-
da por Nascimento intitulada Racial Democracy in Brazil: Myth or Reality.
Numa carta, o falecido Zirimu alegava não conseguir inseri-la por conta
do “establishment”.
Além dos ataques diretos à delegação brasileira, Nascimento obteve
apoio de Soyinka que citou o trecho da referida carta em sua leitura pú-
blica, dia 22 de janeiro de 1977. Com isso, o texto de Abdias, que havia
sido mimeografado, foi distribuído com a ajuda de professores de Ifé, e
a história de sua rejeição ganhou as páginas de vários jornais na cidade.
A embaixada brasileira, em conjunto com a delegação de intelectuais
brasileiros, buscou meios de barrá-lo. O objetivo do crítico era “obrigar
os organizadores do simpósio acadêmico a reconhecer a discriminação
racial no Brasil no relatório final do festival e fazer com que incluísse a
solicitação da formação de uma comissão internacional para investigar
as relações raciais no Brasil” (Dávila, 2011, p. 284-285).
Com as instruções da Secretaria do Itamaraty no Brasil e o auxílio dos
professores brasileiros, o embaixador Heráclito Lima optou por uma in-
tervenção que não polemizasse mais ainda com Abdias. Apresentou ao
Presidente do Colóquio, o comandante Figensi, um texto com a posição
brasileira e explicou que Abdias queria levar o debate para a militância
política estando em Lagos “deslocado por um grupo americano para ob-

259
ter, com fins puramente políticos, a condenação do Governo Brasileiro”
(Embaixada Brasileira em Lagos, 06/02/1977, AHI). Lima conseguiu ain-
da barrar as entrevistas na imprensa (idem).
Abdias do Nascimento era bastante crítico à ideia da democracia ra-
cial brasileira. Aos sessenta e dois anos, acumulava longa lista de ação
que o classificava como ‘agitador’, ‘membro da Ação Integralista BR’,
‘membro do Partido Comunista Brasileiro’, ‘militante político’, criador do
‘Teatro Experimental do Negro’, uma ‘contradição viva’ (Embaixada Bra-
sileira em Lagos, 06/02/1977, AHI; Dávila, 2011, p. 284). Nestas classifi-
cações, para o Itamaraty, o principal perigo residia nas afirmações que
divulgava acerca da democracia racial ao apontar a existência de racismo
e discriminação no Brasil.
Sua atuação no Colóquio apresentava críticas às exposições dos bra-
sileiros de natureza política e acadêmica. No livro que publicou logo após
aquela experiência, afirmou que os trabalhos de Mourão e Valladares
eram “mera repetição da linha tradicional do país” e “deram a bendição
do status quo desfrutado pelos afro-brasileiros” (Nascimento, 2002, p.
70-71). Para Nascimento, as respectivas apresentações de A presença da
cultura africana e a dinâmica do processo social brasileiro e Artistas e afrodes-
cendentes na arte brasileira apenas reforçavam o argumento da ausência
de racismo no Brasil.
Sobre René Ribeiro, Yêda Pessoa de Castro, Guilherme Castro e Geor-
ge Alakija, disse tratar-se de “monografias descritivas, de pretenso caráter
científico” e, por conseguinte, “inúteis às necessidades da população negra
brasileira”. Neste ponto, Nascimento fazia uma crítica direta à produção
de caráter etnográfico dos citados intelectuais, nomeadamente ao CEAO:

Tal ciência em geral usa o afro-brasileiro e o africano como


mero material de pesquisa, dissociado de sua humanidade,
omitindo sua dinâmica histórica, e as aspirações de sentido
político e cultural do negro brasileiro. São estudos de visão
curta, em geral considerando os povos africanos e negros

260
como interessantes e/ou curiosos, tais estudos veem o negro
apenas na dimensão imobilizada de objeto, verdadeira múmia
de laboratório. (ibidem, p. 70-71)

Abdias opunha-se a essa produção acadêmica pela falta de ressonân-


cia na luta da população negra. E citava nomes de intelectuais que discu-
tiam questões a evidenciar a condição do negro no Brasil: Tales de Azeve-
do, Florestan Fernandes e Anani Dzidzienyo, dentre outros. Evidenciava
com isso ser uma opção dos intelectuais da delegação brasileira realizar
trabalhos que julgava distante da dinâmica da população. Reivindicava
intelectuais politicamente comprometidos, engajados.
Obviamente que intelectualidade e política sempre estão associados
mesmo que se afirme o contrário. Mas naquele contexto, em especial,
de autoritarismo político no Brasil, era exatamente por se julgarem afas-
tados da política, que os pesquisadores do CEAO podiam pleitear apoio
institucional do governo brasileiro. Se para o Itamaraty Abdias não podia
ser um professor acadêmico, sendo apenas um “disfarce” para sua pre-
sença nos EUA, Moulana Ron Karenga também não o era. Este doutor
afro-americano da Universidade de San Diego, que foi um dos conferen-
cistas do Colóquio e “atacou a delegação brasileira”, foi descrito como
“militante político, ignorante, sem nenhum preparo acadêmico” (Embai-
xada Brasileira em Lagos, 06/02/1977, AHI).
O Itamaraty não apenas destacava a produção baiana como a rede
a ela ligada, caso de Antônio Vieira da Silva. Leitor na UNIFÉ, por reco-
mendação de Verger (Embaixada Brasileira em Lagos, 29/11/1976, AHI),
Silva também não tinha maiores títulos acadêmicos a semelhança de
Nascimento. Frequentava cursos e era próximo do CEAO. Nas informa-
ções trocadas pela embaixada brasileira, por ocasião de sua contratação,
tratava-se de um estudante de biblioteconomia da UFBA com experiência
como leitor brasileiro na Universidade de Búffalo (EUA), por coincidên-
cia a mesma onde lecionou Abdias. Contudo, o professor delegado para
o Colóquio não circulou o trabalho escrito e limitou-se a fazer “rápido

261
comentário sobre sua própria poesia”. Abdias observou “nenhuma refe-
rência e engajamento do autor com a cultura, espírito e os problemas dos
descendentes de africanos no Brasil” (Nascimento, 2002, p. 74). Abdias
reivindicava a inserção de intelectuais e artistas negros, caso de Antônio
Vieira da Silva, mas que pudessem expressar uma produção engajada.
Não adiantava ser negro, caso de Alakija e Silva, e estar “domesticado
pelo Estabelecimento” (idem).
Entre apoiar ou criticar a democracia racial parecia haver a confor-
mação de dois grupos. É o que se depreende da argumentação de Dzi-
dzienyo. Após a pesquisa na Bahia, o ganense publicou um artigo em
Londres que discutia a questão racial no Brasil. Por conta disso Mestre
Didi recusou-se a cumprimentá-lo (Dzidzienyo, 2009). Para o autor, a re-
percussão do discurso de Abdias do Nascimento em 1977 foi uma “explo-
são” de algo que não se podia mais esconder.

É difícil compreender como o Brasil oficial esperava tornar veros-


símil a sua exposição para os africanos, sem atentar para a rei-
vindicação histórica e cultural da África e dos africanos, ou seja,
sem acoplar seriamente a participação ativa e conspícua dos des-
cendentes de africanos no Brasil. (Bacelar, Pereira, 2007, p. 87)

Dzidzienyo argumenta que no festival os afrodescendentes do Brasil


eram destaque na cultura e no futebol e escassos nos outros espaços, ou
seja, nos debates intelectuais e representação oficial (Dzidzienyo, 2009;
Dávila, 2011, p. 290-296). Puro reflexo das relações no Brasil que alguns
africanos não buscaram investigar ou compreender. A análise de Dzid-
zienyo coaduna com a reclamação de Abdias, a saber, um país racialmen-
te democrático tinha que inserir os negros em todos os espaços, inclusive
na política e na diplomacia.
A atitude de Mestre Didi é compreensível à luz dos acessos possibi-
litados a partir da valorização da cultura negra promovidos pelo grupo
intelectual baiano. Didi e Olga desfrutaram de certa visibilidade na Bahia

262
e no continente africano, e também nutriram rivalidades. Interessante-
mente, o vídeo produzido pela Rede Globo de Jornalismo para o progra-
ma Globo Repórter entre os diferentes aspectos do FESTAC citou a crítica
de Abdias do Nascimento à democracia racial brasileira (Freire, 1981).

A representação artística brasileira


A delegação artística brasileira foi uma das seis destacadas dentre
todas as que desfilaram no National Stadium. Um dia após a abertura
do festival, no dossiê feito pelo Sunday Times, jornal nigeriano, vemos na
fotografia o grupo de Olga do Alaketo (Sunday Times, 16/01/1977). As
baianas do Brasil também apareceram na cobertura feita pelo Daily Times
em 17/01/77 (Daily Times, 17/01/1977). No II FESTAC, Olga do Alaketo e
seu grupo foram destaque. Mesmo considerando o esforço da diploma-
cia brasileira para invisibilizar as entrevistas de Abdias do Nascimento,
e consequentemente apresentar uma imagem do Brasil africano desta-
cando Olga (Dávila, 2011, p. 286), a Iyalorixá baiana tinha brilho próprio.
No Centre for Black and African Arts and Civilization (CBAAC), em La-
gos, onde está depositado o acervo do Festival, quando se pergunta pela
participação brasileira, os funcionários revelam-se fascinados pelo San-
gô Dance. Esse é o nome do espetáculo apresentado pelo grupo de Olga
disponível para assistir na seção audiovisual daquele centro nigeriano.
Na gravação, o som dos atabaques que introduzem a apresentação artís-
tica leva o público ao delírio. Enquanto a plateia grita o nome do Brasil,
o narrador enfatiza que a princesa Omo Alaketo não falava inglês, mas
yorubá. As mulheres, ricamente ornamentadas com as roupas de axé
baiano, dançam as músicas dos orixás. Olga entoa algumas cantigas em
yorubá com sua voz. A apresentação no National Stadium é um sucesso
(Omo, 1977, CBAAC).
A força da cultura, que mantinha na Bahia expressões oriundas da Nigé-
ria, encontrou recepção no público africano. Era extraordinário na Nigéria,
especialmente para os yorubás, a manutenção de aspectos de sua cultura

263
no Brasil, expressa através da língua, de toques percussivos, da indumentá-
ria, da religião dos orixás. Olga do Alaketo foi destaque em diversos jornais
da capital do festival. Sabemos, contudo, que o incentivo da embaixada
brasileira foi fundamental para a quantidade de matérias a contemplar a
religiosa baiana, que deu entrevista e ganhou presentes (idem).

FIGURA 13 – Detalhe da apresentação de Olga do Alaketo no FESTAC, 1977, AHI

264
Interessantemente, outros artistas brasileiros com espetáculos tam-
bém apoiados na mitologia yorubá não foram destacados pelos jornais.
O grupo de dança contemporânea de Clyde Morgan, afro-americano ra-
dicado na Bahia, encenou espetáculo Odé. Na apresentação, que contava
com alunos do curso de dança contemporânea da UFBA, onde Morgan
ensinava, vemos a encenação da história do caçador interpretado por
Morgan (1977, CBAAC). Talvez a diferença residisse no fato de Morgan
inspirar-se, mas não ser um representante legítimo, um praticante, da
cultura yorubá como Olga. Ou ainda por Morgan apresentar-se semi-
nu neste espetáculo. Os jornais pouco se referem a Morgan. Uma foto
aleatória de seu espetáculo apresenta um aspecto da fauna da floresta
com os dançarinos mascarados e bem vestidos (The Nigerian Observer,
08/02/77). Apenas uma fotografia de Morgan foi remetida pela embai-
xada brasileira (Embaixada Brasileira em Lagos, 08/02/1977, AHI).
Paulo Farias, ao relembrar o espetáculo, ressalta a pouca receptivi-
dade do público africano para a nudez (Moraes Farias, 2011). Esse pode
ter sido um dos motivos da pouca exposição de Morgan na mídia. Por
outro lado, Morgan era professor da UFBA, mas não parecia ter gran-
de proximidade com os professores do CEAO. Sua inscrição do Festival
foi feita à última hora, muito possivelmente em função da proximidade
com Silvio Robatto (Robatto, 2014). Uma vez que os professores do CEAO
eram interessados na promoção da cultura afro-brasileira e delegados
pela embaixada brasileira, uma boa relação com eles podia, naquele
evento, significar maior destaque.
Gilberto Gil participou do Festival. Já reconhecido no cenário brasi-
leiro, o cantor também não desfrutou de destaque na mídia nigeriana.
Foi destaque no vídeo produzido pela Globo (Freire, 1981). À época, Gil
produzia uma arte que ainda não se destacava pela musicalidade negra.
Aliás, o cantor aponta que a participação naquele grande evento africano
operou um marco em sua produção musical (Moore, 2011). Artistica-
mente o festival reuniu grandes nomes da música negra da África e da

265
diáspora. Gil destaca que naquela oportunidade conheceu pessoalmen-
te os afro-americanos Stevie Wonder, James Brown e o nigeriano Fela
Kuti (Rajão, s/d).
Kuti, um dos criadores do Afrobeat, o impactou. Estabelecido em
sua residência que denominou de República Kalakuta, acompanhado
de diversas esposas, produzindo uma musicalidade diferente e con-
trapondo-se ao governo, Kuti era alvo declarado do Estado nigeriano.
Impressionava não apenas o estilo de vida como a produção que unia
através dos ritmos as reivindicações da África e diáspora. Em 1977, Kuti
já havia morado e produzido nos EUA e na Nigéria, já havia estabe-
lecido sua espécie de comuna. Havia sido preso, liberado e era alvo
de constantes ataques do governo (Moore, 2011). Obviamente que o
músico não integrou a programação do FESTAC. Isso não o impediu de
reunir-se aos diversos músicos que chegaram a Lagos. Sua Kalakuta foi
um ponto produtivo de encontro (Moreira, 2013), afinal, o Festival se
faz também nos bastidores. Gil, a partir de então, passou a valorizar a
experiência negra nas Américas como integrante de uma grande matriz
cultural que era a África, ao mesmo tempo ancestral e moderna como
a música de Kuti.
A grande dama do Festival foi Miriam Makeba. A cantora sulafricana,
conhecida pela luta pelos direitos civis e contra o apartheid foi a grande
reverenciada, conforme o destaque da mídia nigeriana. Nos anos 1960, a
música de Makeba havia se tornado símbolo da luta pela libertação afri-
cana. A cantora, apoiada pelo movimento Black Panter, nos EUA, onde foi
acolhida, evidenciava o espírito do Festival: “uma celebração da cultura
negra à sombra do movimento Black Power no exterior e da ascensão eco-
nômica da Nigéria na África” (Dávila, 2011, p. 282). Makeba também foi
destaque no filme brasileiro do Globo Repórter.
Abdias do Nascimento valorizou a presença dos artistas brasileiros:
Gil, Caetano Veloso, Paulo Moura, Rubem Confete. Também de The-
reza Santos, brasileira radicada em Angola que preparou lá o “teatro

266
revolucionário” para o Festival. Abdias do Nascimento, contudo, não
ousou tocar no nome de Olga do Alaketo, nem antes, durante ou de-
pois do Festival. Num texto que escreveu depois, mostrou-se bastante
respeitoso com o candomblé e revelou sua inspiração artística vinda
dos orixás (Cavalcanti, Ramos, 1976, p. 49-50). Estava ciente da per-
seguição histórica bem como da energia e vitalidade daquela religião
de matriz africana. Desse modo tinha consciência que sua militância
contra o racismo e a visibilidade do candomblé através da presença
de Olga eram faces de uma mesma moeda pela afirmação do negro na
sociedade brasileira.

Pós FESTAC
Yêda Pessoa de Castro, Guilherme Castro, George Alakija, Clarival
Valadares, de volta à Bahia, não se pronunciaram publicamente sobre
o Festival. Nada de notícias na imprensa sobre a arte negra ou assunto
correlato. Aquela experiência os havia deixado numa situação contradi-
tória e constrangedora entre afirmar a valorização de aspectos da cultura
e arte negra para um público especializado de africanos sob as denúncias
de um professor brasileiro negro. Se em outros momentos a presença de
uma intelectualidade não foi contestada, no FESTAC foi.
A reivindicação cada vez maior de segmentos intelectuais e mili-
tantes negros pela construção de conhecimento que auxiliasse na con-
quista de direitos políticos e que os retirasse da lógica da subordinação
se faria sentir cada vez mais pelos intelectuais do CEAO. Inclusive a dis-
cussão sobre a necessidade de um intelectual negro à frente do Centro
de Estudos (Oliveira, 2009). Não é possível dimensionar até que ponto
concordavam com as ações do governo brasileiro. O fato é que o Ita-
maraty utilizava daquela produção acadêmica para insistir na ausência
de racismo no Brasil. E isso tinha impacto direto sobre a manutenção
da exclusão da população negra em diferentes espaços e instituições,
a exemplo da universidade ou dos livros de história que, por não con-

267
tarem a história do negro no Brasil, não puderam ser remetidos para
exposição no FESTAC43.
A democracia racial era abertamente defendida por Pierre Verger
e também por isso era o alvo principal de Abdias do Nascimento. Do
festival, Abdias contava o episódio em que, ao ver o etnólogo explicar
que na Bahia era o único lugar do mundo onde um homem branco se
ajoelhava aos pés de uma mulher negra, o interrompeu dizendo que
aquilo era fruto do racismo44. Após longos profícuos anos, a relação de
Verger com a Nigéria não terminou bem. Em 1979, o pesquisador foi
preso injustamente em Lagos acusado de roubar uma importante peça
histórica, a cabeça de Olokun. O episódio eivado de equívocos e falta
de explicações fez Verger não mais retornar aquele país ou a falar com
Soyinka que havia sido um dos seus grandes amigos (Estado de São Pau-
lo, 31/01/1986, FPV).
Das poucas notícias encontradas na Bahia após o Festival, há uma
nota jornalística em que Alakija e Guilherme se posicionam frente às
acusações de Abdias. Naquela oportunidade, o diretor do CEAO já
reconhecia alguma pertinência na fala de Abdias, embora ressaltas-
se que ele criticava sem razão (Tribuna da Bahia em 01/08/78. CEAO).
Pela participação no FESTAC e pelos serviços prestados ao governo
brasileiro George, Alakija e Olga do Alaketo receberam condecorações.
Segundo o jornal O Globo, o presidente Geisel disse à Iyalorixá: “Você
aqui é a prova de que não existe discriminação racial no Brasil” (MRE,
02/05/1977, AHI). Se não foi bom individualmente para os represen-
tantes do CEAO, o Festival resultou em divulgação da religiosidade yo-

Abdias do Nascimento explicitou essas contradições nas discussões do Colóquio.


43 

A frase de Verger se refere ao contexto do candomblé. Essa história foi narrada por
44 

Nascimento na Embaixada em Lagos por ocasião de sua última estada naquele país.
Conversa com funcionários da embaixada brasileira em Lagos, 10/07/2013.

268
rubá na Bahia, representada por Olga que foi descrita como a segunda
mãe de santo mais importante do Brasil.
O ano de 1979 marca o final do governo de Geisel e o final da ges-
tão de Guilherme Castro. Sua demissão, em 1º de julho de 1979, deu-se
após o acirramento da crise com a reitoria por conta da desativação do
Programa Brasil-África e, consequentemente, da ausência de recursos
para o MAFRO. O reitor o demitiu pouco antes de deixar o cargo (Araújo,
05/06/1979, CEAO). À frente do CEAO, ascendeu o professor da Escola
de teatro e do corpo técnico do CEAO, Nelson de Araújo. Sem apoio da
reitoria ou do Itamaraty, e sem o interesse de Araújo pelo cargo de gestão
(Araújo, 01/10/1979), um quadro de novas dificuldades se apresentava
no CEAO.

269
CAPÍTULO 6

NO CEAO, UMA EXPERIÊNCIA (1980-1994)

FIGURA 14 – Curso no Centro de Estudos Afro-Orientais. CEAO

271
Conclamando a Universidade e a Coletividade, Yêda Pessoa de Castro
finalizou seu texto sobre “A experiência do CEAO”. Trata-se de uma espé-
cie de dossiê com 31 páginas e uma série de anexos contando a história
do Centro de Estudos, desde sua fundação em 1959 até a “fase atual”,
em 1984. Ao completar 25 anos de existência, sua diretora organizava
um documento que além de historiar a vida institucional e narrar sua
importância contemporânea consubstanciava o pedido para que o CEAO
voltasse a ser um órgão suplementar, retomando a autonomia institucio-
nal. Ao longo dos anos 1980 e início dos anos 90, o Centro de Estudos, em
meio às transformações políticas nacionais e ao cenário de crise da uni-
versidade, conseguiu retomar sua autonomia investindo, especialmente,
em atividades de extensão (Pessoa de Castro, s/d).
Este capítulo abarca a última fase da história do CEAO sob a gestão de
professores fundadores do Centro. Entre 1980 e 1994, sucederam-se na
direção Nélson de Araújo, Yêda Pessoa de Castro e Júlio Braga. Entre o
ápice da carreira acadêmica e o fim da trajetória na UFBA, esses pesqui-
sadores investiram no Centro como um espaço aberto. Pesou para isso
a maturidade dos diretores e o relacionamento mantido com o povo de
santo de Salvador.

Incertezas e expectativas
Nelson de Araújo chegou à direção do CEAO em função de divergên-
cias entre Guilherme Castro, então diretor, e Augusto Mascarenhas, o
reitor da UFBA. No dia 1º de junho de 1979, Castro escrevia uma cor-
respondência sobre sua possível saída da direção (Castro, 01/06/1979,
CEAO). Aquele mesmo dia seria marcado por sua demissão e a nomeação
do novo diretor. Castro pressionava pela continuidade do Programa Bra-
sil-África para estabelecimento do MAFRO, assinado em 1974 e, com o
retorno do governador do estado Antônio Carlos Magalhães, em 1979, o
diretor lhe explicitou com todas as letras a problemática vivenciada pelo

272
CEAO (Castro, 31/01/1979, CEAO). Isso certamente foi um dos elementos
para sua demissão.
Nelson de Araújo estava no CEAO desde os primeiros anos da ins-
tituição. Homem de letras e de teatro, Araújo foi membro do corpo
técnico no CEAO, coeditor e redator da Afro-Ásia. Com os novos enqua-
dramentos da reforma universitária, tornou-se professor efetivo da
Escola de Teatro, embora não tenha se afastado do Centro. O cargo de
diretor do CEAO não lhe apetecia. Meses após a nomeação, quando o
reitor Mascarenhas deixava o cargo, Nelson de Araújo solicitava que
o exonerasse também (Araújo, 31/10/1979, CEAO). Não saiu de ime-
diato, mas, em relação aos outros diretores, passou pouco tempo no
cargo (01/06/1979 – 08/04/81) de modo que Yêda Pessoa de Castro,
quando escreveu sobre a história do CEAO, chamou aquele período de
“intervalo” (Pessoa de Castro, s/d).
Em 1979, o CEAO completou 20 anos de existência. Araújo convidou
velhos colaboradores para palestras. George Alakija abordou o tema
“Uma família baiana na África”. O artista e escritor Mestre Didi e o médico
Estácio de Lima também participaram. Um fez a leitura de Canto popular de
origem negra (Araújo, 12/11/1979, CEAO) e Lima palestrou sobre Reminis-
cências de África (Araújo, 23/10/1979, CEAO). Sem recursos ou dotação or-
çamentária própria, gozando do status de órgão complementar vinculado
à Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Araújo investiu no programa
de publicações, setor no qual sempre atuou no CEAO e conseguiu publicar
uma nova edição da Afro-Ásia, em homenagem a Edson Carneiro (Afro-á-
sia, 1980) além do Ursa Maior, livro póstumo do mesmo autor.
Os anos oitenta se iniciaram simultaneamente com incertezas e com
novas expectativas para o CEAO em função da mudança no cenário polí-
tico baiano e da gestão da Universidade. Mais uma vez, o Centro depara-
va-se com uma situação política que poderia fomentar sua manutenção
ou determinar seu fechamento.

273
Articulação
Yêda Pessoa de Castro assumiu a direção do CEAO em 28 de abril de
1981. À semelhança dos dois diretores anteriores, tomava posse refe-
rendada pelo reitor da UFBA, mas ao contrário deles, vinha através de
articulações que a elegiam para o cargo. Na reitoria, Luiz Fernando de
Macedo Costa havia tomado posse em outubro de 1979. Médico e pro-
fessor, sua vinculação com a Escola de Medicina da UFBA, ao contrário do
que poderia se esperar, não significou falta de apoio para o Centro de Es-
tudos Afro-Orientais. A gestão de Macedo Costa, o último reitor nomeado
pelo governo ditatorial, ficou também conhecida pelo apoio aos projetos
culturais da Universidade (Toutain et al, 2011, p. 160).
A articulação da professora Pessoa de Castro é evidenciada pelos arran-
jos que fez. Assumiu o CEAO em conjunto com um vice-diretor. Tratava-se
de Climério Joaquim Ferreira. O bibliotecário estava no CEAO desde os anos
iniciais. O novo vice-diretor, além de acumular a função de coordenador
dos cursos do Centro, cumpria um papel bem específico e inovador na di-
retoria. Homem negro e vinculado à comunidade de terreiro em Salvador,
Climério Ferreira ressaltou essa condição em seu discurso de posse:

Excelente oportunidade que representa trabalhar ao lado da


Profª Yêda Castro, pessoa por demais conhecida pelo seu ta-
lento e pela sua cultura (...) [cujo talento] sente hoje o Depar-
tamento de Antropologia da FFCH, onde funciona como chefe.

Também expresso minha satisfação pelo fato de ser baiano e


descendente de um povo que, ao deixar de ser escravo, dei-
xou bem nítidas em nosso país a sua música, a sua culinária, a
sua religião, enfim toda uma cultura. Sinto também o peso da
responsabilidade (...) de uma instituição que tem como finali-
dade estudar e manter vivas, entre outras coisas, as tradições
de uma raça que foi e será baluarte da cultura e civilização
brasileiras. (Ferreira, 28/04/1981, CEAO)

274
Se essas alterações na composição da direção do CEAO já indicavam
uma receptividade da nova gestão frente à reitoria, o público presente na
cerimônia da posse confirmava que também estava apoiada pelo povo
de santo que compareceu à imponente Sala de Conselhos do Palácio da
reitoria para prestigiar aquele momento. Outro indicativo da receptivi-
dade do reitor frente ao CEAO e seus projetos foi a designação de Gui-
lherme Castro para coordenar os trabalhos para implantação do módulo
inicial do Museu Afro-Brasileiro (Peres, 30/04/1980, CEAO).
Nestas condições, a gestão de Yêda Pessoa de Castro e Climério Fer-
reira surgia amparada e legitimada pela Universidade, ao ser “apoiada
pela alta administração da UFBA” e “pela coletividade baiana, principal-
mente daqueles setores mais ligados as suas raízes africanas” (Pessoa
de Castro, s/d). Ou seja, pelo reitor e pelo povo de santo. Universidade e
Coletividade eram as palavras que a nova diretora utilizava para resumir
a nova gestão (idem). Tinha o compromisso com a UFBA para desenvol-
ver ações de extensão em favor da comunidade negra.
Yêda Pessoa de Castro chamava o povo de santo a estreitar laços com
o CEAO num cenário de efervescência e afirmação negra evidenciada
através dos movimentos socioculturais em Salvador. Estava em curso o
que Antônio Risério (1980) chamou de reafricanização do carnaval baia-
no. Desde meados da década de setenta, e especialmente ao seu final,
diversas associações carnavalescas, blocos afro e afoxés surgiam afir-
mando uma identidade negra pautada em referenciais africanos.
Acontecimentos como a luta contra o apartheid na África do Sul, o
rastafarianismo da Jamaica ou o movimento Black Power nos Estados Uni-
dos somavam-se à afirmação do candomblé como uma religião de matriz
africana. Isso reverberava num carnaval cheio de roupas e cabelos de
inspiração africana, músicas em língua yorubá e que contavam a história
de antigos reinos africanos. Tudo levava à África e a um antirracismo pau-
tado na afirmação de referenciais negros africanos.

275
Esse período registra o surgimento do Movimento Negro Unificado
(MNU) em 1978 que lutava por novas condições e nova posição do negro
na sociedade contra a discriminação racial e violência especialmente per-
petrada pelo estado através da ação e violência policial. O MNU afirma-
va um novo referencial histórico para a população negra com o dia 20 de
novembro, data da morte de Zumbi dos Palmares. Se houve incompatibi-
lidades entre este movimento político e os movimentos culturais em Sal-
vador, também houve uma colaboração importante. Todo esse panorama
de movimentação cultural e mobilização política negra na capital baiana
tornavam mais que necessário um espaço acadêmico destinado a estudos,
pesquisa e extensão focado em questões relacionadas à população negra.

Dinâmica
As alterações se fizeram sentir tão logo a nova gestão iniciou seus
trabalhos. Um mês depois, o CEAO realizou o I Encontro de Nações do Can-
domblé. Entre 5 e 9 de junho, reuniram-se na Faculdade de Odontologia
membros da Universidade e representantes do povo de santo para “um
ciclo de palestras proferidas por tradicionais personalidades da comuni-
dade religiosa afro baiana” (Encontro, 1984, p. 7-9). A mesa de abertura
contou com a presença do reitor Macedo Costa, do vice-reitor José Cala-
sans Brandão da Silva, do diretor da Faculdade de Odontologia Germano
Tabacoff, do antropólogo Vivaldo da Costa Lima, de Climério Ferreira e
Olga Francisca Regis, a Olga do Alaketo (idem).
Com esta proposição, a dimensão de extensão do Centro de Estudos
deu um passo largo. O CEAO reuniu nas dependências universitárias
membros reconhecidos e escolhidos pelo povo de santo para palestrar
não apenas para a comunidade acadêmica, mas também para essa mes-
ma comunidade religiosa. O evento foi chancelado pelo reitor e divulga-
do na mídia jornalística. Ao ouvi-los, o Centro de Estudos ia ao encontro
de uma demanda que se fazia sentir, qual seja, a de valorizar e visibilizar
o candomblé como religião e em suas diferentes nações.

276
Naquele momento, Olga do Alaketo foi responsável por apresentar a
experiência do candomblé através de sua nação ketu. Outras nações, que
até então sequer eram conhecidas ou reconhecidas por intelectuais e a
sociedade mais ampla, se fizeram presentes: a nação Angola, através do
xicarangomo45 Esmeraldo Emérito Santana, a nação jeje através do ogã46
Jehová de Carvalho e o candomblé de Caboclo com a fala do xicarangomo
Almiro Miguel Ferreira. O babalaxé47 Luiz Sérgio Barbosa falou sobre a
Federação Baiana do Culto Afro-Brasileiro (FEBACAB) (Encontro, 1984).
O evento foi proposto a partir de um curso de extensão sobre reli-
giões afro-brasileiras no CEAO. Como os cursos no CEAO sempre reuniam
integrantes do candomblé, surgiu a ideia de aprofundar o conhecimento
acerca da religião indo em busca das antigas casas, dos mais velhos pra-
ticantes, de informações acerca das diferentes nações (II Encontro, 1997,
p. 61). Na oportunidade em que faziam essa investigação, depararam-se
com a situação drástica de Maria de Xangô – Maria Auta da Conceição –
que, após quase um século de vida e dedicação ao culto dos orixás, tinha
sua casa e terreiro na Baixa do Tubo, em Salvador, com “paredes prestes
a ruir, sustentadas apenas por escoras. As escadas de barro batido que
davam acesso à sua casa encontravam-se também em estado lastimável”
(Encontro, 1984, p. 73-76).
O esforço para a manutenção da casa de Maria de Xangô refletia
o espírito daquele evento: uma reunião ao mesmo tempo interna as
comunidades e externa às mesmas que buscava expor temas pouco
discutidos – ou bastante questionados – dentro da religião, posicio-
nar-se frente ao poder público e contribuir para sua sobrevivência. Ao

45 
Encarregando dos cânticos (angola e congo) (ENCONTRO,1984, p. 82).
46 
Membros do terreiro que são escolhidos pelos orixás para exercer uma função ci-
vil, podendo desempenhar papéis especificamente religiosos no contexto sagrado. Ver
PESSOA DE CASTRO, 2001, p. 301.
47 
Sacerdote, pai-de-santo (II Encontro, 1997, p. 111).

277
tempo que em falavam da vivacidade e resistência daquela religião não
podiam permitir que um terreiro tão antigo quanto reconhecido viesse
abaixo em função da privação de recursos pela qual passava a Iyalorixá
de idade bastante avançada.
Nesta movimentação, o evento já se iniciou com a notícia que o IPAC,
sob a direção de Vivaldo da Costa Lima, cuidaria da restauração do ter-
reiro. Maria de Xangô esteve presente à abertura do evento onde foi ho-
menageada (Encontro, 1984, p. 6). Com tal ação, o Centro de Estudos
Afro-Orientais dava um importante apoio à compreensão dos espaços
sagrados para o candomblé como patrimônio cultural e, por conseguin-
te, passíveis de apoio do Estado para sua manutenção.
A apresentação de cada palestrante se deu de acordo com os proce-
dimentos de sua nação, seu terreiro e sua compreensão particular – uma
vez que não buscavam representar todo o candomblé, mas apresentar a
visão através da própria experiência. Cuidavam, assim, em não desauto-
rizar os mais velhos na religião – os quais de acordo com o princípio de
senhoridade devem falar primeiro – e assim contribuir para uma visão
mais ampla da religião. Olga do Alaketo falou da história de sua casa que
remete às terras do atual Benin. Esmeraldo Santana, conhecido como
Seu Benzinho, seguiu um roteiro de modo a contemplar aspectos bási-
cos para a compreensão da nação: os terreiros mais antigos, as diferen-
ças frente à nação ketu, dentre outros. Jehová de Carvalho falou de seu
encontro com o terreiro do Bogum, sobre as raízes e voduns protetores
da casa. Almiro Ferreira apresentou informações e desfez equívocos, de
modo geral, a respeito dos caboclos.
Cada palestrante fez considerações acerca de posturas que conside-
ravam desrespeitosas dentro do candomblé, como o uso de cantigas e
indumentárias fora dos rituais, a cobrança indevida de dinheiro, a falta
de observação dos preceitos por pessoas despreparadas para a realiza-
ção de rituais. Reclamaram do tratamento recebido pela sociedade como
a especulação imobiliária, a folclorização da religião.

278
As perguntas dirigidas aos mesmos revelaram pontos de maior dis-
senso dentro da comunidade como a ligação de Olga com os santos
católicos, além do desconhecimento e interesse por termos e rituais do
candomblé Angola e dos caboclos. Exceto Olga, as demais nações regis-
traram o desconhecimento na comunidade e na sociedade sobre suas
histórias e o entendimento de suas nações. Observaram a prioridade
da nação ketu e conclamavam a realização de pesquisas acadêmicas.
Reconheciam que o interesse da academia podia resultar em maior re-
conhecimento na sociedade. Neste sentido vê-se um grande avanço em
considerar não apenas os grandes terreiros de nação ketu, de linhagem
yorubá, como os mais legítimos representantes da religião, além de am-
pliar a compreensão de que as diferentes nações e casas, independentes
de maior ou menor vínculo com a África, eram merecedoras de igual con-
sideração e respeito.
Vivaldo da Costa Lima, palestrante na abertura do evento, discutiu o
conceito de nação no candomblé e a importância da nação ketu para a
estruturação do candomblé na Bahia. Reiterou igualmente que na Bahia
a tradição desta nação havia que considerar o terreiro do Alaketo, lócus
de sua pesquisa há duas décadas. Ocorre que a tradição da casa de Olga,
que tinha uma postura de acolhimento com os santos católicos além de
cultuar um caboclo, entrava em choque com a tradição das casas mais
reconhecidas do candomblé ketu – Gantois, Opô Afonjá e Casa Branca
– as quais além de buscar uma desvinculação de qualquer relação com
a Igreja Católica, afirmam não cultuar caboclos. De modo que dois anos
depois a Iyalorixá Stella de Oxóssi do Opô Afonjá, que não esteve presen-
te neste encontro, assinaria um manifesto contra a ideia de existência de
sincretismo entre candomblé e catolicismo.
Essas divergências rituais estão dentro da dinâmica e multiplicidade
da religião de matriz africana. As divergências políticas e preocupação
recorrente dessas Iyalorixás tinham relação com as diferentes posturas
dos terreiros frente à apropriação de seus símbolos religiosos pelo Esta-

279
do o qual explicava a ebulição da cultura negra através do conceito de
sincretismo religioso e carnavalização/folclorização.
Olga afirmou-se completamente contrária à exposição da religiosi-
dade desvinculada de sua sacralidade e fez uma fala contundente em
relação a isso (Encontro, 1984). Contudo, essa Iyalorixá, conforme vimos
ao logo deste trabalho, contribuiu para a exposição do candomblé no
exterior em eventos patrocinados pelo governo brasileiro numa lógica
que não parece tão diferente. Olga, Stella e os demais participantes do
Encontro de Nações manifestavam atenção aos usos, e também abusos,
da repercussão dos símbolos do candomblé no carnaval baiano (Sanso-
ne, 2004).
A realização daquele encontro de candomblé na universidade era
também reflexo do momento de efervescência cultural. A direção do
CEAO articulou-se de modo a promover outras atividades que eram, na
verdade, diferentes exposições de expressões da cultura negra: desfiles,
exposições, discussões. De igual modo, participavam dos concursos de
beleza, das festas dos blocos afro. Daí que Yêda Pessoa de Castro foi re-
conhecida como uma diretora dinâmica, conforme lhe denominou uma
correspondência enviada pelo terreiro Casa Branca em 9 de fevereiro de
1982 (Casa Branca, 09/02/1982, CEAO).
A diretora do CEAO vinha promovendo atividades diversas a exemplo
dos desfiles “Tendências estéticas afro-baianas com mostra de pentea-
dos, jóias e roupas de inspiração africana” no Solar do Unhão, da mos-
tra de 62 fotografias de Verger no módulo inicial do MAFRO (Pessoa de
Castro, 26/06/1981, CEAO) ou a mostra no CEAO dos Poetas baianos da
negritude em homenagem a Zumbi em novembro de 1981 (Pessoa de
Castro, 05/11/1981, CEAO). Eram prévias do que se montaria no Museu
Afro-Brasileiro. E a comunidade reconhecia legitimidade e seriedade no
CEAO de modo que a notícia que Olga doaria uma indumentária de seu
Orixá para o museu virou uma verdadeira campanha de doação de peças
dos candomblés baianos (Encontro, 1984, p. 33).

280
A inauguração do MAFRO
O Museu Afro-Brasileiro do Centro de Estudos Afro-Orientais foi inau-
gurado em 7 de janeiro de 1982. Marco para a representação da popula-
ção negra na Bahia e no Brasil, sua abertura em Salvador era resultado de
esforços existentes desde a criação do CEAO. Nas diferentes conjunturas
do Centro, essa ideia nunca foi totalmente desconsiderada. Contudo, so-
mente com a assinatura do Programa de Cooperação Brasil-África (1974),
o museu foi criado e configurado como carro-chefe das atividades do Cen-
tro de Estudos. A partir da instituição museológica é que as atividades de
pesquisas, intercâmbios, ensino e divulgação deveriam ser desenvolvidas.
Em meados dos anos setenta, Guilherme Castro foi o diretor do Cen-
tro que desenvolveu gestões no sentido de fazer ativar o Programa e
Pierre Verger foi “o principal mentor” do Museu (Cunha, 1999, p. 97). O
discurso do ministro Gibson Barboza havia anunciado um museu “divi-
dido em dois roteiros”: “o primeiro dedicado às culturas africanas em si
mesmas” e o segundo “o impacto da África na vida e na cultura do Brasil”
(Matos, 2012, p. 84-87). O anteprojeto do MAFRO manteve a abordagem
a diferentes povos do continente africano aí incluídos “povos africanos
não diretamente envolvidos no processo da formação cultural brasileira”
com exposições “estáticas” e “dinâmicas” (idem).
Da atuação de Verger e sua assessoria, especialmente em 1975, fo-
ram adquiridas peças em países da África Ocidental cuja remessa ao Bra-
sil não se fez de imediato, e o tratamento a elas dispensado, tanto por
ficarem mal alojadas num canto da embaixada como por serem nomea-
das de artesanato na correspondência diplomática, evidencia a distância
entre os entusiastas do projeto na Bahia e os funcionários do Itamaraty
(Embaixada Brasileira em Lagos, 16/09/1976, AHI).
Até 1982, com a inauguração, as peças adquiridas para o Museu tive-
ram que resistir ao acondicionamento inadequado e pouco seguro nas
dependências do CEAO de modo que os diversos empréstimos feitos a

281
outras exposições na Bahia acabavam por garantir-lhes maior cuidado
(Castro, 24/05/1978, CEAO). Essas peças somaram-se às peças doadas
pelo povo de santo da Bahia que triplicaram o seu montante e consti-
tuíram o acervo do “módulo inicial” do Museu Afro-Brasileiro. Segun-
do Marcelo Cunha, museólogo e diretor do MAFRO entre 1999 e 2009,
a expressão “módulo inicial” manteve uma ambiguidade em relação ao
Museu: inicial porque ainda se estabeleceriam módulos subsequentes
uma vez que a inauguração não correspondia à amplitude do projeto ou
inicial por que se instalaria de modo mais amplo e concreto em outro
local (Cunha, 2015)?

FIGURA 15 – Ministro de Barbados, Yêda Pessoa Castro e Pierre Verger


no MAFRO, 21/08/82. CEAO

282
Instalado no prédio da Antiga Faculdade de Medicina, cuja disputa
pelo prédio retardou sua instalação, o museu tinha configuração bas-
tante reduzida ao que fora previamente proposto. Para gerenciar essa
questão, o reitor Macedo Costa inaugurou o MAFRO e também Memorial
de Medicina por ocasião dos 150 anos dessa faculdade (Toutain et al,
2011, p. 160).
O MAFRO iniciou com o funcionamento de dois programas referentes
à sua parte dinâmica: o museu-comunidade e o museu-escola. Buscan-
do interação com a comunidade afro-brasileira, o museu mantinha uma
pauta todas às terças-feiras para proposições artísticas e intelectuais nas
quais diversos grupos de blocos afro, afoxés, associações culturais pude-
ram se apresentar. A escolha da terça-feira tinha relação com o grande
movimento verificado neste dia na Praça do Terreiro de Jesus em função
de atividades culturais negras diversas que a nomearam de terça da bên-
ção. O MAFRO, situado no Terreiro de Jesus, era mais um espaço à dispo-
sição. Esta ação mantinha uma participação ativa desses grupos no mu-
seu cuja interação havia se estreitado desde a nova gestão da diretoria.
Quando inaugurado, o museu esteve sob a coordenação da profes-
sora Graziela Ferreira Amorim e a colaboração de Pierre Verger, que
foi novamente contratado pela universidade para tal fim. Tornou-se
também uma referência sobre cultura negra no país sendo requisitado
para filmagens e fotografias (Bahiatursa, 30/04/1982, CEAO). O museu
sempre teve um bom público: membros da comunidade negra, estudan-
tes, turistas, público mais amplo. O fato de ser cobrado um ingresso de
pouco valor para a entrada não impediu a manutenção dessa dinâmica.
Ao contrário, o MAFRO era um dos poucos museus que tinha público no
período de férias, configurando numa fonte de renda para a universida-
de (Cunha, 2015).
A UFBA, cada vez mais precarizada em função das dificuldades finan-
ceiras que assolaram as universidades ao longo da década, insistia para
que o museu reajustasse o valor do ingresso. Sobre isso, Graziela Amo-

283
rim teve que explicar que os ingressos tinham que ser acessíveis à comu-
nidade que havia doado parte do acervo (Amorim, 20/12/1985, CEAO).
Nos primeiros anos de funcionamento, o MAFRO recebeu mais de 11 mil
visitantes (Toutain et al, 2011, p. 202).

Extensão e Financiamento Internacional


A gestão iniciada em 1981 inaugurou um diálogo com a Ford Funda-
tion, uma instituição norte-americana de financiamento a pesquisas e
iniciativas focadas em reversão de desigualdades raciais. O CEAO, por-
tanto, para ter acesso àqueles recursos não apenas devia propor ati-
vidades apenas ‘para’ a, mas ‘com’ a população negra. Tal perspectiva
já parecia fazer parte da compreensão de Pessoa de Castro acerca dos
motivos que, inclusive, justificavam a manutenção daquele espaço que
figurava estratégico à Universidade pelo papel extensionista e diálogo
com segmentos marginalizados da UFBA. Em 10 de junho de 1981, Yêda
explicava a Pedro Thomé da Arruda Filho, da Coordenação de Coopera-
ção África, Ásia e Oceania do Itamaraty, sobre o trabalho a ser desenvol-
vido no CEAO. Escreveu:

Nosso interesse básico é trabalhar com a comunidade extra-


-universitária, principalmente com a comunidade religiosa
afro-baiana, uma velha tradição da nossa universidade mas
que precisa ser retomada e adequada a realidade de hoje.
(...) Tentaremos preparar pesquisadores dentro da pró-
pria comunidade religiosa afro-baiana. (Pessoa de Castro,
10/06/1981, CEAO)

Atividades de extensão sempre foram desenvolvidas no CEAO. Desde


os idos de 1960 há cursos de língua estrangeira na instituição, cursos de
temáticas africanas e afro-brasileiras, eventos abertos ao público mais am-
plo e sem comprovação de escolaridade, condição fundamental para que

284
o povo de santo pudesse estudar no CEAO. Contudo, naquele momento,
Yêda Pessoa de Castro colocava as atividades de extensão como priorida-
de no projeto da instituição. A diretora fazia de membros das associações
culturais e religiosas parceiros para a manutenção e projeção do Centro de
Estudos. Tal proposição está em consonância com as exigências da Ford
muito objetivas no sentido da importância de ter negros inseridos nas ins-
tituições acadêmicas não apenas nas condições de alunos.
Em 27 de outubro de 1981, Pessoa de Castro envia para Michel Tur-
ner, representante da Ford no Brasil, o orçamento de dois projetos no
valor de doze milhões e 500 mil cruzeiros48. Seis meses depois, Climério
Ferreira enviava a Ford o número de membros da diretoria, conselho
e monitoria, a informar quantas mulheres e quantos homens, quantos
brancos e quantos negros (Ferreira, 12/04/1982, CEAO). Sobre a inser-
ção das mulheres nas universidades é importante salientar que Pessoa
de Castro era a primeira mulher a assumir a direção do Centro e a UFBA
ainda esperaria alguns anos para ter sua primeira reitora. Mesmo fazen-
do parte das instituições acadêmicas, foi uma conquista paulatina das
mulheres, ao longo da segunda metade do século XX, assunção a cargos
de direção. Pessoa de Castro já era doutora e isso certamente foi uma
condição que auxiliou em sua nomeação.
Algumas pessoas que já frequentavam o CEAO foram chamadas
para uma colaboração mais estreita. É nesse contexto que se destaca
Valdina Pinto, professora da rede pública, membro da associação do
bairro Engenho Velho da Federação e makota do terreiro Tanuri Jun-
sara. Valdina começou a frequentar o CEAO na gestão de Guilherme
Castro para os cursos oferecidos e relembra que o primeiro foi História
da Palestina em função das aulas obrigatórias de religião que tinha que
ministrar (Pinto, 2012).

48 
Não há a descrição dos projetos nem informação se foram contemplados na íntegra.

285
Ao longo dos anos 1970, a professora confirmou-se no cargo no can-
domblé, envolveu-se mais estreitamente com a associação de bairro,
sendo ativa nas reivindicações em torno da população negra. E porque
membro de um terreiro de nação angola, que não era abordado ou vi-
sibilizado nos estudos clássicos do candomblé, Valdina destacou-se por
estudar esse tema e reivindicá-lo nas abordagens acadêmicas em curso.
A palestra que proferiu por ocasião do II Encontro de Nações de Can-
domblé (1994) mostrou como Valdina tornou-se uma especialista como
poucos no tema (II Encontro, 1997, p. 43-67).
Com Yêda na direção do CEAO, makota Valdina participou do livro
Poetas Baianos da Negritude, além de seguir junto com a diretora para
participar de atividades acadêmicas cujo tema era o candomblé. O livro
reuniu poesias de diversos autores negros e foi publicado pelo CEAO
com apoio da Ford. Em 17 de agosto de 1981, Yêda solicitou que Valdi-
na Pinto fosse dispensada da escola para colaborar no painel Etnografia
Religiosa e Folclore. Em 21 de julho de 1982, informava que makota Val-
dina e Olga do Alaketo participaram junto com a diretora do I Encontro
Nacional de Mulheres nas Artes, no qual também lançariam o livro de
poesias. Em 29 de novembro de 1982, apresentava a makota e Carmem
Ribeiro aos organizadores do I Encontro de Estados Afro-Brasileiros em
Minas Gerais:

Valdina Pinto é professora primária, poetisa, membro do cor-


po discente e de pesquisa deste Centro de Estudos e exerce os
cargos de diretora de Escola Municipal, presidente de sua co-
munidade de bairro e líder religiosa da comunidade-terreiro
de nação angola em Salvador.
Carmem Ribeiro dos Santos também membro do corpo de
pesquisa do CEAO, é funcionária pública, recém concluinte do
curso de língua yorubá que é oferecido por este Centro, poeti-
sa e importante representante da comunidade terreiro de na-
ção queto em Salvador. (Pessoa de Castro, 29/11/1982, CEAO)

286
Carmem Ribeiro dos Santos também desenvolveu atividades no
CEAO, tornando-se, anos depois, professora da língua yorubá no Cen-
tro. A constante dificuldade para manter professores dos cursos das
línguas africanas foi sanada com o convite para que concluintes do cur-
so o ministrassem. Assim, o Tata Raimundo Pires, que havia cursado
quicongo, assumiu o ensino dessa língua com a assessoria de Valdina.
Sérgio Barbosa assumia o curso de yorubá, depois ministrado por Car-
mem Ribeiro.
Se as mulheres, em especial as negras, não eram presença comum
como professoras universitárias, elas marcavam presença na educa-
ção básica. O trabalho que desenvolviam incluía uma dimensão de mi-
litância racial, tanto no sentido de oferecer educação formal às crian-
ças negras como de discutir conteúdos que contemplassem a história
do negro no Brasil (Movimento, 1988, p. 14). Assim como Valdina Pin-
to, professora negra, muitas outras professoras se aproximaram do
CEAO, em especial, para um projeto que visava inserir a disciplina de
Estudos Africanos no currículo das escolas. O curso de “Introdução aos
Estudos Africanos” foi promovido pelo CEAO em parceria com a Ford
com o objetivo de “oferecer à rede estadual e municipal de ensino
na Bahia docentes aptos para assumir a disciplina Estudos Africanos”
(Pessoa de Castro s/d). Algumas escolas de Salvador deveriam indicar
ao CEAO professores de seu quadro para fazerem o curso. Tratava-se
de uma especialização lato sensu e, portanto, exigia um diploma de
nível superior49.
Não era a primeira vez que o CEAO oferecia um curso de especia-
lização em Estudos Africanos. Em 1970, com Waldir Oliveira, o Centro
apresentou uma proposta que foi aprovada pelo Conselho Universitá-

Na época, as professoras da rede municipal lecionavam com o curso de magistério


49 

oferecido no ensino médio, então 2° grau.

287
rio e começou a funcionar. Contudo, o alto número de desistências e o
questionamento aos alunos acerca de qual titulação efetivamente te-
riam fizeram o curso ser cancelado no ano de implementação (Oliveira,
05/07/1970, CEAO). Naquele contexto, a proposta ainda desarticulada
do curso respondia ao interesse da universidade em apoiar a pós-gra-
duação e foi uma tentativa para justificar a manutenção do Centro de
Estudos dentro da reforma universitária.
Nos anos 80, a proposta aparecia articulada com o secretário de
Educação do Estado, Edivaldo Boaventura, com Escolas do Município
de Salvador e com os movimentos sociais, a exemplo do MNU. Se
àqueles anos tudo levava à África, através dos temas internacionais e
da cultura negra em Salvador, a escola básica não poderia ignorar a
necessidade de rever os currículos e discutir questões atinentes à po-
pulação negra. “Com duração de nove meses divididos em três etapas,
abrangendo as áreas de história, antropologia e geografia da África
em três momentos históricos (antiga, colonial e moderna)” (Pessoa
de Castro, s/d), o curso reuniu os professores da UFBA que tinham
relação com os conteúdos como Vivaldo da Costa Lima, Marli Geralda
Teixeira e Eugênia Lucia Viana Nery. Eugênia Nery, professora da Uni-
versidade que desenvolvia atividades no CEAO, é reconhecida como
grande colaboradora das questões e demandas acolhidas no CEAO. Os
depoimentos atribuem grande importância ao papel desta professora
que auxiliou num diálogo profícuo entre as experiências educacionais
da população negra e da universidade (Lima, 2011; Santana, 2014;
Barbosa, 2014).
O curso teve mais de uma versão. Em 1982, primeira vez que foi ofe-
recido, destinava-se aos professores lotados em escolas de Salvador.
Sua realização, em 1982, consubstanciou uma proposta encaminhada ao
Conselho Estadual de Educação pelo CEAO e referendada por diversas
entidades negras a solicitar a inclusão da disciplina. As justificativas cen-
travam-se nas “raízes históricas do Brasil”, “nas dimensões contempo-

288
râneas das relações inter-étnicas da cultura baiana” (Pessoa de Castro,
01/08/1983, CEAO), na sociedade pluricultural brasileira e por conta da
ausência da “História e Cultura negra nos currículos escolares” (Entida-
des Negras, 10/03/1984, CEAO).
A inclusão da disciplina foi instituída em 25 de abril de 1985, na parte
diversificada do currículo de 1° e 2° grau. O parecer reconhecia as “ex-
pectativas de grande parte da população interessada” e a contribuição
do CEAO “seja na preparação como na assistência a execução da pro-
gramação” (Parecer, 089/85, CEAO). Para atender a recomendação do
parecer, nova turma da especialização em Estudos Africanos foi montada
no CEAO, em 1986, para professores graduados em História, Geografia,
Ciências Sociais e enviados pelas unidades de ensino. Das 35 vagas, 5 fo-
ram franqueadas a docentes indicados por entidades negras. A lista dos
40 inscritos foi composta majoritariamente por mulheres: 36 mulheres e
4 homens.
Por pressão das entidades negras, nova turma foi montada, desta vez,
em caráter de curso de extensão para melhor contemplar “militantes das
entidades que trabalhassem com educação e professores de escolas co-
munitárias” que não eram portadores de curso de graduação (Movimen-
to, 1988, p. 50). Ana Célia Silva, professora e militante do MNU que par-
ticipou da experiência e mais tarde doutorou-se ampliando a discussão
acerca da discriminação do negro no livro didático, narrou a importância
deste curso no livro que assinalou o aniversário de dez anos do MNU,
em 1988.
A inclusão da história do negro nos currículos escolares era uma ban-
deira de luta dos movimentos sociais que atribuíam à falta de informação
o afastamento de muitos negros e negras da discussão racial e as conse-
quentes tentativas de embranquecimento. Se tradicionalmente a história
do Brasil só apresentava os afrodescendentes na condição de escravos,
os movimentos socioculturais trabalhavam para positivar a imagem da
população negra fosse narrando as histórias dos ancestrais africanos e

289
seus antigos reinos nas músicas dos blocos de carnaval, fosse exigindo do
Estado um material didático que incluísse essa história no ensino formal.
Uma vez que o CEAO se dispunha a construir essa revisão nas escolas,
ganhou a adesão de militantes negros que ainda hoje se orgulham de
ter participado desse esforço para a mudança nos currículos escolares.
Dentre as participantes dos cursos de especialização e extensão
em Estudos Africanos, além da citada Ana Célia Silva, destacamos os
nomes de Valdina Pinto, Edna do Espírito Santo Cardoso, Arany San-
tana Neves Santos, Márcia Maria de Souza, Vanda Machado da Silva e
Narcimária Correia do Patrocínio Luz. Todas essas mulheres descrevem
trajetórias marcadas pela luta contra o preconceito social e valorização
da cultura africana. Dentre as professoras que afluíram para o CEAO,
algumas foram solicitadas a trabalhar diretamente nos projetos desen-
volvidos na instituição.
Em 4 de março de 1985, Yêda Pessoa de Castro solicitou que a so-
cióloga Márcia Maria de Souza fosse colocada à disposição do CEAO
(Pessoa de Castro, 04/03/1985, CEAO). Valdina Pinto, que então cursa-
va pedagogia na UFBA, foi solicitada como estagiária (Pessoa de Castro,
13/03/1985, CEAO) e pouco depois que ficasse à disposição da prefeitu-
ra para o CEAO (Pessoa de Castro, 19/09/1985, CEAO). Solicitou ainda
a disponibilidade de Edna Cardoso, Georgina da Silva, Arany Santana e
Antônia Leda (Ferreira, 32/04/1987, CEAO). O Centro conseguiu a dispo-
nibilidade das professoras que atuaram por diferentes períodos, umas
mais outras menos. De modo geral, tratavam de auxiliar nas atividades
de ensino e pesquisa dos temas de interesse como Márcia que trabalhou
inicialmente num projeto sobre capoeira ou Valdina que persistia na in-
vestigação da tradição dos candomblés angola em Salvador.
Em 1989, Arany Santana e Edna Cardoso lançaram o livro Cronologia
dos reinos africanos baseado na obra de Joseph Ki Zerbo (Ki Zerbo, s/d).
Com a experiência e conhecimento que traziam, as professoras aprofun-
davam conteúdos que buscavam compartilhar com o público frequenta-

290
dor do Centro, “aquele bocado de gente simples, o pessoal de bloco afro,
com o caderno na mão” (Santana, 2014).
Diversos depoimentos reiteram que o CEAO, nesse período, era um
espaço marcado pela receptividade às pessoas que o procuravam. Val-
dina Pinto destaca como Yêda Pessoa de Castro “abriu as portas” e “deu
espaços para a comunidade negra” (Pinto, 2012). Arany destaca aquele
espaço como acolhedor, sem uma relação extremada pela distância en-
tre os professores, funcionários e alunos, de modo que conformavam
“uma grande família” (Santana, 2014; Lima, 2012). O acesso à bibliote-
ca é referido nos diversos períodos da história do CEAO, e também nos
anos 1980, como um diferencial da instituição. Talvez seja difícil para o
leitor contemporâneo compreender a importância do acesso aos livros
num tempo em que as notícias do mundo chegavam através de jornais e
revistas e a televisão era um artigo ainda de alto custo e acesso bastante
limitado. Somava-se ao fato de a universidade ser um espaço de acesso
restrito. Então, ao permitir que não estudantes o acessassem para assis-
tir aos cursos e as palestras e tomassem livros emprestados, o CEAO fazia
uma grande diferença.
Outra característica acentuada no CEAO foi a festividade. Essa ca-
racterística das populações negras esteve presente através de reuniões
e sambões realizados no pátio do CEAO que agrupavam o pessoal dos
blocos afro como Nadinho do Congo ou a dançarina Isaura Oliveira. Um
concorrido caruru era oferecido no mês de outubro que uns dizem ser
devido ao aniversário do CEAO, outros por comemoração do aniversário
de Yêda. Há quem diga ser certo que esse caruru era em homenagem
a São Crispim e Crispiniano, protetores do CEAO. Festas, diferentemen-
te de simpósios e palestras, marcaram o aniversário de trinta anos do
CEAO, comemorado em 1989 com shows a incluir bandas estrangeiras,
uma caribenha e outra angolana, além de um baile no centro da cidade
(Pessoa de Castro, 16/08/1989, CEAO).

291
O CEAO e a UFBA em tempos de redemocratização
A década de 80, em especial sua segunda metade, foi de intensa mo-
bilização provocada pela abertura política do governo brasileiro com o
fim do regime militar e o processo de redemocratização no país. A UFBA
vivenciou intensamente esse período atravessado por grave crise finan-
ceira e constante mobilização política de seu quadro interno. Durante o
regime militar, o reitor assim como os governadores e prefeitos munici-
pais eram empossados em função de interesses políticos sem a consulta
da população. Com a lenta abertura, os diferentes segmentos da univer-
sidade organizaram-se para pressionar que o reitor emergisse dentre os
nomes selecionados pela comunidade acadêmica.
Estava em curso um período de crescente mobilização de diver-
sos segmentos da sociedade acirrado pela crise financeira que deixou
a inflação galopante. A universidade, que passava por um processo de
expansão desde os anos 1970, reivindicava a ampliação do repasse de
recursos sem os quais seu funcionamento estava cada vez mais precari-
zado (Marques, 2010, p. 320). Com a gestão do reitor Germano Tabacoff,
a partir de 1984, a UFBA experimentou sucessivos períodos de greve que
eram uma pressão para resolução de demandas internas e expressão de
um descontentamento mais amplo com as práticas autoritárias na so-
ciedade. A mudança no governo nacional com a ascensão de Sarney e
o paulatino desmonte da legislação militar junto à elaboração da nova
constituição mobilizaram todo o país para revisão dos direitos dos cida-
dãos. Militantes do movimento negro se articularam de modo a exigir
a criminalização do racismo, cuja existência ainda não era reconhecida
pelo governo brasileiro.
Na UFBA, a situação se agravou quando, em 1988, a candidata à reito-
ra Eliane Elisa de Souza Azevedo, com ampla maioria de votos na comu-
nidade acadêmica, não foi conduzida ao cargo. O reitor Rogério Vargens
tomou posse em meio à ampla mobilização e greve. Naquele ano, além

292
de garantir um gestor escolhido democraticamente, as discussões na
universidade reivindicavam um projeto acadêmico que não empurrasse
a universidade pública para a privatização em decorrência de medidas
como “cortes de verbas, redução de pessoal e rebaixamento dos salá-
rios” (Marques, 2010, p. 330).
O CEAO, como toda a instituição, teve seu funcionamento afetado
pela dinâmica de mobilização na Universidade embora o assunto seja
minimamente tratado na correspondência. Cursos foram atrasados,
remanejados e postergados, um rigor cada vez maior foi estabelecido
para a cobrança das taxas nos cursos de extensão e no ingresso para
o MAFRO. As horas extras para o pessoal do CEAO e do MAFRO foram
cortadas o que impedia a manutenção de atividades à noite como a aber-
tura da biblioteca e a pauta noturna do museu para a comunidade. A
manutenção dos prédios foi comprometida. O prédio do CEAO chegou ao
final dos anos 1980 com o acervo da biblioteca em risco. Até o quadro de
Lênio Braga, que retrata Agostinho da Silva, foi retirado do Centro para
garantir a integridade (Pessoa de Castro, 10/10/1989, CEAO).
Outro fato afetou o funcionamento do CEAO a partir de 1986. Em ja-
neiro daquele ano, Yêda Pessoa de Castro informou à reitoria sua desig-
nação para assumir o cargo de adida cultural à embaixada do Brasil em
Port of Spain e exercer o leitorado na Universidade de Trinidad e Tobago.
Tomou posse em março. Em função desse afastamento, por dois anos,
era natural que Climério Ferreira, o vice-diretor, assumisse o cargo. Mas
isso não aconteceu. Climério não foi designado o diretor e manteve-se
como diretor em exercício do CEAO após, conforme rememora Arany
Santana, a comunidade ter se levantado para que o bibliotecário se man-
tivesse a frente do CEAO (Santana, 2014).
Essa situação revelou os limites de sua inserção na universidade. Não
havia critérios objetivos para a escolha do diretor do CEAO. Contudo,
com a negativa para Climério, questionam-se quais elementos seriam
necessários para tal nomeação. Qual o posicionamento de Yêda frente à

293
situação uma vez que sua nomeação no exterior era temporária? Deixar
o cargo de diretora poderia significar a posterior saída do CEAO e retorno
ao departamento de origem, situação desagradável e menos prestigiosa
para quem estava próximo à aposentadoria. Qual o posicionamento de
Climério, já que ao assumir a vice direção num arranjo com a diretora,
que o escolheu mesmo não sendo um professor, manter-se como vice
era válido? Essas questões buscam evidenciar que havia diferentes inte-
resses e atitudes das pessoas envolvidas nesse momento que poderiam
significar uma mudança na trajetória pessoal de Climério e um marco no
CEAO, que ainda não havia registrado um diretor negro em quase trinta
anos de existência.
Os comentários contemporâneos a respeito de Climério, sem des-
considerar as malícias dos rumores, tendem a associá-lo a uma pessoa
que não se insurgiu contra essa condição ao tempo em que também
apontam Yêda como alguém que se aproveitou da situação para viajar
mais livremente sem perder o cargo. Com o descerramento de uma
placa comemorativa por ocasião dos cinquenta anos do CEAO, em
2009, membros da comunidade do Centro questionaram a ausência do
nome de Climério entre os ex-diretores. No registro de Cláudio Pereira,
a placa “omite o nome de um negão que segurou o CEAO durante anos”
(Pereira, 2011, p. 8). Deve-se levar em conta que estava em curso um
processo de mudança institucional do Centro de Estudos para que vol-
tasse a figurar como órgão suplementar na Universidade. O Conselho
Universitário aprovou a alteração no final do ano de 1986 (Parecer,
12/11/1986, CEAO).
Como vice-diretor, Ferreira teve um papel importante no CEAO, pois,
como um membro da comunidade negra, oferecia maior segurança para
que militantes se aproximassem do Centro. Em tempos de reivindicação
de novos espaços para os negros na sociedade não eram todos que viam
com tranquilidade o fato daquele órgão na UFBA estar sob a chefia “de

294
louras” (Pinto, 2012)50. Nota-se que alguns dos convites recebidos pelo
CEAO para participar de atividades das associações culturais negras eram
endereçados diretamente a Climério.
Por outro lado, os dois anos que atuou como diretor não foram tran-
quilos, tanto pela situação geral da UFBA quanto pela relação com os
funcionários do Centro que se viram em meio a um inquérito policial,
com intimação para comparecimento à delegacia, em função do desa-
parecimento de uma máquina datilográfica (1987, CEAO). Também os
professores de línguas no CEAO questionaram em conjunto o repasse do
dinheiro das aulas (Ferreira, 01/01/1988). Após o retorno de Yêda, em
março de 1988, os funcionários fizeram um abaixo-assinado a solicitar a
formação do Conselho Deliberativo (Ferreira, 07/07/1988, CEAO). Não
foi possível identificar se o pedido se fazia para a manutenção de Yêda,
de Climério ou de outro diretor à frente do CEAO. Ambos, Yêda e Climé-
rio, deixaram o CEAO quando se aposentaram em 1991, em meio à crise
que fez a UFBA perder, via aposentadorias precoces, importante número
de professores e funcionários qualificados.

A gestão de Júlio Braga


Em julho de 1991, a direção do CEAO foi ocupada por Júlio Santana
Braga. Dentro do quadro mais estreito de professores/pesquisadores
que havia construído uma trajetória no CEAO, Braga é o último que
ascendeu ao cargo de diretor. Sua chegada àquele espaço era o co-
roamento de uma trajetória acadêmica voltada para abordagens que
privilegiaram a população negra. Durante bastante tempo haviam tra-
balhado em prol da manutenção do CEAO e da realização de pesquisas

As louras referem-se à Yêda Pessoa de Castro e à Iêda Machado. Segundo Valdina


50 

Pinto esse era o incômodo que faziam alguns militantes não quererem se aproximar do
CEAO (PINTO, 2012).

295
em paralelo com o funcionamento do departamento ao qual foram in-
tegrados. Braga acabava sendo, àquele momento, o melhor nome dis-
ponível. E tencionava para a vacância do cargo. Como concorrente só
haveria Vivaldo da Costa Lima, se estivesse interessado para o posto.
Sua chegada à direção inaugurava uma exceção que se faria regra.
Braga foi o primeiro homem negro diretor do CEAO. Mesmo consideran-
do toda a trajetória acadêmica do professor, o fato de ser uma pessoa ne-
gra atendia as expectativas da comunidade negra de Salvador que desde
os anos 1970 reclamava por tal feito. Somava o fato de Braga também ser
um homem do candomblé, condição que assumia publicamente como
uma componente de sua trajetória de vida. E deste modo, o professor
reunia condições que o configuravam com uma pessoa representativa
daquele espaço. Para a vice direção convidou o professor Jeferson Bace-
lar. Antropólogo do FFCH, Bacelar tem sua trajetória calcada no trabalho
em instituições educacionais e em pesquisa com segmentos marginaliza-
dos e igualmente não é um homem branco.
Os professores chegavam a tempos de ampla crise econômica, ins-
titucional e política. A universidade continuava assolada pela políti-
ca financeira nacional que mantinha o funcionamento precarizado e
constante estado de mobilização interna e greves. À semelhança dos
outros espaços na UFBA, o CEAO encontrava-se em estado físico bas-
tante degradado e com as atividades limitadas pelos recursos. Man-
tinha sua sede na Avenida Leovigildo Figueiras, no bairro do Garcia,
ocupada há três décadas com os últimos reparos registrados quase
dez anos antes.
Além de Bacelar, essa gestão aproximou do CEAO o historiador Ubi-
ratan Castro de Araújo, com pesquisa e interesse nas questões raciais.
Investiu para a reaproximação dos professores fundadores Vivaldo da
Costa Lima e Pierre Verger. A nova gestão trouxe o PENBA - Programa
de Estudos do Negro na Bahia para execução no CEAO. Tratava-se de
um amplo projeto que realizava pesquisa sob a coordenação de Braga,

296
em funcionamento no FFCH desde 1988. Em 1991, dentro do PENBA, o
professor propôs um projeto de pesquisa intitulado A presença do negro
na Bahia na primeira metade do século XX. Voltado para história e antropo-
logia das populações afro-brasileiras, o projeto propunha a criação de
um banco de dados a ser disponibilizado para a população afro-brasi-
leira e, por conta disso, solicitava a aquisição de um computador (Braga,
23/02/1991, CEAO).
O projeto subsidiado pela Fundação Ford dava novo fôlego às ativida-
des de pesquisa acadêmica no CEAO que não lograram maior incentivo
na década anterior51. De acordo com uma perspectiva já reclamada nos
anos 1980, a atividade acadêmica não podia estar alheia às demandas so-
ciorraciais enunciadas pelos movimentos sociais e associações culturais
negras. Daí, inclusive, a reclamação por acadêmicos mais estreitamente
ligados a esses segmentos. A pesquisa proposta objetivava “revitalizar
estudos, subsidiar outros estudos para a assessoria de órgãos que visem
à melhoria de condições da população afro baiana, dispor de dados de
referência para a própria população” (Braga, 21/01/1992, CEAO).
Na década de 1990, isso fazia diferença. Ao longo dos anos 1980,
os movimentos sociais no Brasil evidenciaram a necessidade de con-
quista e garantia de direitos para a população brasileira. A assunção
de políticos sensíveis à questão racial, a criação de conselhos relativos
à comunidade negra e à condição feminina no estado de São Paulo,
as articulações em todo o país em função da elaboração da nova carta
constituinte culminaram em ampla mobilização de diversos segmentos
do movimento negro no país por ocasião do centenário da abolição da
escravatura em 1988.

Basta verificar a dinâmica da revista Afro-Ásia que continuou com publicações even-
51 

tuais nas décadas de 70, 80 até meados dos anos 1990. A revista tomou novo fôlego a
partir de 1996, sob a coordenação de João Reis, quando o Centro encontrava-se sob a
direção de Jeferson Bacelar (1995-1999) e desde então mantém sua regularidade.

297
Neste ano foi organizada, no Rio de Janeiro, a “Marcha contra a farsa
da abolição”. O imenso aparato policial montado para impedir a pas-
sagem dos manifestantes negros nesse dia acabou por revelar ao Brasil
e ao mundo as sérias limitações políticas vividas pelo negro brasileiro.
Além de mobilizações em diversas capitais brasileiras, o ano de 1988 foi
marcado também pela criação de organizações negras como ONG’s que
passam a atuar em temas específicos como “saúde da mulher negra; de-
fesa e garantia dos direitos humanos, racismo e educação” com aportes
financeiros nacionais e internacionais (Pereira, 2013, p. 314).
Deste modo, o trabalho no CEAO, com a gestão de Braga e Bacelar,
registra um deslocamento no sentido de contemplar “estudos clássicos
sobre a presença das culturas africanas no processo civilizatório baiano”
levando em consideração “novas perspectivas analíticas capazes de con-
templar a questão do negro na dimensão de sua inserção no mercado de
trabalho, na redefinição mais ampla de sua presença no espaço político
e social” (Formigli et al, 1998, p. 116). O PENBA surgiu da necessidade de
novas reflexões em função do centenário da abolição que instigou “a re-
fletir mais profundamente sobre sua situação na sociedade baiana e, por
consequência, redefinir seus projetos de promoção política e social que
levaram a assumir de forma mais transparente sua herança cultural” (ibi-
dem, p. 115). O programa visava contato permanente com a comunidade
negra e intentava produzir resultados “úteis à formulação de estratégias
visando à eliminação de práticas discricionárias de que ainda é vítima”
(ibidem, 116).
Os professores davam um passo significativo para a discussão de te-
mas na universidade baiana que há muito faziam parte das demandas
dos movimentos sociais negros, em especial, do MNU. Palavras-chave
como marginalização, mercado de trabalho, desigualdade revelam nova
perspectiva analítica (Hasenbalg, 1979) que deixavam de enfatizar o
período escravista para focar no pós-abolição e seu consequente racis-
mo e discriminação “como a principal causa da subordinação social dos

298
não-brancos” (Formigli et al, 1998, p. 121). Ao invés de se deter apenas
nos signos e significados da cultura afro-brasileira, o projeto se voltava
para compreender as condições históricas nas quais essa cultura se man-
teve. Daí resultou o trabalho de Braga em torno da repressão aos can-
domblés soteropolitanos na primeira metade do século XX (Braga, 1995).
Considerando os pesquisadores fundadores do CEAO, Braga talvez
seja o único a enveredar por essa revisão da produção do Centro de Estu-
dos evidenciando a necessidade de avançar “num campo de estudos ain-
da fortemente marcado pelas engrenagens culturalistas que produziram
excelentes trabalhos, mas que de certa maneira limitaram os horizontes
interpretativos (...)” (Bacelar, 2001, p. 9). Certamente a equipe de tra-
balho com os professores da Faculdade que se aproximaram do Centro
contribuiu para isso.
O CEAO manteve as portas abertas ao povo de santo, inclusive com
espaços cedidos à comunidade como a sala para o Projeto do Parque
São Bartolomeu que lutava para a criação de uma reserva no local. Ou
ainda a “cessão das instalações para o curso de alfabetização” do Centro
de Educação e Cultura Popular (Santos, 29/04/1992, CEAO). No início
dos anos 1990, o CEAO não era mais o único lugar para conhecer e dis-
cutir temas atinentes à população negra. Outros espaços foram criados.
Após anos de mobilização, as associações culturais criavam seus proje-
tos e espaços como o Memorial Mãe Menininha, no terreiro do Gantois
(1992), o Projeto de Extensão Pedagógica do Ilê Ayiê (1995) ou o Projeto
da Escola Irê Ayô (1998). Todos esses projetos contavam com membros
que tinham desenvolvido atividades no Centro, como Arany Santana, Ana
Célia Silva e Vanda Machado, respectivamente.
Para suas atividades solicitavam o auxílio de membros do CEAO, tan-
to os mais antigos, como Vivaldo da Costa Lima (Gantois, 29/03/1992,
CEAO), como os mais jovens, como Lindinalva Barbosa (Vovô do Ilê,
29/06/1995, CEAO). O CEAO, através dos membros, garantiu participa-
ção no Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra (CDCN) na

299
Bahia, em funcionamento a partir de 1991, com Júlio Braga, Iêda Macha-
do, e mais adiante com Ubiratan Castro que logrou assumir a direção do
Centro em 1999 após a gestão de Bacelar, em 1995.

Homenagem aos mais velhos


Júlio Braga não permaneceu muito tempo à frente do CEAO. Com sua
aposentadoria em 1994, teve que deixar o cargo, mesmo com os abai-
xo-assinados dos funcionários e do povo de santo pedindo que ficasse
(Abaixo-assinados, 17/11/1994, CEAO). Embora a ideia de manter um
funcionário aposentado no cargo pareça esdrúxula não era incomum ou
pelo menos não era a única (Marques, 2010, p. 352). O contexto de eva-
são pelo qual passava a UFBA era uma tentativa de não perder o trabalho
de profissionais experientes. Experiência tinha de sobra. Com a saída de
Braga, contamos 35 anos desses pesquisadores à frente do Centro de
Estudos. Vivaldo da Costa Lima permaneceria no CEAO até 1999, na con-
dição de pesquisador, até a aposentadoria.
Um evento organizado na gestão de Braga foi significativo para aque-
le grupo que fundou e levou a frente o Centro de Estudos por mais de três
décadas. Em 1992, Pierre Verger completou 90 anos. Para a comemora-
ção deste aniversário, no dia 4 de novembro, reuniram-se no MAFRO, no
Terreiro de Jesus, pessoas que foram fundamentais para o CEAO. Além
de Verger, marcaram presença Vivaldo da Costa Lima, Júlio Braga, Yêda
Pessoa de Castro, Olga do Alaketo. A comunidade acadêmica e negra
pôde testemunhar aquele encontro laureado por palestra de Costa Lima
e abrilhantado por iguarias culinárias de Olga.
Uma geração deixava o CEAO e a UFBA e recebia o reconhecimento
da Universidade e de Salvador pelo trabalho desenvolvido. Agostinho da
Silva recebeu in memoriam o título de Doutor honoris causa (1996) (Tou-
tain et al, 2011, p. 301). Waldir Freitas Oliveira (1996) e Vivaldo da Costa
Lima (1999) tornam-se professores eméritos (ibidem, p. 313-314). Pierre

300
Verger também recebeu o título de professor emérito, em 2002 (ibidem,
p. 315), concedido in memoriam. Yêda Pessoa de Castro recebeu a co-
menda Maria Quitéria pelos serviços prestados à comunidade baiana.
Yêda e Waldir tornam-se membros da Academia de Letras da Bahia. Júlio
Braga tornou-se cidadão soteropolitano.
A configuração desse grupo de intelectuais mais expressivos reflete
as condições de inserção na universidade no marco coberto por essa
pesquisa. Yêda é a única mulher a se firmar no grupo. Nos anos 60, a
professora realizou suas viagens de pesquisa para o continente africano
acompanhada do então marido que também fazia parte do CEAO. Não
sabemos se sem essa companhia, a professora pudesse ter investido
num projeto de pesquisa no exterior. Cerca de quinze anos após sua
primeira viagem, a pesquisadora atravessou o atlântico sozinha para a
defesa da tese de doutorado.
Júlio Braga é o único negro. Ao ingressar no Centro por incentivo
de Vivaldo e Pessoa de Castro, se considera um filho do CEAO (45 anos,
2004). Júlio anota sua condição inicial de pobreza. Ao verificarmos o gru-
po, encontramos apenas Vivaldo com origens associadas ao pai como
empresário promissor (Pereira, 2012). Guilherme, Yêda e Waldir não se
referem às origens. Os conhecemos funcionários públicos, professores,
cuja inserção na universidade, através do CEAO, possibilitou galgar novos
postos profissionais e acadêmicos. Interessantemente, dentro da UFBA,
Yêda e Júlio, os dois doutores do grupo, (ainda) não obtiveram títulos
por reconhecimento do trabalho. Waldir e Guilherme, que passaram as
décadas iniciais à frente do Centro, não investiram em titulação. Waldir,
já especialista quando adentrou o CEAO, publicou bastante. Guilherme,
graduado em letras, publicou muito pouco. Vivaldo Costa Lima manteve-se
fiel à pesquisa e ao ensino, influenciando nova geração de pesquisado-
res na universidade.
Yêda e Júlio lograram conduzir o CEAO num momento em que já esta-
vam mais maduros dentro da universidade. As propostas que desenvol-

301
veram na instituição e o destaque que conseguiram promover do Centro
revelam uma perspicácia resultante de trajetórias calcadas em dificulda-
des e estratégias para manterem-se em espaços de poder na universi-
dade. A experiência docente que acumularam foi colocada a serviço de
outras universidades, Universidade do Estado da Bahia e Universidade
Estadual de Feira de Santana, respectivamente, após a saída da UFBA.

302
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para Lindinalva Barbosa, partícipe do CEAO como funcionária da
UFBA e como militante do movimento negro há mais de vinte e cinco
anos, tudo o que leva o “adjetivo racial”, em nossa sociedade, é alvo
de preconceito. A interlocutora mobilizou uma expressão de Abdias do
Nascimento para expor sua percepção acerca da história do Centro de
Estudos frente ao tratamento recebido pela universidade: “tudo que está
relacionado a este universo negro africano, afro-brasileiro, é visto sem-
pre como de menor importância” (Barbosa, 2014).
A condição diferenciada no tratamento dispensado ao CEAO de que
fala Barbosa coaduna com o permanente questionamento e necessi-
dade de justificativa, fio condutor para compreender a trajetória do
CEAO. Quando retomamos a história desta instituição situada dentro
da Universidade Federal da Bahia, notamos que instabilidade é uma
condição que acompanha seu funcionamento ao longo do marco cro-
nológico delineado neste estudo, ou seja, desde sua fundação em 1959
até 1994, quando finaliza o trabalho de trinta e cinco anos de uma ge-
ração de intelectuais. De acordo com Cláudio Pereira, quando Vivaldo
da Costa Lima foi perguntado acerca de turbulências mais recentes na
instituição, respondeu: “Em crise? Sempre esteve”! A opinião de outros
intelectuais muito próximos ao CEAO, especialmente ligados ao Progra-
ma de Pós-graduação em Estudos Étnicos e Africanos, que desde 2005
funciona nas dependências do CEAO, converge com essa avaliação na

303
medida em que falam em “história da crise”, “drama social do CEAO” e
“racismo institucional” (Pereira, 2011).
A presença negra, seja através de temas e questões a serem discuti-
dos e analisados ou da presença física, é uma característica que acom-
panha a instituição. A abordagem ao componente asiático, que lhe dá o
adjetivo de oriental, sempre foi contingente, mas nunca comparável à
dimensão, interesse e desdobramentos de que se refere às questões de
ordem racial que motivaram o surgimento da instituição e o interesse
dos acadêmicos lá reunidos. De modo que se tornou a marca da insti-
tuição sendo reconhecido como o único espaço da universidade que se
debruça sobre o tema, conformando uma espécie de gueto.
As origens da instituição estão circunstanciadas pelas realizações de
Edgard Santos e pelas proposições de Agostinho da Silva. No contexto
descolonizador dos anos 1960 surge um Centro de Estudos, com abor-
dagem dada por um recorte temático e geográfico, proposta por um
intelectual português, que propunha ações em favor da descolonização
desde que projetasse o Brasil e mantivesse referenciais civilizatórios por-
tugueses. O CEAO surgiu nesta ambiguidade entre descolonizar mais ain-
da numa concepção e estrutura marcadas pelo mundo colonial.
A personalidade, capacidade de articulação, diálogo – e por que não
sedução – fez Agostinho da Silva reunir tanto o experiente Pierre Ver-
ger como os jovens acadêmicos em torno de um projeto intelectual que
produzisse conhecimento sobre África e afrodescendentes e buscasse
interferir nas relações políticas entre o Brasil e a África. O inovador da
proposta era produzir conhecimento a partir da pesquisa de campo na
África e inserir afrodescendentes. Duas grandes novidades no cenário
acadêmico do contexto baiano.
Entre institucionalizar estudos e interferir no estado, o CEAO surgiu
com o sentido de missão (Vilhena, 1997) que foi incorporado pelos seus
agentes. Vivaldo da Costa Lima, Waldir Freitas Oliveira, Yêda Pessoa de
Castro, Guilherme de Souza Castro, Júlio Santana Braga foram estimula-

304
dos pela novidade que significava e também assustados pela responsabi-
lidade e dificuldades inerentes à proposta. Obviamente outras pessoas,
conforme vimos ao longo do trabalho, atuaram e colaboraram em dife-
rentes momentos com o CEAO. Mas a análise se debruçou sobre o grupo
mais restrito de professores pesquisadores que tiveram sua trajetória
intelectual e acadêmica marcadas pela ligação com o CEAO. Ao envere-
dar pelos caminhos em que se fizeram intelectuais, entre Brasil e África,
entre a universidade e o Itamaraty, entre os intelectuais e a comunidade
negra, discutimos a história do CEAO.
Ao longo das décadas é possível acompanhar seus interesses e ex-
pectativas, estratégias e frustrações. Fortemente influenciados por Pierre
Verger, a busca intelectual centrou-se para as ligações histórico/culturais
entre o povo de santo de Salvador e suas origens na África ocidental.
Todos, e cada um a seu modo, desenvolvem articulações para realizar
a pesquisa no continente africano. Para tanto, buscaram apoio do Ita-
maraty que manteve com o Centro e seus pesquisadores a relação de
transitoriedade (Dávila, 2011, p. 11-12) que manteve com os assuntos
africanos de modo geral.
Quando houve uma ofensiva governamental em direção ao continen-
te, como ocorreu no início dos anos 1960 e no início dos anos 1970, o
centro, seus agentes, sua produção intelectual são mobilizados e esti-
mulados. Quando houve retração nesse interesse, o CEAO teve menos
instrumentos – e teve que desenvolver estratégias – para enfrentar as in-
gerências da universidade que questionava sua relevância e pertinência
no cenário acadêmico. Nos anos 1980 e 90, financiamentos de agências
internacionais garantiram o funcionamento e exigiram nova dinâmica na
relação entre brancos e negros na instituição.
A trajetória de dois intelectuais baianos no continente africano, Pe-
dro Moacir Maia e Paulo Fernando de Moraes Farias, desvenda como
funcionaram as redes que os levaram a atuações diferenciadas, mas liga-
das ao Centro de Estudos e à política africana nos anos 1960. Enquanto

305
Maia atuou como leitor e como adido cultural em Dacar, corroborando
de algum modo com a divulgação da africanidade baiana, Paulo Farias
seguiu para o continente para fugir da perseguição do governo militar,
tornando-se especialista em história africana. Ambos nos mostraram em
contraste aos intelectuais que permaneceram no Centro de Estudos que
itinerários semelhantes e dinâmicas diferenciadas resultaram em dife-
rentes trajetórias.
Em meio às atividades de estudos, pesquisa, ensino e extensão, os
intelectuais do Centro mantiveram o tema do candomblé como o foco
de trabalho resultando em análises que buscaram valorizá-lo como uma
religião com cosmogonia e bases históricas delineadas, cuja organização
e funcionamento refletiam não apenas as ligações históricas com a África
como também com a sociedade brasileira. A ênfase na pujança e influên-
cia da cultura de matriz africana na cultura brasileira, apoiada na história
dos candomblés de nação ketu, que atestaria uma africanidade ímpar da
cidade de Salvador, inscreve-se em pressupostos que referendam a ideia
de mestiçagem e ausência de conflitos raciais na sociedade brasileira.
Neste ponto, os argumentos dos intelectuais do Centro foram mobiliza-
dos por diplomatas brasileiros para consubstanciar o argumento do go-
verno no exterior, especialmente no continente africano de uma nação
negra e sem problemas raciais.
Respondendo à propaganda e intenções de aproximação cultural
e política – e econômica – governos africanos também recorreram ao
Brasil para que apresentasse sua riqueza cultural de matriz africana co-
laborando, especialmente, em dois grandes festivais artísticos. A parti-
cipação brasileira no I Festival de Artes Negras (Dacar, Senegal, 1966)
e no II Festival de Artes Negras e Cultura (Lagos, Nigéria, 1977) foram
oportunidades de grande disputa entre intelectuais e artistas brasileiros
acerca de qual representação deveria ser enviada para o exterior quando
se tratava da África e de artistas negros.

306
O CEAO conseguiu participar das delegações e indicar persona-
lidades que, se no primeiro evento o Itamaraty priorizou uma arte de
“inspiração africana”, no segundo buscou levar o que haveria de “raízes
africanas”, onde foi destacada a participação da Iyalorixá baiana, gran-
de colaboradora do CEAO, Olga do Alaketo. Neste evento, enquanto o
Centro vivia um ápice na projeção do candomblé na imagem nacional e
internacional, o governo brasileiro queria apenas garantir uma represen-
tação que contemplasse brancos e negros, embora estes só aparecessem
na África através da arte e do futebol (Bacela, Pereira, 2007). O FESTAC
foi inversamente momento de significativo confronto público quando os
intelectuais do Centro, que valorizavam a cultura negra sem problemati-
zar as condições socioeconômicas do negro no Brasil, foram duramente
expostos e frontalmente criticados.
A disputa e a insistência para participar das ações governamentais di-
recionadas à África se davam pela projeção que poderia resultar para os
intelectuais no cenário nacional, mas, sobretudo, pela possibilidade de
financiamento federal e ressonância que tinham dentro da universidade
baiana. Após o entusiasmo inicial, o Centro de Estudos ficaria vulnerável
tanto por ser composto por profissionais em formação, quanto pelas di-
ferentes concepções dos reitores que não atribuíam mesma importância
para atividades de pesquisa e extensão a contemplar afro-brasileiros.
Neste sentido, a ampla reforma universitária, desencadeada a partir
de 1969 e a implementação de um projeto educacional que não privile-
giava as humanidades foram momentos especialmente críticos no CEAO.
Foi neste momento que Vivaldo da Costa Lima, Yêda Pessoa de Castro e
Júlio Braga lançaram mão das pesquisas que desenvolviam há uma dé-
cada para tornarem-se mestres e, com isso, garantir inserção efetiva no
quadro de professores. E, mesmos lotados nos novos departamentos,
insistiram na manutenção do Centro de Estudos.
A defesa de teses de doutorado ao longo dos anos 1970 com temas
que desdobravam e amadureciam suas pesquisas iniciais evidencia que

307
os estudos afro-brasileiros se tornaram para esses intelectuais um pro-
jeto de vida cujo lócus de execução e disputa era o CEAO. Disputas e ten-
sões raciais vivenciadas dentro da universidade vieram a público quando
o CEAO tentou instalar um museu que apresentasse à sociedade brasi-
leira seu componente africano. O Museu Afro-Brasileiro foi instalado e
inaugurado dez anos depois.
Esses pesquisadores nutriam grande proximidade com o candom-
blé, diferencial frente à universidade e ao povo de santo. A condição de
pesquisadores que estavam inseridos na comunidade em que realiza-
vam pesquisa reforçava controvérsias frente aos pares universitários,
que questionaram o rigor acadêmico, e garantiu maior proximidade
com o universo de pesquisa. Para o povo de santo essa proximidade
significou maior sensibilidade as suas demandas, possibilidade de que
alguns religiosos conhecessem o continente africano e maior visibilida-
de na sociedade.
A cultura de matriz africana foi o foco dessa geração de pesquisado-
res no CEAO. Estudaram, pesquisaram, traduziram, publicaram a respei-
to dessa temática de modo que, ao abordar o tema do candomblé na
contemporaneidade, impossível não requisitar alguma de suas produ-
ções, conceitos, glossários ou material de campo. Colaboraram para o
estabelecimento de um setor de pesquisa intitulado “antropologia das
populações afro-brasileiras”.
A abordagem desenvolvida amadureceu ao longo das décadas, saindo
da empolgação de considerar Salvador como uma cidade que mantinha
práticas africanas para a compreensão das continuidades e descontinui-
dades e reelaborações produzidas pela diáspora. Foram comprometidos
com a imagem do candomblé que procuraram valorizar apoiando-se, so-
bretudo, na trajetória de Olga do Alaketo e história de sua casa.
Contribuíram de modo geral com a religião, apoiaram e divulgaram o
nagocentrismo, mas divergiram da explicação apoiada somente na tría-
de de casas descendentes da Barroquinha consideradas fundadoras do

308
candomblé baiano. Por tudo isso, e por estarem efetivamente envolvidos
com a dinâmica dos candomblés, sempre encontraram o questionamen-
to do povo de santo. Se Beatriz Dantas foi criticada pela ênfase dada aos
intelectuais na construção mito do nagocentrismo, encontramos aqui um
contraponto. Apoiados nesse entendimento, ainda vigente no imaginário
do candomblé, o povo de santo questiona o saber acadêmico.
Em entrevista com Jocenilda Bispo, Iyaquequerê do Alaketo, ela reite-
ra o constante questionamento da história da casa, das gêmeas raptadas
no Daomé que teriam dado origem a esse terreiro baiano, em condições
diferentes das casas matrizes e num período tão antigo quanto. Ou seja,
se Costa Lima e os demais intelectuais do CEAO gozaram da instabilidade
na academia também o sofreram na comunidade que buscaram repre-
sentar. As conclusões de Yêda Pessoa de Castro apontaram a importância
maior da linguagem banto para a língua portuguesa, também acabam
por não enfatizar o mito nagô.
Neste esforço de desvelar a cultura negra para a sociedade através
do candomblé, se era inovador nos anos 1960, foi paulatinamente ques-
tionado nos anos 1970 e 80 por garantir visibilidade, mas não garantir
direitos para a população negra de modo mais amplo. E os intelectuais
do CEAO, pela ênfase que deram ao tema, corroboraram com o mito da
democracia racial brasileira sistematicamente confrontado a partir de
1977. Daí a associação do Centro de Estudos, para muitos militantes ne-
gros, como um espaço branco e de direita, não apenas pelo perfil racial
do grupo de pesquisadores como pelas atividades chanceladas pelo Ita-
maraty e pelo não envolvimento nas reivindicações políticas dos movi-
mentos sociais negros.
A relação desses pesquisadores com a comunidade negra foi marcada
por um lado pela abertura de certo espaço na universidade e, por outro,
pela hierarquia acadêmica, e também racial, exacerbadas em disputas pelo
cargo de direção no Centro. Contudo, o esforço e articulação para manu-
tenção do Centro por esses professores não surtiria efeito sem a adesão da

309
comunidade negra que, todas as vezes que as regras acadêmicas limitaram
ou impediram sua participação, o Centro perdeu seu maior público e sua
justificativa para funcionar. O perfil tanto pessoal quanto de gestão de cada
um dos professores que se sucederam na direção do Centro influenciou
para o relacionamento mantido com a comunidade negra de modo que,
mesmo com o questionamento que muitos militantes fizeram ao CEAO, não
impediu a presença de seus pares nos anos 80 e 90.
O grupo conseguiu manter-se frente ao Centro em meio às colabora-
ções e tensões com a Universidade, com o Itamaraty, com o povo de santo
e entre eles próprios que acumularam ao longo dos anos muitas amizades,
brigas, fofocas, dissensos, compadrio, disputas de poder e solidariedades.
Resistiram e mantiveram o Centro em funcionamento ante as diferentes
conjunturas desfavoráveis e deixaram suas histórias de vida e a instabilida-
de da instituição, cuja ausência de um regimento interno nos anos 2000 era
reflexo dos arranjos que foram sendo realizados com a Universidade para
lhe permitir o funcionamento, mas com autonomia limitada.
A nomeação dos diretores pela reitoria ao longo de todo esse tempo
é sintomática da condição contraditória que o Centro experimentou na
Universidade: um centro de estudos, com ares e proposta de unidade de
ensino, com funcionamento diretamente interferido pela reitoria – insti-
tucionalmente ou financeiramente – e com importância estratégica para
a parcela negra da sociedade que, em que pese todos os esforços, ainda
é grandemente afetada pelas desigualdades sociorraciais e minoritária
em termos de acesso à educação e direitos.

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Centre for Black and African Arts and Civilization
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil 
Fundação Pierre Verger
Nacional Archives

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ENTREVISTAS
BACELAR, Jeferson, Entrevista concedida a Luiza Reis, 2014.
BARBOSA, Lindinalva Amaro, Entrevista concedida a Luiza Reis, 2014.
BARBOSA, Lícia, Entrevista concedida a Luiza Reis, 2014.
BISPO, Jocenilda, Entrevista concedida a Luiza Reis e Orlando Santos, 2014.
BRAGA, Julio Santana, “Sou criança em relação a esse mundo milenar”. Entrevista con-
cedida a Cleidiana Ramos. A Tarde. Salvador: 06 abril 2015.
CUNHA, Marcelo Bernardo, Entrevista concedida a Luiza Reis, 2015.
DZIDZIENYO, Anani. Entrevista concedida a Luiza Reis, 2009.
KONMANNANJI, Raimundo, Entrevista concedida a Luiza Reis, 2014.
LIMA, Vivaldo da Costa, Entrevista concedida a Edson Farias, 2004.
______. Entrevista concedida a Ceci Alves. A Tarde, 02/04/2005.
LIMA, Fábio Batista, Entrevista concedida a Luiza Reis, 2012.
MORAES FARIAS, Paulo Fernando de Moraes.
Decifrando a África. Entrevista concedida a Alberto da Costa e Silva. Revista de Histó-
ria da Biblioteca Nacional, n. 26. 2007
______. Entrevista concedida a Luiza Reis, 2010.
______. Entrevista concedida a Luiza Reis, 2012.
MOREIRA, Gilberto Gil, Entrevista concedida a Luiza Reis e Ivanilton Santos, 2013.
MUNANGA, Kabengele, Entrevista concedida a Luiza Reis, 2013.
OLIVEIRA, Waldir Freitas, “A pesquisa sobre os afro-brasileiros: entrevista de Waldir
Freitas Oliveira”. Estudos Avançados. 18, 50 (2004a). p. 127-134.
______. Entrevista concedida a Cláudio Pereira, 2004b.
______. Entrevista concedida a Luiza Reis, 2009.
PEREIRA, Cláudio. 45 anos do CEAO, 2004.
PESSOA DE CASTRO, Yêda, Entrevista concedida no Programa Perfil e Opinião em
21/03/2012. Disponível no https://www.youtube.com/watch?v=72dZyAHC-U0. Con-
sulta em 13/09/2022.
PINTO, Valdina, Entrevista concedida a Luiza Reis, 2012.
REIS, Vilma, Entrevista concedida a Luiza Reis, 2014
ROBATTO, Lucas, Entrevista concedida a Luiza Reis, 2014.
SANTANA, Arany, Entrevista concedida a Luiza Reis, 2014
SOUMONNI, Elisée, Entrevista concedida a Luiza Reis e Fernanda Gallo, 2009.

FILMES

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Central Globo de Jornalismo, 1981.

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HOLANDA, Lula Buarque de. Verger: mensageiro entre dois mundos. Brasil: Europa
Filmes, 1998. 84 min.
MATTOS, João Rodrigo de. Agostinho da Silva: um pensamento vivo. Portugal, Bra-
sil: Alfândega Filmes, 2004. 79 min.
MORGAN, Clyde, Contemporary Dance, 21min, 1977.
Olga do Alaketu: uma princesa africana no Brasil, TV UFBA, 2006. Roteiro: Maira Cris-
tina. Consulta em 14/03/2015. Disponível em www.youtube.com/watch?v=T-GHlRpMfJo
Omo Alaketu, Sango Dance, 1:30h, 1977.
RAJÃO, Pedro, Anikulapo – Documentário sobre o movimento Afrobeat, Teaser in.
www.cartase.me/anikulapo. Consulta em 02/07/2015.

SITES
www.academiadeletrasdabahia.wordpress.com
www.afroasia.ufba.br
www.cea.fflch.usp.br
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www.cpdoc.fgv.br
www.ileaiyeoficial.com/mae-hilda-jitolu/
WWW.ireayo.blogspot.com.br
www.lattes.cnpq.br
www.mundoafro.atarde.uol.com.br

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