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Ilustração: Rainha Nziga Mbandi ou Dona Ana de Sousa - nome dado após sua
conversão ao cristianismo, interpretação livre do artista.
Na África, desde tempos remotos, todos os siste-
mas de organização política e social estiveram por
lá representados: reinos, impérios e repúblicas,
cujo poder era sempre derivado e advindo dos an-
ciãos, ou seja, os mais velhos e experientes eram
os escolhidos para gerir e governar a sociedade.
africanos que vieram para Minas Gerais e mais da Bastão com uma bola na
ponta usado para caça e lutas
entre o povo Zulu.
metade dos que vieram para o Brasil nos tempos
coloniais. Muito de nossa cultura e de nossas tra-
dições vieram dessa influência, a qual foi decisiva
para a nossa formação e para a construção de nos-
sa identidade como nação.
Todo esse conjunto de crenças animistas dos Bantos, trazidas para as Américas e para o Brasil, atuou
como terreno fértil para a consolidação de uma forma de ver e perceber o mundo que influenciou
intelectual e artisticamente vários países Ibero-americanos. Essa influência criou as bases nas quais
se alicerçaram as obras literárias do realismo mágico ou realismo fantástico, mas que atualmente é
caracterizado como realismo animista, em uma clara recuperação da sua origem ancestral africana.
O que é chamado de realismo mágico, nada mais é, que a transposição dos valores religiosos da
cultura Banto para o universo psicológico e existencial da arte e da intelectualidade contemporânea,
calcada nos valores da cultura popular brasileira, herdeira direta do modo de ser e estar no mundo dos
povos Bantos.
Como esse povo é uma das nossas principais matrizes genéticas e culturais, seu legado exerce profun-
da intervenção e, consequente, formação, do que somos enquanto cultura. É importante destacar que
o movimento artístico, intelectual e cultural conhecido internacionalmente como realismo fantástico
só ocorreu em países que tiveram forte influência étnico/cultural Banto na América Latina - berço
desta manifestação artística – Colômbia (Cartagena, terra de Gabriel Garcia Marques, ícone da litera-
tura e do realismo fantástico latino-americano) e Brasil (com representação vasta em sua literatura,
cinema, teledramaturgia e música popular. O realismo mágico está presente, de forma difusa, em
nossa cultura através de nomes como: Murilo Rubião, José J. Veiga, Dias Gomes, Aguinaldo Silva, Jor-
ge Amado, Érico Veríssimo, Zé Ramalho, Chico César, Grupo Secos e Molhados entre tantos outros).
A extraordinária obra de João Guimarães Rosa, Grande Sertão Veredas, também é influenciada por
essa raiz religiosa Banto. A estrutura semiótica do livro flerta de forma subliminar com essa percepção
de mundo muito própria de nossos ancestrais. O universo rosiano, estabelece um diálogo com essa
estrutura mental do povo Banto em sua principal obra literária.
O eixo da narrativa e o desenrolar do enredo, nesse clássico de nossa literatura, estão vinculados à
relação da personagem principal do livro - Riobaldo - com as forças sobrenaturais que determinam
o seu poder para comandar e conduzir sua trajetória como chefe de jagunços no sertão, apoiado nas
diretrizes do mundo metafísico para cumprir seus desígnios no mundo real.
O realismo fantástico e parte de nossa literatura regional, como manifestação artística e simbólica,
jamais surgiria em países como: Alemanha e Inglaterra. Esses países, possuem bases antropológicas
apartadas do animismo e focadas no racionalismo e na técnica, que os impedem de fazer este tipo de
construção mental. No Brasil, ao contrário, estamos totalmente impregnados por essa visão de mun-
do na nossa formação religiosa e cultural; sendo um componente imprescindível para a estrutura de
nossa sociedade, beneficiária da organização mental do povo Banto nas Américas.
Existem estudos que classificam Franz kafka e Edgar Allan Poe, entre outros autores, como produtores
do realismo mágico na literatura mundial. Entretanto, esses autores, tratam do absurdo e do surreal,
mais ligado ao universo onírico e psíquico, que a destituição da realidade através do universo mágico
dos espíritos trazida para a realidade cotidiana dos viventes. Essas características, de confundir o real
e o espiritual como uma coisa só e natural, são próprias da religiosidade Banto, que se consolidou na
América Latina e deu sustentáculo as manifestações artísticas que beberam no imaginário popular
desses povos e da sua ancestralidade Banto.
Essa representação imagética basilar da nossa cultura está relacionada diretamente com o nosso coti-
diano, sendo aceito, incorporado e intelectivo em todos os extratos sociais que compõem o espectro
da sociedade brasileira, permeando valores e mentalidades que espelham o nosso cerne psicossocial,
formado por componentes psíquicos, religiosos e culturais do povo Banto.
O legado linguístico do povo Banto
para o português falado no Brasil
A maior contribuição dos Bantos para a cultura
brasileira é certamente no campo da linguística. O
idioma português – falado pelo brasileiro – é cau-
datário de todo esse universo vocabular e semio-
lógico relacionado ao povo Banto. Tendo influen-
ciado, por meio do seu linguajar e de sua cultura,
toda a nossa forma de sentir, de pensar e de nos re-
lacionarmos. E é dessa relação, com as outras cul-
turas, que o povo brasileiro se constitui enquanto
um modelo de sociedade baseado em uma postura
multiétnica e em aspectos da pura miscigenação.
Calango
que é algo muito mais grave. As palavras são um
componente fundamental do jeito de ser e estar
no mundo e, assim, elas integram o aparato emo-
cional e psicológico das pessoas que as utilizam.
Berimbau
A música popular brasileira
e o povo Banto
A nossa sensacional sensibilidade musical está
associada às nossas origens africanas e, especial-
mente, aos Bantos que colaboraram e muito com
esse nosso swing e esse nosso estilo e cadência na
hora de compor melodias.
OLODUM
A cultura percussiva do Olodum, instituição sem fins lucrativos e de utilidade pública, fundada em 25 de abril de 1979, agrega expressões de
vida e tradições, cultivando um senso de continuidade dos valores socioculturais africanos. Ao mesmo tempo, transmite conhecimento e gera
um sentimento de identidade, promovendo respeito a diversidade cultural e e singularidade humana.
Ao longo de seus 40 anos de história, muitas pessoas foram e serão atraídas pela sonoridade musical do Olodum. O grupo carrega uma mani-
festação cultural em sua raiz que extrapola a música e e engloba atividades que alcançam a pluralidade e fortalecem a cultura-afro.
As canções de protestos do Olodum combatem a discriminação racial, estimulam a elevação da autoestima afrodescendente e defendem a
luta para assegurar a os direitos civis e humanos. A música percussiva e a responsabilidade social são marcas do Grupo, uma referência de
credibilidade para a sociedade baiana e de grande importância para a construção e manutenção de sua identidade.
O Olodum é reconhecido, no Brasil e no mundo, como uma Organização Cultural que fomenta a arte, através do conhecimento e da música.
Seu programa cultural, já conhecido e enraizado na sociedade, abre espaço para o crescimento, a preservação da cultura e o bem-estar da
comunidade afro-brasileira. Cada uma das atividades desenvolvidas possui uma singularidade e trabalho diferenciado, que contribui com um
universo de ações agregando resultados positivos e construindo um legado cultural único para o país, sempre com a mesma transparência e
ética.
Fonte: http:olodum.com.br
A gastronomia brasileira e
o povo Banto
No Brasil muitas das comidas típicas, presentes no
nosso cotidiano, foram trazidas para cá pelos Ban-
tos, durante todo o período colonial. Alimentos
difundidos por todo o nosso território, como: jiló,
melancia, maxixe, quiabo, feijão-fradinho, azeite
de dendê e a galinha d’angola, foram, por sua vez,
introduzidos, assimilados e incorporados à nossa
tradição gastronômica pelos Bantos, que acres-
centaram sabor e sofisticação à nossa culinária.
1 quilo de quiabo Tempere o frango com o alho amassados, sal, pimenta e colorau. Em uma panela, aqueça duas colheres (sopa) de óleo e doure muito
bem a cebola, como se estivesse queimando (isso fará com que solte um
1 frango inteiro, cortado em pedaços Se desejar, acrescente uma colher (sopa) de vinagre. corante natural no frango).
5 dentes de alho amassados Deixe marinar na geladeira por aproximadamente, 30 minutos. Junte o frango e deixe -o fritar muito bem.
1 colher (sobremesa) de colorau Pique em rodelinhas finas. Corrija o sal, se necessário, e deixe cozinhar em fogo médio, com a pa-
nela semi-tampada por mais ou menos 20 minutos, ou até que o frango
pimenta a gosto Em uma panela, aqueça uma xícara de óleo. esteja bem macio.
sal a gosto Acrescente o quiabo picado e deixe refogar até que não tenha mais Junte o quiabo reservado e deixe apurar até que fique encorpado.
nenhuma baba. tenha paciência, porque a baba sai! este processo leva
cheiro verde a gosto cerca de 20 minutos. Se estiver com muito caldo, aumente o fogo e deixe secar um pouco
mais.
Mexa de vez em quando, com cuidado para o quiabo não desmanchar.
Verifique se está bom de sal.
Quando estiver sem baba, desligue o fogo, espere amornar e coe, para
retirar o óleo. Por último, junte o cheiro-verde.
Reserve somente o quiabo. Sirva com arroz e feijão fresquinhos e angu (ou polenta sem molho).
O povo Banto e o povo Brasileiro
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OLISTER BARBOSA,
Artista plástico formado pela ESCOLA DE DESIGN -
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e Plástica no ano de 2002.